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DOI 1021902 Organização Comitê Científico Double Blind Review pelo SEEROJS Recebido em 22012016 Aprovado em 08052016 Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 146 A ATUALIDADE DA TEORIA DE THOMAS HUMPHREY MARSHALL EFETIVIDADE DA CIDADANIA POLÍTICAS PÚBLICAS E LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL THE PRESENT THEORY OF THOMAS HUMPHREY MARSHALL EFFECTIVENESS OF CITIZENSHIP PUBLIC POLICY AND LIMITS OF JUDICIAL CONTROL 1Anajara Carvalho Rabelo Daud 2Samira dos Santos Daud RESUMO O artigo busca demonstrar a atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall ao tratar sobre a distinção entre as várias dimensões da cidadania que passa pela conquista dos direitos civis políticos e sociais possíveis apenas quando se garante a educação Traçase um panorama histórico da cidadania no Brasil e a sua efetividade diante da força vinculante das normas constitucionais considerando que muitos dos direitos a ela inerentes dependem da atuação Estatal mediante o implemento de políticas públicas que quando inexistentes ou insuficientes podem sofrer um controle limitado do Judiciário O presente trabalho foi construído a partir de estudos bibliográficos Palavraschave Panorama histórico no brasil Força vinculante da constituição Políticas públicas Limites do controle judicial ABSTRACT The article seeks to demonstrate the relevance of the theory of Thomas Humphrey Marshall to address the distinction between the various dimensions of citizenship which involves the achievement of civil political and social possible only when it ensures education Plot a historical overview of citizenship in Brazil and its effectiveness on the binding force of constitutional requirements considering that many of the rights inherent to it depend on the State acting through the public policy implement that when nonexistent or inadequate they may suffer limited control of the judiciary This work was built from bibliographic studies Keywords Citizenship Historical panorama in brazil Binding force of the constitution Public policy Limits of judicial review 1 Pósgraduada em Direito Municipal Gestão Fiscal e Tributária pela Universidade Tiradentes UNIT Aracaju SE Brasil Procuradora do Município de Nossa Senhora do Socorro Sergipe Brasil Email anajararabelohotmailcom 2 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe UFS Cristóvão SE Brasil Professora ESTÁCIO FASE Segipe Brasil Email samiradaudhotmailcom Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 147 1 INTRODUÇÃO Cuida o presente trabalho de demonstrar a atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall ao tratar sobre a distinção entre as várias dimensões da cidadania que passa pela conquista dos direitos civis políticos e sociais possíveis apenas quando se garante a educação Segundo José Murilo de Carvalho 2003 p 9 uma cidadania plena que combine liberdade participação e igualdade para todos é um ideal desenvolvido no ocidente e talvez inatingível Isso porque de acordo com a teoria de T H Marshall 1967 p63 o cidadão pleno seria o titular dos direitos civis políticos e sociais Nesse passo importante mencionar os lineamentos dessa teoria que pode ser facilmente aplicada aos tempos hodiernos traçando um panorama histórico do desenvolvimento da cidadania no Brasil para então conhecer se os direitos a ela inerentes são realmente efetivados ou apenas tutelados em nosso país tendo em vista a força vinculante das normas constitucionais Outrossim considerando que a prestação de grande parte dos direitos inerentes ao cidadão depende diretamente do Estado que deve lhes conferir cumprimento por meio de políticas públicas há que se perquirir também sobre a possibilidade de um controle judicial quando tais políticas não existam ou sejam insuficientes bem como se há limitações a este controle 2 CIDADANIA TUTELADA OU CIDADANIA EFETIVA 21 A Teoria de Thomas Humphrey Marshall Distinção entre as Várias Dimensões da Cidadania Em que pese seus apontamentos datarem de 1950 Thomas Humprey Marshall tem como base dos seus estudos um problema que hodiernamente assola a sociedade brasileira qual seja a desigualdade social Portanto lançar os olhos sobre a teoria desenvolvida por este importante sociólogo britânico tornase não só esclarecedor como essencial para desmistificar o significado conferido pelo uso corriqueiro da palavra cidadania A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 148 Ao falar sobre cidadania e classe social Marshall 1967 p 60 teve que tratar inicialmente sobre o problema da igualdade social deixando claro que os homens nunca serão iguais mas que não existem limites intransponíveis para o progresso das classes trabalhadoras afinal o traço característico das classes operárias é o trabalho pesado e excessivo de modo que reduzilo pela qualificação e não só pelo aumento de salário já é progresso e desenvolve certa independência Notese que o sistema tratado por Marshall 1967 p 60 aceitava certo grau de desigualdade quantitativa ou econômica mas condenava a diferenciação qualitativa Para ele a desigualdade do sistema de classes sociais pode ser aceitável desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida Ele concebeu a cidadania como um modo de viver que brotava dentro de cada indivíduo e não como algo imposto de fora sendo possível essa imposição somente em relação ao direito da criança ir à escola já que o ignorante não pode escolher livremente as coisas boas da vida Segundo Marshall 1967 p 63 o conceito de cidadania possui três elementos a Civil direitos necessários à liberdade individual ir e vir imprensa pensamento fé propriedade contrato e justiça garantidos pelo judiciário b Político Direito de participar no exercício do poder político seja como membro de um organismo investido de autoridade política seja como eleitor desses membros Ligado ao Parlamento e Conselhos de Governo c Social direito ao mínimo do bem estar econômico e segurança até participar por completo da herança social sistema educacional e serviços sociais Para este sociólogo a cidadania seria desenvolvida dentro do EstadoNação A Revolução Francesa 1798 foi uma luta política nacional com seus ideais de igualdade e fraternidade de modo que as pessoas se tornaram cidadãs à medida que passaram a se sentir parte de uma nação e portanto passíveis de gozar dos mesmos direitos Logo a cidadania pressupõe um sentimento de participação em sociedade já que o cidadão a reconhece como patrimônio comum cujo desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir direitos quanto pelo gozo dos mesmos uma vez adquiridos Ocorre porém que essa realidade só pode ser alcançada com a garantia primeiro do direito à Educação pois apesar deste ser um direito social deve ser imposto até coercitivamente pelo Estado como única forma de gerar consciência da condição de cidadania perante a sociedade e seus governantes Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 149 Tanto é assim que Marshall 1967 p 73 afirma ser a educação um prérequisito necessário da liberdade civil haja vista os direitos civis só poderem ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso além da democracia política necessitar de um eleitorado educado e a produção científica de técnicos e trabalhadores qualificados Portanto a Teoria de Thomas Humphrey Marshall nunca foi tão atual e necessária para esclarecer o real significado da tão falada cidadania cuja acepção em toda a sua amplitude muitas vezes passa despercebida Feitas estas considerações cumpre verificar agora como esse desenvolvimento ocorreu ao longo dos tempos analisando mais detidamente essa evolução na sociedade brasileira 22 A Conquista da Cidadania Panorama Histórico no Brasil Inicialmente é importante mencionar que a formação de cada elemento da cidadania no Brasil ocorreu em ordem inversa ao ocorrido nos demais países sobretudo da Europa eis que via de regra se verificou primeiro a conquista dos direitos individuais para em seguida se consolidarem os direitos políticos e se buscarem os direitos sociais de acordo com o contexto histórico vivenciado enquanto no Brasil de início se verifica uma proteção aos direitos sociais em seguida os direitos políticos e só depois se solidificam os direitos civis CARVALHO 2003 p12 Isso porque na Inglaterra inicialmente se verificou a adição gradativa de novos direitos a um status já existente o da liberdade de modo que quando os direitos civis já haviam conquistado substância suficiente par justificar falar em um status geral de cidadania mediante a possibilidade de aquisição de velhos direitos por novos setores da população o cidadão estava capacitado a adquirir os direitos políticos MARSHALL 1967 p 69 Ocorre porém que o status dominado pelos direitos civis que conferem a capacidade legal de lutar pelos objetivos que o indivíduo gostaria de possuir não garante a posse de nenhum deles demonstrando uma falha e a necessidade dos direitos sociais Por isso no final do séc XIX começou a se entender que os direitos sociais não afrontavam os direitos civis e se desenvolve um interesse pela igualdade como princípio de justiça social com uma concepção de igual valor social e não apenas de direitos naturais iguais MARSHALL 1967 p 8384 A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 150 Todavia até o século XX o desenvolvimento da cidadania exercia pouca influência direta sobre a desigualdade social eis que os direitos civis deram poderes legais cujo uso foi prejudicado por preconceitos de classes e falta de oportunidade econômica os direitos políticos eram um poder potencial cujo exercício exigia experiência organização e mudança de ideias quanto às funções próprias do governo enquanto os direitos sociais eram mínimos e não faziam parte do conceito de cidadania Nesse contexto um sistema de impostos comprimiu as rendas e a produção em massa para o mercado interno diminuiu a distância entre as classes e essa diminuição de desigualdade fortaleceu a luta pela sua abolição ao menos em relação aos elementos essenciais do bem estar social incorporando os direitos sociais à cidadania como o mínimo garantido ou seja o Estado garante o mínimo de certos bens e serviços essenciais mas qualquer pessoa capaz de ultrapassar esse mínimo é livre para fazêlo Ocorre porém que enquanto a cidadania evoluía na Europa tendo na base da pirâmide os direitos civis no Brasil ocorria um movimento invertido com os direitos sociais arbitrados surgindo antes dos direitos políticos e civis Tal realidade se verifica porque a história do Brasil está carregada de nuances que demonstram o Poder do Estado e a ausência de reconhecimento pelo povo dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos quadro que muitas vezes se repete até hoje Dos meandros da história é possível inferir que para o progresso da cidadania no Brasil desde o Império 18221889 até a Primeira República 18891930 o fato mais relevante foi a abolição da escravatura pois os escravos foram incorporados formalmente aos direitos civis mas trazendo uma herança colonial composta por uma população analfabeta sociedade escravocrata economia de monocultura e latifúndio num Estado absolutista de modo que mesmo a população livre dependia dos Senhores para viver impedindo o exercício dos direitos civis A própria Constituição de 1824 regulou os direitos políticos tornando cidadãos os analfabetos ou controlados pelo Governo mas em verdade não havia noção do que era um governo representativo de modo que muitos votavam mas as eleições eram corruptas fraudulentas e até forçadas pois o voto em geral era um ato de obediência lealdade e gratidão não havendo que se falar em exercício pleno e consciente desses direitos CARVALHO 2003 p35 Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 151 Em verdade o que existia aqui era uma diversidade de problemas para a concretização real dos direitos políticos pois o Brasil não havia passado pelo processo de aprendizado democrático deixando claro que o governo e as elites eram menos preparados que o próprio povo já que cultivavam a crença de que o tirocínio de tais direitos pudesse ser feito de outra forma que não sua prática continuada e difusão da educação primária Frisese pois oportuno que nesse momento os direitos civis só existiam na lei pois a herança colonial negava condição humana ao escravo a grande propriedade rural era fechada à ação da lei e o Estado era comprometido com o poder privado Desta feita o que se verifica é que até 1930 o Brasil ainda era um país predominantemente agrícola baseado no coronelismo que não era apenas um obstáculo ao livre exercício dos direitos políticos mas impedia a participação política porque negava os direitos civis CARVALHO 2003 p56 A partir de 1930 há um acelerado avanço dos direitos sociais Na fase revolucionária 19301934 a assembleia constituinte votou nova constituição e elegeu Vargas Presidente Aqui os direitos civis evoluíram lentamente pois sua garantia na prática continuou precária para a maioria dos cidadãos CARVALHO 2003 p89 Também após 1930 iniciouse uma fase de agitação política mais ampla e organizada pois atingiu vários Estados e classe sociais fazendo surgir diversos sindicatos e partidos Porém em 1937 ocorre um golpe que fez o país viver sob um regime ditatorial civil até 1945 o que foi aceito pela população indicando que os avanços democráticos eram muito frágeis Durante a ditadura muitos dos direitos civis foram suspensos mas houve progresso na formação da identidade nacional CARVALHO 2003 p100106 Mas se depois de 1930 os avanços dos direitos políticos e civis foi limitado o mesmo não aconteceu com os direitos sociais que sempre receberam muita atenção dos líderes dessa época mas surgem num ambiente de pouca participação política e precária vigência dos direitos civis tornando duvidosa sua definição como conquista democrática e sua contribuição para uma cidadania ativa Com o golpe de 1964 houve o naufrágio da evolução democrática colocando a perder os ganhos em termos de mobilização e aprendizado político à exceção da participação eleitoral Houve restrição aos direitos civis e políticos e ênfase aos direitos sociais ampliandoos com a inclusão por exemplo dos rurais autônomos e domésticas na previdência e a criação do FGTS CARVALHO 2003 p157 A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 152 Quando eleito em 1974 Ernesto Geisel indicou intenção de promover lento retorno à democracia revogando os Atos Institucionais e diminuindo a restrição à propaganda eleitoral o que fez com que o governo perdesse as eleições da câmara e senado deixando de ter maioria para aprovar as emendas constitucionais Há a retomada dos movimentos de oposição e expansão dos movimentos sociais urbanos associações de moradores e de profissionais CARVALHO 2003 p173 Em 1984 ocorre um importante marco para o desenvolvimento dos direitos políticos representado pela campanha das diretas já que foi a maior mobilização da história do país mas sem dúvidas foi em 1988 que se verifica o fato mais importante para o desenvolvimento da cidadania no Brasil com a promulgação da Constituição Cidadã a mais democrática e liberal já existente trazendo em seu bojo todo um arcabouço normativo que tutela tanto os direitos civis como os políticos e os sociais CARVALHO 2003 p188 Ou seja o que se verificou no Brasil foi uma cidadania muito mais arbitrada pois imposta pelos Governos e pelas Leis do que conquistada pela consciência da participação em sociedade como idealizado por Marshall 23 A Efetividade da Cidadania no Brasil Com o advento da Constituição Federal de 1988 não sopesam dúvidas de que no Brasil há proteção expressamente prevista para a cidadania em todas as suas dimensões civil política e social Todavia considerando o contexto histórico em que se desenvolve a cidadania brasileira surgem questionamentos sobre a efetividade dessa cidadania Seria a cidadania no Brasil apenas tutelada pois deferida formalmente mas com operacionalidade comprometida ou seria esta uma cidadania realmente efetiva Não é demais lembrar que já no artigo 1º da Constituição Federal se afirma ser fundamento da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade da pessoa humana enquanto no artigo 5º estão elencados diversos direitos fundamentais no artigo 6º vários direitos sociais e no artigo 14 direitos políticos sendo que ao longo de todo o texto não faltam exemplos de previsão dos direitos inerentes à cidadania bem como de instrumentos processuais a serviço da efetivação desses direitos tais como Ação Popular Mandado de Segurança Ação Direta de Inconstitucionalidade Ação Civil Pública dentre outras Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 153 Apesar disso as desigualdades e os indicadores sociais não demonstram nenhum indício de que essa cidadania tutelada pela Constituição Federal está realmente sendo efetivada O fato é que a organização do Estado o corporativismo do poder político bem como o não saber e o depender da população limitam quando não elidem totalmente o exercício dessa cidadania Em artigo intitulado Cidadania Tutelada JJ Calmon de Passos faz elucidativa ponderação sobre o exercício do poder diante da cidadania Para que a dominação deixe de ser mera força e se faça poder necessária em maior ou menor grau a cooptação do dominado E um dos instrumentos mais poderosos para essa dominação é o saber Entre os que igualmente sabem sobre algo só a autoridade opera não o poder visto como as relações de poder vinculam um saber a um não saber Fora dessa diferenciação de saber só o depender vincula em termos de Poder Quem não depende de outro nem materialmente nem intelectualmente é livre e jamais será dominado podendo apenas ser subjugado pela força física ou seduzido psicilogicamente PASSOS 2006 p 10 Diante disso é possível inferir que o Poder do qual o Estado é sempre detentor pode tanto tutelar a cidadania como eliminar o seu exercício mediante a manipulação de fatores como a ignorância falta de educação e a dependência Ou seja o que se vislumbra no Brasil é uma falta de interesse dos Poderes Públicos em promover uma educação de qualidade justamente para limitar ou excluir o exercício da cidadania que apesar de prevista constitucionalmente muitas vezes não tem seu cumprimento observado e não há cobrança exatamente porque não há o reconhecimento dessa cidadania como patrimônio comum dos que vivem em sociedade e merecem tratamento igualitário Entretanto não se pode esquecer que a própria Constituição Federal também prevê o princípio da igualdade que deve ser observado tanto na elaboração das leis como na obrigatoriedade ao interprete basicamente à autoridade pública de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo religião convicções filosóficas ou políticas raça classe social MORAES 2013 p 35 Nesse sentido Fábio Konder Comparato 1996 p 59 assevera que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais meta a ser alcançada não por meio de leis mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal Porém não existe um controle eficaz sobre a existência eou eficiências dessas políticas públicas de modo que a separação dos poderes aqui exerce fundamental papel mediante a utilização dos freios e contrapesos como mecanismos de controle recíproco entre esses poderes A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 154 Eduardo Ribeiro Moreira 2012 p 52 lembra que a separação dos poderes não é exercida apenas na clássica tripartição de Montesquieu pois a função desempenhada por um órgão não é única nem um poder detém a sua exclusividade E complementa Se um poder não realiza a função constitucional correspondente outro poderá substituílo ou complementá lo se constitucionalmente autorizado MOREIRA 2012 p 56 Portanto não sopesam dúvidas de que a Constituição Federal de 1988 pode sim ser descrita como uma Constituição Cidadã pois traz um arcabouço de normas protetivas dos direitos inerentes à cidadania no entanto para que esses direitos sejam concretizados é imprescindível a atuação do Estado no âmbito dos seus diversos Poderes e das suas diversas funções típicas ou atípicas para que haja real efetividades dessa cidadania que é de fato tutelada Todavia essa atuação estatal por si só não se basta pois os membros que atuam em nome do Estado lá estão para representar o povo real titular desses direitos mas que em verdade fica omisso e aguarda passivamente como se o Poder Público estivesse lhe prestando um favor numa postura de não saber e dependência que tolhe o exercício da cidadania Por isso mesmo aumenta ainda mais a importância do desempenho do Poder Judiciário no controle da eficiência administrativa numa atuação vinculada à força normativa da Constituição mediante o emprego da racionalidade e argumentação jurídica Ocorre porém que até essa atuação judicial precisa de impulso cabendo ao cidadão buscar a efetividade dos seus direitos contudo o que se verifica é que o titular desses direitos carece de educação único meio idôneo de conseguir maior conhecimento consciência e discernimento do real significado da palavra cidadania para então lhe conferir os efeitos desejados pelo texto constitucional 3 REFLETINDO SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS Como já visto anteriormente a Revolução Francesa ao derrubar a realeza produziu profundas alterações sociais políticas e econômicas influindo em todas as instituições e refletindo na ordem jurídica É nesse momento que ocorre o passamento do Estado Absolutista e o nascer do Estado de Direito consagrando o princípio da Tripartição do Poder de modo que o arbítrio cede lugar à legalidade Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 155 Entretanto esse Estado Liberal não atentou para as diferenças existentes entre as classes sociais de modo que a atuação estatal como mero executor das leis e garantidor da propriedade e liberdade não foi suficiente para avalizar a efetividade dos direitos que viabilizassem a diminuição das desigualdades É importante lembrar que no segundo pósguerra surge um grande desenvolvimento da ideia de dignidade humana como reação à longa dominação do Estado sobre a sociedade juridicizando o conceito de Estadoinstrumento e reconhecendo a força normativa da Constituição Nesse sentido convém trazer o pensamento de Cristiana Fortini 2010 p 332 em artigo intitulado o Controle Judicial de Políticas no Estado Democrático de Direito Não se pode esquecer ainda que a valorização da Constituição como diploma superior em que estão dispostos os valores de dada sociedade em determinado momento difundida especialmente após a II Guerra Mundial implica a imprescindibilidade de leitura das demais regras à luz dos ditames constitucionais A busca pela maior normatividade da Constituição vista como diploma em que se depositam os valores da sociedade e não como mero instrumento organizacional do aparelho estatal ganha força após as guerras mundiais e passa a reclamar uma leitura do ordenamento jurídico hierarquizadora principiológica e voltada para o alcance da eticidade desprezada no período liberal Nesse contexto temse a ampliação dos direitos reconhecidos como fundamentais e da necessidade do Estado atuar como instrumento para dar efetividade aos mesmos acabando por interferir também no desempenho do Judiciário que passa a atuar como garantidor destes direitos Desta feita sendo o fim precípuo da Administração a satisfação do interesse público é imperioso salientar que o Estado irá promover a sua finalidade por meio de políticas públicas Por isso Fábio Konder Comparato 1998 p 44 afirma que a legitimidade do Estado que antes se fundava na expressão legislativa passou a se fundar na realização de finalidades coletivas que poderiam ser alcançadas de maneira programada A organização das finalidades coletivas é função primordialmente conferida ao Poder Executivo através das políticas públicas Portanto com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social o Ente Público deixa de ser mero executor das leis e garantidor da propriedade e liberdade e passa a ser o garantidor do interesse público razão pela qual precisa implementar políticas públicas organizadas e planejadas com vistas a alcançar a sua principal finalidade A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 156 Assim sendo para que a atuação Administrativa possa estar de acordo com os preceitos constitucionais é imprescindível o estabelecimento das políticas públicas num processo que almeja decidir racionalmente quais as prioridades a serem atendidas tomando por base obviamente os interesses mais importantes para a coletividade Segundo Maria Paula Dallari Bucci 2002 p 266268 o processo de definição de políticas públicas envolve as seguintes etapas 1 Formação apresentação dos pressupostos técnicos e materiais pela Administração ou pelos interessados para confronto com outros pressupostos 2 Execução medidas administrativas financeiras e legais de implementação do programa 3 Avaliação apreciação dos efeitos sociais e jurídicos novamente sob o prisma do contraditório de todas as escolhas possíveis em vista dos pressupostos apresentados Quer dizer para a formação das políticas públicas há que se perquirir essencialmente sobre as necessidades coletivas razão pela qual a sua promulgação deve ser conferida ao Poder Legislativo como representante do povo que analisa Projeto de iniciativa do Poder executivo e deve definir as diretrizes e os objetivos gerais a serem posteriormente adimplidos por este Executivo mas claro ponderando as possibilidades reais Não se pode perder de vista também que a mudança do paradigma do Estado quando o ente público deixa de ser apenas aquele que cumpre a lei e passa a ser aquele que atua para obter os resultados colimados pela sociedade requer a eficiência desse Estado de modo que no momento da elaboração das políticas públicas se faz necessário considerar a estrutura administrativa e seu modo de funcionamento Nesse passo sendo certo que as políticas públicas são escolhas efetuadas pelo Poder Público enquanto representantes e promotores do interesse público considerando ainda as suas possibilidades de promovêlas não se pode negar o caráter discricionário que lhes é inerente razão pela qual se torna imperioso perquirir sobre a possibilidade do judiciário efetuar um controle sobre elas 4 FUNDAMENTOS DO CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Restou assentado anteriormente que a própria concepção de políticas públicas como eleição de prioridades feita pelo Estado enquanto representante da sociedade que visa a satisfação do interesse público traz certo conteúdo de discricionariedade razão pela qual em Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 157 tese não haveria como o Judiciário efetuar um controle em face dessas políticas para não adentrar no mérito administrativo e ferir o princípio da separação dos poderes Isso porque na análise de conveniência e oportunidade que como é cediço representa o mérito do Ato Administrativo Discricionário não poderia haver ingerência do Poder Judiciário afinal nos atos discricionários há liberdade há juízo de valor Neste caso se a decisão tomada pela Administração estiver nos parâmetros traçados pelo ordenamento jurídico é vedado ao Poder Judiciário anulála sob o fundamento da existência de outra medida também legítima e razoável pois do contrário Haveria sem dúvida invasão de funções o que estaria vulnerando o princípio da independência dos Poderes art 2º da CF CARVALHO FILHO 2012 p 50 Afinal como enfatiza Américo Bedê Freire Junior é a própria Constituição que exige que as escolhas de aplicação dos recursos públicos sejam feitas pelos representantes do povo eleitos democraticamente e não por juízes 2005 p 5153 Ocorre porém que essa atuação do judiciário tornase legítima porque decorre do caráter democrático da Constituição Ou seja é possível o controle das políticas públicas pelo judiciário quando se considera a força normativa da Constituição ao definir o Estado do Bem Estar Social e vincular assim o Poder Executivo Nesse sentido tornase válido transcrever o ensinamento de Norberto Bobbio A norma fundamental enquanto por um lado atribui aos órgãos constitucionais poder de fixar normas válidas impõe a todos aqueles aos quais se referem às normas constitucionais o dever de obedecêlas 1995 p 5859 Portanto partindo do pressuposto de que as normas constitucionais são normas jurídicas que devem ser concretizadas e que a Constituição é superior às demais Leis os direitos nela previstos devem ser efetivados e quando não o são pode o Judiciário atuar para compelir o Executivo a lhe dar essa efetividade existindo ou não uma política pública para o caso afinal no dizer de Kelsen a função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder 2003 p 240 Sobre o tema o próprio Supremo Tribunal Federal em decisão monocrática do Ministro Celso de Mello reconheceu no julgamento da ADPF nº 45 a possibilidade de controle judicial das políticas públicas como modo de efetivação dos direitos sociais Assim quando a Constituição resguarda os direitos fundamentais o Estado fica obrigado a lhes dar efetividade de modo que as políticas públicas para atendêlos não podem mais se consubstanciar em promessas restando uma margem de discricionariedade apenas em A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 158 relação ao modo e o momento como se dará essa efetividade desde que seja eficiente proporcional e razoável 5 LIMITES AO CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Restando assentado que a força normativa da Constituição confere possibilidade de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário há que se perquirir agora sobre esse ativismo judicial que acaba por determinar a atuação do Executivo na consecução do interesse público Para tanto tornase importante salientar que essa atuação se dará de forma diferenciada quando existir ou não política pública para dar efetividade a determinado direito Assim quando existem políticas públicas o Judiciário somente poderá averiguar se esta é insuficiente ou excludente com respaldo no princípio da igualdade eis que tais politicas devem essencialmente abranger a todos de forma indistinta Outrossim quando não existem políticas públicas desenvolvias pelo Estado o Poder Judiciário não mais atuará no sentido de corrigila mas sim de garantir o direito constitucionalmente previsto com supedâneo na própria Constituição Federal de 1988 que em seu art 5º 1º avaliza aplicabilidade imediata aos direitos fundamentais desde que não haja necessidade de regulamentação por lei bem como no caso da Administração estar agindo em confronto com o texto constitucional Esclarecidos tais pontos impõese averiguar se o controle a ser exercido pelo Judiciário em face das políticas públicas inexistentes ou ineficientes encontra alguma limitação 51 Discricionariedade Administrativa Como já mencionado acima existe discricionariedade administrativa quando ao Poder Público é permitido escolher numa análise de conveniência e oportunidade entre diversas soluções igualmente válidas Tal possibilidade existe justamente porque as normas jurídicas nunca vão alcançar a velocidade dos acontecimentos sendo imperioso ao Administrador muitas vezes adequar os fatos às normas Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 159 Nesse sentido convém transcrever o esclarecimento de Reinaldo Couto A discricionariedade na Administração Pública ilustra bem a revolta dos fatos contra as leis A dinâmica dos fatos que eclodem diariamente no seio da sociedade jamais será ainda que em país de inflação legislativa acompanhada pela produção legislativa visto que o legislador apesar de ser dotado de diversos poderes no Estado de Direito não tem o dom da previsão dos fatos futuros 2011 p 163 Frisese pois oportuno que essa opção conferida ao Gestor Público não lhe traduz um benefício ou foi permitida para atender seus interesses particulares muito pelo contrário essa margem de liberdade tem por escopo atender da melhor forma o interesse público Portanto em determinadas situações o Administrador poderá não atuar ou atuar de uma ou de outra forma desde que não esteja contrariando preceito normativo pois se há previsão legal ou constitucional para que o Estado efetive determinado direito o Estado deverá fazêlo mas poderá escolher a melhor maneira para isso sem que nesse ponto seja permitido ao Judiciário interferir Por exemplo quando o artigo 6º e artigo 205 da Constituição Federal de 1988 declara a educação como um direito social e a estabelece como direito de todos e dever do Estado e da Família nasce para o Estado um imperativo de propiciar os artifícios para que os cidadãos possam usufruir desse direito por meio do estabelecimento de políticas publicas Nesse passo se o Estado mais especificamente o Poder Executivo não possui políticas públicas para garantir o acesso universal à educação pode o Judiciário atuar compelindoo a adotar medidas para que as pessoas tenham acesso à educação mas não poderia determinar que se construísse exemplificativamente uma escola em determinado bairro ao invés de outro pois esta seria uma análise de conveniência e oportunidade desde que proporcional e razoável que não compete ao Poder Judiciário Tanto é assim que Reinaldo Couto 2011 p 166 afirma que a realização desse Juízo de valor deve ser autorizada pela lei e deve ser feita com base em critérios de conveniência e oportunidade observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade A conveniência e a oportunidade no agir estão ligados à valoração do motivo e à escolha do objeto mas estarão sempre limitados pelo interesse público pela razoabilidade e pela proporcionalidade Quer dizer essa discricionariedade está sendo cada vez mais mitigada a insindicabilidade do mérito administrativo não vem sendo reconhecida pela Jurisprudência principalmente quando diz respeito às omissões da Administração Pública e em especial A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 160 quando essas omissões se referem aos direitos fundamentais mas continua tendo relevância em matéria de políticas públicas que está intrinsecamente relacionada às escolhas administrativas sobretudo no que pertine aos direitos fundamentais e ao orçamento público Nunca é demais lembrar que quando judiciário determina ao executivo que adote medidas suficientes e necessárias para garantir o exercício dos direitos previstos constitucionalmente ou quando o condena à inclusão de cidadãos que não foram albergados pelas políticas públicas invariavelmente o cumprimento dessa decisão acarretará um custo e aí surge o inevitável questionamento De onde vai sair o dinheiro Cumpre esclarecer que nos artigos 165 a 169 da Constituição Federal88 resta assentado que a previsão orçamentária deve ser feita basicamente por meio de três Leis de iniciativa do Poder Executivo o Plano Plurianual a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentaria Anual Este arcabouço normativo serve para delimitar os gastos públicos prevendo receitas e despesas bem como as políticas públicas que serão implementadas com a utilização dos recursos ali destinados vinculando a Administração que só poderá efetuar os gastos ali previstos nos termos do artigo 167 II da CF88 Contudo a par dessa vinculação existe discricionariedade do Administrador na fixação dessas receitas despesas e políticas públicas É essencialmente ao Executivo que compete por imperativo também constitucional o dever de administrar o orçamento definindo quando como e quanto dos recursos públicos serão gastos para satisfazer o interesse público do qual não pode fugir sem esquecer da possibilidade de remanejar determinados recursos para outras despesas que se mostrem mais necessárias e urgentes durante a execução orçamentária Significa dizer que as políticas públicas decorrem de uma ação conjunta entre Legislativo e Executivo sendo que ao executivo compete idealizar as estratégias a serem adotadas escolhendo onde investir que receita utilizar de que forma será possível viabilizar determinados direitos bem como o que não será possível concretizar numa atitude totalmente discricionária Por isso mesmo alguns argumentam que haveria impossibilidade jurídica do pedido nas matérias relacionadas às políticas públicas especialmente quando se buscar uma prestação positiva do Estado pois o Judiciário não possuiria competência para estabelecer essas políticas públicas genéricas cabível tão somente ao Executivo Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 161 Todavia esse entendimento não encontra muito respaldo eis que mesmo as decisões sobre políticas públicas podem se subsumir ao controle judicial pautado em critérios constitucionais afinal como bem ressalva Ana Paula de Barcellos o Estado deverá adotar critérios para gastar o dinheiro público e eles devem estar em absoluta harmonia com as prioridades elencadas pela Constituição Federal 2002 p 236 Ou seja ao eleger as prioridades orçamentárias deve o Poder Executivo mensurar o atendimento dos direitos fundamentais cuja efetividade deve ser alcançada por imperativo da força normativa da Constituição e que mesmo que não integre as políticas públicas poderá ser garantido por determinação judicial Todavia diante dessa realidade o grande questionamento que de certo aflige os Gestores Públicos é Há disponibilidade orçamentária e financeira para atender todas essas demandas Por isso convém tecer algumas considerações sobre os lineamentos da Teoria da Reserva do Possível no Brasil 52 Reserva do Possível É fato que nem sempre todas as metas governamentais podem ser alcançadas principalmente pela costumeira escassez de recursos financeiros razão pela qual somente diante dos concretos elementos a serem sopesados no momento de cumprir determinados empreendimentos é que o administrador público poderá concluir no sentido da possibilidade de fazêlo à luz do que constitui a reserva administrativa dessa mesma possibilidade A construção da Teoria da Reserva do Possível teve origem na Alemanha quando nos idos de 1970 a Corte Constitucional Alemã analisou demanda judicial ajuizada por estudantes que não haviam sido aceitos em universidades de medicina de Hamburgo e Munique em razão da política de limitação de vagas em cursos superiores imposta pela Alemanha na época e que buscavam a sua admissão nessas universidades com fulcro no artigo 12 da Lei Fundamental Alemã segundo o qual todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão local de trabalho e seu centro de formação Com referida análise foi proferida decisão no sentido de que o direito à prestação positiva era dependente da reserva do possível firmando posicionamento de que o cidadão só poderia exigir do Estado aquilo que razoavelmente se pudesse esperar para não se negligenciar outros programas ou mesmo comprometer as políticas públicas A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 162 Ou seja aqui se assinalou a aplicação da Teoria da Reserva do Possível segundo a qual a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos SARLET 2008 p 29 Desta feita concluise que a Teoria da Reserva do Possível na sua origem não se relaciona exclusivamente à existência de recursos materiaisfinanceiros suficientes para a efetivação dos direitos sociais mas também à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização Apesar disso no Brasil essa Teoria foi introduzida tomando como parâmetro o que é financeiramente possível e está previsto orçamentariamente não se averiguando detidamente a proporcionalidade e razoabilidade da medida pleiteada Contudo essa não é a perspectiva mais acertada afinal não é só a disponibilidade financeira que deve ser avaliada é a própria decisão que mensura como os recursos devem ser aplicados as prioridades da sociedade e a melhor forma de satisfazer essas prioridades Seguindo esse raciocínio não seria permitido obrigar a Administração a fazer o que se revela impossível e essa possibilidade estaria intrinsecamente relacionada ao mérito administrativo à análise da conveniência e oportunidade Por determinação constitucional é ao poder executivo que compete definir sobre a aplicação dos recursos públicos pois seria este mesmo Estado quem melhor teria condições de conhecer a realidade social e as suas necessidades mais prementes Assim sendo ao formular o Orçamento Anual deveria o Poder Público balizar essa realidade escolhendo no uso do seu Poder Discricionário de que forma empregará os recursos públicos sem esquecer a possibilidade de remanejar dotações orçamentárias se necessário para atender demandas anteriormente não previstas Nesse passo ao buscar a efetividade de um direito constitucionalmente previsto mesmo que para o seu acolhimento não exista política pública definida pode o judiciário determinar o seu atendimento mas encontra limitação nessa possibilidade financeira do Estado e na previsão orçamentária Ocorre porém que para ser acolhido o argumento da Reserva do Possível é imperioso haver a prova de que não há recurso disponível para atender àquela finalidade bem como se verificar a sua urgência eis que também pode o magistrado determinar a inclusão daquela medida ou política pública no orçamento do exercício seguinte por exemplo Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 163 Todavia sendo o caso concreto alusivo ao chamado mínimo existencial afastase a aplicação da Teoria da Reserva do Possível independente da existência de recursos para atender àquela finalidade podendo o Poder Público abrir crédito extraordinário ou suplementar no Orçamento para fazer frente àquela despesa Ou seja sendo o mínimo existencial considerado um direito às condições mínimas da existência humana digna que exige prestações positivas do Estado mesmo diante da reserva do possível estaria o Judiciário autorizado a determinar o atendimento da demanda claro que utilizando o princípio da razoabilidade pois defendendo o próprio exercício da cidadania na concepção de Marshall GRINOVER 2008 p 15 Nesse contexto acaba ocorrendo certo privilégio das demandas individuais em relação às demandas coletivas frente ao argumento da reserva do possível afinal é muito mais difícil para o Estado comprovar a ausência de recursos para atender a necessidade de um cidadão que custará muito menos do que o atendimento de políticas públicas que alcançarão um número indeterminado de pessoas e claro onerará muito mais os cofres públicos E aqui nasce mais uma questão a ser enfrentada pelo Judiciário e que também deve limitar as suas decisões qual seja o princípio da igualdade 53 Princípio da Igualdade Como já dito anteriormente a Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a Constituição Cidadã pois traz os direitos inerentes às diversas dimensões da cidadania Tanto é assim que o seu artigo 5º afirma expressamente que Todos são iguais perante a lei de modo que não só traçou os lineamentos para garantir os direitos do cidadão como estabeleceu que esses direitos devem abranger indistintamente todas as pessoas Assim sendo não é possível deixar de questionar a abrangência das decisões judiciais que visam proteger esses direitos sobretudo quando se tratam de demandas individuais e não diretamente ligadas às políticas públicas É importante ter em mente que O Estado seja por qualquer de seus órgãos está obrigado a tratar de maneira igual todos os cidadãos Assim não tem o dever de dar a um o que não pode dar a todos LOPES 2008 p 192 Nesse passo também aqui há um limite a ser observado pela atuação jurisdicional pois ao determinar por exemplo que o Poder Público crie mecanismos para viabilizar o direito à educação por meio de uma política pública estará garantindo a igualdade de A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 164 tratamento entre todos mas ao determinar que pessoa específica tenha esse direito observado ainda que mediante matrícula em escola particular a ser paga pelo Poder Público já não se percebe essa observância pois preteridos os que estivessem em lista à espera de matrícula Quer dizer mesmo as políticas públicas que existem nem sempre são suficientes para alcançar toda a população de modo que o Estado deve montar estratégias para abranger o maior número possível dentro do menor tempo possível sendo criada uma ordem sucessiva para atendimento das demandas que muitas vezes é interrompida pela determinação de que seja deferido determinado serviço de forma individualizada Desta feita não se pode perder de vista que o princípio da igualdade também deve ser mensurado nas decisões judiciais conjuntamente com a razoabilidade e proporcionalidade 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto para ser considerado cidadão o homem precisa ser detentor dos direitos civis políticos e sociais mas não apenas com a sua possibilidade imposta pelo ordenamento jurídico e sim com a consciência de que é um ser social apto a exercer e exigir esses direitos É cediço que hodiernamente o Estado passa a ser visto como instrumento para promover o bem estar social como garantidor dos direitos fundamentais havendo ainda o reconhecimento da força normativa e vinculante da Constituição o que não deixa margem para que os direitos ali previstos deixem de ser garantidos Ocorre porém que tal realidade ao mesmo tempo em que objetiva o exercício pleno da cidadania com a garantia de todos os direitos a ela inerentes também inibe esse exercício pois gera dependência para com o Estado num tratamento clientelista do cidadão A realidade é que o brasileiro ainda tem muito que aprender em termos de cidadania a herança colonial e a cultura do coronelismo ainda macula sua vivência como cidadão Não lhe é inerente a condição de que participa de uma sociedade que deve ser tratado igualmente em relação a todos e que o Estado só existe para promover meios de satisfazer as necessidades coletivas com respeito a essa igualdade e não para apadrinhar determinadas pessoas ou conceder benefícios assistencialistas que nada acrescentam para o crescimento do povo Não se pode esquecer que o Estado Democrático de Direito exige que as escolhas administrativas sejam capazes de representar o interesse público concretizando os direitos Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 165 inerentes ao cidadão em geral por meio do desenvolvimento de políticas públicas de modo que se não representam o interesse público deve o judiciário atuar no sentido de compelir o Poder Público a concretizar o seu fim precípuo Contudo mesmo esse ativismo judicial deve ser visto com cautela É imprescindível averiguar a observância aos princípios da razoabilidade proporcionalidade e igualdade sem esquecer o Princípio da Separação dos Poderes e das competências impostas constitucionalmente para cada um deles sobretudo em relação à discricionariedade administrativa de fato existente ainda que não irrestrita nas escolhas pertinentes às políticas públicas que devem fazer parte dos orçamentos e no custo da garantia desses direitos É bem verdade que a melhor forma de dar efetividade aos direitos inerentes ao cidadão e garantidos constitucionalmente não é pela via judicial mas num país em que as pessoas não têm consciência do seu Poder esta tem sido a maneira mais eficiente Não sopesam dúvidas de que o judiciário tem exercido papel de fundamental importância nesse contexto pois oferece condições de exigir diretamente a atuação do Poder Público que cada vez mais terá que inserir em seus orçamentos as políticas públicas que visam ser preservadas com as demandas judiciais sejam individuais sejam coletivas O fato é que como já preconizava Marshall quando idealizou a distinção entre as várias dimensões da cidadania para ser um cidadão pleno é preciso estar apto a exercer seus direitos civis políticos e sociais de forma consciente livre do paternalismo e do clientelismo do Estado mas para isso é preciso antes de tudo ter educação É somente através da educação que se forma o senso crítico que se abrem os horizontes e descortinam os preconceitos permitindo que as políticas públicas sejam definidas diretamente em concordância com a sociedade a atuação do Estado seja fiscalizada pelo real detentor do Poder e a corrupção deixe de ser um problema tão arraigado em nossa cultura e passe a viabilizar a eficiência administrativa A Atualidade da Teoria de Thomas Humphrey Marshall Efetividade da Cidadania Políticas Públicas e Limites do Controle Judicial Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 166 REFERÊNCIAS BARCELLOS Ana Paula de A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais 2ª tiragem SãoPauloRio de Janeiro 2002 BARROSO Luiz Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 4ed São Paulo Saraiva 2013 BOBBIO Norberto Teoria do ordenamento jurídico 6edBrasília UNB 1995 BONAVIDES Paulo Do estado liberal ao estado social 8 ed São Paulo Malheiros 2004 BUCCI Maria Paula Dallari Direito administrativo e políticas públicas São Paulo Saraiva 2002 CARVALHO FILHO José dos Santos Manual de Direito Administrativo 25ª ed São Paulo Atlas 2012 CARVALHO José Murilo Cidadania no Brasil 4 Ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 COMPARATO Fábio Konder Direito Público estudos e pareceres São Paulo Saraiva 1996 COMPARATO Fábio Konder Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas Revista de Informação Legislativa Brasília ano 35 nº 136 p44 abrjun1998 COUTO Reinaldo Curso de Direito Administrativo Segundo a Jurisprudência do STJ e do STFReinaldo Couto prefácio do Ministro Humberto Martins São Paulo Atlas 2011 FORTINI Cristiana O controle judicial de políticas públicas no Estado Democrático de Direito In DI PIETRO Maria Sylvia Zanella e RIBEIRO Carlos Vinícius Alves coordenadores Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo São Paulo Atlas 2010 Cap 13 p 329340 FREIRE JUNIOR Américo Bedê O controle Judicial de Políticas Públicas São Paulo Revista dos Tribunais 2005 GRINOVER Ada Pelegrini O controle de políticas publicas pelo judiciário In Revista de Processo v 33 nº 164 p 20 out 2008 KELSEN Hans Jurisdição Constitucional São Paulo Martins Fontes 2003 KRELL Andreas J Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha Os des caminhos de um direito constitucional comparado Porto Alegre Sérgio Antônio Fabris 2002 Anajara Carvalho Rabelo Daud Samira dos Santos Daud Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas eISSN 25259881 Brasília v 2 n 1 p 146 167 JanJun 2016 167 LOPES José Reinaldo Lima Em torno da reserva do possível In SARLET Ingo Wolfgang TIMM Luciano Benetti Org Direitos fundamentais orçamento e reserva do possível Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 MARSHALL Thomas Humphrey Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MORAES Alexandre de Direito Constitucional 29ª Ed São Paulo Atlas 2013 MOREIRA Eduardo Ribeiro Teoria da Reforma Constitucional São Paulo Saraiva 2012 PASSOS J J Calmon de et alli Cidadania Tutelada Revista Eletrônica de Direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 5 janeirofevereiromarço 2006 Disponível na Internet httpwwwdireitodoestadocombr acesso em 10 de fevereiro de 2016 SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do possível mínimo existencial e direito à saúde In SARLET Ingo Wolfgang TIMM Luciano Benetti Org Direitos fundamentais orçamento e reserva do possível Porto Alegre Livraria do Advogado 2008