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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Componente Curricular Filosofia da Ciência Docente Myrna Suyanny Barreto MATERIAL DE LEITURA AULA 1 II UNIDADE AULACONTEÚDO RECURSOS METODOLÓGICOS DA CIÊNCIA DEDUÇÃO E INDUÇÃO As distintas formas de raciocinar Quando raciocinamos escolhemos e manipulamos certas informações em um processo que nos leva a outra informação a conclusão Dependendo da maneira como relacionamos essas informações nossa argumentação será válida ou inválida Se for válida e as premissas forem verdadeiras temos uma prova conclusiva do que foi afirmado a conclusão Essa característica no entanto não se aplica a todo tipo de argumentação Há outros modos de raciocinar que não têm a mesma força demonstrativa mas são usados com frequência e têm bastante utilidade Por isso tradicionalmente se distinguem dois tipos de argumentação um é conhecido como dedução e o outro como indução A diferenciação entre eles é fundamental na hora de avaliar as possibilidades e os limites de uma demonstração Vejamos então cada um deles DEDUÇÃO Os argumentos do método dedutivo procuram apresentar condições necessárias para que de proposições verdadeiras se obtenham conclusões verdadeiras E é apenas o método dedutivo que oferece essa possibilidade e garantia A dedução é um modo de raciocinar argumentar e demonstrar em que a conclusão é uma consequência lógica das premissas ou pelo menos a pessoa que o utiliza pensa ser Isso quer dizer que stricto sensu dedução e argumento válido se identificam pois têm a mesma definição ou seja toda dedução é um argumento válido e viceversa Mas se pensarmos na dedução em sentido amplo também é possível dizer que as pessoas podem deduzir erroneamente sempre que usarem esse método com uma forma inválida o que de fato fazem com muita frequência Há porém outra maneira de caracterizar a dedução que a diferencia nitidamente da indução conforme veremos adiante o argumento dedutivo é aquele que vai do maior ao menor ou do geral ao particular ou singular de tal modo que sua conclusão constitui algo que já estava contido mesmo que implicitamente nas premissas Exemplo de um argumento dedutivo Exemplo Todos os suspeitos são ou devem ser pessoas que estavam no prédio entre 12 e 14 horas P1 Lana não é uma pessoa que estava no prédio entre 12 e 14 horas P2 Logo Lana não é ou deve ser suspeita conclusão Observe que o argumento parte da proposição universal P1 iniciada por todos e conclui com uma proposição singular referente a apenas um único indivíduo Lana Sua forma lógica é Todo A é B c não é B Logo c não é A forma válida Esse tipo de raciocínio é comum na aplicação das leis científicas que são enunciados gerais a situações específicas como por exemplo quando você resolve um problema de física Note também que o conteúdo da conclusão não excede os limites das informações contidas nas premissas ele é extraído delas Por isso costumase dizer que os argumentos dedutivos embora forneçam provas conclusivas de uma proposição não são ampliativos tendo em vista que nada acrescentam ao que já se sabia ou seja ao que estava implícito nas premissas O trabalho do argumento dedutivo seria apenas o de explicitar essa informação Fonte consultada Fundamentos de filosofia Gilberto Cotrim p108109 REVISANDO Em um argumento dedutivo correto a conclusão é inferida necessariamente das premissas Ou seja o que está dito na conclusão é extraído das premissas pois na verdade está implícito nelas O enunciado da conclusão não excede o conteúdo das premissas isto é não se diz mais na conclusão do que já tinha sido dito nas premissas ETIMOLOGIA Dedução Do latim deducereconduzir a partir de O silogismo válido é um raciocínio que parte de pelo menos uma proposição geral e cuja conclusão pode ser uma proposição geral ou uma proposição particular Nos exemplos válidos a seguir a primeira dedução parte de premissas gerais e chega a uma conclusão também geral no segundo caso a conclusão é particular EX Todo brasileiro é sulamericano Todo paulista é brasileiro Todo paulista é sulamericano EX Todo brasileiro é sulamericano Algum brasileiro é índio Algum índio é sulamericano No entanto nem sempre a dedução aparece assim estruturada por isso precisamos montar o argumento para identificálo Veja um exemplo Na prova de Física uma questão se referia a um caso específico do qual foram fornecidos os dados no enunciado Os alunos deveriam lembrarse de uma lei e aplicála aos dados a fim de resolver o problema Tratase de um raciocínio dedutivo pois a lei que é geral foi aplicada a um caso que é particular A dedução é um modelo de rigor mas é estéril na medida em que não nos ensina nada de novo apenas organiza o conhecimento já adquirido Condillac filósofo francês do século XVIII compara a lógica aos parapeitos das pontes porque apenas impedemnos de cair mas não nos fazem ir adiante Isso significa que a conclusão nada acrescenta àquilo que foi afirmado nas premissas No entanto se a dedução não inova não significa que não tenha valor algum pois sempre fazemos deduções para extrair consequências e é preciso investigar quando essas inferências são válidas ou não Fonte consultada Filosofando Introdução à Filosofia Maria Lucia de Arruda Aranhap134 INDUÇÃO A indução por sua vez costuma ser caracterizada como um modo de raciocinar que vai do menor ao maior ou do singular ou particular ao geral de tal maneira que sua conclusão vai além do que enunciam suas premissas Nós raciocinamos dessa forma com muita frequência temos uma experiência fazemos um juízo sobre ela e o generalizamos Exemplo Um dia meu joelho doeu e depois choveu P1 Repetidas vezes meu joelho doeu e depois choveu P2 Logo sempre que meu joelho doer vai chover conclusão Observe que ele parte de proposições que enunciam uma observação individual relativa a um ou mais momentos P1 e P2 e por analogia relação de semelhança a generaliza aplicaa a momentos similares ainda não experimentados Note também que a conclusão não é uma consequência lógica das premissas extrapolando as informações disponíveis nelas ou seja a conclusão estende a afirmação contida nas premissas além dos seus limites para todas as situações futuras A indução tem um lugar de destaque na ciência onde costuma ser aplicada de maneira criteriosa e controlada Um cientista por exemplo observa o momento em que a água entra em ebulição sob determinadas condições e vê que o termômetro marca certa temperatura depois ele realiza a experiência reiteradas vezes sob as mesmas condições comprovando que o resultado é sempre o mesmo Desse modo ele induz conclui por indução que a água sempre entra em ebulição a 100 ºC ao nível do mar Mas essa conclusão não foi obtida por dedução lógica e sim por observação ou seja indução Por isso costumase dizer que o raciocínio indutivo é ampliativo tendo em vista que sua conclusão vai além do enunciado nas premissas Essa é sua riqueza mas também sua debilidade porque a conclusão indutiva será sempre provável provavelmente verdadeira mas não garantida ou necessária no sentido estritamente lógicodedutivo Isso fica bem nítido nos estudos estatísticos como as pesquisas de opinião Exemplo 60 dos entrevistados pelo instituto de pesquisa apoiam a nova lei P Logo estimase que 60 da população apoia a nova lei conclusão Observe que no argumento acima mesmo se a premissa for verdadeira sua conclusão não será necessariamente verdadeira mas terá alta probabilidade de ser verdadeira se e somente se a pesquisa de opinião foi feita corretamente seguindo a metodologia científica Portanto vemos que há diferentes tipos de raciocínio indutivo e que alguns podem ser mais verossímeis ou prováveis que outros No entanto os lógicos têm tido dificuldades em caracterizar um argumento indutivamente forte razão pela qual até nossos dias a lógica indutiva não se desenvolveu tanto quanto a lógica dedutiva ePisteMOLOGiA A investigação filosófica da ciência A partir das transformaes no campo cientfico ocorridas na passagem do sculo XIX para o scu lo XX muitas certezas foram abaladas fazendo surgir novos questionamentos e reavaliaes dos critrios de verdade e da validade dos mtodos e das teorias cientficas A filosofia da cincia debruouse sobre essas questes interessante observar que entre seus nomes mais significativos esto muitos cientistas de vrios ramos que produziram reflexes sobre sua prpria prtica e nesse momento tambm so filsofos Papel da induo ma interessante polmica que inaugurou a epistemologia contempornea foi desenvolvida entre os pensadores ingleses William Whewell 17941866 e John Stuart Mill 18061873 sobre o papel da induo na cincia reveja se necessrio a explicao sobre o mtodo indutivo no captulo 5 Para Stuart Mill a induo simplesmente uma generalizao que parte de fatos assegurados pela experincia sensvel J Whewell defendia que alm dos sentidos a induo se norteia tambm por ideias inatas prprias da mente humana que organizam e relacionam as experincias Nessa polmica o que estava em jogo era se a induo entendida como a generalizao a partir da observao dos fenmenos analisados dava ou no conta de incluir em suas concluses outros elemen tos particulares que no foram tratados na pesquisa Em suma at que ponto a induo poderia ser um mtodo confivel na aquisio de certezas cientficas ritrio da verificabilidade m grupo de cientistas que marcou a filosofia da cincia foi o chamado Círculo de Viena forma do na dcada de 1920 por filsofos e cientistas de diversas reas Os principais representantes des se grupo foram o fsico alemo Moritz Schlick 18821936 os matemticos alemes Hans Hahn 18791934 e Rudolf Carnap 18911970 e o so cilogo e economista austraco Otto Neurath 18821945 entre outros O Crculo de Viena desenvolveu o neopositi vismo tambm denominado positivismo lógico ou ainda empirismo lógico que pretendeu formar uma concepo cientfica do mundo isenta de qualquer especulao As proposies fatuais so pois o fundamento de todo saber mesmo que elas precisem ser abando nadas no momento de transio para a rmaes gerais Estas proposies esto no incio da cincia O conhecimento comea com a constatao dos fa tos SCHliCK O fundamento do conhecimento p 46 Em suas reflexes acerca do procedimento cientfico os pensadores do Crculo de Viena en fatizaram as exigncias de clareza e precisão e propuseram o critério da verificabilidade para validar uma teoria cientfica Em outras palavras a teoria deveria passar pelo crivo da verificação empírica para ser aceita como verdadeira ritrio da refutabilidade O austraco naturalizado britnico Karl Popper 19021994 fsico matemtico e filsofo da cin cia criticou o critrio da verificabilidade e props como nica possibilidade para o saber cientfico o critério da refutabilidade ou da falseabilidade De acordo com esse critrio uma teoria man tmse como verdadeira at que seja refutada isto at que sejam demonstrados sua falsidade suas brechas seus limites Para Popper nenhuma teoria cientfica pode ser verificada empiricamente pelo mtodo indutivo Isso porque do ponto de vista lgico no nada bvio que se justi que inferir assertivas universais a partir de assertivas singulares por mais numerosas que sejam estas ltimas Com efeito qualquer concluso tirada desse modo sempre pode se revelar falsa por mais numerosos que sejam os casos de cisnes brancos que possamos ter observado isso no justi ca a conclu so de que todos os cisnes so brancos Citado em reAle e AnTiSeri Histria da loso a p 1022 Mais conhecido como um dos maiores nomes da filosofia da cincia Popper tambm trouxe importante contribuio ao pensamento poltico Com uma crtica aguada a toda forma de totalitarismo foi um defensor persistente do liberalismo DAVID LEVENSONETTy IMAES 372 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar Com essa afirmao Popper indicou a condi o transitória da validade de uma teoria ou seja determinada teoria vlida at o momento em que refutada mostrandose sua falsidade Somente a falsidade de uma teoria pode ser provada mas nunca sua veracidade absoluta Isso significa que a cincia possui apenas con jeturas hipteses sobre a realidade e no certezas definitivas Mas o conhecimento cien tfico pode progredir em sua busca de explicar o real sendo necessrio para isso que as so ciedades estejam abertas liberdade de crtica e de pesquisa Outro ponto que o filsofo destacou em suas reflexes sobre o conhecimento cientfico foi que a mente no uma tbula rasa como pensam os empiristas Para ele não existe observação pura pois todas as observaes so sempre reali zadas luz de pressupostos e de teorias prévias que o cientista traz consigo E elas se confirmam ou no a partir de sua observao upturas epistemolgicas Outro filsofo importante no campo da cin cia foi o francs Gaston Bachelard 18841962 que destacou a importncia do estudo da his tória da ciência como instrumento de anlise da prpria racionalidade Nessa pesquisa a atividade cientfica entendida como parte de um processo histrico amplo e que possui um carter social De acordo com a anlise do filsofo a cincia progride por rupturas epistemológicas quando supera obstáculos epistemológicos Isso quer dizer que caminha por saltos que se caracteri zam pela recusa dos pressupostos e mtodos que orientavam a pesquisa anterior sustentando os erros preestabelecidos pois esses pressu postos e mtodos atuavam como obstculos como entraves ao avano do conhecimento Esses obstculos podem estar relacionados a hbitos socioculturais cristalizados a dogmatizaes de teorias que freiam o desenvolvimento da cincia entre outros fatores Exemplos de ruptura epistemolgica so os da fsica quntica e da teoria da relatividade que formularam uma nova maneira de conceber o espao e o tempo como resposta aos obstculos apresentados fsica newtoniana Bachelard destacou tambm o papel da imagi nação e da criatividade como elementos impres cindveis prtica cientfica Paradigmas e revolues cientficas Por sua vez o estadounidense Thomas Kuhn 19221996 fsico e filsofo da cincia desen volveu sua teoria acerca da história da ciência entendendoa no como um processo linear e evolutivo mas como uma sucesso de paradigmas que se confrontam entre si Paradigma em sua definio um conjunto de normas e tradies dentro do qual a cincia se move durante deter minado perodo e em certo contexto cultural Em seu livro A estrutura das revoluções cientí ficas 1962 Kuhn sustenta a tese de que a cin cia se desenvolve durante certo tempo a partir da aceitao por parte da comunidade cientfica de um conjunto de teses pressupostos e categorias que formam seu paradigma Planetrio do sculo XVIII com o Sol ao centro A mudana do geocentrismo para o heliocentrismo um exemplo clssico de mudana de paradigma na cincia quando o modelo geocntrico no mais conseguia explicar certos fenmenos foi necessrio encontrar outro que desse conta do problema Whipple Museum Cambridge Inglaterra LISA ICCIAINILEEMAEAFP Apesar de no ter formao especfica em histria e filosofia Kuhn se tornou um dos principais historiadores e filsofos da cincia introduzindo a perspectiva sociolgica em suas anlises BILL PIECETIME LIFE PICTESETTy IMAES 373 Capítulo 20 A ciência Em determinados momentos porm o para digma se altera provocando uma revolução que abre caminho para um novo tipo de desenvolvi mento cientfico Foi o que se deu por exemplo na passagem da fsica antiga para a fsica moderna ou ainda na passagem da fsica clssica moderna para a fsica quntica De acordo com o filsofo como se ocorresse uma reorientao da viso cientfica na qual os elementos de um problema so concebidos em novas relaes Nesses mo mentos coexistem dois tipos de cincia ç a ciência normal aquela que se desenvolve dentro de certo paradigma aceito pela maior parte da comunidade cientfica acumulando dados e instrumentos em seu interior ç a ciência extraordinária aquela que sur ge nos momentos de crise de um paradigma Surge como nova cincia questionando os fun damentos e pressupostos da cincia anterior e propondo um novo paradigma Novos paradigmas da pósmodernidade As mudanas descritas por Thomas Kuhn podem ser verificadas no mundo cientfico contemporneo no qual se tm desenvolvido novos paradigmas de investigao que cada vez mais se consolidam como cincia normal Vejamos alguns deles ç complexidade em vez da simplicidade da natureza como props a cincia moderna conforme vimos no incio do captulo adotase a perspectiva de uma realidade complexa ç variabilidade e instabilidade em vez da uniformidade e da estabilidade do mundo expressas por leis naturais invari veis nas diversas instncias da realidade fsica admitese a existncia de leis distintas para nveis da realidade distintos ç relacionamento em vez do isolamento das partes proposto pelo mtodo cientfico moderno valorizase a perspectiva da relação entre elas ç intersubjetividade em vez da objetividade supostamente garantida pela separao entre o objeto e o observador en tendese que o observador ou conjunto de observadores integra o fenmeno que estuda niverso interligado Exemplo dos novos paradigmas da cincia a chamada teoria do caos segundo a qual em determinados sistemas dinmicos como os da natureza uma pequena mudana nas condies iniciais pode ter enormes e at imprevisveis caticas consequncias Essa concepo ficou conhecida como efeito borboleta devido imagem O bater de asas de uma borboleta no Pacfico pode ser responsvel pelo aparecimento de um tufo do outro lado do planeta IMAESCOMCOBISFOTOAENA 7 O conjunto de transformaes da cincia na pas sagem do sculo XIX para o XX estimulou o sur gimento de uma nova rea de reflexo filosfica a filosofia da cincia ou epistemologia Entre os epistemlogos passouse a discutir por exemplo sobre o critrio a ser adotado para validar uma teoria cientfica Nesse debate opuseramse os pensadores do Crculo de Viena e Karl Popper Que critrio defendia cada um Expliqueos 8 Albert Einstein teria afirmado referindose sua teoria da relatividade que ela ter em algum momento de se render a outra teoria por razes que ainda no possvel imaginar O processo de aprofundar a teoria no teria limites Voc acredita que Popper concordaria com a opinio de Einstein Por qu 9 Em que sentido podemos dizer com Bachelard que a fsica newtoniana constituiu em dado momento um obstculo epistemolgico para os cientistas 10 Explique os conceitos de paradigma e revoluo cientfica em Thomas Kuhn anáLise e enTendiMenTO 374 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar O Método nas Ciências Naturais e Sociais Pesquisa Quantitativa e Qualitativa Alda Judith AlvesMazzotti Fernando Gewandsznajder 2ª Edição THOMPSON PARTE I O Método nas Ciências Naturais Fernando Gewandsznajder CAPÍTULO 1 Uma Visão Geral do Método nas Ciências Naturais Em ciência muitas vezes construímos um modelo simplificado do objeto do nosso estudo Aos poucos o modelo pode tornarse mais complexo passando a levar em conta um número maior de variáveis Este capítulo apresenta um modelo simplificado do método científico Nos capítulos seguintes tornaremos este modelo mais complexo Veremos também que não há uma concordância completa entre os filósofos da ciência acerca das características do método científico Podese discutir se há uma unidade de método nas diversas ciências A matemática e a lógica possuem certas características próprias diferentes das demais ciências E vários filósofos discordam da idéia de que as ciências humanas ou sociais como a sociologia ou a psicologia utilizem o mesmo método que as ciências naturais como a física a química e a biologia Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver um problema No caso do método científico estas regras são bem gerais Não são infalíveis e não suprem o apelo à imaginação e à intuição do cientista Assim mesmo que não haja um método para conceber idéias novas descobrir problemas ou imaginar hipóteses estas atividades dependem da criatividade do cientista muitos filósofos concordam que há um método para testar criticamente e selecionar as melhores hipóteses e teorias e é neste sentido que podemos dizer que há um método científico Uma das características básicas do método científico é a tentativa de resolver problemas por meio de suposições isto é de hipóteses que possam ser testadas através de observações ou experiências Uma hipótese contém previsões sobre o que deverá acontecer em determinadas condições Se o cientista fizer uma experiência e obtiver os resultados previstos pela hipótese esta será aceita pelo menos provisoriamente Se os resultados forem contrários aos CAPÍTULO 2 Ciência Natural Os Pressupostos Filosóficos Neste capítulo vamos discutir as principais concepções acerca da natureza do método científico Veremos então que embora os filósofos discordem acerca de vários pontos é possível extrair algumas conclusões importantes que são aceitas por todos os que defendem a busca da objetividade como um ideal do conhecimento científico 1 O positivismo lógico ESTUDAR DEMARCAÇÃO VERIFICABILIDADE O termo positivismo vem de Comte que considerava a ciência como o paradigma de todo o conhecimento No entanto mais importante do que Comte para a linha angloamericana foi a combinação de ideias empiristas Mill Hume Mach Russell com o uso da lógica moderna a partir dos trabalhos em matemática e lógica de Hilbert Peano Frege Russell e das ideias do Tractatus LogicoPhilosophicus de Wittgenstein Daí o movimento ser chamado também de positivismo lógico ou empirismo lógico O movimento foi influenciado ainda pelas novas descobertas em física principalmente a teoria quântica e a teoria da relatividade Para uma exposição mais detalhada das ideias e do desenvolvimento do positivismo lógico ver Ayer 1959 1982 Gillies 1993 Hanfling 1981 Oldroyd 1986 Radnitzky 1973 Suppe 1977 Urmson 1956 Wedberg 1984 Embora tenha surgido nos anos 20 na Áustria a partir do movimento conhecido como Círculo de Viena fundado pelo filósofo Moritz Schlick Alemanha e Polônia muitos de seus principais filósofos como Rudolf Carnap Hans Reichenbach Herbet Feigl e Otto Neurath emigraram para os Estados Unidos ou Inglaterra com o surgimento do nazismo uma vez que alguns dos 11 membros do grupo eram judeus ou tinham idéias liberais ou socialistas incompatíveis com o nazismo Para o positivismo a Lógica e a Matemática seriam válidas porque estabelecem as regras da linguagem constituindose em um conhecimento a priori ou seja independente da experiência Em contraste com a Lógica e a Matemática porém o conhecimento factual ou empírico deveria ser obtido a partir da observação por um método conhecido como indução A partir da observação de um grande número de cisnes brancos por exemplo concluímos por indução que o próximo cisne a ser observado será branco Do mesmo modo a partir da observação de que alguns metais se dilatam quando aquecidos concluímos que todos os metais se dilatam quando aquecidos e assim por diante A indução portanto é o processo pelo qual podemos obter e confirmar hipóteses e enunciados gerais a partir da observação As leis científicas que são enunciados gerais que indicam relações entre dois ou mais fatores também poderiam ser obtidas por indução Estudandose a variação do volume de um gás em função de sua pressão por exemplo concluímos que o volume do gás é inversamente proporcional à pressão exercida sobre ele lei de Boyle Em termos abstratos as leis podem ser expressas na forma em todos os casos em que se realizam as condições A serão realizadas as condições B A associação das leis com o que chamamos de condições iniciais permite prever e explicar os fenômenos a lei de Boyle permite prever que se dobrarmos a pressão de um gás com volume de um litro em temperatura constante condições iniciais esse volume será reduzido à metade Embora o termo teoria tenha vários significados podendo ser utilizado simplesmente como sinônimo de uma hipótese ou conjectura em sentido estrito as teorias são formadas por um conjunto de leis e freqüentemente procuram explicar os fenômenos com auxílio de conceitos abstratos e não diretamente observáveis como átomo elétron campo seleção natural etc Esses conceitos abstratos ou teóricos estão relacionados por regras de correspondência com enunciados diretamente observáveis o ponteiro do aparelho deslocouse em 1 centímetro indicando uma corrente de 1 ampère por exemplo As teorias geralmente utilizam modelos simplificados de uma situação mais complexa A teoria cinética dos gases por exemplo supõe que um gás seja formado por partículas de tamanho desprezível átomos ou moléculas sem força de atração ou repulsão entre elas e em movimento aleatório Com auxílio desse modelo podemos explicar e deduzir diversas leis inclusive a lei de Boyle que relaciona a pressão com o volume do gás se o volume do recipiente do gás diminuir o número de choques das moléculas com a parede do recipiente aumenta aumentando a pressão do gás sobre a parede 12 Os positivistas exigiam que cada conceito presente em uma teoria tivesse como referência algo observável Isto explica a oposição à teoria atômica no início do século embora esta teoria conseguisse explicar as leis da química as propriedades dos gases e a natureza do calor Mach e seguidores não a aceitavam uma vez que os átomos não podiam ser observados com qualquer técnica imaginável à época A aceitação de uma lei ou teoria seria decidida exclusivamente pela observação ou experimento Uma lei ou teoria poderia ser testada direta ou indiretamente com auxílio de sentenças observacionais que descreveriam o que uma pessoa estaria experimentando em determinado momento seriam sentenças do tipo um cubo vermelho está sobre a mesa Estes enunciados forneceriam uma base empírica sólida a partir da qual poderia ser construído o conhecimento científico garantindo ainda a objetividade da ciência Para o positivismo as sentenças que não puderem ser verificadas empiricamente estariam fora da fronteira do conhecimento seriam sentenças sem sentido A tarefa da filosofia seria apenas a de analisar logicamente os conceitos científicos A verificabilidade seria portanto o critério de significação de um enunciado para todo enunciado com sentido deveria ser possível decidir se ele é falso ou verdadeiro As leis e teorias poderiam ser formuladas e verificadas pelo método indutivo um processo pelo qual a partir de um certo número de observações recolhidas de um conjunto de objetos fatos ou acontecimentos a observação de alguns cisnes brancos concluímos algo aplicável a um conjunto mais amplo todos os cisnes são brancos ou a casos dos quais não tivemos experiência o próximo cisne será branco Mesmo que não garantisse certeza o método indutivo poderia conferir probabilidade cada vez maior ao conhecimento científico que se aproximaria cada vez mais da verdade Haveria um progresso cumulativo em ciência novas leis e teorias seriam capazes de explicar e prever um número cada vez maior de fenômenos Muitos filósofos positivistas admitiam que algumas hipóteses leis e teorias não podem ser obtidas por indução mas sim a partir da imaginação e criatividade do cientista A hipótese de que a molécula de benzeno teria a forma de um anel hexagonal por exemplo surgiu na mente do químico Frederick Kekulé quando ele imaginou uma cobra mordendo a própria cauda Há aqui uma idéia importante antecipada pelo filósofo John Herschel 1830 e depois reafirmada por Popper 1975a e Reichenbach 1961 a diferença entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação Isto quer dizer que o procedimento para formular ou descobrir uma teoria é irrelevante para sua aceitação No entanto embora não haja regras para a invenção ou descoberta de novas hipóteses uma vez formuladas elas teriam de ser testadas experimentalmente Na realidade os positivistas não estavam interessados exatamente em como o cientista pensava em suas motivações ou mesmo em como ele agia na prática isto seria uma tarefa para a psicologia e a sociologia O que interessava eram as relações lógicas entre enunciados científicos A lógica da ciência fornecia um critério ideal de como o cientista ou a comunidade científica deveria agir ou pensar tendo portanto um caráter normativo em vez de descritivo O objetivo central não era portanto o de explicar como a ciência funciona mas justificar ou legitimar o conhecimento científico estabelecendo seus fundamentos lógicos e empíricos 11 Críticas ao positivismo Popper e outros filósofos questionaram o papel atribuído à observação no positivismo lógico A ideia é que toda a observação científica ou não está imersa em teorias ou expectativas pontos de vista etc Assim quando um cientista mede a corrente elétrica ou a resistência de um circuito ou quando observa uma célula com o microscópio eletrônico ele se vale de instrumentos construídos com auxílio de complicadas teorias físicas A fidedignidade de uma simples medida da temperatura com auxílio de um termômetro por exemplo depende da lei da dilatação do mercúrio assim como a observação através de um simples microscópio óptico depende das leis de refração A tese hoje amplamente aceita em filosofia da ciência de que toda observação é imprenhada de teoria theoryladen foi defendida já no início do século filósofo Pierre Duhem Dizia ele que um experimento em física não é simplesmente a observação de um fenômeno é também a interpretação teórica desse fenômeno Duhem 1954 p 144 Em resumo do momento em que as observações incorporam teorias falíveis elas não podem ser consideradas como fontes seguras para se construir o conhecimento e não podem servir como uma base sólida para o conhecimento científico como pretendia o positivismo Mais detalhes sobre a relação entre observação e conhecimento estão em Gregory 1972 Hanson 1958 Musgrave 1993 Popper 1975b Sharpe 1984 Watkins 1984 Outro problema para o positivismo foi a crítica à indução Já no século dezoito o filósofo David Hume questionava a validade do raciocínio indutivo argumentando que a indução não é um argumento dedutivo e portanto não é logicamente válida Hume 1972 Além disso ela também não pode ser justificada pela observação o fato de que todos os cisnes observados até agora sejam brancos não garante que o próximo cisne seja branco nem que todos os cisnes sejam brancos A indução não pode portanto ser justificada nem pela lógica nem pela experiência Se passarmos de generalizações superficiais como a dos cisnes para as leis e teorias científicas o problema se complica mais ainda A partir da observação de um certo número de fatos podemos extrair diversas leis e teorias científicas compatíveis com os dados recolhidos Isto quer dizer que a indução por si só não é suficiente para descobrirmos quais das generalizações é a que melhor explica os dados Além disso mesmo que procedimentos indutivos permitam reunir um conjunto de dados e formar generalizações superficiais do tipo todos os metais se dilatam elas são insuficientes para originar teorias profundas que apelam para conceitos impossíveis de serem percebidos por observação direta como elétron quark seleção natural etc Os filósofos positivistas afirmam no entanto que o método indutivo pode ser usado para aumentar o grau de confirmação de hipóteses e teorias Com auxílio da teoria da probabilidade procuram desenvolver uma lógica indutiva para medir a probabilidade de uma hipótese em função das evidências a seu favor calculando por exemplo a probabilidade de um paciente ter de determinada doença em função dos sintomas que apresenta A construção de uma lógica indutiva contou com a colaboração de vários positivistas lógicos como Carnap 1950 e Reichenbach 1961 e ainda tem defensores até hoje que procuram por exemplo implementar sistemas indutivos em computadores para gerar e avaliar hipóteses Holland et al 1986 Outra linha de pesquisa o bayesianismo utiliza o teorema de Bayes em homenagem ao matemático inglês do século XVII Thomas Bayes para atualizar ou para de confirmação de hipóteses e teorias a cada nova evidência a partir de uma probabilidade inicial e das evidências a favor da teoria Para exposição e defesa do bayesianismo ver Howson Urbach 1989 Jeffreys 1983 Horwich 1982 Os sistemas de lógica indutiva e as tentativas de atribuir probabilidade a hipóteses e teorias têm sido bastante criticados e apresentam muitos problemas não resolvidos Mesmo que se possa atribuir probabilidades a enunciados gerais parece muito difícil senão impossível aplicar probabilidades às teorias científicas profundas que tratam de conceitos não observáveis Para críticas à lógica indutiva ao bayesianismo e aos princípios que justifiquem a indução ver Earman 1992 Gilles 1993 Glymour 1980 Lakatos 1968 Miller 1994 Pollock 1986 Popper 1972 1974 1975a 1975b Watkins 1984 Popper aceita a conclusão de Hume de que a partir de observações e da lógica nós podemos verificar a verdade ou aumentar a probabilidade de enunciados gerais como as leis e teorias científicas No entanto diz Popper a observação e a lógicas podem ser usadas para refutar esses enunciados gerais a observação de um único cisne negro se ele de fato é negro pode logicamente refutar a generalização de que todos os cisnes são brancos Há portanto uma assimetria entre a refutação e a verification Para que o conhecimento progrida através de refutações é necessário que as leis e as teorias estejam abertas à refutação ou sejam que sejam potencialmente refutáveis Só assim elas podem ser testadas a lei da reflexão da luz por exemplo que diz que o ângulo do raio incidente deve ser igual ao ângulo do raio refletido em um espelho seria refutada se observássemos ângulos de reflexão diferentes dos ângulos de incidência As leis e teorias devem portanto proibir a ocorrência de determinados eventos 17 O conjunto empírico de falseadores potenciais nos dá uma medida do conteúdo empírico da teoria quanto mais a teoria proíbe mais ela nos diz acerca do mundo Para compreender melhor essa colocação observese o caso oposto o de enunciados do tipo vai chover ou não vai chover amanhã Enunciados deste tipo não possuem falseadores potenciais e portanto não têm conteúdo empírico ou informativo não são testáveis ou refutáveis e nada dizem acerca do mundo nem contribuem para o progresso do conhecimento Por outro lado quanto mais geral for um enunciado ou lei maior seu conteúdo empírico ou informativo a generalização todos os metais se dilatam quando aquecidos nos diz mais do que o chumbo se dilata quando aquecido e maior sua refutabilidade a primeira afirmação pode ser refutada caso algum metal inclusive o chumbo não se dilate enquanto a segunda só é refutada caso o chumbo não se dilate Concluímos então que para acelerar o progresso do conhecimento devemos buscar leis cada vez mais gerais uma vez que o risco de refutação e o conteúdo informativo aumentam com a amplitude da lei aumentando assim a chance de aprendermos algo novo Um raciocínio semelhante pode ser feito com a busca de leis mais precisas Essas leis têm conteúdo maior e arriscamse mais à refutação exemplo a dilatação dos metais é diretamente proporcional ao aumento da temperatura tem maior refutabilidade do que os metais se dilatam quando aquecidos uma vez que este último enunciado somente será refutado se o metal não se dilatar enquanto o primeiro enunciado será refutado caso o metal não se dilate ou quando a dilatação se desviar significativamente dos valores previstos A refutabilidade também se aplica à busca de leis mais simples Se medirmos a simplicidade de uma lei em função do número de parâmetros o critério de Popper veremos que leis mais simples são também mais refutáveis a hipótese de que os planetas têm órbitas circulares é mais simples do que a hipótese de que os planetas têm órbitas elípticas já que o círculo é um tipo de elipse Portanto de acordo com Popper a ciência deve buscar leis e teorias cada vez mais amplas precisas e simples já que desse modo maior será a refutabilidade e conseqüentemente maior a chance de aprendermos com nossos erros No entanto não se deve confundir refutabilidade com refutação a lei mais precisa simples ou geral pode não ser bemsucedida no teste e terminar substituída por uma lei menos geral ou menos simples ou precisa A avaliação das teorias só estará completa após os resultados dos testes Na realidade o que definirá o destino de uma teoria será o seu grau de corroboração É importante compreender porém que há uma ligação entre a refutabilidade e a corroboração quanto maior a refutabilidade de uma teoria maior o número de acontecimentos que ela proíbe e maior a variedade e severidade dos testes a que ela pode ser submetida Conseqüentemente maior o grau de corroboração adquirido se a teoria passar pelos testes A conclusão é que teorias mais refutáveis possuem maior potencial de corroborar embora uma teoria de fato um alto grau de corroboração se além de altamente refutável ela também passar com sucesso seus testes severos A refutabilidade nos dá então um critério a priori para a avaliação de teorias se quisermos o progresso do conhecimento devemos buscar teorias cada vez mais refutáveis gerais precisas e simples A seguir devemos submetêlas aos testes mais rigorosos possíveis 19 sacarina provoca câncer embora os testes para determinar se isto de fato acontece os critérios de verdade não sejam conclusivos Em certos casos é até possível compreender a idéia de verdade sem que seja possível realizar testes que funcionem como critérios de verdade Podese compreender o enunciado É verdade que exatamente oito mil anos atrás chovia sobre o local onde era a cidade do Rio de janeiro embora não seja possível imaginar um teste ou observação para descobrir se este enunciado é verdadeiro Isso quer dizer que não dispomos de um critério para reconhecer a verdade quando a encontramos embora algumas de nossas teorias possam ser verdadeiras no sentido de correspondência com os fatos Portanto embora uma teoria científica possa ter passado por testes severos com sucesso não podemos descobrir se ela é verdadeira e mesmo que ela o seja não temos como saber isso com certeza No entanto segundo Popper 1972 na história da ciência há várias situações em que uma teoria parece se aproximar mais da verdade de que outra Isso acontece quando uma teoria faz afirmações mais precisas que são corroboradas quando explica mais fatos quando explica fatos com mais detalhes quando resiste a testes que refutaram a outra teoria quando sugere testes novos não sugeridos pela outra teoria e passa com sucesso por estes testes e quando permite relacionar problemas que antes estavam isolados Assim mesmo que consideremos a dinâmica de Newton refutada ela permanece superior às teorias de Kepler e de Galileu uma vez que a teoria de Newton explica mais fatos que as de Kepler e de Galileu além de ter maior precisão e de unir problemas mecânica celeste e terrestre que antes eram tratados isoladamente O mesmo acontece quando comparamos a teoria da relatividade de Einstein com a dinâmica de Newton ou a teoria da combustão de Lavoisier e a do flogisto ou quando comparamos as diversas teorias atômicas que se sucederam ao longo da história da ciência ou ainda quando comparamos a seqüência de teorias propostas para explicar a evolução dos seres vivos Em todos esses casos o grau de corroboração aumenta quando caminhamos das teorias mais antigas para as mais recentes Sendo assim diz Popper o grau de corroboração poderia indicar que uma teoria se aproxima mais da verdade que outra mesmo que ambas as teorias sejam falsas Isto acontece quando o conteúdoverdade de uma teoria a classe das conseqüências lógicas e verdadeiras da teoria for maior que o da outra sem que o mesmo ocorra com o conteúdo falso a classe de conseqüências falsas de uma teoria Isto é possível porque a partir de uma teoria falsa podemos deduzir tantos enunciados falsos como verdadeiros o enunciado todos os cisnes são brancos é falso mas a conseqüência lógica todos os cisnes do zoológico do Rio de Janeiro são brancos pode ser verdadeira Logo uma teoria falsa pode conter maior número de afirmações verdadeiras do que outra Se isto for possível a corroboration passa a ser um indicador para uma aproximação da verdade e o objetivo da ciência passa a ser o de buscar teorias cada vez mais próximas à verdade ou como diz Popper com um grau cada vez maior de verossimilhança ou веросимилюд 21 Duhem resume então o que é hoje designado como tese de Duhem Um experimento em Física não pode nunca condenar uma hipótese isolada mas apenas todo um conjunto teórico 1954 p 183 Na realidade mais de uma teoria e até todo um sistema de teorias pode estar envolvido no teste de uma previsão Isto porque teorias científicas gerais com grande amplitude como a teoria de Newton só podem ser testadas com auxílio de teorias mais específicas menos gerais As quatro leis de Newton juntamente com os conceitos fundamentais da teoria massa gravidade formam o que se pode chamar de núcleo central ou suposições fundamentais da teoria Este núcleo precisa ser enriquecido com um conjunto de miniteorias acerca da estrutura do sistema solar Este conjunto constitui um modelo simplificado do sistema solar onde se considera por exemplo que somente forças gravitacionais são relevantes e que a atração entre planetas é muito pequena comparada com a atração do Sol Se levarmos em conta que os dados científicos são registrados com instrumentos construídos a partir de teorias podemos compreender que o que está sendo testado é na realidade uma teia complexa de teorias e hipóteses auxiliares e a refutação pode indicar apenas que algo está errado em todo esse conjunto Isso significa que a teoria principal no caso a teoria de Newton não precisa ser modificada Podemos em vez disso modificar uma das hipóteses auxiliares Um exemplo clássico dessa situação ocorreu quando os astrônomos calcularam a órbita do planeta Urano com auxílio da teoria de Newton e descobriram que esta órbita não concordava com a órbita observada Havia portanto o que chamamos em filosofia da ciência de uma anomalia isto é uma observação que contradiz uma previsão Como vimos dois astrônomos Adams e Le Verrier imaginaram então que poderia haver um planeta desconhecido que estivesse alterando a órbita de Urano Eles modificaram portanto uma hipótese auxiliar a que Urano era o último planeta do sistema solar Calcularam então a massa e a posição que o planeta desconhecido deveria ter para provocar as discrepâncias entre a órbita prevista e a órbita observada Um mês depois da comunicação de seu trabalho em 23 de setembro de 1846 um planeta com as características previstas Netuno foi observado Neste caso o problema foi resolvido alterandose uma das hipóteses auxiliares ao invés de se modificar uma teoria newtoniana Em outra situação bastante semelhante uma diferença entre a órbita prevista e a órbita observada do planeta Mercúrio Le Verrier se valeu da mesma estratégia postulando a existência de um planeta Vulcano mais próximo do Sol do que Mercúrio Mas nenhum planeta com as características previstas foi encontrado Neste caso o problema somente pôde ser resolvido com a substituição da teoria de Newton pela teoria da relatividade nenhuma mudança nas hipóteses auxiliares foi capaz de resolver o problema explicando a anomalia 22 A partir daí vários filósofos da ciência principalmente Kuhn Lakatos e Feyerabend consideram que nem Popper nem os indutivistas resolveram adequadamente o problema de como testar um sistema complexo de teorias formado pela teoria principal e pelas teorias e hipóteses auxiliares envolvidas no teste Para esses filósofos é sempre possível fazer alterações nas hipóteses e teorias auxiliares quando uma previsão não se realiza Desse modo podemos sempre reconciliar uma teoria com a observação evitando assim que ela seja refutada Fica difícil então explicar dentro da metodologia falsificacionista de Popper quando uma teoria deve ser considerada refutada e substituída por outra Para apoiar essas críticas Kuhn Lakatos e Feyerabend buscam apoio na história da ciência que segundo eles demonstraria que os cientistas não abandonam teorias refutadas Em vez disso eles modificam as hipóteses e teorias auxiliares de forma a proteger a teoria principal contra refutações Outra crítica parte da idéia de que os enunciados de testes que relatam resultados de uma observação ou experiência estão impregnados de teorias auxiliares e por isso não podem servir como apoio para a refutação da teoria que está sendo testada Se os testes dependem da teoria eles são falíveis e sempre podem ser revistos não constituindo portanto uma base empírica sólida para apoiar confirmações ou refutações Embora Popper admita a falibilidade dos resultados de um teste ele não nos diz quando um teste deve ser aceito como uma refutação da teoria Popper não teria resolvido na prática o chamado problema da base empírica a solução de Popper seria válida apenas no nível lógico mas não teria qualquer utilidade no nível metodológico Outro tipo de crítica envolve a ligação entre as idéias de corroboração e verossimilitude Para Popper a corroboração seria o indicador conjectural da verossimilitude teorias mais corroboradas seriam também mais próximas da verdade O problema é que a corroboração indica apenas o sucesso passado de uma teoria enquanto a avaliação enquanto a avaliação da verossimilhança de duas teorias implica uma previsão acerca do sucesso futuro da teoria se uma teoria está mais próxima da verdade do que outra ela seria também mais confiável funcionando como um guia melhor para nossas previsões Neste caso porém a ligação entre corroboração e verossimilitude parece depender de um raciocínio indutivo a partir do sucesso passado de uma teoria estimamos seu sucesso futuro Lakatos 1970 Watkins 1984 Sendo assim os argumentos de Popper estariam sujeitos às críticas à indução feitas por Hume Além disso para que uma teoria tenha maior verossimilitude que outra é necessário que haja um aumento no conteúdo de verdade o conjunto de previsões não refutadas sem que haja também um aumento de conteúdo de falsidade o conjunto de previsões refutadas No entanto Miller 1974a 1974b e Tichý 1974 demonstraram que quando duas teorias são falsas tanto o A filosofia de Thomas Kuhn DEMARCAÇÃO EM REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS Na realidade uma teoria falsificada não precisa ser abandonada mas pode ser modificada de forma a se reconciliar com a suposta refutação corpo pesado tentando alcançar seu lugar natural Galileu via um movimento pendular Kuhn 1970b Para Kuhn a força de um paradigma viria mais de seus exemplos do que de suas leis e conceitos Isto porque os exemplos influenciam fortemente o ensino da ciência Eles aparecem nos livrostexto de cada disciplina como exercícios resolvidos ilustrando como a teoria pode ser aplicada para resolver problemas mostrando por exemplo como as leis de Newton são usadas para calcular a atração gravitacional que a Terra exerce sobre um corpo em sua superfície São comumente as primeiras aplicações desenvolvidas a partir da teoria passando a servir então como modelos para a aplicação e o desenvolvimento da pesquisa científica Os estudantes são estimulados a aplicálos na solução de problemas e também a modificar e estender os modelos para a solução de novos problemas Os exemplos são portanto a parte mais importante de um paradigma para a apreensão dos conceitos científicos e para estabelecer que problemas são relevantes e de que modo devem ser resolvidos Desse modo eles determinam o que pode ser considerado uma solução cientificamente aceitável de um problema ajudando ainda a estabelecer um consenso entre os cientistas e servindo como guias para a pesquisa Após ter sido criticado por usar o termo paradigma de modo bastante vago Masterman 1970 Kuhn afirmou no pósfácio de A Estrutura das Revoluções Científicas 1970b que preferia usar o termo paradigma no sentido mais estrito de exemplos Apesar disso o termo paradigma continuou a ser usado em sentido amplo pela maioria dos filósofos da ciência e o próprio Kuhn reconheceu ter perdido o controle sobre este termo Além disso como durante as mudanças de paradigma o termo será usado aqui em sentido amplo salvo observação em contrário há também mudanças na teoria que compõe o paradigma Kuhn muitas vezes fala indistintamente em substituir uma teoria ou paradigma A força de um paradigma explicaria por que as revoluções científicas são raras em vez de abandonarem teorias refutadas os cientistas se ocupam na maior parte do tempo com o que Kuhn chama ciência normal que é a pesquisa científica orientada por um paradigma e baseada em um consenso entre especialistas Nos períodos de ciência normal todos os problemas e soluções encontradas têm de estar contidos dentro do paradigma adotado Os cientistas se limitaria a resolver enigmas puzzles Este termo é usado para indicar que na ciência normal as anomalies resultados discrepantes que surgem na pesquisa são tratados como enigmas ou quebracabeças 27 diferentes como um coelho ou um pato figura 1 O que eram patos no mundo do cientista antes da revolução passam a ser coelhos depois dela Kuhn 1970b p 111 Figura 1 Coelho ou pato Como nenhuma teoria ou paradigma resolve todos os problemas há sempre anomalias que aparentemente poderiam ser solucionadas pelo paradigma mas que nenhum cientista consegue resolver Um exemplo de anomalia ocorreu quando Herschel utilizando um novo e melhor telescópio observou que Urano considerado como uma estrela na época não era puntiforme como uma estrela mas tinha a forma de um disco Outra anomalia ocorreu quando Herschel observou que Urano moviase ao longo do dia entre as estrelas em vez de permanecer fixo como elas Herschel achou que Urano era um cometa até que outros astrônomos observaram que Urano tinha uma órbita quase circular em volta do Sol como fazem os planetas A forma e o movimento de Urano eram portanto anomalias que não se encaixavam na percepção original de que Urano era uma estrela Ao mesmo tempo Kuhn fala que algumas anomalias são significativas ou essenciais ou ainda que elas são contraexemplos no sentido de que podem lançar dúvidas sobre a capacidade do paradigma de resolver seus problemas e gerando com isso uma crise 1970a 1970b 1977 1979 O problema então é descobrir o que levaria uma anomalia a parecer algo mais do que um novo quebracabeças da ciência normal 1970b p 81 Tudo o que Kuhn apresenta 1970b 1977 1979 porém são índices de alguns fatores que poderiam estimular os cientistas a considerar uma ou mais anomalias como significativas uma discrepância quantitativamente significativa entre o previsto e o esperado um acúmulo de anomalias sem resolução uma anomalia que apesar de parecer sem importância impede uma aplicação prática a elaboração de um calendário por exemplo no caso da astronomia ptolemaica uma anomalia que resiste por muito tempo mesmo quando atacada pelos melhores especialistas da área como as anomalias na órbita de Urano que levavam à descoberta de Netuno ou as discrepâncias residuais na astronomia de Ptolomeu ou ainda um tipo de anomalia que aparece repetidas vezes em vários tipos de teste Do momento em que a ciência normal produziu uma ou mais anomalias significativas alguns cientistas podem começar a questionar os fundamentos da teoria aceita no momento Eles começam a achar que algo está errado com o conhecimento e as crenças existentes 1977 p 235 Surge uma desconfiança nas técnicas utilizadas e uma sensação de insegurança profissional Neste ponto Kuhn diz que a disciplina em questão está em crise 29 Assim como comparar teorias ou paradigmas se os cientistas que aderem a paradigmas ou teorias diferentes têm visões diferentes do mesmo fenômeno onde um vê o flogisto o outro vê oxigênio ou colocando de forma ainda mais radical se o mundo muda com o paradigma antes da descoberta de Herschel havia uma estrela onde agora há um planeta Outra questão é que os problemas que exigiam soluções dentro de um paradigma podem ser abandonados como obsoletos na visão de outro paradigma o mesmo acontecendo com o tipo de solução escolhida Conseqüentemente durante uma revolução científica há ganhos mas também há perdas na capacidade de explicação e previsão a teoria nova explica alguns fatos que a teoria antiga não explica mas esta continua a explicar fatos que a teoria nova não é capaz de explicar Nesta situação tornase problemático afirmar que uma das teorias é superior a outra Esta tese é conhecida como a perda de Kuhn Kuhnloss Watkins 1984 p 214 A incomensurabilidade existiria também devido a uma dificuldade de tradução entre os conceitos e enunciados de paradigmas diferentes Nas revoluções científicas ocorrem mudanças no significado de alguns conceitos fundamentais de modo que cada comunidade científica passa a usar conceitos diferentes mesmo que as palavras sejam as mesmas Isto quer dizer que embora os conceitos do paradigma antigo continuem a ser usados eles adquirem um significado diferente o conceito de massa na teoria da relatividade por exemplo seria diferente do conceito de massa na mecânica newtoniana O mesmo acontece com o conceito de planeta na teoria de Ptolomeu e na teoria de Copérnico Os enunciados leis e hipóteses teriam então de ser traduzidos de um paradigma para outro Mas na ausência de uma linguagem neutra independente de teorias ou paradigmas a tradução não pode ser feita sem perda de significado Finalmente como veremos depois a incomensurabilidade decorre também do fato de que cada cientista pode atribuir pesos diferentes a cada um dos critérios para a avaliação de teorias poder preditivo simplicidade amplitude etc ou então interpretálos de forma diferente sem que se possa dizer qual o peso ou a interpretação correta Além disso a própria escolha desses critérios não pode ser justificada objetivamente por algum algoritmo lógico ou matemático por exemplo Diante da dificuldade ou mesmo da impossibilidade de uma escolha entre teorias ou paradigmas não é de estranhar que Kuhn dê a entender que a aceitação do novo paradigma não se deva ou pelo menos não se deva apenas a recursos lógicos ou a evidências experimentais mas à capacidade de persuasão ou à propaganda feita pelos cientistas que defendem o novo paradigma Na falta de argumentos e critérios objetivos de avaliação esta aceitação ocorreria através de uma espécie de conversão de novos adeptos ou então à medida 35 A avaliação das teorias As razões fornecidas por Kuhn para escolher a melhor entre duas teorias não diferem segundo ele próprio das linhas tradicionais da filosofia da ciência Sem pretender dar uma linha completa Kuhn seleciona cinco características de uma boa teoria científica exatidão consistência alcance simplicidade e fecundidade 1977 p 321 A exatidão para Kuhn significa que as previsões deduzidas da teoria devem ser qualitativa e quantitativamente exatas isto é consequências da teoria devem estar em concordância demonstrada com os resultados das experimentações e observações existentes 1977 p 321 A exigência de consistência significa que a teoria deve estar livre de contradições internas e ser considerada compatível com outras teorias aceitas no momento Quanto ao alcance é desejável que ela tenha um amplo domínio de aplicações isto é que suas consequências estendamse além das observações leis ou subterórias particulares para as quais ela esteja projetada em princípio 1977 p 321 Isso significa que uma teoria deve explicar fatos ou leis diferentes daquelas para os quais foi construída A simplicidade pode ser caracterizada como a capacidade que a teoria tem de unificar fenômenos que aparentemente não tinham relação entre si Uma boa teoria deve ser capaz de organizar fenômenos que sem ela permaneceriam isolados uns dos outros 31 A fecundidade implica que a teoria deve desvendar novos fenômenos ou relações anteriormente não verificadas entre fenômenos já conhecidos 1977 p 32 Ela deve ser uma fonte de novas descobertas deve ser capaz de orientar a pesquisa científica de forma produtiva Além dessas razões Kuhn cita ocasionalmente o poder explanatório outro conceito comum na filosofia tradicional a plausibilidade e a capacidade da teoria de definir e resolver o maior número possível de problemas teóricos e experimentais especialmente do tipo quantitativo 1977 A plausibilidade significa para Kuhn que as teorias devem ser compatíveis com outras teorias disseminadas no momento 1970b p 185 Em relação à capacidade de resolver problemas Kuhn é mais explícito além de resolver os problemas que deflagraram a crise com mais precisão que o paradigma anterior o novo paradigma deve garantir a preservação de uma parte relativamente grande da capacidade objetiva de resolver problemas conquistada pela ciência com o auxílio dos paradigmas anteriores Kuhn 1970b p 169 Além disso Kuhn inclui também na capacidade de resolver problemas a habilidade de uma teoria de prever fenômenos que da perspectiva da teoria antiga são inesperados Kuhn 1970b 1977 Kuhn reconhece que o poder explanatório a plausibilidade e principalmente a capacidade de resolver problemas podem ser deduzidos dos valores anteriores Mas não tem a preocupação de avaliar a coerência ou a redundância desses critérios uma vez que atribui um peso menor a eles do que os filósofos tradicionais Para Kuhn esses critérios não são conclusivos isto é não são suficientes para forçar uma decisão unânime por parte da comunidade científica Por isso ele prefere usar o termo valores em vez de critérios Isso acontece por vários motivos Em primeiro lugar valores como a simplicidade por exemplo podem ser interpretados de formas diferentes provocando uma discordância entre qual das teorias é de fato mais simples Além disso um valor pode se opor a outro uma teoria pode ser superior em relação a determinado valor mas inferior em relação a outro uma teoria pode ser mais simples e outra mais precisa Kuhn 1970a p 258 Neste caso seria necessário atribuir pesos relativos a cada valor mas esta atribuição não faz parte dos valores compartilhados pela comunidade Na realidade cada cientista pode atribuir um peso diferente a cada valor Além disso embora esses valores possam servir para persuadir a comunidade científica a aceitar um paradigma eles nãos servem para justificar a teoria no sentido de que ela seria mais verdadeira que outra Para Kuhn não há ligação entre os valores e a verdade de uma teoria ou de sua verossimilitude Finalmente Kuhn não vê como justificar estes valores a não ser pelo fato de que esses são os valores compartilhados pela comunidade científica Que melhor critério poderia existir do que a decisão de um grupo de cientistas 36 Conclusão Para Kuhn o progresso em ciência consiste principalmente na maior capacidade de resolver problemas que as novas teorias apresentam em relação às antigas teorias incluindose se as soluções mais precisas e maior número de previsões de dados empíricos Kuhn parece defender aqui um critério objetivo de progresso Ao mesmo tempo porém afirma que durante uma mudança de paradigma há perdas na capacidade de explicar certos fenômenos e na capacidade de reconhecer certos problemas como legítimos além de um estreitamento no campo da pesquisa Kuhn 1977 Mas se há perdas e ganhos como aferir o progresso O conceito de progresso pode ser avaliado de forma objetiva se aceitarmos que a ciência se aproxima cada vez mais da verdade Mas Kuhn considera essa ideia inaceitável e desnecessária criticando não apenas aquele que defende o aumento da verossimilhança das teorias científicas mas também uma visão realista da ciência Kuhn defende aqui a posição nãorealista de que é sem sentido falar de uma realidade absoluta livre de teorias uma vez que não temos acesso a essa realidade Ele considera que esta suposição não é necessária para explicar o sucesso da ciência 32 1970b p 170 A justificativa para a aceitação desses critérios passa a ser portanto a opinião da comunidade científica que trabalha com o paradigma em questão Kuhn sustenta que do momento em que a escolha de teorias não é completamente determinada pelos valores compartilhados da comunidade científica simplicidade precisão etc nem pode ser determinada provada ou refutada por uma base empírica outros fatores que variam de indivíduo para indivíduo influem nesse escolha experiência profissional convicções religiosas e filosóficas certos traços da personalidade timidez espírito de aventura etc 1970a 1970b 1977 Para Kuhn esta indeterminação é útil para o desenvolvimento da ciência como nenhuma teoria é comprovada ou refutada conclusivamente qualquer decisão de escolha implica um risco Por isso seria interessante que alguns cientistas não abandonassem uma teoria prematuramente É importante que alguns escolham a teoria nova e outros mantenham a adesão à teoria antiga somente assim o potencial das duas teorias poderá ser desenvolvido a exaustão A partir dessas conclusões Kuhn ataca outra tese admitida por positivistas lógicos e racionalistas críticos a de que há uma diferença entre o contexto da descoberta e o da justificativa de uma teoria Para Kuhn uma vez que fatores individuais e psicológicos que poderiam participar apenas do contexto da descoberta para os filósofos tradicionais podem e devem participar da avaliação de teorias a diferença entre os dois contextos se dissolve No entanto ao mesmo tempo que chama a atenção para fatores subjetivos de avaliação Kuhn acha que na conversão de toda uma comunidade ao novo paradigma os argumentos baseados na capacidade da nova teoria de resolver problemas são decisivos Assim a nova teoria somente será aceita pela comunidade se ela for capaz de resolver anomalias significativas que levaram à crise e se for capaz também de resolver uma grande parte dos problemas resolvidos pela teoria antiga 1970a À medida que os cientistas trabalham para corrigir e desenvolver as teorias o número de evidências empíricas e argumentos teóricos em favor de uma teoria pode aumentar progressivamente a ponto de convencer um número cada vez maior de cientistas até que eventualmente toda a comunidade passa a aceitar uma única teoria ou paradigma o novo consenso restabelece então a volta de uma ciência normal Kuhn 1970b No entanto Kuhn argumenta que embora em alguns casos a resistência à mudança não pareça razoável não se encontrará um ponto onde a resistência ao paradigma vigente tornese ilógica ou não científica 1970b p 159 Esse ponto coloca novamente em questão a objetividade da escolha se não se pode convencer um cientista por argumentos que sua resistência é ilógica ou não científica então para que escolher entre duas ou mais teorias Por que não Se a tese for verdadeira nós estamos de certa maneira aprisionados dentro do nosso sistema de conceitos ou dentro de paradigmas classes sociais épocas históricas linguagem etc e simplesmente não há um sistema superior objetivo ou neutro para avaliar nossas idéias Nesse caso fica comprometida não apenas a possibilidade de avaliação de teorias mas também a própria idéia de progresso do conhecimento científico ou da ciência Afinal que critério teríamos para afirmar que uma teoria é melhor que outra ou que há progresso ao longo de uma sequência de teorias Embora Kuhn tenha rejeitado o rótulo de relativista vários filósofos consideram que ele não consegue apresentar boas razões para a escolha de teorias Andersson 1994 Bunge 1985a Lakatos 1970 1978 Laudan 1990 Popper 1979 Sharpe 1984 Scheffler 1987 Siegel 1987 Thagard 1992 Toulmin 1970 Trigg 1980 entre muitos outros Como exemplo haver progresso do momento em que a capacidade de resolver problemas é avaliada de forma diferente pelos defensores do paradigma antigo e do novo para os primeiros pode ter havido mais perdas do que ganhos enquanto os últimos fazem a avaliação inversa e do momento em que fatores psicológicos e sociais necessariamente influenciam essa escolha o que vem a ser justamente a tese relativista 42 As idéias de Feyerabend ESTUDAR ANARQUISMO METODOLOGICO Para Feyerabend a ciência não tem um método próprio nem é uma atividade racional mas um empreendimento anárquico onde qualquer regra metodológica já proposta inclusive as regras da lógica ou que venha a ser proposta foi violada pelos cientistas e tem de ser violada para que a ciência possa progredir Este progresso ocorre graças a um pluralismo teórico isto é o estímulo à proliferação do maior número possível de teorias que competem entre si para explicar os mesmos fenômenos como veremos adiante Feyerabend é portanto mais radical do que Kuhn em suas críticas à racionalidade da ciência Como vimos Kuhn admite a existência de regras metodológicas que ele chama de valores para avaliar teorias científicas poder preditivo simplicidade fecundidade etc embora enfatize que estas regras não forçam uma escolha definida Já para Feyerabend não há nenhuma regra capaz de orientar esta avaliação isto é capaz de restringir a escolha de teorias A única forma de explicar determinada escolha é apelar para o que Lakatos chamou de critérios externos à ciência isto é de preferências subjectivas propaganda fatores sociais e políticos etc Feyerabend adota portanto uma posição claramente não racionalista defendendo um relativismo total um vale tudo metodológico e se autodenomina um anarquista epistemológico Feyerabend 1988 Feyerabend como Kuhn e Lakatos defende a tese de que é importante não abandonar uma teoria em face de refutações já que enunciados de testes e hipóteses auxiliares sempre podem ser revistos e que somente assim as teorias podem ser desenvolvidas e melhoradas 1970 A tese da incomensurabilidade é aceita por Feyerabend em sua forma mais radical a mudança de um paradigma para outro implica em uma nova visão de mundo com mudança de significado dos conceitos e com a impossibilidade de se comparar a nova e a antiga teoria Contrariamente a Kuhn Feyerabend não vê lugar algum para critérios objetivos de avaliação o que sobra são julgamentos estéticos julgamentos de gosto e nossos próprios desejos subjetivos 1970 p 228 Os exemplos da história da ciência são usados por Feyerabend para mostrar que nos casos em que reconhecidamente houve avanço na ciência alguma regra metodológica importante ou algum critério de avaliação deixou de ser seguido 40 Para resolver problemas que confrontavam a teoria de Copérnico por exemplo como a variação no tamanho e brilho dos planetas observados a olho nu Galileu usou hipóteses ad hoc isto é hipóteses que não têm nenhuma conseqüência testável independentemente do fato para o qual foram criadas no caso a hipótese de que as observações a olho nu não são confiáveis Os adversários de Galileu que defendiam as teorias de Aristóteles argumentavam por sua vez que o telescópio usado na época produzia distorções Por isso para eles as observações com este instrumento não eram confiáveis Do mesmo modo contra a idéia de que a Terra estava em movimento os aristotélicos argumentavam que se isso fosse verdade um objeto solto no espaço não deveria cair no ponto diretamente abaixo de onde foi solto Segundo Feyerabend Galileu teve de apelar nesses casos para métodos irracionais de convencimento como o uso de hipóteses ad hoc argumentos falaciosos técnicas de persuasão e propaganda etc para proteger teorias que ainda não tinham se desenvolvido plenamente uma atitude contrária às recomendações do empirismo lógico e do racionalismo crítico Ao mesmo tempo em que defende o estímulo à proliferação de teorias pluralismo teórico Feyerabend 1970 sugere que cada grupo de cientistas defenda sua teoria com tenacidade princípio da tenacidade Como não acredita que uma teoria possa ser criticada por testes ou observações independentes de teorias Feyerabend acha que esta crítica só pode ser feita através da retórica da propaganda ou com auxílio de outras teorias competidoras No entanto como Feyerabend não fornece nenhum critério objetivo para a seleção de teorias fica difícil compreender como essas recomendações garantiriam algum progresso em direção á verdade ou mesmo na resolução de problemas Não há razão portanto para supor que o pluralismo teórico de Feyerabend leve ao progresso do conhecimento Feyerabend procura rebater esta crítica afirmando que a ciência não é superior nem em relação ao método nem em relação a resultados a outras formas de conhecimento e que não deve ter qualquer privilégio se as pessoas que pagam impostos acreditam em coisas como astrologia bruxaria criacionismo parapsicologia etc então essas teorias deveriam ser ensinadas em escolas públicas Feyerabend 1978 1988 Feyerabend acredita que suas recomendações contribuem não exatamente para o progresso do conhecimento mas para a felicidade e o desenvolvimento do ser humano e para a criação de uma sociedade mais livre No próximo item veremos as críticas feitas a Feyerabend mas desde já é importante assinalar que se aceitarmos a posição de Feyerabend não há meios objetivos de separar o conhecimento científico de qualquer tipo de charlatanismo e para que realizar pesquisas procurando saber por exemplo se um produto é tóxico ou realmente eficaz Mais sobre Feyerabend em Anders 43 A sociologia do conhecimento Não é preciso ser sociólogo para admitir que os fatores sociais influem na atividade científica Mas o que distingue a sociologia do conhecimento de outras formas de análise sociológica da ciência é a tese de que a avaliação das teorias científicas e até o próprio conteúdo dessas teorias é determinada por fatores sociais e não em função das evidências a favor das teorias ou de critérios objetivos de avaliação Esta é a ideia básica do Programa Forte da sociologia do conhecimento científico defendida a partir dos anos sessenta pela chamada Escola de Edimburgo a principal representante dessa linha de pesquisa Barnes 1974 Bloor 1976 Collins 1981 1982 Latour 1987 Latour Woolgar 1986 Esta escola assume as principais teses da Nova Filosofia da Ciência a observação é dependente de teorias e de linguagem as teorias não são atingidas pelas comprovações ou falsificações empíricas já que sempre se pode modificar uma hipótese auxiliar de forma a preservar a teoria critérios lógicos e metodológicos não são suficientes para determinar a escolha de uma teoria etc e a partir daí conclui que a crença de um cientista em uma teoria só pode ser explicada por fatores sociais como os interesses sociais de certos grupos os interesses profissionais de certos cientistas por status fama reputação as negociações por verbas de pesquisas o prestígio do cientista que defende determinada teoria a luta pelo poder na comunidade científica etc A justificativa dessa conclusão é feita através de estudos antropológicos em instituições científicas como o realizado por Latour Woolgar no Instituto Salk de Estudos Biológicos na Califórnia Latour Woolgar 1986 Neste estudo eles procuraram demonstrar que o que inicialmente era apenas uma hipótese acabava sendo considerada como um fato em função do prestígio do cientista que realizou a pesquisa da revista que publicou seu trabalho e de outras interações sociais A vitória entre duas teorias seria então exclusivamente o resultado de uma disputa ou de uma negociação entre cientistas ou grupo de cientistas O resultado da pesquisa seria menos uma descrição da natureza do que uma construção social Isto significa que o sucesso ou o fracasso de uma teoria deve ser explicado a partir de causas sociais ou psicológicas que influem na crença dos cientistas e não em função de razões ou argumentos da verdade ou falsidade da teoria ou de sua verossimilitude
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Componente Curricular Filosofia da Ciência Docente Myrna Suyanny Barreto MATERIAL DE LEITURA AULA 1 II UNIDADE AULACONTEÚDO RECURSOS METODOLÓGICOS DA CIÊNCIA DEDUÇÃO E INDUÇÃO As distintas formas de raciocinar Quando raciocinamos escolhemos e manipulamos certas informações em um processo que nos leva a outra informação a conclusão Dependendo da maneira como relacionamos essas informações nossa argumentação será válida ou inválida Se for válida e as premissas forem verdadeiras temos uma prova conclusiva do que foi afirmado a conclusão Essa característica no entanto não se aplica a todo tipo de argumentação Há outros modos de raciocinar que não têm a mesma força demonstrativa mas são usados com frequência e têm bastante utilidade Por isso tradicionalmente se distinguem dois tipos de argumentação um é conhecido como dedução e o outro como indução A diferenciação entre eles é fundamental na hora de avaliar as possibilidades e os limites de uma demonstração Vejamos então cada um deles DEDUÇÃO Os argumentos do método dedutivo procuram apresentar condições necessárias para que de proposições verdadeiras se obtenham conclusões verdadeiras E é apenas o método dedutivo que oferece essa possibilidade e garantia A dedução é um modo de raciocinar argumentar e demonstrar em que a conclusão é uma consequência lógica das premissas ou pelo menos a pessoa que o utiliza pensa ser Isso quer dizer que stricto sensu dedução e argumento válido se identificam pois têm a mesma definição ou seja toda dedução é um argumento válido e viceversa Mas se pensarmos na dedução em sentido amplo também é possível dizer que as pessoas podem deduzir erroneamente sempre que usarem esse método com uma forma inválida o que de fato fazem com muita frequência Há porém outra maneira de caracterizar a dedução que a diferencia nitidamente da indução conforme veremos adiante o argumento dedutivo é aquele que vai do maior ao menor ou do geral ao particular ou singular de tal modo que sua conclusão constitui algo que já estava contido mesmo que implicitamente nas premissas Exemplo de um argumento dedutivo Exemplo Todos os suspeitos são ou devem ser pessoas que estavam no prédio entre 12 e 14 horas P1 Lana não é uma pessoa que estava no prédio entre 12 e 14 horas P2 Logo Lana não é ou deve ser suspeita conclusão Observe que o argumento parte da proposição universal P1 iniciada por todos e conclui com uma proposição singular referente a apenas um único indivíduo Lana Sua forma lógica é Todo A é B c não é B Logo c não é A forma válida Esse tipo de raciocínio é comum na aplicação das leis científicas que são enunciados gerais a situações específicas como por exemplo quando você resolve um problema de física Note também que o conteúdo da conclusão não excede os limites das informações contidas nas premissas ele é extraído delas Por isso costumase dizer que os argumentos dedutivos embora forneçam provas conclusivas de uma proposição não são ampliativos tendo em vista que nada acrescentam ao que já se sabia ou seja ao que estava implícito nas premissas O trabalho do argumento dedutivo seria apenas o de explicitar essa informação Fonte consultada Fundamentos de filosofia Gilberto Cotrim p108109 REVISANDO Em um argumento dedutivo correto a conclusão é inferida necessariamente das premissas Ou seja o que está dito na conclusão é extraído das premissas pois na verdade está implícito nelas O enunciado da conclusão não excede o conteúdo das premissas isto é não se diz mais na conclusão do que já tinha sido dito nas premissas ETIMOLOGIA Dedução Do latim deducereconduzir a partir de O silogismo válido é um raciocínio que parte de pelo menos uma proposição geral e cuja conclusão pode ser uma proposição geral ou uma proposição particular Nos exemplos válidos a seguir a primeira dedução parte de premissas gerais e chega a uma conclusão também geral no segundo caso a conclusão é particular EX Todo brasileiro é sulamericano Todo paulista é brasileiro Todo paulista é sulamericano EX Todo brasileiro é sulamericano Algum brasileiro é índio Algum índio é sulamericano No entanto nem sempre a dedução aparece assim estruturada por isso precisamos montar o argumento para identificálo Veja um exemplo Na prova de Física uma questão se referia a um caso específico do qual foram fornecidos os dados no enunciado Os alunos deveriam lembrarse de uma lei e aplicála aos dados a fim de resolver o problema Tratase de um raciocínio dedutivo pois a lei que é geral foi aplicada a um caso que é particular A dedução é um modelo de rigor mas é estéril na medida em que não nos ensina nada de novo apenas organiza o conhecimento já adquirido Condillac filósofo francês do século XVIII compara a lógica aos parapeitos das pontes porque apenas impedemnos de cair mas não nos fazem ir adiante Isso significa que a conclusão nada acrescenta àquilo que foi afirmado nas premissas No entanto se a dedução não inova não significa que não tenha valor algum pois sempre fazemos deduções para extrair consequências e é preciso investigar quando essas inferências são válidas ou não Fonte consultada Filosofando Introdução à Filosofia Maria Lucia de Arruda Aranhap134 INDUÇÃO A indução por sua vez costuma ser caracterizada como um modo de raciocinar que vai do menor ao maior ou do singular ou particular ao geral de tal maneira que sua conclusão vai além do que enunciam suas premissas Nós raciocinamos dessa forma com muita frequência temos uma experiência fazemos um juízo sobre ela e o generalizamos Exemplo Um dia meu joelho doeu e depois choveu P1 Repetidas vezes meu joelho doeu e depois choveu P2 Logo sempre que meu joelho doer vai chover conclusão Observe que ele parte de proposições que enunciam uma observação individual relativa a um ou mais momentos P1 e P2 e por analogia relação de semelhança a generaliza aplicaa a momentos similares ainda não experimentados Note também que a conclusão não é uma consequência lógica das premissas extrapolando as informações disponíveis nelas ou seja a conclusão estende a afirmação contida nas premissas além dos seus limites para todas as situações futuras A indução tem um lugar de destaque na ciência onde costuma ser aplicada de maneira criteriosa e controlada Um cientista por exemplo observa o momento em que a água entra em ebulição sob determinadas condições e vê que o termômetro marca certa temperatura depois ele realiza a experiência reiteradas vezes sob as mesmas condições comprovando que o resultado é sempre o mesmo Desse modo ele induz conclui por indução que a água sempre entra em ebulição a 100 ºC ao nível do mar Mas essa conclusão não foi obtida por dedução lógica e sim por observação ou seja indução Por isso costumase dizer que o raciocínio indutivo é ampliativo tendo em vista que sua conclusão vai além do enunciado nas premissas Essa é sua riqueza mas também sua debilidade porque a conclusão indutiva será sempre provável provavelmente verdadeira mas não garantida ou necessária no sentido estritamente lógicodedutivo Isso fica bem nítido nos estudos estatísticos como as pesquisas de opinião Exemplo 60 dos entrevistados pelo instituto de pesquisa apoiam a nova lei P Logo estimase que 60 da população apoia a nova lei conclusão Observe que no argumento acima mesmo se a premissa for verdadeira sua conclusão não será necessariamente verdadeira mas terá alta probabilidade de ser verdadeira se e somente se a pesquisa de opinião foi feita corretamente seguindo a metodologia científica Portanto vemos que há diferentes tipos de raciocínio indutivo e que alguns podem ser mais verossímeis ou prováveis que outros No entanto os lógicos têm tido dificuldades em caracterizar um argumento indutivamente forte razão pela qual até nossos dias a lógica indutiva não se desenvolveu tanto quanto a lógica dedutiva ePisteMOLOGiA A investigação filosófica da ciência A partir das transformaes no campo cientfico ocorridas na passagem do sculo XIX para o scu lo XX muitas certezas foram abaladas fazendo surgir novos questionamentos e reavaliaes dos critrios de verdade e da validade dos mtodos e das teorias cientficas A filosofia da cincia debruouse sobre essas questes interessante observar que entre seus nomes mais significativos esto muitos cientistas de vrios ramos que produziram reflexes sobre sua prpria prtica e nesse momento tambm so filsofos Papel da induo ma interessante polmica que inaugurou a epistemologia contempornea foi desenvolvida entre os pensadores ingleses William Whewell 17941866 e John Stuart Mill 18061873 sobre o papel da induo na cincia reveja se necessrio a explicao sobre o mtodo indutivo no captulo 5 Para Stuart Mill a induo simplesmente uma generalizao que parte de fatos assegurados pela experincia sensvel J Whewell defendia que alm dos sentidos a induo se norteia tambm por ideias inatas prprias da mente humana que organizam e relacionam as experincias Nessa polmica o que estava em jogo era se a induo entendida como a generalizao a partir da observao dos fenmenos analisados dava ou no conta de incluir em suas concluses outros elemen tos particulares que no foram tratados na pesquisa Em suma at que ponto a induo poderia ser um mtodo confivel na aquisio de certezas cientficas ritrio da verificabilidade m grupo de cientistas que marcou a filosofia da cincia foi o chamado Círculo de Viena forma do na dcada de 1920 por filsofos e cientistas de diversas reas Os principais representantes des se grupo foram o fsico alemo Moritz Schlick 18821936 os matemticos alemes Hans Hahn 18791934 e Rudolf Carnap 18911970 e o so cilogo e economista austraco Otto Neurath 18821945 entre outros O Crculo de Viena desenvolveu o neopositi vismo tambm denominado positivismo lógico ou ainda empirismo lógico que pretendeu formar uma concepo cientfica do mundo isenta de qualquer especulao As proposies fatuais so pois o fundamento de todo saber mesmo que elas precisem ser abando nadas no momento de transio para a rmaes gerais Estas proposies esto no incio da cincia O conhecimento comea com a constatao dos fa tos SCHliCK O fundamento do conhecimento p 46 Em suas reflexes acerca do procedimento cientfico os pensadores do Crculo de Viena en fatizaram as exigncias de clareza e precisão e propuseram o critério da verificabilidade para validar uma teoria cientfica Em outras palavras a teoria deveria passar pelo crivo da verificação empírica para ser aceita como verdadeira ritrio da refutabilidade O austraco naturalizado britnico Karl Popper 19021994 fsico matemtico e filsofo da cin cia criticou o critrio da verificabilidade e props como nica possibilidade para o saber cientfico o critério da refutabilidade ou da falseabilidade De acordo com esse critrio uma teoria man tmse como verdadeira at que seja refutada isto at que sejam demonstrados sua falsidade suas brechas seus limites Para Popper nenhuma teoria cientfica pode ser verificada empiricamente pelo mtodo indutivo Isso porque do ponto de vista lgico no nada bvio que se justi que inferir assertivas universais a partir de assertivas singulares por mais numerosas que sejam estas ltimas Com efeito qualquer concluso tirada desse modo sempre pode se revelar falsa por mais numerosos que sejam os casos de cisnes brancos que possamos ter observado isso no justi ca a conclu so de que todos os cisnes so brancos Citado em reAle e AnTiSeri Histria da loso a p 1022 Mais conhecido como um dos maiores nomes da filosofia da cincia Popper tambm trouxe importante contribuio ao pensamento poltico Com uma crtica aguada a toda forma de totalitarismo foi um defensor persistente do liberalismo DAVID LEVENSONETTy IMAES 372 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar Com essa afirmao Popper indicou a condi o transitória da validade de uma teoria ou seja determinada teoria vlida at o momento em que refutada mostrandose sua falsidade Somente a falsidade de uma teoria pode ser provada mas nunca sua veracidade absoluta Isso significa que a cincia possui apenas con jeturas hipteses sobre a realidade e no certezas definitivas Mas o conhecimento cien tfico pode progredir em sua busca de explicar o real sendo necessrio para isso que as so ciedades estejam abertas liberdade de crtica e de pesquisa Outro ponto que o filsofo destacou em suas reflexes sobre o conhecimento cientfico foi que a mente no uma tbula rasa como pensam os empiristas Para ele não existe observação pura pois todas as observaes so sempre reali zadas luz de pressupostos e de teorias prévias que o cientista traz consigo E elas se confirmam ou no a partir de sua observao upturas epistemolgicas Outro filsofo importante no campo da cin cia foi o francs Gaston Bachelard 18841962 que destacou a importncia do estudo da his tória da ciência como instrumento de anlise da prpria racionalidade Nessa pesquisa a atividade cientfica entendida como parte de um processo histrico amplo e que possui um carter social De acordo com a anlise do filsofo a cincia progride por rupturas epistemológicas quando supera obstáculos epistemológicos Isso quer dizer que caminha por saltos que se caracteri zam pela recusa dos pressupostos e mtodos que orientavam a pesquisa anterior sustentando os erros preestabelecidos pois esses pressu postos e mtodos atuavam como obstculos como entraves ao avano do conhecimento Esses obstculos podem estar relacionados a hbitos socioculturais cristalizados a dogmatizaes de teorias que freiam o desenvolvimento da cincia entre outros fatores Exemplos de ruptura epistemolgica so os da fsica quntica e da teoria da relatividade que formularam uma nova maneira de conceber o espao e o tempo como resposta aos obstculos apresentados fsica newtoniana Bachelard destacou tambm o papel da imagi nação e da criatividade como elementos impres cindveis prtica cientfica Paradigmas e revolues cientficas Por sua vez o estadounidense Thomas Kuhn 19221996 fsico e filsofo da cincia desen volveu sua teoria acerca da história da ciência entendendoa no como um processo linear e evolutivo mas como uma sucesso de paradigmas que se confrontam entre si Paradigma em sua definio um conjunto de normas e tradies dentro do qual a cincia se move durante deter minado perodo e em certo contexto cultural Em seu livro A estrutura das revoluções cientí ficas 1962 Kuhn sustenta a tese de que a cin cia se desenvolve durante certo tempo a partir da aceitao por parte da comunidade cientfica de um conjunto de teses pressupostos e categorias que formam seu paradigma Planetrio do sculo XVIII com o Sol ao centro A mudana do geocentrismo para o heliocentrismo um exemplo clssico de mudana de paradigma na cincia quando o modelo geocntrico no mais conseguia explicar certos fenmenos foi necessrio encontrar outro que desse conta do problema Whipple Museum Cambridge Inglaterra LISA ICCIAINILEEMAEAFP Apesar de no ter formao especfica em histria e filosofia Kuhn se tornou um dos principais historiadores e filsofos da cincia introduzindo a perspectiva sociolgica em suas anlises BILL PIECETIME LIFE PICTESETTy IMAES 373 Capítulo 20 A ciência Em determinados momentos porm o para digma se altera provocando uma revolução que abre caminho para um novo tipo de desenvolvi mento cientfico Foi o que se deu por exemplo na passagem da fsica antiga para a fsica moderna ou ainda na passagem da fsica clssica moderna para a fsica quntica De acordo com o filsofo como se ocorresse uma reorientao da viso cientfica na qual os elementos de um problema so concebidos em novas relaes Nesses mo mentos coexistem dois tipos de cincia ç a ciência normal aquela que se desenvolve dentro de certo paradigma aceito pela maior parte da comunidade cientfica acumulando dados e instrumentos em seu interior ç a ciência extraordinária aquela que sur ge nos momentos de crise de um paradigma Surge como nova cincia questionando os fun damentos e pressupostos da cincia anterior e propondo um novo paradigma Novos paradigmas da pósmodernidade As mudanas descritas por Thomas Kuhn podem ser verificadas no mundo cientfico contemporneo no qual se tm desenvolvido novos paradigmas de investigao que cada vez mais se consolidam como cincia normal Vejamos alguns deles ç complexidade em vez da simplicidade da natureza como props a cincia moderna conforme vimos no incio do captulo adotase a perspectiva de uma realidade complexa ç variabilidade e instabilidade em vez da uniformidade e da estabilidade do mundo expressas por leis naturais invari veis nas diversas instncias da realidade fsica admitese a existncia de leis distintas para nveis da realidade distintos ç relacionamento em vez do isolamento das partes proposto pelo mtodo cientfico moderno valorizase a perspectiva da relação entre elas ç intersubjetividade em vez da objetividade supostamente garantida pela separao entre o objeto e o observador en tendese que o observador ou conjunto de observadores integra o fenmeno que estuda niverso interligado Exemplo dos novos paradigmas da cincia a chamada teoria do caos segundo a qual em determinados sistemas dinmicos como os da natureza uma pequena mudana nas condies iniciais pode ter enormes e at imprevisveis caticas consequncias Essa concepo ficou conhecida como efeito borboleta devido imagem O bater de asas de uma borboleta no Pacfico pode ser responsvel pelo aparecimento de um tufo do outro lado do planeta IMAESCOMCOBISFOTOAENA 7 O conjunto de transformaes da cincia na pas sagem do sculo XIX para o XX estimulou o sur gimento de uma nova rea de reflexo filosfica a filosofia da cincia ou epistemologia Entre os epistemlogos passouse a discutir por exemplo sobre o critrio a ser adotado para validar uma teoria cientfica Nesse debate opuseramse os pensadores do Crculo de Viena e Karl Popper Que critrio defendia cada um Expliqueos 8 Albert Einstein teria afirmado referindose sua teoria da relatividade que ela ter em algum momento de se render a outra teoria por razes que ainda no possvel imaginar O processo de aprofundar a teoria no teria limites Voc acredita que Popper concordaria com a opinio de Einstein Por qu 9 Em que sentido podemos dizer com Bachelard que a fsica newtoniana constituiu em dado momento um obstculo epistemolgico para os cientistas 10 Explique os conceitos de paradigma e revoluo cientfica em Thomas Kuhn anáLise e enTendiMenTO 374 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar O Método nas Ciências Naturais e Sociais Pesquisa Quantitativa e Qualitativa Alda Judith AlvesMazzotti Fernando Gewandsznajder 2ª Edição THOMPSON PARTE I O Método nas Ciências Naturais Fernando Gewandsznajder CAPÍTULO 1 Uma Visão Geral do Método nas Ciências Naturais Em ciência muitas vezes construímos um modelo simplificado do objeto do nosso estudo Aos poucos o modelo pode tornarse mais complexo passando a levar em conta um número maior de variáveis Este capítulo apresenta um modelo simplificado do método científico Nos capítulos seguintes tornaremos este modelo mais complexo Veremos também que não há uma concordância completa entre os filósofos da ciência acerca das características do método científico Podese discutir se há uma unidade de método nas diversas ciências A matemática e a lógica possuem certas características próprias diferentes das demais ciências E vários filósofos discordam da idéia de que as ciências humanas ou sociais como a sociologia ou a psicologia utilizem o mesmo método que as ciências naturais como a física a química e a biologia Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver um problema No caso do método científico estas regras são bem gerais Não são infalíveis e não suprem o apelo à imaginação e à intuição do cientista Assim mesmo que não haja um método para conceber idéias novas descobrir problemas ou imaginar hipóteses estas atividades dependem da criatividade do cientista muitos filósofos concordam que há um método para testar criticamente e selecionar as melhores hipóteses e teorias e é neste sentido que podemos dizer que há um método científico Uma das características básicas do método científico é a tentativa de resolver problemas por meio de suposições isto é de hipóteses que possam ser testadas através de observações ou experiências Uma hipótese contém previsões sobre o que deverá acontecer em determinadas condições Se o cientista fizer uma experiência e obtiver os resultados previstos pela hipótese esta será aceita pelo menos provisoriamente Se os resultados forem contrários aos CAPÍTULO 2 Ciência Natural Os Pressupostos Filosóficos Neste capítulo vamos discutir as principais concepções acerca da natureza do método científico Veremos então que embora os filósofos discordem acerca de vários pontos é possível extrair algumas conclusões importantes que são aceitas por todos os que defendem a busca da objetividade como um ideal do conhecimento científico 1 O positivismo lógico ESTUDAR DEMARCAÇÃO VERIFICABILIDADE O termo positivismo vem de Comte que considerava a ciência como o paradigma de todo o conhecimento No entanto mais importante do que Comte para a linha angloamericana foi a combinação de ideias empiristas Mill Hume Mach Russell com o uso da lógica moderna a partir dos trabalhos em matemática e lógica de Hilbert Peano Frege Russell e das ideias do Tractatus LogicoPhilosophicus de Wittgenstein Daí o movimento ser chamado também de positivismo lógico ou empirismo lógico O movimento foi influenciado ainda pelas novas descobertas em física principalmente a teoria quântica e a teoria da relatividade Para uma exposição mais detalhada das ideias e do desenvolvimento do positivismo lógico ver Ayer 1959 1982 Gillies 1993 Hanfling 1981 Oldroyd 1986 Radnitzky 1973 Suppe 1977 Urmson 1956 Wedberg 1984 Embora tenha surgido nos anos 20 na Áustria a partir do movimento conhecido como Círculo de Viena fundado pelo filósofo Moritz Schlick Alemanha e Polônia muitos de seus principais filósofos como Rudolf Carnap Hans Reichenbach Herbet Feigl e Otto Neurath emigraram para os Estados Unidos ou Inglaterra com o surgimento do nazismo uma vez que alguns dos 11 membros do grupo eram judeus ou tinham idéias liberais ou socialistas incompatíveis com o nazismo Para o positivismo a Lógica e a Matemática seriam válidas porque estabelecem as regras da linguagem constituindose em um conhecimento a priori ou seja independente da experiência Em contraste com a Lógica e a Matemática porém o conhecimento factual ou empírico deveria ser obtido a partir da observação por um método conhecido como indução A partir da observação de um grande número de cisnes brancos por exemplo concluímos por indução que o próximo cisne a ser observado será branco Do mesmo modo a partir da observação de que alguns metais se dilatam quando aquecidos concluímos que todos os metais se dilatam quando aquecidos e assim por diante A indução portanto é o processo pelo qual podemos obter e confirmar hipóteses e enunciados gerais a partir da observação As leis científicas que são enunciados gerais que indicam relações entre dois ou mais fatores também poderiam ser obtidas por indução Estudandose a variação do volume de um gás em função de sua pressão por exemplo concluímos que o volume do gás é inversamente proporcional à pressão exercida sobre ele lei de Boyle Em termos abstratos as leis podem ser expressas na forma em todos os casos em que se realizam as condições A serão realizadas as condições B A associação das leis com o que chamamos de condições iniciais permite prever e explicar os fenômenos a lei de Boyle permite prever que se dobrarmos a pressão de um gás com volume de um litro em temperatura constante condições iniciais esse volume será reduzido à metade Embora o termo teoria tenha vários significados podendo ser utilizado simplesmente como sinônimo de uma hipótese ou conjectura em sentido estrito as teorias são formadas por um conjunto de leis e freqüentemente procuram explicar os fenômenos com auxílio de conceitos abstratos e não diretamente observáveis como átomo elétron campo seleção natural etc Esses conceitos abstratos ou teóricos estão relacionados por regras de correspondência com enunciados diretamente observáveis o ponteiro do aparelho deslocouse em 1 centímetro indicando uma corrente de 1 ampère por exemplo As teorias geralmente utilizam modelos simplificados de uma situação mais complexa A teoria cinética dos gases por exemplo supõe que um gás seja formado por partículas de tamanho desprezível átomos ou moléculas sem força de atração ou repulsão entre elas e em movimento aleatório Com auxílio desse modelo podemos explicar e deduzir diversas leis inclusive a lei de Boyle que relaciona a pressão com o volume do gás se o volume do recipiente do gás diminuir o número de choques das moléculas com a parede do recipiente aumenta aumentando a pressão do gás sobre a parede 12 Os positivistas exigiam que cada conceito presente em uma teoria tivesse como referência algo observável Isto explica a oposição à teoria atômica no início do século embora esta teoria conseguisse explicar as leis da química as propriedades dos gases e a natureza do calor Mach e seguidores não a aceitavam uma vez que os átomos não podiam ser observados com qualquer técnica imaginável à época A aceitação de uma lei ou teoria seria decidida exclusivamente pela observação ou experimento Uma lei ou teoria poderia ser testada direta ou indiretamente com auxílio de sentenças observacionais que descreveriam o que uma pessoa estaria experimentando em determinado momento seriam sentenças do tipo um cubo vermelho está sobre a mesa Estes enunciados forneceriam uma base empírica sólida a partir da qual poderia ser construído o conhecimento científico garantindo ainda a objetividade da ciência Para o positivismo as sentenças que não puderem ser verificadas empiricamente estariam fora da fronteira do conhecimento seriam sentenças sem sentido A tarefa da filosofia seria apenas a de analisar logicamente os conceitos científicos A verificabilidade seria portanto o critério de significação de um enunciado para todo enunciado com sentido deveria ser possível decidir se ele é falso ou verdadeiro As leis e teorias poderiam ser formuladas e verificadas pelo método indutivo um processo pelo qual a partir de um certo número de observações recolhidas de um conjunto de objetos fatos ou acontecimentos a observação de alguns cisnes brancos concluímos algo aplicável a um conjunto mais amplo todos os cisnes são brancos ou a casos dos quais não tivemos experiência o próximo cisne será branco Mesmo que não garantisse certeza o método indutivo poderia conferir probabilidade cada vez maior ao conhecimento científico que se aproximaria cada vez mais da verdade Haveria um progresso cumulativo em ciência novas leis e teorias seriam capazes de explicar e prever um número cada vez maior de fenômenos Muitos filósofos positivistas admitiam que algumas hipóteses leis e teorias não podem ser obtidas por indução mas sim a partir da imaginação e criatividade do cientista A hipótese de que a molécula de benzeno teria a forma de um anel hexagonal por exemplo surgiu na mente do químico Frederick Kekulé quando ele imaginou uma cobra mordendo a própria cauda Há aqui uma idéia importante antecipada pelo filósofo John Herschel 1830 e depois reafirmada por Popper 1975a e Reichenbach 1961 a diferença entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação Isto quer dizer que o procedimento para formular ou descobrir uma teoria é irrelevante para sua aceitação No entanto embora não haja regras para a invenção ou descoberta de novas hipóteses uma vez formuladas elas teriam de ser testadas experimentalmente Na realidade os positivistas não estavam interessados exatamente em como o cientista pensava em suas motivações ou mesmo em como ele agia na prática isto seria uma tarefa para a psicologia e a sociologia O que interessava eram as relações lógicas entre enunciados científicos A lógica da ciência fornecia um critério ideal de como o cientista ou a comunidade científica deveria agir ou pensar tendo portanto um caráter normativo em vez de descritivo O objetivo central não era portanto o de explicar como a ciência funciona mas justificar ou legitimar o conhecimento científico estabelecendo seus fundamentos lógicos e empíricos 11 Críticas ao positivismo Popper e outros filósofos questionaram o papel atribuído à observação no positivismo lógico A ideia é que toda a observação científica ou não está imersa em teorias ou expectativas pontos de vista etc Assim quando um cientista mede a corrente elétrica ou a resistência de um circuito ou quando observa uma célula com o microscópio eletrônico ele se vale de instrumentos construídos com auxílio de complicadas teorias físicas A fidedignidade de uma simples medida da temperatura com auxílio de um termômetro por exemplo depende da lei da dilatação do mercúrio assim como a observação através de um simples microscópio óptico depende das leis de refração A tese hoje amplamente aceita em filosofia da ciência de que toda observação é imprenhada de teoria theoryladen foi defendida já no início do século filósofo Pierre Duhem Dizia ele que um experimento em física não é simplesmente a observação de um fenômeno é também a interpretação teórica desse fenômeno Duhem 1954 p 144 Em resumo do momento em que as observações incorporam teorias falíveis elas não podem ser consideradas como fontes seguras para se construir o conhecimento e não podem servir como uma base sólida para o conhecimento científico como pretendia o positivismo Mais detalhes sobre a relação entre observação e conhecimento estão em Gregory 1972 Hanson 1958 Musgrave 1993 Popper 1975b Sharpe 1984 Watkins 1984 Outro problema para o positivismo foi a crítica à indução Já no século dezoito o filósofo David Hume questionava a validade do raciocínio indutivo argumentando que a indução não é um argumento dedutivo e portanto não é logicamente válida Hume 1972 Além disso ela também não pode ser justificada pela observação o fato de que todos os cisnes observados até agora sejam brancos não garante que o próximo cisne seja branco nem que todos os cisnes sejam brancos A indução não pode portanto ser justificada nem pela lógica nem pela experiência Se passarmos de generalizações superficiais como a dos cisnes para as leis e teorias científicas o problema se complica mais ainda A partir da observação de um certo número de fatos podemos extrair diversas leis e teorias científicas compatíveis com os dados recolhidos Isto quer dizer que a indução por si só não é suficiente para descobrirmos quais das generalizações é a que melhor explica os dados Além disso mesmo que procedimentos indutivos permitam reunir um conjunto de dados e formar generalizações superficiais do tipo todos os metais se dilatam elas são insuficientes para originar teorias profundas que apelam para conceitos impossíveis de serem percebidos por observação direta como elétron quark seleção natural etc Os filósofos positivistas afirmam no entanto que o método indutivo pode ser usado para aumentar o grau de confirmação de hipóteses e teorias Com auxílio da teoria da probabilidade procuram desenvolver uma lógica indutiva para medir a probabilidade de uma hipótese em função das evidências a seu favor calculando por exemplo a probabilidade de um paciente ter de determinada doença em função dos sintomas que apresenta A construção de uma lógica indutiva contou com a colaboração de vários positivistas lógicos como Carnap 1950 e Reichenbach 1961 e ainda tem defensores até hoje que procuram por exemplo implementar sistemas indutivos em computadores para gerar e avaliar hipóteses Holland et al 1986 Outra linha de pesquisa o bayesianismo utiliza o teorema de Bayes em homenagem ao matemático inglês do século XVII Thomas Bayes para atualizar ou para de confirmação de hipóteses e teorias a cada nova evidência a partir de uma probabilidade inicial e das evidências a favor da teoria Para exposição e defesa do bayesianismo ver Howson Urbach 1989 Jeffreys 1983 Horwich 1982 Os sistemas de lógica indutiva e as tentativas de atribuir probabilidade a hipóteses e teorias têm sido bastante criticados e apresentam muitos problemas não resolvidos Mesmo que se possa atribuir probabilidades a enunciados gerais parece muito difícil senão impossível aplicar probabilidades às teorias científicas profundas que tratam de conceitos não observáveis Para críticas à lógica indutiva ao bayesianismo e aos princípios que justifiquem a indução ver Earman 1992 Gilles 1993 Glymour 1980 Lakatos 1968 Miller 1994 Pollock 1986 Popper 1972 1974 1975a 1975b Watkins 1984 Popper aceita a conclusão de Hume de que a partir de observações e da lógica nós podemos verificar a verdade ou aumentar a probabilidade de enunciados gerais como as leis e teorias científicas No entanto diz Popper a observação e a lógicas podem ser usadas para refutar esses enunciados gerais a observação de um único cisne negro se ele de fato é negro pode logicamente refutar a generalização de que todos os cisnes são brancos Há portanto uma assimetria entre a refutação e a verification Para que o conhecimento progrida através de refutações é necessário que as leis e as teorias estejam abertas à refutação ou sejam que sejam potencialmente refutáveis Só assim elas podem ser testadas a lei da reflexão da luz por exemplo que diz que o ângulo do raio incidente deve ser igual ao ângulo do raio refletido em um espelho seria refutada se observássemos ângulos de reflexão diferentes dos ângulos de incidência As leis e teorias devem portanto proibir a ocorrência de determinados eventos 17 O conjunto empírico de falseadores potenciais nos dá uma medida do conteúdo empírico da teoria quanto mais a teoria proíbe mais ela nos diz acerca do mundo Para compreender melhor essa colocação observese o caso oposto o de enunciados do tipo vai chover ou não vai chover amanhã Enunciados deste tipo não possuem falseadores potenciais e portanto não têm conteúdo empírico ou informativo não são testáveis ou refutáveis e nada dizem acerca do mundo nem contribuem para o progresso do conhecimento Por outro lado quanto mais geral for um enunciado ou lei maior seu conteúdo empírico ou informativo a generalização todos os metais se dilatam quando aquecidos nos diz mais do que o chumbo se dilata quando aquecido e maior sua refutabilidade a primeira afirmação pode ser refutada caso algum metal inclusive o chumbo não se dilate enquanto a segunda só é refutada caso o chumbo não se dilate Concluímos então que para acelerar o progresso do conhecimento devemos buscar leis cada vez mais gerais uma vez que o risco de refutação e o conteúdo informativo aumentam com a amplitude da lei aumentando assim a chance de aprendermos algo novo Um raciocínio semelhante pode ser feito com a busca de leis mais precisas Essas leis têm conteúdo maior e arriscamse mais à refutação exemplo a dilatação dos metais é diretamente proporcional ao aumento da temperatura tem maior refutabilidade do que os metais se dilatam quando aquecidos uma vez que este último enunciado somente será refutado se o metal não se dilatar enquanto o primeiro enunciado será refutado caso o metal não se dilate ou quando a dilatação se desviar significativamente dos valores previstos A refutabilidade também se aplica à busca de leis mais simples Se medirmos a simplicidade de uma lei em função do número de parâmetros o critério de Popper veremos que leis mais simples são também mais refutáveis a hipótese de que os planetas têm órbitas circulares é mais simples do que a hipótese de que os planetas têm órbitas elípticas já que o círculo é um tipo de elipse Portanto de acordo com Popper a ciência deve buscar leis e teorias cada vez mais amplas precisas e simples já que desse modo maior será a refutabilidade e conseqüentemente maior a chance de aprendermos com nossos erros No entanto não se deve confundir refutabilidade com refutação a lei mais precisa simples ou geral pode não ser bemsucedida no teste e terminar substituída por uma lei menos geral ou menos simples ou precisa A avaliação das teorias só estará completa após os resultados dos testes Na realidade o que definirá o destino de uma teoria será o seu grau de corroboração É importante compreender porém que há uma ligação entre a refutabilidade e a corroboração quanto maior a refutabilidade de uma teoria maior o número de acontecimentos que ela proíbe e maior a variedade e severidade dos testes a que ela pode ser submetida Conseqüentemente maior o grau de corroboração adquirido se a teoria passar pelos testes A conclusão é que teorias mais refutáveis possuem maior potencial de corroborar embora uma teoria de fato um alto grau de corroboração se além de altamente refutável ela também passar com sucesso seus testes severos A refutabilidade nos dá então um critério a priori para a avaliação de teorias se quisermos o progresso do conhecimento devemos buscar teorias cada vez mais refutáveis gerais precisas e simples A seguir devemos submetêlas aos testes mais rigorosos possíveis 19 sacarina provoca câncer embora os testes para determinar se isto de fato acontece os critérios de verdade não sejam conclusivos Em certos casos é até possível compreender a idéia de verdade sem que seja possível realizar testes que funcionem como critérios de verdade Podese compreender o enunciado É verdade que exatamente oito mil anos atrás chovia sobre o local onde era a cidade do Rio de janeiro embora não seja possível imaginar um teste ou observação para descobrir se este enunciado é verdadeiro Isso quer dizer que não dispomos de um critério para reconhecer a verdade quando a encontramos embora algumas de nossas teorias possam ser verdadeiras no sentido de correspondência com os fatos Portanto embora uma teoria científica possa ter passado por testes severos com sucesso não podemos descobrir se ela é verdadeira e mesmo que ela o seja não temos como saber isso com certeza No entanto segundo Popper 1972 na história da ciência há várias situações em que uma teoria parece se aproximar mais da verdade de que outra Isso acontece quando uma teoria faz afirmações mais precisas que são corroboradas quando explica mais fatos quando explica fatos com mais detalhes quando resiste a testes que refutaram a outra teoria quando sugere testes novos não sugeridos pela outra teoria e passa com sucesso por estes testes e quando permite relacionar problemas que antes estavam isolados Assim mesmo que consideremos a dinâmica de Newton refutada ela permanece superior às teorias de Kepler e de Galileu uma vez que a teoria de Newton explica mais fatos que as de Kepler e de Galileu além de ter maior precisão e de unir problemas mecânica celeste e terrestre que antes eram tratados isoladamente O mesmo acontece quando comparamos a teoria da relatividade de Einstein com a dinâmica de Newton ou a teoria da combustão de Lavoisier e a do flogisto ou quando comparamos as diversas teorias atômicas que se sucederam ao longo da história da ciência ou ainda quando comparamos a seqüência de teorias propostas para explicar a evolução dos seres vivos Em todos esses casos o grau de corroboração aumenta quando caminhamos das teorias mais antigas para as mais recentes Sendo assim diz Popper o grau de corroboração poderia indicar que uma teoria se aproxima mais da verdade que outra mesmo que ambas as teorias sejam falsas Isto acontece quando o conteúdoverdade de uma teoria a classe das conseqüências lógicas e verdadeiras da teoria for maior que o da outra sem que o mesmo ocorra com o conteúdo falso a classe de conseqüências falsas de uma teoria Isto é possível porque a partir de uma teoria falsa podemos deduzir tantos enunciados falsos como verdadeiros o enunciado todos os cisnes são brancos é falso mas a conseqüência lógica todos os cisnes do zoológico do Rio de Janeiro são brancos pode ser verdadeira Logo uma teoria falsa pode conter maior número de afirmações verdadeiras do que outra Se isto for possível a corroboration passa a ser um indicador para uma aproximação da verdade e o objetivo da ciência passa a ser o de buscar teorias cada vez mais próximas à verdade ou como diz Popper com um grau cada vez maior de verossimilhança ou веросимилюд 21 Duhem resume então o que é hoje designado como tese de Duhem Um experimento em Física não pode nunca condenar uma hipótese isolada mas apenas todo um conjunto teórico 1954 p 183 Na realidade mais de uma teoria e até todo um sistema de teorias pode estar envolvido no teste de uma previsão Isto porque teorias científicas gerais com grande amplitude como a teoria de Newton só podem ser testadas com auxílio de teorias mais específicas menos gerais As quatro leis de Newton juntamente com os conceitos fundamentais da teoria massa gravidade formam o que se pode chamar de núcleo central ou suposições fundamentais da teoria Este núcleo precisa ser enriquecido com um conjunto de miniteorias acerca da estrutura do sistema solar Este conjunto constitui um modelo simplificado do sistema solar onde se considera por exemplo que somente forças gravitacionais são relevantes e que a atração entre planetas é muito pequena comparada com a atração do Sol Se levarmos em conta que os dados científicos são registrados com instrumentos construídos a partir de teorias podemos compreender que o que está sendo testado é na realidade uma teia complexa de teorias e hipóteses auxiliares e a refutação pode indicar apenas que algo está errado em todo esse conjunto Isso significa que a teoria principal no caso a teoria de Newton não precisa ser modificada Podemos em vez disso modificar uma das hipóteses auxiliares Um exemplo clássico dessa situação ocorreu quando os astrônomos calcularam a órbita do planeta Urano com auxílio da teoria de Newton e descobriram que esta órbita não concordava com a órbita observada Havia portanto o que chamamos em filosofia da ciência de uma anomalia isto é uma observação que contradiz uma previsão Como vimos dois astrônomos Adams e Le Verrier imaginaram então que poderia haver um planeta desconhecido que estivesse alterando a órbita de Urano Eles modificaram portanto uma hipótese auxiliar a que Urano era o último planeta do sistema solar Calcularam então a massa e a posição que o planeta desconhecido deveria ter para provocar as discrepâncias entre a órbita prevista e a órbita observada Um mês depois da comunicação de seu trabalho em 23 de setembro de 1846 um planeta com as características previstas Netuno foi observado Neste caso o problema foi resolvido alterandose uma das hipóteses auxiliares ao invés de se modificar uma teoria newtoniana Em outra situação bastante semelhante uma diferença entre a órbita prevista e a órbita observada do planeta Mercúrio Le Verrier se valeu da mesma estratégia postulando a existência de um planeta Vulcano mais próximo do Sol do que Mercúrio Mas nenhum planeta com as características previstas foi encontrado Neste caso o problema somente pôde ser resolvido com a substituição da teoria de Newton pela teoria da relatividade nenhuma mudança nas hipóteses auxiliares foi capaz de resolver o problema explicando a anomalia 22 A partir daí vários filósofos da ciência principalmente Kuhn Lakatos e Feyerabend consideram que nem Popper nem os indutivistas resolveram adequadamente o problema de como testar um sistema complexo de teorias formado pela teoria principal e pelas teorias e hipóteses auxiliares envolvidas no teste Para esses filósofos é sempre possível fazer alterações nas hipóteses e teorias auxiliares quando uma previsão não se realiza Desse modo podemos sempre reconciliar uma teoria com a observação evitando assim que ela seja refutada Fica difícil então explicar dentro da metodologia falsificacionista de Popper quando uma teoria deve ser considerada refutada e substituída por outra Para apoiar essas críticas Kuhn Lakatos e Feyerabend buscam apoio na história da ciência que segundo eles demonstraria que os cientistas não abandonam teorias refutadas Em vez disso eles modificam as hipóteses e teorias auxiliares de forma a proteger a teoria principal contra refutações Outra crítica parte da idéia de que os enunciados de testes que relatam resultados de uma observação ou experiência estão impregnados de teorias auxiliares e por isso não podem servir como apoio para a refutação da teoria que está sendo testada Se os testes dependem da teoria eles são falíveis e sempre podem ser revistos não constituindo portanto uma base empírica sólida para apoiar confirmações ou refutações Embora Popper admita a falibilidade dos resultados de um teste ele não nos diz quando um teste deve ser aceito como uma refutação da teoria Popper não teria resolvido na prática o chamado problema da base empírica a solução de Popper seria válida apenas no nível lógico mas não teria qualquer utilidade no nível metodológico Outro tipo de crítica envolve a ligação entre as idéias de corroboração e verossimilitude Para Popper a corroboração seria o indicador conjectural da verossimilitude teorias mais corroboradas seriam também mais próximas da verdade O problema é que a corroboração indica apenas o sucesso passado de uma teoria enquanto a avaliação enquanto a avaliação da verossimilhança de duas teorias implica uma previsão acerca do sucesso futuro da teoria se uma teoria está mais próxima da verdade do que outra ela seria também mais confiável funcionando como um guia melhor para nossas previsões Neste caso porém a ligação entre corroboração e verossimilitude parece depender de um raciocínio indutivo a partir do sucesso passado de uma teoria estimamos seu sucesso futuro Lakatos 1970 Watkins 1984 Sendo assim os argumentos de Popper estariam sujeitos às críticas à indução feitas por Hume Além disso para que uma teoria tenha maior verossimilitude que outra é necessário que haja um aumento no conteúdo de verdade o conjunto de previsões não refutadas sem que haja também um aumento de conteúdo de falsidade o conjunto de previsões refutadas No entanto Miller 1974a 1974b e Tichý 1974 demonstraram que quando duas teorias são falsas tanto o A filosofia de Thomas Kuhn DEMARCAÇÃO EM REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS Na realidade uma teoria falsificada não precisa ser abandonada mas pode ser modificada de forma a se reconciliar com a suposta refutação corpo pesado tentando alcançar seu lugar natural Galileu via um movimento pendular Kuhn 1970b Para Kuhn a força de um paradigma viria mais de seus exemplos do que de suas leis e conceitos Isto porque os exemplos influenciam fortemente o ensino da ciência Eles aparecem nos livrostexto de cada disciplina como exercícios resolvidos ilustrando como a teoria pode ser aplicada para resolver problemas mostrando por exemplo como as leis de Newton são usadas para calcular a atração gravitacional que a Terra exerce sobre um corpo em sua superfície São comumente as primeiras aplicações desenvolvidas a partir da teoria passando a servir então como modelos para a aplicação e o desenvolvimento da pesquisa científica Os estudantes são estimulados a aplicálos na solução de problemas e também a modificar e estender os modelos para a solução de novos problemas Os exemplos são portanto a parte mais importante de um paradigma para a apreensão dos conceitos científicos e para estabelecer que problemas são relevantes e de que modo devem ser resolvidos Desse modo eles determinam o que pode ser considerado uma solução cientificamente aceitável de um problema ajudando ainda a estabelecer um consenso entre os cientistas e servindo como guias para a pesquisa Após ter sido criticado por usar o termo paradigma de modo bastante vago Masterman 1970 Kuhn afirmou no pósfácio de A Estrutura das Revoluções Científicas 1970b que preferia usar o termo paradigma no sentido mais estrito de exemplos Apesar disso o termo paradigma continuou a ser usado em sentido amplo pela maioria dos filósofos da ciência e o próprio Kuhn reconheceu ter perdido o controle sobre este termo Além disso como durante as mudanças de paradigma o termo será usado aqui em sentido amplo salvo observação em contrário há também mudanças na teoria que compõe o paradigma Kuhn muitas vezes fala indistintamente em substituir uma teoria ou paradigma A força de um paradigma explicaria por que as revoluções científicas são raras em vez de abandonarem teorias refutadas os cientistas se ocupam na maior parte do tempo com o que Kuhn chama ciência normal que é a pesquisa científica orientada por um paradigma e baseada em um consenso entre especialistas Nos períodos de ciência normal todos os problemas e soluções encontradas têm de estar contidos dentro do paradigma adotado Os cientistas se limitaria a resolver enigmas puzzles Este termo é usado para indicar que na ciência normal as anomalies resultados discrepantes que surgem na pesquisa são tratados como enigmas ou quebracabeças 27 diferentes como um coelho ou um pato figura 1 O que eram patos no mundo do cientista antes da revolução passam a ser coelhos depois dela Kuhn 1970b p 111 Figura 1 Coelho ou pato Como nenhuma teoria ou paradigma resolve todos os problemas há sempre anomalias que aparentemente poderiam ser solucionadas pelo paradigma mas que nenhum cientista consegue resolver Um exemplo de anomalia ocorreu quando Herschel utilizando um novo e melhor telescópio observou que Urano considerado como uma estrela na época não era puntiforme como uma estrela mas tinha a forma de um disco Outra anomalia ocorreu quando Herschel observou que Urano moviase ao longo do dia entre as estrelas em vez de permanecer fixo como elas Herschel achou que Urano era um cometa até que outros astrônomos observaram que Urano tinha uma órbita quase circular em volta do Sol como fazem os planetas A forma e o movimento de Urano eram portanto anomalias que não se encaixavam na percepção original de que Urano era uma estrela Ao mesmo tempo Kuhn fala que algumas anomalias são significativas ou essenciais ou ainda que elas são contraexemplos no sentido de que podem lançar dúvidas sobre a capacidade do paradigma de resolver seus problemas e gerando com isso uma crise 1970a 1970b 1977 1979 O problema então é descobrir o que levaria uma anomalia a parecer algo mais do que um novo quebracabeças da ciência normal 1970b p 81 Tudo o que Kuhn apresenta 1970b 1977 1979 porém são índices de alguns fatores que poderiam estimular os cientistas a considerar uma ou mais anomalias como significativas uma discrepância quantitativamente significativa entre o previsto e o esperado um acúmulo de anomalias sem resolução uma anomalia que apesar de parecer sem importância impede uma aplicação prática a elaboração de um calendário por exemplo no caso da astronomia ptolemaica uma anomalia que resiste por muito tempo mesmo quando atacada pelos melhores especialistas da área como as anomalias na órbita de Urano que levavam à descoberta de Netuno ou as discrepâncias residuais na astronomia de Ptolomeu ou ainda um tipo de anomalia que aparece repetidas vezes em vários tipos de teste Do momento em que a ciência normal produziu uma ou mais anomalias significativas alguns cientistas podem começar a questionar os fundamentos da teoria aceita no momento Eles começam a achar que algo está errado com o conhecimento e as crenças existentes 1977 p 235 Surge uma desconfiança nas técnicas utilizadas e uma sensação de insegurança profissional Neste ponto Kuhn diz que a disciplina em questão está em crise 29 Assim como comparar teorias ou paradigmas se os cientistas que aderem a paradigmas ou teorias diferentes têm visões diferentes do mesmo fenômeno onde um vê o flogisto o outro vê oxigênio ou colocando de forma ainda mais radical se o mundo muda com o paradigma antes da descoberta de Herschel havia uma estrela onde agora há um planeta Outra questão é que os problemas que exigiam soluções dentro de um paradigma podem ser abandonados como obsoletos na visão de outro paradigma o mesmo acontecendo com o tipo de solução escolhida Conseqüentemente durante uma revolução científica há ganhos mas também há perdas na capacidade de explicação e previsão a teoria nova explica alguns fatos que a teoria antiga não explica mas esta continua a explicar fatos que a teoria nova não é capaz de explicar Nesta situação tornase problemático afirmar que uma das teorias é superior a outra Esta tese é conhecida como a perda de Kuhn Kuhnloss Watkins 1984 p 214 A incomensurabilidade existiria também devido a uma dificuldade de tradução entre os conceitos e enunciados de paradigmas diferentes Nas revoluções científicas ocorrem mudanças no significado de alguns conceitos fundamentais de modo que cada comunidade científica passa a usar conceitos diferentes mesmo que as palavras sejam as mesmas Isto quer dizer que embora os conceitos do paradigma antigo continuem a ser usados eles adquirem um significado diferente o conceito de massa na teoria da relatividade por exemplo seria diferente do conceito de massa na mecânica newtoniana O mesmo acontece com o conceito de planeta na teoria de Ptolomeu e na teoria de Copérnico Os enunciados leis e hipóteses teriam então de ser traduzidos de um paradigma para outro Mas na ausência de uma linguagem neutra independente de teorias ou paradigmas a tradução não pode ser feita sem perda de significado Finalmente como veremos depois a incomensurabilidade decorre também do fato de que cada cientista pode atribuir pesos diferentes a cada um dos critérios para a avaliação de teorias poder preditivo simplicidade amplitude etc ou então interpretálos de forma diferente sem que se possa dizer qual o peso ou a interpretação correta Além disso a própria escolha desses critérios não pode ser justificada objetivamente por algum algoritmo lógico ou matemático por exemplo Diante da dificuldade ou mesmo da impossibilidade de uma escolha entre teorias ou paradigmas não é de estranhar que Kuhn dê a entender que a aceitação do novo paradigma não se deva ou pelo menos não se deva apenas a recursos lógicos ou a evidências experimentais mas à capacidade de persuasão ou à propaganda feita pelos cientistas que defendem o novo paradigma Na falta de argumentos e critérios objetivos de avaliação esta aceitação ocorreria através de uma espécie de conversão de novos adeptos ou então à medida 35 A avaliação das teorias As razões fornecidas por Kuhn para escolher a melhor entre duas teorias não diferem segundo ele próprio das linhas tradicionais da filosofia da ciência Sem pretender dar uma linha completa Kuhn seleciona cinco características de uma boa teoria científica exatidão consistência alcance simplicidade e fecundidade 1977 p 321 A exatidão para Kuhn significa que as previsões deduzidas da teoria devem ser qualitativa e quantitativamente exatas isto é consequências da teoria devem estar em concordância demonstrada com os resultados das experimentações e observações existentes 1977 p 321 A exigência de consistência significa que a teoria deve estar livre de contradições internas e ser considerada compatível com outras teorias aceitas no momento Quanto ao alcance é desejável que ela tenha um amplo domínio de aplicações isto é que suas consequências estendamse além das observações leis ou subterórias particulares para as quais ela esteja projetada em princípio 1977 p 321 Isso significa que uma teoria deve explicar fatos ou leis diferentes daquelas para os quais foi construída A simplicidade pode ser caracterizada como a capacidade que a teoria tem de unificar fenômenos que aparentemente não tinham relação entre si Uma boa teoria deve ser capaz de organizar fenômenos que sem ela permaneceriam isolados uns dos outros 31 A fecundidade implica que a teoria deve desvendar novos fenômenos ou relações anteriormente não verificadas entre fenômenos já conhecidos 1977 p 32 Ela deve ser uma fonte de novas descobertas deve ser capaz de orientar a pesquisa científica de forma produtiva Além dessas razões Kuhn cita ocasionalmente o poder explanatório outro conceito comum na filosofia tradicional a plausibilidade e a capacidade da teoria de definir e resolver o maior número possível de problemas teóricos e experimentais especialmente do tipo quantitativo 1977 A plausibilidade significa para Kuhn que as teorias devem ser compatíveis com outras teorias disseminadas no momento 1970b p 185 Em relação à capacidade de resolver problemas Kuhn é mais explícito além de resolver os problemas que deflagraram a crise com mais precisão que o paradigma anterior o novo paradigma deve garantir a preservação de uma parte relativamente grande da capacidade objetiva de resolver problemas conquistada pela ciência com o auxílio dos paradigmas anteriores Kuhn 1970b p 169 Além disso Kuhn inclui também na capacidade de resolver problemas a habilidade de uma teoria de prever fenômenos que da perspectiva da teoria antiga são inesperados Kuhn 1970b 1977 Kuhn reconhece que o poder explanatório a plausibilidade e principalmente a capacidade de resolver problemas podem ser deduzidos dos valores anteriores Mas não tem a preocupação de avaliar a coerência ou a redundância desses critérios uma vez que atribui um peso menor a eles do que os filósofos tradicionais Para Kuhn esses critérios não são conclusivos isto é não são suficientes para forçar uma decisão unânime por parte da comunidade científica Por isso ele prefere usar o termo valores em vez de critérios Isso acontece por vários motivos Em primeiro lugar valores como a simplicidade por exemplo podem ser interpretados de formas diferentes provocando uma discordância entre qual das teorias é de fato mais simples Além disso um valor pode se opor a outro uma teoria pode ser superior em relação a determinado valor mas inferior em relação a outro uma teoria pode ser mais simples e outra mais precisa Kuhn 1970a p 258 Neste caso seria necessário atribuir pesos relativos a cada valor mas esta atribuição não faz parte dos valores compartilhados pela comunidade Na realidade cada cientista pode atribuir um peso diferente a cada valor Além disso embora esses valores possam servir para persuadir a comunidade científica a aceitar um paradigma eles nãos servem para justificar a teoria no sentido de que ela seria mais verdadeira que outra Para Kuhn não há ligação entre os valores e a verdade de uma teoria ou de sua verossimilitude Finalmente Kuhn não vê como justificar estes valores a não ser pelo fato de que esses são os valores compartilhados pela comunidade científica Que melhor critério poderia existir do que a decisão de um grupo de cientistas 36 Conclusão Para Kuhn o progresso em ciência consiste principalmente na maior capacidade de resolver problemas que as novas teorias apresentam em relação às antigas teorias incluindose se as soluções mais precisas e maior número de previsões de dados empíricos Kuhn parece defender aqui um critério objetivo de progresso Ao mesmo tempo porém afirma que durante uma mudança de paradigma há perdas na capacidade de explicar certos fenômenos e na capacidade de reconhecer certos problemas como legítimos além de um estreitamento no campo da pesquisa Kuhn 1977 Mas se há perdas e ganhos como aferir o progresso O conceito de progresso pode ser avaliado de forma objetiva se aceitarmos que a ciência se aproxima cada vez mais da verdade Mas Kuhn considera essa ideia inaceitável e desnecessária criticando não apenas aquele que defende o aumento da verossimilhança das teorias científicas mas também uma visão realista da ciência Kuhn defende aqui a posição nãorealista de que é sem sentido falar de uma realidade absoluta livre de teorias uma vez que não temos acesso a essa realidade Ele considera que esta suposição não é necessária para explicar o sucesso da ciência 32 1970b p 170 A justificativa para a aceitação desses critérios passa a ser portanto a opinião da comunidade científica que trabalha com o paradigma em questão Kuhn sustenta que do momento em que a escolha de teorias não é completamente determinada pelos valores compartilhados da comunidade científica simplicidade precisão etc nem pode ser determinada provada ou refutada por uma base empírica outros fatores que variam de indivíduo para indivíduo influem nesse escolha experiência profissional convicções religiosas e filosóficas certos traços da personalidade timidez espírito de aventura etc 1970a 1970b 1977 Para Kuhn esta indeterminação é útil para o desenvolvimento da ciência como nenhuma teoria é comprovada ou refutada conclusivamente qualquer decisão de escolha implica um risco Por isso seria interessante que alguns cientistas não abandonassem uma teoria prematuramente É importante que alguns escolham a teoria nova e outros mantenham a adesão à teoria antiga somente assim o potencial das duas teorias poderá ser desenvolvido a exaustão A partir dessas conclusões Kuhn ataca outra tese admitida por positivistas lógicos e racionalistas críticos a de que há uma diferença entre o contexto da descoberta e o da justificativa de uma teoria Para Kuhn uma vez que fatores individuais e psicológicos que poderiam participar apenas do contexto da descoberta para os filósofos tradicionais podem e devem participar da avaliação de teorias a diferença entre os dois contextos se dissolve No entanto ao mesmo tempo que chama a atenção para fatores subjetivos de avaliação Kuhn acha que na conversão de toda uma comunidade ao novo paradigma os argumentos baseados na capacidade da nova teoria de resolver problemas são decisivos Assim a nova teoria somente será aceita pela comunidade se ela for capaz de resolver anomalias significativas que levaram à crise e se for capaz também de resolver uma grande parte dos problemas resolvidos pela teoria antiga 1970a À medida que os cientistas trabalham para corrigir e desenvolver as teorias o número de evidências empíricas e argumentos teóricos em favor de uma teoria pode aumentar progressivamente a ponto de convencer um número cada vez maior de cientistas até que eventualmente toda a comunidade passa a aceitar uma única teoria ou paradigma o novo consenso restabelece então a volta de uma ciência normal Kuhn 1970b No entanto Kuhn argumenta que embora em alguns casos a resistência à mudança não pareça razoável não se encontrará um ponto onde a resistência ao paradigma vigente tornese ilógica ou não científica 1970b p 159 Esse ponto coloca novamente em questão a objetividade da escolha se não se pode convencer um cientista por argumentos que sua resistência é ilógica ou não científica então para que escolher entre duas ou mais teorias Por que não Se a tese for verdadeira nós estamos de certa maneira aprisionados dentro do nosso sistema de conceitos ou dentro de paradigmas classes sociais épocas históricas linguagem etc e simplesmente não há um sistema superior objetivo ou neutro para avaliar nossas idéias Nesse caso fica comprometida não apenas a possibilidade de avaliação de teorias mas também a própria idéia de progresso do conhecimento científico ou da ciência Afinal que critério teríamos para afirmar que uma teoria é melhor que outra ou que há progresso ao longo de uma sequência de teorias Embora Kuhn tenha rejeitado o rótulo de relativista vários filósofos consideram que ele não consegue apresentar boas razões para a escolha de teorias Andersson 1994 Bunge 1985a Lakatos 1970 1978 Laudan 1990 Popper 1979 Sharpe 1984 Scheffler 1987 Siegel 1987 Thagard 1992 Toulmin 1970 Trigg 1980 entre muitos outros Como exemplo haver progresso do momento em que a capacidade de resolver problemas é avaliada de forma diferente pelos defensores do paradigma antigo e do novo para os primeiros pode ter havido mais perdas do que ganhos enquanto os últimos fazem a avaliação inversa e do momento em que fatores psicológicos e sociais necessariamente influenciam essa escolha o que vem a ser justamente a tese relativista 42 As idéias de Feyerabend ESTUDAR ANARQUISMO METODOLOGICO Para Feyerabend a ciência não tem um método próprio nem é uma atividade racional mas um empreendimento anárquico onde qualquer regra metodológica já proposta inclusive as regras da lógica ou que venha a ser proposta foi violada pelos cientistas e tem de ser violada para que a ciência possa progredir Este progresso ocorre graças a um pluralismo teórico isto é o estímulo à proliferação do maior número possível de teorias que competem entre si para explicar os mesmos fenômenos como veremos adiante Feyerabend é portanto mais radical do que Kuhn em suas críticas à racionalidade da ciência Como vimos Kuhn admite a existência de regras metodológicas que ele chama de valores para avaliar teorias científicas poder preditivo simplicidade fecundidade etc embora enfatize que estas regras não forçam uma escolha definida Já para Feyerabend não há nenhuma regra capaz de orientar esta avaliação isto é capaz de restringir a escolha de teorias A única forma de explicar determinada escolha é apelar para o que Lakatos chamou de critérios externos à ciência isto é de preferências subjectivas propaganda fatores sociais e políticos etc Feyerabend adota portanto uma posição claramente não racionalista defendendo um relativismo total um vale tudo metodológico e se autodenomina um anarquista epistemológico Feyerabend 1988 Feyerabend como Kuhn e Lakatos defende a tese de que é importante não abandonar uma teoria em face de refutações já que enunciados de testes e hipóteses auxiliares sempre podem ser revistos e que somente assim as teorias podem ser desenvolvidas e melhoradas 1970 A tese da incomensurabilidade é aceita por Feyerabend em sua forma mais radical a mudança de um paradigma para outro implica em uma nova visão de mundo com mudança de significado dos conceitos e com a impossibilidade de se comparar a nova e a antiga teoria Contrariamente a Kuhn Feyerabend não vê lugar algum para critérios objetivos de avaliação o que sobra são julgamentos estéticos julgamentos de gosto e nossos próprios desejos subjetivos 1970 p 228 Os exemplos da história da ciência são usados por Feyerabend para mostrar que nos casos em que reconhecidamente houve avanço na ciência alguma regra metodológica importante ou algum critério de avaliação deixou de ser seguido 40 Para resolver problemas que confrontavam a teoria de Copérnico por exemplo como a variação no tamanho e brilho dos planetas observados a olho nu Galileu usou hipóteses ad hoc isto é hipóteses que não têm nenhuma conseqüência testável independentemente do fato para o qual foram criadas no caso a hipótese de que as observações a olho nu não são confiáveis Os adversários de Galileu que defendiam as teorias de Aristóteles argumentavam por sua vez que o telescópio usado na época produzia distorções Por isso para eles as observações com este instrumento não eram confiáveis Do mesmo modo contra a idéia de que a Terra estava em movimento os aristotélicos argumentavam que se isso fosse verdade um objeto solto no espaço não deveria cair no ponto diretamente abaixo de onde foi solto Segundo Feyerabend Galileu teve de apelar nesses casos para métodos irracionais de convencimento como o uso de hipóteses ad hoc argumentos falaciosos técnicas de persuasão e propaganda etc para proteger teorias que ainda não tinham se desenvolvido plenamente uma atitude contrária às recomendações do empirismo lógico e do racionalismo crítico Ao mesmo tempo em que defende o estímulo à proliferação de teorias pluralismo teórico Feyerabend 1970 sugere que cada grupo de cientistas defenda sua teoria com tenacidade princípio da tenacidade Como não acredita que uma teoria possa ser criticada por testes ou observações independentes de teorias Feyerabend acha que esta crítica só pode ser feita através da retórica da propaganda ou com auxílio de outras teorias competidoras No entanto como Feyerabend não fornece nenhum critério objetivo para a seleção de teorias fica difícil compreender como essas recomendações garantiriam algum progresso em direção á verdade ou mesmo na resolução de problemas Não há razão portanto para supor que o pluralismo teórico de Feyerabend leve ao progresso do conhecimento Feyerabend procura rebater esta crítica afirmando que a ciência não é superior nem em relação ao método nem em relação a resultados a outras formas de conhecimento e que não deve ter qualquer privilégio se as pessoas que pagam impostos acreditam em coisas como astrologia bruxaria criacionismo parapsicologia etc então essas teorias deveriam ser ensinadas em escolas públicas Feyerabend 1978 1988 Feyerabend acredita que suas recomendações contribuem não exatamente para o progresso do conhecimento mas para a felicidade e o desenvolvimento do ser humano e para a criação de uma sociedade mais livre No próximo item veremos as críticas feitas a Feyerabend mas desde já é importante assinalar que se aceitarmos a posição de Feyerabend não há meios objetivos de separar o conhecimento científico de qualquer tipo de charlatanismo e para que realizar pesquisas procurando saber por exemplo se um produto é tóxico ou realmente eficaz Mais sobre Feyerabend em Anders 43 A sociologia do conhecimento Não é preciso ser sociólogo para admitir que os fatores sociais influem na atividade científica Mas o que distingue a sociologia do conhecimento de outras formas de análise sociológica da ciência é a tese de que a avaliação das teorias científicas e até o próprio conteúdo dessas teorias é determinada por fatores sociais e não em função das evidências a favor das teorias ou de critérios objetivos de avaliação Esta é a ideia básica do Programa Forte da sociologia do conhecimento científico defendida a partir dos anos sessenta pela chamada Escola de Edimburgo a principal representante dessa linha de pesquisa Barnes 1974 Bloor 1976 Collins 1981 1982 Latour 1987 Latour Woolgar 1986 Esta escola assume as principais teses da Nova Filosofia da Ciência a observação é dependente de teorias e de linguagem as teorias não são atingidas pelas comprovações ou falsificações empíricas já que sempre se pode modificar uma hipótese auxiliar de forma a preservar a teoria critérios lógicos e metodológicos não são suficientes para determinar a escolha de uma teoria etc e a partir daí conclui que a crença de um cientista em uma teoria só pode ser explicada por fatores sociais como os interesses sociais de certos grupos os interesses profissionais de certos cientistas por status fama reputação as negociações por verbas de pesquisas o prestígio do cientista que defende determinada teoria a luta pelo poder na comunidade científica etc A justificativa dessa conclusão é feita através de estudos antropológicos em instituições científicas como o realizado por Latour Woolgar no Instituto Salk de Estudos Biológicos na Califórnia Latour Woolgar 1986 Neste estudo eles procuraram demonstrar que o que inicialmente era apenas uma hipótese acabava sendo considerada como um fato em função do prestígio do cientista que realizou a pesquisa da revista que publicou seu trabalho e de outras interações sociais A vitória entre duas teorias seria então exclusivamente o resultado de uma disputa ou de uma negociação entre cientistas ou grupo de cientistas O resultado da pesquisa seria menos uma descrição da natureza do que uma construção social Isto significa que o sucesso ou o fracasso de uma teoria deve ser explicado a partir de causas sociais ou psicológicas que influem na crença dos cientistas e não em função de razões ou argumentos da verdade ou falsidade da teoria ou de sua verossimilitude