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Página web httpepaaasueduojs Artigo recebido 3052019 Facebook EPAAA Revisões recebidas 232020 Twitter epaaaape Aceito 232020 Dossiê Especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução arquivos analíticos de políticas educativas Revista acadêmica avaliada por pares independente de acesso aberto e multilíngue Arizona State University Volume 28 Número 152 26 de outubro de 2020 ISSN 10682341 O Ritual da Festa do Moqueado Educação Cultura e Identidade na Sociedade Indígena TembéTenetehara Júlia Cleide Teixeira de Miranda Carlos Nazareno Ferreira Borges Universidade Federal do Pará Brasil Citação Miranda J C T de Borges C N F 2020 O Ritual da Festa do Moqueado Educação cultura e identidade na sociedade indígena TembéTenetehara Arquivos Analíticos de Políticas Educativas 28152 httpsdoiorg1014507epaa284760 Este artigo faz parte do dossiê especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução editado por Juliane Angnes e Kaizo Iwakami Beltrao Resumo O povo indígena TembéTenetehara tradicionalmente pratica o Ritual da Festa do Moqueado que celebra a passagem de meninas e meninos da infância para a vida adulta Neste ritual estão presentes diversos saberes tradicionais do povo TembéTenetehara Nossa intenção foi analisar como o Ritual da Festa do Moqueado configurase em um processo educativo no qual são produzidos circulam e são apropriados múltiplos saberes contribuindo para a construção da identidade e da cultura indígena Tembé Tenetehara A pesquisa se posicionou na abordagem qualitativa e estabeleceu a etnometodologia como seu principal aporte metodológico utilizando Garfinkel 2006 Coulon 2005 As técnicas de coleta de dados utilizadas foram observação participante entrevistas notas de campo As principais categorias teóricas utilizadas no trabalho de análise são educação Brandão 2002 cultura Williams 2011 ritual Sagalen O Ritual da Festa do Moqueado 2 2002 identidade Giddens 2002 e saber Martinic 1994 Como resultado do estudo elucidamos que o Ritual é um processo educativo intencional com objetivos e objetos de conhecimentos definidos e articulados e que os saberes contidos no Ritual da Festa do Moqueado se traduzem em um processo educativo a medida que são apropriados assimilados e ressignificados pelos jovens protagonistas sendo determinante para a construção de sua identidade étnica e afirmação de sua cultura Palavraschave Educação Saber Ritual Cultura TembéTenetehara The Ritual Party of the Moqueado Education culture and identity in the indigenous society of TembéTenetehara Abstract The indigenous people TembéTenetehara for many centuries have practiced the Ritual Festa do Moqueado which celebrates the passage of boys and girls from childhood into adulthood This ritual which relies heavily upon the traditional knowledge and wisdom the TembéTenetehara people The purpose of this research is to analyze how the Grilling Party Ritual sets in an educational process that circulates and appropriates multiple knowledge and its contribution to the culture and indigenous identity To achieve this goal key knowledge present in the Grilling Party Ritual will be inventoried in order to elucidate how this knowledge is circulated and appropriated during the ritual by Indians We intend to map this knowledge to establish how to configure an educational process in order to understand their contribution to the construction of identity and indigenous culture The survey ranks the qualitative approach and establishes ethnomethodology as its main methodological approach using Garfinkel 2006 Coulon 2005 The data collection techniques used are connected to this investigative proposal participant observation interviews field notes The main theoretical categories used in analytical work are education Brandão 2002 culture Williams 2011 ritual Sagalen 2002 identity Giddens 2002 and knowledge Martinic 1994 Keywords education knowledge ritual culture TembeTenetehara El Ritual de la Fiesta del Moqueado Educación cultura e identidad en la sociedad indígena TembéTenetehara Resumen El pueblo indígena TembéTenetehara tradicionalmente practica el Ritual de la Fiesta del Moqueado que celebra el pasaje de niñas y niños de la niñez para la vida adulta En este ritual están presentes diversos saberes tradicionales del pueblo TembéTenetehara Nuestra intención ha sido analizar como el Ritual de la Fiesta del Moqueado se configura en un proceso educativo en lo cual son producidos circulan y son apropiados múltiples saberes contribuyendo para la construcción de la identidad y de la cultura indígena Tembé Tenetehara La investigación se posicionó en el abordaje cualitativo y estableció la etnometodología como su principal aporte metodológico utilizando Garfinkel 2006 Coulon 2005 Las técnicas de recolección de datos utilizadas fueron observación participante entrevistas notas de campo Las principales categorías teóricas utilizadas en el trabajo de análisis son educación Brandão 2002 cultura Williams 2011 ritual Sagalen 2002 identidad Giddens 2002 y saber Martinic 1994 Como resultado del estudio aclaramos que el Ritual es un proceso educativo intencional con objetivos y objetos de conocimientos definidos y articulados y que los saberes contenidos en el Ritual de la Fiesta del Moqueado se traducen en un proceso educativo a medida que son apropiados asimilados y replanteados por los jóvenes protagonistas siendo determinante para la construcción de su identidad étnica y afirmación de su cultura Palabras clave Educación Saber Ritual Cultura TembéTenetehar Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 3 As Primeiras Teias da Pesquisa Este texto é resultado de uma pesquisa que analisou do Ritual da Festa do Moqueado da cultura indígena TembéTenetehara como um processo educativo no qual são produzidos circulam e são apropriados múltiplos saberes Ao considerarmos o ritual como processo educativo estamos considerando também que a educação ocorre de diversas formas de diversas maneiras e em ambientes variados inclusive durante um ritual ancestral indígena O lócus da pesquisa foi a Aldeia Itaputyr1 localizada na Terra Indígena Alto Rio Guamá TIARG situada no município de Capitão Poço no estado do ParáBrasil distante da capital Belém cerca de 230 km e que é habitada por aproximadamente 250 indígenas da etnia TembéTenetehara Nossa pretensão no presente texto é mostrar que há um processo educativo desenvolvido durante o Ritual da Festa do Moqueado no qual circulam e são apropriados múltiplos saberes contribuindo para a construção da identidade e da cultura indígena Tembé Tenetehara No percurso para demonstrar nossas evidências apresentaremos o inventário dos principais saberes presentes no Ritual da Festa do Moqueado identificaremos como esses saberes circulam e são apropriados durante o Ritual e apontaremos como esses saberes se configuram em um processo educativo O Ritual sobre o qual dissertaremos na primeira seção do texto celebra a passagem de meninas e meninos da infância para a vida adulta e envolve toda a aldeia na sua preparação e desenvolvimento A pesquisa original se caracterizou como sendo de abordagem qualitativa tendo a etnometodologia como a base teórica fundamental e orientadora A opção pela etnometodologia corrente que surge na sociologia vem contemplar as exigências metodológicas deste objeto de estudo pois segundo Coulon 1995 mais que teoria constituída a etnometodologia é uma perspectiva de pesquisa uma nova postura intelectual mostrando termos à nossa disposição a possibilidade de apreender de maneira adequada aquilo que fazemos para organizar nossa existência social Segundo o mesmo autor a abordagem etnometodológica se efetiva no âmbito da educação pela presença de complexos rituais que regem as relações educativas Destacamse as especificidades para aquelas relações construídas em ambientes não escolares permeados por jogos códigos tradições e regras normatizadoras que se constituem em interações entre as pessoas que compõem os grupos Coulon 1995 Coulon 1995 nos informa ainda que a etnometodologia tem como principal referência a teoria do iniciador do movimento o sociólogo Harold Garfinkel 2006 cujas ideias foram elaboradas a partir de elementos encontrados no interacionismo simbólico na obra na obra de Parsons e na fenomenologia de Husserl e de Schutz A obra mais famosa do mencionado sociólogo é Studies in Ethnomethodology publicada em 1967 A contribuição couloniana nos informa também que o termo etnometodologia referese à metodologia de todo dia em que etno significa membro de um grupo ou do próprio grupo em si e metodologia se refere aos métodos dos membros Assim a etnometodologia diz respeito às efetivas práticas situadas em determinados contextos em outras palavras o estudo dos métodos que os membros de um grupo utilizam para produzir ordens sociais reconhecíveis Por isso mesmo os estudos etnometodológicos utilizam das técnicas de observação direta observação participante diálogos conversas informais entrevistas notas no diário de campo acrescidas ao longo do tempo da estratégia de gravações em áudio Os elementos até aqui comentados fizeramnos acreditar que a etnometodologia se configurava como adequada enquanto base teórica e metodológica fundamental e orientadora do estudo que foi empreendido A pesquisa de campo iniciou em novembro de 2013 quando permanecemos na Aldeia Itaputyr por uma semana durante a realização do Ritual Posteriormente durante o ano de 2014 empreendemos diversas viagens nos meses de abril junho julho setembro e dezembro para 1 Itaputyr palavra da língua Tembé que em língua portuguesa significa a flor da pedra O Ritual da Festa do Moqueado 4 coleta de dados registrados no caderno de campo além de entrevistas fotos e vídeos técnicas de coleta de dados diretamente associadas às características de um estudo etnometodológico e adequadas para o universo estudado A categoria cultura foi um importante ponto de ancoragem2 para o desenvolvimento do estudo A concepção teórica para a abordagem desta categoria foi à obra do estudioso britânico Raymond Williams 2011 Para o autor tanto as vidas ordinárias quanto a produção social são culturais porque carregam em si significados e valores formulados no coletivo nas interações humanas Cultura é ordinária porque está em toda sociedade e em toda mente Williams 2011 p 15 Os saberes que adiante encontraremos como circulantes e apropriados no Ritual da Festa do Moqueado os quais também diremos imprimir ao mesmo ritual uma dimensão educativa configuraramse como uma categoria fundante da investigação e foram discutidos a partir da moldura teórica de Sergio Martinic 1994 Segundo o autor o saber faz parte dos processos de formação de identidades coletivas e é o produto da elaboração crítica que os homens têm de sua própria visão de mundo Este conhecimento não só tem uma estrutura lógica como responde a um sistema global de compreensão logo o que se sabe sobre uma coisa ou fenômeno se relaciona e compara com outros integrando tais fatos em um sistema cognoscitivo mais amplo Martinic 1994 p 73 A abordagem da categoria ritual foi referendada na teoria de Segalen 2002 Segundo o autor compreendese ritual como um conjunto de atos formalizados expressivos portadores de dimensão simbólica O rito é caracterizado por uma configuração espaçotemporal específica pelo recurso a uma série de objetos por sistemas de linguagens e comportamentos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens comuns de um grupo Segalen 2002 p 31 A dimensão de educação contida no Ritual da Festa do Moqueado nos impeliu à busca de um olhar mais ampliado sobre os processos educativos considerando sua interface com a cultura Entendemos que a atenção para a relação educaçãocultura requer um necessário e profícuo diálogo com a antropologia à medida que o mundo da educação se revela na sua inteireza humana isto é cultural Brandão 2002 p 22 Para efetivar nossas intenções o texto está organizado em cinco seções Na primeira seção introdutória abordamos questões teóricometodológicas e as principais categorias da pesquisa Na segunda seção traçamos um panorama da história ambiente e vivências do povo Tembé Na terceira seção aprofundamos o Ritual enquanto uma trama de saberes e uma prática secular do povo TembéTenetehara Na quarta seção explanaremos como os saberes que circulam no Ritual são apropriados e se configuram em um processo educativo Por fim na conclusão mostramos como a educação desenvolvida no Ritual perdura por toda a vida dos jovens integrantes Ao discutir os resultados alcançados pretendemos estabelecer uma necessária e dialógica relação entre os saberes encontrados no estudo observandose a qualidade de conteúdos ou objetos de conhecimento com o processo educativo desenvolvido no Ritual 2 Os pontos de ancoragem são formados com a incorporação à estrutura cognitiva de elementos informações ou ideias relevantes para a aquisição de novos conhecimentos e com a organização destes de forma a progressivamente generalizaremse formando conceitos Vygotsky 2010 Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 5 Os TembéTenetehara Os TembéTenetehara como se autodenominam chegaram ao estado do Pará e se radicaram às margens do Rio Guamá em virtude das perseguições e da espoliação de suas terras de origem na região do Rio Pindaré Capitania do Maranhão Atualmente ocupam a Terra Indígena Alto Rio GuamáTIARG criada pelo decreto nº 307 de 21 de março de 1945 no governo do interventor federal General Joaquim Magalhães Barata com 279892 ha e um perímetro de 36629290 metros e demarcadahomologada pelo Decreto N 011 de 04101993 Em tempos idos os Tenetehara eram seres humanos livres portadores e produtores de uma cultura singular detinham conhecimentos profundos da natureza e da sobrenatureza e se consideravam o centro do universo A palavra tenetehara usada como autodesignação do povo Tenetehara é composta pelo verbo ten ser mais o qualificativo ete intenso verdadeiro e o substantivizador hara aquele o Quer dizer enfim o ser integro gente verdadeira É um designativo forte que exprime orgulho e uma posição singular a de ser o verdadeiro povo a encarnação perfeita da humanidade Na escala universal dos povos primeiro estão os Tenetehara depois o resto da humanidade que se aproxima mais ou menos dessa condição excepcional Nessa autodefinição está o princípio fundamental do ideal de autonomia e liberdade Gomes 2002 p 47 Para os Tenetehara povo que deu origem aos TembéTenetehara quem de direito merece ser o exemplo da humanidade que consegue equilibrar as forças da natureza os seres vivos de carne e os seres de espírito certamente são eles Foram desde sempre e se não o são agora com certeza tornarão a ser pois estão em busca dessa humanidade perfeita que lhe foi espoliada ao longo dessa trajetória de séculos de holocausto Essa busca acontece em diversos aspectos relacionados à nova dinâmica sóciopolítica e cultural na qual os TembéTenetehara estão envolvidos Esse vaievem cultural étnico e espacial determinou mudanças profundas em suas características originais e durante esse longo período desde a invasão dos europeus em 1500 até os dias de hoje vivenciaram diversas fases na sua trajetória Foram índios domésticos nos tempos dos jesuítas depois caboclos depois simplesmente povo mestiço pobre sem terras sem qualificação profissional sem economia oprimidos servidores dos grandes povo miúdo que junto com os negros iriam constituir a massa popular da nova nação que se formava Mas uma grande parcela se refugiou nas matas do Pindaré foram se embrenhando conhecendo essa imensa região chegando ao Rio Gurupí onde uma parte dos Tenetehara se fixou e hoje são conhecidos como os Tembé do Gurupí e outros passaram para os Rios Capim e Guamá onde se fixaram e lutaram por terras e pela sobrevivência Durante todo esse longo e difícil percurso foram estabelecendo relações interétnicas com outras etnias e com não indígenas Estas relações que envolvem os grupos indígenas com a sociedade do entorno foram definidas por Oliveira 1976 como fricção interétnica entendida como A noção de fricção interétnica foi elaborada especialmente para tornar inteligíveis as relações que envolvem grupos indígenas e a sociedade de classes abrangente Centrada no caráter antagônico dessas relações essa noção supõe desde logo que o sistema interétnico constituído pelos mecanismos de articulação das unidades étnicas em contato se apresenta em permanente equilíbrio instável e que o fator dinâmico do sistema está no próprio conflito seja manifesto ou seja latente Oliveira 1976 p 58 O Ritual da Festa do Moqueado 6 Em relação aos TembéTenetehara essas fricções interétnicas aconteceram e acontecem de diversas formas mas podemos definir basicamente três situações que são comumente vivenciadas por esses indígenas as relações com os regionais que são os agricultores que habitam ou trabalham ao redor das terras indígenas comerciantes que estabelecem com eles relações de troca e moradores das cidades vizinhas com madeireiros pequenos fazendeiros e representantes de empresas exportadoras interessadas nos produtos da floresta e com representantes de órgãos governamentais como a Fundação Nacional do Índio FUNAI Secretaria de Saúde Indígena SESAI secretarias estaduais e municipais de educação missões religiosas pesquisadores e outros Com todo esse universo de sujeitos são estabelecidas relações de troca não apenas econômicas mas também culturais Para Oliveira 1976 p 69 qualquer que sejam as modalidades de relacionamento o certo é que prevalecem as relações bastante assimétricas estejam elas no plano econômico ou no político As grandes mudanças trazidas por estas relações assimétricas são exteriorizadas pelos TembéTenetehara atualmente em seu modo de se comportar e de se vestir especialmente os jovens que procuram imitar o comportamento a língua e as vestes dos não indígenas buscando a aceitação pelas sociedades do entorno Esses modos e costumes dos karaí homem branco também são introduzidos pela união conjugal entre indígenas e não indígenas Esse estereótipo diferenciado daquele amplamente propagado na mídia e até nos livros didáticos levam a situações onde suas origens indígenas são questionadas e seu sangue índio colocado em dúvida muitas vezes não sendo reconhecidos pela sociedade do entorno como legítimos representantes da etnia Esse conflito sobre ser ou não ser indígena TembéTenetehara é objeto de preocupação dos próprios indígenas principalmente quando o que está em disputa é a terra Geralmente é na defesa do território que os critérios de autenticidade Tembé se tornam socialmente significativos é quando os membros do grupo sentem a necessidade de mostrar para os de fora que os Tembé tem cultura entendida também como uma relação especial e diferenciada dos habitantes com um determinado lugar objetivando mostrar que aqueles que o habitam compartilham de uma mesma cultura Isso mostra que é relevante a importância da sociedade e do indivíduo para determinação dos critérios de quem é e quem não é indígena Com base na teoria de Cunha 1987 p 111 comunidades indígenas são aquelas que tendo uma continuidade histórica com sociedades pré colombianas se consideram distintas da sociedade nacional E índio é quem pertence a uma dessas comunidades indígenas e é por ela reconhecido Dessa forma é o sentimento de pertencimento o fator mais importante para que o indivíduo se caracterize ou não como indígena Nas últimas décadas do século XX ocorreu uma reaproximação entre os Tembé do Guamá os Tembé do Gurupi e os Guajajara do Maranhão todos Tenetehara de origem e imbuídos pela crença na existência de uma cultura original natural que foi quebrada pelas forças externas legitimada também pelas ideias das lideranças indígenas sobre a necessidade de um resgate do tempo dos antigos Iniciouse então um processo de atribuir sentido à experiência social e individual dos TembéTenetehara com o fim de implementar ações no presente voltadas para o futuro do povo Tembé Essas ações presentes passam por dois aspectos considerados essenciais para a reafirmação do ser TembéTenetehara na atualidade sem negar as contribuições e desgastes que as fricções interétnicas atribuíram a sua vivência mas também reconhecendo a necessidade de revisitar suas raízes étnicas para fortalecer sua identidade objetivando relações mais equânimes no futuro com a sociedade do entorno O primeiro aspecto diz respeito ao reavivamento da língua materna o Tembé Tenetehara do tronco Tupí da família TupíGuaraní que sofreu um processo de esquecimento e invisibilização entre os Tembé do Guamá Esse reavivamento teve início na década de 1990 quando alguns indígenas Tembé do Gurupí mudaramse para as aldeias do Guamá com o Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 7 objetivo de ensinar a língua materna Esse intercâmbio proporcionou a implantação do ensino da língua materna na escola desde os anos iniciais do ensino fundamental passando pelos anos finais até o ensino médio pois Ainda que sejam apenas recentes os estudos das consequências da perda de uma língua a principal delas é a perda da identidade com implicação direta na percepção através da linguagem da vida cultural espiritual e intelectual do povo em questão Tal percepção é encontrada por exemplo em orações mitos cerimônias poesia oratória vocabulário técnico estilos conversacionais respeitoso profano etc estilos de fala fala masculina vs fala feminina etc humor maneiras próprias de comunicação com crianças termos próprios para hábitos comportamentos emoções e outros Moore Gabas Jr 2006 p 6 O professor Txinai Tembé é um desses indígenas que permanece até hoje residindo na Aldeia Itaputyr dando aulas na escola e coordenando os encontros semanais ricos de saberes da língua e amplamente frequentados por indígenas de todas as idades Outra forma de reavivamento da língua são os encontros realizados na Aldeia Itaputyr nos dias de quintafeira e sábado geralmente na Ramada com o objetivo de se falar a língua materna Esses encontros são abertos a toda comunidade e conta com a presença de indígenas de diversas aldeias para cantar dialogar recitar e contar piadas e histórias na língua Tembé Tenetehara Estas atividades podem ser consideradas os cursos de imersão que para Moore e Gabas Jr 2006 p10 consistem no ensino de língua materna de maneira intensiva as crianças adolescentes e mesmo adultos de uma dada comunidade As tradições culturais ritos e rituais tradicionais do povo Tembé Tenetehara fazem parte desse processo de reavivamento cultural que os Tembé do Guamá estão vivenciando Essa prática pode ser constatada em relação ao Ritual da Festa do Moqueado que por longo tempo permaneceu esquecido e invisibilizado nas aldeias do Guamá e que com o fortalecimento trazido pelo intercambio com os parentes do Gurupí pode ser reeditado e está sendo praticado em diversas aldeias Para Zannoni 1999 p 59 os rituais introduzem o sentido da vida dos Tenetehara é um contínuo renovarse através das etapas que permitem a construção do caráter da pessoa Nesse sentido os rituais representam toda a ideologia e visão de mundo desse povo sintetizando toda a experiência cotidiana e valorizando a cultura tradicional Nessa trajetória o caminho dos Tembé Tenetehara é longo exige muita articulação para o pleno reconhecimento da identidade diferenciada controle da autonomia e protagonismo razão que torna a ação organizada fundamental para o projeto de autodeterminação buscando conciliar a tradição e as novas demandas sociais do grupo face à ocupação territorial aos agravos produzidos pelos inúmeros empreendimento externos e sua luta por uma vida coletiva e autônoma É interessante pensar que os Tembé trabalhando as perdas não como perda em si mas como possibilidade de mesmo sob intensa opressão são senhores da dinâmica cultural A fala dos protagonistas é no sentido de produzir rearranjos sistêmicos de acordo com os interesses políticos Assim são pensadas as aulas de língua materna as oficinas de cânticos e danças a educação escolar entre outras demandas e providências Fernandes Silva Beltrão 2011 p 406 E é nessa perspectiva que o Ritual da Festa do Moqueado atualmente é praticado em todas as aldeias do povo TembéTenetehara num movimento crescente de serem protagonistas de sua dinâmica cultural O Ritual da Festa do Moqueado 8 O Ritual da Festa do Moqueado Uma Trama de Saberes Vainfas 1995 diz que a prática de ritos e rituais nas sociedades indígenas remonta a épocas seculares e foram registradas pelos europeus que por aqui passaram por vezes com detalhes Os autores dos registros são de várias procedências ibéricos franceses alemães religiosos laicos católicos e protestantes Mas convém não esquecer como ratifica o mencionado autor que são olhares europeus que presidem a narrativa olhares em parte etnográficos e em parte demonizadores O mesmo Vainfas 1995 p 89 faz ainda um comentário interessante a respeito das duas possibilidades de leitura da narrativa europeia sobre a religiosidade ameríndia quando diz que entre aquela que busca as crenças nativas e a que descortina o olhar ocidental percebo primeiramente que o chamado profetismo tupi foi dimensionado quer em termos de ritual quer em termos de movimento dimensões que não se excluem necessariamente não obstante me pareçam distintas A dedução do autor supra parece de mais fácil compreensão quando ora observamos o povo Tembé Uma das formas que esse povo indígena de origem Tupí dimensionou sua religiosidade foi em termos de ritual A Festa do Moqueado situase nessa dimensão ritualística enquanto uma prática cultural secular do povo Tembé e conforme poderemos mostrar configurarse como um espaço privilegiado de produção circulação e apropriação de múltiplos saberes inscritos nos processos de organização preparação e desenvolvimento do Ritual O Ritual da Festa do Moqueado é um rito de passagem vivenciado pelas meninas e meninos na faixa etária dos 11 aos 15 anos e nas últimas décadas acontece regularmente em todas as aldeias do povo Tembé São 33 aldeias 17 na região do rio Gurupi no sul do território e 16 na região do Guamá no norte da Terra Indígena do Alto Rio Guamá TIARG3 No ano de 2013 no período de 11 a 17 de novembro estivemos na Aldeia Itaputyr no município de Capitão PoçoPA a qual foi cenário de mais um Ritual4 Os ritos de passagem marcam a transição de um status social para outro Os ritos reivindicam e legitimam o novo status social tornandoo passível de ser de acontecer se não compreendido completamente pelo menos aceito culturalmente Nas palavras de Segalen 2002 os ritos de passagem podem ser considerados formas de negociação de um novo estatuto no seio de uma sociedade que apresenta um sistema estruturado e hierárquico de posições e associa grupos de indivíduos que comungam nos mesmos princípios o que tenderia a atenuar as distancias sociais sem produzir contudo um nivelamento Segalen 2002 p 63 A passagem de um status social para outro marcada pelos ritos de passagem não pode ser considerada algo simples e fácil Esse momento para ter uma validade deve ser diferenciado da rotina diária Assim as crises as dicotomias as contradições que no cotidiano são escondidas e falsificadas aparecem muitas vezes de formas estereotipadas e estranhas Essas exceções da vida diária lidam até mesmo com tabus sociais com aquilo que é crítico caótico e incompreensível Segundo pudemos apurar durante nossa investigação na tradição dos TembéTenetehara dias antes da cerimônia os homens saem para caçar cedo e retornam ao anoitecer enquanto as mulheres confeccionam os artefatos que as meninas e os meninos utilizarão na culminância do Ritual que se dá no último dia O moqueado é composto por nhambu ave comum na região amazônica de aproximadamente vinte e três centímetros e que se alimenta de sementes e insetos 3 Povo Tembé Tenetehara da Terra Indígena Alto Rio Guamá Plano de Gestão Terra Indígena Alto Rio GuamáOrganizadoras Meline Machado e Vanessa Eyng Brasília ECAM 2018 4 Deste momento em diante o Ritual da Festa do Moqueado será chamado de Ritual na maioria dos parágrafos em que a ele se fizer referência Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 9 e porco do mato que depois de moqueados são socados com farinha de mandioca5 para serem degustados pela comunidade Navarro 2013 p 509 Em nossas observações pudemos constatar que o Ritual da Festa do Moqueado acontece no centro da aldeia no espaço de coletivo denominado Ramada construído com toras madeira sem paredes e coberto com palha e tem a duração de uma semana Durante esse tempo todos os dias e noites moças na frente e os rapazes atrás dançam em disposição circular numa sincronia de passos e pequenos pulos ritmados que ratificam sua tradição Com alegria e disposição as lideranças os caciques crianças jovens adultos e até indígenas de outras etnias participam cantando e dançando em um ritmo extasiante e extenuante sob a marcação de maracás6 As meninas e meninos são o centro da festa e comandam as danças Os homens mais velhos sempre iniciam as músicas e as mulheres aparecem como segunda voz O repertório e o uso de tawari cigarro são significativos para os Tembé já que é um convite às entidades da natureza como curupira mãe dágua bacurau pássaros entre outros a serem incorporados pelos indígenas e esta participação é um dos momentos mais importantes No último dia acontece culminância do Ritual O moqueado é misturado com farinha de mandioca num vigoroso processo de pilagem7 executado pelas mulheres adultas São confeccionados pequenos bolinhos de moqueado com as mãos que são imediatamente distribuídos pelas meninas para todos os presentes a começar pelos mais velhos numa demonstração de respeito Após a distribuição do moqueado começa a dança final Para o momento da dança final meninos e meninas devidamente adornados e posicionados no centro da Ramada pela primeira vez dançam em pares Naquele momento descrito acima o rito é completado Quanto aos meninos e meninas que a ele se submeteram cabe uma total disposição a essa nova etapa de sua vida social pois como afirma Turner 2005 p 32 não somente um novo saber será adotado mas uma modificação ontológica está inscrita em sua trajetória Os Saberes Presentes no Ritual O Ritual da Festa do Moqueado envolve diversos saberes tradicionais que permeiam o cotidiano da etnia Tembé e que por ocasião da realização do ritual estão presentes e se articulam desenvolvendo um todo coeso e complexo de relações subjetivas que demonstram suas cosmovisões filosofias sistemas de vida e religiosidade O relato de Sergio Muxí Tembé corrobora com essa afirmação Esse ritual vem desde o início desde quando a geração desse povo dos Tupi Guarani é da cultura mesmo dos Tenetehara não é de agora que vem É um ritual que faz bem prá saúde faz bem pra natureza faz bem pro homem pra mulher pra aldeia ele vai levar as pessoas uma educação um conhecimento não só um conhecimento mas da pessoa ter ciência S M Tembé setembro 13 2014 É imprescindível destacar que se constitui um grande esforço teórico categorizar os saberes presentes no ritual e os diferentes níveis de comunicação e interação no interior do mesmo Para isso eliminar um poder que se instala quando temos um saber hegemônico e outros subalternos é a primeira providencia para o estabelecimento de informações mais verídicas e uma comunicação mais aberta Fernandes 2009 5 Pó desidratado rico em amido fabricado a partir da raiz da mandioca 6 A maraca ou maracá é um idiofone de agitamento constituído por uma bola que pode ser de cartão plástico ou cabaça contendo sementes secas grãos arroz ou areia grossa Staden 2010 pp 153155 7 Processo de triturar grãos usando pilão O Ritual da Festa do Moqueado 10 A dificuldade para eliminação deste poder é grande especialmente por tratarse de povos indígenas e levandose em consideração a imagem construída pela historiografia desde tempos passados e ainda presentes na atualidade O seguinte trecho ilustra com propriedade essa construção histórica Os principais analistas da natureza ameríndia Buffon e de Pauw conceberam contudo os ameríndios como seres inferiores De maneira velada consideravam se incapazes de alcançar o desenvolvimento da civilização europeia A natureza do continente explicaria a degeneração a preguiça e a indolência presentes entre os habitantes do novo mundo Para Buffon os nativos foram inábeis no domínio do meio hostil a fim de revertelo segundo seus interesses O homem ficou a mercê dos caprichos da mãe natureza e permaneceu passivo diante das potencialidades oferecidas pelos reinos animal e vegetal Os ameríndios não se destacavam das outras espécies O espaço seria então dominado pelos repteis e insetos por seres de sangue frio e formas agigantadas Raminelli 1994 p 57 Para superar esses estereótipos e preconceitos se faz necessário um olhar apurado e indiciário Ginzburg 1987 é imprescindível pois no ritual tudo acontece se cumpre e se concretiza a um só tempo Nas palavras de Gasbarro 2006 o ritual é por sua natureza estrutural e estruturante transignificação do sentido e transformação radical da vida compatibilidade sintética das dificuldades materiais da vida e das produções simbólicas inventadas para superalas Considerando essa complexidade dentre esse universo de saberes que estão presentes no Ritual discorreremos sobre os saberes espirituais presente na evocação dos espíritos que participam de todo o ritual os saberes ambientais presentes na relação com os elementos da natureza na caça no trato com a carne e na confecção do moqueado e os saberes artísticos presentes nas músicas danças adornos e pinturas corporais Os Saberes Espirituais Os saberes espirituais perpassam por todo o ritual e se configuram como um pano de fundo sobre o qual todo o mesmo é desenvolvido São personificados na figura do pajé que coordena todo o ritual e é o responsável por evocar as divindades e os sobrenaturais que são os ancestrais mortos e seus familiares Esse momento de evocação é feito através de longas baforadas no cigarro tawari e a entoação de cânticos especiais Nas palavras de Sergio Muxí Tembé da Aldeia Teko Haw Isso é uma questão muito chegada a conhecer são vários espíritos várias entidades que vem procurar a pessoa na festa tem uns difícil da gente conquistar na festa a gente tem muito cuidado com isso porque ou ela faz bem ou ela faz mal então tem que ter muito cuidado não tem que tá errando então por exemplo um dos espíritos é a Mãe Dágua que é do rio e da água e o espirito que é levando por vento que não sei dizer em português mas na nossa língua ele vem de cima Kawyuhaw é a imagem de Deus trazido pelo vento então esses dois são os principais e tem os espíritos das pessoas que já morreram esses são os que incorporam já no momento do Ritual S M Tembé setembro 13 2014 As divindades depois de evocadas assim como os espíritos dos antepassados se fazem presentes durante todo o Ritual regulando o comportamento das meninas e meninos que estão sendo apresentadas para a aldeia assim como de todos os presentes na festa Algumas proibições e interdições são impostas nesse período como por exemplo a proibição das meninas tomarem banho de rio pois os espíritos da água ou da mata podem fecundála ou trazerlhe doenças e só caminham pela aldeia em companhia de outra pessoa para prevenir malefícios porque ela a entidade pode fazer bem ou mal Isso fica bem claro no relato de Sergio Muxí Tembé os espíritos se manifestam nas pessoas que tão fazendo a festa que tão organizando ou alguém que Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 11 esteja do lado das pessoas ele se manifesta e as pessoas que organizam já vai fazer qualquer tipo de defumação pra poder as pessoas não ser maltratadas Durante o desenvolvimento do Ritual por diversas vezes o Pajé percorre toda a Ramada carregando na mão um pequeno objeto do qual emana uma densa fumaça perfumada que ele faz questão de espalhar por todo o ambiente alcançando todas as pessoas presentes Essa defumação produzida com ervas retirada da mata tem poderes sobrenaturais de proteção contra os espíritos malignos que podem trazer males e doenças O relato do indígena corroborando com a observação participante demonstra a existência de uma intima relação entre os viventes os antepassados mortos e as divindades evocadas durante o Ritual O macaco assado representa um Caruara de outro povo da mesma nação vem das espécies que vem de cima Tem um tal de Caruara por exemplo eu estou aqui em Belém e as pessoas estão cantando lá e se eu tiver alguma coisa eu sei de alguma coisa então eu vou experimentar quem tá lá então eu sei de uma minha oração então eu faço a minha oração e me comunico com quem está lá pelo cigarro aquele cigarro que bota na boca do macaco o tauarí é pra receber a comunicação pra não chegar nas pessoas que tá lá na festa é tipo um paraqueda aquela fumaça se forma num paraqueda pra receber tudo que for de ruim pra não agarrar na pessoa S M Tembé setembro 13 2014 Essa relação determina as práticas e comportamentos dos membros da aldeia norteando suas vidas e sua relação com os outros com os animais e com o ambiente Para melhor compreender essa cosmologia vamos fazer referência ao pensamento de Castro 1996 Entretanto a noção de espíritos senhores dos animais mães da caça mestres dos queixadas etc é como se sabe de enorme difusão no continente Esses espíritosmestres claramente dotados de uma intencionalidade análoga à humana funcionam como hipóstases das espécies animais a que estão associados criando um campo intersubjetivo humanoanimal mesmo ali onde os animais empíricos não são espiritualizados Castro 1996 p 58 Esta dinâmica tem sua própria lógica a coerência de uma prática cultural que só pode ser interpretado a partir da cultura a qual pertence Fundamental para compreender essa dinâmica á a abordagem trazida por Claude LéviStrauss em sua obra O Pensamento Selvagem 1989 onde refuta a abordagem evolucionista de que as sociedades simples dispõem de um pensamento magico que antecede o cientifico e que portanto lhe é inferior Para LéviStrauss O pensamento mágico não é uma estreia um começo um esboço a parte de um todo ainda não realizado ele forma um sistema bem articulado independente nesse ponto deste outro sistema que constitui a ciência LéviStrauss 1989 Logo essa relação dos viventes com o sobrenatural com as divindades e ancestrais mortos se configura como outra concepção epistemológica a respeito do universo e das interfaces entre o real e o imaginário obviamente diferente da nossa configurandose portanto em um saber que durante séculos tem ordenado e imprimido coerência a esse sistema cultural Os Saberes Ambientais Os saberes do meio ambiente estão presentes na relação com os elementos da natureza e envolve uma grande variedade de práticas que passa pela caça aos animais que animais devem ser caçados o trato com a carne e na confecção do moqueado O relato do indígena Sergio Muxí Tembé esclarece a razão da escolha de determinados animais para serem caçados A caça principal é o Nambú então porque que é o Nambú porque o Nambú porque é uma caça exclusivamente da natureza porque queixada porque o porco O Ritual da Festa do Moqueado 12 do mato ela cava e come vários frutos então ela limpa serve pra limpar o organismo porque o macaco porque o macaco é uma espécie de animal que tem a característica do homem tem o dom de andar pelos galhos e anda a noite S M Tembé setembro 13 2014 Todo o processo começa quinze dias antes do Ritual quando os homens adultos adentram a mata para a caça aos animais que no retorno para a aldeia são tratados apenas suas entranhas são retiradas e colocados no fogo para moquear O espaço onde é preparado o fogo para o moqueado é especialmente construído para essa finalidade com madeira cipó e palha retirados da mata que circunda a aldeia As carnes dos animais caçados permanecem em fogo lento por uma semana cozinhando lentamente até o último dia do ritual quando são desfiados pilados junto com farinha de mandioca transformados em pequenos bolinhos amassados com a mão e distribuídos pelas meninas a todos os presentes no ritual O tempo certo de moquear a carne a temperatura adequada do fogo as ferramentas utilizadas para o trato da carne dos animais as formas de usar o pilão e o tempo adequado de pilagem o momento certo de juntar a farinha de mandioca à carne os movimentos necessários para transformar essa mistura em bolinhos configuram um universo de saberes cujo domínio faz parte do arcabouço epistemológico do povo Tembé Como se prepara o moqueado Você joga fora só a tripa mas a caça você não tem que comer um pedaço dela tem que moquear toda ela e botar ela em cima sem nenhum bicho tocar nela pode ser mulher ou homem aquelas pessoas que tem aquele cuidado aquelas pessoas que tem aquele cuidado que tem aquele carinho que sempre preparam botar em cima do fogo na hora certa S M Tembé setembro 13 2014 Nesse arcabouço epistêmico a relação entre natureza e cultura parte de outro paradigma e determina a escolha dos animais O nambú porque é exclusivamente da natureza não domesticado puramente selvagem o porco do mato porque come vários frutos e sua carne ao ser consumida limpa o organismo evitando doenças o macaco porque se assemelha ao homem tem a habilidade de andar pelos galhos e caminha com tranquilidade a noite Essas características podem ser incorporadas por quem consome a carne desses animais Para melhor compreender essa cosmologia vamos nos reportar ao pensamento de Castro 2002 que se referindo a essa relação natureza e cultura diz que do mesmo modo como concebemos o substrato animal da nossa humanidade o pensamento indígena concebe o substrato humano dos seres do cosmos como condição universal ainda que esta não possa ser percebida de maneira imediata Assim para compreender essas cosmologias não se pode segundo Castro 1996 partir da distinção clássica entre natureza e cultura que pressupõe duas séries paradigmáticas que tradicionalmente se opõem universal e particular objetivo e subjetivo físico e moral fato e valor dado e construído necessidade e espontaneidade imanência e transcendência corpo e espirito animalidade e humanidade e outros tantos Logo podese supor que ao consumir a carne dos animais transformadas em moqueado distribuídas ao final do Ritual em forma de pequenas porções de modo que todos os presentes possam ser contemplados os indígenas estão na verdade buscando uma comunhão homemnatureza numa clara tendência a cosmologizar o humano Os Saberes Artísticos Outra dimensão dos saberes presentes no Ritual da Festa do Moqueado são os contidos nas manifestações artísticas presentes durante todo o Ritual As pinturas corporais sejam com grafismos sejam simplesmente lambuzadas as plumagens presentes nos colares e cocares a música e os instrumentos musicais o canto e as danças são Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 13 não uma elaboração tediosa de costumes exóticos que competem com a verdadeira experiência estética e sim um meio de expandir a experiência estética para além de nosso próprio campo de visão estreitamente limitado por nossa cultura Tendo aceito as obras da arte primitiva como merecedoras de representação lado a lado com as obras dos artistas mais reputados das nossas próprias sociedades nossa próxima tarefa é reconhecer a existência e a legitimidade dos referenciais estéticos dentro dos quais elas foram produzidas Price 1989 p 92 As meninas e os meninos protagonistas do Ritual durante toda a semana ao raiar do dia tem seus corpos lambuzados com tinta produzida a partir do jenipapo no caso das meninas e os meninos pintados com grafismos A tinta utilizada é a do jenipapo cuja cor escura se acentua com o passar dos dias de modo que no último dia do Ritual as meninas estão com os corpos totalmente negros e o grafismo dos meninos bem visível e é complementado com uma pintura no rosto imitando uma barba A música é tocada e cantada por um grupo de homens adultos coordenados pelo Pajé juntamente com o cacique da aldeia e com a participação de outros caciques de diversas aldeias na condição de convidados Sentamse na Ramada formando uma coluna com as mulheres posicionadas atrás cujo canto se caracteriza como uma segunda voz Na mitologia Tenetehara a música ritual resultou de uma troca com o mundo sobrenatural Um jovem guerreiro foi entregue aos deuses para que o grupo se apropriasse do canto Zannoni 1999 p 32 Consta que antes o povo Tenetehara era triste não sabia cantar o som que produziam era monótono Depois da troca o povo aprendeu a cantar e canta durante os rituais O instrumento utilizado para marcar o ritmo do canto é o maracá do tupí mbaraká instrumento ideofônico de forma arredondada feito com o fruto da cabaceira fabricado na própria aldeia Navarro 2013 Algumas mulheres também tocam o maracá em tempos passados havia uma interdição a esse tipo de prática e o canto entoado ora mais alegre ora em forma de lamento segue por todo o Ritual A dança começa sempre com os rapazes e as moças organizados em pares em disposição circular numa sincronia de passos e pequenos pulos tão coesos e ritmados que em determinado momento aparentam serem um só Aos poucos com muita alegria e disposição os caciques as lideranças crianças jovens adultos indígenas de outras etnias e não indígenas presentes se juntam aos jovens e participam cantando e dançando em um ritmo único A dimensão estética do Ritual revelada através das várias modalidades artísticas que podem ser observadas durante seu desenvolvimento as pinturas corporais a dança a música o canto a confecção do maracá os adornos corporais causam admiração e estranhamento nos presentes em especial os não indígenas demonstrando que a recepção não é uma dimensão individual mas um fenômeno coletivo resultante das manifestações advindas das interpretações individuais ou grupais Para melhor compreender como os espectadores presentes apreendem a produção e a circulação desses saberes artísticos indígenas nos apoiamos na teoria da estética da recepção que parte do pressuposto que a arte é um fazer uma construção e como tal infunde uma dada relação com o leitorexpectador Para Regina Zilberman 2008 as teorias da recepção que após as manifestações da linguagem verbal terem adotado a escrita enquanto seu principal veículo de transmissão mesclamse as teorias da leitura alternamse entre essas posições privilegiando de uma parte o exame das relações entre obra e seu destinatário encarado individual ou coletivamente Para imprimir maior inteligibilidade a essa dimensão artística do Ritual recorremos a uma teoria antropológica que se preocupa com a simbologia e as formas estéticas dos atos comunicativos É a antropologia da performance que busca refinar a compreensão sobre rituais De acordo com Turner 2005 o ritual indígena pode ser compreendido como o modo pelo qual O Ritual da Festa do Moqueado 14 um complexo universo de ações performáticas e meios de comunicação sensorial visual e sonora de grande variabilidade faz emergir significados que permeiam o exercício da reflexividade sobre a experiência social Essa elaboração teórica nos auxilia o entendimento o Ritual como manifestação artística que constituem experiências estéticas através das quais essa sociedade realiza a formação de indivíduos a transmissão de saberes o conhecimento da cosmologia e a possibilidade da apreensão de conteúdos da cultura O Ritual como Processo Educativo Inúmeros e diversificados são os saberes contidos no Ritual e que foram encontrados pelos dados de pesquisa o que o torna um momento rico de aprendizagem e pródigo de situações investigativas Mas optamos por adotar um recorte de categorização que facilitasse as análises e tornasse a interpretação didaticamente compreensível Para tanto os saberes foram categorizados em três modalidades saberes espirituais saberes ambientais e saberes artísticos Ainda objetivando uma análise mais acurada estabelecemos uma necessária e dialógica relação entre estes saberes tomandoos em sua qualidade de conteúdos ou objetos de conhecimento e o processo educativo desenvolvido no Ritual Esta relação se configura fundamental à medida que os saberes contidos no Ritual por si só não se traduzem em um processo educativo Para isso se faz necessário que esses saberes sejam apropriados assimilados e ressignificados pelos jovens protagonistas e contribuam para a construção de sua identidade étnica e afirmação de sua cultura diferenciada Corroborando essa opção Cunha 2014 afirmou que a transmissão em várias sociedades indígenas envolve um laço entre pessoas seja pacífico de mestre a discípulo de pai para filho mas também pelo roubo pelo saque e pela sedução o que assim se transmite e isso chamou muito a atenção já que são povos que não praticam a propriedade da terra nem a herança de bens materiais endógenos são essencialmente bens que chamamos imateriais coisas como conhecimentos técnicas narrativas nomes cantos rituais padrões gráficos Coisas que constituem a riqueza por excelência Cunha 2014 p 15 O pensamento da autora mencionada dialoga bastante com Santos 2010 Segundo esse último refletir sobre um processo educativo intencional desenvolvido durante um ritual ancestral nos remete à discussão sobre a existência de um outro conhecimento Mas para que assim ocorra esse outro conhecimento não está apoiado na civilização ocidental uma vez que foi historicamente silenciado desqualificado e subalternizado como manifestação de superstição estático exótico ou na melhor das hipóteses como um saber prático e local Se refletirmos a respeito daquilo acima exposto facilmente concordaremos com Quijano 2005 que os mecanismos de genocídio e silenciamento dos falantes indígenas e de seus conhecimentos são muito antigos O autor diz que esses mecanismos são resultantes do processo colonial iniciado com uma nova rota marítima o circuito Atlântico que trouxe alguns países da Europa para a América Latina dando início ao processo de colonização A modo de resistência os saberes produzidos no Ritual que por ele circulam e são apropriados pelos jovens protagonistas configuram assim um processo educativo que perdura por toda a vida Isso pode ser demonstrado tanto por depoimentos colhidos na experiência etnográfica quanto parece ser evidenciado pela manutenção do ritual como uma crença formada nos que por ele passaram Enquanto evidência de que para a sociedade TembéTenetehara os saberes aprendidos têm significado e valor isso pode ser revelado nas palavras de Manoela Tembé jovem que participou do Ritual em 2013 entrevistada em 2015 A gente aprende e o que a gente aprende ajuda pro resto da vida Segundo Gauthier 1999 o Ritual não é estático e previsível ele se transforma atualiza se e se mobiliza em direção ao novo permite aflorar condições préreflexivas de aprendizado Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 15 possibilita a descoberta de sentidos novos inéditos É como uma energia sutil que contagia todos os envolvidos Daí nossa percepção de seu potencial educativo ou como nos diz Gauthier 1999 daí seu poder de ressoar de favorecer o nascimento em nós do pensar Mas não de qualquer pensar de um pensar ainda ligado ao inconsciente que se torna assim nosso aliado diferente do pensar consciente o qual resolve a problemática escura do devir histórico Gauthier 1999 p 7 O esforço teórico para conhecer compreender e sistematizar o processo educativo contido no Ritual da Festa do Moqueado é grande considerando que cada cultura tem sua forma própria de produzir e socializar conhecimentos Além disso os conhecimentos indígenas são essencialmente subjetivos e empíricos por isso mesmo livre de métodos e dogmas fechados e absolutos e se garantem na efetividade prática e nos resultados concretos que acontecem no seu cotidiano Luciano 2006 p 171 A partir dessas reflexões retomamos a categorização antes delineada Esclarecemos que a educação para a espiritualidade é baseada na relação entre os indígenas e o sobrenatural educação para o respeito à natureza é baseada na relação entre os indígenas e natureza a partir de uma lógica diferenciada e a educação para a arte é expressa nas relações entre os próprios indígenas tendo como suporte suas tradições culturais mas ocorre em um intercâmbio que também inclui os sujeitos não indígenas A partir da categorização realizada pretendemos agora demonstrar as maiores evidências do processo educativo desenvolvido pelo Ritual em tela Educação para a Espiritualidade A espiritualidade perpassa por todo o Ritual é seu pano de fundo e se revela em todos os momentos Desde os dias que o antecedem isto é sua preparação passando pelo desenvolvimento e para além quando o Ritual se encerra Conforme pudemos apurar em nossas investigações segundo a cosmologia dos Tenetehara os espíritos invocados estarão presentes durante todo o percurso de vida dos jovens protagonistas A dimensão espiritual do ritual é personificada na figura do Pajé É ele quem direciona e coordena o Ritual iniciando as músicas e determinando seu término sempre utilizando o maracá para dele fazer emanar a música que imediatamente todos seguem Ainda segundo pudemos descobrir de acordo com a cosmologia local é o Pajé o responsável pela invocação dos espíritos que vêm de cima dos espíritos dos antepassados mortos e dos espíritos dos animais caçados assim como dos espíritos advindos da mata Durante os dias em que o Ritual se desenvolve a crença é que estes espíritos estão circulando pela aldeia e podem se manifestar em qualquer dos presentes os quais estando desprotegidos tornamse suscetíveis às investidas do sobrenatural Estes espíritos entidades sobrenaturais podem ser boas ou más As entidades boas são acolhidas e participam do Ritual as más são afastadas e para isso os indígenas fazem uso de diversas práticas Uma das práticas relacionadas ao afastamento de entidades más é o uso do Tauarí um cigarro de tabaco preparado especialmente para a ocasião O tabaco é para os indígenas uma dádiva divina que permite os transes extáticos capaz de transportálos ao próprio mundo dos deuses Castro 1987 p38 afirma ser o tabaco na sociedade xinguana a substância xamanística por excelência mediando o mundo real com o espiritual abrindolhes ou fechandolhes tal porta de contato entre os dois mundos Outro recurso que cumpre a mesma função do tabaco é a defumação Tratase da exalação de fumaça a partir de um preparado que conjuga vários ingredientes e cuja essa fumaça ajuda a espantar os maus espíritos Quem nos esclareceu sobre os ingredientes e a função da defumação foi Txinai Tembé entrevistado em 2014 segundo o qual a defumação afugenta os espíritos maus é feita com resina de madeira pó de pedreira e resina de um sapo Serve para proteger a dar segurança pro Ritual Uma terceira prática que ainda podemos evidenciar na rica cosmologia Tenetehara utilizada especialmente pelas meninas é o uso de um lenço na cabeça durante os dias que O Ritual da Festa do Moqueado 16 antecedem o Ritual Segundo Manoela Tembé entrevistada em 2015 serve para proteger das coisas ruins que vem de cima Além do uso do lenço há também a exigência das meninas que vão participar do Ritual sempre andarem acompanhadas nunca caminhar pela aldeia sozinha e jamais tomar banho de rio desacompanhadas para evitar o assédio de maus espíritos Baseados na nossa experiência etnográfica com os nativos temos a percepção de que a convivência tranquila ou não com o sobrenatural não causa estranhamento aos indígenas As práticas de relacionamento com os espíritos que estão presentes no cotidiano e que se tornam mais exacerbadas durante o desenvolvimento do Ritual podem ser assimiladas considerando sua lógica cosmológica diferenciada Castro 1996 nos ajuda nessa reflexão ao dizer que De outro lado as almas dos mortos e os espíritos que habitam o universo não são entidades imateriais mas outros tantos tipos de corpo dotados de propriedades afecções sui generis A distinção ameríndia entre alma e corpo não é uma distinção substantiva Com efeito corpo e alma assim como natureza e cultura não correspondem a substantivos entidades autosubsistentes ou províncias ontológicas mas a pronomes ou perspectivas fenomenológicas Castro 1996 p 132 Compreendendo o mundo na perspectiva da cosmologia local a partir do olhar diferenciado de um antropólogo em exercício8 podemos perceber que a realidade exterior este ambiente no qual nos movimentamos vivemos e produzimos modificamos criamos e inovamos não se resume apenas àquilo que está ao alcance de nossos olhos Nesse sentido a cosmologia local apresenta outra possibilidade isto é que aquilo que podemos ver e ouvir em outro plano existe em uma continuidade em outra dimensão que não podemos visualizar mas que se faz presente e influencia nossa experiência atual Segundo Eliade 1992 a experiência cosmológica similar a que vimos descrevendo por vezes determina a realidade palpável e por isso o autor diz que sendo assim o mundo que nos rodeia o mundo no qual são sentidas a presença e a ação do homem as montanhas que ele escala as regiões povoadas e cultivadas os rios navegáveis as cidades os santuários tudo isso tem um arquétipo extraterreno seja ele concebido como um plano como uma forma ou pura e simplesmente como uma cópia que existe em um nível cósmico mais elevado Eliade 1992 p 16 Nossa compreensão é que os jovens protagonistas que participam do Ritual da Festa do Moqueado e são submetidos a todas as práticas inerentes ao processo ritualístico assimilam muitos aprendizados É nesse momento que o a jovem demonstra que está preparado para assumir suas responsabilidades individuais e coletivas Para Luciano 2006 em termos de caráter o jovem precisa chegar à vida adulta maduro e completo pois a partir daí dificilmente conseguirá mudar seus comportamentos e atitudes Alguns conhecimentos são fundamentais para a formação dos jovens enquanto adultos plenos e conscientes de seu papel na sociedade a qual pertencem A educação para a espiritualidade é uma parte constitutiva fundamental do sistema cultural do povo Tembé Tenetehara Desenvolvida ao longo da vida essa educação é reafirmada e aprofundada durante o Ritual e vivenciada pelos jovens ao longo de sua trajetória no mundo Foi dessa forma que nos afirmou Stefani Tembé quando entrevistada em 2014 nos disse que No Ritual a gente aprende a se proteger dos espíritos maus e os espíritos bons nos acompanham para nos ajudar nas dificuldades da vida 8 Não somos antropólogos de formação Portanto aqui apenas exercitamos o ofício a partir das categorias que Oliveira 1996 recomendou como imprescindíveis para o trabalho antropológico Olhar ouvir e escrever Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 17 Dessa primeira categorização podemos perceber que o Ritual com seus ensinamentos oferece aos participantes régua e compasso9confiança na sua energia vital proteção e possibilidades de criar o novo de inventar o cotidiano Educação para o Respeito à Natureza Para iniciar essa reflexão se faz necessário empreender outra a respeito da lógica como os não indígenas percebem e compreendem a natureza Para nós não indígenas a natureza é algo exterior que não faz parte de nós e por isso passível de ser explorada e dominada A lógica ameríndia está pautada no paradigma da totalidade homem e natureza fazem parte de um mesmo todo e portanto em constante interação Segundo Luciano 2006 O método preferencial das ciências indígenas é a visão da totalidade do mundo O indivíduo deve buscar compreender e conhecer ao máximo o funcionamento da natureza não para dominála e controlála mas para seguir e respeitar a sua lógica seus limites e potencialidades em benefício da sua própria vida enquanto ser preferencial e privilegiado na criação Luciano 2006 p 171 Para melhor compreender a lógica diferenciada indígena quanto à natureza reportamo nos a uma concepção teórica sobre os indígenas com inúmeras referências na etnografia amazônica assim descrita por Castro 1996 A diferenciação entre cultura e natureza que LéviStrauss mostrou ser o tema maior da mitologia ameríndia não é um processo de diferenciação do humano a partir do animal como em nossa cosmologia evolucionista A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade mas a humanidade A grande divisão mítica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos humanos Os humanos são aqueles que continuaram iguais a si mesmos os animais são ex humanos e não os humanos exanimais Castro 1996 p 119 A reflexão supra nos auxilia na compreensão de algumas práticas desenvolvidas durante o Ritual a caça a animais específicos o consumo desses animais depois de moqueados a esfregação da carne dos animais no corpo dos jovens protagonistas Entre outras essas são práticas que demonstram o reconhecimento da unidade homemnatureza Percebemos que os nativos acreditam que ao consumir a carne dos animais suas propriedades e capacidades também são consumidas e internalizadas por aquele que consome aproximandoo das características do animal consumido e diminuindo a distância que os separa E nesse caso a nutrição não representa uma simples operação fisiológica ela renova uma comunhão Eliade 1992 p 12 Além do consumo da carne dos animais as pequenas porções do moqueado também são esfregadas no corpo das meninas e dos meninos nos braços e pernas Segundo apuramos essa prática tem como finalidade a proteção contra males e doenças e auxilia na aquisição das propriedades do animal tornandoos fortes e resistentes Senão vejamos o que nos disse Stefani Tembé quando entrevistada em 2014 O bolinho de moqueado a gente come e esfrega na pele para se proteger e ficar mais forte e enfrentar as dificuldades da vida O que se aprende com as práticas supra relatadas Que homens plantas e animais integram o mesmo mundo distinguindose esses últimos dos primeiros em muitos casos apenas pela diversidade de aparências e pela falta de linguagem Cunha 1987 p 56 Para os povos 9 Gilberto Gil Aquele Abraço Rio de Janeiro Philips 1969 Disco de vinil 523 rpm O Ritual da Festa do Moqueado 18 indígenas essas diversas realidades interagem e se intercomunicam constante e ininterruptamente O que podemos compreender ao final dessa segunda categorização é que a consubstancialidade com a natureza é uma crença constante dos Tenetehara ainda que em seu percurso de vida e no contato com os não indígenas na educação escolar em outros espaços de relacionamento e em outros contextos possam interagir com outras lógicas Ainda assim o conhecimento fundante sobre a unicidade homemnatureza estará subjacente a todas as suas práticas imprimindolhe uma visão distinta de mundo e consequentemente distintas historicidades serão construídas Educação para a Arte Pudemos perceber durante nossa estada na aldeia que o Ritual da Festa do Moqueado é uma manifestação artística por excelência A dança ritmada a música tocada e cantada e as pinturas corporais juntamente com os adornos usados pelos jovens protagonistas configuram um todo harmonioso colorido e com padrões próprios que se aplicam unicamente a ele Esta dimensão artística do Ritual não se coaduna com o conceito estético ocidental de arte A nossa concepção de arte desde Kant valora aquilo que se distingue o gosto refinado o difícil o que não se deixa levar pelo prazer fácil que satisfaz os sentidos aquilo que requer esforço intelectual ou técnico que se sobressai Para Kant 1978 os elementos de uma obra de arte que produzem sensações tais como os tons ou as cores podem acrescentar encanto à obra ou provocar emoções mas nada acrescentam à sua beleza Quando se fala impropriamente de uma bela nota musical tratase de algo do domínio do deleite que se quer impor à forma Kant 1978 p 65 Partindo do conceito kantiano as manifestações artísticas do Ritual por serem produções em sua maioria que fazem parte do cotidiano do povo TembéTenetehara e retratam suas vivências representadas por objetos de sua cultura material não se encaixam neste conceito Assim sendo para o paradigma ocidental não são consideradas manifestações artísticas As pinturas corporais a música e a dança assim como os adornos causam sensações mas não possuem forma de arte É preciso considerar portanto outros valores para se compreender as manifestações artísticas do Ritual considerando que por meio deles uma memória pode ser reativada salvando uma cosmologia que corria o risco de ser apagada pelos reveses de uma ocidentalização marcada pela violência das injustiças sociais Mitos e ritos para os quais esses objetos reivindicavam a sua contextualização poderiam ser os meios de acesso a essa cosmologia expressão única de uma dada cultura Silva 2006 apud Montero 2006 p 352 Considerando que a produção artística inerente ao Ritual é uma arte das margens coloniais e pós coloniais que representa uma cultura específica exprimindo valores daquela cultura vamos corroborar com Price 1989 Essa autora afirma que a tarefa da antropologia da arte é definir características estéticas inerentes àquela cultura de modo que as contribuições estéticas de artistas nãoocidentais possam ser avaliadas corretamente Sobre essa discussão a autora acrescenta que O xis do problema tal como o vejo é que a apreciação da arte primitiva quase sempre é expressa em termos de uma escolha falaciosa uma opção é deixar que o olho esteticamente discriminador seja nosso guia com base em algum conceito de beleza universal jamais definido Um dos princípios é que o olho até mesmo do especialista mais dotado de talentos naturais não é nu porém enxerga a arte através da lente de uma formação cultural ocidental Price 1989 p 92 Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 19 Interessante também é ressaltar que nas sociedades modernas ocidentais a arte tem um fim em si mesma está desligada do contexto é a arte pela arte Van Velthem 1994 p 37 Por outro lado nas sociedades indígenas a produção artística parece ter uma função prática e utilitária uma vez que pode ser utilizada para atingir outros fins não artísticos Especialmente sobre a produção artística do Ritual cada um dos elementos estéticos presentes têm uma função determinada As manifestações artísticas perpassam por todo o Ritual configurando um universo visual e auditivo coeso e harmonioso no qual os TembéTenetehara fundem os vários domínios de sua experiência em um todo gigantesco Geertz 2007 p 154 E uma das principais características desse todo gigantesco é a produção coletiva pois diferente das sociedades modernas ocidentais nas quais a produção artística é quase sempre individual as sociedades indígenas tem produção artística empreendida por diversas mãos e mentes e retratam um saber cultural milenarmente acumulado Quem nos ajuda a compreender essa teia é Geertz 2007 quando nos diz que a participação no sistema particular que chamamos de arte só se torna possível através da participação no sistema geral de formas simbólicas que chamamos de cultura pois o primeiro sistema nada mais é que um setor do segundo Uma teoria da arte portanto é ao mesmo tempo uma teoria da cultura e não um empreendimento autônomo Geertz 2007 p 156 Na perspectiva geertziana então as manifestações artísticas presentes no Ritual como a pintura e as ornamentações corporais a música e a dança podem ser consideradas fontes de informações sobre as relações entre grupos entre indivíduos com o sobrenatural com o meio ambiente sobre status processos atitudes e comportamentos Vidal Silva 2000 p 283 Pudemos perceber e é importante destacar que as intensas relações interétnicas com as sociedades do entorno não indígenas acarretaram mudanças no Ritual como um todo e que também reverberaram na dimensão artística e estética Por isso observase a introdução de algumas transformações que refletem a necessidade de adequação e aceitação pelas sociedades ocidentais Como exemplo podemos mencionar as pinturas corporais dos jovens protagonistas do sexo masculino em cujos rostos retratam a grosso modo um grafismo que sem uma simbologia clara na cultura local parece imitar claramente a barba que os não indígenas possuem Uma explicação para esse fato podemos encontrar em Anthony Giddens 2002 p123 quando afirma que com a globalização dos últimos cinquenta anos a experiência social se modificou de tal maneira que o que há de mais íntimo e de mais distante estão agora de súbito diretamente conectados Embora com a adoção da característica mencionada acima o Ritual preserva a maior parte de suas manifestações artísticas originarias e na atualidade pode ser considerado uma prática de resistência no jogo da cena contemporânea É que se por um lado dialoga com a sociedade do entorno por outro afirma a identidade e a cultura TembéTenetehara Corroborando na discussão Montero 2012 diz que desse modo a continuidade de uma etnia dependerá da capacidade de um determinado grupo de manter simbolicamente suas fronteiras de diferenciação ou dito de outra maneira de sua capacidade de manter uma codificação permanentemente renovada das diferenças culturais que o distinguem dos grupos vizinhos Montero 2012 p 63 Outra importante característica das manifestações artísticas do Ritual é que elas não são percebidas enquanto arte pelos seus produtores pelos indígenas que dançam cantam tocam fazem os ornamentos e as pinturas corporais Para eles estas práticas são naturalizadas e refletem suas vivências cotidianas e só adquirem valores artísticos quando observados admirados interpretados e partilhados com outros sujeitos O Ritual da Festa do Moqueado 20 Desta forma podemos assegurar que a dimensão artística revelada no Ritual é parte integrante do cotidiano dos indígenas E que esses valores estéticos estão de tal forma imbricados e conectados com suas vivências e possuem uma articulação tão dinâmica com seu cotidiano que podemos definir o Ritual como um momento de culminância de uma educação para a arte desenvolvida ao longo da vida E essa arte obedece a determinados padrões estéticos inerentes àquela sociedade As palavras de Manoela Tembé entrevistada em 2015 revelam esse cenário e ilustram com propriedade essa dinâmica educativa segundo a qual Essa dança nós já sabemos de muito tempo nossos pais dançavam também e quando dançamos ficamos mais bonitos e mais fortes Em suma eles sempre dançam cantam e quando assim o fazem sua finalidade não é mostrar aos outros que são bonitos e fortes mas sim que se tornam bonitos e fortes ao dançarem Daí a riqueza do aprendizado e a beleza da educação Nessa terceira categorização podemos perceber que a educação para a arte presente no Ritual da Festa do Moqueado apresenta uma dimensão de complexidade Tal dimensão é suficiente para exercer um papel importante de afirmação e divulgação dos formatos expressivos secularmente elaborados pelos TembéTenetehara e pode ser considerado um conhecimento pertinente porque é capaz de contextualizar isto é religar globalizar Morin 1998 p 19 Considerações Finais Na proposição deste texto estivemos empenhados em mostrar que a educação acontece nos mais diversos e variados ambientes sejam eles escolares ou nãoescolares Para tanto utilizamos dados obtidos a partir de um estudo realizado sobre o processo educativo que se desenvolve durante o Ritual da Festa do Moqueado da sociedade indígena TembéTenetehara Como procedimentos categorizamos os saberes presentes no ritual identificandoos enquanto os objetos de conhecimento do processo educativo Também procuramos organizar os saberes de forma que cada um deles correspondesse a uma categoria de educação que integradas e conectadas configuramse em um processo educativo amplo organizado intencional e eficaz Como todo processo educativo também o Ritual inclui o momento no qual sua eficácia pode ser comprovada ou avaliada e isso foi possível de ser verificado através da análise das falas dos jovens protagonistas na Festa Os relatos revelam aprendizados comuns a todos os jovens o Ritual ensina a ser forte a enfrentar a vida com coragem e de maneira destemida Esse é o principal objetivo a ser alcançado quando os jovens são submetidos a sete dias exaustivos dançando na Ramada com poucos períodos de descanso O Ritual da Festa do Moqueado é um dos momentos de fortalecimento de matriz identitária nativa na etnia estudada no qual uma constelação de saberes está reunida e encadeada Durante os sete dias de desenvolvimento do Ritual esses saberes vão se desenrolando e se misturando tudo ao mesmo tempo agora resultando numa imensa e diversificada teia educativa envolvendo a priori os jovens protagonistas e a posteriori todos os espectadores Nosso estudo detectou que o Ritual é um processo educativo intencional com objetivos e objetos de conhecimentos bem definidos e articulados Neste estudo esses objetos foram elencados em três categorias para melhor organização didática da pesquisa e compreensão por parte dos leitores e da comunidade científica Porém durante o ritual esses saberes enquanto objetos de conhecimento estão totalmente integrados e esta articulação é que constitui a educação indígena enquanto um processo próprio de transmissão e apropriação de conhecimentos Por fim esta é uma discussão epistemológica Todo nosso esforço teórico é com o objetivo de demonstrar que nas sociedades indígenas e na TembéTenetehara em particular existe uma produção epistemológica qualificada E que apesar do processo secular de marginalização e silenciamento a produção epistemológica continua viva presente e formando gerações de indígenas com seu modo de ser e sua cultura suas línguas e saberes próprios Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 21 O processo educativo do Ritual que acontece na passagem da infância para a vida adulta também é processual e se caracteriza pela continuidade Os jovens protagonistas não emergem como sujeitos prontos e acabados dos sete dias de Ritual Eles vão se completando fazendose e se refazendo na convivência e no diálogo com a sociedade indígena e nãoindígena tecendo uma grande teia epistemológica de dimensão infinita Concluímos que os saberes produzidos no Ritual são apropriados pelos jovens protagonistas configurando um processo educativo que perdura por toda a vida e para a sociedade TembéTenetehara tem significado e valor Resumindo para ser TembéTenetehara nos dias de hoje é necessário força e coragem para enfrentar os desafios de uma sociedade contemporânea globalizada e em constantes mudanças sem deixar de ser indígena respeitando sua cultura sua ancestralidade e sua origem étnica Referências Brandão C R 2002 A educação como cultura Mercado das Letras Castro E V 1996 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana 2 115 144 Castro E V 2002 A inconstância da Alma Selvagem Cosac Naifa Castro E V de 1987 A fabricação do corpo na sociedade xinguana e alguns aspectos do pensamento Yawalapíti Alto Xingu Classificações e transformações In O Filho Org Sociedades indígenas indigenísmo no Brasil Marco Zero Coulon A 1995 La etnomedotología Cátedra Cunha M C 1987 Antropologia do Brasil Mito história etnicidade Brasiliense Cunha M C Cesarino P de N Orgs 2014 Políticas culturais e povos indígenas Cultura Acadêmica Eliade M 1992 O sagrado e o profano Martins Fontes Fernandes E A Silva A V Da Beltrão J F 2011 Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará AITESAMPA em luta por direitos étnicos Amazônica Revista de Antropologia 2 392 406 Fernandes J G S 2009 Saberes das populações tradicionais e periféricas Revista Cocar Impresso 1 4960 Garfinkel H 2006 Studios em etnometodología Anthropos Gasbarro N 2006 Missões A civilização cristã em ação In P Montero Org Deus na Aldeia Missionários índios e mediação cultural Globo Gauthier J 1999 Rituais na escola Um olhar sociopoético Revista Entreideias educação cultura e sociedade 43 Geertz C 2007 O saber local Vozes Giddens A 2002 Modernidade e identidade Zahar Gil G 1969 Aquele abraço Rio de Janeiro Philips Disco de vinil 523 rpm Ginzburg C O 1987 Queijo e os vermes O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição Companhia das Letras Gomes M P 2002 O Índio na história O povo tenetehara em busca da liberdade Vozes Kant I 1978 O julgamento estético Textos seletos de crítica da faculdade de Julgar PUF LéviStrauss C 1989 O pensamento selvagem Papirus Luciano G dos S 2006 O Índio Brasileiro O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje MECSECADMuseu Nacional Machado M Eyng V Org 2018 Povo Tembé Tenetehara da Terra Indígena Alto Rio Guamá Plano de Gestão Terra Indígena Alto Rio Guamá ECAM Martinic S 1994 Saber popular y identidad In M Gadotti C A Torres Educação popular Utopia latinoamericana EDUSP O Ritual da Festa do Moqueado 22 Montero P 2012 Multiculturalismo identidades discursivas e espaço público Sociologia Antropologia São Paulo 02 81 101 Moore D Gabas N 2006 O futuro das línguas indígenas brasileiras In L Forline I Vieira R Murrieta Org Amazônia além dos 500 Anos Museu Paraense Emílio Goeldi Morin E 1998 Os sete saberes necessários à educação do futuro Cortez Navarro E A 2013 Dicionário de tupi antigo Global Oliveira R C 1976 Identidade etnia e estrutura social Pioneira Oliveira R C 1996 O trabalho antropológico Olhar ouvir escrever Revista de Antropologia São Paulo USP Price S 1989 Primitive art in civilized places Chicago University Press Quijano A 2005 Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In E Lander Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latinoamericanas CLACSO Raminelli R 1996 Imagens da colonização A representação de Caminha a Vieira Jorge Zahar Santos B de S 2010 A gramática do tempo Para uma nova cultura política Cortez Segalen M 2002 Ritos e rituais contemporâneos Editora FGV Silva A L 2006 A cultura como um caminho para as almas In P Montero Org Deus na Aldeia Missionários índios e mediação cultural Globo Staden H 2010 Duas viagens ao Brasil Primeiros registros sobre o Brasil LPM Turner V 2005 O processo ritual Estrutura e antiestrutura Vozes Vainfas R 1995 A heresia dos Índios Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial Companhia das Letras Van Velthem L H 1994 Arte indígena Referentes sociais e cosmológicos In L D B Grupioni Org Índios no Brasil Ministério da Educação e do Desporto Vidal L B Silva A L 2000 Antropologia estética Enfoques teóricos e contribuições metodológicas In L B Vidal Org Grafismo indígena Estudos de Antropologia estética Studio NobelFAPESPUSP Vygotsky LS 2010 A formação social da mente Martins Fontes Williams R 2011 Cultura Paz e Terra Zannoni C 1999 Conflito e coesão O dinamismo Tenetehara Conselho Indigenista Missionário Brasília Zilberman R 2008 Recepção e leitura no horizonte da literatura ALEA 101 JaneiroJunho São Paulo 8597 Sobre os Autores Julia Cleide Teixeira de Miranda Universidade Federal do ParáUFPA ORCID httpsorcidorg0000000163076035 Júlia Cleide Teixeira de Miranda é doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Pará PPGEDUFPA Mestre em EducaçãoUEPA Licenciada em Pedagogia e Professora do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará Sua linha de interesse é educação e diversidade cultural educação indígena e educação escolar indígena Carlos Nazareno Ferreira Borges Universidade Federal do ParáUFPA ORCID httpsorcidorg0000000219083315 Carlos Nazareno Ferreira Borges é Pósdoutor em Memória SocialUNIRIO Doutor e Mestre em Educação FísicaUFGRJ Licenciado Pleno em educação FísicaUEPA Bacharel em Ciências Sociais e Docente Permanente do PPGEICEDUFPA Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 23 Sobre o Editores Juliane Sachser Angnes Universidade Estadual do CentroOeste do Paraná UNICENTRO Programa de PósGraduação em Educação PPGE UNICENTRO Programa de PósGraduação em Administração PPGADM UNICENTRO julianeangnesgmailcom httpsorcidorg0000000248877042 Graduação em Secretariado Executivo Bilíngue e em Letras PortuguêsInglês pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE Especialista em Linguística Aplicada e Mestre em Letras Linguagem e Sociedade também pela UNIOESTE Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR linha de Cognição Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Realizou estágio pósdoutoral no Programa de PósGraduação em Administração da Universidade Estadual de Maringá UEM no Grupo de Pesquisas em Estudos Organizacionais É professora da Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO vinculada ao Departamento de Secretariado Executivo e ao Programa de PósGraduação em Administração Mestrado Profissional Tem experiência na docência e pesquisa nas áreas de Educação e Administração atuando principalmente nas seguintes áreas temáticas comunicação organizacional redes solidárias economia do bemestar social gestão escolar planejamento e organização de eventos cerimonial e protocolo etiqueta social e comportamental redação técnica oficial e empresarial responsabilidade social pesquisa qualitativa em Ciências Sociais Aplicadas É Líder do Grupo de Pesquisas em Gestão do Conhecimento da Universidade Estadual do CentroOeste do Paraná É líder do grupo de pesquisa em Gestão do Conhecimento Kaizô Iwakami Beltrão EBAPE FGV Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Kaizobeltraofgvbr httporcidorg0000000235908057 Graduação em Engenharia Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica 1974 mestrado em Matemática Aplicada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada 1977 e doutorado em Estatística pelo Departamento de Estatística da Princeton University 1981 Atualmente é PesquisadorProfessor da EBAPEFGVRJ e responsável técnico pelos relatórios técnicos do ENADE junto ao INEP através da Fundação Cesgranrio Tem experiência na área de População e Políticas Públicas com ênfase em Previdência Social e Educação atuando principalmente nos seguintes temas bases de dados para políticas públicas avaliações educacionais diferenciais por sexoraça condições de saúde demografia modelagem estatística e mortalidade O Ritual da Festa do Moqueado 24 Dossiê Especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução arquivos analíticos de políticas educativas Volume 28 Número 152 26 de outubro 2020 ISSN 10682341 Losas lectoresas pueden copiar mostrar distribuir y adaptar este articulo siempre y cuando se de crédito y atribución al autores y a Archivos Analíticos de Políticas Educativas los cambios se identifican y la misma licencia se aplica al trabajo derivada Más detalles de la licencia de Creative Commons se encuentran en httpscreativecommonsorglicensesbysa40 Cualquier otro uso debe ser aprobado en conjunto por el autores o AAPEEPAA La sección en español para Sud 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EBAPEFGVl Sheizi Calheira de Freitas Federal University of Bahia Maria Margarida Machado Federal University of Goiás Universidade Federal de Goiás Gilberto José Miranda Universidade Federal de Uberlândia Almerindo Afonso Universidade do Minho Portugal Alexandre Fernandez Vaz Universidade Federal de Santa Catarina Brasil José Augusto Pacheco Universidade do Minho Portugal Rosanna Maria Barros Sá Universidade do Algarve Portugal Regina Célia Linhares Hostins Universidade do Vale do Itajaí Brasil Jane Paiva Universidade do Estado do Rio de Janeiro Brasil Maria Helena Bonilla Universidade Federal da Bahia Brasil Alfredo Macedo Gomes Universidade Federal de Pernambuco Brasil Paulo Alberto Santos Vieira Universidade do Estado de Mato Grosso Brasil Rosa Maria Bueno Fischer Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil Jefferson Mainardes Universidade Estadual de Ponta Grossa Brasil Fabiany de Cássia Tavares Silva Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Brasil Alice Casimiro Lopes Universidade do Estado do Rio de Janeiro Brasil Jader Janer Moreira Lopes Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal de Juiz de Fora Brasil António Teodoro Universidade Lusófona Portugal Suzana Feldens Schwertner Centro Universitário Univates Brasil Debora Nunes Universidade Federal do Rio Grande do Norte Brasil Lílian do Valle Universidade do Estado do Rio de Janeiro Brasil Geovana Mendonça Lunardi Mendes Universidade do Estado de Santa Catarina Alda Junqueira Marin Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Brasil Alfredo VeigaNeto Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil Flávia Miller Naethe Motta Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Brasil Dalila Andrade Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Brasil O Ritual da Festa do Moqueado 26 archivos analíticos de políticas educativas consejo editorial Editor Consultor Gustavo E Fischman Arizona State University Coordinador Español Latinoamérica Ignacio Barrenechea Axel Rivas Universidad de San Andrés Editor Coordinador Español Norteamérica Armando Alcántara Santuario Universidad Nacional Autónoma de México Editor Coordinador Español España Antonio Luzon Universidad de Granada Editores Asociados Felicitas Acosta Universidad Nacional de General Sarmiento Jason Beech Universidad de San Andrés Angelica Buendia Metropolitan Autonomous University Alejandra Falabella Universidad Alberto Hurtado Chile Veronica Gottau Universidad Torcuato Di Tella Carolina GuzmánValenzuela Universidade de Chile Cesar Lorenzo Rodriguez Uribe Universidad Marista de Guadalajara María Teresa Martín Palomo University of Almería María Fernández MellizoSoto Universidad Complutense de Madrid Tiburcio Moreno Autonomous Metropolitan UniversityCuajimalpa Unit José Luis Ramírez Universidad de Sonora Maria Veronica Santelices Pontificia Universidad Católica de Chile Claudio Almonacid Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación Chile Ana María García de Fanelli Centro de Estudios de Estado y Sociedad CEDES CONICET Argentina Miriam Rodríguez Vargas Universidad Autónoma de Tamaulipas México Miguel Ángel Arias Ortega Universidad Autónoma de la Ciudad de México Juan Carlos González Faraco Universidad de Huelva España José Gregorio Rodríguez Universidad Nacional de Colombia Colombia Xavier Besalú Costa Universitat de Girona España María Clemente Linuesa Universidad de Salamanca España Mario Rueda Beltrán Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación UNAM México Xavier Bonal Sarro Universidad Autónoma de Barcelona España Jaume Martínez Bonafé Universitat de València España José Luis San Fabián Maroto Universidad de Oviedo España Antonio Bolívar Boitia Universidad de Granada España Alejandro Márquez Jiménez Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación UNAM México Jurjo Torres Santomé Universidad de la Coruña España José Joaquín Brunner Universidad Diego Portales Chile María Guadalupe Olivier Tellez Universidad Pedagógica Nacional México Yengny Marisol Silva Laya Universidad Iberoamericana México Damián Canales Sánchez Instituto Nacional para la Evaluación de la Educación México Miguel Pereyra Universidad de Granada España Ernesto Treviño Ronzón Universidad Veracruzana México Gabriela de la Cruz Flores Universidad Nacional Autónoma de México Mónica Pini Universidad Nacional de San Martín Argentina Ernesto Treviño Villarreal Universidad Diego Portales Santiago Chile Marco Antonio Delgado Fuentes Universidad Iberoamericana México Omar Orlando Pulido Chaves Instituto para la Investigación Educativa y el Desarrollo Pedagógico IDEP Antoni Verger Planells Universidad Autónoma de Barcelona España Inés Dussel DIECINVESTAV México José Ignacio Rivas Flores Universidad de Málaga España Catalina Wainerman Universidad de San Andrés Argentina Pedro Flores Crespo Universidad Iberoamericana México Juan Carlos Yáñez Velazco Universidad de Colima México Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 27 education policy analysis archives editorial board Lead Editor Audrey AmreinBeardsley Arizona State University Editor Consultor Gustavo E Fischman Arizona State University Associate Editors Melanie Bertrand David Carlson Lauren Harris Danah Henriksen Eugene Judson Mirka KoroLjungberg Daniel Liou Scott Marley Molly Ott Iveta Silova Arizona State University Madelaine Adelman Arizona State University Amy Garrett Dikkers University of North Carolina Wilmington Gloria M Rodriguez University of California Davis Cristina Alfaro San Diego State University Gene V Glass Arizona State University R Anthony Rolle University of Houston Gary Anderson New York University Ronald Glass University of California Santa Cruz A G Rud Washington State University Michael W Apple University of Wisconsin Madison Jacob P K Gross University of Louisville Patricia Sánchez University of Texas San Antonio Jeff Bale University of Toronto Canada Eric M Haas WestEd Janelle Scott University of California Berkeley Aaron Benavot SUNY Albany Julian Vasquez Heilig California State University Sacramento Jack Schneider University of Massachusetts Lowell David C Berliner Arizona State University Henry Braun Boston College Kimberly Kappler Hewitt University of North Carolina Greensboro Noah Sobe Loyola University Casey Cobb University of Connecticut Aimee Howley Ohio University Nelly P Stromquist University of Maryland Arnold Danzig San Jose State University Steve Klees University of Maryland Jaekyung Lee SUNY Buffalo Benjamin Superfine University of Illinois Chicago Linda DarlingHammond Stanford University Jessica Nina Lester Indiana University Adai Tefera Virginia Commonwealth University Elizabeth H DeBray University of Georgia Amanda E Lewis University of Illinois Chicago A Chris Torres Michigan State University David E DeMatthews University of Texas at Austin Chad R Lochmiller Indiana University Tina Trujillo University of California Berkeley Chad dEntremont Rennie Center for Education Research Policy Christopher Lubienski Indiana University Federico R Waitoller University of Illinois Chicago John Diamond University of Wisconsin Madison Sarah Lubienski Indiana University Larisa Warhol University of Connecticut Matthew Di Carlo Albert Shanker Institute William J Mathis University of Colorado Boulder John Weathers University of Colorado Colorado Springs Sherman Dorn Arizona State University Michele S Moses University of Colorado Boulder Kevin Welner University of Colorado Boulder Michael J Dumas University of California Berkeley Julianne Moss Deakin University Australia Terrence G Wiley Center for Applied Linguistics Kathy Escamilla University of Colorado Boulder Sharon Nichols University of Texas San Antonio John Willinsky Stanford University Yariv Feniger BenGurion University of the Negev Eric Parsons University of MissouriColumbia Jennifer R Wolgemuth University of South Florida Melissa Lynn Freeman Adams State College Amanda U Potterton University of Kentucky Kyo Yamashiro Claremont Graduate University Rachael Gabriel University of Connecticut Susan L Robertson Bristol University Miri Yemini Tel Aviv University Israel
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Origem dos Termos Classe e Curriculum na Educação
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Página web httpepaaasueduojs Artigo recebido 3052019 Facebook EPAAA Revisões recebidas 232020 Twitter epaaaape Aceito 232020 Dossiê Especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução arquivos analíticos de políticas educativas Revista acadêmica avaliada por pares independente de acesso aberto e multilíngue Arizona State University Volume 28 Número 152 26 de outubro de 2020 ISSN 10682341 O Ritual da Festa do Moqueado Educação Cultura e Identidade na Sociedade Indígena TembéTenetehara Júlia Cleide Teixeira de Miranda Carlos Nazareno Ferreira Borges Universidade Federal do Pará Brasil Citação Miranda J C T de Borges C N F 2020 O Ritual da Festa do Moqueado Educação cultura e identidade na sociedade indígena TembéTenetehara Arquivos Analíticos de Políticas Educativas 28152 httpsdoiorg1014507epaa284760 Este artigo faz parte do dossiê especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução editado por Juliane Angnes e Kaizo Iwakami Beltrao Resumo O povo indígena TembéTenetehara tradicionalmente pratica o Ritual da Festa do Moqueado que celebra a passagem de meninas e meninos da infância para a vida adulta Neste ritual estão presentes diversos saberes tradicionais do povo TembéTenetehara Nossa intenção foi analisar como o Ritual da Festa do Moqueado configurase em um processo educativo no qual são produzidos circulam e são apropriados múltiplos saberes contribuindo para a construção da identidade e da cultura indígena Tembé Tenetehara A pesquisa se posicionou na abordagem qualitativa e estabeleceu a etnometodologia como seu principal aporte metodológico utilizando Garfinkel 2006 Coulon 2005 As técnicas de coleta de dados utilizadas foram observação participante entrevistas notas de campo As principais categorias teóricas utilizadas no trabalho de análise são educação Brandão 2002 cultura Williams 2011 ritual Sagalen O Ritual da Festa do Moqueado 2 2002 identidade Giddens 2002 e saber Martinic 1994 Como resultado do estudo elucidamos que o Ritual é um processo educativo intencional com objetivos e objetos de conhecimentos definidos e articulados e que os saberes contidos no Ritual da Festa do Moqueado se traduzem em um processo educativo a medida que são apropriados assimilados e ressignificados pelos jovens protagonistas sendo determinante para a construção de sua identidade étnica e afirmação de sua cultura Palavraschave Educação Saber Ritual Cultura TembéTenetehara The Ritual Party of the Moqueado Education culture and identity in the indigenous society of TembéTenetehara Abstract The indigenous people TembéTenetehara for many centuries have practiced the Ritual Festa do Moqueado which celebrates the passage of boys and girls from childhood into adulthood This ritual which relies heavily upon the traditional knowledge and wisdom the TembéTenetehara people The purpose of this research is to analyze how the Grilling Party Ritual sets in an educational process that circulates and appropriates multiple knowledge and its contribution to the culture and indigenous identity To achieve this goal key knowledge present in the Grilling Party Ritual will be inventoried in order to elucidate how this knowledge is circulated and appropriated during the ritual by Indians We intend to map this knowledge to establish how to configure an educational process in order to understand their contribution to the construction of identity and indigenous culture The survey ranks the qualitative approach and establishes ethnomethodology as its main methodological approach using Garfinkel 2006 Coulon 2005 The data collection techniques used are connected to this investigative proposal participant observation interviews field notes The main theoretical categories used in analytical work are education Brandão 2002 culture Williams 2011 ritual Sagalen 2002 identity Giddens 2002 and knowledge Martinic 1994 Keywords education knowledge ritual culture TembeTenetehara El Ritual de la Fiesta del Moqueado Educación cultura e identidad en la sociedad indígena TembéTenetehara Resumen El pueblo indígena TembéTenetehara tradicionalmente practica el Ritual de la Fiesta del Moqueado que celebra el pasaje de niñas y niños de la niñez para la vida adulta En este ritual están presentes diversos saberes tradicionales del pueblo TembéTenetehara Nuestra intención ha sido analizar como el Ritual de la Fiesta del Moqueado se configura en un proceso educativo en lo cual son producidos circulan y son apropiados múltiples saberes contribuyendo para la construcción de la identidad y de la cultura indígena Tembé Tenetehara La investigación se posicionó en el abordaje cualitativo y estableció la etnometodología como su principal aporte metodológico utilizando Garfinkel 2006 Coulon 2005 Las técnicas de recolección de datos utilizadas fueron observación participante entrevistas notas de campo Las principales categorías teóricas utilizadas en el trabajo de análisis son educación Brandão 2002 cultura Williams 2011 ritual Sagalen 2002 identidad Giddens 2002 y saber Martinic 1994 Como resultado del estudio aclaramos que el Ritual es un proceso educativo intencional con objetivos y objetos de conocimientos definidos y articulados y que los saberes contenidos en el Ritual de la Fiesta del Moqueado se traducen en un proceso educativo a medida que son apropiados asimilados y replanteados por los jóvenes protagonistas siendo determinante para la construcción de su identidad étnica y afirmación de su cultura Palabras clave Educación Saber Ritual Cultura TembéTenetehar Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 3 As Primeiras Teias da Pesquisa Este texto é resultado de uma pesquisa que analisou do Ritual da Festa do Moqueado da cultura indígena TembéTenetehara como um processo educativo no qual são produzidos circulam e são apropriados múltiplos saberes Ao considerarmos o ritual como processo educativo estamos considerando também que a educação ocorre de diversas formas de diversas maneiras e em ambientes variados inclusive durante um ritual ancestral indígena O lócus da pesquisa foi a Aldeia Itaputyr1 localizada na Terra Indígena Alto Rio Guamá TIARG situada no município de Capitão Poço no estado do ParáBrasil distante da capital Belém cerca de 230 km e que é habitada por aproximadamente 250 indígenas da etnia TembéTenetehara Nossa pretensão no presente texto é mostrar que há um processo educativo desenvolvido durante o Ritual da Festa do Moqueado no qual circulam e são apropriados múltiplos saberes contribuindo para a construção da identidade e da cultura indígena Tembé Tenetehara No percurso para demonstrar nossas evidências apresentaremos o inventário dos principais saberes presentes no Ritual da Festa do Moqueado identificaremos como esses saberes circulam e são apropriados durante o Ritual e apontaremos como esses saberes se configuram em um processo educativo O Ritual sobre o qual dissertaremos na primeira seção do texto celebra a passagem de meninas e meninos da infância para a vida adulta e envolve toda a aldeia na sua preparação e desenvolvimento A pesquisa original se caracterizou como sendo de abordagem qualitativa tendo a etnometodologia como a base teórica fundamental e orientadora A opção pela etnometodologia corrente que surge na sociologia vem contemplar as exigências metodológicas deste objeto de estudo pois segundo Coulon 1995 mais que teoria constituída a etnometodologia é uma perspectiva de pesquisa uma nova postura intelectual mostrando termos à nossa disposição a possibilidade de apreender de maneira adequada aquilo que fazemos para organizar nossa existência social Segundo o mesmo autor a abordagem etnometodológica se efetiva no âmbito da educação pela presença de complexos rituais que regem as relações educativas Destacamse as especificidades para aquelas relações construídas em ambientes não escolares permeados por jogos códigos tradições e regras normatizadoras que se constituem em interações entre as pessoas que compõem os grupos Coulon 1995 Coulon 1995 nos informa ainda que a etnometodologia tem como principal referência a teoria do iniciador do movimento o sociólogo Harold Garfinkel 2006 cujas ideias foram elaboradas a partir de elementos encontrados no interacionismo simbólico na obra na obra de Parsons e na fenomenologia de Husserl e de Schutz A obra mais famosa do mencionado sociólogo é Studies in Ethnomethodology publicada em 1967 A contribuição couloniana nos informa também que o termo etnometodologia referese à metodologia de todo dia em que etno significa membro de um grupo ou do próprio grupo em si e metodologia se refere aos métodos dos membros Assim a etnometodologia diz respeito às efetivas práticas situadas em determinados contextos em outras palavras o estudo dos métodos que os membros de um grupo utilizam para produzir ordens sociais reconhecíveis Por isso mesmo os estudos etnometodológicos utilizam das técnicas de observação direta observação participante diálogos conversas informais entrevistas notas no diário de campo acrescidas ao longo do tempo da estratégia de gravações em áudio Os elementos até aqui comentados fizeramnos acreditar que a etnometodologia se configurava como adequada enquanto base teórica e metodológica fundamental e orientadora do estudo que foi empreendido A pesquisa de campo iniciou em novembro de 2013 quando permanecemos na Aldeia Itaputyr por uma semana durante a realização do Ritual Posteriormente durante o ano de 2014 empreendemos diversas viagens nos meses de abril junho julho setembro e dezembro para 1 Itaputyr palavra da língua Tembé que em língua portuguesa significa a flor da pedra O Ritual da Festa do Moqueado 4 coleta de dados registrados no caderno de campo além de entrevistas fotos e vídeos técnicas de coleta de dados diretamente associadas às características de um estudo etnometodológico e adequadas para o universo estudado A categoria cultura foi um importante ponto de ancoragem2 para o desenvolvimento do estudo A concepção teórica para a abordagem desta categoria foi à obra do estudioso britânico Raymond Williams 2011 Para o autor tanto as vidas ordinárias quanto a produção social são culturais porque carregam em si significados e valores formulados no coletivo nas interações humanas Cultura é ordinária porque está em toda sociedade e em toda mente Williams 2011 p 15 Os saberes que adiante encontraremos como circulantes e apropriados no Ritual da Festa do Moqueado os quais também diremos imprimir ao mesmo ritual uma dimensão educativa configuraramse como uma categoria fundante da investigação e foram discutidos a partir da moldura teórica de Sergio Martinic 1994 Segundo o autor o saber faz parte dos processos de formação de identidades coletivas e é o produto da elaboração crítica que os homens têm de sua própria visão de mundo Este conhecimento não só tem uma estrutura lógica como responde a um sistema global de compreensão logo o que se sabe sobre uma coisa ou fenômeno se relaciona e compara com outros integrando tais fatos em um sistema cognoscitivo mais amplo Martinic 1994 p 73 A abordagem da categoria ritual foi referendada na teoria de Segalen 2002 Segundo o autor compreendese ritual como um conjunto de atos formalizados expressivos portadores de dimensão simbólica O rito é caracterizado por uma configuração espaçotemporal específica pelo recurso a uma série de objetos por sistemas de linguagens e comportamentos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens comuns de um grupo Segalen 2002 p 31 A dimensão de educação contida no Ritual da Festa do Moqueado nos impeliu à busca de um olhar mais ampliado sobre os processos educativos considerando sua interface com a cultura Entendemos que a atenção para a relação educaçãocultura requer um necessário e profícuo diálogo com a antropologia à medida que o mundo da educação se revela na sua inteireza humana isto é cultural Brandão 2002 p 22 Para efetivar nossas intenções o texto está organizado em cinco seções Na primeira seção introdutória abordamos questões teóricometodológicas e as principais categorias da pesquisa Na segunda seção traçamos um panorama da história ambiente e vivências do povo Tembé Na terceira seção aprofundamos o Ritual enquanto uma trama de saberes e uma prática secular do povo TembéTenetehara Na quarta seção explanaremos como os saberes que circulam no Ritual são apropriados e se configuram em um processo educativo Por fim na conclusão mostramos como a educação desenvolvida no Ritual perdura por toda a vida dos jovens integrantes Ao discutir os resultados alcançados pretendemos estabelecer uma necessária e dialógica relação entre os saberes encontrados no estudo observandose a qualidade de conteúdos ou objetos de conhecimento com o processo educativo desenvolvido no Ritual 2 Os pontos de ancoragem são formados com a incorporação à estrutura cognitiva de elementos informações ou ideias relevantes para a aquisição de novos conhecimentos e com a organização destes de forma a progressivamente generalizaremse formando conceitos Vygotsky 2010 Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 5 Os TembéTenetehara Os TembéTenetehara como se autodenominam chegaram ao estado do Pará e se radicaram às margens do Rio Guamá em virtude das perseguições e da espoliação de suas terras de origem na região do Rio Pindaré Capitania do Maranhão Atualmente ocupam a Terra Indígena Alto Rio GuamáTIARG criada pelo decreto nº 307 de 21 de março de 1945 no governo do interventor federal General Joaquim Magalhães Barata com 279892 ha e um perímetro de 36629290 metros e demarcadahomologada pelo Decreto N 011 de 04101993 Em tempos idos os Tenetehara eram seres humanos livres portadores e produtores de uma cultura singular detinham conhecimentos profundos da natureza e da sobrenatureza e se consideravam o centro do universo A palavra tenetehara usada como autodesignação do povo Tenetehara é composta pelo verbo ten ser mais o qualificativo ete intenso verdadeiro e o substantivizador hara aquele o Quer dizer enfim o ser integro gente verdadeira É um designativo forte que exprime orgulho e uma posição singular a de ser o verdadeiro povo a encarnação perfeita da humanidade Na escala universal dos povos primeiro estão os Tenetehara depois o resto da humanidade que se aproxima mais ou menos dessa condição excepcional Nessa autodefinição está o princípio fundamental do ideal de autonomia e liberdade Gomes 2002 p 47 Para os Tenetehara povo que deu origem aos TembéTenetehara quem de direito merece ser o exemplo da humanidade que consegue equilibrar as forças da natureza os seres vivos de carne e os seres de espírito certamente são eles Foram desde sempre e se não o são agora com certeza tornarão a ser pois estão em busca dessa humanidade perfeita que lhe foi espoliada ao longo dessa trajetória de séculos de holocausto Essa busca acontece em diversos aspectos relacionados à nova dinâmica sóciopolítica e cultural na qual os TembéTenetehara estão envolvidos Esse vaievem cultural étnico e espacial determinou mudanças profundas em suas características originais e durante esse longo período desde a invasão dos europeus em 1500 até os dias de hoje vivenciaram diversas fases na sua trajetória Foram índios domésticos nos tempos dos jesuítas depois caboclos depois simplesmente povo mestiço pobre sem terras sem qualificação profissional sem economia oprimidos servidores dos grandes povo miúdo que junto com os negros iriam constituir a massa popular da nova nação que se formava Mas uma grande parcela se refugiou nas matas do Pindaré foram se embrenhando conhecendo essa imensa região chegando ao Rio Gurupí onde uma parte dos Tenetehara se fixou e hoje são conhecidos como os Tembé do Gurupí e outros passaram para os Rios Capim e Guamá onde se fixaram e lutaram por terras e pela sobrevivência Durante todo esse longo e difícil percurso foram estabelecendo relações interétnicas com outras etnias e com não indígenas Estas relações que envolvem os grupos indígenas com a sociedade do entorno foram definidas por Oliveira 1976 como fricção interétnica entendida como A noção de fricção interétnica foi elaborada especialmente para tornar inteligíveis as relações que envolvem grupos indígenas e a sociedade de classes abrangente Centrada no caráter antagônico dessas relações essa noção supõe desde logo que o sistema interétnico constituído pelos mecanismos de articulação das unidades étnicas em contato se apresenta em permanente equilíbrio instável e que o fator dinâmico do sistema está no próprio conflito seja manifesto ou seja latente Oliveira 1976 p 58 O Ritual da Festa do Moqueado 6 Em relação aos TembéTenetehara essas fricções interétnicas aconteceram e acontecem de diversas formas mas podemos definir basicamente três situações que são comumente vivenciadas por esses indígenas as relações com os regionais que são os agricultores que habitam ou trabalham ao redor das terras indígenas comerciantes que estabelecem com eles relações de troca e moradores das cidades vizinhas com madeireiros pequenos fazendeiros e representantes de empresas exportadoras interessadas nos produtos da floresta e com representantes de órgãos governamentais como a Fundação Nacional do Índio FUNAI Secretaria de Saúde Indígena SESAI secretarias estaduais e municipais de educação missões religiosas pesquisadores e outros Com todo esse universo de sujeitos são estabelecidas relações de troca não apenas econômicas mas também culturais Para Oliveira 1976 p 69 qualquer que sejam as modalidades de relacionamento o certo é que prevalecem as relações bastante assimétricas estejam elas no plano econômico ou no político As grandes mudanças trazidas por estas relações assimétricas são exteriorizadas pelos TembéTenetehara atualmente em seu modo de se comportar e de se vestir especialmente os jovens que procuram imitar o comportamento a língua e as vestes dos não indígenas buscando a aceitação pelas sociedades do entorno Esses modos e costumes dos karaí homem branco também são introduzidos pela união conjugal entre indígenas e não indígenas Esse estereótipo diferenciado daquele amplamente propagado na mídia e até nos livros didáticos levam a situações onde suas origens indígenas são questionadas e seu sangue índio colocado em dúvida muitas vezes não sendo reconhecidos pela sociedade do entorno como legítimos representantes da etnia Esse conflito sobre ser ou não ser indígena TembéTenetehara é objeto de preocupação dos próprios indígenas principalmente quando o que está em disputa é a terra Geralmente é na defesa do território que os critérios de autenticidade Tembé se tornam socialmente significativos é quando os membros do grupo sentem a necessidade de mostrar para os de fora que os Tembé tem cultura entendida também como uma relação especial e diferenciada dos habitantes com um determinado lugar objetivando mostrar que aqueles que o habitam compartilham de uma mesma cultura Isso mostra que é relevante a importância da sociedade e do indivíduo para determinação dos critérios de quem é e quem não é indígena Com base na teoria de Cunha 1987 p 111 comunidades indígenas são aquelas que tendo uma continuidade histórica com sociedades pré colombianas se consideram distintas da sociedade nacional E índio é quem pertence a uma dessas comunidades indígenas e é por ela reconhecido Dessa forma é o sentimento de pertencimento o fator mais importante para que o indivíduo se caracterize ou não como indígena Nas últimas décadas do século XX ocorreu uma reaproximação entre os Tembé do Guamá os Tembé do Gurupi e os Guajajara do Maranhão todos Tenetehara de origem e imbuídos pela crença na existência de uma cultura original natural que foi quebrada pelas forças externas legitimada também pelas ideias das lideranças indígenas sobre a necessidade de um resgate do tempo dos antigos Iniciouse então um processo de atribuir sentido à experiência social e individual dos TembéTenetehara com o fim de implementar ações no presente voltadas para o futuro do povo Tembé Essas ações presentes passam por dois aspectos considerados essenciais para a reafirmação do ser TembéTenetehara na atualidade sem negar as contribuições e desgastes que as fricções interétnicas atribuíram a sua vivência mas também reconhecendo a necessidade de revisitar suas raízes étnicas para fortalecer sua identidade objetivando relações mais equânimes no futuro com a sociedade do entorno O primeiro aspecto diz respeito ao reavivamento da língua materna o Tembé Tenetehara do tronco Tupí da família TupíGuaraní que sofreu um processo de esquecimento e invisibilização entre os Tembé do Guamá Esse reavivamento teve início na década de 1990 quando alguns indígenas Tembé do Gurupí mudaramse para as aldeias do Guamá com o Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 7 objetivo de ensinar a língua materna Esse intercâmbio proporcionou a implantação do ensino da língua materna na escola desde os anos iniciais do ensino fundamental passando pelos anos finais até o ensino médio pois Ainda que sejam apenas recentes os estudos das consequências da perda de uma língua a principal delas é a perda da identidade com implicação direta na percepção através da linguagem da vida cultural espiritual e intelectual do povo em questão Tal percepção é encontrada por exemplo em orações mitos cerimônias poesia oratória vocabulário técnico estilos conversacionais respeitoso profano etc estilos de fala fala masculina vs fala feminina etc humor maneiras próprias de comunicação com crianças termos próprios para hábitos comportamentos emoções e outros Moore Gabas Jr 2006 p 6 O professor Txinai Tembé é um desses indígenas que permanece até hoje residindo na Aldeia Itaputyr dando aulas na escola e coordenando os encontros semanais ricos de saberes da língua e amplamente frequentados por indígenas de todas as idades Outra forma de reavivamento da língua são os encontros realizados na Aldeia Itaputyr nos dias de quintafeira e sábado geralmente na Ramada com o objetivo de se falar a língua materna Esses encontros são abertos a toda comunidade e conta com a presença de indígenas de diversas aldeias para cantar dialogar recitar e contar piadas e histórias na língua Tembé Tenetehara Estas atividades podem ser consideradas os cursos de imersão que para Moore e Gabas Jr 2006 p10 consistem no ensino de língua materna de maneira intensiva as crianças adolescentes e mesmo adultos de uma dada comunidade As tradições culturais ritos e rituais tradicionais do povo Tembé Tenetehara fazem parte desse processo de reavivamento cultural que os Tembé do Guamá estão vivenciando Essa prática pode ser constatada em relação ao Ritual da Festa do Moqueado que por longo tempo permaneceu esquecido e invisibilizado nas aldeias do Guamá e que com o fortalecimento trazido pelo intercambio com os parentes do Gurupí pode ser reeditado e está sendo praticado em diversas aldeias Para Zannoni 1999 p 59 os rituais introduzem o sentido da vida dos Tenetehara é um contínuo renovarse através das etapas que permitem a construção do caráter da pessoa Nesse sentido os rituais representam toda a ideologia e visão de mundo desse povo sintetizando toda a experiência cotidiana e valorizando a cultura tradicional Nessa trajetória o caminho dos Tembé Tenetehara é longo exige muita articulação para o pleno reconhecimento da identidade diferenciada controle da autonomia e protagonismo razão que torna a ação organizada fundamental para o projeto de autodeterminação buscando conciliar a tradição e as novas demandas sociais do grupo face à ocupação territorial aos agravos produzidos pelos inúmeros empreendimento externos e sua luta por uma vida coletiva e autônoma É interessante pensar que os Tembé trabalhando as perdas não como perda em si mas como possibilidade de mesmo sob intensa opressão são senhores da dinâmica cultural A fala dos protagonistas é no sentido de produzir rearranjos sistêmicos de acordo com os interesses políticos Assim são pensadas as aulas de língua materna as oficinas de cânticos e danças a educação escolar entre outras demandas e providências Fernandes Silva Beltrão 2011 p 406 E é nessa perspectiva que o Ritual da Festa do Moqueado atualmente é praticado em todas as aldeias do povo TembéTenetehara num movimento crescente de serem protagonistas de sua dinâmica cultural O Ritual da Festa do Moqueado 8 O Ritual da Festa do Moqueado Uma Trama de Saberes Vainfas 1995 diz que a prática de ritos e rituais nas sociedades indígenas remonta a épocas seculares e foram registradas pelos europeus que por aqui passaram por vezes com detalhes Os autores dos registros são de várias procedências ibéricos franceses alemães religiosos laicos católicos e protestantes Mas convém não esquecer como ratifica o mencionado autor que são olhares europeus que presidem a narrativa olhares em parte etnográficos e em parte demonizadores O mesmo Vainfas 1995 p 89 faz ainda um comentário interessante a respeito das duas possibilidades de leitura da narrativa europeia sobre a religiosidade ameríndia quando diz que entre aquela que busca as crenças nativas e a que descortina o olhar ocidental percebo primeiramente que o chamado profetismo tupi foi dimensionado quer em termos de ritual quer em termos de movimento dimensões que não se excluem necessariamente não obstante me pareçam distintas A dedução do autor supra parece de mais fácil compreensão quando ora observamos o povo Tembé Uma das formas que esse povo indígena de origem Tupí dimensionou sua religiosidade foi em termos de ritual A Festa do Moqueado situase nessa dimensão ritualística enquanto uma prática cultural secular do povo Tembé e conforme poderemos mostrar configurarse como um espaço privilegiado de produção circulação e apropriação de múltiplos saberes inscritos nos processos de organização preparação e desenvolvimento do Ritual O Ritual da Festa do Moqueado é um rito de passagem vivenciado pelas meninas e meninos na faixa etária dos 11 aos 15 anos e nas últimas décadas acontece regularmente em todas as aldeias do povo Tembé São 33 aldeias 17 na região do rio Gurupi no sul do território e 16 na região do Guamá no norte da Terra Indígena do Alto Rio Guamá TIARG3 No ano de 2013 no período de 11 a 17 de novembro estivemos na Aldeia Itaputyr no município de Capitão PoçoPA a qual foi cenário de mais um Ritual4 Os ritos de passagem marcam a transição de um status social para outro Os ritos reivindicam e legitimam o novo status social tornandoo passível de ser de acontecer se não compreendido completamente pelo menos aceito culturalmente Nas palavras de Segalen 2002 os ritos de passagem podem ser considerados formas de negociação de um novo estatuto no seio de uma sociedade que apresenta um sistema estruturado e hierárquico de posições e associa grupos de indivíduos que comungam nos mesmos princípios o que tenderia a atenuar as distancias sociais sem produzir contudo um nivelamento Segalen 2002 p 63 A passagem de um status social para outro marcada pelos ritos de passagem não pode ser considerada algo simples e fácil Esse momento para ter uma validade deve ser diferenciado da rotina diária Assim as crises as dicotomias as contradições que no cotidiano são escondidas e falsificadas aparecem muitas vezes de formas estereotipadas e estranhas Essas exceções da vida diária lidam até mesmo com tabus sociais com aquilo que é crítico caótico e incompreensível Segundo pudemos apurar durante nossa investigação na tradição dos TembéTenetehara dias antes da cerimônia os homens saem para caçar cedo e retornam ao anoitecer enquanto as mulheres confeccionam os artefatos que as meninas e os meninos utilizarão na culminância do Ritual que se dá no último dia O moqueado é composto por nhambu ave comum na região amazônica de aproximadamente vinte e três centímetros e que se alimenta de sementes e insetos 3 Povo Tembé Tenetehara da Terra Indígena Alto Rio Guamá Plano de Gestão Terra Indígena Alto Rio GuamáOrganizadoras Meline Machado e Vanessa Eyng Brasília ECAM 2018 4 Deste momento em diante o Ritual da Festa do Moqueado será chamado de Ritual na maioria dos parágrafos em que a ele se fizer referência Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 9 e porco do mato que depois de moqueados são socados com farinha de mandioca5 para serem degustados pela comunidade Navarro 2013 p 509 Em nossas observações pudemos constatar que o Ritual da Festa do Moqueado acontece no centro da aldeia no espaço de coletivo denominado Ramada construído com toras madeira sem paredes e coberto com palha e tem a duração de uma semana Durante esse tempo todos os dias e noites moças na frente e os rapazes atrás dançam em disposição circular numa sincronia de passos e pequenos pulos ritmados que ratificam sua tradição Com alegria e disposição as lideranças os caciques crianças jovens adultos e até indígenas de outras etnias participam cantando e dançando em um ritmo extasiante e extenuante sob a marcação de maracás6 As meninas e meninos são o centro da festa e comandam as danças Os homens mais velhos sempre iniciam as músicas e as mulheres aparecem como segunda voz O repertório e o uso de tawari cigarro são significativos para os Tembé já que é um convite às entidades da natureza como curupira mãe dágua bacurau pássaros entre outros a serem incorporados pelos indígenas e esta participação é um dos momentos mais importantes No último dia acontece culminância do Ritual O moqueado é misturado com farinha de mandioca num vigoroso processo de pilagem7 executado pelas mulheres adultas São confeccionados pequenos bolinhos de moqueado com as mãos que são imediatamente distribuídos pelas meninas para todos os presentes a começar pelos mais velhos numa demonstração de respeito Após a distribuição do moqueado começa a dança final Para o momento da dança final meninos e meninas devidamente adornados e posicionados no centro da Ramada pela primeira vez dançam em pares Naquele momento descrito acima o rito é completado Quanto aos meninos e meninas que a ele se submeteram cabe uma total disposição a essa nova etapa de sua vida social pois como afirma Turner 2005 p 32 não somente um novo saber será adotado mas uma modificação ontológica está inscrita em sua trajetória Os Saberes Presentes no Ritual O Ritual da Festa do Moqueado envolve diversos saberes tradicionais que permeiam o cotidiano da etnia Tembé e que por ocasião da realização do ritual estão presentes e se articulam desenvolvendo um todo coeso e complexo de relações subjetivas que demonstram suas cosmovisões filosofias sistemas de vida e religiosidade O relato de Sergio Muxí Tembé corrobora com essa afirmação Esse ritual vem desde o início desde quando a geração desse povo dos Tupi Guarani é da cultura mesmo dos Tenetehara não é de agora que vem É um ritual que faz bem prá saúde faz bem pra natureza faz bem pro homem pra mulher pra aldeia ele vai levar as pessoas uma educação um conhecimento não só um conhecimento mas da pessoa ter ciência S M Tembé setembro 13 2014 É imprescindível destacar que se constitui um grande esforço teórico categorizar os saberes presentes no ritual e os diferentes níveis de comunicação e interação no interior do mesmo Para isso eliminar um poder que se instala quando temos um saber hegemônico e outros subalternos é a primeira providencia para o estabelecimento de informações mais verídicas e uma comunicação mais aberta Fernandes 2009 5 Pó desidratado rico em amido fabricado a partir da raiz da mandioca 6 A maraca ou maracá é um idiofone de agitamento constituído por uma bola que pode ser de cartão plástico ou cabaça contendo sementes secas grãos arroz ou areia grossa Staden 2010 pp 153155 7 Processo de triturar grãos usando pilão O Ritual da Festa do Moqueado 10 A dificuldade para eliminação deste poder é grande especialmente por tratarse de povos indígenas e levandose em consideração a imagem construída pela historiografia desde tempos passados e ainda presentes na atualidade O seguinte trecho ilustra com propriedade essa construção histórica Os principais analistas da natureza ameríndia Buffon e de Pauw conceberam contudo os ameríndios como seres inferiores De maneira velada consideravam se incapazes de alcançar o desenvolvimento da civilização europeia A natureza do continente explicaria a degeneração a preguiça e a indolência presentes entre os habitantes do novo mundo Para Buffon os nativos foram inábeis no domínio do meio hostil a fim de revertelo segundo seus interesses O homem ficou a mercê dos caprichos da mãe natureza e permaneceu passivo diante das potencialidades oferecidas pelos reinos animal e vegetal Os ameríndios não se destacavam das outras espécies O espaço seria então dominado pelos repteis e insetos por seres de sangue frio e formas agigantadas Raminelli 1994 p 57 Para superar esses estereótipos e preconceitos se faz necessário um olhar apurado e indiciário Ginzburg 1987 é imprescindível pois no ritual tudo acontece se cumpre e se concretiza a um só tempo Nas palavras de Gasbarro 2006 o ritual é por sua natureza estrutural e estruturante transignificação do sentido e transformação radical da vida compatibilidade sintética das dificuldades materiais da vida e das produções simbólicas inventadas para superalas Considerando essa complexidade dentre esse universo de saberes que estão presentes no Ritual discorreremos sobre os saberes espirituais presente na evocação dos espíritos que participam de todo o ritual os saberes ambientais presentes na relação com os elementos da natureza na caça no trato com a carne e na confecção do moqueado e os saberes artísticos presentes nas músicas danças adornos e pinturas corporais Os Saberes Espirituais Os saberes espirituais perpassam por todo o ritual e se configuram como um pano de fundo sobre o qual todo o mesmo é desenvolvido São personificados na figura do pajé que coordena todo o ritual e é o responsável por evocar as divindades e os sobrenaturais que são os ancestrais mortos e seus familiares Esse momento de evocação é feito através de longas baforadas no cigarro tawari e a entoação de cânticos especiais Nas palavras de Sergio Muxí Tembé da Aldeia Teko Haw Isso é uma questão muito chegada a conhecer são vários espíritos várias entidades que vem procurar a pessoa na festa tem uns difícil da gente conquistar na festa a gente tem muito cuidado com isso porque ou ela faz bem ou ela faz mal então tem que ter muito cuidado não tem que tá errando então por exemplo um dos espíritos é a Mãe Dágua que é do rio e da água e o espirito que é levando por vento que não sei dizer em português mas na nossa língua ele vem de cima Kawyuhaw é a imagem de Deus trazido pelo vento então esses dois são os principais e tem os espíritos das pessoas que já morreram esses são os que incorporam já no momento do Ritual S M Tembé setembro 13 2014 As divindades depois de evocadas assim como os espíritos dos antepassados se fazem presentes durante todo o Ritual regulando o comportamento das meninas e meninos que estão sendo apresentadas para a aldeia assim como de todos os presentes na festa Algumas proibições e interdições são impostas nesse período como por exemplo a proibição das meninas tomarem banho de rio pois os espíritos da água ou da mata podem fecundála ou trazerlhe doenças e só caminham pela aldeia em companhia de outra pessoa para prevenir malefícios porque ela a entidade pode fazer bem ou mal Isso fica bem claro no relato de Sergio Muxí Tembé os espíritos se manifestam nas pessoas que tão fazendo a festa que tão organizando ou alguém que Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 11 esteja do lado das pessoas ele se manifesta e as pessoas que organizam já vai fazer qualquer tipo de defumação pra poder as pessoas não ser maltratadas Durante o desenvolvimento do Ritual por diversas vezes o Pajé percorre toda a Ramada carregando na mão um pequeno objeto do qual emana uma densa fumaça perfumada que ele faz questão de espalhar por todo o ambiente alcançando todas as pessoas presentes Essa defumação produzida com ervas retirada da mata tem poderes sobrenaturais de proteção contra os espíritos malignos que podem trazer males e doenças O relato do indígena corroborando com a observação participante demonstra a existência de uma intima relação entre os viventes os antepassados mortos e as divindades evocadas durante o Ritual O macaco assado representa um Caruara de outro povo da mesma nação vem das espécies que vem de cima Tem um tal de Caruara por exemplo eu estou aqui em Belém e as pessoas estão cantando lá e se eu tiver alguma coisa eu sei de alguma coisa então eu vou experimentar quem tá lá então eu sei de uma minha oração então eu faço a minha oração e me comunico com quem está lá pelo cigarro aquele cigarro que bota na boca do macaco o tauarí é pra receber a comunicação pra não chegar nas pessoas que tá lá na festa é tipo um paraqueda aquela fumaça se forma num paraqueda pra receber tudo que for de ruim pra não agarrar na pessoa S M Tembé setembro 13 2014 Essa relação determina as práticas e comportamentos dos membros da aldeia norteando suas vidas e sua relação com os outros com os animais e com o ambiente Para melhor compreender essa cosmologia vamos fazer referência ao pensamento de Castro 1996 Entretanto a noção de espíritos senhores dos animais mães da caça mestres dos queixadas etc é como se sabe de enorme difusão no continente Esses espíritosmestres claramente dotados de uma intencionalidade análoga à humana funcionam como hipóstases das espécies animais a que estão associados criando um campo intersubjetivo humanoanimal mesmo ali onde os animais empíricos não são espiritualizados Castro 1996 p 58 Esta dinâmica tem sua própria lógica a coerência de uma prática cultural que só pode ser interpretado a partir da cultura a qual pertence Fundamental para compreender essa dinâmica á a abordagem trazida por Claude LéviStrauss em sua obra O Pensamento Selvagem 1989 onde refuta a abordagem evolucionista de que as sociedades simples dispõem de um pensamento magico que antecede o cientifico e que portanto lhe é inferior Para LéviStrauss O pensamento mágico não é uma estreia um começo um esboço a parte de um todo ainda não realizado ele forma um sistema bem articulado independente nesse ponto deste outro sistema que constitui a ciência LéviStrauss 1989 Logo essa relação dos viventes com o sobrenatural com as divindades e ancestrais mortos se configura como outra concepção epistemológica a respeito do universo e das interfaces entre o real e o imaginário obviamente diferente da nossa configurandose portanto em um saber que durante séculos tem ordenado e imprimido coerência a esse sistema cultural Os Saberes Ambientais Os saberes do meio ambiente estão presentes na relação com os elementos da natureza e envolve uma grande variedade de práticas que passa pela caça aos animais que animais devem ser caçados o trato com a carne e na confecção do moqueado O relato do indígena Sergio Muxí Tembé esclarece a razão da escolha de determinados animais para serem caçados A caça principal é o Nambú então porque que é o Nambú porque o Nambú porque é uma caça exclusivamente da natureza porque queixada porque o porco O Ritual da Festa do Moqueado 12 do mato ela cava e come vários frutos então ela limpa serve pra limpar o organismo porque o macaco porque o macaco é uma espécie de animal que tem a característica do homem tem o dom de andar pelos galhos e anda a noite S M Tembé setembro 13 2014 Todo o processo começa quinze dias antes do Ritual quando os homens adultos adentram a mata para a caça aos animais que no retorno para a aldeia são tratados apenas suas entranhas são retiradas e colocados no fogo para moquear O espaço onde é preparado o fogo para o moqueado é especialmente construído para essa finalidade com madeira cipó e palha retirados da mata que circunda a aldeia As carnes dos animais caçados permanecem em fogo lento por uma semana cozinhando lentamente até o último dia do ritual quando são desfiados pilados junto com farinha de mandioca transformados em pequenos bolinhos amassados com a mão e distribuídos pelas meninas a todos os presentes no ritual O tempo certo de moquear a carne a temperatura adequada do fogo as ferramentas utilizadas para o trato da carne dos animais as formas de usar o pilão e o tempo adequado de pilagem o momento certo de juntar a farinha de mandioca à carne os movimentos necessários para transformar essa mistura em bolinhos configuram um universo de saberes cujo domínio faz parte do arcabouço epistemológico do povo Tembé Como se prepara o moqueado Você joga fora só a tripa mas a caça você não tem que comer um pedaço dela tem que moquear toda ela e botar ela em cima sem nenhum bicho tocar nela pode ser mulher ou homem aquelas pessoas que tem aquele cuidado aquelas pessoas que tem aquele cuidado que tem aquele carinho que sempre preparam botar em cima do fogo na hora certa S M Tembé setembro 13 2014 Nesse arcabouço epistêmico a relação entre natureza e cultura parte de outro paradigma e determina a escolha dos animais O nambú porque é exclusivamente da natureza não domesticado puramente selvagem o porco do mato porque come vários frutos e sua carne ao ser consumida limpa o organismo evitando doenças o macaco porque se assemelha ao homem tem a habilidade de andar pelos galhos e caminha com tranquilidade a noite Essas características podem ser incorporadas por quem consome a carne desses animais Para melhor compreender essa cosmologia vamos nos reportar ao pensamento de Castro 2002 que se referindo a essa relação natureza e cultura diz que do mesmo modo como concebemos o substrato animal da nossa humanidade o pensamento indígena concebe o substrato humano dos seres do cosmos como condição universal ainda que esta não possa ser percebida de maneira imediata Assim para compreender essas cosmologias não se pode segundo Castro 1996 partir da distinção clássica entre natureza e cultura que pressupõe duas séries paradigmáticas que tradicionalmente se opõem universal e particular objetivo e subjetivo físico e moral fato e valor dado e construído necessidade e espontaneidade imanência e transcendência corpo e espirito animalidade e humanidade e outros tantos Logo podese supor que ao consumir a carne dos animais transformadas em moqueado distribuídas ao final do Ritual em forma de pequenas porções de modo que todos os presentes possam ser contemplados os indígenas estão na verdade buscando uma comunhão homemnatureza numa clara tendência a cosmologizar o humano Os Saberes Artísticos Outra dimensão dos saberes presentes no Ritual da Festa do Moqueado são os contidos nas manifestações artísticas presentes durante todo o Ritual As pinturas corporais sejam com grafismos sejam simplesmente lambuzadas as plumagens presentes nos colares e cocares a música e os instrumentos musicais o canto e as danças são Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 13 não uma elaboração tediosa de costumes exóticos que competem com a verdadeira experiência estética e sim um meio de expandir a experiência estética para além de nosso próprio campo de visão estreitamente limitado por nossa cultura Tendo aceito as obras da arte primitiva como merecedoras de representação lado a lado com as obras dos artistas mais reputados das nossas próprias sociedades nossa próxima tarefa é reconhecer a existência e a legitimidade dos referenciais estéticos dentro dos quais elas foram produzidas Price 1989 p 92 As meninas e os meninos protagonistas do Ritual durante toda a semana ao raiar do dia tem seus corpos lambuzados com tinta produzida a partir do jenipapo no caso das meninas e os meninos pintados com grafismos A tinta utilizada é a do jenipapo cuja cor escura se acentua com o passar dos dias de modo que no último dia do Ritual as meninas estão com os corpos totalmente negros e o grafismo dos meninos bem visível e é complementado com uma pintura no rosto imitando uma barba A música é tocada e cantada por um grupo de homens adultos coordenados pelo Pajé juntamente com o cacique da aldeia e com a participação de outros caciques de diversas aldeias na condição de convidados Sentamse na Ramada formando uma coluna com as mulheres posicionadas atrás cujo canto se caracteriza como uma segunda voz Na mitologia Tenetehara a música ritual resultou de uma troca com o mundo sobrenatural Um jovem guerreiro foi entregue aos deuses para que o grupo se apropriasse do canto Zannoni 1999 p 32 Consta que antes o povo Tenetehara era triste não sabia cantar o som que produziam era monótono Depois da troca o povo aprendeu a cantar e canta durante os rituais O instrumento utilizado para marcar o ritmo do canto é o maracá do tupí mbaraká instrumento ideofônico de forma arredondada feito com o fruto da cabaceira fabricado na própria aldeia Navarro 2013 Algumas mulheres também tocam o maracá em tempos passados havia uma interdição a esse tipo de prática e o canto entoado ora mais alegre ora em forma de lamento segue por todo o Ritual A dança começa sempre com os rapazes e as moças organizados em pares em disposição circular numa sincronia de passos e pequenos pulos tão coesos e ritmados que em determinado momento aparentam serem um só Aos poucos com muita alegria e disposição os caciques as lideranças crianças jovens adultos indígenas de outras etnias e não indígenas presentes se juntam aos jovens e participam cantando e dançando em um ritmo único A dimensão estética do Ritual revelada através das várias modalidades artísticas que podem ser observadas durante seu desenvolvimento as pinturas corporais a dança a música o canto a confecção do maracá os adornos corporais causam admiração e estranhamento nos presentes em especial os não indígenas demonstrando que a recepção não é uma dimensão individual mas um fenômeno coletivo resultante das manifestações advindas das interpretações individuais ou grupais Para melhor compreender como os espectadores presentes apreendem a produção e a circulação desses saberes artísticos indígenas nos apoiamos na teoria da estética da recepção que parte do pressuposto que a arte é um fazer uma construção e como tal infunde uma dada relação com o leitorexpectador Para Regina Zilberman 2008 as teorias da recepção que após as manifestações da linguagem verbal terem adotado a escrita enquanto seu principal veículo de transmissão mesclamse as teorias da leitura alternamse entre essas posições privilegiando de uma parte o exame das relações entre obra e seu destinatário encarado individual ou coletivamente Para imprimir maior inteligibilidade a essa dimensão artística do Ritual recorremos a uma teoria antropológica que se preocupa com a simbologia e as formas estéticas dos atos comunicativos É a antropologia da performance que busca refinar a compreensão sobre rituais De acordo com Turner 2005 o ritual indígena pode ser compreendido como o modo pelo qual O Ritual da Festa do Moqueado 14 um complexo universo de ações performáticas e meios de comunicação sensorial visual e sonora de grande variabilidade faz emergir significados que permeiam o exercício da reflexividade sobre a experiência social Essa elaboração teórica nos auxilia o entendimento o Ritual como manifestação artística que constituem experiências estéticas através das quais essa sociedade realiza a formação de indivíduos a transmissão de saberes o conhecimento da cosmologia e a possibilidade da apreensão de conteúdos da cultura O Ritual como Processo Educativo Inúmeros e diversificados são os saberes contidos no Ritual e que foram encontrados pelos dados de pesquisa o que o torna um momento rico de aprendizagem e pródigo de situações investigativas Mas optamos por adotar um recorte de categorização que facilitasse as análises e tornasse a interpretação didaticamente compreensível Para tanto os saberes foram categorizados em três modalidades saberes espirituais saberes ambientais e saberes artísticos Ainda objetivando uma análise mais acurada estabelecemos uma necessária e dialógica relação entre estes saberes tomandoos em sua qualidade de conteúdos ou objetos de conhecimento e o processo educativo desenvolvido no Ritual Esta relação se configura fundamental à medida que os saberes contidos no Ritual por si só não se traduzem em um processo educativo Para isso se faz necessário que esses saberes sejam apropriados assimilados e ressignificados pelos jovens protagonistas e contribuam para a construção de sua identidade étnica e afirmação de sua cultura diferenciada Corroborando essa opção Cunha 2014 afirmou que a transmissão em várias sociedades indígenas envolve um laço entre pessoas seja pacífico de mestre a discípulo de pai para filho mas também pelo roubo pelo saque e pela sedução o que assim se transmite e isso chamou muito a atenção já que são povos que não praticam a propriedade da terra nem a herança de bens materiais endógenos são essencialmente bens que chamamos imateriais coisas como conhecimentos técnicas narrativas nomes cantos rituais padrões gráficos Coisas que constituem a riqueza por excelência Cunha 2014 p 15 O pensamento da autora mencionada dialoga bastante com Santos 2010 Segundo esse último refletir sobre um processo educativo intencional desenvolvido durante um ritual ancestral nos remete à discussão sobre a existência de um outro conhecimento Mas para que assim ocorra esse outro conhecimento não está apoiado na civilização ocidental uma vez que foi historicamente silenciado desqualificado e subalternizado como manifestação de superstição estático exótico ou na melhor das hipóteses como um saber prático e local Se refletirmos a respeito daquilo acima exposto facilmente concordaremos com Quijano 2005 que os mecanismos de genocídio e silenciamento dos falantes indígenas e de seus conhecimentos são muito antigos O autor diz que esses mecanismos são resultantes do processo colonial iniciado com uma nova rota marítima o circuito Atlântico que trouxe alguns países da Europa para a América Latina dando início ao processo de colonização A modo de resistência os saberes produzidos no Ritual que por ele circulam e são apropriados pelos jovens protagonistas configuram assim um processo educativo que perdura por toda a vida Isso pode ser demonstrado tanto por depoimentos colhidos na experiência etnográfica quanto parece ser evidenciado pela manutenção do ritual como uma crença formada nos que por ele passaram Enquanto evidência de que para a sociedade TembéTenetehara os saberes aprendidos têm significado e valor isso pode ser revelado nas palavras de Manoela Tembé jovem que participou do Ritual em 2013 entrevistada em 2015 A gente aprende e o que a gente aprende ajuda pro resto da vida Segundo Gauthier 1999 o Ritual não é estático e previsível ele se transforma atualiza se e se mobiliza em direção ao novo permite aflorar condições préreflexivas de aprendizado Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 15 possibilita a descoberta de sentidos novos inéditos É como uma energia sutil que contagia todos os envolvidos Daí nossa percepção de seu potencial educativo ou como nos diz Gauthier 1999 daí seu poder de ressoar de favorecer o nascimento em nós do pensar Mas não de qualquer pensar de um pensar ainda ligado ao inconsciente que se torna assim nosso aliado diferente do pensar consciente o qual resolve a problemática escura do devir histórico Gauthier 1999 p 7 O esforço teórico para conhecer compreender e sistematizar o processo educativo contido no Ritual da Festa do Moqueado é grande considerando que cada cultura tem sua forma própria de produzir e socializar conhecimentos Além disso os conhecimentos indígenas são essencialmente subjetivos e empíricos por isso mesmo livre de métodos e dogmas fechados e absolutos e se garantem na efetividade prática e nos resultados concretos que acontecem no seu cotidiano Luciano 2006 p 171 A partir dessas reflexões retomamos a categorização antes delineada Esclarecemos que a educação para a espiritualidade é baseada na relação entre os indígenas e o sobrenatural educação para o respeito à natureza é baseada na relação entre os indígenas e natureza a partir de uma lógica diferenciada e a educação para a arte é expressa nas relações entre os próprios indígenas tendo como suporte suas tradições culturais mas ocorre em um intercâmbio que também inclui os sujeitos não indígenas A partir da categorização realizada pretendemos agora demonstrar as maiores evidências do processo educativo desenvolvido pelo Ritual em tela Educação para a Espiritualidade A espiritualidade perpassa por todo o Ritual é seu pano de fundo e se revela em todos os momentos Desde os dias que o antecedem isto é sua preparação passando pelo desenvolvimento e para além quando o Ritual se encerra Conforme pudemos apurar em nossas investigações segundo a cosmologia dos Tenetehara os espíritos invocados estarão presentes durante todo o percurso de vida dos jovens protagonistas A dimensão espiritual do ritual é personificada na figura do Pajé É ele quem direciona e coordena o Ritual iniciando as músicas e determinando seu término sempre utilizando o maracá para dele fazer emanar a música que imediatamente todos seguem Ainda segundo pudemos descobrir de acordo com a cosmologia local é o Pajé o responsável pela invocação dos espíritos que vêm de cima dos espíritos dos antepassados mortos e dos espíritos dos animais caçados assim como dos espíritos advindos da mata Durante os dias em que o Ritual se desenvolve a crença é que estes espíritos estão circulando pela aldeia e podem se manifestar em qualquer dos presentes os quais estando desprotegidos tornamse suscetíveis às investidas do sobrenatural Estes espíritos entidades sobrenaturais podem ser boas ou más As entidades boas são acolhidas e participam do Ritual as más são afastadas e para isso os indígenas fazem uso de diversas práticas Uma das práticas relacionadas ao afastamento de entidades más é o uso do Tauarí um cigarro de tabaco preparado especialmente para a ocasião O tabaco é para os indígenas uma dádiva divina que permite os transes extáticos capaz de transportálos ao próprio mundo dos deuses Castro 1987 p38 afirma ser o tabaco na sociedade xinguana a substância xamanística por excelência mediando o mundo real com o espiritual abrindolhes ou fechandolhes tal porta de contato entre os dois mundos Outro recurso que cumpre a mesma função do tabaco é a defumação Tratase da exalação de fumaça a partir de um preparado que conjuga vários ingredientes e cuja essa fumaça ajuda a espantar os maus espíritos Quem nos esclareceu sobre os ingredientes e a função da defumação foi Txinai Tembé entrevistado em 2014 segundo o qual a defumação afugenta os espíritos maus é feita com resina de madeira pó de pedreira e resina de um sapo Serve para proteger a dar segurança pro Ritual Uma terceira prática que ainda podemos evidenciar na rica cosmologia Tenetehara utilizada especialmente pelas meninas é o uso de um lenço na cabeça durante os dias que O Ritual da Festa do Moqueado 16 antecedem o Ritual Segundo Manoela Tembé entrevistada em 2015 serve para proteger das coisas ruins que vem de cima Além do uso do lenço há também a exigência das meninas que vão participar do Ritual sempre andarem acompanhadas nunca caminhar pela aldeia sozinha e jamais tomar banho de rio desacompanhadas para evitar o assédio de maus espíritos Baseados na nossa experiência etnográfica com os nativos temos a percepção de que a convivência tranquila ou não com o sobrenatural não causa estranhamento aos indígenas As práticas de relacionamento com os espíritos que estão presentes no cotidiano e que se tornam mais exacerbadas durante o desenvolvimento do Ritual podem ser assimiladas considerando sua lógica cosmológica diferenciada Castro 1996 nos ajuda nessa reflexão ao dizer que De outro lado as almas dos mortos e os espíritos que habitam o universo não são entidades imateriais mas outros tantos tipos de corpo dotados de propriedades afecções sui generis A distinção ameríndia entre alma e corpo não é uma distinção substantiva Com efeito corpo e alma assim como natureza e cultura não correspondem a substantivos entidades autosubsistentes ou províncias ontológicas mas a pronomes ou perspectivas fenomenológicas Castro 1996 p 132 Compreendendo o mundo na perspectiva da cosmologia local a partir do olhar diferenciado de um antropólogo em exercício8 podemos perceber que a realidade exterior este ambiente no qual nos movimentamos vivemos e produzimos modificamos criamos e inovamos não se resume apenas àquilo que está ao alcance de nossos olhos Nesse sentido a cosmologia local apresenta outra possibilidade isto é que aquilo que podemos ver e ouvir em outro plano existe em uma continuidade em outra dimensão que não podemos visualizar mas que se faz presente e influencia nossa experiência atual Segundo Eliade 1992 a experiência cosmológica similar a que vimos descrevendo por vezes determina a realidade palpável e por isso o autor diz que sendo assim o mundo que nos rodeia o mundo no qual são sentidas a presença e a ação do homem as montanhas que ele escala as regiões povoadas e cultivadas os rios navegáveis as cidades os santuários tudo isso tem um arquétipo extraterreno seja ele concebido como um plano como uma forma ou pura e simplesmente como uma cópia que existe em um nível cósmico mais elevado Eliade 1992 p 16 Nossa compreensão é que os jovens protagonistas que participam do Ritual da Festa do Moqueado e são submetidos a todas as práticas inerentes ao processo ritualístico assimilam muitos aprendizados É nesse momento que o a jovem demonstra que está preparado para assumir suas responsabilidades individuais e coletivas Para Luciano 2006 em termos de caráter o jovem precisa chegar à vida adulta maduro e completo pois a partir daí dificilmente conseguirá mudar seus comportamentos e atitudes Alguns conhecimentos são fundamentais para a formação dos jovens enquanto adultos plenos e conscientes de seu papel na sociedade a qual pertencem A educação para a espiritualidade é uma parte constitutiva fundamental do sistema cultural do povo Tembé Tenetehara Desenvolvida ao longo da vida essa educação é reafirmada e aprofundada durante o Ritual e vivenciada pelos jovens ao longo de sua trajetória no mundo Foi dessa forma que nos afirmou Stefani Tembé quando entrevistada em 2014 nos disse que No Ritual a gente aprende a se proteger dos espíritos maus e os espíritos bons nos acompanham para nos ajudar nas dificuldades da vida 8 Não somos antropólogos de formação Portanto aqui apenas exercitamos o ofício a partir das categorias que Oliveira 1996 recomendou como imprescindíveis para o trabalho antropológico Olhar ouvir e escrever Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 17 Dessa primeira categorização podemos perceber que o Ritual com seus ensinamentos oferece aos participantes régua e compasso9confiança na sua energia vital proteção e possibilidades de criar o novo de inventar o cotidiano Educação para o Respeito à Natureza Para iniciar essa reflexão se faz necessário empreender outra a respeito da lógica como os não indígenas percebem e compreendem a natureza Para nós não indígenas a natureza é algo exterior que não faz parte de nós e por isso passível de ser explorada e dominada A lógica ameríndia está pautada no paradigma da totalidade homem e natureza fazem parte de um mesmo todo e portanto em constante interação Segundo Luciano 2006 O método preferencial das ciências indígenas é a visão da totalidade do mundo O indivíduo deve buscar compreender e conhecer ao máximo o funcionamento da natureza não para dominála e controlála mas para seguir e respeitar a sua lógica seus limites e potencialidades em benefício da sua própria vida enquanto ser preferencial e privilegiado na criação Luciano 2006 p 171 Para melhor compreender a lógica diferenciada indígena quanto à natureza reportamo nos a uma concepção teórica sobre os indígenas com inúmeras referências na etnografia amazônica assim descrita por Castro 1996 A diferenciação entre cultura e natureza que LéviStrauss mostrou ser o tema maior da mitologia ameríndia não é um processo de diferenciação do humano a partir do animal como em nossa cosmologia evolucionista A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade mas a humanidade A grande divisão mítica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos humanos Os humanos são aqueles que continuaram iguais a si mesmos os animais são ex humanos e não os humanos exanimais Castro 1996 p 119 A reflexão supra nos auxilia na compreensão de algumas práticas desenvolvidas durante o Ritual a caça a animais específicos o consumo desses animais depois de moqueados a esfregação da carne dos animais no corpo dos jovens protagonistas Entre outras essas são práticas que demonstram o reconhecimento da unidade homemnatureza Percebemos que os nativos acreditam que ao consumir a carne dos animais suas propriedades e capacidades também são consumidas e internalizadas por aquele que consome aproximandoo das características do animal consumido e diminuindo a distância que os separa E nesse caso a nutrição não representa uma simples operação fisiológica ela renova uma comunhão Eliade 1992 p 12 Além do consumo da carne dos animais as pequenas porções do moqueado também são esfregadas no corpo das meninas e dos meninos nos braços e pernas Segundo apuramos essa prática tem como finalidade a proteção contra males e doenças e auxilia na aquisição das propriedades do animal tornandoos fortes e resistentes Senão vejamos o que nos disse Stefani Tembé quando entrevistada em 2014 O bolinho de moqueado a gente come e esfrega na pele para se proteger e ficar mais forte e enfrentar as dificuldades da vida O que se aprende com as práticas supra relatadas Que homens plantas e animais integram o mesmo mundo distinguindose esses últimos dos primeiros em muitos casos apenas pela diversidade de aparências e pela falta de linguagem Cunha 1987 p 56 Para os povos 9 Gilberto Gil Aquele Abraço Rio de Janeiro Philips 1969 Disco de vinil 523 rpm O Ritual da Festa do Moqueado 18 indígenas essas diversas realidades interagem e se intercomunicam constante e ininterruptamente O que podemos compreender ao final dessa segunda categorização é que a consubstancialidade com a natureza é uma crença constante dos Tenetehara ainda que em seu percurso de vida e no contato com os não indígenas na educação escolar em outros espaços de relacionamento e em outros contextos possam interagir com outras lógicas Ainda assim o conhecimento fundante sobre a unicidade homemnatureza estará subjacente a todas as suas práticas imprimindolhe uma visão distinta de mundo e consequentemente distintas historicidades serão construídas Educação para a Arte Pudemos perceber durante nossa estada na aldeia que o Ritual da Festa do Moqueado é uma manifestação artística por excelência A dança ritmada a música tocada e cantada e as pinturas corporais juntamente com os adornos usados pelos jovens protagonistas configuram um todo harmonioso colorido e com padrões próprios que se aplicam unicamente a ele Esta dimensão artística do Ritual não se coaduna com o conceito estético ocidental de arte A nossa concepção de arte desde Kant valora aquilo que se distingue o gosto refinado o difícil o que não se deixa levar pelo prazer fácil que satisfaz os sentidos aquilo que requer esforço intelectual ou técnico que se sobressai Para Kant 1978 os elementos de uma obra de arte que produzem sensações tais como os tons ou as cores podem acrescentar encanto à obra ou provocar emoções mas nada acrescentam à sua beleza Quando se fala impropriamente de uma bela nota musical tratase de algo do domínio do deleite que se quer impor à forma Kant 1978 p 65 Partindo do conceito kantiano as manifestações artísticas do Ritual por serem produções em sua maioria que fazem parte do cotidiano do povo TembéTenetehara e retratam suas vivências representadas por objetos de sua cultura material não se encaixam neste conceito Assim sendo para o paradigma ocidental não são consideradas manifestações artísticas As pinturas corporais a música e a dança assim como os adornos causam sensações mas não possuem forma de arte É preciso considerar portanto outros valores para se compreender as manifestações artísticas do Ritual considerando que por meio deles uma memória pode ser reativada salvando uma cosmologia que corria o risco de ser apagada pelos reveses de uma ocidentalização marcada pela violência das injustiças sociais Mitos e ritos para os quais esses objetos reivindicavam a sua contextualização poderiam ser os meios de acesso a essa cosmologia expressão única de uma dada cultura Silva 2006 apud Montero 2006 p 352 Considerando que a produção artística inerente ao Ritual é uma arte das margens coloniais e pós coloniais que representa uma cultura específica exprimindo valores daquela cultura vamos corroborar com Price 1989 Essa autora afirma que a tarefa da antropologia da arte é definir características estéticas inerentes àquela cultura de modo que as contribuições estéticas de artistas nãoocidentais possam ser avaliadas corretamente Sobre essa discussão a autora acrescenta que O xis do problema tal como o vejo é que a apreciação da arte primitiva quase sempre é expressa em termos de uma escolha falaciosa uma opção é deixar que o olho esteticamente discriminador seja nosso guia com base em algum conceito de beleza universal jamais definido Um dos princípios é que o olho até mesmo do especialista mais dotado de talentos naturais não é nu porém enxerga a arte através da lente de uma formação cultural ocidental Price 1989 p 92 Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 19 Interessante também é ressaltar que nas sociedades modernas ocidentais a arte tem um fim em si mesma está desligada do contexto é a arte pela arte Van Velthem 1994 p 37 Por outro lado nas sociedades indígenas a produção artística parece ter uma função prática e utilitária uma vez que pode ser utilizada para atingir outros fins não artísticos Especialmente sobre a produção artística do Ritual cada um dos elementos estéticos presentes têm uma função determinada As manifestações artísticas perpassam por todo o Ritual configurando um universo visual e auditivo coeso e harmonioso no qual os TembéTenetehara fundem os vários domínios de sua experiência em um todo gigantesco Geertz 2007 p 154 E uma das principais características desse todo gigantesco é a produção coletiva pois diferente das sociedades modernas ocidentais nas quais a produção artística é quase sempre individual as sociedades indígenas tem produção artística empreendida por diversas mãos e mentes e retratam um saber cultural milenarmente acumulado Quem nos ajuda a compreender essa teia é Geertz 2007 quando nos diz que a participação no sistema particular que chamamos de arte só se torna possível através da participação no sistema geral de formas simbólicas que chamamos de cultura pois o primeiro sistema nada mais é que um setor do segundo Uma teoria da arte portanto é ao mesmo tempo uma teoria da cultura e não um empreendimento autônomo Geertz 2007 p 156 Na perspectiva geertziana então as manifestações artísticas presentes no Ritual como a pintura e as ornamentações corporais a música e a dança podem ser consideradas fontes de informações sobre as relações entre grupos entre indivíduos com o sobrenatural com o meio ambiente sobre status processos atitudes e comportamentos Vidal Silva 2000 p 283 Pudemos perceber e é importante destacar que as intensas relações interétnicas com as sociedades do entorno não indígenas acarretaram mudanças no Ritual como um todo e que também reverberaram na dimensão artística e estética Por isso observase a introdução de algumas transformações que refletem a necessidade de adequação e aceitação pelas sociedades ocidentais Como exemplo podemos mencionar as pinturas corporais dos jovens protagonistas do sexo masculino em cujos rostos retratam a grosso modo um grafismo que sem uma simbologia clara na cultura local parece imitar claramente a barba que os não indígenas possuem Uma explicação para esse fato podemos encontrar em Anthony Giddens 2002 p123 quando afirma que com a globalização dos últimos cinquenta anos a experiência social se modificou de tal maneira que o que há de mais íntimo e de mais distante estão agora de súbito diretamente conectados Embora com a adoção da característica mencionada acima o Ritual preserva a maior parte de suas manifestações artísticas originarias e na atualidade pode ser considerado uma prática de resistência no jogo da cena contemporânea É que se por um lado dialoga com a sociedade do entorno por outro afirma a identidade e a cultura TembéTenetehara Corroborando na discussão Montero 2012 diz que desse modo a continuidade de uma etnia dependerá da capacidade de um determinado grupo de manter simbolicamente suas fronteiras de diferenciação ou dito de outra maneira de sua capacidade de manter uma codificação permanentemente renovada das diferenças culturais que o distinguem dos grupos vizinhos Montero 2012 p 63 Outra importante característica das manifestações artísticas do Ritual é que elas não são percebidas enquanto arte pelos seus produtores pelos indígenas que dançam cantam tocam fazem os ornamentos e as pinturas corporais Para eles estas práticas são naturalizadas e refletem suas vivências cotidianas e só adquirem valores artísticos quando observados admirados interpretados e partilhados com outros sujeitos O Ritual da Festa do Moqueado 20 Desta forma podemos assegurar que a dimensão artística revelada no Ritual é parte integrante do cotidiano dos indígenas E que esses valores estéticos estão de tal forma imbricados e conectados com suas vivências e possuem uma articulação tão dinâmica com seu cotidiano que podemos definir o Ritual como um momento de culminância de uma educação para a arte desenvolvida ao longo da vida E essa arte obedece a determinados padrões estéticos inerentes àquela sociedade As palavras de Manoela Tembé entrevistada em 2015 revelam esse cenário e ilustram com propriedade essa dinâmica educativa segundo a qual Essa dança nós já sabemos de muito tempo nossos pais dançavam também e quando dançamos ficamos mais bonitos e mais fortes Em suma eles sempre dançam cantam e quando assim o fazem sua finalidade não é mostrar aos outros que são bonitos e fortes mas sim que se tornam bonitos e fortes ao dançarem Daí a riqueza do aprendizado e a beleza da educação Nessa terceira categorização podemos perceber que a educação para a arte presente no Ritual da Festa do Moqueado apresenta uma dimensão de complexidade Tal dimensão é suficiente para exercer um papel importante de afirmação e divulgação dos formatos expressivos secularmente elaborados pelos TembéTenetehara e pode ser considerado um conhecimento pertinente porque é capaz de contextualizar isto é religar globalizar Morin 1998 p 19 Considerações Finais Na proposição deste texto estivemos empenhados em mostrar que a educação acontece nos mais diversos e variados ambientes sejam eles escolares ou nãoescolares Para tanto utilizamos dados obtidos a partir de um estudo realizado sobre o processo educativo que se desenvolve durante o Ritual da Festa do Moqueado da sociedade indígena TembéTenetehara Como procedimentos categorizamos os saberes presentes no ritual identificandoos enquanto os objetos de conhecimento do processo educativo Também procuramos organizar os saberes de forma que cada um deles correspondesse a uma categoria de educação que integradas e conectadas configuramse em um processo educativo amplo organizado intencional e eficaz Como todo processo educativo também o Ritual inclui o momento no qual sua eficácia pode ser comprovada ou avaliada e isso foi possível de ser verificado através da análise das falas dos jovens protagonistas na Festa Os relatos revelam aprendizados comuns a todos os jovens o Ritual ensina a ser forte a enfrentar a vida com coragem e de maneira destemida Esse é o principal objetivo a ser alcançado quando os jovens são submetidos a sete dias exaustivos dançando na Ramada com poucos períodos de descanso O Ritual da Festa do Moqueado é um dos momentos de fortalecimento de matriz identitária nativa na etnia estudada no qual uma constelação de saberes está reunida e encadeada Durante os sete dias de desenvolvimento do Ritual esses saberes vão se desenrolando e se misturando tudo ao mesmo tempo agora resultando numa imensa e diversificada teia educativa envolvendo a priori os jovens protagonistas e a posteriori todos os espectadores Nosso estudo detectou que o Ritual é um processo educativo intencional com objetivos e objetos de conhecimentos bem definidos e articulados Neste estudo esses objetos foram elencados em três categorias para melhor organização didática da pesquisa e compreensão por parte dos leitores e da comunidade científica Porém durante o ritual esses saberes enquanto objetos de conhecimento estão totalmente integrados e esta articulação é que constitui a educação indígena enquanto um processo próprio de transmissão e apropriação de conhecimentos Por fim esta é uma discussão epistemológica Todo nosso esforço teórico é com o objetivo de demonstrar que nas sociedades indígenas e na TembéTenetehara em particular existe uma produção epistemológica qualificada E que apesar do processo secular de marginalização e silenciamento a produção epistemológica continua viva presente e formando gerações de indígenas com seu modo de ser e sua cultura suas línguas e saberes próprios Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 21 O processo educativo do Ritual que acontece na passagem da infância para a vida adulta também é processual e se caracteriza pela continuidade Os jovens protagonistas não emergem como sujeitos prontos e acabados dos sete dias de Ritual Eles vão se completando fazendose e se refazendo na convivência e no diálogo com a sociedade indígena e nãoindígena tecendo uma grande teia epistemológica de dimensão infinita Concluímos que os saberes produzidos no Ritual são apropriados pelos jovens protagonistas configurando um processo educativo que perdura por toda a vida e para a sociedade TembéTenetehara tem significado e valor Resumindo para ser TembéTenetehara nos dias de hoje é necessário força e coragem para enfrentar os desafios de uma sociedade contemporânea globalizada e em constantes mudanças sem deixar de ser indígena respeitando sua cultura sua ancestralidade e sua origem étnica Referências Brandão C R 2002 A educação como cultura Mercado das Letras Castro E V 1996 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana 2 115 144 Castro E V 2002 A inconstância da Alma Selvagem Cosac Naifa Castro E V de 1987 A fabricação do corpo na sociedade xinguana e alguns aspectos do pensamento Yawalapíti Alto Xingu Classificações e transformações In O Filho Org Sociedades indígenas indigenísmo no Brasil Marco Zero Coulon A 1995 La etnomedotología Cátedra Cunha M C 1987 Antropologia do Brasil Mito história etnicidade Brasiliense Cunha M C Cesarino P de N Orgs 2014 Políticas culturais e povos indígenas Cultura Acadêmica Eliade M 1992 O sagrado e o profano Martins Fontes Fernandes E A Silva A V Da Beltrão J F 2011 Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará AITESAMPA em luta por direitos étnicos Amazônica Revista de Antropologia 2 392 406 Fernandes J G S 2009 Saberes das populações tradicionais e periféricas Revista Cocar Impresso 1 4960 Garfinkel H 2006 Studios em etnometodología Anthropos Gasbarro N 2006 Missões A civilização cristã em ação In P Montero Org Deus na Aldeia Missionários índios e mediação cultural Globo Gauthier J 1999 Rituais na escola Um olhar sociopoético Revista Entreideias educação cultura e sociedade 43 Geertz C 2007 O saber local Vozes Giddens A 2002 Modernidade e identidade Zahar Gil G 1969 Aquele abraço Rio de Janeiro Philips Disco de vinil 523 rpm Ginzburg C O 1987 Queijo e os vermes O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição Companhia das Letras Gomes M P 2002 O Índio na história O povo tenetehara em busca da liberdade Vozes Kant I 1978 O julgamento estético Textos seletos de crítica da faculdade de Julgar PUF LéviStrauss C 1989 O pensamento selvagem Papirus Luciano G dos S 2006 O Índio Brasileiro O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje MECSECADMuseu Nacional Machado M Eyng V Org 2018 Povo Tembé Tenetehara da Terra Indígena Alto Rio Guamá Plano de Gestão Terra Indígena Alto Rio Guamá ECAM Martinic S 1994 Saber popular y identidad In M Gadotti C A Torres Educação popular Utopia latinoamericana EDUSP O Ritual da Festa do Moqueado 22 Montero P 2012 Multiculturalismo identidades discursivas e espaço público Sociologia Antropologia São Paulo 02 81 101 Moore D Gabas N 2006 O futuro das línguas indígenas brasileiras In L Forline I Vieira R Murrieta Org Amazônia além dos 500 Anos Museu Paraense Emílio Goeldi Morin E 1998 Os sete saberes necessários à educação do futuro Cortez Navarro E A 2013 Dicionário de tupi antigo Global Oliveira R C 1976 Identidade etnia e estrutura social Pioneira Oliveira R C 1996 O trabalho antropológico Olhar ouvir escrever Revista de Antropologia São Paulo USP Price S 1989 Primitive art in civilized places Chicago University Press Quijano A 2005 Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In E Lander Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latinoamericanas CLACSO Raminelli R 1996 Imagens da colonização A representação de Caminha a Vieira Jorge Zahar Santos B de S 2010 A gramática do tempo Para uma nova cultura política Cortez Segalen M 2002 Ritos e rituais contemporâneos Editora FGV Silva A L 2006 A cultura como um caminho para as almas In P Montero Org Deus na Aldeia Missionários índios e mediação cultural Globo Staden H 2010 Duas viagens ao Brasil Primeiros registros sobre o Brasil LPM Turner V 2005 O processo ritual Estrutura e antiestrutura Vozes Vainfas R 1995 A heresia dos Índios Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial Companhia das Letras Van Velthem L H 1994 Arte indígena Referentes sociais e cosmológicos In L D B Grupioni Org Índios no Brasil Ministério da Educação e do Desporto Vidal L B Silva A L 2000 Antropologia estética Enfoques teóricos e contribuições metodológicas In L B Vidal Org Grafismo indígena Estudos de Antropologia estética Studio NobelFAPESPUSP Vygotsky LS 2010 A formação social da mente Martins Fontes Williams R 2011 Cultura Paz e Terra Zannoni C 1999 Conflito e coesão O dinamismo Tenetehara Conselho Indigenista Missionário Brasília Zilberman R 2008 Recepção e leitura no horizonte da literatura ALEA 101 JaneiroJunho São Paulo 8597 Sobre os Autores Julia Cleide Teixeira de Miranda Universidade Federal do ParáUFPA ORCID httpsorcidorg0000000163076035 Júlia Cleide Teixeira de Miranda é doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Pará PPGEDUFPA Mestre em EducaçãoUEPA Licenciada em Pedagogia e Professora do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará Sua linha de interesse é educação e diversidade cultural educação indígena e educação escolar indígena Carlos Nazareno Ferreira Borges Universidade Federal do ParáUFPA ORCID httpsorcidorg0000000219083315 Carlos Nazareno Ferreira Borges é Pósdoutor em Memória SocialUNIRIO Doutor e Mestre em Educação FísicaUFGRJ Licenciado Pleno em educação FísicaUEPA Bacharel em Ciências Sociais e Docente Permanente do PPGEICEDUFPA Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol 28 No 152 Dossiê Especial 23 Sobre o Editores Juliane Sachser Angnes Universidade Estadual do CentroOeste do Paraná UNICENTRO Programa de PósGraduação em Educação PPGE UNICENTRO Programa de PósGraduação em Administração PPGADM UNICENTRO julianeangnesgmailcom httpsorcidorg0000000248877042 Graduação em Secretariado Executivo Bilíngue e em Letras PortuguêsInglês pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE Especialista em Linguística Aplicada e Mestre em Letras Linguagem e Sociedade também pela UNIOESTE Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR linha de Cognição Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Realizou estágio pósdoutoral no Programa de PósGraduação em Administração da Universidade Estadual de Maringá UEM no Grupo de Pesquisas em Estudos Organizacionais É professora da Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO vinculada ao Departamento de Secretariado Executivo e ao Programa de PósGraduação em Administração Mestrado Profissional Tem experiência na docência e pesquisa nas áreas de Educação e Administração atuando principalmente nas seguintes áreas temáticas comunicação organizacional redes solidárias economia do bemestar social gestão escolar planejamento e organização de eventos cerimonial e protocolo etiqueta social e comportamental redação técnica oficial e empresarial responsabilidade social pesquisa qualitativa em Ciências Sociais Aplicadas É Líder do Grupo de Pesquisas em Gestão do Conhecimento da Universidade Estadual do CentroOeste do Paraná É líder do grupo de pesquisa em Gestão do Conhecimento Kaizô Iwakami Beltrão EBAPE FGV Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Kaizobeltraofgvbr httporcidorg0000000235908057 Graduação em Engenharia Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica 1974 mestrado em Matemática Aplicada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada 1977 e doutorado em Estatística pelo Departamento de Estatística da Princeton University 1981 Atualmente é PesquisadorProfessor da EBAPEFGVRJ e responsável técnico pelos relatórios técnicos do ENADE junto ao INEP através da Fundação Cesgranrio Tem experiência na área de População e Políticas Públicas com ênfase em Previdência Social e Educação atuando principalmente nos seguintes temas bases de dados para políticas públicas avaliações educacionais diferenciais por sexoraça condições de saúde demografia modelagem estatística e mortalidade O Ritual da Festa do Moqueado 24 Dossiê Especial Educação e Povos Indígenas Identidades em Construção e Reconstrução arquivos analíticos de políticas educativas Volume 28 Número 152 26 de outubro 2020 ISSN 10682341 Losas lectoresas pueden copiar mostrar distribuir y adaptar este articulo siempre y cuando se de crédito y atribución al autores y a Archivos Analíticos de Políticas Educativas los cambios se identifican y la misma licencia se aplica al trabajo derivada Más detalles de la licencia de Creative Commons se encuentran en httpscreativecommonsorglicensesbysa40 Cualquier otro uso debe ser aprobado en conjunto por el autores o AAPEEPAA La sección en español para Sud 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