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AMAZÔNIA RIQUEZA DEGRADAÇÃO E SAQUE AMAZÔNIA RIQUEZA DEGRADAÇÃO E SAQUE Gilberto de Souza Marques 1ª edição Expressão Popular São Paulo 2019 Copyright 2019 by Editora Expressão Popular Revisão Dulcineia Pavan e Lia Urbini Diagramação e capa Zap Design Foto da capa Marcelo Cruz trem de minério de ferro da Vale S A Estrada de Ferro Carajás EFC Maranhão Impressão Paym Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora 1ª edição janeiro de 2019 1ª reimpressão agosto de 2019 EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição 201 Bela Vista CEP 01319010 São Paulo SP Tel 11 31120941 31059500 livrariaexpressaopopularcombr wwwexpressaopopularcombr edexpressaopopular editoraexpressaopopular SUMÁRIO Agradecimentos 9 Prefácio 11 Charles Trocate Apresentação 17 Aluizio Lins Leal Introdução 25 A degradação do ser humano como forma de obter lucro 37 Amazônia e acumulação capitalista 85 Questão agrária 155 O avesso do desenvolvimento recursos minerais e biodiversidade em perigo 203 Mudar o presente para preservar o futuro 277 Anexos 287 Referências 289 Para Mariana e Indira Para Brígida mulher mãe trabalhadora guerreira Uma sabedoria para além do seu tempo AGRADECIMENTOS A Carlos Lima Aluizio Leal e Fernando Araújo à Faculdade e ao Programa de PósGraduação em Economia da UFPA a minha família e aos trabalhadores e trabalhadoras que nos ensinam no dia a dia a necessidade de acreditar no amanhã PREFÁCIO O pensamento de um tempo fora da nossa experiência é insustentável Ítalo Calvino Cidades invisíveis O livro Amazônia riqueza degradação e saque do amazônida do Amapá Gilberto de Souza Marques é grandioso no seu itine rário de propósitos desvelar os aspectos que contagiam a muitos a atinência da Amazônia e o anúncio provisório do mundo capi talista Sua variável está nos objetos que circundam o imaginário político e ressalta do início ao fim que há uma demanda emergente na tradução do que essas Amazônias cumprem a ordem do capi tal na produção do objeto industrial com imenso desperdício de natureza O autor recorre a uma belíssima e volumosa bibliografia aliada a sua criatividade literária valendose de outros diálogos nos fornecendo um texto popular caprichoso dialético e didático ao seu propósito ser equilíbrio mas levar a história adiante e não cerceála por algum outro interesse É que para nós a Amazônia não é uma concepção derradeira ou terra imatura como postulou Euclides da Cunha Do contrá rio ela é um mundo amplamente aceito convivido tem perfil de história de saberes e imaginações É desde o começo uma forma ção pelo conflito e um sem fim de eventos lhe dão esta maturida de Como escreve Michel Foucault 12 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o poder funciona e se exerce através de uma organização reticu lar E nas suas malhas os indivíduos não apenas circulam como es tão postos na condição de sofrêlo e exercêlo nunca são o alvo inerte ou cúmplice do poder são sempre seus elementos de composição1 A Amazônia descrita neste livro não é uma temporalidade abs trata ela é luta de poder situada entre o moderno e o atrasado da concepção burguesa de desenvolvimento linear de crescimento e acúmulo ao acaso do capitalismo Busca o autor que o conhecimento se cumpra de maneira radi cal rente aos costumes de interpretação e consumação de uma ima gem tradicional da Amazônia açoitada dentro e fora do pensamen to produzido no ambiente restrito e interessado da hegemonia Faz bem a Editora Expressão Popular dar vazão para este importante documento como forma de nacionalizar matizes do pensamento que nos ajuda a vislumbrar o passado e seus aspectos duradouros assim como a direcionar a energia dos que vivem tais dilemas para outras razões da dialética que carecemos em luta constante Da verve deste livro são possíveis outros sentimentos Seu enfoque é a rolagem perpétua do capital na região seten trional do país O capitalismo como assinala Rosa Luxemburgo vive à custa de economias coloniais vive mais exatamente de sua ruína E se para acumular tem absoluta necessidade destas é porque estas lhe oferecem a terra nutritiva à custa do qual se cumpre a acu mulação desde a sua origem o capital utiliza todos os recursos produtivos do planeta tem a necessidade de dispor do mundo inteiro e de não encontrar limite nenhum na escolha de seus meios de produção2 Os argumentos que sobressaem são relevantes para analisar essa performance do capital e suas mutações em solo Amazônico Se guindo as interfaces do autor há também as dinâmicas da moder 1 Foucault Michel Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 1996 2 Luxemburgo Rosa A acumulação do capital Rio de Janeiro Zahar 1970 13 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nidade histórica de um certo traço de produção social da história anterior da Amazônia residual à formação social capitalista em porções nas quais conflita a ordem colonial de saque que sabemos se inserir no contexto do sistemamundo descrita pelos teóricos da dependência como desenvolvimento do subdesenvolvimento e suas redes de relações políticas e ideológicas Para os tecnocratas do sis tema a Amazônia nos últimos cem anos já foi planejada como decisiva questão nacional e internacional como eixos zonas e po los de desenvolvimento sempre planejada de fora para dentro por um observador que está prestes a sequestrála No entanto se a citação da Rosa Luxemburgo acima serve para caracterizar o volume do capitalismo disposto a cinco séculos da sua invenção a minha percepção encontra limites para designar o padrão de lutas da modernidade para além do que se refere à rela ção trabalho e capital no interior da Amazônia Daí a importân cia do livro que assegura a expansão dos horizontes de análise A Amazônia é uma civilização de longa duração Ela não é uma len da e tampouco invenção do capital Decerto é o lugar geográfico para onde concorrem as mutações de um sistema de esgotamentos de ecologias políticas inteiras a natureza americana de um padrão de acumulação E a razão para esse paradoxo está entre a citação de Rosa Lu xemburgo e algo por criar a assertiva da imagem textual disposta pelo autor Janeiro de 2018 em Manaus Amazonas um robô automatizado em uma linha de produção realiza com precisão a tarefa de dezenas de operários e operárias Não reclama de cansaço não tem sindicato e não recebe férias ou 13º salário Ele monta motos que são vendidas e circulam em todo o Brasil e em outros países Em outra fábrica ou tro robô monta aparelhos de televisão de última geração alguns com preços que assustam Na Floresta Nacional de Carajás no Pará uma máquina recuperadoraempilhadeira trabalha no carregamento de minério de ferro Ela tem 35 metros de altura e suas engrenagens 14 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alcançam 50 metros de largura Enquanto isso na capital paraense ou do Acre centenas de milhares de pessoas estão sem água encana da ainda que enormes rios as rodeiem Em outro ponto da Amazô nia uma tribo indígena caminha em meio à floresta sem nunca ter sido contatada pela civilização Acompanhando o raciocínio do geógrafo Milton Santos espa ço geográfico como acumulação desigual de tempos outro geó grafo utilizado neste livro como referência Carlos Walter Porto Gonçalves nos oferece a ideia central das relações de poder sobre a Amazônia por ser a Amazônia uma região situada numa posição periférica no interior de países periféricos no sistemamundo capitalista moder nocolonial lhes escapa até mesmo o poder de falar sobre si mes ma Sendo assim prevalecem visões sobre a Amazônia e não visões da Amazônia não são as visões dos amazônidas principalmente dos seus povosetniasnacionalidades e gruposclasses sociais em situação de subalternizaçãoopressãoexploração que nos são ofe recidas3 Mas essas contradições não são só lutas de saberes O proble ma agrário amazônico não está na região está fora dela são con tradições de territorialidades que se assentam sobre o pensamento funcional aquele que libera todo e qualquer tipo de preconceito teórico e governamental Recentemente para uma entrevista so bre o governo que se instaura conservador nos costumes e liberal na economia4 eu respondia algo sobre a Amazônia no período de ultraliberalismo que se forma na economia e as suas derivações ideológicas que afrontam a região Ela é o centro de uma disputa que não se iniciou agora e até digo a Amazônia é o vetor do governo Bolsonaro ninguém até agora na história a castigou em adjetivos negativos como ele por isso este 3 PortoGonçalves Carlos Walter Amazônia encruzilhada civilizatória Rio de Janeiro Consequência 2017 4 Trecho do discurso de posse do ministro da Economia em janeiro de 2019 15 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 governo só dará certo se quebrar os marcos civilizatórios inerentes à região A Amazônia é por natureza criadora de impasses políti cos jurídicos e institucionais Do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula ela movimenta o nosso sentido de país e por isso não tão fácil assimilála e nem modificála em um curto espaço de tempo como o querem É como se mais uma vez reajustássemos nossos impasses a lutas decisivas5 Falando de outra forma o Estadomoderno colonial brasilei ro nasceu sem a Amazônia e contra ela Contra suas civilizações como é o caso da terra Raposa Serra do Sol em um conflito de caráter mineral agrário e agrícola na rolagem perpétua do capital transnacional A Amazônia está presa ao ciclo de commodities e ao fator do seu tecnicismo destrutivo internalizado como inevitável por elites predatórias dominadas de fora e dominantes para den tro Afirma o autor na sua introdução A riqueza produzida na Amazônia em grande medida migrou para outras regiões e outros países de acordo com o grande capital e a divisão nacional e internacional do trabalho conduzida por grandes empresas brasileiras e transnacionais Para isso o Estado cumpriu papel destacado evidenciando seu caráter de classe da classe que explora A inversão é exemplar como se a Amazônia dependesse muito mais do sistemamundo da produção de mercadorias do que este dela e isto não procede Nesse sentido o capital enquanto modo sistêmico hegemônico na Amazônia está longe de realizar a sociedade regional em todas as suas possibilidades Seu incremento desigual e combinado desloca os destinos da região pela acumulação primitiva e o polo de estrangulamento é um só de fora para dentro E quanto mais destrava o ritmo de extração dos bens naturais mais faz depen dentes as massas de pauperizados e mais se retroalimentam delas 5 Disponível em httpwwwmstorgbr20181227amazoniasobnuvenscinzas charlestrocatedomamanalisaoambientedeincertezashtml 16 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mais os simplifica pelo subconsumo e pelas mesmas razões mais os extinguem pela escassez na temporalidade do capital Das muitas incursões que esse livro inspira é atualíssima a re criação analítica do autor sobre o projeto minerometalúrgico que assola a Amazônia sobre a qual se erguem inúmeras contradições sistêmicas O projeto Grande Carajás que data dos últimos 40 anos e na sequência em 2018 a inauguração do projeto S11D cuja grandiosidade supera o primeiro atualiza a reprodução de ca pital e o problema mineral brasileiro Gilberto Marques exempli fica com casos brasileiros o que sociólogo argentino Horácio Ma chado Araóz abstrai O capitalismo não admite adjetivações é simplesmente isso um re gime de relações sociais que fagocita as energias vitais com o meio de acumulação pretensamente do valor abstrato Nesse processo conso me a vitalidade da terra e a humanidade do humano6 O tempo é de ação nada pode ser mero vasculhar da história e este livro criativo que remonta horas e horas de trabalho intelectual e discernimento político figura no panteão dos documentos políticos que todos podem ler e refletir ajustando sentimentos de um tempo conflagrado podemos nos agarrar a ele para amplificar os sentidos da Amazônia e organizar ações que impulsionam o tempo presente Charles Trocate Assentamento Palmares II Vicinal do Limão Parauapebas Pará Janeiro de 2019 6 Aráoz Horácio Machado O debate sobre o extrativismo em tempos de ressaca Em Dilger Gerhard Lang Miriam e Pereira Filho Jorge Descolonizar o imaginário São Paulo Editora Elefante 2016 APRESENTAÇÃO Gilberto Marques é um dos professores da UFPA dedicados a ir além da mera atuação em sala de aula e a trilhar o caminho da produção intelectual É um dos jovens intelectuais promissores da nova geração destacandose por ser objetivo e arguto Entre nós a atividade docente poucas vezes se pontilhou de contribuições escritas que passassem dos limites das salas de aula para o espaço do conhecimento coletivo A nova geração à qual pertence o autor demonstra estar decidida a romper essa barreira e a passar a transcrever o que aprendeu e o que tem a ensinar Amapaense de nascimento Gilberto sem dúvida alguma estará se somando a vultos como Álvaro da Cunha cujo desassombro em um momento crítico da história do seu estado ainda então Território Federal e da região deixou a marca indelével dos que sabem lutar com a certeza dos seus princípios e contra a ganância do colonizador O exame deste livro mostra que o autor 1 soube situar geogra ficamente o espaço estudado imprescindível em qualquer trabalho que se proponha a examinar uma região tão diversa e complexa como a nossa 2 abarcou os momentos destacados que se fizeram 18 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 marcos da nossa história 3 não deixou de considerar na sua análi se os elementos da questão de modo integrado envolvendo nisso como colonizador colonizado e explorado as figuras respectivas do branco do negro e do índio que até hoje caracterizam dicoto mias essenciais na nossa realidade social e 4 sabe situar a Amazô nia no contexto político da acumulação Entre a introdução e a conclusão o autor estrutura seu livro em quatro partes na primeira ele faz um périplo através dos diferentes momentos da história colonial da Amazônia pontilhando marcos diversos do processo incluindo aí os diferentes elementos da vio lência colonial originária a genocida ação militar e o seu contra ponto melífluo a catequese como a parte mansa dessa violência Não deixa porém de registrar a tenaz tentativa libertária que foi a Revolta Cabana legado indelével aos amazônidas pelos antepassa dos que tentaram livrarse do jugo colonizador Na segunda parte aticulando Amazônia e acumulação ele destaca os marcos do processo recente sobretudo a partir da di tadura civilmilitar com a exploração do jargão e refrão ideo lógico do espaço vazio como justificativa para perpetrar a re ocupação devastadora que foi promovida pelo regime militar destacando nisso o uso ideológico do lendário que é partees sência própria da cultura nativa como elementopretexto para a rejeição da cultura regional em favor da falsa opção progressista e sobretudo rasteira da busca pelo lucro e da conversão da natureza em mero objeto da acumulação Destacamse no texto como pontos dessa ocupação recente os elementos institucionais que a compuseram quer como órgãos quer como programas as agências de desenvolvimento Sudam Suframa os Planos de desenvolvimento PNDs e PDAs e os programas específicos como PIN e Proterra que ao final compuseram a moldura do sucesso da ocupação e do seu inteiro fracasso social É ainda aí que ele destaca mais duas coisas o grande projeto exsurto na 19 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Amazônia como resultado sobretudo do esquadrinhamento da região em busca de riquezas minerais e energéticas a serem con vertidas em capital e o amargo capítulo que foi o acabamento do processo genocida iniciado desde o primeiro momento colonial contra o indígena dono legítimo da terra A questão agrária pode ser considerada o tema principal da terceira parte Nela o texto exibe a ação de diferentes elementos tanto os que atuaram no passado como os que hoje atuam no amargo problema determinado pela disputa da terra desencade ado por uma reforma agrária que se circunscreveu a apenas um Estatuto da Terra Tal estatuto legou aos latifundiários às mul tinacionais e aos aventureiros vindos de fora a tarefa desregrada de acumular patrimônio fundiário à custa da desorganização e da corrupção casando aí a ação dos incentivos fiscais e a con tumácia corrupta e tendenciosa dos órgãos ligados ao modelo de desen volvimento pervertido que marcou a ação política da dita dura no sentido de privilegiar a colonização recente sob as regras de um Estado presente através da sua inteira ausência a favor dos desmandos praticados em nome desse desenvolvimento Ressalta aí o resultado inteiramente danoso dessa terra sem lei sobre a população agrária e as suas condições de vida através do embate sempre vitorioso da Terra de Negócio contra a Terra de Trabalho graças à mancomunação da Justiça e da Polícia para a garantia da violência e da impunidade Nesta parte está pre sente em todos os momentos do texto a reafirmação da oligar quia como resultado final desse processo perverso com o inteiro apoio da ditadura e da sua estrutura militar de poder Sobretu do com a construção das estradas os rasgões destruidores da floresta para o avanço do capital e de seus agentes Demarca também a militarização da questão agrária quando a partir do surgimento das primeiras resistências à ocupação da Amazônia aos trambolhões pelo regime militar o agro foi colocado dire 20 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tamente sob controle manu militari com a criação do Getat de pois do Gebam e outros órgãos e a reação virulenta do regime fardado ao surgimento de movimentos que o enfrentaram com a criação de destacados assassinos legais caso do afamado major Curió Porém não deixa de registrar o surgimento da resistência contra essa crescente opressão e o aparecimento das lideranças logo tornadas mártires pela execução covarde e implacável da justiça do latifúndio Quintino João Canuto Expedito Ribeiro Paulo Fonteles e João Batista entre inúmeros outros abatidos a mando da oligarquia rural Vai até o Acre aos empates à figura de Chico Mendes também morto por pistoleiros a mando de um latifundiário e retorna à organização da luta por uma reforma agrária ao surgimento do MST e à travosa ampliação do espaço da Amazônia como território do agronegócio com a invasão da soja sob a presença de multinacionais como a Cargill e dos oli garcas rurais como os Maggi É uma parte do trabalho particu larmente digna de nota Na parte sobre o avesso do desenvolvimento são expostas as medidas neoliberais que aprofundam um processo que iniciado com a colonização originária havia recrudescido com a ditadura a apropriação da natureza e do saber nativo pelo capital através de patentes que se desdobra com a decidida ação das ONGs na direção da biopirataria relacionando aí figuras emblemáticas como Fernando Henrique Cardoso o neoliberal cujos atos de Estado respondem por entregas históricas para a submissão do Brasil ao dar através do Sivam a inteira liberdade ao monito ramento da Amazônia além de outros feitos notáveis como a privatização da CVRD Mostra como a Lei Kandir é um instru mento para a exacerbação do saque e como através de medidas dessa ordem o Estado deixa de ser produtor para tornarse um mero administrador institucional da rapina privada Ao relacio nar os empreendimentos do Trombetas de Barcarena de Juruty 21 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 deixa claro como o saque se aprofunda em todas as dimensões Uma tabela contida nessa parte radiografa o verdadeiro papel da Amazônia para a divisão internacional do trabalho Uma das coisas dignas de nota aí é a revelação de como a mesma e velha fórmula da rapina já executada sobre o manganês do Amapá é reproduzida hoje para o ferro dos Carajás a compressão dos preços associada à ampliação do saque o que faz com que a exemplo de todo e qualquer projeto mineiro o ferro dos Cara jás esteja condenado à exaustão em algumas poucas décadas na contramão dos discursos ufanistas que sempre preveem enormes prazos de vida no caso dos Carajás em séculos para minas que são devoradas e esgotadas em prazos incrivelmente curtos pelo capital Deixa também claro que tudo isso resulta num binário amargo a exacerbação da troca desigual e a exacerbação negati va do IDH para uma região saqueada a tal ponto que coisas apa rentemente prosaicas revelam extremos travosos como o caso das populações sem luz que habitam sob as linhas de transmissão de energia Também são citados empreendimentos que deverão ajudar a agudizar a rapina como a hidrovia do Tapajós e as usinas hi droelétricas como Belo Monte impostas a fórceps para o povo da Amazônia por pessoas como Luiz Inácio da Silva através de programas como o PAC e a inglória batalha dos que teimam em resistir contra projetos que já vêm para a região decididos desde fora dela projetos de um progresso que sempre vem acompa nhado do aumento da violência e da miséria social Um outro exemplo interessante da cadeia de fatos exibida nessa parte do trabalho é a degradação das águas pelos desastres da pecuária no rio Araguary Esse desastre reproduz dois outros já aconte cidos um deles na própria região no lago Grande de Monte Alegre o caso Cacoal Grande pela abertura de varadouros do Amazonas para o lago por obra e graça de tecnocratas vindos 22 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do sul na década de 19401950 e o caso Mar de Aral morto pela retirada das águas para projetos de irrigação na exUnião Soviética Ainda merecem destaque nessa parte do trabalho a concentração da população bovina nas áreas desmatadas dos latifúndios e o crescimento desse desastre produzido pela pe cuária bem como pela fúria madeireira pela fúria sojeira pelo desmate seletivo pela estrada como o eixo da devastação e da sempre presente violência e o recrudescimento do processo pelas medidas do Estado a regularização da grilagem pela MP 458 648 milhões de hectares a lei dos transgênicos a lei de concessão de florestas públicas o Código Florestal aprovado sob o governo de Dilma Rousseff e o perdão ao desmatamento bem como o aumento do trabalho escravo Contase também a tentativa de entrega da Renca ao empresariado multinacional por Temer Essa parte exibe o conjunto de medidas que põe à luz toda a lógica dos projetos para a Amazônia alguns que vêm desde o século XIX e através do Plano PueblaPanamá chegam até o IIRSA através do PAC No subítem Para além da história amazônica somente refle xões para o entendimento da exploração que merece particular destaque estão contidas considerações fundadas no conhecimento teórico sem perder o liame com a realidade os fenômenos da ren da absoluta e da renda diferencial presentes na realidade regional bem como a síntese da transferência do trabalho excedente das sociedades pobres para os países ricos como a base do inexorável e crescente distanciamento entre eles construído e agudizado a par tir dessa troca Os conceitos de renda da terra maisvalia absoluta e relativa tendência declinante da taxa de lucro troca desigual as formas de circulação do dinheiro e do capital e o papel do Estado como instrumento de dominação a serviço da classe exploradora aí aparecem explícitas ou implícitas assentadas nas constatações do real 23 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É um trabalho de fôlego Não se trata de uma obra denuncista mas de um sistemático trabalho de constatação assentado em sóli dos dados primários e em uma consistente base teórica Vale a pena lêlo Só vale a pena lêlo Aluizio Lins Leal Santarém janeiro de 2018 INTRODUÇÃO Era uma vez Não não se trata de romantizar a história ama zônica Além disso era uma vez normalmente é a expressão ini cial dos contos de origem europeia que acabam quando o príncipe chega e salva a princesa e o casal se torna feliz para sempre Não esqueçamos que príncipes e princesas eram nobres justamen te porque viviam da apropriação do trabalho alheio Não quere mos reproduzir a história contada pelos vencedores pelos de fora Buscamos neste livro reconstituir a trajetória socioeconômica da Amazônia mas destacando quem lá em meio a uma profunda ex ploração ama sofre vive e reproduz a vida e seus sonhos Uma das lendas sobre a origem do rio Amazonas conta que ha via dois noivos apaixonados Ela bonita vestiase de prata e se cha mava Lua Ele se vestia de ouro e tinha o nome de Sol O problema é que se eles se casassem o mundo acabaria pois o sentimento irra diante e ardente do Sol queimaria a Terra Tiveram que se separar A Lua de tanta saudade e amor chorou durante um dia e uma noite Suas lágrimas foram tantas que originaram um imenso vale com um rio enorme o rio Amazonas Enormidade sentimento e tragédia estão presentes nesta estória mas também na realidade 26 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Outra história que tem muito de lenda foi a que deu nome ao rio Tratavase da existência de uma tribo guerreira composta e comandada por mulheres as amazonas Em algumas narrativas só havia mulheres na tribo em outras havia homens mas subordina dos às indígenas Elas seriam grandes e segundo algumas versões brancas e teriam apenas um seio O outro era retirado para que elas manipulassem melhor o arco e a flecha1 Um dos relatos par te do frei Gaspar de Carvajal que era o escrivão da expedição ao Amazonas comandada pelo espanhol Francisco Orellana em 1542 Segundo o frei o comandante ordenou a invasão a uma tribo nas proximidades do que atualmente é o município de Nhamundá AM Carvajal estava neste confronto e teria perdido um olho em combate Os invasores tiveram que recuar dada a reação indígena comandada por mulheres E logo chegaram dez ou doze delas que vimos nós mesmos comba tendo à frente de todos esses índios como capitães e elas combatiam com tanto ardor que os índios não ousaram recuar e aqueles que o faziam elas os matavam a golpes de bastão diante de nós Carvajal apud Coelho 2008 p 69 Lendas têm algo de fábula fantasioso fantástico exagero e grandiosidade mas quando se trata de Amazônia muita coisa é grande mesmo os rios a floresta os animais e a biodiversidade2 A região amazônica é grandiosa bela impressionante e contradi tória A chamada Amazônia Legal brasileira ocupa 61 do terri tório nacional o que equivale à metade da Europa Ela é superior à região Norte do país Amapá Pará Tocantins Rondônia Acre 1 Estórias parecidas são relatadas em outras partes do planeta inclusive na Grécia 2 Biodiversidade referese ao número variedade e variabilidade de todos os orga nismos vivendo na terra mar e outros ecossistemas aquáticos e sistemas ecológi cos do qual fazem parte compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies entre espécies e de ecossistema ONU 1996 apud Diniz et al 2011 p 74 Por sua imensa riqueza é possível se referir à biodiversidade amazônica como mega diversidade 27 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Amazonas e Roraima abrangendo também o Mato Grosso e a maior parte do Maranhão a partir do meridiano 44ºO Consi derando a totalidade deste último estado como o fez o governo federal no Plano Amazônia Sustentável de 2008 constatamos que a população regional era de aproximadamente 28 milhões de pes soas em 2016 quase três vezes a população de Portugal A floresta corresponde a 7 do planeta 13 das florestas tropicais e até 50 da biodiversidade da Terra Apesar dessa dimensão Clement et al 2003 afirmam que o conhecimento científico e tradicional jun tos ainda não desvendaram nem 1 da biodiversidade local Algumas estimativas apontam que a Bacia Amazônica pode possuir até 20 da água doce superficial rios e lagos do globo terrestre Nela encontramos o maior rio do mundo e outros que se encontram entre os maiores Tapajós Trombetas Xingu Madeira e se estendermos a grande Bacia o AraguaiaTocantins3 A Bacia do Amazonas percorre o território peruano boliviano colombia no equatoriano venezuelano guianense mas 63 dela se situa em território brasileiro O Amazonas é o rio mais extenso4 e aquele com maior volume de água do planeta Se inicia nos Andes tendo o rio Apurimac do Peru como principal nascente e se prolonga por aproximadamente 7 mil km² até o oceano Atlântico na costa brasileira entre os esta dos do Pará e Amapá Por isso não é exagero chamálo de riomar Ganha o nome de Amazonas a partir do encontro dos rios Soli mões e Negro próximo a Manaus A força do rio é tanta que ele segundo algumas estimativas empurra o oceano para trás por até 3 O rio Araguaia se junta ao Tocantins próximo a MarabáPA recebendo o nome do segundo e deságua na grande foz do rio Amazonas A Bacia do Araguaia Tocantins comumente não é considerada parte da Bacia Amazônica 4 Durante muito tempo se acreditou que o rio Nilo na África fosse o mais extenso mas levantamentos recentes apontaram o Amazonas como de maior extensão 28 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 aproximadamente 300 quilômetros5 e suas águas e detritos podem ser encontrados a distâncias bem maiores Recentemente foram descobertas grandes formações de corais em sua foz Enorme ri queza de flora e fauna o acompanha a tal ponto que o oceanógrafo Jacques Cousteau após dois anos de expedição na Amazônia na década de 1980 concluiu que existem mais espécies de peixe no riomar que em todo o oceano Atlântico A costa amazônica no Atlântico conta com aproximadamente 1500 km de extensão entre a foz do rio Oiapoque e a baía de São Marcos no Maranhão É uma das áreas com maiores populações de peixes e camarões do Brasil atraindo navios pesqueiros do país inteiro e de outros países como os do distante Japão Ela conta com uma das mais longas extensões de manguezais do mundo e se sabe que estes ecossistemas são riquíssimos em biodiversidade em reprodução da vida aquática de aves e de outras espécies A Amazônia é o maior bioma6 brasileiro mas não é fácil deli mitar o que seja e quais as reais fronteiras amazônicas Primeiro porque ela extrapola as próprias fronteiras do Brasil Segundo por que as delimitações mudam dependendo do critério que usamos Recorrendo à floresta o tamanho não corresponde ao da Amazô nia Legal já que esta inclui estados que contêm grandes porções de Cerrado Mato Grosso Tocantins e Maranhão e até mesmo do Pantanal Mato Grosso Dentro de estados tipicamente ama zônicos encontramos extensas áreas de Cerrado é o caso do Ama pá Pará e Roraima por exemplo Se o critério for o clima relevo ou bacia hidrográfica igualmente teremos diferentes delimitações Mesmo quando se trata de um único critério a diversidade tam bém aflora Por exemplo no caso florestal encontramos floresta 5 A depender da quantidade de chuvas e do movimento da lua 6 Conjunto de vida vegetal e animal com vegetação contínua junta próxima com similares condições geoclimáticas e diversidade biológica própria Os demais bio mas do Brasil são Caatinga Mata Atlântica Cerrado Pantanal e Pampa 29 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alta floresta baixa e floresta inundada ou outras classificações se quisermos recorrer a critérios mais técnicos Isso tudo só confirma a complexidade e riqueza dessa região Paixões lendas e ambições são despertadas pela Amazônia Durante muito tempo se alimentou a ideia de que nela haveria uma cidade perdida um Eldorado com grande quantidade de metais preciosos Parece coisa de filme de aventura Pois bem o capitão militar cartógrafo arqueólogo explorador e aventurei ro britânico Percy Fawcett inspirou a criação do personagem de Hollywood Indiana Jones nos filmes dirigidos por Steven Spiel berg Fawcett percorreu diversas partes do planeta Na América do Sul e particularmente na região amazônica ele esperava en contrar a cidade do ouro centro de uma grande civilização que além dos metais preciosos guardaria enormes tesouros arqueo lógicos e poderia até mesmo ter sido levantada por indígenas brancos descendentes de Atlântida Em sua última expedição entrou na Amazônia pelo Mato Grosso e deve ter sido morto por indígenas da região do Xingu ao penetrar em seus territórios sem consentimento Até hoje não se tem certeza do que aconteceu com ele A lenda pode até ter perdido força mas não a busca pe las riquezas da floresta Maior floresta tropical maior província mineral com ferro ouro e etc e principal reserva biogenética do planeta Essa é a Amazônia Ela é importante não apenas para o Brasil mas para o próprio equilíbrio do ecossistema do planeta cada vez mais frá gil No caso brasileiro parte significativa das chuvas que cai so bre o Sudeste se origina em vapor dágua proveniente da região amazônica É possível falarmos em três grandes rios Amazonas um subterrâneo aquífero Alter do Chão e aquífero Solimões um superficial Amazonas como o conhecemos e outro aéreo vapor dágua formado na Amazônia que circula no território nacional e em alguns outros países sulamericanos 30 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O patrimônio amazônico é incalculável mas a região perma nece pobre subdesenvolvida dependente e periférica Por quê Porque as políticas de ocupação e desenvolvimento da região estiveram e permanecem a serviço do grande capital nacional e estrangeiro Essa é a razão principal da degradação do ecossistema amazônico Entre todos os territórios do planeta podemos distinguir qua tro grandes áreas que mesmo em degradação ainda têm grande parcela conservada e potencial de riqueza o fundo dos oceanos a Antártida o polo Norte e a Amazônia Qual a diferença desta última para as demais Ela é a de mais fácil acesso e exploração e também a única que em sua maior parte pertence a um único país o Brasil Já as duas primeiras são objeto de disputa aberta entre as nações É o interesse pelos recursos naturais da região que move os paí ses dominantes ou não a se preocupar com a degradação do ter ritório O exvicepresidente dos EUA Al Gore afirmou que ao contrário do que pensam os brasileiros a Amazônia pertence a todos nós O jornal britânico The Independent escreveu que a Amazônia é muito importante para ser deixada com os brasileiros O The New York Times questionou em manchete De quem é a Amazônia afinal As intenções por trás das preocupações fo ram expostas pelo jornal espanhol El País o mundo tem os olhos postos nas riquezas da floresta Não achamos que estamos à beira de uma invasão armada im perialista sobre a Amazônia Também não podemos descartar isso enquanto possibilidade futura Mas o fundamental os países he gemônicos já têm o controle dos recursos naturais da região Isso ocorre através da presença dos grandes grupos transnacionais e brasileiros instalados na região Biodiversidade minérios e agronegócio compõem cadeias pro dutivas que levam recursos da natureza amazônica aos grandes 31 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 centros da produção econômica internacional Isso inclui a pro dução do agronegócio que se apropria de uma parcela cada vez maior de terras para produzir mercadorias Para tal se conta com a colaboração inestimável dos países amazônicos desde a Colôm bia com a cessão de bases militares aos EUA até o Brasil que tem estimulado e sustentado sua balança comercial na exportação de commodities7 em forte expansão na região Este livro busca reconstituir de modo breve e crítico o movi mento de ocupação da Amazônia brasileira Destacamos suas con tradições e como historicamente essa ocupação esteve destinada a favorecer o processo de acumulação de capital em escala nacional e internacional em detrimento da natureza e do ser humano A questão que nos move é como historicamente se constituiu a socioeconomia amazônica e quais interesses predominaram Tra balhamos com a possível resposta de que as classes dominantes lo cais foram se configurando e reproduzindo como tal a partir da ex ploração e apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores E mesmo assim assumiram um papel subordinado dependente na acumulação capitalista da economia brasileira e mundial A rique za produzida na Amazônia em grande medida migrou para outras regiões e outros países de acordo com o grande capital e a divi são nacional e internacional do trabalho conduzida por grandes empresas brasileiras e transnacionais Para isso o Estado cumpriu papel destacado evidenciando seu caráter de classe da classe que explora Nem a problematização nem a hipótese são novas mas as adotamos primeiramente por sua atualidade e depois devido ao fato de analisarmos o caso específico amazônico em perspecti va histórica As dinâmicas das relações capitalistas internacionais 7 Produtos básicos voltados à exportação que têm seu preço cotação definido no mercado internacional minerais ferro cobre caulim bauxita manganês por exemplo e produtos do agronegócio soja carnes algodão milho entre outros 32 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o que alguns também localizam como economiamundo consti tuem o pano de fundo teórico no qual situamos a reflexão Destacamos os diversos processos em que o capital historica mente se configura na região mesmo quando aparentemente ele não se apresenta na forma explícita da sua relação com o trabalho trabalho assalariado moderno Marx 1988 demonstrou mais de uma vez que o capital é antes de tudo uma relação social Ele pres supõe a separação expropriação do trabalhador em relação aos meios de produção tendo como base a propriedade privada não restando ao expropriado outro caminho além de correr atrás do capital para vender sua capacidade de trabalhar Assim no capitalismo a produção é socializada é produzida pelo conjunto da sociedade mas o resultado é apropriado priva damente Aqui reside a razão das desigualdades Neste sentido o capital produz não apenas a riqueza mas o expropriado o desem pregado o excluído a miséria a violência o explorado nas suas diversas formas Ele também não se movimenta de uma única forma Ele moderniza a produção estabelece novas forças produti vas e relações de produção mas também reforça ou mesmo recria relações que aparentemente haviam ficado no passado É o caso do trabalho escravo que convive ao lado da grande produção capita lista e em muitos casos está diretamente vinculado a ela Diversos casos já foram comprovados de trabalho escravo na confecção de roupas para grandes marcas no trabalho em fazendas onde o gado é vendido para grandes frigoríficos etc Colocar em evidência a importância e a riqueza do processo histórico ocorrido na região tem como intenção também chamar atenção para o espaço pouco relevante que se destina à Amazônia no pensamento social brasileiro incluindo a história e a economia Essa não é uma lacuna pequena Famoso pela cobertura jornalís tica da Guerra dos Canudos no Nordeste brasileiro Euclides da Cunha no início do século XX já havia alertado para isso Ele 33 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 chegou à Amazônia com uma noção idealizada e encontrou uma região segundo escreveu abandonada pela sociedade brasileira um paraíso perdido que fora concebido como uma terra sem história e à margem da história8 A integração da Amazônia à nação brasileira ocorreu de forma subordinada dependente e periférica De alguma forma lamenta velmente as ciências sociais no país ainda continuam a reproduzir essa forma de integração É como se as reflexões em torno da his tória economia e sociologia centradas no Sudeste do Brasil fossem suficientes em si para explicar o todo minimizando a importân cia do resto Parece que Sul e Sudeste reproduzem para a região o olhar de quem vê o Brasil a partir do primeiro mundo A vontade de se parecer com o primeiro mundo faz com que uma parcela mais que considerável dos brasileiros conscientemente conheça mais os EUA e a Europa do que a Amazônia Não é raro acontecer de alguém do Norte em visita ao Sudeste ao informar seu estado de origem ouvir é longe Longe de onde Roraima é tão distante de São Paulo quanto São Paulo de Roraima Se a re lação é com o mundo desenvolvido os moradores da Amazônia geograficamente estão mais próximos dos EUA e da Europa do que o Rio de Janeiro ou outro estado da metade sul do Brasil Parte 8 Uma preocupação central de Euclides da Cunha foi compreender e expor o so frimento do homem na Amazônia O seringueiro denunciado como profunda mente explorado seria um lutador e o verdadeiro desbravador que se enfrentava com a natureza A natureza amazônica segundo Cunha impressionava mas não renovava o espírito Ela era vista pelo autor como grandiosa mas também adversária do homem que seria um intruso impertinente A visão hostil em relação à natureza amazônica fica evidente nesta passagem Ao revés da admira ção ou do entusiasmo o que nos sobressalteia geralmente diante do Amazonas no desembocar do dédalo florido do Tajapuru aberto em cheio para o grande rio é antes um desapontamento Cunha sd p 1 Infelizmente o desconhe cimento da história amazônica e a visão da natureza como adversária ainda se reproduz no século XXI 34 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 considerável do Amapá e Roraima está no Hemisfério Norte além de porções menores do Amazonas e Pará Também é comum matérias jornalísticas dos grandes meios de comunicação falando de ondas de calor quando ocorrem em pleno inverno brasileiro Para exemplificar suas afirmações recorrem às temperaturas elevadas no Norte Ora o inverno no SulSudeste coincide com o chamado verão amazônico época de maiores tem peraturas na região e em parte do Nordeste Então temperatu ras elevadas sempre serão encontradas na Amazônia entre junho e novembro Não há novidade nisso Por outro lado o período mais chuvoso e portanto de temperaturas mais amenas no Norte bra sileiro corresponde ao verão na metade sul do país As políticas governamentais incluindo as educacionais tam bém têm sua parcela de responsabilidade na questão Qual o espa ço que se destina à região nos livros didáticos de história Já passou a hora de olharmos esse imenso território como algo somente exó tico e estranho Colocar essas inquietações não significa querer tecer um em bate da Amazônia contra o Sudeste ou outras regiões Isso não seria frutífero até mesmo porque estaríamos restringindo as con tradições de classe originadas na oposição capital versus trabalho a meras contradições físicoespaciais O problema é muito mais complexo É claro que não se pode generalizar a crítica indistinta mente mas em contrapartida não resistimos à tentação de fazêla No entanto cabe particularmente aos amazônidas pesquisadores movimentos sociais e população em geral buscar alargar o espaço da região dentro das ciências sociais e da sociedade no Brasil Diferente do que pode parecer de início o objetivo do livro não é ser um amontoado de denúncias lamentações e pessimis mo Ainda que estejam presentes em larga escala buscase antes de tudo chamar atenção para a necessidade de uma luta de todos em defesa da região Essa luta e reflexão necessariamente tem que 35 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 considerar a importância do trabalhador que nela vive caso con trário correse o risco de se continuar a olhar a região como exótica somente e como tal querer tratála como um jardim botânico isolado em uma redoma para observação Também não se preten de reduzir a análise a um regionalismo estreito no qual todos que não são da região são vistos com desconfiança ou mesmo como adversários A luta pela preservação da floresta igualmente não pode ser des conectada da percepção de que necessitamos de um novo modelo de sociedade não mais assentada na busca do lucro mas do verda deiro desenvolvimento humano na qual os seres humanos possam se desenvolver plenamente e estabelecer relações não contraditórias eou degradantes com a natureza Uma condição necessária para que se estabeleça outra relação entre sociedade e natureza é que se construa uma nova relação entre os seres humanos desta vez pautada na igualdade social Aqui deve residir nossa fonte de oti mismo A DEGRADAÇÃO DO SER HUMANO COMO FORMA DE OBTER LUCRO Outubro de 2018 em Manaus Amazonas um robô automa tizado numa linha de produção realiza com precisão a tarefa de dezenas de operários e operárias Não reclama de cansaço não tem sindicato e não recebe férias ou 13º salário Ele monta motos que são vendidas e circulam em todo o Brasil e em outros países Em outra fábrica outro robô monta aparelhos de televisão de última geração alguns com preços que assustam mais que os filmes de terror por ele transmitidos Na Floresta Nacional de Carajás no Pará uma máquina recuperadoraempilhadeira trabalha no carre gamento de minério de ferro Ela tem 35 metros de altura e suas engrenagens alcançam 50 metros de largura Enquanto isso na capital paraense ou do Acre centenas de milhares de pessoas estão sem água encanada ainda que enormes rios as rodeiem Em Belém e Manaus são construídos edifícios de 30 a 40 andares No peque no município rondoniense de Pimenteiras do Oeste fronteira com a Bolívia as pessoas assistem a novelas em modernos televisores montados em Manaus mas com componentes vindos da China Em outro ponto da Amazônia uma tribo indígena caminha em meio à floresta sem nunca ter sido contatada pela civilização A Fundação Nacional do Índio Funai considerava haver em tor 38 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 no de 100 grupos indígenas isolados na Amazônia brasileira em 2017 alguns já avistados ou com algum contato com outra tribo que mantém relações com a população nãoindígena Parte são ca çadorescoletores nômades No dia 18 de dezembro de 2016 o fo tógrafo Ricardo Stuckert acompanhado do sertanista José Carlos Meirelles fotografou uma tribo estimada em 300 pessoas e que até então não havia estabelecido nenhum contato com nãoindígenas As fotos foram tiradas a partir do helicóptero em pleno voo Como reação os indígenas tentaram afastar os visitantes atirando flechas contra o helicóptero Um mês antes outra tribo em situação seme lhante havia sido fotografada em Roraima Essa é a Amazônia das primeiras décadas do século XXI riqueza e contradições entre as quais a degradação do ser humano em meio à opulência de poucos Vejamos isso desde a chegada do europeu O óbvio esquecido a Amazônia era indígena Comecemos pelo que deveria ser de conhecimento de todos mas que muitos não querem reconhecer a história da sociedade na Amazônia é muito anterior à chegada dos europeus ditos ci vilizados Ferramentas e artefatos descobertos em várias localida des da região receberam datações que variam entre 10 mil e 7 mil anos aC antes de Cristo no Mato Grosso e entre 8 mil e 4 mil aC nas Guianas venezuelanas República da Guiana e rio Tapajós Amazônia brasileira Cerâmicas de datas diversas foram encon tradas na Guiana 4 mil aC e na foz do Amazonas 3 mil aC Entre 4 mil e 2 mil anos aC ocorreu a transição da caça e da cole ta para a agricultura1 mas evidências no rio Orinoco Venezuela indicam que a mandioca já era cultivada em 5 mil anos aC de 1 Alguns pesquisadores não gostam de usar o termo agricultura para retratar essa atividade nessas culturas pois a relação que elas desenvolviam com as árvores e plantas era diferente da que ocorre com as populações de origem europeia 39 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 modo que em 3 mil aC passam a existir sociedades de horticulto res e em 2 mil aC já havia sociedades hierarquizadas e populosas Souza 2015 Peças de cerâmica polícroma de 8 mil aC foram encontradas em Santarém Becker 2008 Estimase que os pri meiros grupos humanos chegaram à região há aproximadamente 13 mil ou 11200 anos Anna Roosevelt e sua equipe de arqueologia estudou a área da Taperinha região de SantarémPA e a caverna da Pedra Pintada em Monte AlegrePA Nesta última constatouse que pessoas que passaram ou viveram pela região o fizeram entre 11200 e 9800 anos atrás Produziram facas e outros objetos de rocha coletavam produtos florestais e de várzea além de pintar homens e animais nas paredes do lugar Em outras áreas do continente americano havia outras civili zações bem organizadas Quando os europeus chegaram no final do século XV encontraram para os padrões da época civilizações complexas e desenvolvidas do ponto de vista da ciência cultura e comércio Eram as civilizações précolombianas Astecas Maias e Incas Os espanhóis dispondo de enorme poder bélico com armas de fogo rapidamente dominaram os exércitos locais munidos tão somente de arco e flecha e outras armas semelhantes Na chegada dos invasores europeus os Maias América Cen tral já não estavam em seu auge mas os Astecas onde hoje é o México e os Incas viviam em grande efervescência social Estes últimos se estendiam por vários países da costa pacífica da Améri ca do Sul na cordilheira dos Andes Estimase em até 12 milhões de pessoas maias A cidade de Cuzco no Peru onde também se encontra Machu Picchu com 40 mil pessoas era considerada a capital do império A importância dessas civilizações e ao mesmo tempo o tama nho do genocídio cometido pelos europeus pode ser evidenciada em uma descoberta anunciada em 2018 uma megalópole da civili 40 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zação Maia numa área do norte da Guatemala que deve ter abriga do alguns milhões de pessoas Ela tinha casas palácios muralhas fortalezas e vias elevadas ruas e estradas2 Sem contar com o mesmo desenvolvimento tecnológico do eu ropeu os povos indígenas3 amazônidas consumiram domestica ram cultivaram e disseminaram diversas espécies agrícolas am plamente utilizadas no mundo atualmente contribuindo para a produtividade e diversidade da agricultura mundial macaxeira aipim mandioca batatadoce milho pimentas pupunha uru cum cará jenipapo abacaxi amendoim tomate cacauchocola te baunilha maracujá abiu biribá taioba entre outros Batata e feijão são originários do continente americano e eram amplamen te conhecidos desde antes dos colonizadores europeus Apesar dos olhos do colonizador estarem voltados para os metais preciosos a batata foi muito importante para diminuir a fome na Europa re duzindo o preço da força de trabalho elevando os lucros e permi tindo a continuidade da acumulação de capital e do investimen to fundamental à Revolução Industrial Sustentado em diversos estudos e descobertas arqueológi cas Márcio Souza 2015 afirma que na Amazônia de antes dos europeus existiram cidades com população de milhares de 2 A descoberta foi possível por conta de uma nova tecnologia Lidar que usa laser a partir de aviões ou helicópteros para mapear o solo e subsolo e gerar imagens Acreditase que os Maias eram uma civilização tão avançada quanto os chineses e gregos antigos 3 Indígenas aborígenes ameríndios povos originários nativos autóctones são muitas as expressões para se referir a essas pessoas Não vamos entrar no mérito da melhor definição até porque o mais importante é que são seres humanos Por outro lado temos clareza que a expressão indígena ao mesmo tempo que junta e destaca elementos de identidade comuns tal qual ocorreu com a expressão tra balhador rural também secundariza especificidades de modo que em muitos aspectos poderia ser melhor designar cada povo por meio do nome que ele se reconhece Munduku Kayapó etc Feitas essas observações em geral recorrere mos à expressão indígena 41 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 habitantes4 estruturas religiosas hierárquicas recolhimento de tri butos expressiva força de trabalho até com escravos produção de excedente econômico complexos de defesa e canais de água construídos Os altiplanos bolivianos o médio Orinoco e a ilha do Marajó são locais onde há evidências dessas sociedades5 Havia redes de comércio guerra e hierarquias estratificadas nobres ser vos etc Na Bacia Amazônica as chefaturas complexas se expandiam sus tentando longas redes de troca que conectavam a região em todas as direções proporcionando juntamente com o fluxo de bens de pres tígio e mercadorias o intercâmbio de tecnologias e ideias Foram essas sociedades dinâmicas com sofisticado domínio sobre os mais diversos ecossistemas que foram encontradas pelos conquista dores europeus no século 16 Em nenhuma outra parte do país o desenvolvimento de instituições sociopolíticas complexas tinha chegado tão longe Não cabe aqui espe cular se os cacicados6 amazônicos teriam se tornado estados expansio nistas como o império Inca Mas estavam certamente mais próximo de sêlo do que do quadro de idílicas tribos de floresta tropical que continuam a influenciar nosso imaginário Schaan 2008 p 35 Clement e Junqueira 2008 citam uma aldeia que os europeus encontraram na foz do rio Tapajós onde atualmente é a cidade de SantarémPA Ela ocupava uma área de pelo menos 300 hectares sendo maior e com população mais numerosa que algumas capi tais da Europa de então Nela se encontravam currais cheios de 4 Schaan 2008 cita comunidades entre 2 e 3 mil habitantes eram os cacicados marajoaras Becker 2008 se refere a aglomerações com escala urbana de até 10 mil habitantes Souza 2015 recorre a números ainda maiores 5 É verdade também que enorme diversidade e diferenças eram encontradas entre os povos indígenas alguns com razoável desenvolvimento técnico e organizacional 6 Cacicados das várzeas chamados de reinos pelos viajantes europeus eram so ciedades estratificadas governadas por chefes regionais que exerciam domínio político e simbólico em áreas que se estendiam por dezenas de quilômetros em alguns casos Schaan 2008 p 33 42 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tartarugas armazéns lotados com farinha de mandioca e milho e árvores frutíferas nas redondezas Essa complexidade retrocedeu com a chegada do europeu e com o genocídio que se procedeu desde então contra os indígenas fazendo com que grande parte dos que sobreviveram tivesse que fugir para áreas mais internas e distantes da floresta tendo que reproduzir a vida em piores condições inclusive com forças produ tivas mais rudimentares Sociedades culturas e tecnologias cons truídas ao longo de mais de 10 mil anos foram rápida e intensa mente destruídas Parte dos conhecimentos sobre plantas animais e técnicas também se perdeu com isso A colonização portuguesa Há um município no interior do Amapá cuja sede fica às mar gens de um lago Nele contase a história de uma senhora que em determinadas noites virava porca e saía pelo mato Os demais mo radores desconfiavam do que ocorria mas não tinham certeza Certa vez um rapaz conseguiu golpear o animal com uma faca No dia seguinte a senhora teria aparecido com o ferimento na re gião correspondente ao golpe desferido na porca Inúmeras são as histórias sobre assombração na região amazô nica espíritos de mortos que aparecem pessoas que se transfor mam em animais espíritos da floresta Matinta Pereira Mapin guari cobra grande encantada etc Isso tudo assusta quem ouve A figura do indígena também assusta a muitos por carregar em si parte dessas histórias e muitas outras mais Mas quem foi a assom bração para quem A chegada do europeu na Amazônia represen tou algo mais terrível do qualquer das assombrações que até então se acreditava ou ainda se crê existir Em novembro de 1499 uma expedição comandada pelo es panhol Vicente Pinzón partiu da Andaluzia na Espanha Em ja neiro de 1500 chegou à costa do Ceará ou de Pernambuco e 43 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em fevereiro à foz do rio Amazonas dirigindose para a região das Guianas e Caribe Durante muitos anos seu nome batizou o atual rio Oiapoque no Amapá Pinzón havia comandado uma das caravelas da expedição de Cristóvão Colombo que descobriu o continente americano em 1492 Usou o dinheiro ganho na aven tura para financiar sua nova investida Outro navegador Diego de Lepe também teria chegado ao território brasileiro antes dos por tugueses que aportaram no Brasil em abril de 1500 Ao chegar à foz do Amazonas Pinzón de início acreditou se tratar de um mar mas logo descobriu o contrário pois as águas eram doces por isso denominou a descoberta de Santa Maria de la Mar Dulce Havia encontrado aquele que podemos chamar de riomar A Amazônia não despertou grandes interesses da metrópole portuguesa no primeiro século após a chegada lusitana ao Bra sil Por conta do Tratado de Tordesilhas que dividira o mundo entre Portugal e Espanha a maior parte da região formalmente pertencia à nação espanhola sendo incorporada paulatinamente por Portugal durante a junção dos tronos das duas nações união da Coroa Ibérica 1580 a 16407 Mas a Amazônia interiorana não era conhecida A primeira expedição ao interior da região ocorreu entre 1541 e 1542 sendo comandada por Francisco de Orellana partindo da nascente para a foz do rio Amazonas onde teria en contrado uma tribo de mulheres guerreiras as amazonas o que seria a origem do nome do rio rio das amazonas O objetivo da viagem era encontrar especiarias de alto valor como era o caso da canela e o reino de El Dorado Em 1615 a Coroa espanhola tomou a decisão de ocupar a Amazônia interiorana buscando conter as investidas de ingle 7 A captura de indígenas também contribuiu para isso pois a redução das tribos da foz do rio Amazonas levou os portugueses a penetrarem a região em busca de novas tribos a serem dominadas extrapolando o Tratado de Tordesilhas a favor dos lusitanos 44 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ses holandeses8 franceses e irlandeses sobre a foz do Amazonas que já desenvolviam relações comerciais com os indígenas incluindo feitorias e lavouras de tabaco e urucu9 A tarefa ficou a cargo dos portugueses e recaiu sobre o estado do Maranhão possessão de Portugal O responsável por ela foi o português Francisco Caldeira Castelo Branco com apoio de Pedro Tei xeira que em 1616 fundou o forte do Presépio atual forte do Castelo origem da cidade de Belém Em 1621 foi formal mente criado o Estado do Maranhão e GrãoPará diferente do Estado do Brasil permanecendo assim até a segunda metade do século XVIII10 Nova expedição seria destinada a Pedro Teixeira em 1637 O objetivo De fato tomar posse do rio Amazonas alargando as fronteiras portuguesas sobre a região para muito além do Tratado das Tordesilhas o que de fato foi acontecendo A consolidação de São Luís11 e a fundação de Belém foram acompanhadas de outras investidas portuguesas contra a presen ça de outros europeus na Amazônia Em 1623 uma força lusitana que contava com mil indígenas flecheiros atacou povoa ções in glesas e holandesas no rio Amazonas em Gurupá e na ilha dos Tocuju região do Amapá Em 1623 ingleses e holandeses do rio 8 Segundo Reis 1960 em 1600 os holandeses fundaram as feitorias de Orange e Nassau na região do rio Xingu 9 Espécie vegetal cujas sementes vermelhas são utilizadas para fazer corantes mui to empregados na culinária 10 Muitas datas são motivo de controvérsia Afora isso a criação de um Estado por meio de um documento não significa necessariamente que sua instalação ocor reria de imediato Segundo Meirelles 1980 a criação do Estado teria ocorrido em 1654 data também compartilhada por Ribeiro 2005 11 São Luís foi fundada por franceses em 1612 a partir da construção do forte Saint Louis e da instalação de feitorias comerciais Portugueses reconquistaram a região em 16141615 Posteriormente em 1641 o Maranhão foi ocupado por holandeses que após três anos de conflito foram expulsos A produção açucareira impulsiona da pelos ocupantes da Holanda foi substituída pelo extrativismo de especiarias 45 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Xingu foram atacados e capturados O forte do Torrego na ilha dos Tocuju foi dominado por Portugal em 1629 Em 1631 as for tificações estrangeiras da região de Macapá foram dominadas por Portugal castigando os indígenas que os ajudavam Em 1648 as últimas fortificações holandesas da região macapaense foram des truídas Reis 1960 Na tarefa de construção do forte do Presépio12 os portugueses receberam a ajuda dos Tupinambá mas isso não eliminou mo mentos de conflito e rebelião indígena tendo como desfecho o massacre tanto dos Tupinambá13 quanto de outras etnias como os Nheengaíba 14 Na década de 1620 uma rebelião Tupinambá resultou na prisão de 24 de seus líderes tendo o governador do forte Bento Maciel Parente os condenado à morte Como foram mortos Cada indígena tinha pernas e braços amarrados em dois cavalos ou em duas canoas que se movimentavam em direções opostas Seus corpos eram dilacerados Os governos do novo estado estimularam a formação de uma economia de subsistência e a miscigenação racial entre o branco e o indígena originando o caboclo ou cabôco o ribeirinho dos rios amazônicos Mas 12 O forte era uma construção rústica de madeira coberta com palha e recebeu o nome pelo fato de a expedição ter partido do Maranhão no dia 25 de dezembro de 1615 Apesar de ser tomado como o marco de fundação de Belém a fortifica ção ficou sem muito dinamismo nos seus primeiros anos tendo sido lentamente acompanhada da construção de algumas casas e das primeiras ruas rua do Norte atual Siqueira Mendes e rua da Ladeira que fica ao lado do forte Feliz Luzitâ nia foi o nome original da cidade posteriormente alterado para Santa Maria de Belém do GrãoPará 13 Por convenção quando se refere a um povo indígena específico recorrese ao nome no singular ainda que o artigo os esteja no plural Dessa forma falase os Tupinambá os Munduruku etc 14 Segundo Gomes 2012 a conquista do Maranhão pelos portugueses a partir de 1614 teve como resultado em poucos anos a destruição de aproximadamente 30 mil Tupinambá residentes entre a ilha de São Luís e Belém 46 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O caboclo não é só filho da miscigenação entre o índio e o branco é também o índio deculturado subsequentemente que assumiu os padrões e os costumes do colono inclusive pela conversão ao cris tianismo através do trabalho do missionário No mesmo sentido a miscigenação entre o índio e o negro deu origem ao cafuzo que tam bém assumiu os padrões e os laços culturais do colono sob as ordens de quem trabalhava e na linguagem regional tornouse também um caboclo Ribeiro 2005 p 60 Caboclo era o indígena sobrevivente morador de aldeias pró ximas às cidades e vilas e por isso vigiado pelas autoridades e fa zendeiros interessados em suas terras O indígena como caboclo termo originalmente de caráter negativo de inferioridade é então incorporado subordinada e depreciativamente à sociedade brasi leira reproduzindo essa situação em regimes políticos posteriores Segundo Gomes 2012 p 68 A passagem da condição de povo autônomo culturalmente e livre politicamente para uma convivência pacífica porém submetida à so ciedade brasileira se dá por uma espécie de pacto no qual os índios aceitam as regras originalmente das relações de servidão agora em forma de clientelismo A eles é permitida a manutenção de parte de seu patrimônio histórico e é facultado o conhecimento parcial e a experiência mínima dos desenvolvimentos da sociedade brasileira Em compensação élhes exigida a submissão aos interesses maiores da nação e também aos menores Esta é a condição de caboclo cujo significado originalmente é mestiço filho de índio com o branco ou negro É um termo pejorativo e recusado por todos constituindo motivo até de proibição de seu uso num dos artigos do Diretório de Pombal Após o fim da União Ibérica a atual Amazônia brasileira viveu uma situação indefinida pois formalmente pertencia à Espanha por força do Tratado de Tordesilhas mas quem a ocupava era Portugal Isso só foi superado em 1750 com o Tratado de Madri que reconheceu a posse lusitana sobre a Amazônia hoje brasileira Neste período D José I assumiu o trono português e nomeou o Marquês de Pombal para efetivamente comandar a economia e 47 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 grande parte da política do reinado Em função de interesses geo políticos domínio sobre a Amazônia Pombal inverteu o nome do estado amazônico passando a ser estado do GrãoPará e Mara nhão 1751 mantendo vinculação direta à Coroa de Portugal ou seja não subordinado à representação portuguesa do Brasil Sua sede passou a ser Belém e não mais São Luís O Marquês nomeou seu irmão Mendonça Furtado como governador e criou a Com panhia Geral do Comércio do GrãoPará e Maranhão 1955 com monopólio econômico sobre a região Em 1755 havia sido criada a capitania de São José do Rio Negro atual estado do Amazonas cuja primeira capital foi a cidade de Barce los Ainda em função da geopolítica ampliação das fronteiras portu guesas Pombal buscou lusitanizar a Amazônia obrigando o uso da língua portuguesa e mudando os nomes dos núcleos urbanos substi tuindoos por nomes portugueses Para alcançar seus objetivos pro curou aprofundar a miscigenação entre indígenas e portugueses Por isso segundo Ribeiro 2005 repassava terras armas e instrumentos agrícolas aos soldados ou colonos que se casassem com indígenas Em quatro anos da década de 1750 foram criadas 60 povoações na região Becker 201315 Em 1772 Pombal dividiu o estado do Norte em duas partes GrãoPará e Rio Negro e Maranhão e Piauí Do ponto de vista econômico desde os primórdios da coloniza ção a atual Amazônia brasileira manteve uma ligação muito mais estreita com as potências europeias do que com o centro dinâmico da economia do Brasil Isso em grande medida se prolongou até o início do século XX Mas o que atualmente se denomina Amazônia Legal brasileira nem sempre mantinha relações políticoeconômicas privilegiada 15 Segundo Gomes 2012 mais de 60 aldeias jesuítas foram transformadas em vilas e lugares muitas existindo atualmente como cidades Santarém Bragança Óbidos Guimarães Viana entre outras 48 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mente entre si Ainda de acordo com o Tratado de Tordesilhas a área do que hoje é o estado matogrossense pertencia à Espanha16 Entre 1673 e 1682 bandeirantes paulistas percorreram o rio Cuiabá em busca de ouro e indígenas para escravização Mas a descoberta de grandes reservas do metal em Minas Gerais arrefeceu as expe dições ao Mato Grosso A descoberta em território matogrossense ocorreria em 1719 no rio CoxipóMirim Na ocasião se lavrou ata de fundação de Cuiabá Outras descobertas aconteceram fazen do com que o governador da capitania de São Paulo se mudasse para Cuiabá permanecendo até a queda da extração Deste modo Mato Grosso GoiásTocantins e mesmo Rondônia eram ligados a São Paulo e a ela se subordinavam A riqueza produzida na região de Cuiabá em grande medida migrou para o centro políticoeconômico da colônia e para Portu gal Isso ocorria por meio do comércio monções e dos impostos O excedente produzido não era investido localmente Configu ravase assim um processo de acumulação primitiva de capital17 Cuiabá tornouse consumidora dos produtos de São Paulo a quem deveria fornecer matériasprimas de alto valor comercial Siqueira 2002 apud Faria et al 2015 16 O termo pertencia deve ser relativizado Nunca é demais lembrar que essas terras originalmente eram habitadas por inúmeros povos ameríndios e que por conta disso a divisão destes territórios entre dois países europeus é uma arbitra riedade do tamanho da divisão que o tratado estabelecia 17 Acumulação primitiva ou originária de capital é o processo de constituição das bases necessárias ao florescimento e consolidação do capitalismo da passagem do capitalismo mercantil para o industrial Foi o longo movimento europeu de separação do trabalhador dos seus meios de produção restando a ele tão somen te sua força de trabalho que passava a vender para um patrão Também fizeram parte a apropriação privada dos recursos públicos dentro da Europa e os diversos processos de geração de riquezas que migravam das colônias para as metrópoles europeias escravização comércio colonial extração de metais preciosos saque pirataria etc Marx 1988 49 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A busca por novas áreas com ouro gerou uma expansão para o oes te matogrossense alcançando e incorporando a região do rio Guapo ré ao território português Em decorrência da dificuldade de controle das atividades na região foi criada a capitania de Mato Grosso em 1748 sendo efetivada em 1752 Vila Bela da Santíssima Trindade Ca pital do Ouro foi instalada como capital às margens do rio Guaporé Por ordem da metrópole lusitana a Companhia de Comércio do GrãoPará e Maranhão passou a controlar o comércio com a capitania a partir da navegação pelos rios Guaporé Mamoré Ma deira e Amazonas mudando o eixo das relações que se mantinham até então com a atual região Sudeste do Brasil Afora a produ ção do ouro a preocupação portuguesa era o controle do território contra os espanhóis No final do século XVIII a queda da produção de ouro e o surto de varíola colocaram a região do Guaporé em declínio Em 1835 Cuiabá tornouse capital da capitania que vivia praticamente isolada em decorrência da crise econômica inclusive com a desati vação da navegação com o GrãoPará No final do período colonial e até mesmo após a independên cia a escravização de indígenas e africanos ou mesmo a sujeição a trabalhos pesados dos primeiros por métodos diversos foi funda mental para a geração de um excedente de valor contribuindo para a efetivação da acumulação primitiva de capital Esse processo foi importantíssimo para a sustentação do modelo colonial português sem o qual desmoronaria O modelo colonial português apoiado numa sociedade e no breza ainda com fortes e arcaicos traços feudais fez com que na região amazônica a ocupação lusitana se sustentasse no extrativis mo18 e na escravização e genocídio indígena para o qual contou 18 O extrativismo como se processou incorporava pouca tecnologia e baixa acu mulação de capital no local contribuindo limitadamente para a dinamização da 50 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com o apoio direto dos jesuítas através do amansamento desses povos A imposição forçada ou disfarçada do cristianismo se cons tituiu num importante fator de dominação e domesticação dos indígenas a favor dos interesses metropolitanos e da própria acu mulação primitiva de capital que se processava na Europa Para facilitar o domínio dos indígenas exploração e a própria catequização os ameríndios foram reunidos em aldeias perden do a identidade tribal a favor da homogeneização religiosa Orga nizavamse descimientos expedições que buscavam convencer os indígenas a descerem para as aldeias de repartição nas quais se repartiam os nativos entre religiosos colonos e Coroa Também no sentido da dominação foi desenvolvida uma língua geral para a população indígena amazônica o nhengatu19 O poder colonial e a catequese destribalizaram desaldearam arranca ram os indígenas de seus territórios e de suas culturas e os levaram atra vés dos descimientos para outros lugares de redistribuição ignorando seu pertencimento étnico e cultural Castro e Campos 2015 p 416 As ordens religiosas além do amansamento por meio da cate quização faziam parte das expedições de captura dos indígenas assumindo quando necessárias funções militares20 A Igreja aliadairmã das monarquias ibéricas no interesse de manter seu poder medieval em declínio com a ascensão do capitalismo e que por isso mesmo apoiou incondicionalmente o modelo colonial de por economia e sociedade amazônicas Abdicavase de outras possibilidades Os ho landeses ocuparam o Maranhão em 1641 e iniciaram o estabelecimento da pro dução de canadeaçúcar Quando os portugueses reconquistaram esse território a economia passou a se sustentar na exploração do extrativismo de especiarias 19 Essa língua entrou em desuso quando para ampliar o domínio português sobre a região o Marquês de Pombal proibiu sua utilização obrigando o uso e a disse minação da língua portuguesa por todos que viviam na Amazônia lusitana 20 Entre as expedições havia as guerras justas que eram ações militares com obje tivo de escravização contra as populações indígenas que reagiam violentamente à ação dos colonizadores ou se negavam a aceitar a catequização ou defender os portugueses 51 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tugueses e espanhóis foi na Amazônia agente exemplar daquela forma hipócrita e mansa de violência colonizadora a catequese que contri buiu decisivamente ao extermínio do nativo Leal 2010 p 9121 A exploração indígena era mais uma fonte de renda à metrópo le portuguesa Parte dessa riqueza por meio do comércio e outros compromissos migrava para a Inglaterra engrossando o processo de acumulação primitiva de capital Na colonização brasileira Portugal adotou a concessão de ses marias distribuição de enormes extensões de terra a determinadas pessoas No final do século XVIII e início do seguinte esse instru mento foi muito presente na Amazônia Destinadas a quem dispu nha de poder econômico político eou religioso elas configura ram parte da constituição da estrutura fundiária concentradora e excludente que ainda se encontra no país e na região Essa concen tração de poder políticoeconômico foi motivo de fortes tensões em diversos momentos A Revolução Cabana A independência do Brasil ocorreu em 1822 mas o estado do GrãoPará não aderiu à ela Isso somente ocorreu em 15 de agosto de 1823 quando o governo imperial do novo país mandou um na vio de guerra comandado por um inglês John Grenfell bloquear e ameaçar bombardear Belém22 Entretanto cargos importantes do governo local continuaram ocupados por portugueses A po pulação saiu às ruas contra essa situação exigindo e conseguindo a substituição do governador provincial Durante a comemoração pelo feito Grenfell achando que estariam cometendo excessos 21 A interpretação sobre o papel da Igreja não é consensual Ribeiro 2005 apre senta uma análise bem mais complacente em relação a essa instituição em parti cular quanto à negação ao trabalho escravo indígena ainda que reconheça que em alguns casos a instituição recorria a ele 22 A capitania do Rio Negro aderiu um pouco depois em 9 de novembro de 1823 52 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mandou prender 256 pessoas levandoas ao porão do navio brigue Palhaço que não apenas não tinha espaço para tanto como ainda recebeu cal jogada sobre os presos revoltados para acalmálos Ao todo 252 morreram sufocados dentro do porão três já do lado de fora e apenas um sobreviveu Eram sete horas da manhã do dia 22 quando se correu a escotilha do navio em presença do comandante E o que viu ele Um mon tão de duzentos e cinquenta e dois corpos mortos lívidos cobertos de sangue dilacerados rasgadas as carnes com horrível catadura e sinais de que tinha expirado na mais longa e penosa agonia Raiol apud Ribeiro 2005 p 102 A fragilidade da economia regional permaneceu pelo menos até a virada do século XVIII para o século XIX Esse quadro junto à estrutura de dominação presente na região fez eclodir uma revo lução organizada pelos setores mais empobrecidos da Amazônia a Revolução Cabana 1835184023 que arregimentou caboclos e outros setores populares moradores de cabanas casas pobres Eles viam contradições no fato de o Brasil ter se tornado um país independente mas ainda permanecerem na região os mesmos seto res dominantes grosso modo de origem estrangeira Os cabanos chegaram a dominar e governar Belém por mais de um ano entre 1835 e 1836 Marques e Marques 2015 O primeiro presidente cabano foi Félix Malcher latifundiário e dono de engenho mas que foi executado pelos próprios cabanos sob a acusação de trai ção Foi substituído por Antônio Vinagre Logo após se perdeu o controle da cidade24 23 Antes disso um conjunto de agitações e insatisfações já tomava conta da provín cia de onde se destacavam as ideias liberais do religioso Cônego Batista Cam pos de alguma forma um dos inspiradores da Cabanagem que foi morto no final de 1834 pouco antes de eclodir a revolução 24 Parte da elite local inicialmente se moveu junto aos cabanos porque queria a in dicação de um governador do Pará e não os que continuavam vindo de fora por decisão da Regência do Brasil 53 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Cabanagem foi um movimento que veio de baixo para cima contrariou muitos interesses já que a maioria dos visa dos pelos revoltosos eram os estrangeiros abastados Rocque 2001 p 40 A segunda tomada de Belém foi comandada por Eduardo Angelim com um exército de três mil cabanos com grande presença de indígenas negros mestiços e pobres Ange lim era um seringueiro cearense de 21 anos de idade que se tor nou presidente da província e cujos interesses se aproximavam das camadas mais empobrecidas o que gerava conflitos com os setores mais abastados Cabanos eram caboclos que viviam ao longo dos rios nos sítios nos pontos de pesca nas fazendas de cacau viviam quase à lei da nature za sem qualquer possibilidade de ascensão social econômica e polí tica e agora vinham a cobrar cheios de ódio aos bem instalados aos brancos que eram portugueses ou deles diretamente descendentes a situação difícil em que se encontravam responsabilizandoos pelo que sofriam Reis 1960 p 60 Com a Cabanagem indígenas e tapuios recrutados a contra gosto se rebelavam contra os generais lhes tomando uniformes e patentes escravos amarravam e chicoteavam seus senhores pobres agrediam seus patrões Monteiro 2005 destaca a participação de quem até então fora escravo Algumas lideranças de origem africa na comandaram tropas armadas Manoel Barbeiro e Patriota Be lém Cristóvão Benfica próximo a Belém Coco Marajó e Be lizário Baixo Amazonas foram figuras negras que se sobressaíram durante a Cabanagem A revolução cabana foi uma revolta de despossuídos contra proprietários que ainda que apresentasse uma capa racial de diferenças espelhava na verdade a resultante histórica da ex propriação do nativo e da sua conversão em força de trabalho ex plorada pelos que se converteram em proprietários à custa da sua expropriação e exploração Leal 2010 p 102 Infelizmente nas 54 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 palavras do autor faltou projeto político à revolução cabana25 Vá rios grupos internos passaram a se digladiar Ela foi derrotada pe las forças repressoras do governo central tendo uma estimativa de 30 mil a 40 mil mortos Podemos acrescentar que a Cabanagem fazia forte oposição ao governo do Pará mas não tinha o mesmo comportamento frente ao governo brasileiro cujo imperador era português de nascimento26 Isso limitou seu horizonte e de modo geral se apresentou mais como uma revolução local ainda que numa região de enorme dimensão territorial Exploração do trabalhador negro Um ponto pouco destacado na história amazônica é a presença e exploração do trabalhador negro capturado na África Há regis 25 Praticamente no mesmo período da Cabanagem ocorreu a Balaiada no Mara nhão com uma presença ainda maior de trabalhadores negros e com a luta dire ta pela libertação Liderados por Negro Cosme quilombolas atacaram fazendas libertando escravos Três mil até então escravizados fundaram um quilombo na Lagoa Amarela Milhares de soldados do governo central foram deslocados para reprimir a revolução Prometendo anistia a quem ajudasse as tropas regenciais o Exército venceu os quilombolas de Lagoa Amarela Negro Cosme foi enforcado em 1842 Também ocorreram revoltas em outras províncias como foi o caso da Bahia e sul do Brasil 26 Diferentemente de alguns historiadores que afirmam que a Cabanagem teria fundado uma República independente Isso fica evidente em ofício ao governo inglês assinado por Eduardo Angelim Um navio da marinha mercante ingle sa foi saqueado na costa paraense em Salinas Militares britânicos exigiram que Angelim entregasse os responsáveis aos ingleses os indenizasse e sujeitasse a bandeira brasileira à inglesa Angelim concordou com a indenização No mais respondeu vou empregar diligências para a captura daqueles delinquentes que devem sofrer todo o rigor que as leis ordenam a tal respeito e que jamais os en tregarei ao governo inglês sem ordem do governo do Rio de Janeiro quando o país tem leis para punir os criminosos e que igualmente não sujeitarei a bandeira de minha nação à humilhação exigida sem ordem da corte Angelim apud Reis 1960 p 63 Mas havia quem pensasse diferente Segundo Pinheiro 2008 um grupo de mais de 400 escravos negros autolibertados pela Revolução defendia a alforria geral o rompimento com o Império brasileiro e a constituição de uma república negra tal qual ocorrera no Haiti em fins do século XVIII 55 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tros de escravos africanos residindo em Belém em 1637 Registros sobre a expedição que Pedro Teixeira comandou naquele ano su bindo o rio Amazonas dão conta da participação de alguns traba lhadores nessa condição Informações levantadas por Salles 2005 indicam que os escravos negros foram introduzidos na região por um padre jesuíta em 1680 que utilizou recursos das Missões do Pará e Maranhão para comprálos27 É verdade que em números absolutos ela foi menor que a pre senciada em outras regiões do Brasil A resistência de setores da Igreja à escravização indígena e a legislação colonial que caminha va também neste sentido poderiam favorecer a adoção do escravo africano na Amazônia em proporções equivalentes ao que aconte cia em outras regiões mas não foi bem assim A economia amazônica estava distante do centro econômico da colônia brasileira sustentada num extrativismo primário e sazonal pouco capitalizada e com baixa monetização Nessas condições a frágil economia regional dos primeiros séculos de ocupação por tuguesa diminuía a capacidade dos produtores locais de comprar uma mercadoria até então cara na aquisição o escravo africano Assim era mais fácil recorrer ao trabalhador indígena para es cravizálo ou ainda que formalmente livre colocálo numa con dição muito próxima da escravidão Isso era facilitado pelo deslo camento de populações indígenas rumo à Amazônia fugindo do colonizador europeu que se assentava no litoral Foi o caso por exemplo dos Tupinambá Em 1755 pelo menos formalmente foi proibida a escravização do indígena no Estado do GrãoPará e Maranhão28 em 1758 27 As ordens religiosas mantinham escravos negros em suas propriedades No sécu lo XVIII a fazenda dos mercedários em Cachoeira do Arari na ilha do Marajó contava com 150 escravos negros 28 Um dos motivos para essa proibição era a intenção do Marquês de Pombal de conseguir a simpatia dos indígenas amazônicos pois com o Tratado de Madri 56 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 essa proibição foi estendida para o Estado do Brasil Ainda em 1755 foi criada a Companhia de Comércio do GrãoPará e Ma ranhão que entre outros encarregouse de importar trabalhado res africanos estimulando esse comércio mas a permanência da fragilidade econômica regional limitava essa demanda Isso não quer dizer que a presença negra na Amazônia fosse insignificante Somente a Companhia em seus 22 anos de existência introduziu 12587 escravos negros na Amazônia Monteiro 2006 Algumas dezenas de milhares de trabalhadores africanos viveram na região na condição de escravos Bae na 1969 afirma que 38323 escravos foram importados para a região Segundo Salles 2005 esse nú mero totalizou 53217 Trabalhavam em lavouras diversas cacau e canadeaçúcar por exemplo extrativismo florestal comércio flu vial engenhos mineração de ouro no Mato Grosso e na pecuária ilha de Marajó29 Construíram obras diversas entre as quais os fortes Foi o caso da fortaleza de São José de Macapá erguida en tre 1764 e 1782 na intenção de barrar as investidas francesas que já estavam nas Guianas e impulsionar a colonização do território Este forte amapaense é considerado por historiadores locais como a maior fortificação militar colonial da América Latina mas nunca entrou em combate Sua construção que utilizou pedras retiradas das margens do rio Pedreira a algumas dezenas de quilômetros da fortaleza custou a vida de indígenas e negros Nas áreas urbanas os escravos de origem africana eram utiliza dos como vendedores prestadores de serviços artesãos carpintei na definição das fronteiras amazônicas entre Portugal e Espanha pesaria favora velmente aos lusos a reivindicação dos nativos pelos portugueses assim como o uso da língua lusitana Nessa disputa Portugal foi beneficiado pelas dificulda des dos espanhóis que saqueavam a costa pacífica da América do Sul em conse guir ultrapassar a barreira composta pelas montanhas da cordilheira dos Andes 29 Além das cidades já citadas podem ser destacadas Bragança Cametá e Santarém como importantes núcleos de produção econômica e mesmo de concentração de escravos 57 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ros e serviçais domésticos Apoiado nas informações do pesquisa dor Vicente Salles e nas estatísticas censitárias brasileiras Roberto Santos 1980 constata que em 1850 a Amazônia Pará e Amazo nas contava com 160313 habitantes livres e 40078 escravizados negros o que proporcionalmente era expressivo No Maranhão a produção de algodão na segunda metade do século XVIII e no decorrer do seguinte foi estimulada pelo au mento dos preços internacionais uma das razões para isso foi a independência das colônias inglesas da América do Norte atual EUA O algodão maranhense era destinado à indústria da Ingla terra Teve expressividade no Brasil do período e foi sustentado na força de trabalho escrava africana Isso modificou a composição étnica maranhense até então composta pelo colono branco e prin cipalmente o indígena e o mestiço derivados dos dois primeiros Segundo Caio Prado Júnior 2011 apesar do ranço o algodão tor nou preto o Maranhão De acordo com o coronel Antônio Lago em 1822 a província do Maranhão contava com 152893 habi tantes sendo 77914 escravos30 Mesquita et al 2015 Também a grande produção e exportação de arroz maranhense principal mente no final do século XVIII esteve sustentada por trabalhado res negros neste caso oriundos da Alta Guiné África Ocidental pois eram reconhecidos por dominarem as técnicas dessa produção no continente africano Na segunda metade do século XIX a efervescência econômica decorrente das exportações de borracha poderia ter estimulado a ampliação do uso da força de trabalho escrava africana na Amazô 30 A expansão da economia do algodão gerou efervescência econômica e cultural em São Luís com expansão urbana obras arquitetônicas e filhos da elite local indo estudar na Europa A grande produção literária levou a que se denominasse a cidade como a Atenas brasileira A contradição é que isso foi sustentado naqui lo que talvez seja o que há de mais atrasado na humanidade moderna a escravi zação de parte dos seres humanos 58 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nia mas sua importação já estava proibida e o aviamento respon deu à necessidade de se ter uma força de trabalho barata Os trabalhadores africanos também apresentaram diversas for mas de resistência as fugas e os quilombos também chamados de mocambos na Amazônia espalhados por toda a região são exem plos Parte dos que fugiam passavam a navegar pelos rios se jun tavam a outros negros e até mesmo conseguiam entrar em outras cidades se confundindo a libertos e mestiços Outros organizavam a resistência na forma de comunidades quilombolas Concordando com Castro e Campos 2015 o qui lombo constituíase num lugar de recriar a vida em liberdade Em Macapá há a vila negra do Curiaú atualmente dentro da área ur bana da capital amapaense Uma das versões contada por seus moradores para sua fundação afirma que a comunidade foi cria da por escravos fugitivos que eram forçados a extrair pedras usa das na construção da fortaleza de São José de Macapá no século XVIII O batuque do marabaixo e as festas de santos são algumas das marcas desse lugar e da sua forte presença cultural Esse traço cultural ainda que miscigenado com a cultura do colonizador está presente em inúmeras cidades amazônicas É o caso da cidade de Bragança e dos festejos ao seu padroeiro o santo preto São Benedito A participação negra na Revolução Cabana Pará e na Balaiada Maranhão no século XIX também merece destaque O período da borracha bela época para poucos escravidão para seringueiros Durante o dia tomavase chás e cafés andavase de bondes em ruas bem arborizadas e pavimentadas eletrificadas e cercadas por imponentes casarões e palacetes Percorriase as lojas para ver os mais recentes lançamentos da indústria estadunidense britânica e francesa O progresso era a modernidade Nos restaurantes se en contravam cidadãos belgas estadunidenses britânicos do Oriente 59 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Médio entre tantos Os vestidos tinham os mais finos tecidos do Oriente ou de outro país europeu sempre lavados em uma das lavanderias da capital francesa ou outra cidade equivalente Os fi lhos estudavam em universidades da Inglaterra Portugal França À noite uma ópera de companhia francesa era bem assistida num imponente teatro de estilo renascentista ou neoclássico inspirado em Milão ou outra cidade de vanguarda Privilegiavase arquitetos e artistas italianos e franceses para as construções e ornamentações mais destacadas Certas edificações eram produzidas em alguma metalúrgica europeia e montadas no lugar desejado Poderiam se guir o estilo art nouveau da belle époque ou outro que representasse a elegância do clima temperado do Hemisfério Norte Ah Paris Paris Estamos falando de uma grande cidade europeia Apesar do desejo regional não Era o centro da cidade de Belém ou de Ma naus na virada do século XIX para o XX Mas de onde vinha tamanha ostentação Quem sustentava o luxo dessa minoria de pessoas que buscava um reino de fantasia no calor equatorial O seringueiro Qual a situação da Amazônia e particularmente do trabalhador durante o século XIX e início do século XX Fui logo colocado para fazer trabalhos forçados Na época este ho mem que me comprou estava construindo uma casa e teve que bus car pedras do outro lado do rio Às vezes a pedra pesava tanto em minha cabeça que eu era obrigado a derrubála no chão e então o meu mestre irritado me chamava de cão Logo melhorei o meu conhecimento do idioma português e fui enviado para vender pão para o meu mestre às vezes não era tão bemsucedido e em seguida o chicote era meu destino As coisas continuaram cada vez piores Tentei fugir mas logo fui capturado amarrado e levado de volta Eu preferia morrer do que viver para ser um escravo Então corri até o rio e me joguei Após ser resgatado fui levado à casa de meu mestre que amarrou minhas mãos colocou meus pés juntos e me chicoteou impiedosamente bateume na cabeça e rosto com um pedaço de pau pesado me sacudiu pelo pescoço As cicatri 60 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zes do tratamento selvagem são visíveis desde então e permanecerão assim enquanto eu viver Depoimento de Mahommah Baquaqua31 O relato é de um caso típico de um trabalhador africano escra vizado no Brasil Vejamos outra situação O trabalhador era levado para a mata para extrair produtos da floresta Nela era obrigado a trabalhar para cobrir os custos de alimentação hospedagem e transporte Mas o que ele produzia era contabilizado por um preço muito baixo e ele ainda tinha que adquirir produtos para se alimentar nos dias que se seguiam para o trabalho extrativo etc Nesse caso os preços eram muito altos Era um trabalho extrema mente penoso que começava no meio da madrugada e continuava no decorrer do dia Mesmo assim sua dívida só aumentava Ele não tinha direitos respeitados não tinha nenhuma proteção traba lhista Quem determinava o que era ou não direito daqueles que trabalhavam era o senhor o barão o coronel Diversos relatos de nunciavam que mulheres e filhas dos trabalhadores eram abusadas sexualmente pelos seus senhores Salário monetário Férias Nem pensar Isso não existia Se tentasse fugir seria perseguido pelos capangas do latifundiário ou pela polícia capturado espancado e colocado de volta ao trabalho mais penoso ainda Esse é mais um relato de trabalho escravo africano do Brasil do século XVII Não Era a situação do trabalhador supostamente livre na Amazônia no início do século XX marcada por euforia econômica e moderni zação nas suas principais cidades Os primeiros séculos da colonização portuguesa da Amazônia foram marcados pelo extrativismo de produtos florestais conheci dos como drogas do sertão dentre os quais o mais destacado foi o cacau Mas era uma economia frágil A situação da região mudou no decorrer da segunda metade do século XIX com a grande pro 31 Disponível em httpdocsouthuncedunehbaquaquamenuhtml 61 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cura internacional pela borracha extrativa produto já há muito conhecido e trabalhado pelos indígenas Tanto o auge como o de clínio dessa produção decorreram entre outros fatores da revolu ção industrial que possibilitou o desenvolvimento técnico através da descoberta da vulcanização32 e o grande aumento da sua pro cura como matériaprima principalmente quando a indústria au tomobilística passou a crescer De outro lado a expansão imperia lista levou ao controle de diversas áreas do planeta pelas principais potências mundiais e buscou controlar a produção de matériaspri mas A borracha evoluiu de simples produto vegetalcomercial para elemento essencial ao desenvolvimento da indústria burguesa con solidando o papel da região como fornecedora de matériasprimas industriais e não apenas exportadora de produtos de consumo direto como era o caso de peixes ervas etc 33 Para a elevação da produção regional era preciso superar o pro blema da escassez de força de trabalho Isso foi resolvido com a mi gração nordestina organizada pelos governos estaduais amazônicos governo federal e seringalistas aqueles que controlavam seringais nativos Segundo Samuel Benchimol 1977 cerca de 350 mil nor destinos adentraram os seringais da Amazônia de 1850 a 1915 Mas se a procura por força de trabalho era alta por que não ha via um aumento na remuneração desta no seringal Dada a baixa remuneração por que esse trabalhador não migrava de volta para a agricultura Porque o seringal não era um mercado livre mas um estabelecimento mercantil e uma espécie de prisão sustentada numa cadeia de endividamento O trabalhador direto pagava em 32 Mistura de enxofre na borracha natural sob alta temperatura Com isso ela fica resistente às mudanças climáticas podendo ser utilizada como matériaprima industrial em larga escala 33 Outras espécies vegetais também produziam látex fosse na Amazônia ou em outras regiões e países mas a seringueira amazônica era quem produzia o látex em melhores condições de aproveitamento industrial 62 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 espécie com o fruto de seu trabalho látex colhido os produtos anteriormente comprados fiado junto ao patrão seringalista Este ganhava duplamente rebaixava o preço do látex extraído pelo trabalhador e elevava muito o preço das mercadorias que vendia fiado O seringueiro não podia abandonar o seringal enquanto não quitasse sua dívida Esse era o aviamento um sistema de organi zação do trabalho por meio do endividamento que extraía uma grande massa de trabalho excedente do trabalhador extrativista Essa situação levou Euclides da Cunha a afirmar que o serin gueiro era o homem que trabalhava para escravizarse e que o pro cesso em torno da extração da borracha era a mais criminosa orga nização do trabalho Podemos até discutir o conteúdo que Cunha quis dar à sua afirmação mas não nos pode restar dúvidas o se ringueiro era um escravo Escravo temporário e por dívida mas escravo Se não fosse assim ele seria livre para buscar trabalho em outras atividades e então pagar suas dívidas que na verdade já haviam sido pagas inúmeras vezes Até mesmo pesquisadores ama zônidas ainda que criticando o aviamento não o analisam como uma forma de trabalho escravo que sustentava a modernidade e europeização da bela época de Belém e Manaus O esquema de endividamento envolvia diversos atores por exemplo a casa de comércio do Rio de Janeiro vendia uma mer cadoria fiado para uma casa aviadora de Belém ou Manaus já co brando um ágio juros elevado por isso Esta casa aviadora que também era um estabelecimento mercantil repassava essa merca doria também fiado para um seringalista cobrando um ágio ainda maior de modo a cobrir os juros com a casa do Rio de Janeiro e ainda lhe garantir um lucro grande Por sua vez o seringalista fazia a mesma coisa com o seringueiro que não tinha a quem recorrer a não ser a si mesmo trabalhando cada vez mais Deste modo todo o esquema de juros cobrados por um e outro comerciante recaía so bre o seringueiro que trabalhava para pagar o ágio de todos e lhes 63 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 garantir enormes lucros mas fazia isso à custa de maior endivida mento pessoal Exemplifiquemos a partir dos dados de Mendes 2004 O quilo do feijão custava 155 réis no Rio de Janeiro A casa aviadora de Belém o repassava ao seringalista pelo preço de 1032 réis No seringal Piurini 5 custava 1200 réis e no Alto Madeira 6 o preço era 3 mil réis Assim o esquema do aviamento garantia ganhos não apenas na comercialização da borracha em si mas na comercialização em geral A dívida era fundamental para a sobrevivência do sistema e os enormes ganhos do capital e das classes dominantes locais A inexistência de uma dívida do seringueiro junto ao barracão de sarticularia o sistema extrativo visto que até aquela fase do desen volvimento econômico da Amazônia a natureza e seus bens em geral eram livres e os meios de produção para a fabricação do látex eram insignificantes Desmontar o sistema da dívida com o barracão sig nificava desmontar a sua própria lógica de sustentação A dívida não era portanto um elemento acessório proporcionador de lucros ex traordinários mas sim um elo fundamental na estrutura funcional do sistema Loureiro 2004 p 39 Dado o baixíssimo grau de beneficiamento do produto com me canização praticamente inexistente a produção dependia quase que exclusivamente da força de trabalho direta O montante do lucro do seringalista e do sistema como um todo dependia fundamental mente do número de seringueiros na mata Nesse sentido o limite a partir do qual se começava a extração do sobretrabalho era o mí nimo que garantia a precária sobrevivência do trabalhador o que era muito pouco Isso é uma forma de superexploração do trabalho34 Em função da extensão territorial da região e dos seringais na tivos do baixo nível de incorporação tecnológica e de produtivida 34 A definição de superexploração do trabalho na realidade superexploração do trabalhador foi sistematizada por Ruy Mauro Marini 2005 ao analisar a eco nomia dependente e suas conexões com as economias centrais 64 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de o aviamento foi o sistema encontrado para responder ao mesmo tempo aos interesses da burguesia regional35 e da internacional A sobreexploração do seringueiro era uma necessidade da própria valorização de capital permitindo a redução dos custos industriais nos países centrais Mesmo assim essas nações buscaram outros meios para reduzir ainda mais os custos dessa matériaprima como foi o caso da plantação no Oriente e o desenvolvimento da borracha sintética O aviamento gerava um montante enorme de trabalho exce dente extraído que era distribuído entre seringalistas exporta dores governo bancos e comerciantes brasileiros europeus e es tadunidenses Aos trabalhadores diretos restava a miséria social compartilhada por outras frações da classe trabalhadora amazô nica Por conseguinte formouse uma estrutura de classe e renda na região configurada em dois opostos muito distantes Belém e Manaus foram as cidades que concentraram alguma riqueza consumo e serviços e onde se localizou a oligarquia local Mer cadorias diversas incluindo óperas eram importadas da Europa Filhos dos barões da borracha e grandes comerciantes eram en viados à Paris para concluir seus estudos Contase que as famí lias mais ricas chegavam a mandar suas melhores roupas para serem lavadas nas metrópoles europeias e veja que água nunca faltou na região No auge da economia gomífera a nascente burguesia local que ria se sentir na Europa ainda que vivesse colada na linha do Equa 35 Falamos de uma burguesia regional como classe em formação com fortes tra ços oligárquicos e sustentada no extrativismo e no comércio Era uma burgue sia subsidiária como agente marginal e subordinado à acumulação capitalista mundial Em alguns momentos recorremos a ela também como oligarquia local ainda que aqui o elemento político esteja fortemente presente para além do eco nômico Não estamos diante de um modo de produção précapitalista mas do próprio capitalismo que na necessidade de sua reprodução em escala mundial e mesmo local cria e recria relações arcaicas 65 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dor Por isso repassou aos governos provinciais de Manaus e Be lém a realização de uma série de investimentos que ela demandava mas que não queria assumir os custos portos pavimentação de vias transporte de bondes urbanização teatros etc Isso tornava esses governos permanentemente endividados Belém comandada pelo intendente prefeito Antônio Lemos tomou Paris como mo delo período que ficou conhecido como belle époque da cidade36 Em Manaus o teatro Amazonas praças e o mercado municipal Adolpho Lisboa são exemplos dessa opulência Mas todo o luxo se sustentava na superexploração do seringueiro excluído dos ganhos do progresso e da modernidade Na verdade o moderno repro duzia o que havia de mais repugnante a degradação extremada do trabalhador seringueiro Assim a opulência dos que se apropriavam da riqueza local era acompanhada de miséria prostituição e exclusão das demais ca madas da população local Afora isso o embelezamento das duas cidades concentravase no centro que era onde circulava o capital e residiam os moradores ricos Por isso mesmo Antônio Lemos de senvolveu uma política sanitarista visando afastar da área central de Belém aqueles que não tinham hábitos e condições de manter residências e prédios no padrão arquitetônico desejado No seringal a parcela do capital fixo geral máquinas e equi pamentos era pequena se comparada ao capital total investido A forma de capital predominante era o comercial remunerandose principalmente na circulação seja na comercialização da borracha exportada seja na comercialização de outros produtos importa dos do exterior e do Sudeste do país para abastecer cidades e se ringais da Amazônia Assim com reduzidíssima industrialização e dependente de capitais externos e dos preços definidos no mercado 36 Os capitais estrangeiros presentes na cidade eram predominantemente ingleses e estadunidenses mas a referência cultural era francesa 66 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 internacional a economia amazônica viuse numa situação em que o seu centro dinâmico estava no exterior Afirmamos isso levando em consideração que a demanda externa definia o preço do produ to e o montante da produção regional A subida dos preços inter nacionais gerava euforia regional O reduzido capital da região concentrouse onde o lucro comparado ao montante investido seria maior o negócio em torno do extrativismo reduzindo investimento em outras áreas De fato houve até mesmo migração de investimentos de outros setores para a borracha aqui incluída a comercialização Como o processo produtivo em si trabalhava com baixa inovação téc nica e requeria relativamente pouco capital constante máquinas equipamentos e matériasprimas não havia e não houve grande interesse ou ação concreta exitosa no sentido de estabelecer al gum tipo de industrialização forte e permanente para além do beneficiamento primário mínimo do látex O capital remunera vase fundamentalmente na circulação e aí procurou manter se As indústrias instaladas não foram capazes de dinamizar a economia local após a crise da borracha diferente do processo que ocorreu no Sudeste e no entorno do café Afora isso a superexploração do trabalhador direto inibia a in dustrialização na medida em que diminuía a potencialidade do mercado consumidor local reduzindo a possibilidade de uma substituição de importações que estimulasse a instalação de indús trias na região Por outro lado as potências capitalistas procuraram controlar diretamente as fontes produtoras A Inglaterra empreendeu plan tações no Sudeste Asiático com as sementes amazônicas ação fun damental à manutenção da hegemonia britânica sobre o mercado mundial particularmente diante da ascensão dos EUA Henry Wickham foi a pessoa encarregada de conseguir as se mentes de seringueira amazônica para as plantações britânicas no 67 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Sudeste Asiático Estimase que o botânico inglês coletou 70 mil sementes de seringueira no Baixo Amazonas região de Santarém Elas foram enviadas ao Jardim Botânico Real em Londres De lá foram enviadas para a Malásia então dominada pelos ingleses Pelo feito considerado heroico pela monarquia britânica Wickham re cebeu título de nobre Esse é considerado um dos grandes casos de biopirataria na Amazônia mas não o primeiro lembremos das expedições científicas presentes há muito na região e também não o último No Brasil o caso foi denunciado como contrabando Isso deve ser relativizado pois 70 mil sementes não se reúnem de um dia para o outro Provavelmente Sir Wickham pagou várias pessoas para esse trabalho estocou e depois contratou um navio para o transporte Isso levou tempo e não tinha como não ser do conhecimento de muitos Não se tratava do contrabando de um produto que se escondia embaixo da camisa ou dentro de uma bol sa Por isso podemos supor que o nobre ladrão contou com a coni vência de parte das autoridades locais tendo pago algum suborno que também não deve ter sido o primeiro e lamentavelmente não foi o último Do total da riqueza gerada na região uma parte ficava ali mes mo e concentrada em poucas mãos outra se transferia para o ex terior e uma terceira por meio do comércio interno e arrecadação federal migrava para outras regiões do país Os gastos federais na Amazônia eram significativamente menores que o montante reco lhido pela União Segundo dados do IBGE e de Santos 1980 em 1910 o governo federal arrecadou na região Norte 84799 contos de réis um conto correspondia a um milhão de réis mas gastou lá apenas 12359 contos A sociedade amazônica sustentada numa exploração excessiva do seringueiro mas também de outros traba lhadores produziu um montante considerável de riquezas que em alguma medida durante esse período financiou uma parte do pro cesso de industrialização e de acumulação de capital que se iniciava 68 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e se aprofundava no Sudeste brasileiro37 Mas pode ser levantado o argumento foi por um período muito curto Ao que respondemos nem tanto Entre as décadas da virada do século XIX para o XX a participação da borracha na pauta da balança comercial brasileira foi expressiva particularmente na primeira década do novo século Participação da borracha e do café no total das exportações brasileiras em Ano Borracha Café Ano Borracha Café Ano Borracha Café 1879 1880 6 57 1901 21 59 1910 40 41 1890 10 68 1902 20 56 1911 23 60 1895 16 69 1903 26 52 1912 22 62 1896 13 69 1904 28 50 1913 16 62 1897 16 64 1905 33 47 1914 15 58 1898 21 55 1906 26 52 1915 13 60 1899 24 57 1907 25 53 1900 20 57 1908 27 52 1920 3 49 1909 30 53 Fonte IBGE anuários estatísticos Santos 1980 Essa economia regional se viu em crise quando os seringais de cultivo britânicos na Ásia entraram em operação massiva a partir de 1911 As exportações ainda que com preços rebaixados man tiveram volume elevado até 1912 quando também passaram a de clinar A crise foi implacável A população amazônica decresceu de 37 No caso específico do Mato Grosso na segunda metade do século XIX foi intensificada a navegação fluvial com o SulSudeste do Brasil por meio do rio ParaguaiBacia Platina Durante vários anos o látex também foi o pro duto de maior expressão mas também ganhou destaque a ervamate poaia e couros bovinos Corumbá Cáceres e Cuiabá foram os centros econômicos que se destacaram A produção do mate com o tempo passou a ser hegemo nizada pela Laranjeira Mendes e Companhia empresa privada de extração e processamento dessa erva Controlou enormes extensões de terra em parti cular à margem esquerda do rio Paraná A firma contratava preferencialmen te trabalhadores paraguaios pois eram mais fáceis de serem superexplorados principalmente por serem estrangeiros e pela fragilidade de seu país após a Guerra do Paraguai 69 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1217024 de habitantes em 1910 para 1090545 21 dez anos depois A participação do extrativismo vegetal entre 1910 e 1920 na renda regional reduziuse a 23 do valor alcançado em 1890 Santos 198038 Mas o controle da produção de borracha natural pelo cartel in glês se chocava com os interesses da crescente indústria automobi lística estadunidense Por conta disso por meio de uma negociata Henry Ford recebeu do governo do estado do Pará um milhão de hectares de terra às margens do rio Tapajós que veio a se chamar Fordlândia O industrial imperialista recebeu do Estado brasileiro e do governo paraense uma soberania institucional ilimitada inclusi ve com força repressiva própria Mesmo assim não obteve sucesso39 Durante a Segunda Guerra Mundial os seringais asiáticos foram ocupados pelos japoneses Por conta disso e como parte dos Acordos de Washington em 1942 o governo brasileiro comprometeuse em abastecer com exclusividade a indústria estadunidense com a borra cha proveniente da Amazônia Arregimentaramse nordestinos para 38 Os estados ficaram muito endividados O funcionalismo público chegou a um ano de salários atrasados Em 1922 o governo do Amazonas acertou um emprés timo de US 25 milhões junto a banqueiros estadunidenses Para tal concede ria a estes especuladores grandes volumes de terras para explorálas como bem quisessem além de concessões exclusivas e subvencionadas para a exploração da navegação fluvial e telecomunicações entre outros Para estes investimentos o governo amazonense repassaria aos investidores US 15 milhões dos US 25 milhões que se estava emprestando O contrato não foi aprovado pelo Con gresso brasileiro e por isso não se efetivou 39 A Companhia Ford Industrial do Brasil foi constituída em 1927 e tinha como objetivo principal conduzir a mega plantação de seringueiras na Ama zônia O projeto Ford de plantation foi instalado nos anos 1930 mas sofreu com uma praga natural mal das folhas e com a indisponibilidade de força de trabalho na quantidade e nas condições de padronização e adaptação exi gidas pelas empresas Ford disciplina fabril que negava as peculiaridades da cultura local na relação entre homem e natureza Nestas condições as em presas Ford perderam interesse pelo empreendimento Sobre esse tema veja Leal 2002 e Costa 1981 70 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 a extração de látex na floresta alistados como se fossem cumprir serviço militar por isso eram chamados de soldados da borracha A Batalha da Borracha era acompanhada de forte propaganda de guerra conduzida pelo Departamento de Imprensa e Propagan da DIP de Getúlio Vargas Apelavase para o espírito patriota e se apresentava a Amazônia como região de fartura e felicidade di ferente do Nordeste Também se divulgava uma divisão de papéis O soldado da borracha deveria lutar contra a floresta para extrair látex e com isso contribuir para a vitória do Brasil e dos aliados Os soldados diretamente vinculados às Forças Armadas tradicionais defenderiam belicamente a costa brasileira Dada a urgência da produção foram criadas algumas institui ções entre elas o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia Semta para arregimentar nordestinos para ex trair borracha a Superintendência de Abastecimento do Vale Ama zônico Sava o Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará Snapp e o Banco de Crédito da Borracha BCB banco estatal brasileiro mas com 40 do capital pertencente à Rubber Reserve Company agência governamental estadunidense que in dicava um dos dois diretores da instituição financeira enquanto que a presidência cabia ao governo brasileiro DecretoLei 44511942 Samuel Benchimol 1977 afirma que 100 mil nordestinos vieram para a Amazônia entre 1942 e 194540 constituindo um quadro humano de fome tristeza e desilusão com milhares de mortos muitos antes mesmo de chegar ao seringal Esse traba lhador imigrante se deparava com uma realidade históricosocial mas também física muito diferente daquela de onde ele partira Benchimol a partir de entrevistas com os migrantes afirma que 40 Há outras estimativas menores 60 mil nordestinos por exemplo Não esqueça mos que havia um deslocamento de amazônidas também que migravam de suas comunidades e cidades para os seringais 71 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o sertanejo se autoafirmava como homem de terra enxuta e a Amazônia era encharcada Este trabalhador não tinha proteção legal não tinha os direitos nem dos trabalhadores do campo nem dos da cidade era como se fosse um trabalhador independente autônomo Também não era reconhecido como militar apesar do alistamento41 Um dos carta zes do governo para arregimentação chamava os nordestinos a se alistar como soldado da borracha O Semta daria a passagem um equipamento de viagem um bom contrato assistência à família e assistência médica e religiosa Não passou de promessa Sua situação pouco se diferenciava do seringueiro do final do século XIX Vejamos isso em um entre muitos casos de superex ploração Antônio Ribeiro saiu do sertão cearense rumo ao Ama zonas acompanhando o pai que foi trabalhar como soldado da borracha Trabalhando no seringal o pai adquiriu fiado merca dorias junto ao seringalista o patrão adoeceu e morreu quando Antônio tinha apenas 8 anos de idade Eu me lembro que era eu sozinho para enterrar meu pai Eu era escravo Aí o patrão disse que eu não saía de lá enquanto eu não pagasse a conta Eu tinha oito anos E aí eu fiquei trabalhando para pagar escravo Rede Amazônica de Televisão42 41 Os familiares de soldados da borracha permanecem reivindicando o reconheci mento destes trabalhadores como soldados de guerra o que significaria inclusi ve receber a mesma pensão que os pracinhas eou seus familiares tiveram direito Para quem lutou na Amazônia não houve vitória e a batalha lamentavelmente ainda não se encerrou 42 O seringueiro e seus filhos sequer tinham direito a frequentar uma escola Se o filho do seringueiro fosse pra escola ele ia começar a aprender a ler escrever e a contar e ia descobrir a exploração que estava sendo feita Isso não interessava para o patrão Depois isso influía na produção No lugar do filho do seringueiro ir para a escola ele tinha que ir pra seringa pra poder fazer mais borracha e au mentar a produção do seringal Chico Mendes apud Souza 1990 p 25 Não esqueçamos que os filhos da elite local desde o final do século XIX frequenta vam as escolas europeias para se tornarem doutores 72 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Batalha da Borracha intencionalmente ou não acabou refor çando as relações de dominação e superexploração de um sistema caduco o extrativismo da borracha a partir do aviamento Do ponto de vista da burguesia regional não havia interesse em mudar as relações há muito estabelecidas e que garantiam os lucros elevados Isso ficou evidente no perfil do seringueiro traçado pelas associações comerciais do Pará e Amazonas Antes do mais deve ele ser capaz de viver isolado no interior da flo resta o que constitui particular disposição de espírito deve possuir certa facilidade de improvisar para se bastar a si mesmo com os escassos recursos da floresta Deve ser suficiente saudável para não enfermar em sua barraca úmida e sem conforto no centro da mata Deve ter suficiente resistência física para uma caminhada de 20 qui lômetros diária suportando carga através de alagadiços e ladeiras E deve finalmente contar com habilidade ao corte pois um serin gueiro desajeitado canhestro é fraco produtor de leite de seringa Andrade apud Pinto 1984 p 98 A esse sincero depoimento só faltou acrescentar algo também importante para as associações burguesas regionais que este traba lhador aceitasse comodamente o preço mínimo pago por seu traba lho e a condição de exploração excessiva a que ele se encontrava O número de trabalhadores mortos pode ter alcançado 13 daqueles que foram para a mata nordestinos e amazônidas de tal modo que morreram bem mais brasileiros lutando na Amazônia do que pra cinhas na Itália aproximadamente 45 centenas Sem diminuir a importância das mortes de nossos soldados na Europa o ferro de Minas Gerais e a borracha da região amazônica possivelmente foram as principais contribuições do Brasil à vitória dos países aliados Depois que os EUA retomaram o controle dos seringais do Su deste Asiático desinteressaramse novamente pelo produto amazô nico e a economia voltou à crise de antes Ficou o lamento daqueles que viram seus familiares e amigos morrerem para defender a li berdade Isso pode ser exemplificado nas palavras escritas numa 73 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cruz improvisada sobre uma cova no meio da mata que continha um trabalhador morto após picada de cobra Aqui foi enterrado João Fumaça um Soldado da Borracha que lutou pela liberdade e ajudou a salvar milhões de vida Saudades de seus amigos e com panheiros Sampaio 2007 p 38 A definição das fronteiras amazônicas A Amazônia originariamente espanhola em sua quase totali dade foi paulatinamente sendo ocupada por Portugal o que foi reconhecido internacionalmente pelo Tratado de Madri 1750 que resolveu o conflito entre portugueses e espanhóis Mas isso não significava que suas fronteiras estavam delimitadas Diversas pendências ainda permaneciam e se prolongaram até o início do século XX Desde o início da colonização portuguesa na Amazônia no século XVII já havia disputas pela região ingleses holandeses e outros mais reivindicavam parcelas do território O Mato Grosso e outras porções do que hoje é a Amazônia brasileira foram plei teados pela Espanha O Maranhão foi alvo de disputas inclusive armadas dos portugueses contra holandeses e franceses Esses últi mos desde os primórdios na colonização lusitana amazônica tam bém reivindicavam para si a posse da Guiana e do atual estado do Amapá cujo objetivo era criar a França Equinocial e ter o controle de um dos lados da foz do rio Amazonas Posteriormente recuaram na ambição passando a requisitar a metade norte amapaense A pendência sobre o Amapá gerou vários tratados e momen tos de tensão redundando em um conflito armado entre milita res franceses e moradores amapaenses em 15 de maio de 1895 Seis soldados franceses e 38 moradores amapaenses foram mor tos obrigando o governo brasileiro a tomar uma posição mais ati va em torno da disputa O conflito armado fora impulsionado pela ocorrência de ouro naquela região A divergência foi resolvi 74 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da numa arbitragem internacional presidida pelo presidente suíço Walter Hauser em 1900 Representado pelo barão do Rio Branco o Brasil ganhou a causa em torno do território do Amapá tendo a fronteira entre os dois países delimitada pelo rio Oiapoque No final do século XVIII a Inglaterra ocupou colônias que a Holanda mantinha ao norte da Amazônia e à margem do Caribe conformando o que veio a ser a Guiana Inglesa Até então a ocu pação portuguesa ou que se afirmava ser se estendia pelo curso do rio Branco atual estado de Roraima43 chegando até o alto rio Rupununi que é afluente de um rio maior o Essequibo que desá gua no mar caribenho cortando a Guiana ao meio de norte a sul A área entre os dois rios passou a ser requerida pelos ingleses pois assim teriam algum acesso à Bacia Amazônica O entorno do rio Pirara na mesma região foi ocupado por ingleses reclamandoo como sua possessão A divergência entre Inglaterra e PortugalBra sil se prolongou pelo século XIX sendo resolvida em 1898 quando o rei italiano Vitório Emanuel III escolhido como árbitro deu ganho de causa aos britânicos que anexaram a área para si44 Durante o período de expansão da extração de látex os brasi leiros passaram a penetrar o território boliviano em busca de serin gais ocupando uma área que atualmente corresponde ao estado do Acre Por força do Tratado de Ayacucho 1867 o governo brasilei ro reconhecia a área como da Bolívia e em 1899 aceitou a instala ção de um posto de alfândega do país vizinho no referido territó 43 Esta região foi inicialmente disputada entre portugueses e espanhóis Os lusita nos afirmaram sua supremacia no decorrer da segunda metade do século XIX ocasião em que afastaram os espanhóis além de terem construído o forte de São Joaquim na margem do rio Uraricoera região do rio Branco Ainda nesse período buscouse assentar povoamentos e fezse reconhecimento geográfico e etnográfico que chegou até o rio Rupununi Também foram formadas fazendas para a pecuária bovina e equina 44 A região à esquerda do rio Essequibo também é reclamada pela Venezuela fato ainda não resolvido até as primeiras décadas do século XXI 75 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 rio Os brasileiros lá presentes e impulsionados pelos interesses dos seringalistas decidiram expulsar os bolivianos fundar a República do Acre contratando o espanhol Luís Galvez para governála No início do ano seguinte Galvez foi expulso e a Bolívia retomou o controle sobre a região O problema foi que a partir daí o governo boliviano decidiu repassar o território rico em seringais ao Bolivian Syndicate uma empresa fundada em Nova York com capitais estadunidenses e britânicos e que teria amplos poderes sobre a região O contrato afirmava que durante sua vigência o governo boliviano só poderia dispor de terras e seringais na área se recebesse consentimento do Sindicato Além disso conferia à companhia estrangeira força po licial militar e naval própria e por trinta anos o direito poder e autoridade únicos absolutos exclusivos e independentes para co brar e exigir o pagamento de rendas Contrato apud Reis 1960 p 165 Segundo Reis 1960 Becker 2008 e Ribeiro 2005 ela tinha como um dos proprietários o filho do presidente dos EUA da época Theodore Roosevelt além do rei da Bélgica O contrato foi assinado em 1901 A reação armada dos brasileiros foi comandada por Plácido de Castro a partir de 1902 momento em que o governo do Brasil decidiu oporse à instalação do Bolivian Syndicate e requisitar a região para si À frente da defesa diplomática brasileira estava o Barão do Rio Branco Em 1903 os dois países assinaram o Tratado de Petrópolis permitindo a apropriação ou usurpação do enorme território boliviano pelo Brasil Pagou dois milhões de libras es terlinas à Bolívia e se comprometeu a construir a estrada de ferro MadeiraMamoré que interessaria aos bolivianos e aos capitais lá instalados para escoar sua produção pelo rio Amazonas para o Atlântico EUA e Europa Há quem afirme que os empresários do Bolivian Syndicate receberam do governo brasileiro uma indeni zação maior 76 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A estrada de ferro era uma proposta antiga e já tinha sido inicia da e fracassada em dois momentos anteriores 1872 e 1879 Em 1907 a obra foi de fato começada sendo concluída em 1912 com seus 366 km ligando GuajaráMirim a Porto Velho Sua constru ção ficou a cargo do estadunidense Percival Farquhar e sua em presa a Madeira Mamoré Railway Company que fundou a atual capital rondoniense também em 1907 Ela abrigou a multidão de trabalhadores que chegavam de diversas partes do Brasil e do mun do e ainda os moradores da antiga vila de Santo Antônio do Ma deira que se deslocaram para o novo lugar Por conta dos milhares de mortos durante a obra ficou conhecida como ferrovia da morte ferrovia do diabo As razões eram acidentes doenças ataques de animais e confrontos com indígenas Os trabalhadores afirmavam que para cada dormente da estrada havia um morto Estimase que até 10 mil trabalhadores podem ter perdido a vida na empreitada Para piorar quando ela ficou pronta a economia da borracha na Amazônia entrou em profunda crise A estrada foi subutilizada até ser desativada comercialmente Também data de 1907 o início da construção da linha telegrá fica de Cuiabá a Santo Antônio do MadeiraRO conduzida pelo marechal Cândido Rondon que inspirou o nome do atual estado de Rondônia Rondon ainda participou de diversas expedições pela Amazônia uma das quais com a presença do expresidente do EUA Theodore Roosevelt Em várias investidas o marechal mapeou rios flora e fauna além de promover o contato com muitas etnias Ele seria um dos idealizadores do parque nacional do Xingu criado em 1961 tarefa que foi defendida pelos irmãos Villas Boas A internacionalização da Amazônia Durante a colonização portuguesa se iniciaram as expedições científicas à Amazônia Os cientistas permaneciam na região por alguns anos mapeando a diversidade ecológica Para os financia 77 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dores porém interessava o que isso significaria em termos de apro priação de riqueza servia ademais como afirma Reis 1960 aos interesses imperialistas de seus países de origem La Condamine chegou à Amazônia em 1735 e a expedição HumboldtBonpland começou em 179945 Essas duas expedições prenunciam a mudança do papel histórico da Amazônia de região fornecedora de meios de consumo para a metrópole colonial para região fornecedora de meios de produção sob a forma de matériaprima para a acumulação industrial Leal 2010 p 98 No século seguinte as expedições aumentaram com cientistas de referência mundial alemães prussianos britânicos e estaduni denses com destaque para dois que ficaram associados à teoria da evolução Wallace e Bates O primeiro permanecendo quatro anos e o segundo onze anos o que lhe permitiu reunir 14712 espécies diferentes relatadas peixes mamíferos insetos etc afora o ma peamento da flora e dos rios No decorrer do século XIX mais de 25 expedições científicas estiveram na Amazônia brasileira Desta quese que cada uma levava muito tempo na região Em 1820 o tenente da marinha britânica Henry Lister Maw comandou uma expedição que saiu de Lima no Peru atravessan 45 Humboldt a serviço da Academia de Ciências de Paris não deixou de tomar partido a favor de seu país ao afirmar que o rio Vicente Pinzón não era o rio Oiapoque mas sim um braço do rio Araguari na porção central do Amapá Reis 1960 Se assim fosse a metade norte do território amapaense passaria a domínio francês Outro cientista Richard Spruce esteve durante vários anos na Amazônia Ele fez estudo para o governo britânico sobre o aproveitamento das espécies produtoras de borracha importante para o desenvolvimento do plantio no Oriente Reis 1960 p 107 reproduz uma fala do cientista Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona do vale do Amazonas em vez da Ín dia Se aquele palpavo rei Jaime II em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortarlhe a cabeça tivesse continuado a fornecerlhe navios homens e dinheiro até ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da Améri ca não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria neste momento nas mãos da raça inglesa 78 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do os Andes e em seguida percorreu todo o rio Amazonas até sua foz O objetivo era mapear a possibilidade de uma ligação direta entre o oceano Atlântico e o Pacífico por meio desse trajeto Esse percurso foi refeito com o mesmo objetivo pelo tenente inglês William Smith 1834 Outros mais se lançaram à aventura de per correr e mapear o vale amazônico em busca de suas riquezas Em 1824 fundouse em Nova York uma empresa para explorar a navegação e as riquezas amazônicas gerando um incidente diplomá tico entre os dois países A empresa não conseguiu seu objetivo mas a pressão pela abertura do rio Amazonas à navegação internacional permaneceria Nos anos 1850 Matthew Fontaine Maury oficial da marinha estadunidense levantava inclusive a possibilidade do uso da força para alcançar este objetivo Para ele a América do Sul não seria mais que uma península da América do Norte sendo portan to uma dependência da porção norte do continente Maury defen dia ainda a colonização amazônica pela força de trabalho escrava do sul dos EUA46 Implicitamente se colocava inclusive a possibilidade de interligação das bacias dos rios Orinoco Venezuela Amazonas e Paraná a partir do qual seriam disponibilizados à navegação in ternacional Em 1862 o presidente Abraham Lincoln propôs que os escravos libertos dos EUA viessem para a Amazônia fundar uma república dos negros americanos Eles não aceitaram por acreditar que os EUA pertenciam a eles também Ainda durante a Revolução Cabana 18351840 o líder caba no Eduardo Angelim afirmara ter recebido e rejeitado proposta de potências estrangeiras para se associar às suas nações Domingos Rayol tendo ouvido do próprio Angelim afirma que os ingleses 46 A abertura do Amazonas à navegação internacional só aconteceu posteriormente 1866 algumas décadas após a independência do país O governo brasileiro já se sentia com mais domínio sobre a região Segundo Arthur Cézar Reis 1960 a criação da província do Amazonas teria sido uma das respostas brasileiras às pressões pela navegação internacional no rio Amazonas 79 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sugeriram que ele proclamasse a independência da província ato que teria proteção estrangeira O cabano teria respondido que não trairia nunca a sua pátria para trocar o nome de cidadão brasileiro com o qual se julgava enobrecido Rayol apud Reis 1960 p 63 Segundo Ernesto Cruz Ribeiro 2005 o governo estadunidense oferecera recursos militares para que os cabanos proclamassem a independência da Amazônia Quando perdeu as eleições para a presidência dos EUA Theodore Roosevelt planejou um cruzeiro pela Amazônia se guindo e mapeando o grande curso do rio Amazonas mas o go verno brasileiro indicou que fizesse parte de uma expedição com o marechal Rondon 19131914 já mencionada anteriormente A expedição percorreu o Mato Grosso e Rondônia no rio da Dúvida rebatizado de rio Roosevelt Teddy Roosevelt foi o presidente que desenvolveu a doutrina do Big Stick grande porrete para as relações internacionais afirmando sua dominância sobre os países latinoamericanos Promoveu intervenções diretas na República Dominicana e Cuba e estimulou a guerra de independência do Panamá contra a Colômbia pois tinha interesse na construção e posse do Canal do Panamá Talvez por isso mesmo o governo bra sileiro o tenha colocado junto à Rondon numa penosa expedição Colocar um militar experiente para acompanhar Roosevelt pode ser visto como uma precaução A expedição era conduzida por um recémpresidente de um dos países mais importantes da época e às vésperas da Primeira Guerra Mundial originada nas disputas imperialistas Quais os interesses de tal presidente Em 1919 durante o Congresso da Paz o presidente estaduni dense Woodrow Wilson propôs ao presidente brasileiro Epitácio Pessoa a internacionalização do rio Amazonas Ela ocorreria por meio da abertura da colonização na região e pela pesquisa do solo e subsolo a todos os povos interessados A proposta também não se efetivou 80 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Ainda que não desenvolvesse políticas duradouras mais efetivas o governo brasileiro adotou algumas ações para mostrar aos outros países sua soberania sobre a Amazônia Em 1943 em meio à Segunda Guerra Mundial e sob a bandeira do nacionalismo e da Marcha para Oeste segundo a qual o Brasil deveria conquistar seu território inte riorano Vargas criou a Fundação Brasil Central diretamente vincu lada à Presidência da República Ela era um misto entre empresa pú blica e privada Sua finalidade seria desbravar e colonizar o território compreendido entre os altos rios Xingu e Araguaia e o Brasil central e ocidental Para tal poderia dispor de terras e outros recursos inclusive financeiros A fundação criou ou se associou a subsidiárias empresas e projetos econômicos e infraestruturais Sua missão inicial foi a expe dição RoncadorXingu que deveria instalar rapidamente uma rota de comunicação terrestre aérea e de rádiocomunicação entre a capital federal Rio de Janeiro e Manaus no centro ocidental amazônico A política sustentavase na concepção de que era preciso que brar o atraso e o isolamento da região A ideia de espaço vazio tantas vezes justificadora de ações externas sobre a Amazônia mais uma vez e não a última estava subentendida A Fundação não res peitou as populações indígenas distribuindo suas terras de acordo com os interesses de quem vinha de fora A ação bandeirante que já havia dominado o Mato Grosso e o Brasil Central ganhou novo formato Não se buscava primordialmente ouro mas efetivamente transformar o território em fronteira de recursos naturais expan dindo os horizontes da acumulação capitalista no país Isso acon teceria com a integração da região ao núcleo central da economia brasileira e a partir disso à economia mundial sempre de forma subordinada Nos governos seguintes a Fundação encontrou mui tas dificuldades para continuar existindo mas a política de ocupa ção matogrossense pelos de fora seria intensificada Em outro plano desde 1945 havia sido aberta uma discussão em torno da criação do Instituto Internacional da Hileia Amazôni 81 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ca parte componente da OnuUnesco o que colocava em questão a soberania do país sobre a região Apesar do apoio inicial da di plomacia e mesmo do parlamento brasileiros o projeto encontrou muitas resistências e crítica a uma possível internacionalização da região Diante disso o Congresso Nacional estimulado por Ar thur Bernardes levantou limitações e nada fez para aprovar a con venção que criava a nova instituição internacional A proposta se restringiu ao longo debate inicial Neste cenário o governo brasileiro criou então em 1952 o Ins tituto Nacional de Pesquisas Amazônicas INPA sediado em Ma naus Em 1953 criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia SPVEA para elaborar políticas de de senvolvimento para a Amazônia Apesar de não se restringir a isso essas instituições eram também uma tentativa de demonstrar que o país estaria interessado e ocupando a região Em 1967 uma nova proposta de internacionalização da região foi posta em questão desta vez pelo Hudson Institute dos EUA47 Haveria o barramento do rio Amazonas criando um imenso lago de navegação internacional que se interligaria ao Cone Sul atra vés do rio Paraguai à Bacia do rio Orinoco Venezuela e à Amé rica Central e ao Oceano Pacífico por meio do Canal do Panamá que seria duplicado com a construção de um novo canal na Co lômbia O projeto não foi efetivado Contribuíram para isso as críticas e denúncias feitas por setores nacionalistas48 47 Este instituto assessorou o PentágonoDepartamento de Defesa dos EUA 48 Segundo Orlando Valverde 1980 o projeto dos grandes lagos envolvia o Pro jeto Chocó ligando bacias de rios colombianos fazendo ligação com o canal do Panamá que seria duplicado o Projeto Pimichín ligando o rio Orinoco Ve nezuela ao rio Negro e assim ao Amazonas o Projeto Grande Lago Amazôni co com barramento do rio Amazonas em Óbidos ou Monte Alegre o Projeto Regiões Remotas da Bolívia ligando o rio Guaporé ao rio Paraguai o Projeto Araracuara barrando o rio Japurá no sul da Colômbia até os Andes o Projeto Amazonas peruano barrando o rio Ucayali Amazonas no Peru 82 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 1989 por iniciativa do governo francês foi convocada a Cúpula de Haia para discutir os problemas ambientais mas se cos turava a partir do presidente François Mitterrand a criação uma entidade supranacional para administrar a Amazônia e sancionar os países que apresentassem má conduta em relação ao meio am biente Os países amazônicos foram contra e a proposta não avan çou muito49 Essas ações contra a soberania brasileira sobre a Amazônia de correram apenas de governos estrangeiros Não Não esqueçamos que durante o auge da economia da borracha grande parte dos serviços públicos em Belém e Manaus eram concessões dadas pe los governos locais a empresas estrangeiras principalmente de ca pital inglês e estadunidense Até mesmo as firmas exportadoras eram estrangeiras assim como o transporte ultramarino Quando a economia local entrou em crise o governador amazonense Rego Monteiro negociou um empréstimo com banqueiros estaduniden ses de US 25 milhões dos quais receberia de imediato apenas US 10 milhões Como já citado além do pagamento de juros e do valor emprestado total o estado se comprometia a repassar terras serviços públicos linha de navegação estradas de ferro sistema de comunicação etc e prédios públicos aos que concederiam o empréstimo Receberiam ainda isenção de impostos e parte do em préstimo para fazer os investimentos O caso era tão escandaloso que o governo do Brasil na figura do presidente Epitácio Pessoa teve que desautorizar tal negociata Nos anos 1920 os governos brasileiro e paraense concordaram e estimularam a apropriação de mais de um milhão de hectares de terra amazônica pelas empresas Ford Logo após o Golpe de 1964 os militares convidaram o estadunidense Daniel Ludwig a 49 Registrese a manutenção de bases militares estadunidenses na América do Sul destacadamente na Colômbia 83 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 se apropriar de território ainda maior A proposta de um instituto internacional sobre a Hileia Amazônica contou com o apoio inicial da diplomacia brasileira Nos anos 1950 o manganês do Amapá passou a ser explorado pela IcomiBethlehem Steel EUA com apoio do governo O mesmo continua a acontecer com inúme ras multinacionais instaladas na região Com Fernando Henrique Cardoso se pagou R 14 bilhão valores da época a uma empre sa estadunidense para que ela mapeasse nossas riquezas por meio da instalação de um sistema de vigilância da Amazônia O mais importante para o capital internacional ele já tem o controle e a apropriação dos recursos naturais amazônicos AMAZÔNIA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA A profecia se cumpriu mas nas partes que interessavam aos setores dominantes A integração da Amazônia à economia nacional O homem chega já desfaz a natureza Tira gente põe represa diz que tudo vai mudar O São Francisco lá pra cima da Bahia Diz que dia menos dia vai subir bem devagar E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar O sertão vai virar mar dá no coração O medo que algum dia o mar também vire sertão Sá e Guarabira Os versos acima são da música Sobradinho e se referem à construção de uma represa no rio São Francisco na Bahia que originou a usina hidrelétrica que tem o mesmo nome da música Nela afirmase que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão Mas o que isso tem a ver com a Amazônia Durante muito tem po a Floresta Amazônica também foi chamada de sertão daí as chamadas drogas do sertão se referindo ao cacau canela e outros 86 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 produtos extraídos de lá Mas tem outra semelhança mais atual ainda a construção de grandes barragens para a produção de ener gia elétrica Foi o caso da Usina Hidrelétrica de Tucuruí que teve como consequência a formação de um imenso lago que inundou milhares de km² de floresta A música tem outra referência uma profecia que teria sido feita por Antônio Conselheiro um beato popular não reconhe cido como tal pela Igreja Ele foi um líder religioso que condu ziu milhares de sertanejos na Guerra dos Canudos no final do século XIX Outros beatos surgiram em outros estados brasilei ros inclusive no sul Eram pessoas que se acreditava conver savam com Deus teriam feito algum milagre ou cura e faziam profecias Por conta disso tinham a autoridade de líderes Em alguns casos a liderança religiosa se transformava em forte lide rança política Inversamente podemos encontrar alguns dirigentes políticos que usavam seu poder para fazer promessas que assumiam ares de profecia Em meio ao clima nacionalista e ao cenário de guerra mundial em 1940 o presidente Getúlio Vargas fez um pronuncia mento em Manaus que ficou conhecido como discurso do Ama zonas Carregada de simbolismos a fala do presidente continha a promessa de progresso e ganhou ares de profecia a floresta foi apresentada como um inimigo a ser vencido para integrar a re gião à nação brasileira1 Tratavase de trazer civilização à região A Amazônia não apenas estava fora do que se considerava nação como era retratada como um imenso e perigoso espaço vazio Es 1 Leandro Tocantins escreveu uma obra de referência para a história da Amazô nia O rio comanda a vida livro escrito em 1952 quando o autor tinha somente 21 anos Segundo Tocantins 1973 apesar das inúmeras tentativas em sentido contrário a história da Amazônia até então era comandada pela força do rio e não do homem No prefácio à 9ª edição Tocantins afirma que Getúlio Vargas em 1952 ao receber um exemplar do livro teria sugerido que ele escrevesse uma continuidade que seria A vida leiase o homem comanda o rio 87 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sas noções lamentavelmente foram adotadas para justificar diver sas políticas impostas à região particularmente durante a ditadura empresarialmilitar de 1964 Conquistar a terra dominar a água sujeitar a floresta foram as nossas tarefas E nessa luta que já se estende por séculos vamos obtendo vitória sobre vitória Com elementos de ta manha valia não mais perdidos na floresta mas concentrados e metodicamente localizados será possível por certo retomar a cruzada desbravadora e vencer pouco a pouco o grande inimigo do progresso amazonense que é o espaço imenso e despovoado O vosso ingresso definitivo no corpo econômico da Nação como fator de prosperidade e de energia criadora vai ser feito sem demora Vim para ver e observar de perto as condições de realização do plano de reerguimento da Amazônia Todo o Bra sil tem os olhos voltados para o Norte com o desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento E não somente os brasileiros também estrangeiros técnicos e homens de negócio virão colaborar nessa obra aplicandolhe a experiência e os seus capitais com o objetivo de aumentar o comércio e as indústrias e não como acontecia antes visando formar latifúndios e absorver a posse da terra que legitimamente pertence ao caboclo brasilei ro E a nós povo jovem impõese a enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados Aqui na extremidade setentrional do território pátrio sentindo essa ri queza potencial imensa que atrai cobiças e desperta apetites de absorção cresce a impressão dessa responsabilidade a que não é possível fugir nem iludir Vargas 1940 p 7781 A concepção de espaço vazio traz em si a ideia de que os povos originários presentes no território não representam nada de signifi cativo para muitos nem gente seriam pois não eram civilizados Deste modo a terra que habitavam não lhes pertencia A ocupação e transformação das terras em instrumento gerador de lucros deve ria ser tarefa dos de fora da região em questão ainda que isso nem sempre fosse falado explicitamente Nem mesmo a SPVEA conseguiu fugir a diversas noções pre sentes no discurso de Vargas entre as quais a noção de espaço va 88 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zio2 Por outro lado a Superintendência ousou em outros aspectos Ela questionou o modelo até então proposto para o desenvolvi mento regional amazônico o extrativismo que passou a ser visto como causa da crise e do atraso da região Alternativamente pro pôs desenvolver a agricultura e industrializar a região por meio da substituição de importações mesmo aquelas oriundas do Sudeste brasileiro Afora a falta de recursos a ingerência política local e a possível corrupção na SPVEA a instituição encontrou muitas resistências tanto de setores regionais quanto do governo federal e da burguesia do Sudeste que não queria perder esse mercado con sumidor Do período da SPVEA ficou a construção da rodovia Belém Brasília originária dos objetivos do Plano de Metas do presiden te Juscelino Kubitschek Ela estabelecia o sentido da integração amazônica à economia brasileira consumir os produtos do Sudeste brasileiro e lhe fornecer matériasprimas Com o anúncio da obra 1958 houve uma corrida pelas terras amazônicas principalmen te as marginais à futura rodovia e por conta da pressão da oligar quia latifundiária sobre o governo uma grande transferência de terras públicas para grandes proprietários privados locais e extrar regionais Ditadura empresarialmilitar Vamos faturar A riqueza deixou de ser fábula Em uma pequena localidade às margens do rio Pedreira no Amapá uma família de ribeirinhos se preparava para dormir à noi 2 Trindade e Oliveira 2014 p 44 afirmam que na trilha nacional da ideologia desenvolvimentista que vinha se desenhando desde os anos 1930 a Amazônia inicia a partir da segunda metade da década de 1940 sua fase de discussão sobre o desenvolvimento porém com pouca unidade discursiva e com baixo poder de influência das elites locais Sobre a formação do pensamento desenvolvimentis ta regional veja Fernandes 2014 89 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 te quando sentiu que um pássaro grande havia pousado no telha do O pai de imediato falou em tom de brincadeira Matinta Pe reira vem amanhã buscar tabaco Carpinteiro estava construindo uma casa em meio à mata No dia seguinte durante o trabalho surgiu uma senhora idosa pedindo tabaco O homem rapidamente lhe repassou um punhado de tabaco e ela antes de ir embora lhe disse em tom de ameaça e praga não brinque com o que você não conhece Neste mesmo dia o carpinteiro machucou o pé ao pisar em uma pedra Ao chegar em casa começou a passar mal tendo muita febre Poucos dias depois morreu Qual a causa exata de sua morte Não se tem certeza A história nos foi contada por uma pessoa que assegura que acompanhou tudo de perto A velha senhora conhecida como Matinta Pereira3 seria uma bruxa que se transforma num grande pássaro à noite e emite um som estridente Essa é uma das lendas mais conhecidas nos estados amazônicos Verdade ou mito o fato que temos certeza é que na prática a Matinta foi morta pelos generais e homens do capital Parece confuso Vejamos as políticas que tiveram como resultado a apropriação dos recursos naturais e o desmatamento A história da velha senhora se relaciona com matas e rios Nas regiões em que eles são degradados a história perde força Assim o risco de extinção é maior do que a lista de animais e espécies vegetais que se encontram nessa condição Com o golpe empresarialmilitar de 1964 os governos ditato riais desenvolveram um discurso de ameaça à soberania brasileira sobre a Amazônia O discurso sobre pressões externas colocava a Amazônia na Doutrina de Segurança Nacional e tirava paulatina mente da região a possibilidade de elaborar um projeto regionalista Compreendese assim a ênfase dada a uma noção artificialmente desenvolvida a de que o espaço amazônico era vazio desconsi 3 Matinta Perêra para outros 90 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 derando a presença do indígena caboclo migrante posseiro dos remanescentes de quilombos entre outros Se assim era restava tão somente ocupálo E isso foi feito mas privilegiadamente por militares grandes proprietários e pelo capital Nos novos objetivos traçados e enquadrados na doutrina da Es cola Superior de Guerra não se aceitavam contestações Mais do que isso o governo se esforçaria para mostrar ao grande capital nacional e estrangeiro que teria total controle sobre a região e repeliria com toda força possível qualquer movimento que ousasse enfrentar seu poder e autoridade Em 1972 o Conselho de Segu rança Nacional passou a dispor de jurisdição sobre colonização e atividades industriais na Amazônia Procuravase dar total garan tia ao capital que se interessasse a migrar para a região Isso foi uma das razões centrais da grande movimentação militar usada para combater a Guerrilha do Araguaia4 Entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 um grupo de aproximadamente 69 militantes vinculados principalmente ao PCdoB passou a se instalar no vale do rio Araguaia fronteira entre o Tocantins e o sudeste do Pará A ideia era organizar uma resistên cia armada contra a ditadura empresarialmilitar instalada no Brasil O Exército empreendeu três incursões sendo a primeira em abril de 1972 Três anos depois a guerrilha estava derrotada e a população da região bastante reprimida Apesar de algum apoio local os guerrilhei ros ficaram isolados distantes dos movimentos sociais de maior ex pressão numérica e tiveram como sorte a morte alguns decapitados 4 O combate à guerrilha aconteceu quando as reservas minerais de Carajás haviam sido recémdescobertas A movimentação de tropas envolveu ao todo aproxima damente 10 mil homens nas campanhas militares para aniquilar as poucas de zenas de guerrilheiros Faziase necessário segundo Nascimento 1999 limpar a área de inimigos internos e de quem questionasse o projeto Brasil Grande Potência Para tal era preciso desenvolver estratégias que criassem um vazio de poder na região minando as resistências de atores políticos locais opositores parte da Igreja camponeses e grupos políticos locais ou lá presentes 91 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Para aniquilar a guerrilha os militares abandonaram parte das táticas militares clássicas até então usadas O major Curió foi no meado comandante das forças militares oficiais no combate Ele recorreu a jagunços e mesmo camponeses cooptados e os colocou junto aos soldados para combater os guerrilheiros Em paralelo desenvolveu uma espécie de populismo militar Para ganhar a confiança dos camponeses do sul sudeste do Pará Curió criou o seu próprio projeto de colonização ao longo de uma estrada construída durante a campanha do Exército e premiou com títulos de terra os camponeses que tinha servido como guias Ele também solicitou unidades móveis do Exército a fim de que se pres tassem regularmente serviços dentários e de saúde nas regiões antes comandadas pelos guerrilheiros Schmink e Wood 2012 p 121 Buscando fortalecer a acumulação capitalista industrial no cen tro mais industrializado do país o Estado brasileiro implantou no Norte e Nordeste um esquema de incentivos fiscais5 que efetivas se a integração nacional A entrada do capital na região numa relação capital internacional nacional e Estado autoritário com a aceitação da burguesia local se deu mediante a busca de sua va lorização Substituiu relações sociais e de produção preexistentes desapossando grande parte da população local indígenas e ribeiri nhos por exemplo gerando com isso conflitos que ainda hoje se mantêm6 5 Junção de favores do Estado que iam desde a concessão de recursos até a isenção de impostos Foi criado um fundo administrado pela Sudam A ele empresários poderiam destinar 50 do imposto de renda IR que tinham que pagar ao gover no Os projetos todos privados recebiam esse dinheiro sem a obrigatoriedade de devolvêlo aos cofres públicos o que se denomina fundo perdido Se o empreen dimento desse lucro o empresário que havia pago o IR receberia parte dos ganhos Mas não havia mecanismos que pressionassem os empresários para tal Nada se cobrava O resultado prático foi desperdício e desvio de dinheiro público 6 A integração da Amazônia à economia e sociedade nacionais foi aprofundada a partir dos anos 1960 Segundo Loureiro 2004 ela deveria principalmen te 1 abrir novos mercados para os produtos industrializados do CentroSul 92 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 1966 foi lançada a Operação Amazônia um conjunto de instrumentos legais que envolveu o estabelecimento de leis e a extin ção e criação de novas instituições federais na região Entre outras medidas a SPVEA foi substituída pela Superintendência de Desen volvimento da Amazônia Sudam e o Banco de Crédito da Ama zônia pelo Banco da Amazônia SA Basa A Operação foi acompa nhada de um seminário que começou em Manaus e percorreu o rio Amazonas até Belém a bordo do navio Rosa da Fonseca Participa ram governadores prefeitos empresários amazônidas e principal mente empresários de outras regiões O objetivo era demonstrar aos investidores de fora da região todas as riquezas que eles poderiam se apropriar desde que quisessem Não por outro motivo o anúncio da ação governamental já havia sido feito no Amapá alguns meses antes em fevereiro do mesmo ano Qual a razão de ser naquele até então território federal Dar como exemplo a exportação de manga nês tocada em frente pela mineradora Icomi do grupo Caemi testa de ferro da siderúrgica estadunidense Bethlehem Steel Os discursos do presidente ditador Castelo Branco no lançamento da Operação expressam o sentido da política governamental Eis o que com o auxílio das medidas agora pleiteadas para a com pleta e adequada integração da Amazônia há de realizar a Sudam Planejada e organizada dentro de objetivos e possibilidades reais será ela o instrumento de redenção da Amazônia cuja riqueza deve rá deixar de ser uma fábula para se tornar alguma cousa de palpável a serviço dos brasileiros há séculos empenhados numa terrível luta pela sobrevivência Iremos mudar a fisionomia da Amazônia do Brasil 2 empregar os excedentes populacionais do Nordeste e alguns do sul do país 3 aproveitar o potencial mineral madeireiro e pesqueiro obje tivando a exportação e contribuir para equilibrar o balanço de pagamentos e o endividamento estatal 4 abrir novas terras para o capital externo e do sul brasileiro 5 procurar terras para captar rendas incentivos fiscais e em préstimos bancários ou usálas para a especulação 6 defesa da segurança nacional contra estrangeiros mas também contra possíveis movimentos po pulares como as Ligas Camponesas 93 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que encontrará o caminho de sua integração na economia e na prosperidade nacional Cabe ao empresariado privado doravante transformar vastos recursos naturais revelados em riqueza efetiva a ser incorporada à economia nacional sob a égide da nossa legislação Grande é a responsabilidade do empresário minerador nacional no aproveitamento da ação pioneira do governo nesta região porquanto os minerais que aqui podem ser encontrados Castelo Branco 1968 p 23 e 28 negrito nosso7 O empresariado entendeu bem o recado A Folha de S Paulo de 16041967 transcreveu uma fala de Sérgio Cardoso de Almeida empresário latifundiário e deputado paulista Ela demonstra qual o interesse real da burguesia sobre a Amazônia ao empresário interessa saber onde pode aplicar o seu dinheiro para ganhar mais dinheiro pois essa é a maneira de atender à patriótica convoca ção de ocupação brasileira na Amazônia A nova superintendência passou a reproduzir a tarefa que havia recebido A burguesia regional aderiu imediatamente à proposta que o governo militar apresentava para a região Alguns elementos expli cam isso Primeiro a classe dominante local clamava por ajuda fe deral e alimentava expectativa de que seria fortemente beneficiada com recursos extrarregionais Nesse sentido a extensão dos incen tivos fiscais incorporando a agropecuária e a extração madeireira parecia ser a confirmação da incorporação efetiva e significativa dos setores regionais no projeto nacional para a Amazônia Segun do o espaço para contestação era diminuto não esqueçamos que se estava numa ditadura e com governadores impostos pelos mi litares Terceiro a SPVEA e o BCA eram instituições em crise fragilizadas e em certo sentido desacreditadas de modo que a proposta de sua substituição por novas instituições modernas e aparelhadas com recursos tendia a ser bem aceita 7 Discurso proferido em 20 de setembro de 1966 às margens do rio Branco que banha Boa Vista capital de Roraima 94 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Com a Operação Amazônia delineavase um novo e mais in cisivo processo de ocupação da região Partindo formalmente da defesa e integridade do território nacional buscavase atrair capi tal nacional e estrangeiro por meio de vultuosos estímulos fiscais e creditícios ficando clara a divisão de papéis proposta pelo go verno e prontamente aceita pelos capitalistas o Estado garantia as condições básicas necessárias à produção privada e o capital privado concentravase na busca de lucros com os menores cus tos e riscos possíveis Isso ficou demonstrado nas palavras do primeiro superintendente da Sudam Concentremos a ação governamental nas tarefas de planejamento pesquisa de recursos naturais implantação e expansão de infraes trutura econômica e social reservando à iniciativa privada as ati vidades industriais agrícolas e de serviços rentáveis Cavalcanti 1967 p 74 Os incentivos fiscais foram estendidos incorporandose for temente a agropecuária As empresas privadas poderiam receber isenção fiscal e ainda tinham a sua disposição créditos de até 75 do valor necessário à implantação dos empreendimentos na prática funcionando como fundo perdido ou seja sem obri gatoriedade de retornar ao governo o valor que se recebia Em 28 de fevereiro de 1967 Castelo Branco regulamentou efetivando a Zona Franca de Manaus ZFM8 criando a Supe rintendência da Zona Franca de Manaus Suframa Ela também gerenciava incentivos e distribuía isenções fiscais O governo mili tar para além de área de livre comércio resolveu destinar política de incentivos e isenções fiscais e outros instrumentos para atrair empreendimentos industriais e agropecuários para o centro geo gráfico da Amazônia no caso Manaus logo depois estendido 8 Que já existia formalmente desde 1957 concebida mais como Porto Livre área de importação 95 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para toda a porção oriental da região Distribuíamse recursos pú blicos para atrair multinacionais ou mesmo grandes empresas na cionais instalando plantas industriais com tecnologia defasada voltadas a montar mercadorias para o mercado interno brasileiro Os empreendimentos industriais da ZFM se voltavam para o mercado extrarregional países e principalmente outras regiões brasileiras Também recorriam e ainda recorrem a esse merca do destacadamente estrangeiro para comprar o grosso do que necessitavam para sua produção máquinas matériasprimas componentes etc conformando um estranho cenário no qual se compra de fora para vender para fora tendo o Estado brasileiro como principal financiador Desde então a balança comercial do Amazonas com o exterior acumula prejuízos ano após ano só compensado pelas vendas ao mercado brasileiro Formalmente a regulamentação da ZFM atendeu às reivindi cações da oligarquia do estado do Amazonas ainda que aqueles que mais se beneficiaram foram os empresários de outras regiões e de outros países Outros elementos ajudam a entender a política do governo nacionalista brasileiro O governo perua no já havia desenvolvido uma legislação de incentivos fiscais buscando atrair capitais para ocupar sua porção da floresta O estabelecimento de zonas francas já ocorria em outros países do Terceiro Mundo e se enquadrava na nova divisão internacional do trabalho da segunda metade do século XX com a expansão das empresas transnacionais O papel deste setor eletroeletrônico está relacionado ao período de criação da ZFM em que a indústria nacional de eletroeletrôni cos apresentava um forte declínio e estava ocorrendo uma inserção de corporações transnacionais TNCs no país entre elas america nas e japonesas Cooney Oliveira Almeida 2008 p 235 Somavase a isso o acordo firmado em 1964 entre Equador Peru Bolívia e Colômbia posteriormente a Venezuela se associou 96 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ao empreendimento para a construção de uma rodovia transna cional a Carretera Marginal de la Selva que associado a outros meios de transporte interligaria três grandes rios Orinoco Ve nezuela Amazonas e Prata Argentina O Brasil não queria per der a hegemonia políticoeconômica sobre o centro amazônico9 A ZFM representa uma forma específica de reintegração da Amazônia ocidental à divisão internacional do trabalho organi zando inclusive um mercado de trabalho em moldes capitalistas diferentemente da inserção ocorrida no período da borracha Ain da assim a força de trabalho e o mercado regional se encontravam dependentes e em piores condições quando comparados ao Sudeste brasileiro e às economias dos países centrais A criação da ZFM correspondeu a um período em que o capital se internacionalizava mais ainda desterritorializando a produção seja do ponto de vista técnico seja social ainda que sem perder os vínculos com seus países de origem Incentivos fiscais terrenos estruturados e baratos um significativo mercado consumidor na cional e uma força de trabalho com baixo valor e pouco organiza da politicamente eram os atrativos principais disponibilizados pelo governo para atrair o grande capital nacional e as empresas trans nacionais Distribuíase capital para atrair capital Com a ZFM o governo brasileiro manteve o protecionismo à indústria nacional particularmente do Sudeste mas adotou uma política de abertura para a Amazônia ocidental Em outras palavras a implantação da ZFM teve a ver com o modo específico pelo qual o Estado nacional brasileiro lidou com os pro blemas da dinamização da economia nacional e de como pretendia integrála à economia mundial Nunes 1990 apud Santos Macha do Seráfico 2015 p 200 9 A estrada teve uma construção lenta e no final do século XX ainda estava com trechos em construção passando a compor uma das obras dos acordos de inte gração sulamericana no início do novo século 97 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Além disso vários países latinoamericanos passavam por con turbações sociais que questionavam os governos de então alinha dos com a política externa dos EUA Havia o receio de extensão da Revolução Cubana para outras nações da América Central e do Sul A Amazônia ocidental era a área mais próxima da maioria desses países Ocupar produtivamente a região poderia ser uma reação ao cenário político latinoamericano A Operação Amazônia representava então a ação estatal para distribuir dinheiro público para capitalistas nacionais e estran geiros se apropriarem gratuitamente e transformarem em lucro os recursos naturais da região Ela foi uma expressão do projeto desenvolvimentistaautoritário Com a caracterização da região como subdesenvolvida problemática como uma ameaça à in tegridade nacional o governo ditatorial assume a condução da integração à nação brasileira Com a centralização política no Executivo federal e retirando da cena política os movimen tos sociais a ditadura chamou para si de forma exclusiva mas associada e subordinada ao capital as grandes decisões sobre o futuro regional A promessa feita por Getúlio Vargas no discurso do Amazonas finalmente foi cumprida mas no que interessava ao grande capital Favores e mais favores foram concedidos a ele incluindo a terra mas ao caboclo a promessa lamentavelmente virou lenda A fragilização das instituições regionais Das atribuições da Sudam a lei que a criou formalmente esta belecia uma instituição forte com poder de centralização que se sobrepunha aos demais órgãos governamentais presentes na região Não foi o que aconteceu O seu conselho de decisão foi alterado re tirando parte dos conselheiros originários de instituições da região aumentando relativamente o poder de Brasília e a participação dos que vinham de fora 98 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No início dos anos 1970 foram criados o Programa de Integra ção Nacional PIN cuja principal tarefa foi a construção da ro dovia Transamazônica10 e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste Proterra A construção da rodovia e do Proterra de acordo com o discurso oficial servia para levar os homens sem terra nordestinos à terra sem homens Amazônia sendo a estrada parte da política de in tegrar a região ao Brasil para não a entregar a outros países Esse discurso falacioso escondia duas questões entre tantas os confli tos fundiários no Nordeste decorrentes da altíssima concentração fundiária e a política entreguista da ditadura Conjuntamente Transamazônica e Proterra passaram a dispor de 50 dos incentivos fiscais antes destinados à Sudam Os dois programas não estavam sob a órbita da Sudam mas do Ministério da Agricultura o que significava perda de poder de intervenção da Superintendência Em 1974 foram criados os Fundos de In vestimentos Setoriais também controlados por outros órgãos não regionais e dividindo ainda mais os incentivos fiscais Podese perceber que as mudanças que ocorreriam na segunda metade dos anos 1970 não apenas na Superintendência mas no próprio papel que passaria a ser cumprido pela região exporta dora de produtos minerais e florestais não seriam possíveis sem as transformações que estavam sendo operadas nas instituições da região Apesar das expectativas desde a fundação da Sudam as possibilidades de construção de um programa de desenvolvimento regional a partir da tecnoburocracia regional e mesmo da burgue sia local eram mínimas não apenas pelas determinações exter nas mas pelo compromisso político da burocracia dirigente com 10 Ainda em 1970 o Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia criou também o Projeto Radam Radar da Amazônia in corporado ao PIN objetivando fazer levantamentos para o aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia 99 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 os interesses hegemônicos e pela própria incapacidade e submissão da burguesiaoligarquia regional Um caminho com algumas diferenças foi trilhado pela Suframa e a ZFM ainda que também não representasse um projeto de desen volvimento social regional Em sua primeira fase 19671975 a zona franca e a cidade de Manaus se constituíram em uma plataforma de importações de bens de consumo pouco disponíveis em outros es tados e regiões pelo menos com os preços oferecidos no Amazonas por causa das restrições protecionistas Uma das características dessa fase foi o turismo de compra Pessoas visitavam a capital amazonen se para comprar importados Mas as dificuldades da economia brasileira diante do cenário nacional e internacional nos anos 1970 fizeram com que o gover no federal adotasse limitações às importações a partir de 1975 A Suframa passou a adotar a política de cotas de importações objeti vando diminuir as importações comerciais e estimular a naciona lização de produtos na ZFM As indústrias recebiam a concessão de cotas de importação mas por sua vez tinham que cumprir índices mínimos de nacionalização Com isso cresceu a indústria de eletrônicos que fornecia componentes às transnacionais implan tadas em Manaus A nova orientação foi cumprida em parte mas não quebrou o perfil de indústria montadora da ZFM Ademais Araújo Filho 1991 citado por Santos et al 2015 acredita que isso estimulou mais as indústrias de outras regiões brasileiras pois eram elas que recebiam as transferências de tecnologias vindas do exterior Essa política foi alterada a partir dos anos 1990 com a substi tuição dos índices mínimos pelo critério de um mínimo de eta pas produtivas que deveria ser cumprido pelas indústrias foi o processo produtivo básico Também se estimulou a busca por au mento de produtividade normalmente por meio da substituição de trabalhadores por máquinas ou seja de trabalho vivo capital 100 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 variável por trabalho morto capital constante além da adoção de processos de reestruturação produtiva tendo como inspiração o modelo japonês ainda que se mantivesse muitas características do fordismo A isso se associou a abertura da economia brasileira nos anos 1990 impulsionada por políticas neoliberais Parte dos atrativos até então da ZFM pedia força11 Ao mesmo tempo em que se mo dernizava o processo produtivo algumas indústrias fecharam eou transferiram sua produção para outra região Resultado redução do número de trabalhadores empregados e aumento do exército industrial de reserva desempregados gerando maiores dificulda des até mesmo para os que estavam formalmente no mercado de trabalho que enfrentaram maiores dificuldades de negociar suas reivindicações O contingente de trabalhadores empregados só vol tou a crescer na década seguinte Segundo Mendonça 2013 no Polo Industrial de Manaus PIM nome pelo qual passou a ser referida a ZFM ocorreu verti calização e especialização da produção e atração de indústrias de eletrônica de consumo duas rodas motos químico e termoplás tico por exemplo Mas mesmo com essas mudanças a ZFMPIM ainda sofre a pressão das indústrias instaladas em sua área para que os favores estatais sejam mantidos por longa data Em 2014 por meio de seus representantes do Congresso Nacional conseguiram que fos se promulgada a Emenda Constitucional 822014 prorrogando pela quarta vez desde 1967 os incentivos fiscais especiais Desta vez o novo prazo se estende até 2073 Assim o Estado brasileiro 11 A política de estímulos fiscais e de outros formatos ao desenvolvimento regional amazônico foi e continua sendo muito questionada por setores de outras regiões em particular paulistas Mas a indústria brasileira constantemente recebe um conjunto de incentivos dos governos estaduais e federal O caso das montadoras de automóveis é exemplar Onde estão localizadas essas indústrias 101 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 continua a repassar para as empresas parte da riqueza maisvalia extraída dos trabalhadores e apropriada pelo governo na forma de impostos12 Quando ele concede os incentivos especiais está na realidade repassando esse valor para a burguesia seja brasileira seja estrangeira Os planos de desenvolvimento regional A promessa encruou virou lenda Encruar é uma palavra que significa enrijecer ficar cru aze do Na Amazônia de modo geral referese a encruar como algo que não evolui que fica parado morto As políticas estatais foram apresentadas como sinônimo de desenvolvimento mas infeliz mente parecem que encruaram No I Plano Nacional de Desenvolvimento I PND 19721974 e sua versão regional I Plano de Desenvolvimento da Amazônia I PDA a Amazônia passou a ser vista como uma fronteira de recursos As prioridades seriam a integração física fundamen 12 Maisvalia é a parte do trabalho que o trabalhador realiza entrega ao patrão e não recebe nada em troca é o que chamamos de trabalho excedente É como que se numa jornada de trabalho o trabalhador produzisse cem unida des de mercadoria e recebesse na forma de salário apenas 40 por exemplo O resto fica com o patrão Quando ela aumenta por conta do prolongamento da jornada de trabalho ocorre a maisvalia absoluta Com mais horas traba lhando o trabalhador produz mais mas ganha o mesmo que antes O tempo de trabalho necessário é aquela parcela da jornada de trabalho em que o trabalhador produz mercadoriasvalor que correspondem ao que ele ganha Quando o trabalho excedente aumenta em função da redução do tempo ne cessário para o qual atua a tecnologia aumento de produtividade estamos diante da maisvalia relativa O aumento da produtividade nos ramos produ tores de mercadorias consumidas pelos trabalhadores reduz o valor da força de trabalho O trabalhador paga a si mesmo com menos horas de trabalho Não se aumentaram as horas da jornada que o trabalhador tem que trabalhar mas o patrão está ganhando mais Marx 1988 Maisvalia é um fenômeno próprio do capitalismo ainda que a apropriação de trabalho excedente e por isso exploração tenha sido uma característica também das sociedades de classe anteriores 102 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 talmente pelas rodovias numa região secularmente integrada pelos rios b desenvolvimento econômico centrado no setor privado e apoiado pelos incentivos fiscais da Sudam e da Suframa c ocu pação humana racional dos espaços vazios agora claramente orientada pelas grandes rodovias abertas ou em abertura Quais espaços vazios Aqueles que apresentassem potencialidade de re cursos naturais e lucros Os recursos previstos para o I PDA vindos de fontes e minis térios diversos concentravamse fundamentalmente na infraestru tura básica ao estabelecimento dos empreendimentos produtivos equivalendo a 6418 do total dos investimentos do plano Eram gastos principalmente em transporte e energia Formalmente os gastos com a construção de rodovias respondiam à questão da ocu pação da região sob a política de segurança nacional e aos pro blemas decorrentes das secas nordestinas Entretanto outros obje tivos e interesses estavam em jogo As grandes levas de migrantes do Nordeste para o Sudeste brasileiro passavam a competir com a força de trabalho desta última região e produziam outras tensões Os conflitos fundiários permaneciam no Nordeste e em outras re giões pressionando por alguma resposta ou promessa de solução O governo paulatinamente foi optando pela ocupação demográ fica da Amazônia por meio de projetos agropecuários e para isso a rodovia abria imensos espaços Também não podemos esquecer que havia grande expectativa sobre a ocorrência de reservas mine rais na região e uma via que a cortasse de leste a oeste no caso a Transamazônica facilitaria a exploração13 13 As rodovias particularmente a Transamazônica também buscavam responder a quem questionasse as políticas dos governos militares na Amazônia a exemplo da Guerrilha do Araguaia Cinco décadas depois a rodovia ainda está inconclu sa Não terminou de ser aberta e do que se tem parte importante continua não asfaltada 103 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Os primeiros anos da década de 1970 foram marcados pelo choque do petróleo crise da economia internacional e fim do mi lagre econômico brasileiro Nesse cenário o II PND priorizou o setor produtor de bens de produção substituindo importações e determinou à Amazônia em particular a porção oriental por meio do II PDA 197579 a função de ser exportadora de produ tos minerais Objetivavase obter recursos com a exportação para diminuir os problemas cambiais brasileiros14 Assim o II PND assumiu de fato e definitivamente a Amazônia como fronteira de recursos naturais destacadamente minerais ou seja colônia fornecedora de matériaprima bruta aos países imperialistas Um programa de referência dessa nova postura foi o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia o Polama zônia 1974 Dentre os polos o de Carajás em torno das reservas de ferro da Serra dos Carajás sudeste do Pará foi o que recebeu mais atenção do governo federal o que significou concentração de investimentos e posteriormente uma vida própria conformando o Programa Grande Carajás PGC Em relação aos planos anteriores o II PDA demonstrou grande otimismo quanto à exploração mineral Os investimentos do II PDA se concentravam em transportes mineração e energia Essa concentração de recursos respondia aos interesses nacionais na Amazônia estabelecidos no II PND particularmente o que já destacamos a busca de divisas internacionais por meio da explora ção de seus recursos naturais15 14 Entre eles a necessidade de acumular dólares para pagar as importações e mesmo o endividamento crescente do país com o exterior 15 Afora isso mas associado à concentração citada ainda permaneceu elevado o montante destinado à agropecuária porém localizado em áreas selecionadas com destaque aos grandes empreendimentos do sulsudeste do Pará que totali zaram Cr 5 bilhões 104 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Muitos recursos públicos foram distribuídos às empresas na Amazônia na forma de incentivos fiscais Qual o resultado em ter mos de eficiência econômica e retorno social Em 1979 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para avaliar as distorções ocorridas na aplicação dos planos de de senvolvimento conduzidos pela Sudam Uma das constatações foi que a política efetivada não havia melhorado a distribuição da ren da e recursos na região Em seu depoimento o presidente do Banco da Amazônia Oziel Carneiro afirmou que a maior parcela dos in centivos fiscais tinha sido destinada a grandes empresas cujos pro prietários eram de outras regiões Do valor adicionado pelos em preendimentos incentivados pela Superintendência tão somente 14 foram destinados a salários Segundo o presidente do Banco a baixa taxa de criação de empregos16 seria o motivo da piora das disparidades de renda na região A conclusão do relatório foi que os benefícios dos incentivos fiscais em sua maioria migraram para outras regiões tendo ficado na Amazônia maior concentração de renda e de terras pois tinham sido excluídas as pequenas empresas e a população local Schmink e Wood 2012 No final dos anos 1970 a ditadura militar entrara em decadên cia17 e se aprofundava a crise da economia brasileira agravada com a política de repassar os custos da crise internacional aos países subdesenvolvidos Explodia a dívida externa do Terceiro Mundo Isso ao mesmo tempo em que limitava novos investimentos tam bém reforçava o papel dos grandes empreendimentos na Amazônia como forma de gerar divisas por meio das exportações 16 O Incra fez um levantamento em 1975 com 84 fazendas e chegou à conclusão de que cada propriedade financiada pela Sudam que em média contava com 47 mil ha gerava apenas 27 empregos diretos A proporção era de apenas 00001 em prego por hectare em Santana do Araguaia e 0001 em Conceição do Araguaia Pinto 1980 17 O movimento operário entrara em cena greves no ABC paulista Minas Gerais etc Outros movimentos sociais também retomaram suas ações 105 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Outros planos foram lançados nos anos seguintes em um cenário de crise que os tornava cada vez mais frágeis o III PDA 19801985 destinado a completar os investimentos do plano anterior e o PDA Nova República logo após a ditadura O fundamental já havia sido sedimentado as condições estruturais e financeiras para a grande ex ploração mineral e agropecuária na região Por outro lado o planejamento regional e o Estado continuam a ser apresentados como a representação dos interesses de todos mas não é bem assim O planejamento é uma forma de intervenção esta tal sobre as contradições da reprodução do capital em escala nacio nal e regional contradições que se apresentam também como con flitos interregionais O planejamento nas palavras de Oliveira não é portanto a presença de um Estado mediador mas ao contrá rio a presença de um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização ou conforme é comumente descrito pela literatura sobre planejamento regional no rumo da integração na cional Oliveira 1978 p 29 Em geral para os formuladores da política pública a população pobre é apenas um dado às vezes incômodo O caboclo cuja fa mília há várias décadas é dona de determinada extensão de terra mas sem título de propriedade passa a ser concebido como invasor intruso não produtivo Não lhes reconhecem direitos mas lhes distribuem exclusão No conflito com o grande proprietário se criminaliza a vítima Quando não lhe resta nada a não ser migrar para alguma cidade e clamar por programas sociais logo lhe rotu lam de preguiçoso Ainda que em algum caso se tenha boa intenção falta ao for mulador das políticas de desenvolvimento reconhecer a importân cia da população carente que se quer beneficiar Grosso modo não se pergunta a ela sobre suas demandas ou possíveis soluções que ela possa indicar É como se ela não tivesse capacidade alguma Aqui 106 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 fica explícita toda a arrogância de quem acredita dominar a técnica e o conhecimento Não cabe perguntar nada aos pobres porque se acredita que eles nada têm a dizer Logo os outros é que devem fa lar por e decidir por eles Lamentavelmente isso atinge não apenas a burocracia dirigente mas também seus estratos inferiores e os pesquisadores e professores A própria linguagem que se usa também se transforma em um mecanismo de intimidação e afastamento Quem não entende nosso tecnicismo economês professorês fica com receio até de perguntar alguma coisa Certa vez estava caminhando com mi nha filha de pouco mais de três anos de idade Ela contava uma história e no meio de uma frase ela falou a palavra sovaco Achei a sonoridade estranha e de imediato lhe disse axila como que lhe indicando a falar uma palavra mais bonita Ela parou de cami nhar levantou o olhar para mim e perguntou é em inglês Na sua ingenuidade de criança me deu uma boa cutucada Não basta termos conhecimento e por isso falarmos bonito e não sermos entendidos temos que saber transmitilos Mais que isso é preciso saber ouvir e aprender com quem tem muito a dizer e ensinar ain da que não tenha passado pelo banco de uma universidade Grandes projetos para saquear os recursos naturais A cobra grande se transformou em grande empreendimento Há algumas estórias amazônicas sobre cobras grandes encan tadas com mais de 20 metros A mais conhecida é a de uma que se chamava Honorato e que teria sido gerada na barriga de uma indígena Minha mãe me contou outra que ouviu de seus anciãos Era o caso de uma imensa cobra que se transformava em rapaz e frequentava os bailes das comunidades ribeirinhas Numa dessas comunidades passou a namorar uma moça Certa noite eles es tavam em uma festa Depois de muito dançar o rapaz se cansou e foi deitar em um quarto mas pediu incisivamente à namorada 107 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que o acordasse em determinada hora Tinha medo que se passasse daquela hora ele voltasse à forma de cobra e todos descobrissem seu segredo Como a festa estava muito animada a moça permaneceu por lá e perdeu a hora Quando lembrou correu ao quarto Ao abrir a porta encontrou uma imensa cobra adormecida Espantou se e deu um grito forte A cobra se assustou encantando toda a comunidade que sumiu Depois disso alguns pescadores diziam que ao passar pelo lugar ouviam o barulho da música mas não viam nenhuma comunidade Após a Segunda Guerra Mundial consolidouse uma nova di visão internacional do trabalho DIT na qual alguns países do Terceiro Mundo que estavam em vias de industrialização passa vam a receber filiais de multinacionais Estas buscavam explorar uma força de trabalho barata e com baixo grau de organização Aproveitavamse ainda da proximidade com as fontes de matérias primas e dos favores distribuídos pelos governos locais Com isso garantiam controle dos mercados desses países e se apropriavam de significativa massa de maisvalia em grande parte enviada aos seus países de origem por meio da remessa de lucro às matrizes No caso do Brasil esse novo papel na DIT seria cumprido inicial e principalmente pelo Sudeste A Amazônia consolidaria uma fun ção destacada e com especificidades no decorrer dos anos 1970 com os grandes empreendimentos minerais O final da década de 1960 marcou o esgotamento do longo processo de crescimento ininterrupto mundial pósSegunda Guer ra Mundial aquele que Hobsbawm 1995 chamou de anos dou rados do capitalismo O período foi marcado pela dominância do fordismo Estado do bemestar social nos países dominantes e do Estado desenvolvimentista em alguns países subdesenvolvidos18 18 Fordismo é a forma de organização do trabalho cujo exemplo mais expressivo foram as indústrias Ford organização científica do trabalho com grande hierar 108 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas os ganhos de produtividade deixaram de existir e no início dos anos 1970 ficou clara a queda das taxas de lucro evidenciando uma forte crise de acumulação capitalista A resposta foi dada na forma de reestruturação da produção com aumento da exploração do trabalhador naquilo que Harvey 1996 chamou de acumula ção flexível Também se impôs desde então o neoliberalismo e a financeirização mundo afora forçando as diversas economias em particular as dependentes a se abrirem para os capitais e mer cadorias dos países imperialistas A privatização e o desmonte do Estado foram características impostas aos países latinoamericanos desde meados dos anos 1980 Assim nos anos 1970 diante da crise mundial com queda das taxas de lucro havia a necessidade de incorporar regiões cuja com posição orgânica de capital cv fosse mais baixa e que gerassem maior volume de maisvalia19 Dadas as relações de dependência e troca desigual no mercado internacional os países dominantes se apropriaram de parte do trabalho excedente produzido pelos quia alguns pensavam os demais executavam especialização do trabalhador em poucas tarefas repetitivas grande volume de meios de produção e produção em massa além do fato de que a empresa procurava produzir todas as etapas da produção O Estado de bemestar social foi aquele que existiu nos EUA e Europa onde havia uma série de garantias aos trabalhadores que antes de tudo se deviam as suas próprias conquistas buscando garantir o consumo elevado evitando crises econômicas O Estado desenvolvimentista foi aquele presente em alguns países subdesenvolvidos e que como uma característica central condu ziu um forte processo de industrialização 19 Composição orgânica de capital é a relação entre capital constante c e capital variável v O primeiro compra mercadorias que já foram produzidas por tra balhadores em um momento passado Elas são trabalho morto porque em si so mente não produzem nada de novo apenas transferem o valor o trabalho que já se encontra em seus corpos O capital variável compra trabalho vivo na forma de força de trabalho trabalho do trabalhador que ao manipular os meios de pro dução capital constante incorpora mais trabalho mais valor à nova mercadoria É aqui que se encontra a chave para a maisvalia para o lucro pois do montante incorporado pelo trabalhador apenas uma parte ele recebe para si Marx 1988 109 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 trabalhadores das economias dependentes20 Não esqueçamos que uma alta composição orgânica é parte do processo que leva à queda da taxa de lucro na medida em que com ela ocorre a substituição do trabalhador que é quem produz valor novo pela máquina que apenas transfere valor às mercadorias mas não cria nada de novo Assim estava colocada a necessidade de incorporar ainda mais as regiões com baixa composição orgânica de capital como uma das medidas de combate à crise Quando isso se associava à forte oferta de recursos naturais e favores dos governos locaisnacionais a re gião se tornava mais cobiçada Era o caso da Amazônia Com os choques do petróleo a elevação das taxas de juros no mercado in ternacional e as dificuldades da economia brasileira a região pas sou a cumprir um novo papel na reprodução capitalista A ditadura empresarialmilitar brasileira impulsionou na Ama zônia empreendimentos para a exploração mineral em escala in dustrial voltados para o exterior Mas a primeira experiên cia deste tipo ocorreu no Amapá um pouco mais de duas décadas antes Em 1945 na Serra do Navio foram descobertas as reservas de manga nês mineral usado na indústria siderúrgica21 Janary Nunes gover nador do então território federal negociou com o governo Vargas e transformou a área em reserva nacional Logo depois abriuse licitação sendo vencedora a Indústria e Comércio de Minérios SA Icomi cujo presidente era o empresário Augusto Antunes nasci do em São Paulo mas com negócios em Minas Gerais Até então a Icomi era uma pequena empresa Inicialmente outra empresa 20 Os países dependentes vendem mercadorias com grande incorporação de tra balho por um preço abaixo de seu valor Por outro lado compram mercadorias industrializadas algumas a partir da matériaprima produzida no país subdesen volvido por um preço elevado Resultado nessa relação de compra e venda os países dependentes perdem e os dominantes ganham 21 As indicações da ocorrência desse minério no Amapá já eram conhecidas desde a década anterior pelo menos 110 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de origem estrangeira venceu a licitação mas Nunes conseguiu reverter a favor da mineradora brasileira A empresa na realidade representou os interesses da multina cional estadunidense Bethlehem Steel maior siderúrgica estaduni dense na primeira metade do século XX A empresa estadunidense em muito se aproveitou dos esforços de guerra dos países imperia listas durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial Entre outros produzia navios e armamentos diversos Como a legislação brasi leira de então não permitia que uma empresa estrangeira controlas se a extração mineral a solução encontrada foi usar uma empresa nacional para cumprir o papel de testadeferro Para isso contou com a cumplicidade de Antunes e dos governos brasileiro e ama paense Marques 2009 As reservas minerais foram estimadas para exploração por 50 anos tempo de concessão da mina A primeira exportação ocorreu em 1957 e no final dos anos 1970 pouco mais de 20 anos depois o manganês de alto teor já havia se esgotado Nessa década com recursos da Sudam a Icomi montou uma fábrica de pelotização concentração mineral para aproveitar o minério fino A explora ção do manganês ainda permaneceu nos anos 1980 mas em ritmo descendente sendo encerrada na década seguinte Essa produção respondeu aos interesses estratégicos dos EUA que em função das disputas com a então União Soviética ficou sem o manganês deste país maior produtor mundial daquele pe ríodo Parte do minério amapaense foi usada simplesmente para compor as reservas estratégicas estadunidenses Ao encerrar suas atividades no Amapá a empresa vendeu tudo que foi possível ma quinário altoforno porto etc Não conseguiu fazer isso com as casas construídas na floresta e com a estrada de ferro Por isso ainda que não tenha conseguido exigiu do governo estadual uma indenização mesmo tendo deixado um dano ambiental e social de enormes proporções 111 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O caso do manganês do Amapá ainda que ocorrido isolada mente naquele momento representa uma antecipação do que vie ram a ser os grandes projetos minerais impulsionados pela ditadu ra Com o lucro conseguido na extração do manganês o Grupo Caemi de propriedade de Augusto Antunes montou outras em presas explorando as riquezas naturais amapaenses Ademais An tunes foi um dos empresários articuladores do golpe empresarial militar de 1964 por meio dos institutos Ipes e Ibad que para tal se associaram à Escola Superior de Guerra ESG22 Isso lhe ren deu frutos entre os quais a propriedade do projeto Jari como sócio majoritário e presidente quando este foi nacionalizado Logo após o golpe de 1964 o presidente ditador Castelo Bran co por meio do ministro do Planejamento Roberto Campos li derança do Ipes entrou em contato com o megaempresário es tadunidense Daniel Ludwig chamandoo a vir investir no Brasil que havia se tornado um país seguro nas palavras do chefe da ditadura Ludwig aceitou o convite e as promessas de favores ad quirindo grandes extensões fundiárias 37 milhões de hectares na fronteira entre os estados do Pará e Amapá rio Jari nas quais dispunha de controle absoluto numa área de terras devolutas na União A revista Time adjetivou o empreendimento como um rei no das selvas 22 O Instituto Brasileiro de Ação Democrática era entidadeirmã do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais Este último foi fundado por Antunes em associação com Antônio Gallotti da empresa Light O Ipes recebeu financiamento do go verno dos EUA e de mais de 500 empresas entre as quais aquelas comandadas por Mário Henrique Simonsen que se tornaria ministro na ditadura e por José de Magalhães Pinto exgovernador de Minas Gerais e fundador do banco Na cional privado Além de articular o golpe também arregimentou recursos para financiar a tortura e a repressão à esquerda durante a ditadura Logo após sua fundação o Ipes passou a ser presidido pelo general Golbery do Couto e Silva professor da ESG e um dos principais arquitetos do golpe de 1964 e dos gover nos autoritários que o seguiram 112 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Vejamos isso com mais detalhes Em 1967 a Entrerios subsidiá ria da Universe Tankships Inc de Ludwig comprou a Jari Ltda até então pertencente ao latifundiário José Júlio de Andrade23 A empresa foi transformada em Jari florestal e Agropecuária Ltda Ela tinha titulação de 2259676 hectares mas reclamava para si e se apropriou de muito mais O tamanho variava de acordo com seus interesses Ao Incra para efeito de pagamentos de impostos declarou 1600000 ha À Sudam buscando obter dinheiro públi co e isenção de impostos afirmou possuir 3700000 ha tama nho que seria maior que a Bélgica Com o apoio do governo e dos incentivos públicos o estaduni dense montou uma grande plantação de arroz uma de gmelinapi nus para a produção de celulose sobre área de floresta alta inves tiu na pecuária e ainda instalou uma mineradora para a extração de bauxita refratária A fábrica de celulose e a unidade de geração de energia elétrica foi construída no Japão e transportada toda montada desde a costa do Pacífico cruzando os oceanos Índico e Atlântico até às margens rio Jari numa das maiores empreitadas da navegação mundial até então onde passou a funcionar Sua compra foi avalizada pelo BNDE hoje BNDES que deu garan tias a um empréstimo de até US 200 milhões Ver chegar a uma região remota e se movimentando no rio um imenso prédio industrial equivalente à altura de um edifício de alguns andares poderia representar o mesmo espanto que encarar a cobra grande encantada Em verdade a cobra das estórias virou grande empreendimento respondendo aos interesses do capital deixando de ser lenda O complexo Jari também passou a explorar caulim por meio da Cadam Caulim da Amazônia instalando uma fábrica de 23 Quando prefeito de Almeirim Andrade cadastrou em seu nome enormes exten sões de terras 113 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 beneficiamento desse minério usado em indústrias como a de papel tintas etc Para tal conseguiu isenção de impostos junto à Sudam Além de uma cidadeempresa fechada company town24 o pro jeto Jari decidiu construir uma hidrelétrica privada gerando resis tência de setores nacionalistas e de parte dos militares A plantation de arroz não deu certo e a árvore plantada para celulose gmeli na teve que ser substituída pelo pinus gerando grandes custos Diante dos impasses e das dificuldades financeiras Ludwig deixou de saldar duas parcelas do pagamento da fábrica de celulose O BNDES teve que cobrir a dívida O governo militar negociou en tão a nacionalização do empreendimento assumiu as dívidas pen dentes e ainda injetou US 180 milhões entregando o complexo a um consórcio de empresários comandados por Augusto Antunes o mesmo da Icomi amigo e sócio do estadunidense em outros empreendimentos No ano 2000 o projeto passou para as mãos de Sérgio Amo roso proprietário do grupo Orsa atuante na produção de emba lagens O empresário se comprometeu a pagar uma dívida total de US 415 milhões mas a garantia mínima oferecida foi bem menor US 112 milhões Pelo comprometimento costurado pelo BNDES principal credor do projeto Jari o empresário recebeu o empreendimento por R 100 Um novo investimento de R 600 milhões foi feito para transformar a produção da celulose para pa pel em celulose solúvel com uso diverso principalmente têxtil Desse montante R 350 milhões foram mais uma vez financiados pelo banco estatal brasileiro 24 Cidade da companhia com forte controle e segregação social Havia sala de aula destinada exclusivamente aos filhos dos funcionários do staff da empresa em grande parte estadunidenses que recebiam aulas em inglês 114 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas no caminho havia indígenas Entre tantas uma promessa lhes foi cumprida a de lhes tomar a terra Os filmes de faroeste estadunidense sempre tinham um moci nho e normalmente entre os vilões estavam os indígenas sempre agressivos sempre selvagens sempre assassinos O ator John Way ne cujo nome verdadeiro era Marion Robert Morrison participou de dezenas desses filmes como herói Chama atenção que o revól ver calibre 38 tinha capacidade para apenas 6 balas mas durante os longos confrontos dezenas de tiros eram disparados sem que se carregasse a arma Poucas vezes se errava o alvo principalmente quando este era indígena No final o branco sempre saía vitorioso recebendo o beijo e o amor de sua donzela Entre as chamadas nações indígenas estadunidenses podemos encontrar os Apache Navarro Cheyenne Comanhes e Sioux Essas populações foram dizimadas pelo colonizador de origem europeia particularmente britânicos Esses foram os invasores Se tivermos que escolher um vilão entre indígena e europeu certamente não pode ser o primeiro e o branco terminantemente não cumpriu o papel de bom moço Nos filmes assim como o nome de Wayne em Hollywood pouco se tinha de verdade sobre os indígenas Tal qual ocorreu com os irmãos da América do Norte muito da história dos indígenas da América do Sul foi deturpado ou escondi do Em comum com os estadunidenses está o genocídio dessas po pulações originárias A diferença é que ao sul os assassinatos perma necem em pleno século XIX Vejamos um pouco disso na Amazônia No período dos governos militares também ocorria a explora ção de cassiterita de onde se extraí o estanho usado na siderurgia pela Mineração TabocaParanapanema do grupo Lacombe na es trada ManausCaracaraí no Amazonas25 terra originalmente da 25 Tratase da BR 174 cuja extensão é bem maior que o trecho ManausCaracaraí Pelo traçado formal ela se inicia no Mato Grosso percorre uma parte de Ron 115 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tribo indígena WaimiriAtroari A produção destinavase exclusi vamente para exportação Rondônia também registrou produção mineral em grande esca la a cassiterita com a presença da Mineração Taboca a partir de 1969 Para facilitar os interesses da mineradora os militares impe diram a lavra do minério por garimpeiros Ademais durante os anos 1960 1970 e principalmente 1980 generalizouse por toda a região a extração de ouro em garimpos diversos ou por empresas mecanizadas A construção da BR174 ManausBoa VistaPacaraima foi um dos casos mais dramáticos do genocídio indígena brasileiro A rodovia passaria nas terras dos WaimiriAtroari e estes passaram a resistir a mais esta investida contra seu povo Em 1969 o Exército brasileiro sob as ordens do Comando Militar da Amazônia lan çou ofensiva usando aviões helicópteros bombas metralhadoras e outros armamentos para dizimar essa nação Atacavase inclu sive quando os indígenas se reuniam em grande número para ce lebrar seus rituais Este genocídio foi intensificado novamente no início de 1981 pois a Mineração TabocaParanapanema em 1979 havia descoberto grande reserva de cassiteritaestanho na região do rio Pitinga no Amazonas Estimase em mais de dois mil indíge nas desaparecidos durante os anos dos ataques O indigenista e ativista Egydio Schwade um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário colheu depoimentos entre os WaimiriAtroari Num deles transcrito no relatório final da Comissão Nacional da Verdade CNV Lei nº 125282011 vin culada à Casa Civil da Presidência da República se relata dônia cruza o Amazonas e Roraima chegando a PacaraimaRR na fronteira com a Venezuela Alguns trechos no Mato Grosso e sul do Amazonas ainda não foram abertos de modo que até os anos 2010 a rodovia permanecia inconclusa Seu trecho norte é conhecido também como ManausBoa Vista ainda que ul trapasse a capital roraimense 116 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Kramna Mudî era uma aldeia Kiña que se localizava na margem oeste da BR174 no baixo rio Alalaú No segundo semestre de 1974 Kramna Mudî acolhia o povo Kiña para sua festa tradicional Já tinham chegado os visitantes do Camanaú e do Baixo Alalaú O pessoal das aldeias do norte ainda estava a caminho A festa já estava começando com muita gente reunida Pelo meiodia um ronco de avião ou helicóptero se aproximou O pessoal saiu da maloca pra ver A criançada estava toda no pátio para ver O avião derramou um pó Todos menos um foram atingidos e morreram Os alunos da aldeia Yawará forneceram uma relação de 33 parentes mortos neste massacre No início dos anos 1970 a população estimada dos Waimiri Atroari era de aproximadamente 3 mil pessoas A hidrelétrica de Balbina também iniciada em 1981 além de ter sido um fracasso técnico e causado um desastre ambiental foi mais um capítulo dos ataques a esses indígenas Em 1983 eles foram reduzidos a 350 ha bitantes segundo a Funai Afora isso o Relatório Final da Comis são Nacional da Verdade concluiu que 526800 hectares de terras dessa população por meio de decreto assinado pelo presidente Fi gueiredo foram repassados às mineradoras TimbóParanapanema e Taboca26 Em 1981 o governo do Amazonas já havia emitido 338 títulos de propriedade sobre o território WaimiriAtroari Mas não apenas essa etnia foi vítima de genocídio Ele incluiu os AváCanoeiro GO Kanê ou BeiçosdePau do Rio Arinos MT Krenhakarore na rodovia CuiabáSantarém CintaLarga e Suruí ROMT Parakanã e Arara PA Kaxinawa e Madiha AC Juma Yanomami e WaimiriAtroari AMRR Segundo Oliveira 2008 o norte matogrossense foi ocupado por meio da grilagem de terras indígenas provocando etnocídio das nações Ta 26 Durante o governo Dilma Rousseff uma nova grande obra atravessou o territó rio dos WaimiriAtroari foi o linhão de transmissão de energia elétrica ligando Manaus a Boa Vista Novamente os indígenas reclamaram que sequer foram consultados 117 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 payuna Panará Kayabi Xavante Tapirapé e Karajá entre tantas Ressaltese a luta dos Txukaramei a partir de 1971 contra a cons trução e prolongamento da BR080 que cortava o Parque Nacio nal do Xingu MT Em 1979 depois de muitos enfrentamentos e diversas mortes o ministro dos Transportes anunciou a desativa ção da área em expansão No Mato Grosso empresas agropecuárias se expandiram e se apropriaram por meio da violência de terras dos Xavante Bororo Karajá e Tapirapé Souza 2015 elenca algumas delas Tapiraguai SA Bodoquena SA e Xavantina SA Destacamos que empresas agropecuárias quase sempre recorriam a recursos governamentais para desenvolver seus projetos que como estamos vendo toma vam o que pertencia aos povos indígenas Vejamos rapidamente o caso dos Cinta Larga localizados no noroeste do Mato Grosso e sudeste de Rondônia Sustentada em trabalho de Dal Poz Neto 1991 e em depoimentos colhidos dire tamente a CNV afirma que desde os anos 1950 o conflito entre esse povo e seringalistas mineradoras e colonizadoras foi se in tensificando Resultado uma estimativa de 5 mil indígenas dessa etnia mortos As causas Envenenamento por alimentos misturados com arsênico aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe sarampo e varíola e assassinatos em emboscadas nas quais suas aldeias eram dizimadas por pistoleiros Muitas dessas violações de direitos humanos sofridas pelo povo Cin ta Larga foram cometidas com a conivência do governo federal por meio do SPI e depois da Funai o que permitiu a atuação de seringa listas empresas de mineração madeireiros e garimpeiros na busca de ouro cassiterita e diamante no território dos Cinta Larga omitindo se a tomar providências diante dos diversos massacres que ocorre ram na área indígena As violações também foram consequência da atuação direta do governo do estado do Mato Grosso que fez con cessões de terras para empresas de colonização e para construção de hidrelétrica em áreas habitadas pelo povo Cinta Larga 118 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A mais dramática das violações cometidas contra os Cinta Larga fi cou conhecida como Massacre do Paralelo 11 Em outubro de 1963 foi organizada uma expedição planejada por Francisco Amorim de Brito encarregado da empresa Arruda Junqueira e Cia Ltda a fim de verificar a existência de minerais preciosos na região do rio Ju ruena A expedição era comandada por Francisco Luís de Souza pistoleiro mais conhecido como Chico Luís O massacre teve iní cio quando um grupo Cinta Larga estava construindo sua maloca e Ataí de Pereira dos Santos pistoleiro profissional atirou em um indígena Em seguida Chico Luís metralhou os índios que tentavam fugir Os pistoleiros ainda encontraram uma mulher e uma criança Cinta Larga vivas Chico Luís atirou na cabeça da criança amarrou a mulher pelas pernas de cabeça para baixo e com um facão cortou a do púbis em direção à cabeça quase partindo a mulher ao meio BrasilCNV 2014 p 23723827 Para a construção da UHE de Tucuruí os Parakanã foram transferidos para áreas diferentes por quatro ocasiões O contato com os brancos durante a construção da Transamazônica sig nificou um desastre para esse povo gripe e poliomielite foram al gumas das doenças que os abateram Segundo Souza 2015 em 1971 foi constatado que dois funcionários da Funai haviam con taminado com sífilis 35 indígenas da aldeia parakanã do Lontra Além das armas convencionais o ataque ao indígena por meio da contaminação deliberada por doenças também foi usado por fa zendeiros que enviavam mestiços contaminados às aldeias para 27 Outra versão muito próxima e provavelmente do mesmo episódio foi reprodu zida por Martins 2012 p 144 a partir de relato de Darcy Ribeiro Em 1963 os responsáveis por um seringal no Mato Grosso ordenaram a destruição e o massacre de toda uma aldeia Cintalarga ao mesmo tempo em que uma metra lhadora era disparada sobre os indígenas que corriam em pânico Os atacantes já em terra metralharam outro grupo de indígenas acampados à beira de um rio Ouvindo o choro abafado de criança voltaram e encontraram sob dois corpos crivados de bala a mãe viva e uma garotinha Enquanto violentavam a mulher que matariam depois com um tiro estouraram os miolos da menina que tentara socorrer a mãe 119 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 disseminar gripe varíola sarampo e tuberculose sem falar das doenças venéreas A Comissão Nacional da Verdade investigou as violações de direitos humanos durante a ditadura Ainda que incluindo apenas dez etnias em seu relatório final ela concluiu que 8350 indígenas foram mortos entre 1964 e 1985 vítimas de massacres28 usurpação de territórios remoção autoritária tortura maustratos e doenças infectocontagiosas mais de 14 indígenas Arara PA 72 Araweté PA 85 Xavante de Marãiwatsédé MT 118 Parakanã PA 176 Panará MT 192 Xetá PR 354 Yanomami AMRR 1180 Ta payuna 2650 WaimiriAtroari e 3500 CintaLarga RO Os governos civis que sucederam a ditadura empresarialmili tar ainda mantiveram políticas muito equivocadas para não di zer perversas Buscando manter a influência militar na tomada de decisões sobre o território amazônico o Conselho de Segurança Nacional elaborou em 1985 já durante o governo civil da Nova República o Programa Calha Norte Controlado pelos militares ele incidia sobre a faixa da fronteira amazônica localizada na por ção norte do rio Amazonas Teve como justificativa a proteção dos limites territoriais brasileiros mas foi alvo de inúmeras denúncias de violência contra a população local em particular os indígenas Posteriormente a área de abrangência foi ampliada para toda a fronteira da região totalizando 10938 km Os Yanomami foram um dos alvos dos militares pois junto a outras etnias transitando livremente na fronteira do Brasil com Venezuela Peru Guiana e Colômbia eles representariam uma ameaça à segurança nacional podendo ser tentados a criar um Estado independente Na verdade esse argumento foi utilizado 28 Martins 2012 constatou que entre 1968 e 1987 tribos indígenas amazônicas sofreram pelo menos 92 ataques organizados principalmente pelos latifundiários e seus jagunços 120 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para outros fins em particular para evitar a demarcação de terras indígenas ambicionadas pelos latifundiários e também para favo recer o interesse das mineradoras O jornal O Estado de S Paulo durante aquele período endossou a campanha a favor das compa nhias de minério Romero Jucá Filho senador roraimense envolvido em mui tos escândalos de corrupção na condição de presidente da Funai durante a Constituinte de 1988 criticou aquilo que considera va direitos fundiários exagerados aos indígenas O presidente da instituição que deveria proteger os interesses das populações ori ginariamente ocupantes do território brasileiro era exatamente um de seus maiores opositores Por quê Os territórios habitados pelos Yanomami eram ricos em ouro Garimpeiros ocupavam irregu larmente essas terras em particular em Roraima O estado conta va com 40 mil pessoas garimpando algumas empresas e diversas pistas de pouso clandestinas O então presidente da instituição de proteção ao indígena em 1987 expulsou todas as ONGs e missões religiosas estrangeiras que atuavam na saúde daquela etnia Jucá representava os interesses das grandes companhias de mineração e era recompensado por isso Resultado as terras Yanomami inicial mente foram demarcadas descontinuamente em dezenove ilhas e ainda assim com a criação de uma reserva garimpeira Desagregação social foi uma das consequências das políticas impostas aos povos originários brasileiros no século XX Etnias foram dizimadas desterritorializadas desagregadas ou mesmo for çadas a viver subordinadas a outras tribos adversárias Era o que acontecia quando remanescentes em pequenos grupos de uma et nia ou tribo eram obrigados a se deslocar para tribos de maior nú mero mas que em alguns casos mantinham animosidade Como se vê no caso da população indígena de todas uma promessa lhes foi cumprida a de lhes tomar a terra Infelizmente a usurpação de seu território veio acompanhada da perda da vida de 121 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 milhares Afora isso não é apenas a terra ou a vida em si que se per de mas também relações sociais modo de vida história cultura Outro caso muito expressivo foi a luta do povo Kayapó Muitas etnias ocuparam as regiões dos rios AraguaiaTocantins e Xingu Todas sofreram com a ocupação do colonizador No início do sé culo XVIII os Kayapó do AraguaiaTocantins se enfrentaram com garimpeiros era a corrida do ouro de Goiás e Mato Grosso Pos teriormente o choque foi com os tropeiros que procuravam pastos naturais para o gado No período da borracha foram os seringuei ros que penetraram as terras indígenas Os confrontos também foram violentos Schmink e Wood 2012 citam um caso onde uma aldeia Kayapó da região do Ara guaia foi destruída em função da exploração gomífera Os caçado res de indígenas lançaram as vítimas num rio que de tanto sangue derramado teria passado a se chamar rio Vermelho Em represália ao que sofriam os indígenas atacavam povoados chegando a se questrar mulheres e crianças Esses conflitos se intensificaram quando durante a Segunda Guerra Mundial as terras indígenas foram invadidas para a coleta do látex no esforço de guerra conhecido como Batalha da Borra cha Para responder aos interesses da indústria estadunidense o governo brasileiro direta ou indiretamente estimulava a incursão sobre as regiões indígenas o que resultava em mortes daqueles que a princípio nada tinham a ver com os objetivos em jogo na disputa bélicoeconômica O contato pacífico ou conflituoso com os bran cos levou à redução dos Kayapó inclusive por conta das doenças transmitidas Mesmo assim outras etnias sofreram ainda mais Durante as décadas de 40 e 50 mais da metade dos índios contata dos morreram Evidências cumulativas mostravam que comparados àqueles que foram pacificados foram os grupos Kayapó mais hostis que sobreviveram em maior número e com melhor saúde Schmink e Wood 2012 p 339 122 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Nos anos 1970 apesar das diferenças internas cresceu a intera ção e organização entre os Kaiapó fato que incluía a presença em escolas comuns com brancos e mestiços e o contato com outras etnias e entidades Até meados dos anos 70 os Kayapó haviam se tornado um dos grupos indígenas mais bem organizados Sch mink e Wood 2012 p 341 Recorriam à rádiocomunicação e patrulhavam a área do que seria sua reserva Gorotire em São Fé lix do Xingu Numa das ações contra desmatamento um grupo Kayapó matou 20 trabalhadores de uma fazenda incluindo mu lheres e crianças Isso aumentou a tensão e o sentimento antiindí gena na região29 No final dos anos 1970 a descoberta de ouro nas terras Kaya pó trouxe mais tensão ainda agora impulsionada pela invasão de garimpeiros30 Contraditoriamente a tensão deu mais visibilidade à causa indígena contribuindo para a efetivação legal das terras dos Kayapó O chefe de uma das aldeias o cacique Pombo depois de uma resistência inicial negociou a exploração mineral nas terras co mandadas por ele Como contrapartida aos indígenas a empresa pagava 5 do ouro extraído Novas áreas foram descobertas na região de Cumaru garimpos de Maria Bonita e Tarzan próximos à aldeia Gorotire As lideranças Kayapó também negociaram a exploração mineral ainda que em percentual menor por conta do controle da área pelos militares O pagamento de 1 do ouro pro duzido era feito por meio de um banco federal Em 1985 quando o tempo de vigência do contrato se esgotou o banco suspendeu o 29 Depoimento coletado por Schmink e Wood 2012 p 341 ilustra esse sentimen to O índio é a criatura mais repugnante que existe Eu nem olho para eles O governo deveria matálos todos Eles mataram meu pai quebramno em peque nos pedaços com porretes Eles não têm medo de nada e matam com traição 30 Outros minérios foram descobertos em São Félix do Xingu Entre eles a cassite ritaestanho e a wolframitatungstênio 123 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 pagamento Os indígenas então expulsaram os garimpeiros que alguns dias depois bloquearam a rodovia BelémBrasília Isso deu visibilidade pressão e impulsionou a luta dos Kayapó pela legali zação de suas terras Na realidade foi o exército de garimpeiros que lutou por eles a batalha final Schmink e Wood 2012 p 349 Indo negociar uma resolução do conflito em Brasília o ca cique Paulinho Paiakan afirmou que só reabririam o garimpo se suas terras fossem legalmente demarcadas Conseguiu O garimpo foi reativado com os indígenas recebendo 5 dos ganhos gerados Trazer a palavra de Cristo e levar riquezas ainda que a ferro e fogo No dia 22 de abril de 1500 as caravelas lideradas por Pedro Álvares Cabral aportaram na Bahia O Brasil havia sido desco berto Os portugueses foram recebidos por alguns nativos que não demonstraram agressividade Voltaram às embarcações e pro curaram um lugar mais protegido chegaram ao que foi chamado de Porto Seguro sul da Bahia e nele rezaram a primeira missa no Brasil em 26 de abril Nela a mensagem de Cristo foi pregada afinal divulgar o evangelho era um dos objetivos da empreitada Mas seria isso mesmo Ocorre com os povos indígenas um lamentável processo de lon ga data originário desde os primeiros dias da colonização portu guesa Em declaração juramentada em seu leito de morte em 1654 o cônego Manoel Teixeira vigário de Belém afirmou que em 32 anos de conquista do Pará que atualmente corresponde à região Norte pelas contas que ouviu teriam sido mortos mais de 2 mi lhões de indígenas de 400 aldeias por meio do trabalho e ferro31 31 O padre Antônio Vieira afirmou que no Brasil entre 1615 e 1652 foram assas sinados mais de dois milhões de indígenas por meio de morte violenta afora os que eram mortos às escondidas 124 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Conquanto exagerada possa parecer uma tal afirmação ela mos tra quão brutalmente na Amazônia colonial portuguesa o dono da terra foi condenado ao extermínio Leal 2010 p 95 Souza 1978 afirma que em 1729 um total de 20800 indí genas Muhra foram dizimados por uma ação militar portuguesa Também nesse mesmo período o tuxaua líder Ajuricaba organi zou e comandou a resistência dos Manaó no rio Negro contra os portugueses Como Ajuricaba comandava ações de libertação de indígenas aprisionados e estabeleceu relações comerciais com os holandeses a repressão foi brutal Na ação repressora inicial tam bém segundo Souza 1978 o comando militar lusitano subiu o rio Urubu destruiu 300 malocas e matou 15 mil indígenas incluindo mulheres crianças e velhos além dos homens32 O contato com o europeu e posteriormente com o africano contaminava o indígena com bactérias e vírus para os quais ele não tinha anticorpos No século XVIII uma epidemia de varíola trans mitida por soldados portugueses matou 40 mil indígenas em uma área do que atualmente é o estado do Amazonas Quando sobrevivia aos ataques armados e às doenças o nativo amazônida era vítima do trabalho forçado e exaustivo em mui tos casos não permitindo nem que ele cultivasse os produtos para sua subsistência33 Nesses termos o tempo de vida do indígena se encurtava bastante O padre Antônio Vieira assim relatou sua condição 32 Exatamente aqueles que foram exterminados é que originam o nome da capital amazonense Manaus que em seus primórdios também foi conhecida como Barra do Rio Negro Ela surgiu no entorno do forte de São José da Barra do Rio Negro 33 Segundo Gomes 2012 no GrãoPará e Maranhão entre 1614 e 1759 quando o serviço indígena era obrigatório interessados buscavam esses trabalhadores nas aldeias de administração ou nas religiosas para períodos de dois a seis meses de trabalho pesado Em troca os indígenas recebiam duas peças de pano e um machado a cada dois meses trabalhados Esse era o seu salário 125 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Tudo fazem os tristes índios sem pagamento algum que serem chamados de cães e outros nomes muito mais agravantes e o prêmio melhor que podem encontrar nestas jornadas esses miseráveis é en contrar o que poucas vezes acontece um cabo que não os trate mal Jornadas em que de costume os índios partiram não regressam nem a metade porque o simples trabalho e os maustratos os mataram Vieira apud Souza 2015 p 7778 Esse relato de um padre não elimina o papel colaboracionista da Igreja no ataque aos ameríndios Isso ocorria desde a autoriza ção para a escravização do indígena que deveria ser assinada por um jesuíta34 até a justificação do morticínio cometido pelos por tugueses passando pelo amansamento por meio da catequização Em 1558 o padre Manuel da Nóbrega assim justificou os assassi natos repassando a culpa aos nativos ou seja às vítimas me disseram que os cristãos os assaltavam e os tratavam mal Alguns assim os fizeram mas os outros pagaram o dano que aqueles haviam feito E são tão cruéis e bestiais que matam mesmo os que ne nhum mal lhes fizeram padres frades mulheres tão lindas que mes mo os mais brutos dos animais se contentariam com elas e a elas não lhes fariam mal Mas são tão carniceiros de corpos humanos que sem exceção de pessoa humana a todos matam e comem e nenhum atenuante os desvia ou os faz se absterem de seus maus costumes Nóbrega apud Souza 2015 p 71 A posição de Nóbrega não se reduzia ao baixo clero da Igreja Em 1529 o papa Clement VII já havia expedido a bula Inter Arca na em que afirmava 34 No século XVIII com a publicação do Diretório dos Índios o Marquês de Pombal retirou o poder sobre os indígenas que era concentrado no clero e o repassou para pessoas comuns mas de importância política local que tam bém dividiram com a Coroa portuguesa grande parte das propriedades da Companhia de Jesus jesuíta que foi confiscada Para além do conflito com os religiosos esse instrumento buscava ocidentalizar o nativo fazendoo assi milar as qualidades do português que interessassem a Portugal Com isso se acreditava que ficaria mais fácil de se alcançar os interesses mercantilistas que se impunham 126 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que as nações bárbaras venham ao conhecimento de Deus não por meio de editos e admonições como também pela força e pelas armas se for necessário para que suas almas possam participar do reino do céu Clement apud Gomes 2012 p 76 Ideias assim sustentaram as chamadas guerras justas contra os indígenas que de justas não tinha nada Os religiosos também souberam amansar os povos originários de modo a tornálos força de trabalho dócil e barata para as ati vidades pesadas As fazendas das ordens religiosas em particular as jesuítas configuravamse como verdadeiros grandes empreen dimentos econômicos O padre Serafim Leite relatou que no sé culo XVIII a aldeia Maracu jesuíta no Maranhão contava com 15600 cabeças de bovinos e 500 cavalos Em frente a ela ficava a fazenda São Bonifácio igualmente católica dispondo de quatro engenhos de cana oito alambiques casas de farinha e oficinas di versas tecelagem serraria ferraria e carpintaria além de casas de fabricação de embarcações Viveiros 1954 apud Mesquita et al 2015 Segundo Ernesto Cruz 1963 a fazenda Santo Inácio ou fazenda do Lago também na Amazônia tinha aproximadamen te 70 mil cabeças de gado bovino e equino De acordo com Reis 1993 a partir de levantamento de Manoel Barata em 1759 as congregações religiosas contavam 400 mil cabeças de gado na re gião do Marajó sendo 136 mil de jesuítas Entre 1630 e 1655 um total de 28 aldeias foram administra das pelos jesuítas Durante sua permanência na Amazônia 129 anos a Companhia de Jesus jesuíta originou 24 cidades 17 de correram dos carmelitas 21 dos capuchinhos e 6 dos mercedários Silva 201435 Esse poder econômico da Igreja gerava conflitos 35 O papel cumprido pelos religiosos católicos conformando a base econômica ini cial da colonização respondia entre outros a interesses específicos da Igreja Os católicos haviam sido profundamente atingidos com o rompimento dos protestan tes Interessava ao papado ocupar as novas terras para fortalecer seu abalado poder 127 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com colonos e comerciantes locais que acusavam os religiosos de desvirtuarem sua função cristã e ainda sonegarem impostos à Coroa Por meio do colonizador comerciante ou religioso o indíge na era transformado em mercadoria ou força de trabalho extre mamente barata gerando uma massa de riqueza da qual parce la considerável migrava para a Europa constituindo parte da acumulação primitiva de capital necessária à constituição do capitalismo Ademais paulatinamente foi sendo introduzido um maior de sejo dos indígenas por mercadorias que até então não faziam parte de suas necessidades Isso por sua vez exigia produzir excedentes para a troca em um volume que até então eles não eram capazes Resultado dependência e frustração O que eles até então produ ziam o que lhes garantia sua autossuficiência já não mais lhes era suficiente A produção passou a ser alterada gerando modificações nas relações sociais das comunidades indígenas36 De senhor dessas terras paulatinamente o indígena foi sendo transformado em pequeno produtor ou mesmo semterra A Lei das Terras de 1850 por exemplo foi usada para garantir a proprie dade fundiária aos grandes latifundiários A aquisição de terras mesmo aquelas sem proprietário legal teria que ocorrer por meio da compra nesse caso como Estado A literatura crítica coloca 36 Sobrou miséria mas ela também foi uma imposição do colonizador Como esta mos destacando apesar de muitas limitações os indígenas viviam em condições próximas à igualdade e distribuíam entre si o resultado da produção coletiva ainda que antes da chegada dos europeus houvesse hierarquização social e conflito em alguns aglomerados indígenas Não conheciam a miséria e a desi gualdade social como fenômeno moderno também pelo fato de que o consumo de mercadorias imposta pelo capitalismo não fazia parte de seu cotidiano Como conseguiam o necessário para sobreviver e o consumo não se vinculava a status social as populações indígenas não tinham a noção de miséria como se tem na sociedade capitalista 128 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que ela foi usada para evitar que o escravo liberto ou o pequeno camponês inclusive imigrante tivesse acesso à propriedade37 Cor reto mas ela atingiu igualmente os indígenas Enorme quantidade de terras indígenas não foi reconhecida como tal passando a ser comercializada pelo Estado ou por terceiros Seguindo as linhas gerais da lei a jurisdição da política indigenista foi repassada ao Ministério da Agricultura criado em 1860 Mas desde o seu nas cimento esse Ministério tem como função responder aos interesses dos grandes proprietários tendo como consequência dezenas de aldeias que formalmente deixaram de ser reconhecidas como tal levando os indígenas à condição de posseiro eou semterra Lamentavelmente as instituições criadas para proteger os inte resses indígenas não conseguem cumprir seus objetivos Foi o caso do Serviço de Proteção do Índio SPI de 1910 e de sua sucessora a Fundação Nacional do Índio Funai de 1967 É verdade que nelas existem pessoas realmente comprometidas em responder sa tisfatoriamente às necessidades indígenas mas os interesses maio res presentes na estrutura de Estado e governo no Brasil agem no sentido contrário Muitas vezes isso se expressa na nomeação de seus dirigentes como foi o caso de Romero Jucá colocado para presidir a Funai38 37 Pois caso isso ocorresse a grande propriedade exportadora teria que pagar sa lários muito elevados para atrair trabalhadores o que inviabilizaria o esquema garantidor de enormes lucros 38 Mércio Gomes 2012 p 99 destaca o papel positivo cumprido pelo marechal Rondon e problematiza o não alcance de objetivos maiores pelo Serviço de Pro teção ao Índio O SPI não foi capaz de barrar o avanço sobre as terras indígenas nas regiões em desenvolvimento e nesses casos serviu apenas como pacifi cador de índios arredios após as terras terem sido loteadas pelos interessados Dizer que isso tenha sido feito como parte de uma estratégia do Estado para desbaratar os índios e tomar as suas terras do qual o SPI seria um mero braço ingênuo ou cretino é não ver a história do indigenismo brasileiro rondoniano e pretender imputar a qualquer figura histórica e seus feitos institucionais sen timentos e propósitos vis Que os resultados do SPI tenham ficado muito 129 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A agressão às populações originárias do continente americano não é um problema que ficou no passado mas que se reproduz no presente É o caso dos indígenas GuaraniKaiowá violentados pelo latifúndio no Mato Grosso do Sul39 e das grandes obras im pulsionadas pelo setor público e privado das quais destacamos as construções na Amazônia Na prática o governo brasileiro descumpre tratados que ele assinou A Convenção 169 da Organização Internacional do Tra balho e a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU estabelecem que os governos devem negociar e buscar acordos com os indígenas a respeito de ações e projetos que im pactam suas terras Não é o que acontece no Brasil diante das grandes obras próximas ou sobre terras indígenas No início das obras de construção da UHE de Belo Monte no rio Xingu Alta miraPA o governo brasileiro simplesmente extinguiu a Admi nistração Regional da Funai de Altamira responsável por toda a região do município e entorno Ao estudar a acumulação primitiva de capital processo em que o capitalismo reúne as condições necessárias para sua cons tituição e consolidação Marx 1988 afirmou que os proletários modernos pagaram um preço elevado por seus avós não terem conseguido resistir à expropriação dos meios de produção O mesmo vale para o caso dos indígenas americanos da Améri ca do Norte à América do Sul Ainda hoje pagase uma pesada penitência pelo fato de não se ter conseguido resistir à entrada do invasor europeu Afora isso por conta da crueldade dos pro aquém do esperado constitui um óbice não somente de uma política que foi sem pre pouco valorizada pelo próprio poder e também por seus desvios pessoais mas também se deve à falta de força política ente os aliados históricos dos índios diante das forças antiindígenas dominantes 39 Segundo o Conselho Indigenista Missionário nos 12 anos anteriores a 2016 um to tal de 390 indígenas foram assassinados no estado e em torno de 500 se suicidaram 130 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cessos de acumulação primitiva expulsão e morte de campone ses saque escravização etc Marx também afirma que o capital nasceu manchado de sangue por todos os seus poros Certamen te parte importante desse sangue foi das populações autóctones americanas Até mesmo pequenos produtores foram parte do projeto de enfrentamento às populações indígenas e usurpação de suas ter ras Foi o caso de garimpeiros seringueiros posseiros imigran tes que buscando reproduzir sua vida em melhores condições e estimulados por políticas diversas abriam caminho e novas ter ras Nesse processo se chocavam com indígenas resultando em mortos e feridos de ambos os lados Isso era parte de uma engre nagem maior pois em seguida chegava o grande proprietário e se apropriava da terra de modo que indígena e posseiro ficavam sem o território necessário a sua subsistência Ainda que lhes seja destinado uma pequena porção de terra isso não é suficiente para garantir às populações indígenas sua re produção como tal Elas são extrativistas e o extrativismo precisa de grande área pois as espécies vegetais e animais que se procura ficam dispersas nas matas e rios Floresta em pé e rio preservado são fundamentais Assim a relação do indígena com a natureza exige uma grande extensão territorial para caçar pescar e coletar produtos florestais ao mesmo tempo em que permite à nature za se recompor naturalmente Isso é sustentabilidade Dispor de território nesses termos é uma précondição necessária para a re produção da cultura indígena em sua amplitude Contraditoriamente os grandes latifundiários e seus re presentantes parlamentares criticam os indígenas dizendo que eles querem terras demais que não trabalham etc Ora quan tos hectares de soja um grande proprietário cultiva com suas próprias mãos sem se apropriar do trabalho alheio por meio da compra de força do trabalho Nenhum Mas esse mesmo 131 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 latifundiário tem em suas mãos dezenas de milhares de hecta res de terra que em produção lhe rendem muitos lucros Os indígenas reivindicam terra para uma comunidade um povo enquanto os fazendeiros defendem que um único proprietário possa ser dono de milhares de hectares de terras Quem é que tem ou quer ter terra demais Brasil uma democracia étnicoracial O carnaval é uma festa democrática Demonstra a riqueza cultural a miscigenação e a democracia racial do Brasil Verda de No desfile das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro em 2018 um ingresso individual em um camarote para assistir a um dia de desfile custava até R 8 mil O salário mí nimo vigente no país era de R 954 Afora o setor popular nos outros setores se poderia comprar ingressos por R 220 R 500 e outros preços mais altos a depender da rapidez da compra e da localização do lugar para assistir Quem não tinha dinheiro para isso teria que disputar uma vaga nas arquibancadas improvisadas montadas ao lado do esgoto da avenida Presidente Vargas Mas nelas não se assiste ao desfile Quando muito se vê a arrumação da escola para entrar na avenida Marquês de Sapucaí que é onde o desfile acontece E mesmo para isso é preciso chegar com algu mas horas de antecedência para garantir o lugar Essa é uma festa democrática de verdade É falsa a ideia difundida de que o Brasil é uma imensa de mocracia étnica eou racial como um exemplo de miscigenação e integração de povos e culturas diversas Os negros ainda em pleno século XXI vivem um apartheid social no Brasil são mais assassinados lotam os presídios recebem salários menores têm menos escolaridade vivem em piores condições e ainda são to mados como preguiçosos 132 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Com o indígena não é diferente Com ele ocorreu um proces so de assimilacionismo onde a diferença cultural existente entre nativo e o Europeu foi tomada como uma deficiência em relação à cultura europeia Por ser atrasado e perigoso40 cabia e ainda hoje muitos acreditam nisso incorporálo mesmo que à força ao progresso à civilização à nação brasileira ou seja àquilo que o branco acredita que tem valor Mas isso significa a perda da identidade cultural das populações indígenas língua crenças religiosas produção organização social própria valores culiná ria etc Não podemos continuar a ver isso como algo natural que te ria que ocorrer necessariamente dessa forma Lamentavelmente há um razoável silêncio quase cúmplice mesmo de certos setores mais críticos que tornam invisíveis o indígena e as injustiças por ele sofridas Nesse sentido ainda que longa vale a pena reproduzir uma ci tação de José de Souza Martins sobre a reprodução da negação do indígena como ser humano Não se trata de introduzir nada na vida dessas populações mas de ti rarlhes o que têm de vital para sua sobrevivência não só econômica terras e territórios meios e condições de existência material social cultural e política É como se elas não existissem ou existindo não tivessem o direito ao reconhecimento de sua humanidade Causame forte impressão que nas assembleias dos chefes indígenas apoiadas pelo CIMI Conselho Indigenista Missionário e em outros encontros similares os presentes frequentemente denunciam grave mente ofendidos e recusam o serem confundidos com bichos por muitos daqueles que são levados a ter contatos com eles Sintome pobre por viver numa sociedade em que índios e camponeses preci sem proclamar de voz viva que são humanos que não são animais e menos ainda animais selvagens Por identificarme com eles fico 40 Quem era perigoso Quem foi que morreu perdeu suas terras e foi usurpado até mesmo de sua cultura O invasor europeu com as armas de fogo e a busca do lucro ou o indígena com seus arcos e flechas 133 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em dúvida sobre o lugar que ocupo na escala que vai do animal ao homem numa sociedade que não titubeia em proclamar a animali dade de seres que não são considerados pessoas unicamente porque são diferentes falam outra língua têm outra cor outros costumes uma sociedade que no final não tem clareza sobre a linhalimite que separa o homem do animal Em algumas áreas em que tenho trabalhado no Mato Grosso e no Pará muitas vezes ouvi pessoas escandalizadas com minhas preocupações a esse respeito tentando tranquilizarme com a afirmação de que os índios são caboclos não são cristãos Pude então entender o veemente discurso do cacique Aniceto do povo Xavante feito em Goiás diante de uma assembleia de bispos padres religiosos missionários em que exigia nada mais nada menos que os índios fossem batizados Contestava assim a nova pastoral da Igreja de não interferir nos costumes tribais evi tando missas e batizados Para Aniceto o Batismo aparecia como o sinal do branco que dava reconhecimento de cristão isto é de huma no ao índio Martins 1991 p 1617 Acabamos de alguma forma assumindo e reproduzindo a vi são do colonizador do conquistador de modo que procuramos constantemente não sermos comparados aos indígenas mas sim ao europeu A colonialidade do pensamento e das práticas sobreviveu ao fim do colonialismo e por meio dela continuamos a fazer um enorme es forço para sermos de primeiro mundo para mostrarmos que não somos índio tendo mais vergonha de nos parecermos como os povos originários do que vergonha do etnocídio que contra eles pratica mos Haesbaert e PortoGonçalves 2006 p 22 O que significa progresso e civilização depende dos olhos de quem vê dos padrões sociais que são construídos Esses valores podem ser diferentes para populações originárias na Europa e para povos indígenas americanos É aceitável ou repugnante ver homens com poucas roupas e armas primitivas se opondo à construção de uma estrada ou hidrelétrica O que é mais importante a preser vação de árvores rios e animais précondição para a existência de populações originárias americanas ou sua supressão violenta e sem diálogo por grandes obras que supostamente trazem progres 134 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 so Os indígenas que ocupam hidrelétricas são contra o desenvol vimento do Brasil Vejamos a crítica de Márcio Souza Firmemente sustentados pelo ideal do avanço econômico não fa zemos mais do que seguir a tradição espoliadora Pomos abaixo a maior floresta do planeta sem ao menos conhecermos as consequên cias desse gesto para alimentarmos a voracidade das grandes empre sas monopolistas E para isso é preciso limpar o caminho de índios obstinados e preguiçosos Pois nada mais obstinado e preguiçoso que essa gente que se permitiu recusar através do tempo os favores da ci vilização e do conforto Souza 2015 p 86 No Brasil nunca foi e continua não sendo algo fácil respeitar e aceitar a composição e presença de diversos povos com culturas muito diferentes convivendo no mesmo território A história das populações indígenas brasileiras está marcada pelo sofrimento com racismo dominação e violência Não se trata aqui nem de repro duzir a cultura da dominação nem de tomar o indígena como algo ou um animal exótico que deve ficar isolado de tudo e de todos Nossa obrigação é antes de tudo respeitálos e apoiar o processo de crescente organização dessas populações em busca de seus direitos Historicamente em especial nas últimas quatro décadas as políticas desenvolvimentistas resultaram muitas vezes em morte usurpação de terras desagregação social e degeneração cultural dos índios que se vêem frente a frente com forças desiguais como as grandes corpo rações econômicas as grandes mineradoras ou mesmo os simples e pobres garimpeiros que carregam consigo alguns males do mundo civilizado como o mercúrio e a malária dos quais os índios não conseguem se defender Mas por outro lado essas décadas também registraram as lutas dos índios Num primeiro momento a luta estava centrada na defesa da vida e da terra ampliandose posteriormente Loureiro 2009 p 132133 Diante desse quadro apresentado levantamos uma pergunta todos estamos no mesmo patamar do ataque às populações indíge nas ou a diferenciação entre as classes sociais existentes impõe res 135 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ponsabilidades distintas Os setores explorados da sociedade brasi leira sob a pena da cumplicidade pela conivência e silêncio devem assumir outra postura diante da problemática indígena Mas isso não que dizer que os trabalhadores cumprem o mesmo papel da queles que exploram Neste ponto concordamos com Márcio Sou za quando afirma que os inimigos dos povos indígenas são os mesmos dos trabalhadores Esses inimigos são o próprio governo brasileiro em suas instâncias municipais estaduais e federais o grande capital financeiro o lati fúndio as grandes empresas madeireiras as grandes fazendas agro pecuárias as hidrelétricas as empresas de mineração e as estradas Souza 2015 p 205206 A isso acrescentaríamos que a dimensão dessas instituições ex trapola as fronteiras brasileiras41 e tem um perfil de classe burguês Ademais além do interesse econômico uma das razões do so frimento indígena talvez decorra do próprio modelo de sua civi lização alheio e oposto ao padrão burguês dito civilizado e mo derno Moderno Em que sentido Vejamos as palavras dos irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas que dedicaram suas vidas ao tra balho junto aos indígenas Se fizermos uma comparação com os índios poderemos dizer que os civilizados são uma sociedade sofrida O índio por sua vez esta cionou no tempo e no espaço O mesmo arco que ele faz hoje seus antepassados faziam há mil anos Se eles pararam nesse sentido evo luíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade O índio em sua tribo tem um lugar estável e tranquilo É totalmente livre sem precisar dar satisfação de seus atos a quem quer que seja Toda a estabilidade tribal toda a coesão está assentada num mun do mítico Que diferença enorme entre as duas humanidades uma 41 Aliás recorrendo ao que já discorremos anteriormente registrese mesmo que rapidamente que a nação mais desenvolvida do planeta não atuou diferente com seus indígenas Nos EUA grandes chefes Touro Sentado Gerônimo Co chise Nuvem Vermelha Cavalo Doido e seus povos Navajo Apache Cheyen ne Dakota Sioux Ute foram paulatinamente dizimados 136 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tranquila onde o homem é dono de todos os seus atos outra uma sociedade em explosão onde é preciso um aparato um sistema re pressivo para poder manter a ordem e a paz dentro da sociedade Se um indivíduo der um grito no centro de São Paulo uma rádio patrulha poderá leválo preso Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia ninguém olhará para ele nem irá perguntar por que ele gritou O índio é um homem livre Villas Boas apud Villas Boas e Villas Boas 1975 p 1 as tribos amigas do AltoXingu formam uma legítima sociedade de nações relativamente mais perfeita do que a sua antiga congênere civilizada É que ao contrário daquela na sociedade xinguana não há preponderância dos mais fortes nem superalianças controladoras nem submissão dos mais fracos Villas Boas e Villas Boas 1975 p 2142 Mesmo assim continuamos chamando de civilizados àqueles que fabricam bombas atômicas campos de concentração deses truturam nações e estimulam guerras simplesmente para vender armas e controlar fontes de petróleo Continuamos aplaudindo o progresso de um mundo onde segundo os dados do Banco Cre dit Suisse 42 pessoas em 2017 controlavam uma massa de rique za igual à que estava nas mãos da metade mais pobre do planeta 37 bilhões de pessoas isso mesmo bilhões de pessoas Nunca o mundo foi tão desigual 1 da população mundial se apropriou de 82 da riqueza produzida em 2017 Esses 1 têm mais riqueza que todo o restante da humanidade No Brasil isso é mais vergo nhoso ainda pois segundo a ONG Oxfam que trabalha com os dados do Credit Suisse apenas cinco multimilionários controlam a mesma riqueza que está com a metade mais pobre do país Por outro lado considerase primitivo quem não tem cartão de crédito conta bancária não participa das redes sociais na internet 42 Uma observação necessária é que nas últimas décadas o contato com o modelo e os padrões da civilização burguesa impulsionou mudanças na cultura e organi zação de várias tribos amazônicas de modo que se aprofundaram a diferenciação e estratificação sociais dentro delas elementos impulsionadores das desigualda des sociais 137 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 não faz compras em shopping centers não tem propriedade privada e não está endividado Fica então a pergunta se é que podemos colocar nestes termos quem é o civilizado Quem é o atrasado O que temos a aprender Vejamos as palavras de Cláudio Villas Boas Se acharmos que nosso objetivo aqui na nossa rápida passagem na ter ra é acumular riquezas então não temos nada a aprender com os ín dios Mas se acreditarmos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade então os índios têm lições extraordinárias para nos dar Villas Boas apud Coelho 2008 p 98 Mas em contrapartida cabe chamar atenção para o aumento da organização das populações indígenas e mesmo de processos que reforçam sua identidade Gomes 2012 sustentado em Eduar do Galvão e João Pacheco de Oliveira questiona tanto o processo assimilativo43 como a tese de que os povos indígenas estariam fa dados à extinção Assim ainda que com mudanças culturais de terminados povos indígenas resistem44 mantendo teimosamente sua identidade indígena Há processos de reaglutinação de comu nidades recuperando memórias Desse modo Uma nova identidade se forma a partir da memória de um passado em geral com aspectos históricos mas também religiosos e míticos que relembra aos novos membros uma visão mais generosa de sua vida pregressa e uma promessa de uma vida melhor a partir da nova identidade O que os motiva é em essência a vontade de uma nova identidade fora da corriqueira identidade de gente rural pobre e destruída mas é complementarmente a segurança de uma maior proteção econômica e oportunidades sociais que a identidade indí gena bem ou mal lhes proporciona Na relação com o mundo o índio toma autoconsciência de sua existência mais ampla e age 43 O autor apoiado em Galvão considera que muitas tribos atualmente existentes resistem e devem permanecer resistindo no futuro à integração à comunidade brasileira Sem querer minimizála uma das questões que levantamos a essa tese é a desigualdade da resistência frente às forças dominantes 44 Os índios reagiram à opressão às vezes pela rebelião e fugas outras pela estra tégia de convivência próxima ou distante Gomes 2012 p 38 138 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ao modo possível que lhe é dado para se entender com sua nova realidade Perder ou ganhar não se pode saber importa é que vive na luta por sua continuidade e ascensão políticocultural Gomes 2012 p 37 Nestes termos o indígena deixa de ser caboclo pelo menos o do caráter pejorativo45 para se reafirmar como indígena novamen te Ainda que com especificidades esses indígenas passam a com por lutas de resistência junto a remanescentes quilombolas pesca dores tradicionais agricultores familiares etc Garimpos ascensão social ou ilusão A exploração rústica de metais preciosos existe desde longa data na Amazônia sendo um dos motivos por exemplo da disputa en tre Brasil e França no século XIX pelo território que hoje constitui a porção norte do Amapá Os garimpos se generalizaram na região no decorrer do século XX ganhando muita evidência nos anos 1970 e 1980 Mato Gros so Rondônia Roraima Amapá e Pará viveram a febre dos metais preciosos Uma das regiões de maior expressividade foi a do rio Tapajós tendo ItaitubaPA como ponto central A exploração ar tesanal do ouro em particular representava uma forte promessa de rápida ascensão social Nos garimpos tradicionais havia o fornecedor e o garimpeiro esquema no qual o primeiro fornecia capital alimentos e um lugar para dormir Os garimpeiros eram a força de trabalho De alguma forma isso reproduzia algumas características do aviamen to46 Os meios de produção eram rudimentares e se usava pouco 45 Vale destacar que parte importante da população ribeirinha amazônica pau latinamente vem se vendo como cabocla ou cabôca e passa a reivindicar esta identidade como expressão de pertencimento de parte ativa da região 46 Mas com a diferença de que mesmo que na prática difícil havia a possibilidade de rápido enriquecimento o que não ocorria com o aviamento na extração vege 139 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 maquinário O metal encontrado era dividido entre ambos meta de para o fornecedor e metade para os garimpeiros o que alimen tava uma ideia de parceria Mas a mineração com pás bateias e processamento manual so freu profunda mudança com a introdução de máquinas hidráu licas as chupadeiras aumentando em muito a produtividade Porém a inovação exigia maior volume de capital para iniciar a exploração além de alguns trabalhadores em certas tarefas que exi giam maior qualificação Com isso aumentouse a diferenciação entre o proprietário das máquinas e os trabalhadores e entre os tra balhadores com maior especialização e os demais Essas diferenças também se apresentavam quanto à divisão da riqueza extraída O proprietário do maquinário ficava com 60 ou mais da produção A incorporação de maquinários introduziu uma forte separação entre o controlador do garimpo e portanto o detentor do capital e o garimpeiro em si A distância entre ambos ficou maior assim como a distribuição da riqueza produzida concentrada no proprie tário das máquinas e equipamentos Em dezembro de 1979 foi descoberto ouro na fazenda Três Bar ras a 150 km de Marabá originando o maior garimpo do Brasil Serra Pelada Em 1983 o local já abrigava mais de 80 mil garim peiros e produzia mais de uma tonelada do metal por mês Tanta gente e pouco controle gerava inquietação entre os mili tares pois o sudeste paraense fora palco da Guerrilha do Araguaia e sofria com os conflitos fundiários Afora isso interessava ao go verno que o ouro fosse explorado pela estatal Companhia Vale do Rio Doce CVRD O major Curió foi encarregado de controlar o garimpo Ele havia reprimido a Guerrilha do Araguaia e fazia parte do Serviço Nacional de Informação SNI órgão de infor tal Apesar disso a descoberta do ouro e a emergência de garimpos não contri buiu para resolver os problemas decorrentes da concentração fundiária na região 140 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mação espionagem e repressão criado pelos militares em 1964 Segundo relatos de garimpeiros Curió em seu primeiro discurso no local disparou vários tiros para o alto e afirmou daqui para frente a arma que atira mais alto é a minha Schmink e Wood 2012 p 294 Todos os dias os garimpeiros eram reunidos para cantar o hino nacional As armas foram confiscadas as mulheres expulsas e as bebidas alcoólicas proibidas Bares e prostíbulos foram se locali zando em outra área no km 30 da rodovia PA275 O povoado chamado de Trinta foi organizado por Curió com a abertura de ruas e a distribuição de terrenos Ele se transformou na sede do atual município de Curionópolis que recebeu este nome em ho menagem ao major Milhares de garimpeiros transformaram o que era um morro em uma imensa cratera Eles carregavam sacas com terras da cra tera por enormes escadas precárias que eram causa de constantes acidentes fatais Esses trabalhadores ficaram conhecidos como for migas Mas diferentemente do garimpo tradicional eles e outros garimpeiros em outras tarefas eram pagos pela produção no caso dos formigas pela quantidade de carregamento Alguns poucos tinham direito de exploração de barrancos Esses desde que reu nissem capital contratavam formigas e outros para trabalhar Os donos de barranco eram os que efetivamente ganhavam Mui tos investidores de outras regiões passaram a comprar direitos de exploração em Serra Pelada Assim ocorria uma concentração de ganhos e riqueza nas mãos de poucos em detrimento dos demais Em 1982 Curió foi eleito deputado federal Em 1983 o presidente Figueiredo decidiu entregar Serra Pelada para a CVRD e transferir os garimpeiros para as reservas de mineração de Cumaru também no sudeste paraense e do Tapajós no oeste do Pará A tensão entre fechamento do garimpo e abertura em definitivo foi aumentando até que em 1984 os garimpeiros questionando até mesmo Curió se 141 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 organizaram em algumas frentes Fecharam a rodovia BelémBrasí lia em ImperatrizMA entraram na Serra Pelada destruindo insta lações da PM e aproximadamente 600 homens armados foram até Parauapebas e queimaram várias edificações da Vale do Rio Doce Figueiredo teve que reabrir o garimpo mas a produção do garimpo como já vinha acontecendo se manteve declinante O poraquê47 dá choque mas não ilumina o capital Grandes empreendimentos energéticominerais Estado a serviço do capital No início da ditadura empresarialmilitar de 1964 o presiden te ditador Castelo Branco sem licitação contratou a Força Aérea estadunidense USAF para fazer o levantamento aerofotogramé trico do Brasil Colocava assim informações mineralógicas privile giadas à disposição do Departamento de Minas Bureau of Mines estadunidense e das empresas daquele país Além disso foram in tensificadas as pesquisas geológicas na Amazônia Há muito além do ouro já eram conhecidas as reservas de cassiterita de Rondônia Amazônia ocidental e de manganês do Amapá Outras importantes reservas minerais foram localiza das Em 1966 a Codim subsidiária da Union Carbide descobriu manganês na serra do Sereno Marabá e em 1967 a United States Steel USS detectou ferro na serra Arqueada CarajásParauape bas e manganês na serra de Buritirama Marabá Também foram descobertas reservas de bauxita matériaprima do alumínio pe tróleo cassiterita e outros minérios Conta a história que o geólogo Breno Augusto dos Santos a serviço da USS em voo de helicóptero à procura manganês teve que fazer um pouso para abastecimento em meio à mata A clareira que escolheram pousar não tinha vegetação Ao pousar descobri 47 Enguia elétrica da Amazônia um peixe 142 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ram o motivo de não haver mata naquele local Tratavase de ferro a céu aberto Pronto acidentalmente havia sido descoberta a maior reserva de ferro de alto teor do planeta É fácil afirmar que Matinta Pereira e Curupira são lendas são estórias E no caso da descober ta do ferro de Carajás será que foi tudo tão acidental assim E as informações que estavam em mãos das Forças Armadas estaduni denses As clareiras já eram conhecidas pela equipe da mineradora a partir de fotos aéreas Mesmo assim o geólogo afirmou que foi destino sorte Carajás foi a última descoberta romântica da história da geologia Vale 2017 Diversas ocorrências minerais de vários tipos foram encontra das na região de Carajás Desde 1968 esta região vinha sendo es tudada pela CVRD Companhia Vale do Rio Doce Em 1970 os estudos passaram a ser efetuados pela Amza Amazônia Mineração SA formada pela CVRD 509 das ações e pela United States Steel com 491 das ações Em 1967 haviam sido descobertas as reservas de bauxita matériaprima do alumínio em Oriximi ná oeste do Pará com 11 bilhão de toneladas Marques 2007 Monteiro 2005 Posteriormente foram encontradas reservas de cassiterita e petróleo no estado do Amazonas bauxita em Parago minasPA e ouro e outros minérios por toda a região48 O entreguismo pouco nacionalista dos militares foi precedi do por mudanças institucionais necessárias aos seus objetivos A Constituição de 1967 estabeleceu que as jazidas minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituíam propriedade distinta do solo quando se tratasse de exploração ou aproveitamento industrial Com isso possibilitouse a aprovação do novo Código de Minas 1967 segundo o qual o subsolo não 48 Segundo Souza 1990 informações das Forças Armadas dos EUA contabiliza vam 225 geólogos e engenheiros estadunidenses realizando pesquisas na Ama zônia brasileira em 1973 143 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 teria dono cabendo ao governo definir quem o exploraria Tam bém se permitiu que empresas de capital externo mas organizadas no país pudessem controlar a exploração mineral O governo gol pista sob um discurso de segurança nacional colocava descara damente os recursos minerais brasileiros à disposição dos capitais transnacionais No caso da Amazônia a mudança na legislação mineral se so maria a outras medidas como o Estatuto da Terra e o estabeleci mento dos incentivos fiscais para sedimentar as bases de um novo e importante papel que a região cumpriria na acumulação capita lista brasileira em sua associação com a dinâmica de capital em âmbito mundial ser fornecedora de produtos naturais particular mente minerais eou intensivos em energia Além da crise econômica brasileira diversos fatores externos pesaram na definição do papel mineral da Amazônia destacada mente a disputa interimperialista o aumento da pressão ambiental nos países industrializados fazendo com que plantas industriais muito poluentes passassem a ser transferidas para regiões onde a legislação de proteção ao meio ambiente fosse mais branda a crise econômica mundial e a subida dos preços do petróleo encarecen do os custos da geração de energia elétrica levando alguns países monopolistas a voltarem suas atenções para as regiões com enorme potencial energético e mineral as taxas de juros internacionais su biram e com elas o endividamento brasileiro chamando atenção para o potencial mineral e energético amazônico Delineouse assim um processo de ocupação na Amazônia por meio de grandes empreendimentos privados e governamentais empreendimentos de porte considerável tecnologia avançada e implementados por complexos empresariais entre Estado e capital privado nacional e estrangeiro Com os grandes projetos a região 144 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 foi efetivamente inserida na estratégia econômica dos principais países da economia mundial49 Em 1970 foi fundada a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais CPRM estatal a fim de produzir conhecimento mi neralógico e colocálo à disposição das empresas mineradoras Também foi criado o Radam Radar da Amazônia para fazer o levantamento aeroradarmétrico de 15 milhões de quilômetros quadrados da região visando descobertas minerais Em meados dos anos de 1970 vários empreendimentos de gran de dimensão começaram a ser implantados na Amazônia Orien tal50 Naquele momento o mercado mundial de alumínio estava sob o controle de um cartel de seis empresas Alcoa USA Alcan Canadá Alusuisse Suíça Kaiser Aluminium USA Pechiney França e Reynolds USA Algumas dessas empresas haviam co meçado a promover pesquisas na Amazônia a partir do final dos anos 1950 foi o caso da Alcan 1963 procurando detectar bau xita Em 1967 a Alcan descobriu as reservas de bauxita no rio Trom betas município de OriximináPA Logo após essa descoberta a multinacional criou uma subsidiária a Mineração Rio do Norte MRN que em 197374 foi reorganizada por meio de um acordo entre Alcan e CVRD o que levou à incorporação de várias em presas como acionistas sendo que apenas três eram nacionais as demais eram estrangeiras 49 O interesse principal dos países imperialistas e de suas empresas em entrar em empreendimentos como os que foram implantados na Amazônia não foi neces sariamente a lucratividade mas sim o controle da produção de matériasprimas vendidas a preços baixos às indústrias monopolistas mundiais favorecendo a acumulação de capital na sede Podese obter lucro reduzido ou mesmo prejuízo no local da extração mineral desde que isso signifique a elevação dos lucros na indústria sediada no país dominante 50 Pará Amapá Mato Grosso Tocantins e parte do Maranhão 145 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A partir das reservas de bauxita decidiuse realizar seu bene ficiamento na própria região Em 1976 empresários japoneses da indústria de alumínio fecharam um acordo com os governos do Pará e do Brasil criando o Complexo Industrial de BarcarenaPA Projeto Albrás alumínio primário e Alunorte alumina matéria prima para o alumínio primário O choque do petróleo aumen tando os custos energéticos levou a economia japonesa a transferir para a periferia as etapas da produção de matériasprimas que fos sem intensivas em energia ou seja transferiu para os países depen dentes parte da sua crise O governo brasileiro encarregouse de oferecer a infraestrutura necessária ao empreendimento ficando o governo do Japão res ponsável pela tecnologia e parcela do financiamento Esse projeto foi empreendido por um consórcio formado pela CVRD através de sua subsidiária Valenorte e a NAAC Nippon Alumínio Com pany Ltda que era uma associação de 33 entidades onde o maior acionista era o Oecef Overseas Economic Fund órgão do gover no japonês Bentes 1992 Para o funcionamento das duas fábri cas era necessário um grande volume de energia elétrica principal insumo da cadeia produtiva do alumínio algo entre 30 e 40 dos custos totais Isso levou o governo militar a construir a mega hidrelétrica de Tucuruí fundando a estatal Eletronorte para tal assumindo as despesas para si e fornecendo a energia ao empreen dimento com uma tarifa subsidiada51 O projeto Albrás iniciou sua produção em 1985 A conclusão da construção da Alunorte foi atrasada em função de disputas entre a Alcan canadenses Alcoa e japoneses Afora isso a implantação do empreendimento interessava muito mais à CVRD do que à 51 A UHE de Tucuruí representou um grande ataque ambiental e social desalojan do milhares de pessoas de suas terras e casas A barragem tem 11 km de extensão e o lago nas cheias do rio alcança 2850 km² de floresta inundada 146 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Naac japoneses já que esta última objetivava centralmente a pro dução do alumínio primário Paralelo a isso a Alcoa junto à Shell e à construtora Camargo Corrêa montaram uma planta industrial Alumar em São LuísMA para produzir aquilo que a Alunorte produziria O capital que a construtora incorporou na empreitada foi exatamente o lucro que ela obtivera na construção da hidrelétri ca de Tucuruí US 2 bilhões segundo Leal 201052 No caso do ferro Projeto FerroCarajás a CVRD em 1977 adquiriu as ações da US Steel com apoio do Banco Mundial e do Tesouro Nacional As reservas assim como o complexo mina ferroviaporto formaram a espinha dorsal de um programa mais amplo o Programa Grande Carajás PGC criado em 1980 Essa decisão foi influenciada entre outros pela busca de saldos posi tivos na balança comercial brasileira como forma de responder à crise econômica A área de influência direta do PGC alcan çou 106 do território brasileiro e mais de 240 municípios do Maranhão Pará e Tocantins A província mineral de Carajás e outras áreas do PGC registram grande incidência de ferro bau xita ouro níquel cobre manganês cassiterita e minerais não metálicos53 Segundo Hall 1991 e Cota 2007 a partir de informações da CVRD o PGC foi orçado em 1981 em US 617 bilhões e tinha como eixo de suas atividades a mineração mais especificamente o 52 A retomada da implantação da Alunorte em 1993 foi comandada pela CVRD sob um esquema de financiamento e facilidades fiscais concedidos pelo governo paraen se Montouse uma nova estrutura acionária composta pela CVRD com 448 MRN com 246 Naac com 161 CBA com 57 e outros participantes 53 O Programa instituiu um regime especial de incentivos tributários e financeiros para empreendimentos localizados na sua área de atuação Sua direção admi nistrativa coube a um conselho interministerial sediado em Brasília e presidido pelo ministro da Secretaria de Planejamento da Presidência da República Cota 2007 Lôbo 1996 Tomava decisões estratégicas sobre a região mas de fora e por pessoas sem vinculação direta com ela 147 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 processamento de uma ampla parcela de minerais incluindo os 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade da mina de Carajás administrada pela CVRD Loureiro 2004 afirma que o governo brasileiro aceitou a imposição do Banco Mundial e assu miu os grandes volumes do financiamento de modo que 68 dos investimentos foram decorrentes de recursos diretos do governo ou de suas instituições financeiras Como retorno aos empréstimos tomados o governo brasileiro ofereceu aos empresários estran geiros os investimentos na implantação da infraestrutura estrada de ferro barragens etc O PGC representou não apenas a perda de controle sobre a área por parte dos governos estaduais da Amazônia mas também a redução do poder de intervenção das instituições tradicionais Sudam Suframa e Banco da Amazônia não tinham poder de de cisão sobre o Programa Essa forma de ocupação com os grandes empreendimentos foi característica da ocupação e pilhagem do capital monopolista internacional tornada possível por conta dos interesses comuns entre a burguesia brasileira e a imperialista com aval e estímulo do Estado brasileiro Outro aspecto importante do PGC é a questão ambiental pois se visualizava o estabelecimento de indústrias produtoras de ferro gusa matériaprima do aço A questão é que isso implica uma enorme voracidade de destruição da floresta No percurso da es trada de ferro principalmente no território maranhense foram sendo implantadas nos anos 1980 diversas guseiras de pequeno e médio porte Para a fabricação do produto elas usavam o carvão feito com a derrubada da floresta nativa Em Marabá nas décadas seguintes se instalou um polo siderúrgico também com forte im pacto sobre a floresta Dada a redução dos preços do ferrogusa em meados dos anos 2010 e a proibição do uso de carvão produzido com madeira nativa elevando os custos somado a outros elemen 148 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tos as empresas enfrentaram séria crise paralisando majoritaria mente suas atividades Do ponto de vista da economia regional com os grandes proje tos ou mais precisamente grandes empreendimentos ocorreu uma reconfiguração da produção e da sua relação com o exterior mas confirmouse sua condição de região semicolonial dependente54 Excluindo a produção do manganês amapaense que entrara em comercialização em 1957 a pauta de exportação amazônica até os anos 1960 sustentavase em produtos extrativos tradicionais pes cado castanhadopará madeira óleos etc No decorrer dos anos 1980 de forma efetiva isso mudou radicalmente consolidando uma divisão de papéis delineada desde a ditadura empresarialmili tar Na Amazônia oriental a pauta de exportação foi dominada pe los produtos minerais A Amazônia ocidental55 teve sua economia hegemonizada pela produção da Zona Franca de Manaus ZFM cuja formatação é diferente dos empreendimentos energéticomi nerais com componentes importados montando mercadorias eletroeletrônicas voltadas para o mercado interno brasileiro A enorme transferência de recursos públicos conformou um grande parque industrial em Manaus o Polo Industrial de Ma 54 O quadro atual configura a região como semicolonial ou mais precisamente dependente porque entre outros apesar de o Brasil formalmente ser uma nação independente as relações que os capitais transnacionais e seus países de origem estabelecem com a região são imperialistas e os setores dominantes local e na cional aceitam e se alimentam dessa relação É verdade que muitas mudanças ocorreram no mundo desde que Lenin analisou e caracterizou o imperialismo no início do século XX Mas também é correto afirmar que muitas características imperialistas se mantêm em particular o domínio dos principais ramos da eco nomia mundial pelos oligopólios Quando nos referirmos à região como colônia ou mais exatamente semicolônia estamos em realidade reforçando o caráter das políticas imperialistas que incidem sobre ela Não nos referimos à colônia no sen tido clássico que é quando uma determinada região não tem autonomia política No caso da Amazônia tratase de uma região que compõe um país independen te mas subordinado aos países dominantes 55 Amazonas Roraima Acre e Rondônia 149 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 naus PIM parte central da Zona Franca São aproximadamente 600 indústrias em grande medida hegemonizadas por empresas transnacionais que importam seus componentes de suas matrizes ou fornecedoras na China Coreia do Sul EUA e Japão principal mente Em 2014 as empresas eletroeletrônicas corresponderam à metade do faturamento do PIM seguidas pelas produtoras de mo tos O problema é que são empresas que não inovam e em geral apenas montam os produtos no Amazonas comprando os compo nentes de fora gerando estímulos em outros países para vender para dentro do Brasil Em consequência a balança comercial do estado do Amazonas é muito negativa A ZFM provocou mudanças importantes no estado do Ama zonas Em 1950 o setor primário concentrava 7365 da popula ção economicamente ativa estadual Em 1980 havia se reduzido a 3859 Isso foi produto entre outros da enorme concentração demográfica em Manaus que passou a atrair mais que proporcio nalmente a população do interior Em 1970 a capital dispunha de 243 da população estadual Em 2005 totalizava 508 Outro fator que é causa e consequência dessas mudanças é a evolução do PIB de Manaus Em 1970 já com a ZFM em implantação ele correspondia a 728 de tudo o que o Amazonas produzia Em 2003 concentrava 83 A dinamização da capital contrastou com a fragilização do interior amazonense e com outros estados da Amazônia ocidental Além disso os ganhos dessa produção e da transferência de recursos públicos pouco contribuem para o verdadeiro desenvol vimento local pelo menos não na mesma proporção dos lucros principalmente quando comparamos com o faturamento das em presas Segundo dados da Suframa o total de gastos com salários encargos e benefícios ficou em média entre 6 e 7 na primeira metade da década de 2010 o que representa um aumento da desi 150 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 gualdade na distribuição da riqueza pois em 1990 esse percentual era de 988 Esse processo é agravado com a intensificação da terceirização nas empresas do PIM contratando trabalhadores em postos preca rizados e de menor salário ainda que realizando as funções de ope rários especializados Aumentase com isso a apropriação do traba lho pelo capital pois o trabalhador fica com uma parcela menor da riqueza por ele produzida Dados sistematizados por Cooney Oliveira e Almeida 2008 informaram que em 2007 82 dos trabalhadores empregados no PIM recebiam entre 1 e 4 salários mínimos O Índice de Desenvolvimento Humano de Manaus no início da segunda década do século XXI mostrouse equivalente ou le vemente superior ao das demais capitais da região Norte do Bra sil Quanto ao índice Gini que mede a concentração de renda constatase que a capital amazonense tem um percentual muito elevado mesmo quando comparada às demais capitais da Amazô nia ocidental Isso significa desigualdade social O Ipea a conside rou como a região metropolitana brasileira de piores indicadores sociais Diferentemente do que pregavam as teorias econômicas e os discursos políticos governamentais os investimentos públicos no PIM não irradiaram o desenvolvimento para o conjunto da região ao contrário concentraram renda56 e população em Manaus Ade mais o que mais atrai essas empresas é a continuidade de favores do Estado isenção de impostos e linhas de crédito especial além da entrega de dinheiro a fundo perdido como aconteceu no passa 56 Segundo Cooney Oliveira e Almeida 2008 em 2004 de toda a riqueza produ zida no estado do Amazonas 80 é originada no PIM Mas a concentração de renda não significa necessariamente que ela fique em Manaus Os acionistas da Honda por exemplo moram fora da região e até mesmo do território brasileiro 151 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do Uma suspensão desses favores levaria ao fechamento de grande parte desses empreendimentos Assim ocorreu uma concentração e centralização de capital57 na capital amazonense Apesar da melhora do IDH a riqueza se concentrou nas mãos de poucos Dados do censo de 2000 indicam que apenas 317 da população amazonense tinha rendimentos superiores a dez saláriosmínimos Manaus abrigava 884 das fa mílias ricas do estado sendo que as mais ricas controlavam 874 do PIB estadual Pochmann et al 2003 apud Santos Machado Seráfico 201558 Visualizando a forma de capital predominante na Amazônia podemos destacar que até os anos 1950 pelo menos o capital mer cantilcomercial foi a face que se sobressaiu e pouco exigiu em investimento na produção A economia regional centravase em produtos extrativos tradicionais A partir dessa década ganha mais visibilidade consolidandose posteriormente com os grandes em preendimentos o capital industrialfinanceiro estimulado pelo Es tado o que exige um montante de investimento produtivo bas tante significativo seja em infraestrutura seja em montagens de unidades produtivas Aqui entendemos a tomada de grandes ex tensões de terras pelo Governo Federal até então sob o controle dos governos estaduais Era parte da concentração de poder neces sária à condução das políticas em questão 57 Concentração é o processo em que o capital aumenta de valor por meio da apro priação do trabalho excedente maisvalia do trabalhador pelo capitalista Já a centralização ocorre quando capitais antes dispersos e concorrentes são juntados sob um único proprietário ou comando Compras de empresa associações e ou tros instrumentos são usados para tal 58 Segundo Santos Machado e Seráfico 2015 a ZFM representou a combinação de interesses entre as corporações transnacionais e os empresários nacionais e amazonenses Ainda que o empresário local se subordinasse ao nacional e trans nacional vários de seus segmentos alcançaram ganhos substantivos aproveitan dose da dinâmica de transnacionalização 152 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A decisão de ter como centro a mineração baseada princi palmente em TucuruíAlbrásCarajás e alguns poucos produtos exportáveis foi tomada fora da região e levando em consideração os interesses dos grandes capitais incluindo acentuadamente das economias hegemônicas Apesar dos numerosos e significativos projetos agropecuários aprovados pela Sudam o interesse maior do governo federal para a Amazônia não tomava como centro a agropecuária mas a mineração Ocorreu assim um esvaziamento político e econômicofinanceiro da Superintendência Foi nos anos 1970 aparentemente no auge da Sudam que se consolidou um projeto no qual a Amazônia se integrou ao proces so de acumulação capitalista brasileira em suas associações com a divisão internacional do trabalho como fornecedora de produtos naturais principalmente minerais59 Gestouse um projeto impul sionado pelo Estado brasileiro no qual a Superintendência e mes mo a Suframa e o Banco da Amazônia seria coadjuvante de modo que o projeto teria que permanecer vivo e fortalecido mas ela não necessariamente Foi o que aconteceu quando a crise do Estado de senvolvimentista brasileiro levou à redução drástica dos incentivos fiscais sob a gerência da Sudam sendo extinta em 2001 pelo presi dente Fernando Henrique Cardoso60 A ZFM também sofreu com as novas políticas adotadas em particular com a redução dos in centivos fiscais limitando bastante sua capacidade de atração de novos investimentos ou mesmo a renovação daqueles já existentes Nos anos 1990 o Banco da Amazônia também passou por uma forte indefinição sobre seu futuro diante do desmonte dos bancos 59 Evidentemente estamos nos referindo particularmente à Amazônia oriental onde se concentraram as grandes ocorrências minerais da região 60 Tendo sempre pouco acesso à Sudam as classes trabalhadoras não defenderam uma instituição que pouco fez para se aproximar desse setor No segundo man dato do governo Lula em 2007 a Sudam foi recriada mas com pouquíssimos instrumentos de intervenção 153 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 públicos e privatizações O Banco Regional Amazônico entraria no último lote de venda junto com o Banco do Nordeste Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil Felizmente o governo tuca no não conseguiu reunir condições para isso Nos anos seguintes o Banco também não conseguiu visualizar um futuro sólido Com a intensificação da onda neoliberal a partir de 2016 as ameaças ganharam força novamente Em resumo ao mobilizar recursos para a integração da Ama zônia o Estado garantiu a inserção de capitais nessa região Mais que isso proporcionou a acumulação ampliada do capital respon dendo aos interesses da burguesia nacional e internacional A pró pria burguesia regional aceitou um papel subordinado nessa nova fase contente com as terras recebidas e os resíduos não pequenos se comparados ao capital regional dos incentivos fiscais Aos tra balhadores não restaram nem terras nem incentivos apenas traba lho nem sempre encontrado razão pela qual ocorre um incha ço das cidades amazônicas nos anos 1980 e 1990 QUESTÃO AGRÁRIA A antirreforma agrária na Amazônia Não era mais só a assombração que metia medo Quando deixar de chover na Amazônia a partir de junho ou ju lho tudo recomeçará novamente entre cem e cento e cinquenta mil nordestinos sobretudo maranhenses serão trazidos de seus pobres povoados do interior para derrubar grandes árvores e preparar pas tagens numa floresta que desconhecem e lhes é hostil milhares de famílias de lavradores começarão a chegar estabelecendose sobre tudo em Rondônia Acre e sul do Pará à procura de um pedaço de terra outras que já o obtiveram serão ameaçadas de expulsão e em vários casos terão que procurar outra área em pelo menos 44 mi lhões de hectares haverá 10342 famílias de posseiros brigando com grandes proprietários de terra enquanto diversos grupos econômicos tentarão regularizar a situação de 54 milhões de hectares que estão grilados em apenas seis áreas amazônicas Pinto 1980 p 3 Lamentavelmente esse relatoprevisão de Lúcio Flávio Pinto era a expressão de uma terrível rotina que se repetia na Amazônia nos anos 1970 e 1980 Vejamos Desde pouco antes do golpe militar mas principalmente depois da Operação Amazônia 1966 os incentivos fiscais inicialmente diminutos e restritos à indústria se ampliaram e migraram acentua 156 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 damente para a pecuária provocando além do desvio de enorme vo lume de recursos públicos intensa busca por terras para a conforma ção de fazendas Para isso os grandes proprietários recorreram aos mais variados métodos legais ou não pois quanto maior o tamanho da terra maior o montante de dinheiro público a receber Isso não era uma simples compensação à oligarquia regional mas o movimento de configuração de um novo projeto para a re gião onde mesmo na agropecuária frações regionais teriam que conviver com setores de outras regiões1 e até de outros países como foi o caso da Volkswagen com uma fazenda de 139392 hectares no sudeste paraense onde em uma única queimada destruiu 10 mil hectares de floresta Cocacola Pirelli Goodyear entre ou tras se aproveitaram dos estímulos à agropecuária ainda que não fossem originárias deste setor Receberam dinheiro público eou isenção de impostos da Sudam empresas madeireiras de origem es tadunidense holandesa e suíça O mesmo aconteceu na agropecu ária com empresários dos EUA Alemanha Áustria e Suíça entre outros afora as mineradoras já citadas anteriormente Em 1968 por proposta da oposição foi instituída uma comis são parlamentar no Congresso Nacional que averiguou que pro priedades de grandes proporções na Amazônia Legal estavam com pessoas e empresas de outras nacionalidades por exemplo João Inácio extabelião de cartório de 1º ofício e testadeferro de gru 1 Os novos grupos que entravam no Pará eram descendentes de famílias tradicio nais paulistas plantadoras de café e outros produtos que nos anos 1940 e 1950 já haviam adquirido terras no Paraná norte de Minas e Goiás Lunardelli Góes Do Val etc são exemplos de latifundiários que estabeleceram propriedades na re gião Os novos proprietários fundaram em 1968 no sudeste do Pará a Associa ção de Empresários Agropecuários da Amazônia com sede em São Paulo onde residiam os negócios prioritários e os filiados à nova entidade Supostamente eram empresários mais modernos e conscientes eram João Carlos Meireles um de seus presidentes afirmou em relação à floresta melhor seria cortála pois que a hileia é uma floresta senil Jornal do Brasil apud Valverde 1980 p 29 157 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 pos estrangeiros dispunha de posses em diversos municípios entre os quais 36 milhões de hectares em São Félix do Xingu Usando diversos nomes falsos João Inácio chegou a se apropriar de mais de 5 milhões de hectares de terras em diversos estados da Amazônia Oliveira 1988 Garrido Filha 1980 Ao incluir a produção madeireira e agropecuária entre os se tores incentiváveis e ao reconhecer o valor das terras como re cursos próprios e contrapartida de capital dos que viessem a pleitear a ajuda financeira o Estado estabeleceu íntima relação entre incentivos fiscais e grande propriedade da terra2 Grosso modo os setores regionais detentores de baixa capitalização re quisitavam incentivos fiscais por meio de projetos agropecuários Proprietários locais e extrarregionais recebiam terras do governo ou compravam a preços irrisórios ou mesmo as grilavam e de pois inflavam artificialmente seu valor para obter grandes somas de incentivos do governo A Sudam financiou inúmeros proje tos que estavam em áreas litigiosas pois não exigia comprovação da ausência de conflito A concentração crescente de terras que se observou para exploração agropecuária madeireira e mineral passou a conflitar com a procura dos pequenos produtores prin cipalmente imigrantes Para além do problema da rentabilidade econômica e das áreas litigiosas de projetos incentivados pela Sudam havia a questão da corrupção direta ou indireta A propaganda militar como um go verno correto de moral elevada não se sustentou no caso amazô 2 Quando um empresário solicitava dinheiro de incentivo fiscal da Sudam tinha que comprovar que ele dispunha e investiria parte dos recursos monetários ne cessários à implantação do projeto obrigatoriamente pelo menos 25 do total Era a contrapartida financeira de capital Como a Superintendência aceitou que a propriedade de terras pudesse ser contabilizada como tal a rigor um em presário poderia montar um empreendimento sem investir nenhum dinheiro novo próprio 158 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nico Vejamos o depoimento de Pedro Casaldáliga bispo de São Félix do AraguaiaMT Não havia fiscalização nenhuma A Sudam era a prostituta do la tifúndio com o perdão das prostitutas E o povo inerme indefe so não tinha organização não tinha sindicato enquanto as forças todas políticas judiciárias militares estavam a favor do latifúndio Desde que cheguei aqui nestes 35 anos 1968 de Barra do Gar ças até a divisa com o Pará onde termina a Prelazia foi desmatado e queimado 80 do território Em resumo veio muito dinheiro mas não o desenvolvimento Muitas vezes porque os incentivos fis cais que se davam ao latifúndio não eram investidos aqui mas nas próprias empresas que os ditos fazendeiros tinham no Sul e Sudeste Várias dessas fazendas eram bancos Casaldáliga 2003 apud Faria et al 2015 p 362363 O senador acreano Altevir Leal do partido da ditadura o Are na afirmava ser dono de todo o rio Envira Ele teria vendido 12 milhão de hectares de terras e mesmo assim ainda se intitulava o maior latifundiário do mundo Outras esferas de poder não esta vam isentas Pinto 1980 descreveu que um funcionário público teria escutado de um grande investidor do Sul do Brasil que as coisas mais baratas que teria encontrado no Acre eram terras e a justiça Já no governo Costa e Silva 19671969 a questão da terra particularmente em relação à Amazônia havia sido transformada num problema militar Para o ministro do Interior general Albu querque de Lima ligado à Escola Superior de Guerra a integração da região se tornava um problema nacional e responderia à pres são fundiária no Nordeste devendose ocupar os espaços vazios amazônicos O presidente Médici 19691974 afirmara que a terra sem homens receberia os homens sem terra mas em seu governo marcado pela repressão à Guerrilha do Araguaia a Amazônia dei xou de ser vista como solução para o problema agrário brasileiro A terra sem homens deveria receber os homens do capital e que 159 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 por conta das facilidades dos incentivos nem precisariam necessa riamente estar com grandes volumes financeiros Não houve reforma agrária na Amazônia mas sim o seu inver so3 Comprova isso entre outros duas diretivas elaboradas pelo Conselho de Segurança Nacional e pelo Ministério da Agricultura sendo emitidas pelo Incra ainda que não tivessem sido publicadas Eram as diretivas 005 e 006 de 1976 Apesar de serem exposições de motivos foram tomadas como lei A primeira reconhecia que partes das grandes propriedades haviam sido adquiridas ilegal mente mas de boafé algumas recebendo até mesmo incentivos fiscais do governo Como elas promoviam o desenvolvimento da Amazônia deveriam ser tornadas formalmente legais até o limite de 60 mil ha A segunda diretiva concedia título sobre determina da terra desde que o requisitante comprovasse que estava lá há mais de dez anos Isso excluía os pequenos imigrantes que haviam sido atraídos pela propaganda governamental da ditadura empresarial militar Esses dois instrumentos estimularam o mercado de terras e títulos falsos na região em detrimento dos pequenos proprietá rios que mesmo sendo os donos de fato não tinham como com provar isso por meio de documentos Legalizavase o escandaloso processo de apropriação ilícita de terras de terceiros e do Estado Num antigo município paraense São Domingos da Boa Vista um dos livros de títulos definiti vos de propriedade referente ao período 19101916 teve quatro páginas arrancadas e outras introduzidas de forma tão grosseira que ele ficou com duas folhas de número 39 sendo cada uma com uma diferente impressão tipográfica Também nos anos 3 Jader Barbalho então deputado federal latifundiário prestou depoimento à Câmara Federal 1985 afirmando que entre 1978 e 1981 apenas oito pessoas físicas e jurídicas haviam expandido suas propriedades paraenses em aproxima damente 45 milhões de hectares chegando a deter algo em torno de 6 milhões de hectares o que equivalia a toda a terra pública alienada no Pará até 1963 160 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1970 a Secretaria de Agricultura paraense quando foi demarcar o loteamento Itaipavas no sudeste do estado constatou que da área que se julgava ter o território 1800 metros estariam sobre o rio Araguaia o que legalmente não poderia ocorrer Não se pode lotear um rio Afora isso os órgãos públicos não se entendiam em diversos aspectos Em muitos casos sobre uma mesma área havia mais de um título emitido ou reconhecido a proprietários diferentes pelo mesmo órgão ou por órgãos diferentes como o Incra e o Instituto de Terras do Pará Iterpa Posteriormente outras instâncias passa ram também a ter a prerrogativa de gestão sobre terras da região como por exemplo o Programa Grande Carajás e o Grupo Exe cutivo de Terras do AraguaiaTocantins Getat Confusões entre os órgãos e a generalização das fraudes levaram analogia com a arquitetura para explicar a desordem dos títulos Sobre uma mesma área cada título apresentado correspondia a um andar No Pará eram comuns propriedades que tinham de sete até dez andares Schmink e Wood 2012 p 111 Segundo Pinto 1980 com uma extensão territorial de pouco mais de 12 milhão de hectares o estado do Mato Grosso até a segunda metade dos anos 1970 conseguira a proeza de vender 17 milhão de hectares A concentração fundiária ocorreu até mesmo na região da ro dovia Transamazônica que havia sido tomada como a área de lo calização de pequenos produtores por meio da colonização Ini cialmente o governo distribuiu lotes de 100 hectares mas em seguida passou a vender lotes de 500 hectares a comerciantes empresários e madeireiros locais e de outros estados Esses lotes ficavam atrás daqueles de 100 hectares localizados ao lado da ro dovia O Incra facilitou aos novos proprietários a compra dos lotes de 100 hectares na frente Os pequenos assentados sem apoio pú blico passaram a vender suas terras para os proprietários de renda mais elevada ocorrendo reconcentração da terra 161 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Desse modo a política de assentamento de trabalhadores rurais na Amazônia respondeu à necessidade de se distribuir alguma terra para não distribuir as terras esse acabou sendo o lema de fato da política governamental de colonização dirigida Ianni 1979 p 81 Na prática os pequenos produtores em geral cumpriram a função de abrir a mata em regiões de difícil acesso para os médios e grandes proprietários que viriam depois A crescente organização dos trabalhadores em sindicatos par tidos e outras organizações aliada ao apoio recebido de parte da Igreja católica entre outros aumentava a tensão Os camponeses migrantes ou não passaram a compreender que fazendo pressão organizada sobre o governo e o grande proprietário conseguiam algum grau de visibilidade e atenção O Estado ao mesmo tempo em que respondia com diversos tipos de repressão também era obrigado a dar algumas respostas pontuais e localizadas às de mandas dos trabalhadores Isso geralmente acontecia em locais de maior tensão Diferentemente do Incra com seus critérios de seleção para as sentamento na Transamazônica o Getat atuou preferencialmente sobre posseiros envolvidos em conflitos chegando até mesmo a negociar títulos de terra por apoio aos candidatos governamentais nas eleições Ele foi uma forma de proteger os interesses dos grandes proprietários e das grandes empresas de modo a evitar que perdessem para os trabalhadores mais terra ainda ou até mesmo a totalidade de suas fazendas Todos os meios têm sido utilizados desde a persuasão até a ameaça não faltando a violência Ele faz exatamente o papel do coronel concede dádivas acomoda tenta conciliar etc para garantir os interesses dos grandes proprietários A criação do Getat representou a intervenção militar no Incra e pra ticamente a sua condenação De fato a federalização da questão fundiária e sua militarização torna mais fácil a neutralização de um foco de tensões sociais e polí ticas incômodo para o regime militar e sua política econômica Fun 162 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 damentalmente centraliza nas mãos do novo ministro as decisões sobre o problema da terra eliminando uma variedade de grupos so ciais com interesses comuns mas na verdade com interesses confli tantes como no caso dos proprietários tradicionais de seringais e castanhais das empresas de colonização das empresas beneficiárias de incentivos fiscais para concretizar no campo a política agrope cuária do governo e das multinacionais e financeiras de cujo apoio dependem ambiciosos projetos governamentais como o de Carajás Martins 1984 p 24 25 e 73 Era então uma política de colonização emergencial e de con flitos tendo como objetivo principal diminuir as tensões locais e ampliar a base de apoio governamental Mas as coisas nem sempre saíam como se planejava Primeiro porque intencionalmente ou não a distribuição de títulos não freara as forças do mercado e da política que tendiam à maior concentração fundiá ria Segundo os trabalhadores rurais aprendiam rapidamente com os fatos e a luta A mensagem era bem clara Para defender o seu lote era necessário organizarse e constituir ameaça suficiente para que os militares in terviessem em seu favor O resultado foi exatamente o processo de politização que os militares tanto temiam Apesar de um movimento camponês de mobilização em grande escala nunca ter se desenvolvi do na Amazônia não houve dúvidas de que o caráter esporádico da intervenção militar em favor de pequenos produtores aumentou ao invés de reduzir a possibilidade de resistência organizada Schmink e Wood 2012 p 130 O Getat buscava controlar os conflitos fundiários o que signi ficava antes de tudo ter o controle sobre os camponeses da região incluindo suas organizações representativas O Sindicato de Tra balhadores Rurais de Conceição do Araguaia e região tinha um presidente que havia sido imposto pelo governo desde 1974 Nas eleições de 1980 a oposição sindical indicou o nome de Raimun do Ferreira Lima o Gringo Defendia a reforma agrária e recebeu o apoio nacional de grupos de oposição ao governo Considerado uma ameaça foi assassinado 163 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A oposição sindical apresentou novo candidato e venceu o plei to mas a eleição foi anulada por não obter o quórum regimental O governo adiou a eleição várias vezes até sua realização em 1981 Militares Polícia Federal e Getat atuaram abertamente a favor do candidato prógoverno vencedor da disputa eleitoral Para tal pro meteram títulos de propriedade O Getat doou recursos às comu nidades em troca de apoio e o major Curió pessoalmente foi pro meter carteirinhas de garimpeiros a quem votasse com o governo O apoio à grande propriedade e outras políticas correlatas re configuraram o próprio espaço regional amazônico Na década de 1950 a região tinha uma forma de ocupação onde a distribuição populacional ocorria ao longo de seus rios principais destacada mente o Amazonas A ocupação econômica também seguia esse movimento Com as políticas implementadas nos anos 1950 rodo via BelémBrasília 1960 e 1970 ocorreu a reconfiguração espacial passandose a ocupar não apenas as margens dos rios mas outras áreas de acordo com a disposição das rodovias e a concentração dos projetos econômicos Economia sociedade e o modo de vida sustentados no cabo clo na roça e no extrativismo foram profundamente alterados Também ocorreram mudanças nas relações de poder No caso de MarabáPA nos anos 1980 consolidouse uma situação em que o município não era mais somente a terra da oligarquia da castanha de camponeses e de indígenas passando a ser também de ban cos Bradesco e Bamerindus4 pecuaristas grileiros colonizadores militares e mineradoras Não era necessário residir na Amazônia para se apropriar de suas terras tampouco se exigia obrigatoriamente que elas fossem exploradas produtivamente Em 1961 os donos da Fazenda Santa Fé vieram conhecer suas terras e trouxeram novos visitantes 4 Posteriormente esse banco foi comprado pelo HSBC 164 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Pousamos em terras paraenses Pelas 4 horas chegou o quar to avião um Asteca do Empreendedor Bené Benedito Sampaio de Barros e nele o Sr Ruy Mesquita do jornal Estado de S Paulo e o fazendeiro Sérgio Cardoso de Almeida Enfim a que veio este grupo ao sul do Pará Olhar as terras É que muitos já são proprie tários de largas faixas destas matas quase terras virgens distantes muitas léguas das povoações mais próximas Hermes apud Fernan des 1999 p 4546 Diferente do que possa parecer os novos grandes proprietários não negavam como um todo a antiga oligarquia Ainda que não sem contradições e tensões a sua estratégia de sustentação os le vava a estabelecer relações e alianças com proprietários locais Do ponto de vista do pequeno produtor e do trabalhador semterra a aliança dos latifundiários cumpriu o papel de concentrar terra e se opor à luta pela reforma agrária O deslocamento espontâneo e crescente de grandes massas de imigrantes principalmente desde os anos 1970 levou os posseiros a se enfrentarem com grileiros e empresas beneficiadas pelos incenti vos fiscais A tarefa de ocupação coube inicialmente aos imigrantes nordestinos principalmente Entretanto ocupação pressupõe algo a ocupar mas a terra não estava à disposição de todos e sim dos gran des proprietários de terra eou de capital Os interesses dos migrantes se chocaram com a estrutura de poder que lhes estimulou a migrar colidindo com outros atores nesse espaço que diferente do que se propagan deava não era vazio A partir daí não fica difícil entender porque de espaço vazio ele se tornou espaço de conflitos Nahum 1999 p 51 O resultado é que por meio de programas de colonização e outros instrumentos ocorreu um processo de deslocamento espacial da pobreza e da exclusão social Castro 1994 Conflitos e contradi ções sociais foram estendidos de outras regiões para a Amazônia e ali receberam outros agravantes como a degradação ambiental Assim ocorreu a expansão da chamada fronteira agrícola mas com muitas contradições e seguindo o percurso aberto pelas novas 165 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 rodovias Segundo Marques e Marques 2015 o imigrantepos seiro era o primeiro a chegar às novas terras se enfrentando com populações indígenas e com a floresta Depois de amansada a terra chegava o fazendeiro imigrante que adquiria essa posse por métodos diversos fazendo com que o primeiro fosse deslocado para abrir uma nova área de terra Schmink e Wood 2012 p 390 colheram depoimentos junto a imigrantes que retratam esse processo Um dos imigrantes afirmou dizem que tem muita terra pública Aí você chega aqui e tudo já tem dono Outro trabalha dor reclama A gente vê isso acontecer demais um trabalha num lote de terra desmata e planta Daí vem outro que se diz dono5 Esse movimento era acompanhado pela grande fazenda co mércio banco cartório obras infraestruturais ou seja formas ca pitalistas de ocupação territorial Já afirmamos que a política de distribuição de terras e incentivos na Amazônia priorizava os pro prietários de fora da região excluindo particularmente os peque nos produtores Costa 2000 comprovou que os incentivos fiscais estavam concentrados em empresas gigantes banco Bradesco SA por exemplo seguidas por grupos familiares forâneos São Paulo e Minas Gerais principalmente Os grupos oligárquicos locais to talizaram 215 dos investimentos6 A pequena produção estava excluída entre outros por não se apresentar como empresa SA précondição de acesso ao fundo público 5 Em alguns casos o próprio trabalhador resolvia vender sua terra amansada Co nhecido como indústria da posse o procedimento foi uma das poucas vias abertas para os imigrantes ganharem algum dinheiro Sem nenhuma forma de estabelecer uma posse legal e nenhum poder político ou econômico necessário para manter a posse que eles tão desesperadamente queriam os pequenos agricultores descobri ram que a única forma de sobreviver era continuar em movimento limpando um lote para depois mudarse para o próximo Schmink e Wood 2012 p 129 6 Isso não significa que as oligarquias locais tenham sido de todo esquecidas Mes quita et al 2015 afirmam que na ditadura empresarialmilitar foram ampliadas as relações da política econômica nacional com os grupos de poder maranhenses tradicionais e emergentes 166 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Diferente de outros países capitalista e proprietário de terra no Brasil grosso modo apresentaram interesses comuns ou se consti tuíram numa mesma pessoa assumindo inclusive também a fun ção políticoeleitoral o que ainda hoje dificulta a realização da reforma agrária no país Tinham negócios nas cidades e grandes propriedades no campo Com a Sudam e a Sudene e provavel mente com a Sudeco Superintendência de Desenvolvimento do CentroOeste essa fusão em um único capitalista foi intensifica da Reuniase riqueza social maisvalia e outras fontes na forma de recursos públicos e a transformava em riqueza privada por meio da concessão de incentivos fiscais e propriedades Na Amazônia configurouse assim o que Martins 1980 deno minou de frente de expansão primeiro movimento marcado pela chegada do imigrante7 e o que se chamou de frente pioneira deslo camento do fazendeiro imigrante segundo movimento Quando se dá a superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela terra Martins 1980 p 75 Uma característica comum na fronteira era a marcha do campe sinato alargando suas áreas de sobrevivência e produção Mas sua ação em contrapartida transforma o lote por ele aberto num fér til espaço para a acumulação do novo capital que gradativamen 7 No meu modo de ver as relações sociais e de produção na frente de expan são são predominantemente relações não capitalistas de produção mediadoras da reprodução capitalista do capital Isso não faz delas outro modo de produção Apenas indica uma insuficiente constituição dos mecanismos de reprodução ca pitalista na frente de expansão Insuficiência que decorre de situações em que a distância dos mercados e a precariedade das vias e meios de comunicação com prometem a taxa de lucro de eventuais empreendedores Portanto aí tendem a se desenvolver atividades econômicas em que não assumem forma nem realidade própria os diferentes componentes da produção propriamente capitalista como o salário o capital e a renda da terra Os meios de produção ainda não aparecem na realidade da produção como capital nem a força de trabalho chega a se con figurar na categoria salário Portanto o produtor não tem como organizar sua produção e modo capitalista segundo a racionalidade do capital O capital só entra só se configura onde sua racionalidade é possível Martins 2012 p 156 167 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 te apropriavase da terra e do trabalho que o colono incorporava nela Colono e empresário seguiam o curso da estrada A fronteira era então um espaço privilegiado de reprodução do campesinato Loureiro 2009 p 71 Em outras regiões e países ocorreram casos clássicos de expan são da fronteira agrícola migração do campesinato solidifican do uma agricultura camponesa e somente depois deslocamento chegada do latifúndio No caso amazônico esse processo aconte ceu com a especificidade de que esse movimento de chegada do colonoposseiro progressivamente foi ocorrendo concomitante mente à migração do grande proprietário fosse latifundiário tra dicional grande empresa banco para a região Ele se somava aos que já estavam no local anteriormente oligarquia caboclos garimpeiros indígenas quilombolas etc Esse componente po tencializou os conflitos Ademais a corrida e o estabelecimento de novos grandes proprietários na área de expansão amazônica foram estimulados pelos favores governamentais Em contrapar tida até mesmo pela exclusão de acesso a esses estímulos cria ram maiores dificuldades ao estabelecimento de uma agricultura camponesa que pudesse estabelecer bases sólidas e uma reprodu ção socialmente digna Assim a terra tem um sentido bem diferente para o capital ou grande proprietário e para o campesinato fosse pequeno colono imigrante caboclo indígena etc8 Para os primeiros é um ins trumento para alcançar o lucro e o poder que o acompanhava por meio do trabalho alheio é na definição de Martins 1980 terra de negócios Para o segundo é antes de tudo a forma de re 8 Essa é uma definição ampliada de campesinato sujeita a críticas entendendo como tal todos aqueles que vivem de seu próprio trabalho sobre a terra tendo como referência a propriedade ou posse da terra Evidentemente quando com paramos com um camponês comum há enormes diferenças na forma como in dígenas reproduzem sua vida por exemplo 168 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 produção de sua vida e de suas relações sociais terra de trabalho também segundo Martins 19809 Estabeleciase entre a terra de trabalho defendida por trabalhado res sob diversas formas de organizações e movimentos entidades de defesa dos direitos humanos e a terra de negócios objeto de lucro ou especulação reserva de valor exploração de recursos fonte de captação de financiamentos motivo de grilagem mas também de resistência conflito e morte Loureiro 2009 p 71 Ainda que se estabelecessem relações entre os proprietários de fora e a oligarquia local isso não eliminava a possibilidade de con flitos e divergências Em 1981 setores dessa oligarquia assentada em empreendimentos urbanos e rurais lançaram o movimento neocabano que pressionaria o governo federal a favor de inte resses regionais ligados às decisões sobre os grandes empreendi mentos energéticominerais e ao fato de que os incentivos fiscais beneficiavam apenas os de fora excluindo os homens da região Isso expressava uma divergência entre os setores dominantes locais e suas representações políticas inclusive em âmbito do estado Foi o momento de ruptura entre o coronel Jarbas Passarinho articula 9 Esses elementos são a base para o entendimento seja da potencialidade seja das limitações das lutas camponesas que apresentam dificuldades para elaborar um projeto para além do capitalismo O caráter anticapitalista da resistência no campo não deve ser depreciado e impugnado sob pena de se cometer grave in justiça derivada basicamente de uma postura idealista O anticapitalismo do lavrador é expressão concreta das suas condições de classe Seria um absurdo exigir dele senão em nome de uma postura totalitária que pense como um ope rário da fábrica que desenvolva uma concepção proletária da transformação da sociedade O lavrador já está de uma forma ou de outra preso nas malhas nas contradições do capital Porém na medida em que seu trabalho não é tra balho socializado de um proletário expropriado também sua consciência e seu projeto não podem mover o seu anticapitalismo para além do capitalismo Portanto ele não pode libertarse sozinho Ele conhece o nome do seu opressor que é o capital e a propriedade capitalista mas seus olhos estão velados pela au tonomia do trabalho pela sua solidão A exploração que o alcança não é direta tem muitas mediações por isso cria também a ilusão da liberdade em quem já é profundamente escravo Martins 1980 p 19 169 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dor do golpe de 1964 exgovernador e ministro da ditadura mili tar e o exmilitar e então governador paraense Alacid Nunes Significava em síntese que os interesses representados por Jarbas aqueles contidos na estratégia do poder central para a região de favorecimento do grande capital industrialbancário do Centro Sul já não eram absorvidos pacificamente pelos segmentos mais tra dicionais da elite local representados pelo então governador Alacid Nunes Costa 2000 p 74 Fruto dessa ruptura Nunes apoiou Jader Barbalho PMDB que venceu as eleições ao governo paraense em 1982 O novo go verno trabalhou para reforçar a política de incentivo fiscal para a agropecuária mas desta vez com algum privilégio à elite local e às regiões dominadas por ela Marajó Belém Bragantina Baixo Tocantins Os incentivos fiscais passaram pois a capitalizar as velhas e deca dentes oligarquias paraenses e a latifundizar outras frações da elite local Atendeuse assim à reivindicação regionalista de favorecimen to pela via da política do governo federal ao homem amazônico Desse processo resultou a modernização de alguns segmentos tradi cionalmente ligados à propriedade da terra ou por sua transformação em fazendeiros modernos tecnificados ou por sua metamorfose em empresários urbanos produtivos ou especuladores Em qualquer dos casos no plano político revitalizavamse forças oligárquicas recolo candoas em evidência em um processo que chamei em outro lugar de reoligarquização do agrário regional Costa 2000 p 75 Mas no decorrer dos anos 1980 e seguintes a crise da economia brasileira e as opções políticas adotadas diante dela fragilizaram a política de desenvolvimento regional e em particular os in centivos fiscais regionais que foram sendo reduzidos e alterados para uma configuração próxima a um crédito bancário perdendo atratividade Como analisado até aqui a política adotada pela ditadura mili tar impulsionou não apenas a concentração de terras como as con tradições e tensões sociais no campo amazônico O aumento da or 170 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ganização dos trabalhadores e do número de conflitos no Vale do AraguaiaTocantins levou à criação do Grupo Executivo de Terras do AraguaiaTocantins 1980 subordinado à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional uma verdadeira intervenção militar no Incra O Getat tinha jurisdição segundo Emmi 1999 sobre uma área de 200 mil km² envolvendo o sudeste do Pará norte de Goiás hoje Tocantins e o oeste do Maranhão Poderia confiscar terras para redistribuílas além é claro de encaminhar a repressão aos camponeses e movimentos sociais Isso respondeu à necessidade de proteger os interesses dos grandes proprietários e de grandes empresas buscando evitar perda de terras ou mesmo de fazendas para os trabalhadores além de manter um ambiente favorável ao estabelecimento do Programa Grande Carajás e outros empreendimentos correlatos Na realidade no final das contas a forma de populismo militar do Getat funcionou apenas em favor dos grandes proprietários A curto prazo o governo militar pode ter se beneficiado do apoio popular gerado pela distribuição de títulos fundiários para pequenos agricul tores Mas a longo prazo todos perceberam que o resultado final das ações do Getat favorecia os grandes investidores e que a desavença política no sul sudeste do Pará era de tal magnitude que não pode ria ser contida pelas estratégias ad hoc caso a caso que o órgão rea lizava O efeito mais concreto do Getat em sua área de jurisdição foi o significativo avanço do processo em que terras públicas foram con vertidas em propriedade privada Schmink e Wood 2012 p 134 O governo federal paulatinamente ampliou seu controle sobre as terras amazônicas O processo de federalização delas já havia sido impulsionado desde 197110 com a imposição do fato de que 10 Não podemos esquecer que a existência dos territórios federais na região Norte Amapá Roraima e Rondônia desde 1943 já colocava parcela mais que con siderável do espaço amazônico sob a órbita direta do governo federal O Acre existia como tal desde 1904 no ano anterior relembremos havia sido tomado da Bolívia 171 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 100 km de cada lado das rodovias federais construídas ou plane jadas localizadas na região passavam para as mãos do governo fe deral de acordo com as determinações do Conselho de Segurança Nacional Decreto 11647111 A federalização das terras da Amazônia era condição necessária à geopolítica da centralização Era impossível sobrepor o poder federal ao poder local e regional sem confiscar sua base de sustentação que é a terra e o controle dos mecanismos de distribuição de terras entre os membros das oligarquias Martins 1984 p 50 Segundo Loureiro 2004 apenas 297 das terras paraenses ficaram sob jurisdição do governo do estadoIterpa o restante pas sou para a órbita do governo federal E se essas terras tivessem permanecido nas mãos do governo estadual a situação teria sido diferente Provavelmente não Estradas no coração da floresta o sentido do lucro e da contradição O poeta e músico paraense de Santarém Ruy Barata compôs um carimbó que em seus primeiros versos declama Esse rio é minha rua Minha e tua mururé Piso no peito da lua Deito no chão da maré Pois é pois é durante muito tempo os rios foram as estra das da Amazônia e em alguns lugares mais distante ainda as são 11 Mesmo após o fim da ditadura os militares buscaram manter sua influência na tomada de decisões sobre o território amazônico Em 1985 já durante o governo civil da Nova República foi criado o Programa Calha Norte controlado pelos militares e que incidia sobre a faixa da fronteira amazônica localizada na porção norte do rio Amazonas Teve como justificativa a proteção dos limites territoriais brasileiros mas foi alvo de inúmeras denúncias de violência contra a população local em particular os indígenas Posteriormente a área de abrangência foi am pliada para toda a fronteira da região totalizando 10938 km 172 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas a construção de estradas alterou profundamente a configura ção socioespacial e ambiental da Amazônia Não se trata aqui de apresentar uma negação simplista sobre a construção dessas obras como se quiséssemos que a região permanecesse intocada numa redoma A questão é chamar atenção para as transformações o sentido por trás destas e o custo socioambiental que foi e continua sendo pago Citamos como exemplo a produção madeireira que acompanhou as novas vias e fez com que a Amazônia saltasse de 3 em 1960 para 27 da produção nacional três décadas depois tendo o Pará como maior produtor do país com 2353 Essa pro dução concentrouse sobre a floresta nativa Pior de modo geral nas primeiras décadas a derrubada ocorria com corte raso ou seja derrubavamse todas as árvores de uma mesma área O conjunto formado por essas estradas reorganizou em apenas qua tro décadas o secular perfil de ocupação e modo de vida do habi tante da região Antes a vida social se organizava à margem dos rios e apoiavase em quatro elementos básicos que se complementavam na sobrevivência dos moradores locais o rio a roça a mata e o quintal esteios inseparáveis de uma mesma unidade de produção familiar ribeirinha Ocorre que ao lado daquela antiga forma de vida do habitante da região estabeleceuse uma outra a do migrante que procurava se fixar e viver à margem da estrada Em ambas as situa ções vive seu cotidiano com a instabilidade e a insegurança inerentes à condição de vida na fronteira E convive com o conflito que se estabelece face ao capital que disputa com ele a terra os recursos do solo e do subsolo seja nas áreas mais antigas à margem do rio seja à margem da estrada Loureiro 2009 p 73 Vejamos o caso da rodovia estadual paraense PA150 Ela liga Belém ao sudeste do estado12 e às fronteiras com os estados do To cantins e Mato Grosso Sua construção foi iniciada nos anos 1970 Com 762 km de extensão recebendo algumas denominações di 12 Formalmente a rodovia não passa pela capital mas se conecta a ela por meio de outras estradas 173 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ferentes ela se conecta com rodovias estaduais e federais e deu origem a diversas outras estradas abertas pelo estado municípios ou proprietários particulares Em 2010 a parte sul da rodovia foi federalizada recebendo o nome de BR155 com aproximadamente 360 km Ela liga Marabá a Redenção A rodovia foi se constituindo num formato de espinha de peixe exatamente porque sua abertura levou a que outras estradas vici nais inclusive de chão fossem sendo rasgadas em meio à floresta Em suas margens principais ou secundárias formaramse cidades e vilas desenvolveuse forte atividade madeireira e pecuarista ambas muito degradantes porque derrubaram a mata Ainda que parte dos pequenos agricultores fosse tentada a mi grar para a atividade madeireira se subordinando às serrarias no geral esses trabalhadores foram paulatinamente sendo expulsos de suas terras o que originou intensos conflitos agrários marcados por muitos assassinatos A trilha aberta pela PA150 esteve sempre marcada pelo embate es tabelecido entre o capital e a resistência que lhe foi imposta pelos movimentos sociais e os conflitos que instigavam e que se reprodu ziam nas terras e povoações de ambas as margens da estrada Assim cada um desses importantes pontos de conexão aponta para fren tes de gente terras capital fraude crimes e violência Os conflitos intensificaramse à medida em que a frente penetrava em áreas que são novas caracterizadas pelo isolamento pela ausência do Estado e pela presença do capital ilegal como na Terra do Meio no Xingu As atividades predominantes neste imenso espaço são a exploração madeireira a mineração e a garimpagem além de atividades ilegais ligadas ao tráfico de drogas e ao contrabando de ouro Loureiro 2009 p 7813 13 Há um agravante que não pode ser subestimado nessas frentes de expansão além dos problemas sociais já existentes e outros que ainda podem advir ten dem a ocupar o interflúvio de importantes rios amazônicos e mesmo nascen tes de rios provocando danos sociais e ambientais incalculáveis Loureiro 2009 p 79 174 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A PA150 foi peça importante do processo de desmatamento na Amazônia e da constituição do que ficou conhecido como arco do desmatamento termo questionado e que não se aplica atualmente pois atingiu diversas outras áreas no sentido do centro da floresta A estrada é paradigmática no sentido de ilustrar a combinação per versa estradaconflitodesmatamento típica das áreas de expansão da fronteira Não se pode pensar em estradas na Amazônia sem re fletir sobre os dois outros elementos que a acompanham invariavel mente desmatamento e conflito Loureiro 2009 p 7914 Ironicamente ou não a rodovia PA150 recebeu o nome de Pau lo Fonteles advogado da CPT na região de Conceição do Ara guaia e que por conta da sua atuação junto aos trabalhadores ru rais foi assassinado em 1987 As estradas em geral impulsionaram profundas mudanças na sociedade amazônica Destacamse entre outras as rodovias Be lémBrasília BrasíliaAcre Transamazônica CuiabáSantarém BR174 Mato GrossoRoraima ou mais especificamente Ma nausBoa Vista e a própria PA150BR155 Terras e outros re cursos naturais aceleradamente transformaramse em mercadoria negociada nos mercados regional nacional e internacional Mas também rapidamente se tornaram motivo de conflitos e de novos e caóticos núcleos urbanos Também mudaram a composição de poder entre antigos e os novos grupos dominantes Foi o caso de Marabá A burguesia tradicional local passou a conviver com o capital financeiro estatal ou privado e com isso se viu obrigada a dividir o poder que até então era seu monopólio Se até os anos 60 a oligarquia da castanha pôde exercer o seu poder econômico e político de maneira absoluta nas décadas de 70 e 80 vão aparecendo sintomas de sua decadência como grupo dominante Daqui em diante esse grupo não é mais o único a mandar e vai ter 14 A PA150 deu acesso às enormes reservas de mogno madeira muito apreciada no mercado nacional e internacional Rapidamente foram esgotadas 175 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que se acostumar a contar com outros parceiros e até ceder diante deles Emmi 1999 p 17 Conceição do Araguaia e Marabá foram duas importantes ci dades constituídas antes da abertura das estradas A primeira no final do século XIX e a última no início do seguinte Mas foi a segunda que se solidificou como centro econômico regional tendo o comércio pecuária bovina e mineração como elementos de des taque de sua economia Seu crescimento ocorreu acentuadamente a partir da construção das rodovias Transamazônica e PA150 que se cruzam no município que ainda recebe a ferrovia Carajás Tam bém explica a expansão urbana o conjunto de políticas agrárias migratórias e minerais conduzidas pelo governo federal no qual Marabá cumpriu papel destacado Esse caso de Marabá refletiu e produziu um novo momento na urbanização amazônica O primeiro padrão de ocupação e povoa mento da região cuja expressão maior foi o período da borracha ficou marcado pela expansão urbana e demográfica seguindo o vale do rio Amazonas e seus afluentes principais mas concentrada principalmente em Belém e Manaus Um segundo padrão ocorreu a partir de meados do século XX em particular dos anos 1970 em diante com a construção de rodovias e grandes projetos ener géticominerais acompanhando a expansão da fronteira agrícola econômica brasileira sobre a Amazônia Surgiram diversas peque nas e médias cidades trilhando o deslocamento da fronteira e o estabelecimento dos empreendimentos algumas se configuraram como importantes centros regionais15 Mas essa urbanização ficou marcada pela precariedade das novas e antigas cidades inclusive as metrópoles Pobreza generalizada desigualdade favelização falta de serviços públicos e contradições sociais expressão entre outras 15 Entre 1970 e 2000 a Amazônia foi a região brasileira com as maiores taxas de crescimento urbano 176 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da oposição capital versus trabalho são características desse novo momento Assim a fronteira foi produzida com o urbano e to dos os problemas que caracterizam as cidades brasileiras Castro 2009 p 36 Nesse sentido a corrida por terras impulsionou o surgimento de povoados muitos dos quais transformados em cidades Lanari do Val fazendeiro e industrial automobilístico de São Paulo via jou à Conceição do Araguaia em 1959 antes da abertura comple ta da rodovia BelémBrasília e foi por terra até a região de Pau dArco verificando áreas que pudessem ser apropriadas De volta ao sudeste do país deu entrada em 64 requerimentos que tota lizavam 4 milhões de hectares de terras Por conta da legislação proibitiva ele fraudulentamente os registrou em nome de parentes amigos e empregados Para facilitar seus negócios Lanari do Val construiu uma estra da e na localidade de Solta montou seu escritório de agrimensura que recebeu a companhia de uma pista de pouso O lugar passou a ser chamado de Escritório e deu origem à cidade de Redenção que ficou inicialmente marcada pela prostituição e violência Os moradores diziam que o cemitério era a parte da cidade que crescia mais rapidamente Em 1966 quando o governo do Pará anunciou a construção da PA150 no trecho entre Conceição do Araguaia e Pau dArco o empresário vendeu parte de suas terras ganhando bastante Schmink e Wood 2012 Outras cidades foram surgindo desordenadamente16 do ponto de vista do planejamento urbano Rondon do Pará surgiu a par tir do acampamento de uma construtora em 1967 Pau dArco se originou ao redor de uma serraria do mesmo nome Placas é um município decorrente de uma comunidade que se formou às mar 16 Termo questionado por alguns estudiosos da temática do planejamento urbano no Brasil 177 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 gens da rodovia Transamazônica durante sua construção Num local que separava os trechos AltamiraItaituba foram colocadas várias placas com informações da obra Em torno das placas surgiu a comunidade que nos anos 1990 foi transformada em município Uma nova estrada foi planejada e iniciada a partir da PA150 foi a PA279 ligando a primeira a São Félix do Xingu Mas a estra da se aproximou de uma área requisitada pela construtora Andrade Gutierrez para montar um projeto de colonização privada que se tornou Tucumã cidade planejada pela empresa Como ainda não tinha domínio legal das terras e temendo perdêlas para posseiros imigrantes a construtora conseguiu que a obra fosse paralisada Em 1980 a própria Andrade Gutierrez passou a ser a responsável pela construção mas ela não tinha interesse em concluíla antes de consolidar seu projeto de colonização Por isso interrompeu a estrada próximo ao projeto e montou um portão que a população chamava de barreira impedindo a passagem das pessoas a não ser que tivessem sua autorização Buscava proteger seu empreen dimento colonizador Tucumãgleba Carapanã dos pobres e colo nos descapitalizados Na barreira imposta pela empresa em plena via pública imigrantes colonos e garimpeiros foram se amontoan do e originando o que veio a se tornar uma nova cidade Ourilân dia do Norte17 Mas nem tudo ocorreu como a empresa queria Dentro da gle ba que reclamava para si havia um grupo de garimpeiros ao mes mo tempo tolerado e muito controlado pela construtora Em 1981 outros garimpeiros conseguiram entrar clandestinamente na área da empresa e iniciaram a garimpagem num igarapé um pequeno riacho Descobertos foram duramente reprimidos e expulsos pela 17 Muitos garimpeiros eram imigrantes que haviam se mudado para a Amazônia em busca de terras e não as conseguiram ou conseguindo não tiveram apoio e condições para produzir 178 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 empresa Isso gerou enorme revolta e a expectativa não confirma da posteriormente de que o local tivesse muito ouro Centenas de garimpeiros se reuniram em Xinguara e depois ocuparam a área do igarapé A empresa não conseguiu resistir Colonos também passa ram a ocupar a área da Andrade Gutierrez que negociou o repasse da propriedade ao governo sendo indenizada por isso Xinguara havia surgido no entroncamento entre a PA150 e o início da nova rodovia que se construía a PA279 A cidade foi impulsionada por um candidato a prefeito de Conceição do Ara guaia que prometia distribuir terras na área Ele não foi eleito mas milhares de imigrantes se deslocaram para lá se chocando com fazendeiros locais Ademais a violência também marcou o muni cípio que presenciou a emergência de algumas lideranças típicas daquela situação Entre elas o latifundiário Chapéu de Couro que teria sido pistoleiro e misturava violência e clientelismo Mas violência conflito e apropriação fraudulenta de terra não eram exclusividades do Pará Segundo Pinto 1980 em Rondônia os irmãos José e Nilo Melhorança venderam mais de mil lotes de terra de uma região que não era deles e em grande parte compu nha uma reserva indígena Afora isso o desflorestamento foi impulsionado pela abertura de estradas Quando o presidente Juscelino Kubitscheck anunciou a construção da rodovia BelémBrasília em meados da segunda metade dos anos 1950 iniciouse uma forte corrida pelas terras que ficariam ao lado da nova estrada Com receio de perder suas propriedades a oligarquia regional pressionou o governo estadual para que lhe concedesse títulos sobre as terras do Pará inclusi ve sobre castanhais nativos Resultado de 1959 a 1963 o governo paraense concedeu títulos que totalizaram 5646375 hectares de terra Loureiro 2004 Estudo da Presidência da República repro duzido por Becker 2008 afirma que de 1978 a 1994 um total de 75 do desmatamento regional concentrouse numa faixa de 50 179 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 km de cada margem de rodovias pavimentadas Não esqueçamos que o Brasil é um dos paí ses que mais emitem gás carbônico na atmosfera e isso se deve principalmente à derrubada e queimada da floresta Concentração fundiária e violência o faroeste caboclo Primeiro faremos um velho faroeste na Amazônia E aí chamamos o xerife Segundo Schmink e Wood 2012 p 225 esta frase foi proferida pelo então Ministro do Planejamento Delfim Neto em 1978 Como veremos ela diz muita coisa O problema é que o xerife polícia Estado quando vinha em muitos casos vinha transvestido de vilão e tratava a vítima como bandido O Getat foi extinto 1987 Seu patrimônio e responsabilida des fundiárias foram transferidos ao Incra Também em 1987 o DecretoLei 1164 foi extinto depois de 16 anos em vigor e de ter confiscado 100 km laterais das terras que ficassem às margens das rodovias federais Grande parte das terras formalmente foi devolvida à jurisdição dos estados mas já se encontrava irreme diavelmente comprometida Loureiro 2004 Afora isso as áreas que compunham o PGC confiscadas posteriormente ao decreto não foram devolvidas Qual o resultado final desse processo A propriedade fundiária estava concentrada nas mãos das grandes frações do capital externo e nacional aqui incluindo a oligarquia regional Os trabalhadores enfrentavam muitas vezes perdendo a vida os jagunços do latifúndio para defender o pouco que ha viam conseguido até então Os conflitos foram uma constante durante todo esse período De 1964 a 1997 o Pará liderou as estatísticas da violência no campo brasileiro com 694 mortos Somente 1859 dos casos foram investigados Recorrendo aos dados do IBGE em 1960 o total de peque nos proprietários paraenses aqueles com menos de 100 hectares 180 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 concentravam em suas mãos 256 da área do estado18 enquan to que os grandes proprietários com mais de mil hectares ape nas 581 propriedades dispunham de 464 do território esta dual Em 1980 as pequenas propriedades dispunham de 207 da área paraense enquanto que os proprietários com mais de mil hectares concentravam 575 das terras entre estes apenas 199 propriedades dispunham de 357 da área total do Pará demonstrando que houve uma concentração ainda mais acentua da nas grandes propriedades Em 1995 um total de 509 do território paraense estava concentrado em apenas 11 das pro priedades do estado Existe correlação entre os números de concentração dos incenti vos fiscais e o aumento da violência Além da região do entorno de Belém foi no vale do AraguaiaTocantins sudeste do Pará Mato Grosso e Tocantins que se concentraram os recursos concedidos pelo governo e por conta disso o rebanho bovino regional Isso coincidia com a área de entrada de novos latifundiários além dos já presentes Também foi onde mais cresceram os conflitos agrá rios trabalho análogo à escravidão e a degradação ambiental Grandes empresas não estavam isentas de crimes ainda que recebendo terras e dinheiro públicos Segundo Kowarick 1995 o banco Bradesco tinha uma fazenda em ParagominasPA a Rio Capim Nela foi constatado pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão Aquelas que estivessem em litígio ou que tentassem fugir eram colocadas dentro de um tronco oco com for migas e outros insetos Em casos como esses em seus latifúndios o empresário tem não apenas o monopólio da terra mas também da violência e da justiça tal qual ocorria nos seringais do período da borracha A 18 Falamos de área total do estado mas estamos nos referindo ao conjunto de terras em mãos privadas sejam grandes sejam pequenas propriedades 181 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 lei é ele quem interpreta e faz cumprir Assim usurpam funções próprias do Estado e as usam de acordo com seus interesses Muitas foram as lideranças sindicais e políticas assassinadas pelo latifúndio na Amazônia Citemos alguns casos No final da década de 1970 apoiada pelo governo estadual imposto pela di tadura empresarialmilitar a empresa Cidapar passou a expulsar colonos que desde o início do século XX vinham se assentando em uma grande área de terras gleba no município de Viseu nordeste paraense Buscando explorar ouro madeira e outros produtos a empresa montou um exército de aproximadamente 100 jagunços para executar seus planos Os agricultores passaram a se organizar para defender seus di reitos De início buscaram meios legais mas nada conseguiram Um agricultor foi morto e os colonos passaram a montar grupos de autodefesa Foi quando Quintino Lira o Quintino Gatilheiro se apresentou aos trabalhadores depois de ter matado além de dois pistoleiros o fazendeiro Cláudio Paraná que havia tomado suas terras Rapidamente tornouse liderança dos colonos organizando a luta armada contra a empresa e seus pistoleiros Alguns compa nheiros de Quintino foram mortos assim como vários jagunços e dois gerentes da empresa Depois de três anos de enfrentamentos armados em janeiro de 1985 cumprindo ordens do governador Jader Barbalho PMDB a Polícia Militar conseguiu cercar e ma tar Quintino Seu corpo foi enterrado pela PM no município de Capanema mas a população o desenterrou e promoveu um cortejo que passou por várias comunidades incluindo a sede do municí pio de Viseu até chegar à localidade de São José do Piriá onde o enterrou desta vez ao lado de seu pai No ano seguinte a área foi desapropriada a favor dos colonos João Canuto foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Ru rais de Rio Maria município do sudeste do Pará Conduzia a luta desses agricultores em defesa de suas propriedades ou pelo acesso à 182 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 terra Enfrentava ninguém menos que a União Democrática Rura lista UDR Por conta disso foi assassinado com 18 tiros em 1985 Até o prefeito seria um dos mandantes do crime Em 1990 três de seus filhos foram sequestrados dois foram mortos e apenas um es capou ainda que seriamente ferido Sucessor de Canuto na direção do sindicato Expedito Ribeiro foi morto em 1991 Os advogados Paulo Fonteles 1987 e João Batista 1988 que também foram deputados estaduais estiveram entre as tantas vítimas assassinada pelo latifúndio da Amazônia Tenho a maior certeza Que um dia vou morrer E é a maior verdade Que tenho em meu conhecer Pois tenho tanta certeza Que escrevo este ABC Expedido Ribeiro apud Oliveira Filho 1991 p 51 Nos anos 1970 1980 e até 1990 era comum denúncias sobre listas de preços por assassinatos encomendados aos pistoleiros no Pará e em outros estados da Amazônia Legal Os preços variavam de acordo com a atividade e a visibilidade de quem estava marcado para morrer Mortes de trabalhadores comuns eram baratas Os preços subiam para lideranças sindicais padres advogados polí ticos Nós também tivemos nosso faroeste o faroeste caboclo con firmando a promessa nefasta do ministro da ditadura Delfim Netto Mas aqui não houve duelos como aqueles dos filmes de Hollywood em que dois homens cada um com um revólver em mãos andam de costas um para o outro se viram e atiram Nesse tipo de duelo os dois estão na mesma condição têm os mesmos re cursos No duelo amazônico com raras exceções apenas um tinha revólver O outro camponês ou indígena dispunha apenas de seus sonhos e vontade de resistir 183 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No Acre desde os anos 1970 as grandes propriedades fundiá rias avançaram e derrubaram seringais nativos explorados por se ringueiros autônomos19 Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos e cooperativas e aumentaram a resistência ao latifún dio em particular através do que chamavam de empate movi mento em que se reuniam e bloqueavam a passagem de tratores e outras máquinas que derrubavam a floresta20 Alguns desses eram exseringueiros que haviam se tornado empregados de fazendas e empresas madeireiras e depois tentavam retornar ao corte da se ringa ou mesmo a outra atividade agrícola em uma parcela de terra desde que fosse sua Pinto 1980 p 13 cita o depoimento de José Eugênio exseringueiro que abandonou o emprego quando em uma semana teve que derrubar 40 seringueiras Eu vivi mais de vinte anos do leite dessa árvore sustentando minha família Ao vê las no chão derrubadas por mim sentei em cima e chorei Fato marcante dessa disputa entre seringueiros e madeireiros latifundiários foi o assassinato de uma das principais lideranças camponesas brasileiras de então Chico Mendes em 1988 pelos fazendeiros Darly pai e Darcy Silva filho 19 Uma das formas de eliminar a floresta para a formação de pastos e ao mesmo tempo expulsar seus moradores foi aplicar sobre as matas o agente laranja que é cancerígeno e provoca doenças neurológicas O veneno foi usado pelos esta dunidenses na Guerra do Vietnã contra a população local Ao fim do conflito sobraram grandes estoques e parte foi vendida para empresários da Amazônia entre os quais aqueles que estavam no Acre Sem a mata indígenas seringueiros e caboclos tinham que abandonar a terra Outra forma de derrubada é atrelar e esticar uma corrente forte em dois tratores possantes que passam a arrastar árvo res e tudo mais que encontram pela frente 20 Em 1985 no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros foi fundado o Conselho Nacional dos Seringueiros cujo objetivo seria a defesa da floresta e dos tra balhadores agroextrativistas seringueiros membros de projetos agroflorestais coletores de castanha açaí cupuaçu quebradeiras de coco babaçu balateiros piaçabeiros extratores de óleos e plantas medicinais Infelizmente esse conselho não conseguiu se organizar com combatividade suficiente 184 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O aumento das tensões entre seringueiros que impulsionavam os empates e os latifundiários e grileiros fez com que o fazendeiro Guilherme Lopes expressasse o desejo dos demais a solução para os problemas fundiários do Acre seria matar o presidente do Sindi cato dos trabalhadores rurais o delegado da Contag Confedera ção Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e alguns padres Lopes apud Souza 2005 p 10 O presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Basileia Wilson Pinheiro era quem impulsionara os empates Chico Men des à época era o delegado da Contag No dia 21 de julho de 1980 quando saia do sindicato Wilson foi assassinado por pisto leiros Grande mobilização ocorreu na cidade mas nem judiciá rio nem a polícia demonstraram grande interesse em prender os responsáveis Um grupo de trabalhadores resolveu vingar a morte de Pinheiro e um dos possíveis mandantes o fazendeiro Nilo Sér gio também foi assassinado Enorme perseguição ocorreu contra os trabalhadores com vários presos e outros mais enquadrados na Lei de Segurança Nacional incluindo Chico Mendes e Luiz Inácio Lula da Silva por terem participado do ato após a morte do sindi calista acreano Uma das grandes vitórias dos seringueiros tinha sido a luta con tra a empresa Bordon frigorífico de processamento de carnes com sede em São Paulo Ela planejava aumentar sua produção de bo vinos no Acre e para tal iniciava um grande desmatamento De pois de pelo menos três empates a empresa desistiu e se retirou do Acre Por meio de suas denúncias Chico também havia consegui do fazer com que o Banco Interamericano de Desenvolvimento suspendesse um empréstimo ao governo brasileiro para estender a BR364 de Rondônia até o Acre A preocupação dos seringueiros era que isso impulsionaria ainda mais o desmatamento As vitórias alimentaram a ira dos fazendeiros estimulandoos ao assassinato da liderança seringueira ocorrido no dia 22 de dezembro de 1988 185 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Um mês antes Chico Mendes deu uma entrevista no Rio de Janei ro na qual afirmou Eles vão me matar Os nomes deles eu digo Darly e Alvarino Al ves da Silva Eles já mandaram matar mais de 30 trabalhadores e a Polícia Federal não fez nada Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que a minha morte ia fortalecer nossa luta até que valeria a pena Mas a experiência nos ensina o contrário Então eu quero vi ver Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia Que ro viver Mendes apud Souza 2005 p 7521 Chico Mendes tinha impulsionado a luta dos trabalhadores ru rais de Basileia e de Xapuri e defendia a união dos povos da floresta contra o latifúndio fazendeiros madeireiros comerciantes etc Pagou um preço muito alto por isso mas deixou um legado im portante em dois aspectos Primeiro sua luta se reproduz a partir de outras lideranças como é o caso de Osmarino Amâncio e traba lhadores anônimos Segundo a partir de suas reivindicações com mais visibilidade depois de seu assassinato o governo brasileiro passou a criar as reservas agroextrativistas e os projetos de assenta mentos agroextrativistas De 1985 a meados da década de 1990 predominou a violên cia privada tendo como ápice 1987 ano do prometido e pouco cumprido Plano Nacional de Reforma Agrária22 A partir dos anos 21 Ilzamar apud Souza 2005 p 76 viúva de Chico Mendes lembra o assassinato Chico Mendes iria tomar banho O banheiro ficava do lado de fora da casa em que morava Ele pegou a toalha abriu a porta e viu que já estava escuro Daí ele disse Está escuro lá fora eles podem me pegar fácil se quiserem Aí ele abriu a porta e a gente ouviu o tiro um só de escopeta de chumbo O tiro acertou o peito de Chico e ele disse Puxa eles me acertaram Ele foi tombando ensan guentado na direção do nosso quarto 22 Foi em função do anúncio de um plano nacional de reforma agrária que se criou a União Democrática Ruralista UDR cujo objetivo era reprimir diretamente os pequenos proprietários ou sem terras e ao mesmo tempo atuar no Congresso Na cional e junto ao governo federal para impedir qualquer possibilidade de divisão do latifúndio no Brasil Assim participaram também da Constituinte de 1988 Sobre a UDR recaíram inúmeras denúncias de assassinato de trabalhadores e lide 186 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1990 a repressão estatal ganha mais evidência Em agosto de 1995 policiais militares e pistoleiros assassinaram 11 pessoas incluin do uma menina de seis anos que junto a outras centenas de sem terras ocupavam uma fazenda no município de Corumbiara em Rondônia Em abril de 1996 trabalhadores rurais liderados pelo MST rea lizavam uma marcha que partiu de Parauapebas e iria até Marabá no sudeste do Pará Reivindicavam a desapropriação de terras para a reforma agrária Depois de dias na estrada ao passar pelo muni cípio de Eldorado dos Carajás eles resolveram bloquear a rodovia PA150 pressionando o governo estadual a ceder cestas básicas e ônibus para o deslocamento até a cidade de destino No dia 16 de abril negociaram com a PM um acordo nesses termos para que a estrada fosse liberada O comando da instituição teria aceitado Po rém no dia seguinte Almir Gabriel governador do PSDB enviou duas companhias da Polícia Militar com a ordem de desobstruir a qualquer custo Elas cercaram e assassinaram 19 trabalhadores torturam dezenas e deixaram mais de 60 mutilados Naquele ano 3902 famílias estiveram envolvidas em conflitos rurais no Pará O caso foi agravado com a tortura cometida junto aos assassi natos Uma jovem liderança do MST Oziel Pereira 17 anos de pois de ser agredido recebeu ordem para gritar uma palavra de ordem do movimento e em seguida foi executado com um tiro na cabeça na frente de outras pessoas Outro trabalhador teve a perna e testículos perfurados por bala Para não ser morto recebeu a ordem de sair correndo do local Nos dias que seguiram ao mas sacre os sobreviventes alguns com idade avançada e dificuldade de visão e locomoção montaram acampamento dentro da mata Os fazendeiros faziam chegar recados afirmando que um grupo ranças rurais Uma das bases de maior expressividade da organização foi a região do AraguaiaTocantins 187 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de pistoleiros estava indo terminar o serviço Isso gerava pânico ainda maior do que aquele que já existia e as pessoas fugiam para regiões mais profundas da floresta O massacre de Eldorado dos Carajás ainda continua na impu nidade e demonstra quão perversa é a justiça brasileira pois apenas dois comandantes foram condenados tendo recorrido constante mente da sentença Para piorar o governo Almir Gabriel direta mente responsável pelos assassinatos foi convidado a depor como testemunha de defesa Em 2005 foi assassinada a missionária Dorothy Stang em Ana puPA porque organizava os trabalhadores que resistiam contra a entrada de madeireiras em seus lotes Seu assassinato deu visibili dade à luta desses agricultores mas não impediu a permanência da ação das madeireiras nessa região Em 2011 os extrativistas e am bientalistas José Cláudio Silva e Maria do Espírito Santo da Silva também foram mortos por conta das denúncias que faziam sobre o desmatamento e a grilagem de terras no município de Nova Ipi xunaPA Em 19 de abril de 2017 nove pessoas foram assassinadas em uma gleba de Taquaruçu do Norte município de ColnizaMT próximo à Rondônia e Amazonas Entre os mortos estavam evan gélicos inclusive um pastor O mandante seria um dos donos de uma grande madeireira que exporta madeira para os EUA e outros países No dia 30 do mesmo mês indígenas Gamela foram torturados em Viana município maranhense A área é reivindicada pelos in dígenas mas apropriada por duas fazendas que teriam colocado seus seguranças para enfrentálos Apesar de não terem conse guido matar ninguém os jagunços tentaram decepar mãos e es quartejar um indígena além de atingir outros com armas de fogo Total 13 Gamela ficaram feridos segundo o Conselho Indigenista Missionário 188 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No dia 24 do mês seguinte dez trabalhadores rurais foram exe cutados num acampamento às margens da fazenda Santa Lúcia município de Pau DArco no sudeste do Pará Os executores fo ram 29 policiais militares e civis incluindo um tenentecoronel da PM e dois delegados Em todo o decorrer de 2017 mais assassinatos aconteceram in cluindo os últimos dias do ano No dia 14 de dezembro desapare ceram o presidente a vicepresidente e outro trabalhador da Asso ciação dos Produtores Rurais da Comunidade do Igarapé Arara em CanutamaAM Desde 2015 os trabalhadores ocupavam uma área da fazenda Shalom que seria terra pública inclusive com de cisão judicial de cancelamento de seu título de propriedade Dois fazendeiros seriam os responsáveis pelo sumiço Como pano de fundo desses conflitos de 2017 estava o governo Temer que entre outras decisões legalizou terras griladas e difi cultou a fiscalização do trabalho escravo O latifúndio se sentiu fortalecido para suas ações que incluíram os massacres Diversos outros assassinatos ocorreram durante as últimas dé cadas e muitos ainda continuarão a ocorrer De modo geral lamen tavelmente permaneceram na impunidade e com a cumplicidade do poder judiciário Neste sentido Loureiro e Pinto denunciaram em 2005 que Processos exemplares que apuram o assassinato de lideranças e cha cinas de trabalhadores rurais permanecem em comarcas do interior sem qualquer previsão dos acusados irem a júri tais como o assas sinato do advogado Gabriel Pimenta em Marabá há 24 anos a chacina de oito trabalhadores na Fazenda Ubá em São João do Araguaia vinte anos a chacina de cinco trabalhadores na Fazenda Princesa em Marabá dezenove anos o assassinato do sindicalista Braz no Rio Maria quinze anos o assassinato do sindicalista Ar naldo Delcídio em Eldorado de Carajás doze anos o assassinato de Onalício Barros e Valentim Serra em Parauapebas sete anos Se o Tribunal de Justiça do Pará promete levar o caso da freira Dorothy Stang a júri em seis meses como explicar a lentidão ou o abandono 189 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de outros casos exemplares Acrescentese ainda que no processo do assassinato de Expedito Ribeiro três juízes abandonaram o caso e se negaram a presidir o júri e que também no caso Eldorado do Ca rajás juízes da capital designados para o caso negaramse a presidir o julgamento alegando razão de foro íntimo Loureiro e Pinto 2005 p 8889 Outro fato que exemplifica o papel negativo cumprido pela justiça foi o caso do megalatifundiário Cecílio Rego Almeida dono de uma das maiores construtoras do Brasil a CR Almeida Ela ganhou dinheiro desde a ditadura empresarialmilitar e go vernos posteriores construindo estradas e outras obras públicas Na Amazônia Almeida por meio de grilagem e outros processos apropriouse de 45 milhões de hectares de terras e ainda tentou expandilas para 7 milhões As terras que reivindicava para si eram maiores que alguns países europeus Diante desse fato o jornalista Lúcio Flávio Pinto o chamou de pirata fundiá rio e pela decla ração foi processado e condenado pela justiça paraense a pagar indenização à família Almeida pois a sentença ocorreu quando o empresário já havia morrido O pior é que a própria justiça reco nheceu a origem fraudulenta dos títulos de propriedade e interveio no cartório de Altamira Os relatos de violência aqui exposto são alguns dos que tive ram mais visibilidade até pela liderança social daqueles que foram assassinados Muitos mais são mortos sem virar notícia na grande imprensa quando muito se tornam estatística Outros mesmo vi vos sofrem formas diversas de agressão O agressor nem sempre é um latifundiário tradicional Em diversos casos é uma grande empresa com vinculações com o capital financeiro e o mercado global Por meio da violência jurídica econômica ou armada a popula ção é afastada de seus territórios Ocorre assim a desterritorializa ção dessas populações impulsionadas pela grande propriedade seja 190 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do agronegócio seja da mineração É o que acontece com a soja em várias regiões da Amazônia A Alcoa para instalar sua produ ção de alumínio no Maranhão Alumar nos anos 1980 recebeu a concessão de 11 de toda a área física do município de São Luís e 57 da área do distrito industrial dessa cidade Foram desfeitos 17 povoados e impostas aproximadamente 20 mil ações de despe jos contra a população local São exemplos que ficaram no passado Lamentavelmente não Em Barcarena no Pará as empresas da mineração e portuárias con tinuam impondo o deslocamento forçado da população As estraté gias para isso são variadas Em alguns casos quando a negociação com a comunidade não surte efeito a empresa procura moradores para transações individuais usando intermediários ou não Aos pri meiros que aceitam negociar a empresa paga um montante acima do que eles estão pedindo mas desde que convençam outros a vender a terra Quanto mais aderem à proposta da empresa menor é o va lor que ela oferece O camponês ou comunitário pode se resignar e permanecer no local mas com o tempo a comunidade vai se redu zindo Parcela do comércio local deixa de existir pois parte das pes soas vende suas propriedades e abandona o lugar O mesmo acontece com serviços públicos até então prestados A resignação nem sempre resiste às dificuldades crescentes e se resistir podese sofrer outras formas de violência tão comuns na região Entre 1979 e 1985 para a instalação dos empreendimentos em Barcarena pelo menos 16 comunidades foram integral ou par cialmente desapropriadas Barcarena Livre Informa 2017 Entre 1979 e 2013 um total de 1132 famílias foram obrigadas a se des locar Outras 1466 estavam sob ameaça de deslocamento forçado em 2015 Hazeu 2015 São números que correspondem a alguns conflitos armados mundo afora Os desastres ambientais também contribuem para afastar as comunidades de seus lugares pois a contaminação de um rio por 191 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 exemplo impede a população local de pescar consumir a água ou mesmo usar suas margens para determinadas produções A trans nacional Imerys instalou bacias de rejeitos de caulim junto à co munidade do Curuperé também em Barcarena Isso contaminou os lençóis freáticos e pequenos rios Desde então a população local vive na dependência de carrospipas que passam periodicamente ainda que tenham nascentes de igarapés em seus quintais afora os poços que dão água com poucos metros de profundidade O Mo vimento Barcarena Livre contabilizou 25 desastres ambientais entre os anos 2000 e 2016 alguns dos quais suspeitase intencio nais Intencionalmente ou não não são desastres mas crimes Em fevereiro de 2018 ocorreu o vazamento de rejeitos de bau xita matériaprima do alumínio de uma barragem de rejeitos da Hydro Alunorte A Secretaria de Meio Ambiente do governo pa raense PSDB apressadamente tentou negar o vazamento mas sem sucesso Dias depois foi comprovado que a mesma empresa mantinha três pontos clandestinos de despejo na mata e cursos de água O Instituto Evandro Chagas Ministério da Saúde cons tatou ainda a contaminação de alguns rios por chumbo produto utilizado no beneficiamento da bauxita Como resposta a Hydro contratou uma empresa privada para produzir um relatório muito questionável afirmando que não havia contaminação A tardia modernização conservadora da agricultura na Amazônia Quando a ditadura foi instalada em 1964 uma das principais bandeiras dos movimentos sociais era a defesa da reforma agrária no Brasil As Ligas Camponesas e outros movimentos de trabalha dores rurais cresciam e pressionavam por isso Havia até mesmo uma parte da tecnoburocracia estatal que acreditava que a manu tenção do latifúndio pouco produtivo puxaria a industrialização brasileira para trás Desse modo seria necessária alguma reforma 192 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 agrária para modernizar a produção agrícola e apoiar o crescimen to industrial do país Essa ideia foi logo descartada Predominou um conjunto de políticas governamentais que modernizou tecno logicamente a agricultura mas manteve inalterada a estrutura ar caica e excludente da propriedade da terra Marques e Marques 2015 A esse processo diversos pesquisadores entre os quais Al berto Passos Guimarães e Graziano da Silva denominaram de mo dernização conservadora A política dos militares e o apoio continuado dos governos civis criaram as bases para a expansão do agronegócio na Amazônia O plantio de soja no Mato Grosso iniciado na segunda metade dos anos 1970 desenvolveuse acentuadamente nas décadas seguintes destruindo o Cerrado e avançando sobre a Floresta Amazônica Para isso recorreuse às pesquisas impulsionadas pela Embrapa e aos subsídios e financiamentos públicos inclusive da Sudam e da Superintendência de Desenvolvimento do CentroOeste Sudeco23 As bases da ocupação recente matogrossense foram construí das desde os anos 1940 quando o governo brasileiro foi expan dindo a extensão de terras que poderiam ser legalmente apropria 23 Parte dos financiamentos foi captada junto ao Banco Mundial Marco nesse processo foi o lançamento do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados Po locentro em 1975 destinado a difundir intensamente o plantio de soja e outros grãos em larga escala no Cerrado e na Amazônia matogrossense Contribuiu ainda para isso o Programa NipoBrasileiro de Cooperação e Desenvolvimento Prodecer iniciado em 1979 e assumindo funções do Polocentro Era antes de tudo uma necessidade da economia japonesa que diante da fraca safra mundial de grãos em 1973 buscou ampliar e diversificar seus fornecedores de grãos A sua agência de cooperação internacional Jica ficou representando os interesses nipônicos Grande influência na expansão da agropecuária e do desmatamento também teve o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil Polonoroeste 1981 com apoio do Banco Mundial para aplicar políticas no entorno da BR364 CuiabáPorto Velho 193 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 das por um proprietário24 A construção de estradas e outras obras infraestruturais estimulou a colonização e a expansão produtiva do estado configurando uma agricultura de fronteira Isso foi in tensificado nos anos 1960 e 1970 mais uma vez com a abertura ampliação e melhoramento de rodovias programas públicos in centivos fiscais nova ampliação legal do tamanho das proprieda des fornecimento de energia elétrica construção de frigoríficos e armazéns etc25 Além da pecuária o Mato Grosso se sustentou numa agricultu ra de ciclo curto culturas temporárias possibilitando diante de uma oscilação de preços flexibilidade no investimento do capital na fronteira econômica em expansão Com um menor investimen to em capital fixo a rotação do capital26 era mais rápida e os riscos menores que em culturas permanentes Afora isso a aquisição das terras se deu em grande medida permeada por irregularidades Foi o que ocorreu com a grilagem de terras indígenas por grandes empresas e proprietários no norte matogrossense provocando o morticínio daquelas etnias Estado concentrador de projetos privados de colonização o Mato Grosso se configurou como o maior produtor de soja do país envolvendo grande volume de investimento e tecnologia de 24 Em 195556 e 1958 foram emitidos títulos para propriedades que totalizavam 12 milhões hectares de terra matogrossense correspondendo a 97 da área do estado Faria et al 2015 25 Também foi acompanhado da intensa exploração madeireira Isso tudo ocorreu ao mesmo tempo em que em 1979 o estado foi dividido originando o Mato Grosso do Sul 26 Capital fixo é a parcela do capital investida em máquinas instalações e similares É um investimento que se consome parcialmente em cada processo de produção diferente das matériasprimas que tendem a se consumir integralmente em um único processo de produção A rotação é o tempo que o capital leva para percor rer seu ciclo o que inclui a produção da maisvalia Quanto mais rápido ele girar maior a quantidade de maisvalia que se produzirá num determinado período de tempo Marx 1988 194 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ponta Diversas cidades foram criadas27 ou se expandiram em fun ção da produção de soja pecuária e outras atividades destacam se Sinop Alta Floresta Sorriso e Lucas do Rio Verde Nos anos 1990 intensificouse a mecanização e a incorporação de terras para a produção de grãos Em 1990 havia 2 milhões de hec tares agrícolas ocupados pelas principais culturas 23 com soja Em 2011 a parcela de terra agrícola ocupada saltara para 95 milhões de hectares dos quais 68 eram com soja Afora isso a produtivida de cresceu mais que a incorporação de terras Mas a transformação industrial da produção agropecuária não acompanhou a produtivi dade de modo que a agregação de valor ainda se sustenta basica mente em uma economia agrária Em geral o que se expande é o processamento industrial primário de matériasprimas Em paralelo ocorreu acentuado desmatamento não apenas no Cerrado mas nos demais ecossistemas De 1990 a 2010 o estado perdeu 123 milhões de hectares de floresta 136 da área estadual Isso foi acompanha do pelo reforço à manutenção da concentração fundiária Para além da conformação da terra como mercadoria o caso do Mato Grosso e em especial da soja expressa as relações entre a economia regional e a dinâmica econômica internacional As gran des transnacionais monopolizadoras de grãos no mundo Cargill Bunge ADM entre outras estão instaladas no estado com di versos projetos para toda a região é o caso da ferrovia nortesul novas rodovias hidrovias asfaltamento da rodovia Santarém Cuiabá BR163 e o porto de Miritituba em ItaitubaPA Mais ex pressiva ainda é a proposição de construção da ferrovia Bioceânica BrasilPeru cortando todo o CentroOeste brasileiro passando pelo Acre e chegando na costa peruana no oceano Pacífico Ou tro trecho projetado para construção se conecta a outras ferrovias 27 Mais de 50 novas cidades em pouco mais de 20 anos surgiram na Amazônia matogrossense Oliveira 2008 195 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e alcança a costa atlântica do Nordeste brasileiro ou mesmo do Sudeste O orçamento inicial projetado seria de US 70 bilhões impulsionado por chineses governo federal e outros capitais A Cargill sem autorização ambiental devida montou um polê mico porto graneleiro na frente de SantarémPA às margens do rio Tapajós para escoar a produção matogrossense Iniciado em 1999 seu projeto era tomar toda a frente da cidade com terminais para exportação do agronegócio Só não conseguiu por conta da enorme reação negativa e resistência aos seus objetivos Entre o agronegócio e o trabalhador rural de que lado está o governo Respondamos com o fato de que a presidenta Dilma Rousseff com apoio de Lula da Silva ofereceu mais de uma vez o Ministério da Agricultura e o Mi nistério dos Transportes a Blairo Maggi considerado o maior sojeiro do Brasil e motoserra de ouro título conferido pelo Greenpeace Ele não aceitou a oferta pois naquele momento era mais interessante continuar na condição de senador e produtor Marques e Mar ques 2015 Com o impeachment de Dilma em 2016 Maggi aceitou a oferta de Michel Temer assumindo o Ministério da Agricultura A expansão fundiária também alcançou fortemente Rondônia a partir de produtores originários de outras regiões formando gran des propriedades agropecuárias e madeireiras ainda que a presença da agricultura familiar se mantivesse forte28 Com isso uma par cela significativa da floresta foi rápida e progressivamente colocada abaixo Entre os censos agropecuários de 1985 e 1995 houve uma expansão de 17 milhão de hectares de pastagens plantadas Se gundo o Imazon29 em 1978 apenas 178 da área do estado estava desmatada mas esse percentual aumentou para 285 na década de 2010 As propriedades com extensão entre mil ha e 10 mil ha 28 Estimavase que nos anos 2010 aproximadamente 60 da alimentação local fosse originária da agricultura familiar 29 Disponível em httpimazonorgbrimprensaaamazoniaemnumeros 196 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 passaram de 153 para 213 da área total dos estabelecimentos rurais do estado e os latifúndios com 10 mil ha ou mais saltaram de 143 para 26 Conflitos e problemas diversos eclodiram desde então entre os quais a ocorrência de casos de trabalho em condições análogas à escravidão O primeiro grande surto demográfico em Rondônia ocorreu durante a produção da borracha no início do século XX Novo surto foi presenciado entre as décadas de 1970 e 1980 quando a população estadual se deslocou de 110 mil para 500 mil pessoas e chegou a 11 milhão de habitantes em 1990 O estado é subdividi do em duas mesorregiões Seguindo o movimento de crescimento da fronteira agrícola brasileira desse período do leste para o oes te a mesorregião leste rondoniense metade oriental do estado foi a que mais sofreu impactos concentrando produção econômica mais de ¾ do valor da produção animal e vegetal mas também forte impacto ambiental e social Além de elementos já explicitados para a Amazônia como um todo o programa Polonoroeste finan ciado com recursos do Banco Mundial impulsionou esse processo A BR364 liga São Paulo ao Acre Durante o governo Juscelino Kubitschek foi iniciada a construção do trecho entre CuiabáMT e Porto VelhoRO No período empresarialmilitar e do Polonoroes te foi aberta a ligação entre Vilhena fronteira com Mato Grosso e Porto Velho em seguida sendo estendida ao Acre repetindo o percurso do Marechal Rondon ao implantar linhas de telégrafo algumas décadas antes Em 1984 foi concluído o asfaltamento do trecho CuiabáPorto Velho principal obra do programa A rodo via foi importante elemento para a colonização do estado e para o estabelecimento da produção pecuária e madeireira30 Com a ex pansão da soja ocorrida nas últimas décadas aproveitouse a rodo 30 A economia regional ainda sofreu o impacto das atividades mineradoras ouro e cassiterita estanho principalmente nos anos 1970 e seguintes 197 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 via para com outras conexões exportar a produção do estado e de parte do Mato Grosso pelo porto de ItaquatiaraAM A pauta de exportação estadual em 2014 foi dominada pela soja e pela carne bovina que estimula a ampliação da rede de frigoríficos A apropriação de terras públicas para conformar grandes pro priedades fundiárias também atingiu o maior dos estados brasilei ros o Amazonas que sofre a dinâmica da expansão do agronegó cio no movimento de deslocamento que atingiu o Mato Grosso em seguida Rondônia e chegou ao sul amazonense Além da pro dução pecuária já presente desde longo tempo cresce a atividade sojeira que demanda obras infraestruturais como é o caso dos portos Nem por isso esse estado deixou de ser um importador de alimentos Quase tudo que consome compra de fora No Amapá parte das terras foi ocupada por proprietários re gionais para fazendas de gado e outra parte foi tomada por gran des empresas inclusive estrangeiras que derrubaram a floresta e o Cerrado para plantar pinus eucalipto para celulose e dendê Desde os anos 2010 cresceu exponencialmente a área ocupada pela soja dominando a rodovia AP070 e adjacências devastando áreas de Cerrado e de floresta Em 2014 durante uma noite so jeiros usaram seu maquinário cercaram araram e plantaram soja numa área de pasto comum da comunidade de São Benedito do Macacoa ri Formouse o conflito Quando a soja brotou os comu nitários arrebentaram as cercas e colocaram seu gado para comer a plantação Os sojeiros tiveram que recuar mas não sem antes des truir o ramal estrada de terra que dá acesso à comunidade Em Roraima a chegada de novos proprietários também ocor reu em 1970 mas a fração mais destacada passou a ganhar visibi lidade nos anos 1990 Foram os arrozeiros que avançaram sobre terras indígenas de várias etnias entre as quais os Macuxi Rece beram apoio da elite política local e eles próprios os arrozeiros também se tornaram elite estadual 198 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2008 indígenas ligados ao Conselho Indígena de Rorai ma ocuparam a fazenda do prefeito e arrozeiro do município de PacaraimaRR Paulo César Quartieiro do partido Democratas originário do partido da ditadura empresarialmilitar de 1964 A propriedade era localizada em área reivindicada pelos indígenas Os capangas do fazendeiro os reprimiram com tiros e bombas ca seiras O prefeito foi preso levado para a Polícia Federal em Brasí lia e ao ser libertado nove dias depois foi recebido com fogos e carreata em Boa Vista e Pacaraima Depois de um longo conflito e batalha judicial essa situação teve como desfecho a retirada dos arrozeiros da reserva indígena Raposa Serra do Sol no final dos anos 201031 Mas o apoio do Estado brasileiro ainda está longe do que se espera para garantir a preservação da área e a produção e reprodução digna dos povos que lá residem O estado de Roraima ainda registra grande produção de arroz além de soja dendê e gado No Maranhão houve uma grande expansão do cultivo do arroz nos anos 1940 e 1950 dinamizando a economia local32 e incor porando grande contingente de pequenos agricultores parceiros arrendatários e outros Até a década de 1970 e início dos anos se guintes a agricultura estadual esteve concentrada principalmente nesse grão e na extração do babaçu além da produção de alguns outros produtos de subsistência Desde os anos 1970 passou a se incentivar a pecuária conduzida pela grande propriedade Sudam e Sudene foram peçaschave nesse estímulo Na década de 1990 e em particular nas que se sucederam ocorreu uma enorme expansão da soja e secundariamente do eucalipto e carvão além da manu tenção da pecuária empresarial O estado compõe o Matopiba ou 31 Parte da produção foi deslocada para a ilha do MarajóPA 32 Em paralelo também cresceu a economia do babaçu ao mesmo tempo em que decresciam as atividades de tecelagem em meio às crises da produção algodoeira 199 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mapitoba área de confluência do sul e nordeste do Maranhão sul do Piauí o Tocantins e oeste da Bahia predominantemente coin cidindo com o Cerrado É uma das regiões de maior crescimento da sojicultura brasileira A dinâmica agrícola que era conduzida com uma forte parti cipação estatal em particular com os incentivos fiscais e voltada ao mercado interno passou a ter uma presença relativamente me nor do Estado mas não sem importância vide o crédito dos ban cos públicos As empresas transnacionais direta ou indiretamente neste caso por meio de contratos de financiamento e comercializa ção conseguiram dominar parcela crescente da produção agrícola local cuja destinação passou a ser o mercado externo que por sua vez impõe sua dinâmica a essa produção Em paralelo ainda que não agrícolas desde os anos 1980 foi se conformando a exploração de outros dois produtos fortemente presentes na pauta de expor tação estadual o alumínio e os derivados do ferro O outro lado desse processo foi a redução da produção agrícola de alimentos e da própria agricultura de subsistência e a elevação do custo de vida dos trabalhadores do campo e da cidade assalariados extrativis tas agricultores familiares etc Segundo Mesquita et al 2015 no início do século XXI aproximadamente 13 das terras mara nhenses estava destinada à soja33 O estado do Tocantins também conta com uma expressiva pre sença do agronegócio destacandose a soja e o gado entre outros Tal como ocorre em outros estados amazônicos essa produção é concentrada em produtos básicos Sua porção norte na fronteira 33 Concluise que a chamada modernização agrícola do Maranhão centralizou atividades e privilegiou poucos produtores em detrimento da agricultura fami liar e do extrativismo de forma residual seletiva e pontual Essa centralização da dinâmica econômica voltada à produção primária significa que o crescimento da atividade e portanto a expansão da produção e das exportações não depen dem do mercado interno de grãos mas da demanda externa por commodities Mesquita et al 2015 p 299 200 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com o Pará e Maranhão abrigou e ainda abriga muitos conflitos fundiários Profundas alterações ocorreram na economia e particularmen te na agricultura amazônica a partir dos anos 1970 Mas diferen temente do processo de modernização da agricultura nacional no caso amazônico a incorporação tecnológica foi bem mais reduzida Os dados da mecanização agrícola e da produção tradicional da quele período confirmam isso A área paraense de lavoura planta da com arroz feijão mandioca milho cacau e pimentadoreino as primeiras são culturas de subsistência e de abastecimento do mercado local caiu de 8106 mil ha em 1985 para 6028 ha em 19951996 Essas culturas tiveram redução em seus rendimentos demonstrando a baixa inovação tecnológica em 1995 apenas 17 do total de estabelecimentos do Pará tinham tratores somente 38 recorreram à assistência técnica e menos da metade desses a conseguiram por fontes governamentais IBGE 1996 A lavoura permanente teve desempenho pouco significativo e ainda se redu ziu nas áreas em que a pecuária passou por forte expansão foi o caso do sudeste paraense por exemplo A modernização conservadora da agricultura brasileira atingiu tardia e desigualmente a Amazônia34 Nos anos 19701980 ocorreu a modernização da agricultura nacional mas na Amazônia pre dominou uma espécie de antirreforma agrária em alguns traços ainda mais forte que no restante do país A modernização técnica na região começou a ser percebida com mais significado nos anos 1990 e principalmente nas primeiras décadas do século XXI Ainda que com importantes processos de incorporação tecno lógica como pode ser observado na produção de grãos e gado no 34 Afirmar isso não significa que desconsideramos repercussões desde os anos 1970 da modernização da agropecuária nacional sobre a Amazônia Legal A corrida por terras pode ser entendida também como parte dessas repercussões 201 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mato Grosso Tocantins e parte de Rondônia Maranhão e sudeste do Pará na Amazônia convivem de forma expressiva modernas e arcaicas forças produtivas que também em alguma medida se relacionam com relações de produção mais desenvolvidas ou mais atrasadas aviamento trabalho análogo à escravidão trabalho precário etc Em conjunto ocorrem conflitos agrários e degra dação ambiental Mesmo na pecuária constatamos atividades mo dernas e tradicionais Ocorre então uma agriculturaagropecuá ria inserida nos circuitos do agronegócio e por consequência também no capital financeiro versus uma agropecuáriaagricultura tecni camente atrasada incluindo aqui a agricultura familiar e parcelas importantes da grande propriedade pouco produtiva Essa dinâmicacontradição não é uma peculiaridade da Ama zônia mas nessa região ela é mais expressiva Uma das consequên cias dessa modernização concentrada em poucos produtos é que a região permanece como forte importadora de alimentos Assim podemos constatar que soja pecuária bovina e dendê entre outros diferem das lavouras e da produção madeireira tradicionais essas duas em relativa crise e até mesmo de outras áreas onde permane ce uma pecuária de velho padrão A região Norte então ainda se encontra abaixo de outras regiões em relação aos indicadores da agricultura mas quando incorpora mos Mato Grosso e Maranhão conformando a Amazônia Legal esse quadro muda radicalmente Pelos dados da Conab 2013 o Maranhão que tem aproximadamente 80 de seu território na região amazônica é o segundo principal produtor agrícola de grãos do Nordeste e o Mato Grosso sozinho apresenta dados de área ocu pada e produção superiores às demais regiões do país incluindo o CentroOeste quando excluídos os montantes matogrossenses exceto o Sul A Amazônia Legal então se apresentaria como a ter ceira principal região brasileira em termos de área cultivada 158 milhões de ha e volume da produção 55 milhões de toneladas 202 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ficando atrás somente do CentroOeste se nesta computarmos os dados do próprio Mato Grosso e do Sul O que deduzimos dessas informações Mato Grosso e Maranhão são estados fronteiriços que marcam a transição entre outras formações ecossistêmicas e a Floresta Alta Amazônica Apesar de imensas áreas da Amazô nia ainda se configurarem como áreas de reservas ao capital in cluindo as áreas de proteção ambiental controle militar e reservas indígenas35 o sentido de expansão do grande capital sobre a região já está claro 35 Que serão postas em questão quando se mostrarem necessárias ao capital Veja mos a construção das hidrelétricas sobre terras indígenas a permissão de explo ração mineral sobre florestas nacionais Também se insere nisso a diminuição de áreas protegidas e a tentativa de extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados área de proteção no Amapá em 2017 O AVESSO DO DESENVOLVIMENTO RECURSOS MINERAIS E BIODIVERSIDADE EM PERIGO Contase que nas florestas brasileiras há um ser com a forma de homem de pequena estatura cabelos vermelhos e pés virados para trás É o curupira Ele é um protetor da mata e ataca quem derruba árvores e mata animais desnecessariamente Ainda que tenha pés para trás ele caminha para frente e corre em alta velocidade A trajetória do desenvolvimento brasileiro tem alguma semelhança com o andar do curupira Andou a passos largos em termos indus triais e de alguns indicadores econômicos mas deixando pegadas no sentido contrário do ponto de vista social Neoliberalismo intensificação da apropriação privada dos recursos naturais Nos planos de desenvolvimento a Amazônia foi apresentada como fonte de recursos naturais e a natureza restringiuse de um lado à matériaprima e de outro à mercadoria na forma de terras para comercialização e acumulação Seguindo a concepção estritamente economicista e que entende a natureza como um obs táculo ao progresso documentos e discursos oficiais chamaram à luta para vencer as forças da natureza e conquistar os espaços vazios amazônicos 204 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A natureza amazônica artificialmente separada do homem e compreendida como ahistórica transformouse tão somente em fonte de recursos naturais fator de produção destacando apenas sua dimensão física daí a grande preocupação em desenvolver pesquisas para mensurar o tamanho dos estoques de matérias primas a serem explorados ocupação dos espaços vazios e avanço da fronteira Isso trouxe consequências terríveis para os ecossistemas amazônicos Para ocupar áreas mais rapidamente chegouse inclusive a utilizar o agente laranja produto químico usado pelos EUA na Guerra do Vietnã para desflorestar a mata1 O discurso governamental e empresarial pressupunha ou se pro curava fazer crer que não havia ninguém E o indígena e o caboclo que lá habitavam Esses não por acaso desapareceram no discurso e planos oficiais2 Após os anos 1980 abriuse um período de forte aplicação das políticas neoliberais no Brasil Collor de Mello o primeiro presi dente a assumir intensamente essas medidas foi derrubado a partir das imensas mobilizações populares que desestabilizaram as bases de sustentação de seu governo Seu vice Itamar Franco assumiu a presidência do país e constituiu as condições necessárias à eleição de Fernando Henrique Cardoso A coincidência entre esse e Collor foi a adoção do neoliberalismo privatizando as empresas estatais e abrindo a economia brasileira ao capital multinacional 1 Afora o caso já citado do Acre destacamos o escândalo de Tucuruí Pinheiro et al 1998 denunciam que a estatal Eletronorte usou o agente laranja para lim par a floresta durante a construção dos linhões de transmissão da energia elé trica da hidrelétrica de Tucuruí Além da vegetação pessoas e animais foram mortos e houve casos de aborto comprovados ainda que a empresa negasse o uso do veneno 2 A Amazônia carregava assim a noção de atraso o que expressava uma determina da concepção de progresso como modernidade e industrialização A integração seria a forma de romper com o que se concebia como atrasado 205 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Dentre as reformas que a bancada parlamentar do governo aprovou e que aprofundaram o saque sobre a Amazônia estavam o fim do monopólio brasileiro sobre o subsolo e suas riquezas sobre as telecomunicações e a aprovação da lei de patentes através da qual o Brasil se comprometeu a pagar pela utilização de uma tecnologia ou procedimento que tenha sido patenteado por uma empresa em outro país Com isso se um laboratório multinacio nal patentear a substância ativa de uma planta amazônica teremos que pagar para usála Isso é mais grave na medida em que o saber tradicional das comunidades amazônicas é visto com enorme pre conceito e sinônimo de atraso mas estimase que 75 dos prin cípios ativos dos produtos farmacêuticos mundiais são originados nos conhecimentos disseminados pelas comunidades tradicionais mundo afora3 Alguns laboratórios mantêm ONGs e pesquisado res na Amazônia para se apropriar do conhecimento das comuni dades locais para saber a utilização de determinada planta e depois patentear É uma das formas da chamada biopirataria Portanto além da dominação política e econômica do passado da dominação econômica hoje exercida através das grandes corporações mundiais os países hegemônicos estabeleceram e procuram conso lidar uma forma de dominação nova que se apoia no conhecimento científico e tecnológico que possuem e ampliam sem cessar num ritmo muito mais rápido do que o dos países periféricos Através des ses conhecimentos que se valem para considerar os conhecimentos tradicionais como inferiores procuram estabelecer formas novas e muito poderosas de dominação Controlando o acesso à biodiversi dade e dominando o saber que possibilita tirar o máximo de provei to dela restabelecese uma nova forma de colonialismo Loureiro 2009 p 164165 3 Relembremos que quando os europeus chegaram à região eles não conheciam nada sobre ela Recorreram ao conhecimento dos selvagens os indígenas e com isso iniciaram a colonização e o saque 206 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Não bastasse isso Fernando Henrique contratou a Raytheon Company EUA por R 14 bilhão à época para montar um Ser viço de Vigilância da Amazônia Sivam Usando satélites aero naves e outros recursos a empresa faz o levantamento de nossas riquezas Em decorrência das políticas de pilhagem e do neoliberalismo a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997 pelo pre ço de R 33 bilhões4 Somente em reservas de ferro em Minas Gerais e na Serra dos Carajás sudeste do Pará a empresa contava com 129 bilhões de toneladas cujo valor não entrou no cálculo da privatização O minério foi repassado a custo zero A empresa dispunha ainda de R 700 milhões em caixa e já dava um lucro anual superior a R 500 milhões valor que cresceria exponen cialmente em decorrência do enorme investimento que havia sido feito na companhia pouco antes da privatização e que também não foi levado em consideração no cálculo de sua venda No ano anterior ela havia pago US 550 milhões do empréstimo tomado para montar a infraestrutura de extração do ferro de Carajás pra ticamente liquidandoo Essa não era uma empresa lucrativa Em condições normais demanda elevada no mercado internacional em alguns anos pósprivatizada o preço pago pela empresa repre sentou pouco mais que o lucro de um mês da mineradora O governo impôs ainda a chamada Lei Kandir que isenta do ICMS a exportação de produtos básicos minerais e agrícolas ba rateando o preço e aumentando artificialmente a competitividade mas saqueando ainda mais a arrecadação pública e os recursos na 4 Valor praticamente equivalente ao montante em dólar porque a moeda estadu nidense custava R 106 Para piorar tal qual o governo praticou com as demais empresas vendidas o preço foi pago parceladamente Os novos proprietários ainda puderam usar no pagamento as moedas podres que são títulos que apre sentam um valor de face escrito mas que o mercado os negocia por menos Não somente aceitouse o valor de face como ainda se abriu linhas de crédito especiais no BNDES para que a empresa ampliasse sua produção e lucro 207 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 turais Quem ganha é a Vale e o capital estrangeiro Em verdade a mineradora age como empresa transnacional em pleno território brasileiro Isso não é à toa A própria companhia anunciou em seu relatório de desempenho de 2015 que 463 de seu capital total já estavam em mãos estrangeiras A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2002 gerou enorme expectativa de mudanças expressivas para a população tra balhadora Infelizmente isso não aconteceu pelo menos na propor ção que se desejava Evidentemente não podemos colocar um sinal de igual entre este e o governo anterior e achar que isso explica tudo mas é possível encontrar muitos sinais de continuidade entre os quais a submissão aos grandes capitais Não apenas a Vale não foi reestatizada como ainda se abriu sucessivas linhas de crédito do BNDES à companhia para que ela ampliasse sua produção in tensificando o saque dos recursos naturais brasileiros e adquirisse outras empresas no exterior Também nada foi feito em relação à lei Kandir e à lei das patentes A Vale repassou o controle acionário do complexo AlbrásAlu norte assim como a mina de bauxita de ParagominasPA e do projeto da refinaria CAP para a Norueguesa Norsk Hydro rece bendo na negociação 22 das ações dessa transnacional O acor do ainda incluiu licenças de exploração de bauxita e o direito de compra de 40 da produção mineral da Mineração Rio do Norte percentual correspondente ao capital da MRN em mãos da Vale Originariamente pertencente à Vale a mineradora Pará Pig mentos SA PSSA foi instalada no Pará para extrair caulim um minério utilizado na fabricação de papéis cerâmicas tintas cos méticos etc Em 2010 ela foi comprada pela Imerys Rio Capim Caulim que já estava no Pará desde 1996 Subsidiária da transna cional de origem francesa Imerys presente em 50 países a aqui sição permitiu que a empresa estruturasse no estado paraense a maior planta de beneficiamento de caulim do mundo consolidan 208 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do sua posição de monopólio no Brasil Segundo informações da própria empresa em 2015 ela concentrou 71 da produção desse minério no país Suas duas minas ficam às margens do rio Capim no município de Ipixuna O minério é transportado em dois mine rodutos de 160 km e 180 km até o porto de Barcarena onde é be neficiado e embarcado para o mercado brasileiro e principalmente para outros países A globalização do saque Amazônia como moderna semicolônia de recursos naturais Em 1955 um jornalista perguntou à Marilyn Monroe o que ela usava para dormir apenas duas gotas de Chanel nº 5 res pondeu a provocante atriz de Hollywood alimentando desejos e fantasias mundo afora Isso ajudou a notabilizar ainda mais o perfume francês produzido com óleoessência de pau rosa árvore nativa da Amazônia A fragrância francesa de preço elevado foi e ainda é vista como exemplo de poder econômico celebridade beleza e glamour Poder econômico e glamour também marcaram a trajetória do empresário Eike Batista que chegou a ser considerado o oitavo homem mais rico do mundo em 2010 Ele é filho de Eliezer Ba tista presidente da Vale na época dos militares Sempre contou com informações privilegiadas e crédito público facilitado Sua fortuna cresceu impulsionada por especulação Por isso era rotu lado como empresário powerpoint pois elaborava projetos sobre algum empreendimento e montava uma boa exposição em slides para datashow usando o programa de computação powerpoint Nela prometia grande retorno financeiro e com isso fazia elevar o preço de suas ações nas bolsas de valores A especulação não resistiu à realidade Suas empresas ruíram quando os empreendi mentos atingiram o tempo em que deveriam estar dando muito lucro e isso não aconteceu 209 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O empresário especulador montou duas mineradoras no Ama pá A primeira foi a MMX Amapá explorando o ferro O projeto foi orçado em R 800 milhões sendo R 580 milhões originários do BNDES O empreendimento foi instalado irregularmente en trando em operação sem que tivesse realizado estudo de impacto ambiental o que deveria ser obrigatório Logo depois foi ven dido para a multinacional Anglo American como parte de uma transação maior o projeto Minas Rio5 Em 2013 a mina amapaen se foi repassada à Zamin Ferrous transnacional indiana mas que tem várias empresas e capitais associados e sede nos Emirados Ára bes e Cingapura O que o estado do Amapá ganhou Nada A segunda mineradora de Eike Batista foi a MPBA que segundo suspeitas inclusive sendo investigada pela Polícia Federal teria extraído ouro e o retirado da região de helicóptero para não pagar impostos Reproduzse atualmente nesses casos o mesmo que fez a Icomi que foi instalada no estado nos anos 1950 esgotou a mina de manganês e deixou tão somente um rastro de miséria e danos ambientais Esses exemplos também refletem o sentido da globa lização Vejamos A mineração permanece intensa na Amazônia mesmo em sua porção ocidental Segundo o Departamento Nacional de Produ ção Mineral em 2013 Rondônia respondeu por 26 da produção nacional de cassiteritaestanho6 mas em acentuada expansão fi cando atrás do Amazonas que produziu 63 do total nacional Estimavase que o Brasil dispunha de 10 das reservas mundiais desse minério e elas estavam concentradas na região amazônica 5 Cujo centro é a exploração de minas de ferro em Minas Gerais e toda a logística necessária para exportação pelo porto do Açu no Rio de Janeiro 6 Estanho é um metal retirado principalmente da cassiterita Tem utilização di versificada entrando na produção de metais industrializados como proteção à corrosão fabricação de latas para conservas bronze entre outros Também entra na composição de condicionadores de ar refrigeradores soldas radiadores etc 210 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 província mineral de Mapuera mina do rio Pitinga estado Ama zonas e província estanífera de Rondônia minas Santa Bárbara Bom Futuro Massangana e Cachoeirinha DNPM 2014 O es tado amazonense também apresenta importante produção de pe tróleo e gás na província de Urucu A privatização da Companhia Vale do Rio Doce em 1997 foi o marco de um novo momento na grande mineração na Amazônia A ação do Estado que se apresentava como produtor passou a se localizar na constituição das condições institucionais legais de in fraestrutura e financeiras à exploração dos empreendimentos pri vados ou seja do saque Parte do Estado brasileiro ainda perma nece em diversos empreendimentos por meio da posse direta ou indireta de ações através dos fundos de pensão principalmente O que há de mais significativo atualmente é que a grande mineração deixou de ser conduzida formalmente por uma ou mais estatais tornandose dominada por diversas multinacionais ainda que sob a máscara de empresa brasileira como é o caso da Vale Recursos estatais são sempre bemvindos e as grandes empresas pressionam o governo por isso e pelas obras infraestruturais que di minuem o custo de reprodução do capital Não há dinheiro público Tudo bem Elas conseguem por outros meios As transnacionais de grãos financiam produtores as mineradoras financiam seus próprios projetos eou tomam empréstimos diretamente no mercado desde que o empreendimento se mostre lucrativo Apesar disso o BNDES e outras fontes estatais ainda cumprem papel fundamental no desen volvimento da produção das grandes empresas na Amazônia Desse modo o novo século assistiu à entrada e generalização de inúmeras empresas minerais explorando produtos diversos no território amazônico O Pará é um estado que representa bem esse processo Nos anos 1970 e 1980 a produção era concentrada e fa cilmente localizada espacialmente Era principalmente 1 o ferro em Parauapebas sudeste do Pará e 2 o corredor do alumínio 211 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com a MRN Oriximinário Trombetas no oeste do Pará e Al brásAlunorte Barcarena para o qual contavam com a energia de Tucuruí É verdade que havia outras empresas e minérios em extração como o caulim do Jari mas eles não se comparavam em termos de valor aos dois casos citados Atualmente há uma relativa espacialização de investimentos minerais no território paraense e mesmo amazônico Falamos em espacialização não em termos de redução do investimento por em preendimento mas de surgimento de diversos novos projetos de extração mineral conduzidos pelo grande capital A bauxita de Juruti é um dos casos dessa fase atual da minera ção na região O município de Juruti fica na fronteira com o Ama zonas No ano 2000 a Alcoa estadunidense iniciou a prospecção nos platôs de Juruti Velho interior do município sobre uma área de comunidades ribeirinhas Em 2005 ela obteve a licença pré via para a instalação do empreendimento extrativista mineral Em 2006 o projeto já estava em instalação o que entre outros incluiu uma ferrovia e um porto às margens do rio Amazonas A mina tem uma estimativa de 700 milhões de toneladas métricas de bauxita de alto teor um dos maiores depósitos do mundo Isso possibilitou a expansão da refinaria da Alumar no Maranhão também de pro priedade da Alcoa como acionista principal O planejamento de produção é de 26 milhões de toneladas métricas anuais A partir de Juruti a Alcoa já estendeu suas pesquisas para outras áreas da região como o Lago Grande que incorpora vários mu nicípios do oeste do Pará mapeando a potencialidade mineral e entrando com pedidos de lavras junto ao governo brasileiro Além do fato de ser um projeto relativamente mais novo que Ca rajás o caso da AlcoaJuruti apresenta outra especificidade A comu nidade local se organizou para enfrentar a multinacional Reunidas em torno da Associação das Comunidades de Juruti Velho Acorju ve a população conseguiu que o Incra criasse em 2005 o Projeto de 212 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Assentamento Agroextrativista de Juruti Velho PAE Juruti Velho conformando uma institucionalidade que possibilita alguma prote ção aos comunitários Com a intermediação do Incra Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual a empresa teve que sentar à mesa com a população para discutir o pagamento pela lavra mineral na área da comunidade e a compensação pelos danos causa dos As negociações prolongamse por anos mas a Acorjuve já tem recebido um repasse financeiro da transnacional A contradição é que a intermediação ocorreu no sentido de se fazer aceitar a presença da empresa estrangeira como se o pagamento fosse o justo preço pelos recursos naturais que ela está se apropriando Apesar de toda a diversidade mineral da Amazônia sua pauta de exportação se sustenta basicamente em cinco minerais tendo um amplo predomínio do ferro veja a tabela da próxima página A China tornouse o principal consumidor do minério amazônico principalmente paraense seguida por Japão e outros países Além dos minérios registram importância os produtos do agronegócio Em comum há o fato de serem commodities minerais ou agrícolas Em 2011 o ferro respondeu por 59 de tudo que a região Norte vendeu para outros países Nos anos seguintes em função da desaceleração do ritmo de crescimento chinês e da redução do preço dos minérios no mer cado internacional7 esse percentual se reduziu bastante mas isso tendia a ser uma queda conjuntural apresentando o sentido inver so a partir da elevação novamente da demanda por commodities Em 2017 o produto representou 4439 das exportações da re gião O Pará é quem concentra estas exportações 7 Segundo informações divulgadas pela Vale o minério de ferro finos a vista chegou a ser negociado a US 190 no início de 2011 mas caiu para pouco mais de US 40 em janeiro de 2016 veja httpwwwvalecombrasilPTbusiness miningironorepelletsPaginasIronOreIndicesaspx 213 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Principais produtos exportados pela região norte em 2011 e 2017 Produto US FOB 2011 US FOB 2017 2011 2017 1 Minérios de ferro não aglom e seus conc 1 12325324481 7785329465 5908 4439 2 Outros minérios de cobre e seus concentrados 4 853845822 1941012619 409 1107 3 Soja mesmo triturada exceto semeadura 5 603585923 1566414124 289 893 4 Alumina calcinada 2 1406905491 1361873169 674 777 5 Carnes desossadas de bovino congeladas 7 432655749 815660373 207 465 6 Alumínio não ligado em forma bruta 3 964021537 387300765 462 221 7 Ouro em barras fios e perfis de seção maciça 20 82088088 274630872 039 157 8 Outros minérios de manganês 9 280458651 251983630 134 144 9 Bauxita não calcinada minério de alumínio 12 199932321 234304874 096 134 10 Ferroníquel 52 11517914 225817461 006 129 11 Outras preparações p elaboração de bebidas 14 157033385 183361316 075 105 12 Outros bovinos vivos 8 428915261 182274544 206 104 13 Caulim 11 259132241 178861894 124 102 14 Pasta quim madeira de nconifa sodasulfato 13 186638058 155186013 089 088 15 Pimenta piper seca 15 151427989 154520231 075 088 16 Outras madeiras perf etc não coníferas 10 272706990 142636486 131 081 Ferro fund bruto não ligado cpeso05 d 6 539092668 258 Outros 2108237399 1695540316 1013 967 Total 20861452592 17536708152 10000 10000 Fonte Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Obs Na coluna de valor de 2011 o número entre parênteses representa a ordem de importância do produto naquele ano A dependência da exportação mineral deve permanecer pois não há outro conjunto de produtos que se apresente como alterna tiva expressiva A China é justamente o principal importador da Amazônia comprando minérios e soja principalmente De tudo 214 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que o Norte vendeu em 2011 33 foi para este país em 2014 foi 2930 e em 2017 somou 3648 Em geral é seguido por Japão e Alemanha EUA Holanda Canadá e Coreia do Sul também es tão entre os importadores mais expressivos No caso do Mato Grosso que compõe a Amazônia Legal mas não faz parte da região Norte suas exportações em 2011 foram dominadas pelo agronegócio soja 43 milho 1517 bagaço e resíduos de soja 1480 algodão carnes e óleo de soja Em 2017 esses percentuais foram 4622 1934 e 1052 respec tivamente Por isso sua economia é hegemonizada pelas multi nacionais estrangeiras ou de origem brasileira como é o caso dos grandes frigoríficos A Bunge concentrou 2083 das vendas ma togrossenses para o exterior em 2011 Ela foi seguida por ADM Louis Dreyfus Cargill Amaggi Sadia e JBS frigorífico Em 2017 a China comprou 3217 de tudo que o estado vendeu para o exterior Do total das exportações do estado 9597 foram na forma de produtos básicos sem industrialização Com o apoio estatal mantido nos governos do novo século ampliouse a pilhagem das riquezas minerais sociais e biogenéti cas Grandes mineradoras multinacionais estão em diversos pontos da região particularmente em sua porção oriental É o caso do Pará mas isso ocorre em toda a região como por exemplo o Ama pá de onde se extrai ouro ferro e diversos outros minerais inclu sive possivelmente urânio comercializado ilegalmente no mercado internacional O interesse das mineradoras é principalmente a extração mi neral simples ou seja sem beneficiamento confirmando o papel da região como uma semicolônia energéticomineral ou seja de recursos naturais ao qual incluímos a produção do agronegócio8 8 Loureiro 2009 e Castro 2012 denominam este processo de fronteira de com modities Nós o chamamos de moderna semicolônia de recursos naturais 215 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É o caso do ferro de Carajás que é extraído lavado e colocado nos trens que o levam ao porto no Maranhão para ser embarcado nos navios para o exterior Essa é a função da Amazônia na atual Divisão Internacional do Trabalho imposta pela acumulação de capital na lógica da globalização do saque Os investimentos das grandes mineradoras concentramse na extração mineral e não no beneficiamento a não ser quando o Estado garante condições favoráveis para isso como é o caso do fornecimento de energia elétrica subsidiada Pelos levantamentos feitos em 2011 os investimentos previs tos até 2015 somente no estado do Pará totalizariam US 27031 bilhões na extração mineral A esse montante se somavam US 2704 bilhões em infraestrutura e transporte que significavam in versão em portos e na duplicação da Estrada de Ferro de Cara jás respondendo aos interesses imediatos da apropriação bruta de nossas riquezas naturais A transformação mineral somaria US 11356 bilhões previstos Os investimentos na extração mineral e em infraestrutura totalizariam 71 do que se planejava até 2015 O minério saqueado in natura da Amazônia se transforma em ge ração de mais riqueza e emprego nos países centrais incluindo nes tes a China maior consumidor do ferro amazônico Depois volta para o Brasil como produto industrializado que corresponde ao mesmo fenômeno Em outro momento Marques 2012 o caracterizamos como moderna colônia energéticomineral ao qual incluíamos o agronegócio Mas acreditamos que é mais preciso chamála de moderna se micolônia de recursos naturais O que há de moderno responde aos objetivos do lucro que conduzido pelo grande capital se transforma em pilhagem de nossa riqueza minérios solos e recursos hídricos agronegócio energia elétrica trabalho do trabalhador e biodiversidade Isso inclui o apoio direto e indireto do Estado brasileiro e das unidades federativas governos estaduais e municipais Parte das terras e dos recursos públicos que são uma parcela da riqueza social apropriada pelo Estado acaba migrando para as mãos das grandes transnacio nais que estão no território amazônico No final o que sobra na região Pobreza e contradições socioambientais 216 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Os dados da balança comercial brasileira disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior mdicgovbr nos indicam a voracidade sobre a extração mineral e de outros recursos naturais na Amazônia Ainda que com os cilações até 2007 os produtos industrializados manufaturados e semielaborados superavam os produtos básicos sem industria lização na pauta de exportação da região Norte Desde então os produtos não industrializados cresceram mais que proporcional mente reforçando a condição regional de semicolônia Em 2011 foram exportados US 1579 bilhões na forma de pro dutos básicos US 222 bilhões como semimanufaturados e US 278 bilhões como manufaturados Isso significa que para cada US 10000 exportados US 7571 foram em mercadorias sem beneficiamento ou seja riqueza bruta US 1062 foram em pro dutos com baixa industrialização Em 2017 os dados se apresen taram mais gritantes ainda de tudo que a região exportou US 17536708152 7831 foram sem industrialização e 773 com baixo beneficiamento os semimanufaturados é o caso da alu mina e alumínio primário Somados os produtos básicos e os se mimanufaturados constatamos que em 2017 a cada US 10000 exportados US 8604 foram como produtos com baixa ou ne nhuma industrialização O que se percebe é a manutenção da perspectiva de uma região que exporta muito mas fica com pouco Isso é reforçado ainda mais pelo fato de que os acionistas proprietários das grandes mi neradoras instaladas na Amazônia não residem na região muitos sequer no Brasil de modo que a riqueza produzida é sacada da região num duplo movimento na forma de produtos primários ex portados e como ganhos das companhias repassados aos seus acio nistas Quanto mais se exporta mais pobre se fica Esse é o dilema amazônico que socializa miséria e degradação ambiental enquanto concentra riqueza nas mãos de poucos 217 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No caso do Pará a presença do extrativismo mineral é ainda maior que no restante da Amazônia Em 2010 de tudo que este estado exportou 86 decorreu da produção mineral Em 2011 as exportações paraenses totalizaram US 1834 bilhões 8959 foram vendas de produtos de fato nãoindustrializados básicos e semimanufaturados Em 2017 esse percentual foi de 8784 Sem incluir algumas de suas participações em outras empresas a Vale sozinha respondeu por 62 de tudo que o Norte exportou em 2011 e 7025 das vendas externas do Pará É importante des tacar que no primeiro trimestre daquele ano o preço do minério de ferro negociado no mercado internacional atingiu seu máximo passando a cair desde então de modo que o ano ainda refletiu o boom das commodities minerais que ocorreu desde a década an terior A companhia vendeu alguns de seus empreendimentos na região e enfrentou a queda dos preços do ferro Mesmo assim em 2015 a transnacional de origem brasileira concentrou 3734 das exportações do Norte e 4801 do Pará Se somássemos os valores da Vale e de suas exempresas a mineradora teria exportado mais de 60 de tudo que a região vendeu para o exterior e mais de 80 das vendas externas paraenses nesse último ano Toda essa massa de riqueza produzida poderia ser muito mais expressiva em termos regionais se tivesse outra destinação social e não apenas o lucro e o interesse das transnacionais monopolistas Como não é assim ela reforça gritantemente a contradição que opõe riqueza para poucos e miséria para muitos A cada dia de 2011 a Vale exportou 2663 mil toneladas de ferro retiradas de Carajás Em 2014 essa exportação foi de 3017 mil toneladas em 2015 saltou para 339 mil toneladas e em 217 chegou a 449 mil toneladas por dia Há um gritante problema de fundo que estes dados sozinhos aparentemente não demonstram O ferro atingiu US 19000 dmt tonelada métrica seca no mer cado internacional no primeiro trimestre de 2011 mas a partir 218 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 daí apresentou uma dinâmica de redução do preço chegando a pouco mais de US 4000 em janeiro de 20169 reiniciando uma retomada moderada dos preços Para minimizar o impac to da redução do preço da tonelada e a queda de suas ações a companhia procurou vender uma quantidade maior de minério Mais uma vez o que se observa é que se vende mais por menos Ainda que lucre menos por cada tonelada exportada a empresa procura vender muito para ter uma massa de lucro final signifi cativa Mas isso acelera o esgotamento das reservas minerais O que importa é o faturamento de curto prazo ainda que isso com prometa a possibilidade de um futuro decente para a Amazônia e seus habitantes Uma nova mina em operação a partir de dezembro de 2016 é o complexo S11D Serra Sul em Canaã dos CarajásPA Maior investimento da história da companhia e seu maior complexo minerador Segundo a própria companhia foram US 64 bi lhões Outras fontes com informações oficiosas afirmam que o valor seria ainda maior US 143 bilhões No empreendimento extraise um minério de altíssima concentração com 667 de teor de ferro Em Minas Gerais essa concentração atinge até 60 algumas minas bem menos e na Austrália principal concorren te da mineradora de origem brasileira normalmente alcança até 62 S11D já inicia suas atividades exportando 90 milhões de tonela das de ferro ao ano cifra que a Vale só alcançou depois de duas dé cadas de operação em Parauapebas Com estes dois complexos de mina diariamente o Pará exportará em poucos anos algo entre 550 mil e mais de 600 mil toneladas de ferro bruto a cada dia do ano 9 Dados disponibilizados no site da Vale a partir de thesteelindexcom e outras fontes Veja httpwwwvalecombrasilPTbusinessminingironorepellets PaginasIronOreIndicesaspx 219 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 recebendo R 00 de ICMS por essa venda já que essa exportação é isenta de pagar esse imposto Por isso mesmo seus portos no Pará e Maranhão têm sido ampliados assim como a ferrovia duplicada e operando com trens com mais vagões O saque se acelera e é tão feroz que tornou Parauapebas o município com maior valor nas exportações brasileiras somando US 10 bilhões em 2013 bem à frente do segundo colocado São Paulo que totalizou US 86 bilhões em divisas O PIB de Parauapebas supera o de Belém e dos estados do Amapá Tocantins Roraima e Acre10 Pelo amontoado de dados apresentados até aqui podese achar que há uma dependência da Amazônia em relação às grandes mi neradoras principalmente à Vale Dependendo do ponto de vista podemos encontrar argumentos para esse raciocínio Mas o que seria da Vale sem o minério amazônico A Amazônia sobrevive sem a Vale mas em quais condições se mantém a Vale sem os minérios da região As mineradoras dependem da região porque se alimentam do saque de suas riquezas Lamentavelmente a po pulação amazônida e brasileira ainda não se deu conta disso Isso não deve ser tomado como uma reflexão qualquer de menor im portância Se os setores populares organizados tomarem para si essa compreen são e de alguma forma transformarem em política de governo as grandes mineradoras terão que estabelecer outro patamar de negociação com a região e de responsabilidade para com ela diminuindo a arrogância e a depredação presente até o momento Assim os termos da dependência se inverterão 10 Além dos interesses eleitorais imediatos da oligarquia local e de outros setores como os latifundiários a proposta de divisão territorial do Pará plebiscito de 2011 criando outros dois estados Carajás e Tapajós interessava diretamente às grandes mineradoras assim como às multinacionais dos grãos que teriam controle mais imediato e amplo das riquezas naturais negociando com uma burguesia regional ainda mais frágil e vendida O sentimento de abandono que é real que a população dessas regiões nutre em relação ao governo estadual é usado por estes setores para responder aos seus interesses estratégicos 220 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Desenvolvimento para quem Em 2017 foi organizado um seminário na comunidade de Jam buaçu no município paraense de Moju Ele reuniu estudantes e moradores das comunidades vizinhas e lá se desenvolveu uma di nâmica em que as pessoas apresentavam seus sonhos Uma estu dante préadolescente falou que o seu era ter energia elétrica em sua comunidade para que ela pudesse tomar água gelada Um dos mo tivos de ela gostar da escola é que nela havia esta água Não parece muito o que a jovem estava pedindo não é Pois bem o linhão de transmissão da hidrelétrica de Tucuruí passa exatamente sobre as comunidades presentes naquele seminário Também em 2017 o governo do Pará e a distribuidora de ener gia elétrica Celpa veicularam propagandas afirmando que a ener gia da UHE de Tucuruí estava chegando ao Marajó em verdade a apenas uma parte do arquipélago Para tal usaram um cabo ligando a ilha ao sistema interligado nacional11 Na propaganda da empresa se dizia Definitivamente o Marajó ligado ao futuro Acontece que a hidrelétrica foi inaugurada em 1984 e desde então sua energia chega ao Japão por meio de alumínio primário expor tado pelo Pará já que ela é o principal custo da cadeia produtiva de modo que o que se exporta é principalmente energia elétrica fornecida pela usina Assim por mais de três décadas a energia em questão conseguiu percorrer constantemente pelo menos dois ocea nos em dezenas de milhares de quilômetros mas não foi ca paz de percorrer os quilômetros que levam à ilha próxima à Belém Como se vê o futuro é relativo e mais distante para alguns Aproximadamente trinta anos após a entrada em operação da hidrelétrica parte importante da população da zona rural do 11 Sistema de linhões de transmissão de energia elétrica de alta tensão que inter ligam o território brasileiro É o que possibilita que uma hidrelétrica da região Norte possa enviar energia para o Sudeste e em tese viceversa 221 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 próprio município de Tucuruí ainda vivia no escuro Quando o programa federal Luz Para Todos fez chegar energia à parte dessa população surgiu a reclamação de que ela era de baixa capacida de não permitindo usar refrigeradores e outras máquinas para beneficiar e guardar a produção rural dos pequenos produtores Quando a usina foi construída com muito dinheiro público a justificativa era de levar desenvolvimento para a população amazô nica A promessa ainda ecoa e carece de realização No final da década de 2000 a região Norte ainda contava com 42 da população na condição de pobreza e mais de 10 milhões vivendo com até meio salário mínimo No Pará estimavase que metade da população vivesse com uma renda mensal de até R 10000 Em 2012 mais de 400 mil pessoas estariam vivendo abai xo da linha de pobreza em Belém Já havia se passado três décadas da inauguração dos primeiros grandes empreendimentos energéti cominerais na Amazônia e a perspectiva de progresso para todos ainda era essencialmente somente promessa Em meados da segunda metade dos anos 2010 a Amazônia brasileira contava com quase 28 milhões de habitantes tendo ¾ de sua população vivendo nas precárias áreas urbanas confirman do o que Becker 2009 chamou de floresta urbanizada ao qual acrescentamos floresta pobre e contraditoriamente urbanizada A pobreza se generaliza e se reproduz Pelos números divul gados em 2013 com dados de 2010 o estado paraense estava na nada confortável antepenúltima colocação do ranking nacional 25º lugar em desenvolvimento humano empatado com o Piauí e somente a frente de Alagoas e Maranhão penúltimo colocado e também da região amazônica Os 10 municípios brasileiros com pior IDH Índice de Desenvolvimento Humano encontravamse todos na Amazônia Legal sendo quatro no Pará inclusive o pior de todos Melgaço localizado na ilha de Marajó onde se estimava que até metade da população municipal fosse analfabeta Entre os 222 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 20 municípios com os piores IDHs do Brasil 15 eram da região amazônica Dados de 2000 a 2010 sistematizados pelo Instituto de Pes quisa Econômica Aplicada Ipea por sua vez dão conta que o município de Fernando Falcão no Maranhão era o município com maior vulnerabilidade social do país que significaria que seria o pior lugar para se viver Já Manaus era a região metropolitana com os piores indicadores sociais e econômicos brasileiros Das 30 ci dades brasileiras com maior vulnerabilidade social 16 estavam no Nordeste e 14 na Amazônia Extremamente rica em recursos naturais e produtora de mon tantes expressivos de riqueza a região se vê diante da reprodução da pobreza e outras contradições Já passou a hora de mudar esse quadro mas isso exige outro sentido às políticas socioeconômicas historicamente impostas à região Exige outro projeto político até o momento não assumido na radicalidade necessária por nenhum dos governos brasileiros nem mesmo estaduais Sendo assim não se pode esperar uma resolução de cima somente Os que estão em baixo devem se mover Quando estiver sendo apresentado mais um megaempreendimento econômico em nome do desenvolvimento devese levantar a pergunta desenvolvimento para quem Mais do que fazêla devemos transformála em ação Hidrelétricas para o desenvolvimento Para estimular ainda mais a produção mineral e outros setores em outras regiões do país o governo federal planejou a construção de dezenas de hidrelétricas nos rios amazônicos algumas já imple mentadas como é o caso das localizadas no rio Madeira Jirau e Santo Antonio Rondônia e a hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu no Pará cujas estimativas de custo da construção chega ram a R 30 bilhões Diversos outros rios como o Tapajós estão mapeados e com projetos de dezenas de novas hidrelétricas Como 223 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 os rios da região são em sua maior expressividade cursos dágua localizados em planície o barramento destes provoca imensos la gos que inundam centenas de quilômetros de floresta destruindo significativa riqueza natural e expulsando diversas populações tra dicionais da área afetada As hidrelétricas do rio Madeira UHE Jirau 3450 MW e a Usina Hidrelétrica Santo Antônio 3150 MW em Rondônia estiveram entre as obras prioritárias do PAC nos governos Lula da Silva 20032010 e Dilma Rousseff 20112016 Entre outras empresas Furnas Cemig e as construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht entraram na empreitada Licenciadas durante a gestão de Marina da Silva no Ministério do Meio Ambiente que afirmara ter sido isso uma vitória da sociedade os impactos ambientais já se apresentam significativamente A hidrelétrica de Santo An tônio fica próxima de Porto Velho Na primeira estação chuvosa após o fechamento da barragem estação 20112012 aproxima damente 300 casas ao longo do rio foram derrubadas ou compro metidas pela subida das águas e queda das margens Até mesmo inundações em território boliviano podem estar relacionadas com a construção da segunda hidrelétrica Jirau Em 2014 o Madeira atingiu sua cheia recorde mais de 19 metros acima de seu leito nor mal Isso inundou a capital e outras áreas do estado provocando enormes prejuízos econômicos não cobertos pelas hidrelétricas e humanos com a disseminação de doenças inclusive letais como a leptospirose Quando as principais hidrelétricas planejadas para o Pará es tiverem em operação o estado sozinho produzirá mais da metade de toda a energia consumida pelo Brasil nos primeiros anos da década de 2010 Chama a atenção o uso do dinheiro público para responder a interesses diversos No complexo hidrelétrico do Ta pajós que inclui alguns de seus afluentes no Pará e Mato Grosso as hidrelétricas estão sendo projetadas de tal modo que fiquem em 224 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 áreas de difícil navegação encachoeirados corredeiras Junto às hidrelétricas projetase a construção de eclusas12 para que o rio se transforme em uma hidrovia para diminuir os custos de transpor te do agronegócio do CentroOeste e Norte Destaquese que o ICMS da energia elétrica é recolhido no consumo Assim a pro dução de energia nos estados amazônicos gera imposto em outras regiões mas produz impacto socioambiental profundo na região O Amapá sofreu com a falta de energia elétrica desde que foi criado em 1943 tendo passado por fortes crises de abastecimento o que incluiu noites de final do ano em escuro durante os anos 1990 Usinas termelétricas que usam óleo diesel abasteciam o es tado já que a hidrelétrica Coaracy Nunes Paredão no rio Ara guari tinha pequena capacidade de geração energética Acontece que no rio se construiu dois novos empreendimentos Um foi a hidrelétrica Ferreira Gomes com 252 MW de potência instalada o que abasteceria uma população de 700 mil pessoas segundo a empresa Ferreira Gomes Energia segundo a estimativa do IBGE para 2015 o estado contava ao todo com 766679 habitantes O segundo foi a hidrelétrica Cachoeira do Caldeirão 219 MW de potência instalada e ainda há estudos sugerindo a construção de novas unidades no mesmo rio Além disso a Eletronorte se propôs a expandir os 78 MW da hidrelétrica do Paredão para 298 MW de potência O linhão de distribuição de energia da UHE de Tucuruí só chegou ao Amapá entre o final de 2013 e início de 2014 três de cênios depois de inaugurada a usina no Pará Isso coincidiu com o fato de que as hidrelétricas do rio Araguari estavam em fase de conclusão assim como a de Santo Antônio no rio Jari com 373 12 Eclusas são obras de engenharia que funcionam como degraus ou elevadores per mitindo que as embarcações ultrapassem áreas dos rios com grande desnível onde antes era uma cachoeira por exemplo e depois se transforma em barragem 225 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 MW de potência instalada O estado passou a compor o sistema interligado nacional Por que isso O linhão foi construí do para le var energia para este estado ou para tirála de lá para repassar para outros estadosempresas Os linhões do sistema interligado nacional chegarão às fronteiras com Venezuela Bolívia e Peru Nestes dois últimos países se planeja a construção de megahidrelétricas algumas por construtoras brasi leiras Com a Bolívia estão propostas duas usinas uma binacional e outra boliviana a hidrelétrica Cachuela Esperanza no rio Madre de Dios Como se vê o projeto é mais amplo incorporando a chamada Panamazônia e não somente a Amazônia brasileira Reynaldo Gonçalves 2013 analisou os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva O modelo adotado por eles foi chamado de liberal periférico Em particular com o segundo e com aqueles que defenderam a existência de um novo desenvol vimentismo no Brasil dos anos 2000 Gonçalves traçou um para lelo comparativo ao desenvolvimentismo brasileiro Para o autor o nacionaldesenvolvimentismo seria um projeto de desenvolvimen to econômico com três elementos centrais industrialização subs titutiva de importações intervencionismo estatal e nacionalismo Ele corresponde à ideologia do desenvolvimento econômico anos 1930 a 1980 sustentada na industrialização na soberania latino americana e na redução da vulnerabilidade externa estrutural Lula da Silva teria retomado os pilares do nacionaldesenvol vimentismo Não ao contrário Segundo Gonçalves 2013 este governo coincidiu com desnacionalização e maior dependência tecnológica desindustrialização dessubstituição de importações reprimarização das exportações perda de competitividade inter nacional aumento da vulnerabilidade externa estrutural por conta do aumento do passivo externo financeiro crescente dominação financeira maior concentração de capital e subordinação da polí tica de desenvolvimento à política de controle da inflação Desta 226 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 forma não estaríamos diante de uma retomada do desenvolvimen tismo mas de um desenvolvimentismo às avessas Os grandes em preendimentos e a produção de commodities na Amazônia nos anos 2000 parecem reforçar a tese Usina de Belo Monte cronologia de um ataque No início de 2016 a imagem de uma imensa cobra sucuri cir culava pela internet Diziase que teria 10 metros de comprimento 400 quilos e fora encontrada durante a explosão de uma caverna nas obras da construção da UHE de Belo Monte em Altamira PA Havia um vídeo e algumas fotos Nelas se tinha a impressão de que o animal era ainda maior por conta do ângulo em que elas foram tiradas Logo se descobriu que a cobra era verdadeira mas de aproximadamente sete metros e encontrada alguns meses antes em outro local na BR163 em SinopMT Quando achada ela já estava morta Possivelmente foi atropelada por uma carreta à noite quando tentava atravessar a rodovia A história da construção da usina de Belo Monte tal qual a cobra foi marcada por atropelos diversos seja dos governos da ditadura seja dos governos ditos de mocráticos As promessas sobre melhoria de vida para a população local que acompanhou a obra em grande medida também já se encontram mortas Na segunda metade dos anos 1970 o governo empresarialmi litar estimulado pela decisão de construção da UHE de Tucuruí realizou inventário para aproveitamento hidrelétrico da Bacia do rio Xingu O estudo finalizado em 1980 propôs a construção de sete barragens que atingiriam doze áreas indígenas e inundariam 18 mil km² de floresta A Eletronorte recebeu a incumbência de elaborar estudo de viabilidade técnicoeconômica de duas hidrelé tricas no rio Babaquara 66 mil MW e Kararaô 11 mil MW Isso ganhou reforço com o Plano Nacional de Energia Elétrica 19872010 227 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 As populações tradicionais do Xingu passaram a denunciar o projeto e em 1989 realizaram em AltamiraPA o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu sob a liderança dos indígenas Kayapó e de seu cacique Paulinho Paiakan O evento recebeu apoio e pre sença de diversas outras etnias indígenas do Brasil e organizações sociais e ambientais brasileiras e estrangeiras Tendo a presença de representantes governamentais o encontro ficou marcado pelo fato de a indígena Tuíra em protesto ter esfregado seu facão no rosto do então diretor da Eletronorte Em 1994 foi apresentado um novo projeto para a construção da UHE de Kararaô agora rebatizada de Belo Monte desta vez esti mando um lago menor 400 km² No segundo governo de Fernan do Henrique Cardoso Belo Monte passou a compor o programa Avança Brasil como obra de destaque Com os apagões e a crise energética que o país enfrentou o governo ressaltava ainda mais a importância da usina Em 2001 o Ministério Público impetrou ação civil pública suspendendo os estudos de impacto ambiental na região de Belo Monte entre outros motivos pelo fato de que a executora dos es tudos a Fundação de Amparo à Pesquisa FadespUFPA ter sido contratada sem licitação e apresentar questionável metodologia técnicocientífica Os movimentos sociais da região do Xingu passaram a se organi zar e a estabelecer relações entre si Eram indígenas pescadores pe quenos agricultores estudantes ambientalistas movimento popular urbano entre outros Questionavam e opunhamse à construção da hidrelétrica Em 2002 ocorreu o 1º Encontro dos povos indígenas da região da Volta Grande do rio Xingu área onde a usina seria construída O encontro aprovou resolução contrária à obra Tam bém naquele ano o governo conduziu audiência pública para debater o empreendimento mas na prática só puderam participar pessoas favoráveis ao empreen dimento Foi o caso da audiência de Belém 228 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2005 sob orientação do governo Lula da Silva o Con gresso Nacional aprovou projeto que autorizou a construção de Belo Monte Nenhum movimento social ou representação da po pulação local foi ouvido Intensa movimentação social e batalha jurídica se abriram desde então Instituto Socioambiental ISA Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira Greenpeace e Centro dos Direitos das Populações da Região do Carajás entram com representação junto à Procuradoria Geral da República PGR contra a decisão do Congresso Ela foi endossa da pela PGR que a submeteu ao Supremo Tribunal Federal STF como Ação Direta de Inconstitucionalidade Mas o STF rejeitou a ação No ano seguinte uma liminar suspendeu o licenciamen to ambiental da obra mas foi derrubada em 2007 Outras ações jurídicas se repetiram inclusive questionando a participação das empreiteiras na realização dos estudos de impacto ambiental O governo conseguiu paulatinamente derrubar uma a uma e incluiu a hidrelétrica no Programa de Aceleração do Crescimento PAC Em 2008 o Movimento Xingu Vivo Para Sempre realizou en contro com a presença das comunidades da região do rio Xingu movimentos sociais outras entidades e especialistas discutindo os impactos das barragens no rio No encontro houve conflito e o coor denador do estudo de inventário da hidrelétrica Paulo Fer nando Rezende sofreu um corte no braço O governo anunciou para o ano seguinte o leilão para a construção da obra e realizou quatro audiências públicas em seis dias três em cidades do Xingu e uma em Belém Contudo o estudo de impacto ambiental comple to só foi divulgado dois dias antes da primeira audiência e ainda sofrendo muitas críticas em decorrência de suas inconsistências Em 2009 um painel com 40 especialistas divulgou estudo rea lizado sobre os impactos da construção da barragem Lideranças indígenas Kayapó como o cacique Raoni solicitaram ao presiden te Lula da Silva que fossem ouvidos mas a resposta veio por meio 229 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da Funai órgão governamental indigenista que autorizou a rea lização da obra Em 2010 o governo conseguiu a licença prévia e em 2011 a licença definitiva para construção da hidrelétrica Neste último ano 20 associações científicas entre elas a SBPC assinaram carta destinada à presidenta Dilma Rousseff solicitando a suspensão do processo de licenciamento da hidrelétrica O mesmo movimento foi seguido por 360 cientistas e intelectuais em nova carta à pre sidenta Depois de forte batalha judicial no dia 20 de abril de 2010 foi realizado um leilão de 10 minutos para a construção e montagem da usina que seria a terceira maior do planeta saindo vitorioso o Consórcio Norte Energia Esta empresa contratou um consórcio de construtoras para realizar a obra o Consórcio Construtor Belo Monte que contou com companhias que haviam realizado o es tudo de impacto ambiental Andrade Gutierrez Camargo Corrêa e Odebrecht por exemplo13 Assim essas barragistas constroem a obra mas ficam sem responsabilidades pelos impactos causados e sem ter que cumprir as condicionantes socioambientais Afora isso as grandes construtoras se retiraram da disputa do leilão três dias antes dele acontecer deixando apenas algumas companhias de porte médio que apresentaram uma única proposta no leilão O objetivo foi pressionar o governo a aumentar os lucros das empre sas construtoras Meses depois as grandes barragistas foram incor poradas ao consórcio de construção e montagem A barragem começou a ser construída em junho de 2011 As obras e serviços de compensação apenas parcialmente foram cum pridas de modo que quem perdeu foi a população local Direta ou 13 Em 2016 o exlíder do governo Dilma Rousseff no Senado Federal Delcídio Amaral denunciou que as empreiteiras teriam pago pelo menos entre R 15 mi lhões e R 20 milhões para financiar campanhas eleitorais do PT e PMBD 230 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 indiretamente o governo federal tem participação importante na empresa seja pela composição acionária seja pelo financiamen to através do BNDES A composição acionária em 2015 contava com o grupo Eletrobrás Eletrobrás 15 Chesf 15 e Eletro norte 1998 fundos de pensão Petros 10 e Funcef 10 Belo Monte Participações SA Neoenergia 100 Amazônia CemigLight 977 Aliança Norte Energia SA ValeCemig 90 Sinobras 1 J Malucelli Energia 025 O BNDES deve ter financiado pelo menos 80 dos custos que se estimava superar R 30 bilhões mesmo com a isenção de impostos e outros favores estatais Formando um lago de mais de 500 km² a UHE Belo Monte foi oficialmente projetada para gerar 112331 MW de energia no pico das cheias do rio mas no restante do ano produz bem menos tendo como geração média de energia firme 4571 MW Em dezembro de 2010 Oswaldo Sevá professor da Unicamp e estudioso sobre a implantação de hidrelétricas na Amazônia con cedeu entrevista ao Movimento Xingu Vivo Para Sempre e afir mou que o projeto de engenharia de Belo Monte é desmesurado pretensioso barrar um rio do tamanho do Xingu e desviar um enorme fluxo de água por cima de terras firmes e devolver essa água num ponto 150 km abaixo da primeira barragem A intenção é destrutiva imperial do tipo faço o que quero não importa quem se ferre Equívoco também do ponto de vista econômico gastar mais de 30 bilhões de reais para instalar vinte máquinas enormes turbogeradores que so mente funcionarão todas juntas durante uns dois a três meses Sevá apud xinguvivoorgbr14 Antes e depois do leilão e do início das obras diversos atos de rua contra a barragem ocorreram em Altamira Belém São Paulo 14 Ver httpwwwxinguvivoorgbr20101208internautasentrevistamoswal dosevadaunicamp 231 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e outras cidades brasileiras e até mesmo em outros países mas não foram suficientes para impedila Mesmo assim a obra foi paralisa da em diversos momentos por conta de medidas judiciais ou ações diretas dos movimentos sociais Indígenas principalmente mas também pescadores e outras populações tradicionais por diversas vezes ocuparam os canteiros de obra de Belo Monte eou bloquearam a rodovia Transamazô nica ou mesmo os ramais de acesso à construção Isso foi acom panhado pelas greves de milhares de operários da construção civil que passaram a paralisar as atividades reivindicando mais seguran ça já que se repetiam os casos de acidentes com mortes melhores salários alimentação e água e redução do tempo para ter direito à baixada folga para visitar a família de seis para três meses Agressões aos direitos humanos ameaças de morte apropriação indevida de terras e processos de cooptação dos indígenas15 mar 15 No processo de construção de Belo Monte foi definido que a Norte Energia im plementaria um Plano Emergencial que elaboraria programas para cada etnia de modo que se reafirmasse enquanto tal fortalecesse e conseguisse condições dignas de vida Funai Ibama e ICMBio seriam fortalecidos mas o que ocorreu foi seu enfraquecimento Intencionalmente a empresa transformou o plano num balcão assistencialista distribuindo grande quantidade de refrigerantes televi são e outros produtos além de meios de transporte para as lideranças indígenas aprofundando ainda mais a desestruturação econômica e cultural dos povos ori ginários da região do rio Xingu Em certas aldeias ao final do dia passouse a não mais se reunir em rodas de conversa mas em torno de aparelhos de TV para assistir à novela e tomar refrigerante Isso teve como objetivo dividir o movimen to social contrário à construção da hidrelétrica retirando os indígenas mas foi além pois deu continuidade ao genocídio ou etnocídio que se comete contra esses povos há mais de cinco séculos Segundo a procuradora da República Thaís Santi o Plano Emergencial foi uma maneira de silenciar essa voz A cada mo mento que os indígenas vinham se manifestar contra Belo Monte com ocupação de canteiro de obras essa organização era de maneira muito rápida descons truída pela prática de oferecer para as lideranças uma série de benefícios e bens de consumo Porque os indígenas têm uma visibilidade que a sociedade civil não consegue ter entrevista concedida a Eliane Brum disponível em httpbrasil elpaiscombrasil20141201opinion1417437633930086html 232 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 caram a realização da obra pela Norte Energia que contou com o apoio inestimável dos governos federal e estadual recorrendo à PM força nacional e outros aparatos de repressão para combater indígenas agricultores extrativistas ribeirinhos movimentos so ciais e trabalhadores da construção civil A força nacional montou um destacamento permanente nos canteiros de obra de Belo Mon te Não bastasse isso a Advocacia Geral da União empreendeu di versos ataques ao Ministério Público Federal no Pará em particu lar contra o procurador Felício Pontes Jr buscando impedilo de realizar ações contrárias à construção da barragem ou em defesa dos direitos das populações indígenas Em 2011 a Anistia Internacional denunciou a violação aos di reitos indígenas no processo de construção de Belo Monte Tam bém neste ano o Brasil foi denunciado junto à Comissão Interame ricana de Direitos Humanos CIDH da Organização dos Estados Americanos OEA por descumprir entre outros a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT negando aos indígenas o direito de serem previamente ouvidos A ação pedia a suspensão do projeto Belo Monte e foi aceita pela OEA que soli citou a paralisação do licenciamento e construção da barragem até que as populações indígenas fossem ouvidas Isso gerou um mal estar entre essa organização e o governo brasileiro Mas nem isso conseguiu impedir a realização da empreitada Para além dos conflitos já relatados a obra provocou enorme imigração para Altamira que segundo a prefeitura local levou a que a população municipal crescesse 50 em dois anos Isso gerou um forte impacto sobre os serviços públicos que passaram a ser demandados numa proporção muito superior à capacidade de res posta do orçamento do município Preços de alimentos e moradia cresceram exageradamente e a violência explodiu assim como a prostituição Estudo sistematizado pelo Ipea e Fórum Brasileiro de 233 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Segurança Pública com dados do período de 2005 a 2015 concluiu que Altamira se tornou o município do Brasil com a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes A concessionária Norte Energia conseguiu licença para colo car a usina em operação a partir de 2016 sem ter cumprido todas as condicionantes socioambientais que deveriam ser obrigatórias Nem mesmo as famílias que passaram a ver suas moradias alaga das com o enchimento do lago da barragem tiveram a garantia de uma nova casa Obrigadas a se retirar da área elas receberam uma indenização monetária não necessariamente suficiente para adquirir nova residência dada a enorme especulação imobiliária provocada pela obra A isso se resumia o programa de reassenta mento que sozinho contava com uma empresa e mais 26 advoga dos contratados pela Norte Energia para convencer as pessoas de que elas tinham direito a apenas o valor oferecido como dádiva pela concessionária Por que tudo isso Quais interesses estão por trás da barragem Para além do que já expusemos Oswaldo Sevá na entrevista cita da apresentou algumas informações a mais Os grupos são em parte conhecidos a turma de políticos e buro cratas formada pelo expresidente Sarney o senador Lobão os que dirigem a Eletronorte há décadas incluindo o irmão do exministro Palocci o atual presidente da Eletrobras José Antonio Muniz Lopes um dos seus diretores o Valter Cardeal homem de confiança da presidente eleita desde os seus tempos de secretária no Rio Grande do Sul e uma plêiade de governadores exgovernadores senadores deputados paraenses maranhenses do Tocantins e de outros Esta dos que representam as grandes empreiteiras e as grandes negociatas do setor elétrico Esses são os operadores mas as decisões mesmo vão sendo tomadas em Tóquio Frankfurt New York Los Angeles Madrid Bruxelas onde ficam as sedes e os cabeças dos grandes con glomerados multinacionais que comandam a atual fase imperialista Dona Dilma é bem considerada nesse meio e fez o que pôde para ajudálos por exemplo atendendo de modo particularmente cari 234 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nhoso o grupo francobelga SuezTractebel que comprou a Eletro sul é sócio importante no Madeira e no Estreito e se tornou a maior geradora privada de eletricidade no país Tem mais mas por aí já fica de bom tamanho Sevá apud xinguvivoorgbr E para cumprir esse objetivo o governo foi capaz de tornar ainda mais complicado o papel já cumprido pelas estatais do setor elétrico A Eletronorte virou um sabujo um fazedor de serviço sujo para as grandes empresas do setor o governo decretou que ela será dona de quase 20 do capital do Belo Monte mas ninguém sabe de onde vai vir esse recurso pois a Eletronorte é uma empresa endividada exau rida por causa dos contratos lesivos que foram empurrados desde a ditadura militar para favorecer a CVRD e seus tentáculos na região de Marabá os sócios da Alumar em São Luís os sócios da Albras em Barcarena a Camargo Corrêa com a sua fundição de ferrosilício em Tucuruí e mais uns dois ou três grandes consumidores de eletricida de Sevá apud xinguvivoorgbr A UHE Belo Monte é a expressão mais clara de que a forma como os governos militares trataram autoritariamente e na lógica do saque a Amazônia não se encerrou com a derrubada da ditadu ra empresarialmilitar iniciada em 1964 mas continua se reprodu zindo nos governos ditos democráticos Recursos naturais em ritmo acelerado de apropriação Em 2012 o portal de notícias acreano ac24horascom publicou informação sobre duas onças pintadas que atacaram e quase mata ram um seringueiro do vale do rio Purus em Manuel Urbano no Acre O homem estava caçando mas se tornou a caça ficando com ferimentos nos braços pernas boca e cabeça Já estava imobilizado pelos animais quando outro caçador apareceu disparou tiros de es pingarda assustando as onças e salvando o seringueiro Em 2011 uma onça suçuarana já havia atacado uma funcionária terceirizada que trabalhava para a Vale em CarajásPA Ela sobreviveu Outros 235 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 casos terminaram com a morte dos atacados e reforçaram a ideia sobre a voracidade desse felino Mas quem é mais voraz o bicho ou os empreendimentos conduzidos pela busca do lucro A biopirataria não apenas permanece na impunidade como cresce na Amazônia plantas animais e recursos hídricos saquea dos em grande escala Há denúncias de contrabando de água Grandes navios cargueiros internacionais que transportam mer cadorias para a região estariam voltando a seus países carregados com água captada na Bacia Amazônica16 Isso pode ser verdade ou mentira mas é fato que os recursos hídricos já vão para o exterior indiretamente e incentivados pelo governo A extraçãoexportação de ferro e outros minérios recorre a gran des volumes de água seja para sua lavagem seja para transporte do produto em minerodutos Estimase que a produção de um quilo de carne bovina exija 15400 litros de água e que um quilo de soja necessite de 1800 litros do líquido17 A transformação da bauxita em alumínio primário precisa de um grande volume de energia elé trica e na região isso se produz por meio das hidrelétricas águas que barram os rios gerando imensos lagos e alterando o ecossiste ma Vendese mais do que minério em si antes de tudo recursos naturais de diversas formas inclusive como energia elétrica ainda que materializadas em ferro ou alumínio Água é um recurso abundante na Amazônia mas carente em muitas outras partes do planeta Economicamente ainda não com pensa exportála à longa distância para fins de produção como é o caso da irrigação Seu custo seria muito alto Mesmo assim expor 16 Segundo estimativas do Water Management Institute 18 bilhões de pessoas viverão em 2025 em absoluta falta de água no mundo Para a ONU este recurso será a principal causa de conflitos mundiais nas próximas décadas 17 Algumas outras estimativas para esses mesmos produtos apresentam dados ainda maiores 236 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tase água amazônica na forma de outros produtos as commodities que contêm o que se chama de água virtual Acreditase que aproximadamente 97 da água do planeta seja salgada Do que resta de 25 a 35 são água doce Destes 696 estão nas geleiras e neves 3015 em águas subterrâneas Somente 03 estão em rios lagos e pântanos Fritsch 1998 que somadas aos reservatórios subterrâneos correspondem a tão so mente 001 das águas da Terra disponíveis aos seres humanos Por conter até 20 das águas doces de mais fácil acesso do planeta a Amazônia assume papel de destaque na geopolítica das águas Em contrapartida dados do IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2006 indicaram que apenas 561 das residências da região Norte recebiam água encanada e 49 conta vam com rede de esgotamento sanitário Isso evidencia o paradoxo da escassez em plena abundância O crescimento da demanda por commodities agrícolas e mine rais no mundo em particular aquelas produzidas na Amazônia ferro alumínio carne bovina soja aumenta a pressão não ape nas sobre a floresta em si mas também sobre os rios e reservató rios de água Esses processos associados a outros mais contribuem para a redução da cobertura vegetal nas margens dos grandes rios da região assoreandoos e reduzindo o volume de água A água é um bem público pertencente à sociedade e assim deve ser tratado pelo Estado Afora isso na Amazônia com predomínio de população ribeirinha a água assume uma forte dimensão cultu ral para sua população aumentando ainda mais sua importância Nestes termos devese usar esse recurso para o desenvolvimen to regional Mais que isso impõese o desafio de gerir a abun dância ao invés da escassez antecipandose à crise e evitandoa Becker 2008 p 78 Uma questão adicional chama atenção Na lógica da produção e concorrência entre as grandes multinacionais o que interessa é 237 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ganhar cada vez mais No caso dos recursos naturais isso significa que eles passam a ser explorados numa velocidade acentuadamente maior O problema é que esse fato acelera o esgotamento dessas reservas As reservas de ferro de Carajás que chegaram a ser esti madas em mais de quatro séculos de exploração estão se exaurindo rapidamente A Vale encomendou um estudo que concluiu que essas reservas devem se esgotar em torno de 2035 As informações estão no Relatório Anual de 2013 da companhia e se sustentam no estudo da consultoria Amplo Nele se projetam dois cenários No primeiro a mina aberta em 1984 N4E se esgota em 2028 a N4W iniciada em 1994 em 2032 e a N5 explorada desde 1998 se encerra em 2035 No segundo cenário a partir da intensifica ção da extração as minas em questão se esgotariam até 202718 No relatório de desempenho de 2016 que a empresa apresentou à Co missão de Valores Imobiliários dos EUA valecom a companhia apresentou suas projeções mais longas para exaustão do complexo de Carajás São estimativas otimistas de prolongamento da explo ração Ainda assim as minas da Serra Norte iniciadas em 1984 terão vida útil operacional até 2041 As da Serra Leste S11D inau gurada em 2016 até 2049 Em operação desde 2014 as da Serra Leste se estendem até 2059 Isso quer dizer que as reservas que se acreditava que durariam até o final do século XXIV chegarão ao máximo a meados do século atual Os períodos de crise também podem colaborar para o esgo tamento prematuro dos recursos minerais Nos anos 2010 houve redução do preço do ferro no mercado internacional Para manter seu faturamento a vale aumentou a quantidade exportada ain da que com preço menor Exportouse mais ganhando menos por cada tonelada Parte destes minérios passou a compor as reservas 18 Para outras informações a este respeito e suas conexões com indicadores sociais e de trabalho veja Souza 2014 238 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em mãos dos países importadores como é o caso da China Quan do ocorre redução da demanda internacional isso tende a forçar ainda mais os preços para baixo Mas o saque normalmente cresce ver gráfico 1 Anexos A voracidade da extração dos recursos naturais pode produzir tragédias e processos sociais e ambientais difíceis de serem re vertidos A dinâmica capitalista da lógica do lucro imposta pela concorrência interburguesa conduz a um ritmo de apropriação da natureza muito maior que aquele que ela necessita para se recom por Daí os problemas ambientais Por não analisar as contradições do capital o desenvolvimento sustentável e seus apologistas ten dem à insustentabilidade Defendêlo sem associar isso a uma forte crítica ao processo capitalista de produção e à necessidade de uma sociedade oposta à exploração burguesa é ficar na superficialidade do problema e de sua solução Vejamos brevemente um caso que envolve corrida por grandes ganhos econômicos degradação ambiental e problemas sociais O encontro das águas de alguns rios com o oceano principalmente sob a influência da lua provoca uma onda alta que pode atingir alguns metros de altura e percorrer vários quilômetros em uma velocidade de até 30 kmh É a pororoca A costa do Amapá sempre registrou as maiores pororocas do Brasil com destaque para a que ocorria na foz do rio Araguari junto ao oceano Atlântico Justamente nessa área a enorme e cres cente criação de búfalo por grandes fazendas acima da capacidade de suporte daquele ecossistema fez com que o gado em sua loco moção fosse abrindo canais que passaram a drenar as águas do rio são os varadouros19 e a levar a água salobra aquela misturada 19 Alguns passam a ter fluxo permanente de água e maré e alcançam algumas deze nas de largura Eles também são motivo de conflitos Os varadouros são abertos nos caminhos que ligam as áreas internas das fazendas e os rios que pela legis lação brasileira são de livre navegação e não podem ser fechadoscercados Parte 239 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com água do rio e do mar para os lagos alterando a composição destes e reduzindo as espécies e quantidades de peixes lá presentes A isso se somaram as três barragens construídas no rio para gera ção elétrica duas no decorrer das décadas de 2000 e 2010 O fluxo de água foi significativamente reduzido próximo à foz e o rio está em forte processo de assoreamento A pororoca desapareceu Sem peixe base da alimentação local a população ribeirinha passou a migrar das margens do rio e dos lagos para a sede do mu nicípio de Cutias e até mesmo para a capital do estado aumen tando a massa daqueles que vivem em barracos sem emprego e na miséria da qual parte é assimilada pela marginalidade O que os grandes proprietários fizeram diante da morte do rio nessa região e dos problemas sociais decorrentes Construíram cer cas onde até recentemente passava um rio com até mais de um qui lômetro de largura na foz A cerca é a expressão de que a voracida de do fazendeiro é maior que a do búfalo O lucro e a apropriação voraz da natureza no presente valem mais que a vida que o futuro A construção da hidrelétrica de Tucuruí também provocou problemas diversos Além da inundação de imensa área de flores ta a barragem gerou outros problemas O barramento do rio di minuiu o fluxo de água para depois da obra reduzindo a área que periodicamente era inundada Os sedimentos que o rio carrega em grande medida ficam retidos e depositados no enorme lago artificial diminuindo a fertilização dos solos que periodicamente ficavam inundados Castro e Campos 2015 Resultado a agricul tura ficou mais frágil e menos diversificada Agricultores familia importante dos cardumes de peixes se desloca dos rios maiores para os cursos secundários entre eles os varadouros Mas esses últimos são cercados pois ficam dentro das fazendas Os ribeirinhos são impedidos de entrar nestas propriedades para pescar o alimento Quando entram são reprimidos pelos capatazes Acon tece que a partir do momento em que os varadouroscanais passam a ter curso de água constante inclusive com a migração da população de peixes eles não podem ser fechados 240 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 res foram os que mais sofreram com este processo que inclusive estimulou a migração para as médias e grandes cidades da região O lucro derrubando a floresta Imagine um indígena ser multado em R 298551718 por pro duzir artesanato com penas de papagaios e araras Absurdo Não fato Foi o que aconteceu com Timóteo Wai Wai Essa é uma ati vidade desenvolvida desde seus ancestrais Como ele não tinha au torização legal para comercialização foi multado ao transportar as peças O Ibama estabeleceu o valor inicial da infração em R 75 mil Timóteo não teve como pagar a multa Atualizada e acrescida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria Geral Federal o valor total chegou a quase R 3 milhões em setembro de 2014 podendo ter aumentado nos meses seguintes Um procurador fe deral e o juiz de OriximináPA determinaram o confisco dos re cursos em contas bancárias e a penhora dos bens do infrator Isso não pôde ser feito porque ele contava tão somente com uma casa pobre onde morava com a família e as únicas contas que dispunha eram os valores que devia no comércio local as compras fiado Contraditoriamente ou não esse não é o caso das grandes fazendas mineradoras e outras empresas que derrubam a floresta e poluem rios e solos Quando são multadas recorrem da autuação e em grande parte dos casos deixam de pagar o montante mas continuam a ter suas atividades desenvolvidas normalmente aces sando até mesmo recursos públicos Muitas atividades econômicas apresentam fortes implicações sobre a sociedade local e a floresta Analisemos a dinâmica do setor agropecuário O investimen to estatal criou condições para o estabelecimento de um crescente rebanho bovino na Amazônia Legal Até o início da década de 1990 a evolução da bovinocultura esteve associada à concessão dos incentivos fiscais através da Sudam e Basa principalmente Com a forte redução dos incentivos a grande produção agropecuária 241 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 buscou outras fontes de financiamento mas em grande medida ainda estatais Rebanho bovino da Amazônia Legal cabeças Unidade 2001 2005 2010 2014 2015 2016 Brasil 169875524 207156696 209541109 212343932 215199488 218225177 Mato Grosso 18924532 26651500 28757438 28592183 29364042 30296096 Pará 10271409 18063669 17633339 19911217 20271618 20476783 Amazônia Legal 47535707 74589450 77837977 82176677 84162139 85933156 Fonte IBGE Pesquisa Pecuária Municipal O Mato Grosso detém o maior rebanho da Amazônia Legal se guido pelo Pará Em 2000 havia 47535707 bovinos na região em 2016 totalizouse 85933156 cabeças correspondendo a 3938 do rebanho nacional Existem mais de três cabeças de boi para cada habitante na Amazônia brasileira Sua ocupação territorial foi efetivada de fato pelo boi sob os interesses dos grandes latifúndios Somente a região Norte contou com 47983190 animais no último ano É a segunda região com maior efetivo no Brasil ficando atrás somente do CentroOeste cujos números são impulsionados pelo rebanho do Mato Grosso que no intervalo exposto pela tabela se tornou o maior produtor nacional Além do investimento por meio de bancos públicos tradicio nais o setor é apoiado também pelo BNDES É o caso do estí mulo ao crescimento dos grandes frigoríficos brasileiros como o JBS Friboi objetivando tornar o Brasil o maior exportador de car ne bovina do mundo Em 2008 do total de crédito industrial do banco metade foi destinada às indústrias frigoríficas as quais já se encontram localizadas e em expansão no Pará e no Mato Grosso A política governamental de estímulo à produção bovina foi acompanhada não apenas da expansão do rebanho mas também da área aberta para pastagens e da própria degradação ambiental 242 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A pecuária bovina foi introduzida na Amazônia no século XVII aproveitando os campos naturais das regiões de várzea aquelas que parte do ano ficam alagadas Nos anos 1950 o rebanho bovino pa raense estava concentrado nas áreas de várzea ou sob sua influên cia Era o caso do Marajó e do Baixo Amazonas que concentra vam 6957 e 2291 respectivamente O sudeste paraense cujo predomínio era de floresta alta eou terra firme dispunha de ape nas 338 das cabeças de boi do Pará Em 2010 essa última região saltou para 6636 do rebanho estadual enquanto que a região do Marajó reduziu a 174 Isso ocorreu diretamente por conta das políticas governamentais que incentivaram a ocupação do sudeste paraense por latifúndios e pela pecuária ver gráfico 2 Anexos Os recursos da Sudam foram utilizados em larga medida para expandir a produção de bovinos no Mato Grosso principalmente em sua porção norte Junto ao Pará o estado concentrava o maior número de projetos aprovados pela Superintendência O rebanho até então concentrado nos campos periodicamente alagados do Pantanal passou a se concentrar e a expandir acentuadamente na Amazônia matogrossense Em meados dos anos 2010 estimouse que 35 das terras do estado estivessem ocupadas pela pecuária Uma das consequências desse processo foi a degradação am biental e os problemas sociais desmatamento conflitos agrários trabalho análogo à escravidão etc Em 1975 a Amazônia Legal dis punha de 203 milhões de hectares de terras ocupadas pela pecuá ria Em 2006 já ocupava 616 milhões de hectares um crescimen to de 41268510 ha Isso significou que das terras incorporadas à agropecuária 8228 foram pastagens em geral plantadas ou seja não mais nativas Diversos municípios do Pará praticamente não contam mais com grandes áreas de floresta nativa Em síntese o aumento do rebanho bovino está diretamente associado à degradação da Amazônia o que inclui a chamada flo resta de transição a porção que fica entre o Cerrado e a floresta 243 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alta pecuaristas registram essa área como Cerrado para poder desmatar mais e não pagar multas já que as propriedades na Flo resta Amazônica têm que deixar 80 de sua extensão como reser va legal floresta nativa preservada Essa situação se intensifica primeiro pelo fato de que o produ tor tradicional prefere abrir uma nova área de pastagem derruban do a floresta e ganhando com isso do que gastar para recuperar os pastos degradados por esta mesma atividade20 Segundo permane ce o desmatamento intenso e ilegal na região em muitos casos com a conivência e ou corrupção de instituições públicas21 Daniel Dantas o banqueiro megaespeculador envolvido em diversas denúncias de negócios fraudulentos inclusive de financia mento de campanhas eleitorais petistas e tucanas comprou deze nas de fazendas na Amazônia Segundo suspeitas alguns negócios em torno da pecuária servem para lavagem de dinheiro Com o dinheiro ilícito compramse terras e gado e se inventa um gran 20 O desmatamento pode crescer nos momentos em que há aumento da demanda e do preço pela carne bovina no Brasil ou no exterior mas também em situações de crise econômica e juros altos no país Nesse caso o produtor busca investi mentos de menor volume e retorno mais imediato minimizando os efeitos da crise e o custo dos juros O arrendamento de terras para a pecuária ou mesmo a extração de madeira tende a ser uma opção mais recorrente 21 Diniz 2017 além dos estímulos públicos sintetiza as razões da expansão da pecuária na Amazônia levantada por vários autores facilidade de adaptação das raças adotadas em relação às condições climáticas e do sistema forrageiro o tipo pastagem plantada MarrieGabrielle Piketty e outros baixo custo da terra e da formação das pastagens Sérgio Margulis fato válido também para os pequenos produtores Robert Walker aumento da demanda interna da região Merle Fa minow Nas primeiras décadas de expansão as características da pecuária local eram baixa taxa de lotação baixos investimentos na formação de pastagens o que implicava maior aproveitamento das pastagens naturais os baixos níveis de investimento na melhoria genética do rebanho inclusive de suas condições fitossanitárias a baixa elevação da produtividade do rebanho Nos anos 2000 o rebanho cresceu muito mas a característica principal da atividade continuou sendo seu caráter extensivo com baixos indicadores de rendimento e produtivi dade Diniz 2017 p 117118 244 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de número de nascimento de animais A venda do rebanho limpa contabilmente o dinheiro sujo Além disso no Pará essas terras estão localizadas na região de maior incidência de descobertas mi nerais Desde a chegada dos portugueses até os anos 1970 estimase que o desmatamento na Amazônia brasileira estava em torno de 1 Atualmente segundo o Greenpeace esse percentual já atingiu 1822 Uma área maior que o estado de Minas Gerais já foi der rubada na Amazônia Para alguns cientistas nesse ritmo a floresta pode desaparecer em poucas décadas dando origem a savanas O relatório do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real Deter constatou que entre novembro de 2008 e janeiro de 2009 a Amazônia perdeu 754 km² por meio do desmatamento área equivalente a metade do município de São Paulo Alguns da dos apontam uma redução no ritmo da derrubada da floresta o que é uma boa notícia mas insuficiente porque o desmatamento ainda se mantém e é muito elevado Ademais mudouse a forma da extração madeireira Anterior mente derrubavase uma área inteira e contínua de floresta era o corte raso Nas últimas décadas consolidouse a extração seletiva onde os equipamentos disponíveis permitem a derrubada apenas das espécies comercialmente vantajosas Esse desmatamento não é fácil de ser captado pelas imagens de satélite e por isso o seu combate é mais difícil23 22 Os dados sobre desmatamento não são consensuais Eles dependem da meto dologia utilizada Desta forma é possível encontrar dados diferentes para um mesmo período Mas num caso ou no outro eles são enormes 23 Falamos de corte seletivo mas com a derrubada uma grande árvore ao cair leva consigo dezenas de outras espécies menores afora aquelas que também são tombadas durante o arrasto da primeira dentro da mata Além disso as madei reiras ainda fazem estradas clandestinas para extrair as madeiras derrubando a floresta Como elas são mais estreitas e em meio à vegetação alta são difíceis de se detectar 245 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2014 a Articulación Regional Amazônica divulgou um relatório sobre a floresta Nele se constatou que o desmatamen to acumulado na PanAmazônia alcançou 763 mil km² quase o tamanho da França e Reino Unido juntos Somando a isso as áreas de derrubada parcial ou corte seletivo o montante totaliza 12 milhão de km² Incluindo as áreas urbanas o total supera 2 milhões de km² se aproximando de 40 de toda a Amazônia24 As atividades que mais desmatam são aquelas relacionadas à pecuária soja e madeireiras Em São Félix do Xingu sul do Pará havia 30 mil cabeças de gado em 1997 Em 2007 este rebanho sal tou para 17 milhões de bois e em 2014 atingiu 2213310 animais Isso colocou o município na liderança dos municípios desmatado res brasileiros produzindo outros problemas grilagem conflitos agrários etc Em meados da década de 2010 estimavase que 10 de todo o desmatamento da Amazônia se concentrava no entorno da BR 163 CuiabáSantarém com parte importante avançando sobre terras públicas Essa é justamente uma área dominada pelos produ tos do agronegócio principalmente soja e gado O desmatamento normalmente tende a crescer nos períodos em que aumentam a demanda e os preços desses produtos Foi o que ocorreu por exem plo em 2012 e 2013 O aumento das exportações de soja estimulado pelo governo brasileiro tem produzido uma corrida por novas terras de modo que o agronegócio tem avançado do Mato Grosso para o Pará par 24 Esses percentuais se alteram dependendo do método de mensuração podendo ser menores Afora isso há quem relacione desmatamento à pobreza de alguma forma transformando a vítima em culpada Recorrendo a modelos econométri cos Diniz 2017 p 252 chegou a resultados diferentes e concluiu que a contri buição da pobreza é muito pouco expressiva para explicar o desmatamento em termos da dinâmica temporal e mesmo espacial na região Nos municípios com maior incidência de pobreza as famílias têm menor capacidade econômica de impulsionar atividades promotoras de desmatamento 246 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ticularmente no sentido da BR163 SantarémCuiabá e algumas áreas do sudeste Paraense Rondônia e os demais estados ama zônicos entre os quais a região denominada de Matopiba con fluência entre Tocantins e parcelas do Maranhão Piauí e Bahia na fronteira entre a Amazônia Legal e o Nordeste25 O resultado é a derrubada da floresta e o desaparecimento de comunidades de moradores nativos que ficavam na área de expansão sojeira Diniz 2017 reproduz as estimativas de Richards e Walker nas quais se constata que 32 da perda florestal na região amazônica brasileira a partir de 2002 foi impulsionada pela soja ainda que indireta mente Qual o destino dessa produção O gado amazônico além de abastecer o mercado regional também é vendido para o Nordeste SulSudeste do Brasil e para o exterior A soja plantada no norte do Mato Grosso e no sul do Pará além de se destinar à China e outras nações serve de ração para o gado europeu Os países ditos ecologicamente corretos criam seus gados confinados porque são alimentados entre outros com a soja que derruba as árvores da Amazônia é o caso da Holanda que dependendo do ano chega a importar quase 10 da soja matogrossense Apesar do discurso raivoso do Ministério do Meio Ambiente o governo continua a financiar as atividades degradantes da floresta O que se observa é que o agronegócio é a reprodução mo dernizada de nosso passado agrárioexportador no atual campo brasileiro Continuamos a exportar matériasprimas e alimentos enquanto nossa população passa fome É uma modernização con 25 A construção e expansão do Terminal de Grãos do Maranhão Tegram e da ferrovia NorteSul conectada com a Ferrovia FerroCarajás reduz em muito o custo da exportação de soja de determinados estados brasileiros Matopiba e parte do Pará Mato Grosso e Goiás No início dos anos 2010 uma tonelada de soja do município de Balsas sul maranhense exportada pelo porto de Santos chegava a custar US 14000 e pelo porto de Itaqui US 115 Outras ferrovias estão em projeção facilitando o escoamento do produto 247 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 servadora porque mantém e reforça as estruturas arcaicas e exclu dentes da propriedade porque nos prende ao passado Mais que isso vendemos produtos primários com baixos preços e compra mos industrializados a preços elevados Essa situação levou Aloi zio Mercadante então ministro de Ciência e Tecnologia de Dilma Rousseff a admitir que o Brasil tem de vender navios carregados de soja ou de ferro acrescentaríamos para conseguir importar um contêiner com semicondutores Em contrapartida a impunidade ainda é uma das marcas da questão agrária na Amazônia A Comissão Pastoral da Terra cons tatou que entre 1985 e 1997 foram assassinados 1493 trabalha dores rurais no Brasil Incluindo dados do início de 2008 apenas 85 casos foram julgados nos quais se condenaram 71 jagunços absolveramse 49 e apenas 19 mandantes foram condenados o que não quer dizer que todos permaneceram presos Muitos assassina tos sequer são objeto de investigação policial Entre 1982 e 2008 foram assassinados 687 trabalhadores rurais no Pará dos quais apenas 336 deram origem a inquéritos26 Alguns sequer vêm a público ou se tornam conhecidos pelas autoridades legais27 Por conta da exigência de se manter 80 das propriedades amazônicas como reserva legal os proprietários que desmataram 26 Afora isso entre 1995 e setembro de 2008 foram libertados 30687 trabalhado res em situação de escravidão no Brasil Sem os dados do Amapá e Roraima mas incluindo todo o Maranhão a Amazônia Legal concentrou 20438 pessoas nessa condição A atividade de extração de madeira é a principal responsável por essa degradação humana 27 Em 1998 o MST ocupou uma fazenda da família Mutran proprietária de se ringais no sudeste do Pará Era a fazenda Cabaceiras em EldoradoPA Com a ocupação um excapataz da propriedade fez uma denúncia ao movimento Informou a existência de um cemitério clandestino no latifúndio Feitas as esca vações foram encontradas algumas ossadas de pessoas Elas seriam de trabalha dores que reclamavam seus direitos trabalhistas ou entravam em conflito com os proprietários Até então estes casos de assassinatos não eram conhecidos e não compunham as estatísticas Marques e Marques 2015 248 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mais do que o permitido deveriam obrigatoriamente recompor o excedente destruído Mas o percentual a ser recomposto não neces sariamente atinge o total de floresta derrubada Além disso alguns setores defendem que essa recomposição seja feita com espécies flo restais não amazônicas É o caso do eucalipto para fabricar papel e do dendê para agrocombustível alimentos e cosméticos Na verdade o que se propõe não é a recomposição da floresta mas a abertura de uma nova frente de exploração ao agronegócio que evidentemente receberá recursos públicos federais e será seguida pelos demais governos estaduais Assim mesmo as políticas de proteção à Amazônia têm se mos trado insuficientes particularmente quando confrontadas com ou tros interesses dentro dos governos Em 2003 o presidente Lula da Silva anunciou o que seria o Plano Amazônia Sustentável elabora do a partir da Casa Civil da Presidência da República e dos Minis térios da Integração Nacional e do Meio Ambiente Uma primeira versão inicial foi apresentada ainda naquele ano outra em 2006 e a definitiva em 2008 Infelizmente a implementação do Plano fi cou longe do que se elaborou restringindose mais a discurso que efetividade Em contrapartida em 2009 o mesmo presidente Lula da Silva editou a medida provisória 458 formalmente para regularizar 400 mil propriedades irregulares na Amazônia com até 1500 hectares Isso corresponderia a 674 milhões de hectares de terras públicas da União avaliados à época em R 70 bilhões Uma grande parcela delas era fruto de grilagem A MP da grilagem foi rapidamente aprovada no Congresso Nacional Os latifundiários e a bancada ruralista exultaram com a ação governista Com sua aprovação os grileiros passaram a poder comercializar livremente essas terras e a obter financiamento público Além disso durante esse governo do qual Marina da Silva foi ministra do Meio Ambiente lembremos se aprovou a lei dos transgênicos liberando sua produção no país 249 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para satisfazer os interesses das transnacionais e a lei de concessão das florestas públicas colocandoas à disposição do grande capital para explorar suas madeiras e biodiversidade Marques e Marques 2015 Em 2011 já sob o governo Dilma Rousseff entrou em discus são o novo código florestal brasileiro cujo relator da proposta foi Aldo Rebelo PCdoB Pela proposta discutida com o governo e sua bancada no Congresso a reserva legal das propriedades seria reduzida e dependendo do tamanho o proprietário que tivesse desmatado mais do que lhe era permitido poderia ser desobrigado a recompôla Assim também ocorreria com as áreas de proteção permanente aquelas que ficam nas margens de cursos dágua São áreas de proteção porque sem elas os rios podem ser assoreados ou sofrer outros tipos de degradação chegando até mesmo a morrer Dada a grande pressão de setores ambientalistas a divisão na base governista e o impacto negativo desta aprovação o gover no recuou em parte dos ataques mas o perdão ao desmatamento ocorrido até 2008 foi aprovado parcialmente atendendo aos inte resses ruralistas reduzindo a parcela de floresta que deveria ser recomposta A escolha de Kátia Abreu então PMDB para assu mir o Ministério da Agricultura no que seria o segundo mandato de Dilma Rousseff expressou antes de tudo as opções políticas daquele governo Afora isso segundo levantamento do jornalista Gustavo Faleiros no segundo mandato de Lula da Silva se gastou R 6363 bilhões para combater o desmatamento na Amazônia Esse montante despencou para R 1777 bilhão no primeiro man dato da nova presidenta28 Os governos petistas sinalizaram que os desmatadores pode riam receber novos perdões como acontecia desde a ditadura em presarialmilitar E ele veio mais rápido do que se imaginava O 28 O tamanho dessa queda foi negado pelo Ministério do Meio Ambiente 250 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 governo de Michel Temer PMDB eleito vicepresidente na cha pa encabeçada por Rousseff sancionou em julho de 2017 a medi da provisória 7592016 nova MP da grilagem transformada em lei cujo relator no Senado Federal foi Romero Jucá PMDBRR Com ela terras públicas na Amazônia Legal de até 2500 hectares ocupadas ilegalmente até julho de 2008 puderam ser regulariza das permitindo ser vendidas ou obter crédito Isso incluiu aproxi madamente 2 mil imóveis A nova lei excluiu algumas exigências ambientais para a regularização fundiária das terras em questão Não bastasse isso o novo governo ainda buscou tornar mais difícil a fiscalização sobre o trabalho escravo Também trabalhou para ampliar a negociação de terras do país a não brasileiros Até então restritas a três módulos rurais um estrangeiro poderia a partir de então comprar até 100 mil hectares e arrendar mais 100 mil hectares a proposta inicial da Casa Civil do governo era que a venda passasse a ser sem limite préestabelecido ou seja se nego ciaria o que o dinheiro pudesse comprar Em 2017 Temer extinguiu a Reserva Mineral de Cobre a As sociados Renca no sul do Amapá que apesar do nome na prá tica é uma área de proteção à natureza em meio à floresta Nela se encontram nove unidades de conservação e terras indígenas Qual a intenção Em 2016 havia 646 requerimentos de lavra mineral na reserva O governo já negociava com empresários nacionais e estrangeiros a exploração do território A enorme repercussão ne gativa e a pressão de movimentos sociais e ambientalistas fizeram Temer revogar o decreto de extinção o que não significa que a intenção deixou de existir Jair Bolsonaro foi empossado presidente do Brasil em 2019 Quando em campanha presidencial ele afirmou que se fosse elei to não haveria mais nenhum centímetro de terra para indígenas Um de seus conselheiros de campanha o general Oswaldo Ferrei ra afirmou ao jornal O Estado de S Paulo 11102018 Eu fui 251 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tenente feliz na vida Quando eu construí estrada não tinha nem Ministério Público nem o Ibama A primeira árvore que nós derru bamos na abertura da BR163 que liga CuiabáMT a Santarém PA eu estava ali derrubei todas as árvores que tinha à frente sem ninguém encher o saco Hoje o cara para derrubar uma ár vore vem um punhado de gente para encher o saco O novo governo só não extinguiu o Ministério do Meio Am biente de imediato porque recebeu muitas críticas mas o esvaziou buscando tornalo figura decorativa Manteve a extinção do mi nistério do Desenvolvimento Agrário e acabou com o Ministério do Trabalho restringindo o combate às formas de trabalho degra dante tão presentes na Amazônia O Desenvolvimento Agrário transformado numa secretaria do Ministério da Agricultura foi entregue ao presidente da assassina UDR União Democrática Ru ralista Luiz Antonio Nabhan Garcia Ele critica o que chama de indústria da multa no Ibama e defende que ainda há espaço para desmatamento na região Também propõe que o Brasil abandone o Acordo de Paris acordo mundial de combate às causas do aque cimento global Não esqueçamos que a principal causa brasileira para o aquecimento global são as queimadas diretamente ligadas ao agronegócio A demarcação de terras indígenas e quilombolas foi repassa da para o Ministério da Agricultura entregue à deputada federal Tereza Cristina DEMMS presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária bancada ruralista Ela defende a flexibilização das regras ao licenciamento ambiental e da fiscalização e aplicação de agrotóxicos no Brasil que já é um dos países que mais usa veneno no mundo29 Resultado os grileiros se sentiram mais fortalecidos 29 Ela recebeu financiamento de campanha de um fazendeiro processado por con ta do assassinato do líder indígena Marcos Veron guaranikaiowá Também seria parceira da JBS transnacional do agronegócio e quando secretaria da agricultura do Mato Grosso do Sul concedeu incentivos fiscais à empresa 252 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para invadir terras de outros trabalhadores de preservação e áreas indígenas Esses fatos demonstram mais uma vez que no Brasil o arcaico se transveste de novo de mudança para reforçar o atraso e mesmo o retrocesso30 Também nos anos 2010 iniciada alguns anos antes implemen touse um conjunto de obras infraestruturais como parte da Inicia tiva para Integração da Região Sulamericana IIRSA elemento central da então recémcriada União das Nações Sulamericanas Unasul fundada em 2008 O objetivo foi integrar a América do Sul do ponto de vista logístico e de outras condições básicas para intensificar a exploração de nossas riquezas naturais e sociais che gando mais facilmente aos mercados europeus estadunidense e principalmente asiático Tratase de um projeto maior para todo esse subcontinente e envolve empresas transnacionais como é o caso das mineradoras e controladoras do agronegócio mas tam bém construtoras de barragens as empreiteiras brasileiras nego ciam obras no Peru e Bolívia por exemplo Há indígenas e outras comunidades tradicionais no caminho Retireos O que importa é o desenvolvimento Essa é a lógica Mas desenvolvimento para quem Quem ganha com essas políticas Olhando o mapa desse subcontinente veremos a localização extensa e estratégica da PanAmazônia área do bioma amazônico presente nos países da América do Sul e em particular da Amazô nia brasileira Não é por outro motivo que inúmeras obras do Pro 30 Mas nem tudo é motivo de pessimismo Uma senhora ribeirinha das margens do Amazonas de idade avançada com muita debilidade de saúde tendo dificul dade de se manter em pé recebeu a notícia de que o marido de sua filha havia falecido De imediato foi ao encontro da filha e ficou ao seu lado durante todo o longo velório muitas horas em pé Algumas pessoas tentaram sem sucesso convencêla a descansar Então perguntaram de onde vinha aquela força que imaginavam não existir mais Ela simplesmente respondeu que tinha que ser forte porque sua filha precisava que ela fosse Essa história nos demonstra que é diante dos grandes desafios que medimos nossa força 253 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 grama de Aceleração do Crescimento PAC do governo brasileiro estão localizadas nessa região rodovias hidrelétricas portos etc A PanAmazônia tornase um espaço de repercussão das dinâmicas nacionais da intervenção de megaprojetos que acabam por desestru turar uma dada ordem social e ambiental existente e disponibilizar assim novas fronteiras de terras e recursos naturais O Estado tem optado pela solução mais tradicional de desenvolvimento o que se tem revelado ineficaz social e ambientalmente que é a construção de grandes obras de infraestrutura usando argumentos que super valorizam os benefícios do desenvolvimento Castro 2012 p 59 Os perigos sobre a Amazônia decorrem tanto do saque às suas riquezas minérios biodiversidade etc por parte de capitais bra sileiros e multinacionais quanto pelo próprio aquecimento global efeito estufa impulsionado pela emissão de gases poluentes em outras partes do planeta Um clima mais elevado combinado à redução das chuvas produz uma morte considerável de árvores e outras espécies vegetais dificultando a reprodução de animais e mesmo a recomposição de rios Isso é agravado pelos processos de derrubada da floresta nativa Ainda que uma nova mata cresça no lugar vegetação secundária ela se apresenta menos ricas em espécies Aqui está um problema central A força do ecossistema amazônico está na sua diversidade natural Quanto menos espécies existirem menos capacidade esse bioma terá para se recompor O resultado é a sua savanização transformação de Floresta Alta em Cerrado Do impacto total brasileiro no efeito estufa 23 decor rem do desmatamento Estudos têm indicado que a Floresta Amazônica sofre fortes influências das mudanças climáticas em períodos remotos As gla ciações forte queda da temperatura do período geológico pleis toceno entre 25 milhões e 10 mil anos passados teriam reduzi do a floresta e dado origem a vegetações abertas tipo savanas A comprovação disso seria a existência de uma megafauna grandes capivaras preguiçasgigantes de até 6 metros mastodontes pare 254 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cidos a grandes elefantes e toxodontes parecidos a enormes rino cerontes que teriam vivido na região entre 15 mil e 10 mil anos atrás Dado o porte desses animais eles não conseguiriam viver em florestas densas como Amazônia de atual mente marcada por animais de porte pequeno Dados disponíveis permitem concluir que a região amazônica se guindo o padrão global passou por várias modificações de sua pai sagem desde a sua origem que se deu provavelmente no Mioceno A Amazônia constitui um ecossistema altamente instável e de extrema fragilidade O equilíbrio natural que permite a manuten ção de sua exuberante cobertura vegetal atual pode ser interrompido facilmente frente a pequenas mudanças nas condições ambientais atuais Rossetti e Toledo 2008 p 21 A emissão de gás carbônico dióxido de carbono é a principal causa do aquecimento global a partir do uso de combustíveis fósseis como o petróleo e seus derivados Isso se relaciona principalmente a determinadas atividades econômicas e ao estímulo ao consumo crescente No processo de reprodução ampliada de capital aquele em que o lucro se transforma em mais capital para obter mais lucro ainda se inova tecnicamente e se amplia a massa de mercadorias produzidas Para que isso não se transforme em crise as pessoas são induzidas a um consumo cada vez maior para o qual a propaganda é fundamental tendendo a ficar bastante endividadas31 O proble ma é que essa acumulação e consumo crescentes se sustentam numa matriz energética assentada nos combustíveis fósseis diferenciando o capitalismo de todos os sistemas anteriores e respondendo aos inte resses do cartel mundial das petroleiras 31 O que se consome se transformou numa demonstração de poder e chave para o status social e a entrada ou exclusão em determinados grupos sociais As pessoas têm que vender a si mesmas se apresentar como mercadoria se colocar em exposi ção para o qual as redes sociais ajudam bastante Uma calça nova um almoço no restaurante isso tem que ser divulgado dizer que se está consumindo O ter se tornou mais importante do que o ser O resultado é o consumismo e a frustração 255 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 À diferença de todo e qualquer sistema de produção anterior na his tória da humanidade o modo de produção capitalista se assenta num sistema fechado cuja fronteira é a natureza do planeta Terra Este é grande e contém reservas grandes mas em última instância fi nitas de fontes fósseis de energia e de outras matériasprimas para a produção As emissões também permanecem na atmosfera terrestre onde sabidamente são responsáveis pelo efeito estufa e estão em vias de preparar o inferno na Terra Altvater 2010 p 12 Contra o aquecimento global as árvores cumprem um papel fundamental pois capturam o carbono na atmosfera é o que faz a Floresta Amazônica em grande quantidade contribuindo para o bemestar do planeta Mas quando as matas são queimadas acon tece o inverso há forte emissão de gás carbônico Com a redu ção da floresta por queimada ou não ocorre exposição do solo e emissão de carbono acumulado nele Temos então um círculo muito perigoso as agressões à Amazônia e o aquecimento global reduzem a floresta e isso aumenta o efeito estufa e o aquecimento do planeta Mas há outros problemas que ultrapassam em muito as fron teiras amazônicas O rio Amazonas é acompanhado por um rio subterrâneo o aquífero Alter do Chão ao qual podemos somar o aquífero Solimões e um aéreo o de água conduzido pelos ventos vindos do Atlântico que passam pela Amazônia e levam a umidade formada na região para outros países sulamericanos Esses ventos se chocam com a Cordilheira dos Andes e voltam para o Brasil se deslocando para o sul e sudeste do país provocando chuvas nessas regiões Mas o que isso tem a ver com desmatamento A floresta consegue manter úmido o ar em movimento Como Captando água do solo e transferindoa para o ar pela transpira ção A copa das árvores é fundamental para isso A própria copa retém parte das águas das chuvas Ela evapora e volta para a at mosfera novamente Segundo o relatório da Articulación Regional Amazônica elaborado por vários especialistas inclusive do INPE e 256 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 INPA a Floresta Amazônica transpira 20 trilhões de litros de água por dia mais do que a quantidade de água despejada diretamente pelo rio Amazonas no oceano Atlântico Com o desmatamento esse processo fica comprometido e a quantidade de água colocada na atmosfera reduzse drasticamente diminuindo o rio de vapor que vai para outros países e para Sul Sudeste e CentroOeste do Brasil A alteração na dinâmica das chuvas acontece na Amazônia e nas outras regiões contribuindo para o prolongamento dos períodos de seca como ocorreu em São Paulo e outros estados em 2014 por exemplo32 O corte das árvo res também diminui a quantidade de água absorvida pelo solo já que esta corre mais rapidamente pela superfície rumo aos rios Isso produz dois outros problemas Primeiro reduz a recomposição dos lençóis freáticos Segundo retira do solo grande parte dos nutrien tes necessários à alimentação da cobertura vegetal é como se o solo fosse lavado Resultado a floresta fica mais pobre ambiental mente A questão então é que sem árvores teremos menos chuvas e sem chuvas não teremos floresta É o círculo vicioso da destruição Em meio a tudo isso e às preocupações com o aquecimento global o capital encontrou novas formas de ganhar mais dinheiro é o mercado de crédito de carbono Diante da pressão ambienta lista e dos tratados internacionais se formou um mercado onde uma empresa poluidora de um país qualquer paga para proteger manter em pé determinadas áreas de floresta em regiões diversas a Amazônia por exemplo Em troca mantém seus processos de produção que emitem gás carbônico Mais uma vez ocorre a mer cantilização da natureza mas desta vez o que se apresenta é uma mercadoria fictícia porque não foi produzida pelo trabalho huma 32 Alguns estudos apontam para uma mudança na distribuição de chuvas na Ama zônia intensificandoas em algumas áreas produzindo inundações e reduzindo em outras 257 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 no como bem expõe Karl Marx 1988 Mesmo sendo fictícias em torno delas se forma um mercado real e dominado pelo capital financeiro Assim estamos diante de um processo que é mais do que mercantilização é financeirização da natureza Em síntese as mudanças processadas nos anos 1990 e prolon gadas atualmente com a intensificação do agronegócio e da gran de mineração produziram mais contradições ainda para a socie dade e natureza amazônicas levando Violeta Loureiro a afirmar que a expansão da fronteira adquiriu novos contornos desta vez de fronteira de commodities voltadas ao mercado internacional O movimento e a dinâmica atual da fronteira não podem ser enten didos simplesmente como se toda mudança se reduzisse a um novo traçado da mesma agora não é um simples desdobramento espacial da fronteira dos anos 19701980 Tratase muito mais de uma apropria ção de recursos naturais com vistas ao enriquecimento individual ou empresarial e menos que uma oposição entre terra de trabalho e terra de negócio como foi no passado recente E aí o trabalhador semterra assume um papel secundário ou mais subordinado ainda Uma conclusão necessária que se infere desta situação é que se não for equacionada a questão nacional da desigualdade social agravase a problemática regional amazônica que passa a se configurar como uma questão nacional Loureiro 2009 p 83 A fronteira de commodities também pode ser designada por moderna semicolônia de recursos naturais aqui incluído o agro negócio e expandindo a noção de semicolônia energéticomineral que já apresentamos em outro momento Mais uma vez por que definir a região dessa forma Porque do ponto de vista da produção de hidrelétricas dos minérios e do agronegócio recorrese ao capi tal financeiro inclusive transnacional e ao que há de mais moder no do ponto de vista técnico das forças produtivas Maquinário insumos e técnica de produção ou extração utilizados na grande produção amazônica não são inferiores aos que os concorrentes usam em outros países Acontece que isso responde aos interesses 258 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do capital gerando enormes contradições sociais de modo que o moderno se traduz em atraso social em arcaico tratando a região com características de colônia Entre o moderno e arcaico o que predomina A pobreza no campo e as periferias das cidades locais respondem a questão Vejamos mais um exemplo entre tantos já apresentados O go verno do Pará dividiu seu território em doze regiões de integração para efeito de planejamento A Fundação Paraense de Amparo à Pesquisa Fapespa sistematizou dados e constatou que nos anos 2010 a região de Carajás alcançou o maior PIB per capita do estado muito acima das demais33 mas apresentou a menor expectativa de vida e a segunda menor relação postocentro de saúde por 10 mil habitantes Outros indicadores confirmam a crescente contra dição riqueza versus pobreza Carajás tem o maior coeficiente de Gini do Pará Este índice vai de zero a um Quanto mais próximo de um mais desigual é a região ou país Em 2013 ele foi de 0807 em Carajás e 0304 no Marajó A região mais rica é a mais desi gual e a mais pobre é a que apresenta menor desigualdade Não bastasse isso próximo à grande produção mineral e do agronegócio reproduzse trabalho escravo assassinatos prostitui ção infantil desagregação social crise urbana e generalização do desemprego e da pobreza Diversas denúncias apontam casos em que fazendas que recorrem ao trabalho escravo conseguem comer cializar seu gado com as grandes redes frigoríficas entre as quais as maiores exportadoras brasileiras Neste caso o aparentemente moderno reproduz e alimenta o arcaico e configura processos de acumulação primitiva de capital ou acumulação por espoliação na definição de Harvey 2004 Por tudo que foi exposto até aqui concluise que a continui dade da atual política governamental ou mesmo a sua omissão 33 PIB per capita é o total da riqueza produzida dividido pelo número de habitantes 259 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 coloca em sério risco a manutenção da Floresta Amazônica e a rica biodiversidade desse ecossistema Mais coisas ficam em peri go o próprio homem seja o trabalhador morador da região seja os demais habitantes do planeta pois está comprovado que a Amazônia cumpre um papel importante na estabilidade ambiental mundial Esse modelo movido pela ganância capitalista é insus tentável Motivo para pessimismo Não necessariamente Motivo sim para compreender a necessidade de um novo sistema de or ganização socioprodutiva não mais sustentado no lucro mas na vida na igualdade social Para além da história amazônica somente reflexões para o entendimento da exploração Nesta seção buscamos sistematizar de forma breve e simplifica da algumas categorias teóricas que sustentaram nossas reflexões ao longo do livro mas que não necessariamente foram apresentadas de maneira clara ou detalhada Como a temática amazônica já foi abordada largamente as conexões entre ela e os conceitos serão apenas pontuadas rapidamente O trabalho humano é o elemento comum presente em todas as mercadorias de modo que podemos dizer que é esse trabalho realizado em condições médias de desenvolvimento da sociedade o elemento que determina o valor das mercadorias Assim a ri queza provém do trabalho e o lucro em última instância decorre da apropriação do trabalho excedente34 do trabalhador pelo capi talista Esse trabalho excedente quando apropriado e não pago constitui a maisvalia Na dinâmica da concorrência capitalista a inovação leva a um aumento de produtividade reduzindo o tempo de trabalho neces 34 Aquele tempo trabalhado que excede o tempo necessário para o trabalhador pa gar a si próprio pagar seu salário e equivalente 260 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sário para a produção de uma unidade da mercadoria A mesma quantidade de trabalho se divide em uma quantidade maior de unidades do produto Com isso há a redução do valor da mer cadoria do capitalista que inovou podendo vender seu produto pelo mesmo preço que os demais e mesmo assim obter um lucro superior ao dos seus concorrentes é o sobrelucro ou lucro extra Também ocorre o aumento do investimento em máquinas equi pamentos e instalações capital constante ou trabalho morto em detrimento da contratação de trabalhadores trabalho vivo ou ca pital variável Logo há o aumento da composição orgânica de capital cv que é a proporção de capital constante em relação ao variável35 Na agricultura e para o que também nos interessa na minera ção pelo menos parte do sobrelucro migra para as mãos dos pro prietários de terra que podem ser ou não o produtor36 É a renda fundiária37 Ela pode se apresentar de algumas formas Como isso 35 Marx 1988 parte deste processo mas no geral da economia e não no caso de um capitalista individual para explicar a tendência à redução da taxa de lucro e a ocorrência das crises no capitalismo 36 Quem tem capital e quer investir na agricultura pode comprar terras e iniciar a produção o que exige muito mais recursos financeiros ou arrendar alugar terras para produzir Nesse caso o proprietário que aluga suas terras recebe um rendimento sem que produza nada Recebe pelo simples fato de ser proprie tário privado ter o monopólio sobre uma parcela do planeta Diferente do que ocorreu na Europa na transição do feudalismo para o capitalismo no Brasil essa diferença entre proprietário e produtor nem sempre acontece Em muitos casos eles são a mesma pessoa Isso é um elemento a mais que dificulta a realização da reforma agrária no país 37 Além de Marx 1988 como sustentação principal temos como referência nesse tema Paulani 2016 Harvey 2013 Carcanholo 2013 Martins 2012 e Leite Soares e Trindade 2016 A existência da renda decorrente da propriedade privada da terra atua no sentido de evitar que o sobrelucro deixe de existir o que faria com que o lucro médio na agricultura acompanhasse o lucro médio dos demais setores da economia É exatamente essa condição de recurso natural limitado e monopolizável que transforma em renda fundiária o sobrelucro auferido em função de sua existên cia pois ele cabe justamente a seu dono ou seja àquele que tem o monopólio dessa 261 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 acontece O simples fato de alguém ser proprietário privado de terras já lhe dá o direito de cobrar de outra pessoa caso ela queira produzir nelas ainda que estas sejam as piores terras em utiliza ção Essa é a renda absoluta na definição de Marx 198838 Isso significa que aquele que aluga determinada faixa de terras nessas condições além do lucro médio tem que colocar um montante a mais no preço de venda de sua mercadoria que vai corresponder ao arrendamento Logo o preço de mercado dos produtos agríco las e mesmo minerais deve ficar acima do preço de produção da terra ou mina de menor fertilidade A renda absoluta se configura como um excedente de valor sobre o preço geral de produção Na agricultura esse excedente ou lucro suplementar que se transfor ma em renda decorre do fato de que a composição orgânica do capital é mais baixa que na indústria39 força natural Como observa Marx é a propriedade fundiária que dá condições ao proprietário de atrair o sobrelucro do bolso do fabricante para o seu sendo por isso a causa de sua metamorfose em renda fundiária Paulani 2016 p 518 38 A barreira erguida pela propriedade privada da terra impede que seja oferecida à equiparação orquestrada pela concorrência a integralidade da parcela do valor produzido na atividade agrícola que excede os preços de produção Assim po demos definir a renda absoluta como uma metamorfose da maisvalia agríco la transformação de uma parte dessa maisvalia em renda fundiária Paulani 2016 p 521 A renda capitalista da terra obviamente sob a forma de renda em dinheiro surge quando deixa de ser um tributo pessoal para se tornar um tributo social Isso só é possível quando parte da maisvalia é transferida ao proprietário da terra no preço dos produtos comercializados o que se viabiliza pela diferente composição orgânica do capital na agricultura e na indústria A diferença entre a composição média e a baixa composição orgânica de capital na agricultura se materializa na renda fundiária como se ninguém a estivesse pagando quando de fato a sociedade inteira é agora devedora desse tributo ao proprietário pelo simples fato de que ele tem um título de propriedade e por isso cobra pelo uso da terra Martins 2012 p 7980 39 Exemplifiquemos Suponhamos um capital de R 100 e uma taxa de maisvalia de 100 que significa que para cada R 1 gasto na compra da força de trabalho se ganha outro R 1 Se na indústria esse capital se dividir em R 80 de capital constante c e R 20 de capital variável v teremos uma maisvalia m de R 20 e um preço de produção de R 120 cvm Na agricultura com menor composi 262 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 As terras mais férteis e minas com maior quantidade e qualidade do minério assim como mais próximas do mercado tendem a ter um ganho maior que as demais Essa diferença de rendimento ou lucro excedente extra suplementar conforma a renda diferencial I As terras de pior qualidade serão postas em produção quando o aumento da de manda pelos produtos agrícolas assim o exigir Resultado é a pior terra quem determina o preço regulador da produção e a renda fundiária As terras de melhor fertilidade terão um custo menor garantindo um lucro suplementar pois seu preço individual de produção é menor que o preço geral da agricultura com o qual suas mercadorias são ven didas no mercado Desse modo o excedente de lucro suplementar sobre o lucro médio se configura em renda diferencial Mas o produtor pode investir mais capital numa mesma ter ra maquinários insumos irrigação silos sistemas de transpor te que aproximem sua produção do mercado etc ou mina nesse caso em maquinário ou em logística40 Esse investimento tende a aumentar a produtividade e gerar mais lucro ao capitalista so bre a mesma quantidade de terras comparada às terras de igual fertilidade dos concorrentes e àquelas de piores condições41 Isso possibilita aumentar o rendimento do capital investido na terra originando outra forma de renda fundiária a renda diferencial II Na renda diferencial na forma II se acrescentam à diversidade da fertilidade as diferenças na distribuição do capital e na capacida de de crédito entre os arrendatários Marx 1988 p 154 ção orgânica de capital teremos uma menor quantidade destinada ao capital cons tante de modo que o capital se divide em R 60c e R 40v Com a mesma taxa de maisvalia obtémse R 40m O preço de produção na agricultura será R 140 portanto R 20 a mais que na indústria Esse lucro suplementar em condições de monopólio da propriedade da terra deve converterse em renda fundiária 40 Estradas de ferro portos navios etc que diminuem custos aceleram e aumen tam o volume transportado 41 Esse investimento pode até apresentar um rendimento menor que o daquela que até então era a pior terra mas ele será efetivado desde que gere lucro 263 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Parte desse investimento que leva à renda diferencial II fica incorporado ao terreno e funciona como diferencial de fertilidade mesmo que decorrente do capital portanto não natural aumen tando a produtividade da terra em questão Os valores adicionais dessa produção podem ser apropriados na forma de renda Nas mãos do produtor capitalista essa renda se transforma em lucro extra ao mesmo tempo em que ela também é produto dele A produção de soja no Brasil e na Amazônia está rendendo até três safras em um mesmo ano agrícola normalmente duas de soja intercaladas com uma de outro produto Cada hectare produz mais As fazendas de bovinos têm aumentado bastante a quantida de de animais Em certas áreas amazônicas em mea dos dos anos 1980 a produtividade era de bem menos que 05 cabeça de gado por hectare mesmo recebendo recursos do governo Atualmente nas áreas mais dinâmicas trabalhase com uma produtividade su perior a duas cabeças sendo que as fazendas mais produtivas con tam com três e até um pouco mais animais por hectare e quem está na ponta anuncia seis cabeçasha42 Afora isso temse reduzi do o tempo do gado entre o nascimento e o abate43 42 A fazenda Marupiara em Paragominas informa que conta com 616 cabeças ha e que em 2016 conseguiu uma incorporação média de 638 gramas ao dia na engorda do bovino quando nacionalmente esse montante era de 300 gramas 43 Nesse caso ademais há uma diminuição do tempo de rotação do capital que é o tempo em que ele percorre seu ciclo DMD ou seja percorre todas as suas etapas e retorna o investimento inicialmente realizado podendo fazer nova incursão na produção Vejamos um exemplo Um ciclo suponhamos leva 36 meses e nesse tempo se produz o equivalente a R 4000 de maisvalia para cada R 10000 de capital investido No final do período se tem os R 10000 iniciais que serão reinvestidos e mais R 4000 Se mantida a mesma taxa de maisvalia e demais condições o tempo de rotação se reduzir à metade 18 me ses teremos uma situação em que se consegue o mesmo ganho em metade do tempo de antes Isso significa que em 36 meses se obtém o dobro de maisvalia com a mesma quantidade de capital inicialmente investido aumentando o lucro capitalista 264 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No caso da produção de soja na Amazônia o baixo preço das terras se transforma em um instrumento a mais de elevação dos lu cros além de possibilitar que produtores de menor quantidade de capital mas não pequenos produtores eou menor produtividade possam fazer parte da produção Além disso o investimento em lo gística ferrovias hidrovias silos e portos tem possibilitado expor tar grande parte da soja do Mato Grosso e do Mapitoba pela região amazônica reduzindo os custos de transporte até então a quase totalidade da produção descia de carretas até os portos do Sul e Sudeste do Brasil e depois subia toda a costa brasileira em navios rumo à Europa e outros destinos Com o escoamento amazônico a soja já sai no oceano Atlântico acima do país Presenciase nesses casos a ocorrência da renda diferencial I e principalmente II As minas de ferro de Carajás contam com minério de maior teor algo próximo a 67 superior ao ferro de Minas Gerais Chi na e Austrália Elas também têm ferro mais próximo da superfície facilitando e reduzindo os custos da extração Nesses termos há a ocorrência da renda diferencial I Por outro lado o investimento em capital constante aumentando a composição orgânica do ca pital tende a ser um elemento a mais de redução dos custos do empreendimento em si elevação da produtividade do trabalho e do lucro produzindo lucro extra São máquinas mais modernas e com maior capacidade de extração esteiras de transporte do mi nério mineroduto no caso da bauxita e caulim em outras regiões do Pará ampliação e modernização das estradas de ferro e dos trens portos e navios Ademais isso diminui os custos de trans porte até os principais compradores que estão na Ásia mais que compensando a pequena distância do minério australiano e mes mo chinês44 Nesses casos ocorre a renda diferencial II 44 Essa compensação também é facilitada pelas condições naturais das minas paraenses 265 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Quando a demanda internacional pelo ferro e outros minérios e grãos produzidos na Amazônia aumenta outras terras e minas menos férteis ou menos produtivas tendem a entrar em produção aumentando a diferença entre as melhores das quais as minas amazônicas fazem parte e as piores Essa maior diferença significa que a renda fundiária pode aumentar beneficiando ainda mais a empresa Vale e outras mineradoras assentadas na região Na me dida em que controlam tudo ou quase essas companhias têm condições para se apropriar do lucro médio do lucro extra e da própria renda fundiária Afora o já exposto uma das razões do conflito entre grande proprietário e posseiro é que este não paga renda fundiária nem como aluguel nem como compra da propriedade Por outro lado o pequeno produtor quando fica dependente do financiamento ban cário seja público ou privado é obrigado a pagar juros ao banco que mesmo sem ser proprietário fundiário passa a extrair renda da terra do lavrador O lavrador passa imperceptivelmente da condição de proprietário real a proprietário nominal pagando ao banco a renda da terra que nominalmente é sua Sem perceber ele entra numa relação social com a terra mediatizada pelo capital em que além de ser trabalhador é também de fato arrendatário Martins 1995 p 17645 Vejamos rapidamente outra dimensão da apropriação da riqueza local Na economiamundo capitalista há uma desproporção entre países Alguns nações centrais dispõem de mais capital e contro le de tecnologia além de poder político eou militar Configurase uma situação na qual a dinâmica de uma nação ou região fica su bordinada à dinâmica de outra naçãoeconomia que se alimenta de 45 A questão da Amazônia é em parte a manifestação regional da questão agrá ria uma questão por sua vez tecida pelo processo de reprodução ampliada do capital pelo processo de apropriação da renda fundiária pelo capital Martins 1984 p 34 266 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 parte do valor produzido na primeira A nação central imperialis ta dinamiza sua economia enquanto a periférica vê aumentar suas contradições e dependência Essa noção é a base da Teoria Marxista da Dependência Marini 2005 2012 Santos 2015 As nações dependentes sofrem com a troca desigual vendem produtos primários alimentos e matériasprimas e compram in dustrializados Vendem suas mercadorias por preços reduzidos e compram mercadorias industrializadas por preços elevados Por trás da diferença de preços ocorre uma transferência de valor Par te do valor da maisvalia produzido na economia periférica migra para a economia central que consegue reduzir o preço dos ele mentos principalmente alimentos que compõem o valor de sua força de trabalho aumentando seus lucros Com isso criamse condições para que as nações dominantes possam continuar ino vando tecnologicamente sua produção estimulando a produção da maisvalia relativa e extra A burguesia local busca compensar essa perda aumentando a exploração do seu trabalhador aumento da jornada eou da intensidade do trabalho eou redução do salário recompondo a maisvalia que havia perdido Ainda nesse campo de discussão as empresas transnacionais ou as locais diretamente associadas a elas dispõem de melhores tecnologias o que leva à redução dos custos e obtenção de uma maisvalia extra inclusive se apropriando dos consumidores das concorrentes As empresas tipicamente locais buscam compensar a defasagem e perda de maisvalia aumentando a exploração sobre seus trabalhadores Isso beneficia novamente as empresas externas pois temse como resultado a redução do salário médio geral ou in tensificação da exploração na economia dependente Ainda que as empresas locais incorporem as tecnologias usadas pelas empresas transnacionais estas estão em melhores condições de incorporar outra inovação recompondo a desigualdade tecnológica fonte do lucro extra Marini 2005 2012 267 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Vale e outras mineradoras nas últimas décadas têm aumenta do a exploração do trabalhador por conta da substituição do traba lhador diretamente contratado por elas por trabalhadores terceiri zados vinculados a empresas que prestam serviços às companhias de extração em alguns casos essas terceirizadas terceirizam parte da produção originando trabalhadores quarteirizados O trabalho nessas condições é precarizado o trabalhador recebe menos e tem menos garantias sociais Resultado há maior extração de mais valia e maior ganho das empresas46 O Estado também contribui para isso A adoção de políticas que intensificam a precarização do trabalho a lei das terceirizações e a reforma trabalhista e reformas previdenciárias reduzindo direitos ajudam as empresas a aumentar seus ganhos e a conseguir melhores condições de enfrentar suas concorrentes externas Mais do que isso a isenção de impostos sobre os produtos básicos commodities agrícolas e minerais significa que o Estado abre mão de parte da maisvalia que cabia a ele na forma de impostos Se isso contribui para reduzir o preço do produto brasileiro na disputa no mercado mundial man tido o mesmo ou até maior lucro das empresas que estão no Brasil ocorre uma transferência de valor produzido no país para as econo mias que compram esse produto A empresa transnacional de origem estrangeira ou brasileira como a Vale em território nacional ganha a economia central ganha o Brasil perde Ainda que com diversas transformações processadas nas últimas décadas essa relação confi gura aspectos de um quadro de imperialismo Lenin 1989 no qual a região assume uma função subordinada ou mais precisamente de moderna semicolônia de recursos naturais 46 O que pode significar ou não superexploração do trabalho que é a situação em que o montante pago ao trabalhador fica abaixo do valor da força de trabalho ou seja das mercadorias até então necessárias à reprodução normal de si e de seus dependentes A intensificação ou prolongamento da jornada de trabalho também são elementos que levam à superexploração 268 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O barateamento dos produtos básicos commodities agrícolas e minerais exportados pela Amazônia também contribui para a dimi nuição do gasto que as economias centrais têm com o capital cons tante nesse caso específico com matériasprimas Em situações de crescimento econômico isso leva ao aumento dos lucros Em mo mentos de crise ajuda a contrabalançar a queda das taxas de lucro contribuindo para a saída da recessão nas economias dominantes Nos casos relatados até aqui observamos a ocorrência da mais valia extra que leva ao lucro extra Também verificamos a existên cia da renda fundiária Mas não esqueçamos que a origem disso é a apropriação do trabalho excedente do trabalhador pelo capitalista Concordamos com Martins 2012 e Harvey 2004 a ocor rência do trabalho escravo e outras formas de superexploração do trabalho reproduz casos de acumulação primitiva de capital não no sentido de criação das condições iniciais de consolidação do ca pitalismo mas de recriação de relações não tipicamente capitalistas inapropriadamente designadas por alguns como précapitalistas que garantem a reprodução ampliada de capital O tempo do capital não é necessariamente de mão única de marcha acelerada ao progresso de modernização Também não segue obrigatoriamente etapas que todas as sociedades deveriam cumprir Isso é assim porque o capitalismo se desenvolve de for ma desigual mas também combinada como constatou Trotsky 2007 ao analisar o caso russo e destacar a existência de duas leis a do desenvolvimento desigual e a do desenvolvimento com binado no qual as etapas se aproximam e se confundem em suas distintas fases conformando um amálgama de formas arcaicas e modernas47 47 Esse processo também cria condições para a aceleração da organização social que pode redundar na substituição do capitalismo por uma sociedade sem explora ção lei do desenvolvimento social combinado permitindo acelerar etapas ou mesmo saltálas Trotsky 2007 269 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O tempo do capital é antes de tudo o tempo da contradição não apenas quanto à relação capital versus trabalho mas também contradições no desenvolvimento de determinados processos so ciais e produtivos Nesse sentido o capital tanto pode extinguir relações sociais que limitam sua reprodução ampliada como pode reforçar ou recriar relações que aparentemente não correspondem a ele como é o caso das diversas formas de trabalho sob coação ou superexploração Ainda que pareçam as mesmas relações do pas sado quando recriadas pelo capital têm novo conteúdo e sentido decorrentes do fato de estarem mediadas pelo capital em sua busca pelo lucro e reprodução ampliada Minha hipótese mesmo em relação a regiões não pioneiras é a de que mecanismos e procedimentos de acumulação primitiva podem se estender pelo interior do próprio processo de reprodução ampliada de capital especialmente em setores situados à margem daqueles de maior vitalidade e rentabilidade econômica Estamos em verdade em face de uma situação de superexploração O capital pode extrair maisvalia além do limite determinado pela reprodução da força de trabalho pagando aos trabalhadores salários insuficientes para a re composição de suas forças físicas após a jornada de trabalho ou após o pagamento do salário Nesse caso o salário pago sendo insuficien te compromete a sobrevivência do trabalhador eou dos membros de sua família comprometendo a reprodução da mão de obra Isso é possível evidentemente quando o excesso relativo de mão de obra torna o trabalhador substituível e descartável Martins 2012 p 86 A piora das condições de vida destes trabalhadores decorre do fato de trabalharem mesmo que marginalmente em atividades já inseridas em setores modernos capitalistas nas quais se tem uma alta composição orgânica de capital Devido à inserção dessas novas atividades nos setores propriamente dinâmicos da economia como o capital industrial e o capital fi nanceiro a rentabilidade das atividades agrícolas assim vinculadas é determinada por uma taxa de lucro acima do que seria a taxa real de lucro do empreendimento Isso porque a composição orgânica do 270 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 capital dessas novas empresas é de fato inferior à composição que de veria ter ou inferior à composição média Justamente por isso é que ao setor mais débil no conjunto dos fatores econômicos envolvidos o da força de trabalho se atribui uma remuneração residual em re lação à do capital cuja taxa de lucro fica assim assegurada como se fosse um setor moderno organizado segundo a composição orgânica mais alta do que a real Desenvolvemse estratégias de redução dos salários sem a contrapartida do desenvolvimento das forças produti vas e portanto sem a redução no trabalho propriamente dito Essas estratégias permitem ao mesmo tempo diminuir a participação re lativa do capital variável em face do capital constante na composição orgânica do capital da empresa Embora sejam setores realmente de baixa composição orgânica do capital funcionam como se fossem de alta composição orgânica do capital O que no fim das contas assegura ou impõe que se amplie a extração de trabalho excedente não pago ao peão Martins 2012 p 8687 Assim segundo Martins 2012 a superexploração pondo em questão a reprodução do trabalhador assegura a reprodução amplia da de capital Ela incorpora elementos de produção do capital e por isso pode ser concebida como acumulação primitiva ainda que não se apresente visivelmente como uma relação tipicamente capitalista mediada pelo capital em oposição ao trabalho assalariado Tal qual Martins Harvey 2004 também adota a noção de acumulação primitiva mas amplia bastante sua abrangência Ba seado em Hannah Arendt Harvey acredita que os processos que constituíram a acumulação primitiva roubo por exemplo têm que se manter para que a acumulação de capital não se encerre repentinamente Isso se apresenta como algo exterior que esta biliza e alimenta a expansão capitalista48 Mas o autor observa que 48 As teses de Harvey não são consensuais Virgínia Fontes 2010 critica a tese da produção de novas externalizações pelo capital para enfrentar as pressões decor rentes da sobreacumulação e com isso garantir a sua expansão Segundo a au tora ocorre um forte estreitamento das fronteiras externas ao capital e também intensificação das expropriações O argumento de Harvey de uma nova pro dução de externalidades qualitativamente distinta das expropriações não parece 271 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 parece estranho chamar de primitivo um processo que continua a se reproduzir na contemporaneidade Por isso usa a denominação de acumulação por espoliação Assim constatase nas décadas recentes elementos da acumu lação primitiva ou originária de capital presentes no momento de constituição do capitalismo conforme exposto por Marx49 mer cantilização e privatização da terra expulsão violenta de popula ções camponesas transformação privatização daquilo que era de direito comum ou do Estado em propriedade privada é o caso de terras comuns mercantilização da força de trabalho e extinção de formas alternativas autóctones de produzir e consumir emer gência de trabalho escravo processos neocoloniais e imperiais de apropriação de ativos incluindo recursos naturais dívida nacional e no extremo o sistema de crédito50 convincente exatamente num período em que a tendência mais dramática é a subordinação de todas as formas de existência ao capital O conceito de expro priação como base fundante da relação social que sustenta a dinâmica capitalista permite melhor apreender a dinâmica interna da lógica do capital como ponto de partida meio e resultante da concentração de capitais Isso torna possível compreender as novas características das expropriações no período do capital imperialismo multinacionalizado pois recoloca a contradição entre expansão do capitalmonetário hiperconcentrado e a correlata imposição de múltiplas e até então impensáveis expropriações sobre o conjunto da vida social de maneira a converter todas as atividades humanas em formas de valorização do valor ain da que desigualmente Fontes 2010 p 7374 49 Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona perma necem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até nossos dias Harvey 2004 p 121 50 Virgínia Fontes 2010 questiona também e principalmente a ideia de acumu lação por espoliação reforçando a noção de expropriação Também recorrendo a O capital de Marx afirma que a expansão das relações capitalistas pressupõe permanentes e sucessivas expropriações A expansão histórica do capitalismo jamais correspondeu a uma forma plenamente normalizada pois nunca dis pensou a especulação a fraude o roubo aberto e sobretudo as expropriações primárias todos ao contrário impulsionados A dualidade entre um ca pitalismo normalizado e um capitalismo predatório não parece se sustentar e sim formas de conexão peculiares a cada momento histórico no qual as forças 272 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A esses elementos de acumulação por espoliação Harvey constata novos mais biopirataria e pilhagem de recursos gené ticos pelas grandes indústrias destaque aos direitos de proprie dade intelectual degradação dos recursos naturais e dos habitat mercantilizando ainda mais a natureza mercantilização de for mas históricas culturais e da criatividade intelectual corporati vização e privatização dos bens públicos universidades serviços públicos terras e água retrocesso da regulação trabalhista e de volução de direitos comuns de propriedade conduzidos por polí ticas neoliberais Outros mecanismos da acumulação primitiva já destacados por Marx foram aprimorados desempenhando atualmente um papel mais destacado ainda que no passado É o caso do sistema de crédito e o capital financeiro A forte onda de financializa ção domínio pelo capital financeiro que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório Os ataques especulativos de fundos de derivativos e grandes instituições do capital financeiro são segundo Harvey 2004 p 122 a vanguarda da acumulação por espoliação na atualidade Pelo que expusemos neste e nos capítulos anteriores não pre cisamos fazer grande esforço para traçar paralelos da acumulação primitiva ou por espoliação com o caso amazônico trabalho escravo usurpação de terras do Estado expulsão de camponeses indígenas e quilombolas apropriação e mercantilização acentua da dos recursos naturais privatizações e hegemonia de poucos no acesso aos recursos estatais incluindo o financiamento e isenção de impostos capitalistas dominantes quer tenham origem em países centrais ou nos demais aproveitamse de situações sociais históricas e culturais díspares subalternizan do populações sob relações desiguais mas imbricadas utilizando ou recriando formas tradicionais como trampolim para sua expansão Fontes 2010 p 63 273 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas também pelo que já expusemos isso não seria possível sem o papel cumprido pelo Estado O Estado constitui a entidade política o corpo político mais ca paz de orquestrar arranjos institucionais e manipular as forças mo leculares de acumulação do capital para preservar o padrão de as simetrias nas trocas mais vantajoso para os interesses capitalistas dominantes que trabalham nesse âmbito O Estado com seu monopólio da violência e suas definições da legalidade tem papel crucial no apoio e na promoção desses pro cessos de acumulação primitiva e por espoliação havendo consi deráveis provas de que a transição para o desenvolvimento capita lista dependeu e continua a depender de maneira vital do agir do Estado Harvey 2004 p 111 e 121 Dessa forma fica claro o sentido do Estado instrumento de representação dos interesses da classe dominante Engels 1984 constatou que o Estado é produto da contradição entre as classes sociais antagônicas originada a partir do surgimento da proprie dade privada dos meios de produção Uma de suas funções cen trais é a repressão àqueles que buscam enfrentar o monopólio da propriedade51 Mandel 1982 afirma que o Estado cumpre papel destacado na reprodução de capital Suas principais funções são 1 cria ção das condições gerais da produção que a classe dominante não consegue assegurar por sua atividade privada 2 repressão às ações das classes dominadas ou mesmo de frações da classe dominante contra o modo de produção existente e 3 integração das classes dominadas de modo a aceitarem através da ideologia da classe dominante sua própria exploração Mas o Estado é mais do que um simples representante da clas se que domina Segundo Poulantzas 2000 o papel principal do Estado é organizativo pois representa e organiza o interesse 51 Lenin 1987 coloca essa como sua função mais destacada 274 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 político do bloco no poder composto de várias frações da bur guesia e em alguns casos de classes dominantes provenientes de outros modos de produção grandes proprietários de terra por exemplo As classes dominantes são organizadas objetivando interesses de curto prazo das frações que se hegemonizem no bloco no po der e da burguesia ao longo prazo Isso ocorre sob a hegemonia de uma das classes ou frações do bloco no poder Desse modo o Estado constitui a unidade política das classes dominantes Mas ele consegue desempenhar essa função na medida em que dispõe de uma autonomia relativa em relação ao bloco no poder O Estado é desse modo uma condensação material de uma relação de forças entre as classes e frações de classe As contra dições de classes atravessam e constituem o Estado encontramse presentes no próprio seio do Estado Poulantzas 1981 p 8485 2000 p 13052 O planejamento regional é uma expressão desse Estado Ele é uma forma de intervenção estatal sobre as contradições da re produção capitalista Relembremos Francisco de Oliveira 1978 que afirma que o planejamento demonstra a existência de um Estado capturado ou não por formas mais avançadas de repro dução do capital rumo à integração nacional o que responde aos objetivos da acumulação capitalista Diante desta complexificação da ação estatal é preciso ver que o Estado deve continuar a tomar medidas essenciais para a reprodução do capital mesmo que isso produza sérios problemas à sua hegemonia aprofundando contradições dentro do bloco no poder e entre este e as classes dominadas o que intensifica as 52 Mas não é suficiente afirmar que as contradições e lutas de classe atravessam o Es tado é preciso entender que estas contradições constituem o Estado presentes na sua ossatura material e armam assim sua organização Poulantzas 2000 p 135 275 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 crises para além de perturbações tão somente econômicas Mar ques 2007 Assim constatamos que o Estado não representa um espaço em que os vários atores atuam em iguais condições de disputa há uma desigualdade de poder O Estado materializado nas po líticas públicas na Amazônia demonstra um perfil de classe os setores que o controlam determinam projetos de apoio ao capi tal e à grande propriedade Quanto à distribuição de seus recur sos diversos setores das frações dominantes da região disputam entre si mas em nenhum momento se propõem a ferir os inte resses fundamentais da reprodução do capital e da propriedade demonstrando uma espécie de filtro às questões que são tomadas como fundamentais ao desenvolvimento Esses setores ajudam a construir e a sustentar essa forma de Estado justamente porque ele responde a seus interesses gerais Marques 2007 Em meio a esse turbilhão de processos que atacam e afli gem os setores populares emerge a resistência daqueles que lu tam contra a espoliação e as políticas estatais que privilegiam as classes dominantes são os operários tradicionais e demais setores do proletariado mas também movimentos de mulheres negros indígenas caboclos contra a opressão antiglobalização movi mentos ambientalistas de juventude e de resistência e inovação cultural entre outros Ainda que em seu conjunto não se tenha até o presente um projeto claro de transformação social radical da sociedade é nessa resistência que reside nossa esperança As contradições da sociedade capitalista alimentam a resistên cia A maior de todas é a contradição capital versus trabalho ra zão de ser em primeira e última instâncias das crises e da insus tentabilidade do capitalismo Ela é impossível de ser solucionada por dentro do capitalismo pois sua resolução exige a extinção da exploração e portanto da classe dominante Neste caso o desa fio é a construção de uma nova sociedade Essa é a nossa força e 276 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 esperança de que o amanhã está marcado por esta transformação para um mundo melhor Essa deve ser nossa paixão ainda que difícil Eu tenho a paixão das causas difíceis quase perdidas quase deses peradas É toda a diferença entre a falésia confortavelmente senta da contente de seu lugar arrogante condescendente consigo mes ma e a onda que reflui se retira sem esquecer jamais de voltar à carga Tu sabes quem entre a falésia e a onda do mar tem a última palavra Bensaïd 1989 p 28 MUDAR O PRESENTE PARA PRESERVAR O FUTURO Em 2007 uma baleia minke de 55 metros de comprimento foi encontrada encalhada nas proximidades da comunidade Piquiatu ba município de BelterraPA no rio Tapajós a aproximadamente mil quilômetros do oceano Parece mais uma das estórias da Ama zônia ou outra conversa de pescador Mas foi verdade e documen tada com filmagens e fotografias Quando os moradores ligaram para o Ibama para pedir ajuda para salvar o animal a resposta de imediato que receberam foi que se ligassem outra vez informas sem que havia aparecido um elefante na comunidade Achavam absurda demais a história da baleia naquele rio Infelizmente ape sar de todo o esforço da população local o animal não resistiu aos ferimentos que apresentava Mais absurdo ainda é conceber que as populações amazônicas originárias da região ou imigrantes pos sam planejar e gerir seu futuro Assim pensam a burguesia brasilei ra e a estrangeira além dos governos que delas são representantes A partir dos anos 1950 mas particularmente no decorrer da década de 1970 desde a Transamazônica até os grandes projetos ocorreu uma significativa ampliação do papel do governo fede ral na região amazônica Para isso usouse de diversos instru 278 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mentos como por exemplo os meandros do combate à Guerrilha do Araguaia e o Getat Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins1 Também nesse período a internacionalização da re gião ganhou novo impulso não no sentido que denunciavam os nacionalistas quanto à perda de soberania pelo menos formal mas na colocação de seus recursos naturais no mercado interna cional a preços rebaixados aceitando para isso a colaboração dos capitais multinacionais Os modernos complexos dos grandes projetos passaram a con viver com o atraso das cidadesfavela pois eles mesmos as fabri cam bem como com miséria fome desemprego e prostituição A modernização foi imposta por decreto demonstrando seu cará ter autoritário sem debate com o conjunto da sociedade regional a rigor em muitos casos sem consultar até mesmo os setores do minantes locais As definições sobre o futuro e o desenvolvimen to regional foram tomadas fora da região entre Estado e grande capital nacional e internacional Se assim ocorreu com os setores dominantes locais com os trabalhadores foi muito pior Na com preensão política dominante aqueles que residiam nos espaços vazios indígenas posseiros caboclos etc deixaram de ter voz reivindicações e opinião A ação do Estado na Amazônia caminhou no sentido da estati zação mas permeada pelos interesses privados militarizou a ques tão fundiária e federalizou as terras para controlálas e repassálas aos grandes latifundiários negando a possibilidade de verdadeira reforma agrária ou de um modelo de desenvolvimento sustentado na pequena propriedade estatizou a produção mineral assumindo para si os custos da implantação dos grandes projetos energético 1 Recordemos uma coincidência que não ocorreu ao acaso a coincidência da área de atuação do Getat com a região de incidência mineral do Programa Grande Ca rajás e com a área de maior procura por latifundiários do sul e sudeste do país 279 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 minerais mas repassando essa produção ao capital privado por um preço muito inferior ao seu valor efetivo quando reuniu con dições transferiu tudo ou o que pode para o capital privado atra vés do fraudulento processo de privatização Em síntese o Estado estatizou para privatizar colocou o públi co a serviço do privado em detrimento do social A ocupação da região foi efetivada pela pata do boi escavadeiras da mineração e equipamentos do agronegócio gerando uma massa de despossuí dos inclusive os pobres que se estimulou a migrar para a Amazô nia O lema do Projeto Rondon2 de integrar para não entregar transformouse em integrar para entregar ao capital e não aos tra balhadores As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital Modernizar era capitalizar a região romper com o seu atraso integrála ao restante do país e ao imperialismo Aos se tores oprimidos não coube perguntar qual o sentido do progresso lhes interessava Eles deveriam ser passivos em um duplo sentido primeiro recebendo e assimilando as políticas elaboradas por ou tros segundo não reagindo frente a elas mesmo quando se cho cassem com seus interesses Ao tomarmos o caso amazônico a partir da reprodução capita lista brasileira descortinamos um Estado permeado pelos interes ses dessa reprodução e da sua classe correspondente por isso afir mase como um Estado de classe uma instituição marcada pelos interesses da acumulação privada nacional e internacional O aquecimento global e a busca de lucro pelo capital impul sionam os ataques ao ecossistema amazônico e ao próprio traba lhador reduzindo a floresta e sua capacidade de recomposição Como resultado há mais aquecimento do planeta 2 Projeto comandado pelos militares que formalmente desenvolvia ações de inte gração da região levando serviços diversos à população mais distante 280 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Ainda que o que apresentamos possa nos levar a certo pessi mismo não podemos deixar de ver que os movimentos sociais apesar de todas as limitações nunca deixaram de se mostrar pre sentes e em muitos casos passaram a ter mais visibilidade se ringueiros indígenas remanescentes de quilombos semterras ambientalistas pequenos produtores assalariados periféricos mulheres etc Mais que isso estamos diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas e construir um projeto alternativo que atribua ao desenvolvimento um sentido social e diametral mente oposto ao que foi presenciado até aqui Isso pressupõe lu tar contra a dominação do capital Esse desafio não se restringe às fronteiras brasileiras As nas centes de importantes rios amazônicos incluindo o próprio Ama zonas se localizam em outros países A floresta não acaba não respeita uma fronteira artificial ao contrário as seringueiras são encontradas seja no Brasil seja na Bolívia por exemplo As pro ximidades culturais sociais e o ambiente compartilhado entre a população da Amazônia brasileira e da Amazônia dos outros paí ses são enormes assim como os problemas Isso nos exige pensar um projeto para a PanAmazônia a partir das necessidades de seus habitantes e de uma nova relação com a natureza Tanto a burguesia nacional como a regional já comprovaram sua incapacidade de construir um verdadeiro projeto de autono mia dadas suas vinculações de classe e subordinação ao imperialis mo Essa tarefa está colocada para os trabalhadores e é urgente A construção do socialismo é a condição necessária para a verdadeira libertação e desenvolvimento do ser humano assim como a preser vação da natureza na medida em que consiga construir relações harmônicas não apenas entre seres humanos mas entre estes e a natureza Esse é o objetivo para o futuro porém ele se constrói desde hoje Não é tarefa para começar em um amanhã distante Mas outros desafios a mais se colocam no presente no imediato 281 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É preciso apostar no desenvolvimento para o agora e também para o futuro Avançar a organização social é condição essencial para qualquer projeto com o conteúdo que almejamos Investir em educação saúde ciência e tecnologia3 é fundamental mas não qualquer educação e sim aquela que liberta tal qual expôs o edu cador Paulo Freire A riqueza da biodiversidade e da cultura amazônida deve sus tentar um projeto regional que por sua dimensão e conteúdo se transforma em projeto para a humanidade Nesse sentido buscan do estabelecer novas relações entre sociedade e natureza é preciso fugir à enganosa dicotomia entre desenvolvimento e preservação Não se trata de preservar esquecendo as pessoas nem de devorar a floresta em benefício de poucos negando o futuro e a possibilida de de desenvolvimento aos demais Podemos aproveitar as riquezas da floresta em pé viva Concordamos com Becker 2008 quando afirma que se deve atribuir valor econômico à floresta como forma de competir com as commodities e se colocar a urgência da verda deira revolução científicotecnológica para tal Mas acreditamos que desenvolvimento tem cara cor e sentido tem classe social Diferente do que se propaga ele não responde igualmente aos inte resses de todos A história da Amazônia comprova esta afirmação Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos Quando achava alguma coisa Não examinava nem cheirava Engolia com voracidade 3 Diniz et al 2011 afirmam que o Sistema Regional de Inovação da Região Ama zônica carece de maturidade em relação aos demais sistemas do mundo mas também das outras regiões brasileiras 282 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O bicho não era um cão Não era um gato Não era um rato O bicho meu Deus era um homem O bicho Manuel Bandeira Domingo julho de 2017 feira do VeroPeso Belém do Pará mas poderia ser Manaus Rio Branco Boa Vista Palmas mui tos turistas e moradores locais se deliciam com pratos da culinária amazônica Na parte baixa da feira os preços são menores Na par te mais elevada e à beira do rio os preços são mais altos e a comida um pouco mais elaborada por isso o número de turistas é maior assim como daqueles paraenses que podem pagar mais Nela todas as mesas estão lotadas muita alegria comida e cerveja pois é ve rão na região Um rapaz negro de pouco menos de trinta anos se aproxima e se agacha em torno de uma pequena lixeira em meio às mesas Nela mete a mão suja e começa a pegar os restos de comida e a leválos diretamente à boca Parecia a cena descrita pelo poeta Manuel Bandeira em 1947 no poema O bicho De início nin guém se incomoda com isso o homem foi invisibilizado Eis que aparece uma atendente da barraca e o espanta tal qual ela espan taria um cachorro viralata de rua qualquer Não podemos naturalizar a miséria achar normal pessoas pas sando fome em meio à abundância de outros Não podemos deixar de ver as injustiças e tomar posição pelos injustiçados sob pena de sermos coniventes com os opressores Não podemos tornar in visíveis pessoas marginalizadas pelo desenvolvimento capitalis ta Por isso diante das proposições desenvolvimentistas devemos sempre perguntar qual desenvolvimento Para onde Para quem Afinal quem deve decidir sobre o futuro das populações ama zônicas Elas devem ter autonomia para isso A arrogância que do 283 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mina gestores de políticas públicas grandes empresários e a parcela maior dos cientistas reproduz em discursos ou na prática que essa população não é capaz disso O saber tradicional é constantemente taxado como não mere cedor de credibilidade Mas é exatamente ele que ainda salva vidas no interior da região e mesmo das periferias das cidades amazôni cas É também com base nele que grandes laboratórios desenvol vem suas pesquisas sobre novos medicamentos e produtos Em nenhum plano de desenvolvimento ou grande empreendi mento a população pobre da região foi verdadeiramente chamada a opinar menos ainda lhes foram dados instrumentos de decisão Quando muito se abre uma audiência pública sem grande divul gação para cumprir uma formalidade da lei Acontece que exatamente os gestores públicos empresários e cientistas detentores dos recursos conhecimento e técnicas modernas têm tomado decisões em nome das comunidades lo cais O resultado Degradação pobreza violência crise urbana e social saque da riqueza regional Assim a incapacidade está antes de tudo nos primeiros e não nos amazônidas A razão principal decorre do fato de colocar a riqueza da região subordinada aos objetivos do lucro Não está na hora de chamar a população local a tomar de fato o futuro em suas mãos Quem conhece a riqueza e os segredos da floresta e rios sobrevive com menos de um salá rio mínimo mensal resiste às diversas formas de violência produz num solo frágil e quase sem nenhum apoio público certamente tem muito a dizer É difícil reverter o processo histórico do desenvolvimento ama zônico Sim mas não impossível Parte do que atualmente é a Amazônia já abrigou águas marinhas que entravam do ocea no Pacífico e do que atualmente é o mar do Caribe numa vasta região que corresponderia às fronteiras entre Brasil Colômbia e Peru Pesquisas geológicas apontam que entre 60 e 30 milhões de anos 284 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 passados não havia a foz do rio Amazonas entre os atuais estados do Pará e Amapá na costa atlântica O que atualmente correspon de à Bacia Amazônica corria em sentido inverso rumo ao Pacífi co Uma série de eventos geológicos entre os quais o choque de placas tectônicas que soergueu a cordilheira dos Andes teria sido decisivo para que o Amazonas ou mais especificamente a Bacia Amazônica iniciasse há 10 milhões de anos a inversão completa de seu curso passando a correr para o Atlântico4 Se o maior rio do planeta conseguiu inverter totalmente o seu curso por que seria impossível mudar o sentido do desenvolvimento regional Mas teríamos nós forças para isso Voltemos novamente ao rio Amazonas Ele um rio empurra para trás por centenas de qui lômetros um enorme oceano o Atlântico Ah mas o Amazonas é outra coisa Muitos dirão não dá para comparar com a frágil população local Certo e o que dizer de uma população que so breviveu a um enorme genocídio de mais de cinco séculos O que dizer de trabalhadores da construção civil de Belém que ainda que com pouco estudo formal constroem prédios de 40 andares Quem é fraco É fato que ainda falta o despertar dessa população mas esse é o nosso desafio Evidentemente não estamos propondo que a transformação seja incorporada e monopolizada por algum iluminado um sal vador da pátria Até porque já surgiram algumas pessoas da região que incorporaram essa figura e fizeram o mesmo que os de fora Não se trata de projetos individuais pois como diz um pensamen to africano sozinho se vai mais rápido mas juntos se vai mais longe Necessitamos construir projetos coletivos geridos coleti vamente com a participação de muitos Neles se erra muito mas também se aprende Quem só tem certezas certamente erra mais que os demais Até o momento as grandes decisões sobre a Ama 4 Vários cientistas afirmam isso entre os quais a geóloga Carina Hoorn 285 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zônia foram tomadas fora e pelos de fora da região e os erros só se avolumam Cabe mudar essa situação Isso é uma précondição para que o verdadeiro desenvolvimento se torne realidade deixan do de ser lenda Colocar a questão nesses termos não significa negar a contri buição de quem não reside na região ao contrário a construção coletiva é uma tarefa de todos estando ou não na Amazônia Afi nal vamos precisar de todo mundo um mais um é sempre mais que dois já cantou Beto Guedes Anda Quero te dizer nenhum segredo Falo desse chão da nossa casa Vem que tá na hora de arrumar Tempo Quero viver mais duzentos anos Quero não ferir meu semelhante Nem por isso quero me ferir Vamos precisar de todo mundo Pra banir do mundo a opressão Para construir a vida nova Vamos precisar de muito amor A felicidade mora ao lado E quem não é tolo pode ver A paz na Terra amor O pé na terra A paz na Terra amor O sal da Terra És o mais bonito dos planetas Tão te maltratando por dinheiro Tu que és a nave nossa irmã Canta 286 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Leva tua vida em harmonia E nos alimenta com seus frutos Tu que és do homem a maçã Vamos precisar de todo mundo Um mais um é sempre mais que dois Pra melhor juntar as nossas forças É só repartir melhor o pão Recriar o paraíso agora Para merecer quem vem depois Deixa nascer o amor Deixa fluir o amor Deixa crescer o amor Deixa viver o amor O sal da terra O sal da terra Beto Guedes ANEXOS 288 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Gráfico 1 Preço internacional do fero bruto x volume das exportações do estado do Pará Gráfico 2 Evolução do rebanho bovino paraense 19502010 REFERÊNCIAS ALTVATER Elma O fim do capitalismo como o conhecemos uma crítica radical do capitalismo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2010 BAENA Antônio Compêndio das eras da Província do Pará Belém UFPA 1969 BARCARENA LIVRE INFORMA nº 1 dez 2016 BECKER Bertha STENNER Cláudio Um futuro para a Amazônia São Paulo Oficina de Textos 2008 BECKER Bertha Amazônia geopolítica na virada do III milênio Rio de Janeiro Garamond 2009 A urbe amazônica a floresta e a cidade Rio de Janeiro Garamond 2013 BENCHIMOL Samuel Amazônia um poucoantes e alémdepois Ma naus Umberto Calderaro 1977 BENSAID Daniel Moi la révolution Paris Gallimard 1989 BENTES Rosineide Um novo estilo de ocupação econômica da Amazô nia os grandes projetos In Estudos e problemas amazônicos Belém Secretaria de Estado de EducaçãoCEJUP p 89114 1992 BRASIL COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE RelatórioComissão Nacional da Verdade Vol II Recurso eletrônico Brasília CNV 2014 CARCANHOLO Reinaldo Capital essência e aparência São Paulo Ex pressão Popular 2013 CASTELO BRANCO Humberto de Alencar In SUDAM Operação Amazônia Discursos Belém SUDAM 1968 CASTRO Edna Processos de trabalho e relações de poder no Carajás In DINCAO Maria Ângela SILVEIRA Isolda M Amazônia e a crise da modernização Belém Museu Paraense Emílio Goeldi 1994 290 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 CASTRO Edna Urbanização pluralidade e singularidades das cidades amazônicas In Cidades na floresta São Paulo Anablume 2009 Expansão da fronteira megaprojetos de infraestrutura e integração sulamericana Caderno CRH Salvador v 25 n 64 janabr 2012 Salvador 2012 CASTRO Edna CAMPOS Índio Formação socioeconômica do estado do Pará In CASTRO Edna CAMPOS Índio org Formação socioeconômica da Amazônia Belém NAEA 2015 CAVALCANTI Mário de B Da SPVEA à SUDAM 19641967 Belém 1967 CLEMENT Charles JUNQUEIRA André Plantas domesticadas uma história fascinante Scientific American Brasil 2008 Coleção Ama zônia Origens CLEMENT C et al O desafio do desenvolvimento sustentável na Amazônia TC Amazônia Manaus Fucapi 2003 COELHO Geraldo A redescoberta das Amazonas Scientific American Brasil 2008 Coleção Amazônia Origens COONEY Paul OLIVEIRA Wesley ALMEIDA Leandro O pólo in dustrial de Manaus como estratégia de desenvolvimento da Amazô nia In RIVERO Sérgio JAYME Jr Frederico orgs As Amazô nias do século XXI Belém Edufpa 2008 COSTA Francisco de A Formação agropecuária da Amazônia os desafios do desenvolvimento sustentável Belém UFPA NAEA 2000 Capital estrangeiro e agricultura na Amazônia a experiência da Ford Motor Company 19221945 Rio de Janeiro EIAPCPDA 1981 dissertação de mestrado COTA Raimundo G Carajás a invasão desarmada CametáPA Novo Tempo 2007 CRUZ Ernesto História do Pará Belém UFPAImprensa Universitária 1963 CUNHA Euclides da À margem da história Rio de Janeiro Ministério da CulturaFundação Biblioteca Nacional sd DAL POZ NETO João No país dos Cinta Larga uma etnografia do ritual Dissertação de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ci ências Humanas da USP 1991 DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL Sumá rio Mineral LIMA Thiers Muniz NEVES Carlos Augusto Ramos org Brasília DNPM 2014 DINIZ Marcelo et al Dilemas do aproveitamento econômico dos recur sos da biodiversidade da Amazônia In DINIZ Marcelo org De 291 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 safios e potencialidades para a Amazônia do século XXI Belém Paka Tatu 2011 DINIZ Marcelo Desmatamento e ausência de riqueza na Amazônia Belém PakaTatu 2017 EMMI Marília A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais Belém NAEAUFPA 1999 ENGELS Friedrich A origem da família da propriedade privada e do Esta do Rio de Janeiro Civilização brasileira 1984 FARIA Alexandre RIBEIRO Alexandro IRIGARAY Carlos SILVA Carolina Formação socioeconômica do Mato Grosso In CASTRO Edna CAMPOS Índio org Formação socioeconômica da Amazô nia Belém NAEA 2015 FERNANDES Danilo Elites regionais e a formação do pensamento de senvolvimentista amazônico nas décadas de 40 e 50 In TRINDA DE José R org Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia A SPVEA auge e crise do ciclo ideológico do desenvolvimentismo brasileiro Belém PakaTatu 2014 FONTES Virgínia O Brasil e o capital imperialismo teoria e história Rio de Janeiro EPSJVEditora UFRJ 2010 FRITSCH JeanMarie Les ressources en eau Intérêst et limites dune vi sion globale Revue Française de Géoéconomie n 4 hiver 19971998 GARRIDO FILHA Irene O projeto Jari e os capitais estrangeiros na Ama zônia PetrópolisRJ Vozes 1980 GONÇALVES Reynaldo Desenvolvimento às avessas verdade máfé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento Rio de Janeiro LTC 2013 GOMES Mércio P Os índios e o Brasil passado presente e futuro São Paulo Contexto 2012 HALL Anthony O programa Grande Carajás gênese e evolução In Jean Hebette org O cerco está se fechando Petrópolis Vozes 1991 HARVEY David Condição pósmoderna uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural São Paulo Loyola 1996 HARVEY David O novo imperialismo 6 ed São Paulo Edições Loyola 2004 HARVEY David Os limites do capital São Paulo Boitempo 2013 HAZEU Marcel O nãolugar do outro sistemas migratórios e transformações sociais em Barcarena Belém NAEAUFPA 2015 Tese de doutora do HOBSBAWM Eric Era dos extremos o breve século XX 19141991 São Paulo Companhia das Letras 1995 292 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 IANNI Otávio Colonização e contrareforma agrária na Amazônia Petró polisRJ Vozes 1979 KOWARICK Marcos AmazôniaCarajás na trilha do saque São Paulo Anita Garibaldi 1995 LEAL Aluizio Sinopse histórica da Amazônia uma visão política In Be lém IDESP 2010 Grandes projetos amazônicos I o caso Ford no Tapajós Belém 2002 inédito LEITE Alegria SOARES Daniel TRINDADE José R Renda mineral e grande capital na Amazônia a exploração das minas de Carajás pela Companhia Vale Leituras de Economia Política Campinas 24 jan dez 2016 Acessado em 28012018 Disponível em wwwrevista lepcombrindexphpleparticleview187131 LENIN Vladimir I Imperialismo fase superior do capitalismo São Paulo Global 1989 O Estado e a revolução São Paulo Hucitec 1987 LÔBO Marco Aurélio Arbage Estado e capital transnacional na Amazônia o caso da ALBRÁSALUNORTE Belém NAEA 1996 LOUREIRO Violeta R Amazônia Estado homem natureza Belém Ce jup 2004 LOUREIRO Violeta PINTO Jax A questão fundiária na Amazônia Es tudos Avançados vol 19 n 54 São Paulo MayAug 2005 LOUREIRO Violeta A Amazônia do século XXI novas formas de desenvol vimento São Paulo Empório do Livro 2009 MANDEL Ernest O 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Nova Cultural 1988 MEIRELES Mário Martins História do Maranhão 2 ed São Luís Fun dação Cultural do Maranhão 1980 MENDES J A A crise amazônica e a borracha Manaus Valer Governo do Amazonas 2004 MENDONÇA Mauricio Brilhante de O processo de decisão política e a Zona Franca de Manaus São Paulo Fundação Getúlio Vargas 2013 Tese Escola de Administração de Empresas de São Paulo MONTEIRO Maurílio Mineração industrial na Amazônia e suas impli cações para o desenvolvimento regional Novos Cadernos do NAEA v 8 n 1 jun 2005 Belém UFPANAEA 2005 MONTEIRO Benedicto História do Pará Belém editora Amazônia 2006 NAHUM João S A Amazônia dos PDAs uma palavra mágica Belém UFPANAEA 1999 Dissertação de Mestrado NASCIMENTO Durbens A Guerrilha do Araguaia paulistas e milita res na Amazônia Belém UFPANAEA 1999 OLIVEIRA Ariovaldo U Integrar para não entregar políticas públicas e Amazônia CampinasSP Papirus 1988 294 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A geografia 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Janeiro 1954 296 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 VILLAS BOAS Orlando Entrevista à revista Visão 10021975 In VILLAS BOAS Orlando VILLAS BOAS Cláudio Xingu os ín dios seus mitos São Paulo Edibolso 1975 VILLAS BOAS Orlando VILLAS BOAS Cláudio Xingu os índios seus mitos São Paulo Edibolso 1975
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AMAZÔNIA RIQUEZA DEGRADAÇÃO E SAQUE AMAZÔNIA RIQUEZA DEGRADAÇÃO E SAQUE Gilberto de Souza Marques 1ª edição Expressão Popular São Paulo 2019 Copyright 2019 by Editora Expressão Popular Revisão Dulcineia Pavan e Lia Urbini Diagramação e capa Zap Design Foto da capa Marcelo Cruz trem de minério de ferro da Vale S A Estrada de Ferro Carajás EFC Maranhão Impressão Paym Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora 1ª edição janeiro de 2019 1ª reimpressão agosto de 2019 EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição 201 Bela Vista CEP 01319010 São Paulo SP Tel 11 31120941 31059500 livrariaexpressaopopularcombr wwwexpressaopopularcombr edexpressaopopular editoraexpressaopopular SUMÁRIO Agradecimentos 9 Prefácio 11 Charles Trocate Apresentação 17 Aluizio Lins Leal Introdução 25 A degradação do ser humano como forma de obter lucro 37 Amazônia e acumulação capitalista 85 Questão agrária 155 O avesso do desenvolvimento recursos minerais e biodiversidade em perigo 203 Mudar o presente para preservar o futuro 277 Anexos 287 Referências 289 Para Mariana e Indira Para Brígida mulher mãe trabalhadora guerreira Uma sabedoria para além do seu tempo AGRADECIMENTOS A Carlos Lima Aluizio Leal e Fernando Araújo à Faculdade e ao Programa de PósGraduação em Economia da UFPA a minha família e aos trabalhadores e trabalhadoras que nos ensinam no dia a dia a necessidade de acreditar no amanhã PREFÁCIO O pensamento de um tempo fora da nossa experiência é insustentável Ítalo Calvino Cidades invisíveis O livro Amazônia riqueza degradação e saque do amazônida do Amapá Gilberto de Souza Marques é grandioso no seu itine rário de propósitos desvelar os aspectos que contagiam a muitos a atinência da Amazônia e o anúncio provisório do mundo capi talista Sua variável está nos objetos que circundam o imaginário político e ressalta do início ao fim que há uma demanda emergente na tradução do que essas Amazônias cumprem a ordem do capi tal na produção do objeto industrial com imenso desperdício de natureza O autor recorre a uma belíssima e volumosa bibliografia aliada a sua criatividade literária valendose de outros diálogos nos fornecendo um texto popular caprichoso dialético e didático ao seu propósito ser equilíbrio mas levar a história adiante e não cerceála por algum outro interesse É que para nós a Amazônia não é uma concepção derradeira ou terra imatura como postulou Euclides da Cunha Do contrá rio ela é um mundo amplamente aceito convivido tem perfil de história de saberes e imaginações É desde o começo uma forma ção pelo conflito e um sem fim de eventos lhe dão esta maturida de Como escreve Michel Foucault 12 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o poder funciona e se exerce através de uma organização reticu lar E nas suas malhas os indivíduos não apenas circulam como es tão postos na condição de sofrêlo e exercêlo nunca são o alvo inerte ou cúmplice do poder são sempre seus elementos de composição1 A Amazônia descrita neste livro não é uma temporalidade abs trata ela é luta de poder situada entre o moderno e o atrasado da concepção burguesa de desenvolvimento linear de crescimento e acúmulo ao acaso do capitalismo Busca o autor que o conhecimento se cumpra de maneira radi cal rente aos costumes de interpretação e consumação de uma ima gem tradicional da Amazônia açoitada dentro e fora do pensamen to produzido no ambiente restrito e interessado da hegemonia Faz bem a Editora Expressão Popular dar vazão para este importante documento como forma de nacionalizar matizes do pensamento que nos ajuda a vislumbrar o passado e seus aspectos duradouros assim como a direcionar a energia dos que vivem tais dilemas para outras razões da dialética que carecemos em luta constante Da verve deste livro são possíveis outros sentimentos Seu enfoque é a rolagem perpétua do capital na região seten trional do país O capitalismo como assinala Rosa Luxemburgo vive à custa de economias coloniais vive mais exatamente de sua ruína E se para acumular tem absoluta necessidade destas é porque estas lhe oferecem a terra nutritiva à custa do qual se cumpre a acu mulação desde a sua origem o capital utiliza todos os recursos produtivos do planeta tem a necessidade de dispor do mundo inteiro e de não encontrar limite nenhum na escolha de seus meios de produção2 Os argumentos que sobressaem são relevantes para analisar essa performance do capital e suas mutações em solo Amazônico Se guindo as interfaces do autor há também as dinâmicas da moder 1 Foucault Michel Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 1996 2 Luxemburgo Rosa A acumulação do capital Rio de Janeiro Zahar 1970 13 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nidade histórica de um certo traço de produção social da história anterior da Amazônia residual à formação social capitalista em porções nas quais conflita a ordem colonial de saque que sabemos se inserir no contexto do sistemamundo descrita pelos teóricos da dependência como desenvolvimento do subdesenvolvimento e suas redes de relações políticas e ideológicas Para os tecnocratas do sis tema a Amazônia nos últimos cem anos já foi planejada como decisiva questão nacional e internacional como eixos zonas e po los de desenvolvimento sempre planejada de fora para dentro por um observador que está prestes a sequestrála No entanto se a citação da Rosa Luxemburgo acima serve para caracterizar o volume do capitalismo disposto a cinco séculos da sua invenção a minha percepção encontra limites para designar o padrão de lutas da modernidade para além do que se refere à rela ção trabalho e capital no interior da Amazônia Daí a importân cia do livro que assegura a expansão dos horizontes de análise A Amazônia é uma civilização de longa duração Ela não é uma len da e tampouco invenção do capital Decerto é o lugar geográfico para onde concorrem as mutações de um sistema de esgotamentos de ecologias políticas inteiras a natureza americana de um padrão de acumulação E a razão para esse paradoxo está entre a citação de Rosa Lu xemburgo e algo por criar a assertiva da imagem textual disposta pelo autor Janeiro de 2018 em Manaus Amazonas um robô automatizado em uma linha de produção realiza com precisão a tarefa de dezenas de operários e operárias Não reclama de cansaço não tem sindicato e não recebe férias ou 13º salário Ele monta motos que são vendidas e circulam em todo o Brasil e em outros países Em outra fábrica ou tro robô monta aparelhos de televisão de última geração alguns com preços que assustam Na Floresta Nacional de Carajás no Pará uma máquina recuperadoraempilhadeira trabalha no carregamento de minério de ferro Ela tem 35 metros de altura e suas engrenagens 14 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alcançam 50 metros de largura Enquanto isso na capital paraense ou do Acre centenas de milhares de pessoas estão sem água encana da ainda que enormes rios as rodeiem Em outro ponto da Amazô nia uma tribo indígena caminha em meio à floresta sem nunca ter sido contatada pela civilização Acompanhando o raciocínio do geógrafo Milton Santos espa ço geográfico como acumulação desigual de tempos outro geó grafo utilizado neste livro como referência Carlos Walter Porto Gonçalves nos oferece a ideia central das relações de poder sobre a Amazônia por ser a Amazônia uma região situada numa posição periférica no interior de países periféricos no sistemamundo capitalista moder nocolonial lhes escapa até mesmo o poder de falar sobre si mes ma Sendo assim prevalecem visões sobre a Amazônia e não visões da Amazônia não são as visões dos amazônidas principalmente dos seus povosetniasnacionalidades e gruposclasses sociais em situação de subalternizaçãoopressãoexploração que nos são ofe recidas3 Mas essas contradições não são só lutas de saberes O proble ma agrário amazônico não está na região está fora dela são con tradições de territorialidades que se assentam sobre o pensamento funcional aquele que libera todo e qualquer tipo de preconceito teórico e governamental Recentemente para uma entrevista so bre o governo que se instaura conservador nos costumes e liberal na economia4 eu respondia algo sobre a Amazônia no período de ultraliberalismo que se forma na economia e as suas derivações ideológicas que afrontam a região Ela é o centro de uma disputa que não se iniciou agora e até digo a Amazônia é o vetor do governo Bolsonaro ninguém até agora na história a castigou em adjetivos negativos como ele por isso este 3 PortoGonçalves Carlos Walter Amazônia encruzilhada civilizatória Rio de Janeiro Consequência 2017 4 Trecho do discurso de posse do ministro da Economia em janeiro de 2019 15 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 governo só dará certo se quebrar os marcos civilizatórios inerentes à região A Amazônia é por natureza criadora de impasses políti cos jurídicos e institucionais Do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula ela movimenta o nosso sentido de país e por isso não tão fácil assimilála e nem modificála em um curto espaço de tempo como o querem É como se mais uma vez reajustássemos nossos impasses a lutas decisivas5 Falando de outra forma o Estadomoderno colonial brasilei ro nasceu sem a Amazônia e contra ela Contra suas civilizações como é o caso da terra Raposa Serra do Sol em um conflito de caráter mineral agrário e agrícola na rolagem perpétua do capital transnacional A Amazônia está presa ao ciclo de commodities e ao fator do seu tecnicismo destrutivo internalizado como inevitável por elites predatórias dominadas de fora e dominantes para den tro Afirma o autor na sua introdução A riqueza produzida na Amazônia em grande medida migrou para outras regiões e outros países de acordo com o grande capital e a divisão nacional e internacional do trabalho conduzida por grandes empresas brasileiras e transnacionais Para isso o Estado cumpriu papel destacado evidenciando seu caráter de classe da classe que explora A inversão é exemplar como se a Amazônia dependesse muito mais do sistemamundo da produção de mercadorias do que este dela e isto não procede Nesse sentido o capital enquanto modo sistêmico hegemônico na Amazônia está longe de realizar a sociedade regional em todas as suas possibilidades Seu incremento desigual e combinado desloca os destinos da região pela acumulação primitiva e o polo de estrangulamento é um só de fora para dentro E quanto mais destrava o ritmo de extração dos bens naturais mais faz depen dentes as massas de pauperizados e mais se retroalimentam delas 5 Disponível em httpwwwmstorgbr20181227amazoniasobnuvenscinzas charlestrocatedomamanalisaoambientedeincertezashtml 16 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mais os simplifica pelo subconsumo e pelas mesmas razões mais os extinguem pela escassez na temporalidade do capital Das muitas incursões que esse livro inspira é atualíssima a re criação analítica do autor sobre o projeto minerometalúrgico que assola a Amazônia sobre a qual se erguem inúmeras contradições sistêmicas O projeto Grande Carajás que data dos últimos 40 anos e na sequência em 2018 a inauguração do projeto S11D cuja grandiosidade supera o primeiro atualiza a reprodução de ca pital e o problema mineral brasileiro Gilberto Marques exempli fica com casos brasileiros o que sociólogo argentino Horácio Ma chado Araóz abstrai O capitalismo não admite adjetivações é simplesmente isso um re gime de relações sociais que fagocita as energias vitais com o meio de acumulação pretensamente do valor abstrato Nesse processo conso me a vitalidade da terra e a humanidade do humano6 O tempo é de ação nada pode ser mero vasculhar da história e este livro criativo que remonta horas e horas de trabalho intelectual e discernimento político figura no panteão dos documentos políticos que todos podem ler e refletir ajustando sentimentos de um tempo conflagrado podemos nos agarrar a ele para amplificar os sentidos da Amazônia e organizar ações que impulsionam o tempo presente Charles Trocate Assentamento Palmares II Vicinal do Limão Parauapebas Pará Janeiro de 2019 6 Aráoz Horácio Machado O debate sobre o extrativismo em tempos de ressaca Em Dilger Gerhard Lang Miriam e Pereira Filho Jorge Descolonizar o imaginário São Paulo Editora Elefante 2016 APRESENTAÇÃO Gilberto Marques é um dos professores da UFPA dedicados a ir além da mera atuação em sala de aula e a trilhar o caminho da produção intelectual É um dos jovens intelectuais promissores da nova geração destacandose por ser objetivo e arguto Entre nós a atividade docente poucas vezes se pontilhou de contribuições escritas que passassem dos limites das salas de aula para o espaço do conhecimento coletivo A nova geração à qual pertence o autor demonstra estar decidida a romper essa barreira e a passar a transcrever o que aprendeu e o que tem a ensinar Amapaense de nascimento Gilberto sem dúvida alguma estará se somando a vultos como Álvaro da Cunha cujo desassombro em um momento crítico da história do seu estado ainda então Território Federal e da região deixou a marca indelével dos que sabem lutar com a certeza dos seus princípios e contra a ganância do colonizador O exame deste livro mostra que o autor 1 soube situar geogra ficamente o espaço estudado imprescindível em qualquer trabalho que se proponha a examinar uma região tão diversa e complexa como a nossa 2 abarcou os momentos destacados que se fizeram 18 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 marcos da nossa história 3 não deixou de considerar na sua análi se os elementos da questão de modo integrado envolvendo nisso como colonizador colonizado e explorado as figuras respectivas do branco do negro e do índio que até hoje caracterizam dicoto mias essenciais na nossa realidade social e 4 sabe situar a Amazô nia no contexto político da acumulação Entre a introdução e a conclusão o autor estrutura seu livro em quatro partes na primeira ele faz um périplo através dos diferentes momentos da história colonial da Amazônia pontilhando marcos diversos do processo incluindo aí os diferentes elementos da vio lência colonial originária a genocida ação militar e o seu contra ponto melífluo a catequese como a parte mansa dessa violência Não deixa porém de registrar a tenaz tentativa libertária que foi a Revolta Cabana legado indelével aos amazônidas pelos antepassa dos que tentaram livrarse do jugo colonizador Na segunda parte aticulando Amazônia e acumulação ele destaca os marcos do processo recente sobretudo a partir da di tadura civilmilitar com a exploração do jargão e refrão ideo lógico do espaço vazio como justificativa para perpetrar a re ocupação devastadora que foi promovida pelo regime militar destacando nisso o uso ideológico do lendário que é partees sência própria da cultura nativa como elementopretexto para a rejeição da cultura regional em favor da falsa opção progressista e sobretudo rasteira da busca pelo lucro e da conversão da natureza em mero objeto da acumulação Destacamse no texto como pontos dessa ocupação recente os elementos institucionais que a compuseram quer como órgãos quer como programas as agências de desenvolvimento Sudam Suframa os Planos de desenvolvimento PNDs e PDAs e os programas específicos como PIN e Proterra que ao final compuseram a moldura do sucesso da ocupação e do seu inteiro fracasso social É ainda aí que ele destaca mais duas coisas o grande projeto exsurto na 19 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Amazônia como resultado sobretudo do esquadrinhamento da região em busca de riquezas minerais e energéticas a serem con vertidas em capital e o amargo capítulo que foi o acabamento do processo genocida iniciado desde o primeiro momento colonial contra o indígena dono legítimo da terra A questão agrária pode ser considerada o tema principal da terceira parte Nela o texto exibe a ação de diferentes elementos tanto os que atuaram no passado como os que hoje atuam no amargo problema determinado pela disputa da terra desencade ado por uma reforma agrária que se circunscreveu a apenas um Estatuto da Terra Tal estatuto legou aos latifundiários às mul tinacionais e aos aventureiros vindos de fora a tarefa desregrada de acumular patrimônio fundiário à custa da desorganização e da corrupção casando aí a ação dos incentivos fiscais e a con tumácia corrupta e tendenciosa dos órgãos ligados ao modelo de desen volvimento pervertido que marcou a ação política da dita dura no sentido de privilegiar a colonização recente sob as regras de um Estado presente através da sua inteira ausência a favor dos desmandos praticados em nome desse desenvolvimento Ressalta aí o resultado inteiramente danoso dessa terra sem lei sobre a população agrária e as suas condições de vida através do embate sempre vitorioso da Terra de Negócio contra a Terra de Trabalho graças à mancomunação da Justiça e da Polícia para a garantia da violência e da impunidade Nesta parte está pre sente em todos os momentos do texto a reafirmação da oligar quia como resultado final desse processo perverso com o inteiro apoio da ditadura e da sua estrutura militar de poder Sobretu do com a construção das estradas os rasgões destruidores da floresta para o avanço do capital e de seus agentes Demarca também a militarização da questão agrária quando a partir do surgimento das primeiras resistências à ocupação da Amazônia aos trambolhões pelo regime militar o agro foi colocado dire 20 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tamente sob controle manu militari com a criação do Getat de pois do Gebam e outros órgãos e a reação virulenta do regime fardado ao surgimento de movimentos que o enfrentaram com a criação de destacados assassinos legais caso do afamado major Curió Porém não deixa de registrar o surgimento da resistência contra essa crescente opressão e o aparecimento das lideranças logo tornadas mártires pela execução covarde e implacável da justiça do latifúndio Quintino João Canuto Expedito Ribeiro Paulo Fonteles e João Batista entre inúmeros outros abatidos a mando da oligarquia rural Vai até o Acre aos empates à figura de Chico Mendes também morto por pistoleiros a mando de um latifundiário e retorna à organização da luta por uma reforma agrária ao surgimento do MST e à travosa ampliação do espaço da Amazônia como território do agronegócio com a invasão da soja sob a presença de multinacionais como a Cargill e dos oli garcas rurais como os Maggi É uma parte do trabalho particu larmente digna de nota Na parte sobre o avesso do desenvolvimento são expostas as medidas neoliberais que aprofundam um processo que iniciado com a colonização originária havia recrudescido com a ditadura a apropriação da natureza e do saber nativo pelo capital através de patentes que se desdobra com a decidida ação das ONGs na direção da biopirataria relacionando aí figuras emblemáticas como Fernando Henrique Cardoso o neoliberal cujos atos de Estado respondem por entregas históricas para a submissão do Brasil ao dar através do Sivam a inteira liberdade ao monito ramento da Amazônia além de outros feitos notáveis como a privatização da CVRD Mostra como a Lei Kandir é um instru mento para a exacerbação do saque e como através de medidas dessa ordem o Estado deixa de ser produtor para tornarse um mero administrador institucional da rapina privada Ao relacio nar os empreendimentos do Trombetas de Barcarena de Juruty 21 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 deixa claro como o saque se aprofunda em todas as dimensões Uma tabela contida nessa parte radiografa o verdadeiro papel da Amazônia para a divisão internacional do trabalho Uma das coisas dignas de nota aí é a revelação de como a mesma e velha fórmula da rapina já executada sobre o manganês do Amapá é reproduzida hoje para o ferro dos Carajás a compressão dos preços associada à ampliação do saque o que faz com que a exemplo de todo e qualquer projeto mineiro o ferro dos Cara jás esteja condenado à exaustão em algumas poucas décadas na contramão dos discursos ufanistas que sempre preveem enormes prazos de vida no caso dos Carajás em séculos para minas que são devoradas e esgotadas em prazos incrivelmente curtos pelo capital Deixa também claro que tudo isso resulta num binário amargo a exacerbação da troca desigual e a exacerbação negati va do IDH para uma região saqueada a tal ponto que coisas apa rentemente prosaicas revelam extremos travosos como o caso das populações sem luz que habitam sob as linhas de transmissão de energia Também são citados empreendimentos que deverão ajudar a agudizar a rapina como a hidrovia do Tapajós e as usinas hi droelétricas como Belo Monte impostas a fórceps para o povo da Amazônia por pessoas como Luiz Inácio da Silva através de programas como o PAC e a inglória batalha dos que teimam em resistir contra projetos que já vêm para a região decididos desde fora dela projetos de um progresso que sempre vem acompa nhado do aumento da violência e da miséria social Um outro exemplo interessante da cadeia de fatos exibida nessa parte do trabalho é a degradação das águas pelos desastres da pecuária no rio Araguary Esse desastre reproduz dois outros já aconte cidos um deles na própria região no lago Grande de Monte Alegre o caso Cacoal Grande pela abertura de varadouros do Amazonas para o lago por obra e graça de tecnocratas vindos 22 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do sul na década de 19401950 e o caso Mar de Aral morto pela retirada das águas para projetos de irrigação na exUnião Soviética Ainda merecem destaque nessa parte do trabalho a concentração da população bovina nas áreas desmatadas dos latifúndios e o crescimento desse desastre produzido pela pe cuária bem como pela fúria madeireira pela fúria sojeira pelo desmate seletivo pela estrada como o eixo da devastação e da sempre presente violência e o recrudescimento do processo pelas medidas do Estado a regularização da grilagem pela MP 458 648 milhões de hectares a lei dos transgênicos a lei de concessão de florestas públicas o Código Florestal aprovado sob o governo de Dilma Rousseff e o perdão ao desmatamento bem como o aumento do trabalho escravo Contase também a tentativa de entrega da Renca ao empresariado multinacional por Temer Essa parte exibe o conjunto de medidas que põe à luz toda a lógica dos projetos para a Amazônia alguns que vêm desde o século XIX e através do Plano PueblaPanamá chegam até o IIRSA através do PAC No subítem Para além da história amazônica somente refle xões para o entendimento da exploração que merece particular destaque estão contidas considerações fundadas no conhecimento teórico sem perder o liame com a realidade os fenômenos da ren da absoluta e da renda diferencial presentes na realidade regional bem como a síntese da transferência do trabalho excedente das sociedades pobres para os países ricos como a base do inexorável e crescente distanciamento entre eles construído e agudizado a par tir dessa troca Os conceitos de renda da terra maisvalia absoluta e relativa tendência declinante da taxa de lucro troca desigual as formas de circulação do dinheiro e do capital e o papel do Estado como instrumento de dominação a serviço da classe exploradora aí aparecem explícitas ou implícitas assentadas nas constatações do real 23 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É um trabalho de fôlego Não se trata de uma obra denuncista mas de um sistemático trabalho de constatação assentado em sóli dos dados primários e em uma consistente base teórica Vale a pena lêlo Só vale a pena lêlo Aluizio Lins Leal Santarém janeiro de 2018 INTRODUÇÃO Era uma vez Não não se trata de romantizar a história ama zônica Além disso era uma vez normalmente é a expressão ini cial dos contos de origem europeia que acabam quando o príncipe chega e salva a princesa e o casal se torna feliz para sempre Não esqueçamos que príncipes e princesas eram nobres justamen te porque viviam da apropriação do trabalho alheio Não quere mos reproduzir a história contada pelos vencedores pelos de fora Buscamos neste livro reconstituir a trajetória socioeconômica da Amazônia mas destacando quem lá em meio a uma profunda ex ploração ama sofre vive e reproduz a vida e seus sonhos Uma das lendas sobre a origem do rio Amazonas conta que ha via dois noivos apaixonados Ela bonita vestiase de prata e se cha mava Lua Ele se vestia de ouro e tinha o nome de Sol O problema é que se eles se casassem o mundo acabaria pois o sentimento irra diante e ardente do Sol queimaria a Terra Tiveram que se separar A Lua de tanta saudade e amor chorou durante um dia e uma noite Suas lágrimas foram tantas que originaram um imenso vale com um rio enorme o rio Amazonas Enormidade sentimento e tragédia estão presentes nesta estória mas também na realidade 26 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Outra história que tem muito de lenda foi a que deu nome ao rio Tratavase da existência de uma tribo guerreira composta e comandada por mulheres as amazonas Em algumas narrativas só havia mulheres na tribo em outras havia homens mas subordina dos às indígenas Elas seriam grandes e segundo algumas versões brancas e teriam apenas um seio O outro era retirado para que elas manipulassem melhor o arco e a flecha1 Um dos relatos par te do frei Gaspar de Carvajal que era o escrivão da expedição ao Amazonas comandada pelo espanhol Francisco Orellana em 1542 Segundo o frei o comandante ordenou a invasão a uma tribo nas proximidades do que atualmente é o município de Nhamundá AM Carvajal estava neste confronto e teria perdido um olho em combate Os invasores tiveram que recuar dada a reação indígena comandada por mulheres E logo chegaram dez ou doze delas que vimos nós mesmos comba tendo à frente de todos esses índios como capitães e elas combatiam com tanto ardor que os índios não ousaram recuar e aqueles que o faziam elas os matavam a golpes de bastão diante de nós Carvajal apud Coelho 2008 p 69 Lendas têm algo de fábula fantasioso fantástico exagero e grandiosidade mas quando se trata de Amazônia muita coisa é grande mesmo os rios a floresta os animais e a biodiversidade2 A região amazônica é grandiosa bela impressionante e contradi tória A chamada Amazônia Legal brasileira ocupa 61 do terri tório nacional o que equivale à metade da Europa Ela é superior à região Norte do país Amapá Pará Tocantins Rondônia Acre 1 Estórias parecidas são relatadas em outras partes do planeta inclusive na Grécia 2 Biodiversidade referese ao número variedade e variabilidade de todos os orga nismos vivendo na terra mar e outros ecossistemas aquáticos e sistemas ecológi cos do qual fazem parte compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies entre espécies e de ecossistema ONU 1996 apud Diniz et al 2011 p 74 Por sua imensa riqueza é possível se referir à biodiversidade amazônica como mega diversidade 27 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Amazonas e Roraima abrangendo também o Mato Grosso e a maior parte do Maranhão a partir do meridiano 44ºO Consi derando a totalidade deste último estado como o fez o governo federal no Plano Amazônia Sustentável de 2008 constatamos que a população regional era de aproximadamente 28 milhões de pes soas em 2016 quase três vezes a população de Portugal A floresta corresponde a 7 do planeta 13 das florestas tropicais e até 50 da biodiversidade da Terra Apesar dessa dimensão Clement et al 2003 afirmam que o conhecimento científico e tradicional jun tos ainda não desvendaram nem 1 da biodiversidade local Algumas estimativas apontam que a Bacia Amazônica pode possuir até 20 da água doce superficial rios e lagos do globo terrestre Nela encontramos o maior rio do mundo e outros que se encontram entre os maiores Tapajós Trombetas Xingu Madeira e se estendermos a grande Bacia o AraguaiaTocantins3 A Bacia do Amazonas percorre o território peruano boliviano colombia no equatoriano venezuelano guianense mas 63 dela se situa em território brasileiro O Amazonas é o rio mais extenso4 e aquele com maior volume de água do planeta Se inicia nos Andes tendo o rio Apurimac do Peru como principal nascente e se prolonga por aproximadamente 7 mil km² até o oceano Atlântico na costa brasileira entre os esta dos do Pará e Amapá Por isso não é exagero chamálo de riomar Ganha o nome de Amazonas a partir do encontro dos rios Soli mões e Negro próximo a Manaus A força do rio é tanta que ele segundo algumas estimativas empurra o oceano para trás por até 3 O rio Araguaia se junta ao Tocantins próximo a MarabáPA recebendo o nome do segundo e deságua na grande foz do rio Amazonas A Bacia do Araguaia Tocantins comumente não é considerada parte da Bacia Amazônica 4 Durante muito tempo se acreditou que o rio Nilo na África fosse o mais extenso mas levantamentos recentes apontaram o Amazonas como de maior extensão 28 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 aproximadamente 300 quilômetros5 e suas águas e detritos podem ser encontrados a distâncias bem maiores Recentemente foram descobertas grandes formações de corais em sua foz Enorme ri queza de flora e fauna o acompanha a tal ponto que o oceanógrafo Jacques Cousteau após dois anos de expedição na Amazônia na década de 1980 concluiu que existem mais espécies de peixe no riomar que em todo o oceano Atlântico A costa amazônica no Atlântico conta com aproximadamente 1500 km de extensão entre a foz do rio Oiapoque e a baía de São Marcos no Maranhão É uma das áreas com maiores populações de peixes e camarões do Brasil atraindo navios pesqueiros do país inteiro e de outros países como os do distante Japão Ela conta com uma das mais longas extensões de manguezais do mundo e se sabe que estes ecossistemas são riquíssimos em biodiversidade em reprodução da vida aquática de aves e de outras espécies A Amazônia é o maior bioma6 brasileiro mas não é fácil deli mitar o que seja e quais as reais fronteiras amazônicas Primeiro porque ela extrapola as próprias fronteiras do Brasil Segundo por que as delimitações mudam dependendo do critério que usamos Recorrendo à floresta o tamanho não corresponde ao da Amazô nia Legal já que esta inclui estados que contêm grandes porções de Cerrado Mato Grosso Tocantins e Maranhão e até mesmo do Pantanal Mato Grosso Dentro de estados tipicamente ama zônicos encontramos extensas áreas de Cerrado é o caso do Ama pá Pará e Roraima por exemplo Se o critério for o clima relevo ou bacia hidrográfica igualmente teremos diferentes delimitações Mesmo quando se trata de um único critério a diversidade tam bém aflora Por exemplo no caso florestal encontramos floresta 5 A depender da quantidade de chuvas e do movimento da lua 6 Conjunto de vida vegetal e animal com vegetação contínua junta próxima com similares condições geoclimáticas e diversidade biológica própria Os demais bio mas do Brasil são Caatinga Mata Atlântica Cerrado Pantanal e Pampa 29 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alta floresta baixa e floresta inundada ou outras classificações se quisermos recorrer a critérios mais técnicos Isso tudo só confirma a complexidade e riqueza dessa região Paixões lendas e ambições são despertadas pela Amazônia Durante muito tempo se alimentou a ideia de que nela haveria uma cidade perdida um Eldorado com grande quantidade de metais preciosos Parece coisa de filme de aventura Pois bem o capitão militar cartógrafo arqueólogo explorador e aventurei ro britânico Percy Fawcett inspirou a criação do personagem de Hollywood Indiana Jones nos filmes dirigidos por Steven Spiel berg Fawcett percorreu diversas partes do planeta Na América do Sul e particularmente na região amazônica ele esperava en contrar a cidade do ouro centro de uma grande civilização que além dos metais preciosos guardaria enormes tesouros arqueo lógicos e poderia até mesmo ter sido levantada por indígenas brancos descendentes de Atlântida Em sua última expedição entrou na Amazônia pelo Mato Grosso e deve ter sido morto por indígenas da região do Xingu ao penetrar em seus territórios sem consentimento Até hoje não se tem certeza do que aconteceu com ele A lenda pode até ter perdido força mas não a busca pe las riquezas da floresta Maior floresta tropical maior província mineral com ferro ouro e etc e principal reserva biogenética do planeta Essa é a Amazônia Ela é importante não apenas para o Brasil mas para o próprio equilíbrio do ecossistema do planeta cada vez mais frá gil No caso brasileiro parte significativa das chuvas que cai so bre o Sudeste se origina em vapor dágua proveniente da região amazônica É possível falarmos em três grandes rios Amazonas um subterrâneo aquífero Alter do Chão e aquífero Solimões um superficial Amazonas como o conhecemos e outro aéreo vapor dágua formado na Amazônia que circula no território nacional e em alguns outros países sulamericanos 30 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O patrimônio amazônico é incalculável mas a região perma nece pobre subdesenvolvida dependente e periférica Por quê Porque as políticas de ocupação e desenvolvimento da região estiveram e permanecem a serviço do grande capital nacional e estrangeiro Essa é a razão principal da degradação do ecossistema amazônico Entre todos os territórios do planeta podemos distinguir qua tro grandes áreas que mesmo em degradação ainda têm grande parcela conservada e potencial de riqueza o fundo dos oceanos a Antártida o polo Norte e a Amazônia Qual a diferença desta última para as demais Ela é a de mais fácil acesso e exploração e também a única que em sua maior parte pertence a um único país o Brasil Já as duas primeiras são objeto de disputa aberta entre as nações É o interesse pelos recursos naturais da região que move os paí ses dominantes ou não a se preocupar com a degradação do ter ritório O exvicepresidente dos EUA Al Gore afirmou que ao contrário do que pensam os brasileiros a Amazônia pertence a todos nós O jornal britânico The Independent escreveu que a Amazônia é muito importante para ser deixada com os brasileiros O The New York Times questionou em manchete De quem é a Amazônia afinal As intenções por trás das preocupações fo ram expostas pelo jornal espanhol El País o mundo tem os olhos postos nas riquezas da floresta Não achamos que estamos à beira de uma invasão armada im perialista sobre a Amazônia Também não podemos descartar isso enquanto possibilidade futura Mas o fundamental os países he gemônicos já têm o controle dos recursos naturais da região Isso ocorre através da presença dos grandes grupos transnacionais e brasileiros instalados na região Biodiversidade minérios e agronegócio compõem cadeias pro dutivas que levam recursos da natureza amazônica aos grandes 31 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 centros da produção econômica internacional Isso inclui a pro dução do agronegócio que se apropria de uma parcela cada vez maior de terras para produzir mercadorias Para tal se conta com a colaboração inestimável dos países amazônicos desde a Colôm bia com a cessão de bases militares aos EUA até o Brasil que tem estimulado e sustentado sua balança comercial na exportação de commodities7 em forte expansão na região Este livro busca reconstituir de modo breve e crítico o movi mento de ocupação da Amazônia brasileira Destacamos suas con tradições e como historicamente essa ocupação esteve destinada a favorecer o processo de acumulação de capital em escala nacional e internacional em detrimento da natureza e do ser humano A questão que nos move é como historicamente se constituiu a socioeconomia amazônica e quais interesses predominaram Tra balhamos com a possível resposta de que as classes dominantes lo cais foram se configurando e reproduzindo como tal a partir da ex ploração e apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores E mesmo assim assumiram um papel subordinado dependente na acumulação capitalista da economia brasileira e mundial A rique za produzida na Amazônia em grande medida migrou para outras regiões e outros países de acordo com o grande capital e a divi são nacional e internacional do trabalho conduzida por grandes empresas brasileiras e transnacionais Para isso o Estado cumpriu papel destacado evidenciando seu caráter de classe da classe que explora Nem a problematização nem a hipótese são novas mas as adotamos primeiramente por sua atualidade e depois devido ao fato de analisarmos o caso específico amazônico em perspecti va histórica As dinâmicas das relações capitalistas internacionais 7 Produtos básicos voltados à exportação que têm seu preço cotação definido no mercado internacional minerais ferro cobre caulim bauxita manganês por exemplo e produtos do agronegócio soja carnes algodão milho entre outros 32 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o que alguns também localizam como economiamundo consti tuem o pano de fundo teórico no qual situamos a reflexão Destacamos os diversos processos em que o capital historica mente se configura na região mesmo quando aparentemente ele não se apresenta na forma explícita da sua relação com o trabalho trabalho assalariado moderno Marx 1988 demonstrou mais de uma vez que o capital é antes de tudo uma relação social Ele pres supõe a separação expropriação do trabalhador em relação aos meios de produção tendo como base a propriedade privada não restando ao expropriado outro caminho além de correr atrás do capital para vender sua capacidade de trabalhar Assim no capitalismo a produção é socializada é produzida pelo conjunto da sociedade mas o resultado é apropriado priva damente Aqui reside a razão das desigualdades Neste sentido o capital produz não apenas a riqueza mas o expropriado o desem pregado o excluído a miséria a violência o explorado nas suas diversas formas Ele também não se movimenta de uma única forma Ele moderniza a produção estabelece novas forças produti vas e relações de produção mas também reforça ou mesmo recria relações que aparentemente haviam ficado no passado É o caso do trabalho escravo que convive ao lado da grande produção capita lista e em muitos casos está diretamente vinculado a ela Diversos casos já foram comprovados de trabalho escravo na confecção de roupas para grandes marcas no trabalho em fazendas onde o gado é vendido para grandes frigoríficos etc Colocar em evidência a importância e a riqueza do processo histórico ocorrido na região tem como intenção também chamar atenção para o espaço pouco relevante que se destina à Amazônia no pensamento social brasileiro incluindo a história e a economia Essa não é uma lacuna pequena Famoso pela cobertura jornalís tica da Guerra dos Canudos no Nordeste brasileiro Euclides da Cunha no início do século XX já havia alertado para isso Ele 33 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 chegou à Amazônia com uma noção idealizada e encontrou uma região segundo escreveu abandonada pela sociedade brasileira um paraíso perdido que fora concebido como uma terra sem história e à margem da história8 A integração da Amazônia à nação brasileira ocorreu de forma subordinada dependente e periférica De alguma forma lamenta velmente as ciências sociais no país ainda continuam a reproduzir essa forma de integração É como se as reflexões em torno da his tória economia e sociologia centradas no Sudeste do Brasil fossem suficientes em si para explicar o todo minimizando a importân cia do resto Parece que Sul e Sudeste reproduzem para a região o olhar de quem vê o Brasil a partir do primeiro mundo A vontade de se parecer com o primeiro mundo faz com que uma parcela mais que considerável dos brasileiros conscientemente conheça mais os EUA e a Europa do que a Amazônia Não é raro acontecer de alguém do Norte em visita ao Sudeste ao informar seu estado de origem ouvir é longe Longe de onde Roraima é tão distante de São Paulo quanto São Paulo de Roraima Se a re lação é com o mundo desenvolvido os moradores da Amazônia geograficamente estão mais próximos dos EUA e da Europa do que o Rio de Janeiro ou outro estado da metade sul do Brasil Parte 8 Uma preocupação central de Euclides da Cunha foi compreender e expor o so frimento do homem na Amazônia O seringueiro denunciado como profunda mente explorado seria um lutador e o verdadeiro desbravador que se enfrentava com a natureza A natureza amazônica segundo Cunha impressionava mas não renovava o espírito Ela era vista pelo autor como grandiosa mas também adversária do homem que seria um intruso impertinente A visão hostil em relação à natureza amazônica fica evidente nesta passagem Ao revés da admira ção ou do entusiasmo o que nos sobressalteia geralmente diante do Amazonas no desembocar do dédalo florido do Tajapuru aberto em cheio para o grande rio é antes um desapontamento Cunha sd p 1 Infelizmente o desconhe cimento da história amazônica e a visão da natureza como adversária ainda se reproduz no século XXI 34 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 considerável do Amapá e Roraima está no Hemisfério Norte além de porções menores do Amazonas e Pará Também é comum matérias jornalísticas dos grandes meios de comunicação falando de ondas de calor quando ocorrem em pleno inverno brasileiro Para exemplificar suas afirmações recorrem às temperaturas elevadas no Norte Ora o inverno no SulSudeste coincide com o chamado verão amazônico época de maiores tem peraturas na região e em parte do Nordeste Então temperatu ras elevadas sempre serão encontradas na Amazônia entre junho e novembro Não há novidade nisso Por outro lado o período mais chuvoso e portanto de temperaturas mais amenas no Norte bra sileiro corresponde ao verão na metade sul do país As políticas governamentais incluindo as educacionais tam bém têm sua parcela de responsabilidade na questão Qual o espa ço que se destina à região nos livros didáticos de história Já passou a hora de olharmos esse imenso território como algo somente exó tico e estranho Colocar essas inquietações não significa querer tecer um em bate da Amazônia contra o Sudeste ou outras regiões Isso não seria frutífero até mesmo porque estaríamos restringindo as con tradições de classe originadas na oposição capital versus trabalho a meras contradições físicoespaciais O problema é muito mais complexo É claro que não se pode generalizar a crítica indistinta mente mas em contrapartida não resistimos à tentação de fazêla No entanto cabe particularmente aos amazônidas pesquisadores movimentos sociais e população em geral buscar alargar o espaço da região dentro das ciências sociais e da sociedade no Brasil Diferente do que pode parecer de início o objetivo do livro não é ser um amontoado de denúncias lamentações e pessimis mo Ainda que estejam presentes em larga escala buscase antes de tudo chamar atenção para a necessidade de uma luta de todos em defesa da região Essa luta e reflexão necessariamente tem que 35 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 considerar a importância do trabalhador que nela vive caso con trário correse o risco de se continuar a olhar a região como exótica somente e como tal querer tratála como um jardim botânico isolado em uma redoma para observação Também não se preten de reduzir a análise a um regionalismo estreito no qual todos que não são da região são vistos com desconfiança ou mesmo como adversários A luta pela preservação da floresta igualmente não pode ser des conectada da percepção de que necessitamos de um novo modelo de sociedade não mais assentada na busca do lucro mas do verda deiro desenvolvimento humano na qual os seres humanos possam se desenvolver plenamente e estabelecer relações não contraditórias eou degradantes com a natureza Uma condição necessária para que se estabeleça outra relação entre sociedade e natureza é que se construa uma nova relação entre os seres humanos desta vez pautada na igualdade social Aqui deve residir nossa fonte de oti mismo A DEGRADAÇÃO DO SER HUMANO COMO FORMA DE OBTER LUCRO Outubro de 2018 em Manaus Amazonas um robô automa tizado numa linha de produção realiza com precisão a tarefa de dezenas de operários e operárias Não reclama de cansaço não tem sindicato e não recebe férias ou 13º salário Ele monta motos que são vendidas e circulam em todo o Brasil e em outros países Em outra fábrica outro robô monta aparelhos de televisão de última geração alguns com preços que assustam mais que os filmes de terror por ele transmitidos Na Floresta Nacional de Carajás no Pará uma máquina recuperadoraempilhadeira trabalha no carre gamento de minério de ferro Ela tem 35 metros de altura e suas engrenagens alcançam 50 metros de largura Enquanto isso na capital paraense ou do Acre centenas de milhares de pessoas estão sem água encanada ainda que enormes rios as rodeiem Em Belém e Manaus são construídos edifícios de 30 a 40 andares No peque no município rondoniense de Pimenteiras do Oeste fronteira com a Bolívia as pessoas assistem a novelas em modernos televisores montados em Manaus mas com componentes vindos da China Em outro ponto da Amazônia uma tribo indígena caminha em meio à floresta sem nunca ter sido contatada pela civilização A Fundação Nacional do Índio Funai considerava haver em tor 38 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 no de 100 grupos indígenas isolados na Amazônia brasileira em 2017 alguns já avistados ou com algum contato com outra tribo que mantém relações com a população nãoindígena Parte são ca çadorescoletores nômades No dia 18 de dezembro de 2016 o fo tógrafo Ricardo Stuckert acompanhado do sertanista José Carlos Meirelles fotografou uma tribo estimada em 300 pessoas e que até então não havia estabelecido nenhum contato com nãoindígenas As fotos foram tiradas a partir do helicóptero em pleno voo Como reação os indígenas tentaram afastar os visitantes atirando flechas contra o helicóptero Um mês antes outra tribo em situação seme lhante havia sido fotografada em Roraima Essa é a Amazônia das primeiras décadas do século XXI riqueza e contradições entre as quais a degradação do ser humano em meio à opulência de poucos Vejamos isso desde a chegada do europeu O óbvio esquecido a Amazônia era indígena Comecemos pelo que deveria ser de conhecimento de todos mas que muitos não querem reconhecer a história da sociedade na Amazônia é muito anterior à chegada dos europeus ditos ci vilizados Ferramentas e artefatos descobertos em várias localida des da região receberam datações que variam entre 10 mil e 7 mil anos aC antes de Cristo no Mato Grosso e entre 8 mil e 4 mil aC nas Guianas venezuelanas República da Guiana e rio Tapajós Amazônia brasileira Cerâmicas de datas diversas foram encon tradas na Guiana 4 mil aC e na foz do Amazonas 3 mil aC Entre 4 mil e 2 mil anos aC ocorreu a transição da caça e da cole ta para a agricultura1 mas evidências no rio Orinoco Venezuela indicam que a mandioca já era cultivada em 5 mil anos aC de 1 Alguns pesquisadores não gostam de usar o termo agricultura para retratar essa atividade nessas culturas pois a relação que elas desenvolviam com as árvores e plantas era diferente da que ocorre com as populações de origem europeia 39 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 modo que em 3 mil aC passam a existir sociedades de horticulto res e em 2 mil aC já havia sociedades hierarquizadas e populosas Souza 2015 Peças de cerâmica polícroma de 8 mil aC foram encontradas em Santarém Becker 2008 Estimase que os pri meiros grupos humanos chegaram à região há aproximadamente 13 mil ou 11200 anos Anna Roosevelt e sua equipe de arqueologia estudou a área da Taperinha região de SantarémPA e a caverna da Pedra Pintada em Monte AlegrePA Nesta última constatouse que pessoas que passaram ou viveram pela região o fizeram entre 11200 e 9800 anos atrás Produziram facas e outros objetos de rocha coletavam produtos florestais e de várzea além de pintar homens e animais nas paredes do lugar Em outras áreas do continente americano havia outras civili zações bem organizadas Quando os europeus chegaram no final do século XV encontraram para os padrões da época civilizações complexas e desenvolvidas do ponto de vista da ciência cultura e comércio Eram as civilizações précolombianas Astecas Maias e Incas Os espanhóis dispondo de enorme poder bélico com armas de fogo rapidamente dominaram os exércitos locais munidos tão somente de arco e flecha e outras armas semelhantes Na chegada dos invasores europeus os Maias América Cen tral já não estavam em seu auge mas os Astecas onde hoje é o México e os Incas viviam em grande efervescência social Estes últimos se estendiam por vários países da costa pacífica da Améri ca do Sul na cordilheira dos Andes Estimase em até 12 milhões de pessoas maias A cidade de Cuzco no Peru onde também se encontra Machu Picchu com 40 mil pessoas era considerada a capital do império A importância dessas civilizações e ao mesmo tempo o tama nho do genocídio cometido pelos europeus pode ser evidenciada em uma descoberta anunciada em 2018 uma megalópole da civili 40 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zação Maia numa área do norte da Guatemala que deve ter abriga do alguns milhões de pessoas Ela tinha casas palácios muralhas fortalezas e vias elevadas ruas e estradas2 Sem contar com o mesmo desenvolvimento tecnológico do eu ropeu os povos indígenas3 amazônidas consumiram domestica ram cultivaram e disseminaram diversas espécies agrícolas am plamente utilizadas no mundo atualmente contribuindo para a produtividade e diversidade da agricultura mundial macaxeira aipim mandioca batatadoce milho pimentas pupunha uru cum cará jenipapo abacaxi amendoim tomate cacauchocola te baunilha maracujá abiu biribá taioba entre outros Batata e feijão são originários do continente americano e eram amplamen te conhecidos desde antes dos colonizadores europeus Apesar dos olhos do colonizador estarem voltados para os metais preciosos a batata foi muito importante para diminuir a fome na Europa re duzindo o preço da força de trabalho elevando os lucros e permi tindo a continuidade da acumulação de capital e do investimen to fundamental à Revolução Industrial Sustentado em diversos estudos e descobertas arqueológi cas Márcio Souza 2015 afirma que na Amazônia de antes dos europeus existiram cidades com população de milhares de 2 A descoberta foi possível por conta de uma nova tecnologia Lidar que usa laser a partir de aviões ou helicópteros para mapear o solo e subsolo e gerar imagens Acreditase que os Maias eram uma civilização tão avançada quanto os chineses e gregos antigos 3 Indígenas aborígenes ameríndios povos originários nativos autóctones são muitas as expressões para se referir a essas pessoas Não vamos entrar no mérito da melhor definição até porque o mais importante é que são seres humanos Por outro lado temos clareza que a expressão indígena ao mesmo tempo que junta e destaca elementos de identidade comuns tal qual ocorreu com a expressão tra balhador rural também secundariza especificidades de modo que em muitos aspectos poderia ser melhor designar cada povo por meio do nome que ele se reconhece Munduku Kayapó etc Feitas essas observações em geral recorrere mos à expressão indígena 41 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 habitantes4 estruturas religiosas hierárquicas recolhimento de tri butos expressiva força de trabalho até com escravos produção de excedente econômico complexos de defesa e canais de água construídos Os altiplanos bolivianos o médio Orinoco e a ilha do Marajó são locais onde há evidências dessas sociedades5 Havia redes de comércio guerra e hierarquias estratificadas nobres ser vos etc Na Bacia Amazônica as chefaturas complexas se expandiam sus tentando longas redes de troca que conectavam a região em todas as direções proporcionando juntamente com o fluxo de bens de pres tígio e mercadorias o intercâmbio de tecnologias e ideias Foram essas sociedades dinâmicas com sofisticado domínio sobre os mais diversos ecossistemas que foram encontradas pelos conquista dores europeus no século 16 Em nenhuma outra parte do país o desenvolvimento de instituições sociopolíticas complexas tinha chegado tão longe Não cabe aqui espe cular se os cacicados6 amazônicos teriam se tornado estados expansio nistas como o império Inca Mas estavam certamente mais próximo de sêlo do que do quadro de idílicas tribos de floresta tropical que continuam a influenciar nosso imaginário Schaan 2008 p 35 Clement e Junqueira 2008 citam uma aldeia que os europeus encontraram na foz do rio Tapajós onde atualmente é a cidade de SantarémPA Ela ocupava uma área de pelo menos 300 hectares sendo maior e com população mais numerosa que algumas capi tais da Europa de então Nela se encontravam currais cheios de 4 Schaan 2008 cita comunidades entre 2 e 3 mil habitantes eram os cacicados marajoaras Becker 2008 se refere a aglomerações com escala urbana de até 10 mil habitantes Souza 2015 recorre a números ainda maiores 5 É verdade também que enorme diversidade e diferenças eram encontradas entre os povos indígenas alguns com razoável desenvolvimento técnico e organizacional 6 Cacicados das várzeas chamados de reinos pelos viajantes europeus eram so ciedades estratificadas governadas por chefes regionais que exerciam domínio político e simbólico em áreas que se estendiam por dezenas de quilômetros em alguns casos Schaan 2008 p 33 42 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tartarugas armazéns lotados com farinha de mandioca e milho e árvores frutíferas nas redondezas Essa complexidade retrocedeu com a chegada do europeu e com o genocídio que se procedeu desde então contra os indígenas fazendo com que grande parte dos que sobreviveram tivesse que fugir para áreas mais internas e distantes da floresta tendo que reproduzir a vida em piores condições inclusive com forças produ tivas mais rudimentares Sociedades culturas e tecnologias cons truídas ao longo de mais de 10 mil anos foram rápida e intensa mente destruídas Parte dos conhecimentos sobre plantas animais e técnicas também se perdeu com isso A colonização portuguesa Há um município no interior do Amapá cuja sede fica às mar gens de um lago Nele contase a história de uma senhora que em determinadas noites virava porca e saía pelo mato Os demais mo radores desconfiavam do que ocorria mas não tinham certeza Certa vez um rapaz conseguiu golpear o animal com uma faca No dia seguinte a senhora teria aparecido com o ferimento na re gião correspondente ao golpe desferido na porca Inúmeras são as histórias sobre assombração na região amazô nica espíritos de mortos que aparecem pessoas que se transfor mam em animais espíritos da floresta Matinta Pereira Mapin guari cobra grande encantada etc Isso tudo assusta quem ouve A figura do indígena também assusta a muitos por carregar em si parte dessas histórias e muitas outras mais Mas quem foi a assom bração para quem A chegada do europeu na Amazônia represen tou algo mais terrível do qualquer das assombrações que até então se acreditava ou ainda se crê existir Em novembro de 1499 uma expedição comandada pelo es panhol Vicente Pinzón partiu da Andaluzia na Espanha Em ja neiro de 1500 chegou à costa do Ceará ou de Pernambuco e 43 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em fevereiro à foz do rio Amazonas dirigindose para a região das Guianas e Caribe Durante muitos anos seu nome batizou o atual rio Oiapoque no Amapá Pinzón havia comandado uma das caravelas da expedição de Cristóvão Colombo que descobriu o continente americano em 1492 Usou o dinheiro ganho na aven tura para financiar sua nova investida Outro navegador Diego de Lepe também teria chegado ao território brasileiro antes dos por tugueses que aportaram no Brasil em abril de 1500 Ao chegar à foz do Amazonas Pinzón de início acreditou se tratar de um mar mas logo descobriu o contrário pois as águas eram doces por isso denominou a descoberta de Santa Maria de la Mar Dulce Havia encontrado aquele que podemos chamar de riomar A Amazônia não despertou grandes interesses da metrópole portuguesa no primeiro século após a chegada lusitana ao Bra sil Por conta do Tratado de Tordesilhas que dividira o mundo entre Portugal e Espanha a maior parte da região formalmente pertencia à nação espanhola sendo incorporada paulatinamente por Portugal durante a junção dos tronos das duas nações união da Coroa Ibérica 1580 a 16407 Mas a Amazônia interiorana não era conhecida A primeira expedição ao interior da região ocorreu entre 1541 e 1542 sendo comandada por Francisco de Orellana partindo da nascente para a foz do rio Amazonas onde teria en contrado uma tribo de mulheres guerreiras as amazonas o que seria a origem do nome do rio rio das amazonas O objetivo da viagem era encontrar especiarias de alto valor como era o caso da canela e o reino de El Dorado Em 1615 a Coroa espanhola tomou a decisão de ocupar a Amazônia interiorana buscando conter as investidas de ingle 7 A captura de indígenas também contribuiu para isso pois a redução das tribos da foz do rio Amazonas levou os portugueses a penetrarem a região em busca de novas tribos a serem dominadas extrapolando o Tratado de Tordesilhas a favor dos lusitanos 44 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ses holandeses8 franceses e irlandeses sobre a foz do Amazonas que já desenvolviam relações comerciais com os indígenas incluindo feitorias e lavouras de tabaco e urucu9 A tarefa ficou a cargo dos portugueses e recaiu sobre o estado do Maranhão possessão de Portugal O responsável por ela foi o português Francisco Caldeira Castelo Branco com apoio de Pedro Tei xeira que em 1616 fundou o forte do Presépio atual forte do Castelo origem da cidade de Belém Em 1621 foi formal mente criado o Estado do Maranhão e GrãoPará diferente do Estado do Brasil permanecendo assim até a segunda metade do século XVIII10 Nova expedição seria destinada a Pedro Teixeira em 1637 O objetivo De fato tomar posse do rio Amazonas alargando as fronteiras portuguesas sobre a região para muito além do Tratado das Tordesilhas o que de fato foi acontecendo A consolidação de São Luís11 e a fundação de Belém foram acompanhadas de outras investidas portuguesas contra a presen ça de outros europeus na Amazônia Em 1623 uma força lusitana que contava com mil indígenas flecheiros atacou povoa ções in glesas e holandesas no rio Amazonas em Gurupá e na ilha dos Tocuju região do Amapá Em 1623 ingleses e holandeses do rio 8 Segundo Reis 1960 em 1600 os holandeses fundaram as feitorias de Orange e Nassau na região do rio Xingu 9 Espécie vegetal cujas sementes vermelhas são utilizadas para fazer corantes mui to empregados na culinária 10 Muitas datas são motivo de controvérsia Afora isso a criação de um Estado por meio de um documento não significa necessariamente que sua instalação ocor reria de imediato Segundo Meirelles 1980 a criação do Estado teria ocorrido em 1654 data também compartilhada por Ribeiro 2005 11 São Luís foi fundada por franceses em 1612 a partir da construção do forte Saint Louis e da instalação de feitorias comerciais Portugueses reconquistaram a região em 16141615 Posteriormente em 1641 o Maranhão foi ocupado por holandeses que após três anos de conflito foram expulsos A produção açucareira impulsiona da pelos ocupantes da Holanda foi substituída pelo extrativismo de especiarias 45 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Xingu foram atacados e capturados O forte do Torrego na ilha dos Tocuju foi dominado por Portugal em 1629 Em 1631 as for tificações estrangeiras da região de Macapá foram dominadas por Portugal castigando os indígenas que os ajudavam Em 1648 as últimas fortificações holandesas da região macapaense foram des truídas Reis 1960 Na tarefa de construção do forte do Presépio12 os portugueses receberam a ajuda dos Tupinambá mas isso não eliminou mo mentos de conflito e rebelião indígena tendo como desfecho o massacre tanto dos Tupinambá13 quanto de outras etnias como os Nheengaíba 14 Na década de 1620 uma rebelião Tupinambá resultou na prisão de 24 de seus líderes tendo o governador do forte Bento Maciel Parente os condenado à morte Como foram mortos Cada indígena tinha pernas e braços amarrados em dois cavalos ou em duas canoas que se movimentavam em direções opostas Seus corpos eram dilacerados Os governos do novo estado estimularam a formação de uma economia de subsistência e a miscigenação racial entre o branco e o indígena originando o caboclo ou cabôco o ribeirinho dos rios amazônicos Mas 12 O forte era uma construção rústica de madeira coberta com palha e recebeu o nome pelo fato de a expedição ter partido do Maranhão no dia 25 de dezembro de 1615 Apesar de ser tomado como o marco de fundação de Belém a fortifica ção ficou sem muito dinamismo nos seus primeiros anos tendo sido lentamente acompanhada da construção de algumas casas e das primeiras ruas rua do Norte atual Siqueira Mendes e rua da Ladeira que fica ao lado do forte Feliz Luzitâ nia foi o nome original da cidade posteriormente alterado para Santa Maria de Belém do GrãoPará 13 Por convenção quando se refere a um povo indígena específico recorrese ao nome no singular ainda que o artigo os esteja no plural Dessa forma falase os Tupinambá os Munduruku etc 14 Segundo Gomes 2012 a conquista do Maranhão pelos portugueses a partir de 1614 teve como resultado em poucos anos a destruição de aproximadamente 30 mil Tupinambá residentes entre a ilha de São Luís e Belém 46 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O caboclo não é só filho da miscigenação entre o índio e o branco é também o índio deculturado subsequentemente que assumiu os padrões e os costumes do colono inclusive pela conversão ao cris tianismo através do trabalho do missionário No mesmo sentido a miscigenação entre o índio e o negro deu origem ao cafuzo que tam bém assumiu os padrões e os laços culturais do colono sob as ordens de quem trabalhava e na linguagem regional tornouse também um caboclo Ribeiro 2005 p 60 Caboclo era o indígena sobrevivente morador de aldeias pró ximas às cidades e vilas e por isso vigiado pelas autoridades e fa zendeiros interessados em suas terras O indígena como caboclo termo originalmente de caráter negativo de inferioridade é então incorporado subordinada e depreciativamente à sociedade brasi leira reproduzindo essa situação em regimes políticos posteriores Segundo Gomes 2012 p 68 A passagem da condição de povo autônomo culturalmente e livre politicamente para uma convivência pacífica porém submetida à so ciedade brasileira se dá por uma espécie de pacto no qual os índios aceitam as regras originalmente das relações de servidão agora em forma de clientelismo A eles é permitida a manutenção de parte de seu patrimônio histórico e é facultado o conhecimento parcial e a experiência mínima dos desenvolvimentos da sociedade brasileira Em compensação élhes exigida a submissão aos interesses maiores da nação e também aos menores Esta é a condição de caboclo cujo significado originalmente é mestiço filho de índio com o branco ou negro É um termo pejorativo e recusado por todos constituindo motivo até de proibição de seu uso num dos artigos do Diretório de Pombal Após o fim da União Ibérica a atual Amazônia brasileira viveu uma situação indefinida pois formalmente pertencia à Espanha por força do Tratado de Tordesilhas mas quem a ocupava era Portugal Isso só foi superado em 1750 com o Tratado de Madri que reconheceu a posse lusitana sobre a Amazônia hoje brasileira Neste período D José I assumiu o trono português e nomeou o Marquês de Pombal para efetivamente comandar a economia e 47 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 grande parte da política do reinado Em função de interesses geo políticos domínio sobre a Amazônia Pombal inverteu o nome do estado amazônico passando a ser estado do GrãoPará e Mara nhão 1751 mantendo vinculação direta à Coroa de Portugal ou seja não subordinado à representação portuguesa do Brasil Sua sede passou a ser Belém e não mais São Luís O Marquês nomeou seu irmão Mendonça Furtado como governador e criou a Com panhia Geral do Comércio do GrãoPará e Maranhão 1955 com monopólio econômico sobre a região Em 1755 havia sido criada a capitania de São José do Rio Negro atual estado do Amazonas cuja primeira capital foi a cidade de Barce los Ainda em função da geopolítica ampliação das fronteiras portu guesas Pombal buscou lusitanizar a Amazônia obrigando o uso da língua portuguesa e mudando os nomes dos núcleos urbanos substi tuindoos por nomes portugueses Para alcançar seus objetivos pro curou aprofundar a miscigenação entre indígenas e portugueses Por isso segundo Ribeiro 2005 repassava terras armas e instrumentos agrícolas aos soldados ou colonos que se casassem com indígenas Em quatro anos da década de 1750 foram criadas 60 povoações na região Becker 201315 Em 1772 Pombal dividiu o estado do Norte em duas partes GrãoPará e Rio Negro e Maranhão e Piauí Do ponto de vista econômico desde os primórdios da coloniza ção a atual Amazônia brasileira manteve uma ligação muito mais estreita com as potências europeias do que com o centro dinâmico da economia do Brasil Isso em grande medida se prolongou até o início do século XX Mas o que atualmente se denomina Amazônia Legal brasileira nem sempre mantinha relações políticoeconômicas privilegiada 15 Segundo Gomes 2012 mais de 60 aldeias jesuítas foram transformadas em vilas e lugares muitas existindo atualmente como cidades Santarém Bragança Óbidos Guimarães Viana entre outras 48 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mente entre si Ainda de acordo com o Tratado de Tordesilhas a área do que hoje é o estado matogrossense pertencia à Espanha16 Entre 1673 e 1682 bandeirantes paulistas percorreram o rio Cuiabá em busca de ouro e indígenas para escravização Mas a descoberta de grandes reservas do metal em Minas Gerais arrefeceu as expe dições ao Mato Grosso A descoberta em território matogrossense ocorreria em 1719 no rio CoxipóMirim Na ocasião se lavrou ata de fundação de Cuiabá Outras descobertas aconteceram fazen do com que o governador da capitania de São Paulo se mudasse para Cuiabá permanecendo até a queda da extração Deste modo Mato Grosso GoiásTocantins e mesmo Rondônia eram ligados a São Paulo e a ela se subordinavam A riqueza produzida na região de Cuiabá em grande medida migrou para o centro políticoeconômico da colônia e para Portu gal Isso ocorria por meio do comércio monções e dos impostos O excedente produzido não era investido localmente Configu ravase assim um processo de acumulação primitiva de capital17 Cuiabá tornouse consumidora dos produtos de São Paulo a quem deveria fornecer matériasprimas de alto valor comercial Siqueira 2002 apud Faria et al 2015 16 O termo pertencia deve ser relativizado Nunca é demais lembrar que essas terras originalmente eram habitadas por inúmeros povos ameríndios e que por conta disso a divisão destes territórios entre dois países europeus é uma arbitra riedade do tamanho da divisão que o tratado estabelecia 17 Acumulação primitiva ou originária de capital é o processo de constituição das bases necessárias ao florescimento e consolidação do capitalismo da passagem do capitalismo mercantil para o industrial Foi o longo movimento europeu de separação do trabalhador dos seus meios de produção restando a ele tão somen te sua força de trabalho que passava a vender para um patrão Também fizeram parte a apropriação privada dos recursos públicos dentro da Europa e os diversos processos de geração de riquezas que migravam das colônias para as metrópoles europeias escravização comércio colonial extração de metais preciosos saque pirataria etc Marx 1988 49 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A busca por novas áreas com ouro gerou uma expansão para o oes te matogrossense alcançando e incorporando a região do rio Guapo ré ao território português Em decorrência da dificuldade de controle das atividades na região foi criada a capitania de Mato Grosso em 1748 sendo efetivada em 1752 Vila Bela da Santíssima Trindade Ca pital do Ouro foi instalada como capital às margens do rio Guaporé Por ordem da metrópole lusitana a Companhia de Comércio do GrãoPará e Maranhão passou a controlar o comércio com a capitania a partir da navegação pelos rios Guaporé Mamoré Ma deira e Amazonas mudando o eixo das relações que se mantinham até então com a atual região Sudeste do Brasil Afora a produ ção do ouro a preocupação portuguesa era o controle do território contra os espanhóis No final do século XVIII a queda da produção de ouro e o surto de varíola colocaram a região do Guaporé em declínio Em 1835 Cuiabá tornouse capital da capitania que vivia praticamente isolada em decorrência da crise econômica inclusive com a desati vação da navegação com o GrãoPará No final do período colonial e até mesmo após a independên cia a escravização de indígenas e africanos ou mesmo a sujeição a trabalhos pesados dos primeiros por métodos diversos foi funda mental para a geração de um excedente de valor contribuindo para a efetivação da acumulação primitiva de capital Esse processo foi importantíssimo para a sustentação do modelo colonial português sem o qual desmoronaria O modelo colonial português apoiado numa sociedade e no breza ainda com fortes e arcaicos traços feudais fez com que na região amazônica a ocupação lusitana se sustentasse no extrativis mo18 e na escravização e genocídio indígena para o qual contou 18 O extrativismo como se processou incorporava pouca tecnologia e baixa acu mulação de capital no local contribuindo limitadamente para a dinamização da 50 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com o apoio direto dos jesuítas através do amansamento desses povos A imposição forçada ou disfarçada do cristianismo se cons tituiu num importante fator de dominação e domesticação dos indígenas a favor dos interesses metropolitanos e da própria acu mulação primitiva de capital que se processava na Europa Para facilitar o domínio dos indígenas exploração e a própria catequização os ameríndios foram reunidos em aldeias perden do a identidade tribal a favor da homogeneização religiosa Orga nizavamse descimientos expedições que buscavam convencer os indígenas a descerem para as aldeias de repartição nas quais se repartiam os nativos entre religiosos colonos e Coroa Também no sentido da dominação foi desenvolvida uma língua geral para a população indígena amazônica o nhengatu19 O poder colonial e a catequese destribalizaram desaldearam arranca ram os indígenas de seus territórios e de suas culturas e os levaram atra vés dos descimientos para outros lugares de redistribuição ignorando seu pertencimento étnico e cultural Castro e Campos 2015 p 416 As ordens religiosas além do amansamento por meio da cate quização faziam parte das expedições de captura dos indígenas assumindo quando necessárias funções militares20 A Igreja aliadairmã das monarquias ibéricas no interesse de manter seu poder medieval em declínio com a ascensão do capitalismo e que por isso mesmo apoiou incondicionalmente o modelo colonial de por economia e sociedade amazônicas Abdicavase de outras possibilidades Os ho landeses ocuparam o Maranhão em 1641 e iniciaram o estabelecimento da pro dução de canadeaçúcar Quando os portugueses reconquistaram esse território a economia passou a se sustentar na exploração do extrativismo de especiarias 19 Essa língua entrou em desuso quando para ampliar o domínio português sobre a região o Marquês de Pombal proibiu sua utilização obrigando o uso e a disse minação da língua portuguesa por todos que viviam na Amazônia lusitana 20 Entre as expedições havia as guerras justas que eram ações militares com obje tivo de escravização contra as populações indígenas que reagiam violentamente à ação dos colonizadores ou se negavam a aceitar a catequização ou defender os portugueses 51 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tugueses e espanhóis foi na Amazônia agente exemplar daquela forma hipócrita e mansa de violência colonizadora a catequese que contri buiu decisivamente ao extermínio do nativo Leal 2010 p 9121 A exploração indígena era mais uma fonte de renda à metrópo le portuguesa Parte dessa riqueza por meio do comércio e outros compromissos migrava para a Inglaterra engrossando o processo de acumulação primitiva de capital Na colonização brasileira Portugal adotou a concessão de ses marias distribuição de enormes extensões de terra a determinadas pessoas No final do século XVIII e início do seguinte esse instru mento foi muito presente na Amazônia Destinadas a quem dispu nha de poder econômico político eou religioso elas configura ram parte da constituição da estrutura fundiária concentradora e excludente que ainda se encontra no país e na região Essa concen tração de poder políticoeconômico foi motivo de fortes tensões em diversos momentos A Revolução Cabana A independência do Brasil ocorreu em 1822 mas o estado do GrãoPará não aderiu à ela Isso somente ocorreu em 15 de agosto de 1823 quando o governo imperial do novo país mandou um na vio de guerra comandado por um inglês John Grenfell bloquear e ameaçar bombardear Belém22 Entretanto cargos importantes do governo local continuaram ocupados por portugueses A po pulação saiu às ruas contra essa situação exigindo e conseguindo a substituição do governador provincial Durante a comemoração pelo feito Grenfell achando que estariam cometendo excessos 21 A interpretação sobre o papel da Igreja não é consensual Ribeiro 2005 apre senta uma análise bem mais complacente em relação a essa instituição em parti cular quanto à negação ao trabalho escravo indígena ainda que reconheça que em alguns casos a instituição recorria a ele 22 A capitania do Rio Negro aderiu um pouco depois em 9 de novembro de 1823 52 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mandou prender 256 pessoas levandoas ao porão do navio brigue Palhaço que não apenas não tinha espaço para tanto como ainda recebeu cal jogada sobre os presos revoltados para acalmálos Ao todo 252 morreram sufocados dentro do porão três já do lado de fora e apenas um sobreviveu Eram sete horas da manhã do dia 22 quando se correu a escotilha do navio em presença do comandante E o que viu ele Um mon tão de duzentos e cinquenta e dois corpos mortos lívidos cobertos de sangue dilacerados rasgadas as carnes com horrível catadura e sinais de que tinha expirado na mais longa e penosa agonia Raiol apud Ribeiro 2005 p 102 A fragilidade da economia regional permaneceu pelo menos até a virada do século XVIII para o século XIX Esse quadro junto à estrutura de dominação presente na região fez eclodir uma revo lução organizada pelos setores mais empobrecidos da Amazônia a Revolução Cabana 1835184023 que arregimentou caboclos e outros setores populares moradores de cabanas casas pobres Eles viam contradições no fato de o Brasil ter se tornado um país independente mas ainda permanecerem na região os mesmos seto res dominantes grosso modo de origem estrangeira Os cabanos chegaram a dominar e governar Belém por mais de um ano entre 1835 e 1836 Marques e Marques 2015 O primeiro presidente cabano foi Félix Malcher latifundiário e dono de engenho mas que foi executado pelos próprios cabanos sob a acusação de trai ção Foi substituído por Antônio Vinagre Logo após se perdeu o controle da cidade24 23 Antes disso um conjunto de agitações e insatisfações já tomava conta da provín cia de onde se destacavam as ideias liberais do religioso Cônego Batista Cam pos de alguma forma um dos inspiradores da Cabanagem que foi morto no final de 1834 pouco antes de eclodir a revolução 24 Parte da elite local inicialmente se moveu junto aos cabanos porque queria a in dicação de um governador do Pará e não os que continuavam vindo de fora por decisão da Regência do Brasil 53 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Cabanagem foi um movimento que veio de baixo para cima contrariou muitos interesses já que a maioria dos visa dos pelos revoltosos eram os estrangeiros abastados Rocque 2001 p 40 A segunda tomada de Belém foi comandada por Eduardo Angelim com um exército de três mil cabanos com grande presença de indígenas negros mestiços e pobres Ange lim era um seringueiro cearense de 21 anos de idade que se tor nou presidente da província e cujos interesses se aproximavam das camadas mais empobrecidas o que gerava conflitos com os setores mais abastados Cabanos eram caboclos que viviam ao longo dos rios nos sítios nos pontos de pesca nas fazendas de cacau viviam quase à lei da nature za sem qualquer possibilidade de ascensão social econômica e polí tica e agora vinham a cobrar cheios de ódio aos bem instalados aos brancos que eram portugueses ou deles diretamente descendentes a situação difícil em que se encontravam responsabilizandoos pelo que sofriam Reis 1960 p 60 Com a Cabanagem indígenas e tapuios recrutados a contra gosto se rebelavam contra os generais lhes tomando uniformes e patentes escravos amarravam e chicoteavam seus senhores pobres agrediam seus patrões Monteiro 2005 destaca a participação de quem até então fora escravo Algumas lideranças de origem africa na comandaram tropas armadas Manoel Barbeiro e Patriota Be lém Cristóvão Benfica próximo a Belém Coco Marajó e Be lizário Baixo Amazonas foram figuras negras que se sobressaíram durante a Cabanagem A revolução cabana foi uma revolta de despossuídos contra proprietários que ainda que apresentasse uma capa racial de diferenças espelhava na verdade a resultante histórica da ex propriação do nativo e da sua conversão em força de trabalho ex plorada pelos que se converteram em proprietários à custa da sua expropriação e exploração Leal 2010 p 102 Infelizmente nas 54 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 palavras do autor faltou projeto político à revolução cabana25 Vá rios grupos internos passaram a se digladiar Ela foi derrotada pe las forças repressoras do governo central tendo uma estimativa de 30 mil a 40 mil mortos Podemos acrescentar que a Cabanagem fazia forte oposição ao governo do Pará mas não tinha o mesmo comportamento frente ao governo brasileiro cujo imperador era português de nascimento26 Isso limitou seu horizonte e de modo geral se apresentou mais como uma revolução local ainda que numa região de enorme dimensão territorial Exploração do trabalhador negro Um ponto pouco destacado na história amazônica é a presença e exploração do trabalhador negro capturado na África Há regis 25 Praticamente no mesmo período da Cabanagem ocorreu a Balaiada no Mara nhão com uma presença ainda maior de trabalhadores negros e com a luta dire ta pela libertação Liderados por Negro Cosme quilombolas atacaram fazendas libertando escravos Três mil até então escravizados fundaram um quilombo na Lagoa Amarela Milhares de soldados do governo central foram deslocados para reprimir a revolução Prometendo anistia a quem ajudasse as tropas regenciais o Exército venceu os quilombolas de Lagoa Amarela Negro Cosme foi enforcado em 1842 Também ocorreram revoltas em outras províncias como foi o caso da Bahia e sul do Brasil 26 Diferentemente de alguns historiadores que afirmam que a Cabanagem teria fundado uma República independente Isso fica evidente em ofício ao governo inglês assinado por Eduardo Angelim Um navio da marinha mercante ingle sa foi saqueado na costa paraense em Salinas Militares britânicos exigiram que Angelim entregasse os responsáveis aos ingleses os indenizasse e sujeitasse a bandeira brasileira à inglesa Angelim concordou com a indenização No mais respondeu vou empregar diligências para a captura daqueles delinquentes que devem sofrer todo o rigor que as leis ordenam a tal respeito e que jamais os en tregarei ao governo inglês sem ordem do governo do Rio de Janeiro quando o país tem leis para punir os criminosos e que igualmente não sujeitarei a bandeira de minha nação à humilhação exigida sem ordem da corte Angelim apud Reis 1960 p 63 Mas havia quem pensasse diferente Segundo Pinheiro 2008 um grupo de mais de 400 escravos negros autolibertados pela Revolução defendia a alforria geral o rompimento com o Império brasileiro e a constituição de uma república negra tal qual ocorrera no Haiti em fins do século XVIII 55 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tros de escravos africanos residindo em Belém em 1637 Registros sobre a expedição que Pedro Teixeira comandou naquele ano su bindo o rio Amazonas dão conta da participação de alguns traba lhadores nessa condição Informações levantadas por Salles 2005 indicam que os escravos negros foram introduzidos na região por um padre jesuíta em 1680 que utilizou recursos das Missões do Pará e Maranhão para comprálos27 É verdade que em números absolutos ela foi menor que a pre senciada em outras regiões do Brasil A resistência de setores da Igreja à escravização indígena e a legislação colonial que caminha va também neste sentido poderiam favorecer a adoção do escravo africano na Amazônia em proporções equivalentes ao que aconte cia em outras regiões mas não foi bem assim A economia amazônica estava distante do centro econômico da colônia brasileira sustentada num extrativismo primário e sazonal pouco capitalizada e com baixa monetização Nessas condições a frágil economia regional dos primeiros séculos de ocupação por tuguesa diminuía a capacidade dos produtores locais de comprar uma mercadoria até então cara na aquisição o escravo africano Assim era mais fácil recorrer ao trabalhador indígena para es cravizálo ou ainda que formalmente livre colocálo numa con dição muito próxima da escravidão Isso era facilitado pelo deslo camento de populações indígenas rumo à Amazônia fugindo do colonizador europeu que se assentava no litoral Foi o caso por exemplo dos Tupinambá Em 1755 pelo menos formalmente foi proibida a escravização do indígena no Estado do GrãoPará e Maranhão28 em 1758 27 As ordens religiosas mantinham escravos negros em suas propriedades No sécu lo XVIII a fazenda dos mercedários em Cachoeira do Arari na ilha do Marajó contava com 150 escravos negros 28 Um dos motivos para essa proibição era a intenção do Marquês de Pombal de conseguir a simpatia dos indígenas amazônicos pois com o Tratado de Madri 56 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 essa proibição foi estendida para o Estado do Brasil Ainda em 1755 foi criada a Companhia de Comércio do GrãoPará e Ma ranhão que entre outros encarregouse de importar trabalhado res africanos estimulando esse comércio mas a permanência da fragilidade econômica regional limitava essa demanda Isso não quer dizer que a presença negra na Amazônia fosse insignificante Somente a Companhia em seus 22 anos de existência introduziu 12587 escravos negros na Amazônia Monteiro 2006 Algumas dezenas de milhares de trabalhadores africanos viveram na região na condição de escravos Bae na 1969 afirma que 38323 escravos foram importados para a região Segundo Salles 2005 esse nú mero totalizou 53217 Trabalhavam em lavouras diversas cacau e canadeaçúcar por exemplo extrativismo florestal comércio flu vial engenhos mineração de ouro no Mato Grosso e na pecuária ilha de Marajó29 Construíram obras diversas entre as quais os fortes Foi o caso da fortaleza de São José de Macapá erguida en tre 1764 e 1782 na intenção de barrar as investidas francesas que já estavam nas Guianas e impulsionar a colonização do território Este forte amapaense é considerado por historiadores locais como a maior fortificação militar colonial da América Latina mas nunca entrou em combate Sua construção que utilizou pedras retiradas das margens do rio Pedreira a algumas dezenas de quilômetros da fortaleza custou a vida de indígenas e negros Nas áreas urbanas os escravos de origem africana eram utiliza dos como vendedores prestadores de serviços artesãos carpintei na definição das fronteiras amazônicas entre Portugal e Espanha pesaria favora velmente aos lusos a reivindicação dos nativos pelos portugueses assim como o uso da língua lusitana Nessa disputa Portugal foi beneficiado pelas dificulda des dos espanhóis que saqueavam a costa pacífica da América do Sul em conse guir ultrapassar a barreira composta pelas montanhas da cordilheira dos Andes 29 Além das cidades já citadas podem ser destacadas Bragança Cametá e Santarém como importantes núcleos de produção econômica e mesmo de concentração de escravos 57 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ros e serviçais domésticos Apoiado nas informações do pesquisa dor Vicente Salles e nas estatísticas censitárias brasileiras Roberto Santos 1980 constata que em 1850 a Amazônia Pará e Amazo nas contava com 160313 habitantes livres e 40078 escravizados negros o que proporcionalmente era expressivo No Maranhão a produção de algodão na segunda metade do século XVIII e no decorrer do seguinte foi estimulada pelo au mento dos preços internacionais uma das razões para isso foi a independência das colônias inglesas da América do Norte atual EUA O algodão maranhense era destinado à indústria da Ingla terra Teve expressividade no Brasil do período e foi sustentado na força de trabalho escrava africana Isso modificou a composição étnica maranhense até então composta pelo colono branco e prin cipalmente o indígena e o mestiço derivados dos dois primeiros Segundo Caio Prado Júnior 2011 apesar do ranço o algodão tor nou preto o Maranhão De acordo com o coronel Antônio Lago em 1822 a província do Maranhão contava com 152893 habi tantes sendo 77914 escravos30 Mesquita et al 2015 Também a grande produção e exportação de arroz maranhense principal mente no final do século XVIII esteve sustentada por trabalhado res negros neste caso oriundos da Alta Guiné África Ocidental pois eram reconhecidos por dominarem as técnicas dessa produção no continente africano Na segunda metade do século XIX a efervescência econômica decorrente das exportações de borracha poderia ter estimulado a ampliação do uso da força de trabalho escrava africana na Amazô 30 A expansão da economia do algodão gerou efervescência econômica e cultural em São Luís com expansão urbana obras arquitetônicas e filhos da elite local indo estudar na Europa A grande produção literária levou a que se denominasse a cidade como a Atenas brasileira A contradição é que isso foi sustentado naqui lo que talvez seja o que há de mais atrasado na humanidade moderna a escravi zação de parte dos seres humanos 58 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nia mas sua importação já estava proibida e o aviamento respon deu à necessidade de se ter uma força de trabalho barata Os trabalhadores africanos também apresentaram diversas for mas de resistência as fugas e os quilombos também chamados de mocambos na Amazônia espalhados por toda a região são exem plos Parte dos que fugiam passavam a navegar pelos rios se jun tavam a outros negros e até mesmo conseguiam entrar em outras cidades se confundindo a libertos e mestiços Outros organizavam a resistência na forma de comunidades quilombolas Concordando com Castro e Campos 2015 o qui lombo constituíase num lugar de recriar a vida em liberdade Em Macapá há a vila negra do Curiaú atualmente dentro da área ur bana da capital amapaense Uma das versões contada por seus moradores para sua fundação afirma que a comunidade foi cria da por escravos fugitivos que eram forçados a extrair pedras usa das na construção da fortaleza de São José de Macapá no século XVIII O batuque do marabaixo e as festas de santos são algumas das marcas desse lugar e da sua forte presença cultural Esse traço cultural ainda que miscigenado com a cultura do colonizador está presente em inúmeras cidades amazônicas É o caso da cidade de Bragança e dos festejos ao seu padroeiro o santo preto São Benedito A participação negra na Revolução Cabana Pará e na Balaiada Maranhão no século XIX também merece destaque O período da borracha bela época para poucos escravidão para seringueiros Durante o dia tomavase chás e cafés andavase de bondes em ruas bem arborizadas e pavimentadas eletrificadas e cercadas por imponentes casarões e palacetes Percorriase as lojas para ver os mais recentes lançamentos da indústria estadunidense britânica e francesa O progresso era a modernidade Nos restaurantes se en contravam cidadãos belgas estadunidenses britânicos do Oriente 59 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Médio entre tantos Os vestidos tinham os mais finos tecidos do Oriente ou de outro país europeu sempre lavados em uma das lavanderias da capital francesa ou outra cidade equivalente Os fi lhos estudavam em universidades da Inglaterra Portugal França À noite uma ópera de companhia francesa era bem assistida num imponente teatro de estilo renascentista ou neoclássico inspirado em Milão ou outra cidade de vanguarda Privilegiavase arquitetos e artistas italianos e franceses para as construções e ornamentações mais destacadas Certas edificações eram produzidas em alguma metalúrgica europeia e montadas no lugar desejado Poderiam se guir o estilo art nouveau da belle époque ou outro que representasse a elegância do clima temperado do Hemisfério Norte Ah Paris Paris Estamos falando de uma grande cidade europeia Apesar do desejo regional não Era o centro da cidade de Belém ou de Ma naus na virada do século XIX para o XX Mas de onde vinha tamanha ostentação Quem sustentava o luxo dessa minoria de pessoas que buscava um reino de fantasia no calor equatorial O seringueiro Qual a situação da Amazônia e particularmente do trabalhador durante o século XIX e início do século XX Fui logo colocado para fazer trabalhos forçados Na época este ho mem que me comprou estava construindo uma casa e teve que bus car pedras do outro lado do rio Às vezes a pedra pesava tanto em minha cabeça que eu era obrigado a derrubála no chão e então o meu mestre irritado me chamava de cão Logo melhorei o meu conhecimento do idioma português e fui enviado para vender pão para o meu mestre às vezes não era tão bemsucedido e em seguida o chicote era meu destino As coisas continuaram cada vez piores Tentei fugir mas logo fui capturado amarrado e levado de volta Eu preferia morrer do que viver para ser um escravo Então corri até o rio e me joguei Após ser resgatado fui levado à casa de meu mestre que amarrou minhas mãos colocou meus pés juntos e me chicoteou impiedosamente bateume na cabeça e rosto com um pedaço de pau pesado me sacudiu pelo pescoço As cicatri 60 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zes do tratamento selvagem são visíveis desde então e permanecerão assim enquanto eu viver Depoimento de Mahommah Baquaqua31 O relato é de um caso típico de um trabalhador africano escra vizado no Brasil Vejamos outra situação O trabalhador era levado para a mata para extrair produtos da floresta Nela era obrigado a trabalhar para cobrir os custos de alimentação hospedagem e transporte Mas o que ele produzia era contabilizado por um preço muito baixo e ele ainda tinha que adquirir produtos para se alimentar nos dias que se seguiam para o trabalho extrativo etc Nesse caso os preços eram muito altos Era um trabalho extrema mente penoso que começava no meio da madrugada e continuava no decorrer do dia Mesmo assim sua dívida só aumentava Ele não tinha direitos respeitados não tinha nenhuma proteção traba lhista Quem determinava o que era ou não direito daqueles que trabalhavam era o senhor o barão o coronel Diversos relatos de nunciavam que mulheres e filhas dos trabalhadores eram abusadas sexualmente pelos seus senhores Salário monetário Férias Nem pensar Isso não existia Se tentasse fugir seria perseguido pelos capangas do latifundiário ou pela polícia capturado espancado e colocado de volta ao trabalho mais penoso ainda Esse é mais um relato de trabalho escravo africano do Brasil do século XVII Não Era a situação do trabalhador supostamente livre na Amazônia no início do século XX marcada por euforia econômica e moderni zação nas suas principais cidades Os primeiros séculos da colonização portuguesa da Amazônia foram marcados pelo extrativismo de produtos florestais conheci dos como drogas do sertão dentre os quais o mais destacado foi o cacau Mas era uma economia frágil A situação da região mudou no decorrer da segunda metade do século XIX com a grande pro 31 Disponível em httpdocsouthuncedunehbaquaquamenuhtml 61 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cura internacional pela borracha extrativa produto já há muito conhecido e trabalhado pelos indígenas Tanto o auge como o de clínio dessa produção decorreram entre outros fatores da revolu ção industrial que possibilitou o desenvolvimento técnico através da descoberta da vulcanização32 e o grande aumento da sua pro cura como matériaprima principalmente quando a indústria au tomobilística passou a crescer De outro lado a expansão imperia lista levou ao controle de diversas áreas do planeta pelas principais potências mundiais e buscou controlar a produção de matériaspri mas A borracha evoluiu de simples produto vegetalcomercial para elemento essencial ao desenvolvimento da indústria burguesa con solidando o papel da região como fornecedora de matériasprimas industriais e não apenas exportadora de produtos de consumo direto como era o caso de peixes ervas etc 33 Para a elevação da produção regional era preciso superar o pro blema da escassez de força de trabalho Isso foi resolvido com a mi gração nordestina organizada pelos governos estaduais amazônicos governo federal e seringalistas aqueles que controlavam seringais nativos Segundo Samuel Benchimol 1977 cerca de 350 mil nor destinos adentraram os seringais da Amazônia de 1850 a 1915 Mas se a procura por força de trabalho era alta por que não ha via um aumento na remuneração desta no seringal Dada a baixa remuneração por que esse trabalhador não migrava de volta para a agricultura Porque o seringal não era um mercado livre mas um estabelecimento mercantil e uma espécie de prisão sustentada numa cadeia de endividamento O trabalhador direto pagava em 32 Mistura de enxofre na borracha natural sob alta temperatura Com isso ela fica resistente às mudanças climáticas podendo ser utilizada como matériaprima industrial em larga escala 33 Outras espécies vegetais também produziam látex fosse na Amazônia ou em outras regiões e países mas a seringueira amazônica era quem produzia o látex em melhores condições de aproveitamento industrial 62 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 espécie com o fruto de seu trabalho látex colhido os produtos anteriormente comprados fiado junto ao patrão seringalista Este ganhava duplamente rebaixava o preço do látex extraído pelo trabalhador e elevava muito o preço das mercadorias que vendia fiado O seringueiro não podia abandonar o seringal enquanto não quitasse sua dívida Esse era o aviamento um sistema de organi zação do trabalho por meio do endividamento que extraía uma grande massa de trabalho excedente do trabalhador extrativista Essa situação levou Euclides da Cunha a afirmar que o serin gueiro era o homem que trabalhava para escravizarse e que o pro cesso em torno da extração da borracha era a mais criminosa orga nização do trabalho Podemos até discutir o conteúdo que Cunha quis dar à sua afirmação mas não nos pode restar dúvidas o se ringueiro era um escravo Escravo temporário e por dívida mas escravo Se não fosse assim ele seria livre para buscar trabalho em outras atividades e então pagar suas dívidas que na verdade já haviam sido pagas inúmeras vezes Até mesmo pesquisadores ama zônidas ainda que criticando o aviamento não o analisam como uma forma de trabalho escravo que sustentava a modernidade e europeização da bela época de Belém e Manaus O esquema de endividamento envolvia diversos atores por exemplo a casa de comércio do Rio de Janeiro vendia uma mer cadoria fiado para uma casa aviadora de Belém ou Manaus já co brando um ágio juros elevado por isso Esta casa aviadora que também era um estabelecimento mercantil repassava essa merca doria também fiado para um seringalista cobrando um ágio ainda maior de modo a cobrir os juros com a casa do Rio de Janeiro e ainda lhe garantir um lucro grande Por sua vez o seringalista fazia a mesma coisa com o seringueiro que não tinha a quem recorrer a não ser a si mesmo trabalhando cada vez mais Deste modo todo o esquema de juros cobrados por um e outro comerciante recaía so bre o seringueiro que trabalhava para pagar o ágio de todos e lhes 63 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 garantir enormes lucros mas fazia isso à custa de maior endivida mento pessoal Exemplifiquemos a partir dos dados de Mendes 2004 O quilo do feijão custava 155 réis no Rio de Janeiro A casa aviadora de Belém o repassava ao seringalista pelo preço de 1032 réis No seringal Piurini 5 custava 1200 réis e no Alto Madeira 6 o preço era 3 mil réis Assim o esquema do aviamento garantia ganhos não apenas na comercialização da borracha em si mas na comercialização em geral A dívida era fundamental para a sobrevivência do sistema e os enormes ganhos do capital e das classes dominantes locais A inexistência de uma dívida do seringueiro junto ao barracão de sarticularia o sistema extrativo visto que até aquela fase do desen volvimento econômico da Amazônia a natureza e seus bens em geral eram livres e os meios de produção para a fabricação do látex eram insignificantes Desmontar o sistema da dívida com o barracão sig nificava desmontar a sua própria lógica de sustentação A dívida não era portanto um elemento acessório proporcionador de lucros ex traordinários mas sim um elo fundamental na estrutura funcional do sistema Loureiro 2004 p 39 Dado o baixíssimo grau de beneficiamento do produto com me canização praticamente inexistente a produção dependia quase que exclusivamente da força de trabalho direta O montante do lucro do seringalista e do sistema como um todo dependia fundamental mente do número de seringueiros na mata Nesse sentido o limite a partir do qual se começava a extração do sobretrabalho era o mí nimo que garantia a precária sobrevivência do trabalhador o que era muito pouco Isso é uma forma de superexploração do trabalho34 Em função da extensão territorial da região e dos seringais na tivos do baixo nível de incorporação tecnológica e de produtivida 34 A definição de superexploração do trabalho na realidade superexploração do trabalhador foi sistematizada por Ruy Mauro Marini 2005 ao analisar a eco nomia dependente e suas conexões com as economias centrais 64 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de o aviamento foi o sistema encontrado para responder ao mesmo tempo aos interesses da burguesia regional35 e da internacional A sobreexploração do seringueiro era uma necessidade da própria valorização de capital permitindo a redução dos custos industriais nos países centrais Mesmo assim essas nações buscaram outros meios para reduzir ainda mais os custos dessa matériaprima como foi o caso da plantação no Oriente e o desenvolvimento da borracha sintética O aviamento gerava um montante enorme de trabalho exce dente extraído que era distribuído entre seringalistas exporta dores governo bancos e comerciantes brasileiros europeus e es tadunidenses Aos trabalhadores diretos restava a miséria social compartilhada por outras frações da classe trabalhadora amazô nica Por conseguinte formouse uma estrutura de classe e renda na região configurada em dois opostos muito distantes Belém e Manaus foram as cidades que concentraram alguma riqueza consumo e serviços e onde se localizou a oligarquia local Mer cadorias diversas incluindo óperas eram importadas da Europa Filhos dos barões da borracha e grandes comerciantes eram en viados à Paris para concluir seus estudos Contase que as famí lias mais ricas chegavam a mandar suas melhores roupas para serem lavadas nas metrópoles europeias e veja que água nunca faltou na região No auge da economia gomífera a nascente burguesia local que ria se sentir na Europa ainda que vivesse colada na linha do Equa 35 Falamos de uma burguesia regional como classe em formação com fortes tra ços oligárquicos e sustentada no extrativismo e no comércio Era uma burgue sia subsidiária como agente marginal e subordinado à acumulação capitalista mundial Em alguns momentos recorremos a ela também como oligarquia local ainda que aqui o elemento político esteja fortemente presente para além do eco nômico Não estamos diante de um modo de produção précapitalista mas do próprio capitalismo que na necessidade de sua reprodução em escala mundial e mesmo local cria e recria relações arcaicas 65 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dor Por isso repassou aos governos provinciais de Manaus e Be lém a realização de uma série de investimentos que ela demandava mas que não queria assumir os custos portos pavimentação de vias transporte de bondes urbanização teatros etc Isso tornava esses governos permanentemente endividados Belém comandada pelo intendente prefeito Antônio Lemos tomou Paris como mo delo período que ficou conhecido como belle époque da cidade36 Em Manaus o teatro Amazonas praças e o mercado municipal Adolpho Lisboa são exemplos dessa opulência Mas todo o luxo se sustentava na superexploração do seringueiro excluído dos ganhos do progresso e da modernidade Na verdade o moderno repro duzia o que havia de mais repugnante a degradação extremada do trabalhador seringueiro Assim a opulência dos que se apropriavam da riqueza local era acompanhada de miséria prostituição e exclusão das demais ca madas da população local Afora isso o embelezamento das duas cidades concentravase no centro que era onde circulava o capital e residiam os moradores ricos Por isso mesmo Antônio Lemos de senvolveu uma política sanitarista visando afastar da área central de Belém aqueles que não tinham hábitos e condições de manter residências e prédios no padrão arquitetônico desejado No seringal a parcela do capital fixo geral máquinas e equi pamentos era pequena se comparada ao capital total investido A forma de capital predominante era o comercial remunerandose principalmente na circulação seja na comercialização da borracha exportada seja na comercialização de outros produtos importa dos do exterior e do Sudeste do país para abastecer cidades e se ringais da Amazônia Assim com reduzidíssima industrialização e dependente de capitais externos e dos preços definidos no mercado 36 Os capitais estrangeiros presentes na cidade eram predominantemente ingleses e estadunidenses mas a referência cultural era francesa 66 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 internacional a economia amazônica viuse numa situação em que o seu centro dinâmico estava no exterior Afirmamos isso levando em consideração que a demanda externa definia o preço do produ to e o montante da produção regional A subida dos preços inter nacionais gerava euforia regional O reduzido capital da região concentrouse onde o lucro comparado ao montante investido seria maior o negócio em torno do extrativismo reduzindo investimento em outras áreas De fato houve até mesmo migração de investimentos de outros setores para a borracha aqui incluída a comercialização Como o processo produtivo em si trabalhava com baixa inovação téc nica e requeria relativamente pouco capital constante máquinas equipamentos e matériasprimas não havia e não houve grande interesse ou ação concreta exitosa no sentido de estabelecer al gum tipo de industrialização forte e permanente para além do beneficiamento primário mínimo do látex O capital remunera vase fundamentalmente na circulação e aí procurou manter se As indústrias instaladas não foram capazes de dinamizar a economia local após a crise da borracha diferente do processo que ocorreu no Sudeste e no entorno do café Afora isso a superexploração do trabalhador direto inibia a in dustrialização na medida em que diminuía a potencialidade do mercado consumidor local reduzindo a possibilidade de uma substituição de importações que estimulasse a instalação de indús trias na região Por outro lado as potências capitalistas procuraram controlar diretamente as fontes produtoras A Inglaterra empreendeu plan tações no Sudeste Asiático com as sementes amazônicas ação fun damental à manutenção da hegemonia britânica sobre o mercado mundial particularmente diante da ascensão dos EUA Henry Wickham foi a pessoa encarregada de conseguir as se mentes de seringueira amazônica para as plantações britânicas no 67 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Sudeste Asiático Estimase que o botânico inglês coletou 70 mil sementes de seringueira no Baixo Amazonas região de Santarém Elas foram enviadas ao Jardim Botânico Real em Londres De lá foram enviadas para a Malásia então dominada pelos ingleses Pelo feito considerado heroico pela monarquia britânica Wickham re cebeu título de nobre Esse é considerado um dos grandes casos de biopirataria na Amazônia mas não o primeiro lembremos das expedições científicas presentes há muito na região e também não o último No Brasil o caso foi denunciado como contrabando Isso deve ser relativizado pois 70 mil sementes não se reúnem de um dia para o outro Provavelmente Sir Wickham pagou várias pessoas para esse trabalho estocou e depois contratou um navio para o transporte Isso levou tempo e não tinha como não ser do conhecimento de muitos Não se tratava do contrabando de um produto que se escondia embaixo da camisa ou dentro de uma bol sa Por isso podemos supor que o nobre ladrão contou com a coni vência de parte das autoridades locais tendo pago algum suborno que também não deve ter sido o primeiro e lamentavelmente não foi o último Do total da riqueza gerada na região uma parte ficava ali mes mo e concentrada em poucas mãos outra se transferia para o ex terior e uma terceira por meio do comércio interno e arrecadação federal migrava para outras regiões do país Os gastos federais na Amazônia eram significativamente menores que o montante reco lhido pela União Segundo dados do IBGE e de Santos 1980 em 1910 o governo federal arrecadou na região Norte 84799 contos de réis um conto correspondia a um milhão de réis mas gastou lá apenas 12359 contos A sociedade amazônica sustentada numa exploração excessiva do seringueiro mas também de outros traba lhadores produziu um montante considerável de riquezas que em alguma medida durante esse período financiou uma parte do pro cesso de industrialização e de acumulação de capital que se iniciava 68 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e se aprofundava no Sudeste brasileiro37 Mas pode ser levantado o argumento foi por um período muito curto Ao que respondemos nem tanto Entre as décadas da virada do século XIX para o XX a participação da borracha na pauta da balança comercial brasileira foi expressiva particularmente na primeira década do novo século Participação da borracha e do café no total das exportações brasileiras em Ano Borracha Café Ano Borracha Café Ano Borracha Café 1879 1880 6 57 1901 21 59 1910 40 41 1890 10 68 1902 20 56 1911 23 60 1895 16 69 1903 26 52 1912 22 62 1896 13 69 1904 28 50 1913 16 62 1897 16 64 1905 33 47 1914 15 58 1898 21 55 1906 26 52 1915 13 60 1899 24 57 1907 25 53 1900 20 57 1908 27 52 1920 3 49 1909 30 53 Fonte IBGE anuários estatísticos Santos 1980 Essa economia regional se viu em crise quando os seringais de cultivo britânicos na Ásia entraram em operação massiva a partir de 1911 As exportações ainda que com preços rebaixados man tiveram volume elevado até 1912 quando também passaram a de clinar A crise foi implacável A população amazônica decresceu de 37 No caso específico do Mato Grosso na segunda metade do século XIX foi intensificada a navegação fluvial com o SulSudeste do Brasil por meio do rio ParaguaiBacia Platina Durante vários anos o látex também foi o pro duto de maior expressão mas também ganhou destaque a ervamate poaia e couros bovinos Corumbá Cáceres e Cuiabá foram os centros econômicos que se destacaram A produção do mate com o tempo passou a ser hegemo nizada pela Laranjeira Mendes e Companhia empresa privada de extração e processamento dessa erva Controlou enormes extensões de terra em parti cular à margem esquerda do rio Paraná A firma contratava preferencialmen te trabalhadores paraguaios pois eram mais fáceis de serem superexplorados principalmente por serem estrangeiros e pela fragilidade de seu país após a Guerra do Paraguai 69 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1217024 de habitantes em 1910 para 1090545 21 dez anos depois A participação do extrativismo vegetal entre 1910 e 1920 na renda regional reduziuse a 23 do valor alcançado em 1890 Santos 198038 Mas o controle da produção de borracha natural pelo cartel in glês se chocava com os interesses da crescente indústria automobi lística estadunidense Por conta disso por meio de uma negociata Henry Ford recebeu do governo do estado do Pará um milhão de hectares de terra às margens do rio Tapajós que veio a se chamar Fordlândia O industrial imperialista recebeu do Estado brasileiro e do governo paraense uma soberania institucional ilimitada inclusi ve com força repressiva própria Mesmo assim não obteve sucesso39 Durante a Segunda Guerra Mundial os seringais asiáticos foram ocupados pelos japoneses Por conta disso e como parte dos Acordos de Washington em 1942 o governo brasileiro comprometeuse em abastecer com exclusividade a indústria estadunidense com a borra cha proveniente da Amazônia Arregimentaramse nordestinos para 38 Os estados ficaram muito endividados O funcionalismo público chegou a um ano de salários atrasados Em 1922 o governo do Amazonas acertou um emprés timo de US 25 milhões junto a banqueiros estadunidenses Para tal concede ria a estes especuladores grandes volumes de terras para explorálas como bem quisessem além de concessões exclusivas e subvencionadas para a exploração da navegação fluvial e telecomunicações entre outros Para estes investimentos o governo amazonense repassaria aos investidores US 15 milhões dos US 25 milhões que se estava emprestando O contrato não foi aprovado pelo Con gresso brasileiro e por isso não se efetivou 39 A Companhia Ford Industrial do Brasil foi constituída em 1927 e tinha como objetivo principal conduzir a mega plantação de seringueiras na Ama zônia O projeto Ford de plantation foi instalado nos anos 1930 mas sofreu com uma praga natural mal das folhas e com a indisponibilidade de força de trabalho na quantidade e nas condições de padronização e adaptação exi gidas pelas empresas Ford disciplina fabril que negava as peculiaridades da cultura local na relação entre homem e natureza Nestas condições as em presas Ford perderam interesse pelo empreendimento Sobre esse tema veja Leal 2002 e Costa 1981 70 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 a extração de látex na floresta alistados como se fossem cumprir serviço militar por isso eram chamados de soldados da borracha A Batalha da Borracha era acompanhada de forte propaganda de guerra conduzida pelo Departamento de Imprensa e Propagan da DIP de Getúlio Vargas Apelavase para o espírito patriota e se apresentava a Amazônia como região de fartura e felicidade di ferente do Nordeste Também se divulgava uma divisão de papéis O soldado da borracha deveria lutar contra a floresta para extrair látex e com isso contribuir para a vitória do Brasil e dos aliados Os soldados diretamente vinculados às Forças Armadas tradicionais defenderiam belicamente a costa brasileira Dada a urgência da produção foram criadas algumas institui ções entre elas o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia Semta para arregimentar nordestinos para ex trair borracha a Superintendência de Abastecimento do Vale Ama zônico Sava o Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará Snapp e o Banco de Crédito da Borracha BCB banco estatal brasileiro mas com 40 do capital pertencente à Rubber Reserve Company agência governamental estadunidense que in dicava um dos dois diretores da instituição financeira enquanto que a presidência cabia ao governo brasileiro DecretoLei 44511942 Samuel Benchimol 1977 afirma que 100 mil nordestinos vieram para a Amazônia entre 1942 e 194540 constituindo um quadro humano de fome tristeza e desilusão com milhares de mortos muitos antes mesmo de chegar ao seringal Esse traba lhador imigrante se deparava com uma realidade históricosocial mas também física muito diferente daquela de onde ele partira Benchimol a partir de entrevistas com os migrantes afirma que 40 Há outras estimativas menores 60 mil nordestinos por exemplo Não esqueça mos que havia um deslocamento de amazônidas também que migravam de suas comunidades e cidades para os seringais 71 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 o sertanejo se autoafirmava como homem de terra enxuta e a Amazônia era encharcada Este trabalhador não tinha proteção legal não tinha os direitos nem dos trabalhadores do campo nem dos da cidade era como se fosse um trabalhador independente autônomo Também não era reconhecido como militar apesar do alistamento41 Um dos carta zes do governo para arregimentação chamava os nordestinos a se alistar como soldado da borracha O Semta daria a passagem um equipamento de viagem um bom contrato assistência à família e assistência médica e religiosa Não passou de promessa Sua situação pouco se diferenciava do seringueiro do final do século XIX Vejamos isso em um entre muitos casos de superex ploração Antônio Ribeiro saiu do sertão cearense rumo ao Ama zonas acompanhando o pai que foi trabalhar como soldado da borracha Trabalhando no seringal o pai adquiriu fiado merca dorias junto ao seringalista o patrão adoeceu e morreu quando Antônio tinha apenas 8 anos de idade Eu me lembro que era eu sozinho para enterrar meu pai Eu era escravo Aí o patrão disse que eu não saía de lá enquanto eu não pagasse a conta Eu tinha oito anos E aí eu fiquei trabalhando para pagar escravo Rede Amazônica de Televisão42 41 Os familiares de soldados da borracha permanecem reivindicando o reconheci mento destes trabalhadores como soldados de guerra o que significaria inclusi ve receber a mesma pensão que os pracinhas eou seus familiares tiveram direito Para quem lutou na Amazônia não houve vitória e a batalha lamentavelmente ainda não se encerrou 42 O seringueiro e seus filhos sequer tinham direito a frequentar uma escola Se o filho do seringueiro fosse pra escola ele ia começar a aprender a ler escrever e a contar e ia descobrir a exploração que estava sendo feita Isso não interessava para o patrão Depois isso influía na produção No lugar do filho do seringueiro ir para a escola ele tinha que ir pra seringa pra poder fazer mais borracha e au mentar a produção do seringal Chico Mendes apud Souza 1990 p 25 Não esqueçamos que os filhos da elite local desde o final do século XIX frequenta vam as escolas europeias para se tornarem doutores 72 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Batalha da Borracha intencionalmente ou não acabou refor çando as relações de dominação e superexploração de um sistema caduco o extrativismo da borracha a partir do aviamento Do ponto de vista da burguesia regional não havia interesse em mudar as relações há muito estabelecidas e que garantiam os lucros elevados Isso ficou evidente no perfil do seringueiro traçado pelas associações comerciais do Pará e Amazonas Antes do mais deve ele ser capaz de viver isolado no interior da flo resta o que constitui particular disposição de espírito deve possuir certa facilidade de improvisar para se bastar a si mesmo com os escassos recursos da floresta Deve ser suficiente saudável para não enfermar em sua barraca úmida e sem conforto no centro da mata Deve ter suficiente resistência física para uma caminhada de 20 qui lômetros diária suportando carga através de alagadiços e ladeiras E deve finalmente contar com habilidade ao corte pois um serin gueiro desajeitado canhestro é fraco produtor de leite de seringa Andrade apud Pinto 1984 p 98 A esse sincero depoimento só faltou acrescentar algo também importante para as associações burguesas regionais que este traba lhador aceitasse comodamente o preço mínimo pago por seu traba lho e a condição de exploração excessiva a que ele se encontrava O número de trabalhadores mortos pode ter alcançado 13 daqueles que foram para a mata nordestinos e amazônidas de tal modo que morreram bem mais brasileiros lutando na Amazônia do que pra cinhas na Itália aproximadamente 45 centenas Sem diminuir a importância das mortes de nossos soldados na Europa o ferro de Minas Gerais e a borracha da região amazônica possivelmente foram as principais contribuições do Brasil à vitória dos países aliados Depois que os EUA retomaram o controle dos seringais do Su deste Asiático desinteressaramse novamente pelo produto amazô nico e a economia voltou à crise de antes Ficou o lamento daqueles que viram seus familiares e amigos morrerem para defender a li berdade Isso pode ser exemplificado nas palavras escritas numa 73 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cruz improvisada sobre uma cova no meio da mata que continha um trabalhador morto após picada de cobra Aqui foi enterrado João Fumaça um Soldado da Borracha que lutou pela liberdade e ajudou a salvar milhões de vida Saudades de seus amigos e com panheiros Sampaio 2007 p 38 A definição das fronteiras amazônicas A Amazônia originariamente espanhola em sua quase totali dade foi paulatinamente sendo ocupada por Portugal o que foi reconhecido internacionalmente pelo Tratado de Madri 1750 que resolveu o conflito entre portugueses e espanhóis Mas isso não significava que suas fronteiras estavam delimitadas Diversas pendências ainda permaneciam e se prolongaram até o início do século XX Desde o início da colonização portuguesa na Amazônia no século XVII já havia disputas pela região ingleses holandeses e outros mais reivindicavam parcelas do território O Mato Grosso e outras porções do que hoje é a Amazônia brasileira foram plei teados pela Espanha O Maranhão foi alvo de disputas inclusive armadas dos portugueses contra holandeses e franceses Esses últi mos desde os primórdios na colonização lusitana amazônica tam bém reivindicavam para si a posse da Guiana e do atual estado do Amapá cujo objetivo era criar a França Equinocial e ter o controle de um dos lados da foz do rio Amazonas Posteriormente recuaram na ambição passando a requisitar a metade norte amapaense A pendência sobre o Amapá gerou vários tratados e momen tos de tensão redundando em um conflito armado entre milita res franceses e moradores amapaenses em 15 de maio de 1895 Seis soldados franceses e 38 moradores amapaenses foram mor tos obrigando o governo brasileiro a tomar uma posição mais ati va em torno da disputa O conflito armado fora impulsionado pela ocorrência de ouro naquela região A divergência foi resolvi 74 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da numa arbitragem internacional presidida pelo presidente suíço Walter Hauser em 1900 Representado pelo barão do Rio Branco o Brasil ganhou a causa em torno do território do Amapá tendo a fronteira entre os dois países delimitada pelo rio Oiapoque No final do século XVIII a Inglaterra ocupou colônias que a Holanda mantinha ao norte da Amazônia e à margem do Caribe conformando o que veio a ser a Guiana Inglesa Até então a ocu pação portuguesa ou que se afirmava ser se estendia pelo curso do rio Branco atual estado de Roraima43 chegando até o alto rio Rupununi que é afluente de um rio maior o Essequibo que desá gua no mar caribenho cortando a Guiana ao meio de norte a sul A área entre os dois rios passou a ser requerida pelos ingleses pois assim teriam algum acesso à Bacia Amazônica O entorno do rio Pirara na mesma região foi ocupado por ingleses reclamandoo como sua possessão A divergência entre Inglaterra e PortugalBra sil se prolongou pelo século XIX sendo resolvida em 1898 quando o rei italiano Vitório Emanuel III escolhido como árbitro deu ganho de causa aos britânicos que anexaram a área para si44 Durante o período de expansão da extração de látex os brasi leiros passaram a penetrar o território boliviano em busca de serin gais ocupando uma área que atualmente corresponde ao estado do Acre Por força do Tratado de Ayacucho 1867 o governo brasilei ro reconhecia a área como da Bolívia e em 1899 aceitou a instala ção de um posto de alfândega do país vizinho no referido territó 43 Esta região foi inicialmente disputada entre portugueses e espanhóis Os lusita nos afirmaram sua supremacia no decorrer da segunda metade do século XIX ocasião em que afastaram os espanhóis além de terem construído o forte de São Joaquim na margem do rio Uraricoera região do rio Branco Ainda nesse período buscouse assentar povoamentos e fezse reconhecimento geográfico e etnográfico que chegou até o rio Rupununi Também foram formadas fazendas para a pecuária bovina e equina 44 A região à esquerda do rio Essequibo também é reclamada pela Venezuela fato ainda não resolvido até as primeiras décadas do século XXI 75 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 rio Os brasileiros lá presentes e impulsionados pelos interesses dos seringalistas decidiram expulsar os bolivianos fundar a República do Acre contratando o espanhol Luís Galvez para governála No início do ano seguinte Galvez foi expulso e a Bolívia retomou o controle sobre a região O problema foi que a partir daí o governo boliviano decidiu repassar o território rico em seringais ao Bolivian Syndicate uma empresa fundada em Nova York com capitais estadunidenses e britânicos e que teria amplos poderes sobre a região O contrato afirmava que durante sua vigência o governo boliviano só poderia dispor de terras e seringais na área se recebesse consentimento do Sindicato Além disso conferia à companhia estrangeira força po licial militar e naval própria e por trinta anos o direito poder e autoridade únicos absolutos exclusivos e independentes para co brar e exigir o pagamento de rendas Contrato apud Reis 1960 p 165 Segundo Reis 1960 Becker 2008 e Ribeiro 2005 ela tinha como um dos proprietários o filho do presidente dos EUA da época Theodore Roosevelt além do rei da Bélgica O contrato foi assinado em 1901 A reação armada dos brasileiros foi comandada por Plácido de Castro a partir de 1902 momento em que o governo do Brasil decidiu oporse à instalação do Bolivian Syndicate e requisitar a região para si À frente da defesa diplomática brasileira estava o Barão do Rio Branco Em 1903 os dois países assinaram o Tratado de Petrópolis permitindo a apropriação ou usurpação do enorme território boliviano pelo Brasil Pagou dois milhões de libras es terlinas à Bolívia e se comprometeu a construir a estrada de ferro MadeiraMamoré que interessaria aos bolivianos e aos capitais lá instalados para escoar sua produção pelo rio Amazonas para o Atlântico EUA e Europa Há quem afirme que os empresários do Bolivian Syndicate receberam do governo brasileiro uma indeni zação maior 76 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A estrada de ferro era uma proposta antiga e já tinha sido inicia da e fracassada em dois momentos anteriores 1872 e 1879 Em 1907 a obra foi de fato começada sendo concluída em 1912 com seus 366 km ligando GuajaráMirim a Porto Velho Sua constru ção ficou a cargo do estadunidense Percival Farquhar e sua em presa a Madeira Mamoré Railway Company que fundou a atual capital rondoniense também em 1907 Ela abrigou a multidão de trabalhadores que chegavam de diversas partes do Brasil e do mun do e ainda os moradores da antiga vila de Santo Antônio do Ma deira que se deslocaram para o novo lugar Por conta dos milhares de mortos durante a obra ficou conhecida como ferrovia da morte ferrovia do diabo As razões eram acidentes doenças ataques de animais e confrontos com indígenas Os trabalhadores afirmavam que para cada dormente da estrada havia um morto Estimase que até 10 mil trabalhadores podem ter perdido a vida na empreitada Para piorar quando ela ficou pronta a economia da borracha na Amazônia entrou em profunda crise A estrada foi subutilizada até ser desativada comercialmente Também data de 1907 o início da construção da linha telegrá fica de Cuiabá a Santo Antônio do MadeiraRO conduzida pelo marechal Cândido Rondon que inspirou o nome do atual estado de Rondônia Rondon ainda participou de diversas expedições pela Amazônia uma das quais com a presença do expresidente do EUA Theodore Roosevelt Em várias investidas o marechal mapeou rios flora e fauna além de promover o contato com muitas etnias Ele seria um dos idealizadores do parque nacional do Xingu criado em 1961 tarefa que foi defendida pelos irmãos Villas Boas A internacionalização da Amazônia Durante a colonização portuguesa se iniciaram as expedições científicas à Amazônia Os cientistas permaneciam na região por alguns anos mapeando a diversidade ecológica Para os financia 77 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dores porém interessava o que isso significaria em termos de apro priação de riqueza servia ademais como afirma Reis 1960 aos interesses imperialistas de seus países de origem La Condamine chegou à Amazônia em 1735 e a expedição HumboldtBonpland começou em 179945 Essas duas expedições prenunciam a mudança do papel histórico da Amazônia de região fornecedora de meios de consumo para a metrópole colonial para região fornecedora de meios de produção sob a forma de matériaprima para a acumulação industrial Leal 2010 p 98 No século seguinte as expedições aumentaram com cientistas de referência mundial alemães prussianos britânicos e estaduni denses com destaque para dois que ficaram associados à teoria da evolução Wallace e Bates O primeiro permanecendo quatro anos e o segundo onze anos o que lhe permitiu reunir 14712 espécies diferentes relatadas peixes mamíferos insetos etc afora o ma peamento da flora e dos rios No decorrer do século XIX mais de 25 expedições científicas estiveram na Amazônia brasileira Desta quese que cada uma levava muito tempo na região Em 1820 o tenente da marinha britânica Henry Lister Maw comandou uma expedição que saiu de Lima no Peru atravessan 45 Humboldt a serviço da Academia de Ciências de Paris não deixou de tomar partido a favor de seu país ao afirmar que o rio Vicente Pinzón não era o rio Oiapoque mas sim um braço do rio Araguari na porção central do Amapá Reis 1960 Se assim fosse a metade norte do território amapaense passaria a domínio francês Outro cientista Richard Spruce esteve durante vários anos na Amazônia Ele fez estudo para o governo britânico sobre o aproveitamento das espécies produtoras de borracha importante para o desenvolvimento do plantio no Oriente Reis 1960 p 107 reproduz uma fala do cientista Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona do vale do Amazonas em vez da Ín dia Se aquele palpavo rei Jaime II em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortarlhe a cabeça tivesse continuado a fornecerlhe navios homens e dinheiro até ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da Améri ca não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria neste momento nas mãos da raça inglesa 78 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do os Andes e em seguida percorreu todo o rio Amazonas até sua foz O objetivo era mapear a possibilidade de uma ligação direta entre o oceano Atlântico e o Pacífico por meio desse trajeto Esse percurso foi refeito com o mesmo objetivo pelo tenente inglês William Smith 1834 Outros mais se lançaram à aventura de per correr e mapear o vale amazônico em busca de suas riquezas Em 1824 fundouse em Nova York uma empresa para explorar a navegação e as riquezas amazônicas gerando um incidente diplomá tico entre os dois países A empresa não conseguiu seu objetivo mas a pressão pela abertura do rio Amazonas à navegação internacional permaneceria Nos anos 1850 Matthew Fontaine Maury oficial da marinha estadunidense levantava inclusive a possibilidade do uso da força para alcançar este objetivo Para ele a América do Sul não seria mais que uma península da América do Norte sendo portan to uma dependência da porção norte do continente Maury defen dia ainda a colonização amazônica pela força de trabalho escrava do sul dos EUA46 Implicitamente se colocava inclusive a possibilidade de interligação das bacias dos rios Orinoco Venezuela Amazonas e Paraná a partir do qual seriam disponibilizados à navegação in ternacional Em 1862 o presidente Abraham Lincoln propôs que os escravos libertos dos EUA viessem para a Amazônia fundar uma república dos negros americanos Eles não aceitaram por acreditar que os EUA pertenciam a eles também Ainda durante a Revolução Cabana 18351840 o líder caba no Eduardo Angelim afirmara ter recebido e rejeitado proposta de potências estrangeiras para se associar às suas nações Domingos Rayol tendo ouvido do próprio Angelim afirma que os ingleses 46 A abertura do Amazonas à navegação internacional só aconteceu posteriormente 1866 algumas décadas após a independência do país O governo brasileiro já se sentia com mais domínio sobre a região Segundo Arthur Cézar Reis 1960 a criação da província do Amazonas teria sido uma das respostas brasileiras às pressões pela navegação internacional no rio Amazonas 79 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sugeriram que ele proclamasse a independência da província ato que teria proteção estrangeira O cabano teria respondido que não trairia nunca a sua pátria para trocar o nome de cidadão brasileiro com o qual se julgava enobrecido Rayol apud Reis 1960 p 63 Segundo Ernesto Cruz Ribeiro 2005 o governo estadunidense oferecera recursos militares para que os cabanos proclamassem a independência da Amazônia Quando perdeu as eleições para a presidência dos EUA Theodore Roosevelt planejou um cruzeiro pela Amazônia se guindo e mapeando o grande curso do rio Amazonas mas o go verno brasileiro indicou que fizesse parte de uma expedição com o marechal Rondon 19131914 já mencionada anteriormente A expedição percorreu o Mato Grosso e Rondônia no rio da Dúvida rebatizado de rio Roosevelt Teddy Roosevelt foi o presidente que desenvolveu a doutrina do Big Stick grande porrete para as relações internacionais afirmando sua dominância sobre os países latinoamericanos Promoveu intervenções diretas na República Dominicana e Cuba e estimulou a guerra de independência do Panamá contra a Colômbia pois tinha interesse na construção e posse do Canal do Panamá Talvez por isso mesmo o governo bra sileiro o tenha colocado junto à Rondon numa penosa expedição Colocar um militar experiente para acompanhar Roosevelt pode ser visto como uma precaução A expedição era conduzida por um recémpresidente de um dos países mais importantes da época e às vésperas da Primeira Guerra Mundial originada nas disputas imperialistas Quais os interesses de tal presidente Em 1919 durante o Congresso da Paz o presidente estaduni dense Woodrow Wilson propôs ao presidente brasileiro Epitácio Pessoa a internacionalização do rio Amazonas Ela ocorreria por meio da abertura da colonização na região e pela pesquisa do solo e subsolo a todos os povos interessados A proposta também não se efetivou 80 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Ainda que não desenvolvesse políticas duradouras mais efetivas o governo brasileiro adotou algumas ações para mostrar aos outros países sua soberania sobre a Amazônia Em 1943 em meio à Segunda Guerra Mundial e sob a bandeira do nacionalismo e da Marcha para Oeste segundo a qual o Brasil deveria conquistar seu território inte riorano Vargas criou a Fundação Brasil Central diretamente vincu lada à Presidência da República Ela era um misto entre empresa pú blica e privada Sua finalidade seria desbravar e colonizar o território compreendido entre os altos rios Xingu e Araguaia e o Brasil central e ocidental Para tal poderia dispor de terras e outros recursos inclusive financeiros A fundação criou ou se associou a subsidiárias empresas e projetos econômicos e infraestruturais Sua missão inicial foi a expe dição RoncadorXingu que deveria instalar rapidamente uma rota de comunicação terrestre aérea e de rádiocomunicação entre a capital federal Rio de Janeiro e Manaus no centro ocidental amazônico A política sustentavase na concepção de que era preciso que brar o atraso e o isolamento da região A ideia de espaço vazio tantas vezes justificadora de ações externas sobre a Amazônia mais uma vez e não a última estava subentendida A Fundação não res peitou as populações indígenas distribuindo suas terras de acordo com os interesses de quem vinha de fora A ação bandeirante que já havia dominado o Mato Grosso e o Brasil Central ganhou novo formato Não se buscava primordialmente ouro mas efetivamente transformar o território em fronteira de recursos naturais expan dindo os horizontes da acumulação capitalista no país Isso acon teceria com a integração da região ao núcleo central da economia brasileira e a partir disso à economia mundial sempre de forma subordinada Nos governos seguintes a Fundação encontrou mui tas dificuldades para continuar existindo mas a política de ocupa ção matogrossense pelos de fora seria intensificada Em outro plano desde 1945 havia sido aberta uma discussão em torno da criação do Instituto Internacional da Hileia Amazôni 81 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ca parte componente da OnuUnesco o que colocava em questão a soberania do país sobre a região Apesar do apoio inicial da di plomacia e mesmo do parlamento brasileiros o projeto encontrou muitas resistências e crítica a uma possível internacionalização da região Diante disso o Congresso Nacional estimulado por Ar thur Bernardes levantou limitações e nada fez para aprovar a con venção que criava a nova instituição internacional A proposta se restringiu ao longo debate inicial Neste cenário o governo brasileiro criou então em 1952 o Ins tituto Nacional de Pesquisas Amazônicas INPA sediado em Ma naus Em 1953 criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia SPVEA para elaborar políticas de de senvolvimento para a Amazônia Apesar de não se restringir a isso essas instituições eram também uma tentativa de demonstrar que o país estaria interessado e ocupando a região Em 1967 uma nova proposta de internacionalização da região foi posta em questão desta vez pelo Hudson Institute dos EUA47 Haveria o barramento do rio Amazonas criando um imenso lago de navegação internacional que se interligaria ao Cone Sul atra vés do rio Paraguai à Bacia do rio Orinoco Venezuela e à Amé rica Central e ao Oceano Pacífico por meio do Canal do Panamá que seria duplicado com a construção de um novo canal na Co lômbia O projeto não foi efetivado Contribuíram para isso as críticas e denúncias feitas por setores nacionalistas48 47 Este instituto assessorou o PentágonoDepartamento de Defesa dos EUA 48 Segundo Orlando Valverde 1980 o projeto dos grandes lagos envolvia o Pro jeto Chocó ligando bacias de rios colombianos fazendo ligação com o canal do Panamá que seria duplicado o Projeto Pimichín ligando o rio Orinoco Ve nezuela ao rio Negro e assim ao Amazonas o Projeto Grande Lago Amazôni co com barramento do rio Amazonas em Óbidos ou Monte Alegre o Projeto Regiões Remotas da Bolívia ligando o rio Guaporé ao rio Paraguai o Projeto Araracuara barrando o rio Japurá no sul da Colômbia até os Andes o Projeto Amazonas peruano barrando o rio Ucayali Amazonas no Peru 82 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 1989 por iniciativa do governo francês foi convocada a Cúpula de Haia para discutir os problemas ambientais mas se cos turava a partir do presidente François Mitterrand a criação uma entidade supranacional para administrar a Amazônia e sancionar os países que apresentassem má conduta em relação ao meio am biente Os países amazônicos foram contra e a proposta não avan çou muito49 Essas ações contra a soberania brasileira sobre a Amazônia de correram apenas de governos estrangeiros Não Não esqueçamos que durante o auge da economia da borracha grande parte dos serviços públicos em Belém e Manaus eram concessões dadas pe los governos locais a empresas estrangeiras principalmente de ca pital inglês e estadunidense Até mesmo as firmas exportadoras eram estrangeiras assim como o transporte ultramarino Quando a economia local entrou em crise o governador amazonense Rego Monteiro negociou um empréstimo com banqueiros estaduniden ses de US 25 milhões dos quais receberia de imediato apenas US 10 milhões Como já citado além do pagamento de juros e do valor emprestado total o estado se comprometia a repassar terras serviços públicos linha de navegação estradas de ferro sistema de comunicação etc e prédios públicos aos que concederiam o empréstimo Receberiam ainda isenção de impostos e parte do em préstimo para fazer os investimentos O caso era tão escandaloso que o governo do Brasil na figura do presidente Epitácio Pessoa teve que desautorizar tal negociata Nos anos 1920 os governos brasileiro e paraense concordaram e estimularam a apropriação de mais de um milhão de hectares de terra amazônica pelas empresas Ford Logo após o Golpe de 1964 os militares convidaram o estadunidense Daniel Ludwig a 49 Registrese a manutenção de bases militares estadunidenses na América do Sul destacadamente na Colômbia 83 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 se apropriar de território ainda maior A proposta de um instituto internacional sobre a Hileia Amazônica contou com o apoio inicial da diplomacia brasileira Nos anos 1950 o manganês do Amapá passou a ser explorado pela IcomiBethlehem Steel EUA com apoio do governo O mesmo continua a acontecer com inúme ras multinacionais instaladas na região Com Fernando Henrique Cardoso se pagou R 14 bilhão valores da época a uma empre sa estadunidense para que ela mapeasse nossas riquezas por meio da instalação de um sistema de vigilância da Amazônia O mais importante para o capital internacional ele já tem o controle e a apropriação dos recursos naturais amazônicos AMAZÔNIA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA A profecia se cumpriu mas nas partes que interessavam aos setores dominantes A integração da Amazônia à economia nacional O homem chega já desfaz a natureza Tira gente põe represa diz que tudo vai mudar O São Francisco lá pra cima da Bahia Diz que dia menos dia vai subir bem devagar E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar O sertão vai virar mar dá no coração O medo que algum dia o mar também vire sertão Sá e Guarabira Os versos acima são da música Sobradinho e se referem à construção de uma represa no rio São Francisco na Bahia que originou a usina hidrelétrica que tem o mesmo nome da música Nela afirmase que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão Mas o que isso tem a ver com a Amazônia Durante muito tem po a Floresta Amazônica também foi chamada de sertão daí as chamadas drogas do sertão se referindo ao cacau canela e outros 86 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 produtos extraídos de lá Mas tem outra semelhança mais atual ainda a construção de grandes barragens para a produção de ener gia elétrica Foi o caso da Usina Hidrelétrica de Tucuruí que teve como consequência a formação de um imenso lago que inundou milhares de km² de floresta A música tem outra referência uma profecia que teria sido feita por Antônio Conselheiro um beato popular não reconhe cido como tal pela Igreja Ele foi um líder religioso que condu ziu milhares de sertanejos na Guerra dos Canudos no final do século XIX Outros beatos surgiram em outros estados brasilei ros inclusive no sul Eram pessoas que se acreditava conver savam com Deus teriam feito algum milagre ou cura e faziam profecias Por conta disso tinham a autoridade de líderes Em alguns casos a liderança religiosa se transformava em forte lide rança política Inversamente podemos encontrar alguns dirigentes políticos que usavam seu poder para fazer promessas que assumiam ares de profecia Em meio ao clima nacionalista e ao cenário de guerra mundial em 1940 o presidente Getúlio Vargas fez um pronuncia mento em Manaus que ficou conhecido como discurso do Ama zonas Carregada de simbolismos a fala do presidente continha a promessa de progresso e ganhou ares de profecia a floresta foi apresentada como um inimigo a ser vencido para integrar a re gião à nação brasileira1 Tratavase de trazer civilização à região A Amazônia não apenas estava fora do que se considerava nação como era retratada como um imenso e perigoso espaço vazio Es 1 Leandro Tocantins escreveu uma obra de referência para a história da Amazô nia O rio comanda a vida livro escrito em 1952 quando o autor tinha somente 21 anos Segundo Tocantins 1973 apesar das inúmeras tentativas em sentido contrário a história da Amazônia até então era comandada pela força do rio e não do homem No prefácio à 9ª edição Tocantins afirma que Getúlio Vargas em 1952 ao receber um exemplar do livro teria sugerido que ele escrevesse uma continuidade que seria A vida leiase o homem comanda o rio 87 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sas noções lamentavelmente foram adotadas para justificar diver sas políticas impostas à região particularmente durante a ditadura empresarialmilitar de 1964 Conquistar a terra dominar a água sujeitar a floresta foram as nossas tarefas E nessa luta que já se estende por séculos vamos obtendo vitória sobre vitória Com elementos de ta manha valia não mais perdidos na floresta mas concentrados e metodicamente localizados será possível por certo retomar a cruzada desbravadora e vencer pouco a pouco o grande inimigo do progresso amazonense que é o espaço imenso e despovoado O vosso ingresso definitivo no corpo econômico da Nação como fator de prosperidade e de energia criadora vai ser feito sem demora Vim para ver e observar de perto as condições de realização do plano de reerguimento da Amazônia Todo o Bra sil tem os olhos voltados para o Norte com o desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento E não somente os brasileiros também estrangeiros técnicos e homens de negócio virão colaborar nessa obra aplicandolhe a experiência e os seus capitais com o objetivo de aumentar o comércio e as indústrias e não como acontecia antes visando formar latifúndios e absorver a posse da terra que legitimamente pertence ao caboclo brasilei ro E a nós povo jovem impõese a enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados Aqui na extremidade setentrional do território pátrio sentindo essa ri queza potencial imensa que atrai cobiças e desperta apetites de absorção cresce a impressão dessa responsabilidade a que não é possível fugir nem iludir Vargas 1940 p 7781 A concepção de espaço vazio traz em si a ideia de que os povos originários presentes no território não representam nada de signifi cativo para muitos nem gente seriam pois não eram civilizados Deste modo a terra que habitavam não lhes pertencia A ocupação e transformação das terras em instrumento gerador de lucros deve ria ser tarefa dos de fora da região em questão ainda que isso nem sempre fosse falado explicitamente Nem mesmo a SPVEA conseguiu fugir a diversas noções pre sentes no discurso de Vargas entre as quais a noção de espaço va 88 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zio2 Por outro lado a Superintendência ousou em outros aspectos Ela questionou o modelo até então proposto para o desenvolvi mento regional amazônico o extrativismo que passou a ser visto como causa da crise e do atraso da região Alternativamente pro pôs desenvolver a agricultura e industrializar a região por meio da substituição de importações mesmo aquelas oriundas do Sudeste brasileiro Afora a falta de recursos a ingerência política local e a possível corrupção na SPVEA a instituição encontrou muitas resistências tanto de setores regionais quanto do governo federal e da burguesia do Sudeste que não queria perder esse mercado con sumidor Do período da SPVEA ficou a construção da rodovia Belém Brasília originária dos objetivos do Plano de Metas do presiden te Juscelino Kubitschek Ela estabelecia o sentido da integração amazônica à economia brasileira consumir os produtos do Sudeste brasileiro e lhe fornecer matériasprimas Com o anúncio da obra 1958 houve uma corrida pelas terras amazônicas principalmen te as marginais à futura rodovia e por conta da pressão da oligar quia latifundiária sobre o governo uma grande transferência de terras públicas para grandes proprietários privados locais e extrar regionais Ditadura empresarialmilitar Vamos faturar A riqueza deixou de ser fábula Em uma pequena localidade às margens do rio Pedreira no Amapá uma família de ribeirinhos se preparava para dormir à noi 2 Trindade e Oliveira 2014 p 44 afirmam que na trilha nacional da ideologia desenvolvimentista que vinha se desenhando desde os anos 1930 a Amazônia inicia a partir da segunda metade da década de 1940 sua fase de discussão sobre o desenvolvimento porém com pouca unidade discursiva e com baixo poder de influência das elites locais Sobre a formação do pensamento desenvolvimentis ta regional veja Fernandes 2014 89 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 te quando sentiu que um pássaro grande havia pousado no telha do O pai de imediato falou em tom de brincadeira Matinta Pe reira vem amanhã buscar tabaco Carpinteiro estava construindo uma casa em meio à mata No dia seguinte durante o trabalho surgiu uma senhora idosa pedindo tabaco O homem rapidamente lhe repassou um punhado de tabaco e ela antes de ir embora lhe disse em tom de ameaça e praga não brinque com o que você não conhece Neste mesmo dia o carpinteiro machucou o pé ao pisar em uma pedra Ao chegar em casa começou a passar mal tendo muita febre Poucos dias depois morreu Qual a causa exata de sua morte Não se tem certeza A história nos foi contada por uma pessoa que assegura que acompanhou tudo de perto A velha senhora conhecida como Matinta Pereira3 seria uma bruxa que se transforma num grande pássaro à noite e emite um som estridente Essa é uma das lendas mais conhecidas nos estados amazônicos Verdade ou mito o fato que temos certeza é que na prática a Matinta foi morta pelos generais e homens do capital Parece confuso Vejamos as políticas que tiveram como resultado a apropriação dos recursos naturais e o desmatamento A história da velha senhora se relaciona com matas e rios Nas regiões em que eles são degradados a história perde força Assim o risco de extinção é maior do que a lista de animais e espécies vegetais que se encontram nessa condição Com o golpe empresarialmilitar de 1964 os governos ditato riais desenvolveram um discurso de ameaça à soberania brasileira sobre a Amazônia O discurso sobre pressões externas colocava a Amazônia na Doutrina de Segurança Nacional e tirava paulatina mente da região a possibilidade de elaborar um projeto regionalista Compreendese assim a ênfase dada a uma noção artificialmente desenvolvida a de que o espaço amazônico era vazio desconsi 3 Matinta Perêra para outros 90 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 derando a presença do indígena caboclo migrante posseiro dos remanescentes de quilombos entre outros Se assim era restava tão somente ocupálo E isso foi feito mas privilegiadamente por militares grandes proprietários e pelo capital Nos novos objetivos traçados e enquadrados na doutrina da Es cola Superior de Guerra não se aceitavam contestações Mais do que isso o governo se esforçaria para mostrar ao grande capital nacional e estrangeiro que teria total controle sobre a região e repeliria com toda força possível qualquer movimento que ousasse enfrentar seu poder e autoridade Em 1972 o Conselho de Segu rança Nacional passou a dispor de jurisdição sobre colonização e atividades industriais na Amazônia Procuravase dar total garan tia ao capital que se interessasse a migrar para a região Isso foi uma das razões centrais da grande movimentação militar usada para combater a Guerrilha do Araguaia4 Entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 um grupo de aproximadamente 69 militantes vinculados principalmente ao PCdoB passou a se instalar no vale do rio Araguaia fronteira entre o Tocantins e o sudeste do Pará A ideia era organizar uma resistên cia armada contra a ditadura empresarialmilitar instalada no Brasil O Exército empreendeu três incursões sendo a primeira em abril de 1972 Três anos depois a guerrilha estava derrotada e a população da região bastante reprimida Apesar de algum apoio local os guerrilhei ros ficaram isolados distantes dos movimentos sociais de maior ex pressão numérica e tiveram como sorte a morte alguns decapitados 4 O combate à guerrilha aconteceu quando as reservas minerais de Carajás haviam sido recémdescobertas A movimentação de tropas envolveu ao todo aproxima damente 10 mil homens nas campanhas militares para aniquilar as poucas de zenas de guerrilheiros Faziase necessário segundo Nascimento 1999 limpar a área de inimigos internos e de quem questionasse o projeto Brasil Grande Potência Para tal era preciso desenvolver estratégias que criassem um vazio de poder na região minando as resistências de atores políticos locais opositores parte da Igreja camponeses e grupos políticos locais ou lá presentes 91 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Para aniquilar a guerrilha os militares abandonaram parte das táticas militares clássicas até então usadas O major Curió foi no meado comandante das forças militares oficiais no combate Ele recorreu a jagunços e mesmo camponeses cooptados e os colocou junto aos soldados para combater os guerrilheiros Em paralelo desenvolveu uma espécie de populismo militar Para ganhar a confiança dos camponeses do sul sudeste do Pará Curió criou o seu próprio projeto de colonização ao longo de uma estrada construída durante a campanha do Exército e premiou com títulos de terra os camponeses que tinha servido como guias Ele também solicitou unidades móveis do Exército a fim de que se pres tassem regularmente serviços dentários e de saúde nas regiões antes comandadas pelos guerrilheiros Schmink e Wood 2012 p 121 Buscando fortalecer a acumulação capitalista industrial no cen tro mais industrializado do país o Estado brasileiro implantou no Norte e Nordeste um esquema de incentivos fiscais5 que efetivas se a integração nacional A entrada do capital na região numa relação capital internacional nacional e Estado autoritário com a aceitação da burguesia local se deu mediante a busca de sua va lorização Substituiu relações sociais e de produção preexistentes desapossando grande parte da população local indígenas e ribeiri nhos por exemplo gerando com isso conflitos que ainda hoje se mantêm6 5 Junção de favores do Estado que iam desde a concessão de recursos até a isenção de impostos Foi criado um fundo administrado pela Sudam A ele empresários poderiam destinar 50 do imposto de renda IR que tinham que pagar ao gover no Os projetos todos privados recebiam esse dinheiro sem a obrigatoriedade de devolvêlo aos cofres públicos o que se denomina fundo perdido Se o empreen dimento desse lucro o empresário que havia pago o IR receberia parte dos ganhos Mas não havia mecanismos que pressionassem os empresários para tal Nada se cobrava O resultado prático foi desperdício e desvio de dinheiro público 6 A integração da Amazônia à economia e sociedade nacionais foi aprofundada a partir dos anos 1960 Segundo Loureiro 2004 ela deveria principalmen te 1 abrir novos mercados para os produtos industrializados do CentroSul 92 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 1966 foi lançada a Operação Amazônia um conjunto de instrumentos legais que envolveu o estabelecimento de leis e a extin ção e criação de novas instituições federais na região Entre outras medidas a SPVEA foi substituída pela Superintendência de Desen volvimento da Amazônia Sudam e o Banco de Crédito da Ama zônia pelo Banco da Amazônia SA Basa A Operação foi acompa nhada de um seminário que começou em Manaus e percorreu o rio Amazonas até Belém a bordo do navio Rosa da Fonseca Participa ram governadores prefeitos empresários amazônidas e principal mente empresários de outras regiões O objetivo era demonstrar aos investidores de fora da região todas as riquezas que eles poderiam se apropriar desde que quisessem Não por outro motivo o anúncio da ação governamental já havia sido feito no Amapá alguns meses antes em fevereiro do mesmo ano Qual a razão de ser naquele até então território federal Dar como exemplo a exportação de manga nês tocada em frente pela mineradora Icomi do grupo Caemi testa de ferro da siderúrgica estadunidense Bethlehem Steel Os discursos do presidente ditador Castelo Branco no lançamento da Operação expressam o sentido da política governamental Eis o que com o auxílio das medidas agora pleiteadas para a com pleta e adequada integração da Amazônia há de realizar a Sudam Planejada e organizada dentro de objetivos e possibilidades reais será ela o instrumento de redenção da Amazônia cuja riqueza deve rá deixar de ser uma fábula para se tornar alguma cousa de palpável a serviço dos brasileiros há séculos empenhados numa terrível luta pela sobrevivência Iremos mudar a fisionomia da Amazônia do Brasil 2 empregar os excedentes populacionais do Nordeste e alguns do sul do país 3 aproveitar o potencial mineral madeireiro e pesqueiro obje tivando a exportação e contribuir para equilibrar o balanço de pagamentos e o endividamento estatal 4 abrir novas terras para o capital externo e do sul brasileiro 5 procurar terras para captar rendas incentivos fiscais e em préstimos bancários ou usálas para a especulação 6 defesa da segurança nacional contra estrangeiros mas também contra possíveis movimentos po pulares como as Ligas Camponesas 93 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que encontrará o caminho de sua integração na economia e na prosperidade nacional Cabe ao empresariado privado doravante transformar vastos recursos naturais revelados em riqueza efetiva a ser incorporada à economia nacional sob a égide da nossa legislação Grande é a responsabilidade do empresário minerador nacional no aproveitamento da ação pioneira do governo nesta região porquanto os minerais que aqui podem ser encontrados Castelo Branco 1968 p 23 e 28 negrito nosso7 O empresariado entendeu bem o recado A Folha de S Paulo de 16041967 transcreveu uma fala de Sérgio Cardoso de Almeida empresário latifundiário e deputado paulista Ela demonstra qual o interesse real da burguesia sobre a Amazônia ao empresário interessa saber onde pode aplicar o seu dinheiro para ganhar mais dinheiro pois essa é a maneira de atender à patriótica convoca ção de ocupação brasileira na Amazônia A nova superintendência passou a reproduzir a tarefa que havia recebido A burguesia regional aderiu imediatamente à proposta que o governo militar apresentava para a região Alguns elementos expli cam isso Primeiro a classe dominante local clamava por ajuda fe deral e alimentava expectativa de que seria fortemente beneficiada com recursos extrarregionais Nesse sentido a extensão dos incen tivos fiscais incorporando a agropecuária e a extração madeireira parecia ser a confirmação da incorporação efetiva e significativa dos setores regionais no projeto nacional para a Amazônia Segun do o espaço para contestação era diminuto não esqueçamos que se estava numa ditadura e com governadores impostos pelos mi litares Terceiro a SPVEA e o BCA eram instituições em crise fragilizadas e em certo sentido desacreditadas de modo que a proposta de sua substituição por novas instituições modernas e aparelhadas com recursos tendia a ser bem aceita 7 Discurso proferido em 20 de setembro de 1966 às margens do rio Branco que banha Boa Vista capital de Roraima 94 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Com a Operação Amazônia delineavase um novo e mais in cisivo processo de ocupação da região Partindo formalmente da defesa e integridade do território nacional buscavase atrair capi tal nacional e estrangeiro por meio de vultuosos estímulos fiscais e creditícios ficando clara a divisão de papéis proposta pelo go verno e prontamente aceita pelos capitalistas o Estado garantia as condições básicas necessárias à produção privada e o capital privado concentravase na busca de lucros com os menores cus tos e riscos possíveis Isso ficou demonstrado nas palavras do primeiro superintendente da Sudam Concentremos a ação governamental nas tarefas de planejamento pesquisa de recursos naturais implantação e expansão de infraes trutura econômica e social reservando à iniciativa privada as ati vidades industriais agrícolas e de serviços rentáveis Cavalcanti 1967 p 74 Os incentivos fiscais foram estendidos incorporandose for temente a agropecuária As empresas privadas poderiam receber isenção fiscal e ainda tinham a sua disposição créditos de até 75 do valor necessário à implantação dos empreendimentos na prática funcionando como fundo perdido ou seja sem obri gatoriedade de retornar ao governo o valor que se recebia Em 28 de fevereiro de 1967 Castelo Branco regulamentou efetivando a Zona Franca de Manaus ZFM8 criando a Supe rintendência da Zona Franca de Manaus Suframa Ela também gerenciava incentivos e distribuía isenções fiscais O governo mili tar para além de área de livre comércio resolveu destinar política de incentivos e isenções fiscais e outros instrumentos para atrair empreendimentos industriais e agropecuários para o centro geo gráfico da Amazônia no caso Manaus logo depois estendido 8 Que já existia formalmente desde 1957 concebida mais como Porto Livre área de importação 95 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para toda a porção oriental da região Distribuíamse recursos pú blicos para atrair multinacionais ou mesmo grandes empresas na cionais instalando plantas industriais com tecnologia defasada voltadas a montar mercadorias para o mercado interno brasileiro Os empreendimentos industriais da ZFM se voltavam para o mercado extrarregional países e principalmente outras regiões brasileiras Também recorriam e ainda recorrem a esse merca do destacadamente estrangeiro para comprar o grosso do que necessitavam para sua produção máquinas matériasprimas componentes etc conformando um estranho cenário no qual se compra de fora para vender para fora tendo o Estado brasileiro como principal financiador Desde então a balança comercial do Amazonas com o exterior acumula prejuízos ano após ano só compensado pelas vendas ao mercado brasileiro Formalmente a regulamentação da ZFM atendeu às reivindi cações da oligarquia do estado do Amazonas ainda que aqueles que mais se beneficiaram foram os empresários de outras regiões e de outros países Outros elementos ajudam a entender a política do governo nacionalista brasileiro O governo perua no já havia desenvolvido uma legislação de incentivos fiscais buscando atrair capitais para ocupar sua porção da floresta O estabelecimento de zonas francas já ocorria em outros países do Terceiro Mundo e se enquadrava na nova divisão internacional do trabalho da segunda metade do século XX com a expansão das empresas transnacionais O papel deste setor eletroeletrônico está relacionado ao período de criação da ZFM em que a indústria nacional de eletroeletrôni cos apresentava um forte declínio e estava ocorrendo uma inserção de corporações transnacionais TNCs no país entre elas america nas e japonesas Cooney Oliveira Almeida 2008 p 235 Somavase a isso o acordo firmado em 1964 entre Equador Peru Bolívia e Colômbia posteriormente a Venezuela se associou 96 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ao empreendimento para a construção de uma rodovia transna cional a Carretera Marginal de la Selva que associado a outros meios de transporte interligaria três grandes rios Orinoco Ve nezuela Amazonas e Prata Argentina O Brasil não queria per der a hegemonia políticoeconômica sobre o centro amazônico9 A ZFM representa uma forma específica de reintegração da Amazônia ocidental à divisão internacional do trabalho organi zando inclusive um mercado de trabalho em moldes capitalistas diferentemente da inserção ocorrida no período da borracha Ain da assim a força de trabalho e o mercado regional se encontravam dependentes e em piores condições quando comparados ao Sudeste brasileiro e às economias dos países centrais A criação da ZFM correspondeu a um período em que o capital se internacionalizava mais ainda desterritorializando a produção seja do ponto de vista técnico seja social ainda que sem perder os vínculos com seus países de origem Incentivos fiscais terrenos estruturados e baratos um significativo mercado consumidor na cional e uma força de trabalho com baixo valor e pouco organiza da politicamente eram os atrativos principais disponibilizados pelo governo para atrair o grande capital nacional e as empresas trans nacionais Distribuíase capital para atrair capital Com a ZFM o governo brasileiro manteve o protecionismo à indústria nacional particularmente do Sudeste mas adotou uma política de abertura para a Amazônia ocidental Em outras palavras a implantação da ZFM teve a ver com o modo específico pelo qual o Estado nacional brasileiro lidou com os pro blemas da dinamização da economia nacional e de como pretendia integrála à economia mundial Nunes 1990 apud Santos Macha do Seráfico 2015 p 200 9 A estrada teve uma construção lenta e no final do século XX ainda estava com trechos em construção passando a compor uma das obras dos acordos de inte gração sulamericana no início do novo século 97 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Além disso vários países latinoamericanos passavam por con turbações sociais que questionavam os governos de então alinha dos com a política externa dos EUA Havia o receio de extensão da Revolução Cubana para outras nações da América Central e do Sul A Amazônia ocidental era a área mais próxima da maioria desses países Ocupar produtivamente a região poderia ser uma reação ao cenário político latinoamericano A Operação Amazônia representava então a ação estatal para distribuir dinheiro público para capitalistas nacionais e estran geiros se apropriarem gratuitamente e transformarem em lucro os recursos naturais da região Ela foi uma expressão do projeto desenvolvimentistaautoritário Com a caracterização da região como subdesenvolvida problemática como uma ameaça à in tegridade nacional o governo ditatorial assume a condução da integração à nação brasileira Com a centralização política no Executivo federal e retirando da cena política os movimen tos sociais a ditadura chamou para si de forma exclusiva mas associada e subordinada ao capital as grandes decisões sobre o futuro regional A promessa feita por Getúlio Vargas no discurso do Amazonas finalmente foi cumprida mas no que interessava ao grande capital Favores e mais favores foram concedidos a ele incluindo a terra mas ao caboclo a promessa lamentavelmente virou lenda A fragilização das instituições regionais Das atribuições da Sudam a lei que a criou formalmente esta belecia uma instituição forte com poder de centralização que se sobrepunha aos demais órgãos governamentais presentes na região Não foi o que aconteceu O seu conselho de decisão foi alterado re tirando parte dos conselheiros originários de instituições da região aumentando relativamente o poder de Brasília e a participação dos que vinham de fora 98 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No início dos anos 1970 foram criados o Programa de Integra ção Nacional PIN cuja principal tarefa foi a construção da ro dovia Transamazônica10 e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste Proterra A construção da rodovia e do Proterra de acordo com o discurso oficial servia para levar os homens sem terra nordestinos à terra sem homens Amazônia sendo a estrada parte da política de in tegrar a região ao Brasil para não a entregar a outros países Esse discurso falacioso escondia duas questões entre tantas os confli tos fundiários no Nordeste decorrentes da altíssima concentração fundiária e a política entreguista da ditadura Conjuntamente Transamazônica e Proterra passaram a dispor de 50 dos incentivos fiscais antes destinados à Sudam Os dois programas não estavam sob a órbita da Sudam mas do Ministério da Agricultura o que significava perda de poder de intervenção da Superintendência Em 1974 foram criados os Fundos de In vestimentos Setoriais também controlados por outros órgãos não regionais e dividindo ainda mais os incentivos fiscais Podese perceber que as mudanças que ocorreriam na segunda metade dos anos 1970 não apenas na Superintendência mas no próprio papel que passaria a ser cumprido pela região exporta dora de produtos minerais e florestais não seriam possíveis sem as transformações que estavam sendo operadas nas instituições da região Apesar das expectativas desde a fundação da Sudam as possibilidades de construção de um programa de desenvolvimento regional a partir da tecnoburocracia regional e mesmo da burgue sia local eram mínimas não apenas pelas determinações exter nas mas pelo compromisso político da burocracia dirigente com 10 Ainda em 1970 o Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia criou também o Projeto Radam Radar da Amazônia in corporado ao PIN objetivando fazer levantamentos para o aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia 99 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 os interesses hegemônicos e pela própria incapacidade e submissão da burguesiaoligarquia regional Um caminho com algumas diferenças foi trilhado pela Suframa e a ZFM ainda que também não representasse um projeto de desen volvimento social regional Em sua primeira fase 19671975 a zona franca e a cidade de Manaus se constituíram em uma plataforma de importações de bens de consumo pouco disponíveis em outros es tados e regiões pelo menos com os preços oferecidos no Amazonas por causa das restrições protecionistas Uma das características dessa fase foi o turismo de compra Pessoas visitavam a capital amazonen se para comprar importados Mas as dificuldades da economia brasileira diante do cenário nacional e internacional nos anos 1970 fizeram com que o gover no federal adotasse limitações às importações a partir de 1975 A Suframa passou a adotar a política de cotas de importações objeti vando diminuir as importações comerciais e estimular a naciona lização de produtos na ZFM As indústrias recebiam a concessão de cotas de importação mas por sua vez tinham que cumprir índices mínimos de nacionalização Com isso cresceu a indústria de eletrônicos que fornecia componentes às transnacionais implan tadas em Manaus A nova orientação foi cumprida em parte mas não quebrou o perfil de indústria montadora da ZFM Ademais Araújo Filho 1991 citado por Santos et al 2015 acredita que isso estimulou mais as indústrias de outras regiões brasileiras pois eram elas que recebiam as transferências de tecnologias vindas do exterior Essa política foi alterada a partir dos anos 1990 com a substi tuição dos índices mínimos pelo critério de um mínimo de eta pas produtivas que deveria ser cumprido pelas indústrias foi o processo produtivo básico Também se estimulou a busca por au mento de produtividade normalmente por meio da substituição de trabalhadores por máquinas ou seja de trabalho vivo capital 100 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 variável por trabalho morto capital constante além da adoção de processos de reestruturação produtiva tendo como inspiração o modelo japonês ainda que se mantivesse muitas características do fordismo A isso se associou a abertura da economia brasileira nos anos 1990 impulsionada por políticas neoliberais Parte dos atrativos até então da ZFM pedia força11 Ao mesmo tempo em que se mo dernizava o processo produtivo algumas indústrias fecharam eou transferiram sua produção para outra região Resultado redução do número de trabalhadores empregados e aumento do exército industrial de reserva desempregados gerando maiores dificulda des até mesmo para os que estavam formalmente no mercado de trabalho que enfrentaram maiores dificuldades de negociar suas reivindicações O contingente de trabalhadores empregados só vol tou a crescer na década seguinte Segundo Mendonça 2013 no Polo Industrial de Manaus PIM nome pelo qual passou a ser referida a ZFM ocorreu verti calização e especialização da produção e atração de indústrias de eletrônica de consumo duas rodas motos químico e termoplás tico por exemplo Mas mesmo com essas mudanças a ZFMPIM ainda sofre a pressão das indústrias instaladas em sua área para que os favores estatais sejam mantidos por longa data Em 2014 por meio de seus representantes do Congresso Nacional conseguiram que fos se promulgada a Emenda Constitucional 822014 prorrogando pela quarta vez desde 1967 os incentivos fiscais especiais Desta vez o novo prazo se estende até 2073 Assim o Estado brasileiro 11 A política de estímulos fiscais e de outros formatos ao desenvolvimento regional amazônico foi e continua sendo muito questionada por setores de outras regiões em particular paulistas Mas a indústria brasileira constantemente recebe um conjunto de incentivos dos governos estaduais e federal O caso das montadoras de automóveis é exemplar Onde estão localizadas essas indústrias 101 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 continua a repassar para as empresas parte da riqueza maisvalia extraída dos trabalhadores e apropriada pelo governo na forma de impostos12 Quando ele concede os incentivos especiais está na realidade repassando esse valor para a burguesia seja brasileira seja estrangeira Os planos de desenvolvimento regional A promessa encruou virou lenda Encruar é uma palavra que significa enrijecer ficar cru aze do Na Amazônia de modo geral referese a encruar como algo que não evolui que fica parado morto As políticas estatais foram apresentadas como sinônimo de desenvolvimento mas infeliz mente parecem que encruaram No I Plano Nacional de Desenvolvimento I PND 19721974 e sua versão regional I Plano de Desenvolvimento da Amazônia I PDA a Amazônia passou a ser vista como uma fronteira de recursos As prioridades seriam a integração física fundamen 12 Maisvalia é a parte do trabalho que o trabalhador realiza entrega ao patrão e não recebe nada em troca é o que chamamos de trabalho excedente É como que se numa jornada de trabalho o trabalhador produzisse cem unida des de mercadoria e recebesse na forma de salário apenas 40 por exemplo O resto fica com o patrão Quando ela aumenta por conta do prolongamento da jornada de trabalho ocorre a maisvalia absoluta Com mais horas traba lhando o trabalhador produz mais mas ganha o mesmo que antes O tempo de trabalho necessário é aquela parcela da jornada de trabalho em que o trabalhador produz mercadoriasvalor que correspondem ao que ele ganha Quando o trabalho excedente aumenta em função da redução do tempo ne cessário para o qual atua a tecnologia aumento de produtividade estamos diante da maisvalia relativa O aumento da produtividade nos ramos produ tores de mercadorias consumidas pelos trabalhadores reduz o valor da força de trabalho O trabalhador paga a si mesmo com menos horas de trabalho Não se aumentaram as horas da jornada que o trabalhador tem que trabalhar mas o patrão está ganhando mais Marx 1988 Maisvalia é um fenômeno próprio do capitalismo ainda que a apropriação de trabalho excedente e por isso exploração tenha sido uma característica também das sociedades de classe anteriores 102 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 talmente pelas rodovias numa região secularmente integrada pelos rios b desenvolvimento econômico centrado no setor privado e apoiado pelos incentivos fiscais da Sudam e da Suframa c ocu pação humana racional dos espaços vazios agora claramente orientada pelas grandes rodovias abertas ou em abertura Quais espaços vazios Aqueles que apresentassem potencialidade de re cursos naturais e lucros Os recursos previstos para o I PDA vindos de fontes e minis térios diversos concentravamse fundamentalmente na infraestru tura básica ao estabelecimento dos empreendimentos produtivos equivalendo a 6418 do total dos investimentos do plano Eram gastos principalmente em transporte e energia Formalmente os gastos com a construção de rodovias respondiam à questão da ocu pação da região sob a política de segurança nacional e aos pro blemas decorrentes das secas nordestinas Entretanto outros obje tivos e interesses estavam em jogo As grandes levas de migrantes do Nordeste para o Sudeste brasileiro passavam a competir com a força de trabalho desta última região e produziam outras tensões Os conflitos fundiários permaneciam no Nordeste e em outras re giões pressionando por alguma resposta ou promessa de solução O governo paulatinamente foi optando pela ocupação demográ fica da Amazônia por meio de projetos agropecuários e para isso a rodovia abria imensos espaços Também não podemos esquecer que havia grande expectativa sobre a ocorrência de reservas mine rais na região e uma via que a cortasse de leste a oeste no caso a Transamazônica facilitaria a exploração13 13 As rodovias particularmente a Transamazônica também buscavam responder a quem questionasse as políticas dos governos militares na Amazônia a exemplo da Guerrilha do Araguaia Cinco décadas depois a rodovia ainda está inconclu sa Não terminou de ser aberta e do que se tem parte importante continua não asfaltada 103 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Os primeiros anos da década de 1970 foram marcados pelo choque do petróleo crise da economia internacional e fim do mi lagre econômico brasileiro Nesse cenário o II PND priorizou o setor produtor de bens de produção substituindo importações e determinou à Amazônia em particular a porção oriental por meio do II PDA 197579 a função de ser exportadora de produ tos minerais Objetivavase obter recursos com a exportação para diminuir os problemas cambiais brasileiros14 Assim o II PND assumiu de fato e definitivamente a Amazônia como fronteira de recursos naturais destacadamente minerais ou seja colônia fornecedora de matériaprima bruta aos países imperialistas Um programa de referência dessa nova postura foi o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia o Polama zônia 1974 Dentre os polos o de Carajás em torno das reservas de ferro da Serra dos Carajás sudeste do Pará foi o que recebeu mais atenção do governo federal o que significou concentração de investimentos e posteriormente uma vida própria conformando o Programa Grande Carajás PGC Em relação aos planos anteriores o II PDA demonstrou grande otimismo quanto à exploração mineral Os investimentos do II PDA se concentravam em transportes mineração e energia Essa concentração de recursos respondia aos interesses nacionais na Amazônia estabelecidos no II PND particularmente o que já destacamos a busca de divisas internacionais por meio da explora ção de seus recursos naturais15 14 Entre eles a necessidade de acumular dólares para pagar as importações e mesmo o endividamento crescente do país com o exterior 15 Afora isso mas associado à concentração citada ainda permaneceu elevado o montante destinado à agropecuária porém localizado em áreas selecionadas com destaque aos grandes empreendimentos do sulsudeste do Pará que totali zaram Cr 5 bilhões 104 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Muitos recursos públicos foram distribuídos às empresas na Amazônia na forma de incentivos fiscais Qual o resultado em ter mos de eficiência econômica e retorno social Em 1979 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para avaliar as distorções ocorridas na aplicação dos planos de de senvolvimento conduzidos pela Sudam Uma das constatações foi que a política efetivada não havia melhorado a distribuição da ren da e recursos na região Em seu depoimento o presidente do Banco da Amazônia Oziel Carneiro afirmou que a maior parcela dos in centivos fiscais tinha sido destinada a grandes empresas cujos pro prietários eram de outras regiões Do valor adicionado pelos em preendimentos incentivados pela Superintendência tão somente 14 foram destinados a salários Segundo o presidente do Banco a baixa taxa de criação de empregos16 seria o motivo da piora das disparidades de renda na região A conclusão do relatório foi que os benefícios dos incentivos fiscais em sua maioria migraram para outras regiões tendo ficado na Amazônia maior concentração de renda e de terras pois tinham sido excluídas as pequenas empresas e a população local Schmink e Wood 2012 No final dos anos 1970 a ditadura militar entrara em decadên cia17 e se aprofundava a crise da economia brasileira agravada com a política de repassar os custos da crise internacional aos países subdesenvolvidos Explodia a dívida externa do Terceiro Mundo Isso ao mesmo tempo em que limitava novos investimentos tam bém reforçava o papel dos grandes empreendimentos na Amazônia como forma de gerar divisas por meio das exportações 16 O Incra fez um levantamento em 1975 com 84 fazendas e chegou à conclusão de que cada propriedade financiada pela Sudam que em média contava com 47 mil ha gerava apenas 27 empregos diretos A proporção era de apenas 00001 em prego por hectare em Santana do Araguaia e 0001 em Conceição do Araguaia Pinto 1980 17 O movimento operário entrara em cena greves no ABC paulista Minas Gerais etc Outros movimentos sociais também retomaram suas ações 105 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Outros planos foram lançados nos anos seguintes em um cenário de crise que os tornava cada vez mais frágeis o III PDA 19801985 destinado a completar os investimentos do plano anterior e o PDA Nova República logo após a ditadura O fundamental já havia sido sedimentado as condições estruturais e financeiras para a grande ex ploração mineral e agropecuária na região Por outro lado o planejamento regional e o Estado continuam a ser apresentados como a representação dos interesses de todos mas não é bem assim O planejamento é uma forma de intervenção esta tal sobre as contradições da reprodução do capital em escala nacio nal e regional contradições que se apresentam também como con flitos interregionais O planejamento nas palavras de Oliveira não é portanto a presença de um Estado mediador mas ao contrá rio a presença de um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização ou conforme é comumente descrito pela literatura sobre planejamento regional no rumo da integração na cional Oliveira 1978 p 29 Em geral para os formuladores da política pública a população pobre é apenas um dado às vezes incômodo O caboclo cuja fa mília há várias décadas é dona de determinada extensão de terra mas sem título de propriedade passa a ser concebido como invasor intruso não produtivo Não lhes reconhecem direitos mas lhes distribuem exclusão No conflito com o grande proprietário se criminaliza a vítima Quando não lhe resta nada a não ser migrar para alguma cidade e clamar por programas sociais logo lhe rotu lam de preguiçoso Ainda que em algum caso se tenha boa intenção falta ao for mulador das políticas de desenvolvimento reconhecer a importân cia da população carente que se quer beneficiar Grosso modo não se pergunta a ela sobre suas demandas ou possíveis soluções que ela possa indicar É como se ela não tivesse capacidade alguma Aqui 106 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 fica explícita toda a arrogância de quem acredita dominar a técnica e o conhecimento Não cabe perguntar nada aos pobres porque se acredita que eles nada têm a dizer Logo os outros é que devem fa lar por e decidir por eles Lamentavelmente isso atinge não apenas a burocracia dirigente mas também seus estratos inferiores e os pesquisadores e professores A própria linguagem que se usa também se transforma em um mecanismo de intimidação e afastamento Quem não entende nosso tecnicismo economês professorês fica com receio até de perguntar alguma coisa Certa vez estava caminhando com mi nha filha de pouco mais de três anos de idade Ela contava uma história e no meio de uma frase ela falou a palavra sovaco Achei a sonoridade estranha e de imediato lhe disse axila como que lhe indicando a falar uma palavra mais bonita Ela parou de cami nhar levantou o olhar para mim e perguntou é em inglês Na sua ingenuidade de criança me deu uma boa cutucada Não basta termos conhecimento e por isso falarmos bonito e não sermos entendidos temos que saber transmitilos Mais que isso é preciso saber ouvir e aprender com quem tem muito a dizer e ensinar ain da que não tenha passado pelo banco de uma universidade Grandes projetos para saquear os recursos naturais A cobra grande se transformou em grande empreendimento Há algumas estórias amazônicas sobre cobras grandes encan tadas com mais de 20 metros A mais conhecida é a de uma que se chamava Honorato e que teria sido gerada na barriga de uma indígena Minha mãe me contou outra que ouviu de seus anciãos Era o caso de uma imensa cobra que se transformava em rapaz e frequentava os bailes das comunidades ribeirinhas Numa dessas comunidades passou a namorar uma moça Certa noite eles es tavam em uma festa Depois de muito dançar o rapaz se cansou e foi deitar em um quarto mas pediu incisivamente à namorada 107 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que o acordasse em determinada hora Tinha medo que se passasse daquela hora ele voltasse à forma de cobra e todos descobrissem seu segredo Como a festa estava muito animada a moça permaneceu por lá e perdeu a hora Quando lembrou correu ao quarto Ao abrir a porta encontrou uma imensa cobra adormecida Espantou se e deu um grito forte A cobra se assustou encantando toda a comunidade que sumiu Depois disso alguns pescadores diziam que ao passar pelo lugar ouviam o barulho da música mas não viam nenhuma comunidade Após a Segunda Guerra Mundial consolidouse uma nova di visão internacional do trabalho DIT na qual alguns países do Terceiro Mundo que estavam em vias de industrialização passa vam a receber filiais de multinacionais Estas buscavam explorar uma força de trabalho barata e com baixo grau de organização Aproveitavamse ainda da proximidade com as fontes de matérias primas e dos favores distribuídos pelos governos locais Com isso garantiam controle dos mercados desses países e se apropriavam de significativa massa de maisvalia em grande parte enviada aos seus países de origem por meio da remessa de lucro às matrizes No caso do Brasil esse novo papel na DIT seria cumprido inicial e principalmente pelo Sudeste A Amazônia consolidaria uma fun ção destacada e com especificidades no decorrer dos anos 1970 com os grandes empreendimentos minerais O final da década de 1960 marcou o esgotamento do longo processo de crescimento ininterrupto mundial pósSegunda Guer ra Mundial aquele que Hobsbawm 1995 chamou de anos dou rados do capitalismo O período foi marcado pela dominância do fordismo Estado do bemestar social nos países dominantes e do Estado desenvolvimentista em alguns países subdesenvolvidos18 18 Fordismo é a forma de organização do trabalho cujo exemplo mais expressivo foram as indústrias Ford organização científica do trabalho com grande hierar 108 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas os ganhos de produtividade deixaram de existir e no início dos anos 1970 ficou clara a queda das taxas de lucro evidenciando uma forte crise de acumulação capitalista A resposta foi dada na forma de reestruturação da produção com aumento da exploração do trabalhador naquilo que Harvey 1996 chamou de acumula ção flexível Também se impôs desde então o neoliberalismo e a financeirização mundo afora forçando as diversas economias em particular as dependentes a se abrirem para os capitais e mer cadorias dos países imperialistas A privatização e o desmonte do Estado foram características impostas aos países latinoamericanos desde meados dos anos 1980 Assim nos anos 1970 diante da crise mundial com queda das taxas de lucro havia a necessidade de incorporar regiões cuja com posição orgânica de capital cv fosse mais baixa e que gerassem maior volume de maisvalia19 Dadas as relações de dependência e troca desigual no mercado internacional os países dominantes se apropriaram de parte do trabalho excedente produzido pelos quia alguns pensavam os demais executavam especialização do trabalhador em poucas tarefas repetitivas grande volume de meios de produção e produção em massa além do fato de que a empresa procurava produzir todas as etapas da produção O Estado de bemestar social foi aquele que existiu nos EUA e Europa onde havia uma série de garantias aos trabalhadores que antes de tudo se deviam as suas próprias conquistas buscando garantir o consumo elevado evitando crises econômicas O Estado desenvolvimentista foi aquele presente em alguns países subdesenvolvidos e que como uma característica central condu ziu um forte processo de industrialização 19 Composição orgânica de capital é a relação entre capital constante c e capital variável v O primeiro compra mercadorias que já foram produzidas por tra balhadores em um momento passado Elas são trabalho morto porque em si so mente não produzem nada de novo apenas transferem o valor o trabalho que já se encontra em seus corpos O capital variável compra trabalho vivo na forma de força de trabalho trabalho do trabalhador que ao manipular os meios de pro dução capital constante incorpora mais trabalho mais valor à nova mercadoria É aqui que se encontra a chave para a maisvalia para o lucro pois do montante incorporado pelo trabalhador apenas uma parte ele recebe para si Marx 1988 109 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 trabalhadores das economias dependentes20 Não esqueçamos que uma alta composição orgânica é parte do processo que leva à queda da taxa de lucro na medida em que com ela ocorre a substituição do trabalhador que é quem produz valor novo pela máquina que apenas transfere valor às mercadorias mas não cria nada de novo Assim estava colocada a necessidade de incorporar ainda mais as regiões com baixa composição orgânica de capital como uma das medidas de combate à crise Quando isso se associava à forte oferta de recursos naturais e favores dos governos locaisnacionais a re gião se tornava mais cobiçada Era o caso da Amazônia Com os choques do petróleo a elevação das taxas de juros no mercado in ternacional e as dificuldades da economia brasileira a região pas sou a cumprir um novo papel na reprodução capitalista A ditadura empresarialmilitar brasileira impulsionou na Ama zônia empreendimentos para a exploração mineral em escala in dustrial voltados para o exterior Mas a primeira experiên cia deste tipo ocorreu no Amapá um pouco mais de duas décadas antes Em 1945 na Serra do Navio foram descobertas as reservas de manga nês mineral usado na indústria siderúrgica21 Janary Nunes gover nador do então território federal negociou com o governo Vargas e transformou a área em reserva nacional Logo depois abriuse licitação sendo vencedora a Indústria e Comércio de Minérios SA Icomi cujo presidente era o empresário Augusto Antunes nasci do em São Paulo mas com negócios em Minas Gerais Até então a Icomi era uma pequena empresa Inicialmente outra empresa 20 Os países dependentes vendem mercadorias com grande incorporação de tra balho por um preço abaixo de seu valor Por outro lado compram mercadorias industrializadas algumas a partir da matériaprima produzida no país subdesen volvido por um preço elevado Resultado nessa relação de compra e venda os países dependentes perdem e os dominantes ganham 21 As indicações da ocorrência desse minério no Amapá já eram conhecidas desde a década anterior pelo menos 110 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de origem estrangeira venceu a licitação mas Nunes conseguiu reverter a favor da mineradora brasileira A empresa na realidade representou os interesses da multina cional estadunidense Bethlehem Steel maior siderúrgica estaduni dense na primeira metade do século XX A empresa estadunidense em muito se aproveitou dos esforços de guerra dos países imperia listas durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial Entre outros produzia navios e armamentos diversos Como a legislação brasi leira de então não permitia que uma empresa estrangeira controlas se a extração mineral a solução encontrada foi usar uma empresa nacional para cumprir o papel de testadeferro Para isso contou com a cumplicidade de Antunes e dos governos brasileiro e ama paense Marques 2009 As reservas minerais foram estimadas para exploração por 50 anos tempo de concessão da mina A primeira exportação ocorreu em 1957 e no final dos anos 1970 pouco mais de 20 anos depois o manganês de alto teor já havia se esgotado Nessa década com recursos da Sudam a Icomi montou uma fábrica de pelotização concentração mineral para aproveitar o minério fino A explora ção do manganês ainda permaneceu nos anos 1980 mas em ritmo descendente sendo encerrada na década seguinte Essa produção respondeu aos interesses estratégicos dos EUA que em função das disputas com a então União Soviética ficou sem o manganês deste país maior produtor mundial daquele pe ríodo Parte do minério amapaense foi usada simplesmente para compor as reservas estratégicas estadunidenses Ao encerrar suas atividades no Amapá a empresa vendeu tudo que foi possível ma quinário altoforno porto etc Não conseguiu fazer isso com as casas construídas na floresta e com a estrada de ferro Por isso ainda que não tenha conseguido exigiu do governo estadual uma indenização mesmo tendo deixado um dano ambiental e social de enormes proporções 111 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O caso do manganês do Amapá ainda que ocorrido isolada mente naquele momento representa uma antecipação do que vie ram a ser os grandes projetos minerais impulsionados pela ditadu ra Com o lucro conseguido na extração do manganês o Grupo Caemi de propriedade de Augusto Antunes montou outras em presas explorando as riquezas naturais amapaenses Ademais An tunes foi um dos empresários articuladores do golpe empresarial militar de 1964 por meio dos institutos Ipes e Ibad que para tal se associaram à Escola Superior de Guerra ESG22 Isso lhe ren deu frutos entre os quais a propriedade do projeto Jari como sócio majoritário e presidente quando este foi nacionalizado Logo após o golpe de 1964 o presidente ditador Castelo Bran co por meio do ministro do Planejamento Roberto Campos li derança do Ipes entrou em contato com o megaempresário es tadunidense Daniel Ludwig chamandoo a vir investir no Brasil que havia se tornado um país seguro nas palavras do chefe da ditadura Ludwig aceitou o convite e as promessas de favores ad quirindo grandes extensões fundiárias 37 milhões de hectares na fronteira entre os estados do Pará e Amapá rio Jari nas quais dispunha de controle absoluto numa área de terras devolutas na União A revista Time adjetivou o empreendimento como um rei no das selvas 22 O Instituto Brasileiro de Ação Democrática era entidadeirmã do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais Este último foi fundado por Antunes em associação com Antônio Gallotti da empresa Light O Ipes recebeu financiamento do go verno dos EUA e de mais de 500 empresas entre as quais aquelas comandadas por Mário Henrique Simonsen que se tornaria ministro na ditadura e por José de Magalhães Pinto exgovernador de Minas Gerais e fundador do banco Na cional privado Além de articular o golpe também arregimentou recursos para financiar a tortura e a repressão à esquerda durante a ditadura Logo após sua fundação o Ipes passou a ser presidido pelo general Golbery do Couto e Silva professor da ESG e um dos principais arquitetos do golpe de 1964 e dos gover nos autoritários que o seguiram 112 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Vejamos isso com mais detalhes Em 1967 a Entrerios subsidiá ria da Universe Tankships Inc de Ludwig comprou a Jari Ltda até então pertencente ao latifundiário José Júlio de Andrade23 A empresa foi transformada em Jari florestal e Agropecuária Ltda Ela tinha titulação de 2259676 hectares mas reclamava para si e se apropriou de muito mais O tamanho variava de acordo com seus interesses Ao Incra para efeito de pagamentos de impostos declarou 1600000 ha À Sudam buscando obter dinheiro públi co e isenção de impostos afirmou possuir 3700000 ha tama nho que seria maior que a Bélgica Com o apoio do governo e dos incentivos públicos o estaduni dense montou uma grande plantação de arroz uma de gmelinapi nus para a produção de celulose sobre área de floresta alta inves tiu na pecuária e ainda instalou uma mineradora para a extração de bauxita refratária A fábrica de celulose e a unidade de geração de energia elétrica foi construída no Japão e transportada toda montada desde a costa do Pacífico cruzando os oceanos Índico e Atlântico até às margens rio Jari numa das maiores empreitadas da navegação mundial até então onde passou a funcionar Sua compra foi avalizada pelo BNDE hoje BNDES que deu garan tias a um empréstimo de até US 200 milhões Ver chegar a uma região remota e se movimentando no rio um imenso prédio industrial equivalente à altura de um edifício de alguns andares poderia representar o mesmo espanto que encarar a cobra grande encantada Em verdade a cobra das estórias virou grande empreendimento respondendo aos interesses do capital deixando de ser lenda O complexo Jari também passou a explorar caulim por meio da Cadam Caulim da Amazônia instalando uma fábrica de 23 Quando prefeito de Almeirim Andrade cadastrou em seu nome enormes exten sões de terras 113 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 beneficiamento desse minério usado em indústrias como a de papel tintas etc Para tal conseguiu isenção de impostos junto à Sudam Além de uma cidadeempresa fechada company town24 o pro jeto Jari decidiu construir uma hidrelétrica privada gerando resis tência de setores nacionalistas e de parte dos militares A plantation de arroz não deu certo e a árvore plantada para celulose gmeli na teve que ser substituída pelo pinus gerando grandes custos Diante dos impasses e das dificuldades financeiras Ludwig deixou de saldar duas parcelas do pagamento da fábrica de celulose O BNDES teve que cobrir a dívida O governo militar negociou en tão a nacionalização do empreendimento assumiu as dívidas pen dentes e ainda injetou US 180 milhões entregando o complexo a um consórcio de empresários comandados por Augusto Antunes o mesmo da Icomi amigo e sócio do estadunidense em outros empreendimentos No ano 2000 o projeto passou para as mãos de Sérgio Amo roso proprietário do grupo Orsa atuante na produção de emba lagens O empresário se comprometeu a pagar uma dívida total de US 415 milhões mas a garantia mínima oferecida foi bem menor US 112 milhões Pelo comprometimento costurado pelo BNDES principal credor do projeto Jari o empresário recebeu o empreendimento por R 100 Um novo investimento de R 600 milhões foi feito para transformar a produção da celulose para pa pel em celulose solúvel com uso diverso principalmente têxtil Desse montante R 350 milhões foram mais uma vez financiados pelo banco estatal brasileiro 24 Cidade da companhia com forte controle e segregação social Havia sala de aula destinada exclusivamente aos filhos dos funcionários do staff da empresa em grande parte estadunidenses que recebiam aulas em inglês 114 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas no caminho havia indígenas Entre tantas uma promessa lhes foi cumprida a de lhes tomar a terra Os filmes de faroeste estadunidense sempre tinham um moci nho e normalmente entre os vilões estavam os indígenas sempre agressivos sempre selvagens sempre assassinos O ator John Way ne cujo nome verdadeiro era Marion Robert Morrison participou de dezenas desses filmes como herói Chama atenção que o revól ver calibre 38 tinha capacidade para apenas 6 balas mas durante os longos confrontos dezenas de tiros eram disparados sem que se carregasse a arma Poucas vezes se errava o alvo principalmente quando este era indígena No final o branco sempre saía vitorioso recebendo o beijo e o amor de sua donzela Entre as chamadas nações indígenas estadunidenses podemos encontrar os Apache Navarro Cheyenne Comanhes e Sioux Essas populações foram dizimadas pelo colonizador de origem europeia particularmente britânicos Esses foram os invasores Se tivermos que escolher um vilão entre indígena e europeu certamente não pode ser o primeiro e o branco terminantemente não cumpriu o papel de bom moço Nos filmes assim como o nome de Wayne em Hollywood pouco se tinha de verdade sobre os indígenas Tal qual ocorreu com os irmãos da América do Norte muito da história dos indígenas da América do Sul foi deturpado ou escondi do Em comum com os estadunidenses está o genocídio dessas po pulações originárias A diferença é que ao sul os assassinatos perma necem em pleno século XIX Vejamos um pouco disso na Amazônia No período dos governos militares também ocorria a explora ção de cassiterita de onde se extraí o estanho usado na siderurgia pela Mineração TabocaParanapanema do grupo Lacombe na es trada ManausCaracaraí no Amazonas25 terra originalmente da 25 Tratase da BR 174 cuja extensão é bem maior que o trecho ManausCaracaraí Pelo traçado formal ela se inicia no Mato Grosso percorre uma parte de Ron 115 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tribo indígena WaimiriAtroari A produção destinavase exclusi vamente para exportação Rondônia também registrou produção mineral em grande esca la a cassiterita com a presença da Mineração Taboca a partir de 1969 Para facilitar os interesses da mineradora os militares impe diram a lavra do minério por garimpeiros Ademais durante os anos 1960 1970 e principalmente 1980 generalizouse por toda a região a extração de ouro em garimpos diversos ou por empresas mecanizadas A construção da BR174 ManausBoa VistaPacaraima foi um dos casos mais dramáticos do genocídio indígena brasileiro A rodovia passaria nas terras dos WaimiriAtroari e estes passaram a resistir a mais esta investida contra seu povo Em 1969 o Exército brasileiro sob as ordens do Comando Militar da Amazônia lan çou ofensiva usando aviões helicópteros bombas metralhadoras e outros armamentos para dizimar essa nação Atacavase inclu sive quando os indígenas se reuniam em grande número para ce lebrar seus rituais Este genocídio foi intensificado novamente no início de 1981 pois a Mineração TabocaParanapanema em 1979 havia descoberto grande reserva de cassiteritaestanho na região do rio Pitinga no Amazonas Estimase em mais de dois mil indíge nas desaparecidos durante os anos dos ataques O indigenista e ativista Egydio Schwade um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário colheu depoimentos entre os WaimiriAtroari Num deles transcrito no relatório final da Comissão Nacional da Verdade CNV Lei nº 125282011 vin culada à Casa Civil da Presidência da República se relata dônia cruza o Amazonas e Roraima chegando a PacaraimaRR na fronteira com a Venezuela Alguns trechos no Mato Grosso e sul do Amazonas ainda não foram abertos de modo que até os anos 2010 a rodovia permanecia inconclusa Seu trecho norte é conhecido também como ManausBoa Vista ainda que ul trapasse a capital roraimense 116 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Kramna Mudî era uma aldeia Kiña que se localizava na margem oeste da BR174 no baixo rio Alalaú No segundo semestre de 1974 Kramna Mudî acolhia o povo Kiña para sua festa tradicional Já tinham chegado os visitantes do Camanaú e do Baixo Alalaú O pessoal das aldeias do norte ainda estava a caminho A festa já estava começando com muita gente reunida Pelo meiodia um ronco de avião ou helicóptero se aproximou O pessoal saiu da maloca pra ver A criançada estava toda no pátio para ver O avião derramou um pó Todos menos um foram atingidos e morreram Os alunos da aldeia Yawará forneceram uma relação de 33 parentes mortos neste massacre No início dos anos 1970 a população estimada dos Waimiri Atroari era de aproximadamente 3 mil pessoas A hidrelétrica de Balbina também iniciada em 1981 além de ter sido um fracasso técnico e causado um desastre ambiental foi mais um capítulo dos ataques a esses indígenas Em 1983 eles foram reduzidos a 350 ha bitantes segundo a Funai Afora isso o Relatório Final da Comis são Nacional da Verdade concluiu que 526800 hectares de terras dessa população por meio de decreto assinado pelo presidente Fi gueiredo foram repassados às mineradoras TimbóParanapanema e Taboca26 Em 1981 o governo do Amazonas já havia emitido 338 títulos de propriedade sobre o território WaimiriAtroari Mas não apenas essa etnia foi vítima de genocídio Ele incluiu os AváCanoeiro GO Kanê ou BeiçosdePau do Rio Arinos MT Krenhakarore na rodovia CuiabáSantarém CintaLarga e Suruí ROMT Parakanã e Arara PA Kaxinawa e Madiha AC Juma Yanomami e WaimiriAtroari AMRR Segundo Oliveira 2008 o norte matogrossense foi ocupado por meio da grilagem de terras indígenas provocando etnocídio das nações Ta 26 Durante o governo Dilma Rousseff uma nova grande obra atravessou o territó rio dos WaimiriAtroari foi o linhão de transmissão de energia elétrica ligando Manaus a Boa Vista Novamente os indígenas reclamaram que sequer foram consultados 117 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 payuna Panará Kayabi Xavante Tapirapé e Karajá entre tantas Ressaltese a luta dos Txukaramei a partir de 1971 contra a cons trução e prolongamento da BR080 que cortava o Parque Nacio nal do Xingu MT Em 1979 depois de muitos enfrentamentos e diversas mortes o ministro dos Transportes anunciou a desativa ção da área em expansão No Mato Grosso empresas agropecuárias se expandiram e se apropriaram por meio da violência de terras dos Xavante Bororo Karajá e Tapirapé Souza 2015 elenca algumas delas Tapiraguai SA Bodoquena SA e Xavantina SA Destacamos que empresas agropecuárias quase sempre recorriam a recursos governamentais para desenvolver seus projetos que como estamos vendo toma vam o que pertencia aos povos indígenas Vejamos rapidamente o caso dos Cinta Larga localizados no noroeste do Mato Grosso e sudeste de Rondônia Sustentada em trabalho de Dal Poz Neto 1991 e em depoimentos colhidos dire tamente a CNV afirma que desde os anos 1950 o conflito entre esse povo e seringalistas mineradoras e colonizadoras foi se in tensificando Resultado uma estimativa de 5 mil indígenas dessa etnia mortos As causas Envenenamento por alimentos misturados com arsênico aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe sarampo e varíola e assassinatos em emboscadas nas quais suas aldeias eram dizimadas por pistoleiros Muitas dessas violações de direitos humanos sofridas pelo povo Cin ta Larga foram cometidas com a conivência do governo federal por meio do SPI e depois da Funai o que permitiu a atuação de seringa listas empresas de mineração madeireiros e garimpeiros na busca de ouro cassiterita e diamante no território dos Cinta Larga omitindo se a tomar providências diante dos diversos massacres que ocorre ram na área indígena As violações também foram consequência da atuação direta do governo do estado do Mato Grosso que fez con cessões de terras para empresas de colonização e para construção de hidrelétrica em áreas habitadas pelo povo Cinta Larga 118 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A mais dramática das violações cometidas contra os Cinta Larga fi cou conhecida como Massacre do Paralelo 11 Em outubro de 1963 foi organizada uma expedição planejada por Francisco Amorim de Brito encarregado da empresa Arruda Junqueira e Cia Ltda a fim de verificar a existência de minerais preciosos na região do rio Ju ruena A expedição era comandada por Francisco Luís de Souza pistoleiro mais conhecido como Chico Luís O massacre teve iní cio quando um grupo Cinta Larga estava construindo sua maloca e Ataí de Pereira dos Santos pistoleiro profissional atirou em um indígena Em seguida Chico Luís metralhou os índios que tentavam fugir Os pistoleiros ainda encontraram uma mulher e uma criança Cinta Larga vivas Chico Luís atirou na cabeça da criança amarrou a mulher pelas pernas de cabeça para baixo e com um facão cortou a do púbis em direção à cabeça quase partindo a mulher ao meio BrasilCNV 2014 p 23723827 Para a construção da UHE de Tucuruí os Parakanã foram transferidos para áreas diferentes por quatro ocasiões O contato com os brancos durante a construção da Transamazônica sig nificou um desastre para esse povo gripe e poliomielite foram al gumas das doenças que os abateram Segundo Souza 2015 em 1971 foi constatado que dois funcionários da Funai haviam con taminado com sífilis 35 indígenas da aldeia parakanã do Lontra Além das armas convencionais o ataque ao indígena por meio da contaminação deliberada por doenças também foi usado por fa zendeiros que enviavam mestiços contaminados às aldeias para 27 Outra versão muito próxima e provavelmente do mesmo episódio foi reprodu zida por Martins 2012 p 144 a partir de relato de Darcy Ribeiro Em 1963 os responsáveis por um seringal no Mato Grosso ordenaram a destruição e o massacre de toda uma aldeia Cintalarga ao mesmo tempo em que uma metra lhadora era disparada sobre os indígenas que corriam em pânico Os atacantes já em terra metralharam outro grupo de indígenas acampados à beira de um rio Ouvindo o choro abafado de criança voltaram e encontraram sob dois corpos crivados de bala a mãe viva e uma garotinha Enquanto violentavam a mulher que matariam depois com um tiro estouraram os miolos da menina que tentara socorrer a mãe 119 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 disseminar gripe varíola sarampo e tuberculose sem falar das doenças venéreas A Comissão Nacional da Verdade investigou as violações de direitos humanos durante a ditadura Ainda que incluindo apenas dez etnias em seu relatório final ela concluiu que 8350 indígenas foram mortos entre 1964 e 1985 vítimas de massacres28 usurpação de territórios remoção autoritária tortura maustratos e doenças infectocontagiosas mais de 14 indígenas Arara PA 72 Araweté PA 85 Xavante de Marãiwatsédé MT 118 Parakanã PA 176 Panará MT 192 Xetá PR 354 Yanomami AMRR 1180 Ta payuna 2650 WaimiriAtroari e 3500 CintaLarga RO Os governos civis que sucederam a ditadura empresarialmili tar ainda mantiveram políticas muito equivocadas para não di zer perversas Buscando manter a influência militar na tomada de decisões sobre o território amazônico o Conselho de Segurança Nacional elaborou em 1985 já durante o governo civil da Nova República o Programa Calha Norte Controlado pelos militares ele incidia sobre a faixa da fronteira amazônica localizada na por ção norte do rio Amazonas Teve como justificativa a proteção dos limites territoriais brasileiros mas foi alvo de inúmeras denúncias de violência contra a população local em particular os indígenas Posteriormente a área de abrangência foi ampliada para toda a fronteira da região totalizando 10938 km Os Yanomami foram um dos alvos dos militares pois junto a outras etnias transitando livremente na fronteira do Brasil com Venezuela Peru Guiana e Colômbia eles representariam uma ameaça à segurança nacional podendo ser tentados a criar um Estado independente Na verdade esse argumento foi utilizado 28 Martins 2012 constatou que entre 1968 e 1987 tribos indígenas amazônicas sofreram pelo menos 92 ataques organizados principalmente pelos latifundiários e seus jagunços 120 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para outros fins em particular para evitar a demarcação de terras indígenas ambicionadas pelos latifundiários e também para favo recer o interesse das mineradoras O jornal O Estado de S Paulo durante aquele período endossou a campanha a favor das compa nhias de minério Romero Jucá Filho senador roraimense envolvido em mui tos escândalos de corrupção na condição de presidente da Funai durante a Constituinte de 1988 criticou aquilo que considera va direitos fundiários exagerados aos indígenas O presidente da instituição que deveria proteger os interesses das populações ori ginariamente ocupantes do território brasileiro era exatamente um de seus maiores opositores Por quê Os territórios habitados pelos Yanomami eram ricos em ouro Garimpeiros ocupavam irregu larmente essas terras em particular em Roraima O estado conta va com 40 mil pessoas garimpando algumas empresas e diversas pistas de pouso clandestinas O então presidente da instituição de proteção ao indígena em 1987 expulsou todas as ONGs e missões religiosas estrangeiras que atuavam na saúde daquela etnia Jucá representava os interesses das grandes companhias de mineração e era recompensado por isso Resultado as terras Yanomami inicial mente foram demarcadas descontinuamente em dezenove ilhas e ainda assim com a criação de uma reserva garimpeira Desagregação social foi uma das consequências das políticas impostas aos povos originários brasileiros no século XX Etnias foram dizimadas desterritorializadas desagregadas ou mesmo for çadas a viver subordinadas a outras tribos adversárias Era o que acontecia quando remanescentes em pequenos grupos de uma et nia ou tribo eram obrigados a se deslocar para tribos de maior nú mero mas que em alguns casos mantinham animosidade Como se vê no caso da população indígena de todas uma promessa lhes foi cumprida a de lhes tomar a terra Infelizmente a usurpação de seu território veio acompanhada da perda da vida de 121 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 milhares Afora isso não é apenas a terra ou a vida em si que se per de mas também relações sociais modo de vida história cultura Outro caso muito expressivo foi a luta do povo Kayapó Muitas etnias ocuparam as regiões dos rios AraguaiaTocantins e Xingu Todas sofreram com a ocupação do colonizador No início do sé culo XVIII os Kayapó do AraguaiaTocantins se enfrentaram com garimpeiros era a corrida do ouro de Goiás e Mato Grosso Pos teriormente o choque foi com os tropeiros que procuravam pastos naturais para o gado No período da borracha foram os seringuei ros que penetraram as terras indígenas Os confrontos também foram violentos Schmink e Wood 2012 citam um caso onde uma aldeia Kayapó da região do Ara guaia foi destruída em função da exploração gomífera Os caçado res de indígenas lançaram as vítimas num rio que de tanto sangue derramado teria passado a se chamar rio Vermelho Em represália ao que sofriam os indígenas atacavam povoados chegando a se questrar mulheres e crianças Esses conflitos se intensificaram quando durante a Segunda Guerra Mundial as terras indígenas foram invadidas para a coleta do látex no esforço de guerra conhecido como Batalha da Borra cha Para responder aos interesses da indústria estadunidense o governo brasileiro direta ou indiretamente estimulava a incursão sobre as regiões indígenas o que resultava em mortes daqueles que a princípio nada tinham a ver com os objetivos em jogo na disputa bélicoeconômica O contato pacífico ou conflituoso com os bran cos levou à redução dos Kayapó inclusive por conta das doenças transmitidas Mesmo assim outras etnias sofreram ainda mais Durante as décadas de 40 e 50 mais da metade dos índios contata dos morreram Evidências cumulativas mostravam que comparados àqueles que foram pacificados foram os grupos Kayapó mais hostis que sobreviveram em maior número e com melhor saúde Schmink e Wood 2012 p 339 122 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Nos anos 1970 apesar das diferenças internas cresceu a intera ção e organização entre os Kaiapó fato que incluía a presença em escolas comuns com brancos e mestiços e o contato com outras etnias e entidades Até meados dos anos 70 os Kayapó haviam se tornado um dos grupos indígenas mais bem organizados Sch mink e Wood 2012 p 341 Recorriam à rádiocomunicação e patrulhavam a área do que seria sua reserva Gorotire em São Fé lix do Xingu Numa das ações contra desmatamento um grupo Kayapó matou 20 trabalhadores de uma fazenda incluindo mu lheres e crianças Isso aumentou a tensão e o sentimento antiindí gena na região29 No final dos anos 1970 a descoberta de ouro nas terras Kaya pó trouxe mais tensão ainda agora impulsionada pela invasão de garimpeiros30 Contraditoriamente a tensão deu mais visibilidade à causa indígena contribuindo para a efetivação legal das terras dos Kayapó O chefe de uma das aldeias o cacique Pombo depois de uma resistência inicial negociou a exploração mineral nas terras co mandadas por ele Como contrapartida aos indígenas a empresa pagava 5 do ouro extraído Novas áreas foram descobertas na região de Cumaru garimpos de Maria Bonita e Tarzan próximos à aldeia Gorotire As lideranças Kayapó também negociaram a exploração mineral ainda que em percentual menor por conta do controle da área pelos militares O pagamento de 1 do ouro pro duzido era feito por meio de um banco federal Em 1985 quando o tempo de vigência do contrato se esgotou o banco suspendeu o 29 Depoimento coletado por Schmink e Wood 2012 p 341 ilustra esse sentimen to O índio é a criatura mais repugnante que existe Eu nem olho para eles O governo deveria matálos todos Eles mataram meu pai quebramno em peque nos pedaços com porretes Eles não têm medo de nada e matam com traição 30 Outros minérios foram descobertos em São Félix do Xingu Entre eles a cassite ritaestanho e a wolframitatungstênio 123 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 pagamento Os indígenas então expulsaram os garimpeiros que alguns dias depois bloquearam a rodovia BelémBrasília Isso deu visibilidade pressão e impulsionou a luta dos Kayapó pela legali zação de suas terras Na realidade foi o exército de garimpeiros que lutou por eles a batalha final Schmink e Wood 2012 p 349 Indo negociar uma resolução do conflito em Brasília o ca cique Paulinho Paiakan afirmou que só reabririam o garimpo se suas terras fossem legalmente demarcadas Conseguiu O garimpo foi reativado com os indígenas recebendo 5 dos ganhos gerados Trazer a palavra de Cristo e levar riquezas ainda que a ferro e fogo No dia 22 de abril de 1500 as caravelas lideradas por Pedro Álvares Cabral aportaram na Bahia O Brasil havia sido desco berto Os portugueses foram recebidos por alguns nativos que não demonstraram agressividade Voltaram às embarcações e pro curaram um lugar mais protegido chegaram ao que foi chamado de Porto Seguro sul da Bahia e nele rezaram a primeira missa no Brasil em 26 de abril Nela a mensagem de Cristo foi pregada afinal divulgar o evangelho era um dos objetivos da empreitada Mas seria isso mesmo Ocorre com os povos indígenas um lamentável processo de lon ga data originário desde os primeiros dias da colonização portu guesa Em declaração juramentada em seu leito de morte em 1654 o cônego Manoel Teixeira vigário de Belém afirmou que em 32 anos de conquista do Pará que atualmente corresponde à região Norte pelas contas que ouviu teriam sido mortos mais de 2 mi lhões de indígenas de 400 aldeias por meio do trabalho e ferro31 31 O padre Antônio Vieira afirmou que no Brasil entre 1615 e 1652 foram assas sinados mais de dois milhões de indígenas por meio de morte violenta afora os que eram mortos às escondidas 124 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Conquanto exagerada possa parecer uma tal afirmação ela mos tra quão brutalmente na Amazônia colonial portuguesa o dono da terra foi condenado ao extermínio Leal 2010 p 95 Souza 1978 afirma que em 1729 um total de 20800 indí genas Muhra foram dizimados por uma ação militar portuguesa Também nesse mesmo período o tuxaua líder Ajuricaba organi zou e comandou a resistência dos Manaó no rio Negro contra os portugueses Como Ajuricaba comandava ações de libertação de indígenas aprisionados e estabeleceu relações comerciais com os holandeses a repressão foi brutal Na ação repressora inicial tam bém segundo Souza 1978 o comando militar lusitano subiu o rio Urubu destruiu 300 malocas e matou 15 mil indígenas incluindo mulheres crianças e velhos além dos homens32 O contato com o europeu e posteriormente com o africano contaminava o indígena com bactérias e vírus para os quais ele não tinha anticorpos No século XVIII uma epidemia de varíola trans mitida por soldados portugueses matou 40 mil indígenas em uma área do que atualmente é o estado do Amazonas Quando sobrevivia aos ataques armados e às doenças o nativo amazônida era vítima do trabalho forçado e exaustivo em mui tos casos não permitindo nem que ele cultivasse os produtos para sua subsistência33 Nesses termos o tempo de vida do indígena se encurtava bastante O padre Antônio Vieira assim relatou sua condição 32 Exatamente aqueles que foram exterminados é que originam o nome da capital amazonense Manaus que em seus primórdios também foi conhecida como Barra do Rio Negro Ela surgiu no entorno do forte de São José da Barra do Rio Negro 33 Segundo Gomes 2012 no GrãoPará e Maranhão entre 1614 e 1759 quando o serviço indígena era obrigatório interessados buscavam esses trabalhadores nas aldeias de administração ou nas religiosas para períodos de dois a seis meses de trabalho pesado Em troca os indígenas recebiam duas peças de pano e um machado a cada dois meses trabalhados Esse era o seu salário 125 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Tudo fazem os tristes índios sem pagamento algum que serem chamados de cães e outros nomes muito mais agravantes e o prêmio melhor que podem encontrar nestas jornadas esses miseráveis é en contrar o que poucas vezes acontece um cabo que não os trate mal Jornadas em que de costume os índios partiram não regressam nem a metade porque o simples trabalho e os maustratos os mataram Vieira apud Souza 2015 p 7778 Esse relato de um padre não elimina o papel colaboracionista da Igreja no ataque aos ameríndios Isso ocorria desde a autoriza ção para a escravização do indígena que deveria ser assinada por um jesuíta34 até a justificação do morticínio cometido pelos por tugueses passando pelo amansamento por meio da catequização Em 1558 o padre Manuel da Nóbrega assim justificou os assassi natos repassando a culpa aos nativos ou seja às vítimas me disseram que os cristãos os assaltavam e os tratavam mal Alguns assim os fizeram mas os outros pagaram o dano que aqueles haviam feito E são tão cruéis e bestiais que matam mesmo os que ne nhum mal lhes fizeram padres frades mulheres tão lindas que mes mo os mais brutos dos animais se contentariam com elas e a elas não lhes fariam mal Mas são tão carniceiros de corpos humanos que sem exceção de pessoa humana a todos matam e comem e nenhum atenuante os desvia ou os faz se absterem de seus maus costumes Nóbrega apud Souza 2015 p 71 A posição de Nóbrega não se reduzia ao baixo clero da Igreja Em 1529 o papa Clement VII já havia expedido a bula Inter Arca na em que afirmava 34 No século XVIII com a publicação do Diretório dos Índios o Marquês de Pombal retirou o poder sobre os indígenas que era concentrado no clero e o repassou para pessoas comuns mas de importância política local que tam bém dividiram com a Coroa portuguesa grande parte das propriedades da Companhia de Jesus jesuíta que foi confiscada Para além do conflito com os religiosos esse instrumento buscava ocidentalizar o nativo fazendoo assi milar as qualidades do português que interessassem a Portugal Com isso se acreditava que ficaria mais fácil de se alcançar os interesses mercantilistas que se impunham 126 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que as nações bárbaras venham ao conhecimento de Deus não por meio de editos e admonições como também pela força e pelas armas se for necessário para que suas almas possam participar do reino do céu Clement apud Gomes 2012 p 76 Ideias assim sustentaram as chamadas guerras justas contra os indígenas que de justas não tinha nada Os religiosos também souberam amansar os povos originários de modo a tornálos força de trabalho dócil e barata para as ati vidades pesadas As fazendas das ordens religiosas em particular as jesuítas configuravamse como verdadeiros grandes empreen dimentos econômicos O padre Serafim Leite relatou que no sé culo XVIII a aldeia Maracu jesuíta no Maranhão contava com 15600 cabeças de bovinos e 500 cavalos Em frente a ela ficava a fazenda São Bonifácio igualmente católica dispondo de quatro engenhos de cana oito alambiques casas de farinha e oficinas di versas tecelagem serraria ferraria e carpintaria além de casas de fabricação de embarcações Viveiros 1954 apud Mesquita et al 2015 Segundo Ernesto Cruz 1963 a fazenda Santo Inácio ou fazenda do Lago também na Amazônia tinha aproximadamen te 70 mil cabeças de gado bovino e equino De acordo com Reis 1993 a partir de levantamento de Manoel Barata em 1759 as congregações religiosas contavam 400 mil cabeças de gado na re gião do Marajó sendo 136 mil de jesuítas Entre 1630 e 1655 um total de 28 aldeias foram administra das pelos jesuítas Durante sua permanência na Amazônia 129 anos a Companhia de Jesus jesuíta originou 24 cidades 17 de correram dos carmelitas 21 dos capuchinhos e 6 dos mercedários Silva 201435 Esse poder econômico da Igreja gerava conflitos 35 O papel cumprido pelos religiosos católicos conformando a base econômica ini cial da colonização respondia entre outros a interesses específicos da Igreja Os católicos haviam sido profundamente atingidos com o rompimento dos protestan tes Interessava ao papado ocupar as novas terras para fortalecer seu abalado poder 127 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com colonos e comerciantes locais que acusavam os religiosos de desvirtuarem sua função cristã e ainda sonegarem impostos à Coroa Por meio do colonizador comerciante ou religioso o indíge na era transformado em mercadoria ou força de trabalho extre mamente barata gerando uma massa de riqueza da qual parce la considerável migrava para a Europa constituindo parte da acumulação primitiva de capital necessária à constituição do capitalismo Ademais paulatinamente foi sendo introduzido um maior de sejo dos indígenas por mercadorias que até então não faziam parte de suas necessidades Isso por sua vez exigia produzir excedentes para a troca em um volume que até então eles não eram capazes Resultado dependência e frustração O que eles até então produ ziam o que lhes garantia sua autossuficiência já não mais lhes era suficiente A produção passou a ser alterada gerando modificações nas relações sociais das comunidades indígenas36 De senhor dessas terras paulatinamente o indígena foi sendo transformado em pequeno produtor ou mesmo semterra A Lei das Terras de 1850 por exemplo foi usada para garantir a proprie dade fundiária aos grandes latifundiários A aquisição de terras mesmo aquelas sem proprietário legal teria que ocorrer por meio da compra nesse caso como Estado A literatura crítica coloca 36 Sobrou miséria mas ela também foi uma imposição do colonizador Como esta mos destacando apesar de muitas limitações os indígenas viviam em condições próximas à igualdade e distribuíam entre si o resultado da produção coletiva ainda que antes da chegada dos europeus houvesse hierarquização social e conflito em alguns aglomerados indígenas Não conheciam a miséria e a desi gualdade social como fenômeno moderno também pelo fato de que o consumo de mercadorias imposta pelo capitalismo não fazia parte de seu cotidiano Como conseguiam o necessário para sobreviver e o consumo não se vinculava a status social as populações indígenas não tinham a noção de miséria como se tem na sociedade capitalista 128 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que ela foi usada para evitar que o escravo liberto ou o pequeno camponês inclusive imigrante tivesse acesso à propriedade37 Cor reto mas ela atingiu igualmente os indígenas Enorme quantidade de terras indígenas não foi reconhecida como tal passando a ser comercializada pelo Estado ou por terceiros Seguindo as linhas gerais da lei a jurisdição da política indigenista foi repassada ao Ministério da Agricultura criado em 1860 Mas desde o seu nas cimento esse Ministério tem como função responder aos interesses dos grandes proprietários tendo como consequência dezenas de aldeias que formalmente deixaram de ser reconhecidas como tal levando os indígenas à condição de posseiro eou semterra Lamentavelmente as instituições criadas para proteger os inte resses indígenas não conseguem cumprir seus objetivos Foi o caso do Serviço de Proteção do Índio SPI de 1910 e de sua sucessora a Fundação Nacional do Índio Funai de 1967 É verdade que nelas existem pessoas realmente comprometidas em responder sa tisfatoriamente às necessidades indígenas mas os interesses maio res presentes na estrutura de Estado e governo no Brasil agem no sentido contrário Muitas vezes isso se expressa na nomeação de seus dirigentes como foi o caso de Romero Jucá colocado para presidir a Funai38 37 Pois caso isso ocorresse a grande propriedade exportadora teria que pagar sa lários muito elevados para atrair trabalhadores o que inviabilizaria o esquema garantidor de enormes lucros 38 Mércio Gomes 2012 p 99 destaca o papel positivo cumprido pelo marechal Rondon e problematiza o não alcance de objetivos maiores pelo Serviço de Pro teção ao Índio O SPI não foi capaz de barrar o avanço sobre as terras indígenas nas regiões em desenvolvimento e nesses casos serviu apenas como pacifi cador de índios arredios após as terras terem sido loteadas pelos interessados Dizer que isso tenha sido feito como parte de uma estratégia do Estado para desbaratar os índios e tomar as suas terras do qual o SPI seria um mero braço ingênuo ou cretino é não ver a história do indigenismo brasileiro rondoniano e pretender imputar a qualquer figura histórica e seus feitos institucionais sen timentos e propósitos vis Que os resultados do SPI tenham ficado muito 129 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A agressão às populações originárias do continente americano não é um problema que ficou no passado mas que se reproduz no presente É o caso dos indígenas GuaraniKaiowá violentados pelo latifúndio no Mato Grosso do Sul39 e das grandes obras im pulsionadas pelo setor público e privado das quais destacamos as construções na Amazônia Na prática o governo brasileiro descumpre tratados que ele assinou A Convenção 169 da Organização Internacional do Tra balho e a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU estabelecem que os governos devem negociar e buscar acordos com os indígenas a respeito de ações e projetos que im pactam suas terras Não é o que acontece no Brasil diante das grandes obras próximas ou sobre terras indígenas No início das obras de construção da UHE de Belo Monte no rio Xingu Alta miraPA o governo brasileiro simplesmente extinguiu a Admi nistração Regional da Funai de Altamira responsável por toda a região do município e entorno Ao estudar a acumulação primitiva de capital processo em que o capitalismo reúne as condições necessárias para sua cons tituição e consolidação Marx 1988 afirmou que os proletários modernos pagaram um preço elevado por seus avós não terem conseguido resistir à expropriação dos meios de produção O mesmo vale para o caso dos indígenas americanos da Améri ca do Norte à América do Sul Ainda hoje pagase uma pesada penitência pelo fato de não se ter conseguido resistir à entrada do invasor europeu Afora isso por conta da crueldade dos pro aquém do esperado constitui um óbice não somente de uma política que foi sem pre pouco valorizada pelo próprio poder e também por seus desvios pessoais mas também se deve à falta de força política ente os aliados históricos dos índios diante das forças antiindígenas dominantes 39 Segundo o Conselho Indigenista Missionário nos 12 anos anteriores a 2016 um to tal de 390 indígenas foram assassinados no estado e em torno de 500 se suicidaram 130 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cessos de acumulação primitiva expulsão e morte de campone ses saque escravização etc Marx também afirma que o capital nasceu manchado de sangue por todos os seus poros Certamen te parte importante desse sangue foi das populações autóctones americanas Até mesmo pequenos produtores foram parte do projeto de enfrentamento às populações indígenas e usurpação de suas ter ras Foi o caso de garimpeiros seringueiros posseiros imigran tes que buscando reproduzir sua vida em melhores condições e estimulados por políticas diversas abriam caminho e novas ter ras Nesse processo se chocavam com indígenas resultando em mortos e feridos de ambos os lados Isso era parte de uma engre nagem maior pois em seguida chegava o grande proprietário e se apropriava da terra de modo que indígena e posseiro ficavam sem o território necessário a sua subsistência Ainda que lhes seja destinado uma pequena porção de terra isso não é suficiente para garantir às populações indígenas sua re produção como tal Elas são extrativistas e o extrativismo precisa de grande área pois as espécies vegetais e animais que se procura ficam dispersas nas matas e rios Floresta em pé e rio preservado são fundamentais Assim a relação do indígena com a natureza exige uma grande extensão territorial para caçar pescar e coletar produtos florestais ao mesmo tempo em que permite à nature za se recompor naturalmente Isso é sustentabilidade Dispor de território nesses termos é uma précondição necessária para a re produção da cultura indígena em sua amplitude Contraditoriamente os grandes latifundiários e seus re presentantes parlamentares criticam os indígenas dizendo que eles querem terras demais que não trabalham etc Ora quan tos hectares de soja um grande proprietário cultiva com suas próprias mãos sem se apropriar do trabalho alheio por meio da compra de força do trabalho Nenhum Mas esse mesmo 131 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 latifundiário tem em suas mãos dezenas de milhares de hecta res de terra que em produção lhe rendem muitos lucros Os indígenas reivindicam terra para uma comunidade um povo enquanto os fazendeiros defendem que um único proprietário possa ser dono de milhares de hectares de terras Quem é que tem ou quer ter terra demais Brasil uma democracia étnicoracial O carnaval é uma festa democrática Demonstra a riqueza cultural a miscigenação e a democracia racial do Brasil Verda de No desfile das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro em 2018 um ingresso individual em um camarote para assistir a um dia de desfile custava até R 8 mil O salário mí nimo vigente no país era de R 954 Afora o setor popular nos outros setores se poderia comprar ingressos por R 220 R 500 e outros preços mais altos a depender da rapidez da compra e da localização do lugar para assistir Quem não tinha dinheiro para isso teria que disputar uma vaga nas arquibancadas improvisadas montadas ao lado do esgoto da avenida Presidente Vargas Mas nelas não se assiste ao desfile Quando muito se vê a arrumação da escola para entrar na avenida Marquês de Sapucaí que é onde o desfile acontece E mesmo para isso é preciso chegar com algu mas horas de antecedência para garantir o lugar Essa é uma festa democrática de verdade É falsa a ideia difundida de que o Brasil é uma imensa de mocracia étnica eou racial como um exemplo de miscigenação e integração de povos e culturas diversas Os negros ainda em pleno século XXI vivem um apartheid social no Brasil são mais assassinados lotam os presídios recebem salários menores têm menos escolaridade vivem em piores condições e ainda são to mados como preguiçosos 132 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Com o indígena não é diferente Com ele ocorreu um proces so de assimilacionismo onde a diferença cultural existente entre nativo e o Europeu foi tomada como uma deficiência em relação à cultura europeia Por ser atrasado e perigoso40 cabia e ainda hoje muitos acreditam nisso incorporálo mesmo que à força ao progresso à civilização à nação brasileira ou seja àquilo que o branco acredita que tem valor Mas isso significa a perda da identidade cultural das populações indígenas língua crenças religiosas produção organização social própria valores culiná ria etc Não podemos continuar a ver isso como algo natural que te ria que ocorrer necessariamente dessa forma Lamentavelmente há um razoável silêncio quase cúmplice mesmo de certos setores mais críticos que tornam invisíveis o indígena e as injustiças por ele sofridas Nesse sentido ainda que longa vale a pena reproduzir uma ci tação de José de Souza Martins sobre a reprodução da negação do indígena como ser humano Não se trata de introduzir nada na vida dessas populações mas de ti rarlhes o que têm de vital para sua sobrevivência não só econômica terras e territórios meios e condições de existência material social cultural e política É como se elas não existissem ou existindo não tivessem o direito ao reconhecimento de sua humanidade Causame forte impressão que nas assembleias dos chefes indígenas apoiadas pelo CIMI Conselho Indigenista Missionário e em outros encontros similares os presentes frequentemente denunciam grave mente ofendidos e recusam o serem confundidos com bichos por muitos daqueles que são levados a ter contatos com eles Sintome pobre por viver numa sociedade em que índios e camponeses preci sem proclamar de voz viva que são humanos que não são animais e menos ainda animais selvagens Por identificarme com eles fico 40 Quem era perigoso Quem foi que morreu perdeu suas terras e foi usurpado até mesmo de sua cultura O invasor europeu com as armas de fogo e a busca do lucro ou o indígena com seus arcos e flechas 133 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em dúvida sobre o lugar que ocupo na escala que vai do animal ao homem numa sociedade que não titubeia em proclamar a animali dade de seres que não são considerados pessoas unicamente porque são diferentes falam outra língua têm outra cor outros costumes uma sociedade que no final não tem clareza sobre a linhalimite que separa o homem do animal Em algumas áreas em que tenho trabalhado no Mato Grosso e no Pará muitas vezes ouvi pessoas escandalizadas com minhas preocupações a esse respeito tentando tranquilizarme com a afirmação de que os índios são caboclos não são cristãos Pude então entender o veemente discurso do cacique Aniceto do povo Xavante feito em Goiás diante de uma assembleia de bispos padres religiosos missionários em que exigia nada mais nada menos que os índios fossem batizados Contestava assim a nova pastoral da Igreja de não interferir nos costumes tribais evi tando missas e batizados Para Aniceto o Batismo aparecia como o sinal do branco que dava reconhecimento de cristão isto é de huma no ao índio Martins 1991 p 1617 Acabamos de alguma forma assumindo e reproduzindo a vi são do colonizador do conquistador de modo que procuramos constantemente não sermos comparados aos indígenas mas sim ao europeu A colonialidade do pensamento e das práticas sobreviveu ao fim do colonialismo e por meio dela continuamos a fazer um enorme es forço para sermos de primeiro mundo para mostrarmos que não somos índio tendo mais vergonha de nos parecermos como os povos originários do que vergonha do etnocídio que contra eles pratica mos Haesbaert e PortoGonçalves 2006 p 22 O que significa progresso e civilização depende dos olhos de quem vê dos padrões sociais que são construídos Esses valores podem ser diferentes para populações originárias na Europa e para povos indígenas americanos É aceitável ou repugnante ver homens com poucas roupas e armas primitivas se opondo à construção de uma estrada ou hidrelétrica O que é mais importante a preser vação de árvores rios e animais précondição para a existência de populações originárias americanas ou sua supressão violenta e sem diálogo por grandes obras que supostamente trazem progres 134 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 so Os indígenas que ocupam hidrelétricas são contra o desenvol vimento do Brasil Vejamos a crítica de Márcio Souza Firmemente sustentados pelo ideal do avanço econômico não fa zemos mais do que seguir a tradição espoliadora Pomos abaixo a maior floresta do planeta sem ao menos conhecermos as consequên cias desse gesto para alimentarmos a voracidade das grandes empre sas monopolistas E para isso é preciso limpar o caminho de índios obstinados e preguiçosos Pois nada mais obstinado e preguiçoso que essa gente que se permitiu recusar através do tempo os favores da ci vilização e do conforto Souza 2015 p 86 No Brasil nunca foi e continua não sendo algo fácil respeitar e aceitar a composição e presença de diversos povos com culturas muito diferentes convivendo no mesmo território A história das populações indígenas brasileiras está marcada pelo sofrimento com racismo dominação e violência Não se trata aqui nem de repro duzir a cultura da dominação nem de tomar o indígena como algo ou um animal exótico que deve ficar isolado de tudo e de todos Nossa obrigação é antes de tudo respeitálos e apoiar o processo de crescente organização dessas populações em busca de seus direitos Historicamente em especial nas últimas quatro décadas as políticas desenvolvimentistas resultaram muitas vezes em morte usurpação de terras desagregação social e degeneração cultural dos índios que se vêem frente a frente com forças desiguais como as grandes corpo rações econômicas as grandes mineradoras ou mesmo os simples e pobres garimpeiros que carregam consigo alguns males do mundo civilizado como o mercúrio e a malária dos quais os índios não conseguem se defender Mas por outro lado essas décadas também registraram as lutas dos índios Num primeiro momento a luta estava centrada na defesa da vida e da terra ampliandose posteriormente Loureiro 2009 p 132133 Diante desse quadro apresentado levantamos uma pergunta todos estamos no mesmo patamar do ataque às populações indíge nas ou a diferenciação entre as classes sociais existentes impõe res 135 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ponsabilidades distintas Os setores explorados da sociedade brasi leira sob a pena da cumplicidade pela conivência e silêncio devem assumir outra postura diante da problemática indígena Mas isso não que dizer que os trabalhadores cumprem o mesmo papel da queles que exploram Neste ponto concordamos com Márcio Sou za quando afirma que os inimigos dos povos indígenas são os mesmos dos trabalhadores Esses inimigos são o próprio governo brasileiro em suas instâncias municipais estaduais e federais o grande capital financeiro o lati fúndio as grandes empresas madeireiras as grandes fazendas agro pecuárias as hidrelétricas as empresas de mineração e as estradas Souza 2015 p 205206 A isso acrescentaríamos que a dimensão dessas instituições ex trapola as fronteiras brasileiras41 e tem um perfil de classe burguês Ademais além do interesse econômico uma das razões do so frimento indígena talvez decorra do próprio modelo de sua civi lização alheio e oposto ao padrão burguês dito civilizado e mo derno Moderno Em que sentido Vejamos as palavras dos irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas que dedicaram suas vidas ao tra balho junto aos indígenas Se fizermos uma comparação com os índios poderemos dizer que os civilizados são uma sociedade sofrida O índio por sua vez esta cionou no tempo e no espaço O mesmo arco que ele faz hoje seus antepassados faziam há mil anos Se eles pararam nesse sentido evo luíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade O índio em sua tribo tem um lugar estável e tranquilo É totalmente livre sem precisar dar satisfação de seus atos a quem quer que seja Toda a estabilidade tribal toda a coesão está assentada num mun do mítico Que diferença enorme entre as duas humanidades uma 41 Aliás recorrendo ao que já discorremos anteriormente registrese mesmo que rapidamente que a nação mais desenvolvida do planeta não atuou diferente com seus indígenas Nos EUA grandes chefes Touro Sentado Gerônimo Co chise Nuvem Vermelha Cavalo Doido e seus povos Navajo Apache Cheyen ne Dakota Sioux Ute foram paulatinamente dizimados 136 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tranquila onde o homem é dono de todos os seus atos outra uma sociedade em explosão onde é preciso um aparato um sistema re pressivo para poder manter a ordem e a paz dentro da sociedade Se um indivíduo der um grito no centro de São Paulo uma rádio patrulha poderá leválo preso Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia ninguém olhará para ele nem irá perguntar por que ele gritou O índio é um homem livre Villas Boas apud Villas Boas e Villas Boas 1975 p 1 as tribos amigas do AltoXingu formam uma legítima sociedade de nações relativamente mais perfeita do que a sua antiga congênere civilizada É que ao contrário daquela na sociedade xinguana não há preponderância dos mais fortes nem superalianças controladoras nem submissão dos mais fracos Villas Boas e Villas Boas 1975 p 2142 Mesmo assim continuamos chamando de civilizados àqueles que fabricam bombas atômicas campos de concentração deses truturam nações e estimulam guerras simplesmente para vender armas e controlar fontes de petróleo Continuamos aplaudindo o progresso de um mundo onde segundo os dados do Banco Cre dit Suisse 42 pessoas em 2017 controlavam uma massa de rique za igual à que estava nas mãos da metade mais pobre do planeta 37 bilhões de pessoas isso mesmo bilhões de pessoas Nunca o mundo foi tão desigual 1 da população mundial se apropriou de 82 da riqueza produzida em 2017 Esses 1 têm mais riqueza que todo o restante da humanidade No Brasil isso é mais vergo nhoso ainda pois segundo a ONG Oxfam que trabalha com os dados do Credit Suisse apenas cinco multimilionários controlam a mesma riqueza que está com a metade mais pobre do país Por outro lado considerase primitivo quem não tem cartão de crédito conta bancária não participa das redes sociais na internet 42 Uma observação necessária é que nas últimas décadas o contato com o modelo e os padrões da civilização burguesa impulsionou mudanças na cultura e organi zação de várias tribos amazônicas de modo que se aprofundaram a diferenciação e estratificação sociais dentro delas elementos impulsionadores das desigualda des sociais 137 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 não faz compras em shopping centers não tem propriedade privada e não está endividado Fica então a pergunta se é que podemos colocar nestes termos quem é o civilizado Quem é o atrasado O que temos a aprender Vejamos as palavras de Cláudio Villas Boas Se acharmos que nosso objetivo aqui na nossa rápida passagem na ter ra é acumular riquezas então não temos nada a aprender com os ín dios Mas se acreditarmos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade então os índios têm lições extraordinárias para nos dar Villas Boas apud Coelho 2008 p 98 Mas em contrapartida cabe chamar atenção para o aumento da organização das populações indígenas e mesmo de processos que reforçam sua identidade Gomes 2012 sustentado em Eduar do Galvão e João Pacheco de Oliveira questiona tanto o processo assimilativo43 como a tese de que os povos indígenas estariam fa dados à extinção Assim ainda que com mudanças culturais de terminados povos indígenas resistem44 mantendo teimosamente sua identidade indígena Há processos de reaglutinação de comu nidades recuperando memórias Desse modo Uma nova identidade se forma a partir da memória de um passado em geral com aspectos históricos mas também religiosos e míticos que relembra aos novos membros uma visão mais generosa de sua vida pregressa e uma promessa de uma vida melhor a partir da nova identidade O que os motiva é em essência a vontade de uma nova identidade fora da corriqueira identidade de gente rural pobre e destruída mas é complementarmente a segurança de uma maior proteção econômica e oportunidades sociais que a identidade indí gena bem ou mal lhes proporciona Na relação com o mundo o índio toma autoconsciência de sua existência mais ampla e age 43 O autor apoiado em Galvão considera que muitas tribos atualmente existentes resistem e devem permanecer resistindo no futuro à integração à comunidade brasileira Sem querer minimizála uma das questões que levantamos a essa tese é a desigualdade da resistência frente às forças dominantes 44 Os índios reagiram à opressão às vezes pela rebelião e fugas outras pela estra tégia de convivência próxima ou distante Gomes 2012 p 38 138 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ao modo possível que lhe é dado para se entender com sua nova realidade Perder ou ganhar não se pode saber importa é que vive na luta por sua continuidade e ascensão políticocultural Gomes 2012 p 37 Nestes termos o indígena deixa de ser caboclo pelo menos o do caráter pejorativo45 para se reafirmar como indígena novamen te Ainda que com especificidades esses indígenas passam a com por lutas de resistência junto a remanescentes quilombolas pesca dores tradicionais agricultores familiares etc Garimpos ascensão social ou ilusão A exploração rústica de metais preciosos existe desde longa data na Amazônia sendo um dos motivos por exemplo da disputa en tre Brasil e França no século XIX pelo território que hoje constitui a porção norte do Amapá Os garimpos se generalizaram na região no decorrer do século XX ganhando muita evidência nos anos 1970 e 1980 Mato Gros so Rondônia Roraima Amapá e Pará viveram a febre dos metais preciosos Uma das regiões de maior expressividade foi a do rio Tapajós tendo ItaitubaPA como ponto central A exploração ar tesanal do ouro em particular representava uma forte promessa de rápida ascensão social Nos garimpos tradicionais havia o fornecedor e o garimpeiro esquema no qual o primeiro fornecia capital alimentos e um lugar para dormir Os garimpeiros eram a força de trabalho De alguma forma isso reproduzia algumas características do aviamen to46 Os meios de produção eram rudimentares e se usava pouco 45 Vale destacar que parte importante da população ribeirinha amazônica pau latinamente vem se vendo como cabocla ou cabôca e passa a reivindicar esta identidade como expressão de pertencimento de parte ativa da região 46 Mas com a diferença de que mesmo que na prática difícil havia a possibilidade de rápido enriquecimento o que não ocorria com o aviamento na extração vege 139 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 maquinário O metal encontrado era dividido entre ambos meta de para o fornecedor e metade para os garimpeiros o que alimen tava uma ideia de parceria Mas a mineração com pás bateias e processamento manual so freu profunda mudança com a introdução de máquinas hidráu licas as chupadeiras aumentando em muito a produtividade Porém a inovação exigia maior volume de capital para iniciar a exploração além de alguns trabalhadores em certas tarefas que exi giam maior qualificação Com isso aumentouse a diferenciação entre o proprietário das máquinas e os trabalhadores e entre os tra balhadores com maior especialização e os demais Essas diferenças também se apresentavam quanto à divisão da riqueza extraída O proprietário do maquinário ficava com 60 ou mais da produção A incorporação de maquinários introduziu uma forte separação entre o controlador do garimpo e portanto o detentor do capital e o garimpeiro em si A distância entre ambos ficou maior assim como a distribuição da riqueza produzida concentrada no proprie tário das máquinas e equipamentos Em dezembro de 1979 foi descoberto ouro na fazenda Três Bar ras a 150 km de Marabá originando o maior garimpo do Brasil Serra Pelada Em 1983 o local já abrigava mais de 80 mil garim peiros e produzia mais de uma tonelada do metal por mês Tanta gente e pouco controle gerava inquietação entre os mili tares pois o sudeste paraense fora palco da Guerrilha do Araguaia e sofria com os conflitos fundiários Afora isso interessava ao go verno que o ouro fosse explorado pela estatal Companhia Vale do Rio Doce CVRD O major Curió foi encarregado de controlar o garimpo Ele havia reprimido a Guerrilha do Araguaia e fazia parte do Serviço Nacional de Informação SNI órgão de infor tal Apesar disso a descoberta do ouro e a emergência de garimpos não contri buiu para resolver os problemas decorrentes da concentração fundiária na região 140 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mação espionagem e repressão criado pelos militares em 1964 Segundo relatos de garimpeiros Curió em seu primeiro discurso no local disparou vários tiros para o alto e afirmou daqui para frente a arma que atira mais alto é a minha Schmink e Wood 2012 p 294 Todos os dias os garimpeiros eram reunidos para cantar o hino nacional As armas foram confiscadas as mulheres expulsas e as bebidas alcoólicas proibidas Bares e prostíbulos foram se locali zando em outra área no km 30 da rodovia PA275 O povoado chamado de Trinta foi organizado por Curió com a abertura de ruas e a distribuição de terrenos Ele se transformou na sede do atual município de Curionópolis que recebeu este nome em ho menagem ao major Milhares de garimpeiros transformaram o que era um morro em uma imensa cratera Eles carregavam sacas com terras da cra tera por enormes escadas precárias que eram causa de constantes acidentes fatais Esses trabalhadores ficaram conhecidos como for migas Mas diferentemente do garimpo tradicional eles e outros garimpeiros em outras tarefas eram pagos pela produção no caso dos formigas pela quantidade de carregamento Alguns poucos tinham direito de exploração de barrancos Esses desde que reu nissem capital contratavam formigas e outros para trabalhar Os donos de barranco eram os que efetivamente ganhavam Mui tos investidores de outras regiões passaram a comprar direitos de exploração em Serra Pelada Assim ocorria uma concentração de ganhos e riqueza nas mãos de poucos em detrimento dos demais Em 1982 Curió foi eleito deputado federal Em 1983 o presidente Figueiredo decidiu entregar Serra Pelada para a CVRD e transferir os garimpeiros para as reservas de mineração de Cumaru também no sudeste paraense e do Tapajós no oeste do Pará A tensão entre fechamento do garimpo e abertura em definitivo foi aumentando até que em 1984 os garimpeiros questionando até mesmo Curió se 141 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 organizaram em algumas frentes Fecharam a rodovia BelémBrasí lia em ImperatrizMA entraram na Serra Pelada destruindo insta lações da PM e aproximadamente 600 homens armados foram até Parauapebas e queimaram várias edificações da Vale do Rio Doce Figueiredo teve que reabrir o garimpo mas a produção do garimpo como já vinha acontecendo se manteve declinante O poraquê47 dá choque mas não ilumina o capital Grandes empreendimentos energéticominerais Estado a serviço do capital No início da ditadura empresarialmilitar de 1964 o presiden te ditador Castelo Branco sem licitação contratou a Força Aérea estadunidense USAF para fazer o levantamento aerofotogramé trico do Brasil Colocava assim informações mineralógicas privile giadas à disposição do Departamento de Minas Bureau of Mines estadunidense e das empresas daquele país Além disso foram in tensificadas as pesquisas geológicas na Amazônia Há muito além do ouro já eram conhecidas as reservas de cassiterita de Rondônia Amazônia ocidental e de manganês do Amapá Outras importantes reservas minerais foram localiza das Em 1966 a Codim subsidiária da Union Carbide descobriu manganês na serra do Sereno Marabá e em 1967 a United States Steel USS detectou ferro na serra Arqueada CarajásParauape bas e manganês na serra de Buritirama Marabá Também foram descobertas reservas de bauxita matériaprima do alumínio pe tróleo cassiterita e outros minérios Conta a história que o geólogo Breno Augusto dos Santos a serviço da USS em voo de helicóptero à procura manganês teve que fazer um pouso para abastecimento em meio à mata A clareira que escolheram pousar não tinha vegetação Ao pousar descobri 47 Enguia elétrica da Amazônia um peixe 142 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ram o motivo de não haver mata naquele local Tratavase de ferro a céu aberto Pronto acidentalmente havia sido descoberta a maior reserva de ferro de alto teor do planeta É fácil afirmar que Matinta Pereira e Curupira são lendas são estórias E no caso da descober ta do ferro de Carajás será que foi tudo tão acidental assim E as informações que estavam em mãos das Forças Armadas estaduni denses As clareiras já eram conhecidas pela equipe da mineradora a partir de fotos aéreas Mesmo assim o geólogo afirmou que foi destino sorte Carajás foi a última descoberta romântica da história da geologia Vale 2017 Diversas ocorrências minerais de vários tipos foram encontra das na região de Carajás Desde 1968 esta região vinha sendo es tudada pela CVRD Companhia Vale do Rio Doce Em 1970 os estudos passaram a ser efetuados pela Amza Amazônia Mineração SA formada pela CVRD 509 das ações e pela United States Steel com 491 das ações Em 1967 haviam sido descobertas as reservas de bauxita matériaprima do alumínio em Oriximi ná oeste do Pará com 11 bilhão de toneladas Marques 2007 Monteiro 2005 Posteriormente foram encontradas reservas de cassiterita e petróleo no estado do Amazonas bauxita em Parago minasPA e ouro e outros minérios por toda a região48 O entreguismo pouco nacionalista dos militares foi precedi do por mudanças institucionais necessárias aos seus objetivos A Constituição de 1967 estabeleceu que as jazidas minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituíam propriedade distinta do solo quando se tratasse de exploração ou aproveitamento industrial Com isso possibilitouse a aprovação do novo Código de Minas 1967 segundo o qual o subsolo não 48 Segundo Souza 1990 informações das Forças Armadas dos EUA contabiliza vam 225 geólogos e engenheiros estadunidenses realizando pesquisas na Ama zônia brasileira em 1973 143 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 teria dono cabendo ao governo definir quem o exploraria Tam bém se permitiu que empresas de capital externo mas organizadas no país pudessem controlar a exploração mineral O governo gol pista sob um discurso de segurança nacional colocava descara damente os recursos minerais brasileiros à disposição dos capitais transnacionais No caso da Amazônia a mudança na legislação mineral se so maria a outras medidas como o Estatuto da Terra e o estabeleci mento dos incentivos fiscais para sedimentar as bases de um novo e importante papel que a região cumpriria na acumulação capita lista brasileira em sua associação com a dinâmica de capital em âmbito mundial ser fornecedora de produtos naturais particular mente minerais eou intensivos em energia Além da crise econômica brasileira diversos fatores externos pesaram na definição do papel mineral da Amazônia destacada mente a disputa interimperialista o aumento da pressão ambiental nos países industrializados fazendo com que plantas industriais muito poluentes passassem a ser transferidas para regiões onde a legislação de proteção ao meio ambiente fosse mais branda a crise econômica mundial e a subida dos preços do petróleo encarecen do os custos da geração de energia elétrica levando alguns países monopolistas a voltarem suas atenções para as regiões com enorme potencial energético e mineral as taxas de juros internacionais su biram e com elas o endividamento brasileiro chamando atenção para o potencial mineral e energético amazônico Delineouse assim um processo de ocupação na Amazônia por meio de grandes empreendimentos privados e governamentais empreendimentos de porte considerável tecnologia avançada e implementados por complexos empresariais entre Estado e capital privado nacional e estrangeiro Com os grandes projetos a região 144 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 foi efetivamente inserida na estratégia econômica dos principais países da economia mundial49 Em 1970 foi fundada a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais CPRM estatal a fim de produzir conhecimento mi neralógico e colocálo à disposição das empresas mineradoras Também foi criado o Radam Radar da Amazônia para fazer o levantamento aeroradarmétrico de 15 milhões de quilômetros quadrados da região visando descobertas minerais Em meados dos anos de 1970 vários empreendimentos de gran de dimensão começaram a ser implantados na Amazônia Orien tal50 Naquele momento o mercado mundial de alumínio estava sob o controle de um cartel de seis empresas Alcoa USA Alcan Canadá Alusuisse Suíça Kaiser Aluminium USA Pechiney França e Reynolds USA Algumas dessas empresas haviam co meçado a promover pesquisas na Amazônia a partir do final dos anos 1950 foi o caso da Alcan 1963 procurando detectar bau xita Em 1967 a Alcan descobriu as reservas de bauxita no rio Trom betas município de OriximináPA Logo após essa descoberta a multinacional criou uma subsidiária a Mineração Rio do Norte MRN que em 197374 foi reorganizada por meio de um acordo entre Alcan e CVRD o que levou à incorporação de várias em presas como acionistas sendo que apenas três eram nacionais as demais eram estrangeiras 49 O interesse principal dos países imperialistas e de suas empresas em entrar em empreendimentos como os que foram implantados na Amazônia não foi neces sariamente a lucratividade mas sim o controle da produção de matériasprimas vendidas a preços baixos às indústrias monopolistas mundiais favorecendo a acumulação de capital na sede Podese obter lucro reduzido ou mesmo prejuízo no local da extração mineral desde que isso signifique a elevação dos lucros na indústria sediada no país dominante 50 Pará Amapá Mato Grosso Tocantins e parte do Maranhão 145 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A partir das reservas de bauxita decidiuse realizar seu bene ficiamento na própria região Em 1976 empresários japoneses da indústria de alumínio fecharam um acordo com os governos do Pará e do Brasil criando o Complexo Industrial de BarcarenaPA Projeto Albrás alumínio primário e Alunorte alumina matéria prima para o alumínio primário O choque do petróleo aumen tando os custos energéticos levou a economia japonesa a transferir para a periferia as etapas da produção de matériasprimas que fos sem intensivas em energia ou seja transferiu para os países depen dentes parte da sua crise O governo brasileiro encarregouse de oferecer a infraestrutura necessária ao empreendimento ficando o governo do Japão res ponsável pela tecnologia e parcela do financiamento Esse projeto foi empreendido por um consórcio formado pela CVRD através de sua subsidiária Valenorte e a NAAC Nippon Alumínio Com pany Ltda que era uma associação de 33 entidades onde o maior acionista era o Oecef Overseas Economic Fund órgão do gover no japonês Bentes 1992 Para o funcionamento das duas fábri cas era necessário um grande volume de energia elétrica principal insumo da cadeia produtiva do alumínio algo entre 30 e 40 dos custos totais Isso levou o governo militar a construir a mega hidrelétrica de Tucuruí fundando a estatal Eletronorte para tal assumindo as despesas para si e fornecendo a energia ao empreen dimento com uma tarifa subsidiada51 O projeto Albrás iniciou sua produção em 1985 A conclusão da construção da Alunorte foi atrasada em função de disputas entre a Alcan canadenses Alcoa e japoneses Afora isso a implantação do empreendimento interessava muito mais à CVRD do que à 51 A UHE de Tucuruí representou um grande ataque ambiental e social desalojan do milhares de pessoas de suas terras e casas A barragem tem 11 km de extensão e o lago nas cheias do rio alcança 2850 km² de floresta inundada 146 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Naac japoneses já que esta última objetivava centralmente a pro dução do alumínio primário Paralelo a isso a Alcoa junto à Shell e à construtora Camargo Corrêa montaram uma planta industrial Alumar em São LuísMA para produzir aquilo que a Alunorte produziria O capital que a construtora incorporou na empreitada foi exatamente o lucro que ela obtivera na construção da hidrelétri ca de Tucuruí US 2 bilhões segundo Leal 201052 No caso do ferro Projeto FerroCarajás a CVRD em 1977 adquiriu as ações da US Steel com apoio do Banco Mundial e do Tesouro Nacional As reservas assim como o complexo mina ferroviaporto formaram a espinha dorsal de um programa mais amplo o Programa Grande Carajás PGC criado em 1980 Essa decisão foi influenciada entre outros pela busca de saldos posi tivos na balança comercial brasileira como forma de responder à crise econômica A área de influência direta do PGC alcan çou 106 do território brasileiro e mais de 240 municípios do Maranhão Pará e Tocantins A província mineral de Carajás e outras áreas do PGC registram grande incidência de ferro bau xita ouro níquel cobre manganês cassiterita e minerais não metálicos53 Segundo Hall 1991 e Cota 2007 a partir de informações da CVRD o PGC foi orçado em 1981 em US 617 bilhões e tinha como eixo de suas atividades a mineração mais especificamente o 52 A retomada da implantação da Alunorte em 1993 foi comandada pela CVRD sob um esquema de financiamento e facilidades fiscais concedidos pelo governo paraen se Montouse uma nova estrutura acionária composta pela CVRD com 448 MRN com 246 Naac com 161 CBA com 57 e outros participantes 53 O Programa instituiu um regime especial de incentivos tributários e financeiros para empreendimentos localizados na sua área de atuação Sua direção admi nistrativa coube a um conselho interministerial sediado em Brasília e presidido pelo ministro da Secretaria de Planejamento da Presidência da República Cota 2007 Lôbo 1996 Tomava decisões estratégicas sobre a região mas de fora e por pessoas sem vinculação direta com ela 147 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 processamento de uma ampla parcela de minerais incluindo os 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade da mina de Carajás administrada pela CVRD Loureiro 2004 afirma que o governo brasileiro aceitou a imposição do Banco Mundial e assu miu os grandes volumes do financiamento de modo que 68 dos investimentos foram decorrentes de recursos diretos do governo ou de suas instituições financeiras Como retorno aos empréstimos tomados o governo brasileiro ofereceu aos empresários estran geiros os investimentos na implantação da infraestrutura estrada de ferro barragens etc O PGC representou não apenas a perda de controle sobre a área por parte dos governos estaduais da Amazônia mas também a redução do poder de intervenção das instituições tradicionais Sudam Suframa e Banco da Amazônia não tinham poder de de cisão sobre o Programa Essa forma de ocupação com os grandes empreendimentos foi característica da ocupação e pilhagem do capital monopolista internacional tornada possível por conta dos interesses comuns entre a burguesia brasileira e a imperialista com aval e estímulo do Estado brasileiro Outro aspecto importante do PGC é a questão ambiental pois se visualizava o estabelecimento de indústrias produtoras de ferro gusa matériaprima do aço A questão é que isso implica uma enorme voracidade de destruição da floresta No percurso da es trada de ferro principalmente no território maranhense foram sendo implantadas nos anos 1980 diversas guseiras de pequeno e médio porte Para a fabricação do produto elas usavam o carvão feito com a derrubada da floresta nativa Em Marabá nas décadas seguintes se instalou um polo siderúrgico também com forte im pacto sobre a floresta Dada a redução dos preços do ferrogusa em meados dos anos 2010 e a proibição do uso de carvão produzido com madeira nativa elevando os custos somado a outros elemen 148 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tos as empresas enfrentaram séria crise paralisando majoritaria mente suas atividades Do ponto de vista da economia regional com os grandes proje tos ou mais precisamente grandes empreendimentos ocorreu uma reconfiguração da produção e da sua relação com o exterior mas confirmouse sua condição de região semicolonial dependente54 Excluindo a produção do manganês amapaense que entrara em comercialização em 1957 a pauta de exportação amazônica até os anos 1960 sustentavase em produtos extrativos tradicionais pes cado castanhadopará madeira óleos etc No decorrer dos anos 1980 de forma efetiva isso mudou radicalmente consolidando uma divisão de papéis delineada desde a ditadura empresarialmili tar Na Amazônia oriental a pauta de exportação foi dominada pe los produtos minerais A Amazônia ocidental55 teve sua economia hegemonizada pela produção da Zona Franca de Manaus ZFM cuja formatação é diferente dos empreendimentos energéticomi nerais com componentes importados montando mercadorias eletroeletrônicas voltadas para o mercado interno brasileiro A enorme transferência de recursos públicos conformou um grande parque industrial em Manaus o Polo Industrial de Ma 54 O quadro atual configura a região como semicolonial ou mais precisamente dependente porque entre outros apesar de o Brasil formalmente ser uma nação independente as relações que os capitais transnacionais e seus países de origem estabelecem com a região são imperialistas e os setores dominantes local e na cional aceitam e se alimentam dessa relação É verdade que muitas mudanças ocorreram no mundo desde que Lenin analisou e caracterizou o imperialismo no início do século XX Mas também é correto afirmar que muitas características imperialistas se mantêm em particular o domínio dos principais ramos da eco nomia mundial pelos oligopólios Quando nos referirmos à região como colônia ou mais exatamente semicolônia estamos em realidade reforçando o caráter das políticas imperialistas que incidem sobre ela Não nos referimos à colônia no sen tido clássico que é quando uma determinada região não tem autonomia política No caso da Amazônia tratase de uma região que compõe um país independen te mas subordinado aos países dominantes 55 Amazonas Roraima Acre e Rondônia 149 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 naus PIM parte central da Zona Franca São aproximadamente 600 indústrias em grande medida hegemonizadas por empresas transnacionais que importam seus componentes de suas matrizes ou fornecedoras na China Coreia do Sul EUA e Japão principal mente Em 2014 as empresas eletroeletrônicas corresponderam à metade do faturamento do PIM seguidas pelas produtoras de mo tos O problema é que são empresas que não inovam e em geral apenas montam os produtos no Amazonas comprando os compo nentes de fora gerando estímulos em outros países para vender para dentro do Brasil Em consequência a balança comercial do estado do Amazonas é muito negativa A ZFM provocou mudanças importantes no estado do Ama zonas Em 1950 o setor primário concentrava 7365 da popula ção economicamente ativa estadual Em 1980 havia se reduzido a 3859 Isso foi produto entre outros da enorme concentração demográfica em Manaus que passou a atrair mais que proporcio nalmente a população do interior Em 1970 a capital dispunha de 243 da população estadual Em 2005 totalizava 508 Outro fator que é causa e consequência dessas mudanças é a evolução do PIB de Manaus Em 1970 já com a ZFM em implantação ele correspondia a 728 de tudo o que o Amazonas produzia Em 2003 concentrava 83 A dinamização da capital contrastou com a fragilização do interior amazonense e com outros estados da Amazônia ocidental Além disso os ganhos dessa produção e da transferência de recursos públicos pouco contribuem para o verdadeiro desenvol vimento local pelo menos não na mesma proporção dos lucros principalmente quando comparamos com o faturamento das em presas Segundo dados da Suframa o total de gastos com salários encargos e benefícios ficou em média entre 6 e 7 na primeira metade da década de 2010 o que representa um aumento da desi 150 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 gualdade na distribuição da riqueza pois em 1990 esse percentual era de 988 Esse processo é agravado com a intensificação da terceirização nas empresas do PIM contratando trabalhadores em postos preca rizados e de menor salário ainda que realizando as funções de ope rários especializados Aumentase com isso a apropriação do traba lho pelo capital pois o trabalhador fica com uma parcela menor da riqueza por ele produzida Dados sistematizados por Cooney Oliveira e Almeida 2008 informaram que em 2007 82 dos trabalhadores empregados no PIM recebiam entre 1 e 4 salários mínimos O Índice de Desenvolvimento Humano de Manaus no início da segunda década do século XXI mostrouse equivalente ou le vemente superior ao das demais capitais da região Norte do Bra sil Quanto ao índice Gini que mede a concentração de renda constatase que a capital amazonense tem um percentual muito elevado mesmo quando comparada às demais capitais da Amazô nia ocidental Isso significa desigualdade social O Ipea a conside rou como a região metropolitana brasileira de piores indicadores sociais Diferentemente do que pregavam as teorias econômicas e os discursos políticos governamentais os investimentos públicos no PIM não irradiaram o desenvolvimento para o conjunto da região ao contrário concentraram renda56 e população em Manaus Ade mais o que mais atrai essas empresas é a continuidade de favores do Estado isenção de impostos e linhas de crédito especial além da entrega de dinheiro a fundo perdido como aconteceu no passa 56 Segundo Cooney Oliveira e Almeida 2008 em 2004 de toda a riqueza produ zida no estado do Amazonas 80 é originada no PIM Mas a concentração de renda não significa necessariamente que ela fique em Manaus Os acionistas da Honda por exemplo moram fora da região e até mesmo do território brasileiro 151 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do Uma suspensão desses favores levaria ao fechamento de grande parte desses empreendimentos Assim ocorreu uma concentração e centralização de capital57 na capital amazonense Apesar da melhora do IDH a riqueza se concentrou nas mãos de poucos Dados do censo de 2000 indicam que apenas 317 da população amazonense tinha rendimentos superiores a dez saláriosmínimos Manaus abrigava 884 das fa mílias ricas do estado sendo que as mais ricas controlavam 874 do PIB estadual Pochmann et al 2003 apud Santos Machado Seráfico 201558 Visualizando a forma de capital predominante na Amazônia podemos destacar que até os anos 1950 pelo menos o capital mer cantilcomercial foi a face que se sobressaiu e pouco exigiu em investimento na produção A economia regional centravase em produtos extrativos tradicionais A partir dessa década ganha mais visibilidade consolidandose posteriormente com os grandes em preendimentos o capital industrialfinanceiro estimulado pelo Es tado o que exige um montante de investimento produtivo bas tante significativo seja em infraestrutura seja em montagens de unidades produtivas Aqui entendemos a tomada de grandes ex tensões de terras pelo Governo Federal até então sob o controle dos governos estaduais Era parte da concentração de poder neces sária à condução das políticas em questão 57 Concentração é o processo em que o capital aumenta de valor por meio da apro priação do trabalho excedente maisvalia do trabalhador pelo capitalista Já a centralização ocorre quando capitais antes dispersos e concorrentes são juntados sob um único proprietário ou comando Compras de empresa associações e ou tros instrumentos são usados para tal 58 Segundo Santos Machado e Seráfico 2015 a ZFM representou a combinação de interesses entre as corporações transnacionais e os empresários nacionais e amazonenses Ainda que o empresário local se subordinasse ao nacional e trans nacional vários de seus segmentos alcançaram ganhos substantivos aproveitan dose da dinâmica de transnacionalização 152 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A decisão de ter como centro a mineração baseada princi palmente em TucuruíAlbrásCarajás e alguns poucos produtos exportáveis foi tomada fora da região e levando em consideração os interesses dos grandes capitais incluindo acentuadamente das economias hegemônicas Apesar dos numerosos e significativos projetos agropecuários aprovados pela Sudam o interesse maior do governo federal para a Amazônia não tomava como centro a agropecuária mas a mineração Ocorreu assim um esvaziamento político e econômicofinanceiro da Superintendência Foi nos anos 1970 aparentemente no auge da Sudam que se consolidou um projeto no qual a Amazônia se integrou ao proces so de acumulação capitalista brasileira em suas associações com a divisão internacional do trabalho como fornecedora de produtos naturais principalmente minerais59 Gestouse um projeto impul sionado pelo Estado brasileiro no qual a Superintendência e mes mo a Suframa e o Banco da Amazônia seria coadjuvante de modo que o projeto teria que permanecer vivo e fortalecido mas ela não necessariamente Foi o que aconteceu quando a crise do Estado de senvolvimentista brasileiro levou à redução drástica dos incentivos fiscais sob a gerência da Sudam sendo extinta em 2001 pelo presi dente Fernando Henrique Cardoso60 A ZFM também sofreu com as novas políticas adotadas em particular com a redução dos in centivos fiscais limitando bastante sua capacidade de atração de novos investimentos ou mesmo a renovação daqueles já existentes Nos anos 1990 o Banco da Amazônia também passou por uma forte indefinição sobre seu futuro diante do desmonte dos bancos 59 Evidentemente estamos nos referindo particularmente à Amazônia oriental onde se concentraram as grandes ocorrências minerais da região 60 Tendo sempre pouco acesso à Sudam as classes trabalhadoras não defenderam uma instituição que pouco fez para se aproximar desse setor No segundo man dato do governo Lula em 2007 a Sudam foi recriada mas com pouquíssimos instrumentos de intervenção 153 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 públicos e privatizações O Banco Regional Amazônico entraria no último lote de venda junto com o Banco do Nordeste Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil Felizmente o governo tuca no não conseguiu reunir condições para isso Nos anos seguintes o Banco também não conseguiu visualizar um futuro sólido Com a intensificação da onda neoliberal a partir de 2016 as ameaças ganharam força novamente Em resumo ao mobilizar recursos para a integração da Ama zônia o Estado garantiu a inserção de capitais nessa região Mais que isso proporcionou a acumulação ampliada do capital respon dendo aos interesses da burguesia nacional e internacional A pró pria burguesia regional aceitou um papel subordinado nessa nova fase contente com as terras recebidas e os resíduos não pequenos se comparados ao capital regional dos incentivos fiscais Aos tra balhadores não restaram nem terras nem incentivos apenas traba lho nem sempre encontrado razão pela qual ocorre um incha ço das cidades amazônicas nos anos 1980 e 1990 QUESTÃO AGRÁRIA A antirreforma agrária na Amazônia Não era mais só a assombração que metia medo Quando deixar de chover na Amazônia a partir de junho ou ju lho tudo recomeçará novamente entre cem e cento e cinquenta mil nordestinos sobretudo maranhenses serão trazidos de seus pobres povoados do interior para derrubar grandes árvores e preparar pas tagens numa floresta que desconhecem e lhes é hostil milhares de famílias de lavradores começarão a chegar estabelecendose sobre tudo em Rondônia Acre e sul do Pará à procura de um pedaço de terra outras que já o obtiveram serão ameaçadas de expulsão e em vários casos terão que procurar outra área em pelo menos 44 mi lhões de hectares haverá 10342 famílias de posseiros brigando com grandes proprietários de terra enquanto diversos grupos econômicos tentarão regularizar a situação de 54 milhões de hectares que estão grilados em apenas seis áreas amazônicas Pinto 1980 p 3 Lamentavelmente esse relatoprevisão de Lúcio Flávio Pinto era a expressão de uma terrível rotina que se repetia na Amazônia nos anos 1970 e 1980 Vejamos Desde pouco antes do golpe militar mas principalmente depois da Operação Amazônia 1966 os incentivos fiscais inicialmente diminutos e restritos à indústria se ampliaram e migraram acentua 156 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 damente para a pecuária provocando além do desvio de enorme vo lume de recursos públicos intensa busca por terras para a conforma ção de fazendas Para isso os grandes proprietários recorreram aos mais variados métodos legais ou não pois quanto maior o tamanho da terra maior o montante de dinheiro público a receber Isso não era uma simples compensação à oligarquia regional mas o movimento de configuração de um novo projeto para a re gião onde mesmo na agropecuária frações regionais teriam que conviver com setores de outras regiões1 e até de outros países como foi o caso da Volkswagen com uma fazenda de 139392 hectares no sudeste paraense onde em uma única queimada destruiu 10 mil hectares de floresta Cocacola Pirelli Goodyear entre ou tras se aproveitaram dos estímulos à agropecuária ainda que não fossem originárias deste setor Receberam dinheiro público eou isenção de impostos da Sudam empresas madeireiras de origem es tadunidense holandesa e suíça O mesmo aconteceu na agropecu ária com empresários dos EUA Alemanha Áustria e Suíça entre outros afora as mineradoras já citadas anteriormente Em 1968 por proposta da oposição foi instituída uma comis são parlamentar no Congresso Nacional que averiguou que pro priedades de grandes proporções na Amazônia Legal estavam com pessoas e empresas de outras nacionalidades por exemplo João Inácio extabelião de cartório de 1º ofício e testadeferro de gru 1 Os novos grupos que entravam no Pará eram descendentes de famílias tradicio nais paulistas plantadoras de café e outros produtos que nos anos 1940 e 1950 já haviam adquirido terras no Paraná norte de Minas e Goiás Lunardelli Góes Do Val etc são exemplos de latifundiários que estabeleceram propriedades na re gião Os novos proprietários fundaram em 1968 no sudeste do Pará a Associa ção de Empresários Agropecuários da Amazônia com sede em São Paulo onde residiam os negócios prioritários e os filiados à nova entidade Supostamente eram empresários mais modernos e conscientes eram João Carlos Meireles um de seus presidentes afirmou em relação à floresta melhor seria cortála pois que a hileia é uma floresta senil Jornal do Brasil apud Valverde 1980 p 29 157 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 pos estrangeiros dispunha de posses em diversos municípios entre os quais 36 milhões de hectares em São Félix do Xingu Usando diversos nomes falsos João Inácio chegou a se apropriar de mais de 5 milhões de hectares de terras em diversos estados da Amazônia Oliveira 1988 Garrido Filha 1980 Ao incluir a produção madeireira e agropecuária entre os se tores incentiváveis e ao reconhecer o valor das terras como re cursos próprios e contrapartida de capital dos que viessem a pleitear a ajuda financeira o Estado estabeleceu íntima relação entre incentivos fiscais e grande propriedade da terra2 Grosso modo os setores regionais detentores de baixa capitalização re quisitavam incentivos fiscais por meio de projetos agropecuários Proprietários locais e extrarregionais recebiam terras do governo ou compravam a preços irrisórios ou mesmo as grilavam e de pois inflavam artificialmente seu valor para obter grandes somas de incentivos do governo A Sudam financiou inúmeros proje tos que estavam em áreas litigiosas pois não exigia comprovação da ausência de conflito A concentração crescente de terras que se observou para exploração agropecuária madeireira e mineral passou a conflitar com a procura dos pequenos produtores prin cipalmente imigrantes Para além do problema da rentabilidade econômica e das áreas litigiosas de projetos incentivados pela Sudam havia a questão da corrupção direta ou indireta A propaganda militar como um go verno correto de moral elevada não se sustentou no caso amazô 2 Quando um empresário solicitava dinheiro de incentivo fiscal da Sudam tinha que comprovar que ele dispunha e investiria parte dos recursos monetários ne cessários à implantação do projeto obrigatoriamente pelo menos 25 do total Era a contrapartida financeira de capital Como a Superintendência aceitou que a propriedade de terras pudesse ser contabilizada como tal a rigor um em presário poderia montar um empreendimento sem investir nenhum dinheiro novo próprio 158 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nico Vejamos o depoimento de Pedro Casaldáliga bispo de São Félix do AraguaiaMT Não havia fiscalização nenhuma A Sudam era a prostituta do la tifúndio com o perdão das prostitutas E o povo inerme indefe so não tinha organização não tinha sindicato enquanto as forças todas políticas judiciárias militares estavam a favor do latifúndio Desde que cheguei aqui nestes 35 anos 1968 de Barra do Gar ças até a divisa com o Pará onde termina a Prelazia foi desmatado e queimado 80 do território Em resumo veio muito dinheiro mas não o desenvolvimento Muitas vezes porque os incentivos fis cais que se davam ao latifúndio não eram investidos aqui mas nas próprias empresas que os ditos fazendeiros tinham no Sul e Sudeste Várias dessas fazendas eram bancos Casaldáliga 2003 apud Faria et al 2015 p 362363 O senador acreano Altevir Leal do partido da ditadura o Are na afirmava ser dono de todo o rio Envira Ele teria vendido 12 milhão de hectares de terras e mesmo assim ainda se intitulava o maior latifundiário do mundo Outras esferas de poder não esta vam isentas Pinto 1980 descreveu que um funcionário público teria escutado de um grande investidor do Sul do Brasil que as coisas mais baratas que teria encontrado no Acre eram terras e a justiça Já no governo Costa e Silva 19671969 a questão da terra particularmente em relação à Amazônia havia sido transformada num problema militar Para o ministro do Interior general Albu querque de Lima ligado à Escola Superior de Guerra a integração da região se tornava um problema nacional e responderia à pres são fundiária no Nordeste devendose ocupar os espaços vazios amazônicos O presidente Médici 19691974 afirmara que a terra sem homens receberia os homens sem terra mas em seu governo marcado pela repressão à Guerrilha do Araguaia a Amazônia dei xou de ser vista como solução para o problema agrário brasileiro A terra sem homens deveria receber os homens do capital e que 159 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 por conta das facilidades dos incentivos nem precisariam necessa riamente estar com grandes volumes financeiros Não houve reforma agrária na Amazônia mas sim o seu inver so3 Comprova isso entre outros duas diretivas elaboradas pelo Conselho de Segurança Nacional e pelo Ministério da Agricultura sendo emitidas pelo Incra ainda que não tivessem sido publicadas Eram as diretivas 005 e 006 de 1976 Apesar de serem exposições de motivos foram tomadas como lei A primeira reconhecia que partes das grandes propriedades haviam sido adquiridas ilegal mente mas de boafé algumas recebendo até mesmo incentivos fiscais do governo Como elas promoviam o desenvolvimento da Amazônia deveriam ser tornadas formalmente legais até o limite de 60 mil ha A segunda diretiva concedia título sobre determina da terra desde que o requisitante comprovasse que estava lá há mais de dez anos Isso excluía os pequenos imigrantes que haviam sido atraídos pela propaganda governamental da ditadura empresarial militar Esses dois instrumentos estimularam o mercado de terras e títulos falsos na região em detrimento dos pequenos proprietá rios que mesmo sendo os donos de fato não tinham como com provar isso por meio de documentos Legalizavase o escandaloso processo de apropriação ilícita de terras de terceiros e do Estado Num antigo município paraense São Domingos da Boa Vista um dos livros de títulos definiti vos de propriedade referente ao período 19101916 teve quatro páginas arrancadas e outras introduzidas de forma tão grosseira que ele ficou com duas folhas de número 39 sendo cada uma com uma diferente impressão tipográfica Também nos anos 3 Jader Barbalho então deputado federal latifundiário prestou depoimento à Câmara Federal 1985 afirmando que entre 1978 e 1981 apenas oito pessoas físicas e jurídicas haviam expandido suas propriedades paraenses em aproxima damente 45 milhões de hectares chegando a deter algo em torno de 6 milhões de hectares o que equivalia a toda a terra pública alienada no Pará até 1963 160 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1970 a Secretaria de Agricultura paraense quando foi demarcar o loteamento Itaipavas no sudeste do estado constatou que da área que se julgava ter o território 1800 metros estariam sobre o rio Araguaia o que legalmente não poderia ocorrer Não se pode lotear um rio Afora isso os órgãos públicos não se entendiam em diversos aspectos Em muitos casos sobre uma mesma área havia mais de um título emitido ou reconhecido a proprietários diferentes pelo mesmo órgão ou por órgãos diferentes como o Incra e o Instituto de Terras do Pará Iterpa Posteriormente outras instâncias passa ram também a ter a prerrogativa de gestão sobre terras da região como por exemplo o Programa Grande Carajás e o Grupo Exe cutivo de Terras do AraguaiaTocantins Getat Confusões entre os órgãos e a generalização das fraudes levaram analogia com a arquitetura para explicar a desordem dos títulos Sobre uma mesma área cada título apresentado correspondia a um andar No Pará eram comuns propriedades que tinham de sete até dez andares Schmink e Wood 2012 p 111 Segundo Pinto 1980 com uma extensão territorial de pouco mais de 12 milhão de hectares o estado do Mato Grosso até a segunda metade dos anos 1970 conseguira a proeza de vender 17 milhão de hectares A concentração fundiária ocorreu até mesmo na região da ro dovia Transamazônica que havia sido tomada como a área de lo calização de pequenos produtores por meio da colonização Ini cialmente o governo distribuiu lotes de 100 hectares mas em seguida passou a vender lotes de 500 hectares a comerciantes empresários e madeireiros locais e de outros estados Esses lotes ficavam atrás daqueles de 100 hectares localizados ao lado da ro dovia O Incra facilitou aos novos proprietários a compra dos lotes de 100 hectares na frente Os pequenos assentados sem apoio pú blico passaram a vender suas terras para os proprietários de renda mais elevada ocorrendo reconcentração da terra 161 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Desse modo a política de assentamento de trabalhadores rurais na Amazônia respondeu à necessidade de se distribuir alguma terra para não distribuir as terras esse acabou sendo o lema de fato da política governamental de colonização dirigida Ianni 1979 p 81 Na prática os pequenos produtores em geral cumpriram a função de abrir a mata em regiões de difícil acesso para os médios e grandes proprietários que viriam depois A crescente organização dos trabalhadores em sindicatos par tidos e outras organizações aliada ao apoio recebido de parte da Igreja católica entre outros aumentava a tensão Os camponeses migrantes ou não passaram a compreender que fazendo pressão organizada sobre o governo e o grande proprietário conseguiam algum grau de visibilidade e atenção O Estado ao mesmo tempo em que respondia com diversos tipos de repressão também era obrigado a dar algumas respostas pontuais e localizadas às de mandas dos trabalhadores Isso geralmente acontecia em locais de maior tensão Diferentemente do Incra com seus critérios de seleção para as sentamento na Transamazônica o Getat atuou preferencialmente sobre posseiros envolvidos em conflitos chegando até mesmo a negociar títulos de terra por apoio aos candidatos governamentais nas eleições Ele foi uma forma de proteger os interesses dos grandes proprietários e das grandes empresas de modo a evitar que perdessem para os trabalhadores mais terra ainda ou até mesmo a totalidade de suas fazendas Todos os meios têm sido utilizados desde a persuasão até a ameaça não faltando a violência Ele faz exatamente o papel do coronel concede dádivas acomoda tenta conciliar etc para garantir os interesses dos grandes proprietários A criação do Getat representou a intervenção militar no Incra e pra ticamente a sua condenação De fato a federalização da questão fundiária e sua militarização torna mais fácil a neutralização de um foco de tensões sociais e polí ticas incômodo para o regime militar e sua política econômica Fun 162 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 damentalmente centraliza nas mãos do novo ministro as decisões sobre o problema da terra eliminando uma variedade de grupos so ciais com interesses comuns mas na verdade com interesses confli tantes como no caso dos proprietários tradicionais de seringais e castanhais das empresas de colonização das empresas beneficiárias de incentivos fiscais para concretizar no campo a política agrope cuária do governo e das multinacionais e financeiras de cujo apoio dependem ambiciosos projetos governamentais como o de Carajás Martins 1984 p 24 25 e 73 Era então uma política de colonização emergencial e de con flitos tendo como objetivo principal diminuir as tensões locais e ampliar a base de apoio governamental Mas as coisas nem sempre saíam como se planejava Primeiro porque intencionalmente ou não a distribuição de títulos não freara as forças do mercado e da política que tendiam à maior concentração fundiá ria Segundo os trabalhadores rurais aprendiam rapidamente com os fatos e a luta A mensagem era bem clara Para defender o seu lote era necessário organizarse e constituir ameaça suficiente para que os militares in terviessem em seu favor O resultado foi exatamente o processo de politização que os militares tanto temiam Apesar de um movimento camponês de mobilização em grande escala nunca ter se desenvolvi do na Amazônia não houve dúvidas de que o caráter esporádico da intervenção militar em favor de pequenos produtores aumentou ao invés de reduzir a possibilidade de resistência organizada Schmink e Wood 2012 p 130 O Getat buscava controlar os conflitos fundiários o que signi ficava antes de tudo ter o controle sobre os camponeses da região incluindo suas organizações representativas O Sindicato de Tra balhadores Rurais de Conceição do Araguaia e região tinha um presidente que havia sido imposto pelo governo desde 1974 Nas eleições de 1980 a oposição sindical indicou o nome de Raimun do Ferreira Lima o Gringo Defendia a reforma agrária e recebeu o apoio nacional de grupos de oposição ao governo Considerado uma ameaça foi assassinado 163 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A oposição sindical apresentou novo candidato e venceu o plei to mas a eleição foi anulada por não obter o quórum regimental O governo adiou a eleição várias vezes até sua realização em 1981 Militares Polícia Federal e Getat atuaram abertamente a favor do candidato prógoverno vencedor da disputa eleitoral Para tal pro meteram títulos de propriedade O Getat doou recursos às comu nidades em troca de apoio e o major Curió pessoalmente foi pro meter carteirinhas de garimpeiros a quem votasse com o governo O apoio à grande propriedade e outras políticas correlatas re configuraram o próprio espaço regional amazônico Na década de 1950 a região tinha uma forma de ocupação onde a distribuição populacional ocorria ao longo de seus rios principais destacada mente o Amazonas A ocupação econômica também seguia esse movimento Com as políticas implementadas nos anos 1950 rodo via BelémBrasília 1960 e 1970 ocorreu a reconfiguração espacial passandose a ocupar não apenas as margens dos rios mas outras áreas de acordo com a disposição das rodovias e a concentração dos projetos econômicos Economia sociedade e o modo de vida sustentados no cabo clo na roça e no extrativismo foram profundamente alterados Também ocorreram mudanças nas relações de poder No caso de MarabáPA nos anos 1980 consolidouse uma situação em que o município não era mais somente a terra da oligarquia da castanha de camponeses e de indígenas passando a ser também de ban cos Bradesco e Bamerindus4 pecuaristas grileiros colonizadores militares e mineradoras Não era necessário residir na Amazônia para se apropriar de suas terras tampouco se exigia obrigatoriamente que elas fossem exploradas produtivamente Em 1961 os donos da Fazenda Santa Fé vieram conhecer suas terras e trouxeram novos visitantes 4 Posteriormente esse banco foi comprado pelo HSBC 164 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Pousamos em terras paraenses Pelas 4 horas chegou o quar to avião um Asteca do Empreendedor Bené Benedito Sampaio de Barros e nele o Sr Ruy Mesquita do jornal Estado de S Paulo e o fazendeiro Sérgio Cardoso de Almeida Enfim a que veio este grupo ao sul do Pará Olhar as terras É que muitos já são proprie tários de largas faixas destas matas quase terras virgens distantes muitas léguas das povoações mais próximas Hermes apud Fernan des 1999 p 4546 Diferente do que possa parecer os novos grandes proprietários não negavam como um todo a antiga oligarquia Ainda que não sem contradições e tensões a sua estratégia de sustentação os le vava a estabelecer relações e alianças com proprietários locais Do ponto de vista do pequeno produtor e do trabalhador semterra a aliança dos latifundiários cumpriu o papel de concentrar terra e se opor à luta pela reforma agrária O deslocamento espontâneo e crescente de grandes massas de imigrantes principalmente desde os anos 1970 levou os posseiros a se enfrentarem com grileiros e empresas beneficiadas pelos incenti vos fiscais A tarefa de ocupação coube inicialmente aos imigrantes nordestinos principalmente Entretanto ocupação pressupõe algo a ocupar mas a terra não estava à disposição de todos e sim dos gran des proprietários de terra eou de capital Os interesses dos migrantes se chocaram com a estrutura de poder que lhes estimulou a migrar colidindo com outros atores nesse espaço que diferente do que se propagan deava não era vazio A partir daí não fica difícil entender porque de espaço vazio ele se tornou espaço de conflitos Nahum 1999 p 51 O resultado é que por meio de programas de colonização e outros instrumentos ocorreu um processo de deslocamento espacial da pobreza e da exclusão social Castro 1994 Conflitos e contradi ções sociais foram estendidos de outras regiões para a Amazônia e ali receberam outros agravantes como a degradação ambiental Assim ocorreu a expansão da chamada fronteira agrícola mas com muitas contradições e seguindo o percurso aberto pelas novas 165 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 rodovias Segundo Marques e Marques 2015 o imigrantepos seiro era o primeiro a chegar às novas terras se enfrentando com populações indígenas e com a floresta Depois de amansada a terra chegava o fazendeiro imigrante que adquiria essa posse por métodos diversos fazendo com que o primeiro fosse deslocado para abrir uma nova área de terra Schmink e Wood 2012 p 390 colheram depoimentos junto a imigrantes que retratam esse processo Um dos imigrantes afirmou dizem que tem muita terra pública Aí você chega aqui e tudo já tem dono Outro trabalha dor reclama A gente vê isso acontecer demais um trabalha num lote de terra desmata e planta Daí vem outro que se diz dono5 Esse movimento era acompanhado pela grande fazenda co mércio banco cartório obras infraestruturais ou seja formas ca pitalistas de ocupação territorial Já afirmamos que a política de distribuição de terras e incentivos na Amazônia priorizava os pro prietários de fora da região excluindo particularmente os peque nos produtores Costa 2000 comprovou que os incentivos fiscais estavam concentrados em empresas gigantes banco Bradesco SA por exemplo seguidas por grupos familiares forâneos São Paulo e Minas Gerais principalmente Os grupos oligárquicos locais to talizaram 215 dos investimentos6 A pequena produção estava excluída entre outros por não se apresentar como empresa SA précondição de acesso ao fundo público 5 Em alguns casos o próprio trabalhador resolvia vender sua terra amansada Co nhecido como indústria da posse o procedimento foi uma das poucas vias abertas para os imigrantes ganharem algum dinheiro Sem nenhuma forma de estabelecer uma posse legal e nenhum poder político ou econômico necessário para manter a posse que eles tão desesperadamente queriam os pequenos agricultores descobri ram que a única forma de sobreviver era continuar em movimento limpando um lote para depois mudarse para o próximo Schmink e Wood 2012 p 129 6 Isso não significa que as oligarquias locais tenham sido de todo esquecidas Mes quita et al 2015 afirmam que na ditadura empresarialmilitar foram ampliadas as relações da política econômica nacional com os grupos de poder maranhenses tradicionais e emergentes 166 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Diferente de outros países capitalista e proprietário de terra no Brasil grosso modo apresentaram interesses comuns ou se consti tuíram numa mesma pessoa assumindo inclusive também a fun ção políticoeleitoral o que ainda hoje dificulta a realização da reforma agrária no país Tinham negócios nas cidades e grandes propriedades no campo Com a Sudam e a Sudene e provavel mente com a Sudeco Superintendência de Desenvolvimento do CentroOeste essa fusão em um único capitalista foi intensifica da Reuniase riqueza social maisvalia e outras fontes na forma de recursos públicos e a transformava em riqueza privada por meio da concessão de incentivos fiscais e propriedades Na Amazônia configurouse assim o que Martins 1980 deno minou de frente de expansão primeiro movimento marcado pela chegada do imigrante7 e o que se chamou de frente pioneira deslo camento do fazendeiro imigrante segundo movimento Quando se dá a superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela terra Martins 1980 p 75 Uma característica comum na fronteira era a marcha do campe sinato alargando suas áreas de sobrevivência e produção Mas sua ação em contrapartida transforma o lote por ele aberto num fér til espaço para a acumulação do novo capital que gradativamen 7 No meu modo de ver as relações sociais e de produção na frente de expan são são predominantemente relações não capitalistas de produção mediadoras da reprodução capitalista do capital Isso não faz delas outro modo de produção Apenas indica uma insuficiente constituição dos mecanismos de reprodução ca pitalista na frente de expansão Insuficiência que decorre de situações em que a distância dos mercados e a precariedade das vias e meios de comunicação com prometem a taxa de lucro de eventuais empreendedores Portanto aí tendem a se desenvolver atividades econômicas em que não assumem forma nem realidade própria os diferentes componentes da produção propriamente capitalista como o salário o capital e a renda da terra Os meios de produção ainda não aparecem na realidade da produção como capital nem a força de trabalho chega a se con figurar na categoria salário Portanto o produtor não tem como organizar sua produção e modo capitalista segundo a racionalidade do capital O capital só entra só se configura onde sua racionalidade é possível Martins 2012 p 156 167 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 te apropriavase da terra e do trabalho que o colono incorporava nela Colono e empresário seguiam o curso da estrada A fronteira era então um espaço privilegiado de reprodução do campesinato Loureiro 2009 p 71 Em outras regiões e países ocorreram casos clássicos de expan são da fronteira agrícola migração do campesinato solidifican do uma agricultura camponesa e somente depois deslocamento chegada do latifúndio No caso amazônico esse processo aconte ceu com a especificidade de que esse movimento de chegada do colonoposseiro progressivamente foi ocorrendo concomitante mente à migração do grande proprietário fosse latifundiário tra dicional grande empresa banco para a região Ele se somava aos que já estavam no local anteriormente oligarquia caboclos garimpeiros indígenas quilombolas etc Esse componente po tencializou os conflitos Ademais a corrida e o estabelecimento de novos grandes proprietários na área de expansão amazônica foram estimulados pelos favores governamentais Em contrapar tida até mesmo pela exclusão de acesso a esses estímulos cria ram maiores dificuldades ao estabelecimento de uma agricultura camponesa que pudesse estabelecer bases sólidas e uma reprodu ção socialmente digna Assim a terra tem um sentido bem diferente para o capital ou grande proprietário e para o campesinato fosse pequeno colono imigrante caboclo indígena etc8 Para os primeiros é um ins trumento para alcançar o lucro e o poder que o acompanhava por meio do trabalho alheio é na definição de Martins 1980 terra de negócios Para o segundo é antes de tudo a forma de re 8 Essa é uma definição ampliada de campesinato sujeita a críticas entendendo como tal todos aqueles que vivem de seu próprio trabalho sobre a terra tendo como referência a propriedade ou posse da terra Evidentemente quando com paramos com um camponês comum há enormes diferenças na forma como in dígenas reproduzem sua vida por exemplo 168 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 produção de sua vida e de suas relações sociais terra de trabalho também segundo Martins 19809 Estabeleciase entre a terra de trabalho defendida por trabalhado res sob diversas formas de organizações e movimentos entidades de defesa dos direitos humanos e a terra de negócios objeto de lucro ou especulação reserva de valor exploração de recursos fonte de captação de financiamentos motivo de grilagem mas também de resistência conflito e morte Loureiro 2009 p 71 Ainda que se estabelecessem relações entre os proprietários de fora e a oligarquia local isso não eliminava a possibilidade de con flitos e divergências Em 1981 setores dessa oligarquia assentada em empreendimentos urbanos e rurais lançaram o movimento neocabano que pressionaria o governo federal a favor de inte resses regionais ligados às decisões sobre os grandes empreendi mentos energéticominerais e ao fato de que os incentivos fiscais beneficiavam apenas os de fora excluindo os homens da região Isso expressava uma divergência entre os setores dominantes locais e suas representações políticas inclusive em âmbito do estado Foi o momento de ruptura entre o coronel Jarbas Passarinho articula 9 Esses elementos são a base para o entendimento seja da potencialidade seja das limitações das lutas camponesas que apresentam dificuldades para elaborar um projeto para além do capitalismo O caráter anticapitalista da resistência no campo não deve ser depreciado e impugnado sob pena de se cometer grave in justiça derivada basicamente de uma postura idealista O anticapitalismo do lavrador é expressão concreta das suas condições de classe Seria um absurdo exigir dele senão em nome de uma postura totalitária que pense como um ope rário da fábrica que desenvolva uma concepção proletária da transformação da sociedade O lavrador já está de uma forma ou de outra preso nas malhas nas contradições do capital Porém na medida em que seu trabalho não é tra balho socializado de um proletário expropriado também sua consciência e seu projeto não podem mover o seu anticapitalismo para além do capitalismo Portanto ele não pode libertarse sozinho Ele conhece o nome do seu opressor que é o capital e a propriedade capitalista mas seus olhos estão velados pela au tonomia do trabalho pela sua solidão A exploração que o alcança não é direta tem muitas mediações por isso cria também a ilusão da liberdade em quem já é profundamente escravo Martins 1980 p 19 169 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 dor do golpe de 1964 exgovernador e ministro da ditadura mili tar e o exmilitar e então governador paraense Alacid Nunes Significava em síntese que os interesses representados por Jarbas aqueles contidos na estratégia do poder central para a região de favorecimento do grande capital industrialbancário do Centro Sul já não eram absorvidos pacificamente pelos segmentos mais tra dicionais da elite local representados pelo então governador Alacid Nunes Costa 2000 p 74 Fruto dessa ruptura Nunes apoiou Jader Barbalho PMDB que venceu as eleições ao governo paraense em 1982 O novo go verno trabalhou para reforçar a política de incentivo fiscal para a agropecuária mas desta vez com algum privilégio à elite local e às regiões dominadas por ela Marajó Belém Bragantina Baixo Tocantins Os incentivos fiscais passaram pois a capitalizar as velhas e deca dentes oligarquias paraenses e a latifundizar outras frações da elite local Atendeuse assim à reivindicação regionalista de favorecimen to pela via da política do governo federal ao homem amazônico Desse processo resultou a modernização de alguns segmentos tradi cionalmente ligados à propriedade da terra ou por sua transformação em fazendeiros modernos tecnificados ou por sua metamorfose em empresários urbanos produtivos ou especuladores Em qualquer dos casos no plano político revitalizavamse forças oligárquicas recolo candoas em evidência em um processo que chamei em outro lugar de reoligarquização do agrário regional Costa 2000 p 75 Mas no decorrer dos anos 1980 e seguintes a crise da economia brasileira e as opções políticas adotadas diante dela fragilizaram a política de desenvolvimento regional e em particular os in centivos fiscais regionais que foram sendo reduzidos e alterados para uma configuração próxima a um crédito bancário perdendo atratividade Como analisado até aqui a política adotada pela ditadura mili tar impulsionou não apenas a concentração de terras como as con tradições e tensões sociais no campo amazônico O aumento da or 170 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ganização dos trabalhadores e do número de conflitos no Vale do AraguaiaTocantins levou à criação do Grupo Executivo de Terras do AraguaiaTocantins 1980 subordinado à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional uma verdadeira intervenção militar no Incra O Getat tinha jurisdição segundo Emmi 1999 sobre uma área de 200 mil km² envolvendo o sudeste do Pará norte de Goiás hoje Tocantins e o oeste do Maranhão Poderia confiscar terras para redistribuílas além é claro de encaminhar a repressão aos camponeses e movimentos sociais Isso respondeu à necessidade de proteger os interesses dos grandes proprietários e de grandes empresas buscando evitar perda de terras ou mesmo de fazendas para os trabalhadores além de manter um ambiente favorável ao estabelecimento do Programa Grande Carajás e outros empreendimentos correlatos Na realidade no final das contas a forma de populismo militar do Getat funcionou apenas em favor dos grandes proprietários A curto prazo o governo militar pode ter se beneficiado do apoio popular gerado pela distribuição de títulos fundiários para pequenos agricul tores Mas a longo prazo todos perceberam que o resultado final das ações do Getat favorecia os grandes investidores e que a desavença política no sul sudeste do Pará era de tal magnitude que não pode ria ser contida pelas estratégias ad hoc caso a caso que o órgão rea lizava O efeito mais concreto do Getat em sua área de jurisdição foi o significativo avanço do processo em que terras públicas foram con vertidas em propriedade privada Schmink e Wood 2012 p 134 O governo federal paulatinamente ampliou seu controle sobre as terras amazônicas O processo de federalização delas já havia sido impulsionado desde 197110 com a imposição do fato de que 10 Não podemos esquecer que a existência dos territórios federais na região Norte Amapá Roraima e Rondônia desde 1943 já colocava parcela mais que con siderável do espaço amazônico sob a órbita direta do governo federal O Acre existia como tal desde 1904 no ano anterior relembremos havia sido tomado da Bolívia 171 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 100 km de cada lado das rodovias federais construídas ou plane jadas localizadas na região passavam para as mãos do governo fe deral de acordo com as determinações do Conselho de Segurança Nacional Decreto 11647111 A federalização das terras da Amazônia era condição necessária à geopolítica da centralização Era impossível sobrepor o poder federal ao poder local e regional sem confiscar sua base de sustentação que é a terra e o controle dos mecanismos de distribuição de terras entre os membros das oligarquias Martins 1984 p 50 Segundo Loureiro 2004 apenas 297 das terras paraenses ficaram sob jurisdição do governo do estadoIterpa o restante pas sou para a órbita do governo federal E se essas terras tivessem permanecido nas mãos do governo estadual a situação teria sido diferente Provavelmente não Estradas no coração da floresta o sentido do lucro e da contradição O poeta e músico paraense de Santarém Ruy Barata compôs um carimbó que em seus primeiros versos declama Esse rio é minha rua Minha e tua mururé Piso no peito da lua Deito no chão da maré Pois é pois é durante muito tempo os rios foram as estra das da Amazônia e em alguns lugares mais distante ainda as são 11 Mesmo após o fim da ditadura os militares buscaram manter sua influência na tomada de decisões sobre o território amazônico Em 1985 já durante o governo civil da Nova República foi criado o Programa Calha Norte controlado pelos militares e que incidia sobre a faixa da fronteira amazônica localizada na porção norte do rio Amazonas Teve como justificativa a proteção dos limites territoriais brasileiros mas foi alvo de inúmeras denúncias de violência contra a população local em particular os indígenas Posteriormente a área de abrangência foi am pliada para toda a fronteira da região totalizando 10938 km 172 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas a construção de estradas alterou profundamente a configura ção socioespacial e ambiental da Amazônia Não se trata aqui de apresentar uma negação simplista sobre a construção dessas obras como se quiséssemos que a região permanecesse intocada numa redoma A questão é chamar atenção para as transformações o sentido por trás destas e o custo socioambiental que foi e continua sendo pago Citamos como exemplo a produção madeireira que acompanhou as novas vias e fez com que a Amazônia saltasse de 3 em 1960 para 27 da produção nacional três décadas depois tendo o Pará como maior produtor do país com 2353 Essa pro dução concentrouse sobre a floresta nativa Pior de modo geral nas primeiras décadas a derrubada ocorria com corte raso ou seja derrubavamse todas as árvores de uma mesma área O conjunto formado por essas estradas reorganizou em apenas qua tro décadas o secular perfil de ocupação e modo de vida do habi tante da região Antes a vida social se organizava à margem dos rios e apoiavase em quatro elementos básicos que se complementavam na sobrevivência dos moradores locais o rio a roça a mata e o quintal esteios inseparáveis de uma mesma unidade de produção familiar ribeirinha Ocorre que ao lado daquela antiga forma de vida do habitante da região estabeleceuse uma outra a do migrante que procurava se fixar e viver à margem da estrada Em ambas as situa ções vive seu cotidiano com a instabilidade e a insegurança inerentes à condição de vida na fronteira E convive com o conflito que se estabelece face ao capital que disputa com ele a terra os recursos do solo e do subsolo seja nas áreas mais antigas à margem do rio seja à margem da estrada Loureiro 2009 p 73 Vejamos o caso da rodovia estadual paraense PA150 Ela liga Belém ao sudeste do estado12 e às fronteiras com os estados do To cantins e Mato Grosso Sua construção foi iniciada nos anos 1970 Com 762 km de extensão recebendo algumas denominações di 12 Formalmente a rodovia não passa pela capital mas se conecta a ela por meio de outras estradas 173 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ferentes ela se conecta com rodovias estaduais e federais e deu origem a diversas outras estradas abertas pelo estado municípios ou proprietários particulares Em 2010 a parte sul da rodovia foi federalizada recebendo o nome de BR155 com aproximadamente 360 km Ela liga Marabá a Redenção A rodovia foi se constituindo num formato de espinha de peixe exatamente porque sua abertura levou a que outras estradas vici nais inclusive de chão fossem sendo rasgadas em meio à floresta Em suas margens principais ou secundárias formaramse cidades e vilas desenvolveuse forte atividade madeireira e pecuarista ambas muito degradantes porque derrubaram a mata Ainda que parte dos pequenos agricultores fosse tentada a mi grar para a atividade madeireira se subordinando às serrarias no geral esses trabalhadores foram paulatinamente sendo expulsos de suas terras o que originou intensos conflitos agrários marcados por muitos assassinatos A trilha aberta pela PA150 esteve sempre marcada pelo embate es tabelecido entre o capital e a resistência que lhe foi imposta pelos movimentos sociais e os conflitos que instigavam e que se reprodu ziam nas terras e povoações de ambas as margens da estrada Assim cada um desses importantes pontos de conexão aponta para fren tes de gente terras capital fraude crimes e violência Os conflitos intensificaramse à medida em que a frente penetrava em áreas que são novas caracterizadas pelo isolamento pela ausência do Estado e pela presença do capital ilegal como na Terra do Meio no Xingu As atividades predominantes neste imenso espaço são a exploração madeireira a mineração e a garimpagem além de atividades ilegais ligadas ao tráfico de drogas e ao contrabando de ouro Loureiro 2009 p 7813 13 Há um agravante que não pode ser subestimado nessas frentes de expansão além dos problemas sociais já existentes e outros que ainda podem advir ten dem a ocupar o interflúvio de importantes rios amazônicos e mesmo nascen tes de rios provocando danos sociais e ambientais incalculáveis Loureiro 2009 p 79 174 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A PA150 foi peça importante do processo de desmatamento na Amazônia e da constituição do que ficou conhecido como arco do desmatamento termo questionado e que não se aplica atualmente pois atingiu diversas outras áreas no sentido do centro da floresta A estrada é paradigmática no sentido de ilustrar a combinação per versa estradaconflitodesmatamento típica das áreas de expansão da fronteira Não se pode pensar em estradas na Amazônia sem re fletir sobre os dois outros elementos que a acompanham invariavel mente desmatamento e conflito Loureiro 2009 p 7914 Ironicamente ou não a rodovia PA150 recebeu o nome de Pau lo Fonteles advogado da CPT na região de Conceição do Ara guaia e que por conta da sua atuação junto aos trabalhadores ru rais foi assassinado em 1987 As estradas em geral impulsionaram profundas mudanças na sociedade amazônica Destacamse entre outras as rodovias Be lémBrasília BrasíliaAcre Transamazônica CuiabáSantarém BR174 Mato GrossoRoraima ou mais especificamente Ma nausBoa Vista e a própria PA150BR155 Terras e outros re cursos naturais aceleradamente transformaramse em mercadoria negociada nos mercados regional nacional e internacional Mas também rapidamente se tornaram motivo de conflitos e de novos e caóticos núcleos urbanos Também mudaram a composição de poder entre antigos e os novos grupos dominantes Foi o caso de Marabá A burguesia tradicional local passou a conviver com o capital financeiro estatal ou privado e com isso se viu obrigada a dividir o poder que até então era seu monopólio Se até os anos 60 a oligarquia da castanha pôde exercer o seu poder econômico e político de maneira absoluta nas décadas de 70 e 80 vão aparecendo sintomas de sua decadência como grupo dominante Daqui em diante esse grupo não é mais o único a mandar e vai ter 14 A PA150 deu acesso às enormes reservas de mogno madeira muito apreciada no mercado nacional e internacional Rapidamente foram esgotadas 175 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que se acostumar a contar com outros parceiros e até ceder diante deles Emmi 1999 p 17 Conceição do Araguaia e Marabá foram duas importantes ci dades constituídas antes da abertura das estradas A primeira no final do século XIX e a última no início do seguinte Mas foi a segunda que se solidificou como centro econômico regional tendo o comércio pecuária bovina e mineração como elementos de des taque de sua economia Seu crescimento ocorreu acentuadamente a partir da construção das rodovias Transamazônica e PA150 que se cruzam no município que ainda recebe a ferrovia Carajás Tam bém explica a expansão urbana o conjunto de políticas agrárias migratórias e minerais conduzidas pelo governo federal no qual Marabá cumpriu papel destacado Esse caso de Marabá refletiu e produziu um novo momento na urbanização amazônica O primeiro padrão de ocupação e povoa mento da região cuja expressão maior foi o período da borracha ficou marcado pela expansão urbana e demográfica seguindo o vale do rio Amazonas e seus afluentes principais mas concentrada principalmente em Belém e Manaus Um segundo padrão ocorreu a partir de meados do século XX em particular dos anos 1970 em diante com a construção de rodovias e grandes projetos ener géticominerais acompanhando a expansão da fronteira agrícola econômica brasileira sobre a Amazônia Surgiram diversas peque nas e médias cidades trilhando o deslocamento da fronteira e o estabelecimento dos empreendimentos algumas se configuraram como importantes centros regionais15 Mas essa urbanização ficou marcada pela precariedade das novas e antigas cidades inclusive as metrópoles Pobreza generalizada desigualdade favelização falta de serviços públicos e contradições sociais expressão entre outras 15 Entre 1970 e 2000 a Amazônia foi a região brasileira com as maiores taxas de crescimento urbano 176 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da oposição capital versus trabalho são características desse novo momento Assim a fronteira foi produzida com o urbano e to dos os problemas que caracterizam as cidades brasileiras Castro 2009 p 36 Nesse sentido a corrida por terras impulsionou o surgimento de povoados muitos dos quais transformados em cidades Lanari do Val fazendeiro e industrial automobilístico de São Paulo via jou à Conceição do Araguaia em 1959 antes da abertura comple ta da rodovia BelémBrasília e foi por terra até a região de Pau dArco verificando áreas que pudessem ser apropriadas De volta ao sudeste do país deu entrada em 64 requerimentos que tota lizavam 4 milhões de hectares de terras Por conta da legislação proibitiva ele fraudulentamente os registrou em nome de parentes amigos e empregados Para facilitar seus negócios Lanari do Val construiu uma estra da e na localidade de Solta montou seu escritório de agrimensura que recebeu a companhia de uma pista de pouso O lugar passou a ser chamado de Escritório e deu origem à cidade de Redenção que ficou inicialmente marcada pela prostituição e violência Os moradores diziam que o cemitério era a parte da cidade que crescia mais rapidamente Em 1966 quando o governo do Pará anunciou a construção da PA150 no trecho entre Conceição do Araguaia e Pau dArco o empresário vendeu parte de suas terras ganhando bastante Schmink e Wood 2012 Outras cidades foram surgindo desordenadamente16 do ponto de vista do planejamento urbano Rondon do Pará surgiu a par tir do acampamento de uma construtora em 1967 Pau dArco se originou ao redor de uma serraria do mesmo nome Placas é um município decorrente de uma comunidade que se formou às mar 16 Termo questionado por alguns estudiosos da temática do planejamento urbano no Brasil 177 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 gens da rodovia Transamazônica durante sua construção Num local que separava os trechos AltamiraItaituba foram colocadas várias placas com informações da obra Em torno das placas surgiu a comunidade que nos anos 1990 foi transformada em município Uma nova estrada foi planejada e iniciada a partir da PA150 foi a PA279 ligando a primeira a São Félix do Xingu Mas a estra da se aproximou de uma área requisitada pela construtora Andrade Gutierrez para montar um projeto de colonização privada que se tornou Tucumã cidade planejada pela empresa Como ainda não tinha domínio legal das terras e temendo perdêlas para posseiros imigrantes a construtora conseguiu que a obra fosse paralisada Em 1980 a própria Andrade Gutierrez passou a ser a responsável pela construção mas ela não tinha interesse em concluíla antes de consolidar seu projeto de colonização Por isso interrompeu a estrada próximo ao projeto e montou um portão que a população chamava de barreira impedindo a passagem das pessoas a não ser que tivessem sua autorização Buscava proteger seu empreen dimento colonizador Tucumãgleba Carapanã dos pobres e colo nos descapitalizados Na barreira imposta pela empresa em plena via pública imigrantes colonos e garimpeiros foram se amontoan do e originando o que veio a se tornar uma nova cidade Ourilân dia do Norte17 Mas nem tudo ocorreu como a empresa queria Dentro da gle ba que reclamava para si havia um grupo de garimpeiros ao mes mo tempo tolerado e muito controlado pela construtora Em 1981 outros garimpeiros conseguiram entrar clandestinamente na área da empresa e iniciaram a garimpagem num igarapé um pequeno riacho Descobertos foram duramente reprimidos e expulsos pela 17 Muitos garimpeiros eram imigrantes que haviam se mudado para a Amazônia em busca de terras e não as conseguiram ou conseguindo não tiveram apoio e condições para produzir 178 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 empresa Isso gerou enorme revolta e a expectativa não confirma da posteriormente de que o local tivesse muito ouro Centenas de garimpeiros se reuniram em Xinguara e depois ocuparam a área do igarapé A empresa não conseguiu resistir Colonos também passa ram a ocupar a área da Andrade Gutierrez que negociou o repasse da propriedade ao governo sendo indenizada por isso Xinguara havia surgido no entroncamento entre a PA150 e o início da nova rodovia que se construía a PA279 A cidade foi impulsionada por um candidato a prefeito de Conceição do Ara guaia que prometia distribuir terras na área Ele não foi eleito mas milhares de imigrantes se deslocaram para lá se chocando com fazendeiros locais Ademais a violência também marcou o muni cípio que presenciou a emergência de algumas lideranças típicas daquela situação Entre elas o latifundiário Chapéu de Couro que teria sido pistoleiro e misturava violência e clientelismo Mas violência conflito e apropriação fraudulenta de terra não eram exclusividades do Pará Segundo Pinto 1980 em Rondônia os irmãos José e Nilo Melhorança venderam mais de mil lotes de terra de uma região que não era deles e em grande parte compu nha uma reserva indígena Afora isso o desflorestamento foi impulsionado pela abertura de estradas Quando o presidente Juscelino Kubitscheck anunciou a construção da rodovia BelémBrasília em meados da segunda metade dos anos 1950 iniciouse uma forte corrida pelas terras que ficariam ao lado da nova estrada Com receio de perder suas propriedades a oligarquia regional pressionou o governo estadual para que lhe concedesse títulos sobre as terras do Pará inclusi ve sobre castanhais nativos Resultado de 1959 a 1963 o governo paraense concedeu títulos que totalizaram 5646375 hectares de terra Loureiro 2004 Estudo da Presidência da República repro duzido por Becker 2008 afirma que de 1978 a 1994 um total de 75 do desmatamento regional concentrouse numa faixa de 50 179 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 km de cada margem de rodovias pavimentadas Não esqueçamos que o Brasil é um dos paí ses que mais emitem gás carbônico na atmosfera e isso se deve principalmente à derrubada e queimada da floresta Concentração fundiária e violência o faroeste caboclo Primeiro faremos um velho faroeste na Amazônia E aí chamamos o xerife Segundo Schmink e Wood 2012 p 225 esta frase foi proferida pelo então Ministro do Planejamento Delfim Neto em 1978 Como veremos ela diz muita coisa O problema é que o xerife polícia Estado quando vinha em muitos casos vinha transvestido de vilão e tratava a vítima como bandido O Getat foi extinto 1987 Seu patrimônio e responsabilida des fundiárias foram transferidos ao Incra Também em 1987 o DecretoLei 1164 foi extinto depois de 16 anos em vigor e de ter confiscado 100 km laterais das terras que ficassem às margens das rodovias federais Grande parte das terras formalmente foi devolvida à jurisdição dos estados mas já se encontrava irreme diavelmente comprometida Loureiro 2004 Afora isso as áreas que compunham o PGC confiscadas posteriormente ao decreto não foram devolvidas Qual o resultado final desse processo A propriedade fundiária estava concentrada nas mãos das grandes frações do capital externo e nacional aqui incluindo a oligarquia regional Os trabalhadores enfrentavam muitas vezes perdendo a vida os jagunços do latifúndio para defender o pouco que ha viam conseguido até então Os conflitos foram uma constante durante todo esse período De 1964 a 1997 o Pará liderou as estatísticas da violência no campo brasileiro com 694 mortos Somente 1859 dos casos foram investigados Recorrendo aos dados do IBGE em 1960 o total de peque nos proprietários paraenses aqueles com menos de 100 hectares 180 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 concentravam em suas mãos 256 da área do estado18 enquan to que os grandes proprietários com mais de mil hectares ape nas 581 propriedades dispunham de 464 do território esta dual Em 1980 as pequenas propriedades dispunham de 207 da área paraense enquanto que os proprietários com mais de mil hectares concentravam 575 das terras entre estes apenas 199 propriedades dispunham de 357 da área total do Pará demonstrando que houve uma concentração ainda mais acentua da nas grandes propriedades Em 1995 um total de 509 do território paraense estava concentrado em apenas 11 das pro priedades do estado Existe correlação entre os números de concentração dos incenti vos fiscais e o aumento da violência Além da região do entorno de Belém foi no vale do AraguaiaTocantins sudeste do Pará Mato Grosso e Tocantins que se concentraram os recursos concedidos pelo governo e por conta disso o rebanho bovino regional Isso coincidia com a área de entrada de novos latifundiários além dos já presentes Também foi onde mais cresceram os conflitos agrá rios trabalho análogo à escravidão e a degradação ambiental Grandes empresas não estavam isentas de crimes ainda que recebendo terras e dinheiro públicos Segundo Kowarick 1995 o banco Bradesco tinha uma fazenda em ParagominasPA a Rio Capim Nela foi constatado pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão Aquelas que estivessem em litígio ou que tentassem fugir eram colocadas dentro de um tronco oco com for migas e outros insetos Em casos como esses em seus latifúndios o empresário tem não apenas o monopólio da terra mas também da violência e da justiça tal qual ocorria nos seringais do período da borracha A 18 Falamos de área total do estado mas estamos nos referindo ao conjunto de terras em mãos privadas sejam grandes sejam pequenas propriedades 181 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 lei é ele quem interpreta e faz cumprir Assim usurpam funções próprias do Estado e as usam de acordo com seus interesses Muitas foram as lideranças sindicais e políticas assassinadas pelo latifúndio na Amazônia Citemos alguns casos No final da década de 1970 apoiada pelo governo estadual imposto pela di tadura empresarialmilitar a empresa Cidapar passou a expulsar colonos que desde o início do século XX vinham se assentando em uma grande área de terras gleba no município de Viseu nordeste paraense Buscando explorar ouro madeira e outros produtos a empresa montou um exército de aproximadamente 100 jagunços para executar seus planos Os agricultores passaram a se organizar para defender seus di reitos De início buscaram meios legais mas nada conseguiram Um agricultor foi morto e os colonos passaram a montar grupos de autodefesa Foi quando Quintino Lira o Quintino Gatilheiro se apresentou aos trabalhadores depois de ter matado além de dois pistoleiros o fazendeiro Cláudio Paraná que havia tomado suas terras Rapidamente tornouse liderança dos colonos organizando a luta armada contra a empresa e seus pistoleiros Alguns compa nheiros de Quintino foram mortos assim como vários jagunços e dois gerentes da empresa Depois de três anos de enfrentamentos armados em janeiro de 1985 cumprindo ordens do governador Jader Barbalho PMDB a Polícia Militar conseguiu cercar e ma tar Quintino Seu corpo foi enterrado pela PM no município de Capanema mas a população o desenterrou e promoveu um cortejo que passou por várias comunidades incluindo a sede do municí pio de Viseu até chegar à localidade de São José do Piriá onde o enterrou desta vez ao lado de seu pai No ano seguinte a área foi desapropriada a favor dos colonos João Canuto foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Ru rais de Rio Maria município do sudeste do Pará Conduzia a luta desses agricultores em defesa de suas propriedades ou pelo acesso à 182 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 terra Enfrentava ninguém menos que a União Democrática Rura lista UDR Por conta disso foi assassinado com 18 tiros em 1985 Até o prefeito seria um dos mandantes do crime Em 1990 três de seus filhos foram sequestrados dois foram mortos e apenas um es capou ainda que seriamente ferido Sucessor de Canuto na direção do sindicato Expedito Ribeiro foi morto em 1991 Os advogados Paulo Fonteles 1987 e João Batista 1988 que também foram deputados estaduais estiveram entre as tantas vítimas assassinada pelo latifúndio da Amazônia Tenho a maior certeza Que um dia vou morrer E é a maior verdade Que tenho em meu conhecer Pois tenho tanta certeza Que escrevo este ABC Expedido Ribeiro apud Oliveira Filho 1991 p 51 Nos anos 1970 1980 e até 1990 era comum denúncias sobre listas de preços por assassinatos encomendados aos pistoleiros no Pará e em outros estados da Amazônia Legal Os preços variavam de acordo com a atividade e a visibilidade de quem estava marcado para morrer Mortes de trabalhadores comuns eram baratas Os preços subiam para lideranças sindicais padres advogados polí ticos Nós também tivemos nosso faroeste o faroeste caboclo con firmando a promessa nefasta do ministro da ditadura Delfim Netto Mas aqui não houve duelos como aqueles dos filmes de Hollywood em que dois homens cada um com um revólver em mãos andam de costas um para o outro se viram e atiram Nesse tipo de duelo os dois estão na mesma condição têm os mesmos re cursos No duelo amazônico com raras exceções apenas um tinha revólver O outro camponês ou indígena dispunha apenas de seus sonhos e vontade de resistir 183 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No Acre desde os anos 1970 as grandes propriedades fundiá rias avançaram e derrubaram seringais nativos explorados por se ringueiros autônomos19 Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos e cooperativas e aumentaram a resistência ao latifún dio em particular através do que chamavam de empate movi mento em que se reuniam e bloqueavam a passagem de tratores e outras máquinas que derrubavam a floresta20 Alguns desses eram exseringueiros que haviam se tornado empregados de fazendas e empresas madeireiras e depois tentavam retornar ao corte da se ringa ou mesmo a outra atividade agrícola em uma parcela de terra desde que fosse sua Pinto 1980 p 13 cita o depoimento de José Eugênio exseringueiro que abandonou o emprego quando em uma semana teve que derrubar 40 seringueiras Eu vivi mais de vinte anos do leite dessa árvore sustentando minha família Ao vê las no chão derrubadas por mim sentei em cima e chorei Fato marcante dessa disputa entre seringueiros e madeireiros latifundiários foi o assassinato de uma das principais lideranças camponesas brasileiras de então Chico Mendes em 1988 pelos fazendeiros Darly pai e Darcy Silva filho 19 Uma das formas de eliminar a floresta para a formação de pastos e ao mesmo tempo expulsar seus moradores foi aplicar sobre as matas o agente laranja que é cancerígeno e provoca doenças neurológicas O veneno foi usado pelos esta dunidenses na Guerra do Vietnã contra a população local Ao fim do conflito sobraram grandes estoques e parte foi vendida para empresários da Amazônia entre os quais aqueles que estavam no Acre Sem a mata indígenas seringueiros e caboclos tinham que abandonar a terra Outra forma de derrubada é atrelar e esticar uma corrente forte em dois tratores possantes que passam a arrastar árvo res e tudo mais que encontram pela frente 20 Em 1985 no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros foi fundado o Conselho Nacional dos Seringueiros cujo objetivo seria a defesa da floresta e dos tra balhadores agroextrativistas seringueiros membros de projetos agroflorestais coletores de castanha açaí cupuaçu quebradeiras de coco babaçu balateiros piaçabeiros extratores de óleos e plantas medicinais Infelizmente esse conselho não conseguiu se organizar com combatividade suficiente 184 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O aumento das tensões entre seringueiros que impulsionavam os empates e os latifundiários e grileiros fez com que o fazendeiro Guilherme Lopes expressasse o desejo dos demais a solução para os problemas fundiários do Acre seria matar o presidente do Sindi cato dos trabalhadores rurais o delegado da Contag Confedera ção Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e alguns padres Lopes apud Souza 2005 p 10 O presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Basileia Wilson Pinheiro era quem impulsionara os empates Chico Men des à época era o delegado da Contag No dia 21 de julho de 1980 quando saia do sindicato Wilson foi assassinado por pisto leiros Grande mobilização ocorreu na cidade mas nem judiciá rio nem a polícia demonstraram grande interesse em prender os responsáveis Um grupo de trabalhadores resolveu vingar a morte de Pinheiro e um dos possíveis mandantes o fazendeiro Nilo Sér gio também foi assassinado Enorme perseguição ocorreu contra os trabalhadores com vários presos e outros mais enquadrados na Lei de Segurança Nacional incluindo Chico Mendes e Luiz Inácio Lula da Silva por terem participado do ato após a morte do sindi calista acreano Uma das grandes vitórias dos seringueiros tinha sido a luta con tra a empresa Bordon frigorífico de processamento de carnes com sede em São Paulo Ela planejava aumentar sua produção de bo vinos no Acre e para tal iniciava um grande desmatamento De pois de pelo menos três empates a empresa desistiu e se retirou do Acre Por meio de suas denúncias Chico também havia consegui do fazer com que o Banco Interamericano de Desenvolvimento suspendesse um empréstimo ao governo brasileiro para estender a BR364 de Rondônia até o Acre A preocupação dos seringueiros era que isso impulsionaria ainda mais o desmatamento As vitórias alimentaram a ira dos fazendeiros estimulandoos ao assassinato da liderança seringueira ocorrido no dia 22 de dezembro de 1988 185 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Um mês antes Chico Mendes deu uma entrevista no Rio de Janei ro na qual afirmou Eles vão me matar Os nomes deles eu digo Darly e Alvarino Al ves da Silva Eles já mandaram matar mais de 30 trabalhadores e a Polícia Federal não fez nada Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que a minha morte ia fortalecer nossa luta até que valeria a pena Mas a experiência nos ensina o contrário Então eu quero vi ver Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia Que ro viver Mendes apud Souza 2005 p 7521 Chico Mendes tinha impulsionado a luta dos trabalhadores ru rais de Basileia e de Xapuri e defendia a união dos povos da floresta contra o latifúndio fazendeiros madeireiros comerciantes etc Pagou um preço muito alto por isso mas deixou um legado im portante em dois aspectos Primeiro sua luta se reproduz a partir de outras lideranças como é o caso de Osmarino Amâncio e traba lhadores anônimos Segundo a partir de suas reivindicações com mais visibilidade depois de seu assassinato o governo brasileiro passou a criar as reservas agroextrativistas e os projetos de assenta mentos agroextrativistas De 1985 a meados da década de 1990 predominou a violên cia privada tendo como ápice 1987 ano do prometido e pouco cumprido Plano Nacional de Reforma Agrária22 A partir dos anos 21 Ilzamar apud Souza 2005 p 76 viúva de Chico Mendes lembra o assassinato Chico Mendes iria tomar banho O banheiro ficava do lado de fora da casa em que morava Ele pegou a toalha abriu a porta e viu que já estava escuro Daí ele disse Está escuro lá fora eles podem me pegar fácil se quiserem Aí ele abriu a porta e a gente ouviu o tiro um só de escopeta de chumbo O tiro acertou o peito de Chico e ele disse Puxa eles me acertaram Ele foi tombando ensan guentado na direção do nosso quarto 22 Foi em função do anúncio de um plano nacional de reforma agrária que se criou a União Democrática Ruralista UDR cujo objetivo era reprimir diretamente os pequenos proprietários ou sem terras e ao mesmo tempo atuar no Congresso Na cional e junto ao governo federal para impedir qualquer possibilidade de divisão do latifúndio no Brasil Assim participaram também da Constituinte de 1988 Sobre a UDR recaíram inúmeras denúncias de assassinato de trabalhadores e lide 186 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 1990 a repressão estatal ganha mais evidência Em agosto de 1995 policiais militares e pistoleiros assassinaram 11 pessoas incluin do uma menina de seis anos que junto a outras centenas de sem terras ocupavam uma fazenda no município de Corumbiara em Rondônia Em abril de 1996 trabalhadores rurais liderados pelo MST rea lizavam uma marcha que partiu de Parauapebas e iria até Marabá no sudeste do Pará Reivindicavam a desapropriação de terras para a reforma agrária Depois de dias na estrada ao passar pelo muni cípio de Eldorado dos Carajás eles resolveram bloquear a rodovia PA150 pressionando o governo estadual a ceder cestas básicas e ônibus para o deslocamento até a cidade de destino No dia 16 de abril negociaram com a PM um acordo nesses termos para que a estrada fosse liberada O comando da instituição teria aceitado Po rém no dia seguinte Almir Gabriel governador do PSDB enviou duas companhias da Polícia Militar com a ordem de desobstruir a qualquer custo Elas cercaram e assassinaram 19 trabalhadores torturam dezenas e deixaram mais de 60 mutilados Naquele ano 3902 famílias estiveram envolvidas em conflitos rurais no Pará O caso foi agravado com a tortura cometida junto aos assassi natos Uma jovem liderança do MST Oziel Pereira 17 anos de pois de ser agredido recebeu ordem para gritar uma palavra de ordem do movimento e em seguida foi executado com um tiro na cabeça na frente de outras pessoas Outro trabalhador teve a perna e testículos perfurados por bala Para não ser morto recebeu a ordem de sair correndo do local Nos dias que seguiram ao mas sacre os sobreviventes alguns com idade avançada e dificuldade de visão e locomoção montaram acampamento dentro da mata Os fazendeiros faziam chegar recados afirmando que um grupo ranças rurais Uma das bases de maior expressividade da organização foi a região do AraguaiaTocantins 187 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de pistoleiros estava indo terminar o serviço Isso gerava pânico ainda maior do que aquele que já existia e as pessoas fugiam para regiões mais profundas da floresta O massacre de Eldorado dos Carajás ainda continua na impu nidade e demonstra quão perversa é a justiça brasileira pois apenas dois comandantes foram condenados tendo recorrido constante mente da sentença Para piorar o governo Almir Gabriel direta mente responsável pelos assassinatos foi convidado a depor como testemunha de defesa Em 2005 foi assassinada a missionária Dorothy Stang em Ana puPA porque organizava os trabalhadores que resistiam contra a entrada de madeireiras em seus lotes Seu assassinato deu visibili dade à luta desses agricultores mas não impediu a permanência da ação das madeireiras nessa região Em 2011 os extrativistas e am bientalistas José Cláudio Silva e Maria do Espírito Santo da Silva também foram mortos por conta das denúncias que faziam sobre o desmatamento e a grilagem de terras no município de Nova Ipi xunaPA Em 19 de abril de 2017 nove pessoas foram assassinadas em uma gleba de Taquaruçu do Norte município de ColnizaMT próximo à Rondônia e Amazonas Entre os mortos estavam evan gélicos inclusive um pastor O mandante seria um dos donos de uma grande madeireira que exporta madeira para os EUA e outros países No dia 30 do mesmo mês indígenas Gamela foram torturados em Viana município maranhense A área é reivindicada pelos in dígenas mas apropriada por duas fazendas que teriam colocado seus seguranças para enfrentálos Apesar de não terem conse guido matar ninguém os jagunços tentaram decepar mãos e es quartejar um indígena além de atingir outros com armas de fogo Total 13 Gamela ficaram feridos segundo o Conselho Indigenista Missionário 188 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No dia 24 do mês seguinte dez trabalhadores rurais foram exe cutados num acampamento às margens da fazenda Santa Lúcia município de Pau DArco no sudeste do Pará Os executores fo ram 29 policiais militares e civis incluindo um tenentecoronel da PM e dois delegados Em todo o decorrer de 2017 mais assassinatos aconteceram in cluindo os últimos dias do ano No dia 14 de dezembro desapare ceram o presidente a vicepresidente e outro trabalhador da Asso ciação dos Produtores Rurais da Comunidade do Igarapé Arara em CanutamaAM Desde 2015 os trabalhadores ocupavam uma área da fazenda Shalom que seria terra pública inclusive com de cisão judicial de cancelamento de seu título de propriedade Dois fazendeiros seriam os responsáveis pelo sumiço Como pano de fundo desses conflitos de 2017 estava o governo Temer que entre outras decisões legalizou terras griladas e difi cultou a fiscalização do trabalho escravo O latifúndio se sentiu fortalecido para suas ações que incluíram os massacres Diversos outros assassinatos ocorreram durante as últimas dé cadas e muitos ainda continuarão a ocorrer De modo geral lamen tavelmente permaneceram na impunidade e com a cumplicidade do poder judiciário Neste sentido Loureiro e Pinto denunciaram em 2005 que Processos exemplares que apuram o assassinato de lideranças e cha cinas de trabalhadores rurais permanecem em comarcas do interior sem qualquer previsão dos acusados irem a júri tais como o assas sinato do advogado Gabriel Pimenta em Marabá há 24 anos a chacina de oito trabalhadores na Fazenda Ubá em São João do Araguaia vinte anos a chacina de cinco trabalhadores na Fazenda Princesa em Marabá dezenove anos o assassinato do sindicalista Braz no Rio Maria quinze anos o assassinato do sindicalista Ar naldo Delcídio em Eldorado de Carajás doze anos o assassinato de Onalício Barros e Valentim Serra em Parauapebas sete anos Se o Tribunal de Justiça do Pará promete levar o caso da freira Dorothy Stang a júri em seis meses como explicar a lentidão ou o abandono 189 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de outros casos exemplares Acrescentese ainda que no processo do assassinato de Expedito Ribeiro três juízes abandonaram o caso e se negaram a presidir o júri e que também no caso Eldorado do Ca rajás juízes da capital designados para o caso negaramse a presidir o julgamento alegando razão de foro íntimo Loureiro e Pinto 2005 p 8889 Outro fato que exemplifica o papel negativo cumprido pela justiça foi o caso do megalatifundiário Cecílio Rego Almeida dono de uma das maiores construtoras do Brasil a CR Almeida Ela ganhou dinheiro desde a ditadura empresarialmilitar e go vernos posteriores construindo estradas e outras obras públicas Na Amazônia Almeida por meio de grilagem e outros processos apropriouse de 45 milhões de hectares de terras e ainda tentou expandilas para 7 milhões As terras que reivindicava para si eram maiores que alguns países europeus Diante desse fato o jornalista Lúcio Flávio Pinto o chamou de pirata fundiá rio e pela decla ração foi processado e condenado pela justiça paraense a pagar indenização à família Almeida pois a sentença ocorreu quando o empresário já havia morrido O pior é que a própria justiça reco nheceu a origem fraudulenta dos títulos de propriedade e interveio no cartório de Altamira Os relatos de violência aqui exposto são alguns dos que tive ram mais visibilidade até pela liderança social daqueles que foram assassinados Muitos mais são mortos sem virar notícia na grande imprensa quando muito se tornam estatística Outros mesmo vi vos sofrem formas diversas de agressão O agressor nem sempre é um latifundiário tradicional Em diversos casos é uma grande empresa com vinculações com o capital financeiro e o mercado global Por meio da violência jurídica econômica ou armada a popula ção é afastada de seus territórios Ocorre assim a desterritorializa ção dessas populações impulsionadas pela grande propriedade seja 190 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do agronegócio seja da mineração É o que acontece com a soja em várias regiões da Amazônia A Alcoa para instalar sua produ ção de alumínio no Maranhão Alumar nos anos 1980 recebeu a concessão de 11 de toda a área física do município de São Luís e 57 da área do distrito industrial dessa cidade Foram desfeitos 17 povoados e impostas aproximadamente 20 mil ações de despe jos contra a população local São exemplos que ficaram no passado Lamentavelmente não Em Barcarena no Pará as empresas da mineração e portuárias con tinuam impondo o deslocamento forçado da população As estraté gias para isso são variadas Em alguns casos quando a negociação com a comunidade não surte efeito a empresa procura moradores para transações individuais usando intermediários ou não Aos pri meiros que aceitam negociar a empresa paga um montante acima do que eles estão pedindo mas desde que convençam outros a vender a terra Quanto mais aderem à proposta da empresa menor é o va lor que ela oferece O camponês ou comunitário pode se resignar e permanecer no local mas com o tempo a comunidade vai se redu zindo Parcela do comércio local deixa de existir pois parte das pes soas vende suas propriedades e abandona o lugar O mesmo acontece com serviços públicos até então prestados A resignação nem sempre resiste às dificuldades crescentes e se resistir podese sofrer outras formas de violência tão comuns na região Entre 1979 e 1985 para a instalação dos empreendimentos em Barcarena pelo menos 16 comunidades foram integral ou par cialmente desapropriadas Barcarena Livre Informa 2017 Entre 1979 e 2013 um total de 1132 famílias foram obrigadas a se des locar Outras 1466 estavam sob ameaça de deslocamento forçado em 2015 Hazeu 2015 São números que correspondem a alguns conflitos armados mundo afora Os desastres ambientais também contribuem para afastar as comunidades de seus lugares pois a contaminação de um rio por 191 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 exemplo impede a população local de pescar consumir a água ou mesmo usar suas margens para determinadas produções A trans nacional Imerys instalou bacias de rejeitos de caulim junto à co munidade do Curuperé também em Barcarena Isso contaminou os lençóis freáticos e pequenos rios Desde então a população local vive na dependência de carrospipas que passam periodicamente ainda que tenham nascentes de igarapés em seus quintais afora os poços que dão água com poucos metros de profundidade O Mo vimento Barcarena Livre contabilizou 25 desastres ambientais entre os anos 2000 e 2016 alguns dos quais suspeitase intencio nais Intencionalmente ou não não são desastres mas crimes Em fevereiro de 2018 ocorreu o vazamento de rejeitos de bau xita matériaprima do alumínio de uma barragem de rejeitos da Hydro Alunorte A Secretaria de Meio Ambiente do governo pa raense PSDB apressadamente tentou negar o vazamento mas sem sucesso Dias depois foi comprovado que a mesma empresa mantinha três pontos clandestinos de despejo na mata e cursos de água O Instituto Evandro Chagas Ministério da Saúde cons tatou ainda a contaminação de alguns rios por chumbo produto utilizado no beneficiamento da bauxita Como resposta a Hydro contratou uma empresa privada para produzir um relatório muito questionável afirmando que não havia contaminação A tardia modernização conservadora da agricultura na Amazônia Quando a ditadura foi instalada em 1964 uma das principais bandeiras dos movimentos sociais era a defesa da reforma agrária no Brasil As Ligas Camponesas e outros movimentos de trabalha dores rurais cresciam e pressionavam por isso Havia até mesmo uma parte da tecnoburocracia estatal que acreditava que a manu tenção do latifúndio pouco produtivo puxaria a industrialização brasileira para trás Desse modo seria necessária alguma reforma 192 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 agrária para modernizar a produção agrícola e apoiar o crescimen to industrial do país Essa ideia foi logo descartada Predominou um conjunto de políticas governamentais que modernizou tecno logicamente a agricultura mas manteve inalterada a estrutura ar caica e excludente da propriedade da terra Marques e Marques 2015 A esse processo diversos pesquisadores entre os quais Al berto Passos Guimarães e Graziano da Silva denominaram de mo dernização conservadora A política dos militares e o apoio continuado dos governos civis criaram as bases para a expansão do agronegócio na Amazônia O plantio de soja no Mato Grosso iniciado na segunda metade dos anos 1970 desenvolveuse acentuadamente nas décadas seguintes destruindo o Cerrado e avançando sobre a Floresta Amazônica Para isso recorreuse às pesquisas impulsionadas pela Embrapa e aos subsídios e financiamentos públicos inclusive da Sudam e da Superintendência de Desenvolvimento do CentroOeste Sudeco23 As bases da ocupação recente matogrossense foram construí das desde os anos 1940 quando o governo brasileiro foi expan dindo a extensão de terras que poderiam ser legalmente apropria 23 Parte dos financiamentos foi captada junto ao Banco Mundial Marco nesse processo foi o lançamento do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados Po locentro em 1975 destinado a difundir intensamente o plantio de soja e outros grãos em larga escala no Cerrado e na Amazônia matogrossense Contribuiu ainda para isso o Programa NipoBrasileiro de Cooperação e Desenvolvimento Prodecer iniciado em 1979 e assumindo funções do Polocentro Era antes de tudo uma necessidade da economia japonesa que diante da fraca safra mundial de grãos em 1973 buscou ampliar e diversificar seus fornecedores de grãos A sua agência de cooperação internacional Jica ficou representando os interesses nipônicos Grande influência na expansão da agropecuária e do desmatamento também teve o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil Polonoroeste 1981 com apoio do Banco Mundial para aplicar políticas no entorno da BR364 CuiabáPorto Velho 193 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 das por um proprietário24 A construção de estradas e outras obras infraestruturais estimulou a colonização e a expansão produtiva do estado configurando uma agricultura de fronteira Isso foi in tensificado nos anos 1960 e 1970 mais uma vez com a abertura ampliação e melhoramento de rodovias programas públicos in centivos fiscais nova ampliação legal do tamanho das proprieda des fornecimento de energia elétrica construção de frigoríficos e armazéns etc25 Além da pecuária o Mato Grosso se sustentou numa agricultu ra de ciclo curto culturas temporárias possibilitando diante de uma oscilação de preços flexibilidade no investimento do capital na fronteira econômica em expansão Com um menor investimen to em capital fixo a rotação do capital26 era mais rápida e os riscos menores que em culturas permanentes Afora isso a aquisição das terras se deu em grande medida permeada por irregularidades Foi o que ocorreu com a grilagem de terras indígenas por grandes empresas e proprietários no norte matogrossense provocando o morticínio daquelas etnias Estado concentrador de projetos privados de colonização o Mato Grosso se configurou como o maior produtor de soja do país envolvendo grande volume de investimento e tecnologia de 24 Em 195556 e 1958 foram emitidos títulos para propriedades que totalizavam 12 milhões hectares de terra matogrossense correspondendo a 97 da área do estado Faria et al 2015 25 Também foi acompanhado da intensa exploração madeireira Isso tudo ocorreu ao mesmo tempo em que em 1979 o estado foi dividido originando o Mato Grosso do Sul 26 Capital fixo é a parcela do capital investida em máquinas instalações e similares É um investimento que se consome parcialmente em cada processo de produção diferente das matériasprimas que tendem a se consumir integralmente em um único processo de produção A rotação é o tempo que o capital leva para percor rer seu ciclo o que inclui a produção da maisvalia Quanto mais rápido ele girar maior a quantidade de maisvalia que se produzirá num determinado período de tempo Marx 1988 194 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ponta Diversas cidades foram criadas27 ou se expandiram em fun ção da produção de soja pecuária e outras atividades destacam se Sinop Alta Floresta Sorriso e Lucas do Rio Verde Nos anos 1990 intensificouse a mecanização e a incorporação de terras para a produção de grãos Em 1990 havia 2 milhões de hec tares agrícolas ocupados pelas principais culturas 23 com soja Em 2011 a parcela de terra agrícola ocupada saltara para 95 milhões de hectares dos quais 68 eram com soja Afora isso a produtivida de cresceu mais que a incorporação de terras Mas a transformação industrial da produção agropecuária não acompanhou a produtivi dade de modo que a agregação de valor ainda se sustenta basica mente em uma economia agrária Em geral o que se expande é o processamento industrial primário de matériasprimas Em paralelo ocorreu acentuado desmatamento não apenas no Cerrado mas nos demais ecossistemas De 1990 a 2010 o estado perdeu 123 milhões de hectares de floresta 136 da área estadual Isso foi acompanha do pelo reforço à manutenção da concentração fundiária Para além da conformação da terra como mercadoria o caso do Mato Grosso e em especial da soja expressa as relações entre a economia regional e a dinâmica econômica internacional As gran des transnacionais monopolizadoras de grãos no mundo Cargill Bunge ADM entre outras estão instaladas no estado com di versos projetos para toda a região é o caso da ferrovia nortesul novas rodovias hidrovias asfaltamento da rodovia Santarém Cuiabá BR163 e o porto de Miritituba em ItaitubaPA Mais ex pressiva ainda é a proposição de construção da ferrovia Bioceânica BrasilPeru cortando todo o CentroOeste brasileiro passando pelo Acre e chegando na costa peruana no oceano Pacífico Ou tro trecho projetado para construção se conecta a outras ferrovias 27 Mais de 50 novas cidades em pouco mais de 20 anos surgiram na Amazônia matogrossense Oliveira 2008 195 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e alcança a costa atlântica do Nordeste brasileiro ou mesmo do Sudeste O orçamento inicial projetado seria de US 70 bilhões impulsionado por chineses governo federal e outros capitais A Cargill sem autorização ambiental devida montou um polê mico porto graneleiro na frente de SantarémPA às margens do rio Tapajós para escoar a produção matogrossense Iniciado em 1999 seu projeto era tomar toda a frente da cidade com terminais para exportação do agronegócio Só não conseguiu por conta da enorme reação negativa e resistência aos seus objetivos Entre o agronegócio e o trabalhador rural de que lado está o governo Respondamos com o fato de que a presidenta Dilma Rousseff com apoio de Lula da Silva ofereceu mais de uma vez o Ministério da Agricultura e o Mi nistério dos Transportes a Blairo Maggi considerado o maior sojeiro do Brasil e motoserra de ouro título conferido pelo Greenpeace Ele não aceitou a oferta pois naquele momento era mais interessante continuar na condição de senador e produtor Marques e Mar ques 2015 Com o impeachment de Dilma em 2016 Maggi aceitou a oferta de Michel Temer assumindo o Ministério da Agricultura A expansão fundiária também alcançou fortemente Rondônia a partir de produtores originários de outras regiões formando gran des propriedades agropecuárias e madeireiras ainda que a presença da agricultura familiar se mantivesse forte28 Com isso uma par cela significativa da floresta foi rápida e progressivamente colocada abaixo Entre os censos agropecuários de 1985 e 1995 houve uma expansão de 17 milhão de hectares de pastagens plantadas Se gundo o Imazon29 em 1978 apenas 178 da área do estado estava desmatada mas esse percentual aumentou para 285 na década de 2010 As propriedades com extensão entre mil ha e 10 mil ha 28 Estimavase que nos anos 2010 aproximadamente 60 da alimentação local fosse originária da agricultura familiar 29 Disponível em httpimazonorgbrimprensaaamazoniaemnumeros 196 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 passaram de 153 para 213 da área total dos estabelecimentos rurais do estado e os latifúndios com 10 mil ha ou mais saltaram de 143 para 26 Conflitos e problemas diversos eclodiram desde então entre os quais a ocorrência de casos de trabalho em condições análogas à escravidão O primeiro grande surto demográfico em Rondônia ocorreu durante a produção da borracha no início do século XX Novo surto foi presenciado entre as décadas de 1970 e 1980 quando a população estadual se deslocou de 110 mil para 500 mil pessoas e chegou a 11 milhão de habitantes em 1990 O estado é subdividi do em duas mesorregiões Seguindo o movimento de crescimento da fronteira agrícola brasileira desse período do leste para o oes te a mesorregião leste rondoniense metade oriental do estado foi a que mais sofreu impactos concentrando produção econômica mais de ¾ do valor da produção animal e vegetal mas também forte impacto ambiental e social Além de elementos já explicitados para a Amazônia como um todo o programa Polonoroeste finan ciado com recursos do Banco Mundial impulsionou esse processo A BR364 liga São Paulo ao Acre Durante o governo Juscelino Kubitschek foi iniciada a construção do trecho entre CuiabáMT e Porto VelhoRO No período empresarialmilitar e do Polonoroes te foi aberta a ligação entre Vilhena fronteira com Mato Grosso e Porto Velho em seguida sendo estendida ao Acre repetindo o percurso do Marechal Rondon ao implantar linhas de telégrafo algumas décadas antes Em 1984 foi concluído o asfaltamento do trecho CuiabáPorto Velho principal obra do programa A rodo via foi importante elemento para a colonização do estado e para o estabelecimento da produção pecuária e madeireira30 Com a ex pansão da soja ocorrida nas últimas décadas aproveitouse a rodo 30 A economia regional ainda sofreu o impacto das atividades mineradoras ouro e cassiterita estanho principalmente nos anos 1970 e seguintes 197 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 via para com outras conexões exportar a produção do estado e de parte do Mato Grosso pelo porto de ItaquatiaraAM A pauta de exportação estadual em 2014 foi dominada pela soja e pela carne bovina que estimula a ampliação da rede de frigoríficos A apropriação de terras públicas para conformar grandes pro priedades fundiárias também atingiu o maior dos estados brasilei ros o Amazonas que sofre a dinâmica da expansão do agronegó cio no movimento de deslocamento que atingiu o Mato Grosso em seguida Rondônia e chegou ao sul amazonense Além da pro dução pecuária já presente desde longo tempo cresce a atividade sojeira que demanda obras infraestruturais como é o caso dos portos Nem por isso esse estado deixou de ser um importador de alimentos Quase tudo que consome compra de fora No Amapá parte das terras foi ocupada por proprietários re gionais para fazendas de gado e outra parte foi tomada por gran des empresas inclusive estrangeiras que derrubaram a floresta e o Cerrado para plantar pinus eucalipto para celulose e dendê Desde os anos 2010 cresceu exponencialmente a área ocupada pela soja dominando a rodovia AP070 e adjacências devastando áreas de Cerrado e de floresta Em 2014 durante uma noite so jeiros usaram seu maquinário cercaram araram e plantaram soja numa área de pasto comum da comunidade de São Benedito do Macacoa ri Formouse o conflito Quando a soja brotou os comu nitários arrebentaram as cercas e colocaram seu gado para comer a plantação Os sojeiros tiveram que recuar mas não sem antes des truir o ramal estrada de terra que dá acesso à comunidade Em Roraima a chegada de novos proprietários também ocor reu em 1970 mas a fração mais destacada passou a ganhar visibi lidade nos anos 1990 Foram os arrozeiros que avançaram sobre terras indígenas de várias etnias entre as quais os Macuxi Rece beram apoio da elite política local e eles próprios os arrozeiros também se tornaram elite estadual 198 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2008 indígenas ligados ao Conselho Indígena de Rorai ma ocuparam a fazenda do prefeito e arrozeiro do município de PacaraimaRR Paulo César Quartieiro do partido Democratas originário do partido da ditadura empresarialmilitar de 1964 A propriedade era localizada em área reivindicada pelos indígenas Os capangas do fazendeiro os reprimiram com tiros e bombas ca seiras O prefeito foi preso levado para a Polícia Federal em Brasí lia e ao ser libertado nove dias depois foi recebido com fogos e carreata em Boa Vista e Pacaraima Depois de um longo conflito e batalha judicial essa situação teve como desfecho a retirada dos arrozeiros da reserva indígena Raposa Serra do Sol no final dos anos 201031 Mas o apoio do Estado brasileiro ainda está longe do que se espera para garantir a preservação da área e a produção e reprodução digna dos povos que lá residem O estado de Roraima ainda registra grande produção de arroz além de soja dendê e gado No Maranhão houve uma grande expansão do cultivo do arroz nos anos 1940 e 1950 dinamizando a economia local32 e incor porando grande contingente de pequenos agricultores parceiros arrendatários e outros Até a década de 1970 e início dos anos se guintes a agricultura estadual esteve concentrada principalmente nesse grão e na extração do babaçu além da produção de alguns outros produtos de subsistência Desde os anos 1970 passou a se incentivar a pecuária conduzida pela grande propriedade Sudam e Sudene foram peçaschave nesse estímulo Na década de 1990 e em particular nas que se sucederam ocorreu uma enorme expansão da soja e secundariamente do eucalipto e carvão além da manu tenção da pecuária empresarial O estado compõe o Matopiba ou 31 Parte da produção foi deslocada para a ilha do MarajóPA 32 Em paralelo também cresceu a economia do babaçu ao mesmo tempo em que decresciam as atividades de tecelagem em meio às crises da produção algodoeira 199 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mapitoba área de confluência do sul e nordeste do Maranhão sul do Piauí o Tocantins e oeste da Bahia predominantemente coin cidindo com o Cerrado É uma das regiões de maior crescimento da sojicultura brasileira A dinâmica agrícola que era conduzida com uma forte parti cipação estatal em particular com os incentivos fiscais e voltada ao mercado interno passou a ter uma presença relativamente me nor do Estado mas não sem importância vide o crédito dos ban cos públicos As empresas transnacionais direta ou indiretamente neste caso por meio de contratos de financiamento e comercializa ção conseguiram dominar parcela crescente da produção agrícola local cuja destinação passou a ser o mercado externo que por sua vez impõe sua dinâmica a essa produção Em paralelo ainda que não agrícolas desde os anos 1980 foi se conformando a exploração de outros dois produtos fortemente presentes na pauta de expor tação estadual o alumínio e os derivados do ferro O outro lado desse processo foi a redução da produção agrícola de alimentos e da própria agricultura de subsistência e a elevação do custo de vida dos trabalhadores do campo e da cidade assalariados extrativis tas agricultores familiares etc Segundo Mesquita et al 2015 no início do século XXI aproximadamente 13 das terras mara nhenses estava destinada à soja33 O estado do Tocantins também conta com uma expressiva pre sença do agronegócio destacandose a soja e o gado entre outros Tal como ocorre em outros estados amazônicos essa produção é concentrada em produtos básicos Sua porção norte na fronteira 33 Concluise que a chamada modernização agrícola do Maranhão centralizou atividades e privilegiou poucos produtores em detrimento da agricultura fami liar e do extrativismo de forma residual seletiva e pontual Essa centralização da dinâmica econômica voltada à produção primária significa que o crescimento da atividade e portanto a expansão da produção e das exportações não depen dem do mercado interno de grãos mas da demanda externa por commodities Mesquita et al 2015 p 299 200 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com o Pará e Maranhão abrigou e ainda abriga muitos conflitos fundiários Profundas alterações ocorreram na economia e particularmen te na agricultura amazônica a partir dos anos 1970 Mas diferen temente do processo de modernização da agricultura nacional no caso amazônico a incorporação tecnológica foi bem mais reduzida Os dados da mecanização agrícola e da produção tradicional da quele período confirmam isso A área paraense de lavoura planta da com arroz feijão mandioca milho cacau e pimentadoreino as primeiras são culturas de subsistência e de abastecimento do mercado local caiu de 8106 mil ha em 1985 para 6028 ha em 19951996 Essas culturas tiveram redução em seus rendimentos demonstrando a baixa inovação tecnológica em 1995 apenas 17 do total de estabelecimentos do Pará tinham tratores somente 38 recorreram à assistência técnica e menos da metade desses a conseguiram por fontes governamentais IBGE 1996 A lavoura permanente teve desempenho pouco significativo e ainda se redu ziu nas áreas em que a pecuária passou por forte expansão foi o caso do sudeste paraense por exemplo A modernização conservadora da agricultura brasileira atingiu tardia e desigualmente a Amazônia34 Nos anos 19701980 ocorreu a modernização da agricultura nacional mas na Amazônia pre dominou uma espécie de antirreforma agrária em alguns traços ainda mais forte que no restante do país A modernização técnica na região começou a ser percebida com mais significado nos anos 1990 e principalmente nas primeiras décadas do século XXI Ainda que com importantes processos de incorporação tecno lógica como pode ser observado na produção de grãos e gado no 34 Afirmar isso não significa que desconsideramos repercussões desde os anos 1970 da modernização da agropecuária nacional sobre a Amazônia Legal A corrida por terras pode ser entendida também como parte dessas repercussões 201 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mato Grosso Tocantins e parte de Rondônia Maranhão e sudeste do Pará na Amazônia convivem de forma expressiva modernas e arcaicas forças produtivas que também em alguma medida se relacionam com relações de produção mais desenvolvidas ou mais atrasadas aviamento trabalho análogo à escravidão trabalho precário etc Em conjunto ocorrem conflitos agrários e degra dação ambiental Mesmo na pecuária constatamos atividades mo dernas e tradicionais Ocorre então uma agriculturaagropecuá ria inserida nos circuitos do agronegócio e por consequência também no capital financeiro versus uma agropecuáriaagricultura tecni camente atrasada incluindo aqui a agricultura familiar e parcelas importantes da grande propriedade pouco produtiva Essa dinâmicacontradição não é uma peculiaridade da Ama zônia mas nessa região ela é mais expressiva Uma das consequên cias dessa modernização concentrada em poucos produtos é que a região permanece como forte importadora de alimentos Assim podemos constatar que soja pecuária bovina e dendê entre outros diferem das lavouras e da produção madeireira tradicionais essas duas em relativa crise e até mesmo de outras áreas onde permane ce uma pecuária de velho padrão A região Norte então ainda se encontra abaixo de outras regiões em relação aos indicadores da agricultura mas quando incorpora mos Mato Grosso e Maranhão conformando a Amazônia Legal esse quadro muda radicalmente Pelos dados da Conab 2013 o Maranhão que tem aproximadamente 80 de seu território na região amazônica é o segundo principal produtor agrícola de grãos do Nordeste e o Mato Grosso sozinho apresenta dados de área ocu pada e produção superiores às demais regiões do país incluindo o CentroOeste quando excluídos os montantes matogrossenses exceto o Sul A Amazônia Legal então se apresentaria como a ter ceira principal região brasileira em termos de área cultivada 158 milhões de ha e volume da produção 55 milhões de toneladas 202 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ficando atrás somente do CentroOeste se nesta computarmos os dados do próprio Mato Grosso e do Sul O que deduzimos dessas informações Mato Grosso e Maranhão são estados fronteiriços que marcam a transição entre outras formações ecossistêmicas e a Floresta Alta Amazônica Apesar de imensas áreas da Amazô nia ainda se configurarem como áreas de reservas ao capital in cluindo as áreas de proteção ambiental controle militar e reservas indígenas35 o sentido de expansão do grande capital sobre a região já está claro 35 Que serão postas em questão quando se mostrarem necessárias ao capital Veja mos a construção das hidrelétricas sobre terras indígenas a permissão de explo ração mineral sobre florestas nacionais Também se insere nisso a diminuição de áreas protegidas e a tentativa de extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados área de proteção no Amapá em 2017 O AVESSO DO DESENVOLVIMENTO RECURSOS MINERAIS E BIODIVERSIDADE EM PERIGO Contase que nas florestas brasileiras há um ser com a forma de homem de pequena estatura cabelos vermelhos e pés virados para trás É o curupira Ele é um protetor da mata e ataca quem derruba árvores e mata animais desnecessariamente Ainda que tenha pés para trás ele caminha para frente e corre em alta velocidade A trajetória do desenvolvimento brasileiro tem alguma semelhança com o andar do curupira Andou a passos largos em termos indus triais e de alguns indicadores econômicos mas deixando pegadas no sentido contrário do ponto de vista social Neoliberalismo intensificação da apropriação privada dos recursos naturais Nos planos de desenvolvimento a Amazônia foi apresentada como fonte de recursos naturais e a natureza restringiuse de um lado à matériaprima e de outro à mercadoria na forma de terras para comercialização e acumulação Seguindo a concepção estritamente economicista e que entende a natureza como um obs táculo ao progresso documentos e discursos oficiais chamaram à luta para vencer as forças da natureza e conquistar os espaços vazios amazônicos 204 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A natureza amazônica artificialmente separada do homem e compreendida como ahistórica transformouse tão somente em fonte de recursos naturais fator de produção destacando apenas sua dimensão física daí a grande preocupação em desenvolver pesquisas para mensurar o tamanho dos estoques de matérias primas a serem explorados ocupação dos espaços vazios e avanço da fronteira Isso trouxe consequências terríveis para os ecossistemas amazônicos Para ocupar áreas mais rapidamente chegouse inclusive a utilizar o agente laranja produto químico usado pelos EUA na Guerra do Vietnã para desflorestar a mata1 O discurso governamental e empresarial pressupunha ou se pro curava fazer crer que não havia ninguém E o indígena e o caboclo que lá habitavam Esses não por acaso desapareceram no discurso e planos oficiais2 Após os anos 1980 abriuse um período de forte aplicação das políticas neoliberais no Brasil Collor de Mello o primeiro presi dente a assumir intensamente essas medidas foi derrubado a partir das imensas mobilizações populares que desestabilizaram as bases de sustentação de seu governo Seu vice Itamar Franco assumiu a presidência do país e constituiu as condições necessárias à eleição de Fernando Henrique Cardoso A coincidência entre esse e Collor foi a adoção do neoliberalismo privatizando as empresas estatais e abrindo a economia brasileira ao capital multinacional 1 Afora o caso já citado do Acre destacamos o escândalo de Tucuruí Pinheiro et al 1998 denunciam que a estatal Eletronorte usou o agente laranja para lim par a floresta durante a construção dos linhões de transmissão da energia elé trica da hidrelétrica de Tucuruí Além da vegetação pessoas e animais foram mortos e houve casos de aborto comprovados ainda que a empresa negasse o uso do veneno 2 A Amazônia carregava assim a noção de atraso o que expressava uma determina da concepção de progresso como modernidade e industrialização A integração seria a forma de romper com o que se concebia como atrasado 205 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Dentre as reformas que a bancada parlamentar do governo aprovou e que aprofundaram o saque sobre a Amazônia estavam o fim do monopólio brasileiro sobre o subsolo e suas riquezas sobre as telecomunicações e a aprovação da lei de patentes através da qual o Brasil se comprometeu a pagar pela utilização de uma tecnologia ou procedimento que tenha sido patenteado por uma empresa em outro país Com isso se um laboratório multinacio nal patentear a substância ativa de uma planta amazônica teremos que pagar para usála Isso é mais grave na medida em que o saber tradicional das comunidades amazônicas é visto com enorme pre conceito e sinônimo de atraso mas estimase que 75 dos prin cípios ativos dos produtos farmacêuticos mundiais são originados nos conhecimentos disseminados pelas comunidades tradicionais mundo afora3 Alguns laboratórios mantêm ONGs e pesquisado res na Amazônia para se apropriar do conhecimento das comuni dades locais para saber a utilização de determinada planta e depois patentear É uma das formas da chamada biopirataria Portanto além da dominação política e econômica do passado da dominação econômica hoje exercida através das grandes corporações mundiais os países hegemônicos estabeleceram e procuram conso lidar uma forma de dominação nova que se apoia no conhecimento científico e tecnológico que possuem e ampliam sem cessar num ritmo muito mais rápido do que o dos países periféricos Através des ses conhecimentos que se valem para considerar os conhecimentos tradicionais como inferiores procuram estabelecer formas novas e muito poderosas de dominação Controlando o acesso à biodiversi dade e dominando o saber que possibilita tirar o máximo de provei to dela restabelecese uma nova forma de colonialismo Loureiro 2009 p 164165 3 Relembremos que quando os europeus chegaram à região eles não conheciam nada sobre ela Recorreram ao conhecimento dos selvagens os indígenas e com isso iniciaram a colonização e o saque 206 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Não bastasse isso Fernando Henrique contratou a Raytheon Company EUA por R 14 bilhão à época para montar um Ser viço de Vigilância da Amazônia Sivam Usando satélites aero naves e outros recursos a empresa faz o levantamento de nossas riquezas Em decorrência das políticas de pilhagem e do neoliberalismo a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997 pelo pre ço de R 33 bilhões4 Somente em reservas de ferro em Minas Gerais e na Serra dos Carajás sudeste do Pará a empresa contava com 129 bilhões de toneladas cujo valor não entrou no cálculo da privatização O minério foi repassado a custo zero A empresa dispunha ainda de R 700 milhões em caixa e já dava um lucro anual superior a R 500 milhões valor que cresceria exponen cialmente em decorrência do enorme investimento que havia sido feito na companhia pouco antes da privatização e que também não foi levado em consideração no cálculo de sua venda No ano anterior ela havia pago US 550 milhões do empréstimo tomado para montar a infraestrutura de extração do ferro de Carajás pra ticamente liquidandoo Essa não era uma empresa lucrativa Em condições normais demanda elevada no mercado internacional em alguns anos pósprivatizada o preço pago pela empresa repre sentou pouco mais que o lucro de um mês da mineradora O governo impôs ainda a chamada Lei Kandir que isenta do ICMS a exportação de produtos básicos minerais e agrícolas ba rateando o preço e aumentando artificialmente a competitividade mas saqueando ainda mais a arrecadação pública e os recursos na 4 Valor praticamente equivalente ao montante em dólar porque a moeda estadu nidense custava R 106 Para piorar tal qual o governo praticou com as demais empresas vendidas o preço foi pago parceladamente Os novos proprietários ainda puderam usar no pagamento as moedas podres que são títulos que apre sentam um valor de face escrito mas que o mercado os negocia por menos Não somente aceitouse o valor de face como ainda se abriu linhas de crédito especiais no BNDES para que a empresa ampliasse sua produção e lucro 207 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 turais Quem ganha é a Vale e o capital estrangeiro Em verdade a mineradora age como empresa transnacional em pleno território brasileiro Isso não é à toa A própria companhia anunciou em seu relatório de desempenho de 2015 que 463 de seu capital total já estavam em mãos estrangeiras A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2002 gerou enorme expectativa de mudanças expressivas para a população tra balhadora Infelizmente isso não aconteceu pelo menos na propor ção que se desejava Evidentemente não podemos colocar um sinal de igual entre este e o governo anterior e achar que isso explica tudo mas é possível encontrar muitos sinais de continuidade entre os quais a submissão aos grandes capitais Não apenas a Vale não foi reestatizada como ainda se abriu sucessivas linhas de crédito do BNDES à companhia para que ela ampliasse sua produção in tensificando o saque dos recursos naturais brasileiros e adquirisse outras empresas no exterior Também nada foi feito em relação à lei Kandir e à lei das patentes A Vale repassou o controle acionário do complexo AlbrásAlu norte assim como a mina de bauxita de ParagominasPA e do projeto da refinaria CAP para a Norueguesa Norsk Hydro rece bendo na negociação 22 das ações dessa transnacional O acor do ainda incluiu licenças de exploração de bauxita e o direito de compra de 40 da produção mineral da Mineração Rio do Norte percentual correspondente ao capital da MRN em mãos da Vale Originariamente pertencente à Vale a mineradora Pará Pig mentos SA PSSA foi instalada no Pará para extrair caulim um minério utilizado na fabricação de papéis cerâmicas tintas cos méticos etc Em 2010 ela foi comprada pela Imerys Rio Capim Caulim que já estava no Pará desde 1996 Subsidiária da transna cional de origem francesa Imerys presente em 50 países a aqui sição permitiu que a empresa estruturasse no estado paraense a maior planta de beneficiamento de caulim do mundo consolidan 208 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do sua posição de monopólio no Brasil Segundo informações da própria empresa em 2015 ela concentrou 71 da produção desse minério no país Suas duas minas ficam às margens do rio Capim no município de Ipixuna O minério é transportado em dois mine rodutos de 160 km e 180 km até o porto de Barcarena onde é be neficiado e embarcado para o mercado brasileiro e principalmente para outros países A globalização do saque Amazônia como moderna semicolônia de recursos naturais Em 1955 um jornalista perguntou à Marilyn Monroe o que ela usava para dormir apenas duas gotas de Chanel nº 5 res pondeu a provocante atriz de Hollywood alimentando desejos e fantasias mundo afora Isso ajudou a notabilizar ainda mais o perfume francês produzido com óleoessência de pau rosa árvore nativa da Amazônia A fragrância francesa de preço elevado foi e ainda é vista como exemplo de poder econômico celebridade beleza e glamour Poder econômico e glamour também marcaram a trajetória do empresário Eike Batista que chegou a ser considerado o oitavo homem mais rico do mundo em 2010 Ele é filho de Eliezer Ba tista presidente da Vale na época dos militares Sempre contou com informações privilegiadas e crédito público facilitado Sua fortuna cresceu impulsionada por especulação Por isso era rotu lado como empresário powerpoint pois elaborava projetos sobre algum empreendimento e montava uma boa exposição em slides para datashow usando o programa de computação powerpoint Nela prometia grande retorno financeiro e com isso fazia elevar o preço de suas ações nas bolsas de valores A especulação não resistiu à realidade Suas empresas ruíram quando os empreendi mentos atingiram o tempo em que deveriam estar dando muito lucro e isso não aconteceu 209 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O empresário especulador montou duas mineradoras no Ama pá A primeira foi a MMX Amapá explorando o ferro O projeto foi orçado em R 800 milhões sendo R 580 milhões originários do BNDES O empreendimento foi instalado irregularmente en trando em operação sem que tivesse realizado estudo de impacto ambiental o que deveria ser obrigatório Logo depois foi ven dido para a multinacional Anglo American como parte de uma transação maior o projeto Minas Rio5 Em 2013 a mina amapaen se foi repassada à Zamin Ferrous transnacional indiana mas que tem várias empresas e capitais associados e sede nos Emirados Ára bes e Cingapura O que o estado do Amapá ganhou Nada A segunda mineradora de Eike Batista foi a MPBA que segundo suspeitas inclusive sendo investigada pela Polícia Federal teria extraído ouro e o retirado da região de helicóptero para não pagar impostos Reproduzse atualmente nesses casos o mesmo que fez a Icomi que foi instalada no estado nos anos 1950 esgotou a mina de manganês e deixou tão somente um rastro de miséria e danos ambientais Esses exemplos também refletem o sentido da globa lização Vejamos A mineração permanece intensa na Amazônia mesmo em sua porção ocidental Segundo o Departamento Nacional de Produ ção Mineral em 2013 Rondônia respondeu por 26 da produção nacional de cassiteritaestanho6 mas em acentuada expansão fi cando atrás do Amazonas que produziu 63 do total nacional Estimavase que o Brasil dispunha de 10 das reservas mundiais desse minério e elas estavam concentradas na região amazônica 5 Cujo centro é a exploração de minas de ferro em Minas Gerais e toda a logística necessária para exportação pelo porto do Açu no Rio de Janeiro 6 Estanho é um metal retirado principalmente da cassiterita Tem utilização di versificada entrando na produção de metais industrializados como proteção à corrosão fabricação de latas para conservas bronze entre outros Também entra na composição de condicionadores de ar refrigeradores soldas radiadores etc 210 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 província mineral de Mapuera mina do rio Pitinga estado Ama zonas e província estanífera de Rondônia minas Santa Bárbara Bom Futuro Massangana e Cachoeirinha DNPM 2014 O es tado amazonense também apresenta importante produção de pe tróleo e gás na província de Urucu A privatização da Companhia Vale do Rio Doce em 1997 foi o marco de um novo momento na grande mineração na Amazônia A ação do Estado que se apresentava como produtor passou a se localizar na constituição das condições institucionais legais de in fraestrutura e financeiras à exploração dos empreendimentos pri vados ou seja do saque Parte do Estado brasileiro ainda perma nece em diversos empreendimentos por meio da posse direta ou indireta de ações através dos fundos de pensão principalmente O que há de mais significativo atualmente é que a grande mineração deixou de ser conduzida formalmente por uma ou mais estatais tornandose dominada por diversas multinacionais ainda que sob a máscara de empresa brasileira como é o caso da Vale Recursos estatais são sempre bemvindos e as grandes empresas pressionam o governo por isso e pelas obras infraestruturais que di minuem o custo de reprodução do capital Não há dinheiro público Tudo bem Elas conseguem por outros meios As transnacionais de grãos financiam produtores as mineradoras financiam seus próprios projetos eou tomam empréstimos diretamente no mercado desde que o empreendimento se mostre lucrativo Apesar disso o BNDES e outras fontes estatais ainda cumprem papel fundamental no desen volvimento da produção das grandes empresas na Amazônia Desse modo o novo século assistiu à entrada e generalização de inúmeras empresas minerais explorando produtos diversos no território amazônico O Pará é um estado que representa bem esse processo Nos anos 1970 e 1980 a produção era concentrada e fa cilmente localizada espacialmente Era principalmente 1 o ferro em Parauapebas sudeste do Pará e 2 o corredor do alumínio 211 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com a MRN Oriximinário Trombetas no oeste do Pará e Al brásAlunorte Barcarena para o qual contavam com a energia de Tucuruí É verdade que havia outras empresas e minérios em extração como o caulim do Jari mas eles não se comparavam em termos de valor aos dois casos citados Atualmente há uma relativa espacialização de investimentos minerais no território paraense e mesmo amazônico Falamos em espacialização não em termos de redução do investimento por em preendimento mas de surgimento de diversos novos projetos de extração mineral conduzidos pelo grande capital A bauxita de Juruti é um dos casos dessa fase atual da minera ção na região O município de Juruti fica na fronteira com o Ama zonas No ano 2000 a Alcoa estadunidense iniciou a prospecção nos platôs de Juruti Velho interior do município sobre uma área de comunidades ribeirinhas Em 2005 ela obteve a licença pré via para a instalação do empreendimento extrativista mineral Em 2006 o projeto já estava em instalação o que entre outros incluiu uma ferrovia e um porto às margens do rio Amazonas A mina tem uma estimativa de 700 milhões de toneladas métricas de bauxita de alto teor um dos maiores depósitos do mundo Isso possibilitou a expansão da refinaria da Alumar no Maranhão também de pro priedade da Alcoa como acionista principal O planejamento de produção é de 26 milhões de toneladas métricas anuais A partir de Juruti a Alcoa já estendeu suas pesquisas para outras áreas da região como o Lago Grande que incorpora vários mu nicípios do oeste do Pará mapeando a potencialidade mineral e entrando com pedidos de lavras junto ao governo brasileiro Além do fato de ser um projeto relativamente mais novo que Ca rajás o caso da AlcoaJuruti apresenta outra especificidade A comu nidade local se organizou para enfrentar a multinacional Reunidas em torno da Associação das Comunidades de Juruti Velho Acorju ve a população conseguiu que o Incra criasse em 2005 o Projeto de 212 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Assentamento Agroextrativista de Juruti Velho PAE Juruti Velho conformando uma institucionalidade que possibilita alguma prote ção aos comunitários Com a intermediação do Incra Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual a empresa teve que sentar à mesa com a população para discutir o pagamento pela lavra mineral na área da comunidade e a compensação pelos danos causa dos As negociações prolongamse por anos mas a Acorjuve já tem recebido um repasse financeiro da transnacional A contradição é que a intermediação ocorreu no sentido de se fazer aceitar a presença da empresa estrangeira como se o pagamento fosse o justo preço pelos recursos naturais que ela está se apropriando Apesar de toda a diversidade mineral da Amazônia sua pauta de exportação se sustenta basicamente em cinco minerais tendo um amplo predomínio do ferro veja a tabela da próxima página A China tornouse o principal consumidor do minério amazônico principalmente paraense seguida por Japão e outros países Além dos minérios registram importância os produtos do agronegócio Em comum há o fato de serem commodities minerais ou agrícolas Em 2011 o ferro respondeu por 59 de tudo que a região Norte vendeu para outros países Nos anos seguintes em função da desaceleração do ritmo de crescimento chinês e da redução do preço dos minérios no mer cado internacional7 esse percentual se reduziu bastante mas isso tendia a ser uma queda conjuntural apresentando o sentido inver so a partir da elevação novamente da demanda por commodities Em 2017 o produto representou 4439 das exportações da re gião O Pará é quem concentra estas exportações 7 Segundo informações divulgadas pela Vale o minério de ferro finos a vista chegou a ser negociado a US 190 no início de 2011 mas caiu para pouco mais de US 40 em janeiro de 2016 veja httpwwwvalecombrasilPTbusiness miningironorepelletsPaginasIronOreIndicesaspx 213 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Principais produtos exportados pela região norte em 2011 e 2017 Produto US FOB 2011 US FOB 2017 2011 2017 1 Minérios de ferro não aglom e seus conc 1 12325324481 7785329465 5908 4439 2 Outros minérios de cobre e seus concentrados 4 853845822 1941012619 409 1107 3 Soja mesmo triturada exceto semeadura 5 603585923 1566414124 289 893 4 Alumina calcinada 2 1406905491 1361873169 674 777 5 Carnes desossadas de bovino congeladas 7 432655749 815660373 207 465 6 Alumínio não ligado em forma bruta 3 964021537 387300765 462 221 7 Ouro em barras fios e perfis de seção maciça 20 82088088 274630872 039 157 8 Outros minérios de manganês 9 280458651 251983630 134 144 9 Bauxita não calcinada minério de alumínio 12 199932321 234304874 096 134 10 Ferroníquel 52 11517914 225817461 006 129 11 Outras preparações p elaboração de bebidas 14 157033385 183361316 075 105 12 Outros bovinos vivos 8 428915261 182274544 206 104 13 Caulim 11 259132241 178861894 124 102 14 Pasta quim madeira de nconifa sodasulfato 13 186638058 155186013 089 088 15 Pimenta piper seca 15 151427989 154520231 075 088 16 Outras madeiras perf etc não coníferas 10 272706990 142636486 131 081 Ferro fund bruto não ligado cpeso05 d 6 539092668 258 Outros 2108237399 1695540316 1013 967 Total 20861452592 17536708152 10000 10000 Fonte Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Obs Na coluna de valor de 2011 o número entre parênteses representa a ordem de importância do produto naquele ano A dependência da exportação mineral deve permanecer pois não há outro conjunto de produtos que se apresente como alterna tiva expressiva A China é justamente o principal importador da Amazônia comprando minérios e soja principalmente De tudo 214 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 que o Norte vendeu em 2011 33 foi para este país em 2014 foi 2930 e em 2017 somou 3648 Em geral é seguido por Japão e Alemanha EUA Holanda Canadá e Coreia do Sul também es tão entre os importadores mais expressivos No caso do Mato Grosso que compõe a Amazônia Legal mas não faz parte da região Norte suas exportações em 2011 foram dominadas pelo agronegócio soja 43 milho 1517 bagaço e resíduos de soja 1480 algodão carnes e óleo de soja Em 2017 esses percentuais foram 4622 1934 e 1052 respec tivamente Por isso sua economia é hegemonizada pelas multi nacionais estrangeiras ou de origem brasileira como é o caso dos grandes frigoríficos A Bunge concentrou 2083 das vendas ma togrossenses para o exterior em 2011 Ela foi seguida por ADM Louis Dreyfus Cargill Amaggi Sadia e JBS frigorífico Em 2017 a China comprou 3217 de tudo que o estado vendeu para o exterior Do total das exportações do estado 9597 foram na forma de produtos básicos sem industrialização Com o apoio estatal mantido nos governos do novo século ampliouse a pilhagem das riquezas minerais sociais e biogenéti cas Grandes mineradoras multinacionais estão em diversos pontos da região particularmente em sua porção oriental É o caso do Pará mas isso ocorre em toda a região como por exemplo o Ama pá de onde se extrai ouro ferro e diversos outros minerais inclu sive possivelmente urânio comercializado ilegalmente no mercado internacional O interesse das mineradoras é principalmente a extração mi neral simples ou seja sem beneficiamento confirmando o papel da região como uma semicolônia energéticomineral ou seja de recursos naturais ao qual incluímos a produção do agronegócio8 8 Loureiro 2009 e Castro 2012 denominam este processo de fronteira de com modities Nós o chamamos de moderna semicolônia de recursos naturais 215 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É o caso do ferro de Carajás que é extraído lavado e colocado nos trens que o levam ao porto no Maranhão para ser embarcado nos navios para o exterior Essa é a função da Amazônia na atual Divisão Internacional do Trabalho imposta pela acumulação de capital na lógica da globalização do saque Os investimentos das grandes mineradoras concentramse na extração mineral e não no beneficiamento a não ser quando o Estado garante condições favoráveis para isso como é o caso do fornecimento de energia elétrica subsidiada Pelos levantamentos feitos em 2011 os investimentos previs tos até 2015 somente no estado do Pará totalizariam US 27031 bilhões na extração mineral A esse montante se somavam US 2704 bilhões em infraestrutura e transporte que significavam in versão em portos e na duplicação da Estrada de Ferro de Cara jás respondendo aos interesses imediatos da apropriação bruta de nossas riquezas naturais A transformação mineral somaria US 11356 bilhões previstos Os investimentos na extração mineral e em infraestrutura totalizariam 71 do que se planejava até 2015 O minério saqueado in natura da Amazônia se transforma em ge ração de mais riqueza e emprego nos países centrais incluindo nes tes a China maior consumidor do ferro amazônico Depois volta para o Brasil como produto industrializado que corresponde ao mesmo fenômeno Em outro momento Marques 2012 o caracterizamos como moderna colônia energéticomineral ao qual incluíamos o agronegócio Mas acreditamos que é mais preciso chamála de moderna se micolônia de recursos naturais O que há de moderno responde aos objetivos do lucro que conduzido pelo grande capital se transforma em pilhagem de nossa riqueza minérios solos e recursos hídricos agronegócio energia elétrica trabalho do trabalhador e biodiversidade Isso inclui o apoio direto e indireto do Estado brasileiro e das unidades federativas governos estaduais e municipais Parte das terras e dos recursos públicos que são uma parcela da riqueza social apropriada pelo Estado acaba migrando para as mãos das grandes transnacio nais que estão no território amazônico No final o que sobra na região Pobreza e contradições socioambientais 216 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Os dados da balança comercial brasileira disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior mdicgovbr nos indicam a voracidade sobre a extração mineral e de outros recursos naturais na Amazônia Ainda que com os cilações até 2007 os produtos industrializados manufaturados e semielaborados superavam os produtos básicos sem industria lização na pauta de exportação da região Norte Desde então os produtos não industrializados cresceram mais que proporcional mente reforçando a condição regional de semicolônia Em 2011 foram exportados US 1579 bilhões na forma de pro dutos básicos US 222 bilhões como semimanufaturados e US 278 bilhões como manufaturados Isso significa que para cada US 10000 exportados US 7571 foram em mercadorias sem beneficiamento ou seja riqueza bruta US 1062 foram em pro dutos com baixa industrialização Em 2017 os dados se apresen taram mais gritantes ainda de tudo que a região exportou US 17536708152 7831 foram sem industrialização e 773 com baixo beneficiamento os semimanufaturados é o caso da alu mina e alumínio primário Somados os produtos básicos e os se mimanufaturados constatamos que em 2017 a cada US 10000 exportados US 8604 foram como produtos com baixa ou ne nhuma industrialização O que se percebe é a manutenção da perspectiva de uma região que exporta muito mas fica com pouco Isso é reforçado ainda mais pelo fato de que os acionistas proprietários das grandes mi neradoras instaladas na Amazônia não residem na região muitos sequer no Brasil de modo que a riqueza produzida é sacada da região num duplo movimento na forma de produtos primários ex portados e como ganhos das companhias repassados aos seus acio nistas Quanto mais se exporta mais pobre se fica Esse é o dilema amazônico que socializa miséria e degradação ambiental enquanto concentra riqueza nas mãos de poucos 217 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No caso do Pará a presença do extrativismo mineral é ainda maior que no restante da Amazônia Em 2010 de tudo que este estado exportou 86 decorreu da produção mineral Em 2011 as exportações paraenses totalizaram US 1834 bilhões 8959 foram vendas de produtos de fato nãoindustrializados básicos e semimanufaturados Em 2017 esse percentual foi de 8784 Sem incluir algumas de suas participações em outras empresas a Vale sozinha respondeu por 62 de tudo que o Norte exportou em 2011 e 7025 das vendas externas do Pará É importante des tacar que no primeiro trimestre daquele ano o preço do minério de ferro negociado no mercado internacional atingiu seu máximo passando a cair desde então de modo que o ano ainda refletiu o boom das commodities minerais que ocorreu desde a década an terior A companhia vendeu alguns de seus empreendimentos na região e enfrentou a queda dos preços do ferro Mesmo assim em 2015 a transnacional de origem brasileira concentrou 3734 das exportações do Norte e 4801 do Pará Se somássemos os valores da Vale e de suas exempresas a mineradora teria exportado mais de 60 de tudo que a região vendeu para o exterior e mais de 80 das vendas externas paraenses nesse último ano Toda essa massa de riqueza produzida poderia ser muito mais expressiva em termos regionais se tivesse outra destinação social e não apenas o lucro e o interesse das transnacionais monopolistas Como não é assim ela reforça gritantemente a contradição que opõe riqueza para poucos e miséria para muitos A cada dia de 2011 a Vale exportou 2663 mil toneladas de ferro retiradas de Carajás Em 2014 essa exportação foi de 3017 mil toneladas em 2015 saltou para 339 mil toneladas e em 217 chegou a 449 mil toneladas por dia Há um gritante problema de fundo que estes dados sozinhos aparentemente não demonstram O ferro atingiu US 19000 dmt tonelada métrica seca no mer cado internacional no primeiro trimestre de 2011 mas a partir 218 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 daí apresentou uma dinâmica de redução do preço chegando a pouco mais de US 4000 em janeiro de 20169 reiniciando uma retomada moderada dos preços Para minimizar o impac to da redução do preço da tonelada e a queda de suas ações a companhia procurou vender uma quantidade maior de minério Mais uma vez o que se observa é que se vende mais por menos Ainda que lucre menos por cada tonelada exportada a empresa procura vender muito para ter uma massa de lucro final signifi cativa Mas isso acelera o esgotamento das reservas minerais O que importa é o faturamento de curto prazo ainda que isso com prometa a possibilidade de um futuro decente para a Amazônia e seus habitantes Uma nova mina em operação a partir de dezembro de 2016 é o complexo S11D Serra Sul em Canaã dos CarajásPA Maior investimento da história da companhia e seu maior complexo minerador Segundo a própria companhia foram US 64 bi lhões Outras fontes com informações oficiosas afirmam que o valor seria ainda maior US 143 bilhões No empreendimento extraise um minério de altíssima concentração com 667 de teor de ferro Em Minas Gerais essa concentração atinge até 60 algumas minas bem menos e na Austrália principal concorren te da mineradora de origem brasileira normalmente alcança até 62 S11D já inicia suas atividades exportando 90 milhões de tonela das de ferro ao ano cifra que a Vale só alcançou depois de duas dé cadas de operação em Parauapebas Com estes dois complexos de mina diariamente o Pará exportará em poucos anos algo entre 550 mil e mais de 600 mil toneladas de ferro bruto a cada dia do ano 9 Dados disponibilizados no site da Vale a partir de thesteelindexcom e outras fontes Veja httpwwwvalecombrasilPTbusinessminingironorepellets PaginasIronOreIndicesaspx 219 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 recebendo R 00 de ICMS por essa venda já que essa exportação é isenta de pagar esse imposto Por isso mesmo seus portos no Pará e Maranhão têm sido ampliados assim como a ferrovia duplicada e operando com trens com mais vagões O saque se acelera e é tão feroz que tornou Parauapebas o município com maior valor nas exportações brasileiras somando US 10 bilhões em 2013 bem à frente do segundo colocado São Paulo que totalizou US 86 bilhões em divisas O PIB de Parauapebas supera o de Belém e dos estados do Amapá Tocantins Roraima e Acre10 Pelo amontoado de dados apresentados até aqui podese achar que há uma dependência da Amazônia em relação às grandes mi neradoras principalmente à Vale Dependendo do ponto de vista podemos encontrar argumentos para esse raciocínio Mas o que seria da Vale sem o minério amazônico A Amazônia sobrevive sem a Vale mas em quais condições se mantém a Vale sem os minérios da região As mineradoras dependem da região porque se alimentam do saque de suas riquezas Lamentavelmente a po pulação amazônida e brasileira ainda não se deu conta disso Isso não deve ser tomado como uma reflexão qualquer de menor im portância Se os setores populares organizados tomarem para si essa compreen são e de alguma forma transformarem em política de governo as grandes mineradoras terão que estabelecer outro patamar de negociação com a região e de responsabilidade para com ela diminuindo a arrogância e a depredação presente até o momento Assim os termos da dependência se inverterão 10 Além dos interesses eleitorais imediatos da oligarquia local e de outros setores como os latifundiários a proposta de divisão territorial do Pará plebiscito de 2011 criando outros dois estados Carajás e Tapajós interessava diretamente às grandes mineradoras assim como às multinacionais dos grãos que teriam controle mais imediato e amplo das riquezas naturais negociando com uma burguesia regional ainda mais frágil e vendida O sentimento de abandono que é real que a população dessas regiões nutre em relação ao governo estadual é usado por estes setores para responder aos seus interesses estratégicos 220 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Desenvolvimento para quem Em 2017 foi organizado um seminário na comunidade de Jam buaçu no município paraense de Moju Ele reuniu estudantes e moradores das comunidades vizinhas e lá se desenvolveu uma di nâmica em que as pessoas apresentavam seus sonhos Uma estu dante préadolescente falou que o seu era ter energia elétrica em sua comunidade para que ela pudesse tomar água gelada Um dos mo tivos de ela gostar da escola é que nela havia esta água Não parece muito o que a jovem estava pedindo não é Pois bem o linhão de transmissão da hidrelétrica de Tucuruí passa exatamente sobre as comunidades presentes naquele seminário Também em 2017 o governo do Pará e a distribuidora de ener gia elétrica Celpa veicularam propagandas afirmando que a ener gia da UHE de Tucuruí estava chegando ao Marajó em verdade a apenas uma parte do arquipélago Para tal usaram um cabo ligando a ilha ao sistema interligado nacional11 Na propaganda da empresa se dizia Definitivamente o Marajó ligado ao futuro Acontece que a hidrelétrica foi inaugurada em 1984 e desde então sua energia chega ao Japão por meio de alumínio primário expor tado pelo Pará já que ela é o principal custo da cadeia produtiva de modo que o que se exporta é principalmente energia elétrica fornecida pela usina Assim por mais de três décadas a energia em questão conseguiu percorrer constantemente pelo menos dois ocea nos em dezenas de milhares de quilômetros mas não foi ca paz de percorrer os quilômetros que levam à ilha próxima à Belém Como se vê o futuro é relativo e mais distante para alguns Aproximadamente trinta anos após a entrada em operação da hidrelétrica parte importante da população da zona rural do 11 Sistema de linhões de transmissão de energia elétrica de alta tensão que inter ligam o território brasileiro É o que possibilita que uma hidrelétrica da região Norte possa enviar energia para o Sudeste e em tese viceversa 221 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 próprio município de Tucuruí ainda vivia no escuro Quando o programa federal Luz Para Todos fez chegar energia à parte dessa população surgiu a reclamação de que ela era de baixa capacida de não permitindo usar refrigeradores e outras máquinas para beneficiar e guardar a produção rural dos pequenos produtores Quando a usina foi construída com muito dinheiro público a justificativa era de levar desenvolvimento para a população amazô nica A promessa ainda ecoa e carece de realização No final da década de 2000 a região Norte ainda contava com 42 da população na condição de pobreza e mais de 10 milhões vivendo com até meio salário mínimo No Pará estimavase que metade da população vivesse com uma renda mensal de até R 10000 Em 2012 mais de 400 mil pessoas estariam vivendo abai xo da linha de pobreza em Belém Já havia se passado três décadas da inauguração dos primeiros grandes empreendimentos energéti cominerais na Amazônia e a perspectiva de progresso para todos ainda era essencialmente somente promessa Em meados da segunda metade dos anos 2010 a Amazônia brasileira contava com quase 28 milhões de habitantes tendo ¾ de sua população vivendo nas precárias áreas urbanas confirman do o que Becker 2009 chamou de floresta urbanizada ao qual acrescentamos floresta pobre e contraditoriamente urbanizada A pobreza se generaliza e se reproduz Pelos números divul gados em 2013 com dados de 2010 o estado paraense estava na nada confortável antepenúltima colocação do ranking nacional 25º lugar em desenvolvimento humano empatado com o Piauí e somente a frente de Alagoas e Maranhão penúltimo colocado e também da região amazônica Os 10 municípios brasileiros com pior IDH Índice de Desenvolvimento Humano encontravamse todos na Amazônia Legal sendo quatro no Pará inclusive o pior de todos Melgaço localizado na ilha de Marajó onde se estimava que até metade da população municipal fosse analfabeta Entre os 222 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 20 municípios com os piores IDHs do Brasil 15 eram da região amazônica Dados de 2000 a 2010 sistematizados pelo Instituto de Pes quisa Econômica Aplicada Ipea por sua vez dão conta que o município de Fernando Falcão no Maranhão era o município com maior vulnerabilidade social do país que significaria que seria o pior lugar para se viver Já Manaus era a região metropolitana com os piores indicadores sociais e econômicos brasileiros Das 30 ci dades brasileiras com maior vulnerabilidade social 16 estavam no Nordeste e 14 na Amazônia Extremamente rica em recursos naturais e produtora de mon tantes expressivos de riqueza a região se vê diante da reprodução da pobreza e outras contradições Já passou a hora de mudar esse quadro mas isso exige outro sentido às políticas socioeconômicas historicamente impostas à região Exige outro projeto político até o momento não assumido na radicalidade necessária por nenhum dos governos brasileiros nem mesmo estaduais Sendo assim não se pode esperar uma resolução de cima somente Os que estão em baixo devem se mover Quando estiver sendo apresentado mais um megaempreendimento econômico em nome do desenvolvimento devese levantar a pergunta desenvolvimento para quem Mais do que fazêla devemos transformála em ação Hidrelétricas para o desenvolvimento Para estimular ainda mais a produção mineral e outros setores em outras regiões do país o governo federal planejou a construção de dezenas de hidrelétricas nos rios amazônicos algumas já imple mentadas como é o caso das localizadas no rio Madeira Jirau e Santo Antonio Rondônia e a hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu no Pará cujas estimativas de custo da construção chega ram a R 30 bilhões Diversos outros rios como o Tapajós estão mapeados e com projetos de dezenas de novas hidrelétricas Como 223 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 os rios da região são em sua maior expressividade cursos dágua localizados em planície o barramento destes provoca imensos la gos que inundam centenas de quilômetros de floresta destruindo significativa riqueza natural e expulsando diversas populações tra dicionais da área afetada As hidrelétricas do rio Madeira UHE Jirau 3450 MW e a Usina Hidrelétrica Santo Antônio 3150 MW em Rondônia estiveram entre as obras prioritárias do PAC nos governos Lula da Silva 20032010 e Dilma Rousseff 20112016 Entre outras empresas Furnas Cemig e as construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht entraram na empreitada Licenciadas durante a gestão de Marina da Silva no Ministério do Meio Ambiente que afirmara ter sido isso uma vitória da sociedade os impactos ambientais já se apresentam significativamente A hidrelétrica de Santo An tônio fica próxima de Porto Velho Na primeira estação chuvosa após o fechamento da barragem estação 20112012 aproxima damente 300 casas ao longo do rio foram derrubadas ou compro metidas pela subida das águas e queda das margens Até mesmo inundações em território boliviano podem estar relacionadas com a construção da segunda hidrelétrica Jirau Em 2014 o Madeira atingiu sua cheia recorde mais de 19 metros acima de seu leito nor mal Isso inundou a capital e outras áreas do estado provocando enormes prejuízos econômicos não cobertos pelas hidrelétricas e humanos com a disseminação de doenças inclusive letais como a leptospirose Quando as principais hidrelétricas planejadas para o Pará es tiverem em operação o estado sozinho produzirá mais da metade de toda a energia consumida pelo Brasil nos primeiros anos da década de 2010 Chama a atenção o uso do dinheiro público para responder a interesses diversos No complexo hidrelétrico do Ta pajós que inclui alguns de seus afluentes no Pará e Mato Grosso as hidrelétricas estão sendo projetadas de tal modo que fiquem em 224 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 áreas de difícil navegação encachoeirados corredeiras Junto às hidrelétricas projetase a construção de eclusas12 para que o rio se transforme em uma hidrovia para diminuir os custos de transpor te do agronegócio do CentroOeste e Norte Destaquese que o ICMS da energia elétrica é recolhido no consumo Assim a pro dução de energia nos estados amazônicos gera imposto em outras regiões mas produz impacto socioambiental profundo na região O Amapá sofreu com a falta de energia elétrica desde que foi criado em 1943 tendo passado por fortes crises de abastecimento o que incluiu noites de final do ano em escuro durante os anos 1990 Usinas termelétricas que usam óleo diesel abasteciam o es tado já que a hidrelétrica Coaracy Nunes Paredão no rio Ara guari tinha pequena capacidade de geração energética Acontece que no rio se construiu dois novos empreendimentos Um foi a hidrelétrica Ferreira Gomes com 252 MW de potência instalada o que abasteceria uma população de 700 mil pessoas segundo a empresa Ferreira Gomes Energia segundo a estimativa do IBGE para 2015 o estado contava ao todo com 766679 habitantes O segundo foi a hidrelétrica Cachoeira do Caldeirão 219 MW de potência instalada e ainda há estudos sugerindo a construção de novas unidades no mesmo rio Além disso a Eletronorte se propôs a expandir os 78 MW da hidrelétrica do Paredão para 298 MW de potência O linhão de distribuição de energia da UHE de Tucuruí só chegou ao Amapá entre o final de 2013 e início de 2014 três de cênios depois de inaugurada a usina no Pará Isso coincidiu com o fato de que as hidrelétricas do rio Araguari estavam em fase de conclusão assim como a de Santo Antônio no rio Jari com 373 12 Eclusas são obras de engenharia que funcionam como degraus ou elevadores per mitindo que as embarcações ultrapassem áreas dos rios com grande desnível onde antes era uma cachoeira por exemplo e depois se transforma em barragem 225 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 MW de potência instalada O estado passou a compor o sistema interligado nacional Por que isso O linhão foi construí do para le var energia para este estado ou para tirála de lá para repassar para outros estadosempresas Os linhões do sistema interligado nacional chegarão às fronteiras com Venezuela Bolívia e Peru Nestes dois últimos países se planeja a construção de megahidrelétricas algumas por construtoras brasi leiras Com a Bolívia estão propostas duas usinas uma binacional e outra boliviana a hidrelétrica Cachuela Esperanza no rio Madre de Dios Como se vê o projeto é mais amplo incorporando a chamada Panamazônia e não somente a Amazônia brasileira Reynaldo Gonçalves 2013 analisou os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva O modelo adotado por eles foi chamado de liberal periférico Em particular com o segundo e com aqueles que defenderam a existência de um novo desenvol vimentismo no Brasil dos anos 2000 Gonçalves traçou um para lelo comparativo ao desenvolvimentismo brasileiro Para o autor o nacionaldesenvolvimentismo seria um projeto de desenvolvimen to econômico com três elementos centrais industrialização subs titutiva de importações intervencionismo estatal e nacionalismo Ele corresponde à ideologia do desenvolvimento econômico anos 1930 a 1980 sustentada na industrialização na soberania latino americana e na redução da vulnerabilidade externa estrutural Lula da Silva teria retomado os pilares do nacionaldesenvol vimentismo Não ao contrário Segundo Gonçalves 2013 este governo coincidiu com desnacionalização e maior dependência tecnológica desindustrialização dessubstituição de importações reprimarização das exportações perda de competitividade inter nacional aumento da vulnerabilidade externa estrutural por conta do aumento do passivo externo financeiro crescente dominação financeira maior concentração de capital e subordinação da polí tica de desenvolvimento à política de controle da inflação Desta 226 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 forma não estaríamos diante de uma retomada do desenvolvimen tismo mas de um desenvolvimentismo às avessas Os grandes em preendimentos e a produção de commodities na Amazônia nos anos 2000 parecem reforçar a tese Usina de Belo Monte cronologia de um ataque No início de 2016 a imagem de uma imensa cobra sucuri cir culava pela internet Diziase que teria 10 metros de comprimento 400 quilos e fora encontrada durante a explosão de uma caverna nas obras da construção da UHE de Belo Monte em Altamira PA Havia um vídeo e algumas fotos Nelas se tinha a impressão de que o animal era ainda maior por conta do ângulo em que elas foram tiradas Logo se descobriu que a cobra era verdadeira mas de aproximadamente sete metros e encontrada alguns meses antes em outro local na BR163 em SinopMT Quando achada ela já estava morta Possivelmente foi atropelada por uma carreta à noite quando tentava atravessar a rodovia A história da construção da usina de Belo Monte tal qual a cobra foi marcada por atropelos diversos seja dos governos da ditadura seja dos governos ditos de mocráticos As promessas sobre melhoria de vida para a população local que acompanhou a obra em grande medida também já se encontram mortas Na segunda metade dos anos 1970 o governo empresarialmi litar estimulado pela decisão de construção da UHE de Tucuruí realizou inventário para aproveitamento hidrelétrico da Bacia do rio Xingu O estudo finalizado em 1980 propôs a construção de sete barragens que atingiriam doze áreas indígenas e inundariam 18 mil km² de floresta A Eletronorte recebeu a incumbência de elaborar estudo de viabilidade técnicoeconômica de duas hidrelé tricas no rio Babaquara 66 mil MW e Kararaô 11 mil MW Isso ganhou reforço com o Plano Nacional de Energia Elétrica 19872010 227 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 As populações tradicionais do Xingu passaram a denunciar o projeto e em 1989 realizaram em AltamiraPA o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu sob a liderança dos indígenas Kayapó e de seu cacique Paulinho Paiakan O evento recebeu apoio e pre sença de diversas outras etnias indígenas do Brasil e organizações sociais e ambientais brasileiras e estrangeiras Tendo a presença de representantes governamentais o encontro ficou marcado pelo fato de a indígena Tuíra em protesto ter esfregado seu facão no rosto do então diretor da Eletronorte Em 1994 foi apresentado um novo projeto para a construção da UHE de Kararaô agora rebatizada de Belo Monte desta vez esti mando um lago menor 400 km² No segundo governo de Fernan do Henrique Cardoso Belo Monte passou a compor o programa Avança Brasil como obra de destaque Com os apagões e a crise energética que o país enfrentou o governo ressaltava ainda mais a importância da usina Em 2001 o Ministério Público impetrou ação civil pública suspendendo os estudos de impacto ambiental na região de Belo Monte entre outros motivos pelo fato de que a executora dos es tudos a Fundação de Amparo à Pesquisa FadespUFPA ter sido contratada sem licitação e apresentar questionável metodologia técnicocientífica Os movimentos sociais da região do Xingu passaram a se organi zar e a estabelecer relações entre si Eram indígenas pescadores pe quenos agricultores estudantes ambientalistas movimento popular urbano entre outros Questionavam e opunhamse à construção da hidrelétrica Em 2002 ocorreu o 1º Encontro dos povos indígenas da região da Volta Grande do rio Xingu área onde a usina seria construída O encontro aprovou resolução contrária à obra Tam bém naquele ano o governo conduziu audiência pública para debater o empreendimento mas na prática só puderam participar pessoas favoráveis ao empreen dimento Foi o caso da audiência de Belém 228 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2005 sob orientação do governo Lula da Silva o Con gresso Nacional aprovou projeto que autorizou a construção de Belo Monte Nenhum movimento social ou representação da po pulação local foi ouvido Intensa movimentação social e batalha jurídica se abriram desde então Instituto Socioambiental ISA Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira Greenpeace e Centro dos Direitos das Populações da Região do Carajás entram com representação junto à Procuradoria Geral da República PGR contra a decisão do Congresso Ela foi endossa da pela PGR que a submeteu ao Supremo Tribunal Federal STF como Ação Direta de Inconstitucionalidade Mas o STF rejeitou a ação No ano seguinte uma liminar suspendeu o licenciamen to ambiental da obra mas foi derrubada em 2007 Outras ações jurídicas se repetiram inclusive questionando a participação das empreiteiras na realização dos estudos de impacto ambiental O governo conseguiu paulatinamente derrubar uma a uma e incluiu a hidrelétrica no Programa de Aceleração do Crescimento PAC Em 2008 o Movimento Xingu Vivo Para Sempre realizou en contro com a presença das comunidades da região do rio Xingu movimentos sociais outras entidades e especialistas discutindo os impactos das barragens no rio No encontro houve conflito e o coor denador do estudo de inventário da hidrelétrica Paulo Fer nando Rezende sofreu um corte no braço O governo anunciou para o ano seguinte o leilão para a construção da obra e realizou quatro audiências públicas em seis dias três em cidades do Xingu e uma em Belém Contudo o estudo de impacto ambiental comple to só foi divulgado dois dias antes da primeira audiência e ainda sofrendo muitas críticas em decorrência de suas inconsistências Em 2009 um painel com 40 especialistas divulgou estudo rea lizado sobre os impactos da construção da barragem Lideranças indígenas Kayapó como o cacique Raoni solicitaram ao presiden te Lula da Silva que fossem ouvidos mas a resposta veio por meio 229 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 da Funai órgão governamental indigenista que autorizou a rea lização da obra Em 2010 o governo conseguiu a licença prévia e em 2011 a licença definitiva para construção da hidrelétrica Neste último ano 20 associações científicas entre elas a SBPC assinaram carta destinada à presidenta Dilma Rousseff solicitando a suspensão do processo de licenciamento da hidrelétrica O mesmo movimento foi seguido por 360 cientistas e intelectuais em nova carta à pre sidenta Depois de forte batalha judicial no dia 20 de abril de 2010 foi realizado um leilão de 10 minutos para a construção e montagem da usina que seria a terceira maior do planeta saindo vitorioso o Consórcio Norte Energia Esta empresa contratou um consórcio de construtoras para realizar a obra o Consórcio Construtor Belo Monte que contou com companhias que haviam realizado o es tudo de impacto ambiental Andrade Gutierrez Camargo Corrêa e Odebrecht por exemplo13 Assim essas barragistas constroem a obra mas ficam sem responsabilidades pelos impactos causados e sem ter que cumprir as condicionantes socioambientais Afora isso as grandes construtoras se retiraram da disputa do leilão três dias antes dele acontecer deixando apenas algumas companhias de porte médio que apresentaram uma única proposta no leilão O objetivo foi pressionar o governo a aumentar os lucros das empre sas construtoras Meses depois as grandes barragistas foram incor poradas ao consórcio de construção e montagem A barragem começou a ser construída em junho de 2011 As obras e serviços de compensação apenas parcialmente foram cum pridas de modo que quem perdeu foi a população local Direta ou 13 Em 2016 o exlíder do governo Dilma Rousseff no Senado Federal Delcídio Amaral denunciou que as empreiteiras teriam pago pelo menos entre R 15 mi lhões e R 20 milhões para financiar campanhas eleitorais do PT e PMBD 230 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 indiretamente o governo federal tem participação importante na empresa seja pela composição acionária seja pelo financiamen to através do BNDES A composição acionária em 2015 contava com o grupo Eletrobrás Eletrobrás 15 Chesf 15 e Eletro norte 1998 fundos de pensão Petros 10 e Funcef 10 Belo Monte Participações SA Neoenergia 100 Amazônia CemigLight 977 Aliança Norte Energia SA ValeCemig 90 Sinobras 1 J Malucelli Energia 025 O BNDES deve ter financiado pelo menos 80 dos custos que se estimava superar R 30 bilhões mesmo com a isenção de impostos e outros favores estatais Formando um lago de mais de 500 km² a UHE Belo Monte foi oficialmente projetada para gerar 112331 MW de energia no pico das cheias do rio mas no restante do ano produz bem menos tendo como geração média de energia firme 4571 MW Em dezembro de 2010 Oswaldo Sevá professor da Unicamp e estudioso sobre a implantação de hidrelétricas na Amazônia con cedeu entrevista ao Movimento Xingu Vivo Para Sempre e afir mou que o projeto de engenharia de Belo Monte é desmesurado pretensioso barrar um rio do tamanho do Xingu e desviar um enorme fluxo de água por cima de terras firmes e devolver essa água num ponto 150 km abaixo da primeira barragem A intenção é destrutiva imperial do tipo faço o que quero não importa quem se ferre Equívoco também do ponto de vista econômico gastar mais de 30 bilhões de reais para instalar vinte máquinas enormes turbogeradores que so mente funcionarão todas juntas durante uns dois a três meses Sevá apud xinguvivoorgbr14 Antes e depois do leilão e do início das obras diversos atos de rua contra a barragem ocorreram em Altamira Belém São Paulo 14 Ver httpwwwxinguvivoorgbr20101208internautasentrevistamoswal dosevadaunicamp 231 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 e outras cidades brasileiras e até mesmo em outros países mas não foram suficientes para impedila Mesmo assim a obra foi paralisa da em diversos momentos por conta de medidas judiciais ou ações diretas dos movimentos sociais Indígenas principalmente mas também pescadores e outras populações tradicionais por diversas vezes ocuparam os canteiros de obra de Belo Monte eou bloquearam a rodovia Transamazô nica ou mesmo os ramais de acesso à construção Isso foi acom panhado pelas greves de milhares de operários da construção civil que passaram a paralisar as atividades reivindicando mais seguran ça já que se repetiam os casos de acidentes com mortes melhores salários alimentação e água e redução do tempo para ter direito à baixada folga para visitar a família de seis para três meses Agressões aos direitos humanos ameaças de morte apropriação indevida de terras e processos de cooptação dos indígenas15 mar 15 No processo de construção de Belo Monte foi definido que a Norte Energia im plementaria um Plano Emergencial que elaboraria programas para cada etnia de modo que se reafirmasse enquanto tal fortalecesse e conseguisse condições dignas de vida Funai Ibama e ICMBio seriam fortalecidos mas o que ocorreu foi seu enfraquecimento Intencionalmente a empresa transformou o plano num balcão assistencialista distribuindo grande quantidade de refrigerantes televi são e outros produtos além de meios de transporte para as lideranças indígenas aprofundando ainda mais a desestruturação econômica e cultural dos povos ori ginários da região do rio Xingu Em certas aldeias ao final do dia passouse a não mais se reunir em rodas de conversa mas em torno de aparelhos de TV para assistir à novela e tomar refrigerante Isso teve como objetivo dividir o movimen to social contrário à construção da hidrelétrica retirando os indígenas mas foi além pois deu continuidade ao genocídio ou etnocídio que se comete contra esses povos há mais de cinco séculos Segundo a procuradora da República Thaís Santi o Plano Emergencial foi uma maneira de silenciar essa voz A cada mo mento que os indígenas vinham se manifestar contra Belo Monte com ocupação de canteiro de obras essa organização era de maneira muito rápida descons truída pela prática de oferecer para as lideranças uma série de benefícios e bens de consumo Porque os indígenas têm uma visibilidade que a sociedade civil não consegue ter entrevista concedida a Eliane Brum disponível em httpbrasil elpaiscombrasil20141201opinion1417437633930086html 232 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 caram a realização da obra pela Norte Energia que contou com o apoio inestimável dos governos federal e estadual recorrendo à PM força nacional e outros aparatos de repressão para combater indígenas agricultores extrativistas ribeirinhos movimentos so ciais e trabalhadores da construção civil A força nacional montou um destacamento permanente nos canteiros de obra de Belo Mon te Não bastasse isso a Advocacia Geral da União empreendeu di versos ataques ao Ministério Público Federal no Pará em particu lar contra o procurador Felício Pontes Jr buscando impedilo de realizar ações contrárias à construção da barragem ou em defesa dos direitos das populações indígenas Em 2011 a Anistia Internacional denunciou a violação aos di reitos indígenas no processo de construção de Belo Monte Tam bém neste ano o Brasil foi denunciado junto à Comissão Interame ricana de Direitos Humanos CIDH da Organização dos Estados Americanos OEA por descumprir entre outros a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT negando aos indígenas o direito de serem previamente ouvidos A ação pedia a suspensão do projeto Belo Monte e foi aceita pela OEA que soli citou a paralisação do licenciamento e construção da barragem até que as populações indígenas fossem ouvidas Isso gerou um mal estar entre essa organização e o governo brasileiro Mas nem isso conseguiu impedir a realização da empreitada Para além dos conflitos já relatados a obra provocou enorme imigração para Altamira que segundo a prefeitura local levou a que a população municipal crescesse 50 em dois anos Isso gerou um forte impacto sobre os serviços públicos que passaram a ser demandados numa proporção muito superior à capacidade de res posta do orçamento do município Preços de alimentos e moradia cresceram exageradamente e a violência explodiu assim como a prostituição Estudo sistematizado pelo Ipea e Fórum Brasileiro de 233 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Segurança Pública com dados do período de 2005 a 2015 concluiu que Altamira se tornou o município do Brasil com a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes A concessionária Norte Energia conseguiu licença para colo car a usina em operação a partir de 2016 sem ter cumprido todas as condicionantes socioambientais que deveriam ser obrigatórias Nem mesmo as famílias que passaram a ver suas moradias alaga das com o enchimento do lago da barragem tiveram a garantia de uma nova casa Obrigadas a se retirar da área elas receberam uma indenização monetária não necessariamente suficiente para adquirir nova residência dada a enorme especulação imobiliária provocada pela obra A isso se resumia o programa de reassenta mento que sozinho contava com uma empresa e mais 26 advoga dos contratados pela Norte Energia para convencer as pessoas de que elas tinham direito a apenas o valor oferecido como dádiva pela concessionária Por que tudo isso Quais interesses estão por trás da barragem Para além do que já expusemos Oswaldo Sevá na entrevista cita da apresentou algumas informações a mais Os grupos são em parte conhecidos a turma de políticos e buro cratas formada pelo expresidente Sarney o senador Lobão os que dirigem a Eletronorte há décadas incluindo o irmão do exministro Palocci o atual presidente da Eletrobras José Antonio Muniz Lopes um dos seus diretores o Valter Cardeal homem de confiança da presidente eleita desde os seus tempos de secretária no Rio Grande do Sul e uma plêiade de governadores exgovernadores senadores deputados paraenses maranhenses do Tocantins e de outros Esta dos que representam as grandes empreiteiras e as grandes negociatas do setor elétrico Esses são os operadores mas as decisões mesmo vão sendo tomadas em Tóquio Frankfurt New York Los Angeles Madrid Bruxelas onde ficam as sedes e os cabeças dos grandes con glomerados multinacionais que comandam a atual fase imperialista Dona Dilma é bem considerada nesse meio e fez o que pôde para ajudálos por exemplo atendendo de modo particularmente cari 234 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 nhoso o grupo francobelga SuezTractebel que comprou a Eletro sul é sócio importante no Madeira e no Estreito e se tornou a maior geradora privada de eletricidade no país Tem mais mas por aí já fica de bom tamanho Sevá apud xinguvivoorgbr E para cumprir esse objetivo o governo foi capaz de tornar ainda mais complicado o papel já cumprido pelas estatais do setor elétrico A Eletronorte virou um sabujo um fazedor de serviço sujo para as grandes empresas do setor o governo decretou que ela será dona de quase 20 do capital do Belo Monte mas ninguém sabe de onde vai vir esse recurso pois a Eletronorte é uma empresa endividada exau rida por causa dos contratos lesivos que foram empurrados desde a ditadura militar para favorecer a CVRD e seus tentáculos na região de Marabá os sócios da Alumar em São Luís os sócios da Albras em Barcarena a Camargo Corrêa com a sua fundição de ferrosilício em Tucuruí e mais uns dois ou três grandes consumidores de eletricida de Sevá apud xinguvivoorgbr A UHE Belo Monte é a expressão mais clara de que a forma como os governos militares trataram autoritariamente e na lógica do saque a Amazônia não se encerrou com a derrubada da ditadu ra empresarialmilitar iniciada em 1964 mas continua se reprodu zindo nos governos ditos democráticos Recursos naturais em ritmo acelerado de apropriação Em 2012 o portal de notícias acreano ac24horascom publicou informação sobre duas onças pintadas que atacaram e quase mata ram um seringueiro do vale do rio Purus em Manuel Urbano no Acre O homem estava caçando mas se tornou a caça ficando com ferimentos nos braços pernas boca e cabeça Já estava imobilizado pelos animais quando outro caçador apareceu disparou tiros de es pingarda assustando as onças e salvando o seringueiro Em 2011 uma onça suçuarana já havia atacado uma funcionária terceirizada que trabalhava para a Vale em CarajásPA Ela sobreviveu Outros 235 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 casos terminaram com a morte dos atacados e reforçaram a ideia sobre a voracidade desse felino Mas quem é mais voraz o bicho ou os empreendimentos conduzidos pela busca do lucro A biopirataria não apenas permanece na impunidade como cresce na Amazônia plantas animais e recursos hídricos saquea dos em grande escala Há denúncias de contrabando de água Grandes navios cargueiros internacionais que transportam mer cadorias para a região estariam voltando a seus países carregados com água captada na Bacia Amazônica16 Isso pode ser verdade ou mentira mas é fato que os recursos hídricos já vão para o exterior indiretamente e incentivados pelo governo A extraçãoexportação de ferro e outros minérios recorre a gran des volumes de água seja para sua lavagem seja para transporte do produto em minerodutos Estimase que a produção de um quilo de carne bovina exija 15400 litros de água e que um quilo de soja necessite de 1800 litros do líquido17 A transformação da bauxita em alumínio primário precisa de um grande volume de energia elé trica e na região isso se produz por meio das hidrelétricas águas que barram os rios gerando imensos lagos e alterando o ecossiste ma Vendese mais do que minério em si antes de tudo recursos naturais de diversas formas inclusive como energia elétrica ainda que materializadas em ferro ou alumínio Água é um recurso abundante na Amazônia mas carente em muitas outras partes do planeta Economicamente ainda não com pensa exportála à longa distância para fins de produção como é o caso da irrigação Seu custo seria muito alto Mesmo assim expor 16 Segundo estimativas do Water Management Institute 18 bilhões de pessoas viverão em 2025 em absoluta falta de água no mundo Para a ONU este recurso será a principal causa de conflitos mundiais nas próximas décadas 17 Algumas outras estimativas para esses mesmos produtos apresentam dados ainda maiores 236 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tase água amazônica na forma de outros produtos as commodities que contêm o que se chama de água virtual Acreditase que aproximadamente 97 da água do planeta seja salgada Do que resta de 25 a 35 são água doce Destes 696 estão nas geleiras e neves 3015 em águas subterrâneas Somente 03 estão em rios lagos e pântanos Fritsch 1998 que somadas aos reservatórios subterrâneos correspondem a tão so mente 001 das águas da Terra disponíveis aos seres humanos Por conter até 20 das águas doces de mais fácil acesso do planeta a Amazônia assume papel de destaque na geopolítica das águas Em contrapartida dados do IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2006 indicaram que apenas 561 das residências da região Norte recebiam água encanada e 49 conta vam com rede de esgotamento sanitário Isso evidencia o paradoxo da escassez em plena abundância O crescimento da demanda por commodities agrícolas e mine rais no mundo em particular aquelas produzidas na Amazônia ferro alumínio carne bovina soja aumenta a pressão não ape nas sobre a floresta em si mas também sobre os rios e reservató rios de água Esses processos associados a outros mais contribuem para a redução da cobertura vegetal nas margens dos grandes rios da região assoreandoos e reduzindo o volume de água A água é um bem público pertencente à sociedade e assim deve ser tratado pelo Estado Afora isso na Amazônia com predomínio de população ribeirinha a água assume uma forte dimensão cultu ral para sua população aumentando ainda mais sua importância Nestes termos devese usar esse recurso para o desenvolvimen to regional Mais que isso impõese o desafio de gerir a abun dância ao invés da escassez antecipandose à crise e evitandoa Becker 2008 p 78 Uma questão adicional chama atenção Na lógica da produção e concorrência entre as grandes multinacionais o que interessa é 237 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ganhar cada vez mais No caso dos recursos naturais isso significa que eles passam a ser explorados numa velocidade acentuadamente maior O problema é que esse fato acelera o esgotamento dessas reservas As reservas de ferro de Carajás que chegaram a ser esti madas em mais de quatro séculos de exploração estão se exaurindo rapidamente A Vale encomendou um estudo que concluiu que essas reservas devem se esgotar em torno de 2035 As informações estão no Relatório Anual de 2013 da companhia e se sustentam no estudo da consultoria Amplo Nele se projetam dois cenários No primeiro a mina aberta em 1984 N4E se esgota em 2028 a N4W iniciada em 1994 em 2032 e a N5 explorada desde 1998 se encerra em 2035 No segundo cenário a partir da intensifica ção da extração as minas em questão se esgotariam até 202718 No relatório de desempenho de 2016 que a empresa apresentou à Co missão de Valores Imobiliários dos EUA valecom a companhia apresentou suas projeções mais longas para exaustão do complexo de Carajás São estimativas otimistas de prolongamento da explo ração Ainda assim as minas da Serra Norte iniciadas em 1984 terão vida útil operacional até 2041 As da Serra Leste S11D inau gurada em 2016 até 2049 Em operação desde 2014 as da Serra Leste se estendem até 2059 Isso quer dizer que as reservas que se acreditava que durariam até o final do século XXIV chegarão ao máximo a meados do século atual Os períodos de crise também podem colaborar para o esgo tamento prematuro dos recursos minerais Nos anos 2010 houve redução do preço do ferro no mercado internacional Para manter seu faturamento a vale aumentou a quantidade exportada ain da que com preço menor Exportouse mais ganhando menos por cada tonelada Parte destes minérios passou a compor as reservas 18 Para outras informações a este respeito e suas conexões com indicadores sociais e de trabalho veja Souza 2014 238 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 em mãos dos países importadores como é o caso da China Quan do ocorre redução da demanda internacional isso tende a forçar ainda mais os preços para baixo Mas o saque normalmente cresce ver gráfico 1 Anexos A voracidade da extração dos recursos naturais pode produzir tragédias e processos sociais e ambientais difíceis de serem re vertidos A dinâmica capitalista da lógica do lucro imposta pela concorrência interburguesa conduz a um ritmo de apropriação da natureza muito maior que aquele que ela necessita para se recom por Daí os problemas ambientais Por não analisar as contradições do capital o desenvolvimento sustentável e seus apologistas ten dem à insustentabilidade Defendêlo sem associar isso a uma forte crítica ao processo capitalista de produção e à necessidade de uma sociedade oposta à exploração burguesa é ficar na superficialidade do problema e de sua solução Vejamos brevemente um caso que envolve corrida por grandes ganhos econômicos degradação ambiental e problemas sociais O encontro das águas de alguns rios com o oceano principalmente sob a influência da lua provoca uma onda alta que pode atingir alguns metros de altura e percorrer vários quilômetros em uma velocidade de até 30 kmh É a pororoca A costa do Amapá sempre registrou as maiores pororocas do Brasil com destaque para a que ocorria na foz do rio Araguari junto ao oceano Atlântico Justamente nessa área a enorme e cres cente criação de búfalo por grandes fazendas acima da capacidade de suporte daquele ecossistema fez com que o gado em sua loco moção fosse abrindo canais que passaram a drenar as águas do rio são os varadouros19 e a levar a água salobra aquela misturada 19 Alguns passam a ter fluxo permanente de água e maré e alcançam algumas deze nas de largura Eles também são motivo de conflitos Os varadouros são abertos nos caminhos que ligam as áreas internas das fazendas e os rios que pela legis lação brasileira são de livre navegação e não podem ser fechadoscercados Parte 239 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 com água do rio e do mar para os lagos alterando a composição destes e reduzindo as espécies e quantidades de peixes lá presentes A isso se somaram as três barragens construídas no rio para gera ção elétrica duas no decorrer das décadas de 2000 e 2010 O fluxo de água foi significativamente reduzido próximo à foz e o rio está em forte processo de assoreamento A pororoca desapareceu Sem peixe base da alimentação local a população ribeirinha passou a migrar das margens do rio e dos lagos para a sede do mu nicípio de Cutias e até mesmo para a capital do estado aumen tando a massa daqueles que vivem em barracos sem emprego e na miséria da qual parte é assimilada pela marginalidade O que os grandes proprietários fizeram diante da morte do rio nessa região e dos problemas sociais decorrentes Construíram cer cas onde até recentemente passava um rio com até mais de um qui lômetro de largura na foz A cerca é a expressão de que a voracida de do fazendeiro é maior que a do búfalo O lucro e a apropriação voraz da natureza no presente valem mais que a vida que o futuro A construção da hidrelétrica de Tucuruí também provocou problemas diversos Além da inundação de imensa área de flores ta a barragem gerou outros problemas O barramento do rio di minuiu o fluxo de água para depois da obra reduzindo a área que periodicamente era inundada Os sedimentos que o rio carrega em grande medida ficam retidos e depositados no enorme lago artificial diminuindo a fertilização dos solos que periodicamente ficavam inundados Castro e Campos 2015 Resultado a agricul tura ficou mais frágil e menos diversificada Agricultores familia importante dos cardumes de peixes se desloca dos rios maiores para os cursos secundários entre eles os varadouros Mas esses últimos são cercados pois ficam dentro das fazendas Os ribeirinhos são impedidos de entrar nestas propriedades para pescar o alimento Quando entram são reprimidos pelos capatazes Acon tece que a partir do momento em que os varadouroscanais passam a ter curso de água constante inclusive com a migração da população de peixes eles não podem ser fechados 240 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 res foram os que mais sofreram com este processo que inclusive estimulou a migração para as médias e grandes cidades da região O lucro derrubando a floresta Imagine um indígena ser multado em R 298551718 por pro duzir artesanato com penas de papagaios e araras Absurdo Não fato Foi o que aconteceu com Timóteo Wai Wai Essa é uma ati vidade desenvolvida desde seus ancestrais Como ele não tinha au torização legal para comercialização foi multado ao transportar as peças O Ibama estabeleceu o valor inicial da infração em R 75 mil Timóteo não teve como pagar a multa Atualizada e acrescida pela Secretaria da Receita Federal e Procuradoria Geral Federal o valor total chegou a quase R 3 milhões em setembro de 2014 podendo ter aumentado nos meses seguintes Um procurador fe deral e o juiz de OriximináPA determinaram o confisco dos re cursos em contas bancárias e a penhora dos bens do infrator Isso não pôde ser feito porque ele contava tão somente com uma casa pobre onde morava com a família e as únicas contas que dispunha eram os valores que devia no comércio local as compras fiado Contraditoriamente ou não esse não é o caso das grandes fazendas mineradoras e outras empresas que derrubam a floresta e poluem rios e solos Quando são multadas recorrem da autuação e em grande parte dos casos deixam de pagar o montante mas continuam a ter suas atividades desenvolvidas normalmente aces sando até mesmo recursos públicos Muitas atividades econômicas apresentam fortes implicações sobre a sociedade local e a floresta Analisemos a dinâmica do setor agropecuário O investimen to estatal criou condições para o estabelecimento de um crescente rebanho bovino na Amazônia Legal Até o início da década de 1990 a evolução da bovinocultura esteve associada à concessão dos incentivos fiscais através da Sudam e Basa principalmente Com a forte redução dos incentivos a grande produção agropecuária 241 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 buscou outras fontes de financiamento mas em grande medida ainda estatais Rebanho bovino da Amazônia Legal cabeças Unidade 2001 2005 2010 2014 2015 2016 Brasil 169875524 207156696 209541109 212343932 215199488 218225177 Mato Grosso 18924532 26651500 28757438 28592183 29364042 30296096 Pará 10271409 18063669 17633339 19911217 20271618 20476783 Amazônia Legal 47535707 74589450 77837977 82176677 84162139 85933156 Fonte IBGE Pesquisa Pecuária Municipal O Mato Grosso detém o maior rebanho da Amazônia Legal se guido pelo Pará Em 2000 havia 47535707 bovinos na região em 2016 totalizouse 85933156 cabeças correspondendo a 3938 do rebanho nacional Existem mais de três cabeças de boi para cada habitante na Amazônia brasileira Sua ocupação territorial foi efetivada de fato pelo boi sob os interesses dos grandes latifúndios Somente a região Norte contou com 47983190 animais no último ano É a segunda região com maior efetivo no Brasil ficando atrás somente do CentroOeste cujos números são impulsionados pelo rebanho do Mato Grosso que no intervalo exposto pela tabela se tornou o maior produtor nacional Além do investimento por meio de bancos públicos tradicio nais o setor é apoiado também pelo BNDES É o caso do estí mulo ao crescimento dos grandes frigoríficos brasileiros como o JBS Friboi objetivando tornar o Brasil o maior exportador de car ne bovina do mundo Em 2008 do total de crédito industrial do banco metade foi destinada às indústrias frigoríficas as quais já se encontram localizadas e em expansão no Pará e no Mato Grosso A política governamental de estímulo à produção bovina foi acompanhada não apenas da expansão do rebanho mas também da área aberta para pastagens e da própria degradação ambiental 242 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A pecuária bovina foi introduzida na Amazônia no século XVII aproveitando os campos naturais das regiões de várzea aquelas que parte do ano ficam alagadas Nos anos 1950 o rebanho bovino pa raense estava concentrado nas áreas de várzea ou sob sua influên cia Era o caso do Marajó e do Baixo Amazonas que concentra vam 6957 e 2291 respectivamente O sudeste paraense cujo predomínio era de floresta alta eou terra firme dispunha de ape nas 338 das cabeças de boi do Pará Em 2010 essa última região saltou para 6636 do rebanho estadual enquanto que a região do Marajó reduziu a 174 Isso ocorreu diretamente por conta das políticas governamentais que incentivaram a ocupação do sudeste paraense por latifúndios e pela pecuária ver gráfico 2 Anexos Os recursos da Sudam foram utilizados em larga medida para expandir a produção de bovinos no Mato Grosso principalmente em sua porção norte Junto ao Pará o estado concentrava o maior número de projetos aprovados pela Superintendência O rebanho até então concentrado nos campos periodicamente alagados do Pantanal passou a se concentrar e a expandir acentuadamente na Amazônia matogrossense Em meados dos anos 2010 estimouse que 35 das terras do estado estivessem ocupadas pela pecuária Uma das consequências desse processo foi a degradação am biental e os problemas sociais desmatamento conflitos agrários trabalho análogo à escravidão etc Em 1975 a Amazônia Legal dis punha de 203 milhões de hectares de terras ocupadas pela pecuá ria Em 2006 já ocupava 616 milhões de hectares um crescimen to de 41268510 ha Isso significou que das terras incorporadas à agropecuária 8228 foram pastagens em geral plantadas ou seja não mais nativas Diversos municípios do Pará praticamente não contam mais com grandes áreas de floresta nativa Em síntese o aumento do rebanho bovino está diretamente associado à degradação da Amazônia o que inclui a chamada flo resta de transição a porção que fica entre o Cerrado e a floresta 243 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 alta pecuaristas registram essa área como Cerrado para poder desmatar mais e não pagar multas já que as propriedades na Flo resta Amazônica têm que deixar 80 de sua extensão como reser va legal floresta nativa preservada Essa situação se intensifica primeiro pelo fato de que o produ tor tradicional prefere abrir uma nova área de pastagem derruban do a floresta e ganhando com isso do que gastar para recuperar os pastos degradados por esta mesma atividade20 Segundo permane ce o desmatamento intenso e ilegal na região em muitos casos com a conivência e ou corrupção de instituições públicas21 Daniel Dantas o banqueiro megaespeculador envolvido em diversas denúncias de negócios fraudulentos inclusive de financia mento de campanhas eleitorais petistas e tucanas comprou deze nas de fazendas na Amazônia Segundo suspeitas alguns negócios em torno da pecuária servem para lavagem de dinheiro Com o dinheiro ilícito compramse terras e gado e se inventa um gran 20 O desmatamento pode crescer nos momentos em que há aumento da demanda e do preço pela carne bovina no Brasil ou no exterior mas também em situações de crise econômica e juros altos no país Nesse caso o produtor busca investi mentos de menor volume e retorno mais imediato minimizando os efeitos da crise e o custo dos juros O arrendamento de terras para a pecuária ou mesmo a extração de madeira tende a ser uma opção mais recorrente 21 Diniz 2017 além dos estímulos públicos sintetiza as razões da expansão da pecuária na Amazônia levantada por vários autores facilidade de adaptação das raças adotadas em relação às condições climáticas e do sistema forrageiro o tipo pastagem plantada MarrieGabrielle Piketty e outros baixo custo da terra e da formação das pastagens Sérgio Margulis fato válido também para os pequenos produtores Robert Walker aumento da demanda interna da região Merle Fa minow Nas primeiras décadas de expansão as características da pecuária local eram baixa taxa de lotação baixos investimentos na formação de pastagens o que implicava maior aproveitamento das pastagens naturais os baixos níveis de investimento na melhoria genética do rebanho inclusive de suas condições fitossanitárias a baixa elevação da produtividade do rebanho Nos anos 2000 o rebanho cresceu muito mas a característica principal da atividade continuou sendo seu caráter extensivo com baixos indicadores de rendimento e produtivi dade Diniz 2017 p 117118 244 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 de número de nascimento de animais A venda do rebanho limpa contabilmente o dinheiro sujo Além disso no Pará essas terras estão localizadas na região de maior incidência de descobertas mi nerais Desde a chegada dos portugueses até os anos 1970 estimase que o desmatamento na Amazônia brasileira estava em torno de 1 Atualmente segundo o Greenpeace esse percentual já atingiu 1822 Uma área maior que o estado de Minas Gerais já foi der rubada na Amazônia Para alguns cientistas nesse ritmo a floresta pode desaparecer em poucas décadas dando origem a savanas O relatório do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real Deter constatou que entre novembro de 2008 e janeiro de 2009 a Amazônia perdeu 754 km² por meio do desmatamento área equivalente a metade do município de São Paulo Alguns da dos apontam uma redução no ritmo da derrubada da floresta o que é uma boa notícia mas insuficiente porque o desmatamento ainda se mantém e é muito elevado Ademais mudouse a forma da extração madeireira Anterior mente derrubavase uma área inteira e contínua de floresta era o corte raso Nas últimas décadas consolidouse a extração seletiva onde os equipamentos disponíveis permitem a derrubada apenas das espécies comercialmente vantajosas Esse desmatamento não é fácil de ser captado pelas imagens de satélite e por isso o seu combate é mais difícil23 22 Os dados sobre desmatamento não são consensuais Eles dependem da meto dologia utilizada Desta forma é possível encontrar dados diferentes para um mesmo período Mas num caso ou no outro eles são enormes 23 Falamos de corte seletivo mas com a derrubada uma grande árvore ao cair leva consigo dezenas de outras espécies menores afora aquelas que também são tombadas durante o arrasto da primeira dentro da mata Além disso as madei reiras ainda fazem estradas clandestinas para extrair as madeiras derrubando a floresta Como elas são mais estreitas e em meio à vegetação alta são difíceis de se detectar 245 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Em 2014 a Articulación Regional Amazônica divulgou um relatório sobre a floresta Nele se constatou que o desmatamen to acumulado na PanAmazônia alcançou 763 mil km² quase o tamanho da França e Reino Unido juntos Somando a isso as áreas de derrubada parcial ou corte seletivo o montante totaliza 12 milhão de km² Incluindo as áreas urbanas o total supera 2 milhões de km² se aproximando de 40 de toda a Amazônia24 As atividades que mais desmatam são aquelas relacionadas à pecuária soja e madeireiras Em São Félix do Xingu sul do Pará havia 30 mil cabeças de gado em 1997 Em 2007 este rebanho sal tou para 17 milhões de bois e em 2014 atingiu 2213310 animais Isso colocou o município na liderança dos municípios desmatado res brasileiros produzindo outros problemas grilagem conflitos agrários etc Em meados da década de 2010 estimavase que 10 de todo o desmatamento da Amazônia se concentrava no entorno da BR 163 CuiabáSantarém com parte importante avançando sobre terras públicas Essa é justamente uma área dominada pelos produ tos do agronegócio principalmente soja e gado O desmatamento normalmente tende a crescer nos períodos em que aumentam a demanda e os preços desses produtos Foi o que ocorreu por exem plo em 2012 e 2013 O aumento das exportações de soja estimulado pelo governo brasileiro tem produzido uma corrida por novas terras de modo que o agronegócio tem avançado do Mato Grosso para o Pará par 24 Esses percentuais se alteram dependendo do método de mensuração podendo ser menores Afora isso há quem relacione desmatamento à pobreza de alguma forma transformando a vítima em culpada Recorrendo a modelos econométri cos Diniz 2017 p 252 chegou a resultados diferentes e concluiu que a contri buição da pobreza é muito pouco expressiva para explicar o desmatamento em termos da dinâmica temporal e mesmo espacial na região Nos municípios com maior incidência de pobreza as famílias têm menor capacidade econômica de impulsionar atividades promotoras de desmatamento 246 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 ticularmente no sentido da BR163 SantarémCuiabá e algumas áreas do sudeste Paraense Rondônia e os demais estados ama zônicos entre os quais a região denominada de Matopiba con fluência entre Tocantins e parcelas do Maranhão Piauí e Bahia na fronteira entre a Amazônia Legal e o Nordeste25 O resultado é a derrubada da floresta e o desaparecimento de comunidades de moradores nativos que ficavam na área de expansão sojeira Diniz 2017 reproduz as estimativas de Richards e Walker nas quais se constata que 32 da perda florestal na região amazônica brasileira a partir de 2002 foi impulsionada pela soja ainda que indireta mente Qual o destino dessa produção O gado amazônico além de abastecer o mercado regional também é vendido para o Nordeste SulSudeste do Brasil e para o exterior A soja plantada no norte do Mato Grosso e no sul do Pará além de se destinar à China e outras nações serve de ração para o gado europeu Os países ditos ecologicamente corretos criam seus gados confinados porque são alimentados entre outros com a soja que derruba as árvores da Amazônia é o caso da Holanda que dependendo do ano chega a importar quase 10 da soja matogrossense Apesar do discurso raivoso do Ministério do Meio Ambiente o governo continua a financiar as atividades degradantes da floresta O que se observa é que o agronegócio é a reprodução mo dernizada de nosso passado agrárioexportador no atual campo brasileiro Continuamos a exportar matériasprimas e alimentos enquanto nossa população passa fome É uma modernização con 25 A construção e expansão do Terminal de Grãos do Maranhão Tegram e da ferrovia NorteSul conectada com a Ferrovia FerroCarajás reduz em muito o custo da exportação de soja de determinados estados brasileiros Matopiba e parte do Pará Mato Grosso e Goiás No início dos anos 2010 uma tonelada de soja do município de Balsas sul maranhense exportada pelo porto de Santos chegava a custar US 14000 e pelo porto de Itaqui US 115 Outras ferrovias estão em projeção facilitando o escoamento do produto 247 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 servadora porque mantém e reforça as estruturas arcaicas e exclu dentes da propriedade porque nos prende ao passado Mais que isso vendemos produtos primários com baixos preços e compra mos industrializados a preços elevados Essa situação levou Aloi zio Mercadante então ministro de Ciência e Tecnologia de Dilma Rousseff a admitir que o Brasil tem de vender navios carregados de soja ou de ferro acrescentaríamos para conseguir importar um contêiner com semicondutores Em contrapartida a impunidade ainda é uma das marcas da questão agrária na Amazônia A Comissão Pastoral da Terra cons tatou que entre 1985 e 1997 foram assassinados 1493 trabalha dores rurais no Brasil Incluindo dados do início de 2008 apenas 85 casos foram julgados nos quais se condenaram 71 jagunços absolveramse 49 e apenas 19 mandantes foram condenados o que não quer dizer que todos permaneceram presos Muitos assassina tos sequer são objeto de investigação policial Entre 1982 e 2008 foram assassinados 687 trabalhadores rurais no Pará dos quais apenas 336 deram origem a inquéritos26 Alguns sequer vêm a público ou se tornam conhecidos pelas autoridades legais27 Por conta da exigência de se manter 80 das propriedades amazônicas como reserva legal os proprietários que desmataram 26 Afora isso entre 1995 e setembro de 2008 foram libertados 30687 trabalhado res em situação de escravidão no Brasil Sem os dados do Amapá e Roraima mas incluindo todo o Maranhão a Amazônia Legal concentrou 20438 pessoas nessa condição A atividade de extração de madeira é a principal responsável por essa degradação humana 27 Em 1998 o MST ocupou uma fazenda da família Mutran proprietária de se ringais no sudeste do Pará Era a fazenda Cabaceiras em EldoradoPA Com a ocupação um excapataz da propriedade fez uma denúncia ao movimento Informou a existência de um cemitério clandestino no latifúndio Feitas as esca vações foram encontradas algumas ossadas de pessoas Elas seriam de trabalha dores que reclamavam seus direitos trabalhistas ou entravam em conflito com os proprietários Até então estes casos de assassinatos não eram conhecidos e não compunham as estatísticas Marques e Marques 2015 248 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mais do que o permitido deveriam obrigatoriamente recompor o excedente destruído Mas o percentual a ser recomposto não neces sariamente atinge o total de floresta derrubada Além disso alguns setores defendem que essa recomposição seja feita com espécies flo restais não amazônicas É o caso do eucalipto para fabricar papel e do dendê para agrocombustível alimentos e cosméticos Na verdade o que se propõe não é a recomposição da floresta mas a abertura de uma nova frente de exploração ao agronegócio que evidentemente receberá recursos públicos federais e será seguida pelos demais governos estaduais Assim mesmo as políticas de proteção à Amazônia têm se mos trado insuficientes particularmente quando confrontadas com ou tros interesses dentro dos governos Em 2003 o presidente Lula da Silva anunciou o que seria o Plano Amazônia Sustentável elabora do a partir da Casa Civil da Presidência da República e dos Minis térios da Integração Nacional e do Meio Ambiente Uma primeira versão inicial foi apresentada ainda naquele ano outra em 2006 e a definitiva em 2008 Infelizmente a implementação do Plano fi cou longe do que se elaborou restringindose mais a discurso que efetividade Em contrapartida em 2009 o mesmo presidente Lula da Silva editou a medida provisória 458 formalmente para regularizar 400 mil propriedades irregulares na Amazônia com até 1500 hectares Isso corresponderia a 674 milhões de hectares de terras públicas da União avaliados à época em R 70 bilhões Uma grande parcela delas era fruto de grilagem A MP da grilagem foi rapidamente aprovada no Congresso Nacional Os latifundiários e a bancada ruralista exultaram com a ação governista Com sua aprovação os grileiros passaram a poder comercializar livremente essas terras e a obter financiamento público Além disso durante esse governo do qual Marina da Silva foi ministra do Meio Ambiente lembremos se aprovou a lei dos transgênicos liberando sua produção no país 249 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para satisfazer os interesses das transnacionais e a lei de concessão das florestas públicas colocandoas à disposição do grande capital para explorar suas madeiras e biodiversidade Marques e Marques 2015 Em 2011 já sob o governo Dilma Rousseff entrou em discus são o novo código florestal brasileiro cujo relator da proposta foi Aldo Rebelo PCdoB Pela proposta discutida com o governo e sua bancada no Congresso a reserva legal das propriedades seria reduzida e dependendo do tamanho o proprietário que tivesse desmatado mais do que lhe era permitido poderia ser desobrigado a recompôla Assim também ocorreria com as áreas de proteção permanente aquelas que ficam nas margens de cursos dágua São áreas de proteção porque sem elas os rios podem ser assoreados ou sofrer outros tipos de degradação chegando até mesmo a morrer Dada a grande pressão de setores ambientalistas a divisão na base governista e o impacto negativo desta aprovação o gover no recuou em parte dos ataques mas o perdão ao desmatamento ocorrido até 2008 foi aprovado parcialmente atendendo aos inte resses ruralistas reduzindo a parcela de floresta que deveria ser recomposta A escolha de Kátia Abreu então PMDB para assu mir o Ministério da Agricultura no que seria o segundo mandato de Dilma Rousseff expressou antes de tudo as opções políticas daquele governo Afora isso segundo levantamento do jornalista Gustavo Faleiros no segundo mandato de Lula da Silva se gastou R 6363 bilhões para combater o desmatamento na Amazônia Esse montante despencou para R 1777 bilhão no primeiro man dato da nova presidenta28 Os governos petistas sinalizaram que os desmatadores pode riam receber novos perdões como acontecia desde a ditadura em presarialmilitar E ele veio mais rápido do que se imaginava O 28 O tamanho dessa queda foi negado pelo Ministério do Meio Ambiente 250 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 governo de Michel Temer PMDB eleito vicepresidente na cha pa encabeçada por Rousseff sancionou em julho de 2017 a medi da provisória 7592016 nova MP da grilagem transformada em lei cujo relator no Senado Federal foi Romero Jucá PMDBRR Com ela terras públicas na Amazônia Legal de até 2500 hectares ocupadas ilegalmente até julho de 2008 puderam ser regulariza das permitindo ser vendidas ou obter crédito Isso incluiu aproxi madamente 2 mil imóveis A nova lei excluiu algumas exigências ambientais para a regularização fundiária das terras em questão Não bastasse isso o novo governo ainda buscou tornar mais difícil a fiscalização sobre o trabalho escravo Também trabalhou para ampliar a negociação de terras do país a não brasileiros Até então restritas a três módulos rurais um estrangeiro poderia a partir de então comprar até 100 mil hectares e arrendar mais 100 mil hectares a proposta inicial da Casa Civil do governo era que a venda passasse a ser sem limite préestabelecido ou seja se nego ciaria o que o dinheiro pudesse comprar Em 2017 Temer extinguiu a Reserva Mineral de Cobre a As sociados Renca no sul do Amapá que apesar do nome na prá tica é uma área de proteção à natureza em meio à floresta Nela se encontram nove unidades de conservação e terras indígenas Qual a intenção Em 2016 havia 646 requerimentos de lavra mineral na reserva O governo já negociava com empresários nacionais e estrangeiros a exploração do território A enorme repercussão ne gativa e a pressão de movimentos sociais e ambientalistas fizeram Temer revogar o decreto de extinção o que não significa que a intenção deixou de existir Jair Bolsonaro foi empossado presidente do Brasil em 2019 Quando em campanha presidencial ele afirmou que se fosse elei to não haveria mais nenhum centímetro de terra para indígenas Um de seus conselheiros de campanha o general Oswaldo Ferrei ra afirmou ao jornal O Estado de S Paulo 11102018 Eu fui 251 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 tenente feliz na vida Quando eu construí estrada não tinha nem Ministério Público nem o Ibama A primeira árvore que nós derru bamos na abertura da BR163 que liga CuiabáMT a Santarém PA eu estava ali derrubei todas as árvores que tinha à frente sem ninguém encher o saco Hoje o cara para derrubar uma ár vore vem um punhado de gente para encher o saco O novo governo só não extinguiu o Ministério do Meio Am biente de imediato porque recebeu muitas críticas mas o esvaziou buscando tornalo figura decorativa Manteve a extinção do mi nistério do Desenvolvimento Agrário e acabou com o Ministério do Trabalho restringindo o combate às formas de trabalho degra dante tão presentes na Amazônia O Desenvolvimento Agrário transformado numa secretaria do Ministério da Agricultura foi entregue ao presidente da assassina UDR União Democrática Ru ralista Luiz Antonio Nabhan Garcia Ele critica o que chama de indústria da multa no Ibama e defende que ainda há espaço para desmatamento na região Também propõe que o Brasil abandone o Acordo de Paris acordo mundial de combate às causas do aque cimento global Não esqueçamos que a principal causa brasileira para o aquecimento global são as queimadas diretamente ligadas ao agronegócio A demarcação de terras indígenas e quilombolas foi repassa da para o Ministério da Agricultura entregue à deputada federal Tereza Cristina DEMMS presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária bancada ruralista Ela defende a flexibilização das regras ao licenciamento ambiental e da fiscalização e aplicação de agrotóxicos no Brasil que já é um dos países que mais usa veneno no mundo29 Resultado os grileiros se sentiram mais fortalecidos 29 Ela recebeu financiamento de campanha de um fazendeiro processado por con ta do assassinato do líder indígena Marcos Veron guaranikaiowá Também seria parceira da JBS transnacional do agronegócio e quando secretaria da agricultura do Mato Grosso do Sul concedeu incentivos fiscais à empresa 252 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 para invadir terras de outros trabalhadores de preservação e áreas indígenas Esses fatos demonstram mais uma vez que no Brasil o arcaico se transveste de novo de mudança para reforçar o atraso e mesmo o retrocesso30 Também nos anos 2010 iniciada alguns anos antes implemen touse um conjunto de obras infraestruturais como parte da Inicia tiva para Integração da Região Sulamericana IIRSA elemento central da então recémcriada União das Nações Sulamericanas Unasul fundada em 2008 O objetivo foi integrar a América do Sul do ponto de vista logístico e de outras condições básicas para intensificar a exploração de nossas riquezas naturais e sociais che gando mais facilmente aos mercados europeus estadunidense e principalmente asiático Tratase de um projeto maior para todo esse subcontinente e envolve empresas transnacionais como é o caso das mineradoras e controladoras do agronegócio mas tam bém construtoras de barragens as empreiteiras brasileiras nego ciam obras no Peru e Bolívia por exemplo Há indígenas e outras comunidades tradicionais no caminho Retireos O que importa é o desenvolvimento Essa é a lógica Mas desenvolvimento para quem Quem ganha com essas políticas Olhando o mapa desse subcontinente veremos a localização extensa e estratégica da PanAmazônia área do bioma amazônico presente nos países da América do Sul e em particular da Amazô nia brasileira Não é por outro motivo que inúmeras obras do Pro 30 Mas nem tudo é motivo de pessimismo Uma senhora ribeirinha das margens do Amazonas de idade avançada com muita debilidade de saúde tendo dificul dade de se manter em pé recebeu a notícia de que o marido de sua filha havia falecido De imediato foi ao encontro da filha e ficou ao seu lado durante todo o longo velório muitas horas em pé Algumas pessoas tentaram sem sucesso convencêla a descansar Então perguntaram de onde vinha aquela força que imaginavam não existir mais Ela simplesmente respondeu que tinha que ser forte porque sua filha precisava que ela fosse Essa história nos demonstra que é diante dos grandes desafios que medimos nossa força 253 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 grama de Aceleração do Crescimento PAC do governo brasileiro estão localizadas nessa região rodovias hidrelétricas portos etc A PanAmazônia tornase um espaço de repercussão das dinâmicas nacionais da intervenção de megaprojetos que acabam por desestru turar uma dada ordem social e ambiental existente e disponibilizar assim novas fronteiras de terras e recursos naturais O Estado tem optado pela solução mais tradicional de desenvolvimento o que se tem revelado ineficaz social e ambientalmente que é a construção de grandes obras de infraestrutura usando argumentos que super valorizam os benefícios do desenvolvimento Castro 2012 p 59 Os perigos sobre a Amazônia decorrem tanto do saque às suas riquezas minérios biodiversidade etc por parte de capitais bra sileiros e multinacionais quanto pelo próprio aquecimento global efeito estufa impulsionado pela emissão de gases poluentes em outras partes do planeta Um clima mais elevado combinado à redução das chuvas produz uma morte considerável de árvores e outras espécies vegetais dificultando a reprodução de animais e mesmo a recomposição de rios Isso é agravado pelos processos de derrubada da floresta nativa Ainda que uma nova mata cresça no lugar vegetação secundária ela se apresenta menos ricas em espécies Aqui está um problema central A força do ecossistema amazônico está na sua diversidade natural Quanto menos espécies existirem menos capacidade esse bioma terá para se recompor O resultado é a sua savanização transformação de Floresta Alta em Cerrado Do impacto total brasileiro no efeito estufa 23 decor rem do desmatamento Estudos têm indicado que a Floresta Amazônica sofre fortes influências das mudanças climáticas em períodos remotos As gla ciações forte queda da temperatura do período geológico pleis toceno entre 25 milhões e 10 mil anos passados teriam reduzi do a floresta e dado origem a vegetações abertas tipo savanas A comprovação disso seria a existência de uma megafauna grandes capivaras preguiçasgigantes de até 6 metros mastodontes pare 254 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 cidos a grandes elefantes e toxodontes parecidos a enormes rino cerontes que teriam vivido na região entre 15 mil e 10 mil anos atrás Dado o porte desses animais eles não conseguiriam viver em florestas densas como Amazônia de atual mente marcada por animais de porte pequeno Dados disponíveis permitem concluir que a região amazônica se guindo o padrão global passou por várias modificações de sua pai sagem desde a sua origem que se deu provavelmente no Mioceno A Amazônia constitui um ecossistema altamente instável e de extrema fragilidade O equilíbrio natural que permite a manuten ção de sua exuberante cobertura vegetal atual pode ser interrompido facilmente frente a pequenas mudanças nas condições ambientais atuais Rossetti e Toledo 2008 p 21 A emissão de gás carbônico dióxido de carbono é a principal causa do aquecimento global a partir do uso de combustíveis fósseis como o petróleo e seus derivados Isso se relaciona principalmente a determinadas atividades econômicas e ao estímulo ao consumo crescente No processo de reprodução ampliada de capital aquele em que o lucro se transforma em mais capital para obter mais lucro ainda se inova tecnicamente e se amplia a massa de mercadorias produzidas Para que isso não se transforme em crise as pessoas são induzidas a um consumo cada vez maior para o qual a propaganda é fundamental tendendo a ficar bastante endividadas31 O proble ma é que essa acumulação e consumo crescentes se sustentam numa matriz energética assentada nos combustíveis fósseis diferenciando o capitalismo de todos os sistemas anteriores e respondendo aos inte resses do cartel mundial das petroleiras 31 O que se consome se transformou numa demonstração de poder e chave para o status social e a entrada ou exclusão em determinados grupos sociais As pessoas têm que vender a si mesmas se apresentar como mercadoria se colocar em exposi ção para o qual as redes sociais ajudam bastante Uma calça nova um almoço no restaurante isso tem que ser divulgado dizer que se está consumindo O ter se tornou mais importante do que o ser O resultado é o consumismo e a frustração 255 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 À diferença de todo e qualquer sistema de produção anterior na his tória da humanidade o modo de produção capitalista se assenta num sistema fechado cuja fronteira é a natureza do planeta Terra Este é grande e contém reservas grandes mas em última instância fi nitas de fontes fósseis de energia e de outras matériasprimas para a produção As emissões também permanecem na atmosfera terrestre onde sabidamente são responsáveis pelo efeito estufa e estão em vias de preparar o inferno na Terra Altvater 2010 p 12 Contra o aquecimento global as árvores cumprem um papel fundamental pois capturam o carbono na atmosfera é o que faz a Floresta Amazônica em grande quantidade contribuindo para o bemestar do planeta Mas quando as matas são queimadas acon tece o inverso há forte emissão de gás carbônico Com a redu ção da floresta por queimada ou não ocorre exposição do solo e emissão de carbono acumulado nele Temos então um círculo muito perigoso as agressões à Amazônia e o aquecimento global reduzem a floresta e isso aumenta o efeito estufa e o aquecimento do planeta Mas há outros problemas que ultrapassam em muito as fron teiras amazônicas O rio Amazonas é acompanhado por um rio subterrâneo o aquífero Alter do Chão ao qual podemos somar o aquífero Solimões e um aéreo o de água conduzido pelos ventos vindos do Atlântico que passam pela Amazônia e levam a umidade formada na região para outros países sulamericanos Esses ventos se chocam com a Cordilheira dos Andes e voltam para o Brasil se deslocando para o sul e sudeste do país provocando chuvas nessas regiões Mas o que isso tem a ver com desmatamento A floresta consegue manter úmido o ar em movimento Como Captando água do solo e transferindoa para o ar pela transpira ção A copa das árvores é fundamental para isso A própria copa retém parte das águas das chuvas Ela evapora e volta para a at mosfera novamente Segundo o relatório da Articulación Regional Amazônica elaborado por vários especialistas inclusive do INPE e 256 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 INPA a Floresta Amazônica transpira 20 trilhões de litros de água por dia mais do que a quantidade de água despejada diretamente pelo rio Amazonas no oceano Atlântico Com o desmatamento esse processo fica comprometido e a quantidade de água colocada na atmosfera reduzse drasticamente diminuindo o rio de vapor que vai para outros países e para Sul Sudeste e CentroOeste do Brasil A alteração na dinâmica das chuvas acontece na Amazônia e nas outras regiões contribuindo para o prolongamento dos períodos de seca como ocorreu em São Paulo e outros estados em 2014 por exemplo32 O corte das árvo res também diminui a quantidade de água absorvida pelo solo já que esta corre mais rapidamente pela superfície rumo aos rios Isso produz dois outros problemas Primeiro reduz a recomposição dos lençóis freáticos Segundo retira do solo grande parte dos nutrien tes necessários à alimentação da cobertura vegetal é como se o solo fosse lavado Resultado a floresta fica mais pobre ambiental mente A questão então é que sem árvores teremos menos chuvas e sem chuvas não teremos floresta É o círculo vicioso da destruição Em meio a tudo isso e às preocupações com o aquecimento global o capital encontrou novas formas de ganhar mais dinheiro é o mercado de crédito de carbono Diante da pressão ambienta lista e dos tratados internacionais se formou um mercado onde uma empresa poluidora de um país qualquer paga para proteger manter em pé determinadas áreas de floresta em regiões diversas a Amazônia por exemplo Em troca mantém seus processos de produção que emitem gás carbônico Mais uma vez ocorre a mer cantilização da natureza mas desta vez o que se apresenta é uma mercadoria fictícia porque não foi produzida pelo trabalho huma 32 Alguns estudos apontam para uma mudança na distribuição de chuvas na Ama zônia intensificandoas em algumas áreas produzindo inundações e reduzindo em outras 257 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 no como bem expõe Karl Marx 1988 Mesmo sendo fictícias em torno delas se forma um mercado real e dominado pelo capital financeiro Assim estamos diante de um processo que é mais do que mercantilização é financeirização da natureza Em síntese as mudanças processadas nos anos 1990 e prolon gadas atualmente com a intensificação do agronegócio e da gran de mineração produziram mais contradições ainda para a socie dade e natureza amazônicas levando Violeta Loureiro a afirmar que a expansão da fronteira adquiriu novos contornos desta vez de fronteira de commodities voltadas ao mercado internacional O movimento e a dinâmica atual da fronteira não podem ser enten didos simplesmente como se toda mudança se reduzisse a um novo traçado da mesma agora não é um simples desdobramento espacial da fronteira dos anos 19701980 Tratase muito mais de uma apropria ção de recursos naturais com vistas ao enriquecimento individual ou empresarial e menos que uma oposição entre terra de trabalho e terra de negócio como foi no passado recente E aí o trabalhador semterra assume um papel secundário ou mais subordinado ainda Uma conclusão necessária que se infere desta situação é que se não for equacionada a questão nacional da desigualdade social agravase a problemática regional amazônica que passa a se configurar como uma questão nacional Loureiro 2009 p 83 A fronteira de commodities também pode ser designada por moderna semicolônia de recursos naturais aqui incluído o agro negócio e expandindo a noção de semicolônia energéticomineral que já apresentamos em outro momento Mais uma vez por que definir a região dessa forma Porque do ponto de vista da produção de hidrelétricas dos minérios e do agronegócio recorrese ao capi tal financeiro inclusive transnacional e ao que há de mais moder no do ponto de vista técnico das forças produtivas Maquinário insumos e técnica de produção ou extração utilizados na grande produção amazônica não são inferiores aos que os concorrentes usam em outros países Acontece que isso responde aos interesses 258 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 do capital gerando enormes contradições sociais de modo que o moderno se traduz em atraso social em arcaico tratando a região com características de colônia Entre o moderno e arcaico o que predomina A pobreza no campo e as periferias das cidades locais respondem a questão Vejamos mais um exemplo entre tantos já apresentados O go verno do Pará dividiu seu território em doze regiões de integração para efeito de planejamento A Fundação Paraense de Amparo à Pesquisa Fapespa sistematizou dados e constatou que nos anos 2010 a região de Carajás alcançou o maior PIB per capita do estado muito acima das demais33 mas apresentou a menor expectativa de vida e a segunda menor relação postocentro de saúde por 10 mil habitantes Outros indicadores confirmam a crescente contra dição riqueza versus pobreza Carajás tem o maior coeficiente de Gini do Pará Este índice vai de zero a um Quanto mais próximo de um mais desigual é a região ou país Em 2013 ele foi de 0807 em Carajás e 0304 no Marajó A região mais rica é a mais desi gual e a mais pobre é a que apresenta menor desigualdade Não bastasse isso próximo à grande produção mineral e do agronegócio reproduzse trabalho escravo assassinatos prostitui ção infantil desagregação social crise urbana e generalização do desemprego e da pobreza Diversas denúncias apontam casos em que fazendas que recorrem ao trabalho escravo conseguem comer cializar seu gado com as grandes redes frigoríficas entre as quais as maiores exportadoras brasileiras Neste caso o aparentemente moderno reproduz e alimenta o arcaico e configura processos de acumulação primitiva de capital ou acumulação por espoliação na definição de Harvey 2004 Por tudo que foi exposto até aqui concluise que a continui dade da atual política governamental ou mesmo a sua omissão 33 PIB per capita é o total da riqueza produzida dividido pelo número de habitantes 259 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 coloca em sério risco a manutenção da Floresta Amazônica e a rica biodiversidade desse ecossistema Mais coisas ficam em peri go o próprio homem seja o trabalhador morador da região seja os demais habitantes do planeta pois está comprovado que a Amazônia cumpre um papel importante na estabilidade ambiental mundial Esse modelo movido pela ganância capitalista é insus tentável Motivo para pessimismo Não necessariamente Motivo sim para compreender a necessidade de um novo sistema de or ganização socioprodutiva não mais sustentado no lucro mas na vida na igualdade social Para além da história amazônica somente reflexões para o entendimento da exploração Nesta seção buscamos sistematizar de forma breve e simplifica da algumas categorias teóricas que sustentaram nossas reflexões ao longo do livro mas que não necessariamente foram apresentadas de maneira clara ou detalhada Como a temática amazônica já foi abordada largamente as conexões entre ela e os conceitos serão apenas pontuadas rapidamente O trabalho humano é o elemento comum presente em todas as mercadorias de modo que podemos dizer que é esse trabalho realizado em condições médias de desenvolvimento da sociedade o elemento que determina o valor das mercadorias Assim a ri queza provém do trabalho e o lucro em última instância decorre da apropriação do trabalho excedente34 do trabalhador pelo capi talista Esse trabalho excedente quando apropriado e não pago constitui a maisvalia Na dinâmica da concorrência capitalista a inovação leva a um aumento de produtividade reduzindo o tempo de trabalho neces 34 Aquele tempo trabalhado que excede o tempo necessário para o trabalhador pa gar a si próprio pagar seu salário e equivalente 260 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 sário para a produção de uma unidade da mercadoria A mesma quantidade de trabalho se divide em uma quantidade maior de unidades do produto Com isso há a redução do valor da mer cadoria do capitalista que inovou podendo vender seu produto pelo mesmo preço que os demais e mesmo assim obter um lucro superior ao dos seus concorrentes é o sobrelucro ou lucro extra Também ocorre o aumento do investimento em máquinas equi pamentos e instalações capital constante ou trabalho morto em detrimento da contratação de trabalhadores trabalho vivo ou ca pital variável Logo há o aumento da composição orgânica de capital cv que é a proporção de capital constante em relação ao variável35 Na agricultura e para o que também nos interessa na minera ção pelo menos parte do sobrelucro migra para as mãos dos pro prietários de terra que podem ser ou não o produtor36 É a renda fundiária37 Ela pode se apresentar de algumas formas Como isso 35 Marx 1988 parte deste processo mas no geral da economia e não no caso de um capitalista individual para explicar a tendência à redução da taxa de lucro e a ocorrência das crises no capitalismo 36 Quem tem capital e quer investir na agricultura pode comprar terras e iniciar a produção o que exige muito mais recursos financeiros ou arrendar alugar terras para produzir Nesse caso o proprietário que aluga suas terras recebe um rendimento sem que produza nada Recebe pelo simples fato de ser proprie tário privado ter o monopólio sobre uma parcela do planeta Diferente do que ocorreu na Europa na transição do feudalismo para o capitalismo no Brasil essa diferença entre proprietário e produtor nem sempre acontece Em muitos casos eles são a mesma pessoa Isso é um elemento a mais que dificulta a realização da reforma agrária no país 37 Além de Marx 1988 como sustentação principal temos como referência nesse tema Paulani 2016 Harvey 2013 Carcanholo 2013 Martins 2012 e Leite Soares e Trindade 2016 A existência da renda decorrente da propriedade privada da terra atua no sentido de evitar que o sobrelucro deixe de existir o que faria com que o lucro médio na agricultura acompanhasse o lucro médio dos demais setores da economia É exatamente essa condição de recurso natural limitado e monopolizável que transforma em renda fundiária o sobrelucro auferido em função de sua existên cia pois ele cabe justamente a seu dono ou seja àquele que tem o monopólio dessa 261 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 acontece O simples fato de alguém ser proprietário privado de terras já lhe dá o direito de cobrar de outra pessoa caso ela queira produzir nelas ainda que estas sejam as piores terras em utiliza ção Essa é a renda absoluta na definição de Marx 198838 Isso significa que aquele que aluga determinada faixa de terras nessas condições além do lucro médio tem que colocar um montante a mais no preço de venda de sua mercadoria que vai corresponder ao arrendamento Logo o preço de mercado dos produtos agríco las e mesmo minerais deve ficar acima do preço de produção da terra ou mina de menor fertilidade A renda absoluta se configura como um excedente de valor sobre o preço geral de produção Na agricultura esse excedente ou lucro suplementar que se transfor ma em renda decorre do fato de que a composição orgânica do capital é mais baixa que na indústria39 força natural Como observa Marx é a propriedade fundiária que dá condições ao proprietário de atrair o sobrelucro do bolso do fabricante para o seu sendo por isso a causa de sua metamorfose em renda fundiária Paulani 2016 p 518 38 A barreira erguida pela propriedade privada da terra impede que seja oferecida à equiparação orquestrada pela concorrência a integralidade da parcela do valor produzido na atividade agrícola que excede os preços de produção Assim po demos definir a renda absoluta como uma metamorfose da maisvalia agríco la transformação de uma parte dessa maisvalia em renda fundiária Paulani 2016 p 521 A renda capitalista da terra obviamente sob a forma de renda em dinheiro surge quando deixa de ser um tributo pessoal para se tornar um tributo social Isso só é possível quando parte da maisvalia é transferida ao proprietário da terra no preço dos produtos comercializados o que se viabiliza pela diferente composição orgânica do capital na agricultura e na indústria A diferença entre a composição média e a baixa composição orgânica de capital na agricultura se materializa na renda fundiária como se ninguém a estivesse pagando quando de fato a sociedade inteira é agora devedora desse tributo ao proprietário pelo simples fato de que ele tem um título de propriedade e por isso cobra pelo uso da terra Martins 2012 p 7980 39 Exemplifiquemos Suponhamos um capital de R 100 e uma taxa de maisvalia de 100 que significa que para cada R 1 gasto na compra da força de trabalho se ganha outro R 1 Se na indústria esse capital se dividir em R 80 de capital constante c e R 20 de capital variável v teremos uma maisvalia m de R 20 e um preço de produção de R 120 cvm Na agricultura com menor composi 262 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 As terras mais férteis e minas com maior quantidade e qualidade do minério assim como mais próximas do mercado tendem a ter um ganho maior que as demais Essa diferença de rendimento ou lucro excedente extra suplementar conforma a renda diferencial I As terras de pior qualidade serão postas em produção quando o aumento da de manda pelos produtos agrícolas assim o exigir Resultado é a pior terra quem determina o preço regulador da produção e a renda fundiária As terras de melhor fertilidade terão um custo menor garantindo um lucro suplementar pois seu preço individual de produção é menor que o preço geral da agricultura com o qual suas mercadorias são ven didas no mercado Desse modo o excedente de lucro suplementar sobre o lucro médio se configura em renda diferencial Mas o produtor pode investir mais capital numa mesma ter ra maquinários insumos irrigação silos sistemas de transpor te que aproximem sua produção do mercado etc ou mina nesse caso em maquinário ou em logística40 Esse investimento tende a aumentar a produtividade e gerar mais lucro ao capitalista so bre a mesma quantidade de terras comparada às terras de igual fertilidade dos concorrentes e àquelas de piores condições41 Isso possibilita aumentar o rendimento do capital investido na terra originando outra forma de renda fundiária a renda diferencial II Na renda diferencial na forma II se acrescentam à diversidade da fertilidade as diferenças na distribuição do capital e na capacida de de crédito entre os arrendatários Marx 1988 p 154 ção orgânica de capital teremos uma menor quantidade destinada ao capital cons tante de modo que o capital se divide em R 60c e R 40v Com a mesma taxa de maisvalia obtémse R 40m O preço de produção na agricultura será R 140 portanto R 20 a mais que na indústria Esse lucro suplementar em condições de monopólio da propriedade da terra deve converterse em renda fundiária 40 Estradas de ferro portos navios etc que diminuem custos aceleram e aumen tam o volume transportado 41 Esse investimento pode até apresentar um rendimento menor que o daquela que até então era a pior terra mas ele será efetivado desde que gere lucro 263 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Parte desse investimento que leva à renda diferencial II fica incorporado ao terreno e funciona como diferencial de fertilidade mesmo que decorrente do capital portanto não natural aumen tando a produtividade da terra em questão Os valores adicionais dessa produção podem ser apropriados na forma de renda Nas mãos do produtor capitalista essa renda se transforma em lucro extra ao mesmo tempo em que ela também é produto dele A produção de soja no Brasil e na Amazônia está rendendo até três safras em um mesmo ano agrícola normalmente duas de soja intercaladas com uma de outro produto Cada hectare produz mais As fazendas de bovinos têm aumentado bastante a quantida de de animais Em certas áreas amazônicas em mea dos dos anos 1980 a produtividade era de bem menos que 05 cabeça de gado por hectare mesmo recebendo recursos do governo Atualmente nas áreas mais dinâmicas trabalhase com uma produtividade su perior a duas cabeças sendo que as fazendas mais produtivas con tam com três e até um pouco mais animais por hectare e quem está na ponta anuncia seis cabeçasha42 Afora isso temse reduzi do o tempo do gado entre o nascimento e o abate43 42 A fazenda Marupiara em Paragominas informa que conta com 616 cabeças ha e que em 2016 conseguiu uma incorporação média de 638 gramas ao dia na engorda do bovino quando nacionalmente esse montante era de 300 gramas 43 Nesse caso ademais há uma diminuição do tempo de rotação do capital que é o tempo em que ele percorre seu ciclo DMD ou seja percorre todas as suas etapas e retorna o investimento inicialmente realizado podendo fazer nova incursão na produção Vejamos um exemplo Um ciclo suponhamos leva 36 meses e nesse tempo se produz o equivalente a R 4000 de maisvalia para cada R 10000 de capital investido No final do período se tem os R 10000 iniciais que serão reinvestidos e mais R 4000 Se mantida a mesma taxa de maisvalia e demais condições o tempo de rotação se reduzir à metade 18 me ses teremos uma situação em que se consegue o mesmo ganho em metade do tempo de antes Isso significa que em 36 meses se obtém o dobro de maisvalia com a mesma quantidade de capital inicialmente investido aumentando o lucro capitalista 264 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 No caso da produção de soja na Amazônia o baixo preço das terras se transforma em um instrumento a mais de elevação dos lu cros além de possibilitar que produtores de menor quantidade de capital mas não pequenos produtores eou menor produtividade possam fazer parte da produção Além disso o investimento em lo gística ferrovias hidrovias silos e portos tem possibilitado expor tar grande parte da soja do Mato Grosso e do Mapitoba pela região amazônica reduzindo os custos de transporte até então a quase totalidade da produção descia de carretas até os portos do Sul e Sudeste do Brasil e depois subia toda a costa brasileira em navios rumo à Europa e outros destinos Com o escoamento amazônico a soja já sai no oceano Atlântico acima do país Presenciase nesses casos a ocorrência da renda diferencial I e principalmente II As minas de ferro de Carajás contam com minério de maior teor algo próximo a 67 superior ao ferro de Minas Gerais Chi na e Austrália Elas também têm ferro mais próximo da superfície facilitando e reduzindo os custos da extração Nesses termos há a ocorrência da renda diferencial I Por outro lado o investimento em capital constante aumentando a composição orgânica do ca pital tende a ser um elemento a mais de redução dos custos do empreendimento em si elevação da produtividade do trabalho e do lucro produzindo lucro extra São máquinas mais modernas e com maior capacidade de extração esteiras de transporte do mi nério mineroduto no caso da bauxita e caulim em outras regiões do Pará ampliação e modernização das estradas de ferro e dos trens portos e navios Ademais isso diminui os custos de trans porte até os principais compradores que estão na Ásia mais que compensando a pequena distância do minério australiano e mes mo chinês44 Nesses casos ocorre a renda diferencial II 44 Essa compensação também é facilitada pelas condições naturais das minas paraenses 265 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Quando a demanda internacional pelo ferro e outros minérios e grãos produzidos na Amazônia aumenta outras terras e minas menos férteis ou menos produtivas tendem a entrar em produção aumentando a diferença entre as melhores das quais as minas amazônicas fazem parte e as piores Essa maior diferença significa que a renda fundiária pode aumentar beneficiando ainda mais a empresa Vale e outras mineradoras assentadas na região Na me dida em que controlam tudo ou quase essas companhias têm condições para se apropriar do lucro médio do lucro extra e da própria renda fundiária Afora o já exposto uma das razões do conflito entre grande proprietário e posseiro é que este não paga renda fundiária nem como aluguel nem como compra da propriedade Por outro lado o pequeno produtor quando fica dependente do financiamento ban cário seja público ou privado é obrigado a pagar juros ao banco que mesmo sem ser proprietário fundiário passa a extrair renda da terra do lavrador O lavrador passa imperceptivelmente da condição de proprietário real a proprietário nominal pagando ao banco a renda da terra que nominalmente é sua Sem perceber ele entra numa relação social com a terra mediatizada pelo capital em que além de ser trabalhador é também de fato arrendatário Martins 1995 p 17645 Vejamos rapidamente outra dimensão da apropriação da riqueza local Na economiamundo capitalista há uma desproporção entre países Alguns nações centrais dispõem de mais capital e contro le de tecnologia além de poder político eou militar Configurase uma situação na qual a dinâmica de uma nação ou região fica su bordinada à dinâmica de outra naçãoeconomia que se alimenta de 45 A questão da Amazônia é em parte a manifestação regional da questão agrá ria uma questão por sua vez tecida pelo processo de reprodução ampliada do capital pelo processo de apropriação da renda fundiária pelo capital Martins 1984 p 34 266 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 parte do valor produzido na primeira A nação central imperialis ta dinamiza sua economia enquanto a periférica vê aumentar suas contradições e dependência Essa noção é a base da Teoria Marxista da Dependência Marini 2005 2012 Santos 2015 As nações dependentes sofrem com a troca desigual vendem produtos primários alimentos e matériasprimas e compram in dustrializados Vendem suas mercadorias por preços reduzidos e compram mercadorias industrializadas por preços elevados Por trás da diferença de preços ocorre uma transferência de valor Par te do valor da maisvalia produzido na economia periférica migra para a economia central que consegue reduzir o preço dos ele mentos principalmente alimentos que compõem o valor de sua força de trabalho aumentando seus lucros Com isso criamse condições para que as nações dominantes possam continuar ino vando tecnologicamente sua produção estimulando a produção da maisvalia relativa e extra A burguesia local busca compensar essa perda aumentando a exploração do seu trabalhador aumento da jornada eou da intensidade do trabalho eou redução do salário recompondo a maisvalia que havia perdido Ainda nesse campo de discussão as empresas transnacionais ou as locais diretamente associadas a elas dispõem de melhores tecnologias o que leva à redução dos custos e obtenção de uma maisvalia extra inclusive se apropriando dos consumidores das concorrentes As empresas tipicamente locais buscam compensar a defasagem e perda de maisvalia aumentando a exploração sobre seus trabalhadores Isso beneficia novamente as empresas externas pois temse como resultado a redução do salário médio geral ou in tensificação da exploração na economia dependente Ainda que as empresas locais incorporem as tecnologias usadas pelas empresas transnacionais estas estão em melhores condições de incorporar outra inovação recompondo a desigualdade tecnológica fonte do lucro extra Marini 2005 2012 267 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A Vale e outras mineradoras nas últimas décadas têm aumenta do a exploração do trabalhador por conta da substituição do traba lhador diretamente contratado por elas por trabalhadores terceiri zados vinculados a empresas que prestam serviços às companhias de extração em alguns casos essas terceirizadas terceirizam parte da produção originando trabalhadores quarteirizados O trabalho nessas condições é precarizado o trabalhador recebe menos e tem menos garantias sociais Resultado há maior extração de mais valia e maior ganho das empresas46 O Estado também contribui para isso A adoção de políticas que intensificam a precarização do trabalho a lei das terceirizações e a reforma trabalhista e reformas previdenciárias reduzindo direitos ajudam as empresas a aumentar seus ganhos e a conseguir melhores condições de enfrentar suas concorrentes externas Mais do que isso a isenção de impostos sobre os produtos básicos commodities agrícolas e minerais significa que o Estado abre mão de parte da maisvalia que cabia a ele na forma de impostos Se isso contribui para reduzir o preço do produto brasileiro na disputa no mercado mundial man tido o mesmo ou até maior lucro das empresas que estão no Brasil ocorre uma transferência de valor produzido no país para as econo mias que compram esse produto A empresa transnacional de origem estrangeira ou brasileira como a Vale em território nacional ganha a economia central ganha o Brasil perde Ainda que com diversas transformações processadas nas últimas décadas essa relação confi gura aspectos de um quadro de imperialismo Lenin 1989 no qual a região assume uma função subordinada ou mais precisamente de moderna semicolônia de recursos naturais 46 O que pode significar ou não superexploração do trabalho que é a situação em que o montante pago ao trabalhador fica abaixo do valor da força de trabalho ou seja das mercadorias até então necessárias à reprodução normal de si e de seus dependentes A intensificação ou prolongamento da jornada de trabalho também são elementos que levam à superexploração 268 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O barateamento dos produtos básicos commodities agrícolas e minerais exportados pela Amazônia também contribui para a dimi nuição do gasto que as economias centrais têm com o capital cons tante nesse caso específico com matériasprimas Em situações de crescimento econômico isso leva ao aumento dos lucros Em mo mentos de crise ajuda a contrabalançar a queda das taxas de lucro contribuindo para a saída da recessão nas economias dominantes Nos casos relatados até aqui observamos a ocorrência da mais valia extra que leva ao lucro extra Também verificamos a existên cia da renda fundiária Mas não esqueçamos que a origem disso é a apropriação do trabalho excedente do trabalhador pelo capitalista Concordamos com Martins 2012 e Harvey 2004 a ocor rência do trabalho escravo e outras formas de superexploração do trabalho reproduz casos de acumulação primitiva de capital não no sentido de criação das condições iniciais de consolidação do ca pitalismo mas de recriação de relações não tipicamente capitalistas inapropriadamente designadas por alguns como précapitalistas que garantem a reprodução ampliada de capital O tempo do capital não é necessariamente de mão única de marcha acelerada ao progresso de modernização Também não segue obrigatoriamente etapas que todas as sociedades deveriam cumprir Isso é assim porque o capitalismo se desenvolve de for ma desigual mas também combinada como constatou Trotsky 2007 ao analisar o caso russo e destacar a existência de duas leis a do desenvolvimento desigual e a do desenvolvimento com binado no qual as etapas se aproximam e se confundem em suas distintas fases conformando um amálgama de formas arcaicas e modernas47 47 Esse processo também cria condições para a aceleração da organização social que pode redundar na substituição do capitalismo por uma sociedade sem explora ção lei do desenvolvimento social combinado permitindo acelerar etapas ou mesmo saltálas Trotsky 2007 269 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O tempo do capital é antes de tudo o tempo da contradição não apenas quanto à relação capital versus trabalho mas também contradições no desenvolvimento de determinados processos so ciais e produtivos Nesse sentido o capital tanto pode extinguir relações sociais que limitam sua reprodução ampliada como pode reforçar ou recriar relações que aparentemente não correspondem a ele como é o caso das diversas formas de trabalho sob coação ou superexploração Ainda que pareçam as mesmas relações do pas sado quando recriadas pelo capital têm novo conteúdo e sentido decorrentes do fato de estarem mediadas pelo capital em sua busca pelo lucro e reprodução ampliada Minha hipótese mesmo em relação a regiões não pioneiras é a de que mecanismos e procedimentos de acumulação primitiva podem se estender pelo interior do próprio processo de reprodução ampliada de capital especialmente em setores situados à margem daqueles de maior vitalidade e rentabilidade econômica Estamos em verdade em face de uma situação de superexploração O capital pode extrair maisvalia além do limite determinado pela reprodução da força de trabalho pagando aos trabalhadores salários insuficientes para a re composição de suas forças físicas após a jornada de trabalho ou após o pagamento do salário Nesse caso o salário pago sendo insuficien te compromete a sobrevivência do trabalhador eou dos membros de sua família comprometendo a reprodução da mão de obra Isso é possível evidentemente quando o excesso relativo de mão de obra torna o trabalhador substituível e descartável Martins 2012 p 86 A piora das condições de vida destes trabalhadores decorre do fato de trabalharem mesmo que marginalmente em atividades já inseridas em setores modernos capitalistas nas quais se tem uma alta composição orgânica de capital Devido à inserção dessas novas atividades nos setores propriamente dinâmicos da economia como o capital industrial e o capital fi nanceiro a rentabilidade das atividades agrícolas assim vinculadas é determinada por uma taxa de lucro acima do que seria a taxa real de lucro do empreendimento Isso porque a composição orgânica do 270 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 capital dessas novas empresas é de fato inferior à composição que de veria ter ou inferior à composição média Justamente por isso é que ao setor mais débil no conjunto dos fatores econômicos envolvidos o da força de trabalho se atribui uma remuneração residual em re lação à do capital cuja taxa de lucro fica assim assegurada como se fosse um setor moderno organizado segundo a composição orgânica mais alta do que a real Desenvolvemse estratégias de redução dos salários sem a contrapartida do desenvolvimento das forças produti vas e portanto sem a redução no trabalho propriamente dito Essas estratégias permitem ao mesmo tempo diminuir a participação re lativa do capital variável em face do capital constante na composição orgânica do capital da empresa Embora sejam setores realmente de baixa composição orgânica do capital funcionam como se fossem de alta composição orgânica do capital O que no fim das contas assegura ou impõe que se amplie a extração de trabalho excedente não pago ao peão Martins 2012 p 8687 Assim segundo Martins 2012 a superexploração pondo em questão a reprodução do trabalhador assegura a reprodução amplia da de capital Ela incorpora elementos de produção do capital e por isso pode ser concebida como acumulação primitiva ainda que não se apresente visivelmente como uma relação tipicamente capitalista mediada pelo capital em oposição ao trabalho assalariado Tal qual Martins Harvey 2004 também adota a noção de acumulação primitiva mas amplia bastante sua abrangência Ba seado em Hannah Arendt Harvey acredita que os processos que constituíram a acumulação primitiva roubo por exemplo têm que se manter para que a acumulação de capital não se encerre repentinamente Isso se apresenta como algo exterior que esta biliza e alimenta a expansão capitalista48 Mas o autor observa que 48 As teses de Harvey não são consensuais Virgínia Fontes 2010 critica a tese da produção de novas externalizações pelo capital para enfrentar as pressões decor rentes da sobreacumulação e com isso garantir a sua expansão Segundo a au tora ocorre um forte estreitamento das fronteiras externas ao capital e também intensificação das expropriações O argumento de Harvey de uma nova pro dução de externalidades qualitativamente distinta das expropriações não parece 271 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 parece estranho chamar de primitivo um processo que continua a se reproduzir na contemporaneidade Por isso usa a denominação de acumulação por espoliação Assim constatase nas décadas recentes elementos da acumu lação primitiva ou originária de capital presentes no momento de constituição do capitalismo conforme exposto por Marx49 mer cantilização e privatização da terra expulsão violenta de popula ções camponesas transformação privatização daquilo que era de direito comum ou do Estado em propriedade privada é o caso de terras comuns mercantilização da força de trabalho e extinção de formas alternativas autóctones de produzir e consumir emer gência de trabalho escravo processos neocoloniais e imperiais de apropriação de ativos incluindo recursos naturais dívida nacional e no extremo o sistema de crédito50 convincente exatamente num período em que a tendência mais dramática é a subordinação de todas as formas de existência ao capital O conceito de expro priação como base fundante da relação social que sustenta a dinâmica capitalista permite melhor apreender a dinâmica interna da lógica do capital como ponto de partida meio e resultante da concentração de capitais Isso torna possível compreender as novas características das expropriações no período do capital imperialismo multinacionalizado pois recoloca a contradição entre expansão do capitalmonetário hiperconcentrado e a correlata imposição de múltiplas e até então impensáveis expropriações sobre o conjunto da vida social de maneira a converter todas as atividades humanas em formas de valorização do valor ain da que desigualmente Fontes 2010 p 7374 49 Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona perma necem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até nossos dias Harvey 2004 p 121 50 Virgínia Fontes 2010 questiona também e principalmente a ideia de acumu lação por espoliação reforçando a noção de expropriação Também recorrendo a O capital de Marx afirma que a expansão das relações capitalistas pressupõe permanentes e sucessivas expropriações A expansão histórica do capitalismo jamais correspondeu a uma forma plenamente normalizada pois nunca dis pensou a especulação a fraude o roubo aberto e sobretudo as expropriações primárias todos ao contrário impulsionados A dualidade entre um ca pitalismo normalizado e um capitalismo predatório não parece se sustentar e sim formas de conexão peculiares a cada momento histórico no qual as forças 272 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A esses elementos de acumulação por espoliação Harvey constata novos mais biopirataria e pilhagem de recursos gené ticos pelas grandes indústrias destaque aos direitos de proprie dade intelectual degradação dos recursos naturais e dos habitat mercantilizando ainda mais a natureza mercantilização de for mas históricas culturais e da criatividade intelectual corporati vização e privatização dos bens públicos universidades serviços públicos terras e água retrocesso da regulação trabalhista e de volução de direitos comuns de propriedade conduzidos por polí ticas neoliberais Outros mecanismos da acumulação primitiva já destacados por Marx foram aprimorados desempenhando atualmente um papel mais destacado ainda que no passado É o caso do sistema de crédito e o capital financeiro A forte onda de financializa ção domínio pelo capital financeiro que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório Os ataques especulativos de fundos de derivativos e grandes instituições do capital financeiro são segundo Harvey 2004 p 122 a vanguarda da acumulação por espoliação na atualidade Pelo que expusemos neste e nos capítulos anteriores não pre cisamos fazer grande esforço para traçar paralelos da acumulação primitiva ou por espoliação com o caso amazônico trabalho escravo usurpação de terras do Estado expulsão de camponeses indígenas e quilombolas apropriação e mercantilização acentua da dos recursos naturais privatizações e hegemonia de poucos no acesso aos recursos estatais incluindo o financiamento e isenção de impostos capitalistas dominantes quer tenham origem em países centrais ou nos demais aproveitamse de situações sociais históricas e culturais díspares subalternizan do populações sob relações desiguais mas imbricadas utilizando ou recriando formas tradicionais como trampolim para sua expansão Fontes 2010 p 63 273 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Mas também pelo que já expusemos isso não seria possível sem o papel cumprido pelo Estado O Estado constitui a entidade política o corpo político mais ca paz de orquestrar arranjos institucionais e manipular as forças mo leculares de acumulação do capital para preservar o padrão de as simetrias nas trocas mais vantajoso para os interesses capitalistas dominantes que trabalham nesse âmbito O Estado com seu monopólio da violência e suas definições da legalidade tem papel crucial no apoio e na promoção desses pro cessos de acumulação primitiva e por espoliação havendo consi deráveis provas de que a transição para o desenvolvimento capita lista dependeu e continua a depender de maneira vital do agir do Estado Harvey 2004 p 111 e 121 Dessa forma fica claro o sentido do Estado instrumento de representação dos interesses da classe dominante Engels 1984 constatou que o Estado é produto da contradição entre as classes sociais antagônicas originada a partir do surgimento da proprie dade privada dos meios de produção Uma de suas funções cen trais é a repressão àqueles que buscam enfrentar o monopólio da propriedade51 Mandel 1982 afirma que o Estado cumpre papel destacado na reprodução de capital Suas principais funções são 1 cria ção das condições gerais da produção que a classe dominante não consegue assegurar por sua atividade privada 2 repressão às ações das classes dominadas ou mesmo de frações da classe dominante contra o modo de produção existente e 3 integração das classes dominadas de modo a aceitarem através da ideologia da classe dominante sua própria exploração Mas o Estado é mais do que um simples representante da clas se que domina Segundo Poulantzas 2000 o papel principal do Estado é organizativo pois representa e organiza o interesse 51 Lenin 1987 coloca essa como sua função mais destacada 274 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 político do bloco no poder composto de várias frações da bur guesia e em alguns casos de classes dominantes provenientes de outros modos de produção grandes proprietários de terra por exemplo As classes dominantes são organizadas objetivando interesses de curto prazo das frações que se hegemonizem no bloco no po der e da burguesia ao longo prazo Isso ocorre sob a hegemonia de uma das classes ou frações do bloco no poder Desse modo o Estado constitui a unidade política das classes dominantes Mas ele consegue desempenhar essa função na medida em que dispõe de uma autonomia relativa em relação ao bloco no poder O Estado é desse modo uma condensação material de uma relação de forças entre as classes e frações de classe As contra dições de classes atravessam e constituem o Estado encontramse presentes no próprio seio do Estado Poulantzas 1981 p 8485 2000 p 13052 O planejamento regional é uma expressão desse Estado Ele é uma forma de intervenção estatal sobre as contradições da re produção capitalista Relembremos Francisco de Oliveira 1978 que afirma que o planejamento demonstra a existência de um Estado capturado ou não por formas mais avançadas de repro dução do capital rumo à integração nacional o que responde aos objetivos da acumulação capitalista Diante desta complexificação da ação estatal é preciso ver que o Estado deve continuar a tomar medidas essenciais para a reprodução do capital mesmo que isso produza sérios problemas à sua hegemonia aprofundando contradições dentro do bloco no poder e entre este e as classes dominadas o que intensifica as 52 Mas não é suficiente afirmar que as contradições e lutas de classe atravessam o Es tado é preciso entender que estas contradições constituem o Estado presentes na sua ossatura material e armam assim sua organização Poulantzas 2000 p 135 275 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 crises para além de perturbações tão somente econômicas Mar ques 2007 Assim constatamos que o Estado não representa um espaço em que os vários atores atuam em iguais condições de disputa há uma desigualdade de poder O Estado materializado nas po líticas públicas na Amazônia demonstra um perfil de classe os setores que o controlam determinam projetos de apoio ao capi tal e à grande propriedade Quanto à distribuição de seus recur sos diversos setores das frações dominantes da região disputam entre si mas em nenhum momento se propõem a ferir os inte resses fundamentais da reprodução do capital e da propriedade demonstrando uma espécie de filtro às questões que são tomadas como fundamentais ao desenvolvimento Esses setores ajudam a construir e a sustentar essa forma de Estado justamente porque ele responde a seus interesses gerais Marques 2007 Em meio a esse turbilhão de processos que atacam e afli gem os setores populares emerge a resistência daqueles que lu tam contra a espoliação e as políticas estatais que privilegiam as classes dominantes são os operários tradicionais e demais setores do proletariado mas também movimentos de mulheres negros indígenas caboclos contra a opressão antiglobalização movi mentos ambientalistas de juventude e de resistência e inovação cultural entre outros Ainda que em seu conjunto não se tenha até o presente um projeto claro de transformação social radical da sociedade é nessa resistência que reside nossa esperança As contradições da sociedade capitalista alimentam a resistên cia A maior de todas é a contradição capital versus trabalho ra zão de ser em primeira e última instâncias das crises e da insus tentabilidade do capitalismo Ela é impossível de ser solucionada por dentro do capitalismo pois sua resolução exige a extinção da exploração e portanto da classe dominante Neste caso o desa fio é a construção de uma nova sociedade Essa é a nossa força e 276 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 esperança de que o amanhã está marcado por esta transformação para um mundo melhor Essa deve ser nossa paixão ainda que difícil Eu tenho a paixão das causas difíceis quase perdidas quase deses peradas É toda a diferença entre a falésia confortavelmente senta da contente de seu lugar arrogante condescendente consigo mes ma e a onda que reflui se retira sem esquecer jamais de voltar à carga Tu sabes quem entre a falésia e a onda do mar tem a última palavra Bensaïd 1989 p 28 MUDAR O PRESENTE PARA PRESERVAR O FUTURO Em 2007 uma baleia minke de 55 metros de comprimento foi encontrada encalhada nas proximidades da comunidade Piquiatu ba município de BelterraPA no rio Tapajós a aproximadamente mil quilômetros do oceano Parece mais uma das estórias da Ama zônia ou outra conversa de pescador Mas foi verdade e documen tada com filmagens e fotografias Quando os moradores ligaram para o Ibama para pedir ajuda para salvar o animal a resposta de imediato que receberam foi que se ligassem outra vez informas sem que havia aparecido um elefante na comunidade Achavam absurda demais a história da baleia naquele rio Infelizmente ape sar de todo o esforço da população local o animal não resistiu aos ferimentos que apresentava Mais absurdo ainda é conceber que as populações amazônicas originárias da região ou imigrantes pos sam planejar e gerir seu futuro Assim pensam a burguesia brasilei ra e a estrangeira além dos governos que delas são representantes A partir dos anos 1950 mas particularmente no decorrer da década de 1970 desde a Transamazônica até os grandes projetos ocorreu uma significativa ampliação do papel do governo fede ral na região amazônica Para isso usouse de diversos instru 278 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mentos como por exemplo os meandros do combate à Guerrilha do Araguaia e o Getat Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins1 Também nesse período a internacionalização da re gião ganhou novo impulso não no sentido que denunciavam os nacionalistas quanto à perda de soberania pelo menos formal mas na colocação de seus recursos naturais no mercado interna cional a preços rebaixados aceitando para isso a colaboração dos capitais multinacionais Os modernos complexos dos grandes projetos passaram a con viver com o atraso das cidadesfavela pois eles mesmos as fabri cam bem como com miséria fome desemprego e prostituição A modernização foi imposta por decreto demonstrando seu cará ter autoritário sem debate com o conjunto da sociedade regional a rigor em muitos casos sem consultar até mesmo os setores do minantes locais As definições sobre o futuro e o desenvolvimen to regional foram tomadas fora da região entre Estado e grande capital nacional e internacional Se assim ocorreu com os setores dominantes locais com os trabalhadores foi muito pior Na com preensão política dominante aqueles que residiam nos espaços vazios indígenas posseiros caboclos etc deixaram de ter voz reivindicações e opinião A ação do Estado na Amazônia caminhou no sentido da estati zação mas permeada pelos interesses privados militarizou a ques tão fundiária e federalizou as terras para controlálas e repassálas aos grandes latifundiários negando a possibilidade de verdadeira reforma agrária ou de um modelo de desenvolvimento sustentado na pequena propriedade estatizou a produção mineral assumindo para si os custos da implantação dos grandes projetos energético 1 Recordemos uma coincidência que não ocorreu ao acaso a coincidência da área de atuação do Getat com a região de incidência mineral do Programa Grande Ca rajás e com a área de maior procura por latifundiários do sul e sudeste do país 279 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 minerais mas repassando essa produção ao capital privado por um preço muito inferior ao seu valor efetivo quando reuniu con dições transferiu tudo ou o que pode para o capital privado atra vés do fraudulento processo de privatização Em síntese o Estado estatizou para privatizar colocou o públi co a serviço do privado em detrimento do social A ocupação da região foi efetivada pela pata do boi escavadeiras da mineração e equipamentos do agronegócio gerando uma massa de despossuí dos inclusive os pobres que se estimulou a migrar para a Amazô nia O lema do Projeto Rondon2 de integrar para não entregar transformouse em integrar para entregar ao capital e não aos tra balhadores As políticas estatais tomaram o progresso como decorrência do capital Modernizar era capitalizar a região romper com o seu atraso integrála ao restante do país e ao imperialismo Aos se tores oprimidos não coube perguntar qual o sentido do progresso lhes interessava Eles deveriam ser passivos em um duplo sentido primeiro recebendo e assimilando as políticas elaboradas por ou tros segundo não reagindo frente a elas mesmo quando se cho cassem com seus interesses Ao tomarmos o caso amazônico a partir da reprodução capita lista brasileira descortinamos um Estado permeado pelos interes ses dessa reprodução e da sua classe correspondente por isso afir mase como um Estado de classe uma instituição marcada pelos interesses da acumulação privada nacional e internacional O aquecimento global e a busca de lucro pelo capital impul sionam os ataques ao ecossistema amazônico e ao próprio traba lhador reduzindo a floresta e sua capacidade de recomposição Como resultado há mais aquecimento do planeta 2 Projeto comandado pelos militares que formalmente desenvolvia ações de inte gração da região levando serviços diversos à população mais distante 280 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Ainda que o que apresentamos possa nos levar a certo pessi mismo não podemos deixar de ver que os movimentos sociais apesar de todas as limitações nunca deixaram de se mostrar pre sentes e em muitos casos passaram a ter mais visibilidade se ringueiros indígenas remanescentes de quilombos semterras ambientalistas pequenos produtores assalariados periféricos mulheres etc Mais que isso estamos diante do desafio histórico de mudar o rumo das políticas e construir um projeto alternativo que atribua ao desenvolvimento um sentido social e diametral mente oposto ao que foi presenciado até aqui Isso pressupõe lu tar contra a dominação do capital Esse desafio não se restringe às fronteiras brasileiras As nas centes de importantes rios amazônicos incluindo o próprio Ama zonas se localizam em outros países A floresta não acaba não respeita uma fronteira artificial ao contrário as seringueiras são encontradas seja no Brasil seja na Bolívia por exemplo As pro ximidades culturais sociais e o ambiente compartilhado entre a população da Amazônia brasileira e da Amazônia dos outros paí ses são enormes assim como os problemas Isso nos exige pensar um projeto para a PanAmazônia a partir das necessidades de seus habitantes e de uma nova relação com a natureza Tanto a burguesia nacional como a regional já comprovaram sua incapacidade de construir um verdadeiro projeto de autono mia dadas suas vinculações de classe e subordinação ao imperialis mo Essa tarefa está colocada para os trabalhadores e é urgente A construção do socialismo é a condição necessária para a verdadeira libertação e desenvolvimento do ser humano assim como a preser vação da natureza na medida em que consiga construir relações harmônicas não apenas entre seres humanos mas entre estes e a natureza Esse é o objetivo para o futuro porém ele se constrói desde hoje Não é tarefa para começar em um amanhã distante Mas outros desafios a mais se colocam no presente no imediato 281 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 É preciso apostar no desenvolvimento para o agora e também para o futuro Avançar a organização social é condição essencial para qualquer projeto com o conteúdo que almejamos Investir em educação saúde ciência e tecnologia3 é fundamental mas não qualquer educação e sim aquela que liberta tal qual expôs o edu cador Paulo Freire A riqueza da biodiversidade e da cultura amazônida deve sus tentar um projeto regional que por sua dimensão e conteúdo se transforma em projeto para a humanidade Nesse sentido buscan do estabelecer novas relações entre sociedade e natureza é preciso fugir à enganosa dicotomia entre desenvolvimento e preservação Não se trata de preservar esquecendo as pessoas nem de devorar a floresta em benefício de poucos negando o futuro e a possibilida de de desenvolvimento aos demais Podemos aproveitar as riquezas da floresta em pé viva Concordamos com Becker 2008 quando afirma que se deve atribuir valor econômico à floresta como forma de competir com as commodities e se colocar a urgência da verda deira revolução científicotecnológica para tal Mas acreditamos que desenvolvimento tem cara cor e sentido tem classe social Diferente do que se propaga ele não responde igualmente aos inte resses de todos A história da Amazônia comprova esta afirmação Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos Quando achava alguma coisa Não examinava nem cheirava Engolia com voracidade 3 Diniz et al 2011 afirmam que o Sistema Regional de Inovação da Região Ama zônica carece de maturidade em relação aos demais sistemas do mundo mas também das outras regiões brasileiras 282 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 O bicho não era um cão Não era um gato Não era um rato O bicho meu Deus era um homem O bicho Manuel Bandeira Domingo julho de 2017 feira do VeroPeso Belém do Pará mas poderia ser Manaus Rio Branco Boa Vista Palmas mui tos turistas e moradores locais se deliciam com pratos da culinária amazônica Na parte baixa da feira os preços são menores Na par te mais elevada e à beira do rio os preços são mais altos e a comida um pouco mais elaborada por isso o número de turistas é maior assim como daqueles paraenses que podem pagar mais Nela todas as mesas estão lotadas muita alegria comida e cerveja pois é ve rão na região Um rapaz negro de pouco menos de trinta anos se aproxima e se agacha em torno de uma pequena lixeira em meio às mesas Nela mete a mão suja e começa a pegar os restos de comida e a leválos diretamente à boca Parecia a cena descrita pelo poeta Manuel Bandeira em 1947 no poema O bicho De início nin guém se incomoda com isso o homem foi invisibilizado Eis que aparece uma atendente da barraca e o espanta tal qual ela espan taria um cachorro viralata de rua qualquer Não podemos naturalizar a miséria achar normal pessoas pas sando fome em meio à abundância de outros Não podemos deixar de ver as injustiças e tomar posição pelos injustiçados sob pena de sermos coniventes com os opressores Não podemos tornar in visíveis pessoas marginalizadas pelo desenvolvimento capitalis ta Por isso diante das proposições desenvolvimentistas devemos sempre perguntar qual desenvolvimento Para onde Para quem Afinal quem deve decidir sobre o futuro das populações ama zônicas Elas devem ter autonomia para isso A arrogância que do 283 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 mina gestores de políticas públicas grandes empresários e a parcela maior dos cientistas reproduz em discursos ou na prática que essa população não é capaz disso O saber tradicional é constantemente taxado como não mere cedor de credibilidade Mas é exatamente ele que ainda salva vidas no interior da região e mesmo das periferias das cidades amazôni cas É também com base nele que grandes laboratórios desenvol vem suas pesquisas sobre novos medicamentos e produtos Em nenhum plano de desenvolvimento ou grande empreendi mento a população pobre da região foi verdadeiramente chamada a opinar menos ainda lhes foram dados instrumentos de decisão Quando muito se abre uma audiência pública sem grande divul gação para cumprir uma formalidade da lei Acontece que exatamente os gestores públicos empresários e cientistas detentores dos recursos conhecimento e técnicas modernas têm tomado decisões em nome das comunidades lo cais O resultado Degradação pobreza violência crise urbana e social saque da riqueza regional Assim a incapacidade está antes de tudo nos primeiros e não nos amazônidas A razão principal decorre do fato de colocar a riqueza da região subordinada aos objetivos do lucro Não está na hora de chamar a população local a tomar de fato o futuro em suas mãos Quem conhece a riqueza e os segredos da floresta e rios sobrevive com menos de um salá rio mínimo mensal resiste às diversas formas de violência produz num solo frágil e quase sem nenhum apoio público certamente tem muito a dizer É difícil reverter o processo histórico do desenvolvimento ama zônico Sim mas não impossível Parte do que atualmente é a Amazônia já abrigou águas marinhas que entravam do ocea no Pacífico e do que atualmente é o mar do Caribe numa vasta região que corresponderia às fronteiras entre Brasil Colômbia e Peru Pesquisas geológicas apontam que entre 60 e 30 milhões de anos 284 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 passados não havia a foz do rio Amazonas entre os atuais estados do Pará e Amapá na costa atlântica O que atualmente correspon de à Bacia Amazônica corria em sentido inverso rumo ao Pacífi co Uma série de eventos geológicos entre os quais o choque de placas tectônicas que soergueu a cordilheira dos Andes teria sido decisivo para que o Amazonas ou mais especificamente a Bacia Amazônica iniciasse há 10 milhões de anos a inversão completa de seu curso passando a correr para o Atlântico4 Se o maior rio do planeta conseguiu inverter totalmente o seu curso por que seria impossível mudar o sentido do desenvolvimento regional Mas teríamos nós forças para isso Voltemos novamente ao rio Amazonas Ele um rio empurra para trás por centenas de qui lômetros um enorme oceano o Atlântico Ah mas o Amazonas é outra coisa Muitos dirão não dá para comparar com a frágil população local Certo e o que dizer de uma população que so breviveu a um enorme genocídio de mais de cinco séculos O que dizer de trabalhadores da construção civil de Belém que ainda que com pouco estudo formal constroem prédios de 40 andares Quem é fraco É fato que ainda falta o despertar dessa população mas esse é o nosso desafio Evidentemente não estamos propondo que a transformação seja incorporada e monopolizada por algum iluminado um sal vador da pátria Até porque já surgiram algumas pessoas da região que incorporaram essa figura e fizeram o mesmo que os de fora Não se trata de projetos individuais pois como diz um pensamen to africano sozinho se vai mais rápido mas juntos se vai mais longe Necessitamos construir projetos coletivos geridos coleti vamente com a participação de muitos Neles se erra muito mas também se aprende Quem só tem certezas certamente erra mais que os demais Até o momento as grandes decisões sobre a Ama 4 Vários cientistas afirmam isso entre os quais a geóloga Carina Hoorn 285 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 zônia foram tomadas fora e pelos de fora da região e os erros só se avolumam Cabe mudar essa situação Isso é uma précondição para que o verdadeiro desenvolvimento se torne realidade deixan do de ser lenda Colocar a questão nesses termos não significa negar a contri buição de quem não reside na região ao contrário a construção coletiva é uma tarefa de todos estando ou não na Amazônia Afi nal vamos precisar de todo mundo um mais um é sempre mais que dois já cantou Beto Guedes Anda Quero te dizer nenhum segredo Falo desse chão da nossa casa Vem que tá na hora de arrumar Tempo Quero viver mais duzentos anos Quero não ferir meu semelhante Nem por isso quero me ferir Vamos precisar de todo mundo Pra banir do mundo a opressão Para construir a vida nova Vamos precisar de muito amor A felicidade mora ao lado E quem não é tolo pode ver A paz na Terra amor O pé na terra A paz na Terra amor O sal da Terra És o mais bonito dos planetas Tão te maltratando por dinheiro Tu que és a nave nossa irmã Canta 286 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Leva tua vida em harmonia E nos alimenta com seus frutos Tu que és do homem a maçã Vamos precisar de todo mundo Um mais um é sempre mais que dois Pra melhor juntar as nossas forças É só repartir melhor o pão Recriar o paraíso agora Para merecer quem vem depois Deixa nascer o amor Deixa fluir o amor Deixa crescer o amor Deixa viver o amor O sal da terra O sal da terra Beto Guedes ANEXOS 288 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 Gráfico 1 Preço internacional do fero bruto x volume das exportações do estado do Pará Gráfico 2 Evolução do rebanho bovino paraense 19502010 REFERÊNCIAS ALTVATER Elma O fim do capitalismo como o conhecemos uma crítica radical do capitalismo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2010 BAENA Antônio Compêndio das eras da Província do Pará Belém UFPA 1969 BARCARENA LIVRE INFORMA nº 1 dez 2016 BECKER Bertha STENNER Cláudio Um futuro para a Amazônia São Paulo Oficina de Textos 2008 BECKER Bertha Amazônia geopolítica na virada do III milênio Rio de Janeiro Garamond 2009 A urbe amazônica a floresta e a cidade Rio de Janeiro Garamond 2013 BENCHIMOL Samuel Amazônia um poucoantes e alémdepois Ma naus Umberto Calderaro 1977 BENSAID Daniel Moi la révolution Paris Gallimard 1989 BENTES Rosineide Um novo estilo de ocupação econômica da Amazô nia os grandes projetos In Estudos e problemas amazônicos Belém Secretaria de Estado de EducaçãoCEJUP p 89114 1992 BRASIL COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE RelatórioComissão Nacional da Verdade Vol II Recurso eletrônico Brasília CNV 2014 CARCANHOLO Reinaldo Capital essência e aparência São Paulo Ex pressão Popular 2013 CASTELO BRANCO Humberto de Alencar In SUDAM Operação Amazônia Discursos Belém SUDAM 1968 CASTRO Edna Processos de trabalho e relações de poder no Carajás In DINCAO Maria Ângela SILVEIRA Isolda M Amazônia e a crise da modernização Belém Museu Paraense Emílio Goeldi 1994 290 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 CASTRO Edna Urbanização pluralidade e singularidades das cidades amazônicas In Cidades na floresta São Paulo Anablume 2009 Expansão da fronteira megaprojetos de infraestrutura e integração sulamericana Caderno CRH Salvador v 25 n 64 janabr 2012 Salvador 2012 CASTRO Edna CAMPOS Índio Formação socioeconômica do estado do Pará In CASTRO Edna CAMPOS Índio org Formação socioeconômica da Amazônia Belém NAEA 2015 CAVALCANTI Mário de B Da SPVEA à SUDAM 19641967 Belém 1967 CLEMENT Charles JUNQUEIRA André Plantas domesticadas uma história fascinante Scientific American Brasil 2008 Coleção Ama zônia Origens CLEMENT C et al O desafio do desenvolvimento sustentável na Amazônia TC Amazônia Manaus Fucapi 2003 COELHO Geraldo A redescoberta das Amazonas Scientific American Brasil 2008 Coleção Amazônia Origens COONEY Paul OLIVEIRA Wesley ALMEIDA Leandro O pólo in dustrial de Manaus como estratégia de desenvolvimento da Amazô nia In RIVERO Sérgio JAYME Jr Frederico orgs As Amazô nias do século XXI Belém Edufpa 2008 COSTA Francisco de A Formação agropecuária da Amazônia os desafios do desenvolvimento sustentável Belém UFPA NAEA 2000 Capital estrangeiro e agricultura na Amazônia a experiência da Ford Motor Company 19221945 Rio de Janeiro EIAPCPDA 1981 dissertação de mestrado COTA Raimundo G Carajás a invasão desarmada CametáPA Novo Tempo 2007 CRUZ Ernesto História do Pará Belém UFPAImprensa Universitária 1963 CUNHA Euclides da À margem da história Rio de Janeiro Ministério da CulturaFundação Biblioteca Nacional sd DAL POZ NETO João No país dos Cinta Larga uma etnografia do ritual Dissertação de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ci ências Humanas da USP 1991 DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL Sumá rio Mineral LIMA Thiers Muniz NEVES Carlos Augusto Ramos org Brasília DNPM 2014 DINIZ Marcelo et al Dilemas do aproveitamento econômico dos recur sos da biodiversidade da Amazônia In DINIZ Marcelo org De 291 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 safios e potencialidades para a Amazônia do século XXI Belém Paka Tatu 2011 DINIZ Marcelo Desmatamento e ausência de riqueza na Amazônia Belém PakaTatu 2017 EMMI Marília A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais Belém NAEAUFPA 1999 ENGELS Friedrich A origem da família da propriedade privada e do Esta do Rio de Janeiro Civilização brasileira 1984 FARIA Alexandre RIBEIRO Alexandro IRIGARAY Carlos SILVA Carolina Formação socioeconômica do Mato Grosso In CASTRO Edna CAMPOS Índio org Formação socioeconômica da Amazô nia Belém NAEA 2015 FERNANDES Danilo Elites regionais e a formação do pensamento de senvolvimentista amazônico nas décadas de 40 e 50 In TRINDA DE José R org Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia A SPVEA auge e crise do ciclo ideológico do desenvolvimentismo brasileiro Belém PakaTatu 2014 FONTES Virgínia O Brasil e o capital imperialismo teoria e história Rio de Janeiro EPSJVEditora UFRJ 2010 FRITSCH JeanMarie Les ressources en eau Intérêst et limites dune vi sion globale Revue Française de Géoéconomie n 4 hiver 19971998 GARRIDO FILHA Irene O projeto Jari e os capitais estrangeiros na Ama zônia PetrópolisRJ Vozes 1980 GONÇALVES Reynaldo Desenvolvimento às avessas verdade máfé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento Rio de Janeiro LTC 2013 GOMES Mércio P Os índios e o Brasil passado presente e futuro São Paulo Contexto 2012 HALL Anthony O programa Grande Carajás gênese e evolução In Jean Hebette org O cerco está se fechando Petrópolis Vozes 1991 HARVEY David Condição pósmoderna uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural São Paulo Loyola 1996 HARVEY David O novo imperialismo 6 ed São Paulo Edições Loyola 2004 HARVEY David Os limites do capital São Paulo Boitempo 2013 HAZEU Marcel O nãolugar do outro sistemas migratórios e transformações sociais em Barcarena Belém NAEAUFPA 2015 Tese de doutora do HOBSBAWM Eric Era dos extremos o breve século XX 19141991 São Paulo Companhia das Letras 1995 292 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 IANNI Otávio Colonização e contrareforma agrária na Amazônia Petró polisRJ Vozes 1979 KOWARICK Marcos AmazôniaCarajás na trilha do saque São Paulo Anita Garibaldi 1995 LEAL Aluizio Sinopse histórica da Amazônia uma visão política In Be lém IDESP 2010 Grandes projetos amazônicos I o caso Ford no Tapajós Belém 2002 inédito LEITE Alegria SOARES Daniel TRINDADE José R Renda mineral e grande capital na Amazônia a exploração das minas de Carajás pela Companhia Vale Leituras de Economia Política Campinas 24 jan dez 2016 Acessado em 28012018 Disponível em wwwrevista lepcombrindexphpleparticleview187131 LENIN Vladimir I Imperialismo fase superior do capitalismo São Paulo Global 1989 O Estado e a revolução São Paulo Hucitec 1987 LÔBO Marco Aurélio Arbage Estado e capital transnacional na Amazônia o caso da ALBRÁSALUNORTE Belém NAEA 1996 LOUREIRO Violeta R Amazônia Estado homem natureza Belém Ce jup 2004 LOUREIRO Violeta PINTO Jax A questão fundiária na Amazônia Es tudos Avançados vol 19 n 54 São Paulo MayAug 2005 LOUREIRO Violeta A Amazônia do século XXI novas formas de desenvol vimento São Paulo Empório do Livro 2009 MANDEL Ernest O capitalismo tardio São Paulo Abril Cultural 1982 coleção Os Economistas MARINI Ruy Mauro Dialética da dependência In STEDILE João Pe dro e TRASPADINI Roberta orgs Ruy Mauro Marini vida e obra São Paulo Expressão Popular 2005 MARINI Ruy Mauro O ciclo do capital na economia dependente In FERREIRA Carla OSORIO Jaime LUCE Mathias orgs Pa drão de reprodução do capital contribuições da teoria marxista da de pendência São Paulo Boitempo 2012 MARQUES Gilberto Estado e desenvolvimento na Amazônia a inclu são amazônica na reprodução capitalista brasileira Rio de Janeiro UFRRJCPDA 2007 Tese de Doutorado MARQUES Gilberto Amazônia uma moderna colônia energéticomine ral Universidade e Sociedade Ano XXI nº 49 jan 2012 Brasília AndesSN 2012 MARQUES Gilberto SPVEA o Estado na crise do desenvolvimento re gional amazônico 19531966 In TRINDADE José R org Seis 293 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 décadas de intervenção estatal na Amazônia A SPVEA auge e crise do ciclo ideológico do desenvolvimentismo brasileiro Belém Paka Tatu 2014 MARQUES Gilberto MARQUES Indira Luta camponesa e reforma agrá ria no Brasil São Paulo Sundermann 2015 MARQUES Indira Território Federal e mineração de manganês gênese do Estado do Amapá Rio de Janeiro UFRJ 2009 Tese de Douto rado MARTINS José de S Prefácio a chegada do estranho In HÉBETTE Jean org O cerco está se fechando impacto do grande capital na Ama zônia PetrópolisRio de Janeiro VozesFaseNAEA 1991 Expropriação e violência a questão política no campo São Paulo Hucitec 1980 A militarização da questão agrária no Brasil Petrópolis Vozes 1984 A reforma agrária e os limites da democracia na Nova República São Paulo Hucitec 1986 Os camponeses e a política no Brasil Petrópolis Vozes 1995 Fronteira a degradação do Outro nos confins do humano São Pau lo Contexto 2012 MATTOS Carlos de Meira Uma geopolítica PanAmazônica Rio de Janei ro Biblioteca do Exército 1980 MARX Karl O Capital livro I volume I São Paulo Nova Cultural 1988 MEIRELES Mário Martins História do Maranhão 2 ed São Luís Fun dação Cultural do Maranhão 1980 MENDES J A A crise amazônica e a borracha Manaus Valer Governo do Amazonas 2004 MENDONÇA Mauricio Brilhante de O processo de decisão política e a Zona Franca de Manaus São Paulo Fundação Getúlio Vargas 2013 Tese Escola de Administração de Empresas de São Paulo MONTEIRO Maurílio Mineração industrial na Amazônia e suas impli cações para o desenvolvimento regional Novos Cadernos do NAEA v 8 n 1 jun 2005 Belém UFPANAEA 2005 MONTEIRO Benedicto História do Pará Belém editora Amazônia 2006 NAHUM João S A Amazônia dos PDAs uma palavra mágica Belém UFPANAEA 1999 Dissertação de Mestrado NASCIMENTO Durbens A Guerrilha do Araguaia paulistas e milita res na Amazônia Belém UFPANAEA 1999 OLIVEIRA Ariovaldo U Integrar para não entregar políticas públicas e Amazônia CampinasSP Papirus 1988 294 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 A geografia agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro In CARLOS Ana Fani org Novos caminhos da geografia São Paulo Contexto 2005 OLIVEIRA FILHO Moacyr Rio Maria a terra da morte anunciada São Paulo Anita Garibaldi 1991 OLIVEIRA Francisco Elegia para uma religião Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 PAULANI Leda Acumulação e rentismo resgatando a teoria da renda de Marx para pensar o capitalismo contemporâneo Revista de Economia Política vo 36 nº 3 144 julset 2016 Acessado em 26012018 Disponível em httpwwwscielobrpdfrepv36n318094538 rep360300514pdf PINHEIRO Luís B Uma inversão de mundos Scientific American Brasil 2008 Coleção Amazônia Origens PINHEIRO Sebastião NASR Nasser LUZ Dioclécio Agricultura eco lógica e a máfia dos agrotóxicos no Brasil Rio de Janeiro Edição dos Autores 1998 PINTO Lúcio F Amazônia no rastro do saque São Paulo Hucitec 1980 POULANTZAS Nicos O Estado o poder o socialismo Rio de Janeiro GraalPaz e Terra 2000 POULANTZAS Nicos et al O Estado em discussão Lisboa 1981 PRADO JÚNIOR Caio História econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2011 REDE AMAZÔNICA DE TELEVISÃO Viagens pela Amazônia Apogeu e queda da borracha na Amazônia Manaus 2013 Reportagemdo cumentário de televisão REIS Arthur C A política de Portugal no Valle Amazônico Belém Secult 1993 A Amazônia e a cobiça internacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1960 RIBEIRO Nelson A questão geopolítica da Amazônia Brasília Senado Fe deral 2005 ROCQUE Carlos História geral de Belém do GrãoPará Belém Distribel 2001 ROSSETTI Dilce TOLEDO Peter Mann O crescimento da floresta Scientific American Brasil 2008 Coleção Amazônia Origens SALLES Vicente O negro no Pará Belém Instituto de Artes do Pará 2005 SANTOS Andreia MACHADO José SERÁFICO Marcelo Formação socioeconômica do Amazonas In CASTRO Edna CAMPOS Índio org Formação socioeconômica da Amazônia Belém NAEA 2015 295 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 SANTOS Roberto Histórica Econômica da Amazônia 18001920 São Paulo Queiroz 1980 SANTOS Theotonio Teoria da dependência Balanços e perspectivas Flo rianópolis Insular 2015 SCHAAN Denise A Amazônia antes do Brasil Scientific American Bra sil Coleção Amazônia Origens SCHMINK Marianne WOOD Charles Conflitos sociais e a formação da Amazônia Belém Ed UFPA 2012 SINMINERAL Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará Ba lanço mineral do Estado do Pará 2010 Belém SINMINERAL 2011 SILVA Marilene O país do Amazonas Manaus Valer 2014 SOUZA André Santos de Dinâmica socioeconômica e trabalho na Ama zônia análise do município de Parauapebas a partir da migração de trabalhadores maranhenses da mineração Marabá PDTSAUnifess pa 2014 Dissertação de Mestrado SOUZA Márcio A expressão amazonense do colonialismo ao neocolonia lismo São Paulo AlfaÔmega 1978 Amazônia indígena Rio de Janeiro Record 2015 Chico Mendes São Paulo Instituto Callis 2005 O empate contra Chico Mendes São Paulo Marco Zero 1990 TOCANTINS Leandro O rio comanda a vida Uma interpretação da Amazônia Biblioteca do Exército editora Rio de Janeiro 1973 TRINDADE José R OLIVEIRA Wesley Conversão geopolítica da fronteira e estratégia de desenvolvimento regional a intervenção es tatal na Amazônia brasileira a partir dos anos 1940 In TRINDA DE José R org Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia A SPVEA auge e crise do ciclo ideológico do desenvolvimentismo brasileiro Belém PakaTatu 2014 TROTSKY Leon História da Revolução Russa São Paulo Sundermann 2007 VALE Carajás 50 anos a descoberta Disponível em httpwwwvale comhotsitePTPaginasvdoccarajas50anosadescobertaaspx documentário acessado em 27122017 VALVERDE Orlando Dos grandes lagos sulamericanos aos grandes ei xos rodoviários In VALVERDE Orlando FREITAS Tácito O problema florestal da Amazônia brasileira Petrópolis Vozes 1980 VARGAS Getúlio Discurso do Amazonas 1940 In Departamento de Imprensa Nacional Presidência da República Valorização Econômica da Amazônia Subsídios para seu Planejamento Rio de Janeiro 1954 296 Livro disponibilizado para leitura exclusiva de acordo com a lei nº 13146 artigo 68 VILLAS BOAS Orlando Entrevista à revista Visão 10021975 In VILLAS BOAS Orlando VILLAS BOAS Cláudio Xingu os ín dios seus mitos São Paulo Edibolso 1975 VILLAS BOAS Orlando VILLAS BOAS Cláudio Xingu os índios seus mitos São Paulo Edibolso 1975