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Curso de Ciência Política - Grandes Autores do Pensamento Político Moderno e Contemporâneo

Filosofia

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Estudos Culturais Autentica TOMAZ TADEU DA SILVA org Nunca Fomos Humanos nos rastros do sujeito Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito CCCCCréditos Modo de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também é traduzido dos capítulos 1 e 2 p 2153 do livro de Elizabeth Ellsworth Teaching positions Difference pe dagogy and the power of address publicado pela editora Teachers College Press Nova York 1997 Teachers College Press Todos os direitos reservados Publicado sob permissão da editora Inventando nossos eus é traduzido do capítulo 8 As sembling ourselves p 169197 do livro de Nikolas Rose Inventing ourselves Psychology Power and Personhood publicado pella Cambridge University Press 1996 Cambridge Uni versity Press Todos os direitos reservados Publicado sob per missão da editora Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução é tra duzido do capítulo 11 p 226240 do livro Mapping the subject Geographies of cultural transformation organizado por Steve Pile e Nigel Thrift publicado pela editora Routledge 1995 Taylor Francis Publicado sob permissão da empresa detentora dos direitos de reprodução Belo Horizonte 2001 Elizabeth Ellsworth Francisco J Tirado Lucía G Sánchez Marcus Doel Miquel Domènech Nikolas Rose Tradução e organização Tomaz Tadeu da Silva Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito Copyright 2001 by Tomaz Tadeu da Silva Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida seja por meios mecânicos eletrônicos seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia da editora Autêntica Editora Rua Januária 437 Floresta 31110060 Belo HorizonteMG Telefax 55 31 34233022 autenticaautenticaeditoracombr wwwautenticaeditoracombr CAPA Jairo Alvarenga Fonseca EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Waldênia Alvarenga Santos Ataíde REVISÃO Erick Ramalho 2001 S586n Silva Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos nos rastros do sujeito organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva Belo Horizonte Autêntica 2001 208 p Coleção Estudos Culturais 7 ISBN 8575260251 1 Cultura 2 Filosofia 3 Antropologia I Títu lo II Série CDU 008 Sumário 07 Modos de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também Elizabeth Ellsworth 77 Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução Marcus Doel 111 A dobra psicologia e subjetivação Miguel Domènech Francisco Tirado Lucía Gómez 137 Inventando nossos eus Nikolas Rose 205 Sobre as autoras e os autores Modo de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também Elizabeth Ellsworth 8 9 MODO DE ENDEREÇAMENTO UMA COISA DE CINEMA No meu curso de pósgraduação não estudei teoria educacional Estudei teoria do cinema Cine ma de Hollywood principalmente Mas durante o curso também trabalhava como professora estagiá ria e por isso tive que tentar aprender como ensinar Durante o período em que estive no curso de pósgraduação eu via quase todos os dias filmes tais como Young Mr Lincoln ou Meet me in St Louis Agora seremos felizes Eu também lia e tentava com preender Althusser ou Lacan ou Eisenstein ou Kuhn ou Mulvey ou Barthes gente que escrevia sobre imagens e histórias e significado e desejo e mu dança social Ao mesmo tempo eu tentava ensinar a um grupo de discussão formado por estudantes de graduação como se podia analisar a forma o estilo o gênero e a ideologia do filme que eles tinham 10 acabado de ver Eu ficava fascinada e estimulada pela força social política e estética dos filmes Assim que saí do curso de pósgraduação em comunicação fui contratada por uma escola de edu cação para lecionar uma disciplina sobre produção de filmes de vídeo e crítica de mídia para educado res1 Foi uma experiência intercultural Eu não falava a linguagem da pesquisa educacional Eu não conhe cia as narrativas e os personagens daquele campo O mais estranho e alienante de tudo era ter que aprender as teorias e as práticas desse novo mundo acadêmico chamado currículo e ensino na ausên cia absoluta de qualquer suspense romance sedu ção prazer visual música enredo humor dança de sapateado ou páthos Tudo que eu havia aprendido sobre as teorias contemporâneas da lingüística a teoria literária a semiótica o feminismo a cultura havia sido aprendido na presença da sob a luz da sob o prazer da na esteira da história das metáfo ras das estrelas das imagens do modo de endere çamento de algum filme Mas a educação era um campo em nada parecido com o do cinema e da televisão Não era em nada parecido com o campo da literatura e da teoria literá ria Era mais parecido com as aulas de sociologia que eu tive aquelas ensinadas por meio de livrostexto de instrução programada Como eu acabava de des cobrir o campo da educação era uma ciência social O que eu mais aprendi do meu encontro com o campo acadêmico da educação que agora já dura por mais de dez anos foi que eu não quero ensinar ou aprender na ausência de prazer enredo emoção 11 metáfora artefatos culturais e de envolvimento e interação com o público É aqui que entra o modo de endereçamento Faz vinte anos que comecei a trabalhar como pro fessora auxiliar em uma disciplina de introdução ao cinema Faz quatorze anos que estou tentando imaginar o que as pessoas pensam que estão fa zendo nesse campo acadêmico da educação e por que elas fizeram com que esse campo seja o que ele parece ser E estou pensando outra vez em mo dos de endereçamento O MODO DE ENDEREÇAMENTO NOS ESTUDOS DE CINEMA O modo de endereçamento é um termo dos es tudos de cinema um termo que tem um enorme peso teórico e político Aprendi sobre ele nas aulas sobre cinema e sobre mudança social É a isso que ele se resume quem este filme pensa que você é Apresento neste capítulo uma leitura algo sele tiva da teoria e da política que está por detrás dessa questão e do conceito de modo de endereçamento Não estou interessada em tentar definir exatamente o que é modo de endereçamento Estou interes sada em saber por quê nestes dias quando penso como uma educadora sobre pedagogia continuo pensando em termos de modo de endereçamento Fico me perguntando como os educadores podem por sua vez ser educados pela noção de modo de endereçamento incluindo aquela utilizada nos es tudos de cinema 12 Os teóricos do cinema desenvolveram a noção de modo de endereçamento para lidar de uma for ma que fosse específica ao cinema com algumas das grandes questões que atravessam os estudos de cine ma a crítica de arte e de literatura a sociologia a antropologia a história e a educação Essas questões têm a ver com a relação entre o social e o indivi dual Questões como qual é a relação entre o texto de um filme e a experiência do espectador a estrutu ra de um romance e a interpretação feita pelo leitor uma pintura e a emoção da pessoa que a contempla uma prática social e a identidade cultural um deter minado currículo e sua aprendizagem Em outras palavras qual é a relação entre o lado de fora da sociedade e o lado de dentro da psique humana Como pode ser igualmente verdadeiro afirmar que as pessoas agem de forma independente e intencio nal e ao mesmo tempo dizer que os padrões que orientam suas ações como elas pensam o que elas vêem o que elas desejam são já aspectos de seu ser social DONALD 1991 p 2 Tratase de grandes questões Elas são também centrais para as pessoas interessadas em mudança social Se você compreender qual é a relação entre o texto de um filme e a experiência do espectador por exemplo você poderá ser capaz de mudar ou influen ciar até mesmo controlar a resposta do espectador produzindo um filme de uma forma particular Ou você poderá ser capaz de ensinar os espectadores como resistir ou subverter quem um filme pensa que eles são ou quem um filme quer que eles sejam Os teóricos do cinema têm utilizado sob uma forma ou outra a noção de modo de endereçamento 13 para compreender essas questões Vou esboçar aqui alguns dos significados que essa noção tem apresen tado para os teóricos do cinema Esta leitura seletiva começa com o modo de endereçamento como um conceito que se refere a algo que está no texto do filme e que então age de alguma forma sobre seus espectadores imaginados ou reais ou sobre ambos Existe depois um momento na lógica da teoria do cinema em que os teóricos do cinema começam a ver o modo de endereçamento menos como algo que está em um filme e mais como um evento que ocorre em algum lugar entre o social e o individual Aqui o evento do endereçamento ocorre num espaço que é social psíquico ou ambos entre o texto do filme e os usos que o espectador faz dele Essa mudança que deixa de localizar o modo de endereçamento no interior do texto de um filme e passa a compreendê lo como um evento fará com que minha leitura sele tiva da noção de modo de endereçamento deixe a teoria do cinema e vá para a educação para os estu dos culturais e para a psicanálise Quem este filme pensa que você é Os filmes assim como as cartas os livros os comerciais de televisão são feitos para alguém Eles visam e imaginam determinados públicos Entre tanto os diretores de cinema os roteiristas os produ tores e os proprietários de salas de cinema estão com freqüência distanciados dos espectadores reais ou concretos As distâncias podem ser econômicas temporais sociais geográficas ideológicas de gêne ro de raça Entre a redação do roteiro e a exibição 14 os filmes passam por muitas transformações Entre tanto a maioria das decisões sobre a narrativa es trutural de um filme seu acabamento e sua aparência final são feitos à luz de pressupostos conscientes e inconscientes sobre quem são seus públicos o que eles querem como eles vêem filmes que filmes eles pagam para ver no próximo ano o que os faz cho rar ou rir o que eles temem e quem eles pensam que são em relação a si próprios aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do momento Os filmes visam e imaginam determinados pú blicos Eles também desejam determinados públi cos Alguns filmes como Jurassic Park O parque dos dinossauros por exemplo são produzidos com o desejo de atrair o maior público de massa possí vel Outros como Go fish O par perfeito por exem plo são produzidos para apelar a pessoas que vão a festivais alternativos e são feitos com a esperança de serem exibidos em cinemas voltados para um públi co intelectualizado e sofisticado freqüentado por pessoas que seguem orientações alternativas em ter mos ideológicos sexuais raciais e políticos O conceito de modo de endereçamento está ba seado no seguinte argumento para que um filme funcione para um determinado público para que ele chegue a fazer sentido para uma espectadora ou para que ele a faça rir para que a faça torcer por um personagem para que um filme a faça suspender sua descrença na realidade do filme chorar gri tar sentirse feliz ao final a espectadora deve en trar em uma relação particular com a história e o sistema de imagem do filme 15 Eis aqui uma maneira de conceptualizar esse pro cesso existe uma poltrona no cinema para a qual aponta a tela do filme uma poltrona para a qual os efeitos cinematográficos e as composições dos qua dros estão planejados uma poltrona para a qual as linhas de perspectiva convergem dando a mais ple na ilusão de profundidade de movimento de rea lidade É a partir dessa posição física que o filme parece atingir seu ponto máximo Da mesma for ma existe uma posição no interior das relações e dos interesses de poder no interior das construções de gênero e de raça no interior do saber para a qual a história e o prazer visual do filme estão diri gidos É a partir dessa posiçãodesujeito que os pressupostos que o filme constrói sobre quem é o seu público funcionam com o mínimo de esforço de contradição ou de deslizamento Por exemplo filmes orientados para garotos brancos de 12 anos que vivem em bairros ricos estão sintonizados às posições que esses garotos supostamente ocupam ou que os produtores de filmes e de mercadorias paralelas desejam que eles ocupem no interior das relações sociais contem porâneas dos gostos de mercado da fantasia se xual e do desejo da construção de gênero e de raça Para que esses garotos peguem o filme e sigam sua onda eles têm que estar no lugar para o qual o filme está sintonizado Para que eles se tornem parte da estrutura de relações que compõem o sis tema de olhares de desejos de expectativas de tra mas narrativas e de gratificações que compõem a experiência de ir ao cinema eles têm que estar lá Para que eles completem o filme tal como seus 16 produtores imaginaram que eles o fariam eles têm que assumir as posições que lhes são oferecidas naqueles sistemas ao menos durante o tempo de duração do filme ao menos na imaginação Ei você aí E assim os produtores de filmes fazem muitas suposições e têm muitos desejos conscientes e in conscientes sobre o tipo de pessoa para a qual seu filme é endereçado e sobre as posições e identidades sociais que seu público deve ocupar E essas suposi ções e esses desejos deixam traços intencionais e não intencionais no próprio filme Para algumas escolas de estudo do cinema um filme é composto pois não apenas de um sistema de imagens e do desen volvimento de uma história mas também de uma estrutura de endereçamento que está voltada para um público determinado e imaginado Os traços dessa estrutura não são visíveis Eles não se apresentam diretamente na tela para serem estudados tal como se apresentam os aspectos do estilo de um filme como por exemplo a composi ção dos objetos e das pessoas em um quadro o uso da cor o movimento o trabalho de edição a ilumi nação O modo de endereçamento parecese mais com a estrutura narrativa do filme do que com seu sistema de imagem Tal como a história ou a trama o modo de endereçamento não é visível Tampouco é o caso de que alguém no filme diga literalmente ei você aí Garoto branco e rico de 12 anos Veja isto Será divertido E você vai querer 17 comprar o brinquedo relacionado ao filme E você se sentirá mais velho e mais poderoso e mais alto do que você é e o mundo inteiro vai parecer girar ao redor de você E quando o filme terminar você sentirá que ser um garoto branco e rico de 12 anos é a melhor coisa que pode acontecer no mundo O modo de endereçamento não é um momento visual ou falado mas uma estruturação que se desenvol ve ao longo do tempo das relações entre o filme e seus espectadores Os estudiosos do cinema que têm se concentra do na idéia de modo de endereçamento têm de senvolvido formas de falar desse invisível processo que parece convocar o espectador a uma posição a partir da qual ele deve ler o filme Os críticos que estudam a narrativa cinematográfica têm tomado certos conceitos de empréstimo da crítica da litera tura e do teatro e inventado outros de forma a po der nomear e analisar a intangível experiência da história no filme Essa experiência inclui trama per sonagem subtexto gênero vínculos causais ponto de vista e assim por diante De forma similar os críticos interessados no modo de endereçamento têm inventado conceitos que nomeiam e analisam as pectos sobre a experiência da convocação ou da interpelação Posicionamento de público é um deles Masterman 1985 descreveo desta forma Nos meios visuais nós como membros do pú blico somos compelidos a ocupar uma posição física particular em virtude do posicionamento da câmera Identificar e estar consciente dessa posição física significa revelar que somos também 18 convidados a ocupar um espaço social Por meio do modo de endereçamento do texto de sua con figuração e de seu formato um espaço social se abre para nós Finalmente o espaço físico e o es paço social que somos convidados a ocupar estão ligados a posições ideológicas maneiras naturais de examinar e dar sentido à experiência p 229 Masterman dá depois um exemplo de posicio namento de público nos programas de notícias da televisão Quando o noticiário inicia somos endereçados por um locutor que olha diretamente para a câmera e apresenta os fatos Cada espectador é colocado no papel de endereçado direto O locutor intro duz uma entrevista filmada Nossa posição muda Não somos mais endereçados diretamente mas espiamos vemos e julgamos As diferentes po sições nos asseguram que alguns aspectos da ex periência devem ser aceitos fatos enquanto outros opiniões exigem nosso julgamento A distinção jornalística altamente questionável en tre fato e opinião está embutida nas maneiras pe las quais somos posicionados em relação a diferentes aspectos da experiência p 22930 O que Masterman está sugerindo é que para com preender os filmes ou os programas de TV em seus próprios termos o espectador deve ser capaz de adotar nem que seja apenas imaginária e temporariamente os interesses sociais políticos e econômicos que são as condições para o conhecimento que eles constroem O endereço de um filme educacional dirigido à estudante por exemplo convidaa não apenas à 19 atividade da construção do conhecimento mas tam bém à construção do conhecimento a partir de um ponto de vista social e político particular Isso faz com que a experiência de ver os filmes e os sentidos que damos a eles sejam não simplesmente voluntá rios e idiossincráticos mas relacionais uma proje ção de tipos particulares de relações entre o eu e o eu bem como entre o eu e os outros o conheci mento e o poder Assim parte da experiência e da relação de um garoto de 12 anos com um filme como Jurassic Park não é apenas uma resposta ao seu estilo e à sua his tória mas também uma resposta às formas pelas quais sua estrutura de endereçamento solicita ou até mesmo exige dele uma certa leitura Sua experiên cia do filme inclui a experiência consciente e incons ciente de ser endereçado por meio por exemplo do posicionamento da câmera e do espaço social que ela constrói para ele como se ele fosse aque le alguém que o filme quer que ele seja que o filme pensa que ele é ou ambas as coisas Quem eu Ele não é entretanto exatamente quem o filme pensa que ele é um garoto de 12 anos estaduni dense branco rico Essas coisas não significam nunca uma única coisa Essas posições sociais não constituem nunca uma posição única ou unifica da Talvez ele seja um garoto homossexual de 12 anos O que isso causa à suposição de que ele tem 12 anos é branco é rico é garoto e não garota 20 Talvez ele seja filho de pais de diferentes raças mas que passa em geral por branco Talvez ele te nha 12 anos e seja filho de um pai ou de uma mãe que o maltratam e nunca tenha sentido de fato ter 12 anos Talvez ele viva em um bairro rico mas goste de viver num bairro popular da cidade e vá até lá sempre que possa O espectador ou a espectadora nunca é apenas ou totalmente quem o filme pensa que ele ou ela é O espectador ou a espectadora nunca é tampouco exatamente quem ele ou ela pensa que é mas vamos deixar isso para mais adiante A maneira como vi vemos a experiência do modo de endereçamento de um filme depende da distância entre de um lado quem o filme pensa que somos e de outro quem nós pensamos que somos isto é depende do quan to o filme erra seu alvo Imaginemos que o lugar ideal esteja situado na poltrona central da última fileira da sala de cinema O modo de endereçamen to do filme pode errar o alvo por apenas duas cadeiras atingindo por exemplo aquela poltrona situada duas cadeiras à esquerda do assento ideal Ou no outro extremo pode passar bem distante do alvo acertando a poltrona situada junto à pare de na primeira fila Ambas as posições fora do alvo exigem algum rearranjo de parte da espectadora para fazer o filme voltar ao foco alguma reescrita algu ma revisão pela qual a espectadora ao imaginarse no centro do endereçamento desfaz aquele processo de descentramento Ver um filme do assento situado junto à parede na primeira fila exige uma tradução perceptual constante da imagem solicitando que a espectadora se projete como estando situada naquele 21 assento perfeito no centro da sala de cinema e ima ginando como seria muito melhor e mais agradável ver o filme daquela poltrona onde ela deveria es tar sentada Seja qual for a distância pela qual o modo de endereçamento de um filme erra o alvo mínima ou enorme é necessário aquilo que alguns estudio sos chamam de negociação por parte do especta dor Como posso extrair prazer da história de Jurassic Park caso eu tenha 12 anos e for uma garota e não um garoto Mas essa negociação tampouco é ja mais uma coisa simples ou única Pois da mesma forma que o espectador ou a espectadora nunca é exatamente quem o filme pensa que ele ou ela é assim também o filme não é nunca exatamente o que ele pensa que é Não existe nunca um único e unificado modo de endereçamento em um filme Se Jurassic Park tivesse sido endereçado estrita e unicamente aos garotos estadunidenses brancos ri cos de 12 anos seria muito menos provável que o resto do planeta fosse vêlo Há algo nesse filme que é dirigido para quem os seus produtores imaginam que sou Minha desconfiança é de que a cientista forte corajosa inteligente está dirigida para uma parte de mim mesmo que se tenha a impressão de que ela entrou no filme meio a contragosto de seus produtores e como que de última hora E mesmo que ela seja uma versão diluída da cientista do livro homônimo Assim no processo de negociação dos modos de endereçamento de Jurassic Park com vis tas a pegar o filme e desfrutálo não foi preciso que eu simplesmente me imaginasse como um ga roto de 12 anos 22 Entrar em um filme por meio de uma multipli cidade de lugares é uma necessidade comercial Isso complica toda a idéia de modo de endereçamento Angela McRobbie 1984 ressalta isso em seu estudo do modo como as adolescentes que ela en trevistou reagiram aos filmes Flashdance e Fame Fama De acordo com McRobbie as cenas de dança em ambos os filmes parecem ter sido ende reçadas primariamente a dois grupos de espectado res masculinos e heterossexuais aqueles que figuram nas histórias dos filmes e aqueles que viram os fil mes nos cinemas Os números musicais parecem organizados por meio da localização e dos ângu los da câmera e do trabalho de edição que alterna tomadas do ponto de vista da câmera com tomadas do ponto de vista da personagem para apelar aos desejos e aos prazeres visuais que espectadores como esses supostamente extraem do ato de ver mulheres dançando para eles Entretanto há aspectos das histórias em ambos os filmes que são endereçados primariamente às mulheres no público e àquilo que os produtores do filme consciente e inconscientemente imaginam ser o desejo das mulheres em termos de controle sobre seus corpos e em termos de sentir prazer e poder em seus corpos e em suas vidas Assim estabelece se uma tensão no interior dos modos de endereça mento desses filmes uma tensão entre quem os números de dança pensam que você é e quem a his tória pensa que você é As histórias de ambos os filmes complicam a questão sobre para quem as mulheres estão dan çando nos espetáculos dos números musicais do filme 23 Os prazeres das garotas adolescentes ao ver esses fil mes podem advir de uma leitura que vê as dançarinas como realmente dançando para si mesmas e não para os homens que não obstante as estão obser vando Ou de forma mais complexa os prazeres das garotas adolescentes podem advir de uma leitura que vê as dançarinas como realmente dançando tanto para si próprias quanto para os homens que as obser vam O modo de endereçamento do espetáculo das performances de dança atritase com o modo de en dereçamento do desenvolvimento da história esses dois modos de endereçamento não funcionam ne cessariamente de forma conjunta e compatível Dife rentes sistemas formais e estilísticos presentes em um único filme podem ter diferentes modos de endere çamento Podem estar ocorrendo de forma simultâ nea múltiplos modos de endereçamento Além disso assim que públicos reais vivos che gam ao cinema o modo de endereçamento de um filme tornase apenas um dentre os muitos que com põem o cotidiano de um determinado espectador ou espectadora A posição que um espectador ou uma espectadora assume em relação a um filme e a par tir da qual ele ou ela dá sentido ao filme e dele extrai prazer muda drasticamente dependendo dos con flitantes modos de endereçamento que possam es tar disponíveis Ela está vendo um vídeo de Flashdance com um grupo de amigas que ficaram para passar a noite em sua casa em um cinema com um namora do com sua amante lésbica como uma estudante em uma aula de cinema ou como uma mulher afro americana que raramente vê outras mulheres afro americanas na tela do cinema 24 O modo de endereçamento de um filme tem a ver pois com a necessidade de endereçar qualquer comunicação texto ou ação para alguém E con siderandose os interesses comerciais dos produto res de filme tem a ver com o desejo de controlar tanto quanto possível como e a partir de onde o espectador ou a espectadora lê o filme Tem a ver com atrair o espectador ou a espectadora a uma posição particular de conhecimento para com o tex to uma posição de coerência a partir da qual o fil me funciona adquire sentido dá prazer agrada dramática e esteticamente vende a si próprio e ven de os produtos relacionados ao filme Mas à medida que os estudiosos do cinema têm tentado emparelhar os mecanismos de endereçamen to presentes no texto de um filme particular com as leituras que um público real faz do filme eles têm ficado cada vez mais atentos às complicações e aos paradoxos da experiência de ir ao cinema Os públi cos não são simplesmente posicionados por um determinado modo de endereçamento Entretanto para dar qualquer sentido a um filme ou para des frutalo até mesmo minimamente eles têm que se envolver com seu modo de endereçamento Ainda que de forma mínima ou oblíqua o modo de ende reçamento de um filme está envolvido nos prazeres e nas interpretações dos públicos inclusive em sua decisão de simplesmente recusarse a ver o filme Sim Você É aqui que entram as relações de poder e a mu dança social O modo de endereçamento não é um 25 conceito neutro na análise cinematográfica Trata se de um conceito que tem origem numa aborda gem de estudos do cinema que está interessada em analisar como o processo de fazer um filme e o pro cesso de ver um filme se tornam envolvidos na di nâmica social mais ampla e em relações de poder Embora os públicos não possam ser simplesmen te posicionados por um determinado modo de en dereçamento os modos de endereçamento oferecem sim sedutores estímulos e recompensas para que se assumam aquelas posições de gênero status social raça nacionalidade atitude gosto estilo às quais um determinado filme se endereça Ninguém no público global do Jurassic Park é exatamente aquele garoto estadunidense branco rico de 12 anos que o filme imagina e deseja Entretanto aquela posi çãodesujeito independentemente de quanto ela seja mítica está ligada no filme a potentes fanta sias de poder domínio e controle Os estudiosos do cinema têm gostado de algu mas posiçõesdesujeito oferecidas nos filmes popu lares e não têm gostado de outras Aqueles por exemplo que trabalham a partir de perspectivas marxistas ou feministas ou humanistas têm utiliza do o conceito de modo de endereçamento para provar que a maior parte dos filmes populares oferecem de forma repetida uma gama estreita e sistematicamente enviesada de posiçõesdesujeito Essa gama estreita exclui todo tipo de outras perspectivas e experiências sociais e culturais Onde estão os filmes de aventura ou de histórias so bre o desabrochar da adolescência dirigidos às garo tas de 12 anos de qualquer origem racial ou étnica 26 Por que parece ser certo colocar esta questão entre parênteses Mas os filmes tradicionais de Hollywood não pecam apenas por omissão Eles também pecam por repetidamente darem a entender por meio da ex clusão ou do ridículo ou da punição inscrita na nar rativa que ser uma garota ou ser negroa ou gay ou gordoa ou falante de espanhol ou ser uma ga rota e uma ou outra dessas identidades não é a coi sa certa Ou ser um tipo particular de garota ou garoto ou latinoa ou gordoa pode ser certo mas ser outro tipo não Fazer a pergunta quem este filme pensa que você é ou quer que você seja significa pois fazer uma pergunta carregada Tratase de uma questão formula da pelos estudiosos do cinema que acham que os modos de endereçamento dos filmes isto é quem filmes particulares pensam que você é ou quem eles querem que você seja podem contribuir para rela ções desiguais de poder e para a formação inconscien te de subjetividades específicas Há subjetividades específicas homens e mulheres sexistas e machistas racistas de qualquer cor pessoas ricas e poderosas vol tadas à exploração dos outros por exemplo e dinâ micas de poder que alguns estudiosos do cinema não querem ver formados ou recompensados pelas nar rativas e pelos sistemas de imagem dos filmes Eu não Alguns cineastas convencidos de que as rela ções sociais e de poder podem ser afetadas pelo fato de fazer e de ver filmes têm feito algumas 27 experimentações com vários tipos de contracine ma Algumas cineastas feministas por exemplo têm tentado voltar as convenções de Hollywood contra si próprias Elas tentam chamar a atenção rejeitan doos para os prazeres de se ver filmes que depen dem da objetificação dos corpos das mulheres e da repressão de sua agência Chantal Akerman por exemplo em um filme de 3 horas e meia feito em 1975 intitulado Jeanne Diel man descreve três dias na vida de uma mulher belga uma viúva pequenoburguesa donadecasa e mãe Annette Kuhn 1982 descreve o filme desta forma Seus movimentos ao redor de seu apartamento sua execução das tarefas diárias são descritos com grande precisão muitas de suas tarefas são filma das em tempo real A rígida rotina de Jeanne in clui uma visita diária de um homem um homem diferente a cada dia cujo pagamento por seus serviços sexuais ajudamna a mantêla e a seu filho O trabalho doméstico nunca foi provavel mente descrito com tanto detalhe em um filme de ficção por exemplo uma seqüência de cinco minutos mostra Jeanne no terceiro dia preparan do um bolo de carne para o jantar A recusa em efetuar tomadas feitas do ponto de vista da perso nagem implica uma rejeição do efeito de fixa ção da sutura do filme clássico a espectadora é forçada a manter distância tanto em relação à nar rativa quanto em relação à imagem construindo a história e produzindo expectativas em relação à narrativa por conta própria p 1734 A idéia é que um filme como Jeanne Dielman é mais aberto e menos manipulativo no seu 28 posicionamento de seu público do que um filme de Doris Day na qual ela faz o papel de uma donade casa Um filme como esse se nega a utilizar os mo dos de endereçamento típicos de Hollywood os quais fixam a espectadora a uma única forma de interpretar o filme Por exemplo Ackerman negase a fazer tomadas a partir do ponto de vista ótico de Dielman Ela se nega a utilizar essa convenção de operação da câme ra que é familiar ao público e que está destinada com freqüência a suscitar sua empatia e cumplici dade imaginária para com as intenções experiên cias e objetivos de um determinado personagem Sendo supostamente mais aberto e menos manipula tivo o modo de endereçamento de Jeanne Dielman dá força teoricamente à espectadora para que ela possa construir a história e produzir expectativas em relação à narrativa por conta própria As experiências de contracinema têm produzido toda uma série de estratégias para endereçar o públi co que nunca ou raramente são vistas nos filmes de Hollywood tais como a tomada estática com dura ção de 5 minutos de Dielman fazendo bolo de car ne Essas experiências têm ampliado o léxico narrativo e visual e as expectativas do público à disposição das cineastas E em alguns casos essas inovações têm mudado a política de representação que reina em Hollywood podese também dizer que essas inovações foram cooptadas dependendo da perspectiva A esperança revolucionária era de que diferentes modos de endereçamento nos filmes pudessem 29 mudar os tipos de posiçõesdesujeito que estão dis poníveis e que são valorizados na sociedade Filmes como Jeanne Dielman poderiam inclusive produ zir novos sujeitos sociais novos tipos de mulhe res por exemplo mulheres que tenham o poder de construir suas próprias histórias e expectativas Em outras palavras tais filmes poderiam produzir uma mudança social para melhor Mas tampouco isso é uma coisa simples ou dire ta Filmes como Jeanne Dielman são difíceis de se rem lidos quando se está acostumado a ler os filmes de Hollywood E quando filmes difíceis de serem lidos filmes que rejeitam as fantasias e os prazeres usuais e esperados sexistas racistas escapistas tornamse parte de uma estratégia política intencio nal então como diz um crítico de cinema A linha de divisão entre o estranhamento como uma espécie de distanciamento apaixonado e re flexivo e o estranhamento como alienação no pior sentido da palavra é obviamente muito tênue COOK 1985 p 220 Em outras palavras alguns filmes produzidos em nome do contracinema e do reforçamento de po der empowerment de seus espectadores são difí ceis de ler ou alienadores por causa da forma como eles negam e denegam os prazeres do ato de ver filmes na sua forma mais convencional Pior ainda alguns dos públicos a quem eles pretendem se diri gir não querem necessariamente renunciar a seus culposos prazeres O prazer e a fantasia podem ser políticos mas isso não é tudo o que eles são 30 Sim eu 1 e eu 2 e eu 3 e Judith Mayne é uma estudiosa feminista do ci nema Ela é o tipo de espectadora feminina a quem podese dizer muitas das experiências de contraci nema são endereçadas Ela escreve Posso ser uma espectadora beminformada mas isso não diminuiu meu prazer naquilo que algu mas pessoas podem considerar como produtos in feriores como por exemplo os filmes de Arnold Schwarzenegger Em vez disso o estudo do ato de ver filmes me tornou consciente em termos bem ordinários e cotidianos dos tipos de impul sos contraditórios que compõem o prazer Pois embora o feminismo por exemplo constitua de forma plena uma parte de minha vida cotidiana eu tenho fantasias regressivas um tanto peculiares isto é peculiares para meus amigos e para minha família não para mim sobre a adolescência mas culina as quais recebem uma perfeita expressão em Schwarzenegger O ato de ver um filme é um dos poucos lugares em minha vida no qual as atra ções para com a adolescência masculina e a poéti ca do feminismo de vanguarda coexistem Pois a abordagem particular do ato de ver filmes desen volvida por Chantal Ackerman por exemplo me envolve de forma diferente mas tão satisfatória quanto os filmes de Arnold Schwarzenegger 1993 p 3 Como uma pessoa que está acostumada a ir ao cinema Mayne é não apenas capaz de agir contra aquilo que suas amigas feministas e ela própria pro vavelmente chamariam de seus melhores interesses 31 como uma mulher em uma cultura dominada por homens mas ela é também capaz de desejar e des frutar dessa representação no ato mesmo de pôla em execução Ora isso coloca um grande problema para pes soas que pensam que o modo de endereçamento pode fazer a diferença entre de um lado um ato de ver filmes que é crítico reflexivo e apaixonada mente distanciado e de outro uma ato de ver fil mes que como diz Mayne 1993 me faz representar e esquecer p 3 e realmente reforçar práticas prazeres e desejos cinemáticos e culturais dominantes e injustos Obviamente o modo de endereçamento de um filme não é algo onipotente Alguns estudiosos do cinema têm adotado a ên fase que a chamada teoria de resposta do leitor coloca no ato de leitura deslocando o poder do ato de atribuir sentido para o espectador Eles têm rea lizado estudos de recepção para tentar entender e reconhecer a agência que os espectadores sempre têm exercido nos filmes Não importa quanto o modo de endereçamento do filme tente construir uma posição fixa e coerente no interior do conheci mento do gênero da raça da sexualidade a partir da qual o filme deve ser lido os espectadores re ais sempre leram os filmes em direção contrária a seus modos de endereçamento respondendo aos filmes a partir de lugares que são diferentes daque les a partir dos quais o filme fala ao espectador Essa mudança de foco do modo de endereça mento do texto para a resposta que lhe é dada pelo espectador tem levantado a questão das diferentes 32 leituras que são feitas não apenas por parte do mesmo espectador tal como nas duas leituras de Maynes a feminista e aquela baseada na fantasia sobre garotos de sua adolescência mas também das diferentes lei turas que são feitas por diferentes tipos de público Mayne e outras teóricas do cinema têm utiliza do o ato de ver filmes das pessoas negras e das pes soas gays como exemplos de lugares de ver o filme que supostamente diferem drasticamente daqueles endereçados pelo cinema convencional Como pú blicos negros gays ou ambos por exemplo lêem filmes que nunca lhes são endereçados Mayne 1993 por exemplo examina essa ques tão evocando a descrição de como uma platéia ne gra de resistência vê o filme The defiant ones 1958 Aquele filme conta a história de dois prisioneiros fugitivos um deles branco Tony Curtis e o outro negro Sidney Poitier Durante a maior parte do filme eles estão presos um ao outro por meio de algemas Contase por meio de sua relação uma parábola sobre as rela ções raciais nos Estados Unidos p 155 Pelo fato de o filme ser um mito branco sobre as relações entre negros e brancos ele contém numerosos pontos cegos para utilizar a linguagem da teoria do cinema dos anos 70 nos quais o personagem de Poitier age não como um homem negro mas como a imagem branca sobre o que é ser um homem negro p 155 A verdade da negritude de Poitier estava à mercê nesse filme da mentira do mito das 33 relações entre brancos e negros da narrativa de sua inabilidade em descrevêla da forma certa Entre tanto pelo desempenho de Poitier e pela forma como o público negro a sentia a verdade de sua negritude também frustra o poder da narrativa para realizar se completamente de acordo com o planejado Para mostrar que é isso o que ocorre Mayne cita a descri ção que James Baldwin 1976 faz da reação dos es pectadores brancos liberais como sendo de alegria quando Poitier salta do trem no final do filme sa crificando sua própria chance de escapar para ficar com seu amigo branco p 156 O público negro do Harlem que Baldwin descreve entretanto in dignouse com isso gritando Volta para o trem seu idiota BALDWIN 1976 p 76 Nós quem Assim as teóricas do cinema reconhecem que os públicos não são todos iguais e que os diferentes públicos fazem leituras diferentes e extraem praze res diferentes e muitas vezes opostos do mesmo filme Mas esse reconhecimento tem produzido seus próprios problemas Por um lado um pressuposto tácito de grande parte da teoria do cinema é que quando a posição social visada pela produção cine matográfica de Hollywood possui os atributos da dominação branco masculino heterossexual de classe média etc e Hollywood endereçase àquela posição então os espectadores dominantes tais como os constituídos pelo público branco e liberal do filme The defiant ones fundemse de forma sim biótica na tela MAYNE 1993 p 159 Supõese 34 que os espectadores dominantes ajustamse de forma natural e pouco problemática à posição ideológica e de prazer que lhes é oferecida Todos os outros tais como os que formam o público negro do Harlem são considerados margi nais e resistentes E pelo fato de que a resistência é não apenas interessante mas necessária à maior parte dos projetos políticos da teoria do cinema os estu dos de recepção tendem a se concentrar nos assim chamados espectadores marginais e subculturais Entre as questões típicas de pesquisa estão as que se seguem Existe resistência e diferença relativamente ao endereçamento sedutor e homogeneizador de Hollywood Onde Quem resiste Quem é diferen te Como eles resistem e mantêm a diferença Como podemos fazer com que a diferença e a resistência se difundam O problema com esse tipo de abordagem argu menta Mayne 1993 é que ela estabelece um dua lismo entre espectadores dominantes e especta dores marginais e portanto resistentes e perpetua a falsa dicotomia do nós e eles no mo mento mesmo em que tenta enfraquecêla Definir o outro como a vanguarda do ato de ver filmes ape nas inverte a dicotomia p 159 Além disso ainda não está claro para aquelas pes soas que trabalham no campo dos estudos de cinema o quê precisamente constitui um público A utilização das noções de identidade e política de identidade para estudar o que variados grupos so ciais supostamente fazem com os filmes não contri buiu para tornar as coisas mais claras Falar de um 35 público gay por exemplo sugere que todos os homens gays e todas as mulheres lésbicas partilham alguns padrões específicos de identificação ou al gum tipo de capacidade inerente para ler o texto do filme a contrapelo Mayne 1993 p 166 Mas é tão impossível identificar uma experiência do ato de ver filmes das pessoas gays ou lésbicas que seja comum a todas as pessoas de um desses grupos para não falar de uma experiência que seja comum a ambos os grupos quanto o é identificar um único modo de ver filmes para negros mulheres ou garotos de 12 anos Na verdade os críticos literários e os estu diosos do cinema estão agora argumentando que existem fortes correntes homossexuais em todos os atos de ler e ver filmes e que uma presença afro americana orienta todos os textos culturais estaduni denses moldando as experiências que os leitores brancos têm de si próprios e de outros Sedgwick 1990 Morrison 1992 Quer dizer não se pode dar muito crédito às distinções que em geral se fazem entre centro e margem Ainda assim argumenta Mayne 1993 a análi se acadêmica sobre a política do ato de ver filmes criticamente continua em geral presa a um raciocí nio do tipo ou isto ou aquilo Ou estamos falan do de uma micropolítica do espectador e do grupo social marginal na qual toda leitura é um ato de contestação porque o modo de endereçamento do filme nunca se encaixa perfeitamente ou pelo fato de que esses atos localizados subculturais de leitura resis tente supostamente não se somam para levar à mu dança social estamos falando de uma macropolítica na qual nada significa realmente contestação a 36 menos que seja parte de uma pauta política glo balmente definida p 172 Como em todos os empreendimentos acadêmi cos os interesses políticos afetam as teorias sobre as formas como as pessoas vêem os filmes e sobre as formas como eles devem ser vistos Como diz May ne 1993 o propósito mesmo dos estudos acadê micos do ato de ver filmes é o de encorajar o desenvolvimento de um ato de ver crítico sobretu do na medida em que em sua grande maioria aque les que escrevem estudos de cinema também ensinam p 165 Por crítico Mayne não quer dizer simplesmente um ato de ver educado ou bem informado Ela quer dizer um ato de ver que resis te de forma ativa a se tornar cúmplice dos filmes convencionais na produção de significados que sim plesmente reinscrevem a objetificação dos corpos e das vidas das mulheres a normalidade heterosse xista a exploração econômica e os estereótipos ra cistas por exemplo Muitas das pessoas que estudam e ensinam cine ma desejam entender melhor a forma como o pú blico lê filmes de forma que se possa ensinar de forma melhor o público a ler filmes de forma resis tente O que subjaz a esses estudos como diria Fou cault 1979 é o desejo de estilizar as leituras pouco críticas dos espectadores estudantes para que se transformem em leituras críticas Mas em sua maior parte aqueles de nós que estamos interessados em estimular a mudança social estamos sujeitos a lapsos na nossa forma crítica de ver filmes como os exemplificados na entrega às 37 fantasias de adolescência via filmes de Schwarznegger que Mayne se permitia E esses lapsos prazerosos e em parte bemvindos apontam para alguns dos dilemas que são enfrentados pela maior parte das teorias de mudança social complicando as estraté gias políticas e educacionais lançadas em seu nome O MODO DE ENDEREÇAMENTO COMO EVENTO Na ausência de ajustes previsíveis e controlá veis entre os modos de endereçamento e a experiên cia do espectador algumas teóricas do cinema desistiram de tentar atribuir um tipo de ato de ver resistente a cada tipo de público marginaliza do à medida que ele responde aos vários tipos de modos de endereçamento Elas deslocaram sua aten ção do modo de endereçamento como um aspecto relativamente estático do texto de um filme para o modo de endereçamento como um aspecto mais flui do dos contextos nos quais os espectadores usam os filmes Mayne 1993 descreve essa mudança de ênfase como uma mudança que vai de questões do tipo como públicos constituídos de pessoas gays e lésbicas resistem aos modos de endereçamento dos filmes convencionais para questões tais como que papel exerce o ato de ver filmes na forma como as pessoas e grupos imaginam e constituem variadas culturas e identidades culturais e sociais como os próprios modos de endereçamento são assumi dos e usados juntamente com uma ampla rede de textos e contextos incluindo os rumores e as fofo cas na construção de identidades práticas culturais 38 e grupos organizados e politizados como o estilo camp2 que pode ser compreendido como um exa gero das formas pelas quais os modos de endereça mento deixam de atingir quase todo mundo funciona como um prazer social partilhado no inte rior das comunidades gays e lésbicas como o ato de ver filmes é usado na constituição das lésbicas e dos gays como uma força política como quando os gays se organizam como um grupo de consumo para questionar a representação homofóbica que caracte riza os filmes convencionais p 166 MODO DE ENDEREÇAMENTO QUESTÕES NÃORESOLVIDAS Ao perguntar quem este filme pensa que você é as estudiosas do cinema se saíram com algumas idéias e alguns argumentos bastante interessantes sobre o funcionamento das estruturas narrativas e os sistemas visuais em filmes reais É difícil por exemplo discor dar do argumento de que os filmes falam de algum lugar no interior das idéias fantasias ansiedades de sejos esperanças e dos eventos atualmente em circula ção e de que esse algum lugar possa ser localizado por meio de um exame das formas pelas quais certos personagens vozes pontos de vista discursos e ações são visual e narrativamente privilegiados e recompen sados em detrimento de outros nos filmes É também difícil discordar do argumento de que esse privilegiamento e essa recompensa por meio do modo de endereçamento constituem uma tentativa por parte dos produtores de filmes para antecipar 39 e falar para as ansiedades os medos os gostos as esperanças e as formas de dar sentido do público por eles desejado Parece claro que ao falar para es ses elementos um filme tenta encontrar o público que ele imagina e deseja no lugar onde se encon tram seus medos e suas esperanças Mesmo que o público nunca esteja no lugar para o qual o filme fala o lugar que o filme endereça parece existir como um lá abstrato e partilhável uma posiçãodesu jeito imaginada no interior do poder do conheci mento e do desejo que os interesses conscientes e inconscientes por detrás da produção do filme pre cisam que o público preencha Abstratamente ou não os filmes parecem convidar os espectadores reais a essas posições e encorajálos ao menos ima ginariamente a assumir e a ler o filme a partir de lá E os espectadores parecem ser recompensados com o prazer da narrativa com finais felizes com experiências coerentes de leitura por assumir e agir a partir daquela posição imaginária à medida que interpretam o filme Entretanto a maior parte das teóricas do cine ma concordaria que as questões sobre a relação en tre de um lado a posição abstrata supostamente atribuída aos espectadores de um filme por seu modo de endereçamento e de outro a pessoa real que vê o filme não foram resolvidas Os prazeres que te mos com os filmes rejeitam teimosamente quais quer dicotomias rígidas entre de um lado simples e puros atos de reprodução altamente receptiva e cúmplice das posições que nos são oferecidas e de outro a resistência crítica a essas posições ou sua completa rejeição 40 O que parece claro para mim depois de vinte e cinco anos de estudos de cinema é que as relações entre a forma como os textos cinematográficos en dereçam seu público e a forma como os espectado res reais lêem os filmes não são nítidas ou puras elas tampouco são lineares ou causais E a busca por relações nítidas e puras lineares e causais não é uma busca inocente Como diz Mayne 1993 as ques tões sobre modos de endereçamento feitas por pes quisadores do cinema têm sido questões assom bradas têm sido questões assombradas por desejos de realizar a possibilidade do ato de ver filmes como uma potencial atividade de vanguarda com vistas a pautas políticas progressistas p 172 Esses de sejos são orientados por uma política totalizante suas interpretações de um determinando filme ou são de resistência e portanto revolucionárias ou são de cumplicidade e portanto reacionárias Os estu dos do cinema estão agora às voltas com os signi ficados da posição pósmoderna de que uma polí tica totalizante mesmo que sua intenção seja progressista não é realizável e talvez em última instância não seja desejável Os estudos do cinema ainda não deram respostas convincentes às questões que diferença faz o modo de endereçamento de um filme faz alguma dife rença a quem o espectador ou a espectadora cons ciente ou inconscientemente pensa que ele ou ela é que diferença faz quem um espectador ou uma espectadora pensa que ele ou ela é à forma como ele ou ela age no mundo podem diferentes modos de endereçamento provocar ou encorajar outras ou diferentes formas de ser e agir no mundo 41 Em outras palavras pode a mudança social co meçar ou ser estimulada pelas formas pelas quais os públicos são endereçados pelos filmes E uma vez que a educação tem a ver com mu dança como um educador ou uma educadora pode reescrever algumas dessas questões Pode a mudan ça social ou mudanças individuais nas formas como alguém compreende o mundo começar e ser esti mulada pelas formas como os estudantes e as es tudantes são endereçados pelo currículo e pela pedagogia Podem os professores e as professoras fazer uma diferença em termos de poder conhecimento e de sejo não apenas por aquilo que eles e elas ensinam mas pela forma como eles e elas endereçam seus alu nos e suas alunas Tratase de questões ainda não resolvidas nos estudos sobre cinema E de questões que sequer são feitas na educação MODO DE ENDEREÇAMENTO UMA COISA DE EDUCAÇÃO TAMBÉM Quando deixamos a primeira parte deste ensaio as estudiosas do cinema estavam mudando os tipos de questões que elas estavam fazendo sobre o modo de endereçamento Inicialmente nos anos 70 elas tinham formulado a questão do endereçamento em termos do posicionamento do espectador ao per guntar como o modo de endereçamento de um filme posiciona seus espectadores no interior de re lações de poder conhecimento e desejo Nos anos 42 90 elas começaram em vez disso a perguntar como os públicos adotam e utilizam os termos do modo de endereçamento de um determinado filme juntamente com uma ampla rede de outros textos e contextos como materiais com os quais podem imaginar e viver identidades culturais e sociais O que causou essa mudança foi em parte a con clusão por parte das teóricas do cinema de que to dos os modos de endereçamento erram seus públicos de uma forma ou de outra Não existe ne nhum ajuste exato entre endereço e resposta o que nos faz concluir que não há como garantir a respos ta a um determinado modo de endereçamento O que eu gostaria de argumentar agora é portanto que o fato de não existir um ajuste exato entre en dereçamento e resposta torna possível ver o endere çamento de um texto como um evento poderoso mas paradoxal cujo poder advém precisamente da diferença entre endereçamento e resposta Lembram como Mayne 1993 p 3 apresentou seu culpado desejo de ver os filmes de Schwarze negger como um exemplo de que os públicos exce dem e extravasam as posições aceitáveis que lhes são oferecidas por exemplo pelos modos de endere çamento feministas Quero argumentar aqui que a diferença entre quem um endereçamento pensa que seu público é e o quem que os membros do públi co concretizam por meio de suas respostas é um re curso que está à disposição tanto dos produtores de filmes quanto dos públicos em seu envolvimento na atividade de dar sentido aos textos cinematográficos no processo de produção cultural e na prática da in venção de novas identidades sociais 43 Vou explorar neste capítulo os significados que o paradoxal poder de endereçamento pode ter para os educadores O que pode um professor fazer com o espaço momentoso e volátil da diferença ou de sajuste entre de um lado quem um currículo pen sa que seus estudantes são ou deveriam ser e de outro a forma como os estudantes realmente usam o endereçamento de um currículo para constituí rem a si próprios e para agir sobre a história e na história Como os professores podem tirar vanta gem do fato de que todos os modos de endereça mento erram seus públicos de uma forma ou outra utilizando isso de forma interessante e cria tiva Vou fazer três afirmações sobre a falta de ajuste ou sobre o espaço de diferença entre o endereça mento e a resposta Em primeiro lugar o espaço da diferença entre o endereçamento e a resposta é um espaço social formado e informado por conjunturas históricas de poder e de diferença social e cultural Em segundo lugar o espaço da diferença entre endereçamento e resposta é um espaço que carrega os traços e as imprevisíveis atividades do inconsci ente tornandoo assim capaz de escapar à vigilân cia e ao controle tanto por parte dos professores quanto por parte dos estudantes Em terceiro lugar o espaço da diferença entre endereçamento e resposta está à disposição dos pro fessores como um recurso poderoso e surpreenden te Entretanto e de forma paradoxal os professores não podem controlar o modo de endereçamento nem mesmo por meio de práticas pedagógicas como 44 por exemplo as práticas chamadas de dialogais cuja intenção seja regulálo Assim neste capítulo quero ampliar ainda mais meu paradoxal argumento de que o modo de ende reçamento é uma coisa poderosa que os educadores não devem ignorar sendo preciso considerar entre tanto que todos os modos de endereçamento er ram seus públicos de uma forma ou de outra O poder de endereçamento não é pois o poder de obter à vontade respostas previsíveis e desejadas dos estudantes ou dos públicos Não é o poder de posicionar os estudantes em algum desejado e pre ciso ponto do mapa de relações sociais O poder de endereçamento não é algo que os professores pos sam dominar controlar predizer ou transformar em uma tecnologia E contudo meu propósito é o de mostrar que ignorar o poder do endereçamento empobrece os professores Em que sentido o termo poder está sendo utilizado aqui Se o poder de controlar pre dizer e dirigir as respostas dos estudantes por meio do endereçamento não está à disposição dos profes sores qual é então o poder de endereçamento que os professores devem explorar Tentarei no que se segue explicar o que quero dizer quando digo que no ensino o poder de endereçamento reside em seu caráter indeterminado O MODO DE ENDEREÇAMENTO E O VOLÁTIL ENTREESPAÇO O espaço entre um filme e seu público ou entre um currículo e seus alunos vistos como espectadores ou 45 leitores é um espaço volátil E é esse entreespa ço que os modos de endereçamento tentam mani pular Nos filmes a volatilidade desse espaço é reconhecida e explorada em favor do lucro comer cial e do valor de entretenimento Mas Hollywood nunca teve muito êxito em ga rantir a reação de um público por meio da utiliza ção de um modo particular de endereçamento Em geral determinar o sucesso de um filme é uma ques tão de adivinhação Na verdade as pessoas envolvi das na produção de um filme são as que em geral se mostram mais surpresas quando um filme atinge seu público em cheio fazendo dele um sucesso Por exemplo Thelma e Louise Falando de amor e Clube das desquitadas são todos filmes sobre os quais os espectadores e os críticos disseram coisas como as histórias e os personagens são exagerados bei rando o fantástico ou as mulheres não se pare cem absolutamente com mulheres reais em qualquer sentido literal E entretanto os termos por meio dos quais esses filmes endereçaram seus públicos o quem que eles pensavam que suas espectadoras eram tocaram em pontos sensíveis de um grande número das mulheres que foram vê los E ninguém previu a avassaladora reação dessas espectadoras a filmes que nunca pretenderam ser grandes sucessos de bilheteria É aqui que eu gostaria de sugerir uma razão para o caráter escorregadio da prática do endereçamen to Isso pode ser também uma razão para a nature za paradoxal de seu poder Tratase de uma razão que penso eu pode libertar a noção de modo de 46 endereçamento de suas formulações dos anos seten ta com sua dependência do estruturalismo e sua concepção de posições fixas conhecíveis localizá veis e portanto endereçáveis Considerando a emer gência nos Estudos Culturais de teorizações sobre a possibilidade de posicionamentos sociais fluidos múltiplos cambiantes e estratégicos penso ser pos sível dar uma formulação atual ao conceito de modo de endereçamento ressaltando o jogo e o poder da diferença que estão aí implicados Consideremos por um momento o final de Thelma e Louise Depois de pesarem suas opções que incluíam serem presas por assassinato e encar ceradas no Texas serem imediatamente baleadas pela polícia ou se atirarem com o carro no precipício em frente delas Thelma diz acelera Louise E as duas mulheres se atiram com o carro juntas no precipício Aquele segmento de diálogo acelera Louise é um elemento do modo de endereçamento do filme Assim como o é a atitude com a qual Thelma pro nuncia a frase Assim como o é a atitude com a qual Louise recebe a frase Assim como o é o final que se inicia com a fala e a escuta dessa frase São todos eles elementos do modo de endereçamento do filme que se desenvolvem nesse momento Mas a frase acelera Louise não constitui em si e por si o modo de endereçamento do filme O modo de endereça mento do filme lembremos é invisível nãolocalizá vel é uma relação e não uma coisa É um produto da contínua interação entre uma série de aspectos dos usos particulares de forma de estilo e estrutura nar rativa feitos por um determinado filme 47 Assim que relação constitui o modo de endere çamento de um filme em qualquer momento deter minado Como podemos dizer qual relação entre os elementos do filme constitui seu modo de ende reçamento e qual relação constitui digamos o esti lo visual de um diretor particular O que eu gostaria de sugerir é que o modo de endereçamento do filme nesse ponto de Thelma e Louise consiste na escolha dessa frase acelera Loui se na atitude corporificada nessa frase na respos ta que ela provoca e no final iniciado por essa frase à plena luz da diferença e dos conflitos entre cada um desses elementos e todas as outras opções disponí veis aos produtores do filme social e historicamen te no momento em que o filme é feito Em outras palavras o que estou dizendo é que o paradoxal poder de endereçamento consiste na dife rença entre de um lado todas as outras frases que poderiam ter sido ditas e foram ditas em outros fil mes telenovelas noticiários romances comédias da tevê e de outro a frase que foi dita aqui O modo de endereçamento consiste na diferença entre o que po deria ser dito tudo o que é histórica e culturalmen te possível e inteligível de se dizer e o que é dito É aqui e dessa forma que o modo de endereça mento excede as fronteiras do próprio texto do filme e extravasa para as conjunturas históricas da produção e da recepção do filme O modo de endereçamento en volve história e público e expectativa e desejo O poder de endereçamento o que um públi co faz dele navega na diferença entre a decisão do cineasta em escolher a frase acelera Louise 48 e todas as outras escolhas que eram histórica e discursivamente possíveis e inteligíveis E o poder de endereçamento navega nessa escolha acelera Louise contra o pano de fundo de formas emer gentes mas ainda não disponíveis discursivamente de representar e responder à situação das mulheres E é esse caráter de acontecimento histórico e cultural do endereçamento que faz com que se tor ne impossível que os produtores de filmes possam controlálo inteiramente da forma que eles contro lam por exemplo a iluminação Talvez seja por isso que não seja concedida nenhuma estatueta do Os car ao Melhor Modo de Endereçamento É intrigante considerar isso é o endereçamento de um filme a seu público a coisa que faz ou impede a popularidade ou a importância cultural de um fil me Não se poderia dizer que alguns filmes fracas sam não porque suas histórias ou seus atores sejam particularmente ruins mas porque o modo de en dereçamento está mal sintonizado como se o tom de voz do filme ou sua atitude estivesse em atrito com diferenças ainda não articuladas fazen do uma diferença na forma como os públicos ob têm prazer em quem eles pensam que são ou em quem eles querem ser De forma similar algumas pedagogias e alguns currículos talvez funcionem com seus alunos não por aquilo que ensinam ou pela maneira como ensi nam mas pelo quem que colocam à disposição dos estudantes um quem que estimula sua imagina ção a serem e a agirem de uma determinada manei ra Talvez uma determinada pedagogia funcione devido aos significados que os estudantes dão à 49 diferença entre de um lado quem a atitude ou o tom do endereçamento dessa pedagogia pensa que eles são ou quer que eles sejam e de outro todos os outros quem que estão circulando por meio do poder e do conhecimento naquele momento com petindo por sua atenção por seu prazer por seu de sejo e por sua ação Talvez uma determinada pedagogia funcione porque essa diferença no ende reçamento essa mudança de endereçamento trans fere seu público de um lugar no qual eles não querem mais estar mas talvez ainda não tenham sequer se dado conta disso para um lugar que eles queiram experimentar por um tempo mesmo sem saber com segurança o que eles farão e encontrarão lá Infelizmente entretanto muito freqüentemen te a tarefa do professor consiste em neutralizar eli minar ou distrair os estudantes das diferenças entre o que um currículo diz e o que um estudante pega ou compreende e os voláteis aconteci mentos que se passam naquele espaço Não obstan te na medida em que as relações de sala de aula são moldadas pelos antagonismos sociais e econômicos mais amplos bem como definidos pelas relações de gênero e raça os educadores não podem cerrar o espaço da diferença entre endereçamento e respos ta Eles jamais podem impedir o medo a fantasia o desejo o prazer e o horror que fervilham no espaço social e histórico entre endereçamento e resposta currículo e estudante Não o currículo e a pedagogia os veículos pe los quais as instituições e as práticas educacionais endereçam seus estudantes e seus professores não são tesouros naturais aos quais faltam quaisquer 50 traços de horror humano OSTROW apud WILLARD 1993 p 85 E o modo de endereçamento visto como uma coisa da educação tem a ver em parte com traços de horror humano Tentarei explicar O INCONSCIENTE E O VOLÁTIL ENTREESPAÇO Além das formas pelas quais os significados e as operações da história e da diferença social interfe rem com ajustes perfeitos há uma outra razão pela qual o rebelde e eruptivo espaço entre o modo de endereçamento de um currículo e a resposta da es tudante não vai simplesmente desaparecer Ele não vai desaparecer porque está habitado pela diferença entre os conhecimentos conscientes e os conheci mentos inconscientes entre os desejos conscientes e os desejos inconscientes Por isso era inevitável que um educador fosse es crever um livro sobre o monstruoso e a educação DO NALD 1992 E não estou surpresa que para escrevê lo foi preciso alguém que estivesse profundamente envolvido com os estudos de cinema no exato mo mento em que a noção de modo de endereçamento estava sendo desenvolvida como um conceito crítico A relação de James Donald com os estudos de cine ma desenvolveuse em relação com seu trabalho como educador na Society for Education and Film and Televi sion da GrãBretanha Ele tem utilizado a mídia para perguntar que tipo de instituição é a educação Donald 1991 localiza sua discussão da insti tuição da educação no espaço que se abre entre as 51 respostas conscientes e as respostas inconscientes que as estudantes e as professoras dão aos textos e aos apelos educacionais Ele usa a psicanálise para introduzir a idéia de uma outra localidade um outro espaço uma outra cena o entreespaço que se coloca entre a percepção e a consciência p 5 Essa outra cena é a fissura a falta de ajuste a dife rença entre por exemplo de um lado os modos de endereçamento dos materiais educacionais mul ticulturais e de outro o real efeito psíquico em termos de sentimento de uma estudante que entra em contato com eles p 5 Além de chamar a atenção das educadoras para essa outra cena que se coloca entre a percepção e a consciência o trabalho de Donald explora o argu mento de que as fronteiras entre o lado de fora ou a sociedade por exemplo um texto curricular e o lado de dentro ou a psique por exemplo a com preensão da estudante não são nunca estáveis ou facilmente impostas 1992 p 2 Donald introduz assim dois momentos de ins tabilidade Existe uma falta de ajuste entre o lado de fora o currículo e o lado de dentro a compreen são E existem fronteiras instáveis impossíveis de serem impostas entre o lado de fora a sociedade e o lado de dentro o efeito psíquico do sentimento ou a psique individual Isso faz com que a relação entre um currículo e a compreensão que uma pro fessora ou estudante tem dele não seja uma deter minação de mão única e nem mesmo uma dialética Não é muito mais interessante que isso Donald argumenta que o espaço da diferença entre o currí culo e a compreensão da estudante é caracterizado 52 por oscilação deslizamento e transformações impre visíveis 1992 p 2 Oscilação deslizamento e transformações imprevisíveis não são imagens em geral invocadas quando as educadoras falam sobre a compreensão das estudantes A educação em seus momentos mais progressistas é governada em grande medida por uma outra imagem de como o lado de fora se ajusta ao lado de dentro Tratase da imagem da intera ção mútua que está freqüentemente associada com a noção de diálogo Obviamente a análise que Donald faz do deslizamento da instabilidade e da confusão representa uma versão menos asséptica de como existimos no mundo 1991 p 5 do que aquela que está implicada na noção de diálogo Para Donald no espaço inarticulado e inarticulável da diferença entre dois participantes no diálogo fervi lham o rumor a fofoca a proibição e a falta p 5 As fissuras entre o eu e o outro entre o lado de dentro e o lado de fora que o diálogo supostamen te transpõe abranda alivia e em última instância permite cruzar são cenas perturbadas por incerteza cognitiva pensamentos proibidos percepções pou co confiáveis e bastante instáveis Atravessamos para o outro lado do diálogo OShea 1993 adota os argumentos de Donald por causa das implicações que ele viu para suas pró prias práticas docentes De acordo com OShea o trabalho de Donald mostranos que nem mesmo aquelas subjetividades associadas com a vida públi ca por exemplo cidadão professor político po dem fugir da dinâmica da vida interior Mesmo aquelas subjetividades envolvidas na socialidade da 53 interação mútua não estão nunca desconecta das das fantasias dos desejos transgressivos e dos monstruosos terrores do tipo que emerge nos so nhos OSHEA 1993 p 504 E assim de acordo com essa visão as sociologias da educação que concebem a interação mútua pri mariamente quando não exclusivamente em ter mos de vida pública são extremamente empobrecidas Isso ocorre porque as fantasias que emergem na pri vacidade de nossos sonhos estão não obstante in timamente conectadas com a cidadania a educação e com nossas afiliações públicas Os assimchama dos desejos transgressivos privados e terrores mons truosos têm força em nossas assimchamadas vidas públicas porque não podemos nunca realizar ou completar as identidades que a sociedade exige de nós o bom cidadão o indivíduo livre e racional o acadêmico sofisticado e beminformado o bom pai ou a boa mãe o homem ou a mulher ideal p 504 Mas nossos fracassos em efetivar identidades ple nas completas inconsúteis não são patológicos Eles são normais O que a psicanálise oferece aos pro fessores de acordo com OShea 1993 pode ser mais bem compreendido não como uma descrição da socialização mas como uma descrição da im possibilidade de seu sucesso e da instabilidade da identidade p 504 É aqui que as formas da cultura popular entram na discussão que Donald faz sobre educação De acordo com Donald 1992 os filmes de horror o 54 monstruoso o grotesco o estranho o sublime são todos formas que nos ajudam a lidar com a insegu rança e as instabilidades de nossas identidades Eles nos ajudam a lidar com aquilo que não se encaixa que não pode ser satisfatoriamente identificado OShea 1993 p 504 O problema para Donald e OShea não está nos impulsos transgressivos ou nos terrores monstruosos em si Eles são afinal inevitá veis e podem até ser produtivos dada a impossibilida de da socialização e a precariedade da identidade Não o problema é que os discursos que temos utilizado para pensar sobre a educação e praticála mal começam a se dar conta de tudo isso Desde o Iluminismo argumenta OShea 1993 os discur sos educacionais dominantes seja do lado da so cialização seja do lado da libertação têm sido excessivamente racionalistas p 504 Com exces sivamente racionalistas OShea quer dizer que eles ignoram o fato de que não importa quão cuida dosamente os objetivos sejam estabelecidos os cur rículos planejados e implementados não existe qualquer garantia de que as subjetividades e os conhecimentos sociais oferecidos às alunas serão apropriados de acordo com a intenção com que foram imaginadas Pois não se trata apenas do fato de que as subjetividades são sempre problematica mente ocupadas mas de que elas também têm que passar pela emaranhada e confusa dinâmica do desejo da fantasia e da transgressão p 504 Isso resulta naquilo que OShea chama de eu rebelde e nãoresolvido p 504 Esse eu é aquilo que é gerado na fissura entre aquilo que se supõe 55 que sejamos e aquilo que na realidade nós não nos tornamos p 504 Longe de ser um impedimen to a ser ultrapassado ou resolvido Donald e OShea argumentam essa fissura deve ser adotada pelas educadoras É precisamente essa fissura que forne ce o espaço da individuação e da agência o recurso que sustenta não apenas a resistência bruta mas tam bém a recusa consciente e intencional OSHEA 1993 p 504 O fato do inconsciente pois faz explodir a pró pria idéia de uma identidade completa ou realiza da DONALD 1991 p 5 identidade consigo mesmo por meio da consciência ou identidade com outros por meio da compreensão Nossos fracas sos em nos tornarmos plenamente idênticas com aquilo que as normas sociais querem que nós seja mos ou com aquilo que nós próprias queremos nos tornar esses fracassos são incessantemente repe tidos e revividos momento por momento ao lon go de todas nossas histórias individuais p 4 Isso ocorre porque é impossível dizer tudo de uma vez por todas na linguagem Qualquer tentativa de di zer eu sou de fazer com que a linguagem se torne plenamente idêntica consigo mesma e comi go mesma me coloca contra os limites da lingua gem contra a impossibilidade de que a linguagem coincida com aquilo de que ela fala contra a fissura entre o que é falado e o que é referido contra o inevitável fracasso da linguagem Donald 1991 argumenta que de fato no pró prio centro da vida psíquica a autoidentidade ple na e completa é não apenas impossível mas que nós na verdade resistimos a ela Existe uma resistência à 56 identidade ao perfeito ajuste entre de um lado as normas sociais e de outro a forma como nós senti mos e o que queremos p 4 Essa resistência está ligada a um sentimento freqüentemente inconscien te de que nós somos de que devemos ser mais do que os eus que nossas culturas nossas escolas nossos governos nossas famílias nossas normas sociais e nossas expectativas estão nos oferecendo ou exigin do que sejamos É essa resistência às banalidades da normalização que torna a agência possível Ao negociar as autoimagens fornecidas pela educação e pela cultura popular o eu nunca reco nhece plenamente a si próprio Ele continua des confiado de que deve existir algo mais do que as normas e as banais transgressões que estão dispo níveis p 95 De fato se fosse possível obter ajustes perfeitos entre as relações sociais e a realidade psíquica entre o eu e a linguagem nossas subjetividades e nossas sociedades seriam fechadas Completas Acabadas Mortas Nada a fazer Nenhuma diferença Não ha veria nenhuma educação Nenhuma aprendizagem A EDUCAÇÃO E O VOLÁTIL E PSÍQUICO ENTREESPAÇO Os educadores simplesmente não têm lidado com questões de endereçamento da forma ou na exten são que os estudiosos do filme o têm feito Isso é muito curioso para mim Parece que paralelos e in tersecções entre estudante e público são inesca páveis Os estudantes e os públicos têm muito em 57 comum tanto como construtos teóricos quanto como participantes reais no processo de atribuição de sentido E com o advento dos novos meios inte rativos e os chamados edutainments educação entretenimento as fronteiras entre o estudante e o público estão se tornando ainda mais borradas e permeáveis Dessa forma tanto os filmes populares quanto os textos educacionais tais como livrostexto cur rículo vídeos e softwares educacionais fazem pres suposições sobre quem seus públicos são em termos de suas sensibilidades estéticas graus de aten ção estratégias de interpretação propósitos e dese jos leituras e experiências visuais prévias vieses e preferências Muito freqüentemente essas pressu posições estão baseadas em pressuposições adicio nais sobre a localização de membros do público no interior da dinâmica de raça gênero status social idade ideologia sexualidade rendimento educacio nal geografia Por exemplo os livrostexto utilizados na edu cação estão constantemente redesenhando sua apa rência para atrair públicos estudantis cujas estra tégias de leitura e cujos interesses são moldados de uma forma extraordinária pela televisão e pela música popular Parecendose cada vez mais com revistas populares e até mesmo com sites da Inter net os livrostexto endereçamse aos baixos graus de atenção e à familiaridade dos estudantes com es ses meios pela utilização de pequenos quadros des tacados do texto principal de referências cruzadas de atividades baseadas na cultura popular por exem plo componha um poema rap muita cor e uma 58 abundância de escolhas Os vídeos educacionais ao menos nos minutos de abertura e em um esforço para atrair a atenção dos estudantes freqüentemen te tentam se parecer com a MTV Os museus de ciência estão começando a se endereçar aos estu dantes de forma similar àquela dos filmes de ação e aventura de Hollywood Por exemplo a exposi ção interativa sobre a floresta tropical do Museu de Milwaukee aparece misteriosamente à medida que ando por uma densa floresta visual cercada por estranhos sons e odores subindo cada vez mais alto até a copa das árvores onde encontro estranhas cria turas que vivem suas vidas inteiras centenas de me tros acima do chão da floresta Tudo isso levanta a possibilidade de discutir os textos educacionais tais como livrostexto sites da Internet vídeos educacionais instalações de museus currículos multiculturais e as práticas pedagógicas tais como a interatividade o diálogo os meios uti lizados na sala de aula em termos de modo de en dereçamento O que significa para os educadores começar a reconhecer o paradoxal poder do endere çamento nos textos educacionais Quero aqui utilizar a forma como Donald questiona a educação para explorar o que está oculto quando ajustes exatos ou corretos entre o texto educacional e a compreensão do estudante são pressu postos desejados buscados O que é apagado e nega do e a que custo quando agimos como se não existisse nenhum modo de endereçamento no ensino Muito freqüentemente os professores ende reçamse aos estudantes de forma planejada para 59 eliminar minimizar ou conter as emaranhadas coi sas sociais históricas e inconscientes que poderiam confundir a compreensão de um texto educacional Para que um currículo ou uma pedagogia funcio nem alguns momentos de sala de aula e ideal mente todos eles têm que resultar em um ajuste entre o que está sendo ensinado e a compreensão do estudante E todo mundo estudantes e profes sores tem que estar na mesma página ao menos em parte do tempo especialmente quando se trata de exames e avaliação Como diz Karen Evans é isso que faz uma enorme diferença entre filmes e currículos ninguém submete os espectadores a um teste após a sessão de cinema comunicação pessoal 25 de outubro de 1996 O importante em termos dos propósitos da avaliação é que o estudante pegue o texto compreendao esteja consciente dele mesmo que o estudante não queira pegálo não se divertiu em pegálo ou não tem a intenção de utilizálo a educação é um sucesso quando a diferença entre um currículo e a compreensão que dele tem um estu dante é eliminada Podemos ver essa formulação em ação em um livro progressista recente sobre educa ção multicultural Um ensaio conclui que o que o tornou tão gratificante foi que as crianças estavam conscientes do que estavam fazendo Eu realmente acredito que no fim do ano quase todas as crianças compreendiam que tinham uma estrutura para es crever quisessem elas prosseguir ou não MIZELL BENETT BOWMAN MORIN 1993 p 46 É esse interesse estreito no ato de compreensão que faz com que seja possível agir como se o modo 60 de endereçamento não fosse uma questão ou um fa tor na educação É aqui que um encontro interdisci plinar com os estudos de cinema pode dar uma sacudida nas coisas e de forma produtiva acredito Que tal se da mesma forma que ocorre entre um filme e seu espectador a relação de um estudan te com o currículo fosse um evento confuso e im previsível que constantemente excedesse tanto a compreensão quanto a incompreensão Essa perspectiva não tem uma circulação fácil no campo da educação Entretanto tal como a leitura que um estudante faz de um filme sua leitura de um currículo passa constante e inevitavelmente pela coisa incontrolável do desejo do medo do prazer do po der da ansiedade da fantasia e do impensável Convidar os públicos a jogarbrincar nessa e com essa desordem é o feijão com arroz dos produtores de filmes Mas é exatamente planejando eliminar isso da aula do dia seguinte que os educadores em sua maioria ficam acordados até tarde da noite São exa tamente os atos e os momentos de desejo medo pra zer poder e desentendimento na sala de aula o que os educadores em sua maioria suam para tentar pre venir impedir negar ignorar terminar Uma coisa dessas é aterrorizante para professores com trinta ou quarenta crianças em uma sala de aula bem como para professores com doze estudantes de pósgra duação que estão escrevendo suas dissertações Além disso por que um professor ia querer vi ver nos domínios da ansiedade da fantasia do pra zer e dos jogos de poder Tais estados são estranhos se a relação que estamos realmente tentando fazer 61 acontecer entre o currículo e o estudante é pura e simplesmente uma relação de pegar ou não pe gar É certo que os educadores podem ser força dos a entrar nesses perturbadores domínios quando encontramos estudantes e professores que não pe gam o texto ou que quando o pegam não o querem Mas o problema de pegálo é raramente percebido como algum problema com a idéia de compreensão em si Ele é comumente concebido como uma questão de alguma relação onerosa entre os estudantes e seus contextos e constrições cultu rais e sociais mais amplos Em outras palavras os estudantes o pegarão apenas se eles tiverem as competências culturais as habilidades intelectuais ou as virtudes morais adequadas Isso permite que a própria idéia de compreen são deixe de ser analisada Isso faz com que a com preensão e sua expressão nos testes continue sendo vista como a relação apropriada desejada e em úl tima instância alcançável definindoassim o suces so para os professores Definir pois a relação entre currículo e estudan te em termos de compreensão e incompreensão sig nifica que na prática a maior parte dos textos educacionais endereçase aos estudantes como se suas pedagogias estivessem vindo de lugar algum no inte rior das relações circulantes de poder Ao se apresen tar como desejando apenas a compreensão os textos educacionais endereçamse aos estudantes como se os textos não fossem de ninguém como se não tives sem nenhum desejo de colocar seus leitores em qual quer posição exceto a de uma compreensão neutra benigna geral e genérica E a compreensão não é 62 realmente vista como posicionando os estudantes por meio de um modo particular de endereçamento porque supostamente a compreensão é tanto neu tra quanto universal Entretanto mesmo quando os professores estão se endereçando aos estudantes com uma atitude ou com um tom de voz neutro sem qualquer refe rência às ou ao aproveitamento das fissuras entre textos e leitores os termos de seu endereçamento tentam colocar os estudantes no interior de rela ções de conhecimento desejo e poder E os estu dantes por sua vez respondem aos modos de endereçamento em termos que colocam os profes sores e os currículos no interior de relações circu lantes e conflitivas de conhecimento desejo e poder Isso é verdade mesmo na prática pedagógica supos tamente democrática do diálogo O que é apaga do e negado e a que custo quando agimos como se fosse possível eliminar no diálogo por meio da compreensão o espaço da diferença entre o texto daquele que fala e a resposta daquele que escuta A própria crítica da educação feita por Donald conduz a essa questão Ele baseia sua crítica na idéia extraída da psicanálise de que ajustes perfeitos são impossíveis Um ajuste perfeito entre eu e socieda de entre relações sociais e realidade psíquica é uma impossibilidade 1991 p 7 E isso significa que também são impossíveis ajustes perfeitos entre tex to e leitura modos de endereçamento e interpreta ções do espectador currículo e aprendizagem o estudante ideal ou imaginado e o estudante real a educação multicultural e os sentimentos reais dos estudantes sobre raça 63 Parte do projeto de Donald como educador con siste pois em acrescentar os trabalhos do inconscien te às razões já em circulação para explicar por que os educadores não devem ver a relação entre o cur rículo do professor e a compreensão do estudante como uma relação de determinação unilateral As atuais formas de pensar e ensinar não oferecem muitas alternativas a essa formulação mas existem umas poucas As teorias sobre a resistência do estudante ao conhecimento escolar oficial por exemplo tentam apreender a forma pela qual os estudantes retru cam ao que estão aprendendo Mas os sociólogos da educação raramente pensam na resistência em termos do que acontece no espaço da diferença entre o lado de fora o social e o lado de dentro a psique individual Em vez disso a resistência é freqüente mente vista como aquilo que os estudantes fazem de pois que eles já alcançaram a compreensão Em outras palavras segundo essa perspectiva os estudantes pe gam o que está sendo ensinado mas por causa dos contextos sociais e culturais de desigualdade que in cidem sobre a relação estudanteprofessor os estudan tes recusamse a se conformar Ou ainda segundo essa perspectiva quando os estudantes resistem mesmo an tes que compreendam o que eles supostamente de vem aprender então a resistência é freqüentemente patologizada como alguma disfunção ou ruído em sua capacidade de compreender resultante de pro blemas com suas capacidades cognitivas grau de aten ção ou motivação Existe entretanto nos discursos educacionais uma alternativa a essa perspectiva que vê o ensino 64 como uma relação de determinação unilateral entre o currículo e a compreensão do estudante É essa a alternativa que mais me interessa porque ela real mente se endereça ao espaço da diferença entre o lado de fora o social o currículo e o lado de den tro a psique individual o estudante Na verdade ela supõe alcançar a compreensão pela eliminação do espaço da entrediferença Estou me referindo à relação de duas mãos entre o texto e o estudante chamada diálogo O DIÁLOGO COMUNICATIVO AFIRMA NENHUM MODO DE ENDEREÇAMENTO AQUI As educadoras constantemente invocam o diálo go como um meio para se chegar à compreensão sem imposição e de uma forma mais democrática do que a da determinação de mão única Ele é apresentado como uma forma de satisfazer desejos comuns e par tilhados por compreensão mesmo que permaneçam diferenças de opinião e poder As educadoras freqüen temente associam diálogo com democracia Elas con vocam o diálogo como um meio de assegurar que quando as estudantes e as professoras interagem elas estão sendo abertas em oposição a serem dogmáti cas e que elas estão dispostos a serem mudadas em oposição a serem ditatoriais pelas compreensões ra cionais em oposição às paixões e aos autointeresses irracionais a que elas acabam chegando Mas o que acontece quando o diálogo visto como uma estratégia de ensino como um condutor supostamente neutro de significado e intenção é 65 questionado sobre seus próprios interesses e inten ções A despeito do que está implícito em grande parte da literatura atual na educação o diálogo não é um estado natural do qual nós algumas vezes nos afastamos precisando da ajuda das professoras para recuperálo Ele não é tampouco a realização supre ma da civilização ocidental uma forma ideal de inte ração social que os outros da civilização ocidental deveriam se esforçar por alcançar Ele tampouco é a estrada real para a comunicação e a conexão em um mundo cronicamente carente de comunicação O que escapa às discussões sobre o diálogo em educação é isso o diálogo como uma prática de ensino advogada em quase toda a literatura educa cional é ele próprio uma relação socialmente cons truída e politicamente interessada Não importa se as educadoras apresentamno de forma simplista como uma conversação entre grupos interessados na busca de uma compreensão mútua ou como um meio mais teoricamente inspirado de constituir uma relação social transformativa entre os falan tes O diálogo como uma forma de pedagogia é uma prática histórica e culturalmente plantada Tratase de um instrumento socialmente construí do com intenções que fazem parte intrínseca de sua própria lógica O argumento que quero desenvolver aqui é que quando as professoras praticam o diálogo como um aspecto de sua pedagogia elas estão empregando um modo de endereçamento As regras e os movi mentos e as virtudes do diálogo considerado como uma forma de pedagogia não são neutros eles oferecem lugares muito particulares às professoras 66 e estudantes no interior de redes de poder desejo e conhecimento Negar que o diálogo seja um modo de endere çamento estruturado na história e na verdade inspi rado por interesses particulares significa concederlhe um status transcendental E é precisamente isso que parece acontecer em muitos discursos e práticas edu cacionais Supõese que o diálogo seja capaz de tudo desde construir conhecimento resolver problemas assegurar a democracia implantar processos coope rativos assegurar a compreensão construir virtudes morais e diminuir o racismo ou o sexismo até satisfa zer desejos por comunicação e conexão Mas não é assim tão fácil O que acontece com o diálogocomoumaestratégiadeensino tendo em vista a insistência de Donald no estado confuso e emaranhado do espaço entre o lado de fora da so ciedade do currículo e o lado de dentro da psique individual da compreensão do estudante O que acontece quando a ponte de supostamente duas mãos do diálogo entre estudante e texto estudante e professora estudante e estudante é uma ponte instável que oscila escapa e muda de forma impre visível O que acontece quando aquela ponte de duas mãos é habitada por medos horrores humanos his tória e diferença O diálogo no ensino não é um veículo neutro que carrega as idéias e as compreensões de quem fala para lá e para cá através de um espaço livre e aberto entre os dois pontos Ele é um veículo desenhado com uma tarefa particular em mente e o acidentado terreno entre falantes que ele atravessa faz com que 67 haja uma passagem constantemente interrompida e nunca completada Por exemplo quem o endereçamento do diálo go pensa que eu sou exatamente da mesma forma que o filme Jurassic Park pensa que eu sou nunca é exatamente quem eu fui ou que estou querendo ser disposta a ser capaz de ser Especialmente nos cur rículos e nas conversações sobre gênero raça se xualidade etnia o espaço entre um endereçamento e a resposta de um estudante é um espaço confuso e emaranhado atravessado pela história por interes ses e pela ignorância Quando alguém me convida para o diálogo ela me convida para uma prática particular que também existe em relação àquelas histórias interesses e ignorâncias e neles está envol vida E aquelas pessoas que iniciam o diálogo não importa quão imparciais ou abertas sejam suas intenções não podem deixar de se colocar em rela ção a mim a outros à história James Baldwin 1963 enfrentou isso em Uma fala para os professores quando ele falou sobre ser endereçado chamado como um crioulo Se eu não sou o que dizem que sou então isso significa que você também não é aquilo que você pensava que era E é isso que cons titui a crise p 8 Se eu não respondo do lugar situado no interior da relação social construída e interessada chamada diálogo à qual você falou quando se endereçou a mim então também você não está no lugar que você pensava E essa é a crise social política e pedagógi ca provocada se eu ouso recusarme a fazer dos in teresses que subjazem à relação dialógica os meus próprios interesses 68 ENSINANDO AS COISAS NÃO SÃO O QUE PARECEM E se a relação entre o currículo e a compreensão do estudante não puder ser desenhada como uma estrada linear de mão única na qual o currículo de termina a compreensão Ou nem mesmo como a rua de duas mãos composta daquelas versões do diálogo governada por regras nas quais os trajetos acabam se encontrando e então alegremente se separam em uma terceira e mutuamente consentida direção Que tal se a relação entre currículo e estudantes fosse desenhada como constituída de oscilações dobras e reviravoltas voltas e retornos inesperados Gostaria de enfatizar a diferença produtiva entre de um lado o pensamento de que nós sabemos o que estamos fazendo como professores quando por exemplo prescrevemos várias versões do diálogo para ensinar sobre e através da diferença social e cultural e de outro a idéia de que o ensino é indecidível É isso que quero dizer com indecidível não podemos observar inspecionar ou regular direta mente os espaços abertos pelos ajustes imperfeitos entre o que os currículos dizem que nós suposta mente devemos ser e aquilo que na realidade não nos tornamos O que impede os professores de ob ter objetivos pedagogicamente prescritos como por exemplo educar um indivíduo virtuoso em uma boa sociedade é o espaço entre a percepção e a consciên cia e esse espaço constitui um obstáculo à trans parência BAHOVEC 1993 p 167 Tratase de um obstáculo que também e afortunadamente im pede a possibilidade de vigilância total p 167 69 Ninguém argumenta Donald 1992 descobriu exatamente como as normas sociais afetam a textu ra de nossa experiência ou como elas são transfor madas nesse processo p 92 Não se trata apenas de que aquilo que ocorre nos espaços entre o social e o individual entre a percepção e a consciência esca pa à observação e ao controle direto por parte dos professores a partir do lado de fora mas é tam bém impossível de ser conhecido pelo indivíduo em questão a partir do lado de dentro Mas nós sabemos que o entre que fica entre a percepção e a consciência está lá mesmo que não possamos vêlo ou controlálo Nós sabemos que os processos culturais ope ram rotineiramente por meio do inarticulado do nãoregistrado por meio do hábito e da segunda natureza nós sabemos porque nós podemos tanto observar esses processos em outros quanto sur preender a nós próprios em processos culturais similarmente inconscientes Nós também sabe mos que agimos contra nossas melhores intenções ou fracassamos em fazer o que queremos fazer OSHEA 1993 p 505 É aqui que na análise de Donald a educação se torna mais parecida com um filme de horror do que com um programa de notícias Nós professores não podemos observar direta mente a desordenada dinâmica do desejo da fantasia e da transgressão que inevitavelmente descarrilham os conhecimentos e as identidades sociais que nossos cur rículos oferecem aos nossos alunos ou a nós próprios O espaço nos quais eles operam não é transparente 70 É por isso que Donald 1992 estuda os filmes de vampiro Ao se perguntar quê tipo de instituição é a educação ele não estuda os filmes instrucionais produzidos pela Encyclopedia Britannica Em vez disso fazendo a mesma coisa que se faz em outros campos como na psicanálise e na crítica literária Donald baseia seu trabalho nessa idéia a rebelde e nãoresolvida dinâmica do eu e da sociedade que reina naquele espaço entre a percepção e a cognição não pode ser diretamente observada ou regulada Mas essas dinâmicas podem ser acessadas indire tamente Podese interagir com elas e responder a elas de forma indireta metafórica por meio de alu sões literárias por meio da diferença entre endereço e resposta e por meio dos momentos em que a aná lise ou o raciocínio briga com a escrita Elas podem ser acessadas indiretamente por meio da atenção às ausências que estruturam o que está presente por meio da atenção àquilo que não se ajusta Podemos ir em direção a esse conhecer indireto metafórico de acordo com Donald se prestarmos atenção às formas culturais populares especialmente aquelas como os filmes de horror que são feitas das sobras lascadas que deixamos para trás depois de nossas desordenadas tentativas para ajustar nossos eus àqui lo que supostamente devemos ser para ajustar o social ao pessoal Essas sangrentas sobras sobem à superfície não muito metaforicamente nas partes corporais des membradas e na violência sexualizada e histérica de filmes tais como Pulp Fiction Pulp fiction tempo de violência e na obsessão com alienígenas tal como nos filmes The X Files Arquivo Xe Independence Day 71 Em Roseanne os desfeitos e os refeitos hilariantes e cruéis dA Família como uma Instituição Ameri cana estão baseados nos desejos nos medos e nos anseios que são violentamente truncados pelos mi tos americanos da boa mãe do bom pai do bom filho e da boa filha Assim argumenta Donald os educadores podem aprender algo sobre educação ao estudar a cultura popular especialmente os gêneros do horror e da fantasia Nos filmes de horror e de fantasia as coisas não são nunca o que parecem Quando um educa dor como Donald começa a explorar os significados da psicanálise para a educação quando se introduz a idéia de uma outra localidade de um outro espaço de uma outra cena o entreapercepçãoeacons ciência nas discussões sobre conhecimento apren dizagem e compreensão nós estamos excedendo o currículo oculto Não estamos mais falando sobre a oculta ideologia do currículo que pode ser trazida à luz e determinada por meio da análise Não estamos mais fazendo perguntas que já anteciparam suas pró prias e corretas respostas tais como o conhecimento de quem é ensinado e a quem beneficia Chegamos em vez disso à rachadura interna da educação a qual não pode ser resolvida BAHOVEC 1994 p 171 Chegamos à impossibilidade de ajustes per feitos entre aquilo que um professor ou um currículo quer e aquilo que um estudante compreende entre aquilo que uma instituição educacional quer e aquilo que o corpo estudantil responde entre aquilo que uma professora sabe e aquilo que ela ensina en tre aquilo ao qual o diálogo convida e aquilo que chega sem ser convidado 72 Que ocorreria se não houvesse nenhuma divisão nítida impostapormeiodasregrasdodiálogoou dapedagogiacrítica entre a autoridade da razão e seu outro lado habitado pelas figuras da loucura da sexualidade da morte e do diabólico p 171 O que ocorreria se a negatividade não viesse de fora e não pudesse ser dispensada A educação esbarra na impossibi lidade básica de se colocar um limite relativamen te ao mal à perversão que vem de fora e à que advém de dentro4 A frágil fronteira é apenas aquela da volta do parafuso pela qual o natural torna se nãonatural e sobrenatural o virtuoso tornase totalmente pervertido o bemintencionado e pres crito pelos fins da educação revela uma rachadura interna que não pode ser resolvida p 171 A rachadura não possível de ser resolvida den tro da própria educação seus perenes fracassos para produzir resultados sociais desejados ou para proteger suas jovens mentes de suas próprias som bras e daquelas da sociedade por meio da razão da compreensão e do diálogo torna a educação para Freud uma das profissões impossíveis Tal como na psicanálise e no governo observa Freud também na educação ninguém pode estar segu ro de antemão de obter resultados insatisfatórios ou satisfatórios FELMAN 1987 p 70 Como diz Donald Promessas exageradas sobre a realização da criança e o desenvolvimento da sociedade são incessante mente quebradas na prática O eu não pode ser perfeitamente adaptado às normas sociais mesmo 73 que por meio de técnicas cada vez mais difundi das de educação governo e terapia p 3 Donald diz que ele se voltou para a psicanálise esperando inicialmente encontrar algumas pistas para superar os frustrantes fracassos da educação e da política para produzir resultados sociais deseja dos Mas o que ele aprendeu em vez disso foi que essa impossibilidade é menos uma disfunção do que um signo do necessário fracasso da identidade na psique e no fechamento do social 1991 p 8 Sociedades e indivíduos inacabados bem como ajus tes fracassados entre o social e o individual são ne cessários para que sejam possíveis a agência a criatividade a paixão pela aprendizagem e as trans gressões e não a conformidade relativamente às relações de poder O que ocorreria se os professores se tornassem tão curiosos sobre a produtividade de nossas continu amente remodeladas ignorâncias faltas de ajuste e limitações do saber quanto têm sido sobre a forma como obter uma compreensão plena e completa Somos conduzidos para fora da caverna de Platão por meio de uma série de desilusões A forte luz da razão coloca até mesmo nossas sombras para correr Mas à noite quando nossas vidas nos fa zem retornar aos sonhos quem se importa com a razão WILLARD 1993 p 80 Nenhuma compreensão Nenhuma razão Ne nhum diálogo Nenhuma educação E entretanto as pessoas que se localizam e trabalham na rachadu ra interior do terreno da educação professores 74 dedicados e críticos como Donald Felman Lacan ainda assim ensinam aprendem lêem escrevem Estou agora ficando curiosa sobre os significados para mim como uma educadora das borradas e per meáveis fronteiras entre aquilo que os discursos edu cacionais têm tradicionalmente considerado como sendo o lado de fora o social o currículo e o lado de dentro a consciência a cognição o sentimento O que se torna inescapável e intrigante para mim é isso nossas vidas nos fazem retornar ao sonho inclu sive talvez especialmente sob as luzes florescentes de nossas aulas sobre a diferença social e cultural ou das nossas aulas que atravessam a diferença social e cultural E a forte luz de nossos currículos pode colo car até mesmo nossas sombras para correr Mas enquanto fogem elas escorregam e dão meiavolta e se deixam apanhar e se perdem e aca bam retornando para serem involucradas em nos sas vidas conscientes dos momentos de vigília transformadas pela jornada em algo irreconhecível ainda que familiar e de uma forma estranha mate rial novo ainda que antigo para tornarse curioso outra vez para se sujeitar de forma renovada à forte luz da razão apenas para ser posto a correr outra vez em uma nova e inesperada direção apenas para retornar às sombras a partir de um lugar que não podemos nunca predizer ou imaginar Enquanto entretenho essas idéias a educação da forma como eu tenho sido ensinada a pensar e a praticar tornase impossível E eu decidi como pro fessora perseguir meu desejo em outro lugar 75 Notas 1 Na tradução deste artigo ensaio uma nova forma de lidar com a questão do sexismo na linguagem Em vez de utili zar por exemplo professoresas procuro alternar no texto entre o masculino e o feminino Recentemente ouvi uma respeitável intelectual especialista em questões de linguagem e educação afirmar que o masculino em por tuguês é neutro e por isso não há nenhuma razão para considerar sexista sua utilização generalizada para se refe rir aos dois gêneros É para mim estranho que pessoas sofisticadas em questões de poder política e linguagem continuem isentando a gramática de qualquer cumplici dade na perpetuação de relações de desigualdade Parece que a gramática é o transcendental irredutível e intocá vel das professoras e dos professores de português ou de gramática Apesar das dificuldades de lidar com essa ques tão em uma língua extremamente flexionada como o Por tuguês continuo achando que vale a pena tentar encontrar soluções N do T 2 Na definição do American Heritage Dictionary edição eletrônica camp é banalidade vulgaridade ou artificiali dade quando deliberadamente afetada ou quando apreci ada por sua ironia De acordo com Susan Sontag 1987 no seu clássico Notas sobre camp a essência do camp é sua predileção pelo inatural pelo artifício e pelo exagero p 318 Exemplos de camp lâmpadas Tiffany O lago dos cisnes óperas de Bellini King Kong de Schoedsack vestuário feminino da década de 20 boás de plumas ves tidos com franjas e missangas etc p 321 N do T REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHOVEC E D Turning the screw of Sentimental educa tion resenha do livro Sentimental education schooling po pular culture and the regulation of liberty New Formations 1993 p 165172 76 BALDWIN J A talk to teachers In R Simonson e S Walker org Multcultural literacy Saint Paul Graywolf 1963 p 312 BALDWIN J The devil finds work Nova York Dell 1976 COOK P ed The cinema book a complete guide to unders tanding the movies Nova York Pantheon Books 1985 DONALD J Psychoanalysis and cultural theory Londres Mcmillan Education 1991 DONALD J Sentimental education schooling popular cultu re and the regulation of liberty Londres Verso 1992 Os capítulos 1 4 e 5 deste livro encotramse traduzidos para o português em Tomaz Tadeu da Silva org Pedagogia dos monstros Os prazeres e os perigos da confusão de frontei ras Belo Horizonte Autêntica 2000 FELMAN S Jacques Lacan and the adventure of insight Psychoanalysis in contemporary culture Cambridge Har vard University Press 1987 KUHN A Womens picture feminism and cinema Londres Routledge Kegan Paul 1982 MASTERMAN L Teaching the media Londres Comedia 1985 MAYNE J Cinema and spectatorship Nova York Routled ge 1993 McROBBIE A Dance and social fantasy In A McRob bie e M Nava org Gender and generation Londres McMillan 1984 MIZELL L BENETT S BOWMAN B e MORIN L Differente ways of seeing teaching in an antiracist school In T Perry e J W Fraser org Freedoms plow teaching in the multicultural classroom Nova York Rou tledge 1993 p 2746 OSHEA A Resenha do livro Sentimental education schoo ling popular culture and the regulation of liberty Media Culture and Society 15 1993 p 503510 SONTAG Susan Notas sobre camp In Contra a inter pretação Porto Alegre LPM 1987 p 318337 WILLARD N Telling time angels ancestors and stories Nova York Harcourt Brace 1993 77 Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução Marcus Doel 79 Não há viagem que não seja esquizofrênica DELEUZE GUATTARI 1966 p 232 AURORA DO MORTO O diagnóstico de liquidação demonstra em ge ral uma ilusão e uma ofensa ele acusa eles tenta ram liquidar eles pensaram que podiam fazêlo nós não deixaremos que o façam O diagnóstico implica portanto uma promessa nós faremos jus tiça nós salvaremos ou reabilitaremos o sujeito Um slogan portanto um retorno ao sujeito o retorno do sujeito DERRIDA 1988a p 113 Precisamos contar a estória do sujeito e mapear sua trajetória Como qualquer espécie em risco de extinção o sujeito deveria ser registrado em termos de sua inscrição genealógica no interior de diferen tes aparatos sociais de acordo com sua evolução e 80 mutação no interior de uma sucessão de contextos permeáveis e cambiantes Como um ponto de par tida poderíamos fazer uma incursão nas inúmeras disciplinas e perspectivas em que existe um senti mento crescente de desconforto e pressentimento a respeito da sorte do sujeito De fato podese já dis cernir o esboço de um motivo dominante o sujei to como local de catástrofe acompanhado por um consenso que se torna rapidamente ossificante o dinamismo do sujeito finalmente se esgotou e está agora destinado a entrar em um processo de deca dência terminal Para muitos há a convicção de que a catástrofe já ocorreu e de que estamos vivendo em uma zona morta ou em um período de espera assombrada pela morte do sujeito Daí a urgência teórica política e ética da questão especulativa quem vem depois do sujeito Topoi 1988 Haverá um Outro sujeito um niilista suicida uma comunida de uma nova forma de esquizofrenia um ciborgue uma infestação maquínica nada algo inumano ou nãohumano Ou talvez devêssemos tentar reviver ressuscitar ou rejuvenescer o sujeito a fim de darlhe uma sobrevida Além disso na medida em que a filosofia do sujeito foi sempre apenas um pseudo começo um começo que esteve sempre e já em de clínio um começo que só serviu para dissimular marginalizar e reprimir todos aqueles outros dos quais derivou seu lugar e seu poder muitos autores aceitaram e internalizaram jubilosa e prontamente a morte a dispersão e a liquidação do sujeito o sujeito que horror Muitos entretanto continuam incrédu los frente a essa hipérbole E contudo caso se trate de fato do declínio terminal do sujeito podemos 81 apenas esperar que no rastro deixado pelo sujeito algo mais desejável possa finalmente ter a chance de ocorrer lance de dados Ao considerar a sorte do sujeito o discurso do minante tem sido um discurso de catástrofe e exaus tão um discurso que se tornou associado em geral com o advento do pósestruturalismo e do pós modernismo e em particular com a obra de Louis Althusser Jean Baudrillard Gilles Deleuze Jacques Derrida Michel Foucault Jacques Lacan e Jean François Lyotard DEWS 1987 HARLAND 1987 LAWSON 1985 MEGILL 1985 Alguns poucos ten tam deleitarse com o que eles percebem como sen do as conseqüências apocalípticas de uma forma virulenta de antihumanismo KROKER E COOK 1988 LAND 1992 Muitos mais se envolvem em uma nostalgia e em uma lamentação por aquilo que foi perdido com freqüência entregandose a uma busca heróica pela restituição do sujeito por meio da sua realocação da sua reabilitação e da sua re construção ROSEN 1987 SOPER 1986 Finalmen te tem havido uma série de tentativas de literalmente corporificar o sujeito seja por meio da introdução de uma série de substitutos que tomariam o lugar do sujeito ou então por meio de um enquadramen to desse etéreo termo em uma variedade de partes corporais pele rosto órgãos genitais mãos olhos pés No rastro deixado pelo sujeito tornouse outra vez possível situar corpos humanos que vivem e que respiram NICHOLSON 1990 Em suma o corpo não é mais o obstáculo que separa o pen samento de si próprio aquilo que tem que ser 82 superado para se chegar ao pensamento É ao contrário aquilo no qual o pensamento mergu lha a fim de chegar ao impensado isto é à vida DELEUZe 1989 p 189 No rastro deixado pelo sujeito tem havido pois alegria lamentação nostalgia restituição ressurrei ção substituição e corporificação O que une cada uma dessas respostas é o fato de que elas estão to das baseadas em algum evento negativo que teria ocorrido ao sujeito abstrato e universal Em algu mas versões esse evento negativo é verdadeiramente apocalíptico manifestandose em temas como mor te liquidação dissolução aniquilamento e desapa recimento E na medida em que esse evento negativo constitui um declínio terminal e irreversível é inútil e inoportuno tentar recuperar um tal sujeito Daí a inclinação ao pranto ao riso ou à indiferença Em outras versões o momento negativo é mais modes to expressando em vez de um declínio absoluto um declínio relativo Em particular essas versões são dominadas pelo sentimento de uma forma de subjetividade danificada defeituosa disfuncional ou limitada Especificamente nessas versões o sujeito é por meio de uma série de constrições encolhi do pelos arranjos maquínicos que o constroem e o animam pelos discursos que circulam através dele pelas linguagens que o ocupam pelos desejos que o movem pelos poderes que o saturam e pelo tecido material que o amarra Em contraste com o anseio por um sujeito imortal ahistórico incorpóreo universal e abstrato há uma insistência no fato de que o sujeito é limitado de que ele é fixado por uma infinidade de aparatos sociais O sujeito é com 83 certeza uma máquina mas uma máquina que é montada e articulada em um lugar apropriado Além disso da perspectiva de um desejo de escapar ao ca ráter localizado e finito do humano essa produção maquínica do sujeito contextual é apenas um cons trangimento No momento em que se debilita a força desse desejo a singularidade situada tornase a pró pria vida Em outras palavras o sujeito é o contexto no qual ele é produzido umaobraemprocesso umaobracomoprocesso O sujeito é articulado duas vezes a produção maquínica de uma máquina pro dutiva produzindo um produto O que há por toda parte são máquinas e sem qual quer metáfora máquinas de máquinas com as suas ligações e conexões Uma máquinaórgão está liga da a uma máquinaorigem uma emite o fluxo que a outra corta DELEUZE GUATTARI 1966 p 7 Conseqüentemente sempre que se fala do declí nio absoluto ou relativo do sujeito estáse indican do que o sujeito é despossuído de seu eu O que é difícil de apreender entretanto é que essa despos sessão ocorre por meio de um duplo movimento uma vez por meio da reimersão do eu universal nos contextos singulares nos quais ele se expressa e outra vez por meio da reinscrição do eu indi viduado no interior dos aparatos sociais que o ani mam e o sustentam Entretanto é importante enfati zar que esse não é um movimento negativo na medida em que uma negação do sujeito necessitaria ou uma negação da negação fazendo surgir uma nova posi tividade por meio da suprassunção Aufhebung a chegada de umOutro sujeito ou uma forma 84 extrema de niilismo que buscaria bloquear e frus trar um tal efeito de ressurreição Conseqüentemen te é importante insistir que a expropriação do su jeito abstrato e universal é afirmativa e não negativa para que não fiquemos presos no movimento em espiral das duas linhas de uma tira de Möbius que parecem passar pelo lugar do sujeito Enquanto a primeira linha traça a recorrência eterna da constru ção maquínica da desconstrução e reconstrução do sujeito algum sujeito deverá existir a segunda traça o movimento de uma construção anterior que resulta em uma destruição irreversível não existirá nenhum sujeito Entretanto embora essas duas li nhas pareçam se bifurcar e divergir com a primeira progredindo por meio de investimento e acumula ção uma perfeição dialética e a segunda buscan do um simples dispêndio sem retorno morte pura e simples as duas se entrelaçam realmente para espreitar os limites de um duplo vínculo Seja lá qual das linhas for seguida o lugar do sujeito é sempre tornado disponível a umOutro ocupante Daí o fato de que toda resposta à negação do sujeito é sempre acompanhada pela questão especulativa quem vem depois do sujeito Mesmo na morte o sujeito sub sistirá por hipertelia Estou morto COURTINE 1988 p 103 O sujeito vampírico que horror É precisamente nesse sentido que o declínio do sujeito na teoria social contemporânea continua assombra do por uma ressureição e pelo retorno do reprimido Em particular podese observar como a descons trução do sujeito invariavelmente produz um jor ro de partes do corpo que são então reunidas em uma série de corpos fragmentados e subjetividades 85 partidas nacos de carne embrulhados em envelo pes de pele e carimbados com as marcas da rostida de Tentarei neste ensaio distinguir esse parcela mento das partesdocorpo por meio de uma sucessão de combinações e permutações arbitrárias a partir dos Corpos sem Órgãos CsO que emer gem na esteira de uma experiência esquizoanalítica e desconstrutiva Especificamente o CsO não é um corpo fragmentado não é o resultado fraturado e disfuncional de uma totalidade partida Fora da ordem simbólica edipicamente organizada dizse que existe apenas um corpo infantil indife renciado o OsC órgãos sem um corpo traba lhando em um estado prelingüístico de confusão imaginária entre a fusão com o eu e a mãeou tra1 A assim chamada fragmentação exibida pelo corpo preedípico é na verdade a fractalidade de objetosparte não a debilitante falta de uma velha unidade mas uma capacidade real para uma nova conexão Não é uma negatividade em contraste com a qual uma plenitude pode ser desejada É uma faculdade positiva Um retorno ao corpo sem órgãos é na realidade um retorno da fractalida de uma reemergência do virtual Não uma re gressão uma invenção MASSUMI 1992 p 85 Entretanto antes de passar ao mapeamento do sujeito esquizoanalítico na desconstrução gostaria de brevemente demarcar o terreno da filosofia vam pírica do sujeito que continua a viver até mesmo na esteira de seu próprio declínio relativo e absoluto Em particular quero problematizar a fragmentação a liquidação e a ressurreição do sujeito universal e abstrato e ressaltar a necessidade de uma afirmação 86 em vez de uma negação dos movimentos fissíparos que atravessam o lugar do sujeito CORPOS FRAGMENTADOS Fraturado tudo Todo passo cai em um vazio Assim que acabamos de ter uma unidade ela se torna uma dualidade Assim que temos uma dua lidade ela se torna uma multiplicidade Assim que temos uma multiplicidade ela se torna uma pro liferação de fissuras que convergem em um va zio Em si mesmo o evento tem apenas extinção Seu sucesso é sua evaporação na infi nita interação de seus agitados componentes O ser é fractal MASSUMI 1992 p 1921 Convencionalmente supõese que o sujeito é idêntico a si mesmo ele é o ponto o lugar no mapa que perdura Ele é o centro da identidade estável e inabalável Embora seja a condição de pos sibilidade da identidade da presença e da diferença o sujeito precede toda identificação toda apresen tação e diferenciação Eu sou antes que eu seja algu ma coisa O sujeito é Um universal indivisível e eterno O sujeito é o sujeito e portanto cumpre duas funções distintas na topografia da teoria social uni versalização e individuação Por um lado o sujeito é uma figura de universalização na medida em que é o grauzero da humanidade o lugar ao qual de forma indicial todas as características humanas se referem e deferem eu sou sujeito Em suma o reconheci mento se transfere por meio dos corpos e faces indi viduais para o lugar do sujeito universal Além disso esse movimento do individual ao universal 87 não depende da variação real entre corpos e faces individuais há universalização antes que existam individuações De fato o universal é indiferente a toda quantificação É por isso que a proliferação a desdiferenciação ou a fragmentação dos rostos e dos corpos nunca servirão para problematizar o su jeito universal sujeito há O sujeito é o sujeito Sozi nho ele está E sem uma necessidade de pele carne face ou fluido O corpo nunca é Os corpos são os inimigos do sujeito O sujeito é o que resta quando o corpo é retirado ele é literalmente inumano eu sou mor to Por outro lado o sujeito é também uma figura de individuação na medida em que só pode se ex pressar por meio de corpos e rostos O sujeito só existe em seus efeitos na subtração de seus efeitos sem um corpo ou um rosto através dos quais passar o sujeito não pode cumprir sua função de universa lização Daí a complementaridade e o paradoxo o sujeito exige a individuação a fim de expressar a universalização mas existe sempre o risco de que o olhar e o reconhecimento se apeguem ao corpo se alojem na carne se fixem no rosto e submirjam no fluido Em suma o tecido material do corpo pode frustrar a passagem em direção ao lugar do sujeito universal e abstrato Daí o fato de que a carne e os corpos são sempre sedimentados estratificados e atravessados pelo duplo movimento de universali zação e individuação que os envelopa com a pele e os carimba com o rosto eu sou embrulhado em mim eu sou desembrulhado em você No interior da dupla atadura ou do movimento de pinça da universalização e da individuação um agen ciamento de aparatos sociais agarra violentamente 88 nacos talhados de carne embalaos na pele inscre veos com rosto e codificaos com os estriamentos da raça da etnia do gênero da sexualidade da clas se Entretanto a produção de sujeitos humanos não é nunca completa ela é sempre uma obraem andamento e um local de experimentação contínua Daí o fato de que o sujeito humano é sempre um corpo pleno a advir ele perdura sem jamais existir como tal Ser é devir Em outras palavras o sujei to perdura por meio de um contínuo romperse mas esse não é um evento negativo Como vere mos adiante com mais detalhes o pressuposto de que existe um sujeito universal unitário e centra do que poderia ser ou situado corporificado frag mentado descentrado desconstruído ou destruí do é precisamente o que está em questão De fato é a filosofia do sujeito que trabalha por meio da iden tidade da semelhança e da negação com sua rígida segmentação e despótica territorialização de sujei tos molares eu eu não você Nesse meio tem po a desconstrução e a esquizoanálise afirmam o movimento molecular nas coisas Conseqüentemente as identidades molares não estão aí desde o início como uma enfiada de pleni tudes ou de plenipotenciários que poderiam ser se letivamente atualizados em eventos particulares ou que poderiam acabar se embrulhando em uma sé rie de complicações contaminações ou confusões labirínticas Pelo contrário elas são anexadas como se fossem outras tantas próteses dendríticas à congestionada massa de fluidas multiplicidades a fim de deter os devires regular o movimento e impor a estabilidade E como todos os agregados molares o 89 sujeito é arranjado é montado como uma inter rupção e uma derivada dos fluxos que o animam o sustentam o atravessam e o descarregam Em suma as identidades molares perduram e entram em co lapso por meio do tartamudear e do gaguejar de uma palavradeordem Parado lá A molaridade é modo de desejo assim como é qual quer movimento que se afaste dela É uma ques tão de força é uma sobreposição categórica uma imposição avassaladora de efeitos regularizados Pelo fato de constringir ações a uma gama limita da é inevitável que será experienciada pelo corpo excessivamente codificado como uma constrição física O devir começa como um desejo para fugir da limitação corporal MASSUMI 1992 p 94 É pouco surpreendente pois que o CsO deva tão freqüentemente experienciar os aparatos maquí nicos para impor identidades molares sobre os mo vimentos moleculares como se fossem outros tantos instrumentos de tortura Entretanto é vital com preender que o desejo de fugir da molaridade é um desejo de fugir da limitação antes que do caráter localizado da mesmidade antes que da singularida de É por isso que Bordo 1990 p 14244 equi vocase em misturar esquizoanálise e desconstrução com uma fantasia de fuga do caráter localizado da subjetividade humana por meio de uma nova imaginação de desmembramento um sonho de es tar em toda parte A confusão é séria na medida em que desvia a atenção da afirmação para colocála no falso problema do controle quantitativo sem alguns pontos de parada a fragmentação e a dispersão sem 90 fim autodestruiriam e levariam a um apagamento do corpo em um abismo fractal Como observou Bordo 1990 p 145 a apreciação da diferença exige o reconhecimento de algum limite para a dan ça além do qual a dançarina não pode ir E contu do um limite à fragmentação é precisamente o que da perspectiva da filosofia vampírica do sujeito está faltando o ser ou se desvia para o Nada ou então cai em um devirimperceptível enquanto a fragmenta ção ou acelerase em uma liquefação ou então se trans forma em uma fractalização DOEL 1993 Daí a insistência de Rose 1993 p 79 de que a crítica deve estabilizar mas de forma contingente deve tor nar os fechamentos arbitrários apoiar um essencialis mo estratégico fazer gestos provisórios a fim de lidar com as as questões históricas sociais a verdade de quem a natureza de quem a versão da razão de quem a história de quem a tradição de quem BORDO 1990 p 137 Não obstante podemos ape nas fingir a habilidade de localizar e identificar quem vem na esteira do sujeito universal e abstrato mes mo que essa linha de questionamento necessariamente inaugure um retorno do reprimido na medida em que o mesmo imperativo é sempre interpolado no fluxo de eventos sujeito há Fica parado lá quem vem lá De uma vez por todas estamos de volta ao duplo nó da universalização e da individuação e da hipertelia do sujeito vampírico Como começamos a ver a fragmentação a mul tiplicação e a corporificação não serão suficientes para permitir uma fuga da tirania da filosofia vampí rica do sujeito A hipertelia do sujeito é exemplifica da e assegurada por meio do tartamudeio e da 91 gagueira da palavradeordem par excellence quem vem depois do sujeito Em vez de reivindicar um eterno retorno do sujeito o que é necessário é uma experiência de desconstrução e esquizoanálise a fim de nos sensibilizar para a imóvel viagem sem sair do lugar do CsO tudo é fluxo fluir devir Em suma esforçamonos por libertar a singularidade da faixa de Möbius da fórmula que equaciona universaliza ção com individuação a experimentação da faixa de Möbius que equaciona negação com ressureição e a complicação da faixa de Möbius que equaciona frag mentação com totalização Além disso ao abrir essas estabilizações forçadas para algo inteiramente Outro surge uma rachadura ao longo da qual um fractal um cristal ou um câncer podem proliferar levando embora todos os fluxos excessivamente codificados que têm ficado preso no circuito fechado das máqui nas molares O CsO pleno cresce nessa rachadura não em uma massa amorfa e indiferenciada mas como um enxame de multiplicidades virtuais de um ban do de singularidades e de complicações e invenções experimentais Algo terá finalmente a oportunidade de acontecer isto é tudo lance de dados VIAJANDO DE FORMA IMÓVEL SEM SAIR DO LUGAR Indivíduos ou grupos somos atravessados por li nhas meridianos geodésicas trópicos fusos que não seguem o mesmo ritmo e não têm a mesma natureza E constantemente as linhas se cru zam se superpõem a uma linha costumeira se se guem por um certo tempo Perceber como 92 diz Deligny que essas linhas não querem dizer nada É uma questão de cartografia Elas nos compõem assim como compõe nosso mapa Elas se transfor mam e podem mesmo penetrar uma na outra Ri zoma DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 767 O sujeito está em declínio Ele é um agencia mento que está continuamente estragando vazan do em todas as direções E contudo o sujeito funciona ele reintegra incessantemente tudo que pareceria escapar a suas esferas de influência Em toda a parte tratase de um acoplamento de fluxos assimétricos desterritorialização e reterritorializa ção codificação e sobrecodificação desconstrução e reconstrução tantas articulações duplas e tantos movimentos de pinça que tornam o lugar do su jeito uma inescapável obraemandamento sujeito haverá Mas tratase também de um local para uma infindável experimentação complicação e invenção um local que é apenas e sempre atualizado como a singularidade do contexto no qual ele é produzido como a superfície de registro Em relação a esses aparatos sociais a desconstrução e a esquizoanálise buscam acentuar e intensificar os processos de des territorialização desestratificação e decodificação de forma que eles se separem do circuito do agencia mento maquínico e se tornem em vez disso uma linha de fuga em direção a algo inteiramente Outro Em outras palavras a desconstrução e a esquizo análise delimitam os fluxos curtocircuitam as es triações e misturam os códigos por meio de uma imóvel viagem que nos leva da identidade à multi plicidade da posição ao potencial do Ser ao De vir da arborescência aos rizomas das constantes 93 às variáveis dos fragmentos aos fractais dos órgãos sem corpos aos corpos sem órgãos e da subjetiva ção à esquizofrenia DESCONSTRUÇÃO DESESTABILIZANDO O SUJEITO A fim de remodelar se não rigorosamente refun dar um discurso sobre o sujeito sobre o qual se sustentará o lugar do sujeito da lei da moralida de da política tantas categorias apanhadas na mesma turbulência devese passar pela experiên cia de uma desconstrução há um dever na des construção Tem que haver se existe algo como o dever O sujeito se sujeito deve haver deve vir depois disso DERRIDA 1988a p 120 Já tocamos em três das mais importantes carac terísticas da desconstrução afirmação movimento e responsabilidade Essas características contrastam fortemente com a prevalente e muitas vezes mali ciosa caracterização da desconstrução como negati va estática e irresponsável MARGOLIS 1991 MERQUIOR 1986 ROSEN 1987 Pois embora seja verdade que a desconstrução funciona por meio do indecidível sem o qual não haveria nem teoria nem política nem ética nem responsabilidade não se trata de forma alguma de uma filosofia da hesita ção que permaneça neutra impassiva e indiferente ao fluxo dos eventos CENTORE 1991 CRITCHLEY 1992 MARTIN 1992 Ao contrário a desconstru ção intervém mas em vez de intervir em uma tentati va para impor a ordem molar ela intervém em um esforço para liberar o potencial do corpo pleno sem 94 órgãos Especificamente ela intervém ao longo das linhas de força do desejo e do poder a fim de ala vancar e deslocar estabilizações forçadas transforman doas em uma multiplicidade Aberta se o todo não é é porque ele é o Aberto e porque sua natureza é a de mudar constantemente ou de fazer emergir algo novo em suma de perdurar DELEUZE 1986 p 9 Além disso a desconstrução não está absolu tamente confinada à assim chamada prisão da lin guagem a uma nova ontoteologia ou idealismo rejuvenescido do Texto na medida em que inter vém nos fluxos materiais e imateriais heterogêneos de toda a históriadomundo DERRIDA 1988b É pois importante distinguir rigorosamente entre por um lado uma desconstrução afirmativa e por outro uma desconstrução reativa DOEL 1994a Enquan to a primeira afirma o corpo pleno sem órgãos a última esforçase por recapturálo por meio da re territorialização da reestratificação da sobrecodi ficação e da subjetivação A desconstrução não tem absolutamente nada a ver com a catástrofe ou com o apocalipse Ela não é nem niilista nem destrutiva nem tampouco equivale a uma dissolução do sujeito DERRIDA 1992 p 7 Em suma a desconstrução não vem depois que o sujeito foi construído estabilizado e estabelecido Ela não é nem um investimento especulativo na ne gatividade um investimento que tenha como base uma expectativa racional de um retorno acumulável nem é uma tentativa de efetuar uma despesa sem retorno ela não é parte de um regime de acumula ção nem um local de consumo expiatório Em ou tras palavras a desconstrução não encontra seu lugar 95 próprio nem numa série dialética de investimentos especulativos construçãodesconstruçãorecons trução nem uma binarização metafísica de despesa absoluta construçãodestruição DOEL 1992 Qualquer esforço para desconstruir desmantelar ou destruir pode apenas e sempre ser uma catástrofe simulada na medida em que seu único efeito dis cernível consiste em fornecer os recursos necessári os exigidos para uma reconstrução Como já vimos a questão quem vem depois do sujeito exempli fica esta hipertelia por meio da qual a filosofia do sujeito continua a viver a despeito da total exaus tão de seus recursos Em contraste com o risco fingido da descons trução reativa que é sempre avalizada por uma ga rantia de reconstrução e ressurreição dialética a desconstrução afirmativa segue os movimentos de desestabilização que atravessam o lugar do pró prio sujeito ela afirma a iterabilidade a alterabili dade e a alteridade do Mesmo Conseqüentemente a desconstrução está menos preocupada em pertur bar desmantelar e destruir o sujeito do que em tra zêlo para o Aberto que está sempre e já perturbando e ameaçando sua consistência coerência estabilida de e pertinência Em suma a desconstrução afirma a desestabilização em movimento que Abre o lugar do sujeito àquilo que é inteiramente Outro Da perspecti va do organismo molar dos aparatos sociais de captu ra e dos estratos codificados esses movimentos aparecem como um colapso catastrófico e um declínio terminal mas da perspectiva dos fluxos moleculares eles fornecem linhas expedientes de desarticulação e de fuga em direção a algo inteiramente Outro 96 experimentação complicação invenção e singularida de Mas quem vem depois do sujeito A fim de desenvolver essa questão ao longo de linhas topológicas Qual é o lugar do sujeito seria necessário talvez renunciar ao impossível isto é tentar reconstituir ou reconstruir o que já foi desconstruído e que além disso desconstruiu a si próprio uma expressão que resume toda a dificuldade DERRIDA 1988a p 1145 A insistência de Derrida em um retorno ao lu gar do sujeito e um retorno do lugar do sujeito surpreenderá sem dúvida àqueles que gostariam de acusar a desconstrução de defender sua morte sua dispersão e sua liquidação Ao contrário na des construção o sujeito é precisamente aquilo que evi ta todos esses momentos de negatividade de catástrofe e de apocalipse que tão prontamente im plantamse na leitura equivocada da desconstrução como uma desconstrução arquitetônica desman telamento desarranjamento fragmentação desin tegração esquartejamento desmembramento decomposição dissolução etc Não se trata absolutamente de um corpo despe daçado esfacelado ou de órgãos sem corpo OsC O CsO é exatamente o contrário Não há órgãos despedaçados em relação a uma unidade perdida nem retorno ao indiferenciado em rela ção a uma totalidade diferenciável DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 28 Em outras palavras a desestabilização em movi mento que atravessa o lugar do sujeito não nos 97 faz retornar a uma massa amorfa indiferenciada ou homogênea um estado de confusão empírica Em vez disso ela nos leva para além do molar e do mo lecular em direção à alteridade e à singularidade Portanto ao fato de que o CsO deve ser criado tratase sempre de um corpo pleno a advir É por isso que o CsO nunca pertence a qualquer agrega do molar menos ainda a um indivíduo tratase sem pre de um corpo em exapropriação tanto nomádico quanto rizomático curtocircuitando misturando e levando embora todas as pretensões à proprieda de Em outras palavras quanto tudo é levado em bora não resta nada a não ser uma distribuição de hecceidades de singularidades e de eventos Entre tanto é vital compreender que a intensidade zero do CsO não é um momento negativo em relação a alguma Unidade ou Totalidade positiva Pois para haver um momento negativo um momento negati vo no qual um sujeito ou um organismo cairia de veria já haver algo arranjado no lugar Mas o sujeito e o organismo não são absolutamente constantes por exemplo a equação fechada eueunão você Eles não estão tampouco estabilizados em si mesmos nem fixos no lugar Conseqüentemente a genealo gia do sujeito não pode ser mapeada como se fosse a trajetória de uns tantos átomos circulando em um espaçotempo quatridimensional com suas veloci dades e trajetórias atrações e repulsões fusões e fis sões órbitas e quantas Ao contrário o sujeito é uma variável em uma modificação contínua e Aber ta por exemplo a equação aberta yza Em suma o sujeito não deve ser entendido nem como um universal nem como um indivíduo mas antes como uma multiplicidade virtual 98 O universal na verdade nada explica é o uni versal que precisa ser explicado Todas as linhas são linhas de variação que não têm sequer coordenadas constantes O Uno o Todo o Verdadeiro o objeto o sujeito não são universais mas processos singula res de unificação totalização verificação objeti vação subjetivação DELEUZE 1992 p 162 É por isso que o sujeito é sempre tanto uma obraemandamento quanto um aparato social so frendo a contínua variação do DevirOutro por meio de uma viagem no lugar de uma viagem imó vel Ele é portanto tanto nomádico sem casa ou refúgio quanto rizomático sem raízes ou ancora gem Em suma o sujeito perdura por meio da contínua variação da exapropriação e do Devir Outro Esquizoanálise ESQUIZOANÁLISE CORPO SEM ÓRGÃOS Temos tantas linhas enleadas em nossas vidas quanto as que temos nas palmas de uma mão Mas nós somos complicados de uma forma dife rente a esquizoanálise a micropolítica o prag matismo a diagramática a rizomática a cartografia não têm outro objetivo do que o es tudo dessas linhas em grupos ou em indivíduos DELEUZE 1983 p 712 Destruir destruir a esquizoanálise tem que pas sar pela destruição fazer toda uma limpeza toda uma raspagem do inconsciente Destruir cren ças e representações cenas de teatro E não há mal dade que chegue para cumprir essa tarefa DELEUZE E GUATTARI 1966 p 325 p 328 99 Frente a isso a ênfase que a esquizoanálise colo ca na destruição pareceria alinhála com o reativo em vez de com a desconstrução afirmativa mas essa incli nação seria equivocada BOGUE 1989 MASSUMI 1992 PEREZ 1990 Pois exatamente da mesma forma que a desconstrução afirmativa deve ser distinguida da des construção reativa assim também deve a destruição esquizoanálitica ser diferenciada da destruição para nóica Uma vez mais descobriremos que a esquizoa nálise não é nem negativa nem catastrófica nem apocalíptica nem expiatória Tal como a desconstru ção a esquizoanálise afirma a eterna recorrência da viagem imóvel da viagem sem sair do lugar da deses tabilização sempre em movimento e da contínua vari ação das multiplicidades proliferantes o CsO pleno De forma similar a esquizoanálise não é neutra im passiva ou indiferente aos aparatos sociais de captura que impõem variados graus de estabilização à fluidez heterotópica dos eventos singulares ela intervém a fim de liberar um CsO pleno Em suma tanto a descons trução quanto a esquizoanálise ativam multivariadas linhas de perburbação agitação e comoção no lugar do sujeito a fim de afirmar a alteridade do Mesmo O lugar do sujeito é sempre e já uma multiplicida de apinhada o local de um CsO pleno há toda uma geografia nas pessoas DELEUZE PARNET 1988 p 10 DELEUZE 1988 Existem muitos tipos de linha que atravessam o lugar do sujeito Algumas delas se embaraçam e convergem para formar nós redemoinhos e vórtices de relativa estabilização juntando tudo que flui para seu meio em agregados molares Esses agregados podem então ser convocados pela ordem molar para 100 mais experimentação e complicação reconstrução reprodução e rearticulação Nesse meio tempo ou tras linhas se soltam desse emaranhamento e emba raçamento provocando movimentos de relativa desestabilização que traçam linhas de fuga desapa rição e desterritorialização Os agregados se divi dem se molecularizam e se decompõem em um CsO Mas que tipo de CsO emerge desse viajar imó vel Para lidar com essa questão é necessário distin guir entre três tipos de linha Em primeiro lugar existem linhas de segmentaridade rígida que confi nam o movimento em células específicas em agre gados molares e em territórios distintos Esse tipo de linha age por meio de uma infindável laceração do CsO escavando células estratos regiões e iden tidades por meio de divisão e bifurcação casa fa mília estado fábrica comunidade rosto etc Em segundo lugar existem linhas de segmentaridade mo lecular as quais produzem segmentos flexíveis um fluir molecular e desestabilizações em movimento as quais são distribuídas de uma maneira inteira mente diferente elas se abrem em pequenas fratu ras linhas dissimuladas de desorientação e desarticulação e partículas irreconhecíveis Em suma uma célula começa a se distanciar de seu metabolis mo usual um fluxo repentinamente transborda seu canal ou um programa momentaneamente perde seu código Mas a coisa importante a observar é que esses desvios e distanciamentos permanecem relativos na medida em que a ordem pode apertar o torniquete sobre eles por meio de reinvestimen to reintegração reconstrução e sobrecodificação eles permanecem relativos enquanto a ordem 101 molar puder capturálos em um novo segmento estrato ou código Por exemplo de vez em quando por meio de um novo lançamento dos dados um evento curtocircuita os segmentos as estriações e os códigos da raça da classe do gênero e da sexua lidade por meio de um devirclandestino imper ceptível e acategórico mas essa fuga momentânea de desterritorialização absoluta uma vez detectada pelo aparato molar será submetida ao torniquete com a plena força da Lei e confinada em uma nova identidade Parado quem vem lá Em suma a ordem molar assegura que a possibilidade e a força da anomia e da transgressão será neutralizada e con tida sob a curvatura assintótica da anomalia estatís tica tudo será explicado como constituindo uma quantidade determinada de desviospadrão da dis tribuição normal do Mesmo BAUDRILLARD 1990 DOEL 1994b Da perspectiva da molaridade não existe mais qualquer lado de fora mas simplesmen te eventos e ocorrências que ainda não foram reco nhecidos e integrados na distribuição normal de uma economia do Mesmo É por isso que a ordem mo lar é irredutivelmente despótica e paranóica na me dida em que ela acredita que tudo cai na sua jurisdição e nas suas esferas de influência A cada instante a máquina rejeita rostos nãoconformes ou com ares suspeitos Mas somente em um certo nível de escolha Pois será necessário produzir sucessiva mente desvios padrão de desviamento para tudo aquilo que escapa às correlações biunívocas Em suma a molaridade jamais detecta as partícu las do outro ela propaga as ondas do mesmo até à extinção daquilo que não se deixa identificar 102 DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 445 456 Daí o fato de que o lugar do sujeito é tecido e trança do por meio do emaranhamento desses dois tipos de linha uma molecularização do molar e uma molarização do molecular Na verdade as funções de molaridade funcionam por meio da dupla arti culação e de um espiralamento tipo Möbius de des territorialização e reterritorialização desestabilização e reestabilização decodificação e sobrecodificação amaciamento e estriação O que importa à ordem molar é que por intermédio de uma contenção que é imposta por quaisquer meios que forem ne cessários todos esses movimentos de desestabili zação continuam relativos Em suma limites e constrições são interpolados sobre o CsO pleno a fim de deter canalizar interromper e avariar o de vir Enquanto as lacerações molares estão para sem pre inclinadas a fatiar o lugar do sujeito em uma polpa desmembrada fragmentada e dispersa os movimentos moleculares podem ser sempre arran jados a fim de levar os restos de volta aos aparatos molares para uma perpétua reciclagem A cumplicidade potencial da segmentação mo lar e da segmentação molecular permitenos cla rificar o significado do último tipo de linha as linhas de fuga Essas linhas se soltam do espirala mento tipo Möbius da segmentaridade molar e da segmentaridade molecular desarticulando os estratos e misturando os códigos à medida que eles levam embora eventos singulares para uma dester ritorialização absoluta fluido em estado puro es correndo sobre o CsO sem limitação ou interrupção O CsO pleno é aquilo que resta quando tudo foi 103 tirado intensidadezero eu sou outro Tratase do plano de consistência sobre o qual as viagens imóveis fatalmente se aproximarão assintoticamen te À questão quão longe pode o demasiado longe ir a esquizoanálise sugere que um corpo nunca pode ir demasiadamente longe com a desterritoria lização desestratificação e decodificação dos fluxos A dificuldade entretanto reside em saber de que forma melhor se pode atravessar o lugar do sujei to com seu envelope de pele sua cobertura de ros to e seu amálgama de carne É relativamente fácil produzir um CsO vazio ou descosido por meio de uma desestratificação demasiadamente violenta ou um CsO drogado paranóico e suicida por meio de um ódio dos órgãos ou mesmo um CsO totalitá rio canceroso e viral que ataca os órgãos e faz pro liferar segmentos molares e moleculares redundantes por todo lado Desmantelar a si mesmo por meio de um processo esquizofrênico de dessubjetivação tem seus perigos O pior não é permanecer estrati ficado organizado significado sujeitado mas precipitar os estratos numa queda suicida ou de mente que os faz recair sobre nós mais pesados do que nunca DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 234 Conseqüentemente o CsO pleno só pode ser abor dado por meio de uma experimentação e uma com plicação cautelosas no interior de contextos singulares Em cada ocasião devese perguntar 1 Quais são seus segmentos rígidos suas máqui nas binárias e sobrecodificadoras Pois mesmo essas não lhe são dadas prontas nós não somos simples mente divididos por máquinas binárias de classe sexo ou idade existem outros que nós constantemente 104 mudamos inventamos sem nos dar conta E quais são os perigos se explodimos esses segmentos de forma demasiadamente rápida 2 Quais são suas linhas flexíveis quais são seus fluxos e limiares Qual é seu conjunto de desterritorializações relati vas e reterritorializações correlativas E a distribui ção de buracos negros na qual uma besta espreita ou um microfascismo prospera 3 Quais são suas linhas de fuga nas quais os fluxos são combinados nas quais os limiares alcançam um ponto de adja cência e ruptura São ainda toleráveis ou já ficaram presos em uma máquina de destruição e autodes truição que pode reconstituir um fascismo molar DELEUZE 1993 p 2534 Em suma é importante clarificar que a esquizo análise não reside em elementos agregados órgãos sujeitos relações fragmentos ou estruturas Ao con trário seu lugar é apenas o dos lineamentos que atra vessam toda a ordem molar percorrendo os indivíduos assim como os grupos uma prolifera ção e uma invaginação das linhas o esquize da esquizoanálise é traçado pelo passeio ao acaso de um fractal de dimensão infinita e porosidade imen surável um fractal de encher o espaço Como uma obraemandamento o lugar do sujeito é um lugar de embaraçamento interminável a única unidade sem identidade é do fluxoesquize do cortefluxo O elemento figural puro que nos leva até às portas da esquizofrenia como processo DELEUZE GUATTARI 1966 p 254 É nesse sentido que o lugar do sujeito é exapropriado por meio de uma imóvel viagem de uma viagem sem sair do lugar fluindo sem interrupção e jorrando sobre a superfície 105 de um CsO pleno A esquizoanálise e a desconstru ção simplesmente esforçamse por desestabilizar des carregar e curtocircuitar as forças os desejos e os poderes que se esforçam por capturar estabilizar e limitar esses fluxos no interior de uma pletora de aparatos sociais e organizações molares É pouco surpreendente pois que o sujeito maquinicamente agregado está fadado a se desorganizar a se deses tratificar a se fragmentar e a se despedaçar O cor po é a superfície inscrita dos eventos traçada pela linguagem e dissolvida pelas idéias o locus de um eu dissociado adotando a ilusão de uma unidade subs tancial um volume em desintegração FOUCAULT 1977 p 138 É ao seguir essa desintegração e essa decomposição do organismo humano com sua carne estriada com seu envelope de pele e sua co bertura de rosto ao longo das linhas de desterrito rialização que somos levados em direção ao CsO pleno Mas como vimos esse Corpo não é um re torno ou uma regressão Ao contrário o Corpo ple no está sempre por chegar é aquilo que resta quando tudo é tirado intensidade zero É um Devir em es tado puro para além da dupla prisão e do espira lamento tipo Möbius da universalização e da individuação decodificação e sobrecodificação des territorialização e reterritorialização Em outras pa lavras as linhas de fuga fazem com que a produção maquínica de sujeitos humanos passe da fragmenta ção paranóica para a fractalização esquizofrênica nada a não ser movimento nada a não ser fluxo Elas le vam os fluxos ossificados conservados no interior do lugar do sujeito para o contexto Aberto da inteira históriarealdomundo estrangulando hierarquias 106 arborescentes e instituindo rizomas intrincados à medida que se movem complicação experimenta ção invenção singularidade alteridade Como a figura fissípara sem limite por excelên cia o fractal é o motivo perfeito para a esquizoaná lise a desconstrução e o CsO pleno Entretanto o desejo por organização e o poder para impor limi tes arbitrários à fissiparidade não deveriam ser su bestimados Na verdade quando examinamos o abismo fractal a maioria de nós intuitivamente saca aquilo que Deleuze e Guattari MP v 3 p 74 cha mam de a terrível Luneta de raios que serve não para ver mas para cortar para recortar Sua ação de corte age sobre os movimentos as manifestações súbitas as infrações perturbações e rebeliões que se produzem no abismo MP v 3 p 73 a fim de res taurar a ordem molar por um instante ameaçada A luneta para recortar sobrecodifica todas as coisas tra balha na carne e no sangue mas é apenas geometria pura MP v 3 p 73 Além disso os estratos segmentos e códigos que ela escava do CsO forçam os movimentos moleculares a se juntar em agrega dos molares uma verdadeira Geologia da Moral Você será um ou outro ou outro ou Os estratos eram juízos de Deus a estratificação geral era todo o sistema do juízo de Deus mas a terra ou o corpo sem órgãos não parava de se esquivar ao juízo de fugir e se desestratificar se descodificar se dester ritorializar a caminho da proliferação assubjeti va assignificante e acategórica do CsO pleno DELEUZE GUATTARI MP v 1 p 54 À medida que a capacidade de sustentação do lugar do sujeito aproximase do zero absoluto com 107 uma hemorragia de fluxos anteriormente estabiliza dos em todas as direções há uma tendência de am bos a se recolher dos CsOs vazios e a se abster de produzir um CsO pleno Em vez de se arriscar a experimentar com linhas de fuga há uma tentativa geral a revigorar e a rejuvenescer a ordem molar alguns temem perder os agregados molares outros buscam impor segmentos flexíveis sobre o fluxo molecular outros exigem que todo o terreno seja estabilizado por meio da sobrecodificação enquan to outros ainda transformam as linhas de fuga em uma paixão pela destruição Em particular a decom posição do lugar do sujeito tem feito com que muitos se apeguem ao rosto do Outro como uma forma de cultivar um sujeitoéticoemprocesso KEARNEY 1988 p 365 CRITCHLEY 1992 Mas a produção maquínica da rostidade é precisamente o aparato molar por excelência que serve para impor ondas de mesmidade sobre um plano de hecceida des eventos e singularidades O quanto se é tenta do a se deixar prender aí ao buraco negro da subjetividade da consciência e da memória do ca sal e da conjugalidade a ser embalado aí a se agar rar a um rosto Rosto que horror DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 56 p 61 Em contraste com essa ânsia por identificação e reconhecimento molar a desconstrução e a esquizoanálise intervêm a fim de desmantelar os aparatos de captura que constroem e animam o sujeito o corpo e o rosto ao reterritorializar reestratificar e sobrecodificar os flu xos moleculares Elas esfolam os autômatos os si mulacros e as aparições que assombram o lugar do sujeito a fim de afirmar o CsO pleno Seja lá onde estivermos nunca poderemos ir demasiadamente 108 longe ao longo das linhas de fuga que vão em dire ção à desterritorialização absoluta Na verdade o lu gar do sujeito fica inundado com essas modalidades de desaparecimento que se Abrem para a imóvel via gem do Deviroutro Na verdade até mesmo o rosto do Outro é antes e sobretudo uma superfície cheia de furos Entretanto qual linha de fuga seguir em qualquer contexto particular de estabilização forçada só pode ser determinado por meio de um lançamen to de dados Sacode Chacoalha Deixa rolar NOTA DO TRADUTOR 1 No original mOther REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUDRILLARD J Fatal strategies Londres Pluto 1990 BOGUE R Deleuze and Guattari Londres Routledge 1989 BORDO S Feminism postmodernism and genderscep ticism In L Nicholson org FeminismPostmodernism Londres Routledge 19909 p 13356 CENTORE F F Being and becoming a critique of postmoder nism Nova York Greenwood 1989 COURTINE JF Voice of conscience and call of being Topoi 1982 72 p 1019 CRITCHLEY S The ethics of deconstruction Derrida and Levinas Oxford Blackwell 1992 DELEUZE G Politics In G Deleuze 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subjetivi dade inscrita na superfície do corpo produzida pela linguagem etc Nessa mudança o psicológico aban dona o espaço privado e intransferível das psiques individuais para alojarse nas encruzilhadas e nas ruelas que marcam o estarnomundo com outros seres humanos KVALE 1992 114 Esta crise do eu1 possui certamente amplas raí zes e uma gestação complicada Para acompanhar de forma breve essa linha genealógica observemos por um momento o que diz o senso comum De acordo com o senso comum pretender que o psi cológico não é uma questão individual mas ao in vés disso um evento social atenta diretamente contra evidências inquestionáveis Pensar é algo que diz respeito a nossas cabeças é algo que produzi mos manipulamos à vontade e interrompemos quando nos apetece O que persiste é a imagem de uma experiência privada intransferível inquestio nável e irrenunciável tratase de um dado que defi ne nossa própria condição humana Assim afirmase que aquilo que nos diferencia dos animais não é mais do que nossa capacidade reflexiva a possibilidade de representarmos a nós mesmos como entidades próprias a habilidade de sermos conscientes de nossa mesmidade Semelhantes imagens têm raízes em uma longa tradição cultural Como argumentou Taylor 1989 a tendência a situar em um espaço interior tudo aquilo que tem que ver com a alma a subjetividade o mental a moral ou a virtude remon ta a concepções cristãs Santo Agostinho é o exem plo mais palpável desse exercício que adquire sua formulação mais acabada na obra de Descartes Na obra desse pai da modernidade é possível encontrar a justificação filosófica more geometrica para a dis tinção entre um mundo interior e outro exterior em que o primeiro é povoado por conjuntos e séries de entidades mentais pensamentos e idéias que em si mesmas são independentes do segundo espa ço relegado para o material o inerte e o mecânico 115 Nosso senso comum não fez mais do que converter se em caixa de ressonância desse diagrama Esse esquema tem colocado dois problemas apa rentemente insolúveis e que têm perseguido a episte mologia moderna durante dois séculos continuando a ocupar uma psicologia que não consegue romper com a herança cartesiana Por um lado quanto maior for a certeza que tenhamos sobre nossa exis tência mental como mundo interior mais problemas teremos para não duvidar da existência da realidade exterior e da verosimilitude de outras mentes pen santes O abismo entre o âmbito interior e o exterior parece alargarse Tornase impossível de ser salvado Por outro lado seguir Descartes até o final nos colo ca na difícil situação de explicar como essas entidades mentais foram engendradas produzidas nesse reino secreto e privado que é nossa interioridade Essa concepção do ser humano adquire imedia tamente na psicologia a forma do individualismo metodológico denominador comum de diversos enfoques teóricos Segundo essa perspectiva a úni ca matéria relevante para o investigador são deci sões privadas tomadas por indivíduos que operam em um exterior mais ou menos hostil e do qual ten tam extrair a máxima vantagem Nessa mesma li nha o recurso ao cérebro como locus específico da atividade mental não faz mais do que reforçar esse dispositivo metodológico ao essencializar os pro cessos cognitivos e enfatizar o papel desempenhado pelas práticas culturais e pelas produções sociais na conformação do pensamento A análise do indiví duo como sendo essencialmente um processador de informações implica em primeiro lugar que os 116 processos cognitivos convertemse no centro da re flexão científica e em segundo lugar que tais pro cessos estão localizados em nosso interior e são capazes por meio de diversos procedimentos de serem examinados e descritos BRUNER 1990 DO SER PSICOLÓGICO AO SER SOCIAL Sem abandonar esse dualismo interiorexterior refletido em inumeráveis tensões como por exem plo indivíduosociedade ou agênciaestrutura diferentes perspectivas originadas no interior das ciências sociais têm insistido na idéia de que é preci so para compreender o mental o subjetivo a pró pria identidade prestar mais atenção ao que fica fora do espaço interior Não poderia ser de outra ma neira Para todas essas perspectivas a definição de ser humano em termos de ser social antes que de ser psicológico é tanto o ponto de partida de sua reflexão quanto a definição de sua própria identidade De fato poderseia dizer que dispomos de uma versão débil e de outra forte para pensar o ser hu mano como ser social BAKHURST SYPNOWICH 1995 A versão débil implica aceitar que nossa iden tidade toma forma a partir de poderosas influências externas Noções como as de internalização educa ção ou socialização remetem à idéia de que nosso espaço interior se configura a partir do efeito que sobre ele exerce o espaço do social ou do cultural servindo para definir como a estrutura da sociedade se reflete na estrutura do eu1 e gera indivíduos com petentes em seus contextos sociais WIDDICOMBE 117 1998 Nessas versões a subjetividade preexiste às influências posteriores Ela simplesmente recebe sua forma do exterior Ela é informada a partir de fora Ao contrário na versão forte questionase a pró pria possibilidade de que preexista algum interior à margem de certos processos constitutivos que te riam sua origem e localização no exterior no social Assim o processo de internalização não é a trans ferência de uma atividade externa a um plano de consciência interno preexistente é o processo no qual esse plano se forma LEONTIVEV 1981 citado em BAKHURST SYPNOWICH p 6 Essa versão forte pretende uma dissolução defi nitiva da dicotomia interiorexterior A superação do abismo que existe entre um mundo privado e interior de um lado e um mundo externo e públi co de outro constitui desde há muitos anos o ca valo de batalha essencial dos denominados construcionismos sociais Em todas as suas ver sões rejeitase tanto a possibilidade de uma psique isolada e alheia aos contextos socioculturais que a produzem quanto de uma identidade que molda e informa sob a ação de um mundo exterior Aquilo que chamamos subjetividade não é senão parte do tecido relacional da trama social nos quais todo in divíduo está sempre inserido Pressupõese em outras palavras que aquilo que chamamos entidades mentais pertence à discursi vidade em que se banha e da qual está em parte feito todo ser social Quando se rejeita a dicoto mia interiorexterior a realidade psicológica 118 apresentase sob outras características e se abrem novas perspectivas para sua investigação DOMÈ NECH IBÁÑEZ 1998 p 19 Assim atividades tradicionalmente consideradas como próprias do mundo interior aparecem agora dotadas de um caráter eminentemente social e cul tural pensar já não é um processo psicológico mas um processo de argumentação coletivo BILLIG 1987 a memória já não é uma possessão indivi dual mas um bem partilhado baseado na interação contínua dos membros de uma comunidade deter minada MIDDLETON EDWARDS 1990 Em suma o que antes denominávamos mente convertese em um dispositivo essencialmente retórico Desse modo os construcionismos sociais enfatizam o papel de terminante do lingüístico do discursivo e do signi ficado na constituição de nossos mundos mentais Em vez de contemplar o estudo do discurso como um caminho para a vida interior dos indivíduos seja essa constituída de processos cognitivos mo tivações ou algum outro material mental nós ve mos as questões psicológicas como construídas e postas em ação no próprio discurso EDWARDS POTTER 1992 p 127 LIMITES DO CONSTRUCIONISMO SOCIAL O LOGOCENTRISMO Todas essas propostas compartilham um mes mo e único centro de gravidade o eu é um relato que emerge essencialmente a partir das proprieda des da linguagem do discurso eou do significado 119 Temos um bom exemplo disso em Gergen e Ger gen 1988 p 18 uma dupla de intelectuais que se pode considerar como fundadora do construcionis mo social em psicologia Não apenas narramos nossas vidas sob a forma de relato mas em um sentido importante nossas relações são vividas também em uma forma nar rativa GERGEN GERGEN 1988 p 18 A subjetividade constituise dessa perspectiva no uso e elaboração de um complexo de narrativas discursos conversações atos de fala ou significados que a cultura põe à nossa disposição e que manipu lamos nas realidades interacionais que habitamos Entretanto embora essas análises representem um avanço na denúncia do essencialismo naturalista dominante nas explicações psicológicas elas fracas sam em sua concepção do lingüístico e do discursi vo e por isso também na concepção do social DOMÈNECH 1998 A linguagem nessas análises não é mais do que uma espécie de fala negociada exclusivamente entre indivíduos localizados em uma situação concreta e por meio de significados produ zidos na interação também exclusiva desses indiví duos Por um lado elas apresentam certos elementos que estariam implicados nessa interação indivíduos humanos por outro apresentam certos recursos lin güísticos palavras relatos explicações histórias atribuições com os quais se elaboram mensagens que estabelecem intenções levam à ação à persua são e agem sobre outras pessoas Por um lado te mos um canal por outro um problema o êxito ou fracasso da interação Como se pode observar nada 120 de novo o velho modelo comunicacional Essas propostas põem no centro das atividades produto ras de sentido e significado as relações entre agentes humanos Assim o ser humano é definido de modo acrítico como um agente que se constrói a si mes mo como um eu dando à sua a coerência de uma narrativa utilizando e pondo em ação recursos lin güísticos Como assinala Rose 1996 o eu en quanto virtude ou capacidade de narrarse de diversas maneiras é implicitamente reinvocado como uma exterioridade a esse evento lingüístico que já está em si mesmo unificado e totalizado Dessa maneira essas abordagens acabam mantendo velhos dualismos sujeitoobjeto naturezasociedade embora seu propósito seja desfazêlos E apenas aparentemente rompem com a imagem clássica de Sujeito porque não conseguem escapar do logo centrismo e da circularidade que encerra seu modo de entender a conformação da subjetividade DELEUZE SUBJETIVAÇÃO E DOBRA Basta compreender e sobretudo ver e tocar as montanhas a partir de seus dobramentos para que percam sua dureza e para que os milênios voltem a ser o que são não permanências mas tempo em estado puro e flexibilidades Nada é mais pertur bador que os movimentos incessantes do que pa rece imóvel Leibniz diria uma dança de partículas reviradas em dobras DELEUZE 1992 p 195 A questão é que é preciso buscar em outro lugar a crítica mais radical e a proposta mais alternativa à 121 imagem convencional da subjetividade Neste sen tido o pensamento de Deleuze apresentase como um caminho como uma saída que nos permite pensar a subjetividade à margem dos pressupostos aos quais a psicologia sob formas as mais diversas continua presa A crítica para Deleuze não consis te em justificar mas em procurar outra sensibilida de Para isso cria fabrica conceitos que rompem com as modalidades dominantes de pensar e repre sentar a subjetividade e que são inseparáveis de no vos perceptos novas maneiras de ver e escutar e de novos afectos novas maneiras de sentir Conceitos e não metáforas porque a metáfora implica uma relação com algo que já existe remete a um signifi cado prévio enquanto os conceitos atuam como imagens performativas BRAIDOTTI 1995 que não reduzem a linguagem a logos porque mais do que significar buscam cartografar futuras paragens construir uma região no plano acrescentar uma região às existentes explorar uma nova região pre encher um vazio DELEUZE 1996 p 234 Con ceitos como hecceidade corpo sem órgãos nômade agenciamento devir máquina abstrata espaço liso rostidade território rizoma dobra linhas molares linhas moleculares linhas de fuga que servem para combater a primazia do verbo ser e por isso reme tem sempre a circunstâncias em que caso onde e quando como e nunca a essências desenhando uma subjetividade em movimento e continuamente produzida Assim Deleuze frente a uma idéia de Sujeito essencializado dotado de uma identidade unitária autônoma privada estável de contornos 122 fixos ajudanos a perfilar formas de subjetividade múltiplas heterogêneas de confins fluidos Deleuze efetua uma genealogia da subjetivida de na qual analisa os processos de subjetivação De fato para Deleuze só existem processos e esses pro cessos só podem ser processos de unificação de sub jetivação de racionalização Ele examina a gênese da subjetividade em um momento e em um nível anterior à individuação compreendida como enti dades do tipo substâncias ou sujeitos Ele ten ta como assinala Foucault Pensar intensidades em vez e antes de qualida des e quantidades profundidades em vez de comprimentos e larguras movimentos de indivi duação em vez de espécies e gêneros e mil peque nos sujeitos larvares mil pequenas palavras dissolvidas mil passividades e formigueiros lá onde reinava ontem o sujeito soberano FOUCAULT 1993 p 238 Ele nos mostra assim um território povoado de singularidades préindividuais intensidades pro fundidades movimentos sujeitos larvares A ge ração de subjetividades não consiste na demarcação dos limites de um eu enclausurado e interior mas na idéia de que ele é o efeito de uma função ou operação que sempre se produz na exterioridade desse eu O sujeito já não é uma unidadeidentida de mas envoltura pele fronteira sua interioridade transborda em contato com o exterior Deleuze substitui a lógica do ser pela lógica da conjunção substitui o é que identifica pelo e que relaciona a identidade pela multiplicidade E o 123 sujeito seria portanto o espaço de conexão ou de montagem contínua preposição uma dobra do ex terior A dobra Essa figura faz referência a proces sos relações de movimento e descanso capacidades de afectar e ser afectado definindo pois modos de individuação que não correspondem a um sujeito e que por isso não precisam do recurso a metateorias psicológicas ou lingüísticas Como assinala Rose a partir do próprio campo da psicologia O ser humano não é aqui uma entidade com uma história mas o alvo de uma multiplicidade de ti pos de trabalho é mais como uma latitude ou uma longitude na qual diferentes vetores de diferentes intensidades se cortam A interioridade que tan tos sentemse compelidos a diagnosticar não é aquela de um sistema psicológico mas a de uma superfície descontínua de uma espécie de dobra mento para dentro da exterioridade ROSE 1996 p 37 cf ROSE no prelo Assim a partir das propostas deleuzianas Rose 1996 1999 afirma que a imagem de um eu1 dialógico defendida pelo construcionismo social é insatisfatória Ela oferece apenas uma análise par cial de nossa realidade social Do ponto de vista de Rose é preciso resistir à tirania do dispositivo lin guagemdiscursosignificado na hora de pensar a subjetividade E nesse sentido a dobra serve para nos deslocar das anatomias mentais imaginárias e lingüísticas fabricadas por nossas ciências sociais para um universo de fluxos ou linhas de força gera das nas conexões entre órgãos e objetos ou artefa tos entre seres humanos e espaços entre sujeitos e 124 escolas ou oficinas entre instituições A subjetivação compreendida como dobra é um processo de agru pação de agregação de composição de disposição ou agenciamento ou arranjamento de concreção sem pre relativa do heterogêneo de corpos vocabulá rios inscrições práticas juízos técnicas objetos que nos acompanham e determinam Na subjetiva ção prevalece relativamente a qualquer objeto total e acabado evidente manifesto a parte molecular fragmentada incerta rompendo assim com as ve lhas dicotomias articuladoras das ciências sociais As dobras incorporam sem totalizar internalizam sem unificar juntamse de maneira descontínua na forma de plissês formando superfícies espa ços fluxos e relações ROSE 1996 p 37 cf ROSE no prelo LINGUAGEM MULTIPLICIDADE E AGENCIAMENTO Por isso Rose propõe que o pensamento social se volte não para o signo ou a comunicação mas para a analítica dos dispositivos nos quais esse emer ge como tal com certo sentido e valor interacional Nessa analítica a linguagem seria simplesmente outro elemento entre os muitos que compõem os diferentes agenciamentos ou arranjamentos em que nos vemos implicados A subjetivação não se refere tanto à linguagem e às suas propriedades internas quanto a um agencia mento ou arranjamento de enunciação As relações entre signos sempre estão agenciadas conectadas 125 reunidas em outras relações E nossas práticas não habitam ou não se localizam em espaços de signifi cado e negociação entre indivíduos homogêneos amorfos e assepticamente funcionais Elas estão sem pre localizadas em estabelecimentos e procedimen tos particulares Se aceitamos que a linguagem está organizada em regimes de significação que por meio desses regimes ela está distribuída em espa ços tempos zonas estratos e forças então a cons trução da subjetividade adquire outra aparência Perguntas tais como quem fala segundo que critério de verdade a partir de quais lugares e espaços em que relações agindo de que ma neira apoiandose em que hábitos e rotinas autorizado de que maneira sob que formas de persuasão sanção mentira e crueldade passam ao primeiro plano e delimitam a atividade do pen samento social Não se trata de conhecer o signifi cado de uma palavra de uma frase de um relato ou de uma narração nem se trata de saber o que cono ta ou o que denota O problema é antes com quê se conecta em quê multiplicidades se implica com quê outras multiplicidades se junta Para a análise da produção de subjetividades não precisamos de semânticas ocultas mas do esclarecimento de regi mes de produção de conexões superficiais Tratase de ver o que faz a linguagem com que ela conecta e para quê Seus efeitos são apenas uma parte dessa trama A linguagem não deve ser tomada como matéria prima e primária na constituição da subjeti vidade mas antes como parte de um complexo maior O lingüístico e o discursivo certamente esta bilizam relações e geram relações mas não são em 126 essência questões interacionais e interpessoais O que torna possível qualquer relação ou intercâmbio é um regime de linguagem incorporado em práti cas que capturam os seres humanos sob diversas formas inscrevem organizam formam a produção dessa mesma linguagem ONDE ESTÃO OS OBJETOS É certo que as análises baseadas no discurso e no lingüístico supõem uma proposta que evita a refe rência a um lugar interior mas ao exteriorizar a sub jetividade elas nos apresentam um exterior povoado exclusivamente por seres humanos e suas relações que são as entidades que têm o privilégio e o status de explanans enquanto que outras entidades por exem plo os objetos tecnológicos são sempre excluídos e tratados como explanandum Desse modo o essen cialismo naturalista é substituído por um essencialis mo social que não se problematiza e continua justificando a dicotomia naturezasociedade Para romper com essa dinâmica tornase ne cessário praticar uma sociologia simétrica DOMÈNECH TIRADO 1998 na qual se reconheça que huma nos e nãohumanos formam parte do mesmo cole tivo Esta é sem dúvida a principal contribuição da Teoria do AtorRede CALLON 1986 LATOUR 1987 LAW 1994 nascida no interior dos estu dos da ciência a partir das formulações de Michel Serres Apesar de constituir uma teorização extre mamente complexa se existe algo que possa resu mir de alguma maneira a contribuição da Teoria 127 do AtorRede é precisamente sua tentativa de uma redefinição do que significa reflexão social Em lugar de continuar ampliando a fratura entre o humano e o nãohumano o social e o natural a Teoria do AtorRede recupera o papel do tecnoló gico dos objetos do natural nas explicações so bre questões que se vêm formulando como alheias a essa classe de elementos as relações de poder as dinâmicas institucionais ou a constituição de sub jetividades para apresentar apenas alguns exem plos aparecem sob uma nova luz ao deixar de considerálos como processos que têm a ver única e exclusivamente com humanos Nessa linha Serres 1994 ao falar precisamen te da dobra assinala a importância dos objetos daquilo que não é meramente corporal eou huma no A dobra permite o mínimo espaço que a vida necessita para ter lugar só habito dobras sou ape nas dobras SERRES 1994 p 47 Para Serres não existe vida humana sem diferença precisamos de uma dobra para onde nos retirarmos mesmo que seja apenas por um pequeno lapso de tempo Con fundidos permanentemente na coletividade de se res considerados como animais verdadeiramente políticos perderíamos nossa condição humana Pre cisamos de algo que nos permita diferenciarnos uma membrana que nos dê um limite E o que per mite que apareça a mínima diferença é o caráter objetual um pertencimento uma propriedade Ao defender essa perspectiva Serres traz à baila a vida de vagabundos consumados pobres consumados carentes de quase tudo E no quase é que está a questão Diógenes São Francisco Jesus Cristo 128 caracterizados por sua renúncia dos bens materiais não podem evitar possuir alguma propriedade algo que não tenha nada a ver com os demais O tonel é a propriedade de Diógenes tomandose proprie dade em sua dupla acepção aquela coisa que é pos suída e atributo ou qualidade essencial de uma pessoa como a porciúncula no caso de São Fran cisco ou a túnica no de Jesus Cristo Assim seguindo Serres podemos dizer que não existe vida humana sem ao menos um objeto A dobra mínima aparece na relação com um objeto A subjetividade nesse sentido é sempre um dispositi vo que exige ao menos a relação com um objeto Não se pode falar de processos de subjetivação sem referirse a dobras mas não se pode falar de dobras sem referirse ao objetual Essa perspectiva por outro lado está coerente com a cosmovisão serre siana que implica em uma mesma rede o mundo os aparatos e nós próprios Podemos dizer que essa harmonia é tão nova sob o Sol Quando indicava a hora do equinócio e a posição em latitude do lugar o eixo do qua drante solar escrevia em nossos tempos sobre a terra o solo alguns resultados que nós atri buíamos a nós próprios essa inteligência sutil temos que chamála de própria de interior a nos sos neurônios e vinculante de uma sociedade de cérebros ou remetêla às ferramentas e portan to artificial ou referila ao mundo que traça automaticamente sobre si a longitude sombre ada de sua própria luz Qual das três cultura técnica ou natureza goza dessa função Esco lhe se você se atreve SERRES 1994 p 125 129 O MOVIMENTO DA DOBRA POLÍTICA E POÉTICA DAQUILO QUE SOMOS Pensar os processos de subjetivação como dobra implica como vimos despojar o Sujeito de toda identidade essencialista e de toda interioridade absoluta e ao mesmo tempo reconhecer a possi bilidade de transformação e de criação que eles dei xam aberta Em outras palavras a dobra nos permite pensar os processos pelos quais o ser humano trans borda e vai para além de sua pele sem recorrer à imagem de um Sujeito autônomo independente cerrado agente a não ser precisamente com base em seu caráter aberto múltiplo inacabado cam biante Agora o problema já não seria tanto per guntarse sobre que tipo de sujeito é produzido mas que pode fazer o ser humano que capacidade de afec tar e de ser afectado tem em um dispositivo concre to Essa capacidade não é tampouco uma propriedade da carne do corpo da psique da mente ou da alma É simplesmente algo variável produto ou proprie dade de uma cadeia de conexões entre humanos ar tefatos técnicos dispositivos de ação e pensamento É nessa direção que vão as palavras de Serres Quem somos A intersecção flutuante em função da duração dessa variedade numerosa e muito singular de gêneros diferentes Não deixamos de coser e tecer nossa própria capa de Arlequim tão matizada ou tão disparatadamente colorida quan to nosso mapa genérico Não tem sentido pois defender com unhas e dentes um de nossos per tencimentos o que se deve ao contrário é multi plicálos para enriquecer a flexibilidade Façamos 130 farfalhar ao vento ou dançar como chama a ban deira multicolor do mapadocumento de identi dade SERRES 1994 p 200 Neste ponto é necessário ressaltar que precisa mente o conceito de dobra é utilizado por Deleuze para explicar a possibilidade lançada por Fou cault em seus dois últimos livros de um si mes mo constituído como núcleo de resistência frente a poderes e saberes estabelecidos Foucault assi nala Deleuze 1991 depois de haver analisado as formações de saber e dos dispositivos de poder isto é os estados mistos de podersaber que nos constituem vive um impasse em que se coloca a possibilidade de ir além do podersaber de passar o limite prescrito pelo nexo podersaber de pas sar para o outro lado Assim os volumes II e III da História da sexualidade assinalam um ponto de inflexão de transição na obra foucaultiana por que sem renunciar à sua concepção do sujeito como forma constituída historicamente e não como nor ma constituinte ele concebe os processos de sub jetivação como ensaio como processo ético e estético que busca produzir modos de existência inéditos E é aqui que Deleuze leitor de Foucault recria o conceito de dobra para explicar os proces sos de subjetivação como modificação dos limites que nos sujeitam para nos reconstruir com outras experiências com outra delimitação Modificação dos limites que nos sujeitam que nos convertem em sujeitos possível na medida em que a dobra nos mostra um cenário diferente àque le ao qual a oposição interiorexterior nos remetia 131 O movimento da dobra tem lugar entre um lado de dentro e um lado de fora que não equivalem a um interior e a um exterior marcando um território e relações completamente distintas Assim na sepa ração interiorexterior em sua versão mais cartesia na mantêmse as coerções identitárias sujeitos e objetos aparecem enquadrados em gêneros e espé cies o exterior sólido e extenso distinguese de um interior inexpugnável e isolado mas em todos os casos e em todas as versões independentemente de quem ou quê esteja em um ou outro lado essa se paração remetenos sempre ao já existente ao já conhecido reconduzindonos à forma do Mesmo Tratase por isso não apenas de uma dicotomia es tática mas também estéril O que ocorre quando falta outrem na estrutura do mundo Só reina a brutal oposição do sol e da ter ra de uma luz insustentável e de um abismo obs curo a lei sumária de tudo ou nada O sabido e o nãosabido o percebido e o nãopercebido enfren tamse em termos absolutos num combate sem nuanças Mundo cru e negro sem potenciali dades nem virtualidades é a categoria do possível que se desmoronou DELEUZE 1998 p 3156 Entretanto a dobra supõe um movimento que incorpora essa categoria do possível precisamente porque a dobra permite habitar o limite que traça as bordas do que somos permite nos situar em uma linha instável e arriscada a linha do lado de fora na qual os contornos do familiar imaginável e represen tável diluemse em contato com o desconhecido in traduzível irrepresentável e nas palavras de Deleuze 132 é preciso conseguir dobrar a linha para consti tuir uma zona vivível onde seja possível alojar se enfrentar apoiarse respirar em suma pensar DELEUZE 1992 p 138 Enfrentar a linha do lado de fora membrana borda essa zona estranhamente intermediária li mite e ao mesmo tempo desvanecimento de pode res e saberes DELEUZE 1996 que definem o que fazemos pensamos e dizemos e ser capazes de do brála para construir espaços dobras que permi tam alargar o que somos darnos um novo corpo com outro umbral de sensibilidade de modo aná logo ao que ocorre no movimento do aprender quando se o compreende como possibilidade de tornar habitável a fronteira onde se encontram e se transformam o representável e o que ainda não se conhece JÓDAR 2000 Por isso entre o lado de fora e o lado de dentro não há separação mas con fusão inversão intercâmbio É o lado de fora o que abre um si mesmo um lado de dentro que não é mais o dobramento o dobrado do lado de fora dobrado que se produz quando uma força afeta a si mesma em vez de afetar a outras forças isto é por meio da relação de si consigo mesmo É como uma glândula pineal que não pára de se reconstituir variando sua direção traçando um espaço do lado de dentro mas coextensivo a toda a linha do lado de fora O mais longínquo torna se interno por uma conversão ao mais próximo a vida nas dobras DELEUZE 1991 p 130 Dessa maneira o Outro instalase e atravessa a subjetividade impedindo uma identidade fechada 133 privada autêntica e pura Tendo em conta que o Outro não faz referência a uma identidade em con fronto com outra mas que é o irredutível a qual quer identificação o Outro pois como diferença quer dizer como aquilo que faz diferir que produz novidade A dobra como a arte barroca excita de sestabiliza a ordem do sistema e o submete a turbu lências e flutuações CALABRESE 1992 A dobra compreendida agora como criação de possibilidades de existência que rejeitam a ordem de identificação existente adquire imediatamente uma dimensão política O conceito de dobra cons titui uma figuração ou imagem da subjetividade necessária como assinala Foucault 1982 para combater o tipo de individualidade que se nos im põe e para pensarnos de outra maneira Nesse sentido se a dobra só pode avançar variando bifur candose e metamorfoseandose o problema não é nunca como acabar a dobra mas como continuála É necessário dobrar desdobrar redobrar o manei rismo substitui o essencialismo DELEUZE 1989 Dobrar desdobrar redobrar não apenas porque os processos de subjetivação são continuamente pe netrados pelo saber e recuperados pelo poder mas porque as próprias subjetivações se estão assen tadas dentro das estruturas fixas e da segurança agradável da identidade podem converterse em um obstáculo que impede cruzar a multiplicidade que impede a prolongação de suas linhas a produ ção de novidade DELEUZE 1996 p 232 Dessa maneira a dobra nos permite entender a crise que afeta diversos movimentos desde o feminismo até certos nacionalismos que enfrentam os limites as 134 contradições os perigos de fazer política com a identidade isto é de reivindicar identidades mo dernas de caráter essencialista identidades que de vem ser recuperadas reencontradas desveladas e que quando o são acabam convertendose em lei princípio e código funcionando como mecanismos de constrição e exclusão GÓMEZ BUENO 2000 E não apenas isso entender a subjetivação como dobra inaugura outra política uma política que re nuncia ao esquema opressãolibertaçãoidentidade e que busca criar novas formas de experimentar e de sentir afirmando a diferença a variação a meta morfose como formas de resistência a duas formas atuais de sujeição uma que consiste em individuar nos de acordo com as exigências do poder a outra que nos vincula nos ata a uma identidade sabida e conhecida e à qual devemos responder Se é verdade que o poder investe cada vez mais nossa vida cotidiana nossa interioridade e indi vidualidade se ele se faz individualizante se é verdade que o próprio saber é cada vez mais in dividualizado formando hermenêuticas e codifi cações do sujeito desejante o que é que sobra para a nossa subjetividade Nunca sobra nada para o sujeito pois a cada vez ele está por se fazer como um foco de resistência segundo a orientação das dobras que subjetivam o saber e recurvam o poder DELEUZE 1991 p 1123 ênfase nossa 135 NOTA 1 Self no original N do T REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHURST D e SYPNOWICH C Introduction Pro blems of the Social Self In D Bakhurst y C Sypnowich Eds The Social Self Londres Sage 1995 BILLIG M Arguing and thinking A rhetorical approach to social psychology Cambridge Cambridge University Press 1987 BRAIDOTTI R Soggetto Nomade Feminismo e crisi della modernitá Roma Donzelli Editore 1995 BRUNER J Actos de significado Madri Alianza 1990 CALABRESE O Neobarroco Cuadernos del Círculo 2 1992 p 89100 CALLON M Algunos elementos para una sociología de la traducción la domesticación de las vieiras y los pesca dores de la bahía de St Brieuc In JM Iranzo J R Blanco T González de la Fe C Torres y A Cotillo org Sociología de la ciencia y la tecnología Madri CSIC 1986 EDWARDS D e POTTER J Discursive Psychology Lon dres Sage 1992 DELEUZE G El pliegue Leibniz y el barroco Barcelona Paidós 1989 DELEUZE G Foucault São Paulo Brasiliense 1991 2ª ed DELEUZE G Conversações Rio Editora 34 1992 DELEUZE Gilles Lógica do sentido São Paulo Perspecti va 1998 4ª ed DOMÈNECH M e IBÁÑEZ T La psicología social como crítica Anthropos 177 1998 p 1221 DOMÈNECH M El problema de lo social en la Psicología Social Algunas consideraciones desde la Sociología del Conocimiento Científico Anthropos 177 1998 p 3438 DOMÈNECH M e TIRADO F J org 1998 Sociolo gía simétrica Ensayos sobre ciencia tecnología y sociedad Barcelona Gedisa 1998 136 FOUCAULT M Le sujet et le pouvoir In Michel Foucault Dits et Écrits París Gallimard 1994 v 4 p 222241 FOUCAULT M Ariana se enforcou Revista de Comuni cação e Linguagens n 19 1993 p 237239 GERGEN K J Realidades y relaciones Aproximaciones a la 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necessariamente a ontologia de uma criatura despedaçada no seu próprio núcleo Para outros essa morte do sujeito é ela própria um evento histórico real o indivíduo ao qual essa ima gem do sujeito correspondia surgiu apenas recente mente em uma zona limitada de tempoespaço tendo sido agora varrido pela mudança cultural No lugar do eu proliferam novas imagens de sub jetividade como socialmente construída como dialógica como inscrita na superfície do corpo 140 como espacializada descentrada múltipla nôma de como o resultado de práticas episódicas de auto exposição em locais e épocas particulares Devese assinalar entretanto que no mesmo momento em que essa imagem do ser humano é declarada passé pelos teóricos sociais certas práticas regulatórias buscam governar os indivíduos de uma maneira que está mais do que nunca ligada àque las características que o definem como um eu Da mesma forma as idéias de identidade e seus cogna tos têm se colocado no centro de muitas das práti cas nas quais os seres humanos se envolvem Na vida política no trabalho nos arranjos domésticos e conjugais no consumo no mercado na publici dade na televisão e no cinema no complexo jurídico e nas práticas da polícia nos aparatos da medicina e da saúde os seres humanos são interpelados repre sentados e influenciados como se fossem eus de um tipo particular imbuídos de uma subjetividade indivi dualizada motivados por ansiedades e aspirações a respeito de sua autorealização comprometidos a en contrar suas verdadeiras identidades e a maximizar a autêntica expressão dessas identidades em seus estilos de vida As imagens de liberdade e autono mia que inspiram nosso pensamento político ope ram da mesma forma em termos de uma imagem do ser humano que o vê como o foco psicológico unificado de sua biografia como o locus de direitos e reivindicações legítimas como um ator que busca empresariar sua vida e seu eu por meio de atos de escolha A julgar pela popularidade das problemáti cas do psi na mídia pelas demandas por toda espé cie de terapia e pela enorme quantidade de todo 141 tipo de conselheiros parece que os seres humanos ao menos em certos locais e entre certos setores acabaram por se reconhecer nessas imagens e nesses pressupostos e por se relacionar consigo mesmos e com suas vidas em termos análogos isto é nos termos da problemática do eu A dispersão con ceitual do eu parece caminhar em paralelo com sua intensificação governamental Teremos nós então apesar dos argumentos dos filósofos e teóricos críticos nos tornado sujeitos psi cológicos É hora de abordar a questão da subjeti vidade mais diretamente Não em termos dos efeitos da cultura sobre a pessoa ou em termos de uma teoria do sujeito mas buscando caracterizar por as sim dizer o modo de ação das diversas tecnologias psi de subjetivação Isso nos obriga a um desvio por al guns textos contemporâneos sobre o problema do sujeito antes de retornar em conclusão a uma análi se do tipo de criatura que nós nos tornamos VOCÊ É MAIS PLURAL DO QUE PENSA Gilles Deleuze e Félix Guattari foram prova velmente os autores que formularam a alternativa mais radical à imagem convencional da subjetivi dade como coerente durável e individualizada Você é longitude e latitude um conjunto de velo cidades e lentidões entre partículas não formadas um conjunto de afectos não subjetivados Você tem a individuação de um dia de uma estação de um ano de uma vida independentemente da duração de um clima de um vento de uma neblina de um enxame de uma matilha independentemente da 142 regularidade Ou pelo menos você pode têla pode conseguila MP4 p 493 Você pode têla para Deleuze e Guattari os humanos ao menos ao lon go de um determinado plano de existência são mais múltiplos mais transientes e mais nãosubjetiva dos do que somos levados a acreditar Além disso podemos agir sobre nós mesmos para habitar es sas formas nãosubjetivadas de existência Eles cha mam essas formas nãosubjetivadas de hecceida des modos de individuação que não são os de uma substância de uma pessoa ou de um sujeito mas os de uma nuvem de um inverno de uma hora de uma data relações de movimento e de repouso entre moléculas ou partículas poder de afetar e ser afetado MP4 p 47 Entretanto em oposição a essa dimensão ou a esse plano de con sistência que não deve ser pensado como uma estrutura oculta mas como um plano imanente formado apenas da distribuição e da relação entre seus efeitos está um outro plano de organização estratificação territorialização De modo que o plano de organização não pára de trabalhar sobre o plano de consistência ten tando sempre tapar as linhas de fuga parar ou interromper os movimentos de desterritorializa ção lastreálos reestratificálos reconstituir for mas e sujeitos em profundidade Inversamente o plano de consistência não pára de se extrair do plano de organização de levar partículas a fugi rem para fora dos estratos de embaralhar as for mas a golpe de velocidade ou lentidão de quebrar as funções à força de agenciamentos de microa genciamentos MP4 p 60 143 Se a experiência e a relação que temos com nós mesmos não é de movimentos fluxos decomposi ções e recomposições é por causa da localização dos humanos nesse outro plano esse plano de organi zação que tem a ver com o desenvolvimento de for mas e com a formação de sujeitos no interior de agenciamentos3 cujos vetores forças e intercone xões subjetivam o ser humano ao nos reunir em um agenciamento com partes forças movimen tos afectos de outros humanos animais objetos espaços e lugares É nesses agenciamentos que são produzidos os efeitos de sujeito efeitos do fato de sermosreunidosemumagenciamento A subjeti vação é assim o nome que se pode dar aos efeitos da composição e da recomposição de forças práti cas e relações que tentam transformar ou operam para transformar o ser humano em variadas for mas de sujeito em seres capazes de tomar a si pró prios como os sujeitos de suas próprias práticas e das práticas de outros sobre eles Existem sem dúvida muitas dificuldades com essas hipóteses as quais eu retirei de seu contexto para utilizálas em minha própria teorização4 Es tou menos preocupado de qualquer forma em ser fiel a Deleuze e Guattari o que seria uma aspira ção curiosa do que em usar o que eles escreveram como uma plataforma de lançamento para minha própria questão como os humanos são subjetiva dos em quais agenciamentos e como podemos pen sar as práticas psi como um elemento operativo no seu interior Aqueles que utilizam uma teoria do sujeito cujas condições mesmas de possibilidade se situam no interior de um certo regime histórico 144 de subjetivação para explicar esse regime de sub jetivação encontramse em uma situação contraditó ria Essas teorias da subjetividade são desenvolvidas para explicar eventos que aquelas próprias teorias aju daram a produzir eventos que elas plantaram ao lon go de nossa existência localizandoos em uma interioridade que elas próprias ajudaram a cavar Em contraste com essa perspectiva proporei na discus são que se segue uma análise da subjetivação que não utiliza uma metapsicologia para explicar como em um momento histórico e cultural particular nos tornamos o que somos O eu não deveria ser investigado como um es paço contido de individualidade humana limitado pelo envelope da pele que foi precisamente a forma como historicamente ele acabou por conceber sua relação consigo mesmo Por que nossos corpos devem terminar na pele Do século XVII até agora as máquinas podiam ser animadas era possível atri buirlhes almas fantasmas para fazêlas falar ou mo vimentarse ou para explicar seu desenvolvimento ordenado e suas capacidades mentais Essas re lações máquinaorganismo são obsoletas desneces sárias HARAWAY 2000 p 101 De fato a própria idéia a própria possibilidade de uma teoria sobre um corpo separado e envelopado habitado e ani mado por sua própria alma o sujeito o eu a pessoa é parte daquilo que tem que ser expli cado constituindo justamente o próprio horizonte de pensamento que esperamos ultrapassar Se os seres humanos acabaram por se conceber como su jeitos com um desejo de ser com uma predisposi ção ao ser isso não surge como alguns sugerem de 145 algum desejo ontológico sendo em vez disso a re sultante de uma certa história e de suas invenções cf BRAIDOTTI 1994b p 160 Escrever no espíri to de Deleuze significa formular nossas questões em termos daquilo que os humanos podem fazer e não daquilo que eles são Nossas investigações deve riam buscar as linhas de formação e de funciona mento de uma gama de práticas de subjetivação historicamente contingentes nas quais os humanos ao se relacionarem consigo mesmos sob formas par ticulares dotamse de determinadas capacidades tais como compreender a si mesmos falar a si mes mos colocar a si mesmos em ação julgar a si mes mos Essa aquisição de capacidades dáse em conseqüência das formas pelas quais suas forças energias propriedades e ontologias são constituí das e moldadas ao serem utilizadas inscritas e ta lhadas por agenciamentos diversos e ao serem conectadas a agenciamentos diversos Dessa perspectiva a subjetividade não deve cer tamente ser vista como um dado primordial e nem mesmo como uma capacidade latente de um certo tipo de criatura Ela tampouco é algo que deve ser explicado pela socialização pela interação entre de um lado um animal humano biologicamente equipado com sentidos instintos necessidades e de outro um ambiente externo físico interpessoal so cial no qual um mundo psicológico interior é pro duzido pelos efeitos da cultura sobre a natureza Ao contrário sugiro que todos os efeitos da interiorida de psicológica juntamente com uma gama inteira de outras capacidades e relações são constituídos por meio da ligação dos humanos a outros objetos e 146 práticas multiplicidades e forças São essas variadas relações e ligações que produzem o sujeito como um agenciamento elas próprias fazem emergir to dos os fenômenos por meio dos quais em seus pró prios tempos os seres humanos se relacionam consigo próprios em termos de um interior psico lógico como eus desejantes como eus sexuados como eus trabalhadores como eus pensantes como eus intencionais como eus capazes de agir como sujeitos ver ROSE 1995a 1995b cf GROSZ 1994 p 116 Uma forma melhor de ver os sujeitos é como agenciamentos que metamorfoseiam ou mudam suas propriedades à medida que expandem suas co nexões eles não são nada mais e nada menos que as cambiantes conexões com as quais eles são associa dos MP1 p 1637 Sugiro também que a multi plicidade de linhas que tem reunido em uma montagem os seres humanos a diferentes relações no século XX os rizomas que têm conectado apre endido diversificado expandido divergido forma do pontos de entrada pontos de separação e saída para os humanos deve algo importante a esses con ceitos ações autoridades estratificações e ligações para os quais eu utilizei o termo psi A psicologia como um corpo de discursos e prá ticas profissionais como uma gama de técnicas e sistemas de julgamento e como um componente de ética tem uma importância particular em relação aos agenciamentos contemporâneos de subjetivação As disciplinas psi compreendem mais que uma for ma historicamente contingente de representar a rea lidade subjetiva As disciplinas psi no sentido que lhes dou aqui têm feito parte de forma constitutiva 147 das reflexões críticas sobre a problemática do go verno das pessoas de acordo com por um lado sua natureza e verdade e por outro com as exigências da ordem social da harmonia da tranqüilidade e do bemestar Os saberes e as autoridades psi têm gerado técnicas para moldar e reformar os eus as quais têm sido reunidas em um agenciamento com os aparatos dos exércitos das prisões das sa las de aula dos quartos de dormir das clínicas Eles estão presos a aspirações sociopolíticas a so nhos a esperanças e a medos relativamente a questões tais como a qualidade da população a prevenção da criminalidade a maximização do ajus tamento a promoção da autodependência e da ca pacidade de empreendimento Eles têm sido cor porificados em uma proliferação de programas intervenções sociais e projetos administrativos Dessa forma as disciplinas psi estabeleceram uma varie dade de racionalidades práticas envolvendose na multiplicação de novas tecnologias e em sua proli feração ao longo de toda a textura da vida cotidia na normas e dispositivos de acordo com os quais as capacidades e a conduta dos humanos têm se tornado inteligíveis e julgáveis Essas racionalida des práticas são regimes de pensamento por meio dos quais as pessoas podem dar importância a as pectos de si próprias e à sua experiência e regimes de prática por meio dos quais os humanos podem fazer de si próprios seres éticos e dotados de agência definidos de modos particulares como pais professores homens mulheres amantes che fes e por meio de sua associação com vários dispo sitivos técnicas pessoas e objetos8 148 NARRANDO O EU Comecemos com a linguagem Marcel Mauss em seu famoso ensaio sobre a história da noção ou concepção de eu argumentava que essa categoria havia surgido apenas recentemente ressaltando o associado culto do eu e o respeito pelo eu na lei e na moralidade Ele advertia entretanto que não ia dis cutir a questão da linguagem Ele acreditava que não havia nenhuma tribo ou linguagem na qual a palavra eu não existisse na qual ela claramente não representasse algo e que a onipresença do eu se expressa também na linguagem o que é visível na abundância de sufixos posicionais que dizem res peito às relações no tempo e no espaço entre o su jeito falante e aquilo sobre o qual ele fala MAUSS 1979b p 61 Concediase aqui à própria lingua gem efeitos subjetivantes mesmo que os sujeitos assim formados nem sempre refletissem sobre si mesmos como sujeitos no sentido que nossa cultura dá a esse termo Um argumento diferente mas rela cionado com respeito às propriedades subjetivan tes da linguagem foi apresentado por Émile Benveniste o qual colocava uma grande ênfase na capacidade de criação de sujeito que têm os prono mes pessoais Para Benveniste 1971 o eu como sujeito de enunciação forma um locus de subjetiva ção criando uma posição de sujeito um lugar no interior do qual um sujeito pode surgir É através da linguagem argumentava ele que os humanos se constituem a si próprios como sujeitos porque é apenas a linguagem que pode estabelecer a capaci dade de a pessoa se colocar como um sujeito como 149 a unidade psíquica que transcende a totalidade das experiências reais que ela reúne produzindo a per manência da consciência A subjetividade é ape nas a emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem ibidem p 224 A lin guagem tanto torna possível que cada falante se es tabeleça a si mesmo como um sujeito ao se referir a si próprio como eu em seu discurso quanto é tor nada possível por esse mesmo fato As formas pro nominais são um conjunto de signos vazios sem referência a qualquer realidade que se torna ple na quando o falante introduz a si próprio em uma instância de discurso Entretanto precisamente por causa disso o lugar do sujeito é um lugar que tem que ser constantemente reaberto pois não existe qualquer sujeito por detrás do eu que é posiciona do e capacitado para se identificar a si mesmo na quele espaço discursivo o sujeito tem que ser reconstituído em cada momento discursivo de enun ciação cf COWARD ELLIS 1977 p 133 Para o presente objetivo entretanto essa ênfase nas propriedades subjetivantes da linguagem con cebida como um sistema gramatical como uma re lação entre pronomes colocada em jogo em instâncias de discurso é insuficiente A subjetiva ção nunca pode ser uma operação puramente lin güística Devemos concordar aqui com Deleuze e Guattari que a subjetivação nunca é um processo puramente gramatical ela surge de um regime de signos e não de uma condição interna à linguagem e esse regime de signos está sempre preso a um agen ciamento ou a uma organização de poder MP2 p 856 A subjetivação dessa perspectiva deve refe 150 rirse antes de tudo não à linguagem e às suas pro priedades internas mas àquilo que Deleuze e Guat tari chamam seguindo Foucault de um agenciamento de enunciação Em A arqueologia do saber Foucault propôs o termo modalidades enunciativas para conceptualizar as formas sob as quais a linguagem aparece em espaços e épocas par ticulares formas que são irredutíveis às categorias lingüísticas FOUCAULT 1986a Quem pode falar De qual lugar fala Que relações estão em jogo en tre de um lado a pessoa que está falando e o objeto do qual ela fala e de outro aqueles que são os sujei tos de sua fala Podese pensar aqui no regime que em qualquer espaço ou época particular governa a enunciação de um enunciado diagnóstico na medi cina uma explicação científica em biologia um enunciado interpretativo em psicanálise ou uma ex pressão de paixão em relações eróticas Essas enun ciações não são colocadas em discurso por meio de uma função unificante de um sujeito nem tam pouco produzem esse sujeito como uma conse qüência de seus efeitos tratase aqui de uma questão dos diversos status dos diversos lugares das diversas posições que devem ser ocupadas em regimes particulares para que algo se torne dizível audível operável o médico o cientista o terapeu ta o amante FOUCAULT 1986a p 61 Assim as relações entre os signos são sempre reunidas no interior de outras relações O agenciamento só é enunciação só formaliza a expressão em uma de suas faces em sua outra face inseparável ele for maliza os conteúdos é agenciamento maquínico ou de corpo MP2 p 98 151 Dessa perspectiva a própria linguagem mesmo na forma de fala aparece como um agenciamento de práticas discursivas desde contar listar fazer contratos cantar passando pela recitação de preces até emitir ordens confessar comprar uma merca doria fazer um diagnóstico planejar uma campa nha discutir uma teoria explicar um processo Essas práticas não habitam um domínio amorfo e funcio nalmente homogêneo de significação e negociação entre indivíduos elas estão localizadas em locais e procedimentos particulares os afectos e as intensi dades que os atravessam são prépessoais elas são estruturadas em variadas relações que concedem poderes a alguns e delimitam os poderes de outros capacitam alguns a julgar e outros a serem julgados alguns a curar e outros a serem curados alguns a falar a verdade e outros a reconhecer sua autoridade e a abraçála aspirála ou submeterse a ela Logo retornarei a esse argumento Mas à luz do que foi dito até agora quero examinar alguns de senvolvimentos recentes na própria psicologia os quais consideram a subjetivação em relação à lin guagem e que buscam explicar o eu em termos de narrativa as estórias que contamos uns aos ou tros e a nós próprios Não se trata apenas do fato de que dizemos nossas vidas como estórias mas existe um sentido importante no qual nossas relações mútuas são vivi das de forma narrativa GERGEN GERGEN 1988 p 18 Para aquelas pessoas que argumentam des sa forma os eus são realmente constituídos no interior da fala A linguagem aqui é entendida como um complexo de narrativas do eu que nossa 152 cultura torna disponível e que os indivíduos utili zam para dar conta de eventos em suas próprias vidas para dar a si mesmos uma identidade no in terior de uma estória particular para atribuir sig nificado à sua própria conduta e às condutas de outros em termos de agressão amor rivalidade intenção e assim por diante Isto é falar sobre o eu é tanto constitutivo das formas de autoconsciência e de autocompreensão que os seres humanos ad quirem e exibem em suas próprias vidas quanto é constitutivo das próprias práticas sociais na medi da em que essas práticas não podem ser levadas a efeito sem certas autocompreensões Em vez de supor que as relações das pessoas com a natureza e com a sociedade são pouco ou nada afetadas pela linguagem no interior da qual elas são formuladas descobrimos que essas mesmas relações são constituídas pelas formas de fala que as inspiram pelas formas de responsabilização accountability pelas quais elas são por assim di zer mantidas em bom estado Se nos descobri mos agora como vivendo a nós próprios como indivíduos autocontidos autocontrolados não de vendo nada a outros por nossa natureza como tal acabamos por supor que esse é um estado natu ral ou fixo das coisas Em vez disso tratase de uma forma de inteligibilidade historicamente de pendente que exige para sua sustentação conti nuada um conjunto de compreensões partilhadas SHOTTER GERGEN 1989 p x A subjetividade e as crenças sobre os atributos do eu dos sentimentos das intenções são entendi das aqui como propriedades não de mecanismos 153 mentais mas de conversas de gramáticas de fala Elas são possíveis e ao mesmo tempo inteligíveis apenas em sociedades onde essas coisas podem apro priadamente ser ditas por pessoas sobre pessoas A tarefa da psicologia é a de expor nossos sistemas de normas de representação o resto é fisiologia HARRÉ 1989 p 34 As regras de gramática que dizem respeito a pessoas ou ao que Wittgenstein chamou de jogos de linguagem produzem ou in duzem um repertório moral de características rela tivamente duradouras as quais são atribuídas nos habitantes de culturas particulares à pessoalidade Nossa compreensão e nossa experiência de nossa realidade é constituída para nós em grande parte pelas formas pelas quais nós devemos falar em nossas tentativas para dar conta dela SHOTTER 1985 p 168 e devemos falar dessa forma porque as exi gências para cumprir nossas obrigações como mem bros responsáveis de uma sociedade particular têm uma qualidade moralmente coerciva Essas noções de constituição das características da pessoalidade por meio da fala são freqüentemen te consideradas como exigindo uma análise mais explicitamente dialógica Uma análise desse tipo argumentase poderia ela própria servir como uma espécie de crítica de certas formas de falar o eu a referência ao indivíduo solitário serve de forma enganadora para localizar no eu aquilo que é na verdade o produto de um conjunto de relações nós falamos dessa forma sobre nós mesmos porque esta mos presos no interior do que se pode pensar como um texto como um recurso textual desenvolvido de forma cultural o texto do individualismo 154 possessivo para o qual nós aparentemente deve mos moralmente nos voltar quando confrontados com a tarefa de descrever a natureza de nossas ex periências de nossas relações com os outros e com nós mesmos SHOTTER 1989 p 136 Procedimentos práticas ou métodos histórica e culturalmente desen volvidos para a produção de sentido são colocados à nossa disposição como recursos no interior das or dens sociais nas quais fomos socializados ibidem p 143 e ao lançar mão deles e ao usálos em seus encontros as pessoas vêm a conhecer a si próprias como pessoas de um tipo particular por meio de um ato de reconhecimento mútuo A análise aqui toma pois a forma de uma espécie de etnografia intera cional das formas de falar que são utilizadas pe las pessoas ao colocar em ação seus encontros sociais e nos quais elas mutuamente constroemse a si pró prias por meio do gerenciamento do sentido Foi esse caráter dialógico das autonarrativas o fato de que elas são sociais e não individuais que re centemente acabou por se destacar cf HERMANS KEMPEN 1993 Por social como já se terá torna do evidente esses autores querem dizer interpes soal e interacional Assim Mary e Kenneth Gergen argumentam em favor da importância do que eles chamam de autonarrativas estórias sobre os eus culturalmente fornecidas as quais na passagem por suas vidas fornecem os recursos dos quais os indiví duos lançam mão em suas interações mútuas e com eles mesmos As narrativas são na verdade constru ções sociais sofrendo alteração contínua à medida que a interação avança A autonarrativa é um implemento lingüístico construído pelas pessoas em 155 relações para sustentar reforçar ou impedir uma diversidade de ações As autonarrativas são sis temas simbólicos utilizados para propósitos sociais tais como justificação crítica e solidificação social GERGEN GERGEN 1988 p 201 Ao organizar explícita ou implicitamente suas relações consigo mes mos e com outros em termos dessas narrativas um eu é por assim dizer gerado pela estória com o indivíduo escolhendo entre as diferentes formas de narrativa às quais foi exposto A multiplicidade do eu é aqui compreendida como uma conseqüência da proposição de que o indivíduo aloja a capacidade para uma multiplicida de de formas narrativas e domina uma gama de meios de se tornar inteligível por meio de narrati vas de acordo com as exigências feitas na negocia ção da vida social por exemplo de que a pessoa se faça inteligível como uma identidade duradoura integral coerente GERGEN GERGEN 1988 p 35 Mas embora o objeto da autonarrativa seja um só eu seria um engano ver essas construções como o produto ou a propriedade de eus isolados Ao compreender a relações entre eventos em nossa vida apoiamonos no discurso que nasce da troca social e que inerentemente implica uma audiência p 37 Tratase de uma socialidade que é reforçada pelas formas e respostas relacionais que certos modos de falar sobre o eu recebem em trocas contínuas entre as pessoas de vários tipos nas quais os indivíduos negociam conjuntamente teorias particulares sobre si mesmos e sobre outros negociações que assu mem elas próprias certas formas estoriadas cultu ralmente disponíveis 156 Esses estudos sobre o eu que o tomam como sendo construído em narrativas interacionais de acor do com os recursos culturais disponíveis certamen te apreendem algo de importante Se a subjetivação é analisada em termos das relações dos humanos con sigo mesmos os vocabulários discursivamente esta belecidos exercem um papel importante na composi ção e recomposição dessas relações Mas as análises conduzidas sob os pressupostos do construcionis mo social são problemáticas por causa da visão de linguagem que elas sustentam A linguagem nessas análises é vista como fala como constituída de significados situacionalmente negociados entre indi víduos Como fala sua análise segue o modelo ba nal da comunicação ou da falta de comunicação na qual as partes envolvidas os indivíduos humanos utilizam vários recursos lingüísticos palavras ex plicações estórias atribuições para construir mensagens que transmitem intenções ou para mu tuamente afetar persuadir agir Essas análises ines capavelmente colocam o agente humano como o núcleo dessas atividades de produção de sentido ao ativamente negociar sua trajetória através das teorias disponíveis a fim de viver uma vida significativa Por tanto o ser humano é entendido como aquele agen te que se constrói a si próprio como um eu ao dar à sua vida a coerência de uma narrativa Evidentemen te o eu simplesmente em virtude de ser capaz de se narrar a si próprio em uma variedade de formas é implicitamente reinvocado como um exterior ineren temente unificado relativamente a essas comunica ções Isso nos faz lembrar a observação de Nietzsche de que um pensamento vem quando ele quer e não 157 quando eu quero Isso pensa mas que este isso seja precisamente o velho e decantado eu é dito de maneira suave apenas uma suposição uma afir mação e certamente não uma certeza imediata NIETZSCHE 1992 1886 p 23 Entretanto o que nossos psicólogos radicais invocam é na verda de o velho e familiar eu aquele reconfortante eu da filosofia humanista que é o ator que interage com outros em um contexto cultural e lingüístico a pessoa em quem os efeitos de sentido comunica ção assumem sua forma com todos os pressupos tos que o acompanham pressupostos que afirmam a singularidade e o caráter cumulativo do tempo vivido da consciência Tratase do eu da hermenêu tica do eu da fenomenologia agora sendo postula do aqui como a solução para o problema de como poderia ele próprio constituir uma possibilidade9 Obviamente seria absurdo colocar a análise pro duzida por lingüistas como Benveniste nesse mes mo campo hermenêutico Seu trabalho é refrescante como um copo dágua tomado depois do adocica do humanismo dos construcionistas sociais exi gindo uma atenção mais generosa e produtiva do que a que eu serei capaz de dar aqui É hora entre tanto de questionar toda a tirania da linguagem da comunicação do significado desde há mui to invocados pelas ciências sociais no curso de suas pretensões a se distinguirem das ciências na turais supostamente em virtude da natureza espe cial de seu objeto Ao tentar explicar nossa história e nossa especificidade não é para o domínio dos signos dos significados e das comunicações que devemos nos voltar mas para a analítica das técnicas 158 das intensidades das autoridades e dos aparatos Análises como as que estive discutindo aqui atribu em coisas demasiadas à linguagem como comunica ção e absolutamente nada à linguagem como agenciamento Pode ser relativamente fácil não di zer mais eu mas sem com isso ultrapassar o regime de subjetivação e inversamente podemos continuar a dizer Eu para agradar e já estar em um outro regi me onde os pronomes pessoais só funcionam como ficções MP2 p 95 Se a linguagem está organiza da em regimes de significação por meio dos quais ela se distribui ao longo de espaços épocas zonas e es tratos e se ela está agenciada em regimes práticos de coisas corpos e forças então devese conceber a cons trução discursiva do eu de uma forma bem diferen te Quem fala de acordo com que critérios de verdade de quais lugares em quais relações agindo sob quais formas sustentado por quais hábitos e rotinas auto rizado sob quais formas em quais espaços e lugares e sob que formas de persuasão sanção mentiras e crueldades Em relação às disciplinas psi esses são precisamente os tipos de questões com que devemos lidar a emergência de práticas locais e regimes de enunciação que dão poder a certas autoridades para falar nossa verdade na linguagem da psique os regi mes que constituem a autoridade por meio de uma relação com aqueles que são seus sujeitos como pa cientes analisandos clientes fregueses as paisagens os edifícios as salas os arranjos desenhados para es ses encontros desde as salas de consulta até as enfer marias dos hospitais os vetores afetivos da compulsão da sedução do contrato e da conversão que fazem a conexão das linhas 159 Isto é não se trata de uma questão sobre o que uma palavra uma sentença uma estória ou um li vro quer dizer ou o que significa mas antes sobre com o que ele funciona em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades em que mul tiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua multiplicidade MP1 p 12 Isso não significa voltar as costas para a linguagem ou para todos os instrutivos estudos que têm sido conduzidos sob os auspícios de uma certa noção de discurso ou que têm desenvolvido a analítica da retórica Mas signi fica sugerir que essas análises são mais instrutivas quando se focalizam não no que a linguagem signi fica mas no que ela faz que componentes de pen samento ela coloca em conexão que vínculos ela desqualifica o que capacita os humanos a imaginar a diagramar a fantasiar uma determinada existên cia a se reunirem em um agenciamento os sexos com seus gestos formas de andar de vestir de so nhar de desejar as famílias com suas mamães seus papais seus bebês suas necessidades e suas desilu sões as máquinas de curar com seus médicos e pa cientes seus órgãos e suas patologias as máquinas psiquiátricas com suas arquiteturas reformatórias suas grades de diagnóstico sua mecânica de inven ção e suas noções de cura10 Em qualquer circunstância devemos reconhe cer que a linguagem não é de forma alguma pri mária na produção de pessoas Em primeiro lugar a linguagem é obviamente mais que apenas fala daí a importância que é bem reconhecida da in venção da escrita pela qual os humanos são capazes de se tornar máquinas escreventes por meio do 160 treinamento da mão e do olho por meio da fabri cação de instrumentos tais como os estilos os pin céis as penas por meio de um certo conjunto de hábitos corporais por meio de um modo de com por e decifrar por meio de uma relação com a su perfície mais ou menos transportável de inscrição Ao escrever o ser humano tornase capaz de novas coisas fazer listas enviar mensagens acumular in formação a partir de locais distantes em um único lugar e em um único plano e de comparar tabular mudanças diferenças e similaridades estendendo novas linhas de força GOODY WATT 1968 Goody 1977 p 52111 ONG 1982 A invenção da im prensa torna possível a generalização de máquinas de leitura e uma variedade de novas coisas se torna pensável novas formas de compreender o lugar dos humanos em uma cosmologia por meio de cálculo dos movimentos dos corpos celestes por exemplo ou novas formas de praticar a espiritualidade em re lação ao livro sagrado EISENSTEIN 1979 A in venção de técnicas por meio das quais os humanos desenvolvem a capacidade de calcular torna similar mente os humanos capazes de novas coisas discipli na o pensamento e as autorelações de uma forma distintiva previsão e prudência por exemplo quan do se calcula a situação financeira futura na forma de um orçamento e é similarmente dependente de téc nicas e aparatos agenciamentos maquinados nos quais as forças do humano são criadas e estabiliza das CLINECOHEN 1982 cf ROSE 1991 Platão como é bem sabido expressou reservas sérias à escrita concebendoa não apenas como in ferior à palavra falada escrita na alma do ouvinte 161 para capacitálo a aprender sobre o certo o bem e o bom mas também como destrutiva das artes da retórica e da memória PLATÃO Fedro 278a Mas a memória não deveria ser contraposta à escrita como algo imediato natural como uma capacidade psi cológica universal mas vista em termos daquilo que Nietzsche chamou de mnemônica NIETZSCHE 1998 1887 p 51 cf GROSZ 1994 p 1315 Esse termo referese aos aparatos pelos quais se marca a ferro em brasa o passado em si próprio tornando o disponível como uma advertência um consolo um aparato de negociação uma arma ou uma feri da Jamais deixou de haver sangue martírio e sa crifício quando o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória NIETZSCHE 1998 p 51 As preocupações de Nietzsche são com as varieda des históricas de punição cruel como exemplos do preço pago pelos seres humanos para fazêlos supe rar seu esquecimento e reter na memória cinco ou seis não quero a fim de viver os benefícios da sociedade p 52 Não se trata de uma questão para meus propósitos da validade das asserções ge nealógicas específicas de Nietzsche elas são certa mente problemáticas Mas a noção de mnemônica abre um campo muito importante de investigação para o agenciamento de sujeitos Frances Yates mos trou de forma convincente que a memória pode ser entendida como uma arte ou uma série de técni cas inculcadas na forma de procedimentos particula res uma arte que foi revivida e ampliada na Idade Média e envolvia técnicas tais como a invenção de lugares ou espaços nos quais itens de saber ou experiência eram colocados e que poderiam ser recuperados pelo 162 sujeito ao fazer um passeio imaginário através deles YATES 1966 cf HIRST WOOLEY 1982 p 39 As práticas da pedagogia têm obviamente inventado toda uma gama de outras técnicas de memória bus cando inculcálas nas salas de aula tendo proliferado ao longo da experiência de quase todos os humanos contemporâneos e tendo sido elas próprias alimenta das pelas disciplinas psi Mas reconhecer o êxito téc nico e prático da memória é apenas um primeiro passo essas técnicas da memória não são limitadas pelo envelope da pele do sujeito e muito menos pelo volume de seu cérebro Não apenas os golpes a tor tura os sacrifícios que Nietzsche descobre como cons tituindo as raízes impuras de nossos aparentemente bálsamos morais puros mas também juramentos ri tuais canções escritas livros gravuras bibliotecas dinheiro contratos dívidas edifícios projetos de ar quitetura a organização do tempo e do espaço tudo isso e muito mais estabelece a possibilidade de que um passado mais ou menos imaginário possa ser reevocado no presente ou no futuro em locais par ticulares Isto é a memória é ela própria agenciada A memória que temos de nós próprios como um ser com uma biografia psicológica uma linha de desen volvimento da emoção do intelecto da vontade do desejo é produzida por meio dos álbuns de fotogra fia de família a repetição ritual de estórias o dossiê real ou virtual dos boletins escolares a acumulação de artefatos e a imagem o sentido e o valor que lhes são vinculados As disciplinas psi obviamente têm adotado e desenvolvido as tecnologias da memória desde ao menos a época de Mesmer e têmse envolvido em 163 toda uma história de competição sobre o status das memórias assim produzidas MESMER 1799 1957 A memória foi central às concepções de de sordem nervosa antes que Freud anunciasse que a histérica sofria de reminiscências e levantasse a pos sibilidade de que a memória podia não distinguir entre experiência e fantasia Por pelo menos um sé culo as asserções das disciplinas psi sobre a memó ria têm sido controversas precisamente porque as memórias em questão pareciam ser o produto de suas tecnologias nãonaturais das quais a hip nose e a associação livre constituíam apenas dois exemplos As dificuldades contemporâneas da mnemotécnica psi são exemplificadas naquilo que se poderia chamar de crise de memória em tor no da produção por meio das tecnologias da psi coterapia das anteriormente ausentes memórias da violência contra crianças memórias falsas me mórias recuperadas6 As disputas sobre essa ques tão revelam ao menos em parte a dificuldade de reconhecer que aquilo que é lembrado só o é por meio do envolvimento dos humanos com as tecno logias da memória Certas dessas tecnologias que continuam estranhas e malignas a muitas culturas têm sido naturalizadas em nossa própria cultura espelhos retratos inscrições duráveis por exemplo diários cartões de aniversário e cartas que servem de substitutos para eventos passados mas não esquecidos romances narrativos fotografias agora talvez o vídeo da gravidez de nossa mãe e o mo mento de nosso nascimento Muitas daquelas tec nologias inventadas na genealogia das disciplinas psi embora surpreendentemente não sejam aparatos 164 de memórias tais como a história de caso da medi cina continuam tendo um status problemático ain da não naturalizado mas mesmo assim são vistas como suspeitas por causa de sua associação com a tecnologia aparentemente antinatural que as fizeram nascer Mas me é possível ser umapessoacomme mória tãosomente em virtude de eu terentrado emcomposição com esses elementos heterogêneos a memória no sentido em que faz uma diferença nas formas pelas quais os humanos agem e se rela cionam consigo mesmos é uma propriedade de máquinas de lembrar A memória a habilidade de cálculo a escrita sim plesmente exemplificam o fato de que as análises da linguagem que se centram na questão do significa do concedem demasiada autonomia à semântica e à sintática e dão muito pouca atenção às práticas si tuadas que intimam inscrevem incitam certas re lações da pessoa consigo mesma Elas ignoram os aparatos de inscrição desde livros de estória tabe las gráficos listas e diagramas até vitrais e fotogra fias desenho de salas e peças de equipamento tais como aparelhos de televisão e fogões Esses apara tos constituem tecnologias culturais que funcionam como formas de codificar estabilizar e intimar se res humanos Eles vão além do envelope da pessoa perduram em locais práticas rituais e hábitos par ticulares e não estão localizados em pessoas particu lares nem são intercambiados de acordo com o modelo da comunicação Assim embora as linguagens os vocabulários e as formas de julgamento sejam indubitavelmente de imensa importância em intimar e estabilizar certas 165 relações da pessoa consigo mesma eles não deve riam ser entendidos como sendo primariamente in tencionais e interacionais Aquilo que torna qualquer intercâmbio particular possível surge de um regime de linguagem o qual está alojado em práticas que apreendem o ser humano sob variadas formas que inscrevem organizam moldam e exigem a produ ção da fala médica legal econômica erótica do méstica espiritual Mas essa referência às práticas e aos agenciamentos dos quais a linguagem faz parte chama a atenção para outra das inescapáveis debilidades das estórias psicológicas do eu nar rado Quando a linguagem nessas explicações é vista como algo situado ela o é apenas ao modo wittgensteiniano vago de formas de vida nas quais a responsabilização accountability funciona para tornar possíveis as ações Essas dispensáveis re ferências a formas de vida são pouco adequadas à tarefa O que precisa ser analisado é o modo da re lação consigo mesmo que é intimado nas práticas e nos procedimentos nos vínculos nas linhas de for ça e nos fluxos definidos que constituem pessoas e as atravessam e as circundam em maquinações par ticulares de força para trabalhar para curar para reformar para educar para trocar para desejar não apenas para responsabilizar accounting mas para manter como responsabilizável Não se trata de um apelo por uma localização mais delicada e sutil da comunicação em seu contexto social mas por uma rejeição da forma binária que separa a linguagem de seu contexto apenas para reinserila contextual mente em um mundo que é reduzido a uma espécie de pano de fundo cultural para o significado 166 Uma vez tecnicizadas maquinadas e localiza das em lugares e práticas emerge uma imagem di ferente do processo de construção de pessoas As pessoas funcionam aqui como uma forma ines capavelmente heterogênea como arranjos cujas ca pacidades são fabricadas e transformadas por meio de conexões e ligações nas quais elas são apreendi das em locais e espaços particulares Não se trata portanto de um eu que emerge por meio da narra ção de estórias mas antes de examinar o agencia mento de sujeitos de sujeitos combatentes em máquinas de guerra de sujeitos laborais em máqui nas de trabalho de sujeitos desejantes em máquinas de paixão de sujeitos responsáveis nas variadas má quinas da moralidade Em cada caso a subjetivação em questão não é um produto nem da psique nem da linguagem mas de um agenciamento heterogê neo de corpos vocabulários julgamentos técnicas inscrições práticas ANATOMIAS IMAGINÁRIAS Sugeri anteriormente que podemos produzir mais em termos de inteligibilidade se consideramos a questão da subjetivação menos em termos de que tipo de sujeito é produzido um eu um indivíduo um agente e mais em termos daquilo que os hu manos são capacitados a fazer por meio das formas pelas quais eles são maquinados ou compostos Aquilo que os humanos estão capacitados a fazer não é intrínseco à carne ao corpo à psique à men te ou à alma está constantemente deslocandose e mudando de lugar para lugar de época para época 167 com a ligação dos humanos a aparatos de pensa mento e ação desde a mais simples conexão entre um órgão ou uma parte do corpo e outro em ter mos de uma anatomia imaginária até aos fluxos de força tornados possíveis pelas ligações de um órgão com uma ferramenta com uma máquina com partes de outro ser humano ou de outros seres hu manos em um espaço montado tal como um quarto de dormir ou uma sala de aula Dessa perspectiva as questões a serem tratadas têm a ver não com a cons tituição do eu mas com as ligações estabelecidas entre de um lado o humano e de outro outros hu manos objetos forças procedimentos as conexões e fluxos tornados possíveis as capacidades e os devi res engendrados as possibilidades assim impedidas as conexões maquínicas formadas que produzem e canalizam as relações que os humanos estabelecem consigo mesmos os agenciamentos dos quais eles formam elementos condutos recursos ou forças cf GROSZ 1994 p 165 MP1 p 91 Ao pensar dessa forma podemos ler ao contrá rio por assim dizer os muitos e recentes textos que buscam fundamentar sua analítica de relações de poder e formas de saber sobre o corpo A corpo reidade humana como muitas vezes se sugere pode fornecer a base para uma teoria da subjetivação da constituição dos desejos das sexualidades e das di ferenças sexuais dos fenômenos de resistência e agên cia Os seres humanos são afinal como afirmam esses argumentos corporificados a despeito de todas as tentativas dos filósofos desde o Iluminismo para descrevêlos como criaturas de razão e para afir mar que essa capacidade para raciocinar afasta os 168 humanos ou ao menos os humanos masculinos quase que inteiramente de suas características como criaturas E embora aceitando que a corporeidade não dá qualquer forma essencial ou estável à subje tividade como poderíamos negar a asserção dessas análises de que é sobre esse material bruto do cor po que a cultura trabalha sua constituição da sub jetividade Embora abjurando todas as formas de essencialismo como poderíamos discordar da as serção de que as formas da subjetividade são irrecu peravelmente marcadas pela facticidade biológica de corpos sexuados de corpos infantis que são incapa zes de automanutenção de todos os corpos que comem bebem copulam defecam deterioram e morrem por exemplo BUTLER 1990 1993 Essa ambivalência está resumida na asserção de Braidotti de que o ponto de partida para as redefinições fe ministas da subjetividade é uma nova forma de ma terialismo que coloca ênfase na estrutura corporificada e portanto sexualmente diferenciada do sujeito falante 1994a p 199 ênfase minha E tal é a aparente compulsão de uma tal forma de pensar que mesmo uma escritora antinaturalista como Elizabeth Grosz que quer questionar todos os essencialismos e todos os binarismos sugere que o corpo é o material sobre o qual a cultura a his tória e a técnica escrevem e portanto a bifurcação de corpos sexuados é um universal cultural irredutí vel GROSZ 1994 p 160 Mas o corpo é ele próprio um fenômeno his tórico Nossa presente imagem dos lineamentos e da topografia do corpo seus órgãos processos fluidos vitais e fluxos é o resultado de uma história 169 cultural científica e técnica particular As proprie dades do corpo andar sorrir cavar nadar não são propriedades naturais mas conquistas técnicas MAUSS 1979a Mesmo o caráter aparentemente natural dos limites e das fronteiras do corpo que parece definir como que inevitavelmente a coerên cia de uma unidade orgânica é um fato recente e pertence a uma cultura específica FOUCAULT 1994 cf GROSZ 1994 sobre a história da noção de ima gem do corpo E quanto aos dois sexos há tan tos estudos históricos mostrando quão diversa é essa aparentemente imutável divisão que trabalhos in telectuais estiveram implicados em estabilizála na forma da natureza duplicada do corpo masculino e do corpo feminino em fazer de nosso desejo sexual nosso desejo secreto conectando prazer sexo vonta de saber reprodução e companheirismo em uma sexualidade ciborgue que acabamos por habitar como sendo nossa verdade por exemplo FEHER NADAFF TAZI 1989 LAQUEUR 1990 BROWN 1989 cf VALVERDE 1985 sobre nossa fabricação como sujeitos sexualmente desejantes Daí que gran de parte da recente ênfase na escrita feminista sobre o corpo e sobre a corporificação conserva a própria analítica que busca subverter deslocando a normali zação iluminista das propriedades da razão e da abstração ao simplesmente inverter o velho tropo de que as mulheres são mais corpóreas mais car nais mas retendo entretanto a carne como a pers pectiva governante da razão feminista Mas os corpos são sempre corpos pensados ou corpospensa mento algum dia talvez nós viremos a olhar re trospectivamente para o sexopensamentocorpo 170 que tanto tem afetado nosso próprio século nossa própria repetitiva e cansativa ansiedade sobre nos sos corpos sexuais nossos compromissos com a di ferença de gênero que nos marca tão indelevelmente as forças transgressivas e os poderes restauradores do sexual e tudo o resto com um certo deleite per verso cf FOUCAULT 1985a Abandonemos pois esse carnalismo do cor po de uma vez por todas10 O corpo é muito menos unificado muito menos material do que costu mamos pensar É possível pois que não exista essa coisa de o corpo um envelope limitado que pode ser revelado para conter no seu interior uma pro fundidade e um conjunto de operações que funcio nem à maneira de uma lei Deveríamos estar preocupados não com corpos mas com as ligações estabelecidas entre superfícies forças e energias par ticulares Em vez de falar de o corpo precisaría mos analisar apenas como um particular regime de corpo foi produzido descrevendo a canalização de processos órgãos fluxos conexões bem como o alinhamento de um aspecto com outro Em vez de o corpo temse pois uma série de máquinas possíveis agenciamentos de dimensões variadas de humanos com outros elementos e materiais co nectados a livros para formar uma máquina literá ria a ferramentas para formar uma máquina de trabalho a bens para formar uma máquina de con sumo O corpo é pois não uma totalidade or gânica que é capaz de expressar globalmente a subjetividade uma concentração das emoções atitu des crenças ou experiências do sujeito mas um agen ciamento de órgãos processos prazeres paixões 171 atividades comportamentos ligados por tênues li nhas e imprevisíveis redes a outros elementos seg mentos e agenciamentos GROSZ 1994 p 120 E os próprios órgãos são tácteis o olho o nariz o ouvido o tato reúnem pensamento e objeto em sensuais relações de contato troca e interpenetra ção criando uma multiplicidade de novos sentidos através de cada qual reluzem momentos de cone xão mimética simultaneamente corporificados e mentalizados simultaneamente individuais e sociais TAUSSIG 1993 p 23 embora o argumento seja de Taussig ele está discutindo aqui o trabalho de Walter Benjamin Nosso regime de corporeidade deveria assim ele próprio ser visto como a resultante instável dos agen ciamentos nos quais os humanos são surpreendidos induzindo uma certa relação consigo mesmos como corporificados tornando o corpo organicamente uni ficado atravessado por processos vitais diferencian do hoje por meio do sexo em grande parte de nossa história por meio da raça dandolhe uma certa profundidade e um certo limite equipandoo com uma sexualidade estabelecendo as coisas que ele pode e não pode fazer definindo sua vulnerabilidade em relação a certos perigos tornandoo praticável a fim de amarrálo a práticas e a atividades sobre o corpo da mulher ver por exemplo LAQUEUR 1990 DU DEN 1991 sobre o corpo racializado ver GILMAN 1985 A questão de Deleuze que para ele era a ques tão de Spinoza De que um corpo é capaz o que ele pode fazer que afectos ele pode ter como esses afectos reforçam enfraquecem capacitamno de diferentes formas como o multiplicam como o 172 metamorfoseiam é um ponto de partida DELEUZE 1992b cap 14 Mas isso apenas na medida em que concordemos que um corpo não é o corpo mas apenas uma relação particular capaz de ser afe tada de formas particulares Tratase de uma ques tão de órgãos de músculos de nervos de aparelhos que são eles próprios enxames de células em troca constante entre si ligando e separando morrendo reconfigurando conectando e combinando onde o lado de fora de um é simultaneamente o lado de dentro de outro Tratase também de uma questão de cérebros hormônios moléculas químicas que conectam e transformam as capacidades das várias partes excitandoas coordenandoas fundindoas ou desligandoas Esses agenciamentos não são delineados pelo envelope da pele mas ligam o lado de fora e o lado de dentro visões sons aromas toques coleções juntandoos com outros elementos ma quinando desejos afecções tristeza terror e até mesmo morte Consideremos as variadas maquina ções das quais o corpo é capaz a coragem do guer reiro na batalha a ternura ou a violência do amante a resistência do prisioneiro político sob tortura as transformações efetuadas pelas práticas da ioga a experiência da morte vodu as capacidades de tran se que tornam os órgãos capazes de suportar quei maduras ou de recuperarse de feridas Não se trata de propriedades de o corpo mas de maquinações do corpo pensado cujos elementos órgãos for ças energias paixões temores são reunidos por meio de conexões com palavras sonhos técnicas cantos hábitos julgamentos armas ferramentas grupos 173 Isso não significa sugerir que os humanos possam ser anjos que possam voar pelas janelas ou que possam movimentarse como minhocas mas que apelos materialistas à corporeidade como o ma terial sobre o qual a cultura trabalha não são coi sas boas para pensar Os corpos são capazes de muita coisa em virtude ao menos em parte de serem pensados e nós não sabemos os limites do que essas máquinascorpopensamento são capa zes11 Se nos tornamos criaturas psicológicas não foi por causa do caráter dado de um interior nem por causa dos significados de uma cultura mas por causa das formas pelas quais em tantos locais e práticas os vetores psi acabaram por atravessar e por ligar essas maquinações Duas metáforas para as maquinações dos cor possujeito foram recentemente propostas perfor matividade e inscrição Judith Butler propôs a noção de performatividade ao desenvolver uma análise da construção da identidade de gênero que não su põe qualquer sujeito essencial ou prédado situado por detrás de suas ações Para Butler não precisa mos nenhuma teoria da identidade de gênero por detrás de expressões de gênero a identidade é per formativamente constituída pelas próprias expres sões que se supõe ser seus resultados BUTLER 1990 Sua noção de performatividade baseiase aqui em Austin e Derrida para argumentar que o gênero é o resultado de atos performativos Um ato performativo é aquele que faz nascer ou coloca em ação aquilo que nomeia marcando assim o poder constitutivo ou produtivo do discurso Para que um performativo funcione ele deve basearse e 174 recitar um conjunto de convenções lingüísticas que têm tradicionalmente funcionado para assegurar ou implicar certos tipos de efeitos BUTLER 1995 p 134 O gênero é pois uma fantasia instituída e inscrita na superfície de nossos corpos constituí do por meio dos efeitos de significação engendra dos pelas perfomances da linguagem 1990 p 136 Mas essa noção de performatividade limitase a si própria ao manter a ênfase no lingüístico Conside remos este argumento sobre a performance da fe minilidade o qual devo a Susan Bordo BORDO 1993 p 1912 Sentese em uma cadeira reta Cruze suas pernas na altura dos tornozelos e mantenha seus joelhos pressionados um contra o outro Tente fazer isso enquanto está conversando com alguém mas tente o tempo todo manter seus joelhos fortemente pressionados um contra o outro Corra uma cer ta distância mantendo seus joelhos juntos Você descobrirá que terá que dar passos curtos altos Ande por uma rua da cidade Olhe em direção reta para a frente Toda vez que um homem pas sar por você desvie seu olhar e não mostre ne nhuma expressão no rosto Transformarse em uma pessoa dotada de gê nero como reconhece Butler juntamente com muitas outras pessoas significa seguir uma prescri ção meticulosa e continuamente repetida da condu ta da aparência da fala do pensamento da vontade do intelecto na qual as pessoas são reunidas em uma montagem não apenas ao serem conectadas com os vocabulários mas também com regimes de conduta 175 andar olhar fazer gestos com artefatos roupas sapatos maquiagem automóveis panelas instru mentos para escrever livros com espaços e lugares salas de aula bibliotecas estações de trem museus e com os objetos que os habitam mesas cadeiras livros plataformas vitrines A performatividade ao menos no sentido do modelo da enunciação lin güística em que é definida em termos de citações e convenções é uma imagem bastante enganadora para pensar esse processo de montagem da pessoa é necessário insistir que nós não somos constituídos pela linguagem Tampouco é suficiente uma imagem lingüística diferente a da escrita ou da inscrição Essa noção é utilizada tanto por Butler quanto por Grosz para descrever a relação entre por um lado o corpo e suas superfícies concebidos como marcados ins critos gravados e por outro o traçado de textos pedagógicos jurídicos médicos e econômicos de leis e práticas na carne a fim de entalhar um sujeito social como tal um sujeito capaz de trabalho de produção e manipulação um sujeito capaz de agir como um sujeito e ao mesmo tempo capaz de ser decifrado interpretado compreendido GROSZ 1994 p 117 Em vez de pensar em uma analítica da inscrição na qual a cultura seria escrita na carne considero ser mais útil pensar em termos de tecno logia Na verdade como sugeri a linguagem a es crita a memória podem ser elas próprias vistas como elementos de uma técnica cada uma delas implicando verdades técnicas gestos hábitos apara tos reunidos por meio do treinamento em uma mon tagem e inseridos em associações mais ou menos 176 duráveis Poderemos compreender melhor as práti cas de subjetivação se as concebermos em termos das complexas interconexões técnicas e linhas de força que se estabelecem entre componentes hete rogêneos incitando tornando possível e estabilizan do relações particulares conosco mesmos em locais e lugares específicos As tecnologias da subjetivação são pois as maquinações as operações pelas quais somos reunidos em uma montagem com instru mentos intelectuais e práticos componentes enti dades e aparatos particulares produzindo certas formas de serhumano territorializando estratifi cando fixando organizando e tornando duráveis as relações particulares que os humanos podem ho nestamente estabelecer consigo mesmos Não existe nenhuma necessidade de supor qual quer meio de propulsão por detrás de todas essas tecnologias nem qualquer força ou desejo primor dial que circule por esses agenciamentos fazendo com que seja possível que eles se movam ajam mudem resistam sofram mutações A assim cha mada questão da agência coloca um falso proble ma Para dar conta da capacidade para agir não precisamos de nenhuma teoria do sujeito que seja anterior e que resista àquilo que a apreenderia tais capacidades para a ação surgem dos regimes e tec nologias específicos que maquinam os humanos de variadas formas nesse caso estou de acordo com BUTLER 1995 p 136 A heterogeneidade dessas prá ticas e técnicas seus múltiplos conflitos divergênci as interconexões e alianças as diferentes promessas que elas fazem e as variáveis exigências que elas repre sentam para o ser humano podem produzir todos 177 os efeitos de resistência apropriação utilização transformação e transgressão que os teóricos do pós moderno têm ressaltado sem a necessidade de in vocar uma concepção unificante de agência humana Para dizêlo de outra forma a agência é ela própria um efeito um resultado distribuído de tecnologias particulares de subjetivação as quais in vocam os seres humanos como sujeitos de um certo tipo de liberdade e fornecem as normas e técnicas pelas quais aquela liberdade deve ser reconhecida agenciada e exercida em domínios específicos Na verdade as disciplinas psi tiveram ao longo do sé culo passado um papel bastante particular na cria ção das condições para a emergência da nossa capacidade de nos relacionar conosco mesmos como certo tipo de agente como personagens por exemplo com funções nervosas as quais quando moldadas pelo efeito do hábito e da influência so bre a constituição da pessoa produzia a impulsivi dade ou o controle dependendo do caso se a pessoa era homem ou mulher amo ou ama trabalhador temporário funcionário ou servo cf SMITH 1992 cap 1 ao longo do século XX como personalida des como um tipo que estava em posse de certos traços manifestados nas formas pelas quais a pes soa reagia à experiência expressava seus sentimen tos e se associava a artefatos gostos formas de vestir estilos de gesticulação e expressão na segunda meta de do século XX como agentes livres de escolha e autodesenvolvimento em guerra contra todas as máquinas que nos maquinariam como bons sujeitos da burocracia e do conformismo que diminuiriam 178 nossa autoestima e impediriam nosso autodesen volvimento Para nossa própria cultura a agência é obvia mente parte de uma experiência de internalidade ela parece acumularse e emergir de nossas pro fundidades de nossos instintos desejos ou aspira ções interiores Não há dúvida de que nem sempre foi assim A clássica interpretação da Ilíada e da Odisséia feita por E A Dodds sugere que a des crição homérica dos humanos é mais do que uma questão de convenção estética os humanos para Homero eram agenciamentos dispersos cujos ele mentos eram a psyche alma a thumos vontade e o noos intelecto cada um deles com seu modo inde pendente de operação A ação era entendida não em termos de qualquer faculdade interna da agên cia mas em termos de forças tais como ate que obrigavam a pessoa a um curso particular de ação por meio da intervenção dos deuses das deusas do Destino das Fúrias de sonhos e visões DODDS 1973 cf HIRST E WOOLLEY 1982 Esses exemplos poderiam obviamente ser multiplicados os pode res explicativos das vozes das deidades ou dos de mônios os efeitos motivadores dos xamãs e dos rituais e mais próximo de nós talvez as conseqüên cias das multidões ou bandos em arrebatar o indiví duo em um novo e multicéfalo agente com uma única ainda que maligna vontade A agência é sem dúvida uma força mas é uma força que sur ge não de qualquer propriedade essencial de o su jeito mas das formas pelas quais os humanos têm se reunido em um agenciamento 179 ALMAS DOBRADAS Se hoje vivemos nossas vidas como sujeitos psi cológicos que vemos como sendo a origem de nossas ações se nos sentimos obrigados a nos colocar a nós próprios com sujeitos com uma certa e desejada on tologia uma vontade de ser isso se deve às formas pelas quais relações particulares do exterior têm sido invaginadas dobradas para formar um lado de den tro ao qual um lado de fora deve sempre fazer re ferência Uma vez mais é Deleuze quem refletiu mais instrutivamente sobre uma filosofia da do bra DELEUZE 1992a 1992b veja especialmente o uso dessa noção em sua discussão da subjetivação em seu livro sobre Foucault DELEUZE 1988 p 94 123 O que importa sempre é dobrar desdobrar redobrar DELEUZE 1992a p 137 O conceito de dobra pode fazer surgir um diagrama generalizável para pensar as relações as conexões as multiplicida des e as superfícies sua formação de profundidades singularidades estabilizações Esse diagrama da do bra descreve uma figura na qual o lado de dentro o subjetivo é ele próprio não mais que um momento ou uma série de momentos por meio do qual uma profundidade foi constituída no ser humano A pro fundidade e sua singularidade não são pois mais do que aquelas coisas que foram escavadas para criar um espaço ou uma série de cavidades plissados e cam pos que só existem em relação àquelas mesmas for ças linhas técnicas e invenções que as sustentam As linguagens as técnicas os locais institucio nais e as relações enunciativas da medicina clínica 180 introduziram dobras profundas no corpo o lado de dentro do lado de fora o lado de dentro como uma operação do lado de fora como sugere Deleuze em sua discussão da arqueologia que Foucault faz do olhar clínico Ou de novo em relação às técnicas éticas introduzidas pelos gregos essas devem ser entendidas no sentido de que a relação consigo ad quire independência É como se as relações do lado de fora se dobrassem se curvassem para formar um forro e deixar surgir uma relação consigo constituir um lado de dentro que se escava e desenvolve segun do uma dimensão própria DELEUZE 1991 p 107 Uma vez que essa nova dimensão tenha sido estabe lecida o sujeito é agenciadomontado de novas for mas em termos de um problema de autodomínio fazendo com que incida sobre si mesmo aquele lado de dentro atuando sobre si mesmo o poder que fazemos incidir sobre outros Nesse mesmo proces so o poder que se faz incidir sobre os outros é recon figurado como uma relação de poder entre o lado de dentro da gente e o lado de dentro do outro Esse lado de dentro singularizado e dobrado é assim inevitavelmente estabilizado não em relação a um domínio de processos psicológicos mas em relação a uma configuração de forças corpos edifí cios e técnicas que o mantêm no lugar Para os gre gos isso compreendia todo o aparato de formação ética estabelecido na cidade as relações de família os tribunais os jogos de poder e de lazer e as rela ções eróticas por meio dos quais aqueles varões que exerciam o poder eram agenciados Eis o que fize ram os gregos dobraram a força sem que ela dei xasse de ser força Eles a relacionaram consigo 181 mesma Longe de ignorarem a interioridade a in dividualidade a subjetividade eles inventaram o su jeito mas como uma derivada como o produto de uma subjetivação DELEUZE 1991 p 108 Essa relação consigo mesmo esse dobramento que pro duz os efeitos de subjetivação não é algo passivo De novo como observa Deleuze ela é criada ape nas ao ser praticada ao ser levada a efeito ao se envolver com as técnicas de governo do corpo e de controle da dieta com as técnicas de sexualidade com os estilos de jogo e esporte com a oratória e a exposição em público Embora tivessem inventa do uma formulação particular dessa dimensão da relação do ser consigo mesmo os gregos não fo ram de forma alguma os últimos nem provavel mente os primeiros a fazêlo em vez disso o que eles exemplificam é uma forma particular de uma relação mais geral uma relação na qual a subjetiva ção é sempre uma questão de dobramento O hu mano não é nem um ator essencialmente dotado de agência nem um produto passivo ou um marionete de forças culturais a agência é produzida no curso das práticas sob toda uma variedade de restrições e relações de força mais ou menos onerosas mais ou menos explícitas punitivas ou sedutoras mais ou menos disciplinares ou passionais Nossa própria agência é pois a resultante da ontologia que nós dobramos sobre nós mesmos no curso de nossa his tória e de nossas práticas Apesar de todos os desejos inteligências motivações paixões criatividades e von tadedeautorealização que foram dobrados sobre nós mesmos por nossas psicotecnologias nossa própria agência não é menos artificial menos fabricada 182 menos nãonatural e portanto não menos real efeti va confusa técnica dependentedamáquina do que a problemática agência dos robôs dos replicantes e das monstruosas simbioses que Donna Haraway utiliza para pensar nossa existência ciborgues híbridos mo saicos quimeras HARAWAY 1991 p 1712 Mas o que é que é dobrado É sem dúvida ver dade que para Deleuze o que é dobrado é sempre alguma força Talvez para nossos próprios propó sitos devêssemos tratar dessa questão de uma for ma um tanto modesta Em outros locais utilizei o termo autoridade para os dobramentos que fa zem diferença Obviamente isso simplesmente no meia um campo mas em princípio não o define ou o delimita o importante é que qualquer coisa pode ter autoridade Mas em qualquer época e lu gar nem tudo a tem Uma análise a ser feita aqui seria a da raridade das autoridades na realidade e não a de seus infinitos componentes e possibilida des Não é como qualquer coisa que as pessoas po dem ser agenciadas em qualquer época e lugar par ticulares além disso os vetores que são dobrados têm limites que não são ontológicos mas históricos O que é invaginado é composto de qualquer coisa que possa adquirir o status de autoridade em um agenciamento particular As maquinações da apren dizagem da leitura do querer do confessar do lutar do andar do vestir do consumir do curar invaginam uma certa voz a de nosso sacerdote a de nosso mé dico ou a de nosso pai uma certa invocação de es perança ou medo você pode se tornar o que você quiser ser uma certa forma de ligar um objeto com um valor sentido e afeto a italianidade que 183 Barthes tão maravilhosamente revela nas massas Pan zani ou talvez o autocontrole manifestado pelo cor po escultural da mulher pósmoderna um certo pequeno hábito e uma certa técnica de pensamento morda a bala olhe antes de saltar autocontrole é tudo é bom partilhar os próprios sentimentos uma certa conexão com um artefato dotado de autorida de um diário um dossiê ou um terapeuta Foucault como vimos anteriormente sugeriu que as tecnologias éticas podem ser analisadas ao longo de quatro eixos Deleuze transcreve cada um desses quatro eixos por meio do conceito de dobra mento DELEUZE 198813 O primeiro sugere ele diz respeito aos aspectos do ser humano que devem ser circundados e dobrados o corpo e seus praze res para os gregos a carne e os desejos para os cris tãos talvez o eu e suas aspirações para nossa própria época O segundo a relação entre forças diz respei to à regra de acordo com a qual a relação entre for ças se torna uma relação consigo mesmo uma regra que pode ser natural divina racional estética Está pois sempre associada com uma autoridade parti cular a do sacerdote do intelectual do artista em nossos próprios dias talvez a regra oscile entre a terapêutica e a estilística cada qual associada com diferentes autoridades O terceiro a dobra do saber ou a dobra da verdade surge do fato de que cada relação consigo mesmo está organizada sobre o eixo da subjetivação do saber e portanto da relação de nosso ser com a verdade quer essa verdade seja teo lógica quer seja filosófica quer seja psicológica A quarta dobra aqui Deleuze se refere à noção de uma interioridade da expectativa devida a Blanchot é a 184 dobra da esperança da imortalidade da eternida de da salvação da liberdade da morte ou da sepa ração E a subjetivação é pois a interação da múltipla variabilidade dessas dobras de seus variados ritmos e padrões E o que dizer de nossos próprios mo dos atuais da moderna relação consigo Quais são as nossas quatro dobras DELEUZE 1991 p 112 Meu trabalho de análise tem sido uma tentativa de responder a essa questão Concluirei com algumas reflexões sobre o papel que as psicociências e as psi cotécnicas exercem nesses dobramentos PSICOLOGIAS DE SUBJETIVAÇÃO Sugeri que as disciplinas psi exercem um papel constitutivo em nossas quatro dobras obviamente em complexas e variáveis relações com outros veto res mas mesmo assim sobrepondose a eles infun dindoos investindoos de tal modo que mesmo o estilodevida estético espiritual econômico finan ceiro ou a ética erótica são saturados com as discipli nas psi em seus regimes enunciativos em suas tecnologias em seus modos de julgamento e em suas exibições de autoridade Deixemme esboçar algu mas das características desses dobramentos psi O aspecto do ser humano que é circundado e dobrado em tantos dos agenciamentos contempo râneos de subjetivação não é nem o corpoprazer nem a carnedesejo mas o eurealização Passamos a ser habitados por uma ontologia psi por uma ines capável interioridade que escava nas profundezas do humano um universo psíquico com uma topo grafia que tem suas próprias características seus 185 planos e platôs seus fluxos e precipitações seus cli mas e tempestades seus terremotos suas erupções vulcânicas seus aquecimentos e esfriamentos Obvia mente o mapeamento desse universo psi é incom pleto e disputado seus mapas lembram os de homens do mar de épocas remotas onde alguns relatam te rem visto instintos características herdadas e predis posições outros encontraram repressões projeções e fantasias outros ainda viram a internalização de ex pectativas sociais e outros mais observaram apenas a inscrição de um regime de recompensas e punições comportamentais As dinâmicas dessa ontologia são contestadas seja de uma forma ou outra pelos pro cessos da autoestima e da autoabnegação do es tresse e da realização do desejo e da frustração das ansiedades e das fobias ou das involuções sadistas de objetos internos Mas essas dinâmicas são agenciadas por meio de vetores que atravessam o envelope da pele Na verdade o corpo é agora ele próprio vis to menos como um dado corporal do que como um complexo orgânico cujas propriedades são marcadas por esse psi interior a imagem do corpo a psicos somática a personalidade tendente ao câncer a gor dura ou a magreza consideradas como manifestando o desejo de amor e de um eu interior a boa forma como uma espécie de economia psíquica da auto estima e de reforço do poder pessoal A inculcação a emulação a mimese a performance a habituação e outros rituais de autoformação escavam e moldam esse espaço interno de uma forma psi A ontologia humana é estabelecida assim em parte por meio de conexões constitutivas com as tec nologias psi que a imaginam e que agem sobre ela 186 Essas conexões ativam algo que Michel Taussig ana lisou de forma reveladora em termos de mimese o devir colocado em ação na contínua interação entre a cópia e aquilo que é copiado TAUSSIG 1993 A cópia compreende aqui tanto uma representa ção gravura artefato objeto gesto dança mo delo diagrama quanto uma forma de ser Entre a fidelidade fotográfica e a fantasia entre a iconicidade e a arbitrariedade entre o todo e a fragmentação começamos pois a sentir quão estranha e complexa se torna a noção de cópia TAUSSIG 1993 p 17 A multiplicidade dessas breves fulgurações que Taus sig chama de mimese dobra certas formas de ser sobre nós não apenas por meio de estórias não apenas por meio de recompensas e punições como se jamais houvesse sido claro o que é o quê mas por meio da mímica e da imitação por meio da emulação e da bricolagem por meio tanto do copiar quanto do diferir Para nossos propósitos pois a dimensão mimética das disciplinas psi pode ser vista em aparatos tais como manuais de auto ajuda centrados no autoaperfeiçoamento na auto estima e no autoprogresso nos padrões psi forçados a se tornarem visíveis em todas as sessões que se passam nos diversos tipos de consultórios nos modelos e simulacros de eus desejáveis que servem como espelhos para reativar e refletir de volta fabri cações de subjetividade às quais se pode aspirar as imagens do eu normal a criança normal a mãe nor mal a garota normal o adolescente normal o pacien te normal o trabalhador ou o gerente normal desenvolvidas em toda e qualquer prática imaginá vel as conexões estabelecidas consigo mesmo por 187 meio das tecnologias culturais da fotografia do filme e da propaganda uma multiplicidade de máquinas miméticas A exigência para que a gente seja um certo tipo de eu é sempre conduzida por meio de operações que distinguem ao mesmo tempo que identificam veja outra vez TAUSSIG 1993 sobre esse tema Para ser o eu que a gente é a gente não deve ser o eu que a gente não é não aquela alma desprezada rejeitada ou abje ta Assim o tornarse eu é um copiar recorrente que tanto emula outros eus quanto difere deles Hoje as características pertinentes da mimese e da alteridade são estabelecidas nos vetores dos estilosdevida das sexualidades das personalidades das aspirações Falar do dobramento dessa ontologia psi em humanos é acenar neste estágio não pode ser mais do que isso para os processos que escavam um in terior por meio do dobramento dos componentes psi que têm sido distribuídos através desses aparatos e dessas tecnologias Esse espaço psi é composto de uma complexa mistura de elementos da pesquisa psicológica nos humanos e nos animais nas estórias e nas fabulações nas autobiografias e nas histórias de caso Ele é ficcional apenas no sentido de que o psi inventa e reinventa mundos imaginados em busca daquilo que toma como sua premissa de que um mundo real habita nosso ser como humanos cf HARAWAY 1989 E embora seja sem dúvida ver dade que as características desse mundo dobrado são tão amarrotadas torcidas esfarrapadas e puídas quanto os materiais de que é feito nossas relações conosco mesmos têm sido não obstante por pelo menos um século irrevogavelmente marcadas por nossa dobra do eu pois é esse nome que nossa época 188 tem dado ao agitado universo no interior do qual todos os humanos serão registrados localizados explicados e afetados Pelo menos uma dimensãochave da dobra da autoridade hoje pode ser chamada de terapêuti ca é de acordo com uma regra terapêutica que as linhas de força são flexionadas para se transformar em um espaço moldado de acordo com o eu em nossa existência e experiência Terapêutica aqui não no sentido de um privilégio concedido à pró pria psicoterapia ou mesmo apenas em termos da proliferação dos ramos e variedades de psi psicólo gos forenses com sua construção de perfis de crimi nosos e vítimas psicólogos do esporte com seus exercícios mentais para se ter sucesso no campo ou na pista consultores organizacionais com seus pro tocolos de uma crescente produtividade e harmo nia por meio de uma ação sobre as inclinações de autorealização dos empregados e semelhantes Te rapêutica em vez disso no sentido de que a rela ção consigo mesmo é ela própria dobrada em termos terapêuticos problematizando a si mesmo de acordo com os valores da normalidade e da pato logia diagnosticando nossos prazeres e desgraças em termos psi buscando retificar ou melhorar nos sa existência cotidiana por uma intervenção em um mundo interior que temos dobrado como sendo tanto fundamental para nossa existência como hu manos quanto entretanto tão próximo à superfície de nossa experiência do cotidiano É essa relação terapêutica conosco mesmos e os componentes con siderados autorizados dessa relação que têm se mul tiplicado em nosso presente uma multiplicação dos 189 condutos entre as autoridades que falam as verdades de nós mesmos e as formas nas quais agimos sobre nossa própria existência na compreensão no plane jamento e na avaliação de nossas paixões nossos medos e nossas esperanças cotidianas O eu é produ zido no processo de praticálo produzido portanto como uma interioridade que é complexa e contesta da Essa interioridade fraturada por meio da inter secção da multiplicidade de atividades e julgamentos que fazemos incidir sobre nós mesmos no curso de relacionar nossa existência sob diferentes descrições e em relação a diferentes imagens ou modelos as sanções as seduções e as promessas pelas quais atri buímos a essas formas terapêuticas de praticar a sub jetividade um valor e uma autoridade E o que podemos dizer sobre a quarta dobra o que podemos esperar dela O que dobramos o que nos dobra é uma aspiração tão patética quanto co movedora não é mais patética e comovedora en tretanto do que nosso esforço por maximizar nossos estilosdevida e nos realizar como pessoas por meio de nossas relações com outras pessoas nossos aman tes nossos filhos nossas mães e nossos pais nossas comunidades A essa esperança demos o nome de liberdade Essa esperança não é uma esperança de libertação para o mundo e seus cuidados misérias e obrigações urbanos liguese sintonizese e caia fora Não se trata tampouco de uma libertação dos laços da servidão e da sujeição livre finalmente livre finalmente graças ao Deus poderoso livre finalmen te Em vez disso os sinos de uma liberdade bem diferente ecoam em nossos sonhos um modo de ser no mundo no qual atribuímos valor às nossas vidas 190 na medida em que somos capazes de construílas em termos que são simultaneamente políticos li vres para escolher e psicológicos livres para esco lher em nome de nós mesmos e não em nome de nossa subordinação à autoridade de um outro em relação à sombra formada por nossos pais internali zados ou pelas restrições impostas por nosso temor da própria liberdade Uma aspiração louvável Sem dúvida mas uma aspiração que não existe em uma relação de externalidade com nossas ansiedades e frus trações esse sonho de liberdade constitui as próprias formas pelas quais nós codificamos e experienciamos nós mesmos e as formas pelas quais dividimos nós mesmos daquilo que em nós mesmos e daquilo que nos outros não está de acordo com esse sonho ou que fracassa por seus princípios O EFEITO PSI Para investigar essas hipóteses mais diretamen te podemos começar por estabelecer algum tipo de topografia dos espaços psi das práticas ou dos agen ciamentos pelos quais nossa subjetividade é maqui nada Poderíamos chamar isso de o onde do psi sua territorialização É possível identificar uma va riedade de agenciamentos nos quais uma tal territo rialização tem sido organizada máquinas desejantes máquinas de trabalho máquinas pedagógicas má quinas punitivas máquinas curativas máquinas de consumir máquinas de guerra máquinas de esporte máquinas de governo máquinas espirituais máqui nas burocráticas máquinas de mercado máquinas financeiras Isso não significa afirmar o domínio do 191 psi em nossa experiência pois não se poderia dizer o mesmo por exemplo das linguagens das ima gens das técnicas e das seduções da economia Não significa tampouco identificar uma causa externa de todas essas transformações e mutações que vie ram a permear tão amplamente toda nossa existên cia Mas significa registrar esse efeito psi no sentido de efeito de Deleuze no sentido de efeito do discurso científico tal como no efeito Kelvin ou no efeito Compton por exemplo Um tal efeito não é em absoluto uma aparência ou uma ilusão é um produto que se estende ou se alonga na superfície e que é estritamente copresente coextensivo à sua própria causa e que determina essa causa como cau sa imanente inseparável de seus efeitos DELEUZE 1998 p 73 citado em BURCHELL et al 1991 p ix Isto é o efeito psi não deve ser identificado com uma causa particular mas antes delineado pela des crição das formas pelas quais a existência humana se torna inteligível e praticável sob uma certa des crição em toda uma multiplicidade de pequenos cenários éticos que permeiam nossa experiência Por cenários éticos quero significar os diver sos aparatos e contextos nos quais uma particular relação com o eu é administrada forçada e agencia da e na qual podese prestar uma atenção terapêu tica àqueles que se sentem desconfortáveis com a distância entre sua experiência de suas vidas e as imagens de liberdade e de eu às quais eles aspiram Tratase em parte de uma questão da moldagem do próprio espaço Temos muitos e instrutivos es tudos da arquitetura disciplinar das relações dos corpos dos olhares e das atividades nas máquinas 192 de moralidade inventadas no século XIX prisões escolas hospícios reformatórios MARKUS 1993 cf ROSE 1995a Mas com a exceção da atenção que os autores têm dedicado recentemente aos shoppings e às lojas de departamento temos poucos estudos da arquitetura sedutora de nossa própria época sobre espaços de consumo veja BOWLBY 1985 e SHIELDS 1992 veja também a interessante discussão em ERÄSAARI 1991 Isso exigiria que fôs semos além dos espaços tutelares das escolas dos tribunais da visita dos assistentes sociais da cirur gia dos médicos das enfermarias dos hospitais psi quiátricos da entrevista com o diretor de recursos humanos Exigiria que examinássemos também a penetração do psi na configuração da casa do giná sio de esportes do consultório do analista do gru po terapêutico da sessão de aconselhamento do encontro de aconselhamento de casais dos progra mas radiofônicos de conversa telefônica com os ouvintes Além disso uma topografia dos cenários éticos precisaria examinar os arranjos espaciais e materiais estabelecidos pela cornucópia de cursos e experiências de treinamento que buscam instrumen talizar uma nova concepção psicológica das relações humanas De particular importância aqui seria a forma pela qual a coleção de pessoas no espaço e no tempo tem sido reconstruída como grupos atraves sados por forças inconscientes de projeção e identi ficação permitindo não apenas uma nova dimensão para a explicação dos problemas coletivos mas uma nova gama de técnicas desde grupos T até às tera pias de grupo para administrálos terapeuticamen te Uma multiplicidade de cenários tem sido 193 inventada para a interação terapêutica com o sujei to humano uma gama de locais para cura reforma conselho e orientação tem sido transformada de acor do com o efeito psi Sobre que coisas há ação Que linhas forças superfícies ou fluxos de ser humano são capturados nessas máquinas Desejos Sim sem dúvida um dos vetores de nossa relação contemporânea conosco mesmos passa através dos fluxos de pulsões fanta sias repressões projeções identificações e dos im pulsos de fala e conduta que são estabelecidos no interior dessa ontologia desejante Mas como suge ri seria sensato evitar construir alguma metafísica do desejo ou ao menos deixar esse projeto para nossos filósofos Para o genealogista o desejo é apenas um dos vetores da maquinação psicológica contemporâ nea do ser humano de nosso atual efeito psi Po deríamos também querer enfatizar os vetores que fluem em torno da superficialidade do próprio com portamento as pedagogias das habilidades sociais e do estilodevida e todas as tecnologias comporta mentais que elas fizeram surgir Talvez igualmente importantes no interior das novas obrigações éti cas de realização pessoal seja a nova relação do eu paracomoeu exemplificada pela noção de auto estima uma inovação que transforma a relação de si para consigo em uma relação que é governá vel CRUIKSHANK 1993 no curso da qual toda uma procissão de técnicas psi tem sido desenvolvi da induzindo um novo vocabulário de autores peito exercícios envolvendo a narrativização da vida da pessoa em uma variedade de cenários terapêuti cos pedagógicos ou íntimos Além disso apesar 194 de não parecer implicar de forma tão direta uma ontologia psi precisamos examinar as técnicas de composição e adorno da carne estilos de andar vestir gesticulação expressão a face e o olhar os pelos corporais e os adornos toda uma maquina ção do ser em termos de uma relação entre de um lado o exterior e o visível e de outro o interior e o invisível Pois também essa relação ao longo do curso do século XX tem sido composta e caracteri zada por meio das tecnologias culturais da propa ganda e do marketing que têm desenvolvido apara tos psi para compreender e agir sobre as relações entre pessoas e produtos em termos de imagens do eu de seu mundo interior e de seu estilodevida Cobrindo todas as suas diferenças as técnicas con temporâneas de subjetivação operam por meio do agenciamento em toda uma variedade de locais de uma interminável hermenêutica e de uma relação subjetiva consigo mesmo um constante e intenso autoexame uma avaliação das experiências pes soais das emoções e dos sentimentos em relação a imagens psicológicas de realização e autonomia Em todas essas maquinações do ser em todos es ses heterogêneos agenciamentos uma série de te mas é recorrente escolha êxito autodescoberta autorealização Isto é as práticas contemporâneas de subjetivação colocam em jogo um ser que deve ser anexado a um projeto de identidade e a um proje to secular de estilodevida no qual a vida e suas contingências adquirem sentido na medida em que possam ser construídas como o produto da escolha pessoal Seria tolo afirmar que a psicologia e seus experts são a origem de todas essas máquinas de 195 subjetivação tratase antes de uma questão de como os agenciamentos de paixão e prazer de tra balho e consumo de guerra e esporte de estética e teologia têm dado aos seus sujeitos uma forma psi cológica No livro do qual esse ensaio foi extraído ROSE 1996 comecei a mapear as formas pelas quais os modos psicológicos de explicação as asser ções de verdade e os sistemas de autoridade têm participado na elaboração de códigos morais que enfatizam um ideal de autonomia responsável ao moldar esses códigos em uma certa direção tera pêutica e ao aliálos com programas para regular os indivíduos em consonância com as racionalida des políticas das democracias liberais avançadas EUS QUE SE DESFAZEM É possível sugerir como fiz no livro há pouco mencionado ROSE 1996 que uma das caracterís ticas intrigantes e possivelmente esperançosas de nossa atual topografia ética é a heterogeneidade do território mapeado pelas maquinações do eu a va riedade de atributos da pessoa que elas identificam como sendo de importância ética e as variadas for mas de calibrálas e avaliálas que elas propõem É importante entretanto reconhecer simultaneamente que este território ético não é um espaço livre as relações das pessoas consigo mesmas são estabiliza das em agenciamentos que variam de setor para se tor operando via diferentes tecnologias dependendo da identificação da pessoa se ajustada ou malajus tada se homem ou mulher se rico ou pobre bran co ou negro empregado ou desempregado 196 operando sob diferentes formas de autoridade na prisão e na fábrica no supermercado e no cabelei reiro nos quartos de dormir da casa conjugal e nos bordéis das zonas de prostituição nos novos terri tórios da exclusão e da marginalização que emer gem da fragmentação do social Mas isso não significa dizer que o efeito psi que estive mapeando está confinado a uma elite cultural Novos modos de subjetivação produzem novos modos de exclu são e novas práticas para reformar as pessoas que são assim excluídas como por exemplo no desen volvimento das tecnologias comportamentais tão amplamente utilizadas nas práticas de reforma que buscam dar poder a seus sujeitos e restaurálos ao status de cidadãos dotados da capacidade de livre escolha BAISTOW 1995 Os novos modelos psi de pessoalidade e os regimes éticos aos quais eles estão ligados não têm qualquer caráter político intrínse co eles têm uma versatilidade que lhes permitem multiplicar proliferar ser traduzidos e utilizados sob formas que não são dadas por uma lógica interna seja de emancipação seja de dominação Entretanto embora eu tivesse enfatizado a hete rogeneidade dos dobramentos que agenciaram nos sas relações contemporâneas conosco mesmos também tentei argumentar que elas operam de acor do com um diagrama comum partilhado Por diagrama refirome àquilo que Deleuze e Guattari descrevem como máquinas abstratas não algo que seja a causa ou origem de todas as máquinas reais que temos investigado mas como sendo ima nentes nelas Uma máquina abstrata é neste con texto nada mais que um diagrama de coisas que 197 elas têm em comum uma espécie de plano irreal de projeção de todos os agenciamentos e maquinações heterogêneos da mesma forma pela qual na análise de Foucault a disciplina era o nome de uma espé cie de máquina abstrata que era imanente na prisão na escola nos quartéis MP1 p 83 cf FOUCAULT 1977 Esse diagrama esse a priori histórico é a positividade aberta por nossos regimes contempo râneos de subjetivação uma positividade trazida à existência pelo saber e pelas práticas das ciências humanas estabelecendo para elas ao mesmo tem po o próprio império que elas iriam mapear colo nizar povoar e conectar pelas redes de pensamento e ações Se podemos parafrasear Michel Foucault isso diagrama um ser que do interior dos discur sos que o rodeiam e das práticas pelas quais ele é agenciadomontado é capacitado a saber ou obri gado a saber aquilo que está em sua positividade um ser que pensa a si mesmo tanto como livre quan to como determinado pelas positividades essenciais a si mesmo que delimita a possibilidade de suas práticas de liberdade no mesmo momento em que concede a essas positividades o status de verdade cf FOUCAULT 1985b Esse ser psicológico está agora colocado na ori gem de todas as atividades de amar desejar falar trabalhar adoecer e morrer a interioridade que tem sido dada aos humanos por todos esses projetos que buscam conhecêlos e agir sobre eles a fim de dizer lhes sua verdade e tornar possível seu aperfeiçoamento e sua felicidade É esse ser cuja invenção é tão recen te embora tão fundamental à nossa experiência con temporânea que buscamos hoje governar sob o ideal 198 regulativo da liberdade um ideal que impõe tantas cargas ansiedades e divisões ao mesmo tempo que inspira projetos de emancipação e no nome do qual viemos a autorizar tantas autoridades para nos aju dar no projeto de sermos livres de qualquer autori dade menos a nossa própria Embora não estejamos sem dúvida nem na aurora de uma nova era nem no crepúsculo de um tempo passado podemos tal vez começar a discernir o rachar desse espaço de interioridade que foi uma vez seguro o desconectar de algumas das linhas que formaram esse diagrama a possibilidade de que mesmo que não possamos desinventar a nós mesmos possamos ao menos re forçar a questionabilidade das formas de ser que têm sido inventadas para nós e começar a inventar a nós mesmos de forma diferente NOTAS 1 Traduzi self por eu consciente da imprecisão dessa tradu ção uma vez que eu não tem a mesma conotação de reflexividade de self N do T 2 As referências ao livro Mil platôs de Deleuze e Guattari serão abreviadas por MP seguido do número do corres pondente volume da edição brasileira N do T 3 No original assemblage o ato ou efeito resultado de reu nir diferentes partes para formar um novo objeto como na montagem de uma máquina ou de um carro por exem plo Tem sentido similar à palavra francesa agencement amplamente utilizada por Deleuze e Guattari em Mil pla tôs e que os tradutores brasileiros decidiram traduzir pelo neologismo em português agenciamento O tradu tor de Mil platôs para o inglês por sua vez decidiu tra duzir agencement precisamente por assemblage Assim assemblage será traduzida aqui por agenciamento nes se sentido de montagem arranjamento combinação O 199 verbo to assemble por sua vez será traduzido correspon dente por agenciar ou em alguns casos por mon tar reunir ou combinar nas suas diferentes formas verbais Tenhase em mente entretanto sua associação a assemblage agenciamentomontagem N do T 4 Ao desenvolver o argumento deste ensaio e em particular ao utilizar o trabalho de Deleuze e Guattari beneficieime enormemente da leitura da extensa meditação de Elizabeth Grosz sobre a analítica do corpo 1994 Embora me en contre em desacordo com algumas de suas conclusões meu pensamento deve muito a suas esclarecedoras discussões O trabalho de Deleuze e Guattari tem sido também utilizado em uma variedade de estudos que eu não pude levar em conta aqui Qualquer pessoa que esteja familiarizada com o trabalho de Deleuze reconhecerá imediatamente que eu re solvi compreender de maneira diferente alguns de seus con ceitos e evitar muitos outros por exemplo o leitor não encontrará aqui qualquer corpo sem órgãos nem uma re dução empiricista da problemática do desejo 5 Devo enfatizar outra vez aqui como fiz em outras partes do livro do qual este ensaio foi extraído ROSE 1996 que afir mar que a subjetividade é tecnológica não significa alinharse com as vigorosas críticas sobre os efeitos malignos da ordem tecnológica sobre a subjetividade mais estreitamente associa das com os escritores da Escola de Frankfurt A tecnologia não esmaga a subjetividade ela produz a possibilidade de que os humanos se relacionem consigo mesmos como sujei tos de certo tipo bem como as possibilidades de que eles resistam ou recusem certos regimes de subjetivação 6 Quando estava concluindo este ensaio tomei conhecimen to da coletânea de Constantin Boundas e Dorothea Olko wski 1994 sobre Deleuze tendome beneficiado em particular do capítulo escrito por Boundas 1994 7 Lembrome aqui em particular das formas pelas quais Don na Haraway liga o empreendimento da primatologia com a escrita da ficção científica e como essa última imagina ou tras formas de relações entre as criaturas 1989 especial mente capítulo 16 8 A referência à retórica aqui deveria indicar que tampouco devemos colocar a fala no lado da natureza 9 Beneficieime aqui da leitura de um capítulo do estudo a 200 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAISTOW K Liberation and regulation Some parado xes of empowerment Critical Social Policy 1995 42 p 3436 BENVENISTE E Problems in General Linguistics Miami University of Miami Press 1971 BORDO S Unbearable wight Feminism Western Culture and the Body Berkeley University of California Press 1993 BOUNDAS C Deleuze serialization and subject forma tion In C V Boundas e D Olkowski org Gilles De leuze and the theather of philosophy Nova York Routledge 1994 p 99118 BOUNDAS C V e OLKOWSKI D org Gilles Deleuze and the theather of philosophy Nova York Routledge 1994 BOWLBY R Just looking consumer culture in Dreiser Gissing and Zola Nova York Methuen 1985 ser brevemente publicado de Celia Lury sobre a memória e a identidade Gostaria de agradecêla por terme permiti do consultálo em sua forma de rascunho 10 Veja Deleuze e Guattari 1994 para algumas observações sugestivas sobre o carnalismo 11 Obviamente muitos dos escritores que enfatizam a im portância de o corpo também tentam reconhecer isso isto é aquilo que parece estar implicado na afirmação de Braidotti de que o corpo não deve ser entendido nem como uma categoria biológica nem como uma categoria sociológica mas em vez disso como um ponto de inter secção entre o físico o simbólico e as condições sociais materiais 1984b p 161 12 Bordo cita a partir de um artigo intitulado Exercises for Men por Williamette Bridge Liberation News Service em The Radical Therapist dezembrojaneiro 171 13 Adaptei a linguagem de Deleuze para que servisse aos meus próprios objetivos A divisão quádrupla de Foucault que pode sem dúvida ser remontada a Aristóteles é formada por ontologia ascética deontologia e teleologia Veja Fou cault 1984 1985c 1986b Rose 1995a Dean 1994 201 BRAIDOTTI R Nomadic subjects embodiment and sexual difference in contemporary feminist theory Nova York Co lumbia University Press 1994a BRAIDOTTI R Towards a new nomadism feminist deleu zian tracks or methaphysics and metabolism In C V Boundas e D Olkowski org Gilles Deleuze and the theater of philosophy Nova York Routledge 1994b p 157186 BROWN R The body and society London Faber 1989 BURCHELL G GORDON C e MILLER P org The Foucault effect studies in governmentality Hemel Hemps tead Harvester Wheatsheaf 1991 BUTLER J Gender trouble feminism and the subversion of identity Londres Routledge 1990 BUTLER J Bodies that matter On the discursive limits of sex Londres Routledge 1993 BUTLER J For a careful reading In S Benhaib J Bu tler D Cornell e N Fraser org Feminist contentions a philosophical exchange Nova York Routledge 1995 CLINECOHEN A calculating people the spread of numeracy in early America Chicago University of Chicago Press 1982 COWARD R e ELLIS F Language and materialism deve lopments in semiology and the theory of the 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ção na Universidade de WisconsinMadison Sua mais recente publicação é Teaching Positions Difference Peda gogy and the Power of Address Teachers College Press de onde foi extraído o ensaio aqui traduzido Francisco Javier Tirado Barcelona1968 é Professor Auxiliar de Psicologia Social do Departamento de Psico logia da Saúde e Psicologia Social da Universidade Autô noma de Barcelona Sua linha de pesquisa principal se centra no estudo e aplicação de novos conceitos para pen sar o social Nessa linha publicou Against Social Cons tructionist Cyborgian Territorialisations e juntamente com Miquel Doménech e José Manuel Alcaráz A Change of Episteme for Organizations A Lesson from Solaris Outra de suas linhas de trabalho centrase na temática das institui ções e suas transformações sociais Sobre esse tema publi cou juntamente com Miquel Doménech Extituciones del poder y sus anatomías e com Miquel Doménech Silvia Travesset e Ana Vitores La desinstitucionalización y la cri sis de las instituciones Marcus Doel é Professor de Geografia Humana da Universidade Swansea País de Gales Algumas de suas publicações Poststructuralist Geographies The Diabolical Art of Spatial Science Rowman Littlefield A hun dred thousand lines of flight a machinic introduction to the nomad thought and scrumpled geography of Gilles Deleuze and Félix Guattari in Environment and Plan ning D Society and Space 14 1996 421439 Un glunking geography spatial science after Dr Seuss and 206 Gilles Deleuze In Thinking Space Routledge London Homepage httpralphswanacukpersonalmad Lucía Gómez Sánchez Valencia1970 é Professora Au xiliar de Psicologia Social no Departamento de Psicologia Social da Universidade de Valencia Sua pesquisa pretende analisar criticamente a Psicologia Social a partir de uma perspectiva pósestruturalista bem como uma problemati zação da identidade em relação com o movimento feminis ta Entre seus trabalhos se destacam Política de la verdad y Psicología Social tesis de licenciatura Psicología y Regulaci ón Social Deleuze y la psicología Social identidad y multiplici dad De la liberación a las prácticas de libertad reflexiones desde el pensamiento de la diferencia sexual Miquel Domènech Barcelona1960 é Professor Titu lar de Psicologia Social do Departamento de Psicologia da Saúde e Psicologia Social da Universidade Autônoma de Barcelona Seus trabalhos de pesquisa giram funda mentalmente ao redor de dois eixos básicos as relações de poder a psicosociologia do conhecimento científico Entre suas publicações podese destacar a coordenação juntamente com Tomás Ibáñez de um número mono gráfrico da revista Anthropos sobre Psicologia Social Crí tica e a coordenação juntamente com Francisco J Tirado de Sociologia simétrica Ensayos sobre ciencia tecnologia y so ciedad publicado por Gedisa Nikolas Rose é Professor de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Matemáticas do Goldsmiths Col lege Universidade de Londres É autor de The Psycholo gical Complex Psychology Politics and Society in England 18691939 Routledge e Governing the Soul The Sha ping of the Private Self Routledge Suas publicações mais recentes Power of Freedom Reframing Political Thought Cambridge University Press e The Self A Reader Free Association Books Qualquer livro da Autêntica Editora não encontrado nas livrarias pode ser pedido por carta fax telefone ou pela Internet a Autêntica Editora Rua Januária 437 Bairro Floresta Belo HorizonteMG CEP 31110060 PABX 0XX31 3423 3022 email email email email email autenticaautenticaeditoracombr Visite a loja da Autêntica na Internet www www www www wwwautenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr ou ligue gratuitamente para 08002831322 08002831322 08002831322 08002831322 08002831322 Outros títulos da Coleção Estudos Culturais Cartografias dos estudos culturais uma versão latinoamericana Ana Carolina D Escosteguy Pósestruturalismo e Filosofia da diferença uma introdução Michael Peters Antropologia do ciborgue as vertigens do pós humano Tomaz Tadeu da Silva org Donna Haraway Hori Kumoru Pedagogia dos monstros os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras Tomaz Tadeu da Silva org Ian Hunter James Donald Jeffrey Jerome Cohen José Gil Teoria cultural e educação um vocabulário crítico Tomaz Tadeu da Silva O que é afinal Estudos Culturais Tomaz Tadeu da Silva orgtrad Richard Johnson Ana Carolina D Escosteguy Norman Sheridan O esnaço de Marx roupas memória dor Peter Stallybrass 207 CONEXÃO ENTRE O FILME LAVOURA ARCAICA DE GONZAGA E O TEXTO NUNCA FOMO HUMANOS NOS RASTROS DO SUJEITO DE TOMAZ TADEU DA SILVA O filme Lavoura Arcaica é um drama psicológico que explora a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira Baseado no livro de Raduan Nassar e dirigido por Luiz Fernando Carvalho o filme apresenta a história de uma família de imigrantes libaneses que vive no interior de São Paulo O patriarca um homem autoritário e conservador impõe a seus filhos uma forma de vida rígida e repressiva que gera conflitos e tensões na família Um dos filhos André decide abandonar a família e viver isolado na serra em busca de sua própria liberdade e de uma forma de vida diferente daquela imposta pelo pai Sua fuga da família e sua escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar um sentido mais autêntico para sua vida e de construir sua própria identidade longe das amarras impostas pela sociedade Essa busca por uma identidade mais autêntica e por formas mais plurais de subjetividade também é tema do texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito de Tomaz Tadeu da Silva O autor argumenta que em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle as pessoas estão perdendo sua capacidade de reflexão crítica e de construção de identidades mais autênticas e plurais Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade O filme e o texto têm em comum uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Tanto no caso de André como no texto de Tomaz Tadeu da Silva essa busca se manifesta em uma fuga das normas e dos valores impostos pela sociedade e em uma busca por uma identidade mais autêntica e pluriversal No caso do filme a fuga de André da família e a escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar uma forma de vida mais autêntica que esteja mais alinhada com seus desejos e valores mais profundos Já no texto essa busca se manifesta em uma reflexão crítica sobre as formas de subjetividade impostas pelo sistema dominante e em uma busca por formas mais plurais e autênticas de construção da identidade Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência livres das amarras impostas pelo sistema dominante O filme e o texto nos mostram que apesar das dificuldades e dos desafios que enfrentamos é possível construir novas formas de vida e de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Ao retratar a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira o filme Lavoura Arcaica também nos convida a refletir sobre a importância da família como instituição social Embora a família retratada no filme seja marcada pela rigidez e pela repressão ela também é um espaço de afeto e de construção de identidades A busca de André por uma identidade mais autêntica e sua fuga da família podem ser interpretados como uma crítica à forma como as relações familiares são impostas pela sociedade mas também como uma busca por novas formas de se construir relações afetivas e de se construir identidades mais autênticas O texto de Tomaz Tadeu da Silva por sua vez nos convida a refletir sobre a importância da reflexão crítica e da construção de identidades plurais em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade e é necessário construir novas formas de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Portanto tanto o filme como o texto são obras que nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência Ao mostrar as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade Em resumo o filme Lavoura Arcaica e o texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito compartilham uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e sobre a importância de buscarmos formas mais autênticas de construção da identidade e de construção de relações afetivas E ao mostrarem as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a pensar sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade CONEXÃO ENTRE O FILME LAVOURA ARCAICA DE GONZAGA E O TEXTO NUNCA FOMO HUMANOS NOS RASTROS DO SUJEITO DE TOMAZ TADEU DA SILVA O filme Lavoura Arcaica é um drama psicológico que explora a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira Baseado no livro de Raduan Nassar e dirigido por Luiz Fernando Carvalho o filme apresenta a história de uma família de imigrantes libaneses que vive no interior de São Paulo O patriarca um homem autoritário e conservador impõe a seus filhos uma forma de vida rígida e repressiva que gera conflitos e tensões na família Um dos filhos André decide abandonar a família e viver isolado na serra em busca de sua própria liberdade e de uma forma de vida diferente daquela imposta pelo pai Sua fuga da família e sua escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar um sentido mais autêntico para sua vida e de construir sua própria identidade longe das amarras impostas pela sociedade Essa busca por uma identidade mais autêntica e por formas mais plurais de subjetividade também é tema do texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito de Tomaz Tadeu da Silva O autor argumenta que em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle as pessoas estão perdendo sua capacidade de reflexão crítica e de construção de identidades mais autênticas e plurais Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade O filme e o texto têm em comum uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Tanto no caso de André como no texto de Tomaz Tadeu da Silva essa busca se manifesta em uma fuga das normas e dos valores impostos pela sociedade e em uma busca por uma identidade mais autêntica e pluriversal No caso do filme a fuga de André da família e a escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar uma forma de vida mais autêntica que esteja mais alinhada com seus desejos e valores mais profundos Já no texto essa busca se manifesta em uma reflexão crítica sobre as formas de subjetividade impostas pelo sistema dominante e em uma busca por formas mais plurais e autênticas de construção da identidade Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência livres das amarras impostas pelo sistema dominante O filme e o texto nos mostram que apesar das dificuldades e dos desafios que enfrentamos é possível construir novas formas de vida e de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Ao retratar a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira o filme Lavoura Arcaica também nos convida a refletir sobre a importância da família como instituição social Embora a família retratada no filme seja marcada pela rigidez e pela repressão ela também é um espaço de afeto e de construção de identidades A busca de André por uma identidade mais autêntica e sua fuga da família podem ser interpretados como uma crítica à forma como as relações familiares são impostas pela sociedade mas também como uma busca por novas formas de se construir relações afetivas e de se construir identidades mais autênticas O texto de Tomaz Tadeu da Silva por sua vez nos convida a refletir sobre a importância da reflexão crítica e da construção de identidades plurais em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade e é necessário construir novas formas de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Portanto tanto o filme como o texto são obras que nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência Ao mostrar as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade Em resumo o filme Lavoura Arcaica e o texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito compartilham uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e sobre a importância de buscarmos formas mais autênticas de construção da identidade e de construção de relações afetivas E ao mostrarem as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a pensar sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade

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Estudos Culturais Autentica TOMAZ TADEU DA SILVA org Nunca Fomos Humanos nos rastros do sujeito Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito CCCCCréditos Modo de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também é traduzido dos capítulos 1 e 2 p 2153 do livro de Elizabeth Ellsworth Teaching positions Difference pe dagogy and the power of address publicado pela editora Teachers College Press Nova York 1997 Teachers College Press Todos os direitos reservados Publicado sob permissão da editora Inventando nossos eus é traduzido do capítulo 8 As sembling ourselves p 169197 do livro de Nikolas Rose Inventing ourselves Psychology Power and Personhood publicado pella Cambridge University Press 1996 Cambridge Uni versity Press Todos os direitos reservados Publicado sob per missão da editora Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução é tra duzido do capítulo 11 p 226240 do livro Mapping the subject Geographies of cultural transformation organizado por Steve Pile e Nigel Thrift publicado pela editora Routledge 1995 Taylor Francis Publicado sob permissão da empresa detentora dos direitos de reprodução Belo Horizonte 2001 Elizabeth Ellsworth Francisco J Tirado Lucía G Sánchez Marcus Doel Miquel Domènech Nikolas Rose Tradução e organização Tomaz Tadeu da Silva Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito Copyright 2001 by Tomaz Tadeu da Silva Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida seja por meios mecânicos eletrônicos seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia da editora Autêntica Editora Rua Januária 437 Floresta 31110060 Belo HorizonteMG Telefax 55 31 34233022 autenticaautenticaeditoracombr wwwautenticaeditoracombr CAPA Jairo Alvarenga Fonseca EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Waldênia Alvarenga Santos Ataíde REVISÃO Erick Ramalho 2001 S586n Silva Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos nos rastros do sujeito organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva Belo Horizonte Autêntica 2001 208 p Coleção Estudos Culturais 7 ISBN 8575260251 1 Cultura 2 Filosofia 3 Antropologia I Títu lo II Série CDU 008 Sumário 07 Modos de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também Elizabeth Ellsworth 77 Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução Marcus Doel 111 A dobra psicologia e subjetivação Miguel Domènech Francisco Tirado Lucía Gómez 137 Inventando nossos eus Nikolas Rose 205 Sobre as autoras e os autores Modo de endereçamento uma coisa de cinema uma coisa de educação também Elizabeth Ellsworth 8 9 MODO DE ENDEREÇAMENTO UMA COISA DE CINEMA No meu curso de pósgraduação não estudei teoria educacional Estudei teoria do cinema Cine ma de Hollywood principalmente Mas durante o curso também trabalhava como professora estagiá ria e por isso tive que tentar aprender como ensinar Durante o período em que estive no curso de pósgraduação eu via quase todos os dias filmes tais como Young Mr Lincoln ou Meet me in St Louis Agora seremos felizes Eu também lia e tentava com preender Althusser ou Lacan ou Eisenstein ou Kuhn ou Mulvey ou Barthes gente que escrevia sobre imagens e histórias e significado e desejo e mu dança social Ao mesmo tempo eu tentava ensinar a um grupo de discussão formado por estudantes de graduação como se podia analisar a forma o estilo o gênero e a ideologia do filme que eles tinham 10 acabado de ver Eu ficava fascinada e estimulada pela força social política e estética dos filmes Assim que saí do curso de pósgraduação em comunicação fui contratada por uma escola de edu cação para lecionar uma disciplina sobre produção de filmes de vídeo e crítica de mídia para educado res1 Foi uma experiência intercultural Eu não falava a linguagem da pesquisa educacional Eu não conhe cia as narrativas e os personagens daquele campo O mais estranho e alienante de tudo era ter que aprender as teorias e as práticas desse novo mundo acadêmico chamado currículo e ensino na ausên cia absoluta de qualquer suspense romance sedu ção prazer visual música enredo humor dança de sapateado ou páthos Tudo que eu havia aprendido sobre as teorias contemporâneas da lingüística a teoria literária a semiótica o feminismo a cultura havia sido aprendido na presença da sob a luz da sob o prazer da na esteira da história das metáfo ras das estrelas das imagens do modo de endere çamento de algum filme Mas a educação era um campo em nada parecido com o do cinema e da televisão Não era em nada parecido com o campo da literatura e da teoria literá ria Era mais parecido com as aulas de sociologia que eu tive aquelas ensinadas por meio de livrostexto de instrução programada Como eu acabava de des cobrir o campo da educação era uma ciência social O que eu mais aprendi do meu encontro com o campo acadêmico da educação que agora já dura por mais de dez anos foi que eu não quero ensinar ou aprender na ausência de prazer enredo emoção 11 metáfora artefatos culturais e de envolvimento e interação com o público É aqui que entra o modo de endereçamento Faz vinte anos que comecei a trabalhar como pro fessora auxiliar em uma disciplina de introdução ao cinema Faz quatorze anos que estou tentando imaginar o que as pessoas pensam que estão fa zendo nesse campo acadêmico da educação e por que elas fizeram com que esse campo seja o que ele parece ser E estou pensando outra vez em mo dos de endereçamento O MODO DE ENDEREÇAMENTO NOS ESTUDOS DE CINEMA O modo de endereçamento é um termo dos es tudos de cinema um termo que tem um enorme peso teórico e político Aprendi sobre ele nas aulas sobre cinema e sobre mudança social É a isso que ele se resume quem este filme pensa que você é Apresento neste capítulo uma leitura algo sele tiva da teoria e da política que está por detrás dessa questão e do conceito de modo de endereçamento Não estou interessada em tentar definir exatamente o que é modo de endereçamento Estou interes sada em saber por quê nestes dias quando penso como uma educadora sobre pedagogia continuo pensando em termos de modo de endereçamento Fico me perguntando como os educadores podem por sua vez ser educados pela noção de modo de endereçamento incluindo aquela utilizada nos es tudos de cinema 12 Os teóricos do cinema desenvolveram a noção de modo de endereçamento para lidar de uma for ma que fosse específica ao cinema com algumas das grandes questões que atravessam os estudos de cine ma a crítica de arte e de literatura a sociologia a antropologia a história e a educação Essas questões têm a ver com a relação entre o social e o indivi dual Questões como qual é a relação entre o texto de um filme e a experiência do espectador a estrutu ra de um romance e a interpretação feita pelo leitor uma pintura e a emoção da pessoa que a contempla uma prática social e a identidade cultural um deter minado currículo e sua aprendizagem Em outras palavras qual é a relação entre o lado de fora da sociedade e o lado de dentro da psique humana Como pode ser igualmente verdadeiro afirmar que as pessoas agem de forma independente e intencio nal e ao mesmo tempo dizer que os padrões que orientam suas ações como elas pensam o que elas vêem o que elas desejam são já aspectos de seu ser social DONALD 1991 p 2 Tratase de grandes questões Elas são também centrais para as pessoas interessadas em mudança social Se você compreender qual é a relação entre o texto de um filme e a experiência do espectador por exemplo você poderá ser capaz de mudar ou influen ciar até mesmo controlar a resposta do espectador produzindo um filme de uma forma particular Ou você poderá ser capaz de ensinar os espectadores como resistir ou subverter quem um filme pensa que eles são ou quem um filme quer que eles sejam Os teóricos do cinema têm utilizado sob uma forma ou outra a noção de modo de endereçamento 13 para compreender essas questões Vou esboçar aqui alguns dos significados que essa noção tem apresen tado para os teóricos do cinema Esta leitura seletiva começa com o modo de endereçamento como um conceito que se refere a algo que está no texto do filme e que então age de alguma forma sobre seus espectadores imaginados ou reais ou sobre ambos Existe depois um momento na lógica da teoria do cinema em que os teóricos do cinema começam a ver o modo de endereçamento menos como algo que está em um filme e mais como um evento que ocorre em algum lugar entre o social e o individual Aqui o evento do endereçamento ocorre num espaço que é social psíquico ou ambos entre o texto do filme e os usos que o espectador faz dele Essa mudança que deixa de localizar o modo de endereçamento no interior do texto de um filme e passa a compreendê lo como um evento fará com que minha leitura sele tiva da noção de modo de endereçamento deixe a teoria do cinema e vá para a educação para os estu dos culturais e para a psicanálise Quem este filme pensa que você é Os filmes assim como as cartas os livros os comerciais de televisão são feitos para alguém Eles visam e imaginam determinados públicos Entre tanto os diretores de cinema os roteiristas os produ tores e os proprietários de salas de cinema estão com freqüência distanciados dos espectadores reais ou concretos As distâncias podem ser econômicas temporais sociais geográficas ideológicas de gêne ro de raça Entre a redação do roteiro e a exibição 14 os filmes passam por muitas transformações Entre tanto a maioria das decisões sobre a narrativa es trutural de um filme seu acabamento e sua aparência final são feitos à luz de pressupostos conscientes e inconscientes sobre quem são seus públicos o que eles querem como eles vêem filmes que filmes eles pagam para ver no próximo ano o que os faz cho rar ou rir o que eles temem e quem eles pensam que são em relação a si próprios aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do momento Os filmes visam e imaginam determinados pú blicos Eles também desejam determinados públi cos Alguns filmes como Jurassic Park O parque dos dinossauros por exemplo são produzidos com o desejo de atrair o maior público de massa possí vel Outros como Go fish O par perfeito por exem plo são produzidos para apelar a pessoas que vão a festivais alternativos e são feitos com a esperança de serem exibidos em cinemas voltados para um públi co intelectualizado e sofisticado freqüentado por pessoas que seguem orientações alternativas em ter mos ideológicos sexuais raciais e políticos O conceito de modo de endereçamento está ba seado no seguinte argumento para que um filme funcione para um determinado público para que ele chegue a fazer sentido para uma espectadora ou para que ele a faça rir para que a faça torcer por um personagem para que um filme a faça suspender sua descrença na realidade do filme chorar gri tar sentirse feliz ao final a espectadora deve en trar em uma relação particular com a história e o sistema de imagem do filme 15 Eis aqui uma maneira de conceptualizar esse pro cesso existe uma poltrona no cinema para a qual aponta a tela do filme uma poltrona para a qual os efeitos cinematográficos e as composições dos qua dros estão planejados uma poltrona para a qual as linhas de perspectiva convergem dando a mais ple na ilusão de profundidade de movimento de rea lidade É a partir dessa posição física que o filme parece atingir seu ponto máximo Da mesma for ma existe uma posição no interior das relações e dos interesses de poder no interior das construções de gênero e de raça no interior do saber para a qual a história e o prazer visual do filme estão diri gidos É a partir dessa posiçãodesujeito que os pressupostos que o filme constrói sobre quem é o seu público funcionam com o mínimo de esforço de contradição ou de deslizamento Por exemplo filmes orientados para garotos brancos de 12 anos que vivem em bairros ricos estão sintonizados às posições que esses garotos supostamente ocupam ou que os produtores de filmes e de mercadorias paralelas desejam que eles ocupem no interior das relações sociais contem porâneas dos gostos de mercado da fantasia se xual e do desejo da construção de gênero e de raça Para que esses garotos peguem o filme e sigam sua onda eles têm que estar no lugar para o qual o filme está sintonizado Para que eles se tornem parte da estrutura de relações que compõem o sis tema de olhares de desejos de expectativas de tra mas narrativas e de gratificações que compõem a experiência de ir ao cinema eles têm que estar lá Para que eles completem o filme tal como seus 16 produtores imaginaram que eles o fariam eles têm que assumir as posições que lhes são oferecidas naqueles sistemas ao menos durante o tempo de duração do filme ao menos na imaginação Ei você aí E assim os produtores de filmes fazem muitas suposições e têm muitos desejos conscientes e in conscientes sobre o tipo de pessoa para a qual seu filme é endereçado e sobre as posições e identidades sociais que seu público deve ocupar E essas suposi ções e esses desejos deixam traços intencionais e não intencionais no próprio filme Para algumas escolas de estudo do cinema um filme é composto pois não apenas de um sistema de imagens e do desen volvimento de uma história mas também de uma estrutura de endereçamento que está voltada para um público determinado e imaginado Os traços dessa estrutura não são visíveis Eles não se apresentam diretamente na tela para serem estudados tal como se apresentam os aspectos do estilo de um filme como por exemplo a composi ção dos objetos e das pessoas em um quadro o uso da cor o movimento o trabalho de edição a ilumi nação O modo de endereçamento parecese mais com a estrutura narrativa do filme do que com seu sistema de imagem Tal como a história ou a trama o modo de endereçamento não é visível Tampouco é o caso de que alguém no filme diga literalmente ei você aí Garoto branco e rico de 12 anos Veja isto Será divertido E você vai querer 17 comprar o brinquedo relacionado ao filme E você se sentirá mais velho e mais poderoso e mais alto do que você é e o mundo inteiro vai parecer girar ao redor de você E quando o filme terminar você sentirá que ser um garoto branco e rico de 12 anos é a melhor coisa que pode acontecer no mundo O modo de endereçamento não é um momento visual ou falado mas uma estruturação que se desenvol ve ao longo do tempo das relações entre o filme e seus espectadores Os estudiosos do cinema que têm se concentra do na idéia de modo de endereçamento têm de senvolvido formas de falar desse invisível processo que parece convocar o espectador a uma posição a partir da qual ele deve ler o filme Os críticos que estudam a narrativa cinematográfica têm tomado certos conceitos de empréstimo da crítica da litera tura e do teatro e inventado outros de forma a po der nomear e analisar a intangível experiência da história no filme Essa experiência inclui trama per sonagem subtexto gênero vínculos causais ponto de vista e assim por diante De forma similar os críticos interessados no modo de endereçamento têm inventado conceitos que nomeiam e analisam as pectos sobre a experiência da convocação ou da interpelação Posicionamento de público é um deles Masterman 1985 descreveo desta forma Nos meios visuais nós como membros do pú blico somos compelidos a ocupar uma posição física particular em virtude do posicionamento da câmera Identificar e estar consciente dessa posição física significa revelar que somos também 18 convidados a ocupar um espaço social Por meio do modo de endereçamento do texto de sua con figuração e de seu formato um espaço social se abre para nós Finalmente o espaço físico e o es paço social que somos convidados a ocupar estão ligados a posições ideológicas maneiras naturais de examinar e dar sentido à experiência p 229 Masterman dá depois um exemplo de posicio namento de público nos programas de notícias da televisão Quando o noticiário inicia somos endereçados por um locutor que olha diretamente para a câmera e apresenta os fatos Cada espectador é colocado no papel de endereçado direto O locutor intro duz uma entrevista filmada Nossa posição muda Não somos mais endereçados diretamente mas espiamos vemos e julgamos As diferentes po sições nos asseguram que alguns aspectos da ex periência devem ser aceitos fatos enquanto outros opiniões exigem nosso julgamento A distinção jornalística altamente questionável en tre fato e opinião está embutida nas maneiras pe las quais somos posicionados em relação a diferentes aspectos da experiência p 22930 O que Masterman está sugerindo é que para com preender os filmes ou os programas de TV em seus próprios termos o espectador deve ser capaz de adotar nem que seja apenas imaginária e temporariamente os interesses sociais políticos e econômicos que são as condições para o conhecimento que eles constroem O endereço de um filme educacional dirigido à estudante por exemplo convidaa não apenas à 19 atividade da construção do conhecimento mas tam bém à construção do conhecimento a partir de um ponto de vista social e político particular Isso faz com que a experiência de ver os filmes e os sentidos que damos a eles sejam não simplesmente voluntá rios e idiossincráticos mas relacionais uma proje ção de tipos particulares de relações entre o eu e o eu bem como entre o eu e os outros o conheci mento e o poder Assim parte da experiência e da relação de um garoto de 12 anos com um filme como Jurassic Park não é apenas uma resposta ao seu estilo e à sua his tória mas também uma resposta às formas pelas quais sua estrutura de endereçamento solicita ou até mesmo exige dele uma certa leitura Sua experiên cia do filme inclui a experiência consciente e incons ciente de ser endereçado por meio por exemplo do posicionamento da câmera e do espaço social que ela constrói para ele como se ele fosse aque le alguém que o filme quer que ele seja que o filme pensa que ele é ou ambas as coisas Quem eu Ele não é entretanto exatamente quem o filme pensa que ele é um garoto de 12 anos estaduni dense branco rico Essas coisas não significam nunca uma única coisa Essas posições sociais não constituem nunca uma posição única ou unifica da Talvez ele seja um garoto homossexual de 12 anos O que isso causa à suposição de que ele tem 12 anos é branco é rico é garoto e não garota 20 Talvez ele seja filho de pais de diferentes raças mas que passa em geral por branco Talvez ele te nha 12 anos e seja filho de um pai ou de uma mãe que o maltratam e nunca tenha sentido de fato ter 12 anos Talvez ele viva em um bairro rico mas goste de viver num bairro popular da cidade e vá até lá sempre que possa O espectador ou a espectadora nunca é apenas ou totalmente quem o filme pensa que ele ou ela é O espectador ou a espectadora nunca é tampouco exatamente quem ele ou ela pensa que é mas vamos deixar isso para mais adiante A maneira como vi vemos a experiência do modo de endereçamento de um filme depende da distância entre de um lado quem o filme pensa que somos e de outro quem nós pensamos que somos isto é depende do quan to o filme erra seu alvo Imaginemos que o lugar ideal esteja situado na poltrona central da última fileira da sala de cinema O modo de endereçamen to do filme pode errar o alvo por apenas duas cadeiras atingindo por exemplo aquela poltrona situada duas cadeiras à esquerda do assento ideal Ou no outro extremo pode passar bem distante do alvo acertando a poltrona situada junto à pare de na primeira fila Ambas as posições fora do alvo exigem algum rearranjo de parte da espectadora para fazer o filme voltar ao foco alguma reescrita algu ma revisão pela qual a espectadora ao imaginarse no centro do endereçamento desfaz aquele processo de descentramento Ver um filme do assento situado junto à parede na primeira fila exige uma tradução perceptual constante da imagem solicitando que a espectadora se projete como estando situada naquele 21 assento perfeito no centro da sala de cinema e ima ginando como seria muito melhor e mais agradável ver o filme daquela poltrona onde ela deveria es tar sentada Seja qual for a distância pela qual o modo de endereçamento de um filme erra o alvo mínima ou enorme é necessário aquilo que alguns estudio sos chamam de negociação por parte do especta dor Como posso extrair prazer da história de Jurassic Park caso eu tenha 12 anos e for uma garota e não um garoto Mas essa negociação tampouco é ja mais uma coisa simples ou única Pois da mesma forma que o espectador ou a espectadora nunca é exatamente quem o filme pensa que ele ou ela é assim também o filme não é nunca exatamente o que ele pensa que é Não existe nunca um único e unificado modo de endereçamento em um filme Se Jurassic Park tivesse sido endereçado estrita e unicamente aos garotos estadunidenses brancos ri cos de 12 anos seria muito menos provável que o resto do planeta fosse vêlo Há algo nesse filme que é dirigido para quem os seus produtores imaginam que sou Minha desconfiança é de que a cientista forte corajosa inteligente está dirigida para uma parte de mim mesmo que se tenha a impressão de que ela entrou no filme meio a contragosto de seus produtores e como que de última hora E mesmo que ela seja uma versão diluída da cientista do livro homônimo Assim no processo de negociação dos modos de endereçamento de Jurassic Park com vis tas a pegar o filme e desfrutálo não foi preciso que eu simplesmente me imaginasse como um ga roto de 12 anos 22 Entrar em um filme por meio de uma multipli cidade de lugares é uma necessidade comercial Isso complica toda a idéia de modo de endereçamento Angela McRobbie 1984 ressalta isso em seu estudo do modo como as adolescentes que ela en trevistou reagiram aos filmes Flashdance e Fame Fama De acordo com McRobbie as cenas de dança em ambos os filmes parecem ter sido ende reçadas primariamente a dois grupos de espectado res masculinos e heterossexuais aqueles que figuram nas histórias dos filmes e aqueles que viram os fil mes nos cinemas Os números musicais parecem organizados por meio da localização e dos ângu los da câmera e do trabalho de edição que alterna tomadas do ponto de vista da câmera com tomadas do ponto de vista da personagem para apelar aos desejos e aos prazeres visuais que espectadores como esses supostamente extraem do ato de ver mulheres dançando para eles Entretanto há aspectos das histórias em ambos os filmes que são endereçados primariamente às mulheres no público e àquilo que os produtores do filme consciente e inconscientemente imaginam ser o desejo das mulheres em termos de controle sobre seus corpos e em termos de sentir prazer e poder em seus corpos e em suas vidas Assim estabelece se uma tensão no interior dos modos de endereça mento desses filmes uma tensão entre quem os números de dança pensam que você é e quem a his tória pensa que você é As histórias de ambos os filmes complicam a questão sobre para quem as mulheres estão dan çando nos espetáculos dos números musicais do filme 23 Os prazeres das garotas adolescentes ao ver esses fil mes podem advir de uma leitura que vê as dançarinas como realmente dançando para si mesmas e não para os homens que não obstante as estão obser vando Ou de forma mais complexa os prazeres das garotas adolescentes podem advir de uma leitura que vê as dançarinas como realmente dançando tanto para si próprias quanto para os homens que as obser vam O modo de endereçamento do espetáculo das performances de dança atritase com o modo de en dereçamento do desenvolvimento da história esses dois modos de endereçamento não funcionam ne cessariamente de forma conjunta e compatível Dife rentes sistemas formais e estilísticos presentes em um único filme podem ter diferentes modos de endere çamento Podem estar ocorrendo de forma simultâ nea múltiplos modos de endereçamento Além disso assim que públicos reais vivos che gam ao cinema o modo de endereçamento de um filme tornase apenas um dentre os muitos que com põem o cotidiano de um determinado espectador ou espectadora A posição que um espectador ou uma espectadora assume em relação a um filme e a par tir da qual ele ou ela dá sentido ao filme e dele extrai prazer muda drasticamente dependendo dos con flitantes modos de endereçamento que possam es tar disponíveis Ela está vendo um vídeo de Flashdance com um grupo de amigas que ficaram para passar a noite em sua casa em um cinema com um namora do com sua amante lésbica como uma estudante em uma aula de cinema ou como uma mulher afro americana que raramente vê outras mulheres afro americanas na tela do cinema 24 O modo de endereçamento de um filme tem a ver pois com a necessidade de endereçar qualquer comunicação texto ou ação para alguém E con siderandose os interesses comerciais dos produto res de filme tem a ver com o desejo de controlar tanto quanto possível como e a partir de onde o espectador ou a espectadora lê o filme Tem a ver com atrair o espectador ou a espectadora a uma posição particular de conhecimento para com o tex to uma posição de coerência a partir da qual o fil me funciona adquire sentido dá prazer agrada dramática e esteticamente vende a si próprio e ven de os produtos relacionados ao filme Mas à medida que os estudiosos do cinema têm tentado emparelhar os mecanismos de endereçamen to presentes no texto de um filme particular com as leituras que um público real faz do filme eles têm ficado cada vez mais atentos às complicações e aos paradoxos da experiência de ir ao cinema Os públi cos não são simplesmente posicionados por um determinado modo de endereçamento Entretanto para dar qualquer sentido a um filme ou para des frutalo até mesmo minimamente eles têm que se envolver com seu modo de endereçamento Ainda que de forma mínima ou oblíqua o modo de ende reçamento de um filme está envolvido nos prazeres e nas interpretações dos públicos inclusive em sua decisão de simplesmente recusarse a ver o filme Sim Você É aqui que entram as relações de poder e a mu dança social O modo de endereçamento não é um 25 conceito neutro na análise cinematográfica Trata se de um conceito que tem origem numa aborda gem de estudos do cinema que está interessada em analisar como o processo de fazer um filme e o pro cesso de ver um filme se tornam envolvidos na di nâmica social mais ampla e em relações de poder Embora os públicos não possam ser simplesmen te posicionados por um determinado modo de en dereçamento os modos de endereçamento oferecem sim sedutores estímulos e recompensas para que se assumam aquelas posições de gênero status social raça nacionalidade atitude gosto estilo às quais um determinado filme se endereça Ninguém no público global do Jurassic Park é exatamente aquele garoto estadunidense branco rico de 12 anos que o filme imagina e deseja Entretanto aquela posi çãodesujeito independentemente de quanto ela seja mítica está ligada no filme a potentes fanta sias de poder domínio e controle Os estudiosos do cinema têm gostado de algu mas posiçõesdesujeito oferecidas nos filmes popu lares e não têm gostado de outras Aqueles por exemplo que trabalham a partir de perspectivas marxistas ou feministas ou humanistas têm utiliza do o conceito de modo de endereçamento para provar que a maior parte dos filmes populares oferecem de forma repetida uma gama estreita e sistematicamente enviesada de posiçõesdesujeito Essa gama estreita exclui todo tipo de outras perspectivas e experiências sociais e culturais Onde estão os filmes de aventura ou de histórias so bre o desabrochar da adolescência dirigidos às garo tas de 12 anos de qualquer origem racial ou étnica 26 Por que parece ser certo colocar esta questão entre parênteses Mas os filmes tradicionais de Hollywood não pecam apenas por omissão Eles também pecam por repetidamente darem a entender por meio da ex clusão ou do ridículo ou da punição inscrita na nar rativa que ser uma garota ou ser negroa ou gay ou gordoa ou falante de espanhol ou ser uma ga rota e uma ou outra dessas identidades não é a coi sa certa Ou ser um tipo particular de garota ou garoto ou latinoa ou gordoa pode ser certo mas ser outro tipo não Fazer a pergunta quem este filme pensa que você é ou quer que você seja significa pois fazer uma pergunta carregada Tratase de uma questão formula da pelos estudiosos do cinema que acham que os modos de endereçamento dos filmes isto é quem filmes particulares pensam que você é ou quem eles querem que você seja podem contribuir para rela ções desiguais de poder e para a formação inconscien te de subjetividades específicas Há subjetividades específicas homens e mulheres sexistas e machistas racistas de qualquer cor pessoas ricas e poderosas vol tadas à exploração dos outros por exemplo e dinâ micas de poder que alguns estudiosos do cinema não querem ver formados ou recompensados pelas nar rativas e pelos sistemas de imagem dos filmes Eu não Alguns cineastas convencidos de que as rela ções sociais e de poder podem ser afetadas pelo fato de fazer e de ver filmes têm feito algumas 27 experimentações com vários tipos de contracine ma Algumas cineastas feministas por exemplo têm tentado voltar as convenções de Hollywood contra si próprias Elas tentam chamar a atenção rejeitan doos para os prazeres de se ver filmes que depen dem da objetificação dos corpos das mulheres e da repressão de sua agência Chantal Akerman por exemplo em um filme de 3 horas e meia feito em 1975 intitulado Jeanne Diel man descreve três dias na vida de uma mulher belga uma viúva pequenoburguesa donadecasa e mãe Annette Kuhn 1982 descreve o filme desta forma Seus movimentos ao redor de seu apartamento sua execução das tarefas diárias são descritos com grande precisão muitas de suas tarefas são filma das em tempo real A rígida rotina de Jeanne in clui uma visita diária de um homem um homem diferente a cada dia cujo pagamento por seus serviços sexuais ajudamna a mantêla e a seu filho O trabalho doméstico nunca foi provavel mente descrito com tanto detalhe em um filme de ficção por exemplo uma seqüência de cinco minutos mostra Jeanne no terceiro dia preparan do um bolo de carne para o jantar A recusa em efetuar tomadas feitas do ponto de vista da perso nagem implica uma rejeição do efeito de fixa ção da sutura do filme clássico a espectadora é forçada a manter distância tanto em relação à nar rativa quanto em relação à imagem construindo a história e produzindo expectativas em relação à narrativa por conta própria p 1734 A idéia é que um filme como Jeanne Dielman é mais aberto e menos manipulativo no seu 28 posicionamento de seu público do que um filme de Doris Day na qual ela faz o papel de uma donade casa Um filme como esse se nega a utilizar os mo dos de endereçamento típicos de Hollywood os quais fixam a espectadora a uma única forma de interpretar o filme Por exemplo Ackerman negase a fazer tomadas a partir do ponto de vista ótico de Dielman Ela se nega a utilizar essa convenção de operação da câme ra que é familiar ao público e que está destinada com freqüência a suscitar sua empatia e cumplici dade imaginária para com as intenções experiên cias e objetivos de um determinado personagem Sendo supostamente mais aberto e menos manipula tivo o modo de endereçamento de Jeanne Dielman dá força teoricamente à espectadora para que ela possa construir a história e produzir expectativas em relação à narrativa por conta própria As experiências de contracinema têm produzido toda uma série de estratégias para endereçar o públi co que nunca ou raramente são vistas nos filmes de Hollywood tais como a tomada estática com dura ção de 5 minutos de Dielman fazendo bolo de car ne Essas experiências têm ampliado o léxico narrativo e visual e as expectativas do público à disposição das cineastas E em alguns casos essas inovações têm mudado a política de representação que reina em Hollywood podese também dizer que essas inovações foram cooptadas dependendo da perspectiva A esperança revolucionária era de que diferentes modos de endereçamento nos filmes pudessem 29 mudar os tipos de posiçõesdesujeito que estão dis poníveis e que são valorizados na sociedade Filmes como Jeanne Dielman poderiam inclusive produ zir novos sujeitos sociais novos tipos de mulhe res por exemplo mulheres que tenham o poder de construir suas próprias histórias e expectativas Em outras palavras tais filmes poderiam produzir uma mudança social para melhor Mas tampouco isso é uma coisa simples ou dire ta Filmes como Jeanne Dielman são difíceis de se rem lidos quando se está acostumado a ler os filmes de Hollywood E quando filmes difíceis de serem lidos filmes que rejeitam as fantasias e os prazeres usuais e esperados sexistas racistas escapistas tornamse parte de uma estratégia política intencio nal então como diz um crítico de cinema A linha de divisão entre o estranhamento como uma espécie de distanciamento apaixonado e re flexivo e o estranhamento como alienação no pior sentido da palavra é obviamente muito tênue COOK 1985 p 220 Em outras palavras alguns filmes produzidos em nome do contracinema e do reforçamento de po der empowerment de seus espectadores são difí ceis de ler ou alienadores por causa da forma como eles negam e denegam os prazeres do ato de ver filmes na sua forma mais convencional Pior ainda alguns dos públicos a quem eles pretendem se diri gir não querem necessariamente renunciar a seus culposos prazeres O prazer e a fantasia podem ser políticos mas isso não é tudo o que eles são 30 Sim eu 1 e eu 2 e eu 3 e Judith Mayne é uma estudiosa feminista do ci nema Ela é o tipo de espectadora feminina a quem podese dizer muitas das experiências de contraci nema são endereçadas Ela escreve Posso ser uma espectadora beminformada mas isso não diminuiu meu prazer naquilo que algu mas pessoas podem considerar como produtos in feriores como por exemplo os filmes de Arnold Schwarzenegger Em vez disso o estudo do ato de ver filmes me tornou consciente em termos bem ordinários e cotidianos dos tipos de impul sos contraditórios que compõem o prazer Pois embora o feminismo por exemplo constitua de forma plena uma parte de minha vida cotidiana eu tenho fantasias regressivas um tanto peculiares isto é peculiares para meus amigos e para minha família não para mim sobre a adolescência mas culina as quais recebem uma perfeita expressão em Schwarzenegger O ato de ver um filme é um dos poucos lugares em minha vida no qual as atra ções para com a adolescência masculina e a poéti ca do feminismo de vanguarda coexistem Pois a abordagem particular do ato de ver filmes desen volvida por Chantal Ackerman por exemplo me envolve de forma diferente mas tão satisfatória quanto os filmes de Arnold Schwarzenegger 1993 p 3 Como uma pessoa que está acostumada a ir ao cinema Mayne é não apenas capaz de agir contra aquilo que suas amigas feministas e ela própria pro vavelmente chamariam de seus melhores interesses 31 como uma mulher em uma cultura dominada por homens mas ela é também capaz de desejar e des frutar dessa representação no ato mesmo de pôla em execução Ora isso coloca um grande problema para pes soas que pensam que o modo de endereçamento pode fazer a diferença entre de um lado um ato de ver filmes que é crítico reflexivo e apaixonada mente distanciado e de outro uma ato de ver fil mes que como diz Mayne 1993 me faz representar e esquecer p 3 e realmente reforçar práticas prazeres e desejos cinemáticos e culturais dominantes e injustos Obviamente o modo de endereçamento de um filme não é algo onipotente Alguns estudiosos do cinema têm adotado a ên fase que a chamada teoria de resposta do leitor coloca no ato de leitura deslocando o poder do ato de atribuir sentido para o espectador Eles têm rea lizado estudos de recepção para tentar entender e reconhecer a agência que os espectadores sempre têm exercido nos filmes Não importa quanto o modo de endereçamento do filme tente construir uma posição fixa e coerente no interior do conheci mento do gênero da raça da sexualidade a partir da qual o filme deve ser lido os espectadores re ais sempre leram os filmes em direção contrária a seus modos de endereçamento respondendo aos filmes a partir de lugares que são diferentes daque les a partir dos quais o filme fala ao espectador Essa mudança de foco do modo de endereça mento do texto para a resposta que lhe é dada pelo espectador tem levantado a questão das diferentes 32 leituras que são feitas não apenas por parte do mesmo espectador tal como nas duas leituras de Maynes a feminista e aquela baseada na fantasia sobre garotos de sua adolescência mas também das diferentes lei turas que são feitas por diferentes tipos de público Mayne e outras teóricas do cinema têm utiliza do o ato de ver filmes das pessoas negras e das pes soas gays como exemplos de lugares de ver o filme que supostamente diferem drasticamente daqueles endereçados pelo cinema convencional Como pú blicos negros gays ou ambos por exemplo lêem filmes que nunca lhes são endereçados Mayne 1993 por exemplo examina essa ques tão evocando a descrição de como uma platéia ne gra de resistência vê o filme The defiant ones 1958 Aquele filme conta a história de dois prisioneiros fugitivos um deles branco Tony Curtis e o outro negro Sidney Poitier Durante a maior parte do filme eles estão presos um ao outro por meio de algemas Contase por meio de sua relação uma parábola sobre as rela ções raciais nos Estados Unidos p 155 Pelo fato de o filme ser um mito branco sobre as relações entre negros e brancos ele contém numerosos pontos cegos para utilizar a linguagem da teoria do cinema dos anos 70 nos quais o personagem de Poitier age não como um homem negro mas como a imagem branca sobre o que é ser um homem negro p 155 A verdade da negritude de Poitier estava à mercê nesse filme da mentira do mito das 33 relações entre brancos e negros da narrativa de sua inabilidade em descrevêla da forma certa Entre tanto pelo desempenho de Poitier e pela forma como o público negro a sentia a verdade de sua negritude também frustra o poder da narrativa para realizar se completamente de acordo com o planejado Para mostrar que é isso o que ocorre Mayne cita a descri ção que James Baldwin 1976 faz da reação dos es pectadores brancos liberais como sendo de alegria quando Poitier salta do trem no final do filme sa crificando sua própria chance de escapar para ficar com seu amigo branco p 156 O público negro do Harlem que Baldwin descreve entretanto in dignouse com isso gritando Volta para o trem seu idiota BALDWIN 1976 p 76 Nós quem Assim as teóricas do cinema reconhecem que os públicos não são todos iguais e que os diferentes públicos fazem leituras diferentes e extraem praze res diferentes e muitas vezes opostos do mesmo filme Mas esse reconhecimento tem produzido seus próprios problemas Por um lado um pressuposto tácito de grande parte da teoria do cinema é que quando a posição social visada pela produção cine matográfica de Hollywood possui os atributos da dominação branco masculino heterossexual de classe média etc e Hollywood endereçase àquela posição então os espectadores dominantes tais como os constituídos pelo público branco e liberal do filme The defiant ones fundemse de forma sim biótica na tela MAYNE 1993 p 159 Supõese 34 que os espectadores dominantes ajustamse de forma natural e pouco problemática à posição ideológica e de prazer que lhes é oferecida Todos os outros tais como os que formam o público negro do Harlem são considerados margi nais e resistentes E pelo fato de que a resistência é não apenas interessante mas necessária à maior parte dos projetos políticos da teoria do cinema os estu dos de recepção tendem a se concentrar nos assim chamados espectadores marginais e subculturais Entre as questões típicas de pesquisa estão as que se seguem Existe resistência e diferença relativamente ao endereçamento sedutor e homogeneizador de Hollywood Onde Quem resiste Quem é diferen te Como eles resistem e mantêm a diferença Como podemos fazer com que a diferença e a resistência se difundam O problema com esse tipo de abordagem argu menta Mayne 1993 é que ela estabelece um dua lismo entre espectadores dominantes e especta dores marginais e portanto resistentes e perpetua a falsa dicotomia do nós e eles no mo mento mesmo em que tenta enfraquecêla Definir o outro como a vanguarda do ato de ver filmes ape nas inverte a dicotomia p 159 Além disso ainda não está claro para aquelas pes soas que trabalham no campo dos estudos de cinema o quê precisamente constitui um público A utilização das noções de identidade e política de identidade para estudar o que variados grupos so ciais supostamente fazem com os filmes não contri buiu para tornar as coisas mais claras Falar de um 35 público gay por exemplo sugere que todos os homens gays e todas as mulheres lésbicas partilham alguns padrões específicos de identificação ou al gum tipo de capacidade inerente para ler o texto do filme a contrapelo Mayne 1993 p 166 Mas é tão impossível identificar uma experiência do ato de ver filmes das pessoas gays ou lésbicas que seja comum a todas as pessoas de um desses grupos para não falar de uma experiência que seja comum a ambos os grupos quanto o é identificar um único modo de ver filmes para negros mulheres ou garotos de 12 anos Na verdade os críticos literários e os estu diosos do cinema estão agora argumentando que existem fortes correntes homossexuais em todos os atos de ler e ver filmes e que uma presença afro americana orienta todos os textos culturais estaduni denses moldando as experiências que os leitores brancos têm de si próprios e de outros Sedgwick 1990 Morrison 1992 Quer dizer não se pode dar muito crédito às distinções que em geral se fazem entre centro e margem Ainda assim argumenta Mayne 1993 a análi se acadêmica sobre a política do ato de ver filmes criticamente continua em geral presa a um raciocí nio do tipo ou isto ou aquilo Ou estamos falan do de uma micropolítica do espectador e do grupo social marginal na qual toda leitura é um ato de contestação porque o modo de endereçamento do filme nunca se encaixa perfeitamente ou pelo fato de que esses atos localizados subculturais de leitura resis tente supostamente não se somam para levar à mu dança social estamos falando de uma macropolítica na qual nada significa realmente contestação a 36 menos que seja parte de uma pauta política glo balmente definida p 172 Como em todos os empreendimentos acadêmi cos os interesses políticos afetam as teorias sobre as formas como as pessoas vêem os filmes e sobre as formas como eles devem ser vistos Como diz May ne 1993 o propósito mesmo dos estudos acadê micos do ato de ver filmes é o de encorajar o desenvolvimento de um ato de ver crítico sobretu do na medida em que em sua grande maioria aque les que escrevem estudos de cinema também ensinam p 165 Por crítico Mayne não quer dizer simplesmente um ato de ver educado ou bem informado Ela quer dizer um ato de ver que resis te de forma ativa a se tornar cúmplice dos filmes convencionais na produção de significados que sim plesmente reinscrevem a objetificação dos corpos e das vidas das mulheres a normalidade heterosse xista a exploração econômica e os estereótipos ra cistas por exemplo Muitas das pessoas que estudam e ensinam cine ma desejam entender melhor a forma como o pú blico lê filmes de forma que se possa ensinar de forma melhor o público a ler filmes de forma resis tente O que subjaz a esses estudos como diria Fou cault 1979 é o desejo de estilizar as leituras pouco críticas dos espectadores estudantes para que se transformem em leituras críticas Mas em sua maior parte aqueles de nós que estamos interessados em estimular a mudança social estamos sujeitos a lapsos na nossa forma crítica de ver filmes como os exemplificados na entrega às 37 fantasias de adolescência via filmes de Schwarznegger que Mayne se permitia E esses lapsos prazerosos e em parte bemvindos apontam para alguns dos dilemas que são enfrentados pela maior parte das teorias de mudança social complicando as estraté gias políticas e educacionais lançadas em seu nome O MODO DE ENDEREÇAMENTO COMO EVENTO Na ausência de ajustes previsíveis e controlá veis entre os modos de endereçamento e a experiên cia do espectador algumas teóricas do cinema desistiram de tentar atribuir um tipo de ato de ver resistente a cada tipo de público marginaliza do à medida que ele responde aos vários tipos de modos de endereçamento Elas deslocaram sua aten ção do modo de endereçamento como um aspecto relativamente estático do texto de um filme para o modo de endereçamento como um aspecto mais flui do dos contextos nos quais os espectadores usam os filmes Mayne 1993 descreve essa mudança de ênfase como uma mudança que vai de questões do tipo como públicos constituídos de pessoas gays e lésbicas resistem aos modos de endereçamento dos filmes convencionais para questões tais como que papel exerce o ato de ver filmes na forma como as pessoas e grupos imaginam e constituem variadas culturas e identidades culturais e sociais como os próprios modos de endereçamento são assumi dos e usados juntamente com uma ampla rede de textos e contextos incluindo os rumores e as fofo cas na construção de identidades práticas culturais 38 e grupos organizados e politizados como o estilo camp2 que pode ser compreendido como um exa gero das formas pelas quais os modos de endereça mento deixam de atingir quase todo mundo funciona como um prazer social partilhado no inte rior das comunidades gays e lésbicas como o ato de ver filmes é usado na constituição das lésbicas e dos gays como uma força política como quando os gays se organizam como um grupo de consumo para questionar a representação homofóbica que caracte riza os filmes convencionais p 166 MODO DE ENDEREÇAMENTO QUESTÕES NÃORESOLVIDAS Ao perguntar quem este filme pensa que você é as estudiosas do cinema se saíram com algumas idéias e alguns argumentos bastante interessantes sobre o funcionamento das estruturas narrativas e os sistemas visuais em filmes reais É difícil por exemplo discor dar do argumento de que os filmes falam de algum lugar no interior das idéias fantasias ansiedades de sejos esperanças e dos eventos atualmente em circula ção e de que esse algum lugar possa ser localizado por meio de um exame das formas pelas quais certos personagens vozes pontos de vista discursos e ações são visual e narrativamente privilegiados e recompen sados em detrimento de outros nos filmes É também difícil discordar do argumento de que esse privilegiamento e essa recompensa por meio do modo de endereçamento constituem uma tentativa por parte dos produtores de filmes para antecipar 39 e falar para as ansiedades os medos os gostos as esperanças e as formas de dar sentido do público por eles desejado Parece claro que ao falar para es ses elementos um filme tenta encontrar o público que ele imagina e deseja no lugar onde se encon tram seus medos e suas esperanças Mesmo que o público nunca esteja no lugar para o qual o filme fala o lugar que o filme endereça parece existir como um lá abstrato e partilhável uma posiçãodesu jeito imaginada no interior do poder do conheci mento e do desejo que os interesses conscientes e inconscientes por detrás da produção do filme pre cisam que o público preencha Abstratamente ou não os filmes parecem convidar os espectadores reais a essas posições e encorajálos ao menos ima ginariamente a assumir e a ler o filme a partir de lá E os espectadores parecem ser recompensados com o prazer da narrativa com finais felizes com experiências coerentes de leitura por assumir e agir a partir daquela posição imaginária à medida que interpretam o filme Entretanto a maior parte das teóricas do cine ma concordaria que as questões sobre a relação en tre de um lado a posição abstrata supostamente atribuída aos espectadores de um filme por seu modo de endereçamento e de outro a pessoa real que vê o filme não foram resolvidas Os prazeres que te mos com os filmes rejeitam teimosamente quais quer dicotomias rígidas entre de um lado simples e puros atos de reprodução altamente receptiva e cúmplice das posições que nos são oferecidas e de outro a resistência crítica a essas posições ou sua completa rejeição 40 O que parece claro para mim depois de vinte e cinco anos de estudos de cinema é que as relações entre a forma como os textos cinematográficos en dereçam seu público e a forma como os espectado res reais lêem os filmes não são nítidas ou puras elas tampouco são lineares ou causais E a busca por relações nítidas e puras lineares e causais não é uma busca inocente Como diz Mayne 1993 as ques tões sobre modos de endereçamento feitas por pes quisadores do cinema têm sido questões assom bradas têm sido questões assombradas por desejos de realizar a possibilidade do ato de ver filmes como uma potencial atividade de vanguarda com vistas a pautas políticas progressistas p 172 Esses de sejos são orientados por uma política totalizante suas interpretações de um determinando filme ou são de resistência e portanto revolucionárias ou são de cumplicidade e portanto reacionárias Os estu dos do cinema estão agora às voltas com os signi ficados da posição pósmoderna de que uma polí tica totalizante mesmo que sua intenção seja progressista não é realizável e talvez em última instância não seja desejável Os estudos do cinema ainda não deram respostas convincentes às questões que diferença faz o modo de endereçamento de um filme faz alguma dife rença a quem o espectador ou a espectadora cons ciente ou inconscientemente pensa que ele ou ela é que diferença faz quem um espectador ou uma espectadora pensa que ele ou ela é à forma como ele ou ela age no mundo podem diferentes modos de endereçamento provocar ou encorajar outras ou diferentes formas de ser e agir no mundo 41 Em outras palavras pode a mudança social co meçar ou ser estimulada pelas formas pelas quais os públicos são endereçados pelos filmes E uma vez que a educação tem a ver com mu dança como um educador ou uma educadora pode reescrever algumas dessas questões Pode a mudan ça social ou mudanças individuais nas formas como alguém compreende o mundo começar e ser esti mulada pelas formas como os estudantes e as es tudantes são endereçados pelo currículo e pela pedagogia Podem os professores e as professoras fazer uma diferença em termos de poder conhecimento e de sejo não apenas por aquilo que eles e elas ensinam mas pela forma como eles e elas endereçam seus alu nos e suas alunas Tratase de questões ainda não resolvidas nos estudos sobre cinema E de questões que sequer são feitas na educação MODO DE ENDEREÇAMENTO UMA COISA DE EDUCAÇÃO TAMBÉM Quando deixamos a primeira parte deste ensaio as estudiosas do cinema estavam mudando os tipos de questões que elas estavam fazendo sobre o modo de endereçamento Inicialmente nos anos 70 elas tinham formulado a questão do endereçamento em termos do posicionamento do espectador ao per guntar como o modo de endereçamento de um filme posiciona seus espectadores no interior de re lações de poder conhecimento e desejo Nos anos 42 90 elas começaram em vez disso a perguntar como os públicos adotam e utilizam os termos do modo de endereçamento de um determinado filme juntamente com uma ampla rede de outros textos e contextos como materiais com os quais podem imaginar e viver identidades culturais e sociais O que causou essa mudança foi em parte a con clusão por parte das teóricas do cinema de que to dos os modos de endereçamento erram seus públicos de uma forma ou de outra Não existe ne nhum ajuste exato entre endereço e resposta o que nos faz concluir que não há como garantir a respos ta a um determinado modo de endereçamento O que eu gostaria de argumentar agora é portanto que o fato de não existir um ajuste exato entre en dereçamento e resposta torna possível ver o endere çamento de um texto como um evento poderoso mas paradoxal cujo poder advém precisamente da diferença entre endereçamento e resposta Lembram como Mayne 1993 p 3 apresentou seu culpado desejo de ver os filmes de Schwarze negger como um exemplo de que os públicos exce dem e extravasam as posições aceitáveis que lhes são oferecidas por exemplo pelos modos de endere çamento feministas Quero argumentar aqui que a diferença entre quem um endereçamento pensa que seu público é e o quem que os membros do públi co concretizam por meio de suas respostas é um re curso que está à disposição tanto dos produtores de filmes quanto dos públicos em seu envolvimento na atividade de dar sentido aos textos cinematográficos no processo de produção cultural e na prática da in venção de novas identidades sociais 43 Vou explorar neste capítulo os significados que o paradoxal poder de endereçamento pode ter para os educadores O que pode um professor fazer com o espaço momentoso e volátil da diferença ou de sajuste entre de um lado quem um currículo pen sa que seus estudantes são ou deveriam ser e de outro a forma como os estudantes realmente usam o endereçamento de um currículo para constituí rem a si próprios e para agir sobre a história e na história Como os professores podem tirar vanta gem do fato de que todos os modos de endereça mento erram seus públicos de uma forma ou outra utilizando isso de forma interessante e cria tiva Vou fazer três afirmações sobre a falta de ajuste ou sobre o espaço de diferença entre o endereça mento e a resposta Em primeiro lugar o espaço da diferença entre o endereçamento e a resposta é um espaço social formado e informado por conjunturas históricas de poder e de diferença social e cultural Em segundo lugar o espaço da diferença entre endereçamento e resposta é um espaço que carrega os traços e as imprevisíveis atividades do inconsci ente tornandoo assim capaz de escapar à vigilân cia e ao controle tanto por parte dos professores quanto por parte dos estudantes Em terceiro lugar o espaço da diferença entre endereçamento e resposta está à disposição dos pro fessores como um recurso poderoso e surpreenden te Entretanto e de forma paradoxal os professores não podem controlar o modo de endereçamento nem mesmo por meio de práticas pedagógicas como 44 por exemplo as práticas chamadas de dialogais cuja intenção seja regulálo Assim neste capítulo quero ampliar ainda mais meu paradoxal argumento de que o modo de ende reçamento é uma coisa poderosa que os educadores não devem ignorar sendo preciso considerar entre tanto que todos os modos de endereçamento er ram seus públicos de uma forma ou de outra O poder de endereçamento não é pois o poder de obter à vontade respostas previsíveis e desejadas dos estudantes ou dos públicos Não é o poder de posicionar os estudantes em algum desejado e pre ciso ponto do mapa de relações sociais O poder de endereçamento não é algo que os professores pos sam dominar controlar predizer ou transformar em uma tecnologia E contudo meu propósito é o de mostrar que ignorar o poder do endereçamento empobrece os professores Em que sentido o termo poder está sendo utilizado aqui Se o poder de controlar pre dizer e dirigir as respostas dos estudantes por meio do endereçamento não está à disposição dos profes sores qual é então o poder de endereçamento que os professores devem explorar Tentarei no que se segue explicar o que quero dizer quando digo que no ensino o poder de endereçamento reside em seu caráter indeterminado O MODO DE ENDEREÇAMENTO E O VOLÁTIL ENTREESPAÇO O espaço entre um filme e seu público ou entre um currículo e seus alunos vistos como espectadores ou 45 leitores é um espaço volátil E é esse entreespa ço que os modos de endereçamento tentam mani pular Nos filmes a volatilidade desse espaço é reconhecida e explorada em favor do lucro comer cial e do valor de entretenimento Mas Hollywood nunca teve muito êxito em ga rantir a reação de um público por meio da utiliza ção de um modo particular de endereçamento Em geral determinar o sucesso de um filme é uma ques tão de adivinhação Na verdade as pessoas envolvi das na produção de um filme são as que em geral se mostram mais surpresas quando um filme atinge seu público em cheio fazendo dele um sucesso Por exemplo Thelma e Louise Falando de amor e Clube das desquitadas são todos filmes sobre os quais os espectadores e os críticos disseram coisas como as histórias e os personagens são exagerados bei rando o fantástico ou as mulheres não se pare cem absolutamente com mulheres reais em qualquer sentido literal E entretanto os termos por meio dos quais esses filmes endereçaram seus públicos o quem que eles pensavam que suas espectadoras eram tocaram em pontos sensíveis de um grande número das mulheres que foram vê los E ninguém previu a avassaladora reação dessas espectadoras a filmes que nunca pretenderam ser grandes sucessos de bilheteria É aqui que eu gostaria de sugerir uma razão para o caráter escorregadio da prática do endereçamen to Isso pode ser também uma razão para a nature za paradoxal de seu poder Tratase de uma razão que penso eu pode libertar a noção de modo de 46 endereçamento de suas formulações dos anos seten ta com sua dependência do estruturalismo e sua concepção de posições fixas conhecíveis localizá veis e portanto endereçáveis Considerando a emer gência nos Estudos Culturais de teorizações sobre a possibilidade de posicionamentos sociais fluidos múltiplos cambiantes e estratégicos penso ser pos sível dar uma formulação atual ao conceito de modo de endereçamento ressaltando o jogo e o poder da diferença que estão aí implicados Consideremos por um momento o final de Thelma e Louise Depois de pesarem suas opções que incluíam serem presas por assassinato e encar ceradas no Texas serem imediatamente baleadas pela polícia ou se atirarem com o carro no precipício em frente delas Thelma diz acelera Louise E as duas mulheres se atiram com o carro juntas no precipício Aquele segmento de diálogo acelera Louise é um elemento do modo de endereçamento do filme Assim como o é a atitude com a qual Thelma pro nuncia a frase Assim como o é a atitude com a qual Louise recebe a frase Assim como o é o final que se inicia com a fala e a escuta dessa frase São todos eles elementos do modo de endereçamento do filme que se desenvolvem nesse momento Mas a frase acelera Louise não constitui em si e por si o modo de endereçamento do filme O modo de endereça mento do filme lembremos é invisível nãolocalizá vel é uma relação e não uma coisa É um produto da contínua interação entre uma série de aspectos dos usos particulares de forma de estilo e estrutura nar rativa feitos por um determinado filme 47 Assim que relação constitui o modo de endere çamento de um filme em qualquer momento deter minado Como podemos dizer qual relação entre os elementos do filme constitui seu modo de ende reçamento e qual relação constitui digamos o esti lo visual de um diretor particular O que eu gostaria de sugerir é que o modo de endereçamento do filme nesse ponto de Thelma e Louise consiste na escolha dessa frase acelera Loui se na atitude corporificada nessa frase na respos ta que ela provoca e no final iniciado por essa frase à plena luz da diferença e dos conflitos entre cada um desses elementos e todas as outras opções disponí veis aos produtores do filme social e historicamen te no momento em que o filme é feito Em outras palavras o que estou dizendo é que o paradoxal poder de endereçamento consiste na dife rença entre de um lado todas as outras frases que poderiam ter sido ditas e foram ditas em outros fil mes telenovelas noticiários romances comédias da tevê e de outro a frase que foi dita aqui O modo de endereçamento consiste na diferença entre o que po deria ser dito tudo o que é histórica e culturalmen te possível e inteligível de se dizer e o que é dito É aqui e dessa forma que o modo de endereça mento excede as fronteiras do próprio texto do filme e extravasa para as conjunturas históricas da produção e da recepção do filme O modo de endereçamento en volve história e público e expectativa e desejo O poder de endereçamento o que um públi co faz dele navega na diferença entre a decisão do cineasta em escolher a frase acelera Louise 48 e todas as outras escolhas que eram histórica e discursivamente possíveis e inteligíveis E o poder de endereçamento navega nessa escolha acelera Louise contra o pano de fundo de formas emer gentes mas ainda não disponíveis discursivamente de representar e responder à situação das mulheres E é esse caráter de acontecimento histórico e cultural do endereçamento que faz com que se tor ne impossível que os produtores de filmes possam controlálo inteiramente da forma que eles contro lam por exemplo a iluminação Talvez seja por isso que não seja concedida nenhuma estatueta do Os car ao Melhor Modo de Endereçamento É intrigante considerar isso é o endereçamento de um filme a seu público a coisa que faz ou impede a popularidade ou a importância cultural de um fil me Não se poderia dizer que alguns filmes fracas sam não porque suas histórias ou seus atores sejam particularmente ruins mas porque o modo de en dereçamento está mal sintonizado como se o tom de voz do filme ou sua atitude estivesse em atrito com diferenças ainda não articuladas fazen do uma diferença na forma como os públicos ob têm prazer em quem eles pensam que são ou em quem eles querem ser De forma similar algumas pedagogias e alguns currículos talvez funcionem com seus alunos não por aquilo que ensinam ou pela maneira como ensi nam mas pelo quem que colocam à disposição dos estudantes um quem que estimula sua imagina ção a serem e a agirem de uma determinada manei ra Talvez uma determinada pedagogia funcione devido aos significados que os estudantes dão à 49 diferença entre de um lado quem a atitude ou o tom do endereçamento dessa pedagogia pensa que eles são ou quer que eles sejam e de outro todos os outros quem que estão circulando por meio do poder e do conhecimento naquele momento com petindo por sua atenção por seu prazer por seu de sejo e por sua ação Talvez uma determinada pedagogia funcione porque essa diferença no ende reçamento essa mudança de endereçamento trans fere seu público de um lugar no qual eles não querem mais estar mas talvez ainda não tenham sequer se dado conta disso para um lugar que eles queiram experimentar por um tempo mesmo sem saber com segurança o que eles farão e encontrarão lá Infelizmente entretanto muito freqüentemen te a tarefa do professor consiste em neutralizar eli minar ou distrair os estudantes das diferenças entre o que um currículo diz e o que um estudante pega ou compreende e os voláteis aconteci mentos que se passam naquele espaço Não obstan te na medida em que as relações de sala de aula são moldadas pelos antagonismos sociais e econômicos mais amplos bem como definidos pelas relações de gênero e raça os educadores não podem cerrar o espaço da diferença entre endereçamento e respos ta Eles jamais podem impedir o medo a fantasia o desejo o prazer e o horror que fervilham no espaço social e histórico entre endereçamento e resposta currículo e estudante Não o currículo e a pedagogia os veículos pe los quais as instituições e as práticas educacionais endereçam seus estudantes e seus professores não são tesouros naturais aos quais faltam quaisquer 50 traços de horror humano OSTROW apud WILLARD 1993 p 85 E o modo de endereçamento visto como uma coisa da educação tem a ver em parte com traços de horror humano Tentarei explicar O INCONSCIENTE E O VOLÁTIL ENTREESPAÇO Além das formas pelas quais os significados e as operações da história e da diferença social interfe rem com ajustes perfeitos há uma outra razão pela qual o rebelde e eruptivo espaço entre o modo de endereçamento de um currículo e a resposta da es tudante não vai simplesmente desaparecer Ele não vai desaparecer porque está habitado pela diferença entre os conhecimentos conscientes e os conheci mentos inconscientes entre os desejos conscientes e os desejos inconscientes Por isso era inevitável que um educador fosse es crever um livro sobre o monstruoso e a educação DO NALD 1992 E não estou surpresa que para escrevê lo foi preciso alguém que estivesse profundamente envolvido com os estudos de cinema no exato mo mento em que a noção de modo de endereçamento estava sendo desenvolvida como um conceito crítico A relação de James Donald com os estudos de cine ma desenvolveuse em relação com seu trabalho como educador na Society for Education and Film and Televi sion da GrãBretanha Ele tem utilizado a mídia para perguntar que tipo de instituição é a educação Donald 1991 localiza sua discussão da insti tuição da educação no espaço que se abre entre as 51 respostas conscientes e as respostas inconscientes que as estudantes e as professoras dão aos textos e aos apelos educacionais Ele usa a psicanálise para introduzir a idéia de uma outra localidade um outro espaço uma outra cena o entreespaço que se coloca entre a percepção e a consciência p 5 Essa outra cena é a fissura a falta de ajuste a dife rença entre por exemplo de um lado os modos de endereçamento dos materiais educacionais mul ticulturais e de outro o real efeito psíquico em termos de sentimento de uma estudante que entra em contato com eles p 5 Além de chamar a atenção das educadoras para essa outra cena que se coloca entre a percepção e a consciência o trabalho de Donald explora o argu mento de que as fronteiras entre o lado de fora ou a sociedade por exemplo um texto curricular e o lado de dentro ou a psique por exemplo a com preensão da estudante não são nunca estáveis ou facilmente impostas 1992 p 2 Donald introduz assim dois momentos de ins tabilidade Existe uma falta de ajuste entre o lado de fora o currículo e o lado de dentro a compreen são E existem fronteiras instáveis impossíveis de serem impostas entre o lado de fora a sociedade e o lado de dentro o efeito psíquico do sentimento ou a psique individual Isso faz com que a relação entre um currículo e a compreensão que uma pro fessora ou estudante tem dele não seja uma deter minação de mão única e nem mesmo uma dialética Não é muito mais interessante que isso Donald argumenta que o espaço da diferença entre o currí culo e a compreensão da estudante é caracterizado 52 por oscilação deslizamento e transformações impre visíveis 1992 p 2 Oscilação deslizamento e transformações imprevisíveis não são imagens em geral invocadas quando as educadoras falam sobre a compreensão das estudantes A educação em seus momentos mais progressistas é governada em grande medida por uma outra imagem de como o lado de fora se ajusta ao lado de dentro Tratase da imagem da intera ção mútua que está freqüentemente associada com a noção de diálogo Obviamente a análise que Donald faz do deslizamento da instabilidade e da confusão representa uma versão menos asséptica de como existimos no mundo 1991 p 5 do que aquela que está implicada na noção de diálogo Para Donald no espaço inarticulado e inarticulável da diferença entre dois participantes no diálogo fervi lham o rumor a fofoca a proibição e a falta p 5 As fissuras entre o eu e o outro entre o lado de dentro e o lado de fora que o diálogo supostamen te transpõe abranda alivia e em última instância permite cruzar são cenas perturbadas por incerteza cognitiva pensamentos proibidos percepções pou co confiáveis e bastante instáveis Atravessamos para o outro lado do diálogo OShea 1993 adota os argumentos de Donald por causa das implicações que ele viu para suas pró prias práticas docentes De acordo com OShea o trabalho de Donald mostranos que nem mesmo aquelas subjetividades associadas com a vida públi ca por exemplo cidadão professor político po dem fugir da dinâmica da vida interior Mesmo aquelas subjetividades envolvidas na socialidade da 53 interação mútua não estão nunca desconecta das das fantasias dos desejos transgressivos e dos monstruosos terrores do tipo que emerge nos so nhos OSHEA 1993 p 504 E assim de acordo com essa visão as sociologias da educação que concebem a interação mútua pri mariamente quando não exclusivamente em ter mos de vida pública são extremamente empobrecidas Isso ocorre porque as fantasias que emergem na pri vacidade de nossos sonhos estão não obstante in timamente conectadas com a cidadania a educação e com nossas afiliações públicas Os assimchama dos desejos transgressivos privados e terrores mons truosos têm força em nossas assimchamadas vidas públicas porque não podemos nunca realizar ou completar as identidades que a sociedade exige de nós o bom cidadão o indivíduo livre e racional o acadêmico sofisticado e beminformado o bom pai ou a boa mãe o homem ou a mulher ideal p 504 Mas nossos fracassos em efetivar identidades ple nas completas inconsúteis não são patológicos Eles são normais O que a psicanálise oferece aos pro fessores de acordo com OShea 1993 pode ser mais bem compreendido não como uma descrição da socialização mas como uma descrição da im possibilidade de seu sucesso e da instabilidade da identidade p 504 É aqui que as formas da cultura popular entram na discussão que Donald faz sobre educação De acordo com Donald 1992 os filmes de horror o 54 monstruoso o grotesco o estranho o sublime são todos formas que nos ajudam a lidar com a insegu rança e as instabilidades de nossas identidades Eles nos ajudam a lidar com aquilo que não se encaixa que não pode ser satisfatoriamente identificado OShea 1993 p 504 O problema para Donald e OShea não está nos impulsos transgressivos ou nos terrores monstruosos em si Eles são afinal inevitá veis e podem até ser produtivos dada a impossibilida de da socialização e a precariedade da identidade Não o problema é que os discursos que temos utilizado para pensar sobre a educação e praticála mal começam a se dar conta de tudo isso Desde o Iluminismo argumenta OShea 1993 os discur sos educacionais dominantes seja do lado da so cialização seja do lado da libertação têm sido excessivamente racionalistas p 504 Com exces sivamente racionalistas OShea quer dizer que eles ignoram o fato de que não importa quão cuida dosamente os objetivos sejam estabelecidos os cur rículos planejados e implementados não existe qualquer garantia de que as subjetividades e os conhecimentos sociais oferecidos às alunas serão apropriados de acordo com a intenção com que foram imaginadas Pois não se trata apenas do fato de que as subjetividades são sempre problematica mente ocupadas mas de que elas também têm que passar pela emaranhada e confusa dinâmica do desejo da fantasia e da transgressão p 504 Isso resulta naquilo que OShea chama de eu rebelde e nãoresolvido p 504 Esse eu é aquilo que é gerado na fissura entre aquilo que se supõe 55 que sejamos e aquilo que na realidade nós não nos tornamos p 504 Longe de ser um impedimen to a ser ultrapassado ou resolvido Donald e OShea argumentam essa fissura deve ser adotada pelas educadoras É precisamente essa fissura que forne ce o espaço da individuação e da agência o recurso que sustenta não apenas a resistência bruta mas tam bém a recusa consciente e intencional OSHEA 1993 p 504 O fato do inconsciente pois faz explodir a pró pria idéia de uma identidade completa ou realiza da DONALD 1991 p 5 identidade consigo mesmo por meio da consciência ou identidade com outros por meio da compreensão Nossos fracas sos em nos tornarmos plenamente idênticas com aquilo que as normas sociais querem que nós seja mos ou com aquilo que nós próprias queremos nos tornar esses fracassos são incessantemente repe tidos e revividos momento por momento ao lon go de todas nossas histórias individuais p 4 Isso ocorre porque é impossível dizer tudo de uma vez por todas na linguagem Qualquer tentativa de di zer eu sou de fazer com que a linguagem se torne plenamente idêntica consigo mesma e comi go mesma me coloca contra os limites da lingua gem contra a impossibilidade de que a linguagem coincida com aquilo de que ela fala contra a fissura entre o que é falado e o que é referido contra o inevitável fracasso da linguagem Donald 1991 argumenta que de fato no pró prio centro da vida psíquica a autoidentidade ple na e completa é não apenas impossível mas que nós na verdade resistimos a ela Existe uma resistência à 56 identidade ao perfeito ajuste entre de um lado as normas sociais e de outro a forma como nós senti mos e o que queremos p 4 Essa resistência está ligada a um sentimento freqüentemente inconscien te de que nós somos de que devemos ser mais do que os eus que nossas culturas nossas escolas nossos governos nossas famílias nossas normas sociais e nossas expectativas estão nos oferecendo ou exigin do que sejamos É essa resistência às banalidades da normalização que torna a agência possível Ao negociar as autoimagens fornecidas pela educação e pela cultura popular o eu nunca reco nhece plenamente a si próprio Ele continua des confiado de que deve existir algo mais do que as normas e as banais transgressões que estão dispo níveis p 95 De fato se fosse possível obter ajustes perfeitos entre as relações sociais e a realidade psíquica entre o eu e a linguagem nossas subjetividades e nossas sociedades seriam fechadas Completas Acabadas Mortas Nada a fazer Nenhuma diferença Não ha veria nenhuma educação Nenhuma aprendizagem A EDUCAÇÃO E O VOLÁTIL E PSÍQUICO ENTREESPAÇO Os educadores simplesmente não têm lidado com questões de endereçamento da forma ou na exten são que os estudiosos do filme o têm feito Isso é muito curioso para mim Parece que paralelos e in tersecções entre estudante e público são inesca páveis Os estudantes e os públicos têm muito em 57 comum tanto como construtos teóricos quanto como participantes reais no processo de atribuição de sentido E com o advento dos novos meios inte rativos e os chamados edutainments educação entretenimento as fronteiras entre o estudante e o público estão se tornando ainda mais borradas e permeáveis Dessa forma tanto os filmes populares quanto os textos educacionais tais como livrostexto cur rículo vídeos e softwares educacionais fazem pres suposições sobre quem seus públicos são em termos de suas sensibilidades estéticas graus de aten ção estratégias de interpretação propósitos e dese jos leituras e experiências visuais prévias vieses e preferências Muito freqüentemente essas pressu posições estão baseadas em pressuposições adicio nais sobre a localização de membros do público no interior da dinâmica de raça gênero status social idade ideologia sexualidade rendimento educacio nal geografia Por exemplo os livrostexto utilizados na edu cação estão constantemente redesenhando sua apa rência para atrair públicos estudantis cujas estra tégias de leitura e cujos interesses são moldados de uma forma extraordinária pela televisão e pela música popular Parecendose cada vez mais com revistas populares e até mesmo com sites da Inter net os livrostexto endereçamse aos baixos graus de atenção e à familiaridade dos estudantes com es ses meios pela utilização de pequenos quadros des tacados do texto principal de referências cruzadas de atividades baseadas na cultura popular por exem plo componha um poema rap muita cor e uma 58 abundância de escolhas Os vídeos educacionais ao menos nos minutos de abertura e em um esforço para atrair a atenção dos estudantes freqüentemen te tentam se parecer com a MTV Os museus de ciência estão começando a se endereçar aos estu dantes de forma similar àquela dos filmes de ação e aventura de Hollywood Por exemplo a exposi ção interativa sobre a floresta tropical do Museu de Milwaukee aparece misteriosamente à medida que ando por uma densa floresta visual cercada por estranhos sons e odores subindo cada vez mais alto até a copa das árvores onde encontro estranhas cria turas que vivem suas vidas inteiras centenas de me tros acima do chão da floresta Tudo isso levanta a possibilidade de discutir os textos educacionais tais como livrostexto sites da Internet vídeos educacionais instalações de museus currículos multiculturais e as práticas pedagógicas tais como a interatividade o diálogo os meios uti lizados na sala de aula em termos de modo de en dereçamento O que significa para os educadores começar a reconhecer o paradoxal poder do endere çamento nos textos educacionais Quero aqui utilizar a forma como Donald questiona a educação para explorar o que está oculto quando ajustes exatos ou corretos entre o texto educacional e a compreensão do estudante são pressu postos desejados buscados O que é apagado e nega do e a que custo quando agimos como se não existisse nenhum modo de endereçamento no ensino Muito freqüentemente os professores ende reçamse aos estudantes de forma planejada para 59 eliminar minimizar ou conter as emaranhadas coi sas sociais históricas e inconscientes que poderiam confundir a compreensão de um texto educacional Para que um currículo ou uma pedagogia funcio nem alguns momentos de sala de aula e ideal mente todos eles têm que resultar em um ajuste entre o que está sendo ensinado e a compreensão do estudante E todo mundo estudantes e profes sores tem que estar na mesma página ao menos em parte do tempo especialmente quando se trata de exames e avaliação Como diz Karen Evans é isso que faz uma enorme diferença entre filmes e currículos ninguém submete os espectadores a um teste após a sessão de cinema comunicação pessoal 25 de outubro de 1996 O importante em termos dos propósitos da avaliação é que o estudante pegue o texto compreendao esteja consciente dele mesmo que o estudante não queira pegálo não se divertiu em pegálo ou não tem a intenção de utilizálo a educação é um sucesso quando a diferença entre um currículo e a compreensão que dele tem um estu dante é eliminada Podemos ver essa formulação em ação em um livro progressista recente sobre educa ção multicultural Um ensaio conclui que o que o tornou tão gratificante foi que as crianças estavam conscientes do que estavam fazendo Eu realmente acredito que no fim do ano quase todas as crianças compreendiam que tinham uma estrutura para es crever quisessem elas prosseguir ou não MIZELL BENETT BOWMAN MORIN 1993 p 46 É esse interesse estreito no ato de compreensão que faz com que seja possível agir como se o modo 60 de endereçamento não fosse uma questão ou um fa tor na educação É aqui que um encontro interdisci plinar com os estudos de cinema pode dar uma sacudida nas coisas e de forma produtiva acredito Que tal se da mesma forma que ocorre entre um filme e seu espectador a relação de um estudan te com o currículo fosse um evento confuso e im previsível que constantemente excedesse tanto a compreensão quanto a incompreensão Essa perspectiva não tem uma circulação fácil no campo da educação Entretanto tal como a leitura que um estudante faz de um filme sua leitura de um currículo passa constante e inevitavelmente pela coisa incontrolável do desejo do medo do prazer do po der da ansiedade da fantasia e do impensável Convidar os públicos a jogarbrincar nessa e com essa desordem é o feijão com arroz dos produtores de filmes Mas é exatamente planejando eliminar isso da aula do dia seguinte que os educadores em sua maioria ficam acordados até tarde da noite São exa tamente os atos e os momentos de desejo medo pra zer poder e desentendimento na sala de aula o que os educadores em sua maioria suam para tentar pre venir impedir negar ignorar terminar Uma coisa dessas é aterrorizante para professores com trinta ou quarenta crianças em uma sala de aula bem como para professores com doze estudantes de pósgra duação que estão escrevendo suas dissertações Além disso por que um professor ia querer vi ver nos domínios da ansiedade da fantasia do pra zer e dos jogos de poder Tais estados são estranhos se a relação que estamos realmente tentando fazer 61 acontecer entre o currículo e o estudante é pura e simplesmente uma relação de pegar ou não pe gar É certo que os educadores podem ser força dos a entrar nesses perturbadores domínios quando encontramos estudantes e professores que não pe gam o texto ou que quando o pegam não o querem Mas o problema de pegálo é raramente percebido como algum problema com a idéia de compreensão em si Ele é comumente concebido como uma questão de alguma relação onerosa entre os estudantes e seus contextos e constrições cultu rais e sociais mais amplos Em outras palavras os estudantes o pegarão apenas se eles tiverem as competências culturais as habilidades intelectuais ou as virtudes morais adequadas Isso permite que a própria idéia de compreen são deixe de ser analisada Isso faz com que a com preensão e sua expressão nos testes continue sendo vista como a relação apropriada desejada e em úl tima instância alcançável definindoassim o suces so para os professores Definir pois a relação entre currículo e estudan te em termos de compreensão e incompreensão sig nifica que na prática a maior parte dos textos educacionais endereçase aos estudantes como se suas pedagogias estivessem vindo de lugar algum no inte rior das relações circulantes de poder Ao se apresen tar como desejando apenas a compreensão os textos educacionais endereçamse aos estudantes como se os textos não fossem de ninguém como se não tives sem nenhum desejo de colocar seus leitores em qual quer posição exceto a de uma compreensão neutra benigna geral e genérica E a compreensão não é 62 realmente vista como posicionando os estudantes por meio de um modo particular de endereçamento porque supostamente a compreensão é tanto neu tra quanto universal Entretanto mesmo quando os professores estão se endereçando aos estudantes com uma atitude ou com um tom de voz neutro sem qualquer refe rência às ou ao aproveitamento das fissuras entre textos e leitores os termos de seu endereçamento tentam colocar os estudantes no interior de rela ções de conhecimento desejo e poder E os estu dantes por sua vez respondem aos modos de endereçamento em termos que colocam os profes sores e os currículos no interior de relações circu lantes e conflitivas de conhecimento desejo e poder Isso é verdade mesmo na prática pedagógica supos tamente democrática do diálogo O que é apaga do e negado e a que custo quando agimos como se fosse possível eliminar no diálogo por meio da compreensão o espaço da diferença entre o texto daquele que fala e a resposta daquele que escuta A própria crítica da educação feita por Donald conduz a essa questão Ele baseia sua crítica na idéia extraída da psicanálise de que ajustes perfeitos são impossíveis Um ajuste perfeito entre eu e socieda de entre relações sociais e realidade psíquica é uma impossibilidade 1991 p 7 E isso significa que também são impossíveis ajustes perfeitos entre tex to e leitura modos de endereçamento e interpreta ções do espectador currículo e aprendizagem o estudante ideal ou imaginado e o estudante real a educação multicultural e os sentimentos reais dos estudantes sobre raça 63 Parte do projeto de Donald como educador con siste pois em acrescentar os trabalhos do inconscien te às razões já em circulação para explicar por que os educadores não devem ver a relação entre o cur rículo do professor e a compreensão do estudante como uma relação de determinação unilateral As atuais formas de pensar e ensinar não oferecem muitas alternativas a essa formulação mas existem umas poucas As teorias sobre a resistência do estudante ao conhecimento escolar oficial por exemplo tentam apreender a forma pela qual os estudantes retru cam ao que estão aprendendo Mas os sociólogos da educação raramente pensam na resistência em termos do que acontece no espaço da diferença entre o lado de fora o social e o lado de dentro a psique individual Em vez disso a resistência é freqüente mente vista como aquilo que os estudantes fazem de pois que eles já alcançaram a compreensão Em outras palavras segundo essa perspectiva os estudantes pe gam o que está sendo ensinado mas por causa dos contextos sociais e culturais de desigualdade que in cidem sobre a relação estudanteprofessor os estudan tes recusamse a se conformar Ou ainda segundo essa perspectiva quando os estudantes resistem mesmo an tes que compreendam o que eles supostamente de vem aprender então a resistência é freqüentemente patologizada como alguma disfunção ou ruído em sua capacidade de compreender resultante de pro blemas com suas capacidades cognitivas grau de aten ção ou motivação Existe entretanto nos discursos educacionais uma alternativa a essa perspectiva que vê o ensino 64 como uma relação de determinação unilateral entre o currículo e a compreensão do estudante É essa a alternativa que mais me interessa porque ela real mente se endereça ao espaço da diferença entre o lado de fora o social o currículo e o lado de den tro a psique individual o estudante Na verdade ela supõe alcançar a compreensão pela eliminação do espaço da entrediferença Estou me referindo à relação de duas mãos entre o texto e o estudante chamada diálogo O DIÁLOGO COMUNICATIVO AFIRMA NENHUM MODO DE ENDEREÇAMENTO AQUI As educadoras constantemente invocam o diálo go como um meio para se chegar à compreensão sem imposição e de uma forma mais democrática do que a da determinação de mão única Ele é apresentado como uma forma de satisfazer desejos comuns e par tilhados por compreensão mesmo que permaneçam diferenças de opinião e poder As educadoras freqüen temente associam diálogo com democracia Elas con vocam o diálogo como um meio de assegurar que quando as estudantes e as professoras interagem elas estão sendo abertas em oposição a serem dogmáti cas e que elas estão dispostos a serem mudadas em oposição a serem ditatoriais pelas compreensões ra cionais em oposição às paixões e aos autointeresses irracionais a que elas acabam chegando Mas o que acontece quando o diálogo visto como uma estratégia de ensino como um condutor supostamente neutro de significado e intenção é 65 questionado sobre seus próprios interesses e inten ções A despeito do que está implícito em grande parte da literatura atual na educação o diálogo não é um estado natural do qual nós algumas vezes nos afastamos precisando da ajuda das professoras para recuperálo Ele não é tampouco a realização supre ma da civilização ocidental uma forma ideal de inte ração social que os outros da civilização ocidental deveriam se esforçar por alcançar Ele tampouco é a estrada real para a comunicação e a conexão em um mundo cronicamente carente de comunicação O que escapa às discussões sobre o diálogo em educação é isso o diálogo como uma prática de ensino advogada em quase toda a literatura educa cional é ele próprio uma relação socialmente cons truída e politicamente interessada Não importa se as educadoras apresentamno de forma simplista como uma conversação entre grupos interessados na busca de uma compreensão mútua ou como um meio mais teoricamente inspirado de constituir uma relação social transformativa entre os falan tes O diálogo como uma forma de pedagogia é uma prática histórica e culturalmente plantada Tratase de um instrumento socialmente construí do com intenções que fazem parte intrínseca de sua própria lógica O argumento que quero desenvolver aqui é que quando as professoras praticam o diálogo como um aspecto de sua pedagogia elas estão empregando um modo de endereçamento As regras e os movi mentos e as virtudes do diálogo considerado como uma forma de pedagogia não são neutros eles oferecem lugares muito particulares às professoras 66 e estudantes no interior de redes de poder desejo e conhecimento Negar que o diálogo seja um modo de endere çamento estruturado na história e na verdade inspi rado por interesses particulares significa concederlhe um status transcendental E é precisamente isso que parece acontecer em muitos discursos e práticas edu cacionais Supõese que o diálogo seja capaz de tudo desde construir conhecimento resolver problemas assegurar a democracia implantar processos coope rativos assegurar a compreensão construir virtudes morais e diminuir o racismo ou o sexismo até satisfa zer desejos por comunicação e conexão Mas não é assim tão fácil O que acontece com o diálogocomoumaestratégiadeensino tendo em vista a insistência de Donald no estado confuso e emaranhado do espaço entre o lado de fora da so ciedade do currículo e o lado de dentro da psique individual da compreensão do estudante O que acontece quando a ponte de supostamente duas mãos do diálogo entre estudante e texto estudante e professora estudante e estudante é uma ponte instável que oscila escapa e muda de forma impre visível O que acontece quando aquela ponte de duas mãos é habitada por medos horrores humanos his tória e diferença O diálogo no ensino não é um veículo neutro que carrega as idéias e as compreensões de quem fala para lá e para cá através de um espaço livre e aberto entre os dois pontos Ele é um veículo desenhado com uma tarefa particular em mente e o acidentado terreno entre falantes que ele atravessa faz com que 67 haja uma passagem constantemente interrompida e nunca completada Por exemplo quem o endereçamento do diálo go pensa que eu sou exatamente da mesma forma que o filme Jurassic Park pensa que eu sou nunca é exatamente quem eu fui ou que estou querendo ser disposta a ser capaz de ser Especialmente nos cur rículos e nas conversações sobre gênero raça se xualidade etnia o espaço entre um endereçamento e a resposta de um estudante é um espaço confuso e emaranhado atravessado pela história por interes ses e pela ignorância Quando alguém me convida para o diálogo ela me convida para uma prática particular que também existe em relação àquelas histórias interesses e ignorâncias e neles está envol vida E aquelas pessoas que iniciam o diálogo não importa quão imparciais ou abertas sejam suas intenções não podem deixar de se colocar em rela ção a mim a outros à história James Baldwin 1963 enfrentou isso em Uma fala para os professores quando ele falou sobre ser endereçado chamado como um crioulo Se eu não sou o que dizem que sou então isso significa que você também não é aquilo que você pensava que era E é isso que cons titui a crise p 8 Se eu não respondo do lugar situado no interior da relação social construída e interessada chamada diálogo à qual você falou quando se endereçou a mim então também você não está no lugar que você pensava E essa é a crise social política e pedagógi ca provocada se eu ouso recusarme a fazer dos in teresses que subjazem à relação dialógica os meus próprios interesses 68 ENSINANDO AS COISAS NÃO SÃO O QUE PARECEM E se a relação entre o currículo e a compreensão do estudante não puder ser desenhada como uma estrada linear de mão única na qual o currículo de termina a compreensão Ou nem mesmo como a rua de duas mãos composta daquelas versões do diálogo governada por regras nas quais os trajetos acabam se encontrando e então alegremente se separam em uma terceira e mutuamente consentida direção Que tal se a relação entre currículo e estudantes fosse desenhada como constituída de oscilações dobras e reviravoltas voltas e retornos inesperados Gostaria de enfatizar a diferença produtiva entre de um lado o pensamento de que nós sabemos o que estamos fazendo como professores quando por exemplo prescrevemos várias versões do diálogo para ensinar sobre e através da diferença social e cultural e de outro a idéia de que o ensino é indecidível É isso que quero dizer com indecidível não podemos observar inspecionar ou regular direta mente os espaços abertos pelos ajustes imperfeitos entre o que os currículos dizem que nós suposta mente devemos ser e aquilo que na realidade não nos tornamos O que impede os professores de ob ter objetivos pedagogicamente prescritos como por exemplo educar um indivíduo virtuoso em uma boa sociedade é o espaço entre a percepção e a consciên cia e esse espaço constitui um obstáculo à trans parência BAHOVEC 1993 p 167 Tratase de um obstáculo que também e afortunadamente im pede a possibilidade de vigilância total p 167 69 Ninguém argumenta Donald 1992 descobriu exatamente como as normas sociais afetam a textu ra de nossa experiência ou como elas são transfor madas nesse processo p 92 Não se trata apenas de que aquilo que ocorre nos espaços entre o social e o individual entre a percepção e a consciência esca pa à observação e ao controle direto por parte dos professores a partir do lado de fora mas é tam bém impossível de ser conhecido pelo indivíduo em questão a partir do lado de dentro Mas nós sabemos que o entre que fica entre a percepção e a consciência está lá mesmo que não possamos vêlo ou controlálo Nós sabemos que os processos culturais ope ram rotineiramente por meio do inarticulado do nãoregistrado por meio do hábito e da segunda natureza nós sabemos porque nós podemos tanto observar esses processos em outros quanto sur preender a nós próprios em processos culturais similarmente inconscientes Nós também sabe mos que agimos contra nossas melhores intenções ou fracassamos em fazer o que queremos fazer OSHEA 1993 p 505 É aqui que na análise de Donald a educação se torna mais parecida com um filme de horror do que com um programa de notícias Nós professores não podemos observar direta mente a desordenada dinâmica do desejo da fantasia e da transgressão que inevitavelmente descarrilham os conhecimentos e as identidades sociais que nossos cur rículos oferecem aos nossos alunos ou a nós próprios O espaço nos quais eles operam não é transparente 70 É por isso que Donald 1992 estuda os filmes de vampiro Ao se perguntar quê tipo de instituição é a educação ele não estuda os filmes instrucionais produzidos pela Encyclopedia Britannica Em vez disso fazendo a mesma coisa que se faz em outros campos como na psicanálise e na crítica literária Donald baseia seu trabalho nessa idéia a rebelde e nãoresolvida dinâmica do eu e da sociedade que reina naquele espaço entre a percepção e a cognição não pode ser diretamente observada ou regulada Mas essas dinâmicas podem ser acessadas indire tamente Podese interagir com elas e responder a elas de forma indireta metafórica por meio de alu sões literárias por meio da diferença entre endereço e resposta e por meio dos momentos em que a aná lise ou o raciocínio briga com a escrita Elas podem ser acessadas indiretamente por meio da atenção às ausências que estruturam o que está presente por meio da atenção àquilo que não se ajusta Podemos ir em direção a esse conhecer indireto metafórico de acordo com Donald se prestarmos atenção às formas culturais populares especialmente aquelas como os filmes de horror que são feitas das sobras lascadas que deixamos para trás depois de nossas desordenadas tentativas para ajustar nossos eus àqui lo que supostamente devemos ser para ajustar o social ao pessoal Essas sangrentas sobras sobem à superfície não muito metaforicamente nas partes corporais des membradas e na violência sexualizada e histérica de filmes tais como Pulp Fiction Pulp fiction tempo de violência e na obsessão com alienígenas tal como nos filmes The X Files Arquivo Xe Independence Day 71 Em Roseanne os desfeitos e os refeitos hilariantes e cruéis dA Família como uma Instituição Ameri cana estão baseados nos desejos nos medos e nos anseios que são violentamente truncados pelos mi tos americanos da boa mãe do bom pai do bom filho e da boa filha Assim argumenta Donald os educadores podem aprender algo sobre educação ao estudar a cultura popular especialmente os gêneros do horror e da fantasia Nos filmes de horror e de fantasia as coisas não são nunca o que parecem Quando um educa dor como Donald começa a explorar os significados da psicanálise para a educação quando se introduz a idéia de uma outra localidade de um outro espaço de uma outra cena o entreapercepçãoeacons ciência nas discussões sobre conhecimento apren dizagem e compreensão nós estamos excedendo o currículo oculto Não estamos mais falando sobre a oculta ideologia do currículo que pode ser trazida à luz e determinada por meio da análise Não estamos mais fazendo perguntas que já anteciparam suas pró prias e corretas respostas tais como o conhecimento de quem é ensinado e a quem beneficia Chegamos em vez disso à rachadura interna da educação a qual não pode ser resolvida BAHOVEC 1994 p 171 Chegamos à impossibilidade de ajustes per feitos entre aquilo que um professor ou um currículo quer e aquilo que um estudante compreende entre aquilo que uma instituição educacional quer e aquilo que o corpo estudantil responde entre aquilo que uma professora sabe e aquilo que ela ensina en tre aquilo ao qual o diálogo convida e aquilo que chega sem ser convidado 72 Que ocorreria se não houvesse nenhuma divisão nítida impostapormeiodasregrasdodiálogoou dapedagogiacrítica entre a autoridade da razão e seu outro lado habitado pelas figuras da loucura da sexualidade da morte e do diabólico p 171 O que ocorreria se a negatividade não viesse de fora e não pudesse ser dispensada A educação esbarra na impossibi lidade básica de se colocar um limite relativamen te ao mal à perversão que vem de fora e à que advém de dentro4 A frágil fronteira é apenas aquela da volta do parafuso pela qual o natural torna se nãonatural e sobrenatural o virtuoso tornase totalmente pervertido o bemintencionado e pres crito pelos fins da educação revela uma rachadura interna que não pode ser resolvida p 171 A rachadura não possível de ser resolvida den tro da própria educação seus perenes fracassos para produzir resultados sociais desejados ou para proteger suas jovens mentes de suas próprias som bras e daquelas da sociedade por meio da razão da compreensão e do diálogo torna a educação para Freud uma das profissões impossíveis Tal como na psicanálise e no governo observa Freud também na educação ninguém pode estar segu ro de antemão de obter resultados insatisfatórios ou satisfatórios FELMAN 1987 p 70 Como diz Donald Promessas exageradas sobre a realização da criança e o desenvolvimento da sociedade são incessante mente quebradas na prática O eu não pode ser perfeitamente adaptado às normas sociais mesmo 73 que por meio de técnicas cada vez mais difundi das de educação governo e terapia p 3 Donald diz que ele se voltou para a psicanálise esperando inicialmente encontrar algumas pistas para superar os frustrantes fracassos da educação e da política para produzir resultados sociais deseja dos Mas o que ele aprendeu em vez disso foi que essa impossibilidade é menos uma disfunção do que um signo do necessário fracasso da identidade na psique e no fechamento do social 1991 p 8 Sociedades e indivíduos inacabados bem como ajus tes fracassados entre o social e o individual são ne cessários para que sejam possíveis a agência a criatividade a paixão pela aprendizagem e as trans gressões e não a conformidade relativamente às relações de poder O que ocorreria se os professores se tornassem tão curiosos sobre a produtividade de nossas continu amente remodeladas ignorâncias faltas de ajuste e limitações do saber quanto têm sido sobre a forma como obter uma compreensão plena e completa Somos conduzidos para fora da caverna de Platão por meio de uma série de desilusões A forte luz da razão coloca até mesmo nossas sombras para correr Mas à noite quando nossas vidas nos fa zem retornar aos sonhos quem se importa com a razão WILLARD 1993 p 80 Nenhuma compreensão Nenhuma razão Ne nhum diálogo Nenhuma educação E entretanto as pessoas que se localizam e trabalham na rachadu ra interior do terreno da educação professores 74 dedicados e críticos como Donald Felman Lacan ainda assim ensinam aprendem lêem escrevem Estou agora ficando curiosa sobre os significados para mim como uma educadora das borradas e per meáveis fronteiras entre aquilo que os discursos edu cacionais têm tradicionalmente considerado como sendo o lado de fora o social o currículo e o lado de dentro a consciência a cognição o sentimento O que se torna inescapável e intrigante para mim é isso nossas vidas nos fazem retornar ao sonho inclu sive talvez especialmente sob as luzes florescentes de nossas aulas sobre a diferença social e cultural ou das nossas aulas que atravessam a diferença social e cultural E a forte luz de nossos currículos pode colo car até mesmo nossas sombras para correr Mas enquanto fogem elas escorregam e dão meiavolta e se deixam apanhar e se perdem e aca bam retornando para serem involucradas em nos sas vidas conscientes dos momentos de vigília transformadas pela jornada em algo irreconhecível ainda que familiar e de uma forma estranha mate rial novo ainda que antigo para tornarse curioso outra vez para se sujeitar de forma renovada à forte luz da razão apenas para ser posto a correr outra vez em uma nova e inesperada direção apenas para retornar às sombras a partir de um lugar que não podemos nunca predizer ou imaginar Enquanto entretenho essas idéias a educação da forma como eu tenho sido ensinada a pensar e a praticar tornase impossível E eu decidi como pro fessora perseguir meu desejo em outro lugar 75 Notas 1 Na tradução deste artigo ensaio uma nova forma de lidar com a questão do sexismo na linguagem Em vez de utili zar por exemplo professoresas procuro alternar no texto entre o masculino e o feminino Recentemente ouvi uma respeitável intelectual especialista em questões de linguagem e educação afirmar que o masculino em por tuguês é neutro e por isso não há nenhuma razão para considerar sexista sua utilização generalizada para se refe rir aos dois gêneros É para mim estranho que pessoas sofisticadas em questões de poder política e linguagem continuem isentando a gramática de qualquer cumplici dade na perpetuação de relações de desigualdade Parece que a gramática é o transcendental irredutível e intocá vel das professoras e dos professores de português ou de gramática Apesar das dificuldades de lidar com essa ques tão em uma língua extremamente flexionada como o Por tuguês continuo achando que vale a pena tentar encontrar soluções N do T 2 Na definição do American Heritage Dictionary edição eletrônica camp é banalidade vulgaridade ou artificiali dade quando deliberadamente afetada ou quando apreci ada por sua ironia De acordo com Susan Sontag 1987 no seu clássico Notas sobre camp a essência do camp é sua predileção pelo inatural pelo artifício e pelo exagero p 318 Exemplos de camp lâmpadas Tiffany O lago dos cisnes óperas de Bellini King Kong de Schoedsack vestuário feminino da década de 20 boás de plumas ves tidos com franjas e missangas etc p 321 N do T REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHOVEC E D Turning the screw of Sentimental educa tion resenha do livro Sentimental education schooling po pular culture and the regulation of liberty New Formations 1993 p 165172 76 BALDWIN J A talk to teachers In R Simonson e S Walker org Multcultural literacy Saint Paul Graywolf 1963 p 312 BALDWIN J The devil finds work Nova York Dell 1976 COOK P ed The cinema book a complete guide to unders tanding the movies Nova York Pantheon Books 1985 DONALD J Psychoanalysis and cultural theory Londres Mcmillan Education 1991 DONALD J Sentimental education schooling popular cultu re and the regulation of liberty Londres Verso 1992 Os capítulos 1 4 e 5 deste livro encotramse traduzidos para o português em Tomaz Tadeu da Silva org Pedagogia dos monstros Os prazeres e os perigos da confusão de frontei ras Belo Horizonte Autêntica 2000 FELMAN S Jacques Lacan and the adventure of insight Psychoanalysis in contemporary culture Cambridge Har vard University Press 1987 KUHN A Womens picture feminism and cinema Londres Routledge Kegan Paul 1982 MASTERMAN L Teaching the media Londres Comedia 1985 MAYNE J Cinema and spectatorship Nova York Routled ge 1993 McROBBIE A Dance and social fantasy In A McRob bie e M Nava org Gender and generation Londres McMillan 1984 MIZELL L BENETT S BOWMAN B e MORIN L Differente ways of seeing teaching in an antiracist school In T Perry e J W Fraser org Freedoms plow teaching in the multicultural classroom Nova York Rou tledge 1993 p 2746 OSHEA A Resenha do livro Sentimental education schoo ling popular culture and the regulation of liberty Media Culture and Society 15 1993 p 503510 SONTAG Susan Notas sobre camp In Contra a inter pretação Porto Alegre LPM 1987 p 318337 WILLARD N Telling time angels ancestors and stories Nova York Harcourt Brace 1993 77 Corpos sem órgãos esquizoanálise e desconstrução Marcus Doel 79 Não há viagem que não seja esquizofrênica DELEUZE GUATTARI 1966 p 232 AURORA DO MORTO O diagnóstico de liquidação demonstra em ge ral uma ilusão e uma ofensa ele acusa eles tenta ram liquidar eles pensaram que podiam fazêlo nós não deixaremos que o façam O diagnóstico implica portanto uma promessa nós faremos jus tiça nós salvaremos ou reabilitaremos o sujeito Um slogan portanto um retorno ao sujeito o retorno do sujeito DERRIDA 1988a p 113 Precisamos contar a estória do sujeito e mapear sua trajetória Como qualquer espécie em risco de extinção o sujeito deveria ser registrado em termos de sua inscrição genealógica no interior de diferen tes aparatos sociais de acordo com sua evolução e 80 mutação no interior de uma sucessão de contextos permeáveis e cambiantes Como um ponto de par tida poderíamos fazer uma incursão nas inúmeras disciplinas e perspectivas em que existe um senti mento crescente de desconforto e pressentimento a respeito da sorte do sujeito De fato podese já dis cernir o esboço de um motivo dominante o sujei to como local de catástrofe acompanhado por um consenso que se torna rapidamente ossificante o dinamismo do sujeito finalmente se esgotou e está agora destinado a entrar em um processo de deca dência terminal Para muitos há a convicção de que a catástrofe já ocorreu e de que estamos vivendo em uma zona morta ou em um período de espera assombrada pela morte do sujeito Daí a urgência teórica política e ética da questão especulativa quem vem depois do sujeito Topoi 1988 Haverá um Outro sujeito um niilista suicida uma comunida de uma nova forma de esquizofrenia um ciborgue uma infestação maquínica nada algo inumano ou nãohumano Ou talvez devêssemos tentar reviver ressuscitar ou rejuvenescer o sujeito a fim de darlhe uma sobrevida Além disso na medida em que a filosofia do sujeito foi sempre apenas um pseudo começo um começo que esteve sempre e já em de clínio um começo que só serviu para dissimular marginalizar e reprimir todos aqueles outros dos quais derivou seu lugar e seu poder muitos autores aceitaram e internalizaram jubilosa e prontamente a morte a dispersão e a liquidação do sujeito o sujeito que horror Muitos entretanto continuam incrédu los frente a essa hipérbole E contudo caso se trate de fato do declínio terminal do sujeito podemos 81 apenas esperar que no rastro deixado pelo sujeito algo mais desejável possa finalmente ter a chance de ocorrer lance de dados Ao considerar a sorte do sujeito o discurso do minante tem sido um discurso de catástrofe e exaus tão um discurso que se tornou associado em geral com o advento do pósestruturalismo e do pós modernismo e em particular com a obra de Louis Althusser Jean Baudrillard Gilles Deleuze Jacques Derrida Michel Foucault Jacques Lacan e Jean François Lyotard DEWS 1987 HARLAND 1987 LAWSON 1985 MEGILL 1985 Alguns poucos ten tam deleitarse com o que eles percebem como sen do as conseqüências apocalípticas de uma forma virulenta de antihumanismo KROKER E COOK 1988 LAND 1992 Muitos mais se envolvem em uma nostalgia e em uma lamentação por aquilo que foi perdido com freqüência entregandose a uma busca heróica pela restituição do sujeito por meio da sua realocação da sua reabilitação e da sua re construção ROSEN 1987 SOPER 1986 Finalmen te tem havido uma série de tentativas de literalmente corporificar o sujeito seja por meio da introdução de uma série de substitutos que tomariam o lugar do sujeito ou então por meio de um enquadramen to desse etéreo termo em uma variedade de partes corporais pele rosto órgãos genitais mãos olhos pés No rastro deixado pelo sujeito tornouse outra vez possível situar corpos humanos que vivem e que respiram NICHOLSON 1990 Em suma o corpo não é mais o obstáculo que separa o pen samento de si próprio aquilo que tem que ser 82 superado para se chegar ao pensamento É ao contrário aquilo no qual o pensamento mergu lha a fim de chegar ao impensado isto é à vida DELEUZe 1989 p 189 No rastro deixado pelo sujeito tem havido pois alegria lamentação nostalgia restituição ressurrei ção substituição e corporificação O que une cada uma dessas respostas é o fato de que elas estão to das baseadas em algum evento negativo que teria ocorrido ao sujeito abstrato e universal Em algu mas versões esse evento negativo é verdadeiramente apocalíptico manifestandose em temas como mor te liquidação dissolução aniquilamento e desapa recimento E na medida em que esse evento negativo constitui um declínio terminal e irreversível é inútil e inoportuno tentar recuperar um tal sujeito Daí a inclinação ao pranto ao riso ou à indiferença Em outras versões o momento negativo é mais modes to expressando em vez de um declínio absoluto um declínio relativo Em particular essas versões são dominadas pelo sentimento de uma forma de subjetividade danificada defeituosa disfuncional ou limitada Especificamente nessas versões o sujeito é por meio de uma série de constrições encolhi do pelos arranjos maquínicos que o constroem e o animam pelos discursos que circulam através dele pelas linguagens que o ocupam pelos desejos que o movem pelos poderes que o saturam e pelo tecido material que o amarra Em contraste com o anseio por um sujeito imortal ahistórico incorpóreo universal e abstrato há uma insistência no fato de que o sujeito é limitado de que ele é fixado por uma infinidade de aparatos sociais O sujeito é com 83 certeza uma máquina mas uma máquina que é montada e articulada em um lugar apropriado Além disso da perspectiva de um desejo de escapar ao ca ráter localizado e finito do humano essa produção maquínica do sujeito contextual é apenas um cons trangimento No momento em que se debilita a força desse desejo a singularidade situada tornase a pró pria vida Em outras palavras o sujeito é o contexto no qual ele é produzido umaobraemprocesso umaobracomoprocesso O sujeito é articulado duas vezes a produção maquínica de uma máquina pro dutiva produzindo um produto O que há por toda parte são máquinas e sem qual quer metáfora máquinas de máquinas com as suas ligações e conexões Uma máquinaórgão está liga da a uma máquinaorigem uma emite o fluxo que a outra corta DELEUZE GUATTARI 1966 p 7 Conseqüentemente sempre que se fala do declí nio absoluto ou relativo do sujeito estáse indican do que o sujeito é despossuído de seu eu O que é difícil de apreender entretanto é que essa despos sessão ocorre por meio de um duplo movimento uma vez por meio da reimersão do eu universal nos contextos singulares nos quais ele se expressa e outra vez por meio da reinscrição do eu indi viduado no interior dos aparatos sociais que o ani mam e o sustentam Entretanto é importante enfati zar que esse não é um movimento negativo na medida em que uma negação do sujeito necessitaria ou uma negação da negação fazendo surgir uma nova posi tividade por meio da suprassunção Aufhebung a chegada de umOutro sujeito ou uma forma 84 extrema de niilismo que buscaria bloquear e frus trar um tal efeito de ressurreição Conseqüentemen te é importante insistir que a expropriação do su jeito abstrato e universal é afirmativa e não negativa para que não fiquemos presos no movimento em espiral das duas linhas de uma tira de Möbius que parecem passar pelo lugar do sujeito Enquanto a primeira linha traça a recorrência eterna da constru ção maquínica da desconstrução e reconstrução do sujeito algum sujeito deverá existir a segunda traça o movimento de uma construção anterior que resulta em uma destruição irreversível não existirá nenhum sujeito Entretanto embora essas duas li nhas pareçam se bifurcar e divergir com a primeira progredindo por meio de investimento e acumula ção uma perfeição dialética e a segunda buscan do um simples dispêndio sem retorno morte pura e simples as duas se entrelaçam realmente para espreitar os limites de um duplo vínculo Seja lá qual das linhas for seguida o lugar do sujeito é sempre tornado disponível a umOutro ocupante Daí o fato de que toda resposta à negação do sujeito é sempre acompanhada pela questão especulativa quem vem depois do sujeito Mesmo na morte o sujeito sub sistirá por hipertelia Estou morto COURTINE 1988 p 103 O sujeito vampírico que horror É precisamente nesse sentido que o declínio do sujeito na teoria social contemporânea continua assombra do por uma ressureição e pelo retorno do reprimido Em particular podese observar como a descons trução do sujeito invariavelmente produz um jor ro de partes do corpo que são então reunidas em uma série de corpos fragmentados e subjetividades 85 partidas nacos de carne embrulhados em envelo pes de pele e carimbados com as marcas da rostida de Tentarei neste ensaio distinguir esse parcela mento das partesdocorpo por meio de uma sucessão de combinações e permutações arbitrárias a partir dos Corpos sem Órgãos CsO que emer gem na esteira de uma experiência esquizoanalítica e desconstrutiva Especificamente o CsO não é um corpo fragmentado não é o resultado fraturado e disfuncional de uma totalidade partida Fora da ordem simbólica edipicamente organizada dizse que existe apenas um corpo infantil indife renciado o OsC órgãos sem um corpo traba lhando em um estado prelingüístico de confusão imaginária entre a fusão com o eu e a mãeou tra1 A assim chamada fragmentação exibida pelo corpo preedípico é na verdade a fractalidade de objetosparte não a debilitante falta de uma velha unidade mas uma capacidade real para uma nova conexão Não é uma negatividade em contraste com a qual uma plenitude pode ser desejada É uma faculdade positiva Um retorno ao corpo sem órgãos é na realidade um retorno da fractalida de uma reemergência do virtual Não uma re gressão uma invenção MASSUMI 1992 p 85 Entretanto antes de passar ao mapeamento do sujeito esquizoanalítico na desconstrução gostaria de brevemente demarcar o terreno da filosofia vam pírica do sujeito que continua a viver até mesmo na esteira de seu próprio declínio relativo e absoluto Em particular quero problematizar a fragmentação a liquidação e a ressurreição do sujeito universal e abstrato e ressaltar a necessidade de uma afirmação 86 em vez de uma negação dos movimentos fissíparos que atravessam o lugar do sujeito CORPOS FRAGMENTADOS Fraturado tudo Todo passo cai em um vazio Assim que acabamos de ter uma unidade ela se torna uma dualidade Assim que temos uma dua lidade ela se torna uma multiplicidade Assim que temos uma multiplicidade ela se torna uma pro liferação de fissuras que convergem em um va zio Em si mesmo o evento tem apenas extinção Seu sucesso é sua evaporação na infi nita interação de seus agitados componentes O ser é fractal MASSUMI 1992 p 1921 Convencionalmente supõese que o sujeito é idêntico a si mesmo ele é o ponto o lugar no mapa que perdura Ele é o centro da identidade estável e inabalável Embora seja a condição de pos sibilidade da identidade da presença e da diferença o sujeito precede toda identificação toda apresen tação e diferenciação Eu sou antes que eu seja algu ma coisa O sujeito é Um universal indivisível e eterno O sujeito é o sujeito e portanto cumpre duas funções distintas na topografia da teoria social uni versalização e individuação Por um lado o sujeito é uma figura de universalização na medida em que é o grauzero da humanidade o lugar ao qual de forma indicial todas as características humanas se referem e deferem eu sou sujeito Em suma o reconheci mento se transfere por meio dos corpos e faces indi viduais para o lugar do sujeito universal Além disso esse movimento do individual ao universal 87 não depende da variação real entre corpos e faces individuais há universalização antes que existam individuações De fato o universal é indiferente a toda quantificação É por isso que a proliferação a desdiferenciação ou a fragmentação dos rostos e dos corpos nunca servirão para problematizar o su jeito universal sujeito há O sujeito é o sujeito Sozi nho ele está E sem uma necessidade de pele carne face ou fluido O corpo nunca é Os corpos são os inimigos do sujeito O sujeito é o que resta quando o corpo é retirado ele é literalmente inumano eu sou mor to Por outro lado o sujeito é também uma figura de individuação na medida em que só pode se ex pressar por meio de corpos e rostos O sujeito só existe em seus efeitos na subtração de seus efeitos sem um corpo ou um rosto através dos quais passar o sujeito não pode cumprir sua função de universa lização Daí a complementaridade e o paradoxo o sujeito exige a individuação a fim de expressar a universalização mas existe sempre o risco de que o olhar e o reconhecimento se apeguem ao corpo se alojem na carne se fixem no rosto e submirjam no fluido Em suma o tecido material do corpo pode frustrar a passagem em direção ao lugar do sujeito universal e abstrato Daí o fato de que a carne e os corpos são sempre sedimentados estratificados e atravessados pelo duplo movimento de universali zação e individuação que os envelopa com a pele e os carimba com o rosto eu sou embrulhado em mim eu sou desembrulhado em você No interior da dupla atadura ou do movimento de pinça da universalização e da individuação um agen ciamento de aparatos sociais agarra violentamente 88 nacos talhados de carne embalaos na pele inscre veos com rosto e codificaos com os estriamentos da raça da etnia do gênero da sexualidade da clas se Entretanto a produção de sujeitos humanos não é nunca completa ela é sempre uma obraem andamento e um local de experimentação contínua Daí o fato de que o sujeito humano é sempre um corpo pleno a advir ele perdura sem jamais existir como tal Ser é devir Em outras palavras o sujei to perdura por meio de um contínuo romperse mas esse não é um evento negativo Como vere mos adiante com mais detalhes o pressuposto de que existe um sujeito universal unitário e centra do que poderia ser ou situado corporificado frag mentado descentrado desconstruído ou destruí do é precisamente o que está em questão De fato é a filosofia do sujeito que trabalha por meio da iden tidade da semelhança e da negação com sua rígida segmentação e despótica territorialização de sujei tos molares eu eu não você Nesse meio tem po a desconstrução e a esquizoanálise afirmam o movimento molecular nas coisas Conseqüentemente as identidades molares não estão aí desde o início como uma enfiada de pleni tudes ou de plenipotenciários que poderiam ser se letivamente atualizados em eventos particulares ou que poderiam acabar se embrulhando em uma sé rie de complicações contaminações ou confusões labirínticas Pelo contrário elas são anexadas como se fossem outras tantas próteses dendríticas à congestionada massa de fluidas multiplicidades a fim de deter os devires regular o movimento e impor a estabilidade E como todos os agregados molares o 89 sujeito é arranjado é montado como uma inter rupção e uma derivada dos fluxos que o animam o sustentam o atravessam e o descarregam Em suma as identidades molares perduram e entram em co lapso por meio do tartamudear e do gaguejar de uma palavradeordem Parado lá A molaridade é modo de desejo assim como é qual quer movimento que se afaste dela É uma ques tão de força é uma sobreposição categórica uma imposição avassaladora de efeitos regularizados Pelo fato de constringir ações a uma gama limita da é inevitável que será experienciada pelo corpo excessivamente codificado como uma constrição física O devir começa como um desejo para fugir da limitação corporal MASSUMI 1992 p 94 É pouco surpreendente pois que o CsO deva tão freqüentemente experienciar os aparatos maquí nicos para impor identidades molares sobre os mo vimentos moleculares como se fossem outros tantos instrumentos de tortura Entretanto é vital com preender que o desejo de fugir da molaridade é um desejo de fugir da limitação antes que do caráter localizado da mesmidade antes que da singularida de É por isso que Bordo 1990 p 14244 equi vocase em misturar esquizoanálise e desconstrução com uma fantasia de fuga do caráter localizado da subjetividade humana por meio de uma nova imaginação de desmembramento um sonho de es tar em toda parte A confusão é séria na medida em que desvia a atenção da afirmação para colocála no falso problema do controle quantitativo sem alguns pontos de parada a fragmentação e a dispersão sem 90 fim autodestruiriam e levariam a um apagamento do corpo em um abismo fractal Como observou Bordo 1990 p 145 a apreciação da diferença exige o reconhecimento de algum limite para a dan ça além do qual a dançarina não pode ir E contu do um limite à fragmentação é precisamente o que da perspectiva da filosofia vampírica do sujeito está faltando o ser ou se desvia para o Nada ou então cai em um devirimperceptível enquanto a fragmenta ção ou acelerase em uma liquefação ou então se trans forma em uma fractalização DOEL 1993 Daí a insistência de Rose 1993 p 79 de que a crítica deve estabilizar mas de forma contingente deve tor nar os fechamentos arbitrários apoiar um essencialis mo estratégico fazer gestos provisórios a fim de lidar com as as questões históricas sociais a verdade de quem a natureza de quem a versão da razão de quem a história de quem a tradição de quem BORDO 1990 p 137 Não obstante podemos ape nas fingir a habilidade de localizar e identificar quem vem na esteira do sujeito universal e abstrato mes mo que essa linha de questionamento necessariamente inaugure um retorno do reprimido na medida em que o mesmo imperativo é sempre interpolado no fluxo de eventos sujeito há Fica parado lá quem vem lá De uma vez por todas estamos de volta ao duplo nó da universalização e da individuação e da hipertelia do sujeito vampírico Como começamos a ver a fragmentação a mul tiplicação e a corporificação não serão suficientes para permitir uma fuga da tirania da filosofia vampí rica do sujeito A hipertelia do sujeito é exemplifica da e assegurada por meio do tartamudeio e da 91 gagueira da palavradeordem par excellence quem vem depois do sujeito Em vez de reivindicar um eterno retorno do sujeito o que é necessário é uma experiência de desconstrução e esquizoanálise a fim de nos sensibilizar para a imóvel viagem sem sair do lugar do CsO tudo é fluxo fluir devir Em suma esforçamonos por libertar a singularidade da faixa de Möbius da fórmula que equaciona universaliza ção com individuação a experimentação da faixa de Möbius que equaciona negação com ressureição e a complicação da faixa de Möbius que equaciona frag mentação com totalização Além disso ao abrir essas estabilizações forçadas para algo inteiramente Outro surge uma rachadura ao longo da qual um fractal um cristal ou um câncer podem proliferar levando embora todos os fluxos excessivamente codificados que têm ficado preso no circuito fechado das máqui nas molares O CsO pleno cresce nessa rachadura não em uma massa amorfa e indiferenciada mas como um enxame de multiplicidades virtuais de um ban do de singularidades e de complicações e invenções experimentais Algo terá finalmente a oportunidade de acontecer isto é tudo lance de dados VIAJANDO DE FORMA IMÓVEL SEM SAIR DO LUGAR Indivíduos ou grupos somos atravessados por li nhas meridianos geodésicas trópicos fusos que não seguem o mesmo ritmo e não têm a mesma natureza E constantemente as linhas se cru zam se superpõem a uma linha costumeira se se guem por um certo tempo Perceber como 92 diz Deligny que essas linhas não querem dizer nada É uma questão de cartografia Elas nos compõem assim como compõe nosso mapa Elas se transfor mam e podem mesmo penetrar uma na outra Ri zoma DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 767 O sujeito está em declínio Ele é um agencia mento que está continuamente estragando vazan do em todas as direções E contudo o sujeito funciona ele reintegra incessantemente tudo que pareceria escapar a suas esferas de influência Em toda a parte tratase de um acoplamento de fluxos assimétricos desterritorialização e reterritorializa ção codificação e sobrecodificação desconstrução e reconstrução tantas articulações duplas e tantos movimentos de pinça que tornam o lugar do su jeito uma inescapável obraemandamento sujeito haverá Mas tratase também de um local para uma infindável experimentação complicação e invenção um local que é apenas e sempre atualizado como a singularidade do contexto no qual ele é produzido como a superfície de registro Em relação a esses aparatos sociais a desconstrução e a esquizoanálise buscam acentuar e intensificar os processos de des territorialização desestratificação e decodificação de forma que eles se separem do circuito do agencia mento maquínico e se tornem em vez disso uma linha de fuga em direção a algo inteiramente Outro Em outras palavras a desconstrução e a esquizo análise delimitam os fluxos curtocircuitam as es triações e misturam os códigos por meio de uma imóvel viagem que nos leva da identidade à multi plicidade da posição ao potencial do Ser ao De vir da arborescência aos rizomas das constantes 93 às variáveis dos fragmentos aos fractais dos órgãos sem corpos aos corpos sem órgãos e da subjetiva ção à esquizofrenia DESCONSTRUÇÃO DESESTABILIZANDO O SUJEITO A fim de remodelar se não rigorosamente refun dar um discurso sobre o sujeito sobre o qual se sustentará o lugar do sujeito da lei da moralida de da política tantas categorias apanhadas na mesma turbulência devese passar pela experiên cia de uma desconstrução há um dever na des construção Tem que haver se existe algo como o dever O sujeito se sujeito deve haver deve vir depois disso DERRIDA 1988a p 120 Já tocamos em três das mais importantes carac terísticas da desconstrução afirmação movimento e responsabilidade Essas características contrastam fortemente com a prevalente e muitas vezes mali ciosa caracterização da desconstrução como negati va estática e irresponsável MARGOLIS 1991 MERQUIOR 1986 ROSEN 1987 Pois embora seja verdade que a desconstrução funciona por meio do indecidível sem o qual não haveria nem teoria nem política nem ética nem responsabilidade não se trata de forma alguma de uma filosofia da hesita ção que permaneça neutra impassiva e indiferente ao fluxo dos eventos CENTORE 1991 CRITCHLEY 1992 MARTIN 1992 Ao contrário a desconstru ção intervém mas em vez de intervir em uma tentati va para impor a ordem molar ela intervém em um esforço para liberar o potencial do corpo pleno sem 94 órgãos Especificamente ela intervém ao longo das linhas de força do desejo e do poder a fim de ala vancar e deslocar estabilizações forçadas transforman doas em uma multiplicidade Aberta se o todo não é é porque ele é o Aberto e porque sua natureza é a de mudar constantemente ou de fazer emergir algo novo em suma de perdurar DELEUZE 1986 p 9 Além disso a desconstrução não está absolu tamente confinada à assim chamada prisão da lin guagem a uma nova ontoteologia ou idealismo rejuvenescido do Texto na medida em que inter vém nos fluxos materiais e imateriais heterogêneos de toda a históriadomundo DERRIDA 1988b É pois importante distinguir rigorosamente entre por um lado uma desconstrução afirmativa e por outro uma desconstrução reativa DOEL 1994a Enquan to a primeira afirma o corpo pleno sem órgãos a última esforçase por recapturálo por meio da re territorialização da reestratificação da sobrecodi ficação e da subjetivação A desconstrução não tem absolutamente nada a ver com a catástrofe ou com o apocalipse Ela não é nem niilista nem destrutiva nem tampouco equivale a uma dissolução do sujeito DERRIDA 1992 p 7 Em suma a desconstrução não vem depois que o sujeito foi construído estabilizado e estabelecido Ela não é nem um investimento especulativo na ne gatividade um investimento que tenha como base uma expectativa racional de um retorno acumulável nem é uma tentativa de efetuar uma despesa sem retorno ela não é parte de um regime de acumula ção nem um local de consumo expiatório Em ou tras palavras a desconstrução não encontra seu lugar 95 próprio nem numa série dialética de investimentos especulativos construçãodesconstruçãorecons trução nem uma binarização metafísica de despesa absoluta construçãodestruição DOEL 1992 Qualquer esforço para desconstruir desmantelar ou destruir pode apenas e sempre ser uma catástrofe simulada na medida em que seu único efeito dis cernível consiste em fornecer os recursos necessári os exigidos para uma reconstrução Como já vimos a questão quem vem depois do sujeito exempli fica esta hipertelia por meio da qual a filosofia do sujeito continua a viver a despeito da total exaus tão de seus recursos Em contraste com o risco fingido da descons trução reativa que é sempre avalizada por uma ga rantia de reconstrução e ressurreição dialética a desconstrução afirmativa segue os movimentos de desestabilização que atravessam o lugar do pró prio sujeito ela afirma a iterabilidade a alterabili dade e a alteridade do Mesmo Conseqüentemente a desconstrução está menos preocupada em pertur bar desmantelar e destruir o sujeito do que em tra zêlo para o Aberto que está sempre e já perturbando e ameaçando sua consistência coerência estabilida de e pertinência Em suma a desconstrução afirma a desestabilização em movimento que Abre o lugar do sujeito àquilo que é inteiramente Outro Da perspecti va do organismo molar dos aparatos sociais de captu ra e dos estratos codificados esses movimentos aparecem como um colapso catastrófico e um declínio terminal mas da perspectiva dos fluxos moleculares eles fornecem linhas expedientes de desarticulação e de fuga em direção a algo inteiramente Outro 96 experimentação complicação invenção e singularida de Mas quem vem depois do sujeito A fim de desenvolver essa questão ao longo de linhas topológicas Qual é o lugar do sujeito seria necessário talvez renunciar ao impossível isto é tentar reconstituir ou reconstruir o que já foi desconstruído e que além disso desconstruiu a si próprio uma expressão que resume toda a dificuldade DERRIDA 1988a p 1145 A insistência de Derrida em um retorno ao lu gar do sujeito e um retorno do lugar do sujeito surpreenderá sem dúvida àqueles que gostariam de acusar a desconstrução de defender sua morte sua dispersão e sua liquidação Ao contrário na des construção o sujeito é precisamente aquilo que evi ta todos esses momentos de negatividade de catástrofe e de apocalipse que tão prontamente im plantamse na leitura equivocada da desconstrução como uma desconstrução arquitetônica desman telamento desarranjamento fragmentação desin tegração esquartejamento desmembramento decomposição dissolução etc Não se trata absolutamente de um corpo despe daçado esfacelado ou de órgãos sem corpo OsC O CsO é exatamente o contrário Não há órgãos despedaçados em relação a uma unidade perdida nem retorno ao indiferenciado em rela ção a uma totalidade diferenciável DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 28 Em outras palavras a desestabilização em movi mento que atravessa o lugar do sujeito não nos 97 faz retornar a uma massa amorfa indiferenciada ou homogênea um estado de confusão empírica Em vez disso ela nos leva para além do molar e do mo lecular em direção à alteridade e à singularidade Portanto ao fato de que o CsO deve ser criado tratase sempre de um corpo pleno a advir É por isso que o CsO nunca pertence a qualquer agrega do molar menos ainda a um indivíduo tratase sem pre de um corpo em exapropriação tanto nomádico quanto rizomático curtocircuitando misturando e levando embora todas as pretensões à proprieda de Em outras palavras quanto tudo é levado em bora não resta nada a não ser uma distribuição de hecceidades de singularidades e de eventos Entre tanto é vital compreender que a intensidade zero do CsO não é um momento negativo em relação a alguma Unidade ou Totalidade positiva Pois para haver um momento negativo um momento negati vo no qual um sujeito ou um organismo cairia de veria já haver algo arranjado no lugar Mas o sujeito e o organismo não são absolutamente constantes por exemplo a equação fechada eueunão você Eles não estão tampouco estabilizados em si mesmos nem fixos no lugar Conseqüentemente a genealo gia do sujeito não pode ser mapeada como se fosse a trajetória de uns tantos átomos circulando em um espaçotempo quatridimensional com suas veloci dades e trajetórias atrações e repulsões fusões e fis sões órbitas e quantas Ao contrário o sujeito é uma variável em uma modificação contínua e Aber ta por exemplo a equação aberta yza Em suma o sujeito não deve ser entendido nem como um universal nem como um indivíduo mas antes como uma multiplicidade virtual 98 O universal na verdade nada explica é o uni versal que precisa ser explicado Todas as linhas são linhas de variação que não têm sequer coordenadas constantes O Uno o Todo o Verdadeiro o objeto o sujeito não são universais mas processos singula res de unificação totalização verificação objeti vação subjetivação DELEUZE 1992 p 162 É por isso que o sujeito é sempre tanto uma obraemandamento quanto um aparato social so frendo a contínua variação do DevirOutro por meio de uma viagem no lugar de uma viagem imó vel Ele é portanto tanto nomádico sem casa ou refúgio quanto rizomático sem raízes ou ancora gem Em suma o sujeito perdura por meio da contínua variação da exapropriação e do Devir Outro Esquizoanálise ESQUIZOANÁLISE CORPO SEM ÓRGÃOS Temos tantas linhas enleadas em nossas vidas quanto as que temos nas palmas de uma mão Mas nós somos complicados de uma forma dife rente a esquizoanálise a micropolítica o prag matismo a diagramática a rizomática a cartografia não têm outro objetivo do que o es tudo dessas linhas em grupos ou em indivíduos DELEUZE 1983 p 712 Destruir destruir a esquizoanálise tem que pas sar pela destruição fazer toda uma limpeza toda uma raspagem do inconsciente Destruir cren ças e representações cenas de teatro E não há mal dade que chegue para cumprir essa tarefa DELEUZE E GUATTARI 1966 p 325 p 328 99 Frente a isso a ênfase que a esquizoanálise colo ca na destruição pareceria alinhála com o reativo em vez de com a desconstrução afirmativa mas essa incli nação seria equivocada BOGUE 1989 MASSUMI 1992 PEREZ 1990 Pois exatamente da mesma forma que a desconstrução afirmativa deve ser distinguida da des construção reativa assim também deve a destruição esquizoanálitica ser diferenciada da destruição para nóica Uma vez mais descobriremos que a esquizoa nálise não é nem negativa nem catastrófica nem apocalíptica nem expiatória Tal como a desconstru ção a esquizoanálise afirma a eterna recorrência da viagem imóvel da viagem sem sair do lugar da deses tabilização sempre em movimento e da contínua vari ação das multiplicidades proliferantes o CsO pleno De forma similar a esquizoanálise não é neutra im passiva ou indiferente aos aparatos sociais de captura que impõem variados graus de estabilização à fluidez heterotópica dos eventos singulares ela intervém a fim de liberar um CsO pleno Em suma tanto a descons trução quanto a esquizoanálise ativam multivariadas linhas de perburbação agitação e comoção no lugar do sujeito a fim de afirmar a alteridade do Mesmo O lugar do sujeito é sempre e já uma multiplicida de apinhada o local de um CsO pleno há toda uma geografia nas pessoas DELEUZE PARNET 1988 p 10 DELEUZE 1988 Existem muitos tipos de linha que atravessam o lugar do sujeito Algumas delas se embaraçam e convergem para formar nós redemoinhos e vórtices de relativa estabilização juntando tudo que flui para seu meio em agregados molares Esses agregados podem então ser convocados pela ordem molar para 100 mais experimentação e complicação reconstrução reprodução e rearticulação Nesse meio tempo ou tras linhas se soltam desse emaranhamento e emba raçamento provocando movimentos de relativa desestabilização que traçam linhas de fuga desapa rição e desterritorialização Os agregados se divi dem se molecularizam e se decompõem em um CsO Mas que tipo de CsO emerge desse viajar imó vel Para lidar com essa questão é necessário distin guir entre três tipos de linha Em primeiro lugar existem linhas de segmentaridade rígida que confi nam o movimento em células específicas em agre gados molares e em territórios distintos Esse tipo de linha age por meio de uma infindável laceração do CsO escavando células estratos regiões e iden tidades por meio de divisão e bifurcação casa fa mília estado fábrica comunidade rosto etc Em segundo lugar existem linhas de segmentaridade mo lecular as quais produzem segmentos flexíveis um fluir molecular e desestabilizações em movimento as quais são distribuídas de uma maneira inteira mente diferente elas se abrem em pequenas fratu ras linhas dissimuladas de desorientação e desarticulação e partículas irreconhecíveis Em suma uma célula começa a se distanciar de seu metabolis mo usual um fluxo repentinamente transborda seu canal ou um programa momentaneamente perde seu código Mas a coisa importante a observar é que esses desvios e distanciamentos permanecem relativos na medida em que a ordem pode apertar o torniquete sobre eles por meio de reinvestimen to reintegração reconstrução e sobrecodificação eles permanecem relativos enquanto a ordem 101 molar puder capturálos em um novo segmento estrato ou código Por exemplo de vez em quando por meio de um novo lançamento dos dados um evento curtocircuita os segmentos as estriações e os códigos da raça da classe do gênero e da sexua lidade por meio de um devirclandestino imper ceptível e acategórico mas essa fuga momentânea de desterritorialização absoluta uma vez detectada pelo aparato molar será submetida ao torniquete com a plena força da Lei e confinada em uma nova identidade Parado quem vem lá Em suma a ordem molar assegura que a possibilidade e a força da anomia e da transgressão será neutralizada e con tida sob a curvatura assintótica da anomalia estatís tica tudo será explicado como constituindo uma quantidade determinada de desviospadrão da dis tribuição normal do Mesmo BAUDRILLARD 1990 DOEL 1994b Da perspectiva da molaridade não existe mais qualquer lado de fora mas simplesmen te eventos e ocorrências que ainda não foram reco nhecidos e integrados na distribuição normal de uma economia do Mesmo É por isso que a ordem mo lar é irredutivelmente despótica e paranóica na me dida em que ela acredita que tudo cai na sua jurisdição e nas suas esferas de influência A cada instante a máquina rejeita rostos nãoconformes ou com ares suspeitos Mas somente em um certo nível de escolha Pois será necessário produzir sucessiva mente desvios padrão de desviamento para tudo aquilo que escapa às correlações biunívocas Em suma a molaridade jamais detecta as partícu las do outro ela propaga as ondas do mesmo até à extinção daquilo que não se deixa identificar 102 DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 445 456 Daí o fato de que o lugar do sujeito é tecido e trança do por meio do emaranhamento desses dois tipos de linha uma molecularização do molar e uma molarização do molecular Na verdade as funções de molaridade funcionam por meio da dupla arti culação e de um espiralamento tipo Möbius de des territorialização e reterritorialização desestabilização e reestabilização decodificação e sobrecodificação amaciamento e estriação O que importa à ordem molar é que por intermédio de uma contenção que é imposta por quaisquer meios que forem ne cessários todos esses movimentos de desestabili zação continuam relativos Em suma limites e constrições são interpolados sobre o CsO pleno a fim de deter canalizar interromper e avariar o de vir Enquanto as lacerações molares estão para sem pre inclinadas a fatiar o lugar do sujeito em uma polpa desmembrada fragmentada e dispersa os movimentos moleculares podem ser sempre arran jados a fim de levar os restos de volta aos aparatos molares para uma perpétua reciclagem A cumplicidade potencial da segmentação mo lar e da segmentação molecular permitenos cla rificar o significado do último tipo de linha as linhas de fuga Essas linhas se soltam do espirala mento tipo Möbius da segmentaridade molar e da segmentaridade molecular desarticulando os estratos e misturando os códigos à medida que eles levam embora eventos singulares para uma dester ritorialização absoluta fluido em estado puro es correndo sobre o CsO sem limitação ou interrupção O CsO pleno é aquilo que resta quando tudo foi 103 tirado intensidadezero eu sou outro Tratase do plano de consistência sobre o qual as viagens imóveis fatalmente se aproximarão assintoticamen te À questão quão longe pode o demasiado longe ir a esquizoanálise sugere que um corpo nunca pode ir demasiadamente longe com a desterritoria lização desestratificação e decodificação dos fluxos A dificuldade entretanto reside em saber de que forma melhor se pode atravessar o lugar do sujei to com seu envelope de pele sua cobertura de ros to e seu amálgama de carne É relativamente fácil produzir um CsO vazio ou descosido por meio de uma desestratificação demasiadamente violenta ou um CsO drogado paranóico e suicida por meio de um ódio dos órgãos ou mesmo um CsO totalitá rio canceroso e viral que ataca os órgãos e faz pro liferar segmentos molares e moleculares redundantes por todo lado Desmantelar a si mesmo por meio de um processo esquizofrênico de dessubjetivação tem seus perigos O pior não é permanecer estrati ficado organizado significado sujeitado mas precipitar os estratos numa queda suicida ou de mente que os faz recair sobre nós mais pesados do que nunca DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 234 Conseqüentemente o CsO pleno só pode ser abor dado por meio de uma experimentação e uma com plicação cautelosas no interior de contextos singulares Em cada ocasião devese perguntar 1 Quais são seus segmentos rígidos suas máqui nas binárias e sobrecodificadoras Pois mesmo essas não lhe são dadas prontas nós não somos simples mente divididos por máquinas binárias de classe sexo ou idade existem outros que nós constantemente 104 mudamos inventamos sem nos dar conta E quais são os perigos se explodimos esses segmentos de forma demasiadamente rápida 2 Quais são suas linhas flexíveis quais são seus fluxos e limiares Qual é seu conjunto de desterritorializações relati vas e reterritorializações correlativas E a distribui ção de buracos negros na qual uma besta espreita ou um microfascismo prospera 3 Quais são suas linhas de fuga nas quais os fluxos são combinados nas quais os limiares alcançam um ponto de adja cência e ruptura São ainda toleráveis ou já ficaram presos em uma máquina de destruição e autodes truição que pode reconstituir um fascismo molar DELEUZE 1993 p 2534 Em suma é importante clarificar que a esquizo análise não reside em elementos agregados órgãos sujeitos relações fragmentos ou estruturas Ao con trário seu lugar é apenas o dos lineamentos que atra vessam toda a ordem molar percorrendo os indivíduos assim como os grupos uma prolifera ção e uma invaginação das linhas o esquize da esquizoanálise é traçado pelo passeio ao acaso de um fractal de dimensão infinita e porosidade imen surável um fractal de encher o espaço Como uma obraemandamento o lugar do sujeito é um lugar de embaraçamento interminável a única unidade sem identidade é do fluxoesquize do cortefluxo O elemento figural puro que nos leva até às portas da esquizofrenia como processo DELEUZE GUATTARI 1966 p 254 É nesse sentido que o lugar do sujeito é exapropriado por meio de uma imóvel viagem de uma viagem sem sair do lugar fluindo sem interrupção e jorrando sobre a superfície 105 de um CsO pleno A esquizoanálise e a desconstru ção simplesmente esforçamse por desestabilizar des carregar e curtocircuitar as forças os desejos e os poderes que se esforçam por capturar estabilizar e limitar esses fluxos no interior de uma pletora de aparatos sociais e organizações molares É pouco surpreendente pois que o sujeito maquinicamente agregado está fadado a se desorganizar a se deses tratificar a se fragmentar e a se despedaçar O cor po é a superfície inscrita dos eventos traçada pela linguagem e dissolvida pelas idéias o locus de um eu dissociado adotando a ilusão de uma unidade subs tancial um volume em desintegração FOUCAULT 1977 p 138 É ao seguir essa desintegração e essa decomposição do organismo humano com sua carne estriada com seu envelope de pele e sua co bertura de rosto ao longo das linhas de desterrito rialização que somos levados em direção ao CsO pleno Mas como vimos esse Corpo não é um re torno ou uma regressão Ao contrário o Corpo ple no está sempre por chegar é aquilo que resta quando tudo é tirado intensidade zero É um Devir em es tado puro para além da dupla prisão e do espira lamento tipo Möbius da universalização e da individuação decodificação e sobrecodificação des territorialização e reterritorialização Em outras pa lavras as linhas de fuga fazem com que a produção maquínica de sujeitos humanos passe da fragmenta ção paranóica para a fractalização esquizofrênica nada a não ser movimento nada a não ser fluxo Elas le vam os fluxos ossificados conservados no interior do lugar do sujeito para o contexto Aberto da inteira históriarealdomundo estrangulando hierarquias 106 arborescentes e instituindo rizomas intrincados à medida que se movem complicação experimenta ção invenção singularidade alteridade Como a figura fissípara sem limite por excelên cia o fractal é o motivo perfeito para a esquizoaná lise a desconstrução e o CsO pleno Entretanto o desejo por organização e o poder para impor limi tes arbitrários à fissiparidade não deveriam ser su bestimados Na verdade quando examinamos o abismo fractal a maioria de nós intuitivamente saca aquilo que Deleuze e Guattari MP v 3 p 74 cha mam de a terrível Luneta de raios que serve não para ver mas para cortar para recortar Sua ação de corte age sobre os movimentos as manifestações súbitas as infrações perturbações e rebeliões que se produzem no abismo MP v 3 p 73 a fim de res taurar a ordem molar por um instante ameaçada A luneta para recortar sobrecodifica todas as coisas tra balha na carne e no sangue mas é apenas geometria pura MP v 3 p 73 Além disso os estratos segmentos e códigos que ela escava do CsO forçam os movimentos moleculares a se juntar em agrega dos molares uma verdadeira Geologia da Moral Você será um ou outro ou outro ou Os estratos eram juízos de Deus a estratificação geral era todo o sistema do juízo de Deus mas a terra ou o corpo sem órgãos não parava de se esquivar ao juízo de fugir e se desestratificar se descodificar se dester ritorializar a caminho da proliferação assubjeti va assignificante e acategórica do CsO pleno DELEUZE GUATTARI MP v 1 p 54 À medida que a capacidade de sustentação do lugar do sujeito aproximase do zero absoluto com 107 uma hemorragia de fluxos anteriormente estabiliza dos em todas as direções há uma tendência de am bos a se recolher dos CsOs vazios e a se abster de produzir um CsO pleno Em vez de se arriscar a experimentar com linhas de fuga há uma tentativa geral a revigorar e a rejuvenescer a ordem molar alguns temem perder os agregados molares outros buscam impor segmentos flexíveis sobre o fluxo molecular outros exigem que todo o terreno seja estabilizado por meio da sobrecodificação enquan to outros ainda transformam as linhas de fuga em uma paixão pela destruição Em particular a decom posição do lugar do sujeito tem feito com que muitos se apeguem ao rosto do Outro como uma forma de cultivar um sujeitoéticoemprocesso KEARNEY 1988 p 365 CRITCHLEY 1992 Mas a produção maquínica da rostidade é precisamente o aparato molar por excelência que serve para impor ondas de mesmidade sobre um plano de hecceida des eventos e singularidades O quanto se é tenta do a se deixar prender aí ao buraco negro da subjetividade da consciência e da memória do ca sal e da conjugalidade a ser embalado aí a se agar rar a um rosto Rosto que horror DELEUZE GUATTARI MP v 3 p 56 p 61 Em contraste com essa ânsia por identificação e reconhecimento molar a desconstrução e a esquizoanálise intervêm a fim de desmantelar os aparatos de captura que constroem e animam o sujeito o corpo e o rosto ao reterritorializar reestratificar e sobrecodificar os flu xos moleculares Elas esfolam os autômatos os si mulacros e as aparições que assombram o lugar do sujeito a fim de afirmar o CsO pleno Seja lá onde estivermos nunca poderemos ir demasiadamente 108 longe ao longo das linhas de fuga que vão em dire ção à desterritorialização absoluta Na verdade o lu gar do sujeito fica inundado com essas modalidades de desaparecimento que se Abrem para a imóvel via gem do Deviroutro Na verdade até mesmo o rosto do Outro é antes e sobretudo uma superfície cheia de furos Entretanto qual linha de fuga seguir em qualquer contexto particular de estabilização forçada só pode ser determinado por meio de um lançamen to de dados Sacode Chacoalha Deixa rolar NOTA DO TRADUTOR 1 No original mOther REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUDRILLARD J Fatal strategies Londres Pluto 1990 BOGUE R Deleuze and Guattari Londres Routledge 1989 BORDO S Feminism postmodernism and genderscep ticism In L Nicholson org FeminismPostmodernism Londres Routledge 19909 p 13356 CENTORE F F Being and becoming a critique of postmoder nism Nova York Greenwood 1989 COURTINE JF Voice of conscience and call of being Topoi 1982 72 p 1019 CRITCHLEY S The ethics of deconstruction Derrida and Levinas Oxford Blackwell 1992 DELEUZE G Politics In G Deleuze 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subjetivi dade inscrita na superfície do corpo produzida pela linguagem etc Nessa mudança o psicológico aban dona o espaço privado e intransferível das psiques individuais para alojarse nas encruzilhadas e nas ruelas que marcam o estarnomundo com outros seres humanos KVALE 1992 114 Esta crise do eu1 possui certamente amplas raí zes e uma gestação complicada Para acompanhar de forma breve essa linha genealógica observemos por um momento o que diz o senso comum De acordo com o senso comum pretender que o psi cológico não é uma questão individual mas ao in vés disso um evento social atenta diretamente contra evidências inquestionáveis Pensar é algo que diz respeito a nossas cabeças é algo que produzi mos manipulamos à vontade e interrompemos quando nos apetece O que persiste é a imagem de uma experiência privada intransferível inquestio nável e irrenunciável tratase de um dado que defi ne nossa própria condição humana Assim afirmase que aquilo que nos diferencia dos animais não é mais do que nossa capacidade reflexiva a possibilidade de representarmos a nós mesmos como entidades próprias a habilidade de sermos conscientes de nossa mesmidade Semelhantes imagens têm raízes em uma longa tradição cultural Como argumentou Taylor 1989 a tendência a situar em um espaço interior tudo aquilo que tem que ver com a alma a subjetividade o mental a moral ou a virtude remon ta a concepções cristãs Santo Agostinho é o exem plo mais palpável desse exercício que adquire sua formulação mais acabada na obra de Descartes Na obra desse pai da modernidade é possível encontrar a justificação filosófica more geometrica para a dis tinção entre um mundo interior e outro exterior em que o primeiro é povoado por conjuntos e séries de entidades mentais pensamentos e idéias que em si mesmas são independentes do segundo espa ço relegado para o material o inerte e o mecânico 115 Nosso senso comum não fez mais do que converter se em caixa de ressonância desse diagrama Esse esquema tem colocado dois problemas apa rentemente insolúveis e que têm perseguido a episte mologia moderna durante dois séculos continuando a ocupar uma psicologia que não consegue romper com a herança cartesiana Por um lado quanto maior for a certeza que tenhamos sobre nossa exis tência mental como mundo interior mais problemas teremos para não duvidar da existência da realidade exterior e da verosimilitude de outras mentes pen santes O abismo entre o âmbito interior e o exterior parece alargarse Tornase impossível de ser salvado Por outro lado seguir Descartes até o final nos colo ca na difícil situação de explicar como essas entidades mentais foram engendradas produzidas nesse reino secreto e privado que é nossa interioridade Essa concepção do ser humano adquire imedia tamente na psicologia a forma do individualismo metodológico denominador comum de diversos enfoques teóricos Segundo essa perspectiva a úni ca matéria relevante para o investigador são deci sões privadas tomadas por indivíduos que operam em um exterior mais ou menos hostil e do qual ten tam extrair a máxima vantagem Nessa mesma li nha o recurso ao cérebro como locus específico da atividade mental não faz mais do que reforçar esse dispositivo metodológico ao essencializar os pro cessos cognitivos e enfatizar o papel desempenhado pelas práticas culturais e pelas produções sociais na conformação do pensamento A análise do indiví duo como sendo essencialmente um processador de informações implica em primeiro lugar que os 116 processos cognitivos convertemse no centro da re flexão científica e em segundo lugar que tais pro cessos estão localizados em nosso interior e são capazes por meio de diversos procedimentos de serem examinados e descritos BRUNER 1990 DO SER PSICOLÓGICO AO SER SOCIAL Sem abandonar esse dualismo interiorexterior refletido em inumeráveis tensões como por exem plo indivíduosociedade ou agênciaestrutura diferentes perspectivas originadas no interior das ciências sociais têm insistido na idéia de que é preci so para compreender o mental o subjetivo a pró pria identidade prestar mais atenção ao que fica fora do espaço interior Não poderia ser de outra ma neira Para todas essas perspectivas a definição de ser humano em termos de ser social antes que de ser psicológico é tanto o ponto de partida de sua reflexão quanto a definição de sua própria identidade De fato poderseia dizer que dispomos de uma versão débil e de outra forte para pensar o ser hu mano como ser social BAKHURST SYPNOWICH 1995 A versão débil implica aceitar que nossa iden tidade toma forma a partir de poderosas influências externas Noções como as de internalização educa ção ou socialização remetem à idéia de que nosso espaço interior se configura a partir do efeito que sobre ele exerce o espaço do social ou do cultural servindo para definir como a estrutura da sociedade se reflete na estrutura do eu1 e gera indivíduos com petentes em seus contextos sociais WIDDICOMBE 117 1998 Nessas versões a subjetividade preexiste às influências posteriores Ela simplesmente recebe sua forma do exterior Ela é informada a partir de fora Ao contrário na versão forte questionase a pró pria possibilidade de que preexista algum interior à margem de certos processos constitutivos que te riam sua origem e localização no exterior no social Assim o processo de internalização não é a trans ferência de uma atividade externa a um plano de consciência interno preexistente é o processo no qual esse plano se forma LEONTIVEV 1981 citado em BAKHURST SYPNOWICH p 6 Essa versão forte pretende uma dissolução defi nitiva da dicotomia interiorexterior A superação do abismo que existe entre um mundo privado e interior de um lado e um mundo externo e públi co de outro constitui desde há muitos anos o ca valo de batalha essencial dos denominados construcionismos sociais Em todas as suas ver sões rejeitase tanto a possibilidade de uma psique isolada e alheia aos contextos socioculturais que a produzem quanto de uma identidade que molda e informa sob a ação de um mundo exterior Aquilo que chamamos subjetividade não é senão parte do tecido relacional da trama social nos quais todo in divíduo está sempre inserido Pressupõese em outras palavras que aquilo que chamamos entidades mentais pertence à discursi vidade em que se banha e da qual está em parte feito todo ser social Quando se rejeita a dicoto mia interiorexterior a realidade psicológica 118 apresentase sob outras características e se abrem novas perspectivas para sua investigação DOMÈ NECH IBÁÑEZ 1998 p 19 Assim atividades tradicionalmente consideradas como próprias do mundo interior aparecem agora dotadas de um caráter eminentemente social e cul tural pensar já não é um processo psicológico mas um processo de argumentação coletivo BILLIG 1987 a memória já não é uma possessão indivi dual mas um bem partilhado baseado na interação contínua dos membros de uma comunidade deter minada MIDDLETON EDWARDS 1990 Em suma o que antes denominávamos mente convertese em um dispositivo essencialmente retórico Desse modo os construcionismos sociais enfatizam o papel de terminante do lingüístico do discursivo e do signi ficado na constituição de nossos mundos mentais Em vez de contemplar o estudo do discurso como um caminho para a vida interior dos indivíduos seja essa constituída de processos cognitivos mo tivações ou algum outro material mental nós ve mos as questões psicológicas como construídas e postas em ação no próprio discurso EDWARDS POTTER 1992 p 127 LIMITES DO CONSTRUCIONISMO SOCIAL O LOGOCENTRISMO Todas essas propostas compartilham um mes mo e único centro de gravidade o eu é um relato que emerge essencialmente a partir das proprieda des da linguagem do discurso eou do significado 119 Temos um bom exemplo disso em Gergen e Ger gen 1988 p 18 uma dupla de intelectuais que se pode considerar como fundadora do construcionis mo social em psicologia Não apenas narramos nossas vidas sob a forma de relato mas em um sentido importante nossas relações são vividas também em uma forma nar rativa GERGEN GERGEN 1988 p 18 A subjetividade constituise dessa perspectiva no uso e elaboração de um complexo de narrativas discursos conversações atos de fala ou significados que a cultura põe à nossa disposição e que manipu lamos nas realidades interacionais que habitamos Entretanto embora essas análises representem um avanço na denúncia do essencialismo naturalista dominante nas explicações psicológicas elas fracas sam em sua concepção do lingüístico e do discursi vo e por isso também na concepção do social DOMÈNECH 1998 A linguagem nessas análises não é mais do que uma espécie de fala negociada exclusivamente entre indivíduos localizados em uma situação concreta e por meio de significados produ zidos na interação também exclusiva desses indiví duos Por um lado elas apresentam certos elementos que estariam implicados nessa interação indivíduos humanos por outro apresentam certos recursos lin güísticos palavras relatos explicações histórias atribuições com os quais se elaboram mensagens que estabelecem intenções levam à ação à persua são e agem sobre outras pessoas Por um lado te mos um canal por outro um problema o êxito ou fracasso da interação Como se pode observar nada 120 de novo o velho modelo comunicacional Essas propostas põem no centro das atividades produto ras de sentido e significado as relações entre agentes humanos Assim o ser humano é definido de modo acrítico como um agente que se constrói a si mes mo como um eu dando à sua a coerência de uma narrativa utilizando e pondo em ação recursos lin güísticos Como assinala Rose 1996 o eu en quanto virtude ou capacidade de narrarse de diversas maneiras é implicitamente reinvocado como uma exterioridade a esse evento lingüístico que já está em si mesmo unificado e totalizado Dessa maneira essas abordagens acabam mantendo velhos dualismos sujeitoobjeto naturezasociedade embora seu propósito seja desfazêlos E apenas aparentemente rompem com a imagem clássica de Sujeito porque não conseguem escapar do logo centrismo e da circularidade que encerra seu modo de entender a conformação da subjetividade DELEUZE SUBJETIVAÇÃO E DOBRA Basta compreender e sobretudo ver e tocar as montanhas a partir de seus dobramentos para que percam sua dureza e para que os milênios voltem a ser o que são não permanências mas tempo em estado puro e flexibilidades Nada é mais pertur bador que os movimentos incessantes do que pa rece imóvel Leibniz diria uma dança de partículas reviradas em dobras DELEUZE 1992 p 195 A questão é que é preciso buscar em outro lugar a crítica mais radical e a proposta mais alternativa à 121 imagem convencional da subjetividade Neste sen tido o pensamento de Deleuze apresentase como um caminho como uma saída que nos permite pensar a subjetividade à margem dos pressupostos aos quais a psicologia sob formas as mais diversas continua presa A crítica para Deleuze não consis te em justificar mas em procurar outra sensibilida de Para isso cria fabrica conceitos que rompem com as modalidades dominantes de pensar e repre sentar a subjetividade e que são inseparáveis de no vos perceptos novas maneiras de ver e escutar e de novos afectos novas maneiras de sentir Conceitos e não metáforas porque a metáfora implica uma relação com algo que já existe remete a um signifi cado prévio enquanto os conceitos atuam como imagens performativas BRAIDOTTI 1995 que não reduzem a linguagem a logos porque mais do que significar buscam cartografar futuras paragens construir uma região no plano acrescentar uma região às existentes explorar uma nova região pre encher um vazio DELEUZE 1996 p 234 Con ceitos como hecceidade corpo sem órgãos nômade agenciamento devir máquina abstrata espaço liso rostidade território rizoma dobra linhas molares linhas moleculares linhas de fuga que servem para combater a primazia do verbo ser e por isso reme tem sempre a circunstâncias em que caso onde e quando como e nunca a essências desenhando uma subjetividade em movimento e continuamente produzida Assim Deleuze frente a uma idéia de Sujeito essencializado dotado de uma identidade unitária autônoma privada estável de contornos 122 fixos ajudanos a perfilar formas de subjetividade múltiplas heterogêneas de confins fluidos Deleuze efetua uma genealogia da subjetivida de na qual analisa os processos de subjetivação De fato para Deleuze só existem processos e esses pro cessos só podem ser processos de unificação de sub jetivação de racionalização Ele examina a gênese da subjetividade em um momento e em um nível anterior à individuação compreendida como enti dades do tipo substâncias ou sujeitos Ele ten ta como assinala Foucault Pensar intensidades em vez e antes de qualida des e quantidades profundidades em vez de comprimentos e larguras movimentos de indivi duação em vez de espécies e gêneros e mil peque nos sujeitos larvares mil pequenas palavras dissolvidas mil passividades e formigueiros lá onde reinava ontem o sujeito soberano FOUCAULT 1993 p 238 Ele nos mostra assim um território povoado de singularidades préindividuais intensidades pro fundidades movimentos sujeitos larvares A ge ração de subjetividades não consiste na demarcação dos limites de um eu enclausurado e interior mas na idéia de que ele é o efeito de uma função ou operação que sempre se produz na exterioridade desse eu O sujeito já não é uma unidadeidentida de mas envoltura pele fronteira sua interioridade transborda em contato com o exterior Deleuze substitui a lógica do ser pela lógica da conjunção substitui o é que identifica pelo e que relaciona a identidade pela multiplicidade E o 123 sujeito seria portanto o espaço de conexão ou de montagem contínua preposição uma dobra do ex terior A dobra Essa figura faz referência a proces sos relações de movimento e descanso capacidades de afectar e ser afectado definindo pois modos de individuação que não correspondem a um sujeito e que por isso não precisam do recurso a metateorias psicológicas ou lingüísticas Como assinala Rose a partir do próprio campo da psicologia O ser humano não é aqui uma entidade com uma história mas o alvo de uma multiplicidade de ti pos de trabalho é mais como uma latitude ou uma longitude na qual diferentes vetores de diferentes intensidades se cortam A interioridade que tan tos sentemse compelidos a diagnosticar não é aquela de um sistema psicológico mas a de uma superfície descontínua de uma espécie de dobra mento para dentro da exterioridade ROSE 1996 p 37 cf ROSE no prelo Assim a partir das propostas deleuzianas Rose 1996 1999 afirma que a imagem de um eu1 dialógico defendida pelo construcionismo social é insatisfatória Ela oferece apenas uma análise par cial de nossa realidade social Do ponto de vista de Rose é preciso resistir à tirania do dispositivo lin guagemdiscursosignificado na hora de pensar a subjetividade E nesse sentido a dobra serve para nos deslocar das anatomias mentais imaginárias e lingüísticas fabricadas por nossas ciências sociais para um universo de fluxos ou linhas de força gera das nas conexões entre órgãos e objetos ou artefa tos entre seres humanos e espaços entre sujeitos e 124 escolas ou oficinas entre instituições A subjetivação compreendida como dobra é um processo de agru pação de agregação de composição de disposição ou agenciamento ou arranjamento de concreção sem pre relativa do heterogêneo de corpos vocabulá rios inscrições práticas juízos técnicas objetos que nos acompanham e determinam Na subjetiva ção prevalece relativamente a qualquer objeto total e acabado evidente manifesto a parte molecular fragmentada incerta rompendo assim com as ve lhas dicotomias articuladoras das ciências sociais As dobras incorporam sem totalizar internalizam sem unificar juntamse de maneira descontínua na forma de plissês formando superfícies espa ços fluxos e relações ROSE 1996 p 37 cf ROSE no prelo LINGUAGEM MULTIPLICIDADE E AGENCIAMENTO Por isso Rose propõe que o pensamento social se volte não para o signo ou a comunicação mas para a analítica dos dispositivos nos quais esse emer ge como tal com certo sentido e valor interacional Nessa analítica a linguagem seria simplesmente outro elemento entre os muitos que compõem os diferentes agenciamentos ou arranjamentos em que nos vemos implicados A subjetivação não se refere tanto à linguagem e às suas propriedades internas quanto a um agencia mento ou arranjamento de enunciação As relações entre signos sempre estão agenciadas conectadas 125 reunidas em outras relações E nossas práticas não habitam ou não se localizam em espaços de signifi cado e negociação entre indivíduos homogêneos amorfos e assepticamente funcionais Elas estão sem pre localizadas em estabelecimentos e procedimen tos particulares Se aceitamos que a linguagem está organizada em regimes de significação que por meio desses regimes ela está distribuída em espa ços tempos zonas estratos e forças então a cons trução da subjetividade adquire outra aparência Perguntas tais como quem fala segundo que critério de verdade a partir de quais lugares e espaços em que relações agindo de que ma neira apoiandose em que hábitos e rotinas autorizado de que maneira sob que formas de persuasão sanção mentira e crueldade passam ao primeiro plano e delimitam a atividade do pen samento social Não se trata de conhecer o signifi cado de uma palavra de uma frase de um relato ou de uma narração nem se trata de saber o que cono ta ou o que denota O problema é antes com quê se conecta em quê multiplicidades se implica com quê outras multiplicidades se junta Para a análise da produção de subjetividades não precisamos de semânticas ocultas mas do esclarecimento de regi mes de produção de conexões superficiais Tratase de ver o que faz a linguagem com que ela conecta e para quê Seus efeitos são apenas uma parte dessa trama A linguagem não deve ser tomada como matéria prima e primária na constituição da subjeti vidade mas antes como parte de um complexo maior O lingüístico e o discursivo certamente esta bilizam relações e geram relações mas não são em 126 essência questões interacionais e interpessoais O que torna possível qualquer relação ou intercâmbio é um regime de linguagem incorporado em práti cas que capturam os seres humanos sob diversas formas inscrevem organizam formam a produção dessa mesma linguagem ONDE ESTÃO OS OBJETOS É certo que as análises baseadas no discurso e no lingüístico supõem uma proposta que evita a refe rência a um lugar interior mas ao exteriorizar a sub jetividade elas nos apresentam um exterior povoado exclusivamente por seres humanos e suas relações que são as entidades que têm o privilégio e o status de explanans enquanto que outras entidades por exem plo os objetos tecnológicos são sempre excluídos e tratados como explanandum Desse modo o essen cialismo naturalista é substituído por um essencialis mo social que não se problematiza e continua justificando a dicotomia naturezasociedade Para romper com essa dinâmica tornase ne cessário praticar uma sociologia simétrica DOMÈNECH TIRADO 1998 na qual se reconheça que huma nos e nãohumanos formam parte do mesmo cole tivo Esta é sem dúvida a principal contribuição da Teoria do AtorRede CALLON 1986 LATOUR 1987 LAW 1994 nascida no interior dos estu dos da ciência a partir das formulações de Michel Serres Apesar de constituir uma teorização extre mamente complexa se existe algo que possa resu mir de alguma maneira a contribuição da Teoria 127 do AtorRede é precisamente sua tentativa de uma redefinição do que significa reflexão social Em lugar de continuar ampliando a fratura entre o humano e o nãohumano o social e o natural a Teoria do AtorRede recupera o papel do tecnoló gico dos objetos do natural nas explicações so bre questões que se vêm formulando como alheias a essa classe de elementos as relações de poder as dinâmicas institucionais ou a constituição de sub jetividades para apresentar apenas alguns exem plos aparecem sob uma nova luz ao deixar de considerálos como processos que têm a ver única e exclusivamente com humanos Nessa linha Serres 1994 ao falar precisamen te da dobra assinala a importância dos objetos daquilo que não é meramente corporal eou huma no A dobra permite o mínimo espaço que a vida necessita para ter lugar só habito dobras sou ape nas dobras SERRES 1994 p 47 Para Serres não existe vida humana sem diferença precisamos de uma dobra para onde nos retirarmos mesmo que seja apenas por um pequeno lapso de tempo Con fundidos permanentemente na coletividade de se res considerados como animais verdadeiramente políticos perderíamos nossa condição humana Pre cisamos de algo que nos permita diferenciarnos uma membrana que nos dê um limite E o que per mite que apareça a mínima diferença é o caráter objetual um pertencimento uma propriedade Ao defender essa perspectiva Serres traz à baila a vida de vagabundos consumados pobres consumados carentes de quase tudo E no quase é que está a questão Diógenes São Francisco Jesus Cristo 128 caracterizados por sua renúncia dos bens materiais não podem evitar possuir alguma propriedade algo que não tenha nada a ver com os demais O tonel é a propriedade de Diógenes tomandose proprie dade em sua dupla acepção aquela coisa que é pos suída e atributo ou qualidade essencial de uma pessoa como a porciúncula no caso de São Fran cisco ou a túnica no de Jesus Cristo Assim seguindo Serres podemos dizer que não existe vida humana sem ao menos um objeto A dobra mínima aparece na relação com um objeto A subjetividade nesse sentido é sempre um dispositi vo que exige ao menos a relação com um objeto Não se pode falar de processos de subjetivação sem referirse a dobras mas não se pode falar de dobras sem referirse ao objetual Essa perspectiva por outro lado está coerente com a cosmovisão serre siana que implica em uma mesma rede o mundo os aparatos e nós próprios Podemos dizer que essa harmonia é tão nova sob o Sol Quando indicava a hora do equinócio e a posição em latitude do lugar o eixo do qua drante solar escrevia em nossos tempos sobre a terra o solo alguns resultados que nós atri buíamos a nós próprios essa inteligência sutil temos que chamála de própria de interior a nos sos neurônios e vinculante de uma sociedade de cérebros ou remetêla às ferramentas e portan to artificial ou referila ao mundo que traça automaticamente sobre si a longitude sombre ada de sua própria luz Qual das três cultura técnica ou natureza goza dessa função Esco lhe se você se atreve SERRES 1994 p 125 129 O MOVIMENTO DA DOBRA POLÍTICA E POÉTICA DAQUILO QUE SOMOS Pensar os processos de subjetivação como dobra implica como vimos despojar o Sujeito de toda identidade essencialista e de toda interioridade absoluta e ao mesmo tempo reconhecer a possi bilidade de transformação e de criação que eles dei xam aberta Em outras palavras a dobra nos permite pensar os processos pelos quais o ser humano trans borda e vai para além de sua pele sem recorrer à imagem de um Sujeito autônomo independente cerrado agente a não ser precisamente com base em seu caráter aberto múltiplo inacabado cam biante Agora o problema já não seria tanto per guntarse sobre que tipo de sujeito é produzido mas que pode fazer o ser humano que capacidade de afec tar e de ser afectado tem em um dispositivo concre to Essa capacidade não é tampouco uma propriedade da carne do corpo da psique da mente ou da alma É simplesmente algo variável produto ou proprie dade de uma cadeia de conexões entre humanos ar tefatos técnicos dispositivos de ação e pensamento É nessa direção que vão as palavras de Serres Quem somos A intersecção flutuante em função da duração dessa variedade numerosa e muito singular de gêneros diferentes Não deixamos de coser e tecer nossa própria capa de Arlequim tão matizada ou tão disparatadamente colorida quan to nosso mapa genérico Não tem sentido pois defender com unhas e dentes um de nossos per tencimentos o que se deve ao contrário é multi plicálos para enriquecer a flexibilidade Façamos 130 farfalhar ao vento ou dançar como chama a ban deira multicolor do mapadocumento de identi dade SERRES 1994 p 200 Neste ponto é necessário ressaltar que precisa mente o conceito de dobra é utilizado por Deleuze para explicar a possibilidade lançada por Fou cault em seus dois últimos livros de um si mes mo constituído como núcleo de resistência frente a poderes e saberes estabelecidos Foucault assi nala Deleuze 1991 depois de haver analisado as formações de saber e dos dispositivos de poder isto é os estados mistos de podersaber que nos constituem vive um impasse em que se coloca a possibilidade de ir além do podersaber de passar o limite prescrito pelo nexo podersaber de pas sar para o outro lado Assim os volumes II e III da História da sexualidade assinalam um ponto de inflexão de transição na obra foucaultiana por que sem renunciar à sua concepção do sujeito como forma constituída historicamente e não como nor ma constituinte ele concebe os processos de sub jetivação como ensaio como processo ético e estético que busca produzir modos de existência inéditos E é aqui que Deleuze leitor de Foucault recria o conceito de dobra para explicar os proces sos de subjetivação como modificação dos limites que nos sujeitam para nos reconstruir com outras experiências com outra delimitação Modificação dos limites que nos sujeitam que nos convertem em sujeitos possível na medida em que a dobra nos mostra um cenário diferente àque le ao qual a oposição interiorexterior nos remetia 131 O movimento da dobra tem lugar entre um lado de dentro e um lado de fora que não equivalem a um interior e a um exterior marcando um território e relações completamente distintas Assim na sepa ração interiorexterior em sua versão mais cartesia na mantêmse as coerções identitárias sujeitos e objetos aparecem enquadrados em gêneros e espé cies o exterior sólido e extenso distinguese de um interior inexpugnável e isolado mas em todos os casos e em todas as versões independentemente de quem ou quê esteja em um ou outro lado essa se paração remetenos sempre ao já existente ao já conhecido reconduzindonos à forma do Mesmo Tratase por isso não apenas de uma dicotomia es tática mas também estéril O que ocorre quando falta outrem na estrutura do mundo Só reina a brutal oposição do sol e da ter ra de uma luz insustentável e de um abismo obs curo a lei sumária de tudo ou nada O sabido e o nãosabido o percebido e o nãopercebido enfren tamse em termos absolutos num combate sem nuanças Mundo cru e negro sem potenciali dades nem virtualidades é a categoria do possível que se desmoronou DELEUZE 1998 p 3156 Entretanto a dobra supõe um movimento que incorpora essa categoria do possível precisamente porque a dobra permite habitar o limite que traça as bordas do que somos permite nos situar em uma linha instável e arriscada a linha do lado de fora na qual os contornos do familiar imaginável e represen tável diluemse em contato com o desconhecido in traduzível irrepresentável e nas palavras de Deleuze 132 é preciso conseguir dobrar a linha para consti tuir uma zona vivível onde seja possível alojar se enfrentar apoiarse respirar em suma pensar DELEUZE 1992 p 138 Enfrentar a linha do lado de fora membrana borda essa zona estranhamente intermediária li mite e ao mesmo tempo desvanecimento de pode res e saberes DELEUZE 1996 que definem o que fazemos pensamos e dizemos e ser capazes de do brála para construir espaços dobras que permi tam alargar o que somos darnos um novo corpo com outro umbral de sensibilidade de modo aná logo ao que ocorre no movimento do aprender quando se o compreende como possibilidade de tornar habitável a fronteira onde se encontram e se transformam o representável e o que ainda não se conhece JÓDAR 2000 Por isso entre o lado de fora e o lado de dentro não há separação mas con fusão inversão intercâmbio É o lado de fora o que abre um si mesmo um lado de dentro que não é mais o dobramento o dobrado do lado de fora dobrado que se produz quando uma força afeta a si mesma em vez de afetar a outras forças isto é por meio da relação de si consigo mesmo É como uma glândula pineal que não pára de se reconstituir variando sua direção traçando um espaço do lado de dentro mas coextensivo a toda a linha do lado de fora O mais longínquo torna se interno por uma conversão ao mais próximo a vida nas dobras DELEUZE 1991 p 130 Dessa maneira o Outro instalase e atravessa a subjetividade impedindo uma identidade fechada 133 privada autêntica e pura Tendo em conta que o Outro não faz referência a uma identidade em con fronto com outra mas que é o irredutível a qual quer identificação o Outro pois como diferença quer dizer como aquilo que faz diferir que produz novidade A dobra como a arte barroca excita de sestabiliza a ordem do sistema e o submete a turbu lências e flutuações CALABRESE 1992 A dobra compreendida agora como criação de possibilidades de existência que rejeitam a ordem de identificação existente adquire imediatamente uma dimensão política O conceito de dobra cons titui uma figuração ou imagem da subjetividade necessária como assinala Foucault 1982 para combater o tipo de individualidade que se nos im põe e para pensarnos de outra maneira Nesse sentido se a dobra só pode avançar variando bifur candose e metamorfoseandose o problema não é nunca como acabar a dobra mas como continuála É necessário dobrar desdobrar redobrar o manei rismo substitui o essencialismo DELEUZE 1989 Dobrar desdobrar redobrar não apenas porque os processos de subjetivação são continuamente pe netrados pelo saber e recuperados pelo poder mas porque as próprias subjetivações se estão assen tadas dentro das estruturas fixas e da segurança agradável da identidade podem converterse em um obstáculo que impede cruzar a multiplicidade que impede a prolongação de suas linhas a produ ção de novidade DELEUZE 1996 p 232 Dessa maneira a dobra nos permite entender a crise que afeta diversos movimentos desde o feminismo até certos nacionalismos que enfrentam os limites as 134 contradições os perigos de fazer política com a identidade isto é de reivindicar identidades mo dernas de caráter essencialista identidades que de vem ser recuperadas reencontradas desveladas e que quando o são acabam convertendose em lei princípio e código funcionando como mecanismos de constrição e exclusão GÓMEZ BUENO 2000 E não apenas isso entender a subjetivação como dobra inaugura outra política uma política que re nuncia ao esquema opressãolibertaçãoidentidade e que busca criar novas formas de experimentar e de sentir afirmando a diferença a variação a meta morfose como formas de resistência a duas formas atuais de sujeição uma que consiste em individuar nos de acordo com as exigências do poder a outra que nos vincula nos ata a uma identidade sabida e conhecida e à qual devemos responder Se é verdade que o poder investe cada vez mais nossa vida cotidiana nossa interioridade e indi vidualidade se ele se faz individualizante se é verdade que o próprio saber é cada vez mais in dividualizado formando hermenêuticas e codifi cações do sujeito desejante o que é que sobra para a nossa subjetividade Nunca sobra nada para o sujeito pois a cada vez ele está por se fazer como um foco de resistência segundo a orientação das dobras que subjetivam o saber e recurvam o poder DELEUZE 1991 p 1123 ênfase nossa 135 NOTA 1 Self no original N do T REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHURST D e SYPNOWICH C Introduction Pro blems of the Social Self In D Bakhurst y C Sypnowich Eds The Social Self Londres Sage 1995 BILLIG M Arguing and thinking A rhetorical approach to social psychology Cambridge Cambridge University Press 1987 BRAIDOTTI R Soggetto Nomade Feminismo e crisi della modernitá Roma Donzelli Editore 1995 BRUNER J Actos de significado Madri Alianza 1990 CALABRESE O Neobarroco Cuadernos del Círculo 2 1992 p 89100 CALLON M Algunos elementos para una sociología de la traducción la domesticación de las vieiras y los pesca dores de la bahía de St Brieuc In JM Iranzo J R Blanco T González de la Fe C Torres y A Cotillo org Sociología de la ciencia y la tecnología Madri CSIC 1986 EDWARDS D e POTTER J Discursive Psychology Lon dres Sage 1992 DELEUZE G El pliegue Leibniz y el barroco Barcelona Paidós 1989 DELEUZE G Foucault São Paulo Brasiliense 1991 2ª ed DELEUZE G Conversações Rio Editora 34 1992 DELEUZE Gilles Lógica do sentido São Paulo Perspecti va 1998 4ª ed DOMÈNECH M e IBÁÑEZ T La psicología social como crítica Anthropos 177 1998 p 1221 DOMÈNECH M El problema de lo social en la Psicología Social Algunas consideraciones desde la Sociología del Conocimiento Científico Anthropos 177 1998 p 3438 DOMÈNECH M e TIRADO F J org 1998 Sociolo gía simétrica Ensayos sobre ciencia tecnología y sociedad Barcelona Gedisa 1998 136 FOUCAULT M Le sujet et le pouvoir In Michel Foucault Dits et Écrits París Gallimard 1994 v 4 p 222241 FOUCAULT M Ariana se enforcou Revista de Comuni cação e Linguagens n 19 1993 p 237239 GERGEN K J Realidades y relaciones Aproximaciones a la 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necessariamente a ontologia de uma criatura despedaçada no seu próprio núcleo Para outros essa morte do sujeito é ela própria um evento histórico real o indivíduo ao qual essa ima gem do sujeito correspondia surgiu apenas recente mente em uma zona limitada de tempoespaço tendo sido agora varrido pela mudança cultural No lugar do eu proliferam novas imagens de sub jetividade como socialmente construída como dialógica como inscrita na superfície do corpo 140 como espacializada descentrada múltipla nôma de como o resultado de práticas episódicas de auto exposição em locais e épocas particulares Devese assinalar entretanto que no mesmo momento em que essa imagem do ser humano é declarada passé pelos teóricos sociais certas práticas regulatórias buscam governar os indivíduos de uma maneira que está mais do que nunca ligada àque las características que o definem como um eu Da mesma forma as idéias de identidade e seus cogna tos têm se colocado no centro de muitas das práti cas nas quais os seres humanos se envolvem Na vida política no trabalho nos arranjos domésticos e conjugais no consumo no mercado na publici dade na televisão e no cinema no complexo jurídico e nas práticas da polícia nos aparatos da medicina e da saúde os seres humanos são interpelados repre sentados e influenciados como se fossem eus de um tipo particular imbuídos de uma subjetividade indivi dualizada motivados por ansiedades e aspirações a respeito de sua autorealização comprometidos a en contrar suas verdadeiras identidades e a maximizar a autêntica expressão dessas identidades em seus estilos de vida As imagens de liberdade e autono mia que inspiram nosso pensamento político ope ram da mesma forma em termos de uma imagem do ser humano que o vê como o foco psicológico unificado de sua biografia como o locus de direitos e reivindicações legítimas como um ator que busca empresariar sua vida e seu eu por meio de atos de escolha A julgar pela popularidade das problemáti cas do psi na mídia pelas demandas por toda espé cie de terapia e pela enorme quantidade de todo 141 tipo de conselheiros parece que os seres humanos ao menos em certos locais e entre certos setores acabaram por se reconhecer nessas imagens e nesses pressupostos e por se relacionar consigo mesmos e com suas vidas em termos análogos isto é nos termos da problemática do eu A dispersão con ceitual do eu parece caminhar em paralelo com sua intensificação governamental Teremos nós então apesar dos argumentos dos filósofos e teóricos críticos nos tornado sujeitos psi cológicos É hora de abordar a questão da subjeti vidade mais diretamente Não em termos dos efeitos da cultura sobre a pessoa ou em termos de uma teoria do sujeito mas buscando caracterizar por as sim dizer o modo de ação das diversas tecnologias psi de subjetivação Isso nos obriga a um desvio por al guns textos contemporâneos sobre o problema do sujeito antes de retornar em conclusão a uma análi se do tipo de criatura que nós nos tornamos VOCÊ É MAIS PLURAL DO QUE PENSA Gilles Deleuze e Félix Guattari foram prova velmente os autores que formularam a alternativa mais radical à imagem convencional da subjetivi dade como coerente durável e individualizada Você é longitude e latitude um conjunto de velo cidades e lentidões entre partículas não formadas um conjunto de afectos não subjetivados Você tem a individuação de um dia de uma estação de um ano de uma vida independentemente da duração de um clima de um vento de uma neblina de um enxame de uma matilha independentemente da 142 regularidade Ou pelo menos você pode têla pode conseguila MP4 p 493 Você pode têla para Deleuze e Guattari os humanos ao menos ao lon go de um determinado plano de existência são mais múltiplos mais transientes e mais nãosubjetiva dos do que somos levados a acreditar Além disso podemos agir sobre nós mesmos para habitar es sas formas nãosubjetivadas de existência Eles cha mam essas formas nãosubjetivadas de hecceida des modos de individuação que não são os de uma substância de uma pessoa ou de um sujeito mas os de uma nuvem de um inverno de uma hora de uma data relações de movimento e de repouso entre moléculas ou partículas poder de afetar e ser afetado MP4 p 47 Entretanto em oposição a essa dimensão ou a esse plano de con sistência que não deve ser pensado como uma estrutura oculta mas como um plano imanente formado apenas da distribuição e da relação entre seus efeitos está um outro plano de organização estratificação territorialização De modo que o plano de organização não pára de trabalhar sobre o plano de consistência ten tando sempre tapar as linhas de fuga parar ou interromper os movimentos de desterritorializa ção lastreálos reestratificálos reconstituir for mas e sujeitos em profundidade Inversamente o plano de consistência não pára de se extrair do plano de organização de levar partículas a fugi rem para fora dos estratos de embaralhar as for mas a golpe de velocidade ou lentidão de quebrar as funções à força de agenciamentos de microa genciamentos MP4 p 60 143 Se a experiência e a relação que temos com nós mesmos não é de movimentos fluxos decomposi ções e recomposições é por causa da localização dos humanos nesse outro plano esse plano de organi zação que tem a ver com o desenvolvimento de for mas e com a formação de sujeitos no interior de agenciamentos3 cujos vetores forças e intercone xões subjetivam o ser humano ao nos reunir em um agenciamento com partes forças movimen tos afectos de outros humanos animais objetos espaços e lugares É nesses agenciamentos que são produzidos os efeitos de sujeito efeitos do fato de sermosreunidosemumagenciamento A subjeti vação é assim o nome que se pode dar aos efeitos da composição e da recomposição de forças práti cas e relações que tentam transformar ou operam para transformar o ser humano em variadas for mas de sujeito em seres capazes de tomar a si pró prios como os sujeitos de suas próprias práticas e das práticas de outros sobre eles Existem sem dúvida muitas dificuldades com essas hipóteses as quais eu retirei de seu contexto para utilizálas em minha própria teorização4 Es tou menos preocupado de qualquer forma em ser fiel a Deleuze e Guattari o que seria uma aspira ção curiosa do que em usar o que eles escreveram como uma plataforma de lançamento para minha própria questão como os humanos são subjetiva dos em quais agenciamentos e como podemos pen sar as práticas psi como um elemento operativo no seu interior Aqueles que utilizam uma teoria do sujeito cujas condições mesmas de possibilidade se situam no interior de um certo regime histórico 144 de subjetivação para explicar esse regime de sub jetivação encontramse em uma situação contraditó ria Essas teorias da subjetividade são desenvolvidas para explicar eventos que aquelas próprias teorias aju daram a produzir eventos que elas plantaram ao lon go de nossa existência localizandoos em uma interioridade que elas próprias ajudaram a cavar Em contraste com essa perspectiva proporei na discus são que se segue uma análise da subjetivação que não utiliza uma metapsicologia para explicar como em um momento histórico e cultural particular nos tornamos o que somos O eu não deveria ser investigado como um es paço contido de individualidade humana limitado pelo envelope da pele que foi precisamente a forma como historicamente ele acabou por conceber sua relação consigo mesmo Por que nossos corpos devem terminar na pele Do século XVII até agora as máquinas podiam ser animadas era possível atri buirlhes almas fantasmas para fazêlas falar ou mo vimentarse ou para explicar seu desenvolvimento ordenado e suas capacidades mentais Essas re lações máquinaorganismo são obsoletas desneces sárias HARAWAY 2000 p 101 De fato a própria idéia a própria possibilidade de uma teoria sobre um corpo separado e envelopado habitado e ani mado por sua própria alma o sujeito o eu a pessoa é parte daquilo que tem que ser expli cado constituindo justamente o próprio horizonte de pensamento que esperamos ultrapassar Se os seres humanos acabaram por se conceber como su jeitos com um desejo de ser com uma predisposi ção ao ser isso não surge como alguns sugerem de 145 algum desejo ontológico sendo em vez disso a re sultante de uma certa história e de suas invenções cf BRAIDOTTI 1994b p 160 Escrever no espíri to de Deleuze significa formular nossas questões em termos daquilo que os humanos podem fazer e não daquilo que eles são Nossas investigações deve riam buscar as linhas de formação e de funciona mento de uma gama de práticas de subjetivação historicamente contingentes nas quais os humanos ao se relacionarem consigo mesmos sob formas par ticulares dotamse de determinadas capacidades tais como compreender a si mesmos falar a si mes mos colocar a si mesmos em ação julgar a si mes mos Essa aquisição de capacidades dáse em conseqüência das formas pelas quais suas forças energias propriedades e ontologias são constituí das e moldadas ao serem utilizadas inscritas e ta lhadas por agenciamentos diversos e ao serem conectadas a agenciamentos diversos Dessa perspectiva a subjetividade não deve cer tamente ser vista como um dado primordial e nem mesmo como uma capacidade latente de um certo tipo de criatura Ela tampouco é algo que deve ser explicado pela socialização pela interação entre de um lado um animal humano biologicamente equipado com sentidos instintos necessidades e de outro um ambiente externo físico interpessoal so cial no qual um mundo psicológico interior é pro duzido pelos efeitos da cultura sobre a natureza Ao contrário sugiro que todos os efeitos da interiorida de psicológica juntamente com uma gama inteira de outras capacidades e relações são constituídos por meio da ligação dos humanos a outros objetos e 146 práticas multiplicidades e forças São essas variadas relações e ligações que produzem o sujeito como um agenciamento elas próprias fazem emergir to dos os fenômenos por meio dos quais em seus pró prios tempos os seres humanos se relacionam consigo próprios em termos de um interior psico lógico como eus desejantes como eus sexuados como eus trabalhadores como eus pensantes como eus intencionais como eus capazes de agir como sujeitos ver ROSE 1995a 1995b cf GROSZ 1994 p 116 Uma forma melhor de ver os sujeitos é como agenciamentos que metamorfoseiam ou mudam suas propriedades à medida que expandem suas co nexões eles não são nada mais e nada menos que as cambiantes conexões com as quais eles são associa dos MP1 p 1637 Sugiro também que a multi plicidade de linhas que tem reunido em uma montagem os seres humanos a diferentes relações no século XX os rizomas que têm conectado apre endido diversificado expandido divergido forma do pontos de entrada pontos de separação e saída para os humanos deve algo importante a esses con ceitos ações autoridades estratificações e ligações para os quais eu utilizei o termo psi A psicologia como um corpo de discursos e prá ticas profissionais como uma gama de técnicas e sistemas de julgamento e como um componente de ética tem uma importância particular em relação aos agenciamentos contemporâneos de subjetivação As disciplinas psi compreendem mais que uma for ma historicamente contingente de representar a rea lidade subjetiva As disciplinas psi no sentido que lhes dou aqui têm feito parte de forma constitutiva 147 das reflexões críticas sobre a problemática do go verno das pessoas de acordo com por um lado sua natureza e verdade e por outro com as exigências da ordem social da harmonia da tranqüilidade e do bemestar Os saberes e as autoridades psi têm gerado técnicas para moldar e reformar os eus as quais têm sido reunidas em um agenciamento com os aparatos dos exércitos das prisões das sa las de aula dos quartos de dormir das clínicas Eles estão presos a aspirações sociopolíticas a so nhos a esperanças e a medos relativamente a questões tais como a qualidade da população a prevenção da criminalidade a maximização do ajus tamento a promoção da autodependência e da ca pacidade de empreendimento Eles têm sido cor porificados em uma proliferação de programas intervenções sociais e projetos administrativos Dessa forma as disciplinas psi estabeleceram uma varie dade de racionalidades práticas envolvendose na multiplicação de novas tecnologias e em sua proli feração ao longo de toda a textura da vida cotidia na normas e dispositivos de acordo com os quais as capacidades e a conduta dos humanos têm se tornado inteligíveis e julgáveis Essas racionalida des práticas são regimes de pensamento por meio dos quais as pessoas podem dar importância a as pectos de si próprias e à sua experiência e regimes de prática por meio dos quais os humanos podem fazer de si próprios seres éticos e dotados de agência definidos de modos particulares como pais professores homens mulheres amantes che fes e por meio de sua associação com vários dispo sitivos técnicas pessoas e objetos8 148 NARRANDO O EU Comecemos com a linguagem Marcel Mauss em seu famoso ensaio sobre a história da noção ou concepção de eu argumentava que essa categoria havia surgido apenas recentemente ressaltando o associado culto do eu e o respeito pelo eu na lei e na moralidade Ele advertia entretanto que não ia dis cutir a questão da linguagem Ele acreditava que não havia nenhuma tribo ou linguagem na qual a palavra eu não existisse na qual ela claramente não representasse algo e que a onipresença do eu se expressa também na linguagem o que é visível na abundância de sufixos posicionais que dizem res peito às relações no tempo e no espaço entre o su jeito falante e aquilo sobre o qual ele fala MAUSS 1979b p 61 Concediase aqui à própria lingua gem efeitos subjetivantes mesmo que os sujeitos assim formados nem sempre refletissem sobre si mesmos como sujeitos no sentido que nossa cultura dá a esse termo Um argumento diferente mas rela cionado com respeito às propriedades subjetivan tes da linguagem foi apresentado por Émile Benveniste o qual colocava uma grande ênfase na capacidade de criação de sujeito que têm os prono mes pessoais Para Benveniste 1971 o eu como sujeito de enunciação forma um locus de subjetiva ção criando uma posição de sujeito um lugar no interior do qual um sujeito pode surgir É através da linguagem argumentava ele que os humanos se constituem a si próprios como sujeitos porque é apenas a linguagem que pode estabelecer a capaci dade de a pessoa se colocar como um sujeito como 149 a unidade psíquica que transcende a totalidade das experiências reais que ela reúne produzindo a per manência da consciência A subjetividade é ape nas a emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem ibidem p 224 A lin guagem tanto torna possível que cada falante se es tabeleça a si mesmo como um sujeito ao se referir a si próprio como eu em seu discurso quanto é tor nada possível por esse mesmo fato As formas pro nominais são um conjunto de signos vazios sem referência a qualquer realidade que se torna ple na quando o falante introduz a si próprio em uma instância de discurso Entretanto precisamente por causa disso o lugar do sujeito é um lugar que tem que ser constantemente reaberto pois não existe qualquer sujeito por detrás do eu que é posiciona do e capacitado para se identificar a si mesmo na quele espaço discursivo o sujeito tem que ser reconstituído em cada momento discursivo de enun ciação cf COWARD ELLIS 1977 p 133 Para o presente objetivo entretanto essa ênfase nas propriedades subjetivantes da linguagem con cebida como um sistema gramatical como uma re lação entre pronomes colocada em jogo em instâncias de discurso é insuficiente A subjetiva ção nunca pode ser uma operação puramente lin güística Devemos concordar aqui com Deleuze e Guattari que a subjetivação nunca é um processo puramente gramatical ela surge de um regime de signos e não de uma condição interna à linguagem e esse regime de signos está sempre preso a um agen ciamento ou a uma organização de poder MP2 p 856 A subjetivação dessa perspectiva deve refe 150 rirse antes de tudo não à linguagem e às suas pro priedades internas mas àquilo que Deleuze e Guat tari chamam seguindo Foucault de um agenciamento de enunciação Em A arqueologia do saber Foucault propôs o termo modalidades enunciativas para conceptualizar as formas sob as quais a linguagem aparece em espaços e épocas par ticulares formas que são irredutíveis às categorias lingüísticas FOUCAULT 1986a Quem pode falar De qual lugar fala Que relações estão em jogo en tre de um lado a pessoa que está falando e o objeto do qual ela fala e de outro aqueles que são os sujei tos de sua fala Podese pensar aqui no regime que em qualquer espaço ou época particular governa a enunciação de um enunciado diagnóstico na medi cina uma explicação científica em biologia um enunciado interpretativo em psicanálise ou uma ex pressão de paixão em relações eróticas Essas enun ciações não são colocadas em discurso por meio de uma função unificante de um sujeito nem tam pouco produzem esse sujeito como uma conse qüência de seus efeitos tratase aqui de uma questão dos diversos status dos diversos lugares das diversas posições que devem ser ocupadas em regimes particulares para que algo se torne dizível audível operável o médico o cientista o terapeu ta o amante FOUCAULT 1986a p 61 Assim as relações entre os signos são sempre reunidas no interior de outras relações O agenciamento só é enunciação só formaliza a expressão em uma de suas faces em sua outra face inseparável ele for maliza os conteúdos é agenciamento maquínico ou de corpo MP2 p 98 151 Dessa perspectiva a própria linguagem mesmo na forma de fala aparece como um agenciamento de práticas discursivas desde contar listar fazer contratos cantar passando pela recitação de preces até emitir ordens confessar comprar uma merca doria fazer um diagnóstico planejar uma campa nha discutir uma teoria explicar um processo Essas práticas não habitam um domínio amorfo e funcio nalmente homogêneo de significação e negociação entre indivíduos elas estão localizadas em locais e procedimentos particulares os afectos e as intensi dades que os atravessam são prépessoais elas são estruturadas em variadas relações que concedem poderes a alguns e delimitam os poderes de outros capacitam alguns a julgar e outros a serem julgados alguns a curar e outros a serem curados alguns a falar a verdade e outros a reconhecer sua autoridade e a abraçála aspirála ou submeterse a ela Logo retornarei a esse argumento Mas à luz do que foi dito até agora quero examinar alguns de senvolvimentos recentes na própria psicologia os quais consideram a subjetivação em relação à lin guagem e que buscam explicar o eu em termos de narrativa as estórias que contamos uns aos ou tros e a nós próprios Não se trata apenas do fato de que dizemos nossas vidas como estórias mas existe um sentido importante no qual nossas relações mútuas são vivi das de forma narrativa GERGEN GERGEN 1988 p 18 Para aquelas pessoas que argumentam des sa forma os eus são realmente constituídos no interior da fala A linguagem aqui é entendida como um complexo de narrativas do eu que nossa 152 cultura torna disponível e que os indivíduos utili zam para dar conta de eventos em suas próprias vidas para dar a si mesmos uma identidade no in terior de uma estória particular para atribuir sig nificado à sua própria conduta e às condutas de outros em termos de agressão amor rivalidade intenção e assim por diante Isto é falar sobre o eu é tanto constitutivo das formas de autoconsciência e de autocompreensão que os seres humanos ad quirem e exibem em suas próprias vidas quanto é constitutivo das próprias práticas sociais na medi da em que essas práticas não podem ser levadas a efeito sem certas autocompreensões Em vez de supor que as relações das pessoas com a natureza e com a sociedade são pouco ou nada afetadas pela linguagem no interior da qual elas são formuladas descobrimos que essas mesmas relações são constituídas pelas formas de fala que as inspiram pelas formas de responsabilização accountability pelas quais elas são por assim di zer mantidas em bom estado Se nos descobri mos agora como vivendo a nós próprios como indivíduos autocontidos autocontrolados não de vendo nada a outros por nossa natureza como tal acabamos por supor que esse é um estado natu ral ou fixo das coisas Em vez disso tratase de uma forma de inteligibilidade historicamente de pendente que exige para sua sustentação conti nuada um conjunto de compreensões partilhadas SHOTTER GERGEN 1989 p x A subjetividade e as crenças sobre os atributos do eu dos sentimentos das intenções são entendi das aqui como propriedades não de mecanismos 153 mentais mas de conversas de gramáticas de fala Elas são possíveis e ao mesmo tempo inteligíveis apenas em sociedades onde essas coisas podem apro priadamente ser ditas por pessoas sobre pessoas A tarefa da psicologia é a de expor nossos sistemas de normas de representação o resto é fisiologia HARRÉ 1989 p 34 As regras de gramática que dizem respeito a pessoas ou ao que Wittgenstein chamou de jogos de linguagem produzem ou in duzem um repertório moral de características rela tivamente duradouras as quais são atribuídas nos habitantes de culturas particulares à pessoalidade Nossa compreensão e nossa experiência de nossa realidade é constituída para nós em grande parte pelas formas pelas quais nós devemos falar em nossas tentativas para dar conta dela SHOTTER 1985 p 168 e devemos falar dessa forma porque as exi gências para cumprir nossas obrigações como mem bros responsáveis de uma sociedade particular têm uma qualidade moralmente coerciva Essas noções de constituição das características da pessoalidade por meio da fala são freqüentemen te consideradas como exigindo uma análise mais explicitamente dialógica Uma análise desse tipo argumentase poderia ela própria servir como uma espécie de crítica de certas formas de falar o eu a referência ao indivíduo solitário serve de forma enganadora para localizar no eu aquilo que é na verdade o produto de um conjunto de relações nós falamos dessa forma sobre nós mesmos porque esta mos presos no interior do que se pode pensar como um texto como um recurso textual desenvolvido de forma cultural o texto do individualismo 154 possessivo para o qual nós aparentemente deve mos moralmente nos voltar quando confrontados com a tarefa de descrever a natureza de nossas ex periências de nossas relações com os outros e com nós mesmos SHOTTER 1989 p 136 Procedimentos práticas ou métodos histórica e culturalmente desen volvidos para a produção de sentido são colocados à nossa disposição como recursos no interior das or dens sociais nas quais fomos socializados ibidem p 143 e ao lançar mão deles e ao usálos em seus encontros as pessoas vêm a conhecer a si próprias como pessoas de um tipo particular por meio de um ato de reconhecimento mútuo A análise aqui toma pois a forma de uma espécie de etnografia intera cional das formas de falar que são utilizadas pe las pessoas ao colocar em ação seus encontros sociais e nos quais elas mutuamente constroemse a si pró prias por meio do gerenciamento do sentido Foi esse caráter dialógico das autonarrativas o fato de que elas são sociais e não individuais que re centemente acabou por se destacar cf HERMANS KEMPEN 1993 Por social como já se terá torna do evidente esses autores querem dizer interpes soal e interacional Assim Mary e Kenneth Gergen argumentam em favor da importância do que eles chamam de autonarrativas estórias sobre os eus culturalmente fornecidas as quais na passagem por suas vidas fornecem os recursos dos quais os indiví duos lançam mão em suas interações mútuas e com eles mesmos As narrativas são na verdade constru ções sociais sofrendo alteração contínua à medida que a interação avança A autonarrativa é um implemento lingüístico construído pelas pessoas em 155 relações para sustentar reforçar ou impedir uma diversidade de ações As autonarrativas são sis temas simbólicos utilizados para propósitos sociais tais como justificação crítica e solidificação social GERGEN GERGEN 1988 p 201 Ao organizar explícita ou implicitamente suas relações consigo mes mos e com outros em termos dessas narrativas um eu é por assim dizer gerado pela estória com o indivíduo escolhendo entre as diferentes formas de narrativa às quais foi exposto A multiplicidade do eu é aqui compreendida como uma conseqüência da proposição de que o indivíduo aloja a capacidade para uma multiplicida de de formas narrativas e domina uma gama de meios de se tornar inteligível por meio de narrati vas de acordo com as exigências feitas na negocia ção da vida social por exemplo de que a pessoa se faça inteligível como uma identidade duradoura integral coerente GERGEN GERGEN 1988 p 35 Mas embora o objeto da autonarrativa seja um só eu seria um engano ver essas construções como o produto ou a propriedade de eus isolados Ao compreender a relações entre eventos em nossa vida apoiamonos no discurso que nasce da troca social e que inerentemente implica uma audiência p 37 Tratase de uma socialidade que é reforçada pelas formas e respostas relacionais que certos modos de falar sobre o eu recebem em trocas contínuas entre as pessoas de vários tipos nas quais os indivíduos negociam conjuntamente teorias particulares sobre si mesmos e sobre outros negociações que assu mem elas próprias certas formas estoriadas cultu ralmente disponíveis 156 Esses estudos sobre o eu que o tomam como sendo construído em narrativas interacionais de acor do com os recursos culturais disponíveis certamen te apreendem algo de importante Se a subjetivação é analisada em termos das relações dos humanos con sigo mesmos os vocabulários discursivamente esta belecidos exercem um papel importante na composi ção e recomposição dessas relações Mas as análises conduzidas sob os pressupostos do construcionis mo social são problemáticas por causa da visão de linguagem que elas sustentam A linguagem nessas análises é vista como fala como constituída de significados situacionalmente negociados entre indi víduos Como fala sua análise segue o modelo ba nal da comunicação ou da falta de comunicação na qual as partes envolvidas os indivíduos humanos utilizam vários recursos lingüísticos palavras ex plicações estórias atribuições para construir mensagens que transmitem intenções ou para mu tuamente afetar persuadir agir Essas análises ines capavelmente colocam o agente humano como o núcleo dessas atividades de produção de sentido ao ativamente negociar sua trajetória através das teorias disponíveis a fim de viver uma vida significativa Por tanto o ser humano é entendido como aquele agen te que se constrói a si próprio como um eu ao dar à sua vida a coerência de uma narrativa Evidentemen te o eu simplesmente em virtude de ser capaz de se narrar a si próprio em uma variedade de formas é implicitamente reinvocado como um exterior ineren temente unificado relativamente a essas comunica ções Isso nos faz lembrar a observação de Nietzsche de que um pensamento vem quando ele quer e não 157 quando eu quero Isso pensa mas que este isso seja precisamente o velho e decantado eu é dito de maneira suave apenas uma suposição uma afir mação e certamente não uma certeza imediata NIETZSCHE 1992 1886 p 23 Entretanto o que nossos psicólogos radicais invocam é na verda de o velho e familiar eu aquele reconfortante eu da filosofia humanista que é o ator que interage com outros em um contexto cultural e lingüístico a pessoa em quem os efeitos de sentido comunica ção assumem sua forma com todos os pressupos tos que o acompanham pressupostos que afirmam a singularidade e o caráter cumulativo do tempo vivido da consciência Tratase do eu da hermenêu tica do eu da fenomenologia agora sendo postula do aqui como a solução para o problema de como poderia ele próprio constituir uma possibilidade9 Obviamente seria absurdo colocar a análise pro duzida por lingüistas como Benveniste nesse mes mo campo hermenêutico Seu trabalho é refrescante como um copo dágua tomado depois do adocica do humanismo dos construcionistas sociais exi gindo uma atenção mais generosa e produtiva do que a que eu serei capaz de dar aqui É hora entre tanto de questionar toda a tirania da linguagem da comunicação do significado desde há mui to invocados pelas ciências sociais no curso de suas pretensões a se distinguirem das ciências na turais supostamente em virtude da natureza espe cial de seu objeto Ao tentar explicar nossa história e nossa especificidade não é para o domínio dos signos dos significados e das comunicações que devemos nos voltar mas para a analítica das técnicas 158 das intensidades das autoridades e dos aparatos Análises como as que estive discutindo aqui atribu em coisas demasiadas à linguagem como comunica ção e absolutamente nada à linguagem como agenciamento Pode ser relativamente fácil não di zer mais eu mas sem com isso ultrapassar o regime de subjetivação e inversamente podemos continuar a dizer Eu para agradar e já estar em um outro regi me onde os pronomes pessoais só funcionam como ficções MP2 p 95 Se a linguagem está organiza da em regimes de significação por meio dos quais ela se distribui ao longo de espaços épocas zonas e es tratos e se ela está agenciada em regimes práticos de coisas corpos e forças então devese conceber a cons trução discursiva do eu de uma forma bem diferen te Quem fala de acordo com que critérios de verdade de quais lugares em quais relações agindo sob quais formas sustentado por quais hábitos e rotinas auto rizado sob quais formas em quais espaços e lugares e sob que formas de persuasão sanção mentiras e crueldades Em relação às disciplinas psi esses são precisamente os tipos de questões com que devemos lidar a emergência de práticas locais e regimes de enunciação que dão poder a certas autoridades para falar nossa verdade na linguagem da psique os regi mes que constituem a autoridade por meio de uma relação com aqueles que são seus sujeitos como pa cientes analisandos clientes fregueses as paisagens os edifícios as salas os arranjos desenhados para es ses encontros desde as salas de consulta até as enfer marias dos hospitais os vetores afetivos da compulsão da sedução do contrato e da conversão que fazem a conexão das linhas 159 Isto é não se trata de uma questão sobre o que uma palavra uma sentença uma estória ou um li vro quer dizer ou o que significa mas antes sobre com o que ele funciona em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades em que mul tiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua multiplicidade MP1 p 12 Isso não significa voltar as costas para a linguagem ou para todos os instrutivos estudos que têm sido conduzidos sob os auspícios de uma certa noção de discurso ou que têm desenvolvido a analítica da retórica Mas signi fica sugerir que essas análises são mais instrutivas quando se focalizam não no que a linguagem signi fica mas no que ela faz que componentes de pen samento ela coloca em conexão que vínculos ela desqualifica o que capacita os humanos a imaginar a diagramar a fantasiar uma determinada existên cia a se reunirem em um agenciamento os sexos com seus gestos formas de andar de vestir de so nhar de desejar as famílias com suas mamães seus papais seus bebês suas necessidades e suas desilu sões as máquinas de curar com seus médicos e pa cientes seus órgãos e suas patologias as máquinas psiquiátricas com suas arquiteturas reformatórias suas grades de diagnóstico sua mecânica de inven ção e suas noções de cura10 Em qualquer circunstância devemos reconhe cer que a linguagem não é de forma alguma pri mária na produção de pessoas Em primeiro lugar a linguagem é obviamente mais que apenas fala daí a importância que é bem reconhecida da in venção da escrita pela qual os humanos são capazes de se tornar máquinas escreventes por meio do 160 treinamento da mão e do olho por meio da fabri cação de instrumentos tais como os estilos os pin céis as penas por meio de um certo conjunto de hábitos corporais por meio de um modo de com por e decifrar por meio de uma relação com a su perfície mais ou menos transportável de inscrição Ao escrever o ser humano tornase capaz de novas coisas fazer listas enviar mensagens acumular in formação a partir de locais distantes em um único lugar e em um único plano e de comparar tabular mudanças diferenças e similaridades estendendo novas linhas de força GOODY WATT 1968 Goody 1977 p 52111 ONG 1982 A invenção da im prensa torna possível a generalização de máquinas de leitura e uma variedade de novas coisas se torna pensável novas formas de compreender o lugar dos humanos em uma cosmologia por meio de cálculo dos movimentos dos corpos celestes por exemplo ou novas formas de praticar a espiritualidade em re lação ao livro sagrado EISENSTEIN 1979 A in venção de técnicas por meio das quais os humanos desenvolvem a capacidade de calcular torna similar mente os humanos capazes de novas coisas discipli na o pensamento e as autorelações de uma forma distintiva previsão e prudência por exemplo quan do se calcula a situação financeira futura na forma de um orçamento e é similarmente dependente de téc nicas e aparatos agenciamentos maquinados nos quais as forças do humano são criadas e estabiliza das CLINECOHEN 1982 cf ROSE 1991 Platão como é bem sabido expressou reservas sérias à escrita concebendoa não apenas como in ferior à palavra falada escrita na alma do ouvinte 161 para capacitálo a aprender sobre o certo o bem e o bom mas também como destrutiva das artes da retórica e da memória PLATÃO Fedro 278a Mas a memória não deveria ser contraposta à escrita como algo imediato natural como uma capacidade psi cológica universal mas vista em termos daquilo que Nietzsche chamou de mnemônica NIETZSCHE 1998 1887 p 51 cf GROSZ 1994 p 1315 Esse termo referese aos aparatos pelos quais se marca a ferro em brasa o passado em si próprio tornando o disponível como uma advertência um consolo um aparato de negociação uma arma ou uma feri da Jamais deixou de haver sangue martírio e sa crifício quando o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória NIETZSCHE 1998 p 51 As preocupações de Nietzsche são com as varieda des históricas de punição cruel como exemplos do preço pago pelos seres humanos para fazêlos supe rar seu esquecimento e reter na memória cinco ou seis não quero a fim de viver os benefícios da sociedade p 52 Não se trata de uma questão para meus propósitos da validade das asserções ge nealógicas específicas de Nietzsche elas são certa mente problemáticas Mas a noção de mnemônica abre um campo muito importante de investigação para o agenciamento de sujeitos Frances Yates mos trou de forma convincente que a memória pode ser entendida como uma arte ou uma série de técni cas inculcadas na forma de procedimentos particula res uma arte que foi revivida e ampliada na Idade Média e envolvia técnicas tais como a invenção de lugares ou espaços nos quais itens de saber ou experiência eram colocados e que poderiam ser recuperados pelo 162 sujeito ao fazer um passeio imaginário através deles YATES 1966 cf HIRST WOOLEY 1982 p 39 As práticas da pedagogia têm obviamente inventado toda uma gama de outras técnicas de memória bus cando inculcálas nas salas de aula tendo proliferado ao longo da experiência de quase todos os humanos contemporâneos e tendo sido elas próprias alimenta das pelas disciplinas psi Mas reconhecer o êxito téc nico e prático da memória é apenas um primeiro passo essas técnicas da memória não são limitadas pelo envelope da pele do sujeito e muito menos pelo volume de seu cérebro Não apenas os golpes a tor tura os sacrifícios que Nietzsche descobre como cons tituindo as raízes impuras de nossos aparentemente bálsamos morais puros mas também juramentos ri tuais canções escritas livros gravuras bibliotecas dinheiro contratos dívidas edifícios projetos de ar quitetura a organização do tempo e do espaço tudo isso e muito mais estabelece a possibilidade de que um passado mais ou menos imaginário possa ser reevocado no presente ou no futuro em locais par ticulares Isto é a memória é ela própria agenciada A memória que temos de nós próprios como um ser com uma biografia psicológica uma linha de desen volvimento da emoção do intelecto da vontade do desejo é produzida por meio dos álbuns de fotogra fia de família a repetição ritual de estórias o dossiê real ou virtual dos boletins escolares a acumulação de artefatos e a imagem o sentido e o valor que lhes são vinculados As disciplinas psi obviamente têm adotado e desenvolvido as tecnologias da memória desde ao menos a época de Mesmer e têmse envolvido em 163 toda uma história de competição sobre o status das memórias assim produzidas MESMER 1799 1957 A memória foi central às concepções de de sordem nervosa antes que Freud anunciasse que a histérica sofria de reminiscências e levantasse a pos sibilidade de que a memória podia não distinguir entre experiência e fantasia Por pelo menos um sé culo as asserções das disciplinas psi sobre a memó ria têm sido controversas precisamente porque as memórias em questão pareciam ser o produto de suas tecnologias nãonaturais das quais a hip nose e a associação livre constituíam apenas dois exemplos As dificuldades contemporâneas da mnemotécnica psi são exemplificadas naquilo que se poderia chamar de crise de memória em tor no da produção por meio das tecnologias da psi coterapia das anteriormente ausentes memórias da violência contra crianças memórias falsas me mórias recuperadas6 As disputas sobre essa ques tão revelam ao menos em parte a dificuldade de reconhecer que aquilo que é lembrado só o é por meio do envolvimento dos humanos com as tecno logias da memória Certas dessas tecnologias que continuam estranhas e malignas a muitas culturas têm sido naturalizadas em nossa própria cultura espelhos retratos inscrições duráveis por exemplo diários cartões de aniversário e cartas que servem de substitutos para eventos passados mas não esquecidos romances narrativos fotografias agora talvez o vídeo da gravidez de nossa mãe e o mo mento de nosso nascimento Muitas daquelas tec nologias inventadas na genealogia das disciplinas psi embora surpreendentemente não sejam aparatos 164 de memórias tais como a história de caso da medi cina continuam tendo um status problemático ain da não naturalizado mas mesmo assim são vistas como suspeitas por causa de sua associação com a tecnologia aparentemente antinatural que as fizeram nascer Mas me é possível ser umapessoacomme mória tãosomente em virtude de eu terentrado emcomposição com esses elementos heterogêneos a memória no sentido em que faz uma diferença nas formas pelas quais os humanos agem e se rela cionam consigo mesmos é uma propriedade de máquinas de lembrar A memória a habilidade de cálculo a escrita sim plesmente exemplificam o fato de que as análises da linguagem que se centram na questão do significa do concedem demasiada autonomia à semântica e à sintática e dão muito pouca atenção às práticas si tuadas que intimam inscrevem incitam certas re lações da pessoa consigo mesma Elas ignoram os aparatos de inscrição desde livros de estória tabe las gráficos listas e diagramas até vitrais e fotogra fias desenho de salas e peças de equipamento tais como aparelhos de televisão e fogões Esses apara tos constituem tecnologias culturais que funcionam como formas de codificar estabilizar e intimar se res humanos Eles vão além do envelope da pessoa perduram em locais práticas rituais e hábitos par ticulares e não estão localizados em pessoas particu lares nem são intercambiados de acordo com o modelo da comunicação Assim embora as linguagens os vocabulários e as formas de julgamento sejam indubitavelmente de imensa importância em intimar e estabilizar certas 165 relações da pessoa consigo mesma eles não deve riam ser entendidos como sendo primariamente in tencionais e interacionais Aquilo que torna qualquer intercâmbio particular possível surge de um regime de linguagem o qual está alojado em práticas que apreendem o ser humano sob variadas formas que inscrevem organizam moldam e exigem a produ ção da fala médica legal econômica erótica do méstica espiritual Mas essa referência às práticas e aos agenciamentos dos quais a linguagem faz parte chama a atenção para outra das inescapáveis debilidades das estórias psicológicas do eu nar rado Quando a linguagem nessas explicações é vista como algo situado ela o é apenas ao modo wittgensteiniano vago de formas de vida nas quais a responsabilização accountability funciona para tornar possíveis as ações Essas dispensáveis re ferências a formas de vida são pouco adequadas à tarefa O que precisa ser analisado é o modo da re lação consigo mesmo que é intimado nas práticas e nos procedimentos nos vínculos nas linhas de for ça e nos fluxos definidos que constituem pessoas e as atravessam e as circundam em maquinações par ticulares de força para trabalhar para curar para reformar para educar para trocar para desejar não apenas para responsabilizar accounting mas para manter como responsabilizável Não se trata de um apelo por uma localização mais delicada e sutil da comunicação em seu contexto social mas por uma rejeição da forma binária que separa a linguagem de seu contexto apenas para reinserila contextual mente em um mundo que é reduzido a uma espécie de pano de fundo cultural para o significado 166 Uma vez tecnicizadas maquinadas e localiza das em lugares e práticas emerge uma imagem di ferente do processo de construção de pessoas As pessoas funcionam aqui como uma forma ines capavelmente heterogênea como arranjos cujas ca pacidades são fabricadas e transformadas por meio de conexões e ligações nas quais elas são apreendi das em locais e espaços particulares Não se trata portanto de um eu que emerge por meio da narra ção de estórias mas antes de examinar o agencia mento de sujeitos de sujeitos combatentes em máquinas de guerra de sujeitos laborais em máqui nas de trabalho de sujeitos desejantes em máquinas de paixão de sujeitos responsáveis nas variadas má quinas da moralidade Em cada caso a subjetivação em questão não é um produto nem da psique nem da linguagem mas de um agenciamento heterogê neo de corpos vocabulários julgamentos técnicas inscrições práticas ANATOMIAS IMAGINÁRIAS Sugeri anteriormente que podemos produzir mais em termos de inteligibilidade se consideramos a questão da subjetivação menos em termos de que tipo de sujeito é produzido um eu um indivíduo um agente e mais em termos daquilo que os hu manos são capacitados a fazer por meio das formas pelas quais eles são maquinados ou compostos Aquilo que os humanos estão capacitados a fazer não é intrínseco à carne ao corpo à psique à men te ou à alma está constantemente deslocandose e mudando de lugar para lugar de época para época 167 com a ligação dos humanos a aparatos de pensa mento e ação desde a mais simples conexão entre um órgão ou uma parte do corpo e outro em ter mos de uma anatomia imaginária até aos fluxos de força tornados possíveis pelas ligações de um órgão com uma ferramenta com uma máquina com partes de outro ser humano ou de outros seres hu manos em um espaço montado tal como um quarto de dormir ou uma sala de aula Dessa perspectiva as questões a serem tratadas têm a ver não com a cons tituição do eu mas com as ligações estabelecidas entre de um lado o humano e de outro outros hu manos objetos forças procedimentos as conexões e fluxos tornados possíveis as capacidades e os devi res engendrados as possibilidades assim impedidas as conexões maquínicas formadas que produzem e canalizam as relações que os humanos estabelecem consigo mesmos os agenciamentos dos quais eles formam elementos condutos recursos ou forças cf GROSZ 1994 p 165 MP1 p 91 Ao pensar dessa forma podemos ler ao contrá rio por assim dizer os muitos e recentes textos que buscam fundamentar sua analítica de relações de poder e formas de saber sobre o corpo A corpo reidade humana como muitas vezes se sugere pode fornecer a base para uma teoria da subjetivação da constituição dos desejos das sexualidades e das di ferenças sexuais dos fenômenos de resistência e agên cia Os seres humanos são afinal como afirmam esses argumentos corporificados a despeito de todas as tentativas dos filósofos desde o Iluminismo para descrevêlos como criaturas de razão e para afir mar que essa capacidade para raciocinar afasta os 168 humanos ou ao menos os humanos masculinos quase que inteiramente de suas características como criaturas E embora aceitando que a corporeidade não dá qualquer forma essencial ou estável à subje tividade como poderíamos negar a asserção dessas análises de que é sobre esse material bruto do cor po que a cultura trabalha sua constituição da sub jetividade Embora abjurando todas as formas de essencialismo como poderíamos discordar da as serção de que as formas da subjetividade são irrecu peravelmente marcadas pela facticidade biológica de corpos sexuados de corpos infantis que são incapa zes de automanutenção de todos os corpos que comem bebem copulam defecam deterioram e morrem por exemplo BUTLER 1990 1993 Essa ambivalência está resumida na asserção de Braidotti de que o ponto de partida para as redefinições fe ministas da subjetividade é uma nova forma de ma terialismo que coloca ênfase na estrutura corporificada e portanto sexualmente diferenciada do sujeito falante 1994a p 199 ênfase minha E tal é a aparente compulsão de uma tal forma de pensar que mesmo uma escritora antinaturalista como Elizabeth Grosz que quer questionar todos os essencialismos e todos os binarismos sugere que o corpo é o material sobre o qual a cultura a his tória e a técnica escrevem e portanto a bifurcação de corpos sexuados é um universal cultural irredutí vel GROSZ 1994 p 160 Mas o corpo é ele próprio um fenômeno his tórico Nossa presente imagem dos lineamentos e da topografia do corpo seus órgãos processos fluidos vitais e fluxos é o resultado de uma história 169 cultural científica e técnica particular As proprie dades do corpo andar sorrir cavar nadar não são propriedades naturais mas conquistas técnicas MAUSS 1979a Mesmo o caráter aparentemente natural dos limites e das fronteiras do corpo que parece definir como que inevitavelmente a coerên cia de uma unidade orgânica é um fato recente e pertence a uma cultura específica FOUCAULT 1994 cf GROSZ 1994 sobre a história da noção de ima gem do corpo E quanto aos dois sexos há tan tos estudos históricos mostrando quão diversa é essa aparentemente imutável divisão que trabalhos in telectuais estiveram implicados em estabilizála na forma da natureza duplicada do corpo masculino e do corpo feminino em fazer de nosso desejo sexual nosso desejo secreto conectando prazer sexo vonta de saber reprodução e companheirismo em uma sexualidade ciborgue que acabamos por habitar como sendo nossa verdade por exemplo FEHER NADAFF TAZI 1989 LAQUEUR 1990 BROWN 1989 cf VALVERDE 1985 sobre nossa fabricação como sujeitos sexualmente desejantes Daí que gran de parte da recente ênfase na escrita feminista sobre o corpo e sobre a corporificação conserva a própria analítica que busca subverter deslocando a normali zação iluminista das propriedades da razão e da abstração ao simplesmente inverter o velho tropo de que as mulheres são mais corpóreas mais car nais mas retendo entretanto a carne como a pers pectiva governante da razão feminista Mas os corpos são sempre corpos pensados ou corpospensa mento algum dia talvez nós viremos a olhar re trospectivamente para o sexopensamentocorpo 170 que tanto tem afetado nosso próprio século nossa própria repetitiva e cansativa ansiedade sobre nos sos corpos sexuais nossos compromissos com a di ferença de gênero que nos marca tão indelevelmente as forças transgressivas e os poderes restauradores do sexual e tudo o resto com um certo deleite per verso cf FOUCAULT 1985a Abandonemos pois esse carnalismo do cor po de uma vez por todas10 O corpo é muito menos unificado muito menos material do que costu mamos pensar É possível pois que não exista essa coisa de o corpo um envelope limitado que pode ser revelado para conter no seu interior uma pro fundidade e um conjunto de operações que funcio nem à maneira de uma lei Deveríamos estar preocupados não com corpos mas com as ligações estabelecidas entre superfícies forças e energias par ticulares Em vez de falar de o corpo precisaría mos analisar apenas como um particular regime de corpo foi produzido descrevendo a canalização de processos órgãos fluxos conexões bem como o alinhamento de um aspecto com outro Em vez de o corpo temse pois uma série de máquinas possíveis agenciamentos de dimensões variadas de humanos com outros elementos e materiais co nectados a livros para formar uma máquina literá ria a ferramentas para formar uma máquina de trabalho a bens para formar uma máquina de con sumo O corpo é pois não uma totalidade or gânica que é capaz de expressar globalmente a subjetividade uma concentração das emoções atitu des crenças ou experiências do sujeito mas um agen ciamento de órgãos processos prazeres paixões 171 atividades comportamentos ligados por tênues li nhas e imprevisíveis redes a outros elementos seg mentos e agenciamentos GROSZ 1994 p 120 E os próprios órgãos são tácteis o olho o nariz o ouvido o tato reúnem pensamento e objeto em sensuais relações de contato troca e interpenetra ção criando uma multiplicidade de novos sentidos através de cada qual reluzem momentos de cone xão mimética simultaneamente corporificados e mentalizados simultaneamente individuais e sociais TAUSSIG 1993 p 23 embora o argumento seja de Taussig ele está discutindo aqui o trabalho de Walter Benjamin Nosso regime de corporeidade deveria assim ele próprio ser visto como a resultante instável dos agen ciamentos nos quais os humanos são surpreendidos induzindo uma certa relação consigo mesmos como corporificados tornando o corpo organicamente uni ficado atravessado por processos vitais diferencian do hoje por meio do sexo em grande parte de nossa história por meio da raça dandolhe uma certa profundidade e um certo limite equipandoo com uma sexualidade estabelecendo as coisas que ele pode e não pode fazer definindo sua vulnerabilidade em relação a certos perigos tornandoo praticável a fim de amarrálo a práticas e a atividades sobre o corpo da mulher ver por exemplo LAQUEUR 1990 DU DEN 1991 sobre o corpo racializado ver GILMAN 1985 A questão de Deleuze que para ele era a ques tão de Spinoza De que um corpo é capaz o que ele pode fazer que afectos ele pode ter como esses afectos reforçam enfraquecem capacitamno de diferentes formas como o multiplicam como o 172 metamorfoseiam é um ponto de partida DELEUZE 1992b cap 14 Mas isso apenas na medida em que concordemos que um corpo não é o corpo mas apenas uma relação particular capaz de ser afe tada de formas particulares Tratase de uma ques tão de órgãos de músculos de nervos de aparelhos que são eles próprios enxames de células em troca constante entre si ligando e separando morrendo reconfigurando conectando e combinando onde o lado de fora de um é simultaneamente o lado de dentro de outro Tratase também de uma questão de cérebros hormônios moléculas químicas que conectam e transformam as capacidades das várias partes excitandoas coordenandoas fundindoas ou desligandoas Esses agenciamentos não são delineados pelo envelope da pele mas ligam o lado de fora e o lado de dentro visões sons aromas toques coleções juntandoos com outros elementos ma quinando desejos afecções tristeza terror e até mesmo morte Consideremos as variadas maquina ções das quais o corpo é capaz a coragem do guer reiro na batalha a ternura ou a violência do amante a resistência do prisioneiro político sob tortura as transformações efetuadas pelas práticas da ioga a experiência da morte vodu as capacidades de tran se que tornam os órgãos capazes de suportar quei maduras ou de recuperarse de feridas Não se trata de propriedades de o corpo mas de maquinações do corpo pensado cujos elementos órgãos for ças energias paixões temores são reunidos por meio de conexões com palavras sonhos técnicas cantos hábitos julgamentos armas ferramentas grupos 173 Isso não significa sugerir que os humanos possam ser anjos que possam voar pelas janelas ou que possam movimentarse como minhocas mas que apelos materialistas à corporeidade como o ma terial sobre o qual a cultura trabalha não são coi sas boas para pensar Os corpos são capazes de muita coisa em virtude ao menos em parte de serem pensados e nós não sabemos os limites do que essas máquinascorpopensamento são capa zes11 Se nos tornamos criaturas psicológicas não foi por causa do caráter dado de um interior nem por causa dos significados de uma cultura mas por causa das formas pelas quais em tantos locais e práticas os vetores psi acabaram por atravessar e por ligar essas maquinações Duas metáforas para as maquinações dos cor possujeito foram recentemente propostas perfor matividade e inscrição Judith Butler propôs a noção de performatividade ao desenvolver uma análise da construção da identidade de gênero que não su põe qualquer sujeito essencial ou prédado situado por detrás de suas ações Para Butler não precisa mos nenhuma teoria da identidade de gênero por detrás de expressões de gênero a identidade é per formativamente constituída pelas próprias expres sões que se supõe ser seus resultados BUTLER 1990 Sua noção de performatividade baseiase aqui em Austin e Derrida para argumentar que o gênero é o resultado de atos performativos Um ato performativo é aquele que faz nascer ou coloca em ação aquilo que nomeia marcando assim o poder constitutivo ou produtivo do discurso Para que um performativo funcione ele deve basearse e 174 recitar um conjunto de convenções lingüísticas que têm tradicionalmente funcionado para assegurar ou implicar certos tipos de efeitos BUTLER 1995 p 134 O gênero é pois uma fantasia instituída e inscrita na superfície de nossos corpos constituí do por meio dos efeitos de significação engendra dos pelas perfomances da linguagem 1990 p 136 Mas essa noção de performatividade limitase a si própria ao manter a ênfase no lingüístico Conside remos este argumento sobre a performance da fe minilidade o qual devo a Susan Bordo BORDO 1993 p 1912 Sentese em uma cadeira reta Cruze suas pernas na altura dos tornozelos e mantenha seus joelhos pressionados um contra o outro Tente fazer isso enquanto está conversando com alguém mas tente o tempo todo manter seus joelhos fortemente pressionados um contra o outro Corra uma cer ta distância mantendo seus joelhos juntos Você descobrirá que terá que dar passos curtos altos Ande por uma rua da cidade Olhe em direção reta para a frente Toda vez que um homem pas sar por você desvie seu olhar e não mostre ne nhuma expressão no rosto Transformarse em uma pessoa dotada de gê nero como reconhece Butler juntamente com muitas outras pessoas significa seguir uma prescri ção meticulosa e continuamente repetida da condu ta da aparência da fala do pensamento da vontade do intelecto na qual as pessoas são reunidas em uma montagem não apenas ao serem conectadas com os vocabulários mas também com regimes de conduta 175 andar olhar fazer gestos com artefatos roupas sapatos maquiagem automóveis panelas instru mentos para escrever livros com espaços e lugares salas de aula bibliotecas estações de trem museus e com os objetos que os habitam mesas cadeiras livros plataformas vitrines A performatividade ao menos no sentido do modelo da enunciação lin güística em que é definida em termos de citações e convenções é uma imagem bastante enganadora para pensar esse processo de montagem da pessoa é necessário insistir que nós não somos constituídos pela linguagem Tampouco é suficiente uma imagem lingüística diferente a da escrita ou da inscrição Essa noção é utilizada tanto por Butler quanto por Grosz para descrever a relação entre por um lado o corpo e suas superfícies concebidos como marcados ins critos gravados e por outro o traçado de textos pedagógicos jurídicos médicos e econômicos de leis e práticas na carne a fim de entalhar um sujeito social como tal um sujeito capaz de trabalho de produção e manipulação um sujeito capaz de agir como um sujeito e ao mesmo tempo capaz de ser decifrado interpretado compreendido GROSZ 1994 p 117 Em vez de pensar em uma analítica da inscrição na qual a cultura seria escrita na carne considero ser mais útil pensar em termos de tecno logia Na verdade como sugeri a linguagem a es crita a memória podem ser elas próprias vistas como elementos de uma técnica cada uma delas implicando verdades técnicas gestos hábitos apara tos reunidos por meio do treinamento em uma mon tagem e inseridos em associações mais ou menos 176 duráveis Poderemos compreender melhor as práti cas de subjetivação se as concebermos em termos das complexas interconexões técnicas e linhas de força que se estabelecem entre componentes hete rogêneos incitando tornando possível e estabilizan do relações particulares conosco mesmos em locais e lugares específicos As tecnologias da subjetivação são pois as maquinações as operações pelas quais somos reunidos em uma montagem com instru mentos intelectuais e práticos componentes enti dades e aparatos particulares produzindo certas formas de serhumano territorializando estratifi cando fixando organizando e tornando duráveis as relações particulares que os humanos podem ho nestamente estabelecer consigo mesmos Não existe nenhuma necessidade de supor qual quer meio de propulsão por detrás de todas essas tecnologias nem qualquer força ou desejo primor dial que circule por esses agenciamentos fazendo com que seja possível que eles se movam ajam mudem resistam sofram mutações A assim cha mada questão da agência coloca um falso proble ma Para dar conta da capacidade para agir não precisamos de nenhuma teoria do sujeito que seja anterior e que resista àquilo que a apreenderia tais capacidades para a ação surgem dos regimes e tec nologias específicos que maquinam os humanos de variadas formas nesse caso estou de acordo com BUTLER 1995 p 136 A heterogeneidade dessas prá ticas e técnicas seus múltiplos conflitos divergênci as interconexões e alianças as diferentes promessas que elas fazem e as variáveis exigências que elas repre sentam para o ser humano podem produzir todos 177 os efeitos de resistência apropriação utilização transformação e transgressão que os teóricos do pós moderno têm ressaltado sem a necessidade de in vocar uma concepção unificante de agência humana Para dizêlo de outra forma a agência é ela própria um efeito um resultado distribuído de tecnologias particulares de subjetivação as quais in vocam os seres humanos como sujeitos de um certo tipo de liberdade e fornecem as normas e técnicas pelas quais aquela liberdade deve ser reconhecida agenciada e exercida em domínios específicos Na verdade as disciplinas psi tiveram ao longo do sé culo passado um papel bastante particular na cria ção das condições para a emergência da nossa capacidade de nos relacionar conosco mesmos como certo tipo de agente como personagens por exemplo com funções nervosas as quais quando moldadas pelo efeito do hábito e da influência so bre a constituição da pessoa produzia a impulsivi dade ou o controle dependendo do caso se a pessoa era homem ou mulher amo ou ama trabalhador temporário funcionário ou servo cf SMITH 1992 cap 1 ao longo do século XX como personalida des como um tipo que estava em posse de certos traços manifestados nas formas pelas quais a pes soa reagia à experiência expressava seus sentimen tos e se associava a artefatos gostos formas de vestir estilos de gesticulação e expressão na segunda meta de do século XX como agentes livres de escolha e autodesenvolvimento em guerra contra todas as máquinas que nos maquinariam como bons sujeitos da burocracia e do conformismo que diminuiriam 178 nossa autoestima e impediriam nosso autodesen volvimento Para nossa própria cultura a agência é obvia mente parte de uma experiência de internalidade ela parece acumularse e emergir de nossas pro fundidades de nossos instintos desejos ou aspira ções interiores Não há dúvida de que nem sempre foi assim A clássica interpretação da Ilíada e da Odisséia feita por E A Dodds sugere que a des crição homérica dos humanos é mais do que uma questão de convenção estética os humanos para Homero eram agenciamentos dispersos cujos ele mentos eram a psyche alma a thumos vontade e o noos intelecto cada um deles com seu modo inde pendente de operação A ação era entendida não em termos de qualquer faculdade interna da agên cia mas em termos de forças tais como ate que obrigavam a pessoa a um curso particular de ação por meio da intervenção dos deuses das deusas do Destino das Fúrias de sonhos e visões DODDS 1973 cf HIRST E WOOLLEY 1982 Esses exemplos poderiam obviamente ser multiplicados os pode res explicativos das vozes das deidades ou dos de mônios os efeitos motivadores dos xamãs e dos rituais e mais próximo de nós talvez as conseqüên cias das multidões ou bandos em arrebatar o indiví duo em um novo e multicéfalo agente com uma única ainda que maligna vontade A agência é sem dúvida uma força mas é uma força que sur ge não de qualquer propriedade essencial de o su jeito mas das formas pelas quais os humanos têm se reunido em um agenciamento 179 ALMAS DOBRADAS Se hoje vivemos nossas vidas como sujeitos psi cológicos que vemos como sendo a origem de nossas ações se nos sentimos obrigados a nos colocar a nós próprios com sujeitos com uma certa e desejada on tologia uma vontade de ser isso se deve às formas pelas quais relações particulares do exterior têm sido invaginadas dobradas para formar um lado de den tro ao qual um lado de fora deve sempre fazer re ferência Uma vez mais é Deleuze quem refletiu mais instrutivamente sobre uma filosofia da do bra DELEUZE 1992a 1992b veja especialmente o uso dessa noção em sua discussão da subjetivação em seu livro sobre Foucault DELEUZE 1988 p 94 123 O que importa sempre é dobrar desdobrar redobrar DELEUZE 1992a p 137 O conceito de dobra pode fazer surgir um diagrama generalizável para pensar as relações as conexões as multiplicida des e as superfícies sua formação de profundidades singularidades estabilizações Esse diagrama da do bra descreve uma figura na qual o lado de dentro o subjetivo é ele próprio não mais que um momento ou uma série de momentos por meio do qual uma profundidade foi constituída no ser humano A pro fundidade e sua singularidade não são pois mais do que aquelas coisas que foram escavadas para criar um espaço ou uma série de cavidades plissados e cam pos que só existem em relação àquelas mesmas for ças linhas técnicas e invenções que as sustentam As linguagens as técnicas os locais institucio nais e as relações enunciativas da medicina clínica 180 introduziram dobras profundas no corpo o lado de dentro do lado de fora o lado de dentro como uma operação do lado de fora como sugere Deleuze em sua discussão da arqueologia que Foucault faz do olhar clínico Ou de novo em relação às técnicas éticas introduzidas pelos gregos essas devem ser entendidas no sentido de que a relação consigo ad quire independência É como se as relações do lado de fora se dobrassem se curvassem para formar um forro e deixar surgir uma relação consigo constituir um lado de dentro que se escava e desenvolve segun do uma dimensão própria DELEUZE 1991 p 107 Uma vez que essa nova dimensão tenha sido estabe lecida o sujeito é agenciadomontado de novas for mas em termos de um problema de autodomínio fazendo com que incida sobre si mesmo aquele lado de dentro atuando sobre si mesmo o poder que fazemos incidir sobre outros Nesse mesmo proces so o poder que se faz incidir sobre os outros é recon figurado como uma relação de poder entre o lado de dentro da gente e o lado de dentro do outro Esse lado de dentro singularizado e dobrado é assim inevitavelmente estabilizado não em relação a um domínio de processos psicológicos mas em relação a uma configuração de forças corpos edifí cios e técnicas que o mantêm no lugar Para os gre gos isso compreendia todo o aparato de formação ética estabelecido na cidade as relações de família os tribunais os jogos de poder e de lazer e as rela ções eróticas por meio dos quais aqueles varões que exerciam o poder eram agenciados Eis o que fize ram os gregos dobraram a força sem que ela dei xasse de ser força Eles a relacionaram consigo 181 mesma Longe de ignorarem a interioridade a in dividualidade a subjetividade eles inventaram o su jeito mas como uma derivada como o produto de uma subjetivação DELEUZE 1991 p 108 Essa relação consigo mesmo esse dobramento que pro duz os efeitos de subjetivação não é algo passivo De novo como observa Deleuze ela é criada ape nas ao ser praticada ao ser levada a efeito ao se envolver com as técnicas de governo do corpo e de controle da dieta com as técnicas de sexualidade com os estilos de jogo e esporte com a oratória e a exposição em público Embora tivessem inventa do uma formulação particular dessa dimensão da relação do ser consigo mesmo os gregos não fo ram de forma alguma os últimos nem provavel mente os primeiros a fazêlo em vez disso o que eles exemplificam é uma forma particular de uma relação mais geral uma relação na qual a subjetiva ção é sempre uma questão de dobramento O hu mano não é nem um ator essencialmente dotado de agência nem um produto passivo ou um marionete de forças culturais a agência é produzida no curso das práticas sob toda uma variedade de restrições e relações de força mais ou menos onerosas mais ou menos explícitas punitivas ou sedutoras mais ou menos disciplinares ou passionais Nossa própria agência é pois a resultante da ontologia que nós dobramos sobre nós mesmos no curso de nossa his tória e de nossas práticas Apesar de todos os desejos inteligências motivações paixões criatividades e von tadedeautorealização que foram dobrados sobre nós mesmos por nossas psicotecnologias nossa própria agência não é menos artificial menos fabricada 182 menos nãonatural e portanto não menos real efeti va confusa técnica dependentedamáquina do que a problemática agência dos robôs dos replicantes e das monstruosas simbioses que Donna Haraway utiliza para pensar nossa existência ciborgues híbridos mo saicos quimeras HARAWAY 1991 p 1712 Mas o que é que é dobrado É sem dúvida ver dade que para Deleuze o que é dobrado é sempre alguma força Talvez para nossos próprios propó sitos devêssemos tratar dessa questão de uma for ma um tanto modesta Em outros locais utilizei o termo autoridade para os dobramentos que fa zem diferença Obviamente isso simplesmente no meia um campo mas em princípio não o define ou o delimita o importante é que qualquer coisa pode ter autoridade Mas em qualquer época e lu gar nem tudo a tem Uma análise a ser feita aqui seria a da raridade das autoridades na realidade e não a de seus infinitos componentes e possibilida des Não é como qualquer coisa que as pessoas po dem ser agenciadas em qualquer época e lugar par ticulares além disso os vetores que são dobrados têm limites que não são ontológicos mas históricos O que é invaginado é composto de qualquer coisa que possa adquirir o status de autoridade em um agenciamento particular As maquinações da apren dizagem da leitura do querer do confessar do lutar do andar do vestir do consumir do curar invaginam uma certa voz a de nosso sacerdote a de nosso mé dico ou a de nosso pai uma certa invocação de es perança ou medo você pode se tornar o que você quiser ser uma certa forma de ligar um objeto com um valor sentido e afeto a italianidade que 183 Barthes tão maravilhosamente revela nas massas Pan zani ou talvez o autocontrole manifestado pelo cor po escultural da mulher pósmoderna um certo pequeno hábito e uma certa técnica de pensamento morda a bala olhe antes de saltar autocontrole é tudo é bom partilhar os próprios sentimentos uma certa conexão com um artefato dotado de autorida de um diário um dossiê ou um terapeuta Foucault como vimos anteriormente sugeriu que as tecnologias éticas podem ser analisadas ao longo de quatro eixos Deleuze transcreve cada um desses quatro eixos por meio do conceito de dobra mento DELEUZE 198813 O primeiro sugere ele diz respeito aos aspectos do ser humano que devem ser circundados e dobrados o corpo e seus praze res para os gregos a carne e os desejos para os cris tãos talvez o eu e suas aspirações para nossa própria época O segundo a relação entre forças diz respei to à regra de acordo com a qual a relação entre for ças se torna uma relação consigo mesmo uma regra que pode ser natural divina racional estética Está pois sempre associada com uma autoridade parti cular a do sacerdote do intelectual do artista em nossos próprios dias talvez a regra oscile entre a terapêutica e a estilística cada qual associada com diferentes autoridades O terceiro a dobra do saber ou a dobra da verdade surge do fato de que cada relação consigo mesmo está organizada sobre o eixo da subjetivação do saber e portanto da relação de nosso ser com a verdade quer essa verdade seja teo lógica quer seja filosófica quer seja psicológica A quarta dobra aqui Deleuze se refere à noção de uma interioridade da expectativa devida a Blanchot é a 184 dobra da esperança da imortalidade da eternida de da salvação da liberdade da morte ou da sepa ração E a subjetivação é pois a interação da múltipla variabilidade dessas dobras de seus variados ritmos e padrões E o que dizer de nossos próprios mo dos atuais da moderna relação consigo Quais são as nossas quatro dobras DELEUZE 1991 p 112 Meu trabalho de análise tem sido uma tentativa de responder a essa questão Concluirei com algumas reflexões sobre o papel que as psicociências e as psi cotécnicas exercem nesses dobramentos PSICOLOGIAS DE SUBJETIVAÇÃO Sugeri que as disciplinas psi exercem um papel constitutivo em nossas quatro dobras obviamente em complexas e variáveis relações com outros veto res mas mesmo assim sobrepondose a eles infun dindoos investindoos de tal modo que mesmo o estilodevida estético espiritual econômico finan ceiro ou a ética erótica são saturados com as discipli nas psi em seus regimes enunciativos em suas tecnologias em seus modos de julgamento e em suas exibições de autoridade Deixemme esboçar algu mas das características desses dobramentos psi O aspecto do ser humano que é circundado e dobrado em tantos dos agenciamentos contempo râneos de subjetivação não é nem o corpoprazer nem a carnedesejo mas o eurealização Passamos a ser habitados por uma ontologia psi por uma ines capável interioridade que escava nas profundezas do humano um universo psíquico com uma topo grafia que tem suas próprias características seus 185 planos e platôs seus fluxos e precipitações seus cli mas e tempestades seus terremotos suas erupções vulcânicas seus aquecimentos e esfriamentos Obvia mente o mapeamento desse universo psi é incom pleto e disputado seus mapas lembram os de homens do mar de épocas remotas onde alguns relatam te rem visto instintos características herdadas e predis posições outros encontraram repressões projeções e fantasias outros ainda viram a internalização de ex pectativas sociais e outros mais observaram apenas a inscrição de um regime de recompensas e punições comportamentais As dinâmicas dessa ontologia são contestadas seja de uma forma ou outra pelos pro cessos da autoestima e da autoabnegação do es tresse e da realização do desejo e da frustração das ansiedades e das fobias ou das involuções sadistas de objetos internos Mas essas dinâmicas são agenciadas por meio de vetores que atravessam o envelope da pele Na verdade o corpo é agora ele próprio vis to menos como um dado corporal do que como um complexo orgânico cujas propriedades são marcadas por esse psi interior a imagem do corpo a psicos somática a personalidade tendente ao câncer a gor dura ou a magreza consideradas como manifestando o desejo de amor e de um eu interior a boa forma como uma espécie de economia psíquica da auto estima e de reforço do poder pessoal A inculcação a emulação a mimese a performance a habituação e outros rituais de autoformação escavam e moldam esse espaço interno de uma forma psi A ontologia humana é estabelecida assim em parte por meio de conexões constitutivas com as tec nologias psi que a imaginam e que agem sobre ela 186 Essas conexões ativam algo que Michel Taussig ana lisou de forma reveladora em termos de mimese o devir colocado em ação na contínua interação entre a cópia e aquilo que é copiado TAUSSIG 1993 A cópia compreende aqui tanto uma representa ção gravura artefato objeto gesto dança mo delo diagrama quanto uma forma de ser Entre a fidelidade fotográfica e a fantasia entre a iconicidade e a arbitrariedade entre o todo e a fragmentação começamos pois a sentir quão estranha e complexa se torna a noção de cópia TAUSSIG 1993 p 17 A multiplicidade dessas breves fulgurações que Taus sig chama de mimese dobra certas formas de ser sobre nós não apenas por meio de estórias não apenas por meio de recompensas e punições como se jamais houvesse sido claro o que é o quê mas por meio da mímica e da imitação por meio da emulação e da bricolagem por meio tanto do copiar quanto do diferir Para nossos propósitos pois a dimensão mimética das disciplinas psi pode ser vista em aparatos tais como manuais de auto ajuda centrados no autoaperfeiçoamento na auto estima e no autoprogresso nos padrões psi forçados a se tornarem visíveis em todas as sessões que se passam nos diversos tipos de consultórios nos modelos e simulacros de eus desejáveis que servem como espelhos para reativar e refletir de volta fabri cações de subjetividade às quais se pode aspirar as imagens do eu normal a criança normal a mãe nor mal a garota normal o adolescente normal o pacien te normal o trabalhador ou o gerente normal desenvolvidas em toda e qualquer prática imaginá vel as conexões estabelecidas consigo mesmo por 187 meio das tecnologias culturais da fotografia do filme e da propaganda uma multiplicidade de máquinas miméticas A exigência para que a gente seja um certo tipo de eu é sempre conduzida por meio de operações que distinguem ao mesmo tempo que identificam veja outra vez TAUSSIG 1993 sobre esse tema Para ser o eu que a gente é a gente não deve ser o eu que a gente não é não aquela alma desprezada rejeitada ou abje ta Assim o tornarse eu é um copiar recorrente que tanto emula outros eus quanto difere deles Hoje as características pertinentes da mimese e da alteridade são estabelecidas nos vetores dos estilosdevida das sexualidades das personalidades das aspirações Falar do dobramento dessa ontologia psi em humanos é acenar neste estágio não pode ser mais do que isso para os processos que escavam um in terior por meio do dobramento dos componentes psi que têm sido distribuídos através desses aparatos e dessas tecnologias Esse espaço psi é composto de uma complexa mistura de elementos da pesquisa psicológica nos humanos e nos animais nas estórias e nas fabulações nas autobiografias e nas histórias de caso Ele é ficcional apenas no sentido de que o psi inventa e reinventa mundos imaginados em busca daquilo que toma como sua premissa de que um mundo real habita nosso ser como humanos cf HARAWAY 1989 E embora seja sem dúvida ver dade que as características desse mundo dobrado são tão amarrotadas torcidas esfarrapadas e puídas quanto os materiais de que é feito nossas relações conosco mesmos têm sido não obstante por pelo menos um século irrevogavelmente marcadas por nossa dobra do eu pois é esse nome que nossa época 188 tem dado ao agitado universo no interior do qual todos os humanos serão registrados localizados explicados e afetados Pelo menos uma dimensãochave da dobra da autoridade hoje pode ser chamada de terapêuti ca é de acordo com uma regra terapêutica que as linhas de força são flexionadas para se transformar em um espaço moldado de acordo com o eu em nossa existência e experiência Terapêutica aqui não no sentido de um privilégio concedido à pró pria psicoterapia ou mesmo apenas em termos da proliferação dos ramos e variedades de psi psicólo gos forenses com sua construção de perfis de crimi nosos e vítimas psicólogos do esporte com seus exercícios mentais para se ter sucesso no campo ou na pista consultores organizacionais com seus pro tocolos de uma crescente produtividade e harmo nia por meio de uma ação sobre as inclinações de autorealização dos empregados e semelhantes Te rapêutica em vez disso no sentido de que a rela ção consigo mesmo é ela própria dobrada em termos terapêuticos problematizando a si mesmo de acordo com os valores da normalidade e da pato logia diagnosticando nossos prazeres e desgraças em termos psi buscando retificar ou melhorar nos sa existência cotidiana por uma intervenção em um mundo interior que temos dobrado como sendo tanto fundamental para nossa existência como hu manos quanto entretanto tão próximo à superfície de nossa experiência do cotidiano É essa relação terapêutica conosco mesmos e os componentes con siderados autorizados dessa relação que têm se mul tiplicado em nosso presente uma multiplicação dos 189 condutos entre as autoridades que falam as verdades de nós mesmos e as formas nas quais agimos sobre nossa própria existência na compreensão no plane jamento e na avaliação de nossas paixões nossos medos e nossas esperanças cotidianas O eu é produ zido no processo de praticálo produzido portanto como uma interioridade que é complexa e contesta da Essa interioridade fraturada por meio da inter secção da multiplicidade de atividades e julgamentos que fazemos incidir sobre nós mesmos no curso de relacionar nossa existência sob diferentes descrições e em relação a diferentes imagens ou modelos as sanções as seduções e as promessas pelas quais atri buímos a essas formas terapêuticas de praticar a sub jetividade um valor e uma autoridade E o que podemos dizer sobre a quarta dobra o que podemos esperar dela O que dobramos o que nos dobra é uma aspiração tão patética quanto co movedora não é mais patética e comovedora en tretanto do que nosso esforço por maximizar nossos estilosdevida e nos realizar como pessoas por meio de nossas relações com outras pessoas nossos aman tes nossos filhos nossas mães e nossos pais nossas comunidades A essa esperança demos o nome de liberdade Essa esperança não é uma esperança de libertação para o mundo e seus cuidados misérias e obrigações urbanos liguese sintonizese e caia fora Não se trata tampouco de uma libertação dos laços da servidão e da sujeição livre finalmente livre finalmente graças ao Deus poderoso livre finalmen te Em vez disso os sinos de uma liberdade bem diferente ecoam em nossos sonhos um modo de ser no mundo no qual atribuímos valor às nossas vidas 190 na medida em que somos capazes de construílas em termos que são simultaneamente políticos li vres para escolher e psicológicos livres para esco lher em nome de nós mesmos e não em nome de nossa subordinação à autoridade de um outro em relação à sombra formada por nossos pais internali zados ou pelas restrições impostas por nosso temor da própria liberdade Uma aspiração louvável Sem dúvida mas uma aspiração que não existe em uma relação de externalidade com nossas ansiedades e frus trações esse sonho de liberdade constitui as próprias formas pelas quais nós codificamos e experienciamos nós mesmos e as formas pelas quais dividimos nós mesmos daquilo que em nós mesmos e daquilo que nos outros não está de acordo com esse sonho ou que fracassa por seus princípios O EFEITO PSI Para investigar essas hipóteses mais diretamen te podemos começar por estabelecer algum tipo de topografia dos espaços psi das práticas ou dos agen ciamentos pelos quais nossa subjetividade é maqui nada Poderíamos chamar isso de o onde do psi sua territorialização É possível identificar uma va riedade de agenciamentos nos quais uma tal territo rialização tem sido organizada máquinas desejantes máquinas de trabalho máquinas pedagógicas má quinas punitivas máquinas curativas máquinas de consumir máquinas de guerra máquinas de esporte máquinas de governo máquinas espirituais máqui nas burocráticas máquinas de mercado máquinas financeiras Isso não significa afirmar o domínio do 191 psi em nossa experiência pois não se poderia dizer o mesmo por exemplo das linguagens das ima gens das técnicas e das seduções da economia Não significa tampouco identificar uma causa externa de todas essas transformações e mutações que vie ram a permear tão amplamente toda nossa existên cia Mas significa registrar esse efeito psi no sentido de efeito de Deleuze no sentido de efeito do discurso científico tal como no efeito Kelvin ou no efeito Compton por exemplo Um tal efeito não é em absoluto uma aparência ou uma ilusão é um produto que se estende ou se alonga na superfície e que é estritamente copresente coextensivo à sua própria causa e que determina essa causa como cau sa imanente inseparável de seus efeitos DELEUZE 1998 p 73 citado em BURCHELL et al 1991 p ix Isto é o efeito psi não deve ser identificado com uma causa particular mas antes delineado pela des crição das formas pelas quais a existência humana se torna inteligível e praticável sob uma certa des crição em toda uma multiplicidade de pequenos cenários éticos que permeiam nossa experiência Por cenários éticos quero significar os diver sos aparatos e contextos nos quais uma particular relação com o eu é administrada forçada e agencia da e na qual podese prestar uma atenção terapêu tica àqueles que se sentem desconfortáveis com a distância entre sua experiência de suas vidas e as imagens de liberdade e de eu às quais eles aspiram Tratase em parte de uma questão da moldagem do próprio espaço Temos muitos e instrutivos es tudos da arquitetura disciplinar das relações dos corpos dos olhares e das atividades nas máquinas 192 de moralidade inventadas no século XIX prisões escolas hospícios reformatórios MARKUS 1993 cf ROSE 1995a Mas com a exceção da atenção que os autores têm dedicado recentemente aos shoppings e às lojas de departamento temos poucos estudos da arquitetura sedutora de nossa própria época sobre espaços de consumo veja BOWLBY 1985 e SHIELDS 1992 veja também a interessante discussão em ERÄSAARI 1991 Isso exigiria que fôs semos além dos espaços tutelares das escolas dos tribunais da visita dos assistentes sociais da cirur gia dos médicos das enfermarias dos hospitais psi quiátricos da entrevista com o diretor de recursos humanos Exigiria que examinássemos também a penetração do psi na configuração da casa do giná sio de esportes do consultório do analista do gru po terapêutico da sessão de aconselhamento do encontro de aconselhamento de casais dos progra mas radiofônicos de conversa telefônica com os ouvintes Além disso uma topografia dos cenários éticos precisaria examinar os arranjos espaciais e materiais estabelecidos pela cornucópia de cursos e experiências de treinamento que buscam instrumen talizar uma nova concepção psicológica das relações humanas De particular importância aqui seria a forma pela qual a coleção de pessoas no espaço e no tempo tem sido reconstruída como grupos atraves sados por forças inconscientes de projeção e identi ficação permitindo não apenas uma nova dimensão para a explicação dos problemas coletivos mas uma nova gama de técnicas desde grupos T até às tera pias de grupo para administrálos terapeuticamen te Uma multiplicidade de cenários tem sido 193 inventada para a interação terapêutica com o sujei to humano uma gama de locais para cura reforma conselho e orientação tem sido transformada de acor do com o efeito psi Sobre que coisas há ação Que linhas forças superfícies ou fluxos de ser humano são capturados nessas máquinas Desejos Sim sem dúvida um dos vetores de nossa relação contemporânea conosco mesmos passa através dos fluxos de pulsões fanta sias repressões projeções identificações e dos im pulsos de fala e conduta que são estabelecidos no interior dessa ontologia desejante Mas como suge ri seria sensato evitar construir alguma metafísica do desejo ou ao menos deixar esse projeto para nossos filósofos Para o genealogista o desejo é apenas um dos vetores da maquinação psicológica contemporâ nea do ser humano de nosso atual efeito psi Po deríamos também querer enfatizar os vetores que fluem em torno da superficialidade do próprio com portamento as pedagogias das habilidades sociais e do estilodevida e todas as tecnologias comporta mentais que elas fizeram surgir Talvez igualmente importantes no interior das novas obrigações éti cas de realização pessoal seja a nova relação do eu paracomoeu exemplificada pela noção de auto estima uma inovação que transforma a relação de si para consigo em uma relação que é governá vel CRUIKSHANK 1993 no curso da qual toda uma procissão de técnicas psi tem sido desenvolvi da induzindo um novo vocabulário de autores peito exercícios envolvendo a narrativização da vida da pessoa em uma variedade de cenários terapêuti cos pedagógicos ou íntimos Além disso apesar 194 de não parecer implicar de forma tão direta uma ontologia psi precisamos examinar as técnicas de composição e adorno da carne estilos de andar vestir gesticulação expressão a face e o olhar os pelos corporais e os adornos toda uma maquina ção do ser em termos de uma relação entre de um lado o exterior e o visível e de outro o interior e o invisível Pois também essa relação ao longo do curso do século XX tem sido composta e caracteri zada por meio das tecnologias culturais da propa ganda e do marketing que têm desenvolvido apara tos psi para compreender e agir sobre as relações entre pessoas e produtos em termos de imagens do eu de seu mundo interior e de seu estilodevida Cobrindo todas as suas diferenças as técnicas con temporâneas de subjetivação operam por meio do agenciamento em toda uma variedade de locais de uma interminável hermenêutica e de uma relação subjetiva consigo mesmo um constante e intenso autoexame uma avaliação das experiências pes soais das emoções e dos sentimentos em relação a imagens psicológicas de realização e autonomia Em todas essas maquinações do ser em todos es ses heterogêneos agenciamentos uma série de te mas é recorrente escolha êxito autodescoberta autorealização Isto é as práticas contemporâneas de subjetivação colocam em jogo um ser que deve ser anexado a um projeto de identidade e a um proje to secular de estilodevida no qual a vida e suas contingências adquirem sentido na medida em que possam ser construídas como o produto da escolha pessoal Seria tolo afirmar que a psicologia e seus experts são a origem de todas essas máquinas de 195 subjetivação tratase antes de uma questão de como os agenciamentos de paixão e prazer de tra balho e consumo de guerra e esporte de estética e teologia têm dado aos seus sujeitos uma forma psi cológica No livro do qual esse ensaio foi extraído ROSE 1996 comecei a mapear as formas pelas quais os modos psicológicos de explicação as asser ções de verdade e os sistemas de autoridade têm participado na elaboração de códigos morais que enfatizam um ideal de autonomia responsável ao moldar esses códigos em uma certa direção tera pêutica e ao aliálos com programas para regular os indivíduos em consonância com as racionalida des políticas das democracias liberais avançadas EUS QUE SE DESFAZEM É possível sugerir como fiz no livro há pouco mencionado ROSE 1996 que uma das caracterís ticas intrigantes e possivelmente esperançosas de nossa atual topografia ética é a heterogeneidade do território mapeado pelas maquinações do eu a va riedade de atributos da pessoa que elas identificam como sendo de importância ética e as variadas for mas de calibrálas e avaliálas que elas propõem É importante entretanto reconhecer simultaneamente que este território ético não é um espaço livre as relações das pessoas consigo mesmas são estabiliza das em agenciamentos que variam de setor para se tor operando via diferentes tecnologias dependendo da identificação da pessoa se ajustada ou malajus tada se homem ou mulher se rico ou pobre bran co ou negro empregado ou desempregado 196 operando sob diferentes formas de autoridade na prisão e na fábrica no supermercado e no cabelei reiro nos quartos de dormir da casa conjugal e nos bordéis das zonas de prostituição nos novos terri tórios da exclusão e da marginalização que emer gem da fragmentação do social Mas isso não significa dizer que o efeito psi que estive mapeando está confinado a uma elite cultural Novos modos de subjetivação produzem novos modos de exclu são e novas práticas para reformar as pessoas que são assim excluídas como por exemplo no desen volvimento das tecnologias comportamentais tão amplamente utilizadas nas práticas de reforma que buscam dar poder a seus sujeitos e restaurálos ao status de cidadãos dotados da capacidade de livre escolha BAISTOW 1995 Os novos modelos psi de pessoalidade e os regimes éticos aos quais eles estão ligados não têm qualquer caráter político intrínse co eles têm uma versatilidade que lhes permitem multiplicar proliferar ser traduzidos e utilizados sob formas que não são dadas por uma lógica interna seja de emancipação seja de dominação Entretanto embora eu tivesse enfatizado a hete rogeneidade dos dobramentos que agenciaram nos sas relações contemporâneas conosco mesmos também tentei argumentar que elas operam de acor do com um diagrama comum partilhado Por diagrama refirome àquilo que Deleuze e Guattari descrevem como máquinas abstratas não algo que seja a causa ou origem de todas as máquinas reais que temos investigado mas como sendo ima nentes nelas Uma máquina abstrata é neste con texto nada mais que um diagrama de coisas que 197 elas têm em comum uma espécie de plano irreal de projeção de todos os agenciamentos e maquinações heterogêneos da mesma forma pela qual na análise de Foucault a disciplina era o nome de uma espé cie de máquina abstrata que era imanente na prisão na escola nos quartéis MP1 p 83 cf FOUCAULT 1977 Esse diagrama esse a priori histórico é a positividade aberta por nossos regimes contempo râneos de subjetivação uma positividade trazida à existência pelo saber e pelas práticas das ciências humanas estabelecendo para elas ao mesmo tem po o próprio império que elas iriam mapear colo nizar povoar e conectar pelas redes de pensamento e ações Se podemos parafrasear Michel Foucault isso diagrama um ser que do interior dos discur sos que o rodeiam e das práticas pelas quais ele é agenciadomontado é capacitado a saber ou obri gado a saber aquilo que está em sua positividade um ser que pensa a si mesmo tanto como livre quan to como determinado pelas positividades essenciais a si mesmo que delimita a possibilidade de suas práticas de liberdade no mesmo momento em que concede a essas positividades o status de verdade cf FOUCAULT 1985b Esse ser psicológico está agora colocado na ori gem de todas as atividades de amar desejar falar trabalhar adoecer e morrer a interioridade que tem sido dada aos humanos por todos esses projetos que buscam conhecêlos e agir sobre eles a fim de dizer lhes sua verdade e tornar possível seu aperfeiçoamento e sua felicidade É esse ser cuja invenção é tão recen te embora tão fundamental à nossa experiência con temporânea que buscamos hoje governar sob o ideal 198 regulativo da liberdade um ideal que impõe tantas cargas ansiedades e divisões ao mesmo tempo que inspira projetos de emancipação e no nome do qual viemos a autorizar tantas autoridades para nos aju dar no projeto de sermos livres de qualquer autori dade menos a nossa própria Embora não estejamos sem dúvida nem na aurora de uma nova era nem no crepúsculo de um tempo passado podemos tal vez começar a discernir o rachar desse espaço de interioridade que foi uma vez seguro o desconectar de algumas das linhas que formaram esse diagrama a possibilidade de que mesmo que não possamos desinventar a nós mesmos possamos ao menos re forçar a questionabilidade das formas de ser que têm sido inventadas para nós e começar a inventar a nós mesmos de forma diferente NOTAS 1 Traduzi self por eu consciente da imprecisão dessa tradu ção uma vez que eu não tem a mesma conotação de reflexividade de self N do T 2 As referências ao livro Mil platôs de Deleuze e Guattari serão abreviadas por MP seguido do número do corres pondente volume da edição brasileira N do T 3 No original assemblage o ato ou efeito resultado de reu nir diferentes partes para formar um novo objeto como na montagem de uma máquina ou de um carro por exem plo Tem sentido similar à palavra francesa agencement amplamente utilizada por Deleuze e Guattari em Mil pla tôs e que os tradutores brasileiros decidiram traduzir pelo neologismo em português agenciamento O tradu tor de Mil platôs para o inglês por sua vez decidiu tra duzir agencement precisamente por assemblage Assim assemblage será traduzida aqui por agenciamento nes se sentido de montagem arranjamento combinação O 199 verbo to assemble por sua vez será traduzido correspon dente por agenciar ou em alguns casos por mon tar reunir ou combinar nas suas diferentes formas verbais Tenhase em mente entretanto sua associação a assemblage agenciamentomontagem N do T 4 Ao desenvolver o argumento deste ensaio e em particular ao utilizar o trabalho de Deleuze e Guattari beneficieime enormemente da leitura da extensa meditação de Elizabeth Grosz sobre a analítica do corpo 1994 Embora me en contre em desacordo com algumas de suas conclusões meu pensamento deve muito a suas esclarecedoras discussões O trabalho de Deleuze e Guattari tem sido também utilizado em uma variedade de estudos que eu não pude levar em conta aqui Qualquer pessoa que esteja familiarizada com o trabalho de Deleuze reconhecerá imediatamente que eu re solvi compreender de maneira diferente alguns de seus con ceitos e evitar muitos outros por exemplo o leitor não encontrará aqui qualquer corpo sem órgãos nem uma re dução empiricista da problemática do desejo 5 Devo enfatizar outra vez aqui como fiz em outras partes do livro do qual este ensaio foi extraído ROSE 1996 que afir mar que a subjetividade é tecnológica não significa alinharse com as vigorosas críticas sobre os efeitos malignos da ordem tecnológica sobre a subjetividade mais estreitamente associa das com os escritores da Escola de Frankfurt A tecnologia não esmaga a subjetividade ela produz a possibilidade de que os humanos se relacionem consigo mesmos como sujei tos de certo tipo bem como as possibilidades de que eles resistam ou recusem certos regimes de subjetivação 6 Quando estava concluindo este ensaio tomei conhecimen to da coletânea de Constantin Boundas e Dorothea Olko wski 1994 sobre Deleuze tendome beneficiado em particular do capítulo escrito por Boundas 1994 7 Lembrome aqui em particular das formas pelas quais Don na Haraway liga o empreendimento da primatologia com a escrita da ficção científica e como essa última imagina ou tras formas de relações entre as criaturas 1989 especial mente capítulo 16 8 A referência à retórica aqui deveria indicar que tampouco devemos colocar a fala no lado da natureza 9 Beneficieime aqui da leitura de um capítulo do estudo a 200 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAISTOW K Liberation and regulation Some parado xes of empowerment Critical Social Policy 1995 42 p 3436 BENVENISTE E Problems in General Linguistics Miami University of Miami Press 1971 BORDO S Unbearable wight Feminism Western Culture and the Body Berkeley University of California Press 1993 BOUNDAS C Deleuze serialization and subject forma tion In C V Boundas e D Olkowski org Gilles De leuze and the theather of philosophy Nova York Routledge 1994 p 99118 BOUNDAS C V e OLKOWSKI D org Gilles Deleuze and the theather of philosophy Nova York Routledge 1994 BOWLBY R Just looking consumer culture in Dreiser Gissing and Zola Nova York Methuen 1985 ser brevemente publicado de Celia Lury sobre a memória e a identidade Gostaria de agradecêla por terme permiti do consultálo em sua forma de rascunho 10 Veja Deleuze e Guattari 1994 para algumas observações sugestivas sobre o carnalismo 11 Obviamente muitos dos escritores que enfatizam a im portância de o corpo também tentam reconhecer isso isto é aquilo que parece estar implicado na afirmação de Braidotti de que o corpo não deve ser entendido nem como uma categoria biológica nem como uma categoria sociológica mas em vez disso como um ponto de inter secção entre o físico o simbólico e as condições sociais materiais 1984b p 161 12 Bordo cita a partir de um artigo intitulado Exercises for Men por Williamette Bridge Liberation News Service em The Radical Therapist dezembrojaneiro 171 13 Adaptei a linguagem de Deleuze para que servisse aos meus próprios objetivos A divisão quádrupla de Foucault que pode sem dúvida ser remontada a Aristóteles é formada por ontologia ascética deontologia e teleologia Veja Fou cault 1984 1985c 1986b Rose 1995a Dean 1994 201 BRAIDOTTI R Nomadic subjects embodiment and sexual difference in contemporary feminist theory Nova York Co lumbia University Press 1994a BRAIDOTTI R Towards a new nomadism feminist deleu zian tracks or methaphysics and metabolism In C V Boundas e D Olkowski org Gilles Deleuze and the theater of philosophy Nova York Routledge 1994b p 157186 BROWN R The body and society London Faber 1989 BURCHELL G GORDON C e MILLER P org The Foucault effect studies in governmentality Hemel Hemps tead Harvester Wheatsheaf 1991 BUTLER J Gender trouble feminism and the subversion of identity Londres Routledge 1990 BUTLER J Bodies that matter On the discursive limits of sex Londres Routledge 1993 BUTLER J For a careful reading In S Benhaib J Bu tler D Cornell e N Fraser org Feminist contentions a philosophical exchange Nova York Routledge 1995 CLINECOHEN A calculating people the spread of numeracy in early America Chicago University of Chicago Press 1982 COWARD R e ELLIS F Language and materialism deve lopments in semiology and the theory of the 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da Silva org Las pedagogías psico lógicas y el gobierno del yo en tiempos neoliberales Sevilha Publicaciones M C E P 2000 p 4366 SHIELDS R org Lifestyle shopping the subject of consump tion Londres Routledge 1992 SHOTTER J Social accountability and self specification In K J Gergen e K E Davis org The social construction of the person Nova York Springer Verlag 1985 p 16890 SHOTTER J Social accountability and the social cons truction of you In J Shotter e K Gergen org Texts of identity Londres Sage 1989 p 13351 SHOTTER J e GERGEN K org Texts of identity Lon dres Sage 1989 SMITH R Inhibition history and meaning in the sciences of mind and brain Berkeley University of California Press 1992 TAUSSIG M Mimesis and alterity a particular history of the senses Nova York Routledge 1993 YATES F The art of memory Londres Routledge and Ke gan Paul 1966 VALVERDE M Sex power and pleasure Toronto Womens Press 1985 205 Sobre as autoras e os autores Elizabeth Ellsworth é Professora de Currículo e Instru ção na Universidade de WisconsinMadison Sua mais recente publicação é Teaching Positions Difference Peda gogy and the Power of Address Teachers College Press de onde foi extraído o ensaio aqui traduzido Francisco Javier Tirado Barcelona1968 é Professor Auxiliar de Psicologia Social do Departamento de Psico logia da Saúde e Psicologia Social da Universidade Autô noma de Barcelona Sua linha de pesquisa principal se centra no estudo e aplicação de novos conceitos para pen sar o social Nessa linha publicou Against Social Cons tructionist Cyborgian Territorialisations e juntamente com Miquel Doménech e José Manuel Alcaráz A Change of Episteme for Organizations A Lesson from Solaris Outra de suas linhas de trabalho centrase na temática das institui ções e suas transformações sociais Sobre esse tema publi cou juntamente com Miquel Doménech Extituciones del poder y sus anatomías e com Miquel Doménech Silvia Travesset e Ana Vitores La desinstitucionalización y la cri sis de las instituciones Marcus Doel é Professor de Geografia Humana da Universidade Swansea País de Gales Algumas de suas publicações Poststructuralist Geographies The Diabolical Art of Spatial Science Rowman Littlefield A hun dred thousand lines of flight a machinic introduction to the nomad thought and scrumpled geography of Gilles Deleuze and Félix Guattari in Environment and Plan ning D Society and Space 14 1996 421439 Un glunking geography spatial science after Dr Seuss and 206 Gilles Deleuze In Thinking Space Routledge London Homepage httpralphswanacukpersonalmad Lucía Gómez Sánchez Valencia1970 é Professora Au xiliar de Psicologia Social no Departamento de Psicologia Social da Universidade de Valencia Sua pesquisa pretende analisar criticamente a Psicologia Social a partir de uma perspectiva pósestruturalista bem como uma problemati zação da identidade em relação com o movimento feminis ta Entre seus trabalhos se destacam Política de la verdad y Psicología Social tesis de licenciatura Psicología y Regulaci ón Social Deleuze y la psicología Social identidad y multiplici dad De la liberación a las prácticas de libertad reflexiones desde el pensamiento de la diferencia sexual Miquel Domènech Barcelona1960 é Professor Titu lar de Psicologia Social do Departamento de Psicologia da Saúde e Psicologia Social da Universidade Autônoma de Barcelona Seus trabalhos de pesquisa giram funda mentalmente ao redor de dois eixos básicos as relações de poder a psicosociologia do conhecimento científico Entre suas publicações podese destacar a coordenação juntamente com Tomás Ibáñez de um número mono gráfrico da revista Anthropos sobre Psicologia Social Crí tica e a coordenação juntamente com Francisco J Tirado de Sociologia simétrica Ensayos sobre ciencia tecnologia y so ciedad publicado por Gedisa Nikolas Rose é Professor de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Matemáticas do Goldsmiths Col lege Universidade de Londres É autor de The Psycholo gical Complex Psychology Politics and Society in England 18691939 Routledge e Governing the Soul The Sha ping of the Private Self Routledge Suas publicações mais recentes Power of Freedom Reframing Political Thought Cambridge University Press e The Self A Reader Free Association Books Qualquer livro da Autêntica Editora não encontrado nas livrarias pode ser pedido por carta fax telefone ou pela Internet a Autêntica Editora Rua Januária 437 Bairro Floresta Belo HorizonteMG CEP 31110060 PABX 0XX31 3423 3022 email email email email email autenticaautenticaeditoracombr Visite a loja da Autêntica na Internet www www www www wwwautenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr autenticaeditoracombr ou ligue gratuitamente para 08002831322 08002831322 08002831322 08002831322 08002831322 Outros títulos da Coleção Estudos Culturais Cartografias dos estudos culturais uma versão latinoamericana Ana Carolina D Escosteguy Pósestruturalismo e Filosofia da diferença uma introdução Michael Peters Antropologia do ciborgue as vertigens do pós humano Tomaz Tadeu da Silva org Donna Haraway Hori Kumoru Pedagogia dos monstros os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras Tomaz Tadeu da Silva org Ian Hunter James Donald Jeffrey Jerome Cohen José Gil Teoria cultural e educação um vocabulário crítico Tomaz Tadeu da Silva O que é afinal Estudos Culturais Tomaz Tadeu da Silva orgtrad Richard Johnson Ana Carolina D Escosteguy Norman Sheridan O esnaço de Marx roupas memória dor Peter Stallybrass 207 CONEXÃO ENTRE O FILME LAVOURA ARCAICA DE GONZAGA E O TEXTO NUNCA FOMO HUMANOS NOS RASTROS DO SUJEITO DE TOMAZ TADEU DA SILVA O filme Lavoura Arcaica é um drama psicológico que explora a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira Baseado no livro de Raduan Nassar e dirigido por Luiz Fernando Carvalho o filme apresenta a história de uma família de imigrantes libaneses que vive no interior de São Paulo O patriarca um homem autoritário e conservador impõe a seus filhos uma forma de vida rígida e repressiva que gera conflitos e tensões na família Um dos filhos André decide abandonar a família e viver isolado na serra em busca de sua própria liberdade e de uma forma de vida diferente daquela imposta pelo pai Sua fuga da família e sua escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar um sentido mais autêntico para sua vida e de construir sua própria identidade longe das amarras impostas pela sociedade Essa busca por uma identidade mais autêntica e por formas mais plurais de subjetividade também é tema do texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito de Tomaz Tadeu da Silva O autor argumenta que em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle as pessoas estão perdendo sua capacidade de reflexão crítica e de construção de identidades mais autênticas e plurais Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade O filme e o texto têm em comum uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Tanto no caso de André como no texto de Tomaz Tadeu da Silva essa busca se manifesta em uma fuga das normas e dos valores impostos pela sociedade e em uma busca por uma identidade mais autêntica e pluriversal No caso do filme a fuga de André da família e a escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar uma forma de vida mais autêntica que esteja mais alinhada com seus desejos e valores mais profundos Já no texto essa busca se manifesta em uma reflexão crítica sobre as formas de subjetividade impostas pelo sistema dominante e em uma busca por formas mais plurais e autênticas de construção da identidade Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência livres das amarras impostas pelo sistema dominante O filme e o texto nos mostram que apesar das dificuldades e dos desafios que enfrentamos é possível construir novas formas de vida e de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Ao retratar a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira o filme Lavoura Arcaica também nos convida a refletir sobre a importância da família como instituição social Embora a família retratada no filme seja marcada pela rigidez e pela repressão ela também é um espaço de afeto e de construção de identidades A busca de André por uma identidade mais autêntica e sua fuga da família podem ser interpretados como uma crítica à forma como as relações familiares são impostas pela sociedade mas também como uma busca por novas formas de se construir relações afetivas e de se construir identidades mais autênticas O texto de Tomaz Tadeu da Silva por sua vez nos convida a refletir sobre a importância da reflexão crítica e da construção de identidades plurais em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade e é necessário construir novas formas de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Portanto tanto o filme como o texto são obras que nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência Ao mostrar as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade Em resumo o filme Lavoura Arcaica e o texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito compartilham uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e sobre a importância de buscarmos formas mais autênticas de construção da identidade e de construção de relações afetivas E ao mostrarem as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a pensar sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade CONEXÃO ENTRE O FILME LAVOURA ARCAICA DE GONZAGA E O TEXTO NUNCA FOMO HUMANOS NOS RASTROS DO SUJEITO DE TOMAZ TADEU DA SILVA O filme Lavoura Arcaica é um drama psicológico que explora a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira Baseado no livro de Raduan Nassar e dirigido por Luiz Fernando Carvalho o filme apresenta a história de uma família de imigrantes libaneses que vive no interior de São Paulo O patriarca um homem autoritário e conservador impõe a seus filhos uma forma de vida rígida e repressiva que gera conflitos e tensões na família Um dos filhos André decide abandonar a família e viver isolado na serra em busca de sua própria liberdade e de uma forma de vida diferente daquela imposta pelo pai Sua fuga da família e sua escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar um sentido mais autêntico para sua vida e de construir sua própria identidade longe das amarras impostas pela sociedade Essa busca por uma identidade mais autêntica e por formas mais plurais de subjetividade também é tema do texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito de Tomaz Tadeu da Silva O autor argumenta que em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle as pessoas estão perdendo sua capacidade de reflexão crítica e de construção de identidades mais autênticas e plurais Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade O filme e o texto têm em comum uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Tanto no caso de André como no texto de Tomaz Tadeu da Silva essa busca se manifesta em uma fuga das normas e dos valores impostos pela sociedade e em uma busca por uma identidade mais autêntica e pluriversal No caso do filme a fuga de André da família e a escolha de viver isolado na natureza são uma tentativa de encontrar uma forma de vida mais autêntica que esteja mais alinhada com seus desejos e valores mais profundos Já no texto essa busca se manifesta em uma reflexão crítica sobre as formas de subjetividade impostas pelo sistema dominante e em uma busca por formas mais plurais e autênticas de construção da identidade Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência livres das amarras impostas pelo sistema dominante O filme e o texto nos mostram que apesar das dificuldades e dos desafios que enfrentamos é possível construir novas formas de vida e de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Ao retratar a complexidade das relações familiares e dos valores morais que permeiam a sociedade brasileira o filme Lavoura Arcaica também nos convida a refletir sobre a importância da família como instituição social Embora a família retratada no filme seja marcada pela rigidez e pela repressão ela também é um espaço de afeto e de construção de identidades A busca de André por uma identidade mais autêntica e sua fuga da família podem ser interpretados como uma crítica à forma como as relações familiares são impostas pela sociedade mas também como uma busca por novas formas de se construir relações afetivas e de se construir identidades mais autênticas O texto de Tomaz Tadeu da Silva por sua vez nos convida a refletir sobre a importância da reflexão crítica e da construção de identidades plurais em um mundo cada vez mais dominado pelo capitalismo e pelas tecnologias de controle Para o autor a subjetividade contemporânea é marcada pela fragmentação pelo individualismo e pela superficialidade e é necessário construir novas formas de subjetividade que estejam mais alinhadas com nossos desejos e valores mais profundos Portanto tanto o filme como o texto são obras que nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e a importância de buscarmos formas mais autênticas de existência Ao mostrar as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade Em resumo o filme Lavoura Arcaica e o texto Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito compartilham uma crítica às formas de vida impostas pela sociedade e uma busca por formas mais autênticas de existência Ambas as obras nos convidam a refletir sobre a complexidade das relações sociais e sobre a importância de buscarmos formas mais autênticas de construção da identidade e de construção de relações afetivas E ao mostrarem as dificuldades e os desafios envolvidos nessa busca as obras nos convidam a pensar sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na construção de novas formas de vida e de subjetividade

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