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A r t i g o A Construção Social da Corrupção Mark Granovetter A versão original deste artigo foi preparada para a conferência Normas cren ças e instituições do capitalismo do século XXI celebrando o 100º aniversário de A ética protestante e o espírito do capitalismo realizada a 8 e 9 de outubro de 2004 na Universidade Cornell O autor agradece aos organizadores da conferência Victor Nee e Richard Swedberg e ao patrocinador a Fundação John Templeton por lhe darem a oportunidade de explorar estes temas Por seus úteis comentários adicionais agradece ainda a Barbara Fried Will Nelson Peter Stone David Wank e participantes do Workshop de Estudos Legais de Stanford e à série de colóquios do Centro de Desenvolvimento Democracia e Estado de Direito de Stanford O artigo será publicado em 2007 na coletânea On Capitalism organizada por Victor Nee e Richard Swedberg Stanford University Press wwwsuporg c Board of Trustees of the Leland Stanford Jr University all rights reserved Agradecemos à Stanford University Press a autorização para a presente publicação Tradução de Taís Blauth Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Stanford EUA Email mgranovetter stanfordedu Introdução N este artigo pretendo delinear alguns argumentos socioló gicos sobre corrupção A literatura recente é dominada por enfoques econômicos que se concentram em identificar estruturas de incentivos que facilitam a corrupção e estimar seu impacto na eficiência econômica Estes enfoques são normalmente modelados pela teoria da agência na qual o indivíduo corrupto é um agente traindo um outro que o investiu de obrigações fiduciárias Nestas análises a relação entre os agentes é definida pela maneira como os incentivos são arranjados e os atores são indistinguíveis ou in divíduos representativos Defendo aqui porém que embora tais 12 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 enfoques possam ser razoáveis quando não há variações na prática eles subdeterminam os resultados pois se desviam dos aspectos sociais que levam os incentivos a ser arranjados da maneira que são e dotados do valor e do significado que têm em última análise para os atores Estas importantes questões residem em grande parte fora de uma estrutura de referência econômica e requerem uma análise de elementos sociais culturais e históricos A segunda edição do dicionário de inglês Oxford define corrupção como perversão ou destruição da integridade no cumprimento de deveres públicos através de suborno ou favor Notemse os vários elementos desta definição típica Um deles se refere aos deveres públicos o que limita o conceito a indivíduos que agem em favor do público normalmente servidores do governo em algum nível Embora este seja sem dúvida o uso mais comum não é raro ouvir o termo estendido de modo a descrever indivíduos privados como corruptos como por exemplo um professor que aceita dinheiro ou outros favores em troca de notas mais altas O termo deveres implica que a corrupção acarreta um abuso da confiança e da responsabilidade formal que alguém assume em virtude da posição que mantém em alguma organização As regras de tais organizações se tornam então relevantes O significado exato destes e de outros termos desta definição estão abertos à discussão e dependem de construções sociais O que vem a ser integridade no cumprimento de deveres públicos ou outros é algo que se define por normas sociais e profissionais que variam no tempo e no espaço E o significado de suborno é negociável e elástico No caso típico entre duas pessoas o conceito supõe que A faz um pagamento dá um presente ou faz um favor a B e B toma alguma decisão oferece algum serviço ou pratica algu ma ação que melhora a situação de A o que ele pode fazer porque ocupa alguma posição organizacional A imputação de suborno ademais supõe que 1 os dois grupos de eventos estão relaciona dos causalmente há algum quid pro quo envolvido eles não são simplesmente independentes um do outro e 2 este tomaládácá é inadequado segundo padrões legais ou padrões morais locais co mumente aceitos ou ambos Se alguma destas duas condições é de fato satisfeita é uma questão que gera freqüentes controvérsias 13 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 Além disso trocas corruptas podem ser posteriormente codi ficadas quanto a representarem suborno ou extorsão Quando um servidor público facilita algo valioso a um cidadão algo que ele controla em função de sua posição burocrática esta distinção se refere a qual dos dois dá início à troca corrupta é suborno se iniciada pelo cidadão e extorsão se pelo servidor Esta distinção aparentemente clara pode ser difícil na prática Em sistemas nos quais em geral se entende que um pagamento paralelo é necessário para processar o que em princípio estaria disponível sem ele por exemplo uma carteira de motorista os servidores não precisam solicitar este pa gamento No entanto se o requerente não exatamente inicia a troca pode perceber a situação como uma extorsão Quando a necessidade de pagamento é ambígua os servidores podem simplesmente deixar este requisito claro através de uma protelação conspícua de suas ações cujo sentido dificilmente será incompreendido1 Uma concepção ligeiramente mais ampla da corrupção envolve não uma troca entre dois indivíduos identificados mas uma situação na qual um indivíduo particular em alguma posição de confiança se apropria dos bens ou serviços de uma organização quando não os merece Desfalque é um caso típico Um exemplo recente seria o de gerentes corporativos que montaram fraudes elaboradas de contabili dade para seu próprio enriquecimento às custas de acionistas Aqui devese ressaltar um elemento crucial é a concepção local de quem em uma organização merece o quê e sob quais circunstâncias Julgamentos de corrupção sempre pressupõem que houve uma violação moral independente de uma lei propriamente dita ter sido ou não infringida2 Esta pressuposição é por vezes amplamente aceita como no caso dos subornos infames de Montesinos no Peru registrados em vídeo que derrubaram o governo Fujimori em 1 Por vezes é preciso muita habilidade social além de conhecimento local para compreender se um pagamento se faz necessário e o que seria este pagamento Ver o relato de Gupta sobre uma tentativa frustrada por parte de fazendeiros ingênuos em uma vila indiana de oferecer um suborno adequado 1995 p 379381 Uma das razões para o fracasso foi que para os servidores locais muita importância foi dada a não mencionar um valor p 381 2 Isto não implica necessariamente que esta violação moral será condenada de modo incondicional Bardhan dá um exemplo de exceção à regra o de subornar um policial para que ele não torture um suspeito 1997 p 1321 14 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 2000 ver MCMILLAN e ZOIDO 2004 Mas muitas ações não alcan çam a tela de radar dos monitores da corrupção porque as partes neutralizam eficientemente ou minimizam os sinais da deficiência moral Isto é os indivíduos cientes das ações em questão aceitam o que chamo de um princípio de neutralização um registro que reconhece a relação causal entre um pagamento e um serviço ou que favores foram recebidos em função de uma posição ocupada mas sugere que dadas as circunstâncias específicas do caso não houve nenhuma violação moral3 Medidas de corrupção que dependem de infrações constatadas como por exemplo as coletadas pela Transparency International ver wwwtransparencyorg ficam fora do alcance de atividades neutralizadas dessa forma Aspectos da corrupção na troca entre díades e entre indivíduos e organizações Grande parte da corrupção conhecida envolve trocas entre dois indivíduos A questão teórica é o que determina a legitimida de de uma troca através de padrões aceitos local e globalmente que podem entrar em conflito como discutirei mais adiante A teoria da troca deu atenção considerável às percepções dos indivíduos sobre justiça e igualdade na troca ver por exemplo COOK e RICE 2003 p 5961 mas a legitimidade é uma questão diferente pois concerne a um público maior do que somente a díade e não considera apenas se cada parte está recebendo um retorno justo mas sobretudo se o retorno está sendo adequado conforme algum padrão que se origina fora da díade Assim significados e normas têm grande importância verifi cável pelo fato de que muitas ações comportamentalmente idênticas podem ser interpretadas de maneiras bem diferentes dependendo das circunstâncias Dizer que uma troca envolve um presente um favor ou um empréstimo é moralmente neutro Mas se co 3 Tiro a idéia de neutralização do trabalho de Sykes e Matza 1955 sobre técnicas de neutralização no qual eles mostram como delinqüentes juvenis podem admitir seus crimes e no entanto apresentar valores semelhantes aos de cidadãos obedientes à lei argumentando que por várias razões suas vítimas mereciam o que lhes ocorreu 15 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 dificarmos a mesma troca como suborno ou extorsão a coisa muda pois há agora uma implicação de condenação Precisamos portanto explorar quais os princípios sociais que governam nossas interpretações dessas trocas Presentes e favores são regidos por uma norma de recipro cidade que opera em mais de uma dimensão Um aspecto disto é que a modalidade dos presentes ou favores retribuídos deve cor responder à natureza dos originais recebidos É difícil dizer com precisão o que isto significa mas alguns exemplos são óbvios para quase todas as pessoas como o fato de que não se deve retribuir um convite para jantar na casa de alguém com um pagamento em dinheiro Existe também uma etiqueta referente ao timing da retribuição por exemplo convites para jantar não devem ser re tribuídos logo no dia seguinte Como nos lembra Rochefoucauld no seu Maxims 1665 Maxim 226 excessiva avidez para quitar uma obrigação é uma forma de ingratidão A norma da reciprocidade também especifica que presentes ou favores retribuídos devem ser aproximadamente proporcionais à oferta original Se o presente ou favor deixar a desejar a atribuição de ingratidão inibirá trocas futuras Se for porém exagerado tanto na oferta quanto na retribuição quem o recebe poderá suspeitar que o doador espera em retorno algo mais do que seria apropriado Julgamentos sobre o que é excessivo e apropriado estão estreitamente ligados à cultura local e às circunstâncias Darr 2003 por exemplo no seu estudo sobre vendedores de eletrônicos do interior de Nova Iorque relata que eles freqüentemente levavam os clientes para almoçar e que isto era considerado apropriado no caso de um relacionamento já em curso Mas oferecer almoço para possíveis compradores era considerado um suborno porque era excessivo ou seja desnecessário dada a falta de um relacionamento prévio que suporia reciprocidade Esta inadequação conferiu tal es tigma moral a este convite que ele raramente era feito Isto mostra que não apenas as regras atuais da situação ou da organização mas também a história particular de uma relação de troca determinam o que é considerado apropriado Estes casos dizem respeito à troca entre díades Outro caso no qual a corrupção pode estar imputada é o de indivíduos que se 16 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 apropriam de recursos de organizações aos quais não têm direito Nestes casos o julgamento de corrupção pode ser neutralizado de várias formas Darr 2003 nos conta a respeito de engenheiros que gastaram uma verba excessiva de sua empresa em jantares mas que foram desculpados pelo CEO Chief Executive Officer porque tinham conseguido muitas lideranças de vendas O princípio da neu tralização aqui é o de justiça distributiva Este princípio se estende até mesmo aos casos nos quais os empregados retiram bens ou usam serviços dos seus empregadores sem autorização numa evidente violação da política da empresa Estes podem parecer casos claros de comportamento corrupto mas não o são se um consenso local supuser que os empregados mereciam o que pegaram Há dois contextos principais nos quais isto ocorre No pri meiro os empregadores conscientemente pagam salários mais baixos do que eles mesmos ou os empregados consideram razoá vel pressupondo que pequenos furtos ocorrerão e compensarão a diferença Esta é uma prática bastante difundida desde o passado até hoje ver por exemplo LIEBOW 1967 p 3839 DITTON 1977 e que se diferencia do roubo quando os empregadores embora a par dos furtos fazem vista grossa para os acontecimentos DITTON 1977 p 48 classificando de fato os itens tomados como gratifica ções ao invés de apropriações não autorizadas Os empregadores recebem um certo incentivo para continuar com esta situação pois ela lhes dá margem para disciplinar ou demitir os empregados que não apreciam por terem violado uma regra formal ainda que ela tipicamente não seja cumprida A gerência comumente considera os empregados que não compreendem estes arranjos como incapazes ou tolos Dalton 1959 descreve por exemplo uma rede de lojas de departamento onde se esperava que os funcionários do balcão de almoço levassem comida para casa no final do dia e o tumulto que se seguiu quando uma gerente do balcão trancou a geladeira ao final do expediente impedindo esta violação da regra Seu balcão naturalmente apresen tou mais lucros do que outros mas o moral afundou e a gerência deduziu que estes resultados incomuns deveriam ser reflexo de uma contabilidade incorreta Um indignado pedido de demissão da gerente restabeleceu o status quo ante 17 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 Dalton 1959 também sugere um papel mais complicado para essas gratificações propondo que elas constituem um sistema de recompensas informais essencial para o funcionamento tran qüilo das organizações Elas são destinadas àqueles que fizeram contribuições importantes mas difíceis de reconhecer formal mente como apoiar o patrão em um conflito com outra unidade Embora estas recompensas informais possam sair do controle se forem apropriadas por pessoas que não fizeram tais contribuições importantes Dalton sugere que o controle social freqüentemente intervém para impedir excessos Em um caso relatado um fun cionário queria uma tinta de parede que vira outros pegando A maioria deles pensava no entanto que suas contribuições não justificavam esta gratificação Deramlhe então um suprimento de tinta que não continha o fluido secante que era essencial Dalton relata que o funcionário pintou excitadamente a casa mas teve seu trabalho arruinado pelo acúmulo decorrente de poeira e insetos Entretanto ele não pôde reclamar já que oficialmente estava proibido de pegar a tinta Ao invés disso se tornou motivo de incansável chacota DALTON 1959 p 202n O papel do status social relativo na corrupção O papel do status social relativo das partes na troca social é muito importante para compreender a corrupção Já observei anteriormente que se considera inadequado retribuir apressada mente um convite para jantar ou fazêlo numa modalidade errada por exemplo em dinheiro Embora a maior parte dos indivíduos normalmente socializados saiba disso é interessante analisar por que estas ações ofendem Ambos os casos na verdade dizem respeito à mesma questão gestos tal como um convite para jantar implicam uma pretensão de igualdade social e traduzem a intenção de que façam parte de futuras relações sociais e troca de favores Uma retribuição muito apressada ou formatada em dinheiro sugere rejeição desta relação continuada e de igual status4 4 Comer junto significa igualdade de status em um amplo espectro de culturas Uma maneira de categorizar as distinções de status primorosamente elabora 18 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 Isto leva a algumas discussões gerais sobre as circunstâncias nas quais as trocas são consideradas corruptas A antropóloga Larissa Lomnitz discorre sobre o sistema de troca de favores altamente re finado da classe média chilena em meados do século XX LOMNITZ 1971 1988 As regras de reciprocidade eram complexas e sutis mas fica nítido que havia alguns limites em relação a como os favores deveriam ser retribuídos Assim por exemplo propostas sexuais feitas por um homem como resultado de um favor feito a uma mulher eram vistas como um comportamento extremamente grosseiro e a reciprocidade não inclui presentes tangíveis e definitivamente exclui dinheiro A razão é que oferecêlos seria considerado uma ofensa pessoal entre iguais sociais 1971 p 96 Ela elabora a questão desenvolvendo um tema importante Pagamento material em retribuição a favores é concussão Significa a ausência de qualquer possibilidade de relacionamento pessoal ou amizade em comum Aceitar um suborno é um reconhecimen to de inferioridade social tal como aceitar uma gorjeta ou uma gratificação 1988 p 44 Se um favor é feito na esperança de alimentar alguma pre tensão de semelhança de status então a retribuição preferida é a gratidão a aprovação social presentes eou a promessa de assis tência futura em troca gorjeta em dinheiro é um insulto de status Um presente implica a probabilidade de um relacionamento social continuado no qual novos presentes e favores continuarão a ser permutados enquanto uma gorjeta é um evento único que impos sibilita trocas seguintes Conseqüentemente na medida em que as pessoas numa sociedade são socialmente iguais a troca de dinheiro por favores que é tipicamente definida como corrupta será muito das da Índia é por exemplo estudar quais grupos podem comer quais tipos de comida com quais outros grupos ver tratamento detalhado em MAYER 1960 O relato literário clássico da rejeição de igualdade de status implícita em um convite para jantar é a dolorosa descrição de Sinclair Lewis de um jantar oferecido por George Babbitt numa tentativa fracassada de ascensão social capítulo 15b de Babbitt 1922 19 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 reduzida pois os objetivos de outra forma servidos pelo suborno podem ser alcançados através da troca de favores entre iguais5 6 Se aceitar um suborno é reconhecer inferioridade social então um fator que afeta a extensão da corrupção é o padrão de diferenciais de status existente entre grupos cujas trocas estão tipicamente implicadas na corrupção como por exemplo entre servidores do governo e atores econômicos privados Esses padrões variam muito dependendo das circunstâncias históricas e políticas No cenário chileno da metade do século XX descrito por Lomnitz os negócios eram dominados por uma classe alta socialmente definida e a burocracia do governo por uma classe média que por complexas razões históricas tinha perdido sua posição anteriormente impor tante de industriais A distância social entre os interesses comerciais e a burocracia facilitava a concussão como uma conhecida forma de troca de mercado na qual os burocratas voluntariamente aceitavam dinheiro ou pagamentos materiais em retribuição a favores feitos a executivos já que a inferioridade implícita aí já era bem compre endida LOMNITZ 1971 p 194 1988 p 46 Neste cenário subornos que fluem do comércio para o gover no se afinam com a estrutura de status preexistente No entanto o fluxo contrário seria difícil se os servidores do governo tivessem de pagar executivos por serviços que não poderiam ser comprados devidamente ou legalmente estes pagamentos encontrariam uma resistência baseada na diferença de status social Um bom exemplo pode ser o caso do Peru onde Vladimiro Montesinos como diretor 5 You e Khagram 2005 oferecem evidências empíricas encontradas em vários países de que o nível de desigualdade de renda está de fato relacionado à extensão da corrupção constatada 6 Mas este argumento que é culturalmente congruente na maioria das culturas ocidentais pode não ser universalmente válido Assim Olivier de Sardan 1999 defende que em muitas sociedades africanas ao contrário do que ocorre nas européias as formas de sociabilidade diária foram monetizadas de modo que se dá dinheiro para táxi aos visitantes moedas aos filhos de amigos e até mesmo uma nota para a madrasta quando cruzar com ela na rua Enquanto na Europa transações financeiras são condenadas na maior parte dos domínios sociais na África não há domínio algum incluindo o casamento onde o dinheiro não tenha um papel permanente 1999 p 46 Conseqüentemente as trocas vistas como corruptas seriam mais comuns já que no mais não havendo diferenças o dinheiro troca de mãos mais prontamente em uma cultura como esta 20 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 do serviço de inteligência peruano sistematicamente subornava juízes políticos e donos de veículos de comunicação para que produzissem decisões votos e informações favoráveis ao regime Fujimori A desagregação do regime resultou do fracasso em su bornar os proprietários de um pequeno porém influente jornal controlado desde 1898 por uma única família proeminente e de alto status MCMILLAN e ZOIDO 2004 p 84 que possuía também um canal de TV a cabo Na maioria das situações subornos efetuados à maior parte dos negócios relevantes seriam suficientes como a juízes e políticos Mas um único canal de televisão pode exercer uma influência enorme se como foi o caso ele repetidamente divulgar evidências incontroversas de corrupção de alto nível na forma de vídeos das reais transações corruptas feitas secretamente pelo próprio Vladimiro Montesinos e posteriormente conhecidas como vladivídeos MCMILLAN e ZOIDO 2004 p 89 Isto não significa que o suborno não possa fluir entre iguais ou dos socialmente inferiores para os socialmente superiores Isto vai porém contra a natureza da interação social normal além de ser mais complicado pois exige gerenciamento e amortecimento extensivos com maior custo e complexidade e muito mais habilidade do que simples pagamentos monetários Assim Lomnitz observa que no México quando indivíduos de igual status precisam subornar um ao outro o que é em geral condenado socialmente a troca é conduzida por intermediários chamados coyotes Isto poupa os dois parceiros da troca de terem de se encontrar pessoalmente 1988 p 46 Em contraste com o Chile há as culturas nas quais os buro cratas do governo são de status social mais alto do que os homens de negócios como tem sido historicamente o caso da China um padrão que vem persistindo durante a recente onda de reformas do mercado Isto não impede os que estão nos negócios de arranjar favores dos servidores do governo o que é comum ver WANK 2002 e pode ser mesmo absolutamente necessário para se conduzir os negócios LIN 2001 Mas a direção da diferença de status significa que uma simples troca de favores por dinheiro se torna improvável Em vez disso sistemas elaborados de presentes banquetes entre tenimento e favores ligados às necessidades altamente particulares dos servidores públicos são desenvolvidos Enquanto um pagamento 21 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 em dinheiro a um servidor seria considerado um insulto os ban quetes e os favores especiais podem ser vistos como uma forma de deferência que a pessoa de mais alto status pode achar que lhe é devida Isto talvez explique a elaboração em longo prazo destas ofertas de presentes na economia chinesa Um exemplo interessante é o do Chefe Lai figura central de um enorme escândalo de corrupção na cidade chinesa de Xiamen que explodiu em 1998 no qual por volta de dez bilhões de dólares americanos de taxas alfandegárias foram desviados por conta de interesses comerciais Lai Changxing vinha de um ambiente social muito inferior ao da maioria dos servidores de cuja cooperação ele precisava e assim sendo ele desenvolveu muitas técnicas para compensar a provável relutância de tais servidores em aceitar subornos Uma delas era que ele sempre fez questão de dar a impressão de oferecer presentes por uma preocupação pessoal com as necessidades do servidor e não como uma troca quid pro quo WANK 2002 p 14 Confrontado com a rejeição de presentes ou subornos por parte de servidores que o consideravam socialmente inferior Lai utilizou intermediários para evitar uma interação face a face assim como no México e fez muito bom uso de uma mansão de sete andares que decorara opulentamente e que incluía um sa lão de dança uma sala de karaokê cinema sauna instalações para banhos e cinco luxuosas suítes todas servidas por uma equipe de jovens atraentes que alegadamente ofereciam serviços sexuais WANK 2002 p 19 Os servidores que não aceitavam dinheiro do socialmente inferior Chefe Lai ficavam menos relutantes quanto a se regalarem com os prazeres da Mansão Vermelha onde Lai nunca era visto embora suas câmeras estivessem secretamente filmando as atividades ilícitas dos servidores Meus argumentos sobre corrupção e diferenciais de status social se reportaram até aqui aos subornos A extorsão na qual o pagamento é requisitado ao invés de oferecido é diferente mas argumentos simétricos se aplicam Vamos supor que um servidor do governo seja socialmente inferior a um executivo de quem ele tenta extorquir pagamentos para agir em seu favor No caso de um suborno a troca acontece tranqüilamente já que o status mais baixo do servidor faz com que seja mais fácil para ele aceitar um suborno 22 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 Inversamente esse status faz com que lhe seja mais difícil requisitar um pagamento de um empresário com status mais alto pois esta é implicitamente uma tentativa de contrabalançar o diferencial de status e alavancar sua posição oficial Para que isto seja aceitável é necessário que a extorsão seja disfarçada e transmitida polidamente tanto quanto os subornos de inferiores para superiores devem ser manejados com sutileza A extorsão dos socialmente inferiores por parte dos superiores no entanto provavelmente será aceita rotinei ramente James Scott observa que nas nações subdesenvolvidas onde os servidores civis têm maior status do que a maioria dos cidadãos a corrupção extorsão ele quer dizer vai prosperar 1972 p15 Notese que a distinção entre suborno e extorsão é necessária para que se compreenda sob quais circunstâncias os fundos poderão fluir entre pessoas de diferente status social Enquanto um executivo de status mais baixo pode ter seu suborno recusado por um servidor civil de mais alto status este último não terá problema algum em rece ber o pagamento se ele o extorquiu O motivo é que não pode haver insulto se foi ele quem fez a solicitação inicial já que esta transação estaria então de acordo e não oposta à direção do diferencial de status Deste modo uma visão puramente behaviorista que obser va apenas a direção da transferência monetária é insuficiente para identificar a probabilidade dos fluxos que dependem da direção da iniciativa e dos significados sociais associados a esta direção A lição aqui é que a configuração das redes sociais e das di ferenças de status social entre os que precisam de favores e os que estão em condição de oferecêlos numa economia pode determinar as modalidades os custos e a probabilidade de estes favores serem oferecidos Estudar estes processos sem a compreensão destas for ças é se privar dos determinantes causais mais importantes Relações padrinhocliente corrupção e lealdade O executivo que suborna um servidor público de status social inferior normalmente conduz a atividade como se fosse uma relação de mercado de forma mais ou menos impessoal e sem expectativa de continuidade No Peru Vladimiro Montesinos chegou a usar o artifício de contratos escritos especificando as obrigações do 23 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 subornado apesar da evidente falta de suporte legal para tais documentos MCMILLAN e ZOIDO 2004 A troca de favores entre iguais ao contrário está tipicamente enraizada na expectativa de uma relação continuada e esta é uma das razões por que a troca de favores pode ser levada adiante sem expectativas definidas sobre o timing e a natureza da reciprocidade Isto dá uma flexibilidade considerável ao processo da troca para uma análise similar de trocas entre capitalistas no Vale do Silício ver FERRARY 2003 Existe ainda uma situação na qual os recursos e favores fluem dos de mais alto status aos de status inferior mas na qual há porém uma expectativa de relação continuada na importante esfera das relações entre padrinho e cliente Dependendo da natureza daquilo que retorna dos indivíduos de status inferior aos de status superior e das construções sociais locais as trocas resultantes podem ou não ser classificadas como corruptas Um caso típico é o de políticos geralmente de status mediano e seus partidários de status social mais baixo Alguns casos incluem transações de mercado simples como compra de votos Normalmente esta é uma ocorrência única como na conhecida imagem de distribuição de dinheiro em bares de Chicago em noite de eleição Porém em muitos cenários os políticos entram em relações de mais longo prazo com os eleito res a quem fazem assim diferentes tipos de favores incluindo arranjar empregos providenciar obras públicas e outros itens que os que estão no governo podem controlar enquanto recebem de volta lealdade apoio político e votos Tais figuras políticas podem constituir quadros duradouros de partidários usados para ganhar e manter posições de influência e poder A natureza da troca é tal que o indivíduo menos poderoso e de mais baixo status não pode retribuir com favores ou dinheiro e por isso acerta as contas com lealdade e subordinação cf LOMNITZ 1988 p 47 Quando em pregos são oferecidos este apadrinhamento cria na administração pública panelinhas de indivíduos que se mantêm fiéis a seu padrinho estando ele no poder ou não Conjuntos de padrinhos e seus círculos são comuns na maioria dos sistemas políticos e po dem tipicamente ser uma base de ação coordenada mais eficiente do que quando os administradores têm de construir relações com uma rede de subordinados desconhecida Mas também facilitam 24 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 as atividades corruptas como operações financeiras secretas que dependem de sigilo e confiança Uma questão crucial na vasta literatura sobre relações padri nhocliente é definir se os clientes são meros atores maximizadores de vantagens respondendo aos incentivos oferecidos pelos padri nhos e forjando lealdade enquanto esperam uma oportunidade de desertar assim que sua posição no mercado permitir ou se são verdadeiramente leais o que significa que sua solidariedade aos padrinhos ultrapassa o previsto e é menos suscetível de ser redire cionada assim que a situação de incentivo mudar ver a análise de EISENSTADT e RONIGER 1984 p 261 de casos contrastantes e sua versão das fontes da diferença Corrupção particularizada conflitos de interesses e o papel da ideologia James Scott 1972 distingue entre corrupção de mercado e de nãomercado Por corrupção de mercado ele quer dizer a venda de bens e serviços do governo a quem der mais 1972 p 12 Como um modelo ideal esta corrupção é impessoal da mesma forma que os mercados ideais a identidade dos compradores e dos vendedores é irrelevante visto que a transação é mais ou menos anônima Scott dá como exemplo a venda de ofícios monopólios franquias e poderes de taxação Ele observa no entanto que nos tempos prémodernos como no início da Inglaterra de Stuart 1972 cap 3 tais práticas eram perfeitamente legais7 Scott chama de corrupção de nãomercado as situações em que as pessoas honram suas obrigações para com outras de manei ras consideradas ilegais impróprias eou corruptas pelos padrões legais ou outros Eu chamaria isto de corrupção particularizada e é útil averiguar suas fontes e extensão A questão é definir sob quais circunstâncias as pessoas que detêm posições de confiança pública podem considerar que suas 7 Assim ele se refere a estas práticas como protocorrupção Esta designação é no entanto anacrônica pois só faz sentido em vista da certeza de que a atividade será considerada corrupta em algum momento do futuro 25 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 obrigações privadas suplantam as injunções legais ou políticas que em princípio deveriam guiar seu comportamento Uma possibilida de é que as sociedades variam no que concerne a estas obrigações Nos lugares onde as redes sociais são estreitamente definidas é improvável que as obrigações interfiram no cumprimento do dever público Não existe nenhum estudo comparativo sistemático da va riação na extensão das redes de obrigação em diferentes sociedades e é fácil imaginar obstáculos teóricos e metodológicos desencoraja dores Mas isto não quer dizer que as variações sejam insignificantes nem que a pesquisa comparativa não tenha grande valor Olivier de Sardan por exemplo afirma que há redes de so lidariedade muito mais abrangentes na África do que na Europa e que as famílias africanas são amplamente extensas e repletas de pressões e solicitações que dificilmente podem ser ignoradas As ligações criadas entre grupos de amigos escola primária secundária e amigos da faculdade duram até a aposentadoria 1999 p 40 assim como a solidariedade que surge nas associações igrejas e festas Todas estas relações incluem uma obrigação quase generalizada de assistência mútua Não se pode recusar um serviço um favor uma mexida de pauzinhos ou a complacência para com um parente vizinho camarada de festas ou amigos O círculo de indivíduos para quem a pessoa se sente obrigada a oferecer serviços é assim surpreendentemente grande 1999 p 40 A perda de reputação decorrente do fracasso em aderir a tais obrigações é severa Em cenários póscoloniais nos quais os estados arbitrariamente arranjados pelos poderes coloniais ainda dispõem de pouca lealdade e as burocracias trabalham parcamente a perda de reputação pode significar a impossibilidade de conseguir os servi ços teoricamente proporcionados pelo governo A estes indivíduos resta o suborno no lugar de agirem como todo mundo através de troca de favores 1999 p 41 Neste cenário a corrupção de mercado é epifenomenal um mero sintoma da falta de uma rede ativável um déficit temporário no capital social 1999 p 41 Desta forma na África pelo longo alcance das obrigações de 26 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 rede em comparação ao poder das obrigações cívicas é previsível que a corrupção seja bastante difundida Em alguns cenários o hábito de trocar grandes favores atra vés de redes sociais pode ter se desenvolvido em circunstâncias sociais determinadas e que ofereciam poucas alternativas viáveis O desenvolvimento extensivo de uma economia paralela através de redes informais sob o socialismo de Estado freqüentemente citado é um bom exemplo Como observa Scheppele no socialis mo de Estado havia um acordo subentendido em que os cidadãos evitavam protestos públicos e em troca os regimes permitiam que cidadãos comuns convertessem propriedades públicas para uso privado como uma forma de pagamento por consentirem com um regime que de outra forma não teriam apoiado 1999 p 516 Este acordo se assemelha ao que citei anteriormente no qual se permitia que as pessoas se apropriassem de bens da empresa onde trabalhavam em compensação por seus baixos salários Mas pelo fato de no socialismo de Estado esta atividade não ser isolada e en volver elaboradas redes de troca que visavam à produção ou à troca de bens no mercado negro podemos ver que este era um sistema elaborado de troca de favores Essas trocas eram economicamente necessárias porque as atividades oficialmente permitidas conforme previsto pelo planejamento central eram rígidas e irreais demais para proporcionar os bens e serviços necessários aos cidadãos8 Scheppele sugere que o forte sistema normativo que sus tentava esta troca permaneceu durante a transição Numa situação econômica difícil no qual os salários caíram e o emprego era alta mente inseguro as pessoas mantiveram o padrão de proteger seus amigos Em tal situação entretanto os estranhos correm risco Os estranhosestrangeiros que entram nessas economias em muta ção são bastante suscetíveis de se tornar vítimas e a acreditar que a corrupção está em todo lugar 1999 p 520 A autora continua observando que 8 Para um relato detalhado do quão elaboradas essas redes cooperativas poderiam se tornar ver Stark 1986 sobre redes informais em fábricas húngaras sob o socialismo de Estado 27 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 normas impessoais universalistas que permitem que se dê as cos tas aos amigos para fechar um contrato com quem pagar mais ou arriscadamente com um estranho não estão vigentes O que aparece como corrupção são técnicas de sobrevivência de pessoas que ainda estão vivendo em tempos incertos e que aprenderam a suspeitar de ideologias universalistas 1999 p 522 Consultores ocidentais pressupõem que quando as pessoas são estranhas umas às outras suas interações serão mais confiáveis mas grande parte do mundo duvida disto 1999 p 529 De fato a corrupção diz respeito a violações de deveres percebidos pelas pessoas como as unindo Deveres de amizade lealdade e integridade dentro das redes eram muito importantes no antigo mundo soviético Então a corrup ção pode ser vista como ocorrendo quando as pessoas não põem sua família e amigos antes dos outros 1999 p 530 Paralelamente o suborno não é necessário a não ser para estra nhos O suborno é encontrado onde o dinheiro substitui as redes de amizade 1999 p 531 A corrupção observa Scheppele não pode ser uma falta com o dever quando não se sente que se tem este dever Na medida em que os ocidentais vão para o Oriente esperando que as transações entre estrangeiros sirvam de modelo moral de como negociar eles certamente ficam desa pontados 1999 p 532 Ideologias conflitantes neste caso põem reformistas e oci dentais contra antigos participantes do sistema econômico É pos sível que este conflito venha a declinar e os padrões a convergir à medida que a crise econômica da transição for se moderando Mas pode haver situações nas quais os conflitos de ideologia estejam ainda mais incrustados nas sociedades por conta de conflitos de interesse de longa data No caso do Chile que Lomnitz descreve os favores que os indivíduos de classe média empregados na burocra cia faziam uns aos outros às vezes violavam as regras formais que prescreviam relações impessoais Conscientes de que tais favores poderiam se dar em detrimento dos que não tinham bons contatos eles ficavam ambivalentes Mas em geral neutralizavam imputações 28 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 de corrupção aludindo a uma ideologia de solidariedade de classe baseada na amizade e na reciprocidade LOMNITZ 1971 p 99 Esta ideologia claramente contradiz a do empreendimento liberal e livre que prescreve o avanço baseado somente no mérito e veda interferências na operação de mercados livres9 Lomnitz obser va porém que estas visões liberais embora cultuadas nos sistemas legais latinoamericanos são comumente consideradas como uma expressão dos valores da elite A classe média embora exter namente respeitadora da lei não vê muito uso para estes valores A competição é vista como um mal necessário causado pela escassez de recursos ela não é apreciada como um campo de prova do mérito pessoal e os chilenos no exterior tendem a criticar os valores competitivos da classe média em sociedades industriais vistos como responsáveis por uma existência sem amigos enfado nha de rebanho 1971 p 100 Ademais a ideologia de amizade e solidariedade oferece uma vantagem aos chilenos de classe média em relação a membros das classes alta ou baixa para competirem e serem bemsucedidos no Chile LOMNITZ 1971 p 105 Assim a ideologia que efetivamente neutraliza as percepções ou imputações de comportamento corrupto contrasta explicita mente com outra que condenaria e refrearia este tipo de recipro cidade por ser ilegítima e corrupta Tal conflito de ideologias não é socialmente aleatório mas reflete reais conflitos de interesses 9 De fato parece provável que a aderência quase universal a estas visões liberais ou neoliberais entre os economistas seja uma das razões para o seu entusiasmo em mostrar que a corrupção leva à ineficiência Entretanto esta visão não é ine vitável para um economista pois sob algumas circunstâncias ela é substituída por uma visão panglossiana de que qualquer prática institucional existente deve estar servindo a algum propósito de eficiência ou então teria sido desbancada O aforismo reinante para esta visão é o de que não se encontram notas de dólar jogadas na rua instituições ineficientes oferecem uma oportunidade de lucro para quem puder fazer melhor e todas as oportunidades de lucro são aproveitadas As visões de antitrustes lenientes de alguns economistas de custos de transação são exemplos desta posição Pelo fato de ambas as visões serem compatíveis com alguns aspectos do pensamento econômico pode ser difícil prever as posições dos economistas sobre política pública Assim no caso do antitruste da Microsoft economistas e juristas de orientação econômica encontraramse expressando visões consistentes dos dois lados e muitas vezes independentes de sua posição no espectro político 29 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 entre grupos sociais bem definidos de uma sociedade altamente estratificada segundo linhas de status social e de classe Outro exemplo interessante é o sugerido por Richard Hofstader em A era da reforma 1955 Hofstader analisou o Movimento Progressivo em cidades norteamericanas da virada do século XX que combatia máquinas políticas urbanas Ele propunha que tais máquinas e os imigrantes que elas apadrinhavam eram simbióticos e tanto os padrinhos quanto os clientes ficavam satisfeitos Segundo ele para os membros do Movimento saídos da classe média e que estavam perdendo seu status social e posições de liderança para imigrantes bem como para industriais em ascensão as máquinas pareciam a personificação do diabo A ideologia de governo transparente se de senvolveu a partir dessa ansiedade por status e traz outro exemplo de como conflitos entre grupos de status se refratam nela sendo um de seus instrumentos mais eficazes o de convencer o público em geral de que a sua definição de corrupção é a correta10 Nos Estados Unidos Progressivo esta tentativa teve um sucesso consi derável No início da Inglaterra de Stuart ao contrário quando a venda de ofícios para mercadores endinheirados que não tinham outra maneira de entrar no sistema político era legal os aristocra tas alegavam que esta venda era corrupta e inadequada Mas como esta prática favorecia um grupo de status endinheirado ao invés de imigrantes como nos EUA e além disso estabilizava a monarquia stuartiana porque comprava uma nova elite baseada na riqueza a tentativa de classificála como corrupta não funcionou SCOTT 1972 cap 3 Scott também sugere que o sucesso dos aristocratas franceses do século XVIII em bloquear a venda de ofícios colocou muitos burgueses contra o regime dos Bourbon e aumentou a pro babilidade da revolução 1972 p 47 Portanto o que é tido como corrupção pode resultar do balanceamento de poder entre grupos que lutam para definir a visão dominante definição esta que pode por sua vez influenciar essas relações de poder 10 Gerações de historiadores revisionistas têm discutido sobre muitos elementos das interpretações de Hofstader mas seus argumentos sobre os Progressivos são em geral mais bem vistos do que os sobre o populismo Para uma análise detalhada e minuciosa ver BRINKLEY 1985 30 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 Outro tipo de neutralização que surge da ideologia e do conflito de interesses nela expresso ocorre em relações políticas e fiscais de centroperiferia Quando uma autoridade política central extrai recursos de elementos componentes em um sistema federal a resistência a esta extração pode assumir várias formas Se servidores locais detiverem rendimentos que foram requisitados o centro verá isto como ação corrupta mas localmente isto pode ser codificado como uma resistência legítima a exigências excessivas e ilegítimas Esta codificação pode ser reformulada em ideologias e slogans tal como não à taxação sem representação como nos EUA colonial Com efeito quando as partes discordam drasticamente quanto à legi timidade da extração como os americanos e os britânicos em 1776 pode não haver uma maneira pacífica de resolver a questão Essas disputas podem levar a explosões políticas como a Guerra Revolucionária Americana Mas numa escala menor podem também ser exploradas por empreendedores locais Assim no escân dalo de corrupção em Xiemen China que mencionei anteriormente é particularmente interessante notar que a enorme escala de evasão de taxas de importação alcançada pelo Chefe Lai só foi possível com a ampla colaboração de autoridades locais Tão ampla de fato que Lai era às vezes chamado de diretor secreto da alfândega de Xiamen e as operações burocráticas de rotina dos servidores alfandegários do governo local foram integradas às do seu próprio negócio A alfândega se tornou um centro de lucro para a Corporação Yuanhua do Chefe Lai WANK 2002 p 22 Há inúmeras razões pelas quais isto foi possível incluindo a habilidade consumada de Lai em manipular complexas redes de servidores e seus subordinados Mas uma condi ção necessária para estes eventos era que os rendimentos escoados na atividade ilícita fossem arrecadados localmente através da enorme atividade comercial do porto de Xiamen e direcionados na maior parte para apoiar as funções do governo central de Beijing Como as principais vítimas do esquema podiam ter suas exigências quanto aos rendimentos locais interpretadas como excessivas os escrúpulos morais da atividade eram substancialmente neutralizados Tal como ocorre com a maioria dos princípios de neutrali zação considerálos como uma racionalização de um comporta mento corrupto que deveria ser fortemente condenado ou como 31 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 a expressão de uma autonomia local apropriada depende da visão que se tem quanto à legitimidade da extração que estava sendo contrariada O Chefe Lai se aproveitou habilmente de sentimentos de autonomia local usando grande parte da sua renda para se tornar um benfeitor local entre muitos outros investimentos ele comprou o time de futebol da cidade e deu aos esquadrões de polícia mal equipados novas motocicletas e novos jipes telefones celulares e ainda construiu novas estruturas de treinamento Este financiamento reconstruiu substancialmente sua cidade natal a poucas horas de Xiamen e ele e sua família ali se tornaram heróis locais BEECH 2002 Assim sendo ele abasteceu a área local de um jeito que não teria sido possível se os rendimentos tivessem sido direcionados corretamente a Beijing Se ele tivesse simplesmente embolsado seus ganhos os cidadãos locais teriam tido muito menos propensão a cooperar pois lhes seria mais difícil ver a atividade como uma re sistência à extração central em favor da atividade local Discussão Classificar um comportamento de corrupto acarreta inevita velmente um julgamento sobre qual comportamento seria legítimo e apropriado no caso emerge um componente social irredutível ao qual se tem dado surpreendentemente pouca atenção Julgamentos de legitimidade são parte de estruturas normativas mais amplas produzidas em todas as estruturas sociais conhecidas As normas não vêm de cima nem surgem na maioria dos casos de algum processo evolutivo que seleciona pela eficiência Em vez disso elas são sancionadas reproduzidas eou modificadas no curso da atividade social diária de cada grupo Em parte as normas podem ser reflexo das mudanças na realidade prática como no caso do aumento da participação feminina na força de trabalho que faz com que concepções sexistas pareçam antiquadas e ultrapassadas E no entanto as normas têm alguma vida própria elas podem pré datar e influenciar assim como emergir da mudança social como observou Gunnar Myrdal em seu estudo Um dilema americano de 1944 no qual previu com eficácia um movimento de direitos civis por conta da disjunção entre os ideais norteamericanos comuns e o comportamento norteamericano real 32 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 Normas não são fáceis de manipular e no entanto é comum na história humana que grupos com interesses conflitantes apresen tem diferentes conjuntos de padrões relativos a qual comportamento consideram apropriado e que rotulem comportamentos favoráveis aos grupos adversários de ilegítimos ou mais especificamente cor ruptos Este mecanismo que só pode ter um efeito considerável em médio ou longo prazo foi certamente bemsucedido em algumas ocasiões A competição acontece em várias dimensões e como nos lembram os acadêmicos pósmodernos os grupos que conseguem impor um discurso hegemônico e que molda a compreensão das pessoas ganham uma vantagem poderosa Compreender porém o julgamento da corrupção implica mais do que saber qual norma abstrata se aplica a uma situação particular Saber a norma que se aplica e como ela deve ser interpretada num caso particular tipicamente envolve conhecimento e uma avaliação da relação existente entre as partes da troca o diferencial de status entre elas obrigações acumuladas no passado e o meio social geral que circunda suas transações Esta observação fica mais adequada à medida que a corrupção se particulariza Inversamente a corrupção de mercado na qual os serviços são vendidos de forma corrupta porém impessoalmente a quem pagar mais pode ser bem descrita por modelos econômicos nos quais as partes da troca são indivíduos meramente representativos para um resumo excelente ver BAR DHAN 1997 Técnicas de neutralização conforme descritas neste artigo se aplicam mais provavelmente à troca particularizada do que à de mercado A literatura sobre corrupção oferece pouco escla recimento quanto ao balanço entre as variedades particularizada e de mercado Devemos ser cautelosos todavia para não colocarmos uma linha muito rígida entre elas Uma das razões para isto é que como inúmeros acadêmicos observaram muitos atores preferem atingir seus objetivos através de redes de obrigação e só recorrer a subornos ou extorsão quando estas redes falharem ou estiverem ausentes11 Assim há uma relação íntima entre os dois tipos Mas 11 Neste aspecto as preferências se assemelham às de quem procura emprego e o uso de fontes impessoais geralmente pressupõe uma incapacidade de recorrer a redes pessoais ver GRANOVETTER 1995 33 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 mesmo na corrupção que começa como um fenômeno puramente de mercado a necessidade de sigilo elemento central desta corrupção cf SHLEIFER e VISHNY 1993 faz com que os infratores reinciden tes muito provavelmente cultivem laços de rede apropriados para sua própria proteção dando à corrupção de mercado importantes elementos particularizados Dadas as limitações de espaço neste artigo considerei prin cipalmente os aspectos menores da troca na corrupção Mas como sugerem estes comentários sobre a relação entre as corrupções de mercado e a particularizada há muito mais a ser dito sobre a estru tura das redes da corrupção Um aspecto disto mencionado breve mente mas que exige mais análise é que a habilidade de corromper com eficácia a administração de alguma atividade substancial exige empreendedores da corrupção que são mestres na manipulação de redes sociais Nunca é automático se estes mestres vão surgir e obter êxito por isso para chegar ao equilíbrio exato na explicação de estrutura e agência é preciso mais do que compreender os incen tivos embora este seja certamente um ponto de partida necessário Os princípios gerais que governam o êxito deveriam ser similares aos que foram propostos para empreendedores de redes de todos os tipos cf BURT 1992 PADGETT e ANSELL 1993 e GRANOVETTER 2002 mas com alguns toques específicos que se aplicam mais à corrupção do que outros Um desses ajustes resulta da necessidade de sigilo de modo que assim que se tenha convencido alguém a entrar numa atividade corrupta será difícil que esta pessoa pare pois a ameaça de exposição impede eficazmente que ela dê para trás Por este motivo empreendedores da corrupção capacitados colecionam assiduamente materiais para chantagem como os vídeos feitos por Montesinos no Peru ou por Chefe Lai em Xiemen Um elemento crucial da habilidade dos empreendedores da corrupção é saber quem recrutar Membros de alto nível de organi zações formais podem ser úteis à medida que seus subordinados também cairão pela hierarquia na atividade corrupta ao receberem ordens Mas as hierarquias burocráticas não engendram a obediência automática que alguns teóricos de custos de transações imaginam e em particular pode haver relutância por parte dos funcionários de nível inferior em aceitar ordens claramente ilegais Esta limitação 34 p 11 37 Nª 9 outubro de 2006 levou o Chefe Lai a empregar o que Wank chama de uma estratégia de dupla face recrutando funcionários de alto e baixo nível da alfândega de Xiemen para o seu esquema Deste modo os funcioná rios inferiores tinham incentivos para colaborar e seus superiores para fazer vista grossa ou de fato mecanizar e legitimar os novos procedimentos WANK 2002 p 21 Saber quem recrutar no encalço da corrupção é mais im portante do que saber quais as suas capacidades organizacionais Como os que foram recrutados para corrupção podem por sua vez recrutar sua própria rede formal e informal para esta atividade o empreendedor da corrupção deve ter uma boa noção de qual rede chega até onde para escolher alvos estratégicos localizados central mente em redes que alcançam as estruturas informais e organizações formais que podem melhor servir a seus objetivos Esta técnica é o que Wank chama de delegação WANK 2002 p 17 que exige que o empreendedor tenha uma boa intuição quanto à aparência da estrutura geral da rede para que seus recrutas venham a alavancar seus esforços da melhor forma Estes comentários apenas arranham a superfície do que pode ser aprendido sobre a estrutura de redes de corrupção ou de outra atividade proscrita incluindo a operação do crime organizado ou do terrorismo A este respeito como a respeito de discussões sobre legitimação neutralização e definição social de troca apropriada resta muito trabalho a ser feito Espero ter aqui sugerido as recom pensas potenciais deste esforço Referências bibliográficas BARDHAN Pranab Corruption and Development A Review of Issues Journal of Economic Literature v 35 p 13201346 sept 1997 BEECH Hannah Smugglers Blues Time Asia v160 n14 oct 7 2002 BRINKLEY Alan Richard Hofstadters The Age of Reform A Reconsideration Reviews in American History v 13 n 3 p 462480 1985 35 Mark Granovetter A Construção Social da Corrupção Artigo p 11 37 BURT Ronald Structural Holes Cambridge Harvard University Press 1992 COOK Karen e RICE Eric RW Social Exchange Theory In DELAMATER John org Handbook of Social Psychology New York KluwerPlenum 2003 Cap 3 DALTON Melville Men Who Manage New York Wiley 1959 DARR Asaf Gifting Practices and Interorganizational Relations Constructing Obligation Networks in the Electronic Sector Sociological Forum v 18 n1 p 3151 2003 DITTON Jason Perks Pilferage and the Fiddle The Historical Structure of 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