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ISTVÁN MÉSZÁROS A EDUCAÇÃO PARA ALÉM DO CAPITAL NOVA EDIÇÃO AMPLIADA BOITEMPO EDITORIAL Copyright István Mészáros Copyright desta edição Boitempo Editorial 2005 2008 Título original Education Beyond Capital Coordenação editorial Ivana Jinkings Assistência editorial Ana Paula Castellani Ana Lotufo 2ª ed e Livia Campos Tradução Isa Tavares Revisão da tradução Sérgio Luiz Mansur e Luis Gonzaga Fragoso Revisão técnica Maria Orlanda Pinassi Capa Maringoni e Antonio Kehl sobre foto de Sebastião Salgado Terra São Paulo Companhia das Letras 1997 Sebastião SalgadoAmazonas Images Editoração eletrônica Gapp Design Produção Marcel Ilha Paula Pires e Flávia Franchini CIPBRASIL CATALOGAÇÃONAFONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ M55e 2ed Mészáros István 1930 A educação para além do capital István Mészáros tradução Isa Tavares 2ed São Paulo Boitempo 2008 Mundo do trabalho Tradução de Education beyond capital Apêndice ISBN 9788575590683 1 Educação Aspectos econômicos 2 Capitalismo 3 Democracia 4 Educação e Estado I Título II Série 083207 CDD 370 CDU 3701378 É vedada nos termos da lei a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora Este livro atende às normas do novo acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009 1ª edição julho de 2005 1ª reimpressão novembro de 2005 2ª reimpressão novembro de 2006 2ª edição ampliada agosto de 2008 1ª reimpressão agosto de 2009 2ª edição revista agosto de 2010 1ª reimpressão maio de 2012 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda Rua Pereira Leite 373 05442000 São Paulo SP Telfax 11 38757250 38726869 editorboitempoeditorialcombr wwwboitempoeditorialcombr SUMÁRIO Apresentação 9 Prefácio por Emir Sader 15 A educação para além do capital 19 Apêndice 79 Educação o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Obras do autor 125 EDUCAÇÃO O DESENVOLVIMENTO CONTÍNUO DA CONSCIÊNCIA SOCIALISTA 1 O papel da educação não poderia ser maior na tarefa de assegurar uma transformação socialista plenamente sustentável A concepção de educação aqui referida considerada não como um período estritamente limitado da vida dos indivíduos mas como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista na sociedade como um todo assinala um afastamento radical das práticas educacionais dominantes sob o capitalismo avançado É compreendida como a extensão historicamente válida e a transformação radical dos grandes ideais educacionais defendidos no passado mais remoto Pois esses ideais educacionais tiveram de ser não apenas minados com o passar do tempo mas ao final completamente extintos sob o impacto da alienação que avança cada vez mais e da sujeição do desenvolvimento cultural em sua integridade aos interesses cada vez mais restritivos da expansão do capital e da maximização do lucro Este apêndice integra o livro O desafio e o fardo do tempo histórico publicado pela Boitempo em novembro de 2007 N E Não apenas Paracelso no século XVI mas também Goethe e Schiller1 no fim do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX ainda acreditavam em um ideal educacional que poderia orientar e enriquecer humanamente os indivíduos ao longo de toda a sua vida Ao contrário a segunda metade do século XIX foi já marcada pelo triunfo do utilitarismo e o século XX capitulou sem reservas também no campo educacional às concepções mais estreitas de racionalidade instrumental Quanto mais avançada a sociedade capitalista mais unilateralmente centrada na produção de riqueza reificada como um fim em si mesma e na exploração das instituições educacionais em todos os níveis desde as escolas preparatórias até as universidades também na forma da privatização promovida com suposto zelo ideológico pelo Estado para a perpetuação da sociedade de mercadorias Não é surpreendente pois que o desenvolvimento tenha caminhado de mãos dadas com a doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores da ordem social do capital como a ordem natural inalterável racionalizada e justificada pelos ideólogos mais sofisticados do sistema em nome da objetividade científica e da neutralidade de valor As condições reais da vida cotidiana foram plenamente dominadas pelo ethos capitalista sujeitando os indivíduos como uma questão de determinação estruturalmente assegurada ao imperativo de ajustar suas aspirações de maneira conforme ainda que não pudessem fugir à áspera situação da escravidão assalariada Assim o capitalismo avançado pôde seguramente ordenar seus negócios de modo a limitar o período de educação institucionalizada em uns poucos anos economicamente convenientes da vida dos indivíduos e mesmo fazêlo de maneira discriminadoraelitista As determinações estruturais objetivas da normalidade da vida cotidiana capitalista realizaram com êxito o restante a educação contínua das pessoas no espírito de tomar como dado o ethos social dominante internalizando consensualmente com isso a proclamada inalterabilidade da ordem natural estabelecida Eis porque mesmo os melhores ideais da educação moral de Kant e da educação estética de Schiller que tinham a intenção de ser para seus autores os antídotos necessários e possíveis da progressiva tendência de alienação desumanizadora contraposta pelos indivíduos moralmente preocupados em sua vida pessoal à tendência criticada foram condenados a permanecer para sempre no reino das utopias educacionais irrealizáveis Eles não poderiam equipararse sob nenhum aspecto à realidade prosaica das forças que impuseram com sucesso a todo custo o imperativo autoexpansivo fundamentalmente destrutivo do capital Pois a tendência socioeconômica da alienação que tudo traga foi suficientemente poderosa para extinguir sem deixar rastro até mesmo os ideais mais nobres da época do Iluminismo Nesse sentido podemos ver que embora o período de educação institucionalizada seja limitado sob o capitalismo a relativamente poucos anos da vida dos indivíduos a dominação ideológica da sociedade prevalece por toda a sua vida ainda que em muitos contextos essa dominação não tenha de assumir preferências doutrinárias explícitas de valor E isso torna ainda mais pernicioso o problema do domínio ideológico do capital sobre a sociedade como um todo e por certo ao mesmo tempo sobre seus indivíduos convenientemente isolados Quer os indivíduos particulares tenham ou não consciência disso não podem sequer encontrar a mínima gota de fundamento neutro de valor em sua sociedade muito embora a explícita doutrinação ideológica lhes garanta de forma enganosa o oposto pretendendo e convidando os indivíduos a se identificarem autonomamente com essa pretensão que eles sejam plenamente soberanos em sua escolha dos valores em geral assim como se afirma que eles são consumidores soberanos das mercadorias produzidas capitalisticamente adquiridas com base nas escolhas soberanas nos supermercados controlados de modo cada vez mais monopolista Tudo isso é uma parte integrante da educação capitalista pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias como algo lógico e natural Assim a sociedade capitalista resguarda com vigor não apenas seu sistema de educação contínua mas simultaneamente também de doutrinação permanente mesmo quando a doutrinação que impregna tudo não parece ser o que é por ser tratada pela ideologia vigente consensualmente internalizada como o sistema de crença positivo compartilhado de maneira legítima pela sociedade livre estabelecida e totalmente não objetável Ademais o que torna as coisas ainda piores é que a educação contínua do sistema do capital tem como cerne a asserção de que a própria ordem social estabelecida não precisa de nenhuma mudança significativa Precisa apenas de uma regulação mais exata em suas margens que se deve alcançar pela metodologia idealizada do pouco a pouco Por conseguinte o significado mais profundo da educação contínua da ordem estabelecida é a imposição arbitrária da crença na absoluta inalterabilidade de suas determinações estruturais fundamentais Uma vez que o significado real de educação digno de seu preceito é fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das condições sociais historicamente em transformação das quais são também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis todo sistema de educação orientado à preservação acrítica da ordem estabelecida a todo custo só pode ser compatível com os mais pervertidos ideais e valores educacionais Eis porque diferentemente da época do Iluminismo na fase ascendente das transformações capitalistas que podia ainda produzir utopias educacionais nobres como as concepções de Kant e Schiller anteriormente referidas a fase decadente da história do capital que culmina na apologia da destruição ilimitada levada a cabo pelo desenvolvimento monopolista e imperialista no século XX e sua extensão no século XXI teve de trazer consigo uma crise educacional antes inconcebível ao lado do culto mais agressivo e cínico do contravalor Este último inclui em nosso tempo as pretensões de supremacia racista a horrenda presunção do direito moral de usar armas nucleares por prevenção e antecipação mesmo contra países que jamais tiveram armas nucleares e a justificação mais hipócrita do imperialismo liberal supostamente mais humano ainda que inevitavelmente destrutivo Dizse que esse novo imperialismo é correto e apropriado para nossas condições pósmodernas uma teoria vestida em sua busca por respeitabilidade intelectual com o esquematismo grotesco da prémodernidade modernidade pósmodernidade depois do colapso ignominioso do imperialismo Eis a concepção que vemos defenderse hoje com toda a seriedade pelos mandarins indicados e realizadores políticos do próprio capital projetada como a estratégia necessária a ser imposta sobre os Estados fracassados peremptoriamente decretados como tal e sobre o chamado Eixo do Mal Essas ideias têm o intuito de ser princípios e valores orientadores estratégicos apropriados às nossas condições históricas São designadas para estabelecer os parâmetros gerais no interior dos quais os indivíduos devem agora ser educados de modo a possibilitar que os Estados capitalistas dominantes vençam a luta ideológica um conceito repentinamente propagandeado em termos positivos com grande frequência em agudo contraste com os mitos felizes e liberais do fim da ideologia e do fim da história pregados e generosamente promovidos há pouco tempo sinônima da guerra contra o terror Assim é difícil até mesmo imaginar uma degradação mais completa dos ideais educacionais comparada ao passado mais distante do capital do que hoje confrontamos ativamente E tudo isso é promovido em nosso tempo com todos os meios à disposição do sistema em nome da democracia e liberdade palavras que condimentam em abundância os discursos de presidentes e primeirosministros Nada poderia dispor com mais clareza a natureza pervertida da falsa consciência capitalista plenamente complementada pela doutrinação ubíqua exercida de modo mais ou menos espontâneo sobre os indivíduos em sua vida cotidiana pela sociedade de mercadorias 2 A concepção socialista da educação é qualitativamente diferente mesmo dos ideais educacionais mais nobres da burguesia ilustrada formulados na fase ascendente do desenvolvimento capitalista Pois essas concepções sofriam inevitavelmente os limites impostos sobre seus criadores pelo fato de se identificarem com o ponto de vista do capital ainda que assumissem uma postura crítica diante dos excessos da nova ordem emergente e do impacto negativo de algumas tendências já visíveis sobre o desenvolvimento pessoal dos indivíduos Eles o fizeram em nítido contraste com os ideólogos mais recentes do capital que se recusam a ver qualquer coisa errada em sua estimada sociedade As maiores personagens do Iluminismo burguês eram favoráveis ao pleno desenvolvimento humanamente realizador dos indivíduos particulares Mas queriam ver sua efetivação no interior da estrutura da sociedade capitalista liberta de seus traços prosaicos ameaçadores e seus corolários humanamente empobrecedores incluindo o deboche moral contra o qual Adam Smith elevou sua eloquente voz Entretanto enxergando o mundo do ponto de vista do capital não puderam divisar a mudança radical exigida na ordem social como um todo para fazer prevalecer seus próprios ideais Pois o ponto de vista do capital adotado por eles tornava impossível entrevêr a incompatibilidade estrutural entre seus próprios ideais educacionais aplicados aos indivíduos projetados moral e esteticamente louváveis de suas contraimagens utópicas e a ordem social triunfantemente emergente Não é possível destacar com suficiente intensidade o caráter vital do conceito de mudança na teoria educacional Pois ele estabelece obrigatoriamente o horizonte e a viabilidade última ou não de todo o sistema de educação Nesse sentido sob as condições históricas vigentes a mudança visada pelas grandes personagens burguesas iluministas tinha de permanecer caracteristicamente assimétrica Pois embora fosse suficientemente radical em relação à denunciada ordem feudal da sociedade dominante no antigo regime com relação ao futuro a concepção de mudança que eles defendiam só poderia se estender ao desenvolvimento educacional pessoal dos indivíduos particulares como um meio ilusório de se contrapor às tendências sóciohistóricas negativas O enfrentamento crítico das determinações estruturais da ordem social do capital que necessariamente afetava e deve sempre afetar do modo mais significativo o desenvolvimento dos indivíduos tinha de permanecer muito além do seu alcance Os corretivos às tendências denunciadas de desenvolvimento podiam ser entrevistos por eles apenas em termos individualistas Quer dizer de um modo que no final das contas mantinha intacta a conformação estrutural e os crescentes antagonismos da ordem capitalista vitoriosamente emergente Eis porque os antídotos propostos mesmo na variedade mais consistentemente elaborada da educação estética dos indivíduos tinham de permanecer como contraimagens utópicas irrealizáveis Pois é impossível mandar parar os efeitos negativos de uma poderosa tendência social na formação dos indivíduos sem identificar e impugnar efetivamente nos termos sociais apropriados suas determinações causais que os produziram e prosseguiram inexoravelmente reproduzindo Assim a adoção do ponto de vista do capital como a premissa social insuperável de seu horizonte crítico limitou até mesmo as maiores personagens da burguesia em ascensão a projetar a luta dos indivíduos particulares e antes isolados contra os efeitos e consequências negativos das forças sociais que os representantes do Iluminismo queriam reformar por meio da educação pessoal idealmente adequada dos indivíduos Uma luta que jamais poderia ser levada a bom termo tanto porque não se pode vencer uma força social poderosa pela ação fragmentada de indivíduos isolados como porque as determinações estruturais causais da ordem criticada devem ser rivalizadas e impugnadas no domínio causal em seus próprios termos de referência isto é pela força historicamente sustentável de uma alternativa estrutural coerente Mas isso exigiria é claro a adoção de uma perspectiva social radicalmente diferente pelos pensadores em questão Um ponto de vista capaz de avaliar de forma realista as limitações inescapáveis da potencialidade reformadora do capital contra suas próprias determinações causais estruturais Não é surpreendente pois que a aceitação do ponto de vista do capital como o horizonte geral de sua própria visão tenha restringido as medidas retificadoras plausíveis dos grandes pensadores do Iluminismo à defesa de contramedidas incorrigivelmente utópicas mesmo na fase ascendente ainda relativamente flexível da progressão histórica do sistema do capital Isto é antes da época em que as determinações de classe antagônicas da sociedade de mercadorias plenamente desenvolvida se tornassem petrificadas na forma de uma estrutura social irreformável cada vez mais reificada e alienada É aí que podemos ver claramente o contraste entre os ideais e práticas educacionais do passado e as concepções apropriadas aos desafios históricos que temos de enfrentar no curso de uma transformação socialista sustentável Jamais se pode formular o preceito da educação socialista nos termos de alguns ideais utópicos estabelecidos diante dos indivíduos aos quais eles devem supostamente se conformar em uma esperança bastante ingênua de contrariar e superar os problemas de sua vida social como indivíduos mais ou menos isolados porém moralmente conscientes por meio da força de um tem de ser moral abstrato ilusionariamente estipulado Isso nunca funcionou no passado e nunca poderia funcionar no futuro não obstante a óbvia necessidade de satisfazer os desafios muito reais que surgem constantemente das condições históricas alteradas e dos constrangimentos objetivos da situação das pessoas envolvidas como membros de sua sociedade Seria extremamente autoderrotista conceber a educação socialista como um antídoto individualista aos defeitos da vida social por mais desejável e louvável que o tem de ser moral abstrato proposto possa parecer à primeira vista O fracasso total das exortações stakhanovistas para transformar a ética do trabalho na sociedade soviética é uma boa ilustração do problema em jogo Um fracasso em virtude da ignorância dissoluta das determinações causais nas raízes da vigente ética do trabalho da força de trabalho relutante sob as condições dadas que emergem da exclusão autoritária dos trabalhadores do processo de decisão O sucesso da educação socialista é plausível porque a sua perspectiva de avaliação ao contrário das limitações estruturais inerentes à adoção do ponto de vista do capital no passado não tem de desviála dos problemas reais da sociedade determinados de maneira causal que demandam retificações sociais apropriadas e voltála a um apelo moral abstratoindividualista que somente poderia produzir projeções utópicas irrealizáveis As causas sociais devem e podem ser enfrentadas na estrutura educacional socialista em um nível adequado como causas historicamente originadas e determinações estruturais claramente identificáveis bem como desafiáveis E precisamente porque o desafio de enfrentar as demandas por mais dolorosas que sejam da mudança social significativa não é um conceito inibidor nessa abordagem mas antes uma ideia positiva inseparável de uma visão ilimitada do futuro conscientemente conformado as forças educacionais exigidas podem ser ativadas com êxito para a realização dos objetivos e valores adotados do desenvolvimento socialista da sociedade visado por seus membros Por conseguinte o preceito ideal e o papel prático da educação no curso da transformação socialista consistem em sua intervenção efetiva continuada no processo social em andamento por meio da atividade dos indivíduos sociais conscientes dos desafios que têm de confrontar como indivíduos sociais de acordo com os valores exigidos e elaborados por eles para cumprir seus desafios Isso é inconcebível sem o desenvolvimento de sua consciência moral Mas a moralidade em questão não é uma imposição sobre os indivíduos particulares a partir de fora muito menos de cima em nome de um discurso moral destacado e abstrato de tem de ser como a inscrição cinzelada no mármore em muitas igrejas inglesas Teme teu Deus e obedece teu Rei Tampouco é o equivalente secular a esses comandos externos pseudoreligiosos impostos sobre os indivíduos em todas as sociedades governadas pelos imperativos do capital Ao contrário a moralidade da educação socialista se preocupa com a mudança social de longo alcance racionalmente concebida e recomendada Seus preceitos se articulam com base na avaliação concreta das tarefas escolhidas e da parte exigida pelos indivíduos em sua determinação consciente de realizálas É desse modo que a educação socialista pode definirse como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista que não se separa e interage contiguamente com a transformação histórica geral em andamento em qualquer momento dado Em outras palavras as características definidoras da educação socialista emergem e interagem profundamente com todos os princípios orientadores relevantes do desenvolvimento socialista 3 Em vista de sua postura radicalmente diferente com relação à mudança aplicada não apenas ao desenvolvimento pessoal dos indivíduos mas simultaneamente também às determinações estruturais vitais de sua sociedade somente no interior de uma perspectiva socialista o pleno significado da educação pode chegar à fruição Mas colocar essa circunstância em relevo está longe de ser por si só suficiente Pois o outro lado da moeda é que em virtude do papel seminal da educação na mudança geral da sociedade é impossível alcançar os objetivos vitais de um desenvolvimento histórico sustentável sem a contribuição permanente da educação ao processo de transformação conscientemente visado A linha de demarcação que opõe o desenvolvimento socialista defendido às restrições e contradições do passado é desenhada pela crítica necessária da falsa consciência agigantada em uma variedade de formas sob o domínio do metabolismo social pelo capital Um metabolismo dominado pela inversão mistificadora das relações reais de intercâmbio sociorreprodutivo sob o fetiche usurpador da hegemonia supostamente legitimada do capital produtivo e da dependência total do trabalho capitalisticamente empregado assim impondo com êxito à consciência da sociedade como um todo e de seus indivíduos efetivamente trabalhadores e produtivos a falsa consciência da personificação das coisas e reificação das pessoas como já vimos Naturalmente o poder da falsa consciência não pode ser superado pela ilustração educacional por mais bem intencionada somente dos indivíduos Os indivíduos particulares como indivíduos isolados estão à mercê da falsa consciência reificadora porque as relações reprodutivas reais historicamente dadas em que estão inseridos só podem funcionar com base na personificação das coisas e reificação das pessoas Consequentemente para alterar a inversão mistificadora e em última instância destrutiva da relação reprodutiva sustentável dos seres humanos contrapondose ao mesmo tempo à dominação da falsa consciência reificadora sobre os indivíduos particulares é preciso uma mudança societária oniabrangente Nada menos abrangente do que isso pode prevalecer de maneira duradoura Contentarse com a reforma gradual e as mudanças parciais correspondentes é autoderrotista A questão não é se as mudanças são introduzidas repentinamente ou ao longo de um período maior mas a conformação estratégica geral da transformação estrutural fundamental consistentemente perseguida independentemente do tempo que a sua realização bemsucedida possa levar Os riscos de ou um ou outro entre as formas de controle sociometabólico mutuamente excludentes a ora estabelecida e a futura são globais tanto no espaço quanto no tempo É por isso que o projeto socialista só pode obter êxito se for articulado e afirmado de maneira consistente como a alternativa hegemônica ao metabolismo social estruturalmente resguardado e alienante do capital Isto é se a ordem socialista alternativa abarcar no curso de seu desenvolvimento produtivo cada sociedade e o fizer no espírito de assegurar a irreversibilidade histórica da alternativa hegemônica do trabalho ao controle sociometabólico estabelecido do capital 2 Karl Marx Economic Manuscripts of 186163 em Karl Marx e Friedrich Engels Collected Works Nova York International Publishers 1975 v 34 p 457 ed bras Teorias da maisvalia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1980 v 1 p 384406 No projeto socialista em virtude da crítica radical inevitável e abertamente professada da falsa consciência estruturalmente dominante do sistema do capital as medidas adotadas de transformação material são inseparáveis dos objetivos educacionais defendidos Isso porque os princípios orientadores da transformação socialista da sociedade são irrealizáveis sem o pleno envolvimento da educação como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Todos os princípios orientadores anteriormente discutidos desde a participação genuína em todos os níveis de decisão até o planejamento abrangente concebido no sentido do planejamento que inclui a autônoma obtenção de sentido da própria vida pelos indivíduos e desde a realização progressiva da igualdade substantiva na sociedade como um todo até as condições globalmente sustentáveis da única economia historicamente viável em uma ordem internacional em progressão positiva só podem traduzirse em realidade se o poder da educação for plenamente ativado para esse propósito As medidas adotadas em qualquer momento dado são históricas também no sentido de que são e permanecerão sempre sujeitas a mudança Não é preciso dizer sob condições favoráveis as realizações alcançadas podem ser progressivamente acentuadas e aprofundadas em um sentido positivo Mas evidentemente é da mesma forma razoável que do lado negativo as reversões jamais possam ser aprioristicamente excluídas Isso dependerá sempre da intervenção efetiva da educação socialista no processo contínuo de transformação Na análise final é isso o que determinará se prevalecerão as potencialidades positivas ou negativas e em que grau 4 Muito se fala hoje nas sociedades capitalisticamente avançadas sobre a agenda do respeito Consiste na ilusória projeção de resolver a crise de valores cada vez mais aprofundada manifesta na forma da crescente criminalidade e delinquência ao lado da alienação cada vez pior do jovem em relação à sua sociedade por um apelo direto e retórico à consciência dos indivíduos postulando em vão o adequado respeito pelos valores da cidadania democrática E quando toda essa pregação vazia fracassa como tem de fracassar uma vez que evita como a uma praga as causas sociais dos sintomas negativos denunciados as personificações políticas do alto escalão do capital inclusive o mais alto deles começam a falar de como podem identificar a futura delinquência já no útero da mãe indicando as medidas legislativas estatais autoritárias necessárias para lidar com a futura criminalidade potencial no estágio mais inicial possível Essa linha de abordagem não é mais racional ou menos autoritária do que a defesa do Estado capitalista de adotar implacavelmente a luta ideológica com o intuito de vencer a já mencionada guerra contra o terror Ao mesmo tempo o que se exclui absolutamente é a possibilidade de mudar as determinações estruturais da ordem social estabelecida que produzem e reproduzem os efeitos e consequências destrutivos Cumpre negar de maneira categórica que possa haver alguma coisa seriamente errada com a sociedade tal como existe Apenas os indivíduos tendenciosamente selecionados para serem repreendidos podem precisar de uma ação reparadora E esperase que essa ação corretiva seja proporcionada por um grupo privilegiado de indivíduos autodesignados as personificações e os guardiões complacentes da ordem po lítica e socioeconômica do capital que alegam conhecer tudo melhor ex officio Assim nada poderia ser mais justificado do que a instituição da ordem hegemônica alternativa A estrutura educacional dessa ordem é tanto individual quanto social e de maneira inseparável O destinatário da educação socialista não pode ser simplesmente o indivíduo apartado como no modelo dos ideais educacionais tradicionais Pois como já indicado no passado os preceitos e princípios educacionais defendidos eram via de regra detalhados na forma de apelos diretos à consciência dos indivíduos particulares normalmente concebidos em termos de exortações morais Ao contrário a educação socialista se destina aos indivíduos sociais e não aos indivíduos isolados Em outras palavras concerne aos indivíduos cuja autodefinição como indivíduos em contraste com o discurso genérico abstrato da filosofia tradicional sobre a individualidade isolada autorreferenciada não pode sequer ser imaginada sem a relação mais estreita com seu meio social real e com a situação histórica específica claramente identificável de que seus desafios humanos inescapavelmente emergem Pois é precisamente a sua situação histórica e social concreta que os convida a formular os valores pelos quais seu compromisso ativo com determinadas formas de ação pode levar a cabo a realização de sua parte apropriada adotada de maneira consciente que por conseguinte os define como indivíduos sociais autônomos e responsáveis na grande transformação contínua Eis como a educação praticamente efetiva dos indivíduos sociais se torna sinônima do significado mais profundo de educação como autoeducação As referências de Marx ao indivíduo social rico têm o intuito de indicar esse tipo de autodefinição como a estrutura viável da educação Só é possível assumir a responsabilidade social não como o tem de ser moralista e abstrato do discurso filosófico tradicional que defende algum ideal externo a que os indivíduos devem se conformar mas como a força real que se integra à situação histórica e social efetiva com base na concepção da própria educação como um órgão social estrategicamente vital isto é como a prática social inseparável do desenvolvimento contínuo da consciência socialista E isso por sua vez só é plausível pela postura radicalmente diferente com relação à mudança no interior da estrutura da ordem hegemônica alternativa Nada pode ser aprioristicamente eximido de mudança na nova ordem em nítido contraste com a estrutura sociometabólica do capital em que a crítica às determinações estruturais significativas da sociedade é decretada ilegítima e essas são portanto protegidas com todos os meios disponíveis ao sistema inclusive os mais violentos Alterar as condições historicamente dadas de acordo com a dinâmica do desenvolvimento social em andamento não é apenas aceitável mas também de importância vital na ordem hegemônica alternativa Deixar de fazêlo não somente iria contra o ethos socialista professado como também privaria a sociedade de seu potencial positivo de desenvolvimento como a história do século XX tragicamente demonstrou O papel da educação socialista é muito importante nesse sentido Sua determinação interna simultaneamente social e individual lhe confere um papel histórico único com base na reciprocidade pela qual ela pode exercer sua influência a produzir um grande impacto sobre o desenvolvimento social em sua integridade A educação socialista só pode cumprir seu preceito se for articulada a uma intervenção consciente e efetiva no processo de transformação social impositores do imperativo do tempo alienante do sistema a se submeterem à tirania do tempo de trabalho necessário Desse modo como denunciou Marx os indivíduos trabalhadores potencialmente os indivíduos sociais ricos em suas palavras sofrem as consequências alienantes ao longo de toda a sua vida porque sofrem sua degradação a mero trabalhador sua subsunção no trabalho3 Ademais essa dependência estrutural e a correspondente degradação não é de maneira alguma o final da história Sob determinadas circunstâncias especialmente sob as condições de grandes crises socioeconômicas os trabalhadores têm também de sofrer a perversidade do desemprego a mazela cinicamente camuflada e hipocritamente justificada da flexibilidade do trabalho e a selvajaria da difundida precarização Todas essas condições emergem da mesma determinação operacional do processo de trabalho capitalista Devemse à desumanidade irredimível da contabilidade do tempo do capital e à coação do imperativo do tempo inalterável do sistema4 A alternativa hegemônica do trabalho é a instituição de uma contabilidade do tempo radicalmente diversa sinônima das exigências humanamente enriquecedoras da contabilidade socialista Apenas sobre essa base é possível entrever as práticas produtivas em pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais ricos Isso só é plausível por meio de uma substituição radical da tirania historicamente predominante do tempo de trabalho necessário pela adoção consciente e o uso criativo do tempo disponível como princípio orientador da reprodução societária 3 Karl Marx Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie MarxEngelsWerke Berlim Dietz Verlag 1983 v 42 p 604 4 Ver no capítulo 5 de O desafio e o fardo do tempo histórico cit a discussão de importantes temas relacionados Obviamente a ideia de uma alteração dessa magnitude carrega consigo implicações de longo alcance Pois no momento exato em que focamos nossa atenção na necessidade da mudança qualitativa envolvida na adoção do tempo disponível como a contabilidade do tempo praticamente efetiva capaz de substituir o tempo de trabalho necessário tornase amplamente evidente que é inconcebível instituir na sociedade uma alteração tão fundamental sem a plena ativação da força da educação socialista Em primeiro lugar porque a instituição do tempo disponível como o novo princípio orientador e operacional do processo de reprodução societária exige uma adesão consciente a ele Isso se opõe totalmente à tirania do tempo de trabalho necessário que domina a sociedade na forma da compulsão econômica geral regulada não pela apreensão consciente nem mesmo pelo planejamento estritamente parcial aplicável às unidades econômicas particulares introduzidas como uma reflexão tardia pelas personificações do capital no processo de trabalho mas pela contradição antagônica entre capital e trabalho e pela força post festum do mercado Os trabalhadores não têm de ser educados para a tarefa de participar da estrutura operacional do tempo de trabalho necessário Eles simplesmente não podem escapar de seus imperativos uma vez que estes lhes são diretamente impostos com a absolutez de um destino social correspondente à sua subordinação estruturalmente assegurada na ordem social estabelecida Eis porque essa estrutura recebeu de Marx a sagaz denominação de a condição inconsciente da humanidade Como tal a inconsciência ubiqueamente predominante no processo capitalista de trabalho por conta de sua cega contabilidade do tempo por mais idealizada que seja A reciprocidade mencionada é altamente relevante nesse sentido porque por um lado os indivíduos sociais podem contribuir de maneira ativa para a realização das tarefas e desafios dados e com isso para a significativa transformação de sua sociedade e ao mesmo tempo por outro lado são conformados de um modo significativamente internalizável no curso das mudanças alcançadas Com efeito eles mesmos são também legitimamente conformados por sua própria consciência positiva do significado dos desenvolvimentos em progresso percebendo corretamente sua parte ativa neles Esse tipo de internalização consensual genuína dos contínuos desenvolvimentos pelos indivíduos sociais assinala um afastamento radical com relação à doutrina inteiramente apologética do consentimento tácito que predominou na teoria política da ordem estabelecida desde John Locke seu fundador O envolvimento ativo dos indivíduos nas mudanças societárias pode ser identificado como interação social no melhor sentido do termo Uma interação social plena de significado fundada na reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos sociais e sua sociedade A emergência e o fortalecimento dessa reciprocidade mutuamente benéfica estariam completamente fora de questão se alguma autoridade designasse que os vários aspectos da ordem hegemônica alternativa incluindo suas determinações estruturais mais importantes devessem permanecer além do alcance dos indivíduos sociais Sua autonomia nesse caso equivaleria a nada como de fato significa nada no caso das postuladas escolhas soberanas feitas pelos indivíduos na sociedade de mercadorias Assim a relevância da educação socialista como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista nesse sentido vital de reciprocidade que define os indivíduos particulares como indivíduos sociais e evidencia ao mesmo tempo o próprio significado desse termo definidor não poderia ser maior Pois as exigências de um desenvolvimento historicamente viável no espírito dos importantes princípios orientadores da transformação socialista tornamse reais por meio da contribuição mais ativa da educação para o processo Nenhuma delas poderia cumprir sua função social requerida sem a educação 5 Como um caso representativo podemos perceber muito claramente a importância seminal da educação explicitada na forma da reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos particulares e sua sociedade na relação com a mudança fundamental necessária para transformar as práticas econômicas ora dominantes em um tipo qualitativamente diferente A diferença concerne diretamente ao domínio da reprodução material vital cuja saúde é essencial para a viabilidade até mesmo das práticas culturais mais mediadas Pois o imperativo do tempo do capital predominante no processo de reprodução material afeta diretamente não apenas as relações estruturais de exploração da sociedade de classes como um todo mas impõe ao mesmo tempo seus efeitos negativos e humanamente empobrecedores sobre cada aspecto da atividade material e intelectual no tempo de vida dos indivíduos particulares Por conseguinte a necessidade de emancipação humana em que a educação socialista desempenha um papel crucial representa a esse respeito um desafio fundamental As práticas reprodutivas da sociedade capitalista são caracterizadas pela contabilidade do tempo desumanizadora que obriga os indivíduos trabalhadores em contraste com as personificações do capital que são os mais complacentes significa também incontrolabilidade com suas implicações fundamentalmente destrutivas A segunda razão igualmente importante é que o sujeito social capaz de regular o processo de trabalho com base no tempo disponível só pode ser a força conscientemente combinada da multiplicidade de indivíduos sociais os produtores livremente associados como são habitualmente denominados Novamente podemos ver aqui um contraste notável com o sujeito que regula o processo de reprodução societária com base no tempo de trabalho necessário Pois o tempo de trabalho necessário não é apenas estreitamente determinista mas também terminantemente impessoal no sentido de que a força reguladora da produção e reprodução societária não é em absoluto um sujeito propriamente dito mas os imperativos estruturais do sistema do capital em geral Mesmo os mais complacentes impositores do imperativo do tempo do sistema estabelecido não podem senão obedecêlos com maior ou menor êxito Se não obtêm êxito em sua exigida conformidade com os imperativos fetichistas serão logo expulsos da estrutura do sistema pela falência de suas empresas Em vista do fato de que não obstante as mistificações fetichistas do sistema do capital seu sujeito produtor real é o trabalhador o capitalista como suposto sujeito controlador que é na verdade firmemente controlado pelos imperativos estruturais necessariamente predominantes da ordem estabelecida só pode ser um pseudosujeito usurpador Consequentemente apenas o sujeito efetivamente produtor o trabalho como tal pode adquirir a única consciência reguladora plausível e produtivamente viável sob as condições históricas do nosso tempo É óbvio que não estamos falando aqui da categoria sociológica empirista dos trabalhadores particulares como trabalhadores isolados que confrontam a força social do capital por maior que seja o seu número como trabalhadores isolados mas sim do trabalho dos indivíduos sociais conscientemente combinados como a condição universal da vida na ordem hegemônica alternativa Esse é o único sujeito social plausível que pode regular de maneira consciente o processo de reprodução societária com base no tempo disponível Ou para expressar de um modo diverso a mesma correlação dialética somente pela adoção consciente do tempo disponível como o princípio operacional orientador e praticamente efetivo de nossa vida é possível entrever o desenvolvimento de um sujeito social capaz de controlar de forma apropriada a produção e a reprodução societária da ordem hegemônica alternativa O sujeito em questão como antes mencionado é simultaneamente social e individual Esse indivíduo social é impensável sem os processos educacionais e autoeducacionais pelos quais se podem satisfazer as exigências criativas da nova ordem sociometabólica Como a sociedade se encontra hoje a adoção do tempo disponível em todos os lugares como um princípio operacional vital da produção é apenas uma potencialidade abstrata O futuro depende de nossa capacidade ou incapacidade de transformar essa potencialidade abstrata em realidade criativa concreta Nem é preciso dizer que a tirania do tempo de trabalho necessário é uma imposição aos trabalhadores que devem sempre permanecer uma força de trabalho relutante no interior da estrutura do sistema do capital Além disso a imposição do tempo de trabalho necessário é também desperdiçadora em seus próprios termos de referência no sentido de que sua operação pressupõe o estabelecimento de uma estrutura de comando estritamente hierárquica de que algumas partes são extremamente problemáticas ou de fato completamente parasitárias mesmo com relação às suas supostas funções econômicas Comparadas a isso as vantagens de se levar a cabo a produção e a reprodução societária com base no tempo disponível dedicado à realização dos objetivos conscientemente escolhidos pelos indivíduos sociais autorregulados são inegáveis Pois os produtores livremente associados dispõem de recursos incomparavelmente mais ricos do que aquilo que jamais se poderia arrancar da força de trabalho relutante sob a imposição dos imperativos estruturais do tempo de trabalho necessário do capital Cumpre também enfatizar aqui que a educação como o desenvolvimento progressivo da consciência socialista integrante à vida dos indivíduos sociais em sua estreita interação com seu ambiente social historicamente em transformação é uma força vital identificável também pelo grande impacto da educação sobre a mudança na reprodução material Esse impacto emerge diretamente da substituição operacional do tempo de trabalho necessário pelo tempo disponível autonomamente determinado definida na disposição de sua sociedade pelos indivíduos trabalhadores É evidente que apenas os indivíduos sociais como indivíduos podem conscientemente determinar por e para si mesmos a natureza isto é a dimensão qualitativa e o montante de seu próprio tempo disponível do qual as realizações criativas de sua sociedade podem emergir com êxito Tudo isso concerne tanto ao número de horas como à intensidade do trabalho dedicados por eles à tarefa produtiva relevante Nenhuma autoridade destacada pode decidir ou imporlhes essas exigências ao contrário da dominação anteriormente inevitável do tempo de trabalho necessário A única força capaz de contribuir positivamente para o novo processo de transformação é a própria educação cumprindo com isso seu papel de órgão social como acima mencionado pelo qual a reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos e sua sociedade se torna real Nada pode ser imposto aqui de antemão como uma norma preestabelecida ou como finalidade restritiva Vemos no processo reprodutivo positivamente ilimitado da ordem hegemônica alternativa a manifestação de uma interação genuína Por intermédio da educação socialista a força produtiva dos indivíduos se estende e acentua simultaneamente ampliando e tornando mais emancipadora a força reprodutiva geral de sua sociedade como um todo Esse é o único significado historicamente sustentável de ampliação da riqueza social em contraste com o culto fetichista da expansão do capital fundamentalmente destrutiva em nosso mundo finito que é inseparável do desperdício fatal do sistema do capital A dominação do valor de uso pelo valor de troca e a consequente negação sistemática impiedosa da necessidade humana em nossa ordem global só pode ser retificada com base em uma mudança radical do princípio orientador socialista do tempo disponível conscientemente adotado e exercido pelos próprios indivíduos sociais Sua educação como autoeducação orientada ao valor inseparável do desenvolvimento contínuo de sua consciência socialista em sua reciprocidade dialética com as tarefas e desafios históricos que têm de enfrentar os faz crescer tanto em suas forças produtivas como em sua humanidade É isso que lhes proporciona o fundamento necessário para a autossatisfação criativa como sujeitos autônomos que podem obter sentido de e ao mesmo tempo dar sentido a sua própria vida como indivíduos sociais particulares plenamente cientes de sua parte e responsabilidade em assegurar o desenvolvimento positivo historicamente sustentável de sua sociedade E é evidente que isso confere seu significado verdadeiro na expressão indivíduo social rico 6 As mesmas considerações se aplicam a todos os princípios orientadores essenciais da ordem social hegemônica alternativa na vinculação completa de suas exigências reprodutivas com a educação socialista Pois somente por meio do mais ativo e constante envolvimento da educação no processo de transformação social alcançado por sua capacidade de ativar a reciprocidade dialética progressivamente mais consciente entre os indivíduos e sua sociedade é possível transformar em força operativa efetiva historicamente progressiva e concreta o que no início podem ser apenas princípios e valores orientadores genéricos Do modo como os indivíduos determinam conscientemente a natureza e o montante propício de seu tempo disponível livremente dedicado à realização de seus objetivos sociais escolhidos que somente eles podem determinar de maneira autônoma e contínua assim também somente eles podem definir o significado da participação real em todos os níveis de decisão Pois a liberação criativa e a participação produtiva só são concebíveis pelo entendimento apropriado da natureza das tarefas envolvidas incluindo sua raison dêtre histórica e ao mesmo tempo pela percepção da necessidade de aceitar de forma consciente a grande responsabilidade inseparável de um modo plenamente participativo de regular sua ordem social em uma base sustentável De modo semelhante o significado da igualdade substantiva só pode transformarse de um princípio orientador geral válido em uma realidade social criativamente sustentável e humanamente enriquecedora e na correspondente identificação positiva e sem reservas dos membros da sociedade com as determinações de valor subjacentes e sua genuína justificação por meio da autotransformação da educação como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Uma forma de educação que deve ser capaz não apenas de confrontar e retificar conscientemente as relações sociorreprodutivas estruturalmente resguardadas e fatalmente prejudiciais da desigualdade material e socialpolítica herdadas do passado mas de superar ao mesmo tempo a força mistificadora profundamente engastada da antiquíssima cultura da desigualdade substantiva que ainda permeia a consciência social Em outro contexto como vimos acima o fracasso deplorável do planejamento econômico no sistema social de tipo soviético deveuse à tentativa burocrática de impôlo sobre a sociedade da maneira mais autoritária de cima ignorando a necessidade de assegurar a cooperação voluntária dos indivíduos sociais com o plano anunciado pelo Estado A cooperação consciente positiva era uma exigência essencial impossível de alcançar sem a intervenção positiva da educação praticamente efetiva como autoeducação na forma e no espírito da reciprocidade anteriormente mencionada entre os indivíduos trabalhadores e seus compromissos societários mais amplos com o propósito de obter a identificação consciente dos indivíduos particulares com o cumprimento de seus objetivos produtivos escolhidos Sem isso os indivíduos não poderiam interagir de forma criativa com o próprio plano geral para contribuírem autonomamente com o processo transformador em um domínio criticamente importante E para tomar mais um exemplo quando pensamos na complementaridade dialética das dimensões nacional e internacional da sociedade em nosso tempo revelase imediatamente que o papel da educação como a educação consensual praticada de forma consciente é extremamente importante Nas palavras de Fidel Castro Na medida em que tivermos êxito em educar profundamente nosso povo no espírito do internacionalismo e da solidariedade tornandoo consciente dos problemas de nosso mundo hoje no mesmo grau seremos capazes de confiar que nosso povo cumprirá suas obrigações internacionais É impossível falar de solidariedade entre os membros de um povo se a solidariedade não for criada simultaneamente entre os povos Se fracassarmos nisso correremos o risco de cair no egotismo nacional Nesse sentido o legado altamente negativo e divisor do passado ainda pesa muito na consciência dos povos contribuindo ativamente para a constante erupção de conflitos e confrontos destrutivos em diferentes partes do mundo hoje É inconcebível desprendemonos dessas contradições e antagonismos sem a força criativa da educação autonomamente exercida pelos indivíduos sociais como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Pois somente essa educação pode capacitarlhes a uma apreensão clara da natureza e relevância das questões em jogo e inspirálos ao mesmo tempo a assumir plena responsabilidade por sua própria parte positiva no processo de trazer ao controle as tendências destrutivas de nossa ordem social globalmente entrelaçada e em nosso tempo histórico inevitavelmente nacional e internacional 5 Discurso em Katowice Polônia em 7 de junho de 1972 Citado em Carlos Tablada Pérez Economia etica e política nel pensiero di Che Guevara Milão II Papiro 1996 p 165 Em todas essas questões estamos preocupados com a necessidade vital de uma mudança estrutural radical e oniabrangente de nossa ordem sociorreprodutiva que não se pode alcançar pelas determinações materiais cegas que tiveram de predominar no desenvolvimento histórico passado Além disso os grandes problemas e dificuldades de nossas próprias condições históricas são ainda intensificadas e agravadas pela inegável urgência do tempo jamais experimentada em épocas históricas anteriores Nesse sentido é suficiente apontar duas diferenças literalmente vitais que colocam em acentuado relevo a urgência do tempo em nossa própria época Em primeiro lugar o poder de destruição antes inimaginável que se encontra hoje à disposição da humanidade pelo qual se pode alcançar facilmente o completo extermínio da espécie humana por meio de uma variedade de meios militares Isso é gravemente acirrado pelo fato de que testemunhamos no último século tanto a escala como a intensidade sempre crescentes de conflagrações militares efetivas incluindo duas guerras mundiais extremamente destrutivas Ademais nos últimos anos da caótica nova ordem mundial as pretensões mais cínicas e absurdas foram e ainda são empregadas para iniciar guerras genocidas ameaçandonos ao mesmo tempo até mesmo com o uso moralmente justificado de armas nucleares em projetadas guerras futuras preventivas e antecipadas E a segunda condição gravemente ameaçadora é que a natureza destrutiva do controle sociometabólico do capital em nosso tempo manifesta pela predominância cada vez maior da produção destrutiva em contraste com a mitologia capitalista tradicionalmente autojustificadora da destruição produtiva encontrase no processo de devastação do ambiente natural arriscando enfrentados e melhorar suas condições de existência E as melhorias aqui referidas emergem não simplesmente em termos materiais mas de acordo com o pleno significado anteriormente discutido dos indivíduos sociais ricos em autodesenvolvimento A consciência dos indivíduos sociais que opera nessas relações das alegações concorrentes entre a ordem sociometabólica estabelecida e sua alternativa hegemônica é em primeiro lugar sua consciência da necessidade de instituir com êxito uma alternativa historicamente sustentável à crescente destrutividade do modo de controle sociorreprodutivo do capital Ao mesmo tempo no que concerne à autoconsciência e à autodefinicão historicamente apropriada das pessoas envolvidas a consciência exigida dos indivíduos sociais engajados no processo transformador é sua consciência positiva de que estão ativamente engajados na instituição da única ordem hegemônica alternativa plausível sob as circunstâncias vigentes Nada que seja desprovido desse tipo de autodefinicão afirmada com inflexível determinação e consistência pode alcançar êxito Pois estamos aqui preocupados com um preceito único para uma transformação qualitativa oníabrangente que surge em uma conjuntura crítica da história humana Isto é em uma conjuntura antes inconcebível em que nada menos do que a própria sobrevivência da espécie humana está diretamente em jogo O único órgão social capaz de satisfazer o preceito histórico vital em questão é a educação firmemente orientada ao desenvolvimento contínuo da consciência socialista 7 Uma vez que a ideia de mudança estrutural é excluída a priori quando se enxerga o mundo da perspectiva do capital em vista dos parâmetros conceituais necessariamente limitadores do sistema a dimensão do futuro sofre as consequências no sentido de que tem de restringirse na visão de absolutamente todos cujo horizonte histórico é estabelecido pelo ponto de vista do capital Por conseguinte mesmo um gênio filosófico como Hegel só poderia oferecer uma dialé tica truncada do tempo quando alcançou o presente em sua monumental concepção da História Mundial De forma significativa ele barrou o caminho antes da possibilidade de qualquer mudança futura estruturalmente relevante insistindo de maneira apologética que ao final tinha de se verificar em seu espírito também antihistórica que A história universal vai do leste para o oeste pois a Europa é o fim da história universal6 E acrescentou ainda que esse processo de desenvolvimento a seu clímax e completude ideal é a verdadeira teodiceia a justificação de Deus na história7 Do ponto de vista fundamentalmente autoderrotista do capital as perspectivas de desenvolvimento devem ajustarse de tal modo que a preocupação com a imediaticidade domina o horizonte temporal Toda a mudança visada só é admissível e legítima se as condições potencialmente alteradas puderem se adaptar prontamente à conformação estrutural estabelecida do sistema do capital e a suas determinações de valor correspondentes 6 G W F Hegel Filosofia da história Brasília Editora Universidade de Brasília 1995 p 93 Grifos meus 7 Ibidem p 373 A orientação educacional dos indivíduos incluindo suas aspirações materiais e valores sociais segue o mesmo caminho diretamente dominada pelos problemas da imediaticidade capitalista Sua consciência temporal no que concerne ao futuro se restringe ao tempo presente constantemente renovado de sua luta com o poder fetichisticamente limitador da imediaticidade de sua vida cotidiana uma luta que não pode em absoluto vencer sob a vigência do tempo de trabalho necessário do capital O caráter local e a imediaticidade devem portanto prevalecer em toda parte O conceito de mudança estrutural geral material e socialmente plausível sem mencionar seu caráter desejável e legítimo deve permanecer nos termos do sistema educacional dominante como absoluto tabu Os cultos convenientes do ponto de vista capitalista do local e do imediato predominam e devem caminhar inseparavelmente juntos Assim nas concepções que se conformam ao ponto de vista da ordem natural automitologizadora supostamente permanente do capital a ausente dinâmica dos objetivos e ideais transformadores abrangentes que teriam de entrever em alguma conjuntura futura a necessidade ou ao menos a possibilidade de mudança sóciohistórica fundamental não pode tornarse inteligível sem que se mantenha em mente o horizonte temporal inevitavelmente truncado dos indivíduos controlados de maneira fetichista em sua vida diária Há aqui uma perversa reciprocidade que produz um círculo vicioso na relação dos dois O horizonte temporal truncado dos indivíduos exclui a possibilidade de estabelecerem para si mesmos objetivos transformadores abrangentes e viceversa a ausência de determinações transformadoras abrangentes em sua visão condena sua consciência temporal a permanecer trancada no mais estreito horizonte temporal da imediaticidade A educação socialista ao contrário não pode cumprir seu preceito histórico sem dar o devido peso aos objetivos transformadores abrangentes essencialmente importantes vinculados a seu horizonte temporal apropriado Por certo isso não significa que os objetivos mais fundamentais da mudança estrutural devam ou possam ser deixados para um futuro distante por conta da perspectiva inevitavelmente de longo prazo de sua plena realização Ao contrário é uma característica proeminente dos problemas que devem ser confrontados no curso da transformação socialista que as tarefas imediatas não possam ser separadas e convenientemente isoladas dos desafios de longo prazo e mais abrangentes muito menos opostas de maneira autojustificada como no passado a eles Os próprios problemas são tão estreitamente entrelaçados em virtude do caráter histórico único da mudança estrutural oníabrangente exigida que a ação referente até mesmo aos mais distantes objetivos transformadores plenamente realizáveis como por exemplo a instituição da igualdade substantiva em todos os lugares no sentido mais pleno do termo não pode ser deixada para alguma data futura remota O caminho que conduz à realização completa da igualdade substantiva deve ser tomado hoje se falamos a sério sobre a efetivação bemsucedida da atividade inflexível necessária para a instituição e consolidação de uma mudança material e cultural tão radical É um traço historicamente único da defesa socialista da mudança estrutural qualitativa que a consciência e a autoconsciência dos indivíduos deva enfocar a natureza inclusivaoniabrangente da requerida transformação social e como em nosso tempo se experimenta em toda parte não fosse ainda uma realidade globalmente ameaçadora O próprio Marx tentava apaixonadamente explorar os meios para realizar as mudanças transformadoras oniabrangentes necessárias para se contrapor em uma base historicamente sustentável à progressiva tendência destrutiva do sistema do capital Ele estava plenamente ciente do fato de que sem a dedicação consciente das pessoas à realização da tarefa histórica monumental de instituir uma ordem sociometabólica radicalmente diferente e viável de reprodução não poderia haver êxito A força intelectual persuasiva da apreensão teórica por mais bem fundamentada que fosse não era por si só suficiente O modo como formulou esse problema com grande senso de realidade foi o reconhecimento de que não basta que o pensamento procure realizarse a realidade deve igualmente compelir ao pensamento8 Ele sabia bem que a força material progressivamente destrutiva do capital na fase decadente do desenvolvimento do sistema tinha de ser emparelhada e positivamente superada pela força material da alternativa hegemônica historicamente viável Assim destacando a maneira como o trabalho teórico podia aspirar ser significativo ele acrescentou à sentença acima citada mas a teoria convertese em força material quando penetra nas massas9 Naturalmente não é qualquer teoria que poderia fazêlo Uma vez que se tratava de constituir uma relação apropriada entre teoria comprometida com a 8 Karl Marx Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução em Crítica da filosofia do direito de Hegel São Paulo Boitempo 2006 p 152 9 Ibidem p 151 ideia de uma mudança societária fundamental e com a força material que poderia fazer a diferença era preciso satisfazer algumas condições de importância vital sem as quais a ideia defendida da teoria que penetra nas massas equivaleria a nada mais que um lema moralista vazio como frequentemente foi o caso no discurso sectárioelitista Assim Marx concluiu suas reflexões sobre o assunto salientando firmemente que a teoria só se realiza num povo na medida em que é a realização das suas necessidades10 Não é necessário dizer que a teoria não pode alcançar o povo em questão somente por livros nem tampouco se voltando simplesmente mesmo com a melhor das intenções a uma multidão aleatória de indivíduos O pensamento radical não pode ser bemsucedido em seu preceito de mudar a consciência social sem uma articulação organizacional adequada Uma organização coerente para proporcionar a estrutura historicamente em desenvolvimento de intercâmbio entre as necessidades das pessoas e as ideias estratégicas de sua realização é essencial para o sucesso do empreendimento transformador Não é portanto de modo nenhum surpreendente que Marx e Engels seu companheiro mais próximo como jovens intelectuais revolucionários tenham aderido ao movimento social mais radical de seu tempo e tenham sido responsáveis por escrever o Manifesto Comunista que defendia a necessária intervenção organizada inflexível no progressivo processo histórico global Foi também essencial ter uma ideia clara da orientação estratégica da consciência em desenvolvimento isto é seu foco necessário sem o qual poderia desviarse da realização 10 Ibidem p 152 Grifos meus de sua tarefa histórica É por isso que Marx continuou salientando que a defendida consciência comunista só seria capaz de cumprir seu preceito histórico se fosse a consciência da necessidade de uma revolução radical11 Ademais uma consideração igualmente importante concernia à questão da amplitude em que essa consciência comunista deveria difundirse na sociedade para que exista uma chance de subjugar seu adversário juntamente com a questão conseguinte das condições ainda ausentes de sua difusão sob as circunstâncias vigentes dado o longo condicionamento histórico das pessoas envolvidas que agia contra a adoção em larga escala da consciência comunista Pois as tentações fundamentalmente autoderrotistas do vanguardismo elitista não tiveram sua origem em tempos recentes Eram já proeminentes muito antes do tempo de Marx Isso se aplicava não apenas à ignorância da questão de como os educadores são educados presumindo algum tipo de direito nato ou superioridade ex officio aos educadores autodesignados mas em termos mais gerais ao problema vital da decisão que exclui as grandes massas do povo Ao lado disso tais concepções elitistas foram sempre condenadas à futilidade e ao fracasso porque sem a mobilização das grandes massas do povo não pode haver esperança de sucesso contra a disparidade esmagadoramente favorável ao capital sob as condições históricas vigentes Em oposição a todas as deturpações elitistas concebíveis do desafio das quais vimos inúmeras incorporações no passado Marx enfatizou da maneira mais clara que 11 Karl Marx e Friedrich Engels A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 Tanto para a criação em massa dessa consciência comunista quanto para o êxito da própria causa fazse necessária uma transformação massiva dos homens o que só se pode realizar por um movimento prático por uma revolução que a revolução portanto é necessária não apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma mas também porque somente com uma revolução a classe que derruba detém o poder de desembaraçarse de toda a antiga imundície e de se tornar capaz de uma nova fundação da sociedade12 Essas considerações permanecem válidas para o presente e para o futuro O vanguardismo sectário jamais poderia estar à altura da magnitude da tarefa histórica que envolve a constituição de um movimento de massa revolucionário capaz de superar com êxito seu adversário e ao mesmo tempo livrarse da sujeira paralisadora de séculos de modo a tornarse adequado para fundar uma nova sociedade Eis porque Marx contrastava a necessidade de consciência comunista de massa com o ideal abstrato ao qual as pessoas deveriam se conformar Quer os defensores de tais abordagens estejam cientes disso ou não o vanguardismo sectário sempre foi e jamais poderia ser outra coisa precisamente a tentativa de impor sobre as grandes massas do povo o ideal abstrato deplorado por Marx ao passo que descartava de maneira arrogante ou ao menos ingênua a alternativa válida da consciência comunista de massa como populismo ou alguma coisa do gênero E o ideal abstrato externamente imposto pelo vanguardismo sectário não poderia ser considerado menos prejudicial apenas porque alguns de seus 12 Idem dedicados defensores estariam pessoalmente dispostos a se conformarem a ele Paradoxalmente em alguns períodos do século XX a realidade estava compelindo ao pensamento para empregar a expressão de Marx mas o pensamento como deveria incorporarse em estratégias sociais e políticas viáveis da requerida transformação radical juntamente com suas articulações organizacionais correspondentes não estava à altura do desafio Com o intuito de descartar a possibilidade de não se conseguir tirar vantagem das condições favoráveis que surgem em meio à crise estrutural cada vez mais aprofundada do capital cumpre recordar duas questões de importância seminal Com relação a ambas o papel da educação como o desenvolvimento tão necessário da consciência socialista sem a qual mesmo a grave crise estrutural da ordem sociometabólica do capital está muito longe de ser suficiente para ativar o processo de fundação de uma nova sociedade é supremo A primeira referese à necessária transição da ordem vigente à sociedade historicamente sustentável do futuro Como vimos antes a ordem sociometabólica ora profundamente resguardada do capital se caracteriza pela dominação do contravalor isto é pela conotação positiva perniciosamente conferida ao desperdício e à destruição que carrega consigo a degradação da educação ao condicionamento conformista das pessoas que devem internalizar as exigências destrutivas suicidas do sistema do capital no espírito adequado à manutenção e ampliação do contravalor Nesse sentido o movimento direcionado à nova ordem sociometabólica na sociedade de transição é inseparável da necessidade de superar o ethos social herdado da ordem reprodutiva do capital Somente por meio da educação concebida como a autoeducação radical dos indivíduos sociais no curso de sua alteração que só pode ter lugar em um movimento prático em uma revolução somente nesse processo podem os indivíduos sociais tornarse simultaneamente educadores e educados Essa é a única maneira concebível de superar a dicotomia conservadora de todas as concepções elitistas que dividem a sociedade em seletos educadores misteriosamente superiores e o resto da sociedade consignada à sua posição permanentemente subordinada de educados como realçado por Marx A esse respeito devemos constantemente nos lembrar de que a defendida alteração do povo para se tornar adequado para fundar uma nova sociedade só é plausível pelo desenvolvimento da consciência comunista de massa que abarca a maioria esmagadora da sociedade Esse desenvolvimento tem lugar em uma sociedade de transição com suas características dadas que não se pode ilusionariamente desconsiderar para ajustála a algum postulado futuro idealizado Os expedientes mediadores efetivamente disponíveis as mediações13 práticas identificáveis entre o presente e o futuro sustentável são os únicos modos e meios pelos quais os princípios orientadores gerais da transformação socialista podem tornarse forças operadoras e acentuar de maneira crescente as potencialidades e realizações positivas percebidas bem como reduzir o poder dos componentes negativos herdados Para o êxito desse processo é preciso confiar na dialética prática de mudança e continuidade 13 Em termos filosóficos a categoria de mediação adquire uma importância particularmente grande no período histórico de transição à nova ordem social consolidando as potencialidades e realizações positivas como fundamento necessário sobre o qual é possível construir com êxito Naturalmente o modo próprio de apreender os expedientes mediadores disponíveis em uma sociedade de transição inclui a adaptação consciente ao nosso próprio desígnio das aspirações progressistas do passado mais remoto como vimos anteriormente com referência aos ideais educacionais irrealizados dos grandes pensadores iluministas e com isso a recriação de uma continuidade histórica perdida à qual o capital se contrapõe absolutamente no presente estágio de sua crise sistêmica A transição bemsucedida é um processo histórico vital que se desdobra no interior da dialética sustentável de continuidade e mudança Pelo abandono de um dos dois componentes dialéticos válidos desse processo para não mencionar a supressão de ambos só se pode destruir a história como o capital se inclina a fazer hoje O papel autônomo da educação autoeducadora na apreensão e na adequada adaptação dos expedientes mediadores da sociedade de transição é o construtor necessário da continuidade positiva Ele é a história viva conforme se desdobra na direção do futuro escolhido e ao mesmo tempo o modo consciente de os indivíduos viverem sua própria história no difícil período de transição A segunda questão de importância seminal indicada acima concerne ao desafio internacional que enfrentamos Pois ninguém pode seriamente negar que o culto do local desde o romantismo ingênuo de o pequeno é belo até o lema cuja unilateralidade tende à autoderrota ainda que seja retoricamente tentador pense globalmente aja localmente é totalmente impotente contra os recursos globais de dominação e destruição do capital Ao mesmo tempo é também muito difícil negar que as tentativas passadas de contraporse organizacionalmente ao poder global do capital pela força do internacionalismo socialista não viveram para alcançar seus objetivos declarados Uma das principais razões para o fracasso das Internacionais radicais foi seu pressuposto extremamente irrealista mesmo que historicamente condicionado da unidade doutrinal como ponto de partida e necessário modo de operação e suas tentativas de coerção de vários modos autoderrotistas que conduziram a desencaminhamentos e à implosão final Retificar conscientemente esse problema de acordo com as exigências e potencialidades de nosso tempo histórico representa um grande desafio para o futuro Do outro lado a dominação ideológica do capital no âmbito internacional foi fortemente sustentada pela cultura da desigualdade substantiva Ela promoveu o mito autovantajoso das nações históricomundiais alguns países capitalisticamente poderosos que alcançaram a dominação sob determinadas circunstâncias históricas à custa das nações menores supostamente destinadas à eterna subordinação aos países históricomundiais Essa visão alçou na filosofia abstrata uma contingência histórica óbvia ao altivo status de necessidade ontológica apriorística culminando na máxima apologética anteriormente citada segundo a qual as nações históricomundiais da Europa representam o fim da história universal Desse modo o sistema de dominação e subordinação estrutural totalmente injustificável se justificava pela caricatura especulativa da bruta relação de forças contingentemente estabelecida mas historicamente mutável no postulado da permanência da desigualdade substantiva O papel da educação é crucial também nesse sentido Pois por um lado é necessário expor por meio do papel István Mészáros analisa criticamente o papel da educação na construção de uma sociedade socialista sustentável diferenciandoa radicalmente da educação sob o capitalismo avançado Ele argumenta que a educação quando reduzida a uma formação instrumental e utilitária serve à perpetuação do sistema capitalista alienando os indivíduos e consolidando a ordem social existente em vez de possibilitar uma transformação real Mészáros aponta que historicamente pensadores como Paracelso Goethe e Schiller defendiam um ideal educacional voltado para o desenvolvimento humano contínuo No entanto a ascensão do utilitarismo e a submissão da educação ao mercado transformaram esse ideal em um mecanismo de reprodução da lógica capitalista No século XX essa tendência se consolidou resultando na privatização da educação e na imposição da racionalidade instrumental A educação no capitalismo é descrita como um processo de doutrinação permanente que internaliza nos indivíduos a crença na inalterabilidade da ordem social e na suposta soberania dos consumidores dentro de um mercado altamente monopolizado Essa estrutura ideológica é mantida por meio da falsa ideia de neutralidade de valor e pela inculcação da aceitação passiva da sociedade de mercadorias A escola nesse contexto é um instrumento de reprodução ideológica que limita a capacidade crítica dos indivíduos e os conforma às exigências do capital O autor também destaca como ao longo do tempo os ideais progressistas do Iluminismo foram subjugados pela lógica destrutiva do capitalismo Conceitos como a educação moral de Kant e a educação estética de Schiller que buscavam oferecer um antídoto contra a alienação foram progressivamente desvalorizados e tornaramse utopias irrealizáveis diante do imperativo de acumulação do capital A crítica se estende à atual crise educacional que acompanha o avanço do capitalismo monopolista e imperialista Mészáros denuncia a utilização da educação como instrumento de legitimação da supremacia capitalista sustentada por discursos que combinam retórica democrática com práticas excludentes e destrutivas incluindo a imposição ideológica do neoliberalismo e do imperialismo sob o pretexto da luta contra o terror e os Estados fracassados Mészáros contrapõe a educação socialista à capitalista enfatizando que o modelo educacional socialista deve ser qualitativamente diferente indo além das reformas superficiais e do moralismo abstrato Ele argumenta que a verdadeira transformação educacional requer uma alternativa estrutural coerente capaz de desafiar as determinações causais do capital e de integrar a educação ao processo de transformação social A educação socialista portanto não pode ser uma simples readequação dentro da ordem capitalista mas sim um projeto que visa à emancipação coletiva rompendo com as limitações estruturais impostas pelo sistema de mercadorias István Mészáros argumenta que a educação tem um papel fundamental na transformação socialista sustentável diferenciandose da educação sob o capitalismo que funciona como um mecanismo de reprodução da ordem social e alienação dos indivíduos Para ele a educação deve ser contínua e coletiva não restrita ao período formal de escolarização mas sim um processo permanente de desenvolvimento da consciência crítica e socialista Historicamente a educação esteve ligada a disputas ideológicas No passado filósofos como Goethe e Schiller acreditavam que ela poderia enriquecer humanamente os indivíduos No entanto a partir da segunda metade do século XIX o capitalismo subordinou a educação aos interesses da produção e do mercado reduzindoa a uma ferramenta de racionalidade instrumental e utilitarismo No século XX essa tendência se consolidou e a educação passou a reforçar a ideia de que a ordem social capitalista é natural e inalterável Assim a dominação do capital sobre a educação tornouse profunda e estrutural levando os indivíduos a aceitar os valores da sociedade de mercadorias como algo lógico e inevitável Mészáros critica essa doutrinação ideológica que cria a ilusão de soberania individual quando na verdade as escolhas são moldadas pelo sistema Ele aponta que mesmo os ideais educacionais mais nobres foram anulados pela lógica destrutiva do capital que impôs uma visão limitada e pragmática da educação Além disso denuncia que a crise educacional atual está diretamente ligada à expansão do capitalismo monopolista e imperialista que usa a educação para justificar políticas neoliberais e reforçar a dominação econômica e ideológica Para romper com essa estrutura Mészáros propõe uma educação socialista que vá além da formação individualista e esteja integrada à transformação estrutural da sociedade Ele rejeita soluções reformistas graduais defendendo que apenas uma ruptura total com a lógica mercantil da educação pode possibilitar uma mudança real A educação socialista deve ser um processo contínuo de desenvolvimento da consciência crítica e transformação social no qual os indivíduos não apenas aprendam mas também participem ativamente da construção de uma nova ordem O autor critica a abordagem individualista da educação que tenta resolver problemas sociais por meio da formação moral sem enfrentar as causas estruturais das desigualdades Ele alerta que a transformação educacional deve ser articulada como uma alternativa hegemônica ao capitalismo indo além de reformas superficiais A educação socialista para ser bemsucedida precisa ser concebida como autoeducação coletiva e permanente onde os indivíduos compreendam sua relação com a sociedade e ajam para modificála Mészáros conclui que a educação socialista não pode ser um complemento à mudança social mas sim seu eixo central Ela deve atuar no desenvolvimento da consciência coletiva e na construção de uma nova sociedade baseada na participação igualdade e superação da alienação Para ele apenas uma educação verdadeiramente revolucionária pode romper com a lógica do capital e permitir a emancipação social e humana István Mészáros defende que a educação socialista é fundamental para a transformação estrutural da sociedade substituindo a lógica da exploração capitalista pelo controle consciente dos trabalhadores sobre a produção No capitalismo o tempo de trabalho necessário impõese de forma compulsória enquanto no socialismo o tempo disponível seria utilizado de forma autônoma e produtiva A falsa consciência imposta pelo capital mantém a alienação dos indivíduos impedindo mudanças reais Assim a educação deve ir além do ensino formal e funcionar como um processo contínuo de conscientização permitindo que os trabalhadores assumam o controle de suas vidas e da organização social Para Mészáros reformas graduais são insuficientes apenas uma mudança estrutural profunda pode romper com as crises ecológicas econômicas e militares do capitalismo A educação socialista é o meio pelo qual os indivíduos podem se libertar da alienação e construir uma sociedade baseada na igualdade participação e planejamento democrático A obra de István Mészáros enfatiza a importância da educação socialista como elemento fundamental para a transformação estrutural da sociedade No capitalismo a educação serve à manutenção da ordem vigente perpetuando a alienação dos trabalhadores e a dominação do capital Em contraste a educação socialista deve promover a consciência crítica e a autonomia dos indivíduos permitindolhes tomar parte ativa na reorganização da sociedade A transição para uma nova ordem sociometabólica exige a substituição do tempo de trabalho necessário pelo tempo disponível no qual os trabalhadores possam decidir coletivamente sobre a produção e a organização da vida social No entanto essa mudança não ocorrerá espontaneamente pois a hegemonia do capital impõe uma cultura de conformismo e aceitação da desigualdade estrutural Para romper esse ciclo é essencial uma educação que vá além da instrução formal e se torne um processo contínuo de conscientização e autotransformação Mészáros argumenta que mudanças graduais e reformas parciais não são suficientes para enfrentar as crises globais provocadas pelo capitalismo como a destruição ambiental a intensificação dos conflitos militares e a exploração econômica Somente uma transformação radical e abrangente sustentada por um planejamento democrático e participativo pode garantir uma sociedade verdadeiramente sustentável e justa Essa transformação no entanto depende da mobilização das massas e da adoção de uma consciência socialista coletiva Dada a urgência sem precedentes de nosso tempo histórico o socialismo no século XXI não pode evitar enfrentar os desafios dramáticos que emergem desses imperativos Marx já compreendia que a simples formulação teórica da transformação social não era suficiente era necessário que essa teoria penetrasse nas massas e se convertesse em força material A consciência comunista portanto só pode ser efetiva se for compreendida e assumida pela maioria da sociedade sendo inseparável da prática revolucionária e da educação crítica A superação do capitalismo exige além da ação política organizada uma profunda mudança na maneira como os indivíduos percebem sua relação com a sociedade O vanguardismo elitista que busca impor um ideal abstrato sobre as massas não pode substituir a construção de uma consciência socialista coletiva O sucesso da revolução socialista dependerá da participação ativa das massas e da transformação contínua da consciência social Além disso Mészáros destaca a necessidade de uma abordagem internacionalista para a luta socialista A dominação global do capital não pode ser enfrentada apenas por ações locais isoladas A construção de uma alternativa hegemônica ao capitalismo exige solidariedade entre os povos e uma estratégia global de enfrentamento ao imperialismo e às desigualdades estruturais A educação socialista desempenha um papel crucial nesse processo desmistificando a ideologia da superioridade das potências capitalistas e promovendo a ideia de um futuro baseado na igualdade e na cooperação internacional Em síntese Mészáros reafirma que a transformação socialista requer não apenas um novo modelo econômico mas também uma revolução na maneira como os indivíduos compreendem sua própria existência dentro da sociedade A educação nesse contexto não é apenas uma ferramenta de aprendizado mas um instrumento de libertação e de construção de uma nova ordem social sustentável e igualitária
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ISTVÁN MÉSZÁROS A EDUCAÇÃO PARA ALÉM DO CAPITAL NOVA EDIÇÃO AMPLIADA BOITEMPO EDITORIAL Copyright István Mészáros Copyright desta edição Boitempo Editorial 2005 2008 Título original Education Beyond Capital Coordenação editorial Ivana Jinkings Assistência editorial Ana Paula Castellani Ana Lotufo 2ª ed e Livia Campos Tradução Isa Tavares Revisão da tradução Sérgio Luiz Mansur e Luis Gonzaga Fragoso Revisão técnica Maria Orlanda Pinassi Capa Maringoni e Antonio Kehl sobre foto de Sebastião Salgado Terra São Paulo Companhia das Letras 1997 Sebastião SalgadoAmazonas Images Editoração eletrônica Gapp Design Produção Marcel Ilha Paula Pires e Flávia Franchini CIPBRASIL CATALOGAÇÃONAFONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ M55e 2ed Mészáros István 1930 A educação para além do capital István Mészáros tradução Isa Tavares 2ed São Paulo Boitempo 2008 Mundo do trabalho Tradução de Education beyond capital Apêndice ISBN 9788575590683 1 Educação Aspectos econômicos 2 Capitalismo 3 Democracia 4 Educação e Estado I Título II Série 083207 CDD 370 CDU 3701378 É vedada nos termos da lei a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora Este livro atende às normas do novo acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009 1ª edição julho de 2005 1ª reimpressão novembro de 2005 2ª reimpressão novembro de 2006 2ª edição ampliada agosto de 2008 1ª reimpressão agosto de 2009 2ª edição revista agosto de 2010 1ª reimpressão maio de 2012 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda Rua Pereira Leite 373 05442000 São Paulo SP Telfax 11 38757250 38726869 editorboitempoeditorialcombr wwwboitempoeditorialcombr SUMÁRIO Apresentação 9 Prefácio por Emir Sader 15 A educação para além do capital 19 Apêndice 79 Educação o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Obras do autor 125 EDUCAÇÃO O DESENVOLVIMENTO CONTÍNUO DA CONSCIÊNCIA SOCIALISTA 1 O papel da educação não poderia ser maior na tarefa de assegurar uma transformação socialista plenamente sustentável A concepção de educação aqui referida considerada não como um período estritamente limitado da vida dos indivíduos mas como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista na sociedade como um todo assinala um afastamento radical das práticas educacionais dominantes sob o capitalismo avançado É compreendida como a extensão historicamente válida e a transformação radical dos grandes ideais educacionais defendidos no passado mais remoto Pois esses ideais educacionais tiveram de ser não apenas minados com o passar do tempo mas ao final completamente extintos sob o impacto da alienação que avança cada vez mais e da sujeição do desenvolvimento cultural em sua integridade aos interesses cada vez mais restritivos da expansão do capital e da maximização do lucro Este apêndice integra o livro O desafio e o fardo do tempo histórico publicado pela Boitempo em novembro de 2007 N E Não apenas Paracelso no século XVI mas também Goethe e Schiller1 no fim do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX ainda acreditavam em um ideal educacional que poderia orientar e enriquecer humanamente os indivíduos ao longo de toda a sua vida Ao contrário a segunda metade do século XIX foi já marcada pelo triunfo do utilitarismo e o século XX capitulou sem reservas também no campo educacional às concepções mais estreitas de racionalidade instrumental Quanto mais avançada a sociedade capitalista mais unilateralmente centrada na produção de riqueza reificada como um fim em si mesma e na exploração das instituições educacionais em todos os níveis desde as escolas preparatórias até as universidades também na forma da privatização promovida com suposto zelo ideológico pelo Estado para a perpetuação da sociedade de mercadorias Não é surpreendente pois que o desenvolvimento tenha caminhado de mãos dadas com a doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores da ordem social do capital como a ordem natural inalterável racionalizada e justificada pelos ideólogos mais sofisticados do sistema em nome da objetividade científica e da neutralidade de valor As condições reais da vida cotidiana foram plenamente dominadas pelo ethos capitalista sujeitando os indivíduos como uma questão de determinação estruturalmente assegurada ao imperativo de ajustar suas aspirações de maneira conforme ainda que não pudessem fugir à áspera situação da escravidão assalariada Assim o capitalismo avançado pôde seguramente ordenar seus negócios de modo a limitar o período de educação institucionalizada em uns poucos anos economicamente convenientes da vida dos indivíduos e mesmo fazêlo de maneira discriminadoraelitista As determinações estruturais objetivas da normalidade da vida cotidiana capitalista realizaram com êxito o restante a educação contínua das pessoas no espírito de tomar como dado o ethos social dominante internalizando consensualmente com isso a proclamada inalterabilidade da ordem natural estabelecida Eis porque mesmo os melhores ideais da educação moral de Kant e da educação estética de Schiller que tinham a intenção de ser para seus autores os antídotos necessários e possíveis da progressiva tendência de alienação desumanizadora contraposta pelos indivíduos moralmente preocupados em sua vida pessoal à tendência criticada foram condenados a permanecer para sempre no reino das utopias educacionais irrealizáveis Eles não poderiam equipararse sob nenhum aspecto à realidade prosaica das forças que impuseram com sucesso a todo custo o imperativo autoexpansivo fundamentalmente destrutivo do capital Pois a tendência socioeconômica da alienação que tudo traga foi suficientemente poderosa para extinguir sem deixar rastro até mesmo os ideais mais nobres da época do Iluminismo Nesse sentido podemos ver que embora o período de educação institucionalizada seja limitado sob o capitalismo a relativamente poucos anos da vida dos indivíduos a dominação ideológica da sociedade prevalece por toda a sua vida ainda que em muitos contextos essa dominação não tenha de assumir preferências doutrinárias explícitas de valor E isso torna ainda mais pernicioso o problema do domínio ideológico do capital sobre a sociedade como um todo e por certo ao mesmo tempo sobre seus indivíduos convenientemente isolados Quer os indivíduos particulares tenham ou não consciência disso não podem sequer encontrar a mínima gota de fundamento neutro de valor em sua sociedade muito embora a explícita doutrinação ideológica lhes garanta de forma enganosa o oposto pretendendo e convidando os indivíduos a se identificarem autonomamente com essa pretensão que eles sejam plenamente soberanos em sua escolha dos valores em geral assim como se afirma que eles são consumidores soberanos das mercadorias produzidas capitalisticamente adquiridas com base nas escolhas soberanas nos supermercados controlados de modo cada vez mais monopolista Tudo isso é uma parte integrante da educação capitalista pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias como algo lógico e natural Assim a sociedade capitalista resguarda com vigor não apenas seu sistema de educação contínua mas simultaneamente também de doutrinação permanente mesmo quando a doutrinação que impregna tudo não parece ser o que é por ser tratada pela ideologia vigente consensualmente internalizada como o sistema de crença positivo compartilhado de maneira legítima pela sociedade livre estabelecida e totalmente não objetável Ademais o que torna as coisas ainda piores é que a educação contínua do sistema do capital tem como cerne a asserção de que a própria ordem social estabelecida não precisa de nenhuma mudança significativa Precisa apenas de uma regulação mais exata em suas margens que se deve alcançar pela metodologia idealizada do pouco a pouco Por conseguinte o significado mais profundo da educação contínua da ordem estabelecida é a imposição arbitrária da crença na absoluta inalterabilidade de suas determinações estruturais fundamentais Uma vez que o significado real de educação digno de seu preceito é fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das condições sociais historicamente em transformação das quais são também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis todo sistema de educação orientado à preservação acrítica da ordem estabelecida a todo custo só pode ser compatível com os mais pervertidos ideais e valores educacionais Eis porque diferentemente da época do Iluminismo na fase ascendente das transformações capitalistas que podia ainda produzir utopias educacionais nobres como as concepções de Kant e Schiller anteriormente referidas a fase decadente da história do capital que culmina na apologia da destruição ilimitada levada a cabo pelo desenvolvimento monopolista e imperialista no século XX e sua extensão no século XXI teve de trazer consigo uma crise educacional antes inconcebível ao lado do culto mais agressivo e cínico do contravalor Este último inclui em nosso tempo as pretensões de supremacia racista a horrenda presunção do direito moral de usar armas nucleares por prevenção e antecipação mesmo contra países que jamais tiveram armas nucleares e a justificação mais hipócrita do imperialismo liberal supostamente mais humano ainda que inevitavelmente destrutivo Dizse que esse novo imperialismo é correto e apropriado para nossas condições pósmodernas uma teoria vestida em sua busca por respeitabilidade intelectual com o esquematismo grotesco da prémodernidade modernidade pósmodernidade depois do colapso ignominioso do imperialismo Eis a concepção que vemos defenderse hoje com toda a seriedade pelos mandarins indicados e realizadores políticos do próprio capital projetada como a estratégia necessária a ser imposta sobre os Estados fracassados peremptoriamente decretados como tal e sobre o chamado Eixo do Mal Essas ideias têm o intuito de ser princípios e valores orientadores estratégicos apropriados às nossas condições históricas São designadas para estabelecer os parâmetros gerais no interior dos quais os indivíduos devem agora ser educados de modo a possibilitar que os Estados capitalistas dominantes vençam a luta ideológica um conceito repentinamente propagandeado em termos positivos com grande frequência em agudo contraste com os mitos felizes e liberais do fim da ideologia e do fim da história pregados e generosamente promovidos há pouco tempo sinônima da guerra contra o terror Assim é difícil até mesmo imaginar uma degradação mais completa dos ideais educacionais comparada ao passado mais distante do capital do que hoje confrontamos ativamente E tudo isso é promovido em nosso tempo com todos os meios à disposição do sistema em nome da democracia e liberdade palavras que condimentam em abundância os discursos de presidentes e primeirosministros Nada poderia dispor com mais clareza a natureza pervertida da falsa consciência capitalista plenamente complementada pela doutrinação ubíqua exercida de modo mais ou menos espontâneo sobre os indivíduos em sua vida cotidiana pela sociedade de mercadorias 2 A concepção socialista da educação é qualitativamente diferente mesmo dos ideais educacionais mais nobres da burguesia ilustrada formulados na fase ascendente do desenvolvimento capitalista Pois essas concepções sofriam inevitavelmente os limites impostos sobre seus criadores pelo fato de se identificarem com o ponto de vista do capital ainda que assumissem uma postura crítica diante dos excessos da nova ordem emergente e do impacto negativo de algumas tendências já visíveis sobre o desenvolvimento pessoal dos indivíduos Eles o fizeram em nítido contraste com os ideólogos mais recentes do capital que se recusam a ver qualquer coisa errada em sua estimada sociedade As maiores personagens do Iluminismo burguês eram favoráveis ao pleno desenvolvimento humanamente realizador dos indivíduos particulares Mas queriam ver sua efetivação no interior da estrutura da sociedade capitalista liberta de seus traços prosaicos ameaçadores e seus corolários humanamente empobrecedores incluindo o deboche moral contra o qual Adam Smith elevou sua eloquente voz Entretanto enxergando o mundo do ponto de vista do capital não puderam divisar a mudança radical exigida na ordem social como um todo para fazer prevalecer seus próprios ideais Pois o ponto de vista do capital adotado por eles tornava impossível entrevêr a incompatibilidade estrutural entre seus próprios ideais educacionais aplicados aos indivíduos projetados moral e esteticamente louváveis de suas contraimagens utópicas e a ordem social triunfantemente emergente Não é possível destacar com suficiente intensidade o caráter vital do conceito de mudança na teoria educacional Pois ele estabelece obrigatoriamente o horizonte e a viabilidade última ou não de todo o sistema de educação Nesse sentido sob as condições históricas vigentes a mudança visada pelas grandes personagens burguesas iluministas tinha de permanecer caracteristicamente assimétrica Pois embora fosse suficientemente radical em relação à denunciada ordem feudal da sociedade dominante no antigo regime com relação ao futuro a concepção de mudança que eles defendiam só poderia se estender ao desenvolvimento educacional pessoal dos indivíduos particulares como um meio ilusório de se contrapor às tendências sóciohistóricas negativas O enfrentamento crítico das determinações estruturais da ordem social do capital que necessariamente afetava e deve sempre afetar do modo mais significativo o desenvolvimento dos indivíduos tinha de permanecer muito além do seu alcance Os corretivos às tendências denunciadas de desenvolvimento podiam ser entrevistos por eles apenas em termos individualistas Quer dizer de um modo que no final das contas mantinha intacta a conformação estrutural e os crescentes antagonismos da ordem capitalista vitoriosamente emergente Eis porque os antídotos propostos mesmo na variedade mais consistentemente elaborada da educação estética dos indivíduos tinham de permanecer como contraimagens utópicas irrealizáveis Pois é impossível mandar parar os efeitos negativos de uma poderosa tendência social na formação dos indivíduos sem identificar e impugnar efetivamente nos termos sociais apropriados suas determinações causais que os produziram e prosseguiram inexoravelmente reproduzindo Assim a adoção do ponto de vista do capital como a premissa social insuperável de seu horizonte crítico limitou até mesmo as maiores personagens da burguesia em ascensão a projetar a luta dos indivíduos particulares e antes isolados contra os efeitos e consequências negativos das forças sociais que os representantes do Iluminismo queriam reformar por meio da educação pessoal idealmente adequada dos indivíduos Uma luta que jamais poderia ser levada a bom termo tanto porque não se pode vencer uma força social poderosa pela ação fragmentada de indivíduos isolados como porque as determinações estruturais causais da ordem criticada devem ser rivalizadas e impugnadas no domínio causal em seus próprios termos de referência isto é pela força historicamente sustentável de uma alternativa estrutural coerente Mas isso exigiria é claro a adoção de uma perspectiva social radicalmente diferente pelos pensadores em questão Um ponto de vista capaz de avaliar de forma realista as limitações inescapáveis da potencialidade reformadora do capital contra suas próprias determinações causais estruturais Não é surpreendente pois que a aceitação do ponto de vista do capital como o horizonte geral de sua própria visão tenha restringido as medidas retificadoras plausíveis dos grandes pensadores do Iluminismo à defesa de contramedidas incorrigivelmente utópicas mesmo na fase ascendente ainda relativamente flexível da progressão histórica do sistema do capital Isto é antes da época em que as determinações de classe antagônicas da sociedade de mercadorias plenamente desenvolvida se tornassem petrificadas na forma de uma estrutura social irreformável cada vez mais reificada e alienada É aí que podemos ver claramente o contraste entre os ideais e práticas educacionais do passado e as concepções apropriadas aos desafios históricos que temos de enfrentar no curso de uma transformação socialista sustentável Jamais se pode formular o preceito da educação socialista nos termos de alguns ideais utópicos estabelecidos diante dos indivíduos aos quais eles devem supostamente se conformar em uma esperança bastante ingênua de contrariar e superar os problemas de sua vida social como indivíduos mais ou menos isolados porém moralmente conscientes por meio da força de um tem de ser moral abstrato ilusionariamente estipulado Isso nunca funcionou no passado e nunca poderia funcionar no futuro não obstante a óbvia necessidade de satisfazer os desafios muito reais que surgem constantemente das condições históricas alteradas e dos constrangimentos objetivos da situação das pessoas envolvidas como membros de sua sociedade Seria extremamente autoderrotista conceber a educação socialista como um antídoto individualista aos defeitos da vida social por mais desejável e louvável que o tem de ser moral abstrato proposto possa parecer à primeira vista O fracasso total das exortações stakhanovistas para transformar a ética do trabalho na sociedade soviética é uma boa ilustração do problema em jogo Um fracasso em virtude da ignorância dissoluta das determinações causais nas raízes da vigente ética do trabalho da força de trabalho relutante sob as condições dadas que emergem da exclusão autoritária dos trabalhadores do processo de decisão O sucesso da educação socialista é plausível porque a sua perspectiva de avaliação ao contrário das limitações estruturais inerentes à adoção do ponto de vista do capital no passado não tem de desviála dos problemas reais da sociedade determinados de maneira causal que demandam retificações sociais apropriadas e voltála a um apelo moral abstratoindividualista que somente poderia produzir projeções utópicas irrealizáveis As causas sociais devem e podem ser enfrentadas na estrutura educacional socialista em um nível adequado como causas historicamente originadas e determinações estruturais claramente identificáveis bem como desafiáveis E precisamente porque o desafio de enfrentar as demandas por mais dolorosas que sejam da mudança social significativa não é um conceito inibidor nessa abordagem mas antes uma ideia positiva inseparável de uma visão ilimitada do futuro conscientemente conformado as forças educacionais exigidas podem ser ativadas com êxito para a realização dos objetivos e valores adotados do desenvolvimento socialista da sociedade visado por seus membros Por conseguinte o preceito ideal e o papel prático da educação no curso da transformação socialista consistem em sua intervenção efetiva continuada no processo social em andamento por meio da atividade dos indivíduos sociais conscientes dos desafios que têm de confrontar como indivíduos sociais de acordo com os valores exigidos e elaborados por eles para cumprir seus desafios Isso é inconcebível sem o desenvolvimento de sua consciência moral Mas a moralidade em questão não é uma imposição sobre os indivíduos particulares a partir de fora muito menos de cima em nome de um discurso moral destacado e abstrato de tem de ser como a inscrição cinzelada no mármore em muitas igrejas inglesas Teme teu Deus e obedece teu Rei Tampouco é o equivalente secular a esses comandos externos pseudoreligiosos impostos sobre os indivíduos em todas as sociedades governadas pelos imperativos do capital Ao contrário a moralidade da educação socialista se preocupa com a mudança social de longo alcance racionalmente concebida e recomendada Seus preceitos se articulam com base na avaliação concreta das tarefas escolhidas e da parte exigida pelos indivíduos em sua determinação consciente de realizálas É desse modo que a educação socialista pode definirse como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista que não se separa e interage contiguamente com a transformação histórica geral em andamento em qualquer momento dado Em outras palavras as características definidoras da educação socialista emergem e interagem profundamente com todos os princípios orientadores relevantes do desenvolvimento socialista 3 Em vista de sua postura radicalmente diferente com relação à mudança aplicada não apenas ao desenvolvimento pessoal dos indivíduos mas simultaneamente também às determinações estruturais vitais de sua sociedade somente no interior de uma perspectiva socialista o pleno significado da educação pode chegar à fruição Mas colocar essa circunstância em relevo está longe de ser por si só suficiente Pois o outro lado da moeda é que em virtude do papel seminal da educação na mudança geral da sociedade é impossível alcançar os objetivos vitais de um desenvolvimento histórico sustentável sem a contribuição permanente da educação ao processo de transformação conscientemente visado A linha de demarcação que opõe o desenvolvimento socialista defendido às restrições e contradições do passado é desenhada pela crítica necessária da falsa consciência agigantada em uma variedade de formas sob o domínio do metabolismo social pelo capital Um metabolismo dominado pela inversão mistificadora das relações reais de intercâmbio sociorreprodutivo sob o fetiche usurpador da hegemonia supostamente legitimada do capital produtivo e da dependência total do trabalho capitalisticamente empregado assim impondo com êxito à consciência da sociedade como um todo e de seus indivíduos efetivamente trabalhadores e produtivos a falsa consciência da personificação das coisas e reificação das pessoas como já vimos Naturalmente o poder da falsa consciência não pode ser superado pela ilustração educacional por mais bem intencionada somente dos indivíduos Os indivíduos particulares como indivíduos isolados estão à mercê da falsa consciência reificadora porque as relações reprodutivas reais historicamente dadas em que estão inseridos só podem funcionar com base na personificação das coisas e reificação das pessoas Consequentemente para alterar a inversão mistificadora e em última instância destrutiva da relação reprodutiva sustentável dos seres humanos contrapondose ao mesmo tempo à dominação da falsa consciência reificadora sobre os indivíduos particulares é preciso uma mudança societária oniabrangente Nada menos abrangente do que isso pode prevalecer de maneira duradoura Contentarse com a reforma gradual e as mudanças parciais correspondentes é autoderrotista A questão não é se as mudanças são introduzidas repentinamente ou ao longo de um período maior mas a conformação estratégica geral da transformação estrutural fundamental consistentemente perseguida independentemente do tempo que a sua realização bemsucedida possa levar Os riscos de ou um ou outro entre as formas de controle sociometabólico mutuamente excludentes a ora estabelecida e a futura são globais tanto no espaço quanto no tempo É por isso que o projeto socialista só pode obter êxito se for articulado e afirmado de maneira consistente como a alternativa hegemônica ao metabolismo social estruturalmente resguardado e alienante do capital Isto é se a ordem socialista alternativa abarcar no curso de seu desenvolvimento produtivo cada sociedade e o fizer no espírito de assegurar a irreversibilidade histórica da alternativa hegemônica do trabalho ao controle sociometabólico estabelecido do capital 2 Karl Marx Economic Manuscripts of 186163 em Karl Marx e Friedrich Engels Collected Works Nova York International Publishers 1975 v 34 p 457 ed bras Teorias da maisvalia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1980 v 1 p 384406 No projeto socialista em virtude da crítica radical inevitável e abertamente professada da falsa consciência estruturalmente dominante do sistema do capital as medidas adotadas de transformação material são inseparáveis dos objetivos educacionais defendidos Isso porque os princípios orientadores da transformação socialista da sociedade são irrealizáveis sem o pleno envolvimento da educação como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Todos os princípios orientadores anteriormente discutidos desde a participação genuína em todos os níveis de decisão até o planejamento abrangente concebido no sentido do planejamento que inclui a autônoma obtenção de sentido da própria vida pelos indivíduos e desde a realização progressiva da igualdade substantiva na sociedade como um todo até as condições globalmente sustentáveis da única economia historicamente viável em uma ordem internacional em progressão positiva só podem traduzirse em realidade se o poder da educação for plenamente ativado para esse propósito As medidas adotadas em qualquer momento dado são históricas também no sentido de que são e permanecerão sempre sujeitas a mudança Não é preciso dizer sob condições favoráveis as realizações alcançadas podem ser progressivamente acentuadas e aprofundadas em um sentido positivo Mas evidentemente é da mesma forma razoável que do lado negativo as reversões jamais possam ser aprioristicamente excluídas Isso dependerá sempre da intervenção efetiva da educação socialista no processo contínuo de transformação Na análise final é isso o que determinará se prevalecerão as potencialidades positivas ou negativas e em que grau 4 Muito se fala hoje nas sociedades capitalisticamente avançadas sobre a agenda do respeito Consiste na ilusória projeção de resolver a crise de valores cada vez mais aprofundada manifesta na forma da crescente criminalidade e delinquência ao lado da alienação cada vez pior do jovem em relação à sua sociedade por um apelo direto e retórico à consciência dos indivíduos postulando em vão o adequado respeito pelos valores da cidadania democrática E quando toda essa pregação vazia fracassa como tem de fracassar uma vez que evita como a uma praga as causas sociais dos sintomas negativos denunciados as personificações políticas do alto escalão do capital inclusive o mais alto deles começam a falar de como podem identificar a futura delinquência já no útero da mãe indicando as medidas legislativas estatais autoritárias necessárias para lidar com a futura criminalidade potencial no estágio mais inicial possível Essa linha de abordagem não é mais racional ou menos autoritária do que a defesa do Estado capitalista de adotar implacavelmente a luta ideológica com o intuito de vencer a já mencionada guerra contra o terror Ao mesmo tempo o que se exclui absolutamente é a possibilidade de mudar as determinações estruturais da ordem social estabelecida que produzem e reproduzem os efeitos e consequências destrutivos Cumpre negar de maneira categórica que possa haver alguma coisa seriamente errada com a sociedade tal como existe Apenas os indivíduos tendenciosamente selecionados para serem repreendidos podem precisar de uma ação reparadora E esperase que essa ação corretiva seja proporcionada por um grupo privilegiado de indivíduos autodesignados as personificações e os guardiões complacentes da ordem po lítica e socioeconômica do capital que alegam conhecer tudo melhor ex officio Assim nada poderia ser mais justificado do que a instituição da ordem hegemônica alternativa A estrutura educacional dessa ordem é tanto individual quanto social e de maneira inseparável O destinatário da educação socialista não pode ser simplesmente o indivíduo apartado como no modelo dos ideais educacionais tradicionais Pois como já indicado no passado os preceitos e princípios educacionais defendidos eram via de regra detalhados na forma de apelos diretos à consciência dos indivíduos particulares normalmente concebidos em termos de exortações morais Ao contrário a educação socialista se destina aos indivíduos sociais e não aos indivíduos isolados Em outras palavras concerne aos indivíduos cuja autodefinição como indivíduos em contraste com o discurso genérico abstrato da filosofia tradicional sobre a individualidade isolada autorreferenciada não pode sequer ser imaginada sem a relação mais estreita com seu meio social real e com a situação histórica específica claramente identificável de que seus desafios humanos inescapavelmente emergem Pois é precisamente a sua situação histórica e social concreta que os convida a formular os valores pelos quais seu compromisso ativo com determinadas formas de ação pode levar a cabo a realização de sua parte apropriada adotada de maneira consciente que por conseguinte os define como indivíduos sociais autônomos e responsáveis na grande transformação contínua Eis como a educação praticamente efetiva dos indivíduos sociais se torna sinônima do significado mais profundo de educação como autoeducação As referências de Marx ao indivíduo social rico têm o intuito de indicar esse tipo de autodefinição como a estrutura viável da educação Só é possível assumir a responsabilidade social não como o tem de ser moralista e abstrato do discurso filosófico tradicional que defende algum ideal externo a que os indivíduos devem se conformar mas como a força real que se integra à situação histórica e social efetiva com base na concepção da própria educação como um órgão social estrategicamente vital isto é como a prática social inseparável do desenvolvimento contínuo da consciência socialista E isso por sua vez só é plausível pela postura radicalmente diferente com relação à mudança no interior da estrutura da ordem hegemônica alternativa Nada pode ser aprioristicamente eximido de mudança na nova ordem em nítido contraste com a estrutura sociometabólica do capital em que a crítica às determinações estruturais significativas da sociedade é decretada ilegítima e essas são portanto protegidas com todos os meios disponíveis ao sistema inclusive os mais violentos Alterar as condições historicamente dadas de acordo com a dinâmica do desenvolvimento social em andamento não é apenas aceitável mas também de importância vital na ordem hegemônica alternativa Deixar de fazêlo não somente iria contra o ethos socialista professado como também privaria a sociedade de seu potencial positivo de desenvolvimento como a história do século XX tragicamente demonstrou O papel da educação socialista é muito importante nesse sentido Sua determinação interna simultaneamente social e individual lhe confere um papel histórico único com base na reciprocidade pela qual ela pode exercer sua influência a produzir um grande impacto sobre o desenvolvimento social em sua integridade A educação socialista só pode cumprir seu preceito se for articulada a uma intervenção consciente e efetiva no processo de transformação social impositores do imperativo do tempo alienante do sistema a se submeterem à tirania do tempo de trabalho necessário Desse modo como denunciou Marx os indivíduos trabalhadores potencialmente os indivíduos sociais ricos em suas palavras sofrem as consequências alienantes ao longo de toda a sua vida porque sofrem sua degradação a mero trabalhador sua subsunção no trabalho3 Ademais essa dependência estrutural e a correspondente degradação não é de maneira alguma o final da história Sob determinadas circunstâncias especialmente sob as condições de grandes crises socioeconômicas os trabalhadores têm também de sofrer a perversidade do desemprego a mazela cinicamente camuflada e hipocritamente justificada da flexibilidade do trabalho e a selvajaria da difundida precarização Todas essas condições emergem da mesma determinação operacional do processo de trabalho capitalista Devemse à desumanidade irredimível da contabilidade do tempo do capital e à coação do imperativo do tempo inalterável do sistema4 A alternativa hegemônica do trabalho é a instituição de uma contabilidade do tempo radicalmente diversa sinônima das exigências humanamente enriquecedoras da contabilidade socialista Apenas sobre essa base é possível entrever as práticas produtivas em pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais ricos Isso só é plausível por meio de uma substituição radical da tirania historicamente predominante do tempo de trabalho necessário pela adoção consciente e o uso criativo do tempo disponível como princípio orientador da reprodução societária 3 Karl Marx Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie MarxEngelsWerke Berlim Dietz Verlag 1983 v 42 p 604 4 Ver no capítulo 5 de O desafio e o fardo do tempo histórico cit a discussão de importantes temas relacionados Obviamente a ideia de uma alteração dessa magnitude carrega consigo implicações de longo alcance Pois no momento exato em que focamos nossa atenção na necessidade da mudança qualitativa envolvida na adoção do tempo disponível como a contabilidade do tempo praticamente efetiva capaz de substituir o tempo de trabalho necessário tornase amplamente evidente que é inconcebível instituir na sociedade uma alteração tão fundamental sem a plena ativação da força da educação socialista Em primeiro lugar porque a instituição do tempo disponível como o novo princípio orientador e operacional do processo de reprodução societária exige uma adesão consciente a ele Isso se opõe totalmente à tirania do tempo de trabalho necessário que domina a sociedade na forma da compulsão econômica geral regulada não pela apreensão consciente nem mesmo pelo planejamento estritamente parcial aplicável às unidades econômicas particulares introduzidas como uma reflexão tardia pelas personificações do capital no processo de trabalho mas pela contradição antagônica entre capital e trabalho e pela força post festum do mercado Os trabalhadores não têm de ser educados para a tarefa de participar da estrutura operacional do tempo de trabalho necessário Eles simplesmente não podem escapar de seus imperativos uma vez que estes lhes são diretamente impostos com a absolutez de um destino social correspondente à sua subordinação estruturalmente assegurada na ordem social estabelecida Eis porque essa estrutura recebeu de Marx a sagaz denominação de a condição inconsciente da humanidade Como tal a inconsciência ubiqueamente predominante no processo capitalista de trabalho por conta de sua cega contabilidade do tempo por mais idealizada que seja A reciprocidade mencionada é altamente relevante nesse sentido porque por um lado os indivíduos sociais podem contribuir de maneira ativa para a realização das tarefas e desafios dados e com isso para a significativa transformação de sua sociedade e ao mesmo tempo por outro lado são conformados de um modo significativamente internalizável no curso das mudanças alcançadas Com efeito eles mesmos são também legitimamente conformados por sua própria consciência positiva do significado dos desenvolvimentos em progresso percebendo corretamente sua parte ativa neles Esse tipo de internalização consensual genuína dos contínuos desenvolvimentos pelos indivíduos sociais assinala um afastamento radical com relação à doutrina inteiramente apologética do consentimento tácito que predominou na teoria política da ordem estabelecida desde John Locke seu fundador O envolvimento ativo dos indivíduos nas mudanças societárias pode ser identificado como interação social no melhor sentido do termo Uma interação social plena de significado fundada na reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos sociais e sua sociedade A emergência e o fortalecimento dessa reciprocidade mutuamente benéfica estariam completamente fora de questão se alguma autoridade designasse que os vários aspectos da ordem hegemônica alternativa incluindo suas determinações estruturais mais importantes devessem permanecer além do alcance dos indivíduos sociais Sua autonomia nesse caso equivaleria a nada como de fato significa nada no caso das postuladas escolhas soberanas feitas pelos indivíduos na sociedade de mercadorias Assim a relevância da educação socialista como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista nesse sentido vital de reciprocidade que define os indivíduos particulares como indivíduos sociais e evidencia ao mesmo tempo o próprio significado desse termo definidor não poderia ser maior Pois as exigências de um desenvolvimento historicamente viável no espírito dos importantes princípios orientadores da transformação socialista tornamse reais por meio da contribuição mais ativa da educação para o processo Nenhuma delas poderia cumprir sua função social requerida sem a educação 5 Como um caso representativo podemos perceber muito claramente a importância seminal da educação explicitada na forma da reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos particulares e sua sociedade na relação com a mudança fundamental necessária para transformar as práticas econômicas ora dominantes em um tipo qualitativamente diferente A diferença concerne diretamente ao domínio da reprodução material vital cuja saúde é essencial para a viabilidade até mesmo das práticas culturais mais mediadas Pois o imperativo do tempo do capital predominante no processo de reprodução material afeta diretamente não apenas as relações estruturais de exploração da sociedade de classes como um todo mas impõe ao mesmo tempo seus efeitos negativos e humanamente empobrecedores sobre cada aspecto da atividade material e intelectual no tempo de vida dos indivíduos particulares Por conseguinte a necessidade de emancipação humana em que a educação socialista desempenha um papel crucial representa a esse respeito um desafio fundamental As práticas reprodutivas da sociedade capitalista são caracterizadas pela contabilidade do tempo desumanizadora que obriga os indivíduos trabalhadores em contraste com as personificações do capital que são os mais complacentes significa também incontrolabilidade com suas implicações fundamentalmente destrutivas A segunda razão igualmente importante é que o sujeito social capaz de regular o processo de trabalho com base no tempo disponível só pode ser a força conscientemente combinada da multiplicidade de indivíduos sociais os produtores livremente associados como são habitualmente denominados Novamente podemos ver aqui um contraste notável com o sujeito que regula o processo de reprodução societária com base no tempo de trabalho necessário Pois o tempo de trabalho necessário não é apenas estreitamente determinista mas também terminantemente impessoal no sentido de que a força reguladora da produção e reprodução societária não é em absoluto um sujeito propriamente dito mas os imperativos estruturais do sistema do capital em geral Mesmo os mais complacentes impositores do imperativo do tempo do sistema estabelecido não podem senão obedecêlos com maior ou menor êxito Se não obtêm êxito em sua exigida conformidade com os imperativos fetichistas serão logo expulsos da estrutura do sistema pela falência de suas empresas Em vista do fato de que não obstante as mistificações fetichistas do sistema do capital seu sujeito produtor real é o trabalhador o capitalista como suposto sujeito controlador que é na verdade firmemente controlado pelos imperativos estruturais necessariamente predominantes da ordem estabelecida só pode ser um pseudosujeito usurpador Consequentemente apenas o sujeito efetivamente produtor o trabalho como tal pode adquirir a única consciência reguladora plausível e produtivamente viável sob as condições históricas do nosso tempo É óbvio que não estamos falando aqui da categoria sociológica empirista dos trabalhadores particulares como trabalhadores isolados que confrontam a força social do capital por maior que seja o seu número como trabalhadores isolados mas sim do trabalho dos indivíduos sociais conscientemente combinados como a condição universal da vida na ordem hegemônica alternativa Esse é o único sujeito social plausível que pode regular de maneira consciente o processo de reprodução societária com base no tempo disponível Ou para expressar de um modo diverso a mesma correlação dialética somente pela adoção consciente do tempo disponível como o princípio operacional orientador e praticamente efetivo de nossa vida é possível entrever o desenvolvimento de um sujeito social capaz de controlar de forma apropriada a produção e a reprodução societária da ordem hegemônica alternativa O sujeito em questão como antes mencionado é simultaneamente social e individual Esse indivíduo social é impensável sem os processos educacionais e autoeducacionais pelos quais se podem satisfazer as exigências criativas da nova ordem sociometabólica Como a sociedade se encontra hoje a adoção do tempo disponível em todos os lugares como um princípio operacional vital da produção é apenas uma potencialidade abstrata O futuro depende de nossa capacidade ou incapacidade de transformar essa potencialidade abstrata em realidade criativa concreta Nem é preciso dizer que a tirania do tempo de trabalho necessário é uma imposição aos trabalhadores que devem sempre permanecer uma força de trabalho relutante no interior da estrutura do sistema do capital Além disso a imposição do tempo de trabalho necessário é também desperdiçadora em seus próprios termos de referência no sentido de que sua operação pressupõe o estabelecimento de uma estrutura de comando estritamente hierárquica de que algumas partes são extremamente problemáticas ou de fato completamente parasitárias mesmo com relação às suas supostas funções econômicas Comparadas a isso as vantagens de se levar a cabo a produção e a reprodução societária com base no tempo disponível dedicado à realização dos objetivos conscientemente escolhidos pelos indivíduos sociais autorregulados são inegáveis Pois os produtores livremente associados dispõem de recursos incomparavelmente mais ricos do que aquilo que jamais se poderia arrancar da força de trabalho relutante sob a imposição dos imperativos estruturais do tempo de trabalho necessário do capital Cumpre também enfatizar aqui que a educação como o desenvolvimento progressivo da consciência socialista integrante à vida dos indivíduos sociais em sua estreita interação com seu ambiente social historicamente em transformação é uma força vital identificável também pelo grande impacto da educação sobre a mudança na reprodução material Esse impacto emerge diretamente da substituição operacional do tempo de trabalho necessário pelo tempo disponível autonomamente determinado definida na disposição de sua sociedade pelos indivíduos trabalhadores É evidente que apenas os indivíduos sociais como indivíduos podem conscientemente determinar por e para si mesmos a natureza isto é a dimensão qualitativa e o montante de seu próprio tempo disponível do qual as realizações criativas de sua sociedade podem emergir com êxito Tudo isso concerne tanto ao número de horas como à intensidade do trabalho dedicados por eles à tarefa produtiva relevante Nenhuma autoridade destacada pode decidir ou imporlhes essas exigências ao contrário da dominação anteriormente inevitável do tempo de trabalho necessário A única força capaz de contribuir positivamente para o novo processo de transformação é a própria educação cumprindo com isso seu papel de órgão social como acima mencionado pelo qual a reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos e sua sociedade se torna real Nada pode ser imposto aqui de antemão como uma norma preestabelecida ou como finalidade restritiva Vemos no processo reprodutivo positivamente ilimitado da ordem hegemônica alternativa a manifestação de uma interação genuína Por intermédio da educação socialista a força produtiva dos indivíduos se estende e acentua simultaneamente ampliando e tornando mais emancipadora a força reprodutiva geral de sua sociedade como um todo Esse é o único significado historicamente sustentável de ampliação da riqueza social em contraste com o culto fetichista da expansão do capital fundamentalmente destrutiva em nosso mundo finito que é inseparável do desperdício fatal do sistema do capital A dominação do valor de uso pelo valor de troca e a consequente negação sistemática impiedosa da necessidade humana em nossa ordem global só pode ser retificada com base em uma mudança radical do princípio orientador socialista do tempo disponível conscientemente adotado e exercido pelos próprios indivíduos sociais Sua educação como autoeducação orientada ao valor inseparável do desenvolvimento contínuo de sua consciência socialista em sua reciprocidade dialética com as tarefas e desafios históricos que têm de enfrentar os faz crescer tanto em suas forças produtivas como em sua humanidade É isso que lhes proporciona o fundamento necessário para a autossatisfação criativa como sujeitos autônomos que podem obter sentido de e ao mesmo tempo dar sentido a sua própria vida como indivíduos sociais particulares plenamente cientes de sua parte e responsabilidade em assegurar o desenvolvimento positivo historicamente sustentável de sua sociedade E é evidente que isso confere seu significado verdadeiro na expressão indivíduo social rico 6 As mesmas considerações se aplicam a todos os princípios orientadores essenciais da ordem social hegemônica alternativa na vinculação completa de suas exigências reprodutivas com a educação socialista Pois somente por meio do mais ativo e constante envolvimento da educação no processo de transformação social alcançado por sua capacidade de ativar a reciprocidade dialética progressivamente mais consciente entre os indivíduos e sua sociedade é possível transformar em força operativa efetiva historicamente progressiva e concreta o que no início podem ser apenas princípios e valores orientadores genéricos Do modo como os indivíduos determinam conscientemente a natureza e o montante propício de seu tempo disponível livremente dedicado à realização de seus objetivos sociais escolhidos que somente eles podem determinar de maneira autônoma e contínua assim também somente eles podem definir o significado da participação real em todos os níveis de decisão Pois a liberação criativa e a participação produtiva só são concebíveis pelo entendimento apropriado da natureza das tarefas envolvidas incluindo sua raison dêtre histórica e ao mesmo tempo pela percepção da necessidade de aceitar de forma consciente a grande responsabilidade inseparável de um modo plenamente participativo de regular sua ordem social em uma base sustentável De modo semelhante o significado da igualdade substantiva só pode transformarse de um princípio orientador geral válido em uma realidade social criativamente sustentável e humanamente enriquecedora e na correspondente identificação positiva e sem reservas dos membros da sociedade com as determinações de valor subjacentes e sua genuína justificação por meio da autotransformação da educação como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Uma forma de educação que deve ser capaz não apenas de confrontar e retificar conscientemente as relações sociorreprodutivas estruturalmente resguardadas e fatalmente prejudiciais da desigualdade material e socialpolítica herdadas do passado mas de superar ao mesmo tempo a força mistificadora profundamente engastada da antiquíssima cultura da desigualdade substantiva que ainda permeia a consciência social Em outro contexto como vimos acima o fracasso deplorável do planejamento econômico no sistema social de tipo soviético deveuse à tentativa burocrática de impôlo sobre a sociedade da maneira mais autoritária de cima ignorando a necessidade de assegurar a cooperação voluntária dos indivíduos sociais com o plano anunciado pelo Estado A cooperação consciente positiva era uma exigência essencial impossível de alcançar sem a intervenção positiva da educação praticamente efetiva como autoeducação na forma e no espírito da reciprocidade anteriormente mencionada entre os indivíduos trabalhadores e seus compromissos societários mais amplos com o propósito de obter a identificação consciente dos indivíduos particulares com o cumprimento de seus objetivos produtivos escolhidos Sem isso os indivíduos não poderiam interagir de forma criativa com o próprio plano geral para contribuírem autonomamente com o processo transformador em um domínio criticamente importante E para tomar mais um exemplo quando pensamos na complementaridade dialética das dimensões nacional e internacional da sociedade em nosso tempo revelase imediatamente que o papel da educação como a educação consensual praticada de forma consciente é extremamente importante Nas palavras de Fidel Castro Na medida em que tivermos êxito em educar profundamente nosso povo no espírito do internacionalismo e da solidariedade tornandoo consciente dos problemas de nosso mundo hoje no mesmo grau seremos capazes de confiar que nosso povo cumprirá suas obrigações internacionais É impossível falar de solidariedade entre os membros de um povo se a solidariedade não for criada simultaneamente entre os povos Se fracassarmos nisso correremos o risco de cair no egotismo nacional Nesse sentido o legado altamente negativo e divisor do passado ainda pesa muito na consciência dos povos contribuindo ativamente para a constante erupção de conflitos e confrontos destrutivos em diferentes partes do mundo hoje É inconcebível desprendemonos dessas contradições e antagonismos sem a força criativa da educação autonomamente exercida pelos indivíduos sociais como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista Pois somente essa educação pode capacitarlhes a uma apreensão clara da natureza e relevância das questões em jogo e inspirálos ao mesmo tempo a assumir plena responsabilidade por sua própria parte positiva no processo de trazer ao controle as tendências destrutivas de nossa ordem social globalmente entrelaçada e em nosso tempo histórico inevitavelmente nacional e internacional 5 Discurso em Katowice Polônia em 7 de junho de 1972 Citado em Carlos Tablada Pérez Economia etica e política nel pensiero di Che Guevara Milão II Papiro 1996 p 165 Em todas essas questões estamos preocupados com a necessidade vital de uma mudança estrutural radical e oniabrangente de nossa ordem sociorreprodutiva que não se pode alcançar pelas determinações materiais cegas que tiveram de predominar no desenvolvimento histórico passado Além disso os grandes problemas e dificuldades de nossas próprias condições históricas são ainda intensificadas e agravadas pela inegável urgência do tempo jamais experimentada em épocas históricas anteriores Nesse sentido é suficiente apontar duas diferenças literalmente vitais que colocam em acentuado relevo a urgência do tempo em nossa própria época Em primeiro lugar o poder de destruição antes inimaginável que se encontra hoje à disposição da humanidade pelo qual se pode alcançar facilmente o completo extermínio da espécie humana por meio de uma variedade de meios militares Isso é gravemente acirrado pelo fato de que testemunhamos no último século tanto a escala como a intensidade sempre crescentes de conflagrações militares efetivas incluindo duas guerras mundiais extremamente destrutivas Ademais nos últimos anos da caótica nova ordem mundial as pretensões mais cínicas e absurdas foram e ainda são empregadas para iniciar guerras genocidas ameaçandonos ao mesmo tempo até mesmo com o uso moralmente justificado de armas nucleares em projetadas guerras futuras preventivas e antecipadas E a segunda condição gravemente ameaçadora é que a natureza destrutiva do controle sociometabólico do capital em nosso tempo manifesta pela predominância cada vez maior da produção destrutiva em contraste com a mitologia capitalista tradicionalmente autojustificadora da destruição produtiva encontrase no processo de devastação do ambiente natural arriscando enfrentados e melhorar suas condições de existência E as melhorias aqui referidas emergem não simplesmente em termos materiais mas de acordo com o pleno significado anteriormente discutido dos indivíduos sociais ricos em autodesenvolvimento A consciência dos indivíduos sociais que opera nessas relações das alegações concorrentes entre a ordem sociometabólica estabelecida e sua alternativa hegemônica é em primeiro lugar sua consciência da necessidade de instituir com êxito uma alternativa historicamente sustentável à crescente destrutividade do modo de controle sociorreprodutivo do capital Ao mesmo tempo no que concerne à autoconsciência e à autodefinicão historicamente apropriada das pessoas envolvidas a consciência exigida dos indivíduos sociais engajados no processo transformador é sua consciência positiva de que estão ativamente engajados na instituição da única ordem hegemônica alternativa plausível sob as circunstâncias vigentes Nada que seja desprovido desse tipo de autodefinicão afirmada com inflexível determinação e consistência pode alcançar êxito Pois estamos aqui preocupados com um preceito único para uma transformação qualitativa oníabrangente que surge em uma conjuntura crítica da história humana Isto é em uma conjuntura antes inconcebível em que nada menos do que a própria sobrevivência da espécie humana está diretamente em jogo O único órgão social capaz de satisfazer o preceito histórico vital em questão é a educação firmemente orientada ao desenvolvimento contínuo da consciência socialista 7 Uma vez que a ideia de mudança estrutural é excluída a priori quando se enxerga o mundo da perspectiva do capital em vista dos parâmetros conceituais necessariamente limitadores do sistema a dimensão do futuro sofre as consequências no sentido de que tem de restringirse na visão de absolutamente todos cujo horizonte histórico é estabelecido pelo ponto de vista do capital Por conseguinte mesmo um gênio filosófico como Hegel só poderia oferecer uma dialé tica truncada do tempo quando alcançou o presente em sua monumental concepção da História Mundial De forma significativa ele barrou o caminho antes da possibilidade de qualquer mudança futura estruturalmente relevante insistindo de maneira apologética que ao final tinha de se verificar em seu espírito também antihistórica que A história universal vai do leste para o oeste pois a Europa é o fim da história universal6 E acrescentou ainda que esse processo de desenvolvimento a seu clímax e completude ideal é a verdadeira teodiceia a justificação de Deus na história7 Do ponto de vista fundamentalmente autoderrotista do capital as perspectivas de desenvolvimento devem ajustarse de tal modo que a preocupação com a imediaticidade domina o horizonte temporal Toda a mudança visada só é admissível e legítima se as condições potencialmente alteradas puderem se adaptar prontamente à conformação estrutural estabelecida do sistema do capital e a suas determinações de valor correspondentes 6 G W F Hegel Filosofia da história Brasília Editora Universidade de Brasília 1995 p 93 Grifos meus 7 Ibidem p 373 A orientação educacional dos indivíduos incluindo suas aspirações materiais e valores sociais segue o mesmo caminho diretamente dominada pelos problemas da imediaticidade capitalista Sua consciência temporal no que concerne ao futuro se restringe ao tempo presente constantemente renovado de sua luta com o poder fetichisticamente limitador da imediaticidade de sua vida cotidiana uma luta que não pode em absoluto vencer sob a vigência do tempo de trabalho necessário do capital O caráter local e a imediaticidade devem portanto prevalecer em toda parte O conceito de mudança estrutural geral material e socialmente plausível sem mencionar seu caráter desejável e legítimo deve permanecer nos termos do sistema educacional dominante como absoluto tabu Os cultos convenientes do ponto de vista capitalista do local e do imediato predominam e devem caminhar inseparavelmente juntos Assim nas concepções que se conformam ao ponto de vista da ordem natural automitologizadora supostamente permanente do capital a ausente dinâmica dos objetivos e ideais transformadores abrangentes que teriam de entrever em alguma conjuntura futura a necessidade ou ao menos a possibilidade de mudança sóciohistórica fundamental não pode tornarse inteligível sem que se mantenha em mente o horizonte temporal inevitavelmente truncado dos indivíduos controlados de maneira fetichista em sua vida diária Há aqui uma perversa reciprocidade que produz um círculo vicioso na relação dos dois O horizonte temporal truncado dos indivíduos exclui a possibilidade de estabelecerem para si mesmos objetivos transformadores abrangentes e viceversa a ausência de determinações transformadoras abrangentes em sua visão condena sua consciência temporal a permanecer trancada no mais estreito horizonte temporal da imediaticidade A educação socialista ao contrário não pode cumprir seu preceito histórico sem dar o devido peso aos objetivos transformadores abrangentes essencialmente importantes vinculados a seu horizonte temporal apropriado Por certo isso não significa que os objetivos mais fundamentais da mudança estrutural devam ou possam ser deixados para um futuro distante por conta da perspectiva inevitavelmente de longo prazo de sua plena realização Ao contrário é uma característica proeminente dos problemas que devem ser confrontados no curso da transformação socialista que as tarefas imediatas não possam ser separadas e convenientemente isoladas dos desafios de longo prazo e mais abrangentes muito menos opostas de maneira autojustificada como no passado a eles Os próprios problemas são tão estreitamente entrelaçados em virtude do caráter histórico único da mudança estrutural oníabrangente exigida que a ação referente até mesmo aos mais distantes objetivos transformadores plenamente realizáveis como por exemplo a instituição da igualdade substantiva em todos os lugares no sentido mais pleno do termo não pode ser deixada para alguma data futura remota O caminho que conduz à realização completa da igualdade substantiva deve ser tomado hoje se falamos a sério sobre a efetivação bemsucedida da atividade inflexível necessária para a instituição e consolidação de uma mudança material e cultural tão radical É um traço historicamente único da defesa socialista da mudança estrutural qualitativa que a consciência e a autoconsciência dos indivíduos deva enfocar a natureza inclusivaoniabrangente da requerida transformação social e como em nosso tempo se experimenta em toda parte não fosse ainda uma realidade globalmente ameaçadora O próprio Marx tentava apaixonadamente explorar os meios para realizar as mudanças transformadoras oniabrangentes necessárias para se contrapor em uma base historicamente sustentável à progressiva tendência destrutiva do sistema do capital Ele estava plenamente ciente do fato de que sem a dedicação consciente das pessoas à realização da tarefa histórica monumental de instituir uma ordem sociometabólica radicalmente diferente e viável de reprodução não poderia haver êxito A força intelectual persuasiva da apreensão teórica por mais bem fundamentada que fosse não era por si só suficiente O modo como formulou esse problema com grande senso de realidade foi o reconhecimento de que não basta que o pensamento procure realizarse a realidade deve igualmente compelir ao pensamento8 Ele sabia bem que a força material progressivamente destrutiva do capital na fase decadente do desenvolvimento do sistema tinha de ser emparelhada e positivamente superada pela força material da alternativa hegemônica historicamente viável Assim destacando a maneira como o trabalho teórico podia aspirar ser significativo ele acrescentou à sentença acima citada mas a teoria convertese em força material quando penetra nas massas9 Naturalmente não é qualquer teoria que poderia fazêlo Uma vez que se tratava de constituir uma relação apropriada entre teoria comprometida com a 8 Karl Marx Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução em Crítica da filosofia do direito de Hegel São Paulo Boitempo 2006 p 152 9 Ibidem p 151 ideia de uma mudança societária fundamental e com a força material que poderia fazer a diferença era preciso satisfazer algumas condições de importância vital sem as quais a ideia defendida da teoria que penetra nas massas equivaleria a nada mais que um lema moralista vazio como frequentemente foi o caso no discurso sectárioelitista Assim Marx concluiu suas reflexões sobre o assunto salientando firmemente que a teoria só se realiza num povo na medida em que é a realização das suas necessidades10 Não é necessário dizer que a teoria não pode alcançar o povo em questão somente por livros nem tampouco se voltando simplesmente mesmo com a melhor das intenções a uma multidão aleatória de indivíduos O pensamento radical não pode ser bemsucedido em seu preceito de mudar a consciência social sem uma articulação organizacional adequada Uma organização coerente para proporcionar a estrutura historicamente em desenvolvimento de intercâmbio entre as necessidades das pessoas e as ideias estratégicas de sua realização é essencial para o sucesso do empreendimento transformador Não é portanto de modo nenhum surpreendente que Marx e Engels seu companheiro mais próximo como jovens intelectuais revolucionários tenham aderido ao movimento social mais radical de seu tempo e tenham sido responsáveis por escrever o Manifesto Comunista que defendia a necessária intervenção organizada inflexível no progressivo processo histórico global Foi também essencial ter uma ideia clara da orientação estratégica da consciência em desenvolvimento isto é seu foco necessário sem o qual poderia desviarse da realização 10 Ibidem p 152 Grifos meus de sua tarefa histórica É por isso que Marx continuou salientando que a defendida consciência comunista só seria capaz de cumprir seu preceito histórico se fosse a consciência da necessidade de uma revolução radical11 Ademais uma consideração igualmente importante concernia à questão da amplitude em que essa consciência comunista deveria difundirse na sociedade para que exista uma chance de subjugar seu adversário juntamente com a questão conseguinte das condições ainda ausentes de sua difusão sob as circunstâncias vigentes dado o longo condicionamento histórico das pessoas envolvidas que agia contra a adoção em larga escala da consciência comunista Pois as tentações fundamentalmente autoderrotistas do vanguardismo elitista não tiveram sua origem em tempos recentes Eram já proeminentes muito antes do tempo de Marx Isso se aplicava não apenas à ignorância da questão de como os educadores são educados presumindo algum tipo de direito nato ou superioridade ex officio aos educadores autodesignados mas em termos mais gerais ao problema vital da decisão que exclui as grandes massas do povo Ao lado disso tais concepções elitistas foram sempre condenadas à futilidade e ao fracasso porque sem a mobilização das grandes massas do povo não pode haver esperança de sucesso contra a disparidade esmagadoramente favorável ao capital sob as condições históricas vigentes Em oposição a todas as deturpações elitistas concebíveis do desafio das quais vimos inúmeras incorporações no passado Marx enfatizou da maneira mais clara que 11 Karl Marx e Friedrich Engels A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 Tanto para a criação em massa dessa consciência comunista quanto para o êxito da própria causa fazse necessária uma transformação massiva dos homens o que só se pode realizar por um movimento prático por uma revolução que a revolução portanto é necessária não apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma mas também porque somente com uma revolução a classe que derruba detém o poder de desembaraçarse de toda a antiga imundície e de se tornar capaz de uma nova fundação da sociedade12 Essas considerações permanecem válidas para o presente e para o futuro O vanguardismo sectário jamais poderia estar à altura da magnitude da tarefa histórica que envolve a constituição de um movimento de massa revolucionário capaz de superar com êxito seu adversário e ao mesmo tempo livrarse da sujeira paralisadora de séculos de modo a tornarse adequado para fundar uma nova sociedade Eis porque Marx contrastava a necessidade de consciência comunista de massa com o ideal abstrato ao qual as pessoas deveriam se conformar Quer os defensores de tais abordagens estejam cientes disso ou não o vanguardismo sectário sempre foi e jamais poderia ser outra coisa precisamente a tentativa de impor sobre as grandes massas do povo o ideal abstrato deplorado por Marx ao passo que descartava de maneira arrogante ou ao menos ingênua a alternativa válida da consciência comunista de massa como populismo ou alguma coisa do gênero E o ideal abstrato externamente imposto pelo vanguardismo sectário não poderia ser considerado menos prejudicial apenas porque alguns de seus 12 Idem dedicados defensores estariam pessoalmente dispostos a se conformarem a ele Paradoxalmente em alguns períodos do século XX a realidade estava compelindo ao pensamento para empregar a expressão de Marx mas o pensamento como deveria incorporarse em estratégias sociais e políticas viáveis da requerida transformação radical juntamente com suas articulações organizacionais correspondentes não estava à altura do desafio Com o intuito de descartar a possibilidade de não se conseguir tirar vantagem das condições favoráveis que surgem em meio à crise estrutural cada vez mais aprofundada do capital cumpre recordar duas questões de importância seminal Com relação a ambas o papel da educação como o desenvolvimento tão necessário da consciência socialista sem a qual mesmo a grave crise estrutural da ordem sociometabólica do capital está muito longe de ser suficiente para ativar o processo de fundação de uma nova sociedade é supremo A primeira referese à necessária transição da ordem vigente à sociedade historicamente sustentável do futuro Como vimos antes a ordem sociometabólica ora profundamente resguardada do capital se caracteriza pela dominação do contravalor isto é pela conotação positiva perniciosamente conferida ao desperdício e à destruição que carrega consigo a degradação da educação ao condicionamento conformista das pessoas que devem internalizar as exigências destrutivas suicidas do sistema do capital no espírito adequado à manutenção e ampliação do contravalor Nesse sentido o movimento direcionado à nova ordem sociometabólica na sociedade de transição é inseparável da necessidade de superar o ethos social herdado da ordem reprodutiva do capital Somente por meio da educação concebida como a autoeducação radical dos indivíduos sociais no curso de sua alteração que só pode ter lugar em um movimento prático em uma revolução somente nesse processo podem os indivíduos sociais tornarse simultaneamente educadores e educados Essa é a única maneira concebível de superar a dicotomia conservadora de todas as concepções elitistas que dividem a sociedade em seletos educadores misteriosamente superiores e o resto da sociedade consignada à sua posição permanentemente subordinada de educados como realçado por Marx A esse respeito devemos constantemente nos lembrar de que a defendida alteração do povo para se tornar adequado para fundar uma nova sociedade só é plausível pelo desenvolvimento da consciência comunista de massa que abarca a maioria esmagadora da sociedade Esse desenvolvimento tem lugar em uma sociedade de transição com suas características dadas que não se pode ilusionariamente desconsiderar para ajustála a algum postulado futuro idealizado Os expedientes mediadores efetivamente disponíveis as mediações13 práticas identificáveis entre o presente e o futuro sustentável são os únicos modos e meios pelos quais os princípios orientadores gerais da transformação socialista podem tornarse forças operadoras e acentuar de maneira crescente as potencialidades e realizações positivas percebidas bem como reduzir o poder dos componentes negativos herdados Para o êxito desse processo é preciso confiar na dialética prática de mudança e continuidade 13 Em termos filosóficos a categoria de mediação adquire uma importância particularmente grande no período histórico de transição à nova ordem social consolidando as potencialidades e realizações positivas como fundamento necessário sobre o qual é possível construir com êxito Naturalmente o modo próprio de apreender os expedientes mediadores disponíveis em uma sociedade de transição inclui a adaptação consciente ao nosso próprio desígnio das aspirações progressistas do passado mais remoto como vimos anteriormente com referência aos ideais educacionais irrealizados dos grandes pensadores iluministas e com isso a recriação de uma continuidade histórica perdida à qual o capital se contrapõe absolutamente no presente estágio de sua crise sistêmica A transição bemsucedida é um processo histórico vital que se desdobra no interior da dialética sustentável de continuidade e mudança Pelo abandono de um dos dois componentes dialéticos válidos desse processo para não mencionar a supressão de ambos só se pode destruir a história como o capital se inclina a fazer hoje O papel autônomo da educação autoeducadora na apreensão e na adequada adaptação dos expedientes mediadores da sociedade de transição é o construtor necessário da continuidade positiva Ele é a história viva conforme se desdobra na direção do futuro escolhido e ao mesmo tempo o modo consciente de os indivíduos viverem sua própria história no difícil período de transição A segunda questão de importância seminal indicada acima concerne ao desafio internacional que enfrentamos Pois ninguém pode seriamente negar que o culto do local desde o romantismo ingênuo de o pequeno é belo até o lema cuja unilateralidade tende à autoderrota ainda que seja retoricamente tentador pense globalmente aja localmente é totalmente impotente contra os recursos globais de dominação e destruição do capital Ao mesmo tempo é também muito difícil negar que as tentativas passadas de contraporse organizacionalmente ao poder global do capital pela força do internacionalismo socialista não viveram para alcançar seus objetivos declarados Uma das principais razões para o fracasso das Internacionais radicais foi seu pressuposto extremamente irrealista mesmo que historicamente condicionado da unidade doutrinal como ponto de partida e necessário modo de operação e suas tentativas de coerção de vários modos autoderrotistas que conduziram a desencaminhamentos e à implosão final Retificar conscientemente esse problema de acordo com as exigências e potencialidades de nosso tempo histórico representa um grande desafio para o futuro Do outro lado a dominação ideológica do capital no âmbito internacional foi fortemente sustentada pela cultura da desigualdade substantiva Ela promoveu o mito autovantajoso das nações históricomundiais alguns países capitalisticamente poderosos que alcançaram a dominação sob determinadas circunstâncias históricas à custa das nações menores supostamente destinadas à eterna subordinação aos países históricomundiais Essa visão alçou na filosofia abstrata uma contingência histórica óbvia ao altivo status de necessidade ontológica apriorística culminando na máxima apologética anteriormente citada segundo a qual as nações históricomundiais da Europa representam o fim da história universal Desse modo o sistema de dominação e subordinação estrutural totalmente injustificável se justificava pela caricatura especulativa da bruta relação de forças contingentemente estabelecida mas historicamente mutável no postulado da permanência da desigualdade substantiva O papel da educação é crucial também nesse sentido Pois por um lado é necessário expor por meio do papel István Mészáros analisa criticamente o papel da educação na construção de uma sociedade socialista sustentável diferenciandoa radicalmente da educação sob o capitalismo avançado Ele argumenta que a educação quando reduzida a uma formação instrumental e utilitária serve à perpetuação do sistema capitalista alienando os indivíduos e consolidando a ordem social existente em vez de possibilitar uma transformação real Mészáros aponta que historicamente pensadores como Paracelso Goethe e Schiller defendiam um ideal educacional voltado para o desenvolvimento humano contínuo No entanto a ascensão do utilitarismo e a submissão da educação ao mercado transformaram esse ideal em um mecanismo de reprodução da lógica capitalista No século XX essa tendência se consolidou resultando na privatização da educação e na imposição da racionalidade instrumental A educação no capitalismo é descrita como um processo de doutrinação permanente que internaliza nos indivíduos a crença na inalterabilidade da ordem social e na suposta soberania dos consumidores dentro de um mercado altamente monopolizado Essa estrutura ideológica é mantida por meio da falsa ideia de neutralidade de valor e pela inculcação da aceitação passiva da sociedade de mercadorias A escola nesse contexto é um instrumento de reprodução ideológica que limita a capacidade crítica dos indivíduos e os conforma às exigências do capital O autor também destaca como ao longo do tempo os ideais progressistas do Iluminismo foram subjugados pela lógica destrutiva do capitalismo Conceitos como a educação moral de Kant e a educação estética de Schiller que buscavam oferecer um antídoto contra a alienação foram progressivamente desvalorizados e tornaramse utopias irrealizáveis diante do imperativo de acumulação do capital A crítica se estende à atual crise educacional que acompanha o avanço do capitalismo monopolista e imperialista Mészáros denuncia a utilização da educação como instrumento de legitimação da supremacia capitalista sustentada por discursos que combinam retórica democrática com práticas excludentes e destrutivas incluindo a imposição ideológica do neoliberalismo e do imperialismo sob o pretexto da luta contra o terror e os Estados fracassados Mészáros contrapõe a educação socialista à capitalista enfatizando que o modelo educacional socialista deve ser qualitativamente diferente indo além das reformas superficiais e do moralismo abstrato Ele argumenta que a verdadeira transformação educacional requer uma alternativa estrutural coerente capaz de desafiar as determinações causais do capital e de integrar a educação ao processo de transformação social A educação socialista portanto não pode ser uma simples readequação dentro da ordem capitalista mas sim um projeto que visa à emancipação coletiva rompendo com as limitações estruturais impostas pelo sistema de mercadorias István Mészáros argumenta que a educação tem um papel fundamental na transformação socialista sustentável diferenciandose da educação sob o capitalismo que funciona como um mecanismo de reprodução da ordem social e alienação dos indivíduos Para ele a educação deve ser contínua e coletiva não restrita ao período formal de escolarização mas sim um processo permanente de desenvolvimento da consciência crítica e socialista Historicamente a educação esteve ligada a disputas ideológicas No passado filósofos como Goethe e Schiller acreditavam que ela poderia enriquecer humanamente os indivíduos No entanto a partir da segunda metade do século XIX o capitalismo subordinou a educação aos interesses da produção e do mercado reduzindoa a uma ferramenta de racionalidade instrumental e utilitarismo No século XX essa tendência se consolidou e a educação passou a reforçar a ideia de que a ordem social capitalista é natural e inalterável Assim a dominação do capital sobre a educação tornouse profunda e estrutural levando os indivíduos a aceitar os valores da sociedade de mercadorias como algo lógico e inevitável Mészáros critica essa doutrinação ideológica que cria a ilusão de soberania individual quando na verdade as escolhas são moldadas pelo sistema Ele aponta que mesmo os ideais educacionais mais nobres foram anulados pela lógica destrutiva do capital que impôs uma visão limitada e pragmática da educação Além disso denuncia que a crise educacional atual está diretamente ligada à expansão do capitalismo monopolista e imperialista que usa a educação para justificar políticas neoliberais e reforçar a dominação econômica e ideológica Para romper com essa estrutura Mészáros propõe uma educação socialista que vá além da formação individualista e esteja integrada à transformação estrutural da sociedade Ele rejeita soluções reformistas graduais defendendo que apenas uma ruptura total com a lógica mercantil da educação pode possibilitar uma mudança real A educação socialista deve ser um processo contínuo de desenvolvimento da consciência crítica e transformação social no qual os indivíduos não apenas aprendam mas também participem ativamente da construção de uma nova ordem O autor critica a abordagem individualista da educação que tenta resolver problemas sociais por meio da formação moral sem enfrentar as causas estruturais das desigualdades Ele alerta que a transformação educacional deve ser articulada como uma alternativa hegemônica ao capitalismo indo além de reformas superficiais A educação socialista para ser bemsucedida precisa ser concebida como autoeducação coletiva e permanente onde os indivíduos compreendam sua relação com a sociedade e ajam para modificála Mészáros conclui que a educação socialista não pode ser um complemento à mudança social mas sim seu eixo central Ela deve atuar no desenvolvimento da consciência coletiva e na construção de uma nova sociedade baseada na participação igualdade e superação da alienação Para ele apenas uma educação verdadeiramente revolucionária pode romper com a lógica do capital e permitir a emancipação social e humana István Mészáros defende que a educação socialista é fundamental para a transformação estrutural da sociedade substituindo a lógica da exploração capitalista pelo controle consciente dos trabalhadores sobre a produção No capitalismo o tempo de trabalho necessário impõese de forma compulsória enquanto no socialismo o tempo disponível seria utilizado de forma autônoma e produtiva A falsa consciência imposta pelo capital mantém a alienação dos indivíduos impedindo mudanças reais Assim a educação deve ir além do ensino formal e funcionar como um processo contínuo de conscientização permitindo que os trabalhadores assumam o controle de suas vidas e da organização social Para Mészáros reformas graduais são insuficientes apenas uma mudança estrutural profunda pode romper com as crises ecológicas econômicas e militares do capitalismo A educação socialista é o meio pelo qual os indivíduos podem se libertar da alienação e construir uma sociedade baseada na igualdade participação e planejamento democrático A obra de István Mészáros enfatiza a importância da educação socialista como elemento fundamental para a transformação estrutural da sociedade No capitalismo a educação serve à manutenção da ordem vigente perpetuando a alienação dos trabalhadores e a dominação do capital Em contraste a educação socialista deve promover a consciência crítica e a autonomia dos indivíduos permitindolhes tomar parte ativa na reorganização da sociedade A transição para uma nova ordem sociometabólica exige a substituição do tempo de trabalho necessário pelo tempo disponível no qual os trabalhadores possam decidir coletivamente sobre a produção e a organização da vida social No entanto essa mudança não ocorrerá espontaneamente pois a hegemonia do capital impõe uma cultura de conformismo e aceitação da desigualdade estrutural Para romper esse ciclo é essencial uma educação que vá além da instrução formal e se torne um processo contínuo de conscientização e autotransformação Mészáros argumenta que mudanças graduais e reformas parciais não são suficientes para enfrentar as crises globais provocadas pelo capitalismo como a destruição ambiental a intensificação dos conflitos militares e a exploração econômica Somente uma transformação radical e abrangente sustentada por um planejamento democrático e participativo pode garantir uma sociedade verdadeiramente sustentável e justa Essa transformação no entanto depende da mobilização das massas e da adoção de uma consciência socialista coletiva Dada a urgência sem precedentes de nosso tempo histórico o socialismo no século XXI não pode evitar enfrentar os desafios dramáticos que emergem desses imperativos Marx já compreendia que a simples formulação teórica da transformação social não era suficiente era necessário que essa teoria penetrasse nas massas e se convertesse em força material A consciência comunista portanto só pode ser efetiva se for compreendida e assumida pela maioria da sociedade sendo inseparável da prática revolucionária e da educação crítica A superação do capitalismo exige além da ação política organizada uma profunda mudança na maneira como os indivíduos percebem sua relação com a sociedade O vanguardismo elitista que busca impor um ideal abstrato sobre as massas não pode substituir a construção de uma consciência socialista coletiva O sucesso da revolução socialista dependerá da participação ativa das massas e da transformação contínua da consciência social Além disso Mészáros destaca a necessidade de uma abordagem internacionalista para a luta socialista A dominação global do capital não pode ser enfrentada apenas por ações locais isoladas A construção de uma alternativa hegemônica ao capitalismo exige solidariedade entre os povos e uma estratégia global de enfrentamento ao imperialismo e às desigualdades estruturais A educação socialista desempenha um papel crucial nesse processo desmistificando a ideologia da superioridade das potências capitalistas e promovendo a ideia de um futuro baseado na igualdade e na cooperação internacional Em síntese Mészáros reafirma que a transformação socialista requer não apenas um novo modelo econômico mas também uma revolução na maneira como os indivíduos compreendem sua própria existência dentro da sociedade A educação nesse contexto não é apenas uma ferramenta de aprendizado mas um instrumento de libertação e de construção de uma nova ordem social sustentável e igualitária