·

Psicologia ·

Psicanálise

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Recommended for you

Preview text

Sigmund Freud Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Volume XXII Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos 19321936 IMAGO Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos VOLUME XXII 19321936 Dr Sigmund Freud NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE 1933 1932 NOTA DO EDITOR INGLÊS NEUE FOLGE DER VORLESUNGEN ZUR EINFÜHRUNG IN DIE PSYCHOANALYSE a EDIÇÕES ALEMÃS 1933 Viena Internationaler Psychoanalytischer Verlag 255 págs 1934 GS 12 149345 1940 GW 15 iv 206 págs b TRADUÇÃO INGLESA New Introductory Lectures on PsychoAnalysis 1933 Londres Hogarth Press e Institute of PsychoAnalysisxi 240 págs Tr de W J H Sprott 1933 Nova Iorque Norton xi 257 págs Reimpressão da anterior A presente tradução inglesa é uma nova tradução feita por James Strachey Partes das Conferências XXX e XXXI do texto original foram incluídas em Almanach 1933 930 e 3558 e parte da Conferência XXXIV em Psychoanal Bewegung 4 novembro dezembro 1932 48197 A Conferência XXX na tradução inglesa de 1933 foi incluída em Devereux Psychoanalysis and the Occult Nova Iorque 1953 91109 Um resumo da parte inicial da Conferência XXX escrito pelo próprio Freud apareceu numa tradução húngara na edição de Magyar Hirlap Budapeste de 25 de dezembro de 1932 Freud 1932d Sabemos de Ernest Jones 1957 1867 que embora o volume levasse a data 1933 no seu frontispício ele foi realmente publicado em 6 de dezembro de 1932 com isso repetindo a história de A Interpretação de Sonhos ver 1 No início de 1932 a situação financeira do quadro editorial psicanalítico aVerlag estava difícil e Freud teve a idéia de vir em seu auxílio com uma nova série Neue Folge no título em alemão de Conferências Introdutórias A primeira e a última conferências estavam prontas no fim de maio e o livro todo estava completo em fins de agosto Estas conferências diferem da série original em diversos aspectos e não apenas no fato de que jamais se cogitou em pronunciálas Conforme assinala Freud no prefácio que ele mesmo escreveu elas não possuem vida própria são na sua essência suplementos Aspecto especialmente digno de nota nestas conferências porém é a forma pela qual diferem nas suas características umas das outras A primeira conferência sobre sonhos não é muito mais do que um resumo da seção sobre sonhos da série anterior Por sua vez a terceira a quarta e a quinta conferências sobre a estrutura da mente sobre a ansiedade e a teoria dos instintos e sobre a psicologia feminina introduzem material e teorias inteiramente novos e ao menos no que respeita à terceira e à quarta conferências aprofundamse em discussões metapsicológicas e teóricas de uma dificuldade que havia sido diligentemente evitada quinze anos antes As três conferências restantes a segunda e as duas últimas abordam conjuntamente assuntos diversos apenas indiretamente relacionados à psicanálise e os abordam acima de tudo segundo o que se poderia quase descrever como uma forma popular Isto não sugere que sejam destituídas de interesse longe disso mas exigem espécie e grau de atenção muito diferentes por parte do leitor em comparação com as demais conferências Se o leitor desejar ouvir o que Freud pensa sobre telepatia educação religião e comunismo ou se deseja conhecer os últimos pontos de vista de Freud sobre o superego sobre a ansiedade sobre o instinto de morte e sobre a fase préedipiana das meninas certamente encontrará abundante material com que se ocupar nestas conferências PREFÁCIO Minhas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise foram proferidas durante os dois períodos de inverno de 191516 e 191617 em uma sala de conferências da Clínica Psiquiátrica de Viena perante ouvintes provenientes de todas as faculdades da Universidade As conferências da primeira metade foram improvisadas sendo providenciada a sua redação logo após as das segunda metade foram delineadas num esboço feito durante as férias do verão desse intervalo em Salzburg e lidas palavra por palavra no inverno seguinte Naquela época eu ainda tinha o dom de uma memória fonográfica Estas novas conferências diferentemente das anteriores nunca foram proferidas Minha idade nesse ínterim haviame liberado da obrigação de expressar minha condição de membro da Universidade que de qualquer modo era uma condição periférica fazendo conferências e uma operação cirúrgica haviame impossibilitado de falar em público Se portanto mais uma vez tomo o meu lugar na sala de conferências durante os comentários que se seguem é somente por um artifício de imaginação isto pode ajudarme a não me esquecer de levar em conta o leitor à medida que me aprofundar mais em meu tema As novas conferências de modo algum pretendem ocupar o lugar das anteriores Em nenhum sentido elas formam uma entidade independente com a expectativa de encontrar um círculo de leitores apenas seus são continuações e suplementos que em relação à série anterior se dividem em três grupos Um primeiro grupo contém novas abordagens de assuntos que já haviam sido discutidos há quinze anos mas que em conseqüência de um aprofundamento de nosso conhecimento e de uma modificação em nossos pontos de vista requerem atualmente uma exposição diferente ou seja revisões críticas Os dois outros grupos contêm o que na verdade são ampliações pois tratam de coisas que não existiam na psicanálise à época das primeiras conferências ou que estavam muito pouco em evidência para justificar que constituíssem título de capítulo É inevitável mas não é de se lamentar que algumas das novas conferências reúnam características de mais de um desses grupos Também assinalei a dependência destas novas conferências em relação às Conferências Introdutórias dandolhes uma numeração contínua com a destas últimas A primeira conferência deste volume por conseguinte tem o nº XXIX Assim como as suas predecessoras oferecem ao analista profissional pouca coisa nova são endereçadas à multidão de pessoas instruídas às quais talvez possamos atribuir um interesse benévolo ainda que cauteloso pelas características e descobertas da jovem ciência Também desta vez meu objetivo principal foi o de não fazer concessões que visassem a dar uma aparência de que as coisas sejam simples completas acabadas procurei não camuflar problemas e não negar a existência de lacunas e de incertezas Em nenhum campo de trabalho científico seria necessário proclamar tais intenções modestas São universalmente consideradas evidentes por si mesmas o público não espera nada diferente Nenhum leitor de um artigo sobre astronomia se sentirá desapontado e desdenhoso em relação à ciência quando lhe são mostradas aquelas fronteiras em que nosso conhecimento do universo se transforma em nebulosidade Somente na psicologia isto é diferente Nesta a inabilidade constitucional da humanidade para a investigação científica surge inteiramente à mostra O que as pessoas parecem exigir da psicologia não é o progresso no conhecimento mas satisfações de algum outro tipo todo problema não resolvido toda incerteza reconhecida é transformada em vitupério contra ela Todo aquele que zela pela ciência da vida mental deve aceitar também essas injustiças que a acompanham FREUD VIENA verão de 1932 CONFERÊNCIA XXIX REVISÃO DA TEORIA DOS SONHOS SENHORAS E SENHORES Depois de um intervalo de mais de quinze anos se eu os reuni novamente para discutir com os senhores quais novidades e quais melhoramentos talvez o tempo intercorrente possa ter introduzido na psicanálise é correto e adequado sob mais de um ponto de vista que devamos voltar nossa atenção primeiramente para a posição que ocupa a teoria dos sonhos Esta ocupa um lugar especial na história da psicanálise e assinala um ponto decisivo foi com ela que a psicanálise progrediu de método psicoterapêutico para psicologia profunda Também desde aí a teoria dos sonhos permaneceu o que é mais característico e peculiar na jovem ciência algo em relação ao qual não há similar no restante de nosso conhecimento uma área de território novo que foi reavido das crenças populares e do misticismo O caráter exótico das asserções que ela foi obrigada a apresentar fêla desempenhar o papel de senha cujo uso decidiu quem poderia tornar se seguidor da psicanálise e a quem ela permaneceria para sempre incompreensível Eu próprio considerei a teoria dos sonhos âncora de salvação durante aqueles tempos duros nos quais os fatos nãoreconhecidos das neuroses costumavam confundir meu julgamento inexperiente Sempre que eu começava a ter dúvidas com referência à correção de minhas conclusões hesitantes a transformação exitosa de um sonho absurdo e intrincado em processo mental inteligível da pessoa que teve o sonho vinha renovar minha confiança de estar no caminho certo Portanto é de especial interesse para nós no caso particular da teoria dos sonhos por um lado seguir as vicissitudes por que passou a psicanálise durante este intervalo e por outro lado verificar que progressos fez para ser compreendida e valorizada pelo mundo contemporâneo Posso dizerlhes desde logo que os senhores ficarão desapontados em ambos esses sentidos Examinemos os volumes da Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse Revista Internacional de Psicanálise Médica na qual desde 1933 os escritos de peso em nossa área de trabalho têm sido reunidos Nos volumes iniciais os senhores encontrarão um título de seção que se repete Sobre a Interpretação de Sonhos contendo numerosas contribuições sobre diferentes pontos da teoria dos sonhos No entanto quanto mais prosseguirem cronologicamente nesse exame mais raras se tornam essas contribuições e por fim o título de seção desaparece completamente Os analistas fazem como se não tivessem nada mais a dizer acerca de sonhos como se nada mais houvesse a ser acrescentado à teoria dos sonhos Se os senhores contudo perguntarem quanto da interpretação de sonhos foi aceito pelos intrusos pelos muitos psiquiatras e psicoterapeutas que aquecem sua panela de sopa em nosso fogo aliás sem serem muito agradecidos à nossa hospitalidade por aqueles que são catalogados como pessoas cultas que têm o hábito de assimilar os achados mais surpreendentes da ciência pelos literatos e pelo público em geral a resposta dá poucos motivos para se ficar satisfeito Algumas fórmulas passaram a ser do conhecimento geral entre elas algumas que nós nunca apresentamos tal como a tese de que todos os sonhos são de natureza sexual mas coisas realmente importantes como a fundamental diferença entre o conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos latentes a percepção de que a função de realização de desejos dos sonhos não é contradita pelos sonhos de ansiedade a impossibilidade de interpretar um sonho a menos que se tenha à disposição as respectivas associações do sonhador acima de tudo a descoberta de que o essencial nos sonhos é o processo da elaboração onírica tudo isso ainda parece quase tão alheio ao conhecimento da maioria das pessoas como o era há trinta anos Estou em condições de dizer isto pois no decorrer desse período tenho recebido inumeráveis cartas cujos autores apresentam seus sonhos para interpretação ou pedem informações acerca da natureza dos sonhos e declaram que leram o meu trabalho A Interpretação de Sonhos embora em cada frase revelem sua falta de compreensão de nossa teoria dos sonhos Tudo isso porém não nos dissuadirá de mais uma vez dar uma descrição coerente daquilo que sabemos acerca dos sonhos Os senhores haverão de lembrarse de que da última vez dedicamos uma série inteira de conferências a mostrar como chegamos a compreender esse fenômeno mental até então inexplicado Suponhamos pois que alguém um paciente em análise por exemplo nos conta um de seus sonhos Haveremos de supor que dessa maneira ele nos estará fazendo uma das comunicações a que se obrigou pelo fato de haver iniciado um tratamento analítico Por certo que é uma comunicação feita por meios inadequados pois os sonhos não são em si mesmos uma forma de comunicação social não são um meio de fornecer informação Na verdade nem nós compreendemos o que o sonhador tenta dizernos e ele próprio igualmente o ignora E então temos de tomar uma decisão rápida Por um lado o sonho pode ser conforme nolo asseguram os médicos nãoanalistas um sinal de que o sonhador dormiu mal de que nem todas as partes do seu cérebro repousaram por igual de que algumas áreas do cérebro sob a influência de estímulos desconhecidos esforçaramse por continuar funcionando mas só foram capazes de fazêlo de um modo muito incompleto Se é este o caso faremos bem em não mais nos interessar pelo produto de uma perturbação noturna destituída de valor psíquico pois o que poderíamos esperar obter da investigação dele que fosse de utilidade para nossos propósitos Ou por outro lado mas é claro que desde o princípio decidimos de outro modo Temos bastante arbitrariamente forçoso é admitilo feito a suposição adotada como postulado de que mesmo esse sonho ininteligível deve ser um ato psíquico inteiramente válido com sentido e valor que podemos utilizar na análise como qualquer outra comunicação Somente o resultado de nosso experimento pode demonstrar se estamos certos Se formos capazes de transformar o sonho em uma comunicação de valor desse tipo evidentemente teremos a perspectiva de aprender algo novo e de receber comunicações de uma espécie que de outro modo seria inacessível para nós Agora no entanto as dificuldades de nossa tarefa e os enigmas de nosso tema surgem diante de nossos olhos Como iremos propor a transformação do sonho em comunicação normal e como iremos explicar o fato de que algumas das comunicações do paciente assumiram uma forma que é ininteligível tanto para ele como para nós Como vêem senhoras e senhores desta vez estou tomando o caminho não de uma exposição genética mas de uma exposição dogmática Nosso primeiro passo consiste em estabelecer nossa nova atitude para com o problema dos sonhos introduzindo dois novos conceitos e nomes O que tem sido chamado de sonho descrevemos como texto do sonho ou sonho manifesto e aquilo que estamos procurando o que suspeitamos existir por assim dizer situado por trás do sonho descreveremos como pensamentos oníricos latentes Havendo feito isto podemos expressar nossas duas tarefas conforme se segue Temos de transformar o sonho manifesto em sonho latente e explicar como na mente do sonhador o sonho latente se tornou sonho manifesto A primeira parte é uma tarefa prática pela qual é responsável a interpretação de sonho exige uma técnica A segunda parte é uma tarefa teórica cuja atribuição é explicar a hipotética elaboração onírica e só pode ser uma teoria Ambas a técnica de interpretação de sonhos e a teoria da elaboração onírica têm de ser recriadas Por qual delas pois haveremos de começar Pela técnica da interpretação de sonhos penso eu apresentará uma aparência mais concreta e causará uma impressão mais vívida nos senhores Pois bem então o paciente nos contou um sonho que nos caberá interpretar Ouvimos passivamente sem colocar em ação nossa capacidade de reflexão Que fazemos a seguir Decidimos preocuparnos o menos possível com aquilo que ouvimos o sonho manifesto Naturalmente esse sonho manifesto mostra todos os tipos de características que não nos são propriamente indiferentes Pode ser coerente harmoniosamente construído como uma composição literária ou pode apresentarse confuso a ponto de ser ininteligível quase como um delírio pode conter elementos absurdos ou anedotas e conclusões aparentemente espirituosas ao sonhador pode parecer claro e preciso ou obscuro e nebuloso suas imagens podem exibir uma intensidade de percepções sensoriais plenas ou pode estar cheio de sombras como nevoeiro indistinto as mais diversas características podem estar presentes no mesmo sonho distribuídas por diferentes partes dele o sonho enfim pode mostrar um tom afetivo indiferente ou estar acompanhado de sentimentos da mais intensa alegria ou sofrimento Os senhores não devem supor que não pensamos nada acerca dessa interminável diversidade encontrada nos sonhos manifestos A ela retornaremos posteriormente e nela encontraremos muita coisa de que podemos fazer uso em nossas interpretações Mas por agora desprezalaemos e seguiremos o caminho principal que leva à interpretação de sonhos Ou seja pedimos ao sonhador também para livrarse da impressão que lhe causou o sonho manifesto desviar sua atenção do sonho como um todo para as diferentes partes do seu conteúdo e nos referir sucessivamente tudo o que lhe ocorre à mente com relação a cada uma dessas partes quais associações se lhe apresentam se ele as focaliza uma por uma separadamente É curiosa essa técnica não não é a maneira habitual de lidar com uma comunicação ou expressão E sem dúvida os senhores adivinham que por trás desse procedimento há hipóteses que ainda não foram explicitamente formuladas Prossigamos porém Em que ordem havemos de fazer com que o paciente conte as partes do seu sonho Aqui várias possibilidades se nos abrem Simplesmente podemos seguir a ordem cronológica na qual apareceram durante a narrativa do sonho Isto é o que se pode chamar de o método mais estrito clássico Ou podemos dirigir o sonhador a fim de que inicie com a procura dos resíduos diurnos no sonho pois a experiência nos ensinou que quase todo sonho inclui remanescentes de uma recordação ou de uma alusão a algum evento ou freqüentemente a diversos eventos do dia anterior ao sonho e se seguimos essas conexões muitas vezes de modo imediato chegamos à transição do mundo onírico aparentemente muito remoto para a vida real do paciente Ou ainda podemos dizerlhe que comece por aqueles elementos do conteúdo do sonho que lhe chamaram a atenção por sua especial clareza e intensidade sensorial pois sabemos que o paciente achará especialmente fácil produzir associações a eles Não faz nenhuma diferença por qual desses métodos abordamos as associações que andamos buscando E a seguir obtemos essas associações O que elas nos trazem é das mais variadas espécies lembranças do dia anterior o dia do sonho e de épocas há muito transcorridas reflexões discussões com argumentos pró e contra confissões e indagações Algumas dessas associações o paciente as despeja quando chega a outras detémse por um momento A maioria delas mostra nítida conexão com alguns elementos do sonho não é para admirar de vez que esses elementos eram o seu ponto de partida Mas também acontece às vezes o paciente apresentálas com estas palavras Isto me parece não ter absolutamente nenhuma relação com o sonho mas contolhe porque me ocorre à mente Se se ouvem essas abundantes associações logo se observa que elas têm mais em comum com o conteúdo do sonho do que seus pontos de partida sozinhos Elas lançam surpreendente luz sobre todas as diferentes partes do sonho preenchem lacunas entre as mesmas e tornam inteligíveis suas estranhas justaposições No final ése levado a entender a relação entre as associações e o conteúdo do sonho Vêse que o sonho é uma seleção resumida feita a partir das associações uma seleção feita é verdade consoante regras que ainda não temos compreendido os elementos do sonho são como representantes escolhidos por eleição dentre uma massa de pessoas Não pode haver dúvida de que por meio de nossa técnica apreendemos algo do qual o sonho é um substituto e no qual se situa o valor psíquico do sonho mas que não mostra mais suas enigmáticas peculiaridades sua aparência estranha e sua confusãoNo entanto não se façam confusões As associações ao sonho ainda não são os pensamentos oníricos latentes Estes estão contidos nas associações assim como um álcali no líquidomãe mas ainda não muito inteiramente contidos nelas Por um lado as associações nos dão muito mais do que nos é necessário para formular os pensamentos oníricos latentes ou seja todas as explicações transições e conexões que o intelecto do paciente há de produzir no decorrer de sua aproximação aos pensamentos oníricos Por outro lado uma associação freqüentemente sofre uma parada precisamente diante do pensamento onírico genuíno ela somente chegou perto deste e apenas teve contato com ele através de alusões Nesse ponto nós próprios intervimos completamos aquilo que são idéias vagas tiramos conclusões inegáveis e damos expressão plena àquilo que o paciente apenas mencionou com suas associações Isto soa como se permitíssemos ao nosso engenho e capricho brincarem com o material posto à nossa disposição pelo sonhador e como se dele nós fizéssemos mau uso a fim de interpretar em suas comunicações aquilo que não pode ser interpretado a partir delas E não é fácil mostrar a legitimidade de nosso procedimento numa descrição do mesmo Basta porém que os senhores efetuem uma análise por si mesmos ou estudem um bom relato de uma análise em nossa bibliografia e os senhores se certificarão da maneira convincente como atua um trabalho interpretativo como este Se de modo geral basicamente ao interpretar sonhos dependemos das associações do sonhador já em relação a determinados elementos do conteúdo onírico adotamos uma atitude bastante independente principalmente porque assim temos de fazêlo porque via de regra as associações deixam de se concretizar no caso desses mesmos elementos Em um estágio inicial verificamos que isto acontece sempre em relação ao mesmos elementos não são muito numerosos e a experiência repetida nos tem ensinado que eles devem ser considerados e interpretados como símbolos de alguma outra coisa Em contraste com os outros elementos oníricos pode serlhes atribuída uma significação fixa a qual no entanto não precisa ser isenta de ambigüidade e cujo alcance é determinado por meio de regras especiais desconhecidas para nós De vez que nós sabemos como traduzir esses símbolos e o sonhador não sabe a despeito de se haver utilizado deles pode acontecer que o sentido de um sonho possa de imediato se nos tornar claro tão logo tenhamos ouvido o texto do sonho antes mesmo de havermos feito qualquer esforço de interpretálo ao passo que ele ainda permanece um enigma para o sonhador Contudo falei lhes tanto em minhas conferências anteriores sobre simbolismo sobre nossos conhecimentos acerca do mesmo e sobre os problemas que ele nos propõe que não necessito repetilo hoje Este pois é o nosso método de interpretar sonhos Uma primeira questão justificável é a seguinte Podemos interpretar todos os sonhos por meio desse método E a resposta é Não absolutamente não mas são tantos os que podemos interpretar que nos sentimos confiantes na utilidade e na correção do procedimento Mas por que não todos A resposta a isto tem algo importante a nos ensinar que de imediato nos conduz aos fatores determinantes psíquicos da formação dos sonhos Porque o trabalho de interpretar é efetuado contra uma resistência que varia desde dimensões banais até a inexpugnabilidade pelo menos até onde alcança a eficiência de nossos métodos atuais É impossível durante o nosso trabalho desprezar as manifestações dessa resistência Em determinados pontos as associações são fornecidas sem hesitação e a primeira ou a segunda idéia que ocorrem ao paciente proporcionam uma explicação Em outros pontos há uma parada o paciente hesita antes de nos fornecer uma associação e com isso muitas vezes temos de ouvir uma longa cadeia de idéias antes de receber algo que nos ajude a compreender o sonho Certamente temos razão ao pensar que quanto mais longa e cheia de rodeios for a cadeia de associações tanto maior a resistência Podemos detectar a mesma influência em ação no esquecimento de sonhos Muito freqüentemente acontece que um paciente apesar de todos os esforços não consegue lembrarse de um dos seus sonhos Contudo depois de termos sido capazes de no decurso de uma certa quantidade de trabalho analítico eliminar uma dificuldade que tinha estado perturbando sua relação com a análise o sonho esquecido subitamente reemerge Cabem aqui também duas outras observações Freqüentemente sucede que no início uma parte do sonho é omitida e depois acrescentada como adendo Isto deve ser considerado como uma tentativa de esquecer essa parte A experiência mostra que é essa determinada parte a mais importante supomos ter havido uma resistência maior no caminho da comunicação desta do que na das demais porções do sonho Ademais amiúde verificamos que uma pessoa que teve um sonho se esforça por evitar esquecerse de seus sonhos pondoos por escrito imediatamente após acordar Podemos dizerlhe que isto não tem utilidade Pois a resistência contra a qual garantiu a preservação do texto do sonho se deslocará então para as associações respectivas e tornará o sonho manifesto inacessível à interpretação Tendo em vista esses fatos não temos por que nos surpreender se um aumento adicional na resistência suprime as associações completamente e por conseguinte não leva a nada a interpretação do sonho De tudo isso concluímos que a resistência que encontramos no trabalho de interpretar os sonhos deve também ter compartilhado da origem destes Realmente podemos fazer uma distinção entre sonhos que surgiram sob leve e sob elevada pressão da resistência Essa pressão contudo varia também de lugar para lugar dentro de um mesmo sonho é responsável pelas lacunas obscuridades e confusões que podem interromper a continuidade até dos sonhos mais nítidos Mas que coisa cria a resistência e contra o que ela se dirige Bem a resistência é para nós o sinal mais seguro de um conflito Deve haver aqui uma força que procura expressar algo e outra força que se esforça por evitar sua expressão O que então resulta em conseqüência como sonho manifesto pode combinar todas as decisões em que se condensou essa luta entre duas tendências Num ponto uma dessas forças pode ter conseguido efetuar o que quis dizer ao passo que em outro ponto é a instância contrária que fez a comunicação pretendida eclipsarse completamente ou ser substituída por algo que não revela qualquer traço seu Os casos mais comuns e mais característicos de construção onírica são aqueles nos quais o conflito terminou em uma conciliação de forma tal que a instância com voz ativa certamente foi capaz de dizer o que quis mas não da forma como quis apenas numa forma acentuada distorcida irreconhecível Assim se os sonhos não fornecem um quadro fiel dos pensamentos oníricos e se o trabalho de interpretação se faz necessário a fim de transpor o hiato entre estes isto é resultado da instância oponente inibidora e limitadora que inferimos de nossa percepção da resistência enquanto estamos interpretando sonhos Enquanto estudávamos os sonhos como fenômenos isolados independentes das estruturas psíquicas que lhes são afins denominávamos essa instância de o censor dos sonhosHá muito os senhores estão cientes de que essa censura não é uma instituição exclusiva da vida onírica Sabem que o conflito entre as duas instâncias psíquicas que nós impropriamente descrevemos como o reprimido inconsciente e o consciente domina toda a nossa vida mental e que a resistência contra a interpretação dos sonhos sinal de uma censura onírica nada mais é que a resistência devida à repressão pela qual as duas instâncias estão separadas Os senhores também sabem que o conflito entre essas duas instâncias pode sob determinadas condições produzir outras estruturas psíquicas que assim como os sonhos são o resultado de conciliações e os senhores não haverão de esperar que eu lhes repita aqui tudo o que estava contido em minha introdução à teoria das neuroses a fim de lhes demonstrar o que sabemos acerca dos fatores determinantes da formação de tais conciliações Os senhores perceberam que o sonho é um produto patológico o primeiro membro da classe que inclui os sintomas histéricos as obsessões e os delírios sendo contudo diferenciado dos outros por sua transitoriedade e por sua ocorrência sob condições que fazem parte da vida normal Pois levemos na devida conta que conforme já foi assinalado por Aristóteles a vida onírica é a forma como funciona nossa mente durante o estado de sono O estado de sono implica um afastamento do mundo externo real e aí temos a condição necessária para o desenvolvimento de uma psicose O mais cuidadoso estudo das psicoses graves não nos revelará um único aspecto que seja mais característico desses estados patológicos Nas psicoses porém o apartarse da realidade é levado a cabo por duas espécies de vias ou porque o reprimido inconsciente se tornou excessivamente forte de modo a dominar o consciente que se liga à realidade ou porque a realidade se tornou tão intoleravelmente angustiante que o ego ameaçado se lança nos braços das forças instintuais inconscientes em uma revolta desesperada A inofensiva psicose onírica é o resultado de uma retirada em relação ao mundo externo retirada conscientemente desejada e apenas temporária e desaparece quando são reassumidas as relações com o mundo externo Durante o isolamento da pessoa em estado de sono também se efetua uma modificação na distribuição de sua energia psíquica uma parte do dispêndio em repressão que normalmente é exigido a fim de submeter o inconsciente pode sereconomizada pois se o inconsciente faz uso de sua relativa liberação para propósitos ativos encontra fechada a via que conduz à motilidade e o único caminho aberto é um caminho inofensivo que leva à satisfação alucinatória Agora portanto um sonho pode ser formado mas o fato da censura mostra que mesmo durante o sono mantém se muito da resistência devida à repressão Aqui se nos apresenta um meio de responder à pergunta que pretende saber se os sonhos também possuem uma função se eles estão incumbidos de alguma realização útil A condição de repouso livre de estímulo que o estado de sono deseja estabelecer é ameaçada desde três direções diferentes de modo relativamente casual por estímulos externos durante o sono e por interesses do dia anterior que não podem ser interrompidos e de uma forma inevitável pelos impulsos instintuais reprimidos insatisfeitos que estão à espera de uma oportunidade de se expressarem Em conseqüência da diminuição das repressões no sono haveria o risco de que o repouso proporcionado pelo sono fosse interrompido sempre que uma estimulação de fora ou de dentro conseguisse vincularse com uma fonte instintual inconsciente O processo de sonhar permite ao produto de elementos confluentes desse tipo encontrar uma saída através de uma experiência alucinatória inofensiva e desse modo assegura a continuação do sono O fato de um sonho ocasionalmente acordar a pessoa que dorme quando se desenvolve ansiedade não contradiz essa função mas antes talvez assinala que o guardião considera a situação por demais perigosa e não se sente mais em condições de controlála E então muito freqüentemente enquanto ainda dormimos ocorrenos um consolo que busca impedirnos o despertar Mas afinal é apenas um sonho Isto era o que eu queria dizerlhes senhoras e senhores acerca da interpretação de sonhos cuja tarefa é abrir caminho do sonho manifesto para os pensamentos oníricos latentes Quando isto foi conseguido o interesse por um sonho na medida em que diz respeito à análise prática na sua maior parte chega ao fim A comunicação que recebemos na forma de sonho nós a acrescentamos ao restante das comunicações do paciente e prosseguimos com a análise Entretanto temos interesse em nos demorar um pouco mais no sonho Somos tentados a estudar o processo pelo qual os pensamentos oníricos latentes são transformados em sonho manifesto A isto denominamos elaboração onírica Conforme os senhores se recordam descrevi esse processo de modo tão detalhado em minhas conferências anteriores que posso limitar minha atual revisão ao resumo mais concisoO processo da elaboração onírica portanto é algo inteiramente novo e diferente não se assemelhando a nada conhecido anteriormente Ele nos deu a oportunidade de entrevermos pela primeira vez os processos que se realizam no sistema inconsciente mostrandonos que são bastante diferentes daquilo que conhecemos acerca de nosso pensar consciente e a este forçosamente hão de parecer absurdos e incorretos A importância dessa constatação foi ainda acrescida da descoberta de que na construção dos sintomas neuróticos estão em atividade os mesmos mecanismos não nos aventuramos a dizer processos de pensamento que aqueles que transformaram os pensamentos oníricos latentes em sonho manifesto Nisto que segue não poderei evitar um método esquemático de exposição Suponhamos que num determinado caso temos diante de nós todos os pensamentos latentes carregados de uma quantidade maior ou menor de afeto pelos quais o sonho manifesto foi substituído após sua interpretação ter sido completada Então nos causará espécie uma diferença entre esses pensamentos latentes e essa diferença nos assinala um ponto importante Quase todos esses pensamentos oníricos são reconhecidos ou identificados pelo sonhador ele admite haver pensado isto agora ou em alguma outra época ou admite que pudesse haver pensado Há somente um único pensamento que recusa aceitar élhe estranho ou até mesmo repulsivo talvez possa rejeitá lo com sentimentos veementes Tornase agora evidente para nós que os outros pensamentos são partes de uma cadeia de pensamentos conscientes ou mais precisamente préconscientes Podem ter sido pensados na vida desperta também e na verdade foram formados provavelmente durante o dia precedente Esse único pensamento o pensamento repudiado porém ou para dizer melhor esse único impulso é filho da noite pertence ao inconsciente do sonhador e por esse motivo é repudiado e rejeitado por ele Teve de esperar pelo relaxamento noturno da repressão a fim de chegar a alguma forma de expressão Ainda assim é uma expressão acentuada deformada e disfarçada sem nosso trabalho de interpretação de sonhos não o teríamos encontrado Esse impulso inconsciente tem de agradecer à sua vinculação com os demais pensamentos oníricos os nãocensuráveis pela oportunidade de transpor furtivamente a barreira da censura em um disfarce não evidente Por outro lado os pensamentos oníricos pré conscientes têm de agradecer a essa mesma vinculação pela possibilidade de ocupar a vida mental também durante o sono Pois não há dúvida quanto a isto esse impulso inconsciente é o verdadeiro criador do sonho é o que produz a energia psíquica para a construção do sonho Assim como qualquer outro impulso instintual não pode tender a nenhuma outra coisa se não à sua própria satisfação e nossaexperiência em interpretar sonhos nos mostra também que este é o sentido de todo o sonhar Em todo sonho existe um impulso instintual que é apresentado como estando já satisfeito Pelo fato de que durante o sono a vida mental está cerrada à realidade e se produz uma regressão a mecanismos primitivos isto possibilita que a almejada satisfação seja experimentada numa forma alucinatória como estando a ocorrer no presente Em conseqüência dessa regressão que existe no sonho as idéias são transformadas em imagens visuais ou seja os pensamentos oníricos latentes são dramatizados e ilustrados Esse elemento da elaboração onírica dános informações acerca de alguns dos mais surpreendentes e peculiares aspectos dos sonhos Repetirá o curso dos eventos da formação onírica Para começar o desejo de dormir é o afastamento intencional do mundo externo E depois duas conseqüências disto para o aparelho mental a primeira a possibilidade de nele emergirem métodos de funcionamento mais antigos e mais primitivos a regressão a segunda a diminuição da resistência devida à repressão que pesa sobre o inconsciente Como resultado desse último fator surge a possibilidade para a formação de um sonho e disto tiram vantagem as causas precipitantes os estímulos internos e externos que se tornaram ativos O sonho que se origina dessa maneira já é uma estrutura fundada em conciliação Tem uma dupla função por um lado é egossintônico pois eliminando os estímulos que estão interferindo com o sono serve ao desejo de dormir por outro lado permite que um impulso instintual reprimido obtenha a satisfação que nessas circunstâncias é possível na forma da realização alucinada de um desejo Todo o processo de formar um sonho que é permitido pelo ego em estado de sono é entretanto sujeito à condição da censura exercida pelo resto de repressão ainda operante Não posso apresentar de modo mais simples esse processo ele não é mais simples Posso contudo prosseguir agora com minha descrição da elaboração onírica Retornemos uma vez mais aos pensamentos oníricos latentes Seu elemento mais poderoso é o impulso instintual reprimido que neles criou uma expressão para si mesmo com base na presença de estímulos casuais e pela transferência para os resíduos diurnos embora uma expressão atenuada e disfarçada Como todo impulso instintual também ele pressiona no sentido da satisfação pela ação mas o seu caminho à motilidade está bloqueado pelas regulações fisiológicas que o estado de sono implica é compelido a tomar o caminho de retorno em direção à percepção e acontentarse com uma satisfação alucinada Os pensamentos oníricos latentes se transformam pois em um agrupamento de imagens sensoriais e de cenas visuais O que nos parece tão novo e tão estranho é o modo como lhes ocorre fazer esse percurso Todos os instrumentos lingüísticos pelos quais expressamos as relações mais sutis dos pensamentos as conjunções e as preposições as alterações devidas à declinação e à conjugação são eliminados porque não há meio de representálos assim como uma linguagem primitiva sem nenhuma gramática expressase apenas a matériaprima do pensamento e os termos abstratos são substituídos pelos termos concretos que estão na sua base Depois disso o que resta certamente pode parecer desconexo O abundante emprego de símbolos que se tornaram estranhos ao pensar consciente para representar determinados objetos e processos está em harmonia semelhante com a regressão arcaica do aparelho mental e com as exigências da censura Outras modificações feitas nos elementos dos pensamentos oníricos contudo vão muito além disto Aqueles elementos que podem permitir que qualquer ponto de contato seja detectado entre eles são condensados em novas unidades No processo de transformar os pensamentos em imagens dáse inequívoca preferência àqueles que permitem esse agrupamento essa condensação é como se atuasse uma força que sujeitasse o material à compressão e concentração Em conseqüência da condensação um elemento do sonho manifesto pode corresponder a numerosos elementos dos pensamentos oníricos latentes mas também inversamente um elemento dos pensamentos oníricos pode estar representado por diversas imagens no sonho Ainda mais notável é o outro processo deslocamento ou mudança do acento que no pensar consciente encontramos somente como raciocínio falho ou como meio de construir uma anedota As diversas idéias contidas nos pensamentos oníricos na realidade não possuem todas valor igual são caracterizadas com quotas de afeto de magnitude variável e por conseguinte julgadas importantes e merecedoras de interesse em maior ou menor grau Na elaboração onírica essas idéias estão separadas dos afetos a elas vinculados Os afetos são tratados independentemente podem ser deslocados para alguma coisa diversa podem ser mantidos podem sofrer modificações ou podem absolutamente não aparecer no sonho A importância das idéias que foram despojadas de seu afeto retorna no sonho como intensidade sensorial das imagens oníricas mas observamos que esse acento passou de elementos importantes para elementos indiferentes Assim algo que desempenhou apenas um papel secundário nos pensamentos oníricos parece ter sidoempurrado para o primeiro plano no sonho como sendo a coisa principal ao passo que pelo contrário o que era a essência dos pensamentos oníricos só encontra passagem e representação indistinta no sonho Nenhuma outra parte da elaboração onírica é tão responsável por tornar o sonho estranho e incompreensível para o sonhador O deslocamento é o meio principal usado na distorção onírica à qual os pensamentos oníricos devem submeterse sob a influência da censura Após haverem essas influências sido aplicadas sobre os pensamentos oníricos o sonho está quase completo Um fator adicional um tanto variável também entra em jogo o fator conhecido como elaboração secundária depois de o sonho ter sido apresentado perante a consciência como objeto da percepção Neste ponto tratamolo como em geral estamos acostumados a tratar os conteúdos de nossa percepção preenchemos as lacunas e introduzimos conexões e ao fazêlo freqüentemente somos culpados de grandes equívocos Essa atividade que poderia ser descrita como uma atividade racionalizadora e que pelo menos provê o sonho de uma aparência externa homogênea que não pode corresponder ao seu conteúdo verdadeiro também pode contudo estar omitida ou apenas estar expressa em grau muito modesto caso em que o sonho exibirá ostensivamente todas as suas fendas e rachaduras Também não se deve esquecer por outro lado que a elaboração onírica nem sempre opera com igual energia muitas vezes limitase apenas a determinadas partes dos pensamentos oníricos e a outras permite que apareçam inalteradas no sonho Em tais casos temse a impressão de o sonho ter efetuado as mais delicadas e complexas operações intelectuais de haver meditado feito chistes chegado a decisões e resolvido problemas enquanto tudo isso é produto de nossa atividade mental normal pode ter sido executado igualmente durante o dia anterior ao sonho assim como durante a noite não tem nenhuma relação com a elaboração onírica e não esclarece nada de característico dos sonhos E não é demais insistir mais uma vez no contraste existente dentro dos próprios pensamentos oníricos entre o impulso instintual inconsciente e os resíduos diurnos Enquanto estes mostram toda a multiplicidade de nossos atos mentais aquele que se torna propriamente a força motriz da formação do sonho encontra sua saída invariavelmente na realização de um desejo Eu poderia terlhes dito todas essas coisas há quinze anos atrás e na verdade creio ter dito de fato naquela época Agora permitamme reunir essas mudanças e descobertas novas tal como podem ter sido feitas durante o intervalo Já expressei meu temor de que os senhores achem que istorepresenta muito pouco e deixem de compreender por que eu os obriguei a ouvir a mesma coisa duas vezes No entanto nesse período se passaram quinze anos e espero ser este o meu mais fácil meio de restabelecer contato com os senhores Ademais estas são coisas tão fundamentais de tão decisiva importância para compreender a psicanálise que se pode sentirse satisfeito ao ouvilas uma segunda vez e vale a pena saber que permaneceram exatamente as mesmas por quinze anos Na bibliografia desse período os senhores naturalmente encontrarão uma grande quantidade de material que confirma os dados anteriores e que aduz novos detalhes e disto pretendo darlhes algumas amostras Aliás também poderei dizerlhes algumas coisas que de fato já eram conhecidas anteriormente O que está em questão é principalmente o simbolismo nos sonhos e os outros métodos de representação dos mesmos Agora ouçam isto Faz só bem pouco tempo a faculdade de medicina de uma universidade americana recusouse a permitir à psicanálise o status de ciência com base no fato de que ela não comporta nenhuma prova experimental Poderiam ter levantado a mesma objeção com relação à astronomia na realidade a experimentação com corpos celestes é particularmente difícil Aí temse de buscar apoio na observação Não obstante alguns investigadores vienenses efetivamente deram um passo inicial com a confirmação experimental de nosso simbolismo onírico Já em 1912 um certo Dr Schrötter verificou que se forem dadas instruções para sonhar sobre temas sexuais a pessoas profundamente hipnotizadas então no sonho que assim é provocado o material sexual emerge sendo o seu lugar ocupado por símbolos que nos são familiares Por exemplo foi dito a uma mulher que sonhasse com relação sexual com uma amiga Em seu sonho aparecia com um saco de viagem no qual estava colado o letreiro Só para Senhoras Experimentos ainda mais impressionantes foram efetuados por Betlheim e Hartmann em 1924 Eles trabalharam com pacientes que sofriam daquilo que se conhece como psicose confusional de Korsakoff A esses pacientes contaram histórias do tipo evidentemente sexual e observaram as distorções que apareciam quando os pacientes eram instruídos a reproduzir o que lhes havia sido contado Também aí surgiram os símbolos de órgãos sexual e de relação sexual que conhecemos entre eles o símbolo da escada o qual conforme acertadamente observam os escritores jamais poderia ter sido alcançado por um desejo consciente de deformarEm uma série de experimentos muito interessante Herbert Silberer 1909 e 1912 mostrou que se pode por assim dizer pegar em flagrante a elaboração onírica no ato de transformar pensamentos abstratos em imagens visuais Se ele tentava forçar a si mesmo a executar trabalho intelectual enquanto estava em estado de fadiga e sonolência o pensamento muitas vezes desaparecia e era substituído por uma visão que obviamente era um substituto do pensamento Aqui está um exemplo simples Eu pensei diz Silberer em ter que revisar uma passagem imperfeita em um ensaio A visão Vime aplainando um pedaço de madeira Durante essas experiências muitas vezes sucedeu que o conteúdo da visão não era o pensamento de que então se tratava mas o próprio estado subjetivo do experimentador enquanto este fazia o esforço o estado em lugar do objeto Isto é descrito por Silberer como um fenômeno funcional Um exemplo mostrarlhesá prontamente o que se quer dizer com isso O autor estava esforçandose por comparar as opiniões de dois filósofos acerca de determinada questão Em sua condição sonolenta porém uma dessas opiniões passou a escapar dele e finalmente ele teve uma visão de que estava pedindo informações a uma secretária descortês que estava inclinada sobre sua escrivaninha e que começou a não lhe dar atenção e então ela lançoulhe um olhar desagradável e inamistoso As condições sob as quais os experimentos foram feitos provavelmente explicam por si mesmas por que a visão que foi induzida representava com tanta freqüência um evento de autoobservação Ainda não terminamos esse assunto dos símbolos Existem alguns que acreditamos ter identificado os quais não obstante nos preocuparam porque não pudemos explicar como esse determinado símbolo veio a ter essa determinada significação Em tais casos confirmações de outras fontes da filologia do folclore da mitologia ou do ritual tinham de ser especialmente bem vindas Um exemplo desse tipo é o símbolo de um sobretudo ou capote em alemão Mantel Temos afirmado que num sonho de uma mulher isto significa um homem Suponho que os senhores ficarão impressionados ao ouvir que Theodor Reik 1920 nos dá esta informação Duranteas extremamente antigas cerimônias nupciais dos beduínos o noivo cobre a noiva com um capote especial conhecido como Aba e diz as seguintes palavras rituais De hoje em diante ninguém te cobrirá exceto eu Citado de Robert Eisler 1910 2 599 e seg Também encontramos diversos símbolos novos a respeito de pelo menos dois deles eu lhes falarei Segundo Abraham 1922 uma aranha em sonhos é um símbolo da mãe mas da mãe fálica a qual tememos assim o medo de aranhas expressa temor do incesto materno e horror aos genitais femininos Os senhores sabem talvez que a criação mitológica a cabeça da Medusa pode ser atribuída ao mesmo motif do medo de castração O outro símbolo sobre o qual quero falarlhes é o da ponte que foi explicado por Ferenczi 1921 e 1922 Primeiro ela significa o órgão masculino que une os pais no coito mas depois desenvolve outras significações que derivam desta primeira Na medida em que é absolutamente graças a esse órgão que somos capazes de vir ao mundo para fora do líquido amniótico uma ponte se torna a travessia desde o outro mundo o estado de nãonascido o útero até este mundo a vida e como os homens também descrevem a morte como um retorno ao útero a água uma ponte também adquire o significado de algo que leva à morte e finalmente em mais uma mudança de seu sentido original significa transições ou modificações de condição genericamente Está de acordo com isto o fato de que uma mulher que ainda não sobrepujou seu desejo de ser homem tenha freqüentes sonhos com pontes que são muito curtas para alcançar a outra margem No conteúdo manifesto dos sonhos com muita freqüência encontramos quadros e situações que lembram temas familiares em contos de fadas lendas e mitos A interpretação de tais temas portanto elucida os interesses originais que criaram esses temas embora ao mesmo tempo não devamos esquecer naturalmente a alteração de significado pela qual esse material foi atingido no decorrer do tempo Nosso trabalho de interpretação traz à luz por assim dizer a matériaprima que deve no mais das vezes ser descrita como sexual no mais amplo sentido mas que encontrou as mais variadas aplicações em adaptações posteriores Derivações desse tipo são capazes de fazer despenhar sobre nós a fúria de todos os eruditos investigadores nãoanalíticos como se nós estivéssemos procurando negar ou menosprezar tudo o que foi posteriormente erigido em sua base original Não obstante tais descobertas são instrutivas e interessantes O mesmo fato procede quando se situa a origem de determinados temas nas artes plásticas como por exemplo quando M J Eisler 1919 seguindo indicações de sonhos de seus pacientes deu umainterpretação analítica do jovem brincando com um menininho representado no Hermes de Praxíteles E por fim não posso resistir à vontade de assinalar quão freqüentemente a interpretação dos sonhos elucida de modo especial temas mitológicos Assim por exemplo a lenda do Labirinto pode ser reconhecida como uma representação do nascimento anal as vias sinuosas são os intestinos e o fio de Ariadne é o cordão umbilical Os métodos de representação empregados pela elaboração onírica material fascinante dificilmente capaz de ser exaurido têmse tornado através de estudo mais atento cada vez mais familiares para nós Darlhesei alguns exemplos deles Assim por exemplo os sonhos representam uma relação de freqüência por meio da multiplicação de coisas semelhantes Eis aqui um notável sonho de uma jovem Sonhou que chegava a um grande saguão e encontrava nele alguém sentado numa cadeira isto se repetia seis ou oito vezes ou mais porém em cada uma das vezes era seu pai Compreendese isto facilmente quando descobrimos partindo de detalhes acessórios da interpretação que tal sala significava o útero O sonho então se torna equivalente à fantasia habitualmente encontrada em meninas de se haverem encontrado com o pai já durante sua vida intrauterina quando ele visitava o útero enquanto sua mãe estava grávida Os senhores não devem confundirse pelo fato de algo estar invertido no sonho que o entrar de seu pai é deslocado para ela aliás isto também tem um significado especial todo próprio A multiplicação da figura do pai só pode expressar o fato de que o evento em questão ocorria repetidas vezes Afinal devese admitir que o sonho não se está excedendo muito ao expressar a freqüência através da multiplicidade Foi necessário apenas remontar à significação original da primeira palavra hoje ela significa para nós uma repetição no tempo contudo deriva de uma acumulação no espaço De modo geral com efeito onde é possível a elaboração onírica muda as relações temporais em espaciais e assim as representa Em um sonho por exemplo podese ver uma cena entre duas pessoas que parecem muito pequenas e à grande distância como se estivessem sendo olhadas pelo lado errado de um binóculo de ópera Aqui tanto a pequenez como o distanciamento no espaço têm o mesmo significado o que significa é o distanciamento no tempo e devemos entender que a cena é de um passado remoto E também os senhores podem recordar que em minhas conferências anteriores já lhes disse e ilustrei o fato com exemplos que aprendemos afazer uso em nossas interpretações até mesmo dos aspectos puramente formais do sonho manifesto isto é transformálos em material oriundo dos pensamentos oníricos latentes Conforme os senhores já sabem todos os sonhos que se passam numa noite só pertencem a um mesmo contexto Não é contudo um fato destituído de importância se esses sonhos parecem ao sonhador um todo contínuo ou se ele os divide em diversas partes e em quantas partes O número de tais partes com freqüência corresponde a igual número de pontos focais separados na formação estrutural dos pensamentos oníricos latentes ou de tendências conflitantes na vida mental da pessoa que teve o sonho cada um dos quais encontra uma expressão dominante embora nunca exclusiva em uma determinada parte do sonho Um sonho introdutório breve e um sonho principal mais longo que àquele se segue freqüentemente estão na relação de prótase e de apódose cláusulas condicional e conseqüencial da qual um exemplo claro será encontrado nas anteriores conferências Um sonho que é descrito pelo sonhador como um tanto interpolado realmente corresponderá a uma cláusula dependente nos pensamentos oníricos Franz Alexander 1925 mostrou em um estudo sobre pares de sonhos que não raro acontece dois sonhos de uma mesma noite compartilharem do cumprimento da tarefa do sonho produzindo uma realização de desejos em dois estádios se eles são tomados conjuntamente embora cada sonho separadamente não atinja esse resultado Suponhase por exemplo que o desejo contido no sonho tenha como seu conteúdo alguma ação ilícita com relação a determinada pessoa Então no primeiro sonho a pessoa aparecerá sem disfarce mas a ação será apenas timidamente insinuada O segundo sonho comportarseá de modo diferente A ação será nomeada sem disfarce mas a pessoa será tornada irreconhecível ou será substituída por alguém indiferente Isto os senhores haverão de recordar dá uma impressão de efetiva astúcia Outra relação semelhante entre dois membros de um par de sonhos se encontra onde um representa uma punição e o outro representa a realização de desejos condenáveis Equivale ao seguinte se se aceita o castigo por isto podese continuar a se permitir a coisa proibida Não posso deter os senhores por mais tempo nessas descobertas de menor importância ou nas discussões relativas ao emprego da interpretação de sonhos no trabalho da análise Sinto que seguramente os senhores estão impacientes por ouvir quais mudanças foram feitas em nossos pontos de vista fundamentais relativos à natureza e significação dos sonhos Já os avisei de que precisamente nisto há pouco a relatarlhes O ponto mais controvertido em toda a teoria foi sem dúvida a afirmação de que todos os sonhos são realizações de desejos A objeção inevitável e sempre recorrente levantada pelos leigos de que não obstante há tantos sonhos de ansiedade foi penso que posso dizêlo completamente eliminada em minhas conferências anteriores Com a divisão em sonhos de realização de desejos sonhos de ansiedade e sonhos de punição mantivemos intacta nossa teoria Também os sonhos de punição constituem realizações de desejo embora não de desejos dos impulsos instintuais mas de desejos da instância crítica censora e punidora da mente Se temos diante de nós um sonho de punição puro uma operação mental fácil nos possibilitará restaurar o sonho de realização de desejos ao qual o sonho de punição é a resposta correta e que devido a esse repúdio foi substituído como sonho manifesto Como sabem senhoras e senhores o estudo dos sonhos foi o que por primeiro nos auxiliou a compreender as neuroses e os senhores julgarão natural que nosso conhecimento das neuroses posteriormente conseguiu influenciar nossa visão dos sonhos Conforme os senhores haverão de ouvir fomos obrigados a postular a existência na mente de uma especial instância crítica e proibidora a qual denominamos de superego Embora reconhecendo que a censura dos sonhos é também uma função dessa instância fomos levados a examinar com maior cuidado a parte desempenhada pelo superego na construção dos sonhos Contra a teoria da realização de desejos dos sonhos surgiram apenas duas dificuldades sérias Uma discussão a respeito destas afastarnosia muito do caminho que seguimos e na verdade ainda não nos proporcionou qualquer conclusão inteiramente satisfatória A primeira dessas dificuldades apresentase no fato de que as pessoas que experimentaram um choque um trauma psíquico grave tal como acontecia com tanta freqüência durante a guerra e tal como propicia a base para a histeria traumática são regularmente reconduzidas em seus sonhos à situação traumática De acordo com nossas hipóteses referentes à função dos sonhos isto não deveria ocorrer Que impulso decorrente de desejospoderia satisfazerse retornando dessa maneira a essa experiência traumática tão desagradável É difícil imaginar Encontramos a segunda dificuldade quase diariamente no curso de nosso trabalho analítico e não implica objeção tão importante quanto a outra Uma das atribuições da psicanálise como sabem é erguer o véu da amnésia que oculta os anos iniciais da infância e trazer à memória consciente as manifestações do início da vida sexual infantil que está contida neles Ora essas experiências sexuais iniciais de uma criança estão vinculadas a penosas vivências de ansiedade proibição desapontamento e punição Podemos entender que tenham sido reprimidas mas sendo assim não podemos compreender como têm elas acesso tão livre à vida onírica como oferecem o padrão para tantas fantasias oníricas e como os sonhos se enchem de reproduções dessas cenas das infância e de alusões às mesmas Devese admitir que seu caráter desagradável e o propósito realizador de desejos da elaboração onírica parecem estar longe de serem mutuamente compatíveis Pode ser contudo que nesse caso estejamos exagerando a dificuldade Afinal essas mesmas experiências infantis têm ligadas a elas todos os desejos instintuais não satisfeitos duradouros os quais através da vida proporcionam a energia para a construção dos sonhos e a que podemos sem dúvida creditar a possibilidade de em sua poderosa irrupção forçar a vinda à superfície junto com o restante do material de eventos penosos E por outro lado a maneira e a forma em que esse material é reproduzido mostra inequivocamente os esforços da elaboração onírica dirigidos a negar o desprazer por meio da deformação e a transformar a decepção em concessão Nas neuroses traumáticas as coisas são diferentes No caso destas os sonhos regularmente terminam em geração de ansiedade Não teríamos receio de admitir penso eu que aqui a função do sonho falhou Não invocarei o ditado segundo o qual a exceção comprova a regra sua sabedoria me parece ser a mais questionável Mas sem dúvida a exceção não subverte a regra Se no interesse de estudála isolamos determinada função psíquica como o sonhar do mecanismo psíquico como um todo possibilitamos a descoberta das leis que lhe são peculiares quando porém a inserimos novamente no contexto geral devemos estar preparados para descobrir que esses achados são obscurecidos e prejudicados por colidirem com outras forças Dizemos que um sonho é a realização de um desejo mas se os senhores querem levar em conta essas últimas objeções os senhores podem dizer ainda assim que um sonho é uma tentativa de realização de um desejo Ninguém que possa devidamente constatar a dinâmica da mente haverá de supor que os senhores tenham dito algo diferente disto Em determinadas circunstâncias um sonho só é capaz de levar a efeito a sua intenção de modo muito incompleto ou então tem de abandonála por inteiro A fixação inconsciente a um trauma parece estar acima de tudo entre esses obstáculos à função de sonhar Enquanto a pessoa que dorme é obrigada a sonhar porque o relaxamento da repressão à noite permite que se torne ativa a pressão ascendente da fixação traumática há um fracasso no funcionamento da sua elaboração onírica que gostaria de transformar os traços de memória do evento traumático em realização de um desejo Nessas circunstâncias acontecerá que a pessoa não pode dormir que ela desiste de dormir por medo de que falhe a função do sonhar As neuroses traumáticas oferecemnos aqui um caso extremo mas devemos admitir que as experiências da infância também são de natureza traumática e não há por que nos surpreendermos se interferências relativamente banais na função dos sonhos podem surgir também sob outras condições CONFERÊNCIA XXX SONHOS E OCULTISMO SENHORAS E SENHORES Hoje prosseguimos através de um caminho estreito mas que nos pode conduzir a uma perspectiva ampla Dificilmente ficarão surpresos com a notícia de que vou falarlhes sobre a relação entre sonhos e ocultismo Os sonhos na verdade freqüentemente têm sido considerados como o portão de entrada para o mundo do misticismo e mesmo hoje em dia são vistos por muitas pessoas como fenômeno oculto Até nós próprios que os transformamos em tema de estudo científico não impugnamos o fato de que um ou mais fios os vinculam a essas matérias obscuras Misticismo ocultismo que significam essas palavras Os senhores não devem esperar que eu faça alguma tentativa de abarcar essa malcircunscrita região com definições Todos nós sabemos de um modo genérico e indefinido o que essas palavras significam para nós Referemse a alguma espécie de outro mundo situado além deste mundo visível governado por leis imutáveis construído para nós pela ciência O ocultismo afirma que existem de fato mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia Pois bem não precisamos nos sentir amarrados pela estreiteza de vistas da filosofia acadêmica estamos prontos a acreditar naquilo que nos é demonstrado de forma a merecer crédito Propomos lidar com essas coisas da mesma forma como o fazemos com qualquer outro material científico antes de mais nada estabelecer se se pode realmente demonstrar que tais eventos acontecem e então e somente então quando sua natureza factual não pode ser posta em dúvida dedicarnos à sua explicação Não se pode negar entretanto que mesmo o colocar em ação essa decisão se faz difícil para nós devido a fatores intelectuais psicológicos e históricos O caso não é o mesmo quando abordamos outras investigações Em primeiro lugar a dificuldade intelectual Permitamme que lhes dê uma explicação chã e óbvia do que tenho em mente Suponhamos que a questão em referência seja a constituição do interior da Terra Conforme os senhores estão cientes não temos um conhecimento certo a respeito dele Suspeitamos que consiste de metais pesados em estado incandescente Imaginemos pois que alguém nos apresenta a assertiva de que o interior da Terra consiste de água saturada de ácido carbônico ou seja uma espécie de água de soda Sem dúvida diremos que isto é muito improvável que contradiz todas as nossas expectativas e que não concede nenhuma atenção aos fatos conhecidos que nos levaram a adotar a hipótese dos metais Ainda assim não é inconcebível se alguém viesse a nos mostrar uma forma de testar a hipótese da água de soda nós a seguiríamos sem objeção Mas suponham agora que vem uma outra pessoa e afirma com seriedade que o miolo da Terra consiste de geléia Nossa reação a isto será bastante diferente Diremos a nós mesmos que a geléia não ocorre na natureza que ela é um produto da culinária do homem e que ademais a existência desse material pressupõe a existência de árvores frutíferas e de seus frutos e que não podemos ver como localizar vegetação e culinária humana no interior da Terra O resultado dessas objeções intelectuais será uma mudança em nosso interesse em vez de começar a investigar se o centro da Terra de fato é feito de geléia haveremos de nos perguntar que espécie de pessoa deve ser essa que consegue chegar a uma tal idéia ou quando muito perguntarlheemos de onde tirou essa idéia O infeliz autor da teoria da geléia sentirseá muito insultado e se queixará de que nós nos recusamos a fazer uma investigação objetiva de sua afirmação com base num pretenso preconceito científico Isto porém de nada lhe servirá Percebemos que nem sempre se deve reprovar os preconceitos mas que às vezes eles se justificam e têm utilidade de vez que nos poupam trabalho inútil De fato eles são apenas conclusões baseadas em uma analogia com outros juízos bem fundamentados Toda uma série de afirmações ocultistas têm o mesmo tipo de efeito que a hipótese da geléia de modo que nos consideramos justificados ao rejeitálas à primeira vista sem outras investigações Ainda assim a situação não é tão simples Uma comparação como a que escolhi nada prova ou prova tão pouco quanto as comparações em geral Permanece duvidoso se ela é procedente e é claro que sua escolha já foi determinada por nossa atitude de rejeição desdenhosa Os preconceitos às vezes são convenientes e justificados mas às vezes são errôneos e prejudiciais e jamais se pode dizer quando são uma coisa ou outra A própria história da ciência oferece abundantes exemplos que são uma advertência contra a condenação prematura Durante muito tempo considerouse absurda a hipótese que aventava que as pedrasque agora chamamos de meteoritos pudessem ter chegado à Terra vindas do espaço exterior ou que as rochas que formam as montanhas nas quais estão incrustados os remanescentes de conchas pudessem em alguma época ter formado o leito do mar Aliás coisa muito semelhante aconteceu com a nossa psicanálise quando apresentou sua conclusão da existência de um inconsciente Assim nós analistas temos motivos especiais para sermos cautelosos no uso das considerações intelectuais para rejeitar hipóteses novas e devemos admitir que elas não nos isentam de sentimentos de antipatia dúvida e incerteza Falei do segundo fator que complica nossa abordagem do tema como sendo o fator psicológico Com isto quero significar a tendência geral da humanidade à credulidade e à crença no miraculoso Desde o início quando a vida nos submete à sua rígida disciplina dentro de nós se levanta uma resistência contra a inflexibilidade e monotonia das leis do pensamento e contra as exigências do teste de realidade A razão se torna o inimigo que nos priva de tantas possibilidades de prazer Descobrimos quanto prazer nos dá retrairnos dela temporariamente ao menos e nos entregar aos atrativos do absurdo Os escolares deliciamse com deturpar palavras quando um congresso científico termina os especialistas se divertem com suas próprias atividades até mesmo homens de mentalidade séria apreciam uma anedota Uma hostilidade mais séria à Razão e Ciência o mais elevado poder que o homem possui aguarda sua oportunidade apressase a preferir ao médico habilitado o médico milagroso ou praticante de curas pela natureza é favorável às afirmações do ocultismo na medida em que esses pretensos fatos podem ser tomados como rupturas de leis e de regras faz adormecerem as dúvidas falsifica as percepções e força confirmações e concordâncias que não podem ser justificadas Se se leva em conta essa tendência do homem há toda razão em descontar muita coisa das informações apresentadas na literatura ocultista A terceira dúvida denomineia dúvida histórica e com isto tenho a intenção de assinalar que de fato não há nada de novo no mundo do ocultismo Nele emergem mais uma vez todos os sinais milagres profecias e aparições que nos foram relatados desde tempos antigos e em antigos livrose que pensávamos terem sido há muito tempo colocados de lado como produto de imaginação desenfreada ou de fraude tendenciosa ou produto de uma era na qual a ignorância do homem era muito grande e o espírito científico estava ainda no seu berço Se aceitamos a verdade daquilo que segundo as informações dos ocultistas ainda acontece hoje em dia também devemos acreditar na autenticidade dos relatos que nos foram transmitidos pela tradição desde épocas antigas E então devemos raciocinar que a tradição e os livros sagrados de todos os povos estão repletos de semelhantes lendas maravilhosas justamente sobre tais acontecimentos miraculosos e neles encontrar provas da atuação de poderes sobrehumanos Sendo assim ser nosá difícil evitar a suspeita de que o interesse pelo ocultismo é de fato um interesse religioso e que um dos motivos secretos do movimento ocultista é vir em auxílio da religião ameaçada como ela está pelo avanço do pensamento científico E com a descoberta desse motivo nossa desconfiança deve crescer e nossa aversão para nos dedicar ao exame desses supostos fenômenos ocultos deve aumentar Mais cedo ou mais tarde porém essa aversão deve ser superada Defrontamonos com uma questão de fato o que nos dizem os ocultistas é verdadeiro ou não Deve ser possível afinal de contas esclarecer esse ponto No fundo temos motivos para sermos gratos aos ocultistas As histórias miraculosas de épocas antigas estão além do alcance de nossas provas Se em nossa opinião não podem ser comprovadas devemos admitir que estritamente falando não podem ser refutadas Mas quanto a acontecimentos contemporâneos aos quais podemos estar presentes deve sernos possível chegar a um julgamento definido Se chegamos à convicção de que tais milagres não ocorrem hoje em dia não precisamos temer o contraargumento de que mesmo assim eles podem ter acontecido em tempos antigos nesse caso outras explicações serão mais plausíveis Assim delineamos nossas dúvidas e estamos prontos para tomar parte em uma investigação dos fenômenos ocultos Infelizmente porém aqui deparamos com circunstâncias que são por demais desfavoráveis para nossas honestas intenções As observações das quais se supõe dependa o nosso julgamento realizamse sob condições que tornam incertas as nossas percepções sensoriais e que turvam a nossa capacidade de atenção ocorrem na escuridão ou sob luz vermelha mortiça após longos períodos de vã expectativa Énos dito que de fato nossa atitude descrente ou seja nossa atitude crítica pode evitar que os fenômenos esperados aconteçam A situação assim criada não é senão uma caricatura das circunstâncias em que geralmente estamos acostumados a realizar pesquisas científicas As observações são feitas no que se chama de médiuns indivíduos aos quais se atribuem faculdades especialmente sensíveis mas que de modo algum se distinguem por qualidades excepcionais de inteligência ou de caráter e que não são como os fazedores de milagres do passado inspirados por qualquer idéia grandiosa ou propósito sério Pelo contrário são considerados até mesmo por aqueles que acreditam em seus poderes secretos como particularmente indignos de confiança a maior parte deles já foi desmascarada como sendo constituída de trapaceiros e com razão podemos esperar que o mesmo destino aguarda os restantes Suas práticas dão a impressão de travessuras maliciosas de crianças ou de truques de prestidigitação1 Até hoje nunca surgiu nada de importante das séances com esses médiuns a revelação de uma nova fonte de poder por exemplo É verdade que não esperamos receber indicações sobre criação de pombos do mago que através de mágica faz sair pombos de sua cartola vazia Facilmente posso me colocar no lugar de uma pessoa que tenta satisfazer as exigências de uma atitude objetiva e assim toma parte em séances ocultas mas que se cansa logo após e se afasta desgostosa com aquilo que dela é esperado e volta sem ter esclarecidos os seus preconceitos anteriores A uma tal pessoa pode ser feita a censura de que não é esta a maneira correta de se conduzir que não se deve antecipadamente formular quais serão os fenômenos que se está procurando estudar e em que circunstâncias eles aparecerão Ao contrário devese perseverar e conferir importância às medidas acauteladoras e fiscalizadoras pelas quais recentemente dispenderamse esforços para precaverse contra a deslealdade dos médiuns Infelizmente essa moderna técnica de proteção acaba com a fácil acessibilidade das observações do oculto O estudo do ocultismo tornase uma profissão especializada e difícil uma atividade que não se pode praticar paralelamente aos demais interesses que se tem E até que aqueles que se dedicam a essas investigações tenham chegado às suas conclusões nós ficamos com nossas dúvidas e com nossas conjecturas Dentre essas conjecturas sem dúvida a mais provável é aquela segundo a qual existe um fundamento real nos fatos do ocultismo até hoje não reconhecido e ao redor do qual o embuste e a fantasia teceram um véu que é difícil descerrar Como porém haveremos de nos aproximar desse fundamento Em que ponto podemos atacar o problema Penso que aqui os sonhospodem vir em nosso auxílio dandonos uma indicação de que de dentro desse caos podemos tirar o tema da telepatia O que denominamos telepatia é conforme sabem o fato suposto de que um evento que ocorre em um determinado tempo aproximadamente no mesmo momento chega à consciência de alguém distante no espaço desprezando as vias de comunicação conhecidas Pressupõese implicitamente que tal evento interessa a essa pessoa por quem a outra pessoa o recebedor da informação tem um intenso interesse afetivo Por exemplo a Pessoa A pode ser vítima de um acidente ou pode morrer e a Pessoa B que lhe tem uma ligação estreita sua mãe ou filha ou noiva sabe do fato quase ao mesmo tempo através de uma percepção visual ou auditiva Nesse último caso portanto é como se tivesse sido informada por telefone embora não seja este o caso é um tipo de equivalente psíquico da telegrafia sem fio Não preciso insistir com os senhores sobre a improbabilidade de tais fatos e há bons motivos para desprezar a maior parte desses relatos Restam alguns que não podem ser eliminados assim tão facilmente Permitamme agora em razão do propósito daquilo que tenho para dizerlhes que eu omita a cautelosa palavrinha suposto e continue como se eu acreditasse na realidade objetiva do fenômeno da telepatia Mas tenham claro em mente que não é este o caso e que não aderi a nenhuma convicção Tenho realmente pouco para contarlhes apenas um fato modesto Também de pronto reduzirei ainda mais as suas expectativas dizendo que no fundo os sonhos têm escassa relação com a telepatia A telepatia não lança nenhuma nova luz sobre a natureza dos sonhos e nem recebem os sonhos qualquer evidência direta da realidade da telepatia Ademais o fenômeno da telepatia não está de modo algum vinculado aos sonhos pode ocorrer também durante o estado de vigília O único motivo pra discutir a relação entre sonhos e telepatia é que o estado de sono parece particularmente adequado para a recepção de mensagens telepáticas Em tais casos a pessoa tem o que se chama sonho telepático e quando analisado adquirese a convicção de que a notícia telepática desempenhou o mesmo papel que qualquer outra parte dos resíduos diurnos e que foi modificada da mesma maneira pela elaboração onírica e transformada para servir ao propósito desta Durante a análise de um desses sonhos telepáticos ocorreu algo que me parece ser de interesse suficiente apesar de sua banalidade para servir como ponto de partida para esta conferência Quando em 1922 dei minha primeira descrição desse assunto tinha à minha disposição somente uma única observação Desde então fiz numerosas observações semelhantes mas manterei o primeiro exemplo porque é o mais fácil de descrever e eu os levarei em seguida in medias res Um homem obviamente inteligente que por sua própria descrição pelo menos não era inclinado ao ocultismo escreveume acerca de um sonho que tinha tido e que lhe parecia digno de nota Começou por informarme que sua filha casada distante dele estava esperando seu primeiro parto para meados de dezembro Essa filha significava muito para ele e ele também sabia que ela lhe era muito afeiçoada Durante a noite de 16 para 17 de novembro então ele sonhou que sua mulher havia dado à luz gêmeos Seguiamse diversos detalhes que aqui posso omitir e nenhum destes realmente jamais foi explicado A mulher que no sonho se havia tornado mãe de gêmeos era sua segunda esposa madrasta de sua filha Ele não desejava ter filhos dessa sua segunda esposa que dizia ele não tinha aptidão para criar filhos sensatamente além disso à época do sonho ele há longo tempo havia cessado de ter relações sexuais com ela O que o levara a escreverme fora não a dúvida a respeito da teoria dos sonhos já que o conteúdo manifesto de seu sonho a teria justificado mas por que o sonho em completa contradição com seus desejos fez sua esposa dar à luz E segundo ele não havia qualquer motivo para temer a ocorrência desse indesejado evento O que o induziu a relatarme esse sonho foi a circunstância de que na manhã de 18 de novembro recebeu um telegrama anunciando que sua filha havia dado à luz gêmeos O telegrama havia sido expedido no dia anterior e o nascimento havia ocorrido durante a noite de 16 para 17 de novembro quase na mesma hora em que ele tinha tido o sonho do nascimento de gêmeos de sua esposa Esse homem que teve o sonho perguntavame se eu pensava ser acidental a coincidência entre o sonho e o ocorrido Ele não se arriscou a chamar o sonho de telepático de vez que a diferença entre seu conteúdo e o evento afetava justamente o que lhe parecia essencial no sonho a identidade da pessoa que deu à luz as crianças Um dos seus comentários contudo mostra que ele não se teria surpreendido com um sonho telepático real acreditava que sua filha certamente teria pensado especialmente nele durante o trabalho de parto Senhoras e senhores estou certo de que já conseguiram explicar esse sonho e compreender também por que o contei para os senhores Era esse um homem insatisfeito com sua segunda esposa que preferiria que sua esposa fosse como a filha de seu primeiro casamento Esse como desapareceu naturalmente no que se referia ao inconsciente E agora a mensagem telepática chegada durante a noite para dizer que sua filha havia tido gêmeos A elaboração onírica assumiu o controle da notícia permitiu que o desejo inconsciente operasse sobre ela o desejo de ele poder colocar a filha no lugar da segunda esposa e assim surgiu o enigmático sonho manifesto que disfarçou o desejo e deformou a mensagem Devemos admitir que é só a interpretação do sonho que nos mostrou que era um sonho telepático a psicanálise revelou um evento telepático que de outra forma não haveríamos de descobrir Mas por favor não se deixem equivocar Apesar de tudo isso a interpretação de sonhos não nos disse nada acerca da realidade objetiva do evento telepático Pode ser igualmente uma ilusão explicável de outra maneira Os pensamentos oníricos latentes do homem podem ter sido assim Hoje é o dia em que o parto se realizaria se minha filha estivesse mesmo enganada em seus cálculos em um mês conforme suspeito E quando a vi pela última vez ela parecia justamente como se estivesse para ter gêmeos Como se teria alegrado com gêmeos a minha falecida mulher que tanto gostava de crianças Baseio esse último dado em algumas associações tidas por esse sonhador as quais não mencionei Nesse caso a origem do sonho teriam sido suspeitas bem fundamentadas por parte do sonhador e não uma mensagem telepática mas o resultado teria sido o mesmo Os senhores vêem pois que mesmo a interpretação desse sonho nada nos disse acerca da questão de saber se devemos admitir realidade objetiva à telepatia Isto só poderia ser decidido por esmerada investigação de todas as circunstâncias do caso o que infelizmente não foi mais possível nesse exemplo do que em qualquer outro de minha experiência Posto que a hipótese da telepatia oferece sem dúvida a explicação mais simples ainda assim não nos auxilia muito A explicação mais simples nem sempre é a correta a verdade com freqüência não é uma questão fácil e antes de nos decidirmos a favor de uma hipótese de tão grande alcance devemos preferentemente ter tomado todo cuidado Podemos agora abandonar o assunto dos sonhos e da telepatia sobre isto nada mais tenho a dizerlhes Mas observem cuidadosamente que aquilo que nos pareceu ensinarnos algo a respeito da telepatia não foi o sonho mas a interpretação do sonho a sua elaboração psicanalítica Por conseguinte nessas coisas que se seguem podemos deixar inteiramente de lado os sonhos e podemos manter a expectativa de que o emprego da psicanálise possa clarear um pouco outros eventos descritos como ocultos Existe por exemplo o fenômeno da transmissão de pensamento que tem tão estreitas relações com a telepatia e pode na verdade sem deturpação demasiada ser considerado a mesma coisa Afirma que os processos mentais numa pessoa idéias estados emocionais impulsos conativos podem ser transferidos para uma outra pessoa através do espaço vazio sem o emprego dos métodos conhecidos de comunicação que usam palavras e sinais Os senhores perceberão quão notável e talvez mesmo de que importância prática isto seria se algo desse teor realmente acontecesse Podese notar aliás que de maneira muito estranha justamente esse fenômeno é mencionado muito menos freqüentemente nas histórias miraculosas do passado No decorrer do tratamento psicanalítico de pacientes formei a concepção de que as atividades dos adivinhos profissionais escondem uma oportunidade de fazer observações especialmente irrefutáveis sobre transmissão de pensamento Esses indivíduos são pessoas insignificantes e mesmo inferiores que se aprofundam em determinado tipo de representação pôr as cartas estudar a escrita ou as linhas da palma da mão ou fazer cálculos astrológicos e ao mesmo tempo após haveremse mostrado conhecedores de partes do passado ou das circunstâncias presentes do visitante continuam profetizando seu futuro Via de regra seus clientes mostram grande satisfação com esses efeitos e não sentem qualquer ressentimento se depois essas profecias não se cumprem Encontrei diversos casos assim e pude estudálos analiticamente em seguida contarlhesei o mais notável desses exemplos Sua força de convicção infelizmente é prejudicada por numerosas reticências a que sou compelido pela obrigação do segredo médico No entanto evitei rigorosamente distorções Ouçam pois a história de uma de minhas pacientes que teve uma experiência desse tipo com um adivinho Ela era a mais velha de uma família numerosa e havia crescido com uma ligação extremamente intensa com seu pai Tinha casado ainda jovem e encontrara inteira satisfação em seu casamento Só uma coisa estava faltando em sua felicidade havia permanecido sem filhos não podendo assim colocar seu amado esposo inteiramente no lugar de seu pai Quando após longos anos de desapontamento decidiu submeterse a uma operação ginecológica seu marido reveloulhe que a culpa era dele uma doença anterior ao casamento o incapacitara para procriar filhos Ela suportou mal essa desilusão tornouse neurótica e sofreu muito com temores de ser tentada a ser infiel ao marido Para alegrála ele a levou consigo a Paris em viagem de negócios Certo dia lá estavam eles sentados no saguão do seu hotel quando ela percebeu alguma agitação entre os empregados do hotel Perguntou o que é que estava acontecendo e disseramlhe que Monsieur le Professeur havia chegado e estava dando consultas numa salinha ali perto Expressou o desejo de fazer uma tentativa O marido rejeitou a idéia mas enquanto ele não estava observando ela se esgueirou para dentro da sala de consultas e encontrouse à frente do adivinho Ela estava com 27 anos mas parecia muito mais jovem e havia tirado sua aliança de casada Monsieur le Professeur fêla pousar a mão numa bandeja cheia de cinzas e estudou atentamente a marca deixada pela mão então ele lhe disse todos os tipos de coisas a respeito de árduas lutas que a esperavam e terminou com a confortadora promessa de que apesar de tudo ela ainda haveria de casarse e ter dois filhos quando chegasse à idade de 32 anos Quando me contou esta história ela estava com 43 anos estava gravemente doente e sem qualquer perspectiva de algum dia ter um filho Assim a profecia não se realizara contudo falou disso sem qualquer tipo de amargura com uma inconfundível expressão de satisfação como se estivesse recordando um ditoso evento Foi fácil estabelecer que ela não tinha a mais leve noção do que poderiam significar os dois números na profecia 2 e 32 ou se eles de algum modo significavam alguma coisa Os senhores dirão que esta é uma história estúpida e incompreensível e perguntarão por que a contei aos senhores Eu deveria ser inteiramente da opinião dos senhores e este é o ponto saliente se a análise não tivesse tornado possível chegar a uma interpretação da profecia que é convincente precisamente a partir da explicação que ela permite dos detalhes Pois os dois números encontram seu lugar na vida da mãe de minha paciente Elahavia casado tardiamente não antes de ter mais de trinta anos e na família haviam freqüentemente insistido no êxito com que ela se havia apressado para compensar o tempo perdido Seus dois primeiros filhos sendo nossa paciente a mais velha haviam nascido com o mais curto intervalo possível entre si em um só período de um ano e tinha de fato dois filhos ao chegar aos 32 anos de idade Portanto o que Monsieur le Professeur dissera à minha paciente significava Consolese com o fato de ser tão jovem Terá o mesmo destino que sua mãe que também teve de esperar longo tempo pelos filhos e terá dois filhos quando tiver 32 anos Ter o mesmo destino que sua mãe colocarse no lugar de sua mãe tomar o lugar dela junto ao pai fora este contudo o mais intenso desejo de sua mocidade e precisamente em virtude da nãorealização desse desejo é que ela estava começando a adoecer A profecia prometialhe que o desejo ainda se cumpriria apesar de tudo como poderia ela deixar de sentir simpatia pelo profeta Entretanto consideram os senhores possível que Monsieur le Professeur fosse sabedor dos fatos da história íntima da família de sua cliente casual Absolutamente não Como então chegou ele ao conhecimento que lhe possibilitou expressar o desejo mais intenso e mais secreto de minha paciente incluindo os dois números em sua profecia Posso ver apenas duas explicações possíveis Ou a história tal como me foi contada é inverídica e os fatos ocorreram de modo diverso ou a transmissão de pensamento existe como fenômeno real Podese supor indubitavelmente que após um intervalo de 16 anos a paciente houvesse introduzido os dois números em questão em sua lembrança vindos do inconsciente Não tenho base para essa suspeita mas não posso excluíla e imagino que os senhores estarão mais prontos a acreditar numa solução dessa espécie do que na realidade da transmissão de pensamento Se os senhores se decidem mesmo pela segunda alternativa não se esqueçam de que foi somente a análise que criou o fato oculto descobriuo quando estava distorcido a ponto de ser irreconhecível Se se tratasse apenas de um caso como o dessa minha paciente não se lhe daria maior importância Ninguém sonharia erigir sobre uma única observação uma crença que implica tomar uma direção tão decisiva Mas os senhores devem darme crédito quando lhes asseguro que este não é o único caso em minha experiência Coligi toda uma série de tais profecias e de todas elas ficoume a impressão de que o adivinho simplesmente havia dado expressão aos pensamentos e mais especialmente aos desejos secretos daqueles que vinham consultálo e que portanto estávamos autorizados a analisar essas profecias como sendo produções subjetivas fantasias ousonhos das pessoas em questão Naturalmente nem todo caso é igualmente convincente e não é em todos os casos igualmente possível excluir explicações mais racionais contudo tomando esses casos em conjunto permanece um forte saldo de probabilidades a favor da transmissão de pensamento como um fato A importância do tema justificaria que eu relatasse aos senhores todos os meus casos mas não posso fazêlo devido à prolixidade da descrição que se faria necessária e à inevitável quebra do dever do sigilo Na medida do possível tentarei tranqüilizar minha consciência dandolhes mais alguns exemplos Um dia procuroume um homem jovem muito inteligente um estudante que se preparava para seus exames finais de doutorado mas incapaz de fazêlos de vez que conforme se queixou havia perdido todo o interesse e capacidade de concentração e até mesmo toda a faculdade de memorizar regularmente A história prévia dessa condição de quase paralisia logo foi revelada havia adoecido após ter realizado um grande ato de autodisciplina Tinha uma irmã a quem estava ligado por uma afeição intensa porém sempre refreada e o mesmo se passava nela em relação a ele Que pena nós não podermos casar diziam freqüentemente um ao outro Um senhor respeitável apaixonouse pela irmã ela correspondeu a essa paixão mas seus pais não consentiram na união Em sua dificuldade o jovem casal voltouse para o irmão dela e este não recusou sua ajuda Fez o possível para que mantivessem correspondência e sua influência finalmente persuadiu os pais a consentirem No decorrer do noivado entretanto ocorreu um incidente cujo significado era fácil deduzir Em companhia de seu futuro cunhado ele empreendeu uma difícil escalada de montanha sem guia perderam o caminho e estiveram em perigo de não regressar sãos e salvos Logo após o casamento de sua irmã ele caiu nesse estado de exaustão mental A influência da psicanálise restaurou sua capacidade de trabalho e ele deixoume para prestar seus exames mas após têlos efetuado com êxito voltou a mim por um curto período no outono do mesmo ano Foi então que me referiu uma experiência singular que tivera antes do verão Na cidade de sua universidade vivia uma adivinha que gozava de grande popularidade Até mesmo os príncipes da Casa Real costumavam ir fazerlhe consultas antes de empreendimentos importantes O modo de trabalhar dela era muito simples Pedia que lhe dissessem a data do nascimento da pessoa interessada não exigia saber nada mais sobre a pessoa nem sequer seu nome Então elapassava a consultar seus livros de astrologia fazia longos cálculos e finalmente formulava uma profecia referente à pessoa em questão Meu paciente decidiu recorrer às artes místicas dessa mulher com referência a seu cunhado Foi visitála e disselhe a data pertinente Depois de efetuar seus cálculos ela fez sua profecia A pessoa em questão morrerá em julho ou agosto deste ano de intoxicação causada por lagosta ou ostra Meu paciente terminou sua história com as palavras Foi simplesmente maravilhoso Desde o início eu escutava com irritação Depois dessa exclamação sua cheguei a perguntar Que é que o senhor está vendo de tão maravilhoso nessa profecia Agora estamos no fim do outono e o seu cunhado não está morto ou o senhor me teria contado isto há muito tempo Então a profecia não se realizou Sem dúvida é isto replicou mas é isto que é maravilhoso Meu cunhado tem paixão por lagosta e ostras e no verão anterior isto é antes de minha visita à adivinha ele teve um ataque de intoxicação por ostra do qual quase morreu Que é que eu iria dizer em face disto Apenas pude sentirme aborrecido por esse homem altamente instruído que ademais havia passado por uma análise bemsucedida não conseguir ter uma visão mais clara de sua situação Quanto a mim a acreditar que é possível calcular o início de um ataque de intoxicação por lagosta ou ostras com base em tabelas astrológicas prefiro supor que meu paciente ainda não vencera o ódio que sentia por seu rival cuja repressão anteriormente o levara a adoecer e que a adivinha simplesmente estava expressando a expectativa dele mesmo um gosto desse tipo não é de se desistir e um dia de qualquer modo vai chegar o fim dele Devo admitir que não consigo pensar em nenhuma outra explicação para este caso a não ser que talvez meu paciente estivesse fazendo uma brincadeira comigo No entanto nem naquela ocasião nem em época posterior ele me deu motivos para semelhante suspeita e pareceu estar levando a sério o que disse Aqui está outro caso Um senhor jovem que ocupava uma posição de destaque foi envolvido numa liaison com uma demimondaine a qual se caracterizava por uma compulsão curiosa De tempos em tempos ele era obrigado a provocála com comentários irônicos e insultuosos até ela se sentir em completo desespero Quando ele a levava até esse ponto aliviava se reconciliavase com ela e davalhe um presente Mas agora queria verse livre da mulher a compulsão parecialhe uma coisa muito estranha Percebeu que a liaison estava prejudicando sua reputação queria ter sua esposa e constituir sua família Entretanto como não podia livrarse da demimondaine por suas próprias forças procurou o auxílio da análise Depois de uma dessas cenas injuriosas quando a análise já havia iniciado ele a fez escrever algo num pedaço de papel a fim de mostrálo a um grafólogo O informe que recebeu deste dizia que a escrita era de alguém em extremo desespero que certamente cometeria suicídio nos próximos dias É verdade que isto não ocorreu e a mulher coninuou viva mas a análise conseguiu afrouxar os laços dessa ligação Abandonou a mulher e voltouse para uma moça jovem esperando poder vir a fazer dela uma boa esposa Logo depois surgiu um sonho que só podia insinuar uma incipiente dúvida quanto ao valor da moça Conseguiu uma amostra de sua escrita também levoua ao mesmo grafólogo e recebeu um veredicto da escrita dela que confirmava suas apreensões Com isso abandonou a idéia de tomála como esposa A fim de formar uma opinião a respeito dos informes do grafólogo especialmente do primeiro devemos conhecer algo da história de nosso personagem No início de sua mocidade ele de acordo com sua natureza impetuosa se apaixonara arrebatadamente por uma mulher casada ainda jovem mas mesmo assim mais velha do que ele Quando ela o rejeitou ele fez uma tentativa de suicídio que não pode haver dúvidas foi empreendida a sério Foi apenas por um fio que escapou da morte e só se recuperou depois de longo período de convalescença Essa ação tresloucada porém causou profunda impressão na mulher que amava ela lhe concedeu seus favores ele se tornou amante dela e daí por diante permaneceu secretamente ligado a ela servindoa com dedicação verdadeiramente cavalheiresca Mais de vinte anos depois quando ambos haviamse tornado mais velhos mas a mulher naturalmente envelhecera mais do que ele despertou nele a necessidade de se desligar dela de tornarse livre de levar a sua própria vida de montar casa e constituir família E ao lado dessa sensação de saciedade surgiu nele a profunda ânsia há muito tempo reprimida de vingarse de sua amante Assim como uma vez ele havia tentado matarse porque ela o desprezara também desejava ele agora ter a satisfação de ela buscar a morte porque ele a abandonava O amor que ele tinha porém era ainda muito forte para possibilitar que esse desejo se tornasse consciente nele e não estava em condições de causar a ela dano suficiente para levála à morte Dentro desse esquema mental fez da demi mondaine uma espécie de bode expiatório para satisfazer a sua sede de vingança in corpore vili e ele passou a infligirlhe todos os tormentos que podia esperar causassem nela o resultado que ele queria produzir em sua amante Que a vingança se aplicava a esta revelavase no fato de ele fazer desta da amante uma confidente e conselheira de sualiaison em vez de ocultar dela a sua deserção A desventurada senhora que há muito tempo havia deixado de dar para receber favores provavelmente sofreu muito mais com essas confidências do que a demimondaine com as brutalidades dele A compulsão em relação a essa figura substitutiva de que se queixava e que o levou à análise naturalmente havia sido transferida a ela a partir de sua antiga amante era dela que queria livrarse mas não podia Não sou autoridade em assuntos de escrita e não tenho em alto conceito a arte de adivinhar o caráter a partir da escrita tampouco acredito na possibilidade de assim predizer o futuro do autor da letra Os senhores podem ver no entanto seja o que for que se pense do valor da grafologia não haver engano no fato de o perito quando prometeu que o autor da letra da amostra que lhe era apresentada cometeria suicídio nos próximos dias havia mais uma vez tãosomente manifestado um poderoso desejo secreto da pessoa que lhe vinha fazer a consulta Algo do mesmo teor aconteceu posteriormente no caso do segundo relato Ali o que estava em questão porém não era um desejo inconsciente era a dúvida crescente e a apreensão do consulente que encontravam uma clara expressão na boca do grafólogo Aliás meu paciente conseguiu com o auxílio da análise encontrar um objeto para seu amor fora do círculo mágico em que tinha sido enfeitiçado Senhoras e senhores ouviram agora como a interpretação dos sonhos e a psicanálise em geral elucidam o ocultismo Mostreilhes com exemplos que por sua aplicação têm sido trazido à luz fatos ocultos que de outro modo teriam permanecido desconhecidos A psicanálise não pode dar uma resposta direta à pergunta que sem dúvida mais lhes interessa se haveremos de acreditar na realidade objetiva desses achados O material revelado com sua ajuda contudo produz uma impressão que sob todos os aspectos é favorável a uma resposta afirmativa O interesse dos senhores não se deterá neste ponto entretanto Desejarão saber que conclusões se justificam pelo material incomparavelmente mais rico no qual a psicanálise não tem qualquer ingerência Mas nisso não posso acompanhálos situase fora de meus domínios A única coisa adicional que poderia fazer seria relatarlhes observações que pelo menos têm tanta relação com a psicanálise por terem sido feitas durante tratamento psicanalítico e até mesmo talvez se tornaram possíveis por influências desta Contarlhesei um desses exemplos o exemplo que deixou em mim a impressão mais profunda Relataloei extensamente e solicitarei a atenção dos senhores para um grande número de detalhes embora ainda assim tenha de suprimir muita coisa que em muito haveria de aumentar a força de convicção da observação É um exemplo no qual o fato veio claramente à luz e não necessitou ser desenvolvido pela análise Aodiscutilo entretanto não poderemos prescindir da ajuda da análise Contudo lhes direi antecipadamente que também este exemplo de aparente transmissão de pensamento na situação analítica não está isento de toda dúvida e não nos permite assumir uma posição de irrestrito apoio à realidade dos fenômenos ocultos Ouçam pois Num dia do outono do ano de 1919 cerca das 10h45m da manhã o Dr David Forsyth que havia pouco chegara de Londres envioume seu cartão de visita enquanto eu estava tendo uma sessão com um paciente Meu prezado colega da Universidade de Londres estou certo não considerará indiscrição se dessa maneira revelo o fato de que passou alguns meses sendo iniciado por mim na arte da técnica psicanalítica Apenas tive tempo de saudálo e marcar um encontro para vêlo mais tarde O Dr Forsyth tinha direito ao meu interesse particular foi o primeiro estrangeiro a vir ter comigo após eu haver sido interrompido em minhas atividades pelos anos de guerra e a trazer uma promessa de dias melhores Logo depois às onze horas chegou Herr P um dos meus pacientes um homem inteligente e agradável entre quarenta e cinqüenta anos de idade que inicialmente me havia procurado por causa de dificuldades com mulheres Seu caso não prometia qualquer êxito terapêutico muito tempo antes eu havia proposto que parássemos o tratamento mas ele quisera continuálo evidentemente porque se sentia à vontade em uma transferência paterna bem temperada em relação a mim Nessa época o dinheiro não tinha qualquer papel de importância havia muito pouco em circulação As sesões que eu tinha com ele eram estimulantes e também reconfortantes e por conseguinte passando por cima de estritas regras da clínica médica o trabalho analítico estava sendo levado adiante até um limite de tempo previsto Aquele dia P retornava a seus intentos de ter relações eróticas com mulheres e mais uma vez mencionava uma jovem linda provocante e muito pobre com quem ele sentia que poderia ter êxito se o fato de ela ser virgemnão amedrontasse alguma tentativa séria por parte dele Freqüentemente havia falado nela antes contudo nesse dia pela primeira vez embora naturalmente ele não tivesse noção dos verdadeiros motivos do impedimento dele disseme que ela costumava chamálo Herr von Vorsicht Sr Cuidado Surpreendime com essa informação o cartão de visita do Dr Forsyth estava junto a mim e mostreilho Estes são os fatos do caso Suponho que aos senhores eles parecerão insignificantes ouçam porém um pouco mais há mais coisas por trás deles Quando era jovem P havia passado alguns anos na Inglaterra e desde então conservara um permanente interesse pela literatura inglesa Possuía uma rica biblioteca inglesa e costumava trazerme livros dela Devo a ele um conhecimento de autores tais como Bennett e Galsworthy dos quais até então havia lido pouca coisa Um dia emprestoume um romance de Galsworthy intitulado The Man of Property cuja ação se passa no seio de uma família inventada pelo autor de nome Forsyte O próprio Galsworthy estava evidentemente fascinado com essa criação sua pois em livros subseqüentes repetidamente retornou aos membros dessa família e por fim coletou todas as histórias referentes a eles sob o título The Forsyte Saga Apenas alguns dias antes da ocorrência de que estou falando ele me trouxera um volume recente dessa série O nome Forsyte e tudo o que de típico o autor havia procurado incorporar nele tinha desempenhado um papel também em minhas conversações com P e se tornara parte da linguagem secreta que tão facilmente se desenvolve entre duas pessoas que se vêem muito Ora o nome Forsyte desses romances difere pouco do de meu visitante Forsyth e conforme é pronunciado por um alemão os dois dificilmente podem ser distinguidos e há uma palavra inglesa com uma significação foresight que também teremos de pronunciar da mesma maneira e que seria traduzida como Voraussicht ou Vorsicht Assim P realmente selecionara de suas preocupações pessoais exatamente o nome que ao mesmo tempo ocupava meus pensamentos como resultado de uma ocorrência da qual ele não tinha conhecimento Isto parece tomar rumos melhores concordarão os senhores Mas penso que ficaremos mais impressionados com o surpreendente fenômeno e até mesmo obteremos uma compreensão interna insight dos seus fatores determinantes se lançarmos a luz da análise sobre duas outras associações apresentadas por P durante a mesma sessãoPrimeira associação Um dia na semana anterior eu ficara esperando em vão por Herr P às onze horas e então saí para visitar o Dr Anton von Freund em sua pension Surpreendime ao verificar que Herr P morava num outro andar do mesmo prédio em que se localizava a pension Com relação a isso mais tarde eu disse a P que em certo sentido eu lhe havia feito uma visita a sua casa mas sei claramente que não lhe disse o nome da pessoa que visitei na pension E agora logo depois de mencionar Herr von Vorsicht ele me perguntou se talvez a FreudOttorego que estava dando um ciclo de conferências sobre inglês na Volksuniversität era minha filha E pela primeira vez durante nosso longo período de relacionamento ele dava a meu nome a forma distorcida a que realmente eu me acostumei devido a autoridades funcionários e tipógrafos em vez de Freud ele disse Freund Segunda associação No fim da mesma sessão contoume um sonho do qual acordara com pavor um verdadeiro Alptraum disse ele Acrescentou que havia não muito tempo tinha esquecido a palavra inglesa que significa isso e quando alguém lhe perguntara disse que a palavra inglesa para Alptraum era a mares nest Isto era absurdo naturalmente prosseguia ele a mares nest significava algo incrível um conto policial a tradução de Alptraum era nightmare O único elemento comum a essa associação e à anterior parecia ser o elemento inglês Porém eu me lembrava de um pequeno incidente ocorrido cerca de um mês antes P estava sentado junto a mim na sala quando outro visitante um querido amigo proveniente de Londres o Dr Ernest Jones chegou inesperadamente depois de uma longa separação Fiz a este um sinal para que entrasse na sala contígua enquanto eu terminava a entrevista com P Este porém o reconhecera imediatamente por causa de sua fotografia na sala de espera e até expressara o desejo de ser lhe apresentado Ora Jones é o autor de uma monografia sobre o Alptraum o pesadelo Eu não sabia que P o conhecia ele evitava ler literatura analítica Cf Jones 1912 Gostaria de inicialmente investigar com os senhores que compreensão analítica se obteve com os antecedentes das associações de P e com os seus motivos Em relação ao nome Forsyte ou Forsyth P e eu nos situávamos de modo semelhante para ele o nome significava a mesma coisa e era inteiramente a ele P que eu devia o conhecimento do nome O fato digno de nota era que ele trouxe para a análise esse nome sem anunciálo somentepouco tempo depois de terse tornado importante para mim num outro sentido devido a um evento novo a chegada do médico de Londres Mas a maneira pela qual o nome emergiu em sua sessão analítica é talvez não menos interessante do que o fato em si Ele não disse por exemplo O nome Forsyte dos romances que o senhor conhece acaba de me vir à mente Ele conseguiu sem qualquer relação consciente com essa fonte a partir daí juntar esse nome às suas próprias experiências e expressálo coisa que poderia ter acontecido muito tempo antes mas não acontecera até então O que ele disse mesmo foi pois Também eu sou um Forsyth é como a namorada me chama É difícil deixar de perceber a mistura de exigência ciumenta e de autodesvalorização melancólica que encontra expressão no seu comentário Não haveremos de errar o rumo se o complementarmos de uma forma como esta Para mim é doloroso que os pensamentos do senhor se ocupem tão intensamente com essa nova chegada Volte para mim afinal eu também sou um Forsyth embora é verdade eu seja apenas um Herr von Vorsicht cavalheiro do cuidado conforme diz a namorada E com isso sua cadeia de pensamentos passando pelas linhas associativas do elemento inglês voltava a fatos anteriores capazes de fazer despertar os mesmos sentimentos de ciúme Uns dias atrás o senhor fez uma visita a minha casa que pena não a mim mas a Herr von Freund Esse pensamento fêlo distorcer o nome Freud em Freund O nome Freud Ottorego tirado do roteiro de conferências deve entrar aqui porque tratandose de professora de inglês proporcionou a associação manifesta E agora veio a lembrança de um outro visitante umas semanas antes do qual sem dúvida estava com ciúmes mas com este sentia que não podia competir pois o Dr Jones era capaz de escrever uma monografia sobre o pesadelo ao passo que ele quando muito conseguia apenas ter tais sonhos Sua menção do erro a respeito do significado de a mares nest vem a se encaixar aqui pois só pode querer dizer Afinal não sou um verdadeiro inglês assim como não sou um verdadeiro Forsyth Não posso descrever agora seus sentimentos de ciúmes nem como estando fora de lugar nem como ininteligíveis Ele havia sido avisado de que sua análise e ao mesmo tempo nossos contatos terminariam tão logo os discípulos e os pacientes estrangeiros retornassem a Viena e foi realmente isto o que aconteceu pouco depois O que realizamos no entanto foi determinada quantidade de trabalho analítico a explicação das três associações apresentadas por ele na mesma sessão e originadas do mesmo motivo e isto não tem muita relação com a outra questão isto é se essas associações podiam ter sido feitas sem transmissão de pensamento Essa questão aplicasea cada uma das três associações e portanto dividese em três questões separadas Poderia P ter sabido que o Dr Forsyth acabava de me fazer sua primeira visita Poderia ele saber o nome da pessoa que eu havia visitado em sua casa Sabia ele que o Dr Jones escrevera uma monografia sobre o pesadelo Ou foi apenas o meu conhecimento acerca dessas coisas que se revelou em suas associações Dependerá da resposta a essas três diferentes questões a eventualidade de minha observação permitir uma conclusão favorável à transmissão de pensamento Deixemos de lado por um momento a primeira questão as outras duas podem ser elaboradas mais facilmente O caso de minha visita à sua pension causa uma impressão particularmente convincente à primeira vista Estou certo de que em minha breve e jocosa referência à minha visita à sua casa não mencionei qualquer nome Penso ser muito improvável que P tivesse feito perguntas na pension quanto ao nome da pessoa em referência preferentemente acredito que a existência dessa pessoa tenha permanecido inteiramente desconhecida para ele O valor probatório desse caso é porém totalmente desfeito por uma circunstância casual O homem a quem fizera uma visita na pension não só se chamava Freund era um verdadeiro amigo de todos nós Era o Dr Anton von Freund cuja doação havia possibilitado a fundação de nossa casa editora Sua morte prematura junto com a de nosso colega Karl Abraham alguns anos antes são os mais graves infortúnios que atingiram o desenvolvimento da psicanálise É possível pois que eu tivesse dito a P Visitei um amigo Freund na sua casa e com essa possibilidade desaparece o interesse oculto de sua segunda associação A impressão causada pela terceira associação também se desfaz rapidamente Podia P saber que Jones publicara uma monografia sobre pesadelo se ele nunca lia literatura analítica Sim podia Possuía livros de nossa editora e poderia de algum modo ter visto os títulos das novas publicações anunciados nas capas Isto não pode ser provado mas também não pode ser refutado Por essa via portanto não podemos chegar a conclusão alguma Para infelicidade minha essa observação que fiz padece da mesma debilidade de tantas outras foi escrita muito depois e foi discutida numa época em que não estava mais em contato com Herr P e não pude fazerlhe mais perguntas Voltemos ao primeiro evento que mesmo tomado de per si apóia o fato aparente de transmissão de pensamento Poderia P saber que o Dr Forsyth estivera comigo um quarto de hora antes dele Poderia ele ter absolutamentealgum conhecimento de sua existência ou de sua presença em Viena Não devemos ceder à tendência a repelir sem exame ambas as perguntas Posso entrever um caminho que leva a uma resposta parcialmente afirmativa Afinal eu podia ter dito a Herr P que eu estava esperando um médico vindo da Inglaterra que vinha receber formação em análise como uma primeira pomba após o dilúvio Isto poderia ter acontecido no verão de 1919 pois o Dr Forsyth havia mantido entendimentos comigo por carta alguns meses antes de sua chegada Posso até mesmo haver mencionado seu nome embora isto me pareça muito improvável Em vista da outra conexão que o nome evocava a nós dois uma discussão a respeito inevitavelmente deve ter tido lugar e dela teria ficado algo em minha memória Não obstante tal discussão pode terse dado e posso têla esquecido totalmente depois de modo que isto possibilitou à emergência de Herr von Vorsicht na sessão analítica surpreenderme como se fosse milagre Se alguém se considera um cético é bom ter dúvidas às vezes também acerca do ceticismo próprio Pode ser que também eu tenha uma secreta inclinação ao miraculoso o que seria meio caminho andado para ir ao encontro da criação de fatos ocultos Se assim eliminarmos de nosso caminho uma das possibilidades miraculosas há uma outra esperandonos e é de todas a mais difícil Supondo que Herr P soubesse que havia um Dr Forsyth e que este era esperado em Viena no outono como explicar que ele ficasse receptivo a sua presença justamente no dia de sua chegada e imediatamente após sua primeira visita Poder seia dizer que era uma casualidade isto é não há o que explicar Mas foi justamente com a finalidade de excluir a casualidade que discuti as duas outras associações de P a fim de mostrar lhes que ele realmente estava ocupado com pensamentos ciumentos a respeito de pessoas que me visitavam Ou se poderia não desprezando a possibilidade mais extrema aventar a hipótese de que P havia observado um especial estado de excitação em mim do que para dizer a verdade eu mesmo não sabia nada e tirou sua conclusão a partir disto Ou Herr P embora ele chegasse um quarto de hora depois de o inglês ter saído encontrouse com ele no breve trecho de rua que tanto um como o outro tinham de percorrer reconheceuo por sua aparência caracteristicamente inglesa e estando em permanente estado de expectativa ciumenta pensou Ah então é este o Dr Forsyth com cuja chegada minha análise vai chegar ao fim E provavelmente ele acaba de vir agora mesmo do professor Não posso levar mais adiante essas especulações de raciocínio Mais uma vez restanos um non liquet não provado mas devo confessar que tenho a impressão de que também aqui os pratos da balança se inclinam a favor da transmissão de pensamento Ademais certamente não estou só ao terme decidido experimentar eventos ocultos como este na situação analítica Helene Deutsch publicou algumas observações semelhantes em 1926 e estudou a questão de serem eles determinados pela relação transferencial entre paciente e analista Estou certo de que os senhores não se sentirão totalmente satisfeitos com minha atitude referente a esse problema com o fato de eu não estar inteiramente convencido mas predisposto a me convencer Talvez os senhores possam dizer para si mesmos Está aí mais um caso de um homem que fez um trabalho honesto como cientista durante toda a vida e ao ficar idoso tornou se parvo piedoso ingênuo Estou consciente de que alguns grandes nomes devem ser incluídos nessa categoria mas não devem contarme entre eles Pelo menos piedoso não me tornei e espero que ingênuo também não Apenas o que acontece é que se alguém durante toda a vida tratou de se abaixar a fim de evitar uma colisão dolorosa com os fatos também na velhice ainda mantém as costas prontas a se dobrarem diante de novas realidades Sem dúvida os senhores gostariam que eu aderisse a um teísmo moderado e me mostrasse incansável em minha rejeição a tudo o que é oculto Sou contudo incapaz de cortejar favores e devo insistir em que tenham idéias mais gentis acerca da possibilidade objetiva da transmissão de pensamentos e ao mesmo tempo também da telepatia Os senhores não se esquecerão de que aqui estou apenas tratando esses problemas na medida em que é possível abordálos do ponto de vista da psicanálise Quando pela primeira vez eles ficaram ao alcance de minha visão há mais de dez anos também eu senti o receio de uma ameaça contra nossa Weltanschauung científica que eu temia estava fadada a dar lugar ao espiritualismo e ao misticismo se partes do ocultismo se comprovassem verdadeiras Atualmente penso de modo diverso Em minha opinião não mostra grande confiança na ciência quem não pensa ser possível assimilar e utilizar tudo aquilo que talvez venha a se revelar verdadeiro nas assertivas dos ocultistas E especialmente no que diz respeito à transmissão de pensamento ela parece realmente favorecer a extensão do modo científico ou como dizem nossos opositores mecanicista de pensamento aos fenômenos mentais que são tão difíceis de apreender Supõese que o processo telepático consiste num ato mental que se realiza numa pessoa e que faz surgir o mesmo ato mental em uma outra pessoa Aquilo que se situa entre essesdois atos mentais facilmente pode ser um processo físico no qual o processo mental é transformado em um dos extremos e que é reconvertido mais uma vez no mesmo processo mental no outro extremo A analogia com outras transformações tal como ocorre no falar e no ouvir por telefone seria então inequívoca Imaginem só se alguém pudesse apreender esse equivalente físico do ato psíquico A mim haveria de parecer que a psicanálise ao inserir o inconsciente entre o que é físico e o que era previamente chamado psíquico preparou o caminho para a hipótese de processos tais como a telepatia Basta que a pessoa se habitue à idéia da telepatia para que possa realizar muita coisa com ela por enquanto é verdade apenas na imaginação É um fato bastante conhecido que não sabemos como se realiza o propósito comum nas grandes comunidades de insetos possivelmente se faz por meio de uma transmissão psíquica direta desse tipo Ése levado à suspeita de que este é o método original arcaico de comunicação entre indivíduos e que no decurso da evolução filogenética foi substituído pelo método melhor de dar informações com o auxílio de sinais captados pelos órgãos dos sentidos O método anterior contudo poderia ter persistido nos bastidores e ainda ser capaz de se pôr em ação sob determinadas condições por exemplo em multidões de pessoas apaixonadamente excitadas Tudo isso ainda é incerto e pleno de enigmas não solucionados não há porém razão para temêlo Se existe telepatia como processo real podemos suspeitar que apesar de tão difícil de demonstrar seja um fenômeno bastante comum Ela concordaria com nossas expectativas se fôssemos capazes de demonstrála especialmente na vida mental das crianças Aqui nos recordamos da freqüente ansiedade sentida pelas crianças ante a idéia de que seus pais conhecem todos os seus pensamentos sem que estes tenham sido contados a eles equivalente exato e talvez fonte da crença dos adultos na onisciência de Deus Há pouco tempo Dorothy Burlingham uma testemunha fidedigna em um artigo sobre a análise da criança e da mãe 1932 publicou algumas observações que podendo ser confirmadas viriam a terminar com as dúvidas remanescentes a respeito da realidade da transmissão de pensamento Fez uso da situação que já não é mais uma situação rara em que uma mãe e seu filho estão simultaneamente em análise e relatou alguns eventos notáveis como o que se segue Um dia a mãe durante sua sessão analítica falou de uma moeda de ouro que tinha desempenhado um papel especial em uma das cenas de sua infância Imediatamente depois tendo retornado a casa seu filhinho de cerca de dez anos veio até o quarto dela e lhe trouxe uma moeda de ouro e pediulhe que ela a guardasse para ele Surpresa ela lhe perguntou de ondeele a tinha obtido Haviamlhe dado a moeda no seu aniversário mas o aniversário do menino tinha transcorrido diversos meses antes e não havia motivo para a criança dever lembrarse da moeda de ouro justamente agora A mãe referiu a ocorrência à analista do filho e pediulhe para descobrir junto à criança o motivo de sua ação A análise da criança contudo não elucidou nada do assunto a ação se havia intrometido naquele dia na vida da criança como se fora um corpo estranho Poucas semanas depois a mãe estava sentada à sua escrivaninha redigindo como lhe havia sido dito que fizesse um relato da experiência quando entrou o menino e lhe pediu de volta a moeda de ouro pois queria têla consigo para mostrar em sua sessão de análise Mais uma vez a análise da criança não pôde descobrir explicação alguma para esse desejo E isto nos faz retornar à psicanálise que foi de onde partimos CONFERÊNCIA XXXI A DISSECÇÃO DA PERSONALIDADE PSÍQUICA SENHORAS E SENHORES Sei que estão conscientes no que diz respeito aos seus próprios relacionamentos seja com pessoas seja com coisas da importância do ponto de partida dos senhores Também foi isto o que se passou com a psicanálise Não foi uma coisa sem importância para o curso do seu desenvolvimento ou para a acolhida que ela encontrou o fato de ela ter começado seu trabalho sobre aquilo que é dentre todos os conteúdos da mente o mais estranho ao ego sobre os sintomas Os sintomas são derivados do reprimido são por assim dizer seus representantes perante o ego mas o reprimido é território estrangeiro para o ego território estrangeiro interno assim como a realidade que me perdoem a expressão inusitada é território estrangeiro externo A trajetória conduziu dos sintomas ao inconsciente à vida dos instintos à sexualidade e foi então que a psicanálise deparou com a brilhante objeção de que os seres humanos não são simplesmente criaturas sexuais mas têm também impulsos mais nobres e mais elevados Poder seia acrescentar que exaltados por sua consciência desses impulsos mais elevados eles muitas vezes assumem o direito de pensar de modo absurdo e desprezar os fatos Os senhores estão bem informados Já desde o início temos dito que os seres humanos adoecem de um conflito entre as exigências da vida instintual e a resistência que se ergue dentro deles contra esta e nem por um momento nos esquecemos dessa instância que resiste rechaça reprime que consideramos aparelhada com suas forças especiais os instintos do ego e que coincide com o ego da psicologia popular A verdade foi simplesmente que em vista da natureza laboriosa do progresso feito pelo trabalho científico até mesmo a psicanálise não conseguiu estudar todas as áreas simultaneamente e expressar suas opiniões sobre todos os problemas de um fôlego só Mas por fim atingiuse o ponto em que nos foi possível desviar nossa atenção do reprimido para as forças repressoras e encontramos esse ego que pareceratão evidente por si mesmo com a segura expectativa de que aqui novamente haveríamos de encontrar coisas para as quais não podíamos estar preparados Não foi fácil porém encontrar uma abordagem inicial e é a respeito disto que pretendo falarlhes hoje Devo no entanto transmitirlhes a minha suspeita de que esta minha exposição sobre psicologia do ego os influenciará de forma diferente da introdução ao submundo psíquico a qual a precedeu Não posso dizer com certeza por que isto tem de ser assim Pensei antes que os senhores descobririam que enquanto anteriormente eu lhes relatei principalmente fatos embora estranhos e característicos os senhores agora estarão ouvindo principalmente opiniões isto é investigações teóricas Isto contudo não contradiz a situação Considerando melhor devo afirmar que o montante da elaboração do material concreto de nossa psicologia do ego não é muito maior do que era na psicologia das neuroses Fui obrigado a rejeitar também outras explicações do resultado que prevejo agora acredito que é de certo modo uma decorrência da natureza do material em si e de não estarmos acostumados a abordálo Em todo caso não me surpreenderei se os senhores se mostrarem ainda mais reservados e cautelosos no seu julgamento do que até agora Podese esperar que a própria situação em que nos encontramos no início de nossa investigação nos aponte o caminho Queremos transformar o ego o nosso próprio ego em tema de investigação Mas isto é possível Afinal o ego é em sua própria essência sujeito como pode ser transformado em objeto Bem não há dúvida de que pode sêlo O ego pode tomarse a si próprio como objeto pode tratarse como trata outros objetos pode observarse criticarse sabe se lá o que pode fazer consigo mesmo Nisto uma parte do ego se coloca contra a parte restante Assim o ego pode ser dividido dividese durante numerosas funções suas pelo menos temporariamente Depois suas partes podem juntarse novamente Isto não é propriamente novidade embora talvez seja conferir ênfase incomum àquilo que é do conhecimento geral Por outro lado bem conhecemos a noção de que a patologia tornando as coisas maiores e mais toscas pode atrair nossa atenção para condições normais que de outro modo nos escapariam Onde ela mostra uma brecha ou uma rachadura ali pode normalmente estar presente uma articulação Se atiramos ao chão um cristal ele se parte mas não em pedaços ao acaso Ele se desfaz segundo linhas de clivagem em fragmentos cujos limites embora fossem invisíveis estavam predeterminados pela estrutura do cristal Os doentes mentais são estruturas divididas e partidas do mesmotipo Nem nós mesmos podemos esconderlhes um pouco desse temor reverente que os povos do passado sentiam pelo insano Eles esses pacientes afastaramse da realidade externa mas por essa mesma razão conhecem mais da realidade interna psíquica e podem revelarnos muitas coisas que de outro modo nos seriam inacessíveis Um dos grupos dentre tais pacientes nós o descrevemos como padecendo de delírios de estar sendo observado Queixamse a nós de que permanentemente e até em suas ações mais íntimas estão sendo molestados pela observação de poderes desconhecidos presumivelmente pessoas e que em alucinações ouvem essas pessoas referindo o resultado de sua observação agora ele vai dizer isto agora ele está se vestindo para sair e assim por diante Uma observação dessa espécie ainda não é a mesma coisa que perseguição mas não está longe disto pressupõe que as pessoas desconfiam deles e esperam pilhálos executando atos proibidos pelos quais seriam punidos Como seria se essas pessoas insanas estivessem certas se em cada um de nós estivesse presente no ego uma instância como essa que observa e ameaça punir e que nos doentes mentais se tornou nitidamente separada de seu ego e erroneamente deslocada para a realidade externa Não posso dizer se com os senhores acontece a mesma coisa que a mim Há longo tempo sob a poderosa impressão deste quadro clínico formei a idéia de que a separação da instância observadora do restante do ego poderia ser um aspecto regular da estrutura do ego essa idéia nunca me abandonou e fui levado a investigar as demais características e conexões da instância que assim estava separada O passo seguinte é dado rapidamente O conteúdo dos delírios de ser observado já sugere que o observar é apenas uma preparação do julgar e do punir e por conseguinte deduzimos que uma outra função dessa instância deve ser o que chamamos nossa consciência Dificilmente existe em nós alguma outra coisa que tão regularmente separamos de nosso ego e a que facilmente nos opomos como justamente nossa consciência Sintome inclinado a fazer algo que penso irá darme prazer mas abandonoo pelo motivo de que minha consciência não o admite Ou deixeime persuadir por uma expectativa muito grande de prazer de fazer algo a que a voz da consciência fez objeções e após o ato minha consciência me pune com censuras dolorosas e me faz sentir remorsos pelo ato Poderia dizer simplesmente que a instância especial que estou começando a diferenciar no ego é a consciência É mais prudente contudo manter a instância como algo independente e supor que a consciência é uma de suas funções e que a autoobservação que é um preliminar essencial da atividade de julgar da consciência é mais uma de tais funções E desde que reconhecendo que algo temexistência separada lhe damos um nome que lhe seja seu de ora em diante descreverei essa instância existente no ego como o superego Estou preparado para ouvir agora os senhores perguntaremme ironicamente se nossa psicologia do ego não está senão tomando literalmente abstrações de uso corrente e num sentido primário e transformandoas de conceitos em coisas com o que não se teria muito a ganhar A isto eu responderia que na psicologia do ego seria difícil evitar aquilo que é conhecido universalmente antes será mais uma questão de novas formas de ver as coisas e novas maneiras de situálas do que de novas descobertas Assim refreiem suas críticas irônicas por agora e aguardem mais explicações Os fatos da patologia conferem ao nosso trabalho uma base de informações que os senhores procurariam inutilmente na psicologia popular Portanto prosseguirei Seria difícil familiarizarmonos com a idéia de um superego como este que goza de um determinado grau de autonomia que age segundo suas próprias intenções e que é independente do ego para a obtenção de sua energia há porém um quadro clínico que se impõe à nossa observação e que mostra nitidamente a severidade dessa instância e até mesmo sua crueldade bem como suas cambiantes relações com o ego Estoume referindo à situação da melancolia ou mais precisamente dos surtos melancólicos dos quais os senhores terão ouvido falar muito ainda que não sejam psiquiatras O aspecto mais evidente dessa doença de cujas causas e de cujo mecanismo conhecemos quase nada é o modo como o superego consciência podem denominála assim tranqüilamente trata o ego Embora um melancólico possa assim como outras pessoas mostrar um grau maior ou menor de severidade para consigo mesmo nos seus períodos sadios durante um surto melancólico seu superego se torna supersevero insulta humilha e maltrata o pobre ego ameaçao com os mais duros castigos recriminao por atos do passado mais remoto que haviam sido considerados à época insignificantes como se tivesse passado todo o intervalo reunindo acusações e apenas tivesse estado esperando por seu atual acesso de severidade a fim de apresentálas e proceder a um julgamento condenatório com base nelas O superego aplica o mais rígido padrão de moral ao ego indefeso que lhe fica à mercê representa em geral as exigências da moralidade e compreendemos imediatamente que nosso sentimento moral de culpa é expressão da tensão entre o ego e o superego Constitui experiência muitíssimo marcante ver a moralidade que se supõe ternos sido dada por Deus e portantoprofundamente implantada em nós funcionando nesses pacientes como fenômeno periódico Pois após determinado número de meses todo o exagero moral passou a crítica do superego silencia o ego é reabilitado e novamente goza de todos os direitos do homem até o surto seguinte Em determinadas formas da doença na verdade passase algo de tipo contrário nos intervalos o ego encontrase em um estado beatífico de exaltação celebra um triunfo como se o superego tivesse perdido toda a sua força ou estivesse fundido no ego e esse ego liberado maníaco permitese uma satisfação verdadeiramente desinibida de todos os seus apetites Aqui estão acontecimentos ricos em enigmas não solucionados Sem dúvida os senhores esperarão que eu lhes dê mais do que uma simples ilustração quando lhes informo havermos descoberto todo tipo de coisas acerca da formação do superego isto é sobre a origem da consciência Seguindo um conhecido pronunciamento de Kant que liga a consciência dentro de nós com o céu estrelado um homem piedoso bem poderia ser tentado a venerar essas duas coisas como as obrasprimas da criação As estrelas são na verdade magníficas porém quanto à consciência Deus executou um trabalho torto e negligente pois da consciência a maior parte dos homens recebeu apenas uma quantia modesta ou mal recebeu o suficiente para ser notado Longe de nós desprezarmos a parcela de verdade psicológica da afirmação segundo a qual a consciência é de origem divina contudo a tese requer interpretação Conquanto a consciência seja algo dentro de nós ela mesmo assim não o é desde o início Nesse ponto ela é um contraste real com a vida sexual que existe de fato desde o início da vida e não é apenas um acréscimo posterior Pois bem como todos sabem as crianças de tenra idade são amorais e não possuem inibições internas contra seus impulsos que buscam o prazer O papel que mais tarde é assumido pelo superego é desempenhado no início por um poder externo pela autoridade dos pais A influência dos pais governa a criança concedendolhe provas de amor e ameaçando com castigos os quais para a criança são sinais de perda do amor e se farão temer por essa mesma causa Essa ansiedade realística é o precursor da ansiedade moral subseqüente Na medida em que ela é dominante não há necessidade de falar em superego e consciência Apenas posteriormente é que se desenvolve a situação secundária que todos nós com demasiada rapidez havemos de considerar como sendo a situação normal quando acoerção externa é internalizada e o superego assume o lugar da instância parental e observa dirige e ameaça o ego exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a criança O superego que assim assume o poder a função e até mesmo os métodos da instância parental é porém não simplesmente seu sucessor mas também realmente seu legítimo herdeiro Procede diretamente dele e verificaremos agora por que processo Antes porém atentemos para uma discrepância entre os dois O superego parece ter feito uma escolha unilateral e ter ficado apenas com a rigidez e severidade dos pais com sua função proibidora e punitiva ao passo que o cuidado carinhoso deles parece não ter sido assimilado e mantido Se os pais realmente impuseram sua autoridade com severidade facilmente podemos compreender que a criança desenvolva em troca um superego severo Contrariando nossas expectativas porém a experiência mostra que o superego pode adquirir essas mesmas características de severidade inflexível ainda que a criança tenha sido educada de forma branda e afetuosa e se tenham evitado na medida do possível ameaças e punições Mais adiante retornaremos a essa contradição quando tratarmos das transformações do instinto durante a formação do superego Não posso dizerlhes tanto quanto gostaria a respeito da metamorfose do relacionamento parental em superego em parte porque esse processo é tão complexo que uma exposição dele não cabe dentro do esquema de trabalho de uma série de conferências de introdução como a que tento darlhes mas em parte também porque não nos sentimos seguros de que estejamos compreendendoa por inteiro Assim devem satisfazerse com o esboço que se segue A base do processo é o que se chama identificação isto é a ação de assemelhar um ego a outro ego em conseqüência do que o primeiro ego se comporta como o segundo em determinados aspectos imitao e em certo sentido assimilao dentro de si A identificação tem sido comparada não inadequadamente com a incorporação oral canibalística da outra pessoa É uma forma muito importante de vinculação a uma outra pessoa provavelmente a primeira forma e não é o mesmo que escolha objetal A diferença entre ambas pode ser expressa mais ou menos da seguinte maneira Se um menino se identifica com seu pai ele quer ser igual a seu pai se fizer dele o objeto de sua escolha o menino quer têlo possuílo No primeiro caso seu ego modificase conforme o modelo de seu pai no segundo caso isso não énecessário Identificação e escolha objetal são em grande parte independentes uma da outra no entanto é possível identificarse com alguém que por exemplo foi tomado como objeto sexual e modificar o ego segundo esse modelo Dizse que a influência sobre o ego motivada pelo objeto sexual ocorre com particular freqüência em mulheres e é característica da feminilidade Devo terlhes falado já em minhas conferências anteriores daquilo que é sem dúvida a relação mais esclarecedora entre identificação e escolha objetal Pode ser observado com igual facilidade em crianças e em adultos tanto em pessoas normais como em pessoas doentes Se alguém perdeu um objeto ou foi obrigado a se desfazer dele muitas vezes se compensa disto identificandose com ele e restabelecendoo novamente no ego de modo que aqui a escolha objetal regride por assim dizer à identificação Eu próprio não estou de modo algum satisfeito com esses comentários sobre identificação mas isto será suficiente se os senhores puderem assegurarme de que a instalação do superego pode ser classificada como exemplo bemsucedido de identificação com a instância parental O fato que fala decisivamente a favor desse ponto de vista é que essa nova criação de uma instância superior dentro do ego está muito intimamente ligada ao destino do complexo de Édipo de modo que o superego surge como o herdeiro dessa vinculação afetiva tão importante para a infância Abandonando o complexo de Édipo uma criança deve conforme podemos ver renunciar às intensas catexias objetais que depositou em seus pais e é como compensação por essa perda de objetos que existe uma intensificação tão grande das identificações com seus pais as quais provavelmente há muito estiveram presentes em seu ego Identificações desse tipo cristalização de catexias objetais a que se renunciou repetirseão muitas vezes posteriormente na vida da criança contudo está inteiramente de acordo com a importância afetiva desse primeiro caso de uma tal transformação o fato de que se deve encontrar no ego um lugar especial para seu resultado Uma investigação atenta mostrounos também que o superego é tolhido em sua força e crescimento se a superação do complexo de Édipo tem êxito apenas parcial No decurso do desenvolvimento o superego também assimila as influências que tomaram o lugar dospais educadores professores pessoas escolhidas como modelos ideais Normalmente o superego se afasta mais e mais das figuras parentais originais tornase digamos assim mais impessoal E não se deve esquecer que uma criança tem conceitos diferentes sobre seus pais em diferentes períodos de sua vida À época em que o complexo de Édipo dá lugar ao superego eles são algo de muito extraordinário depois porém perdem muito desse atributo Realizamse pois identificações também com esses pais dessa fase ulterior e na verdade regularmente fazem importantes contribuições à formação do caráter nesse caso porém apenas atingem o ego já não mais influenciam o superego que foi determinado pelas imagos parentais mais primitivas Espero que já tenham formado uma opinião de que a hipótese do superego realmente descreve uma relação estrutural e não é meramente uma personificação de abstrações tais como a da consciência Resta mencionar mais uma importante função que atribuímos a esse superego É também o veículo do ideal do ego pelo qual o ego se avalia que o estimula e cuja exigência por uma perfeição sempre maior ele se esforça por cumprir Não há dúvida de que esse ideal do ego é o precipitado da antiga imagem dos pais a expressão de admiração pela perfeição que a criança então lhes atribuía Tenho como certo que os senhores já ouviram falar muito no sentimento de inferioridade que se supõe caracterize especialmente os neuróticos Ele freqüenta em particular as páginas do que se conhece como belles lettres Um autor ao usar a expressão complexo de inferioridade pensa que com isto satisfez todas as exigências da psicanálise e elevou sua criação literária a um plano mais elevado De fato complexo de inferioridade é um termo técnico quase nunca usado em psicanálise Para nós ele não comporta o significado de algo simples nem muito menos de algo elementar Atribuílo à autopercepção de possíveis defeitos orgânicos como pretende fazêlo a escola daqueles que são conhecidos como psicólogos do indivíduo parecenos um erro insensato O sentimento de inferioridade possui fortes raízes eróticas Uma criança sentese inferior quando verifica que não é amada e o mesmo se passa com o adulto O único órgão corporal realmente considerado inferior é o pênis atrofiado o clitóris da meninaA parte principal do sentimento de inferioridade porém derivase da relação do ego com o superego assim como o sentimento de culpa é expressão da tensão entre eles Em conjunto é difícil separar o sentimento de inferioridade do sentimento de culpa Talvez seja correto considerar aquele como o complemento erótico do sentimento moral de inferioridade Deuse pouca atenção na psicanálise à questão referente à delimitação dos dois conceitos Justamente porque o complexo de inferioridade se tornou tão popular arriscarmeei aqui a entretêlos com uma breve digressão Um personagem histórico dos nossos dias que ainda vive embora no momento se tenha retirado de cena sofre de um defeito em um dos membros devido a uma lesão no nascimento Um conhecido escritor contemporâneo especialmente dado a compilar biografias de celebridades abordou entre outras coisas a vida do homem de quem estou falando Ora ao escrever uma biografia talvez seja difícil suprimir uma necessidade de sondar as profundezas psicológicas Por essa razão nosso autor arriscouse a uma tentativa de erigir todo o desenvolvimento do caráter de seu herói sobre o sentimento de inferioridade que devia ter sido provocado por seu defeito físico Com isso desprezou ele um fato diminuto mas não insignificante É comum as mães a quem o destino presenteou com um filho doentio ou portador de alguma outra desvantagem tentarem compensálo de sua injusta desvantagem com uma superabundância de amor No exemplo em questão a orgulhosa mãe portouse de modo diferente retirou do filho o seu amor por causa da enfermidade dele Quando chegou a ser um homem de grande poder demonstrou inequivocamente por seus atos não se haver jamais esquecido de sua mãe Quando os senhores considerarem a importância do amor de uma mãe para a vida mental de uma criança sem dúvida efetuarão uma tácita correção da teoria da inferioridade proposta pelo biógrafo Retornemos porém ao superego Atribuímoslhe as funções de autoobservação de consciência e de manter o ideal Daquilo que dissemos sobre sua origem seguese que ele pressupõe um fato biológico extremamente importante e um fato psicológico decisivo ou seja a prolongada dependência da criança em relação a seus pais e o complexo de Édipo ambos intimamente interrelacionados O superego é para nós o representante de todas as restrições morais o advogado de um esforço tendente à perfeição é em resumo tudo o que pudemos captar psicologicamente daquilo que é catalogado como o aspecto mais elevado da vida do homem Como remonta à influência dos pais educadores etc aprendemos mais sobre seu significado se nos voltamos para aqueles que são sua origem Via de regra os pais e as autoridades análogas a eles seguem os preceitos de seus próprios superegos ao educar as crianças Seja qual for o entendimento a que possam ter chegado entre si o seu ego e o seu superego são severos e exigentes ao educar os filhos Esqueceram as dificuldades de sua própria infância e agora se sentem contentes com identificarse eles próprios inteiramente com seus pais que no passado impuseram sobre eles restrições tão severas Assim o superego de uma criança é com efeito construído segundo o modelo não de seus pais mas do superego de seus pais os conteúdos que ele encerra são os mesmos e tornase veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de valores que dessa forma se transmitiram de geração em geração Facilmente podem adivinhar que quando levamos em conta o superego estamos dando um passo importante para a nossa compreensão do comportamento social da humanidade do problema da delinqüência por exemplo e talvez até mesmo estejamos dando indicações práticas referentes à educação Parece provável que aquilo que se conhece como visão materialista da história peque por subestimar esse fator Eles o põem de lado com o comentário de que as ideologias do homem nada mais são do que produto e superestrutura de suas condições econômicas contemporâneas Isto é verdade mas muito provavelmente não a verdade inteira A humanidade nunca vive inteiramente no presente O passado a tradição da raça e do povo vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presenteno sentido de mudanças novas e enquanto opera através do superego desempenha um poderoso papel na vida do homem independentemente de condições econômicas Cf 1 Em 1921 procurei utilizar a diferenciação entre o ego e o superego num estudo sobre psicologia de grupo Cheguei a uma fórmula do seguinte teor um grupo psicológico é uma coleção de indivíduos que introduziram a mesma pessoa em seu superego e com base nesse elemento comum identificaramse entre si no seu ego Isto se aplica naturalmente apenas a grupos que têm um líder Se possuíssemos mais aplicações dessa espécie a hipótese do superego perderia seus últimos resquícios de ser uma coisa estranha para nós e nos livraríamos completamente da perplexidade de que somos tomados quando acostumados como estamos à atmosfera do submundo nos movemos nas camadas mais superficiais mais elevadas do aparelho mental Não supomos naturalmente que com o destaque dado ao superego tenhamos dito a última palavra sobre a psicologia do ego É antes um primeiro passo porém nesse caso o difícil não é só o primeiro passo Agora contudo um outro problema nos aguarda no lado oposto do ego poderíamos dizer Nolo apresenta um fato observado durante o trabalho da análise uma observação que é realmente muito antiga Como não raro acontece levou muito tempo até se chegar ao ponto de ser avaliada sua importância Toda a teoria da psicanálise como sabem é de fato construída sobre a percepção da resistência que o paciente nos oferece quando tentamos tornarlhe consciente o seu inconsciente O sinal objetivo dessa resistência é suas associações deixarem de fluir livremente do assunto que está sendo tratado Pode também o paciente reconhecer subjetivamente a resistência pelo fato de que tem sentimentos desagradáveis quando se aproxima do assunto Esse último sinal contudo também pode estar ausente Dizemos então ao paciente que inferimos de sua conduta que ele está agora num estado de resistência e ele responde que nada sabe disso e só se apercebe de que suas associações se tornaram mais difíceis Acontece que tínhamos razão mas nesse caso sua resistência também era inconsciente tão inconsciente quanto o reprimido em cujo esclarecimento estamos trabalhando Há muito deveríamos ter feito a pergunta de que parte de sua mente surge uma resistência de tal ordem O principiante em psicanálise está pronto para responder de imediato é naturalmente a resistência do inconsciente Resposta ambígua e inútil Se significa que a resistência surge do reprimido devemos acrescentar certamente não Devemos antes atribuir ao reprimido uma tendência ascendente um impulso de irromper na consciência A resistência só pode ser manifestação do ego que originalmente forçou a repressão e agora deseja mantêla Ademais esta é a opinião que sempre tivemos Porque chegamos a supor uma instância especial no ego o superego o qual representa as exigências de caráter restritivo e objetável podemos dizer que a repressão é o trabalho desse superego e que é efetuada ou por este mesmo ou pelo ego em obediência a ordens dele Se pois na análise deparamos com o caso de a resistência não ser consciente para o paciente isto significa que em situações muito importantes o superego e o ego podem operar inconscientemente ou que e isto seria ainda mais importante partes de ambos do ego e do superego são inconscientes Nos dois casos temos de contar com a desagradável descoberta de que por um lado o superego e o consciente e por outro lado o reprimido e o inconsciente não são de modo algum coincidentes E aqui senhoras e senhores sinto que devo fazer uma pausa para tomar fôlego o que os senhores receberão com alívio e antes de prosseguir pedirlhes desculpas Minha intenção é fornecerlhes alguns acréscimos às conferências introdutórias sobre psicanálise que iniciei há quinze anos e sintome obrigado a conduzirme como se tanto os senhores como eu nesse intervalo não tivéssemos feito outra coisa senão exercer a psicanálise Sei que uma tal suposição é descabida não tenho porém outro recurso não posso agir de modo diferente Isto se relaciona sem dúvida ao fato de que em geral é tão difícil proporcionar a quem não é psicanalista uma compreensão interna insight da psicanálise Os senhores podem acreditar em mim quando lhes digo que não é de nosso agrado dar uma impressão de sermos membros de uma sociedade secreta e de praticarmos uma ciência mística Mesmo assim temos sido obrigados a reconhecer e a expressar nossa convicção de que ninguém tem o direito de participar de uma discussão sobre psicanálise se não teve experiência própria que só pode ser obtida ao ser analisado Quando lhes proferi minhas conferências há quinze anos procurei pouparlhes determinadas partes especulativas de nossa teoria mas é justamente delas que derivam as novas aquisições de que devo falarlhes hoje Retorno agora ao nosso tema Em face da dúvida quanto a saber se o ego e o superego são inconscientes ou se simplesmente produzem efeitos inconscientes decidimonos por boas razões a favor da primeira possibilidade E é realmente este o caso grande parte do ego e do superego pode permanecer inconsciente e é normalmente inconsciente Isto é a pessoa nada sabe dos conteúdos dos mesmos e é necessário dispender esforços para tornálos conscientes É um fato que o ego e o consciente o reprimido e o inconsciente não coincidem Sentimos necessidade de proceder a uma revisão fundamental de nossa atitude relativa a esse problema conscienteinconsciente Em primeiro lugar sentimonos muito inclinados a reduzir o valor do critério do ser consciente de vez que se mostrou tão pouco digno de fé Mas estaríamos fazendo lhe uma injustiça E como se pode dizer de nossa vida não tem muito valor mas é tudo o que temos Sem a revelação proporcionada pela qualidade da consciência estaríamos perdidos na obscuridade da psicologia profunda devemos contudo encontrar nosso rumo Não há necessidade de discutir o que se deva denominar consciente não pairam dúvidas sobre isto O mais antigo e o melhor significado da palavra inconsciente é o significado descritivo Denominamos inconsciente um processo psíquico cuja existência somos obrigados a supor devido a algum motivo tal que o inferimos a partir de seus efeitos mas do qual nada sabemos Nesse caso temos para tal processo a mesma relação que temos com um processo psíquico de uma outra pessoa exceto que de fato se trata de um processo nosso mesmo Se quisermos ser ainda mais corretos modificaremos nossa assertiva dizendo que denominamos inconsciente um processo se somos obrigados a supor que ele está sendo ativado no momento embora no momento não saibamos nada a seu respeito Essa restrição faznos raciocinar que a maioria dos processos conscientes são conscientes apenas num curto espaço de tempo muito em breve se tornam latentes podendo contudo facilmente tornarse de novo conscientes Também poderíamos dizer que se tornaram inconscientes se fosse absolutamente certo que na condição de latência ainda constituem algo de psíquico Até aí não teríamos aprendido nada novo e não teríamos adquirido o direito de introduzir o conceito de inconsciente na psicologia Mas então surge a observação que já pudemos fazer com referência às parapraxias A fim de explicar um lapso de língua por exemplo achamonos na obrigação de supor que a intenção de fazer um determinado comentário estava presente na pessoa Concluímolo com segurança a partir da interferência dessa intenção no comentário que ocorreu mas a intenção não foi levada a cabo e era portanto inconsciente Quando a seguir nós a revelamos à pessoa que cometeu o lapso se ela reconhece tal intenção como sendolhe já familiar eralhe esta então apenas temporariamente inconsciente se contudo a repele como algo alheio tal intenção foi então permanentemente inconsciente Partindo dessa experiência retrospectivamente adquirimos o direito de afirmar ser inconsciente também algo que tinha sido qualificado como latente Uma reflexão sobre essa relação dinâmica permitenos agora distinguir duas espécies de inconsciente uma que é facilmente transformada em circunstâncias de ocorrência freqüente em algo consciente e uma outra na qual essa transformação é difícil e apenas se realiza quando sujeita a considerável dispêndio de esforços ou possivelmente jamais se efetue absolutamente Com a finalidade de evitar a ambigüidade no sentido de estarmonos referindo a um ou a outro inconsciente de estarmos usando a palavra no sentido descritivo ou no sentido dinâmico utilizamonos de um expediente permissível e simples O inconsciente que está apenas latente e portanto facilmente se torna consciente denominamolo préconsciente e reservamos o termo inconsciente para o outro Temos agora três termos consciente préconsciente e inconsciente com os quais podemos ser bemsucedidos em nossa descrição dos fenômenos mentais Repetindo o préconsciente também é inconsciente no sentido puramente descritivo mas não lhe atribuímos esse nome exceto quando falamos sem a preocupação de conferirlhe precisão ou quando temos de fazer a defesa da existência na vida mental de processos inconscientes em geral Os senhores admitirão segundo espero que até esse ponto isto não está totalmente mal e permite um manejo conveniente Sim mas infelizmente o trabalho da psicanálise viuse compelido a empregar a palavra inconsciente em mais um sentido o terceiro e isto certamente pode ter causado confusão Sob o novo e poderoso impacto da existência de um extenso e importante campo da vida mental normalmente afastado do conhecimento do ego de modo que os processos que nele ocorrem têm de ser considerados como inconscientes em sentido verdadeiramente dinâmico vimos a entender o termo inconsciente também num sentido topográfico ou sistemático passamos a falar em sistema do préconsciente e em sistema do inconsciente em conflito entre o ego e o sistema Inc e temos empregado cada vez mais freqüentemente essa palavra com a finalidade de assinalar antes uma região mental do que para designar uma qualidade daquilo que é mental A descoberta realmente inconveniente de que partes do ego e também do superego são inconscientes no sentido dinâmico atua nesse ponto como um alívio possibilita a remoção de uma complicação Percebemos não termos o direito de denominar sistema Inc a região mental alheia ao ego de vez que a característica de ser inconsciente não lhe é exclusiva Assim sendo não usaremos mais o termo inconsciente no sentido sistemático e daremos àquilo que até agora temos assim descrito um nome melhor um nome que não seja mais passível de equívocos Aceitando uma palavra empregada por Nietzsche e acolhendo uma sugestão de George Groddeck 1923 de ora em diante chamaloemos de id Esse pronome impessoal parece especialmente bem talhado para expressar a principal característica dessa região da mente o fato de ser alheia ao ego O superego o ego e o id estes são pois os três reinos regiões províncias em que dividimos o aparelho mental de um indivíduo e é das suas relações mútuas que nos ocuparemos a seguir Antes porém uma breve interpolação Penso que os senhores se sentem insatisfeitos porque as três qualidades da consciência e as três regiões do aparelho mental não se agrupam em três pares harmônicos e os senhores podem considerar esse fato em certo sentido obscurecedor de nossos achados Não penso todavia que devamos lamentálo e devemos dizer a nós mesmos que não tínhamos o direito de esperar nenhuma disposição homogênea nessas coisas Permitam me mostrarlhes uma analogia é verdade que as analogias nada decidem mas podem fazer a pessoa sentirse mais à vontade Estou imaginando uma região com uma paisagem de configuração variada montanhas planícies e cadeias de lagos e com uma população mista é habitada por alemães magiares e eslovacos que se dedicam a atividades diferentes Ora poderiam as coisas estar repartidas de tal modo que os alemães criadores de gado habitam a região montanhosa os magiares que plantam cereais e videiras moram nas planícies e os eslovacos que capturam peixes e tecem o junco vivem junto aos lagos Se a partilha pudesse ser tão simples e definida um Woodrow Wilson ficaria feliz da vida com isso também seria conveniente um tal arranjo para uma conferência numa aula de geografia Entretanto seria provável que os senhores encontrassem menos homogeneidade e mais mistura se viajassem pela região Alemães magiares e eslovacos vivem disseminados por toda parte na região montanhosa também há terras cultiváveis e criase gado também nas planícies Algumas coisas naturalmente são conforme os senhores esperavam pois não se pode capturar peixes nas montanhas e os vinhedos não crescem na água Realmente o quadro da região que os senhores se afiguravam pode na sua totalidade ajustarse aos fatos os senhores no entanto terão de conformarse com desvios nos detalhes Os senhores não haverão de esperar que eu tenha muita coisa nova a dizerlhes acerca do id exceto o seu nome novo É a parte obscura a parte inacessível de nossa personalidade o pouco que sabemos a seu respeito aprendemolo de nosso estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos e a maior parte disso é de caráter negativo e pode ser descrita somente como um contraste com o ego Abordamos o id com analogias denominamolo caos caldeirão cheio de agitação fervilhante Descrevemolo como estando aberto no seu extremo a influências somáticas e como contendo dentro de si necessidades instintuais que nele encontram expressão psíquica não sabemos dizer contudo em que substrato Está repleto de energias que a ele chegam dos instintos porém não possui organização não expressa uma vontade coletiva mas somente uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais sujeita à observância do princípio de prazer As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id e isto é verdadeiro acima de tudo quanto à lei da contradição Impulsos contrários existem lado a lado sem que um anule o outro ou sem que um diminua o outro quando muito podem convergir para formar conciliações sob a pressão econômica dominante com vistas à descarga da energia No id não há nada que se possa comparar à negativa e é com surpresa que percebemos uma exceção ao teorema filosófico segundo o qual espaço e tempo são formas necessárias de nossos atos mentais No id não existe nada que corresponda à idéia de tempo não há reconhecimento da passagem do tempo e coisa muito notável e merecedora de estudo no pensamento filosófico nenhuma alteração em seus processos mentais é produzida pela passagem do tempo Impulsos plenos de desejos que jamais passaram além do id e também impressões que foram mergulhadas no id pelas repressões são virtualmente imortais depois de se passarem décadas comportamse como se tivessem ocorrido há pouco Só podem ser reconhecidos como pertencentes ao passado só podem perder sua importância e ser destituídos de sua catexia de energia quando tornados conscientes pelo trabalho da análise e é nisto que em grande parte se baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico Muitíssimas vezes tive a impressão de que temos feito muito pouco uso teórico desse fato estabelecido além de qualquer dúvida da inalterabilidade do reprimido com o passar do tempo Isto parece oferecer um acesso às mais profundas descobertas E infelizmente eu próprio não fiz qualquer progresso nessa parte Naturalmente o id não conhece nenhum julgamento de valores não conhece o bem nem o mal nem moralidade Domina todos os seus processos o fator econômico ou se preferirem o fator quantitativo que está intimamente vinculado ao princípio de prazer Catexias instintuais que procuram a descarga isto em nossa opinião é tudo o que existe no id Parece mesmo que a energia desses impulsos instintuais se acha num estado diferente daquele encontrado em outras regiões da mente muito mais móvel e capaz de descarga de outro modo não ocorreriam os deslocamentos e as condensações que são tão característicos do id e que tão radicalmente desprezam a qualidade daquilo que é catexizado aquilo que no ego chamaríamos de uma idéia Daríamos muito para entender mais acerca dessas coisas Aliás os senhores podem verificar que estamos em condições de atribuir ao id características outras além dessa de ser inconsciente e podem reconhecer a possibilidade de partes do ego e do superego serem inconscientes sem possuírem as mesmas características primitivas e irracionaisPodemos esclarecer melhor as características do ego real na medida em que este pode ser diferenciado do id e do superego examinando sua relação com a parte mais superficial do aparelho mental que descrevemos como o sistema PcptCs Esse sistema está voltado para o mundo externo é o meio de percepção daquilo que surge de fora e durante o seu funcionamento surge nele o fenômeno da consciência É o órgão sensorial de todo o aparelho ademais é receptivo não só às excitações provenientes de fora mas também àquelas que emergem do interior da mente Quase não necessitamos procurar uma justificativa para a opinião segundo a qual o ego é aquela parte do id que se modificou pela proximidade e influência do mundo externo que está adaptada para a recepção de estímulos e adaptada como escudo protetor contra os estímulos comparável à camada cortical que circunda uma pequena massa de substância viva A relação com o mundo externo tornouse o fator decisivo para o ego este assumiu a tarefa de representar o mundo externo perante o id o que é uma sorte para o id que não poderia escapar à destruição se em seus cegos intentos que visam à satisfação de seus instintos não atentasse para esse poder externo supremo Ao cumprir com essa função o ego deve observar o mundo externo deve estabelecer um quadro preciso do mesmo nos traços de memória de suas percepções e pelo seu exercício da função de teste de realidade deve excluir tudo o que nesse quadro do mundo externo é um acréscimo decorrente de fontes internas de excitação O ego controla os acessos à motilidade sob as ordens do id mas entre uma necessidade e uma ação interpôs uma protelação sob forma de atividade do pensamento durante a qual se utiliza dos resíduos mnêmicos da experiência Dessa maneira o ego destronou o princípio de prazer que domina o curso dos eventos no id sem qualquer restrição e o substituiu pelo princípio de realidade que promete maior certeza e maior êxito A relação com o tempo tão difícil de descrever também é introduzida no ego pelo sistema perceptual dificilmente podese duvidar de que o modo de atuação desse sistema é o que dá origem à idéia de tempo O que contudomuito particularmente distingue o ego do id é uma tendência à síntese de seu conteúdo à combinação e à unificação nos seus processos mentais o que está totalmente ausente no id Quando agora abordarmos os instintos na vida mental conseguiremos segundo espero reconstituir essa característica essencial do ego em sua origem Somente ela produz o alto grau de organização que o ego requer para suas melhores realizações O ego evolui da percepção dos instintos para o controle destes esse controle porém apenas é realizado pelo representante psíquico do instinto quando tal representante se situa no lugar que lhe é próprio num amplo conjunto de elementos quando tomado em um contexto coerente Para adotar um modo popular de falar poderíamos dizer que o ego significa razão e bom senso ao passo que o id significa as paixões indomadas Até aqui temonos deixado impressionar pelos méritos e capacidades do ego é tempo agora de considerar também o outro lado O ego afinal é apenas uma parte do id uma parte que foi adequadamente modificada pela proximidade com o mundo externo com sua ameaça de perigo Do ponto de vista dinâmico ele é fraco tomou emprestadas ao id as suas forças e em parte entendemos os métodos poderíamos chamálos subterfúgios pelos quais extrai do id quantidades adicionais de energia Um dentre tais métodos por exemplo consiste em identificar se com objetos reais ou abandonados As catexias objetais procedem das exigências instintuais do id O ego tem de em primeiro lugar registrálas Mas identificandose com o objeto o ego recomendase ao id em lugar do objeto e procura desviar a libido do id para si próprio Já vimos 1 que no decurso de sua vida o ego assume dentro de si um grande número de precipitados como este das mencionadas catexias objetais O ego deve no geral executar as intenções do id e cumpre sua atribuição descobrindo as circunstâncias em que essas intenções possam ser mais bem realizadas A relação do ego para com o id poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo O cavaloprovê a energia de locomoção enquanto o cavaleiro tem o privilégio de decidir o objetivo e de guiar o movimento do poderoso animal Mas muito freqüentemente surge entre o ego e o id a situação não propriamente ideal de o cavaleiro só poder guiar o cavalo por onde este quer ir Há uma parte do id da qual o ego separouse por meio de resistências devidas à repressão A repressão contudo não se estende para dentro do id o reprimido fundese no restante do id Advertenos um provérbio de que não sirvamos a dois senhores ao mesmo tempo O pobre do ego passa por coisas ainda piores ele serve a três severos senhores e faz o que pode para harmonizar entre si seus reclamos e exigências Esses reclamos são sempre divergentes e freqüentemente parecem incompatíveis Não é para admirar se o ego tantas vezes falha em sua tarefa Seus três tirânicos senhores são o mundo externo o superego e o id Quando acompanhamos os esforços do ego para satisfazêlos simultaneamente ou antes para obedecer lhes simultaneamente não podemos nos arrepender por termolo personificado ou por termolo erigido em um organismo separado Ele se sente cercado por três lados ameaçado por três tipos de perigo aos quais reage quando duramente pressionado gerando ansiedade Devido à sua origem decorrente das experiências do sistema perceptual ele é destinado a representar as exigências do mundo externo contudo também se esforça por ser um servo leal do id manter bom relacionamento com este recomendarse ao id como um objeto e atrair para si a libido do id Em suas tentativas de exercer mediação entre o id e a realidade freqüentemente é obrigado a encobrir as ordens Inc do id mediante suas próprias racionalizações Pcs a ocultar os conflitos do id com a realidade a reconhecer com diplomática dissimulação que percebe a realidade mesmo quando o id permaneceu rígido e intolerante Por outro lado é observado a cada passo pelo superego severo que estabelece padrões definidos para sua conduta sem levar na mínima conta suas dificuldades relativas ao mundo externo e ao id e que se essas exigências não são obedecidas puneo com intensos sentimentos de inferioridade e de culpa Assim o ego pressionado pelo id confinado pelo superego repelido pela realidade luta por exercer eficientemente sua incumbência econômica de instituir a harmonia entre as forças e as influências que atuam nele e sobre ele e podemos compreender como é que com tanta freqüência não podemos reprimir uma exclamação A vida não é fácil Se o ego é obrigado a admitir sua fraqueza ele irrompe em ansiedade ansiedade realística referente ao mundo externo ansiedade moral referente ao superego e ansiedade neurótica referente à força das paixões do idGostaria de configurar as relações estruturais da personalidade mental segundo as descrevi para os senhores neste despretensioso esquema com que os presenteio Como vêem o superego se funde no id na verdade como herdeiro do complexo de Édipo tem íntimas relações com o id está mais distante do sistema perceptual do que o ego O id relacionase com o mundo externo somente através do ego ao menos de acordo com esse diagrama Por certo é difícil dizer atualmente em que medida o esquema está correto Em um aspecto indubitavelmente não está O espaço ocupado pelo id inconsciente devia ter sido incomparavelmente maior do que o do ego ou do préconsciente Devo pedirlhes que o corrijam em seus pensamentos E aqui está outra advertência para completar essas observações que certamente foram cansativas e talvez não muito esclarecedoras Ao pensar nessa divisão da personalidade em um ego um superego e um id naturalmente os senhores não terão imaginado fronteiras nítidas como as fronteirasartificiais delineadas na geografia política Não podemos fazer justiça às características da mente por esquemas lineares como os de um desenho ou de uma pintura primitiva mas de preferência por meio de áreas coloridas fundindose umas com as outras segundo as apresentam artistas modernos Depois de termos feito a separação devemos permitir que novamente se misture conjuntamente o que havíamos separado Os senhores não devem julgar com demasiado rigor uma primeira tentativa de proporcionar uma representação gráfica de algo tão intangível como os processos psíquicos É altamente provável que o desenvolvimento dessas divisões esteja sujeito a grandes variações em diferentes indivíduos é possível que no decurso do funcionamento real elas possam mudar e passar por uma fase temporária de involução Particularmente no caso da que é filogeneticamente a última e a mais delicada dessas divisões a diferenciação entre o ego e o superego algo desse teor parece verdadeiro Está fora de dúvida que a mesma coisa se produz através da doença psíquica Também é fácil imaginar que determinadas práticas místicas possam conseguir perturbar as relações normais entre as diferentes regiões da mente de modo que por exemplo a percepção pode ser capaz de captar acontecimentos nas profundezas do ego e no id os quais de outro modo lhe seriam inacessíveis Podese porém com segurança duvidar se a esse caminho nos levará às últimas verdades das quais é de se esperar a salvação Não obstante podese admitir que os intentos terapêuticos da psicanálise têm escolhido uma linha de abordagem semelhante Seu propósito é na verdade fortalecer o ego fazêlo mais independente do superego ampliar seu campo de percepção e expandir sua organização de maneira a poder assenhorearse de novas partes do id Onde estava o id ali estará o ego É uma obra de cultura não diferente da drenagem do Zuider Zee CONFERÊNCIA XXXII ANSIEDADE E VIDA INSTINTUAL SENHORAS E SENHORES Não se surpreenderão se saberem que tenho muitas novidades a relatarlhes a respeito de nossa concepção Auffassung da ansiedade e dos instintos básicos da vida mental e não se surpreenderão ao verificar que nenhuma dessas novidades pode pretender oferecer uma solução definitiva para esses problemas não solucionados Tenho um motivo especial para usar a palavra concepção aqui Estes são os problemas mais difíceis que se nos apresentam mas sua dificuldade não está em alguma insuficiência de observações o que nos propõem esses enigmas são realmente os fenômenos mais comuns e mais conhecidos Nem a dificuldade se situa na natureza recôndita das especulações a que eles dão origem a reflexão especulativa desempenha uma parte insignificante nessa esfera É contudo verdadeiramente uma questão de concepções isto é de introduzir as idéias abstratas corretas cuja aplicação ao material bruto da observação nele produzirá ordem e clareza Dediquei uma conferência a vigésima quinta em minha série anterior à ansiedade e preciso recapitular rapidamente o que ali disse Descrevemos a ansiedade como um estado afetivo isto é uma combinação de determinados sentimentos da série prazerdesprazer com as correspondentes inervações de descarga e uma percepção dos mesmos mas provavelmente também como um precipitado de um determinado evento importante incorporado por herança algo que pode por conseguinte ser assemelhado a um ataque histérico individualmente adquirido O evento que consideramos como tendo deixado atrás de si uma marca dessa espécie é o processo do nascimento ocasião em que os efeitos sobre a ação do coração e sobre a respiração característicos da ansiedade foram efeitos adequados Assim a primeira ansiedade teria sido uma ansiedade tóxica Daí partimos para uma distinção entre ansiedade realística e ansiedade neurótica sendo aquela uma reação que nos parecia compreensível face a um perigo isto é reação aum dano esperado de fora ao passo que esta a ansiedade neurótica era completamente enigmática e parecia despropositada Em uma análise da ansiedade realística reduzimola ao estado de atenção sensorial e tensão motora aumentadas que descrevemos como estado de preparação para a ansiedade É disto que se desenvolve a reação de ansiedade Aqui dois resultados são possíveis Ou a geração da ansiedade repetição da antiga experiência traumática limitase a um sinal caso em que o restante da reação pode adaptarse à nova situação de perigo e pode resultar em fuga ou defesa ou a antiga situação pode continuar mantendo o domínio e a reação total pode consistir em nada mais que geração de ansiedade caso em que o estado afetivo se torna paralisante e será inadequado para os propósitos atuais Passamos depois à ansiedade neurótica e assinalamos que a observamos sob três condições Em primeiro lugar encontramola na forma livremente flutuante um estado de apreensão difusa pronta a vincularse temporariamente sob a forma do que se conhece como ansiedade expectante a qualquer possibilidade que de imediato possa surgir como acontece por exemplo numa neurose de angústia típica Em segundo lugar encontramola firmemente vinculada a determinadas idéias nas chamadas fobias em que ainda é possível reconhecer uma relação com um perigo externo nas quais porém devemos considerar que o medo é exagerado desproporcionado Em terceiro e último lugar encontramos a ansiedade na histeria e em outras formas de neurose grave onde ou ela acompanha os sintomas ou surge independentemente como ataque ou como estado mais persistente mas sempre sem qualquer base visível em um perigo externo Fazemonos então duas perguntas O que as pessoas temem na ansiedade neurótica e Como podemos relacionála com a ansiedade realística sentida em face de perigos externos Nossas investigações de modo algum ficaram infrutíferas chegamos a algumas conclusões importantes Com referência à expectativa ansiosa a experiência clínica revelou que ela possuía regularmente uma conexão com a economia libidinal da vida sexual A causa mais comum da neurose de angústia é a excitação não consumada A excitação libidinal é despertada mas não satisfeita não utilizada o estado de apreensão surge então no lugar dessa libido que foi desviada de sua utilização Até pensei estar justificado ao dizer que essa libido insatisfeita era transformada diretamente em ansiedade Essa opinião encontrou apoio em algumas fobias de crianças pequenas de ocorrência bastante freqüente Muitas dessas fobias são deveras enigmáticas para nós contudo outras tais como o medo de estar só e o medo deestranhos podem ser explicadas de forma convincente A solidão assim como um rosto estranho despertam na criança um anelo por sua mãe a quem conhece tão bem a criança é incapaz de controlar sua excitação libidinal não consegue mantêla em suspenso e transformaa em ansiedade Essa ansiedade infantil deve pois ser considerada não como pertencente ao tipo realístico e sim neurótica As fobias infantis e a expectativa ansiosa da neurose de angústia nos oferecem dois exemplos da maneira como se origina a ansiedade neurótica transformação direta da libido Logo viremos a conhecer um segundo mecanismo que se revelará não muito diferente do primeiro Consideramos o processo de repressão responsável pela ansiedade na histeria e em outras neuroses Acreditamos que é possível fornecer disto uma descrição mais completa do que anteriormente se separarmos o que acontece à idéia que tem de ser reprimida daquilo que acontece à quota de libido vinculada a ela É a idéia que é submetida à repressão e que pode ser deformada a ponto de ficar irreconhecível sua quota de afeto porém é regularmente transformada em ansiedade e isto é assim qualquer que possa ser a natureza do afeto seja ele de agressividade ou de amor Não faz pois nenhuma diferença essencial por que razão uma quota de libido se tornou nãoutilizável se é por causa da debilidade infantil do ego como nas fobias de crianças ou se é por causa de processos somáticos da vida sexual como na neurose de angústia ou se devido à repressão como na histeria Assim na realidade os dois mecanismos que produzem ansiedade neurótica coincidem No curso dessas investigações nossa atenção foi atraída para uma relação altamente significativa entre a geração da ansiedade e a formação dos sintomas ou seja verificamos que essas duas se representam e se substituem uma à outra Por exemplo um paciente agorafóbico pode iniciar sua doença com um acesso de ansiedade na rua Isto se repetiria cada vez que fosse à rua novamente Desenvolverá então o sintoma da agorafobia este também pode ser qualificado como inibição como restrição do funcionamento do ego e por meio dele o paciente se poupa dos ataques de ansiedade Podemos evidenciar o inverso disto se interferirmos na formação dos sintomas como é possível por exemplo com as obsessões Se impedimos um paciente de executar seu ritual de abluções ele cai num estado de ansiedade que acha difícil suportar e do qual evidentemente se tinha protegido por meio de seu sintoma E parece com efeito que a geração da ansiedade é o que surgiu primeiro e a formação dos sintomas o que veio depois como se os sintomas fossem criados a fim de evitar a irrupção do estado de ansiedade Isto é confirmado também pelo fato de que as primeiras neuroses da infânciasão as fobias estados nos quais vemos tão claramente como uma geração inicial de ansiedade é substituída pela formação subseqüente de um sintoma temos a impressão de que é dessas interrelações que melhor obteremos acesso à compreensão da ansiedade neurótica E ao mesmo tempo também conseguimos responder à questão de saber que coisa a pessoa teme na ansiedade neurótica e assim estabelecer a conexão entre a ansiedade neurótica e a realística Aquilo que ela teme é evidentemente a sua própria libido A diferença entre essa situação e a da ansiedade realística reside em dois pontos que o perigo é um perigo interno ao invés de externo e que esse perigo não é conscientemente reconhecido Nas fobias é muito fácil verificar a forma como esse perigo interno é transformado num perigo externo ou seja como uma ansiedade neurótica é mudada em ansiedade aparentemente realística Com vistas a simplificar o que muitas vezes constitui um assunto muito complicado suponhamos que o paciente agorafóbico tema invariavelmente sentimentos de tentação que nele despertam ao encontrar pessoas na rua Em sua fobia realiza ele um deslocamento e daí em diante teme uma situação externa Com isso o que ele ganha é obviamente pensar que pode protegerse melhor dessa forma Uma pessoa pode protegerse de um perigo externo pela fuga fugir de um perigo interno é um empreendimento difícil No final de minha conferência anterior sobre ansiedade expressei a opinião de que embora essas diferentes descobertas de nossa investigação não fossem mutuamente contraditórias de alguma forma elas não se ajustavam umas às outras Parece que a ansiedade na medida em que constitui um estado afetivo é a reprodução de um evento antigo que representou uma ameaça de perigo a ansiedade serve ao propósito de autopreservação e é sinal de um novo perigo surge da libido que se tornou de algum modo nãoutilizável e também surge durante o processo de repressão é substituída pela formação de um sintoma é digamos assim psiquicamente vinculada temse a impressão de que aqui está faltando algo que juntaria todas essas peças em um todo Senhoras e senhores a dissecção da personalidade mental em um superego um ego e um id que lhes apresentei na minha última conferência obrigounos a refazer nossa orientação também no problema da ansiedade Com a tese de que o ego é a única sede da ansiedade de que apenas o egopode produzir e sentir ansiedade estabelecemos uma posição nova e estável a partir da qual numerosas coisas assumem um novo aspecto E verdadeiramente é difícil verificar que sentido haveria em falar em ansiedade do id ou em atribuir ao superego capacidade para sentir um estado de apreensão Por outro lado temos verificado de bom grado um desejável elemento de correspondência no fato de que as três principais espécies de ansiedade a realística a neurótica e a moral podem com tanta facilidade ser correlacionadas com as três relações dependentes que o ego mantém com o mundo externo com o id e com o superegover em 1Ao mesmo tempo que essa nova visão em especial a função da ansiedade como sinal que anuncia uma situação de perigo uma noção aliás não desconhecida nossa assume proeminência perde interesse a questão de saber qual é o material de que é feita a ansiedade e as relações entre ansiedade realística e neurótica se tornaram surpreendentemente claras e simples Também é de observar que agora aqueles casos aparentemente complexos de geração de ansiedade nós os compreendemos melhor do que aqueles que eram considerados simples Isto porque recentemente estivemos examinando a forma como a ansiedade é gerada em determinadas fobias que classificamos como histeria de angústia e escolhemos casos nos quais estávamos lidando com a típica repressão de impulsos plenos de desejos oriundos do complexo de Édipo Era de se esperar que encontrássemos uma catexia libidinal referente à mãe do menino escolhida esta como objeto a qual em conseqüência da repressão se teria mudado em ansiedade e agora emergia expressa em termos de sintomas vinculada a um substituto de seu pai Não posso mostrarlhes os passos detalhados de uma investigação como esta será suficiente dizer que o resultado surpreendente foi o oposto daquilo que esperávamos Não era a repressão que criava a ansiedade a ansiedade já existia antes era a ansiedade que causava a repressão Entretanto que tipo de ansiedade pode ter sido Somente ansiedade em face de uma ameaça de perigo externo ou seja ansiedade realística É verdade que o menino sentia ansiedade em face de uma exigência feita por sua libido nesse caso ansiedade por estar apaixonado por sua mãe assim era de fato um caso de ansiedade neurótica Mas este estar apaixonado só lhe aparecia como um perigo interno o qual devia evitar renunciando ao objeto porque este suscitava uma situação externa de perigo E em todos os casos que examinamos obtemos o mesmo resultado Deve ser confessado que não estávamos preparados para constatar que o perigo instintual interno se revelaria fator determinante e preparação para uma situação de perigo externo real Até agora contudo não fizemos absolutamente qualquer menção de qual o perigo real que o menino teme como conseqüência de estar apaixonado por sua mãe O perigo é a punição de ser castrado de perder seu órgão genital Os senhores objetarão que afinal de contas isso não é um perigo real Nossos meninos não são castrados porque estão apaixonados por suas mães durante a fase do complexo de Édipo O problema não pode ser eliminado de forma tão simples Antes de mais nada não se trata de a castração ser ou não ser realmente efetuada o que é decisivo é que o perigo ameaça de fora e a criança acredita nele Tem alguns motivos para isso pois as pessoas ameaçam muito freqüentemente cortar fora o pênis da criança durante a fase fálica na época do início da masturbação e insinuações desse castigo devem encontrar com regularidade um reforço filogenético no menino Suspeitamos que durante o período primevo da família humana a castração costumava ser usada realmente por um pai ciumento e cruel nos meninos em crescimento e que a circuncisão que tão freqüentemente desempenha um papel nos ritos da puberdade entre povos primitivos é um vestígio claramente identificável desse fato Estamos conscientes de que nisto divergimos amplamente da opinião geral mas devemos reafirmar a opinião de que o temor de castração é um dos motivos mais comuns e mais fortes para a repressão e portanto para a formação das neuroses A análise de casos em que a circuncisão embora não a castração na verdade foi executada em meninos como cura ou castigo para a masturbação essa ocorrência não é nada rara na sociedade angloamericana conferiu à nossa convicção o máximo grau de certeza Nesse ponto sentimonos muito tentados a nos aprofundar no complexo de castração porém atermeei ao nosso assunto O temor de castração não é naturalmente o único motivo para repressão na verdade não sucede nas mulheres pois embora tenham elas um complexo de castração não podem ter medo de serem castradas Em seu sexo o que sucede é o temor à perda do amor o que é evidentemente um prolongamento posterior de ansiedade da criança quando constata a ausência da mãe Os senhores perceberão quão real é a situação de perigo indicada por essa ansiedade Se uma mãe está ausente ou retirou seu amor de seu filho este não tem mais certeza de que suas necessidades serão satisfeitas e talvez seja exposto aos mais angustiantes sentimentos de tensão Não rejeitem a idéia de que esses fatores determinantes de ansiedade possam no fundo repetir a situação de ansiedade original ocorrida no nascimento que de fato também representou uma separação da mãe Realmente se os senhores acompanharem uma seqüência de idéias sugeridas por Ferenczi 1925 podem acrescentar a essa série o temor de castração pois a perda do órgão masculino resulta na incapacidade de unirse novamente à mãe ou a uma substituta dela no ato sexual Posso dizerlhes aliás que a tão freqüente fantasia de retornar ao útero materno é um sucedâneo desse desejo de copular Haveria nesse ponto muitas coisas interessantes e correlações surpreendentes para referir aos senhores porém não posso afastar me do esquema de uma introdução à psicanálise Apenas chamarei a atenção dos senhores para o fato de que aqui as pesquisas psicológicas invadem os fatos da biologia Otto Rank a quem a psicanálise deve muitas contribuições excelentes também tem o mérito de haver expressamente acentuado a importância do ato do nascimento e da separação da mãe Rank 1924 Todavia achamos de todo impossível aceitar as conclusões extremas que extraiu desse fator com relação à teoria das neuroses e mesmo ao tratamento analítico O cerne dessa teoria de que a experiência de ansiedade no nascimento é o modelo de todas as subseqüentes situações de perigo ele já o encontrou pronto Se nos detivermos um pouco nessas situações de perigo podemos dizer que de fato para cada estádio do desenvolvimento está reservado como sendo adequado para esse desenvolvimento um especial fator determinante de ansiedade O perigo de desamparo psíquico ajustase ao estádio da imaturidade inicial do ego o perigo de perda de um objeto ou perda do amor ajustase à falta de autosuficiência dos primeiros anos da infância o perigo de ser castrado ajustase à fase fálica e finalmente o temor ao superego queassume uma posição especial ajustase ao período de latência No decorrer do desenvolvimento os antigos fatores determinantes de ansiedade deveriam sumir pois as situações de perigo correspondentes a eles perderam sua importância devido ao fortalecimento do ego Isto contudo só ocorre de forma muito incompleta Muitas pessoas são incapazes de superar o temor da perda do amor nunca se tornam suficientemente independentes do amor de outras pessoas e nesse aspecto comportamse como crianças O temor ao superego normalmente jamais deve cessar pois sob a forma de ansiedade moral é indispensável nas relações sociais e somente em casos muito raros pode um indivíduo tornarse independente da sociedade humana Algumas das antigas situações de perigo também conseguem sobreviver em períodos posteriores fazendo modificações concomitantes nos fatores determinantes de ansiedade Assim por exemplo o perigo de castração persiste sob a marca da fobia à sífilis É verdade que como adulto se sabe que a castração não mais faz parte do costume de punir excessos de desejos sexuais mas por outro lado verificase que a liberdade instintual desse tipo é ameaçada por graves doenças Não há dúvida de que as pessoas que qualificamos como neuróticas permanecem infantis em sua atitude relativa ao perigo e não venceram as obsoletas causas determinantes de ansiedade Podemos tomar isto como contribuição concreta para a caracterização dos neuróticos não é muito fácil dizer por que isto tem de ser assim Espero que não tenham perdido a visão de conjunto disto que estou dizendo e se lembrem de que estamos investigando as relações entre ansiedade e repressão E nisto aprendemos duas coisas novas primeiro que a ansiedade faz a repressão e não conforme costumávamos pensar o oposto e segundo que a situação instintual temida remonta basicamente a uma situação de perigo externa A questão seguinte será como imaginamos agora o processo de uma repressão sob a influência da ansiedade A resposta será segundo penso a que se segue O ego percebe que a satisfação de uma exigência instintual emergente recriaria uma situação de perigo ainda viva na lembrança Essa catexia instintual deve portanto ser de algum modo suprimida paralisada inativada Sabemos que o ego consegue realizar tal tarefa se é forte e se atraiu o impulso instintual em questão para a sua organização Mas o que sucede no caso da repressão é o impulso instintual ainda pertencer ao id e que o ego se sente fraco Então o ego se serve de uma técnica no fundo idêntica ao pensar normal O pensar é um ato experimental executado com pequenas quantidades de energia do mesmo modo como um general muda pequenas figuras num mapa antes de colocar em movimento seus grandes corpos de tropas Assim o ego antecipa a satisfação do impulso instintual suspeito e permite efetuarse a reprodução dos sentimentos desprazerosos no início da situação de perigo temida Com isto o automatismo do princípio de prazerdesprazer é posto em ação e agora executa a repressão do impulso instintual perigoso Um momento os senhores exclamarão não podemos mais acompanhar o senhor nessas coisas Têm toda a razão devo acrescentar alguma coisa mais antes de poder tornarme inteligível para os senhores Primeiro devo admitir que tentei traduzir para a linguagem de nosso pensar normal aquilo que de fato deve ser um processo que não é consciente nem préconsciente realizandose entre quantidades de energia em algum substrato inimaginável Esta porém não é uma objeção sólida pois não se pode expressar essas coisas de outra maneira Mais importante é que devíamos distinguir claramente o que acontece no ego e o que acontece no id quando existe uma repressão Acabamos de dizer o que faz o ego faz uso de uma catexia experimental e desperta o automatismo do prazerdesprazer por meio de um sinal de ansiedade Depois disso diversas reações são possíveis ou surge uma combinação delas em proporções variáveis Ou o ataque de ansiedade desenvolvese completamente e o ego se afasta inteiramente da excitação censurável ou em lugar da catexia experimental o ego opõe à excitação uma anticatexia e esta se combina com a energia do impulso reprimido para formar um sintoma ou a anticatexia é assimilada no ego como formação reativa como intensificação de determinadas disposições do ego como alteração permanente desteQuanto mais a geração da ansiedade pode limitarse a um mero sinal tanto mais o ego gasta em ações defensivas que importam em vincular psiquicamente o impulso reprimido e tanto mais o processo se aproxima de uma superelaboração normal embora por certo sem alcançála Aliás aqui está um ponto em que podemos deternos por um momento Os senhores mesmos sem dúvida supunham que aquilo que se conhece como caráter coisa tão difícil de definir deve ser atribuído inteiramente ao ego Um pouco disso que cria o caráter já compreendemos Primeiramente e acima de tudo existe a incorporação sob a forma de superego da anterior instância parental que é indubitavelmente a sua parte mais importante e decisiva e ademais identificações com ambos os pais do período subseqüente e com outras figuras de influência e as identificações semelhantes formadas como remanescente de relações objetais a que se renunciou cf 1 E podemos agora acrescentar como contribuições à construção do caráter que nunca estão ausentes as formações reativas que o ego adquire no início executando suas repressões e depois por um método mais normal quando rejeita impulsos instintuais indesejáveis Retornemos agora e passemos ao id Não é fácil saber o que ocorre durante a repressão em relação ao impulso instintual que está sendo combatido A principal questão que nosso interesse levanta é saber o que acontece à energia à carga libidinal dessa excitação como é ela utilizada Os senhores recordamse de que a hipótese inicial era ser ela justamente aquilo que se transforma pela repressão em ansiedade Não mais nos sentimos capazes de dizer isso A modesta resposta será antes que aquilo que acontecea essa energia não é provavelmente sempre a mesma coisa Provavelmente há uma correspondência íntima a respeito da qual deveríamos obter conhecimento entre o que então ocorre no ego e no id com relação ao impulso reprimido Pois desde que decidimos que o princípio de prazerdesprazer posto em ação pelo sinal da ansiedade desempenha um papel na repressão devemos modificar nossa perspectiva Esse princípio exerce um domínio inteiramente irrestrito sobre o que acontece no id Podemos ter certeza de que efetua modificações bastante profundas no impulso instintual em questão Estamos preparados para verificar que a repressão terá conseqüências muito diversas de maior ou menor alcance Em alguns casos o impulso instintual reprimido pode conservar sua catexia libidinal e pode persistir inalterado no id embora sujeito a constante pressão do ego Em outros casos parece suceder que ele é totalmente destruído enquanto sua libido é desviada permanentemente por outras vias Expressei meu ponto de vista de que é isto que ocorre quando o complexo de Édipo é manejado normalmente um caso como é de se desejar portanto não sendo simplesmente reprimido mas destruído no id A experiência clínica também nos mostrou que em muitos casos em lugar do habitual resultado da repressão dáse uma degradação da libido uma regressão da organização libidinal a um estádio anterior Isto naturalmente só pode ocorrer no id e se ocorrer será sob a influência do mesmo conflito que se fez anunciar pelo sinal da ansiedade O exemplo mais claro dessa espécie é dado pela neurose obsessiva na qual atuam conjuntamente a regressão e a repressão Senhoras e senhores receio que acharão essa exposição difícil de acompanhar e sabem que ainda não está completa Lamento ter provocado sua insatisfação Não posso contudo proporme nenhum outro objetivo além daquele de darlhes uma impressão referente à natureza de nossos achados e às dificuldades envolvidas na sua elucidação Quanto mais nos aprofundamos no estudo dos processos mentais mais reconhecemos sua abundância e complexidade Muitas fórmulas simples que de início pareciam preencher nossas necessidades posteriormente vieram a se revelar inadequadas Não nos cansamos de modificálas e aperfeiçoálas Em minha conferência sobre a teoria dos sonhos a primeira da presente série mostreilhes uma região na qual durante quinze anos praticamente não houve uma descoberta nova Aqui onde estamos tratando da ansiedade os senhores vêem tudo em um estado de fluidez e modificação Essas inovações ademais ainda não foramelaboradas totalmente e talvez isto também se some às dificuldades de demonstrálas Tenham paciência no entanto Em breve conseguiremos deixar o tema da ansiedade Não posso prometer que terá sido resolvido a contento nosso mas é de se esperar que teremos feito um pequeno progresso E nesse ínterim temos feito todo o tipo de descobertas novas Agora por exemplo nosso estudo da ansiedade levanos a acrescentar um novo aspecto à nossa descrição do ego Dissemos que o ego é fraco se comparado com o id que é um servo leal deste pronto a executar suas ordens e cumprir suas exigências Não tencionamos retirar essa afirmação Mas por outro lado esse mesmo ego é a parte mais bem organizada do id com sua face voltada para a realidade Não devemos exagerar demasiadamente a separação entre os dois e não devemos nos surpreender se o ego de seu lado pode aplicar essa influência sobre os processos do id Acredito que o ego exerce essa influência colocando em ação o quase todopoderoso princípio de prazerdesprazer por meio do sinal da ansiedade Por outro lado mostra sua debilidade de novo imediatamente após de vez que pelo ato da repressão renuncia a parte de sua organização e tem de convir em que o impulso instintual reprimido se mantenha permanentemente afastado de sua influência Agora apenas mais um comentário a respeito do problema da ansiedade A ansiedade neurótica em nossa forma de considerála transformouse em ansiedade realística em temor a determinadas situações de perigo Contudo não podemos parar aí devemos dar mais um passo embora seja um passo atrás Perguntamonos o que é que realmente é perigoso e temido em uma situação de perigo desta espécie Por certo que não é dano ao sujeito objetivamente considerado pois esse dano pode não ter nenhuma importância psicologicamente mas seria algo efetuado por ele na mente Por exemplo o nascimento nosso modelo de estado de ansiedade afinal dificilmente pode ser considerado em si mesmo causa de dano embora possa explicar um perigo de danos O essencial no nascimento assim como em toda situação de perigo é que ele imprime à experiência mental um estado de excitação marcadamente intensa que é sentida como desprazer e que não é possível dominar descarregandoa Um estado desse tipo ante o qual os esforços do princípio de prazer malogram chamemolo de momento traumático Então se colocarmos numa série a ansiedade neurótica a ansiedade realística e a situação de perigo chegamos a essa proposição simples o que é temido o que é o objeto da ansiedade é invariavelmente a emergência de um momentotraumático que não pode ser arrostado com as regras normais do princípio de prazer De imediato compreendemos que dotados do princípio de prazer não nos garantimos contra danos objetivos mas sim apenas contra determinado dano à nossa economia psíquica Vai uma grande distância desde o princípio de prazer ao instinto de autopreservação As intenções de ambos estão longe de coincidir desde o início Vemos porém ainda mais uma coisa talvez seja a solução que estamos procurando Ou seja tudo isso é uma questão de quantidades relativas É apenas a magnitude da soma de excitação que transforma uma impressão em momento traumático paralisa a função do princípio de prazer e confere à situação de perigo a sua importância E sendo assim as coisas podendo esses enigmas serem solucionados tão prosaicamente perguntase por que não seria possível que momentos traumáticos semelhantes surjam na vida mental sem referência a hipotéticas situações de perigo momentos traumáticos pois nos quais a ansiedade não é despertada como um sinal mas sim gerada de novo por um motivo novo A experiência clínica evidencia abertamente que de fato é este o caso São apenas as repressões posteriores que mostram o mecanismo que descrevemos no qual a ansiedade é despertada como sinal de uma situação de perigo prévia As repressões primeiras e originais surgem diretamente de momentos traumáticos quando o ego enfrenta uma exigência libidinal excessivamente grande elas formam de novo a sua ansiedade embora na verdade a partir do modelo do nascimento O mesmo pode aplicarse à geração da ansiedade na neurose de angústia devida a prejuízo somático causado à função sexual Não mais sustentaremos ser a libido que é transformada em ansiedade em tais casos No entanto não posso ver como objetar contra a existência de uma dupla origem da ansiedade uma como conseqüência direta do momento traumático e a outra como sinal que ameaça com uma repetição de um tal momento Sinto que por certo estãose regozijando senhoras e senhores por não terem de ouvir nada mais sobre ansiedade Mas não ganharam nada com isto o que se segue não é certamente melhor É meu intento mostrarlhes hoje também a área da teoria da libido ou teoria dos instintos onde tem havido igualmente numerosos desenvolvimentos recentes Não proclamarei quenela tenhamos feito grandes avanços de modo que os senhores tranqüilamente podem pouparse a qualquer preocupação de aprender acerca dessas teorias Não Esta é uma região na qual estamos lutando com afinco no sentido de encontrar nosso rumo e fazer descobertas os senhores apenas serão testemunhas de nossos esforços Aqui também devo retornar a algumas coisas de que lhes falei anteriormente A teoria dos instintos é por assim dizer nossa mitologia Os instintos são entidades míticas magníficos em sua imprecisão Em nosso trabalho não podemos desprezálos nem por um só momento de vez que nunca estamos seguros de os estarmos vendo claramente Os senhores sabem como o pensamento popular lida com os instintos As pessoas supõem existirem tantos e tão diversos instintos quantos aqueles de que elas necessitam no momento um instinto de autoafirmação um instinto de imitação um instinto lúdico um instinto gregário e muitos outros semelhantes As pessoas os pegam por assim dizer fazem cada um deles desempenhar sua função particular e depois os dispensam novamente Sempre se nos impôs a suspeita de que por trás de todos esses pequenos instintos ad hoc escondiase algo sério e poderoso do qual gostaríamos de nos aproximar com cautela Nosso primeiro passo foi muito modesto Dissemos a nós mesmos que provavelmente não iríamos perder o rumo se começássemos por separar dois principais instintos ou duas classes de instintos ou dois grupos de instintos em consonância com as duas grandes necessidades fome e amor Por mais ciosamente que em geral defendamos a independência da psicologia de toda outra ciência aqui se nos impõe o fato biológico inamovível de que o organismo individual vivo está sob o domínio de duas intenções a autopreservação e a preservação da espécie que parecem ser independentes uma da outra que até onde por ora sabemos não têm origem comum e cujos interesses muitas vezes estão em conflito na vida animal Realmente aquilo a cujo respeito estamos falando agora é sobre a psicologia biológica estamos estudando os concomitantes psíquicos dos processos biológicos Foi representando esse aspecto da pessoa que os instintos do ego e os instintos sexuais foram introduzidos na psicanálise Nos instintos do ego incluímos tudo o que tinha relação com autopreservação afirmação e engrandecimento do indivíduo Aos instintos sexuais tivemos de atribuir a diversidade necessária à vida sexual infantil e pervertida No decorrer da investigação das neuroses vimos a conhecer o ego como o poder limitante e repressor e as tendências sexuais como sendo o poder limitado e reprimido acreditávamos pois que tínhamos claras provas não só da diferença entre os dois grupos de instintos mas também do conflito entre eles O primeiro objeto de nossoestudo era só os instintos sexuais cuja energia denominávamos libido Foi em relação a eles que procuramos clarear nossas idéias a respeito do que é um instinto e do que se devia atribuirlhe Aqui temos a teoria da libido Um instinto por conseguinte distinguese de um estímulo pelo fato de surgir de fontes de estimulação situadas dentro do corpo de atuar como força constante e de a pessoa não poder evitálo pela fuga como é possível fazer com um estímulo externo Em um instinto podemos distinguir sua origem seu objeto e sua finalidade Sua origem é um estado de excitação do corpo sua finalidade é a remoção dessa excitação no caminho que vai desde sua origem até sua finalidade o instinto tornase atuante psiquicamente Imaginamolo como uma determinada quantidade de energia que faz pressão em determinada direção É dessa pressão que deriva seu nome Trieb Falase em instintos ativos e passivos mas seria mais correto falar em instintos com finalidades ativas e passivas isso porque também se faz necessário um dispêndio de atividade para atingir uma finalidade passiva A finalidade pode ser atingida no corpo da própria pessoa via de regra incluise um objeto externo com relação ao qual o instinto atinge sua finalidade externa sua finalidade interna permanece sendo a modificação corporal que é sentida como satisfação Não ficou claro para nós se a relação do instinto para com sua origem somática conferelhe uma qualidade específica e em caso afirmativo qual seria esta A evidência da experiência analítica mostra como fato indubitável que os impulsos instintuais provenientes de uma fonte ligamse àqueles que provêm de outras fontes e compartilham de suas vicissitudes e que de modo geral uma satisfação instintual pode ser substituída por outra Devese admitir contudo que não entendemos isto muito bem As relações de um instinto com a sua finalidade e com o seu objeto também são passíveis de modificações ambos podem ser trocados por outros embora sua relação com seu objeto seja não obstante a que cede mais facilmente Um determinado tipo de modificação da finalidade e de mudança do objeto na qual se levam em conta nossos valores sociais é descrito por nós como sublimação Ademais temos motivos para diferençar instintos que são inibidos em sua finalidade impulsos instintuais oriundos de fontes bem conhecidas nossas com uma finalidade inequívoca os quais porém sofrem uma parada no caminho rumo à satisfação de maneira que se efetua uma duradoura catexia objetal e se estabelece uma permanente tendência de sentimentoTal por exemplo é a relação do sentimento de ternura que sem dúvida se origina das fontes da necessidade sexual e invariavelmente renuncia à sua satisfação Os senhores constatam quantas características e vicissitudes dos instintos ainda fogem à nossa compreensão Aqui se deve mencionar mais uma diferença que aparece entre os instintos sexuais e os de autopreservação e que seria da maior importância teórica se se aplicasse aos grupos como um todo Os instintos sexuais fazemse notar por sua plasticidade sua capacidade de alterar suas finalidades sua capacidade de se substituírem que permite uma satisfação instintual ser substituída por outra e por sua possibilidade de se submeterem a adiamentos do que acabamos de dar um exemplo adequado nos instintos inibidos em suas finalidades Agradar nosia negar essas características aos instintos de autopreservação dizer que estes são inflexíveis não admitem atrasos são imperiosos num sentido muito diverso e têm uma relação bem diferente com a repressão e a ansiedade Mas uma breve reflexão nos diz que essa posição excepcional se aplica não a todos os instintos do ego mas apenas à fome e à sede e evidentemente se baseia numa característica peculiar das fontes desses instintos Uma boa parte da impressão de confusão causada por tudo isso se deve ao fato de que não consideramos em separado as alterações que a influência do ego organizado efetua nos impulsos instintuais que originalmente pertenciam ao id Encontramonos em solo mais firme quando investigamos a maneira como a vida dos instintos serve à função sexual Nesse ponto temos adquirido conhecimentos bem definidos com os quais também os senhores já estão familiarizados Não é que reconheçamos pois um instinto sexual que seja desde o início o veículo de uma corrente dirigida para a finalidade da função sexual a união das duas células sexuais O que vemos é um grande número de instintos componentes que surgem de diferentes áreas e regiões do corpo que se empenham por obter satisfação muito independentemente uns dos outros e encontram essa satisfação em algo que podemos chamar de prazer do órgão Os genitais constituem a última dessas zonas erógenas e o nome prazer sexual não pode ser abstraído do respectivo prazer do órgão Esses impulsos que buscam o prazer não são todos agrupados na organização final da função sexual Muitos deles são postos de lado como inservíveis pelarepressão ou por outros meios alguns deles são desviados de sua finalidade pela maneira extraordinária que mencionei ver em 1 e usados para reforçar outros impulsos e ainda outros subsistem em papéis secundários e servem à execução de atos introdutórios à produção de préprazer Os senhores já sabem como no decorrer desse desenvolvimento prolongado podem ser reconhecidas diversas fases da organização primitiva e também sabem como essa história da função sexual explica suas aberrações e atrofias A primeira dessas fases prégenitais é conhecida como fase oral porque de conformidade com a maneira como um lactente é alimentado a zona erógena da boca domina o que se pode denominar de atividade sexual desse período da vida Numa etapa seguinte passam a primeiro plano os impulsos sádicos e anais sem dúvida em conexão com o aparecimento dos dentes o fortalecimento do aparelho muscular e o controle das funções esfincterianas Aprendemos numerosos detalhes interessantes a respeito desse estádio notável do desenvolvimento em particular Em terceiro lugar vem a fase fálica na qual em ambos os sexos o órgão masculino e o que corresponde a este nas meninas assume uma importância que não pode mais ser negligenciada Reservamos o nome de fase genital para a organização sexual definitiva que se estabelece após a puberdade e na qual o órgão genital feminino pela primeira vez encontra o reconhecimento que o órgão masculino havia adquirido muito tempo antes Até aqui tudo isso é repetição cediça E não devem os senhores supor que as muitas coisas que não mencionei desta vez não tenham mais validade Essa repetição fezse necessária de modo que eu pudesse utilizála como ponto de partida para um relato dos progressos em nossos conhecimentos Podemos orgulharnos de haver aprendido muita coisa nova especialmente acerca das primeiras organizações da libido e de havermos obtido uma compreensão mais nítida da importância daquilo que é antigo e para demonstrar isto darlhesei pelo menos alguns exemplos Abraham mostrou em 1924 que se pode distinguir dois estádios na fase sádicoanal O primeiro desses estádios é dominado pelas tendências destrutivas de destruir e de perder e o segundo estádio por tendências afetuosas para com os objetos tendências de manter e de possuir É no meio dessa fase portanto que aconsideração pelo objeto aparece pela primeira vez como precursora de uma catexia erótica ulterior Da mesma forma estamos certos ao fazer uma subdivisão semelhante na primeira fase a fase oral No primeiro subestádio o que está em questão é somente a incorporação oral não há absolutamente ambivalência em relação ao objeto o seio materno O segundo estádio caracterizado pelo surgimento da atividade de morder pode ser descrito como estádio oralsádico este mostra pela primeira vez os fenômenos da ambivalência que se tornam tão mais claros posteriormente na fase sádicoanal O valor dessas novas distinções pode ser verificado especialmente se procurarmos os pontos disposicionais na evolução da libido em determinadas neuroses tais como a neurose obsessiva ou a melancolia Aqui os senhores devem recordar o que já temos apreendido acerca da correlação entre fixação da libido disposição e regressão Nossa atitude para com as fases da organização da libido modificouse um pouco de um modo geral Ao passo que anteriormente enfatizávamos principalmente a forma como cada fase transcorria antes da fase seguinte nossa atenção agora dirigese aos fatos que nos mostram quanto de cada fase anterior persiste junto a configurações subseqüentes e depois delas e obtém uma representação permanente na economia libidinal e no caráter da pessoa Tornaramse ainda mais interessantes os estudos que nos ensinaram com que freqüência sob condições patológicas ocorrem regressões a fases anteriores e que determinadas regressões são características de determinadas formas de doença Não posso contudo entrar nesse assunto aqui ele faz parte da psicologia especializada das neuroses Temos conseguido estudar as transformações do instinto e processos similares especialmente no erotismo anal as excitações que surgem das fontes da zona erógena anal e causounos surpresa a multiplicidade de usos a que esses impulsos instintuais são destinados Talvez não possa ser fácil livrar essa zona específica daquele menosprezo em que caiu no curso da evolução Deixemos pois que Abraham nos lembre que embriologicamente o ânus corresponde à boca primitiva que migrou para baixo para a parte terminal do intestino Temos constatado ainda que depois que as fezes os excrementos de uma pessoa perderam seu valor para essa pessoa esseinteresse intestinal derivado da origem anal transferese para objetos que podem ser dados como dádivas E isto é exatamente assim pois as fezes foram a primeira dádiva que uma criança pôde dar algo que ela pôde entregar por amor a quem estivesse cuidando dela Depois disso correspondendo exatamente a mudanças análogas de significado que ocorrem na evolução lingüística esse antigo interesse pelas fezes transformase no grande valor concedido ao ouro e ao dinheiro mas também contribui para a catexia afetiva de bebê e de pênis Entre as crianças as quais por longo tempo conservam a teoria da cloaca constitui convicção universal que os bebês nascem do intestino como o excremento a defecação é o modelo do ato do nascimento No entanto também o pênis tem o seu precursor na coluna fecal que enche e estimula a membrana mucosa do intestino Quando uma criança muito a contragosto vem a perceber que há criaturas humanas que não possuem pênis este aparecelhe como algo destacável do corpo e se torna inequivocamente análogo ao excremento que foi a primeira peça de material corporal a que teve de renunciar Assim uma grande parte do erotismo anal é transportada para a catexia do pênis O interesse por essa parte do corpo tem contudo além de sua origem analerótica uma origem oral que talvez seja ainda mais poderosa pois quando a sucção chega ao fim o pênis também se torna herdeiro do mamilo do seio materno Se não se está cônscio dessas conexões profundas é impossível orientarse nas fantasias dos seres humanos nas suas associações que são tão influenciadas pelo inconsciente e na sua linguagem sintomática Fezes dinheiro dádiva bebê pênis são aí tratados como se significassem a mesma coisa e representados também pelos mesmos símbolos E não devem esquecer que apenas pude darlhes informações muito incompletas Rapidamente posso acrescentar talvez que o interesse pela vagina que desperta mais tarde também é essencialmente de origem analerótica Isto não é de causar admiração de vez que a vagina para tomar emprestada uma expressão adequada de Lou AndreasSalomé 1916 é alugada do reto na vida dos homossexuais que fracassaram na complementação duma parte do desenvolvimento sexual normal a vagina é representada pelo reto Nos sonhos muitas vezes aparece um local que era anteriormente um só compartimento mas que agora está dividido em dois por meio de uma parede ouviceversa Isto sempre significa a relação entre vagina e intestino Também é fácil compreender como nas meninas aquilo que é inteiramente um desejo nada feminino de possuir um pênis normalmente se transforma no desejo de ter um bebê e portanto no desejo de ter um homem detentor do pênis e doador do bebê de modo que nisto podemos ver também como uma parte do que originalmente era interesse analerótico obtém acesso à organização genital subseqüente Durante nossos estudos das fases prégenitais da libido também adquirimos novas compreensões internas insights da formação do caráter Verificamos existir uma tríade de traços de caráter que se encontram juntos com grande regularidade ordem parcimônia e obstinação e da análise de pessoas que mostram esses traços inferimos que estes se originam do seu erotismo anal que foi absorvido e utilizado de maneira diferente Por conseguinte falamos de um caráter anal no qual encontramos essa notável contribuição e assinalamos um determinado contraste entre o caráter anal e o erotismo anal inalterado Descobrimos ademais uma vinculação semelhante contudo talvez ainda mais definida entre ambição e erotismo uretral Uma notável alusão a essa correlação pode ser observada na lenda segundo a qual Alexandre Magno nasceu na mesma noite em que certo Heróstrato ateou fogo ao venerado Templo de Artêmis em Éfeso por simples desejo de obter fama Assim pareceria que os antigos não desconheciam essa correlação Os senhores naturalmente sabem quanto o urinar tem a ver com fogo e com extinguir fogo Por certo esperamos que também outros traços de caráter venham a revelarse de modo semelhante como cristalização ou formações reativas relacionadas a determinadas estruturas libidinais prégenitais mas ainda não conseguimos demonstrar esse fato É agora no entanto a ocasião e eu voltar atrás tanto na história como no meu tema e novamente abordar os problemas mais gerais da vidainstintual No início a oposição entre os instintos do ego e os instintos sexuais jazia na base de nossa teoria da libido Quando mais tarde começamos a estudar mais detidamente o ego propriamente dito e chegamos à concepção do narcisismo essa distinção como tal perdeu sua razão de ser Em casos raros podese observar que o ego se tomou a si mesmo como objeto e se comporta como se estivesse apaixonado por si próprio Daí o termo narcisismo tomado do mito grego No entanto isso é apenas um exagero extremo de uma situação normal Chegamos a compreender que o ego é sempre o principal reservatório de libido do qual emanam catexias libidinais de objeto e ao qual elas retornam enquanto a maior parte dessa libido mantémse permanentemente no ego Assim a libido do ego está sendo constantemente transformada em libido objetal e a libido objetal em libido do ego Mas nesse caso elas não podiam ser diferentes em sua natureza e não podia haver sentido em distinguir a energia de um da energia do outro poderíamos ou eliminar o termo libido ou deixar de empregálo como sinônimo de energia psíquica em geral Não mantivemos muito tempo essa posição Nossa intuição de haver um antagonismo na vida instintual encontrou em pouco tempo uma outra expressão mais nítida Não é meu desejo todavia expor aos senhores a origem dessa inovação na teoria dos instintos também ela se baseia essencialmente em razões biológicas Mostrálaei aos senhores como um produto acabado Nossa hipótese reside em que existem essencialmente duas classes diferentes de instintos os instintos sexuais compreendidos no mais amplo sentido Eros se preferem esse nome e os instintos agressivos cuja finalidade é a destruição Quando isto é assim posto diante dos senhores dificilmente o considerarão novidade Parece uma tentativa de transfiguração teórica da comum oposição entre amar e odiar que coincide quem sabe com a outra polaridade atração e repulsão que a física supõe existir no mundo inorgânico Contudo devese observar que essa hipótese não obstante é sentida por muitas pessoas como inovação e na verdade como inovação das mais indesejáveis que deveria ser eliminada tão depressa quanto possível Suponho que nessa rejeição está em jogo um poderoso fator afetivo Por que necessitamos de tempo tão longo para nos decidirmos a reconhecer uminstinto agressivo Por que hesitamos em utilizarmos em benefício de nossa teoria de fatos que eram óbvios e familiares a todos Teríamos provavelmente encontrado pouco resistência se quiséssemos atribuir a animais um instinto com uma tal finalidade Todavia parece sacrílego incluílo na constituição humana contradiz muitíssimas suposições religiosas e convenções sociais Não naturalmente o homem deve ser bom ou ao menos de boa índole Se ocasionalmente se mostra brutal violento ou cruel isto são apenas perturbações transitórias de sua vida emocional na sua maior parte provocadas ou talvez apenas conseqüências das regras sociais inadequadas que ele até então impôs a si mesmo Infelizmente o que a História nos conta e o que nós mesmos temos experimentado não fala nesse sentido mas antes justifica a conclusão de que a crença na bondade da natureza humana é uma dessas perniciosas ilusões com as quais a humanidade espera seja sua vida embelezada e facilitada enquanto na realidade só causam prejuízo Não temos por que prosseguir nessa controvérsia pois temos argumentado a favor de um instinto agressivo e destrutivo nos homens não por causa dos ensinamentos da história ou da nossa experiência de vida mas com base em razões gerais às quais fomos levados ao examinar os fenômenos do sadismo e do masoquismo Conforme sabem denominamos sadismo àquela situação em que o sujeito para obter satisfação sexual depende da condição de o seu objeto sofrer dor maustratos e humilhações e masoquismo a situação em que o sujeito sente necessidade de ser ele mesmo o objeto maltratado Conforme todos sabem uma determinada mistura dessas duas tendências está incluída nas relações sexuais normais e falamos em perversões quando estas deslocam para o plano secundário os fins sexuais e os substituem por seus próprios fins E dificilmente os senhores terão deixado de perceber que o sadismo está mais intimamente relacionado à masculinidade e o masoquismo à feminilidade como se houvesse a presença de um parentesco secreto todavia devo acrescentar que não temos feito progresso nessa área Ambos os fenômenos tanto o sadismo como o masoquismo contudo muito especialmente o masoquismo apresentam um problema verdadeiramente enigmático para a teoria da libido o qual será equacionado apenas se o que constituiu uma pedra no caminho de uma teoria puder tornarse a pedra angular da teoria que a substitui É nossa opinião portanto que no sadismo e no masoquismo temos diante de nós dois excelentes exemplos e uma mistura das duas classes de instinto de Eros e de agressividade e formulamos a hipótese de que essa relação é uma relaçãomodelo que todo impulso instintual que pudermos examinar consiste em fusões ou ligas parecidas das duas categorias de instintos Naturalmente essas fusões farseiam nas mais variadas proporções Assim os instintos eróticos introduziriam a multiplicidade de seus fins sexuais na fusão enquanto os outros apenas admitiriam atenuações ou gradações em sua tendência uniforme Essa hipótese abrenos a perspectiva de investigações que um dia poderão ser de grande importância para a compreensão de processos patológicos Isso porque as fusões também podem desfazerse e podemos supor que o funcionamento será afetado de forma muito grave por desfusões dessa espécie Essas concepções porém ainda são demasiado novas ninguém ainda tentou aplicálas em nosso trabalho Retornemos ao problema especial que o masoquismo nos apresentou Se por um momento colocamos de lado seus componentes eróticos ele nos dá a certeza da existência de uma tendência que tem como objetivo a autodestruição Se também no que diz respeito ao instinto de destruição e à libido corresponde à verdade que o ego porém aqui queremos nos referir preferentemente ao id à pessoa total originalmente inclui todos os impulsos instintuais somos levados a pensar que o masoquismo é mais antigo do que o sadismo e que este o sadismo é o instinto destrutivo dirigido para fora adquirindo assim a característica de agressividade Uma determinada quantidade do instinto destrutivo original pode ainda permanecer no seu interior Parece que apenas podemos percebêlo sob duas condições se está combinado com instintos eróticos no masoquismo ou se com um acréscimo erótico maior ou menor está dirigido contra o mundo externo sob forma de agressividade E com isso acodenos ao pensamento a importância da possibilidade de que a agressividade pode não conseguir encontrar satisfação no mundo externo porque se defronta com obstáculos reais Se isto acontece talvez ela se retraia e aumente a quantidade de autodestrutividade reinante no interior Veremos como é que de fato isto ocorre e como é importante esse processo A agressividade tolhida parece implicar um grave dano Realmente parece necessário que destruamos alguma outra coisa ou pessoa a fim de não nos destruirmos a nós mesmos a fim de nos protegermos contra a impulsão de autodestruição Realmente uma triste descoberta para o moralista O moralista contudo se consolidará por muito tempo pensando na improbabilidade de nossas especulações Realmente estranho instinto é este que se volta para a destruição de sua própria morada orgânica essencial É verdade que os poetas falam dessas coisas mas os poetas são pessoas irresponsáveis e gozam do privilégio da licença poética Aliás essas idéias não são estranhas nem à fisiologia atentem para a idéia por exemplo da membrana mucosa do estômago digerindo a si própria Devese admitir contudo que nosso instinto autodestrutivo exija apoio numa base mais ampla Afinal não se pode arriscar com uma hipótese de tão largo alcance simplesmente porque uns pobres loucos uniram sua satisfação sexual a condições peculiares Acredito que um estudo mais profundo dos instintos nos proporcionará aquilo de que necessitamos Os instintos regem não só a vida mental mas também a vida vegetativa e esses instintos essenciais exibem uma característica que merece o nosso mais profundo interesse Não poderemos julgar senão mais tarde se se trata de uma característica geral dos instintos O fato é que eles revelam uma propensão a restaurar uma situação anterior Podemos supor que desde o momento em que uma situação tendo sido uma vez alcançada é desfeita surge um instinto para criála novamente e ocasiona fenômenos que podemos descrever como uma compulsão à repetição Assim toda a embriologia é um exemplo da compulsão à repetição Uma capacidade de regenerar órgãos perdidos estendese amplamente ao reino animal e o instinto de recuperação ao qual ao lado da ajuda terapêutica devemos nossas curas deve ser o remanescente dessa capacidade tão extraordinariamente desenvolvida em animais inferiores Peixes que migram para a desova pássaros que voam em migração e possivelmente tudo o que qualificamos como manifestação de instinto em animais realizamse sob as ordens da compulsão à repetição que exprime a natureza conservadora dos instintos E não temos de procurar muito por suas manifestações na área mental Chamounos a atenção o fato de que experiências reprimidas e esquecidas da infância são reproduzidas durante o trabalho da análise nos sonhos e nas reações particularmente naquelas ocorrentes na transferência embora seu revivescimento vá de encontro ao interesse do princípio de prazer Cf 1 explicamos esse fato com a suposição de que nesses casos uma compulsão à repetição vence até mesmo o princípio de prazer Fora da análise também podese observar algo semelhante Há pessoas em cujas vidasse repetem indefinidamente as mesmas reações nãocorrigidas em prejuízo delas próprias assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas sem se aperceberem causam a si mesmas esse destino Em tais casos atribuímos um caráter demoníaco à compulsão à repetição Como essa característica conservadora dos instintos pode contudo auxiliarnos a entender nossa autodestrutividade Que situação anterior um instinto desses quer restaurar Bem a resposta não é tão difícil encontrála e ela abre amplas perspectivas Se é verdade que em alguma época incomensuravelmente remota e numa forma que não podemos imaginar a vida se originou da matéria inorgânica então de acordo com nossa suposição deve ter surgido um instinto que procurou eliminar a vida novamente e restabelecer o estado inorgânico Se reconhecemos nesse instinto a autodestrutividade de nossa hipótese podemos considerar a autodestrutividade expressão de um instinto de morte que não pode deixar de estar presente em todo processo vital Ora os instintos nos quais acreditamos dividemse em dois grupos os instintos eróticos que buscam combinar cada vez mais substância viva em unidades cada vez maiores e os instintos de morte que se opõem a essa tendência e levam o que está vivo de volta a um estado inorgânico Da ação concorrente e antagônica desses dois procedem os fenômenos da vida que chegam ao seu fim com a morte Talvez os senhores venham a sacudir os ombros e dizer Isto não é ciência natural é filosofia de Schopenhauer Mas senhoras e senhores por que um pensador ousado não poderia ter entrevisto algo que depois se confirma por intermédio de uma pesquisa séria e laboriosa Ademais não há nada que já não tenha sido dito e coisas parecidas tinham sido ditas por muitas pessoas antes de Schopenhauer E mais o que estamos dizendo não é nem mesmo Schopenhauer autêntico Não estamos afirmando que a morte é o único objetivo da vida não estamos desprezando o fato de que existe vida assim como existe morte Reconhecemos dois instintos básicos e atribuímos a cada um deles a sua própria finalidade Como os dois se mesclam no processo de viver como o instinto de morte é posto a serviço dos propósitos de Eros especialmente sendo voltado para fora na forma de agressividade estas são tarefas reservadas à investigação futura Não fomos além do ponto em que essa perspectiva está aberta para nós Também a questão de saber se o caráter conservador não poderia pertencer a todos os instintos sem exceção se também os instintoseróticos não poderiam estar buscando reconstituir uma situação prévia ao se empenharem por efetuar uma síntese de coisas vivas em unidades sempre maiores também essas questões devemos deixar sem resposta Desviamonos bastante de nossa base Relatarlhesei num retrospecto o ponto de partida dessas reflexões sobre a teoria dos instintos Foi o mesmo que nos levou a rever a relação entre o ego e o inconsciente a impressão decorrente do trabalho analítico de que o paciente que opõe uma resistência muitas vezes não se apercebe dessa resistência Todavia não só o fato da resistência lhe é inconsciente como também o são os seus motivos Fomos obrigados a investigar os motivos ou o motivo e para nossa surpresa encontramolos numa profunda necessidade de punição que só podíamos classificar como desejo masoquista A importância prática dessa descoberta não é menor do que sua importância teórica de vez que a necessidade de punição é o pior inimigo de nosso trabalho terapêutico Ela obtém satisfação no sofrimento que está vinculado à neurose e por essa razão aferrase à condição de estar doente Parece que esse fato uma necessidade inconsciente de punição faz parte de toda doença neurótica E aqui são inteiramente convincentes aqueles casos nos quais o sofrimento neurótico pode ser substituído por sofrimento de outra espécie Referirei uma experiência desse tipo Certa vez consegui livrar uma senhora ainda solteira já não tão jovem do complexo de sintomas que a tinham condenado por uns quinze anos a uma existência de tormento havendoa excluído de qualquer participação na vida Sentindo então que estava bem lançouse a uma intensa atividade a fim de desenvolver seu talento que não era pequeno e de obter um pouco de reconhecimento prazer e êxito embora o momento fosse um pouco tardio Cada um dos seus intentos porém terminava quando as pessoas a faziam reconhecer ou ela própria reconhecia que já possuía demasiada idade para realizar alguma coisa naquela área Depois de cada desfecho dessa espécie uma recaída na doença teria sido a coisa evidente porém ela não conseguia mais efetuar esse fato E no lugar disso em cada oportunidade ela se envolvia num acidente que a colocava fora de ação por um tempo e lhe causava sofrimento Caía e sofria entorse do tornozelo ou contundia o joelho ou feria a mão em alguma coisa que estava fazendo Quando tomou consciência de quão grande podia ser sua participação nesses aparentes acidentes ela por assim dizer mudou de técnica Em vez de acidentes surgiramindisposições com as mesmas causas resfriados amigdalites estados gripais afecções reumáticas até que por fim resolveu renunciar às suas tentativas e toda a agitação findou Pensamos não existir dúvidas quanto à origem dessa necessidade inconsciente de punição Comportase como uma parcela de consciência como um prolongamento de nossa consciência para dentro do inconsciente e deve ter a mesma origem que a consciência e corresponde pois a uma parcela de agressividade que foi internalizada e assumida pelo superego Aqui nos bastaria ordenar adequadamente as palavras para que se justificasse para todos os fins práticos chamála de sentimento inconsciente de culpa Teoricamente com efeito temos dúvidas quanto a se devemos supor que toda a agressividade que retornou do mundo externo é ligada pelo superego e por conseguinte voltada contra o ego ou se devemos supor que uma parte da mesma está exercendo sua atividade muda e sinistra sob forma de instinto destrutivo livre no ego e no id Uma distribuição segundo a última forma citada é a mais provável porém não sabemos nada mais a esse respeito Sem dúvida quando o superego foi instituído pela primeira vez para equipar essa instância fezse uso da parcela de agressividade infantil dirigida contra os pais pelo que lhe foi impossível efetuar uma descarga para fora devido à sua fixação erótica bem como em virtude de dificuldades externas e por esse motivo a severidade do superego não corresponde necessariamente à rigidez da criação da criança ver 1 É bem possível que quando há subseqüentemente ocasião para suprimir a agressividade o instinto possa tomar o mesmo caminho que lhe esteve aberto naquele momento decisivo As pessoas nas quais esse sentimento inconsciente de culpa é excessivamente forte manifestamse no tratamento analítico pela reação terapêutica negativa que é tão desagradável do ponto de vista prognóstico Quando se lhes proporciona a solução de um sintoma que pelo menos deveria acompanharse do desaparecimento deste o que essas pessoas apresentam é ao invés uma exacerbação do sintoma e da doença Muitas vezes basta elogiar tais pacientes por sua conduta no tratamento ou dizerlhes umas palavras de esperança a respeito do progresso da análise para causar uma inequívoca piora de sua condição Um nãoanalista diria que a vontade de se recuperar estava ausente Se seguirem a maneira analítica de pensar verão nesse comportamento uma manifestação do sentimento inconsciente de culpa para o qual estar doente com seus sofrimentos e limitações é exatamente o quese deseja Os problemas que o sentimento inconsciente de culpa desvendou suas conexões com a moralidade a educação o ciúme e a delinqüência são atualmente o campo de trabalho preferido dos psicanalistas E aqui num ponto inesperado emergimos do subterrâneo psíquico para a plena luz do dia Não posso leválos mais longe mas antes de despedirme dos senhores por hoje devo retêlos com mais uma seqüência de idéias Tornouse hábito nosso dizer que nossa civilização foi construída à custa das tendências sexuais que sendo inibidas pela sociedade são com efeito em parte reprimidas mas em parte tornaramse utilizáveis em outros fins Também temos admitido que a despeito de todo o nosso orgulho por nossas conquistas culturais não nos é fácil satisfazer os requisitos dessa civilização e sentirnos à vontade nela porque as restrições instintuais impostas a nós constituem uma pesada carga psíquica Pois bem o que vimos acerca dos instintos sexuais aplicase igualmente e talvez ainda mais a outros instintos os instintos agressivos São estes acima de tudo que tornam difícil a vida do homem em comunidade e ameaçam sua sobrevivência A restrição à agressividade do indivíduo é o primeiro e talvez o mais severo sacrifício que dele exige a sociedade Temos verificado de que maneira simplista se conseguiu domar essa coisa indomável A instituição do superego que toma conta dos impulsos agressivos perigosos introduz um destacamento armado por assim dizer nas regiões inclinadas à rebelião Mas por outro lado se a encaramos exclusivamente do ponto de vista psicológico devemos reconhecer que o ego não se sente feliz ao ser assim sacrificado às necessidades da sociedade ao ter que se submeter às tendências destrutivas da agressividade que ele teria tido a satisfação de empregar contra os outros É como que um prolongamento na esfera mental do dilema comer ou ser comido que domina o mundo orgânico animado Felizmente os instintos agressivos nunca estão sozinhos mas sempre amalgamados aos eróticos Estes os instintos eróticos têm muita coisa a atenuar e muita coisa a obviar sob as condições da civilização que a humanidade criou CONFERÊNCIA XXXIII FEMINILIDADE SENHORAS E SENHORES Durante todo esse tempo em que me estou preparando para falarlhes luto com uma dificuldade interna Não tenho certeza por assim dizer da extensão daquilo que me é permitido É verdade que no decurso de quinze anos de trabalho a psicanálise modificouse e se tornou mais rica apesar disso uma introdução à psicanálise poderia ter ficado sem alteração ou suplemento Está constantemente em meu pensamento que estas conferências não têm uma raison dêtre Para analistas estou dizendo muito pouca coisa e não estou absolutamente dizendo algo novo mas para os senhores estou dizendo muitíssimo dizendo coisas que os senhores não estão preparados para entender coisas que não estão no seu campo de atividade Procurei desculpas e tentei justificar cada conferência isoladamente com base em motivos diferentes A primeira sobre a teoria dos sonhos assim se supôs reconduziuos novamente e sem delongas à atmosfera analítica e mostroulhes como nossos pontos de vista se revelaram duráveis Passei depois à segunda conferência que abrangeu desde os sonhos até o chamado ocultismo aproveitando a oportunidade de sem restrições dizer o que penso acerca de uma área de trabalho na qual atualmente expectativas preconceituosas lutam contra resistências acirradas e eu podia esperar que o discernimento dos senhores instruídos para serem tolerantes tendo como exemplo a psicanálise não se recusaria a acompanharme nessa empreitada A terceira conferência sobre a dissecção da personalidade exigiu dos senhores o máximo com seu tema desconhecido mas para mim foi impossível sonegarlhes esse primeiro começo de uma psicologia do ego e se a tivéssemos quinze anos atrás telaia mencionado para os senhores naquela época Por fim minha última conferência que os senhores provavelmente só puderam acompanhar com grande esforço apresentou correções necessárias novastentativas de solucionar os mais importantes enigmas e minha introdução telosia deixado desorientados se tivesse silenciado a respeito delas Como vêem quando alguém começa a desculparse no final resulta que tudo foi inevitável foi tudo obra do destino Submetome a ele e peçolhes que façam o mesmo A conferência de hoje também não deveria caber numa introdução pode contudo servir para ilustrarlhes uma parte detalhada do trabalho analítico e posso dizer duas coisas para recomendála Ela não nos apresenta senão fatos observados quase sem qualquer acréscimo teórico e trata de um assunto que quase mais do que qualquer outro faz jus ao interesse dos senhores Através da história as pessoas têm quebrado a cabeça com o enigma da natureza da feminilidade Häupter in Hieroglyphenmützen Häupter in Turban und schwarzem Barett Perückenhäupter und tausend andre Arme schwitzende Menschenhäupter E nem os senhores escaparam de se preocupar com esse problema aqueles dentre os senhores que são homens a quem dentre os senhores é mulher isto não se aplica as senhoras mesmas constituem o problema Quando encontram um ser humano a primeira distinção que fazem é homem ou mulher e os senhores estão habituados a fazer essa distinção com certeza total A ciência anatômica compartilha dessa certeza dos senhores num ponto não mais que isto O produto sexual masculino o espermatozóide e seu veículo são masculinos o óvulo e o organismo que o abriga são femininos Em ambos os sexos formaramse órgãos que servem exclusivamente às funções sexuais provavelmente desenvolveramse da mesma disposição inata em duas formas diferentes Ademais disso em ambos os sexos os outros órgãos as formas e tecidos corporais mostram a influência do sexo do indivíduo mas isto é inconstante sua quantidade é variável são aquilo que se conhece como características sexuais secundárias Depois a ciência dizlhes algo que se opõe às expectativas dos senhores e por certo haverá de confundir os seus sentimentos Chama a atenção dos senhores para o fato deque partes do aparelho sexual masculino também aparecem no corpo da mulher ainda que em estado atrofiado e viceversa Considera tais ocorrências como indicações de bissexualidade como se um indivíduo não fosse homem ou mulher mas sempre fosse ambos simplesmente um pouco mais de um do que de outro E então se lhes pede familiarizaremse com a idéia de que a proporção em que masculino e feminino se misturam num indivíduo está sujeita a flutuações muito amplas De vez que excetuando casos muitíssimos raros apenas uma espécie de produto sexual óvulos ou sêmen está presente numa pessoa os senhores contudo não poderão senão ter dúvidas quanto à importância decisiva desses elementos e devem concluir que aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida que foge do alcance da anatomia Estaria quem sabe nos domínios da psicologia Estamos habituados a empregar masculino e feminino também como qualidades mentais e da mesma forma temos transferido a noção de bissexualidade para a vida mental Assim dizemos que uma pessoa seja homem ou mulher se comporta de modo masculino numa situação e de modo feminino em outra Os senhores porém logo percebem que isto é apenas ceder à anatomia ou às convenções Os senhores não podem conferir aos conceitos de masculino e feminino nenhuma conotação nova A distinção não é uma distinção psicológica quando dizem masculino os senhores geralmente querem significar ativo e quando dizem feminino geralmente querem dizer passivo Ora é verdade que existe uma relação desse tipo A célula sexual masculina é ativamente móvel e sai em busca da célula feminina e esta o óvulo é imóvel e espera passivamente Essa conduta dos organismos sexuais elementares é na verdade um modelo da conduta sexual dos indivíduos durante o coito O macho persegue a fêmea com o propósito de união sexual agarraa e penetra nela Com isso os senhores justamente reduziram as características de masculinidade ao fator agressividade no que se refere à psicologia Bem podem duvidar se auferiram daí alguma vantagem real quando refletem que em algumas classes de animais as fêmeas são mais fortes e mais agressivas e o macho é ativo unicamente no ato da união sexual Assim ocorre por exemplo nas aranhas Mesmo as funções de criar e de cuidar do filhote que temos na conta de papel feminino par excellence não estão invariavelmenteligadas ao sexo feminino nos animais Em espécies animais bem superiores verificamos que ambos os sexos dividem entre si o trabalho de cuidar do filhote ou que o próprio macho sozinho dedicase a essa tarefa Até mesmo na esfera da vida sexual humana os senhores logo verão como é inadequado fazer o comportamento masculino coincidir com atividade e o feminino com passividade Uma mãe é ativa para com seu filho em todos os sentidos a própria amamentação também pode ser descrita como a mãe dando o seio ao bebê ou ela sendo sugada por este Quanto mais se afastarem da estreita esfera sexual mais óbvio se lhes tornará o erro de superposiçãoAs mulheres podem demonstrar grande atividade em diversos sentidos os homens não conseguem viver em companhia dos de sua própria espécie a menos que desenvolvam uma grande dose de adaptabilidade passiva Se agora os senhores me disserem que esses fatos provam justamente que tanto os homens como as mulheres são bissexuais no sentido psicológico concluirei que decidiram na sua mente a fazer coincidir ativo com masculino e passivo com feminino Mas advirtoos de que não o façam Pareceme que não serve a nenhum propósito útil e nada acrescenta aos nossos conhecimentos Poderseia considerar característica psicológica da feminilidade dar preferência a fins passivos Isto naturalmente não é o mesmo que passividade para chegar a um fim passivo pode ser necessária uma grande quantidade de atividade Talvez seja o caso de que numa mulher com base na sua participação na função sexual a preferência pelo comportamento passivo e por fins passivos se estenda à sua vida em grau maior ou menor proporcionalmente aos limites restritos ou amplos dentro dos quais sua vida sexual serve assim de modelo Devemos contudo nos acautelar nesse ponto para não subestimar a influência dos costumes sociais que de forma semelhante compelem as mulheres a uma situação passiva Tudo isso ainda está longe de uma elucidação Existe uma relação particularmente constante entre feminilidade e vida instintual que não devemos desprezar A supressão da agressividade das mulheres que lhes é instituída constitucionalmente e lhes é imposta socialmente favorece o desenvolvimento de poderosos impulsosmasoquistas que conseguem conforme sabemos ligar eroticamente as tendências destrutivas que foram desviadas para dentro Assim o masoquismo como dizem as pessoas é verdadeiramente feminino Mas como acontece tantas vezes se os senhores encontram masoquismo em homens que lhes resta senão dizer que tais homens mostram traços femininos muito evidentes Os senhores agora já estão preparados para saber que também a psicologia é incapaz de solucionar o enigma da feminilidade Sem dúvida a explicação deve provir de outras fontes e só pode vir quando houvermos aprendido de que modo em geral se efetuou a diferenciação dos organismos vivos em dois sexos Disto nada sabemos conquanto a existência de dois sexos seja uma característica muito surpreendente da vida orgânica que a distingue nitidamente da natureza inanimada Contudo encontramos muito que estudar nesses indivíduos humanos que mediante a posse de genitais femininos são caracterizados como manifestamente ou predominantemente femininos De acordo com sua natureza peculiar a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher seria esta uma tarefa difícil de cumprir mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual Em épocas recentes começamos a aprender um pouco acerca dessas coisas graças à circunstância de várias de nossas excelentes colegas de análise terem começado a trabalhar a questão A discussão desse aspecto adquiriu atração especial a partir da distinção entre os sexos Pois essas senhoras sempre que alguma comparação parecia mostrarse desfavorável ao seu sexo conseguiram expressar a suspeita de que nós analistas homens não tínhamos conseguido superar determinados preconceitos profundamente arraigados contra aquilo que era feminino e que esse fato estava sendo responsável pela parcialidade de nossas pesquisas Nós por nossa vez com base na bissexualidade não tínhamos dificuldade em evitar a indelicadeza Apenas tínhamos de dizer Isto não se aplica às senhoras As senhoras são a exceção neste ponto são mais masculinas do que femininas Abordamos a investigação do desenvolvimento sexual da mulher com duas expectativas A primeira é que aqui novamente a constituição não se adaptará à sua função sem uma luta A segunda reside em que os pontos críticos decisivos já terão sido preparados ou completados antes da puberdade Ambas as expectativas confirmamse de imediato Ademais a comparação com o que acontece com os meninos nos mostra ser o desenvolvimento de uma menininha em mulher normal mais difícil e mais complexo de vez que inclui duas tarefas extras às quais não há nada de equivalente no desenvolvimento de um homem Acompanhemos as linhas paralelas desde oseu começo Indubitavelmente o material é diferente no início em meninos e em meninas não era necessário que a psicanálise estabelecesse isto A diferença na estrutura dos genitais acompanha se de outras diferenças corporais que são por demais conhecidas para requerer menção aqui As diferenças sobressaem também na disposição instintual que permite entrever a natureza subseqüente das mulheres Uma menininha é em geral menos agressiva desafiadora e auto suficiente ela parece ter mais necessidade de obter carinho e por esse motivo de ser mais dependente e dócil Provavelmente é apenas como conseqüência dessa docilidade que ela pode ser ensinada mais facilmente e com maior rapidez a controlar suas excreções urina e fezes são as primeiras dádivas que as crianças dão a quem cuida delas ver 1 e controlálas é a primeira concessão a que pode ser induzida a vida instintual das crianças Também ficase com a impressão de que as menininhas são mais inteligentes e mais espertas do que os meninos da mesma idade elas saem mais ao encontro do mundo externo e ao mesmo tempo formam catexias objetais mais intensas Não sei dizer se essas sondagens no desenvolvimento foram confirmadas por observações exatas mas em todo caso não há dúvida de que as meninas não podem ser classificadas como intelectualmente atrasadas Essas diferenças sexuais não possuem conseqüência maior podem ser sobrepujadas por variações individuais Para nossos fins imediatos podem ser negligenciadas Ambos os sexos parecem atravessar da mesma maneira as fases iniciais do desenvolvimento libidinal Poderseia esperar que nas meninas já teria havido algum abrandamento da agressividade na fase sádicoanal mas não é este o caso A análise do brinquedo de crianças mostrou às nossas analistas de crianças que os impulsos agressivos de menininhas não deixam nada a desejar em matéria de quantidade e de violência Com seu ingresso na fase fálica as diferenças entre os sexos são completamente eclipsadas pelas suas semelhanças Nisto somos obrigados a reconhecer que a menininha é um homenzinho Nos meninos conforme sabemos essa fase é marcada pelo fato de que aprenderam a obter sensações prazerosas do seu pequeno pênis e relacionam seu estado de excitação às suas idéias de relação sexual As menininhas fazem o mesmo com seu diminuto clitóris Parece que em todas elas a atividade masturbatória é executada nesse equivalente do pênis e que a vagina verdadeiramente feminina a essa época ainda não foi descoberta por ambos os sexos É verdade que há também alguns relatos isolados de sensações vaginais precoces mas não poderia ser fácil distinguilas de sensações no ânus ou no vestíbulo de qualquer maneira não podem ter muita importância Estamos autorizados a manter nossa opinião segundo a qual nafase fálica das meninas o clitóris é a principal zona erógena Mas naturalmente não vai permanecer assim Com a mudança para a feminilidade o clitóris deve total ou parcialmente transferir sua sensibilidade e ao mesmo tempo sua importância para a vagina Esta seria uma das duas tarefas que uma mulher tem de realizar no decorrer do seu desenvolvimento ao passo que o homem mais afortunado só precisa continuar na época de sua maturidade a atividade que executara anteriormente no período inicial do surgimento de sua sexualidade Retornaremos ao papel que desempenha o clitóris passemos agora à segunda tarefa que sobrecarrega o desenvolvimento da menina Para um menino sua mãe é o primeiro objeto de seu amor e ela assim permanece também durante a formação do complexo de Édipo e em essência por toda a vida dele Para a menina também o seu primeiro objeto deve ser sua mãe e as figuras da babá e da nutriz que nela se fundem As primeiras catexias objetais ocorrem em conexão com a satisfação de necessidades vitais importantes e simples e as circunstâncias relativas à criação dos filhos são as mesmas para ambos os sexos Na situação edipiana porém a menina tem seu pai como objeto amoroso e esperase que no curso normal do desenvolvimento ela haverá de passar desse objeto paterno para sua escolha objetal definitiva Com o passar do tempo portanto uma menina tem de mudar de zona erógena e de objeto e um menino mantém ambos Surge então a questão de saber como isto ocorre particularmente como é que a menina passa da vinculação com sua mãe para a vinculação com seu pai ou em outros termos como passa ela da fase masculina para a feminina à qual biologicamente está destinada Seria uma solução idealmente simples se pudéssemos supor que a partir de determinada idade em diante a influência fundamental da atração recíproca entre os sexos se faz sentir e impele a mulherzinha para o homem enquanto a mesma lei permite ao menino continuar com sua mãe Poderíamos supor de resto que nesse ponto os filhos estão seguindo a indicação que lhes foi dada pela preferência sexual de seus pais Não haveremos de encontrar as coisas tão fáceis assim contudo mal sabemos se podemos acreditar com seriedade no poder do qual os poetas falam tanto e com tanto entusiasmo o qual porém analiticamente não pode ser investigado em maior profundidade Encontramos uma resposta de tipo bem diverso à custa de laboriosas investigações e pelo menos foi fácil chegar ao material respectivo Pois ossenhores devem saber que é muito grande o número de mulheres que continuam ainda em idade madura dependentes de um objeto paterno ou na verdade de seu pai real A respeito dessas mulheres com uma intensa vinculação de longa duração para com o pai temos constatado alguns fatos surpreendentes Sabíamos naturalmente que houvera um estádio preliminar de vinculação com a mãe mas não sabíamos que pudesse ser tão rico e tão duradouro e pudesse deixar atrás de si tantas oportunidades para fixações e disposições Durante essa fase o pai da menina é apenas um rival incômodo em alguns casos a vinculação à mãe perdura além do quarto ano de vida Quase tudo o que posteriormente encontramos em sua relação com o pai já estava presente em sua vinculação inicial e foi transferido subseqüentemente para seu pai Em suma ficanos a impressão de que não conseguimos entender as mulheres a menos que valorizemos essa fase de sua vinculação préedipiana à mãe Será então de nosso agrado conhecermos a natureza das relações libidinais da menina para com sua mãe A resposta é que tais relações se apresentam sob muitas formas diferentes De vez que persistem através de todas as três fases da sexualidade infantil também assumem as características das diversas fases e se expressam por desejos orais sádicoanais e fálicos Esses desejos representam impulsos ativos e também passivos se os relacionamos à diferenciação dos sexos que vai surgir depois embora devamos evitar de fazêlo até onde for possível podemos chamálos de masculino e feminino A par disto são completamente ambivalentes possuindo tanto uma natureza carinhosa como hostil e agressiva Esta última muitas vezes só vem à luz depois de haverse transformado em idéias angustiantes Nem sempre é fácil precisar uma formulação desses desejos sexuais iniciais o que mais claramente se expressa é um desejo da menina de ter da mãe um filho e o desejo correspondente de ela mesma ter um filho ambos desejos pertencentes ao período fálico e certamente surpreendentes porém estabelecidos acima de qualquer dúvida pela observação analítica O aspecto atraente dessas investigações está nas detalhadas e surpreendentes descobertas que nos trazem Assim por exemplo descobrimos o medo de ser assassinada ou envenenada o qual posteriormente poderá formar o núcleo de uma doença paranóide presente já nesse período préedipiano em relação à mãe Ou um outro caso os senhores haverão de recordarse de um interessante episódio da história da pesquisa analítica que me causou muitas horas de dissabor No período em que o principal interesse voltavase para a descoberta de traumas sexuais infantis quase todas as minhas pacientes contavamme haverem sido seduzidas pelo pai Fui forçado a reconhecer por fim que taisrelatos eram inverídicos e assim cheguei a compreender que os sintomas histéricos derivam de fantasias e não de ocorrências reais Apenas mais tarde pude reconhecer nessa fantasia de ser seduzida pelo pai a expressão do típico complexo de Édipo nas mulheres E agora encontramos mais uma vez a fantasia de sedução na préhistória préedipiana das meninas contudo o sedutor é regularmente a mãe Aqui a fantasia toca o chão da realidade pois foi realmente a mãe quem por suas atividades concernentes à higiene corporal da criança inevitavelmente estimulou e talvez até mesmo despertou pela primeira vez sensações prazerosas nos genitais da menina Não tenho dúvidas de que os senhores estão dispostos a manifestar a suspeita de que esse quadro da quantidade e da intensidade do relacionamento sexual da menininha com sua mãe estaria exagerado Afinal temse ocasião de ver menininhas e não se observa nada dessa espécie A objeção não procede entretanto São muitas as coisas que se pode ver nas crianças basta saber olhar Ademais deveriam considerar quão pouco dos seus desejos sexuais uma criança pode admitir em plano préconsciente ou muito menos pode comunicar Por conseguinte estamos simplesmente dentro dos nossos direitos quando estudamos em retrospecto os remanescentes e as conseqüências do mundo emocional de pessoas nas quais esses processos de desenvolvimento atingiram um grau de expansão especialmente evidente e até mesmo excessivo A patologia sempre nos serviu para tornar perceptíveisao isolar e exagerar aquelas situações que permaneceriam ocultas em um estado normal E como nossas investigações foram efetuadas em pessoas que não eram de modo algum gravemente anormais penso que devemos considerar merecedores de crédito os seus resultados Orientaremos agora nosso interesse no sentido de saber unicamente que coisa põe fim a essa poderosa vinculação da menina à sua mãe Conforme sabemos este é o seu destino habitual está determinado a dar lugar a uma vinculação a seu pai Aqui deparamos com um fato que constitui uma indicação para nosso esclarecimento subseqüente Esse passo no desenvolvimento não envolve apenas uma simples troca de objeto O afastarse da mãe na menina é um passo que se acompanha de hostilidade a vinculação à mãe termina em ódio Um ódio dessa espécie pode tornarse muito influente e durar toda a vida pode ser muito cuidadosamente supercompensado posteriormente geralmente uma parte dele é superada ao passo que a parte restante persiste Os eventos de anos subseqüentes naturalmente influenciam muito isto Entretanto limitarnosemos a estudálo na época em que a menina se volta para seu pai e a pesquisar os motivos desse fato Apresentasenos então uma longa lista de acusações e queixas contra a mãe as quais supõese justificam os sentimentos hostis da criança sua validade é variável e não deixaremos de examinála Muitas dentre elas são evidentes racionalizações e as verdadeiras origens da hostilidade restam por ser encontradas Penso que os senhores ficarão interessados se lhes apresento agora todos os detalhes de uma investigação psicanalítica A censura contra a mãe que remonta à época mais remota é a de que esta deu à criança muito pouco leite censura que lhe é feita como falta de amor Ora existe alguma justificação para essa acusação em nossas famílias As mães amiúde têm leite insuficiente para dar a seus filhos e se contentam com darlhes de mamar por uns poucos meses por meio ano ou três quartos de ano Entre povos primitivos as crianças são amamentadas ao seio materno por dois ou três anos A figura de nutriz que amamenta a criança geralmente se funde com a figura da mãe quando isso não acontece a censura transformase numa outra a de que a nutriz que amamentou a criança com tanta vontade foi mandada embora pela mãe muito precocemente Mas seja qual for a verdadeira situação ocorrida é impossível que a acusação da criança possa ser justificada tantas vezes quantas surgir Mais parece que a avidez da criança pelo primeiro alimento é completamente insaciável que a criança nunca supera o sofrimento de perder o seio materno Não me causaria surpresa se a análise de uma criança primitiva que ainda pudesse ser amamentada ao seio materno quando já capaz de andar e de falar viesse aapresentar a mesma queixa O temor de ser envenenada provavelmente também está relacionado ao desmame Veneno é comida que faz adoecer Talvez as crianças atribuam suas primeiras doenças também a essa frustração Uma grande soma de aprendizado intelectual é prérequisito para se acreditar no acaso os povos primitivos e os povos sem instrução e certamente também as crianças conseguem atribuir um motivo para tudo o que acontece Talvez originalmente se tratasse de motivos de natureza animista Ainda hoje em dia em determinadas camadas da população ninguém pode morrer sem ter sido morto por outrem de preferência pelo médico E a reação habitual de um neurótico à morte de alguém de suas relações próximas é colocar a culpa em si mesmo por haver causado a morte A acusação seguinte contra a mãe da criança explode quando surge o bebê seguinte Se possível a conexão com a frustração oral é mantida a mãe não podia ou não iria dar mais leite à criança porque necessitava do alimento para o recémchegado Nos casos em que duas crianças têm uma diferença de idade tão pequena que a lactação é prejudicada pela segunda gravidez essa censura adquire uma base real sendo surpreendente que uma criança até com uma diferença de idade de apenas 11 meses já tenha suficiente capacidade para perceber o que está acontecendo Contudo o que a criança não perdoa ao indesejado intruso e rival não é apenas a amamentação mas sim todos os outros sinais de cuidado materno Sente que foi destronada espoliada prejudicada em seus direitos nutre um ódio ciumento em relação ao novo bebê e desenvolve ressentimento contra a mãe infiel o que muitas vezes se expressa em desagradável mudança na conduta Tornase arteira talvez irritável e desobediente e sofre um retrocesso nos progressos que havia feito quanto ao controle das excreções Tudo isso tem sido conhecido há muito tempo e aceito como evidente por si mesmo mas raramente formamos uma idéia correta da força desses impulsos ciumentos da tenacidade com que persistem e da magnitude de sua influência no desenvolvimento ulterior Especialmente porque esse ciúme recebe constantemente novos reforços nos anos seguintes da infância e todo o abalo se repete com o nascimento de cada novo irmão ou irmã Ademais não faz muita diferença se acontece a criança continuar sendo a preferida de sua mãe As exigências de amor de uma criança são ilimitadas exigem exclusividade e não toleram partilha Uma fonte abundante de hostilidade de uma criança para com sua mãe é o que proporcionam os desejos sexuais multiformes que se modificam de acordo com a fase da libido e que em sua maior parte não podem ser satisfeitos As mais intensas frustrações ocorrem no período fálico se a mãeproíbe a atividade prazerosa com os genitais muitas vezes com ameaças severas e todos os sinais de desagrado atividade em que afinal de contas ela mesma iniciara a criança Daria para pensar que estas são razões bastantes para fazer com que a menina se afaste de sua mãe Se assim for seria de julgar que a desavença decorra inevitavelmente da natureza da sexualidade infantil do caráter ilimitado de suas exigências de amor e da impossibilidade de realizar seus desejos sexuais Na verdade poderseia pensar que essa primeira relação amorosa da criança está destinada à dissolução pelo próprio motivo de ser a primeira pois essas primeiras catexias objetais são habitualmente em grau elevado ambivalentes Uma poderosa tendência à agressividade está sempre presente ao lado de um amor intenso e quanto mais profundamente uma criança ama seu objeto mais sensível se torna aos desapontamentos e frustrações provenientes desse objeto e no final o amor deve sucumbir à hostilidade acumulada Ou então deve ser rejeitada a idéia de que haja uma ambivalência inicial básica como esta nas catexias objetais podendo ser assinalado que é a natureza especial da relação mãefilho que leva com igual inevitabilidade à destruição do amor da criança a própria educação mais branda não pode evitar o uso da coerção e a introdução de restrições e toda intervenção desse tipo na liberdade da criança deve provocar como reação uma inclinação à rebeldia e à agressividade Penso que seria muito interessante uma discussão dessas possibilidades no entanto logo surge uma objeção que força o nosso interesse noutra direção Todos esses fatores as desfeitas os desapontamentos no amor o ciúme a sedução seguida da proibição afinal também estão atuantes na relação do menino com sua mãe e ainda assim não são capazes de afastálo do objeto materno A menos que possamos encontrar algo que seja específico das meninas e não esteja presente ou não esteja presente da mesma maneira nos meninos não teremos explicado o término da vinculação das meninas à sua mãe Acredito havermos encontrado esse fator específico e na verdade no lugar onde esperávamos encontrálo embora numa forma surpreendente Eu disse onde esperávamos encontrálo pois se situa no complexo de castração Afinal a distinção anatômica entre os sexos deve expressarse em conseqüências psíquicas Foi uma surpresa no entanto constatar na análise que as meninas responsabilizam sua mãe pela falta de pênis nelas e não perdoam por terem sido desse modo colocadas em desvantagem Como vêem pois atribuímos às mulheres um complexo de castração E por boas razões o fazemos embora seu conteúdo não possa ser o mesmo que o dos meninos Nestes o complexo de castração surge depois de haverem constatado à vista dos genitais femininos que o órgão que tanto valorizamnão acompanha necessariamente o corpo Nisto acodem à lembrança do menino as ameaças que provocou contra si ao brincar com esse órgão começa a dar crédito a elas e cai sob a influência do temor de castração que será a mais poderosa força motriz do seu desenvolvimento subseqüente O complexo de castração nas meninas também inicia ao verem elas os genitais do outro sexo De imediato percebem a diferença e devese admitilo também a sua importância Sentemse injustiçadas muitas vezes declaram que querem ter uma coisa assim também e se tornam vítimas da inveja do pênis esta deixará marcas indeléveis em seu desenvolvimento e na formação de seu caráter não sendo superada sequer nos casos mais favoráveis sem um extremo dispêndio de energia psíquica O fato de a menina reconhecer que lhe falta o pênis não implica absolutamente que ela se submeta a tal fato com facilidade Pelo contrário continua a alimentar por longo tempo o desejo de possuir algo semelhante e acredita nessa possibilidade durante muitos anos e a análise pode mostrar que num período em que o conhecimento da realidade há muito rejeitou a realização do desejo por sabêlo inatingível ele persiste no inconsciente e conserva uma considerável catexia de energia O desejo de ter o pênis tão almejado pode apesar de tudo finalmente contribuir para os motivos que levam uma mulher à análise e o que ela racionalmente pode esperar da análise capacidade de exercer uma profissão intelectual por exemplo amiúde pode ser identificado como uma modificação sublimada desse desejo reprimido É difícil duvidar da importância da inveja do pênis Os senhores podem imaginar como sendo um exemplo de injustiça masculina eu afirmar que a inveja e o ciúme desempenham mesmo um papel de relevo maior na vida mental das mulheres do que na dos homens Não é que eu pense estarem essas características ausentes nos homens ou julgue que elas não tenham nas mulheres outras raízes além da inveja do pênis estou inclinado no entanto a atribuir sua quantidade maior nas mulheres a essa influência Alguns analistas mostraram uma tendência a minimizar a importância dessa primeira instalação da inveja do pênis na fase fálica Opinam que aquilo que encontramos dessa atitude em mulheres é principalmente uma estrutura secundária surgida por ocasião de conflitos posteriores mediante regressão a esse impulso infantil inicial Isto porém é um problema geral de psicologia profunda Em muitas atitudes instintuais patológicas ou mesmo raras por exemplo em todas as perversões sexuais a questão que surge é que parcela de sua força deve ser atribuída a fixações do início da infância e que parcela se atribuirá à influência de experiências e desenvolvimento posteriores Em tais casos quase sempre se trata de uma série complementar talcomo aquela que apresentamos em nossa exposição sobre a etiologia das neuroses Ambos os fatores desempenham um papel na causação em proporções variáveis a menor influência de uma parte é compensada por uma influência maior da outra parte O fator infantil estabelece o padrão em todos os casos mas nem sempre determina o resultado embora freqüentemente o faça Justamente no caso da inveja do pênis argumento a favor da preponderância do fator infantil A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina Daí partem três linhas de desenvolvimento possíveis uma conduz à inibição sexual ou à neurose outra à modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade a terceira finalmente à feminilidade normal Temos aprendido uma quantidade considerável embora não tudo a respeito das três O conteúdo essencial da primeira é o seguinte a menininha viveu até então de modo masculino conseguiu obter prazer da excitação do seu clitóris e manteve essa atividade em relação a seus desejos sexuais dirigidos à mãe os quais muitas vezes são ativos ora devido à influência de sua inveja do pênis ela perde o prazer que obtinha da sua sexualidade fálica Seu amor próprio é modificado pela comparação com o equipamento muito superior do menino e em conseqüência renuncia à satisfação masturbatória derivada do clitóris repudia seu amor pela mãe e ao mesmo tempo não raro reprime uma boa parte de suas inclinações sexuais em geral Seu afastamento da mãe sem dúvida não se dá de uma só vez pois no início a menina considera sua castração como um infortúnio individual e somente aos poucos estendea a outras mulheres e por fim também à sua mãe Seu amor estava dirigido à sua mãe fálica com a descoberta de que sua mãe é castrada tornase possível abandonála como objeto de modo que os motivos de hostilidade que há muito se vinham acumulando assumem o domínio da situação Isso significa portanto que como resultado da descoberta da falta de pênis nas mulheres estas são rebaixadas de valor pela menina assim como depois o são pelos meninos e posteriormente talvez pelos homens Os senhores todos conhecem a imensa importância etiológica atribuída por nossos pacientes neuróticos à sua masturbação Fazemna responsável por todos os seus problemas e temos a maior dificuldade em persuadilos de que estão equivocados Na realidade porém devíamos admitirlhes que têm razão pois a masturbação é o agente executor da sexualidade infantil de cujodesenvolvimento falho estão verdadeiramente sofrendo O que os neuróticos mais censuram porém é a masturbação do período da puberdade na sua maior parte esqueceramse da masturbação da infância a qual realmente é o que está em questão Desejaria ter um dia a oportunidade de explicar aos senhores minuciosamente quão importantes todos os detalhes concretos da masturbação inicial se tornam para a ulterior neurose ou caráter do indivíduo se ela foi ou não descoberta como os pais a combateram ou permitiram ou se o indivíduo por si mesmo conseguiu suprimila Tudo isso deixa marcas permanentes no seu desenvolvimento De um modo geral estou satisfeito contudo porque não necessito fazêlo Seria tarefa difícil e enfadonha e no final os senhores me colocariam em situação embaraçosa porquanto muito provavelmente iriam pedirme para darlhes alguns conselhos práticos sobre o modo como um pai ou educador deve lidar com a masturbação dos filhos pequenos Do desenvolvimento das meninas e é disso que se ocupa esta minha presente conferência posso darlhes o exemplo de uma menina que tenta livrar se da masturbação Ela nem sempre o consegue Se a inveja do pênis suscitou um poderoso impulso contra a masturbação clitoridiana e esta não obstante se recusa a desaparecer travase uma violenta luta pela liberação na qual a própria menina assume por assim dizer o papel de sua mãe deposta e dá expressão a toda a sua insatisfação com seu clitóris inferior em seus esforços contra a obtenção de satisfação a partir dele Muitos anos depois quando sua atividade masturbatória há muito já fora suprimida ainda persiste algum interesse o qual deve ser interpretado como defesa contra uma tentação ainda temida Manifestase na emergência de simpatia por aqueles a quem são atribuídas dificuldades parecidas desempenha o papel de motivo para contrair casamento e realmente pode determinar a escolha de um marido ou amante Suprimir a masturbação infantil não é verdadeiramente uma tarefa fácil ou destituída de importância Paralelamente ao abandono da masturbação clitoridiana renunciase a uma determinada soma de atividade Predomina agora a passividade e o voltarse da menina para seu pai realiza se com o auxílio de impulsos instintuais passivos Os senhores podem verificar que semelhante sinuosidade no desenvolvimento o qual remove a atividade fálica prepara o caminho para a feminilidade Se no decurso desse desenvolvimento não se perdem demasiados elementos através da repressão essa feminilidade pode vir a sernormal O desejo que leva a menina a voltar se para seu pai é sem dúvida originalmente o desejo de possuir o pênis que a mãe lhe recusou e que agora espera obter de seu pai No entanto a situação feminina só se estabelece se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê isto é se um bebê assume o lugar do pênis consoante uma primitiva equivalência simbólica ver em 1 Não nos passou despercebido o fato de que a mesma desejou um bebê anteriormente na fase fálica não perturbada este era naturalmente o significado de ela brincar com bonecas Todavia esse brinquedo não era de fato expressão de sua feminilidade serviu como identificação com sua mãe com a intenção de substituir a atividade pela passividade Ela estava desempenhando o papel de sua mãe e a boneca era ela própria a menina agora ela podia fazer com o bebê tudo o que sua mãe costumava fazer com ela Não é senão com o surgimento do desejo de ter um pênis que a boneca bebê se torna um bebê obtido de seu pai e de acordo com isso o objetivo do mais intenso desejo feminino Sua felicidade é grande se depois disso esse desejo de ter um bebê se concretiza na realidade e muito especialmente assim se dá se o bebê é um menininho que traz consigo o pênis tão profundamente desejado Com muita freqüência em seu quadro combinado de um bebê de seu pai a ênfase é colocada no bebê e o pai fica em segundo plano Assim o antigo desejo masculino de posse de um pênis ainda está ligeiramente visível na feminilidade alcançada desse modo Talvez devêssemos identificar esse desejo do pênis como sendo par excellence um desejo feminino Com a transferência para o pai do desejo de um pênisbebê a menina inicia a situação do complexo de Édipo A hostilidade contra sua mãe que não precisa ser novamente criada agora se intensifica muito de vez que esta se torna rival da menina rival que recebe do pai tudo o que dele deseja Por muito tempo o complexo de Édipo da menina ocultou à nossa observação a sua vinculação préedipiana com sua mãe embora seja tão importante e deixe atrás de si fixações tão duradouras Para as meninas a situação edipiana é o resultado de uma evolução longa e difícil é uma espécie de solução preliminar uma posição de repouso que não é logo abandonada especialmente porque o início do período de latência não está muito distante E então nos surpreende uma diferença entre os dois sexos provavelmente transitória no que diz respeito à relação do complexo de Édipo com o complexo de castração Num menino o complexo de Édipo no qual ele deseja a mãe e gostaria de eliminar seu pai por ser este um rival evolui naturalmente da fase de sexualidade fálica A ameaça de castração porém impeleo a abandonar essa atitude Sob a impressão do perigo de perder o pênis o complexo deÉdipo é abandonado reprimido e na maioria dos casos inteiramente destruído ver 1e um severo superego instalase como seu herdeiro O que acontece à menina é quase o oposto O complexo de castração prepara para o complexo de Édipo em vez de destruílo a menina é forçada a abandonar a ligação com sua mãe através da influência de sua inveja do pênis e entra na situação edipiana como se esta fora um refúgio Na ausência do temor de castração falta o motivo principal que leva o menino a superar o complexo de Édipo As meninas permanecem nele por um tempo indeterminado destroemno tardiamente e ainda assim de modo incompleto Nessas circunstâncias a formação do superego deve sofrer um prejuízo não consegue atingir a intensidade e a independência as quais lhe conferem sua importância cultural e as feministas não gostam quando lhes assinalamos os efeitos desse fator sobre o caráter feminino em geral Voltemos um pouco atrás Mencionamos na 1 como segunda reação possível face à descoberta da castração feminina o desenvolvimento de um intenso complexo de masculinidade Com isto queremos dizer que a menina se recusa digamos a reconhecer o fato indesejado e desafiantemente rebelde até exagera sua masculinidade prévia apegase à sua atividade clitoridiana e refugiase numa identificação com sua mãe fálica ou com seu pai Que será que decide em favor de um tal desfecho Só podemos supor que é um fator constitucional uma quantidade maior de atividade tal como geralmente é característico do homem Seja como for a essência desse processo é que nesse ponto do desenvolvimento evitase a afluência da passividade que abre caminho à mudança rumo à feminilidade O máximo de realização de semelhante complexo de masculinidade pareceria ser a influência sobre a escolha de um objeto no sentido do homossexualismo manifesto A experiência analítica realmente nos ensina que o homossexualismo feminino raramente ou nunca é continuação direta da masculinidade infantil Mesmo para uma menina nessas condições parece necessário que ela deva tomar seu pai como objeto por algum tempo e ingressar na situação edipiana Depois contudo em conseqüência do inevitável desapontamento com o pai é forçada a regressar a seu complexo de masculinidade anterior A importância desses desapontamentos não deve ser exagerada uma menina que está destinada a se tornar feminina não é poupada deles embora eles não tenham igual efeito A predominância do fator constitucional parece indiscutível mas as duas fases do desenvolvimento do homossexualismo feminino se espelham bem nas práticas das homossexuais que desempenham entre si papéis de mãe e de bebê com tanta freqüência e tão claramente como os de marido e mulherIsto que estive mostrandolhes aqui pode ser descrito como a préhistória da mulher É o produto desses anos mais recentes e pode terlhes interessado como um exemplo de trabalho analítico detalhado Como o seu tema é a mulher proponhome nesta ocasião mencionar o nome de algumas das mulheres que fizeram valiosas contribuições a esta investigação A Dra Ruth Mack Brunswick 1928 foi a primeira a descrever um caso de neurose que remontava a uma fixação na fase préedipiana e que jamais absolutamente atingira a situação edipiana O caso assumia a forma de paranóia de ciúmes e mostrouse acessível ao tratamento A Dra Jeanne Lamplde Groot 1927 constatou por meio de observações comprovadas a incrível atividade fálica de meninas em relação à mãe e a Dra Helene Deutsch 1932 mostrou que os atos eróticos de mulheres homossexuais reproduzem as relações entre mãe e bebê Não é minha intenção seguir o comportamento ulterior da feminilidade através da puberdade até o período de maturidade Nossos conhecimentos seriam de resto insuficientes pra tal propósito No que se segue porém acrescentarei alguns esclarecimentos Tomando sua pré história como ponto de partida apenas acentuarei aqui que o desenvolvimento da feminilidade permanece exposto a perturbações motivadas pelos fenômenos residuais do período masculino inicial Muito freqüentemente ocorrem regressões às fixações das fases préedipianas no transcorrer da vida de algumas mulheres existe uma repetida alternância entre períodos em que ora a masculinidade ora a feminilidade predominam Determinada parte disso que nós homens chamamos de o enigma da mulher pode talvez derivarse dessa expressão da bissexualidade na vida da mulher Uma outra questão parece madura para um julgamento no curso dessas pesquisas Denominamos a força motriz da vida sexual de libido A vida sexual é dominada pela polaridade masculinofeminino assim insinuase a idéia de considerarmos a relação da libido com essa antítese Não seria surpreendente se se verificasse ter cada sexualidade a sua libido especial apropriada para si de forma que um tipo de libido perseguiria as finalidades de uma vida sexual masculina e um outro tipo as finalidades de uma vida sexual feminina Mas nada disso procede Existe apenas uma libido que tanto serve às funções sexuais masculinas como às femininas À libido como tal não podemos atribuir nenhum sexo Se consoante a convencional equação atividade e masculinidade nos inclinamos a qualificála como masculina devemos não esquecer que ela também engloba tendências com uma finalidade passiva Mesmo assim a justaposição libido feminina não tem qualquer justificação Ademais temos a impressão de que maior coerção foi aplicada à libido quando ela é moldada para servir à funçãofeminina e de que falando teleologicamente a Natureza tem em menor conta as suas exigências referentes a essa função do que às da masculinidade E a razão disto pode estar novamente pensando em termos teleológicos no fato de que a realização do objetivo da biologia foi confiada à agressividade dos homens e se tornou em certa medida independente do consentimento das mulheres A frigidez sexual das mulheres cuja freqüência parece confirmar esse descaso é um fenômeno ainda insuficientemente compreendido Às vezes é psicogênica e nesse caso acessível a influência em outros casos porém sugere a hipótese de ser constitucionalmente determinada e até mesmo de existir um fator anatômico coadjuvante Prometi referirlhes mais algumas peculiaridades psíquicas da feminilidade madura conforme as encontramos no trabalho analítico Não pretendemos senão adjudicar a tais asserções uma validade média e nem sempre é fácil distinguir o que se deveria atribuir à influência da função sexual e o que atribuir à educação social Assim atribuímos à feminilidade maior quantidade de narcisismo que também afeta a escolha objetal da mulher de modo que para ela ser amada é uma necessidade mais forte que amar A inveja do pênis tem em parte como efeito também a vaidade física das mulheres de vez que elas não podem fugir à necessidade de valorizar seus encantos do modo mais evidente como uma tardia compensação por sua inferioridade sexual original A vergonha considerada uma característica feminina par excellence contudo mais do que se poderia supor sendo uma questão de convenção tem assim acreditamos como finalidade a ocultação da deficiência genital Não nos estamos esquecendo de que em época posterior a vergonha assume outras funções Parece que as mulheres fizeram poucas contribuições para as descobertas e invenções na história da civilização no entanto há uma técnica que podem ter inventado trançar e tecer Sendo assim sentirnosíamos tentados a imaginar o motivo inconsciente de tal realização A própria natureza parece ter proporcionado o modelo que essa realização imita causando o crescimento na maturidade dos pêlos pubianos que escondem os genitais O passo que faltava dar era fazer os fios uniremse uns aos outros enquanto no corpo eles estão fixos à pele e só se emaranham Se os senhores rejeitarem essa idéia como fantasiosa e considerarem idée fixe a minha crença na influência da falta de pênis na configuração da feminilidade estarei naturalmente sem apoioOs fatores determinantes da escolha objetal da mulher muitas vezes se tornam irreconhecíveis devido a condições sociais Onde a escolha pode mostrarse livremente ela se faz freqüentemente em conformidade com o ideal narcisista do homem que a menina quisera tornarse Se a menina permaneceu vinculada a seu pai isto é no complexo de Édipo sua escolha se faz segundo o tipo paterno De vez que quando se afastou da mãe e se voltou para o pai permaneceu a hostilidade de sua relação ambivalente com a mãe uma escolha desse tipo asseguraria um casamento feliz Muito freqüentemente porém o resultado é de molde a representar uma ameaça geral à solução do conflito devido à ambivalência A hostilidade que ficou para trás segue na trilha da vinculação positiva e se alastra ao novo objeto O marido da mulher inicialmente herdado por ela do pai após algum tempo se torna também o herdeiro da mãe Assim facilmente pode acontecer que a segunda metade da vida da mulher venha a ser preenchida pela luta contra seu marido do mesmo modo como a primeira metade mais breve fora preenchida pela rebelião contra a mãe Quando essa reação foi esgotada no decurso da vida um segundo casamento pode facilmente vir a ser muito mais satisfatório Uma outra modificação na natureza da mulher para a qual o casal não está preparado pode num casamento ocorrer após o nascimento do primeiro filho Sob a influência da transformação da mulher em mãe pode ser revivida uma identificação com sua própria mãe contra a qual ela vinha batalhando até a época do casamento e isto é capaz de atrair para si toda a libido disponível de modo que a compulsão à repetição reproduz um casamento infeliz dos pais A diferença na reação da mãe ao nascimento de um filho ou de uma filha mostra que o velho fator representado pela falta de pênis não perdeu até agora a sua força A mãe somente obtém satisfação sem limites na sua relação com seu filho menino este é sem exceção o mais perfeito o mais livre de ambivalência de todos os relacionamentos humanos Uma mãe pode transferir para o seu filho aquela ambição que teve de suprimir em si mesma e dele esperar a satisfação de tudo aquilo que nela restou do seu complexo de masculinidade Um casamento não se torna seguro enquantoa esposa não conseguir tornar seu marido também seu filho e agir com relação a ele como mãe A identificação de uma mulher com sua mãe permitenos distinguir duas camadas a pré edipiana sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a mãe e esta é tomada como modelo e a camada subseqüente advinda do complexo de Édipo que procura eliminar a mãe e tomarlhe o lugar junto ao pai Sem dúvida justificase dizermos que muita coisa de ambas subsiste no futuro e que nenhuma das duas é adequadamente superada no curso do desenvolvimento A fase da ligação afetuosa préedipiana contudo é decisiva para o futuro de uma mulher durante essa fase são feitos os preparativos para a aquisição das características com que mais tarde exercerá seu papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais É também nessa identificação que ela adquire aquilo que constitui motivo de atração para um homem a ligação edipiana deste à sua mãe transfigura a atração da mulher em paixão No entanto com quanta freqüência sucede que apenas o filho obtém aquilo a que o homem aspirava Temse a impressão de que o amor do homem e o amor da mulher psicologicamente sofrem de uma diferença de fase O fato de que as mulheres devem ser consideradas possuidoras de pouco senso de justiça sem dúvida se relaciona à predominância da inveja em sua vida mental isso porque a exigência de justiça é uma fixação da inveja e estabelece a condição sob a qual uma pessoa pode pôr de lado a inveja Também consideramos as mulheres mais débeis em seus interesses sociais e possuidoras de menor capacidade de sublimar os instintos do que os homens O primeiro desses dois aspectos certamente deriva da qualidade dissocial que indiscutivelmente caracteriza todos os relacionamentos sexuais O casal bastase a si mesmo e também as famílias resistem à inclusão em associações mais amplas A capacidade de sublimação está sujeita às maiores variações individuais Por outro lado não posso deixar de mencionar uma impressão que estamos tendo constantemente durante a prática analítica Um homem nos seus trinta anos parecenos um adolescente um indivíduo não formado que esperamos faça pleno uso das possibilidades de desenvolvimento que se lhe abrem com a análise Uma mulher da mesma idade porém muitas vezes nos atemoriza com sua rigidez psíquica e imutabilidade Sua libido assumiu posições definitivas e parece incapaz de trocálas por outras Não há vias abertas para um novo desenvolvimento é como se todo o processo já tivesseefetuado seu percurso e permanecesse daí em diante insuscetível de ser influenciado como se na verdade o difícil desenvolvimento na direção da feminilidade tivesse exaurido as possibilidades da pessoa em questão Como terapeutas lamentamos tal estado de coisas ainda quando conseguimos pôr um fim à doença da paciente eliminando o conflito neurótico Isto é tudo o que tinha a dizerlhes a respeito da feminilidade Certamente está incompleto e fragmentário e nem sempre parece agradável Mas não se esqueçam de que estive apenas descrevendo as mulheres na medida em que sua natureza é determinada por sua função sexual É verdade que essa influência se estende muito longe não desprezamos todavia o fato de que uma mulher possa ser uma criatura humana também em outros aspectos Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade indaguem da própria experiência de vida dos senhores ou consultem os poetas ou aguardem até que a ciência possa darlhes informações mais profundas e mais coerentes CONFERÊNCIA XXXIV EXPLICAÇÕES APLICAÇÕES E ORIENTAÇÕES SENHORAS E SENHORES Talvez me permitiriam por agora a título de pausa no tom árido destas conferências falar lhes a respeito de algumas coisas que têm muito pouca importância teórica mas que lhes interessam de perto na medida em que os senhores demonstram uma atitude amistosa para com a psicanálise Imaginemos por exemplo que nas suas horas de lazer os senhores tomam um romance alemão inglês ou americano no qual esperam encontrar um retrato das pessoas e da sociedade contemporâneas Lidas algumas páginas encontram um primeiro comentário sobre psicanálise e logo depois outros comentários mais embora o contexto não pareça necessitar deles Não devem os senhores imaginar tratarse aí de aplicar psicologia para um melhor entendimento dos personagens do livro ou das suas ações conquanto digase de passagem haja outras obras mais sérias nas quais se faz realmente uma tentativa em tal sentido Não esses comentários são na sua maior parte comentários jocosos com que o autor tenciona exibir suas vastas leituras e sua superioridade intelectual E nem sempre os senhores ficarão com a impressão de que realmente conhece aquilo de que está falando Ou então os senhores podem ir a uma reunião social a fim de se divertirem e isto não precisa ser necessariamente em Viena Dentro de pouco tempo a conversação gira em torno de psicanálise e os senhores ouvirão as mais diferentes pessoas emitindo sua opinião a respeito dela na sua maioria em tom de inabalável certeza Muito freqüentemente o julgamento é desdenhoso ou amiúde difamatório ou no mínimo jocoso Se os senhores forem imprudentes ao ponto de revelarem o fato de que conhecem algo acerca do assunto essas pessoas lhes cairão em cima unanimemente pedirão informações e explicações e logo os convencerão de que todos esses julgamentos severos a que elas chegaram carecem de qualquer base de conhecimento de que dificilmente algum desses críticos alguma vez abriu um livro referente à análise ou no caso de assim terem procedido de que não devem ter ido além da primeira resistência despertada pelo contato com esse material novo Os senhores talvez esperam que uma introdução à psicanálise também lhes dê instruções sobre quais os argumentos que deveriam usar para corrigiresses erros evidentes a respeito da análise sobre que livros deveriam recomendar para informações mais precisas ou mesmo que exemplos deveriam apresentar na discussão extraídos de suas leituras ou de sua experiência a fim de modificar a atitude dos circunstantes Devo pedirlhes que não façam nada disso Seria inútil A melhor conduta para os senhores seria ocultar completamente o conhecimento superior que possuem Se isto já não é possível limitemse a dizer que na medida dos seus conhecimentos a psicanálise é um ramo especial do conhecimento muito difícil de entender e de ter uma opinião formada a seu respeito que se ocupa de coisas muito sérias de modo que não serão algumas anedotas que farão com que uma pessoa consiga aproximarse da análise e enfim seria melhor encontrar algum outro brinquedo para entretenimento social Ademais naturalmente os senhores não participarão de tentativas de interpretação se pessoas incautas referirem seus sonhos e os senhores resistirão à tentação de cortejar favores para a análise através de relatos de suas curas Os senhores todavia podem perguntarse por que essas pessoas tanto aquelas que escrevem livros como essas de uma reunião social se conduzem de forma tão lamentável e os senhores podem inclinarse a pensar que a responsabilidade disto está não só nessas pessoas mas também na psicanálise Também penso assim Aquilo que os senhores encontram como preconceito na literatura e na sociedade é efeito posterior de um julgamento precedente ou seja o julgamento que os representantes da ciência oficial fizeram a respeito da jovem análise Uma vez queixeime disto num relato histórico que escrevi e não o farei de novo talvez aquela única vez já fosse demais porém o fato é que não houve violação da lógica não houve violação da propriedade e do bom gosto a que não recorressem então os opositores científicos da psicanálise A situação faz lembrar o que realmente era posto em prática na Idade Média quando um malfeitor ou mesmo um simples adversário político era colocado no pelourinho e exposto aos maustratos da populaça Talvez os senhores não possam se afigurar claramente a que ponto se estendem as características de ralé de nossa sociedade e de que má conduta são capazes as pessoas quando se sentem fazendo parte de uma turba e aliviadas da responsabilidade pessoal No início daquela época eu estava mais ou menos sozinho e logo vi que não havia futuro nas polêmicas vi contudo que era igualmente absurdo lamentarse e invocar a ajuda de espíritos mais benignos de vez que não havia instâncias a que dirigir taisapelos Assim sendo tomei outro caminho Fiz a primeira aplicação prática da psicanálise explicando a mim mesmo que essa conduta da multidão era uma manifestação da mesma resistência contra a qual eu tinha de lutar nos pacientes em particular Abstiveme de polêmicas e influenciei na mesma direção os meus seguidores quando estes pouco a pouco surgiram Esse procedimento foi correto A proscrição que pesava sobre a psicanálise naqueles dias tem sido suspensa desde então Contudo da mesma forma como uma fé abandonada sobrevive como superstição assim como uma teoria que foi posta de lado pela ciência continua a existir como crença popular também o banimento inicial da psicanálise pelos círculos científicos persiste atualmente no desprezo das anedotas dos leigos quando escrevem livros ou conversam Logo isto não mais surpreenderá os senhores Não devem esperar no entanto ouvir a boa notícia de que a luta contra a psicanálise terminou e que esta afinal foi reconhecida como ciência e aceita como tema de ensino nas universidades Não é nada disso A luta continua se bem que sob formas mais educadas O que também é novo é o fato de se haver formado uma espécie de crosta isolante na sociedade científica entre a análise e os seus adversários Essa crosta consiste em pessoas que admitem a validade de determinadas partes da análise e admitem apenas esse tanto sujeito às mais divertidas restrições mas que por outro lado rejeitam outras partes dela fato que não proclamam com muito alarde Não é fácil adivinhar qual o fator determinante de tal escolha Parece depender de simpatias pessoais Uma pessoa fará objeções à sexualidade uma outra ao inconsciente o que parece especialmente impopular é o caso do simbolismo Embora a estrutura da psicanálise esteja inacabada ela apresenta mesmo nos dias atuais uma unidade da qual os elementos componentes não podem ser separados ao capricho de qualquer um mas esses ecléticos parecem desprezar isto Jamais me convenci de que esses meioadeptos ou adeptos pela quarta parte baseassem sua rejeição num exame dos fatos Também se incluem nessa categoria alguns homens de destaque Na verdade estes estão excusados pelo fato de que seu tempo e seu interesse pertencem a outras coisas ou seja àquelas coisas em cujo domínio tanto realizaram Nesse caso porém não lhes ficaria melhor suspender seu julgamento em lugar de tomar partido de forma tão decidida Com um desses grandes homens certa ocasião pude realizar uma rápida conversão Tratavase de um crítico de renome internacional que havia acompanhado com benévola compreensão e profética penetração as correntes espirituais da época Somente vim a conhecêlo quando ele já passava dos oitenta anos todavia ainda era um homem de conversação encantadora Facilmenteadivinharão a quem me estou referindo E não fui eu quem introduziu o assunto da psicanálise Foi ele quem o fez comparandose a mim da maneira mais modesta Sou apenas um literato dizia ele mas o senhor é um cientista e descobridor da natureza No entanto há uma coisa que devo dizerlhe nunca tive sentimentos sexuais para com minha mãe Mas absolutamente não há necessidade de o senhor têlos reconhecido foi minha resposta nas pessoas adultas estes são sentimentos inconscientes Oh então é isto o que o senhor pensa disse ele aliviado e apertou minha mão Continuamos a conversar de maneira muito agradável por mais algumas horas Posteriormente soube que nos poucos anos de vida que ainda teve muitas vezes falava na psicanálise de modo amistoso e agradavalhe poder usar uma palavra que era nova para ele repressão Há um ditado corrente segundo o qual nós deveríamos aprender com os nossos inimigos Confesso que nunca consegui fazer isso mas pensei que de qualquer modo seria instrutivo para os senhores se eu empreendesse um estudo de todas as acusações e objeções que os adversários da psicanálise levantaram contra ela e se também assinalasse as injustiças e ofensas contra a lógica que tão facilmente nelas poderiam ser reveladas Mas depois de pensar bem disse a mim mesmo que absolutamente não seria interessante antes tornarseia tedioso e desagradável e seria justamente o que eu estivera evitando cuidadosamente todos esses anos Assim sendo devem perdoarme se não continuo por esse caminho e se os poupo dos julgamentos dos nossos adversários ditos científicos Afinal de contas quase sempre se trata de pessoas cuja única prova de competência é a imparcialidade que elas preservaram mantendose à distância das experiências da psicanálise Sei contudo que há outros casos nos quais os senhores não me deixarão escapar tão facilmente Não obstante me dirão os senhores existem tantas pessoas às quais não se aplica o seu último comentário Elas não evitaram a experiência analítica analisaram pacientes e talvez elas mesmas tenham sido analisadas durante algum tempo foram até colaboradores seus No entanto chegaram aoutras opiniões e teorias e com base nestas separaramse do senhor e fundaram escolas independentes de psicanálise O senhor deveria esclarecernos sobre o significado e a importância desses movimentos separatistas que foram tão freqüentes na história da análise Bem procurarei fazêlo só que com brevidade pois contribuem menos para uma compreensão da análise do que os senhores poderiam esperar Estou certo de que os senhores estarão pensando em primeiro lugar na Individual Psychology de Adler que na América por exemplo é considerada uma linha de pensamento colateral com a nossa psicanálise e no mesmo nível desta sendo regularmente mencionada ao lado da psicanálise Na realidade a psicologia do indivíduo muito pouco tem a ver com a psicanálise mas como decorrência de determinadas circunstâncias históricas leva em relação a esta e às suas custas uma espécie de existência parasita Os motivos que atribuímos a esse grupo de adversários aplicamse ao fundador da psicologia do indivíduo apenas em um grau restrito O seu próprio nome é inadequado e parece ter sido produto de confusão Não podemos permitir que interfira no emprego legítimo do termo psicologia de grupo como se fora uma antítese deste Ademais nossa atividade se ocupa na sua maior parte e sobretudo da psicologia dos indivíduos humanos Não me adentrarei numa crítica objetiva à psicologia do indivíduo de Adler não há lugar para isto no plano destas conferências introdutórias Aliás já tentei fazêlo uma vez e não me sinto tentado a mudar nada daquilo que eu disse naquela ocasião A impressão produzida pelos pontos de vista dele ilustralaei porém com um pequeno episódio datado de época anterior à análise Nos arredores da pequena cidade da Morávia em que nasci e que deixei quando tinha três anos de idade existe uma modesta estação de cura magnificamente localizada na floresta Durante o período escolar estive lá diversas vezes nas férias Cerca de vinte anos depois a doença de um parente próximo ensejou que eu visitasse o lugar novamente No decorrer da conversacom um médico ligado à estação de águas o qual havia assistido meu parente perguntei entre outras coisas acerca do seu relacionamento com os aldeões eslovacos me parece que constituíam toda a sua clientèle durante o inverno Contoume que sua clínica médica se fazia da seguinte maneira Em suas horas de atendimento os pacientes entravam na sua sala e ficavam de pé numa fila Um após o outro adiantavase e descrevia suas queixas dor lombar dor de estômago cansaço nas pernas e assim por diante O médico então o examinava e após contentarse com o que observara fazia o diagnóstico que era o mesmo para todos os casos Ele me traduziu a palavra significava mais ou menos enfeitiçado Surpreso perguntei se os aldeões não faziam objeção ao fato de esse veredicto ser o mesmo para cada paciente Não replicou ele eles ficam muito contentes é o que esperavam Cada um deles assim que volta a seu lugar na fila mostra aos outros pela fisionomia e pelos gestos que eu sou um sujeito que entendo das coisas Mal adivinhava eu naquele tempo em que circunstâncias haveria de encontrar novamente uma situação análoga Explicando esses fatos se um homem é um homossexual ou necrófilo um histérico sofrendo de ansiedade um neurótico obsessivo segregado da sociedade ou um louco furioso o psicólogo do indivíduo da corrente adleriana afirmará que o motivo básico de sua condição é o desejo de autoafirmarse de supercompensar sua inferioridade de ficar por cima de passar da linha feminina para a masculina Nos meus anos de jovem estudante costumávamos ouvir algo muito parecido no departamento de pacientes de ambulatório quando um caso de histeria era apresentado os pacientes histéricos assim nos era dito forjavam seus sintomas para se mostrarem interessantes para chamar atenção sobre si mesmos É notável como essas velhas mostras de sabedoria continuam a pulular Mas mesmo naquela época esse arremedo de psicologia não parecia elucidar o enigma da histeria Deixava por explicar por exemplo por que os pacientes não usavam outros métodos para satisfazerem seus propósitos Naturalmente deve haver alguma coisa correta nessa teoria dos psicólogos do indivíduo uma partícula mínima é tomada pelo todo O instinto de autopreservação tentará tirar proveito de todas as situações o ego procurará transformar até mesmo a doença em vantagem sua Na psicanálise isto se conhece como ganho secundário proveniente da doença Deveras quando pensamos no caso do masoquismo na necessidade inconsciente de punição e de se autoprejudicardo neurótico que tornam plausível a hipótese de haver impulsos instintuais contrários à autopreservação até nos sentimos abalados em nossa crença na validade geral da verdade banal sobre a qual se ergue a estrutura teórica da psicologia do indivíduo Uma teoria como esta contudo está fadada a ser muito bem recebida pela grande massa do povo uma teoria que não apresenta complicações que não introduz conceitos novos difíceis de compreender que nada sabe do inconsciente que com apenas um gesto elimina o problema universalmente opressivo da sexualidade e que se limita à descoberta de artifícios pelos quais as pessoas tornam fácil a vida Pois a massa do povo aceita as coisas facilmente ela não exige mais do que um único motivo à maneira de explicação não agradece à ciência por sua falta de limites quer ter soluções simples e saber que os problemas estão solucionados Ao considerarmos até que ponto vai a psicologia do indivíduo para satisfazer a tais exigências não podemos evitar a lembrança de uma frase de Wallenstein Wär der Gedank nicht so verwünscht gescheidt Man wär versucht ihn herzlich dumm zu nennen As críticas feitas por círculos de especialistas de forma tão incessante contra a psicanálise têm lidado com a psicologia do indivíduo de modo geral com luvas de pelica É verdade que na América um dos mais respeitados psiquiatras publicou um artigo contra Adler intitulado Enough no qual expressou energicamente seu fastio pela compulsão à repetição da psicologia do indivíduo Se outros a trataram muito mais amavelmente por certo o seu antagonismo à análise tem muito a ver com isso Não tenho muita coisa a dizer a respeito de outras escolas que se desmembraram de nossa psicanálise O fato de assim haverem procedido não pode ser usado a favor ou contra a validade das teorias psicanalíticas Basta os senhores pensarem nos poderosos fatores emocionais que tornam difícil a muitas pessoas adaptarse ou subordinarse a outras e na dificuldade ainda maior na qual justamente insiste o ditado Quot capita tot sensus Quando as diferenças de opinião foram além de certo ponto a coisa mais sensata consistiu em partir e daí em diante prosseguir por vias diferentes especialmente quando a divergência teórica envolvia uma modificação no procedimento prático Suponham por exemplo que um analista atribui pouco valor à influência do passado pessoal do paciente e busca a causa das neuroses exclusivamente nos motivos atuais e em expectativas do futuro Nesse caso negligenciará a análise da infância terá de adotar uma técnica inteiramente diferente e terá de compensar a omissão dos eventos advindos da análise da infância mediante um aumento em sua influência pedagógica e mediante a indicação direta de determinados objetivos particulares da vida De nossa parte diremos pois Isto pode ser uma escola de sabedoria porém já não é mais análise Ou então outro pode chegar à conclusão de que a experiência de ansiedade no nascimento condiciona todos os distúrbios neuróticos subseqüentes A partir daí pode acharse no direito de limitar a análise às conseqüências dessa única impressão e de prometer êxito terapêutico em um tratamento de três ou quatro meses de duração Conforme haverão de observar escolhi dois exemplos que partem de premissas diametralmente opostas É uma característica quase universal desses movimentos de secessãoo fato de que cada um deles de toda a variada riqueza de temas da psicanálise apreende apenas um fragmento e se faz independente com base nessa apreensão escolhendo o instinto de domínio por exemplo ou o conflito ético ou a importância da mãe ou a genitalidade e assim por diante Se lhes parece que as secessões desse tipo já são atualmente mais numerosas na história da psicanálise do que em outros movimentos intelectuais não tenho certeza de que deva concordar com os senhores Se é este o caso a responsabilidade deve estar nas relações íntimas existentes na psicanálise entre os pontos de vista teóricos e o procedimento terapêutico Simples diferenças de opinião seriam por muito tempo toleradas As pessoas gostam de acusarnos de intolerância a nós psicanalistas A única manifestação dessa feia característica foi precisamente o fato de havermonos afastado daqueles que pensam diferentemente de nós Nenhum outro dano lhes foi feito Pelo contrário caíram por sua própria causa e estão melhor fora do que anteriormente Isto porque com sua separação geralmente se livraram de uma dessas cargas que nos oprimem o ódio da sexualidade infantil talvez ou o absurdo do simbolismo e em seu meio são considerados medianamente respeitáveis o que ainda não se aplica àqueles dentre nós que ficaram para trás Ademais ressalvada uma exceção notável foram eles que se excluíram a si mesmos Que outras exigências os senhores fazem em nome da tolerância Quequando alguém expressa uma opinião que consideramos totalmente errônea nós lhe digamos Muito obrigado por ter expressado essa contradição O senhor nos está defendendo do perigo da complacência e nos está dando uma oportunidade de mostrar aos americanos que nós somos realmente tão liberais como eles sempre desejam ser A bem da verdade não acreditamos numa só palavra do que o senhor esteve dizendo mas isto não faz qualquer diferença Provavelmente o senhor tem tanta razão como nós Afinal quem pode talvez saber quem está certo Apesar de nosso antagonismo permitanos por favor que apresentemos seu ponto de vista em nossas publicações Esperamos que o senhor seja suficientemente gentil em troca para encontrar um lugar para nossos pontos de vista que o senhor contesta No futuro quando tiver sido atingido plenamente o mau uso da relatividade de Einstein isto se tornará obviamente o costume regular nos assuntos científicos Por enquanto é verdade ainda não chegamos a tal ponto À moda antiga limitamonos a apresentar somente as nossas convicções expomonos ao risco de errar porque não há como evitálo e rejeitamos aquilo que está em contradição conosco Na psicanálise temos usado muito o direito de modificar nossas opiniões se pensamos ter encontrado algo melhor Uma das primeiras aplicações da psicanálise consistiu em nos ensinar a compreender a oposição que os nossos contemporâneos nos movem pelo fato de exercermos a psicanálise Outras aplicações de natureza objetiva podem reivindicar um interesse mais geral Nosso primeiro propósito naturalmente foi o de compreender os distúrbios da mente humana porque uma notável experiência mostrara que aqui a compreensão e a cura quase coincidem que existe reciprocidade entre uma e outra E por muito tempo este foi nosso único propósito Depois no entanto percebemos as estreitas relações a própria identidade interna entre processos patológicos e aquilo que se conhece como processos normais A psicanálise tornouse psicologia profunda e de vez que nada daquilo que o homem cria ou faz é compreensível sem a cooperação da psicologia as aplicações da psicanálise a numerosas áreas do conhecimento em especial àquelas das ciências mentais ocorreram espontaneamente entraram em cena e requereram debate Essas tarefas infelizmente encontraram obstáculos que arraigados como estavam nas circunstâncias ainda atualmente não foram superados Uma aplicação desse tipo pressupõe conhecimento especializado que um analista não possui ao passo que aqueles que o possuem os especialistas nada conhecem da análise e talvez nada queiram conhecer Como resultado os analistas como amadores lidando com um equipamento dotado de maiores ou menores recursos muitas vezes reunidos às pressas fizeram incursões em áreas de conhecimentos tais como mitologia história da civilização etnologia ciência da religião etc Foram tratados pelos peritos dessas áreas de forma não melhor do que o são os infratores em geral seus métodos e descobertas na medida em que chamavam atenção foram liminarmente rejeitados Essas situações estão melhorando constantemente e em toda parte há um crescente número de pessoas que estudam psicanálise a fim de utilizála em seus setores especializados e a fim de como se fossem colonizadores assumir o lugar dos pioneiros Aqui podemos esperar uma abundante colheita de novos descobrimentos As aplicações da análise são também sempre confirmações dela Ademais disso ali onde o trabalho científico está de algum modo distanciado da atividade prática as inevitáveis diferenças de opinião assumem por certo um tom menos extremado Sintome fortemente atraído a mostrarlhes todas as aplicações da psicanálise às ciências mentais São coisas que merecem ser conhecidas por toda pessoa que tenha interesses intelectuais e não ouvir falar em anormalidade e doença durante determinado tempo seria uma pausa bem merecida Devo contudo abandonar tal idéia ela também nos afastaria do esquema destas conferências e para admitilo francamente eu não estaria à altura da tarefa É verdade que em algumas dessas regiões eu próprio dei o primeiro passo hoje no entanto já não abarco mais o mundo inteiro e teria de empreender um amplo estudo a fim de dominar aquilo que foi realizado desde quando comecei Qualquer um dos senhores que se tenha desapontado com minha recusa pode obter compensação nas páginas de nossa revista Imago que se destina a cobrir as aplicações nãomédicas da análise Existe um tema todavia que não posso deixar passar tão facilmente assim mesmo não porque eu entenda muito a respeito dele e nem tenha contribuído muito para ele Muito pelo contrário aliás desse assunto ocupeime muito pouco Devo mencionálo porque é da maior importância é tão pleno de esperanças para o futuro talvez seja a mais importante de todas as atividades da análise Estou pensando nas aplicações da psicanálise à educação à criação da nova geração Sintome contente com o fato de pelo menos poder dizer que minha filha Anna Freud fez desse estudo a obra de sua vida e dessa forma compensou a minha falha É fácil traçar o caminho que levou a essa aplicação Quando no tratamento de um neurótico adulto estabelecíamos a seqüência dos fatores determinantes de seus sintomas éramos com regularidade reconduzidos ao início de sua infância O conhecimento dos fatores etiológicos subseqüentes não era suficiente nem para compreender o caso nem para produzir um efeito terapêutico Portanto víamonos compelidos a conhecer as peculiaridades da infância aprendemos uma grande quantidade de coisas que não poderíamos aprender senão por meio da análise e pudemos corrigir muitas opiniões geralmente aceitas acerca da infância Reconhecemos que os primeiros anos da infância possuíam uma importância especial até a idade de cinco anos possivelmente por diversos motivos Em primeiro lugar porque esses anos incluíam o primeiro surgimento da sexualidade que deixa após si fatores causais decisivos para a vida sexual da maturidade Em segundo lugar porque as impressões desse período incidem sobre um ego imaturo e débil e atuam sobre este como traumas O ego não consegue desviar as tempestades emocionais que esses traumas de algum modo provocam exceto por meio da repressão e assim adquire na infância todas as disposições para uma doença ulterior e para distúrbios funcionais Percebemos que a dificuldade da infância reside no fato de que num curto espaço de tempo uma criança tem de assimilar os resultados de uma evolução cultural que se estende por milhares de anos incluindose aí a aquisição do controle de seus instintos e a adaptação à sociedade ou pelo menos um começo dessas duas coisas Só pode efetuar uma parte dessa modificação através do seu desenvolvimento muitas coisas devem ser impostas à criança pela educação Não nos surpreendemos se muitas vezes as crianças executam essa tarefa de modo muito imperfeitoDurante esses primeiros anos muitas delas passam por estados que podem ser equiparados a neuroses e isto se dá certamente assim em todas aquelas que posteriormente apresentam uma doença manifesta Em algumas crianças a doença neurótica não espera até a puberdade mas irrompe já na infância e dá muito trabalho aos pais e aos médicos Não receamos aplicar tratamento analítico a crianças que ou mostraram inequívocos sintomas neuróticos ou estavam a caminho de um desenvolvimento desfavorável do caráter A apreensão expressa pelos adversários da análise de que a criança seria prejudicada mostrouse infundada O que ganhamos com esses tratamentos foi havermos conseguido confirmar num ser vivo aquilo que havíamos inferido de documentos históricos por assim dizer no caso dos adultos No entanto também para as crianças o ganho foi muito satisfatório Verificouse que a criança é muito propícia para tratamento analítico os resultados são seguros e duradouros A técnica de tratamento usada em adultos deve naturalmente ser muito modificada para sua aplicação em crianças Uma criança é um objeto psicologicamente diferente de um adulto De vez que não possui superego o método da associação livre não tem muita razão de ser a transferência porquanto os pais reais ainda estão em evidência desempenha um papel diferente As resistências internas contra as quais lutamos no caso dos adultos são na sua maior parte substituídas nas crianças pelas dificuldades externas Se os pais são aqueles que propriamente se constituem em veículos da resistência o objetivo da análise e a análise como tal muitas vezes corre perigo Daí se deduz que muitas vezes é necessária determinada dose de influência analítica junto aos pais Por outro lado as inevitáveis variantes das análises de crianças diferentes da análise de adultos são diminuídas pela circunstância de que alguns dos nossos pacientes conservaram tantas características infantis que o analista também aqui adaptandose ao caso não pode evitar o emprego em tais pacientes de determinadas técnicas da análise infantil Aconteceu automaticamente que a análise de crianças se tornou domínio das analistas mulheres e sem dúvida isto continuará assim O reconhecimento de que a maioria das nossas crianças atravessa uma fase neurótica no curso desenvolvimental impõe medidas de profilaxia Podese levantar a questão de saber se não seria adequado vir em auxílio de uma criança com a análise embora não mostre sinais de algum distúrbio como forma de salvaguardar sua saúde do mesmo modo como atualmente vacinamos as crianças contra a difteria sem esperar para ver se contraíram a doença No momento atual essa discussão tem apenas interesse acadêmico contudo me disponho a considerála aqui À grande massa de nossos contemporâneos a simples sugestão de tal medida pareceria uma ofensa monstruosa e em vista da atitude para com a análise manifestada pela maioria das pessoas na condição de pais qualquer esperança de colocar em prática tal idéia deve ser abandonada na época atual Semelhante profilaxia contra a doença neurótica que provavelmente seria muito eficaz também pressupõe uma constituição bem diversa da sociedade A iniciativa para a aplicação da psicanálise à educação deve hoje ser buscada em outra área Vamos tornar claro para nós mesmos qual a tarefa primeira da educação A criança deve aprender a controlar seus instintos É impossível concederlhe liberdade de pôr em prática todos os seus impulsos sem restrição Fazêlo seria um experimento muito instrutivo para os psicólogos de crianças mas a vida seria impossível para os pais e as próprias crianças sofreriam grave prejuízo que se exteriorizaria em parte imediatamente e em parte nos anos subseqüentes Por conseguinte a educação deve inibir proibir e suprimir e isto ela procurou fazer em todos os períodos da história Na análise porém temos verificado que precisamente essa supressão dos instintos envolve o risco de doença neurótica Conforme os senhores haverão de se lembrar examinamos detalhadamente como isto ocorre Assim a educação tem de escolher seu caminho entre o Sila da nãointerferência e o Caríbdis da frustração A menos que o problema seja inteiramente insolúvel devese descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação atingir o máximo com o mínimo de dano Será portanto uma questão de decidir quanto proibir em que hora e por que meios E ademais devemos levar em conta o fato de que os objetos de nossa influência educacional têm disposições constitucionais inatas muito diferentes de modo que é quase impossível que o mesmo método educativo possa ser uniformemente bom para todas as crianças Uma simples reflexão nos diz que até agora a educação cumpriu muito mal sua tarefa e causou às crianças grandes prejuízos Se ela descobrir o ponto ótimo e executar suas tarefas de maneira ideal ela pode esperar eliminar um dos fatores da etiologia do adoecer a influência dos traumas acidentais da infância Ela não pode em caso nenhum suprimir o outro fator o poder de uma constituição instintual rebelde Se considerarmos agora os difíceis problemas com que se defronta o educador como ele tem de reconhecer a individualidade constitucional da criança de inferir a partir de pequenos indícios o que é que está se passando na mente imatura desta de darlhe a quantidade exata de amor e ao mesmo tempo manter um grau eficaz de autoridade haveremos de dizer a nós mesmos que a única preparação adequada para a profissão de educador é uma sólida formação psicanalítica Seria melhor que o educador tivesse sido ele próprio analisado de vez que o certo é ser impossível assimilar a análise sem experimentála pessoalmente A análise de professores e educadores parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças e são menores as dificuldades para pôla em prática Podemos mencionar conquanto apenas como consideração incidental um meio indireto de a educação das crianças poder ser ajudada pela análise um modo que com o tempo pode adquirir maior influência Os pais que tiverem em si a experiência da análise e devem muito a ela além de lhe deverem compreensão interna insight das falhas havidas na sua própria educação tratarão seus filhos com melhor compreensão e lhes pouparão muitas coisas de que não foram poupados Paralelamente ao trabalho dos analistas no sentido de influenciar a educação estão sendo feitas outras investigações quanto à origem e prevenção da delinqüência e do crime Também aqui estou apenas abrindo a porta para os senhores e mostrandolhes os compartimentos que se situam detrás dela sem conduzilos para dentro Estou certo de que se os senhores permanecerem leais ao seu interesse pela psicanálise poderão aprender muita coisa nova e valiosa a respeito desses temas Entretanto não devo abandonar o assunto da educação sem me referir a um seu aspecto especial Temse afirmado e certamente com razão que toda educação possui um objetivo tendencioso que ela se esforça por fazer a criança alinharse conforme a ordem estabelecida da sociedade sem considerar qual o valor ou qual o fundamento dessa ordem como tal Se perguntase uma pessoa está convencida dos defeitos das nossas atuais instituições sociais a educação segundo uma linha psicanalítica também não pode justificadamente se colocar a serviço dessas instituições a tal educação devese dar finalidades outras e mais elevadas isentas das exigências reinantes na sociedade Contudo em minha opinião esse argumento não cabe aqui Tal pretensão está além da função legítima da análise Da mesma forma não compete ao médico que é chamado para tratar um caso de pneumonia preocuparse com coisas tais como por exemplo se o paciente é um homem honesto um suicida ou um criminoso se merece continuar vivo ou se se deveria querer mantêlo com vida Esse outro objetivo que se deseja dar à educação também será um objetivo tendencioso e não é da competência do analista decidir entre as partes Estou abandonando totalmente o fato de que a psicanálise deveria recusar qualquer influência na educação no caso de esta se propor objetivos incompatíveis com a ordem social estabelecida A educação psicanalítica estará assumindo uma responsabilidade para a qual não foi convidada se ela tencionar transformar seus discípulos em rebeldes Ela terá desempenhado seu papel se os tornar tão sadios e eficientes quanto é possível A psicanálise já encerra em si mesma fatores revolucionários suficientes para garantir que todo aquele que nela se educou jamais tomará em sua vida posterior o partido da reação e da repressão Penso até mesmo que as crianças revolucionárias não são desejáveis sob nenhum ponto de vista Proponhome ainda senhoras e senhores dizerlhes algumas palavras a respeito da psicanálise como forma de terapia Discuti o lado teórico da questão há quinze anos atrás e não consigo formulálo de nenhuma outra maneira hoje agora tenho de contarlhes a nossa experiência durante esse intervalo Como sabem a psicanálise originouse como método de tratamento ela o desenvolveu muito mas não abandonou seu chão de origem e ainda está vinculada ao seu contato com os pacientes para aumentar sua profundidade e se desenvolver mais As informações acumuladas de que derivamos nossas teorias não poderiam ser obtidas de outra maneira As falhas que nós na qualidade de terapeutas encontramos constantemente nos propõem novas tarefas e as exigências da vida real estão efetivamente em guarda contra um exagero da especulação da qual não podemos afinal prescindir em nosso trabalho Já faz muito tempo debati os meios usados pela psicanálise para auxiliar os pacientes quando os auxilia e o método pelo qual o faz hoje perguntarei sobre quanto ela realiza Talvez os senhores saibam que nunca fui um terapeuta entusiasta não há o perigo de eu fazer mau uso desta conferência excedendome em elogios De preferência diria antes pouco do que muito Durante o período em que eu era o único analista as pessoas ostensivamente amáveis para com minhas idéias costumavam dizerme Tudo isto é muito bonito e inteligente mas me mostre um caso que o senhor tenha curado pela análise Esta era uma das muitas fórmulas que no decorrer do tempo se sucederam na função de afastar do caminho a incômoda inovação Hoje em dia está tão em desuso como tantas outras o analista também tem em seus escaninhos uma pilha de cartas de pacientes agradecidos que foram curados A analogia não pára aí A psicanálise é realmente um método terapêutico como os demais Tem seus triunfos e suas derrotas suas dificuldades suas limitações suas indicações Em certa época faziase contra a análise a queixa de que não podia ser tomada a sério na qualidade de tratamento de vez que não se atrevia a publicar estatísticas de seus êxitos Partindo disto o Instituto Psicanalítico de Berlim que foi fundado por Max Eitingon publicou um documento sobre seus resultados durante os seus primeiros dez anos Os seus sucessos terapêuticos não constituem motivo nem de orgulho nem de vergonha Estatísticas dessa espécie não são porém em geral instrutivas O material com que lidam é tão heterogêneo que apenas números muito elevados mostrariam algo É mais correto examinar as próprias experiências do indivíduo E aqui gostaria de acrescentar que não penso poderem as nossas curas competir com as que se verificam em Lourdes São muito mais numerosas as pessoas que crêem nos milagres da Santa Virgem do que aquelas que acreditam na existência do inconsciente Se nos voltarmos para os competidores deste mundo devemos comparar o tratamento psicanalítico com outros tipos de psicoterapia Mal se pode mencionar aqui os atuais métodos orgânicos de tratamento dos estados neuróticos A análise enquanto método psicoterapêutico não se situa em oposição a outros métodos usados nesse ramo especializado da medicina não lhes diminui o valor e nem os exclui Não há nenhuma incoerência teórica se um médico que gosta de se dizer psicoterapeuta usa a análise em seus pacientes paralelamente a algum outro método de tratamento segundo as peculiaridades do caso e as circunstâncias externas favoráveis ou desfavoráveis É realmente a técnica que obriga à especialização na prática da medicina Assim a cirurgia e a ortopedia do mesmo modo foram obrigadas a separarse A atividade psicanalítica é árdua e exigente não pode ser manejada como um par de óculos que se põe para ler e se tira para sair a caminhar Via de regra a psicanálise possui um médico inteiramente ou não o possui em absoluto Aqueles psicoterapeutas que empregam a psicanálise entre outros métodos ocasionalmente pelo que sei não se situam em chão analítico firme não aceitaram toda a análise tornaramna aguada mudaramlhe a essência quem sabe não podem ser incluídos entre os analistas Penso que isto é lamentável Na prática médica a cooperação entre um analista e um psicoterapeuta que se limita a outras técnicas serviria a propósitos muito úteis Comparada com outros procedimentos psicoterapêuticos a psicanálise é fora de dúvida o mais eficiente Também é justo e correto que seja assim de vez que também é o mais laborioso e demorado não seria usado em casos leves Nos casos apropriados é possível através dela suprimir os distúrbios e promover modificações que em épocas préanalíticas não se ousaria esperar obter Tem contudo os seus limites bem definidos A ambição terapêutica de alguns de meus adeptos fez os maiores esforços no sentido de superar tais obstáculos de modo que todo tipo de doença neurótica pudesse ser curável por meio da psicanálise Tentaram comprimir o trabalho analítico num tempo mais curto intensificar a transferência de modo a poder vencer qualquer resistência juntarlhe outras formas de influência a fim de forçar uma cura Esses esforços são certamente dignos de elogios mas segundo penso são vãos Ademais trazem consigo o risco de a pessoa ser arrastada para fora da análise e atraída para uma série de experiências sem limites A expectativa de que todo fenômeno neurótico possa ser curado pode ser conforme suspeito derivada da crença do leigo de que as neuroses são algo muito desnecessário que não têm qualquer razão de existir E no entanto elas são com efeito doenças graves fixadas na constituição que raramente se limitam apenas a alguns ataques mas persistem geralmente por longos períodos ou por toda a vida Nossa experiência analítica segundo a qual elas podem ser extensamente influenciadas se as causas precipitantes históricas e os fatores acidentais acessórios da doença puderem ser abordados levounos a negligenciar o fator constitucional em nosso procedimento terapêutico e em todo caso não podemos fazer nada quanto a esse fator mas em teoria devemos têlo sempre em mente A radical inacessibilidade das psicoses ao tratamento analítico tendo em vista a estreita relação delas com as neuroses deveria limitar nossas pretensões com referência às últimas A eficácia terapêutica da psicanálise permanece tolhida por numerosos fatores de peso e dificilmente abordáveis Quanto ao caso das crianças em que se pode contar com os maiores êxitos as dificuldades são externas influenciadas pelo relacionamento com os pais embora tais dificuldades afinal necessariamente façam parte da condição da criança Quanto aos adultos as dificuldades surgem em primeiro lugar de dois fatores o montante da rigidez psíquica presente e a forma da doença com tudo o que isto abrange em termos de fatores determinantes mais profundos O primeiro desses fatores amiúde é negligenciado sem razão Por maiores que sejam a elasticidade da vida mental e a possibilidade de reviver antigas situações nem tudo pode ser trazido à luz novamente Determinadas modificações parecem ser definitivas e correspondem a cicatrizes que se formaram quando um processo completou seu curso Em outras ocasiões temse a impressão de um enrijecimento geral na vida psíquica os processos mentais aos quais se poderia muito bem indicar outros caminhos parecem incapazes de abandonar os antigos rumos Mas talvez isto seja equivalente àquilo que acabei de mencionar só que visto de forma diferente Muitas vezes parece que se verifica que aquilo que está faltando ao tratamento é apenas a necessária força motriz e que essa falta impede efetuarse a modificação Determinada relação de dependência ou um componente instintual especial podem ser demasiado poderosos em comparação com as forças opostas que somos capazes de mobilizar É quase sempre isto o que ocorre com as psicoses Nós as conhecemos o suficiente para sabermos em que ponto devem ser aplicadas as alavancas estas contudo não seriam capazes de mover o peso Realmente é aqui o lugar onde está a esperança no futuro na possibilidade de que nosso conhecimento da atuação dos hormônios os senhores sabem o que eles são nos possa fornecer os meios de combater com êxito os fatores quantitativos das doenças mas estamos longe disto atualmente Apercebome de que em todos esses assuntos a incerteza é um estímulo constante para aperfeiçoar a análise e especialmente a transferência Os iniciantes em análise principalmente ficam em dúvida em caso de insucesso se devem atribuílo a peculiaridades do caso ou à sua própria inabilidade de manejar o procedimento terapêutico Mas conforme já disse anteriormente não creio que se possa conseguir muito com intentos nessa direção A segunda limitação aos êxitos da análise é causada pela forma da doença Já sabem os senhores que o campo de aplicação da terapia analítica se situa nas neuroses de transferência fobias histeria neurose obsessiva e além disso anormalidades de caráter que se desenvolveram em lugar dessas doenças Tudo o que difere destas as condições narcísicas e psicóticas é inevitável em grau maior ou menor Seria inteiramente legítimo acautelarnos dos insucessos excluindo cuidadosamente esses casos Tal precaução levaria a uma grande melhora nas estatísticas da análise Todavia aqui há uma armadilha Nossos diagnósticos são feitos após os eventos Assemelhamse à prova do rei escocês para identificar feiticeiras que li em Victor Hugo Esse rei declarava que possuía um método infalível de reconhecer uma feiticeira Mandava cozer lentamente as mulheres num caldeirão de água fervendo e então provava o caldo Depois disso era capaz de dizer Esta era feiticeira ou Não esta não era Conosco se passa o mesmo exceto que nós somos os que sofremos Não podemos julgar o paciente que vem para tratamento ou igualmente o candidato que vem para formação senão depois de havêlo estudado analiticamente por algumas semanas ou meses De fato estamos comprando nabos em saco O paciente traz consigo aspectos doentios indefinidos e gerais que não comportam um diagnóstico conclusivo Depois desse período de prova pode acontecer que o caso se revele inviável Com isto mandamolo embora se for um candidato ou prolongamos a tentativa um pouco mais se for um paciente na expectativa de ainda podermos ver as coisas sob uma luz mais favorável O paciente vingase acrescentandose à nossa lista de fracassos e vingase o candidato rejeitado se for um paranóide escrevendo livros sobre psicanálise Como vêem nossas precauções foram inúteis Receio que essas discussões detalhadas estejam exaurindo o interesse dos senhores Contudo me sentiria ainda mais pesaroso se os senhores dessem para pensar que minha intenção é diminuir o conceito que os senhores têm da psicanálise como terapia Talvez eu realmente haja feito um começo desajeitado Pois eu quis fazer o contrário excusar as limitações terapêuticas da análise mostrando a inevitabilidade delas Com o mesmo propósito em vista passo a outro ponto a acusação feita contra o tratamento analítico de que ele leva um tempo exageradamente longo Quanto a isto devese dizer que as modificações psíquicas de fato só se fazem lentamente se ocorrem rápida subitamente isto é mau sinal É verdade que o tratamento de uma neurose muito grave pode com facilidade estenderse por vários anos mas pensem no caso de haver êxito quanto tempo a doença teria durado Uma década provavelmente por ano de tratamento ou seja a doença como vemos tantas vezes em casos não tratados absolutamente não teria findado Em alguns casos justificase que retomemos uma análise muitos anos depois A vida desenvolveu novas reações patológicas a novas causas precipitantes mas nesse ínterim nosso paciente tinha estado bem A primeira análise realmente não tinha trazido à luz todas as suas disposições patológicas e era natural que a análise houvesse parado uma vez obtido o êxito Existem também pessoas gravemente prejudicadas que são mantidas sob supervisão analítica por toda a vida e retornam à análise de tempos em tempos Essas pessoas não fosse dessa maneira seriam porém totalmente incapazes de viver e devemonos contentar com o fato de poderem manterse sobrevivendo às suas próprias custas por meio desse tratamento parcelado e recorrente A análise dos distúrbios de caráter também exige longos períodos de tratamento mas muitas vezes obtém êxito conhecem os senhores alguma outra terapia com a qual se poderia empreender semelhante tarefa A ambição terapêutica pode sentirse insatisfeita com esses resultados mas tendo como exemplos a tuberculose e o lupo aprendemos que o sucesso só pode ser obtido quando o tratamento se adapta às características da doença Disselhes que a psicanálise começou como um método de tratamento mas não quis recomendálo ao interesse dos senhores como método de tratamento e sim por causa das verdades que ela contém por causa das informações que nos dá a respeito daquilo que mais interessa aos seres humanos sua própria natureza e por causa das conexões que ela desvenda entre as mais diversas atividades Como método de tratamento é um método entre muitos embora seja para dizer a verdade primus inter pares Se não tivesse valor terapêutico não teria sido descoberto como o foi em relação a pessoas doentes e não teria continuado desenvolvendose por mais de trinta anos CONFERÊNCIA XXXV A QUESTÃO DE UMA WELTANSCHAUUNG SENHORAS E SENHORES Em nosso encontro anterior ocupamonos com pequenos assuntos cotidianos colocando nossa modesta casa em ordem digamos assim Proponho que demos um salto ousado e nos arrisquemos a responder à pergunta que constantemente se faz em outros setores a psicanálise conduz a uma determinada Weltanschauung e em caso afirmativo a qual Suponho que Weltanschauung seja um conceito especificamente alemão cuja tradução para línguas estrangeiras certamente apresenta dificuldades Se eu tentar uma definição sua minha definição estará fadada a ser incompleta Em minha opinião a Weltanschauung é uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de nossa existência uniformemente com base em uma hipótese superior dominante a qual por conseguinte não deixa nenhuma pergunta sem resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo Facilmente se compreenderá que a posse de uma Weltanschauung desse tipo situase entre os desejos ideais dos seres humanos Acreditandose nela podese sentir segurança na vida podese saber o que se procura alcançar e como se pode lidar com as emoções e interesses próprios da maneira mais apropriada Sendo esta a natureza da Weltanschauung tornase fácil a resposta no que respeita à psicanálise Na qualidade de ciência especializada ramo da psicologia psicologia profunda ou psicologia do inconsciente ela é praticamente incapaz de construir por si mesma uma Weltanschauung tem de aceitar uma Weltanschauung científica A Weltanschauung da ciência porém já diverge muito de nossa definição É verdade que também supõe a uniformidade da explicação do universo mas o faz apenas na qualidade de projeto cuja realização é relegada ao futuro Ademais marcamna características negativas como o fato de se limitar àquilo que no momento presente é cognoscível e de rejeitar completamente determinados elementos que lhe são estranhos Afirma que não há outras fontes de conhecimento do universo além da elaboração intelectual de observações cuidadosamente escolhidas em outras palavras o que podemos chamar de pesquisa e a par disso que não existe nenhuma forma de conhecimento derivada da revelação da intuição ou da adivinhação Parece que esse ponto de vista chegou muito perto de obter reconhecimento geral no curso dos últimos séculos e coube ao nosso século manifestar a atrevida objeção segundo a qual uma Weltanschauung como esta é simultaneamente muito pobre sem esperança e despreza as reivindicações do intelecto humano e as necessidades da mente do homem Essa objeção não pode ser repelida com demasiada energia Praticamente carece de fundamento pois o intelecto e a mente são objetos de pesquisa científica exatamente da mesma forma como o são as coisas nãohumanas A psicanálise tem um direito especial de falar de uma Weltanschauung científica nesse ponto de vez que não pode ser acusada de ter negligenciado aquilo que é mental no quadro do universo Sua contribuição à ciência consiste justamente em ter estendido a pesquisa à área mental E aliás sem tal psicologia a ciência estaria muito incompleta Se no entanto a investigação das funções intelectuais e emocionais do homem e do animal é incluída na ciência então se verá que nada é modificado na atitude da ciência como um todo que nenhuma nova fonte de conhecimento ou novo método de pesquisa resultou daí A intuição e a adivinhação seriam as mesmas se existissem porém seguramente podem ser tidas na conta de ilusões de realização de impulsos plenos de desejos Também é fácil verificar que essas exigências feitas a uma Weltanschauung somente se baseiam na emoção A ciência apercebese do fato de que a mente do homem cria tais exigências e está pronta a examinar suas origens mas não tem o mais leve motivo para considerálas justificadas Pelo contrário vê isto como advertência no sentido de cuidadosamente separar do conhecimento tudo o que é ilusão e o que é resultado de exigências emocionais como estas Isto absolutamente não significa que se deva repelir com desprezo esses desejos ou subestimar seu valor para a vida humana Estamos em condições de destacar as realizações que esses desejos criaram para si mesmos nos produtos da arte e nos sistemas de religião e de filosofia porém não podemos desprezar o fato de que seria ilícito e muito impróprio permitir fossem essas exigências transferidas para a esfera do conhecimento Pois isto equivaleria a deixar abertos os caminhos que levam à psicose seja psicose individual seja grupal e retiraria valiosas somas de energia de empreendimentos voltados para a realidade com a finalidade de na medida do possível nela encontrar satisfação para os desejos e para as necessidades Do ponto de vista da ciência não se pode evitar exercer aqui a faculdade de crítica e apresentar objeções e rejeições Não é lícito declarar que a ciência é um campo da atividade mental humana e que a religião e a filosofia são outros campos de valor pelo menos igual e que a ciência não tem por que interferir nelas que todas elas têm iguais pretensões de serem verdadeiras e que toda pessoa tem a liberdade de escolher de qual delas irá derivar suas convicções e em qual delas depositará sua crença Uma opinião como esta é vista como especialmente superior tolerante emancipada e livre de preconceitos incultos Infelizmente não é sustentável e compartilha de todos os aspectos perniciosos de uma Weltanschauung não científica e a esta equivale na prática É que a verdade simplesmente não pode ser tolerante não admite conciliações ou limitações e o fato é que a pesquisa considera como propriedade sua todas as esferas da atividade humana e deve exercer uma crítica incessante se algum outro poder tenta arrebatarlhe alguma parte Dos três poderes que podem disputar a posição básica da ciência apenas a religião deve ser considerada seriamente como adversária A arte quase sempre é inócua e benéfica não procura ser nada mais do que uma ilusão Excetuando algumas pessoas que se diz serem possessas pela arte esta não tenta invadir o reino da realidade A filosofia não se opõe à ciência comportase como uma ciência e em parte trabalha com os mesmos métodos diverge porém da ciência apegandose à ilusão de ser capaz de apresentar um quadro do universo que seja sem falhas e coerente embora tal quadro esteja fadado a ruir ante cada novo avanço em nosso conhecimento Perde o rumo com seu método de superestimar o valor epistemológico de nossas operações lógicas e ao aceitar outras fontes de conhecimento como a intuição E muitas vezes parece que não é injustificado o mordaz comentário do poeta quando diz do filósofo Mit seinen Nachtmützen und Schlafrockfetzen Stopft er die Lücken des WeltenbausA filosofia no entanto não exerce influência direta na grande massa da humanidade é objeto do interesse de apenas um pequeno número de pessoas da camada superior de intelectuais e dificilmente é compreensível para alguém mais Por outro lado a religião é um poder imenso que tem a seu serviço as mais fortes emoções dos seres humanos Sabese muito bem que em períodos anteriores abrangia tudo o que desempenhava um papel intelectual na vida do homem que ela assumia o lugar da ciência ali onde mal havia algo que se assemelhasse à ciência e que ela construía uma Weltanschauung coerente e autosuficiente num grau sem paralelo e que embora profundamente abalada persiste na atualidade Se quisermos dar uma noção da natureza grandiosa da religião devemos ter em mente o que ela se propõe fazer pelos seres humanos Dálhes informações a respeito da origem e da existência do universo asseguralhes proteção e felicidade definitiva nos altos e baixos da vida e dirige seus pensamentos e ações mediante preceitos os quais estabelece com toda a sua autoridade Com isto ela preenche três funções Com a primeira delas satisfaz a sede de conhecimento do homem faz a mesma coisa que a ciência tenta fazer com os seus próprios meios e nesse ponto entra em choque com ela É à segunda das suas funções que a religião deve certamente a maior parte de sua influência A ciência não pode competir com a religião quando esta acalma o medo que o homem sente em relação aos perigos e vicissitudes da vida quando lhe garante um fim feliz e lhe oferece conforto na desventura É verdade que a ciência nos pode ensinar como evitar determinados perigos e mostrarnos existirem determinados sofrimentos que ela é capaz de combater com êxito seria muito injusto negar que ela ela é um poderoso auxiliar do homem há contudo muitas situações em que se vê obrigada a deixar o homem entregue ao sofrimento e apenas pode aconselhálo a resignarse Em sua terceira função mediante a qual estabelece preceitos proibições e restrições a religião vai muito além da ciência Isso porque a ciência se contenta com investigar e estabelecer fatos embora seja verdade que de suas aplicações se derivam normas e orientações quanto à conduta de vida Em algumas circunstâncias estas coincidem com aquelas que a religião oferece mas quando tal fato se verifica os motivos de uma e de outra são diferentes A convergência desses três aspectos da religião não está inteiramente clara Qual a inter relação entre a explicação da origem do universo e a inculcação de determinados preceitos éticos especiais As garantias de proteção e felicidade estão mais intimamente ligadas aos requisitos éticos São a recompensa pela observância desses mandamentos somente aqueles que obedecem a esses últimos podem contar com esses benefícios a punição espera o desobediente Aliás algo parecido se verifica com a ciência Aqueles que desprezam suas lições assim ela nos diz expõemse a dano A notável combinação de ensino consolo e exigências que se verifica na religião pode ser compreendida apenas quando submetida a uma análise genética Esta pode ser abordada desde o ponto mais surpreendente do conjunto ou seja do seu ensino acerca da origem do universo pois podemos perguntar por que uma cosmogonia faz parte regularmente dos sistemas religiosos Assim a doutrina afirma que o universo foi criado por um ser semelhante ao homem contudo magnificado em todos os aspectos em poder sabedoria e força de suas paixões um superhomem idealizado Animais na qualidade de criadores do universo assinalam a influência do totemismo sobre o qual teremos pelo menos algumas palavras a dizer no momento É interessante constatar que esse criador quase sempre é um único ser mesmo nos casos em que se acredita existirem muitos deuses Também é interessante o fato de que o criador geralmente é um homem embora não sejam nada raras as indicações referentes a deidades femininas e algumas mitologias realmente fazem a criação começar com um deus masculino eliminando uma divindade feminina que é degradada em monstro Aqui se nos apresentam os mais interessantes problemas de detalhes mas não podemos determos aí Nosso caminho tornase mais fácil de reconhecer de vez que esse criadordeus é abertamente chamado de pai A psicanálise infere que realmente é o pai com toda a magnificência em que durante determinada época ele aparecia para a criancinha Um homem religioso imagina a criação do universo assim como imagina sua própria origem Vistas essas coisas é fácil explicar o modo como garantias do consolo e rígidas normas éticas se combinam com uma cosmogonia A mesma pessoa à qual a criança deveu sua existência o pai ou mais corretamente sem dúvida a instância parental composta do pai e da mãe também protegeu e cuidou da criança em sua debilidade e desamparo exposta como estava a todos os perigos que a esperavam no mundo externo sob a proteção do pai a criança sentiuse segura Quando um ser humano se torna adulto ele sabe na verdade que possui uma força maior mas sua compreensão interna insight dos perigos da vida também se tornou maior e com razão conclui que fundamentalmente ainda permanece tão desamparado e desprotegido como era na infância ele sabe que na sua confrontação com o mundo ainda é uma criança Mesmo agora portanto não pode prescindir da proteção que usufruía na infância Também reconheceu desde então que seu pai é um ser que possui um poder muito limitado e não está dotado de todas as virtudes Por esse motivo retorna à imagem mnêmica do pai a quem na infância tanto supervalorizava Exalta a imagem transformandoa em divindade e tornaa contemporânea e real A força afetiva dessa imagem mnêmica e a persistência de sua necessidade de proteção conjuntamente sustentam sua crença em Deus O terceiro item principal do programa religioso a exigência ética também se adapta facilmente a essa situação de infância Posso lembrar aos senhores o famoso pronunciamento de Kant no qual ele cita de um fôlego só os céus estrelados e as leis morais dentro de nós ver 1 Por mais estranha que possa soar essa justaposição pois que têm a ver os corpos celestes com a questão de saber se uma criatura humana mata ou ama a outra ela toca numa grande verdade psicológica O mesmo pai ou instância parental que deu a vida à criança e a protegeu contra os perigos ensinoulhe também o que podia fazer e o que devia deixar de fazer instruiua no sentido de adaptarse a determinadas restrições em seus desejos instintuais e fêla compreender o respeito que devia ter para com os pais e os irmãos se quisesse tornarse um membro tolerado e benquisto do círculo familiar e posteriormente de associações mais amplas A criança é educada no sentido de conhecer os seus deveres sociais mediante um sistema de recompensas carinhosas e de punições élhe ensinado que sua segurança na vida depende de que seus pais e depois de que outras pessoas a amem e de que eles possam acreditar que a criança os ama Todas essas relações são posteriormente introduzidas inalteradas pelo homem na religião A quantidade de proteção e de satisfação destinada a uma pessoa depende do seu cumprimento das exigências éticas seu amor a Deus e sua consciência de ser amado por Deus são os fundamentos da segurança que adquire contra os perigos do mundo externo e do seu ambiente humano Finalmente pela prece assegura para si uma influência direta sobre a vontade divina e com isto compartilha da onipotência divinaEstou seguro de que enquanto os senhores estavam me ouvindo foram molestados por numerosas questões que os senhores gostariam de ter ouvido já com respostas Não posso empreender essa tarefa aqui e agora mas confio em que nenhuma dessas indagações detalhadas viria a perturbar nossa tese segundo a qual a Weltanschauung religiosa é determinada pela situação de nossa infância Com tudo isso ainda se torna mais notável o fato de que a despeito de sua natureza infantil ela teve um precursor Não cabem dúvidas de que houve uma época sem religião sem deuses Tal época se conhece como a fase do animismo Nessa época o mundo era povoado de seres espirituais semelhantes ao homem nós os denominamos de demônios Todos os objetos do mundo externo eram sua habitação ou talvez fossem idênticos a tais demônios contudo não havia um poder superior que os tivesse criado a todos eles e depois os regesse e ao qual a pessoa pudesse voltarse para pedir proteção e auxílio Os demônios do animismo eram na sua maioria hostis em sua atitude para com os seres humanos mas parece que então os seres humanos tinham mais autoconfiança do que posteriormente Por certo se encontravam num constante estado do mais agudo medo em relação a esses maus espíritos mas deles se defendiam por meio de determinados atos aos quais atribuíam o poder de afastálos Ademais disso não se consideravam indefesos Se desejavam algo da Natureza se desejavam chuva por exemplo não faziam uma oração diretamente ao deus do tempo mas executavam um ato mágico que esperavam influenciasse diretamente a Natureza eles mesmos faziam algo que se semelhava à chuva Em sua luta contra os poderes do mundo que os circundava sua primeira arma foi a magia o mais antigo precursor da tecnologia de hoje Sua confiança na magia conforme supomos derivou da supervalorização de suas operações intelectuais de sua crença na onipotência dos pensamentos que aliás encontramos revivida em nossos pacientes neuróticos obsessivos Podemos supor que os seres humanos naquela época orgulhavamse particularmente de suas aquisições em termos de linguagem que devem ter sido acompanhadas de grande facilitação do pensamento Atribuíam poderes mágicos às palavras Esse aspecto mais tarde foi assumido pela religião E Deus disse Façase a luz e a luz foi feita O caso dos atos mágicos ademais nos mostra que o homem animista não se apoiava apenas no poder de seus desejos Preferentemente esperava resultados da execução de um ato que induziria a Natureza a imitar esse mesmo ato Se desejava chuva ele mesmo derramava água se queria exortar a terra a ser dadivosa mostrava à terra nos campos uma vívida execução do ato sexual Os senhores sabem como é difícil algo desaparecer após haver alguma vez conseguido expressão psíquica Assim não se supreenderão ao ouvir dizer que muitas das expressões do animismo persistiram até hoje na maior parte segundo o que chamamos superstição paralelamente e por trás da religião E mais ainda dificilmente os senhores poderão rejeitar o raciocínio de que a filosofia de hoje conservou alguns aspectos essenciais do modo animista de pensamento a supervalorização da magia das palavras e a crença segundo a qual os fatos reais do mundo tomam o rumo que nosso pensamento deseja imporlhes Com efeito ela pareceria ser um animismo sem atos mágicos Por outro lado podemos supor que mesmo naqueles tempos havia ética de alguma espécie havia preceitos sobre as relações mútuas dos homens mas nada sugere que tivessem uma conexão íntima com as crenças animistas Eram provavelmente expressão direta dos poderes relativos do homem e de suas necessidades práticas Por certo valeria a pena conhecer o que causou a transição do animismo para a religião todavia os senhores podem imaginar a obscuridade que ainda nos dias atuais encobre esses tempos primitivos da evolução do espírito humano Parece que a primeira forma assumida pela religião foi o notável fenômeno do totemismo a adoração dos animais em cuja seqüência apareceram os primeiros mandamentos éticos os tabus Em um volume intitulado Totem e Tabu 191213 desenvolvi a idéia que situava a origem dessa transformação numa revolução das circunstâncias da família humana A principal realização da religião quando comparada com o animismo está na vinculação psíquica do temor aos demônios Não obstante um vestígio dessa era primeva o Espírito do Mal manteve um lugar no sistema religioso Sendo esta a préhistória da Weltanschauung religiosa retornemos agora àquilo que aconteceu desde então e àquilo que ainda está acontecendo diante de nossos olhos O espírito científico reforçado pela observação dos processos naturais começou no decorrer do tempo a tratar a religião como um assunto humano e a submetêla a exame crítico A religião não podia suportar isto O que primeiro deu origem à suspeita e ao ceticismo foram suas lendas de milagres pois contradiziam tudo o que tinha sido constatado mediante acurada observação e traíam muito nitidamente a influência da atividade da imaginação humana Depois disto as suas doutrinas que explicavam a origem do universo se defrontaram com a contestação pois evidenciavam uma ignorância que trazia a marca de épocas antigas e em relação às quais as pessoas graças à sua maior familiaridade com as leis da natureza sabiam que estas eram superiores A idéia de que o universo passou a existir por meio de atos de cópula ou criação análogos à origem das pessoas individualmente havia deixado de ser a hipótese mais óbvia e evidente por si mesma desde quando a distinção entre as criaturas animadas com uma mente e a Natureza inanimada se havia imposto ao pensamento do ser humano distinção esta que tornou impossível manter a crença no animismo original Nem devemos desprezar a influência do estudo comparativo dos diferentes sistemas religiosos e a impressão causada por sua recíproca exclusividade e intolerância Fortalecido por esses exercícios preliminares o espírito científico adquiriu coragem suficiente para afinal arriscarse a examinar os elementos mais importantes e emocionalmente valiosos da Weltanschauung religiosa As pessoas muitas vezes verificaram e isto foi muito antes de ousarem dizer assim tão abertamente que os pronunciamentos da religião prometendo aos homens proteção e felicidade bastando que estes cumprissem determinados requisitos éticos também se haviam mostrado indignos de crédito Parece não ser verdade que existe um Poder no universo que vela pelo bemestar dos indivíduos com desvelo parental e conduz todas as coisas a um desfecho feliz Pelo contrário o destino dos homens não pode ser harmonizado nem pela hipótese de uma Benevolência Universal nem pela hipótese parcialmente contraditória de uma Justiça Universal Terremotos maremotos conflagrações não fazem nenhuma distinção entre o virtuoso o piedoso e o patife o descrente Mesmo ali onde o que está em questão não é a natureza inanimada mas onde um destino individual depende de suas relações com outras pessoas de modo algum se verifica a regra segundo a qual a virtude é recompensada e o mal é punido No mais das vezes o homem violento ardiloso implacável agarra as coisas boas que o mundo cobiça e o homem piedoso fica de mãos vazias Poderes obscuros insensíveis cruéis determinam o destino do homem o sistema de recompensas e punições que a religião atribui ao governo do universo parece não existir Aqui está mais uma razão para abandonar uma parte da teoria animista que fora salva do animismo pela religião A última contribuição à crítica da Weltanschauung religiosa foi feita pela psicanálise ao mostrar como a religião se originou a partir do desamparo da criança e ao atribuir seu conteúdo à sobrevivência na idade madura de desejos e necessidades da infância Isto não significou necessariamente uma contestação à religião não obstante representou um ajustamento de nosso conhecimento a seu respeito e pelo menos em um aspecto foi uma impugnação de vez que a própria religião se arroga uma origem divina E na realidade nisto parece estar correta desde que seja aceita nossa interpretação de Deus Em suma portanto o julgamento da ciência sobre a Weltanschauung religiosa é este Enquanto as diferentes religiões altercam entre si pela posse da verdade nossa opinião reside em que a questão da verdade das crenças religiosas pode ser totalmente colocada à parte A religião é uma tentativa de obter domínio do mundo perceptível no qual nos situamos através do mundo dos desejos que desenvolvemos dentro de nós em conseqüência de necessidades biológicas e psicológicas Mas a religião não pode conseguir isso Suas doutrinas conservam a marca dos tempos em que surgiram dos tempos de ignorância da infância da humanidade Seu consolo não merece fé A experiência nos ensina que o mundo não é um aposento de crianças As exigências éticas sobre as quais a religião procura apoiarse acentuam antes a necessidade de lhe serem dadas outras bases pois são elas indispensáveis à sociedade humana e é perigoso vincular à fé religiosa a obediência aos princípios éticos Se tentarmos situar o lugar da religião na evolução da humanidade ela aparece não como uma aquisição permanente mas sim como um equivalente da neurose pela qual o homem civilizado individualmente teve de passar em sua transição da infância à maturidadeNaturalmente os senhores têm a liberdade de criticar essa minha exposição até mesmo os ajudarei em parte O que lhes disse a respeito do desmoronamento gradual da Weltanschauung religiosa ficou muito incompleto na sua forma abreviada A ordem dos diferentes processos não foi exposta com toda a correção as diversas forças que concorreram para o despertar do espírito científico não foram rastreadas Também não foram levadas em conta as modificações que se fizeram na própria Weltanschauung religiosa durante o período de seu domínio irrestrito e posteriormente sob a influência de críticas crescentes Finalmente devo assinalar que restringi meus comentários para dizer a verdade a uma única forma assumida pela religião a religião dos povos ocidentais Construí digamos assim um modelo anatômico com a finalidade de uma demonstração apressada que fosse tão marcante quanto possível Deixemos de lado a questão de saber se meu conhecimento de algum modo teria sido suficiente para tornar a coisa melhor e mais completa Estou consciente de que tudo isso que lhes disse os senhores poderão encontrar descrito de modo mais adequado em algum outro lugar Nisto não há nada de novo Permitamme porém expressar a convicção de que a mais cuidadosa elaboração do material dos problemas da religião não abalará nossas conclusões A luta do espírito científico contra a Weltanschauung religiosa como sabem ainda não chegou ao fim ainda estáse desenvolvendo atualmente diante de nossos olhos Embora de modo geral a psicanálise empregue pouco a arma da controvérsia não me absterei de examinar tal disputa Com isso talvez posso elucidar melhor nossa atitude referente às Weltanschauungen Os senhores verão com que facilidade alguns dos argumentos apresentados pelos adeptos da religião podem ser respondidos embora outros realmente possam escapar à refutação A primeira objeção que encontramos é no sentido de ser uma impertinência da parte da ciência fazer da religião um objeto de suas investigações pois a religião é algo sublime superior a qualquer operação do intelecto do homem algo que não deve ser abordado mediante críticas excessivamente sutis Em outras palavras a ciência não tem competência para julgar a religião é muito útil e respeitável em outros aspectos desde que se mantenha dentro de sua própria esfera Mas a religião não é sua esfera nela a ciência não tem o que fazer Se não nos deixarmos desarmar por essa repulsa brusca e se ademais indagarmos qual é a base dessa pretensão a uma posição excepcional entre todos os assuntos humanos a resposta que recebemos se formos julgados dignos de alguma resposta é que a religião não pode ser medida por critérios humanos visto ter origem divina e havernos sido dada como uma revelação por um Espírito que o espírito humano não consegue compreender Poderseia pensar que não houvesse nada mais fácil do que a refutação desse argumento é um caso claro de petitio principii de tomar como confirmada a questão não conheço nenhuma expressão alemã equivalente que seja boa A questão real que surge é saber se existe um espírito divino e uma revelação a atribuirlhe e a matéria por certo não encontra uma decisão dizendose que essa questão não pode ser respondida uma vez que a divindade não pode ser colocada em questão Aqui a situação é a mesma observável por vezes durante o trabalho da análise Se um paciente geralmente inteligente rejeita uma determinada sugestão com base em motivos especialmente tolos essa debilidade da lógica é prova da existência de um motivo especialmente forte para ele fazer a rejeição um motivo que só pode ser de natureza afetiva um nexo emocional Também nos pode ser dada uma outra resposta na qual se admite francamente um motivo dessa ordem a religião não pode ser examinada criticamente porque é a coisa mais elevada mais preciosa e mais sublime que o espírito humano produziu porque dá expressão aos sentimentos mais profundos e porque apenas ela torna o mundo tolerável e a vida digna do homem Não devemos responder pondo em dúvida esse valor da religião mas dirigindo a atenção para outro tema O que fazemos é enfatizar o fato de que de modo algum está sendo cogitada uma invasão da área da religião pelo espírito científico pelo contrário sim uma invasão pela religião na esfera do pensamento científico Qualquer que seja seu valor e importância ela não tem o direito em nenhum sentido de limitar o pensamento não tem o direito portanto de se furtar à eventualidade de o pensamento tentar investigála O pensar científico não difere em sua natureza da atividade normal do pensamento que todos nós crentes ou incréus empregamos ao cuidar de nossos assuntos na vida corrente Ele apenas desenvolveu determinados aspectos interessase por determinadas coisas conquanto estas não tenham uso imediato tangível procura evitar cuidadosamente fatores individuais e influências afetivas examina mais rigorosamente a credibilidade dos sensos de percepção nos quais baseia suas conclusões equipase com novas percepções que não se podem obter pelos meios habituais e isola os fatores determinantes dessas novas experiências em experimentações modificadas deliberadamente Seu esforço é no sentido de chegar à correspondência com a realidade ou seja com aquilo que existe fora de nós e independentemente de nós e segundo nos ensinou a experiência é decisivo para a satisfação ou a decepção de nossos desejos A essa correspondência com o mundo externo real chamamos de verdade Permanece este o objetivo do trabalho científico ainda que deixemos de considerar o valor prático desse trabalho Quando portanto a religião afirma poder tomar o lugar da ciência que por ser benéfica e porque dignifica também deve ser verdadeira isto realmente é uma intromissão que deve ser repelida em nome dos mais elevados interesses É pedir demais a uma pessoa que aprendeu a conduzir seus assuntos comuns de acordo com as regras da experiência e respeitando a realidade sugerirlhe que ceda o cuidado daquilo que constitui precisamente seus mais íntimos interesses a uma instância que se arroga o privilégio de estar isenta das regras do pensar racional E relativamente à proteção prometida pela religião a seus crentes penso que nenhum de nós estaria disposto a entrar num automóvel se o motorista nos anuncia que ele desdenhando as regras do trânsito dirige segundo os arroubos de sua imaginação desenfreada A proibição do pensamento estabelecida pela religião para assegurar sua autopreservação também está longe de ser isenta de perigos seja para o indivíduo seja para a sociedade humana A experiência analítica nos ensinou que uma proibição como esta embora originalmente limitada a apenas uma determinada área tende a alastrarse e daí a se tornar causa de graves inibições na conduta de vida da pessoa Podese observar esse resultado também no sexo feminino conseqüente à proibição que lhe é feita de relacionarse com qualquer coisa concernente à sua sexualidade ainda que em pensamento As biografias podem mostrar os danos causados pela inibição religiosa do pensamento na história da vida de quase todas as pessoas célebres do passado Por outro lado o intelecto ou chamemolo pelo nome que nos é familiar a razão está entre os poderes que mais esperamos vir a exercer uma influência unificadora sobre os homens sobre os homens que são tão difíceis de manter unidos e tão difíceis de governar Podese imaginar como seria impossível existir a sociedade humana se cada pessoa simplesmente tivesse a sua tabuada particular para multiplicar e suas próprias medidas para aferir comprimento e peso Nossa maior esperança para o futuro é que o intelecto o espírito científico a razão possa com o decorrer do tempo estabelecer seu domínio sobre a vida mental do homem A natureza da razão é uma garantia de que depois ela não deixará de dar aos impulsos emocionais do homem e àquilo que estes determinam a posição que merecem A compulsão comum exercida por um tal domínio da razão contudo provará ser o mais forte elo de união entre os homens e mostrará o caminho para uniões subseqüentes Tudo aquilo que à semelhança das proibições da religião contra o pensamento se opõe a uma evolução nesse sentido é um perigo para o futuro da humanidade Podese então perguntar por que a religião não põe um fim a essa controvérsia que é tão sem esperança para ela declarando francamente Realmente não posso darlhes o que comumente é chamado de verdade se a querem apeguemse à ciência Mas o que tenho a oferecerlhes é algo incomparavelmente mais belo mais consolador e mais elevado do que tudo o que podem conseguir da ciência E por causa disso digolhes que é verdadeiro num outro sentido mais elevado É fácil encontrar a resposta para isto A religião não pode admitir tal coisa porque senão implicaria a perda de toda a sua influência sobre a massa da humanidade O homem comum conhece apenas uma espécie de verdade no sentido corrente da palavra Não consegue imaginar o que possa ser uma verdade assim como a morte não admite graus de comparação e não consegue acompanhar o salto que vai do belo ao verdadeiro Talvez os senhores pensem como eu que ele está com a razão a esse respeito A luta pois não chegou ao fim Os adeptos da Weltanschauung religiosa agem segundo o velho ditado a melhor defesa é o ataque Dizem eles O que é essa ciência que se atreve a desacreditar nossa religião nossa religião que trouxe a salvação e o consolo a milhões de pessoas durante muitos milhares de anos O que a ciência realizou até agora Que podemos esperar dela no futuro Ela própria admite ser incapaz de proporcionar consolo e alegria Mas deixemos isto de lado embora não constitua uma renúncia fácil Agora de suas teorias o que dizer Pode a ciência dizernos como se fez o universo e que destino nos espera Pode ao menos darnos um quadro coerente do universo ou mostrarnos onde haveremos de procurar os fenômenos inexplicados da vida ou como as forças da mente são capazes de agir sobre a matéria inerte Se ela pudesse fazer isto não lhe recusaríamos o nosso respeito No entanto pelo contrário nenhum problema desse tipo foi solucionado por ela até hoje Dános fragmentos de supostas descobertas as quais não consegue tornar coerentes entre si coleciona observações de constâncias no curso dos eventos que dignifica com o nome de leis e as submete a suas perigosas interpretações E pensem no reduzido grau de certeza que ela confere a seus achados Tudo o que ela ensina é provisoriamente verdadeiro o que hoje é valorizado como a mais alta sabedoria amanhã será rejeitado e substituído por alguma outra coisa embora também esta seja apenas uma tentativa O último erro é então qualificado como a verdade E é por essa verdade que devemos sacrificar nosso bem máximo Senhoras e senhores espero que na medida em que os senhores mesmos são adeptos da Weltanschauung científica que é atacada nessas palavras não se deixarão abalar tão profundamente por essas críticas E aqui eu gostaria de lhes recordar o comentário que certa vez circulou pela Áustria imperial O idoso cavalheiro de certa feita gritou na comissão de um partido do parlamento que lhe causava embaraços Isto não é jamais uma oposição verdadeira É oposição facciosa De modo parecido conforme os senhores reconhecerão as acusações contra a ciência de ainda não ter resolvido os problemas do universo são exageradas de forma injusta e maliciosa de fatoela ainda não teve tempo suficiente para essas grandes realizações A ciência é muito nova é uma atividade humana que se desenvolveu tardiamente Recordemos escolhendo apenas algumas datas que se passaram apenas uns trezentos anos desde que Kepler descobriu as leis do movimento dos planetas que a vida de Newton que decompôs a luz nas cores do espectro e estabeleceu a teoria da gravitação findou em 1727 isto é há pouco mais de duzentos anos e que Lavoisier descobriu o oxigênio um pouco antes da Revolução Francesa A vida de um indivíduo é muito curta em comparação com a duração da evolução humana eu posso ser um homem muito velho atualmente não obstante já era nascido quando Darwin publicou seu livro sobre a origem das espécies Naquele mesmo ano 1859 nasceu Pierre Curie o descobridor do rádio E se os senhores retrocederem ainda mais no tempo para os começos da ciência exata entre os gregos para Arquimedes para Aristarco de Samos cerca de 250 aC que foi o precursor de Copérnico ou até para os primórdios da astronomia entre os babilônios terão apenas percorrido uma diminuta fração da extensão de tempo que os antropólogos requerem para a evolução do homem desde a forma semelhante à do macaco e que certamente abrange mais de cem mil anos E não devemos esquecer que o último século trouxe tal quantidade de descobertas novas tão grande aceleração do progresso científico que temos toda a razão ao olhar com confiança o futuro da ciência Em certa medida devemos admitir serem corretas as outras críticas A marcha da ciência é realmente lenta hesitante laboriosa Esse fato não pode ser negado nem modificado Não admira pois que os cavaleiros do outro lado estejam insatisfeitos Eles estão espoliados a revelação facilitavalhes as coisas O progresso no trabalho científico é o mesmo que se dá numa análise Trazemos para o trabalho as nossas esperanças mas estas necessariamente devem ser contidas Mediante a observação ora num ponto ora noutro encontramos alguma coisa nova mas no início as peças não se completam Fazemos conjecturas formulamos hipóteses as quais retiramos quando não se confirmam necessitamos de muita paciência e vivacidade em qualquer eventualidade renunciamos às convicções precoces de modo a não sermos levados a negligenciar fatores inesperados e no final todo o nosso dispêndio de esforços é recompensado os achados dispersos se encaixam mutuamente obtemos uma compreensão interna insight de toda uma parte dos eventos mentais temos completado o nosso trabalho e então estamos livres para o próximo trabalho Na análise porém temos de prescindir da ajuda fornecida à pesquisa mediante a experimentação Existe ademais uma boa dose de exagero nessas críticas à ciência Não é fato procedente que ela cambaleia cega de um a outro experimento que substitui um erro por outro Via de regra trabalha como um escultor no seu modelo de argila o qual incansável modifica o esboço primitivo remove acrescenta até chegar àquilo que sente ser um satisfatório grau de semelhança com o objeto que vê ou imagina Além do mais ao menos nas ciências mais antigas e maduras existe ainda hoje em dia um sólido fundamento que é somente modificado e aperfeiçoado não mais demolido contudo As coisas não vão tão mal assim nos domínios da ciência E afinal qual é o objetivo dessas apaixonadas depreciações cometidas à ciência Apesar de ser atualmente incompleta apesar das dificuldades que isto representa ela continua indispensável para nós e nada pode tomar o seu lugar É capaz de melhoramentos jamais sonhados ao passo que a Weltanschauung religiosa não o é Esta está completa em todas as suas partes essenciais se ela foi um erro assim deve ser para sempre Nenhum menosprezo à ciência pode de algum modo alterar o fato de que ela está procurando levar em conta nossa dependência do mundo externo real ao passo que a religião é uma ilusão e deriva sua força da sua presteza em ajustarse aos nossos impulsos instintuais plenos de desejos Sintome na obrigação de prosseguir e tratar de outras Weltanschauungen que estão em oposição à científica façoo porém com relutância pois sei que não tenho competência suficiente para julgálas Assim lembremse dessa cláusula minha ao ouvirem os comentários que se seguem e se o seu interesse foi despertado devem procurar melhores informações em outras obras Devo mencionar aqui primeiramente os diversos sistemas filosóficos que se aventuraram a traçar um quadro do universo tal como se reflete na mente dos pensadores que na sua maior parte já se foram deste mundo Já procurei dar uma descrição geral das características da filosofiaver em 1 e de seus métodos e para fazer uma avaliação dos diferentes sistemas provavelmente estou tão despreparado como poucas pessoas estiveram Assim convidalosei a que me acompanhem ao passarmos a considerar dois outros fenômenos que mormente em nossos dias é impossível negligenciar A primeira dessas Weltanschauungen é como se fosse um equivalente do anarquismo político e talvez seja um derivado deste Por certo houve niilistas intelectuais dessa espécie no passado mas justamente agora a teoria da relatividade da física moderna parece terlhes subido à cabeça Eles partem da ciência é um fato mas se empenham em forçála à autoanulação ao suicídio propõemlhe a tarefa de ela própria abandonar o seu caminho refutando ela própria as suas reivindicações Temse amiúde a impressão de que a esse respeito o niilismo é apenas uma atitude temporária a ser mantida até que essa tarefa se tenha concretizado Uma vez eliminada a ciência o espaço vago pode ser preenchido por algum tipo de misticismo ou de algum modo pela antiga Weltanschauung religiosa Segundo a teoria anarquista a verdade não existe não há conhecimento seguro do mundo externo O que proclamamos como verdade científica é apenas produto de nossas próprias necessidades tal como estas hão de se expressar sob condições externas mutáveis ou seja também são ilusões Fundamentalmente encontramos somente aquilo de que necessitamos e vemos apenas o que queremos ver Não temos outra possibilidade De vez que está ausente o critério de verdade correspondência com o mundo externo não importa em absoluto que opiniões adotamos Todas elas são igualmente verdadeiras e igualmente falsas E ninguém tem o direito de acusar outrem de erro Uma pessoa inclinada à epistemologia poderia sentirse tentada a seguir os caminhos os sofismas pelos quais os anarquistas conseguem arrancar à ciência semelhantes conclusões Sem dúvida devemos encontrar situações similares àquelas derivadas do conhecido paradoxo do cretense que diz que todos os cretenses são mentirosos Não tenho todavia o desejo nem a capacidade de me aprofundar mais nisto Tudo quanto posso dizer é que a teoria anarquista soa como sendo maravilhosamente superior enquanto se refere a opiniões sobre coisas abstratas desmorona ao primeiro passo que dá na vida prática Ora as ações do homem são governadas por suas opiniões por seu conhecimento e é o mesmo espírito científico que especula acerca da estrutura dos átomos ou acerca da origem do homem e que planeja a construção de uma ponte capaz de suportar uma carga Se isso em que acreditamos fosse realmente coisa sem importância se não houvesse aquilo que se chama conhecimento e que se diferencia dentre nossas opiniões por corresponder à realidade poderíamos construir pontes tanto com papelão como com pedras poderíamos injetar em nossos pacientes um decagrama de morfina em vez de um centigrama e poderíamos usar gás lacrimogêneo como anestésico em lugar de éter Mas os próprios anarquistas intelectuais rejeitariam tais aplicações práticas de sua teoria Já essa outra oposição deve ser levada mais a sério e nesse caso sinto o mais vivo pesar pela insuficiência das minhas informações Penso que a respeito desse assunto os senhores sabem mais do que eu penso que há muito tempo os senhores assumiram sua posição em relação ao marxismo a favor ou contra As investigações de Karl Marx sobre a estrutura econômica da sociedade e sobre a influência de diferentes sistemas econômicos em todos os setores da vida humana adquiriram inegável autoridade nos dias atuais Em que medida os seus pontos de vista em seus detalhes estão corretos ou são errôneos não posso dizer naturalmente Compreendo que esse assunto não é fácil sequer para outros mais bem instruídos do que eu Existem assertivas nas teorias de Marx que me pareceram estranhas como a afirmação de que o desenvolvimento de formas de sociedade é um processo histórico natural que as mudanças na estratificação social surgem umas das outras segundo um processo dialético Não estou nada seguro de estar compreendendo corretamente essas assertivas e não me parecem materialistas mas antes semelhantes ao precipitado da obscura filosofia hegeliana em cuja escola Marx se formou Não sei como posso desembaraçarme da minha opinião leiga segundo a qual a estrutura de classes da sociedade remonta às lutas que desde o começo da história se desenrolaram entre hordas humanas muito pouco diferentes umas das outras As diferenças sociais assim pensava eu foram originalmente diferenças entre clãs ou raças A vitória era decidida por fatores psicológicos como a quantidade de agressividade constitucional contudo também pela firmeza da organização dentro da horda e por fatores materiais como a posse de armas superiores Vivendo juntos na mesma área os vitoriosos tornavamse os senhores e os vencidos se tornavam os escravos Não há como ver nisto sinais de uma lei natural ou de uma evolução conceitual dialética Por outro lado é inequívoca a influência exercida sobre as relações sociais da humanidade pelo progressivo controle das forças da natureza Pois os homens sempre colocam seus instrumentos de poder recentemente adquiridos a serviço de sua agressividade e usamnos contra os outros homens A descoberta dos metais bronze e ferro pôs fim a épocas inteiras de civilização e às respectivas instituições sociais Realmente acredito que foram a pólvora e as armas de fogo que aboliram a cavalaria e o governo aristocrático e que o despotismo russo já fora condenado antes de perder a guerra porque não havia casamentos entre famílias reais da Europa que pudessem produzir uma raça de czares capaz de fazer frente à força explosiva da dinamite Com efeito é possível que com a nossa atual crise econômica que sucedeu a grande guerra estejamos apenas pagando o preço de nossa última e extraordinária vitória sobre a natureza a conquista do ar Isso não parece muito esclarecedor mas pelo menos os primeiros elos da cadeia são claramente reconhecíveis A política inglesa baseavase na segurança que lhe era garantida pelos mares que banham as costas da Inglaterra No momento em que Blériot no seu aeroplano transpôs o Canal da Mancha esse isolamento protetor foi rompido e na noite durante a qual em época de paz e em exercício um zepelim alemão cruzou sobre Londres a guerra contra a Alemanha sem dúvida era uma conclusão antecipada E não se deve esquecer em relação a isto a ameaça dos submarinos alemães Tenho alguma vergonha de comentar para os senhores um assunto de tamanha importância e complexidade com essas poucas observações inadequadas e também sei que não lhes disse nada novo Simplesmente quero chamarlhes a atenção para o fato de que a relação da humanidade para com o seu controle da natureza do qual os homens derivam suas armas para lutar contra seus semelhantes deve também necessariamente afetar suas instituições econômicas Parece que nos afastamos muito do problema de uma Weltanschauung mas haveremos de retornar a ele muito em breve A força do marxismo está evidentemente não em sua visão da história ou nas profecias do futuro baseadas nela mas sim na arguta indicação da influência decisiva que as circunstâncias econômicas dos homens têm sobre as suas atitudes intelectuais éticas e artísticas Com isso foram descobertas numerosas correlações e implicações que anteriormente haviam sido quase totalmente negligenciadas Não se pode contudo supor que os motivos econômicos sejam os únicos que determinam o comportamento dos seres humanos em sociedade O fato inquestionável de que indivíduos raças e nações diferentes se conduzem de forma diferente sob as mesmas condições econômicas por si só é bastante para mostrar que os motivos econômicos não são os únicos fatores dominantes É completamente incompreensível como os fatores psicológicos podem ser desprezados ali onde o que está em questão são as reações dos seres humanos vivos pois não só essas reações concorreram para o estabelecimento das condições econômicas mas até mesmo apenas sob o domínio dessas condições é que os homens conseguem pôr em execução seus impulsos instintuais originais seu instinto de autopreservação sua agressividade sua necessidade de serem amados sua tendência a obter prazer e evitar desprazer Em uma pesquisa anterior também assinalei as importantes reivindicações feitas pelo superego que representa a tradição e os ideais do passado e que por certo tempo resistirá aos estímulos de uma situação econômica nova E finalmente não devemos esquecer que a massa de seres humanos sujeitos às necessidades econômicas também sofre o processo de desenvolvimento cultural de civilização como diriam outras pessoas o qual embora sem dúvida influenciado por todos os outros fatores é por certo independente deles em sua origem sendo comparável a um processo orgânico e provavelmente capaz de por seu lado exercer uma influência sobre os outros fatoresEle desloca os objetivos instintuais e faz com que as pessoas se tornem adversárias daquilo que anteriormente tinham tolerado O fortalecimento progressivo do espírito científico ademais parece formar parte essencial desse processo Estivesse alguém em condições de mostrar detalhadamente a maneira como esses diferentes fatores a disposição humana geral herdada suas variações raciais e suas transformações culturais se inibem e se estimulam uns aos outros sob as condições de categoria social profissão e capacidade de realização se alguém fosse capaz de fazêlo teria suplementado o marxismo de modo que este se teria tornado autêntica ciência social Pois também a sociologia lidando como é de seu ofício com o comportamento das pessoas em sociedade não pode ser senão psicologia aplicada Estritamente falando só há duas ciências psicologia pura ou aplicada e ciência natural A recente descoberta da importância extraordinária das relações econômicas trouxe consigo a tentação de não deixar que as alterações nelas ficassem entregues ao curso do desenvolvimento histórico mas sim de pôlas em execução pela ação revolucionária O marxismo teórico tal como foi concebido no bolchevismo russo adquiriu a energia e o caráter autosuficiente de uma Weltanschauung contudo adquiriu ao mesmo tempo uma sinistra semelhança com aquilo contra o que está lutando Embora sendo originalmente uma parcela da ciência e construído em sua implementação sobre a ciência e a tecnologia criou uma proibição para o pensamento que é exatamente tão intolerante como o era a religião no passado Qualquer exame crítico do marxismo está proibido dúvidas referentes à sua correção são punidas do mesmo modo que uma heresia em outras épocas era punida pela Igreja Católica Os escritos de Marx assumiram o lugar da Bíblia e do Alcorão como fonte de revelação embora não parecessem estar mais isentos de contradições e obscuridades do que esses antigos livros sagrados Embora o marxismo prático tenha varrido impiedosamente todos os sistemas idealísticos e as ilusões ele próprio desenvolveu ilusões que não são menos questionáveis e merecedoras de desaprovação do que as anteriores Ele espera no curso de algumas gerações de tal modo alterar a natureza humana que as pessoas viverão juntas quase sem atrito na nova ordem da sociedade e que elas assumirão as tarefas do trabalho sem qualquer coerção Nesse meiotempo ele muda para algum outro setor as restrições instintuais que são essenciais na sociedade desvia para o exterior as tendências agressivas que ameaçam todas as comunidades humanas e apóiase na hostilidade do pobre contra o rico e na hostilidade daquele que até então esteve impotente contra os governantes anteriores Mas uma transformação da natureza humana como esta que pretende é altamente improvável O entusiasmo com que a massa do povo segue a instigação bolchevista atualmente enquanto a nova ordem está incompleta e ameaçada de fora não oferece nenhuma certeza para um futuro no qual estaria completamente construída e isenta de perigos Exatamente da mesma forma como a religião o bolchevismo deve também oferecer aos seus crentes determinadas compensações pelos sofrimentos e privações de sua vida atual mediante promessas de um futuro melhor em que não haverá mais qualquer necessidade insatisfeita Esse paraíso no entanto tem de ser nesta vida ser instituído sobre a terra e ser descerrado num tempo previsível Convém lembrar contudo que também os judeus cuja religião nada sabe de uma vida após a morte esperavam a chegada de um Messias sobre a terra e que a Idade Média cristã muitas vezes acreditava que o Reino de Deus estava próximo Não há dúvida quanto à maneira como o bolchevismo responderá a essas objeções Dirá que como por enquanto a natureza dos homens ainda não se transformou é necessário empregar os meios que os atingem hoje em dia É impossível prescindir da coerção para que se eduquem ou prescindir da proibição contra o pensamento ou prescindir do emprego da força ao ponto de derramar sangue e se não fossem despertadas neles as ilusões não se poderia leválos a concordar com essa coerção E seríamos educadamente solicitados a dizer como é que as coisas poderiam ser manejadas de outra maneira Isto nos derrotaria Eu não poderia pensar em conselho algum a dar Eu admitiria que as condições desse experimento haveriam dissuadido a mim e aos meus semelhantes de empreendêlo não somos porém as únicas pessoas a considerar Existem homens de ação inabaláveis em suas convicções inacessíveis à dúvida destituídos de sentimentos pelo sofrer dos outros que se opõem às suas intenções É a homens dessa espécie que temos de agradecer o fato de que o terrível experimento de produzir uma nova ordem desse tipo esteja sendo posto em prática atualmente na Rússia Numa época em que as grandes nações anunciam que esperam a salvação apenas da manutenção da fé cristã a revolução na Rússia apesar de todos os seus detalhes desagradáveis assemelhase não obstante com uma mensagem de futuro melhor Infelizmente nem o nosso ceticismo nem a fé fanática do outro lado fornecem uma indicação de como será o desfecho desse experimento O futuro nolo dirá talvez venha a mostrarnos que o experimento foi empreendido prematuramente que uma modificação radical da ordem social tem escassas perspectivas de êxito até o momento em que novas descobertas tiverem aumentado nosso controle sobre as forças da natureza e dessa forma tiverem tornado mais fácil a satisfação de nossas necessidades Talvez somente então se tornaria possível que uma nova ordem social não só dê um fim às necessidades materiais das massas como também se disponha a ouvir as exigências culturais do indivíduo Mesmo então na realidade ainda teremos de lutar durante um tempo incalculável com as dificuldades que o caráter indomável da natureza humana apresenta a qualquer espécie de comunidade social Senhoras e senhores permitamme que para concluir eu resuma o que tinha a dizer sobre a relação da psicanálise com a questão de uma Weltanschauung Em minha opinião a psicanálise é incapaz de criar uma Weltanschauung por si mesma A psicanálise não precisa de uma Weltanschauung faz parte da ciência e pode aderir à Weltanschauung científica Esta porém dificilmente merece um nome tão grandiloqüente pois não é capaz de abranger tudo é muito incompleta e não pretende ser autosuficiente e construir sistemas O pensamento científico ainda é muito novo entre os seres humanos ainda são muitos os grandes problemas que até agora não conseguiu solucionar Uma Weltanschauung erigida sobre a ciência possui excetuada a sua ênfase no mundo externo real principalmente traços negativos tais como a submissão à verdade e a rejeição às ilusões Todo semelhante nosso que está insatisfeito com essa situação que exige mais do que isso para seu consolo momentâneo haverá de procurálo onde o possa encontrar Não o levaremos a mal não podemos ajudálo mas nem podemos por causa disso pensar de modo diferente A AQUISIÇÃO E O CONTROLE DO FOGO 1932 1931 NOTA DO EDITOR INGLÊS ZUR GEWINNUNG DES FEUERS a EDIÇÕES ALEMÃS 1932 Imago 18 1 813 1932 Almanach 1933 2835 1934 G S 12 1417 1950 G W 16 39 b TRADUÇÕES INGLESAS The Acquisition of Fire 1932 Psychoan Quart 1 2 21015 Trad de E B Jackson The Acquisition of Power over Fire 1932 Int J PsychoAnal 13 4 40510 Trad de Joan Riviere 1950 C P 5 28894 Reimpressão revista da anterior A presente tradução inglesa com título alterado é uma versão modificada da publicada em 1950 Este artigo parece ter sido escrito no último mês de 1931 Jones 1957 177 A correlação entre fogo e micção que é o aspecto central deste estudo sobre o mito de Prometeu há muito tempo era assunto familiar a Freud Proporciona a chave para a análise do primeiro sonho no caso clínico de Dora 1905e 1901 Edição Standard Brasileira Vol VII pág 61 e segs IMAGO Editora 1972 e reaparece mais uma vez na análise bem posterior do Homem dos Lobos 1918b 1914 ibid Vol XVII pág 116 IMAGO Editora 1976 Em ambos esses casos o tópico enurese está envolvido e este se liga a uma linha principal do presente artigo a estreita associação fisiológica e psicológica entre as duas funções do pênisver em 1 Esse aspecto também possui uma longa história que se encontra nos escritos anteriores de Freud de vez que igualmente está comentado de forma explícita na análise de Dora ibid Vol VII pág 29 E já anteriormente em uma carta a Fliess em 27 de setembro de 1898 Freud declarara que uma criança que regularmente urina na cama até os sete anos deve ter experimentado excitação sexual na infância Freud 1950a Carta 97 Repetidamente insistiu em diversas ocasiões na equivalência entre enurese e masturbação assim por exemplo no caso Dora Edição Standard Brasileira Vol VII págs 767 IMAGO Editora 1972 nos Três Ensaios 1905d ibid pág 195 no artigo sobre os ataques histéricos 1909a Standard Ed 9 233 e bem posteriormente em A Dissolução do Complexo de Édipo 1924d Edição Standard Brasileira Vol XIX pág 219 IMAGO Editora 1976 e no artigo sobre a diferença anatômica entre os sexos 1925j ibid Vol XIX pág 311 Outra correlação referente ao erotismo uretral na área da formação do caráter não é mencionada neste artigo embora apareça em uma nota de rodapé em O MalEstar na Civilização 1930a ibid Vol XXI págs 10910 IMAGO Editora 1974 de que este artigo é uma ampliação A relação entre erotismo uretral e ambição foi assinalada explicitamente pela primeira vez em Character and Anal Erotism 1908b Standard Ed 9 175 contudo algo muito semelhante sua conexão com sentimentos de grandeza e megalomania tinha sido abordada em duas passagens de A Interpretação de Sonhos 1900a Edição Standard Brasileira Vol IV pág 231 e Vol V pág 501 IMAGO Editora 1972 na última das quais aparece casualmente o assunto referente à extinção do fogo A conexão com a ambição foi objeto de uma alusão feita de passagem uma ou duas vezes posteriormente e foi mencionada bem mais extensamente logo após o surgimento do presente artigo na Conferência XXXII das Novas Conferências Introdutórias 1933aver em 1 A AQUISIÇÃO E O CONTROLE DO FOGO Em meu trabalho O MalEstar na Civilização 1930a em nota de rodapé mencionei embora apenas de passagem uma conjetura que se poderia formular com base em material psicanalítico a respeito da fundamental aquisição humana do controle sobre o fogo Sou levado a mais uma vez retomar o tema em virtude da contestação feita por Albrecht Schaeffer 1930 e da surpreendente referência de Erlenmeyer no artigo precedente à lei mongol contra mijar nas cinzas Pois eu penso que a minha hipótese de que com a finalidade de conseguir controle sobre o fogo os homens tiveram de renunciar ao desejo mesclado de homossexualismo de apagálo com um jato de urina pode ser confirmada mediante uma interpretação do mito grego de Prometeu contanto que tenhamos em mente as distorções que se deve esperar ocorram na transição dos fatos ao conteúdo de um mito Essas distorções são da mesma espécie e não piores que aquelas que reconhecemos diariamente quando reconstruímos a partir dos sonhos dos pacientes as experiências de sua infância reprimidas porém extremamente importantes Os mecanismos utilizados nas distorções a que me refiro são a representação simbólica e a transformação no oposto Não me arriscaria a explicar dessa forma todos os aspectos de nosso mito excetuando o conjunto de fatos originais outras ocorrências subseqüentes podem ter contribuído para o seu conteúdo Os elementos que comportam interpretação analítica contudo são afinal os mais surpreendentes e importantes ou seja a maneira pela qual Prometeu transportou o fogo as características desse ato um ultraje um roubo um logro contra os deuses e a significação do seu castigo O mito contanos que Prometeu o titã herói cultural que era ainda um deus e que originalmente talvez fosse mesmo um demiurgo e criador de homens trouxe o fogo aos homens tendoo roubado aos deuses e escondendoo num pau oco um caule de funcho Se estivéssemos interpretando um sonho tenderíamos a considerar esse objeto como um símbolo do pênis embora o acento incomum que se coloca no fato de ser oco nos faça hesitar Mas como podemos correlacionar tal tubopênis com a preservação do fogo Parece difícil fazer essa correlação até que nos lembramos do uso da inversão da transformação no contrário da inversão da relação que é tão comum nos sonhos e que tantas vezes nos oculta o seu significado O que um homem contém no seu tubopênis não é o fogo Pelo contrário é o meio de apagar o fogo é a água do seu jato de urina Essa relação entre fogo e água então entra em conexão com uma grande quantidade de material analítico conhecido Em segundo lugar a aquisição do fogo constituiu um crime foi realizada mediante roubo ou furto Esse aspecto é constante em todas as lendas sobre a aquisição do controle do fogo É encontrado entre os povos mais diversos e espalhados pelas mais distantes regiões e não apenas no mito grego de Prometeu o Portador do Fogo Aqui deve estar por conseguinte um conteúdo essencial das lembranças distorcidas da humanidade Logo por que a aquisição do fogo está em conexão inseparável com a idéia de crime Quem é que foi insultado ou defraudado com isto O mito de Prometeu em Hesíodo dános uma resposta direta pois numa outra história não diretamente relacionada ao fogo Prometeu dispôs os sacrifícios aos deuses de tal forma que os homens levavam vantagem sobre Zeus São os deuses portanto que são defraudados Sabemos que nos mitos aos deuses é garantida a satisfação de todos os desejos a que as criaturas humanas têm de renunciar tal como constatamos no caso do incesto Falando em termos analíticos diríamos que a vida instintual o id é o deus que é defraudado quando se renuncia à extinção do fogo na lenda o desejo humano transformase em privilégiodivino No entanto na lenda a divindade não possui nada das características do superego ainda representa a vida soberana dos instintos A transformação no oposto está mais radicalmente representada num terceiro aspecto da lenda na punição do Portador do Fogo Prometeu foi acorrentado a um rochedo e todos os dias um abutre vinha comerlhe uma parte do fígado Também nas lendas referentes ao fogo em outros povos entra em cena um pássaro que deve ter algo a ver com o assunto mas por enquanto não tentarei uma interpretação Por outro lado sentimonos em chão firme quando se trata de explicar por que o fígado foi escolhido como o local do castigo Em épocas primitivas o fígado era considerado a sede de todas as paixões e desejos daí uma punição como a de Prometeu ter sido a correta para um criminoso que se deixara arrastar pelo instinto que havia cometido uma ofensa sob a instigação de maus desejos Contudo justamente o oposto é o que se verifica com o Portador do Fogo ele renunciara a um instinto e tinha mostrado quão benéfica e ao mesmo tempo quão indispensável era essa renúncia para os propósitos da civilização E por que a lenda haveria de retratar um efeito que era um benefício para a civilização como sendo um crime que merecia castigo Ora se malgrado todas as distorções transparece o fato de que a aquisição do controle do fogo pressupõe uma renúncia instintual a lenda pelo menos não mantém em segredo o ressentimento que o herói cultural não deixaria de suscitar nos homens movidos pelos instintos E isto está de acordo com o que sabemos e esperamos Sabemos que a exigência de renunciar ao instinto e a coerção dessa exigência despertam hostilidade e agressividade que só se transformam em sentimento de culpa em uma fase posterior do desenvolvimento psíquico A obscuridade da lenda de Prometeu bem como a de outros mitos do fogo aumenta com o fato de que o homem primitivo estava fadado a considerar o fogo como algo análogo à paixão do amor ou conforme diríamos nós um símbolo da libido O calor que se irradia do fogo evoca a mesma sensação que acompanha um estado de excitação sexual e a forma e os movimentos de uma chama sugerem um falo em atividade Não pode haver dúvida a respeito da significação mitológica da chama como um falo temos mais uma prova disto na lenda que refere a origem de Sérvio Túlio o rei romano Quando falamos do fogo devorador do amor ou das chamas quelambem comparando assim o fogo a uma língua não nos distanciamos do modo de pensar de nossos ancestrais primitivos Uma das suposições em que baseamos nossa descrição do mito da aquisição do fogo foi com efeito a de que o homem primitivo tentou apagar o fogo com sua própria água e isto teve o significado de uma luta prazerosa com um outro falo Provavelmente através dessa analogia de símbolos outros elementos de natureza puramente imaginativa se incorporaram ao mito e se mesclaram a seus elementos históricos É difícil resistir à idéia de que se o fígado é a sede da paixão sua importância simbolicamente é a mesma que a do fogo e que com isso o caso de ser diariamente devorado e renovado dá um quadro apropriado do comportamento dos desejos eróticos que embora satisfeitos todos os dias também revivem todos os dias A ave que se alimenta do figado teria pois a significação de pênis significação que não lhe é estranha em outras correlações de vez que a conhecemos de lendas sonhos expressões de linguagem e representações plásticas em tempos primitivosUm pequeno passo adiante levanos à fênix a ave que tão logo é consumida pelo fogo surge rejuvenescida mais uma vez e que de preferência e antes de ser uma alusão ao sol que se põe no crepúsculo vespertino a fim de novamente erguerse é muito provavelmente uma alusão ao pênis que surge revivescido depois de haver relaxado Aqui se pode perguntar se nos é permitido atribuir à atividade mitopoética uma tentativa de dar ludicamente digamos assim uma representação disfarçada para os processos mentais universalmente conhecidos embora também extremamente interessantes que se acompanham de manifestações físicas sem outro motivo que o de um simples prazer de representálo Certamente não podemos dar uma resposta definitiva a essa questão sem havermos apreendido inteiramente a natureza dos mitos contudo nos dois exemplos que estamos examinando o do fígado de Prometeu e o da fênix é fácil reconhecer o mesmo conteúdo e com ele um propósito definido Cada um deles descreve o revivescimento de desejos libidinais depois de estes terem sido extintos pela saciedade Ou seja cada um deles se refere à indestrutibilidade desses desejos e essa ênfase é particularmente apropriada como consolo ali onde o cerne histórico do mito aborda a derrota da vida instintual com uma renúncia ao instinto que se tornou necessária É porassim dizer a segunda parte de uma reação compreensível do homem primitivo quando este sofreu um golpe em sua vida instintual após a punição do delinqüente vem a garantia de que enfim no fundo ele não causou nenhum prejuízo Uma inversão ao oposto é inesperadamente encontrada num outro mito que aparentemente tem pouca relação com o mito do fogo A hidra de Lerna com suas inúmeras cabeças de serpente oscilantes uma das quais imortal era conforme nos diz seu nome um dragão das águas Hércules o herói cultural lutou com a hidra decepandolhe as cabeças estas porém sempre cresciam novamente e só venceu ao monstro depois de ele ter queimado a fogo a sua cabeça imortal Um dragão aquático vencido pelo fogo isto por certo não faz sentido Mas como sucede em tantos sonhos o sentido vem à tona se invertermos o conteúdo manifesto Nesse caso a hidra é uma fogueira e as cabeças de serpente com seus movimentos sinuosos são as chamas e estas como prova de sua natureza libidinal também aqui mostram tal como o fígado de Prometeu o fenômeno do crescimento renovado do ressurgimento após tentada a sua destruição Hércules portanto extingue essa fogueira com água A cabeça imortal sem dúvida é o próprio falo e sua destruição significa a castração Hércules todavia também foi o libertador de Prometeu e matou a ave que devorava seu fígado Não suspeitaríamos de uma correlação mais profunda entre os dois mitos É como se o feito de um herói fosse compensado pelo feito do outro Prometeu assim como a lei mongol havia proibido a extinção do fogo Hércules permitiua no caso em que a fogueira ameaçou provocar um desastre O segundo mito parece corresponder à reação de uma época posterior da civilização aos eventos da aquisição do poder sobre o fogo Parece que essa linha de abordagem nos possibilita uma maior penetração nos mistérios do mito mas reconhecidamente essa certeza nos acompanharia por pouco tempo Na antítese entre fogo e água que domina toda a área desses mitos pode ser demonstrado ainda um terceiro fator além do fator histórico e do fator da fantasia simbólica Esse terceiro fator é um fato fisiológico que o poeta Heine descreve nos seguintes versos Was dem Menschen dient zum Seichen Damit schafft er Seinesgleichen O órgão sexual masculino tem duas funções e existem pessoas para as quais essa duplicidade constitui motivo de desagrado Serve para o esvaziamento da bexiga e realiza o ato de amor que satisfaz o desejo da libido genital A criança ainda acredita que pode unir as duas funções Segundo uma teoria infantil as crianças são feitas quando o homem urina dentro do corpo da mulher Entretanto o adulto sabe que na realidade esses atos são mutuamente inconciliáveis como são incompatíveis o fogo e a água Quando o pênis se encontra no estado de excitação que o levou a ser comparado a um pássaro e enquanto estão sendo experimentadas sensações que sugerem o calor do fogo a micção é impossível e ao contrário quando o órgão está servindo para eliminar urina a água do corpo toda as suas conexões com a função genital parecem terse extinguido A antítese entre as duas funções poderia levarnos a dizer que o homem apaga o seu próprio fogo com sua própria água E o homem primitivo que tinha de compreender o mundo externo com ajuda de suas próprias sensações e estados corporais certamente não teria deixado de perceber e utilizar as analogias que lhe foram mostradas mediante o comportamento do fogo POR QUE A GUERRA EINSTEIN E FREUD 1933 1932 NOTA DO EDITOR INGLÊS WARUM KRIEG a EDIÇÕES ALEMÃS 1933 Paris Internationales Institut für Geistige Zusammenarbeit Völkerbund 62 págs 1934 G S 12 34963 Apenas com um resumo muito breve da carta de Einstein 1950 G W 16 1327 Reimpressão da anterior b TRADUÇÕES INGLESAS Why War 1933 Paris Instituto Internacional para Cooperação Intelectual Liga das Nações 57 págs Trad de Stuart Gilbert 1939 Londres Peace Pledge Union 24 págs Reimpressão da anterior 1950 C P 5 27387 Omite a carta de Einstein Trad de James Strachey A presente tradução inglesa da carta de Freud é uma versão corrigida publicada em 1950 A carta de Einstein é incluída aqui com autorização de seus testamenteiros e por solicitação destes é apresentada na versão original inglesa de Stuart Gilbert Parte do texto alemão da carta de Freud foi publicada em Psychoanal Bewegung 5 1933 20716 Parte da tradução inglesa de 1933 foi incluída na obra de Rickman Civilization War and Death Selections from Three Works by Sigmund Freud 1939 8297 Foi em 1931 que o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual foi instruído pelo Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações a promover trocas de correspondência entre intelectuais de renome a respeito de assuntos destinados a servir aos interesses comuns à Liga das Nações e à vida intelectual e a publicar essas cartas periodicamente Entre os primeiros que o Instituto abordou estava Einstein e foi ele quem sugeriu o nome de Freud Assim sendo em junho de 1932 o secretário do Institutoescreveu a Freud convidandoo a participar ao que ele prontamente acedeu A carta de Einstein chegoulhe no início de agosto e sua resposta estava concluída um mês depois A correspondência foi publicada em Paris pelo Instituto em março de 1933 em alemão francês e inglês simultaneamente No entanto sua circulação foi proibida na Alemanha Freud não ficou propriamente entusiasmado com o trabalho e qualificouo como discussão enfadonha e estéril Jones 1957 187 Einstein e Freud absolutamente nunca foram íntimos um do outro e apenas tiveram um encontro no início de 1927 na casa do filho mais novo de Freud em Berlim Em carta a Ferenczi dando conta do ocorrido Freud escreveu Ele entende tanto de psicologia quanto eu entendo de física de modo que tivemos uma conversa muito agradávelIbid 139 Algumas cartas muito amistosas foram trocadas entre os dois em 1936 e 1939 Ibid 21718 e 259 Já anteriormente Freud escrevera sobre o tema da guerra na primeira seção The Disillusionment of War de seu artigo Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte 1915b escrito logo após o início da primeira guerra mundial Embora algumas das idéias expressas no presente artigo apareçam no anterior elas estão mais estreitamente relacionadas às idéias contidas em seus escritos recentes sobre temas sociológicos O Futuro de uma Ilusão 1927c e O MalEstar na Civilização 1930a Um interesse especial surge aqui em relação a um desenvolvimento maior de pontos de vista de Freud sobre civilização como processo que tinham sido apresentados por ele em diversos tópicos do último desses trabalhos mencionados por exemplo no final do Capítulo III Edição Standard Brasileira Vol XXI págs 11718 IMAGO Editora 1974 e na última parte do Capítulo VIII ibid pág 164 e segs Também retoma uma vez mais o tema do instinto destrutivo sobre o qual discorrera extensamente nos Capítulos V e VI do mesmo livro e ao qual haveria de retornar em escritos posteriores Cf a Introdução do Editor Inglês a O MalEstar na Civilização ibid págs 7880 CARTA DE EINSTEIN Caputh junto a Potsdam 30 de julho de 1932 Prezado Professor Freud A proposta da Liga das Nações e de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual em Paris de que eu convidasse uma pessoa de minha própria escolha para um franco intercâmbio de pontos de vista sobre algum problema que eu poderia selecionar ofereceme excelente oportunidade de conferenciar com o senhor a respeito de uma questão que da maneira como as coisas estão parece ser o mais urgente de todos os problemas que a civilização tem de enfrentar Este é o problema Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra É do conhecimento geral que com o progresso da ciência de nossos dias esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização tal como a conhecemos não obstante apesar de todo o empenho demonstrado todas as tentativas de solucionálo terminaram em lamentável fracasso Ademais acredito que aqueles cuja atribuição é atacar o problema de forma profissional e prática estão apenas adquirindo crescente consciência de sua impotência para abordálo e agora possuem um vivo desejo de conhecer os pontos de vistas de homens que absorvidos na busca da ciência podem mirar os problemas do mundo na perspectiva que a distância permite Quanto a mim o objetivo habitual de meu pensamento não me permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do sentimento humano Assim na indagação ora proposta posso fazer pouco mais do que procurar esclarecer a questão em referência e preparando o terreno das soluções mais óbvias possibilitar que o senhor proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da vida instintiva do homem Existem determinados obstáculos psicológicos cuja existência um leigo em ciências mentais pode obscuramente entrever cujas interrelações e filigranas ele contudo é incompetente para compreender estou convencido de que o senhor será capaz de sugerir métodos educacionais situados mais ou menos fora dos objetivos da política os quais eliminarão esses obstáculos Como pessoa isenta de preconceitos nacionalistas pessoalmente vejo uma forma simples de abordar o aspecto superficial isto é administrativo do problema a instituição por meio de acordo internacional de um organismo legislativo e judiciário para arbitrar todo conflito que surja entre nações Cada nação submeterseia à obediência às ordens emanadas desse organismo legislativo a recorrer às suas decisões em todos os litígios a aceitar irrestritamente suas decisões e a pôr em prática todas as medidas que o tribunal considerasse necessárias para a execução de seus decretos Já de início todavia defrontome com uma dificuldade um tribunal é uma instituição humana que em relação ao poder de que dispõe é inadequada para fazer cumprir seus veredictos está muito sujeito a ver suas decisões anuladas por pressões extrajudiciais Este é um fato com que temos de contar a lei e o poder inevitavelmente andam de mãos dadas e as decisões jurídicas se aproximam mais da justiça ideal exigida pela comunidade em cujo nome e em cujos interesses esses veredictos são pronunciados na medida em que a comunidade tem efetivamente o poder de impor o respeito ao seu ideal jurídico Atualmente porém estamos longe de possuir qualquer organização supranacional competente para emitir julgamentos de autoridade incontestável e garantir absoluto acatamento à execução de seus veredictos Assim sou levado ao meu primeiro princípio a busca da segurança internacional envolve a renúncia incondicional por todas as nações em determinada medida à sua liberdade de ação ou seja à sua soberania e é absolutamente evidente que nenhum outro caminho pode conduzir a essa segurança O insucesso malgrado sua evidente sinceridade de todos os esforços durante a última década no sentido de alcançar essa meta não deixa lugar à dúvida de que estão em jogo fatores psicológicos de peso que paralisam tais esforços Alguns desses fatores são mais fáceis de detectar O intenso desejo de poder que caracteriza a classe governante em cada nação é hostil a qualquer limitação de sua soberania nacional Essa fome de poder político está acostumada a medrar nas atividades de um outro grupo cujas aspirações são de caráter econômico puramente mercenário Refirome especialmente a esse grupo reduzido porém decidido existente em cada nação composto de indivíduos que indiferentes às condições e aos controles sociais consideram a guerra a fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal O reconhecimento desse fato no entanto é simplesmente o primeiro passo para uma avaliação da situação atual Logo surge uma outra questão como é possível a essa pequena súcia dobrar a vontade da maioria que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de guerra a serviço da ambição de poucos Ao falar em maioria não excluo os soldados de todas asgraduações que escolheram a guerra como profissão na crença de que estejam servindo à defesa dos mais altos interesses de sua raça e de que o ataque seja muitas vezes o melhor meio de defesa Parece que uma resposta óbvia a essa pergunta seria que a minoria a classe dominante atual possui as escolas a imprensa e geralmente também a Igreja sob seu poderio Isto possibilita organizar e dominar as emoções das massas e tornálas instrumento da mesma minoria Ainda assim nem sequer essa resposta proporciona uma solução completa Daí surge uma nova questão como esses mecanismos conseguem tão bem despertar nos homens um entusiasmo extremado a ponto de estes sacrificarem suas vidas Pode haver apenas uma resposta É porque o homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição Em tempos normais essa paixão existe em estado latente emerge apenas em circunstâncias anormais é contudo relativamente fácil despertála e elevála à potência de psicose coletiva Talvez aí esteja o ponto crucial de todo o complexo de fatores que estamos considerando um enigma que só um especialista na ciência dos instintos humanos pode resolver Com isso chegamos à nossa última questão É possível controlar a evolução da mente do homem de modo a tornálo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade Aqui não me estou referindo tãosomente às chamadas massas incultas A experiência prova que é antes a chamada Intelligentzia a mais inclinada a ceder a essas desastrosas sugestões coletivas de vez que o intelectual não tem contato direto com o lado rude da vida mas a encontra em sua forma sintética mais fácil na página impressa Para concluir Até aqui somente falei das guerras entre nações aquelas que se conhecem como conflitos internacionais Estou porém bem consciente de que o instinto agressivo opera sob outras formas e em outras circunstâncias Penso nas guerras civis por exemplo devidas à intolerância religiosa em tempos precedentes hoje em dia contudo devidas a fatores sociais ademais também nas perseguições a minorias raciais Foi deliberada a minha insistência naquilo que é a mais típica mais cruel e extravagante forma de conflito entre homem e homem pois aqui temos a melhor ocasião de descobrir maneiras e meios de tornar impossíveis qualquer conflito armado Sei que nos escritos do senhor podemos encontrar respostas explícitas ou implícitas a todos os aspectos desse problema urgente e absorvente Mas seria da maior utilidade para nós todos que o senhor apresentasse o problema da paz mundial sob o enfoque das suas mais recentes descobertas pois umatal apresentação bem poderia demarcar o caminho para novos e frutíferos métodos de ação Muito cordialmente A EINSTEIN Viena setembro de 1932 CARTA DE FREUD Prezado Professor Einstein Quando soube que o senhor intencionava convidarme para um intercâmbio de pontos de vista sobre um assunto que lhe interessava e que parecia merecer o interesse de outros além do senhor aceitei prontamente Esperava que o senhor escolhesse um problema situado nas fronteiras daquilo que é atualmente cognoscível um problema em relação ao qual cada um de nós físico e psicólogo pudesse ter o seu ângulo de abordagem especial e no qual pudéssemos nos encontrar sobre o mesmo terreno embora partindo de direções diferentes O senhor apanhoume de surpresa no entanto ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra Inicialmente me assustei com o pensamento de minha quase escrevi nossa incapacidade de lidar com o que parecia ser um problema prático um assunto para estadistas Depois no entanto percebi que o senhor havia proposto a questão não na condição de cientista da natureza e físico mas como filantropo o senhor estava seguindo a sugestão da Liga das Nações assim como FridtjofNansen o explorador polar assumiu a tarefa de auxiliar as vítimas famintas e sem teto da guerra mundial Além do mais considerei que não me pediam para propor medidas práticas mas sim apenas que eu delimitasse o problema da evitação da guerra tal como ele se configura aos olhos de um cientista da psicologia Também nesse ponto o senhor disse quase tudo o que há a dizer sobre o assunto Embora o senhor se tenha antecipado a mim ficarei satisfeito em seguir no seu rasto e me contentarei com confirmar tudo o que o senhor disse ampliandoo com o melhor do meu conhecimento ou das minhas conjecturas O senhor começou com a relação entre o direito e o poder Não se pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação Mas permitame substituir a palavra poder pela palavra mais nua e cruaviolência Atualmente direito e violência se nos afiguram como antíteses No entanto é fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra e se nos reportarmos às origens primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram resolvese o problema facilmente Perdoeme se nessas considerações que se seguem eu trilhar chão familiar e comumente aceito como se isto fosse novidade o fio de minhas argumentações o exige É pois um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência É isto o que se passa em todo o reino animal do qual o homem não tem motivo por que se excluir No caso do homem sem dúvida ocorrem também conflitos de opinião que podem chegar a atingir a mais raras nuanças da abstração e que parecem exigir alguma outra técnica para sua solução Esta é contudo uma complicação a mais No início numa pequena horda humana era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade A força muscular logo foi suplementada e substituída pelo uso de instrumentos o vencedor era aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo A partir do momento em que as armas foram introduzidas a superioridade intelectual já começou a substituir a força muscular bruta mas o objetivo final da luta permanecia o mesmo uma ou outra facção tinha de ser compelida a abandonar suas pretensões ou suas objeções por causa do dano que lhe havia sido infligido e pelo desmantelamento de sua força Conseguiase esse objetivo de modo mais completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o adversário ou seja se o matasse Isto tinha duas vantagens o vencido não podia restabelecer sua oposição e o seu destino dissuadiria outros de seguirem seu exemplo Ademais disso matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual que mencionarei posteriormente À intenção de matar oporseia a reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis se fosse deixado vivo e num estado de intimidação Nesse caso a violência do vencedor contentavase com subjugar em vez de matar o vencido Foi este o início da idéia de poupar a vida de um inimigo mas a partir daí o vencedor teve de contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e sacrificou uma parte de sua própria segurança Esta foi por conseguinte a situação inicial dos fatos a dominação por parte de qualquer um que tivesse poder maior a dominação pela violência bruta ou pela violência apoiada no intelecto Como sabemos esse regime foi modificado no transcurso da evolução Havia um caminho que se estendia daviolência ao direito ou à lei Que caminho era este Penso ter sido apenas um o caminho que levava ao reconhecimento do fato de que à força superior de um único indivíduo podiase contrapor a união de diversos indivíduos fracos Lunion fait la force A violência podia ser derrotada pela união e o poder daqueles que se uniam representava agora a lei em contraposição à violência do indivíduo só Vemos assim que a lei é a força de uma comunidade Ainda é violência pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se lhe oponha funciona pelos mesmos métodos e persegue os mesmos objetivos A única diferença real reside no fato de que aquilo que prevalece não é mais a violência de um indivíduo mas a violência da comunidade A fim de que a transição da violência a esse novo direito ou justiça pudesse ser efetuada contudo uma condição psicológica teve de ser preenchida A união da maioria devia ser estável e duradoura Se apenas fosse posta em prática com o propósito de combater um indivíduo isolado e dominante e fosse dissolvida depois da derrota deste nada se teria realizado A pessoa a seguir que se julgasse superior em força haveria de mais uma vez tentar estabelecer o domínio através da violência e o jogo se repetiria ad infinitum A comunidade deve manterse permanentemente deve organizarse deve estabelecer regulamentos para anteciparse ao risco de rebelião e deve instituir autoridades para fazer com que esses regulamentos as leis sejam respeitadas e para superintender a execução dos atos legais de violência O reconhecimento de uma entidade de interesses como estes levou ao surgimento de vínculos emocionais entre os membros de um grupo de pessoas unidas sentimentos comuns que são a verdadeira fonte de sua força Acredito que com isso já tenhamos todos os elementos essenciais a violência suplantada pela transferência do poder a uma unidade maior que se mantém unida por laços emocionais entre os seus membros O que resta dizer não é senão uma ampliação e uma repetição desse fato A situação é simples enquanto a comunidade consiste em apenas poucos indivíduos igualmente fortes As leis de uma tal associação irão determinar o grau em que se a segurança da vida comunal deve ser garantida cada indivíduo deve abrir mão de sua liberdade pessoal de utilizar a sua força para fins violentos Um estado de equilíbrio dessa espécie porém só é concebível teoricamente Na realidade a situação complicase pelo fato de que desde os seus primórdios a comunidade abrange elementos de força desigual homens e mulheres pais e filhos e logo como conseqüência da guerra e da conquista também passa a incluir vencedores e vencidos que se transformam em senhores e escravos A justiça da comunidade então passa a exprimir graus desiguais de poder nela vigentes As leis são feitas por e para os membros governantes e deixa pouco espaço para os direitos daqueles que se encontram em estado de sujeição Dessa época em diante existem na comunidade dois fatores em atividade que são fonte de inquietação relativamente a assuntos da lei mas que tendem ao mesmo tempo a um maior crescimento da lei Primeiramente são feitas por certos detentores do poder tentativas no sentido de se colocarem acima das proibições que se aplicam a todos isto é procuram escapar do domínio pela lei para o domínio pela violência Em segundo lugar os membros oprimidos do grupo fazem constantes esforços para obter mais poder e ver reconhecidas na lei algumas modificações efetuadas nesse sentido isto é fazem pressão para passar da justiça desigual para a justiça igual para todos Essa segunda tendência tornase especialmente importante se uma mudança real de poder ocorre dentro da comunidade como pode ocorrer em conseqüência de diversos fatores históricos Nesse caso o direito pode gradualmente adaptarse à nova distribuição do poder ou como sucede com maior freqüência a classe dominante se recusa a admitir a mudança e a rebelião e a guerra civil se seguem com uma suspensão temporária da lei e com novas tentativas de solução mediante a violência terminando pelo estabelecimento de um novo sistema de leis Ainda há uma terceira fonte da qual podem surgir modificações da lei e que invariavelmente se exprime por meios pacíficos consiste na transformação cultural dos membros da comunidade Isto porém propriamente faz parte de uma outra correlação e deve ser considerado posteriormenteVer em 1 Vemos pois que a solução violenta de conflitos de interesses não é evitada sequer dentro de uma comunidade As necessidades cotidianas e os interesses comuns inevitáveis ali onde pessoas vivem juntas num lugar tendem contudo a proporcionar a essas lutas uma conclusão rápida e sob tais condições existe uma crescente probabilidade de se encontrar uma solução pacífica Outrossim um rápido olhar pela história da raça humana revela uma série infindável de conflitos entre uma comunidade e outra ou diversas outras entre unidades maiores e menores entre cidades províncias raças nações impérios que quase sempre se formaram pela força das armas Guerras dessa espécie terminam ou pelo saque ou pelo completo aniquilamento e conquista de uma das partes É impossível estabelecer qualquer julgamento geral das guerras de conquista Algumas como as empreendidas pelos mongóis e pelos turcos não trouxeram senão malefícios Outras pelo contrário contribuíram para a transformação da violência em lei ao estabelecerem unidades maiores dentro das quais o uso da violência se tornou impossível e nas quais um novo sistema de leis solucionou osconflitos Desse modo as conquistas dos romanos deram aos países próximos ao Mediterrâneo a inestimável pax romana e a ambição dos reis franceses de ampliar os seus domínios criou uma França pacificamente unida e florescente Por paradoxal que possa parecer devese admitir que a guerra poderia ser um meio nada inadequado de estabelecer o reino ansiosamente desejado de paz perene pois está em condições de criar as grandes unidades dentro das quais um poderoso governo central torna impossíveis outras guerras Contudo ela falha quanto a esse propósito pois os resultados da conquista são geralmente de curta duração as unidades recentemente criadas esfacelamse novamente no mais das vezes devido a uma falta de coesão entre as partes que foram unidas pela violência Ademais até hoje as unificações criadas pela conquista embora de extensão considerável foram apenas parciais e os conflitos entre elas ensejaram mais do que nunca soluções violentas O resultado de todos esses esforços bélicos consistiu assim apenas em a raça humana haver trocado as numerosas e realmente infindáveis guerras menores por guerras em grande escala que são raras contudo muito mais destrutivas Se nos voltamos para os nossos próprios tempos chegamos a mesma conclusão a que o senhor chegou por um caminho mais curto As guerras somente serão evitadas com certeza se a humanidade se unir para estabelecer uma autoridade central a que será conferido o direito de arbitrar todos os conflitos de interesses Nisto estão envolvidos claramente dois requisitos distintos criar uma instância suprema e dotála do necessário poder Uma sem a outra seria inútil A Liga das Nações é destinada a ser uma instância dessa espécie mas a segunda condição não foi preenchida a Liga das Nações não possui poder próprio e só pode adquirilo se os membros da nova união os diferentes estados se dispuserem a cedêlo E no momento parecem escassas as perspectivas nesse sentido A instituição da Liga das Nações seria totalmente ininteligível se se ignorasse o fato de que houve uma tentativa corajosa como raramente talvez jamais em tal escala se fez antes Ela é uma tentativa de fundamentar a autoridade sobre um apelo a determinadas atitudes idealistas da mente isto é a influência coercitiva que de outro modo se baseia na posse da força Já vimos 1 que uma comunidade se mantém unida por duas coisas a força coercitiva da violência e os vínculos emocionais identificações é o nome técnico entre seus membros Se estiver ausente um dos fatores é possível que a comunidade se mantenha ainda pelo outro fator As idéias a que se faz o apelo só podem naturalmente ter importância se exprimirem afinidades importantes entre os membros e podese perguntar quanta força essas idéias podem exercer A história nosensina que em certa medida elas foram eficazes Por exemplo a idéia do panhelenismo o sentido de ser superior aos bárbaros de alémfronteiras idéia que foi expressa com tanto vigor no conselho anfictiônico nos oráculos e nos jogos foi forte a ponto de mitigar os costumes guerreiros entre os gregos embora é claro não suficientemente forte para evitar dissensões bélicas entre as diferentes partes da nação grega ou mesmo para impedir uma cidade ou confederação de cidades de se aliar com o inimigo persa a fim de obter vantagem contra algum rival A identidade de sentimentos entre os cristãos embora fosse poderosa não conseguiu à época do Renascimento impedir os Estados Cristãos tanto os grandes como os pequenos de buscar o auxílio do sultão em suas guerras de uns contra os outros E atualmente não existe idéia alguma que esperase venha a exercer uma autoridade unificadora dessa espécie Na realidade é por demais evidente que os ideais nacionais pelos quais as nações se regem nos dias de hoje atuam em sentido oposto Algumas pessoas tendem a profetizar que não será possível pôr um fim à guerra enquanto a forma comunista de pensar não tenha encontrado aceitação universal Mas esse objetivo em todo caso está muito remoto atualmente e talvez só pudesse ser alcançado após as mais terríveis guerras civis Assim sendo presentemente parece estar condenada ao fracasso a tentativa de substituir a força real pela força das idéias Estaremos fazendo um cálculo errado se desprezarmos o fato de que a lei originalmente era força bruta e que mesmo hoje não pode prescindir do apoio da violência Passo agora a acrescentar algumas observações aos seus comentários O senhor expressa surpresa ante o fato de ser tão fácil inflamar nos homens o entusiasmo pela guerra e insere a suspeita ver em1 de que neles exige em atividade alguma coisa um instinto de ódio e de destruição que coopera com os esforços dos mercadores da guerra Também nisto apenas posso exprimir meu inteiro acordo Acreditamos na existência de um instinto dessa natureza e durante os últimos anos temonos ocupado realmente em estudar suas manifestações Permitame que me sirva dessa oportunidade para apresentarlhe uma parte da teoria dos instintos que depois de muitas tentativas hesitantes e muitas vacilações de opinião foi formulada pelos que trabalham na área da psicanálise De acordo com nossa hipótese os instintos humanos são de apenas dois tipos aqueles que tendem a preservar e a unir que denominamos eróticos exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra Eros em seu Symposium ou sexuais com uma deliberada ampliação da concepção popular de sexualidade e aqueles que tendem a destruir e matar os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo Como o senhor vê isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão que desempenha um papel na sua área de conhecimentos Entretanto não devemos ser demasiado apressados em introduzir juízos éticos de bem e de mal Nenhum desses dois instintos é menos essencial do que o outro os fenômenos da vida surgem da ação confluente ou mutuamente contrária de ambos Ora é como se um instinto de um tipo dificilmente pudesse operar isolado está sempre acompanhado ou como dizemos amalgamado por determinada quantidade do outro lado que modifica o seu objetivo ou em determinados casos possibilita a consecução desse objetivo Assim por exemplo o instinto de autopreservação certamente é de natureza erótica não obstante deve ter à sua disposição a agressividade para atingir seu propósito Dessa forma também o instinto de amor quando dirigido a um objeto necessita de alguma contribuição do instinto de domínio para que obtenha a posse desse objeto A dificuldade de isolar as duas espécies de instinto em suas manifestações reais é na verdade o que até agora nos impedia de reconhecêlos Se o senhor quiser acompanharme um pouco mais verá que as ações humanas estão sujeitas a uma outra complicação de natureza diferente Muito raramente uma ação é obra de um impulso instintual único que deve estar composto de Eros e destrutividade A fim de tornar possível uma ação há que haver via de regra uma combinação desses motivos compostos Isto há muito tempo havia sido percebido por um especialista na sua matéria o professor G C Lichtenberg que ensinava física em Göttingen durante o nosso classicismo embora talvez ele fosse ainda mais notável como psicólogo do que como físico Ele inventou uma bússola de motivos pois escreveu Os motivos que nos levam a fazer algo poderiam ser dispostos à maneira da rosadosventos e receber nomes de uma forma parecida por exemplo pão pão fama ou fama fama pão De forma que quando os seres humanos são incitados à guerra podem ter toda uma gama de motivos para se deixarem levar uns nobres outros vis alguns francamente declarados outros jamais mencionados Não há por que enumerálos todos Entre eles está certamente o desejo da agressão e destruição as incontáveis crueldades que encontramos na história e em nossa vida de todos os dias atestam a sua existência e a sua força A satisfação desses impulsosdestrutivos naturalmente é facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza erótica e idealista Quando lemos sobre as atrocidades do passado amiúde é como se os motivos idealistas servissem apenas de excusa para os desejos destrutivos e às vezes por exemplo no caso das crueldades da Inquisição é como se os motivos idealistas tivessem assomado a um primeiro plano na consciência enquanto os destrutivos lhes emprestassem um reforço inconsciente Ambos podem ser verdadeiros Receio que eu possa estar abusando do seu interesse que afinal se volta para a prevenção da guerra e não para nossas teorias Gostaria não obstante de determe um pouco mais em nosso instinto destrutivo cuja popularidade não é de modo algum igual à sua importância Como conseqüência de um pouco de especulação pudemos supor que esse instinto está em atividade em toda criatura viva e procura levála ao aniquilamento reduzir a vida à condição original de matéria inanimada Portanto merece com toda seriedade ser denominado instinto de morte ao passo que os instintos eróticos representam o esforço de viver O instinto de morte torna se instinto destrutivo quando com o auxílio de órgãos especiais é dirigido para fora para objetos O organismo preserva sua própria vida por assim dizer destruindo uma vida alheia Uma parte do instinto de morte contudo continua atuante dentro do organismo e temos procurado atribuir numerosos fenômenos normais e patológicos a essa internalização do instinto de destruição Foi nos até mesmo imputada a culpa pela heresia de atribuir a origem da consciência a esse desvio da agressividade para dentro O senhor perceberá que não é absolutamente irrelevante se esse processo vai longe demais é positivamente insano Por outro lado se essas forças se voltam para a destruição no mundo externo o organismo se aliviará e o efeito deve ser benéfico Isto serviria de justificação biológica para todos os impulsos condenáveis e perigosos contra os quais lutamos Devese admitir que eles se situam mais perto da Natureza do que a nossa resistência para a qual também é necessário encontrar uma explicação Talvez ao senhor possa parecer serem nossas teorias uma espécie de mitologia e no presente caso mitologia nada agradável Todas as ciências porém não chegam afinal a uma espécie de mitologia como esta Não se pode dizer o mesmo atualmente a respeito da sua física Para nosso propósito imediato portanto isto é tudo o que resulta daquilo que ficou dito de nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens Segundo se nos conta em determinadas regiões privilegiadas da Terra onde a natureza provê em abundância tudo o que é necessário ao homem existem povos cuja vida transcorre em meio à tranqüilidade povosque não conhecem nem a coerção nem a agressão Dificilmente posso acreditar nisso e me agradaria saber mais a respeito de coisas tão afortunadas Também os bolchevistas esperam ser capazes de fazer a agressividade humana desaparecer mediante a garantia de satisfação de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade em outros aspectos entre todos os membros da comunidade Isto na minha opinião é uma ilusão Eles próprios hoje em dia estão armados da maneira mais cautelosa e o método não menos importante que empregam para manter juntos os seus adeptos é o ódio contra qualquer pessoa além das suas fronteiras Em todo caso como o senhor mesmo observou não há maneira de eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem podese tentar desviálos num grau tal que não necessitem encontrar expressão na guerra Nossa teoria mitológica dos instintos facilitanos encontrar a fórmula para métodos indiretos de combater a guerra Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo a recomendação mais evidente será contraporlhe o seu antagonista Eros Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra Esses vínculos podem ser de dois tipos Em primeiro lugar podem ser relações semelhantes àquelas relativas a um objeto amado embora não tenham uma finalidade sexual A psicanálise não tem motivo porque se envergonhar se nesse ponto fala de amor pois a própria religião emprega as mesmas palavras Ama a teu próximo como a ti mesmo Isto todavia é mais facilmente dito do que praticado O segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação Tudo o que leva os homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de sentimento essas identificações E a estrutura da sociedade humana se baseia nelas em grande escala Uma queixa que o senhor formulou acerca do abuso de autoridadever em 1 levame a uma outra sugestão para o combate indireto à propensão à guerra Um exemplo da desigualdade inata e irremovível dos homens é sua tendência a se classificarem em dois tipos o dos líderes e o dos seguidores Esses últimos constituem a vasta maioria têm necessidade de uma autoridade que tome decisões por eles e à qual na sua maioria devotam uma submissão ilimitada Isto sugere que se deva dar mais atenção do que até hoje se tem dado à educação da camada superior dos homens dotados de mentalidade independente não passível de intimidação e desejosa de manter se fiel à verdade cuja preocupação seja a de dirigir as massas dependentes É desnecessário dizer que as usurpações cometidas pelo poder executivo do Estado e a proibição estabelecida pela Igreja contra a liberdade de pensamento não são nada favoráveis à formação de uma classe desse tipo A situação ideal naturalmente seria a comunidade humana que tivesse subordinado sua vida instintual ao domínio da razão Nada mais poderia unir os homens de forma tão completa e firme ainda que entre eles não houvesse vínculos emocionais No entanto com toda a probabilidade isto é uma expectativa utópica Não há dúvida de que os outros métodos indiretos de evitar a guerra são mais exeqüíveis embora não prometam êxito imediato Vale lembrar aquela imagem inquietante do moinho que mói tão devagar que as pessoas podem morrer de fome antes de ele poder fornecer sua farinha O resultado como o senhor vê não é muito frutífero quando um teórico desinteressado é chamado a opinar sobre um problema prático urgente É melhor a pessoa em qualquer caso especial dedicarse a enfrentar o perigo com todos os meios à mão Eu gostaria porém de discutir mais uma questão que o senhor não menciona em sua carta a qual me interessa em especial Por que o senhor eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra Por que não a aceitamos como mais uma das muitas calamidades da vida Afinal parece ser coisa muito natural parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na prática Não há motivo para se surpreender com o fato de eu levantar essa questão Para o propósito de uma investigação como esta poderseia talvez permitirse usar uma máscara de suposto alheamento A resposta à minha pergunta será a de que reagimos à guerra dessa maneira porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida porque a guerra põe um término a vidas plenas de esperanças porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes porque os compele contra a sua vontade a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos produzidos pelo trabalho da humanidade Outras razões mais poderiam ser apresentadas como a de que na sua forma atual a guerra já não é mais uma oportunidade de atingir os velhos ideais de heroísmo e a de que devido ao aperfeiçoamento dos instrumentos de destruição uma guerra futura poderia envolver o extermínio de um dos antagonistas ou quem sabe de ambos Tudo isso é verdadeiro e tão incontestavelmente verdadeiro que não se pode senão sentir perplexidade ante o fato de a guerra ainda não ter sido unanimemente repudiada Sem dúvida é possível o debate em tornode alguns desses pontos Podese indagar se uma comunidade não deveria ter o direito de dispor da vida dos indivíduos nem toda guerra é passível de condenação em igual medida de vez que existem países e nações que estão preparados para a destruição impiedosa de outros esses outros devem ser armados para a guerra Mas não me deterei em nenhum desses aspectos não constituem aquilo que o senhor deseja examinar comigo e tenho em mente algo diverso Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa Somos pacifistas porque somos obrigados a sêlo por motivos orgânicos básicos E sendo assim temos dificuldade em encontrar argumentos que justifiquem nossa atitude Sem dúvida isto exige alguma explicação Creio que se trata do seguinte Durante períodos de tempo incalculáveis a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural Sei que alguns preferem empregar o termo civilização É a esse processo que devemos o melhor daquilo em que nos tornamos bem como uma boa parte daquilo de que padecemos Embora suas causas e seus começos sejam obscuros e incerto o seu resultado algumas de suas características são de fácil percepção Talvez esse processo esteja levando à extinção a raça humana pois em mais de um sentido ele prejudica a função sexual povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicam mais rapidamente do que as camadas superiormente instruídas Talvez se possa comparar o processo à domesticação de determinadas espécies animais e ele se acompanha indubitavelmente de modificações físicas mas ainda não nos familiarizamos com a idéia de que a evolução da civilização é um processo orgânico dessa ordem As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação imposta aos impulsos instintuais Sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis tornaramse indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos Dentre as características psicológicas da civilização duas aparecem como as mais importantes o fortalecimento do intelecto que está começando a governar a vida instintual e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos Ora a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela simplesmente não podemos mais nos conformar com ela Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional nós os pacifistas temos uma intolerância constitucional à guerra digamos uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau Realmente parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista Não há como dizêlo Mas pode não ser utópico esperar que esses dois fatores a atitude cultural e o justificado medo das conseqüências de uma guerra futura venham a resultar dentro de um tempo previsível em que se ponha um término à ameaça de guerra Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará não podemos adivinhar Mas uma coisa podemos dizer tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra Espero que o senhor me perdoe se o que eu disse o desapontou e com a expressão de toda estima subscrevome Cordialmente SIGM FREUD MEU CONTATO COM JOSEF POPPER LYNKEUS 1932 NOTA DO EDITOR INGLÊS MEINE BERÜHRUNG MIT JOSEF POPPERLYNKEUS a EDIÇÕES ALEMÃS 1932 Allgemeine Nährpflicht Viena 15 1932 Psychoanal Bewegung 4 11318 1934 GS 12 41520 1950 GW 16 2616 b TRADUÇÃO INGLESA My Contact with Josef PopperLynkeus 1942 Int J PsychoAnal 23 2 857 Trad de James Strachey 1950 CP 5 295301 Reimpressão da anterior A presente tradução inglesa é uma versão corrigida da de 1950 Este artigo apareceu pela primeira vez numa revista fundada sob a influência de Josef Popper 18381921 em número especial editado para comemorar o décimo aniversário de sua morte Freud havia escrito um artigo mais curto em moldes semelhantes dez anos antes na própria ocasião da morte de Popper 1923f Podese encontrar uma explicação sobre o homenageado na Nota do Editor Inglês que apresenta aquele artigo Edição Standard Brasileira Vol XIX pág 323 IMAGO Editora 1976 As primeiras páginas do presente artigo proporcionam uma verdadeira sinopse de toda a essência da teoria psicológica de Freud escrita com clareza e precisão características MEU CONTATO COM JOSEF POPPER LYNKEUS No inverno de 1899 meu livro sobre A Interpretação de Sonhos embora a página de rosto tivesse recebido a pósdata do novo século encontravase diante de mim finalmente pronto Essa obra foi produto de quatro ou cinco anos de trabalho e sua origem não foi comum Ocupando o cargo de professor conferencista de doenças nervosas na Universidade eu vinha tentando sustentarme e a minha família que crescia rapidamente exercendo a clínica médica entre os chamados neuróticos tão numerosos em nossa sociedade Mas a tarefa se mostrou mais difícil do que eu imaginara Os métodos usuais de tratamento evidentemente ofereciam pouco ou nenhum auxílio outros caminhos deviam ser seguidos E como haveria de ser possível ajudar de algum modo os pacientes quando não se conhecia nada de sua doença nada das causas de seus sofrimentos ou do significado de suas queixas Assim sendo procurei sequiosamente orientação e ensino junto ao grande Charcot em Paris e junto a Bernheim em Nancy por fim uma observação feita por meu mestre e amigo Josef Breuer de Viena pareceu abrir uma nova perspectiva para a compreensão e o êxito terapêutico O fato é que essas novas experiências tornaram claro que os pacientes que qualificávamos como neuróticos em certa medida sofriam de distúrbios mentais e deviam por conseguinte ser tratados por métodos psicológicos Nosso interesse portanto voltouse necessariamente para a psicologia A psicologia que vigorava naqueles tempos nos cursos acadêmicos de filosofia tinha muito pouco a oferecer e absolutamente nada que servisse aos nossos propósitos tínhamos de descobrir desde o início tanto os métodos como as hipóteses teóricas que os sustentassem Assim pusme a trabalhar nesse sentido primeiramente em colaboração com Breuer e depois independentemente dele No final transformei em parte inseparável da minha técnica solicitar a meus pacientes que me falassem sem se criticarem tudo o que lhes viesse à mente conquanto se tratasse de idéias que não pareciam fazer sentido ou que eram difíceis de referir Quando concordaram com minhas instruções os pacientes contavamme seus sonhos entre outras coisas como se fossem coisa da mesma espécie que os seus demais pensamentos Isto era evidente indicação de que eu devia atribuir tanta importância a esses sonhos quanto a outros fenômenos inteligíveis Não eram porém compreensíveis e sim estranhos confusos absurdos tais como os sonhos de fato os quais por essa mesma razão eram condenados pela ciência como uma espécie de repuxões fortuitos e absurdos do órgão da mente Se meus pacientes tinham razão e pareciam estar apenas repetindo antigas crenças mantidas durante milhares de anos por pessoas sem bases científicas eu me encontrava perante a tarefa de interpretar sonhos numa forma que pudesse resistir às críticas científicas No início eu a respeito dos sonhos dos meus pacientes naturalmente entendia não mais do que esses mesmos sonhadores Contudo aplicando a esses sonhos e mais especialmente a meus próprios sonhos o método que eu já utilizara para o estudo de outras construções psicológicas anormais consegui responder à maior parte das questões que se podia levantar numa interpretação de sonhos Havia muitas questões Com que sonhamos Por que sonhamos Qual a origem de todas as características estranhas que diferenciam os sonhos da vida desperta e muitas outras questões mais Algumas das respostas puderam ser dadas com facilidade e vieram a confirmar pontos de vista que já haviam sido apresentados outras porém envolviam hipóteses completamente novas referentes à estrutura e ao funcionamento do aparelho da mente As pessoas sonham com as coisas de que a mente se ocupou durante as horas da vida desperta As pessoas sonham a fim de apaziguar impulsos que ameaçam perturbar o sono e a fim de poderem dormir No entanto por que se tornou possível aos sonhos apresentarem aparência tão estranha tão confusamente absurda em contraste tão evidente com o conteúdo do pensamento desperto apesar de tratarem do mesmo material Não podia haver dúvida de que os sonhos eram apenas um subtítulo de um processo racional de pensamento e podiam ser interpretados isto é traduzidos para um processo racional O que precisava ser explicado era contudo a distorção que a elaboração onírica efetuara sobre o material racional e inteligível A distorção onírica era o mais profundo o mais difícil problema da vida onírica E o que a esclareceu foi a noção segundo a qual os sonhos formavam uma classe em pé de igualdade com outras formações psicopatológicas e se revelavam por assim dizer como psicoses normais dos seres humanos Isso porque nossa mente esse precioso instrumento por intermédio do qual nos mantemos vivos não constitui uma unidade pacificamente independente Antes pode ser comparada a um Estado moderno no qual uma plebe sedenta de prazer e de destruição tem de ser reprimida à força por uma classe superior mais prudente Todo o fluxo de nossa vida mental e tudo o que se expressa em nossos pensamentos são derivações e representações dos instintos multiformes que são inatos em nossa constituição física Mas nem todos esses instintos são igualmente suscetíveis de serem orientados e educados e nem todos eles têm igual facilidade para se ajustarem às exigências do mundo externo e da sociedade humana Diversos deles conservam sua natureza primitiva ingovernável irrefreável se os deixássemos à solta infalivelmente nos levariam à ruína Conseqüentemente aprendendo pela experiência desenvolvemos em nossa mente organizações que sob a forma de inibições se opõem às manifestações diretas dos instintos Todo impulso com caráter de desejo que surge das fontes de energia instintual deve ser submetido ao exame das mais altas instâncias de nossa mente e não sendo aprovado é rejeitado e impedido de exercer influência sobre nossos movimentos isto é de ser posto em execução Realmente são muitas as vezes em que esses desejos são proibidos até mesmo de ingressar na consciência que habitualmente não chega a tomar conhecimento da existência dessas fontes instintuais perigosas Descrevemos esses impulsos como estando reprimidos do ponto de vista da consciência sobrevivendo apenas no inconsciente Se aquilo que está reprimido empenhase de alguma forma por obter ingresso à consciência ou ao movimento ou a ambos já não estamos mais normais nesse ponto emerge toda a gama de sintomas neuróticos e psicóticos A manutenção das inibições e repressões necessárias exige de nossa mente um grande dispêndio de energia do qual ela se alivia com satisfação Uma boa oportunidade para isso parece surgir à noite através do estado de sono pois o sono implica uma cessação de nossas funções motoras A situação parece segura e a severidade de nossa força policial interna pode portanto ser relaxada Como não se pode ter certeza ela não é retirada por completo possivelmente o inconsciente jamais dorme em absoluto E então a redução da pressão sobre o inconsciente reprimido produz seu efeito Dele originamse desejos que durante o sono poderiam encontrar aberta a porta de entrada para a consciência Se chegássemos a conhecêlos ficaríamos aterrorizados tanto por seus temas como por sua falta de freios e na verdade pela mera possibilidade de sua existência No entanto isto só acontece raramente e quando acontece acordamos o mais depressa possível em estado de medo Mas via de regra nossa consciência não experimenta o sonho como ele realmente se passou É verdade que as forças inibidoras a censura de sonhos conforme as denominamos não estão inteiramente despertas outrossim não dormem por completo Elas exerceram uma influência sobre o sonho enquanto este lutava para encontrar expressão mediante palavras e imagens eliminaram aquilo que era mais censurável modificaram outras partes do sonho até se tornarem irreconhecíveis desfizeram conexões reais enquanto introduziam conexões falsas até que a fantasia plena de desejos franca porém brutal que estava por trás do sonho transformouse no sonho manifesto tal como dele nos lembramos mais ou menos confuso quase sempre estranho e incompreensível Assim o sonho ou a distorção que o caracteriza é a expressão de uma conciliação é a evidência de um conflito entre impulsos e tendências reciprocamente incompatíveis de nossa vida mental E não nos esqueçamos de que o mesmo processo a mesma influência mútua de forças que explica os sonhos de uma pessoa normal nos possibilita compreender todos os fenômenos da neurose e da psicose Devo pedir desculpas se até aqui falei tanto a respeito de mim mesmo e de meu trabalho relativo aos problemas do sonho mas isto foi um preliminar necessário para o que vem a seguir Minha explicação da distorção onírica pareciame nova em parte alguma eu encontrara qualquer coisa parecida Anos depois já não consigo lembrar quando encontrei o livro de Josef Popper Lynkeus Phantasien eines Realisten Uma das histórias deste livro tinha como título Träumen wie Wachen Sonhar Acordado e não podia deixar de suscitar meu mais profundo interesse Havia nele a descrição de um homem que podia gabarse de jamais ter sonhado qualquer coisa absurda Seus sonhos podiam ser fantásticos como contos de fadas mas não eram tão desprovidos de concordância com o mundo desperto que fosse possível dizer terminantemente que eram impossíveis ou absurdos em si mesmos Traduzindo para a minha forma de expressar isto significa que no caso desse homem não ocorria distorção onírica o motivo apresentado para a ausência desta explicava ao mesmo tempo o motivo de sua ocorrência Popper deu ao homem uma compreensão interna insight completa dos motivos de sua peculiaridade Fêlo dizer A ordem e a harmonia reinam tanto em meus pensamentos como em meus sentimentos e esses dois não lutam entre si Eu sou um só e indiviso Outras pessoas estão divididas e suas duas partes vigília e sonho estão quase permanentemente em guerra uma com a outra E ainda quanto à interpretação dos sonhos Certamente que essa não é uma fácil tarefa mas com um pouco de atenção por parte daquele que sonha deve sem dúvida alcançar êxito Você pergunta por que é que na sua maioria não alcança êxito Em outros como você sempre parece haver algo que jaz oculto em seus sonhos algo de impuro num sentido especial e mais elevado uma certa qualidade secreta em seu ser que é difícil de acompanhar E eis por que seus sonhos tão amiúde parecem estar destituídos de significado ou mesmo ser absurdos Mas no sentido mais profundo não é isso de modo algum o que ocorre realmente não pode ser assim absolutamente pois é sempre o mesmo homem quer esteja acordado quer sonhando Ora se deixarmos de lado a terminologia psicológica era esta a mesma explicação da formação onírica a que eu chegara com meu estudo dos sonhos A distorção era uma conciliação algo de dissimulado havia na sua própria natureza era um conflito entre pensamento e sentimento ou como eu o formulara um conflito entre o consciente e o reprimido Onde não houvesse um conflito desse tipo e não fosse necessária a repressão os sonhos não poderiam ser estranhos nem absurdos O homem que sonhasse de modo não diverso do modo como pensa quando acordado teria garantido para si segundo Popper a própria condição de harmonia interna que na qualidade de reformador social almejava na formação do corpo político E se a ciência nos informa que um homem assim inteiramente isento de maldade e falsidade isento de repressões não existe e não poderia sobreviver podemos não obstante suspeitar que na medida em que é possível uma aproximação a semelhante ideal este encontrou sua concretização na pessoa do mesmo Popper Dominado pela emoção de encontrar tamanha sabedoria comecei a ler todas as suas obras seus livros sobre Voltaire sobre religião sobre guerra sobre a provisão universal da subsistência etc até haverse formado nitidamente diante de meus olhos uma imagem desse grande homem sincero que foi um pensador e crítico e ao mesmo tempo um afetuoso humanitário e reformador Refleti muito a respeito dos direitos do indivíduo que ele advogava e a que com satisfação teria dado meu apoio não estivesse eu sido refreado pela idéia de que nem o processo da Natureza nem os fins da sociedade humana justificavam muito essas reivindicações Um especial sentimento de simpatia atraíame a ele de vez que também ele evidentemente tivera uma experiência dolorosa da amargura da vida de um judeu e do vazio de ideais da civilização de nossos dias No entanto nunca o vi pessoalmenteEle sabia de mim através de conhecidos comuns e certa vez tive oportunidade de responder a uma carta sua na qual me pedia algumas informações Mas nunca o procurei Minhas inovações em psicologia tinhamme separado de seus contemporâneos e especialmente daqueles mais idosos muitíssimas vezes quando me aproximava de um homem que eu tinha venerado a distância viame repelido digamos assim por sua falta de compreensão daquilo que se tornara toda a minha vida para mim E afinal Josef Popper tinha sido um físico fora amigo de Ernst Mach Eu desejava ardentemente que a feliz impressão de nossa concordância quanto ao problema da distorção onírica não viesse a ser desfeita Assim aconteceu que adiei a ocasião de visitálo até que se tornou tarde demais e agora o que posso fazer é saudar seu busto nos jardins em frente ao nosso Rathaus SÁNDOR FERENCZI 1933 NOTA DO EDITOR INGLÊS SÁNDOR FERENCZI a EDIÇÕES ALEMÃS 1933 Int Z Psychoanal 19 3 3014 1934 GS 12 3979 1950 GW 16 2679 b TRADUÇÃO INGLESA Sándor Ferenczi 1933 Int J PsychoAnal 14 3 2979 Tradutor não especificado A presente tradução inglesa é nova e de autoria de James Strachey Sándor Ferenczi nasceu em 16 julho de 1873 e faleceu em 23 de maio de 1933 A homenagem anterior que lhe fez Freud e que este menciona aqui Freud 1923i encontrase em Edição Standard Brasileira Vol XIX pág 333 IMAGO Editora 1976 SÁNDOR FERENCZI Temos aprendido com a experiência que felicitar custa pouco assim apresentamonos uns aos outros generosamente com os melhores e mais calorosos votos de felicidades E entre estes a maioria é no sentido de uma vida longa Uma conhecida lenda oriental nos revela justamente a duplicidade desse desejo O sultão ordenou que dois sábios lhe revelassem seu horóscopo Vossa sorte é propícia senhor disse um deles Está escrito nas estrelas que havereis de ver todos os vossos parentes morrerem antes de vós Esse profeta foi executado Vossa sorte é propícia disse também o outro pois li nas estrelas que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes Este foi ricamente recompensado Ambos tinham expressado a realização do mesmo desejo Em janeiro de 1926 coubeme escrever um obtuário de nosso inesquecível amigo Karl Abraham Alguns anos antes em 1923 eu podia cumprimentar Sándor Ferenczi quando este completava seus cinqüenta anos Hoje mal passada uma década constritame ter eu sobrevivido também a ele Naquilo que escrevi para seu aniversário pude homenagear francamente sua versatilidade sua originalidade e a riqueza de seu talento mas a discrição que se exige de um amigo proibiame de falar de sua personalidade afável e afetuosa sempre disposta a receber bem tudo o que tivesse importância Desde os dias em que o levou até mim o seu interesse pela psicanálise então ainda nos seus primórdios compartilhamos juntos de muitas coisas Convideio a ir comigo a Worcester Massachusetts quando em 1909 ali fui convidado a dar conferências durante uma semana de comemorações Pela manhã antes de chegar a hora de começar minha conferência caminhava junto com ele em frente ao edifício da Universidade e pedialhe que me sugerisse o que eu deveria abordar naquele dia Ele me dava então um esboço daquilo que meia hora depois eu improvisava na minha conferência Dessa maneira ele participou da origem das Cinco Lições Logo depois disto no Congresso de Nuremberg de 1910 dispus as coisas de modo tal que ele devesse propor a organização dos analistas numa associação internacional esquema que elaboramos juntos Com pequenas modificações ela foi aceita e vigora até hoje Por muitos anos seguidos passamos as férias de outono juntos na Itália e numerosos artigos que posteriormente surgiram na bibliografia com o seu nome ou com o meu nome derivavam sua forma inicial de nossas conversas naqueles locais onde estivemos Quando a irrupção da guerra mundial pôs fim à nossa liberdade de movimentos e também paralisounossa atividade analítica ele utilizou o intervalo para começar sua análise comigo Esta foi interrompida quando de sua convocação para o serviço militar mas conseguiu retomála posteriormente O sentimento de um vínculo comum seguro que se desenvolveu entre nós a partir de tantas experiências compartilhadas não foi interrompido quando em época já infelizmente tardia uniuse à ilustre mulher que hoje o pranteia como viúva Há dez anos quando a Internationale Zeitschrift e o International Journal dedicou um número especial a Ferenczi por seu qüinquagésimo aniversário ele já havia publicado a maior parte de seus trabalhos que tornaram todos os analistas seus discípulos Ele contudo estava retendo sua realização mais brilhante e mais fértil Eu a conhecia e na fase final de minha contribuição instei com ele para que nola desse Então em 1924 surgiu a sua Versuch einer Genitaltheorie Esse pequeno livro constitui antes um estudo biológico do que psicanalítico é uma aplicação das atitudes e das compreensões internas insight associadas à psicanálise em relação à biologia dos processos sexuais e além destes à vida orgânica em geral Foi talvez a mais ousada aplicação da psicanálise que já se tentou Em suas linhasmestras acentua a natureza conservadora dos instintos que procura restabelecer toda situação interrompida em virtude de alguma interferência externa Os símbolos são reconhecidos como prova de primitivas correlações São apresentados exemplos impressionantes para mostrar como as características daquilo que é psíquico conservam vestígios de antigas modificações na substância corporal Depois de se ler esse livro parece que se compreende muitas particularidades da vida sexual das quais antes nunca se pôde obter uma visão abrangente e sentese enriquecido pelas sugestões que prometem uma profunda compreensão interna insight de amplas áreas da biologia É tarefa inútil tentar já hoje em dia diferenciar aquilo que pode ser aceito como descoberta autêntica daquilo que busca à maneira de fantasia científica adivinhar os conhecimentos do futuro Colocamos o livro de lado com este sentimento Isto é quase demais para ser apreendido numa primeira leitura vou lêlo novamente em breve Mas não sou eu apenas que sinto assim É provável que um dia no futuro haverá realmente uma bioanálise conforme profetizou Ferenczi e ele terá de remeter se à Versuch einer Genitaltheorie Depois desse apogeu de realização sucedeu que nosso amigo lentamente se afastou de nós Quando de seu regresso de um período de trabalho na América pareceu retrairse cada vez mais para um trabalho solitário embora anteriormente participasse muito ativamente de tudo o que acontecia nos círculos analíticos Sabíamos que um só problema vinha monopolizando seuinteresse Nele a necessidade de curar e de ajudar haviase tornado soberana Provavelmente ele se havia proposto objetivos que mediante nossos meios terapêuticos estão atualmente totalmente fora do nosso alcance De fontes inesgotáveis de emoção brotara nele a convicção de que se podia efetuar muito mais com os pacientes se se lhes desse todo aquele amor que tinham desejado profundamente quando crianças Ele queria descobrir o modo como isto podia ser realizado dentro do quadro referencial da situação psicanalítica e como não o conseguisse mantinhase afastado talvez já não mais seguro de que pudesse haver concordância com seus amigos Fosse qual fosse a direção a que pudesse leválo a estrada por que havia enveredado não pôde prosseguir nela até o fim Lentamente revelaramse nele sinais de um processo orgânico destrutivo grave que provavelmente já tivesse entristecido sua vida por muitos anos Um pouco antes de completar sessenta anos sucumbiu à anemia perniciosa É impossível imaginar que a história de nossa ciência algum dia venha a esquecêlo Maio de 1933 AS SUTILEZAS DE UM ATO FALHO 1935 NOTA DO EDITOR INGLÊS a EDIÇÕES ALEMÃS 1935 Almanach 1936 1517 1950 GW 16 379 b TRADUÇÕES INGLESAS The Fineness of Parapraxia 1939 Psychoan Rev 26 2 1534 Trad de A N Foxe The Subleties of a Parapraxis 1950 CP 5 31315 Trad de James Strachey A presente tradução inglesa com título modificado é uma versão corrigida da que foi publicada em 1950 Esta foi uma contribuição posterior contudo não a última de Freud ao seu tema predileto a psicopatologia da vida cotidiana Freud 1901b Retornou ao assunto mais uma vez em suas inacabadas Lições Elementares 1940b 1938 AS SUTILEZAS DE UM ATO FALHO Eu estava preparando para uma amiga um presente de aniversário uma pequena pedra preciosa trabalhada para ser engastada num anel Ela estava fixa no centro de um recorte de cartolina resistente e neste escrevi as seguintes palavras Comprovante para entrega à firma L joalheiros de um anel de ouro para a pedra anexa na qual está gravado um barco com vela e remos Contudo no ponto em que ali deixei uma lacuna entre ouro e para havia uma palavra que eu fora obrigado a riscar por ser inteiramente desnecessária Era a pequena palavra bis até em alemão Mas por que eu a teria escrito Ao ler toda a breve inscrição que havia feito surpreendeume o fato de que continha a palavra für para duas vezes em rápida sucessão para entrega para a pedra anexa Isto pareceu feio devia ser evitado Então me ocorreu que bis tinha sido substituído por für numa tentativa de evitar a deselegância estilística Certamente era isto era porém uma tentativa que se utilizava de meios extremamente inadequados A preposição bis estava muito fora de lugar nesse contexto e não tinha como ser substituída pelo necessário für Assim sendo por que justamente bis Talvez a palavra bis não fosse a preposição indicativa de tempolimite Pode ter sido algo totalmente diferente a palavra latina bis uma segunda vez que conservou seu significado em francês Ne bis in idem é uma máxima da lei romana Bis bis é o que grita o francês quando deseja ver repetida uma apresentação Assim esta deve ser a explicação de meu absurdo lapso de escrita Eu estava sendo advertido contra o segundo für contra uma repetição da mesma palavra Alguma outra devia ser colocada em seu lugar A fortuita identidade de som entre a palavra estrangeira bis que incorporava a crítica à fraseologia original e a preposição alemã possibilitou a inserção de bis em lugar de für na forma de lapso de escrita Esse engano todavia atingiu seu objetivo não ao ser efetuado mas somente depois de ter sido corrigido Tive de riscar o bis e com isto por assim dizer eliminei a repetição que me perturbava Realmente digna de interesse essa variante do mecanismo de uma parapraxia Sentime muito satisfeito com essa soluçãoNa autoanálise porém o perigo de fazer coisas incompletas é muito grande Podese com muita facilidade ficar satisfeito com uma explicação parcial atrás da qual a resistência facilmente pode estar ocultando algo que talvez seja mais importante Contei esta pequena análise a minha filha e ela imediatamente viu como a coisa acontecera Mas o senhor já deu a ela uma pedra igual a essa para um anel anteriormente Esta é provavelmente a repetição que o senhor quer evitar As pessoas não gostam de dar sempre o mesmo presente Isto me convenceu havia realmente a objeção contra uma repetição do mesmo presente não da mesma palavra Tinha havido um deslocamento para algo banal com a finalidade de desviar a atenção de algo mais importante uma dificuldade estética talvez em lugar de um conflito instintual Pois foi fácil descobrir a outra seqüência Eu estava procurando um motivo para não dar de presente a pedra e esse motivo foi providenciado pela reflexão de que eu já havia dado o mesmo presente ou um muito parecido Por que essa objeção devia ser ocultada ou disfarçada Logo vi por quê Não tinha nenhuma vontade de me desfazer da pedra Gostava muito dela e a queria para mim A explicação para essa parapraxia foi encontrada sem maiores dificuldade Na realidade logo me ocorreu uma idéia consoladora pesares desse tipo só aumentam o valor de um presente Que espécie de presente seria este se não se lamentasse um pouco dálo Não obstante o episódio possibilita que se perceba mais uma vez como podem ser compilados os processos mentais mais modestos e aparentemente mais simples Cometi um lapso ao redigir umas anotações coloquei bis onde devia escrever für percebio e o corrigi um pequeno erro ou antes uma tentativa de erro e assim mesmo encerrava tão grande número de premissas e de fatores dinâmicos Com efeito o erro não podia ter ocorrido se o material não fosse especialmente favorável UM DISTÚRBIO DE MEMÓRIA NA ACRÓPOLE 1936 NOTA DO EDITOR INGLÊS BRIEF AN ROMAIN ROLLAND EINE ERINNERUNGSSTORUNG AUF DER AKROPOLIS a EDIÇÕES ALEMÃS 1936 Almanach 1937 921 1950 GW 16 2507 b TRADUÇÃO INGLESA A Disturbance of Memory on the Acropolis 1941 Int J PsychoAnal 22 2 93101 Trad de James Strachey 1950 CP 5 30212 Reimpressão da anterior A presente tradução inglesa baseouse na versão corrigida da que foi publicada em 1950 Romain Rolland nasceu a 29 de janeiro de 1866 e este trabalho foilhe dedicado por ocasião de seu setuagésimo aniversário Freud tinha por ele a maior admiração conforme comprovou não só pelo presente trabalho mas também pela mensagem a Rolland quando este completou sessenta anos Freud 1926a e pelas seis ou sete cartas que lhe escreveu e que foram publicadas Freud 1960a bem como por uma passagem no começo de O MalEstar na Civilização 1930a Edição Standard Brasileira Vol XXI págs 812 IMAGO Editora 1974 Freud corresponderase com ele pela primeira vez em 1923 e uma única vez parece em 1924 teve um encontro com ele Foi impossível localizar qualquer publicação anterior deste artigo em alemão a não ser a do Almanach assinalada acima Devese ter em mente que todas as publicações relacionadas a Romain Rolland como as de muitos outros autores inclusive Thomas Mann e naturalmente todos os escritores judeus foram suprimidas durante aquele período pelos nazistas UM DISTÚRBIO DE MEMÓRIA NA ACRÓPOLE CARTA ABERTA A ROMAIN ROLLAND POR OCASIÃO DE SEU SETUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO Meu caro Amigo Vime na emergência de contribuir com algo escrito para a comemoração do seu setuagésimo aniversário e fiz grandes esforços por encontrar algo que pudesse de algum modo ser digno do senhor e pudesse expressar minha admiração pelo seu amor à verdade pela sua coragem nas suas crenças e por seu carinho e boa vontade para com a humanidade ou então algo que pudesse testemunharlhe minha gratidão como escritor que me tem proporcionado tantos momentos de enlevo e prazer Mas foi em vão Sou dez anos mais velho que o senhor e minha capacidade de produção está no fim Tudo o que posso encontrar para oferecerlhe é o dom de uma criatura empobrecida que viu dias melhores O senhor sabe que meu trabalho científico consistiu em elucidar manifestações incomuns anormais ou patológicas da mente isto é atribuir sua origem às forças psíquicas que operam por trás delas e indicar os mecanismos em ação Comecei tentando isto em mim próprio e então passei a aplicálo a outras pessoas e finalmente fazendo uma extensão ousada a toda a raça humana Durante os últimos anos um fenômeno destes que eu mesmo havia experimentado há uma geração atrás em 1904 e que eu jamais compreendera passou a assediar minha mente De início não vi o motivo desse fato porém afinal resolvi analisar o incidente e agora presenteio o senhor com os resultados dessa investigação No transcurso do que se segue naturalmente terei de solicitarlhe que dispense a alguns eventos de minha vida particular uma atenção maior do que eles de outro modo mereceriam Todos os anos naquela época em fins de agosto ou no começo de setembro eu costumava em companhia de meu irmão mais novo partirem viagem de férias que durava algumas semanas e nos levava a Roma ou a alguma outra região da Itália ou a alguma parte da costa do Mediterrâneo Meu irmão é dez anos mais novo que eu de modo que tem a mesma idade que o senhor uma coincidência que só agora me ocorreu Naquele ano em particular meu irmão me disse que seus negócios não lhe permitiriam manterse afastado por muito tempo uma semana seria o máximo que ele podia conseguir e devíamos abreviar nossa viagem Assim sendo decidimos viajar via Trieste até a ilha de Corfu e passar ali os poucos dias de nossas férias Em Trieste ele visitou uma pessoa que conhecia dos seus negócios e que morava nessa cidade e o acompanhei Nosso anfitrião no seu modo afável perguntou a respeito de nossos planos e ao saber que era nossa intenção ir a Corfu advertiunos com veemência que não o fizéssemos Que é que os leva a pensar em ir lá nesta época do ano Seria quente demais para que pudessem fazer alguma coisa Melhor seria se em vez disso fossem a Atenas O navio do Lloyd parte hoje à tarde lá os senhores terão três dias para ver a cidade e na viagem de volta o navio os apanha novamente Isto seria mais agradável e valeria mais a pena Enquanto voltávamos dessa visita estávamos ambos em um estado de espírito muito deprimido Discutimos o plano que fora proposto concordamos em que era quase impraticável e não víamos senão dificuldades na sua realização supúnhamos ademais que não nos permitiriam desembarcar na Grécia sem passaportes As horas que antecederam à abertura do escritório do Lloyd passamolas vagando pela cidade num estado de ânimo aborrecido e indeciso Mas quando chegou a hora dirigimonos ao guichê e compramos nossas passagens para Atenas como se fosse tudo muito natural sem nos preocuparmos em absoluto com as supostas dificuldades e realmente sem havermos trocado idéias um com o outro acerca dos motivos de nossa decisão Esse comportamento deve ser dito foi muito estranho Posteriormente reconhecemos que instantaneamente muito rápido aceitáramos a sugestão de irmos a Atenas em vez de Corfu Não obstante por que passamos o intervalo de tempo anterior à abertura dos escritórios num estado tão sombrio e não prevíamos senão obstáculos e dificuldades Quando por fim na tarde após nossa chegada eu me encontrava na Acrópole e pousava meus olhos sobre o cenário um pensamento surpreendente passou rápido em minha mente Então tudo isso realmente existe mesmo tal como aprendemos no colégio Para descrever a situação de modo mais preciso em mim essa pessoa que expressou essecomentário estava dividida muito mais nitidamente dividida do que em geral seria perceptível de uma outra pessoa que tomava conhecimento do comentário e ambas as pessoas estavam surpresas se bem que não com relação à mesma coisa A primeira comportavase como se estivesse obrigada sob o impacto de uma observação inequívoca a acreditar em algo cuja realidade parecia até então duvidosa Se me permito um pequeno exagero era como se alguém caminhando na margem do Loch Ness subitamente enxergasse a forma do famoso monstro encalhado na praia e se visse compelido a admitir Então realmente existe mesmo a serpente marinha na qual nunca acreditávamos A segunda pessoa por outro lado com razão estava surpresa pois desconhecia a possibilidade de que a existência real de Atenas da Acrópole e do cenário em torno alguma vez tivesse sido objeto de dúvida O que essa pessoa estivera esperando era preferentemente alguma expressão de alegria ou admiração Ora seria fácil argumentar que esse estranho pensamento que me ocorreu na Acrópole só serve para acentuar o fato de que ver algo com os próprios olhos é afinal coisa muito diferente de ouvir contar ou de ler a respeito Mas continuaria sendo uma forma muito estranha de explicar um lugarcomum sem interesse Ou então seria possível afirmar que era verdade que quando eu era um colegial pensara estar convencido da realidade histórica da cidade de Atenas e de sua história mas que a ocorrência dessa idéia na Acrópole justamente mostrara que em meu inconsciente eu não tinha acreditado e que só agora estava adquirindo uma convicção que atingia o fundo do inconsciente Semelhante explicação parece muito profunda contudo é mais fácil de afirmar do que de provar ademais é muito mais passível de ataque em bases teóricas Não Creio que os dois fenômenos a depressão em Trieste e a idéia na Acrópole relacionavamse intimamente E a primeira a depressão é mais facilmente compreensível e pode ajudarnos no sentido de explicar a segunda a idéia A experiência em Trieste foi também como se pode notar simplesmente uma expressão de incredulidade Vamos ver Atenas Impossível vai ser difícil demais A depressão concomitante correspondia a um lamento de que era impossível teria sido tão lindo E agora sabemos onde estamos Este é mais um caso de bom demais para ser verdade que encontramos com tanta freqüência É um exemplo da incredulidadeque surge tantas vezes quando nos surpreendemos com uma boa notícia quando sabemos que ganhamos um prêmio por exemplo ou que saímos vencedor ou quando uma jovem vem a saber que o homem que ela amava em segredo pediu aos pais dela permissão para fazerlhe a corte Quando estabelecemos a existência de um fenômeno o passo seguinte é naturalmente conhecer sua causa A incredulidade como essa que se verificou é evidentemente uma tentativa de repelir uma parte da realidade há porém algo de estranho nesse fato Não ficaríamos nem um pouco surpresos se uma tentativa dessa espécie tivesse como objetivo uma parte da realidade que ameaçasse causar desprazer o mecanismo de nossa mente é por assim dizer planificado para funcionar segundo essas diretrizes No entanto por que haveria de surgir essa incredulidade com relação a algo que pelo contrário promete trazer um elevado grau de prazer Conduta realmente paradoxal Lembrome de que em uma ocasião anterior tratei do caso parecido de pessoas que conforme expressei são arrasadas pelo sucesso Geralmente as pessoas adoecem de frustração da nãorealização de alguma necessidade vital ou de um desejo A estas pessoas contudo sucede o contrário adoecem ou até mesmo ficam aniquiladas porque um desejo seu excepcionalmente intenso realizouse O contraste entre as duas situações não é tão grande como parece à primeira vista O que acontece no caso paradoxal é simplesmente que o lugar da frustração externa é assumido por uma frustração interna O sofredor não se permite a felicidade a frustração interna ordenalhe que se aferre à frustração externa Mas por quê Porque esta é a resposta em muitos casos a pessoa não pode esperar que o Destino lhe proporcione algo tão bom De fato é outro exemplo de bom demais para ser verdade é a expressão de um pessimismo do qual uma grande parte parece estar presente em muitos dentre nós Em um outro grupo de casos como naqueles que se arruinam com o êxito encontramos um sentimento de culpa ou de inferioridade que pode ser traduzido assim Não mereço tanta felicidade não mereço Mas esses dois motivos são em essência o mesmo por ser um apenas uma projeção do outro Conforme há muito já se sabe o Destino que esperamos nos trate tão mal é materialização de nossa consciência do severo superego que há dentro de nós sendo ele próprio um remanescente da instância primitiva de nossa infânciaIsto segundo penso explica nosso comportamento em Trieste Não podíamos acreditar que nos seria dada a alegria de ver Atenas O fato de que a realidade que estávamos tentando repelir era no início apenas uma possibilidade determinava o caráter de nossas reações imediatas Quando porém estávamos na Acrópole a possibilidade se tornara realidade e a mesma descrença encontrou uma expressão diferente todavia muito mais clara Numa forma isenta de distorção isto poderia ter sido expresso assim Realmente eu não poderia ter imaginado ser possível que me fosse dado ver Atenas com meus próprios olhos como indubitavelmente agora está ocorrendo Quando relembro meu vivo desejo de viajar e ver o mundo que me dominava nos tempos de colégio e posteriormente e quanto tempo se passara até que meu desejo se concretizasse não me surpreendo com esse efeito retardado na Acrópole eu tinha então quarenta e oito anos Não perguntei a meu irmão mais novo se ele sentia algo dessa mesma natureza Determinada dose de reserva envolveu todo o episódio e foi isto que já interferira em nossa troca de idéias em Trieste Supondo que eu tenha adivinhado corretamente o significado do pensamento que me veio na Acrópole e que realmente expressei minha alegre surpresa por me encontrar naquele lugar a outra questão emergente é saber por que esse significado teve de estar sujeito no pensamento a um disfarce tão dissimulado e desorientador O tema essencial do pensamento isto é a incredulidade realmente estava contido na própria distorção Pela evidência dos meus sentidos estou agora na Acrópole mas não consigo acreditar nisto Essa incredulidade essa dúvida quanto a um aspecto da realidade estava contudo duplamente deslocada em sua expressão real primeiro estava atribuída ao passado e segundo estava transportada de minha relação para com a Acrópole para a própria existência da Acrópole E assim ocorreu algo que equivalia a uma afirmação de que em certa época do passado eu duvidara da real existência da Acrópole um fato que no entanto minha memória rejeitava como incorreto e com efeito impossível As duas distorções envolvem dois problemas independentes Podemos tentar penetrar mais fundo no processo de transformação Sem especificar no momento como foi que cheguei à idéia partirei da suposição de que o fator original deve ter sido o sentimento do inacreditável e do irreal na situação daquele momento A situação incluía a mim próprio a Acrópole e a minha percepção dela Eu não podia explicaressa dúvida evidentemente não podia ligar a dúvida às minhas impressões sensoriais referentes à Acrópole Lembreime contudo de que no passado tivera uma dúvida a respeito de algo relacionado precisamente a esse local e assim encontrei o meio de deslocar a dúvida para o passado Nesse processo entretanto o tema da dúvida foi modificado Não só me recordei de que em meus anos de jovem duvidara se um dia haveria de ver a Acrópole mas também afirmei que naquele tempo eu desacreditara da realidade da própria Acrópole É justamente esse efeito do deslocamento que me leva a pensar que a situação atual na Acrópole encerrava um elemento de dúvida acerca da realidade Certamente ainda não consegui tornar claro o processo assim concluirei dizendo em sinopse que toda essa situação psíquica de aparência tão confusa e tão difícil de descrever pode ser elucidada satisfatoriamente supondose que no momento tive ou poderia ter tido um sentimento instantâneo O que estou vendo aqui não é real Tal sentimento é conhecido como sentimento de desrealização Entfremdungsgefühl Fiz um intento de afastar esse sentimento e o consegui à custa de uma falsa afirmação acerca do passado Essas desrealizações são fenômenos notáveis ainda pouco compreendidos Dizse serem sensações mas evidentemente são processos complexos vinculados a conteúdos mentais peculiares e vinculados a operações feitas a respeito desses conteúdos Surgem com muita freqüência em determinadas doenças mentais não sendo contudo desconhecidos entre pessoas sadias Não obstante são falhas do funcionamento e são estruturas anormais como os sonhos os quais apesar de ocorrerem normalmente em pessoas sadias nos servem como modelo de distúrbio psicológico Esses fenômenos podem ser observados sob duas formas a pessoa sente que uma parte da realidade ou que uma parte do seu próprio eu lhe é estranha Nesse último caso falamos em despersonalização existe uma íntima relação entre desrealizações e despersonalizações Existe mais um outro grupo de fenômenos que podem ser considerados como suas contrapartidas positivas é o que se conhece como fausse reconnaissance déjà vu déjà raconté etc ilusões em que procuramos aceitar algo como pertencente ao nosso ego do mesmo modo como nas desrealizações nos empenhamos em manter algo fora de nós Uma tentativa ingênua e nãopsicológica de explicar o fenômeno do déjà vu procura encontrar nele a prova de uma existência anterior de nosso eu self mental A despersonalização levanos à extraordinária situação de double conscienceque se descreve mais corretamente como personalidade dividida Tudo isso contudo é tão obscuro e tem sido tão mal dominado cientificamente que tenho de me abster de lhe falar mais a respeito dessas coisas Para os meus propósitos sermeá suficiente retornar às características gerais dos fenômenos da desrealização A primeira característica consiste em que todos eles servem ao objetivo de defesa visam a manter algo distanciado do ego visam a rechaçálo Ora novos elementos capazes de ensejar medidas defensivas acercamse do ego oriundos de duas direções do mundo externo real e do mundo interno dos pensamentos e impulsos que emergem no ego É possível que essa opção coincida com a escolha entre desrealizações propriamente ditas e despersonalizações Há um número extraordinariamente grande de métodos ou conforme dizemos de mecanismos utilizados por nosso ego na descarga de suas funções defensivas Neste momento está sendo desenvolvida uma investigação muito próxima de mim dedicada ao estudo desses métodos de defesa minha filha analista de crianças está escrevendo um livro a respeito deles O mais primitivo e mais verdadeiro representante desses métodos a repressão foi o ponto de partida de toda a nossa compreensão mais profunda da psicopatologia Entre a repressão e aquilo que se pode chamar de método normal de afastar o que é aflitivo ou insuportável reconhecendo considerando ajuizando e passando a uma ação adequada a respeito dessa mesma coisa existe toda uma série de métodos de comportamento mais ou menos claramente patológicos por parte do ego Posso fazer uma pausa momentânea a fim de lembrar lhe um caso relacionado a esse tipo de defesa O senhor recordase do famoso lamento dos mouros de Espanha Ay de mi Alhama Minha pobre Alhama que refere como o rei Boabdil recebeu a notícia de que sua cidade Alhama tinha sido tomada Ele sente que sua perda significa o fim de seu reinado Contudo não permitirá que seja verdade determina que se trate a notícia como non arrivée Diz o poema Cartas le fueron venidas que Alhama era ganada las cartas echó en el fuego y al mensajero matara É fácil perceber que um outro motivo para essa conduta do rei era sua necessidade de combater um sentimento de impotência ante a situação Queimando as cartas e mandando matar o mensageiro ele ainda tentava mostrar seu poder absoluto A segunda característica geral das desrealizações sua dependência do passado do repertório de recordações e de experiências angustiantes da infância que talvez tenham sucumbido à repressão não é aceita sem controvérsia Mas justamente minha própria experiência na Acrópole que realmente culminou num distúrbio de memória e numa falsificação do passado ajudanos a demonstrar essa conexão Não é procedente o fato de que em meus tempos de colegial eu alguma vez duvidasse da existência real de Atenas Apenas duvidava se algum dia chegaria a ver Atenas Pareciame além dos limites do possível eu algum dia viajar tão longe eu percorrer um caminho tão longo Isto se ligava às limitações e à pobreza de nossas condições de vida em minha adolescência Minha ânsia de viajar sem dúvida era também expressão de um desejo de escapar daquela pressão como a força que impele tantos adolescentes a fugirem de casa Há muito tempo compreendera claramente que uma grande parte do prazer de viajar se baseia na realização desses antigos desejos isto é tem suas origens na insatisfação com a casa e com a família Quando pela primeira vez uma pessoa enxerga o mar cruza o oceano e sente como realidades as cidades e os países que por tanto tempo tinham sido distantes inatingíveis coisas desejadas então a pessoa se sente como um herói que realizou feitos de inimaginável grandeza Naquele dia na Acrópole eu podia ter dito a meu irmão Ainda se lembra quando éramos jovens como costumávamos caminhar dia após dia pelas mesmas ruas em nosso caminho para a escola e como todos os domingos costumávamos ir ao Prater ou a alguma excursão que conhecíamos tão bem E agora aqui estamos nós em Atenas na Acrópole Realmente realizamos muitas coisas Se me for facultado comparar esse pequeno evento com um outro maior também Napoleão durante sua coroação como imperador em Notre Damevoltouse para um de seus irmãos deve ter sido sem dúvida o irmão mais velho José e observou O que Monsieur notre Père teria dito disto se ele pudesse ter estado aqui no dia de hoje Nesse ponto porém deparamos com a solução do pequeno problema da causa pela qual já em Trieste interferíamos em nosso regozijo pela viagem a Atenas Pode ser que um sentimento de culpa estivesse vinculado à satisfação de havermos realizado tanto havia nessa conexão algo de errado que desde os primeiros tempos tinha sido proibido Era alguma coisa relacionada com as críticas da criança ao pai com a desvalorização que tomou o lugar da supervalorização do início da infância Parece como se a essência do êxito consistisse em ter realizado mais do que o pai realizou e como se ainda fosse proibido ultrapassar o pai Como acréscimo a esse motivo cuja validade é geral estava presente um fator especial em nosso caso particular O próprio tema referente a Atenas e à Acrópole continha provas da superioridade do filho Nosso pai se dedicara ao comércio não tinha tido instrução secundária e Atenas podia não ter significado muito para ele Assim o que interferia em nossa satisfação de viajar a Atenas era um sentimento de respeito filial E agora o senhor não mais haverá de se admirar de que a lembrança desse incidente na Acrópole me tenha perturbado tantas vezes depois que envelheci agora que tenho de ter paciência e não posso mais viajar Com a estima de sempre SIGM FREUD Janeiro de 1936 BREVES ESCRITOS 19311936 CARTA A GEORG FUCHS1931 Depois de ler sua carta senti uma onda da mais profunda simpatia mas logo duas reflexões me detiveram uma dificuldade interna e um obstáculo externo Uma frase do seu próprio prefácio ofereceme uma expressão adequada para a primeira Sem dúvida porém há pessoas que têm uma opinião tão desfavorável da humanidade civilizada de hoje que negam a existência de uma consciência do mundo Acredito que sou uma dessas pessoas Por exemplo eu não poderia subscrever a afirmativa de que o tratamento dispensado aos presos condenados é uma desgraça de nossa civilização Pelo contrário uma voz haveria de me dizer isto está em perfeita harmonia com nossa civilização expressão necessária da brutalidade e falta de compreensão que dominam a humanidade civilizada da época atual E se por algum milagre as pessoas de repente se convencessem de que a reforma do sistema penal é a primeira e mais urgente tarefa de nossa civilização o que mais haveria de surgir senão o fato de que essa sociedade capitalista não possui agora os meios de fazer frente aos gastos que tal reforma exigiria A segunda reflexão se refere à dificuldade externa e é esclarecida naquelas passagens de sua carta nas quais o senhor me exalta como sendo eu um líder intelectual reconhecido e um inovador cultural e me atribui o privilégio de gozar das boas graças do mundo civilizado Meu caro senhor muito gostaria de que isto fosse assim em tal caso eu não recusaria o seu pedido Parece contudo que sou persona ingrata se não ingratissima para o povo alemão e além do mais para as pessoas cultas bem como para as incultasDecididamente faço votos para que o senhor não pense que me sinto gravemente contristado por esses sinais de desaprovação Já faz algumas dezenas de anos que tenho sido tão tolo de resto comparado com o seu exemplo seria por demais ridículo Menciono essas trivialidades apenas para confirmar o fato de que não sou o advogado apropriado para um livro que procura despertar as simpatias dos seus leitores em benefício de uma causa boa Permitame acrescentar que o seu livro é comovente nobre sábio e bom PREFÁCIO AO DICIONÁRIO DE PSICANÁLISE DE RICHARD STERBA 1936 1932 3 de julho de 1932 CARO DR STERBA Seu Dicionário me dá a impressão de constituir valioso auxílio para os estudiosos e de ser em si mesmo uma realização brilhante A precisão e a correção de cada verbete realmente são de uma qualidade elogiável As traduções dos títulos para o inglês e o francês não são indispensáveis mas se somariam ao valor que essa obra possui2 Não desconheço ser longo o caminho desde a letra A até o fim do alfabeto e que seguilo significaria uma carga enorme de trabalho para o senhor Por isso não o faça a não ser que sinta uma obrigação interna obedecer apenas a uma compulsão dessa natureza e certamente não a uma pressão externa Cordialmente FREUD PREFÁCIO A A VIDA E AS OBRAS DE EDGAR ALLAN POE UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA DE MARIE BONAPARTE 1933 Neste livro Marie Bonaparte minha amiga e discípula dirigiu a luz da psicanálise sobre a vida e a obra de um grande escritor de tipo patológico Graças ao trabalho de interpretação realizado pela autora podemos compreender agora em que medida as características da obra desse escritor foram determinadas pela natureza especial do mesmo Contudo também verificamos que isto foi conseqüência de poderosos laços afetivos e de experiências dolorosas do início de sua adolescência Investigaçòes como esta não se destinam a explicar o caráter de um autor porém mostram quais as forças motrizes que o moldaram e qual o material que lhe foi oferecido pelo destino Existe um fascínio especial no estudo das leis da mente humana tal como o exemplificam pessoas notáveis A THOMAS MANN NO SEU SEXAGÉSIMO ANIVERSÁRIO 1935 MEU CARO THOMAS MANN Aceite como amigo minhas cordiais felicitações por seu sexagésimo aniversário Eu sou um dos seus mais velhos leitores e admiradores e poderia desejarlhe uma vida muito longa e feliz conforme é costume em tais ocasiões Mas não farei isso Felicitar é barato pareceme uma recaída nos velhos tempos em que as pessoas acreditavam na onipotência mágica dos pensamentos Penso ademais baseado na minha experiência muito pessoal que está tudo bem se um destino compassivo põe oportuno fim à duração de nossa vida Além disso penso que não é digno de ser imitado o costume segundo o qual em tais ocasiões festivas a afeição menospreza o respeito e pelo qual a pessoa homenageada é compelida a verse como ser humano cumulada de elogios e como artista analisada e criticada Não me farei culpado de semelhante excesso Posso permitirme no entanto algo diverso Em nome de um número incontável de contemporâneos seus posso expressarlhe a nossa confiança em que o senhor jamais fará ou dirá pois as palavras de um escritor são ações alguma coisa covarde ou indigna Mesmo em épocas e em circunstâncias que confundem o raciocínio o senhor seguirá o caminho correto e o assinalará aos demais Muito cordialmente FREUD Junho de 1935