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Nunca Fomos Humanos Tomaz Tadeu da Silva - Estudos Culturais e Sujeito

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Nunca Fomos Humanos Tomaz Tadeu da Silva - Estudos Culturais e Sujeito

Filosofia

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CURSO DE CIÊNCIA POLÍTICA GRANDES AUTORES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO E CONTEMPORÂNEO Preencha a ficha de cadastro no final deste livro e receba gratuitamente informações sobre os lançamentos e as promoções da Elsevier Consulte também nosso catálogo completo últimos lançamentos e serviços exclusivos no site wwwelseviercombr CURSO DE CIÊNCIA POLÍTICA GRANDES AUTORES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO E CONTEMPORÂNEO CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Curso de ciência política grandes autores do pensamento político e contemporâneo autores Adolfo Wagner et al organizadores Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara Vladimyr Lombardo Jorge prefácio Candido Mendes de Almeida Rio de Janeiro Elsevier 2010 Inclui bibliografia ISBN 9788535231618 1 Ciência política I Ferreira Lier Pires II Guanabara Ricardo III Jorge Vladimyr Lombardo IV Wagner Adolfo 083308 CDD 320 CDU 32 C986 2010 Elsevier Editora Ltda Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9610 de 1921998 Nenhuma parte deste livro sem autorização prévia por escrito da editora poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados eletrônicos mecânicos fotográficos gravação ou quaisquer outros Copidesque Livia Maria Giorgio Revisão Gráfica Maria da Gloria Silva de Carvalho Editoração Eletrônica SBNigri Artes e Textos Ltda Elsevier Editora Ltda Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro 111 16o andar 20050006 Centro Rio de Janeiro RJ Brasil Rua Quintana 753 8o andar 04569011 Brooklin São Paulo SP Brasil Serviço de Atendimento ao Cliente 08000265340 sacelseviercombr ISBN 9788535231618 Nota Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra No entanto podem ocorrer erros de digitação impressão ou dúvida conceitual Em qualquer das hipóteses solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens originados do uso desta publicação Dedicatórias Para Vera Pimenta Miriam Ferreira e Lier Pires Ferreira Neto que o consórcio entre o amor e a razão seja o balizador maior de nossas vidas Lier Pires Ferreira Para Rafaela Guanabara e todos os meus alunos e exalunos Ricardo Guanabara Para meus pais Luzia e José pelo que sou hoje Vladimyr Lombardo Jorge Agradecimentos Para Heloyza Menandro e Geraldo Fragoso mãos amigas e braços fortes que me suportaram quando quase tudo se fez ausência Lier Pires Ferreira A Christiane Romêo cujo apoio vontade e perseverança ajudaram a tornar possível esta obra e aos amigos de verdade sempre presentes nos momentos difíceis Ricardo Guanabara Aos que sempre acreditarem em mim Vladimyr Lombardo Jorge Os Autores Lier Pires Ferreira Doutor em Direito Internacional UERJ Mestre em Relações Internacionais PUCRio Bacharel em Direito UFF Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais UFF Professor advogado e consultor jurídico e educacional Palestrante em diferentes eventos no Brasil e no exterior Autor do Curso de Direito Internacional Privado 2 ed 2008 Direitos Humanos e Direito Internacional 2006 Direito Internacional e as novas Disciplinarizações 2006 2ª tir O estrangeiro no Brasil 2005 e Estado globalização e integração regional 2003 dentre outras obras Contato lierrioigcombr Ricardo Guanabara Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduado em Ciências Sociais pela UFF e em Direito pela PUCRio Professor do IBMECRJ e da UCAMCentro Tem experiência nas áreas de Ciência Política e Direito com ênfase em Direito Constitucional Atua principalmente nos seguintes temas Direito Constitucional Teoria Política Teoria do Estado História Política e Direitos Fundamentais Contato guanabarahotmailcom Vladimyr Lombardo Jorge Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense UFF Professor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ Contato vljorgeuolcombr Adolfo Wagner Doutorando do Programa de PósGraduação da Faculdade de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da UERJ Mestre em Ciência Política pela UFRJ Pesquisador do Programa de Estudos de América Latina e Caribe PROEALCCCSUERJ Professor Assistente da CEFET Química Unidade Maracanã Contato adolfowbighostcombr Aparecida Maria Abranches Mestre em Sociologia pelo IUPERJ e Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ Professora adjunta de Ciência Política da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Contato pareabranchesyahoocombr Christiane Itabaiana Martins Romão Doutora e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduada em Ciências Sociais pela UFF e Direito pela PUCRio Professora Adjunta do IBMECRJ Contato christianeibmecrjbr Douglas Ribeiro Barboza Doutorando e Mestre em Serviço Social pela CAPESUERJ Bolsista e Pesquisador associado do Programa de Estudos de América Latina e Caribe PROEALCCCSUERJ Contato douglasbarbozayahoocombr Eduardo de Vasconcelos Raposo Doutor em Ciências Políticas tendo estudado no IUPERJ e no Instituto de Estudos Políticos de Paris IEP para onde retornou nos meses de dezembro de 1998 e janeiro de 1999 na condição de professor convidado Trabalhou por nove anos no CPDOCFGV Desde 1990 é professor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio onde foi diretor coordenando atualmente seu programa de PósGraduação em Ciências Sociais Contato raposopucriobr Fernando LattmanWeltman Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas CpdocFGV Contato fernandolattmanweltmanfgvbr Gisele Silva Araújo Mestre e Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro IUPERJ Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Atualmente é Professora Adjunta de Sociologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO Professora de Filosofia do Direito e Teoria Política da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ e Pesquisadora bolsista do Setor de História da Fundação Casa de Rui Barbosa FCRB Suas atividades têm como temas prioritários Teoria Sociológica Teoria Política Teoria do Direito Teoria Constitucional Pensamento Social e Político Brasileiro e Sociologia do Direito Contato gssaraujoyahoocombr Leonardo Carvalho Braga Doutorando e Mestre em Relações Internacionais pelo IRIPUCRio Graduado em Relações Internacionais pela UNESA Desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre a justiça em John Rawls e as relações internacionais com o título de A justiça internacional e o dever de assistência no Direito dos Povos de John Rawls Professor na graduação e na especialização em Relações Internacionais da La SalleRJ Institutos Superiores Professor na graduação em Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá Contato leonardobragahotmailcom Marcelo da Costa Maciel Doutor em Ciência Política e Mestre em Sociologia pelo IUPERJ Professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ Contato marcelocmacielbolcombr Paulo M dAvila Filho Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Bacharel em História com especialização em História da Filosofia pelo IFCSUFRJ Coordenador da Área de Ciência Política do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio onde é professor e pesquisador do Programa de Graduação e de Pósgraduação em Ciências Sociais Contato pdavilafrdcpucriobr Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Doutorando em Ciência Política pelo IUPERJ Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUCRio Professor de Sociologia Jurídica do Departamento de Direito da PUCRio Contato pvillasboasjurpucriobr Rafael Rossotto Ioris Doutorando em História pela Universidade Emory nos EUA Mestre em Relações Internacionais pela UnB Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS Professor de Relações Internacionais do IBMEC e do Centro Universitário Metodista no Rio de Janeiro Autor do livro Culturas em choque a globalização e os desafios para a convivência multicultural 2007 Contato riorisyahoocom Ricardo Ismael Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Professor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio respondendo pela Coordenação de Graduação e integrando o corpo docente do Programa de PósGraduação em Ciências Sociais Autor do livro Nordeste A força da diferença Os impasses e desafios da cooperação regional 2005 Nos últimos anos tem trabalhado com os seguintes temas Federalismo e Desigualdades Regionais em Perspectiva Comparada Instituições Políticas e Avaliação de Políticas Públicas Estado Mercado e Desigualdade Social Contato ricismaelhotmailcom Rogerio Dultra dos Santos Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador UCSal Professor Adjunto do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense UFF Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense UFF Professor Colaborador do Programa de PósGraduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense UENF e avaliador ad hoc na área do Direito do Ministério da Educação Coordenou a edição do livro Direito e Política Porto Alegre Síntese 2004 Contato rogeriodultrayahoocombr Silene de Moraes Freire Doutora em Sociologia pela USP Mestre em Serviço Social pela UFRJ Professora e procien tista da UERJ Pesquisadorabolsista de produtividade do CNPq e coordenadora do Progra ma de Estudos de América Latina e Caribe do Centro de Ciências Sociais da UERJ PRO EALCCCSUERJ Contato silenefreireigcombr silenefreiregmailcom Wallace dos Santos de Moraes Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense Pesquisador senior do NEICIUPERJ e do INCTPPED Doutor e mestre em Ciência Política IUPERJ Bacharel e licenciado em História UFRJ Pósgraduado em História contemporânea UFF Contato moraeswsyahoocombr Yuri Kasahara Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e pesquisador associado do Centre for Development and the Environment University of Oslo Email para contato yurikasaharasumuiono Prefácio Curso de Ciência Política A nova busca do paradigma O presente trabalho inserese com originalidade no corpus deste conhe cimento e na nossa interrogação contemporânea É uma obra que de vez en tra resolutamente na pósmodernidade desta ciência Via de regra os escorços históricos detêmse no começo do século XX e mal chegam inclusive a Weber Deparamos agora uma análise ambiciosa que envolve não só a plena atualida de mas o faz de maneira interdisciplinar no reenvio entre as ciências sociais e especialmente a economia e os novos patamares do questionamento jurídico do fi m do século passado Atinge o paradigma indo ao campo dos reenvios na maior ambição entre modelos e alternativas Implica uma visão abrangente de nosso tempo que vai para além das facilidades da determinante liberal como fait accompli O escorço todo do capitalismo explícito aí está tal como a justiça sai da normatividade para encontrar uma axiologia já liberada das desconstruções e da preliminar epistemológica Cobraríamos ainda na senda tão rica a que leva a sua amplitude o estudo sobre Nicholas Luhmann exatamente na fronteira do repto à própria noção das totalidades do que seja a vis política emergente e a reifi cação da consciência contemporânea Atentese ainda à marca polêmica em que as temáticas via de regra amea çadas de redundância pedagógica discutem a refl exão de Maquiavel John Rawls ou Carl Schmitt pela sua premissa crítica versus o pensamento crista lizado destes autores em qualquer tratado desta estirpe Ao mesmo tempo a publicação indica a emergência de toda uma nova geração de especialistas que evidencia no seu matiz interdisciplinar a maturação dos estudos de pósgradu ação no país e especialmente no Rio de Janeiro XIV ELSEVIER Curso de Ciência Política Ao lado das universidades públicas aí está reiteradamente este contri buto dos autores do IUPERJ a entidade pioneira da pósgraduação da UCAM na comparação com a USP no quadro da excelência da ciência política e da sociologia na última trintena O propósito é ambicioso mas quiçá e no seu re mate com Robert Nozik privanos de uma teoria política já prospectiva da nova emergência do aparelho público contemporâneo Está em causa a facilidade com que se elimina na globalização contemporânea a viabilidade dialética ainda da alternativa a sancionar a tranquilidade com que um modelo econômico do iní cio do novo século teria já atingido a um status hegemônico Mais que Toni Negri a prospectiva fundante da teoria política emergente vai a Slavoj Zizek ou a Lucien Febvre mostrando o quanto a reifi cação da cons ciência contemporânea não bloqueia o nosso emergente processo social como civilização E se a história cauteriza hoje a dialética o chamado efeito paralaxe de Zizek tal não impede que a ideologia capitalista se exponha a uma cons tante desestabilização ideológica e à perenidade do pensamento maquiavélico Ou do que seja hoje não obstante todo o exorcismo da dialética a continuidade necessariamente fi nita das contradições suspensas no itinerário que se abre à recuperação da subjetividade contemporânea E por ela desta nova subversão em que as diferenças se resgatem como o primeiro dever de um mundo exilado da velha luta de classes da dominação colonial ou das pseudopedagogias da vindicação da autenticidade histórica Candido Mendes de Almeida Reitor da Universidade Candido Mendes Presidente do Fórum de Reitores do Rio de Janeiro Membro da Academia Brasileira de Letras Bibliografia RIBEIRO Renato Janine FILOSOFIA AÇÃO E FILOSOFIA POLÍTICA Re vista Brasileira de Ciências Sociais São Paulo v 13 no 36 1998 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 69091998000100010lngptnrmiso Acesso em 15 Ago 2008 doi 101590S010269091998000100010 Introdução No Brasil a bibliografi a que versa sobre as bases do pensamento político e jurídico do Ocidente é por certo vasta e qualifi cada tendo se consolidado entre os anos 1970 e 1980 quando o mercado editorial passou a ofertar boas obras so bre o tema escritas tanto por renomados autores estrangeiros como por qualifi cados profi ssionais brasileiros No entanto um exame desse acervo bibliográfi co revela uma importante lacuna a maior parte dele inicia pelos próceres do pensa mento político moderno Maquiavel adiante e no máximo chega aos autores da transição do século XIX para o século XX tais como Marx que faleceu em 1883 e Weber morto em 1920 Didático e de bom padrão analítico esse acervo parece esquecer no entan to que os fundamentos teóricos da política e do direito na civilização ocidental não nasceram na Modernidade sendo certo também que não foram exauridos com as formulações de Marx e Weber Antes que os modernos fi rmassem as ba ses do absolutismo legitimando o fi m gradual do feudalismo autores antigos e medievais concorreram decisivamente para o arquétipo daquilo que em sentido lato se denomina teoria política Esses autores no entanto têm sido ignorados Igualmente ao longo do século XX intelectuais como Rawls e Nozick produzi ram obras que tais como os escritos de Hobbes ou Rousseau são basilares para a compreensão do pensamento políticojurídico Por isso no alvorecer do século XXI uma obra de cunho geral e didático que vise a concorrer positivamente para a formação de estudantes e para o aperfeiçoamento de profi ssionais oriun dos privilegiadamente do direito das relações internacionais e das ciências so ciais não pode deixar de considerar um arco históricocultural mais amplo sem olvidar a clareza expositiva e a densidade teórica das abordagens Essa é a razão essencial do Curso de Ciência Política que pelas mãos da Editora CampusElsevier ora ofertamos ao público leitor Com fulcro numa pers pectiva transdisciplinar este Curso vem colmatar a expressiva lacuna que existe na bibliografi a sobre o tema disponível no país Seu propósito é levar aos lei tores textos de qualidade escritos por professores que com diferentes forma XVI ELSEVIER Curso de Ciência Política ções e inserções profi ssionais lecionam cotidianamente a matéria em cursos de graduação e pósgraduação Nesse desiderato apresenta autores das eras anti ga moderna e contemporânea tidos como essenciais para a construção e para a compreensão do que hoje denominamos Ocidente Tratase pois de uma obra sobre autores clássicos que produzindo em épocas e contextos sociais tão díspares quanto Aristóteles Locke e Carl Schmitt nos permitem tomar cons ciência de nossa historicidade Curso de Ciência Política é portanto um livro sobre obras e autores clássi cos E são clássicos justamente porque apesar da distância cronológica da qual deles nos separamos continuam atuais posto que vitais para que possamos ela borar prática e refl exivamente o mundo em que vivemos bem como suas insti tuições políticas e jurídicas em particular o Estado Por isso reiteramos a com preensão de que um clássico é uma obra que lemos ou supomos devemos ler Ribeiro 1998 p 144 De fato conceitos e categorias como democracia libera lismo contrato social representação política e direitos humanos todos caros ao mundo ocidental não caíram do céu nem brotaram por acaso das entranhas da terra Por detrás de cada um deles como de tantos outros abordados neste Curso há uma refl exão profunda sobre questões que afl igiram e ainda afl igem diversas gerações exigindo de cada uma delas respostas adequadas não raro com profundos sacrifícios As respostas dadas pelos autores aqui elencados tornaramse clássicas porque foram capazes de ultrapassar os contextos nos quais foram produzidas e tornaramse referências que animaram não apenas as gerações subsequentes mas também outros povos e nações É absolutamente irrelevante perguntar se a forma como interpretaram o mundo e conceberam suas formulações está correta ou não O que importa é que acreditando nelas puseramse em ação e fi zeram tantos outros sonhar e agir Foi portanto guiados por essas preocupações que fi zemos a seleção dos autores que estão presentes neste Curso de Ciência Política Ratifi cando a pers pectiva de que as bases do pensamento político e jurídico do Ocidente foram lançadas bem antes do despontar da Era Moderna no primeiro capítulo aborda mos a enorme contribuição de autores da Antiguidade e da Idade Média Nesse capítulo propedêutico quatro autores gregos são comentados Sócrates Platão Aristóteles e Políbio o primeiro pensador a refl etir sobre a importância de uma forma de governo dividida para produzir estabilidade política dando assim origem à teoria do governo misto Do período medievo são focadas as obras de Santo Agostinho São Tomás de Aquino Guilherme de Ockham e Marcílio de Pádua Tratase como bem sabe o leitor de uma iniciativa rara se não inédita XVII Introdução nos manuais congêneres existentes no Brasil Os demais capítulos são dedica dos cada um deles a um autor das eras moderna e contemporânea Dentre os primeiros encontramse nesta ordem Maquiavel Thomas Hobbes John Locke Montesquieu e JeanJacques Rousseau Dentre os contemporâneos incluímos em sequência Edmund Burke Emmanuel Kant O Federalista obra magna de Alexander Hamilton James Madison e John Jay Alexis de Tocqueville John Stuart Mill Karl Marx Max Weber Carl Schmitt Frederich Hayek John Rawls e Robert Nozik alguns dos quais nunca ou quase nunca são contemplados em obras do gênero Desejamos pois que os leitores possam explorar no âmbito das salas de aulas e do exercício teórico e profi ssional todas as possibilidades que o presente Curso de Ciência Política pretende oferecer Esperamos honestamente que nossa pequena obra possa contribuir para a formação de jovens valores bem como des pertar em profi ssionais já estabelecidos o renovado gosto pela pesquisa e pela refl exão sobre os fundamentos da ciência política elemento essencial tanto para a compreensão de nossa realidade quanto para sua necessária transformação Os organizadores Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara 21 Introdução Dificilmente há de se encontrar um pensador tão polêmico na ciência ou filosofia política quanto Nicolau Maquiavel Se pudesse nem o próprio persona gem imaginaria o quanto as páginas de seus textos provocariam tantas discus sões e nunca é demais dizer inspirariam tantas ações políticas nos últimos cinco séculos Tal fato demonstra o feito notável de ao longo da História um pensador ter servido a líderes e correntes políticas distintas no espectro político Para inú meros pensadores e homens da política os escritos maquiavelianos serviram ora como guia de reflexão ora como guia de ação Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduado em Ciências Sociais pela UFF e em Direito pela PUCRio Professor do IBMECRJ e da UCAMCentro Tem experiência nas áreas de Ciência Política e Direito com ênfase em Direito Constitucional Atua principalmente nos seguintes temas Direito Constitucional Teoria Política Teoria do Estado História Política e Direitos Funda mentais Contato guanabarahotmailcom Introdução à 2a edição A despeito dos avanços nos últimos anos ainda é muito difícil publicar no Brasil Essa difi culdade é tão ou mais signifi cativa quando se trata de uma área consolidada com a presença de autores renomados e obras já clássicas como é o campo da Ciência Política De fato como asseveramos na Introdução à 1a edição a bibliografi a sobre o tema no país é vasta e representativa tendo se consolidado entre os anos 1970 e 1980 Nesse quadro como explicar o êxito desse Curso de Ciência Política Há fatores objetivos que ajudam a explicar tal êxito Primeiramente há que se recordar que o exame das obras já editadas no Brasil sobre a trajetória do pensamento político e jurídico no Ocidente tendo como eixo a linha de autores revela que a maior parte delas inicia pelos clássicos do pensamento político mo derno como Maquiavel e Hobbes e no máximo chega aos autores da transição do século XIX para o século XX tais como Marx ou Weber Esquecem no entan to que os fundamentos teóricos da política e do direito não nasceram na Mo dernidade e não tiveram fi m com Marx ou Weber Antes dos modernos autores do mundo antigo e medieval fi rmaram as bases da teoria política e ao longo do século XX pensadores como Rawls e Nozick produziram obras que tais como os escritos de Locke ou Montesquieu são fundamentais para a compreensão do pensamento político e jurídico Nosso Curso de Ciência Política acertou assim ao compreender que uma obra de cunho geral e didático voltada para a for mação de estudantes e para o aperfeiçoamento de profi ssionais jamais poderia deixar de considerar um arco históricocultural mais amplo sem abrir mão da clareza expositiva e da densidade teórica dos diferentes capítulos Outra questão essencial foi a seleção dos colaboradores Todos os coau tores são profi ssionais titulados e com efetiva presença em sala de aula São portanto profi ssionais que aliam sólida formação teórica e vasta experiência no magistério superior inseridos em algumas das mais qualifi cadas instituições de ensino superior do Rio de Janeiro e do Brasil XX ELSEVIER Curso de Ciência Política Por fi m há que se destacar a parceria com a Editora CampusElsevier Tratase de um dos maiores e mais qualifi cados grupos editoriais presentes no mercado brasileiro apto a produzir obras de excelência com ótimo padrão grá fi co difusão nacional e grande credibilidade junto a leitores e estudiosos Essas são as razões para a grande aceitação pelo público de nosso Curso de Ciência Política Em sua segunda edição ele continua preenchendo a expres siva lacuna que existe na bibliografi a sobre o tema levando aos leitores textos de qualidade escritos por professores qualifi cados e experientes que com suas abordagens permitem ao público tomar consciência de nossa historicidade Nessa segunda edição nosso Curso de Ciência Política também busca cor rigir algumas imperfeições contidas na edição anterior com vistas a facilitar a leitura e melhorar cada vez mais Desejamos pois que a obra continue contri buindo para a formação de jovens valores e renovando em profi ssionais já esta belecidos o gosto pela pesquisa e pelo estudo da teoria política Rio de Janeiro 30 de maio de 2010 Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara Vladimyr Lombardo Jorge Sumário Prefácio Curso de ciência política A nova busca do paradigma XIII Candido Mendes de Almeida Introdução XV Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge Introdução à 2a edição XIX Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 1 A contribuição do pensamento antigo e medieval para o desenvolvimento da Ciência Política 1 Marcelo da Costa Maciel Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político 25 Ricardo Guanabara Capítulo 3 A teologia política de Hobbes 49 Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Capítulo 4 John Locke lei e propriedade 87 Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 5 Montesquieu a centralidade da moderação na política 125 Silene de Moraes Freire Adolfo Wagner e Douglas Ribeiro Barboza Capítulo 6 Jean Jacques Rousseau da inocência natural à Sociedade Política 147 Christiane Itabaiana Martins Romêo Capítulo 7 Edmund Burke a estética conservadora da arte política 185 Fernando LattmanWeltman XXII ELSEVIER Curso de Ciência Política Capítulo 8 Kant e o paradoxo da liberdade como obrigação moral 207 Rafael Rossotto Ioris Capítulo 9 Hamilton Madison e Jay os pressupostos teóricos do federalismo moderno 227 Ricardo Ismael Capítulo 10 Alexis de Tocqueville 18051859 o argumento liberal de defesa da liberdade 251 Lier Pires Ferreira Capítulo 11 John Stuart Mill a luta contra a opressão 291 Aparecida Maria Abranches Capítulo 12 Leituras de Marx 321 Paulo M dAvila Filho Capítulo 13 O pensamento político de Max Weber e as concepções weberianas da sociedade brasileira 353 Eduardo de Vasconcelos Raposo Capítulo 14 O Constitucionalismo antiliberal de Carl Schmitt democracia substantiva e exceção versus liberalismo kelseniano 371 Gisele Silva Araújo e Rogerio Dultra dos Santos Capítulo 15 Hayek e os benefícios da liberdade individual 401 Yuri Kasahara Capítulo 16 A justiça em John Rawls da relação entre os homens às relações internacionais 417 Leonardo Carvalho Braga Capítulo 17 Estado mínimo contra a fase histórica camaleônica do estado capitalista um estudo da teoria neoliberal de Robert Nozick 451 Wallace dos Santos de Moraes This image is blank and contains no text Não se poderia esquecer a admiração despertada pelo pensador florentino em figuras como Napoleão Bonaparte ou mesmo em Antonio Gramsci pensador da esquerda italiana no século XX Se é correto dizer que a Igreja julgou pecaminosas as lições de Maquiavel também é correto salientar que tais lições permanecem desafiando o saber político contemporâneo como a comprovar que se a política tem uma lógica ela foi em grande parte apreendida e revelada por Maquiavel Nas páginas que se seguem abordaremos a trajetória desse grande pensador começando pela sua conturbada história de vida passando pelo contexto social de sua obra e a essência de seus escritos sobretudo de O Príncipe Nessa breve viagem temas como a natureza humana a história as habilidades políticas a fortuna estarão presentes tendo como pano de fundo o Renascimento movimento que abriu as portas para um mundo novo e devolveu ao homem sua capacidade criadora De que maneira isso transparece na obra de Maquiavel é o que este texto buscará mostrar 22 Breve relato biográfico É possível dizer que a vida de Maquiavel é marcada por fases bem distintas constituídas por uma infância e juventude em que o autor teve sólida educação e formação humanística seguida por uma vida profissional curta porém intensa capaz de fornecer vasto material sobre a prática política em tempos de renascimento1 A formação sólida e a prática política se encontrariam mais tarde nas páginas dos textos maquiavelianos A última fase é marcada pela tentativa infrutífera de retorno à vida pública fase esta vivida no afastamento e no ostracismo nos arredores de Florença Sigamos pois a trajetória da vida desse pensador para em seguida adentrarmos o estudo de sua obra política sobretudo de O Príncipe o mais famoso de seus trabalhos Se o fim da vida de nosso pensador foi marcado pela infelicidade e pela frustração a infância e a adolescência revelaram grande preocupação familiar com a sua formação Seu pai Bernardo era formado em Direito e com inserção na guilda dos advogados de Florença Itália Sua mãe Bartolomea também possuía boa formação sobretudo literária Assim é que os registros históricos demonstram que o pequeno Nicolò começou seus estudos aos sete anos e aos doze já transitava pela literatura latina com o auxílio de um professor de latim padre e também membro da guilda dos advogados De Grazia 1993 p 13 1 Para uma história da vida de Maquiavel há boas fontes como Grazia 1993 Pinzani 2004 Chevallier 1989 Skinner 1988 27 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara Convém perguntar quais eram os autores que se faziam presentes na casa dos Machiavelli Ao que se sabe as próprias preferências do pai Bernardo co meçavam por Aristóteles e passavam por Cícero Ptolomeu Boécio bem como o Código e o Digesto justinianos De Grazia 1993 p 14 Assim não é de es tranhar a sólida formação demonstrada tempos depois por Maquiavel em suas obras Os livros eram como parte da família e foram muito bem aproveitados primeiro pelo pai e principalmente pelo fi lho Na última fase de sua vida Ma quiavel voltaria a viver intensamente na companhia dos fi lósofos clássicos Du rante pelo menos quatro horas todas as noites o pensador se entregava à leitura de autores como Lívio Políbio Tucídides e Xenofonte dentre outros que se fariam presentes como resultado desse intenso contato na mais importante obra de Maquiavel O Príncipe Pinzani 2004 p 9 Eis portanto uma face pronta desse pensador renascentista a sólida leitu ra dos pensadores humanistas o mergulho na tradição fi losófi ca grega e romana da antiguidade bem ao estilo do movimento cultural que ora dominava a Eu ropa Para entender no entanto o sentido de sua obra a fonte de seus ensina mentos é necessário conhecer a outra face dessa formação a experiência como homem de Estado funcionário a serviço da chancelaria de Florença cargo que lhe valeria a observação arguta das relações políticas das ações dos homens e o uso do poder Maquiavel não chegou a cumprir o papel então reservado pela sua for mação educacional Não se transformou em advogado No entanto logo seria convidado para ingressar no governo em uma posição habitualmente ocupada por advogados É a sua capacidade e seus estudos que o farão ter êxito em ta refas como preparar atas escrever cartas e relatórios A mesma capacidade o levará rapidamente a postos mais altos alçado pela confi ança nele depositada por parte de seus superiores na Chancelaria Em breve deixaria as escrivaninhas das repartições para cumprir missões externas cada vez mais importantes De Grazia 1993 p 26 Em julho de 1500 Maquiavel partiria rumo à França para uma missão de contato com o rei Luís XII Essa missão inauguraria a série de importantes trabalhos diplomáticos empreendidos por Maquiavel que até seu afastamento da vida pública totalizariam 23 missões É importante ressaltar que não se esgota nas legações o trabalho desenvol vido por Maquiavel até 1512 ano de seu afastamento O pensador acabaria se transformando em grande estrategista militar tendo escrito em 1506 o Discurso sobre como preparar o Estado de Florença às armas Também é digno de nota que uma das poucas obras de Maquiavel publicada em vida é A arte da guerra em 1521 Aqui o autor desfi laria todo o seu conhecimento militar acumulado em 28 ELSEVIER Curso de Ciência Política experiências e leituras dos clássicos assim como faria com o O Príncipe em que experiência pessoal e história se cruzam No entanto antes de chegar até essa obra considerada a mais importante devemos retornar ao infortúnio que mar caria a última fase da vida de Maquiavel A habitual instabilidade política que marcava a Itália renascentista e em especial Florença recrudesceria nos primeiros anos do século XVI Não obs tante o esforço empreendido por Maquiavel para constituir uma milícia bem organizada que defendesse Florença esta viveria ameaçada por exércitos es trangeiros e de mercenários Finalmente em 1512 o papa Leão X consegue por meio de tropas espanholas conquistar a República e mudar todo o seu quadro político Restabelecerseia a era dos Médici personifi cada agora na fi gura de Lorenzo de Médici Instaurado um período ditatorial e Maquiavel identifi cado com a corrente política deposta é afastado de seus cargos e em 1513 chegaria a ser preso e torturado acusado de fazer parte de uma conspiração republicana Pinzani 2004 p 13 Finalmente em março do mesmo ano é solto e se retira para seu exílio nos arredores de Florença de onde nunca mais retornaria à vida pública apesar de seus esforços É sabido que Maquiavel manteria a esperança de retornar à vida pública chegando para isso a escrever sua mais importante obra e dedicála a Lorenzo de Médici com uma exortação tomar a Itália e libertála das mãos dos bárba ros Pinzani 2004 p 14 O Príncipe obra que se tornaria clássica pela sua característica de ensinar a conquistar e manter Estados não cumpriu seu objetivo inicial de reconduzir Maquiavel às coisas do Estado Mas inscreveu o pensador fl orentino na galeria dos pensadores políticos mais famosos e infl uentes de todos os tempos Outras obras seriam escritas por Maquiavel em seu isolamento tais como os Comentá rios sobre a primeira década de Tito Lívio a já citada A arte da guerra e a peça também famosa A mandrágora além de uma história de Florença apresentada em 1525 ao papa Clemente VII Em 1527 Maquiavel falece aos 58 anos em Florença Sua obra no entan to ganharia um vigor jamais imaginado até mesmo pelo próprio autor Quanto à sua pessoa Maquiavel experimentaria os mais variados sentimentos variando do ódio e execração pública até a mais profunda admiração conforme demons trou Napoleão Bonaparte ao redigir seus comentários ao Príncipe Um de seus maiores inimigos seria a própria Igreja Católica que iria colocar sua obra no rol das leituras proibidas e pecaminosas e associálo ao demônio conforme demonstra o trocadilho inglês the old nick associado à fi gura de Maquiavel Curiosamente uma boa parte da fi losofi a ocidental primou por redimir o pensa 29 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara mento fl orentino ao considerar sua obra valorosa para a fi losofi a política Tal foi o caso de Jean Jacques Rousseau para quem Maquiavel fi ngiu ensinar a política aos fortes mas na verdade quis mostrar suas engrenagens ao povo O mesmo se aplicaria a Hegel fi lósofo alemão que considerou preciosas as teses levanta das por Maquiavel Voltaremos adiante às diferentes leituras da obra de Maquiavel Por ora nos voltamos para o sentido de O Príncipe o mais famoso texto de Maquiavel e um dos maiores da história do pensamento político 23 O Príncipe contexto histórico Não é possível entender completamente o sentido da obra de Maquiavel sem analisar o contexto em que ela surge Esse contexto é marcado pela nova visão de mundo proporcionada pelo surgimento do Renascimento movimento cultural que revolucionou a Europa pósmedieval em vários campos como os das artes plásticas da literatura da dramaturgia da fi losofi a e das ciências2 O Renascimento traz em seu bojo a redescoberta dos valores da Antigui dade sobretudo os grecoromanos E traz a valorização da autonomia do ho mem responsável novamente por uma atitude criadora diante do mundo Com efeito substituise o teocentrismo pelo antropocentrismo Tal fato terá um peso fundamental nos escritos de Maquiavel uma vez que o homem político descrito em O Príncipe não teme inovar agir livremente sem medo de castigos e puni ções divinas conforme veremos O homem renascentista pressupõe uma ruptu ra com o modelo do medieval submisso à ordem teológica para colocar em seu lugar uma atitude autoafi rmativa com foco no mundo terreno e nesta vida Voltam a ser valorizados aspectos como a honra e a glória e retorna à ordem do dia a legitimidade de conquistálas É importante frisar que nada disso seria possível sem as condições objeti vas sobre as quais se consolidaram o ideário e o movimento renascentista Havia em curso um conjunto de transformações econômicas sociais políticas e técni cas que de certa forma antecediam à eclosão do Renascimento e que se revela ram fundamentais para o êxito do movimento Não é possível ignorar a enorme difusão proporcionada pela imprensa inventada anteriormente por Gutemberg Com ela as obras dos autores renascentistas puderam ser amplamente divul gadas quebrando o monopólio do saber que se colocava sob o poder da Igreja Riche 2005 p 7 A possibilidade da leitura individual e refl exiva ao alcance de cada homem signifi cou uma mudança não desprezível na forma de aquisição do conhecimento principalmente pelo acesso a perspectivas e experiências varia 2 Para uma abordagem do Renascimento ver Johnson 2001 e ainda Burckhardt 1991 30 ELSEVIER Curso de Ciência Política das não mais presas aos dogmas religiosos Ademais a difusão do conhecimen to proporcionaria a ligação com outras culturas de diferentes lugares da Europa e de outros continentes fato também proporcionado pela expansão náutica que originou inclusive uma época de grandes descobrimentos idem p 8 Outro traço fundamental do Renascimento e que marcaria grandemente o pensamento de Maquiavel foi a redescoberta dos valores da Antiguidade clássica A valorização das obras e dos autores clássicos haveria de representar fundamen tal para os propósitos do movimento renascentista Voltam à cena autores como Virgílio Horácio Homero Cícero e suas lições de oratória moral e política É nos clássicos da Antiguidade que os autores renascentistas se apoiarão para forjar a nova identidade antropocêntrica idem p 16 Autores como Pico della Mirando la pregarão a possibilidade de qualquer homem transgredir as barreiras terrenas que lhe sejam impostas valorizando a ousadia e a busca da glória e da virtù con ceito que seria também explorado por Maquiavel idem p 17 24 Maquiavel e a originalidade do pensamento político Constitui tarefa de grande difi culdade analisar o pensamento maquiave liano sem passar pelo adjetivo da originalidade O primeiro motivo para isso está na sua preocupação com a construção de uma resposta à instabilidade polí tica que marcava a Itália de seu tempo Não por acaso O Príncipe é uma obra que busca ensinar não só a conquistar mas a manter Estados tornandoos estáveis A segunda diferença com relação às obras políticas tradicionais seria a aborda gem desvinculada da abstração fi losófi ca etérea e especulativa Maquiavel parte da realidade política para tentar buscar a efi cácia nas ações humanas em detri mento da moral da ética ou de qualquer critério clássico de justiça Não surpreende portanto que o autor acabaria execrado pela Igreja e marcado como sinônimo do ardil do sórdido e da esperteza Não há limites éticos nem morais na busca da conquista e manutenção dos Estados Não há pensar em termos como bondade e justiça em um mundo marcado pelas maldades traições e instabilidades Se o que busca é a estabilidade não se pode adotar a política das boas ações e da moralidade Ao estabelecer um novo mo delo de pensamento Maquiavel inaugura a era do realismo político desprovido dos mandamentos religiosos e voltado fortemente para os resultados das ações humanas Como observação vale lembrar que o caráter inovador de sua teoria política não signifi ca o desprezo pelos autores da Antiguidade clássica Maquia vel dialogará frequentemente com esses autores aproveitandose inclusive dos conceitos tradicionais de virtù e fortuna Estes dois elementos somados a uma concepção de história cíclica e exemplarista e a uma visão ruim acerca da natu 31 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara reza humana formam os ingredientes fundamentais para o bom entendimento de O Príncipe 241 Virtù e Fortuna Não é difícil compreender o sentido da palavra virtù Essencialmente tratase das qualidades desejáveis ao homem de Estado Signifi ca o conjunto de adjetivos que todo príncipe deve ter se quiser conquistar e manter Estados Não há difi culdade para a compreensão dessa proposição No entanto há que se esclarecer que Maquiavel iria subverter as qualidades até então tidas como indispensáveis ao bom príncipe ou seja Maquiavel iria concordar que a virtù é fundamental a qualquer Príncipe sem ela não se governa Mas é preciso defi nir bem quais são as qualidades que realmente importam para a arte da política Aqui começa um dos diálogos de Maquiavel com a Antiguidade e aqui reside também um dos pontos de ruptura do autor com o pensamento corrente de sua época Conforme se ressaltou anteriormente a invenção da imprensa constituiu um fator decisivo para que as ideias e as obras renascentistas pudessem ser am plamente divulgadas e a aquisição do saber transformado É justamente a in venção da imprensa que causará um fenômeno particularmente interessante na Itália renascentista o surgimento dos manuais de como governar bem ou de conselhos aos governantes É Quentin Skinner um dos maiores estudiosos do pensamento de Maquiavel e do pensamento político clássico quem descreve o momento No fi nal do século XV constituírase já uma vasta literatura humanista de um novo gênero os livros de conselhos para os príncipes graças a um novo meio de comunicação a imprensa Autores ilustres como Bar tolomeo Sacch Giovani Pontano e Francesco Patrizi escreveram trata dos destinados a guiar a conduta de novos governantes baseandose todos eles num mesmo princípio fundamental que a posse da Virtù constitui a chave para o êxito de um príncipe Skinner 1988 p 58 Ressalta Skinner que todos os apologistas das formas corretas de gover nar usaram como fonte essencial de seus ensinamentos os autores da Antigui dade clássica como Cícero Segundo o autor os chamados moralistas romanos como Cícero haviam deixado para a posteridade um conceito de virtus em que fi guravam três séries de qualidades Em primeiro lugar era indispensável ao príncipe possuir as quatro virtudes cardeais sabedoria justiça coragem e tem perança idem p 60 Mais tarde outros quatro atributos seriam agregados a honradez a magnanimidade a liberalidade e a moralidade reforçando assim a 32 ELSEVIER Curso de Ciência Política ideia de que a melhor política é a da moralidade Em A obrigação moral Cícero observaria que a conveniência nunca pode entrar em confl ito com a retidão moral Skinner 1998 p 61 É com base nesses argumentos que os contemporâneos de Maquiavel vão escrever seus manuais Como reforço aos seus argumentos em prol da morali dade e das virtudes cardeais alegadas por Cícero esses autores agregaram argumentos cristãos aos seus conselhos insistindo que mesmo que o príncipe alcançasse a glória política com métodos contrários ao aconselhados have riam de ser castigados com a retribuição divina em outra vida Skinner 1998 p 61 Eis a dura tarefa a ser empreendida por Maquiavel contraporse a um só tempo aos ideais cristãos e aos da Antiguidade clássica ambos considera dos como argumentos unânimes Mas essa seria uma das grandes marcas do pensamento maquiaveliano o pensamento original na contramão da cultura dominante Sua resposta a essa cultura política seria dada no capítulo XV de O Príncipe Maquiavel chega a aludir às qualidades desejáveis que os príncipes deveriam ter mas argumenta bem ao tom de seu realismo político que prati car a virtù tradicional seria condenar o príncipe à ruína segundo suas próprias palavras Resta agora ver como deve se comportar um príncipe em relação a seus súditos ou seus amigos Como sei que muitos já escreveram sobre esse assunto temo que escrevendo eu também seja considerado presunço so sobretudo porque ao discutir essa matéria me afastarei das linhas traçadas pelos outros Porém sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler pareceme mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas do que o que se imaginou sobre elas Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram de verdade porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver que aquele trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinarse que a preservarse pois um homem que queira fazer em todas as coisas profi ssão de bondade deve arruinarse entre tantos que não são bons Daí ser necessário a um príncipe se quiser manterse aprender a poder não ser bom e a valerse ou não disto segundo a necessidade Maquiavel 2007a p 73 Maquiavel demonstra portanto com clareza sua grande divergência em relação ao pensamento político dominante em sua época A virtù embora jamais defi nida claramente por Maquiavel em qualquer parte de sua obra aparece cla ramente ao longo de suas lições Embora endossando a ideia clássica de que a ela 33 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara é o nome dado ao conjunto de qualidades que permitem a um príncipe ter êxito em sua carreira vai divergir quanto ao sentido desses atributos principescos É novamente Skinner quem nos adverte de que a virtù está relacionada com a capacidade de agir segundo os ditames da necessidade independentemente de se praticar uma boa ou má ação A virtù signifi cará portanto a fl exibilidade mo ral indispensável a qualquer príncipe que deve ter a mente aberta pronta a se voltar em qualquer direção conforme exijam os desígnios da fortuna Skinner 1988 p 65 Eis portanto o melhor entendimento do signifi cado maquiaveliano de virtù Ele reside na fl exibilidade que permitirá ao príncipe a escolha de um le que de ações determinadas não necessariamente comprometida com ideais de bondade e moralidade ou justiça Tais atributos beiram a irracionalidade em um mundo dominado por homens sempre prontos a trair e ademais marcado pela instabilidade Tal conclusão signifi ca que o homem deve portanto compreender que por vezes será necessário praticar a maldade a dissimulação a simulação a mesquinhez dentre outras categorias menos nobres de comportamento tão contrárias ao mundo cristão Mas é assim que fi ca demonstrada a lógica própria da política diferente da moralidade e da religião Tratase de conquistar e man ter Estados e as práticas adequadas a esse intento não residem nos manuais da Antiguidade clássica ou nas doutrinas cristãs É preciso compreender a especi fi cidade da política se nela quiser sobreviver o príncipe Maquiavel desdobrará o tema em vários capítulos de O Príncipe chegando a exortar os governantes a praticar a maldade e a bondade segundo a meta do êxito político Outro conceito fundamental para a compreensão dos escritos de Maquia vel é o de fortuna A exemplo da virtù aqui também estará presente uma certa mutação no conceito em relação à Antiguidade clássica Para Maquiavel a for tuna representaria o imponderável o acaso algo que os homens não poderiam prever e que por isso mesmo poderia lhes ser fatal caso os pegasse despreve nidos O fenômeno seria essencial na política pois da mesma forma que pode trazer a glória sem esforço pode arruinar governantes incautos com a força de sua surpresa Novamente com o foco na Antiguidade clássica Maquiavel observa que a fortuna sempre tida como um grande fator a considerar na arte da política Seus poderes seriam imensos tanto para o bem quanto para o mal Afi nal dessa deusa caprichosa sempre se podem esperar benesses ou um grande revés A divergir dessa tese estavam os moralistas romanos que enxergavam a deusa fortuna como uma boa força e aliada potencial Skinner 1988 p 44 Dela se poderia esperar glória honra e poder Restava então a questão fundamental de 34 ELSEVIER Curso de Ciência Política como atrair a atenção da fortuna para merecer sua escolha Aqui aparecerá uma forte associação da ideia de fortuna com a imagem de uma mulher Cícero che garia a afi rmar que a fortuna é mulher Da natureza feminina da fortuna adviriam conclusões sobre as suas pre ferências Os moralistas vão afi rmar que se ela é mulher decerto preferirá as qualidades de um homem viril e corajoso atributos encontráveis segundo Cí cero apenas no homem que possui a virtù É para esse homem que ela irá sorrir Skinner 1998 p 47 A Idade Média mudaria novamente a forma como se via a fortuna De força ou mulher a ser conquistada a fortuna agora passa a ser indiferente aos homens não sendo possível portanto conquistála Não se deve buscar a gló ria pela conquista da fortuna pois seria um esforço inútil Como consequência deveriam os homens retornar seus olhares para o céu verdadeiro lugar da feli cidade humana A felicidade deveria ser buscada em outra dimensão que não a puramente terrena Assim a busca da honra e glória neste mundo deveria ser abandonada e essa conclusão seria uma mensagem divina de reorientação aos homens É o Renascimento quem resgatará a visão de que a fortuna poderia ser conquistada Antes que Maquiavel venha a tratar do tema vários autores resga tarão de alguma maneira os atributos originais da deusa fortuna Retorna à baila a ideia de que a fortuna favorece os bravos Skinner 1998 p 49 Maquiavel tratará do tema no capítulo XXV de O Príncipe O autor começa sua abordagem lembrando que muitos consideram que os homens são governa dos pelos desígnios da fortuna e de Deus e que tal ideia possuía bastante força No entanto acredita que o livrearbítrio dos homens não deve ser desconsidera do sendo plenamente possível atribuir à vontade dos homens cerca de metade de suas ações Julgo possível ser verdade que a fortuna seja árbitro de metade de nos sas ações mas que também deixe ao nosso governo a outra metade ou quase Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que quando se irritam alagam as planícies arrasam as árvores e as casas arrastam as terras de um lado para levar a outro todos fogem deles mas cedem ao seu ímpeto sem poder detêlos em parte alguma Mesmo assim nada impede que voltando a calma os homens tomem providências cons truam barreiras e diques de modo que quando a cheia se repetir o rio fl ua por um canal ou sua força se torne menos livre e danosa O mesmo acontece com a fortuna que demonstra a sua força onde não encontra uma virtù ordenada pronta para resistirlhe e volta seu ímpeto para 35 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara onde sabe que não foram erguidos diques e barreiras para contêla Maquiavel 2007a p 119 Maquiavel aliase de certa forma aos humanistas clássicos que defen diam a importância da virtù para a contenção dos caprichos da fortuna A virtù é o elemento essencial para escapar aos desígnios da deusa A tal ponto que no capítulo VII Dos principados novos que se conquistam com as armas e a fortuna de outrem Maquiavel analisa a situação dos que chegaram ao poder pelo acaso sem possuir a virtù e benefi ciandose da escolha que a fortuna fez a outrem A esses breves felizardos Maquiavel prevê a ruína pois não foram dotados da astúcia e sabedoria para governar ou se quisermos são desprovi dos da virtù e sucumbirão ante a primeira crise ou capricho da fortuna a mesma que lhes deu a ascensão política O fi nal do capítulo XXV que trata da fortuna seria nos tempos atuais bastante polêmico pelo tom comparativo em relação às mulheres De qualquer forma as palavras maquiavelianas não deixam dúvida quanto à visão que o autor possuía das semelhanças entre a deusa e as mulheres Concluo portanto que variando a fortuna e obstinando os homens em sua maneira de ser eles serão felizes enquanto ambas as coisas esti verem de acordo mas quando elas discordarem serão infelizes Es tou convencido do seguinte é melhor ser impetuoso do que prudente porque a fortuna é mulher e é necessário para dominála baterlhe e contrariála Vêse que ela se deixa vencer mais pelos que agem assim do que pelos que agem friamente e como mulher é sempre amiga dos jovens porque são menos prudentes mais ferozes e a dominam com maior audáciaMaquiavel 2007a p 122 Da análise de Maquiavel sobre a fortuna devemos reter alguns pontos es senciais Primeiro é preciso ter em conta o papel do acaso e do imponderável nos negócios humanos Eles são capazes de trazer a glória mas também a ruína A conjuntura política como a vida é essencialmente mutável Exatamente por isso é preciso estar atento à mudança dos ventos Maquiavel atribui essa quali dade ao homem de virtù que é capaz de construir diques para conter as inunda ções provenientes das mudanças É preciso portanto olhar adiante e precaver se ante a volatilidade dos tempos Para isso é necessário astúcia política De outro lado não se pode olvidar que Maquiavel também impõe ne cessariamente a qualidade da audácia da coragem e da virilidade para atrair e enfrentar a fortuna bem como dominála Pelo exposto a estabilidade política estará sempre mais perto do príncipe corajoso e impetuoso Seus atributos serão premiados pela escolha da fortuna e sua sabedoria evitará todo e qualquer de 36 ELSEVIER Curso de Ciência Política sastre Não se governa sem os elementos da virtù e da fortuna Eles se encontra rão em algum momento Mais um motivo para estar atento às lições proporcio nadas pela visão maquiaveliana da política ou se quisermos de seus conselhos Estes pressupõem ainda a apreensão de dois outros importantes elementos a natureza humana e a história 242 Natureza humana e História Dois outros conceitos fundamentais no pensamento de Maquiavel estão essencialmente ligados ou seja um é capaz de explicar o outro Mais do que isso entender a ideia de natureza humana em Maquiavel é condição sine qua non para a correta apreensão do que é a história para o pensador fl orentino A ideia de natureza humana possuirá ao longo da trajetória do pensamen to ocidental estreita ligação com a política Para vários dos fi lósofos políticos e a natureza humana que estabelece o formato do Estado que se deseja construir o mesmo acontecendo em relação à tarefa de explicar a origem do Estado O leitor terá a oportunidade de comprovar tais argumentos em inúmeras páginas deste livro quando se deparar com autores como Thomas Hobbes John Locke ou os Federalistas Por ora é Maquiavel quem está no centro das atenções e portanto sem hesitar devese assumir que a imagem do homem para esse pensador é a pior possível Quando se examinaram as relações da virtù tradicional construída e pregada pelos moralistas romanos com a virtù maquiaveliana foi possível vislumbrar a razão maior da recusa de Maquiavel à política da bondade ou da generosidade como vetor das ações dos governantes Porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria vi ver que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinarse que a preservarse pois um homem que queira fazer em todas coisas profi ssão de bondade deve arruinarse en tre tantos que não são bons Daí ser necessário a um príncipe se quiser manterse aprender a poder não ser bom e a valerse disso segundo a necessidade Maquiavel 2007a p 73 Eis portanto o diagnóstico maquiaveliano os homens não são bons e tal situação inviabiliza a bondade permanente como política de Estado O próprio autor aprofunda sua análise pessimista quanto à natureza humana ao afi rmar que podese fazer a seguinte generalização acerca dos homens são ingratos caprichosos mentirosos e embusteiros Fogem do perigo e são ainda ávidos de vantagens Maquiavel apud Skinner 2003 p 158 37 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara O pessimismo acerca da natureza humana será tema constante em todos os escritos de Maquiavel Em Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio o autor retorna ao tema ao admitir a possibilidade de se conduzirem os homens sem o uso da força Como bem ressalta Quentin Skinner Maquiavel menciona a inveja inerente à natureza humana para depois concluir Ao se fazer a consti tuição e a legislação de uma república devese considerar como certo que todos os homens são perversos e darão vazão à maldade inculcada em suas mentes sempre que tiverem oportunidade para tanto idem p 206 Não há quanto a essa temática contradição nos diversos escritos de Ma quiavel Mesmo em suas obras não políticas como a comédia A mandrágora de 1518 que faria enorme sucesso em várias cidades italianas A peça narra a estória de Callimaco homem de 30 anos que se apaixona por Lucrezia jovem esposa de Messer Nicia advogado já idoso Para conquistar sua amada Callimaco engana Messer Nicia já que este era estéril dizendo ser a planta mandrágora a solução para a sua infertilidade No entanto para obter o resultado de maneira infalível Lucrezia precisaria deitarse com outro homem logo após tomar a poção deriva da da planta Esse é o enredo da peça na qual novamente se vislumbra uma série de vícios inerentes à natureza humana Maquiavel 2003 Mais uma vez Maquiavel se choca contra o modelo de virtude de sua épo ca deixando entrever um cenário de cinismo onde os homens agem sem freios em busca da satisfação de seus desejos agora não em formato de conselhos aos príncipes mas em forma de comédia Nas páginas dos textos de Maquiavel encontramse os seguintes adjeti vos para os homens ingratos volúveis dissimulados simuladores invejosos ambiciosos maldosos dentre outros É com essa natureza humana que os go vernantes terão de lidar não podendo esquecer jamais a incômoda situação em que estão inseridos rodeados de homens ávidos por trair Essa situação levará Maquiavel a defender claramente a ideia de que ao príncipe é melhor ser temido do que ser amado pois se o temor dos súditos é capaz de desestimular eventuais traições o mesmo não acontecerá com o amor a eles devotado Sua espada por tanto deve estar sempre pronta a ser usada em seu principado para protegêlo em um mundo em regra hostil O tema do confronto entre amor versus temor dos súditos e sua segurança para o príncipe aparecerá tanto em O Príncipe como nos Discursos Nesta Maquiavel examina os exemplos de Cipião e Aníbal O pri meiro líder foi marcado pela bondade e liberalidade tendo conquistado o amor de seus súditos O segundo foi temido pela sua crueldade A história parece ter punido Cipião pela sua imprudência 38 ELSEVIER Curso de Ciência Política O prejuízo sofrido por Cipião foi que seus soldados se rebelaram na Espanha com parte de seus aliados e outra causa não houve para tal senão o pouco temor que lhe devotavam porque os homens são tão inquietos que por menos que alguém lhes abra as portas à ambição logo se esquecem do amor que nutriam pelo príncipe em razão de sua humanidade foi o que fi zeram os soldados e aliados de que falamos e Cipião para remediar esse inconveniente foi obrigado a usar em parte a mesma crueldade de que fugira Quanto a Aníbal nenhum exemplo particular nos mostra que sua crueldade ou deslealdade o tenham pre judicado Maquiavel 2007b Outro grande estudioso de Maquiavel Isaiah Berlin acrescenta que é a natureza humana que inviabiliza a construção de uma sociedade baseada em preceitos cristãos Para que essa sociedade pudesse existir sobre a terra os ho mens teriam que ser muito diferentes do que sempre foram Berlin 2002 p 315 No entanto é digna de nota também a observação de Berlin de que o fato de Maquiavel ostentar um diagnóstico ruim acerca da natureza humana e a ne cessidade de o príncipe estar preparado para cometer crueldades não deve fazer de Maquiavel um sádico expressão que surgiria séculos depois do Renasci mento Em outras palavras não se deve precipitadamente construir um perfi l de Nicolau Maquiavel a partir de seus escritos políticos Maquiavel não é um sádico ele não sente prazer com a necessidade de empregar a crueldade ou a fraude para criar e manter o tipo de socieda de que admira e recomenda Seus exemplos e preceitos mais selvagens aplicamse apenas a situações em que a população é inteiramente cor rupta e precisa de medidas radicais para que sua saúde seja restaurada Maquiavel 2007b p 321 Berlin ressalta ainda a pouca receptividade de Maquiavel com os líderes que abusam da crueldade sem que haja necessidade para tanto São conhecidas suas críticas a Agátocles o tirano de Siracusa homem marcado pela desuma nidade abusiva O que queria dizer Maquiavel então A resposta parece estar clara no capítulo XV de O Príncipe Não há saída para o príncipe que deseja ser bom clemente e justo São adjetivos admiráveis mas incompatíveis com a realidade da política e das sociedades Não se trata portanto de uma escolha dos vícios simplesmente Tratase de pensar sobre os fatores que podem levar o príncipe e o Estado e à ruína bem como os antídotos contra tais ameaças Maquiavel cede 39 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara não aos piores defeitos humanos mas ao realismo e à dinâmica da sobrevivência política Assim não se pode perder de vista em relação aos homens o seu caráter imutável Conservam suas piores características ao longo dos tempos Tal sen tença traz consigo uma consequência inevitável se os homens são os mesmos tendem a reagir da mesma maneira ceteris paribus isto é mantidas as mesmas condições Estão criadas portanto as condições para a repetição da história Esta se repete porque os homens costumam agir de uma mesma maneira e ostentam características indeléveis Diante da repetição muito provável da história convém estudar os fatos passados para melhor agir no presente e no futuro A história assim possui o inequívoco poder de fornecer exemplos e cursos de ação O príncipe de virtù deve portanto ser um estudioso da história pois de seus exemplos extrairá cursos de ação política efi cazes Quanto aos exercícios da mente deve o príncipe ler obras históricas e refl etir sobre as ações dos homens excelentes ver como se comporta ram nas guerras examinar as causas das vitórias e derrotas a fi m de poder escapar destas e imitar aquelas Mas sobretudo deve agir como antes agiram alguns homens excelentes que se espelharam no exemplo de outros que antes deles haviam sido louvados e glorifi cados e cujos gestos e ações procuraram ter sempre em mente É o caso de Alexandre Magno que imitava Aquiles de César que imitava Alexandre e de Cipião que imitava Ciro Quem ler a vida de Ciro escrita por Xenofon te reconhecerá depois na vida de Cipião o quanto este deveu de sua glória àquela imitação Um príncipe sábio deve observar compor tamentos tais e jamais permanecer ocioso nos tempos de paz mas com engenho fazer um cabedal para dele se valer na adversidade a fi m de que quando mudar a fortuna esteja sempre pronto a resistirlhe Ma quiavel 2007a p 7172 Maquiavel deixa transparecer nos diversos capítulos de O Príncipe e dos Discursos o quanto aprecia os exemplos históricos Estes são como aliados de suas observações empíricas acumuladas ao longo dos anos em que viveu na carreira política São como suporte a muitos de seus conselhos políticos Uma de suas grandes fontes é o Antigo Testamento o qual recomenda como um precio so manancial de fatos históricos De Grazia 1993 p 69 Em sua outra especialidade a arte da guerra sobre a qual também pro duziu um livro Maquiavel também faz uso reiterado dos exemplos históricos 40 ELSEVIER Curso de Ciência Política Ler tais fatos é quase tão importante quanto os exercícios do corpo ou mesmo o conhecimento e treinamento dos ataques Por fi m a apologia da leitura e apreensão dos conhecimentos históricos também encontra abrigo nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio Nesta obra o tema da história exemplarista aparece no capítulo intitulado em povos diferentes muitas vezes se observam os mesmos acontecimentos Assim se ex pressa Maquiavel Quem considere as coisas presentes e as antigas verá facilmente que são sempre os mesmos os desejos e os humores em todas as cidades e em todos os povos e que eles sempre existiram De tal modo que quem examinar com diligência as coisas passadas facilmente preverá as futuras em qualquer república prescrevendo os remédios que foram usados pelos antigos ou se não encontrar remédios já usados pensará em novos devido à semelhança dos acontecimentos Mas como essas considerações são negligenciadas ou não são entendidas por quem lê ou se são entendidas não são entendidas por quem governa seguese que sempre se vêem os mesmos tumultos em todos os tempos Ma quiavel 2007b p 121 25 Conselhos aos governantes Até aqui se buscou desvendar os temas centrais ou conceitos que permitem melhor entendimento do pensamento maquiaveliano o que inevitavelmente le vou a uma pequena discussão fi losófi ca Não se deve esquecer no entanto que Maquiavel fi cou conhecido pelos seus conselhos aos governantes em especial os oferecidos em O Príncipe a Lorenzo de Médici governante de Florença à época do afastamento de Maquiavel O livro é dedicado a Médici o que levou muitos dos historiadores políticos a considerar o gesto de Maquiavel como interessei ro Uma tentativa frustrada de retornar á vida pública uma vez que o gesto não surtiu o efeito desejado Como já foi dito a obra de Maquiavel alcançaria grande dimensão apenas após a sua morte De qualquer forma o pensador fl orentino buscou no livro expor todo o seu conhecimento das coisas do Estado Na verdade ainda que se destaque o fato da oferta a Lorenzo de Médici não se deve negligenciar o enorme valor político da obra O Príncipe é um livro com pretensões e alcance bem maiores do que uma simples e vã oferenda Não fosse assim não alcançaria a notoriedade de séculos e a admiração de tantos ho mens Acima de tudo devese retornar à essência da obra ensinar a conquistar e a manter Estados Ensinamentos de quem como defi niu o próprio Maquiavel 41 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara aprendeu com o estudo das coisas antigas e a experiência das coisas modernas isto é com a observação em meio a tantas missões diplomáticas e políticas Não se trata aqui de expor todos os capítulos de O Príncipe embora a leitu ra seja aconselhável a todos os leitores que se interessem minimamente por polí tica e fi losofi a Nesse sentido é insubstituível No entanto vale a pena apontar algumas das mais interessantes lições políticas procurando não incorrer no ris co da simplifi cação Considerese portanto como observações sobre temas que merecem ser destacados e aprofundados pelos leitores de Maquiavel 251 Da prática da maldade e da bondade Um dos mais célebres conselhos de Maquiavel aos governantes referese à maneira pela qual se devem praticar atos de bondade e de maldade Como já foi discutido nas páginas anteriores o príncipe de virtù deve estar preparado para empregar a maldade caso seja necessário uma vez que não se pode ser bom ou justo todo o tempo Assim Maquiavel sugere que existe uma maneira capaz de atenuar o malestar causado pela maldade assim como existe um meio de pro longar a boa sensação provocada por gestos bondosos do príncipe Daí ser preciso sublinhar que ao tomar um Estado o conquistador deve examinar todas as ofensas que precisa fazer para perpetuálas todas de uma vez e não ter que renoválas todos os dias Não as repe tindo pode incutir confi ança nos homens e ganhar seu apoio através de benefícios Quem age de outro modo por timidez ou mau conselho precisa estar sempre com a faca na mão não podendo jamais confi ar em seus súditos como tampouco podem eles confi ar em seu príncipe devido às suas contínuas e renovadas injúrias As injúrias devem ser feitas conjuntamente a fi m de que sendo menos saboreadas ofendam menos enquanto os benefícios devem ser feitos pouco a pouco para serem bem mais apreciados E acima de tudo deve um príncipe viver com seus súditos de forma que nenhum incidente mau ou bom faça variar seu comportamento porque vindo as vicissitudes em tempos adversos não terás tempo para o mal e o bem que fi zeres não te será creditado uma vez que o julgarão que o fi zeste forçado e não recebe rás então a gratidão de ninguém Maquiavel 2007a p 41 252 Da importância da arte da guerra para o Príncipe Outro conselho muito importante dado aos príncipes por Maquiavel refe rese à importância de manter sempre pronto e bem treinado um exército para que se possa defender o principado e a si próprio Maquiavel também marcou a 42 ELSEVIER Curso de Ciência Política sua biografi a com os escritos de estratégia militar Sua paixão pelo tema fez com que as armas se tornassem um ponto crucial de O Príncipe quanto às maneiras de se preservar um Estado Boas leis e boas armas são itens imprescindíveis da estabilidade política mesmo em tempos de paz Deve portanto um príncipe não ter outro objetivo nem pensamento nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a guerra sua ordem e disciplina porque esta é a única arte que convém a quem comanda É de tanta virtù que não só mantém aqueles que já nasceram príncipes como também muitas vezes permite que homens de condição priva da ascendam ao principado Inversamente vêse que os príncipes que pensam mais em refi namento do que nas armas perdem sua posição A primeira razão que te leva a perdêla é negligenciar essa arte e a razão que te faz conquistála é ser versado nela Portanto um príncipe não deve jamais afastar o pensamento do exercício da guerra e durante a paz deve exercitálo ainda mais do que durante a guerra Isso pode ser feito de duas maneiras com obras e com a mente Quanto às obras além de conservar bem organizados e treinados os seus exércitos deve se dedicar às caçadas acostumando o corpo ao desconforto e informan dose sobre à natureza dos lugares Quanto ao exercício das mente deve o príncipe ler obras históricas e refl etir sobre as ações dos homens excelentes ver como se comportaram nas guerras e examinar as razões das vitórias e derrotas a fi m de poder escapar destas e imitar aquelas Maquiavel 2007a p 71 253 De como um Príncipe deve ser parcimonioso em seus gastos No título desse trabalho usou se a expressão Há vícios que são virtu des Uma das formas de entendêla é analisar a abordagem de Maquiavel no que se refere aos gastos de um príncipe No capítulo XVI de seu livro o autor sustenta que para não correr o risco de um descontrole fi nanceiro derivado do excesso de gastos gerando a necessidade de tributar mais o povo o príncipe pode e deve ser parcimonioso em seus gastos sem temer a execração pública e a fama de miserável Portanto para não ter de roubar os súditos para poder defenderse para não fi car pobre e desprezível e para não ser obrigado a se tornar rapace um príncipe deve temer pouco incorrer na fama de miserável porque este é um dos vícios que lhe permitem governar Não há coisa alguma que mais se consuma a si mesma do que a liberalidade cujo uso te leva a perder a faculdade de usála tornandote pobre ou desprezível ou rapace e odioso se quiseres fugir à pobreza Dentre to 43 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara das as coisas de que um príncipe deve guardarse a primeira é ser des prezível e odioso a liberalidade conduz a uma ou outra coisa Portanto é mais sábio fi car com a fama de miserável que gera uma infâmia sem ódio do que por desejar o renome de liberal precisar incorrer na fama de rapace que gera uma infâmia com ódio Maquiavel 2007a p 77 O tema desenvolvido acima se completará com a análise maquiaveliana sobre os meios de evitar o desprezo e o ódio por parte dos súditos Esta temá tica aparece no capítulo XIX do livro Maquiavel reforça a ideia já lançada de que se apropriar das coisas alheias torna o príncipe odioso Devese acrescentar no entanto que Maquiavel amplia sua abordagem para abranger também as mulheres dos súditos como algo que o príncipe não deve jamais cobiçar ou de que se apoderar É dessa forma que se evita o ódio Quanto ao desprezo para Maquiavel é fundamental que o príncipe não incorra na fama de inconstante leviano efeminado pusilânime e irresoluto Maquiavel 2007a p 87 254 Da importância de saber simular e dissimular Um dos capítulos mais polêmicos de O Príncipe e que certamente mais provocaram revolta contra Maquiavel é o de número XVIII De que modo de vem os príncipes manter a palavra dada Mais uma vez o autor recorre ao rea lismo político para justifi car um comportamento que pelo menos em tese seria contra a moral Segundo Maquiavel é justifi cável que um príncipe volte atrás na palavra dada ou em outras palavras não é um imperativo que se cumpra a palavra dada em certas ocasiões Mais uma vez o autor recorre à razão funda mental para essa ação a natureza humana Assim um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se torna prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prometer Se os homens fossem todos bons esse preceito não seria bom mas como são maus e não mantêm sua palavra para contigo não tens também que cumprir a tua Tam pouco faltam ao príncipe razões legítimas para desculpar sua falta de palavra Sobre isto poderíamos dar infi nitos exemplos modernos e mostrar quantos pactos e quantas promessas se tornaram inúteis e vãs por causa da infi delidade dos príncipes quem melhor se sai é quem melhor sabe valerse das qualidades da raposa Mas é necessário sa ber disfarçar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimula dor pois os homens são tão simples e obedecem tanto às necessidades presentes que o enganador encontrará sempre quem se deixe enganar A um príncipe portanto não é necessário ter de fato todas as qua 44 ELSEVIER Curso de Ciência Política lidades supracitadas mas é indispensável parecer têlas Aliás ousarei dizer que se as tiver e utilizar sempre serão danosas enquanto se pa recer têlas serão úteis Assim deves parecer clemente fi el humano íntegro religioso e sêlo mas com a condição de estares com o ânimo disposto a quando necessário não o seres de modo que possas e saibas como tornarte o contrário Maquiavel 2007a p 8485 26 Conclusão Maquiavel deixou sua marca na história do pensamento político como um dos grandes inovadores da forma pensar as coisas do Estado Ao mesmo tempo que ostentou as grandes características do Renascimento como o antropocen trismo e a crença na capacidade criadora do homem divergiu de autores da Antiguidade romana embora os admirasse e do pensamento religioso Parado xalmente serviuse do que a Antiguidade clássica poderia oferecer para adaptá la pelo menos na arte da política às necessidades de seu tempo As posições políticas maquiavelianas tiveram um custo considerável para o pensador em especial para a sua imagem Muitos pensadores e autoridades eminentes o amaldiçoaram e reprovaram seus escritos Em terras inglesas rece beu um adjetivo malicioso derivado de seu nome nick ou old nick sinôni mos para a palavra demônio Ainda em tempos recentes grandes pensadores como Leo Strauss ainda defi niam Maquiavel como um mestre do mal Em 1559 durante o período da contrareforma a Igreja católica colocou O Príncipe no Index Librorium Prohibitorium uma relação de obras condenadas e proibidas pela Igreja A decisão foi confi rmada posteriormente pelo Concílio de Tentro Além de amaldiçoado Maquiavel passaria também a ser considerado um apologista do despotismo epíteto que só seria enfraquecido no século da Revolução Francesa quando autores como Jean Jacques Rousseau apresentam uma nova leitura da obra de Maquiavel Nessa nova visão o pensador fl orenti no é visto não como um autor maldito mas como um louvável e brilhante inte lectual que fi ngiu dar conselhos aos governantes quando em verdade ensinava ao povo as engrenagens invisíveis da política O que levou a obra de Maquiavel a manifestações de adesão e ódio foi o seu olhar sobre a política Um olhar como já dito inovador destemido em relação às autoridades religiosas e políticas do século XVII Tal independência foi fundamental para a solidez dos seus argumentos apesar de toda a polêmica que despertou Maquiavel procurou estudar a política da maneira mais realista sem in correr em juízos de valor derivados do moralismo antigo ou da religião Sua obra 45 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara não comportou concessões aos idealismos prejudiciais à missão de um príncipe conquistar e manter Estados afastar o problema da instabilidade política tão comum na Itália do século XVII A estabilidade erigida como valor indispensável deve ser uma das me tas fundamentais dos governantes Ela é o coroamento da virtù principesca o conjunto das qualidades que levam o príncipe ao êxito político Tais qualidades divorciadas da moral alinhamse a um certo pragmatismo político capaz de fazer com que o príncipe aja de diferentes maneiras em momentos diversos não assumindo portanto compromissos com o agir bondoso ou justo A fl exi bilidade exigida pela virtù leva o príncipe a praticar em nome da estabilidade e manutenção do Estado atos de crueldade de dissimulação e simulação bem como de mesquinharia ou avareza Maquiavel acredita que seus argumentos convençam os homens da inu tilidade do comportamento moral ou virtuoso à moda tradicional É o mun do moderno habitado por homens ruins a razão que inviabiliza a política da bondade e do humanismo Leituras mais recentes de Maquiavel vêm procuran do de alguma forma separar os argumentos políticos de Maquiavel de suas crenças pessoais Buscase afastar do pensador fl orentino a imagem de prega dor cruel inimigo dos preceitos cristãos Como alternativa é possível pensar em um Maquiavel que reconhecia a importância dos ensinamentos cristãos e de suas lições mas não os considerava um guia seguro para as ações políticas De outra maneira tudo poderia ser diferente e melhor na política das sociedades se as máximas cristãs pudessem ser aplicadas na arena política No entanto caso insista nesse erro político o príncipe sofrerá graves prejuízos sobretudo por conta da natureza humana Merecem ainda destaque certos aspectos da política a serem observados pelo príncipe como por exemplo os caprichos da deusa fortuna A sombra do acaso do inesperado e do imponderável ronda os domínios humanos os palácios de governo Quem não se prepara para a chegada da fortuna alcança a ruína É preciso portanto aprender como lidar com a deusa e conquistar seus favores É preciso construir diques para evitar as inundações e ainda ser corajoso e viril São os antídotos contra as ações da fortuna vista por Maquiavel como uma fi gura feminina com as peculiaridades de uma mulher Ao príncipe é fundamental ainda o estudo da história e o aprendizado de seus exemplos A noção de história exemplarista é crucial para o argumento maquiaveliano uma vez que é fonte de ensinamentos e cursos de ação política Se os homens conservam traços imutáveis em sua natureza tanto na Antiguida 46 ELSEVIER Curso de Ciência Política de como no presente as situações políticas tendem a se repetir Conhecer o pas sado amplia o espectro de ações seguras a serem empreendidas pelo príncipe As páginas de O Príncipe estão repletas de exemplos históricos destinados a embasar e reforçar os argumentos de seu autor Maquiavel estuda a história da Antiguidade mas também o Velho Testamento De tais leituras conservará admiração por determinados líderes exaltandoos como autênticos homens de virtù Não se deve esquecer por derradeiro o valor intelectual de Maquiavel que além de conselheiro dos príncipes tarefa tão praticada na Florença renas centista por autores sem a originalidade vista em O Príncipe demonstrou outras faces Ressaltese a respeito a autoria de peças teatrais como A mandrágora e Clízia bem como o estrategista militar respeitado pela posteridade autor de A arte da guerra e ainda o historiador capaz de resgatar a história de Florença Fica aqui portanto um convite ao leitor para que mergulhe sem preconceitos no mundo maquiaveliano e refl ita sobre seus argumentos políticos O único risco possível é o de olhar a política contemporânea com outros olhos numa viagem sem volta Ainda assim vale a pena 27 Perguntas para reflexão 1 Explique o sentido da expressão há vícios que são virtudes analisan doa no contexto do pensamento maquiaveliano 2 Analise a relação de Maquiavel com os pensadores da Antiguidade res saltando continuidades e rupturas 3 Descreva a trajetória do conceito de fortuna da Antiguidade até o pen samento de Maquiavel 4 Explique o sentido de virtù no pensamento de Maquiavel 5 Analise a noção de realismo político tendo como parâmetro o pensamen to de Maquiavel 6 Analise as razões do choque entre o pensamento maquiaveliano e a dou trina da Igreja no cenário renascentista 7 Por que é possível dizer que Maquiavel foi um autor renascentista típico Explique 8 Analise o papel que a História ocupa no pensamento de Maquiavel 47 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara 9 Desenvolva a noção de natureza humana ressaltando a sua importância para a política segundo Maquiavel 10 Por que na visão maquiaveliana é mais seguro para o príncipe ser temido do que ser amado Bibliografia BERLIN Isaiah Estudos sobre a Humanidade uma antologia de ensaios São Paulo Companhia das Letras 2002 BURKHARDT Jacob A cultura do Renascimento na Itália um ensaio São Pau lo Companhia das Letras 1991 CHEVALIER Jean Jacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias Rio de Janeiro Agir 1989 DE GRAZIA Sebastian Maquiavel no inferno São Paulo Companhia das Le tras 1993 JOHNSON Paul O Renascimento Rio de Janeiro Objetiva 2001 MAQUIAVEL Nicolau A mandrágora São Paulo Martin Claret 2003 O Príncipe São Paulo Martins Fontes 2007a Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio São Paulo Mar tins Fontes 2007b A arte da guerra São Paulo Martins Fontes 2007c PINZANI Alessandro Maquiavel e O Príncipe Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 2004 RICHE Flavio Elias A infl uência do paradigma científi conatural no pensamento político e social moderno Rio de Janeiro Lumen Júris 2005 SKINNER Quentin Maquiavel São Paulo Brasiliense 1988 As fundações do pensamento político moderno São Paulo Com panhia das Letras 2003 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Os homens as mulheres um pássaro um crocodilo uma vaca um cão uma cobra uma cebola um alhoporó foram divinizados Thomas Hobbes 31 Introdução Thomas Hobbes é um dos autores mais notáveis da teoria política Poucos autores despertaram tanto interesse de politólogos teólogos juristas poetas historiadores e do público em geral A pujança do Leviatã seu livro mais conhecido quase ofuscou o restante de sua obra transformandoo ao mesmo tempo num autor clássico e num mito Autor clássico pois suas ideias e conceitos foram indicadores e fatores de mudanças sociais e políticas cujos efeitos ainda Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUCRio Professor de Teoria do Estado do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense Professor de Sociologia Jurídica do Departamento de Direito da PUCRio Contato pvillasboascbgmailcom parecem ecoar devido aos conflitos religiosos e políticos que ameaçam a estabilidade interna e externa dos Estados até os dias de hoje Além disso parece ter eternizado a vida do homem artificial Hobbes 1983 p 119 o Estado moderno que apesar de rumores advindos do processo de globalização1 não perdeu seu prazo de validade Ao contrário suas fronteiras sobretudo depois do 11 de Setembro de 2001 continuam sob vigilância ininterrupta Hobbes tornouse um mito entre outras razões em virtude da força do símbolo míticoreligioso do Leviatã não extraído por acaso do Livro de Jó 41 24 do Velho Testamento e escolhido como título de seu livro que se apresenta como um enigma cujo teor continua a desafiar seus estudiosos Além disso o conceito de homem isto é a antropologia política revelada no Leviatã é um entre tantos outros aspectos vulgarizados pela recepção das ideias do autor que não pode ser compreendido sem a sua concepção de religião As paixões humanas reveladas por Hobbes converteramse em um mito em razão da tendência racionalista e moralizante dos estudos sobre o Leviatã associar as paixões e instintos do homem à maldade A equiparação entre maldade e irracionalidade conduz ao reducionismo das ideias do autor cujo conteúdo concentrase mais em desvelar a falibilidade imanente à condição humana do que em acentuar sua crueldade A dificuldade em compreender as ideias de Hobbes ocorre em virtude dos sentidos subjacentes ao símbolo mítico do Leviatã ainda não se constituírem em objeto de estudo rigoroso A aura enigmática que os envolve se deve à reduzida atenção que lhes é conferida Na história das ideias políticas é lugarcomum priorizar a subsunção das ideias do filósofo inglês a correntes filosóficas a exemplo do racionalismo individualismo mecanicismo empiricismo sensualismo e outros ismos A esse respeito observa Helmut Schelsky que tal tendência dos estudos sobre Hobbes orientase excessivamente por categorias rígidas e por isso cria um obstáculo à compreensão de suas ideias Schelsky 1938 p 176193 Acreditase que essa inclinação resida na negligência da hermenêutica que Hobbes faz do Velho e Novo Testamento A terceira e a quarta parte do Leviatã nas quais empreende rigorosa exegese das escrituras sagradas não são objeto da leitura de boa parte dos intérpretes Não há como compreender o seu conceito de homem e Estado sem a concepção que o autor tinha da religião Não esqueçamos que a antropologia política e o conceito de Estado de Hobbes nascem das sangrentas guerras confessionais de seu tempo 1 Jurgen Habermas observa que a globalização põe em risco a sobrevivência do Estadonação resultado da fusão do Estado moderno com a nação moderna no final do século XVIII pois significa a transgressão a remoção de fronteiras e portanto uma ameaça para aquele Estadonação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras Habermas 1995 p 98 Curioso o autor profetizar o fim do Estadonação e propor que regimes supranacionais o substituam quando o cenário internacional apresenta uma afirmação da identidade nacional dos diferentes povos Além do mais os Estadonacionais e os remanescentes impérios depois do 11 de Setembro passaram a vigiar suas fronteiras de maneira sem precedentes na história 51 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Este capítulo percorre o pensamento político de Hobbes mostrando so bretudo como o Leviatã deve ser compreendido como símbolo políticoreligioso que funda uma teoria moderna do Estado a partir de mitos e imagens sagradas Não só o conhecimento político jurídico mas também cabalístico mitológico teológico de Hobbes permitiulhe elaborar uma teologia política Uma teologia política que não funda o Estado através de poderes transcendentes mas por meio da religião que não reside em nenhum outro lugar a não ser no homem 32 Leviatã o homem o Estado o Estado cristão e reino das trevas O Leviatã de Hobbes dividese em quatro partes a primeira denominase Do homem a segunda Do Estado a terceira Do Estado cristão e a quarta Do reino das trevas Curioso perceber que a terceira e a quarta parte ou seja metade do livro sem correspondência em nenhum outro da obra do autor nem sequer no livro Do cidadão com o qual o Leviatã guarda muitos pontos em comum não são objeto de análise por parte da maioria dos intérpretes que revisitaram as ideias de Hobbes Cabe salientar que na terceira e na quarta parte do Leviatã o autor dedicase à exegese das Escrituras Sagradas a fi m de dar cabo às interpretações de representantes espirituais que legitimavam através de sofi sticadas constru ções a usurpação do âmbito jurídicopolítico dos poderes temporais Embora as interpretações apenas se dediquem aos escritos da primeira e da segunda parte do livro de Hobbes no Leviatã todas elas estão intimamen te ligadas revelando o traço sistemático do livro A primeira parte contém 16 capítulos contudo a maioria deles tende a ser eclipsada pelo XIII Da condição natural da humanidade relativa à sua felicidade ou miséria no qual o autor continua a desenvolver sua antropologia política retratando o funcionamento das forças cognitivas do homem e suas paixões A psicologia humana revelada na primeira parte do Leviatã ressalta a miséria cognitiva o hedonismo e a concupiscência provenientes respectivamente das sensações dos apetites e das aversões do homem No capítulo II da primeira parte ao tratar da imaginação Hobbes in cute em seu leitor a fragilidade de suas potências sensoriais fator determinante da ignorância quanto à distinção entre sonhos e outras ilusões como a visão a sensação a imaginação Essa limitação cognitiva seria a causa principal do surgimento de boa parte das religiões A incapacidade de distinguir quanto às forças intelectivas dos sentidos convertidos em representações que acometem o mundo mental do ser humano seria a fonte da adoração de sátiros faunos ninfas fadas fantasmas gnomos e feiticeiras Hobbes 1983 p 14 Enganados por seus sentidos como pelos prognósticos tirados de sonhos pelas falsas pro fecias e todos aqueles embusteiros que exploram sua credulidade o homem é continua mente atormentado pelo temor dos poderes espirituais ou invisíveis Ao pintar um retrato em que se revelam a miséria cognitiva e a pujança das paixões humanas Hobbes procura despir o mundo de qualquer significado extrínseco ao homem de modo que a religião o poder a política e o Estado são forjados pelo homem e não mantêm nenhuma relação com poderes invisíveis de outro mundo Hobbes 1983 p 88 Sua concepção descortina um mundo niilista absolutamente aberto à contingência e à imprevisibilidade em que o poder o Estado a política o direito não podem ser desvendados em suas essências pois são fundados na arbitrariedade e nos caprichos da vontade humana isto é no poder fático de mando Na teoria política do autor não há espaço para verdades transcendentais emanadas da vontade divina da tradição do conhecimento dos antepassados ou da razão como potência reveladora de essências Desse modo na primeira parte do Leviatã Hobbes desconstrói as peças da machina machinarum para reconstruíla a partir de seus elementos mais simples como a sensação a imaginação a linguagem a razão a ciência as paixões e a religião O isolamento de cada elemento permite ao autor redefinir seus respectivos conceitos desatando cada elemento das interpretações tradicionais que lhes dão significado A partir daí desferre duros golpes na primeira parte e ao longo do livro na filosofia de Platão e Aristóteles Hobbes 1983 p 392 e 399 na escolástica sobretudo nas Escolas criadas por representantes dos poderes espirituais que insuflam o coração dos homens com especiosas distinções como a que separa a religião da política o que levaria à desobediência civil à sedição e à revolta Na segunda parte Hobbes não discorre apenas sobre os elementos constitutivos do corpo político ou Estado mas também sobre sua finalidade as causas que o esmorecem e os meios de mantêlo Importante salientar que em seu livro A dialogue between a philosopher and a student of the common laws of England apresenta uma passagem que sintetiza as ideias expostas na construção política de seu homem artificial It is not Wisdom but authority that makes the Law Hobbes 1971 p 55 não é a sabedoria mas a autoridade que faz a lei em outras palavras Auctoritas non veritas facit legem É a autoridade e não a verdade que faz as leis A referida passagem revela que o Estado introduzido pelo autor destitui as verdades provenientes do suposto mundo vindouro de consciências privadas dos costumes das leis naturais ou divinas de qualquer repercussão política pois o soberano de um Estado quer seja uma assembleia ou um homem não se encontra sujeito às leis 1983 p 162 Na construção de seu conceito de soberania absoluta a autoridade competente representativa do Estado tem o monopólio da decisão política Decide o que é justo ou injusto crime ou pecado certo ou errado sobre o costume prolongado que deve elevarse ao status de lei Além de acumular as funções de juiz e legislador compete à vontade do Deus mortal determinar em conformidade com o princípio cujus regio eius religio a fé que deve ser publicamente professada nos limites de seu reino ou território o que deve ser considerado verdade ou mentira considerado homem dotado de seus sentidos naturais muito embora não saiba ler nem escrever que não se encontra governado por aqueles que teme e que acredita o podem matar ou ferir se ele não lhes obedecer Ou que acredite que a lei o pode ferir isto é palavras e papel sem as mãos e espadas dos homens 1983 p 394 Ver também p 41 e 42 do Leviatã 1983 O teor de tal passagem se repete inúmeras vezes sob várias formas ao longo do Leviatã por exemplo no capítulo XXXIX porém é importante compreendêla pois mesmo após a instituição ou aquisição do Estado o soberano permanece na condição natural relativa à felicidade ou à miséria do capítulo XIII ou no estado de natureza em que cada indivíduo governavase a si próprio pois não alienou a ninguém seu direito ou poderes de autopreservação ao contrário foramlhe delegados mediante pacto por particulares que agiam isoladamente como juízes em causa própria com poderes ilimitados para garantir a segurança de todos É por isso que no cenário internacional cuja gênese ocorre após a constituição e o estabelecimento da ordem interna dos corpos políticos cada representante do homem artificial é um lobo para o outro A relação entre corpos políticos caracterizase pela imprevisibilidade pela incerteza exatamente como no estado prépolítico ou de natureza em que predomina forte tensão revestida de desconfiança e precariedade quanto à promessa das palavras dadas Portanto se no âmbito das relações intestinas do corpo político o soberano é um deus mortal para os contratantes no plano das relações exteriores isto é na relação entre Estados não há hierarquia pois todos os soberanos são respectivamente lobos uns para os outros É em virtude disso que Hobbes afirma no Cidadão que ambos ditos são certos que o homem é um deus para o homem e que o homem é lobo do homem O primeiro é verdade se comparamos os cidadãos o segundo se cotejamos as cidades 1998 p 3 Parece que o conceito de razão de Hobbes já era mal compreendido na época em que viveu Observa o autor no livro Do cidadão por reta razão no estado da natureza humana não entendo como querem muitos uma faculdade infalível porém o ato de raciocinar Hobbes 1998 p 368 A divisão da Igreja romana esmoreceu a quase inabalável autoridade papista o que abriu caminho para que alguns líderes seculares usurpassem a autoridade eclesiástica de determinar em seus domínios qual seria a religião oficial do reino exatamente de acordo com o princípio secularizante cujus regio eius religio a religião é de quem é a região porque quem não tem reino não pode fazer leis Hobbes 1983 p 309 Portanto quem não tem reino não pode ordenar a conduta humana nem tampouco deter o monopólio acerca da crença dos súditos milagre ou charlatanismo Como o autor em inúmeras passagens da primeira segunda terceira e quarta partes do Leviatã separa foro íntimo de foro externo isto é intenção de ação o interno do externo a razão privada da razão pública observase que o monopólio da decisão política do governante do Estado inclui o controle das manifestações externas das crenças religiosas dos governados Verificase que para Hobbes a decisão política do soberano cuja vontade fundase na autoridade capaz de controlar os meios coercitivos é vestida com força de lei Portanto a lei não emana de nenhum milagre ou revelação nem tampouco de uma razão natural ou como diria Weber do mero costume de um hábito cego de um comportamento inveterado Weber 1982 p 128 Cabe ressaltar que na segunda parte do Leviatã como ao longo do livro inteiro o autor dispara críticas à divisibilidade da alma isto é à divisão do poder soberano do Estado cuja causa principal consiste na especiosa distinção entre poder temporal e poder espiritual forjada pelas autoridades espirituais Ora não é trivial o autor investir de forma tão incisiva contra a referida distinção no capítulo XXIX em que trata das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução de um Estado Fica claro a partir da introdução de seu conceito de soberania indivisível que não pode haver um poder temporal e outro espiritual pois ambos representam a existência de dois Estados e um homem não pode obedecer a dois senhores pois tal confusão leva à desordem e pode conduzir à destruição do Estado quer seja temporal ou espiritual Poder não se pode opor a poder portanto quando estes dois poderes se opõem um ao outro o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e de dissolução Pois sendo a autoridade 55 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco civil mais visível e erguendose na luz mais clara da razão natural não pode fazer outra coisa senão atrair a ela em todas as épocas uma parte muito considerável do povo e a espiritual muito embora se levante na escuridão das distinções da Escola e das palavras difíceis contudo por que o receio da escuridão e dos espíritos é maior que os outros temores não pode deixar de congraçar um partido sufi ciente para a desordem e muitas vezes para destruição de um Estado 1983 p 196 A fi m de evitar a insignifi cante distinção entre o temporal e o espiritual que leva à dissolução do Estado Hobbes soluciona o problema da seguinte for ma ou o civil que é o poder do Estado tem de estar subordinado ao espiritual e então não há nenhuma soberania exceto a espiritual ou o espiritual tem de estar subordinado ao temporal e então não existe nenhuma supremacia senão a temporal Hobbes 1983 p 196 Na terceira e na quarta parte em que trata respectivamente do Estado cristão e do reino das trevas Hobbes não somente se utiliza das Escrituras Sa gradas para refutar teses que propugnam pela monarquia universal da Igreja num âmbito temporal O autor também recorre aos textos sagrados a fi m de emancipar um domínio secular da tutela da Igreja Para tanto extrai princípios sob os quais fundase a sua teoria dos direitos de quem governa e deveres de quem obedece Conforme informa Hobbes é destas Escrituras que vou extrair os princípios de meu discurso a respeito dos direitos dos que são na terra os supremos governantes dos Estados cristãos e dos deveres dos súditos cristãos para com seus soberanos E com esse fi m vou falar no capítulo seguinte dos li vros autores alcance e autoridade da Bíblia Hobbes 1983 p 264 A incursão do autor nas Escrituras Sagradas tem a fi nalidade de provar que o poder espi ritual tem jurisdição no mundo vindouro portanto enquanto não chegar o dia do juízo fi nal não se deve obediência a nenhum outro poder senão ao temporal Obstinado Hobbes repete inúmeras vezes através de várias passagens distin tas as palavras atribuídas a Jesus Cristo o meu reino não é deste mundo João 1836 Desse modo nosso Salvador veio a este mundo para ser rei e juiz num mundo vindouro Hobbes 1983 p 286 Denunciada a distinção entre poder espiritual e poder temporal entre po deres visíveis e invisíveis Hobbes não só acusava os representantes do clero ro mano pois não é só o clero romano que pretende que o Reino de Deus seja deste mundo e que ele portanto tem um poder distinto do Estado civil 1983 p 403 Os autores das trevas na religião são o clero romano e clero presbiteriano 1983 p 398 Observase que o esforço do autor é no sentido de negar qualquer usur pação do poder temporal por parte de papas monges frades bispos ou pastores 56 ELSEVIER Curso de Ciência Política e deslocar o temor dos poderes invisíveis espirituais para o temor dos poderes visíveis temporais deslocar a atenção dos homens das sedutoras promessas de salvação da alma num mundo vindouro para a salvação da vida neste mundo A estrada aberta pela Reforma determinante para a quebra do monopólio da Igreja romana da conduta humana precisamente de como o homem deveria agir neste mundo para obter a salvação eterna num mundo vindouro individualizou os homens pluralizou as crenças provenientes das consciências privadas trans formou com a tradução da Bíblia para língua vernácula cada homem num juiz de suas ações Hobbes 1990 p 22 A Reforma converteu o mundo num cenário contingente imprevisível no qual os homens ao evocarem sua consciência priva da e manifestarem suas convicções religiosas podem entrar em violento confl ito corporal Tal cenário que leva às guerras civis religiosas muito semelhante ao apresentado no capítulo XIII do Leviatã só poderia ser neutralizado com a submis são do poder espiritual ao poder temporal Portanto a fi m de elidir a distinção entre o poder espiritual e o poder tem poral Hobbes submete o primeiro ao segundo A emancipação de um domínio estritamente secular das rédeas do poder da Igreja implica subordinar a Igreja ao Estado convertendo a instituição espiritual num instrumento de controle da ordem interna do Estado A Igreja passa a ser mais um instrumento a serviço dos interesses políticos do Estado Em outras palavras o autor não separa o poder da Igreja do poder do Estado mas incorpora a Igreja ao Estado Assim o autor não separa poderes mas os unifi ca nas mãos do domínio secular a partir daí portanto fi cam inseparáveis o direito de regular quer a política quer a religião Hobbes 1983 p 282 A religião não é estranha à política pois não somente a integra como principalmente constituise num efi caz instrumento político de dominação A religião como arma política indispensável na arte mediante a qual se constitui e mantém um corpo político não era novidade na história das civilizações O ato de incutir na mente do povo a crença em preceitos da religião inventados por homens e divulgálos como ditames de algum deus consistia numa técnica de dominação utilizada pelos primeiros fundadores e legislado res de Estados entre os gentios cujo objetivo era manter o povo em obediência e paz e fazer com que suas leis fossem mais facilmente aceitas Hobbes 1983 p 70 Talvez esta seja uma das passagens mais importantes do Leviatã de Ho bbes Isto porque nela se percebe que o monopólio da crença é indispensável à arte de governar o povo e como o governante deve tirar partido da tendência do gênero humano à irracionalidade da crença nos poderes invisíveis Hobbes 1983 p 263 33 Miséria cognitiva e crença 331 Breves observações sobre a Reforma protestante A Reforma protestante é um dos eventos históricos mais importantes para compreensão da formação do Estado moderno Em conformidade com Hobbes que viveu o terror da guerra civilreligiosa de seu tempo a principal causa das guerras confessionais teria como origem a destruição da unidade da Igreja romana ocorrida no século XVI A representação do estado de natureza do homem era proveniente dos conflitos resultantes da pluralização de crenças religiosas privadas que não possuíam amparo externo Hobbes no Leviatã de maneira jamais vista em toda a sua obra fez de suas ideias uma verdadeira arma política contra qualquer tipo de autoridade espiritual que se arrogasse o direito de intervir na esfera das decisões jurídicas e políticas de domínios temporais Para o autor era indiferente se a autoridade fosse proveniente da Igreja romana ou presbiteriana ou qualquer outra Igreja protestante Hobbes sabia como ninguém que líderes espirituais controlavam melhor do que líderes temporais as paixões dos homens cujo traço primordial residiria na natureza cognitiva falível calcada no medo e no amor pelo ininteligível A Reforma protestante também definida como renúncia de certas Igrejas ao poder universal do Papa Hobbes 1983 p 398 ao dar cabo ao monopólio da interpretação das Escrituras Sagradas e portanto estender sua interpretação a todos espraiou o veneno das doutrinas sediciosas que contribuem com as doenças de um Estado A livre interpretação da Bíblia transforma o mundo fragmentou os homens e seu mundo real Agora todo indivíduo particular é juiz das boas e más ações 1983 p 193 O ato de o sujeito interpretar livremente os desígnios de Deus não somente o projeta dentro de si próprio individualizandoo como também o torna juiz das boas e más ações elevandoo acima de qualquer lei civil Ora a descrição de tal homem individualizado que toma como medida de suas ações seu mundo interior sua consciência sua crença agindo em relação aos outros sem um poder comum capaz de manter a todos em respeito é idêntica à forma pela qual Hobbes retrata o estado de natureza em que vive a humanidade 1983 p 75 O próprio autor ao se insurgir contra a doutrina que eleva o juízo privado acima das leis civis de um Estado declara que isto é verdade na condição de simples natureza quando não existem leis civis e também sob governo civil nos casos que não são determinados pela Lei Mas não sendo assim é evidente que a medida das boas e más ações é lei civil e o juiz o legislador que é sempre representativo do Estado Partindo desta falsa doutrina os homens adquirem a tendência para debater consigo próprios e discutir as ordens do Estado e mais tarde de para desobedecêlas conforme acharem conveniente em seus juízos particulares Pelo que o Estado é perturbado enfraquecido 1983 p 193 Cumpre esclarecer que a Reforma protestante foi a principal causa das guerras confessionais que assolaram a Europa durante os séculos XVI e XVII A cisão do cristianismo ocidental solapou a ordem tradicional individualizou o homem pluralizou as concepções de mundo disseminou a desconfiança promoveu violentos combates entre as Igrejas e perseguições entre fiéis As disputas entre autoridades espirituais de distintas Igrejas e seitas criavam um oceano de incertezas nos domínios seculares Por outro lado a divisão da Igreja romana esmoreceu a quase inabalável autoridade papista o que possibilitou a alguns líderes seculares usurpar a autoridade eclesiástica de determinar em seus domínios qual seria a religião oficial do reino exatamente de acordo com o princípio secularizante cujus regio ejus religio a religião é de quem é região porque quem não tem reino não pode fazer leis 1983 p 309 Portanto quem não tem reino não pode ordenar a conduta humana e tampouco deter o monopólio acerca das crenças dos súditos 332 O homem e a religião Nesta parte do trabalho importa examinar o conceito de homem elaborado por Hobbes e relacionálo com a sua definição de religião Como se viu tal concepção antropológica não pode ser dissociada da guerra civilreligiosa que acometia a Europa do século XVI e XVII Todavia pretendese mostrar como para o autor inglês a faculdade intelectiva da espécie humana é marcada pela limitação cognitiva que desencadeia a irracionalidade das crenças religiosas É justamente a limitação dos sentidos da imaginação da memória das paixões que cria uma inexorável dependência da religião e portanto de uma autoridade representativa do Estado que possa controlar suas crenças externas A irracionalidade da crença exige um limite exterior imposto por uma autoridade soberana capaz de manter os homens em reverente temor A crença proveniente do foro íntimo deve ser destituída de repercussão política para reinar a proteção em troca de obediência A despeito de Hobbes acentuar a limitação cognitiva como marca indelével de sua antropologia ressalta que se o homem é a mais excelente obra da natureza não seria de admirar que não só seja capaz de imitála como também mediante a arte de criar a partir da natureza outro homem um homem artificial cuja estatura e força ultrapassem as de muitos homens naturais 1983 p 5 Mas qual seria a intenção desse homem Por que estaria querendo ampliar artificialmente sua estatura e força Intentaria se proteger De quem Para responder a tal indagação devese conhecer o homem natural E se porventura se deseja conhecer o homem artificial também denominado animal artificial máquina corpo político Civitas Estado ou Leviatã devese a fortiori voltar as atenções para seu elemento constitutivo isto é o seu artífice o homem natural Não obstante Hobbes qualifique o homem como criatura racional e o considere como se disse a mais excelente obra da natureza o autor elabora uma verdadeira teoria sobre a falibilidade humana Ao elevar a percepção sensorial à categoria de ponto de partida indiscutível de sua investigação descreve o mun do mental humano como um complexo mecanismo de causa e efeito de forças resultantes da conjugação de matéria e movimento A partir daí revela o funcionamento da imaginação da memória do intelecto do raciocínio da vontade das paixões dos valores do bem e do mal enfim lança mão de um rigoroso método introspectivo para conscientizar o homem de sua própria fragilidade de sua condição natural de miséria cognitiva Sua finalidade não consiste em atemorizar o homem diante de sua própria natureza Ao contrário ao profetizar que a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros mas do homem e convidar cada homem a adotar o lema nosce te ipsum lête a ti mesmo tem o intuito de demonstrar que quem quer que olhe para dentro de si mesmo perceberá mediante esse caminho quais são os pensamentos e paixões de todos outros homens em situações idênticas 1983 p 6 Através da demonstração do poder da introspecção e portanto do conhecimento da natureza humana isto é conhecimento da semelhança entre pensamentos e paixões de distintos homens será fácil reconhecer um denominador comum o medo e a necessidade de fundar um corpo político para reduzilo Aproximandose de uma tradição cética12 de pensamento Hobbes partiu da dúvida para perscrutar o homem Conclui que o estudo dos princípios e causas dos pensamentos e aparências diversas manifestados na mente humana teria de começar com a sensação Este é seu ponto de partida não porque não há engano ou desonestidade na afirmação dos sentidos mas o fato de sentirmos lhe parece a única coisa com a qual podemos estar inequivocamente certos Oakeshott 1946 p XXII O ser humano é antes de qualquer coisa uma criatura dotada de sentidos visão audição olfato paladar e tato Não há nenhum pensamento ou representação de algo que não se tenha originado nos órgãos dos sentidos em virtude de uma pressão exercida por um objeto ou resultante do acidente de um corpo exterior a nós 1983 p 9 Em outras palavras a pressão exercida no órgão dos sentidos por um corpo exterior produz no mundo mental humano pensamentos representações ou aparências diversas Conforme Hobbes a origem de todas elas é aquilo que denominamos sensação pois não há concepção no espírito do homem que primeiro não tenha sido originada total ou parcialmente nos órgãos dos sentidos 1983 p 9 12 Oakeshott ao perscrutar as raízes do racionalismo de Hobbes as situa no ceticismo proveniente da fase final da tradição do pensamento escolástico Ao contrário de autores como Spinoza e Descartes Hobbes não pertenceria a uma tradição platônicocristã Segundo o autor ele não se refere normalmente à razão à divina iluminação do intelecto que une o homem a Deus ele se refere ao raciocínio Ele não está menos persuadido da falibilidade e limitação da razão do que o próprio Montaigne Oakeshott 1946 p XXVII Como se verá a razão para Hobbes não desvela essências pois consiste em mero cálculo isto é adequação de meios para fins 61 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Hobbes vai mais longe Desvela no desconhecido mundo interior do cor po humano um mecanismo de reação isto é uma resposta dada pelos órgãos internos ao corpo externo que os pressionou O corpo externo que nada mais é do que matéria em movimento ao entrar em contato e consequentemente pressionar um órgão interior de uma criatura viva causa uma alteração no mo vimento desse órgão que por sua vez causa uma alteração no movimento dos nervos A movimentação dos nervos e outras cordas e membranas do corpo prolongada para dentro em direção ao cérebro e coração causa ali uma resis tência ou contrapressão ou esforço do coração para se transmitir cujo esforço porque para fora parece ser de algum modo exterior 1983 p 9 Observese que a resistência ou contrapressão do coração ou então a reação do coração à pressão causada por aquele corpo exterior em movimento também é defi nida como um esforço do coração para se transmitir Em virtude de tal esforço do órgão interior ser feito para fora em reação à força realizada para dentro temse a impressão ou ilusão de que alguma coisa está acontecendo do lado de fora ou que parece ser de algum modo exterior Ora é justamente esta ilusão ou impressão que se denomina sensação O jogo de ação e reação de pressão e con trapressão ocasionado pelos corpos em movimento dentro do organismo forne ce a impressão de que algo acontece do lado de fora do organismo Hobbes ao comentar os movimentos da matéria que pressionam nossos órgãos diz que sua aparência para nós é ilusão quer quando estamos acordados quer quan do estamos dormindo1983 p 9 É imprescindível levar em consideração que para Hobbes consciência é mera aparência O que se passa no interior do corpo é real o que chamamos de experiências mentais são simples aparências de movi mentos corpóreos Experiências mentais ou conscientes não são de modo algum reais O que é real é a matéria corpórea em movimento Raphael 1978 p 24 No que respeita a passagem acima citada é bom de antemão frisar que a despeito de Hobbes esforçarse para conectar a física à psicologia e procurar des nudar de um ponto de vista estritamente racional um mundo mecânico ininte ligível à faculdade sensorial o autor como se verá adiante sabe muito bem das limitações do conhecimento científi co independentemente do âmbito da vida em que seja aplicado Ainda em relação à citação acima cumpre dizer que atri buir a Hobbes o entendimento de que o real é o ininteligível13 isto é o real é a matéria em movimento é verdade na medida em que se sabe qual é a tarefa da fi losofi a para o autor Hobbes acredita que a tarefa da fi losofi a é representar 13 Observa Hobbes que embora os homens sem instrução não concebam que haja movimento quando a coisa movida é invisível ou quando o espaço onde ela é movida devido a sua pequenez é insensível não obstante esses movimentos existem 1983 p 32 o mundo no espelho da razão A imagem do mundo projetada nesse espelho é a de um mundo de causa e efeito A função da razão consiste em determinar o alcance e limite da investigação filosófica Oakeshott 1946 p X Porém a razão somente logrará êxito em seu papel se o mundo for concebido como causa e efeito matéria e movimento ação e reação pressão e contrapressão Ora então para Hobbes o mundo é uma máquina Se porventura se deseja explicar um efeito basta buscar sua causa imediata ou então para saber o resultado de uma causa procurase o efeito imediato Não Hobbes não era ingênuo14 sabia da existência de distintas concepções de mundo repletas de coisas que por definição não poderiam ser submetidas a uma relação de causalidade Como poderia uma filosofia da causalidade explicar um ser ubíquo como Deus15 O mundo vindouro Um mundo de tênues corpos aéreos belzebu fantasmas ninfas ídolos hereges Como se poderiam extrair consequências de coisas infinitas coisas eternas causas últimas coisas vindouras enfim como conhecer racionalmente coisas que somente podem ser conhecidas mediante a divina graça ou revelação Atentese para o fato de Hobbes não negar a existência de tais coisas mas sua racionalidade Oakeshott 1946 p XX É inequívoco que o autor sabia da existência de milagres profecias deuses demônios religiões superstições porém tais coisas eram peculiares à natureza humana e só existiam devido às paixões dos homens Como iluminar o reino das trevas em que vivia a fanática turba insana de seu tempo e demonstrar a supremacia da autoridade temporal e em relação à autoridade espiritual Para responder à indagação insta fazer o homem conhecer a si próprio e a partir daí será mais fácil para Hobbes propor seu projeto político que não salva vidas no Céu mas prolonga a vida não só do 14 Observa Oakeshott que Hobbes não diz que o mundo natural é uma máquina ele diz que somente o mundo racional é análogo a uma máquina Oakeshott 1946 p XX Isto quer dizer que se o mundo é concebido de um ponto vista racional não há espaço para teologia ou qualquer outra área do saber que não se atenha à noção de causalidade A despeito de Hobbes ser influenciado pela escolástica o autor procura secularizar a filosofia separandoa dos interesses da teologia 15 A filosofia concebida por Hobbes como sinônimo de ciência consiste no conhecimento das consequências A razão compreendida como cálculo é a ferramenta mediante a qual se podem somar consequências Todavia tais instrumentos estão longe de nos ensinar alguma coisa não somente sobre a natureza de Deus mas sobre a nossa também Relata Hobbes que a discussão sobre a natureza de Deus é contrária à sua honra pois se supõe que neste reino natural de Deus não existe nenhuma outra maneira de conhecer qualquer coisa sobre a natureza exceto pela razão natural isto é pelos princípios da ciência natural a qual está tão longe de nos ensinar alguma coisa sobre a natureza de Deus como de nos ensinar nossa própria natureza ou natureza do mais ínfimo ser vivo O agnosticismo do autor se revela mais intensamente ao ressaltar que nos atributos que damos a Deus não devemos considerar a verdade filosófica mas a significação da intenção piedosa de lhe prestarmos a maior honra de que somos capazes 1983 p 216 Hobbes parece dizer que os atributos que damos a Deus são produto das paixões humanas e portanto inescrutáveis 63 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco homem natural mas também do homem artifi cial na Terra16 Devese portanto voltar as atenções para a antropologia elaborada por Hobbes para em seguida compreender como deve ser a ordem jurídicopolítica de uma comunidade pro posta pelo autor Outra faculdade com a qual se pode contar é a imaginação que nada mais é portanto senão uma sensação diminuída e encontrase nos homens tal como em muitos seres vivos quer estejam adormecidos quer estejam desper tos 1983 p 11 A imaginação consiste portanto no poder ou capacidade de recordar ou representar na mente sensações de vestígios passados Exprimir o que é evanescente isto é transmitir uma sensação remota antiga chamase me mória Memória e imaginação são a mesma coisa Muita memória ou a memó ria de muitas coisas chamase experiência 1983 p 12 A despeito de sua dependência dos sentidos a imaginação consiste numa faculdade capaz de compor ao mesmo tempo sensações sentidas em momentos diversos portanto podese imaginar o que nunca antes fora visto como quando a partir da visão de um homem em determinado momento e de um cavalo em ou tro momento concebemos em nosso espírito um centauro Reparese que a ima ginação composta pode levar a uma verdadeira fi cção do espírito 1983 p 12 A imaginação de quem quer que esteja dormindo chamase sonho E aí pode ocorrer uma confusão pois é muito difícil estabelecer uma distinção entre sonho e sensação Hobbes por exemplo ao estar acordado sabe que não está dormindo mas quando está dormindo se julga acordado No que me diz respeito acor dado observo muitas vezes o absurdo dos sonhos mas nunca sonho com absurdo dos meus pensamentos despertos contentome com saber que estando desperto não sonho muito embora quando sonho me julgue acordado 1983 p 13 Observese que através do poder da introspecção Hobbes vai instilando no seu leitor uma inquietude uma incerteza quanto à sua capacidade cognitiva quanto às suas crenças O poder da imaginação leva à mente vestígios de sensa ções passadas vestidas sob a forma de experiência que nada mais é do que a memória de muitas coisas quando na verdade tornase difícil saber o que se experimentou ou vivenciou Pode ser um sonho uma ilusão uma visão fantás tica ou até mesmo uma cadeia de sensações diminuídas ou então recordação ou representação de fragmentos na mente de fatos que realmente ocorreram no passado Tal condição humana ou capacidade cognitiva pode traduzirse numa 16 Observa o autor que quanto à salvação geral como ela se deve dar no Reino dos Céus há uma grande dif culdade quanto ao lugar Por um lado enquanto se trata de um reino que é uma situação organizada pelos homens para sua perpétua segurança contra seus inimigos e as necessidades parece que essa salvação devese dar na terra 1983 p 272 64 ELSEVIER Curso de Ciência Política verdadeira ignorância e desta ignorância quanto à distinção entre os sonhos e outras ilusões fortes e a visão e a sensação surgiu no passado a maior parte da religião dos gentios os quais adoravam sátiros faunos ninfas e outros seres semelhantes e nos nossos dias a opinião que a gente grosseira tem das fadas fantasmas e gnomos e do poder das feitiçarias 1983 p 14 Aqui se torna fundamental observar que logo no início do Leviatã Hobbes começa a inculcar o que considera o maior problema da condição natural da hu manidade o medo que deriva da crença nos poderes invisíveis Vale observar que o autor elabora sua antropologia sobretudo com a fi nalidade de conscien tizar os homens de sua condição de miséria cognitiva Tal condição suscita nos homens a crença no ininteligível nos poderes invisíveis o que os conduz a um medo incomensurável Por isso o homem de Hobbes é uma presa fácil para qualquer tipo de charlatanismo sobretudo o praticado por autoridades eclesiás ticas que para o autor não passam de impostores Depois de tornar os homens cônscios de sua fragilidade cognitiva e de suas paixões hedonistas e concupis centes Hobbes poderá enfrentar a sede de poder político das autoridades espiri tuais e provar que para alcançar a paz devese conceder o monopólio da decisão política a uma autoridade temporal Embora Hobbes não mencione o termo secularização é inequívoco como na primeira parte do Leviatã na qual descreve o seu conceito de homem já se poder sentir a força secularizante de suas ideias Ao descrever a sensação a ima ginação e as paixões dos homens o autor entre outros propósitos tem em vista desmistifi car o conhecimento transmitido sobre o homem pelas escolas de fi losofi a das Universidades da Cristandade No fi nal do primeiro capítulo após expor sua teoria sobre as sensações como se viu o poder receptivo dos cinco sentidos através do qual se origina qualquer pensamento ou representação no mundo mental denuncia que as escolas de fi losofi a em todas as Universi dades da cristandade baseadas em certos textos de Aristóteles ensinam outra doutrina 1983 p 10 Acusa as universidades da cristandade de ensinar falsas doutrinas relativas à origem do conhecimento produzido no cérebro humano ou em outras palavras à causa do entendimento dos homens Ao invés de en sinarem que a causa do entendimento ou da faculdade de imaginar reside na pressão dos órgãos dos sentidos produzida por um corpo exterior professam que o corpo exterior possui em si um ser inteligível que nos possibilita enten der Conforme o autor no que se refere à causa do entendimento dizem que a coisa compreendida emite uma species inteligível isto é um ser inteligível o qual entrando no entendimento nos faz entender 1983 p 10 Hobbes sabia melhor que ninguém que a Igreja romana por meio da instituição das primeiras Universidades17 da Europa usou ideias como armas para ampliar seu poder de intervenção nas decisões políticas de governantes temporais Distinções palavras ambíguas palavras destituídas de significado silogismos e dilemas foram forjados através da cristianização de elementos da filosofia pagã para incentivar o medo nos homens através de inúmeras explicações falsas entre elas a que trata da formação do entendimento humano Para Hobbes ensinamentos deturpados falsos presságios retirados de sonhos conceitos ininteligíveis entre outras coisas serviam para que as pessoas com sede de poder se aproveitassem da crença de pessoas simples e promovesse a desobediência civil O Leviatã transmite ao leitor a sensação de uma dura batalha que Hobbes trava do começo ao fim do livro para desbaratar a autoridade de papas bispos pastores arcebispos frades monges enfim qualquer espécie de embusteiro que incentiva o medo e a sedição porque se desaparecesse esse temor supersticioso dos espíritos e com ele os falsos prognósticos tirados dos sonhos as falsas profecias e muitas outras coisas dele decorrentes graças às quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade de gente simples os homens estariam muito mais bem preparados do que agora para obediência civil 1983 p 14 Obstinado Hobbes ao longo de todas as quatro partes do Leviatã procura minar o poder de autoridades tradicionais que se aproveitam da credulidade da grande maioria dos homens para lograr cada vez mais poder Hobbes preocupado em redefinir o papel das Universidades da cristandade no interior do tipo de Estado secular que propõe critica em inúmeras passagens do Leviatã o uso que se fazia das Universidades porém em tom retórico chega a afirmar que não digo isto para criticar o uso das Universidades mas porque devendo mais adiannte falar em seu papel no Estado tenho de mostrar em todas ocasiões que isso vier a propósito que devem nelas ser corrigidas entre as quais temos de incluir a frequência do discurso destituído de significado 1983 p 10 E mais adiante discorre sobre a finalidade precípua do uso que se fazia da Universidade e revela precisamente a relação de sua antropologia com teólogos formados pelas Universidades Relata que a maior parte da humanidade é composta de homens hedonistas e concupiscentes aqueles cuja frivolidade ou preguiça leva 17 Ensina Hobbes que entre o tempo do Imperador Carlos o Grande e Eduardo Terceiro da Inglaterra 13271377 a Igreja romana quis transformar a religião numa arte e desse modo garantir a manutenção de todas as suas ordens através das disputas não somente a partir das Escrituras Sagradas mas também da filosofia de Aristóteles tanto a natural quanto a moral De acordo com o autor foi com esse fim que o papa exortou o dito imperador a erguer escolas de todas as espécies de letras iniciando assim a instituição das Universidades porquanto não tardou que estas se estabelecessem em Paris e Oxford Hobbes 2001 p 49 66 ELSEVIER Curso de Ciência Política a procurar os prazeres sensuais Tais homens afastados da meditação profun da conditio sine qua non para o aprendizado da verdade e consequentemente do conhecimento das ciências e questões relativas à justiça natural são como presas para aves de rapina O resultado é que a maioria dos homens recebe as noções de seus deveres principalmente dos teólogos no púlpito E preocupado com instrução do povo denuncia Hobbes que os teólogos e outros que fazem ostentação de erudição tiram seu conhe cimento das Universidades e das Escolas de leis ou de livros que foram publicados por homens eminentes nessas Escolas e Universidades É portanto manifesto que a instrução do povo depende totalmente de um adequado ensino da juventude nas Universidades Mas podem al guns dizer não são as Universidades da Inglaterra já sufi cientemente eruditas para fazer isso Ou será que quer tentar ensinar as Universida des Perguntas difíceis 1983 p 204 Hobbes responde somente à primeira pergunta e ao fazêlo retrata uma das formas utilizadas pelo poder espiritual para enfrentar o poder secular Re lata o autor que até por volta dos últimos anos do reinado de Henrique VIII o poder do Papa se erguia sempre contra o poder do Estado principalmente atra vés da Universidade e que as doutrinas defendidas por tantos prega dores contra o soberano poder do rei e por tantos legistas e outros que ali tinham recebido sua educação constituem um argumento sufi ciente de que muito embora as Universidades não fossem as autoras daque las falsas doutrinas contudo não souberam semear a verdade Pois no meio de tantas opiniões contraditórias o mais certo é que não tenham sido sufi cientemente instruídas e não é de causar espanto se ainda con servam aquele sutil licor com que primeiro foram temperadas contra a autoridade civil 1983 p 204205 No que foi dito a respeito da Universidade devese esclarecer que embora Hobbes ressalte em sua antropologia a miséria cognitiva e as aversões e desejos sem limites o autor acredita ser possível educar os homens pois o espírito da gente vulgar a menos que esteja marcado por uma dependência em relação aos poderosos ou desvairado com as opiniões de seus doutores é como papel limpo pronto para receber o que quer que seja que a autoridade pública queira nele imprimir 1983 p 201 Portanto de acordo com Hobbes cumpre instruir o povo sobre os direitos essenciais da soberania do Estado o que diminui as chances de rebelião e contribui para a segurança do homem artifi cial e conse quentemente do homem natural Por fim importa dizer que através da introspecção Hobbes quer mostrar aos homens que em razão de sua miséria cognitiva tendência à credulidade nos poderes invisíveis e sua condição sujeita aos apetites e paixões irregulares devese mediante a arte criar um homem artificial cuja força ultrapasse a de muitos homens naturais para garantir sua segurança não apenas contra o inimigo comum mas também contra suas próprias paixões hedonistas e concupiscentes O homem de Hobbes é acima de tudo um ser crente e fanático capaz de se destruir com suas próprias paixões A fim de que o homem não se fira com seus próprios apetites e aversões insta que se constitua um Estado de poder absoluto para a proteção de cada um e de todos os homens Hume concordaria com Hobbes que em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão 1983 p 115 Daí a necessidade de fundar um Estado capaz de controlar as paixões e crenças desse homem cuja condição natural é dominada pelas fantasias de seu mundo mental imaginário 34 O Leviatã e o seu significado simbólico Por que teria o autor do homem artificial escolhido como título de sua obra uma citação ou ilustração carregada de força colossal e de sentido enigmático O que estaria por trás de uma imagem que até hoje suscita dúvidas e dificuldades para melhor compreensão das ideias do autor Carl Schmitt autor do livro The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes Meaning and Failure of a Political Symbol publicado em 1938 na Alemanha realiza minuciosa investigação acerca do significado do símbolo procede a uma verdadeira abordagem mitológica na qual busca decifrar o significado do símbolo político selecionado por Hobbes como título e ilustração da primeira edição inglesa da capa de cobre de sua obra mais conhecida Seria oportuno examinar o significado do símbolo político representado pelo Leviatã seguindo em alguns pontos a abordagem de Carl Schmitt no livro acima mencionado Percorro daqui em diante alguns pontos do trabalho de Schmitt18 pois é um dos raros estudos que não relega à dimensão mítica e re 18 Assim como Hobbes Carl Schmitt também pertence à categoria dos autores malditos Há quem diga que ele é o Thomas Hobbes do século XX que ingressou no Partido Nazista em 1933 com a ambição de tornarse o principal jurista e filósofo político do terceiro Reich Todavia em face do seu passado antinazista seus laços de amizade com judeus e marxistas e seu desprezo pelas teorias racistas Schmitt foi severamente atacado pelo SS em 1936 e advertido a não posar de pensador Nacional Socialista Schwab 1996 p introdução Da mesma forma que Hobbes o autor permaneceu por muito tempo no mais profundo ostracismo Todavia no que respeita à peculiaridade de seu livro sobre o Leviatã destacase que a originalidade do empreendimento de Schmitt reside em ter querido descobrir através de uma investigação da simbologia cristã e judaica e de uma análise textual da obra de Hobbes o significado que tem o símbolo do Leviatã na doutrina do Estado daquele que passou à história com o nome de profeta do Leviatã Bobbio 1991 p 193 ligiosa do Leviatã sem a qual não se compreende o conceito de secularização de Hobbes ao plano do esquecimento Investigar a origem e a maneira como aparece o Leviatã associado à teoria política de Hobbes consiste na finalidade desta parte do capítulo 341 O Leviatã e o seu significado bíblico O uso de símbolos imagens metáforas insígnias brasões entre uma série de outras representações não é novidade nas ilustrações ou citações de teorias políticas 1983 p 5758 Na longa história das teorias políticas uma história excessivamente próspera em imagens e símbolos coloridos ícones e ídolos paradigmas e fantasmas emblemas e alegorias o Leviatã é a mais forte e poderosa imagem Ela fragmenta a estrutura de toda teoria concebível ou constructo Schmitt 1996 p 5 A ideia de um corpus ou da unidade de uma entidade política foi frequentemente representada à guisa de um grande animal ou de um grande homem Platão em A República livro IX ao discorrer através dos diálogos entre Sócrates e Glauco sobre as paixões brutais que acometem os homens e a multidão impedindoos de se orientarem através de leis ou por meio da sabedoria e da razão formula uma imagem Imagem pouco mais ou menos semelhante à daqueles seres de que falam as antigas tradições tais como a Quimera Cila Cérbero afinal toda essa multidão de monstros que a fábula figura compostos de muitas naturezas diferentes Platão 1959 p 402 Antes de se dar cabo à descrição acima citada é relevante frisar como no âmbito das ideias políticas é recorrente o tema das paixões19 que dominando os homens enfraquecem a razão levandoos a disputar entre si o gozo destes prazeres voltam as armas uns contra os outros20 entrebatendose aos murros e coices com unhas e cascos e acabam matandose sem chegarem nunca a saciarse Platão 1959 p 398 19 Platão após narrar as três partes da alma a que correspondem três espécies de prazeres próprios de cada uma uma destas partes é a razão órgão dos conhecimentos humanos a segunda é o apetite irascível a terceira chamola apetite concupiscente pela violência dos desejos que nos impelem a comer e a beber aos prazeres do amor e outros deleites sensuais e também dizemola avarenta porquanto é o dinheiro o meio mais eficaz de satisfazer a todas estas variedades de desejos define o significado de paixão um desejo imoderado de ganho Platão 1959 p 388 Afirmando que a razão não está suficientemente presente para resistir às paixões Hobbes diz que quanto às paixões do ódio da concupiscência da ambição e da cobiça é tão óbvio os crimes que são capazes de produzir Hobbes 1983 p 179 20 Hobbes no capítulo XIII primeira parte do Leviatã ao discorrer sobre a condição natural do homem afirma que se dois homens desejam a mesma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos eles tornamse inimigos E no caminho para seu fim que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite se esforçam por se destruir ou subjugar um ao outro Hobbes 1983 p 75 Prosseguindo na descrição da imagem de Platão21 observase que ela consiste num monstro com várias cabeças umas de animais domesticados outras de bestas feras Depois devese formar a imagem de um leão e de um homem cada qual à parte e com enorme desproporção entre o monstro e o leão entre o leão e o homem Essas três imagens devem estar unidas de maneira que se componham num só todo Por fim deve se envolver esse composto com o exterior de um único ser de um homem por exemplo de sorte que o observador que não possa ver interiormente e tenha de julgar pelo envoltório o tome por uma só entidade por um homem enfim Platão 1959 p 402 A elaboração da referida imagem tem como finalidade responder a Trasimaco sofista e interlocutor de Sócrates no livro I da República Nesse diálogo Trasimaco expõe a doutrina de que a justiça é simplesmente o interesse do mais forte 1959 p 28 A imagem trata de mostrar que a justiça como interesse do mais forte equivaleria a dizer que é vantajoso alimentar com cuidado a esse monstro de muitas cabeças e ao leão fortalecêlos enfraquecendo ao mesmo tempo o homem a ponto de fazêlo morrer de fome de sorte que fique à mercê de outros dois que o arrastarão por força aonde queiram Não equivaleria isto a afirmar que em vez de acostumálos a viver juntos e em perfeito acordo é preferível deixar que estes animais se entrebatam se mordam se devorem uns aos outros Platão 1959 p 403 Percebese que através dos dizeres de Sócrates Platão rechaça a doutrina de Trasimaco pois entende que a justiça como interesse do mais forte é irracional e portanto injusta Quem proclama a injustiça incorre num erro 1959 p 403 Não obstante diz que uma República justa só existe como modelo e se essa existir é certo que somente o sábio ou o filósofo consentirá em governála 1959 p 407 21 Embora Hobbes tenha infligido duras críticas à vá e errônea filosofia dos gregos especialmente a de Aristóteles Hobbes 1983 p 354 na quarta parte do Leviatã intitulada Do Reino das Trevas o autor elogia a geometria e profere Platão que foi o melhor filósofo dos gregos proibiu a entrada de sua escola a todos aqueles que não fossem já de algum modo geômetras Hobbes 1983 p 386 Leo Strauss ao comparar as influências de Platão e Aristóteles na doutrina do autor inglês salienta que Hobbes no final de seu período humanista não tinha nenhuma objeção contra a visão tradicional de seu tempo em que se designava Aristóteles como o filósofo par excelence Não obstante mais tarde Hobbes considera Platão o melhor filósofo da Antiguidade clássica Essa preferência por Platão se justificaria pela razão da sua filosofia ter como ponto de partida ideias ao passo que a de Aristóteles partiria de palavras Platão libertase de soletrar palavras enquanto Aristóteles não consegue libertarse Platão estaria apto a elaborar uma filosofia política por evitar conclusões falaciosas acerca do que é do que foi do que deveria ser Strauss 1936 p 139141 Carl Schmitt analisa sucintamente a imagem traçada por Platão e a reputa como o retrato de uma Commonwealth República representada por um grande homem que poderia ser caracterizada por exemplo por uma multidão movida por emoções irracionais uma criatura de muitas cabeças e muitas cores Schmitt 1996 p 5 O autor alemão considera que como símbolo de entidade política o Leviatã não seria apenas um corpus ou algum tipo de animal mas também uma imagem da Bíblia hebreia vestida durante muitos séculos de um significado místico teológico e cabalístico 1996 p 6 Para o autor o Leviatã teria um sentido mítico de uma imagem secular da batalha 1996 p 5 No Velho Testamento a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó 3 8 A descrição do Leviatã na referida passagem é breve Uma nota explicativa revela uma primeira definição22 do Leviatã monstro que se representa sob a forma de crocodilo segundo a mitologia fenícia Bíblia Sagrada 1957 p 614 Não se deve perder de vista que nas diversas descrições do Leviatã no Velho Testamento ele é caracterizado sob diferentes formas uma vez que se funde com outros animais O Livro de Jó 40 41 aponta a imagem mais impressionante do Leviatã descrevendoo como o maior dos monstros aquáticos No diálogo entre Deus e Jó o primeiro procede a uma série de indagações que revelam as características do monstro tais como ninguém é bastante ousado para provocálo quem o resistiria face a face Quem pôde afrontálo e sair com vida debaixo de toda a extensão do céu Quem lhe abriu os dois batentes da goela em que seus dentes fazem reinar o terror Quando se levanta tremem as ondas do mar as vagas do mar se afastam Se uma espada o toca ela não resiste nem a lança nem a azagaia nem o dardo O ferro para ele é palha o bronze pau podre Ao lado do Leviatã Jó 4010 aparece o Beemot vigoroso e musculoso animal terrestre sua força reside nos rins e seu vigor no músculo do ventre Levanta sua cauda como um ramo de cedro os nervos de suas coxas são entrelaçados seus ossos são tubos de bronze sua estrutura é feita de barras de ferro 22 Segundo outra definição o Leviatã em hebreu liwiiathan animal que se enrosca seria o monstro do caos na mitologia fenícia identificado na Bíblia como um animal aquático ou réptil Dicionário Aurélio1986 Há outro verbete que o descreve como monstro aquático comumente simbolizando o mal no Velho Testamento e na literatura cristã Websters Third New International Dictionary 1986 A origem históricomitológica de tais animais descritos na Bíblia é uma questão um tanto obscura Ambos animais têm sido associados a algumas sagas o Leviatã talvez esteja associado ao Tiamat uma divindade da saga da Babilônia O que interessa no entanto é não se ater às diferentes opiniões a respeito desses animais que aparecem na Bíblia hebreia uma vez que os historiadores e teólogos da Bíblia não os relacionam ao mito político ao qual Hobbes se refere 1996 p 6 Não obstante as diferentes interpretações o Leviatã aparece na Bíblia sob a forma do maior dos animais aquáticos como um crocodilo ou então na forma de um enorme peixe uma baleia O Beemot como animal terrestre representado sob a forma de um hipopótamo23 Interessa nesta parte do trabalho mostrar as interpretações de ordem teológicocristã e judaicocabalística que foram feitas ao longo da História para em seguida mostrar de que forma o mito do Leviatã assume a natureza de um símbolo político de batalha Uma das dificuldades com a qual se depara nas passagens da Bíblia hebreia ocorre em virtude de a imagem do Leviatã se fundir com a de outros animais Sua aparição também se revela sob forma de dragão ou serpente Em Isaías 271 Deus mata o monstro do mar naquele dia o Senhor ferirá com sua espada pesada grande e forte Leviatã o dragão fugaz Leviatã o dragão tortuoso e matará o monstro que está no mar Em todas as passagens investigadas no Velho Testamento o Leviatã aparece como monstro apocalíptico representando as forças do mal Em Salmos 7314 proclamamse as façanhas do Senhor quebrastes as cabeças de dragões Quebrastes as cabeças do Leviatã E as destes como pasto aos monstros do mar Observese que nesta passagem o Leviatã crocodilo ou dragão apresentase como símbolo do Egito vencido por Deus Entendese também o triunfo de Deus sobre os monstros mitológicos Há outra passagem em que se torna patente o tom irascível com que Ezequiel 2936 profetiza as palavras do Senhor contra o Faraó rei do Egito é contra ti Faraó rei do Egito que venho crocodilo monstruoso referência ao Leviatã que estás deitado no meio dos teus Nilos E que tu dizes Meus Nilos são meus sou eu que os fiz Vou pôr freio em tuas mandíbulas em tuas escamas prenderei os peixes do teus Nilos e tirarteei dos teus Nilos com todos os peixes de teus Nilos agarrados a tuas escamas Ezequiel 294 23 Apesar de Schmitt dizer que o Beemot poderia ser um touro ou um elefante 1996 p 6 a Bíblia Sagrada o define como hipopótamo 1957 p 654 72 ELSEVIER Curso de Ciência Política Não só o Leviatã mas também o Beemot eram poderosos símbolos do mundo pagão As antigas civilizações do Egito da Assíria da Babilônia entre outros povos pagãos prestavam culto a ambos animais Não obstante de acordo com as passagens citadas depreendese que as representações hebreias de tais animais revelam profunda hostilidade 1996 p 8 Representavam verdadeiras forças do mal forças do caos O conteúdo caótico apocalíptico e perverso que assumem tais animais segundo Schmitt demonstra a atitude dos judeus perante outros povos Para o autor é nas interpretações judaicocabalísticas caracterizadas pela imanente natureza esotérica que é possível confrontarse com o mito político que adqui rem esses animais 1996 p 8 Na interpretação referida o Leviatã representa os milhares de cabeças de gado espalhadas pelos morros milhares de animais nos meus montes Salmo 4910 que simbolizam os pagãos A história do mundo é apresentada como uma batalha entre pagãos O Leviatã simboli zando os poderes do mar enfrenta o Beemot representando poderes da terra O último tenta dilacerar o Leviatã com seu chifre enquanto o Leviatã cobre a boca e as narinas de Beemot com sua barbatana e o mata 1996 p 9 Essa imagem revela uma terra obstruída À distância judeus assistem aos povos do mundo matandose uns aos outros Considerando justo o ritual de carnifi cina e massacre judeus comem as carnes dos corpos massacrados e delas se alimen tam 1996 p 9 A passagem da Bíblia que poderia ter dado margem a essa interpretação judaicocabalística consiste naquela em que Deus faz referência aos milhares de animais espalhados pelos montes e diz que se tivesse fome não precisava dizerte porque minha é a terra e tudo que ela contém Porven tura preciso comer carne de touros ou beber sangue de cabrito Salmos 49 13 Lembrese que Beemot nos dizeres de Schmitt poderia ser retratado por um touro Em outra interpretação judaicocabalística mencionada pelo autor ale mão Deus para salvar o mundo da maldade e violência do Leviatã corta o Leviatã macho e salga a carne do Leviatã fêmea para proporcionar às pessoas de bem uma festa no paraíso O que importa é que ambos o Leviatã e o Beemot tornamse nessas interpretações judaicas mitos de batalha de grande estilo Da perspectiva dos judeus cada um é uma imagem da vitalidade e fertilidade pagã o grande Pan que os judeus odiavam e os seus sentimentos de superioridade transformaram em monstro 1996 p 9 Nas prósperas interpretações teológicas e históricas o Leviatã também representa uma força maligna Confundese com dragão serpente e pode até simbolizar as várias formas de aparição do diabo24 incluindo o próprio Satã O Beemot e o Leviatã no bojo dessas interpretações aproximamse dos animais apocalípticos Nas sagas e lendas também surgem mitos de batalha contra os dragões os matadores de dragões tais como Siegfried São Miguel e São Jorge podem ter suas origens no Leviatã 1996 p 67 É no início da Idade Média que surgem duas categorias principais de interpretação A primeira seria a da mitologia judaica feita pelos rabinos da cabala Aliás algumas dessas interpretações disponíveis já foram anteriormente expostas A segunda categoria vem da simbologia cristã divulgada pelos padres da Igreja 1996 p 7 Conforme narra Carl Schmitt a interpretação do Leviatã durante a Idade Média foi governada pela teologia até o período da escolástica25 Nessa interpretação o Leviatã se confunde com o diabo O Leviatã grande peixe diabólico teria sido capturado por Deus Por causa da morte de Cristo na cruz o diabo perde a batalha para os homens Enganado pela figura servil de Deus escondida na carne o diabo tenta devorar o homemDeus mas é capturado pela cruz como se esta fosse uma vara de pescar Como doutrina teológica esta concepção remonta a Gregório o Grande Leo o Grande e Gregório de Nyssa Uma ilustração do século XII no livro medieval Hortus Deliciarum do Abade Herrar von Langsberg retrata Deus representado como pescador Cristo na cruz como isca de uma vara de pescar e o Leviatã como peixe enorme que morde a isca 1996 p 78 Embora as interpretações até aqui expostas transformem o Leviatã e o Beemot em monstros apocalípticos figuras demoníacas representantes das forças do mal serpentes ou dragões simbolizando o caos é possível apresentar uma interpretação completamente oposta para o Leviatã de Thomas Hobbes Outros povos viram na serpente ou no dragão um símbolo de proteção e benevolência Ensina Schmitt que o dragão chinês não é o único exemplo Os celtas cultuavam serpentes e dragões Vândalos Lombardos e outras tribos germânicas utilizavam dragões e serpentes como emblemas militares Bandeiras estampando imagens de 24 Hobbes ao comentar as interpretações teológicas de mitos pagãos observa que a doutrina dos diabos não significa as palavras de qualquer diabo e sim a doutrina dos pagãos a respeito dos demônios e aqueles fantasmas que eles adoravam como deuses 1983 p 249 25 Um dos alvos principais do Leviatã de Hobbes é justamente a escolástica definida como a conquista filosófica mais notável da última fase da Idade Média esse sistema seria uma tentativa de harmonizar a razão com a fé ou para fazer a filosofia servir aos interesses da teologia Burns 1948 p 379 Além disso os filósofos da escolástica propugnavam por uma suserania papal da Igreja Foi contra esse caráter universalista da Igreja que Hobbes se insurgiu dragões vibravam nos campos de batalha Desde tempos imemoriais o dragão serviu aos anglosaxões como símbolo da bandeira do exército real No ano de 1066 em Hastings o rei Haroldo após a vitória de Guilherme o Conquistador enviou uma bandeira retratando um dragão ao papa de Roma 1996 p 910 A história das disputas políticas entre povos europeus revela de fato um arraigado sentimento mítico mas o que estaria por trás do Leviatã de Hobbes Schmitt considera que o autor inglês ao escolher o Leviatã como símbolo de sua obra tinha uma posição definitiva Atesta que Leo Strauss num livro em que examina o Tratado PolíticoTeológico de Spinoza publicado em 1930 salienta que Hobbes considerava os judeus como os criadores da destruidora distinção revolucionária do Estado a distinção entre poder secular e poder espiritual 1996 p 10 O Leviatã de Hobbes teria então o sentido mítico da imagem secular de uma batalha contra a distinção entre o poder secular e o espiritual que Schmitt considera uma divisão tipicamente judaicocristã 1996 p 10 Tal distinção era desconhecida pelos pagãos26 a religião para eles era parte da política Todavia se os judeus trouxeram a unidade do lado da religião a sede de poder da Igreja27 papal romana e das Igrejas presbiterianas reforçou a separação do poder espiritual e do poder temporal o que contribuiu amplamente para a destruição do Estado 1996 p 10 O argumento principal de Hobbes no livro Leviatã é o de que a especiosa distinção entre poder secular e poder espiritual leva às guerras civilreligiosas e consequentemente à destruição de um Estado Num Estado não pode haver mais de uma alma soberania aqueles que levantam a supremacia contra a soberania os cânones contra as leis e a autoridade espiritual contra a autoridade civil atuando sobre o espírito dos homens com palavras e distinções que em si nada significam estabelecem dois Estados para os mesmos súditos o que é um reino dividido e não pode durar A insignificante distinção entre temporal e espiritual 1983 p 196 leva os súditos a prestarem obediência a dois soberanos distintos todavia os homens não podem servir a dois senhores Os príncipes devem portanto aliviálos seja tomando completamente em suas mãos as rédeas do governo seja deixandoas nas mãos do Papa 1983 p 336 Em outras palavras ou o poder civil que é poder do Estado está submetido ao poder espiritual situação em que não há nenhuma soberania exceto a espiritual ou o poder espiritual está subordinado ao temporal assim não existe outra supremacia senão a temporal 1983 p 196 O significado desse mito secular de batalha representado sob a figura do Leviatã28 seria o da restauração da unidade original dos povos pagãos Restauração em que o secular e o espiritual constituem a alma de um único poder soberano no qual a religião não fosse estranha à política A luta contra a divisão de um poder indireto espiritual e um poder direto temporal visando a restauração da unidade pagã original seria o significado da teoria política de Hobbes Conforme destaca Carl Schmitt superstição e uso inadequado de crenças alienígenas por parte de espíritos dominados pelo medo e pela ilusão destruíram a unidade original e natural dos pagãos que unia a política e a religião A batalha para superar a divisão papal da Igreja romana entre um Reino das Luzes e o reino Reino das Trevas isto é a restauração da unidade política original é como viu corretamente Leo Strauss o significado atual da teoria política de Hobbes 1996 p 11 Hobbes29 de fato insurgese contra o poder papal da Igreja romana e relata que a oposição dos poderes espiritual e secular destrói o Estado Quando portanto estes dois poderes se opõem um ao outro o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e de dissolução Pois sendo a autoridade civil mais visível e erguendose na luz mais clara da razão natural não pode fazer outra coisa senão atrair a ela em todas épocas uma parte muito considerável do povo e a espiritual muito embora se levante na escuridão das distinções da Escola e das palavras difíceis contudo porque o receio da escuridão e dos espíritos é maior que os outros temores não pode deixar congraçar um partido suficiente para a desordem e muitas vezes para destruição de um Estado 1983 p 1996 O Leviatã seria então um grande símbolo de batalha contra as pretensões de a Igreja intervir na esfera jurídicopolítica dos domínios de soberanos civis ou 28 Bobbio ao fazer referência à interpretação mítica de Carl Schmitt chamou o Leviatã de cavalo de batalha Bobbio 199 p 193 29 Renato Janine na apresentação ao livro Do cidadão escrito por Hobbes e publicado em 1642 ao comentar a terceira parte da obra Leviatã cujo título é Do estado cristão diz que Hobbes procede a uma rigorosa exegese do texto bíblico procurando compreender a definição de cada um de seus conceitoschave Esse empreendimento tem um sentido estratégico o de limitar o poder eclesiástico que prevalece indevidamente sobre o poder político e sobre a vida dos cidadãos valendose da ignorância dos leigos Indagandose contra quem Hobbes constrói o seu poder absoluto assinala o autor que o poder absoluto se constitui em Hobbes antes de mais nada contra as pretensões do clero a influir no poder político Janine 1998 p XXXIII 76 ELSEVIER Curso de Ciência Política cristãos O Leviatã simbolizaria a indivisibilidade da soberania e a luta contra a separação do poder religioso do poder político O signifi cado do Leviatã seria a tentativa de restaurar a unidade pagã que não separava a política da religião E tal interpretação de Carl Schmitt procede uma vez que Hobbes ao se insurgir contra distinção entre o poder espiritual e o poder temporal o que equivale di zer contra a distinção entre religião e política propõe a restauração da unidade pagã Chega mesmo a proclamar que a religião dos gentios fazia parte de sua política Para eliminar a referida distinção que impede que haja um domínio estritamente secular devese restituir a unidade dos gentios em que a política e as leis civis fazem parte da religião não tendo portanto lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual 1983 p 71 Figura 1 342 O Leviatã na obra de Thomas Hobbes Na primeira parte deste capítulo intitulada O Leviatã e seu signifi cado bíbli co tratouse das distintas formas pelas quais aparecem o Leviatã retratado nas passagens da Bíblia hebreia e apresentaramse algumas interpretações extraídas do já mencionado livro The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes Mea ning and Failure of a Political Symbol da autoria de Carl Schmitt A decisão do cita 77 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco do autor de optar em primeiro lugar por uma análise dos diversos signifi cados que assume o mito do Leviatã na Bíblia e nas distintas representações ao longo da história tem uma razão bem defi nida Hobbes ao redigir o livro Leviatã divi deo em quatro partes A primeira trata do Homem a segunda do Estado a ter ceira do Estado Cristão e a quarta do Reino das Trevas Diferentemente do livro Do cidadão sob vários aspectos semelhante ao Leviatã neste último Hobbes procede a uma profunda exegese das Escrituras Sagradas sem correspondên cia no Cidadão Janine 1998 p XXXII Ora se o próprio Hobbes dedica metade de seu livro Leviatã a minuciosa análise das imagens conceitos e distinções re velados nas Sagradas Escrituras não seria de estranhar que um estudioso como Carl Schmitt para melhor compreensão das ideias do autor inglês procurasse trilhar caminho semelhante Aliás o signifi cado do Leviatã como mito secular de batalha contra a destruição do Estado perpetrada pela tradição judaicocristã através da distinção entre o temporal e o espiritual é pertinente e até constatável em uma série de passagens proferidas por Hobbes entre elas algumas a que já se fez alusão na primeira parte deste capítulo De que forma então aparece o Leviatã na obra de Hobbes Em 1651 a gravura na capa de cobre da primeira edição inglesa da obra intitulada Levia tã apresentao de forma completamente diferente das imagens retratadas nas Sagradas Escrituras Na mencionada capa o título Leviatã vem acompanhado dos dizeres do Livro de Jó 4024 non est potestas super terram quae comparatur ei não há nada na terra que se lhe possa comparar logo abaixo o observador deparase com a seguinte imagem um gigante composto de inúmeros anões segurando na mão direita uma espada e na esquerda um bastão pastoral toma conta de uma pacata cidade Sob cada braço o secular bem como o espiritual há uma coluna de cinco desenhos debaixo da espada um castelo uma coroa um canhão em seguida rifl es lanças e bandeiras e fi nalmente uma batalha a essas imagens corresponde abaixo do braço espiritual uma igreja uma mitra raios silogismos e dilemas e fi nalmente um Conselho A investigação ao longo do Leviatã revela que os raios do trovão simbo lizam o poder da excomunhão Na segunda parte da referida obra no capítulo XLII em que trata Do poder eclesiástico Hobbes investe duras críticas contra o poder da excomunhão utilizado pelo clero Considerava tal poder uma verda deira arma política forjada por pretensas autoridades espirituais cujo intuito consistia em usurpar o poder jurisdicional de soberanos temporais De acordo com o autor o nome fulmen excommunicationis isto é o raio da excomunhão teve ori gem numa fantasia do bispo de Roma que foi o primeiro a usála de que era rei dos reis tal como todos os pagãos faziam de Júpiter o rei dos deuses e lhe atribuíram em seus poemas e quadros um raio com o qual subjugou e castigou os gigantes que ousavam negar seu poder 1983 p 303 Não se deve perder de vista que o poder da excomunhão consistia na mais poderosa e sofisticada arma política utilizada pela Igreja nas disputas com líderes temporais pelo governo da ação dos homens Segundo com Hobbes a excomunhão consistia num verdadeiro poder coercitivo por meio do qual a Igreja se desvirtuava de suas funções sagradas sua missão não consiste em governar pelo mando e pela coação mas em ensinar e orientar os homens na salvação no mundo vindouro 1983 p 302 Ao comentar a mencionada gravura da primeira edição do Leviatã de Hobbes Carl Schmitt esclarece que a ilustração representa os meios característicos de usar a autoridade e o poder para empreender disputas de caráter secularespiritual Ela traz em si a fundamental compreensão de que ideias e distinções são armas políticas de fato armas específicas empenhadas pelo poder indireto 1996 p 18 São de suma importância as observações feitas pelo autor alemão uma vez que as cinco figuras retratadas abaixo de cada braço representando o poder secular e o poder espiritual constituem verdadeiro arsenal político de guerra Retratam respectivamente a tensão existente entre o poder das armas propriamente ditas e a autoridade da crença das ideias distinções enfim a tensão existente entre potestas e auctoritas Hobbes via nessa tensão as primícias das guerras civis religiosas30 uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens pois a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida porquanto a natureza da guerra não consiste na luta real mas na conhecida disposição para tal durante todo o tempo em que não há garantia do contrário 1983 p 76 Na doutrina do Estado de Hobbes não há distinção entre o secular e o espiritual entre potestas e auctoritas daí o autor proclamar que governo temporal e espiritual são apenas duas palavras trazidas ao mundo para levar os homens a se confundirem enganandose quanto ao seu soberano legítimo É certo que os corpos dos fiéis depois da ressurreição não serão apenas espirituais mas eternos porém nesta vida o único governo que existe seja o do Estado seja o da religião é o governo temporal 1983 p 277 30 Hobbes escreveu o Leviatã movido pelo período de guerras civis religiosas que assolavam a Europa no final da mencionada obra relata cheguei ao fim de meu referido discurso sobre o governo civil e eclesiástico ocasionado pelas desordens do tempo presente 1983 p 410 79 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Assim em tom agnóstico infere o autor inglês auctoritas non veritas Nada mais é uma questão de verdade tudo passa a ser um comando Um milagre é o que o comando da autoridade estatal obriga os súditos a acreditar como tal 1996 p 55 O fi lósofo político do Estado chega à referida conclusão por estar profundamente envolvido com as sensíveis questões acerca dos milagres e das crenças Seu agnosticismo o leva a sustentar que se o relato de um milagre é verdade ou mentira nenhum de nós deve aceitar como juiz sua razão ou cons ciência privada mas a razão pública do supremo lugar tenente de Deus E sem dúvida já o escolhemos como juiz se já lhe demos um poder soberano para fazer tudo quanto seja necessário para nossa paz e defesa 1983 p 264 Com efeito se algo deve ser considerado milagre é a razão pública do Estado que decide em detrimento às razões privadas O poder soberano atinge assim seu zênite É o maior representante de Deus na terra 1996 p 55 Retornando à imagem gravada na capa de cobre da primeira edição in glesa do Leviatã observase que o este não aparece como dragão serpente cro codilo ou baleia Ressalta Schmitt que ele não aparece no sentido retratado pelo Livro de Jó mas sob a forma da majestade de um grande homem No Leviatã ora usase magnus homus ora magnus Leviatã O monstro aquático da Bíblia hebreia e o grande homem de Platão são apresentados lado a lado Destaca o autor que em numerosas imagens míticas homem e animal fundemse um no outro e em virtude de apresentarse um grande homem e um grande animal antes de se tornarem um só a aparição mítica tornase plausível 1996 p 19 Seguindo ainda a análise textual de Carl Schmitt notase que o Leviatã é apenas mencionado três vezes Logo no início do livro na introdução Hobbes diz que o Estado ou Civitas é um grande homem de maior estatura e força do que o natural um grande Leviatã um autômato ou máquina 1983 p 5 O au tor alemão diz que o magnus ille Leviathan o grande e famoso Leviatã é introdu zido sem maiores explicações e de imediato caracterizado como grande homem e grande máquina Há portanto três imagens um grande homem um grande animal e uma grande máquina forjados pela arte pelo engenho humano 1996 p 19 A segunda vez em que Hobbes se refere ao Leviatã é na segunda parte do livro capítulo XVII intitulada Do Estado É justamente aí que o autor inglês constrói a sua teoria do Estado Antes porém de se proceder à análise textual da segunda aparição do Leviatã considerase necessária uma breve digressão No capítulo XIII do Leviatã Hobbes descreve a natureza humana e revela as três causas principais da discórdia a competição a desconfi ança e a glória Tais características da condição humana levam os homens a tirar um enorme desprazer da companhia uns dos outros quando não existe nenhum poder ca 80 ELSEVIER Curso de Ciência Política paz de mantêlos em respeito1983 p 75 Cabe ressaltar que neste capítulo ao descrever a natureza dos homens o autor examina as paixões de forma absolu tamente realista e portanto distinta do pensamento prémoderno Assim ela bora uma verdadeira antropologia política do homem sem exaltar a virtude a prudência ou a coragem O autor desvinculado do método silogísticodedutivo da geometria que tanto exalta e aplica na construção de sua teoria do Estado ao longo do livro determina sua premissa seu ponto de partida o medo o medo da morte pois tal paixão faz os homens tenderem para a paz A paixão com que se pode contar é o medo o qual pode ter dois objetos extremamente gerais um é o poder dos espíritos invisíveis e outro é poder dos homens que dessa maneira se pode ofender 1983 p 84 O medo seria então o que levaria ao pacto conditio sine qua non para um corpus uma unidade política De todas as paixões a que menos faz os homens a tender a violar as leis é o medo 1983 p 179 Voltando então à segunda parte do livro capítulo XVII no qual o Leviatã é mencionado pela segunda vez como se disse é nesta parte do livro que Hob bes constrói a sua teoria Estado Diante da necessidade de segurança um homem ou uma assembleia de homens é designada como representantes de suas pessoas considerandose e reconhecen dose cada um como autor de todos os atos que aquele que representa suas pessoas praticar ou levar a praticar em tudo que disser respeito à paz e segurança comuns todos submetendo assim à vontade do repre sentante e suas decisões à sua decisão Isto é mais do que um consen timento ou concórdia é uma verdadeira unidade de todos eles numa só e mesma pessoa realizada por um pacto de cada homem com todos os outros 1983 p 105 Percebese que a forma através da qual Hobbes forja seu conceito de sobera nia absoluta é inequívoca Para instituir um poder comum devese outorgar toda força a um homem de preferência a uma assembleia de homens de modo que di versas vontades sejam reduzidas a uma só vontade O indivíduo ou a corporação elevam a todos que participaram do pacto à categoria de uma pessoa unifi cada que se denomina Estado Ganha vida o ente estatal Nos dizeres de Hobbes é esta a geração daquele grande Leviatã ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus Mortal ao qual devemos abaixo do Deus Imortal nossa paz e defesa Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado élhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles no sentido da paz em seu próprio país e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros 1983 p 106 81 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Ao lado do grande homem do grande animal e da grande máquina surge a quarta imagem o Deus mortal Atingese uma totalidade mítica composta por Deus homem animal e máquina 1996 p 19 No capítulo XXVIII Hobbes men ciona o Leviatã pela terceira e última vez Desta vez no entanto o autor fornece a explicação tal como a da imagem da Bíblia Sagrada O capítulo acima referido trata das penas e das recompensas Não é por acaso que o Leviatã é mencionado nesse contexto uma vez que penas e recompensas são o que Hobbes considera necessário para infl uenciar os homens sobretudo para curvar a arrogância e outras paixões 1996 p 20 O soberano possuidor do poder absoluto e não o Estado como um todo ou como uma unidade política em razão de seu grande poder governante é comparado ao Leviatã Atesta Hobbes comparei o poder do governante com o Leviatã tirando essa compa ração dos dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó onde Deus após ter estabelecido o grande poder do Leviatã lhe chamou Rei dos Sober bos Não há nada na Terra disse ele que se lhe possa comparar Ele é feito de maneira a nunca ter medo Ele vê todas as coisas abaixo dele e é o Rei de todos os fi lhos da Soberba 1983 p 191 Hobbes preocupado em alertar os homens para os perigos que poderiam advir dos milagres e das crenças perscrutou a crença nos fantasmas a ignorân cia das causas segundas a devoção pelo que se teme e a aceitação de coisas aci dentais como prognósticos enfi m investigou a semente natural da religião 1983 p 67 É provável que em razão de tal interesse duas das quatro partes que compõem o livro Leviatã consistam em minucioso estudo crítico das Sagra das Escrituras Hobbes tornouse o primeiro e mais ousado crítico com relação a todas as formas de crença em milagres fossem de natureza bíblicocristã ou de qualquer outra religião Para Schmitt sua crítica era completamente ilumina da e ao propôla ele aparece como o verdadeiro inaugurador do século XVIII 1996 p 54 O impacto do Leviatã devese às rupturas perpetradas por esse grande símbolo de batalha Embora infl uenciado por Tucídides Platão e Aristóteles entre outros Hobbes rompe com o pensamento prémoderno uma vez que re futa as concepções desses autores e de outros fi lósofos pagãos despreza os pen sadores romanos como Cícero ridiculariza os fi lósofos da escolástica enfrenta a sede de poder da Igreja papal romana e das Igrejas presbiterianas enfi m seu mito secular de batalha inaugura o pensamento moderno Ao se insurgir contra a distinção entre o poder secular e o poder espiritual Hobbes está na verdade secularizando o Estado uma vez que é a autoridade soberana estatal que detém o monopólio da razão pública ou seja o poder de determinar a fé ofi cial do rei 82 ELSEVIER Curso de Ciência Política no e portanto a crença dos súditos pelo menos no âmbito do foro externo pois reconhece a liberdade de crença no foro íntimo Hobbes ao submeter a autoridade do poder espiritual ao poder temporal do soberano chega à noção auctoritas non veritas facit legem Passa a não existir a verdade existindo pois o comando de um poder soberano estatal que tem o monopólio acerca das crenças de seus súditos e portanto da decisão políti ca Isto caracteriza uma verdadeira religião civil cujo representante é um Deus mortal O Leviatã não só inaugura uma antropologia política do homem o positi vismo jurídico mas também uma teologia política O fundamento do Estado de Hobbes é extraído da natureza humana cujo traço mais notável é sua tendência ao medo dos poderes invisíveis o que é defi nido pelo autor como religião Ao propor a restauração da original unidade pagã entre religião e política que serve tanto gentios quanto para cristãos Hobbes apresenta o báculo na mão es querda de seu Deus mortal pois sabe que somente com a espada na mão direita o Leviatã poderá rapidamente ser devorado pelo Beemot 35 Conclusão A resposta de Hobbes à guerra civil religiosa foi a secularização de um domínio estritamente político independente de juízos morais leis naturais ou interesses de representantes dos poderes espirituais Todavia não se deve per der de vista que esse domínio secular é extraído da interpretação das Escrituras Sagradas É justamente a hermenêutica do Novo e do Velho Testamento que permite estabelecer uma desconexão da moral teologizante que ocultava os con ceitos seculares e lhes conferir um sentido político permitindo a elaboração de uma teoria do Estado Não é por acaso que o autor chama o soberano intramun dano de Deus mortal ou diz que a soberania é a alma artifi cial do Estado São inúmeras as passagens do Leviatã em que se torna inequívoca a analogia que há entre a estrutura semântica de conceitos teológicos e conceitos políticos ou jurídicos como ocorre a título de exemplo entre as noções de crime e peca do foro externo e foro interno confi ssão e fé direito e moral código jurídico e Bíblia O conceito político de soberania absoluta de Hobbes é um conceito teo lógico secularizado revelando uma afi nidade estrutural entre os conceitos do reino espiritual e do temporal Demonstrando que o signifi cado do conceito de secularização no Leviatã pode ser pensado como a conversão de um Deus Todo poderoso na fi gura de um soberano intramundano onipotente cujas mãos detêm o bastão espiritual do controle da manifestação externa das crenças e o poder coercitivo da espada Hobbes não deixa de restaurar um princípio pagão no qual os gentios não separavam a religião da política pois a união dos poderes invisí 83 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco veis aos poderes visíveis garantia a estabilidade e previsibilidade dos governos de domínios temporais A construção de um Estado neutro acima de qualquer partido político ou seitas religiosas levou ao positivismo jurídico No seu conceito de lei formal não importa o conteúdo isto é o valor da lei Exige que a lei seja proveniente de autoridade competente dotada de poder coercitivo O direito assim como a religião não passa de um instrumento a serviço de quem tem o poder fático de mando A teoria política de Hobbes provavelmente é incômoda pois alerta para o caráter arbitrário do poder de mando que homens exercem sobre homens Aliás o traço arbitrário e realista do poder não guarda nenhuma relação com as leis naturais ou morais com conhecimento tirado das verdades de Deus dos ditames da razão e da sapiência de juízes Ao secularizar o Estado Hobbes des cortina o caráter arbitrário das relações de poder que os homens travam entre si sejam eles papas príncipes ou aiatolás Assim ao distinguir consciência interior de ação exterior moral de direito procura eliminar os confl itos violentos que ocorriam no interior de um Estado sem poder comum sufi cientemente forte para manter a paz Ao transformar o Leviatã em arma política voltada para a seculari zação do Estado Hobbes busca a salvação dos homens neste mundo no interior de um corpo político Assim o Estado passa a representar uma mútua relação de proteção e obediência Hobbes 1983 p 410 necessária à condição existen cial da natureza humana Se fora do Estado o homem é lobo do homem no seu interior adquire status de cidadão e o homem é um deus para o homem Hobbes 1998 p 3 36 Perguntas para reflexão 1 Qual seria segundo Thomas Hobbes a relação entre a limitação cogniti va dos homens e o surgimento das religiões 2 Aponte três características subjacentes à máxima Auctoritas non veritas fa cit legem é a autoridade e não a verdade quem faz as leis 3 Thomas Hobbes aduz duas soluções a fim de dar cabo à especiosa distinção entre o espiritual e o temporal que leva à ruína do Estado Indiqueas 4 Por que o monopólio da decisão política tira partido da religião isto é da tendência do gênero humano à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis 5 Explique o conceito antropológico introduzido por Hobbes sem deixar de aludir à miséria cognitiva dos homens 84 ELSEVIER Curso de Ciência Política 6 O que se entende pela restauração da unidade original dos povos pagãos e qual sua relação com o Leviatã de Hobbes 7 No Leviatã de Hobbes a palavra Leviatã aparece três vezes sob quatro formas compondo uma unidade mítica Deushomemanimalmáquina Mencione o sentido que Hobbes teria atribuído a cada um dos elementos da referida composição mítica 8 Por que seria possível interpretar o conceito político de soberania abso luta do Leviatã ou Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil título completo do Leviatã de Hobbes como um conceito teológico secularizado 9 Por que o Estado de Hobbes passa a representar uma mútua relação de proteção e obediência 10 Por que se poderia afirmar que Hobbes é o precursor do positivismo jurí dico Bibliografia BÍBLIA SAGRADA São Paulo Ed Claretiana 1957 BOBBIO Norberto Thomas Hobbes Rio de Janeiro Campus 1991 et al Dicionário de Política Brasília Ed Universidade de Brasí lia 1994 v 1 e 2 BURNS Edward McNall História da Civilização Ocidental Porto Alegre Glo bo 1948 COHN Gabriel Introdução In Max Weber Sociologia São Paulo Ática 1982 HOBBES Thomas Behemoth ou o longo parlamento Belo Horizonte Ed UFMG 2001 Diálogo entre um fi lósofo e um jurista São Paulo Ed Landy 2001 Do cidadão São Paulo Martins Fontes 1998 Leviatã ou matéria forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil São Paulo Abril Cultural 1983 Libertad y necesidad y otros escritos Barcelona Ediciones Penín sula 1991 Behemoth or the long Parliament Chicago The University of Chicago Press 1990 Leviathan Londres Penguin Group 1985 85 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco A dialogue between a philosofer and a student of the Commom Laws of England Chicago The University of Chicago Press 1971 Leviathan or The Matter Forme and Power of a Common Wealth Ecclesiastical and Civil Londres Mowbray Co Limited 1946 HABERMAS Jurgen O Estadonação europeu frente aos desafi os da globa lização o passado e o futuro da soberania e da cidadania Novos Estudos São Paulo novembro1995 HUME David Uma investigação sobre os princípios da moral Campinas Ed Unicamp sd JANINE Renato Ao leitor sem medo Hobbes escrevendo contra seu tempo Belo Horizonte Ed UFMG 1999 Apresentação In Do cidadão São Paulo Martins Fontes 1998 Hobbes o medo e a esperança In WEFFORT Francisco Org Os clássicos da política São Paulo Ática 1991 v I KOSELLECK Reinhart Crítica e crise uma contribuição à pantogênese do mundo burguês Rio de Janeiro Contraponto 1999 MACPHERSON C B A Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes a Locke Rio de Janeiro Paz e Terra 1979 Introduction In Leviathan Londres Penguin Books 1985 MAQUIAVEL Nicolau O Príncipe São Paulo Abril Cultural 1979 MARRAMAO 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v XXXI p 176193 197198 SCHMITT Carl The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes Meaning and Failure of a Political Symbol Londres Greenwood Press 1996 O conceito do político Petrópolis Vozes 1992 SKINNER Quentin razão e retórica na fi losofi a de Hobbes São Paulo Ed UNE SP 1999 STRAUSS Leo The Political Philosophy of Hobbes Its Basis Its Genesis Chiga go The University of Chigago Press 1984 WEBSTER Websters Third New International Dictionary Chigago Merriam Webster Inc 1986 Websters New International Dicitionary Mass Ed G C Mer riam Co Publishers 1937 Capítulo 2 1 Maquiavel desafia as noções tradicionais de moralidade e ética especialmente no que diz respeito à governança e à política Para Maquiavel a virtude não é necessariamente uma qualidade moral no sentido tradicional Em vez disso referese à habilidade de um governante em manter o poder e o controle Da mesma forma um vício não é necessariamente algo imoral mas algo que pode ser percebido como tal na busca do poder O filosofo é frequentemente associado ao realismo político que coloca a eficácia e o sucesso acima da moralidade convencional Ele argumenta que um governante eficaz deve estar disposto a agir de maneira considerada viciosa se isso for necessário para alcançar seus objetivos Maquiavel dá exemplos de ações que podem ser consideradas viciosas mas que podem ser necessárias para manter o poder Isso pode incluir enganar manipular ou até mesmo usar a força de maneira cruel Essas ações podem ser vistas como virtuosas no sentido de que ajudam a manter a estabilidade e a ordem Ele também separa a moralidade do indivíduo da moralidade do Estado Ele argumenta que o que pode ser considerado imoral ou vicioso para um indivíduo pode ser necessário e portanto virtuoso para um governante Essa abordagem foi tanto criticada quanto influente Alguns veem Maquiavel como cínico ou imoral enquanto outros o veem como um realista perspicaz que reconhece as complexidades e desafios do governo Em resumo a expressão há vícios que são virtudes no contexto maquiaveliano reflete a ideia de que ações que podem ser consideradas imorais ou viciosas em um contexto convencional podem ser virtuosas se contribuírem para a estabilidade ordem e sucesso de um governante É uma abordagem pragmática e realista que coloca as demandas do Estado acima das noções convencionais de bem e mal 2 Maquiavel é frequentemente considerado um pensador revolucionário em relação à sua abordagem da política e do poder Sua relação com os pensadores da Antiguidade é complexa apresentando tanto continuidades quanto rupturas Continuidades 1 Influência dos Clássicos Maquiavel foi profundamente influenciado pelos pensadores clássicos como Platão Aristóteles Cícero e os historiadores gregos e romanos Ele frequentemente se referia a exemplos históricos da Antiguidade em suas obras 2 Valorização da República Assim como muitos pensadores antigos Maquiavel valorizava a forma republicana de governo Em sua obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio ele analisa a República Romana e seus princípios 3 Virtude Cívica A ideia de virtude cívica é um tema comum tanto na Antiguidade quanto em Maquiavel Embora ele redefina o termo virtù para se referir à habilidade de um governante em manter o poder ainda existe uma ênfase na importância da virtude cívica para a estabilidade do Estado Rupturas 1 Moralidade e Ética A maior ruptura entre Maquiavel e os pensadores antigos reside em sua abordagem da moralidade e ética na política Enquanto os filósofos antigos como Platão e Aristóteles buscavam um ideal moral elevado para os governantes Maquiavel era mais pragmático e estava disposto a justificar meios imorais para fins políticos 2 Realismo Político Maquiavel introduziu uma forma de realismo político que estava em contraste com os ideais filosóficos da Antiguidade Ele focava no que era eficaz em vez de no que era moralmente correto 3 Separação da Política e da Moralidade Enquanto os pensadores antigos viam a política como uma extensão da moralidade e da ética Maquiavel fez uma clara distinção entre a moralidade do governante e a eficácia do governo Ele argumentou que um governante eficaz pode precisar agir de maneira que seria considerada imoral em um contexto privado 4 Foco no Poder A ênfase de Maquiavel no poder e na manutenção do poder era uma ruptura clara com os ideais filosóficos da Antiguidade que frequentemente enfocavam a justiça a virtude e o bem comum Em resumo enquanto Maquiavel foi influenciado pelos pensadores da Antiguidade e compartilhou algumas de suas preocupações e temas ele também introduziu rupturas significativas especialmente em sua abordagem pragmática e realista da política Sua disposição em separar a política da moralidade convencional e sua ênfase no poder e na eficácia marcaram uma mudança significativa no pensamento político 3 O conceito de fortuna tem uma longa e complexa trajetória na história do pensamento desde a Antiguidade até o pensamento de Maquiavel Na mitologia romana Fortuna era a deusa do destino e da sorte representando a aleatoriedade e a incerteza da vida Ela era frequentemente retratada com uma roda simbolizando a natureza mutável da sorte Os filósofos gregos como os estoicos também abordaram o conceito de fortuna enfatizando a aceitação do destino e a importância da virtude e do caráter na resposta às vicissitudes da vida Nos primeiros séculos do Cristianismo o conceito de fortuna foi incorporado à teologia com a ideia de Providência Divina substituindo a aleatoriedade do destino Durante a Idade Média o conceito de fortuna foi popularizado em obras literárias como A Divina Comédia de Dante onde a fortuna é descrita como uma força divina que governa a terra A teologia medieval continuou a enfatizar a Providência Divina mas também reconheceu a existência de eventos aleatórios e imprevisíveis na vida humana Maquiavel reintroduziu o conceito de fortuna como uma força impessoal e imprevisível que pode afetar a política e a vida do governante Ele se afastou da visão teológica vendo a fortuna como algo que pode ser manipulado e controlado até certo ponto Em O Príncipe Maquiavel explora a relação entre virtù habilidade força caráter e fortuna Ele argumenta que embora a fortuna seja imprevisível um governante habilidoso pode influenciála através de ações decisivas e corajosas Maquiavel vê a fortuna não como algo puramente aleatório mas como uma força que pode ser entendida e em certa medida controlada Ele enfatiza a necessidade de adaptarse às mudanças e de estar preparado para a imprevisibilidade da fortuna A trajetória do conceito de fortuna reflete mudanças na compreensão do destino da sorte e do controle humano sobre a vida Desde a personificação como uma deusa na Antiguidade passando pela Providência Divina na Idade Média até a visão pragmática e realista de Maquiavel o conceito de fortuna evoluiu para representar as complexidades e incertezas da existência humana Maquiavel em particular ofereceu uma abordagem inovadora vendo a fortuna como uma força que embora imprevisível não está totalmente fora do controle humano 4 O conceito de virtù no pensamento de Niccolò Maquiavel é um dos aspectos mais distintos e debatidos de sua filosofia política Diferente da compreensão tradicional de virtude que está associada à moralidade e à ética a virtù de Maquiavel tem um significado mais complexo e multifacetado Habilidade e Força Virtù em Maquiavel referese à habilidade força e destreza de um governante em alcançar seus objetivos Não está necessariamente ligada à moralidade ou à justiça mas à eficácia e ao sucesso Adaptação e Controle A virtù também envolve a capacidade de um governante de se adaptar às circunstâncias e de exercer controle sobre a fortuna sorte ou destino Maquiavel argumenta que um governante habilidoso pode influenciar ou até controlar a fortuna através de ações decisivas e corajosas Realismo Político A virtù reflete o realismo político de Maquiavel onde o que é eficaz é mais importante do que o que é moralmente correto Um governante virtuoso nesse sentido é aquele que faz o que é necessário para manter o poder e a estabilidade mesmo que isso envolva ações consideradas imorais Relação com o Povo A virtù também envolve a habilidade de um governante de manter o apoio do povo e de governar de maneira que atenda aos interesses do Estado Isso pode incluir a habilidade de inspirar lealdade de manipular percepções e de usar tanto a força quanto a persuasão de maneira eficaz Ambiguidade Moral A virtù em Maquiavel não é nem intrinsecamente boa nem má É uma qualidade neutra que pode ser usada tanto para fins nobres quanto para fins egoístas O que importa é como ela é aplicada e os resultados que alcança O conceito de virtù em Maquiavel representa uma ruptura significativa com as noções tradicionais de virtude focando na habilidade força e eficácia em vez da moralidade e ética É um conceito central em sua filosofia política refletindo sua abordagem pragmática e realista do poder e do governo A virtù é vista como uma qualidade essencial para um governante bem sucedido permitindolhe navegar pelas complexidades e incertezas da política e alcançar seus objetivos independentemente dos meios utilizados 5 O realismo político é uma abordagem que enfatiza a análise pragmática e objetiva do poder e das relações internacionais No pensamento de Niccolò Maquiavel essa noção é central e pode ser analisada através de várias dimensões 1 Foco no Poder Maquiavel é frequentemente citado como o pai do realismo político devido ao seu foco implacável no poder Ele vê o poder não como um meio para um fim moral mas como um fim em si mesmo O objetivo principal de um governante é adquirir e manter o poder e todas as ações devem ser avaliadas com base em sua eficácia em alcançar esse objetivo 2 Separação da Moralidade e Política Uma das características mais distintas do realismo político de Maquiavel é a separação clara entre moralidade e política Ele argumenta que um governante eficaz pode precisar agir de maneira que seria considerada imoral em um contexto privado A ética da política é distinta da ética pessoal e o que é moralmente repreensível pode ser politicamente necessário 3 Pragmatismo Maquiavel enfatiza a necessidade de pragmatismo e flexibilidade na política Um governante deve estar preparado para mudar de curso e adaptarse às circunstâncias sem ser limitado por ideais ou princípios rígidos O sucesso político requer uma compreensão realista das condições e uma disposição para fazer o que for necessário para alcançar os objetivos 4 Análise das Relações Humanas O realismo político de Maquiavel também se baseia em uma compreensão cínica mas perspicaz da natureza humana Ele reconhece que as pessoas são muitas vezes motivadas pelo interesse próprio e que um governante deve entender e manipular essas motivações para governar eficazmente 5 Virtù e Fortuna Como mencionado anteriormente Maquiavel introduz os conceitos de virtù habilidade força e fortuna sorte destino para explicar o sucesso e o fracasso políticos A virtù permite que um governante influencie a fortuna mas a fortuna também pode ser imprevisível e incontrolável Essa interação entre habilidade e acaso reflete a complexidade e a incerteza da política real O pensamento de Maquiavel representa uma ruptura radical com as abordagens idealistas da política introduzindo uma forma de realismo que continua a ser influente até hoje Sua análise fria e objetiva do poder sua disposição em separar a política da moralidade e seu foco no pragmatismo e na eficácia marcaram uma mudança fundamental na compreensão da política O realismo político de Maquiavel é uma abordagem que reconhece a complexidade a ambiguidade e a dureza da política e que vê o sucesso político em termos de habilidade adaptação e controle em vez de moralidade ou ideais elevados 6 O pensamento maquiaveliano especialmente como expresso em sua obra mais famosa O Príncipe causou um grande choque com a doutrina da Igreja durante o período renascentista Várias razões contribuíram para esse conflito 1 Separação da Moralidade e Política Maquiavel é notório por sua abordagem pragmática e realista do poder onde a eficácia é valorizada acima da moralidade Ele argumenta que um governante pode precisar agir de maneira imoral para alcançar e manter o poder Essa separação entre moralidade e política estava em desacordo direto com a doutrina da Igreja que enfatizava a ética e a virtude na conduta pública e privada 2 Visão Cínica da Natureza Humana A compreensão de Maquiavel da natureza humana era cínica e baseada no interesse próprio Ele via as pessoas como motivadas principalmente pelo medo e pelo ganho pessoal em contraste com a visão cristã da humanidade como fundamentalmente boa ou capaz de redenção 3 Rejeição da Providência Divina Enquanto a doutrina da Igreja via a Providência Divina como governando os assuntos humanos Maquiavel enfatizava o papel da virtù habilidade força e da fortuna sorte destino na política Ele via o sucesso e o fracasso políticos como largamente nas mãos dos indivíduos e não como parte de um plano divino Essa rejeição da Providência estava em desacordo com os ensinamentos fundamentais da Igreja 4 Foco no Estado Secular Maquiavel estava interessado no sucesso do Estado secular e na eficácia do governante independentemente de considerações religiosas Ele via a religião principalmente como uma ferramenta que poderia ser usada pelo governante para manter o controle e a ordem Essa instrumentalização da religião era profundamente ofensiva para a Igreja que via a fé como um fim em si mesma 5 Desafio à Autoridade da Igreja Durante o Renascimento a Igreja era uma poderosa instituição política e a visão de Maquiavel sobre o poder e a autoridade poderia ser vista como um desafio direto à autoridade da Igreja Sua ênfase no poder secular e na autonomia do governante era uma ameaça à influência da Igreja na política O choque entre o pensamento maquiaveliano e a doutrina da Igreja no cenário renascentista foi profundo e multifacetado A abordagem pragmática e secular de Maquiavel à política sua disposição em separar a moralidade da política sua visão cínica da natureza humana e sua rejeição da Providência Divina estavam em desacordo direto com os ensinamentos e a autoridade da Igreja Esse conflito reflete as tensões mais amplas da época incluindo o surgimento do Estadonação e o desafio ao domínio da Igreja sobre a vida política e intelectual 7 Niccolò Maquiavel é frequentemente considerado um autor renascentista típico e essa classificação se baseia em várias características de seu pensamento e escrita que refletem os temas e valores centrais do Renascimento Podemos atribuir como algumas das razões 1 Humanismo e Foco no Indivíduo O Renascimento foi marcado por um renovado interesse na natureza humana na individualidade e no potencial humano Maquiavel reflete essa ênfase em seu foco no governante individual suas habilidades decisões e ações em vez de atribuir o sucesso ou fracasso político à vontade divina ou ao destino 2 Racionalismo e Empirismo Maquiavel baseou suas teorias na observação e análise cuidadosa da realidade política de sua época Ele estudou a história e os eventos contemporâneos para desenvolver princípios políticos universais Esse enfoque empírico e racionalista estava em sintonia com o espírito científico e investigativo do Renascimento 3 Secularismo O Renascimento viu uma mudança do foco teocêntrico da Idade Média para uma abordagem mais secular e centrada no mundo Maquiavel personifica essa mudança em sua ênfase no poder e sucesso terrenos em vez de considerações espirituais ou religiosas 4 Reavaliação dos Valores Clássicos O Renascimento foi uma época de redescoberta e reavaliação dos textos e valores clássicos da Grécia e Roma antigas Maquiavel foi profundamente influenciado pelos autores clássicos e incorporou muitos de seus conceitos como a virtù em seu pensamento 5 Pragmatismo e Realismo O pensamento de Maquiavel é notável por seu pragmatismo e realismo Ele estava interessado no que funcionava na prática não no que deveria ser em teoria Essa abordagem pragmática reflete a ênfase renascentista na experiência na experimentação e na eficácia 6 Política como Arte Maquiavel tratou a política como uma arte que poderia ser estudada aprendida e dominada Ele viu o governante como um artista que molda seu estado Essa visão da política como uma forma de arte estava em sintonia com a valorização renascentista das artes e das habilidades humanas 7 Desafio às Autoridades Estabelecidas O Renascimento foi uma época de questionamento e desafio às autoridades estabelecidas incluindo a Igreja Maquiavel em sua rejeição da moralidade tradicional na política e em sua ênfase no poder secular estava em linha com esse espírito de independência intelectual Maquiavel encapsula muitos dos temas e valores centrais do Renascimento em seu pensamento e escrita Seu foco no indivíduo sua abordagem empírica e racionalista seu secularismo sua reavaliação dos valores clássicos seu pragmatismo e realismo e seu desafio às autoridades estabelecidas fazem dele um autor renascentista típico Seu trabalho continua a ser uma expressão duradoura do espírito inovador e inquisitivo da época 8 A História desempenha um papel fundamental no pensamento de Niccolò Maquiavel influenciando sua metodologia suas ideias e sua abordagem à política Para Maquiavel a História não era apenas um registro de eventos passados mas uma fonte rica de lições práticas para o presente Ele estudou a História para entender os princípios universais que governam o comportamento humano e a política Em obras como O Príncipe ele frequentemente recorre a exemplos históricos para ilustrar seus pontos e fornecer orientação concreta para os governantes A abordagem de Maquiavel à História era empírica e baseada na observação Ele analisou cuidadosamente os eventos históricos para extrair padrões e princípios que pudessem ser aplicados em diferentes contextos Essa metodologia empírica reflete o espírito científico e racionalista do Renascimento e distingue Maquiavel de muitos pensadores anteriores que se baseavam mais na teoria e na especulação Maquiavel foi profundamente influenciado pelos autores clássicos da Grécia e Roma antigas e ele viu a História como uma forma de se conectar com essa tradição intelectual Ele admirava os estados e líderes da antiguidade e buscava aplicar suas lições à política de sua própria época A História para Maquiavel era um instrumento poderoso de análise política Ele a usava para entender as dinâmicas do poder a natureza da liderança e os fatores que contribuem para o sucesso ou fracasso político A História fornecia a ele um laboratório para estudar essas questões em detalhes Ao mesmo tempo Maquiavel rejeitava uma visão determinística da História Ele não via a História como governada por um destino imutável ou pela Providência Divina Em vez disso ele enfatizava o papel da virtù habilidade força e da fortuna sorte destino na determinação dos eventos históricos Essa visão dava aos indivíduos e aos governantes um papel ativo na formação de seu próprio destino Maquiavel também via a História como uma forma de arte Em sua obra Histórias de Florença ele não apenas registra eventos mas os interpreta e os molda em uma narrativa coerente e envolvente Ele usa a História para explorar temas humanos universais e para refletir sobre a condição humana A História ocupa um lugar central no pensamento de Maquiavel servindo como fonte de lições práticas como metodologia empírica como conexão com a tradição clássica como instrumento de análise política e como forma de arte Ele usa a História para entender o mundo e para fornecer orientação prática e sua abordagem à História reflete sua abordagem inovadora e realista à política A História para Maquiavel não é um mero registro do passado mas uma ferramenta viva e vital para entender e navegar no presente 9 A noção de natureza humana é fundamental no pensamento político de Niccolò Maquiavel e permeia sua abordagem à política e ao governo Maquiavel tinha uma visão bastante cínica e realista da natureza humana Ele via as pessoas como motivadas principalmente por interesses próprios ambição desejo de poder e medo Essa compreensão informou sua abordagem à política onde ele acreditava que um governante eficaz deveria reconhecer e aproveitar essas motivações humanas básicas Com base em sua compreensão da natureza humana Maquiavel argumentou que o medo e o respeito eram ferramentas poderosas nas mãos de um governante Ele acreditava que as pessoas eram mais propensas a obedecer por medo de punição do que por amor ou lealdade No entanto ele também enfatizou que o medo não deveria se transformar em ódio pois isso poderia ser perigoso para o governante Maquiavel via a natureza humana como algo que poderia ser manipulado e controlado por um governante habilidoso Ele acreditava que um governante deveria ser capaz de adaptarse e responder às mudanças nas circunstâncias e ao comportamento humano Isso incluía a disposição de agir de maneira imoral ou não convencional quando necessário Maquiavel introduziu os conceitos de virtù habilidade força e fortuna sorte destino para explicar o sucesso e o fracasso na política Ele via a virtù como a habilidade de um governante de moldar e responder à fortuna Essa habilidade dependia de uma compreensão profunda da natureza humana e da capacidade de usála a seu favor A visão de Maquiavel da natureza humana era profundamente pragmática e realista Ele não estava interessado em ideais utópicos ou em como as pessoas deveriam ser mas em como elas realmente eram Essa abordagem realista informou sua ênfase na eficácia e no sucesso político em vez da moralidade ou da ética A compreensão de Maquiavel da natureza humana tinha implicações profundas para a liderança e o governo Ele acreditava que um governante eficaz deveria ser astuto adaptável e às vezes impiedoso A liderança para Maquiavel era uma arte que exigia uma compreensão profunda da psicologia humana A noção de natureza humana em Maquiavel é complexa e multifacetada Ele via as pessoas como fundamentalmente motivadas pelo interesse próprio pelo medo e pela ambição e acreditava que essas motivações poderiam ser usadas e manipuladas por um governante habilidoso Sua abordagem à natureza humana era profundamente pragmática e realista e informava sua visão da política como uma arte de manipulação controle e adaptação A natureza humana para Maquiavel não era algo fixo ou idealizado mas uma força viva e dinâmica que estava no coração da política e do governo 10 Na visão maquiaveliana expressa em sua obra O Príncipe a questão de ser temido em vez de amado é uma consideração prática e realista sobre o que mantém o poder e a ordem em um Estado Maquiavel argumenta que é mais seguro para o príncipe ser temido do que amado e aqui estão as razões para essa afirmação 1 Inconstância do Amor Maquiavel acredita que o amor é volátil e inconstante As pessoas podem amar um governante quando as coisas estão indo bem mas esse amor pode rapidamente se transformar em ressentimento ou indiferença se as circunstâncias mudarem O amor depende das boas vontades das pessoas que podem ser facilmente alteradas 2 O Medo é uma Emoção Mais Forte Por outro lado o medo é uma emoção mais forte e mais confiável O medo da punição é algo que pode ser controlado e mantido pelo governante Enquanto o amor pode desaparecer o medo permanece desde que o príncipe mantenha sua autoridade e a capacidade de punir 3 O Medo Mantém a Ordem O medo é uma ferramenta eficaz para manter a ordem e a obediência Se as pessoas temem as consequências de desobedecer ao príncipe elas são mais propensas a seguir as leis e as ordens O medo neste sentido é uma ferramenta de controle 4 O Amor Pode Ser Egoísta O amor que os súditos têm por um governante muitas vezes está ligado ao que o governante pode fazer por eles Se o príncipe parar de fornecer benefícios o amor pode rapidamente se transformar em descontentamento O medo por outro lado não depende de recompensas ou favores 5 A Necessidade de Tomar Decisões Impopulares Um governante às vezes precisa tomar decisões impopulares que podem não ser bem recebidas pelo povo Se o príncipe é amado essas decisões podem corroer rapidamente esse amor Se ele é temido no entanto as pessoas podem não gostar das decisões mas ainda assim obedecerão 6 Evitando o Ódio Maquiavel faz uma distinção importante entre ser temido e ser odiado Ele adverte que o príncipe deve evitar ser odiado pois o ódio pode levar à revolta Ser temido se feito corretamente não precisa levar ao ódio Para Maquiavel ser temido é uma questão de controle estabilidade e realismo Ele vê o amor como uma emoção volátil e inconstante que não pode ser confiada para manter a ordem e a lealdade O medo por outro lado é algo que um príncipe pode controlar e usar para sua vantagem No entanto Maquiavel também adverte que esse medo deve ser temperado e não deve se transformar em ódio pois isso pode ser perigoso para o príncipe A preferência de Maquiavel pelo medo sobre o amor reflete sua abordagem pragmática e realista ao governo e à política Capítulo 3 1 Thomas Hobbes filósofo político inglês do século XVII abordou a relação entre a limitação cognitiva dos seres humanos e o surgimento das religiões em suas obras especialmente em Leviatã A análise de Hobbes sobre essa relação é complexa e multifacetada e pode ser resumida da seguinte maneira 1 Medo do Desconhecido Hobbes acreditava que o medo do desconhecido e a incapacidade de compreender completamente o mundo ao nosso redor são fundamentais para o surgimento da religião Ele argumentou que os seres humanos têm uma tendência natural a temer o que não entendem como a morte o que está além do horizonte visível e os processos naturais que parecem inexplicáveis 2 A Necessidade de Explicação Devido às limitações cognitivas os seres humanos buscam explicações para os fenômenos que não compreendem Na ausência de uma compreensão científica as pessoas recorrem a explicações sobrenaturais Hobbes viu a religião como uma maneira de fornecer essas explicações preenchendo as lacunas no entendimento humano 3 A Construção Social da Religião Hobbes também viu a religião como uma construção social que surge da necessidade humana de ordem e compreensão Ele acreditava que as religiões eram muitas vezes criadas e manipuladas por líderes políticos e religiosos para controlar e unificar as pessoas A religião neste sentido é uma resposta à limitação cognitiva mas também uma ferramenta de controle social 4 Religião e Contrato Social Em Leviatã Hobbes desenvolve a ideia do contrato social onde as pessoas concordam em se submeter a um governante soberano em troca de segurança e ordem Ele viu a religião como parte desse contrato fornecendo uma base moral e uma justificação para a autoridade do soberano 5 Ceticismo em Relação à Revelação Divina Hobbes era cético em relação às reivindicações de revelação divina e acreditava que as crenças religiosas eram muitas vezes o resultado da imaginação humana e da interpretação de fenômenos naturais Ele argumentou que a revelação divina era frequentemente usada para justificar o poder político e religioso Para Thomas Hobbes a relação entre a limitação cognitiva dos seres humanos e o surgimento das religiões é complexa e multifacetada Ele viu a religião como uma resposta ao medo do desconhecido e à necessidade de explicação mas também como uma construção social usada para controle e ordem A análise de Hobbes sobre a religião reflete sua visão mais ampla sobre a natureza humana o poder e a política e oferece uma perspectiva crítica sobre a função e o papel da religião na sociedade 2 A máxima Auctoritas non veritas facit legem é a autoridade e não a verdade quem faz as leis reflete uma compreensão profunda da natureza da lei e da autoridade Aqui estão três características subjacentes a essa máxima 1 Primazia da Autoridade sobre a Verdade A máxima enfatiza que as leis são estabelecidas e mantidas pela autoridade de quem as promulga e não necessariamente pela verdade ou justiça inerente a elas Isso significa que a legitimidade de uma lei não depende de sua conformidade com alguma verdade objetiva ou princípio moral mas sim do poder e da autoridade do legislador A lei é portanto um produto da vontade humana e do exercício do poder e não de uma ordem natural ou divina 2 Relativismo Legal A afirmação de que a autoridade e não a verdade faz as leis pode ser vista como uma forma de relativismo legal Isso significa que as leis podem variar significativamente entre diferentes culturas sociedades e sistemas legais dependendo de quem detém a autoridade Não há uma única verdade que governa todas as leis em vez disso as leis são determinadas pelos valores normas e interesses daqueles no poder Isso pode levar a diferentes interpretações e aplicações da lei em diferentes contextos 3 A Lei como Instrumento de Controle A máxima também sugere que a lei é um instrumento de controle nas mãos daqueles que detêm a autoridade Ao enfatizar a autoridade sobre a verdade reconhecese que as leis podem ser usadas para promover os interesses e objetivos do legislador mesmo que isso possa estar em desacordo com certos princípios éticos ou morais A lei tornase uma ferramenta para manter a ordem consolidar o poder e controlar o comportamento em vez de um reflexo de verdades universais ou justiça objetiva Auctoritas non veritas facit legem é uma máxima que revela uma compreensão realista e às vezes cínica da natureza da lei e da autoridade Ela reconhece que as leis são feitas por seres humanos com todas as suas falhas interesses e ambiguidades e não por algum princípio transcendental de verdade ou justiça Isso tem implicações profundas para a forma como entendemos a lei a justiça e a governança e destaca a complexidade e a contingência da ordem legal 3 Thomas Hobbes em sua obra Leviatã aborda a tensão entre o espiritual e o temporal e como essa distinção pode levar à ruína do Estado Ele argumenta que a divisão entre a autoridade espiritual como a Igreja e a autoridade temporal como o Estado pode criar conflitos e desordem Para resolver essa tensão Hobbes propõe duas soluções principais 1 Sujeição da Igreja ao Estado A primeira solução de Hobbes é que a autoridade espiritual deve ser submetida à autoridade temporal Ele argumenta que a Igreja e outras instituições religiosas devem ser controladas pelo Estado e que o soberano deve ter a autoridade final sobre questões religiosas Isso significa que o Estado teria o poder de interpretar e impor a doutrina religiosa e que não haveria uma autoridade religiosa independente capaz de desafiar ou minar o poder do Estado Essa solução reflete a visão de Hobbes de que a soberania deve ser absoluta e indivisível Ao colocar a autoridade espiritual sob o controle do Estado ele busca eliminar qualquer conflito ou competição entre diferentes centros de poder 2 Unidade de Doutrina e Prática Religiosa A segunda solução de Hobbes é a promoção de uma unidade de doutrina e prática religiosa dentro do Estado Ele acredita que a diversidade religiosa e as disputas teológicas podem levar à divisão e ao conflito e que o Estado deve portanto impor uma única interpretação da religião Isso pode incluir a adoção de uma igreja estatal ou a imposição de uma interpretação particular da fé Ao promover uma única doutrina religiosa Hobbes busca criar uma unidade e coesão dentro da sociedade reduzindo o potencial de conflito religioso e divisão Ele vê a religião como uma ferramenta poderosa para unir as pessoas em torno de uma causa comum e acredita que o Estado deve usar essa ferramenta para promover a ordem e a estabilidade As soluções de Hobbes para a distinção entre o espiritual e o temporal refletem sua visão de que o Estado deve ter controle absoluto sobre todos os aspectos da vida incluindo a religião Ele vê a divisão entre o espiritual e o temporal como uma ameaça à ordem e à estabilidade e acredita que o Estado deve eliminar essa divisão através do controle da religião e da promoção da unidade religiosa Essas soluções são consistentes com sua visão geral de que a soberania deve ser absoluta e indivisível e que o Estado deve ter o poder de controlar e dirigir todos os aspectos da vida social e política 4 O monopólio da decisão política tirando partido da religião ou da tendência humana à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis é um conceito complexo que pode ser entendido de várias maneiras Isso por ocorrer por 1 Controle e Ordem Social A religião com suas crenças em poderes invisíveis e princípios morais transcendentes pode ser usada pelos detentores do monopólio político para impor ordem e controle Ao alinhar a autoridade do Estado com princípios religiosos os governantes podem reivindicar uma forma de legitimidade divina ou moral para suas ações Isso pode tornar mais fácil para eles governar já que as leis e decisões políticas são vistas como estando em harmonia com uma ordem cósmica ou divina 2 Manipulação das Emoções e Crenças A tendência humana à irracionalidade nas crenças religiosas pode ser manipulada pelos detentores do poder político para promover seus próprios interesses Isso pode ser feito através da promoção de certas crenças ou práticas religiosas que apoiam a agenda política do Estado Por exemplo a crença em um poder superior que ordena obediência ao governante pode ser usada para reforçar a autoridade do Estado 3 Unidade e Coesão Social A religião pode ser usada para promover a unidade e a coesão dentro de uma sociedade Ao promover uma única interpretação religiosa ou alinhar a religião com os objetivos do Estado os governantes podem criar uma sensação de identidade comum e propósito Isso pode ajudar a reduzir o conflito e a divisão dentro da sociedade e fortalecer o controle do Estado 4 Exploração da Incerteza e do Medo A irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis muitas vezes está ligada ao medo do desconhecido e à incerteza sobre o mundo Os detentores do monopólio político podem explorar esses medos e incertezas usando a religião como uma ferramenta para acalmar as preocupações das pessoas e promover a conformidade com as leis e regulamentos do Estado O monopólio da decisão política pode tirar partido da religião e da tendência humana à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis de várias maneiras Isso pode ser feito para impor controle e ordem manipular emoções e crenças promover a unidade e a coesão e explorar a incerteza e o medo A relação entre religião e política é complexa e multifacetada e essa exploração pode ter tanto efeitos positivos quanto negativos dependendo de como é usada e com que intenção 5 Thomas Hobbes filósofo político inglês do século XVII introduziu um conceito antropológico que continua a ser influente na filosofia política moderna Sua visão da natureza humana é profundamente cética e realista e ele acredita que os seres humanos são fundamentalmente motivados pelo medo e pelo autointeresse Hobbes descreve o estado de natureza como um estado de guerra de todos contra todos onde não há leis ou autoridade central Neste estado os seres humanos são livres mas sua liberdade é limitada pela constante ameaça de violência de outros Hobbes acredita que na ausência de uma autoridade central os seres humanos agiriam de acordo com seus próprios interesses levando a um estado de conflito perpétuo A miséria cognitiva referese à limitação do entendimento humano Hobbes acredita que os seres humanos são limitados em sua capacidade de conhecer e entender o mundo Essa limitação leva a medos e incertezas e os seres humanos tendem a criar mitos e religiões para explicar o desconhecido Essa miséria cognitiva também contribui para o conflito pois as pessoas podem interpretar a realidade de maneiras diferentes levando a desentendimentos e lutas Para escapar do estado de natureza e da miséria cognitiva Hobbes propõe que os seres humanos entrem em um contrato social concordando em submeterse a uma autoridade central o Leviatã em troca de proteção e ordem Esse soberano teria o poder absoluto de fazer e impor leis garantindo a paz e a segurança da sociedade Hobbes também é conhecido por sua visão mecanicista da natureza humana Ele acredita que os seres humanos são como máquinas movidos por desejos e aversões e que seu comportamento pode ser entendido em termos de causas e efeitos Essa visão mecanicista reforça sua crença na necessidade de uma autoridade central forte para controlar e dirigir o comportamento humano O conceito antropológico de Hobbes é uma visão sombria e realista da natureza humana enfatizando o autointeresse o medo e a miséria cognitiva Ele acredita que os seres humanos são fundamentalmente irracionais e limitados em sua compreensão e que essa limitação contribui para o conflito e a desordem Para Hobbes a única solução é a criação de uma autoridade central forte que possa impor ordem e controlar o comportamento humano Essa visão teve uma influência duradoura na filosofia política e continua a ser debatida e discutida até hoje 6 A restauração da unidade original dos povos pagãos pode ser entendida como um retorno a uma forma de vida ou sistema de crenças que existia antes da introdução de religiões monoteístas como o cristianismo Em muitas culturas pagãs havia uma conexão mais direta com a natureza e uma compreensão mais holística da existência sem a divisão estrita entre o sagrado e o profano que é típica das religiões abraâmicas O Leviatã de Hobbes é uma metáfora para um Estado soberano e poderoso que mantém a ordem e a paz através de um contrato social No estado de natureza segundo Hobbes os seres humanos vivem em um estado constante de guerra e conflito O Leviatã é criado para superar esse estado e impor uma ordem racional e justa Isso porque Retorno a uma Ordem Natural Assim como a restauração da unidade original dos povos pagãos pode ser vista como um retorno a uma ordem natural e holística o Leviatã de Hobbes busca restaurar uma ordem racional e justa superando o caos do estado de natureza Papel da Religião Hobbes tinha uma visão cética da religião e acreditava que ela poderia ser usada pelo Estado para controlar e unir as pessoas Isso pode ser comparado à forma como as religiões pagãs muitas vezes uniam as pessoas em torno de crenças e práticas comuns Soberania e Unidade Tanto a restauração da unidade original dos povos pagãos quanto o Leviatã de Hobbes enfatizam a importância da unidade e da soberania Nos povos pagãos essa unidade pode ser encontrada na conexão com a natureza e o cosmos enquanto no Leviatã ela é imposta através da autoridade do Estado Embora a restauração da unidade original dos povos pagãos e o Leviatã de Hobbes não estejam diretamente relacionados existem algumas semelhanças e conexões que podem ser exploradas Ambos os conceitos lidam com ideias de ordem unidade e a relação entre o indivíduo e o todo A comparação entre essas duas ideias pode oferecer insights interessantes sobre a natureza da ordem social a função da religião e a busca pela unidade e harmonia na existência humana 7 No Leviatã de Thomas Hobbes a imagem do Leviatã é uma metáfora complexa e multifacetada que representa o Estado soberano A figura do Leviatã é descrita em diferentes formas Deus homem animal e máquina Sobre cada um desse sentidos 1 Deus O Leviatã como Deus simboliza a autoridade suprema e inquestionável do Estado Assim como Deus tem poder absoluto no domínio espiritual o Leviatã tem poder absoluto no domínio temporal O soberano o Leviatã tem o poder de ditar as leis e regras da sociedade e de exigir obediência inquestionável dos súditos 2 Homem O Leviatã como homem representa a ideia de que o Estado é composto por indivíduos e é criado através de um contrato social Os seres humanos em seu estado natural concordam em submeterse a uma autoridade central para escapar do estado de guerra de todos contra todos O Leviatã é portanto uma criação humana e sua autoridade deriva do consentimento dos governados 3 Animal O Leviatã como animal simboliza a força bruta e a ferocidade do Estado Assim como um animal poderoso o Leviatã tem o poder de coagir e controlar usando a força se necessário para manter a ordem e a paz Essa imagem também evoca a ideia de que o Estado é um organismo vivo com uma vida própria mas também sujeito a instintos e impulsos 4 Máquina O Leviatã como máquina representa a estrutura mecânica e organizada do Estado O Estado é uma construção artificial criada através da razão e do design humano Como uma máquina ele funciona de acordo com regras e princípios definidos e sua eficácia depende de sua construção e manutenção adequadas A imagem do Leviatã em Leviatã de Hobbes é uma metáfora rica e multifacetada que encapsula sua visão do Estado e da natureza humana Cada um dos elementos da composição mítica Deus homem animal e máquina oferece uma perspectiva diferente sobre o poder a autoridade a estrutura e a função do Estado Juntos eles formam uma imagem complexa do Estado como uma entidade poderosa e multifacetada criada por humanos mas com poder e autoridade que transcendem o indivíduo 8 A interpretação do conceito político de soberania absoluta do Leviatã em Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil título completo do Leviatã de Hobbes como um conceito teológico secularizado pode ser entendida através da análise de várias dimensões da obra de Hobbes Vamos explorar algumas dessas dimensões 1 Soberania Absoluta como Poder Divino O Leviatã como representação do Estado soberano possui um poder absoluto e inquestionável sobre seus súditos Esse poder é comparável ao poder divino na teologia Assim como Deus governa o universo com autoridade suprema o Leviatã governa o Estado com autoridade total A soberania absoluta do Leviatã é portanto uma versão secularizada do poder divino 2 Contrato Social como Pacto Sagrado A ideia do contrato social na qual os indivíduos concordam em submeterse à autoridade do Leviatã pode ser vista como uma aliança ou pacto sagrado Assim como os pactos religiosos unem as pessoas a uma divindade o contrato social une os indivíduos ao Estado Essa aliança é sagrada no sentido de que é inviolável e deve ser honrada assim como um pacto com Deus 3 Estado como Entidade Sagrada O Leviatã como representação do Estado é retratado como uma entidade quase sagrada que transcende o indivíduo A obediência ao Leviatã é uma obrigação moral assim como a obediência a Deus é uma obrigação religiosa A violação das leis do Estado é portanto não apenas um crime mas um pecado secularizado 4 Linguagem e Imagética Teológica Hobbes usa linguagem e imagética teológica ao longo do Leviatã O próprio nome Leviatã é tirado da Bíblia e representa uma criatura poderosa e temível Essa escolha de linguagem e imagética ajuda a reforçar a ideia de que o Estado possui uma qualidade quase divina 5 Racionalização da Autoridade Ao atribuir ao Estado uma autoridade absoluta e inquestionável Hobbes está racionalizando e secularizando conceitos que eram tradicionalmente entendidos em termos teológicos Ele está tomando ideias que eram fundamentadas na fé e na revelação divina e redefinindoas em termos de razão contrato e consentimento humano O conceito de soberania absoluta do Leviatã em Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil pode ser interpretado como um conceito teológico secularizado porque Hobbes toma ideias e estruturas da teologia e as reinterpreta em termos políticos e racionais Ele cria uma visão do Estado que é profundamente enraizada em conceitos religiosos mas que é aplicada ao domínio secular da política e do governo Isso reflete uma mudança mais ampla na época de Hobbes onde a razão e a ciência estavam começando a substituir a fé e a revelação como as bases do conhecimento e da autoridade 9 O Estado de Hobbes representa uma mútua relação de proteção e obediência devido à sua concepção fundamental do contrato social e da natureza humana Hobbes começa com a ideia do estado de natureza onde todos os indivíduos são livres mas também em constante conflito uns com os outros Nesse estado não há leis ou autoridades para impor ordem e a vida é solitária pobre sórdida brutal e curta Para escapar do estado de natureza os indivíduos entram em um contrato social concordando em submeterse à autoridade de um soberano absoluto o Leviatã Eles renunciam a parte de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem O Estado representado pelo Leviatã tem o dever de proteger seus súditos Isso inclui proteção contra violência externa como invasões e interna como crime O Estado impõe leis e mantém a ordem garantindo que os direitos e propriedades dos indivíduos sejam protegidos Em troca dessa proteção os súditos devem obediência ao Estado Eles devem seguir as leis e regulamentos impostos pelo Leviatã e não desafiar sua autoridade A obediência é uma obrigação moral e legal e a desobediência é punida pelo Estado A relação entre o Estado e os súditos é portanto mútua e simbiótica O Estado oferece proteção e os súditos oferecem obediência Um não pode existir sem o outro Se o Estado falhar em proteger perde sua legitimidade Se os súditos falharem em obedecer o Estado se desintegra em anarquia A autoridade do Estado não é imposta de cima é derivada do consentimento dos governados Eles escolhem submeterse ao Leviatã porque reconhecem que essa submissão é do seu interesse A obediência não é apenas uma obrigação é uma escolha racional feita em busca de autopreservação O Estado de Hobbes representa uma mútua relação de proteção e obediência porque é construído sobre um contrato social onde ambas as partes o Estado e os súditos têm deveres e responsabilidades uns para com os outros Essa relação é fundamental para a ordem a segurança e a estabilidade da sociedade e reflete a visão de Hobbes de que a política é uma questão de autointeresse racional onde a autoridade e a obediência são meios para alcançar a paz e a prosperidade 10 Thomas Hobbes é frequentemente considerado um precursor do positivismo jurídico devido às suas ideias sobre a natureza da lei e da autoridade estatal Hobbes pode ser associado ao positivismo jurídico devido às seguintes razões 1 Separação entre Lei e Moralidade O positivismo jurídico sustenta que a validade da lei é independente de sua moralidade Hobbes também enfatizou essa separação argumentando que a lei é um comando do soberano e não precisa ser justificada por princípios morais ou éticos A lei é válida simplesmente porque é promulgada pela autoridade estatal 2 Soberania Absoluta Hobbes defendeu a ideia de um soberano absoluto cuja autoridade é inquestionável Ele acreditava que a paz e a ordem só poderiam ser alcançadas se houvesse uma autoridade central com o poder de impor leis Essa visão de soberania está alinhada com o positivismo jurídico que vê a lei como um produto da vontade do Estado 3 Contrato Social A teoria do contrato social de Hobbes estabelece a base para a autoridade legal do Estado Os indivíduos concordam em submeterse ao Estado em troca de proteção e a lei é o mecanismo pelo qual o Estado exerce essa autoridade Essa concepção de lei como um contrato entre o Estado e os indivíduos é fundamental para o positivismo jurídico 4 Rejeição do Direito Natural Enquanto alguns teóricos do direito natural argumentam que existem princípios morais universais que governam a lei Hobbes rejeitou essa ideia Ele acreditava que a lei é um produto humano e que sua validade não depende de sua conformidade com princípios naturais ou divinos Essa rejeição do direito natural é uma característica central do positivismo jurídico 5 Enfoque na Certidão e Previsibilidade Hobbes enfatizou a importância da certidão e previsibilidade na lei Ele acreditava que a lei deve ser clara e inequívoca para que os indivíduos saibam como agir Essa ênfase na certidão e na previsibilidade é compartilhada pelo positivismo jurídico que vê a lei como um conjunto de regras que devem ser seguidas independentemente de seu mérito moral Thomas Hobbes é visto como um precursor do positivismo jurídico devido às suas ideias sobre a natureza da lei a autoridade do Estado e a separação entre lei e moralidade Ele estabeleceu uma base para a compreensão da lei como um produto da vontade humana e da autoridade estatal em vez de princípios morais ou naturais universais Essas ideias influenciaram profundamente o desenvolvimento do positivismo jurídico e continuam a ser relevantes nas discussões contemporâneas sobre a natureza da lei e da autoridade legal

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Palestrante em diferentes eventos no Brasil e no exterior Autor do Curso de Direito Internacional Privado 2 ed 2008 Direitos Humanos e Direito Internacional 2006 Direito Internacional e as novas Disciplinarizações 2006 2ª tir O estrangeiro no Brasil 2005 e Estado globalização e integração regional 2003 dentre outras obras Contato lierrioigcombr Ricardo Guanabara Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduado em Ciências Sociais pela UFF e em Direito pela PUCRio Professor do IBMECRJ e da UCAMCentro Tem experiência nas áreas de Ciência Política e Direito com ênfase em Direito Constitucional Atua principalmente nos seguintes temas Direito Constitucional Teoria Política Teoria do Estado História Política e Direitos Fundamentais Contato guanabarahotmailcom Vladimyr Lombardo Jorge Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense UFF Professor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ Contato vljorgeuolcombr Adolfo Wagner Doutorando do Programa de PósGraduação da Faculdade de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da UERJ Mestre em Ciência Política pela UFRJ Pesquisador do Programa de Estudos de América Latina e Caribe PROEALCCCSUERJ Professor Assistente da CEFET Química Unidade Maracanã Contato adolfowbighostcombr Aparecida Maria Abranches Mestre em Sociologia pelo IUPERJ e Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ Professora adjunta de Ciência Política da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Contato pareabranchesyahoocombr Christiane Itabaiana Martins Romão Doutora e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduada em Ciências Sociais pela UFF e Direito pela PUCRio Professora Adjunta do IBMECRJ Contato christianeibmecrjbr Douglas Ribeiro Barboza Doutorando e Mestre em Serviço Social pela CAPESUERJ Bolsista e Pesquisador associado do Programa de Estudos de América Latina e Caribe PROEALCCCSUERJ Contato douglasbarbozayahoocombr Eduardo de Vasconcelos Raposo Doutor em Ciências Políticas tendo estudado no IUPERJ e no Instituto de Estudos Políticos de Paris IEP para onde retornou nos meses de dezembro de 1998 e janeiro de 1999 na condição de professor convidado Trabalhou por nove anos no CPDOCFGV Desde 1990 é professor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio onde foi diretor coordenando atualmente seu programa de PósGraduação em Ciências Sociais Contato raposopucriobr Fernando LattmanWeltman Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas CpdocFGV Contato fernandolattmanweltmanfgvbr Gisele Silva Araújo Mestre e Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro IUPERJ Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Atualmente é Professora Adjunta de Sociologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO Professora de Filosofia do Direito e Teoria Política da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ e Pesquisadora bolsista do Setor de História da Fundação Casa de Rui Barbosa FCRB Suas atividades têm como temas prioritários Teoria Sociológica Teoria Política Teoria do Direito Teoria Constitucional Pensamento Social e Político Brasileiro e Sociologia do Direito Contato gssaraujoyahoocombr Leonardo Carvalho Braga Doutorando e Mestre em Relações Internacionais pelo IRIPUCRio Graduado em Relações Internacionais pela UNESA Desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre a justiça em John Rawls e as relações internacionais com o título de A justiça internacional e o dever de assistência no Direito dos Povos de John Rawls Professor na graduação e na especialização em Relações Internacionais da La SalleRJ Institutos Superiores Professor na graduação em Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá Contato leonardobragahotmailcom Marcelo da Costa Maciel Doutor em Ciência Política e Mestre em Sociologia pelo IUPERJ Professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ Contato marcelocmacielbolcombr Paulo M dAvila Filho Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Bacharel em História com especialização em História da Filosofia pelo IFCSUFRJ Coordenador da Área de Ciência Política do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio onde é professor e pesquisador do Programa de Graduação e de Pósgraduação em Ciências Sociais Contato pdavilafrdcpucriobr Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Doutorando em Ciência Política pelo IUPERJ Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUCRio Professor de Sociologia Jurídica do Departamento de Direito da PUCRio Contato pvillasboasjurpucriobr Rafael Rossotto Ioris Doutorando em História pela Universidade Emory nos EUA Mestre em Relações Internacionais pela UnB Bacharel em Ciências Sociais pela UFRGS Professor de Relações Internacionais do IBMEC e do Centro Universitário Metodista no Rio de Janeiro Autor do livro Culturas em choque a globalização e os desafios para a convivência multicultural 2007 Contato riorisyahoocom Ricardo Ismael Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Professor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Política da PUCRio respondendo pela Coordenação de Graduação e integrando o corpo docente do Programa de PósGraduação em Ciências Sociais Autor do livro Nordeste A força da diferença Os impasses e desafios da cooperação regional 2005 Nos últimos anos tem trabalhado com os seguintes temas Federalismo e Desigualdades Regionais em Perspectiva Comparada Instituições Políticas e Avaliação de Políticas Públicas Estado Mercado e Desigualdade Social Contato ricismaelhotmailcom Rogerio Dultra dos Santos Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador UCSal Professor Adjunto do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense UFF Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense UFF Professor Colaborador do Programa de PósGraduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense UENF e avaliador ad hoc na área do Direito do Ministério da Educação Coordenou a edição do livro Direito e Política Porto Alegre Síntese 2004 Contato rogeriodultrayahoocombr Silene de Moraes Freire Doutora em Sociologia pela USP Mestre em Serviço Social pela UFRJ Professora e procien tista da UERJ Pesquisadorabolsista de produtividade do CNPq e coordenadora do Progra ma de Estudos de América Latina e Caribe do Centro de Ciências Sociais da UERJ PRO EALCCCSUERJ Contato silenefreireigcombr silenefreiregmailcom Wallace dos Santos de Moraes Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense Pesquisador senior do NEICIUPERJ e do INCTPPED Doutor e mestre em Ciência Política IUPERJ Bacharel e licenciado em História UFRJ Pósgraduado em História contemporânea UFF Contato moraeswsyahoocombr Yuri Kasahara Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e pesquisador associado do Centre for Development and the Environment University of Oslo Email para contato yurikasaharasumuiono Prefácio Curso de Ciência Política A nova busca do paradigma O presente trabalho inserese com originalidade no corpus deste conhe cimento e na nossa interrogação contemporânea É uma obra que de vez en tra resolutamente na pósmodernidade desta ciência Via de regra os escorços históricos detêmse no começo do século XX e mal chegam inclusive a Weber Deparamos agora uma análise ambiciosa que envolve não só a plena atualida de mas o faz de maneira interdisciplinar no reenvio entre as ciências sociais e especialmente a economia e os novos patamares do questionamento jurídico do fi m do século passado Atinge o paradigma indo ao campo dos reenvios na maior ambição entre modelos e alternativas Implica uma visão abrangente de nosso tempo que vai para além das facilidades da determinante liberal como fait accompli O escorço todo do capitalismo explícito aí está tal como a justiça sai da normatividade para encontrar uma axiologia já liberada das desconstruções e da preliminar epistemológica Cobraríamos ainda na senda tão rica a que leva a sua amplitude o estudo sobre Nicholas Luhmann exatamente na fronteira do repto à própria noção das totalidades do que seja a vis política emergente e a reifi cação da consciência contemporânea Atentese ainda à marca polêmica em que as temáticas via de regra amea çadas de redundância pedagógica discutem a refl exão de Maquiavel John Rawls ou Carl Schmitt pela sua premissa crítica versus o pensamento crista lizado destes autores em qualquer tratado desta estirpe Ao mesmo tempo a publicação indica a emergência de toda uma nova geração de especialistas que evidencia no seu matiz interdisciplinar a maturação dos estudos de pósgradu ação no país e especialmente no Rio de Janeiro XIV ELSEVIER Curso de Ciência Política Ao lado das universidades públicas aí está reiteradamente este contri buto dos autores do IUPERJ a entidade pioneira da pósgraduação da UCAM na comparação com a USP no quadro da excelência da ciência política e da sociologia na última trintena O propósito é ambicioso mas quiçá e no seu re mate com Robert Nozik privanos de uma teoria política já prospectiva da nova emergência do aparelho público contemporâneo Está em causa a facilidade com que se elimina na globalização contemporânea a viabilidade dialética ainda da alternativa a sancionar a tranquilidade com que um modelo econômico do iní cio do novo século teria já atingido a um status hegemônico Mais que Toni Negri a prospectiva fundante da teoria política emergente vai a Slavoj Zizek ou a Lucien Febvre mostrando o quanto a reifi cação da cons ciência contemporânea não bloqueia o nosso emergente processo social como civilização E se a história cauteriza hoje a dialética o chamado efeito paralaxe de Zizek tal não impede que a ideologia capitalista se exponha a uma cons tante desestabilização ideológica e à perenidade do pensamento maquiavélico Ou do que seja hoje não obstante todo o exorcismo da dialética a continuidade necessariamente fi nita das contradições suspensas no itinerário que se abre à recuperação da subjetividade contemporânea E por ela desta nova subversão em que as diferenças se resgatem como o primeiro dever de um mundo exilado da velha luta de classes da dominação colonial ou das pseudopedagogias da vindicação da autenticidade histórica Candido Mendes de Almeida Reitor da Universidade Candido Mendes Presidente do Fórum de Reitores do Rio de Janeiro Membro da Academia Brasileira de Letras Bibliografia RIBEIRO Renato Janine FILOSOFIA AÇÃO E FILOSOFIA POLÍTICA Re vista Brasileira de Ciências Sociais São Paulo v 13 no 36 1998 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 69091998000100010lngptnrmiso Acesso em 15 Ago 2008 doi 101590S010269091998000100010 Introdução No Brasil a bibliografi a que versa sobre as bases do pensamento político e jurídico do Ocidente é por certo vasta e qualifi cada tendo se consolidado entre os anos 1970 e 1980 quando o mercado editorial passou a ofertar boas obras so bre o tema escritas tanto por renomados autores estrangeiros como por qualifi cados profi ssionais brasileiros No entanto um exame desse acervo bibliográfi co revela uma importante lacuna a maior parte dele inicia pelos próceres do pensa mento político moderno Maquiavel adiante e no máximo chega aos autores da transição do século XIX para o século XX tais como Marx que faleceu em 1883 e Weber morto em 1920 Didático e de bom padrão analítico esse acervo parece esquecer no entan to que os fundamentos teóricos da política e do direito na civilização ocidental não nasceram na Modernidade sendo certo também que não foram exauridos com as formulações de Marx e Weber Antes que os modernos fi rmassem as ba ses do absolutismo legitimando o fi m gradual do feudalismo autores antigos e medievais concorreram decisivamente para o arquétipo daquilo que em sentido lato se denomina teoria política Esses autores no entanto têm sido ignorados Igualmente ao longo do século XX intelectuais como Rawls e Nozick produzi ram obras que tais como os escritos de Hobbes ou Rousseau são basilares para a compreensão do pensamento políticojurídico Por isso no alvorecer do século XXI uma obra de cunho geral e didático que vise a concorrer positivamente para a formação de estudantes e para o aperfeiçoamento de profi ssionais oriun dos privilegiadamente do direito das relações internacionais e das ciências so ciais não pode deixar de considerar um arco históricocultural mais amplo sem olvidar a clareza expositiva e a densidade teórica das abordagens Essa é a razão essencial do Curso de Ciência Política que pelas mãos da Editora CampusElsevier ora ofertamos ao público leitor Com fulcro numa pers pectiva transdisciplinar este Curso vem colmatar a expressiva lacuna que existe na bibliografi a sobre o tema disponível no país Seu propósito é levar aos lei tores textos de qualidade escritos por professores que com diferentes forma XVI ELSEVIER Curso de Ciência Política ções e inserções profi ssionais lecionam cotidianamente a matéria em cursos de graduação e pósgraduação Nesse desiderato apresenta autores das eras anti ga moderna e contemporânea tidos como essenciais para a construção e para a compreensão do que hoje denominamos Ocidente Tratase pois de uma obra sobre autores clássicos que produzindo em épocas e contextos sociais tão díspares quanto Aristóteles Locke e Carl Schmitt nos permitem tomar cons ciência de nossa historicidade Curso de Ciência Política é portanto um livro sobre obras e autores clássi cos E são clássicos justamente porque apesar da distância cronológica da qual deles nos separamos continuam atuais posto que vitais para que possamos ela borar prática e refl exivamente o mundo em que vivemos bem como suas insti tuições políticas e jurídicas em particular o Estado Por isso reiteramos a com preensão de que um clássico é uma obra que lemos ou supomos devemos ler Ribeiro 1998 p 144 De fato conceitos e categorias como democracia libera lismo contrato social representação política e direitos humanos todos caros ao mundo ocidental não caíram do céu nem brotaram por acaso das entranhas da terra Por detrás de cada um deles como de tantos outros abordados neste Curso há uma refl exão profunda sobre questões que afl igiram e ainda afl igem diversas gerações exigindo de cada uma delas respostas adequadas não raro com profundos sacrifícios As respostas dadas pelos autores aqui elencados tornaramse clássicas porque foram capazes de ultrapassar os contextos nos quais foram produzidas e tornaramse referências que animaram não apenas as gerações subsequentes mas também outros povos e nações É absolutamente irrelevante perguntar se a forma como interpretaram o mundo e conceberam suas formulações está correta ou não O que importa é que acreditando nelas puseramse em ação e fi zeram tantos outros sonhar e agir Foi portanto guiados por essas preocupações que fi zemos a seleção dos autores que estão presentes neste Curso de Ciência Política Ratifi cando a pers pectiva de que as bases do pensamento político e jurídico do Ocidente foram lançadas bem antes do despontar da Era Moderna no primeiro capítulo aborda mos a enorme contribuição de autores da Antiguidade e da Idade Média Nesse capítulo propedêutico quatro autores gregos são comentados Sócrates Platão Aristóteles e Políbio o primeiro pensador a refl etir sobre a importância de uma forma de governo dividida para produzir estabilidade política dando assim origem à teoria do governo misto Do período medievo são focadas as obras de Santo Agostinho São Tomás de Aquino Guilherme de Ockham e Marcílio de Pádua Tratase como bem sabe o leitor de uma iniciativa rara se não inédita XVII Introdução nos manuais congêneres existentes no Brasil Os demais capítulos são dedica dos cada um deles a um autor das eras moderna e contemporânea Dentre os primeiros encontramse nesta ordem Maquiavel Thomas Hobbes John Locke Montesquieu e JeanJacques Rousseau Dentre os contemporâneos incluímos em sequência Edmund Burke Emmanuel Kant O Federalista obra magna de Alexander Hamilton James Madison e John Jay Alexis de Tocqueville John Stuart Mill Karl Marx Max Weber Carl Schmitt Frederich Hayek John Rawls e Robert Nozik alguns dos quais nunca ou quase nunca são contemplados em obras do gênero Desejamos pois que os leitores possam explorar no âmbito das salas de aulas e do exercício teórico e profi ssional todas as possibilidades que o presente Curso de Ciência Política pretende oferecer Esperamos honestamente que nossa pequena obra possa contribuir para a formação de jovens valores bem como des pertar em profi ssionais já estabelecidos o renovado gosto pela pesquisa e pela refl exão sobre os fundamentos da ciência política elemento essencial tanto para a compreensão de nossa realidade quanto para sua necessária transformação Os organizadores Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara 21 Introdução Dificilmente há de se encontrar um pensador tão polêmico na ciência ou filosofia política quanto Nicolau Maquiavel Se pudesse nem o próprio persona gem imaginaria o quanto as páginas de seus textos provocariam tantas discus sões e nunca é demais dizer inspirariam tantas ações políticas nos últimos cinco séculos Tal fato demonstra o feito notável de ao longo da História um pensador ter servido a líderes e correntes políticas distintas no espectro político Para inú meros pensadores e homens da política os escritos maquiavelianos serviram ora como guia de reflexão ora como guia de ação Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ Graduado em Ciências Sociais pela UFF e em Direito pela PUCRio Professor do IBMECRJ e da UCAMCentro Tem experiência nas áreas de Ciência Política e Direito com ênfase em Direito Constitucional Atua principalmente nos seguintes temas Direito Constitucional Teoria Política Teoria do Estado História Política e Direitos Funda mentais Contato guanabarahotmailcom Introdução à 2a edição A despeito dos avanços nos últimos anos ainda é muito difícil publicar no Brasil Essa difi culdade é tão ou mais signifi cativa quando se trata de uma área consolidada com a presença de autores renomados e obras já clássicas como é o campo da Ciência Política De fato como asseveramos na Introdução à 1a edição a bibliografi a sobre o tema no país é vasta e representativa tendo se consolidado entre os anos 1970 e 1980 Nesse quadro como explicar o êxito desse Curso de Ciência Política Há fatores objetivos que ajudam a explicar tal êxito Primeiramente há que se recordar que o exame das obras já editadas no Brasil sobre a trajetória do pensamento político e jurídico no Ocidente tendo como eixo a linha de autores revela que a maior parte delas inicia pelos clássicos do pensamento político mo derno como Maquiavel e Hobbes e no máximo chega aos autores da transição do século XIX para o século XX tais como Marx ou Weber Esquecem no entan to que os fundamentos teóricos da política e do direito não nasceram na Mo dernidade e não tiveram fi m com Marx ou Weber Antes dos modernos autores do mundo antigo e medieval fi rmaram as bases da teoria política e ao longo do século XX pensadores como Rawls e Nozick produziram obras que tais como os escritos de Locke ou Montesquieu são fundamentais para a compreensão do pensamento político e jurídico Nosso Curso de Ciência Política acertou assim ao compreender que uma obra de cunho geral e didático voltada para a for mação de estudantes e para o aperfeiçoamento de profi ssionais jamais poderia deixar de considerar um arco históricocultural mais amplo sem abrir mão da clareza expositiva e da densidade teórica dos diferentes capítulos Outra questão essencial foi a seleção dos colaboradores Todos os coau tores são profi ssionais titulados e com efetiva presença em sala de aula São portanto profi ssionais que aliam sólida formação teórica e vasta experiência no magistério superior inseridos em algumas das mais qualifi cadas instituições de ensino superior do Rio de Janeiro e do Brasil XX ELSEVIER Curso de Ciência Política Por fi m há que se destacar a parceria com a Editora CampusElsevier Tratase de um dos maiores e mais qualifi cados grupos editoriais presentes no mercado brasileiro apto a produzir obras de excelência com ótimo padrão grá fi co difusão nacional e grande credibilidade junto a leitores e estudiosos Essas são as razões para a grande aceitação pelo público de nosso Curso de Ciência Política Em sua segunda edição ele continua preenchendo a expres siva lacuna que existe na bibliografi a sobre o tema levando aos leitores textos de qualidade escritos por professores qualifi cados e experientes que com suas abordagens permitem ao público tomar consciência de nossa historicidade Nessa segunda edição nosso Curso de Ciência Política também busca cor rigir algumas imperfeições contidas na edição anterior com vistas a facilitar a leitura e melhorar cada vez mais Desejamos pois que a obra continue contri buindo para a formação de jovens valores e renovando em profi ssionais já esta belecidos o gosto pela pesquisa e pelo estudo da teoria política Rio de Janeiro 30 de maio de 2010 Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara Vladimyr Lombardo Jorge Sumário Prefácio Curso de ciência política A nova busca do paradigma XIII Candido Mendes de Almeida Introdução XV Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge Introdução à 2a edição XIX Lier Pires Ferreira Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 1 A contribuição do pensamento antigo e medieval para o desenvolvimento da Ciência Política 1 Marcelo da Costa Maciel Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político 25 Ricardo Guanabara Capítulo 3 A teologia política de Hobbes 49 Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Capítulo 4 John Locke lei e propriedade 87 Vladimyr Lombardo Jorge Capítulo 5 Montesquieu a centralidade da moderação na política 125 Silene de Moraes Freire Adolfo Wagner e Douglas Ribeiro Barboza Capítulo 6 Jean Jacques Rousseau da inocência natural à Sociedade Política 147 Christiane Itabaiana Martins Romêo Capítulo 7 Edmund Burke a estética conservadora da arte política 185 Fernando LattmanWeltman XXII ELSEVIER Curso de Ciência Política Capítulo 8 Kant e o paradoxo da liberdade como obrigação moral 207 Rafael Rossotto Ioris Capítulo 9 Hamilton Madison e Jay os pressupostos teóricos do federalismo moderno 227 Ricardo Ismael Capítulo 10 Alexis de Tocqueville 18051859 o argumento liberal de defesa da liberdade 251 Lier Pires Ferreira Capítulo 11 John Stuart Mill a luta contra a opressão 291 Aparecida Maria Abranches Capítulo 12 Leituras de Marx 321 Paulo M dAvila Filho Capítulo 13 O pensamento político de Max Weber e as concepções weberianas da sociedade brasileira 353 Eduardo de Vasconcelos Raposo Capítulo 14 O Constitucionalismo antiliberal de Carl Schmitt democracia substantiva e exceção versus liberalismo kelseniano 371 Gisele Silva Araújo e Rogerio Dultra dos Santos Capítulo 15 Hayek e os benefícios da liberdade individual 401 Yuri Kasahara Capítulo 16 A justiça em John Rawls da relação entre os homens às relações internacionais 417 Leonardo Carvalho Braga Capítulo 17 Estado mínimo contra a fase histórica camaleônica do estado capitalista um estudo da teoria neoliberal de Robert Nozick 451 Wallace dos Santos de Moraes This image is blank and contains no text Não se poderia esquecer a admiração despertada pelo pensador florentino em figuras como Napoleão Bonaparte ou mesmo em Antonio Gramsci pensador da esquerda italiana no século XX Se é correto dizer que a Igreja julgou pecaminosas as lições de Maquiavel também é correto salientar que tais lições permanecem desafiando o saber político contemporâneo como a comprovar que se a política tem uma lógica ela foi em grande parte apreendida e revelada por Maquiavel Nas páginas que se seguem abordaremos a trajetória desse grande pensador começando pela sua conturbada história de vida passando pelo contexto social de sua obra e a essência de seus escritos sobretudo de O Príncipe Nessa breve viagem temas como a natureza humana a história as habilidades políticas a fortuna estarão presentes tendo como pano de fundo o Renascimento movimento que abriu as portas para um mundo novo e devolveu ao homem sua capacidade criadora De que maneira isso transparece na obra de Maquiavel é o que este texto buscará mostrar 22 Breve relato biográfico É possível dizer que a vida de Maquiavel é marcada por fases bem distintas constituídas por uma infância e juventude em que o autor teve sólida educação e formação humanística seguida por uma vida profissional curta porém intensa capaz de fornecer vasto material sobre a prática política em tempos de renascimento1 A formação sólida e a prática política se encontrariam mais tarde nas páginas dos textos maquiavelianos A última fase é marcada pela tentativa infrutífera de retorno à vida pública fase esta vivida no afastamento e no ostracismo nos arredores de Florença Sigamos pois a trajetória da vida desse pensador para em seguida adentrarmos o estudo de sua obra política sobretudo de O Príncipe o mais famoso de seus trabalhos Se o fim da vida de nosso pensador foi marcado pela infelicidade e pela frustração a infância e a adolescência revelaram grande preocupação familiar com a sua formação Seu pai Bernardo era formado em Direito e com inserção na guilda dos advogados de Florença Itália Sua mãe Bartolomea também possuía boa formação sobretudo literária Assim é que os registros históricos demonstram que o pequeno Nicolò começou seus estudos aos sete anos e aos doze já transitava pela literatura latina com o auxílio de um professor de latim padre e também membro da guilda dos advogados De Grazia 1993 p 13 1 Para uma história da vida de Maquiavel há boas fontes como Grazia 1993 Pinzani 2004 Chevallier 1989 Skinner 1988 27 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara Convém perguntar quais eram os autores que se faziam presentes na casa dos Machiavelli Ao que se sabe as próprias preferências do pai Bernardo co meçavam por Aristóteles e passavam por Cícero Ptolomeu Boécio bem como o Código e o Digesto justinianos De Grazia 1993 p 14 Assim não é de es tranhar a sólida formação demonstrada tempos depois por Maquiavel em suas obras Os livros eram como parte da família e foram muito bem aproveitados primeiro pelo pai e principalmente pelo fi lho Na última fase de sua vida Ma quiavel voltaria a viver intensamente na companhia dos fi lósofos clássicos Du rante pelo menos quatro horas todas as noites o pensador se entregava à leitura de autores como Lívio Políbio Tucídides e Xenofonte dentre outros que se fariam presentes como resultado desse intenso contato na mais importante obra de Maquiavel O Príncipe Pinzani 2004 p 9 Eis portanto uma face pronta desse pensador renascentista a sólida leitu ra dos pensadores humanistas o mergulho na tradição fi losófi ca grega e romana da antiguidade bem ao estilo do movimento cultural que ora dominava a Eu ropa Para entender no entanto o sentido de sua obra a fonte de seus ensina mentos é necessário conhecer a outra face dessa formação a experiência como homem de Estado funcionário a serviço da chancelaria de Florença cargo que lhe valeria a observação arguta das relações políticas das ações dos homens e o uso do poder Maquiavel não chegou a cumprir o papel então reservado pela sua for mação educacional Não se transformou em advogado No entanto logo seria convidado para ingressar no governo em uma posição habitualmente ocupada por advogados É a sua capacidade e seus estudos que o farão ter êxito em ta refas como preparar atas escrever cartas e relatórios A mesma capacidade o levará rapidamente a postos mais altos alçado pela confi ança nele depositada por parte de seus superiores na Chancelaria Em breve deixaria as escrivaninhas das repartições para cumprir missões externas cada vez mais importantes De Grazia 1993 p 26 Em julho de 1500 Maquiavel partiria rumo à França para uma missão de contato com o rei Luís XII Essa missão inauguraria a série de importantes trabalhos diplomáticos empreendidos por Maquiavel que até seu afastamento da vida pública totalizariam 23 missões É importante ressaltar que não se esgota nas legações o trabalho desenvol vido por Maquiavel até 1512 ano de seu afastamento O pensador acabaria se transformando em grande estrategista militar tendo escrito em 1506 o Discurso sobre como preparar o Estado de Florença às armas Também é digno de nota que uma das poucas obras de Maquiavel publicada em vida é A arte da guerra em 1521 Aqui o autor desfi laria todo o seu conhecimento militar acumulado em 28 ELSEVIER Curso de Ciência Política experiências e leituras dos clássicos assim como faria com o O Príncipe em que experiência pessoal e história se cruzam No entanto antes de chegar até essa obra considerada a mais importante devemos retornar ao infortúnio que mar caria a última fase da vida de Maquiavel A habitual instabilidade política que marcava a Itália renascentista e em especial Florença recrudesceria nos primeiros anos do século XVI Não obs tante o esforço empreendido por Maquiavel para constituir uma milícia bem organizada que defendesse Florença esta viveria ameaçada por exércitos es trangeiros e de mercenários Finalmente em 1512 o papa Leão X consegue por meio de tropas espanholas conquistar a República e mudar todo o seu quadro político Restabelecerseia a era dos Médici personifi cada agora na fi gura de Lorenzo de Médici Instaurado um período ditatorial e Maquiavel identifi cado com a corrente política deposta é afastado de seus cargos e em 1513 chegaria a ser preso e torturado acusado de fazer parte de uma conspiração republicana Pinzani 2004 p 13 Finalmente em março do mesmo ano é solto e se retira para seu exílio nos arredores de Florença de onde nunca mais retornaria à vida pública apesar de seus esforços É sabido que Maquiavel manteria a esperança de retornar à vida pública chegando para isso a escrever sua mais importante obra e dedicála a Lorenzo de Médici com uma exortação tomar a Itália e libertála das mãos dos bárba ros Pinzani 2004 p 14 O Príncipe obra que se tornaria clássica pela sua característica de ensinar a conquistar e manter Estados não cumpriu seu objetivo inicial de reconduzir Maquiavel às coisas do Estado Mas inscreveu o pensador fl orentino na galeria dos pensadores políticos mais famosos e infl uentes de todos os tempos Outras obras seriam escritas por Maquiavel em seu isolamento tais como os Comentá rios sobre a primeira década de Tito Lívio a já citada A arte da guerra e a peça também famosa A mandrágora além de uma história de Florença apresentada em 1525 ao papa Clemente VII Em 1527 Maquiavel falece aos 58 anos em Florença Sua obra no entan to ganharia um vigor jamais imaginado até mesmo pelo próprio autor Quanto à sua pessoa Maquiavel experimentaria os mais variados sentimentos variando do ódio e execração pública até a mais profunda admiração conforme demons trou Napoleão Bonaparte ao redigir seus comentários ao Príncipe Um de seus maiores inimigos seria a própria Igreja Católica que iria colocar sua obra no rol das leituras proibidas e pecaminosas e associálo ao demônio conforme demonstra o trocadilho inglês the old nick associado à fi gura de Maquiavel Curiosamente uma boa parte da fi losofi a ocidental primou por redimir o pensa 29 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara mento fl orentino ao considerar sua obra valorosa para a fi losofi a política Tal foi o caso de Jean Jacques Rousseau para quem Maquiavel fi ngiu ensinar a política aos fortes mas na verdade quis mostrar suas engrenagens ao povo O mesmo se aplicaria a Hegel fi lósofo alemão que considerou preciosas as teses levanta das por Maquiavel Voltaremos adiante às diferentes leituras da obra de Maquiavel Por ora nos voltamos para o sentido de O Príncipe o mais famoso texto de Maquiavel e um dos maiores da história do pensamento político 23 O Príncipe contexto histórico Não é possível entender completamente o sentido da obra de Maquiavel sem analisar o contexto em que ela surge Esse contexto é marcado pela nova visão de mundo proporcionada pelo surgimento do Renascimento movimento cultural que revolucionou a Europa pósmedieval em vários campos como os das artes plásticas da literatura da dramaturgia da fi losofi a e das ciências2 O Renascimento traz em seu bojo a redescoberta dos valores da Antigui dade sobretudo os grecoromanos E traz a valorização da autonomia do ho mem responsável novamente por uma atitude criadora diante do mundo Com efeito substituise o teocentrismo pelo antropocentrismo Tal fato terá um peso fundamental nos escritos de Maquiavel uma vez que o homem político descrito em O Príncipe não teme inovar agir livremente sem medo de castigos e puni ções divinas conforme veremos O homem renascentista pressupõe uma ruptu ra com o modelo do medieval submisso à ordem teológica para colocar em seu lugar uma atitude autoafi rmativa com foco no mundo terreno e nesta vida Voltam a ser valorizados aspectos como a honra e a glória e retorna à ordem do dia a legitimidade de conquistálas É importante frisar que nada disso seria possível sem as condições objeti vas sobre as quais se consolidaram o ideário e o movimento renascentista Havia em curso um conjunto de transformações econômicas sociais políticas e técni cas que de certa forma antecediam à eclosão do Renascimento e que se revela ram fundamentais para o êxito do movimento Não é possível ignorar a enorme difusão proporcionada pela imprensa inventada anteriormente por Gutemberg Com ela as obras dos autores renascentistas puderam ser amplamente divul gadas quebrando o monopólio do saber que se colocava sob o poder da Igreja Riche 2005 p 7 A possibilidade da leitura individual e refl exiva ao alcance de cada homem signifi cou uma mudança não desprezível na forma de aquisição do conhecimento principalmente pelo acesso a perspectivas e experiências varia 2 Para uma abordagem do Renascimento ver Johnson 2001 e ainda Burckhardt 1991 30 ELSEVIER Curso de Ciência Política das não mais presas aos dogmas religiosos Ademais a difusão do conhecimen to proporcionaria a ligação com outras culturas de diferentes lugares da Europa e de outros continentes fato também proporcionado pela expansão náutica que originou inclusive uma época de grandes descobrimentos idem p 8 Outro traço fundamental do Renascimento e que marcaria grandemente o pensamento de Maquiavel foi a redescoberta dos valores da Antiguidade clássica A valorização das obras e dos autores clássicos haveria de representar fundamen tal para os propósitos do movimento renascentista Voltam à cena autores como Virgílio Horácio Homero Cícero e suas lições de oratória moral e política É nos clássicos da Antiguidade que os autores renascentistas se apoiarão para forjar a nova identidade antropocêntrica idem p 16 Autores como Pico della Mirando la pregarão a possibilidade de qualquer homem transgredir as barreiras terrenas que lhe sejam impostas valorizando a ousadia e a busca da glória e da virtù con ceito que seria também explorado por Maquiavel idem p 17 24 Maquiavel e a originalidade do pensamento político Constitui tarefa de grande difi culdade analisar o pensamento maquiave liano sem passar pelo adjetivo da originalidade O primeiro motivo para isso está na sua preocupação com a construção de uma resposta à instabilidade polí tica que marcava a Itália de seu tempo Não por acaso O Príncipe é uma obra que busca ensinar não só a conquistar mas a manter Estados tornandoos estáveis A segunda diferença com relação às obras políticas tradicionais seria a aborda gem desvinculada da abstração fi losófi ca etérea e especulativa Maquiavel parte da realidade política para tentar buscar a efi cácia nas ações humanas em detri mento da moral da ética ou de qualquer critério clássico de justiça Não surpreende portanto que o autor acabaria execrado pela Igreja e marcado como sinônimo do ardil do sórdido e da esperteza Não há limites éticos nem morais na busca da conquista e manutenção dos Estados Não há pensar em termos como bondade e justiça em um mundo marcado pelas maldades traições e instabilidades Se o que busca é a estabilidade não se pode adotar a política das boas ações e da moralidade Ao estabelecer um novo mo delo de pensamento Maquiavel inaugura a era do realismo político desprovido dos mandamentos religiosos e voltado fortemente para os resultados das ações humanas Como observação vale lembrar que o caráter inovador de sua teoria política não signifi ca o desprezo pelos autores da Antiguidade clássica Maquia vel dialogará frequentemente com esses autores aproveitandose inclusive dos conceitos tradicionais de virtù e fortuna Estes dois elementos somados a uma concepção de história cíclica e exemplarista e a uma visão ruim acerca da natu 31 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara reza humana formam os ingredientes fundamentais para o bom entendimento de O Príncipe 241 Virtù e Fortuna Não é difícil compreender o sentido da palavra virtù Essencialmente tratase das qualidades desejáveis ao homem de Estado Signifi ca o conjunto de adjetivos que todo príncipe deve ter se quiser conquistar e manter Estados Não há difi culdade para a compreensão dessa proposição No entanto há que se esclarecer que Maquiavel iria subverter as qualidades até então tidas como indispensáveis ao bom príncipe ou seja Maquiavel iria concordar que a virtù é fundamental a qualquer Príncipe sem ela não se governa Mas é preciso defi nir bem quais são as qualidades que realmente importam para a arte da política Aqui começa um dos diálogos de Maquiavel com a Antiguidade e aqui reside também um dos pontos de ruptura do autor com o pensamento corrente de sua época Conforme se ressaltou anteriormente a invenção da imprensa constituiu um fator decisivo para que as ideias e as obras renascentistas pudessem ser am plamente divulgadas e a aquisição do saber transformado É justamente a in venção da imprensa que causará um fenômeno particularmente interessante na Itália renascentista o surgimento dos manuais de como governar bem ou de conselhos aos governantes É Quentin Skinner um dos maiores estudiosos do pensamento de Maquiavel e do pensamento político clássico quem descreve o momento No fi nal do século XV constituírase já uma vasta literatura humanista de um novo gênero os livros de conselhos para os príncipes graças a um novo meio de comunicação a imprensa Autores ilustres como Bar tolomeo Sacch Giovani Pontano e Francesco Patrizi escreveram trata dos destinados a guiar a conduta de novos governantes baseandose todos eles num mesmo princípio fundamental que a posse da Virtù constitui a chave para o êxito de um príncipe Skinner 1988 p 58 Ressalta Skinner que todos os apologistas das formas corretas de gover nar usaram como fonte essencial de seus ensinamentos os autores da Antigui dade clássica como Cícero Segundo o autor os chamados moralistas romanos como Cícero haviam deixado para a posteridade um conceito de virtus em que fi guravam três séries de qualidades Em primeiro lugar era indispensável ao príncipe possuir as quatro virtudes cardeais sabedoria justiça coragem e tem perança idem p 60 Mais tarde outros quatro atributos seriam agregados a honradez a magnanimidade a liberalidade e a moralidade reforçando assim a 32 ELSEVIER Curso de Ciência Política ideia de que a melhor política é a da moralidade Em A obrigação moral Cícero observaria que a conveniência nunca pode entrar em confl ito com a retidão moral Skinner 1998 p 61 É com base nesses argumentos que os contemporâneos de Maquiavel vão escrever seus manuais Como reforço aos seus argumentos em prol da morali dade e das virtudes cardeais alegadas por Cícero esses autores agregaram argumentos cristãos aos seus conselhos insistindo que mesmo que o príncipe alcançasse a glória política com métodos contrários ao aconselhados have riam de ser castigados com a retribuição divina em outra vida Skinner 1998 p 61 Eis a dura tarefa a ser empreendida por Maquiavel contraporse a um só tempo aos ideais cristãos e aos da Antiguidade clássica ambos considera dos como argumentos unânimes Mas essa seria uma das grandes marcas do pensamento maquiaveliano o pensamento original na contramão da cultura dominante Sua resposta a essa cultura política seria dada no capítulo XV de O Príncipe Maquiavel chega a aludir às qualidades desejáveis que os príncipes deveriam ter mas argumenta bem ao tom de seu realismo político que prati car a virtù tradicional seria condenar o príncipe à ruína segundo suas próprias palavras Resta agora ver como deve se comportar um príncipe em relação a seus súditos ou seus amigos Como sei que muitos já escreveram sobre esse assunto temo que escrevendo eu também seja considerado presunço so sobretudo porque ao discutir essa matéria me afastarei das linhas traçadas pelos outros Porém sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler pareceme mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas do que o que se imaginou sobre elas Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram de verdade porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver que aquele trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinarse que a preservarse pois um homem que queira fazer em todas as coisas profi ssão de bondade deve arruinarse entre tantos que não são bons Daí ser necessário a um príncipe se quiser manterse aprender a poder não ser bom e a valerse ou não disto segundo a necessidade Maquiavel 2007a p 73 Maquiavel demonstra portanto com clareza sua grande divergência em relação ao pensamento político dominante em sua época A virtù embora jamais defi nida claramente por Maquiavel em qualquer parte de sua obra aparece cla ramente ao longo de suas lições Embora endossando a ideia clássica de que a ela 33 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara é o nome dado ao conjunto de qualidades que permitem a um príncipe ter êxito em sua carreira vai divergir quanto ao sentido desses atributos principescos É novamente Skinner quem nos adverte de que a virtù está relacionada com a capacidade de agir segundo os ditames da necessidade independentemente de se praticar uma boa ou má ação A virtù signifi cará portanto a fl exibilidade mo ral indispensável a qualquer príncipe que deve ter a mente aberta pronta a se voltar em qualquer direção conforme exijam os desígnios da fortuna Skinner 1988 p 65 Eis portanto o melhor entendimento do signifi cado maquiaveliano de virtù Ele reside na fl exibilidade que permitirá ao príncipe a escolha de um le que de ações determinadas não necessariamente comprometida com ideais de bondade e moralidade ou justiça Tais atributos beiram a irracionalidade em um mundo dominado por homens sempre prontos a trair e ademais marcado pela instabilidade Tal conclusão signifi ca que o homem deve portanto compreender que por vezes será necessário praticar a maldade a dissimulação a simulação a mesquinhez dentre outras categorias menos nobres de comportamento tão contrárias ao mundo cristão Mas é assim que fi ca demonstrada a lógica própria da política diferente da moralidade e da religião Tratase de conquistar e man ter Estados e as práticas adequadas a esse intento não residem nos manuais da Antiguidade clássica ou nas doutrinas cristãs É preciso compreender a especi fi cidade da política se nela quiser sobreviver o príncipe Maquiavel desdobrará o tema em vários capítulos de O Príncipe chegando a exortar os governantes a praticar a maldade e a bondade segundo a meta do êxito político Outro conceito fundamental para a compreensão dos escritos de Maquia vel é o de fortuna A exemplo da virtù aqui também estará presente uma certa mutação no conceito em relação à Antiguidade clássica Para Maquiavel a for tuna representaria o imponderável o acaso algo que os homens não poderiam prever e que por isso mesmo poderia lhes ser fatal caso os pegasse despreve nidos O fenômeno seria essencial na política pois da mesma forma que pode trazer a glória sem esforço pode arruinar governantes incautos com a força de sua surpresa Novamente com o foco na Antiguidade clássica Maquiavel observa que a fortuna sempre tida como um grande fator a considerar na arte da política Seus poderes seriam imensos tanto para o bem quanto para o mal Afi nal dessa deusa caprichosa sempre se podem esperar benesses ou um grande revés A divergir dessa tese estavam os moralistas romanos que enxergavam a deusa fortuna como uma boa força e aliada potencial Skinner 1988 p 44 Dela se poderia esperar glória honra e poder Restava então a questão fundamental de 34 ELSEVIER Curso de Ciência Política como atrair a atenção da fortuna para merecer sua escolha Aqui aparecerá uma forte associação da ideia de fortuna com a imagem de uma mulher Cícero che garia a afi rmar que a fortuna é mulher Da natureza feminina da fortuna adviriam conclusões sobre as suas pre ferências Os moralistas vão afi rmar que se ela é mulher decerto preferirá as qualidades de um homem viril e corajoso atributos encontráveis segundo Cí cero apenas no homem que possui a virtù É para esse homem que ela irá sorrir Skinner 1998 p 47 A Idade Média mudaria novamente a forma como se via a fortuna De força ou mulher a ser conquistada a fortuna agora passa a ser indiferente aos homens não sendo possível portanto conquistála Não se deve buscar a gló ria pela conquista da fortuna pois seria um esforço inútil Como consequência deveriam os homens retornar seus olhares para o céu verdadeiro lugar da feli cidade humana A felicidade deveria ser buscada em outra dimensão que não a puramente terrena Assim a busca da honra e glória neste mundo deveria ser abandonada e essa conclusão seria uma mensagem divina de reorientação aos homens É o Renascimento quem resgatará a visão de que a fortuna poderia ser conquistada Antes que Maquiavel venha a tratar do tema vários autores resga tarão de alguma maneira os atributos originais da deusa fortuna Retorna à baila a ideia de que a fortuna favorece os bravos Skinner 1998 p 49 Maquiavel tratará do tema no capítulo XXV de O Príncipe O autor começa sua abordagem lembrando que muitos consideram que os homens são governa dos pelos desígnios da fortuna e de Deus e que tal ideia possuía bastante força No entanto acredita que o livrearbítrio dos homens não deve ser desconsidera do sendo plenamente possível atribuir à vontade dos homens cerca de metade de suas ações Julgo possível ser verdade que a fortuna seja árbitro de metade de nos sas ações mas que também deixe ao nosso governo a outra metade ou quase Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que quando se irritam alagam as planícies arrasam as árvores e as casas arrastam as terras de um lado para levar a outro todos fogem deles mas cedem ao seu ímpeto sem poder detêlos em parte alguma Mesmo assim nada impede que voltando a calma os homens tomem providências cons truam barreiras e diques de modo que quando a cheia se repetir o rio fl ua por um canal ou sua força se torne menos livre e danosa O mesmo acontece com a fortuna que demonstra a sua força onde não encontra uma virtù ordenada pronta para resistirlhe e volta seu ímpeto para 35 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara onde sabe que não foram erguidos diques e barreiras para contêla Maquiavel 2007a p 119 Maquiavel aliase de certa forma aos humanistas clássicos que defen diam a importância da virtù para a contenção dos caprichos da fortuna A virtù é o elemento essencial para escapar aos desígnios da deusa A tal ponto que no capítulo VII Dos principados novos que se conquistam com as armas e a fortuna de outrem Maquiavel analisa a situação dos que chegaram ao poder pelo acaso sem possuir a virtù e benefi ciandose da escolha que a fortuna fez a outrem A esses breves felizardos Maquiavel prevê a ruína pois não foram dotados da astúcia e sabedoria para governar ou se quisermos são desprovi dos da virtù e sucumbirão ante a primeira crise ou capricho da fortuna a mesma que lhes deu a ascensão política O fi nal do capítulo XXV que trata da fortuna seria nos tempos atuais bastante polêmico pelo tom comparativo em relação às mulheres De qualquer forma as palavras maquiavelianas não deixam dúvida quanto à visão que o autor possuía das semelhanças entre a deusa e as mulheres Concluo portanto que variando a fortuna e obstinando os homens em sua maneira de ser eles serão felizes enquanto ambas as coisas esti verem de acordo mas quando elas discordarem serão infelizes Es tou convencido do seguinte é melhor ser impetuoso do que prudente porque a fortuna é mulher e é necessário para dominála baterlhe e contrariála Vêse que ela se deixa vencer mais pelos que agem assim do que pelos que agem friamente e como mulher é sempre amiga dos jovens porque são menos prudentes mais ferozes e a dominam com maior audáciaMaquiavel 2007a p 122 Da análise de Maquiavel sobre a fortuna devemos reter alguns pontos es senciais Primeiro é preciso ter em conta o papel do acaso e do imponderável nos negócios humanos Eles são capazes de trazer a glória mas também a ruína A conjuntura política como a vida é essencialmente mutável Exatamente por isso é preciso estar atento à mudança dos ventos Maquiavel atribui essa quali dade ao homem de virtù que é capaz de construir diques para conter as inunda ções provenientes das mudanças É preciso portanto olhar adiante e precaver se ante a volatilidade dos tempos Para isso é necessário astúcia política De outro lado não se pode olvidar que Maquiavel também impõe ne cessariamente a qualidade da audácia da coragem e da virilidade para atrair e enfrentar a fortuna bem como dominála Pelo exposto a estabilidade política estará sempre mais perto do príncipe corajoso e impetuoso Seus atributos serão premiados pela escolha da fortuna e sua sabedoria evitará todo e qualquer de 36 ELSEVIER Curso de Ciência Política sastre Não se governa sem os elementos da virtù e da fortuna Eles se encontra rão em algum momento Mais um motivo para estar atento às lições proporcio nadas pela visão maquiaveliana da política ou se quisermos de seus conselhos Estes pressupõem ainda a apreensão de dois outros importantes elementos a natureza humana e a história 242 Natureza humana e História Dois outros conceitos fundamentais no pensamento de Maquiavel estão essencialmente ligados ou seja um é capaz de explicar o outro Mais do que isso entender a ideia de natureza humana em Maquiavel é condição sine qua non para a correta apreensão do que é a história para o pensador fl orentino A ideia de natureza humana possuirá ao longo da trajetória do pensamen to ocidental estreita ligação com a política Para vários dos fi lósofos políticos e a natureza humana que estabelece o formato do Estado que se deseja construir o mesmo acontecendo em relação à tarefa de explicar a origem do Estado O leitor terá a oportunidade de comprovar tais argumentos em inúmeras páginas deste livro quando se deparar com autores como Thomas Hobbes John Locke ou os Federalistas Por ora é Maquiavel quem está no centro das atenções e portanto sem hesitar devese assumir que a imagem do homem para esse pensador é a pior possível Quando se examinaram as relações da virtù tradicional construída e pregada pelos moralistas romanos com a virtù maquiaveliana foi possível vislumbrar a razão maior da recusa de Maquiavel à política da bondade ou da generosidade como vetor das ações dos governantes Porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria vi ver que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinarse que a preservarse pois um homem que queira fazer em todas coisas profi ssão de bondade deve arruinarse en tre tantos que não são bons Daí ser necessário a um príncipe se quiser manterse aprender a poder não ser bom e a valerse disso segundo a necessidade Maquiavel 2007a p 73 Eis portanto o diagnóstico maquiaveliano os homens não são bons e tal situação inviabiliza a bondade permanente como política de Estado O próprio autor aprofunda sua análise pessimista quanto à natureza humana ao afi rmar que podese fazer a seguinte generalização acerca dos homens são ingratos caprichosos mentirosos e embusteiros Fogem do perigo e são ainda ávidos de vantagens Maquiavel apud Skinner 2003 p 158 37 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara O pessimismo acerca da natureza humana será tema constante em todos os escritos de Maquiavel Em Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio o autor retorna ao tema ao admitir a possibilidade de se conduzirem os homens sem o uso da força Como bem ressalta Quentin Skinner Maquiavel menciona a inveja inerente à natureza humana para depois concluir Ao se fazer a consti tuição e a legislação de uma república devese considerar como certo que todos os homens são perversos e darão vazão à maldade inculcada em suas mentes sempre que tiverem oportunidade para tanto idem p 206 Não há quanto a essa temática contradição nos diversos escritos de Ma quiavel Mesmo em suas obras não políticas como a comédia A mandrágora de 1518 que faria enorme sucesso em várias cidades italianas A peça narra a estória de Callimaco homem de 30 anos que se apaixona por Lucrezia jovem esposa de Messer Nicia advogado já idoso Para conquistar sua amada Callimaco engana Messer Nicia já que este era estéril dizendo ser a planta mandrágora a solução para a sua infertilidade No entanto para obter o resultado de maneira infalível Lucrezia precisaria deitarse com outro homem logo após tomar a poção deriva da da planta Esse é o enredo da peça na qual novamente se vislumbra uma série de vícios inerentes à natureza humana Maquiavel 2003 Mais uma vez Maquiavel se choca contra o modelo de virtude de sua épo ca deixando entrever um cenário de cinismo onde os homens agem sem freios em busca da satisfação de seus desejos agora não em formato de conselhos aos príncipes mas em forma de comédia Nas páginas dos textos de Maquiavel encontramse os seguintes adjeti vos para os homens ingratos volúveis dissimulados simuladores invejosos ambiciosos maldosos dentre outros É com essa natureza humana que os go vernantes terão de lidar não podendo esquecer jamais a incômoda situação em que estão inseridos rodeados de homens ávidos por trair Essa situação levará Maquiavel a defender claramente a ideia de que ao príncipe é melhor ser temido do que ser amado pois se o temor dos súditos é capaz de desestimular eventuais traições o mesmo não acontecerá com o amor a eles devotado Sua espada por tanto deve estar sempre pronta a ser usada em seu principado para protegêlo em um mundo em regra hostil O tema do confronto entre amor versus temor dos súditos e sua segurança para o príncipe aparecerá tanto em O Príncipe como nos Discursos Nesta Maquiavel examina os exemplos de Cipião e Aníbal O pri meiro líder foi marcado pela bondade e liberalidade tendo conquistado o amor de seus súditos O segundo foi temido pela sua crueldade A história parece ter punido Cipião pela sua imprudência 38 ELSEVIER Curso de Ciência Política O prejuízo sofrido por Cipião foi que seus soldados se rebelaram na Espanha com parte de seus aliados e outra causa não houve para tal senão o pouco temor que lhe devotavam porque os homens são tão inquietos que por menos que alguém lhes abra as portas à ambição logo se esquecem do amor que nutriam pelo príncipe em razão de sua humanidade foi o que fi zeram os soldados e aliados de que falamos e Cipião para remediar esse inconveniente foi obrigado a usar em parte a mesma crueldade de que fugira Quanto a Aníbal nenhum exemplo particular nos mostra que sua crueldade ou deslealdade o tenham pre judicado Maquiavel 2007b Outro grande estudioso de Maquiavel Isaiah Berlin acrescenta que é a natureza humana que inviabiliza a construção de uma sociedade baseada em preceitos cristãos Para que essa sociedade pudesse existir sobre a terra os ho mens teriam que ser muito diferentes do que sempre foram Berlin 2002 p 315 No entanto é digna de nota também a observação de Berlin de que o fato de Maquiavel ostentar um diagnóstico ruim acerca da natureza humana e a ne cessidade de o príncipe estar preparado para cometer crueldades não deve fazer de Maquiavel um sádico expressão que surgiria séculos depois do Renasci mento Em outras palavras não se deve precipitadamente construir um perfi l de Nicolau Maquiavel a partir de seus escritos políticos Maquiavel não é um sádico ele não sente prazer com a necessidade de empregar a crueldade ou a fraude para criar e manter o tipo de socieda de que admira e recomenda Seus exemplos e preceitos mais selvagens aplicamse apenas a situações em que a população é inteiramente cor rupta e precisa de medidas radicais para que sua saúde seja restaurada Maquiavel 2007b p 321 Berlin ressalta ainda a pouca receptividade de Maquiavel com os líderes que abusam da crueldade sem que haja necessidade para tanto São conhecidas suas críticas a Agátocles o tirano de Siracusa homem marcado pela desuma nidade abusiva O que queria dizer Maquiavel então A resposta parece estar clara no capítulo XV de O Príncipe Não há saída para o príncipe que deseja ser bom clemente e justo São adjetivos admiráveis mas incompatíveis com a realidade da política e das sociedades Não se trata portanto de uma escolha dos vícios simplesmente Tratase de pensar sobre os fatores que podem levar o príncipe e o Estado e à ruína bem como os antídotos contra tais ameaças Maquiavel cede 39 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara não aos piores defeitos humanos mas ao realismo e à dinâmica da sobrevivência política Assim não se pode perder de vista em relação aos homens o seu caráter imutável Conservam suas piores características ao longo dos tempos Tal sen tença traz consigo uma consequência inevitável se os homens são os mesmos tendem a reagir da mesma maneira ceteris paribus isto é mantidas as mesmas condições Estão criadas portanto as condições para a repetição da história Esta se repete porque os homens costumam agir de uma mesma maneira e ostentam características indeléveis Diante da repetição muito provável da história convém estudar os fatos passados para melhor agir no presente e no futuro A história assim possui o inequívoco poder de fornecer exemplos e cursos de ação O príncipe de virtù deve portanto ser um estudioso da história pois de seus exemplos extrairá cursos de ação política efi cazes Quanto aos exercícios da mente deve o príncipe ler obras históricas e refl etir sobre as ações dos homens excelentes ver como se comporta ram nas guerras examinar as causas das vitórias e derrotas a fi m de poder escapar destas e imitar aquelas Mas sobretudo deve agir como antes agiram alguns homens excelentes que se espelharam no exemplo de outros que antes deles haviam sido louvados e glorifi cados e cujos gestos e ações procuraram ter sempre em mente É o caso de Alexandre Magno que imitava Aquiles de César que imitava Alexandre e de Cipião que imitava Ciro Quem ler a vida de Ciro escrita por Xenofon te reconhecerá depois na vida de Cipião o quanto este deveu de sua glória àquela imitação Um príncipe sábio deve observar compor tamentos tais e jamais permanecer ocioso nos tempos de paz mas com engenho fazer um cabedal para dele se valer na adversidade a fi m de que quando mudar a fortuna esteja sempre pronto a resistirlhe Ma quiavel 2007a p 7172 Maquiavel deixa transparecer nos diversos capítulos de O Príncipe e dos Discursos o quanto aprecia os exemplos históricos Estes são como aliados de suas observações empíricas acumuladas ao longo dos anos em que viveu na carreira política São como suporte a muitos de seus conselhos políticos Uma de suas grandes fontes é o Antigo Testamento o qual recomenda como um precio so manancial de fatos históricos De Grazia 1993 p 69 Em sua outra especialidade a arte da guerra sobre a qual também pro duziu um livro Maquiavel também faz uso reiterado dos exemplos históricos 40 ELSEVIER Curso de Ciência Política Ler tais fatos é quase tão importante quanto os exercícios do corpo ou mesmo o conhecimento e treinamento dos ataques Por fi m a apologia da leitura e apreensão dos conhecimentos históricos também encontra abrigo nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio Nesta obra o tema da história exemplarista aparece no capítulo intitulado em povos diferentes muitas vezes se observam os mesmos acontecimentos Assim se ex pressa Maquiavel Quem considere as coisas presentes e as antigas verá facilmente que são sempre os mesmos os desejos e os humores em todas as cidades e em todos os povos e que eles sempre existiram De tal modo que quem examinar com diligência as coisas passadas facilmente preverá as futuras em qualquer república prescrevendo os remédios que foram usados pelos antigos ou se não encontrar remédios já usados pensará em novos devido à semelhança dos acontecimentos Mas como essas considerações são negligenciadas ou não são entendidas por quem lê ou se são entendidas não são entendidas por quem governa seguese que sempre se vêem os mesmos tumultos em todos os tempos Ma quiavel 2007b p 121 25 Conselhos aos governantes Até aqui se buscou desvendar os temas centrais ou conceitos que permitem melhor entendimento do pensamento maquiaveliano o que inevitavelmente le vou a uma pequena discussão fi losófi ca Não se deve esquecer no entanto que Maquiavel fi cou conhecido pelos seus conselhos aos governantes em especial os oferecidos em O Príncipe a Lorenzo de Médici governante de Florença à época do afastamento de Maquiavel O livro é dedicado a Médici o que levou muitos dos historiadores políticos a considerar o gesto de Maquiavel como interessei ro Uma tentativa frustrada de retornar á vida pública uma vez que o gesto não surtiu o efeito desejado Como já foi dito a obra de Maquiavel alcançaria grande dimensão apenas após a sua morte De qualquer forma o pensador fl orentino buscou no livro expor todo o seu conhecimento das coisas do Estado Na verdade ainda que se destaque o fato da oferta a Lorenzo de Médici não se deve negligenciar o enorme valor político da obra O Príncipe é um livro com pretensões e alcance bem maiores do que uma simples e vã oferenda Não fosse assim não alcançaria a notoriedade de séculos e a admiração de tantos ho mens Acima de tudo devese retornar à essência da obra ensinar a conquistar e a manter Estados Ensinamentos de quem como defi niu o próprio Maquiavel 41 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara aprendeu com o estudo das coisas antigas e a experiência das coisas modernas isto é com a observação em meio a tantas missões diplomáticas e políticas Não se trata aqui de expor todos os capítulos de O Príncipe embora a leitu ra seja aconselhável a todos os leitores que se interessem minimamente por polí tica e fi losofi a Nesse sentido é insubstituível No entanto vale a pena apontar algumas das mais interessantes lições políticas procurando não incorrer no ris co da simplifi cação Considerese portanto como observações sobre temas que merecem ser destacados e aprofundados pelos leitores de Maquiavel 251 Da prática da maldade e da bondade Um dos mais célebres conselhos de Maquiavel aos governantes referese à maneira pela qual se devem praticar atos de bondade e de maldade Como já foi discutido nas páginas anteriores o príncipe de virtù deve estar preparado para empregar a maldade caso seja necessário uma vez que não se pode ser bom ou justo todo o tempo Assim Maquiavel sugere que existe uma maneira capaz de atenuar o malestar causado pela maldade assim como existe um meio de pro longar a boa sensação provocada por gestos bondosos do príncipe Daí ser preciso sublinhar que ao tomar um Estado o conquistador deve examinar todas as ofensas que precisa fazer para perpetuálas todas de uma vez e não ter que renoválas todos os dias Não as repe tindo pode incutir confi ança nos homens e ganhar seu apoio através de benefícios Quem age de outro modo por timidez ou mau conselho precisa estar sempre com a faca na mão não podendo jamais confi ar em seus súditos como tampouco podem eles confi ar em seu príncipe devido às suas contínuas e renovadas injúrias As injúrias devem ser feitas conjuntamente a fi m de que sendo menos saboreadas ofendam menos enquanto os benefícios devem ser feitos pouco a pouco para serem bem mais apreciados E acima de tudo deve um príncipe viver com seus súditos de forma que nenhum incidente mau ou bom faça variar seu comportamento porque vindo as vicissitudes em tempos adversos não terás tempo para o mal e o bem que fi zeres não te será creditado uma vez que o julgarão que o fi zeste forçado e não recebe rás então a gratidão de ninguém Maquiavel 2007a p 41 252 Da importância da arte da guerra para o Príncipe Outro conselho muito importante dado aos príncipes por Maquiavel refe rese à importância de manter sempre pronto e bem treinado um exército para que se possa defender o principado e a si próprio Maquiavel também marcou a 42 ELSEVIER Curso de Ciência Política sua biografi a com os escritos de estratégia militar Sua paixão pelo tema fez com que as armas se tornassem um ponto crucial de O Príncipe quanto às maneiras de se preservar um Estado Boas leis e boas armas são itens imprescindíveis da estabilidade política mesmo em tempos de paz Deve portanto um príncipe não ter outro objetivo nem pensamento nem tomar como arte sua coisa alguma que não seja a guerra sua ordem e disciplina porque esta é a única arte que convém a quem comanda É de tanta virtù que não só mantém aqueles que já nasceram príncipes como também muitas vezes permite que homens de condição priva da ascendam ao principado Inversamente vêse que os príncipes que pensam mais em refi namento do que nas armas perdem sua posição A primeira razão que te leva a perdêla é negligenciar essa arte e a razão que te faz conquistála é ser versado nela Portanto um príncipe não deve jamais afastar o pensamento do exercício da guerra e durante a paz deve exercitálo ainda mais do que durante a guerra Isso pode ser feito de duas maneiras com obras e com a mente Quanto às obras além de conservar bem organizados e treinados os seus exércitos deve se dedicar às caçadas acostumando o corpo ao desconforto e informan dose sobre à natureza dos lugares Quanto ao exercício das mente deve o príncipe ler obras históricas e refl etir sobre as ações dos homens excelentes ver como se comportaram nas guerras e examinar as razões das vitórias e derrotas a fi m de poder escapar destas e imitar aquelas Maquiavel 2007a p 71 253 De como um Príncipe deve ser parcimonioso em seus gastos No título desse trabalho usou se a expressão Há vícios que são virtu des Uma das formas de entendêla é analisar a abordagem de Maquiavel no que se refere aos gastos de um príncipe No capítulo XVI de seu livro o autor sustenta que para não correr o risco de um descontrole fi nanceiro derivado do excesso de gastos gerando a necessidade de tributar mais o povo o príncipe pode e deve ser parcimonioso em seus gastos sem temer a execração pública e a fama de miserável Portanto para não ter de roubar os súditos para poder defenderse para não fi car pobre e desprezível e para não ser obrigado a se tornar rapace um príncipe deve temer pouco incorrer na fama de miserável porque este é um dos vícios que lhe permitem governar Não há coisa alguma que mais se consuma a si mesma do que a liberalidade cujo uso te leva a perder a faculdade de usála tornandote pobre ou desprezível ou rapace e odioso se quiseres fugir à pobreza Dentre to 43 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara das as coisas de que um príncipe deve guardarse a primeira é ser des prezível e odioso a liberalidade conduz a uma ou outra coisa Portanto é mais sábio fi car com a fama de miserável que gera uma infâmia sem ódio do que por desejar o renome de liberal precisar incorrer na fama de rapace que gera uma infâmia com ódio Maquiavel 2007a p 77 O tema desenvolvido acima se completará com a análise maquiaveliana sobre os meios de evitar o desprezo e o ódio por parte dos súditos Esta temá tica aparece no capítulo XIX do livro Maquiavel reforça a ideia já lançada de que se apropriar das coisas alheias torna o príncipe odioso Devese acrescentar no entanto que Maquiavel amplia sua abordagem para abranger também as mulheres dos súditos como algo que o príncipe não deve jamais cobiçar ou de que se apoderar É dessa forma que se evita o ódio Quanto ao desprezo para Maquiavel é fundamental que o príncipe não incorra na fama de inconstante leviano efeminado pusilânime e irresoluto Maquiavel 2007a p 87 254 Da importância de saber simular e dissimular Um dos capítulos mais polêmicos de O Príncipe e que certamente mais provocaram revolta contra Maquiavel é o de número XVIII De que modo de vem os príncipes manter a palavra dada Mais uma vez o autor recorre ao rea lismo político para justifi car um comportamento que pelo menos em tese seria contra a moral Segundo Maquiavel é justifi cável que um príncipe volte atrás na palavra dada ou em outras palavras não é um imperativo que se cumpra a palavra dada em certas ocasiões Mais uma vez o autor recorre à razão funda mental para essa ação a natureza humana Assim um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se torna prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o haviam levado a prometer Se os homens fossem todos bons esse preceito não seria bom mas como são maus e não mantêm sua palavra para contigo não tens também que cumprir a tua Tam pouco faltam ao príncipe razões legítimas para desculpar sua falta de palavra Sobre isto poderíamos dar infi nitos exemplos modernos e mostrar quantos pactos e quantas promessas se tornaram inúteis e vãs por causa da infi delidade dos príncipes quem melhor se sai é quem melhor sabe valerse das qualidades da raposa Mas é necessário sa ber disfarçar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimula dor pois os homens são tão simples e obedecem tanto às necessidades presentes que o enganador encontrará sempre quem se deixe enganar A um príncipe portanto não é necessário ter de fato todas as qua 44 ELSEVIER Curso de Ciência Política lidades supracitadas mas é indispensável parecer têlas Aliás ousarei dizer que se as tiver e utilizar sempre serão danosas enquanto se pa recer têlas serão úteis Assim deves parecer clemente fi el humano íntegro religioso e sêlo mas com a condição de estares com o ânimo disposto a quando necessário não o seres de modo que possas e saibas como tornarte o contrário Maquiavel 2007a p 8485 26 Conclusão Maquiavel deixou sua marca na história do pensamento político como um dos grandes inovadores da forma pensar as coisas do Estado Ao mesmo tempo que ostentou as grandes características do Renascimento como o antropocen trismo e a crença na capacidade criadora do homem divergiu de autores da Antiguidade romana embora os admirasse e do pensamento religioso Parado xalmente serviuse do que a Antiguidade clássica poderia oferecer para adaptá la pelo menos na arte da política às necessidades de seu tempo As posições políticas maquiavelianas tiveram um custo considerável para o pensador em especial para a sua imagem Muitos pensadores e autoridades eminentes o amaldiçoaram e reprovaram seus escritos Em terras inglesas rece beu um adjetivo malicioso derivado de seu nome nick ou old nick sinôni mos para a palavra demônio Ainda em tempos recentes grandes pensadores como Leo Strauss ainda defi niam Maquiavel como um mestre do mal Em 1559 durante o período da contrareforma a Igreja católica colocou O Príncipe no Index Librorium Prohibitorium uma relação de obras condenadas e proibidas pela Igreja A decisão foi confi rmada posteriormente pelo Concílio de Tentro Além de amaldiçoado Maquiavel passaria também a ser considerado um apologista do despotismo epíteto que só seria enfraquecido no século da Revolução Francesa quando autores como Jean Jacques Rousseau apresentam uma nova leitura da obra de Maquiavel Nessa nova visão o pensador fl orenti no é visto não como um autor maldito mas como um louvável e brilhante inte lectual que fi ngiu dar conselhos aos governantes quando em verdade ensinava ao povo as engrenagens invisíveis da política O que levou a obra de Maquiavel a manifestações de adesão e ódio foi o seu olhar sobre a política Um olhar como já dito inovador destemido em relação às autoridades religiosas e políticas do século XVII Tal independência foi fundamental para a solidez dos seus argumentos apesar de toda a polêmica que despertou Maquiavel procurou estudar a política da maneira mais realista sem in correr em juízos de valor derivados do moralismo antigo ou da religião Sua obra 45 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara não comportou concessões aos idealismos prejudiciais à missão de um príncipe conquistar e manter Estados afastar o problema da instabilidade política tão comum na Itália do século XVII A estabilidade erigida como valor indispensável deve ser uma das me tas fundamentais dos governantes Ela é o coroamento da virtù principesca o conjunto das qualidades que levam o príncipe ao êxito político Tais qualidades divorciadas da moral alinhamse a um certo pragmatismo político capaz de fazer com que o príncipe aja de diferentes maneiras em momentos diversos não assumindo portanto compromissos com o agir bondoso ou justo A fl exi bilidade exigida pela virtù leva o príncipe a praticar em nome da estabilidade e manutenção do Estado atos de crueldade de dissimulação e simulação bem como de mesquinharia ou avareza Maquiavel acredita que seus argumentos convençam os homens da inu tilidade do comportamento moral ou virtuoso à moda tradicional É o mun do moderno habitado por homens ruins a razão que inviabiliza a política da bondade e do humanismo Leituras mais recentes de Maquiavel vêm procuran do de alguma forma separar os argumentos políticos de Maquiavel de suas crenças pessoais Buscase afastar do pensador fl orentino a imagem de prega dor cruel inimigo dos preceitos cristãos Como alternativa é possível pensar em um Maquiavel que reconhecia a importância dos ensinamentos cristãos e de suas lições mas não os considerava um guia seguro para as ações políticas De outra maneira tudo poderia ser diferente e melhor na política das sociedades se as máximas cristãs pudessem ser aplicadas na arena política No entanto caso insista nesse erro político o príncipe sofrerá graves prejuízos sobretudo por conta da natureza humana Merecem ainda destaque certos aspectos da política a serem observados pelo príncipe como por exemplo os caprichos da deusa fortuna A sombra do acaso do inesperado e do imponderável ronda os domínios humanos os palácios de governo Quem não se prepara para a chegada da fortuna alcança a ruína É preciso portanto aprender como lidar com a deusa e conquistar seus favores É preciso construir diques para evitar as inundações e ainda ser corajoso e viril São os antídotos contra as ações da fortuna vista por Maquiavel como uma fi gura feminina com as peculiaridades de uma mulher Ao príncipe é fundamental ainda o estudo da história e o aprendizado de seus exemplos A noção de história exemplarista é crucial para o argumento maquiaveliano uma vez que é fonte de ensinamentos e cursos de ação política Se os homens conservam traços imutáveis em sua natureza tanto na Antiguida 46 ELSEVIER Curso de Ciência Política de como no presente as situações políticas tendem a se repetir Conhecer o pas sado amplia o espectro de ações seguras a serem empreendidas pelo príncipe As páginas de O Príncipe estão repletas de exemplos históricos destinados a embasar e reforçar os argumentos de seu autor Maquiavel estuda a história da Antiguidade mas também o Velho Testamento De tais leituras conservará admiração por determinados líderes exaltandoos como autênticos homens de virtù Não se deve esquecer por derradeiro o valor intelectual de Maquiavel que além de conselheiro dos príncipes tarefa tão praticada na Florença renas centista por autores sem a originalidade vista em O Príncipe demonstrou outras faces Ressaltese a respeito a autoria de peças teatrais como A mandrágora e Clízia bem como o estrategista militar respeitado pela posteridade autor de A arte da guerra e ainda o historiador capaz de resgatar a história de Florença Fica aqui portanto um convite ao leitor para que mergulhe sem preconceitos no mundo maquiaveliano e refl ita sobre seus argumentos políticos O único risco possível é o de olhar a política contemporânea com outros olhos numa viagem sem volta Ainda assim vale a pena 27 Perguntas para reflexão 1 Explique o sentido da expressão há vícios que são virtudes analisan doa no contexto do pensamento maquiaveliano 2 Analise a relação de Maquiavel com os pensadores da Antiguidade res saltando continuidades e rupturas 3 Descreva a trajetória do conceito de fortuna da Antiguidade até o pen samento de Maquiavel 4 Explique o sentido de virtù no pensamento de Maquiavel 5 Analise a noção de realismo político tendo como parâmetro o pensamen to de Maquiavel 6 Analise as razões do choque entre o pensamento maquiaveliano e a dou trina da Igreja no cenário renascentista 7 Por que é possível dizer que Maquiavel foi um autor renascentista típico Explique 8 Analise o papel que a História ocupa no pensamento de Maquiavel 47 Capítulo 2 Há vícios que são virtudes Maquiavel teórico do realismo político Ricardo Guanabara 9 Desenvolva a noção de natureza humana ressaltando a sua importância para a política segundo Maquiavel 10 Por que na visão maquiaveliana é mais seguro para o príncipe ser temido do que ser amado Bibliografia BERLIN Isaiah Estudos sobre a Humanidade uma antologia de ensaios São Paulo Companhia das Letras 2002 BURKHARDT Jacob A cultura do Renascimento na Itália um ensaio São Pau lo Companhia das Letras 1991 CHEVALIER Jean Jacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias Rio de Janeiro Agir 1989 DE GRAZIA Sebastian Maquiavel no inferno São Paulo Companhia das Le tras 1993 JOHNSON Paul O Renascimento Rio de Janeiro Objetiva 2001 MAQUIAVEL Nicolau A mandrágora São Paulo Martin Claret 2003 O Príncipe São Paulo Martins Fontes 2007a Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio São Paulo Mar tins Fontes 2007b A arte da guerra São Paulo Martins Fontes 2007c PINZANI Alessandro Maquiavel e O Príncipe Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 2004 RICHE Flavio Elias A infl uência do paradigma científi conatural no pensamento político e social moderno Rio de Janeiro Lumen Júris 2005 SKINNER Quentin Maquiavel São Paulo Brasiliense 1988 As fundações do pensamento político moderno São Paulo Com panhia das Letras 2003 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Os homens as mulheres um pássaro um crocodilo uma vaca um cão uma cobra uma cebola um alhoporó foram divinizados Thomas Hobbes 31 Introdução Thomas Hobbes é um dos autores mais notáveis da teoria política Poucos autores despertaram tanto interesse de politólogos teólogos juristas poetas historiadores e do público em geral A pujança do Leviatã seu livro mais conhecido quase ofuscou o restante de sua obra transformandoo ao mesmo tempo num autor clássico e num mito Autor clássico pois suas ideias e conceitos foram indicadores e fatores de mudanças sociais e políticas cujos efeitos ainda Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUCRio Professor de Teoria do Estado do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense Professor de Sociologia Jurídica do Departamento de Direito da PUCRio Contato pvillasboascbgmailcom parecem ecoar devido aos conflitos religiosos e políticos que ameaçam a estabilidade interna e externa dos Estados até os dias de hoje Além disso parece ter eternizado a vida do homem artificial Hobbes 1983 p 119 o Estado moderno que apesar de rumores advindos do processo de globalização1 não perdeu seu prazo de validade Ao contrário suas fronteiras sobretudo depois do 11 de Setembro de 2001 continuam sob vigilância ininterrupta Hobbes tornouse um mito entre outras razões em virtude da força do símbolo míticoreligioso do Leviatã não extraído por acaso do Livro de Jó 41 24 do Velho Testamento e escolhido como título de seu livro que se apresenta como um enigma cujo teor continua a desafiar seus estudiosos Além disso o conceito de homem isto é a antropologia política revelada no Leviatã é um entre tantos outros aspectos vulgarizados pela recepção das ideias do autor que não pode ser compreendido sem a sua concepção de religião As paixões humanas reveladas por Hobbes converteramse em um mito em razão da tendência racionalista e moralizante dos estudos sobre o Leviatã associar as paixões e instintos do homem à maldade A equiparação entre maldade e irracionalidade conduz ao reducionismo das ideias do autor cujo conteúdo concentrase mais em desvelar a falibilidade imanente à condição humana do que em acentuar sua crueldade A dificuldade em compreender as ideias de Hobbes ocorre em virtude dos sentidos subjacentes ao símbolo mítico do Leviatã ainda não se constituírem em objeto de estudo rigoroso A aura enigmática que os envolve se deve à reduzida atenção que lhes é conferida Na história das ideias políticas é lugarcomum priorizar a subsunção das ideias do filósofo inglês a correntes filosóficas a exemplo do racionalismo individualismo mecanicismo empiricismo sensualismo e outros ismos A esse respeito observa Helmut Schelsky que tal tendência dos estudos sobre Hobbes orientase excessivamente por categorias rígidas e por isso cria um obstáculo à compreensão de suas ideias Schelsky 1938 p 176193 Acreditase que essa inclinação resida na negligência da hermenêutica que Hobbes faz do Velho e Novo Testamento A terceira e a quarta parte do Leviatã nas quais empreende rigorosa exegese das escrituras sagradas não são objeto da leitura de boa parte dos intérpretes Não há como compreender o seu conceito de homem e Estado sem a concepção que o autor tinha da religião Não esqueçamos que a antropologia política e o conceito de Estado de Hobbes nascem das sangrentas guerras confessionais de seu tempo 1 Jurgen Habermas observa que a globalização põe em risco a sobrevivência do Estadonação resultado da fusão do Estado moderno com a nação moderna no final do século XVIII pois significa a transgressão a remoção de fronteiras e portanto uma ameaça para aquele Estadonação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras Habermas 1995 p 98 Curioso o autor profetizar o fim do Estadonação e propor que regimes supranacionais o substituam quando o cenário internacional apresenta uma afirmação da identidade nacional dos diferentes povos Além do mais os Estadonacionais e os remanescentes impérios depois do 11 de Setembro passaram a vigiar suas fronteiras de maneira sem precedentes na história 51 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Este capítulo percorre o pensamento político de Hobbes mostrando so bretudo como o Leviatã deve ser compreendido como símbolo políticoreligioso que funda uma teoria moderna do Estado a partir de mitos e imagens sagradas Não só o conhecimento político jurídico mas também cabalístico mitológico teológico de Hobbes permitiulhe elaborar uma teologia política Uma teologia política que não funda o Estado através de poderes transcendentes mas por meio da religião que não reside em nenhum outro lugar a não ser no homem 32 Leviatã o homem o Estado o Estado cristão e reino das trevas O Leviatã de Hobbes dividese em quatro partes a primeira denominase Do homem a segunda Do Estado a terceira Do Estado cristão e a quarta Do reino das trevas Curioso perceber que a terceira e a quarta parte ou seja metade do livro sem correspondência em nenhum outro da obra do autor nem sequer no livro Do cidadão com o qual o Leviatã guarda muitos pontos em comum não são objeto de análise por parte da maioria dos intérpretes que revisitaram as ideias de Hobbes Cabe salientar que na terceira e na quarta parte do Leviatã o autor dedicase à exegese das Escrituras Sagradas a fi m de dar cabo às interpretações de representantes espirituais que legitimavam através de sofi sticadas constru ções a usurpação do âmbito jurídicopolítico dos poderes temporais Embora as interpretações apenas se dediquem aos escritos da primeira e da segunda parte do livro de Hobbes no Leviatã todas elas estão intimamen te ligadas revelando o traço sistemático do livro A primeira parte contém 16 capítulos contudo a maioria deles tende a ser eclipsada pelo XIII Da condição natural da humanidade relativa à sua felicidade ou miséria no qual o autor continua a desenvolver sua antropologia política retratando o funcionamento das forças cognitivas do homem e suas paixões A psicologia humana revelada na primeira parte do Leviatã ressalta a miséria cognitiva o hedonismo e a concupiscência provenientes respectivamente das sensações dos apetites e das aversões do homem No capítulo II da primeira parte ao tratar da imaginação Hobbes in cute em seu leitor a fragilidade de suas potências sensoriais fator determinante da ignorância quanto à distinção entre sonhos e outras ilusões como a visão a sensação a imaginação Essa limitação cognitiva seria a causa principal do surgimento de boa parte das religiões A incapacidade de distinguir quanto às forças intelectivas dos sentidos convertidos em representações que acometem o mundo mental do ser humano seria a fonte da adoração de sátiros faunos ninfas fadas fantasmas gnomos e feiticeiras Hobbes 1983 p 14 Enganados por seus sentidos como pelos prognósticos tirados de sonhos pelas falsas pro fecias e todos aqueles embusteiros que exploram sua credulidade o homem é continua mente atormentado pelo temor dos poderes espirituais ou invisíveis Ao pintar um retrato em que se revelam a miséria cognitiva e a pujança das paixões humanas Hobbes procura despir o mundo de qualquer significado extrínseco ao homem de modo que a religião o poder a política e o Estado são forjados pelo homem e não mantêm nenhuma relação com poderes invisíveis de outro mundo Hobbes 1983 p 88 Sua concepção descortina um mundo niilista absolutamente aberto à contingência e à imprevisibilidade em que o poder o Estado a política o direito não podem ser desvendados em suas essências pois são fundados na arbitrariedade e nos caprichos da vontade humana isto é no poder fático de mando Na teoria política do autor não há espaço para verdades transcendentais emanadas da vontade divina da tradição do conhecimento dos antepassados ou da razão como potência reveladora de essências Desse modo na primeira parte do Leviatã Hobbes desconstrói as peças da machina machinarum para reconstruíla a partir de seus elementos mais simples como a sensação a imaginação a linguagem a razão a ciência as paixões e a religião O isolamento de cada elemento permite ao autor redefinir seus respectivos conceitos desatando cada elemento das interpretações tradicionais que lhes dão significado A partir daí desferre duros golpes na primeira parte e ao longo do livro na filosofia de Platão e Aristóteles Hobbes 1983 p 392 e 399 na escolástica sobretudo nas Escolas criadas por representantes dos poderes espirituais que insuflam o coração dos homens com especiosas distinções como a que separa a religião da política o que levaria à desobediência civil à sedição e à revolta Na segunda parte Hobbes não discorre apenas sobre os elementos constitutivos do corpo político ou Estado mas também sobre sua finalidade as causas que o esmorecem e os meios de mantêlo Importante salientar que em seu livro A dialogue between a philosopher and a student of the common laws of England apresenta uma passagem que sintetiza as ideias expostas na construção política de seu homem artificial It is not Wisdom but authority that makes the Law Hobbes 1971 p 55 não é a sabedoria mas a autoridade que faz a lei em outras palavras Auctoritas non veritas facit legem É a autoridade e não a verdade que faz as leis A referida passagem revela que o Estado introduzido pelo autor destitui as verdades provenientes do suposto mundo vindouro de consciências privadas dos costumes das leis naturais ou divinas de qualquer repercussão política pois o soberano de um Estado quer seja uma assembleia ou um homem não se encontra sujeito às leis 1983 p 162 Na construção de seu conceito de soberania absoluta a autoridade competente representativa do Estado tem o monopólio da decisão política Decide o que é justo ou injusto crime ou pecado certo ou errado sobre o costume prolongado que deve elevarse ao status de lei Além de acumular as funções de juiz e legislador compete à vontade do Deus mortal determinar em conformidade com o princípio cujus regio eius religio a fé que deve ser publicamente professada nos limites de seu reino ou território o que deve ser considerado verdade ou mentira considerado homem dotado de seus sentidos naturais muito embora não saiba ler nem escrever que não se encontra governado por aqueles que teme e que acredita o podem matar ou ferir se ele não lhes obedecer Ou que acredite que a lei o pode ferir isto é palavras e papel sem as mãos e espadas dos homens 1983 p 394 Ver também p 41 e 42 do Leviatã 1983 O teor de tal passagem se repete inúmeras vezes sob várias formas ao longo do Leviatã por exemplo no capítulo XXXIX porém é importante compreendêla pois mesmo após a instituição ou aquisição do Estado o soberano permanece na condição natural relativa à felicidade ou à miséria do capítulo XIII ou no estado de natureza em que cada indivíduo governavase a si próprio pois não alienou a ninguém seu direito ou poderes de autopreservação ao contrário foramlhe delegados mediante pacto por particulares que agiam isoladamente como juízes em causa própria com poderes ilimitados para garantir a segurança de todos É por isso que no cenário internacional cuja gênese ocorre após a constituição e o estabelecimento da ordem interna dos corpos políticos cada representante do homem artificial é um lobo para o outro A relação entre corpos políticos caracterizase pela imprevisibilidade pela incerteza exatamente como no estado prépolítico ou de natureza em que predomina forte tensão revestida de desconfiança e precariedade quanto à promessa das palavras dadas Portanto se no âmbito das relações intestinas do corpo político o soberano é um deus mortal para os contratantes no plano das relações exteriores isto é na relação entre Estados não há hierarquia pois todos os soberanos são respectivamente lobos uns para os outros É em virtude disso que Hobbes afirma no Cidadão que ambos ditos são certos que o homem é um deus para o homem e que o homem é lobo do homem O primeiro é verdade se comparamos os cidadãos o segundo se cotejamos as cidades 1998 p 3 Parece que o conceito de razão de Hobbes já era mal compreendido na época em que viveu Observa o autor no livro Do cidadão por reta razão no estado da natureza humana não entendo como querem muitos uma faculdade infalível porém o ato de raciocinar Hobbes 1998 p 368 A divisão da Igreja romana esmoreceu a quase inabalável autoridade papista o que abriu caminho para que alguns líderes seculares usurpassem a autoridade eclesiástica de determinar em seus domínios qual seria a religião oficial do reino exatamente de acordo com o princípio secularizante cujus regio eius religio a religião é de quem é a região porque quem não tem reino não pode fazer leis Hobbes 1983 p 309 Portanto quem não tem reino não pode ordenar a conduta humana nem tampouco deter o monopólio acerca da crença dos súditos milagre ou charlatanismo Como o autor em inúmeras passagens da primeira segunda terceira e quarta partes do Leviatã separa foro íntimo de foro externo isto é intenção de ação o interno do externo a razão privada da razão pública observase que o monopólio da decisão política do governante do Estado inclui o controle das manifestações externas das crenças religiosas dos governados Verificase que para Hobbes a decisão política do soberano cuja vontade fundase na autoridade capaz de controlar os meios coercitivos é vestida com força de lei Portanto a lei não emana de nenhum milagre ou revelação nem tampouco de uma razão natural ou como diria Weber do mero costume de um hábito cego de um comportamento inveterado Weber 1982 p 128 Cabe ressaltar que na segunda parte do Leviatã como ao longo do livro inteiro o autor dispara críticas à divisibilidade da alma isto é à divisão do poder soberano do Estado cuja causa principal consiste na especiosa distinção entre poder temporal e poder espiritual forjada pelas autoridades espirituais Ora não é trivial o autor investir de forma tão incisiva contra a referida distinção no capítulo XXIX em que trata das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução de um Estado Fica claro a partir da introdução de seu conceito de soberania indivisível que não pode haver um poder temporal e outro espiritual pois ambos representam a existência de dois Estados e um homem não pode obedecer a dois senhores pois tal confusão leva à desordem e pode conduzir à destruição do Estado quer seja temporal ou espiritual Poder não se pode opor a poder portanto quando estes dois poderes se opõem um ao outro o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e de dissolução Pois sendo a autoridade 55 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco civil mais visível e erguendose na luz mais clara da razão natural não pode fazer outra coisa senão atrair a ela em todas as épocas uma parte muito considerável do povo e a espiritual muito embora se levante na escuridão das distinções da Escola e das palavras difíceis contudo por que o receio da escuridão e dos espíritos é maior que os outros temores não pode deixar de congraçar um partido sufi ciente para a desordem e muitas vezes para destruição de um Estado 1983 p 196 A fi m de evitar a insignifi cante distinção entre o temporal e o espiritual que leva à dissolução do Estado Hobbes soluciona o problema da seguinte for ma ou o civil que é o poder do Estado tem de estar subordinado ao espiritual e então não há nenhuma soberania exceto a espiritual ou o espiritual tem de estar subordinado ao temporal e então não existe nenhuma supremacia senão a temporal Hobbes 1983 p 196 Na terceira e na quarta parte em que trata respectivamente do Estado cristão e do reino das trevas Hobbes não somente se utiliza das Escrituras Sa gradas para refutar teses que propugnam pela monarquia universal da Igreja num âmbito temporal O autor também recorre aos textos sagrados a fi m de emancipar um domínio secular da tutela da Igreja Para tanto extrai princípios sob os quais fundase a sua teoria dos direitos de quem governa e deveres de quem obedece Conforme informa Hobbes é destas Escrituras que vou extrair os princípios de meu discurso a respeito dos direitos dos que são na terra os supremos governantes dos Estados cristãos e dos deveres dos súditos cristãos para com seus soberanos E com esse fi m vou falar no capítulo seguinte dos li vros autores alcance e autoridade da Bíblia Hobbes 1983 p 264 A incursão do autor nas Escrituras Sagradas tem a fi nalidade de provar que o poder espi ritual tem jurisdição no mundo vindouro portanto enquanto não chegar o dia do juízo fi nal não se deve obediência a nenhum outro poder senão ao temporal Obstinado Hobbes repete inúmeras vezes através de várias passagens distin tas as palavras atribuídas a Jesus Cristo o meu reino não é deste mundo João 1836 Desse modo nosso Salvador veio a este mundo para ser rei e juiz num mundo vindouro Hobbes 1983 p 286 Denunciada a distinção entre poder espiritual e poder temporal entre po deres visíveis e invisíveis Hobbes não só acusava os representantes do clero ro mano pois não é só o clero romano que pretende que o Reino de Deus seja deste mundo e que ele portanto tem um poder distinto do Estado civil 1983 p 403 Os autores das trevas na religião são o clero romano e clero presbiteriano 1983 p 398 Observase que o esforço do autor é no sentido de negar qualquer usur pação do poder temporal por parte de papas monges frades bispos ou pastores 56 ELSEVIER Curso de Ciência Política e deslocar o temor dos poderes invisíveis espirituais para o temor dos poderes visíveis temporais deslocar a atenção dos homens das sedutoras promessas de salvação da alma num mundo vindouro para a salvação da vida neste mundo A estrada aberta pela Reforma determinante para a quebra do monopólio da Igreja romana da conduta humana precisamente de como o homem deveria agir neste mundo para obter a salvação eterna num mundo vindouro individualizou os homens pluralizou as crenças provenientes das consciências privadas trans formou com a tradução da Bíblia para língua vernácula cada homem num juiz de suas ações Hobbes 1990 p 22 A Reforma converteu o mundo num cenário contingente imprevisível no qual os homens ao evocarem sua consciência priva da e manifestarem suas convicções religiosas podem entrar em violento confl ito corporal Tal cenário que leva às guerras civis religiosas muito semelhante ao apresentado no capítulo XIII do Leviatã só poderia ser neutralizado com a submis são do poder espiritual ao poder temporal Portanto a fi m de elidir a distinção entre o poder espiritual e o poder tem poral Hobbes submete o primeiro ao segundo A emancipação de um domínio estritamente secular das rédeas do poder da Igreja implica subordinar a Igreja ao Estado convertendo a instituição espiritual num instrumento de controle da ordem interna do Estado A Igreja passa a ser mais um instrumento a serviço dos interesses políticos do Estado Em outras palavras o autor não separa o poder da Igreja do poder do Estado mas incorpora a Igreja ao Estado Assim o autor não separa poderes mas os unifi ca nas mãos do domínio secular a partir daí portanto fi cam inseparáveis o direito de regular quer a política quer a religião Hobbes 1983 p 282 A religião não é estranha à política pois não somente a integra como principalmente constituise num efi caz instrumento político de dominação A religião como arma política indispensável na arte mediante a qual se constitui e mantém um corpo político não era novidade na história das civilizações O ato de incutir na mente do povo a crença em preceitos da religião inventados por homens e divulgálos como ditames de algum deus consistia numa técnica de dominação utilizada pelos primeiros fundadores e legislado res de Estados entre os gentios cujo objetivo era manter o povo em obediência e paz e fazer com que suas leis fossem mais facilmente aceitas Hobbes 1983 p 70 Talvez esta seja uma das passagens mais importantes do Leviatã de Ho bbes Isto porque nela se percebe que o monopólio da crença é indispensável à arte de governar o povo e como o governante deve tirar partido da tendência do gênero humano à irracionalidade da crença nos poderes invisíveis Hobbes 1983 p 263 33 Miséria cognitiva e crença 331 Breves observações sobre a Reforma protestante A Reforma protestante é um dos eventos históricos mais importantes para compreensão da formação do Estado moderno Em conformidade com Hobbes que viveu o terror da guerra civilreligiosa de seu tempo a principal causa das guerras confessionais teria como origem a destruição da unidade da Igreja romana ocorrida no século XVI A representação do estado de natureza do homem era proveniente dos conflitos resultantes da pluralização de crenças religiosas privadas que não possuíam amparo externo Hobbes no Leviatã de maneira jamais vista em toda a sua obra fez de suas ideias uma verdadeira arma política contra qualquer tipo de autoridade espiritual que se arrogasse o direito de intervir na esfera das decisões jurídicas e políticas de domínios temporais Para o autor era indiferente se a autoridade fosse proveniente da Igreja romana ou presbiteriana ou qualquer outra Igreja protestante Hobbes sabia como ninguém que líderes espirituais controlavam melhor do que líderes temporais as paixões dos homens cujo traço primordial residiria na natureza cognitiva falível calcada no medo e no amor pelo ininteligível A Reforma protestante também definida como renúncia de certas Igrejas ao poder universal do Papa Hobbes 1983 p 398 ao dar cabo ao monopólio da interpretação das Escrituras Sagradas e portanto estender sua interpretação a todos espraiou o veneno das doutrinas sediciosas que contribuem com as doenças de um Estado A livre interpretação da Bíblia transforma o mundo fragmentou os homens e seu mundo real Agora todo indivíduo particular é juiz das boas e más ações 1983 p 193 O ato de o sujeito interpretar livremente os desígnios de Deus não somente o projeta dentro de si próprio individualizandoo como também o torna juiz das boas e más ações elevandoo acima de qualquer lei civil Ora a descrição de tal homem individualizado que toma como medida de suas ações seu mundo interior sua consciência sua crença agindo em relação aos outros sem um poder comum capaz de manter a todos em respeito é idêntica à forma pela qual Hobbes retrata o estado de natureza em que vive a humanidade 1983 p 75 O próprio autor ao se insurgir contra a doutrina que eleva o juízo privado acima das leis civis de um Estado declara que isto é verdade na condição de simples natureza quando não existem leis civis e também sob governo civil nos casos que não são determinados pela Lei Mas não sendo assim é evidente que a medida das boas e más ações é lei civil e o juiz o legislador que é sempre representativo do Estado Partindo desta falsa doutrina os homens adquirem a tendência para debater consigo próprios e discutir as ordens do Estado e mais tarde de para desobedecêlas conforme acharem conveniente em seus juízos particulares Pelo que o Estado é perturbado enfraquecido 1983 p 193 Cumpre esclarecer que a Reforma protestante foi a principal causa das guerras confessionais que assolaram a Europa durante os séculos XVI e XVII A cisão do cristianismo ocidental solapou a ordem tradicional individualizou o homem pluralizou as concepções de mundo disseminou a desconfiança promoveu violentos combates entre as Igrejas e perseguições entre fiéis As disputas entre autoridades espirituais de distintas Igrejas e seitas criavam um oceano de incertezas nos domínios seculares Por outro lado a divisão da Igreja romana esmoreceu a quase inabalável autoridade papista o que possibilitou a alguns líderes seculares usurpar a autoridade eclesiástica de determinar em seus domínios qual seria a religião oficial do reino exatamente de acordo com o princípio secularizante cujus regio ejus religio a religião é de quem é região porque quem não tem reino não pode fazer leis 1983 p 309 Portanto quem não tem reino não pode ordenar a conduta humana e tampouco deter o monopólio acerca das crenças dos súditos 332 O homem e a religião Nesta parte do trabalho importa examinar o conceito de homem elaborado por Hobbes e relacionálo com a sua definição de religião Como se viu tal concepção antropológica não pode ser dissociada da guerra civilreligiosa que acometia a Europa do século XVI e XVII Todavia pretendese mostrar como para o autor inglês a faculdade intelectiva da espécie humana é marcada pela limitação cognitiva que desencadeia a irracionalidade das crenças religiosas É justamente a limitação dos sentidos da imaginação da memória das paixões que cria uma inexorável dependência da religião e portanto de uma autoridade representativa do Estado que possa controlar suas crenças externas A irracionalidade da crença exige um limite exterior imposto por uma autoridade soberana capaz de manter os homens em reverente temor A crença proveniente do foro íntimo deve ser destituída de repercussão política para reinar a proteção em troca de obediência A despeito de Hobbes acentuar a limitação cognitiva como marca indelével de sua antropologia ressalta que se o homem é a mais excelente obra da natureza não seria de admirar que não só seja capaz de imitála como também mediante a arte de criar a partir da natureza outro homem um homem artificial cuja estatura e força ultrapassem as de muitos homens naturais 1983 p 5 Mas qual seria a intenção desse homem Por que estaria querendo ampliar artificialmente sua estatura e força Intentaria se proteger De quem Para responder a tal indagação devese conhecer o homem natural E se porventura se deseja conhecer o homem artificial também denominado animal artificial máquina corpo político Civitas Estado ou Leviatã devese a fortiori voltar as atenções para seu elemento constitutivo isto é o seu artífice o homem natural Não obstante Hobbes qualifique o homem como criatura racional e o considere como se disse a mais excelente obra da natureza o autor elabora uma verdadeira teoria sobre a falibilidade humana Ao elevar a percepção sensorial à categoria de ponto de partida indiscutível de sua investigação descreve o mun do mental humano como um complexo mecanismo de causa e efeito de forças resultantes da conjugação de matéria e movimento A partir daí revela o funcionamento da imaginação da memória do intelecto do raciocínio da vontade das paixões dos valores do bem e do mal enfim lança mão de um rigoroso método introspectivo para conscientizar o homem de sua própria fragilidade de sua condição natural de miséria cognitiva Sua finalidade não consiste em atemorizar o homem diante de sua própria natureza Ao contrário ao profetizar que a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros mas do homem e convidar cada homem a adotar o lema nosce te ipsum lête a ti mesmo tem o intuito de demonstrar que quem quer que olhe para dentro de si mesmo perceberá mediante esse caminho quais são os pensamentos e paixões de todos outros homens em situações idênticas 1983 p 6 Através da demonstração do poder da introspecção e portanto do conhecimento da natureza humana isto é conhecimento da semelhança entre pensamentos e paixões de distintos homens será fácil reconhecer um denominador comum o medo e a necessidade de fundar um corpo político para reduzilo Aproximandose de uma tradição cética12 de pensamento Hobbes partiu da dúvida para perscrutar o homem Conclui que o estudo dos princípios e causas dos pensamentos e aparências diversas manifestados na mente humana teria de começar com a sensação Este é seu ponto de partida não porque não há engano ou desonestidade na afirmação dos sentidos mas o fato de sentirmos lhe parece a única coisa com a qual podemos estar inequivocamente certos Oakeshott 1946 p XXII O ser humano é antes de qualquer coisa uma criatura dotada de sentidos visão audição olfato paladar e tato Não há nenhum pensamento ou representação de algo que não se tenha originado nos órgãos dos sentidos em virtude de uma pressão exercida por um objeto ou resultante do acidente de um corpo exterior a nós 1983 p 9 Em outras palavras a pressão exercida no órgão dos sentidos por um corpo exterior produz no mundo mental humano pensamentos representações ou aparências diversas Conforme Hobbes a origem de todas elas é aquilo que denominamos sensação pois não há concepção no espírito do homem que primeiro não tenha sido originada total ou parcialmente nos órgãos dos sentidos 1983 p 9 12 Oakeshott ao perscrutar as raízes do racionalismo de Hobbes as situa no ceticismo proveniente da fase final da tradição do pensamento escolástico Ao contrário de autores como Spinoza e Descartes Hobbes não pertenceria a uma tradição platônicocristã Segundo o autor ele não se refere normalmente à razão à divina iluminação do intelecto que une o homem a Deus ele se refere ao raciocínio Ele não está menos persuadido da falibilidade e limitação da razão do que o próprio Montaigne Oakeshott 1946 p XXVII Como se verá a razão para Hobbes não desvela essências pois consiste em mero cálculo isto é adequação de meios para fins 61 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Hobbes vai mais longe Desvela no desconhecido mundo interior do cor po humano um mecanismo de reação isto é uma resposta dada pelos órgãos internos ao corpo externo que os pressionou O corpo externo que nada mais é do que matéria em movimento ao entrar em contato e consequentemente pressionar um órgão interior de uma criatura viva causa uma alteração no mo vimento desse órgão que por sua vez causa uma alteração no movimento dos nervos A movimentação dos nervos e outras cordas e membranas do corpo prolongada para dentro em direção ao cérebro e coração causa ali uma resis tência ou contrapressão ou esforço do coração para se transmitir cujo esforço porque para fora parece ser de algum modo exterior 1983 p 9 Observese que a resistência ou contrapressão do coração ou então a reação do coração à pressão causada por aquele corpo exterior em movimento também é defi nida como um esforço do coração para se transmitir Em virtude de tal esforço do órgão interior ser feito para fora em reação à força realizada para dentro temse a impressão ou ilusão de que alguma coisa está acontecendo do lado de fora ou que parece ser de algum modo exterior Ora é justamente esta ilusão ou impressão que se denomina sensação O jogo de ação e reação de pressão e con trapressão ocasionado pelos corpos em movimento dentro do organismo forne ce a impressão de que algo acontece do lado de fora do organismo Hobbes ao comentar os movimentos da matéria que pressionam nossos órgãos diz que sua aparência para nós é ilusão quer quando estamos acordados quer quan do estamos dormindo1983 p 9 É imprescindível levar em consideração que para Hobbes consciência é mera aparência O que se passa no interior do corpo é real o que chamamos de experiências mentais são simples aparências de movi mentos corpóreos Experiências mentais ou conscientes não são de modo algum reais O que é real é a matéria corpórea em movimento Raphael 1978 p 24 No que respeita a passagem acima citada é bom de antemão frisar que a despeito de Hobbes esforçarse para conectar a física à psicologia e procurar des nudar de um ponto de vista estritamente racional um mundo mecânico ininte ligível à faculdade sensorial o autor como se verá adiante sabe muito bem das limitações do conhecimento científi co independentemente do âmbito da vida em que seja aplicado Ainda em relação à citação acima cumpre dizer que atri buir a Hobbes o entendimento de que o real é o ininteligível13 isto é o real é a matéria em movimento é verdade na medida em que se sabe qual é a tarefa da fi losofi a para o autor Hobbes acredita que a tarefa da fi losofi a é representar 13 Observa Hobbes que embora os homens sem instrução não concebam que haja movimento quando a coisa movida é invisível ou quando o espaço onde ela é movida devido a sua pequenez é insensível não obstante esses movimentos existem 1983 p 32 o mundo no espelho da razão A imagem do mundo projetada nesse espelho é a de um mundo de causa e efeito A função da razão consiste em determinar o alcance e limite da investigação filosófica Oakeshott 1946 p X Porém a razão somente logrará êxito em seu papel se o mundo for concebido como causa e efeito matéria e movimento ação e reação pressão e contrapressão Ora então para Hobbes o mundo é uma máquina Se porventura se deseja explicar um efeito basta buscar sua causa imediata ou então para saber o resultado de uma causa procurase o efeito imediato Não Hobbes não era ingênuo14 sabia da existência de distintas concepções de mundo repletas de coisas que por definição não poderiam ser submetidas a uma relação de causalidade Como poderia uma filosofia da causalidade explicar um ser ubíquo como Deus15 O mundo vindouro Um mundo de tênues corpos aéreos belzebu fantasmas ninfas ídolos hereges Como se poderiam extrair consequências de coisas infinitas coisas eternas causas últimas coisas vindouras enfim como conhecer racionalmente coisas que somente podem ser conhecidas mediante a divina graça ou revelação Atentese para o fato de Hobbes não negar a existência de tais coisas mas sua racionalidade Oakeshott 1946 p XX É inequívoco que o autor sabia da existência de milagres profecias deuses demônios religiões superstições porém tais coisas eram peculiares à natureza humana e só existiam devido às paixões dos homens Como iluminar o reino das trevas em que vivia a fanática turba insana de seu tempo e demonstrar a supremacia da autoridade temporal e em relação à autoridade espiritual Para responder à indagação insta fazer o homem conhecer a si próprio e a partir daí será mais fácil para Hobbes propor seu projeto político que não salva vidas no Céu mas prolonga a vida não só do 14 Observa Oakeshott que Hobbes não diz que o mundo natural é uma máquina ele diz que somente o mundo racional é análogo a uma máquina Oakeshott 1946 p XX Isto quer dizer que se o mundo é concebido de um ponto vista racional não há espaço para teologia ou qualquer outra área do saber que não se atenha à noção de causalidade A despeito de Hobbes ser influenciado pela escolástica o autor procura secularizar a filosofia separandoa dos interesses da teologia 15 A filosofia concebida por Hobbes como sinônimo de ciência consiste no conhecimento das consequências A razão compreendida como cálculo é a ferramenta mediante a qual se podem somar consequências Todavia tais instrumentos estão longe de nos ensinar alguma coisa não somente sobre a natureza de Deus mas sobre a nossa também Relata Hobbes que a discussão sobre a natureza de Deus é contrária à sua honra pois se supõe que neste reino natural de Deus não existe nenhuma outra maneira de conhecer qualquer coisa sobre a natureza exceto pela razão natural isto é pelos princípios da ciência natural a qual está tão longe de nos ensinar alguma coisa sobre a natureza de Deus como de nos ensinar nossa própria natureza ou natureza do mais ínfimo ser vivo O agnosticismo do autor se revela mais intensamente ao ressaltar que nos atributos que damos a Deus não devemos considerar a verdade filosófica mas a significação da intenção piedosa de lhe prestarmos a maior honra de que somos capazes 1983 p 216 Hobbes parece dizer que os atributos que damos a Deus são produto das paixões humanas e portanto inescrutáveis 63 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco homem natural mas também do homem artifi cial na Terra16 Devese portanto voltar as atenções para a antropologia elaborada por Hobbes para em seguida compreender como deve ser a ordem jurídicopolítica de uma comunidade pro posta pelo autor Outra faculdade com a qual se pode contar é a imaginação que nada mais é portanto senão uma sensação diminuída e encontrase nos homens tal como em muitos seres vivos quer estejam adormecidos quer estejam desper tos 1983 p 11 A imaginação consiste portanto no poder ou capacidade de recordar ou representar na mente sensações de vestígios passados Exprimir o que é evanescente isto é transmitir uma sensação remota antiga chamase me mória Memória e imaginação são a mesma coisa Muita memória ou a memó ria de muitas coisas chamase experiência 1983 p 12 A despeito de sua dependência dos sentidos a imaginação consiste numa faculdade capaz de compor ao mesmo tempo sensações sentidas em momentos diversos portanto podese imaginar o que nunca antes fora visto como quando a partir da visão de um homem em determinado momento e de um cavalo em ou tro momento concebemos em nosso espírito um centauro Reparese que a ima ginação composta pode levar a uma verdadeira fi cção do espírito 1983 p 12 A imaginação de quem quer que esteja dormindo chamase sonho E aí pode ocorrer uma confusão pois é muito difícil estabelecer uma distinção entre sonho e sensação Hobbes por exemplo ao estar acordado sabe que não está dormindo mas quando está dormindo se julga acordado No que me diz respeito acor dado observo muitas vezes o absurdo dos sonhos mas nunca sonho com absurdo dos meus pensamentos despertos contentome com saber que estando desperto não sonho muito embora quando sonho me julgue acordado 1983 p 13 Observese que através do poder da introspecção Hobbes vai instilando no seu leitor uma inquietude uma incerteza quanto à sua capacidade cognitiva quanto às suas crenças O poder da imaginação leva à mente vestígios de sensa ções passadas vestidas sob a forma de experiência que nada mais é do que a memória de muitas coisas quando na verdade tornase difícil saber o que se experimentou ou vivenciou Pode ser um sonho uma ilusão uma visão fantás tica ou até mesmo uma cadeia de sensações diminuídas ou então recordação ou representação de fragmentos na mente de fatos que realmente ocorreram no passado Tal condição humana ou capacidade cognitiva pode traduzirse numa 16 Observa o autor que quanto à salvação geral como ela se deve dar no Reino dos Céus há uma grande dif culdade quanto ao lugar Por um lado enquanto se trata de um reino que é uma situação organizada pelos homens para sua perpétua segurança contra seus inimigos e as necessidades parece que essa salvação devese dar na terra 1983 p 272 64 ELSEVIER Curso de Ciência Política verdadeira ignorância e desta ignorância quanto à distinção entre os sonhos e outras ilusões fortes e a visão e a sensação surgiu no passado a maior parte da religião dos gentios os quais adoravam sátiros faunos ninfas e outros seres semelhantes e nos nossos dias a opinião que a gente grosseira tem das fadas fantasmas e gnomos e do poder das feitiçarias 1983 p 14 Aqui se torna fundamental observar que logo no início do Leviatã Hobbes começa a inculcar o que considera o maior problema da condição natural da hu manidade o medo que deriva da crença nos poderes invisíveis Vale observar que o autor elabora sua antropologia sobretudo com a fi nalidade de conscien tizar os homens de sua condição de miséria cognitiva Tal condição suscita nos homens a crença no ininteligível nos poderes invisíveis o que os conduz a um medo incomensurável Por isso o homem de Hobbes é uma presa fácil para qualquer tipo de charlatanismo sobretudo o praticado por autoridades eclesiás ticas que para o autor não passam de impostores Depois de tornar os homens cônscios de sua fragilidade cognitiva e de suas paixões hedonistas e concupis centes Hobbes poderá enfrentar a sede de poder político das autoridades espiri tuais e provar que para alcançar a paz devese conceder o monopólio da decisão política a uma autoridade temporal Embora Hobbes não mencione o termo secularização é inequívoco como na primeira parte do Leviatã na qual descreve o seu conceito de homem já se poder sentir a força secularizante de suas ideias Ao descrever a sensação a ima ginação e as paixões dos homens o autor entre outros propósitos tem em vista desmistifi car o conhecimento transmitido sobre o homem pelas escolas de fi losofi a das Universidades da Cristandade No fi nal do primeiro capítulo após expor sua teoria sobre as sensações como se viu o poder receptivo dos cinco sentidos através do qual se origina qualquer pensamento ou representação no mundo mental denuncia que as escolas de fi losofi a em todas as Universi dades da cristandade baseadas em certos textos de Aristóteles ensinam outra doutrina 1983 p 10 Acusa as universidades da cristandade de ensinar falsas doutrinas relativas à origem do conhecimento produzido no cérebro humano ou em outras palavras à causa do entendimento dos homens Ao invés de en sinarem que a causa do entendimento ou da faculdade de imaginar reside na pressão dos órgãos dos sentidos produzida por um corpo exterior professam que o corpo exterior possui em si um ser inteligível que nos possibilita enten der Conforme o autor no que se refere à causa do entendimento dizem que a coisa compreendida emite uma species inteligível isto é um ser inteligível o qual entrando no entendimento nos faz entender 1983 p 10 Hobbes sabia melhor que ninguém que a Igreja romana por meio da instituição das primeiras Universidades17 da Europa usou ideias como armas para ampliar seu poder de intervenção nas decisões políticas de governantes temporais Distinções palavras ambíguas palavras destituídas de significado silogismos e dilemas foram forjados através da cristianização de elementos da filosofia pagã para incentivar o medo nos homens através de inúmeras explicações falsas entre elas a que trata da formação do entendimento humano Para Hobbes ensinamentos deturpados falsos presságios retirados de sonhos conceitos ininteligíveis entre outras coisas serviam para que as pessoas com sede de poder se aproveitassem da crença de pessoas simples e promovesse a desobediência civil O Leviatã transmite ao leitor a sensação de uma dura batalha que Hobbes trava do começo ao fim do livro para desbaratar a autoridade de papas bispos pastores arcebispos frades monges enfim qualquer espécie de embusteiro que incentiva o medo e a sedição porque se desaparecesse esse temor supersticioso dos espíritos e com ele os falsos prognósticos tirados dos sonhos as falsas profecias e muitas outras coisas dele decorrentes graças às quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade de gente simples os homens estariam muito mais bem preparados do que agora para obediência civil 1983 p 14 Obstinado Hobbes ao longo de todas as quatro partes do Leviatã procura minar o poder de autoridades tradicionais que se aproveitam da credulidade da grande maioria dos homens para lograr cada vez mais poder Hobbes preocupado em redefinir o papel das Universidades da cristandade no interior do tipo de Estado secular que propõe critica em inúmeras passagens do Leviatã o uso que se fazia das Universidades porém em tom retórico chega a afirmar que não digo isto para criticar o uso das Universidades mas porque devendo mais adiannte falar em seu papel no Estado tenho de mostrar em todas ocasiões que isso vier a propósito que devem nelas ser corrigidas entre as quais temos de incluir a frequência do discurso destituído de significado 1983 p 10 E mais adiante discorre sobre a finalidade precípua do uso que se fazia da Universidade e revela precisamente a relação de sua antropologia com teólogos formados pelas Universidades Relata que a maior parte da humanidade é composta de homens hedonistas e concupiscentes aqueles cuja frivolidade ou preguiça leva 17 Ensina Hobbes que entre o tempo do Imperador Carlos o Grande e Eduardo Terceiro da Inglaterra 13271377 a Igreja romana quis transformar a religião numa arte e desse modo garantir a manutenção de todas as suas ordens através das disputas não somente a partir das Escrituras Sagradas mas também da filosofia de Aristóteles tanto a natural quanto a moral De acordo com o autor foi com esse fim que o papa exortou o dito imperador a erguer escolas de todas as espécies de letras iniciando assim a instituição das Universidades porquanto não tardou que estas se estabelecessem em Paris e Oxford Hobbes 2001 p 49 66 ELSEVIER Curso de Ciência Política a procurar os prazeres sensuais Tais homens afastados da meditação profun da conditio sine qua non para o aprendizado da verdade e consequentemente do conhecimento das ciências e questões relativas à justiça natural são como presas para aves de rapina O resultado é que a maioria dos homens recebe as noções de seus deveres principalmente dos teólogos no púlpito E preocupado com instrução do povo denuncia Hobbes que os teólogos e outros que fazem ostentação de erudição tiram seu conhe cimento das Universidades e das Escolas de leis ou de livros que foram publicados por homens eminentes nessas Escolas e Universidades É portanto manifesto que a instrução do povo depende totalmente de um adequado ensino da juventude nas Universidades Mas podem al guns dizer não são as Universidades da Inglaterra já sufi cientemente eruditas para fazer isso Ou será que quer tentar ensinar as Universida des Perguntas difíceis 1983 p 204 Hobbes responde somente à primeira pergunta e ao fazêlo retrata uma das formas utilizadas pelo poder espiritual para enfrentar o poder secular Re lata o autor que até por volta dos últimos anos do reinado de Henrique VIII o poder do Papa se erguia sempre contra o poder do Estado principalmente atra vés da Universidade e que as doutrinas defendidas por tantos prega dores contra o soberano poder do rei e por tantos legistas e outros que ali tinham recebido sua educação constituem um argumento sufi ciente de que muito embora as Universidades não fossem as autoras daque las falsas doutrinas contudo não souberam semear a verdade Pois no meio de tantas opiniões contraditórias o mais certo é que não tenham sido sufi cientemente instruídas e não é de causar espanto se ainda con servam aquele sutil licor com que primeiro foram temperadas contra a autoridade civil 1983 p 204205 No que foi dito a respeito da Universidade devese esclarecer que embora Hobbes ressalte em sua antropologia a miséria cognitiva e as aversões e desejos sem limites o autor acredita ser possível educar os homens pois o espírito da gente vulgar a menos que esteja marcado por uma dependência em relação aos poderosos ou desvairado com as opiniões de seus doutores é como papel limpo pronto para receber o que quer que seja que a autoridade pública queira nele imprimir 1983 p 201 Portanto de acordo com Hobbes cumpre instruir o povo sobre os direitos essenciais da soberania do Estado o que diminui as chances de rebelião e contribui para a segurança do homem artifi cial e conse quentemente do homem natural Por fim importa dizer que através da introspecção Hobbes quer mostrar aos homens que em razão de sua miséria cognitiva tendência à credulidade nos poderes invisíveis e sua condição sujeita aos apetites e paixões irregulares devese mediante a arte criar um homem artificial cuja força ultrapasse a de muitos homens naturais para garantir sua segurança não apenas contra o inimigo comum mas também contra suas próprias paixões hedonistas e concupiscentes O homem de Hobbes é acima de tudo um ser crente e fanático capaz de se destruir com suas próprias paixões A fim de que o homem não se fira com seus próprios apetites e aversões insta que se constitua um Estado de poder absoluto para a proteção de cada um e de todos os homens Hume concordaria com Hobbes que em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão 1983 p 115 Daí a necessidade de fundar um Estado capaz de controlar as paixões e crenças desse homem cuja condição natural é dominada pelas fantasias de seu mundo mental imaginário 34 O Leviatã e o seu significado simbólico Por que teria o autor do homem artificial escolhido como título de sua obra uma citação ou ilustração carregada de força colossal e de sentido enigmático O que estaria por trás de uma imagem que até hoje suscita dúvidas e dificuldades para melhor compreensão das ideias do autor Carl Schmitt autor do livro The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes Meaning and Failure of a Political Symbol publicado em 1938 na Alemanha realiza minuciosa investigação acerca do significado do símbolo procede a uma verdadeira abordagem mitológica na qual busca decifrar o significado do símbolo político selecionado por Hobbes como título e ilustração da primeira edição inglesa da capa de cobre de sua obra mais conhecida Seria oportuno examinar o significado do símbolo político representado pelo Leviatã seguindo em alguns pontos a abordagem de Carl Schmitt no livro acima mencionado Percorro daqui em diante alguns pontos do trabalho de Schmitt18 pois é um dos raros estudos que não relega à dimensão mítica e re 18 Assim como Hobbes Carl Schmitt também pertence à categoria dos autores malditos Há quem diga que ele é o Thomas Hobbes do século XX que ingressou no Partido Nazista em 1933 com a ambição de tornarse o principal jurista e filósofo político do terceiro Reich Todavia em face do seu passado antinazista seus laços de amizade com judeus e marxistas e seu desprezo pelas teorias racistas Schmitt foi severamente atacado pelo SS em 1936 e advertido a não posar de pensador Nacional Socialista Schwab 1996 p introdução Da mesma forma que Hobbes o autor permaneceu por muito tempo no mais profundo ostracismo Todavia no que respeita à peculiaridade de seu livro sobre o Leviatã destacase que a originalidade do empreendimento de Schmitt reside em ter querido descobrir através de uma investigação da simbologia cristã e judaica e de uma análise textual da obra de Hobbes o significado que tem o símbolo do Leviatã na doutrina do Estado daquele que passou à história com o nome de profeta do Leviatã Bobbio 1991 p 193 ligiosa do Leviatã sem a qual não se compreende o conceito de secularização de Hobbes ao plano do esquecimento Investigar a origem e a maneira como aparece o Leviatã associado à teoria política de Hobbes consiste na finalidade desta parte do capítulo 341 O Leviatã e o seu significado bíblico O uso de símbolos imagens metáforas insígnias brasões entre uma série de outras representações não é novidade nas ilustrações ou citações de teorias políticas 1983 p 5758 Na longa história das teorias políticas uma história excessivamente próspera em imagens e símbolos coloridos ícones e ídolos paradigmas e fantasmas emblemas e alegorias o Leviatã é a mais forte e poderosa imagem Ela fragmenta a estrutura de toda teoria concebível ou constructo Schmitt 1996 p 5 A ideia de um corpus ou da unidade de uma entidade política foi frequentemente representada à guisa de um grande animal ou de um grande homem Platão em A República livro IX ao discorrer através dos diálogos entre Sócrates e Glauco sobre as paixões brutais que acometem os homens e a multidão impedindoos de se orientarem através de leis ou por meio da sabedoria e da razão formula uma imagem Imagem pouco mais ou menos semelhante à daqueles seres de que falam as antigas tradições tais como a Quimera Cila Cérbero afinal toda essa multidão de monstros que a fábula figura compostos de muitas naturezas diferentes Platão 1959 p 402 Antes de se dar cabo à descrição acima citada é relevante frisar como no âmbito das ideias políticas é recorrente o tema das paixões19 que dominando os homens enfraquecem a razão levandoos a disputar entre si o gozo destes prazeres voltam as armas uns contra os outros20 entrebatendose aos murros e coices com unhas e cascos e acabam matandose sem chegarem nunca a saciarse Platão 1959 p 398 19 Platão após narrar as três partes da alma a que correspondem três espécies de prazeres próprios de cada uma uma destas partes é a razão órgão dos conhecimentos humanos a segunda é o apetite irascível a terceira chamola apetite concupiscente pela violência dos desejos que nos impelem a comer e a beber aos prazeres do amor e outros deleites sensuais e também dizemola avarenta porquanto é o dinheiro o meio mais eficaz de satisfazer a todas estas variedades de desejos define o significado de paixão um desejo imoderado de ganho Platão 1959 p 388 Afirmando que a razão não está suficientemente presente para resistir às paixões Hobbes diz que quanto às paixões do ódio da concupiscência da ambição e da cobiça é tão óbvio os crimes que são capazes de produzir Hobbes 1983 p 179 20 Hobbes no capítulo XIII primeira parte do Leviatã ao discorrer sobre a condição natural do homem afirma que se dois homens desejam a mesma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos eles tornamse inimigos E no caminho para seu fim que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite se esforçam por se destruir ou subjugar um ao outro Hobbes 1983 p 75 Prosseguindo na descrição da imagem de Platão21 observase que ela consiste num monstro com várias cabeças umas de animais domesticados outras de bestas feras Depois devese formar a imagem de um leão e de um homem cada qual à parte e com enorme desproporção entre o monstro e o leão entre o leão e o homem Essas três imagens devem estar unidas de maneira que se componham num só todo Por fim deve se envolver esse composto com o exterior de um único ser de um homem por exemplo de sorte que o observador que não possa ver interiormente e tenha de julgar pelo envoltório o tome por uma só entidade por um homem enfim Platão 1959 p 402 A elaboração da referida imagem tem como finalidade responder a Trasimaco sofista e interlocutor de Sócrates no livro I da República Nesse diálogo Trasimaco expõe a doutrina de que a justiça é simplesmente o interesse do mais forte 1959 p 28 A imagem trata de mostrar que a justiça como interesse do mais forte equivaleria a dizer que é vantajoso alimentar com cuidado a esse monstro de muitas cabeças e ao leão fortalecêlos enfraquecendo ao mesmo tempo o homem a ponto de fazêlo morrer de fome de sorte que fique à mercê de outros dois que o arrastarão por força aonde queiram Não equivaleria isto a afirmar que em vez de acostumálos a viver juntos e em perfeito acordo é preferível deixar que estes animais se entrebatam se mordam se devorem uns aos outros Platão 1959 p 403 Percebese que através dos dizeres de Sócrates Platão rechaça a doutrina de Trasimaco pois entende que a justiça como interesse do mais forte é irracional e portanto injusta Quem proclama a injustiça incorre num erro 1959 p 403 Não obstante diz que uma República justa só existe como modelo e se essa existir é certo que somente o sábio ou o filósofo consentirá em governála 1959 p 407 21 Embora Hobbes tenha infligido duras críticas à vá e errônea filosofia dos gregos especialmente a de Aristóteles Hobbes 1983 p 354 na quarta parte do Leviatã intitulada Do Reino das Trevas o autor elogia a geometria e profere Platão que foi o melhor filósofo dos gregos proibiu a entrada de sua escola a todos aqueles que não fossem já de algum modo geômetras Hobbes 1983 p 386 Leo Strauss ao comparar as influências de Platão e Aristóteles na doutrina do autor inglês salienta que Hobbes no final de seu período humanista não tinha nenhuma objeção contra a visão tradicional de seu tempo em que se designava Aristóteles como o filósofo par excelence Não obstante mais tarde Hobbes considera Platão o melhor filósofo da Antiguidade clássica Essa preferência por Platão se justificaria pela razão da sua filosofia ter como ponto de partida ideias ao passo que a de Aristóteles partiria de palavras Platão libertase de soletrar palavras enquanto Aristóteles não consegue libertarse Platão estaria apto a elaborar uma filosofia política por evitar conclusões falaciosas acerca do que é do que foi do que deveria ser Strauss 1936 p 139141 Carl Schmitt analisa sucintamente a imagem traçada por Platão e a reputa como o retrato de uma Commonwealth República representada por um grande homem que poderia ser caracterizada por exemplo por uma multidão movida por emoções irracionais uma criatura de muitas cabeças e muitas cores Schmitt 1996 p 5 O autor alemão considera que como símbolo de entidade política o Leviatã não seria apenas um corpus ou algum tipo de animal mas também uma imagem da Bíblia hebreia vestida durante muitos séculos de um significado místico teológico e cabalístico 1996 p 6 Para o autor o Leviatã teria um sentido mítico de uma imagem secular da batalha 1996 p 5 No Velho Testamento a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó 3 8 A descrição do Leviatã na referida passagem é breve Uma nota explicativa revela uma primeira definição22 do Leviatã monstro que se representa sob a forma de crocodilo segundo a mitologia fenícia Bíblia Sagrada 1957 p 614 Não se deve perder de vista que nas diversas descrições do Leviatã no Velho Testamento ele é caracterizado sob diferentes formas uma vez que se funde com outros animais O Livro de Jó 40 41 aponta a imagem mais impressionante do Leviatã descrevendoo como o maior dos monstros aquáticos No diálogo entre Deus e Jó o primeiro procede a uma série de indagações que revelam as características do monstro tais como ninguém é bastante ousado para provocálo quem o resistiria face a face Quem pôde afrontálo e sair com vida debaixo de toda a extensão do céu Quem lhe abriu os dois batentes da goela em que seus dentes fazem reinar o terror Quando se levanta tremem as ondas do mar as vagas do mar se afastam Se uma espada o toca ela não resiste nem a lança nem a azagaia nem o dardo O ferro para ele é palha o bronze pau podre Ao lado do Leviatã Jó 4010 aparece o Beemot vigoroso e musculoso animal terrestre sua força reside nos rins e seu vigor no músculo do ventre Levanta sua cauda como um ramo de cedro os nervos de suas coxas são entrelaçados seus ossos são tubos de bronze sua estrutura é feita de barras de ferro 22 Segundo outra definição o Leviatã em hebreu liwiiathan animal que se enrosca seria o monstro do caos na mitologia fenícia identificado na Bíblia como um animal aquático ou réptil Dicionário Aurélio1986 Há outro verbete que o descreve como monstro aquático comumente simbolizando o mal no Velho Testamento e na literatura cristã Websters Third New International Dictionary 1986 A origem históricomitológica de tais animais descritos na Bíblia é uma questão um tanto obscura Ambos animais têm sido associados a algumas sagas o Leviatã talvez esteja associado ao Tiamat uma divindade da saga da Babilônia O que interessa no entanto é não se ater às diferentes opiniões a respeito desses animais que aparecem na Bíblia hebreia uma vez que os historiadores e teólogos da Bíblia não os relacionam ao mito político ao qual Hobbes se refere 1996 p 6 Não obstante as diferentes interpretações o Leviatã aparece na Bíblia sob a forma do maior dos animais aquáticos como um crocodilo ou então na forma de um enorme peixe uma baleia O Beemot como animal terrestre representado sob a forma de um hipopótamo23 Interessa nesta parte do trabalho mostrar as interpretações de ordem teológicocristã e judaicocabalística que foram feitas ao longo da História para em seguida mostrar de que forma o mito do Leviatã assume a natureza de um símbolo político de batalha Uma das dificuldades com a qual se depara nas passagens da Bíblia hebreia ocorre em virtude de a imagem do Leviatã se fundir com a de outros animais Sua aparição também se revela sob forma de dragão ou serpente Em Isaías 271 Deus mata o monstro do mar naquele dia o Senhor ferirá com sua espada pesada grande e forte Leviatã o dragão fugaz Leviatã o dragão tortuoso e matará o monstro que está no mar Em todas as passagens investigadas no Velho Testamento o Leviatã aparece como monstro apocalíptico representando as forças do mal Em Salmos 7314 proclamamse as façanhas do Senhor quebrastes as cabeças de dragões Quebrastes as cabeças do Leviatã E as destes como pasto aos monstros do mar Observese que nesta passagem o Leviatã crocodilo ou dragão apresentase como símbolo do Egito vencido por Deus Entendese também o triunfo de Deus sobre os monstros mitológicos Há outra passagem em que se torna patente o tom irascível com que Ezequiel 2936 profetiza as palavras do Senhor contra o Faraó rei do Egito é contra ti Faraó rei do Egito que venho crocodilo monstruoso referência ao Leviatã que estás deitado no meio dos teus Nilos E que tu dizes Meus Nilos são meus sou eu que os fiz Vou pôr freio em tuas mandíbulas em tuas escamas prenderei os peixes do teus Nilos e tirarteei dos teus Nilos com todos os peixes de teus Nilos agarrados a tuas escamas Ezequiel 294 23 Apesar de Schmitt dizer que o Beemot poderia ser um touro ou um elefante 1996 p 6 a Bíblia Sagrada o define como hipopótamo 1957 p 654 72 ELSEVIER Curso de Ciência Política Não só o Leviatã mas também o Beemot eram poderosos símbolos do mundo pagão As antigas civilizações do Egito da Assíria da Babilônia entre outros povos pagãos prestavam culto a ambos animais Não obstante de acordo com as passagens citadas depreendese que as representações hebreias de tais animais revelam profunda hostilidade 1996 p 8 Representavam verdadeiras forças do mal forças do caos O conteúdo caótico apocalíptico e perverso que assumem tais animais segundo Schmitt demonstra a atitude dos judeus perante outros povos Para o autor é nas interpretações judaicocabalísticas caracterizadas pela imanente natureza esotérica que é possível confrontarse com o mito político que adqui rem esses animais 1996 p 8 Na interpretação referida o Leviatã representa os milhares de cabeças de gado espalhadas pelos morros milhares de animais nos meus montes Salmo 4910 que simbolizam os pagãos A história do mundo é apresentada como uma batalha entre pagãos O Leviatã simboli zando os poderes do mar enfrenta o Beemot representando poderes da terra O último tenta dilacerar o Leviatã com seu chifre enquanto o Leviatã cobre a boca e as narinas de Beemot com sua barbatana e o mata 1996 p 9 Essa imagem revela uma terra obstruída À distância judeus assistem aos povos do mundo matandose uns aos outros Considerando justo o ritual de carnifi cina e massacre judeus comem as carnes dos corpos massacrados e delas se alimen tam 1996 p 9 A passagem da Bíblia que poderia ter dado margem a essa interpretação judaicocabalística consiste naquela em que Deus faz referência aos milhares de animais espalhados pelos montes e diz que se tivesse fome não precisava dizerte porque minha é a terra e tudo que ela contém Porven tura preciso comer carne de touros ou beber sangue de cabrito Salmos 49 13 Lembrese que Beemot nos dizeres de Schmitt poderia ser retratado por um touro Em outra interpretação judaicocabalística mencionada pelo autor ale mão Deus para salvar o mundo da maldade e violência do Leviatã corta o Leviatã macho e salga a carne do Leviatã fêmea para proporcionar às pessoas de bem uma festa no paraíso O que importa é que ambos o Leviatã e o Beemot tornamse nessas interpretações judaicas mitos de batalha de grande estilo Da perspectiva dos judeus cada um é uma imagem da vitalidade e fertilidade pagã o grande Pan que os judeus odiavam e os seus sentimentos de superioridade transformaram em monstro 1996 p 9 Nas prósperas interpretações teológicas e históricas o Leviatã também representa uma força maligna Confundese com dragão serpente e pode até simbolizar as várias formas de aparição do diabo24 incluindo o próprio Satã O Beemot e o Leviatã no bojo dessas interpretações aproximamse dos animais apocalípticos Nas sagas e lendas também surgem mitos de batalha contra os dragões os matadores de dragões tais como Siegfried São Miguel e São Jorge podem ter suas origens no Leviatã 1996 p 67 É no início da Idade Média que surgem duas categorias principais de interpretação A primeira seria a da mitologia judaica feita pelos rabinos da cabala Aliás algumas dessas interpretações disponíveis já foram anteriormente expostas A segunda categoria vem da simbologia cristã divulgada pelos padres da Igreja 1996 p 7 Conforme narra Carl Schmitt a interpretação do Leviatã durante a Idade Média foi governada pela teologia até o período da escolástica25 Nessa interpretação o Leviatã se confunde com o diabo O Leviatã grande peixe diabólico teria sido capturado por Deus Por causa da morte de Cristo na cruz o diabo perde a batalha para os homens Enganado pela figura servil de Deus escondida na carne o diabo tenta devorar o homemDeus mas é capturado pela cruz como se esta fosse uma vara de pescar Como doutrina teológica esta concepção remonta a Gregório o Grande Leo o Grande e Gregório de Nyssa Uma ilustração do século XII no livro medieval Hortus Deliciarum do Abade Herrar von Langsberg retrata Deus representado como pescador Cristo na cruz como isca de uma vara de pescar e o Leviatã como peixe enorme que morde a isca 1996 p 78 Embora as interpretações até aqui expostas transformem o Leviatã e o Beemot em monstros apocalípticos figuras demoníacas representantes das forças do mal serpentes ou dragões simbolizando o caos é possível apresentar uma interpretação completamente oposta para o Leviatã de Thomas Hobbes Outros povos viram na serpente ou no dragão um símbolo de proteção e benevolência Ensina Schmitt que o dragão chinês não é o único exemplo Os celtas cultuavam serpentes e dragões Vândalos Lombardos e outras tribos germânicas utilizavam dragões e serpentes como emblemas militares Bandeiras estampando imagens de 24 Hobbes ao comentar as interpretações teológicas de mitos pagãos observa que a doutrina dos diabos não significa as palavras de qualquer diabo e sim a doutrina dos pagãos a respeito dos demônios e aqueles fantasmas que eles adoravam como deuses 1983 p 249 25 Um dos alvos principais do Leviatã de Hobbes é justamente a escolástica definida como a conquista filosófica mais notável da última fase da Idade Média esse sistema seria uma tentativa de harmonizar a razão com a fé ou para fazer a filosofia servir aos interesses da teologia Burns 1948 p 379 Além disso os filósofos da escolástica propugnavam por uma suserania papal da Igreja Foi contra esse caráter universalista da Igreja que Hobbes se insurgiu dragões vibravam nos campos de batalha Desde tempos imemoriais o dragão serviu aos anglosaxões como símbolo da bandeira do exército real No ano de 1066 em Hastings o rei Haroldo após a vitória de Guilherme o Conquistador enviou uma bandeira retratando um dragão ao papa de Roma 1996 p 910 A história das disputas políticas entre povos europeus revela de fato um arraigado sentimento mítico mas o que estaria por trás do Leviatã de Hobbes Schmitt considera que o autor inglês ao escolher o Leviatã como símbolo de sua obra tinha uma posição definitiva Atesta que Leo Strauss num livro em que examina o Tratado PolíticoTeológico de Spinoza publicado em 1930 salienta que Hobbes considerava os judeus como os criadores da destruidora distinção revolucionária do Estado a distinção entre poder secular e poder espiritual 1996 p 10 O Leviatã de Hobbes teria então o sentido mítico da imagem secular de uma batalha contra a distinção entre o poder secular e o espiritual que Schmitt considera uma divisão tipicamente judaicocristã 1996 p 10 Tal distinção era desconhecida pelos pagãos26 a religião para eles era parte da política Todavia se os judeus trouxeram a unidade do lado da religião a sede de poder da Igreja27 papal romana e das Igrejas presbiterianas reforçou a separação do poder espiritual e do poder temporal o que contribuiu amplamente para a destruição do Estado 1996 p 10 O argumento principal de Hobbes no livro Leviatã é o de que a especiosa distinção entre poder secular e poder espiritual leva às guerras civilreligiosas e consequentemente à destruição de um Estado Num Estado não pode haver mais de uma alma soberania aqueles que levantam a supremacia contra a soberania os cânones contra as leis e a autoridade espiritual contra a autoridade civil atuando sobre o espírito dos homens com palavras e distinções que em si nada significam estabelecem dois Estados para os mesmos súditos o que é um reino dividido e não pode durar A insignificante distinção entre temporal e espiritual 1983 p 196 leva os súditos a prestarem obediência a dois soberanos distintos todavia os homens não podem servir a dois senhores Os príncipes devem portanto aliviálos seja tomando completamente em suas mãos as rédeas do governo seja deixandoas nas mãos do Papa 1983 p 336 Em outras palavras ou o poder civil que é poder do Estado está submetido ao poder espiritual situação em que não há nenhuma soberania exceto a espiritual ou o poder espiritual está subordinado ao temporal assim não existe outra supremacia senão a temporal 1983 p 196 O significado desse mito secular de batalha representado sob a figura do Leviatã28 seria o da restauração da unidade original dos povos pagãos Restauração em que o secular e o espiritual constituem a alma de um único poder soberano no qual a religião não fosse estranha à política A luta contra a divisão de um poder indireto espiritual e um poder direto temporal visando a restauração da unidade pagã original seria o significado da teoria política de Hobbes Conforme destaca Carl Schmitt superstição e uso inadequado de crenças alienígenas por parte de espíritos dominados pelo medo e pela ilusão destruíram a unidade original e natural dos pagãos que unia a política e a religião A batalha para superar a divisão papal da Igreja romana entre um Reino das Luzes e o reino Reino das Trevas isto é a restauração da unidade política original é como viu corretamente Leo Strauss o significado atual da teoria política de Hobbes 1996 p 11 Hobbes29 de fato insurgese contra o poder papal da Igreja romana e relata que a oposição dos poderes espiritual e secular destrói o Estado Quando portanto estes dois poderes se opõem um ao outro o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e de dissolução Pois sendo a autoridade civil mais visível e erguendose na luz mais clara da razão natural não pode fazer outra coisa senão atrair a ela em todas épocas uma parte muito considerável do povo e a espiritual muito embora se levante na escuridão das distinções da Escola e das palavras difíceis contudo porque o receio da escuridão e dos espíritos é maior que os outros temores não pode deixar congraçar um partido suficiente para a desordem e muitas vezes para destruição de um Estado 1983 p 1996 O Leviatã seria então um grande símbolo de batalha contra as pretensões de a Igreja intervir na esfera jurídicopolítica dos domínios de soberanos civis ou 28 Bobbio ao fazer referência à interpretação mítica de Carl Schmitt chamou o Leviatã de cavalo de batalha Bobbio 199 p 193 29 Renato Janine na apresentação ao livro Do cidadão escrito por Hobbes e publicado em 1642 ao comentar a terceira parte da obra Leviatã cujo título é Do estado cristão diz que Hobbes procede a uma rigorosa exegese do texto bíblico procurando compreender a definição de cada um de seus conceitoschave Esse empreendimento tem um sentido estratégico o de limitar o poder eclesiástico que prevalece indevidamente sobre o poder político e sobre a vida dos cidadãos valendose da ignorância dos leigos Indagandose contra quem Hobbes constrói o seu poder absoluto assinala o autor que o poder absoluto se constitui em Hobbes antes de mais nada contra as pretensões do clero a influir no poder político Janine 1998 p XXXIII 76 ELSEVIER Curso de Ciência Política cristãos O Leviatã simbolizaria a indivisibilidade da soberania e a luta contra a separação do poder religioso do poder político O signifi cado do Leviatã seria a tentativa de restaurar a unidade pagã que não separava a política da religião E tal interpretação de Carl Schmitt procede uma vez que Hobbes ao se insurgir contra distinção entre o poder espiritual e o poder temporal o que equivale di zer contra a distinção entre religião e política propõe a restauração da unidade pagã Chega mesmo a proclamar que a religião dos gentios fazia parte de sua política Para eliminar a referida distinção que impede que haja um domínio estritamente secular devese restituir a unidade dos gentios em que a política e as leis civis fazem parte da religião não tendo portanto lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual 1983 p 71 Figura 1 342 O Leviatã na obra de Thomas Hobbes Na primeira parte deste capítulo intitulada O Leviatã e seu signifi cado bíbli co tratouse das distintas formas pelas quais aparecem o Leviatã retratado nas passagens da Bíblia hebreia e apresentaramse algumas interpretações extraídas do já mencionado livro The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes Mea ning and Failure of a Political Symbol da autoria de Carl Schmitt A decisão do cita 77 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco do autor de optar em primeiro lugar por uma análise dos diversos signifi cados que assume o mito do Leviatã na Bíblia e nas distintas representações ao longo da história tem uma razão bem defi nida Hobbes ao redigir o livro Leviatã divi deo em quatro partes A primeira trata do Homem a segunda do Estado a ter ceira do Estado Cristão e a quarta do Reino das Trevas Diferentemente do livro Do cidadão sob vários aspectos semelhante ao Leviatã neste último Hobbes procede a uma profunda exegese das Escrituras Sagradas sem correspondên cia no Cidadão Janine 1998 p XXXII Ora se o próprio Hobbes dedica metade de seu livro Leviatã a minuciosa análise das imagens conceitos e distinções re velados nas Sagradas Escrituras não seria de estranhar que um estudioso como Carl Schmitt para melhor compreensão das ideias do autor inglês procurasse trilhar caminho semelhante Aliás o signifi cado do Leviatã como mito secular de batalha contra a destruição do Estado perpetrada pela tradição judaicocristã através da distinção entre o temporal e o espiritual é pertinente e até constatável em uma série de passagens proferidas por Hobbes entre elas algumas a que já se fez alusão na primeira parte deste capítulo De que forma então aparece o Leviatã na obra de Hobbes Em 1651 a gravura na capa de cobre da primeira edição inglesa da obra intitulada Levia tã apresentao de forma completamente diferente das imagens retratadas nas Sagradas Escrituras Na mencionada capa o título Leviatã vem acompanhado dos dizeres do Livro de Jó 4024 non est potestas super terram quae comparatur ei não há nada na terra que se lhe possa comparar logo abaixo o observador deparase com a seguinte imagem um gigante composto de inúmeros anões segurando na mão direita uma espada e na esquerda um bastão pastoral toma conta de uma pacata cidade Sob cada braço o secular bem como o espiritual há uma coluna de cinco desenhos debaixo da espada um castelo uma coroa um canhão em seguida rifl es lanças e bandeiras e fi nalmente uma batalha a essas imagens corresponde abaixo do braço espiritual uma igreja uma mitra raios silogismos e dilemas e fi nalmente um Conselho A investigação ao longo do Leviatã revela que os raios do trovão simbo lizam o poder da excomunhão Na segunda parte da referida obra no capítulo XLII em que trata Do poder eclesiástico Hobbes investe duras críticas contra o poder da excomunhão utilizado pelo clero Considerava tal poder uma verda deira arma política forjada por pretensas autoridades espirituais cujo intuito consistia em usurpar o poder jurisdicional de soberanos temporais De acordo com o autor o nome fulmen excommunicationis isto é o raio da excomunhão teve ori gem numa fantasia do bispo de Roma que foi o primeiro a usála de que era rei dos reis tal como todos os pagãos faziam de Júpiter o rei dos deuses e lhe atribuíram em seus poemas e quadros um raio com o qual subjugou e castigou os gigantes que ousavam negar seu poder 1983 p 303 Não se deve perder de vista que o poder da excomunhão consistia na mais poderosa e sofisticada arma política utilizada pela Igreja nas disputas com líderes temporais pelo governo da ação dos homens Segundo com Hobbes a excomunhão consistia num verdadeiro poder coercitivo por meio do qual a Igreja se desvirtuava de suas funções sagradas sua missão não consiste em governar pelo mando e pela coação mas em ensinar e orientar os homens na salvação no mundo vindouro 1983 p 302 Ao comentar a mencionada gravura da primeira edição do Leviatã de Hobbes Carl Schmitt esclarece que a ilustração representa os meios característicos de usar a autoridade e o poder para empreender disputas de caráter secularespiritual Ela traz em si a fundamental compreensão de que ideias e distinções são armas políticas de fato armas específicas empenhadas pelo poder indireto 1996 p 18 São de suma importância as observações feitas pelo autor alemão uma vez que as cinco figuras retratadas abaixo de cada braço representando o poder secular e o poder espiritual constituem verdadeiro arsenal político de guerra Retratam respectivamente a tensão existente entre o poder das armas propriamente ditas e a autoridade da crença das ideias distinções enfim a tensão existente entre potestas e auctoritas Hobbes via nessa tensão as primícias das guerras civis religiosas30 uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens pois a guerra não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida porquanto a natureza da guerra não consiste na luta real mas na conhecida disposição para tal durante todo o tempo em que não há garantia do contrário 1983 p 76 Na doutrina do Estado de Hobbes não há distinção entre o secular e o espiritual entre potestas e auctoritas daí o autor proclamar que governo temporal e espiritual são apenas duas palavras trazidas ao mundo para levar os homens a se confundirem enganandose quanto ao seu soberano legítimo É certo que os corpos dos fiéis depois da ressurreição não serão apenas espirituais mas eternos porém nesta vida o único governo que existe seja o do Estado seja o da religião é o governo temporal 1983 p 277 30 Hobbes escreveu o Leviatã movido pelo período de guerras civis religiosas que assolavam a Europa no final da mencionada obra relata cheguei ao fim de meu referido discurso sobre o governo civil e eclesiástico ocasionado pelas desordens do tempo presente 1983 p 410 79 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Assim em tom agnóstico infere o autor inglês auctoritas non veritas Nada mais é uma questão de verdade tudo passa a ser um comando Um milagre é o que o comando da autoridade estatal obriga os súditos a acreditar como tal 1996 p 55 O fi lósofo político do Estado chega à referida conclusão por estar profundamente envolvido com as sensíveis questões acerca dos milagres e das crenças Seu agnosticismo o leva a sustentar que se o relato de um milagre é verdade ou mentira nenhum de nós deve aceitar como juiz sua razão ou cons ciência privada mas a razão pública do supremo lugar tenente de Deus E sem dúvida já o escolhemos como juiz se já lhe demos um poder soberano para fazer tudo quanto seja necessário para nossa paz e defesa 1983 p 264 Com efeito se algo deve ser considerado milagre é a razão pública do Estado que decide em detrimento às razões privadas O poder soberano atinge assim seu zênite É o maior representante de Deus na terra 1996 p 55 Retornando à imagem gravada na capa de cobre da primeira edição in glesa do Leviatã observase que o este não aparece como dragão serpente cro codilo ou baleia Ressalta Schmitt que ele não aparece no sentido retratado pelo Livro de Jó mas sob a forma da majestade de um grande homem No Leviatã ora usase magnus homus ora magnus Leviatã O monstro aquático da Bíblia hebreia e o grande homem de Platão são apresentados lado a lado Destaca o autor que em numerosas imagens míticas homem e animal fundemse um no outro e em virtude de apresentarse um grande homem e um grande animal antes de se tornarem um só a aparição mítica tornase plausível 1996 p 19 Seguindo ainda a análise textual de Carl Schmitt notase que o Leviatã é apenas mencionado três vezes Logo no início do livro na introdução Hobbes diz que o Estado ou Civitas é um grande homem de maior estatura e força do que o natural um grande Leviatã um autômato ou máquina 1983 p 5 O au tor alemão diz que o magnus ille Leviathan o grande e famoso Leviatã é introdu zido sem maiores explicações e de imediato caracterizado como grande homem e grande máquina Há portanto três imagens um grande homem um grande animal e uma grande máquina forjados pela arte pelo engenho humano 1996 p 19 A segunda vez em que Hobbes se refere ao Leviatã é na segunda parte do livro capítulo XVII intitulada Do Estado É justamente aí que o autor inglês constrói a sua teoria do Estado Antes porém de se proceder à análise textual da segunda aparição do Leviatã considerase necessária uma breve digressão No capítulo XIII do Leviatã Hobbes descreve a natureza humana e revela as três causas principais da discórdia a competição a desconfi ança e a glória Tais características da condição humana levam os homens a tirar um enorme desprazer da companhia uns dos outros quando não existe nenhum poder ca 80 ELSEVIER Curso de Ciência Política paz de mantêlos em respeito1983 p 75 Cabe ressaltar que neste capítulo ao descrever a natureza dos homens o autor examina as paixões de forma absolu tamente realista e portanto distinta do pensamento prémoderno Assim ela bora uma verdadeira antropologia política do homem sem exaltar a virtude a prudência ou a coragem O autor desvinculado do método silogísticodedutivo da geometria que tanto exalta e aplica na construção de sua teoria do Estado ao longo do livro determina sua premissa seu ponto de partida o medo o medo da morte pois tal paixão faz os homens tenderem para a paz A paixão com que se pode contar é o medo o qual pode ter dois objetos extremamente gerais um é o poder dos espíritos invisíveis e outro é poder dos homens que dessa maneira se pode ofender 1983 p 84 O medo seria então o que levaria ao pacto conditio sine qua non para um corpus uma unidade política De todas as paixões a que menos faz os homens a tender a violar as leis é o medo 1983 p 179 Voltando então à segunda parte do livro capítulo XVII no qual o Leviatã é mencionado pela segunda vez como se disse é nesta parte do livro que Hob bes constrói a sua teoria Estado Diante da necessidade de segurança um homem ou uma assembleia de homens é designada como representantes de suas pessoas considerandose e reconhecen dose cada um como autor de todos os atos que aquele que representa suas pessoas praticar ou levar a praticar em tudo que disser respeito à paz e segurança comuns todos submetendo assim à vontade do repre sentante e suas decisões à sua decisão Isto é mais do que um consen timento ou concórdia é uma verdadeira unidade de todos eles numa só e mesma pessoa realizada por um pacto de cada homem com todos os outros 1983 p 105 Percebese que a forma através da qual Hobbes forja seu conceito de sobera nia absoluta é inequívoca Para instituir um poder comum devese outorgar toda força a um homem de preferência a uma assembleia de homens de modo que di versas vontades sejam reduzidas a uma só vontade O indivíduo ou a corporação elevam a todos que participaram do pacto à categoria de uma pessoa unifi cada que se denomina Estado Ganha vida o ente estatal Nos dizeres de Hobbes é esta a geração daquele grande Leviatã ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus Mortal ao qual devemos abaixo do Deus Imortal nossa paz e defesa Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado élhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles no sentido da paz em seu próprio país e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros 1983 p 106 81 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco Ao lado do grande homem do grande animal e da grande máquina surge a quarta imagem o Deus mortal Atingese uma totalidade mítica composta por Deus homem animal e máquina 1996 p 19 No capítulo XXVIII Hobbes men ciona o Leviatã pela terceira e última vez Desta vez no entanto o autor fornece a explicação tal como a da imagem da Bíblia Sagrada O capítulo acima referido trata das penas e das recompensas Não é por acaso que o Leviatã é mencionado nesse contexto uma vez que penas e recompensas são o que Hobbes considera necessário para infl uenciar os homens sobretudo para curvar a arrogância e outras paixões 1996 p 20 O soberano possuidor do poder absoluto e não o Estado como um todo ou como uma unidade política em razão de seu grande poder governante é comparado ao Leviatã Atesta Hobbes comparei o poder do governante com o Leviatã tirando essa compa ração dos dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó onde Deus após ter estabelecido o grande poder do Leviatã lhe chamou Rei dos Sober bos Não há nada na Terra disse ele que se lhe possa comparar Ele é feito de maneira a nunca ter medo Ele vê todas as coisas abaixo dele e é o Rei de todos os fi lhos da Soberba 1983 p 191 Hobbes preocupado em alertar os homens para os perigos que poderiam advir dos milagres e das crenças perscrutou a crença nos fantasmas a ignorân cia das causas segundas a devoção pelo que se teme e a aceitação de coisas aci dentais como prognósticos enfi m investigou a semente natural da religião 1983 p 67 É provável que em razão de tal interesse duas das quatro partes que compõem o livro Leviatã consistam em minucioso estudo crítico das Sagra das Escrituras Hobbes tornouse o primeiro e mais ousado crítico com relação a todas as formas de crença em milagres fossem de natureza bíblicocristã ou de qualquer outra religião Para Schmitt sua crítica era completamente ilumina da e ao propôla ele aparece como o verdadeiro inaugurador do século XVIII 1996 p 54 O impacto do Leviatã devese às rupturas perpetradas por esse grande símbolo de batalha Embora infl uenciado por Tucídides Platão e Aristóteles entre outros Hobbes rompe com o pensamento prémoderno uma vez que re futa as concepções desses autores e de outros fi lósofos pagãos despreza os pen sadores romanos como Cícero ridiculariza os fi lósofos da escolástica enfrenta a sede de poder da Igreja papal romana e das Igrejas presbiterianas enfi m seu mito secular de batalha inaugura o pensamento moderno Ao se insurgir contra a distinção entre o poder secular e o poder espiritual Hobbes está na verdade secularizando o Estado uma vez que é a autoridade soberana estatal que detém o monopólio da razão pública ou seja o poder de determinar a fé ofi cial do rei 82 ELSEVIER Curso de Ciência Política no e portanto a crença dos súditos pelo menos no âmbito do foro externo pois reconhece a liberdade de crença no foro íntimo Hobbes ao submeter a autoridade do poder espiritual ao poder temporal do soberano chega à noção auctoritas non veritas facit legem Passa a não existir a verdade existindo pois o comando de um poder soberano estatal que tem o monopólio acerca das crenças de seus súditos e portanto da decisão políti ca Isto caracteriza uma verdadeira religião civil cujo representante é um Deus mortal O Leviatã não só inaugura uma antropologia política do homem o positi vismo jurídico mas também uma teologia política O fundamento do Estado de Hobbes é extraído da natureza humana cujo traço mais notável é sua tendência ao medo dos poderes invisíveis o que é defi nido pelo autor como religião Ao propor a restauração da original unidade pagã entre religião e política que serve tanto gentios quanto para cristãos Hobbes apresenta o báculo na mão es querda de seu Deus mortal pois sabe que somente com a espada na mão direita o Leviatã poderá rapidamente ser devorado pelo Beemot 35 Conclusão A resposta de Hobbes à guerra civil religiosa foi a secularização de um domínio estritamente político independente de juízos morais leis naturais ou interesses de representantes dos poderes espirituais Todavia não se deve per der de vista que esse domínio secular é extraído da interpretação das Escrituras Sagradas É justamente a hermenêutica do Novo e do Velho Testamento que permite estabelecer uma desconexão da moral teologizante que ocultava os con ceitos seculares e lhes conferir um sentido político permitindo a elaboração de uma teoria do Estado Não é por acaso que o autor chama o soberano intramun dano de Deus mortal ou diz que a soberania é a alma artifi cial do Estado São inúmeras as passagens do Leviatã em que se torna inequívoca a analogia que há entre a estrutura semântica de conceitos teológicos e conceitos políticos ou jurídicos como ocorre a título de exemplo entre as noções de crime e peca do foro externo e foro interno confi ssão e fé direito e moral código jurídico e Bíblia O conceito político de soberania absoluta de Hobbes é um conceito teo lógico secularizado revelando uma afi nidade estrutural entre os conceitos do reino espiritual e do temporal Demonstrando que o signifi cado do conceito de secularização no Leviatã pode ser pensado como a conversão de um Deus Todo poderoso na fi gura de um soberano intramundano onipotente cujas mãos detêm o bastão espiritual do controle da manifestação externa das crenças e o poder coercitivo da espada Hobbes não deixa de restaurar um princípio pagão no qual os gentios não separavam a religião da política pois a união dos poderes invisí 83 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco veis aos poderes visíveis garantia a estabilidade e previsibilidade dos governos de domínios temporais A construção de um Estado neutro acima de qualquer partido político ou seitas religiosas levou ao positivismo jurídico No seu conceito de lei formal não importa o conteúdo isto é o valor da lei Exige que a lei seja proveniente de autoridade competente dotada de poder coercitivo O direito assim como a religião não passa de um instrumento a serviço de quem tem o poder fático de mando A teoria política de Hobbes provavelmente é incômoda pois alerta para o caráter arbitrário do poder de mando que homens exercem sobre homens Aliás o traço arbitrário e realista do poder não guarda nenhuma relação com as leis naturais ou morais com conhecimento tirado das verdades de Deus dos ditames da razão e da sapiência de juízes Ao secularizar o Estado Hobbes des cortina o caráter arbitrário das relações de poder que os homens travam entre si sejam eles papas príncipes ou aiatolás Assim ao distinguir consciência interior de ação exterior moral de direito procura eliminar os confl itos violentos que ocorriam no interior de um Estado sem poder comum sufi cientemente forte para manter a paz Ao transformar o Leviatã em arma política voltada para a seculari zação do Estado Hobbes busca a salvação dos homens neste mundo no interior de um corpo político Assim o Estado passa a representar uma mútua relação de proteção e obediência Hobbes 1983 p 410 necessária à condição existen cial da natureza humana Se fora do Estado o homem é lobo do homem no seu interior adquire status de cidadão e o homem é um deus para o homem Hobbes 1998 p 3 36 Perguntas para reflexão 1 Qual seria segundo Thomas Hobbes a relação entre a limitação cogniti va dos homens e o surgimento das religiões 2 Aponte três características subjacentes à máxima Auctoritas non veritas fa cit legem é a autoridade e não a verdade quem faz as leis 3 Thomas Hobbes aduz duas soluções a fim de dar cabo à especiosa distinção entre o espiritual e o temporal que leva à ruína do Estado Indiqueas 4 Por que o monopólio da decisão política tira partido da religião isto é da tendência do gênero humano à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis 5 Explique o conceito antropológico introduzido por Hobbes sem deixar de aludir à miséria cognitiva dos homens 84 ELSEVIER Curso de Ciência Política 6 O que se entende pela restauração da unidade original dos povos pagãos e qual sua relação com o Leviatã de Hobbes 7 No Leviatã de Hobbes a palavra Leviatã aparece três vezes sob quatro formas compondo uma unidade mítica Deushomemanimalmáquina Mencione o sentido que Hobbes teria atribuído a cada um dos elementos da referida composição mítica 8 Por que seria possível interpretar o conceito político de soberania abso luta do Leviatã ou Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil título completo do Leviatã de Hobbes como um conceito teológico secularizado 9 Por que o Estado de Hobbes passa a representar uma mútua relação de proteção e obediência 10 Por que se poderia afirmar que Hobbes é o precursor do positivismo jurí dico Bibliografia BÍBLIA SAGRADA São Paulo Ed Claretiana 1957 BOBBIO Norberto Thomas Hobbes Rio de Janeiro Campus 1991 et al Dicionário de Política Brasília Ed Universidade de Brasí lia 1994 v 1 e 2 BURNS Edward McNall História da Civilização Ocidental Porto Alegre Glo bo 1948 COHN Gabriel Introdução In Max Weber Sociologia São Paulo Ática 1982 HOBBES Thomas Behemoth ou o longo parlamento Belo Horizonte Ed UFMG 2001 Diálogo entre um fi lósofo e um jurista São Paulo Ed Landy 2001 Do cidadão São Paulo Martins Fontes 1998 Leviatã ou matéria forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil São Paulo Abril Cultural 1983 Libertad y necesidad y otros escritos Barcelona Ediciones Penín sula 1991 Behemoth or the long Parliament Chicago The University of Chicago Press 1990 Leviathan Londres Penguin Group 1985 85 Capítulo 3 A teologia política de Hobbes Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco A dialogue between a philosofer and a student of the Commom Laws of England Chicago The 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filosofo é frequentemente associado ao realismo político que coloca a eficácia e o sucesso acima da moralidade convencional Ele argumenta que um governante eficaz deve estar disposto a agir de maneira considerada viciosa se isso for necessário para alcançar seus objetivos Maquiavel dá exemplos de ações que podem ser consideradas viciosas mas que podem ser necessárias para manter o poder Isso pode incluir enganar manipular ou até mesmo usar a força de maneira cruel Essas ações podem ser vistas como virtuosas no sentido de que ajudam a manter a estabilidade e a ordem Ele também separa a moralidade do indivíduo da moralidade do Estado Ele argumenta que o que pode ser considerado imoral ou vicioso para um indivíduo pode ser necessário e portanto virtuoso para um governante Essa abordagem foi tanto criticada quanto influente Alguns veem Maquiavel como cínico ou imoral enquanto outros o veem como um realista perspicaz que reconhece as complexidades e desafios do governo Em resumo a expressão há vícios que são virtudes no contexto maquiaveliano reflete a ideia de que ações que podem ser consideradas imorais ou viciosas em um contexto convencional podem ser virtuosas se contribuírem para a estabilidade ordem e sucesso de um governante É uma abordagem pragmática e realista que coloca as demandas do Estado acima das noções convencionais de bem e mal 2 Maquiavel é frequentemente considerado um pensador revolucionário em relação à sua abordagem da política e do poder Sua relação com os pensadores da Antiguidade é complexa apresentando tanto continuidades quanto rupturas Continuidades 1 Influência dos Clássicos Maquiavel foi profundamente influenciado pelos pensadores clássicos como Platão Aristóteles Cícero e os historiadores gregos e romanos Ele frequentemente se referia a exemplos históricos da Antiguidade em suas obras 2 Valorização da República Assim como muitos pensadores antigos Maquiavel valorizava a forma republicana de governo Em sua obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio ele analisa a República Romana e seus princípios 3 Virtude Cívica A ideia de virtude cívica é um tema comum tanto na Antiguidade quanto em Maquiavel Embora ele redefina o termo virtù para se referir à habilidade de um governante em manter o poder ainda existe uma ênfase na importância da virtude cívica para a estabilidade do Estado Rupturas 1 Moralidade e Ética A maior ruptura entre Maquiavel e os pensadores antigos reside em sua abordagem da moralidade e ética na política Enquanto os filósofos antigos como Platão e Aristóteles buscavam um ideal moral elevado para os governantes Maquiavel era mais pragmático e estava disposto a justificar meios imorais para fins políticos 2 Realismo Político Maquiavel introduziu uma forma de realismo político que estava em contraste com os ideais filosóficos da Antiguidade Ele focava no que era eficaz em vez de no que era moralmente correto 3 Separação da Política e da Moralidade Enquanto os pensadores antigos viam a política como uma extensão da moralidade e da ética Maquiavel fez uma clara distinção entre a moralidade do governante e a eficácia do governo Ele argumentou que um governante eficaz pode precisar agir de maneira que seria considerada imoral em um contexto privado 4 Foco no Poder A ênfase de Maquiavel no poder e na manutenção do poder era uma ruptura clara com os ideais filosóficos da Antiguidade que frequentemente enfocavam a justiça a virtude e o bem comum Em resumo enquanto Maquiavel foi influenciado pelos pensadores da Antiguidade e compartilhou algumas de suas preocupações e temas ele também introduziu rupturas significativas especialmente em sua abordagem pragmática e realista da política Sua disposição em separar a política da moralidade convencional e sua ênfase no poder e na eficácia marcaram uma mudança significativa no pensamento político 3 O conceito de fortuna tem uma longa e complexa trajetória na história do pensamento desde a Antiguidade até o pensamento de Maquiavel Na mitologia romana Fortuna era a deusa do destino e da sorte representando a aleatoriedade e a incerteza da vida Ela era frequentemente retratada com uma roda simbolizando a natureza mutável da sorte Os filósofos gregos como os estoicos também abordaram o conceito de fortuna enfatizando a aceitação do destino e a importância da virtude e do caráter na resposta às vicissitudes da vida Nos primeiros séculos do Cristianismo o conceito de fortuna foi incorporado à teologia com a ideia de Providência Divina substituindo a aleatoriedade do destino Durante a Idade Média o conceito de fortuna foi popularizado em obras literárias como A Divina Comédia de Dante onde a fortuna é descrita como uma força divina que governa a terra A teologia medieval continuou a enfatizar a Providência Divina mas também reconheceu a existência de eventos aleatórios e imprevisíveis na vida humana Maquiavel reintroduziu o conceito de fortuna como uma força impessoal e imprevisível que pode afetar a política e a vida do governante Ele se afastou da visão teológica vendo a fortuna como algo que pode ser manipulado e controlado até certo ponto Em O Príncipe Maquiavel explora a relação entre virtù habilidade força caráter e fortuna Ele argumenta que embora a fortuna seja imprevisível um governante habilidoso pode influenciála através de ações decisivas e corajosas Maquiavel vê a fortuna não como algo puramente aleatório mas como uma força que pode ser entendida e em certa medida controlada Ele enfatiza a necessidade de adaptarse às mudanças e de estar preparado para a imprevisibilidade da fortuna A trajetória do conceito de fortuna reflete mudanças na compreensão do destino da sorte e do controle humano sobre a vida Desde a personificação como uma deusa na Antiguidade passando pela Providência Divina na Idade Média até a visão pragmática e realista de Maquiavel o conceito de fortuna evoluiu para representar as complexidades e incertezas da existência humana Maquiavel em particular ofereceu uma abordagem inovadora vendo a fortuna como uma força que embora imprevisível não está totalmente fora do controle humano 4 O conceito de virtù no pensamento de Niccolò Maquiavel é um dos aspectos mais distintos e debatidos de sua filosofia política Diferente da compreensão tradicional de virtude que está associada à moralidade e à ética a virtù de Maquiavel tem um significado mais complexo e multifacetado Habilidade e Força Virtù em Maquiavel referese à habilidade força e destreza de um governante em alcançar seus objetivos Não está necessariamente ligada à moralidade ou à justiça mas à eficácia e ao sucesso Adaptação e Controle A virtù também envolve a capacidade de um governante de se adaptar às circunstâncias e de exercer controle sobre a fortuna sorte ou destino Maquiavel argumenta que um governante habilidoso pode influenciar ou até controlar a fortuna através de ações decisivas e corajosas Realismo Político A virtù reflete o realismo político de Maquiavel onde o que é eficaz é mais importante do que o que é moralmente correto Um governante virtuoso nesse sentido é aquele que faz o que é necessário para manter o poder e a estabilidade mesmo que isso envolva ações consideradas imorais Relação com o Povo A virtù também envolve a habilidade de um governante de manter o apoio do povo e de governar de maneira que atenda aos interesses do Estado Isso pode incluir a habilidade de inspirar lealdade de manipular percepções e de usar tanto a força quanto a persuasão de maneira eficaz Ambiguidade Moral A virtù em Maquiavel não é nem intrinsecamente boa nem má É uma qualidade neutra que pode ser usada tanto para fins nobres quanto para fins egoístas O que importa é como ela é aplicada e os resultados que alcança O conceito de virtù em Maquiavel representa uma ruptura significativa com as noções tradicionais de virtude focando na habilidade força e eficácia em vez da moralidade e ética É um conceito central em sua filosofia política refletindo sua abordagem pragmática e realista do poder e do governo A virtù é vista como uma qualidade essencial para um governante bem sucedido permitindolhe navegar pelas complexidades e incertezas da política e alcançar seus objetivos independentemente dos meios utilizados 5 O realismo político é uma abordagem que enfatiza a análise pragmática e objetiva do poder e das relações internacionais No pensamento de Niccolò Maquiavel essa noção é central e pode ser analisada através de várias dimensões 1 Foco no Poder Maquiavel é frequentemente citado como o pai do realismo político devido ao seu foco implacável no poder Ele vê o poder não como um meio para um fim moral mas como um fim em si mesmo O objetivo principal de um governante é adquirir e manter o poder e todas as ações devem ser avaliadas com base em sua eficácia em alcançar esse objetivo 2 Separação da Moralidade e Política Uma das características mais distintas do realismo político de Maquiavel é a separação clara entre moralidade e política Ele argumenta que um governante eficaz pode precisar agir de maneira que seria considerada imoral em um contexto privado A ética da política é distinta da ética pessoal e o que é moralmente repreensível pode ser politicamente necessário 3 Pragmatismo Maquiavel enfatiza a necessidade de pragmatismo e flexibilidade na política Um governante deve estar preparado para mudar de curso e adaptarse às circunstâncias sem ser limitado por ideais ou princípios rígidos O sucesso político requer uma compreensão realista das condições e uma disposição para fazer o que for necessário para alcançar os objetivos 4 Análise das Relações Humanas O realismo político de Maquiavel também se baseia em uma compreensão cínica mas perspicaz da natureza humana Ele reconhece que as pessoas são muitas vezes motivadas pelo interesse próprio e que um governante deve entender e manipular essas motivações para governar eficazmente 5 Virtù e Fortuna Como mencionado anteriormente Maquiavel introduz os conceitos de virtù habilidade força e fortuna sorte destino para explicar o sucesso e o fracasso políticos A virtù permite que um governante influencie a fortuna mas a fortuna também pode ser imprevisível e incontrolável Essa interação entre habilidade e acaso reflete a complexidade e a incerteza da política real O pensamento de Maquiavel representa uma ruptura radical com as abordagens idealistas da política introduzindo uma forma de realismo que continua a ser influente até hoje Sua análise fria e objetiva do poder sua disposição em separar a política da moralidade e seu foco no pragmatismo e na eficácia marcaram uma mudança fundamental na compreensão da política O realismo político de Maquiavel é uma abordagem que reconhece a complexidade a ambiguidade e a dureza da política e que vê o sucesso político em termos de habilidade adaptação e controle em vez de moralidade ou ideais elevados 6 O pensamento maquiaveliano especialmente como expresso em sua obra mais famosa O Príncipe causou um grande choque com a doutrina da Igreja durante o período renascentista Várias razões contribuíram para esse conflito 1 Separação da Moralidade e Política Maquiavel é notório por sua abordagem pragmática e realista do poder onde a eficácia é valorizada acima da moralidade Ele argumenta que um governante pode precisar agir de maneira imoral para alcançar e manter o poder Essa separação entre moralidade e política estava em desacordo direto com a doutrina da Igreja que enfatizava a ética e a virtude na conduta pública e privada 2 Visão Cínica da Natureza Humana A compreensão de Maquiavel da natureza humana era cínica e baseada no interesse próprio Ele via as pessoas como motivadas principalmente pelo medo e pelo ganho pessoal em contraste com a visão cristã da humanidade como fundamentalmente boa ou capaz de redenção 3 Rejeição da Providência Divina Enquanto a doutrina da Igreja via a Providência Divina como governando os assuntos humanos Maquiavel enfatizava o papel da virtù habilidade força e da fortuna sorte destino na política Ele via o sucesso e o fracasso políticos como largamente nas mãos dos indivíduos e não como parte de um plano divino Essa rejeição da Providência estava em desacordo com os ensinamentos fundamentais da Igreja 4 Foco no Estado Secular Maquiavel estava interessado no sucesso do Estado secular e na eficácia do governante independentemente de considerações religiosas Ele via a religião principalmente como uma ferramenta que poderia ser usada pelo governante para manter o controle e a ordem Essa instrumentalização da religião era profundamente ofensiva para a Igreja que via a fé como um fim em si mesma 5 Desafio à Autoridade da Igreja Durante o Renascimento a Igreja era uma poderosa instituição política e a visão de Maquiavel sobre o poder e a autoridade poderia ser vista como um desafio direto à autoridade da Igreja Sua ênfase no poder secular e na autonomia do governante era uma ameaça à influência da Igreja na política O choque entre o pensamento maquiaveliano e a doutrina da Igreja no cenário renascentista foi profundo e multifacetado A abordagem pragmática e secular de Maquiavel à política sua disposição em separar a moralidade da política sua visão cínica da natureza humana e sua rejeição da Providência Divina estavam em desacordo direto com os ensinamentos e a autoridade da Igreja Esse conflito reflete as tensões mais amplas da época incluindo o surgimento do Estadonação e o desafio ao domínio da Igreja sobre a vida política e intelectual 7 Niccolò Maquiavel é frequentemente considerado um autor renascentista típico e essa classificação se baseia em várias características de seu pensamento e escrita que refletem os temas e valores centrais do Renascimento Podemos atribuir como algumas das razões 1 Humanismo e Foco no Indivíduo O Renascimento foi marcado por um renovado interesse na natureza humana na individualidade e no potencial humano Maquiavel reflete essa ênfase em seu foco no governante individual suas habilidades decisões e ações em vez de atribuir o sucesso ou fracasso político à vontade divina ou ao destino 2 Racionalismo e Empirismo Maquiavel baseou suas teorias na observação e análise cuidadosa da realidade política de sua época Ele estudou a história e os eventos contemporâneos para desenvolver princípios políticos universais Esse enfoque empírico e racionalista estava em sintonia com o espírito científico e investigativo do Renascimento 3 Secularismo O Renascimento viu uma mudança do foco teocêntrico da Idade Média para uma abordagem mais secular e centrada no mundo Maquiavel personifica essa mudança em sua ênfase no poder e sucesso terrenos em vez de considerações espirituais ou religiosas 4 Reavaliação dos Valores Clássicos O Renascimento foi uma época de redescoberta e reavaliação dos textos e valores clássicos da Grécia e Roma antigas Maquiavel foi profundamente influenciado pelos autores clássicos e incorporou muitos de seus conceitos como a virtù em seu pensamento 5 Pragmatismo e Realismo O pensamento de Maquiavel é notável por seu pragmatismo e realismo Ele estava interessado no que funcionava na prática não no que deveria ser em teoria Essa abordagem pragmática reflete a ênfase renascentista na experiência na experimentação e na eficácia 6 Política como Arte Maquiavel tratou a política como uma arte que poderia ser estudada aprendida e dominada Ele viu o governante como um artista que molda seu estado Essa visão da política como uma forma de arte estava em sintonia com a valorização renascentista das artes e das habilidades humanas 7 Desafio às Autoridades Estabelecidas O Renascimento foi uma época de questionamento e desafio às autoridades estabelecidas incluindo a Igreja Maquiavel em sua rejeição da moralidade tradicional na política e em sua ênfase no poder secular estava em linha com esse espírito de independência intelectual Maquiavel encapsula muitos dos temas e valores centrais do Renascimento em seu pensamento e escrita Seu foco no indivíduo sua abordagem empírica e racionalista seu secularismo sua reavaliação dos valores clássicos seu pragmatismo e realismo e seu desafio às autoridades estabelecidas fazem dele um autor renascentista típico Seu trabalho continua a ser uma expressão duradoura do espírito inovador e inquisitivo da época 8 A História desempenha um papel fundamental no pensamento de Niccolò Maquiavel influenciando sua metodologia suas ideias e sua abordagem à política Para Maquiavel a História não era apenas um registro de eventos passados mas uma fonte rica de lições práticas para o presente Ele estudou a História para entender os princípios universais que governam o comportamento humano e a política Em obras como O Príncipe ele frequentemente recorre a exemplos históricos para ilustrar seus pontos e fornecer orientação concreta para os governantes A abordagem de Maquiavel à História era empírica e baseada na observação Ele analisou cuidadosamente os eventos históricos para extrair padrões e princípios que pudessem ser aplicados em diferentes contextos Essa metodologia empírica reflete o espírito científico e racionalista do Renascimento e distingue Maquiavel de muitos pensadores anteriores que se baseavam mais na teoria e na especulação Maquiavel foi profundamente influenciado pelos autores clássicos da Grécia e Roma antigas e ele viu a História como uma forma de se conectar com essa tradição intelectual Ele admirava os estados e líderes da antiguidade e buscava aplicar suas lições à política de sua própria época A História para Maquiavel era um instrumento poderoso de análise política Ele a usava para entender as dinâmicas do poder a natureza da liderança e os fatores que contribuem para o sucesso ou fracasso político A História fornecia a ele um laboratório para estudar essas questões em detalhes Ao mesmo tempo Maquiavel rejeitava uma visão determinística da História Ele não via a História como governada por um destino imutável ou pela Providência Divina Em vez disso ele enfatizava o papel da virtù habilidade força e da fortuna sorte destino na determinação dos eventos históricos Essa visão dava aos indivíduos e aos governantes um papel ativo na formação de seu próprio destino Maquiavel também via a História como uma forma de arte Em sua obra Histórias de Florença ele não apenas registra eventos mas os interpreta e os molda em uma narrativa coerente e envolvente Ele usa a História para explorar temas humanos universais e para refletir sobre a condição humana A História ocupa um lugar central no pensamento de Maquiavel servindo como fonte de lições práticas como metodologia empírica como conexão com a tradição clássica como instrumento de análise política e como forma de arte Ele usa a História para entender o mundo e para fornecer orientação prática e sua abordagem à História reflete sua abordagem inovadora e realista à política A História para Maquiavel não é um mero registro do passado mas uma ferramenta viva e vital para entender e navegar no presente 9 A noção de natureza humana é fundamental no pensamento político de Niccolò Maquiavel e permeia sua abordagem à política e ao governo Maquiavel tinha uma visão bastante cínica e realista da natureza humana Ele via as pessoas como motivadas principalmente por interesses próprios ambição desejo de poder e medo Essa compreensão informou sua abordagem à política onde ele acreditava que um governante eficaz deveria reconhecer e aproveitar essas motivações humanas básicas Com base em sua compreensão da natureza humana Maquiavel argumentou que o medo e o respeito eram ferramentas poderosas nas mãos de um governante Ele acreditava que as pessoas eram mais propensas a obedecer por medo de punição do que por amor ou lealdade No entanto ele também enfatizou que o medo não deveria se transformar em ódio pois isso poderia ser perigoso para o governante Maquiavel via a natureza humana como algo que poderia ser manipulado e controlado por um governante habilidoso Ele acreditava que um governante deveria ser capaz de adaptarse e responder às mudanças nas circunstâncias e ao comportamento humano Isso incluía a disposição de agir de maneira imoral ou não convencional quando necessário Maquiavel introduziu os conceitos de virtù habilidade força e fortuna sorte destino para explicar o sucesso e o fracasso na política Ele via a virtù como a habilidade de um governante de moldar e responder à fortuna Essa habilidade dependia de uma compreensão profunda da natureza humana e da capacidade de usála a seu favor A visão de Maquiavel da natureza humana era profundamente pragmática e realista Ele não estava interessado em ideais utópicos ou em como as pessoas deveriam ser mas em como elas realmente eram Essa abordagem realista informou sua ênfase na eficácia e no sucesso político em vez da moralidade ou da ética A compreensão de Maquiavel da natureza humana tinha implicações profundas para a liderança e o governo Ele acreditava que um governante eficaz deveria ser astuto adaptável e às vezes impiedoso A liderança para Maquiavel era uma arte que exigia uma compreensão profunda da psicologia humana A noção de natureza humana em Maquiavel é complexa e multifacetada Ele via as pessoas como fundamentalmente motivadas pelo interesse próprio pelo medo e pela ambição e acreditava que essas motivações poderiam ser usadas e manipuladas por um governante habilidoso Sua abordagem à natureza humana era profundamente pragmática e realista e informava sua visão da política como uma arte de manipulação controle e adaptação A natureza humana para Maquiavel não era algo fixo ou idealizado mas uma força viva e dinâmica que estava no coração da política e do governo 10 Na visão maquiaveliana expressa em sua obra O Príncipe a questão de ser temido em vez de amado é uma consideração prática e realista sobre o que mantém o poder e a ordem em um Estado Maquiavel argumenta que é mais seguro para o príncipe ser temido do que amado e aqui estão as razões para essa afirmação 1 Inconstância do Amor Maquiavel acredita que o amor é volátil e inconstante As pessoas podem amar um governante quando as coisas estão indo bem mas esse amor pode rapidamente se transformar em ressentimento ou indiferença se as circunstâncias mudarem O amor depende das boas vontades das pessoas que podem ser facilmente alteradas 2 O Medo é uma Emoção Mais Forte Por outro lado o medo é uma emoção mais forte e mais confiável O medo da punição é algo que pode ser controlado e mantido pelo governante Enquanto o amor pode desaparecer o medo permanece desde que o príncipe mantenha sua autoridade e a capacidade de punir 3 O Medo Mantém a Ordem O medo é uma ferramenta eficaz para manter a ordem e a obediência Se as pessoas temem as consequências de desobedecer ao príncipe elas são mais propensas a seguir as leis e as ordens O medo neste sentido é uma ferramenta de controle 4 O Amor Pode Ser Egoísta O amor que os súditos têm por um governante muitas vezes está ligado ao que o governante pode fazer por eles Se o príncipe parar de fornecer benefícios o amor pode rapidamente se transformar em descontentamento O medo por outro lado não depende de recompensas ou favores 5 A Necessidade de Tomar Decisões Impopulares Um governante às vezes precisa tomar decisões impopulares que podem não ser bem recebidas pelo povo Se o príncipe é amado essas decisões podem corroer rapidamente esse amor Se ele é temido no entanto as pessoas podem não gostar das decisões mas ainda assim obedecerão 6 Evitando o Ódio Maquiavel faz uma distinção importante entre ser temido e ser odiado Ele adverte que o príncipe deve evitar ser odiado pois o ódio pode levar à revolta Ser temido se feito corretamente não precisa levar ao ódio Para Maquiavel ser temido é uma questão de controle estabilidade e realismo Ele vê o amor como uma emoção volátil e inconstante que não pode ser confiada para manter a ordem e a lealdade O medo por outro lado é algo que um príncipe pode controlar e usar para sua vantagem No entanto Maquiavel também adverte que esse medo deve ser temperado e não deve se transformar em ódio pois isso pode ser perigoso para o príncipe A preferência de Maquiavel pelo medo sobre o amor reflete sua abordagem pragmática e realista ao governo e à política Capítulo 3 1 Thomas Hobbes filósofo político inglês do século XVII abordou a relação entre a limitação cognitiva dos seres humanos e o surgimento das religiões em suas obras especialmente em Leviatã A análise de Hobbes sobre essa relação é complexa e multifacetada e pode ser resumida da seguinte maneira 1 Medo do Desconhecido Hobbes acreditava que o medo do desconhecido e a incapacidade de compreender completamente o mundo ao nosso redor são fundamentais para o surgimento da religião Ele argumentou que os seres humanos têm uma tendência natural a temer o que não entendem como a morte o que está além do horizonte visível e os processos naturais que parecem inexplicáveis 2 A Necessidade de Explicação Devido às limitações cognitivas os seres humanos buscam explicações para os fenômenos que não compreendem Na ausência de uma compreensão científica as pessoas recorrem a explicações sobrenaturais Hobbes viu a religião como uma maneira de fornecer essas explicações preenchendo as lacunas no entendimento humano 3 A Construção Social da Religião Hobbes também viu a religião como uma construção social que surge da necessidade humana de ordem e compreensão Ele acreditava que as religiões eram muitas vezes criadas e manipuladas por líderes políticos e religiosos para controlar e unificar as pessoas A religião neste sentido é uma resposta à limitação cognitiva mas também uma ferramenta de controle social 4 Religião e Contrato Social Em Leviatã Hobbes desenvolve a ideia do contrato social onde as pessoas concordam em se submeter a um governante soberano em troca de segurança e ordem Ele viu a religião como parte desse contrato fornecendo uma base moral e uma justificação para a autoridade do soberano 5 Ceticismo em Relação à Revelação Divina Hobbes era cético em relação às reivindicações de revelação divina e acreditava que as crenças religiosas eram muitas vezes o resultado da imaginação humana e da interpretação de fenômenos naturais Ele argumentou que a revelação divina era frequentemente usada para justificar o poder político e religioso Para Thomas Hobbes a relação entre a limitação cognitiva dos seres humanos e o surgimento das religiões é complexa e multifacetada Ele viu a religião como uma resposta ao medo do desconhecido e à necessidade de explicação mas também como uma construção social usada para controle e ordem A análise de Hobbes sobre a religião reflete sua visão mais ampla sobre a natureza humana o poder e a política e oferece uma perspectiva crítica sobre a função e o papel da religião na sociedade 2 A máxima Auctoritas non veritas facit legem é a autoridade e não a verdade quem faz as leis reflete uma compreensão profunda da natureza da lei e da autoridade Aqui estão três características subjacentes a essa máxima 1 Primazia da Autoridade sobre a Verdade A máxima enfatiza que as leis são estabelecidas e mantidas pela autoridade de quem as promulga e não necessariamente pela verdade ou justiça inerente a elas Isso significa que a legitimidade de uma lei não depende de sua conformidade com alguma verdade objetiva ou princípio moral mas sim do poder e da autoridade do legislador A lei é portanto um produto da vontade humana e do exercício do poder e não de uma ordem natural ou divina 2 Relativismo Legal A afirmação de que a autoridade e não a verdade faz as leis pode ser vista como uma forma de relativismo legal Isso significa que as leis podem variar significativamente entre diferentes culturas sociedades e sistemas legais dependendo de quem detém a autoridade Não há uma única verdade que governa todas as leis em vez disso as leis são determinadas pelos valores normas e interesses daqueles no poder Isso pode levar a diferentes interpretações e aplicações da lei em diferentes contextos 3 A Lei como Instrumento de Controle A máxima também sugere que a lei é um instrumento de controle nas mãos daqueles que detêm a autoridade Ao enfatizar a autoridade sobre a verdade reconhecese que as leis podem ser usadas para promover os interesses e objetivos do legislador mesmo que isso possa estar em desacordo com certos princípios éticos ou morais A lei tornase uma ferramenta para manter a ordem consolidar o poder e controlar o comportamento em vez de um reflexo de verdades universais ou justiça objetiva Auctoritas non veritas facit legem é uma máxima que revela uma compreensão realista e às vezes cínica da natureza da lei e da autoridade Ela reconhece que as leis são feitas por seres humanos com todas as suas falhas interesses e ambiguidades e não por algum princípio transcendental de verdade ou justiça Isso tem implicações profundas para a forma como entendemos a lei a justiça e a governança e destaca a complexidade e a contingência da ordem legal 3 Thomas Hobbes em sua obra Leviatã aborda a tensão entre o espiritual e o temporal e como essa distinção pode levar à ruína do Estado Ele argumenta que a divisão entre a autoridade espiritual como a Igreja e a autoridade temporal como o Estado pode criar conflitos e desordem Para resolver essa tensão Hobbes propõe duas soluções principais 1 Sujeição da Igreja ao Estado A primeira solução de Hobbes é que a autoridade espiritual deve ser submetida à autoridade temporal Ele argumenta que a Igreja e outras instituições religiosas devem ser controladas pelo Estado e que o soberano deve ter a autoridade final sobre questões religiosas Isso significa que o Estado teria o poder de interpretar e impor a doutrina religiosa e que não haveria uma autoridade religiosa independente capaz de desafiar ou minar o poder do Estado Essa solução reflete a visão de Hobbes de que a soberania deve ser absoluta e indivisível Ao colocar a autoridade espiritual sob o controle do Estado ele busca eliminar qualquer conflito ou competição entre diferentes centros de poder 2 Unidade de Doutrina e Prática Religiosa A segunda solução de Hobbes é a promoção de uma unidade de doutrina e prática religiosa dentro do Estado Ele acredita que a diversidade religiosa e as disputas teológicas podem levar à divisão e ao conflito e que o Estado deve portanto impor uma única interpretação da religião Isso pode incluir a adoção de uma igreja estatal ou a imposição de uma interpretação particular da fé Ao promover uma única doutrina religiosa Hobbes busca criar uma unidade e coesão dentro da sociedade reduzindo o potencial de conflito religioso e divisão Ele vê a religião como uma ferramenta poderosa para unir as pessoas em torno de uma causa comum e acredita que o Estado deve usar essa ferramenta para promover a ordem e a estabilidade As soluções de Hobbes para a distinção entre o espiritual e o temporal refletem sua visão de que o Estado deve ter controle absoluto sobre todos os aspectos da vida incluindo a religião Ele vê a divisão entre o espiritual e o temporal como uma ameaça à ordem e à estabilidade e acredita que o Estado deve eliminar essa divisão através do controle da religião e da promoção da unidade religiosa Essas soluções são consistentes com sua visão geral de que a soberania deve ser absoluta e indivisível e que o Estado deve ter o poder de controlar e dirigir todos os aspectos da vida social e política 4 O monopólio da decisão política tirando partido da religião ou da tendência humana à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis é um conceito complexo que pode ser entendido de várias maneiras Isso por ocorrer por 1 Controle e Ordem Social A religião com suas crenças em poderes invisíveis e princípios morais transcendentes pode ser usada pelos detentores do monopólio político para impor ordem e controle Ao alinhar a autoridade do Estado com princípios religiosos os governantes podem reivindicar uma forma de legitimidade divina ou moral para suas ações Isso pode tornar mais fácil para eles governar já que as leis e decisões políticas são vistas como estando em harmonia com uma ordem cósmica ou divina 2 Manipulação das Emoções e Crenças A tendência humana à irracionalidade nas crenças religiosas pode ser manipulada pelos detentores do poder político para promover seus próprios interesses Isso pode ser feito através da promoção de certas crenças ou práticas religiosas que apoiam a agenda política do Estado Por exemplo a crença em um poder superior que ordena obediência ao governante pode ser usada para reforçar a autoridade do Estado 3 Unidade e Coesão Social A religião pode ser usada para promover a unidade e a coesão dentro de uma sociedade Ao promover uma única interpretação religiosa ou alinhar a religião com os objetivos do Estado os governantes podem criar uma sensação de identidade comum e propósito Isso pode ajudar a reduzir o conflito e a divisão dentro da sociedade e fortalecer o controle do Estado 4 Exploração da Incerteza e do Medo A irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis muitas vezes está ligada ao medo do desconhecido e à incerteza sobre o mundo Os detentores do monopólio político podem explorar esses medos e incertezas usando a religião como uma ferramenta para acalmar as preocupações das pessoas e promover a conformidade com as leis e regulamentos do Estado O monopólio da decisão política pode tirar partido da religião e da tendência humana à irracionalidade das crenças nos poderes invisíveis de várias maneiras Isso pode ser feito para impor controle e ordem manipular emoções e crenças promover a unidade e a coesão e explorar a incerteza e o medo A relação entre religião e política é complexa e multifacetada e essa exploração pode ter tanto efeitos positivos quanto negativos dependendo de como é usada e com que intenção 5 Thomas Hobbes filósofo político inglês do século XVII introduziu um conceito antropológico que continua a ser influente na filosofia política moderna Sua visão da natureza humana é profundamente cética e realista e ele acredita que os seres humanos são fundamentalmente motivados pelo medo e pelo autointeresse Hobbes descreve o estado de natureza como um estado de guerra de todos contra todos onde não há leis ou autoridade central Neste estado os seres humanos são livres mas sua liberdade é limitada pela constante ameaça de violência de outros Hobbes acredita que na ausência de uma autoridade central os seres humanos agiriam de acordo com seus próprios interesses levando a um estado de conflito perpétuo A miséria cognitiva referese à limitação do entendimento humano Hobbes acredita que os seres humanos são limitados em sua capacidade de conhecer e entender o mundo Essa limitação leva a medos e incertezas e os seres humanos tendem a criar mitos e religiões para explicar o desconhecido Essa miséria cognitiva também contribui para o conflito pois as pessoas podem interpretar a realidade de maneiras diferentes levando a desentendimentos e lutas Para escapar do estado de natureza e da miséria cognitiva Hobbes propõe que os seres humanos entrem em um contrato social concordando em submeterse a uma autoridade central o Leviatã em troca de proteção e ordem Esse soberano teria o poder absoluto de fazer e impor leis garantindo a paz e a segurança da sociedade Hobbes também é conhecido por sua visão mecanicista da natureza humana Ele acredita que os seres humanos são como máquinas movidos por desejos e aversões e que seu comportamento pode ser entendido em termos de causas e efeitos Essa visão mecanicista reforça sua crença na necessidade de uma autoridade central forte para controlar e dirigir o comportamento humano O conceito antropológico de Hobbes é uma visão sombria e realista da natureza humana enfatizando o autointeresse o medo e a miséria cognitiva Ele acredita que os seres humanos são fundamentalmente irracionais e limitados em sua compreensão e que essa limitação contribui para o conflito e a desordem Para Hobbes a única solução é a criação de uma autoridade central forte que possa impor ordem e controlar o comportamento humano Essa visão teve uma influência duradoura na filosofia política e continua a ser debatida e discutida até hoje 6 A restauração da unidade original dos povos pagãos pode ser entendida como um retorno a uma forma de vida ou sistema de crenças que existia antes da introdução de religiões monoteístas como o cristianismo Em muitas culturas pagãs havia uma conexão mais direta com a natureza e uma compreensão mais holística da existência sem a divisão estrita entre o sagrado e o profano que é típica das religiões abraâmicas O Leviatã de Hobbes é uma metáfora para um Estado soberano e poderoso que mantém a ordem e a paz através de um contrato social No estado de natureza segundo Hobbes os seres humanos vivem em um estado constante de guerra e conflito O Leviatã é criado para superar esse estado e impor uma ordem racional e justa Isso porque Retorno a uma Ordem Natural Assim como a restauração da unidade original dos povos pagãos pode ser vista como um retorno a uma ordem natural e holística o Leviatã de Hobbes busca restaurar uma ordem racional e justa superando o caos do estado de natureza Papel da Religião Hobbes tinha uma visão cética da religião e acreditava que ela poderia ser usada pelo Estado para controlar e unir as pessoas Isso pode ser comparado à forma como as religiões pagãs muitas vezes uniam as pessoas em torno de crenças e práticas comuns Soberania e Unidade Tanto a restauração da unidade original dos povos pagãos quanto o Leviatã de Hobbes enfatizam a importância da unidade e da soberania Nos povos pagãos essa unidade pode ser encontrada na conexão com a natureza e o cosmos enquanto no Leviatã ela é imposta através da autoridade do Estado Embora a restauração da unidade original dos povos pagãos e o Leviatã de Hobbes não estejam diretamente relacionados existem algumas semelhanças e conexões que podem ser exploradas Ambos os conceitos lidam com ideias de ordem unidade e a relação entre o indivíduo e o todo A comparação entre essas duas ideias pode oferecer insights interessantes sobre a natureza da ordem social a função da religião e a busca pela unidade e harmonia na existência humana 7 No Leviatã de Thomas Hobbes a imagem do Leviatã é uma metáfora complexa e multifacetada que representa o Estado soberano A figura do Leviatã é descrita em diferentes formas Deus homem animal e máquina Sobre cada um desse sentidos 1 Deus O Leviatã como Deus simboliza a autoridade suprema e inquestionável do Estado Assim como Deus tem poder absoluto no domínio espiritual o Leviatã tem poder absoluto no domínio temporal O soberano o Leviatã tem o poder de ditar as leis e regras da sociedade e de exigir obediência inquestionável dos súditos 2 Homem O Leviatã como homem representa a ideia de que o Estado é composto por indivíduos e é criado através de um contrato social Os seres humanos em seu estado natural concordam em submeterse a uma autoridade central para escapar do estado de guerra de todos contra todos O Leviatã é portanto uma criação humana e sua autoridade deriva do consentimento dos governados 3 Animal O Leviatã como animal simboliza a força bruta e a ferocidade do Estado Assim como um animal poderoso o Leviatã tem o poder de coagir e controlar usando a força se necessário para manter a ordem e a paz Essa imagem também evoca a ideia de que o Estado é um organismo vivo com uma vida própria mas também sujeito a instintos e impulsos 4 Máquina O Leviatã como máquina representa a estrutura mecânica e organizada do Estado O Estado é uma construção artificial criada através da razão e do design humano Como uma máquina ele funciona de acordo com regras e princípios definidos e sua eficácia depende de sua construção e manutenção adequadas A imagem do Leviatã em Leviatã de Hobbes é uma metáfora rica e multifacetada que encapsula sua visão do Estado e da natureza humana Cada um dos elementos da composição mítica Deus homem animal e máquina oferece uma perspectiva diferente sobre o poder a autoridade a estrutura e a função do Estado Juntos eles formam uma imagem complexa do Estado como uma entidade poderosa e multifacetada criada por humanos mas com poder e autoridade que transcendem o indivíduo 8 A interpretação do conceito político de soberania absoluta do Leviatã em Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil título completo do Leviatã de Hobbes como um conceito teológico secularizado pode ser entendida através da análise de várias dimensões da obra de Hobbes Vamos explorar algumas dessas dimensões 1 Soberania Absoluta como Poder Divino O Leviatã como representação do Estado soberano possui um poder absoluto e inquestionável sobre seus súditos Esse poder é comparável ao poder divino na teologia Assim como Deus governa o universo com autoridade suprema o Leviatã governa o Estado com autoridade total A soberania absoluta do Leviatã é portanto uma versão secularizada do poder divino 2 Contrato Social como Pacto Sagrado A ideia do contrato social na qual os indivíduos concordam em submeterse à autoridade do Leviatã pode ser vista como uma aliança ou pacto sagrado Assim como os pactos religiosos unem as pessoas a uma divindade o contrato social une os indivíduos ao Estado Essa aliança é sagrada no sentido de que é inviolável e deve ser honrada assim como um pacto com Deus 3 Estado como Entidade Sagrada O Leviatã como representação do Estado é retratado como uma entidade quase sagrada que transcende o indivíduo A obediência ao Leviatã é uma obrigação moral assim como a obediência a Deus é uma obrigação religiosa A violação das leis do Estado é portanto não apenas um crime mas um pecado secularizado 4 Linguagem e Imagética Teológica Hobbes usa linguagem e imagética teológica ao longo do Leviatã O próprio nome Leviatã é tirado da Bíblia e representa uma criatura poderosa e temível Essa escolha de linguagem e imagética ajuda a reforçar a ideia de que o Estado possui uma qualidade quase divina 5 Racionalização da Autoridade Ao atribuir ao Estado uma autoridade absoluta e inquestionável Hobbes está racionalizando e secularizando conceitos que eram tradicionalmente entendidos em termos teológicos Ele está tomando ideias que eram fundamentadas na fé e na revelação divina e redefinindoas em termos de razão contrato e consentimento humano O conceito de soberania absoluta do Leviatã em Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil pode ser interpretado como um conceito teológico secularizado porque Hobbes toma ideias e estruturas da teologia e as reinterpreta em termos políticos e racionais Ele cria uma visão do Estado que é profundamente enraizada em conceitos religiosos mas que é aplicada ao domínio secular da política e do governo Isso reflete uma mudança mais ampla na época de Hobbes onde a razão e a ciência estavam começando a substituir a fé e a revelação como as bases do conhecimento e da autoridade 9 O Estado de Hobbes representa uma mútua relação de proteção e obediência devido à sua concepção fundamental do contrato social e da natureza humana Hobbes começa com a ideia do estado de natureza onde todos os indivíduos são livres mas também em constante conflito uns com os outros Nesse estado não há leis ou autoridades para impor ordem e a vida é solitária pobre sórdida brutal e curta Para escapar do estado de natureza os indivíduos entram em um contrato social concordando em submeterse à autoridade de um soberano absoluto o Leviatã Eles renunciam a parte de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem O Estado representado pelo Leviatã tem o dever de proteger seus súditos Isso inclui proteção contra violência externa como invasões e interna como crime O Estado impõe leis e mantém a ordem garantindo que os direitos e propriedades dos indivíduos sejam protegidos Em troca dessa proteção os súditos devem obediência ao Estado Eles devem seguir as leis e regulamentos impostos pelo Leviatã e não desafiar sua autoridade A obediência é uma obrigação moral e legal e a desobediência é punida pelo Estado A relação entre o Estado e os súditos é portanto mútua e simbiótica O Estado oferece proteção e os súditos oferecem obediência Um não pode existir sem o outro Se o Estado falhar em proteger perde sua legitimidade Se os súditos falharem em obedecer o Estado se desintegra em anarquia A autoridade do Estado não é imposta de cima é derivada do consentimento dos governados Eles escolhem submeterse ao Leviatã porque reconhecem que essa submissão é do seu interesse A obediência não é apenas uma obrigação é uma escolha racional feita em busca de autopreservação O Estado de Hobbes representa uma mútua relação de proteção e obediência porque é construído sobre um contrato social onde ambas as partes o Estado e os súditos têm deveres e responsabilidades uns para com os outros Essa relação é fundamental para a ordem a segurança e a estabilidade da sociedade e reflete a visão de Hobbes de que a política é uma questão de autointeresse racional onde a autoridade e a obediência são meios para alcançar a paz e a prosperidade 10 Thomas Hobbes é frequentemente considerado um precursor do positivismo jurídico devido às suas ideias sobre a natureza da lei e da autoridade estatal Hobbes pode ser associado ao positivismo jurídico devido às seguintes razões 1 Separação entre Lei e Moralidade O positivismo jurídico sustenta que a validade da lei é independente de sua moralidade Hobbes também enfatizou essa separação argumentando que a lei é um comando do soberano e não precisa ser justificada por princípios morais ou éticos A lei é válida simplesmente porque é promulgada pela autoridade estatal 2 Soberania Absoluta Hobbes defendeu a ideia de um soberano absoluto cuja autoridade é inquestionável Ele acreditava que a paz e a ordem só poderiam ser alcançadas se houvesse uma autoridade central com o poder de impor leis Essa visão de soberania está alinhada com o positivismo jurídico que vê a lei como um produto da vontade do Estado 3 Contrato Social A teoria do contrato social de Hobbes estabelece a base para a autoridade legal do Estado Os indivíduos concordam em submeterse ao Estado em troca de proteção e a lei é o mecanismo pelo qual o Estado exerce essa autoridade Essa concepção de lei como um contrato entre o Estado e os indivíduos é fundamental para o positivismo jurídico 4 Rejeição do Direito Natural Enquanto alguns teóricos do direito natural argumentam que existem princípios morais universais que governam a lei Hobbes rejeitou essa ideia Ele acreditava que a lei é um produto humano e que sua validade não depende de sua conformidade com princípios naturais ou divinos Essa rejeição do direito natural é uma característica central do positivismo jurídico 5 Enfoque na Certidão e Previsibilidade Hobbes enfatizou a importância da certidão e previsibilidade na lei Ele acreditava que a lei deve ser clara e inequívoca para que os indivíduos saibam como agir Essa ênfase na certidão e na previsibilidade é compartilhada pelo positivismo jurídico que vê a lei como um conjunto de regras que devem ser seguidas independentemente de seu mérito moral Thomas Hobbes é visto como um precursor do positivismo jurídico devido às suas ideias sobre a natureza da lei a autoridade do Estado e a separação entre lei e moralidade Ele estabeleceu uma base para a compreensão da lei como um produto da vontade humana e da autoridade estatal em vez de princípios morais ou naturais universais Essas ideias influenciaram profundamente o desenvolvimento do positivismo jurídico e continuam a ser relevantes nas discussões contemporâneas sobre a natureza da lei e da autoridade legal

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