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CONDICIONAMENTOS DA PARTICIPAÇÃO Como se explica que sendo a participação uma necessidade básica do homem tão poucas pessoas participem real e plenamente das decisões importantes de nossa sociedade Que fatores condicionam a participação isto é a facilitam ou obstaculizam A família Silva está reunida ao redor da mesa para discutir como enfrentar o desafio do crescente custo de vida Mas os filhos já sabem de antemão quais serão as decisões que a família vai tomar São as decisões que o pai costuma impor em momentos críticos só ele se julga capaz de escolher a melhor alternativa E até utiliza o sarcasmo e a ironia para destruir os argumentos dos filhos mais velhos A Associação dos Moradores da Favela do Cravo convocou reunião para discutir o problema da água O novo presidente da Associação é um homem que sempre trabalhou pela comunidade e portanto é muito querido e respeitado Ele cria um ambiente onde ninguém se sente inibido de dar sua opinião Todos gostariam de contribuir na medida de suas possibilidades O Serviço de Extensão Rural estabeleceu o planejamento participativo no município de Rebouças Este começou por um diagnóstico dos problemas do município feito pelos técnicos do Serviço Mais tarde os técnicos comunicaram aos agricultores quais eram os problemas identificados E pediram aos produtores que elaborassem com a ajuda dos técnicos as soluções mais convenientes O candidato a governador anuncia seu plano de substituir o paternalismo governamental por uma alternativa comunitária baseada na participação responsável da comunidade Contudo como o candidato pertence a um partido de classe média as classes trabalhadoras perguntamse qual será seu nível de participação na reforma proposta Embora o candidato a governador do Estado possa acreditar pessoalmente numa alternativa comunitária baseada na participação de todas as classes sociais o fato de ele pertencer a um partido dominado pela classe média permite prever um sucesso apenas relativo de seu plano se ele se cercar só de elementos de seu partido Os interesses da classe trabalhadora podem não ser contemplados proporcionalmente ao tamanho e importância da classe Esta possibilidade destaca a grande influência da estrutura social sobre a participação O fato de nossa sociedade estar estratificada em classes sociais superpostas e com interesses às vezes antagônicos nos leva à pergunta se uma estrutura como a nossa favorece a participação admitindose que só se participa realmente quando se está entre iguais Estratificação de classes no Brasil 1 alta burguesia muito ricos 4 burguesia ricos 15 pequena burguesia remediados 30 proletariado pobres 50 subproletariado muito pobres Nas Nações Unidas também a estrutura social exerce decisiva influência na participação só que aqui a burguesia está representada pelos países do Primeiro Mundo e alguns do Segundo enquanto o proletariado compreende os países do Terceiro Mundo A participação não pode ser igualitária e democrática quando a estrutura de poder concentra as decisões numa elite minoritária Desta breve análise dos condicionamentos da participação baseada nos exemplos escolhidos dependese a noção de conflito relacionada com a participação De fato as condições de participação no mundo atual são essencialmente conflituosas e a participação não pode ser estudada sem referência ao conflito social se vinculam por uma série de laços que constituem uma solidariedade orgânica Nos sistemas de interesses a ação visa o interesse do indivíduo que procura distinguirse dos demais para melhorar sua posição relativa a respeito deles Os sistemas de interesses encontraramse nos setores de atuação econômica e mesmo política nos quais vigoram a concorrência e a contínua atualização e renovação das desigualdades Os membros destes sistemas se apoiam mutuamente por fins utilitários numa solidariedade puramente mecânica e não orgânica O drama de nossa sociedade é que com frequência o Estado se alia aos sistemas de interesses em detrimento dos sistemas de solidariedade e prefere limitar drasticamente a participação destes no momento em que considera que sua mobilização coloca em perigo o sucesso dos sistemas de interesses Numa sociedade regida mais pelos sistemas de interesses que pelos de solidariedade com uma marcada estratificação sócioeconômica na qual umas classes exploram outras a participação será sempre uma guerra a ser travada para vencer a resistência dos detentores de privilégios É por isto que a análise da participação tem mais pertencido com os estudos dos movimentos populares de protesto social e político e do movimento operário e revolucionário do que com os trabalhos de psicologia social sobre liderança e coesão dos pequenos grupos Além dos condicionamentos impostos pela estrutura social geral cada organização formal ou informal escolas igrejas empresas sindicatos partidos associações profissionais comunidades de base grupos de amizade cria um ambiente inter uma organização seja flexível e descentralizada a participação desenvolvese mais naturalmente A mesma coisa acontece com a flexibilidade da programação Quando todas as atividades da associação estão rigidamente previstas num programa estabelecido a participação na tomada de decisões deixa de ser relevante e se reduz às decisões triviais da tática operacional Apesar de a participação ser uma necessidade básica o homem não nasce sabendo participar A participação é uma habilidade que se aprende e se aperfeiçoa Isto é as diversas forças e operações que constituem a dinâmica da participação devem ser compreendidas e dominadas pelas pessoas Na reunião dos Silva haverá alguma forma de levar o pai a abrir mão de seu autoritarismo para que os membros se expressem com menos temor e contribuam para encontrar soluções mais funcionais para os problemas da família O A força das instituições sociais é a primeira O homem é um ser essencialmente institucionalizado é seu comportamento a fortemente influenciado pela família a educação a religião a economia a segurança instituições sociais que têm a seus próprios dogmas e normas Estes dogmas e normas vêm canalizados e organizados pela tradição pela cultura Nossa tradi ção latinoamericana por exemplo é menos partici pativa que a dos Estados Unidos onde é comum de ações numa companhia assista às assembleias para defender seus direitos Nós costumamos dizer que uns poucos se encarreguem das decisões e das atividades reservandonos apenas o direito de criticar seu desempenho Quantos de nós por exemplo fazemos questão de participar nas reuniões de pais e mestres de condições de prédio da comunidade paroquial de acionistas de empresa etc 2 As pessoas que se encontram em contato frequente com um grupo de trabalho de vi nhança ou de amizade tendem a desenvolver uma organização social informal bem como comportamentos padronizados e códigos de comunicação que distinguem os membros dos nãomembros Desenvolvem ainda certas normas grupais às vezes inconsistentes e que não afetam igualmente a todos os membros Toda pessoa que deseja ingressar no grupo ou trabalhar com ele primeiro tem de aprender sua estrutura de organização social informal e seus códigos e normas Sabese também que os membros de grupo participam mais intensamente quando percebem que o objetivo da ação é relevante para seus próprios objetivos Se os membros de um grupo concordam com a necessidade de alguma mudança pode ser feita uma forte pressão para alcançar a meta pois neste caso a pressão será exercida pelo próprio grupo Os líderes comunitários e agentes educativos sabem que o povo participa mais e melhor quando o problema responde a seus interesses e não apenas aos da liderança ou das instituições externas Sabem ainda que o objetivo deve ficar bem claro para todos os membros 3 Dentro do todo grupo existe diferenças individuais no comportamento participativo Cada membro participa de uma maneira diferente A variedade de maneiras de participar é uma força positiva para a dinâmica do grupo mas ao mesmo tempo exige uma tarefa de coordenação e comple mentação que é função de todo o grupo e especialmente de suas lideranças Os líderes e agentes educativos aproveitam as diferenças individuais construtivamente na participação 4 A atmosfera geral de um grupo deriva em par te do estilo de liderança existente e que pode ser autoritário democrático ou permissivo laissez faire Tal atmosfera afetará tanto a produtividade do grupo como o grau de satisfação e de responsa ibilidade de seus membros 5 A participação é mais genuína e produtiva quando o grupo se conhece bem a si mesmo e se mantém bem informado sobre o que acontece dentro e fora de si A qualidade da participação fundamentase na informação veraz e oportuna Isto implica num contínuo processo de criação de conhecimento pelo grupo tanto sobre si mesmo como sobre seu ambiente processo que requer a abertura de canais informativos confiáveis e desobstruídos 6 Uma força atuante sobre a participação é um bom mecanismo de realimentação no sentido de os membros reconhecerem de maneira rápida e efetiva as consequências de seus atos e os resultados da ação coletiva Isto é particularmente importante dado o caráter imediatista de nossa cultura o povo deseja ver resultados concretos de seu esforço e não está acostumado a esperar recom pensas tardias A capacidade de aguardar recomendações geralmente vem com a educação 7 Ora a maior força para a participação é o diálogo Diálogo aliás não significa somente con versa Significa se colocar no lugar do outro para compreender seu ponto de vista respeitar a opinião alheia aceitar a vitória da maioria pôr em comum as experiências vividas sejam boas ou ruins participar a informação disponível tolerar longas discussões para chegar a um consenso satisfatório para todos 8 O diálogo tem seus requisitos Compreende não só o melhoramento da capacidade de falar e escutar mas também o domínio das técnicas da dinâmica de grupos discussão dramatização liderança de reuniões etc e o uso efetivo dos meios de comunicação grupal 9 O padrão de comunicação de um grupo é ao menos em parte determinado pelas personalidades individuais dos membros Por sua vez o padrão de comunicação exerce influência sobre o comportamento dos membros A desigualdade ou a percepção de desigualdade conspira contra a participação Na presença do padrão os operários não utilizam a mesma franqueza que quando o grupo é homogêneo O diálogo verdadeiro só é possível entre iguais ou entre pessoas que desejam igualarse 10 Os momentos que muito contribuem para as discussões intervindo com frequência útilmente tendem a converterse em elementos focais da comunicação Os membros com status mais ele vado e que gozam de maior aceitação por parte dos demais tendem a iniciar mais comunicações que outros modificando assim a direção da comunica ção Em grupos grandes os participantes tendem a dirigir suas comunicações a pessoas semelhantes a eles mesmos Isto explica em parte a tendência para a formação de grupinhos e frações e eventualmente para o surgimento de antagonismos 11 O tamanho dos grupos influi sobre o grau de participação Embora um grupo grande conte com mais recursos que um pequeno o nível de participação de cada membro tende a baixar Daí porque tem se desenvolvido técnicas para quebrar um grupo grande assembleia em grupos pequenos 12 Em nível de sociedade global a participação se torna um processo muito mais complicado do que em nível de grupos ou associações Com efeito é nesse nível macro que se manifestam de maneira mais forte os condicionamentos desfavoráveis à participação 1 A grande causa da resistência é a contradição de fundo entre a igualdade de todos os cidadãos na esfera pública e sua desigualdade na esfera privada Vivemos dentro de um sistema que não pode funcionar senão declarando a igualdade e aplicando a discriminação um sistema que transfere à soci edade política o esquema de desigualdade da sociedade civil abrindo para a burguesia a possibilidade de fazer política com toda a força de suas posições adquiridas no esquema civil de desigualdade Daí o surgimento nas últimas décadas de uma distinção entre os que consideram participação política movimentarse dentro das regras sociais vigentes esperando extrair seu potencial igualitário e aqueles que atuam dentro da estrutura mes ma da desigualdade a fim de derrubála e destruí la A primeira é a alternativa parlamentar e a segunda é a alternativa da luta de classes O tipo de participação inerente a uma e outra é marcadamente diferente 2 Outra questão que afeta a participação social e política é a marcada divisão existente em nossa sociedade entre o setor oficial e o setor civil Tradicionalmente supõese que o setor oficial é o iniciador e promotor do desenvolvimento sendo o setor civil apenas seu beneficiário ou vítima Esta dicotomia tem tido como saldo a existência de um verdadeiro abismo entre os dois setores De um lado estão os tecnocratas e burocratas que plane jam decidem e executam Do outro lado uma enorme massa de pessoas somente dedicadas a seus próprios interesses e negócios A comunicação entre os dois setores é precária e não raramente conflitante Lembremos o destino dado pelas autoridades a uma petição com milhares de firmas apresentada pelo Comitê de Luta contra a Carestia Lembremos a greve de maquinaria feita pelos produtores de arroz do Sul que colocaram seus tratores e colhedeiras nas estradas como protesto contra os baixos preços fixados pelo governo para seu produto Lembremos que o povo não foi consultado para o país assumir uma dívida externa superior aos 100 bilhões de dólares e que o povo terá que ajudar a pagar 3 Daí a crescente popularidade das propostas em favor de uma democracia direta quer dizer democracia como participação em substitutivo de uma democracia indireta isto é democracia como representação Com todas suas vantagens a democracia representativa tem um grave defeito a criação do político profissional com a consequente despolitização dos demais cidadãos os que vivem uma participação de segunda mão espectadores como são dos debates parlamentares e declarações de autoridades e candidatos Distinto seria o caso se como ocorre na iugoslávia os representantes do povo delegações continuassem no exercício de suas funções ou seja vinculados às bases que os elegeram de forma direta e contínua e pudessem ser destituídos a qualquer tempo pela assembleia da organização ao qual comunidade que representam mesmo tendo um período de mandato definido 4 Os acelerados avanços do associativismo na época presente podem também vir a ser uma resposta pelo menos parcial para o dilema acima a sociedade civil sem desconhecer os poderes e os deveres do Estado trata de fortalecerse através da participação em organizações de todo tipo para ser um melhor interlocutor do governo para melhor fiscalizálo e orientálo Desnecessário dizer que a sociedade civil não pretende substituir o Estado mas também não quer deixálo como dono e senhor das decisões nacionais Ela não aceita assumir uma contribuição maior de recursos sob o pretexto de planejamento participativo e outros engodos do Estado para que sejam construídos a menor preço para este estradas escolas e postos de saúde Porém exige ser consultada no planejamento e execução destas obras visto que é ela a sociedade civil que vai utilizálas Neste sentido a participação social e política é a luta das classes populares para que as classes dirigentes cumpram seu dever Ao mesmo tempo a participação nestas lutas pelas estradas escolas postos de saúde etc serve para fortalecer a consciência de classe preparando o povo para passar a lutar por transformações mais drásticas das estruturas sociais A participação não tem pois somente uma função instrumental na codireção do desenvolvimento pelo povo e o governo mas também exerce uma função educativa da maior importância que consiste em preparar o povo para assumir o governo como algo próprio de sua soberania tal como está escrito na Constituição Através da participação a população aprende a transformar o Estado de órgão superposto à sociedade e distante dela em órgão absolutamente dependente dela e próximo dela A participação na comunidade A participação comunitária consiste num microcosmos políticosocial suficientemente complexo e dinâmico de forma a representar a própria sociedade ou nação Quer dizer que a participação das pessoas em nível de sua comunidade é a melhor preparação para a sua participação como cidadãos em nível da sociedade global Para a análise aproveitaremos as observações feitas por Frances OGorman em diversas comunidades de base no Brasil Elas fazem parte do livro Dinâmica comunitária nas palavras do povo Editora Vozes 1981 Quero no interior de um município rural querer de um bairro de periferia urbana o grupo comunitário é um núcleo relativamente coeso dentro de uma vizinhança maior na qual existem também grupos de interesse ou de classe sindicato escola de samba time de futebol seitas religiosas etc O grupo comunitário geralmente possui um núcleo de liderança que é uma equipe um grupinho firme que estimula e sustenta a organização e mobilização do grupo comunitário e interage mais de perto com os agentes educativos ou da pastoral O núcleo de liderança agindo pelo grupo comunitário se relaciona com a vizinhança ou seja com os moradores da rua ou do povoado e com os grupos de interesse ou de classe despertados por algum problema que atinja diretamente os participantes da comunidade A mobilização produzida pelo grupo de liderança pode envolver ainda outros setores de municípios rurais e bairros urbanos numa participação indireta ou ocasional Ainda mais as comunidades populares longe de serem organismos estanques encontram seu sentido no relacionamento com instituições econômicas sociais políticas e culturais que compõem a sociedade Este relacionamento extracomunitário é facilitado pela presença dos agentes educativos que têm acesso à sociedade dominante por serem em geral de classe média o que les permite integrarse nas organizações de poder Os agentes podem assim facilitar a canalização de recursos informações e ideias entre o grupo comunitário e as instituições sociais extracomunitárias Não é incomum o caso dos grupos comunitários depois de um certo período não necessitam mais de agentes educativos já que pela práxis e a reflexão eles adquirem maturidade e capacidade para a autogestão de seu processo educativo transformador A participação na escola A escola pública antes encerrada em si mesma e dedicada quase que exclusivamente ao ensino de crianças e adolescentes está procurando ser mais participativa em dois sentidos o da participação da comunidade na escola e o da participação da escola na comunidade As vantagens de ambos os movimentos são bastante óbvias Tomemos o caso dos currículos Os conteúdos dos programas de estudo são normalmente elaborados por funcionários do Ministério da Educação profissionais de classe média urbana Carregados de noções e valores adequados para a classe média urbana eles são porém aplicados de maneira uniforme em todas as escolas em todos os bairros e mesmo nas zonas rurais Se os professores que tratam diretamente com alunos das mais diversas origens e classes e os pais dos alunos participassem na elaboração dos currículos ou pelo menos na sua adaptação seria detectada a irrelevância de muitos conteúdos para os alunos de classe operária e rural Se os pais dos alunos tivessem maior participação na vida da escola poderiam fazer com que horários e calendários escolares os trabalhos práticos e as pesquisas dos alunos fossem mais adequados a suas necessidades e interesses Uma maior participação da escola na comunidade por outro lado reduziria a distância com frequência existente entre ela e o mundo do trabalho aumentaria a eficiente utilização de locais como fábricas oficinas granjas etc como lugares de aprendizagem incrementaria a interaprendizagem entre os diversos setores produtivos da comunidade e ampliaria o alcance educativo da escola aos adultos Por sobre todas as coisas a participação escolacomunidade constituiu um laboratório vivo onde os futuros cidadãos aprendem a difícil arte da convivência democrática A participação no município Dois municípios brasileiros os de Boa Esperança no Estado de Espírito Santo e de Lajes no Estado de Santa Catarina já viveram suas experiências bemsucedidas de participação comunitária Em ambos os municípios os respectivos prefeitos convocaram a comunidade para a busca de soluções criativas e apropriadas à realidade local Em ambos a participação foi institucionalizada organizandose comunidades de base e centros de irradiacão e estabelecendose conselhos municipais de desenvolvimento integrados com representantes das forças vivas e dos organismos oficiais O método de mutirão foi amplamente utilizado sobretudo o habitacional onde a prefeitura colabora com o terreno água energia esgotos escolas e alguns mestresdeobras e as famílias beneficiadas com a ajuda da comunidade oferecem a mãodeobra As experiências de Lajes e Boa Esperança permitem esperar a gradual implantação da democracia participativa no Brasil AS FERRAMENTAS OPERATIVAS É relativamente fácil distinguir entre a participação simbólica e a participação real Na simbólica os membros de um grupo têm influência mínima nas decisões e nas operações mas são mantidos na ilusão de que exercem o poder Este é frequentemente o caso na democracia representativa de corte eleitoralista e também de muitas cooperativas onde a gerência toma todas as decisões e os sócios se limitam a aproválas Na participação real os membros influenciam em todos os processos da vida institucional É verdade que os membros não participam todos da mesma maneira alguns membros adotando funções de agentes expressivos artistas filósofos comunicadores enquanto outros adotam funções de agentes instrumentais técnicos e profissionais sendo porém as contribuições de ambos indis Em outros casos a pesquisa é mais específica abordandose preferentemente aspectos de um determinado setor como saúde nutrição infantil nível de vida e problema dos transportes ou da comercialização de produtos agrícolas Podese observar que o conhecimento da realidade realiza simultaneamente diversos objetivos criação de saber conscientização solução de problemas capacitação e formação prática em participação etc Nesta ação de autoconhecimento a comunidade deixa de ser simples objeto de estudo como na pesquisa tradicional para ser sujeito e protagonista além de beneficiária Eliminase a diferença entre pesquisador e pesquisado e desmistificase a pesquisa como algo reservado a especialistas de alta formação acadêmica Os resultados da pesquisa são aproveitados pela própria comunidade e não apenas para publicação externa ou elaboração de teses como é frequentemente o caso na pesquisa tradicional A organização Vimos em capítulos anteriores que a participação pode ter uma intenção puramente integradora ou adaptadora visando só o melhoramento de uma situação específica ou uma intenção transformadora visando a modificação das estruturas econômicas e sociais Tanto como um outro no entanto demandam algum tipo de organização das pessoas A diferença consiste em que o segundo tipo de participação não pode evitar de tomar posições políticas Aliás há exemplos de organizações que começaram com uma intenção integradora mas que evoluíram para uma opção transformadora e militante Este foi o caso do Movimento de Educação de Base MEB até o ano 1965 e talvez seja também a trajetória de muitas Comunidades Eclesiais de Base CEB que se iniciaram como círculos de estudos bíblicos e foram levados pelos resultados de sua reflexão evangélica a uma militância mais política As próprias Ligas Camponesas que no período anterior a 1964 fizeram famoso o deputado Francisco Julião no Nordeste do Brasil tiveram seu começo como entidade de ajuda mútua para financiar o enterro digno dos camponeses Em todo o caso após uma passividade de séculos a cansada espera por soluções para a qualidade cada vez pior da vida a sociedade civil está atualmente despertando para a necessidade da participação Em surto sem paralelo na história da cidadania a atividade associativa e organizativa está gerando constantemente novos grupos em todos os âmbitos da sociedade Pode dizerse então que a participação tende para a organização e que a organização facilita e canaliza a participação De fato a organização não é um fim em si mesma mas uma condição necessária para a participação transformadora A comunicação Sem comunicação não pode existir a participação De fato a intervenção das pessoas na tomada de decisões requer pelo menos dois processos comunicativos o de informação e o de diálogo A participação democrática se baseia em canais institucionais Em primeiro lugar de informação não há participação popular sem informação qualitativamente pertinente e quantitativamente abundante sobre os problemas os planos e os recursos públicos Em segundo lugar canais de consulta Em terceiro lugar canais de reivindicação e de protesto Esses canais têm que ser visíveis de amplo e fácil acesso e de contato frequente e seus limites têm que ser claramente definidos É preciso que se saiba onde se pode reclamar e com quem Por outro lado uma reunião consultiva não deve parecer deliberativa nem um canal de informação deve parecer uma reunião de consulta A participação democrática começa quando os grupos da população interessada em um tema específico recebem informação específica conhecem os canais de reivindicações e são alertados para as formas de consulta a que têm acesso Um governo democrático aberto à participação é aquele que informa corretamente ouve cuidadosamente e consulta ativamente a população A informação e a comunicação são tão fundamentais para uma sociedade participativa que na Iugoslávia a própria Constituição do país estabelece como obrigação dos meios de comunicação social o fornecimento de informações necessárias para a tomada de decisões pelos cidadãos em todos os níveis e para todas as atividades autogestionárias da nação Em contraste é paradoxal que os meios de comunicação em nossa sociedade democrática capitalista estão longe de favorecer a participação popular pois sendo de propriedade de grupos sociais hegemônicos servem a seus interesses Muitos ainda acreditam que devido a sua natureza tecnológica e a complexidade de sua administração os meios de comunicação de massas só podem ser manejados por empresas particulares ou pelo Estado A verdade é que não existem obstáculos de índole tecnológica para que estes meios sejam utilizados pelo próprio povo organizado de modo que se voltem mais a favorecer a interrelação social o diálogo e a autoexpressão de todos os cidadãos e grupos comunitários Aliás o desenvolvimento da tecnologia de comunicação simplificou e barateou os equipamentos como gravadores de som e de imagem tornando viáveis as emissoras de baixa potência e pequeno alcance de rádio e televisão A comunicação radiofônica em AM pode ser partilhada por todos através dos rádios comuns de pilha Suplanta as dificuldades do analfabetismo e possibilita a dinamização dos comitês de saúde habitação educação etc dos bairros populares que frequentemente encontram dificuldades pela falta de um meio de comunicação eficiente e instantâneo Em suma o rádio comunitário é um meio aberto ao diálogo entre os moradores pais professores alunos operários sambistas todos terão um meio de expressão para toda a comunidade No arsenal da comunicação para a participação figuram ainda os numerosos meios de comunicação tradicionalmente usados pelas classes populares o teatro popular a dança os violeiros e cantadores as canções de protesto Recentemente também têm sido feitas experiências com jogos de simulação que divertem e ensinam a participar pois exigese dos participantes que tomem decisões e reflitam sobre os problemas levantados pelos jogos A participação de todos os setores da população na democracia do futuro depende da adequada utilização da comunicação tanto no nível dos pequenos grupos como no nível das massas espalhadas em todo o território do país Com efeito por um lado na medida em que os grupos e associações intensificam sua intervenção no debate de assuntos e problemas locais será cada vez mais necessário o domínio pela população dos meios e técnicas da comunicação grupal o método parlamentar os recursos visuais Por outro lado para que seja possível o debate popular em nível regional ou nacional terão de ser postos a serviço desta macroparticipação os meios de comunicação social mais modernos e abrangentes e ainda os recursos da telemática da televisão interativa e mesmo dos satélites de comunicação Neste sentido constituiu um grave erro de omissão dos comunicólogos considerarem as novas tecnologias de comunicação como imposições imperialistas e deixarem de estudar seu vasto potencial para facilitar a democracia participativa de massas A educação para a participação Como os demais processos sóciohumanos a participação é suscetível de crescimento de tipo biológico Ela pode ser aprendida e aperfeiçoada pela prática e a reflexão A qualidade da participação se eleva quando as pessoas aprendem a conhecer sua realidade a refletir a superar contradições reais ou aparentes a identificar premissas subjacentes a antecipar consequências a entender novos significados das palavras a distinguir efeitos de causas observações de inferências e fatos de julgamentos A qualidade da participação aumenta também quando as pessoas aprendem a manejar conflitos clarificar sentimentos e comportamentos tolerar divergências respeitar opiniões adiar qualificações A qualidade é incrementada quando as pessoas aprendem a organizar e coordenar encontros assembleias e mutirões a formar comissões de trabalho pesquisar problemas elaborar relatórios usar meios e técnicas de comunicação Como se pode ver a agenda da capacitação para a participação não é simples A vantagem é que estas coisas não se adquirem numa sala de aulas mas na chamada práxis que é um processo que mistura a prática a técnica a invenção e a teoria colocandoas ao serviço da luta pelos objetivos do povo E depois vem o que a educação deve ensinar a rejeitar Na aprendizagem da participação o aprendiz fica sabendo como detectar tentativas de manipulação sintomas de dirigismo e de paternalismo a superar a improvisação o espontaneísmo e a demagogia a distinguir a verdadeira participação da simples consulta ao povo Evidentemente o tipo de educação que pode fomentar estes tipos de aprendizagem não pode ser a educação tradicional que consiste na transmissão pura e simples de conteúdos Quar moldagem do comportamento humano em termos do próprio homem objetivos preestabelecidos A participação não é um conteúdo que se possa transmitir mas uma mentalidade e um comportamento com ela coerente Também não é uma destreza que se possa adquirir pelo mero treinamento A participação é uma vivência coletiva e não individual de modo que somente se pode aprender na práxis grupal Parece que só se aprende a participar participando A escolha dos instrumentos No começo deste livro foi destacada a importância decisiva do controle no processo de participação Ora é preciso agora advertir que o controle não radica apenas em quem toma a decisão final quem diz a última palavra O controle radica também na escolha dos instrumentos através dos quais se realizarão as atividades participativas Cabe uma explicação É evidente que não há uma única forma de fazer pesquisa participativa ou planejamento ou comunicação Cada uma destas atividades pode ser executada usando diversos instrumentos metodológicos Ora quem escolhe qual instrumento vai ser utilizado exerce um controle sobre o processo independentemente de que seja outra pessoa quem controle as decisões estratégicas ou políticas do mesmo Na pesquisa participativa por exemplo a equipe assessora externa pode até inconscientemente impor seus próprios instrumentos de observação coleta de dados codificação e interpretação como os únicos válidos Ao aceitar a imposição técnica a comunidade por mais que participe realmente no planejamento e execução da pesquisa está sujeita ao controle e a manipulação pelos pesquisadores externos Na comunicação para a participação pode ocorrer a mesma coisa A comunidade pode ser convencida por alguns membros ou agentes educativos de que os meios eletrônicos são os mais aconselháveis sem perceber que ao aceitar a introdução de uma tecnologia mais ou menos complexa os membros que a conhecem provavelmente exerceram um importante grau de controle sobre as atividades Daí porque em diversas experiências de comunicação participatória se tem procurado desmistificar os meios de comunicação ensinando um número significativo de membros da comunidade a usálos Em resumo além da preocupação sobre quem detém o poder de controle final das decisões num processo participativo é necessário também manter um olho vigilante sobre a escolha dos instrumentos metodológicos da ação participativa pois uma parcela substancial de poder de controle costuma acompanhar a escolha feita ALGUNS PRINCÍPIOS DA PARTICIPAÇÃO À guisa de síntese final dos diversos aspectos da participação abordados neste livro gostaria de propor algumas afirmações que sem pretensão dogmática alguma considero básicas para orientar este importante processo social Evidentemente outras pessoas podem encontrar outros princípios já que um processo amplo e multifacetado como a participação não cabe em estreitas simplificações 1 A participação é uma necessidade humana e por conseguinte constitui um direito das pessoas O ser humano possui certas necessidades óbvias como o alimento o sono e a saúde Mas também possui necessidades nãoóbvias como o pensamento reflexivo a autovaloração a autoexpressão e a participação que compreende as anteriores Privar os homens de satisfazerem estas necessidades equivale a mutilar o desenvolvimento harmônico de sua personalidade integral 2 A participação justificase por si mesma não por seus resultados Sendo uma necessidade e um direito a participação não consiste apenas numa opção metodológica para cumprir mais eficientemente certos objetivos ela deve ser promovida ainda quando dela resulta a rejeição dos objetivos estabelecidos pelo promotor ou uma perda da eficiência operativa 3 A participação é um processo de desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder Quando se promove a participação devese aceitar o fato de que ela transformará as pessoas antes passivas e conformistas em pessoas ativas e críticas Além disso devese antecipar que ela ocasionará uma descentralização e distribuição do poder antes concentrando numa autoridade ou num grupo pequeno Se não se está disposto a dividir o poder é melhor não iniciar em movimento de participação 4 A participação leva à apropriação de desenvolvimento pelo povo Toda vez que o povo participa do planejamento e execução de uma atividade ou processo ele se sente proprietário do mesmo e coresponsável de seu sucesso ou fracasso Um projeto participativo não se acaba quando se retiram as fontes externas de assistência pois as pessoas o consideram seu 5 A participação é algo que se aprende e aperfeiçoa Ninguém nasce sabendo participar mas como se trata de uma necessidade natural a habilidade de participar cresce rapidamente quando existem oportunidades de praticála Com a prática e a autocrítica a participação vai se aperfeiçoando passando de uma etapa inicial mais direta a uma etapa superior de maior flexibilidade e autocontrôle até culminar na autogestão 6 A participação pode ser provocada e organizada sem que isto signifique necessariamente manipulação Em grupos sociais não acostumados à participação pode ser necessário induzilos a mesma É claro que ao fazêlo pode haver ocasionalmente intenções manipulatórias mas também pode haver um honesto desejo de ajudar a iniciar um processo que vai continuar de maneira cada vez mais autônoma 7 A participação é facilitada com a organização e a criação de fluxos de comunicação Por consistir numa tarefa coletiva a participação se torna mais eficiente com a distribuição de funções e a coordenação dos esforços individuais que demanda organização Além disto ao consistir na colocação em comum de talentos experiências conhecimentos interesses e recursos a participação requer meios de expressão e troca Exige também que as pessoas aprendam a se comunicar quer dizer a usar bem diversos meios de comunicação e métodos de discussão e debate que sejam produtivos e democráticos 8 Devem ser respeitadas as diferenças individuais na forma de participar Nem todas as pessoas participam da mesma maneira Há pessoas tímidas e outras extrovertidas umas gregarías e outras que gostam de certa solidão umas que são líderes e outras que gostam de seguilos O sucesso da participação descansa em parte no aproveitamento da diversidade de carismas sem exigir comportamentos uniformes e pouco naturais das pessoas 9 A participação pode resolver conflitos mas também pode gerálos É um erro esperar que a participação traga necessariamente a paz e a ausência de conflitos O que ela traz é uma maneira mais evoluída e civilizada de resolvêlos A participação entre inimigos externos e internos em nossa sociedade classista e hierárquica nem sempre se aceita o debate com inferiores na escala social ou de autoridade Dentro do próprio grupo haverá pessoas que mesmo admitindo que todos são iguais consideramse mais iguais que os demais 10 Não se deve sacralizar a participação ela não é panaceia nem é indispensável em todas as ocasiões O fato de um grupo ter adotado um enfoque participatório não quer dizer que todo o mundo deve participar em tudo todo o tempo Isto poderá acarretar ineficiência e anarquia É claro que é o próprio grupo que deve decidir participativamente quando tais ou quais membros devem participar ou não em qual atividade e quais assuntos devem ser objeto de consulta geral ou somente objeto de decisão por um grupo delegado A participação não equivale a uma assembleia permanente nem pode prescindir de utilizar mecanismos de representação A participação é compatível com o funcionamento de uma autoridade escolhida democraticamente A participação e pode ser um instrumento de reforço dos canais democráticos de representação e não a eterna devolução ao povo dos problemas da própria comunidade Desta forma a demarcação rigorosa dos canais de participação a autoridade pública cumpre o seu papel e assume suas responsabilidades de governar com o mandato que recebeu das urnas Todos estes princípios devem ser lidos e entendidos dentro do processo geral histórico de construção de uma sociedade democrática participativa na qual graças à propriedade comunitária dos meios de produção todos os membros da sociedade tenham parte na gestão e controle dos processos produtivos e tenham parte equitativa no usufruto dos benefícios conseguidos com seu trabalho e seu esforço