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EDWARD W SOJA GEOGRAFIAS PÓSMODERNAS A REAFIRMAÇÃO DO ESPAÇO NA TEORIA SOCIAL CRÍTICA EDWARD W SOJA Geografias PósModernas A reafirmação do espaço na teoria social crítica Tradução VERA RIBEIRO Revisão técnica BERTHA BECKER Livredocente professora titular do Departamento de Geografia UFRJ LIA MACHADO Doutora Professora adjunta do Departamento de Geografia UFRJ S U M Á R I O PREFÁCIO E PÓSESCRITO capitalista uma conjugação macrospectiva da periodicidade e da espacialização induzida pela sobrevivência bemsucedida das sociedades capitalistas ao longo dos últimos duzentos anos Mais uma vez o objetivo é descortinar e explorar um ponto de vista crítico que aflui marcantemente da vibrante interação da sucessão temporal com a simultaneidade espacial As geografias pósmodernas e pósfordistas são definidas como os produtos mais recentes de uma série de espacialidades que podem ser complexamente correlacionadas com eras sucessivas de desenvolvimento capitalista Faço uma adaptação da teoria das ondas longas da obra de Ernest Mandel Eric Hobsbawm David Gordon e outros como um subtexto espaçotemporal revelador mediante o qual podese interpretar a geografia histórica das cidades regiões Estados e da economia mundial As espacializações de base mais empírica dos três últimos ensaios são reproduzidas e explicadas de maneira diferente nos dois primeiros capítulos que situam outras geografias pósmodernas na esteira de uma profunda reestruturação da teoria e do discurso sociais críticos modernos Apropriandome de discernimentos de Michel Foucault John Berger Fredric Jameson Ernest Mandel e Henri Lefebvre tento espacializar a narrativa convencional recompondo a história intelectual da teoria social crítica em torno da dialética evolutiva de espaço tempo e ser social geografia história e sociedade No primeiro capítulo a subordinação de uma hermenêutica espacial é rastreada até as origens do historicismo no século XIX e ao consequente desenvolvimento do marxismo ocidental e da ciência social crítica uma história periodicizada pelas mudanças dramáticas na conceituação e na vivência da modernidade O mesmo ritmo que agita a geografia macrohistórica das cidades e regiões capitalistas induzido pela crise é visto em seu reflexo na história da consciência teóricocrítica criando uma sequência interligada de regimes de pensamento crítico que segue aproximadamente os mesmos blocos de meio século que marcaram as fases da cambiante economia política do capitalismo desde a era da revolução o primeiro de quatro períodos marcantes de reestruturação e modernização O período de meados do século XIX articulandose em torno dos eventos de grande projeção de 184851 foi a era clássica do capitalismo industrial competitivo Foi também uma fase em que a historicidade e a espacialidade estiveram em relativo equilíbrio como fontes da consciência emancipatória quer se traçasse o pensamento crítico através das perspectivas do socialismo francês quer da economia política inglesa ou da filosofia idealista alemã A contestação da geografia específica do capitalismo industrial de suas estruturas espaciais e territoriais foi uma parte vital das críticas radicais e dos movimentos sociais regionais que emergiram durante esse período assim como a reforma dessa geografia tornouse um importante objetivo instrumental para os novos Estados burgueses entrincheirados da Europa e da América do Norte Após a queda da Comuna de Paris entretanto as críticas explicitamente espaciais radicais e liberais começaram a recuar em relação a afirmações eurocêntricas mais poderosas da subjetividade revolucionária do tempo e da história As últimas décadas do século XIX examinadas em retrospectiva podem ser vistas como uma era de crescente historicismo e de submersão concomitante do espaço no pensamento social crítico A crítica socialista consolidouse em torno do materialismo histórico de Marx enquanto uma mescla de influências comtianas e neokantianas reformulou a filosofia social liberal e provocou a formação de novas ciências sociais igualmente decididas a compreender o desenvolvimento do capitalismo como um processo histórico e apenas acidentalmente geográfico Essa ascensão de um historicismo desespacializante que só agora começa a ser reconhecida e examinada coincidiu com a segunda modernização do capitalismo e com a instauração de uma era de oligopólio imperialista e empresarial Tamanho foi o sucesso com que ela ocluiu desvalorizou e despolitizou o espaço como objeto do discurso social crítico que até mesmo a possibilidade de uma praxis espacial emancipatória desapareceu do horizonte por quase um século Pouca coisa mudou no tocante à primazia teórica da história em relação à geografia durante a terceira modernização do capitalismo e a era subsequente de fordismo e administração estatal burocrática que se estendeu aproximadamente desde a Revolução Russa até o fim dos anos sessenta A obsessão do século XIX com o tempo e a história como a denominaria Foucault continuou a enquadrar o pensamento crítico moderno O primeiro capítulo começa e termina com a observação sintetizadora de Foucault O espaço foi tratado como o morto o fixo o não dialético o imóvel O tempo ao contrário foi a riqueza a fecundidade a vida e a dialética Pequenos remoinhos de vívida imaginação geográfica sobreviveram fora das correntes principais do marxismoleninismo e da ciência social positivista mas eram difíceis de compreender e permaneceram decididamente periféricos No fim da década de 1960 entretanto com a instalação de uma quarta modernização induzida pela crise essa longa tradição crítica moderna começou a se alterar Tanto o marxismo ocidental quanto a ciência social crítica pareceram explodir em fragmentos mais heterogêneos perdendo grande parte de suas desconjuntadas coesões e centralidades E ao nos aproximarmos de outro fin de siècle têm surgido movimentos alternativos modernos para competir pelo controle dos perigos e das possibilidades emergentes num mundo contemporâneo reestruturado Embora ainda sejam termos controvertidos e confusos repletos de conotações díspares e amiúde depreciativas a pósmodernidade a pósmodernização e o pós modernismo parecem agora ser meios apropriados de descrever essa reestruturação cultural política e teórica contemporânea bem como de destacar a reafirmação do espaço que está complexamente entremeada com ela Inicialmente desconfiado de uma pressa excessiva na corrida para o pós brinquei por um momento com a ideia de criar um novo periódico chamado Antipost3 para combater não apenas o pósmodernismo como também a gama multiplicativa de outros ismos prefixados por pós desde o pósindustrialismo até o pósestruturalismo Agora como se evidencia por meu compromisso com o título estou mais à vontade com o rótulo epitético de pósmoderno e com seu anúncio intencional de uma transição possivelmente marcante no pensamento crítico e na vida material Continuo a encarar o período atual primordialmente como outra reestruturação ampla e profunda da modernidade e não como uma ruptura completa e uma substituição de todo o pensamento progressista pósIluminismo como proclamam alguns que se autodenominam de pós modernistas mas a quem melhor seria descrever provavelmente como antimodernistas Também compreendo o arisco antagonismo da esquerda moderna ao neoconservadorismo atualmente predominante e à obscurante extravagância da maioria dos movimentos pósmodernos Mas estou convencido de que se perde um número excessivamente grande de oportunidades ao descartar o pósmodernismo como irremediavelmente reacionário O desafio político da esquerda pósmoderna tal como o vejo requer em primeiro lugar o reconhecimento e a interpretação convincente da drástica e amiúde atordoante quarta modernização do capitalismo que vem ocorrendo na atualidade Tornase cada vez mais claro que essa reestruturação profunda não pode ser compreendida prática e politicamente apenas com os instrumentos e o discernimento convencionais do marxismo moderno ou da ciência social radical Isso não significa que esses instrumentos e esse discernimento precisem ser abandonados como se apressaram a fazer muitos dos que antes estavam na esquerda moderna Em vez disso eles devem ser flexível e adaptativamente reestruturados para lidar de maneira mais eficaz com um capitalismo contemporâneo que por sua vez vem sendo mais flexível e adaptativamente reconstituído A política reacionária pósmoderna do reaganismo e do thatcherismo por exemplo deve ser diretamente confrontada com uma política pósmoderna esclarecida de resistência e desmistificação uma política que possa rasgar os enganosos véus ideológicos que hoje reificam e obscurecem de novas e diferentes maneiras os instrumentos da exploração de classes da dominação sexual e racial da desautorização cultural e pessoal e da degradação do meio ambiente Os debates sobre os perigos e as possibilidades da pósmodernidade devem receber adesão e não ser abandonados pois o que está em jogo é a construção tanto da história quanto da geografia Não proponho elaborar aqui um programa político pósmoderno radical Mas quero efetivamente certificarme de que esse projeto como quer que venha a se configurar seja conscientemente espacializado desde o começo Devemos estar insistentemente cientes de como é possível fazer com que o espaço esconda de nós as consequências de como as relações de poder e disciplina se inscrevem na espacialidade aparentemente inocente da vida social e de como as geografias humanas tornamse repletas de política e de ideologia Cada um destes nove ensaios por conseguinte pode ser lido como uma tentativa de espacialização como um esforço posfaciado de compor uma nova geografia humana crítica um materialismo histórico e geográfico sintonizado com os desafios políticos e teóricos contemporâneos A crítica direta do historicismo sem tropeçar numa antihistória simplista é um avanço necessário nessa espacialização do pensamento crítico e da ação política Os quatro primeiros ensaios viram pelo avesso a imponente tapeçaria do historicismo de modo a rastrear a submersão e a eventual reafirmação do espaço na teoria crítica social através do encontro crescente entre as disciplinas e os discursos do marxismo moderno e da geografia moderna A geografia nitidamente marxista que acabou por emergir desse encontro bem como os marxismos franceses que tão influentemente moldaram os debates teóricos recebem uma atenção especial pois alimentaram quase que sozinhos um discurso crítico em que o espaço teve importância em que a geografia humana não ficou inteiramente subordinada à imaginação histórica Nos capítulos 3 e 4 volto os olhos para meus textos anteriores sobre a dialética socioespacial a especificidade teórica do urbano e o papel vital do desenvolvimento geograficamente desigual na sobrevivência do capitalismo Esses três temas constituíram trampolins importantes para a reafirmação do espaço na teoria crítica social mediante a espacialização de conceitos e modos de análise marxistas fundamentais Isoladamente porém esses capítulos talvez se afigurem um tanto superficiais pois dependem quase que inteiramente da persuasão lógica e da argumentação teórica afirmativa revestidas da linguagem retórica de um marxismo bastante convencional Os três últimos ensaios tentam dar maior substância empírica e interpretativa a esses argumentos enquanto os dois primeiros ajudam a explicar suas origens históricas e seu desenvolvimento Nos capítulos 5 e 6 entretanto tomo outro caminho de reforço e demonstração que aprofunda as vinculações retroativas que vão da argumentação teórica para o campo mais abstrato da ontologia Sob muitos aspectos esses capítulos intermediários são cruciais para toda a coletânea de ensaios Também eles podem ser lidos em primeiro lugar para proporcionar uma introdução diferente A reafirmação do espaço e a interpretação das geografias pósmodernas não são apenas um foco de investigação empírica atendendo à demanda de uma atenção crescente para com a forma espacial na pesquisa social concreta e na prática política esclarecida Tampouco a reafirmação do espaço é simplesmente uma recomposição metafórica da teoria social uma espacialização linguística superficial que dê à geografia uma aparência de ter tanta importância teórica quanto a história Levar o espaço a sério exige uma desconstrução e uma reconstituição muito mais profundas do pensamento e da análise críticos em todos os níveis de abstração inclusive a ontologia Sobretudo a ontologia talvez por ser nesse nível fundamental de discussão existencial que as distorções desespacializantes do historicismo se ancoram com mais firmeza O capítulo 5 inicia a desconstrução ontológica com algumas observações de um Nicos Poulantzas espacialmente redespertado ecoando Lefebvre e Foucault acerca das ilusões de espaço e tempo que caracterizaram a história do marxismo ocidental De especial importância é a conceituação poulantziana da matriz espacial do Estado e da sociedade como sendo simultaneamente o pressuposto e a encarnação das relações de produção um arcabouço material primordial e não um simples modo de representação Levo essas observações mais adiante afirmando que duas ilusões persistentes dominaram a tal ponto os modos ocidentais de encarar o espaço que bloquearam da interrogação crítica uma terceira geografia interpretativa a que reconhece a espacialidade como sendo simultaneamente lá vem essa palavra outra vez um produto ou resultado social e uma força ou meio que modela a vida social o discernimento crucial tanto para a dialética socioespacial quanto para o materialismo históricogeográfico A ilusão da opacidade reifica o espaço induzindo a uma miopia que enxerga apenas uma materialidade superficial formas concretizadas que são passíveis de pouco mais do que a mensuração e a descrição fenomênica fixas mortas e não dialéticas a cartografia cartesiana da ciência espacial Por outro lado a ilusão da transparência desmaterializa o espaço em ideação e representação puras num modo de pensar intuitivo que também nos impede de ver a construção social das geografias afetivas e a concretização das relações sociais inserida na espacialidade numa interpretação do espaço como uma abstração concreta num hieróglifo social semelhante à conceituação marxista da forma mercadoria Os filósofos e os geógrafos há séculos têm tendido a oscilar entre essas duas ilusões deformadoras obscurecendo dualisticamente da visão a construção problemática e imbuída de poder das geografias a espacialização envolvente e instrumental da sociedade Romper com esse duplo vínculo implica uma luta ontológica pela restauração da espacialidade existencial significativa do ser e da consciência humana pela composição de uma ontologia social em que o espaço tenha importância desde o mais remoto começo Empenhome nessa luta primeiro mediante uma reavaliação crítica das ontologias temporalmente distorcidas de Sartre e Heidegger os dois teorizadores mais influentes do ser no século XX e depois no capítulo 6 mediante uma análise e uma extensão da ontologia social reformulada da estruturação espaçotemporal que vem sendo desenvolvida por Anthony Giddens Tomando Giddens por base podese ver com mais clareza uma topologia espacial existencialmente estruturada e um topos ligado ao sernomundo uma contextualização primordial do ser social numa geografia multiestratificada de regiões nodais socialmente criadas e diferenciadas alojadas em muitas escalas diferentes em torno dos espaços pessoais móveis do corpo humano e nos locais comunitários mais fixos dos assentamentos humanos Essa espacialidade ontológica situa o sujeito humano de uma vez por todas numa geografia formativa e provoca a necessidade de uma reconceituação radical da epistemologia da construção teórica e da análise empírica A construção de uma ontologia espacializada é tanto uma viagem de exploração e descoberta geográficas quanto o são os ensaios sobre Los Angeles ou as tentativas de revelar os silêncios críticos do historicismo Ela ajuda a completar um mapa introdutório e indicativo da coletânea de ensaios definindo seu alcance mapeando seu campo interpretativo e identificando algumas das vias a serem percorridas O quadro conjunto ainda está incompleto pois ainda resta muito a descobrir e explorar na reafirmação contemporânea do espaço na teoria social muito mais a caminhar para que possamos ter certeza do impacto e das implicações das Geografias Pósmodernas A despeito do expediente divertido de combinar um pósescrito com um prefácio quero absterme de fazer outras reflexões restritivas e autocríticas sobre o produto final e em vez disso encerrar com alguns agradecimentos necessários Primeiro cabeme expressar minha dívida para com aqueles que optei por apresentar como pioneiros das geografias pós modernas Michel Foucault John Berger Ernest Mandel Fredric Jameson Marshall Berman Nicos Poulantzas Anthony Giddens David Harvey e em especial Henri Lefebvre cujo insistente e inspirador senso de espacialidade fizeram com que eu me sentisse menos solitário durante a última década Essas personalidades nunca se descreveram como geógrafos pós modernos mas creio que o são e procuro explicar porquê apropriandome seletivamente de suas descobertas Uma vez que todos os nove ensaios se baseiam em parte em minha obra já publicada devo também agradecer aos editores e organizadores dos seguintes livros e publicações por me permitirem extrair excertos e reescrever livremente New Models in Geography org de R Peet e N Thrift Allen Unwin por partes dos capítulos 1 e 2 Annals of the Association of American Geographers e Antipode pela maior parte dos capítulos 3 e 4 Social Relations and Spatial Structures org de D Gregory e J Urry Macmillan Education Ltd e St Martins Press pela primeira metade do capítulo 5 Environment and Planning A pela primeira metade do capítulo 6 Environment and Planning D Society and Space pela metade regional do capítulo 7 e por quase todo o capítulo 9 e Economic Geography e The Capitalist City org de M Smith e J Feagin Basil Blackwell por boa parte do capítulo 8 A íntegra das referências pode ser encontrada na bibliografia Somente à Universidade da Califórnia em Los Angeles é que tenho de agradecer o financiamento de minhas pesquisas e meus textos dos últimos dez anos e mais ainda a manutenção de um ambiente acadêmico singularmente estimulante dentro e em torno da Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano Meus colegas e alunos do Programa de Planejamento Urbano foram especialmente incentivadores e tolerantes arrastandome de volta à realidade prática todas as vezes que eu me aventurava longe demais pelos campos da abstração espacial Costis Hadjimichalis Rebecca Morales Goetz Wolff Allan Heskin Marco Cenzatti e Allen Scott foram coautores de alguns dos artigos que recompus seletivamente nesta coletânea de ensaios e tirei imenso proveito da agudeza editorial das ideias estimulantes e das palavras de incentivo de Mike Davis e Margaret FitzSimmons Sou grato a todos por suas contribuições Finalmente quero agradecer a Maureen a mais prática insistente e constante realista de todos Ninguém ficou mais satisfeito do que ela com a conclusão deste livro 1 Duração extensão temporal Referência ao conceito elaborado pelo historiador francês Fernand Braudel e difundido pela corrente historiográfica conhecida como École des Annales NR 2 Jorge Luis Borges O Aleph trad de Flávio José Cardozo Rio Globo 1986 6ª ed pp 13233 NT 3 Uma alusão à revista Antipode periódico dos geógrafos radicais norteamericanos da qual o autor tem sido colaborador eventual além de membro do corpo editorial NR A grande obsessão do século XIX foi como sabemos a história com seus temas de desenvolvimento e suspensão escrito e não escrito o móvel o fixo o não circunstancial o índice e a dialética Foucault 1980 70 bastante para mudar significativamente a paisagem material do mundo contemporâneo e o campo interpretativo da teoria crítica É chegado o momento portanto ao menos de uma primeira rodada de avaliação receptiva desses dois contextos cambiantes da história e da geografia da modernidade e da pósmodernidade um concretamente impresso no tecido empírico da vida contemporânea a geografia pósmoderna do mundo material e o outro ziguezagueando pelas maneiras como damos sentido prático e político ao presente ao passado e ao futuro potencial a geografia pósmoderna da consciência social crítica Neste capítulo de abertura pretendo traçar um percurso reconfigurativo através da história intelectual da teoria crítica social desde o último fin de siècle até o presente destacando a narrativa oculta que instigou a reafirmação contemporânea do espaço Minha intenção não é apagar a hermenêutica histórica mas abrir e recompor o território da imaginação histórica através de uma espacialização crítica Como se evidenciará em cada um dos capítulos seguintes essa reafirmação do espaço na teoria crítica social é um exercício de desconstrução e de reconstituição Não pode ser executado simplesmente em se juntando pontos espaciais realçados a perspectivas críticas herdadas e depois recostando numa poltrona para observar como eles brilham com convicção lógica Primeiro é preciso afrouxar a gravata de um historicismo ainda viciador A tarefa narrativa é eficazmente descrita por Terry Eagleton em Against the Grain A contragosto 1986 80 Desconstruir portanto é reinscrever e ressituar as significações os acontecimentos e os objetos em movimento e estruturas mais amplos é por assim dizer virar pelo avesso a tapeçaria imponente para expor em todo o seu confuso emaranhamento desprovido de qualquer glamour os fios que compõem a próspera imagem que ela expõe ao mundo LOCALIZANDO AS ORIGENS DAS GEOGRAFIAS PÓSMODERNAS As primeiras vozes insistentes da geografia crítica humana pósmoderna surgiram no fim dos anos sessenta porém mal se fizeram ouvir no alarido temporal vigente Por mais de uma década o projeto espacializante continuou estranhamente emudecido pela reafirmação tranquila da primazia da história sobre a geografia que abarcava tanto o marxismo ocidental quanto a ciência social liberal numa visão praticamente santificada do passado eternamente cumulativo Um dos quadros mais abrangentes e convincentes dessa contextualização continuamente histórica foi traçado por C Wright Mills em seu retrato modelar da imaginação sociológica Mills 1959 O trabalho de Mills oferece um proveitoso ponto de partida para a espacialização da narrativa histórica e a reinterpretação do curso da teoria crítica social A espacialidade silenciada do historicismo Mills mapeia uma imaginação sociológica profundamente enraizada numa racionalidade histórica o que Martin Jay 1984 chamaria de totalização longitudinal que se aplica igualmente bem à ciência social crítica e às tradições críticas do marxismo A imaginação sociológica é uma qualidade mental que ajuda os indivíduos a usarem a informação e desenvolverem o raciocínio de modo a chegarem a sumários lúcidos do que está ocorrendo no mundo e do que pode estar acontecendo dentro deles 1959 11 O primeiro fruto dessa imaginação e as primeiras lições da ciência social que o incorpora consistem na ideia de que o indivíduo só é capaz de compreender sua própria experiência e aferir seu próprio destino ao se situar dentro de seu período de que ele só pode conhecer suas próprias oportunidades na vida ao se conscientizar das de todos os indivíduos em sua situação Temos conhecimento de que todo indivíduo vive de geração em geração em alguma sociedade de que vive uma biografia e de que a vive dentro de alguma sequência histórica Pelo fato de viver ele contribui da mais ínfima maneira que seja para a conformação dessa sociedade e para o curso da história ao mesmo tempo que é feito pela sociedade e por seus avanços e empurrões históricos 12 E ele vai adiante A imaginação sociológica nos permite apreender a história e a biografia e as relações entre ambas na sociedade Essa é sua tarefa e sua promessa Reconhecer essa tarefa e essa promessa é a marca do analista social clássico Nenhum estudo social que não retorne aos problemas da biografia da história e de suas interseções na sociedade completa sua jornada intelectual Ibid grifo nosso Recorro à descrição de Mills do que é essencialmente a imaginação histórica para ilustrar a lógica atraente do historicismo a redução racional do sentido e da ação à constituição e à experiência temporais do ser social Essa ligação entre a imaginação histórica e o historicismo requer uma elaboração adicional Primeiramente existe a questão mais simples de determinar por que sociológico transmudouse em histórico Como assinala o próprio Mills todo sapateiro acha que o couro é tudo e como sociólogo treinado Mills nomeia seu couro segundo sua própria especialização e socialização disciplinares A escolha nominal especifica pessoalmente o que é uma qualidade mental muito mais amplamente compartida que Mills alega que deve permear ou a rigor incorporar toda a teoria e análise sociais uma racionalidade emancipatória fundamentada nas interseções da história da biografia e da sociedade Sem dúvida essas histórias de vida têm também uma geografia têm ambientes locais imediatos e localizações provocativas que afetam o pensamento e a ação A imaginação histórica nunca é completamente desprovida de espaço e os historiadores sociais críticos escreveram e continuam a escrever algumas das melhores geografias do passado Mas são sempre o tempo e a história que fornecem os continentes variáveis primordiais nessas geografias Isso parece igualmente claro quer a orientação crítica seja descrita como sociológica quer como política ou antropológica ou a rigor fenomenológica existencial hermenêutica ou materialista histórica As ênfases específicas podem diferir mas a perspectiva geral é compartilhada Uma geografia já pronta prepara o cenário enquanto a construção intencional da história dita a ação e define o roteiro É importante frisar que essa imaginação histórica tem sido particularmente central na teoria social crítica na busca de uma compreensão prática do mundo como meio de emancipação em contraste com a manutenção do status quo As teorias sociais que meramente racionalizam as condições existentes e com isso servem para promover o comportamento repetitivo a reprodução contínua das práticas sociais aceitas não se enquadram na definição da teoria crítica Podem não ser menos precisas no tocante àquilo que descrevem mas sua racionalidade ou irracionalidade a rigor tende a ser mecânica normativa científica ou instrumental em vez de crítica Foi justamente o valor crítico e potencialmente emancipatório da imaginação histórica de pessoas que fazem a história em vez de presumila como certa que a tornou tão compulsivamente atraente A constante reafirmação de que o mundo pode ser modificado pela ação humana pela práxis sempre foi o eixo central da teoria social crítica sejam quais forem sua fonte e sua ênfase particularizadas O desenvolvimento da teoria social crítica girou em torno da afirmação de uma história mutável em oposição a perspectivas e práticas que mistificam a mutabilidade do mundo O discurso histórico crítico se coloca portanto contra as universalizações abstratas e transistóricas inclusive as noções de uma natureza humana geral que explica tudo e nada ao mesmo tempo contra os naturalismos os empirismos e os positivismos que proclamam as determinações físicas da história separadas das origens sociais contra os fatalismos religiosos e ideológicos que projetam determinações e teleologias espirituais mesmo quando são transmitidos revestindose da consciência humana e contra toda e qualquer conceituação do mundo que congele a frangibilidade do tempo a possibilidade de se quebrar e refazer a história Tanto o atraente discernimento crítico da imaginação histórica quanto sua necessidade contínua de ser vigorosamente defendida contra as mistificações desvirtuadores contribuíram para a sua asserção exagerada como historicismo O historicismo tem sido convencionalmente definido de muitas maneiras diferentes Em Keywords Palavraschave de Raymond Williams 1983 por exemplo apresentamse três alternativas contemporâneas que ele descreve como 1 neutro método de estudo que usa fatos do passado para rastrear os antecedentes dos acontecimentos atuais 2 deliberado ênfase nas condições e contextos históricos variáveis como estrutura privilegiada para a interpretação de todos os eventos específicos e 3 hostil um ataque a todas as interpretações e previsões baseadas em noções de necessidade histórica ou em leis gerais do desenvolvimento histórico Quero dar um toque adicional a essas opções definindo o historicismo como uma contextualização histórica hiperdesenvolvida da vida social e da teoria social que obscurece e periferaliza ativamente a imaginação geográfica ou espacial Essa definição não nega o poder e a importância extraordinários da historiografia como modalidade de discernimento emancipatório mas identifica o historicismo com a criação de um silêncio crítico com uma subordinação implícita do espaço ao tempo que tolda as interpretações geográficas da mutabilidade do mundo social e se intromete em todos os níveis do discurso teórico desde os mais abstratos conceitos ontológicos do ser até as explicações mais detalhadas dos acontecimentos empíricos Essa definição talvez se afigure muito estranha quando comparada à longa tradição de debate acerca do historicismo que floresceu durante séculos4 A incapacidade desse debate de reconhecer a singular periferalização teórica do espaço que acompanhou até as formas mais neutras do historicismo entretanto foi justamente o que começou a ser descoberto no fim dos anos sessenta nos titubeantes primórdios do que denominei de geografia humana crítica pósmoderna Já nessa ocasião as correntes principais do pensamento social crítico tinhamse tornado tão cegas para o espaço que as mais vigorosas reafirmações do espaço em contraposição ao tempo da geografia em contraposição à história surtiram pouco efeito A disciplina acadêmica da geografia moderna àquela altura fora imobilizada em termos teóricos e pouco contribuiu para essas primeiras reafirmações E quando alguns dos mais influentes críticos sociais da época davam uma guinada espacial ousada isso não apenas costumava ser visto pelos não convertidos como algo inteiramente diferente mas os próprios executores da virada preferiam muitas vezes abafar suas críticas ao historicismo a fim de serem minimamente compreendidos Somente algumas vozes particularmente vigorosas ressoaram através do historicismo ainda hegemônico dos últimos vinte anos tornandose pioneiras do desenvolvimento da geografia pósmoderna A mais persistente insistente e coerente dessas vozes espacializadoras pertenceu ao filósofo marxista francês Henri Lefebvre Sua teorização crítica da produção social do espaço irá entremearse com todos os capítulos subsequentes Aqui no entanto pretendo fazer excertos e fornecer uma imagem dos projetos espacializantes de outros dois teóricos críticos Michel Foucault e John Berger cujas geografias pós modernas assertivas foram basicamente ocultadas da visão por sua identificação mais cômoda e mais conhecida como historiadores A ambivalente espacialidade de Michel Foucault As contribuições de Foucault para o desenvolvimento da geografia humana crítica devem ser arqueologicamente desencavadas pois ele enterrou sua virada espacial precursora em brilhantes volteios de discernimento histórico Sem dúvida ele resistiria a ser chamado de geógrafo pósmoderno mas o foi malgré lui5 desde a História da loucura na idade clássica 1961 até suas últimas obras sobre a História da sexualidade 1978 Suas observações mais explícitas e reveladoras sobre a importância relativa do espaço e do tempo entretanto aparecem não em suas grandes obras publicadas mas sim de maneira quase inócua em suas palestras e após algumas indagações persuasivas em duas entrevistas reveladoras Questions on Geography Perguntas sobre geografia Foucault 1980 e Space Knowledge and Power Espaço saber e poder Rabinow 1984 ver também Wright e Rabinow 1982 As memoráveis observações que encabeçam este capítulo por exemplo foram inicialmente feitas numa palestra de 1967 intitulada Des espaces autres6 Permaneceram praticamente não vistas e não ouvidas por quase vinte anos até sua publicação no periódico francês ArchitectureMouvementContinuité em 1984 e traduzidas por Jay Miskowiec como Of Other Spaces em Diacritics 1986 Nessas anotações de aula Foucault destacou sua noção de heterotopias como sendo os espaços característicos do mundo moderno substituindo o hierárquico conjunto de lugares da Idade Média e o envolvente espaço de localização inaugurado por Galileu e infinitamente desdobrado no espaço de extensão e medida do moderno primitivo Afastandose do espaço interno da brilhante poética de Bachelard 1969 e das descrições regionais intencionais dos fenomenologistas Foucault concentrou nossa atenção numa outra espacialidade da vida social num espaço externo o espaço efetivamente vivido e socialmente produzido dos locais e das relações entre eles O espaço em que vivemos que nos retira de nós mesmos no qual ocorre o desgaste de nossa vida nossa época e nossa história o espaço que nos dilacera e corrói é também em si mesmo um espaço heterogêneo Em outras palavras não vivemos numa espécie de vazio dentro do qual possamos situar indivíduos e coisas Não vivemos num vazio passível de ser colorido por matizes variados de luz mas num conjunto de relações que delineia localizações irredutíveis umas às outras e absolutamente não superponíveis entre si 1986 23 Esses espaços heterogêneos de localizações e relações as heterotopias de Foucault são constituídos em todas as sociedades mas assumem formas muito variadas e se modificam ao longo do tempo à medida que a história se desdobra em sua espacialidade inerente Foucault identifica muitos desses locais o cemitério e a igreja o teatro e o jardim o museu e a biblioteca a feira e a cidade das férias o quartel e a prisão o hammam muçulmano e a sauna escandinava o bordel e a colônia Ele contrasta esses lugares reais com os espaços fundamentalmente irreais das utopias que apresentam a sociedade numa forma aperfeiçoada ou virada de cabeça para baixo A heterotopia é capaz de superpor num único lugar real diversos espaços diversos locais que em si são incompatíveis eles têm uma função em relação a todo o espaço restante Essa função se desdobra entre dois pólos extremos Ou seu papel consiste em criar um espaço de ilusão que expõe todos os espaços reais todos os lugares em que se divide a vida humana como ainda mais ilusórios Ou então ao contrário seu papel consiste em criar um espaço outro um outro espaço real tão perfeito meticuloso e bem disposto quanto o nosso é desarrumado mal construído e confuso Este último tipo seria a heterotopia não da ilusão mas da compensação e me pergunto se algumas colônias não terão funcionado um pouco dessa maneira 1986 25 27 Com esses comentários Foucault expôs muitos dos instigantes rumos que iria tomar no trabalho de sua vida inteira e indiretamente levantou um poderoso argumento contra o historicismo e contra as abordagens vigentes do espaço nas ciências humanas O espaço heterogêneo e relacional das heterotopias de Foucault não é nem um vazio desprovido de substância a ser preenchido pela intuição cognitiva nem um repositório de formas físicas a ser fenomenologicamente descrito em toda a sua resplandecente variabilidade Tratase de um espaço outro daquilo que Lefebvre descreveria como lespace vécu a espacialidade efetivamente vivida e socialmente criada simultaneamente concreta e abstrata a contextura das práticas sociais É um espaço raramente visto pois tem sido obscurecido por uma visão bifocal que tradicionalmente encara o espaço como um constructo mental ou como uma forma física uma ilusão dual que discuto mais detalhadamente no capítulo 5 Para ilustrar sua interpretação inovadora do espaço e do tempo e para esclarecer algumas das polêmicas amiúde confusas que vinham surgindo em torno dela Foucault se voltou para os debates então corriqueiros sobre o estruturalismo uma das mais importantes vias do século XX para a reafirmação do espaço na teoria social crítica Foucault insistiu vigorosamente em que ele próprio não era apenas um estruturalista mas reconhecia no desenvolvimento do estruturalismo uma visão diferente e instigante da história e da geografia uma reorientação crítica que estava vinculando o espaço e o tempo de maneiras novas e reveladoras O estruturalismo ou pelo menos aquilo que se reúne sob essa denominação um tanto genérica demais é o esforço de estabelecer entre elementos que poderiam ligarse num eixo temporal um conjunto de relações que faz com que eles apareçam justapostos contrabalançados uns com os outros em suma como uma espécie de configuração Na verdade o estruturalismo não implica uma negação do tempo implica uma certa maneira de lidar com o que chamamos tempo e com o que chamamos história 1986 22 Essa configuração sincrônica é a espacialização da história a feitura da história entremeada com a produção social do espaço a estruturação de uma geografia histórica7 Foucault se recusou a projetar sua espacialização como uma antihistória mas sua história foi provocadoramente espacializada desde o começo Isso não constituiu uma simples mudança de preferência metafórica como frequentemente parecia acontecer com Althusser e outros que estavam mais à vontade com o rótulo de estruturalistas do que Foucault Tratou se da abertura da história para uma geografia interpretativa No intuito de enfatizar o caráter central do espaço para o olhar crítico especialmente no tocante ao momento contemporâneo Foucault tornouse sumamente explícito Seja como for creio que a angústia de nossa era está fundamentalmente relacionada com o espaço sem dúvida muito mais do que com o tempo Provavelmente o tempo se nos afigura como sendo apenas uma das várias operações distributivas possíveis dos elementos dispostos no espaço Ibid 23 Ele nunca voltaria a ser tão explícito A espacialização de Foucault assumiu uma postura mais demonstrativa do que declaratória talvez confiando em que ao menos os franceses compreendessem a intenção e a importância de sua historiografia admiravelmente espacializada Numa entrevista realizada pouco antes de sua morte Rabinow 1984 Foucault rememorou sua exploração Dos espaços outros8 e as reações enfurecidas que ela provocou naqueles que ele certa vez identificara como os fiéis descendentes do tempo Ao lhe indagarem se o espaço era central para a análise do poder respondeu Sim O espaço é fundamental em qualquer forma de vida comunitária o espaço é fundamental em qualquer exercício do poder Fazendo uma observação entre parênteses lembrome de ter sido convidado por um grupo de arquitetos em 1966 para fazer um estudo do espaço de algo que na época eu chamava de heterotopias esses espaços singulares encontrados em determinados espaços sociais cujas funções são diferentes ou até opostas a outras Os arquitetos trabalharam nisso e ao final do estudo ergueuse uma voz de um psicólogo sartreano que me bombardeou dizendo que o espaço era reacionário e capitalista mas a história e o devir eram revolucionários Esse discurso absurdo não era nada incomum nessa ocasião Hoje em dia todos se contorceriam em gargalhadas diante de um pronunciamento desses mas não naquela época Em meio às gargalhadas atuais ainda não tão difundidas e convulsivas quanto Foucault presumiu que seriam é possível olhar para trás e ver que Foucault explorou persistentemente aquilo a que chamou interseção fatal entre o tempo e o espaço do primeiro ao último de seus textos E o fez como só agora começamos a perceber imbuído da perspectiva emergente de uma geografia humana crítica póshistoricista e pósmoderna Poucos conseguiram enxergar a geografia de Foucault entretanto uma vez que ele nunca deixou de ser historiador nunca rompeu seu compromisso com a identidade mestra do moderno pensamento crítico Ser rotulado de geógrafo era uma maldição intelectual uma associação aviltante com uma disciplina acadêmica tão distanciada das grandes matrizes da teoria social e da filosofia modernas que se afigurava fora do âmbito da importância crítica Foucault teve de ser persuadido a reconhecer sua vinculação formativa com a perspectiva espacial do geógrafo a admitir que a geografia sempre estivera no cerne de suas preocupações Esse reconhecimento retrospectivo surgiu numa entrevista com os editores do periódico francês de geografia radical intitulado Herodote e foi publicado em inglês como Perguntas sobre Geografia em PowerKnowledge Foucault 1980 Nessa entrevista Foucault se estendeu sobre as observações que fizera em 1967 mas só depois de ser impelido a fazê lo pelos entrevistadores A princípio Foucault ficou surpreso e irritado quando seus entrevistadores lhe perguntaram por que havia silenciado tanto sobre a importância da geografia e da espacialidade em suas obras a despeito da utilização profusa de metáforas geográficas e espaciais Os entrevistadores lhe sugeriram Se a geografia fica invisível ou não apreendida na área de suas explorações e escavações talvez isso se deva à abordagem deliberadamente histórica ou arqueológica que privilegia o fator tempo Assim encontrase em sua obra uma preocupação rigorosa com a periodização que contrasta com o caráter vago de suas demarcações espaciais Foucault reagiu imediatamente através do desvio e da inversão devolvendo a seus entrevistadores a responsabilidade pela geografia embora recordasse os críticos que o censuravam por sua obsessão metafórica com o espaço Após mais algumas perguntas entretanto admitiu outra vez que o espaço fora desvalorizado durante gerações pelos filósofos e pelos críticos sociais reafirmou a espacialidade intrínseca do podersaber e terminou com uma meiavolta Gostei dessa discussão com vocês por ter mudado de ideia desde que começamos Devo admitir que achei que vocês estavam exigindo um lugar para a geografia como os professores que protestam quando se propõe uma reforma educacional por haver um corte no número de horas para as ciências naturais ou a música Agora percebo que os problemas que vocês me estão formulando sobre a geografia são problemas cruciais para mim A geografia funcionou como o esteio a condição de possibilidade da passagem entre uma série de fatores que tentei relacionar No que concerne à geografia em si deixei a questão em suspenso ou estabeleci uma série de ligações arbitrárias A geografia deve estar realmente no cerne de meus interesses Foucault 1980 77 Aqui a argumentação de Foucault toma um novo rumo indo de um simples olhar para outros espaços ao questionamento das origens dessa desvalorização do espaço que tem prevalecido por gerações É nesse ponto que ele tece o comentário anteriormente citado sobre a abordagem pósbergsoniana do espaço como passivo e sem vida e do tempo como riqueza Para todos os que confundem a história com os antigos esquemas da evolução da continuidade da vida do desenvolvimento orgânico do progresso da consciência ou do projeto existencial o emprego de termos especiais parece ter um ar de antihistória vividamente a necessidade de uma narrativa explicitamente espacializada O primeiro desses argumentos geográficos positivamente pósmodernos baseiase no reconhecimento de uma profunda reestruturação da vida contemporânea induzida pela crise que resulta em modificações significativas na aparência das coisas e se me é lícito continuar a recorrer aos títulos do cativante livro de Berger em nossas maneiras de ver 1972 Essa reestruturação para Berger implica uma recomposição fundamental do modo de narração decorrente de uma nova consciência de que devemos levar em conta a simultaneidade e a extensão dos acontecimentos e das possibilidades para dar sentido ao que vemos Já não podemos depender de um fio narrativo que se desdobre sequencialmente de uma história em eterna acumulação que marche diretamente em frente na trama e no desenlace pois há coisas demais acontecendo contra o contexto temporal coisas demais atravessando continuamente o fio narrativo em direção lateral Um retrato contemporâneo já não dirige nosso olhar apenas para uma linhagem majestosa para evocações de herança e tradição Há uma intervenção de simultaneidades que estendem nosso ponto de vista para fora num número infinito de linhas que ligam o sujeito a um mundo inteiro de situações comparáveis complicando o fluxo temporal do sentido e instaurando um curtocircuito no fabuloso desfiar de uma maldita coisa após outra O novo o inédito deve agora envolver uma configuração e uma projeção explicitamente geográficas além de históricas Para explicar porque isso ocorre Berger situa astutamente a narrativa reestruturada num contexto e numa consciência disseminados do desenvolvimento geograficamente desigual numa constelação de linhas e numa fotografia de superfícies que ligam toda a história e as estórias a uma horizontalidade formadora da atenção que se estende por toda parte em seu poder sua indivisibilidade sua exploração e sua desigualdade Nossa urgente conscientização do desenvolvimento geograficamente desigual e o sentimento revigorado de nossa responsabilidade política pessoal por ele como um produto coletivamente criado por nós espacializa o momento contemporâneo e revela o discernimento a ser extraído de uma compreensão mais profunda da crise contemporânea e da reestruturação da literatura e da ciência de nossa vida cotidiana e da situação dos homens e mulheres tal como são no mundo inteiro em toda a sua desigualdade Repito mais uma vez a provocante conclusão de Berger a profecia implica agora uma projeção mais geográfica do que histórica é o espaço e não o tempo que nos oculta as consequências Que afirmação acabrunhante para os que só enxergam através das lentes do tempo Brotando do reconhecimento de uma profunda reestruturação da vida contemporânea e de uma consciência explícita do desenvolvimento geograficamente e não apenas historicamente desigual há um extraordinário apelo por uma nova perspectiva crítica por um modo diferente de ver o mundo no qual a geografia não somente tem importância como fornece a mais reveladora perspectiva crítica Antes de tirarmos conclusões prematuras entretanto não nos esqueçamos de que essa espacialização do pensamento crítico não tem que projetar uma antihistória simplista Tal como acontece em Foucault a reafirmação do espaço na teoria social crítica não requer a subordinação antagônica do tempo e da história uma substituição e uma reposição simplistas Ela constitui ao contrário a convocação a um equilíbrio interpretativo adequado entre o espaço o tempo e o ser social ou aquilo que agora é possível denominar mais explicitamente de criação das geografias humanas construção da história e constituição da sociedade Afirmar que no contexto contemporâneo é o espaço e não o tempo que esconde de nós as consequências é por conseguinte tanto um reconhecimento implícito de que a história foi até hoje aceita como o modo privilegiado da revelação e do discurso críticos quanto a argumentação de que essa posição privilegiada na medida em que bloqueou da visão a importância crucial da espacialidade da vida social já não é adequada É o predomínio de um historicismo do pensamento crítico que se questiona e não a importância da história Quase como que invertendo por completo a imaginação sociológica de Mills Berger observa que qualquer narrativa contemporânea que ignore a urgência da dimensão espacial é incompleta e adquire o caráter supersimplificado de uma fábula Assim Berger se alia a Foucault para nos impelir rumo a uma reestruturação significativa e necessária do pensamento social crítico a uma recomposição que nos faculte enxergar com mais clareza a influência longamente ocultada das geografias humanas em particular as espacializações abrangentes e encarcerantes da vida social que estiveram associadas ao desenvolvimento histórico do capitalismo A trilha de Berger continua a descortinar novas maneiras de ver a arte e a estética os retratos e as paisagens os pintores e os camponeses no passado um dia e no presente aqui Para cristalizar e expandir esses campos espaciais de discernimento e para ligar ainda mais vigorosa e explicitamente a geografia humana crítica pós moderna à espacialidade instrumental do capitalismo é preciso reingressar na narrativa histórica num lugar e numa escala diferentes A DESCONSTRUÇÃO E A RECONSTITUIÇÃO DA MODERNIDADE Em All That is Solid Melts Into Air The Experience of Modernity Tudo que é sólido desmancha no ar a experiência da modernidade 1982 Marshall Berman explora as múltiplas reconfigurações da vida social que caracterizaram a geografia Desde aproximadamente 1880 até a deflagração da I Guerra Mundial uma série de mudanças radicais na tecnologia e na cultura criou modos novos e distintos de pensar sobre o tempo e o espaço e de vivenciálos social mutável e conflitante em que tudo parece estar repleto de seu oposto em que tudo o que um dia se presumiu ser sólido desmancha no ar descrição que Berman retira de Marx e apresenta como um aspecto essencial da experiência vital da modernidadeemtransição A modernização pode ser diretamente vinculada aos muitos processos objetivos diferentes de mudança estrutural que foram associados à capacidade do capitalismo de se desenvolver e sobreviver de reproduzir com êxito suas relações sociais fundamentais de produção e suas divisões características do trabalho a despeito das tendências endógenas para crises debilitadoras Essa associação definitória entre a modernização e a sobrevivência do capitalismo é crucial pois é demasiadamente comum os analistas da modernidade extraírem a mudança social de suas origens sociais nos modos de produção encenando a história em modelagens evolutivas idealizadas Vista por essas perspectivas a mudança parece simplesmente acontecer numa marcha cadenciada da modernidade que substitui a tradição numa teleologia mecânica do progresso A modernização não é inteiramente produto de alguma lógica determinante intrínseca do capitalismo nem tampouco é uma idealização desarraigada e inelutável da história A modernização tal como a vejo aqui é um processo contínuo de reestruturação societária periodicamente acelerado para produzir uma recomposição significativa do espaçotemposer em suas formas concretas uma mudança da natureza e da experiência da modernidade que decorre primordialmente da dinâmica histórica e geográfica dos modos de produção Nos últimos quatrocentos anos essa dinâmica foi predominantemente capitalista tal como o foram a própria natureza e experiência da modernidade durante esse período A modernização como todos os processos sociais desenvolvese desigualmente no tempo e no espaço e desse modo inscreve geografias históricas bem diferentes nas diferentes formações sociais regionais Algumas vezes no entanto no passado em contínua acumulação ela se tornou sistemicamente sincrônica afetando simultaneamente todas as sociedades predominantemente capitalistas Essa sincronização tem pontuado a geografia histórica do capitalismo pelo menos desde o início do século XIX com um macrorritmo cada vez mais reconhecível uma periodicidade ondular de crise e reestruturação societárias que só agora começamos a compreender em todas as suas ramificações Talvez o primeiro desses períodos prolongados de crise e reestruturação globais tenhase estendido pelo que Hobsbawm denominou de era da revolução e atingido seu auge nos anos turbulentos de 1830 a 184851 As décadas seguintes foram uma época de expansão capitalista explosiva na produção industrial no crescimento urbano e no comércio internacional de florescimento de um regime clássico competitivo e empresarial de acumulação de capital e regulamentação social Durante as três últimas décadas do século XIX porém a explosão transformouse basicamente em fracasso para os países capitalistas então mais avançados à medida que a Longa Depressão como foi chamada acentuou a necessidade de outra reestruturação e modernização urgentes de um novo arranjo para um capitalismo permanentemente viciado na crise A mesma sequência em altos e baixos de uma reestruturação induzida pela crise que leva a um surto expansionista e depois a outra crise e outra reestruturação marcou a primeira metade do século XX com a Grande Depressão ecoando os conflitantes declínios passados do sistema inteiro e dando início à transição de um regime característico de acumulação para outro E como agora parece cada vez mais claro a segunda metade do século XX seguiu uma trajetória geral similar com um prolongado período expansionista subsequente à II Guerra Mundial e uma fase ainda em curso repleta de crises e de tentativas de modernização e reestruturação que vãonos levando ao próximo fin de siècle O ritmo tem sido insistente marcando o compasso no que se poderia descrever como sendo pelo menos quatro modernizações metamórficas do capitalismo desde a década de 1830 até os dias atuais As análises mais rigorosas e reveladoras desse macrorritmo da geografia histórica do capitalismo carregado de crise foram feitas por Ernest Mandel 1976 1978 1980 Mandel é particularmente eficaz ao ligar a periodicidade da modernização intensificada a uma série de reestrutrações geográficas similarmente caracterizadas pela tentativa de recuperar as condições de sustentação da acumulação capitalista lucrativa e do controle da mão de obra Essa periodizaçãoregionalização mandeliana do processo de modernização desempenha um papel importante no desenvolvimento e interpretação das geografias pósmodernas Berman também descreve com muito discernimento os traços característicos que moldam essas modernizações periodicamente intensificadas Ele apresenta o seguinte rol de forças materiais que contribuem para a reestruturação da experiência de modernidade como um sentimento coletivo dos perigos e possibilidades do contemporâneo a industrialização da produção que transforma o conhecimento científico em tecnologia cria novos ambientes e destrói os antigos acelera todo o ritmo da vida e gera novas formas de poder empresarial e luta de classes as imensas revoluções demográficas que afastam milhões de pessoas de seus habitats ancestrais lançandoas por meio mundo em direção a vidas novas o crescimento urbano rápido e muitas vezes cataclísmico os sistemas de comunicação de massa de desenvolvimento dinâmico que envolvem e unem os mais diversos povos e sociedades os Estados nacionais cada vez mais poderosos burocraticamente estruturados e operados em luta constante pela expansão de seus poderes os movimentos sociais de massa do povo e dos povos contestando seus dirigentes políticos e econômicos e lutando por obter o controle de suas vidas por fim conduzindo e impulsionando todas essas pessoas e instituições o mercado mundial capitalista em permanente expansão e drasticamente oscilante Berman 1982 16 Esse catálogo impressionante delineia vividamente a criatividade destrutiva que tem estado tão estreitamente associada à modernização e à sobrevivência do capitalismo nos dois últimos séculos Hoje em dia com algumas variações está sendo repetido mais uma vez A reestruturação e a modernização pontuam não apenas a história e a geografia concretas do desenvolvimento capitalista como marcam também o curso mutável da teoria social crítica O estabelecimento dessa ligação entre a economia política do mundo empírico e o mundo da teoria levanos à conceituação do modernismo em Berman Em seu sentido mais amplo o modernismo é a resposta cultural ideológica reflexiva e acrescentaria eu formadora de teoria à modernização Abrange um conjunto heterogêneo de visões subjetivas e programas de ação estratégicos na arte na literatura na ciência na filosofia e na prática política desencadeados pela desintegração de uma ordem estabelecida herdada e pela consciência das possibilidades e perigos projetados de um momento ou conjuntura contemporâneos reestruturados O modernismo é essencialmente uma formação reativa um movimento social conjuntural mobilizado para enfrentar a desafiadora questão do que se deve fazer agora dado que o contexto do contemporâneo se modificou significativamente Tratase portanto da consciência formadora de cultura programática e situada da modernidade Todas as eras de modernização acelerada foram um campo de cultura fértil para poderosos novos modernismos que emergiram em quase todos os campos do discurso e da criatividade De especial interesse para a presente narrativa são dois movimentos modernistas que emergiram por volta da virada do século XIX definindo campos separados e competitivos de teorização social crítica um centralizado na tradição marxista e outro na ciência social mais naturalista e positivista Como outros movimentos modernistas do fin de siècle eles emergiram inicialmente como movimentos de vanguarda rebeldemente criativos que questionavam suas ortodoxias herdadas com um novo sentimento do que se deveria fazer Para os tradicionalistas da época encerrados em estruturas e estrituras mais antigas de modernidade os movimentos de vanguarda pareciam habitar um mundo diferente uma modernidade alternativa uma identidade pósmoderna no sentido de que já não era confinável dentro das tradições herdadas e estabelecidas O marxismo leninista foi um dos movimentos modernistas mais bemsucedidos durante a virada do século uma reestruturação revigorante e vanguardista do materialismo históricosocialismo científico tanto na teoria quanto na prática um marxismo modernizado que alterou significativamente o mundo Ao lado de muitos outros movimentos modernistas de sucesso o marxismoleninismo consolidou suas vitórias na parte do mundo em que gerou mudanças mais expressivas Também enfrentou resolutamente as grandes crises de meados do século representadas pela Grande Depressão e pela II Guerra Mundial e passou à segunda metade do século XX tão tremendamente entrincheirado que não mais podia ser descrito como vanguardista O novo envelheceu e a vanguarda se transformou na velha guarda hegemônica rígida e situacionista Esse processo histórico de enrijecimento no cerne do marxismo do século XX cindiu o movimento tanto geograficamente quanto em suas abordagens da teoria e da prática Uma corrente oriental mais conservadora e diligentemente pragmática desviou a crítica e a inovação teóricas para o que veio a ser chamado de marxismo ocidental suficientemente distante das ortodoxias centrais do marxismoleninismo para se distinguir dele mas próximo demais para representar um movimento moderno autônomo por si só9 Foi dessa corrente periférica do marxismo ocidental que a reafirmação do espaço e a crítica do historicismo acabaram por emergir Despontando em parte como uma reação à reestruturação do marxismo houve uma consolidação das ciências sociais ocidentais modernas ou do ponto de vista marxista burguesas uma divisão intelectual do trabalho muito mais compartimentalizada e fragmentada do que a que brotou da modernização da tradição marxista Ainda assim houve algumas semelhanças notáveis Ambas emergiram das lutas intelectuais políticas e institucionais que se desenvolveram no fim do século XIX como reinterpretações rivalizantes do melhor modo de teorizar e de induzir a mudanças progressivas na moderna ordem social exatamente como Marx e Comte haviam tentado fazer em resposta ao término da era de revolução anterior depois da primeira modernização sistêmica do capitalismo As ciências sociais também desenvolveram uma divisão interna entre uma tradição nuclear cada vez mais ortodoxa e hegemônica predominantemente baseada numa apropriação instrumental e cada vez mais positivista dos métodos da ciência natural na análise e na teorização sociais e um cotejo de variantes críticas que exerciam uma pressão constante contra o enrijecimento disciplinar a fragmentação e o cientificismo Essa ciência social crítica tinha duas outras características em comum com o marxismo ocidental um interesse emancipatório no poder da consciência humana e da vontade social para romper todos os cerceamentos exógenos e uma inscrição crítica desse poder social e dessa subjetividade potencialmente revolucionária na construção da história em modalidades históricas de explicação e interpretação confrontação e crítica10 O fin de siècle trouxe consigo portanto uma cultura recomposta do tempo e do espaço e uma teoria social crítica bifurcada imbuída em suas duas variações principais de uma imaginação histórica revigorada O que nossas histórias acumuladas da consciência teórica não nos dizem entretanto é que os modernismos que celebraram essa imaginação histórica A subordinada do espaço na teoria social 18801920 Uma cultura e uma consciência nitidamente diferentes do espaço do tempo e da modernidade emergiram nas décadas precedentes e subsequentes ao final do século XIX Embora a experiência efetivamente vivida possa não ter induzido a essa priorização lógica em todos os níveis do discurso filosófico e teórico desde a ontologia e epistemologia até a explicação dos acontecimentos empíricos e a interpretação das práticas sociais específicas a imaginação histórica pareceu estar apagando a uma resolutivamente a sensibilidade para a relevância crítica das geografias humanas No fim desse período a ascendência de um novo enfoque teórico havia chegado a tal ponto que a possibilidade de uma geografia histórica crítica passou a se afirmar inconscientemente na abstenção anárquica para carregados marxistas ocidentais e cientistas sociais críticos Nas ciências sociais críticas a modernização foi concebida em torno de um ritmo e uma racionalização históricos ao menos superficialmente semelhantes iniciados com as origens do capitalismo e a Revolução Industrial e que atravessaram outra transição problemática no fim do século XIX Recompondo algumas das mesmas fontes inspiradoras do marxismo ocidental desde Kant e Hegel até o próprio Marx a ciência social crítica definiu esta última transição caracteristicamente como a passagem conclusiva e categórica da Tradição para a Modernidade da Gemeinschaft para a Gesellschaft da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica Para os grandes teorizadores a Modernidade com M maiúsculo havia realmente chegado para o que desse e viesse Acima de tudo ela exigia ser entendida como o referencial teórico e político predominante no plano doméstico e no exterior O que os marxistas encaravam como a ascensão do imperialismo através da internacionalização do capital financeiro os cientistas sociais críticos começaram a interpretar como a difusão retardada do desenvolvimento como modernidade capitalista nas partes subdesenvolvidas tradicionais e ainda não plenamente modernizadas do mundo Também nisso havia uma visão primordialmente eurocêntrica que ligava a modernização em toda parte à dinâmica histórica do capitalismo industrial europeu ao que Foucault descreveu como a ameaçadora glaciação do mundo Mas enquanto a teorização marxista da história mantinha um foco crítico singular a ciência social traduziu seu historicismo crítico em muitas versões diferentes no individualismo metodológico de Max Weber na sociologia da consciência coletiva de Émile Durkheim no ceticismo neokantiano de Georg Simmel e na fenomenologia intencional de Edmund Husserl Em todas essas abordagens alguma atenção era dada à geografia humana e ao desenvolvimento geograficamente desigual da sociedade mas essa geografia da modernidade permanecia essencialmente como um apêndice um espelho que refletia a modernização societária Enquanto as duas correntes da teoria social crítica travavam uma batalha pela interpretação adequada da história os movimentos modernos nucleares do marxismoleninismo e do cientificismo social positivista empenharamse mais pragmaticamente em modificála Cada qual se aglutinou em torno de uma resposta diferente à reestruturação do capitalismo do fin de siècle criando programas hegemônicos de progresso social que iriam moldar as culturas políticas do mundo ao longo de todo o século XX O movimento marxista moderno baseouse numa estratégia socialista revolucionária de ação vanguardista e numa territorialidade controlada da luta de classes estratégia essa que no devido tempo seria reforçada com êxito pelos acontecimentos da Rússia Uma ciência social igualmente instrumental e oportunista dedicouse às possibilidades de uma reforma cientificamente planejada primordialmente sob a égide do Estado capitalista liberal mão visível do norteamento social que também seria quase que imediatamente reforçada pelas reformas bemsucedidas do liberalismo da era progressista e de maneira mais ambígua do socialismo liberal associado à ascensão das socialdemocracias europeias Esses dois movimentos modernos contemporâneos viriam a ser abalados pela crise e pela dúvida em suas esferas de influência distintas durante a Grande Depressão e a II Guerra Mundial mas emergiriam refortalecidos reestruturados e ainda mais antagonicamente hegemônicos nos anos cinquenta O argumento principal que pretendo estabelecer nesta descrição reconhecidamente genérica e abreviada da modernização e do modernismo é não apenas que a espacialidade ficou subordinada na teoria social crítica mas que a instrumentalidade do espaço foi cada vez mais perdida de vista no discurso político e prático No fin de siècle ampliado a política e a ideologia embutidas na construção social das geografias humanas bem como o papel crucialmente importante desempenhado pela manipulação dessas geografias na reestruturação do capitalismo no fim do século XIX e em sua expansão no começo do século XX pareceram tornarse invisíveis ou cada vez mais mistificadas na esquerda na direita e no centro Escondido na modernidade que se ia moldando estava um profundo arranjo espacial Em todas as escalas de vida da global à local a organização espacial da sociedade foi sendo reestruturada para fazer frente às exigências urgentes do capitalismo em crise para abrir novas oportunidades de lucros extraordinários descobrir novas maneiras de manter o controle social e estimular produção e consumo crescentes Isso não constituiu um fenômeno repentino nem tampouco devemos encarálo como conspiratorial totalmente bemsucedido ou inteiramente despercebido pelos que o vivenciaram Muitos dos movimentos de vanguarda do fin de siècle na poesia e na pintura na redação de romances e na crítica literária na arquitetura e no que então representava o planejamento urbano e regional progressista intuíram com perspicácia a instrumentalidade do espaço e os efeitos disciplinadores da geografia cambiante do capitalismo Mas dentro dos campos consolidadores e codificadores da ciência social e do socialismo científico um historicismo persistente tendeu a obscurecer essa espacialização insidiosa deixandoa quase inteiramente fora do âmbito da interrogação crítica pelos cinquenta anos seguintes Por que isso aconteceu não é fácil responder Como aconteceu é algo que só agora começa a ser descoberto e explorado com algum detalhe Parte da história da submersão do espaço na teoria social do início do século XX se relaciona provavelmente com a rejeição teórica explícita da causalidade ambiental e de todas as explicações físicas ou externas dos processos sociais e da formação da consciência humana A sociedade e a história estavam sendo separadas da natureza e ingenuamente providas de ambientes que lhes conferissem o que se poderia chamar de relativa autonomia do social em relação ao espacial Impedida de ver a produção do espaço como um processo social enraizado na mesma problemática da construção da história a teoria social crítica tendeu a projetar a geografia humana no pano de fundo físico da sociedade assim permitindo que seu poderoso efeito de estruturação fosse jogado fora juntamente com a água suja de um determinismo A geografia se instalou dentro do dicionário da moderna divisória acadêmica do trabalho numa posição que racionalizava suas divisões tanto das disciplinas especializadas e substanciais das ciências naturais e humanas em que supostamente esta originava a teoria quanto à história sua parceira pretensamente equivalente no preenchimento da circunferência completa de nossa percepção no dizer de Kant A geografia e a história eram maneiras de pensar esquemas subjetivos que coordenavam e integravam todos os fenômenos sentidos Na década de 1920 entretanto a colocação dos fenômenos numa sequência temporal o nacheinander de Kant se havia tornado muito mais significativa e reveladora para toda sorte de teóricos sociais do que sua colocação lado a lado no espaço o nebeneinander de Kant especialmente através da Agência de Serviços Estratégicos progenitora da CIA existindo ainda hoje o cargo de Geógrafo no Departamento de Estado em reconhecimento por serviços dedicados e disciplinados Sem exagero indevido o geógrafo radical francês Yves Lacoste um dos que entrevistaram Foucault sobre a geografia intitulou seu livro sobre esse campo de La Géographie ça sert dabord à faire la guerre12 Lacoste 1976 Dada essa vinculação com o Estado não surpreende que o subcampo da geografia política tenha gerado as mais ativas tentativas de teorização A noção de Sir Halford Mackinder de um Coração eurasiano como sendo o pivô geográfico da história 1904 assim como sua participação ativa na reformulação do traçado do mapa da Europa depois da I Guerra Mundial ver Mackinder 1919 estabeleceram e legitimaram a geopolítica como o foco prático e teórico primordial da geografia humana Essa centralidade perduraria nos anos do entreguerras pelo menos até que o episódio aberrante da Geopolitik alemã fizesse os geógrafos não fascistas pensarem duas vezes antes de se aventurarem longe demais no âmbito da construção da teoria política Com sua teorização levando mais uma vez as sobras a geografia humana como um todo retirou se para o clima mais ameno da mera descrição enquanto a geografia política se converteu no que alguns chamaram de recanto moribundo da disciplina Refugiada em seu casulo neokantiano a explicação das geografias humanas assumiu várias formas diferentes Uma delas enfatizou a antiga tradição ambiental homemterra e buscou associações entre as geografias física e humana na paisagem visível quer através das influências do meio ambiente no comportamento e na cultura quer através do papel do homem na modificação da face da terra Thomas 1956 Outra concentrouse nos padrões de localização de fenômenos topicamente organizados para refletir os compartimentos estabelecidos da moderna ciência social Isso definiu campos especializados de geografia econômica política social cultural e muito depois comportamental ou psicológica mas não poderseia acrescentar uma geografia baseada na economia política Uma terceira abordagem visou a sintetizar tudo o que era visível através de uma regionalização abrangente e tipicamente enciclopédica dos fenômenos abordagem esta considerada pela maioria dos geógrafos de meados do século como sendo a essência distintiva da disciplina Por fim uma geografia histórica perpassou livremente todas essas três abordagens trilhando as geografias humanas do passado como uma sequenciação temporal da diferenciação por áreas e se refestelando na legitimidade e no poder intelectuais da imaginação histórica Caracterizando cada uma dessas formas de análise geográfica desde a mais trivialmente empírica até a mais perspicazmente histórica houve a explicação das geografias pelas geografias a análise geográfica voltada para ela mesma a descrição de efeitos conjuntos derivados de processos cuja teorização mais profunda ficava a cargo de terceiros Enquanto se dava essa involução as correntes principais do marxismo ocidental e da ciência social crítica perderam o contato com a imaginação geográfica Houve alguns pequenos bolsões de análise e teorização geográficas instigantes que sobreviveram durante essa passividade espacial de meados do século na ecologia urbana evolutiva da Escola de Chicago nas doutrinas de planejamento urbano e regional consolidadas nos anos do entreguerras ver Friedmann e Weaver 1979 e Weaver 1984 na historiografia regional e na atenção para com os detalhes ambientais da escola francesa dos Annales que deu continuidade às tradições de Vidal de la Blache entre alguns historiadores norteamericanos e britânicos ainda inspirados em Frederic Jackson Turner e outros teóricos das frentes pioneiras ou nas teorias marxistas do imperialismo e na obra de Antonio Gramsci sobre a questão regional os movimentos sociais locais e o Estado capitalista Na maioria dos casos entretanto o que se manteve vivo nesses bolsões residuais foi a imaginação geográfica retraída do fin de siècle prolongado Relativamente poucas novidades foram acrescentadas depois do início dos anos trinta e até os remanescentes preservados do passado foram encerrados num historicismo crescente e aprisionante que consignou sua geografia ao pano de fundo do discurso social crítico De qualquer modo quase todos esses bolsões residuais iriam perder impacto e importância durante a Grande Depressão e os anos da guerra de modo que em 1960 seu discernimento especificamente geográfico era apenas obscuramente perceptível Nesse ponto com a recuperação do pósguerra e a expansão econômica progredindo a pleno vapor em todo o mundo capitalista avançado e socialista a desespacialização da teoria social pareceu atingir seu auge A imaginação geográfica fora criticamente silenciada A disciplina da geografia moderna estava teoricamente adormecida Desvendando a virada espacial do marxismo ocidental Escreveuse muito pouco até agora sobre a desespacialização da teoria social antes dos anos sessenta Os sons do silêncio são difíceis de captar Os trabalhos de Perry Anderson 1976 1980 1983 entretanto oferecem um excelente levantamento crítico do marxismo ocidental fazendo quase que inadvertidamente uma crônica da perda da consciência espacial no marxismo dominante depois da Revolução Russa e ao mesmo tempo preparando o terreno também sem ter necessariamente a intenção de fazêlo para compreendermos como e por que a espacialidade pertinente da vida social começou a ser redescoberta no fim da década de 1960 Para encerrar este capítulo e introduzir o próximo usarei a obra de Anderson para localizar as origens do que eventualmente viria a se converter num encontro animado e produtivo entre o marxismo ocidental e a geografia moderna De 1918 a 1968 afirma Anderson cristalizouse uma nova teoria marxista pósclássica para reorientar as interpretações materialistas históricas do que denominei de modernidade modernização e modernismo Essa reteorização foi desigualmente desenvolvida em termos geográficos encontrando suas primeiras pátrias na França na Itália e na Alemanha sociedades em que o movimento trabalhista era suficientemente forte para constituir uma verdadeira ameaça revolucionária ao capital 1983 15 Na GrãBretanha e nos Estados Unidos não se evidenciava nenhum desafio revolucionário dessa natureza enquanto no Oriente um rígido economicismo stalinista dava pouca margem ao redirecionamento e à reinterpretação Para Anderson os fundadores dessa contracorrente foram Lukács Korsch e Gramsci enquanto seguindo sua trilha havia as figuras mais modernas de Sartre e Althusser na França de Adorno Benjamin Marcuse e outros associados à Escola de Frankfurt na Alemanha e de Della Volpe e Colletti na Itália Esse movimento latinizado e frankfurtizado deslocou o terreno institucional e intelectual da teoria marxista enraizandoo mais do que em qualquer época anterior nos departamentos e centros de pesquisa universitários bem como num interesse reemergente no discurso filosófico nas questões de método na crítica da cultura burguesa e em temas como a arte a estética e a ideologia que estavam abrigados nos campos classicamente desprezados da superestrutura do capitalismo Os temas infraestruturais mais tradicionais relacionados com o funcionamento interno do processo do trabalho as lutas no local de trabalho em torno das relações sociais de produção e as leis do movimento do desenvolvimento capitalista tenderam a receber uma atenção relativamente menor O mesmo se aplicou a temas mais convencionalmente políticos e acrescentaria eu geográficos tais como a organização da economia mundial a estrutura do Estado capitalista e o sentido e função da identidade nacional embora nesse aspecto mesmo os teóricos clássicos também fossem frequentemente descuidados Para Anderson o marxismo parecia estar retrocedendo da economia passando pela política para se concentrar na filosofia invertendo o caminho consumado percorrido por Marx A compreensão filosófica do mundo tivera precedência sobre sua modificação Nos anos setenta porém essa grandiosa tradição marxista ocidental havia chegado ao fim e estava sendo substituída por outro tipo de cultura marxista primordialmente orientada justamente para as questões de ordem econômica social ou política que haviam faltado em seus predecessores 1983 20 Esse marxismo ocidental reestruturado também assumiu uma geografia diferente passando a centrarse no mundo de língua inglesa e não na Europa germânica ou latina Como resultado as zonas tradicionalmente mais atrasadas do mundo capitalista segundo a cultura marxista repentinamente se tornaram sob muitos aspectos as mais avançadas ibid 24 In the Tracks of Historical Materialism Na trilha do materialismo histórico de Anderson 1983 critica suas obras anteriores e suas projeções exitosas e não tão bemsucedidas do destino desse marxismo reestruturado com seu novo gosto pelo concreto e sua geografia recentrada13 Depois de um boletim introdutório pessoal sobre Previsão e Desempenho Anderson relembra e se estende em primeiro lugar sobre os debates essencialmente franceses sobre Estrutura e Sujeito que afirma terem levado à crise atual do marxismo latino passando então por uma resenha do marxismo alemão predominantemente concentrado em Habermas para elucidar os debates ainda mais desconcertantes sobre as relações mutáveis entre Natureza e História Escondida nesses capítulos entretanto há uma trama colateral que Anderson margeia mas não chega a ver um discurso pósmoderno emergente que procura não descartar o marxismo como teoria crítica mas abrilo para uma espacialização necessária e já atrasada para uma interpretação materialista da espacialidade capaz de se equiparar a seu materialismo histórico magistral Essa afirmação inicial de uma geografia humana crítica pósmoderna ficou quase inteiramente restrita à tradição marxista francesa que sempre fora mais receptiva à imaginação espacial do que seus equivalentes angloamericanos e alemães A busca de um método de Sartre em seu existencialismo crescentemente marxista e a releitura althusseriana antihistoricista de Marx foram os prétextos primordiais dessa espacialização gaulesa A ontologia fenomenológica marxisficada 14 de Sartre representou uma hermenêutica centrada na subjetividade na intencionalidade e na consciência de agentes humanos cognoscíveis empenhados não somente em fazer a história mas também em moldar a cultura política da vida cotidiana na moderna sociedade capitalista O estruturalismo de Althusser em contraste enfatizou as condições e as forças sociais mais objetivas que moldam a lógica subjacente do desenvolvimento e da modernização capitalistas Cada qual contribuiu para a canalização do marxismo francês do pósguerra para duas correntes discordantes cindidas por visões opostas da relação estruturasujeito mas ambas singularmente abertas para a possibilidade de espacialização A crise do marxismo francês que Anderson descreve pesarosamente como um massacre dos ancestrais foi uma crise de desilusão que explodiu o marxismo francês numa multiplicidade de fragmentos obliterando as ortodoxias do passado imediato e mais distante15 Confrontado com essa heterogeneidade sem precedentes com estilhaços voando por toda parte inclusive afastamentos completamente antagônicos do marxismo Anderson chorou a perda sintomática da fé Sartre se voltaria em seus últimos anos de vida para um neoanarquismo radical e Althusser e Poulantzas para lamentações exasperadas sobre a ausência de uma teoria da política e do Estado no materialismo histórico O diabólico e também neo anarquista Foucault ao lado de Derrida e muitos outros diluiria e reduziria o marxismo ainda mais na opinião de Anderson promovendo uma contagiosa aleatorização da história e celebrando a superioridade triunfante de uma episteme pósestruturalista e por implicação pósmarxista Com esplêndida ironia entretanto Anderson descobre uma expressiva exceção nesse declínio vertiginoso do marxismo francês Nenhuma mudança intelectual jamais é universal Ao menos uma exceção sumamente honrosa se destaca nas mudanças generalizadas de posição dos anos atuais O mais velho sobrevivente da tradição marxista ocidental que discuti Henri Lefebvre não se curvou nem se desviou em sua oitava década de vida continuando a produzir uma obra imperturbável e original sobre temas tipicamente ignorados por boa parte da esquerda O preço dessa constância entretanto foi o relativo isolamento 1983 20 Lefebvre é descoberto ao que parece vindo de lugar nenhum Anderson lhe dá pouca atenção em suas obras anteriores e pouco mais é mencionado a seu respeito na discussão sobre o declínio contemporâneo do marxismo francês Que houve de tão sumamente honroso de constância excepcional e de originalidade imperturbável nos trabalhos de Lefebvre Sugiro que este personagem talvez o menos conhecido e mais mal interpretado dentre as grandes figuras do marxismo do século XX foi acima de tudo e de todos a origem da geografia humana crítica pósmoderna a fonte primordial do ataque ao historicismo e da reafirmação do espaço na teoria social crítica Sua constância abriu caminho para uma multiplicidade de outras tentativas de espacialização desde Sartre Althusser e Foucault até Poulantzas 1978 Giddens 1979 1981 1984 Harvey 1973 1985a 1985b e Jameson 1984 E ele continua a ser ainda hoje o original e mais avançado materialista histórico e geográfico Anderson deixa escapar essa recomposição criativa do marxismo ocidental ocorrida em meio à grande desconstrução francesa que se seguiu à explosão de Nanterre em 1968 Suas interpretações de figuraschave como Sartre Althusser e Foucault descartam com excessiva pressa colocadas como recuos da política suas lutas ontológicas criativas mas não inteiramente bemsucedidas com a espacialidade do ser existencial da modernidade e do poder e ele não enxerga em absoluto a geografia marxista anglófona que Lefebvre e outros marxistas franceses contribuíram para estimular Apesar de sua interrogação sensível das tradições marxistas francófonas Anderson ainda parece aprisionado na cultura marxista historicamente centrada do mundo anglófono quando afirma que a teoria agora é história com uma seriedade e um rigor com que nunca o foi no passado assim como a história é também teoria com toda a sua exigência de um modo que antes tipicamente evitou Acrescentar e a geografia à história teria feito uma extraordinária diferença 1 Sucessão sequenciação um atrás do outro NT 2 Perdese na tradução a homofonia do original entre critical eye olho crítico e critical I eu crítico NT 3 Observese que o presente livro foi publicado nos EUA em 1989 NT 4 Ver Popper 1957 Eliade 1959 Lowith 1949 Cohen 1978 e Rorty 1980 para ter uma amostra de abordagens muito diferentes do historicismo Rorty em Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza 9 tece o interessante comentário de que a filosofia cartesianokantiana tradicional foi uma tentativa de escapar da história para descobrir as condições não históricas de qualquer acontecimento histórico possível As figuras centrais da filosofia analítica do século XX adotadas por Rorty Wittgenstein Dewey e Heidegger são então apresentadas como revigorantemente historicistas Rorty acrescenta A moral deste livro também é historicista 10 A geografia humana como é característico desaparece quase por completo nesse moderno espelhamento da natureza a não ser como um reflexo arcaico 5 A despeito de si mesmo em francês no original NT 6 Espaços outros ou Espaços diferentes NT 7 A suposta negação da história no estruturalismo desencadeou um ataque quase maníaco contra seus principais proponentes por parte dos que estavam mais rigidamente imbuídos de um historicismo emancipatório O que Foucault sugere entretanto é que o estruturalismo não consiste numa antihistória mas numa tentativa de lidar com a história de maneira diferente como uma configuração espaçotemporal simultânea e interativamente sincrônica e diacrônica para usarmos a oposição categórica convencional 8 O autor utiliza aqui o título da tradução em inglês do trabalho de Foucault NT 9 A definição precisa das fronteiras e da topografia do marxismo ocidental ainda é uma questão controvertida Minha definição é aproximadamente a mesma de Anderson 1976 no tocante ao período que vai até a década de 1960 mas se aproxima mais da de Jay 1984 a partir dessa data ou seja abrange tanto os estudiosos esquerdistas europeus continentais e angloamericanos quanto vários não marxistas autoproclamados de especial proeminência incluindo como Anderson parece relutar em fazer Michel Foucault 10 Hughes 1958 ainda fornece uma das melhores descrições da formação dessa contratradição da ciência social por volta da virada do século A ciência social crítica do século XX também imitou as teorias críticas do marxismo ocidental no sentido de se aproximar demais da corrente predominante para ser definida como um movimento modernista separado mas distinguindose dela o bastante para estabelecer suas próprias fronteiras tradição e topografia identificáveis 11 Kant ajudava a equilibrar seu orçamento lecionando geografia na Universidade de Königsberg o que fez por quase quarenta anos Deu seu curso quarenta e oito vezes lecionando com mais frequência apenas lógica e metafísica Kant encarava a geografia sobretudo a geografia física como a propedêutica do conhecimento do mundo ver May 1970 5 May inicia sua interessante exposição com outra afirmativa kantiana O ressurgimento da ciência da geografia deve criar a unidade de conhecimento sem a qual toda aprendizagem permanece apenas como um trabalho fragmentado 12 A geografia ela serve antes de mais nada para fazer a guerra NT 13 Não é geograficamente irrelevante que In the Tracks seja uma publicação das Palestras da Biblioteca Wellek proferidas por Anderson em 1982 na Universidade da Califórnia em Irvine Também é interessante observar o quanto essas palestras estiveram repletas de metáforas espaciais esplendorosas apesar de seu historicismo subjacente Anderson descreve seu trabalho como um levantamento cadastral do terreno movediço uma exploração da formação de uma nova paisagem intelectual um mapa mutante do marxismo 14 O autor utiliza o termo num sentido um pouco irônico e crítico para descrever a devotada adoção dos conceitos de K Marx por parte de alguns geógrafos convertidos ao marxismo NR 15 Ver a discussão de Lefebvre sobre Le Marxisme éclaté em Une pensée devenue monde fautil abandonner Marx Lefebvre 1980 especialmente pp 1619 ESPACIALIZAÇÕES A GEOGRAFIA MARXISTA E A TEORIA SOCIAL CRÍTICA A dialética está novamente em pauta Mas já não se trata da dialética de Marx tal como a de Marx não era a de Hegel A dialética de hoje já não exige a historicidade e o tempo histórico ou a um mecanismo temporal comum esseantesissíntese ou afirmaçãonegaçãonegação da negação Reconhecer o espaço reconhecer o que está acontecendo aí para que é usado é retornar à dialética a análise revelará as contradições do espaço Os discursos da geografia moderna e do marxismo ocidental raramente se cruzaram depois de seu período formativo no fim de siècle prolongado e crítica em relação aos modos geográficos Similarmente a geografia moderna esteve tão introvertida e fechada em seu casulo com respeito à construção da teoria social crítica e tão confinada em sua definição da geografia histórica que talvez também seja incapaz de se adaptar à reafirmação contemporânea do espaço sem uma desconstrução e uma reconstituição radicais De fato o encontro longamente adiado entre a Geografia Moderna e o marxismo ocidental agora ameaça tornarse mutuamente transformador Assim tornase particularmente importante retraçarmos as origens e o desenvolvimento da geografia marxista e trilharmos as vias redescobertas que levaram ao apelo por um materialismo históricogeográfico e à explosão pósmoderna do debate crítico sobre a teorização do espaço DESCOBRINDO AS RAÍZES A ESPACIALIDADE NA TRADIÇÃO MARXISTA FRANCESA A geografia marxista desenvolveuse primordialmente nos países anglófonos e a partir da turbulência dos anos sessenta quando praticamente todas as disciplinas das ciências sociais pareceram gerar uma orla radical redespertada As teorizações formadoras da geografia marxista entretanto foram predominantemente francófonas e refletiram a centralidade peculiar que o espaço havia reassumido nas tradições intelectuais francesas do século XX1 Uma explicação parcial para essa centralidade singular especialmente na esquerda pode ser encontrada na história do marxismo francês O marxismo na França demorou relativamente a se desenvolver se comparado à GrãBretanha à Alemanha e aos Estados Unidos Isso foi basicamente atribuído à poderosa herança do pensamento socialista francês anterior que continuou a oferecer à esquerda uma alternativa política atraente e nativa pelo século XX afora Kelly 1982 Poster 1975 Quando o marxismo francês efetivamente se expandiu na situação de empobrecimento da crise global da economia das décadas de 1920 e 1930 ele foi moldado por diversas circunstâncias nitidamente locais Por exemplo fundamentouse numa herança de teoria política e social que desde Saint Simon Fourier e Proudhon até os geógrafos anarquistas Kropotkin e Reclus continha uma ênfase sensível e persistente na política da espacialidade e do coletivismo de base territorial Weaver 1984 Embora não fossem formuladas exatamente nesses termos as estratégias políticas desses socialistas utópicos e libertários giravam em torno da necessidade de recuperar o controle social da produção do espaço de um capitalismo expansionista e de um Estado capitalista igualmente expansionista e instrumentalista O marxismo francês também cresceu com menor tendenciosidade antiespacial do que a já enraizada nos marxismos nacionais mais avançados dos outros países industrializados do Ocidente Boa parte desse antiespacialismo se originou na dupla inversão de Hegel por Marx uma reviravolta crítica a que voltarei a me referir em capítulos posteriores Ao basear a dialética hegeliana na vida material Marx não apenas reagiu ao idealismo hegeliano negando o norteamento e a determinação espirituais da história como também rejeitou sua forma espacial particularizada o Estado territorialmente definido como sendo o principal veículo espiritual da história Assim colocar a dialética hegeliana de pé foi uma negação do idealismo e uma rejeição específica do fetichismo territorial ou espacial uma hermenêutica em que a história era determinada por uma consciência espacial inatamente dada quer se concentrasse no Estado no nacionalismo cultural no regionalismo ou no coletivismo local Na dialética marxista o tempo revolucionário foi restabelecido fundamentandose sua força propulsora na consciência de classe e na luta de classes despojadas de todas as mistificações espaciais As inversões marxistas foram usadas para forçar o abandono das influências hegelianas na virada do século inclusive na Alemanha e implantaram um antiespacialismo teórico e político ameaçador A expansão inicial do marxismo na França entretanto coincidiu com um grande reflorescimento hegeliano um reinvestimento que trouxe consigo uma sensibilidade menos expurgada para a espacialidade da vida social Parece haver uma base convincente para afirmar que o marxismo francês desde o começo inclinouse mais para uma perspectiva e uma teorização espaciais explícitas do que o marxismo em outros locais2 Ao longo de todo o século XX o pensamento crítico francês qualquer que fosse sua fonte primordial preservou um discurso espacial permanente desde o cubismo e o movimento surrealista passando pelas correntes bifurcadas do estruturalismo althusseriano e do existencialismo sartreano até os debates contemporâneos pósestruturalistas e pósmodernistas Contudo essa animada imaginação geográfica raramente atravessou com sucesso a barreira linguística mesmo entre os que se baseavam mais intensamente na tradição crítica francesa Não surpreende portanto que os debates nitidamente franceses sobre a teorização do espaço raramente tenham penetrado na armadura mais historicista de outros marxismos não latinos e que sejam frequentemente omitidos por completo nos textos históricos angloamericanos sobre o marxismo francês Essa história oculta da espacialização tem sua ilustração mais aguda e volta a se tornar visível através da focalização da carreira de Henri Lefebvre cuja vida se estende agora de um fin de siècle costumase indicar 1901 como seu ano de nascimento a outro Lefebvre talvez tenha sido a figura mais influente a moldar o curso e o caráter da teoria e da filosofia marxistas francesas desde o início dos anos trinta até pelo menos o fim da década de 1950 Depois dessa data ele se tornou o mais importante teórico espacial do marxismo ocidental e o defensor mais vigoroso da reafirmação do espaço na teoria social crítica Contudo somente na década atual é que suas notáveis realizações começaram a ser plenamente reconhecidas e apreciadas na cultura marxista historicamente centrada do mundo anglófono As influências hegelianas aparecem com destaque no marxismo inicial de Lefebvre Com seu parceiro Norbert Guterman Lefebvre publicou a primeira tradução francesa de trechos fundamentais dos manuscritos econômicos e filosóficos de Marx de 1844 e numa série de antologias acompanhadas por extensas notas editoriais e discussões apresentou a uma plateia francesa muitas outras obras de Marx e Engels assim como os Cadernos filosóficos de Lênin Estes constituíam a apreciação crítica de Hegel por Lênin e a tradução de Lefebvre contribuiu significativamente para o reflorescimento hegeliano3 Em sua própria elaboração da relação HegelMarx Lefebvre procurou manter um fio de idealismo objetivo dentro da dialética marxista de modo a estimular a atenção para as contradições no pensamento e na consciência bem como para as bases materiais dessas contradições na realidade e na história concretas La Conscience mystifiée A consciência mistificada título de uma de suas primeiras obras originais propôs um tema insistente para Lefebvre e para muitos outros autores marxistas franceses4 Lefebvre aceitou explicitamente a tese de Marx sobre a primazia da vida material na produção do pensamento e da ação conscientes de que o ser social produzia a consciência e não o contrário mas se recusou a reduzir o pensamento e a consciência a determinado retoque posterior ou a uma ideação mecânica Essas ideias brotaram da ligação de Lefebvre com o movimento surrealista francês e de seu existencialismo inicial Talvez também tenham chegado tão perto de promover um equivalente francês da Escola de Frankfurt contemporânea quanto qualquer outra coisa na França durante o período entreguerras Num padrão que iria caracterizar sua obra por mais de cinquenta anos Lefebvre assumiu uma postura contrária ao reducionismo dogmático na interpretação de Marx Defendeu em vez disso um marxismo flexível aberto e cautelosamente eclético capaz de crescer e se adaptar sem um truncamento predeterminado Esse antirreducionismo transformouo no mais influente crítico precoce do economicismo stalinista através de seu texto amplamente divulgado e traduzido Le Matérialisme Dialectique O materialismo dialético originalmente publicado em 1939 trad para o inglês em 1968 uma das mais lidas introduções ao marxismo jamais escritas Posteriormente tanto o existencialismo quanto o estruturalismo 1971 receberiam a ferroada de Lefebvre através de críticas contundentes ao Sartre dos primeiros tempos e ao ascendente Althusser novamente dirigidas contra os perigos das totalizações reducionistas Ao buscar dialeticamente combinar as contradições relacionais do pensar e do ser da consciência e da vida material da superestrutura e da base econômica da objetividade e da subjetividade Lefebvre não esteve só Mas foi o primeiro a empregar essa lógica dialética reformulada para conjugar as forças e dissipar as fraquezas da fenomenologia existencial e do estruturalismo althusseriano vendo nesses dois grandes movimentos filosóficos do século XX uma oportunidade criativa para aperfeiçoar e fortalecer o marxismo rejeitando ao mesmo tempo seus traços de rigidez teórica restritivos Nos últimos trinta anos Lefebvre recorreu seletivamente a esses movimentos numa tentativa insistente de recontextualizar o marxismo na teoria e na praxis e é nessa recontextualização que podemos descobrir muitas das fontes imediatas de uma interpretação materialista da espacialidade e por conseguinte do desenvolvimento da geografia marxista e do materialismo histórico geográfico A teorização do espaço por Lefebvre não é fácil de resumir já que está inserida num número extraordinário de obras publicadas que tocam em praticamente todos os aspectos da teoria social e da filosofia Quando perscrutado acerca das origens de seu interesse na espacialidade Lefebvre aponta para a influência de sua terra natal occitânica5 e de seus frequentes retornos à região natal para observar as modificações maciças que estavam ocorrendo na terra e na vida rurais sob o selo do planejamento espacial dirigido pelo Estado6 Suas teorizações mais explícitas entretanto evoluem através de uma série do que ele denominou de aproximações de uma tese central um caminho bastante escorregadio que pareceu confundir muitos de seus seguidores e também de seus críticos A primeira aproximação assumiu a forma de uma Critique de la vie quotidienne da vida cotidiana no mundo moderno 1946b 1961 1968a que foi uma extensão de suas teses na Consciência mistificada e uma prefiguração da obra de Braudel sobre as estruturas da vida e da mentalité mentalidade cotidianas Lefebvre concentrou a atenção nos traços característicos do capitalismo modernizado que se consolidaram na virada do século no que ele chamou de sociedade burocrática de consumo controlado coreografada pelo Estado capitalista essencialmente um planejamento espacial instrumentalizado que penetrou cada vez mais nas práticas recorrentes da vida cotidiana Quando chega a ser reconhecido pelos marxistas ocidentais contemporâneos Lefebvre é lembrado acima de tudo por essa primeira aproximação inovadora Na ocasião em que concluiu sua projetada trilogia sobre a vida cotidiana Lefebvre já havia começado a reformular sua obra em torno de temas como a luta pelo controle do direito à cidade Le Droit à la ville 1968b a urbanização da consciência e o grau em que a transformação do capitalismo requeria consequentemente uma revolução urbana 1970a Entremeada com essas aproximações urbanas havia uma exploração do repetitivo versus o diferencial uma exploração dos efeitos homogeneizantes do capitalismo de sua capacidade de encobrir as diferenças ou do que os estudiosos críticos mais contemporâneos chamariam différance 1970b Como Lefebvre continuou tentando explicar sua utilização dos termos urbano e urbanismo estendeuse muito além dos confins imediatos das cidades A urbanização era uma metáfora resumida da espacialização da modernidade e do planejamento estratégico da vida cotidiana que haviam permitido ao capitalismo sobreviver reproduzir com êxito suas relações essenciais de produção Depois de reexaminar os textos de Marx sobre a cidade 1972 Lefebvre começou a articular com mais clareza sua tese central sobre a espacialidade e a reprodução social em La Survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1973 trad para o inglês 1976a e em sua obraprima La Production de lespace A produção do espaço 1974 A própria sobrevivência do capitalismo afirmou Lefebvre estava baseada na criação de uma espacialidade cada vez mais abrangente instrumental e também socialmente mistificada escondida da visão crítica sob véus espessos de ilusão e ideologia O que distinguia o gratuito véu espacial do capitalismo das espacialidades de outros modos de produção eram sua produção e reprodução peculiares de um desenvolvimento geograficamente desigual através de tendências simultâneas para a homogeneização a fragmentação e a hierarquização uma tese que se assemelhou em muitos aspectos ao discurso de Foucault sobre as heterotopias e a associação instrumental do espaço do conhecimento e do poder Esse espaço conflitivo dialetizado é onde se realiza a reprodução das relações de produção É esse espaço que produz a reprodução introduzindo nela suas contradições múltiplas Lefebvre 1976a 19 contradições que deveriam ser analítica e dialeticamente reveladas para nos permitir ver o que se esconde por trás do véu espacial Essa foi a mais vigorosa afirmação teórica e política que já se fez no marxismo ocidental sobre a importância da espacialidade e a existência de uma problemática espacial intrínseca na história do capitalismo E estava destinada a ser ignorada ou mal interpretada pela maioria dos marxistas uma vez que representava um ataque assustador às ortodoxias do pensamento marxista e acima de tudo a seu historicismo hegemônico Kelly 1982 e Hirsch 1981 nem sequer mencionam os textos de Lefebvre sobre o urbanismo e muito menos enxergam a virada espacial de Lefebvre em suas recentes histórias do marxismo francês enquanto Poster 1975 apenas discute sucintamente e com perplexidade a nova praxis do urbanismo de Lefebvre em conjunto com os acontecimentos de maio de 1968 iniciados em Nanterre onde Lefebvre estava lecionando7 Mesmo nos dias atuais a abordagem mais extensa da obra de Lefebvre escrita em inglês Saunders 1986 deixa de arrolar em sua bibliografia a fundamental Produção do espaço Lefebvre 197678 1980 Pior ainda Saunders usa sua compreensão equivocada da espontaneidade e do estilo especulativo de Lefebvre para defender o abandono da ênfase espacial na sociologia urbana anglófona Não obstante desde o início dos anos setenta até hoje o encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental bem como a formação e a reforma da geografia marxista vêmse desenvolvendo em torno de e em direção à dialética reconfigurada que Lefebvre descreve no trecho que serviu de introdução a este capítulo Tratase de uma dialética cada vez mais espacializada de uma demanda insistente de uma mudança fundamental na maneira como pensamos sobre o espaço o tempo e o ser sobre a geografia a história e a sociedade sobre a produção do espaço a construção da história e a constituição das relações sociais e da consciência prática A afirmação lefebvreana é o momentochave do desenvolvimento de um materialismo históricogeográfico e voltaremos repetidamente a ela nos ensaios subsequentes ACRESCENTANDO MARX À GEOGRAFIA MODERNA A PRIMEIRA CRÍTICA A contribuição anglófona à geografia marxista decorreu primordialmente da religação da forma espacial ao processo social numa tentativa de explicar os efeitos empíricos do desenvolvimento geograficamente desigual o que os geógrafos inocentemente chamaram diferenciação por área através de suas fontes geradoras nas estruturas práticas e relações organizacionais que constituem a vida social Essa religação foi afirmada em princípio durante o fim dos anos cinquenta quando a chamada revolução quantitativoteórica emergiu do interior do casulo introvertido e praticamente ateórico da geografia moderna Essa versão crescentemente técnica e matematizada da descrição geográfica no entanto diferiu apenas superficialmente da tradição neokantiana que contribuiu para justificar o isolamento da geografia em relação à história às ciências sociais e ao marxismo ocidental Ela fundamentou a explicação primordialmente na física social nas ecologias estatísticas e em apelos acanhados à onipresente fricção de distância Mas no final das contas os efeitos continuaram a explicar os efeitos numa regressão infinita de geografias para geografias um conjunto de variáveis mapeáveis explicando o outro através da justeza do encaixe A postura positivista aceita mesmo quando um tanto humanizada através das abordagens comportamentais e retoques fenomenológicos simplesmente voltou a legitimar a fixação da geografia moderna nas aparências empíricas e na descrição involuída Mas uma brecha se abriu à medida que os geógrafos anglófonos coletivamente foramse conscientizando mais de seu isolamento e começaram a buscar novas ligações fora de seu antigo casulo Havia invasores espaciais por toda parte na década de 1960 especialmente na América do Norte à medida que mais geógrafos voltados para a teoria puseramse a vagar por todos os locais disciplinares que conseguiram encontrar desde a topologia matemática e da filosofia analítica até a economia neoclássica e a psicologia cognitiva O mundo lá fora entretanto estava mudando depressa As cidades regiões e Estados eram cada vez mais tomados pelo conflito pela crise e pelos primórdios de uma profunda reestruturação O meio acadêmico estava ficando mais politizado e aceitavelmente radical do que o fora em muitos anos na América do Norte e na GrãBretanha e o discurso teórico havia começado a se voltar significativamente contra o positivismo em direção a alternativas críticas extraídas das grandes linhagens da teoria social europeia continental Nesse contexto de mudança algumas partes da geografia moderna também começaram a se radicalizar lideradas pelos que contribuíam para o novo jornal Antipode Antípoda e inspiradas numa série de viradas esquerdistas praticadas por alguns dos mais destacados geógrafos anglófonos da época A dramática mudança de direção de David Harvey do ecumenismo positivista de Explanation in Geography A explicação na geografia 1969 para o confessadamente marxista Social Justice and the City A justiça social e a cidade 1973 foi particularmente norteadora e influente sobretudo para a geração de jovens geógrafos recentissimamente ensinados por seus professores a prestar muita atenção ao trabalho de Harvey A geografia moderna nunca mais voltaria a ser a mesma depois do instigante redirecionamento de Harvey Apesar de inicialmente mais heterogênea a geografia radical deslocouse rapidamente para uma dedicada marxificação8 da análise geográfica novamente liderada por Harvey O materialismo histórico tornouse a via predileta para ligar a forma espacial ao processo social e desse modo combinar a geografia humana com a análise das classes a descrição dos efeitos geográficos com as explicações fornecidas por uma economia política marxista Um a um os conhecidos temas da geografia moderna foram submetidos a uma análise e uma interpretação marxistas os padrões de arrendamento e utilização da terra as formas variegadas do meio ambiente construído a localização da indústria e das vias de transporte a evolução da forma urbana e a ecologia da urbanização a hierarquia funcional dos povoamentos o mosaico do desenvolvimento regional desigual a difusão das inovações as evocações dos mapas cognitivos ou mentais as desigualdades na riqueza das nações e a formação e transformação das paisagens geográficas desde o local até o global Essa nova abordagem da explicação geográfica teve diversos aspectos importantes Havia em seu cerne uma economia política radical essencialmente baseada no Capital de Marx com derivações ocasionais dos Grundrisse9 e das teorias posteriores sobre o imperialismo Mas levadas de roldão junto com essas fontes convencionais havia três variações mais contemporâneas amiúde confusamente misturadas 1 uma tradição marxista basicamente britânica talvez mais rigidamente historicista do que qualquer outra avessa à teorização especulativa e profundamente apegada à análise empírica pragmática 2 um neomarxismo impetuoso e ousado talvez caracteristicamente baseado no Novo Mundo advindo de uma suposta necessidade de atualizar os princípios marxistas e que recorria a fontes menos convencionais de discernimento e 3 uma tradição marxista francesa em baixa mas ainda influente cindida em diversas correntes estruturalista existencialista e várias iterações de cada uma delas praticamente incompreensível para os historicistas inflexíveis mas sedutoramente inspiradora para o neomarxismo A leitura estruturalista era especialmente atraente para a geografia marxista pois fornecia uma racionalização epistemológica aparentemente rigorosa para se escavar por baixo da aparência superficial dos fenômenos os efeitos espaciais e descobrir raízes explicativas nas relações de produção sociais estruturadas e estruturantes Isso se enquadrava perfeitamente no projeto e na lógica formadores da análise geográfica marxificadora O estruturalismo primordialmente de tipo althusseriano foi também instrutivamente antipositivista proporcionou um contraste eficaz com o humanismo teórico que estava inspirando críticas comportamentais e fenomenológicas alternativas da geografia positivista críticas essas que amiúde adotavam uma postura decididamente antimarxista e descortinou o campo superestrutural que parecia conter tanto do que os geógrafos estavam examinando Somese a tudo isso o ataque programático do estruturalismo ao historicismo e seu entusiasmo pelas metáforas espaciais convincentes e fica fácil entender seu poderoso atrativo para os geógrafos marxistas Forneceuse um caminho sedutor para que a geografia entrasse na corrente principal dos debates teóricocríticos do marxismo ocidental em vez de ficar eternamente à espera na vegetação rasteira circundante As outras vias possíveis que surgiram através da fenomenologia existencial ou da tradição de teoria crítica da Escola de Frankfurt de modo algum eram tão acolhedoras enquanto as abordagens convencionais haviam barrado fazia muito tempo o ingresso dos geógrafos Embora raramente se explicitasse este ou aquele tipo de epistemologia estruturalista Harvey por exemplo seguiu Piaget mais do que Althusser em A justiça social e a cidade infundiuse quase que subliminarmente em todo o desenvolvimento inicial da geografia marxista10 Duas escalas de análise e teorização dominaram a combinação inicial da economia política marxista com a geografia humana crítica a especificamente urbana e a expansivamente internacional Em ambas as abordagens fundamentais eram similares A geografia urbana e a geografia do desenvolvimento internacional eram examinadas como efeitos estruturados das estratégias opostas da acumulação capitalista e da luta de classes processos sociais geradores e conflituados que moldavam a produção do espaço em todas as escalas geográficas Os geógrafos marxistas contribuíram de um modo significativo e crucial para a formação de uma economia política explicitamente urbana predominantemente baseada 1 na marxificação cada vez mais formalizada do processo urbano no capitalismo por David Harvey 2 na adaptação monumental que Manuel Castells fez de Althusser Lefebvre Alain Touraine sociólogo francês e teorizador dos movimentos sociais e da nova escola marxista francesa de sociologia urbana e 3 nas construtivas reações a Harvey e Castells surgidas entre os economistas políticos geógrafos e sociólogos urbanos radicais da GrãBretanha e da América do Norte11 A espacialidade do urbano a interação entre os processos sociais e as formas espaciais e a possibilidade de uma dialética socioespacial urbana formadora foram questões fundamentais de debate desde o início e continuam a ser importantes nos estudos urbanos marxistas contemporâneos Numa esfera a princípio quase inteiramente separada a análise de padrões mais globais do desenvolvimento geograficamente desigual especialmente concentrada no subdesenvolvimento e na dependência do Terceiro Mundo produziu uma outra economia política nova e cada vez mais espacializada da divisão internacional do trabalho e do sistema mundial capitalista de centros e periferias Entre os expoentes mais influentes dessa economia política internacional neomarxista por exemplo André Gunder Frank Immanuel Wallerstein Samir Amin Arghiri Emmanuel e o grupo inovador dos estruturalistas latinoamericanos como eram chamados incluíamse muito poucos geógrafos marxistas Embora os debates críticos girassem em torno da estrutura intrinsecamente espacial da divisão internacional do trabalho e do que era claramente um processo mundial de desenvolvimento geograficamente desigual no capitalismo para sermos condizentes com a descrição do processo urbano por Harvey a necessidade de repensar a espacialidade fundamental do desenvolvimento capitalista em escala global mal chegou a ser reconhecida E quando foi levantada a ideia surtiu pouco efeito A espacialidade fundamental e imediata do urbanismo era difícil de ignorar ainda que nem sempre fosse fácil de aceitar e compreender mas a ideia de que a economia do mundo capitalista também fosse supostamente espacial produto de um processo de espacialização similar numa outra escala menos imediata era muito mais intangível durante os anos sessenta e setenta12 As novas economias políticas da urbanização e do desenvolvimento internacional atraíram muitos adeptos da geografia e dos campos correlatos do planejamento urbano e regional13 Mas não demorou muito para que a mistura volátil de perspectivas que moldavam essas novas economias políticas gerasse graves problemas epistemológicos especialmente com respeito à teorização do espaço e da espacialidade A geografia marxista oscilou incomodamente entre os extremos de um historicismo pragmático e antiespeculativo que rejeitava intrinsecamente as explicações explicitamente geográficas da história e aquilo que muitos viam como uma ênfase inaceitável no consumo e nas relações de troca versus relações de produção e um estruturalismo neomarxista que com demasiada facilidade parecia gerar determinismos aniquilar o sujeito politicamente consciente e expulsar sumariamente a primazia teórica da explicação histórica Somar o marxismo à geografia moderna parecia um projeto honesto e valioso Podiase até mesmo pôr de lado os conflitos epistemológicos mais importantes como algo que estava fora do âmbito do projeto Mas alguns geógrafos começaram a olhar na direção oposta aparentemente buscando espacializar o marxismo histórico e ainda que experimentalmente inserir a geografia humana crítica no núcleo interpretativo da tradição marxista ocidental Isso já foi uma história completamente diferente Em meio a uma grande confusão uma segunda fase no desenvolvimento da geografia marxista se iniciou e ainda está em processo de se organizar A INVERSÃO PROVOCADORA ACRESCENTANDO UMA GEOGRAFIA AO MARXISMO OCIDENTAL No fim dos anos setenta surgira na geografia marxista um acirrado debate acerca da diferença que faz o espaço na interpretação materialista da história na crítica do desenvolvimento capitalista e na política da reconstrução socialista Os argumentos rodopiavam de um lado para outro entre os que buscavam uma relação mais flexível e dialética entre o espaço e a sociedade Soja e Hadjimichalis 1979 Soja 1980 Peet 1981 e os que viam nesse esforço uma degeneração teórica um perturbador ecletismo radical e um separatismo ou fetichismo espacial politicamente perigoso e divisivo impossível de conciliar com a análise das classes e o próprio materialismo histórico J Anderson 1980 Eliot Hurst 1980 Smith 1979 1980 1981 Para alguns observadores relativamente indulgentes a geografia marxista parecia estarse destruindo por dentro ora levando um a sustentar a razão por que a geografia não pode ser marxista Eyles 1981 ora levando outro a lamentar o que via como um abandono irracional da explicação espacial na análise geográfica radical Gregory 1981 Desenvolveuse na geografia marxista e nos estudos urbanos e regionais um movimento crescente que parecia estar concluindo que o espaço e a espacialidade só poderiam encaixarse no marxismo como uma expressão reflexa um produto das relações sociais mais fundamentais de produção e das leis de movimento aespaciais mas mesmo assim históricas do capital Walker 1978 Massey 1978 Markusen 1978 A geografia do capitalismo era um assunto digno e o desenvolvimento geograficamente desigual era um efeito interessante da história do capitalismo mas nenhum dos dois era um elemento gerador necessário na teoria marxista ou um pressuposto da análise materialista histórica O marxismo não precisava de um arranjo espacial pois não estava suficientemente estragado Esse reatiçamento da ortodoxia marxista foi reforçado por uma crítica da crítica de base mais ampla que se vinha espalhando pelo marxismo ocidental mais ou menos na mesma época denunciando as insuficiências teóricas as interpretações exageradas e as abstrações despolitizantes do estruturalismo althusseriano e de seus adeptos neomarxistas e terceiro mundistas E P Thompson deu uma bandeira simbólica a esse ataque em seu longo ensaio intitulado The Poverty of Theory A pobreza da teoria 1978 uma reafirmação apaixonadamente antiestruturalista da primazia da história e do historicismo marxista britânico do diacrônico contra o sincrônico da concretude anglófona contra a abstração francófona Brenner 1977 um historiador marxista norteamericano apresentou uma crítica paralela ainda que menos apaixonada da teoria neomarxista do desenvolvimento de Wallerstein Frank e outros Nesse ponto o erro revisionista foi mais indelevelmente burguês do que stalinista como Thompson rotulou Althusser um retorno às verdades inúteis de Adam Smith Os geógrafos marxistas ainda eram invisíveis para esses mantenedores marxistas ocidentais da fé mas as repercussões de suas críticas se fizeram sentir profundamente mesmo assim na economia política urbana e internacional na primeira através de uma crescente aversão ao estruturalismo urbano castellsiano e na segunda através de uma impressionante resistência a conferir um papel estruturante mais central ao desenvolvimento geograficamente desigual na história do capitalismo Apesar do poder dessa ortodoxia historicista reafirmativa o projeto de espacializar a teoria marxista continuou vivo Seu principal meio de sobrevivência foi a tese teórica cada vez mais bem articulada de que a organização do espaço era não apenas um produto social mas simultaneamente repercutia na moldagem das relações sociais Na esperança de afastar a crescente ortodoxia vinda de dentro em parte recorrendo respeitosamente a Lefebvre tentei captar esse fluxo de mão dupla através da afirmação de uma dialética socioespacial e da necessidade de uma praxis espacial radical no que denominei inicialmente de novo marxismo tópico ver capítulos 3 e 4 Adotando uma visão diferente talvez mais ampla Derek Gregory em seu Ideology Science and Human Geography Ideologia Ciência e Geografia Humana 1978 provavelmente a reinterpretação mais arguta e abrangente da explicação geográfica da década colocou o argumento da seguinte maneira A análise da estrutura espacial não é derivada e secundária à análise da estrutura social como sugeriria a problemática estruturalista antes uma exige a outra A estrutura espacial não é por conseguinte meramente a arena em que os conflitos de classe se expressam Scott 1976 104 mas é também o campo no qual e em parte através do qual as relações de classe se constituem e seus conceitos devem ter lugar na construção dos conceitos de determinadas formações sociais as estruturas espaciais não podem ser teorizadas sem as estruturas sociais e viceversa e as estruturas sociais não podem ser praticadas sem as estruturas espaciais e viceversa Gregory 1978 1201 Gregory defendeu uma forma mais comprometida e emancipatória de explicação geográfica que recorresse às epistemologias estruturais e reflexivas fenomenológicas hermenêuticas para dar à geografia humana um lugar entre as ciências sociais críticas O desafio era claro Havia uma interação complexa e problemática entre a produção das geografias humanas e a constituição das relações e práticas sociais que precisava ser reconhecida e aberta à interpretação teórica e política Isso não poderia ser feito em se continuando a encarar a geografia humana apenas como um reflexo dos processos sociais A espacialidade criada da vida social tinha que ser vista como algo simultaneamente contingente e condicionador como um resultado e um meio da construção da história em outras palavras como parte de um materialismo histórico e geográfico e não de um simples materialismo histórico aplicado às questões geográficas Até David Harvey no meio de uma década de dedicada marxificação mudou ocasionalmente de rumo para começar a espacializar o marxismo em suas primeiras formulações da busca de um arranjo geográfico que ele fez remontar perspicazmente às espacializações mais antigas de Hegel e von Thunen por parte do capital e em especial em suas descrições da tensa interação entre a preservação e a destruição do meio ambiente urbano construído ou do que mais tarde ele viria a chamar de formação e reformação irrequietas das paisagens geográficas Harvey continuou ambivalente dando alguns saltos hesitantes e imaginativos em direção à dialética socioespacial Harvey 1977 1978 mas sempre parecendo retornar ao formalismo da marxificação rigorosa mesmo quando os limites dessa formalização foramse tornando mais vividamente aparentes Alguns dos melhores alunos de Harvey Richard Walker e Neil Smith por exemplo formaram uma linha mais dura do que o próprio Harvey liderando a acusação contra a inversão provocadora e sua proposta da intercontingência de espaço e classe espacialidade e sociedade A resistência porém foi muito mais difundida na Geografia Moderna e no marxismo ocidental A primeira evitava habitualmente explicitar em demasia a contingência espacial da sociedade e do comportamento a não ser através da força física neutra da fricção de distância manto despolitizador da geografia moderna Em vez disso tal possibilidade foi preservada quase como um segredo de família a ser compartilhado pelos adeptos mas não publicamente revelado A contingência espacial cheirava demais ao ambientalismo errante de um passado embaraçoso e se chocava com a posição conferida à geografia dentro da moderna divisão acadêmica do trabalho inocentemente descritiva da diferenciação por áreas mas empenhada na promessa de nunca mais voltar a afirmar nenhuma determinação geográfica do social pelo menos não ao alcance dos ouvidos das ciências diligentemente sociais A maioria dos marxistas especialmente numa época de crescente ortodoxia só conseguiu enxergar na afirmada contingência espacial das classes mais uma tentativa de impor uma restrição externa às liberdades da consciência de classe e da vontade social na construção da história Além disso as argumentações teóricas por trás dessa contingência espacial pareciam derivar demasiado aleatoriamente do estruturalismo eclético e da assertividade exagerada das economias políticas neomarxistas da urbanização e do desenvolvimento internacional E o que era igualmente importante a inversão provocadora ainda não se havia fundamentado numa elaboração teórica e epistemológica mais formal ou num corpus de análise empírica convincente que estabelecesse as necessárias ligações políticas Para a corrente principal da geografia marxista portanto a nova dialética era tentadora mas ainda não havia demonstrado suficientemente seu valor de uso Não é de surpreender portanto que já bem avançada a década de 1980 a geografia marxista parecesse estar dançando uma entediante gavota em torno da interpretação materialista da espacialidade dando um passo à frente apenas para deslizar novamente para trás Entre A Justiça Social e a Cidade 1973 e The Limits to Capital Os limites do capital 1982 de Harvey pouquíssimos livros originais e sintetizadores foram produzidos por geógrafos marxistas isolados e não se escreveu quase nada em inglês que promovesse sistemática e explicitamente o apelo por um materialismo históricogeográfico Houve várias coleções editoriais importantes que apresentaram uma perspectiva espacial radical Peet 1977 Dear e Scott 1981 Carney Hudson e Lewis 1980 mas num sinal do que estava por vir algumas das mais influentes geografias humanas críticas redigidas nesse período foram escritas por geógrafos que estavam fora mas voltados para dentro da corrente marxista principal Olsson 1980 Scott 1980 Brookfield 1975 e acima de tudo Gregory 1978 Com algumas exceções a geografia marxista parecia estar dando voltas e mais voltas pelos anos oitenta adentro para evitar o que acabaria por se tornar insistentemente óbvio que o próprio marxismo tinha que ser criticamente reestruturado para incorporar uma dimensão espacial destacada e central As ortodoxias herdadas do materialismo histórico davam quase tão pouca margem ao espaço quanto os rígidos casulos da ciência social burguesa Assim marxificar a geografia não era suficiente Outra rodada muito mais disruptiva de pensamento crítico se fazia necessária para espacializar o marxismo para recombinar a construção da história com a construção da geografia A inversão provocadora tinha que ser transformada numa terceira crítica numa crítica da crítica da crítica que dera início ao desenvolvimento da geografia marxista Em sua maior parte o impulso para essa terceira crítica desconstrutiva e reconstitutiva originouse fora da geografia marxista e foi levado adiante por estudiosos críticos que muitas vezes davam pouca atenção à existência e às realizações dos geógrafos marxistas O debate mais amplo respondeu primordialmente às reconhecidas peculiaridades do capitalismo tardio em particular à desconcertante reestruturação societária que parecia estar esfacelando padrões políticos econômicos culturais ideológicos e intelectuais há muito estabelecidos Novas combinações pareciam estar emergindo num desafio à interpretação e à prática política convencionais à esquerda à direita e no centro A busca de uma resposta teórica e política apropriada para a reestruturação do capitalismo levou um grupo pequeno mas sumamente diversificado de estudiosos críticos esquerdistas a uma conclusão notavelmente semelhante a de que a espacialidade formadora da vida social tinhase tornado uma janela interpretativa particularmente crucial e reveladora para o cenário contemporâneo mas de que o ponto de vista espacial fora obscurecido por uma longa herança de descaso e mistificação Com esse reconhecimento repetido por um estudioso após outro de muitos campos especializados diferentes o debate sobre a teorização política do espaço tornouse mais generalizado do que em qualquer época anterior prenunciando uma nova fase menos provinciana no encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental PASSAGENS PARA A PÓSMODERNIDADE A RECONSTITUIÇÃO DA GEOGRAFIA HUMANA CRÍTICA A atualização do desenvolvimento da geografia marxista e de sua concomitante reteorização da geografia histórica do capitalismo é um exercício necessariamente eclético Agora se pode dizer que as modalidades geográficas de análise estão mais centralmente ligadas aos debates políticos e teóricos contemporâneos do que em qualquer outro período deste século Mas essa ligação deriva de muitas fontes diferentes assume uma multiplicidade de formas e resiste às sínteses simplistas Também é ainda muito provisória e limitada em seu impacto pois a espacialização da teoria crítica e a construção de um novo materialismo históricogeográfico mal começaram e seu impacto inicial foi sumamente disruptivo sobretudo para as duas tradições modernistas que moldaram o desenvolvimento da geografia marxista nos últimos vinte anos Assim como o marxismo ocidental contemporâneo parece ter explodido numa constelação heterogênea de perspectivas com objetivos amiúde cruzados a geografia moderna também começou a desmontar em suas costuras desenredandose internamente e em relação aos seus antigos vínculos escolares com outras disciplinas do século XIX que definiram a moderna divisão acadêmica do trabalho O domínio das categorias fronteiras e separações mais antigas vemse enfraquecendo O que era central está agora sendo empurrado para as margens enquanto as orlas antes discretas afirmam ousadamente uma centralidade recémdescoberta O terreno intelectual mutável e quase caleidoscópico tornouse extremamente difícil de mapear uma vez que já não aparece com seus conhecidos contornos desgastados pelo tempo Essa geografia desordenada e inquietante é a meu ver parte da situação pósmoderna de uma crise contemporânea que está repleta como o pictograma chinês da crise e a nebulosa descrição bermaniana da modernidade em transição de perigos e de novas possibilidades repleta do choque simultâneo do antigo e do novo Retomando uma tese anterior outra cultura do tempo e do espaço parece estarse formando nesse contexto contemporâneo e redefinindo a natureza e a experiência da vida cotidiana no mundo moderno e com elas todo o tecido da teoria social Eu situaria a instauração dessa passagem A convergência da espacialização Lefebvre Foucault Berger e Mandel consideraram suas afirmações sobre a importância da espacialidade todos eles num momento histórico crucial no qual a mais grave crise econômica global da Grande Depressão havia apontado ao mundo o término do surto de crescimento do pósguerra e o início de uma profunda reestruturação que iria agitar todas as esferas da vida social Queria usálas uma vez mais para ajudar a explorar os variados panoramas pósmodernos da geografia humana crítica A pósmodernização da geografia marxista A geografia marxista mudou significativamente nos anos oitenta Seus limites se maneira mais flexível de modo que sua influência estendeuse mais profundamente do que nunca nos âmbitos da teoria social crítica Ao mesmo tempo seu centro de gravidade tornouse mais difícil de localizar exceto como parte de um projeto mais amplo de especialização insistente concluo solapadas por sua impossibilidade de incorporar uma dimensão sistemática e distintamente geográfica e espacial em seu pensamento 1985c 1413 Esses trechos marcam uma expressiva mudança de ênfase na obra de Harvey e destacam muitos dos dilemas atualmente enfrentados pela geografia e pelos geógrafos marxistas Em Os limites do Capital 1982 Harvey partiu do cerne da geografia marxista para o campo mais extenso do marxismo ocidental e da moderna teoria social crítica apresentando uma argumentação demonstrativa a favor de um marxismo espacializado e de uma crítica espacializada do desenvolvimento capitalista Dar uma geografia concreta ao Capital e ao capitalismo entretanto foi ao mesmo tempo um imenso tour de force e um convite à paralisia teórica Assim os Limites combinaram incongruentemente a suma realização da geografia marxista formalista e as ressalvas iniciais à necessária desconstrução e reconstituição dessa própria realização Reconhecendo essa ambivalência estafante e a possibilidade de que viesse a ter de puxar o tapete tensamente tecido debaixo de seus próprios pés Harvey quase abandonou o projeto Entretanto incentivado por exalunos e outros que lhe deram apoio Harvey completou sua síntese magistral na esperança ao que parece de que o impacto disruptivo de inserir o espaço não diminuísse a força de seu materialismo confessadamente histórico e geográfico Revendo a reação da crítica aos Limites Harvey expressou sua preocupação com o fato de que a maioria dos leitores parecia estar meio confusa acerca da mensagem que ele estava apresentando No prefácio de Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana observou Curiosamente a maioria dos críticos passou ao largo principalmente suspeito por puro preconceito disciplinar do que julguei ser a contribuição mais singular daquele trabalho a integração da produção do espaço e das configurações espaciais como elemento ativo no cerne da teorização marxista Essa foi a principal inovação teórica que me permitiu passar da reflexão sobre a história para a geografia histórica e também abrir caminho para a teorização sobre o processo urbano como um momento ativo na geografia histórica da luta de classes e da acumulação de capital 1985b xii A maioria dos geógrafos marxistas entendeu o recado mas já estava convencida e muitos haviam iniciado sua própria virada passando de posições anteriormente antagônicas para a provocadora espacialização do marxismo ocidental Em seu prefácio a Spatial Divisions of Labour Social Structures and the Geography of Production As divisões espaciais do trabalho As estruturas sociais e a geografia da produção 1984 x Doreen Massey escreveu Meu objetivo básico fora vincular a geografia da indústria e do emprego às estruturas mais amplas e subjacentes da sociedade A intenção inicial em outras palavras era partir das características da economia e da sociedade e passar à explicação de sua geografia Entretanto quanto mais me empenhei no assunto mais me pareceu que o processo não tinha apenas um sentido Ocorre também diria eu que o entendimento da organização geográfica é fundamental para se compreender a economia e a sociedade A geografia da sociedade faz diferença no modo como esta funciona Se isso é verdade em termos analíticos também o é em termos políticos Para que haja alguma esperança de alterar a geografia fundamentalmente desigual da economia e da sociedade britânicas e também de outros países capitalistas fazse necessária uma política que ligue as questões da distribuição geográfica às da organização social e econômica Massey leva seu novo caminho para uma análise das particularidades locais das estruturas espaciais de produção procurando abrir um campo intermediário de economia política regional livre da férrea determinação das leis de movimento do capitalismo e da indeterminação vazia do empirismo geográfico20 Neil Smith também se afasta cautelosamente do caminho da ortodoxia marxista para defender uma tese similar no prefácio de seu Uneven Development Nature Capital and the Production of Space O desenvolvimento desigual A natureza o capital e a produção do espaço 1984 xi Ocupando o terreno comum entre as tradições geográficas e políticas a teoria do desenvolvimento desigual fornece a principal chave para se determinar o que caracteriza a geografia específica do capitalismo Mas é impossível esquadrinhar demais a lógica do desenvolvimento desigual sem reconhecer que há algo mais profundo em jogo Não é apenas uma questão do que o capitalismo faz com a geografia mas antes do que a geografia pode fazer pelo capitalismo Do ponto de vista marxista portanto não se trata apenas de ampliar a profundidade e a jurisdição da teoria marxista mas de inaugurar toda uma nova faceta de explicação concernente à sobrevivência do capitalismo no século XX O espaço geográfico está mais do que nunca na pauta econômica e política A ideia do pivô geográfico da história vem assumindo um sentido mais moderno e mais profundo do que Mackinder poderia ter imaginado As confissões prefaciadoras de Harvey Massey e Smith nem sempre são levadas a seu desfecho apropriado nos textos subsequentes pois todos hesitam em se comprometer muito a fundo com a desconstrução necessariamente transformadora do materialismo histórico e de suas narrativas mestras desespacializantes Mas embora o historicismo seja protegido de uma crítica rigorosa e sistemática há uma nova confiança no tocante à significação teórica e política do espaço A necessidade de justificar e defender a afirmação teórica de um materialismo histórico e geográfico é muito menos premente do que foi um dia É chegado o momento ao contrário de demonstrar seu poder político e empírico através da análise da geografia específica do capitalismo O espaço geográfico é sempre o âmbito do concreto e do particular Será possível construir uma teoria do concreto e do particular no contexto das determinações universais e abstratas da teoria da acumulação capitalista de Marx É essa a questão fundamental a ser resolvida Harvey 1985c 144 Mas como disse Mills todo sapateiro acha que o couro é tudo O alcance dessa geografia marxista mais confiante e afirmativa em termos teóricos ainda é insuficientemente compreensível e incomodamente ameaçador para a moderna divisão acadêmica do trabalho com seus compartimentos disciplinares reificados e sua territorialidade intelectual Além disso o ataque vem sendo desferido a partir do que muitos ainda encaram como uma província disciplinar menor contra o domínio ainda santificado da imaginação histórica Conservar o imprimatur do marxismo é o bastante para assustar os FRUMPs contemporâneos profissionais exradicais em ascensão21 termo usado por Harvey numa recente defesa polêmica de sua posição ver Harvey et al 1987 mas ter as trilhas teóricas e empíricas desbravadas por geógrafos metidos a sebo foi mais do que o mercado estabelecido podia suportar Nos anos oitenta até mesmo alguns dos analistas sociais mais simpatizantes e mais abertos começaram a desferir um contraataque dirigido aos decididos invasores espaciais protegendo seus flancos disciplinares contra os efeitos disruptivos da espacialização pósmoderna da teoria e da análise sociais críticas A reação mais direta e imediata às intromissões dos geógrafos marxistas veio dos sociólogos que continuam a presumir que detêm o controle da espacialização da teoria social como de fato fizeram predominantemente e à revelia desde o fim do século XIX Os economistas políticos radicais ouviram Harvey e a nova geografia marxista atentamente mas tendem a manter uma distância calculada incorporando apenas os simples elementos essenciais de um marxismo espacializado Os historiadores marxistas quando sequer chegam a reconhecer o que está acontecendo reagem tipicamente oferecendo seus melhores votos enquanto presumem tacitamente que a historiografia radical já fez tudo o que era necessário no tocante à geografia anos atrás Mas os sociólogos marxistas e os weberianos radicais estiveram mais profundamente empenhados no projeto de espacialização desde o início e não puderam simplesmente colocálo de lado quando ele começou a surtir um efeito paralisante em seus mais caros princípios e proposições sociológicos A espacialização da teoria social julgaram muitos estava indo longe demais e precisava ser adequadamente disciplinada A figura mais destacada a liderar esse contraataque sociológico foi Peter Saunders cujo livro Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana 1981 2ª ed 1986 fornece uma excelente e ampla visão geral do desenvolvimento histórico da teoria social e espacial urbana David Harvey logo depois de observar o impacto desintegrador da espacialização nas proposições teóricas estabelecidas das ciências sociais ver supra voltouse para a primeira edição da Teoria social e a questão urbana de Saunders a fim de exemplificar sua argumentação Não causa muita surpresa portanto que Saunders 1981 278 numa recente tentativa de salvar a suposta subdisciplina da sociologia urbana de um destino tão terrível apresente a extraordinária proposição para a qual não há nem jamais poderia haver qualquer justificativa de que os problemas do espaço devem ser separados da preocupação com os processos sociais específicos Saunders foi ainda mais enfático na segunda edição após ter feito um cuidadoso levantamento da obra recente dos geógrafos marxistas Resumindo um capítulo explicitamente voltado para a definição de Uma sociologia urbana não espacial Saunders escreveu Desde a obra de Robert Park no início deste século os sociólogos urbanos vêm desenvolvendo visões teóricas que foram minadas pela tentativa insistente de adaptá las a uma preocupação com o espaço É hora de nos livrarmos dessa camisa de força teórica É hora de colocar o espaço em seu lugar como um fator contingente a ser considerado nas investigações empíricas e não como um fator essencial a ser teorizado em termos de suas generalidades É hora de a teoria social urbana desenvolver uma focalização clara de algum aspecto da organização social no espaço e não de tentar manter uma ênfase supérflua na organização espacial da sociedade É hora em suma de desenvolver uma sociologia urbana não espacial que embora reconhecendo a importância empírica das disposições espaciais não procure elevar essas disposições à categoria de um objeto teórico distinto 1986 28788 Saunders se apressa impulsivamente a prestar socorro na hora H para colocar o espaço em seu mesmo velho lugar e reificar mais uma vez o domínio tradicional da sociologia moderna Ao despojar a sociologia urbana de um objeto teórico que tenha qualquer coisa a ver com o espaço ou nesse caso com a cidade Saunders se aproxima perigosamente de fazer com que toda a teoria social urbana se transforme em fumaça No fim escorrega novamente para uma sociologia do consumo como o foco definitivo do interesse teórico e substantivo conservando o adjetivo urbano apenas como uma questão de convenção um modo útil de manter a continuidade intelectual desse campo ibid 289 O debate sobre a especificidade do urbano isto é para determinar se as formas sociais e espaciais especificamente urbanas podem fornecer um objeto apropriado à teorização sempre foi fonte de confusão e discordância na coalizão de geógrafos sociólogos e economistas políticos que se formara nos anos setenta para desenvolver uma nova interpretação crítica da urbanização capitalista Boa parte da confusão proveio da conceituação equivocada da questão urbana apresentada por Manuel Castells o mais influente sociólogo marxista da coalizão Por um lado Castells atacou a especificação exagerada do urbano desde a Escola de Chicago até sua suposta extensão esquerdista nas obras de Henri Lefebvre argumentando que não havia nenhuma problemática especificamente urbana Encarar o urbanismo como um estilo de vida singular era uma cortina de fumaça ideológica que obscurecia problemas sociais maiores que se expressavam nas cidades mas não se restringiam epistemológica e politicamente ao contexto urbano Por outro lado Castells reespecificou convenientemente o urbano como um objeto teórico ao se concentrar na política urbana do consumo coletivo e na mobilização de movimentos sociais nitidamente urbanos Enquanto Castells acabaria por se livrar dessa armadilha epistemológica Saunders voltou a cair nela num esforço desesperado de manter a continuidade intelectual e a integridade disciplinar nominal da sociologia urbana O debate sobre a especificidade do urbano foi mais do que um exercício de ginástica epistemológica Desde o começo tratouse de um conflito disciplinar entre a sociologia radical e a geografia marxista a respeito da espacialização da teoria social acerca de até que ponto se permitiria que chegasse a reafirmação do espaço A maquinação althusseriana de Castells sobre a questão urbana rechaçou as afirmações mais audaciosas de Lefebvre que longe de fetichizar o urbano estava desenvolvendo a tese mais geral de que a luta social no mundo contemporâneo fosse ela urbana ou não era intrinsecamente uma luta pela produção social do espaço uma resposta potencialmente revolucionária à instrumentalidade e ao desenvolvimento desigual da geografia específica do capitalismo Em outras palavras os movimentos e lutas sociais urbanos pelo consumo coletivo que se haviam tornado tão centrais no que sou tentado a chamar de sociologia radical Moderna Tardia estavam sendo vistos como parte de uma problemática espacial mais ampla do desenvolvimento capitalista Tornarei a considerar esses argumentos anteriores nos dois próximos capítulos Na década de 1980 entretanto novas abordagens estavam sendo imprimidas a esses velhos debates Geógrafos marxistas como Harvey Smith e outros superaram sua ambivalência anterior para se unir no desenvolvimento de um materialismo históricogeográfico transformador projeto muito mais radical do que o apelo anterior por uma economia política urbana espacializada O projeto foi apoiado e sustentado como descrevi previamente por uma multiplicidade de forasteiros enquanto o debate sobre a importância da espacialidade na teoria social e na prática social tornouse mais difundido do que nunca E o que é mais significativo para a presente discussão novas vozes foram ouvidas do interior da sociologia moderna clamando em alto e bom som pela inserção do espaço bem no cerne da teoria social por uma espacialização ainda maior do que a alcançada ao longo dos anos setenta Os irritantes geógrafos ainda podiam ser rechaçados como fetichizadores obsessivos loucamente apaixonados por seu próprio couro Mas sociólogos como Anthony Giddens John Urry e um Manuel Castells redespertado para o espaço eram uma outra história O trabalho mais recente de Castells é marcado por duas aparentes inversões se cotejado com o retrato convencional de suas contribuições anteriores para a sociologia urbana anglófona A primeira vem de um abrandamento de sua postura contra Henri Lefebvre e de uma disposição maior de aceitar a importância de uma problemática assertivamente espacial na interpretação da política e da sociologia urbanas O sempre escorregadio Castells nunca chega realmente a completar essa inversão mas a seguinte passagem de The City and the Grass Roots A cidade e as raízes rurais 1983 4 sugere uma maior disposição de acolher o projeto de Lefebvre O espaço não é um reflexo da sociedade ele é a sociedade Portanto as formas espaciais pelo menos em nosso planeta hão de ser produzidas como o são todos os outros objetos pela ação humana Hão de expressar e executar os interesses da classe dominante de acordo com um dado modo de produção e com um modo específico de desenvolvimento Hão de expressar e implementar as relações de poder do Estado numa sociedade historicamente definida Serão realizadas e moldadas pelo processo de dominação sexual e pela vida familiar imposta pelo Estado Ao mesmo tempo as formas espaciais serão marcadas pela resistência das classes exploradas dos sujeitos oprimidos e das mulheres dominadas E a ação desse processo histórico tão contraditório sobre o espaço será exercida numa forma espacial já herdada produto da história anterior e sustentáculo de novos interesses projetos protestos e sonhos Finalmente de quando em quando surgirão movimentos sociais para questionar o sentido da estrutura espacial e por conseguinte tentar novas funções e novas formas Pouco falta para que Castells chegue à proclamação pósmoderna de que agora é mais o espaço do que o tempo mais a geografia do que a história que esconde de nós as consequências Mas ao menos ele parece mais aberto a essa possibilidade do que fora antes A segunda inversão de Castells também não é uma meiavolta completa mas corre igualmente contra a índole das descrições convencionais de suas contribuições para os estudos urbanos Decorre de um interesse renovado na produção e na tecnologia industriais bem como em seus efeitos no processo de urbanização Nesse ponto Castells faz parte de uma mudança muito mais ampla de enfoque nos estudos urbanos e regionais contemporâneos e na geografia marxista que é menos uma negação da importância das questões do consumo coletivo do que o reconhecimento de que a dinâmica da produção industrial e da reestruturação precisa ser compreendida em primeiro lugar para que possamos dar um sentido teórico e prático à política e à sociologia do consumo Castells poderia argumentar que isso é o que ele vem dizendo o tempo todo lembrando aos que criticaram seu suposto consumismo seus primeiros trabalhos sobre a industrialização urbana por exemplo Castells e Godard 1974 Mas atualmente ele vem perseguindo esses interesses com um entusiasmo e um discernimento renovados ver Castells 1985 ao lado de um grupo crescente de geógrafos urbanos pósfordistas senão também pósmodernos voltados para a indústria e a produção ver por exemplo Scott e Storper 1986 Saunders faz um grande esforço para repelir as instigantes viradas espaciais de Giddens e Urry as aparentes inversões de Castells e as animadas tentativas dos geógrafos marxistas de criar um materialismo histórico e geográfico apelando para a filosofia realista teórica da ciência social que Urry ajudou a desenvolver ver Keat e Urry 1982 à qual Giddens recorre intensamente e que o geógrafo Andrew Sayer 1984 tão cuidadosamente codificou Saunders utiliza seu realismo teórico recémdescoberto para colocar o espaço em seu lugar de fator meramente contingente a ser considerado nas investigações empíricas e não como uma parte essencial da teorização social Ao fazêlo ele liga o contraataque sociológico a um debate filosófico e metodológico mais amplo que moldou confusamente a pósmodernização da geografia marxista O impacto do realismo teórico Bhaskar 1975 1979 Harre 1970 Harre e Madden 1975 sobre a reafirmação do espaço na teoria social tem sido multifacetado e extenso Com sua síntese flexível do estruturalismo e da hermenêutica sua insistência em situar a teoria social e a prática social nos efeitos conjunturais do tempo e do espaço e sua adaptação de uma ideia marxista de praxis simultaneamente submetendo o marxismo a uma vigorosa crítica contemporânea o realismo teórico pareceu fornecer um arcabouço epistemológico quase ideal à geografia humana crítica pósmoderna Se ele não existisse teria que ser inventado Mas penetrou no discurso espacial da década de 1980 com uma ambivalência disruptiva ao mesmo tempo ajudando e prejudicando o desenvolvimento da teoria espacial crítica A filosofia realista ao longo da última década inspirou as afirmações mais sistemáticas vigorosas e influentes da importância do espaço na construção da teoria social primordialmente através da teoria da estruturação de Anthony Giddens Provocou também basicamente através da obra de Sayer 1979 1982 1984 1985 uma contracorrente constritiva que afirma que Marx Weber Durkheim e outros talvez tenham tido razão em prestar tão pouca atenção ao espaço em sua obra teórica abstrata porque a diferença que o espaço faz só é importante no nível do concreto e do empírico Assim o caminho adequado a ser seguido pela geografia pósmarxista é primeiramente um caminho empírico deixando para trás os debates teóricos mais grandiosos quer pautados na estruturação espaçotempo quer no materialismo históricogeográfico Mais do que qualquer outro acontecimento essa contraafirmação realista impelida de volta à prancheta empírica pelas perplexidades da esquerda diante das vitórias regressivas de Ronald Reagan e Margaret Thatcher contribuiu para dividir o novo consenso da geografia marxista que vinha emergindo nos anos oitenta Um dos efeitos dessa implosão desintegradora foi estimular o contraataque sociológico reacionário contra a geografia marxista e levar muitos geógrafos anteriormente marxistas a se aliarem a essa corrente com melancólicos mea culpas Outro efeito foi um recuo estratégico marxista liderado por David Harvey para manter vivo o projeto do materialismo históricogeográfico defendendoo do crescente ataque antiteórico e muitas vezes antimarxista Os confrontos entre essas duas posições enrijecedoras complicados pela crescente confusão acerca de exatamente quem está de que lado continuam a encher as páginas de Antipode e de Society and Space e talvez a absorver demasiadamente as energias das pessoas envolvidas22 Felizmente também começaram a surgir recentemente vislumbres de uma geografia humana crítica pósmoderna mais reconstrutiva proveniente desses confrontos modernos tardios23 que ainda prosseguem Ela continua a se inspirar na racionalidade emancipatória do marxismo ocidental mas já não consegue ficar confinada dentro de seus limites assim como não pode ser limitada pelas fronteiras da geografia moderna Sua melhor descrição talvez seja a de uma especialização flexível para adotarmos um termo extraído das pesquisas atuais sobre a organização e a tecnologia industriais pósfordistas A especialização flexível no local de trabalho da geografia humana crítica significa uma resistência ao fechamento paradigmático e ao pensamento rigidamente categórico a capacidade de combinar criativamente aquilo que no passado era considerado antitéticoimpossível de combinar a rejeição das lógicas profundas totalizantes que cerceiam nossas maneiras de ver e a busca de novos modos de interpretar o mundo empírico e arrancar suas camadas de mistificação ideológica Implica portanto uma suspensão temporária do formalismo epistemológico para permitir que as novas combinações da história e da geografia ganhem forma dialética e pragmaticamente não sobrecarregadas pelos vieses do passado mas norteadas ainda assim pelo campo de testes da praxis Essa emergente geografia humana crítica pósmoderna deve continuar a se basear numa desconstrução radical numa exploração mais profunda dos silêncios críticos dos textos narrativas e panoramas intelectuais do passado numa tentativa de reinscrever e ressituar o sentido e a importância do espaço na história e no materialismo histórico A desconstrução espacial visa a virar a imponente tapeçaria do passado para usarmos as palavras de Terry Eagleton 1986 80 expondo a trama desalinhada de fios que constitui a história intelectual do pensamento social crítico Essa tarefa mal começou e já se depara com uma resistência feroz especialmente dos que Foucault identificou como fiéis descendentes do tempo A desconstrução espacial por conseguinte também deve ser suficientemente flexível para aparar os golpes reacionários do historicismo e evitar a defesa simplista da antihistória ou pior ainda de um espacialismo novo e igualmente obscurecedor O objetivo afinal é uma geografia histórica politicamente carregada uma perspectiva espaçotemporal da sociedade e da vida social e não a ressurreição do determinismo geográfico Entretanto a desconstrução por si só não basta por mais efetivamente que se exponham os silêncios críticos Ela deve ser acompanhada por uma reconstrução ao menos provisória baseada nas exigências políticas e teóricas do mundo contemporâneo e capaz de abranger todas as escalas do poder moderno desde as estratégias grandiosas da geopolítica global até as pequenas táticas do habitat para tomar novamente emprestada uma expressão de Foucault Essa geografia humana crítica reconstituída deve estar sintonizada com as lutas emancipatórias de todos os que são marginalizados e oprimidos pela geografia específica do capitalismo e também do socialismo existente pelos trabalhadores explorados pelos povos tiranizados e pelas mulheres dominadas E deve estar especialmente em sintonia com as particularidades dos processos contemporâneos de reestruturação e com os regimes emergentes de acumulação flexível e de regulação social não apenas para exibir uma habilidade empírica recémdescoberta mas a fim de contribuir para um pósmodernismo radical de resistência A especialização flexível é também um acompanhamento necessário dessa reconstrução estratégica da geografia humana crítica seja ela focalizada na interpretação da nova tecnologia e das formas organizacionais reestruturadas da economia política pósfordista na lógica cultural do pósmodernismo na arte e na ideologia ou nas lutas ontológicas de uma teoria crítica póshistoricista Essas três vias da espacialização e da praxis espacial potencialmente radical devem combinarse como campos e pontos de vista compatíveis e não competitivos Similarmente o novo entusiasmo pelo empírico mesmo a pretexto de sua viabilidade política não deve encerrar o debate e a discussão teóricos pois não há nada tão viável quanto uma boa teoria espacial A desconstrução e reconstituição flexíveis não serão fáceis pois têm não apenas de combater uma permanente resistência modernoavançada que traz em si a bagagem privilegiada do passado mas também de lidar com um crescente pós modernismo neoconservador que está exercitando os músculos na atualidade monopolizando o debate sobre o que se deve fazer agora para enfrentar os desafios de uma nova modernidade O pósmodernismo neoconservador tem usado a desconstrução para lançar véus ainda mais obscurecedores sobre a instrumentalidade da reestruturação e da espacialização reduzindo tanto a história quanto a geografia a uma fantasia e um pastiche ou à simples factualidade mais uma vez num esforço de celebrar o pósmoderno como o melhor de todos os mundos possíveis A oposição à reestruturação é caracterizada como extremismo e a própria esperança de resistência passa a ter um toque de absurdo O marxismo é equiparado somente ao totalitarismo o feminismo radical transformase na destruição da família o movimento antinuclear e o ambientalismo radical convertemse numa brincadeira de ludditas24 que destroçam as máquinasferramenta da generosa alta tecnologia e os programas socialistas tornamse visões anacrônicas de utopias inatingíveis estupidamente dessincronizadas de um capitalismo infinitamente maleável O fim do modernismo é alegremente proclamado como se a criação de uma cultura política pósmoderna radical e resistente fosse impossível e como se os problemas abordados pelos vários movimentos modernos houvessem desaparecido inteiramente desfeitos no ar O desenvolvimento de uma cultura política radical do pósmodernismo exigirá por conseguinte que se vá além das descrições empíricas rigorosas que implicam uma compreensão científica mas com excessiva frequência escondem o significado político além de um antimarxismo simplista que rejeita todos as descobertas do materialismo histórico na esteira de uma exibição de suas fraquezas e falhas contemporâneas além dos chauvinismos disciplinares de uma obsoleta divisão acadêmica do trabalho que se agarra desesperadamente a suas velhas prioridades e além de uma geografia marxista que presume que já se criou um materialismo histórico e geográfico pela simples inserção de um segundo adjetivo É preciso desenvolver um novo mapeamento cognitivo uma nova maneira de olhar através dos véus gratuitos do pósmodernismo reacionário e do historicismo moderno avançado para incentivar a criação de uma consciência espacial politizada e de uma praxis espacial radical Assim as mais importantes geografias pósmodernas ainda estão por ser produzidas 1 Utilizo reassumir para abranger o que alguns observadores consideram ter sido um emudecimento dessa ênfase francesa na espacialidade durante o século XIX Gregory 1978 38 escreve Na França a dimensão espacial fora um elemento insistente dos estudos de economia política desde o fim do século XVII o que durou um bom tempo no século XVIII No início da década de 1800 entretanto estava começando a falhar em parte no dizer de Gregory devido à ascensão de uma economia política ricardiana e mais tarde à conquista do positivismo de Comte Isso produziu uma lacuna entre o desenvolvimento inicial de uma economia política espacializada e o desenvolvimento da epistemologia no século XX a que ela acabaria por aderir Lacuna ou não o ponto subjacente é a extraordinária profundeza e continuidade da tradição espacial francesa comparada com as filosofias idealistas alemãs e com a economia política britânica 2 O marxismo italiano provavelmente teve a mesma inclinação Talvez haja alguma base para argumentar em favor de uma tradição latina mais ampla da espacialidade mas não me disponho a defender essa tese aqui a não ser para assinalar o importante papel de Antonio Gramsci no desenvolvimento de um materialismo histórico geográfico Gramsci é muito mais espacial do que os outros fundadores do marxismo ocidental Karl Korsch Ernst Bloch e György Lukács Voltarei à geografia de Gramsci no ensaio seguinte 3 Como observado em Jay 1984 293 o primeiro contato de Lefebvre com Hegel proveio de seu envolvimento precoce com o movimento surrealista e do relacionamento com uma de suas figuras centrais André Breton No texto autobiográfico intitulado Le Temps des méprises O tempo dos equívocos 1975 49 Lefebvre descreve um encontro com Breton em 1924 Ele me mostrou um livro em sua mesa a tradução da Lógica de Hegel por Vera que era uma tradução muito ruim e disse algo desdenhoso do tipo Você nem sequer leu isso Poucos dias depois comecei a ler Hegel que me levou a Marx 4 Lefebvre e Guterman 1936 A tese principal dessa obra era que todas as formas de consciência individuais e coletivas eram manipuladas no capitalismo a fim de ocultar os mecanismos fundamentais da extorsão e da acumulação da maisvalia Isso significava que a própria classe trabalhadora também tendia a não ter consciência dos meios de sua própria exploração aprisionada numa consciência igualmente mistificada ao menos até descobrir como erguer o véu dessa mistificação instrumental A publicação do livro causou uma ampla controvérsia política dentro do Partido Comunista especialmente porque ele fora escrito pelo principal teorizador do Partido na época 5 A Occitânia é o conjunto das regiões do sul da França onde se falam os dialetos da línguadoc Languedoc sobretudo o provençal antigo ou língua dos trovadores NT 6 Ver Lefebvre 1975 9 no tocante a sua resposta à pergunta sobre como havia desenvolvido seu interesse pelo espaço Especialmente influente foi a construção da nova cidade de LacqMourenx nos Pireneus atlânticos e o que ele chamou de emergência de uma nova prática social e política associada à criação da Datar Délégation à lAménagement du Territoire et à lAction Régionale Comissão de Distribuição Territorial e Ação Regional Uma recente tradução de uma entrevista com Lefebvre Burgel et al 1987 forneceu as seguintes respostas a essa mesma pergunta O ponto de partida para mim foi o trabalho da Datar Havia algo novo acontecendo nasceu uma ideia de planejamento e prática espaciais Afinal a criação de novas cidades e o redesenvolvimento das existentes era uma abordagem bastante nova comparada às descrições clássicas dos fenômenos urbanos Entretanto minha iniciação não se deu nem do ponto de vista da filosofia nem do da sociologia embora elas estivessem implicitamente presentes nem tampouco foi histórica ou geográfica Foi antes a emergência de uma nova prática social e política A Datar visava a reorganizar a França a partir de perspectivas questionáveis e por vezes catastróficas Certamente foi um fenômeno francês original Não sei de muitos outros países que tenham ultrapassado o estágio do planejamento financeiro em seus orçamentos até efetivamente planejarem seu espaço 28 7 Após o término das rebeliões de Paris em 1968 que muitos encararam como um teste político das ideias de Lefebvre até mesmo alguns de seus seguidores mais próximos começaram a abandonálo saltando para o que eram na época os dois maiores carroschefes do marxismo francês o estruturalismo althusseriano e o existencialismo sartreano Significativamente foi esse clima pós 1968 de Lefebvrevocênosdecepcionou que influenciou a tradução da obra de Lefebvre para o marxismo anglófono por exemplo Castells 1977 8 Ver a nota 14 do capítulo anterior 9 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie Fundamentos da crítica da economia política de Karl Marx pex Berlim Dietz Verlag 1974 NT 10 Não estou afirmando que a geografia marxista inicial tenha sido exclusivamente estruturalista ou que não tenha havido nenhuma consciência dos problemas interpretativos e políticos associados a uma aplicação rígida da doutrina althusseriana Infelizmente quando os novos geógrafos humanistas voltavam os olhos para a geografia marxista muitas vezes viam apenas seu marxismo estrutural reprovando com júbilo seu extermínio supostamente inconsciente do agente humano cognoscível sem perceber que muitos geógrafos marxistas já haviam reconhecido os mesmos problemas Ver por exemplo Duncan e Ley 1982 11 A revista Antipode foi a principal publicação da pesquisa geográfica radical relacionada com a nova economia política urbana e durante um período da década de 1970 teve os índices mais altos de circulação de qualquer das novas publicações radicais das ciências sociais Igualmente importante como veículo de estudos urbanos marxistas com uma acentuada inclinação sociológica foi o International Journal of Urban and Regional Research fundado em 1977 e com sede na GrãBretanha Depois de ficar centralizada por muitos anos na Faculdade de Geografia da Universidade Clark em Worcester Massachusetts o primeiro número saiu em 1969 Antipode é agora publicada em Oxford pela Basil Blackwell Para obter uma amostra conveniente de The Best of Antipode 196985 O melhor de Antipode 196985 ver a edição dupla especial vol 17 nos 2 e 3 1985 última a ser publicada nos Estados Unidos sob a longa e competente direção editorial de Richard Peet Ver também Peet 1977 12 Meu próprio compromisso pessoal com a geografia marxista nasceu de uma tentativa de responder às críticas radicais a minha obra inicial sobre a geografia da modernização na África Soja 1968 1979 Soja e Tobin 1974 Soja e Weaver 1976 Depois de explorar as fontes dessa crítica comecei a pensar que poderia fazer um trabalho ainda melhor de reconstrução radical da nova geografia do desenvolvimento como passou a ser chamada O capítulo 4 faz uma resenha de algumas dessas tentativas iniciais de reconstrução 13 Tornouse cada vez mais difícil separar de um lado a teoria e os debates do planejamento crítico sobre a natureza da prática de planejamento urbano e regional e de outro o encontro que se vai desdobrando entre a geografia moderna e o marxismo ocidental bem como os debates sobre a teorização do espaço De fato a tradição anglófona de instrução sobre planejamento ao longo de todo o século XX foi um dos lugares mais importantes para a preservação da análise geográfica prática da teoria espacial crítica e da imaginação geográfica Sem ter seu próprio nicho disciplinar característico na moderna divisão acadêmica do trabalho o planejamento urbano e regional combinou flexivelmente algumas tradições e ênfases disciplinares fornecendo quando não era cerceado por suas próprias ortodoxias internas um meio atraente para os que buscavam novas combinações e perspectivas multidisciplinares Desde a década de 1960 acompanhando a expansão da nova prática social e política descrita por Lefebvre como planejamento espacial um número crescente de geógrafos e teóricos espaciais marxistas passou a se empenhar diretamente no planejamento urbano e regional explorando a gestão estatal da produção do espaço de dentro da barriga educacional da fera 14 O termo mais amplamente usado para descrever essa reconfiguração recente do capitalismo é pósindustrial Esse termo tem lá seu encanto mas desvia erroneamente nossa atenção da centralidade permanente da produção industrial e do processo de trabalho na reestruturação contemporânea das sociedades capitalistas É tão absurdo a sua maneira quanto descrever o que vem acontecendo como póscapitalismo ou fim da ideologia 15 Espírito da época em alemão no original NT 16 Espírito espacial em alemão no original NT 17 Em 1984 Jameson Lefebvre e eu fizemos um circuito em espiral pelo centro de Los Angeles começando no Hotel Bonaventure Tento recapitular nossas viagens no capítulo 9 18 Apesar de uma abordagem muito simpática das espacializações de Foucault Rabinow continua a descrever a obra de Foucault desvirtuadoramente diria eu como uma forma de historicismo crítico 19 A analítica espacial de Foucault vem sendo retomada com especial vigor por Derek Gregory e seus alunos na Universidade de Cambridge Ver Gregory no prelo 20 A obra de Massey inspirou uma nova obsessão com as localidades na pesquisa geográfica britânica um privilegiamento das particularidades do lugar que ainda está por se provar particularmente frutífero A ênfase nas localidades gerou por sua vez um debate crescente sobre as implicações teóricas do que é descrito como a virada empírica da geografia radical Ver os muitos artigos recentes sobre esse debate em Antipode Cooke 1987 Smith 1987 Cochrane 1987 Gregson 1987 21 A abreviação utiliza as iniciais da expressão formerly radical upwardly mobile professionals NT 22 Ver especialmente a tempestade em copodágua de comentários exasperados instigada por Saunders e Williams 1986 num rude ataque fisgador de radicais contra a suposta ortodoxia marxistarealista que esses autores afirmam ter tomado conta dos estudos urbanos e regionais britânicos A resposta pessoal de David Harvey ao que efetivamente constituiu um ataque pessoal juntamente com uma série de reações basicamente em causa própria à efervescente confusão das deturpações e das fintas e cruzados de esquerda de uma luta contra oponentes imaginários foi recentemente publicada em Society and Space Harvey et al 1987 sob o pretensioso título de Reconsidering social theory a debate Reconsiderando a teoria social um debate 23 Utilizo a expressão moderno tardio para me referir a uma defesa contínua da moderna divisão intelectual do trabalho incluindo o marxismo ocidental e a geografia moderna mas com algumas inclinações contemporâneas e adaptativas tais como o reconhecimento do impacto dos processos de reestruturação pósfordistas e pós modernos Um brilhante exemplo dessa flexível posição intermediária da geografia marxista moderna avançada é o recente artigo de Harvey intitulado Flexible Accumulation through Urbanization Reflections on PostModernism in the American City A acumulação flexível através da urbanização reflexões sobre o pós modernismo na cidade norteamericana 1987 24 De Ned Ludd líder real ou fictício de um movimento organizado de bandos de operários ingleses que no início do século XIX revoltados com o desemprego acarretado pela introdução de máquinas na indústria têxtil e também com a má qualidade dos produtos nelas fabricados reuniamse geralmente à noite e usando máscaras para destruir essas máquinas O movimento só se extinguiu por completo depois de 1816 em resultado de vigorosas medidas repressivas e em especial da renascente prosperidade Em sentido amplo designa aqueles que se opõem à mudança tecnológica NT A DIALÉTICA SOCIOSPAIAL O espaço e a espetacularização das relações sociais nas também retenham claras A industrialização que é um dos produtos do urbanismo é agora produzido por ele Quando usamos as palavras revolução urbana estamos designando o conjunto completo de transformações que permeiam toda a sociedade contemporânea e promovem uma mudança de um período em que predomina a problemática urbana se torna decisiva transformação estrutural Como tentarei demonstrar essa homologia espaçoclasse pode ser verificada na divisão regionalizada do espaço organizado em centros dominantes e periferias subordinadas em relações espaciais de produção socialmente criadas e polarizadas captáveis com maior precisão no conceito de desenvolvimento geograficamente desigual Essa conceituação dos vínculos entre a diferenciação social e espacial não implica que as relações espaciais de produção ou a estrutura centroperiferia sejam separadas e independentes das relações sociais de produção das relações de classe Ao contrário os dois conjuntos de relações estruturadas o social e o espacial são não apenas homólogos no sentido de provirem das mesmas origens no modo de produção como também dialeticamente inseparáveis O fato de existir essa associação dialética entre o que se poderia chamar de dimensões vertical e horizontal do modo de produção é sugerido nos textos de Marx e Engels nas discussões da antítese entre a cidade e o campo da divisão territorial do trabalho da segmentação do espaço residencial urbano no capitalismo industrial da desigualdade geográfica da acumulação capitalista do papel do arrendamento e da posse particular da terra da transferência setorial do excedente e da dialética da natureza Contudo cem anos de marxismo não foram suficientes para desenvolver a lógica e o alcance desses discernimentos2 A atrofia da imaginação geográfica no período interveniente ajuda a explicar por que o renascimento da análise espacial marxista foi tão árduo e tão sobrecarregado de temores infundados de fetichismo espacial Esse longo hiato também explica por que houve tanta controvérsia acerca da terminologia da ênfase e das credenciais bem como por que persistiram divisões entre as economias políticas urbana regional e internacional em vez de levar à criação de uma economia política espacial mais unificada Por fim ajuda a compreender por que à exceção de Lefebvre houve tamanha falta de audácia ou seja por que em meio às afirmações de que o ressurgimento de uma economia política radical espacialmente explícita representava uma nova sociologia urbana uma nova geografia econômica uma nova política urbana ou uma nova teoria do planejamento ninguém mais se mostrou disposto a apreender a implicação realmente radical de que o que estava emergindo era um materialismo dialético simultaneamente histórico e espacial O que vem a seguir é uma tentativa de resgatar a afirmação inicial da dialética socioespacial e da necessidade de um materialismo históricogeográfico tal como originalmente elaborado in Soja 1980 e Soja e Hadjimichalis 1979 ESPACIALIDADE A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO PRODUTO SOCIAL É necessário começar deixando tão clara quanto possível a distinção entre o espaço per se o espaço como um dado contextual e a espacialidade de base social o espaço criado da organização e da produção sociais De uma perspectiva materialista seja ela mecanicista ou dialética o tempo e o espaço no sentido geral ou abstrato representam a forma objetiva da matéria Tempo espaço e matéria estão inextricavelmente ligados sendo a natureza dessa relação um tema central na história e na filosofia da ciência Essa visão essencialmente física do espaço influenciou profundamente todas as formas de análise espacial quer filosóficas teóricas ou empíricas quer aplicadas ao movimento dos corpos celestes ou à história e ao panorama da sociedade humana Tendeu também a impregnar todas as coisas espaciais de um sentido remanescente de primordialidade e composição física de uma aura de objetividade inevitabilidade e reificação O espaço nessa forma física generalizada e abstrata foi conceitualmente incorporado na análise materialista da história e da sociedade a ponto de interferir na interpretação da organização espacial humana como um produto social passo primeiro e fundamental para se reconhecer uma dialética socioespacial O espaço como contexto físico gerou um amplo interesse filosófico e discussões demoradas sobre suas propriedades absolutas e relativas um longo debate que remonta a Leibniz e recua ainda mais suas características como continente ambiental da vida humana sua geometria objetificável e suas essências fenomenológicas Mas esse espaço físico foi uma base epistemológica ilusória para se analisar o sentido concreto e subjetivo da espacialidade humana O espaço em si pode ser primordialmente dado mas a organização e o sentido do espaço são produto da translação da transformação e da experiência sociais3 O espaço socialmente produzido é uma estrutura criada comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes ao estar vivo exatamente da mesma maneira que a história humana representa uma transformação social do tempo Seguindo uma linha semelhante Lefebvre estabelece uma distinção entre a Natureza como um contexto ingenuamente dado e aquilo que se pode denominar de segunda natureza a espacialidade transformada e socialmente concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado É essa segunda natureza que se transforma no sujeito e no objeto geográficos da análise histórica materialista de uma interpretação materialista da espacialidade O espaço não é um objeto científico afastado da ideologia e da política sempre foi político e estratégico Se o espaço tem uma aparência de neutralidade e indiferença em relação a seus conteúdos e desse modo parece ser puramente formal a epítome da abstração racional é precisamente por ter sido ocupado e usado e por já ter sido o foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes na paisagem O espaço foi formado e moldado a partir de elementos históricos e Uma vez que se aceite que a organização do espaço é um produto social que questão já não é de ele ser uma estrutura separada com regras de construção e transformação independentes do contexto social mais amplo De uma perspectiva materialista o que passa a ser importante é a relação entre o espaço criado e organizado e as demais estruturas dentro de determinado modo de produção Foi essa questão básica que dividiu a análise espacial marxista nos anos setenta em pelo menos três orientações distintas exagerava a dialética socioespacial esse grupo recuou dela sem captar efetivamente seu sentido e suas implicações criando uma confusa ambivalência à qual por sua vez reagiram os críticos marxistas mais ortodoxos Para tomarmos um exemplo destacado consideremos a conceituação do espaço elaborada por Castells em A questão urbana 1977 livro deliberadamente intitulado para contrastar com A revolução urbana escrito por seu exprofessor Lefebvre Considerar a cidade como a projeção da sociedade no espaço é ao mesmo tempo um ponto de partida indispensável e uma abordagem por demais elementar É que embora se deva ir além do empirismo da descrição geográfica correse o enorme risco de imaginar o espaço como uma página em branco onde se inscrevem as ações dos grupos e das instituições sem deparar com nenhum outro obstáculo além do vestígio das gerações passadas Isso equivale a conceber a natureza como inteiramente moldada pela cultura ao passo que toda a problemática social nasce pela união indissolúvel desses dois termos através do processo dialético mediante o qual uma dada espécie biológica especialmente por ser dividida em classes o homem transforma a si mesmo e a seu meio ambiente em sua luta pela vida e pela apropriação diferenciada do produto de seu trabalho O espaço é um produto material relacionado com outros elementos entre outros os homens que entram eles próprios em determinadas relações sociais que conferem ao espaço e aos outros elementos da combinação uma forma uma função e uma significação social Ele não é portanto uma mera oportunidade a disposição da estrutura social mas uma expressão concreta de cada conjunto histórico em que uma sociedade é especificada A questão portanto é estabelecer do mesmo modo que em relação a qualquer outro objeto real as leis estruturais e conjunturais que regem sua existência e transformação e a especificidade de sua articulação com os outros elementos de uma realidade histórica Isso significa que não há teoria do espaço que não seja parte integrante de uma teoria social geral ainda que implícita p 115 grifos nossos Esse trecho complexo encerra uma dialética socioespacial mas é apresentado como uma alternativa à visão lefebvreana rejeitada Não surpreende que os leitores da tradução para o inglês tenham ficado confusos A própria conceituação de Castells foi atacada como sendo revisionista e weberiana pelos representantes do segundo campo Harloe 1976 21 por exemplo afirmou que Castells cometera o mesmo erro no qual criticara Lefebvre de incorrer ou seja o de separar a estrutura espacial de suas raízes nas relações de produção e de classe Esse suposto erro argumentouse gerara uma ênfase imprópria no consumo coletivo e em outros aspectos sociais e espaciais do processo de consumo uma ênfase que foi vista como algo que confundia o papel mais fundamental da produção na urbanização capitalista5 Mas voltemos à principal contribuição de Castells para o que ele denominou de debate sobre a teoria do espaço Castells claramente apresentou o espaço como um produto material que emerge dialeticamente da interação entre a cultura e a natureza Assim o espaço não seria simplesmente um reflexo uma mera oportunidade à disposição da estrutura social mas a expressão concreta de uma combinação de instâncias um conjunto histórico de elementos e influências materiais em interação Sendo assim como compreender e interpretar esse espaço criado O caminho passava pelo que Castells descreveu como as leis estruturais e conjunturais que regem sua existência e sua transformação um sólido indício do estruturalismo althusseriano que dominava nessa época a abordagem de Castells a questão urbana O que pareceu separar Castells de Lefebvre foi a argumentação não qualificada do primeiro de que determinadas relações sociais davam forma função e importância à estrutura espacial e a todos os outros elementos da combinação Assim atribuiuse a uma estrutura as relações sociais de produção supostamente aespaciais que de algum modo incluíam os direitos de propriedade embora ignorassem sua dimensão espacialterritorial um papel determinante Mas foi justamente essa relação determinante que Lefebvre começou a restringir e a corrigir associando a formação de classes às relações tanto sociais quanto espaciais de produção e inserindo a problemática social numa divisão simultaneamente social e espacial do trabalho numa dimensão vertical e horizontal Ainda não existia nos anos setenta uma formulação rigorosa dessas relações espaciais de produção e dessas divisões espaciais do trabalho não decerto uma formulação que se equiparasse à profundidade e à persuasão das análises marxistas das relações sociais de produção e das divisões sociais do trabalho Mas não havia razão para rejeitar a formulação de uma dialética socioespacial com base no fato de um século de marxismo não ter sabido incorporar uma interpretação materialista da espacialidade equiparável a sua interpretação materialista da história As origens do descaso para com a espacialidade no marxismo ocidental Tornouse praxe entre os geógrafos marxistas e os sociólogos urbanos na década de 1970 afirmar que nas obras clássicas de Marx Engels e Lênin havia poderosas intuições geográficas e espaciais mas que essas ênfases e orientações tinham sido precariamente desenvolvidas pelas gerações subsequentes Assim muitos abordaram a tarefa da análise espacial marxista basicamente em termos de um levantamento e elaboração dessas observações clássicas no contexto do capitalismo contemporâneo A análise de David Harvey sobre a geografia da acumulação capitalista 1975 e o trabalho de Jim Blaut sobre o imperialismo e o nacionalismo 1975 constituem exemplos excelentes ao passo que alguns projetos mais amplos visando a extrair as implicações geográficas dos escritos de Marx foram instaurados sob a direção dos colaboradores de Antipode e dos membros da organização vinculada a essa publicação o Sindicato dos Geógrafos Socialistas Relativamente pequena entretanto foi a atenção dada à explicação do motivo pelo qual a análise espacial continuara tão precariamente desenvolvida durante tanto tempo De fato até recentemente o marxismo ocidental se assemelhou ao desenvolvimento da ciência social burguesa ao encarar a organização do espaço como um continente ou um reflexo externo um espelho da dinâmica social e da consciência social De um modo quase durkheimiano a espacialidade da vida social foi externalizada e neutralizada em termos de seu impacto nos processos sociais e históricos e vista como pouco mais do que um pano de fundo ou um palco Explicar essa submersão da análise espacial no marxismo continua a ser uma tarefa fundamental Entretanto é possível estabelecer algumas teses iniciais 1 A publicação tardia dos Grundrisse Os Grundrisse6 de Marx que só se disseminaram amplamente numa tradução muito depois da II Guerra Mundial provavelmente contêm uma análise geográfica mais explícita do que qualquer de seus textos Seus dois volumes foram inicialmente publicados em russo em 1939 e 1941 A primeira edição alemã foi publicada em 1953 e a primeira edição em inglês em 1973 Além disso como é hoje perfeitamente sabido Marx nunca concluiu seus projetos de volumes subsequentes do Capital abordando o comércio mundial e a expansão geográfica do capitalismo mas apenas forneceu indícios de seu possível conteúdo nos Grundrisse tardiamente publicados Na falta dessas fontes deuse muita ênfase à teorização dos volumes publicados do Capital basicamente aespacial e fechada num sistema Embora Marx nunca deixe de ilustrar suas teses com exemplos históricos e geográficos específicos os volumes I e II do Capital em particular continuam encerrados nos pressupostos simplificadores de uma economia nacional fechada de um capitalismo essencialmente desprovido de espaço e sistematicamente estruturado quase como se existisse na cabeça de um alfinete O volume III e os volumes adicionais propostos deveriam representar concretizações da teoria de Marx projeções exteriorizadas para uma análise histórica e geográfica dos mercados mundiais do colonialismo do comércio internacional do papel do Estado etc em síntese para uma análise do desenvolvimento desigual dos setores produtivos das regiões e das nações Através das contribuições de Bukharin Lênin Luxemburgo Trótski e outros a teoria do imperialismo e as conceituações associadas dos processos do desenvolvimento desigual tornaramse o principal contexto da análise geográfica dentro do marxismo ocidental Havia uma problemática espacial implícita nessas teorizações do imperialismo mas ela se apoiou primordialmente no simples reconhecimento de uma limitação física última à expansão geográfica do capitalismo Para a maioria dos grandes teorizadores esses limites geográficos do capital tinham pouca probabilidade de vir a ser atingidos porque a revolução social interviria muito antes de o mundo inteiro tornarse uniformemente capitalista Não obstante os processos de desenvolvimento geograficamente desigual foram reconhecidos e colocados na agenda teórica e política sendo revividos por uma nova geração de estudiosos marxistas liderados por figuras como Wallerstein Amin Emmanuel Palloix Hymer e especialmente Ernest Mandel Até que ponto essa nova geração foi influenciada pelas traduções dos Grundrisse no pósguerra é uma questão interessante mas que ainda permanece em aberto 2 As tradições antiespaciais no marxismo ocidental A incapacidade de desenvolver as ênfases espaciais inerentes às obras de Marx e a outros trabalhos posteriores sobre a expansão geográfica do capitalismo bem como às interpretações igualmente espaciais da antítese cidadecampo que aparecem de maneira tão vívida em The German Ideology A ideologia alemã e em outros pontos dos textos de Marx também pode ser ligada a uma profunda tradição de antiespacialismo Paradoxalmente talvez essa tradição de rejeitar as explicações geográficas da história originase no próprio Marx em sua resposta à dialética hegeliana Sob diversos aspectos Hegel e o hegelianismo promulgaram uma poderosa ontologia e fenomenologia espacialista que reificou e fetichizou o espaço sob a forma do Estado territorial locus e meio da razão aprimorada Como afirma Lefebvre em A produção do espaço 1974 2933 o tempo histórico para Hegel cristalizouse e se fixou dentro da racionalidade iminente do espaço como ideia de Estado Assim o tempo foi subordinado ao espaço passando a própria história a ser dirigida por um espírito territorial o Estado O antihegelianismo de Marx não se restringiu a uma crítica materialista do idealismo Foi também uma tentativa de restabelecer a historicidade a temporalidade revolucionária em sua primazia sobre o espírito da espacialidade Desse projeto brotaram uma sensibilidade e uma resistência vigorosas à afirmação do espaço numa posição de determinação histórica e social um antiespacialismo antihegeliano entremeado praticamente na totalidade dos textos de Marx A possibilidade de uma negação da negação de uma recombinação não priorizada da história com a geografia do tempo com o espaço foi enterrada sob as codificações subsequentes da teoria marxista do fetichismo Acolheuse uma dialética materialista histórica à medida que os seres humanos foram contextualizados na construção da história mas uma dialética espacial ainda que materialista com os seres humanos produzindo suas geografias e sendo cerceados pelo que produziram mostrouse inaceitável Essa forma de antiespacialismo talvez tenha encontrado sua mais rígida codificação na History and Class Consciousness História e consciência de classe de Lukács onde a consciência espacial é apresentada como a epítome da reificação como a falsa consciência manipulada pelo Estado e pelo capital para desviar a atenção da luta de classes Essa armadura antiespacial serviu perfeitamente para resistir aos muitos ataques ao marxismo e à classe trabalhadora baseados numa incontestável reificação espacial situandose a opção de Le Corbusier entre Arquitetura ou Revolução entre os mais inofensivos desses ataques enquanto o fascismo foi de longe o mais pernicioso mas também tendeu a associar todas as formas de análise espacial e de explicação geográfica com o fetichismo e a falsa consciência Essa tradição não apenas continua a interferir no desenvolvimento da análise espacial marxista como também foi parcialmente responsável pela confusão característica que cerca a formulação de uma teoria marxista suficientemente concretizada do Estado do nacionalismo e da política local Cabe também fazer menção ao caráter antiespacial do dogmatismo marxista tal como ele emergiu da II Internacional e se consolidou no stalinismo As questões espaciais entre muitos outros aspectos da teoria e da prática marxistas foram abordadas pela II Internacional e por seus líderes pelo prisma de um reducionismo econômico estéril O marxismo foi transformado num cientificismo positivista sob a orientação de Stalin enfatizando a crença no pensamento tecnocrático e na causalidade estritamente econômica das ligações entre a base e a superestrutura A cultura a política a consciência a ideologia e juntamente com elas a produção do espaço foram reduzidas a simples reflexos da base econômica A espacialidade foi absorvida no economicismo à medida que se rompeu sua relação dialética com outros elementos da existência material 3 A mudança nas condições da exploração capitalista O descaso inicial e o recente ressurgimento do interesse pela problemática espacial no marxismo podem constituir afinal antes de mais nada um reflexo da mudança nas condições materiais Lefebvre argumentou em O pensamento marxista e a cidade 1972 que durante o século XIX e o início do século XX a problemática espacial foi simplesmente menos importante do que é hoje no tocante à exploração da mão de obra e à reprodução dos meios de produção essenciais Nas condições de um capitalismo industrial competitivo as máquinas as mercadorias e a força de trabalho eram reproduzidas de acordo com uma legislação social específica contratos de trabalho legislação civil acordos tecnológicos e com um aparelho estatal opressor polícia militares administração colonial A produção do espaço era acomodatícia conformista e diretamente moldada pelo poder do mercado e pelo poder estatal A estrutura espacial da cidade capitalista industrial por exemplo repetiase interminavelmente em sua concentricidade funcional e em setores segregados das classes sociais A exploração e a reprodução social foram primordialmente inseridas numa matriz temporal manipulável O índice de exploração a proporção de Marx entre a maisvalia e o capital variável constitui afinal uma expressão derivada da teoria trabalhista do valor e de sua mensuração fundamental do tempo de trabalho socialmente necessário Tal como as fórmulas da composição orgânica do capital e da taxa de lucro sua derivação pressupõe uma visão sistêmica fechada das relações de produção capitalistas desprovidas de diferenciação e desigualdade espaciais significativas Além disso dada a urbanização maciça associada à expansão da industrialização a reprodução da mão de obra mostrouse uma questão muito menos crucial do que o processo de exploração direta através de um sistema de salários de subsistência e da dominação do capital sobre o trabalho no local de produção Na extração da maisvalia absoluta a organização social do tempo afigurouse mais importante do que a organização social do espaço No capitalismo contemporâneo deixando de lado por ora a questão da transição e da reestruturação suas causas seu momento etc as condições subjacentes à continuação da sobrevivência do capitalismo se modificaram A exploração do tempo de trabalho continua a ser a fonte primordial da maisvalia absoluta mas dentro dos limites crescentes que decorrem da redução na duração do dia de trabalho dos níveis mínimos de salário e dos acordos salariais e de outras conquistas da organização da classe trabalhadora e dos movimentos sociais urbanos O capitalismo foi forçado a deslocar uma ênfase cada vez maior para a extração da maisvalia relativa através das mudanças tecnológicas das modificações na composição orgânica do capital do papel cada vez mais invasivo do Estado e das transferências líquidas do excedente associadas à penetração do capital em esferas não inteiramente capitalistas da produção internamente através da intensificação e externamente através do desenvolvimento desigual e da extensificação geográfica para regiões menos industrializadas do mundo inteiro Isso exigiu a construção de sistemas totais a fim de garantir e regular a serena reprodução das relações sociais de produção Nesse processo a produção do espaço desempenha um papel crucial Foi essa troca de importância entre a temporalidade e a espacialidade do capitalismo que instigou Lefebvre a afirmar que a industrialização antes produtora do urbanismo é agora produzida por ele A DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA ESPACIAL O desenvolvimento da análise espacial marxista sistemática coincidiu em sua maior parte com a intensificação das contradições sociais e espaciais nos países centrais e periféricos em virtude da crise geral do capitalismo iniciada na década de 1960 Contudo muito antes desse período houve diversos precursores importantes dentro da tradição marxista ocidental que não devem passar despercebidos Geralmente as teorias do imperialismo são vistas como a principal fonte do pensamento espacial no marxismo ocidental Houve porém vários outros progenitores significativos Por exemplo na Rússia entre 1917 e 1925 um movimento de vanguarda de urbanistas geógrafos e arquitetos trabalhou pela conquista de uma nova organização espacial socialista que correspondesse a outros movimentos revolucionários da sociedade soviética ver Kopp 1971 Não se presumiu que a transformação espacial fosse um subproduto automático da mudança social revolucionária Ela também implicava uma luta e a formação de uma consciência coletiva Sem esse esforço a Outra contribuição importante mas amiúde negligenciada para o desenvolvimento da análise espacial marxista encontrase na obra de Antonio Gramsci Em parte a obra de Gramsci está relacionada com análises das relações entre problemas urbanos e regionais da Europa durante os anos vinte e nos estágios iniciais da Grande Depressão No entanto uma das mais rigorosas e sistemáticas análises marxistas jamais escritas da economia política do desenvolvimento regional e internacional por sua conceituação da vida cotidiana no mundo moderno e passando pela urbanização e pelo urbanismo revolucionários até chegar a sua tese principal sobre a produção social do espaço Essa tese é claramente condensada em La Survie du Capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1976a 21 o único dos textos explicitamente espacializados de Lefebvre traduzido para o inglês O capitalismo descobriuse capaz de atenuar se não resolver suas contradições internas durante um século e consequentemente nos cem anos decorridos desde a redação do Capital logrou alcançar um crescimento Não podemos calcular a que preço mas realmente sabemos por qual meio ocupando o espaço produzindo um espaço Lefebvre vincula diretamente esse espaço capitalista tardio à reprodução das relações sociais de produção isto é aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue ampliar sua existência através da manutenção de suas estruturas definitórias Ele define três níveis de reprodução e afirma que a capacidade de o capital intervir diretamente e afetar todos esses três níveis desenvolveuse ao longo do tempo com o desenvolvimento das forças produtivas Primeiro existe a reprodução biofisiológica essencialmente dentro do contexto da família e das relações de parentesco em segundo lugar existe a reprodução da força de trabalho a classe trabalhadora e dos meios de produção e em terceiro existe a reprodução ainda mais ampla das relações sociais de produção No capitalismo tardio a organização do espaço passa a se relacionar predominantemente com a reprodução do sistema dominante de relações sociais Ao mesmo tempo a reprodução dessas relações sociais dominantes tornase a base primordial da sobrevivência do próprio capitalismo Lefebvre baseia sua tese na afirmação de que o espaço socialmente produzido essencialmente o espaço urbanizado do capitalismo tardio mesmo no campo é onde se reproduzem as relações dominantes de produção Elas são reproduzidas numa espacialidade concretizada e criada que tem sido progressivamente ocupada por um capitalismo que avança fragmentada em pedaços homogeneizada em mercadorias distintas organizada em posições de controle e ampliada para a escala global A sobrevivência do capitalismo tem dependido dessa produção e ocupação distintas de um espaço fragmentado homogeneizado e hierarquicamente estruturado obtido sobretudo através do consumo coletivo burocraticamente controlado isto é controlado pelo Estado da diferenciação entre os centros e as periferias em escalas múltiplas e da penetração do poder estatal na vida cotidiana A crise final do capitalismo só poderá surgir quando as relações de produção não mais puderem ser reproduzidas e não simplesmente quando a produção em si for paralisada a estratégia permanente do ouvrièrisme Assim a luta de classes sim ela ainda continua a ser uma luta de classes precisa abarcar e se concentrar no ponto vulnerável a produção do espaço a estrutura territorial de exploração e dominação a reprodução espacialmente controlada do sistema como um todo E precisa incluir todos os que são explorados dominados e periferalizados pela organização espacial impositiva do capitalismo tardio os camponeses sem terra a pequena burguesia proletarizada as mulheres os estudantes as minorias raciais e também a própria classe trabalhadora Nos países capitalistas tardios afirma Lefebvre a luta assumirá a forma de uma revolução urbana combatendo pelo droit à la ville direito à cidade e pelo controle da vie quotidienne dentro da estrutura territorial do Estado capitalista Nos países menos industrializados ela também se concentrará na liberação e na reconstrução territoriais na assunção do controle da produção do espaço e de seu sistema polarizado de centros dominantes e periferias dependentes dentro da estrutura global do capitalismo Com essa cadeia de argumentos Lefebvre define uma ampla problemática espacial do capitalismo e a eleva a uma posição central dentro da luta de classes inserindo as relações de classe nas contradições configuradoras do espaço socialmente organizado Ele não afirma que a problemática espacial sempre tenha tido essa centralidade Tampouco apresenta a luta pelo espaço como um substituto ou uma alternativa da luta de classes Em vez disso afirma que nenhuma revolução social pode ter êxito sem ser ao mesmo tempo uma revolução conscientemente espacial Exatamente da mesma maneira que outras abstrações concretas como a forma mercadoria foram analisadas na tradição marxista para mostrar como contêm em seu bojo mistificadas e fetichizadas as verdadeiras relações sociais do capitalismo também devemos agora abordar a análise do espaço A desmistificação da espacialidade revelará as potencialidades de uma consciência espacial revolucionária os fundamentos materiais e teóricos de uma praxis espacial radical voltada para a expropriação do controle da produção do espaço A afirmação de Berger retorna mais uma vez a profecia implica agora uma projeção mais geográfica do que histórica é o espaço e não o tempo que esconde de nós as consequências 1 Típico desse impulso de proteger a eterna primazia do social não espacial foi o comentário de Richard Walker sobre minha exposição inicial da dialética socioespacial num artigo sobre o Marxismo tópico apresentado na Assembleia Anual da Associação de Geógrafos Norteamericanos em Nova Orleans em 1978 Walker num interessante artigo sobre o desenvolvimento desigual no capitalismo tardio 1978 afirmou que a análise dialética já incorpora as relações espaciais do modo de produção mas que as relações sociais como relações de valor continuam a ter a primazia As relações de valor entretanto são definidas como abstratas e aespaciais mas apesar disso sociais Essa descrição foi algo que o próprio Walker qualificou de não dialética e conveniente e estou de acordo É justamente essa suspensão conveniente do raciocínio dialético que permite que as relações espaciais sejam incorporadas mas imediatamente e não dialeticamente ou acriticamente se vocês preferirem subordinadas a uma noção desespacializada do social aparentemente como um universal estrutural rígido que se evidencia em todos os momentos históricos do desenvolvimento do capitalismo 2 Uma das poucas tentativas de explicar por que a análise espacial historicamente foi tão pouco desenvolvida no marxismo pode ser encontrada em La Pensée Marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade de Lefebvre 1972 3 O predomínio de uma visão fisicalista do espaço permeou a tal ponto a análise da espacialidade humana que tende a distorcer nosso vocabulário Assim enquanto adjetivos como social político econômico e até histórico costumam sugerir salvo especificação em contrário um vínculo com a ação e a motivação humanas o termo espacial evoca tipicamente uma imagem física ou geométrica algo externo ao contexto social e à ação social uma parte do meio ambiente parte do cenário da sociedade seu continente ingenuamente dado e não uma estrutura formadora criada pela sociedade Na verdade não temos em inglês uma expressão amplamente usada e aceita para transmitir a qualidade intrinsecamente social do espaço organizado sobretudo uma vez que as expressões espaço social e geografia humana se tornaram muito obscuras com sentidos múltiplos e amiúde incompatíveis Por essas e outras razões optei por usar o termo espacialidade para especificar esse espaço socialmente produzido 4 Essa observação com o acréscimo do grifo provém da tradução de Harvey 1973 de um trecho de La Révolution urbaine A revolução urbana 1970 25 Nesse ponto do desenvolvimento de suas ideias sobre a produção do espaço Lefebvre se havia agarrado ao urbanismo como uma conceituação sumária da espacialidade capitalista Infelizmente essa metáfora explicitamente urbana impediu os leitores de verem a ênfase espacial muito mais generalizada que estava por trás de sua tese em desenvolvimento e provocou reações ao que foi percebido como uma reificação do urbano Castells cristalizaria essa visão ao descrever a conceituação lefebvreana da revolução urbana como a versão esquerdista da ideologia urbana promulgada pelos teóricos burgueses da Escola de Chicago de ecologia urbana que ele considerava uma superespecificação igualmente mistificadora do urbano como objeto teórico 5 Curiosamente uma reação muito semelhante vinhase desenvolvendo aproximadamente na mesma época contra Wallerstein e outros que tentavam conferir uma dimensão espacial explícita à divisão internacional do trabalho e ao desenvolvimento desigual da economia capitalista mundial Também eles foram atacados por sua ênfase exagerada no consumo e no comércio versus a produção por seu retorno não reconhecido às mistificações burguesas de classe via Adam Smith e não Max Weber e por suas espacializações inadequadas da história e do desenvolvimento capitalista ou seja sua ênfase excessiva em forças externas às relações sociais de produção evolutivas in situ através da estrutura centroperiferia e das operações em escala global de acumulação capitalista Examinarei esse debate crítico no capítulo seguinte 6 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie NT 4 DEBATES URBANOS E REGIONAIS A PRIMEIRA RODADA Todo o sistema capitalista aparece como uma estrutura hierárquica com diferentes níveis de produtividade como o resultado do desenvolvimento desigual e conjunto de Estados regiões ramos industriais e empresariais desencadeado pela busca do lucro excedente Assim mesmo no caso ideal de um começo homogêneo o crescimento econômico capitalista a reprodução e a acumulação ampliadas do capital ainda são sinônimos da justaposição e da combinação constante de desenvolvimento e subdesenvolvimento Mandel 1975 102 e 85 A PROBLEMÁTICA ESPACIAL URBANA A análise espacial marxista em escala urbana evoluiu ao longo da década de 1970 juntamente com um desenvolvimento mais amplo que combinou diversas ênfases disciplinares econômica sociológica e geográfica num foco comum sobre a economia política da urbanização Subjacente a esse desenvolvimento integrador houve um conjunto de pressupostos sobre a natureza mutável do processo de urbanização no capitalismo avançado A crescente importância do capital monopolista sua expansão em escala global e sua dependência cada vez maior da administração e planejamento estatais foram interpretadas como havendo introduzido novas condições históricas e espaciais nas formações sociais capitalistas contemporâneas e portanto na política da luta de classes Entre outros efeitos essas novas condições exigiram uma abordagem da cidade e do processo de urbanização diferente da que havia caracterizado o tratamento dos problemas urbanos no capitalismo competitivo da época de Marx O processo de urbanização tornouse um hieróglifo social revelador através do qual era possível desvendar a dinâmica do desenvolvimento capitalista do pósguerra bem como desenvolver a estratégia de uma resposta política apropriada a uma economia mundial cada vez mais urbanizada A cidade passou a ser vista não apenas em seu papel distintivo de centro de produção e acumulação industrial mas também como o ponto de controle da reprodução da sociedade capitalista em termos da força de trabalho da troca e dos padrões de consumo O planejamento urbano foi criticamente examinado como um instrumento do Estado que atendia às classes dominantes através da organização e reorganização do espaço urbano em benefício da acumulação de capital e da administração da crise Deuse grande atenção não somente às contradições no local de trabalho o ponto de produção mas também ao conflito de classes em torno da habitação e do meio ambiente construído à prestação e à localização dos serviços públicos pelo Estado ao desenvolvimento econômico das comunidades e dos bairros às atividades das organizações financeiras e a outras questões que giravam em torno do modo como o espaço urbano era socialmente organizado para o consumo e a reprodução Assim uma problemática espacial especificamente urbana incorporada na dinâmica dos movimentos sociais urbanos foi colocada na agenda das considerações teóricas e da ação social radical Os marxistas mais ortodoxos discerniram um revisionismo perturbador e potencialmente destrutivo especialmente com respeito à primazia tradicional das questões da produção Sob muitos aspectos essa foi uma reação compreensível Os esforços de separar o consumo da produção e de lhe atribuir uma força autônoma significativa na sociedade e na história de definir a classe por exemplo primordialmente com base nas características de consumo tipificaram a ciência social burguesa ou liberal e sua reação ao materialismo histórico A presença de uma forte corrente neoweberiana na nova economia política urbana deixou os marxistas ainda mais inquietos com sua intenção e seu foco Além disso a ênfase depositada na análise espacial desencadeou temores de um recrudescimento do determinismo geográfico Na medida em que de fato a nova economia política urbana ocasionalmente caía numa tangente consumista e desvinculava as relações espaciais de sua origem nas relações de produção ela mereceu essa resposta crítica vigorosa Predominantemente porém a ênfase crescente na distribuição na troca e no consumo coletivo representou menos uma negação do papel central da produção do que um apelo para que se desse maior atenção a alguns processos historicamente negligenciados na análise marxista Na atualidade argumentouse tais processos haviamse tornado mais pertinentes à análise das classes e ao conflito de classes e mereciam um exame mais direto e intensivo Nesse sentido a análise urbana marxista situouse solidamente dentro da tradição crítica do marxismo ocidental que evoluíra ao longo do século XX em oposição ao economicismo formalista e infraestrutural ver Anderson 1976 Além disso podiase argumentar e se argumentou que o próprio Marx via a produção e o consumo como momentos dialeticamente relacionados do mesmo processo cada qual exigindo necessariamente o outro A maisvalia proveniente da aplicação do trabalho humano à produção de bens era a substância essencial da acumulação capitalista Mas essa maisvalia permanecia como um potencial abstrato a menos e até que fosse realizada através do nexo da troca e portanto através do processo de consumo Romper essa cadeia vinculada e alçar um momento intemporalmente acima dos outros seria supersimplificar a conceituação desse processo por Marx descrita de maneira sumamente explícita nos Grundrisse 1973 90 94 Mas enquanto a ênfase no consumo e na reprodução foi efetivamente legitimada muito menos exitosa foi a tentativa de defender a perspectiva espacial integradora que havia entrado na análise urbana marxista Como descrevemos no capítulo anterior o velho medo de fetichizar o espaço prejudicou os esforços de introduzir a espacialidade de maneira mais central no contexto mais amplo do materialismo dialético e histórico e nos debates históricos sobre o desenvolvimento e a sobrevivência do capitalismo Como resultado a análise espacial marxista prosperou mas primordialmente como um adendo uma ênfase metodológica ao que se converteu no foco dominante da economia política urbana a busca de uma teoria marxista do Estado capitalista tardio Apenas a obra de Lefebvre penetrou na confusão e na ambivalência de modo a projetar sem concessões uma problemática espacial urbana imperativa no cerne do marxismo contemporâneo A chave da afirmação lefebvreana consistiu em seu reconhecimento de uma profunda transformação evolutiva ligada à sobrevivência do capitalismo no século XX É a isso que ele se refere ao afirmar que estamos num período em que a problemática urbana tornouse mais decisiva em termos políticos do que as questões da industrialização e do crescimento econômico Em contraste com uma época anterior em que a industrialização produzia o urbanismo estamos agora diante de uma situação em que a industrialização e o crescimento econômico bases da acumulação capitalista são primordialmente moldados pela e através da produção social do espaço urbanizado planejada e orquestrada com crescente poder pelo Estado e que se expande rumo a um abarcamento cada vez maior da população e dos recursos mundiais Os movimentos sociais urbanos que receberam tamanha atenção contemporânea radicaramse essencialmente na resposta política dos que são subordinados marginalizados e explorados pelas particularidades desse processo de planejamento espacial cada vez mais global Uma vez compreendida e aceita essa assertiva tornase possível esclarecer o significado e a intenção de diversos argumentos mais específicos expostos por Lefebvre Tomemos por exemplo seus comentários sobre a relação histórica entre os circuitos primário industrial e secundário financeiro da circulação da maisvalia tal como traduzidos por David Harvey em A justiça social e a cidade 1973 n rodapé 1 312 Enquanto declina a proporção da maisvalia global formada e realizada na indústria a proporção realizada na especulação e na construção e bens imobiliários cresce O circuito secundário passa a superar o circuito principal O circuito secundário está profundamente implicado na manipulação do meioambiente construído na extração da renda urbana no estabelecimento dos valores da terra e na organização do espaço urbano para consumo coletivo facilitados na totalidade dos casos pelo Estado local e nacional Lefebvre não afirma que a maisvalia seja criada nesse circuito secundário mas apenas que a proporção ali realizada se ampliou maciçamente refletindo a crescente necessidade de intervenção direta na produção do espaço urbano Esses argumentos sugerem que a proporção da maisvalia absorvida na reprodução da força de trabalho e das relações sociais de produção numa sociedade capitalista cada vez mais urbanizada cada vez mais monopolista e cada vez mais global tornouse maior do que em qualquer época anterior maior até talvez do que a diretamente realizada e reinvestida a partir da produção industrial da exploração da mão de obra pelo capital no local de trabalho Isso não significa necessariamente que o volume absoluto da maisvalia produzida na indústria tenha declinado embora o desvio do capital para atividades não produtivas seja um problema estrutural significativo no que Lefebvre descreveu como système étatique sistema estatal e que outros denominaram de capitalismo monopolista de Estado O que se argumenta ao invés é que a crescente maisvalia obtida através da centralização e da acumulação do capital em escala global aumentou desproporcionalmente os custos da reprodução da mão de obra e da manutenção das relações sociais capitalistas O planejamento espacial da acumulação e crescimento capitalistas a capacidade de o capital atenuar senão resolver suas contradições internas no século passado ocupando o espaço produzindo um espaço não foi um passeio gratuito A espacialização é dispendiosa Levando a argumentação um passo adiante Lefebvre e outros como Castells desviaram a atenção para o terreno urbano do consumo coletivo como local fundamental para a realização do valor e para uma luta de classes cada vez mais espacializada Uma descrição particularmente clara da mudança histórica das relações de classe associada à ascensão do capitalismo monopolista administrado pelo Estado foi apresentada por Shoukry Roweis um planejador urbano cuja base é a Universidade de Toronto Verificamos uma mudança pronunciada no locus dos conflitos de classe acompanhando a mudança do capitalismo primitivo para o tardio Os principais problemas do capitalismo primitivo eram problemas de produção isto é problemas de oferta global insuficiente e portanto relativa escassez Nessas condições os conflitos de classe diziam respeito à divisão da produção excedente Em termos concretos os conflitos eram estritamente de trabalhocapital centrados no local de trabalho e concentrados nas disputas entre salárioslucro No capitalismo de hoje isso já não é estritamente aplicável Os problemas de produção cederam lugar aos problemas de superprodução O que o trabalho tira com uma das mãos na luta no local de trabalho ele dá com a outra no local de moradia urbano Com a intervenção estatal intensificada e ampliada as lutas pelos salários perdem sua importância e a luta pelo poder políticoadministrativo começa a se impor como uma luta crucial mas ainda não travada Ao mesmo tempo com a urbanização sempre crescente da população a maioria dessas lutas adquire um visível caráter urbano A luta em suma deslocouse da esfera da produção de bens e serviços para a esfera da reprodução isto é da manutenção de padrões de vida urbana estáveis senão aprimorados Roweis 1975 3102 grifo no original O capitalismo industrial competitivo conseguiu ampliarse e se transformar através de uma série de mudanças estruturais mas o fez sem eliminar suas contradições fundamentais Em vez disso elas passaram a se expressar não apenas no confronto direto entre o capital e o trabalho no ponto de produção mas também e com igual intensidade no âmbito do consumo coletivo e da reprodução social Enquanto no capitalismo competitivo Engels pôde afirmar que a militância da classe trabalhadora calcada no consumo tal como no conflito em torno da questão habitacional podia ser resolvida pela burguesia em benefício próprio quer barganhando a melhoria das condições habitacionais e da redução dos aluguéis em vez do aumento dos salários quer pelo simples deslocamento das condições habitacionais precárias para outro local em vez de sua eliminação a tática do deslocamento espacial esse conflito baseado no consumo já não pode ser cooptado com a mesma facilidade Mais do que no passado a realização da maisvalia e portanto a acumulação do próprio capital tornouse tão dependente do controle dos meios de consumoreprodução quanto do controle dos meios de produção ainda que esse controle permaneça em última instância nas mesmas mãos Assim podese afirmar que a transformação potencial do capitalismo passou a girar cada vez mais em torno de uma luta simultaneamente social e espacial de um conflito conjunto baseado nos salários e no consumo de uma organização e uma conscientização da mão de obra tanto na condição de trabalhadores quanto na de consumidores em outras palavras uma luta decorrente das estruturas de exploração inerentes às divisões verticais e horizontais de classe da sociedade numa dialética socioespacial Assim a resistência e a luta no contexto contemporâneo implicam a articulação das praxis social e espacial A priorização categórica do primeiro termo de cada uma dessas combinações em detrimento do segundo já não pode ser aceita Para ilustrar mais especificamente os argumentos anteriores e exemplificar mais uma vez a tipologia tripartite das abordagens da análise espacial marxista que prevaleceram durante a década de 1970 examinemos a controvérsia surgida em torno do papel do capital financeiro na cidade capitalista monopolista Michael Harloe um eminente sociólogo urbano marxista e durante muitos anos editor do International Journal of Urban and Regional Research1 definiu um dos lados do debate Em geral a ênfase de Harvey no papel do capital financeiro nas cidades em vez do capital produtivo tem sido criticada Ele não chega a ir tão longe quanto Lefebvre que considera que o capital financeiro isto é o capital implicado na circulação e não na produção vemse tornando a força dominante da sociedade e que os conflitos urbanos baseados no papel desse capital na especulação com a propriedade e na terra suplantam o conflito no local de trabalho teoria vivamente criticada por Castells Entretanto Harvey claramente encara isso como uma possibilidade embora seus críticos sugiram que o capital financeiro tem que permanecer secundário ao capital produtivo uma vez que afinal tem que abstrair sua riqueza da maisvalia e desse modo em última análise está subordinado ao segundo Harloe 1976 25 Essa compulsão de afirmar a dominante última grande maldição da lógica categórica versus a lógica dialética foi epitomada em toda a sua simplicidade estruturalista na conclusão de Harloe de que embora o capital financeiro possa aparentemente estar no controle o papel dominante ainda cabe ao capital produtivo Por implicação portanto Lefebvre seria um desviante irreconciliável que esqueceu o catecismo de Marx e Harvey seria inaceitavelmente ambivalente e confuso enquanto a produção continua a reinar suprema e inviolável A grande questão porém não é saber se o capital financeiro domina o capital industrial em última instância mas de que modo ele se relaciona como uma parcela do capital com outras parcelas do capital dentro de formações sociais específicas e de que modo isso afeta a ação das classes A questão portanto é conjuntural referente ao conjunto das relações de classe que emergem em determinados lugares durante determinados períodos de tempo Reduzir a análise marxista à afirmação das determinações estruturais últimas é eliminar toda a especificidade histórica e geográfica e portanto eliminar a própria cidade como objeto de análise2 Como deveríamos nesse caso avaliar o capital financeiro Embora Lefebvre tenha frisado claramente seu papel na realização da maisvalia ele não aquilatou de maneira inambígua suas relações com outras formas de capital deixando em aberto a velha questão de saber se o capital financeiro e o capital industrial estão em permanente conflito ou se como argumentou Lênin em sua teoria do imperialismo eles praticamente coalescem Em contraste David Harvey pareceu haver aceitado as duas posições sem levar em conta sua aparente incompatibilidade Em alguns momentos ele encarou o capital financeiro como uma parcela isolada um setor monopolista parasita que sugava verbas que de outro modo estariam disponíveis para a habitação e para os serviços sociais básicos e em conflito direto com o capital industrial do qual consegue extrair parte do excedente sob a forma de aluguel e juros Noutros momentos Harvey tratou o capital financeiro quase no sentido leninista como algo mesclado ao capital industrial numa união imperialista monopolista controlando num regime cooperativo a totalidade do processo de produção Num interessante artigo sobre a teoria da renda e a estratégia da classe trabalhadora temas diretamente vinculados ao debate sobre o capital financeiro Matthew Edel comentou a aparente duplicidade de Harvey Essas duas visões do capital financeiro não são realmente compatíveis e levam a implicações estratégicas diferentes para a classe trabalhadora Caso a primeira definição se sustentasse e os monopólios financeiros ou a discriminação financeira estivessem tornando escassas as finanças habitacionais quer para os trabalhadores em geral quer para subgrupos específicos colocados em guetos faria sentido uma estratégia antimonopolista implicando leis excludentes bancos estatais de habitação ou até a moratória dos pagamentos de hipotecas Caso entretanto se aplicasse a segunda definição e um grupo financeiro integrado controlasse a habitação e o emprego a redução dos custos habitacionais poderia ser compensada pela redução dos salários A relativa indiferença do capital financeiro quanto a determinar se a acumulação ocorre através da manutenção dos salários em níveis baixos no processo imediato de produção ou da manipulação no setor de consumo caso emergisse como Harvey sugere criaria a necessidade de a classe trabalhadora se organizar simultaneamente na condição de assalariados e de consumidores a fim de obter algum ganho econômico no capitalismo Mas essas vitórias seriam difíceis já que os erros táticos pela vertente da luta do consumo afetariam adversamente a luta salarial e viceversa Edel 1977 12 Edel conclui entretanto que a natureza da relação entre o capital financeiro e o capital industrial deve ser vista como historicamente determinada e assim claramente sujeita à mudança Nas fases iniciais de estagnação dos anos setenta as barreiras financeiras tiveram grande efeito Foram predominantemente responsáveis pela transformação dos centros metropolitanos através da renovação urbana e da redução da oferta de habitações de baixa renda em espetaculares novos centros de instituições de capital financeiro Contudo o aprofundamento da crise econômica tornou a deslocar o ônus para a redução dos salários reais assim estabelecendo a necessidade de uma luta em duas frentes nas relações de consumo e de produção simultaneamente Desse modo afirmou Edel o ataque contra apenas um setor do capital fosse o dos banqueiros ou o dos senhorios deixou de ser suficiente Mas essa afirmação precisa ser mais elaborada O capital financeiro improdutivo tornouse um elemento importante da estrutura do capitalismo contemporâneo mas não por haver suplantado o capital industrial na realização da maisvalia Ele retira sua importância da crescente absorção da maisvalia no consumo coletivo na reprodução da força de trabalho e da ordem social e na produção social contínua do espaço urbanizado No capitalismo industrial competitivo a organização do espaço urbano para a produção e o consumo podia ficar predominantemente entregue às forças de mercado às leis da propriedade privada e à concorrência normal entre os produtores industriais pelo acesso à mão de obra pelos materiais e pela infraestrutura A cidade capitalista industrial era primordialmente uma máquina de produção e como tal assumia uma estrutura espacial singularmente uniforme a estrutura tão argutamente retratada por Engels com respeito a Manchester e mais tarde pelos ecologistas urbanos no tocante a Chicago e outras cidades norteamericanas Nessas circunstâncias o capital financeiro tinha uma importância relativamente pequena como agente direto no contexto urbano local Seu papel preponderante na espacialização capitalista foi mais global moldando a expansão imperialista na virada do último século quando as máquinas de produção urbanas superaram sua capacidade de consumir sua produção e desencadearam níveis decrescentes de lucro e um crescente conflito de classes A reprodução ampliada em escala global e o crescimento concomitante do capitalismo monopolista entretanto intensificaram maciçamente a concentração de capital nos centros dos países industriais avançados e criaram pressões crescentes em prol de investimentos infraestruturais melhoria da habitação e serviços e métodos revigorados de controle social Mais do que nunca houve necessidade de intervir para reorganizar o espaço urbano e fazer os sistemas urbanos funcionarem mais eficazmente com vistas à acumulação de capital e à gestão da inquietação social Isso introduziu mais diretamente o capital financeiro no planejamento do espaço urbano O que se iniciara na primeira parte do século foi acelerado em resposta à Grande Depressão e à II Guerra Mundial depois que se tornou claro que a expansão imperialista e o monopólio empresarial não eliminariam sozinhos o conflito de classes e a crise econômica Como resultado de outra rodada de reestruturação o capital financeiro tornouse ainda mais significativo na moldagem do espaço urbano em conjunção não apenas com o capital industrial mas também cada vez mais com o outro agente de regulação e de reestruturação espacial o Estado Essa coalizão entre o capital e o Estado funcionou eficazmente replanejando a cidade como uma máquina de consumo transformando o luxo em necessidades à medida que a suburbanização maciça ampliou os mercados de bens de consumo duráveis O crescimento dessa fronteira de grama das casas suburbanas também intensificou a segregação residencial a fragmentação social e a segmentação ocupacional da classe trabalhadora Tornouse cada vez mais claro para os analistas urbanos marxistas dos anos setenta no entanto que essa reestruturação urbana induzida pela depressão depois de desempenhar um papel significativo na manutenção do surto de crescimento econômico do pósguerrra estava começando por sua vez a gerar novas formas de contradição crise e lutas sociais Castells 1976 captou vivamente a nova problemática espacial urbana que se estava desenvolvendo em sua descrição da ville sauvage a cidade selvagem mas a interpretação teórica mais convincente da década que reverberaria pelos anos oitenta afora veio de David Harvey como parte de sua análise ultraformalizada mas incisiva de The Urban Process Under Capitalism O processo urbano no capitalismo Depois de seguir o fluxo do capital por três circuitos entrelaçados de investimento na construção do espaço Harvey ofereceu uma conclusão sumamente provocante O capital se representa sob a forma de uma paisagem física criada à sua própria imagem criada como valores de uso favorecedores da acumulação progressiva do capital A paisagem geográfica daí resultante é a glória que coroa o desenvolvimento capitalista precedente Mas ao mesmo tempo ela expressa o poder da mão de obra morta sobre a mão de obra viva e como tal aprisiona e inibe o processo de acumulação dentro de um conjunto de restrições físicas específicas O desenvolvimento capitalista portanto tem que negociar um caminho muito estreito entre a preservação dos valores de troca dos investimentos de capital do passado no meio ambiente construído e a destruição do valor desses investimentos a fim de abrir um novo espaço para a acumulação No capitalismo portanto há uma luta perpétua em que o capital constrói uma paisagem física apropriada à sua própria condição em determinado momento do tempo simplesmente para ter que destruíla geralmente durante situações de crise num momento posterior do tempo O fluxo e refluxo temporal e geográfico do investimento no meio ambiente construído só pode ser entendido em termos desse processo Harvey 1978 124 Aqui a cidade o meio ambiente urbano construído é inserida na paisagem geográfica irrequieta do capital e especificada como parte de uma espacialização societária complexa e cheia de contradições que ao mesmo tempo favorece e inibe fornece um novo espaço e aprisiona oferece soluções mas logo acena para ser destruída A história do capitalismo da urbanização e da industrialização da crise e da reestruturação da acumulação e da luta de classes tornase necessária e centralmente uma geografia histórica localizada Esse lampejo de discernimento assinalou o fim da ambivalência de Harvey e a inauguração de uma nova fase na análise urbana marxista que será examinada no capítulo 7 A PROBLEMÁTICA ESPACIAL REGIONAL E INTERNACIONAL A análise urbana marxista e as interpretações marxistas do desenvolvimento regional e internacional raramente se superpuseram durante os anos setenta Embora uma nova economia política regional parecesse estarse configurando ao lado da já bemestabelecida economia política urbana houve um compartilhar de ideias relativamente pequeno3 Em vez de se basear nos debates e argumentos urbanos a análise regional recorreu primordialmente às teorias neomarxistas do desenvolvimento e do subdesenvolvimento internacionais que desde a década de 1960 haviam começado a incorporar uma perspectiva espacial questionadora se bem que um tanto fortuitamente descoberta Inexoravelmente seu trabalho também atraiu as conhecidas acusações de fetichização espacial e de submersão da análise das classes Um dos ataques mais veementes veio de uma economista Ann Markusen que na época estava apenas iniciando seu trabalho na economia política regional Markusen criticou especialmente os cientistas sociais marxistas mais jovens que imitam inadvertidamente a tendência da ciência social burguesa para atribuir características aos lugares e às coisas em vez de se ater à dinâmica de um processo como foco analítico 1978 40 A dinâmica do processo era essencialmente histórica e política afirmou ela e não geográfica As geografias as desigualdades regionais e os regionalismos vinham depois como efeitos da história e da política como produtos do desenvolvimento historicamente e não geograficamente desigual Os fantasmas do historicismo do século XIX haviam falado novamente através de mais um de seus fiéis descendentes Quase ninguém portanto pareceu notar a tese que se vinha desenvolvendo desde o início dos anos sessenta na obra de Ernest Mandel um dos mais destacados economistas políticos marxistas do século XX Ele publicou em 1963 aquilo a que hoje nos podemos referir como o primeiro grande estudo empírico da economia política regional prenunciadoramente intitulado de A dialética da classe e da região na Bélgica4 Mais tarde em sua influente Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista 1968 ele observou que o desenvolvimento regional desigual era habitualmente subestimado nos textos econômicos marxistas mas constituía uma das chaves essenciais para a compreensão da reprodução ampliada vol 1 373 Mandel levaria seu argumento ainda mais longe em obras posteriores afirmando como vimos em sua declaração sumamente enfática Mandel 1976 que o desenvolvimento desigual das regiões e das nações era tão fundamental para o capitalismo quanto a exploração direta do trabalho pelo capital Os textos de Immanuel Wallerstein sobre o sistema mundial capitalista e sua estrutura característica de centros periferias e semiperiferias de André Gunder Frank e da escola estruturalista latinoamericana sobre as relações metrópole satélite o subdesenvolvimento e a dependência de Samir Amin sobre a acumulação de capital em escala global e as propriedades singulares do capitalismo central e periférico e de Arghiri Emmanuel sobre as trocas desiguais e a transferência de valor todos complementaram e ampliaram implicitamente os argumentos de Mandel mas raras foram as vezes em que examinaram diretamente as espacializações vigorosas da teoria marxista e da história concreta do desenvolvimento capitalista sugeridas em sua interpretação do Capitalismo Tardio É por isso que descrevo a identificação de uma problemática espacial em escala regional e internacional por parte desses autores como fortuita como um adendo quase acidental a suas análises da expansão da reprodução sob o capitalismo Mas escavemos mais um pouco a problemática implícita que resultou dessa crescente espacialização da teoria do desenvolvimento regional e internacional na década de 1970 Da necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual A problemática espacial e suas ramificações sociopolíticas nas escalas regional e internacional dependem da importância atribuída ao desenvolvimento geograficamente desigual na gênese e na transformação do capitalismo Dito de maneira um pouco diferente dependem do grau em que a afirmação de Mandel sobre a equivalência interpretativa do desenvolvimento desigual e da relação capitaltrabalho possa ser aceita e fundamentada na teoria e na prática política marxistas A questão é clara será o desenvolvimento geograficamente desigual um traço tão necessário quanto contingente no capitalismo Para responder a essa pergunta é útil começarmos pela distinção entre uma análise das leis gerais do movimento do capital em condições puras e homogêneas ou seja espacialmente indiferenciadas e uma análise mais concreta das condições existentes em e entre formações sociais específicas Na primeira abstraída das particularidades de tempo e lugar a lógica fundamental da estrutura e do processo pode efetivamente ser vista como aespacial Seguindo Marx no Capital a natureza intrínseca do capitalismo pode ser revelada como um sistema de produção baseado num conjunto de contradições internas a começar pela que existe entre as forças e as relações de produção que deve levar em última instância através da crise e da luta de classes a uma transformação revolucionária Nessa interpretação essencialmente teórica e abstrata do capitalismo com seus paralelos tácitos com as conceituações ocidentais da ciência baseadas em leis gerais isentas da especificidade de tempo e lugar o desenvolvimento geograficamente desigual é não apenas irrelevante como também afastado por definição logicamente obliterado As análises marxistas baseadas nessas leis gerais do movimento e centralizadas na contradição entre o trabalho e o capital no processo de produção demonstram efetivamente o caráter efêmero do capitalismo sua autodestruição iminente Mas não explicam por si só como e por que o capitalismo continuou a existir Fazer isso exige uma atenção mais direta para os processos de reprodução especialmente para as particularidades da reprodução ampliada do capitalismo Quando as leis gerais do movimento do capital são fundamentadas na história e na geografia concretas do modo de produção capitalista uma conjunção que Mandel afirma que a teoria marxista nunca esclareceu satisfatoriamente o papel constitutivo do desenvolvimento geograficamente desigual tornase mais visível Há muitos paralelos entre esse argumento e o que foi anteriormente apresentado com respeito à problemática espacial urbana Em ambos a espacialidade vital do capitalismo é caracteristicamente afastada por definição através do recurso à teoria marxista ortodoxa em sua forma mais abstrata Mas quando concretizada no contexto da reprodução ampliada na especificidade associada à intensificação e à extensificação do capitalismo a importância da espacialidade se reafirma Mais uma vez a questão preponderante não é saber por que o capitalismo não pode durar mas por que e como ele sobreviveu desde a forma industrial competitiva dos tempos de Marx até sua metamorfose contemporânea a questão que permeia a obra de Lefebvre nos últimos cinquenta anos Assim como podemos definir o papel do desenvolvimento geograficamente desigual nesse contexto da reprodução ampliada Devemos começar mais uma vez pela fecunda afirmação lefebvreana de que o capitalismo foi capaz de sobreviver e de alcançar um crescimento através da produção e da ocupação de um espaço através de um processo difuso e problemático de espacialização A isso acrescentamos a especificação mandeliana de que a sobrevivência do capitalismo e a produção associada de sua espacialidade característica dependeram da diferenciação do espaço ocupado em regiões superdesenvolvidas e subdesenvolvidas da justaposição e da combinação constante do desenvolvimento e do subdesenvolvimento O modo como essa geografia específica do capitalismo se configura e é remodelada ao longo do tempo está apenas começando a se tornar claro O subdesenvolvimento regional é parte integrante da reprodução extensa ou ampliada criando grandes reservatórios de trabalho e mercados complementares capazes de atender ao fluxo espasmódico e contraditório da produtividade capitalista Se para sobreviver diz Mandel toda a população trabalhadora encontrasse trabalho na região em que vive não mais haveria reservas livres de mão de obra assalariada para as súbitas expansões do capitalismo industrial 1976 43 Quando essas reservas regionais de mão de obra5 não são criadas pelos movimentos naturais da população elas são produzidas pela força direta e através de outros meios Quando se esgotam numa área são novamente criadas em outra A criação de espaço de reserva de mão de obra também supre importantes mercados para o capital nos centros superdesenvolvidos de acumulação Essa combinação de reservas economicamente deprimidas de mão de obra que também funcionam como mercados para o produto excedente do centro é mantida e intensificada através de um sistema de troca desigual ou do que se poderia denominar em termos mais genéricos de transferência geográfica do valor Como sugere Mandel essa própria troca desigual é baseada na diferenciação regional Se a taxa de lucro fosse sempre a mesma em todas as regiões de uma nação e em todos os países do mundo assim como em todos os ramos da indústria não haveria mais acumulação de capital além da exigida pela movimentação demográfica E mesmo essa seria modificada por sua vez pelo impacto da aguda estagnação econômica que se seguiria Mandel 1976 43 E m Capitalismo Tardio 1975 Mandel apresenta uma inovadora síntese histórica da importância do desenvolvimento geograficamente desigual e da relação entre as transferências geográficas e setoriais de valor6 Ele baseia essa síntese numa contradição crítica no processo de reprodução ampliada a que existe entre a diferenciação e a igualação da taxa de lucro e de medidas correlatas tais como a composição orgânica do capital e as taxas de exploração Enquanto a concorrência capitalista normal tende para uma igualação da taxa de lucro entre os setores e entre as regiões a reprodução ampliada precisa alimentarse da extração de superlucros isto é superiores à taxa média o que por sua vez requer a diferenciação setorial eou regional Assim explica Mandel o processo efetivo de crescimento do capitalismo nunca atinge uma igualação plena das taxas de lucro Setorial e espacialmente ele é sempre desigualmente desenvolvido mesmo observa ele no caso ideal de um começo homogêneo A própria acumulação de capital produz o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como momentos mutuamente determinantes do movimento desigual e conjunto do capital A falta de homogeneidade da economia capitalista é um efeito necessário do desdobramento das leis de movimento do próprio capital Mandel 1975 85 grifos de Mandel O que estou discutindo aqui através das palavras de Mandel não é apenas que o desenvolvimento capitalista é geograficamente desigual pois uma certa desigualdade geográfica resulta de todos os processos sociais O ponto fundamental é que o capitalismo ou se preferirmos a atividade normal dos capitalistas em busca de lucros baseiase intrinsecamente nas desigualdades regionais ou espaciais como meio necessário de sua sobrevivência contínua A própria existência do capitalismo pressupõe a presença mantenedora e a instrumentalidade vital do desenvolvimento geograficamente desigual Que é que se torna geograficamente diferenciado A lista começa pelas taxas de lucro parâmetro crucial mas inclui também a composição orgânica do capital a produtividade do trabalho os índices salariais o custo dos materiais necessários à reprodução da força de trabalho os níveis de tecnologia e mecanização a organização do trabalho e a incidência da luta de classes Esses diferenciais são mantidos através de distribuições geográfica e setorialmente desiguais dos investimentos de capital e da infraestrutura social da concentração localizada de centros de controle da mão de obra e dos meios de produção dos circuitos entrosados do capital no processo de urbanização e das formas particulares de articulação entre as relações capitalistas e não capitalistas de produção Todos eles fazem parte da espacialização complexa e distintiva que tem marcado o desenvolvimento histórico do capitalismo desde sua origem Ao mesmo tempo há uma tendência persistente para a crescente homogeneização e redução dessas diferenças geográficas Essa tensão dialética entre diferenciação e igualação é a dinâmica subjacente do desenvolvimento geograficamente desigual Constitui uma fonte primordial da problemática espacial em todas as escalas geográficas desde o imediatismo da vida cotidiana no local de trabalho em casa e no meio ambiente urbano construído até a estrutura mais distante da divisão internacional do trabalho e da economia capitalista mundial Também está inserida embora costume passar despercebida na abordagem marxista da acumulação primitiva e no antagonismo entre a cidade e o campo assim como nos debates marxistas mais contemporâneos sobre a teoria do Estado7 Alain Lipietz captou de maneira sumamente vívida a ligação com o papel do Estado Confrontado com o desenvolvimento desigual de regiões socioeconômicas o Estado precisa tomar o cuidado de evitar deflagrar as lutas políticas e sociais que decorreriam de uma dissolução ou integração excessivamente abruptas dos modos arcaicos de produção É isso que ele faz de maneira geral ao inibir o processo de articulação protecionismo ou ao intervir prontamente para eliminar as consequências sociais subsídios para deslocamentos permanentes Mas tão logo a evolução interna e internacional o fazem necessário o desenvolvimento capitalista confere ao Estado o papel de controlar e incentivar o estabelecimento de uma nova divisão interregional do trabalho Esse espaço projetado entra num conflito mais ou menos violento com o espaço herdado Assim a intervenção estatal tem que assumir a forma de organizar a substituição do espaço atual pelo espaço projetado Lipietz 1980 74 trad para o inglês de 1977 Aí está mais uma vez a irrequieta paisagem geográfica de Harvey sua trilha estreita entre a preservação e a destruição esboçada numa problemática regional e urbana e similarmente vinculada à mais poderosa das territorialidades capitalistas o Estado nacional Não surpreende entretanto constatar que a contradição dinâmica entre a diferenciação e a igualação espaciais tenha vindo à tona com maior destaque na década de 1970 no tocante à internacionalização do capital à escala em que são atingidos os limites geográficos últimos do capitalismo O desenvolvimento geograficamente desigual foi uma questão importante nas primeiras teorias do imperialismo e continuou a ser perceptível à medida que se tornou mais claro que a expansão geográfica do capitalismo não era um simples processo de homogeneização em que as relações puras do Capital substituiriam as relações de produção précapitalistas como melado a se espalhar num prato Ao contrário o mundo não capitalista tornouse complexamente articulado com o mundo capitalista sendo suas relações de produção simultânea e seletivamente desintegradas e preservadas A resultante divisão internacional do trabalho forma distinta de espacialização global do capitalismo nasce dessa combinação contraditória de diferenciaçãoigualação desintegraçãopreservação e fragmentaçãoarticulação Christian Palloix que ao lado de Aglietta e Lipietz contribuiu para o desenvolvimento da Escola de Regulação francesa de economia política concentrouse explicitamente nessas contradições do desenvolvimento geograficamente desigual na internacionalização do capital ou no que chamou de extensão espacial do modo de produção capitalista 8 A autoexpansão do capital em escala mundial sustenta a difusão internacional dos ramos de produção e a tendência à uniformidade parece dominante Isso deixa de levar em conta o fato de que ocorre uma diferenciação quando um ramo industrial se internacionaliza Ele desaparece e é eliminado num dado lugar de tal maneira que se criam novas condições de produção e troca dando origem à diferenciação A essência da internacionalização do capital é que essa tendência à igualação é imediatamente compensada pela diferenciação das condições de produção e troca Assim de uma maneira importante a tendência à uniformidade leva à condição da diferenciação Palloix 1977 3 grifos no original Desse modo em seu aspecto internacional o capital impede qualquer união da classe trabalhadora internacional dividindo as diferentes classes trabalhadoras tirando proveito das áreas de desenvolvimento desigual e ampliando os cismas existentes A internacionalização do capital é antagônica à luta internacional do proletariado que tenta restabelecer a união da classe trabalhadora Ibid 23 O debate centroperiferia As interpretações anglófonas do aspecto internacional do desenvolvimento capitalista foram dominadas nos anos setenta pelas teorias do subdesenvolvimento e da dependência e pela obra de Wallerstein sobre os sistemas mundiais Houve importantes conexões francesas nessa bibliografia por exemplo as inspirações braudelianas de Wallerstein mas a explicitude francesa em relação ao espaço e à espacialidade tendeu a se dissipar nas traduções inglesas Por outro lado as geografias um tanto disfarçadas que chegaram a surgir provocaram ásperas reações de historiadores economistas sociólogos e até de alguns geógrafos marxistas anglófonos Praticamente todos pareciam admitir a existência de uma estrutura de centro e periferia na economia capitalista mundial admitir que havia alguns países nucleares que eram centros primários de produção industrial e acumulação e um conjunto subordinado dependente e sumamente explorado de países periféricos que faziam parte de um Terceiro Mundo Mas na falta de uma conceituação rigorosa do desenvolvimento geograficamente desigual a significação teórica e política dessa estrutura centroperiferia era difícil de entender especialmente quando apenas o nível superior sistema mundial da hierarquia escalar complexa era visto como explicativo da história da acumulação capitalista e da luta de classes Isso parecia explicar o capitalismo de cima e não debaixo externamente em vez de internamente onde os historiadores marxistas de orientação empírica sentiamse mais à vontade Para muitos estudiosos marxistas portanto a escola neomarxista de teóricos do subdesenvolvimento e da dependência pareceu estar desenfatizando a classe e colocando as causas da pobreza da exploração e da desigualdade quase que exclusivamente nas mãos dos países centrais e de uma divisão internacional fixa do trabalho baseada em alguma forma de dominação colonial ou neocolonial A exploração ou a rigor todo o sistema capitalista foi vista como decorrente de um processo geográfico entre as áreas centrais e periféricas que funcionava principalmente no nível das relações entre as nações Em defesa de suas concepções André Gunder Frank declarou que a teoria da dependência está morta viva a dependência e a luta de classes demonstrando em tom irônico não terse esquecido do que vem primeiro Mas houve poucas tentativas de explicar com maiores detalhes a ligação vital que estava sendo feita na teoria da dependência e na polarização estrutural do centro versus a periferia entre as dimensões sociais e espaciais do capitalismo Wallerstein entretanto foi mais longe Descreveu o sistema capitalista mundial como algo que girava em torno de duas dicotomias básicas uma das classes burguesa versus proletária e outra da especialização econômica dentro de uma hierarquia espacial centro versus periferia e acrescentou posteriormente uma semiperiferia aproximadamente paralela à formação de uma classe média Depois acrescentou A índole se quiserem do sistema capitalista é o entrelaçamento desses dois canais de exploração que se superpõem mas não são idênticos e criam as complexidades e as obscuridades culturais e políticas do sistema Entre outras coisas ele tornou possível responder às pressões políticoeconômicas das crises econômicas cíclicas através do rearranjo das hierarquias espaciais sem prejudicar significativamente as hierarquias de classe Wallerstein 1976 3501 Essa dupla dicotomia impele para além da teoria convencional do subdesenvolvimento e chega ao limite de uma dialética socioespacial assertiva Mas o impulso é um tanto enfraquecido pela incapacidade de Wallerstein de teorizar a estrutura espacial no mesmo plano da social perdendose a oportunidade de fazer da relação centroperiferia algo mais do que uma evocadora metáfora descritiva9 Fazer isso exigia uma conceituação da hierarquia espacial dos centros e periferias como produto e como meio instrumental do desenvolvimento geograficamente desigual Nessa qualidade a estrutura centroperiferia tornase fundamentalmente homóloga à estrutura vertical das classes sociais Não apenas elas se entrelaçam e se superpõem como também se originam das mesmas fontes e são moldadas pelas mesmas relações contraditórias do capital e do trabalho que definem o próprio modo de produção capitalista A formação do centro e da periferia portanto é inseparável da formação de uma burguesia industrial e de um proletariado urbano Prosseguindo nessa espacialização marxista as estruturas sociais e espaciais são constituídas em torno de uma relação exploratória enraizada no controle dos meios de produção e mantida através de uma apropriação do valor pela classe social dominante A luta de classes emerge da conscientização crescente da natureza duplamente exploratória da estrutura social e espacial e deve visar à transformação simultânea de ambas pois cada uma delas pode ser rearranjada de modo a amortecer os efeitos da luta na outra Esse duplo embasamento pode ser a índole real mas raramente vista do sistema capitalista a mais importante descoberta dos anos setenta Convém lembrar que essa dupla polarização ocorre em muitos níveis ou escalas diferentes e que em cada escala as configurações sociais e espaciais específicas podemse modificar ao longo do tempo sem necessariamente modificar a própria estrutura subjacente Um país central ou uma região central de um país podem tornarse parte da periferia e o que antes era a periferia pode tornarse parte do centro do mesmo modo que os indivíduos e famílias podem deslocarse do proletariado para a burguesia de uma geração para outra A estrutura polarizada em todas as escalas também é obscurecida e mistificada em suas formas materiais conferindo às atuais divisões sociais e espaciais do trabalho uma segmentação mais complexa e mais finamente diferenciada A divisão internacional do trabalho a divisão interregional do trabalho limitada pelo Estado a divisão urbanizada do trabalho nas áreas metropolitanas e a divisão do trabalho na menor das localidades A hierarquia espacial mutável das relações centroperiferia ainda é precariamente entendida e criou um malentendido generalizado O fato de alguns países periféricos estarem atualmente em rápida industrialização enquanto regiões antes avançadas estão declinando não significa que a teoria do subdesenvolvimento a existência de uma estrutura global de centroperiferia e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual tenham de algum modo que ser rejeitadas processos de trabalho associados a espacialização simples da transferência de valor de Marx entre as firmas e setores Esse movimento é empiricamente invisível e assim não é convenientemente passível de mensuração quantitativa direta Decorre primordialmente da lógica política da teoria trabalhista do valor e assim existe intrínseca e qualitativamente nas relações de troca capitalistas pelo menos na medida em que se adote a teoria trabalhista Seguindo Hadjimichalis 1980 é possível fazermos uma aproximação grosseira dessa transferência básica na diferença estatística entre o valor total adicionado à produção de uma dada região e a renda total recebida por essa produção pela população da região presumindose que seja possível explicar outros fluxos e transferências complicadores Isso fornece no mínimo uma indicação grosseira da probabilidade de que a transferência de valor seja acentuadamente positiva ou negativa embora mesmo nesse caso a estimativa seja complicada pelos muitos canais de transferência de valor que funcionam no nível secundário mais prontamente visível10 Nesse segundo nível a transferência de valor assume muitas formas diferentes é mais mensurável e pode ser modificada e regulada com maior facilidade Michael Kidron 1974 numa crítica à teoria da troca desigual de Emmanuel descreveu o que aqui denomino de segundo nível da transferência geográfica de valor em conjunto com uma análise da centralização e da concentração do capital A centralização positiva nos termos de Kidron é essencialmente equivalente à acumulação primitiva e implica um ganho líquido para um centro sem perda direta de valor para as formações sociais não plenamente capitalistas da periferia tal como acontece através das tributações fiscais e pilhagem coloniais11 A centralização negativa em contraste amplia as diferenças centroperiferia nos volumes relativos de capital através da destruição do excedente na periferia mediante a guerra e o desperdício em outras palavras do desvio do excedente periférico para atividades não produtivas tais como a produção eou compra de armamentos Por último a centralização neutra implica a transferência do excedente entre os capitais sem nenhuma mudança no valor total produzido Isso abrange vários processos a drenagem cerebral da migração seletiva a exportação líquida de lucros emolumentos direitos etc sobre as ajudas recebidas a transferência do controle direto do capital periférico para empresas multinacionais sediadas nos países centrais as técnicas de transferência da determinação do preço nos conglomerados multinacionais ou nas empresas de localização múltipla e em particular a ampliação da troca desigual decorrente das diferenças de mercado nas relações de troca das mercadorias que Emmanuel Mandel Amin e outros afirmaram terse tornado a mais importante base da transferência geográfica de valor na economia internacional do pósguerra Em todas essas formas de transferência geográfica de valor o padrão básico é o mesmo quer seja descrito como parte da centralização e da concentração do capital ou da dominação do centro sobre a periferia Parte da produção excedente gerada num local é impedida de ser localmente realizada e acumulada enquanto o excedente produzido em outro lugar é aumentado Há aqui uma certa possibilidade de comparação com a exploração da mão de obra pelo capital no local de trabalho Mas os canais sociais e espaciais da exploração achamse intrinsecamente enraizados e apoiados no modo de produção tão profundamente que eliminálos por completo requer uma transformação revolucionária e global Entretanto ambos são um tanto maleáveis passíveis de ser intensificados ou reduzidos por meios institucionais ou de outra natureza em épocas e lugares específicos sem necessariamente destruir a polarização estrutural Os dois canais podem parecer separados mas estão entrelaçados e ambos estão repletos de política e de ideologia Convém lembrar que Marx nunca afirmou que a produção a realização e a acumulação sempre ocorressem no mesmo lugar e assim manteve aberta uma janela reveladora para a paisagem geográfica do capitalismo e seus canais espaciais de exploração Mas a longa tradição de toldar a importância material da espacialidade capitalista impediu os marxistas de enxergarem com muita clareza por essa janela até a década de 1970 A primeira visão sistemática da transferência geográfica de valor para ilustrarmos esse ponto talvez tenha sido o livro de Arghiri Emmanuel intitulado Unequal Exchange A Study of the Imperialism of Trade A troca desigual um estudo do imperialismo do comércio 1972 Emmanuel entretanto viu o funcionamento da troca desigual quase que inteiramente no nível internacional como um mecanismo pelo qual o valor produzido nos países capitalistas periféricos era sistematicamente transferido para o centro através do imperialismo do comércio e dos salários diferenciados Durante a maior parte da década o debate sobre a transferência geográfica de valor continuou concentrado nesse foco Fezse muito pouco pela conceituação e pelo exame empírico dos processos mais gerais e multiescalares que estão por trás do desenvolvimento geograficamente desigual do capitalismo A imaginação geográfica estava acordando de um sono prolongado mas sua visão ainda continuava tolhida e embaçada Muitas questões controvertidas emergiram nos debates específicos sobre a troca desigual em escala global mas a maioria delas tendeu mais a enterrar do que a elucidar as implicações espaciais do que estava sendo discutido Isso foi exemplificado de maneira muito nítida nas discussões acaloradas entre os marxistas sobre as questões políticas suscitadas pela transferência de valor centroperiferia e pela aparente descrição de regiões que exploravam regiões Amin captou a essência dessas questões Se as relações entre o centro do sistema e sua periferia são relações de dominação relações desiguais expressas numa transferência de valor da periferia para o centro não deveria o sistema mundial ser analisado em termos de nações burguesas e nações proletárias para empregarmos expressões que se tornaram correntes Se essa transferência de valor da periferia para o centro possibilita um maior aprimoramento da remuneração do trabalho no centro do que seria possível obter sem ela não deveria o proletariado do centro aliarse a sua própria burguesia para manter o status quo mundial Se essa transferência na periferia reduz não apenas a remuneração do trabalho mas também a margem de lucro do capital local não seria essa uma razão de solidariedade nacional entre a burguesia e o proletariado em sua luta pela libertação econômica nacional Amin 1974 22 Sob muitos aspectos isso reafirmou com alguns toques novos as mesmas questões políticas e estratégicas que haviam cindido as políticas marxistaleninistas de desenvolvimento nacional e internacional desde o começo da era imperialista Foi reveladora a solução dada por Amin para os dilemas ressuscitados por esses toques novos Não afirmou ele não devemos analisar o sistema mundial em termos de nações burguesas e proletárias embora devamos reconhecer as profundas diferenças existentes entre as formações sociais capitalistas centrais e periféricas bem como a importância das transferências sistemáticas de valor que fluem entre elas Ao mesmo tempo que reconhecemos essa poderosa estrutura espacial no capitalismo internacional no entanto devemos reafirmar o domínio do plano social Para Amin as contradições sociais básicas do capitalismo não estão entre a burguesia e o proletariado de cada país isoladamente considerado mas entre a burguesia mundial e o proletariado mundial Amin 1974 24 Trabalhadores do sistema mundial univos não constitui uma estratégia particularmente nova mas sua reafirmação nesse contexto serviu para desviar a atenção da reconsideração mais substantiva do plano social que se fazia necessária para abarcar na teoria e na prática a dinâmica espacial apenas recémvisível do desenvolvimento capitalista internacional Como muitos observadores perspicazes sob outros aspectos do panorama geográfico do capital nos anos setenta Amin reafirmou o predomínio do social e do histórico em vez de confrontar o desafio revelado de uma dialética socioespacial e a dupla luta que ela implicava Mandel acrescentou maior clareza ao debate sobre as trocas desiguais e o neocolonialismo 1975 34375 mas também deixou não formuladas eou não respondidas muitas questões fundamentais A questão de saber se regiões exploram regiões portanto deve ser afirmativamente respondida mas essa afirmação só pode fazer sentido teórico e político quando a regionalização e o regionalismo são vistos como processos sociais hierarquicamente estruturados pelas relações fundamentais de produção As regiões nesse sentido são pessoas classes formações sociais coletividades espaciais partes ativas e reativas da paisagem geográfica do capitalismo Talvez nunca sejam uniformemente burguesas ou proletárias mas seus sistemas de produção localizados podem funcionar como pólos de acumulação ou pólos de desvalorização com respeito a outras regiões da mesma escala criando uma polaridade interacional análoga mas não equivalente à relação entre a burguesia e o proletariado Se a exploração é de interesse primordial as regiões individuais como sistemas socioespaciais devem ser vistas como imersas em pelo menos três canais de exploração Um se define pelas relações locais entre o capital e o trabalho no processo de produção o segundo pelas relações interregionais dentro de uma maior divisão espacial do trabalho numa dada escala e o terceiro pela inserção numa hierarquia multiestratificada de relações exploratórias que se estende do global ao local do sistema mundial a cada fábrica e cada habitação isolada Isso abrange um campo muito mais complexo de lutas contra a exploração do que o convencionalmente contemplado mas ninguém jamais disse que a luta seria fácil Tradicionalmente o primeiro desses canais tem dominado a tal ponto a atenção dos marxistas que os outros dois continuaram muito menos visíveis nos últimos duzentos anos E quando os dois canais espaciais tornaramse mais claramente visíveis nos anos setenta os ortodoxos ficaram ameaçados enquanto a maioria das descobertas perspicazes apesar de despertarem grande entusiasmo não conseguiu ser eficazmente comunicada sem confusão ambivalência e exagero Uma problemática espacial teórica e politicamente desafiadora estava vindo à tona mas a velha tampa histórica ainda estava apertada demais 1 Jornal Internacional de Pesquisa Urbana e Regional NT 2 É exatamente isso que muitos analistas urbanos foram levados a concluir no debate dos anos setenta sobre a especificidade do urbano A cidade não era nem um objeto teórico nem um objeto real com suas próprias regras autônomas de formação e transformação Os marxistas conseguiam estudar as cidades como expressões de estruturas societárias mais amplas e mais profundas mas não como campos de estruturação significativos em si Atribuir uma especificidade teórica e política ao urbano equivaleria a recair na armadilha ideológica da Escola de Ecologia Urbana de Chicago como Castells afirmou ter sido feito por Lefebvre Poucos conseguiram ver que o que estava sendo afirmado por Lefebvre e eventualmente por Harvey era uma especificação espacial mais abrangente do urbano O processo de urbanização longe de ser autônomo era parte integrante da espacialização envolvente e instrumental que era tão essencial ao desenvolvimento histórico do capitalismo uma espacialização que foi quase invisível para o marxismo e para outras perspectivas críticas durante a maior parte do século XX 3 As exceções mais notáveis foram a Edição Especial sobre o Desenvolvimento Regional Desigual da Review of Radical Political Economics Volume 10 1978 o levantamento da análise regional marxista feito por Doreen Massey em Capital and Class Volume 6 1978 e o livro de Alain Lipietz Le Capital et son espace 1977 4 O artigo saiu na New Left Review 20 1963 531 como uma das pouquíssimas análises explicitamente regionais ou espaciais jamais publicadas pelo que foi durante muitos anos o periódico de maior circulação da esquerda anglófona 5 As reservas regionais de mão de obra também podem situarse nas áreas urbanas O desenvolvimento geograficamente desigual como observa Mandel no tocante à totalidade do sistema capitalista surge como uma estrutura hierárquica de diferentes níveis de produtividade desde o local até o global Essa própria hierarquia multiescalar é produzida pela espacialização capitalista 6 Mandel nunca usa especificamente as expressões desenvolvimento geograficamente desigual ou transferência geográfica de valor Ao que eu saiba elas foram usadas pela primeira vez de maneira sistemática em meus textos para descrever com ênfase geográfica mais explícita aquilo que Mandel costumava chamar de desenvolvimento desigual e troca desigual entre as regiões e as nações No fim dos anos setenta trabalhei em estreita colaboração com um arquitetoplanejador grego Costis Hadjimichalis enquanto ele desenvolvia suas ideias sobre The Geographical Transfer of Value A transferência geográfica de valor título de sua dissertação ainda não publicada Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano UCLA 1980 Para uma extensão dessa obra de Hadjimichalis que teve grande influência em meu pensamento naquela época ver seu livro recémpublicado Uneven Development and Regionalism Desenvolvimento desigual e regionalismo 1986 7 Os teóricos críticos do planejamento regional viram uma lógica mais ou menos semelhante na dinâmica do desenvolvimento nacional Por exemplo o modelo de Gunnar Myrdal para a vantagem situacional inicial e a causação cumulativa com seus efeitos contrários de expansão e repercussão ilustrou o modo como o desenvolvimento desencadeava tendências ao aumento e à redução das desigualdades regionais Myrdal 1957 Esses modelos myrdalianos e outros correlatos pex Hirschmann 1958 foram criativamente ampliados posteriormente na teoria geral do crescimento polarizado de John Friedmann 1972 que introduziu uma luta política mais explícita na dinâmica do crescimento regional desequilibrado e na estrutura centroperiferia Em todas essas abordagens do planejamento entretanto a espacialidade do desenvolvimento foi primordialmente encarada como um resultado de processos de difusão não problematizados que existiriam para ser inocentemente manipulados por uma intervenção estatal benevolente 8 Mais uma vez os franceses parecem ficar muito mais à vontade com uma terminologia explicitamente espacial Em todas as obras que li sobre a internacionalização do capital escritas em inglês antes de 1980 não encontrei ninguém que se dispusesse a descrever o que estava estudando como a extensão espacial do capital 9 Em sua maior parte as afirmações espaciais de Wallerstein foram ignoradas pelos historiadores e sociólogos marxistas e outros salvo na qualidade de prova de que ele havia reificado o sistema capitalista mundial num novo determinismo geográfico a conhecida reação exagerada de uma imaginação histórica hiperativa 10 Hadjimichalis 1980 e 1986 usou essa medida num conjunto de mapas regionais da Espanha Itália e Grécia ao longo de vários períodos temporais As regiões centrais de Madrid do triângulo industrial do norte da Itália e especialmente da área de Atenas permaneceram singularmente estáveis no correr do tempo como receptoras líquidas na troca de valor mas muitas outras regiões passaram de receptoras a doadoras ou viceversa 11 Mandel afirma que essa foi a principal forma de exploração metropolitana do Terceiro Mundo antes da II Guerra Mundial Ver em Capitalismo Tardio 1975 seu interessante capítulo sobre Neocolonialismo e troca desigual que contém outra crítica embora mais simpática a Emmanuel 1972 Convém ainda notar que essa centralização positiva perpassa toda a descrição de Marx do antagonismo entre a cidade e o campo o modelo original da transferência geográfica de valor da relação centroperiferia e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual na história do capitalismo Por sua parte a pesquisa marxista considera até agora que as transformações do espaço e do tempo concentram essencialmente as maneiras de pensar ela atribui um papel marginal a essas mudanças alegando que elas pertencem ao âmbito ideológicocultural à espaço e o tempo Na realidade porém as transformações das matrizes espacotemporais referemse à materialidade da divisão social do trabalho da estrutura do Estado e das práticas e técnicas do poder econômico político e ideológico capitalista são o verdadeiro substrato das representações místicas religiosas filosóficas ou vivenciais do espaçotempo Poulantzas 1978 26 NA CONCEITUAÇÃO DO ESPAÇO A fonte geradora de uma interpretação materialista da espacialidade é o reconhecimento de que a espacialidade é socialmente produzida e como a própria sociedade existe em formas substanciais espacialidades concretas e como um conjunto de relações entre os indivíduos e os grupos uma corporificação e um meio da própria vida social Como espaço socialmente produzido a espacialidade pode ser distinguida do espaço físico da natureza material e do espaço mental da cognição e da representação cada um dos quais é usado e incorporado na construção social da espacialidade mas não pode ser conceituado como seu equivalente Dentro de certos limites que são frequentemente desconsiderados os processos e formas físicos e psicológicos podem ser independentemente teorizados no que concerne a suas dimensões e atributos espaciais Os clássicos debates na história da ciência em torno das qualidades absolutas versus as qualidades relativas do espaço físico exemplificam o primeiro caso enquanto as tentativas de explorar o sentido pessoal e o conteúdo simbólico dos mapas mentais e da imaginação de cenários ilustram o segundo Essa possibilidade de conceituação e investigação independentes entretanto não produz uma autonomia inquestionável ou uma separação rígida entre esses três espaços físico mental e social pois eles se interrelacionam e se superpõem Definir essas interligações continua a ser um dos mais impressionantes desafios da teoria social contemporânea especialmente considerando que o debate histórico tem sido monopolizado pelo dualismo físicomental quase excluindo o espaço social A afirmação da espacialidade social despedaça o dualismo tradicional e obriga a uma grande reinterpretação da materialidade do espaço do tempo e do ser do nexo construtivo da teoria social Em primeiro lugar não apenas os espaços da natureza e da cognição estão incorporados na produção social da espacialidade como também são significativamente transformados nesse processo Essa incorporaçãotransformação social estabelece limites importantes para as teorizações independentes do espaço físico e mental especialmente no tocante a sua aplicabilidade potencial à análise e à interpretação sociais concretas Em seus contextos interpretativos apropriados tanto o espaço material da natureza física quanto o espaço ideativo da natureza humana têm que ser vistos como socialmente produzidos e reproduzidos Cada um deles precisa ser teorizado e compreendido portanto como sendo ontológica e epistemologicamente parte da espacialidade da vida social Inversamente a espacialidade não pode ser completamente separada dos espaços físicos e psicológicos Os processos físicos e biológicos afetam a sociedade não importa quanto sejam socialmente mediados e a vida social nunca está inteiramente livre de choques restritivos como o desgaste físico da distância A marca dessa primeira natureza não é ingênua e independentemente dada entretanto pois seu impacto social sempre passa por uma segunda natureza que emerge da aplicação organizada e cumulativa do trabalho e do conhecimento humanos Assim não pode haver nenhum naturalismo autônomo ou física social autônoma com sua própria lógica causal separada na interpretação materialista da geografia e da história humanas No contexto da sociedade a natureza como a espacialidade é socialmente produzida e reproduzida apesar de sua aparência de objetividade e separação O espaço da natureza portanto está repleto de política e ideologia de relações de produção e da possibilidade de ser significativamente transformado Neil Smith captou o sentido dessa produção social da natureza numa obra recente Uneven development Desenvolvimento desigual 1984 reveladoramente subintitulada de A natureza o capital e a produção do espaço A ideia da produção da natureza é realmente paradoxal a ponto de soar absurda se julgada pela aparência superficial da natureza na sociedade capitalista A natureza costuma ser vista precisamente como aquilo que não pode ser produzido é a antítese da atividade produtiva humana Em sua aparência mais imediata a paisagem natural apresentase a nós como o substrato material da vida cotidiana o âmbito dos valores de uso e não dos valores de troca Como tal ela é sumamente diferenciada em diversos eixos Mas com o progresso da acumulação do capital e a expansão do desenvolvimento econômico esse substrato material é cada vez mais um produto da produção social e os eixos dominantes de diferenciação têm uma origem crescentemente social Em suma quando essa aparência imediata da natureza é situada no contexto histórico o desenvolvimento da paisagem material se apresenta como um processo de produção da natureza Os resultados diferenciados dessa produção da natureza são os sintomas materiais do desenvolvimento desigual No nível mais abstrato portanto é na produção da natureza que o valor de uso e o valor de troca e o espaço e a sociedade se fundem Smith 1984 32 Podese desenvolver uma argumentação semelhante com respeito ao espaço cognitivo ou mental A apresentação da espacialidade concreta está sempre envolta nas representações complexas e diversificadas da percepção e da cognição humanas sem nenhuma necessidade de uma correspondência direta e determinada entre as duas Essas representações como imagens semióticas e mapeamentos cognitivos como ideias e ideologias desempenham um papel poderoso na moldagem da espacialidade da vida social Não se pode questionar a existência desse espaço mental humanizado dessa mentalité mentalidade espacializada Mas também nesse caso a produção social da espacialidade se apropria e faz uma remoldagem das representações e significações do espaço mental como parte da vida social como parte da segunda natureza Por conseguinte procurar interpretar a espacialidade a partir da visão de processos socialmente independentes de representação semiótica é também impróprio e enganador pois tende a sepultar as origens sociais e a transformação social potencial sob uma capa deturpadora de idealismo e psicologismo de uma natureza humana universalizada e paradisíaca pavoneandose por um mundo aespacial e intemporal Ligada a essa interpretação das ligações entre o espaço físico mental e social está uma suposição fundamental sobre a Esse arcabouço material proveio de o modelo da atomização da frangmentação social e se conspricou nas práticas do próprio processo de trabalho Sendo a um só tempo o pressuposto dos relacionamentos e do a concretização do processo de trabalho esse arcabouço consiste na organização do espaçotempo contínuo a criação e a transformação das matrizes espacial e temporal estabelecia um arcabouço material primevo o verdadeiro substrato da vida social A colocar a equivoca da espacialidade a ilusao da opacidade Uma desconcertante miopia tem distorcido persistentemente a teorização espacial criando ilusões de opacidade e interpretações míopes da espacialidade que se concentraram nas aparências superficiais imediatas sem conseguir enxergar além delas A colocar a equivoca da espacialidade a ilusao da transparência Podese fazer uma interpretação similar de uma segunda fonte de ilusão na teorização da espacialidade uma fonte que evolui numa interação complexa com a primeira muitas vezes como tentiva de sua negação filosófica cidadania institucionalizada do Estado capitalista tardio Voltando a focalizar a fugidia espacialidade do capitalismo Como afirmei um antiespacialismo singular parcialmente enraizado na reação de Marx a Hegel tem separado teimosamente o marxismo ocidental de uma interpretação materialista apropriada da espacialidade Marx tratou o espaço primordialmente como um contexto físico a soma dos locais de produção o território dos diferentes mercados a fonte de um rude desgaste da distância a ser aniquilado pelo tempo e pelas operações cada vez mais desembaraçadas do capital Pode se afirmar que Marx reconheceu a opacidade da espacialidade reconheceu que ela pode ocultar sob suas aparências objetivas as relações sociais fundamentais de produção especialmente em suas discussões sobre as relações entre a cidade e o campo Ele também abordou ainda que não tão diretamente a problemática básica da dialética socioespacial o fato de as relações sociais serem simultânea e conflitantemente formadoras do espaço e contingentes ao espaço A contingência espacial da ação social entretanto foi primordialmente reduzida à fetichização e à falsa consciência e nunca recebeu de Marx uma interpretação materialista efetiva As teses sobre a contingência espacial das relações sociais de que essas relações sociais de produção e de classe podem ser reconfiguradas e possivelmente transformadas através da espacialidade evolutiva que as concretiza ainda são talvez a parte da interpretação materialista do espaço mais difícil de ser aceita pelos estudiosos marxistas contemporâneos Uma aversão permanente a qualquer indício de uma determinação geográfica da vida social torna difícil ver que a própria espacialidade é um produto social que não é independentemente imposta e nunca é inerte ou imutável A geografia e a história do capitalismo entrecruzamse num processo social complexo que cria uma sequência histórica de espacialidades em constante evolução uma estruturação espaçotemporal da vida social que molda e situa não apenas os movimentos grandiosos do desenvolvimento societário mas também as práticas repetitivas da atividade do dia a dia até nas menos capitalistas das sociedades contemporâneas Assim a produção da espacialidade em conjunto com a construção da história pode ser descrita como o meio e o resultado a pressuposição e a encarnação da ação e do relacionamento sociais da própria sociedade As estruturas sociais e espaciais estão dialeticamente entrelaçadas na vida social e não apenas mapeadas uma na outra como projeções categóricas E dessa ligação vital provém a pedra angular teórica da interpretação materialista da espacialidade o reconhecimento de que a vida social é materialmente constituída em sua geografia histórica de que as estruturas e as relações espaciais são as manifestações concretas das estruturas e relações sociais que evoluem no tempo seja qual for o modo de produção Afirmar que a história é a materialização da vida social causaria pouca controvérsia especialmente entre os estudiosos marxistas Isso é praticamente axiomático na análise materialista histórica Mas é nesse nível fundamental axiomático e ontológico que a espacialidade deve ser incorporada como uma segunda materializaçãocontextualização do ser social A constituição da sociedade é espacial e temporal a existência social se concretiza na geografia e na história A primeira afirmação explícita e sistematicamente desenvolvida dessa premissa fundamental proveio de Lefebvre em A produção do espaço 1974 Resta uma pergunta que ainda não foi formulada qual é exatamente o modo de existência das relações sociais A substancialidade A naturalidade A abstração formal O estudo do espaço agora nos permite responder as relações sociais de produção só têm existência social na medida em que existam espacialmente elas se projetam num espaço inscrevemse num espaço enquanto o produzem Caso contrário permanecem na abstração pura ou seja nas representações e consequentemente na ideologia ou dito de outra maneira no verbalismo na verborragia nas palavras 15253 tradução do autor Essa descoberta foi o nascedouro da principal reconceituação da teoria social crítica pósmoderna que avançou significativamente nos anos oitenta Lefebvre Poulantzas Giddens e muitos outros que começaram a reconceituar a espacialidade da vida social compartilham de várias outras ênfases específicas o poder instrumental que se liga à organização do espaço em muitas escalas diferentes o alcance crescente desse poder instrumental e disciplinar na vida cotidiana bem como em processos mais globais do desenvolvimento capitalista e os papéis mutáveis e amiúde contraditórios do Estado nessas relações de poder onde quer que sejam implantadas Quer vista como a formação de uma matriz espacial quer como uma estruturação espacial a produção social do espaço no capitalismo carregada de poder não tem sido um processo sereno e automático em que a estrutura social se imprima sem resistência ou constrangimento na paisagem Desde suas origens o desenvolvimento do capitalismo industrial enraizouse numa tentativa conflituosa de construir uma espacialidade própria socialmente transformadora e abrangente Foram muitas as arenas de luta a destruição das relações feudais de propriedade e a turbulenta criação de um proletariado liberto de seus meios de subsistência anteriores os desarraigamentos correlatos associados ao progressivo fechamento e mercantilização das terras rurais e urbanas a extensa concentração geográfica da força de trabalho e da produção industrial nos centros urbanos e a destruição concomitante embora incompleta das formas anteriores de urbanização industrialização e vida rural a separação induzida entre o local de trabalho e a residência e a padronização igualmente induzida dos usos da terra urbana e do meio ambiente construído do urbanismo a criação de mercados regionais diferenciados e a extensão do papel territorial do Estado capitalista e os primórdios de uma expansão do capitalismo para uma escala global Como Poulantzas afirmou e Michel Foucault retomou com tamanho detalhe e discernimento em suas recherches4 os produtores diretos ficam livres do solo apenas para cair na armadilha de uma grade que inclui não apenas a fábrica moderna mas também a família a escola o exército o sistema presidiário a cidade e o território nacional modernos Poulantzas 1978 105 Poulantzas prossegue descrevendo a fragmentação e a homogeneização paradoxais a diferenciação espacial e o nivelamento das diferenças que estão por trás do desenvolvimento geograficamente desigual do capitalismo A separação e a divisão para unificar o fracionamento para abranger a segmentação para totalizar o fechamento para homogeneizar e a individualização para obliterar as diferenças e a alteridade As raízes do totalitarismo estão inscritas na matriz espacial concretizada pelo moderno Estado nacional uma matriz que já está presente em suas relações de produção e na divisão capitalista do trabalho 107 A produção da espacialidade capitalista entretanto não é um acontecimento que ocorra de uma vez por todas A matriz espacial precisa ser constantemente reforçada e quando necessário reestruturada ou seja a espacialidade precisa ser socialmente reproduzida e esse processo de reprodução é uma fonte permanente de conflito e crise A ligação problemática da reprodução social e espacial é uma decorrência direta disso Se a espacialidade é ao mesmo tempo resultadoencarnação e meiopressuposto das relações sociais e da estrutura social referência material delas a vida social deve ser vista como formadora do espaço e contingente ao espaço produtora e produto da espacialidade Essa relação bidirecional define ou quem sabe redefine uma dialética socioespacial que é simultaneamente parte de uma dialética espaçotemporal uma interação tensa e repleta de contradições entre a produção social da geografia e da história Fornecendo uma necessária recomposição do conhecido dito de Marx fazemos nossa história e nossa geografia mas não a nosso bel prazer não as fazemos em circunstâncias escolhidas por nós mesmos mas em circunstâncias diretamente encontradas dadas e transmitidas a partir das geografias históricas produzidas no passado A argumentação geral que apresentei pode ser sucintamente resumida numa sequência de premissas interligadas 1 A espacialidade é um produto social consubstanciado e reconhecível parte de uma segunda natureza que incorpora ao socializálos e transformálos os espaços físicos e psicológicos 2 Como produto social a espacialidade é simultaneamente o meio e o resultado o pressuposto e a encarnação da ação e da relação sociais 3 A estruturação espaçotemporal da vida social define o modo como a ação e a relação sociais inclusive as relações de classe são materialmente constituídas concretizadas 4 O processo de constituiçãoconcretização é problemático repleto de contradições e de lutas em meio a muitas coisas recorrentes e rotinizadas 5 As contradições decorrem primordialmente da dualidade do espaço produzido como resultadoencarnaçãoproduto e meiopressupostoprodutor da atividade social 6 A espacialidade concreta a geografia humana efetiva é pois um terreno competitivo de lutas pela produção e reprodução sociais de práticas sociais que visam quer à manutenção e reforço da espacialidade existente quer a uma reestruturação significativa eou a uma transformação radical 7 A temporalidade da vida social desde as rotinas e eventos da atividade cotidiana até a construção da história em prazo mais longo évènement e durée5 para usarmos a linguagem de Braudel radicase na contingência espacial exatamente do mesmo modo que a espacialidade da vida social se enraíza na contingência temporalhistórica 8 A interpretação materialista da história e a interpretação materialista da geografia são inseparavelmente entremeadas e teoricamente concomitantes sem nenhuma priorização intrínseca de uma em relação à outra Tomadas em conjunto essas premissas estruturam uma interpretação materialista da espacialidade que só agora está ganhando forma e afetando a pesquisa empírica Ainda têm que ser pinçadas na bibliografia atual uma vez que em sua maioria permaneceram implícitas Muitas vezes uma pesquisa que ilustra brilhantemente os argumentos que estão por trás dessas premissas não é imediatamente reconhecida como tal nem mesmo pelos próprios pesquisadores como se observou no caso de Foucault Ou então exemplificações bemintencionadas acabam por turvar mais do que esclarecer os argumentos ao recaírem nas armadilhas do separatismo espacial Além disso ainda restam barreiras poderosas e persistentes à aceitação de uma interpretação materialista da espacialidade e de um materialismo históricogeográfico afirmativo especificamente voltado para a compreensão e a mudança das espacializações capitalistas A mais rígida dessas barreiras nasce de uma inflexível tradição marxista senão mais genericamente pósiluminista de historicismo que reduz a espacialidade ao lugar estável e não problemático da ação histórica ou à origem da falsa consciência à mistificação das relações sociais fundamentais O historicismo bloqueia da visão tanto a objetividade material do espaço como uma força estruturadora da sociedade quanto a subjetividade ideativa do espaço como parte progressivamente ativa da consciência coletiva Dito de maneira um pouco diferente em termos que viriam a assumir um novo sentido nos debates da década de 1980 sobre a reestruturação da teoria social crítica a conceituação marxista ocidental da interação entre a ação humana e a estrutura social conservouse essencialmente histórica definida na praxis da construção da história A espacialidade como praxis da criação da geografia humana ainda tende a ser impelida para uma obscuridade epifenomenal como continente especular da história O historicismo continua a ser um dos mais vigorosos monumentos do século XIX que precisam ser destruídos para que a teoria social crítica e o marxismo ocidental possam contemplar com êxito a espacialidade da vida social contemporânea Pode o marxismo ocidental ser espacializado sem induzir a uma aura de antihistória Nesse caso pode a imaginação histórica ser levada a acolher um espaço tão rico e dialético quanto o tempo Essas são perguntas desafiadoras raramente ou nunca formuladas antes da década atual Uma abordagem possível em resposta a essas perguntas passa pela persuasão lógica pela afirmação racional direta de uma dialética socioespacial de um materialismo histórico e geográfico de uma estruturação espaçotemporal da vida social A esta altura essa trajetória de afirmação teórica já deve ser conhecida do leitor paciente Mas não basta Uma via alternativa promissora que acabou por me levar ao estudo da reestruturação urbana em Los Angeles e que eventualmente levará também o leitor até lá é a da demonstração empírica é a aplicação de uma interpretação materialista da espacialidade às questões e às políticas do mundo real contemporâneo Essa passagem para a pesquisa empírica será vital sem dúvida para o futuro desenvolvimento de um materialismo histórico e geográfico e de uma teoria social crítica pósmoderna reconstruída Entretanto há ainda outro caminho raramente seguido nos dias atuais que se distancia da afirmação teórica num sentido oposto voltandose mais para as vinculações retrospectivas do que para as vinculações prospectivas empíricas e políticas da formação da teoria Tratase de uma via para o terreno ainda mais escorregadio e abstrato da ontologia do discurso metateórico que procura descobrir o que o mundo deve ser para que o conhecimento e a ação humana sejam possíveis o que significa ser Bhaskar 1975 Presumindo que restem poucas coisas importantes a descobrir no discurso ontológico com seu característico distanciamento da praxis a maioria dos marxistas ocidentais tem hesitado em se aventurar muito longe nesse caminho voltado para o passado Mas tratase de uma viagem que vale a pena fazer pois pode ajudarnos a descobrir algumas conexões que ainda faltam entre o espaço o tempo e o ser e por conseguinte entre as feituras da história da geografia humana e da sociedade DE VOLTA À ONTOLOGIA DA ESPACIALIDADE EXISTENCIAL DO SER A bibliografia do existencialismo e da fenomenologia existencial é rica em discussões ontológicas oriundas de seu interesse central na compreensão das estruturas da existência humana do ser e especialmente no sernomundo Por vezes usase a ênfase na posição e situação ativas do sernomundo para distinguir a fenomenologia existencial de um existencialismo vulgar aprisionado na contemplação pura do indivíduo isolado no que Henri Lefebvre um dia chamou filosofia excrementícia da grande obra inicial de Sartre O Ser e o Nada6 Mas em vez de abrir o debate sobre as semelhanças e diferenças entre o existencialismo e a fenomenologia considero mais frutífero basearse em suas realizações comuns para extrair o que ambos têm a dizer sobre a espacialidade do ser Uma das abordagens mais explícitas da espacialidade existencial encontrase na obra de Martin Buber intitulada Distance and Relation Distância e relação 1957 Buber apresenta a espacialidade como o começo da consciência humana o primeiro princípio da vida humana É uma peculiaridade da vida humana que nela e somente nela um ser emerja do todo dotado e habilitado para desligar o todo de si mesmo como um mundo e torná lo oposto a si mesmo Essa capacidade existencial original de separar o Ser Humano individuado da totalidade da Natureza do mundo das coisas gira em torno do que Buber denomina de distanciamento primário Somente os seres humanos são capazes de objetivar o mundo afastandose dele E o fazem através da criação de um hiato uma distância um espaço Esse processo de objetivação define a situação humana e a fundamenta na espacialidade na capacidade de desligamento possibilitada pelo distanciamento pela característica de sermos antes de mais nada espaciais É nesse sentido que a espacialidade está presente na origem da consciência humana pois ela permite a rigor pressupõe a distinção existencial fundamental entre o seremsi o ser da realidade não consciente dos objetos inanimados das coisas e o serparasi o ser da pessoa humana consciente A objetivação o distanciamento primário relacionase com o que Sartre denomina de nada a clivagem física entre a consciência subjetiva e o mundo dos objetos necessária para que o ser se diferencie em primeiro lugar para que o ser seja consciente de sua humanidade Nesse ato essencial nessa espacialização originária a consciência humana se origina embora se sustenta seja igualmente apropriado O nada portanto não é nada mais do que a distância primeva o primeiro espaço criado a separação vital que proporciona a base ontológica para a distinção entre sujeito e objeto A objetivação o desligamento e o distanciamento entretanto são somente uma dimensão existencial da consciência base apenas para uma definição mínima do ser Ser humano não é somente criar distâncias mas tentar transpôlas transformar a distância primeva através da intencionalidade da emoção do envolvimento e do apego Assim a espacialidade humana é mais do que o produto de nossa capacidade de nos separarmos do mundo de uma Natureza primitiva para contemplarmos sua plenitude distante e nossa separação No que talvez seja a dialética mais básica da existência humana o distanciamento primário fica sem sentido um dos mais importantes conceitos do existencialismo sem sua negação a criação do sentido através das relações com o mundo Portanto como afirma Buber a natureza humana provém da interação ousaria eu acrescentar da união e da oposição do distanciamento com a relação Entrar em relacionamentos sernomundo o Dasein de Heidegger e o Lêtre poursoi ou êtrelà seraí de Sartre não são possíveis sem o distanciamento sem a capacidade que nos permite assumirmos um ponto de vista do mundo Mas nessa capacidade há também um desejo de relacionar um impulso necessário de superar o desligamento como único meio através do qual podemos confirmar nossa existência no mundo podemos superar a ausência de sentido e estabelecer a identidade Dessa maneira raciocina Buber os dois movimentos lutam entre si cada qual vendo no outro os obstáculos a sua própria realização A subjetividade e a objetividade portanto religamse numa tensão dialética que dá margem ao ser que produz um meio uma segunda natureza humanizada Nessa religação entre o sujeito e o objeto reside um dilema que engloba o núcleo da crítica existencialista o dilema entre o sentido e a alienação A objetivação é parte da condição humana mas colocarse separado do mundo é também fonte da alienação O estabelecimento de relações com o mundo a ligação criativa entre o sujeito humano e os objetos de seu interesse constitui uma tentativa de superar a alienação mas também isso ameaça ser alienante quando reduz o eu subjetivo quando o sujeito é objetivado através das relações com o mundo Assim a alienação existencial é um estado de separação tanto de si mesmo quanto do mundo objetivo dos próprios meios e sentido da existência Nas obras clássicas do existencialismo e da fenomenologia essa tensão dialética entre a realidade da alienação e a necessidade de superála tende a se enraizar no tempo na temporalidade do devir e por conseguinte na formação da biografia e na construção da história Mas ela é simultânea e intrinsecamente espacial aspecto que Sartre Heidegger e Husserl talvez os três fenomenologistas existencialistas mais destacados e influentes dos últimos cem anos enfatizam em suas obras principais A deles é uma ontologia explicitamente situada ou para usarmos a expressão de Husserl regional ver Pickles 1985 na qual a existência e a espacialidade combinamse através de atos intencionais e criativos inerentes ao ser nomundo ao estabelecimento de relações e ao envolvimento Essa espacialidade existencial dá ao ser um lugar um posicionamento dentro do mundo vital o Lebenswelt de Husserl Esse emplacement é um processo apaixonado que vincula o sujeito e o objeto o Ser Humano e a Natureza o indivíduo e o meio ambiente a geografia humana e a história humana Sartre em Search for a Method7 oferece uma intervenção particularmente oportuna O meio ambiente de nossa vida com suas instituições seus instrumentos suas infinidades culturais seus fetiches sua temporalidade social e seu espaço hodológico também isso deve tornarse objeto de nosso estudo Produto de seu produto moldado por sua obra e pelas condições sociais da produção o homem existe ao mesmo tempo em meio a seus produtos e fornece a substância dos coletivos que o consomem A cada fase da vida instaurase um curto circuito uma experiência horizontal que contribui para modificálo com base nas condições materiais de que ele brotou A meta é pois construir sínteses horizontais em que os objetos considerados desenvolvam livremente suas próprias estruturas e suas leis Em relação à sintese vertical essa totalização transversa afirma sua dependência e sua relativa autonomia Sozinha ela não é nem suficiente nem inconsistente8 O lugar passa a existir portanto a partir dos curtocircuitos inerentes à experiência horizontal dos empurrões e puxões da espacialidade na trajetória verticaltemporal da vida Esse posicionamento firma o ser no lugar mas infelizmente transformase também na fonte de mais outro dilema ontológico um dilema com que Sartre Heidegger Husserl e muitos outros lutaram especialmente em seus textos mais maduros Esse dilema religase ao que se tem chamado problema do ser dividido à poderosa separação entre o sujeito pensante e o objeto fundante o ego transcendental e o mundo tal como vivido problema este que tem polarizado a moderna tradição ontológica desde pelo menos a oposição cartesiana entre a res cogitans e a res extensa O posicionamento original fonte do problema é visto exatamente da mesma maneira por Sartre e Heidegger O primeiro descreve a realidade humana como o ser que faz com que o lugar chegue aos objetos Não é possível que eu não tenha um lugar Para o segundo Dasein denomina aquilo que deve ser primeiramente experimentado e depois adequadamente pensado como o Lugar isto é o local da verdade do Ser ver Fell 1979 31 Mas uma vez que o ser tem lugar como se deve entender a relação entre o lugar e o ser Como esferas separadas Como interdependências Como inteiramente moldados pelo vigor do ego absoluto Como inteiramente moldados pela materialidade do lugar Sugiro serem essas as interrogações ontológicas de onde provém toda a teoria social Tanto Sartre quanto Heidegger tentam superar a dualização desse posicionamento através de uma fusão que parece assemelharse à afirmação de uma segunda natureza socializada que emergiria do embasamento do ser um terceiro caminho através do vínculo duplo Joseph Fell em Heidegger and Sartre An Essay on Being and Place Heidegger e Sartre Ensaio sobre o ser e o lugar descreve o terceiro caminho heideggeriano A unidade originária é uma união na separação e uma separação na união A terra e o pensamento certamente são distintos mas são parte um do outro e desde o início agem um sobre o outro como Terra Inteligível 1979 385 grifos do autor Fell passa então a comparar essa fusão dialética em palavras minhas com a clássica oposição entre o universal e o particular que também devem ser considerados fundidos como o mesmo para empregar as palavras dele Isso confere ao contato com o mundo vital o significativo status filosófico que tradicionalmente lhe faltou especialmente em virtude da tendência das ontologias convencionais a afirmarem o ego como absoluto e supremo Mas depois de nos dar esse mundo vital inteligível como uma espacialização identificável do ser Heidegger passa a envolvêlo na temporalidade Em Being and Time Ser e Tempo 1962 tradução de Sein und Zeit 1927 ele escreve A espacialidade parece constituir outro atributo básico do Dasein que corresponde à temporalidade Assim com a espacialidade do Dasein a análise existencialista temporal parece chegar a um limite o curtocircuito de Sartre de modo que a entidade a que chamamos Dasein deve ser considerada como temporal e também espacial coordenadamente Assim será que nossa análise existencial temporal do Dasein foi paralisada pelo fenômeno com que já travamos conhecimento como a espacialidade característica do Dasein e que apontamos como pertencente ao sernomundo 418 Nesse ponto somos levados ao extremo ontológico da dialética espaçotemporal a uma tensão existencial entre a experiência horizontal e a vertical à possibilidade de uma interpretação equilibrada do espaço do tempo e do ser A primazia do tempo entretanto é impossível de resistir Heidegger assim responde a sua indagação A constituição do Dasein e seus caminhos de ser só são ontologicamente possíveis com base na temporalidade independentemente de essa entidade ocorrer no tempo ou não Por conseguinte a espacialidade específica do Dasein deve estar baseada na temporalidade Heidegger reabre a questão da espaçotemporalidade do ser em suas últimas obras e abranda suficientemente sua temporalização para afirmar a importância do lugar como uma categoria ontológica fundamental ocultada na história Mas sua construção de uma ontologia mais plenamente espacializada nunca se completou A glorificação pouco entusiástica do lugar por Heidegger acabou sendo usada para alimentar as chamas do nazismo ocasionalmente com seu próprio incentivo aparente e iria contribuir para o isolamento pessoal e filosófico que marcou seu sernomundo do pósguerra até sua morte em 1976 sozinho em sua terra natal na Floresta Negra Enquanto a historicização heideggeriana do espaço foi em última instância conservadora descomprometida e espiritual o caminho espaçotemporal de Sartre foi muito mais radical ativista e materialista levandoo diretamente ao marxismo através de sua busca de um método A interpretação sartreana da história e da inteligibilidade do mundo vital revestese de uma praxis a qual na Crítica da razão dialética 1976 Sartre vincula a um movimento cuja direção fundamental é determinada pela escassez e que provoca a formação de grupos para lutarem coletivamente por essas necessidades escassas por esse material trabalhado Sartre descreve esse movimento vertical horizontalizado como uma espiral Fell explica A espiral representa o círculo esticado em três dimensões um centro explodido que tem que se manter circulando em termos ótimos num nível cada vez mais alto num esforço de alcançar o tempo ideal futuro em que o organismo como no começo estará novamente em equilíbrio ou numa relação estável com seu ambiente Seu eixo vertical representa a linearidade da busca histórica de unificação pelo homem Seus eixos horizontais cada uma das revoluções representam os desvios da estrita linearidade necessária ao longo do percurso as externalizações e internalizações reiteradas em que o homem faz e é feito por um ambiente material que ameaça e apoia seu projeto Assim o movimento horizontal para dentro e para fora expressa uma mediação dialética A espiral representa pois a materialização do projeto existencialista ou a inserção da consciência revolucionária sartreana numa história material como preço de sua eficácia Fell 1979 348 49 Aqui mais uma vez estamos à beira de uma filosofia da geografia histórica da estruturação espaçotempo de uma ontologia e uma epistemologia equilibradas e não priorizadas do espaço do tempo e do ser Não obstante também Sartre nunca chega realmente a conseguir escapar de seu historicismo ontológico do primeiro lugar explicitamente privilegiado que ele e seu materialismo histórico concede à construção da história Em vez de aplicar sua Crítica a uma geografia histórica tal como poderia ter aparecido em sua obra inacabada sobre a União Soviética Sartre optou por dedicar a maior parte de seus últimos anos de vida à biografia esse que é o mais flagrante dos veículos da imaginação histórica individualizada9 A despeito de suas conclusões últimas em sua vida e em suas ideias Heidegger e em especial Sartre contribuíram expressivamente para a reafirmação do espaço na teoria social e na filosofia Na esteira das lutas ontológicas que pontuaram as realizações desses dois fenomenologistas existenciais do século XX houve um redespertar para a espacialidade do ser da consciência e da ação uma consciência crescente da possibilidade da praxis espacial e uma necessidade cada vez mais reconhecida de repensar a teoria social de modo a incorporar em termos mais centrais a espacialidade fundamental da vida social 1 São relevantes nesse aspecto as críticas epistemológicas ao positivismo provenientes de um grupo de filósofos realistas que têm influenciado expressivamente a reteorização contemporânea da espacialidade Ver por exemplo Bhaskar 1975 e 1979 Keat e Urry 1982 Sayer 1984 e numa aplicação mais direta à geografia humana Gregory 1978 2 As principais obras de Bergson sobre o espaço e o tempo são seu Essai sur les données immédiates de la conscience Ensaio sobre os dados imediatos da consciência 1889 ver também Bergson 1910 e Matière et mémoire Matéria e memória 1896 Para uma ode a Bergson e seus seguidores bem como ao privilegiamento do tempo e da história contra os males da espacialização ver David Gross Space Time and Modern Culture Espaço tempo e cultura moderna publicado em Telos inverno de 198182 uma revista quadrimensal de pensamento radical Tão intensa é a ânsia de manter a priorização do tempo em relação ao espaço nesse periódico que a capa e o cabeçalho de cada página do artigo de Gross trazem o título como sendo Tempo espaço e cultura moderna 3 A contínua gangorra histórica entre a corrente naturalistacientífica dominante do positivismo e do empirismo de um lado e seu contraste hermenêutico antinaturalista de outro é vividamente descrita em Bhaskar 1979 4 Pesquisas investigações em francês no original NT 5 Evento e duração NT 6 Lefebvre foi o primeiro e mais contundente crítico da obra de Sartre Empenhado em amortecer o crescente entusiasmo da esquerda pelo existencialismo na década de 1940 ele atacou O Ser e o Nada LÊtre et le néant 1943 tradução para o inglês de Hazel Barnes 1956 como uma coleção de ideias descartadas e reacionárias ideias com as quais ele mesmo havia brincado em sua juventude mas que abandonara como periféricas a um desenvolvimento não reducionista do marxismo Ver LExistentialisme 1946 para uma crítica de Lefebvre e Mark Poster Existential Marxism in PostWar France O marxismo existencialista na França do pósguerra 1975 para uma visão crítica do confronto SartreLefebvre Numa fase posterior de sua vida Sartre concordaria quase inteiramente com a crítica de Lefebvre ao Ser e o Nada Escreveu que LÊtre et le néant retratou uma experiência interna sem relacionála com a experiência externa do intelectual pequenoburguês que eu era Assim no Ser e o nada o que vocês chamariam subjetividade não é o que ela seria para mim hoje a décalage ponto de mudança de um processo pelo qual uma internalização se reexternaliza num ato Situations IX 102 citado in Fell 1979 478 nota de rodapé 59 Fell traduz décalage por pequena margem 7 Embora o título original seja Question de méthode ver p 164n a tradução para o inglês corresponde a Em busca de um método NT 8 Sartre 1968 7980 Search for a Method é uma tradução de Hazel E Barnes de Question de méthode ensaio que originalmente Sartre queria colocar no final de sua volumosa Crítica da razão dialética 1960 mas que acabou publicando como sua introdução O termo espaço hodológico como assinala Barnes deriva de Kurt Lewin e se refere ao ambiente visto em termos de nossa orientação pessoal As referências à experiência horizontal e às sínteses horizontais entretanto são claramente derivadas de Henri Lefebvre que é atipicamente elogiado por Sartre numa longa nota de rodapé trad de 1968 pp 5152 Em seu Prefácio à edição conjunta a página de rosto diz Critique de la raison dialectique précedé de Question de méthode Sartre também observa que a Questão de método derivou de um convite de um jornal polonês para que ele contribuísse com um ensaio sobre o existencialismo para uma edição especial sobre a cultura francesa Sartre ficou aborrecido com esse cerceamento de seu desejo de escrever sobre as atuais contradições da filosofia especialmente no marxismo francês mas outra pessoa fora solicitada a abordar esses temas Henri Lefebvre Poster 1975 examina com alguns detalhes a crítica de Lefebvre sobre O Ser e o Nada mas não consegui encontrar nenhuma abordagem das interligações posteriores entre esses dois grandes filósofos franceses 9 A totalizante biografia sartreana de Gustave Flaubert em três volumes intitulada LIdiot de la famille foi publicada em 1971 e 1972 Para uma interessante tentativa contemporânea de dar à formação da biografia uma geografia temporal explícita ver Pred 1984 1986 É como se cada nova agressão do exterior cósmico se afirmasse ao mesmo tempo como uma disparidade e ao mesmo absorvida e como talvez a oportunidade única para recomeçar em novas bases a grande trama da totalidade que tenta assimilar contradições antigas e indestrutíveis isto é superálas numa unidade que finalmente seja rigorosa uma unidade que se manifeste como uma determinação cósmica Podese visualizar o movimento circular num espaço tridimensional como uma espiral cujos muitos centros são intermitentemente desviados e se elevam ininterruptamente executando um número indefinido de revoluções em torno de seu ponto de partida Assim é a evolução personalizante pelo menos até o momento da eclosão seu involução regressiva Nesta última circunstância o movimento novamente pelos mesmos lugares ou é uma dada abrupta de uma revolução suposta para uma revolução inferior Sartre LIdiot de la famille I 1971 656671 traduzido em Fell 1979 3478 Crítica tornouse a afirmação mais explícita e engajada de Giddens de sua conceituação da teoria social uma afirmação construtiva da capacidade de geração teórica do elo açãoestrutura O livro é cautelosamente apresentado como uma propedêutica um estímulo à reflexão adicional em vez de se aproximar de uma análise exaustiva da questão principal que suscita 1981 24 Propedêutica ou não a Crítica é o livro mais original e portanto mais vulnerável de Giddens constituindo ao mesmo tempo motivo de comemoração e convite a uma reavaliação crítica de todo o projeto teórico do autor A Crítica deve ser avaliada tanto num nível substantivo quanto num nível teórico e como algo que é simultaneamente uma crítica desconstrutiva e uma tentativa de afirmação reconstrutiva Giddens prenuncia sua abordagem do materialismo histórico nos Problemas centrais 1979 53 onde afirma que os textos de Marx ainda representam o mais expressivo fundo de ideias em que nos podemos basear ao buscar esclarecer problemas da ação e da estrutura Seu poder de esclarecimento no entanto deve ser avivado pela eliminação seletiva de um entulho de conceitos analíticos equivocados ambíguos ou incoerentes e dos muitos erros dos marxismos posteriores Livrarse desse estorvo é o objetivo declarado da Crítica Muitos dos alvos escolhidos por Giddens são conhecidos temas de discussão na literatura marxista contemporânea a insuficiência do esquema evolutivo de Marx e de sua antropologia ultrapassada os perigos do economicismo e do determinismo estruturalista o uso excessivo das categorias e explicações funcionalistas e a falta de teorias apropriadas do Estado da política da urbanização e do poder Há um ataque ao modo de produção como conceito analítico uma negação do aumento incessantemente progressivo das forças produtivas e uma recusa a aceitar toda a história como história das lutas de classe A falange de repúdios críticos sem dúvida há de aborrecer e entediar alguns leitores marxistas Outros hão de argumentar com razão que precisamente essas mesmas questões foram abordadas com mais eficácia por teóricos críticos menos avessos à aceitação do rótulo de marxistas do que Giddens Contudo apesar de suas reclamações Giddens continua singularmente receptivo e simpático comprometido com a centralidade do materialismo histórico na construção da teoria social crítica Na verdade a crítica ao materialismo histórico apresentada por ele é basicamente um acessório da aplicação e elaboração da teoria giddensiana da estruturação e em particular da distinção inerente entre a sociedade dividida em classes e a sociedade de classes postulada nos Problemas centrais Os capítulos substantivos da Crítica giram em torno dessa distinção numa tentativa de abordar a especificidade do capitalismo industrial em comparação com fases anteriores da história mundial As diferenças entre as sociedades divididas em classes basicamente os Estados agrários em que as classes existem mas para os quais a análise das classes não serve de base para identificar o princípio estrutural básico de organização 1981 7 e a sociedade de classes isto é o capitalismo em que o conflito a luta e a análise das classes são essenciais e centrais desdobramse numa série de ensaios críticos carregados de aprendizagens preliminares de apreciações propedêuticas frouxamente sintetizadas que desconfio que não suportariam com facilidade uma análise crítica rigorosa especialmente talvez feita pelo próprio Giddens O capítulo 3 A sociedade como viajante do tempo o capitalismo e a história mundial é uma análise das contradições entre o esquema evolutivo de Marx e as apreciações mais reservadas que se acham na seção das Formen formas dos Grundrisse Seguemse a ele O distanciamento tempoespaço e a geração do poder uma afirmação da importância das relações de tempoespaço versus as relações com a natureza numa interpretação materialista significativamente reorientada da história A propriedade e a sociedade de classes sobre a geração da sociedade de classes no entrelaçamento do capital com o trabalho assalariado numa dialética de controle moldada pela posse privada da propriedade O tempo o trabalho e a cidade sobre a mercantilização do tempo e do espaço na vida cotidiana no capitalismo síntese eclética de Lefebvre Castells Harvey Mumford Wirth Christaller Sjoberg et al Capitalismo integração vigilância e poder de classe exploração adicional da especificidade do capitalismo em termos de meios de controle do papel do Estado e da emergência de sistemas mundiais de integração intersocietária O Estado nacional o nacionalismo e o desenvolvimento capitalista uma interessante excursão desde Montesquieu até a nova divisão internacional do trabalho e O Estado conflito de classes e ordem política uma trajetória criativa embora limitada pelos debates atuais sobre a teoria do Estado A Crítica termina caracteristicamente com as sementes de seus projetados sucessores The Nation State and Violence O Estado nacional e a violência e Between Capitalism and Socialism Entre o capitalismo e o socialismo enredada numa discussão sobre A contradição e a exploração Antes de permitir que Giddens salte para outro estágio de sua via helicoidal entretanto cabe considerarmos com certo cuidado os argumentos conceituadores que estruturam esses capítulos substantivos e que são apresentados na Crítica 1981 3 como elementos de uma interpretação alternativa da história Em particular a teoria da estruturação deve ser submetida à mesma crítica positiva que Giddens aplicou com tanto êxito a outrem Ao fazêlo podese argumentar que a trajetória espiralar que tem marcado o longo projeto de Giddens e que o impulsionou para as realizações perspicazes da Crítica pode terse transformado em sua própria armadilha conceitual mais restringindo do que gerando desenvolvimentos teóricos adicionais Um livro propedêutico talvez mereça uma avaliação propedêutica um convite e uma reflexão maior e não uma análise exaustiva A teoria da estruturação de Giddens toma por base e elabora a máxima fundamental de Marx de que os homens fazem a história mas não em circunstâncias de sua própria escolha que ainda constitui a síntese mais evocadora da relação ação estrutura na teoria social À construção da história Giddens acrescenta a princípio meio desajeitadamente e sem plena consciência de suas implicações o que se poderia descrever como a construção da geografia a produção social do espaço embutida na mesma dialética da praxis A Crítica pleiteia a injeção da temporalidade e da espacialidade no cerne da teoria social e vincula e enquadra a teoria da estruturação em relações tempoespaço Todas as interações sociais escreve Giddens 1981 19 consistem em práticas sociais situadas no tempoespaço e organizadas de maneira engenhosa e esclarecida por agentes humanos Esse esclarecimento e ação entretanto são sempre limitados pelas propriedades estruturais dos sistemas sociais que são simultaneamente o meio e o resultado dos atos sociais formando o que Giddens denomina de dualidade estrutural Os sistemas sociais portanto são concebidos como práticas situadas relações padronizadas estruturadas que se reproduzem socialmente no tempo e no espaço como história e geografia1 A teoria da estruturação é ampliada através de uma combinação de três discursos que servem para vincular diretamente a articulação das relações de espaçotempo à geração do poder e à reprodução das estruturas de dominação A filosofia heideggeriana do Tempo e do Ser os esquemas estruturalistas de Althusser e os textos dos geógrafos modernos sobre conceitos como a geografia temporal e a subjetividade da distância são recompostos por Giddens de modo a descrever como a forma ocorre como as práticas situadas conjugam os momentos temporal estrutural e espacialmente na constituição da vida social O que se evidencia com mais clareza na profusão de neologismos e no vocabulário reformulado para os quais compreensivelmente Giddens roga indulgência é uma ênfase institucional no funcionamento do poder dentro do qual Giddens postula outra bifurcação definitiva O poder e a dominação são pareados na estruturação do controle distributivo do mundo material e do controle autorizado do mundo social Assim a distribuição e a autoridade passam a definir respectivamente os campos do econômico e do político e ligam a teoria geral da estruturação aos temas e à literatura a que faz referência o subtítulo da Crítica O poder a propriedade e o Estado A teoria da estruturação esboçada na Crítica continua impalpável entretanto e muito mais atraente na intenção do que na execução Parte do problema reside na imensidão da tarefa e nas linguagens díspares que são conjugadas de maneira pouco convencional em torno do elo açãoestrutura Além disso a estratégia reiterada de Giddens na formulação de argumentos teóricos tem consistido em desfiar um esquema classificatório interligado prática esta que se torna intratavelmente densa na Crítica muitas vezes confundindo a argumentação em vez de esclarecêla Em termos mais fundamentais porém a teoria da estruturação é construída em torno de uma premissa gerativa que exige um ajustamento mais portentoso da perspectiva teórica do que Giddens é capaz de efetuar2 Embora sua intenção reiterada consista em projetar a temporalidade e a espacialidade no âmago da teoria social crítica presumivelmente no equilíbrio explícito entre tempoespaço Giddens de maneira muito semelhante a Heidegger consegue sem que tencione fazêlo perpetuar a prolongada submersão do espacial sob o primado ontológico e epistemológico do tempo e da história Para Giddens a história e a sociologia tornamse metodologicamente indistinguíveis mas a análise da estruturação espacial continua periférica como um acessório perspicaz A descoberta giddensiana dos textos dos geógrafos modernos e da espacialidade da estruturação constitui não obstante o novo e mais importante ingrediente dos Problemas centrais e da Crítica Ela se distingue da maneira mais propícia de todas as contribuições anteriores do autor nas quais a espacialidade da vida social permanecera praticamente invisível Infelizmente o crescente debate contemporâneo sobre a teoria social e a estrutura espacial sobre a dialética da sociedade e a espacialidade mal chega a ser visto por Giddens que apresenta sua descoberta quase como se ele fosse um pioneiro solitário Isso o leva a recorrer a trechos desarticulados de textos de grandes colaboradores desse debate tais como Lefebvre Foucault Harvey Castells e Poulantzas sem reconhecer que eles forneceram a substância teórica para uma conceituação alternativa da constituição tempoespaço dos sistemas sociais que é tão central para a Crítica Em Estado Poder e Socialismo 1978 por exemplo Poulantzas voltara a concentrar sua análise da materialidade institucional do Estado na formação e transformação das matrizes espaciais e temporais manifestas nos temas do território e da tradição Como assinalamos no capítulo anterior essas matrizes foram definidas como os pressupostos em vez de simples precondições ou resultados do capitalismo implicadas nas relações de produção e na divisão do trabalho A temporalidade e a espacialidade foram conjuntamente apresentadas como a concretização das relações sociais e da prática social o verdadeiro substrato das representações míticas religiosas filosóficas e vivenciais do espaçotempo A Crítica teria sido muito mais rica se Giddens houvesse incorporado a explicitude e o equilíbrio da interpretação de Poulantzas tanto no plano da teoria quanto nos capítulos substantivos sobre o Estado e o nacionalismo onde sua ausência é sumamente perturbadora A exposição giddensiana do distanciamento da presença e da ausência temporalespacial da mercantilização do tempo e do espaço da distribuição e da autorização também teria ficado mais clara e compreensível Em vez disso nenhuma referência é feita a essa dimensão crucial da última grande obra de Poulantzas A ironia da Crítica é que Giddens perde o que seu percurso helicoidal havia conquistado de maneira tão produtiva na última década a oportunidade de reavaliar e reconstituir as clássicas contribuições de Marx Weber e Durkheim e as realizações da hermenêutica e do estruturalismo no século XX Há outra hélice da teoria crítica ainda por escrever que rastrearia a história e a geografia da primazia teórica do tempo em relação ao espaço até suas raízes gerativas Nessa espiral Durkheim Weber e Marx tornam a ser fontes primordiais Foi nas nascentes antihegelianas do materialismo histórico que o tempo revolucionário e a história deslocaram a espacialidade na forma espiritual da consciência hegeliana de Estado e territorial e a relegaram à condição de um fetichismo idealista e digressivo O desenvolvimento de uma teoria materialista efetiva do Estado do nacionalismo e do regionalismo da coletividade e da consciência territoriais foi desde então cerceado Similarmente os projetos teóricos de Durkheim e Weber ao construírem uma ciência social relativamente aespacial com base em interpretações diferenciadas do elo entre a ação individual e a consciência coletiva também marginalizaram o espacial numa externalidade quase mecânica A espacialidade converteuse num espelhocontinente passivo da vigorosa atuação da ação humana e do processo social libertos da determinação ambiental A hermenêutica e o estruturalismo reproduziram muito desse desequilíbrio tradicional A fenomenologia existencialista a despeito da qualidade intrinsecamente espacial de conceitos como Dasein Êtrelà Seraí continuou a se concentrar na temporalidade do Ser e do Devir Para Heidegger em particular o espaço do ser continuou sendo um problema crônico em mais de um aspecto A celebração do sincrônico pelo estruturalismo em comparação mostrouse repleta de metáforas espaciais promissoras mas com relativamente pouca análise espacial explícita Não obstante a hermenêutica e o estruturalismo abriram novas janelas pelas quais foi possível reengajar as relações tempoespaço numa simetria mais apropriada Por mais persistentemente combativos e procusteanos que tenham sido o estruturalismo e a hermenêutica sua conjunção recente e ainda provisória em torno da relação açãoestrutura da qual a obra de Giddens é apenas um grande exemplo exigiu um nexo apropriadamente dialético sem nenhuma prioridade forçada da ação em relação à estrutura ou viceversa Significativamente essa ligação dialética entre a ação e a estrutura foi acompanhada por uma atenção crescente para com outra dualidade tradicional o espacial e o temporal que requer uma conceituação similar epistemologicamente equivalentes dialeticamente relacionados em sua expressão material unificados na praxis e posicionados bem no cerne da teorização social crítica Giddens margeia de perto essa reconceituação crítica certamente mais de perto do que qualquer outro sociólogo contemporâneo que escreva em inglês Seu espaço teórico entretanto continua restrito demais Não há na Crítica nenhuma referência por exemplo a seu colega de Cambridge Derek Gregory cujo trabalho sobre a teoria social e a estrutura espacial no contexto da relação açãodeterminação iluminou tão brilhantemente a literatura geográfica contemporânea3 Há também uma apropriação excessivamente estreita e intermitente da teoria social francesa Em particular os extensos trabalhos de Lefebvre sobre a espacialidade da vida social e da reprodução social sobre a dialética da ação e da estrutura inserida na produção social do espaço não podem ser reduzidos a seus comentários sobre le quotidien e a uma reificação errante do urbano como faz Giddens seguindo como fizeram tantos outros a voz de Castells na Questão Urbana Embora essas deficiências possam ser definidas como estruturais elas não são é claro determinadas de maneira conclusiva especialmente considerandose o agente humano reflexivo e esclarecido que está implicado Logo depois da publicação da Crítica e antes da conclusão de suas prometidas sequências Giddens moveuse para outro nível de desenvolvimento teórico passando novamente pelos mesmos lugares porém com maior clareza e com uma intenção mais formalizadora Em The Constitution of Society A constituição da sociedade 1984 Giddens simultaneamente respondeu a seus críticos expôs as fontes ecléticas de sua recente evolução personalizante e consolidou cuidadosamente uma teoria da estruturação que visava à totalidade As sementes propedêuticas da Crítica desabrocharam num jardim maduro e ordeiro sendo cada espécie floral cuidadosamente rotulada quanto a sua herança ontogenética e filogenética Assim a Constituição oferece outra oportunidade de considerarmos a trajetória proposta pela Crítica e de reconstruirmos em bases mais sólidas a versão giddensiana da reafirmação do espaço A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE E A RECONSTITUIÇÃO DA TEORIA SOCIAL Numa entrevista com Derek Gregory em Society and Space Giddens descreveu seu singular projeto pessoal Não penso em mim mesmo como alguém que trabalhe de maneira inovadora sobre questões epistemológicas e tento colocálas entre parênteses num grau substancial O que estou tentando fazer é trabalhar essencialmente no que descrevo como uma ontologia da sociedade humana isto é concentrarme nas questões de como teorizar a ação humana de quais são as implicações dessa teorização para a análise das instituições sociais e depois de qual é a relação entre esses dois conceitos conjuntamente elaborados Não creio que seja necessário ou possível supor que se possa formular uma epistemologia plenamente desenvolvida e depois de algum modo partir em segurança para estudar o mundo Assim minha ideia é disparar salvas na realidade social por assim dizer salvas conceituais que não fornecem uma epistemologia consolidada global Gregory 1984 124 O que emana dessas salvas conceituais na Constituição é uma teoria reformulada do ser da natureza da existência social Colocada na perspectiva adequada a Constituição se destaca como a afirmação ontológica mais rigorosa equilibrada e sistemática atualmente disponível sobre a estruturação espaçotemporal da vida social Sua posição e sua linhagem dentro do discurso da teoria social crítica são óbvias mas sua realização se estende mais amplamente através dos rastros deixados pelos esforços de Husserl Heidegger e Sartre para dar lugar ao ser É aí que precisam ser situadas suas realizações primordiais A ausência intencional de uma epistemologia formal torna bastante difícil qualquer tradução simples e direta da ontologia de Giddens numa pesquisa empírica demonstrativa enquanto sua necessária inventividade conceitual continua a provocar mal entendidos sobretudo entre os que buscam esse discernimento empírico direto e simples na obra de Giddens No entanto A constituição da sociedade fornece diretrizes esclarecedoras ainda que complexamente sinuosas para a análise empírica e em particular para uma reinterpretação crítica da geografia histórica do capitalismo Ela não apresenta fórmulas e esquemas simples nem propõe posturas rigidamente categóricas sobre as vias teóricas a serem seguidas Mas isso constitui seu ponto forte e não sua fraqueza A teoria da estruturação na Constituição é uma síntese elástica da concatenação quase infindável de dualismos associados que se seguiu à oposição amiúde cristalizada demais entre subjetividade e objetividade Ação e estrutura o individual e o social são flexivelmente combinados por Giddens e essa flexibilidade e fusão ontológicas são a mensagem primordial Os principais conceitos sintetizadores que afirmam esse equilíbrio ontológico podem ser extraídos do Glossário convenientemente anexado páginas 3737 Nossa linguagem conceitual herdada é tão distorcida no tocante às relações espaçotemporais que precisa ser radicalmente reestruturada para expressar a articulação do espaço do tempo e do ser social tarefa essa que Giddens assume conscienciosamente na Constituição O glossário conceitual resultante é um hábil ato de equilibração que insere sistematicamente o espaço aliado ao tempo mas nunca o espaço isoladamente na constituição da sociedade Contextualidade Caráter situado da interação no tempoespaço implicando o palco da interação os atores copresentes e a comunicação entre eles Local Região física implicada como parte do palco da interação dotada de fronteiras definidas que contribuem para concentrar a interação de um modo ou de outro Regionalização Diferenciação temporal espacial ou temporalespacial das regiões nos ou entre os locais a regionalização é uma noção importante para contrabalançar a suposição de que as sociedades são sempre sistemas homogêneos e unificados Integração social Reciprocidade das práticas entre os atores em situações de copresença entendidas como continuidades e disjunções dos encontros Integração dos sistemas Reciprocidade entre os atores ou coletividades no tempoespaço ampliado fora das condições de copresença Distanciamento tempoespaço Extensão dos sistemas sociais no tempoespaço ampliado com base em mecanismos de integração social e integração dos sistemas Apesar dos avanços conceituais o acompanhante temporal tornase vez por outra excessivamente protetor pois Giddens está decidido a reconhecer o espaço sem sucumbir às tendenciosidades disciplinares da geografia moderna e a seus separatismos peculiares Há muito menos cautela entretanto com respeito à história e a suas inclinações disciplinares Como resultado o tempo e a história muitas vezes aparecem sozinhos na Constituição da sociedade imbuídos de autoridade e distributivos muito mais estabelecidos do que o forasteiro geográfico menos conhecido4 A ordem imposta é sempre tempoespaço ligados na mesma sequência dominadordominado de centroperiferia Assim Giddens mais uma vez deixa de tomar a iniciativa da necessária crítica do historicismo que deve acompanhar a reestruturação contemporânea da teoria social crítica5 Ainda assim o vocabulário conceitual reformulado de Giddens pode ser efetivamente apropriado para reconstruir a substância e o sentido da estruturação espaçotemporal Com alguma extensão adaptativa o arcabouço dos conceitos estabelece uma provocante ontologia social conducente ao desenvolvimento do materialismo históricogeográfico uma ontologia muito mais adequada à tarefa do que qualquer outra que tenha emergido do encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental Para sermos mais específicos Giddens se aproxima mais do que qualquer outro teórico social influente de desvendar o que a meu ver é a generalização contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vida social que o mundo vital inteligível do ser compõese sempre e em todos os lugares de um sistema multiestratificado de regiões nodais socialmente criadas de uma configuração de locais diferenciados e hierarquicamente organizados As formas e funções específicas dessa estrutura espacial existencial variam significativamente no tempo e no lugar mas uma vez que o ser seja situado no mundo o mundo em que ele está tornase social dentro de uma matriz espacial de locais estabelecidos A estrutura topológica é mutável e permutável mas está sempre presente para envolver e abarcar situar e constituir toda a ação humana e concretizar a construção da história e da geografia Os geógrafos e os sociólogos examinaram partes dessa espacialização existencial e produziram uma bibliografia imponente que descreve as particularidades e as geometrias hipotéticas de suas aparências reais ou empíricas esperadas6 As fontes geradoras da matriz espacial entretanto têm sido fugidias e ilusórias A incapacidade da geografia e da sociologia de recomporem uma ontologia apropriada na qual para usarmos uma expressão atualmente na moda o espaço tenha importância em vez de simplesmente existir tem mantido oculto o sentido existencial do contexto espacial Examinemos mais detidamente o modo como a aproximação de Giddens pode ser efetivamente ampliada de maneira a destacar mais claramente a generalidade e a especificidade espaciais do ser social Primeiramente existe o evocador conceito de local uma região limitada que concentra a ação e reúne na vida social tanto o singular e particular quanto o geral e nomotético Como observa Giddens tratase de uma noção algo aparentada com lugar tal como utilizado nos textos dos geógrafos culturais onde acrescentaria eu ele é frequentemente afirmado como uma alternativa preferida a espaço e região Mas essa noção provoca uma comparação ainda mais estreita com o uso de lugar nas ontologias de Heidegger e Sartre Para Giddens os locais se referem ao uso do espaço para fornecer os cenários de interação sendo os cenários de interação por sua vez essenciais para especificar sua contextualidade 1984 118 Esses cenários podem ser um aposento numa casa uma esquina de rua o pátio de uma fábrica um presídio um asilo um hospital um bairrovilarejocidaderegião definível as áreas territorialmente demarcadas ocupadas por Estados nacionais ou a rigor a terra ocupada como um todo Os locais são estabelecidos em muitas escalas diferentes e essa hierarquia multiestratificada de locais é reconhecível como um constructo social e como uma parte vital do sernomundo7 A concentração da interação em locais está ligada a outra especificidade contextual do ser social que Giddens hesita em reconhecer A melhor maneira de descrevêla talvez seja como a nodalidade da vida social o acúmulo ou aglomeração de atividades em torno de centros ou nós geográficos identificáveis A nodalidade e a centração por sua vez pressupõem uma situação social de periferia para todo centro existe uma área interiorana mais ou menos delimitável definida por uma diminuição geográfica da nodalidade a qual é predominantemente provocada pelos controles do acesso às vantagens da aglomeração A nodalidade e o caráter periférico existem em certa medida em todos os locais nem que seja apenas como produto dos esforços individuais e coletivos de lutar com o atrito ontologicamente dado da distância imediatamente imposto ao sernomundo A existência a própria presença do ser significa ter que lidar com o desgaste da distância seja no nível do distanciamento primário seja nas rotinas enfadonhas da vida cotidiana Assim uma padronização espaçotemporal ordenada pela distância permeia o cenário existencial da interação humana e não pode ser ignorada na construção da teoria Mas o desgaste da distância tampouco deve ser arrancado de sua contextualidade social e modelado como uma variável independente quase newtoniana determinando a nodalidade dos locais como tem acontecido com tanta frequência nas modalidades quantitativas ou científicas da geografia moderna Como Giddens deixa implícito em sua discussão demasiadamente sucinta das distinções centroperiferia e do desenvolvimento desigual a operação do poder distributivo e autorizado regula a formação dos centros e periferias em toda a gama dos cenários locais Tentando evitar a tática obscurantista do separatismo espacial com sua despolitização intrínseca da espacialidade Giddens enquadra a nodalidade e suas extensões espaciais na temporalidade das relações de poder num eixo de estabelecimento antecedente de controle das pessoas e recursos que define posteriormente a situação de estar de fora Esse eixo temporal de diferenciação entrecruza se com o que existe entre as regiões centrais e periféricas formando as linhas de base das noções giddensianas de distanciamento e regionalização tempoespaço de como a interação humana se estende no tempo e no espaço numa série de cenários desigualmente desenvolvidos e diferenciados8 Dito em termos mais simples a espacialidade e a temporalidade dos locais estão contextualmente entrelaçadas e inseparavelmente vinculadas às relações de poder desde o começo até o fim As regiões centrais e periféricas são portanto análogas à criação de uma oposição social primordial entre o dentro e o fora do poder para voltarmos a minha tese anterior sobre a natureza e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual e das relações entre a espacialidade e a classe ver capítulo 4 A nodalidade a regionalização e o poder também estão implicados em outro aspecto contextualizador do ser social a criação de recintos limitados que demarcam o que Giddens denomina de disponibilidade da presença presençaausência da interação humana Aqui dois termos adicionais e estreitamente relacionados territorialidade e regionalismo precisam ser incluídos no glossário giddensiano e entremeados na teoria da estruturação Ambos funcionam de muitas maneiras diferentes no sentido de segregar e compartimentalizar a interação humana controlando a presençaausência e a inclusãoexclusão Tal como a distinção centroperiferia com a qual estão estreitamente relacionados a territorialidade e o regionalismo expressam o poder distributivo e autorizado que opera nos locais Fazendo um empréstimo de Foucault eles são produtos da instrumentalidade do espaçopodersaber e fornecem a base para espacializar e temporalizar o funcionamento do poder A territorialidade é o termo mais geral e contém alusões a noções particularizadas como soberania propriedade disciplina vigilância e jurisdição9 Referese à produção e à reprodução de recintos espaciais que não apenas concentram a interação o que é um traço de todos os locais mas também intensificam e impõem sua delimitação A territorialidade quase que por definição está presente em todos os locais pelo menos na fronteira mais externa onde começa a ausência de interação Mas essa delimitação pode ser mais ou menos rígida ou permeável e pode mudar de forma ao longo do tempo Também pode existir dentro do cenário local Essa territorialidade intralocal pode ou não coincidir com as regiões centrais e periféricas mas está sempre associada à regionalização às divisões espaçotemporais da atividade e da relação A diferenciação regional nos e entre os locais por sua vez é o cenário de um regionalismo contingente de uma consciência e assertividade ativas de determinadas regiões diante de outras regiões como recintos territoriais e sociais Como expressão da territorialidade dos locais o regionalismo se baseia na geografia do poder O ser material na forma do corpo é a primeira e prenunciadora exemplificação dessa hierarquia de locais nodais diferenciados O ego é a centralização primeva e tensionada do ser e em torno dele se forma uma regionalização criada que até muito recentemente escapou à análise formal pois permaneceu obstinadamente fora daquilo que Giddens descreve como nossa consciência discursiva em contraste com a consciência prática Giddens voltase primordialmente para a sociologia dos encontros de Goffman e para a geografia temporal de Hagerstrand em busca de discernimento dessa regionalização egocêntrica mas algumas salvas conceituais igualmente perspicazes podem ser encontradas na obra de Edward Hall Robert Sommer e outros que contribuíram para espacializar o ego através de uma crítica cultural e da iniciação de uma psicologia ambiental da cognição espacial Soja 1971 O que se revelou cada vez mais nesses textos foi uma notável microgeografia da interação humana articulada em torno das bolhas portáteis do zoneamento pessoal do espaço e do comportamento proxêmico uma linguagem corriqueira não verbal e não escrita da intersubjetividade espacial Mas isso é apenas o começo a primeira de muitas camadas de locais e regionalizações criados que se espraiam para fora a partir da espacialidade subjetiva do ego portátil passando a se imprimir na paisagem humanizada A nodalidade entrelaça atividades coletivas em torno de outros cenários centrados e relativamente fixos que também são regionalizados e mais ou menos delimitados territorialmente No mundo moderno o local de trabalho e o local de residência são os locais nodais predominantes da copresença social e sua separação e territorialidade localizadas induzem a sua própria padronização ordenada pela distância mas socialmente produzida da interação e da experiência humanas Nos contextos menos modernos esses dois locais são tipicamente cocentrados e se reforçam mutuamente definindo recintos mais estreitamente delimitados de integração social relativamente impermeáveis à interação em escalas geográficas mais elevadas exceto através da aglomeração de locais nodais e de microgeografias individuais nos povoamentos humanos ou no que seria útil chamarmos de localidades As localidades outro termo que Giddens não utiliza podem ser definidas como tipos particulares de locais permanentes social e espacialmente estabilizados através do estabelecimento aglomerado de sítios de atividade primária e do estabelecimento de comunidades territoriais afins Como todos os locais elas são estruturações espaçotemporais provenientes da combinação da ação humana e do impacto condicionador das condições espaçotemporais preexistentes Fornecem outro cenário criado um ambiente construído mais elaborado para a interação humana ampliada em escala densidade diferenciação social e apego coletivo ao lugar São também locais geradores do que Giddens define como distanciamento a extensão dos sistemas sociais no tempoespaço desde a copresença da integração social local até as coletividades e reciprocidades mais abrangentes e elásticas da integração dos sistemas As localidades portanto são os esteios da urbanização a formação de locais nodalmente aglomerados e coesos regionalmente diferenciados em termos internos dentro do aglomerado comparados um local urbanizado versus outro e hierárquicos posicionados num sistema multiestratificado de locais urbanos As vilas e cidades podem ser descritas como localidades que abrangem contextos recintos e concentrações nodais da interação humana ligados à integração social e dos sistemas e por conseguinte a redes múltiplas de poder social No contexto do mundo contemporâneo a localidade pode ir desde os menores povoados ou bairros até as maiores conurbações A urbanização contudo representa uma ruptura com a generalidade ontológica e impõe uma transição para uma geografia histórica mais concretamente especificada mudança esta que Giddens não chega a explicitar suficientemente Todas as sociedades humanas que já existiram foram contextualizadas e regionalizadas em torno de um encaixamento multiestratificado de locais nodais supraindividuais uma base doméstica para a alimentação coletiva e a reprodução biológica locais de coleta e territórios para alimentos e materiais centros cerimoniais e lugares para brincar espaços comuns e terrenos proibidos vizinhanças definíveis e recintos territoriais Contudo apenas em algumas sociedades esses locais foram aglomerados em povoamentos especificamente urbanos e somente nos dois últimos séculos é que a urbanização se expandiu tornandose o cenário vital dominante para uma grande parcela da população mundial mesmo nas áreas convencionalmente definidas como não urbanas ou rurais Essa é a definição ampliada do urbano usada por Lefebvre para descrever a geografia específica do capitalismo O entendimento da urbanização e do urbanismo na contextualidade de locais hierarquicamente centralizados portanto mais projeta do que rejeita a ontologia giddensiana Giddens não consegue desenvolver uma teoria rica e rigorosa da urbanização optando em vez disso por concentrar suas projeções no Estado nacional como se o Estado suplantasse a urbanização em vez de encarnála como locus primário do poder Mas ele de fato insiste em situar o urbano no âmago da teoria social crítica e em meio à estruturação tempoespaço Desse modo a especificidade do urbano essa velha questão que tanto dividiu os geógrafos e sociólogos marxistas recebe uma nova feição e um novo significado A urbanização pode ser vista como uma de várias grandes acelerações do distanciamento tempoespaço que estenderam a escala das interações humanas sem necessariamente destruir sua anatomia espacial fundamental Você e eu ainda vivemos dentro de uma hierarquia de regionalizações nodais provenientes de nosso corpo mas a interação social e a integração das sociedades expandiramse agora em escala mundial num alcance global em que o processo de urbanização foi um veículo primordial A especificidade do urbano é definida pois não como uma realidade separada com suas próprias regras sociais e espaciais de formação e transformação ou meramente como um reflexo e uma imposição da ordem social O urbano é uma parte integrante e uma particularização da generalização contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vida social a de que criamos e ocupamos uma matriz espacial multiestratificada de locais nodais Em sua particularidade sua especificidade social o urbano é permeado por relações de poder relações de dominação e subordinação que canalizam a diferenciação regional e o regionalismo a territorialidade e o desenvolvimento desigual e as rotinas e revoluções em muitas escalas diferentes As generalidades descritivas da Escola de Chicago e da maior parte da sociologia e da geografia urbanas modernas alegando que as cidades se distinguem presumivelmente do rural ou não urbano por seu tamanho densidade heterogeneidade anomia solidariedades funcionais e concentricidades e axialidades geográficas não são inexatas Mas escondem a especificidade mais fundamental do urbano que provém da conjunção da nodalidade do espaço e do poder As cidades são aglomerações nodais especializadas construídas em torno da instrumental disponibilidade de presença do poder social Elas são centros de controle cidadelas concebidas para proteger e dominar através do que Foucault denominou de pequenas táticas do habitat mediante uma geografia sutil de recintos fechados confinamento vigilância compartimentalização disciplina social e diferenciação espacial A capacidade de controlar emana em grande parte da própria nodalidadecentralidade e se estende para fora em pelo menos dois planos um que vai diretamente do centro para o interior um controle vicinal que tipifica a integração social e um segundo que parte de um centro nodal para outros um controle hierárquico que é característico da integração dos sistemas Juntas essas emanações urbanas e territoriais do poder e do controle definem a própria natureza do Estado Definem também um campo contestável de política espacial e luta civil pelo droit à la ville o direito à cidade nos termos de Lefebvre o poder dos cidadãos de controlar a produção social do espaço10 Como escreve Giddens a cidade é muito mais do que um simples meio físico É um continente de armazenagem de recursos administrativos em torno dos quais os Estados se constroem 1984 183 Ele observa as dramáticas mudanças na contextualidade da cidade acarretadas pela ascensão da industrialização capitalista e por sua mercantilização do tempo e do espaço no final de um capítulo sobre O tempo o espaço e a regionalização Em seguida como seria apropriado voltase para Foucault em busca de discernimento crítico sobre o momento e o espacejamento do poder disciplinar introduzindo essas apreciações numa análise subsequente dos princípios estruturais das Sociedades Tribal Dividida em Classes e de Classes capitalista Nesse ponto surge uma importante distinção entre a organização local dominante das sociedades divididas em classes enraizada na simbiose entre a cidade e o campo o eixo que relaciona as áreas urbanas com seu interior rural e a organização local dominante do capitalismo a expansão alargada de um ambiente criado ou fabricado Quão de perto isso se aproxima de focalizar nossa atenção na espacialização problemática e fundamental que marcou a geografia histórica do capitalismo que Lefebvre desmascarou e ligou tão estreitamente à urbanização e que outros começam a identificar como a chave para o entendimento da sociedade capitalista contemporânea Mas Giddens mais uma vez sobe numa espiral até a margem da versão lefebvreana apenas para se recusar a dar o passo lateral seguinte Na segunda metade da Constituição a hélice giddensiana inicia uma involução quase regressiva repetindose sem avançar muito à frente A importância vívida e central da espacialidade parece ser esvaziada ponto por ponto até sermos deixados num longo capítulo sobre a aplicação da teoria da estruturação à pesquisa empírica e à crítica social que se segue a outra exorcização de Talcott Parsons praticamente sem espaço algum Há uma breve menção ao desenvolvimento desigual como tendo uma aplicação mais ampla do que se tem reconhecido comumente 319 seguida por várias frases quase wallersteinianas sobre o fato de a regionalização produzir e difundir as contradições sociais Mas o conselho explícito dado ao analista social parece omitir a vigorosa afirmação de que o espaço tem importância afinal Não surpreende que a reação sociológica a Giddens tanto pró quanto contra tenha deixado quase completamente de reconhecer a importância de sua pronunciada virada espacial pois o próprio Giddens parece encobrila nos momentos mais cruciais Bem no final da Constituição Giddens tenta com afinco resgatar sua geografia depois de havêla escondido nas 150 páginas anteriores Formulada como uma reconsideração derradeira ele escreve A frase pode parecer bizarra mas os seres humanos realmente fazem sua própria geografia tanto quanto fazem sua própria história Em outras palavras as configurações espaciais da vida social são um tema de importância tão básica para a teoria social quanto o são as dimensões da temporalidade 1984 363 São estas as últimas frases do texto O espaço não é uma dimensão vazia ao longo da qual os grupos sociais se estruturam mas tem que ser considerado em termos de seu envolvimento na constituição dos sistemas de interação A mesma afirmação feita em relação à história se aplica à geografia humana não há diferenças lógicas ou metodológicas entre a geografia humana e a sociologia 368 Se essas declarações finais marcadas por um ponto de exclamação acerca da Ciência Social História e Geografia permanecerão como a palavra final de Giddens sobre o assunto ou se irão transformarse nas sementes de outra sequência em espiral é difícil prever Olhando novamente para A constituição da sociedade resta muito a ser louvado A meu ver a instilação do poder numa ontologia explicitamente espacializada da sociedade e portanto nas interpretações da construção da geografia ao lado da construção da história constitui o principal feito de Giddens Há argumentações similares na obra de Foucault Lefebvre Poulantzas Sartre e talvez outros que me hajam escapado Mas na Constituição Giddens reúne quase tudo numa síntese monumental que pela primeira vez fornece uma ontologia social sistemática capaz de sustentar a reafirmação do espaço na teoria social crítica A crítica mais fácil a Giddens é a mais complicada e possivelmente a mais inútil pois ele ergueu uma couraça sumamente forte contra ela em sua evolução personalizada Ao deixar a epistemologia a cargo de outrem e se concentrar na ontologia social Giddens libertouse para mergulhar à vontade na análise empírica sem compromisso com ninguém a não ser com seu próprio arcabouço interpretativo sua própria determinação cósmica para resgatarmos a citação inicial de Sartre Isso é claro não é incomum entre os melhores teóricos e filósofos sociais Mas deixa Giddens vulnerável ao perder de vista as particularidades do momento contemporâneo suas novas possibilidades e suas rupturas com o passado Como escreve o sociólogo e realista teórico John Urry Giddens tende a negligenciar os problemas da explicação das causas e consequências das recentes transformações da estruturação espacial do capitalismo tardio Além disso essa omissão é particularmente grave uma vez que é o espaço e não o tempo que constitui a dimensão distintamente significativa do capitalismo contemporâneo tanto em termos de seus processos mais destacados quanto em termos de uma consciência social mais geral Como argumenta Braudel o historiador da longue durée Todas as ciências sociais devem abrir espaço para uma concepção cada vez mais geográfica da humanidade 1985 21 Isso constitui essencialmente um apelo por uma aplicação mais empírica e mais espacialmente centrada da teoria social crítica às perplexidades dos dias atuais E nos leva para uma outra rodada de reestruturação uma desconstrução e reconstituição mais profundas da teoria social crítica do que Giddens parece haver contemplado Dar sentido à modernidade contemporânea ou à pósmodernidade se preferirem não é algo que se possa fazer mediante o simples anúncio da equivalência lógica e metodológica da história da geografia e da sociologia em suas feições modernistas e a exaltação da fecundidade de suas religações nascentes Todo o tecido da moderna divisão acadêmica e intelectual do trabalho que definiu fechou e reificou essas disciplinas desde o final do século XIX precisa ser radicalmente remoldado Assim o sociologismo residual de Giddens assume uma nova significação pois a sociologia tão ricamente consolidada e ampliada por ele destacase hoje como um dos muitos monumentos disciplinares reificados que precisam ser desconstruídos para que possamos lograr êxito em fazer qualquer coisa nova 1 É interessante notar que Giddens enfatiza sistematicamente a combinação tempoespaço mas nunca usa explicitamente a expressão geografia histórica 2 Dada a discussão do capítulo anterior talvez seja mais exato descrever essa premissa gerativa como uma afirmação ontológica primordialmente derivada de Heidegger cujas obras tiveram particular influência nas teorizações de Giddens 3 Ver Gregory 1978 em particular Após a publicação da Crítica há muito mais contato entre Giddens e Gregory Ver Gregory 1984 Gregory e Urry 1985 e o verbete de Gregory sobre a teoria da estruturação em The Dictionary of Human Geography Johnston et al 1986 4 O glossário de Giddens inclui o verbete historicidade Identificação da história como mudança progressiva pareada com a utilização cognitiva dessa identificação para fomentar essa mudança A historicidade implica uma visão particular do que é a história o que significa utilizar o conhecimento da história para modificála Não há um verbete equivalente sobre a espacialidade 5 Mas o mesmo se deu convém acrescentar com todos os teóricos sociais espacializadores que examinei desde Foucault e Lefebvre que mais se aproximaram disso até Harvey Mandel e Jameson 6 A teoria do lugar central por exemplo descreve uma geometria idealizada da matriz espacial em condições em que se presume que as relações de mercado e o comportamento minimizador da distância no tocante à prestação de serviços sociais dominem a produção social do espaço Ocasionalmente seus modelos exibem uma semelhança fortuita com as paisagens geográficas reais das sociedades capitalistas basicamente por serem também eles estruturados em torno de uma suposta matriz espacial de locais estabelecidos Eles representam uma das raras tentativas na história da teoria social de abordar aspectos selecionados dessa espacialização existencial 7 A escala e a hierarquia também devem ser vistas como constructos sociais e não simplesmente como dados existenciais Para discussões recentes sobre as escalas espaciais características associadas ao desenvolvimento capitalista no nível do global do Estado nacional e do urbano ver Taylor 1981 e Smith 1984 Essas obras porém são pouco mais do que investigações iniciais num tema muito complexo e pouco estudado 8 Giddens apresenta um diagrama simples 1984 131 para descrever essas relações O eixo vertical traz estabelecidos no topo e forasteiros na parte inferior É atravessado por um eixo horizontal que vai das regiões centrais para as regiões periféricas 9 Comecei a investigar o conceito da territorialidade humana e sua relação com a organização política do espaço no fim dos anos sessenta ver Soja 1971 Boa parte desse trabalho teve de ser puramente defensiva pois a visão então vigente da territorialidade estava carregada de imperativos bioetológicos que obscureciam qualquer interpretação sociopolítica Para uma tentativa recente de resgatar e reformular os debates sobre a territorialidade humana ver Sack 1986 Nem meu trabalho anterior nem o de Sack entretanto fornecem uma ontologia social satisfatória da territorialidade 10 Ver Michael Mann The Sources of Social Power As origens do poder social volume 1 1986 quanto aos primórdios do que promete ser uma das poucas análises explicitamente geográficas do Estado e da estratificação social Mann parte da seguinte afirmativa grifada As sociedades são constituídas de múltiplas redes socioespaciais de poder que se superpõem e se cruzam 1 Ele prossegue observando que A maioria dos teóricos prefere noções abstratas da estrutura social de modo que ignora os aspectos geográficos e sócioespaciais das sociedades Se guardarmos em mente que as sociedades são redes com contornos espaciais definidos poderemos remediar isso 9 O desenvolvimento capitalista precisa negar uma margem estreitíssima entre a preservação dos valores dos compromissos passados assumindo novo lugar e rumos temporais a fim de abrir um novo espaço para a acumulação O capitalismo luta perpetuamente portanto por criar uma paisagem social e física à sua própria imagem e indispensável para suas necessidades em determinado ponto do tempo simplesmente para com igual certeza mirar desintegrar e até destruir essa paisagem num ponto posterior de tempo As contradições internas do capitalismo expressamse através da formação e reconfiguração de seus paisagens geográficas É de acordo com essa música que a geografia histórica do capitalismo tem que dançar ininterruptamente Harvey 1985 150 OBSERVAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE REESTRUTURAÇÃO A reestruturação em seu sentido mais amplo transmite a noção de uma freada senão de uma ruptura nas tendências seculares e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social econômica e política Evoca pois uma combinação sequencial de desmoronamento e reconstrução de desconstrução e tentativa de reconstituição proveniente de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos A antiga ordem está suficientemente esgarçada para impedir os remendos adaptativos convencionais e exigir em vez deles uma expressiva mudança estrutural Estendendo a terminologia de Giddens podese descrever essa freadaemudança como uma reestruturação temporalespacial das práticas sociais do mundano para o mondiale mundial Esses processos de reestruturação social continuam a ser enterrados sob esquemas evolucionistas idealizados em que a mudança simplesmente parece acontecer ou surge para pontuar alguma marcha inelutável para o progresso Esse idealismo evolucionista outra forma de historicismo disfarça o arraigamento da reestruturação na crise e no conflito competitivo entre o velho e o novo entre a ordem herdada e uma ordem projetada A reestruturação não é um processo mecânico ou automático nem tampouco seus resultados e possibilidades potenciais são predeterminados Em sua hierarquia de manifestações a reestruturação deve ser considerada originária de e reativa a graves choques nas situações e práticas sociais preexistentes e desencadeadora de uma intensificação de lutas competitivas pelo controle das forças que configuram a vida material Assim ela implica fluxo e transição posturas ofensivas e defensivas e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e mudança Como tal a reestruturação se enquadra entre a reforma parcial e a transformação revolucionária entre a situação de perfeita normalidade e algo completamente diferente Que estamos atualmente envolvidos num período contínuo de intensa reestruturação social parece com a crescente clareza da visão retrospectiva difícil de negar Há também uma ampla concordância entre os que tentam interpretar essa reestruturação contemporânea em que ela foi deflagrada por uma série de crises interrelacionadas desde as insurreições urbanas dos anos sessenta até a profunda recessão mundial de 197375 que assinalaram o fim do prolongado período de expansão econômica capitalista que se seguiu à II Guerra Mundial Embora isso seja menos amplamente aceito também se pode argumentar que essas crises emergiram primordialmente em conjunção com as estruturas institucionais específicas que sustentaram e pautaram a acumulação capitalista expansionista dos anos do surto de crescimento do pósguerra Mais especificamente elas podem ser vistas como uma cadeia complexa de crises na divisão internacional do trabalho estabelecida e na distribuição global do poder político e econômico nas funções expandidas e hoje claramente contraditórias do Estado nacional nos sistemas previdenciários keynesianos e nos contratos sociais estabilizadores entre governos empresas e a mão de obra organizada nos padrões de desenvolvimento regional desigual que se haviam tornado tão solidamente estabelecidos dentro dos países no século anterior nas formas desenvolvidas de exploração das mulheres das minorias e do meio ambiente natural na morfologia espacial na industrialização e no funcionamento financeiro das cidades e das áreas metropolitanas na concepção e na infraestrutura do meio ambiente construído e do consumo coletivo e nos modos como as relações de produção capitalistas se imprimem na vida cotidiana desde o processo de trabalho no local de trabalho até a reprodução da vida da mão de obra e do poder patriarcal na família e no lar Cada um desses campos de crise e reestruturação gerou uma crescente bibliografia acadêmica e novos contextos para um debate crítico Cada qual gerou também sua própria constelação de frases de efeito populares que tentam captar e definir as novas formas que se supõe estarem emergindo Uma das primeiras e mais conhecidas dentre elas anunciou o nascimento de uma Sociedade PósIndustrial com seu fim abreviado da era industrial e suas ideologias associadas nos países capitalistas tardios e a mudança concomitante para uma nova economia baseada nos serviços como uma conclusão idealizada da momentosa ascensão através de etapas de crescimento progressivas Entretanto há muitas outras que a esta altura encheram a imaginação popular de epítetos projetados de reestruturação uma Nova Ordem Econômica Internacional induzida pelos milagres industriais dos PRIs Países RecémIndustrializados e pela Periferalização do Centro numa Era do Capital Global novamente centrada na Orla do Pacífico uma Mudança do Poder que joga o Cinturão do Sol contra o Cinturão do Gelo proveniente da Desindustrialização da América e do crescimento da Alta Tecnologia e da Revolução da Eletrônica nas novas Paisagens de Silício ou os Estados PósPrevidenciários lutando com a Nova Austeridade para criar uma Sociedade Baseada na Informação e sistemas industriais PósFordistas Escolher um caminho que atravesse essa floresta metafórica não é tarefa simples Cada um desses rótulos ajuda de algum modo a ilustrar o processo de reestruturação mas é comum eles parecerem brilhar com tanta intensidade que nos impedem de ver o que pode realmente estar acontecendo em toda a sua plena complexidade e intercontingência Tornase necessário portanto apresentar uma breve leitura do ponto a que tenciono chegar na análise e na interpretação dos processos de reestruturação contemporâneos O ponto de partida é a ligação afirmativa entre a reestruturação e a espacialização Assim o momento contemporâneo será examinado como sendo a mais recente tentativa de reestruturar as matrizes espaciais e temporais do capitalismo mais uma busca de um arranjo espaçotemporal voltado para a sobrevivência Se há de haver um materialismo históricogeográfico ou se preferirem uma robusta geografia humana crítica ele virá de darmos sentido teórico e prático a essa reestruturação espacial temporal e social contemporânea Para enfatizar o elemento mais convencionalmente desprezado dessa tríplice reestruturação e erguer uma defesa contra seu desaparecimento nas outras dobras e recônditos focalizarei as três correntes principais da reestruturação espacial A primeira começa pela reestruturação ontológica que propôs a reafirmação do espaço na teoria social crítica e no discurso filosófico tema principal dos capítulos anteriores Se precisarmos de um epíteto contemporâneo para essa reestruturação teórica que seja póshistoricismo A segunda corrente tem sido guiada pela espacialização do marxismo ocidental e diz respeito à economia política material da acumulação capitalista e da luta de classes no contexto do desenvolvimento urbano e regional Por ora pósfordismo fornece uma condensação conveniente dessa corrente de reestruturação espacial A terceira corrente acrescenta à economia política urbana e regional uma dimensão e uma crítica culturais insistentes que estendem a reestruturação aos debates sobre a natureza da modernidade da modernização e do modernismo Aqui os argumentos são captados na afirmação de um pósmodernismo que se ergue à maneira de Jano em resposta às difundidas instrumentalidades do momento contemporâneo1 Essas três correntes se reunirão de maneira sumamente propícia no contexto empírico de um lugar exemplar a afluente cidaderegião de Los Angeles Antes de examinarmos Los Angeles no entanto pretendo aventurarme primeiro na segunda corrente a fim de descrever alguns aspectos da economia política da reestruturação urbana e regional de sua espacialidade sua periodicidade e sua geografia histórica Será uma viagem bastante rápida sem os densos detalhes empíricos e a complexidade necessários para dar profundidade e convicção aos argumentos especialmente talvez para os historiadores e geógrafos de orientação idiográfica Mas ela preparará indicativamente o cenário como um esboço sugestivo que visa a estimular outras investigações históricogeográficas AS REGIÕES NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO E DA QUESTÃO REGIONAL Nos últimos vinte anos algumas mudanças significativas têm ocorrido nos padrões de desenvolvimento regional desigual que se haviam estabelecido tão solidamente nos países capitalistas tardios durante o século precedente Da mesma maneira que alguns acontecimentos concomitantes na economia global parecem estar desarticulando a límpida compartimentalização entre Primeiro Segundo e Terceiro Mundos e induzindo a proclamações de uma Nova Divisão Internacional do Trabalho o mosaico padronizado da diferenciação regional subnacional vai se tornando mais caleidoscópico liberto de sua rigidez anterior A mudança acelerada da produção industrial e do poder político do Cinturão do Gelo para o Cinturão do Sol nos Estados Unidos por exemplo tornouse uma metáfora de alcance geral que encerra e estrutura o debate público e a pesquisa acadêmica sobre a questão regional De maneira similar temse chamado a atenção para uma Terceira Itália emergente Bagnasco 1977 complicando o dualismo simples que definira até aqui o mais clássico modelo NorteSul do desenvolvimento regional desigual e também para uma série de inversões de papel das regiões em muitos outros países à medida que áreas industriais antes prósperas vão declinando simultaneamente à rápida industrialização de periferias regionais antes menos desenvolvidas Como muitos têm argumentado a questão regional e a análise da reestruturação regional foram colocadas na agenda política e teórica contemporânea com força renovada Consideremos por exemplo os títulos de algumas publicações recentes Regiões em crise Capital versus regiões O problema regional As regiões em questão Guerras regionais por empregos e dólares A análise regional e a nova divisão internacional do trabalho O regionalismo e o Estado capitalista Desenvolvimento desigual e regionalismo Capitalismo global e declínio regional Problema regional em que sentido O Norte se erguerá outra vez O desenvolvimento regional e a comunidade local Ciclos de lucro oligopólio e desenvolvimento regional Obviamente há algo que se agita enquanto as visões alternativas manobram para se posicionar numa economia política regional emergente cada qual buscando uma compreensão apropriada da mudança regional contemporânea É possível usar quatro contextos interpretativos para situar os debates contemporâneos sobre a questão regional O primeiro e mais abrangente é a reteorização transformadora do espaço do tempo e do ser social que vem atualmente ganhando forma na teoria social e na filosofia contemporâneas Há pouco mais a dizer sobre esse contexto situador salvo para enfatizar mais uma vez que ele provém basicamente de uma ontologia reconstruída da sociedade humana na qual a formação das regiões a padronização do desenvolvimento regional desigual e do regionalismo e a formulação da teoria regional são diretamente implantadas num processo abrangente de espacialização a produção social do espaço Concreta e concretizadora historicamente situada e politicamente carregada essa estruturação espacial da sociedade dá especificidade interpretativa às regiões como parte de uma espacialidade multiestratificada que se estende em seu impacto desde a vida cotidiana num meio ambiente construído imediato de integração social até as redes sistêmicas de fluxos e conexões transacionais que unem a economia global do espaço Assim as regiões subnacionais encontramse entre os muitos locais criados e constitutivos da vida social contingentes aos processos sociais e históricos e simultaneamente formadores da sociedade e da história O segundo contexto interpretativo provém de uma reteorização mais específica das causas e consequências da natureza e da necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual Como se argumentou antes capítulo 4 o desenvolvimento geograficamente desigual é uma parte essencial da espacialidade capitalista de sua matriz espacial e sua topologia características Produzido e reproduzido em múltiplas escalas ele é inerente à concretização das relações sociais capitalistas e das regionalizações como meiopressuposto e como resultadoencarnação Tal como a própria espacialidade o desenvolvimento geograficamente desigual tem sido visto tradicionalmente como um reflexo externo das forças sociais um espelho ilusório da ação social e da luta das classes sociais Também ele vem sendo agora adequadamente reconceituado num materialismo histórico e geográfico reconstruído Situar a questão regional subnacional no contexto do desenvolvimento geograficamente desigual ligaa à dinâmica das mutáveis divisões espaciais do trabalho e à interação entre a regionalização e o regionalismo As regiões subnacionais assim definidas portanto são produto de uma regionalização no nível do Estado nacional uma diferenciação geográfica particularizada que é tão provisória ambivalente e criativamente destrutiva quanto qualquer outro componente da matriz espacial do desenvolvimento capitalista Similarmente essa divisão espacial subnacional do trabalho pode proporcionar canais eficazes de exploração ou não ela não tem nenhuma funcionalidade automática e predeterminada para a lógica do capital Tratase de uma espacialização resultante que decorre das lutas competitivas e de conjunturas particulares repleta de tensões política ideologia e poder O regionalismo por sua vez é uma resposta possível à regionalização uma formação reativa para tomarmos um termo usado para descrever a filiação étnica e outras identidades comunitárias O regionalismo pode assumir muitas formas políticas e ideológicas diferentes que vão desde a solicitação aquiescente de recursos adicionais até as tentativas explosivas de secessão Hadjimichalis 1986 Essa dinâmica da regionalização e do regionalismo subnacionais não pode ser facilmente generalizada ou especificada pois é essencialmente conjuntural e periodicamente sofre uma reestruturação substancial Daí a necessidade de concretizar ainda mais a questão regional colocandoa dentro de um terceiro contexto interpretativo a periodicidade da regionalização na geografia histórica do capitalismo Isso nos leva de volta à descrição de Harvey da formação e reformação irrequietas das paisagens geográficas e à periodização mandeliana em ondas longas do desenvolvimento capitalista Como anteriormente assinalado a interpretação de Mandel sobre a questão regional decorre de sua afirmação de que todo o sistema capitalista aparece como uma estrutura hierárquica de diferentes níveis de produtividade como o desenvolvimento desigual de Estados regiões ramos da indústria e empresas desencadeado pela busca de superlucros 1975 102 Essa busca de superlucros gira em torno de três fontes fundamentais duas delas primordialmente definidas em torno da diferenciação regional subnacional e internacional e a terceira em torno do desenvolvimento setorialmente desigual Todas as três fontes existem desde as origens do capitalismo mas Mandel argumenta que cada uma alcançou uma proeminência particular em diferentes períodos históricos Durante o que ele denomina de era do capitalismo de livre concorrência até o fim do século XIX a forma predominante dos superlucros derivou da justaposição regional da indústria e da agricultura nos países então capitalistas avançados justaposição essa que estava profundamente imbricada nas relações entre a cidade e o campo O capital e a produção industriais estavam concentrados e localizados em apenas alguns complexos territoriais cercados por anéis de regiões agrícolas que serviam para fornecer matériasprimas e alimentos mercados para os bens de consumo industriais e reservatórios de mão de obra barata Essa singular divisão regional do trabalho consolidouse através da formação de mercados nacionais integrados como na unificação da Alemanha e da Itália no fim do século XIX e reforçou a hegemonia sobre os territórios dependentes O caso clássico de um país subsidiário agrícola foi a Irlanda cujas indústrias florescentes como observou Marx foram destruídas num exemplo precoce do processo de subdesenvolvimento capitalista Outras regiões subsidiárias ou colônias internas semelhantes incluíram Flandres o sul da América o Mezzogiorno italiano muitas partes do Império AustroHúngaro algumas áreas orientais e meridionais da Alemanha Bavária Silésia e PomerâniaMecklenburg o oeste e o centro agrários da França e a Andaluzia O que ocorreu durante todo o século XIX portanto foi uma reestruturação regional e uma expansão em escala da relação preformadora cidadecampo e da acumulação primitiva que marcaram as origens do capitalismo A expansão geográfica do capital comercial preparou inicialmente o terreno mas a força espacializante dominante associouse à industrialização urbana maciça Os regionalismos do século XIX desenvolveramse principalmente a partir das tentativas de preservar culturas regionais distintas diante da homogeneização crescente ou de resistir às divisões espaciais particulares do trabalho que estavam sendo impostas pela extensa integração do mercado e pelo Estado nacional igualmente expansivo Na maioria dos casos isso implicou regiões agrícolas subsidiárias mas alguns locais relativamente industrializados como a Catalunha também reagiram O pensamento anarquista com seus princípios explicitamente antiestatais e descentralistas encontrou um terreno fértil em muitas dessas territorialidades regionais e constituiu a principal ameaça radical ao capitalismo urbanoindustrial durante a maior parte do século Mas dentro das periferias nacionais também se desenvolveram poderosos novos blocos hegemônicos regionais para tomarmos uma expressão de Gramsci que acolheram orquestraram e se beneficiaram dos processos de subdesenvolvimento regional Eles ajudaram a consolidar as estruturas regionais do poder e a subjugar os regionalismos mais radicais Na era do imperialismo e da ascensão dos monopólios e oligopólios empresariais a fonte primordial dos superlucros começou a se modificar Como parte de outra reestruturação que se expandiu em escala e foi induzida pela crise articulada em torno do fin de siècle a justaposição internacional de desenvolvimento nos Estados imperialistas e subdesenvolvimento nos territórios coloniais e semicoloniais tornouse mais importante para a sobrevivência do capitalismo do que a diferenciação regional subnacional A superexploração de uma periferia global recémconsolidada estimulou a recuperação da depressão do fim do século XIX e levou à rápida expansão ocorrida nos países centrais nas duas primeiras décadas do século XX O capitalismo não se internacionalizou repentinamente O capital mercantil havia funcionado durante séculos para extrair superlucros no mundo inteiro através do comércio de mercadorias O imperialismo no entanto internacionalizou um outro circuito do capital implicado nas transações financeiras monetárias e de investimentos que organizou a economia internacional mais eficientemente do que jamais fora possível antes disso para as transferências geográficas de valor em maior escala A velha relação cidadecampo passou a ser implantada não apenas em escala nacional mas também numa estrutura global de centro e periferia capitalistas O subdesenvolvimento regional dos países centrais não desapareceu nem tampouco a pressão dos regionalismos antagônicos Mas houve uma significativa reestruturação regional basicamente moldada pelo impacto geograficamente desigual da internacionalização e das extrações de lucro imperialistas e pela concentração e centralização aceleradas do capital doméstico exemplificadas pela febre de fusões verticais e horizontais por volta da virada do século especialmente nos EUA As regiões que continham as principais capitais imperialistas e os centros de controle monopolista por exemplo os escritórios centrais das grandes empresas tenderam a crescer muito mais depressa do que as que anteriormente podiam ter estado em níveis similares de desenvolvimento industrial mas não se beneficiaram tanto da extração global de lucros A principal escala da reestruturação espacial nos países centrais porém foi menos internacional do que intraurbana As divisões do trabalho regionais e herdadas dentro dos países provavelmente não se modificaram muito durante esse período mesmo nos casos em que a intensidade geral das desigualdades regionais foi expressivamente reduzida Na verdade essa relativa estabilidade se não aperfeiçoamento da estrutura do desenvolvimento regional desigual foi um indício da decrescente importância relativa dos superlucros derivados da diferenciação regional subnacional As periferias agrárias mais antigas foram parcialmente urbanizadas ou então deixadas relativamente de lado mas seu papel fundamental de suprir mão de obra barata alimentos matériasprimas e mercados foi cada vez mais transposto para as colônias externas Nos lugares onde essas funções continuaram importantes como na Irlanda e no Mezzogiorno de fato surgiram rebeliões camponesas e movimentos regionais agressivos bem como uma emigração maciça Mas a principal ação política e econômica ficou hierarquicamente imprensada em torno das regiões nos principais centros urbanos embaixo e na arena da rivalidade interimperialista em escala mundial em cima Esse regime característico de acumulação baseado na consolidação de uma divisão internacional do trabalho repartida num centro mundial dominanteindustrialimperialista e numa periferia mundial dependenteagrícolasubdesenvolvida bem como na estrutura empresarial mais centralizada do capital monopolista e financeiro descreveu um curso de desenvolvimento histórico semelhante ao do regime competitivoempresarial que o precedera Emergindo claramente no período de crise e reestruturação do fim do século XIX tornouse a base do surto de crescimento expansivo do começo do século XX apenas para mergulhar em sua própria fase de crise e reestruturação durante a Grande Depressão O capitalismo monopolista entretanto não desapareceu assim como sua afirmação como regime predominante de acumulação não apagou seu antecessor O que se desenvolveu foi uma outra camada um regime reorganizado de acumulação articulado com seus antecedentes residuais e apto a coordenar a recuperação da mais profunda depressão da históriageografia capitalista Mandel descreve esse novo regime de acumulação como Capitalismo Tardio e afirma que seu aparecimento marcou uma mudança na fonte primordial dos superlucros do desenvolvimento geograficamente desigual para a justaposição industrial global de desenvolvimento em setores dinâmicos e subdesenvolvimento em outros primordialmente nos países imperialistas mas também de modo secundário nas semicolônias Mandel 1975 103 Como ele toma o cuidado de observar essas rendas tecnológicas lucros oriundos de progressos da produtividade predominantemente baseados nos avanços tecnológicos e na organização dos sistemas de produção existiram em períodos anteriores e foram essenciais para as próprias origens do capitalismo Na falta de níveis elevados de centralização e concentração do capital entretanto a apropriação das rendas tecnológicas tendeu a ser de magnitude limitada e curta duração especialmente em virtude da concorrência empresarial descontrolada Somente no Capitalismo Tardio alega Mandel foi que elas se tornaram predominantes e eficientemente sistêmicas A importância crescente das rendas tecnológicas obscurece um pouco o proeminente papel desempenhado pela exploração do desenvolvimento geograficamente desigual nos regimes de acumulação anteriores Mas ao mesmo tempo elas se tornam mais centrais para o entendimento das mutáveis divisões regionais do trabalho e da natureza cambiante da questão regional nos últimos cinquenta anos À medida que crescem as fontes setoriais de superlucros as fontes espaciais não necessariamente declinam para a insignificância pois o desenvolvimento geograficamente desigual pode ser continuamente reconstituído A rigor a busca contemporânea de superlucros onde quer que possam ser encontrados está chegando a um auge competitivo mais alto do que nunca na história do desenvolvimento capitalista recriando padrões novos e mais complexos de desenvolvimento e subdesenvolvimento em todo o mundo Emudecida durante a Grande Depressão e no período imediato do pósguerra a questão regional assumiu uma nova importância nos anos cinquenta Desde a reorientação do programa britânico Novas Cidades para problemas mais regionais versus os problemas exclusivamente urbanos até a formação do Datar na França e os primórdios do planejamento espacial do Mezzogiorno italiano e de outras regiões atrasadas dos países centrais o planejamento do bemestar regional foi incluído na agenda pública muitas vezes mas nem sempre em resposta às inquietações regionais e aos movimentos políticos regionais Tal como aconteceu com outras formas de planejamento e com o papel do Estado em termos mais gerais houve dois lados potencialmente contraditórios nessas promessas de melhora do bemestar regional sob a égide do que se poderia chamar regime de capitalismo administrado pelo Estado O planejamento estatal centralizado exigia uma legitimação social contínua especialmente por parte dos que tinham mais probabilidade de criar distúrbios políticos e econômicos A promessa de um desenvolvimento regional mais equilibrado harmonizavase bem com esse objetivo Ao mesmo tempo o Estado em boa parte por depender da receita fiscal também teve de facilitar o processo de acumulação capitalista que não coincidiu sistematicamente com as melhoras do bemestar regional Afinal o desenvolvimento regional desigual sempre foi uma importante base de geração e extração de superlucros e continua a sêlo mesmo numa era em que a fonte primária da superlucratividade pode ter passado a ser o desenvolvimento setorialmente desequilibrado Esse papel contraditório do Estado previdenciário e do planejamento do bemestar regional permaneceu relativamente invisível durante boa parte da década de 1960 embora praticamente todos os grandes programas de desenvolvimento regional que visavam a reduzir as desigualdades econômicas regionais esbarrassem numa poderosa resistência por parte de alguns segmentos do capital privado Mesmo nos casos em que sua iniciação não pôde ser bloqueada as atividades programáticas foram ao menos parcialmente cooptadas para beneficiar interesses altamente centralizados e concentrados do capital amiúde drenando recursos e rendas tecnológicas disponíveis da região atrasada para as áreas mais desenvolvidas da economia espacial nacional Isso se aplicou ao principal experimento de planejamento do bemestar regional dos EUA centrado em Appalachia e foi reiteradamente repetido na França em relação à Bretanha e ao sul na GrãBretanha em quase todas as áreas designadas para desenvolvimento regional na Itália através da Casa per il Mezzogiorno Um padrão similar também funcionou globalmente nos países periféricos atrasados que adotaram cada vez mais os modelos sistemáticos de planejamento espacial originários do centro e muitas vezes promovidos pelos países centrais como uma panaceia pós colonial de planejamento A consciência das estratégias espaciais contrapostas do capital e do Estado foi mínima tanto por parte dos pobres regionais que eram visados quanto dos especialistas teóricos e práticos que estavam moldando a política regional Na maioria dos casos o primeiro grupo consolavase com as promessas que eram proferidas mesmo quando elas não se cumpriam de imediato Pelo menos alguém finalmente parecia terse conscientizado do problema regional e estar propondo fazer algo a respeito dele Os planejadores regionais fascinados pelas novas teorias espaciais da época também se inclinaram a ser alegremente conciliatórios convencidos de que seus objetivos idealistas poderiam ser alcançados através das boas intenções e das ideias inovadoras do planejamento espacial O planejamento regional nunca recebeu verbas públicas particularmente grandes mas o período de 1950 a 1970 foi uma espécie de fase áurea na história da teoria e da prática do desenvolvimento regional Weaver 1984 Os pólos de crescimento e os centros de crescimento a ciência regional e a análise de sistemas espaciais a formulação de modelos de sistemas urbanos e ainda outros esforços voltados para a reconstrução de uma hierarquia mais equilibrada e equitativa de regiões nodais alcançaram o auge da popularidade Em 1970 praticamente todos os países do mundo haviam adotado alguma forma de política de planejamento espacial colocandoa em alguns casos como a peça central do plano de desenvolvimento econômico da nação Essa expansão mundial de um planejamento regional keynesiano assinalou o compromisso estatal explícito ainda que muitas vezes apenas documental de corrigir as desigualdades regionais e internacionais de mudar de fato a divisão espacial do trabalho já estabelecida Enquanto as promessas se afiguraram potencialmente atingíveis os regionalismos antiestatais antagônicos permaneceram relativamente quiescentes à espera das coisas acontecerem A sucessão de crises e recessões que marcou o fim da expansão econômica do capitalismo central do pósguerra também destruiu o otimismo paciente do planejamento do bemestar regional Surgiram novos movimentos setoriais e espaciais de libertação para desafiar os processos ordeiros de acumulação Alguns movimentos nacionalistas radicais inclusive a Revolução Cultural chinesa retiraram mais de um bilhão de pessoas dos lucrativos jogos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento internacionais ou no mínimo perturbaram significativamente a tranquilidade do jogo O ressurgimento dos regionalismos tensionou de maneira semelhante o funcionamento aceito dos Estados previdenciários enquanto novos lugares começaram a competir com êxito por localizar se não liberar as rendas tecnológicas que estavam sendo geradas pelos setores mais propulsores de um regime de acumulação capitalista cada vez mais flexível pósfordista e aparentemente desorganizado Piore e Sabel 1984 Scott e Storper 1986 Offe 1985 Lash e Urry 1987 A sequência de espacializações que marcou a geografia histórica do capitalismo passou para uma outra rodada de crise e reestruturação revolvendo um novo conjunto de possibilidades competitivas de reformação e transformação Continuar a dar sentido à questão regional requer portanto um quarto contexto interpretativo fundamentado nas particularidades do processo contemporâneo de reestruturação Nem todos os economistas políticos regionais de hoje dependem da conceituação especificamente mandeliana das ondas longas do Capitalismo Tardio e das rendas tecnológicas em suas análises do período contemporâneo Não obstante há uma ênfase e uma interpretação marcantemente similares que se evidenciam na vasta gama de abordagens regionais contemporâneas desde o estudo das articulações dos submodos de produção e da ascensão do capitalismo global Forbes e Thrift 1984 Gibson e Horvath 1983 Gibson et al 1984 até a escola francesa dos modos de regulaçãoregimes de acumulação e suas teses sobre a globalização da crise do fordismo Aglietta 1979 Lipietz 1984a 1984b 1986 e a nova geografia industrial dos mercados de trabalho territoriais dos ciclos de lucro setorial dos complexos industriais baseados na alta tecnologia e das divisões espaciais cambiantes do trabalho Massey 1984 Walker e Storper 1984 Cooke 1983 Scott e Storper 1986 Existem diferenças na periodização na terminologia e especialmente nas enfatizações específicas das implicações políticas da reestruturação contemporânea mas há aspectos comuns significativos que mais fazem reforçar do que reduzir os pontos fortes de uma emergente perspectiva materialista históricogeográfica da questão regional Todos compartilham de um modelo similar de crise da mudança histórica e geográfica uma ênfase na análise das classes e no processo de trabalho uma apreciação da importância da tecnologia e da estrutura empresarial na diferenciação da produtividade e dos lucros uma atenção explícita para com a interação entre a espacialidade a política e o papel do Estado um interesse pela análise da internacionalização do capital e da aceleração concomitante da mobilidade do capital e da migração da mão de obra e uma visão que reconhece em graus variáveis a natureza geral e a singularidade particular da espacialização capitalista As interpretações mais específicas giram tipicamente em torno de um ponto crucial histórico situado no fim dos anos sessenta ou início dos setenta e seu eco das Grandes Depressões do passado e há uma franca aceitação da hipótese geral da reestruturação a de que estamos atualmente em meio a um período em que o capital e o trabalho estão sendo significativamente reorganizados numa tentativa ainda não completamente bemsucedida de restabelecer o aumento dos lucros e reforçar a disciplina do trabalho em parte através de ataques diretos à organização aos salários e aos padrões de vida da classe trabalhadora Há também uma concordância geral em que as novas divisões regionais e internacionais do trabalho que se vêm configurando nos últimos vinte anos não são substitutos completos das antigas divisões que não apenas permanecem vivas como também em plena atividade A geografia histórica do capitalismo não tem sido marcada por grandes reviravoltas e substituições completas de sistemas mas antes por uma sequência evolutiva de reestruturações parciais e seletivas que não apagam o passado nem destroem as condições estruturais profundas das relações sociais e espaciais capitalistas Assim não há justificativa para uma corrida ingênua e simplista ao pós ao pósindustrialismo póscapitalismo pósmarxismo que insista no derradeiro fim de uma era como se o passado pudesse ser descascado e jogado fora Contudo houve mudanças regionais expressivas que ocorreram no atual período de reestruturação e elas precisam ser ressaltadas Por mais paradoxal que se afigure de início uma mudança digna de nota envolveu a intensificação dos padrões preexistentes de desenvolvimento regional desigual em muitas áreas e o consequente reforço das antigas divisões entre centro e periferia Várias regiões centrais bemestabelecidas experimentaram um relativo poder econômico e político sustentado e até ampliado enquanto muitas periferias atrasadas mergulharam mais fundo no relativo empobrecimento chegando em alguns casos à fome pandêmica Essas continuidades intensificadas entretanto não são simplesmente outra dose da mesma coisa pois têm ocorrido num novo conjunto de condições setoriais sociais políticas e tecnológicas que estão modificando de maneira significativa o modo como o desenvolvimento geograficamente desigual é produzido e reproduzido A identificação e a compreensão dessas condições alteradas tornouse o foco crucial das interpretações contemporâneas da reestruturação regional A título de ilustração é útil retornarmos às rendas tecnológicas e ao desenvolvimento setorialmente desigual que Mandel afirmou terem proporcionado a principal fonte de superlucros desde a II Guerra Mundial Como foi anteriormente assinalado as rendas tecnológicas sempre foram de importância vital na geografia histórica do capitalismo Desde a guerra entretanto sua significação axial tendeu a transformar a mudança regional e a organização das divisões regionais do trabalho mais do que nunca num produto direto da dinâmica setorial à medida que determinadas indústrias bem como ramos e empresas específicos dos setores industriais foram sendo cada vez mais diferenciados em termos de produtividade lucratividade e controle da força de trabalho Subjacente a essa justaposição de ciclos de crescimento rápido em alguns setoresramosempresas e de declínio e desvalorização em outros tem havido um arranjo tecnológico de largo alcance estimulado e escorado pelas medidas políticas estatais especialmente através dos gastos militares e com a defesa nos EUA e supostamente voltado para a aquisição de maior flexibilidade no local de trabalho e na organização do processo de trabalho A especialização flexível na produção nas relações trabalhistas e na localização das atividades produtivas tem o efeito de desenrijecer as estruturas hierárquicas mais antigas e criar pelo menos a aparência de uma ordem significativamente diferente de responsabilidade e controle Para Piore e Sabel 1984 ela definiu The New Industrial Divide O novo divisor industrial a mais expressiva transformação econômica e política desde as origens do capitalismo industrial Para Claus Offe 1985 teórico alemão do Estado ela faz parte de um Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado ou como o chamam Lash e Urry 1987 The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado uma quebra dos sistemas planejados e administrados do poder social e da autoridade política Para outros ela é a essência do pósfordismo e o instigador de novos modos de aglomeração erigidos em torno de divisões sociais do trabalho cada vez mais desintegradas e de uma trama flexível de transações que se coagulam em complexos de produção urbanos e regionais inovadores que se localizam fora dos centros da velha paisagem industrial fordista A especialização flexível os sistemas de produção verticalmente desintegrados e o rompimento das hierarquias rígidas têm sido acompanhados por uma mobilidade acelerada do capital para facilitar a busca de superlucros setoriais inclusive os obtidos através do barateamento substancial dos custos da mão de obra em qualquer parte do mundo A busca geográfica nem sempre é bemsucedida é claro mas o efeito conjunto desses processos de reestruturação setorial tem sido o desenrijecimento de divisões espaciais do trabalho há muito estabelecidas praticamente em todas as escalas geográficas É nesse ponto que os cenários setoriais e espaciais da reestruturação contemporânea convergem e reverberam acelerando os ciclos de exploração nos planos vertical e horizontal do desenvolvimento desigual As repercussões regionais desse afrouxamento talvez sem paralelo da paisagem do capital nesse novo regime de acumulação flexível Harvey 1987 têm sido dramáticas e atordoantes Os mosaicos relativamente estáveis de desenvolvimento regional desigual tornaramse subitamente quase caleidoscópicos Regiões centrais antes altamente industrializadas e prósperas segmentos do cinturão manufatureiro norteamericano o nordeste da Inglaterra e do País de Gales o norte da França a Valônia e o Ruhr têm experimentado um declínio e desindustrialização econômicos acelerados enquanto muitas regiões periféricas pobres inclusive alguns dos exemplos clássicos de subdesenvolvimento regional converteramse em novos centros de crescimento industrial e expansão econômica Essas inversões de papel das regiões como Mandel as denominou refletem o que tem sido a mais extensa descentralização e internacionalização geográfica da produção industrial desde as origens do capitalismo industrial gerando uma lista crescente de PRIs e RRIs países e regiões subnacionais recémindustrializados A inversão de papéis das regiões em si mesma é uma supersimplificação A reestruturação regional que vem ocorrendo é muito mais complexa e instável Poderseia descrevêla melhor como uma reciclagem regional acelerada em que as regiões passam por diversas fases de desenvolvimento e declínio associadas a superlucros setoriais mutáveis rodadas de disciplinamento intensivo do trabalho e maior mobilidade do capital Um dos exemplos mais bem analisados dessa reciclagem regional é a Nova Inglaterra Harrison 1984 agora passando por um novo surto de crescimento após um intenso disciplinamento interno do capital e do trabalho Uma recuperação similar talvez esteja ocorrendo também nas Terras Baixas da Escócia e em algumas outras regiões industriais mais antigas Há ainda alguns indícios sugestivos de que os milagres industriais dos PRIs e RRIs podem ser igualmente instáveis e de curta duração fazendo com que metáforas descritivas grandiosas como a mudança Cinturão do GeloCinturão do Sol e a Nova Ordem Econômica Internacional pareçam cada vez mais exageradas e enganosas O que vem acontecendo pode ser descrito de maneira mais cautelosa como uma sacudidela significativa mas não transformadora nas divisões regionais do trabalho há muito estabelecidas e uma formação de novas e ainda altamente instáveis regionalizações de economias nacionais Associado a essa regionalização reestruturada tem havido um regionalismo reativo à medida que vários movimentos sociais e coalizões políticas regionais reagem a essa reestruturação para resistir incentivar reorganizar exigir mais e pressionar por um redirecionamento Essas múltiplas formas de regionalismo sejam elas radicais ou reacionárias repolitizaram a questão regional como uma questão espacial mais genérica O regionalismo não mais se enraíza apenas na resistência à homogeneização das tradições culturais como o fazia basicamente no século XIX Agora ele faz parte do que Goodman 1979 chamou apropriadamente de guerras regionais por empregos e dólares uma competição territorial intensificada que se estende por toda a hierarquia dos locais espaciais desde a menor das localidades até a escala da economia mundial Assim a importância crescente da reestruturação tecnológica e setorial não eliminou a exploração do desenvolvimento geograficamente desigual como fonte de manutenção dos superlucros Tampouco reduziu a importância política e econômica da espacialidade da vida social Ao contrário o período contemporâneo de reestruturação tem sido acompanhado por uma visibilidade e uma conscientização acentuadas da espacialidade e da espacialização da regionalização e do regionalismo A instrumentalidade das estratégias espaciais e locacionais da acumulação do capital e do controle social está sendo revelada com mais clareza do que em qualquer época dos últimos cem anos Simultaneamente há também um crescente reconhecimento de que o operariado bem como todos os outros segmentos da sociedade que foram periferalizados e dominados de um modo ou de outro pelo desenvolvimento e reestruturação capitalistas precisam procurar criar contraestratégias espacialmente conscientes em todas as escalas geográficas numa multiplicidade de locais a fim de competir pelo controle da reestruturação do espaço Dado o efetivo empobrecimento de uma oposição neoconservadora empenhada em tornar a encobrir a instrumentalidade exploratória da reestruturação espacial tornase cada vez mais urgente que todas as forças sociais progressistas o feminismo os verdes o movimento pacifista o trabalho organizado e desorganizado os movimentos de libertação nacional e de mudança urbana e regional radical tornemse também consciente e explicitamente movimentos espaciais Para a esquerda é esse o desafio pósfordista e pósmoderno A REESTRUTURAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA FORMA URBANA Os estudos contemporâneos sobre a reestruturação urbana começaram a recapitular uma geografia histórica que forma um estreito paralelo com a sequência de espacializações que acabamos de descrever no tocante ao desenvolvimento regional À medida que essas visões retrospectivas se acumulam tornase cada vez mais possível afirmar que a evolução da forma urbana a estrutura espacial interna da cidade capitalista tem seguido o mesmo ritmo periodizável de formação e reformação induzidas pela crise que moldou a paisagem macrogeográfica do capital desde os primórdios da industrialização em larga escala Olhando para trás a partir da atual quarta modernização os mesmos três períodos anteriores de reestruturação e modernização aceleradas se destacam da movimentação contínua Cada um deles começa pelos períodos declinantes de recessão repressão e sublevação social que marcaram o término de longas fases de crescimento expansivo na economia macropolítica do desenvolvimento capitalista Cada qual gera também uma expressiva recontextualização da espacialidade da vida social uma geografia humana diferente Figura 1 Evolução da forma urbanaprotótipos da cidade norteamericana de 1820 a 1970 A data exata dessa era de reestruturação varia de país para país o mesmo acontecendo com as intensidades relativas da reestruturação Mas entre 1830 e meados do século XIX nas três últimas décadas antes do início do século XX e no período que se seguiu à Revolução Russa e foi até o término da II Guerra Mundial parece cada vez mais claro que a forma e a regionalização social internas da cidade capitalista passaram por mudanças significativas em quase todos os lugares E é igualmente claro que estamos agora às voltas com outra rodada de profunda e perturbadora metamorfose urbana A Figura 1 apresenta um quadro generalizado da evolução da forma urbana ao longo desses quatro períodos de reestruturação Como acontece com a reestruturação regional a sequência das espacializações urbanas é cumulativa cada fase contendo vestígios das geografias anteriores de divisões espaciais urbanas do trabalho já formadas que não chegam propriamente a desaparecer mas são seletivamente rearranjadas Para quem se sente à vontade com a metáfora geológica usada por Massey 1984 para descrever a divisão espacial interregional do trabalho as espacializações especificamente urbanas também podem ser vistas como estratificadas uma em cima da outra refletindo mudanças pronunciadas nas geografias do investimento da produção industrial do consumo coletivo e da luta social A sedimentação porém é mais complexa e labiríntica do que uma simples deposição de camadas pois cada corte transversal contém representações do passado e os contextos para a nova rodada de reestruturação Há outras simplificações nesse arcabouço sequencial que se fizeram necessárias pelas generalizações eliminadoras de detalhes exigidas para se produzir esses mapeamentos sumários A paisagem básica por exemplo não pressupõe cidades preexistentes que projetem seus ambientes construídos précapitalistas no panorama urbano Assim todas as descrições esquemáticas são mais diretamente aplicáveis a áreas em que a urbanização e a industrialização tenhamse originado junto com a difusão do capitalismo Nos casos em que houve uma extensa urbanização précapitalista como na Europa e na Ásia o quadro é muito menos nítido e ordeiro embora alguns dos mesmos padrões possam ser distinguidos A cidade norte americana provavelmente fornece a aproximação mais estrita admitindose as distorções causadas por diferentes geografias físicas locais Chicago por exemplo enquadrase melhor do que a cidade de Nova York assim como Manchester se enquadra melhor do que Londres Os modelos exibidos na Figura 1 portanto servem como generalizações idealizadas destinadas a ilustrar o conjunto dos processos fundamentais de reestruturação que nem sempre se encontram reunidos ou são igualmente vívidos em todas as cidades capitalistas A sequência começa pela Cidade Mercantil estabelecida num contexto de pequena produção de mercadorias comércio internacional e industrialização limitada Seu foco na cidade portuária e seu salpicar de pequenos centros manufatureiros industriais numa paisagem ainda predominantemente agrícola caracteriza muito de perto a situação urbana dos Estados Unidos antes de 1840 No caso norteamericano que serve de exemplo o capital comercial concentravase em núcleos pequenos densos e sobretudo costeiros ocupados por artesãos lojistas fazendeiros administradores e mercadores Nova York Filadélfia Baltimore e Boston foram os centros primordiais do Norte Savannah Charleston Mobile e Nova Orleans muito menores do que as quatro grandes do Norte serviram à economia sulista e à produção algodoeira escravocrata que fornecia o principal produto de exportação nacional Oitenta por cento da população urbana compunhamse de trabalhadores autônomos e a vida urbana girava basicamente em torno das atividades da pequena burguesia e da nodalidade do foco portuário A industrialização capitalista como aconteceu nas primeiras fases da revolução industrial na Europa começou primordialmente no campo em sítios energéticos ligados aos portos comerciais por meio de canais transporte fluvial e cada vez mais pelas ferrovias Embora as lutas sociais tendessem a se centralizar nas questões agrárias e na posse rural da terra durante a maior parte do período pósrevolucionário as crescentes desigualdades da riqueza nas cidades mercantis tornaramse cada vez mais visíveis e essas desigualdades frequentemente se converteram numa fonte de conflitos e de inquietação social David Gordon resumindo a rica literatura histórica sobre a urbanização norteamericana primitiva fornece uma descrição espacialmente perspicaz das contradições da Cidade Comercial A acumulação comercial tendeu a gerar um desenvolvimento desigual entre compradores e vendedores Como os diferentes grupos socioeconômicos viviam e trabalhavam em estreita proximidade nas Cidades Comerciais essas desigualdades crescentes foramse tornando cada vez mais fisicamente evidentes Essa evidência de desigualdade parece ter gerado um protesto popular Quando as desigualdades atingiram seu auge durante as décadas de 1820 e 1830 os protestos populares também pareceram intensificarse A maioria desses protestos concentrouse nas demandas de maior igualdade Uma vez que tais protestos tinham frequentemente um efeito político eles tenderam a restringir as oportunidades de maior acumulação comercial 1978 36 Gordon acrescenta que essa dialética do desenvolvimento desigual e do protesto popular demonstrou o aspecto fundamentalmente espacial das contradições da via comercial para a acumulação de capital Uma vez que a Cidade Comercial preservou as transparências précapitalistas dos relacionamentos sociais imediatos íntimos e integrados os lucros capitalistas comerciais não puderam ser mascarados A busca desse disfarce cuja necessidade urgente era tão dramaticamente testemunhada nas ruas da Cidade Comercial desempenhou um papel central na instigação de uma passagem para um novo e em última instância mais opaco modo de acumulação de capital Ibid Situações similares levaram o protesto popular às ruas das cidades europeias e outras em 1830 e 1848 os momentos mais explosivos da primeira grande fase de reestruturação urbana O período entre a década de 1840 e o início da de 1870 foi uma época de extraordinário crescimento industrial e urbano na Europa e na América do Norte Ao mesmo tempo o comércio internacional expandiuse num ritmo sem precedentes A era do capital como a chamou Hobsbawm havia superado a era da revolução e o ritmo da espacialização capitalista acelerouse em todas as escalas geográficas após a significativa reestruturação do capitalismo que culminou nas crises globais de 1848 49 Os marcos de pontuação dessa espacialização foram os novos tipos de cidades e de sistemas hierárquicos urbanos que acrescentaram às crescentes funções tradicionais do controle social da acumulação comercial e da administração política uma aglomeração sem precedentes em escala expansiva da produção industrial A nodalidade foi particularmente importante para o capital industrial Promoveu retornos muito maiores a cada aumento do que para o comércio e a agricultura e uma vez liberta de algumas restrições físicas e históricas a nodalidade característica dos locais humanos explodiu criando a forma singular da clássica Cidade Capitalista Industrial de Livre Concorrência Nunca antes fora a produção tão geograficamente concentrada tão localizadamente centralizada tão densamente aglomerada No leste dos Estados Unidos a industrialização urbana engoliu as pequenas cidades mercantis quer eliminandoas por completo quer preservando algumas recordações em cidades velhas vestigiais que vez por outra sobreviveram até nossos dias ou foram recriadas como simulacros como cópias exatas cujo original não existe mais As cidades préindustriais da Europa estabelecidas desde longa data foram muito mais difíceis de desintegrar e digerir mas mesmo nelas a centralização da produção industrial começou a desmontar os centros urbanos para acolher a expansão dos três elementos característicos do capitalismo industrial de livre concorrência as fábricas industriais e os serviços associados dos produtores a burguesia industrial e o novo proletariado urbano virtual classe trabalhadora industrial que fazia o sistema inteiro funcionar A intensificação do uso da terra no centro urbano redefiniu a forma da cidade e instigou uma ordenação social e espacial notável e mais opaca da vida urbana Algumas tecnologias adaptativas de transporte e condução por exemplo as ferrovias e os elevadores aceleraram essa intensificação e seu manancial associado de economias de aglomeração Espraiandose a partir do Central Business District CBD e do núcleo empregatício surgiu um meio ambiente construído zonal de anéis residenciais e setores radiais ligados em rede para permitir menores viagens cotidianas para o trabalho para o proletariado urbano e viagens cotidianas para controlar os trabalhadores para a burguesia industrial O zoneamento era basicamente uma questão de classe uma vez que a estrutura social antagônica do capitalismo industrial de livre concorrência se espacializou em compartimentos e recintos urbanos segregados e socialmente homogêneos A regionalização interna foi muito mais repetitiva e claramente mapeável do que nas cidades préindustriais mas essa regularidade flagrante não foi percebida com frequência pelos observadores estudiosos da época A significação social e política da organização espacial da sociedade estava desaparecendo convenientemente da visão na ciência social do século XIX e apenas alguns observadores perspicazes como Engels em seus escritos sobre Manchester foram capazes de enxergar a instrumentalidade cada vez mais oculta dessa nova geografia urbana Em seus contornos gerais de concentricidades e cunhas centros e periferias bem como em sua rede mais intricada de cubículos alinhamentos recintos fechados e divisões compartimentalizadas tratouse de uma espacialização disciplinar não projetada por alguma conspiração de arquitetos capitalistas mas assim mesmo habilmente projetada2 A Escola de Ecologistas Urbanos de Chicago revelou a geometria geral dessa regionalização urbana particular mas sepultou sua poderosa instrumentalidade sob uma obscurecedora ideologia do naturalismo eou do relativismo cultural Posteriormente essa instrumentalidade seria enterrada ainda mais fundo à medida que a lógica da economia neoclássica tomou conta da teoria urbana e fez dela um espaço disciplinador próprio Contudo muito antes desses acontecimentos a forma da cidade capitalista industrial centralizada haviase modificado dramaticamente mesmo na paradigmática Chicago A explosão da Comuna de Paris em 1871 o pânico financeiro de 1873 a perda concomitante de 300000 empregos nos Estados Unidos uma série de desapropriações em massa e de tumultos ligados aos aluguéis na cidade de Nova York e ainda outros choques para o sistema haviam assinalado o término do surto de crescimento pós1848 e o começo de outro período prolongado de reestruturação capitalista que duraria quase até o fim do século Durante esse período de reestruturação o capitalismo foi marcantemente intensificado pela concentração e centralização crescentes do capital em monopólios empresariais e extensificado através da internacionalização expansiva do capital financeiro numa era emergente de imperialismo O Estado começou a entrar mais a fundo na economia especialmente através da administração fiscal e monetária e da iniciação do planejamento econômico urbano Enquanto isso ocorria houve também vigorosos protestos e greves da classe trabalhadora liderados pelos crescentes sindicatos e partidos socialistastrabalhistas em praticamente todos os países industrializados A inquietação trabalhista nos Estados Unidos amiúde instigada por imigrantes europeus radicais centrouse a princípio nas pequenas cidades mineiras e ferroviárias mas depois de 1885 espalhouse pelos centros das grandes cidades e explodiu com particular veemência nos três maiores centros industriais Nova York Filadélfia e Chicago Gordon 1984 A eficiente centralização geográfica das fábricas e das comunidades da classe trabalhadora que caracterizou a cidade capitalista industrial clássica pareceu gerar uma consciência e militância reforçadas da classe trabalhadora traçando um paralelo em escala mais ampla com a experiência prévia das vilas operárias Não apenas a acumulação capitalista tinhase tornado mais lenta como também a espacialidade disciplinar da vida urbana fora enfraquecida Até a Paris de Haussman fora tomada mesmo que brevemente pelos membros da Comuna A necessidade de restaurar as condições de acumulação lucrativa do capital e de controle da mão de obra induzida pela crise esteve por trás da intensificação e extensificação do capitalismo que se desenvolveram no final do século XIX Depois da depressão mundial da década de 1890 o capitalismo retornou com vigor renovado nos países industrializados e acompanhando essa reviravolta do fin de siècle houve uma reestruturação seletiva da cidade capitalista Em 1920 uma nova geografia se havia consolidado decerto mais claramente em algumas cidades do que em outras Usarei novamente a cidade norteamericana como exemplo arquetípico A maior centralização empresarial o aumento da segmentação da força de trabalho em setores monopolistas e de livre concorrência as novas tecnologias de produção e a separação entre as funções administrativas e de produção reorganizaram a divisão espacial do trabalho na urbanização capitalista Na nova Cidade Capitalista do Monopólio Empresarial a produção industrial tornouse menos concentrada em torno do centro da cidade à medida que as fábricas se espalharam pelos antigos anéis residenciais internos e contrariando ainda mais o velho padrão por centros industriais satélites como Gary em Indiana e East St Louis em Illinois Como resultado os antigos núcleos urbanos tornaramse cada vez mais terciarizados substituindo as indústrias perdidas por um número crescente de sedes empresariais em 1929 mais de metade dos escritórios centrais das maiores empresas estavam localizados apenas em Nova York e Chicago de repartições governamentais instituições financeiras e atividades de apoio na prestação de serviços e de vigilância Os anéis de residências da classe trabalhadora e os encraves raciais e étnicos em guetos continuaram a servir a um núcleo urbano ainda dominante e em quase todas as grandes cidades norteamericanas restou pelo menos uma cunha residencial protegida que se estendia do centro para a periferia onde os habitantes de renda mais elevada tinham suas casas Mas a fuga da cidade espraiouse muito mais para fora à medida que os administradores supervisores e profissionais liberais juntaram se à antiga burguesia industrial num surto de suburbanização que transpôs as fronteiras administrativas anteriores da cidade A multiplicação da área de municípios separados incorporados substituiu a anexação como padrão principal da expansão territorial urbana criando um grau de fragmentação política metropolitana de que nunca se chegara perto no passado A paisagem urbana não apenas se estendeu por uma área muito mais vasta como também se rompeu em muito mais pedaços Essa regionalização urbana fragmentada policêntrica e muito mais complexa auxiliou o capital industrial a fugir da militância da classe trabalhadora aglomerada Os empregadores puderam afastarse mais facilmente das pressões sindicais organizadas3 a força de trabalho ficou mais segmentada e residencialmente segregada as novas tecnologias da linha de montagem e correlatas proporcionaram meios menos aglomerados de captar as externalidades positivas da produção industrial e foi possível canalizar com mais facilidade subsídios substanciais de um Estado local e nacional mais beneficente A geografia não foi tão caprichosamente ordenada quanto tinha sido mas especialmente com o carro a motor e outras formas de trânsito de massa as possibilidades urbanas de acumulação de capital e cooptação da mão de obra expandiramse significativamente Quando o surto de crescimento acabou a cidade norteamericana quase havia concluído sua explosiva proletarização Não muito mais de um século antes a população urbana compunhase de cerca de oitenta por cento de trabalhadores autônomos Em 1940 quase oitenta por cento eram trabalhadores a soldo e assalariados Os efeitos retardados da Revolução Russa e em seguida a instalação da Grande Depressão destroçaram as vaidades complacentes do surto de crescimento do início do século XX e levaram a mais uma rodada de reestruturação urbana Em vez de criar novas grandes reviravoltas e inversões entretanto essa terceira reestruturação pareceu ampliar ainda mais os mesmos processos que haviam caracterizado a segunda modernização maior centralização concentração e internacionalização do capital empresarial maior segmentação do trabalho baseada numa organização modificada do processo de produção maior fragmentação política urbana e desaglomeração das comunidades da classe trabalhadora e um papel ainda mais importante do Estado no fomento da acumulação e na manutenção de uma disciplina trabalhista legitimada Mediante políticas keynesianas de estimulação da demanda controles monetários e fiscais planejamento econômico investimentos industriais dirigidos pelo Estado e programas de previdência social especificamente voltados para aliviar as pressões da classe trabalhadora e reduzir a inquietação social o Estado interveio mais direta e profundamente do que nunca no processo de produção Um Sistema Urbano Administrado pelo Estado começou a tomar forma a partir da desvalorização e da reestruturação da Cidade Empresarial nos anos da Depressão Depois que a devastação do período da guerra deu margem ainda maior à acumulação acelerada e à obtenção de superlucros o capitalismo foi novamente impulsionado sob um outro disfarce Uma paisagem urbana diferente consolidouse na esteira dessa expansão A suburbanização foi marcantemente acelerada depois da II Guerra Mundial Com substancial apoio e incentivo estatais parcelas consideráveis da classe trabalhadora tanto operária quanto de colarinho branco instalouse em áreas suburbanas e recintos privatizados A metropolitanização expansiva acompanhada por uma fragmentação ainda maior das jurisdições políticas e uma descentralização acelerada não apenas das fábricas mas também das sedes empresariais do varejo e de outros serviços contribuiu ainda mais para o abandono seletivo do núcleo urbano interno Restou aos antigos centros da paisagem urbana uma mescla residual de firmas em setores de livre concorrência indústrias mais antigas algumas lojas e hotéis de luxo órgãos fundamentais do Estado e do capital financeiro algumas sedes empresariais remanescentes e uma força de trabalho inflada e irregular primordialmente composta de minorias e dos segmentos mais pobres da população metropolitana um exército trabalhista de reserva geograficamente concentrado e subserviente4 A grande desvalorização dos imóveis no centro da cidade associada à consolidação do Sistema Urbano Administrado pelo Estado ligouse desde o início a esforços persistentes e geralmente assistidos pelo Estado de revitalização do centro da cidade através da renovação urbana da elitização e de mudanças na posse da terra e nos padrões reguladores voltadas para a manutenção de uma presença empresarial e administrativa substancial O delicado equilíbrio entre a deterioração e a renovação variou de uma cidade para outra e se modificou significativamente ao longo do tempo criando uma situação incômoda que exigiu gastos estatais maciços sob a forma de pagamentos assistenciais tanto aos pobres quanto aos ricos que permaneceram somados ao subsídio da suburbanização dos que se mudaram para longe As tensões que cercaram essa incômoda mescla que tanto faz lembrar a aguda problemática espacial descrita por Harvey permearam a política urbana e numa medida significativa nacional durante todo o período do pósguerra e não apenas nos Estados Unidos A capacidade de sustentar essa espacialização aparentemente instável e o planejamento espacial coordenado que ela exigiu derivou basicamente do surto expansionista que se iniciou nos EUA durante a guerra e algum tempo depois na Europa e no Japão Mais uma vez o Estado colocouse em primeiro plano A fabricação de automóveis por companhias estatais em muitos países os transportes aéreos quase sempre dirigidos pelo Estado a indústria petrolífera maciçamente subsidiada para alimentar a maior mobilidade física a construção civil fomentada por programas governamentais de hipotecas e empréstimos e a produção de bens de consumo duráveis televisores máquinas de lavar e outros bens que permitissem a maior privatização do consumo antes mais coletivamente organizado lideraram a expansão econômica e contribuíram para grandes mudanças na forma urbana especialmente através do processo concomitante de suburbanização Walker 1981 Mais do que nunca as relações sociais e espaciais que organizavam a produção e a reprodução bem como os conflitos e lutas decorrentes dessas relações passaram a ser canalizados absorvidos e administrados pelo Estado Alguns deram a esse regime particular de acumulação e a essa modalidade de regulação o nome de capitalismo monopolista estatal Poulantzas usou frequentemente a expressão capitalismo do Estado autoritário e Lefebvre brincou certa vez com a ideia de chamálo de système étatique praticamente um modo de produção estatal Para Mandel Capitalismo Tardio foi suficiente Outras alcunhas ligaram a acumulação e a regulamentação ao fordismo Lipietz 1986 para reenfatizar seu enraizamento no processo trabalhista industrial Qualquer que seja seu rótulo mais adequado esse capitalismo diferente produziu uma espacialização urbana diferente um arranjo espacial urbano provisório novamente repleto de novas possibilidades e das sementes de sua própria destruição recriadora Essa paisagem urbana alterada mas ainda cheia de contradições que apareceu de maneira mais vívida nos anos cinquenta e sessenta foi o pano de fundo do desenvolvimento de uma economia política urbana e de uma sociologia urbana marxistas um marxismo que pela primeira vez passou a centrarse nas especificidades da urbanização e da mudança espacial Mas antes que a paisagem pudesse ser efetivamente compreendida também ela começou a mudar A instalação do atual período de reestruturação urbana pode ser rastreada até o tecido esticado e tensamente entretecido dos sistemas urbanos espacialmente planejados e administrados pelo Estado as villes sauvages5 como Castells as denominou que começou a se esgarçar na década de 1960 Os contagiosos tumultos intracitadinos atiçados pelos grupos menos beneficiados pelo surto de crescimento do pósguerra as insurreições urbanas da França e da Itália em 1968 e 1969 e uma série multiplicativa de movimentos sociais de base urbana tornaram a estimular visões de uma revolução especificamente urbana e assinalaram o término das transações habituais do período do pósguerra A chamada crise urbana entretanto fez parte de uma crise muito maior do Estado e de todo o sistema de administração planejamento previdência e legitimação ideológica que havia arrancado o capitalismo da Grande Depressão e que o impulsionara durante a prolongada expansão do pósguerra Na década de 1960 a dispendiosa política previdenciária keynesiana haviase tornado cada vez mais difícil de sustentar enquanto as pressões financeiras que acompanharam a enorme expansão creditícia que havia alimentado o surto de crescimento começaram em vez disso a alimentar a inflação A recessão global de 197375 seguiuse a uma cadeia de choques sofridos pelo sistema e ajudou a desencadear outra rodada conjunta de reestruturação Tal como antes as mesmíssimas estruturas sociais e espaciais de acumulação que haviam facilitado a expansão transformaramse em áreas de tensão e declínio econômicos Os acordos de produtividade do pósguerra que haviam trazido grandes benefícios salariais e previdenciários para o trabalho organizado em troca de uma paz produtiva nos locais de trabalho o processo de suburbanização que impulsionara a demanda a desvalorizaçãorenovação delicadamente equilibrada da parte central das cidades o sistema de regulação e administração estatais e a rápida expansão dos empregos no governo deixaram de ser parte da solução e se tornaram parte do problema Exacerbada pela elevação dos preços do petróleo e dos custos da energia assim como pelos desafios bemsucedidos à hegemonia militar global norteamericana outra crise política e econômica abalou a confiança e o otimismo que haviam marcado os anos cinquenta e sessenta nos Estados Unidos e em outros países capitalistas centrais A forma dessa crise foi a um tempo velha e nova Sob muitos aspectos ela envolveu os clássicos problemas de superproduçãosubconsumo mas complicando a interpretação clássica houve uma crise de reprodução primordialmente decorrente de uma crise fiscal do Estado e de seu efeito de aperto na acumulação de capital e na capacidade de se manterem meios eficazes de disciplina trabalhista e controle social Como resultado a necessidade de reconfigurar a paisagem espacial do capital assumiu uma urgência ainda mais crucial À medida que essa reestruturação contemporânea vai avançando ela está desarticulando não apenas o tecido urbano mas também o arcabouço da interpretação crítica do desenvolvimento capitalista ALGUMAS CONCLUSÕES E CONTINUIDADES CONTEMPORÂNEAS Ainda é cedo demais para fazermos afirmações inequívocas sobre a atual fase de reestruturação social e espacial O resultado ainda está em aberto ainda não se aplicou rigidamente uma nova tintura sobre a paisagem irrequieta e desse modo a possibilidade de olharmos para trás para um fait accompli6 ainda não está acessível Convém lembrar que os observadores mais agudos dos três últimos períodos de reestruturação prolongada entre os quais eu incluiria Marx no tocante ao primeiro Lênin quanto ao segundo e Mandel em relação ao terceiro tiveram a grande vantagem da visão retrospectiva a oportunidade de interpretar uma reestruturação que havia resgatado com sucesso a expansividade da acumulação capitalista e começado a consolidar sua espacialização representativa Uma nova inflexão positiva entretanto ainda não começou Devemos hoje contentarnos primordialmente com a identificação provisória das inclinações e tendências que pareçam estar assumindo o controle com especial vigor reconhecendo mais uma vez que a recuperação do capitalismo através da reestruturação não é mecânica nem garantida e que tudo o que hoje parece sólido podese desmanchar ou explodir no ar amanhã Se conseguirmos extrair esclarecimentos dos períodos passados de reestruturação no entanto poderemos esboçar algumas expectativas provisórias O período contemporâneo deve ser encarado como outra tentativa do capitalismo gerada pela crise de restaurar as condições fundamentais de sua sobrevivência a oportunidade de obter superlucros a partir da justaposição de desenvolvimento e subdesenvolvimento na hierarquia de locais regionalizados e entre os vários setores ramos e empresas produtivos É crucial para a ressurreição de superlucros crescentes como de costume a instituição de meios revigorados de disciplina trabalhista e controle social pois a lógica mantenedora da acumulação capitalista gera uma luta política e econômica competitiva e nunca se processa sem atrito e resistência Essa busca de superlucros e de maior controle social pode ser dividida em duas amplas categorias estratégicas de intensificação aprofundamento da divisão do trabalho geração de novas necessidades de consumo incorporação de novas esferas na produção capitalista maior concentração e centralização do capital maior legitimação da ideologia dominante e enfraquecimento da organização e da militância trabalhistas e de extensificação alargamento da divisão do trabalho abertura de novos mercados expansão geográfica para drenar fontes de mão de obra e matériasprimas baratas e aumento do âmbito da exploração do desenvolvimento geograficamente desigual mediante as transferências de valor e as trocas desiguais Assim há muitos caminhos específicos entre os quais escolher Optar por apenas um deles como via predominante equivale a ser tolamente inflexível e politicamente ingênuo Além disso a própria mescla particular de estratégias e contraestratégias é desigualmente desenvolvida e nunca tem sua eficácia predeterminada As mesmas afirmações podem ser feitas com respeito à espacialização que acompanha essa busca irrequieta de lucros e de disciplina Ela tem um padrão geral mas é altamente diferenciada e desigualmente desenvolvida por sua própria natureza assumindo uma variedade de formas específicas nem todas as quais podem ser vistas como funcionais para a lógica do capital ou como inerentemente antagônicas às reivindicações da mão de obra O quadro sequencial de evolução da forma urbana e do desenvolvimento regional desigual que apresentei aqui não passa de uma descrição rala que filtrou particularidades e complexidades a fim de destacar as texturas instrumentais de reestruturação que podem ser vislumbradas a partir da visão retrospectiva espacial Estender esse quadro à reestruturação urbana e regional que se vem desdobrando atualmente é mais difícil e exigirá uma compreensão empírica e uma adaptação teórica muito mais substanciais do que as obtidas até agora Não obstante voltar os olhos do momento atual para os acontecimentos das duas últimas décadas fornece pelo menos uma base provisória para identificarmos uma série de tendências indicativas que caracterizam o processo de reestruturação contemporâneo Cada uma dessas tendências tem um impacto espacializante que temse evidenciado cada vez mais na década de 1980 1 Uma tendência preponderante foi o aumento da centralização e da concentração da posse do capital tipificado pela formação de imensos conglomerados empresariais que combinam uma produção industrial diversificada finanças imóveis processamento de informações entretenimento e outras atividades de serviços Esse processo de conglomeração vai muito além das fusões horizontais do fim do século XIX e das posteriores fusões verticais e monopólios administrados pelo Estado que foram tão centrais na ascensão do fordismo As estruturas formais de administração muitas vezes são menos controladas centralmente e mais flexíveis enquanto os processos de produção centrais são cada vez mais rompidos em segmentos separados que atuam ao contrário da linha de montagem fordista integrada em muitas localizações diferentes A multiplicação das sucursais acrescenta uma flexibilidade adicional através da produção paralela enquanto as subempreitadas mais extensas expandem ainda mais as transações vitais dos conglomerados além das fronteiras da propriedade 2 Somandose à conglomeração empresarial da propriedade houve uma integração mais tecnologizada de diversas atividades industriais de pesquisa e de serviços a qual similarmente vai realocando o capital e o trabalho em sistemas espaciais de produção alargados ligando os centros de poder administrativo sobre o investimento de capital a uma constelação de ramos paralelos subsidiárias subempreiteiras e serviços públicos e privados especializados Mais do que nunca o alcance espacial desses sistemas de produção globalizouse mas eles também têm um poderoso efeito de urbanização através da aglomeração local de novos complexos industriais territoriais em geral localizados fora dos antigos centros da indústria fordista Aqui mais uma vez parece haver um pareamento paradoxal de desconcentração e reconcentração na paisagem geográfica 3 Ligada à maior concentração de capital e ao oligopólio tem havido uma internacionalização mais acentuada e um envolvimento global do capital produtivo e financeiro sustentada por novos acordos de crédito e liquidez organizados em escala mundial Esse capital transnacional ou global é capaz de investigar e explorar os mercados de bens finanças consumo e trabalho no mundo inteiro com menos restrições territoriais especialmente as advindas do controle estatal direto do que nunca Como resultado o capital puramente doméstico tem desempenhado um papel cada vez menor nas economias locais e nacionais dos países industriais avançados à medida que essas economias passam por uma internacionalização crescente 4 O enfraquecimento dos controles locais e da regulação estatal de um capital cada vez mais desembaraçado e móvel contribuiu para uma extraordinária reestruturação global da produção industrial A industrialização capitalista em larga escala tem ocorrido pela primeira vez numa série de países e regiões periféricos enquanto muitos países centrais têm passado por um extenso declínio industrial regional Essa combinação de desindustrialização e reindustrialização desarticulou as antigas definições globais de centro e periferia de PrimeiroSegundoTerceiro Mundos e criou os contornos provisórios de uma divisão internacional do trabalho diferente senão inteiramente nova 5 Nos EUA e em outros lugares a acelerada mobilidade geográfica do capital industrial e relacionado com a indústria deflagrou e intensificou uma concorrência territorial entre órgãos governamentais por novos investimentos e pela manutenção das firmas existentes no lugar onde estão Essas guerras regionais por empregos e dólares Goodman 1979 absorvem um volume crescente das verbas públicas e amiúde dominam o processo de planejamento urbano e regional à custa dos serviços sociais e previdenciários locais Como o capital coopera cada vez mais as comunidades competem cada vez mais outro velho paradoxo que vem sendo particularmente intensificado no período atual 6 Num paralelo com o que vem acontecendo em escala global a divisão regional do trabalho dentro dos países tem mudado mais drasticamente do que nos últimos cem anos As regiões que abrigam os setores manufatureiros fordistas que lideraram o surto de crescimento do pósguerra automóveis aço construção aviação civil bens de consumo duráveis vêm sendo disciplinadas e racionalizadas através de uma combinação variável de fuga de capitais e fechamento de fábricas da introdução de novas tecnologias que economizem mão de obra e de ataques mais diretos ao trabalho organizado dessindicalização recuos trabalhistas restrições às negociações coletivas Uma reindustrialização seletiva primordialmente baseada em tecnologias avançadas de produção e centrada nos setores menos sindicalizados vem ao mesmo tempo detendo o declínio em algumas das regiões racionalizadas com mais sucesso por exemplo na Nova Inglaterra ou concentrando a expansão industrial em novos complexos industriais territoriais tipicamente na periferia das grandes áreas metropolitanas 7 Acompanhando esses processos há grandes mudanças na estrutura dos mercados urbanos de trabalho Tem havido uma segmentação e uma fragmentação mais profundas com uma polarização mais pronunciada das ocupações entre trabalhadores de remuneração elevadaespecialização elevada e de remuneração baixabaixa especialização bem como uma segregação residencial cada vez mais especializada baseada na ocupação raça afiliação étnica condição de imigrante renda estilo de vida e outras variáveis relacionadas com o emprego Um decréscimo global na proporção relativa de empregos industriais devido principalmente ao declínio do emprego nas indústrias pesadas mais antigas e mais sindicalizadas acompanhado por um rápido aumento dos empregos terciários de remuneração inferior tende a produzir taxas de crescimento significativamente reduzidas senão negativas nos níveis salariais e na renda real dos trabalhadores além de aumentos limitados dos níveis de produtividade da economia nacional em todos os lugares onde essa estrutura setorial em processo de modificação é mais acentuada 8 O crescimento do emprego tende a se concentrar nos setores que têm mais facilidade de dispor de bolsões de trabalho comparativamente baratos mal organizados e fáceis de manipular e que desse modo são mais capazes de competir dentro de um mercado internacional ou de obter uma proteção significativa contra a concorrência internacional do Estado local ou nacional Os setores que lideram o crescimento do emprego portanto baseiamse tanto na alta quanto na baixa tecnologia e recorrem a uma mescla de técnicos especializados trabalhadores sem turno integral imigrantes e mulheres Isso cria um estreitamento no meio do mercado de trabalho com uma pequena protuberância no alto e uma protuberância ainda maior na base especialmente se incluirmos também a florescente economia informal Somente nos Estados Unidos no entanto ao menos dentre todos os países industriais avançados é que essa reestruturação dramática do emprego tem estado associada a um substancial crescimento conjunto do emprego7 Esses e outros processos predominantes de reestruturação injetaram uma equivocidade peculiar na paisagem geográfica mutante uma combinação de opostos que desafia a simples generalização categórica Nunca em época anterior a espacialidade da cidade capitalista industrial ou o mosaico do desenvolvimento regional desigual tornaramse tão caleidoscópicos tão soltos de suas amarras do século XIX tão cheios de contradições inquietantes Por um lado há uma importante desindustrialização urbana que está esvaziando as antigas concentrações nodais não apenas rumo aos anéis suburbanos padrão que se iniciou já no fim do século XIX mas indo muito mais longe para pequenas cidades não metropolitanas e locais campestres ou mais além para os PRIs e as RRIs Por outro lado um novo tipo de base industrial vemse estabelecendo nas grandes regiões metropolitanas com um efeito urbanizador que é quase indiferente às vantagens de localização implícitas na paisagem urbanoindustrial anterior Scott 1983a 1986 Assim falar da cidade pósindustrial é na melhor das hipóteses uma meiaverdade e na pior um espantoso erro de interpretação da dinâmica urbana e regional contemporânea pois a industrialização continua a ser a força propulsora primordial do desenvolvimento em todas as partes do mundo contemporâneo Nascida em grande parte dessa combinação de desindustrialização e reindustrialização há uma reestruturação interna igualmente paradoxal das regiões metropolitanas marcada por uma descentração e uma recentração das nodalidades urbanas A suburbanizaçãometropolitanização difusa continua mas já não parece tão inequivocamente associada ao declínio dos centros das cidades Um renascimento cuidadosamente orquestrado do centro vem ocorrendo tanto nas regiões metropolitanas em crescimento quanto nas declinantes Ao mesmo tempo o que alguns denominaram de cidades externas aglomerações bastante amorfas que desafiam as definições convencionais de urbanosuburbanoexurbano estão formando novas concentrações dentro do tecido metropolitano e provocando uma onda de neologismos que tentam captar sua singularidade tecnópolis tecnoburgo aldeia urbana metroplex e paisagem de silício O processo de internacionalização criou outro conjunto de paradoxos pois implica um estenderse para fora do urbano para o global e um estenderse para dentro do global para o local urbano Isso deu um novo sentido à noção de cidade mundo como uma condensação urbana da divisão internacional reestruturada do trabalho Friedmann e Wolff 1982 Mais do que nunca a economia macropolítica do mundo estáse contextualizando e reproduzindo na cidade As cidades do Primeiro Mundo estão ficando repletas de populações do Terceiro Mundo que em alguns casos são agora a maioria Enquanto essas cidadesmundo compostas espichamse cada vez mais moldando a economia internacional numa forma de planejamento espacial global elas também incorporam internamente cada vez mais as tensões e os campos de batalha políticos e econômicos das relações internacionais Nem a teoria urbana convencional nem a economia política urbana marxista que se consolidou nos anos setenta conseguiram dar sentido teórico e político a essa enigmática reestruturação urbana contemporânea Enquanto a primeira tende a especificar demasiadamente o urbano fazendo com que a afirmação do urbanismo tome o lugar da explicação a segunda tem tendido em sua maior parte a subespecificar o urbano passando distraidamente ao largo de seu poder causal e de seu posicionamento integral dentro da geografia histórica do capitalismo As duas tenderam a superenfatizar as questões de consumo e a desprezar os efeitos urbanizadores da produção industrial num estreitamento que talvez tenha sido politicamente adequado nos anos sessenta mas que é agora míope demais para se haver eficazmente com os processos de reestruturação contemporâneos Sob muitos aspectos o mesmo se pode dizer da economia política internacional neomarxista que evoluiu paralelamente à urbana Também ela tendeu a supersimplificar as complexidades da produção e dos processos de trabalho capitalistas ou a presumir que o materialismo histórico já solucionou todos os seus enigmas Muito se conseguiu na investigação dos múltiplos circuitos do capital que dão forma ao sistema mundial e no rastreamento de suas origens históricas e seu desenvolvimento geográfico Mas as perspectivas predominantes foram apanhadas desprevenidas pelas dramáticas mudanças da divisão internacional do trabalho acarretadas por uma reestruturação industrial essencialmente inesperada e mundial No momento o campo relativamente novo da economia política regional e uma geografia industrial regional revigorada e reorientada parecem ser as arenas mais perspicazes e inovadoras para analisarmos as economias macro meso e micropolíticas da reestruturação Ambos podem ser chamados de especializações flexíveis pois estão menos preocupados com as antigas fronteiras e restrições disciplinares e assim sendo estão mais abertos para uma adaptação oportuna de modo a enfrentar as novas demandas e desafios A perspectiva regional facilita a síntese do urbano e do global ao mesmo tempo que continua sabedora do poderoso papel mediador do Estado nacional mesmo no momento em que esse papel se reduz um pouco na era atual A interação mutuamente receptiva da regionalização e do regionalismo fornece uma abertura particularmente sagaz para observarmos a dinâmica da espacialização e do desenvolvimento geograficamente desigual confere maior profundidade e significado à noção de divisões espaciais do trabalho e é profusa em ligações úteis com as ontologias sociais reformuladas que discutimos antes Igualmente importantes sua abertura e sua flexibilidade bem como sua inclinação para tentar novas combinações de ideias em vez de recair nas velhas dualidades categóricas fazem dos estudos regionais críticos o ponto de confluência mais provável das três correntes de reestruturação contemporâneas É aí que nossa compreensão do pósfordismo do pósmodernismo e de uma teoria social crítica póshistoricista pode ocorrer mais abundantemente 1 Tal como usado aqui o asseverado prefixo pós indica seguindose a ou depois de mas não significa uma completa substituição do termo modificado O modernismo o fordismo e o historicismo persistem mesmo depois de sua reestruturação pósdefinida Similarmente alguns aspectos do pósmodernismo do pósfordismo e do pós historicismo podem ser prenunciadoramente encontrados num passado mais distante Essa utilização pode confundir os que insistem na aplicação de uma lógica categórica da temporalidade e da sequência mas tal é em parte sua intenção 2 O rico ensaio de Harvey sobre a transformação de Paris em 185070 Harvey 1985b explora o que talvez seja o exemplo mais paradigmático do poder disciplinar contido nessa espacialização urbana instrumental especialmente com suas extraordinárias elaborações haussmanescas Foucault inicia suas explorações muito antes e é mais responsável do que qualquer outra pessoa por nos abrir os olhos para a instrumentalidade do espaçopodersaber no contexto urbano 3 Gordon 1984 41 cita o presidente de uma empreiteira de Chicago todas essas controvérsias e greves que tivemos aqui durante alguns anos impediram que as pessoas de fora viessem para cá e investissem seu capital Isso desestimulou o capital no plano doméstico Afastou os fabricantes da cidade porque eles ficaram com medo de que seus homens se metessem em confusões e greves O resultado é que quarenta ou cinquenta milhas ao redor de toda Chicago as cidades menores estão recebendo essas fábricas 4 Processos semelhantes atuaram nas cidades europeias mas a suburbanização a fragmentação política metropolitana e o abandono do centro da cidade salvo em função da destruição causada pela guerra tenderam a ser muito menos intensos 5 Cidades selvagens em francês no original NT 6 Fato consumado em francês no original NT 7 A natureza dessa Grande Máquina de Empregos Norteamericana como alguns começaram a chamála ainda é difícil de apreender São sugestivas porém duas listas recentes das dez ocupações que têm crescido mais depressa publicadas pelo Instituto de Pesquisas de Financiamento e Administração Educacional da Universidade de Stanford Em termos de números absolutos as dez ocupações principais são zeladora de edifício caixa secretárioa auxiliar de serviços gerais de escritório vendedora enfermeiroa profissional garçomgarçonete professora de jardim de infânciaescola primária motorista de caminhão e auxiliar de enfermagem O maior aumento percentual esperado na próxima década refletindo a década passada referese a técnicos de computação assistentes legais analistas de sistemas de computação programadores técnicos de máquinas de escritório assistentes de fisioterapia engenheiros elétricos técnicos de engenharia civil operadores de computadores pessoais e digitadores 8 TUDO SE JUNTA EM LOS ANGELES Eu ficaria muito satisfeito se você me pudesse encontrar alguma coisa boa substancial sobre a situação econômica da Califórnia A Califórnia é muito importante para mim pois em nenhum outro lugar a revolução mais escandalosamente causada pela centralização capitalista ocorreu com tamanha velocidade Carta de Karl Marx a Friedrich Sorge 1880 Eilo Tomemno Discurso inaugural de William Mulholland na inauguração do Aqueduto de Los Angeles 1913 A curiosidade premonitória de Marx sobre a Califórnia foi instigada pelos extraordinários acontecimentos que se seguiram às descobertas de ouro em 1848 Vinda praticamente de lugar nenhum uma impressionante presença capitalista emergiu ao longo da costa do oceano Pacífico no Novo Mundo dando início a uma inclinação californiana para a economia espacial global do capitalismo que continuaria durante o século e meio seguinte O ouro da Califórnia alimentou significativamente a recuperação e a expansão do capitalismo industrial depois da era da revolução ajudou a acertar os ponteiros da consolidação territorial e da rápida industrialização urbana dos Estados Unidos e depositou na região da Baía de San Francisco um dos mais dinâmicos centros de acumulação do fim do século XIX Mas o processo uma vez iniciado não parou por aí Relativamente despercebida em 1880 deuse a instalação de outra inclinação mais local que sustentaria a californianização do capitalismo durante o século XX A ascensão do sul da Califórnia da região centrada na cidade de Los Angeles confirmou a intuição presciente de Marx Desde 1900 talvez não haja outro lugar em que as revoluções associadas à centralização capitalista tenhamse desenvolvido mais depressa ou mais escandalosamente O que foi a Califórnia Setentrional para a segunda metade do século XIX a Califórnia Meridional tem sido em escala muito maior para o século XX Se pudéssemos criar mapas globais decenais da geração regional de superlucros a começar da década de 1920 a área de Los Angeles estaria quase com certeza entre os pontos mais altos de praticamente todas as décadas O ouro verde e o negro a agricultura e o petróleo sustentaram a expansão inicial com o Condado de Los Angeles liderando o país por muitos decênios nos dois setores produtivos A partir de 1930 porém a indústria tomou a dianteira e uma década após outra até os dias atuais a Califórnia Meridional nunca foi substancialmente superada por nenhuma outra região norteamericana comparável no aumento líquido de empregos industriais Durante a maior parte do século XX Los Angeles esteve entre os polos de crescimento industrial mais propulsores e superlucrativos da economia mundial sediando sistematicamente os principais setores industriais do momento Hoje em dia o produto econômico regional da Califórnia Meridional é maior do que o produto interno bruto de todos os países com exceção de dez1 Que outro lugar poderia ser melhor para ilustrar e sintetizar a dinâmica da espacialização capitalista Sob inúmeros aspectos Los Angeles é o lugar onde tudo se junta para tomarmos emprestado o imodesto lema do Los Angeles Times Sendo mais inventivos poderíamos chamar a região urbana esparramada que se define por um círculo de sessenta milhas 100 quilômetros ao redor do centro da cidade de Los Angeles de prototopos lugar paradigmático ou levando a criatividade ainda mais longe de mesocosmo um mundo ordenado em que o micro e o macro o idiográfico e o nomotético o concreto e o abstrato podem ser vistos simultaneamente numa combinação articulada e interativa Mas recuemos dessas caracterizações presunçosas por enquanto para visar mais modestamente a uma descrição regional teoricamente esclarecida a um estudo de caso empiricamente fundamentado da geografia histórica da reestruturação urbana e regional O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO A região urbana de Los Angeles que abarca cinco condados Los Angeles Orange Ventura Riverside e San Bernardino é hoje uma das maiores metrópoles industriais do mundo havendo recentemente ultrapassado a Grande Nova York em empregos industriais e produção industrial total Além disso desde o fim dos anos sessenta ela experimentou uma concentração da indústria um aumento do emprego e um investimento financeiro que talvez não tenham paralelo em nenhum país industrial avançado Entre 1970 e 1980 quando a totalidade dos Estados Unidos teve um aumento líquido de menos de um milhão de empregos industriais e Nova York perdeu quase 330000 a região de Los Angeles acrescentou 225800 Na mesma década sua população total aumentou em 1300000 habitantes mas o número de trabalhadores não agrícolas a soldo e assalariados aumentou em 1315000 fazendo da região sem sombra de dúvida a maior máquina de empregos do mundo posição esta que ela continuou a manter nos anos oitenta2 A máquina regional de empregos agitouse de maneira sumamente ativa em dois níveis O emprego e a produção nas indústrias de alta tecnologia se expandiu fazendo da Grande Los Angeles talvez a maior tecnópole do mundo com mais engenheiros cientistas matemáticos técnicos especializados e mais trabalhadores avalizados pela segurança máxima do que qualquer outra região urbana Uma expansão ainda maior dos empregos industriais e de serviços de baixa remuneração com uma florescente indústria de confecções na liderança além de uma explosão do trabalho em expediente parcial e do trabalho aleatório flexivelmente organizado para atender às demandas mutáveis de mão de obra inflaram a base do mercado de trabalho absorvendo a maioria dos quase dois milhões de trabalhadores em busca de emprego principalmente imigrantes e mulheres que ingressaram no mercado nos últimos vinte anos Houve outras aglomerações impressionantes Um fluxo crescente de funções nas áreas de finanças bancária de administração empresarial e pública de controle e de tomada de decisões fizeram de Los Angeles o eixo financeiro do oeste dos EUA e ao lado de Tóquio a capital do capital na orla do Pacífico A região também abarca o maior núcleo de empregados governamentais de qualquer cidade norteamericana com exceção de Washington DC e os portos gêmeos de San Pedro e Long Beach que figuram atualmente entre os maiores e os de crescimento mais rápido no mundo em termos de importações e exportações Hoje em dia eles manipulam quase metade do comércio transpacífico da América do Norte E para que isso não fique esquecido a região de Los Angeles tem sido pelo menos desde a guerra da Coreia a região primacial do país no recebimento de contratos de defesa para a pesquisa e desenvolvimento de armamentos o mais avançado arsenal da América Contrapondose a esses indicadores de rápido crescimento conjunto da economia regional entretanto há indicadores igualmente espantosos de declínio e deslocamento econômico uma extensa perda de empregos e fechamentos de fábricas nos setores mais sindicalizados da indústria pesada e um declínio vertiginoso do número de membros dos sindicatos de trabalhadores industriais pobreza e desemprego que se agravam em comunidades deixadas de lado que têm que se defender sozinhas numa crescente economia informal ou subterrânea uma multiplicação de pequenas empresas industriais que fazem lembrar o século XIX3 uma intensificação da discriminação residencial no que sempre foi uma cidaderegião altamente segregada índices incomumente elevados de crimes violentos assassinatos por gangues e utilização de drogas e a maior população carcerária urbana do país Uma crise particularmente aguda de habitação vemse armando há muitos anos invertendo a longa tendência para a aquisição crescente da casa própria e induzindo a um extraordinário conjunto de estratégias habitacionais disparatadas Talvez já chegue a haver 250000 pessoas no Condado de Los Angeles morando em garagens reformadas e construções de fundo de quintal e mais a metade desse número acotovelada em quartos de motéis e hotéis na esperança de poupar o suficiente para pagar os depósitos de fiança exigidos por acomodações de aluguel mais estáveis porém fora de seu alcance Muitas são forçadas a esquentar a cama revezandose para dormir em colchões alugados que nunca ficam vazios enquanto outras encontram acomodação nos cinemas que reduzem obsequiosamente o preço dos ingressos depois da meianoite As que são ainda menos afortunadas vivem nas ruas e embaixo dos viadutos em caixas de papelão e tendas improvisadas juntandose para formar a maior população sem teto dos Estados Unidos outro primeiro lugar para Los Angeles As justaposições aparentemente paradoxais mas funcionalmente interdependentes são as características sintetizadoras da Los Angeles contemporânea Reunidas ali há exemplificações singularmente vívidas de muitos processos e padrões diferentes associados à reestruturação da sociedade do fim do século XX As combinações particulares são únicas mas nelas se condensam expressões e reflexos mais gerais É possível encontrar em Los Angeles não apenas os complexos industriais de alta tecnologia do Vale do Silício e a economia errática do cinturão do sol de Houston mas também o extenso declínio industrial e os bairros urbanos falidos de Detroit ou Cleveland com seu cinturão de ferrugem Existem em Los Angeles uma Boston uma Baixa Manhattan e um sul do Bronx uma São Paulo e uma Cingapura Talvez não haja nenhuma outra região urbana equiparável que apresente de maneira tão vívida essa reunião e articulação conjuntas de processos de reestruturação urbana Los Angeles parece estar conjugando a história recente da urbanização capitalista em praticamente todas as suas formas flexionadas UMA BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA Los Angeles nunca vivenciou integralmente a intensa centralização geográfica da produção que caracterizou a cidade industrial capitalista do século XIX e moldou a expansão inicial da maioria das grandes cidades norteamericanas a leste das Rochosas e de San Francisco ao norte Embora fundada em 1781 a cidade de Los Angeles permaneceu como um pequeno posto avançado periférico até que um século depois quando o processo predominante de urbanização tornouse mais descentralizado iniciouse uma extensa suburbanização residencial e alguns feixes de municípios separadamente incorporados começaram a margear a cidade metropolitana central Assim o rápido crescimento populacional ocorrido entre 1880 e 1920 quando o Condado de Los Angeles se expandiu de 35000 para quase um milhão de habitantes foi basicamente moldado pelas relações sociais e espaciais da Cidade Empresarial Mas nunca houve nenhuma dúvida sobre onde se localizava o centro As atividades governamentais financeiras e comerciais sempre se concentraram no núcleo do centro da cidade de Los Angeles polo do controle e da administração sociais por mais de duzentos anos Havia também outra considerável zona industrial interna um pouco mais ao sul que acabaria por se expandir quase que ininterruptamente até o complexo portuário de San Pedro anexado à cidade em 1909 e Long Beach inicialmente incorporada em 1888 e a partir de 1920 a segunda maior cidade da região O padrão predominante de localização residencial e industrial entretanto já era polinuclear e descentralizado com densidades relativamente baixas na dispersa área construída Os subúrbios do ouro negro Viehe 1981 pontilharam o Condado de Los Angeles fora dos três maiores centros Los Angeles Pasadena e Long Beach que era talvez a maior dessas urbanizações ligadas pelo petróleo e se espalharam pelos condados de Orange e San Bernardino Os subúrbios do ouro negro incluíram Whittier Huntington Beach Norwalk El Segundo que literalmente definia a segunda maior refinaria da Standard Oil e muitas outras localidades que foram tragadas pela anexação à cidade central Uma rede ferroviária eficiente e extraordinariamente extensa para o transporte de massa a maior do país na época ligava esses centros dispersos e fomentava a cada conexão um padrão de desenvolvimentismo competitivo das localidades e de fragmentação territorial Das 43 milhas quadradas de terra sem acesso ao mar no início do século a cidade de Los Angeles ampliouse para 362 milhas quadradas em 1920 e para 442 em 1930 estendendo seus tentáculos anexadores primeiro para o porto e depois através de seu virtual monopólio da água para Hollywood Venice Watts e vastas faixas do Vale de San Fernando O lacônico discurso de William Mulholland na inauguração do Aqueduto de Los Angeles em 1913 Eilo Tomemno estava claramente sendo levado a sério Mas mesmo com essa agressiva expansão da cidade as outras áreas incorporadas do condado logo começaram a aumentar mais rapidamente sua população Depois de 1920 a cidade nunca mais voltou a experimentar uma taxa de crescimento populacional intercensitária superior à do restante do condado Entre 192040 abarcando os anos da Grande Depressão o Condado de Los Angeles somava quase dois milhões de habitantes divididos em números aproximadamente iguais entre a cidade e os subúrbios embora àquela altura a distinção já se houvesse tornado sumamente vaga sendo a maior parte da cidade tão suburbana quanto os chamados subúrbios O crescimento urbano baseouse sobretudo na extração e refino de petróleo na agricultura na indústria cinematográfica em formas incomumente agressivas de especulação com a terra e desenvolvimento imobiliário e numa pequena mas florescente base manufatureira dominada por formas artesanais de produção que atendiam à área local Apesar de uma história de vigorosas lutas trabalhistas Los Angeles também se transformara num preeminente centro de controle efetivo do trabalho numa área em que as firmas que preferiam empregados não sindicalizados tornaramse praticamente uma lei nos cinquenta anos subsequentes à depressão da década de 18904 A força persistente dos grupos de empregadores antissindicalistas e dos aliados do setor público que os apoiavam foi central para a industrialização de Los Angeles no século XX Nos anos vinte Los Angeles já era a cidade mais voltada para o automóvel no mundo inclinação esta que refletiu e contribuiu para sua morfologia urbana altamente descentralizada Como não é de surpreender a fabricação artesanal local cedo se concentrou em carros inovadores e experimentais equipamentos da moda para veículos e projetos especializados de carros Morales 1986 Aproximadamente na mesma época desenvolveuse também uma importante indústria aeronáutica parcialmente favorecida por um ambiente físico singularmente adequado porém mais ainda por sua associação com a produção em pequena escala de carros e equipamentos especializados Essa tradição artesanal local significativamente estimulada pelo relativo isolamento de Los Angeles em relação aos grandes centros industriais e mercados do Nordeste lançou as bases da industrialização urbana fordista dos anos do entreguerras como o faria em outros pontos dos EUA Durante a depressão quatro grandes fabricantes de automóveis inauguraram montadoras para produção em massa em Los Angeles No fim dos anos quarenta Los Angeles havia desenvolvido o maior complexo industrial de automóveisvidrospneus de borracha para o mercado de massa fora do MeioOeste Essa combinação propícia de habilidade artesanal e produção em massa fabricação de automóveis e aeronaves oferta abundante de mão de obra e petróleo gastos federais crescentes com a defesa e a suburbanização e a complacência do clima ensolarado e das firmas com empregados não sindicalizados sustentou uma rápida expansão econômica durante os anos da depressão e estimulou extraordinários surtos de crescimento baseados na guerra primeiro na II Guerra Mundial e depois na guerra da Coreia Em 195053 os anos da guerra da Coreia o índice total de empregos foi aumentado em 415000 postos sendo 95000 na indústria aeronáutica então reorientada de sua ênfase nas estruturas das aeronaves para uma fabricação mais diversificada de mísseis aeroespaciais eletronicamente guiados A industrialização acelerada de Los Angeles durante o terço médio do século XX foi em parte uma extensão do desenvolvimento urbanoindustrial fordista que então caracterizava o Cinturão Industrial Norteamericano A produção artesanal continuou a ser sumamente significativa mas em muitos setores industriais os processos trabalhistas fordistas e a produção em massa de bens de consumo duráveis cresceu com a mesma rapidez com que o fez em qualquer outro ponto do país Los Angeles tornouse a epítome da metrópole industrial administrada pelo Estado Foi um campo exemplar não apenas para a expansão industrial fordista mas também para a estimulação keynesiana da demanda e para o consumismo de massa para a administração federal das variáveis macroeconômicas incentivadora do crescimento para a criação trabalhisticamente estabilizadora de contratos sociais vinculados à produtividade firmados entre o governo as empresas e os sindicatos e talvez mais paradigmaticamente para a suburbanização dispersiva que empurrou a vida urbana para a fronteira do capimdashortas uma fronteira maníaca por automóveis e generosamente subsidiada pelo Estado Jackson 1985 Essa industrialização de efeito duplo localizouse num esparrame de residências e locais de trabalho de baixa densidade vinculados por uma rede de vias expressas e engastados numa extraordinária fragmentação de jurisdições políticas literalmente centenas de governos locais Miller 1981 O núcleo central da cidade de Los Angeles continuou sendo o nódulo maior mas sua vantagem relativa em termos de tamanho diminuiu significativamente com o crescimento acelerado de centros comerciais regionais e áreas industriais suburbanas Em resposta a esse declínio os poderosos interesses empresariais voltaram a exercitar seus músculos esmagando o que prometia ser um dos maiores projetos habitacionais públicos do país sob a bandeira do combate ao socialismo Parson 1982 O interesse público e as verbas públicas foram deslocados para grandes projetos de reforma que visavam a fazer reviver o distrito comercial central da cidade e a elitizar seletivamente as amplas áreas de moradias deterioradas que o cercavam refletindo senão instaurando mais uma vez as tendências urbanas nacionais Uma das maiores zonas industriais do mundo ainda se estendia do centro da cidade em direção ao sul atravessando áreas rigidamente discriminadas de trabalhadores negros e trabalhadores brancos pobres dezenas de milhares dos quais haviam imigrado para ali durante as décadas de 1930 e 1940 Mas também ali nesses subúrbios de aparência sumamente confortável dos operários houve um relativo declínio à medida que a nova expansão industrial e residencial extravasou em direção a Orange e outros condados das cercanias deixando atrás de si um dos mais rígidos divisores raciais do emprego de qualquer parte do país A oeste da Alameda White Curtain Cortina Branca ficou o compacto gueto negro o terceiro maior do país torturantemente próximo mas cada vez mais distanciado do grande bolsão de empregos a leste Sendo talvez o centro quintessencial da urbanização capitalista administrada pelo Estado e localmente fomentada Los Angeles foi também a epítome das crises que essa urbanização ajudou a gerar Os tumultos de Watts em 1965 iniciaram explosivamente uma série de contestações urbanas da legitimidade da ordem econômica do pósguerra nos EUA e na Europa ocidental A grande população chicana de Los Angeles também reagiu primeiro através dos boicotes à escola secundária em 1966 e depois em 1970 na Moratória Chicana um protesto de 30000 pessoas contra a guerra provavelmente a maior demonstração política latina na história norteamericana recente As tensões fiscais e sociais da metrópole administrada pelo Estado ficaram claramente à mostra especialmente no Condado de Los Angeles Os pagamentos totais da previdência mais do que duplicaram entre 196469 enquanto o auxílio às famílias com filhos menores triplicou O choque da recessão global de 197375 meramente confirmou o que já fora reconhecido em Los Angeles e outros lugares que a continuação do crescimento econômico do pósguerra já não podia contar com as transações habituais Faziase necessária uma reorganização extensa e fixadora das estruturas sociais e espaciais de acumulação Estava iniciada outra era de competição intensificada entre o velho e o novo entre uma ordem herdada e uma ordem projetada entre a continuidade e a mudança A REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL DE LOS ANGELES A mutável distribuição setorial do emprego fornece indicações reveladoras do alcance e da intensidade da reestruturação espacial da região urbana de Los Angeles nos últimos vinte anos Como se pode ver na Figura 2 o setor de serviços exibiu a mais alta taxa de aumento do emprego nos anos sessenta e setenta e segundo todas as indicações provavelmente continua a liderar todos os outros setores na década de 1980 Embora seu índice de crescimento tenhase reduzido desde 1970 o emprego total no setor de serviços superou recentemente o emprego nas fábricas transformandose no maior setor empregatício da região posição esta que ele detivera pela última vez nos anos vinte Fonte Departamento de Emprego da Califórnia Figura 2 Variações do emprego setorial 19601976 Esse rápido crescimento dos empregos no setor de serviços bem como no comércio atacadista e varejista e nos setores de FSSI finanças seguros e setor imobiliário juntamente com o acentuado declínio relativo dos empregos governamentais sobretudo federais traça um paralelo com amplas tendências nacionais O aspecto em que Los Angeles se afasta mais marcantemente dessas tendências nacionais é o padrão de mudança entre as duas décadas em particular no tocante à contínua expansividade do setor manufatureiro Para avaliar a intensidade relativa dessas mudanças desde 1970 assim como sua variação geográfica dentro da região convém nos referirmos à Figura 3 que apresenta os resultados de uma análise de alternânciaparticipação das mudanças no emprego em três períodos de tempo de 1962 a 1967 antes da ocorrência de qualquer reestruturação significativa de 1967 a 1972 período de transição e de 1972 a 1977 depois de uma primeira rodada de modificações5 No tocante à região como um todo o comércio e os setores FSSI tiveram índices de participação regional positivos nos três períodos indicando que o emprego na região cresceu mais depressa do que as médias nacionais O crescimento nos serviços e na construção entretanto foi mais lento resultando numa participação regional conjunta negativa embora ambos tenham recuperado forças em 197277 O maior índice global foi sem dúvida o da indústria primordialmente baseado no crescimento explosivo do complexo industrial do Condado de Orange Scott 1986 O Condado de Los Angeles teve uma participação negativa em todo o período mas os empregos na indústria foram positivos nos anoschave de 197277 sugerindo uma relativa recuperação do crescimento industrial Essas medidas retratam uma estrutura regional de empregos internamente diferenciada e cada vez mais descentralizada com um setor industrial incomumente robusto A terciarização da economia regional tem avançado rapidamente mas basicamente através dos setores do comércio atacadista e varejista finanças seguros e imobiliário e não do setor de serviços Os condados periféricos especialmente Orange parecem estar tendo um surto de Região Condado de LA Orange San Bern Riverside Indústria 92033 25803 96310 21515 Comércio atacadista e varejista 41429 81157 99639 22946 Serviços 20544 113500 79863 13092 Governo NC Não computado NC Não computado NC Não computado Transportes e serviços de utilidade pública 9411 10647 13663 6395 Finanças seguros e setor imobiliário 33692 5250 33741 5201 Construção 3493 4734 0 671 Mineração 4439 104 0 0 a produção e o emprego numa ampla zona que se estendia em direção ao sul partindo do centro da cidade de Los Angeles até os portos gêmeos de San Pedro e Long Beach com importantes pontos isolados nos vales de San Fernando e San Gabriel e no chamado Império Interiorano do Condado de San Bernardino sede anteriormente do maior complexo siderúrgico a oeste do rio Mississippi Dentro dessa extensa paisagem industrial urbana cujos municípios como Vernon e as semcerimoniosamente denominadas Cidade da Indústria e Cidade do Comércio passaram a se dedicar inteiramente à fabricação e aos serviços comerciais e de armazenagem correlatos quase não havendo população local para atrapalhar Quase 50000 pessoas trabalhavam em Vernon por exemplo mas menos de cem moravam lá Outras cidades como South Gate vizinha de Watts e quase a meio caminho entre o centro da cidade e os portos mesclavam uma densa produção industrial com alguns dos mais atraentes bairros residenciais da classe trabalhadora no país Tratavase quase que inteiramente de bairros brancos convém acrescentar pois essa zona industrial era atravessada por uma das divisões raciais mais rigidamente definidas de qualquer cidade norteamericana Atualmente essas áreas transformaramse no cinturão de ferrugem de Los Angeles com muitas fábricas abandonadas altas taxas de desemprego bairros economicamente devastados extensa emigração e mudanças ocupacionais desqualificadoras e redutoras de salários passando da indústria para funções de prestação de serviços O que um dia foi o segundo maior complexo de montadoras de automóveis do país viuse reduzido a uma única fábrica da General Motors em Van Nuys que hoje é sede de uma vigorosa luta trabalhista e comunitária contra seu fechamento Mann 1987 A segunda maior indústria de fabricação de pneus do país praticamente desapareceu com o fechamento da Firestone Goodyear Goodrich Uniroyal e outras empresas menores acompanhada por boa parte da indústria siderúrgica da Califórnia Meridional Nos quatro anos do período 197882 pelo menos 75000 empregos foram perdidos em decorrência do fechamento de fábricas e de dispensas infindáveis de trabalhadores afetando primordialmente um segmento do mercado de trabalho que era altamente sindicalizado e continha uma proporção incomumente elevada de operários bemremunerados das minorias e do sexo feminino A Figura 4 mapeia essa pronunciada desindustrialização Em South Gate desde 1980 o fechamento da Firestone Rubber da General Motors e da Norris IndustriesWeiser Lock representou a perda do que no auge do emprego dos anos anteriores equivalera a mais de 12500 colocações No município adjacente de Watts a situação econômica deteriorouse mais depressa do que em qualquer outra comunidade dentro da Cidade de Los Angeles e não está melhor agora provavelmente está pior do que na época dos tumultos de Watts em 1965 Na década e meia que se seguiu à insurreição a área predominantemente negra das zonas sulcentro de Los Angeles perdeu 40000 habitantes sua força de trabalho foi reduzida em 20000 trabalhadores e a renda familiar média caiu para 5900 dólares 2500 dólares abaixo da média correspondente à população negra da cidade no fim dos anos setenta Essa desindustrialização seletiva surtiu um grande efeito na força global da mão de obra organizada Durante a década de 1970 os índices de sindicalização no Condado de Los Angeles baixaram de mais de 30 para cerca de 23 No Condado de Orange a queda foi ainda mais pronunciada e na indústria que estava passando por uma extraordinária expansão do emprego os índices de sindicalização despencaram de 264 para 105 Isso representou um declínio absoluto de mais de um quarto do número de trabalhadores sindicalizados em 1971 Assim a desindustrialização e o novo crescimento industrial associaramse a expressivos declínios da sindicalização e ao enfraquecimento de muitos dos ganhos contratuais conquistados pela mão de obra organizada nas duas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial Figura 4 Fechamentos de fábricas e grandes dispensas de trabalhadores em 19781982 A desindustrialização seletiva e a dessindicalização maciça em Los Angeles ampliaram as tendências nacionais e globais geradas em resposta às crises econômicas e políticas que destroçaram o surto de crescimento do pósguerra e os contratos sociais keynesianos que tinham sido parte tão integrante do período expansionista Como ocorreu em períodos similares de crise e reestruturação do passado as inovações tecnológicas as estratégias administrativas empresariais e a política estatal passaram a se concentrar mais direta e explicitamente em dois objetivos cada vez mais vitais e estreitamente relacionados a restauração de crescentes oportunidades de superlucros e o estabelecimento de um controle mais efetivo da força de trabalho Usando a lógica de uma racionalização urgentemente necessária de uma celebração renovada da destruição criativa que é crucial para a sobrevivência das economias capitalistas a paisagem econômica que se consolidara nos anos do pósguerra começou a ser seletivamente destruída e reconstruída com igual seletividade Essa tentativa abrangente de disciplinar o trabalho juntamente com capitais menos eficientes e grandes segmentos do Estado central e local foi um tema essencial do processo de reestruturação contemporâneo Tem sido promulgado por uma gama diversificada de opções que giram basicamente em torno da relativa redução do custo da mão de obra Essas opções incluem ataques diretos às organizações mais poderosas da classe trabalhadora crescente centralização e concentração do capital mobilidade intensificada do capital para estabelecer uma ameaça constante de fechamento e transferência de local indução da inovação tecnológica para reduzir custos e criar instrumentos aperfeiçoados de controle da mão de obra e da produtividade e subsídios crescentes às grandes empresas pelo governo federal e pelos governos locais empenhados em atrair novos empregos tudo envolto em programas ideológicos destinados a justificar o sacrifício e a austeridade de alguns ostensivamente em nome do bem maior ao mesmo tempo em que outros são alimentados à força com a valorosa esperança de que o excedente de algum modo escoará para as subclasses que estão à espera dele Essas são as vias primárias da reestruturação quer nos refiramos à economia como um todo ou a empresas isoladas As estratégias nem sempre são bem sucedidas mas os objetivos impulsionadores não podem passar despercebidos em meio a tudo o mais que se vem modificando no mundo contemporâneo Essa perspectiva interpretativa mais concentrada na reestruturação faz da desindustrialização de Los Angeles muito mais do que a expressão local de um inocente processo de modernização e evolução pósindustrial um concomitante secundário de uma economia local que floresce em outros aspectos A desindustrialização tem sido um fulcro crucial em torno do qual giram muitos outros aspectos da reestruturação social e espacial Bluestone e Harrison 1982 Ela constitui o pano de fundo necessário por exemplo para o entendimento da notável expansão industrial que vem ocorrendo na região de Los Angeles desde a década de 1960 Examinemos mais de perto os dois contextos mais propulsores desse crescimento industrial expansivo a indústria aeroespacialeletrônica e a indústria de confecções As Figuras 5 e 6 fornecem uma imagem da magnitude e do padrão de localização do que talvez seja a maior concentração urbana mundial da indústria baseada em tecnologia avançada Durante o período de 197279 o emprego no grupo aeroespacialeletrônico de sete setores industriais cresceu 50 na região com um acréscimo de mais de 110000 empregos e uma subida em sua percentagem de emprego total na indústria de 23 para 26 O crescimento do emprego nesses sete setores foi maior do que o aumento total de novos empregos industriais em Houston no mesmo período e representa quase o equivalente ao aumento líquido de toda a força de trabalho de alta tecnologia do Vale do Silício de 110000 para 147000 empregos nos mesmos sete setores no Condado de Santa Clara 1979 Os dados mais recentes indicam que em 1985 o Condado de Los Angeles empregava sozinho mais de 250000 trabalhadores na categoria do Grupo 3 do Serviço de Estatística do Trabalho outra definição amplamente usada da indústria de alta tecnologia A cifra equivalente no Condado de Santa Clara foi de 160000 empregos Mais do que qualquer outra coisa o que vincula os setores que compõem esse complexo industrial tecnopolitano é sua dependência comum da tecnologia oriunda do Departamento de Defesa e das pesquisas da Nasa e o estímulo dos contratos militares A Califórnia Meridional tem sido de longe o maior destinatário dos melhores contratos da defesa desde a década de 1940 A expansão contínua das indústrias de alta tecnologia nos anos oitenta tem sido ainda mais promovida pelo keynesianismo da administração Reagan centrado nos militares sendo o Condado de Los Angeles em particular um dos principais beneficiários das verbas de pesquisa do projeto Guerra nas Estrelas a Iniciativa de Defesa Estratégica de Reagan Fonte Departamento de Comércio County Business Patterns Padrões comerciais dos condados 1972 e 1979 Figura 5 Variação do emprego nas indústrias aeroespacialeletrônica Essa expansão da alta tecnologia em Los Angeles admite uma certa comparação com o que tem ocorrido na região em torno de Boston onde um profundo e prolongado processo de disciplinamento do trabalho fechamento de fábricas e fuga do capital produziu as condições para uma recuperação econômica baseada em grande parte na rápida expansão dos setores de alta tecnologia e serviços Harrison 1984 Em ambas as regiões urbanas tem ocorrido uma reciclagem ocupacional que polariza cada vez mais o mercado de trabalho pelas diferenças de qualificação e salários O segmento médio dos operários qualificados sindicalizados e bem remunerados vem encolhendo com uma pequena parcela de seus trabalhadores ascendendo em direção a uma tecnocracia ampliada de colarinhosbrancos mas uma proporção muito maior escoando para baixo para um reservatório mal qualificado e mal pago de trabalhadores da produção e dos serviços inflacionado pela imigração maciça e pelos empregados de turno parcial e do sexo feminino Essa filtragem descendente de trabalhadores sindicalizados antes bem estabelecidos foi descrita certa vez como uma desmoralizante Kmarting6 do mercado de trabalho7 O crescimento da indústria de confecções reflete outra mudança dramática no mercado regional de trabalho Não só a alta tecnocracia estabeleceuse em Los Angeles em números extraordinários como o mesmo aconteceu com o que constitui provavelmente o maior bolsa de trabalhadores imigrantes mal pagos mal organizados e facilmente disciplináveis do país Essa reserva ainda crescente de trabalhadores afetou praticamente todos os setores da economia regional inclusive a indústria aeroespacial e eletrônica Sua marca tem sido mais visível entretanto na produção de roupas especialmente na categoria de confecções para senhoras moças e meninos que tende a ter uma mão de obra altamente intensiva difícil de mecanizar e organizada em torno de pequenas oficinas para se adaptar mais eficientemente à rapidez da mudança nas tendências da moda O emprego nas fábricas de confecções expandiuse quase 60 entre 1970 e 1980 representando 12 do crescimento total do emprego na indústria e um acréscimo líquido de mais de 32000 empregos Dentre os aproximadamente 125000 empregos desse setor talvez até 80 tenham sido ocupados por trabalhadores imigrantes nos últimos anos sendo 90 da totalidade da força de trabalho de mulheres Os índices de sindicalização são baixos e as infrações à legislação salarial são comuns embora o imenso trabalho infantil e de exploração não seja endêmico passadas de desaglomeração e uma inversão parcial dessas tendências levando à formação de concentrações urbanas novas ou renovadas na economia espacial metropolitana Como aconteceu com a reestruturação industrial a lógica integral dessa combinação de contrários tornase mais clara quando o quadro conjunto é decomposto em sua dinâmica interna mais intricada Um processo espraiado e polinuclear de descentralização caracterizou a geografia histórica das cidades capitalistas desde o século XIX Sob muitos aspectos Los Angeles foi e continua a ser um caso exemplar desse crescimento urbanosuburbano descentralizado À medida que as subregiões industriais e residenciais mais antigas declinaram a periferia regional se expandiu nos últimos vinte anos num ritmo que talvez não tenha sido superado em nenhum outro lugar do país Os condados de Orange San Bernardino Riverside e Ventura tiveram coletivamente uma média de 40 de aumento da população durante a década de 1970 e conheceram um índice ainda mais elevado de crescimento do emprego Todos os dados disponíveis sugerem que essas taxas de crescimento tenhamse mantido nos anos oitenta Uma expansão significativa também vem ocorrendo nas áreas externas do Condado de Los Angeles respondendo por grande parte de seu aumento populacional de 450000 habitantes nos anos setenta e mais de 600000 entre 198085 A atual descentralização metropolitana entretanto expandiuse muito além da região local de Los Angeles como fez na maioria das outras grandes cidades dos países industriais avançados Mais do que nunca na história norteamericana recente a população e a indústria têmse deslocado para cidades menores e áreas rurais evocando o que alguns denominaram de grande reviravolta não metropolitana outro dos traços característicos atribuídos ao processo contemporâneo de reestruturação A descentralização da produção industrial urbana entretanto progrediu ainda mais nas duas últimas décadas assumindo uma expressão cada vez mais global na qual as firmas industriais que estão de mudança passam inteiramente por cima da hierarquia nacional de centros urbanos e rurais e vãose instalar no exterior em regiões em processo recente de industrialização Essa virada crescente internacionalizou drasticamente o âmbito da análise urbana e ampliou o contexto do entendimento das implicações da reestruturação urbana nas cidades capitalistas Smith e Feagin 1987 O rápido crescimento global dos cargos e dos empregos em Los Angeles mascarou de certo modo uma expressiva emigração da população e das indústrias Também esta deve ser encarada como parte do padrão de descentralização quer seja computada como o número de estabelecimentos industriais que se mudam ou que instalam fábricas afiliadas fora da região quer como o volume crescente dos migrantes que retornam negros que se mudam novamente para o Sul talvez 25000 entre 197580 trabalhadores sem documentos que voltam a atravessar a fronteira do México possivelmente centenas de milhares nas duas última décadas embora muitos deles voltem repetidamente a Los Angeles e muitos outros que partem por não ter conseguido encontrar moradia que pudessem pagar O volume acumulado da emigração de Los Angeles tem sido substancial mas foi mais do que compensado pelos níveis extraordinários de crescimento populacional e industrial Também disfarçada pelos dados globais sobre a descentralização regional e fornecendo outro desafio desnorteante para a análise urbana convencional houve uma recentralização sem precedentes das atividades econômicas em Los Angeles Ela assumiu duas formas principais cada qual refletindo a internacionalização da economia espacial urbana e o conjunto de mudanças tecnológicas e organizacionais que marcaram a ascensão da especialização flexível na produção de bens e serviços Storper e Christopherson 1987 Essas duas formas podem ser popularmente caracterizadas como um renascimento do centro da cidade e uma ascensão da cidade externa Após décadas de campanhas públicas e privadas para contestar as afirmações de que Los Angeles era pouco mais do que uma centena de subúrbios em busca de uma cidade desenvolveuse nos últimos vinte anos um núcleo central visível e expansivo da gigantesca metrópole regional E se considerarmos que esse núcleo central inclui uma extensão de vinte milhas ao longo do corredor de Wilshire Boulevard até o Pacífico ele é hoje uma cidade central quase proporcional ao tamanho e ao alcance da economia regional Nos anos sessenta o centro de Los Angeles já era sede da segunda maior concentração de empregos governamentais do país e era um importante centro doméstico bancário e financeiro apesar de ficar claramente atrás de San Francisco Desde então ele se expandiu drasticamente como cidadela governamental e empresarial núcleo comercial e industrial e sede de controle do capital doméstico e internacional Mais uma vez Los Angeles proporciona um exemplo exagerado de tendências nacionais mais gerais uma extensão do renascimento de centros antes em deterioração e dos surtos de construção de prédios comerciais que ergueram uma nova silhueta de arranhacéus nos centros das cidades do cinturão do sol e de algumas do cinturão do gelo Embutido na nova centralidade do centro de Los Angeles houve um locus geográfico primordial da centralização concentração e internacionalização aceleradas do capital industrial e financeiro que têm marcado a reestruturação contemporânea da economia mundial Cada vez mais posicionada como uma capital do capital na bacia do Pacífico Los Angeles vem crescendo impetuosamente rumo ao nível das outras três capitais do capital global Nova York Londres e Tóquio sua companheira na orla do Pacífico A Figura 7 apresenta a cidadela empresarialfinanceira do centro de Los Angeles Na zona que se estende do centro da cidade até o oceano e se ramifica em direção sul até o aeroporto LAX há mais de sessenta escritórios centrais de grandes empresas uma dúzia de bancos e companhias de poupança e empréstimos com ativos superiores a um bilhão de dólares cinco das oito maiores empresas internacionais de contabilidade dois terços dos 200 milhões de metros quadrados de área construída de prédios de escritórios da região um batalhão de firmas de advocacia sem rival fora da costa leste e o núcleo nacional do complexo militarindustrial norteamericano Também contidos dentro da mesma área encontramse condomínios anunciados por 11 milhões de dólares com um RollsRoyce grátis de quebra e a maior concentração de pessoas sem teto do país num lembrete da intensa polarização econômica associada à reestruturação de Los Angeles Em muitas das áreas residenciais adjacentes ao centro ampliado da cidade as densidades populacionais aproximamse atualmente das encontradas nas grandes cidades lá do leste Figura 7 Localização das sedes de empresas e bancos 1982 Outra recentralização e polarização dramáticas vêm ocorrendo no Condado de Orange onde pelo menos 1500 firmas de alta tecnologia se aglomeraram desde meados dos anos sessenta Cidade externa de proporções paradigmáticas o complexo do Condado de Orange tornouse um importante laboratório juntamente com o Vale do Silício e a Rota 128 em Boston de investigação da dinâmica interna dos novos centros de crescimento urbano que se vêm configurando na totalidade dos EUA Scott 1986 No Condado de Orange a paisagem urbana pósfordista assume seus contornos mais representativos e sintomáticos O impulso formador por trás dessa urbanização periférica aqui e em outros lugares foi a criação de uma densa rede de vínculos transacionais e de sistemas de produção e serviços tecnologicamente avançados que permitem processos de produção industrial cada vez mais desintegrados verticalmente para serem horizontalmente religados de maneira flexível e eficiente num florescente complexo industrial territorial Amalgamados em torno desse sistema industrial aglomerativo encontramse os equipamentos das novas paisagens de silício empreendimentos residenciais de alta renda e acabamento dispendioso enormes centros comerciais regionais com a reputação de estarem entre os maiores do mundo ambientes criados e projetados para o lazer e o entretenimento com sua epítome na Disneylândia em Anaheim vínculos organizados com as grandes universidades e com o Departamento de Defesa e diversos encraves de mão de obra barata e manipulável constantemente supridos pela imigração de trabalhadores estrangeiros e de trabalhadores desindustrializados vindos de empregos de remuneração mais alta O Condado de Orange tem sido uma das tecnópoles prefiguradas um complexo regional amorfo que confunde as definições tradicionais de cidade e subúrbio mas desafia insistentemente qualquer caracterização simplista de pósindustrial Afinal a cidade externa desprovida de um centro é tão produto da industrialização quanto as aglomerações urbanas do século XIX Outra tecnópole exemplar ganhou forma na subregião que circunda o Aeroporto Internacional de Los Angeles estendendo se de Santa Monica para o sul até as vilas residenciais armadas e protegidas da península de Palos Verdes Esse é o coração da indústria aeroespacial e de empreendimentos de defesa da região bem como um centro rapidamente florescente de empresas eletrônicas grandes bancos e companhias de seguros e uma vasta gama de serviços comerciais A Figura 8 ilustra a extraordinária concentração residencial de engenheiros que cresceu em torno do LAX para atender às indústrias de alta tecnologia locais Seu pico fica logo ao sul do aeroporto num encrave ocupacional e racial quase inteiramente branco reduto A geografia ocupacional compartimentalizada do Condado de Los Angeles é resumida em linhas gerais na Figura 9 Superpõese à população de coloridosbrancos distribuído de maneira relativamente equitativa há uma acentuada polarização residencial entre a classe operária nas cidades centrais mais antigas e os redutos periféricos dos controladores executivos administrativos e de supervisão da força de trabalho nas encostas das montanhas e nas praias E dentro de cada um desses blocos concretamente opostos há outras especializações e recintos residenciais que mantêm cada um no seu lugar A força conjunta da descentralização e da recente centralização geográficas contribuiu significativamente para a crescente disciplina do trabalho que acompanhou a reestruturação espacial da região de Los Angeles A maior segmentação setorial do mercado de trabalho foi acolhida e reforçada por uma fragmentação e segregação geográficas da força de trabalho tanto local do que no local de residência Essa geografia urbana em mutação faz lembrar a descrição de Poulantzas 1978 107 da produção e a especialização capitalista Figura 9 Concentrações residenciais do operariado e de executivosadministradores no Condado de LA 1980 Ao lado dessa extensão internacional e desse afluxo de investimentos e de interesse do capital bem como da emergência de Los Angeles como um grande centro financeiro do capitalismo global houve uma acentuada periferalização do mercado regional de trabalho Nos últimos vinte anos cerca de dois milhões de pessoas vindas de países do Terceiro Mundo mudaram se para Los Angeles e estenderam sua influência a praticamente todos os aspectos da paisagem e da cultura urbanas em modificação O centro tem aumentado sua centralidade mas ao mesmo tempo vemse periferalizando também Esse é outro aparente paradoxo da reestruturação que pede para ser explicado Há trinta anos o Condado de Los Angeles era 85 branco não hispânico ou anglo Já então porém existia no condado um dos guetos negros mais rigidamente definidos do país e a maior concentração urbana de mexicanos fora de sua terra natal Além disso essa população minoritária já fora instrumental em rodadas anteriores de desenvolvimento industrial como fonte de trabalho barato e explorável e como um instrumento efetivo de controle dos trabalhadores sindicalizados mais organizados Durante a Grande Depressão por exemplo sua presença junto com a poderosa coalizão dos interesses antissindicais contribuiu para espremer a força de trabalho mais estabelecida e crescente que tanto vinha debaixo com respeito à estrutura vertical do mercado de trabalho quanto do lado através da contiguidade do gueto negro e do barrio latino com as principais zonas de crescimento industrial A relativa serenidade da mão de obra organizada em Los Angeles durante os anos minguados da Depressão é ao menos parcialmente explicada por essas manipulações eficazes apoiadas pela manutenção das firmas que preferiam empregados não sindicalizados e de um amplo sistema de trabalho por empreitada Um intenso episódio macarthista de caça aos comunistas nos anos cinquenta indicou a força persistente do movimento trabalhista A despeito de seus reveses antes da guerra o trabalho organizado em Los Angeles pareceu prestes a receber um dos maiores projetos habitacionais do governo dos EUA No início dos anos sessenta entretanto esses projetos ambiciosos foram redirecionados para a renovação urbana e a força da máquina de crescimento antitrabalhista se estabeleceu ainda mais solidamente Em Los Angeles e outros lugares esses primeiros eventos do pósguerra assinalaram o enfraquecimento progressivo da articulação do New Deal entre a política partidária e o trabalho organizado e a ascensão concomitante da política dos movimentos localmente mobilizada em resposta aos efeitos destrutivos da reurbanização Parson 1982 1985 Assim o desafio mais impactante ao regime local de acumulação que sustentara cinquenta anos de produção industrial em rápida expansão em Los Angeles proveio menos da mão de obra organizada do que das populações minoritárias anteriormente instrumentais Se há um evento singular que se possa escolher para marcar o início do processo contemporâneo de reestruturação no mundo inteiro ele pode perfeitamente ser a rebelião de Watts em 1965 Vista dessa maneira a reestruturação contemporânea da região de Los Angeles tem muitas das características de uma restauração de uma tentativa de restabelecimento e reforma de um sistema de relações trabalhistas que se haviam revelado bemsucedidas no passado Nesta rodada de reestruturação entretanto o exército de reserva de trabalhadores minoritários e A magnitude e a diversidade da imigração para Los Angeles desde 1960 só são comparáveis à onda de imigração destinada a Nova York na virada do último século O ressurgimento da imigração proveniente do México acrescentou pelo menos um milhão de residentes à população existente e contribuiu para introduzir no mapa regional uma presença da língua espanhola quase universal Desde 1970 mais de 200000 coreanos instalaramse em Los Angeles e se converteram numa grande influência no comércio varejista e na indústria de confecções revelandose o trabalho familiar coreano altamente competitivo mesmo com os piores empregadores de pequeno porte Filipinos tailandeses vietnamitas iranianos guatemaltecos colombianos e cubanos cresceram em grande número a diversas populações das ilhas do Pacífico tornaramse visíveis tanto em certas regiões nossas Não teve vez sequer a indústria numa de um único país assim como o Condado de Los Angeles tornouse minoritário A figura 10 mostra algumas das maiores concentrações étnicas com base no censo de 1980 Figura 10 Distribuição dos principais grupos étnicos 1980 A política étnica que explodiu na década de 1960 e no início dos anos setenta tem estado estranhamente silenciosa desde então A população negra foi cada vez mais polarizada e fragmentada no que talvez sejam as comunidades negras urbanas mais ricas e mais pobres do país polarização esta que debilitou a influência política negra apesar da presença de um prefeito negro com longa permanência e de uma representação contínua na câmara de vereadores A Assembleia Municipal de Los Angeles também tem atualmente membros latinos e asiáticos rompendo o bloqueio que existiu durante a maior parte do período de reestruturação mas ainda é cedo demais para saber se e como isso afetará a política urbana O efeito mais dramático da expansão demográfica do Terceiro Mundo talvez tenha sido o crescimento de uma maciça economia subterrânea ou informal mas por sua própria natureza seus participantes ficam afastados de uma participação política direta Almejando sobreviver à reestruturação e quem sabe até a prosperar com ela e não a atacar publicamente sua instrumentalidade polarizante e empobrecedora a economia subterrânea medra nos interstícios da vida urbana socorrendo as etnias e fornecendo os abrigos necessários à sobrevivência pessoal Somente quando sai de seus nichos para redes mais amplas de atividades criminosas ligadas a quadrilhas e a drogas é que ela ameaça a ordem reestruturada A resposta policial a essas invasões do terreno alheio tem sido caracteristicamente imediata e severa mas o índice de crimes violentos continua muito alto e mais de 20000 pessoas superlotam as prisões urbanas oficiais de Los Angeles Os movimentos sociais urbanos de maior sucesso foram organizados em torno de questões habitacionais numa reação elementar à aguda crise de moradia que tem acompanhado a reestruturação Por um breve momento a cidade de Santa Monica oscilou à beira do socialismo municipal quando uma assembleia de vereadores progressistas foi eleita por uma maioria despertada de inquilinos empenhados em impor controles aos aluguéis O movimento de controle dos aluguéis difundiuse a partir do que os proprietários de apartamentos chamaram de República Popular de Santa Monica introduzindo uma legislação similar em outras cidades inclusive a cidade de Los Angeles e mais recentemente o novo município de West Hollywood dominado por homossexuais e idosos Contudo pouco mais do que uma inspiração efêmera proveio dessas vitórias iniciais Os proprietários como se poderia esperar formaram organizações muito mais poderosas de controle do crescimento fazendo da região de Los Angeles talvez o mais ativo celeiro de movimentos de crescimento lento do país À medida que a região tornouse mais densa um número cada vez maior de grupos surgiu para atacar os engarrafamentos de tráfego e a deterioração visual que afetava suas aldeias urbanas dignas de proteção Essas territorialidades defensivas não eram novas mas a extraordinária intensidade do desenvolvimento urbano de Los Angeles provocou tantas delas que animadas por um poder renovado algumas começaram a se voltar para questões mais amplas do que a proteção da grama e as respostas simplistas do tipo NIMBY Não no meu quintal 10 Com a região dando sinais de estar sendo enterrada na imundície e em outros dejetos arriscados e sendo ocupada por um exército de semteto uma inclinação mais liberal tornouse mais evidente nos últimos tempos nesses movimentos comunitários de classe média formandose novas coalizões com grupos vizinhos de áreas pobres e predominantemente minoritárias do centro da cidade Hoje em dia essas coalizões especialmente quando se envolvem em questões econômicas como o salário mínimo as condições de saúde e segurança no trabalho e a moradia de custo acessível talvez constituam a maior ameaça reconhecida ao establishment político desde o início da reestruturação Essas observações entretanto meramente roçam a superfície política Abaixo dela há um mar de tensões urbanas que se intensificam atravessando classes raças e sexos e exemplificando o custo social da reestruturação relativamente bem sucedida e da instrumentalidade ainda mal visível da espacialização capitalista O modo como essa reestruturação e essa espacialização serão vistas e respondidas no futuro constitui uma questão que continua em aberto11 ENCONTRAR OUTROS ESPAÇOS Usouse uma concatenação de paradoxos para descrever Los Angeles e exemplificar a reestruturação contemporânea da cidade capitalista sua desconstrução e sua reconstituição provisória Ignorada por muito tempo como aberrante idiossincrática ou bizarramente excepcional Los Angeles numa outra virada paradoxal tornouse mais do que qualquer outro lugar a janela paradigmática através da qual se deve olhar para a segunda metade do século XX Não pretendo sugerir que a experiência de Los Angeles venha a ser duplicada em outro lugar Mas é bem possível que seja justamente o inverso que as experiências particulares de desenvolvimento e modificação urbanos que ocorrem em outros lugares do mundo estejam sendo duplicadas em Los Angeles o lugar onde tudo parece juntarse A descrição regional esclarecida apresentada até o momento no entanto retrata apenas alguns dos amplos panoramas visíveis da perspectiva de Los Angeles O cenário avistado é o de uma nova geografia da modernização uma paisagem urbana pósfordista emergente repleta de sistemas mais flexíveis de produção consumo exploração espacialização e controle social do que os que marcaram até o presente a geografia histórica do capitalismo Depois de compor essa paisagem regional interpretada tentarei decompôla novamente para ver se há outros espaços a serem explorados outros panoramas a serem descortinados à visão 1 Considerandose todo o estado da Califórnia as cifras são ainda mais assombrosas Em 1987 uma orgulhosa propaganda paga pelo Estado na revista Business Week anunciou que a Califórnia havia ultrapassado a Inglaterra e a Itália tornandose a sexta maior economia do mundo com uma produção total de bens e serviços equivalente a 550 bilhões de dólares 2 Comparada a Los Angeles a região de Houston ficou em segundo lugar na geração de empregos nos anos setenta Seu total foi de quase 700000 ou pouco mais da metade do da área da Grande Los Angeles 3 As industrial sweatshops a que o autor se refere aqui são não apenas empresas de pequeno porte mas também se caracterizam pela exploração aviltante da mão de obra mediante baixa remuneração e condições precárias de trabalho NT 4 Perry e Perry 1963 vii afirmam que Com a possível exceção de San Francisco na década de 1920 é duvidoso que o movimento trabalhista jamais tenha enfrentado grupos empregatícios antissindicalistas tão poderosos e bem organizados quanto os de Los Angeles 5 Ver Morales et al 1982 A análise por alternânciaparticipação decompõe a variação efetiva do emprego num setor em três componentes o crescimento nacional o número de empregos que teriam sido acrescentados caso o setor crescesse conforme a taxa nacional global em todos os setores a composição industrial o número de empregos que teriam sido acrescentados ou perdidos presumindose que o setor mudasse na mesma proporção do nível nacional e a participação regional a mudança derivada ou particularmente local do emprego depois de consideradas as tendências nacionais Usando o emprego na indústria como ilustração no período de 196277 os três índices são 393853 refletindo a taxa nacional de 48 de crescimento do emprego 265598 mostrando o crescimento negativo da indústria em todo o país e 92033 uma indicação do grau em que a região se afastou das normas nacionais A Figura 3 contém apenas os índices particularizantes da participação regional 6 Cadeia nacional de lojas de artigos diversos com preços populares KMart que devido ao tipo de trabalho emprega mão de obra não qualificada e portanto barata NR 7 Quando perguntaram à presidenta da agência local do United Electrical Workers Sindicato dos Trabalhadores do Setor Elétrico alguns anos atrás que empregos poderiam conseguir seus 1000 membros a maioria dos quais eram operárias qualificadas que ganhavam 10 a 12 dólares por hora depois que a General Electric fechasse sua fábrica de ferros de engomar em Ontário Condado de San Bernardino ela respondeu Balconistas da loja local da cadeia KMart A luta para impedir o fechamento dessa fábrica da General Electric que havia produzido quase todos os ferros elétricos a vapor vendidos pela General Electric nos EUA foi tão vigorosa quanto malsucedida Envolveu a formação de uma coalização de líderes trabalhistas comunitários e religiosos e a assistência organizacional e técnica da Los Angeles Cóalition Against Plant Shutdowns LACAPS Coalizão de Los Angeles contra o Fechamento de Fábricas para pressionar o governo provincial e municipal a criar ou ajudar a aumentar o nível de serviços e programas especiais para os trabalhadores demitidos Os pedidos da agência local do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Elétrico e da LACAPS a alguns membros do corpo docente do Programa de Planejamento Urbano da UCLA para que eles os ajudassem a dar sentido prático às mudanças industriais que estavam então ocorrendo na região de Los Angeles estimularam a primeira rodada de pesquisas sobre a reestruturação urbana e industrial inclusive Soja Morales e Wolff 1983 O primeiro produto desse trabalho um panfleto sobre os Primeiros Sinais de Advertência do Fechamento de Fábricas destinado a ser distribuído no pátio da fábrica da General Electric saiu no dia em que a General Electric anunciou formalmente o fechamento de sua fábrica de Ontário 8 Sweatshops ver nota 3 NT 9 Ver nota 3 NT 10 Em inglês Not In My Back Yard NT 11 Publicaramse recentemente duas análises de movimentos sociais locais na Califórnia que fornecem um novo discernimento de algumas das questões e estratégias gerais envolvidas fora da região de Los Angeles Ver Molotch e Logan 1987 e Plotkin 1987 Para uma excelente análise da política urbana contemporânea de Los Angeles ver Mike Davis 1987 O Aleph Sim lô A única coisa que está sem se confundir todos os lugares do mundo vistos de todos os ângulos Jorge Luis Borges O Aleph Los Angeles como o Aleph de Borges é sumamente difícil de traçar peculiarmente resistente à descrição convencional É difícil captála convincentemente uma narrativa temporal pois ela gera um número excessivamente grande de imagens conflitantes e uma historicização desontrante que sempre parece se estender para os lados em vez de se desdobrar sequencialmente Ao mesmo tempo sua espacialidade desafia a análise e a interpretação ortodoxas pois também ela parece ilimitada e constantemente em movimento nunca suficientemente quieta para ser abarcada por demais repleta de outros espaços Todos os lugares também parecem estar em Los Angeles Precisamos ter um lugar de onde partir para começar a ler o contexto Por mais que o espaço formador de Los Angeles possa ser global ou talvez mapeador construído em ninhos de fractais em ziguezague é preciso reduzilo a uma geometria mais familiar e localizada para se olhar A determinação do Círculo de Sessenta Milhas é produto do maior banco de dados do mundo A Cidade nasceu para preservar a vida exata para boa vida Mojave Perto de Victorville encontrase o Bastião nº 4 a Base Aérea George especializada em defesa e interceptação aéreas Cobrindo uma distância quase idêntica nossas paradas até agora parecem estar em espaços notavelmente equidistantes somos levados através do seco Lago da Miragem até a gigantesca Base Aérea Edwards o Bastião nº 5 sede da Nasa e das atividades de pesquisa e desenvolvimento da Força Aérea NorteAmericana além de campo de pouso fundamental para ônibus espaciais que não tenham explodido Estendendose para o sul fica um importante corredor aeroespacial que atravessa Lancaster e chega ao Aeroporto de Palmdale e à Fábrica 42 da Força Aérea que atende à fundamental função histórica da base Edwards servindo de campo de testes para caças e bombardeiros avançados As pessoas que moram por ali chamamna de Canyon Country e muitas querem que seja separada do Condado de Los Angeles logo abaixo O trecho seguinte é mais longo e mais sereno sobrevoa o Vale dos Antílopes e o Aqueduto de Los Angeles que canaliza os segmentos pertencentes a Los Angeles no Vale do Rio Owens vivificador mas em rápida extinção que fica a 200 milhas de distância a Interestadual 5 principal corredor expresso para o norte uma longa faixa da Floresta Nacional de Los Padres e a Reserva do Condor Selvagem9 chegando à idílica cidade de Ojai cenário da filmagem de Horizonte Perdido e novamente ao Pacífico na Missão de San Buenaventura no Condado de Ventura Algumas milhas adiante o Círculo de Sessenta Milhas na verdade atravessa todos os demais fica o Bastião nº 6 um complexo que consiste na Base Aérea de Oxnard atualmente desativada no Centro do Batalhão de Construção Naval do Porto de Hueneme e acima de tudo no Centro Naval de Mísseis Aéreos da Ponta Mugu com seu extenso campo visual Se quiséssemos poderíamos completar o círculo inteiro de superposição no Pacífico identificando quase diretamente abaixo de nós as Instalações Navais dos EUA nas ilhas de San Nicolas e San Clemente Essas ilhas raramente aparecem nos mapas de Los Angeles e continuam invisíveis no nosso Figura 11 Vista dos espaços externos de Los Angeles O centro urbano tem seu contorno em forma de pentágono sendo a cidade central indicada pelo triângulo preto As principais bases militares do perímetro do Círculo de Sessenta Milhas estão identificadas e os quadrados pretos são as sedes das maiores empreiteiras de defesa da região Também estão indicados os limites dos condados o sistema de vias expressas fora do pentágono central e a localização de todas as cidades com mais de cem mil habitantes pequenos círculos claros É impressionante observar quanto da circunferência pertence ao governo federal e é preservado por ele de um modo ou de outro Talvez seja impossível imputar a alguém uma premeditação mas a pósmeditação sobre a presença federal circunscritiva é certamente oportuna Recintos fechados Mas afinal que há por trás dessa muralha hercúlea Que é que parece requerer uma proteção tão impressionante Essencialmente voltamos à mesma indagação com que começamos que é este lugar Existe é claro aquela Máquina de Sonhos de longo alcance10 com suas plataformas de lançamento transmitindo imagens visuais e sons evocadores da boa vida anunciada na fachada da Assembleia Municipal Mas a própria indústria do entretenimento é em si mesma uma fachada e por mais significativa que seja há muito mais coisas sendo encenadas por trás dela muito mais coisas que se desenvolveram dentro do Círculo de Sessenta Milhas e que pedem para ser protegidas e preservadas Se houve um foco instigante que emergiu na recente literatura acadêmica sobre Los Angeles tratase da descoberta de uma extraordinária produção industrial um achado tão contrário às percepções populares de Los Angeles que seus investigadores são amiúde obrigados a exagerar para manter suas linhas de visão suficientemente abertas e livres de ofuscações externas No entanto não é exagero afirmar que o Círculo de Sessenta Milhas contém o polo primordial de crescimento industrial do século XX pelo menos nos países capitalistas avançados O petróleo os laranjais os filmes e os voos montaram o cenário no início do século e tendem a continuar fixados em muitas imagens contemporâneas da industriosa mas não industrial Los Angeles Desde 1930 entretanto Los Angeles provavelmente liderou todas as outras grandes áreas metropolitanas dos EUA década após década na acumulação de novos empregos industriais Para muitos não obstante a Los Angeles industrial continua a ser uma contradição Quando um colega da UCLA Universidade da Califórnia Los Angeles iniciou suas explorações da geografia industrial de Los Angeles seu pedido de financiamento a um destacado órgão científico nacional provocou um relatório confidencial do árbitro um economista ao que parece que proclamava o absurdo de se estudar um tema tão fantasioso algo que se assemelhava a examinar a cultura do trigo em Long Island Felizmente outras mentes mais sensatas prevaleceram e a pesquisa progrediu de maneira exemplar Outra prova da aparente invisibilidade da produção industrial de Los Angeles veio aproximadamente na mesma época da revista Forbes esse autoproclamado manual de consulta dos capitalistas beminformados que não deveriam cair nessa Em 1984 a Forbes publicou um mapa identificando os principais centros de desenvolvimento da alta tecnologia nos EUA A atenção cartográfica foi apropriadamente atraída pelo Vale do Silício e pelo eixo da Rota 128 em torno de Boston mas toda a Califórnia Meridional ficou visivelmente em branco Aparentemente invisível escondida da visão ficou não apenas uma das regiões históricas originárias da tecnologia avançada na indústria aeroespacial e eletrônica mas também o que pode perfeitamente ser a maior concentração de indústrias e empregos de alta tecnologia do país senão do mundo a mais destacada paisagem de silício uma região que acrescentou nos últimos quinze anos um bolsão de empregos de alta tecnologia aproximadamente equivalente ao de todo o Vale do Silício do Condado de Santa Clara até o norte que tem retido mais a atenção Ainda parcialmente ocultos por trás dessa revelação encontramse os órgãos geradores primários e os processos intricados que produzem esse preeminente complexo de produção Um vínculo essencial entretanto está mais do que claro No último meio século nenhuma outra área recebeu tanto bombeamento de verbas federais quanto Los Angeles certamente através do Departamento de Defesa mas também através de numerosos projetos federais de subsídio ao consumo suburbano suburbsídio e ao desenvolvimento dos sistemas de habitação transportes e abastecimento de água Desde a última Grande Depressão até hoje Los Angeles tem sido a prototípica cidade estatal keynesiana um metromar federalizado do capitalismo resgatado pelo Estado que desfruta de seu lugar no cinturão do sol demonstrando década após década sua assustadora capacidade de sair na frente e multiplicar as fecundantes verbas públicas investidas em sua promissora paisagem econômica11 Não surpreende que continue tão protegida Nela estão engastadas muitas das joias da coroa do capitalismo industrial tardio De certo modo o fluxo federal temse acelerado sob a égide do keynesianismo militar do governo Reagan e da permanente economia de guerra do Estado Armamentista Na Empresa Aeroindustrial Hughes em El Segundo os engenheiros já usaram parte de seus 60 milhões de dólares em ricos contratos Guerra nas Estrelas para simular um gigantesco sensor infravermelho tão sensível que é capaz de detectar o calor de um corpo humano a uma distância de mil milhas no espaço como parte de suas experiências com sistemas de armamentos cinéticos Ali por perto a TRW Inc 84 milhões de dólares e a divisão Rocketdyne da Rockwell International 32 milhões de dólares concorrem na busca de lasers espaciais mais potentes capazes ao que parece de incinerar cidades inteiras se necessário em projetos com nomes de código como Miracl Alpha e Rachel Centros de pesquisa como a Rand Corporation logo ao norte em Santa Monica manobram em busca de posições mais estratégicas ansiosos por reivindicar parte do que tem a potencialidade de atingir um total de 15 trilhões de A fulgurante colônia Guerra nas Estrelas que vem atualmente florescendo em torno do Aeroporto Internacional de Los Angeles LAX é parte de uma cidade externa muito maior que tomou forma ao longo da conexão do Pacífico no Condado de Los Angeles Essa extraordinária diferenciação fragmentação e controle social de bolsas especializados de mão de obra é dispensiosa Os preços da habitação e os custos dos aluguéis na cidade externa situamse facilmente entre os mais altos do país seu idealizador atualmente a Companhia Philip Morris Mission Viejo entrega atraentes porções do Sonho Norteamericano a uns poucos eleitos Como a descreveu um morador ajustado Você tem que ser feliz tem que ser bemfeito de corpo e tem que ter filhos que façam uma porção de coisas Se não correr caminhar ou andar de bicicleta as pessoas ficarão imaginando se você tem diabetes ou alguma outra doença incapacitadora Landsbaum e Evans 1984 Figura 12 Panorama do mundo visto da praia de Redondo O complexo do Condado de Orange também foi objeto de uma pesquisa detalhada sobre as aglomerações industriais de alta tecnologia que vêm recentralizando o tecido urbano da região de Los Angeles e induzindo à fluorescência das novas cidades projetadas Esse trabalho pioneiro ajudounos a enxergar com mais clareza a teia transacional de laços industriais que delineia e aglomera geograficamente redes especializadas de empresas alimentase do fluxo dos contratos federais e transborda precipitando uma economia espacial local de apoio Scott 1986 O que nos foi proporcionado foi um vislumbre revelador dos processos geradores que estão por trás da urbanização do Condado de Orange e através dessa abertura um vislumbre da interação histórica mais profunda entre a industrialização e a urbanização que definiu o desenvolvimento da cidade capitalista onde quer que ela se encontre Há outras cidades externas margeando o centro urbano pentagonal mais antigo indicado na Figura 11 Uma delas tomou forma no Corredor de Ventura atravessando o oeste do Vale de San Fernando até o Condado de Ventura que hoje vem sendo chamado Vale Periférico com seus centros principais na Garganta de Gálio e na área de Chatsworth 13 Outra vem sendo promovida embora ainda não esteja instalada no Império Interiorano que se estende para o leste partindo de Pomona onde está a General Dynamics atravessa Ontario com a Lockheed e um crescente Aeroporto Internacional e Zona Franca de Comércio e chega às sedes dos condados de San Bernardino e Riverside bem perto de suas fortalezas militares O império interiorano entretanto é uma cidade externa ainda mais antecipatória toscamente provida de novos condomínios residenciais que com a mania por automóveis atraem as famílias para distâncias cada vez maiores de seus locais de trabalho nos condados de Los Angeles e Orange numa paisagem realmente transitória Deixando de lado os aspectos empíricos do interior esses novos complexos territoriais parecem estar virando a cidade industrial pelo avesso recentrando o urbano e transformando a periferia metropolitana na região central da produção industrial avançada A descentralização a partir do núcleo da cidade vem ocorrendo seletivamente há pelo menos um século no mundo inteiro mas só recentemente é que a condensação periférica tornouse suficientemente densa para desafiar os antigos núcleos urbanos como centros de produção industrial nodalidade do emprego e urbanismo Esse processo de reestruturação está longe de ter sido concluído mas começa a ter repercussões profundas na maneira como pensamos a cidade nas palavras que usamos para descrever as formas e funções urbanas e na linguagem da teoria e da análise urbanas DE VOLTA AO CENTRO Vi o populoso mar vi a aurora e a tarde vi as multidões da América vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide vi um roto labirinto vi intermináveis olhos próximos perscrutando em mim como num espelho O Aleph 14 Para ver Los Angeles ainda mais é necessário nos afastarmos da absorvente periferia e voltarmos nos sentidos literal e figurado para o centro das coisas para o núcleo ainda tenaz da paisagem urbanizada Em Los Angeles como em todas as cidades a nodalidade do centro define e dá substância à especificidade do urbano confere seu sentido social e espacial singular A urbanização e as divisões espaciais do trabalho a ela associadas giram em torno de um padrão socialmente construído de nodalidade e do poder que têm os centros ocupados de aglomerar e dispersar de centralizar e descentralizar de estruturar espacialmente tudo o que é social e socialmente produzido A nodalidade situa e contextualiza a sociedade urbana dando uma forma material às relações sociais essenciais Somente com uma centralidade persistente é que pode haver cidades externas e urbanização periférica De outro modo não existe urbano algum É fácil passar por cima dos processos tendenciosos da estruturação urbana que emanam do centro especialmente na paisagem capitalista pósmoderna Na verdade nas sociedades contemporâneas o poder autorizado e distributivo do centro urbano é deliberadamente obscurecido ou então retirado do lugar arrancado do contexto e provido de uma aparência estendida de ubiquidade democrática Além disso como vimos o desenvolvimento histórico da urbanização nesse último século foi marcado por uma dispersão e descentralização seletivas esvaziando o centro de muitas das atividades e populações que antes se agregavam densamente a seu redor Para alguns isso assinalou uma negação da nodalidade uma submersão do poder dos lugares centrais ou talvez até uma desconstrução derrideana de todas as diferenças entre o central e o marginal Não obstante os centros se mantêm Ao mesmo tempo em que algumas coisas se desagregam e se dissipam novas nodalidades se formam e as antigas são reforçadas A centrífuga especificadora está sempre girando mas a força centrípeta da nodalidade nunca desaparece E é o resíduo persistente de poder político que continua a precipitar especificar e contextualizar o urbano fazendo com que tudo se mantenha unido As primeiras cidades surgiram com a concentração simultânea de formas simbólicas imponentes como centros cívicos destinados a anunciar cerimonializar administrar aculturar disciplinar e controlar Dentro e em torno do local institucionalizado da cidadela agregavamse as pessoas e suas relações sociais ordenadas pelo núcleo criando uma sociedade civil e um meio ambiente consonantemente construído que eram urbanizados e regionalizados através da interação de dois processos interacionais a vigilância e a adesão olhando do centro para fora e de fora para o centro através do olho panóptico do poder Ser urbanizado ainda significa aderir ser transformado num adepto num crente de uma ideologia coletiva especificada enraizada nas extensões de polis política programa político constituição política polícia e de civitas civilizado cívico cidadão civil civilização Em contraste a população que fica fora do alcance do urbano compõese de idiotas do radical grego idios que significa próprio de alguém pessoa particular não instruída nos modos da polis radical aparentado com o latim sui de sua espécie e generis constituindo uma classe isolada Assim falar na idiotia da vida rural ou na urbanidade de seu oposto é primordialmente uma afirmação da socialização e da espacialização políticas relativas do grau de adesãoseparação da ordem social coletiva uma ordem social articulada com a nodalidade urbana Para manter a adesão o centro cívico sempre funcionou como um núcleo vigilante fundamental do Estado supervisionando os locais de produção consumo e intercâmbio Ainda continua a fazêlo mesmo depois de séculos de recomposição e reestruturação urbanas após ondas sucessivas de industrialização reaglomeradora Não são a produção o consumo ou o intercâmbio em si que especificam o urbano mas antes sua vigilância coletiva sua supervisão e seu controle antecipado dentro do contexto de nodalidade repleto de poder Em termos foucaultianos as cidades são as sedes convergentes do espaço do saber e do poder sociais as sedes dos modos sociais de regulação de regula e regere regrar radicais de nossa palavrachave região Isso não significa que se atribua um determinismo mecânico à nodalidade na especificação do urbano A adesão é uma noção pegajosa e não é automaticamente sancionada pela localização numa paisagem urbanizada nem tampouco é sempre cientemente expressa na consciência prática Também a vigilância é problemática pois pode existir sem ser abrangentemente efetiva e pode ser abrangentemente efetiva sem parecer que existe Assim há sempre margem para resistência rejeição e redirecionamento no campo dos locais urbanos apesar de estruturados criando uma política ativa da espacialidade lutas por lugar espaço e posição na paisagem urbana regionalizada e nodal Como resultado a adesão e a vigilância desenvolvemse desigualmente em sua manifestação geográfica sua regionalização e seus regionalismos reativos Ao mesmo tempo essa diferenciação padronizada essa superestrutura imediata da divisão espacial urbana do trabalho tornase um campo crítico em que a geografia humana da cidade é moldada em que ocorre a espacialização Ela mapeia uma cartografia urbana do poder e da praxis política que amiúde se esconde nas histórias e geografias idiográficas de idios mais uma vez Dando sentido ao centro da cidade O núcleo central da cidade de Los Angeles que os letreiros chamam de Cidade Central é o núcleo aglomerativo e simbólico do Círculo de Sessenta Milhas certamente o mais antigo mas também o mais novo grande nódulo da região Considerandose o que está contido dentro do Círculo a dimensão e a aparência físicas do centro de Los Angeles parecem quase modestas mesmo hoje após um período de enorme expansão Como de hábito entretanto as aparências podem ser enganosas Talvez mais do que nunca o centro da cidade funciona de maneiras impossíveis para qualquer outro lugar como um mirante estratégico um panóptico urbano que se contrapõe ao cerco das vigilantes fortalezas militares e das cidades externas defensivas Tal como o vão central da concepção eminentemente utilitária de Bentham para as prisões circulares os panópticos originais o centro da cidade pode ser visto quando a visibilidade o permite por cada indivíduo isolado a partir de cada cela territorial dentro de sua órbita Somente da vantajosa perspectiva do centro porém é que o olho vigilante pode ver a todos coletivamente desencaixados mas interligados Como não é de surpreender a cidade central tem sido desde sua origem uma agregação de supervisores um local primordial para o controle social a administração política a codificação cultural a vigilância ideológica e a regionalização de sua hinterlândia próxima Olhando da Assembleia Municipal para baixo e para longe a visão é particularmente impressionante para o observador Imediatamente abaixo e em volta fica a maior concentração de escritórios e repartições burocráticas governamentais do país fora do Distrito Federal A leste seguindo por uma passarela elevada para pedestres ficam a Assembleia Municipal Leste e a Assembleia Municipal Sul acréscimos cívicos relativamente novos que englobam um centro comercial alguns murais um museu infantil e o Triforium uma espetacular fonte de água luz e música de sessenta pés para divertir as massas do horário de almoço Pouco adiante fica o imponente prédio da administração policial o Centro Parker que consagra o nome de um famoso exchefe de polícia Olhando mais para longe fora do vão central do centro da cidade mas dentro de seu ressalto oriental podese ver uma área que abriga 25 da população carcerária da Califórnia pelo menos 12000 internos detidos em quatro presídios projetados para abrigar metade desse número Incluídas nessa cunha carcerária encontramse a maior prisão feminina do país Sybil Brand e a sétima prisão masculina Central Masculina Outros recintos fechados vêm sendo insistentemente planejados pelo Estado para atender à demanda crescente Ao sul ao longo da First Street situamse o Departamento Estadual de Transportes CALTRANS com seus mapas murais eletrônicos que controlam as vias expressas arteriais da região o prédio da Administração do Estado da Califórnia e a sede do quarto estado o monumental complexo predial do TimesMirror que muitos afirmaram abrigar o poder governamental não oficial de Los Angeles fonte de muitas histórias que espelham os tempos e os espaços da cidade15 Perto do santuário espacial do Los Angeles Times situase também a Catedral de Sta Vibiana matriz de uma das maiores arquidioceses católicas do mundo quase quatro milhões de fiéis e controladora de outro estado de proporções significativas O Papa passou uma noite ali em frente às missões do baixo mundo que ficam do outro lado da rua temporariamente fechadas para que ele não visse todos os seus adeptos Olhando agora para o oeste em direção ao Pacífico e aos poentes coloridos pelo smog que pintam brilhantemente os entardeceres de Los Angeles temos primeiramente o prédio do Forum Criminal depois o Cartório de Registros e a Biblioteca Legal e a seguir o imenso Palácio da Justiça e da Administração do Condado de Los Angeles sede fundamental de poder do que é de longe o maior condado do país em termos de população total agora com mais de oito milhões de habitantes Do outro lado da Grand Avenue fica o mais destacado centro cultural de Los Angeles descrito pela Unique Media Incorporated em seus mapas pictóricos reforçadores do centro da cidade como a coroa cultural do sul da Califórnia que reina sobre a música orquestral o desempenho vocal a ópera o teatro e a dança Eles acrescentam que o Music Center encima a colina Bunker como uma Acrópole contemporânea que tem dominado a vida cultural civil desde sua inauguração em 1964 16 Logo adiante dessa coroa cultural situase o Departamento de Águas e Força cercado por fontes geralmente secas e uma extravagância de entrecruzamentos de vias expressas superpostas que fazem a ligação com todos os cantos do Círculo de Sessenta Milhas um ponto culminante de acessibilidade dentro da rede regional de transportes Em sua extremidade um dos maiores arquitetos do Japão projetou um Portal para pontuar o prolífico mar No flanco norte ficam o Palácio da Justiça a Corte Federal dos EUA e o Federal Building completando o anel de órgãos governamentais locais urbanos estaduais e federais que compõem o poderoso centro cívico Mais tranquilamente instalados pouco adiante cortados por uma faixa de vias expressas ficam os restos preservados do antigo centro cívico que agora fazem parte do Parque Histórico Estadual de El Pueblo de Los Angeles num testemunho adicional do poder duradouro do lugar central Desde as origens de Los Angeles os locais aqui descritos têm funcionado como a cidadela política destinada junto com outras cidadelas a comandar proteger socializar e dominar a população urbana circundante Há ainda outro segmento da cidadelapanóptico que não pode ser deixado de lado Sua forma e função talvez sejam mais específicas da cidade capitalista contemporânea mas suas raízes mercantis entrelaçamse historicamente com as cidadelas de todas as sociedades urbanizadas Hoje em dia ele se tornou o símbolo reconhecido da urbanidade de Los Angeles a prova visual da bemsucedida busca de uma cidade pelo mar circunjacente de subúrbios Essa visão marcada pelo perfil dos arranhacéus contém o feixe de castelos e catedrais do poder empresarial o novo e reluzente central business district distrito central de negócios da cidade central cravado ao lado de seu envelhecido predecessor logo a leste Também aqui os intermináveis olhos do LAleph mantêmse abertos e reflexivos perscrutando e espelhando esferas globais de influência localizando o mundo que está a seu alcance Quase todos os marcos do novo CBD de LA foram construídos nos últimos quinze anos e expressam espalhafatosamente a consolidação de Los Angeles como uma cidademundo Agora mais de metade das grandes propriedades pertence parcial ou integralmente a estrangeiros embora grande parte dessa presença territorial permaneça oculta da visão Os supervisores mais visíveis são os bancos que acendem seus logotipos no alto das torres mais elevadas o Security Pacific mais uma vez o First Interstate o Bank of America coproprietário das Torres Arco com sua aparência negra lustrosa antes de elas serem recentemente adquiridas pelos japoneses o Crocker o Union o Wells Fargo e o Citicorp que se intitula a mais nova cidade da cidade Lendo a silhueta dos arranhacéus no horizonte vêse o panorama empresarial habitual grandes companhias de seguros Manulife Transamerica Prudential a IBM e grandes empresas de petróleo o gigante imobiliário Coldwell Banker e os novos escritórios da Bolsa de Valores do Pacífico todos funcionando como pontos de ligação de teias prateadas de transações financeiras e comerciais que se estendem praticamente sobre todas as partes da terra Os dois pólos da cidadela político e econômico ligamse fisicamente através dos condomínios de arranhacéus da reformada Bunker Hill mas fazem uma interface menos escancarada com o aparato de planejamento do Estado local Ao contrário da opinião popular Los Angeles é um meio urbano estritamente planejado e arquitetado especialmente no que tange às divisões sociais e espaciais do trabalho necessárias à manutenção de sua preeminente industrialização e consumismo O planejamento coreografa Los Angeles através dos movimentos intercambiáveis do jogo do zoneamento e da montagem flexível da participação comunitária de apoio quando se conseguem encontrar comunidades numa dança repleta de intenções honrosas perícia dedicada e beneficência seletiva Ele temse sobressaído no entanto como um canalizador e um favorecedor ambivalente mas ainda assim enriquecedor para as incorporadoras e construtoras nacionais e estrangeiras de Los Angeles usando seu poder de influência para preparar a base e facilitar a venda de localizações e populações especializadas que atendam às necessidades dos organizadores mais poderosos da economia espacial urbana17 Embora a conspiração e a corrupção sejam fáceis de encontrar a venda planejada e incorporada de Los Angeles costuma seguir um ritmo mais prosaico tocado no compasso legitimador das forças insensíveis e palpitantes do mercado Nos espaços criados que cercam as cidadelas gêmeas de Los Angeles a batida tem sido martelada com um efeito particularmente insistente e hipnotizante Através de uma lei histórica de preservação e renovação existe agora em torno do centro da cidade uma vitrina enganosamente harmonizada de cidades étnicas e encraves econômicos especializados que desempenham papéis fundamentais embora às vezes um tanto ruidosamente na reurbanização e internacionalização contemporâneas de Los Angeles Basicamente responsável por essa produção incorporada e planejada do centro da cidade é a Agência de Renovação Comunitária CRA que é provavelmente a principal empreiteira pública do Círculo de Sessenta Milhas18 Há um deslumbrante conjunto de paisagens nessa coroa compartimentalizada do centro da cidade as lojas vietnamitas e as moradias no estilo de Hong Kong de uma Chinatown que vem sendo remodelada a modernização dos remanescentes que ainda resistem da antiga Pequena Tóquio financiada pela Grande Tóquio a pseudoSoHo induzida feita de sótãos e galerias de artistas que pairam perto das exposições da oficina de arte do Contemporâneo Temporário os restos protegidos de El Pueblo na rua Olvera dominada pela Calmex e na Old Plaza reformada os mercados atacadistas de produtos agrícolas flores e artigos de joalheria estranhamente anacrônicos que vêm crescendo enquanto outros centros de cidades se desfazem de seus equivalentes as oficinas fétidas e os alvoroçados empórios de mercadorias do florescente bairro das confecções o festival varejista latino na Broadway apinhada de pedestres outra zona preservada e centímetro a centímetro provavelmente a mais lucrativa rua comercial da região a sede do desabrigo urbano no bairro do submundo enfeitado pela CRA o imenso barrio amuralhado que se estende para leste em direção à Los Angeles oriental ainda não incorporada ao sul a cidade atacadista desindustrializada e praticamente sem moradores de Vernon cheia de galinhas e porcos à espera do abate as comunidades centroamericanas e mexicanas de Pico Union e Alvarado fazendo fronteira com os grandes arranhacéus a oeste os indiscretos poços de petróleo e as pichações agressivas dos quintais de TempleBeaudry predominantemente ocupados por imigrantes e que vão sendo progressivamente tragados pela difusão da Cidade Central Ocidental que agora vem sendo chamada de Margem Esquerda do centro da cidade a zona de reurbanização intencionalmente yuppificante de South Park bem como o já meio desgastado Centro de Convenções os espigões e fortalezas de Bunker Hill sagrados pelo físico o bolsão esplendorosamente elitizado das mansões vitorianas da velha Angelino Heights com sua vista da cidade o novo e maciço bairro coreano que vaise expandindo para o oeste e para o sul empurrando os limites da Los Angeles negra os bolsões filipinos a noroeste que ainda não se fundiram num bairro próprio e muito mais uma constelação de heterotopias foucaultianas capazes de justapor num único lugar real diversos espaços diversos locais que são em si incompatíveis mas que funcionam numa relação com todo o espaço remanescente O que se destaca de um olhar atento para o interior da cidade que parece um reflexo invertido e perverso da cidade externa um complexo aglomerado de particularidades dialéticas e superpovoadas oficinas de baixa tecnologia relíquias e restos de uma urbanização mais antiga um salpicado de nichos de profissões e supervisores reciclados e acima de tudo a mistura de má boa de trabalho na exesfera do terceiro mundo consumindo assim uma tripla referência para servir de centro As casas destas referências são especialmente pronunciadas quando se sai do círculo interno em torno do centro da cidade A esclerose da direção à decadência da distância reduz a elegância euclidiana das graduações concêntricas e muitos dos mais matemáticos dentro os geometrais urbanos reconfiguramse por conseguinte a seguir esse caminho ligeiramente inquietante Mas a direção induz efetivamente a um outro ataque ao apontar para a emanação de cunhas ou setores fortuitos que partem do centro As cunhas setoriais de Los Angeles são especialmente pronunciadas quando se sai do círculo interno em torno do centro da cidade O Corredor Wilshire por exemplo estende as cidadelas da cidade central por quase vinte milhas para oeste em direção ao Pacífico apanhando no caminho diversos outros centros de cidades proeminentes mas menores Miracle Mile que deu início a essa extensão Beverly Hills Century City Westwood Brentwood e Santa Monica Observando acima dela há uma cunha ainda mais longa das residências mais ricas correndo como uma homogeneidade quase esterrecedora até Pacific Palisades e as praias visando as prioridades habitacionais pois apenas os restos da resposta armada ao que os invasores se aproximarão de atirar Ali estão as cidades um nível mais elevado de proprietários de braços cruzados após o crescimento e pesquisas de latifúndios de classe usurpadores bloqueandose da época e do lugar do período e da região O Bonaventure simula a paisagem reestruturada de Los Angeles e ao mesmo tempo é simulado por ela Dessa interação interpretativa das microssimulações e macrossimulações emerge um modo alternativo de examinar criticamente a geografia humana da Los Angeles contemporânea de vêla como um mesocosmos da pósmodernidade Do centro para a periferia nas cidades internas e externas o atual Círculo de Sessenta Milhas encerra um mar metropolitano de comunidades culturas e economias fragmentadas mas homogeneizadas confusamente dispostas numa divisão espacial do trabalho e do poder contingentemente ordenada Como acontece com grande parte do padrão de urbanização do século XX Los Angeles dita o ritmo histórico e sintetiza de maneira sumamente vívida os extremos da expressão contemporânea A demarcação das fronteiras e a incorporação territorial dos municípios para tomarmos um exemplo ilustrativo produziram a mais extraordinária e louca colcha de retalhos oportunista encontrável em qualquer área metropolitana Minúsculos encraves de terra interiorana e cidades inteiras como Beverly Hills West Hollywood Culver City e Santa Monica pontilham a massa do Lado Ocidental da cidade incorporada de Los Angeles enquanto tiras estreitas de terra citadina estendemse como tentáculos que agarram as saídas marítimas fundamentais do porto em San Pedro e do Aeroporto Internacional de Los Angeles23 Quase metade da população da cidade no entanto vive no quintessencialmente suburbano Vale de San Fernando um milhão e meio de pessoas estatisticamente contadas como parte da cidade central da Área Estatística Metropolitana Padrão de Los AngelesLong Beach Poucos outros lugares zombam tão definitivamente das classificações padronizadas de urbano suburbano e extraurbano Mais de 130 outras municipalidades e uma profusão de áreas administradas pelo condado congregamse frouxamente ao redor da irregular Cidade de Los Angeles num estonteante e difuso mosaico de remendos Algumas têm nomes espantosamente autoexplicativos Onde mais pode haver uma Cidade da Indústria e uma Cidade do Comércio comemorando tão flagrantemente as parcelas do capital que asseguraram sua incorporação Em outros lugares os nomes tentam despreocupadamente resgatar uma história romanceada como nas muitas novas comunidades denominadas Rancho isto ou aquilo ou então abrigar a lembrança de geografias alternativas como em Veneza Nápoles Jardins do Havaí Ontário Praia de Manhattan e Westminster Na atribuição de nomes como em tantos outros processos urbanos contemporâneos o tempo e o espaço o uma vez e o ali são cada vez mais manipulados e arranjados para atender às necessidades do aqui e agora tornando a experiência vivida do urbano cada vez mais vicária encoberta por simulacros aquelas cópias exatas cujos originais verdadeiros se perderam Um recorte recente do Los Angeles Times Herbert 1985 fala dos 433 letreiros que conferem identidade dentro do hiperespaço da Cidade de Los Angeles descrita como Uma Cidade Dividida e que se Orgulha Disso Hollywood bem como a Miracle Mile Milha Milagrosa de Wilshire Boulevard e a Central City Cidade Central figuraram entre os primeiros locais a receber esses letreiros comunitários como parte de um programa de identificação da cidade organizado pelo Departamento de Transportes Um dos letreiros mais novos no que foi proclamado como a mais nova comunidade da cidade reconhece a formação de Harbor Gateway Portal da Enseada na estreita área operária de oito milhas de comprimento que ziguezagueia para o sul em direção ao porto a velha Shoestring Strip onde muitos dos 32000 habitantes muitas vezes se esqueciam de seus vínculos com a cidade Um dos fundadores do programa ponderou sobre seu desenvolvimento A princípio no começo dos anos sessenta o Departamento de Trânsito assumiu a postura de que todas as comunidades faziam parte de Los Angeles e de que não queríamos cidades dentro de cidades mas acabamos entregando os pontos Filosoficamente fazia sentido Los Angeles é imensa A cidade tinha de reconhecer que havia comunidades que precisavam de identificação O que tentamos evitar foi colocar letreiros em todos os cruzamentos que tivessem lojas Em última análise os letreiros da cidade são descritos como Um Reflexo do Orgulho pelos Subúrbios Onde ficamos então nessa terra da fantasia nominal e numenal Durante pelo menos cinquenta anos Los Angeles tem desafiado a descrição categórica convencional do urbano do que é cidade e do que é subúrbio do que pode ser identificado como uma comunidade ou um bairro do que significa copresença no contexto urbano elástico Na verdade ela vem desconstruindo o urbano numa colagem confusa de letreiros que anunciam muitas vezes o que são pouco mais do que comunidades imaginárias e representações exóticas da localidade urbana Não quero dizer com isso que não haja bairros autênticos encontráveis em Los Angeles Na verdade descobrilos em passeios exploratórios de carro tornouse um passatempo local popular especialmente para os que ficaram muito isolados da comunidade afim na difusão repetitiva das paisagens de aparência realmente corriqueira que compõem a maior parte da região Mais uma vez entretanto a experiência urbana vaise tornando cada vez mas vicária acrescentando outras camadas de opacidade ao espace vécu24 Por baixo dessa cobertura semiótica25 restam uma ordem econômica uma estrutura nodal instrumental e uma divisão espacial do trabalho essencialmente exploratória e esse sistema urbano espacialmente organizado tem sido mais continuamente produtivo no último meio século do que quase qualquer outro no mundo Mas também tem sido cada vez mais encoberto da visão imaginativamente mistificado num meio ambiente que é mais especializado na produção de mistificações abrangentes do que praticamente qualquer outro que se possa citar Como tem acontecido com tanta frequência nos Estados Unidos essa desconstrução conservadora é acompanhada por uma entorpecedora despolitização das relações e conflitos fundamentais de classe e de sexo Quando tudo o que se vê é tão fragmentado e cheio de extravagância e pastiche as rígidas arestas da paisagem capitalista racista e patriarcal parecem desaparecer desmancharse no ar Com singular ironia a Los Angeles contemporânea passou a se assemelhar mais do que nunca a uma aglomeração gigantesca de parques temáticos um espaço vital composto de Disneyworlds Tratase de um campo dividido em vitrinas de culturas de aldeia global e paisagens miméticas norteamericanas centros comerciais que têm de tudo e engenhosas Ruas Principais reinos mágicos patrocinados por empresas protótipos experimentais de comunidades do futuro baseadas na alta tecnologia e lugares de repouso e recreação atraentemente acabados todos escondendo com habilidade as esferas de atividade e os processos de trabalho que ajudam a mantêlos unidos Tal como o Lugar Mais Feliz da Terra em sua versão original os espaços fechados são controlados sutil mas estreitamente por supervisores invisíveis apesar da franca aparência de fantásticas liberdades de escolha A experiência de viver aqui pode ser extremamente divertida e excepcionalmente prazerosa especialmente para os que podem darse o luxo de permanecer dentro de Los Angeles por tempo suficiente para estabelecer suas próprias modalidades de trânsito e locais de repouso E é claro o empreendimento tem sido imensamente lucrativo ao longo dos anos Afinal foi construído no que começou como uma terra relativamente barata foi mantido por um exército constantemente renovado de mão de obra importada ainda mais barata está repleto das mais modernas engenhocas tecnológicas goza de níveis extraordinários de proteção e vigilância e funciona sob a suave agressão dos mais eficientes sistemas administrativos quase sempre capazes de entregar o que é prometido na hora exata de ser útil POSFÁCIO O God I could be bounded in a nutshell and count myself a King of infinite space26 Hamlet II 2 primeira citação do Aleph But they will teach us that Eternity is the Standing still of the Present Time a Nuncstans as the Schools call it which neither they nor any else understand no more than they would a Hicstans for an infinite greatness of Place27 Leviathan IV 46 segunda citação do Aleph Tenho olhado Los Angeles de muitos pontos de vista diferentes e cada maneira de vêla ajuda a discernir a miscelânea interjacente da paisagemalvo As perspectivas exploradas são intencionais ecléticas fragmentadas incompletas e frequentemente contraditórias mas também Los Angeles é assim e na verdade assim o é a geografia histórica vivenciada de todas as paisagens urbanas As visões totalizantes por mais atraentes que sejam nunca conseguem captar todos os sentidos e significações do urbano quando a paisagem é criticamente lida e encarada como um texto geográfico abundante Há demasiados auteurs autores por identificar a literalité materialidade do ambiente fabricado é multiestratificada demais para que possa falar por si e as metáforas e metonímias contrapostas frequentemente se chocam como símbolos discordantes que abafam os temas subjacentes Em termos mais sérios ainda sabemos muito pouco sobre a gramática e a sintaxe descritivas das geografias humanas sobre os fonemas e as epistemes da interpretação espacial Somos muito mais constrangidos pela linguagem do que nos damos conta como Borges tão sabiamente reconhece o que podemos ver em Los Angeles e na espacialidade da vida social é obstinadamente simultâneo mas o que escrevemos é sucessivo porque a linguagem é sucessiva A tarefa da descrição regional holista e abrangente portanto talvez seja impossível como talvez o seja a construção de um materialismo históricogeográfico completo Não obstante há esperança A interpretação crítica e teórica das paisagens geográficas expandiuse recentemente para campos que tinham sido funcionalmente analfabetos durante a maior parte do século XX Novos e ávidos leitores abundam como nunca muitos estão diretamente sintonizados com a especificidade do urbano e vários voltaram seu olhos significativamente para Los Angeles Além disso muitos leitores experientes das geografias superficiais começaram a enxergar através das distorções alternadamente míopes e hipermétropes das perspectivas passadas trazendo um novo discernimento para a análise espacial e a teoria social Também nesses casos Los Angeles tem atraído leitores observadores depois de uma história de negligência e apreensão equivocada pois ela se apresenta insistentemente como um dos mais instrutivos palimpsestos e paradigmas do desenvolvimento urbanoindustrial e da consciência popular do século XX Como vi e disse de várias maneiras tudo parece juntarse em Los Angeles o Aleph totalizante Suas representações da espacialidade e da historicidade são arquétipos de vivacidade simultaneidade e interconexão Convidam à investigação imediata de sua expressiva singularidade e ao mesmo tempo a sua generalidade afirmativa porém cautelosa Nem tudo pode ser entendido as aparências assim como as essências são persistentemente enganosas e o real nem sempre pode ser captado mesmo numa linguagem extraordinária Mas isso torna o desafio mais instigante especialmente quando vez por outra temse a oportunidade de decompor tudo e reconstruir o contexto A reafirmação do espaço na teoria social crítica e na praxis política crítica dependerá de uma desconstrução contínua de um historicismo ainda oclusivo e de muitas viagens exploratórias adicionais às heterotopias das geografias pósmodernas contemporâneas 1 Ver Jorge Luis Borges O Aleph tradução de Flávio José Cardozo Porto AlegreRio de Janeiro Ed Globo 6ª ed p 130 NT 2 Na edição brasileira ver nota 1 p 132 NT 3 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 NT 4 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 NT 5 Ou rua do Templo e rua da Primavera NT 6 Pelo menos oito edições de um panfleto sobre O Círculo de Sessenta Milhas foram publicadas pelo Departamento de Economia do Security Pacific National Bank tendo sua primeira versão em forma de folheto aparecido há quase vinte anos A edição de 1981 visou a celebrar o Bicentenário de Los Angeles A edição a que me refiro de 1984 anuncia o apoio do Security Pacific aos Jogos Olímpicos 7 A tradução perde o jogo de sentidos entre a palavra SONGS canções e as iniciais do nome da usina nuclear que a compõem San Onofre Nuclear Generating Station NT 8 A história imperial da irrigação de Los Angeles é parte fundamental do crescimento da Califórnia Meridional mas não pode ser examinada aqui 9 Os últimos condores restantes foram recentemente retirados e levados para jardins zoológicos depois que o envenenamento por chumbo ameaçou sua extinção no deserto 10 Referência à indústria cinematográfica concentrada numa faixa a oestenordeste do centro urbano de Los Angeles NR 11 A federalização do Círculo de Sessenta Milhas ainda continua pouco estudada mas nesse processo encontramse as vigorosas pistas necessárias à compreensão do desenvolvimento regional desigual da totalidade dos Estados Unidos inclusive do Cinturão do Sol e do Cinturão do Gelo 12 Em 1965 num estudo do Bank of America estimouse que quase 43 do total de empregos industriais nos condados de Los Angeles e Orange estavam ligados aos gastos com a defesa e pesquisa espacial Algumas percentagens por setor incluíram embalagens e caixas de papelão 12 borracha manufaturada 36 computadores 54 equipamento fotográfico 69 máquinas de tornear parafusos 70 e serviços e reparos em oficinas mecânicas 78 Em 1983 quase metade dos empregos industriais do Condado de Los Angeles estava direta ou indiretamente relacionada com a indústria aeroespacial e quase metade desses trabalhadores aeroespaciais estava empregada em projetos militares Scheer 1983 Não há razão para crer que essas cifras tenham sofrido alterações significativas desde 1983 13 Os chips de arsenieto de gálio funcionam em frequências mais altas e segundo se afirma computam mais depressa do que os chips de silício Inicialmente desenvolvidos para utilização militar há quem espere vêlos tomarem uma parcela cada vez maior do mercado mundial de semicondutores no futuro A Garganta de Gálio contém uma aglomeração de companhias recémcriadas que vêm fazendo experiências com essa nova tecnologia todas elas chefiadas por discípulos da Rockwell International Goldstein 1985 14 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 15 Há aqui um jogo de sentidos que se perde na tradução ligado ao nome da rede jornalística TimesTemposMirrorEspelho NT 16 Os mapas pictóricos coloridos tão convenientes para a representação exagerada das presenças e ausências parecem multiplicarse com uma velocidade incomumente acelerada em toda Los Angeles apagando silenciosamente as relações espaciais distorcedoras e de má aparência para causar boa impressão e chamando a atenção para o fantástico e para o mais vendável 17 Os relatórios de investigação da corruptibilidade política do processo de planejamento vêm repetidamente à tona em Los Angeles com um efeito relativamente pequeno pois o que se expõe é caracteristicamente aceito como normal senão normativo pelos profissionais de destaque Duas análises particularmente minuciosas surgiram em 1985 Tony Castro LA Inc uma série em três partes no Herald Examiner Como a política construiu o centro da cidade 10 de março O exercício da influência política no alto de Bunker Hill 11 de março e Críticos afirmam que a CRA aterra os desejos dos pobres e impotentes 12 de março e Ron Curran e Lewis MacAdams The selling of LA County A venda do condado de L A LA Weekly 2228 de novembro Nada de comparável foi publicado no Los Angeles Times 18 A CRA é um órgão submetido à legislação estadual da Califórnia diretamente responsável perante a Assembleia Municipal de Los Angeles Funciona publicamente no centro de Los Angeles num estilo facilitador que se assemelha às operações de planejamento global da Companhia Irvine em suas áreas privadas no Condado de Orange 19 Sem classe em francês no original NT 20 O autor faz um trocadilho alusivo à velha região industrial do Ruhr na Alemanha NR 21 A compacta Los Angeles negra tem sido particularmente desconcertante Para muitos anos estatísticos ela abarcou algumas das mais baixas e mais altas faixas censitárias de renda média familiar do condado E antes de 1970 a maior densidade de residentes negros de qualquer faixa do censo não era encontrada no gueto demarcável mas na parte sul de Santa Monica Os negros estiveram entre os fundadores originais de Los Angeles em 1781 mas praticamente não há atualmente nenhum grande estudo sobre a geografia histórica da Los Angeles negra 22 O Westin Bonaventure financiado pelos japoneses e pertencente a eles figura com destaque ainda que sem a grafia correta na perspicaz análise de Jameson sobre o pósmodernismo 1985 Ver também a réplica de Davis 1985 e um ensaio de Michael Dear 1986 sobre o planejamento pósmoderno Esses textos fazem parte da primeira rodada de um debate que prossegue sobre o pósmodernismo em Los Angeles 23 Outra saída atingida perto do LAX é a Usina de Tratamento de Esgotos Hyperion que expectora um volume de dejetos da Cidade de Los Angeles equivalente ao quinto ou sexto maiores rios que atingem o oceano na Califórnia e que cria uma cadeia alimentar cada vez mais envenenada chegando a alcançar a população de sua bacia de drenagem Nos últimos anos tem havido afirmações de que a Baía de Santa Monica talvez apresente os níveis mais elevados de substâncias químicas tóxicas de toda a costa oeste Colocaramse placas a fim de alertar para os riscos dos peixes pescados no local especialmente a cocoroca tão apropriadamente denominada e os médicos advertiram muitos de seus pacientes a não nadarem em certas praias As linhas de fissura das cadeias de lixo da região podem vir a se revelar em última instância mais ameaçadoras do que as fendas mais conhecidas na superfície da terra O nome croaker cocoroca também significa em inglês agoureiro prenunciador de desgraças NT 24 Espaço vivido em francês no original NT 25 O radical de semiótica e semiologia é o grego semeion que significa sinal marco local ou ponto no espaço Marcase um encontro com alguém num semeion num local particular A importância dessa ligação entre a semiótica e a espacialidade é esquecida com excessiva frequência 26 Trad livre Oh Deus Eu poderia estar recluso numa casca de noz e julgarme Rei de espaço infinito NT 27 Mas dirnosão que a eternidade é a manutenção do presente o nuncstans como as escolas o chamam que nem eles nem ninguém compreende tal como não compreenderiam um hicstans para uma infinita grandeza do espaço Leviatã ou Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil Quarta Parte Cap XLVI trad de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 2ª ed 1979 p 390 NT BIBLIOGRAFIA Aglietta M 1979 A Theory of Capitalist Regulation The US Experience Londres New Left Books Amin S 1974 Accumulation on a World Scale A Critique of the Theory of Underdevelopment Nova York Monthly Review Amin S 1973 Unequal Exchange Nova York Random House Anderson J 1980 Towards a Materialist Conception of Geography Geoforum 11 17178 Anderson P 1983 In the Tracks of Historical Materialism Londres Verso Anderson P 1980 Arguments Within English Marxism Londres Verso Anderson P 1976 Considerations on Western Marxism Londres Verso Bachelard G 1969 The Poetics of Space Boston Beacon trad de M Jolas de La Poétique de lespace Paris PUF 1957 Bagnasco A 1977 Le Tre Italie Bolonha Il Mulino Banham R 1971 Los Angeles The Architecture of the Four Ecologies Nova York Harper and Row Berger J 1984 And our faces my heart brief as 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teoria social Giddens 12 3 centroperiferia 12 3 4 56 Giddens e 1 23 industrialização 12 Los Angeles 1 23 45 ver também nodalidade cidadania mais cultural do que espacial 12 ciências sociais consolidação 12 3 modernização 1 The City and the Grass Roots A cidade e as raízes rurais Castells 12 classes 1 cultura urbana 12 3 luta de 1 23 4 5 6 7 8 relações de 1 vertical 1 ver também grupos raciais e étnicos classe trabalhadora armadura antiespacial para resistir à 1 conquistas da organização 1 exploração da 1 2 greves 1 habitação 1 2 3 45 67 8 internacionalismo 1 2 Los Angeles 12 3 4 5 6 78 polarização 1 Colletti Lucio 1 Comuna de Paris 1 2 3 Conceptions of Space in Social Thought Concepções do espaço no pensamento social Sack 12 confecções indústria de 1 La conscience mystifiée A consciência mistificada Lefebvre 12 Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana Harvey 1 The Constitution of Society A constituição da sociedade Giddens 1 23 45 A Contemporary Critique of Historical Materialism Uma crítica contemporânea do materialismo histórico Giddens 12 construção residencial avanço tecnológico 1 crime Los Angeles 1 2 crises urbanas 1 2 3 rebelião de Watts 1 2 3 Critique de la vie quotidienne Crítica da vida cotidiana Lefebvre 1 Critique de la raison dialectique Crítica da razão dialética Sartre 1n 2 cubismo 1 2 cultural espaço e tempo 1 2 3 4 Datar Délégation à lAménagement du Territoire et à lAction Régionale 1 2 defesa indústria da 1 2 3 4 5 67 Della Volpe Galvano 1 demografia 1 2 Los Angeles 1 2 Depressão ver Grande Depressão Derrida Jacques 1 desconstrução 12 Eagleton e a 12 de Los Angeles 12 pósmoderna 1 desenvolvimento desigual 1 23 4 5 6 7 8 9 10 1112 13 14 15 16 1718 19 acumulação e 1 2 centro vs periferia 1 diferenças geográficas 12 internacional 1 23 Mendel sobre o 12 transferência de valor 1 dialética históricoespacial 12 34 dialética socioespacial 12 34 5 6 7 8 Des espaces autres Dos espaços outros Foucault 12 Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado Offe 12 distanciamento tempoespaço 12 3 4 5 6 Le Droit à la ville O direito à cidade Lefebvre 1 2 Durkheim Emile 1 2 3 4 5 67 Eagleton Terry 1 Against the Grain A contragosto 1 economia keynesiana 1 estado previdenciário 1 2 planejamento espacial 12 sistema urbano administrado pelo Estado 12 3 45 economia neoclássica 12 ver também capitalismo marxismo economia subterrânea 1 Edel Matthew capital financeiro 12 Emmanuel Arghiri 1 2 3 4 Unequal Exchange Troca desigual 1 The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado Lash Urry 12 Engels Friedrich 1 2 3 4 dimensões da produção 1 Escola de Chicago 1 2 3 4 5 Escola de Frankfurt 1 2 espaçoespacialização antitradicional 12 canais de exploração 12 Castells e 12 centroperiferia 12 dialética históricoespacial 12 34 dialética socioespacial 12 34 5 6 na economia neoclássica 1 existencial 12 Foucault e 12 Giddens e 1 intuição marxista sobre o desenvolvimento precário do 12 Lefebvre e 1 2 3 45 67 limites da análise 1 locais 12 3 localidades 12 materialidade ilusão 12 mental 1 2 3 mistificação ajuda o capitalismo 1 modalidade 1 23 ocultação das consequências 12 34 5 ontologia 1 23 45 6 7 opacidade 1 23 4 poder 12 34 56 78 problemática urbana 12 3 produção e 12 como produto social 12 3 45 6 78 9 1011 12 13 reafirmação na teoria 12 34 5 reestruturação e 12 34 reexaminado pelos marxistas 1 23 45 regionalismo 1 2 34 subordinação do 1 2 34 tendências tecnológicas 1 teoria social e 1 2 territorialidade 12 transferência de valor 12 transparência do 1 23 três vias diferentes 12 ver também história geografia tempo espaçotemposer social 1 23 especialização flexível 1 2 estrutura espacial Gregory sobre a 1 estruturação teoria giddensiana da 12 3 estruturalismo 1 2 de Althusser 1 2 3 4 5 6 ataque ao 1 Foucault e o 12 geografia marxista e o 1 eurocentrismo 1 2 existencialismo 1 2 34 5 Explanation in Geography A explicação na geografia Harvey 12 The Eye of Power O olho do poder Foucault 1 Fell Joseph Heidegger and Sartre 1 2 feminismo 1 feudalismo 1 2 ficção modo temporal de narração 12 34 filosofia 12 3 ver também teoria social fin de siècle 1 2 3 4 5 6 7 8 9 aproximação do 1 fordismo 1 2 3 4 5 6 7 Foucault Michel 1 23 4 5 6 7 capitalismo industrial 1 cidade carcerária 1 sobre a obsessão com o tempo 1 23 4 sobre espaço e geografia 12 3 45 6 The Eye of Power O olho do poder 1 Des espaces autres Dos outros espaços 12 Questions on Geography Perguntas sobre geografia 12 França marxismo na 1 23 45 planejamento espacial na 1 terminologia espacial na 12 Frank André Gunder 1 2 3 4 5 Friedmann John 1 geografia capitalismo e 12 confrontações modernas recentes 12 construção da 1 2 descrição linear vs simultânea 12 efeito da política na 12 espaço concreto 1 feita conforme as circunstâncias 1 2 Foucault e a 12 Giddens e a 12 imaginação da 1 2 isolamento da teoria 1 23 4 Los Angeles 12 materialismo históricogeográfico 1 23 paisagem moderna 1 pósfordista 1 23 45 6 póshistoricista 1 23 4 pósmoderna 1 2 3 45 6 78 9 origens da 1011 1213 reafirmação da história em relação à 12 34 reestruturação 12 3 45 teórica 12 34 56 7 ver também espaço ontologia urbanização geógrafos 1 2 3 4 5 marxistas 12 3 The German Ideology A ideologia alemã Marx 1 Geopolitik alemã 1 Giddens Anthony 1 2 3 4 5 6 7 89 1011 localidades 12 ontologia 12 regiões nodais 12 teoria da estruturação 12 territorialidade 12 urbanização 12 A Contemporary Critique of Historical Materialism Crítica contemporânea do materialismo histórico 12 Central Problems in Social Theory Problemas centrais de teoria social 12 3 The Constitution of Society A constituição da sociedade 1 23 45 New Rules of Sociological Method Novas regras do método sociológico 1 Goffman Erving 1 Gordon David 1 23 4 Gramsci Antonio 1 2 3 Prison Notebooks Cadernos da prisão 1 Grande Depressão 12 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Gregory Derek 1 2 Ideology Science and Human Geography Ideologia ciência e geografia humana 1 Grundrisse Marx 1 23 4 grupos raciais e étnicos concentração urbana 1 habitação 12 3 4 Los Angeles 12 3 4 5 6 7 8 910 1112 política étnica 1 Guterman Norbert 1 Habermas Jürgen 1 habitação classe trabalhadora 1 2 3 4 56 78 9 Los Angeles 1 23 4 5 67 89 nódulos sociais da 1 polarização 1 23 semtetodesabrigados 1 2 Hadjimichalis Costis 1 2 Hagerstrand Thorsten 1 Hall Edward 1 Harlos Michael 1 23 Harvey David 1 2 34 5 6 78 9 ambivalência em relação à espacialidade 12 investigação geográfica marxista 12 3 4 5 6 paisagem geográfica 1 2 sobre a acumulação capitalista 1 2 sobre o capital financeiro 1 sobre Paris 1 urbanização 1 Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana 1 Explanation in Geography A explicação na geografia 12 The Limits to Capital Os limites do capital 1 2 Social Justice and the City A justiça social e a cidade 1 2 34 5 Hegel Georg WF 1 dupla inversão de 12 influência em Lefebvre 1 ontologia espacialista 1 Heidegger and Sartre Fell 1 2 Heidegger Martin 1 23 4 5 Being an Time Ser e tempo 12 heterotopias 12 3 History and Class Consciousness História e consciência de classe Lukács 1 história e historicismo como único instrumento interpretativo 1 crítica da 1 definidos por Williams 1 dialética históricoespacial 12 feita conforme as circunstâncias 1 2 3 e Giddens 1 imaginação da 12 marxismo e 1 23 45 papel na teoria social 12 3 póshistoricismo 1 reafirmação da em relação à geografia 12 3 repensando o espaçotempo 12 34 tese de Foucault 12 ver também tempo Hobbes Thomas 1 Hotel Bonaventure 12 Husserl Edmund 1 2 3 4 Ideology Science and Human Geography Ideologia ciência e geografia humana Gregory 1 LIdiot de la famille O idiota da família Sartre 1 imperialismo 1 2 3 4 5 6 78 9 In the Tracks of Historical Materialism Na trilha do materialismo histórico Anderson 1 indústria vs agricultura 12 da defesa 1 2 3 4 5 67 desenvolvimento urbano 12 34 desindustrialização 1 2 34 5 6 expansão capitalista 1 2 Los Angeles 1 2 34 56 7 8 9 produção e 12 3 4 reindustrialização 1 23 transporte e 1 trabalhomão de obra e 12 ver também capitalismo tecnologia Inglaterra marxismo na 1 internacionalização 12 34 5 capital financeiro 1 capitalismo e 1 23 centroperiferia 1 divisão do trabalho 1 23 4 5 67 geografia marxista 12 Los Angeles 1 2 3 paisagem da 1 produção 1 Itália 1 2 Jameson Frederic 1 2 34 Kant Immanuel 1 2 3 geografia e 12 Kern Stephen 1 keynesianismo ver economia keynesiana Keywords Palavraschave Williams 1 Kidron Michael 1 Korsch Karl 1 Lacoste Yves 1 Lash S J Urry The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado 12 Late Capitalism Capitalismo tardio Mandel 1 23 4 56 7 8 9 10 Lefebvre Henri 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 capitalismo industrial vs financeiro 12 34 Castells e 12 crítica de por Harvey 12 3 crítico de Sartre 1 dialética espacial 1 2 34 segunda natureza do espaço 1 sobre Bergson 1 sobrevivência do capitalismo 12 3 sociedade e espaço 1 2 34 urbanização 12 La conscience mystifiée A consciência mistificada 12 Critique de la vie quotidienne Crítica da vida cotidiana 1 Le droit à la ville O direito à cidade 1 2 Le matérialisme dialectique O materialismo dialético 1 La pensée marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade 1 La production de lespace A produção do espaço 1 2 3 4 5 La révolution urbaine A revolução urbana 1 La survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1 2 Leibniz Gottfried 1 2 Lênin VI 1 2 3 4 5 leninismo 1 23 The Limits to Capital Os limites do capital Harvey 1 2 Lipietz Alain 1 locaislugares 1 23 4 localidades 1 23 The Look of the Things A aparência das coisas Berger 12 Los Angeles 1 2 34 área circunjacente 12 34 cenário contemporâneo 12 centroperiferia 12 34 56 Círculo de Sessenta Milhas 12 3 4 demografia 1 2 des e recentralização 12 fragmentação 1 2 34 geografia política 1 geografia pósmoderna 12 grupos raciais e étnicos 1 2 3 4 5 6 78 910 habitação 1 23 4 5 6 7 8 910 1112 história de 12 indústria 1 23 nodalidade 12 rebelião de Watts 1 2 3 tecnologia 1 2 trabalhoemprego 1 2 34 5 6 Lukács Georg History and Class Consciousness História e consciência de classe 1 Luxemburgo Rosa 1 2 Lynch Kevin 1 Mandel Ernest 12 3 4 5 6 7 colonialismo 1 2 desenvolvimento capitalista 1 desenvolvimento desigual 12 3 Late Capitalism Capitalismo tardio 1 23 4 56 7 8 9 Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista 1 Mann Michael The Sources of Social Power As origens do poder social 1 mão de obra ver trabalho mapas cognitivos 1 2 3 4 56 7 mapas da Europa 1 Marcuse Herbert 1 Markusen Ann 1 Marx Karl 1 23 4 5 6 7 8 9 10 canais espaciais de exploração 12 crítica de Giddens a 1 2 3 curiosidade sobre a Califórnia 1 dimensões da produção 1 dupla inversão de Hegel 12 espaço e 1 2 modificação da cidade desde 12 transferência de valor 12 urbanização 1 O Capital 1 2 3 4 5 6 7 The German Ideology A ideologia alemã 1 Grundrisse 1 23 4 marxismo análise das relações espaciais 12 3 4 5 6 análise urbana 12 34 anglófono 12 emergência do discurso espacial 1 2 34 56 78 fin de siècle 12 francês 1 23 45 67 geografia urbana e internacional 12 34 leninismo 1 23 origens 1 reafirmação da história sobre o espaço 12 regredindo para a filosofia 12 tradições antiespaciais 12 Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista Mandel 1 Massey Doreen Spatial Divisions of Labour As divisões espaciais do trabalho 1 2 3 Le Matérialisme dialectique O materialismo dialético Lefebvre 1 macarthista 1 meio ambiente 1 23 4 5 6 causa de mudança social 1 construído 1 2 3 4 tradição homemterra 1 metáfora espacial 1 2 3 Mills C Wright 12 3 4 modernidade 1 definição 12 modernismo conceituação 1 movimentos modernistas 12 modernização marxista 1 2 periodicidade da 12 movimentos sociais urbanos 1 2 3 4 5 Mulholland William 1 2 Myrdal Gunnar 1 nacionalismo 1 23 4 5 6 7 narrativa ver ficção natureza 1 2 34 5 The New Industrial Divide O novo divisor industrial Piore e Sabel 1 New Rules of Sociological Method Novas regras do método sociológico Giddens 1 nodalidade 1 desenvolvimento urbano 1 23 desindustrialização 1 Los Angeles 12 teoria giddensiana da 12 ver também centroperiferia Offe Claus Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado 1 ontologia 1 2 3 espaçoespacialização 1 23 Giddens e 1 23 4 5 opacidade do espaço 1 2 34 5 social 1 transparência do espaço 1 23 opacidade ilusão de 1 23 4 ouro 1 paisagens imagens da 12 3 45 6 Palloix Christian 1 2 Parsons Talcott 1 2 La pensée marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade Lefebvre 1 petróleo 1 2 3 4 Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza Rorty 1 Piore M C Sabel The New Industrial Divide O novo divisor industrial 1 planejamento 1 2 3 4 5 Lefebvre e o 1 2 3 regional 1 23 Platão 1 política e espaço 1 2 34 Estados nacionais 1 isolamento da geografia 1 positivismo 1 2 34 5 6 pós corrida para o 1 2 pósmodernidadepósmodernismo 12 3 4 neoconservadorismo e 1 passagem para a 12 Poulantzas Nicos 1 2 3 45 6 espacialidade capitalista 1 State Power Socialism Estado poder e socialismo 12 3 The Poverty of Theory A pobreza da teoria Thompson 1 poder espaço e 1 23 4 56 tempo e espaço 12 34 PRIs países recémindustrializados 1 23 4 Prison Notebooks Cadernos da prisão Gramsci 1 Problemas centrais de teoria social Giddens 12 3 produção e consumo 12 3 espaço e 12 34 56 78 dinâmica capitalista de 1 industrial 1 2 internacionalização 1 23 relações sociais e 1 2 La production de lespace A produção do espaço Lefebvre 1 2 3 4 5 profecia 1 2 A Question of Geography Uma questão de geografia Berger 12 Questions on Geography Perguntas sobre geografia Foucault 12 raça e etnia ver grupos raciais e etnias Reagan Ronald 1 2 3 4 5 recessão de 19731975 1 2 3 reducionismo Lefebvre contra o 1 reestruturação conceitos de 1 23 forma urbana 12 marxismo 12 ontologia e 1 oposição à 12 questões regionais 12 tendências contemporâneas 12 teoria social e 12 regionalismo 1 2 34 56 7 Giddens 1 2 inversão de papéis 12 nacionalismo 1 planejamento 1 23 4 trabalho 12 ver também internacionalismo nodalidade regionalização 1 egocêntrica 1 retrato importância histórica 12 La révolution urbaine A revolução urbana Lefebvre 1 Rorty Richard Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza 1 Roweis Shoukry 1 Revolução Industrial 1 Revolução Russa 1 2 3 4 5 6 revolução urbana 12 Sabel C M Piore The New Industrial Devide O novo divisor industrial 1 Sack Robert Conceptions of Space in Social Thought As concepções do espaço no pensamento social 12 Sartre JeanPaul 1 2 34 5 6 7 89 Crítica da razão dialética Critique de la raison dialectique 1n 2 LIdiot de la famille O idiota da família 1 2 Search for a Method Questão de método 1 2n O ser e o nada LÊtre et le néant 1 Saunders Peter 1 Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana 1 Search for a Method Question de méthode Sartre 1 2n O ser e o nada Sartre 1 Ser e tempo Heidegger 12 ser social 12 3 equilíbrio entre tempo e espaço 1 especificidade 12 serviços sociais 1 2 Shakespeare William 1 Simmel Georg 1 simultaneidade 12 e extensão 12 Sindicato dos Geógrafos Socialistas 1 Smith Neil 1 2 Uneven Development O desenvolvimento desigual 1 23 Social Justice and the City A justiça social e a cidade Harvey 1 2 34 5 Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana Saunders 1 socialismo ascensão do no séc XX 1 francês 1 Sociedade PósIndustrial 1 sociologiasociólogos para Giddens 1 reação aos geógrafos marxistas 12 teoria social como imaginação da 12 Sommer Robert 1 The Sources of Social Power As origens do poder social Mann 1 Spatial Divisions of Labour As divisões espaciais do trabalho Massey 1 2 3 Stalin 1 stalinismo 1 State Power Socialism Estado poder e socialismo Poulantzas 12 3 subdesenvolvimento e dependência 12 3 45 6 sucessão 12 surrealismo 1 2 La survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo Lefebvre 1 2 tecnocracia 1 2 tecnologia 1 2 3 4 5 6 7 8 Los Angeles 1 2 3 4 5 modernidade 12 ver também indústria tempo 1 2 3 e espaço 1 2 3 45 67 8 9 Marx estabelece a prioridade do 1 materialismo históricogeográfico 1 23 ontologia do 12 3 4 poder e espaço 12 34 romance moderno e 12 teorização do 12 vivido 1 ver também história teoria social 1 2 34 5 6 desespacialização da 12 espacialidade 1 2 34 5 6 7 8 910 1112 13 14 15 imaginação sociológica 12 marxista 12 modernidade 12 positivismo 1 23 4 reconstrução 12 rejeição de causas ambientais 1 visão histórica 12 3 4 5 ver também Giddens Anthony Mills C Wright terra valor da 1 2 mercantilização 1 territorialidade 1 23 4 56 7 8 Thatcher Margaret 1 2 Thompson EP The Poverty of Theory A pobreza da teoria 1 totalitarismo 1 2 3 Touraine Alain 1 trabalhomão de obra ameaça ao capitalismo 12 divisão espacial do 1 2 34 5 6 7 divisão internacional do 1 23 4 5 6 7 8 9 10 1112 13 1415 16 1718 efeito da desindustrialização 12 Los Angeles 1 23 modernização 1 polarização 1 reserva de 12 3 sindicatos 1 2 3 4 5 67 8 tendências contemporâneas 12 transferência de valor 12 em três centros industriais americanos 12 3 urbanização e 1 23 valor no tempo 12 ver também classe trabalhadora transferência de valor 1 23 transparência ilusão de 1 23 transportes 1 2 Trótski Leon 1 2 Tudo que é sólido desmancha no ar Berman 12 Turner Frederic Jackson 1 Unequal Exchange Troca desigual Emmanuel 1 Uneven Development O desenvolvimento desigual Smith 1 23 The Urban Question A questão urbana Castells 1 2 urbanização 1 23 4 Cidade Capitalista Industrial Competitiva 12 Cidade Capitalista do Monopólio Empresarial 12 Cidade Mercantil 12 crescimentoevolução 1 2 3 4 5 debate sobre a especificidade 12 O direito à cidade 1 2 des e recentralização 12 Giddens sobre a 1 23 Lefebvre e a 12 3 45 planejamento 12 3 4 5 67 8 9 10 précapitalista 1 problemática espacial 12 reestruturação 12 regiões agrícolas e 12 Sistema Urbano Administrativo pelo Estado 12 3 subúrbios 1 2 34 56 78 teóricos da 1 trabalho e 12 visão marxista 12 34 Urry John 1 2 3 e S Lash The End of Organized Capitalism 1 URSS organização espacial da 1 utopia 12 Walker Richard 1 2 Wallerstein Immanuel 1 2 3 4 5 6 7 8 Ways of Seeing Maneiras de ver Berger 1 Weber Max 1 2 3 4 5 67 Williams Raymond Keywords Palavraschave 1 Título original Postmodern Geographies The reassertion of space in critical social theory Tradução autorizada da segunda edição inglesa publicada em 1990 por VersoNew Left Books de Londres Inglaterra Copyright 1989 Edward W Soja Copyright 1993 da edição em língua portuguesa Jorge Zahar Editor Ltda rua Marquês de S Vicente 99 1º 22451041 Rio de Janeiro RJ tel 21 25294750 fax 21 25294787 editorazaharcombr wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Edição digital janeiro 2013 ISBN 9788537810248 Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros
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EDWARD W SOJA GEOGRAFIAS PÓSMODERNAS A REAFIRMAÇÃO DO ESPAÇO NA TEORIA SOCIAL CRÍTICA EDWARD W SOJA Geografias PósModernas A reafirmação do espaço na teoria social crítica Tradução VERA RIBEIRO Revisão técnica BERTHA BECKER Livredocente professora titular do Departamento de Geografia UFRJ LIA MACHADO Doutora Professora adjunta do Departamento de Geografia UFRJ S U M Á R I O PREFÁCIO E PÓSESCRITO capitalista uma conjugação macrospectiva da periodicidade e da espacialização induzida pela sobrevivência bemsucedida das sociedades capitalistas ao longo dos últimos duzentos anos Mais uma vez o objetivo é descortinar e explorar um ponto de vista crítico que aflui marcantemente da vibrante interação da sucessão temporal com a simultaneidade espacial As geografias pósmodernas e pósfordistas são definidas como os produtos mais recentes de uma série de espacialidades que podem ser complexamente correlacionadas com eras sucessivas de desenvolvimento capitalista Faço uma adaptação da teoria das ondas longas da obra de Ernest Mandel Eric Hobsbawm David Gordon e outros como um subtexto espaçotemporal revelador mediante o qual podese interpretar a geografia histórica das cidades regiões Estados e da economia mundial As espacializações de base mais empírica dos três últimos ensaios são reproduzidas e explicadas de maneira diferente nos dois primeiros capítulos que situam outras geografias pósmodernas na esteira de uma profunda reestruturação da teoria e do discurso sociais críticos modernos Apropriandome de discernimentos de Michel Foucault John Berger Fredric Jameson Ernest Mandel e Henri Lefebvre tento espacializar a narrativa convencional recompondo a história intelectual da teoria social crítica em torno da dialética evolutiva de espaço tempo e ser social geografia história e sociedade No primeiro capítulo a subordinação de uma hermenêutica espacial é rastreada até as origens do historicismo no século XIX e ao consequente desenvolvimento do marxismo ocidental e da ciência social crítica uma história periodicizada pelas mudanças dramáticas na conceituação e na vivência da modernidade O mesmo ritmo que agita a geografia macrohistórica das cidades e regiões capitalistas induzido pela crise é visto em seu reflexo na história da consciência teóricocrítica criando uma sequência interligada de regimes de pensamento crítico que segue aproximadamente os mesmos blocos de meio século que marcaram as fases da cambiante economia política do capitalismo desde a era da revolução o primeiro de quatro períodos marcantes de reestruturação e modernização O período de meados do século XIX articulandose em torno dos eventos de grande projeção de 184851 foi a era clássica do capitalismo industrial competitivo Foi também uma fase em que a historicidade e a espacialidade estiveram em relativo equilíbrio como fontes da consciência emancipatória quer se traçasse o pensamento crítico através das perspectivas do socialismo francês quer da economia política inglesa ou da filosofia idealista alemã A contestação da geografia específica do capitalismo industrial de suas estruturas espaciais e territoriais foi uma parte vital das críticas radicais e dos movimentos sociais regionais que emergiram durante esse período assim como a reforma dessa geografia tornouse um importante objetivo instrumental para os novos Estados burgueses entrincheirados da Europa e da América do Norte Após a queda da Comuna de Paris entretanto as críticas explicitamente espaciais radicais e liberais começaram a recuar em relação a afirmações eurocêntricas mais poderosas da subjetividade revolucionária do tempo e da história As últimas décadas do século XIX examinadas em retrospectiva podem ser vistas como uma era de crescente historicismo e de submersão concomitante do espaço no pensamento social crítico A crítica socialista consolidouse em torno do materialismo histórico de Marx enquanto uma mescla de influências comtianas e neokantianas reformulou a filosofia social liberal e provocou a formação de novas ciências sociais igualmente decididas a compreender o desenvolvimento do capitalismo como um processo histórico e apenas acidentalmente geográfico Essa ascensão de um historicismo desespacializante que só agora começa a ser reconhecida e examinada coincidiu com a segunda modernização do capitalismo e com a instauração de uma era de oligopólio imperialista e empresarial Tamanho foi o sucesso com que ela ocluiu desvalorizou e despolitizou o espaço como objeto do discurso social crítico que até mesmo a possibilidade de uma praxis espacial emancipatória desapareceu do horizonte por quase um século Pouca coisa mudou no tocante à primazia teórica da história em relação à geografia durante a terceira modernização do capitalismo e a era subsequente de fordismo e administração estatal burocrática que se estendeu aproximadamente desde a Revolução Russa até o fim dos anos sessenta A obsessão do século XIX com o tempo e a história como a denominaria Foucault continuou a enquadrar o pensamento crítico moderno O primeiro capítulo começa e termina com a observação sintetizadora de Foucault O espaço foi tratado como o morto o fixo o não dialético o imóvel O tempo ao contrário foi a riqueza a fecundidade a vida e a dialética Pequenos remoinhos de vívida imaginação geográfica sobreviveram fora das correntes principais do marxismoleninismo e da ciência social positivista mas eram difíceis de compreender e permaneceram decididamente periféricos No fim da década de 1960 entretanto com a instalação de uma quarta modernização induzida pela crise essa longa tradição crítica moderna começou a se alterar Tanto o marxismo ocidental quanto a ciência social crítica pareceram explodir em fragmentos mais heterogêneos perdendo grande parte de suas desconjuntadas coesões e centralidades E ao nos aproximarmos de outro fin de siècle têm surgido movimentos alternativos modernos para competir pelo controle dos perigos e das possibilidades emergentes num mundo contemporâneo reestruturado Embora ainda sejam termos controvertidos e confusos repletos de conotações díspares e amiúde depreciativas a pósmodernidade a pósmodernização e o pós modernismo parecem agora ser meios apropriados de descrever essa reestruturação cultural política e teórica contemporânea bem como de destacar a reafirmação do espaço que está complexamente entremeada com ela Inicialmente desconfiado de uma pressa excessiva na corrida para o pós brinquei por um momento com a ideia de criar um novo periódico chamado Antipost3 para combater não apenas o pósmodernismo como também a gama multiplicativa de outros ismos prefixados por pós desde o pósindustrialismo até o pósestruturalismo Agora como se evidencia por meu compromisso com o título estou mais à vontade com o rótulo epitético de pósmoderno e com seu anúncio intencional de uma transição possivelmente marcante no pensamento crítico e na vida material Continuo a encarar o período atual primordialmente como outra reestruturação ampla e profunda da modernidade e não como uma ruptura completa e uma substituição de todo o pensamento progressista pósIluminismo como proclamam alguns que se autodenominam de pós modernistas mas a quem melhor seria descrever provavelmente como antimodernistas Também compreendo o arisco antagonismo da esquerda moderna ao neoconservadorismo atualmente predominante e à obscurante extravagância da maioria dos movimentos pósmodernos Mas estou convencido de que se perde um número excessivamente grande de oportunidades ao descartar o pósmodernismo como irremediavelmente reacionário O desafio político da esquerda pósmoderna tal como o vejo requer em primeiro lugar o reconhecimento e a interpretação convincente da drástica e amiúde atordoante quarta modernização do capitalismo que vem ocorrendo na atualidade Tornase cada vez mais claro que essa reestruturação profunda não pode ser compreendida prática e politicamente apenas com os instrumentos e o discernimento convencionais do marxismo moderno ou da ciência social radical Isso não significa que esses instrumentos e esse discernimento precisem ser abandonados como se apressaram a fazer muitos dos que antes estavam na esquerda moderna Em vez disso eles devem ser flexível e adaptativamente reestruturados para lidar de maneira mais eficaz com um capitalismo contemporâneo que por sua vez vem sendo mais flexível e adaptativamente reconstituído A política reacionária pósmoderna do reaganismo e do thatcherismo por exemplo deve ser diretamente confrontada com uma política pósmoderna esclarecida de resistência e desmistificação uma política que possa rasgar os enganosos véus ideológicos que hoje reificam e obscurecem de novas e diferentes maneiras os instrumentos da exploração de classes da dominação sexual e racial da desautorização cultural e pessoal e da degradação do meio ambiente Os debates sobre os perigos e as possibilidades da pósmodernidade devem receber adesão e não ser abandonados pois o que está em jogo é a construção tanto da história quanto da geografia Não proponho elaborar aqui um programa político pósmoderno radical Mas quero efetivamente certificarme de que esse projeto como quer que venha a se configurar seja conscientemente espacializado desde o começo Devemos estar insistentemente cientes de como é possível fazer com que o espaço esconda de nós as consequências de como as relações de poder e disciplina se inscrevem na espacialidade aparentemente inocente da vida social e de como as geografias humanas tornamse repletas de política e de ideologia Cada um destes nove ensaios por conseguinte pode ser lido como uma tentativa de espacialização como um esforço posfaciado de compor uma nova geografia humana crítica um materialismo histórico e geográfico sintonizado com os desafios políticos e teóricos contemporâneos A crítica direta do historicismo sem tropeçar numa antihistória simplista é um avanço necessário nessa espacialização do pensamento crítico e da ação política Os quatro primeiros ensaios viram pelo avesso a imponente tapeçaria do historicismo de modo a rastrear a submersão e a eventual reafirmação do espaço na teoria crítica social através do encontro crescente entre as disciplinas e os discursos do marxismo moderno e da geografia moderna A geografia nitidamente marxista que acabou por emergir desse encontro bem como os marxismos franceses que tão influentemente moldaram os debates teóricos recebem uma atenção especial pois alimentaram quase que sozinhos um discurso crítico em que o espaço teve importância em que a geografia humana não ficou inteiramente subordinada à imaginação histórica Nos capítulos 3 e 4 volto os olhos para meus textos anteriores sobre a dialética socioespacial a especificidade teórica do urbano e o papel vital do desenvolvimento geograficamente desigual na sobrevivência do capitalismo Esses três temas constituíram trampolins importantes para a reafirmação do espaço na teoria crítica social mediante a espacialização de conceitos e modos de análise marxistas fundamentais Isoladamente porém esses capítulos talvez se afigurem um tanto superficiais pois dependem quase que inteiramente da persuasão lógica e da argumentação teórica afirmativa revestidas da linguagem retórica de um marxismo bastante convencional Os três últimos ensaios tentam dar maior substância empírica e interpretativa a esses argumentos enquanto os dois primeiros ajudam a explicar suas origens históricas e seu desenvolvimento Nos capítulos 5 e 6 entretanto tomo outro caminho de reforço e demonstração que aprofunda as vinculações retroativas que vão da argumentação teórica para o campo mais abstrato da ontologia Sob muitos aspectos esses capítulos intermediários são cruciais para toda a coletânea de ensaios Também eles podem ser lidos em primeiro lugar para proporcionar uma introdução diferente A reafirmação do espaço e a interpretação das geografias pósmodernas não são apenas um foco de investigação empírica atendendo à demanda de uma atenção crescente para com a forma espacial na pesquisa social concreta e na prática política esclarecida Tampouco a reafirmação do espaço é simplesmente uma recomposição metafórica da teoria social uma espacialização linguística superficial que dê à geografia uma aparência de ter tanta importância teórica quanto a história Levar o espaço a sério exige uma desconstrução e uma reconstituição muito mais profundas do pensamento e da análise críticos em todos os níveis de abstração inclusive a ontologia Sobretudo a ontologia talvez por ser nesse nível fundamental de discussão existencial que as distorções desespacializantes do historicismo se ancoram com mais firmeza O capítulo 5 inicia a desconstrução ontológica com algumas observações de um Nicos Poulantzas espacialmente redespertado ecoando Lefebvre e Foucault acerca das ilusões de espaço e tempo que caracterizaram a história do marxismo ocidental De especial importância é a conceituação poulantziana da matriz espacial do Estado e da sociedade como sendo simultaneamente o pressuposto e a encarnação das relações de produção um arcabouço material primordial e não um simples modo de representação Levo essas observações mais adiante afirmando que duas ilusões persistentes dominaram a tal ponto os modos ocidentais de encarar o espaço que bloquearam da interrogação crítica uma terceira geografia interpretativa a que reconhece a espacialidade como sendo simultaneamente lá vem essa palavra outra vez um produto ou resultado social e uma força ou meio que modela a vida social o discernimento crucial tanto para a dialética socioespacial quanto para o materialismo históricogeográfico A ilusão da opacidade reifica o espaço induzindo a uma miopia que enxerga apenas uma materialidade superficial formas concretizadas que são passíveis de pouco mais do que a mensuração e a descrição fenomênica fixas mortas e não dialéticas a cartografia cartesiana da ciência espacial Por outro lado a ilusão da transparência desmaterializa o espaço em ideação e representação puras num modo de pensar intuitivo que também nos impede de ver a construção social das geografias afetivas e a concretização das relações sociais inserida na espacialidade numa interpretação do espaço como uma abstração concreta num hieróglifo social semelhante à conceituação marxista da forma mercadoria Os filósofos e os geógrafos há séculos têm tendido a oscilar entre essas duas ilusões deformadoras obscurecendo dualisticamente da visão a construção problemática e imbuída de poder das geografias a espacialização envolvente e instrumental da sociedade Romper com esse duplo vínculo implica uma luta ontológica pela restauração da espacialidade existencial significativa do ser e da consciência humana pela composição de uma ontologia social em que o espaço tenha importância desde o mais remoto começo Empenhome nessa luta primeiro mediante uma reavaliação crítica das ontologias temporalmente distorcidas de Sartre e Heidegger os dois teorizadores mais influentes do ser no século XX e depois no capítulo 6 mediante uma análise e uma extensão da ontologia social reformulada da estruturação espaçotemporal que vem sendo desenvolvida por Anthony Giddens Tomando Giddens por base podese ver com mais clareza uma topologia espacial existencialmente estruturada e um topos ligado ao sernomundo uma contextualização primordial do ser social numa geografia multiestratificada de regiões nodais socialmente criadas e diferenciadas alojadas em muitas escalas diferentes em torno dos espaços pessoais móveis do corpo humano e nos locais comunitários mais fixos dos assentamentos humanos Essa espacialidade ontológica situa o sujeito humano de uma vez por todas numa geografia formativa e provoca a necessidade de uma reconceituação radical da epistemologia da construção teórica e da análise empírica A construção de uma ontologia espacializada é tanto uma viagem de exploração e descoberta geográficas quanto o são os ensaios sobre Los Angeles ou as tentativas de revelar os silêncios críticos do historicismo Ela ajuda a completar um mapa introdutório e indicativo da coletânea de ensaios definindo seu alcance mapeando seu campo interpretativo e identificando algumas das vias a serem percorridas O quadro conjunto ainda está incompleto pois ainda resta muito a descobrir e explorar na reafirmação contemporânea do espaço na teoria social muito mais a caminhar para que possamos ter certeza do impacto e das implicações das Geografias Pósmodernas A despeito do expediente divertido de combinar um pósescrito com um prefácio quero absterme de fazer outras reflexões restritivas e autocríticas sobre o produto final e em vez disso encerrar com alguns agradecimentos necessários Primeiro cabeme expressar minha dívida para com aqueles que optei por apresentar como pioneiros das geografias pós modernas Michel Foucault John Berger Ernest Mandel Fredric Jameson Marshall Berman Nicos Poulantzas Anthony Giddens David Harvey e em especial Henri Lefebvre cujo insistente e inspirador senso de espacialidade fizeram com que eu me sentisse menos solitário durante a última década Essas personalidades nunca se descreveram como geógrafos pós modernos mas creio que o são e procuro explicar porquê apropriandome seletivamente de suas descobertas Uma vez que todos os nove ensaios se baseiam em parte em minha obra já publicada devo também agradecer aos editores e organizadores dos seguintes livros e publicações por me permitirem extrair excertos e reescrever livremente New Models in Geography org de R Peet e N Thrift Allen Unwin por partes dos capítulos 1 e 2 Annals of the Association of American Geographers e Antipode pela maior parte dos capítulos 3 e 4 Social Relations and Spatial Structures org de D Gregory e J Urry Macmillan Education Ltd e St Martins Press pela primeira metade do capítulo 5 Environment and Planning A pela primeira metade do capítulo 6 Environment and Planning D Society and Space pela metade regional do capítulo 7 e por quase todo o capítulo 9 e Economic Geography e The Capitalist City org de M Smith e J Feagin Basil Blackwell por boa parte do capítulo 8 A íntegra das referências pode ser encontrada na bibliografia Somente à Universidade da Califórnia em Los Angeles é que tenho de agradecer o financiamento de minhas pesquisas e meus textos dos últimos dez anos e mais ainda a manutenção de um ambiente acadêmico singularmente estimulante dentro e em torno da Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano Meus colegas e alunos do Programa de Planejamento Urbano foram especialmente incentivadores e tolerantes arrastandome de volta à realidade prática todas as vezes que eu me aventurava longe demais pelos campos da abstração espacial Costis Hadjimichalis Rebecca Morales Goetz Wolff Allan Heskin Marco Cenzatti e Allen Scott foram coautores de alguns dos artigos que recompus seletivamente nesta coletânea de ensaios e tirei imenso proveito da agudeza editorial das ideias estimulantes e das palavras de incentivo de Mike Davis e Margaret FitzSimmons Sou grato a todos por suas contribuições Finalmente quero agradecer a Maureen a mais prática insistente e constante realista de todos Ninguém ficou mais satisfeito do que ela com a conclusão deste livro 1 Duração extensão temporal Referência ao conceito elaborado pelo historiador francês Fernand Braudel e difundido pela corrente historiográfica conhecida como École des Annales NR 2 Jorge Luis Borges O Aleph trad de Flávio José Cardozo Rio Globo 1986 6ª ed pp 13233 NT 3 Uma alusão à revista Antipode periódico dos geógrafos radicais norteamericanos da qual o autor tem sido colaborador eventual além de membro do corpo editorial NR A grande obsessão do século XIX foi como sabemos a história com seus temas de desenvolvimento e suspensão escrito e não escrito o móvel o fixo o não circunstancial o índice e a dialética Foucault 1980 70 bastante para mudar significativamente a paisagem material do mundo contemporâneo e o campo interpretativo da teoria crítica É chegado o momento portanto ao menos de uma primeira rodada de avaliação receptiva desses dois contextos cambiantes da história e da geografia da modernidade e da pósmodernidade um concretamente impresso no tecido empírico da vida contemporânea a geografia pósmoderna do mundo material e o outro ziguezagueando pelas maneiras como damos sentido prático e político ao presente ao passado e ao futuro potencial a geografia pósmoderna da consciência social crítica Neste capítulo de abertura pretendo traçar um percurso reconfigurativo através da história intelectual da teoria crítica social desde o último fin de siècle até o presente destacando a narrativa oculta que instigou a reafirmação contemporânea do espaço Minha intenção não é apagar a hermenêutica histórica mas abrir e recompor o território da imaginação histórica através de uma espacialização crítica Como se evidenciará em cada um dos capítulos seguintes essa reafirmação do espaço na teoria crítica social é um exercício de desconstrução e de reconstituição Não pode ser executado simplesmente em se juntando pontos espaciais realçados a perspectivas críticas herdadas e depois recostando numa poltrona para observar como eles brilham com convicção lógica Primeiro é preciso afrouxar a gravata de um historicismo ainda viciador A tarefa narrativa é eficazmente descrita por Terry Eagleton em Against the Grain A contragosto 1986 80 Desconstruir portanto é reinscrever e ressituar as significações os acontecimentos e os objetos em movimento e estruturas mais amplos é por assim dizer virar pelo avesso a tapeçaria imponente para expor em todo o seu confuso emaranhamento desprovido de qualquer glamour os fios que compõem a próspera imagem que ela expõe ao mundo LOCALIZANDO AS ORIGENS DAS GEOGRAFIAS PÓSMODERNAS As primeiras vozes insistentes da geografia crítica humana pósmoderna surgiram no fim dos anos sessenta porém mal se fizeram ouvir no alarido temporal vigente Por mais de uma década o projeto espacializante continuou estranhamente emudecido pela reafirmação tranquila da primazia da história sobre a geografia que abarcava tanto o marxismo ocidental quanto a ciência social liberal numa visão praticamente santificada do passado eternamente cumulativo Um dos quadros mais abrangentes e convincentes dessa contextualização continuamente histórica foi traçado por C Wright Mills em seu retrato modelar da imaginação sociológica Mills 1959 O trabalho de Mills oferece um proveitoso ponto de partida para a espacialização da narrativa histórica e a reinterpretação do curso da teoria crítica social A espacialidade silenciada do historicismo Mills mapeia uma imaginação sociológica profundamente enraizada numa racionalidade histórica o que Martin Jay 1984 chamaria de totalização longitudinal que se aplica igualmente bem à ciência social crítica e às tradições críticas do marxismo A imaginação sociológica é uma qualidade mental que ajuda os indivíduos a usarem a informação e desenvolverem o raciocínio de modo a chegarem a sumários lúcidos do que está ocorrendo no mundo e do que pode estar acontecendo dentro deles 1959 11 O primeiro fruto dessa imaginação e as primeiras lições da ciência social que o incorpora consistem na ideia de que o indivíduo só é capaz de compreender sua própria experiência e aferir seu próprio destino ao se situar dentro de seu período de que ele só pode conhecer suas próprias oportunidades na vida ao se conscientizar das de todos os indivíduos em sua situação Temos conhecimento de que todo indivíduo vive de geração em geração em alguma sociedade de que vive uma biografia e de que a vive dentro de alguma sequência histórica Pelo fato de viver ele contribui da mais ínfima maneira que seja para a conformação dessa sociedade e para o curso da história ao mesmo tempo que é feito pela sociedade e por seus avanços e empurrões históricos 12 E ele vai adiante A imaginação sociológica nos permite apreender a história e a biografia e as relações entre ambas na sociedade Essa é sua tarefa e sua promessa Reconhecer essa tarefa e essa promessa é a marca do analista social clássico Nenhum estudo social que não retorne aos problemas da biografia da história e de suas interseções na sociedade completa sua jornada intelectual Ibid grifo nosso Recorro à descrição de Mills do que é essencialmente a imaginação histórica para ilustrar a lógica atraente do historicismo a redução racional do sentido e da ação à constituição e à experiência temporais do ser social Essa ligação entre a imaginação histórica e o historicismo requer uma elaboração adicional Primeiramente existe a questão mais simples de determinar por que sociológico transmudouse em histórico Como assinala o próprio Mills todo sapateiro acha que o couro é tudo e como sociólogo treinado Mills nomeia seu couro segundo sua própria especialização e socialização disciplinares A escolha nominal especifica pessoalmente o que é uma qualidade mental muito mais amplamente compartida que Mills alega que deve permear ou a rigor incorporar toda a teoria e análise sociais uma racionalidade emancipatória fundamentada nas interseções da história da biografia e da sociedade Sem dúvida essas histórias de vida têm também uma geografia têm ambientes locais imediatos e localizações provocativas que afetam o pensamento e a ação A imaginação histórica nunca é completamente desprovida de espaço e os historiadores sociais críticos escreveram e continuam a escrever algumas das melhores geografias do passado Mas são sempre o tempo e a história que fornecem os continentes variáveis primordiais nessas geografias Isso parece igualmente claro quer a orientação crítica seja descrita como sociológica quer como política ou antropológica ou a rigor fenomenológica existencial hermenêutica ou materialista histórica As ênfases específicas podem diferir mas a perspectiva geral é compartilhada Uma geografia já pronta prepara o cenário enquanto a construção intencional da história dita a ação e define o roteiro É importante frisar que essa imaginação histórica tem sido particularmente central na teoria social crítica na busca de uma compreensão prática do mundo como meio de emancipação em contraste com a manutenção do status quo As teorias sociais que meramente racionalizam as condições existentes e com isso servem para promover o comportamento repetitivo a reprodução contínua das práticas sociais aceitas não se enquadram na definição da teoria crítica Podem não ser menos precisas no tocante àquilo que descrevem mas sua racionalidade ou irracionalidade a rigor tende a ser mecânica normativa científica ou instrumental em vez de crítica Foi justamente o valor crítico e potencialmente emancipatório da imaginação histórica de pessoas que fazem a história em vez de presumila como certa que a tornou tão compulsivamente atraente A constante reafirmação de que o mundo pode ser modificado pela ação humana pela práxis sempre foi o eixo central da teoria social crítica sejam quais forem sua fonte e sua ênfase particularizadas O desenvolvimento da teoria social crítica girou em torno da afirmação de uma história mutável em oposição a perspectivas e práticas que mistificam a mutabilidade do mundo O discurso histórico crítico se coloca portanto contra as universalizações abstratas e transistóricas inclusive as noções de uma natureza humana geral que explica tudo e nada ao mesmo tempo contra os naturalismos os empirismos e os positivismos que proclamam as determinações físicas da história separadas das origens sociais contra os fatalismos religiosos e ideológicos que projetam determinações e teleologias espirituais mesmo quando são transmitidos revestindose da consciência humana e contra toda e qualquer conceituação do mundo que congele a frangibilidade do tempo a possibilidade de se quebrar e refazer a história Tanto o atraente discernimento crítico da imaginação histórica quanto sua necessidade contínua de ser vigorosamente defendida contra as mistificações desvirtuadores contribuíram para a sua asserção exagerada como historicismo O historicismo tem sido convencionalmente definido de muitas maneiras diferentes Em Keywords Palavraschave de Raymond Williams 1983 por exemplo apresentamse três alternativas contemporâneas que ele descreve como 1 neutro método de estudo que usa fatos do passado para rastrear os antecedentes dos acontecimentos atuais 2 deliberado ênfase nas condições e contextos históricos variáveis como estrutura privilegiada para a interpretação de todos os eventos específicos e 3 hostil um ataque a todas as interpretações e previsões baseadas em noções de necessidade histórica ou em leis gerais do desenvolvimento histórico Quero dar um toque adicional a essas opções definindo o historicismo como uma contextualização histórica hiperdesenvolvida da vida social e da teoria social que obscurece e periferaliza ativamente a imaginação geográfica ou espacial Essa definição não nega o poder e a importância extraordinários da historiografia como modalidade de discernimento emancipatório mas identifica o historicismo com a criação de um silêncio crítico com uma subordinação implícita do espaço ao tempo que tolda as interpretações geográficas da mutabilidade do mundo social e se intromete em todos os níveis do discurso teórico desde os mais abstratos conceitos ontológicos do ser até as explicações mais detalhadas dos acontecimentos empíricos Essa definição talvez se afigure muito estranha quando comparada à longa tradição de debate acerca do historicismo que floresceu durante séculos4 A incapacidade desse debate de reconhecer a singular periferalização teórica do espaço que acompanhou até as formas mais neutras do historicismo entretanto foi justamente o que começou a ser descoberto no fim dos anos sessenta nos titubeantes primórdios do que denominei de geografia humana crítica pósmoderna Já nessa ocasião as correntes principais do pensamento social crítico tinhamse tornado tão cegas para o espaço que as mais vigorosas reafirmações do espaço em contraposição ao tempo da geografia em contraposição à história surtiram pouco efeito A disciplina acadêmica da geografia moderna àquela altura fora imobilizada em termos teóricos e pouco contribuiu para essas primeiras reafirmações E quando alguns dos mais influentes críticos sociais da época davam uma guinada espacial ousada isso não apenas costumava ser visto pelos não convertidos como algo inteiramente diferente mas os próprios executores da virada preferiam muitas vezes abafar suas críticas ao historicismo a fim de serem minimamente compreendidos Somente algumas vozes particularmente vigorosas ressoaram através do historicismo ainda hegemônico dos últimos vinte anos tornandose pioneiras do desenvolvimento da geografia pósmoderna A mais persistente insistente e coerente dessas vozes espacializadoras pertenceu ao filósofo marxista francês Henri Lefebvre Sua teorização crítica da produção social do espaço irá entremearse com todos os capítulos subsequentes Aqui no entanto pretendo fazer excertos e fornecer uma imagem dos projetos espacializantes de outros dois teóricos críticos Michel Foucault e John Berger cujas geografias pós modernas assertivas foram basicamente ocultadas da visão por sua identificação mais cômoda e mais conhecida como historiadores A ambivalente espacialidade de Michel Foucault As contribuições de Foucault para o desenvolvimento da geografia humana crítica devem ser arqueologicamente desencavadas pois ele enterrou sua virada espacial precursora em brilhantes volteios de discernimento histórico Sem dúvida ele resistiria a ser chamado de geógrafo pósmoderno mas o foi malgré lui5 desde a História da loucura na idade clássica 1961 até suas últimas obras sobre a História da sexualidade 1978 Suas observações mais explícitas e reveladoras sobre a importância relativa do espaço e do tempo entretanto aparecem não em suas grandes obras publicadas mas sim de maneira quase inócua em suas palestras e após algumas indagações persuasivas em duas entrevistas reveladoras Questions on Geography Perguntas sobre geografia Foucault 1980 e Space Knowledge and Power Espaço saber e poder Rabinow 1984 ver também Wright e Rabinow 1982 As memoráveis observações que encabeçam este capítulo por exemplo foram inicialmente feitas numa palestra de 1967 intitulada Des espaces autres6 Permaneceram praticamente não vistas e não ouvidas por quase vinte anos até sua publicação no periódico francês ArchitectureMouvementContinuité em 1984 e traduzidas por Jay Miskowiec como Of Other Spaces em Diacritics 1986 Nessas anotações de aula Foucault destacou sua noção de heterotopias como sendo os espaços característicos do mundo moderno substituindo o hierárquico conjunto de lugares da Idade Média e o envolvente espaço de localização inaugurado por Galileu e infinitamente desdobrado no espaço de extensão e medida do moderno primitivo Afastandose do espaço interno da brilhante poética de Bachelard 1969 e das descrições regionais intencionais dos fenomenologistas Foucault concentrou nossa atenção numa outra espacialidade da vida social num espaço externo o espaço efetivamente vivido e socialmente produzido dos locais e das relações entre eles O espaço em que vivemos que nos retira de nós mesmos no qual ocorre o desgaste de nossa vida nossa época e nossa história o espaço que nos dilacera e corrói é também em si mesmo um espaço heterogêneo Em outras palavras não vivemos numa espécie de vazio dentro do qual possamos situar indivíduos e coisas Não vivemos num vazio passível de ser colorido por matizes variados de luz mas num conjunto de relações que delineia localizações irredutíveis umas às outras e absolutamente não superponíveis entre si 1986 23 Esses espaços heterogêneos de localizações e relações as heterotopias de Foucault são constituídos em todas as sociedades mas assumem formas muito variadas e se modificam ao longo do tempo à medida que a história se desdobra em sua espacialidade inerente Foucault identifica muitos desses locais o cemitério e a igreja o teatro e o jardim o museu e a biblioteca a feira e a cidade das férias o quartel e a prisão o hammam muçulmano e a sauna escandinava o bordel e a colônia Ele contrasta esses lugares reais com os espaços fundamentalmente irreais das utopias que apresentam a sociedade numa forma aperfeiçoada ou virada de cabeça para baixo A heterotopia é capaz de superpor num único lugar real diversos espaços diversos locais que em si são incompatíveis eles têm uma função em relação a todo o espaço restante Essa função se desdobra entre dois pólos extremos Ou seu papel consiste em criar um espaço de ilusão que expõe todos os espaços reais todos os lugares em que se divide a vida humana como ainda mais ilusórios Ou então ao contrário seu papel consiste em criar um espaço outro um outro espaço real tão perfeito meticuloso e bem disposto quanto o nosso é desarrumado mal construído e confuso Este último tipo seria a heterotopia não da ilusão mas da compensação e me pergunto se algumas colônias não terão funcionado um pouco dessa maneira 1986 25 27 Com esses comentários Foucault expôs muitos dos instigantes rumos que iria tomar no trabalho de sua vida inteira e indiretamente levantou um poderoso argumento contra o historicismo e contra as abordagens vigentes do espaço nas ciências humanas O espaço heterogêneo e relacional das heterotopias de Foucault não é nem um vazio desprovido de substância a ser preenchido pela intuição cognitiva nem um repositório de formas físicas a ser fenomenologicamente descrito em toda a sua resplandecente variabilidade Tratase de um espaço outro daquilo que Lefebvre descreveria como lespace vécu a espacialidade efetivamente vivida e socialmente criada simultaneamente concreta e abstrata a contextura das práticas sociais É um espaço raramente visto pois tem sido obscurecido por uma visão bifocal que tradicionalmente encara o espaço como um constructo mental ou como uma forma física uma ilusão dual que discuto mais detalhadamente no capítulo 5 Para ilustrar sua interpretação inovadora do espaço e do tempo e para esclarecer algumas das polêmicas amiúde confusas que vinham surgindo em torno dela Foucault se voltou para os debates então corriqueiros sobre o estruturalismo uma das mais importantes vias do século XX para a reafirmação do espaço na teoria social crítica Foucault insistiu vigorosamente em que ele próprio não era apenas um estruturalista mas reconhecia no desenvolvimento do estruturalismo uma visão diferente e instigante da história e da geografia uma reorientação crítica que estava vinculando o espaço e o tempo de maneiras novas e reveladoras O estruturalismo ou pelo menos aquilo que se reúne sob essa denominação um tanto genérica demais é o esforço de estabelecer entre elementos que poderiam ligarse num eixo temporal um conjunto de relações que faz com que eles apareçam justapostos contrabalançados uns com os outros em suma como uma espécie de configuração Na verdade o estruturalismo não implica uma negação do tempo implica uma certa maneira de lidar com o que chamamos tempo e com o que chamamos história 1986 22 Essa configuração sincrônica é a espacialização da história a feitura da história entremeada com a produção social do espaço a estruturação de uma geografia histórica7 Foucault se recusou a projetar sua espacialização como uma antihistória mas sua história foi provocadoramente espacializada desde o começo Isso não constituiu uma simples mudança de preferência metafórica como frequentemente parecia acontecer com Althusser e outros que estavam mais à vontade com o rótulo de estruturalistas do que Foucault Tratou se da abertura da história para uma geografia interpretativa No intuito de enfatizar o caráter central do espaço para o olhar crítico especialmente no tocante ao momento contemporâneo Foucault tornouse sumamente explícito Seja como for creio que a angústia de nossa era está fundamentalmente relacionada com o espaço sem dúvida muito mais do que com o tempo Provavelmente o tempo se nos afigura como sendo apenas uma das várias operações distributivas possíveis dos elementos dispostos no espaço Ibid 23 Ele nunca voltaria a ser tão explícito A espacialização de Foucault assumiu uma postura mais demonstrativa do que declaratória talvez confiando em que ao menos os franceses compreendessem a intenção e a importância de sua historiografia admiravelmente espacializada Numa entrevista realizada pouco antes de sua morte Rabinow 1984 Foucault rememorou sua exploração Dos espaços outros8 e as reações enfurecidas que ela provocou naqueles que ele certa vez identificara como os fiéis descendentes do tempo Ao lhe indagarem se o espaço era central para a análise do poder respondeu Sim O espaço é fundamental em qualquer forma de vida comunitária o espaço é fundamental em qualquer exercício do poder Fazendo uma observação entre parênteses lembrome de ter sido convidado por um grupo de arquitetos em 1966 para fazer um estudo do espaço de algo que na época eu chamava de heterotopias esses espaços singulares encontrados em determinados espaços sociais cujas funções são diferentes ou até opostas a outras Os arquitetos trabalharam nisso e ao final do estudo ergueuse uma voz de um psicólogo sartreano que me bombardeou dizendo que o espaço era reacionário e capitalista mas a história e o devir eram revolucionários Esse discurso absurdo não era nada incomum nessa ocasião Hoje em dia todos se contorceriam em gargalhadas diante de um pronunciamento desses mas não naquela época Em meio às gargalhadas atuais ainda não tão difundidas e convulsivas quanto Foucault presumiu que seriam é possível olhar para trás e ver que Foucault explorou persistentemente aquilo a que chamou interseção fatal entre o tempo e o espaço do primeiro ao último de seus textos E o fez como só agora começamos a perceber imbuído da perspectiva emergente de uma geografia humana crítica póshistoricista e pósmoderna Poucos conseguiram enxergar a geografia de Foucault entretanto uma vez que ele nunca deixou de ser historiador nunca rompeu seu compromisso com a identidade mestra do moderno pensamento crítico Ser rotulado de geógrafo era uma maldição intelectual uma associação aviltante com uma disciplina acadêmica tão distanciada das grandes matrizes da teoria social e da filosofia modernas que se afigurava fora do âmbito da importância crítica Foucault teve de ser persuadido a reconhecer sua vinculação formativa com a perspectiva espacial do geógrafo a admitir que a geografia sempre estivera no cerne de suas preocupações Esse reconhecimento retrospectivo surgiu numa entrevista com os editores do periódico francês de geografia radical intitulado Herodote e foi publicado em inglês como Perguntas sobre Geografia em PowerKnowledge Foucault 1980 Nessa entrevista Foucault se estendeu sobre as observações que fizera em 1967 mas só depois de ser impelido a fazê lo pelos entrevistadores A princípio Foucault ficou surpreso e irritado quando seus entrevistadores lhe perguntaram por que havia silenciado tanto sobre a importância da geografia e da espacialidade em suas obras a despeito da utilização profusa de metáforas geográficas e espaciais Os entrevistadores lhe sugeriram Se a geografia fica invisível ou não apreendida na área de suas explorações e escavações talvez isso se deva à abordagem deliberadamente histórica ou arqueológica que privilegia o fator tempo Assim encontrase em sua obra uma preocupação rigorosa com a periodização que contrasta com o caráter vago de suas demarcações espaciais Foucault reagiu imediatamente através do desvio e da inversão devolvendo a seus entrevistadores a responsabilidade pela geografia embora recordasse os críticos que o censuravam por sua obsessão metafórica com o espaço Após mais algumas perguntas entretanto admitiu outra vez que o espaço fora desvalorizado durante gerações pelos filósofos e pelos críticos sociais reafirmou a espacialidade intrínseca do podersaber e terminou com uma meiavolta Gostei dessa discussão com vocês por ter mudado de ideia desde que começamos Devo admitir que achei que vocês estavam exigindo um lugar para a geografia como os professores que protestam quando se propõe uma reforma educacional por haver um corte no número de horas para as ciências naturais ou a música Agora percebo que os problemas que vocês me estão formulando sobre a geografia são problemas cruciais para mim A geografia funcionou como o esteio a condição de possibilidade da passagem entre uma série de fatores que tentei relacionar No que concerne à geografia em si deixei a questão em suspenso ou estabeleci uma série de ligações arbitrárias A geografia deve estar realmente no cerne de meus interesses Foucault 1980 77 Aqui a argumentação de Foucault toma um novo rumo indo de um simples olhar para outros espaços ao questionamento das origens dessa desvalorização do espaço que tem prevalecido por gerações É nesse ponto que ele tece o comentário anteriormente citado sobre a abordagem pósbergsoniana do espaço como passivo e sem vida e do tempo como riqueza Para todos os que confundem a história com os antigos esquemas da evolução da continuidade da vida do desenvolvimento orgânico do progresso da consciência ou do projeto existencial o emprego de termos especiais parece ter um ar de antihistória vividamente a necessidade de uma narrativa explicitamente espacializada O primeiro desses argumentos geográficos positivamente pósmodernos baseiase no reconhecimento de uma profunda reestruturação da vida contemporânea induzida pela crise que resulta em modificações significativas na aparência das coisas e se me é lícito continuar a recorrer aos títulos do cativante livro de Berger em nossas maneiras de ver 1972 Essa reestruturação para Berger implica uma recomposição fundamental do modo de narração decorrente de uma nova consciência de que devemos levar em conta a simultaneidade e a extensão dos acontecimentos e das possibilidades para dar sentido ao que vemos Já não podemos depender de um fio narrativo que se desdobre sequencialmente de uma história em eterna acumulação que marche diretamente em frente na trama e no desenlace pois há coisas demais acontecendo contra o contexto temporal coisas demais atravessando continuamente o fio narrativo em direção lateral Um retrato contemporâneo já não dirige nosso olhar apenas para uma linhagem majestosa para evocações de herança e tradição Há uma intervenção de simultaneidades que estendem nosso ponto de vista para fora num número infinito de linhas que ligam o sujeito a um mundo inteiro de situações comparáveis complicando o fluxo temporal do sentido e instaurando um curtocircuito no fabuloso desfiar de uma maldita coisa após outra O novo o inédito deve agora envolver uma configuração e uma projeção explicitamente geográficas além de históricas Para explicar porque isso ocorre Berger situa astutamente a narrativa reestruturada num contexto e numa consciência disseminados do desenvolvimento geograficamente desigual numa constelação de linhas e numa fotografia de superfícies que ligam toda a história e as estórias a uma horizontalidade formadora da atenção que se estende por toda parte em seu poder sua indivisibilidade sua exploração e sua desigualdade Nossa urgente conscientização do desenvolvimento geograficamente desigual e o sentimento revigorado de nossa responsabilidade política pessoal por ele como um produto coletivamente criado por nós espacializa o momento contemporâneo e revela o discernimento a ser extraído de uma compreensão mais profunda da crise contemporânea e da reestruturação da literatura e da ciência de nossa vida cotidiana e da situação dos homens e mulheres tal como são no mundo inteiro em toda a sua desigualdade Repito mais uma vez a provocante conclusão de Berger a profecia implica agora uma projeção mais geográfica do que histórica é o espaço e não o tempo que nos oculta as consequências Que afirmação acabrunhante para os que só enxergam através das lentes do tempo Brotando do reconhecimento de uma profunda reestruturação da vida contemporânea e de uma consciência explícita do desenvolvimento geograficamente e não apenas historicamente desigual há um extraordinário apelo por uma nova perspectiva crítica por um modo diferente de ver o mundo no qual a geografia não somente tem importância como fornece a mais reveladora perspectiva crítica Antes de tirarmos conclusões prematuras entretanto não nos esqueçamos de que essa espacialização do pensamento crítico não tem que projetar uma antihistória simplista Tal como acontece em Foucault a reafirmação do espaço na teoria social crítica não requer a subordinação antagônica do tempo e da história uma substituição e uma reposição simplistas Ela constitui ao contrário a convocação a um equilíbrio interpretativo adequado entre o espaço o tempo e o ser social ou aquilo que agora é possível denominar mais explicitamente de criação das geografias humanas construção da história e constituição da sociedade Afirmar que no contexto contemporâneo é o espaço e não o tempo que esconde de nós as consequências é por conseguinte tanto um reconhecimento implícito de que a história foi até hoje aceita como o modo privilegiado da revelação e do discurso críticos quanto a argumentação de que essa posição privilegiada na medida em que bloqueou da visão a importância crucial da espacialidade da vida social já não é adequada É o predomínio de um historicismo do pensamento crítico que se questiona e não a importância da história Quase como que invertendo por completo a imaginação sociológica de Mills Berger observa que qualquer narrativa contemporânea que ignore a urgência da dimensão espacial é incompleta e adquire o caráter supersimplificado de uma fábula Assim Berger se alia a Foucault para nos impelir rumo a uma reestruturação significativa e necessária do pensamento social crítico a uma recomposição que nos faculte enxergar com mais clareza a influência longamente ocultada das geografias humanas em particular as espacializações abrangentes e encarcerantes da vida social que estiveram associadas ao desenvolvimento histórico do capitalismo A trilha de Berger continua a descortinar novas maneiras de ver a arte e a estética os retratos e as paisagens os pintores e os camponeses no passado um dia e no presente aqui Para cristalizar e expandir esses campos espaciais de discernimento e para ligar ainda mais vigorosa e explicitamente a geografia humana crítica pós moderna à espacialidade instrumental do capitalismo é preciso reingressar na narrativa histórica num lugar e numa escala diferentes A DESCONSTRUÇÃO E A RECONSTITUIÇÃO DA MODERNIDADE Em All That is Solid Melts Into Air The Experience of Modernity Tudo que é sólido desmancha no ar a experiência da modernidade 1982 Marshall Berman explora as múltiplas reconfigurações da vida social que caracterizaram a geografia Desde aproximadamente 1880 até a deflagração da I Guerra Mundial uma série de mudanças radicais na tecnologia e na cultura criou modos novos e distintos de pensar sobre o tempo e o espaço e de vivenciálos social mutável e conflitante em que tudo parece estar repleto de seu oposto em que tudo o que um dia se presumiu ser sólido desmancha no ar descrição que Berman retira de Marx e apresenta como um aspecto essencial da experiência vital da modernidadeemtransição A modernização pode ser diretamente vinculada aos muitos processos objetivos diferentes de mudança estrutural que foram associados à capacidade do capitalismo de se desenvolver e sobreviver de reproduzir com êxito suas relações sociais fundamentais de produção e suas divisões características do trabalho a despeito das tendências endógenas para crises debilitadoras Essa associação definitória entre a modernização e a sobrevivência do capitalismo é crucial pois é demasiadamente comum os analistas da modernidade extraírem a mudança social de suas origens sociais nos modos de produção encenando a história em modelagens evolutivas idealizadas Vista por essas perspectivas a mudança parece simplesmente acontecer numa marcha cadenciada da modernidade que substitui a tradição numa teleologia mecânica do progresso A modernização não é inteiramente produto de alguma lógica determinante intrínseca do capitalismo nem tampouco é uma idealização desarraigada e inelutável da história A modernização tal como a vejo aqui é um processo contínuo de reestruturação societária periodicamente acelerado para produzir uma recomposição significativa do espaçotemposer em suas formas concretas uma mudança da natureza e da experiência da modernidade que decorre primordialmente da dinâmica histórica e geográfica dos modos de produção Nos últimos quatrocentos anos essa dinâmica foi predominantemente capitalista tal como o foram a própria natureza e experiência da modernidade durante esse período A modernização como todos os processos sociais desenvolvese desigualmente no tempo e no espaço e desse modo inscreve geografias históricas bem diferentes nas diferentes formações sociais regionais Algumas vezes no entanto no passado em contínua acumulação ela se tornou sistemicamente sincrônica afetando simultaneamente todas as sociedades predominantemente capitalistas Essa sincronização tem pontuado a geografia histórica do capitalismo pelo menos desde o início do século XIX com um macrorritmo cada vez mais reconhecível uma periodicidade ondular de crise e reestruturação societárias que só agora começamos a compreender em todas as suas ramificações Talvez o primeiro desses períodos prolongados de crise e reestruturação globais tenhase estendido pelo que Hobsbawm denominou de era da revolução e atingido seu auge nos anos turbulentos de 1830 a 184851 As décadas seguintes foram uma época de expansão capitalista explosiva na produção industrial no crescimento urbano e no comércio internacional de florescimento de um regime clássico competitivo e empresarial de acumulação de capital e regulamentação social Durante as três últimas décadas do século XIX porém a explosão transformouse basicamente em fracasso para os países capitalistas então mais avançados à medida que a Longa Depressão como foi chamada acentuou a necessidade de outra reestruturação e modernização urgentes de um novo arranjo para um capitalismo permanentemente viciado na crise A mesma sequência em altos e baixos de uma reestruturação induzida pela crise que leva a um surto expansionista e depois a outra crise e outra reestruturação marcou a primeira metade do século XX com a Grande Depressão ecoando os conflitantes declínios passados do sistema inteiro e dando início à transição de um regime característico de acumulação para outro E como agora parece cada vez mais claro a segunda metade do século XX seguiu uma trajetória geral similar com um prolongado período expansionista subsequente à II Guerra Mundial e uma fase ainda em curso repleta de crises e de tentativas de modernização e reestruturação que vãonos levando ao próximo fin de siècle O ritmo tem sido insistente marcando o compasso no que se poderia descrever como sendo pelo menos quatro modernizações metamórficas do capitalismo desde a década de 1830 até os dias atuais As análises mais rigorosas e reveladoras desse macrorritmo da geografia histórica do capitalismo carregado de crise foram feitas por Ernest Mandel 1976 1978 1980 Mandel é particularmente eficaz ao ligar a periodicidade da modernização intensificada a uma série de reestrutrações geográficas similarmente caracterizadas pela tentativa de recuperar as condições de sustentação da acumulação capitalista lucrativa e do controle da mão de obra Essa periodizaçãoregionalização mandeliana do processo de modernização desempenha um papel importante no desenvolvimento e interpretação das geografias pósmodernas Berman também descreve com muito discernimento os traços característicos que moldam essas modernizações periodicamente intensificadas Ele apresenta o seguinte rol de forças materiais que contribuem para a reestruturação da experiência de modernidade como um sentimento coletivo dos perigos e possibilidades do contemporâneo a industrialização da produção que transforma o conhecimento científico em tecnologia cria novos ambientes e destrói os antigos acelera todo o ritmo da vida e gera novas formas de poder empresarial e luta de classes as imensas revoluções demográficas que afastam milhões de pessoas de seus habitats ancestrais lançandoas por meio mundo em direção a vidas novas o crescimento urbano rápido e muitas vezes cataclísmico os sistemas de comunicação de massa de desenvolvimento dinâmico que envolvem e unem os mais diversos povos e sociedades os Estados nacionais cada vez mais poderosos burocraticamente estruturados e operados em luta constante pela expansão de seus poderes os movimentos sociais de massa do povo e dos povos contestando seus dirigentes políticos e econômicos e lutando por obter o controle de suas vidas por fim conduzindo e impulsionando todas essas pessoas e instituições o mercado mundial capitalista em permanente expansão e drasticamente oscilante Berman 1982 16 Esse catálogo impressionante delineia vividamente a criatividade destrutiva que tem estado tão estreitamente associada à modernização e à sobrevivência do capitalismo nos dois últimos séculos Hoje em dia com algumas variações está sendo repetido mais uma vez A reestruturação e a modernização pontuam não apenas a história e a geografia concretas do desenvolvimento capitalista como marcam também o curso mutável da teoria social crítica O estabelecimento dessa ligação entre a economia política do mundo empírico e o mundo da teoria levanos à conceituação do modernismo em Berman Em seu sentido mais amplo o modernismo é a resposta cultural ideológica reflexiva e acrescentaria eu formadora de teoria à modernização Abrange um conjunto heterogêneo de visões subjetivas e programas de ação estratégicos na arte na literatura na ciência na filosofia e na prática política desencadeados pela desintegração de uma ordem estabelecida herdada e pela consciência das possibilidades e perigos projetados de um momento ou conjuntura contemporâneos reestruturados O modernismo é essencialmente uma formação reativa um movimento social conjuntural mobilizado para enfrentar a desafiadora questão do que se deve fazer agora dado que o contexto do contemporâneo se modificou significativamente Tratase portanto da consciência formadora de cultura programática e situada da modernidade Todas as eras de modernização acelerada foram um campo de cultura fértil para poderosos novos modernismos que emergiram em quase todos os campos do discurso e da criatividade De especial interesse para a presente narrativa são dois movimentos modernistas que emergiram por volta da virada do século XIX definindo campos separados e competitivos de teorização social crítica um centralizado na tradição marxista e outro na ciência social mais naturalista e positivista Como outros movimentos modernistas do fin de siècle eles emergiram inicialmente como movimentos de vanguarda rebeldemente criativos que questionavam suas ortodoxias herdadas com um novo sentimento do que se deveria fazer Para os tradicionalistas da época encerrados em estruturas e estrituras mais antigas de modernidade os movimentos de vanguarda pareciam habitar um mundo diferente uma modernidade alternativa uma identidade pósmoderna no sentido de que já não era confinável dentro das tradições herdadas e estabelecidas O marxismo leninista foi um dos movimentos modernistas mais bemsucedidos durante a virada do século uma reestruturação revigorante e vanguardista do materialismo históricosocialismo científico tanto na teoria quanto na prática um marxismo modernizado que alterou significativamente o mundo Ao lado de muitos outros movimentos modernistas de sucesso o marxismoleninismo consolidou suas vitórias na parte do mundo em que gerou mudanças mais expressivas Também enfrentou resolutamente as grandes crises de meados do século representadas pela Grande Depressão e pela II Guerra Mundial e passou à segunda metade do século XX tão tremendamente entrincheirado que não mais podia ser descrito como vanguardista O novo envelheceu e a vanguarda se transformou na velha guarda hegemônica rígida e situacionista Esse processo histórico de enrijecimento no cerne do marxismo do século XX cindiu o movimento tanto geograficamente quanto em suas abordagens da teoria e da prática Uma corrente oriental mais conservadora e diligentemente pragmática desviou a crítica e a inovação teóricas para o que veio a ser chamado de marxismo ocidental suficientemente distante das ortodoxias centrais do marxismoleninismo para se distinguir dele mas próximo demais para representar um movimento moderno autônomo por si só9 Foi dessa corrente periférica do marxismo ocidental que a reafirmação do espaço e a crítica do historicismo acabaram por emergir Despontando em parte como uma reação à reestruturação do marxismo houve uma consolidação das ciências sociais ocidentais modernas ou do ponto de vista marxista burguesas uma divisão intelectual do trabalho muito mais compartimentalizada e fragmentada do que a que brotou da modernização da tradição marxista Ainda assim houve algumas semelhanças notáveis Ambas emergiram das lutas intelectuais políticas e institucionais que se desenvolveram no fim do século XIX como reinterpretações rivalizantes do melhor modo de teorizar e de induzir a mudanças progressivas na moderna ordem social exatamente como Marx e Comte haviam tentado fazer em resposta ao término da era de revolução anterior depois da primeira modernização sistêmica do capitalismo As ciências sociais também desenvolveram uma divisão interna entre uma tradição nuclear cada vez mais ortodoxa e hegemônica predominantemente baseada numa apropriação instrumental e cada vez mais positivista dos métodos da ciência natural na análise e na teorização sociais e um cotejo de variantes críticas que exerciam uma pressão constante contra o enrijecimento disciplinar a fragmentação e o cientificismo Essa ciência social crítica tinha duas outras características em comum com o marxismo ocidental um interesse emancipatório no poder da consciência humana e da vontade social para romper todos os cerceamentos exógenos e uma inscrição crítica desse poder social e dessa subjetividade potencialmente revolucionária na construção da história em modalidades históricas de explicação e interpretação confrontação e crítica10 O fin de siècle trouxe consigo portanto uma cultura recomposta do tempo e do espaço e uma teoria social crítica bifurcada imbuída em suas duas variações principais de uma imaginação histórica revigorada O que nossas histórias acumuladas da consciência teórica não nos dizem entretanto é que os modernismos que celebraram essa imaginação histórica A subordinada do espaço na teoria social 18801920 Uma cultura e uma consciência nitidamente diferentes do espaço do tempo e da modernidade emergiram nas décadas precedentes e subsequentes ao final do século XIX Embora a experiência efetivamente vivida possa não ter induzido a essa priorização lógica em todos os níveis do discurso filosófico e teórico desde a ontologia e epistemologia até a explicação dos acontecimentos empíricos e a interpretação das práticas sociais específicas a imaginação histórica pareceu estar apagando a uma resolutivamente a sensibilidade para a relevância crítica das geografias humanas No fim desse período a ascendência de um novo enfoque teórico havia chegado a tal ponto que a possibilidade de uma geografia histórica crítica passou a se afirmar inconscientemente na abstenção anárquica para carregados marxistas ocidentais e cientistas sociais críticos Nas ciências sociais críticas a modernização foi concebida em torno de um ritmo e uma racionalização históricos ao menos superficialmente semelhantes iniciados com as origens do capitalismo e a Revolução Industrial e que atravessaram outra transição problemática no fim do século XIX Recompondo algumas das mesmas fontes inspiradoras do marxismo ocidental desde Kant e Hegel até o próprio Marx a ciência social crítica definiu esta última transição caracteristicamente como a passagem conclusiva e categórica da Tradição para a Modernidade da Gemeinschaft para a Gesellschaft da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica Para os grandes teorizadores a Modernidade com M maiúsculo havia realmente chegado para o que desse e viesse Acima de tudo ela exigia ser entendida como o referencial teórico e político predominante no plano doméstico e no exterior O que os marxistas encaravam como a ascensão do imperialismo através da internacionalização do capital financeiro os cientistas sociais críticos começaram a interpretar como a difusão retardada do desenvolvimento como modernidade capitalista nas partes subdesenvolvidas tradicionais e ainda não plenamente modernizadas do mundo Também nisso havia uma visão primordialmente eurocêntrica que ligava a modernização em toda parte à dinâmica histórica do capitalismo industrial europeu ao que Foucault descreveu como a ameaçadora glaciação do mundo Mas enquanto a teorização marxista da história mantinha um foco crítico singular a ciência social traduziu seu historicismo crítico em muitas versões diferentes no individualismo metodológico de Max Weber na sociologia da consciência coletiva de Émile Durkheim no ceticismo neokantiano de Georg Simmel e na fenomenologia intencional de Edmund Husserl Em todas essas abordagens alguma atenção era dada à geografia humana e ao desenvolvimento geograficamente desigual da sociedade mas essa geografia da modernidade permanecia essencialmente como um apêndice um espelho que refletia a modernização societária Enquanto as duas correntes da teoria social crítica travavam uma batalha pela interpretação adequada da história os movimentos modernos nucleares do marxismoleninismo e do cientificismo social positivista empenharamse mais pragmaticamente em modificála Cada qual se aglutinou em torno de uma resposta diferente à reestruturação do capitalismo do fin de siècle criando programas hegemônicos de progresso social que iriam moldar as culturas políticas do mundo ao longo de todo o século XX O movimento marxista moderno baseouse numa estratégia socialista revolucionária de ação vanguardista e numa territorialidade controlada da luta de classes estratégia essa que no devido tempo seria reforçada com êxito pelos acontecimentos da Rússia Uma ciência social igualmente instrumental e oportunista dedicouse às possibilidades de uma reforma cientificamente planejada primordialmente sob a égide do Estado capitalista liberal mão visível do norteamento social que também seria quase que imediatamente reforçada pelas reformas bemsucedidas do liberalismo da era progressista e de maneira mais ambígua do socialismo liberal associado à ascensão das socialdemocracias europeias Esses dois movimentos modernos contemporâneos viriam a ser abalados pela crise e pela dúvida em suas esferas de influência distintas durante a Grande Depressão e a II Guerra Mundial mas emergiriam refortalecidos reestruturados e ainda mais antagonicamente hegemônicos nos anos cinquenta O argumento principal que pretendo estabelecer nesta descrição reconhecidamente genérica e abreviada da modernização e do modernismo é não apenas que a espacialidade ficou subordinada na teoria social crítica mas que a instrumentalidade do espaço foi cada vez mais perdida de vista no discurso político e prático No fin de siècle ampliado a política e a ideologia embutidas na construção social das geografias humanas bem como o papel crucialmente importante desempenhado pela manipulação dessas geografias na reestruturação do capitalismo no fim do século XIX e em sua expansão no começo do século XX pareceram tornarse invisíveis ou cada vez mais mistificadas na esquerda na direita e no centro Escondido na modernidade que se ia moldando estava um profundo arranjo espacial Em todas as escalas de vida da global à local a organização espacial da sociedade foi sendo reestruturada para fazer frente às exigências urgentes do capitalismo em crise para abrir novas oportunidades de lucros extraordinários descobrir novas maneiras de manter o controle social e estimular produção e consumo crescentes Isso não constituiu um fenômeno repentino nem tampouco devemos encarálo como conspiratorial totalmente bemsucedido ou inteiramente despercebido pelos que o vivenciaram Muitos dos movimentos de vanguarda do fin de siècle na poesia e na pintura na redação de romances e na crítica literária na arquitetura e no que então representava o planejamento urbano e regional progressista intuíram com perspicácia a instrumentalidade do espaço e os efeitos disciplinadores da geografia cambiante do capitalismo Mas dentro dos campos consolidadores e codificadores da ciência social e do socialismo científico um historicismo persistente tendeu a obscurecer essa espacialização insidiosa deixandoa quase inteiramente fora do âmbito da interrogação crítica pelos cinquenta anos seguintes Por que isso aconteceu não é fácil responder Como aconteceu é algo que só agora começa a ser descoberto e explorado com algum detalhe Parte da história da submersão do espaço na teoria social do início do século XX se relaciona provavelmente com a rejeição teórica explícita da causalidade ambiental e de todas as explicações físicas ou externas dos processos sociais e da formação da consciência humana A sociedade e a história estavam sendo separadas da natureza e ingenuamente providas de ambientes que lhes conferissem o que se poderia chamar de relativa autonomia do social em relação ao espacial Impedida de ver a produção do espaço como um processo social enraizado na mesma problemática da construção da história a teoria social crítica tendeu a projetar a geografia humana no pano de fundo físico da sociedade assim permitindo que seu poderoso efeito de estruturação fosse jogado fora juntamente com a água suja de um determinismo A geografia se instalou dentro do dicionário da moderna divisória acadêmica do trabalho numa posição que racionalizava suas divisões tanto das disciplinas especializadas e substanciais das ciências naturais e humanas em que supostamente esta originava a teoria quanto à história sua parceira pretensamente equivalente no preenchimento da circunferência completa de nossa percepção no dizer de Kant A geografia e a história eram maneiras de pensar esquemas subjetivos que coordenavam e integravam todos os fenômenos sentidos Na década de 1920 entretanto a colocação dos fenômenos numa sequência temporal o nacheinander de Kant se havia tornado muito mais significativa e reveladora para toda sorte de teóricos sociais do que sua colocação lado a lado no espaço o nebeneinander de Kant especialmente através da Agência de Serviços Estratégicos progenitora da CIA existindo ainda hoje o cargo de Geógrafo no Departamento de Estado em reconhecimento por serviços dedicados e disciplinados Sem exagero indevido o geógrafo radical francês Yves Lacoste um dos que entrevistaram Foucault sobre a geografia intitulou seu livro sobre esse campo de La Géographie ça sert dabord à faire la guerre12 Lacoste 1976 Dada essa vinculação com o Estado não surpreende que o subcampo da geografia política tenha gerado as mais ativas tentativas de teorização A noção de Sir Halford Mackinder de um Coração eurasiano como sendo o pivô geográfico da história 1904 assim como sua participação ativa na reformulação do traçado do mapa da Europa depois da I Guerra Mundial ver Mackinder 1919 estabeleceram e legitimaram a geopolítica como o foco prático e teórico primordial da geografia humana Essa centralidade perduraria nos anos do entreguerras pelo menos até que o episódio aberrante da Geopolitik alemã fizesse os geógrafos não fascistas pensarem duas vezes antes de se aventurarem longe demais no âmbito da construção da teoria política Com sua teorização levando mais uma vez as sobras a geografia humana como um todo retirou se para o clima mais ameno da mera descrição enquanto a geografia política se converteu no que alguns chamaram de recanto moribundo da disciplina Refugiada em seu casulo neokantiano a explicação das geografias humanas assumiu várias formas diferentes Uma delas enfatizou a antiga tradição ambiental homemterra e buscou associações entre as geografias física e humana na paisagem visível quer através das influências do meio ambiente no comportamento e na cultura quer através do papel do homem na modificação da face da terra Thomas 1956 Outra concentrouse nos padrões de localização de fenômenos topicamente organizados para refletir os compartimentos estabelecidos da moderna ciência social Isso definiu campos especializados de geografia econômica política social cultural e muito depois comportamental ou psicológica mas não poderseia acrescentar uma geografia baseada na economia política Uma terceira abordagem visou a sintetizar tudo o que era visível através de uma regionalização abrangente e tipicamente enciclopédica dos fenômenos abordagem esta considerada pela maioria dos geógrafos de meados do século como sendo a essência distintiva da disciplina Por fim uma geografia histórica perpassou livremente todas essas três abordagens trilhando as geografias humanas do passado como uma sequenciação temporal da diferenciação por áreas e se refestelando na legitimidade e no poder intelectuais da imaginação histórica Caracterizando cada uma dessas formas de análise geográfica desde a mais trivialmente empírica até a mais perspicazmente histórica houve a explicação das geografias pelas geografias a análise geográfica voltada para ela mesma a descrição de efeitos conjuntos derivados de processos cuja teorização mais profunda ficava a cargo de terceiros Enquanto se dava essa involução as correntes principais do marxismo ocidental e da ciência social crítica perderam o contato com a imaginação geográfica Houve alguns pequenos bolsões de análise e teorização geográficas instigantes que sobreviveram durante essa passividade espacial de meados do século na ecologia urbana evolutiva da Escola de Chicago nas doutrinas de planejamento urbano e regional consolidadas nos anos do entreguerras ver Friedmann e Weaver 1979 e Weaver 1984 na historiografia regional e na atenção para com os detalhes ambientais da escola francesa dos Annales que deu continuidade às tradições de Vidal de la Blache entre alguns historiadores norteamericanos e britânicos ainda inspirados em Frederic Jackson Turner e outros teóricos das frentes pioneiras ou nas teorias marxistas do imperialismo e na obra de Antonio Gramsci sobre a questão regional os movimentos sociais locais e o Estado capitalista Na maioria dos casos entretanto o que se manteve vivo nesses bolsões residuais foi a imaginação geográfica retraída do fin de siècle prolongado Relativamente poucas novidades foram acrescentadas depois do início dos anos trinta e até os remanescentes preservados do passado foram encerrados num historicismo crescente e aprisionante que consignou sua geografia ao pano de fundo do discurso social crítico De qualquer modo quase todos esses bolsões residuais iriam perder impacto e importância durante a Grande Depressão e os anos da guerra de modo que em 1960 seu discernimento especificamente geográfico era apenas obscuramente perceptível Nesse ponto com a recuperação do pósguerra e a expansão econômica progredindo a pleno vapor em todo o mundo capitalista avançado e socialista a desespacialização da teoria social pareceu atingir seu auge A imaginação geográfica fora criticamente silenciada A disciplina da geografia moderna estava teoricamente adormecida Desvendando a virada espacial do marxismo ocidental Escreveuse muito pouco até agora sobre a desespacialização da teoria social antes dos anos sessenta Os sons do silêncio são difíceis de captar Os trabalhos de Perry Anderson 1976 1980 1983 entretanto oferecem um excelente levantamento crítico do marxismo ocidental fazendo quase que inadvertidamente uma crônica da perda da consciência espacial no marxismo dominante depois da Revolução Russa e ao mesmo tempo preparando o terreno também sem ter necessariamente a intenção de fazêlo para compreendermos como e por que a espacialidade pertinente da vida social começou a ser redescoberta no fim da década de 1960 Para encerrar este capítulo e introduzir o próximo usarei a obra de Anderson para localizar as origens do que eventualmente viria a se converter num encontro animado e produtivo entre o marxismo ocidental e a geografia moderna De 1918 a 1968 afirma Anderson cristalizouse uma nova teoria marxista pósclássica para reorientar as interpretações materialistas históricas do que denominei de modernidade modernização e modernismo Essa reteorização foi desigualmente desenvolvida em termos geográficos encontrando suas primeiras pátrias na França na Itália e na Alemanha sociedades em que o movimento trabalhista era suficientemente forte para constituir uma verdadeira ameaça revolucionária ao capital 1983 15 Na GrãBretanha e nos Estados Unidos não se evidenciava nenhum desafio revolucionário dessa natureza enquanto no Oriente um rígido economicismo stalinista dava pouca margem ao redirecionamento e à reinterpretação Para Anderson os fundadores dessa contracorrente foram Lukács Korsch e Gramsci enquanto seguindo sua trilha havia as figuras mais modernas de Sartre e Althusser na França de Adorno Benjamin Marcuse e outros associados à Escola de Frankfurt na Alemanha e de Della Volpe e Colletti na Itália Esse movimento latinizado e frankfurtizado deslocou o terreno institucional e intelectual da teoria marxista enraizandoo mais do que em qualquer época anterior nos departamentos e centros de pesquisa universitários bem como num interesse reemergente no discurso filosófico nas questões de método na crítica da cultura burguesa e em temas como a arte a estética e a ideologia que estavam abrigados nos campos classicamente desprezados da superestrutura do capitalismo Os temas infraestruturais mais tradicionais relacionados com o funcionamento interno do processo do trabalho as lutas no local de trabalho em torno das relações sociais de produção e as leis do movimento do desenvolvimento capitalista tenderam a receber uma atenção relativamente menor O mesmo se aplicou a temas mais convencionalmente políticos e acrescentaria eu geográficos tais como a organização da economia mundial a estrutura do Estado capitalista e o sentido e função da identidade nacional embora nesse aspecto mesmo os teóricos clássicos também fossem frequentemente descuidados Para Anderson o marxismo parecia estar retrocedendo da economia passando pela política para se concentrar na filosofia invertendo o caminho consumado percorrido por Marx A compreensão filosófica do mundo tivera precedência sobre sua modificação Nos anos setenta porém essa grandiosa tradição marxista ocidental havia chegado ao fim e estava sendo substituída por outro tipo de cultura marxista primordialmente orientada justamente para as questões de ordem econômica social ou política que haviam faltado em seus predecessores 1983 20 Esse marxismo ocidental reestruturado também assumiu uma geografia diferente passando a centrarse no mundo de língua inglesa e não na Europa germânica ou latina Como resultado as zonas tradicionalmente mais atrasadas do mundo capitalista segundo a cultura marxista repentinamente se tornaram sob muitos aspectos as mais avançadas ibid 24 In the Tracks of Historical Materialism Na trilha do materialismo histórico de Anderson 1983 critica suas obras anteriores e suas projeções exitosas e não tão bemsucedidas do destino desse marxismo reestruturado com seu novo gosto pelo concreto e sua geografia recentrada13 Depois de um boletim introdutório pessoal sobre Previsão e Desempenho Anderson relembra e se estende em primeiro lugar sobre os debates essencialmente franceses sobre Estrutura e Sujeito que afirma terem levado à crise atual do marxismo latino passando então por uma resenha do marxismo alemão predominantemente concentrado em Habermas para elucidar os debates ainda mais desconcertantes sobre as relações mutáveis entre Natureza e História Escondida nesses capítulos entretanto há uma trama colateral que Anderson margeia mas não chega a ver um discurso pósmoderno emergente que procura não descartar o marxismo como teoria crítica mas abrilo para uma espacialização necessária e já atrasada para uma interpretação materialista da espacialidade capaz de se equiparar a seu materialismo histórico magistral Essa afirmação inicial de uma geografia humana crítica pósmoderna ficou quase inteiramente restrita à tradição marxista francesa que sempre fora mais receptiva à imaginação espacial do que seus equivalentes angloamericanos e alemães A busca de um método de Sartre em seu existencialismo crescentemente marxista e a releitura althusseriana antihistoricista de Marx foram os prétextos primordiais dessa espacialização gaulesa A ontologia fenomenológica marxisficada 14 de Sartre representou uma hermenêutica centrada na subjetividade na intencionalidade e na consciência de agentes humanos cognoscíveis empenhados não somente em fazer a história mas também em moldar a cultura política da vida cotidiana na moderna sociedade capitalista O estruturalismo de Althusser em contraste enfatizou as condições e as forças sociais mais objetivas que moldam a lógica subjacente do desenvolvimento e da modernização capitalistas Cada qual contribuiu para a canalização do marxismo francês do pósguerra para duas correntes discordantes cindidas por visões opostas da relação estruturasujeito mas ambas singularmente abertas para a possibilidade de espacialização A crise do marxismo francês que Anderson descreve pesarosamente como um massacre dos ancestrais foi uma crise de desilusão que explodiu o marxismo francês numa multiplicidade de fragmentos obliterando as ortodoxias do passado imediato e mais distante15 Confrontado com essa heterogeneidade sem precedentes com estilhaços voando por toda parte inclusive afastamentos completamente antagônicos do marxismo Anderson chorou a perda sintomática da fé Sartre se voltaria em seus últimos anos de vida para um neoanarquismo radical e Althusser e Poulantzas para lamentações exasperadas sobre a ausência de uma teoria da política e do Estado no materialismo histórico O diabólico e também neo anarquista Foucault ao lado de Derrida e muitos outros diluiria e reduziria o marxismo ainda mais na opinião de Anderson promovendo uma contagiosa aleatorização da história e celebrando a superioridade triunfante de uma episteme pósestruturalista e por implicação pósmarxista Com esplêndida ironia entretanto Anderson descobre uma expressiva exceção nesse declínio vertiginoso do marxismo francês Nenhuma mudança intelectual jamais é universal Ao menos uma exceção sumamente honrosa se destaca nas mudanças generalizadas de posição dos anos atuais O mais velho sobrevivente da tradição marxista ocidental que discuti Henri Lefebvre não se curvou nem se desviou em sua oitava década de vida continuando a produzir uma obra imperturbável e original sobre temas tipicamente ignorados por boa parte da esquerda O preço dessa constância entretanto foi o relativo isolamento 1983 20 Lefebvre é descoberto ao que parece vindo de lugar nenhum Anderson lhe dá pouca atenção em suas obras anteriores e pouco mais é mencionado a seu respeito na discussão sobre o declínio contemporâneo do marxismo francês Que houve de tão sumamente honroso de constância excepcional e de originalidade imperturbável nos trabalhos de Lefebvre Sugiro que este personagem talvez o menos conhecido e mais mal interpretado dentre as grandes figuras do marxismo do século XX foi acima de tudo e de todos a origem da geografia humana crítica pósmoderna a fonte primordial do ataque ao historicismo e da reafirmação do espaço na teoria social crítica Sua constância abriu caminho para uma multiplicidade de outras tentativas de espacialização desde Sartre Althusser e Foucault até Poulantzas 1978 Giddens 1979 1981 1984 Harvey 1973 1985a 1985b e Jameson 1984 E ele continua a ser ainda hoje o original e mais avançado materialista histórico e geográfico Anderson deixa escapar essa recomposição criativa do marxismo ocidental ocorrida em meio à grande desconstrução francesa que se seguiu à explosão de Nanterre em 1968 Suas interpretações de figuraschave como Sartre Althusser e Foucault descartam com excessiva pressa colocadas como recuos da política suas lutas ontológicas criativas mas não inteiramente bemsucedidas com a espacialidade do ser existencial da modernidade e do poder e ele não enxerga em absoluto a geografia marxista anglófona que Lefebvre e outros marxistas franceses contribuíram para estimular Apesar de sua interrogação sensível das tradições marxistas francófonas Anderson ainda parece aprisionado na cultura marxista historicamente centrada do mundo anglófono quando afirma que a teoria agora é história com uma seriedade e um rigor com que nunca o foi no passado assim como a história é também teoria com toda a sua exigência de um modo que antes tipicamente evitou Acrescentar e a geografia à história teria feito uma extraordinária diferença 1 Sucessão sequenciação um atrás do outro NT 2 Perdese na tradução a homofonia do original entre critical eye olho crítico e critical I eu crítico NT 3 Observese que o presente livro foi publicado nos EUA em 1989 NT 4 Ver Popper 1957 Eliade 1959 Lowith 1949 Cohen 1978 e Rorty 1980 para ter uma amostra de abordagens muito diferentes do historicismo Rorty em Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza 9 tece o interessante comentário de que a filosofia cartesianokantiana tradicional foi uma tentativa de escapar da história para descobrir as condições não históricas de qualquer acontecimento histórico possível As figuras centrais da filosofia analítica do século XX adotadas por Rorty Wittgenstein Dewey e Heidegger são então apresentadas como revigorantemente historicistas Rorty acrescenta A moral deste livro também é historicista 10 A geografia humana como é característico desaparece quase por completo nesse moderno espelhamento da natureza a não ser como um reflexo arcaico 5 A despeito de si mesmo em francês no original NT 6 Espaços outros ou Espaços diferentes NT 7 A suposta negação da história no estruturalismo desencadeou um ataque quase maníaco contra seus principais proponentes por parte dos que estavam mais rigidamente imbuídos de um historicismo emancipatório O que Foucault sugere entretanto é que o estruturalismo não consiste numa antihistória mas numa tentativa de lidar com a história de maneira diferente como uma configuração espaçotemporal simultânea e interativamente sincrônica e diacrônica para usarmos a oposição categórica convencional 8 O autor utiliza aqui o título da tradução em inglês do trabalho de Foucault NT 9 A definição precisa das fronteiras e da topografia do marxismo ocidental ainda é uma questão controvertida Minha definição é aproximadamente a mesma de Anderson 1976 no tocante ao período que vai até a década de 1960 mas se aproxima mais da de Jay 1984 a partir dessa data ou seja abrange tanto os estudiosos esquerdistas europeus continentais e angloamericanos quanto vários não marxistas autoproclamados de especial proeminência incluindo como Anderson parece relutar em fazer Michel Foucault 10 Hughes 1958 ainda fornece uma das melhores descrições da formação dessa contratradição da ciência social por volta da virada do século A ciência social crítica do século XX também imitou as teorias críticas do marxismo ocidental no sentido de se aproximar demais da corrente predominante para ser definida como um movimento modernista separado mas distinguindose dela o bastante para estabelecer suas próprias fronteiras tradição e topografia identificáveis 11 Kant ajudava a equilibrar seu orçamento lecionando geografia na Universidade de Königsberg o que fez por quase quarenta anos Deu seu curso quarenta e oito vezes lecionando com mais frequência apenas lógica e metafísica Kant encarava a geografia sobretudo a geografia física como a propedêutica do conhecimento do mundo ver May 1970 5 May inicia sua interessante exposição com outra afirmativa kantiana O ressurgimento da ciência da geografia deve criar a unidade de conhecimento sem a qual toda aprendizagem permanece apenas como um trabalho fragmentado 12 A geografia ela serve antes de mais nada para fazer a guerra NT 13 Não é geograficamente irrelevante que In the Tracks seja uma publicação das Palestras da Biblioteca Wellek proferidas por Anderson em 1982 na Universidade da Califórnia em Irvine Também é interessante observar o quanto essas palestras estiveram repletas de metáforas espaciais esplendorosas apesar de seu historicismo subjacente Anderson descreve seu trabalho como um levantamento cadastral do terreno movediço uma exploração da formação de uma nova paisagem intelectual um mapa mutante do marxismo 14 O autor utiliza o termo num sentido um pouco irônico e crítico para descrever a devotada adoção dos conceitos de K Marx por parte de alguns geógrafos convertidos ao marxismo NR 15 Ver a discussão de Lefebvre sobre Le Marxisme éclaté em Une pensée devenue monde fautil abandonner Marx Lefebvre 1980 especialmente pp 1619 ESPACIALIZAÇÕES A GEOGRAFIA MARXISTA E A TEORIA SOCIAL CRÍTICA A dialética está novamente em pauta Mas já não se trata da dialética de Marx tal como a de Marx não era a de Hegel A dialética de hoje já não exige a historicidade e o tempo histórico ou a um mecanismo temporal comum esseantesissíntese ou afirmaçãonegaçãonegação da negação Reconhecer o espaço reconhecer o que está acontecendo aí para que é usado é retornar à dialética a análise revelará as contradições do espaço Os discursos da geografia moderna e do marxismo ocidental raramente se cruzaram depois de seu período formativo no fim de siècle prolongado e crítica em relação aos modos geográficos Similarmente a geografia moderna esteve tão introvertida e fechada em seu casulo com respeito à construção da teoria social crítica e tão confinada em sua definição da geografia histórica que talvez também seja incapaz de se adaptar à reafirmação contemporânea do espaço sem uma desconstrução e uma reconstituição radicais De fato o encontro longamente adiado entre a Geografia Moderna e o marxismo ocidental agora ameaça tornarse mutuamente transformador Assim tornase particularmente importante retraçarmos as origens e o desenvolvimento da geografia marxista e trilharmos as vias redescobertas que levaram ao apelo por um materialismo históricogeográfico e à explosão pósmoderna do debate crítico sobre a teorização do espaço DESCOBRINDO AS RAÍZES A ESPACIALIDADE NA TRADIÇÃO MARXISTA FRANCESA A geografia marxista desenvolveuse primordialmente nos países anglófonos e a partir da turbulência dos anos sessenta quando praticamente todas as disciplinas das ciências sociais pareceram gerar uma orla radical redespertada As teorizações formadoras da geografia marxista entretanto foram predominantemente francófonas e refletiram a centralidade peculiar que o espaço havia reassumido nas tradições intelectuais francesas do século XX1 Uma explicação parcial para essa centralidade singular especialmente na esquerda pode ser encontrada na história do marxismo francês O marxismo na França demorou relativamente a se desenvolver se comparado à GrãBretanha à Alemanha e aos Estados Unidos Isso foi basicamente atribuído à poderosa herança do pensamento socialista francês anterior que continuou a oferecer à esquerda uma alternativa política atraente e nativa pelo século XX afora Kelly 1982 Poster 1975 Quando o marxismo francês efetivamente se expandiu na situação de empobrecimento da crise global da economia das décadas de 1920 e 1930 ele foi moldado por diversas circunstâncias nitidamente locais Por exemplo fundamentouse numa herança de teoria política e social que desde Saint Simon Fourier e Proudhon até os geógrafos anarquistas Kropotkin e Reclus continha uma ênfase sensível e persistente na política da espacialidade e do coletivismo de base territorial Weaver 1984 Embora não fossem formuladas exatamente nesses termos as estratégias políticas desses socialistas utópicos e libertários giravam em torno da necessidade de recuperar o controle social da produção do espaço de um capitalismo expansionista e de um Estado capitalista igualmente expansionista e instrumentalista O marxismo francês também cresceu com menor tendenciosidade antiespacial do que a já enraizada nos marxismos nacionais mais avançados dos outros países industrializados do Ocidente Boa parte desse antiespacialismo se originou na dupla inversão de Hegel por Marx uma reviravolta crítica a que voltarei a me referir em capítulos posteriores Ao basear a dialética hegeliana na vida material Marx não apenas reagiu ao idealismo hegeliano negando o norteamento e a determinação espirituais da história como também rejeitou sua forma espacial particularizada o Estado territorialmente definido como sendo o principal veículo espiritual da história Assim colocar a dialética hegeliana de pé foi uma negação do idealismo e uma rejeição específica do fetichismo territorial ou espacial uma hermenêutica em que a história era determinada por uma consciência espacial inatamente dada quer se concentrasse no Estado no nacionalismo cultural no regionalismo ou no coletivismo local Na dialética marxista o tempo revolucionário foi restabelecido fundamentandose sua força propulsora na consciência de classe e na luta de classes despojadas de todas as mistificações espaciais As inversões marxistas foram usadas para forçar o abandono das influências hegelianas na virada do século inclusive na Alemanha e implantaram um antiespacialismo teórico e político ameaçador A expansão inicial do marxismo na França entretanto coincidiu com um grande reflorescimento hegeliano um reinvestimento que trouxe consigo uma sensibilidade menos expurgada para a espacialidade da vida social Parece haver uma base convincente para afirmar que o marxismo francês desde o começo inclinouse mais para uma perspectiva e uma teorização espaciais explícitas do que o marxismo em outros locais2 Ao longo de todo o século XX o pensamento crítico francês qualquer que fosse sua fonte primordial preservou um discurso espacial permanente desde o cubismo e o movimento surrealista passando pelas correntes bifurcadas do estruturalismo althusseriano e do existencialismo sartreano até os debates contemporâneos pósestruturalistas e pósmodernistas Contudo essa animada imaginação geográfica raramente atravessou com sucesso a barreira linguística mesmo entre os que se baseavam mais intensamente na tradição crítica francesa Não surpreende portanto que os debates nitidamente franceses sobre a teorização do espaço raramente tenham penetrado na armadura mais historicista de outros marxismos não latinos e que sejam frequentemente omitidos por completo nos textos históricos angloamericanos sobre o marxismo francês Essa história oculta da espacialização tem sua ilustração mais aguda e volta a se tornar visível através da focalização da carreira de Henri Lefebvre cuja vida se estende agora de um fin de siècle costumase indicar 1901 como seu ano de nascimento a outro Lefebvre talvez tenha sido a figura mais influente a moldar o curso e o caráter da teoria e da filosofia marxistas francesas desde o início dos anos trinta até pelo menos o fim da década de 1950 Depois dessa data ele se tornou o mais importante teórico espacial do marxismo ocidental e o defensor mais vigoroso da reafirmação do espaço na teoria social crítica Contudo somente na década atual é que suas notáveis realizações começaram a ser plenamente reconhecidas e apreciadas na cultura marxista historicamente centrada do mundo anglófono As influências hegelianas aparecem com destaque no marxismo inicial de Lefebvre Com seu parceiro Norbert Guterman Lefebvre publicou a primeira tradução francesa de trechos fundamentais dos manuscritos econômicos e filosóficos de Marx de 1844 e numa série de antologias acompanhadas por extensas notas editoriais e discussões apresentou a uma plateia francesa muitas outras obras de Marx e Engels assim como os Cadernos filosóficos de Lênin Estes constituíam a apreciação crítica de Hegel por Lênin e a tradução de Lefebvre contribuiu significativamente para o reflorescimento hegeliano3 Em sua própria elaboração da relação HegelMarx Lefebvre procurou manter um fio de idealismo objetivo dentro da dialética marxista de modo a estimular a atenção para as contradições no pensamento e na consciência bem como para as bases materiais dessas contradições na realidade e na história concretas La Conscience mystifiée A consciência mistificada título de uma de suas primeiras obras originais propôs um tema insistente para Lefebvre e para muitos outros autores marxistas franceses4 Lefebvre aceitou explicitamente a tese de Marx sobre a primazia da vida material na produção do pensamento e da ação conscientes de que o ser social produzia a consciência e não o contrário mas se recusou a reduzir o pensamento e a consciência a determinado retoque posterior ou a uma ideação mecânica Essas ideias brotaram da ligação de Lefebvre com o movimento surrealista francês e de seu existencialismo inicial Talvez também tenham chegado tão perto de promover um equivalente francês da Escola de Frankfurt contemporânea quanto qualquer outra coisa na França durante o período entreguerras Num padrão que iria caracterizar sua obra por mais de cinquenta anos Lefebvre assumiu uma postura contrária ao reducionismo dogmático na interpretação de Marx Defendeu em vez disso um marxismo flexível aberto e cautelosamente eclético capaz de crescer e se adaptar sem um truncamento predeterminado Esse antirreducionismo transformouo no mais influente crítico precoce do economicismo stalinista através de seu texto amplamente divulgado e traduzido Le Matérialisme Dialectique O materialismo dialético originalmente publicado em 1939 trad para o inglês em 1968 uma das mais lidas introduções ao marxismo jamais escritas Posteriormente tanto o existencialismo quanto o estruturalismo 1971 receberiam a ferroada de Lefebvre através de críticas contundentes ao Sartre dos primeiros tempos e ao ascendente Althusser novamente dirigidas contra os perigos das totalizações reducionistas Ao buscar dialeticamente combinar as contradições relacionais do pensar e do ser da consciência e da vida material da superestrutura e da base econômica da objetividade e da subjetividade Lefebvre não esteve só Mas foi o primeiro a empregar essa lógica dialética reformulada para conjugar as forças e dissipar as fraquezas da fenomenologia existencial e do estruturalismo althusseriano vendo nesses dois grandes movimentos filosóficos do século XX uma oportunidade criativa para aperfeiçoar e fortalecer o marxismo rejeitando ao mesmo tempo seus traços de rigidez teórica restritivos Nos últimos trinta anos Lefebvre recorreu seletivamente a esses movimentos numa tentativa insistente de recontextualizar o marxismo na teoria e na praxis e é nessa recontextualização que podemos descobrir muitas das fontes imediatas de uma interpretação materialista da espacialidade e por conseguinte do desenvolvimento da geografia marxista e do materialismo histórico geográfico A teorização do espaço por Lefebvre não é fácil de resumir já que está inserida num número extraordinário de obras publicadas que tocam em praticamente todos os aspectos da teoria social e da filosofia Quando perscrutado acerca das origens de seu interesse na espacialidade Lefebvre aponta para a influência de sua terra natal occitânica5 e de seus frequentes retornos à região natal para observar as modificações maciças que estavam ocorrendo na terra e na vida rurais sob o selo do planejamento espacial dirigido pelo Estado6 Suas teorizações mais explícitas entretanto evoluem através de uma série do que ele denominou de aproximações de uma tese central um caminho bastante escorregadio que pareceu confundir muitos de seus seguidores e também de seus críticos A primeira aproximação assumiu a forma de uma Critique de la vie quotidienne da vida cotidiana no mundo moderno 1946b 1961 1968a que foi uma extensão de suas teses na Consciência mistificada e uma prefiguração da obra de Braudel sobre as estruturas da vida e da mentalité mentalidade cotidianas Lefebvre concentrou a atenção nos traços característicos do capitalismo modernizado que se consolidaram na virada do século no que ele chamou de sociedade burocrática de consumo controlado coreografada pelo Estado capitalista essencialmente um planejamento espacial instrumentalizado que penetrou cada vez mais nas práticas recorrentes da vida cotidiana Quando chega a ser reconhecido pelos marxistas ocidentais contemporâneos Lefebvre é lembrado acima de tudo por essa primeira aproximação inovadora Na ocasião em que concluiu sua projetada trilogia sobre a vida cotidiana Lefebvre já havia começado a reformular sua obra em torno de temas como a luta pelo controle do direito à cidade Le Droit à la ville 1968b a urbanização da consciência e o grau em que a transformação do capitalismo requeria consequentemente uma revolução urbana 1970a Entremeada com essas aproximações urbanas havia uma exploração do repetitivo versus o diferencial uma exploração dos efeitos homogeneizantes do capitalismo de sua capacidade de encobrir as diferenças ou do que os estudiosos críticos mais contemporâneos chamariam différance 1970b Como Lefebvre continuou tentando explicar sua utilização dos termos urbano e urbanismo estendeuse muito além dos confins imediatos das cidades A urbanização era uma metáfora resumida da espacialização da modernidade e do planejamento estratégico da vida cotidiana que haviam permitido ao capitalismo sobreviver reproduzir com êxito suas relações essenciais de produção Depois de reexaminar os textos de Marx sobre a cidade 1972 Lefebvre começou a articular com mais clareza sua tese central sobre a espacialidade e a reprodução social em La Survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1973 trad para o inglês 1976a e em sua obraprima La Production de lespace A produção do espaço 1974 A própria sobrevivência do capitalismo afirmou Lefebvre estava baseada na criação de uma espacialidade cada vez mais abrangente instrumental e também socialmente mistificada escondida da visão crítica sob véus espessos de ilusão e ideologia O que distinguia o gratuito véu espacial do capitalismo das espacialidades de outros modos de produção eram sua produção e reprodução peculiares de um desenvolvimento geograficamente desigual através de tendências simultâneas para a homogeneização a fragmentação e a hierarquização uma tese que se assemelhou em muitos aspectos ao discurso de Foucault sobre as heterotopias e a associação instrumental do espaço do conhecimento e do poder Esse espaço conflitivo dialetizado é onde se realiza a reprodução das relações de produção É esse espaço que produz a reprodução introduzindo nela suas contradições múltiplas Lefebvre 1976a 19 contradições que deveriam ser analítica e dialeticamente reveladas para nos permitir ver o que se esconde por trás do véu espacial Essa foi a mais vigorosa afirmação teórica e política que já se fez no marxismo ocidental sobre a importância da espacialidade e a existência de uma problemática espacial intrínseca na história do capitalismo E estava destinada a ser ignorada ou mal interpretada pela maioria dos marxistas uma vez que representava um ataque assustador às ortodoxias do pensamento marxista e acima de tudo a seu historicismo hegemônico Kelly 1982 e Hirsch 1981 nem sequer mencionam os textos de Lefebvre sobre o urbanismo e muito menos enxergam a virada espacial de Lefebvre em suas recentes histórias do marxismo francês enquanto Poster 1975 apenas discute sucintamente e com perplexidade a nova praxis do urbanismo de Lefebvre em conjunto com os acontecimentos de maio de 1968 iniciados em Nanterre onde Lefebvre estava lecionando7 Mesmo nos dias atuais a abordagem mais extensa da obra de Lefebvre escrita em inglês Saunders 1986 deixa de arrolar em sua bibliografia a fundamental Produção do espaço Lefebvre 197678 1980 Pior ainda Saunders usa sua compreensão equivocada da espontaneidade e do estilo especulativo de Lefebvre para defender o abandono da ênfase espacial na sociologia urbana anglófona Não obstante desde o início dos anos setenta até hoje o encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental bem como a formação e a reforma da geografia marxista vêmse desenvolvendo em torno de e em direção à dialética reconfigurada que Lefebvre descreve no trecho que serviu de introdução a este capítulo Tratase de uma dialética cada vez mais espacializada de uma demanda insistente de uma mudança fundamental na maneira como pensamos sobre o espaço o tempo e o ser sobre a geografia a história e a sociedade sobre a produção do espaço a construção da história e a constituição das relações sociais e da consciência prática A afirmação lefebvreana é o momentochave do desenvolvimento de um materialismo históricogeográfico e voltaremos repetidamente a ela nos ensaios subsequentes ACRESCENTANDO MARX À GEOGRAFIA MODERNA A PRIMEIRA CRÍTICA A contribuição anglófona à geografia marxista decorreu primordialmente da religação da forma espacial ao processo social numa tentativa de explicar os efeitos empíricos do desenvolvimento geograficamente desigual o que os geógrafos inocentemente chamaram diferenciação por área através de suas fontes geradoras nas estruturas práticas e relações organizacionais que constituem a vida social Essa religação foi afirmada em princípio durante o fim dos anos cinquenta quando a chamada revolução quantitativoteórica emergiu do interior do casulo introvertido e praticamente ateórico da geografia moderna Essa versão crescentemente técnica e matematizada da descrição geográfica no entanto diferiu apenas superficialmente da tradição neokantiana que contribuiu para justificar o isolamento da geografia em relação à história às ciências sociais e ao marxismo ocidental Ela fundamentou a explicação primordialmente na física social nas ecologias estatísticas e em apelos acanhados à onipresente fricção de distância Mas no final das contas os efeitos continuaram a explicar os efeitos numa regressão infinita de geografias para geografias um conjunto de variáveis mapeáveis explicando o outro através da justeza do encaixe A postura positivista aceita mesmo quando um tanto humanizada através das abordagens comportamentais e retoques fenomenológicos simplesmente voltou a legitimar a fixação da geografia moderna nas aparências empíricas e na descrição involuída Mas uma brecha se abriu à medida que os geógrafos anglófonos coletivamente foramse conscientizando mais de seu isolamento e começaram a buscar novas ligações fora de seu antigo casulo Havia invasores espaciais por toda parte na década de 1960 especialmente na América do Norte à medida que mais geógrafos voltados para a teoria puseramse a vagar por todos os locais disciplinares que conseguiram encontrar desde a topologia matemática e da filosofia analítica até a economia neoclássica e a psicologia cognitiva O mundo lá fora entretanto estava mudando depressa As cidades regiões e Estados eram cada vez mais tomados pelo conflito pela crise e pelos primórdios de uma profunda reestruturação O meio acadêmico estava ficando mais politizado e aceitavelmente radical do que o fora em muitos anos na América do Norte e na GrãBretanha e o discurso teórico havia começado a se voltar significativamente contra o positivismo em direção a alternativas críticas extraídas das grandes linhagens da teoria social europeia continental Nesse contexto de mudança algumas partes da geografia moderna também começaram a se radicalizar lideradas pelos que contribuíam para o novo jornal Antipode Antípoda e inspiradas numa série de viradas esquerdistas praticadas por alguns dos mais destacados geógrafos anglófonos da época A dramática mudança de direção de David Harvey do ecumenismo positivista de Explanation in Geography A explicação na geografia 1969 para o confessadamente marxista Social Justice and the City A justiça social e a cidade 1973 foi particularmente norteadora e influente sobretudo para a geração de jovens geógrafos recentissimamente ensinados por seus professores a prestar muita atenção ao trabalho de Harvey A geografia moderna nunca mais voltaria a ser a mesma depois do instigante redirecionamento de Harvey Apesar de inicialmente mais heterogênea a geografia radical deslocouse rapidamente para uma dedicada marxificação8 da análise geográfica novamente liderada por Harvey O materialismo histórico tornouse a via predileta para ligar a forma espacial ao processo social e desse modo combinar a geografia humana com a análise das classes a descrição dos efeitos geográficos com as explicações fornecidas por uma economia política marxista Um a um os conhecidos temas da geografia moderna foram submetidos a uma análise e uma interpretação marxistas os padrões de arrendamento e utilização da terra as formas variegadas do meio ambiente construído a localização da indústria e das vias de transporte a evolução da forma urbana e a ecologia da urbanização a hierarquia funcional dos povoamentos o mosaico do desenvolvimento regional desigual a difusão das inovações as evocações dos mapas cognitivos ou mentais as desigualdades na riqueza das nações e a formação e transformação das paisagens geográficas desde o local até o global Essa nova abordagem da explicação geográfica teve diversos aspectos importantes Havia em seu cerne uma economia política radical essencialmente baseada no Capital de Marx com derivações ocasionais dos Grundrisse9 e das teorias posteriores sobre o imperialismo Mas levadas de roldão junto com essas fontes convencionais havia três variações mais contemporâneas amiúde confusamente misturadas 1 uma tradição marxista basicamente britânica talvez mais rigidamente historicista do que qualquer outra avessa à teorização especulativa e profundamente apegada à análise empírica pragmática 2 um neomarxismo impetuoso e ousado talvez caracteristicamente baseado no Novo Mundo advindo de uma suposta necessidade de atualizar os princípios marxistas e que recorria a fontes menos convencionais de discernimento e 3 uma tradição marxista francesa em baixa mas ainda influente cindida em diversas correntes estruturalista existencialista e várias iterações de cada uma delas praticamente incompreensível para os historicistas inflexíveis mas sedutoramente inspiradora para o neomarxismo A leitura estruturalista era especialmente atraente para a geografia marxista pois fornecia uma racionalização epistemológica aparentemente rigorosa para se escavar por baixo da aparência superficial dos fenômenos os efeitos espaciais e descobrir raízes explicativas nas relações de produção sociais estruturadas e estruturantes Isso se enquadrava perfeitamente no projeto e na lógica formadores da análise geográfica marxificadora O estruturalismo primordialmente de tipo althusseriano foi também instrutivamente antipositivista proporcionou um contraste eficaz com o humanismo teórico que estava inspirando críticas comportamentais e fenomenológicas alternativas da geografia positivista críticas essas que amiúde adotavam uma postura decididamente antimarxista e descortinou o campo superestrutural que parecia conter tanto do que os geógrafos estavam examinando Somese a tudo isso o ataque programático do estruturalismo ao historicismo e seu entusiasmo pelas metáforas espaciais convincentes e fica fácil entender seu poderoso atrativo para os geógrafos marxistas Forneceuse um caminho sedutor para que a geografia entrasse na corrente principal dos debates teóricocríticos do marxismo ocidental em vez de ficar eternamente à espera na vegetação rasteira circundante As outras vias possíveis que surgiram através da fenomenologia existencial ou da tradição de teoria crítica da Escola de Frankfurt de modo algum eram tão acolhedoras enquanto as abordagens convencionais haviam barrado fazia muito tempo o ingresso dos geógrafos Embora raramente se explicitasse este ou aquele tipo de epistemologia estruturalista Harvey por exemplo seguiu Piaget mais do que Althusser em A justiça social e a cidade infundiuse quase que subliminarmente em todo o desenvolvimento inicial da geografia marxista10 Duas escalas de análise e teorização dominaram a combinação inicial da economia política marxista com a geografia humana crítica a especificamente urbana e a expansivamente internacional Em ambas as abordagens fundamentais eram similares A geografia urbana e a geografia do desenvolvimento internacional eram examinadas como efeitos estruturados das estratégias opostas da acumulação capitalista e da luta de classes processos sociais geradores e conflituados que moldavam a produção do espaço em todas as escalas geográficas Os geógrafos marxistas contribuíram de um modo significativo e crucial para a formação de uma economia política explicitamente urbana predominantemente baseada 1 na marxificação cada vez mais formalizada do processo urbano no capitalismo por David Harvey 2 na adaptação monumental que Manuel Castells fez de Althusser Lefebvre Alain Touraine sociólogo francês e teorizador dos movimentos sociais e da nova escola marxista francesa de sociologia urbana e 3 nas construtivas reações a Harvey e Castells surgidas entre os economistas políticos geógrafos e sociólogos urbanos radicais da GrãBretanha e da América do Norte11 A espacialidade do urbano a interação entre os processos sociais e as formas espaciais e a possibilidade de uma dialética socioespacial urbana formadora foram questões fundamentais de debate desde o início e continuam a ser importantes nos estudos urbanos marxistas contemporâneos Numa esfera a princípio quase inteiramente separada a análise de padrões mais globais do desenvolvimento geograficamente desigual especialmente concentrada no subdesenvolvimento e na dependência do Terceiro Mundo produziu uma outra economia política nova e cada vez mais espacializada da divisão internacional do trabalho e do sistema mundial capitalista de centros e periferias Entre os expoentes mais influentes dessa economia política internacional neomarxista por exemplo André Gunder Frank Immanuel Wallerstein Samir Amin Arghiri Emmanuel e o grupo inovador dos estruturalistas latinoamericanos como eram chamados incluíamse muito poucos geógrafos marxistas Embora os debates críticos girassem em torno da estrutura intrinsecamente espacial da divisão internacional do trabalho e do que era claramente um processo mundial de desenvolvimento geograficamente desigual no capitalismo para sermos condizentes com a descrição do processo urbano por Harvey a necessidade de repensar a espacialidade fundamental do desenvolvimento capitalista em escala global mal chegou a ser reconhecida E quando foi levantada a ideia surtiu pouco efeito A espacialidade fundamental e imediata do urbanismo era difícil de ignorar ainda que nem sempre fosse fácil de aceitar e compreender mas a ideia de que a economia do mundo capitalista também fosse supostamente espacial produto de um processo de espacialização similar numa outra escala menos imediata era muito mais intangível durante os anos sessenta e setenta12 As novas economias políticas da urbanização e do desenvolvimento internacional atraíram muitos adeptos da geografia e dos campos correlatos do planejamento urbano e regional13 Mas não demorou muito para que a mistura volátil de perspectivas que moldavam essas novas economias políticas gerasse graves problemas epistemológicos especialmente com respeito à teorização do espaço e da espacialidade A geografia marxista oscilou incomodamente entre os extremos de um historicismo pragmático e antiespeculativo que rejeitava intrinsecamente as explicações explicitamente geográficas da história e aquilo que muitos viam como uma ênfase inaceitável no consumo e nas relações de troca versus relações de produção e um estruturalismo neomarxista que com demasiada facilidade parecia gerar determinismos aniquilar o sujeito politicamente consciente e expulsar sumariamente a primazia teórica da explicação histórica Somar o marxismo à geografia moderna parecia um projeto honesto e valioso Podiase até mesmo pôr de lado os conflitos epistemológicos mais importantes como algo que estava fora do âmbito do projeto Mas alguns geógrafos começaram a olhar na direção oposta aparentemente buscando espacializar o marxismo histórico e ainda que experimentalmente inserir a geografia humana crítica no núcleo interpretativo da tradição marxista ocidental Isso já foi uma história completamente diferente Em meio a uma grande confusão uma segunda fase no desenvolvimento da geografia marxista se iniciou e ainda está em processo de se organizar A INVERSÃO PROVOCADORA ACRESCENTANDO UMA GEOGRAFIA AO MARXISMO OCIDENTAL No fim dos anos setenta surgira na geografia marxista um acirrado debate acerca da diferença que faz o espaço na interpretação materialista da história na crítica do desenvolvimento capitalista e na política da reconstrução socialista Os argumentos rodopiavam de um lado para outro entre os que buscavam uma relação mais flexível e dialética entre o espaço e a sociedade Soja e Hadjimichalis 1979 Soja 1980 Peet 1981 e os que viam nesse esforço uma degeneração teórica um perturbador ecletismo radical e um separatismo ou fetichismo espacial politicamente perigoso e divisivo impossível de conciliar com a análise das classes e o próprio materialismo histórico J Anderson 1980 Eliot Hurst 1980 Smith 1979 1980 1981 Para alguns observadores relativamente indulgentes a geografia marxista parecia estarse destruindo por dentro ora levando um a sustentar a razão por que a geografia não pode ser marxista Eyles 1981 ora levando outro a lamentar o que via como um abandono irracional da explicação espacial na análise geográfica radical Gregory 1981 Desenvolveuse na geografia marxista e nos estudos urbanos e regionais um movimento crescente que parecia estar concluindo que o espaço e a espacialidade só poderiam encaixarse no marxismo como uma expressão reflexa um produto das relações sociais mais fundamentais de produção e das leis de movimento aespaciais mas mesmo assim históricas do capital Walker 1978 Massey 1978 Markusen 1978 A geografia do capitalismo era um assunto digno e o desenvolvimento geograficamente desigual era um efeito interessante da história do capitalismo mas nenhum dos dois era um elemento gerador necessário na teoria marxista ou um pressuposto da análise materialista histórica O marxismo não precisava de um arranjo espacial pois não estava suficientemente estragado Esse reatiçamento da ortodoxia marxista foi reforçado por uma crítica da crítica de base mais ampla que se vinha espalhando pelo marxismo ocidental mais ou menos na mesma época denunciando as insuficiências teóricas as interpretações exageradas e as abstrações despolitizantes do estruturalismo althusseriano e de seus adeptos neomarxistas e terceiro mundistas E P Thompson deu uma bandeira simbólica a esse ataque em seu longo ensaio intitulado The Poverty of Theory A pobreza da teoria 1978 uma reafirmação apaixonadamente antiestruturalista da primazia da história e do historicismo marxista britânico do diacrônico contra o sincrônico da concretude anglófona contra a abstração francófona Brenner 1977 um historiador marxista norteamericano apresentou uma crítica paralela ainda que menos apaixonada da teoria neomarxista do desenvolvimento de Wallerstein Frank e outros Nesse ponto o erro revisionista foi mais indelevelmente burguês do que stalinista como Thompson rotulou Althusser um retorno às verdades inúteis de Adam Smith Os geógrafos marxistas ainda eram invisíveis para esses mantenedores marxistas ocidentais da fé mas as repercussões de suas críticas se fizeram sentir profundamente mesmo assim na economia política urbana e internacional na primeira através de uma crescente aversão ao estruturalismo urbano castellsiano e na segunda através de uma impressionante resistência a conferir um papel estruturante mais central ao desenvolvimento geograficamente desigual na história do capitalismo Apesar do poder dessa ortodoxia historicista reafirmativa o projeto de espacializar a teoria marxista continuou vivo Seu principal meio de sobrevivência foi a tese teórica cada vez mais bem articulada de que a organização do espaço era não apenas um produto social mas simultaneamente repercutia na moldagem das relações sociais Na esperança de afastar a crescente ortodoxia vinda de dentro em parte recorrendo respeitosamente a Lefebvre tentei captar esse fluxo de mão dupla através da afirmação de uma dialética socioespacial e da necessidade de uma praxis espacial radical no que denominei inicialmente de novo marxismo tópico ver capítulos 3 e 4 Adotando uma visão diferente talvez mais ampla Derek Gregory em seu Ideology Science and Human Geography Ideologia Ciência e Geografia Humana 1978 provavelmente a reinterpretação mais arguta e abrangente da explicação geográfica da década colocou o argumento da seguinte maneira A análise da estrutura espacial não é derivada e secundária à análise da estrutura social como sugeriria a problemática estruturalista antes uma exige a outra A estrutura espacial não é por conseguinte meramente a arena em que os conflitos de classe se expressam Scott 1976 104 mas é também o campo no qual e em parte através do qual as relações de classe se constituem e seus conceitos devem ter lugar na construção dos conceitos de determinadas formações sociais as estruturas espaciais não podem ser teorizadas sem as estruturas sociais e viceversa e as estruturas sociais não podem ser praticadas sem as estruturas espaciais e viceversa Gregory 1978 1201 Gregory defendeu uma forma mais comprometida e emancipatória de explicação geográfica que recorresse às epistemologias estruturais e reflexivas fenomenológicas hermenêuticas para dar à geografia humana um lugar entre as ciências sociais críticas O desafio era claro Havia uma interação complexa e problemática entre a produção das geografias humanas e a constituição das relações e práticas sociais que precisava ser reconhecida e aberta à interpretação teórica e política Isso não poderia ser feito em se continuando a encarar a geografia humana apenas como um reflexo dos processos sociais A espacialidade criada da vida social tinha que ser vista como algo simultaneamente contingente e condicionador como um resultado e um meio da construção da história em outras palavras como parte de um materialismo histórico e geográfico e não de um simples materialismo histórico aplicado às questões geográficas Até David Harvey no meio de uma década de dedicada marxificação mudou ocasionalmente de rumo para começar a espacializar o marxismo em suas primeiras formulações da busca de um arranjo geográfico que ele fez remontar perspicazmente às espacializações mais antigas de Hegel e von Thunen por parte do capital e em especial em suas descrições da tensa interação entre a preservação e a destruição do meio ambiente urbano construído ou do que mais tarde ele viria a chamar de formação e reformação irrequietas das paisagens geográficas Harvey continuou ambivalente dando alguns saltos hesitantes e imaginativos em direção à dialética socioespacial Harvey 1977 1978 mas sempre parecendo retornar ao formalismo da marxificação rigorosa mesmo quando os limites dessa formalização foramse tornando mais vividamente aparentes Alguns dos melhores alunos de Harvey Richard Walker e Neil Smith por exemplo formaram uma linha mais dura do que o próprio Harvey liderando a acusação contra a inversão provocadora e sua proposta da intercontingência de espaço e classe espacialidade e sociedade A resistência porém foi muito mais difundida na Geografia Moderna e no marxismo ocidental A primeira evitava habitualmente explicitar em demasia a contingência espacial da sociedade e do comportamento a não ser através da força física neutra da fricção de distância manto despolitizador da geografia moderna Em vez disso tal possibilidade foi preservada quase como um segredo de família a ser compartilhado pelos adeptos mas não publicamente revelado A contingência espacial cheirava demais ao ambientalismo errante de um passado embaraçoso e se chocava com a posição conferida à geografia dentro da moderna divisão acadêmica do trabalho inocentemente descritiva da diferenciação por áreas mas empenhada na promessa de nunca mais voltar a afirmar nenhuma determinação geográfica do social pelo menos não ao alcance dos ouvidos das ciências diligentemente sociais A maioria dos marxistas especialmente numa época de crescente ortodoxia só conseguiu enxergar na afirmada contingência espacial das classes mais uma tentativa de impor uma restrição externa às liberdades da consciência de classe e da vontade social na construção da história Além disso as argumentações teóricas por trás dessa contingência espacial pareciam derivar demasiado aleatoriamente do estruturalismo eclético e da assertividade exagerada das economias políticas neomarxistas da urbanização e do desenvolvimento internacional E o que era igualmente importante a inversão provocadora ainda não se havia fundamentado numa elaboração teórica e epistemológica mais formal ou num corpus de análise empírica convincente que estabelecesse as necessárias ligações políticas Para a corrente principal da geografia marxista portanto a nova dialética era tentadora mas ainda não havia demonstrado suficientemente seu valor de uso Não é de surpreender portanto que já bem avançada a década de 1980 a geografia marxista parecesse estar dançando uma entediante gavota em torno da interpretação materialista da espacialidade dando um passo à frente apenas para deslizar novamente para trás Entre A Justiça Social e a Cidade 1973 e The Limits to Capital Os limites do capital 1982 de Harvey pouquíssimos livros originais e sintetizadores foram produzidos por geógrafos marxistas isolados e não se escreveu quase nada em inglês que promovesse sistemática e explicitamente o apelo por um materialismo históricogeográfico Houve várias coleções editoriais importantes que apresentaram uma perspectiva espacial radical Peet 1977 Dear e Scott 1981 Carney Hudson e Lewis 1980 mas num sinal do que estava por vir algumas das mais influentes geografias humanas críticas redigidas nesse período foram escritas por geógrafos que estavam fora mas voltados para dentro da corrente marxista principal Olsson 1980 Scott 1980 Brookfield 1975 e acima de tudo Gregory 1978 Com algumas exceções a geografia marxista parecia estar dando voltas e mais voltas pelos anos oitenta adentro para evitar o que acabaria por se tornar insistentemente óbvio que o próprio marxismo tinha que ser criticamente reestruturado para incorporar uma dimensão espacial destacada e central As ortodoxias herdadas do materialismo histórico davam quase tão pouca margem ao espaço quanto os rígidos casulos da ciência social burguesa Assim marxificar a geografia não era suficiente Outra rodada muito mais disruptiva de pensamento crítico se fazia necessária para espacializar o marxismo para recombinar a construção da história com a construção da geografia A inversão provocadora tinha que ser transformada numa terceira crítica numa crítica da crítica da crítica que dera início ao desenvolvimento da geografia marxista Em sua maior parte o impulso para essa terceira crítica desconstrutiva e reconstitutiva originouse fora da geografia marxista e foi levado adiante por estudiosos críticos que muitas vezes davam pouca atenção à existência e às realizações dos geógrafos marxistas O debate mais amplo respondeu primordialmente às reconhecidas peculiaridades do capitalismo tardio em particular à desconcertante reestruturação societária que parecia estar esfacelando padrões políticos econômicos culturais ideológicos e intelectuais há muito estabelecidos Novas combinações pareciam estar emergindo num desafio à interpretação e à prática política convencionais à esquerda à direita e no centro A busca de uma resposta teórica e política apropriada para a reestruturação do capitalismo levou um grupo pequeno mas sumamente diversificado de estudiosos críticos esquerdistas a uma conclusão notavelmente semelhante a de que a espacialidade formadora da vida social tinhase tornado uma janela interpretativa particularmente crucial e reveladora para o cenário contemporâneo mas de que o ponto de vista espacial fora obscurecido por uma longa herança de descaso e mistificação Com esse reconhecimento repetido por um estudioso após outro de muitos campos especializados diferentes o debate sobre a teorização política do espaço tornouse mais generalizado do que em qualquer época anterior prenunciando uma nova fase menos provinciana no encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental PASSAGENS PARA A PÓSMODERNIDADE A RECONSTITUIÇÃO DA GEOGRAFIA HUMANA CRÍTICA A atualização do desenvolvimento da geografia marxista e de sua concomitante reteorização da geografia histórica do capitalismo é um exercício necessariamente eclético Agora se pode dizer que as modalidades geográficas de análise estão mais centralmente ligadas aos debates políticos e teóricos contemporâneos do que em qualquer outro período deste século Mas essa ligação deriva de muitas fontes diferentes assume uma multiplicidade de formas e resiste às sínteses simplistas Também é ainda muito provisória e limitada em seu impacto pois a espacialização da teoria crítica e a construção de um novo materialismo históricogeográfico mal começaram e seu impacto inicial foi sumamente disruptivo sobretudo para as duas tradições modernistas que moldaram o desenvolvimento da geografia marxista nos últimos vinte anos Assim como o marxismo ocidental contemporâneo parece ter explodido numa constelação heterogênea de perspectivas com objetivos amiúde cruzados a geografia moderna também começou a desmontar em suas costuras desenredandose internamente e em relação aos seus antigos vínculos escolares com outras disciplinas do século XIX que definiram a moderna divisão acadêmica do trabalho O domínio das categorias fronteiras e separações mais antigas vemse enfraquecendo O que era central está agora sendo empurrado para as margens enquanto as orlas antes discretas afirmam ousadamente uma centralidade recémdescoberta O terreno intelectual mutável e quase caleidoscópico tornouse extremamente difícil de mapear uma vez que já não aparece com seus conhecidos contornos desgastados pelo tempo Essa geografia desordenada e inquietante é a meu ver parte da situação pósmoderna de uma crise contemporânea que está repleta como o pictograma chinês da crise e a nebulosa descrição bermaniana da modernidade em transição de perigos e de novas possibilidades repleta do choque simultâneo do antigo e do novo Retomando uma tese anterior outra cultura do tempo e do espaço parece estarse formando nesse contexto contemporâneo e redefinindo a natureza e a experiência da vida cotidiana no mundo moderno e com elas todo o tecido da teoria social Eu situaria a instauração dessa passagem A convergência da espacialização Lefebvre Foucault Berger e Mandel consideraram suas afirmações sobre a importância da espacialidade todos eles num momento histórico crucial no qual a mais grave crise econômica global da Grande Depressão havia apontado ao mundo o término do surto de crescimento do pósguerra e o início de uma profunda reestruturação que iria agitar todas as esferas da vida social Queria usálas uma vez mais para ajudar a explorar os variados panoramas pósmodernos da geografia humana crítica A pósmodernização da geografia marxista A geografia marxista mudou significativamente nos anos oitenta Seus limites se maneira mais flexível de modo que sua influência estendeuse mais profundamente do que nunca nos âmbitos da teoria social crítica Ao mesmo tempo seu centro de gravidade tornouse mais difícil de localizar exceto como parte de um projeto mais amplo de especialização insistente concluo solapadas por sua impossibilidade de incorporar uma dimensão sistemática e distintamente geográfica e espacial em seu pensamento 1985c 1413 Esses trechos marcam uma expressiva mudança de ênfase na obra de Harvey e destacam muitos dos dilemas atualmente enfrentados pela geografia e pelos geógrafos marxistas Em Os limites do Capital 1982 Harvey partiu do cerne da geografia marxista para o campo mais extenso do marxismo ocidental e da moderna teoria social crítica apresentando uma argumentação demonstrativa a favor de um marxismo espacializado e de uma crítica espacializada do desenvolvimento capitalista Dar uma geografia concreta ao Capital e ao capitalismo entretanto foi ao mesmo tempo um imenso tour de force e um convite à paralisia teórica Assim os Limites combinaram incongruentemente a suma realização da geografia marxista formalista e as ressalvas iniciais à necessária desconstrução e reconstituição dessa própria realização Reconhecendo essa ambivalência estafante e a possibilidade de que viesse a ter de puxar o tapete tensamente tecido debaixo de seus próprios pés Harvey quase abandonou o projeto Entretanto incentivado por exalunos e outros que lhe deram apoio Harvey completou sua síntese magistral na esperança ao que parece de que o impacto disruptivo de inserir o espaço não diminuísse a força de seu materialismo confessadamente histórico e geográfico Revendo a reação da crítica aos Limites Harvey expressou sua preocupação com o fato de que a maioria dos leitores parecia estar meio confusa acerca da mensagem que ele estava apresentando No prefácio de Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana observou Curiosamente a maioria dos críticos passou ao largo principalmente suspeito por puro preconceito disciplinar do que julguei ser a contribuição mais singular daquele trabalho a integração da produção do espaço e das configurações espaciais como elemento ativo no cerne da teorização marxista Essa foi a principal inovação teórica que me permitiu passar da reflexão sobre a história para a geografia histórica e também abrir caminho para a teorização sobre o processo urbano como um momento ativo na geografia histórica da luta de classes e da acumulação de capital 1985b xii A maioria dos geógrafos marxistas entendeu o recado mas já estava convencida e muitos haviam iniciado sua própria virada passando de posições anteriormente antagônicas para a provocadora espacialização do marxismo ocidental Em seu prefácio a Spatial Divisions of Labour Social Structures and the Geography of Production As divisões espaciais do trabalho As estruturas sociais e a geografia da produção 1984 x Doreen Massey escreveu Meu objetivo básico fora vincular a geografia da indústria e do emprego às estruturas mais amplas e subjacentes da sociedade A intenção inicial em outras palavras era partir das características da economia e da sociedade e passar à explicação de sua geografia Entretanto quanto mais me empenhei no assunto mais me pareceu que o processo não tinha apenas um sentido Ocorre também diria eu que o entendimento da organização geográfica é fundamental para se compreender a economia e a sociedade A geografia da sociedade faz diferença no modo como esta funciona Se isso é verdade em termos analíticos também o é em termos políticos Para que haja alguma esperança de alterar a geografia fundamentalmente desigual da economia e da sociedade britânicas e também de outros países capitalistas fazse necessária uma política que ligue as questões da distribuição geográfica às da organização social e econômica Massey leva seu novo caminho para uma análise das particularidades locais das estruturas espaciais de produção procurando abrir um campo intermediário de economia política regional livre da férrea determinação das leis de movimento do capitalismo e da indeterminação vazia do empirismo geográfico20 Neil Smith também se afasta cautelosamente do caminho da ortodoxia marxista para defender uma tese similar no prefácio de seu Uneven Development Nature Capital and the Production of Space O desenvolvimento desigual A natureza o capital e a produção do espaço 1984 xi Ocupando o terreno comum entre as tradições geográficas e políticas a teoria do desenvolvimento desigual fornece a principal chave para se determinar o que caracteriza a geografia específica do capitalismo Mas é impossível esquadrinhar demais a lógica do desenvolvimento desigual sem reconhecer que há algo mais profundo em jogo Não é apenas uma questão do que o capitalismo faz com a geografia mas antes do que a geografia pode fazer pelo capitalismo Do ponto de vista marxista portanto não se trata apenas de ampliar a profundidade e a jurisdição da teoria marxista mas de inaugurar toda uma nova faceta de explicação concernente à sobrevivência do capitalismo no século XX O espaço geográfico está mais do que nunca na pauta econômica e política A ideia do pivô geográfico da história vem assumindo um sentido mais moderno e mais profundo do que Mackinder poderia ter imaginado As confissões prefaciadoras de Harvey Massey e Smith nem sempre são levadas a seu desfecho apropriado nos textos subsequentes pois todos hesitam em se comprometer muito a fundo com a desconstrução necessariamente transformadora do materialismo histórico e de suas narrativas mestras desespacializantes Mas embora o historicismo seja protegido de uma crítica rigorosa e sistemática há uma nova confiança no tocante à significação teórica e política do espaço A necessidade de justificar e defender a afirmação teórica de um materialismo histórico e geográfico é muito menos premente do que foi um dia É chegado o momento ao contrário de demonstrar seu poder político e empírico através da análise da geografia específica do capitalismo O espaço geográfico é sempre o âmbito do concreto e do particular Será possível construir uma teoria do concreto e do particular no contexto das determinações universais e abstratas da teoria da acumulação capitalista de Marx É essa a questão fundamental a ser resolvida Harvey 1985c 144 Mas como disse Mills todo sapateiro acha que o couro é tudo O alcance dessa geografia marxista mais confiante e afirmativa em termos teóricos ainda é insuficientemente compreensível e incomodamente ameaçador para a moderna divisão acadêmica do trabalho com seus compartimentos disciplinares reificados e sua territorialidade intelectual Além disso o ataque vem sendo desferido a partir do que muitos ainda encaram como uma província disciplinar menor contra o domínio ainda santificado da imaginação histórica Conservar o imprimatur do marxismo é o bastante para assustar os FRUMPs contemporâneos profissionais exradicais em ascensão21 termo usado por Harvey numa recente defesa polêmica de sua posição ver Harvey et al 1987 mas ter as trilhas teóricas e empíricas desbravadas por geógrafos metidos a sebo foi mais do que o mercado estabelecido podia suportar Nos anos oitenta até mesmo alguns dos analistas sociais mais simpatizantes e mais abertos começaram a desferir um contraataque dirigido aos decididos invasores espaciais protegendo seus flancos disciplinares contra os efeitos disruptivos da espacialização pósmoderna da teoria e da análise sociais críticas A reação mais direta e imediata às intromissões dos geógrafos marxistas veio dos sociólogos que continuam a presumir que detêm o controle da espacialização da teoria social como de fato fizeram predominantemente e à revelia desde o fim do século XIX Os economistas políticos radicais ouviram Harvey e a nova geografia marxista atentamente mas tendem a manter uma distância calculada incorporando apenas os simples elementos essenciais de um marxismo espacializado Os historiadores marxistas quando sequer chegam a reconhecer o que está acontecendo reagem tipicamente oferecendo seus melhores votos enquanto presumem tacitamente que a historiografia radical já fez tudo o que era necessário no tocante à geografia anos atrás Mas os sociólogos marxistas e os weberianos radicais estiveram mais profundamente empenhados no projeto de espacialização desde o início e não puderam simplesmente colocálo de lado quando ele começou a surtir um efeito paralisante em seus mais caros princípios e proposições sociológicos A espacialização da teoria social julgaram muitos estava indo longe demais e precisava ser adequadamente disciplinada A figura mais destacada a liderar esse contraataque sociológico foi Peter Saunders cujo livro Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana 1981 2ª ed 1986 fornece uma excelente e ampla visão geral do desenvolvimento histórico da teoria social e espacial urbana David Harvey logo depois de observar o impacto desintegrador da espacialização nas proposições teóricas estabelecidas das ciências sociais ver supra voltouse para a primeira edição da Teoria social e a questão urbana de Saunders a fim de exemplificar sua argumentação Não causa muita surpresa portanto que Saunders 1981 278 numa recente tentativa de salvar a suposta subdisciplina da sociologia urbana de um destino tão terrível apresente a extraordinária proposição para a qual não há nem jamais poderia haver qualquer justificativa de que os problemas do espaço devem ser separados da preocupação com os processos sociais específicos Saunders foi ainda mais enfático na segunda edição após ter feito um cuidadoso levantamento da obra recente dos geógrafos marxistas Resumindo um capítulo explicitamente voltado para a definição de Uma sociologia urbana não espacial Saunders escreveu Desde a obra de Robert Park no início deste século os sociólogos urbanos vêm desenvolvendo visões teóricas que foram minadas pela tentativa insistente de adaptá las a uma preocupação com o espaço É hora de nos livrarmos dessa camisa de força teórica É hora de colocar o espaço em seu lugar como um fator contingente a ser considerado nas investigações empíricas e não como um fator essencial a ser teorizado em termos de suas generalidades É hora de a teoria social urbana desenvolver uma focalização clara de algum aspecto da organização social no espaço e não de tentar manter uma ênfase supérflua na organização espacial da sociedade É hora em suma de desenvolver uma sociologia urbana não espacial que embora reconhecendo a importância empírica das disposições espaciais não procure elevar essas disposições à categoria de um objeto teórico distinto 1986 28788 Saunders se apressa impulsivamente a prestar socorro na hora H para colocar o espaço em seu mesmo velho lugar e reificar mais uma vez o domínio tradicional da sociologia moderna Ao despojar a sociologia urbana de um objeto teórico que tenha qualquer coisa a ver com o espaço ou nesse caso com a cidade Saunders se aproxima perigosamente de fazer com que toda a teoria social urbana se transforme em fumaça No fim escorrega novamente para uma sociologia do consumo como o foco definitivo do interesse teórico e substantivo conservando o adjetivo urbano apenas como uma questão de convenção um modo útil de manter a continuidade intelectual desse campo ibid 289 O debate sobre a especificidade do urbano isto é para determinar se as formas sociais e espaciais especificamente urbanas podem fornecer um objeto apropriado à teorização sempre foi fonte de confusão e discordância na coalizão de geógrafos sociólogos e economistas políticos que se formara nos anos setenta para desenvolver uma nova interpretação crítica da urbanização capitalista Boa parte da confusão proveio da conceituação equivocada da questão urbana apresentada por Manuel Castells o mais influente sociólogo marxista da coalizão Por um lado Castells atacou a especificação exagerada do urbano desde a Escola de Chicago até sua suposta extensão esquerdista nas obras de Henri Lefebvre argumentando que não havia nenhuma problemática especificamente urbana Encarar o urbanismo como um estilo de vida singular era uma cortina de fumaça ideológica que obscurecia problemas sociais maiores que se expressavam nas cidades mas não se restringiam epistemológica e politicamente ao contexto urbano Por outro lado Castells reespecificou convenientemente o urbano como um objeto teórico ao se concentrar na política urbana do consumo coletivo e na mobilização de movimentos sociais nitidamente urbanos Enquanto Castells acabaria por se livrar dessa armadilha epistemológica Saunders voltou a cair nela num esforço desesperado de manter a continuidade intelectual e a integridade disciplinar nominal da sociologia urbana O debate sobre a especificidade do urbano foi mais do que um exercício de ginástica epistemológica Desde o começo tratouse de um conflito disciplinar entre a sociologia radical e a geografia marxista a respeito da espacialização da teoria social acerca de até que ponto se permitiria que chegasse a reafirmação do espaço A maquinação althusseriana de Castells sobre a questão urbana rechaçou as afirmações mais audaciosas de Lefebvre que longe de fetichizar o urbano estava desenvolvendo a tese mais geral de que a luta social no mundo contemporâneo fosse ela urbana ou não era intrinsecamente uma luta pela produção social do espaço uma resposta potencialmente revolucionária à instrumentalidade e ao desenvolvimento desigual da geografia específica do capitalismo Em outras palavras os movimentos e lutas sociais urbanos pelo consumo coletivo que se haviam tornado tão centrais no que sou tentado a chamar de sociologia radical Moderna Tardia estavam sendo vistos como parte de uma problemática espacial mais ampla do desenvolvimento capitalista Tornarei a considerar esses argumentos anteriores nos dois próximos capítulos Na década de 1980 entretanto novas abordagens estavam sendo imprimidas a esses velhos debates Geógrafos marxistas como Harvey Smith e outros superaram sua ambivalência anterior para se unir no desenvolvimento de um materialismo históricogeográfico transformador projeto muito mais radical do que o apelo anterior por uma economia política urbana espacializada O projeto foi apoiado e sustentado como descrevi previamente por uma multiplicidade de forasteiros enquanto o debate sobre a importância da espacialidade na teoria social e na prática social tornouse mais difundido do que nunca E o que é mais significativo para a presente discussão novas vozes foram ouvidas do interior da sociologia moderna clamando em alto e bom som pela inserção do espaço bem no cerne da teoria social por uma espacialização ainda maior do que a alcançada ao longo dos anos setenta Os irritantes geógrafos ainda podiam ser rechaçados como fetichizadores obsessivos loucamente apaixonados por seu próprio couro Mas sociólogos como Anthony Giddens John Urry e um Manuel Castells redespertado para o espaço eram uma outra história O trabalho mais recente de Castells é marcado por duas aparentes inversões se cotejado com o retrato convencional de suas contribuições anteriores para a sociologia urbana anglófona A primeira vem de um abrandamento de sua postura contra Henri Lefebvre e de uma disposição maior de aceitar a importância de uma problemática assertivamente espacial na interpretação da política e da sociologia urbanas O sempre escorregadio Castells nunca chega realmente a completar essa inversão mas a seguinte passagem de The City and the Grass Roots A cidade e as raízes rurais 1983 4 sugere uma maior disposição de acolher o projeto de Lefebvre O espaço não é um reflexo da sociedade ele é a sociedade Portanto as formas espaciais pelo menos em nosso planeta hão de ser produzidas como o são todos os outros objetos pela ação humana Hão de expressar e executar os interesses da classe dominante de acordo com um dado modo de produção e com um modo específico de desenvolvimento Hão de expressar e implementar as relações de poder do Estado numa sociedade historicamente definida Serão realizadas e moldadas pelo processo de dominação sexual e pela vida familiar imposta pelo Estado Ao mesmo tempo as formas espaciais serão marcadas pela resistência das classes exploradas dos sujeitos oprimidos e das mulheres dominadas E a ação desse processo histórico tão contraditório sobre o espaço será exercida numa forma espacial já herdada produto da história anterior e sustentáculo de novos interesses projetos protestos e sonhos Finalmente de quando em quando surgirão movimentos sociais para questionar o sentido da estrutura espacial e por conseguinte tentar novas funções e novas formas Pouco falta para que Castells chegue à proclamação pósmoderna de que agora é mais o espaço do que o tempo mais a geografia do que a história que esconde de nós as consequências Mas ao menos ele parece mais aberto a essa possibilidade do que fora antes A segunda inversão de Castells também não é uma meiavolta completa mas corre igualmente contra a índole das descrições convencionais de suas contribuições para os estudos urbanos Decorre de um interesse renovado na produção e na tecnologia industriais bem como em seus efeitos no processo de urbanização Nesse ponto Castells faz parte de uma mudança muito mais ampla de enfoque nos estudos urbanos e regionais contemporâneos e na geografia marxista que é menos uma negação da importância das questões do consumo coletivo do que o reconhecimento de que a dinâmica da produção industrial e da reestruturação precisa ser compreendida em primeiro lugar para que possamos dar um sentido teórico e prático à política e à sociologia do consumo Castells poderia argumentar que isso é o que ele vem dizendo o tempo todo lembrando aos que criticaram seu suposto consumismo seus primeiros trabalhos sobre a industrialização urbana por exemplo Castells e Godard 1974 Mas atualmente ele vem perseguindo esses interesses com um entusiasmo e um discernimento renovados ver Castells 1985 ao lado de um grupo crescente de geógrafos urbanos pósfordistas senão também pósmodernos voltados para a indústria e a produção ver por exemplo Scott e Storper 1986 Saunders faz um grande esforço para repelir as instigantes viradas espaciais de Giddens e Urry as aparentes inversões de Castells e as animadas tentativas dos geógrafos marxistas de criar um materialismo histórico e geográfico apelando para a filosofia realista teórica da ciência social que Urry ajudou a desenvolver ver Keat e Urry 1982 à qual Giddens recorre intensamente e que o geógrafo Andrew Sayer 1984 tão cuidadosamente codificou Saunders utiliza seu realismo teórico recémdescoberto para colocar o espaço em seu lugar de fator meramente contingente a ser considerado nas investigações empíricas e não como uma parte essencial da teorização social Ao fazêlo ele liga o contraataque sociológico a um debate filosófico e metodológico mais amplo que moldou confusamente a pósmodernização da geografia marxista O impacto do realismo teórico Bhaskar 1975 1979 Harre 1970 Harre e Madden 1975 sobre a reafirmação do espaço na teoria social tem sido multifacetado e extenso Com sua síntese flexível do estruturalismo e da hermenêutica sua insistência em situar a teoria social e a prática social nos efeitos conjunturais do tempo e do espaço e sua adaptação de uma ideia marxista de praxis simultaneamente submetendo o marxismo a uma vigorosa crítica contemporânea o realismo teórico pareceu fornecer um arcabouço epistemológico quase ideal à geografia humana crítica pósmoderna Se ele não existisse teria que ser inventado Mas penetrou no discurso espacial da década de 1980 com uma ambivalência disruptiva ao mesmo tempo ajudando e prejudicando o desenvolvimento da teoria espacial crítica A filosofia realista ao longo da última década inspirou as afirmações mais sistemáticas vigorosas e influentes da importância do espaço na construção da teoria social primordialmente através da teoria da estruturação de Anthony Giddens Provocou também basicamente através da obra de Sayer 1979 1982 1984 1985 uma contracorrente constritiva que afirma que Marx Weber Durkheim e outros talvez tenham tido razão em prestar tão pouca atenção ao espaço em sua obra teórica abstrata porque a diferença que o espaço faz só é importante no nível do concreto e do empírico Assim o caminho adequado a ser seguido pela geografia pósmarxista é primeiramente um caminho empírico deixando para trás os debates teóricos mais grandiosos quer pautados na estruturação espaçotempo quer no materialismo históricogeográfico Mais do que qualquer outro acontecimento essa contraafirmação realista impelida de volta à prancheta empírica pelas perplexidades da esquerda diante das vitórias regressivas de Ronald Reagan e Margaret Thatcher contribuiu para dividir o novo consenso da geografia marxista que vinha emergindo nos anos oitenta Um dos efeitos dessa implosão desintegradora foi estimular o contraataque sociológico reacionário contra a geografia marxista e levar muitos geógrafos anteriormente marxistas a se aliarem a essa corrente com melancólicos mea culpas Outro efeito foi um recuo estratégico marxista liderado por David Harvey para manter vivo o projeto do materialismo históricogeográfico defendendoo do crescente ataque antiteórico e muitas vezes antimarxista Os confrontos entre essas duas posições enrijecedoras complicados pela crescente confusão acerca de exatamente quem está de que lado continuam a encher as páginas de Antipode e de Society and Space e talvez a absorver demasiadamente as energias das pessoas envolvidas22 Felizmente também começaram a surgir recentemente vislumbres de uma geografia humana crítica pósmoderna mais reconstrutiva proveniente desses confrontos modernos tardios23 que ainda prosseguem Ela continua a se inspirar na racionalidade emancipatória do marxismo ocidental mas já não consegue ficar confinada dentro de seus limites assim como não pode ser limitada pelas fronteiras da geografia moderna Sua melhor descrição talvez seja a de uma especialização flexível para adotarmos um termo extraído das pesquisas atuais sobre a organização e a tecnologia industriais pósfordistas A especialização flexível no local de trabalho da geografia humana crítica significa uma resistência ao fechamento paradigmático e ao pensamento rigidamente categórico a capacidade de combinar criativamente aquilo que no passado era considerado antitéticoimpossível de combinar a rejeição das lógicas profundas totalizantes que cerceiam nossas maneiras de ver e a busca de novos modos de interpretar o mundo empírico e arrancar suas camadas de mistificação ideológica Implica portanto uma suspensão temporária do formalismo epistemológico para permitir que as novas combinações da história e da geografia ganhem forma dialética e pragmaticamente não sobrecarregadas pelos vieses do passado mas norteadas ainda assim pelo campo de testes da praxis Essa emergente geografia humana crítica pósmoderna deve continuar a se basear numa desconstrução radical numa exploração mais profunda dos silêncios críticos dos textos narrativas e panoramas intelectuais do passado numa tentativa de reinscrever e ressituar o sentido e a importância do espaço na história e no materialismo histórico A desconstrução espacial visa a virar a imponente tapeçaria do passado para usarmos as palavras de Terry Eagleton 1986 80 expondo a trama desalinhada de fios que constitui a história intelectual do pensamento social crítico Essa tarefa mal começou e já se depara com uma resistência feroz especialmente dos que Foucault identificou como fiéis descendentes do tempo A desconstrução espacial por conseguinte também deve ser suficientemente flexível para aparar os golpes reacionários do historicismo e evitar a defesa simplista da antihistória ou pior ainda de um espacialismo novo e igualmente obscurecedor O objetivo afinal é uma geografia histórica politicamente carregada uma perspectiva espaçotemporal da sociedade e da vida social e não a ressurreição do determinismo geográfico Entretanto a desconstrução por si só não basta por mais efetivamente que se exponham os silêncios críticos Ela deve ser acompanhada por uma reconstrução ao menos provisória baseada nas exigências políticas e teóricas do mundo contemporâneo e capaz de abranger todas as escalas do poder moderno desde as estratégias grandiosas da geopolítica global até as pequenas táticas do habitat para tomar novamente emprestada uma expressão de Foucault Essa geografia humana crítica reconstituída deve estar sintonizada com as lutas emancipatórias de todos os que são marginalizados e oprimidos pela geografia específica do capitalismo e também do socialismo existente pelos trabalhadores explorados pelos povos tiranizados e pelas mulheres dominadas E deve estar especialmente em sintonia com as particularidades dos processos contemporâneos de reestruturação e com os regimes emergentes de acumulação flexível e de regulação social não apenas para exibir uma habilidade empírica recémdescoberta mas a fim de contribuir para um pósmodernismo radical de resistência A especialização flexível é também um acompanhamento necessário dessa reconstrução estratégica da geografia humana crítica seja ela focalizada na interpretação da nova tecnologia e das formas organizacionais reestruturadas da economia política pósfordista na lógica cultural do pósmodernismo na arte e na ideologia ou nas lutas ontológicas de uma teoria crítica póshistoricista Essas três vias da espacialização e da praxis espacial potencialmente radical devem combinarse como campos e pontos de vista compatíveis e não competitivos Similarmente o novo entusiasmo pelo empírico mesmo a pretexto de sua viabilidade política não deve encerrar o debate e a discussão teóricos pois não há nada tão viável quanto uma boa teoria espacial A desconstrução e reconstituição flexíveis não serão fáceis pois têm não apenas de combater uma permanente resistência modernoavançada que traz em si a bagagem privilegiada do passado mas também de lidar com um crescente pós modernismo neoconservador que está exercitando os músculos na atualidade monopolizando o debate sobre o que se deve fazer agora para enfrentar os desafios de uma nova modernidade O pósmodernismo neoconservador tem usado a desconstrução para lançar véus ainda mais obscurecedores sobre a instrumentalidade da reestruturação e da espacialização reduzindo tanto a história quanto a geografia a uma fantasia e um pastiche ou à simples factualidade mais uma vez num esforço de celebrar o pósmoderno como o melhor de todos os mundos possíveis A oposição à reestruturação é caracterizada como extremismo e a própria esperança de resistência passa a ter um toque de absurdo O marxismo é equiparado somente ao totalitarismo o feminismo radical transformase na destruição da família o movimento antinuclear e o ambientalismo radical convertemse numa brincadeira de ludditas24 que destroçam as máquinasferramenta da generosa alta tecnologia e os programas socialistas tornamse visões anacrônicas de utopias inatingíveis estupidamente dessincronizadas de um capitalismo infinitamente maleável O fim do modernismo é alegremente proclamado como se a criação de uma cultura política pósmoderna radical e resistente fosse impossível e como se os problemas abordados pelos vários movimentos modernos houvessem desaparecido inteiramente desfeitos no ar O desenvolvimento de uma cultura política radical do pósmodernismo exigirá por conseguinte que se vá além das descrições empíricas rigorosas que implicam uma compreensão científica mas com excessiva frequência escondem o significado político além de um antimarxismo simplista que rejeita todos as descobertas do materialismo histórico na esteira de uma exibição de suas fraquezas e falhas contemporâneas além dos chauvinismos disciplinares de uma obsoleta divisão acadêmica do trabalho que se agarra desesperadamente a suas velhas prioridades e além de uma geografia marxista que presume que já se criou um materialismo histórico e geográfico pela simples inserção de um segundo adjetivo É preciso desenvolver um novo mapeamento cognitivo uma nova maneira de olhar através dos véus gratuitos do pósmodernismo reacionário e do historicismo moderno avançado para incentivar a criação de uma consciência espacial politizada e de uma praxis espacial radical Assim as mais importantes geografias pósmodernas ainda estão por ser produzidas 1 Utilizo reassumir para abranger o que alguns observadores consideram ter sido um emudecimento dessa ênfase francesa na espacialidade durante o século XIX Gregory 1978 38 escreve Na França a dimensão espacial fora um elemento insistente dos estudos de economia política desde o fim do século XVII o que durou um bom tempo no século XVIII No início da década de 1800 entretanto estava começando a falhar em parte no dizer de Gregory devido à ascensão de uma economia política ricardiana e mais tarde à conquista do positivismo de Comte Isso produziu uma lacuna entre o desenvolvimento inicial de uma economia política espacializada e o desenvolvimento da epistemologia no século XX a que ela acabaria por aderir Lacuna ou não o ponto subjacente é a extraordinária profundeza e continuidade da tradição espacial francesa comparada com as filosofias idealistas alemãs e com a economia política britânica 2 O marxismo italiano provavelmente teve a mesma inclinação Talvez haja alguma base para argumentar em favor de uma tradição latina mais ampla da espacialidade mas não me disponho a defender essa tese aqui a não ser para assinalar o importante papel de Antonio Gramsci no desenvolvimento de um materialismo histórico geográfico Gramsci é muito mais espacial do que os outros fundadores do marxismo ocidental Karl Korsch Ernst Bloch e György Lukács Voltarei à geografia de Gramsci no ensaio seguinte 3 Como observado em Jay 1984 293 o primeiro contato de Lefebvre com Hegel proveio de seu envolvimento precoce com o movimento surrealista e do relacionamento com uma de suas figuras centrais André Breton No texto autobiográfico intitulado Le Temps des méprises O tempo dos equívocos 1975 49 Lefebvre descreve um encontro com Breton em 1924 Ele me mostrou um livro em sua mesa a tradução da Lógica de Hegel por Vera que era uma tradução muito ruim e disse algo desdenhoso do tipo Você nem sequer leu isso Poucos dias depois comecei a ler Hegel que me levou a Marx 4 Lefebvre e Guterman 1936 A tese principal dessa obra era que todas as formas de consciência individuais e coletivas eram manipuladas no capitalismo a fim de ocultar os mecanismos fundamentais da extorsão e da acumulação da maisvalia Isso significava que a própria classe trabalhadora também tendia a não ter consciência dos meios de sua própria exploração aprisionada numa consciência igualmente mistificada ao menos até descobrir como erguer o véu dessa mistificação instrumental A publicação do livro causou uma ampla controvérsia política dentro do Partido Comunista especialmente porque ele fora escrito pelo principal teorizador do Partido na época 5 A Occitânia é o conjunto das regiões do sul da França onde se falam os dialetos da línguadoc Languedoc sobretudo o provençal antigo ou língua dos trovadores NT 6 Ver Lefebvre 1975 9 no tocante a sua resposta à pergunta sobre como havia desenvolvido seu interesse pelo espaço Especialmente influente foi a construção da nova cidade de LacqMourenx nos Pireneus atlânticos e o que ele chamou de emergência de uma nova prática social e política associada à criação da Datar Délégation à lAménagement du Territoire et à lAction Régionale Comissão de Distribuição Territorial e Ação Regional Uma recente tradução de uma entrevista com Lefebvre Burgel et al 1987 forneceu as seguintes respostas a essa mesma pergunta O ponto de partida para mim foi o trabalho da Datar Havia algo novo acontecendo nasceu uma ideia de planejamento e prática espaciais Afinal a criação de novas cidades e o redesenvolvimento das existentes era uma abordagem bastante nova comparada às descrições clássicas dos fenômenos urbanos Entretanto minha iniciação não se deu nem do ponto de vista da filosofia nem do da sociologia embora elas estivessem implicitamente presentes nem tampouco foi histórica ou geográfica Foi antes a emergência de uma nova prática social e política A Datar visava a reorganizar a França a partir de perspectivas questionáveis e por vezes catastróficas Certamente foi um fenômeno francês original Não sei de muitos outros países que tenham ultrapassado o estágio do planejamento financeiro em seus orçamentos até efetivamente planejarem seu espaço 28 7 Após o término das rebeliões de Paris em 1968 que muitos encararam como um teste político das ideias de Lefebvre até mesmo alguns de seus seguidores mais próximos começaram a abandonálo saltando para o que eram na época os dois maiores carroschefes do marxismo francês o estruturalismo althusseriano e o existencialismo sartreano Significativamente foi esse clima pós 1968 de Lefebvrevocênosdecepcionou que influenciou a tradução da obra de Lefebvre para o marxismo anglófono por exemplo Castells 1977 8 Ver a nota 14 do capítulo anterior 9 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie Fundamentos da crítica da economia política de Karl Marx pex Berlim Dietz Verlag 1974 NT 10 Não estou afirmando que a geografia marxista inicial tenha sido exclusivamente estruturalista ou que não tenha havido nenhuma consciência dos problemas interpretativos e políticos associados a uma aplicação rígida da doutrina althusseriana Infelizmente quando os novos geógrafos humanistas voltavam os olhos para a geografia marxista muitas vezes viam apenas seu marxismo estrutural reprovando com júbilo seu extermínio supostamente inconsciente do agente humano cognoscível sem perceber que muitos geógrafos marxistas já haviam reconhecido os mesmos problemas Ver por exemplo Duncan e Ley 1982 11 A revista Antipode foi a principal publicação da pesquisa geográfica radical relacionada com a nova economia política urbana e durante um período da década de 1970 teve os índices mais altos de circulação de qualquer das novas publicações radicais das ciências sociais Igualmente importante como veículo de estudos urbanos marxistas com uma acentuada inclinação sociológica foi o International Journal of Urban and Regional Research fundado em 1977 e com sede na GrãBretanha Depois de ficar centralizada por muitos anos na Faculdade de Geografia da Universidade Clark em Worcester Massachusetts o primeiro número saiu em 1969 Antipode é agora publicada em Oxford pela Basil Blackwell Para obter uma amostra conveniente de The Best of Antipode 196985 O melhor de Antipode 196985 ver a edição dupla especial vol 17 nos 2 e 3 1985 última a ser publicada nos Estados Unidos sob a longa e competente direção editorial de Richard Peet Ver também Peet 1977 12 Meu próprio compromisso pessoal com a geografia marxista nasceu de uma tentativa de responder às críticas radicais a minha obra inicial sobre a geografia da modernização na África Soja 1968 1979 Soja e Tobin 1974 Soja e Weaver 1976 Depois de explorar as fontes dessa crítica comecei a pensar que poderia fazer um trabalho ainda melhor de reconstrução radical da nova geografia do desenvolvimento como passou a ser chamada O capítulo 4 faz uma resenha de algumas dessas tentativas iniciais de reconstrução 13 Tornouse cada vez mais difícil separar de um lado a teoria e os debates do planejamento crítico sobre a natureza da prática de planejamento urbano e regional e de outro o encontro que se vai desdobrando entre a geografia moderna e o marxismo ocidental bem como os debates sobre a teorização do espaço De fato a tradição anglófona de instrução sobre planejamento ao longo de todo o século XX foi um dos lugares mais importantes para a preservação da análise geográfica prática da teoria espacial crítica e da imaginação geográfica Sem ter seu próprio nicho disciplinar característico na moderna divisão acadêmica do trabalho o planejamento urbano e regional combinou flexivelmente algumas tradições e ênfases disciplinares fornecendo quando não era cerceado por suas próprias ortodoxias internas um meio atraente para os que buscavam novas combinações e perspectivas multidisciplinares Desde a década de 1960 acompanhando a expansão da nova prática social e política descrita por Lefebvre como planejamento espacial um número crescente de geógrafos e teóricos espaciais marxistas passou a se empenhar diretamente no planejamento urbano e regional explorando a gestão estatal da produção do espaço de dentro da barriga educacional da fera 14 O termo mais amplamente usado para descrever essa reconfiguração recente do capitalismo é pósindustrial Esse termo tem lá seu encanto mas desvia erroneamente nossa atenção da centralidade permanente da produção industrial e do processo de trabalho na reestruturação contemporânea das sociedades capitalistas É tão absurdo a sua maneira quanto descrever o que vem acontecendo como póscapitalismo ou fim da ideologia 15 Espírito da época em alemão no original NT 16 Espírito espacial em alemão no original NT 17 Em 1984 Jameson Lefebvre e eu fizemos um circuito em espiral pelo centro de Los Angeles começando no Hotel Bonaventure Tento recapitular nossas viagens no capítulo 9 18 Apesar de uma abordagem muito simpática das espacializações de Foucault Rabinow continua a descrever a obra de Foucault desvirtuadoramente diria eu como uma forma de historicismo crítico 19 A analítica espacial de Foucault vem sendo retomada com especial vigor por Derek Gregory e seus alunos na Universidade de Cambridge Ver Gregory no prelo 20 A obra de Massey inspirou uma nova obsessão com as localidades na pesquisa geográfica britânica um privilegiamento das particularidades do lugar que ainda está por se provar particularmente frutífero A ênfase nas localidades gerou por sua vez um debate crescente sobre as implicações teóricas do que é descrito como a virada empírica da geografia radical Ver os muitos artigos recentes sobre esse debate em Antipode Cooke 1987 Smith 1987 Cochrane 1987 Gregson 1987 21 A abreviação utiliza as iniciais da expressão formerly radical upwardly mobile professionals NT 22 Ver especialmente a tempestade em copodágua de comentários exasperados instigada por Saunders e Williams 1986 num rude ataque fisgador de radicais contra a suposta ortodoxia marxistarealista que esses autores afirmam ter tomado conta dos estudos urbanos e regionais britânicos A resposta pessoal de David Harvey ao que efetivamente constituiu um ataque pessoal juntamente com uma série de reações basicamente em causa própria à efervescente confusão das deturpações e das fintas e cruzados de esquerda de uma luta contra oponentes imaginários foi recentemente publicada em Society and Space Harvey et al 1987 sob o pretensioso título de Reconsidering social theory a debate Reconsiderando a teoria social um debate 23 Utilizo a expressão moderno tardio para me referir a uma defesa contínua da moderna divisão intelectual do trabalho incluindo o marxismo ocidental e a geografia moderna mas com algumas inclinações contemporâneas e adaptativas tais como o reconhecimento do impacto dos processos de reestruturação pósfordistas e pós modernos Um brilhante exemplo dessa flexível posição intermediária da geografia marxista moderna avançada é o recente artigo de Harvey intitulado Flexible Accumulation through Urbanization Reflections on PostModernism in the American City A acumulação flexível através da urbanização reflexões sobre o pós modernismo na cidade norteamericana 1987 24 De Ned Ludd líder real ou fictício de um movimento organizado de bandos de operários ingleses que no início do século XIX revoltados com o desemprego acarretado pela introdução de máquinas na indústria têxtil e também com a má qualidade dos produtos nelas fabricados reuniamse geralmente à noite e usando máscaras para destruir essas máquinas O movimento só se extinguiu por completo depois de 1816 em resultado de vigorosas medidas repressivas e em especial da renascente prosperidade Em sentido amplo designa aqueles que se opõem à mudança tecnológica NT A DIALÉTICA SOCIOSPAIAL O espaço e a espetacularização das relações sociais nas também retenham claras A industrialização que é um dos produtos do urbanismo é agora produzido por ele Quando usamos as palavras revolução urbana estamos designando o conjunto completo de transformações que permeiam toda a sociedade contemporânea e promovem uma mudança de um período em que predomina a problemática urbana se torna decisiva transformação estrutural Como tentarei demonstrar essa homologia espaçoclasse pode ser verificada na divisão regionalizada do espaço organizado em centros dominantes e periferias subordinadas em relações espaciais de produção socialmente criadas e polarizadas captáveis com maior precisão no conceito de desenvolvimento geograficamente desigual Essa conceituação dos vínculos entre a diferenciação social e espacial não implica que as relações espaciais de produção ou a estrutura centroperiferia sejam separadas e independentes das relações sociais de produção das relações de classe Ao contrário os dois conjuntos de relações estruturadas o social e o espacial são não apenas homólogos no sentido de provirem das mesmas origens no modo de produção como também dialeticamente inseparáveis O fato de existir essa associação dialética entre o que se poderia chamar de dimensões vertical e horizontal do modo de produção é sugerido nos textos de Marx e Engels nas discussões da antítese entre a cidade e o campo da divisão territorial do trabalho da segmentação do espaço residencial urbano no capitalismo industrial da desigualdade geográfica da acumulação capitalista do papel do arrendamento e da posse particular da terra da transferência setorial do excedente e da dialética da natureza Contudo cem anos de marxismo não foram suficientes para desenvolver a lógica e o alcance desses discernimentos2 A atrofia da imaginação geográfica no período interveniente ajuda a explicar por que o renascimento da análise espacial marxista foi tão árduo e tão sobrecarregado de temores infundados de fetichismo espacial Esse longo hiato também explica por que houve tanta controvérsia acerca da terminologia da ênfase e das credenciais bem como por que persistiram divisões entre as economias políticas urbana regional e internacional em vez de levar à criação de uma economia política espacial mais unificada Por fim ajuda a compreender por que à exceção de Lefebvre houve tamanha falta de audácia ou seja por que em meio às afirmações de que o ressurgimento de uma economia política radical espacialmente explícita representava uma nova sociologia urbana uma nova geografia econômica uma nova política urbana ou uma nova teoria do planejamento ninguém mais se mostrou disposto a apreender a implicação realmente radical de que o que estava emergindo era um materialismo dialético simultaneamente histórico e espacial O que vem a seguir é uma tentativa de resgatar a afirmação inicial da dialética socioespacial e da necessidade de um materialismo históricogeográfico tal como originalmente elaborado in Soja 1980 e Soja e Hadjimichalis 1979 ESPACIALIDADE A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO PRODUTO SOCIAL É necessário começar deixando tão clara quanto possível a distinção entre o espaço per se o espaço como um dado contextual e a espacialidade de base social o espaço criado da organização e da produção sociais De uma perspectiva materialista seja ela mecanicista ou dialética o tempo e o espaço no sentido geral ou abstrato representam a forma objetiva da matéria Tempo espaço e matéria estão inextricavelmente ligados sendo a natureza dessa relação um tema central na história e na filosofia da ciência Essa visão essencialmente física do espaço influenciou profundamente todas as formas de análise espacial quer filosóficas teóricas ou empíricas quer aplicadas ao movimento dos corpos celestes ou à história e ao panorama da sociedade humana Tendeu também a impregnar todas as coisas espaciais de um sentido remanescente de primordialidade e composição física de uma aura de objetividade inevitabilidade e reificação O espaço nessa forma física generalizada e abstrata foi conceitualmente incorporado na análise materialista da história e da sociedade a ponto de interferir na interpretação da organização espacial humana como um produto social passo primeiro e fundamental para se reconhecer uma dialética socioespacial O espaço como contexto físico gerou um amplo interesse filosófico e discussões demoradas sobre suas propriedades absolutas e relativas um longo debate que remonta a Leibniz e recua ainda mais suas características como continente ambiental da vida humana sua geometria objetificável e suas essências fenomenológicas Mas esse espaço físico foi uma base epistemológica ilusória para se analisar o sentido concreto e subjetivo da espacialidade humana O espaço em si pode ser primordialmente dado mas a organização e o sentido do espaço são produto da translação da transformação e da experiência sociais3 O espaço socialmente produzido é uma estrutura criada comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes ao estar vivo exatamente da mesma maneira que a história humana representa uma transformação social do tempo Seguindo uma linha semelhante Lefebvre estabelece uma distinção entre a Natureza como um contexto ingenuamente dado e aquilo que se pode denominar de segunda natureza a espacialidade transformada e socialmente concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado É essa segunda natureza que se transforma no sujeito e no objeto geográficos da análise histórica materialista de uma interpretação materialista da espacialidade O espaço não é um objeto científico afastado da ideologia e da política sempre foi político e estratégico Se o espaço tem uma aparência de neutralidade e indiferença em relação a seus conteúdos e desse modo parece ser puramente formal a epítome da abstração racional é precisamente por ter sido ocupado e usado e por já ter sido o foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes na paisagem O espaço foi formado e moldado a partir de elementos históricos e Uma vez que se aceite que a organização do espaço é um produto social que questão já não é de ele ser uma estrutura separada com regras de construção e transformação independentes do contexto social mais amplo De uma perspectiva materialista o que passa a ser importante é a relação entre o espaço criado e organizado e as demais estruturas dentro de determinado modo de produção Foi essa questão básica que dividiu a análise espacial marxista nos anos setenta em pelo menos três orientações distintas exagerava a dialética socioespacial esse grupo recuou dela sem captar efetivamente seu sentido e suas implicações criando uma confusa ambivalência à qual por sua vez reagiram os críticos marxistas mais ortodoxos Para tomarmos um exemplo destacado consideremos a conceituação do espaço elaborada por Castells em A questão urbana 1977 livro deliberadamente intitulado para contrastar com A revolução urbana escrito por seu exprofessor Lefebvre Considerar a cidade como a projeção da sociedade no espaço é ao mesmo tempo um ponto de partida indispensável e uma abordagem por demais elementar É que embora se deva ir além do empirismo da descrição geográfica correse o enorme risco de imaginar o espaço como uma página em branco onde se inscrevem as ações dos grupos e das instituições sem deparar com nenhum outro obstáculo além do vestígio das gerações passadas Isso equivale a conceber a natureza como inteiramente moldada pela cultura ao passo que toda a problemática social nasce pela união indissolúvel desses dois termos através do processo dialético mediante o qual uma dada espécie biológica especialmente por ser dividida em classes o homem transforma a si mesmo e a seu meio ambiente em sua luta pela vida e pela apropriação diferenciada do produto de seu trabalho O espaço é um produto material relacionado com outros elementos entre outros os homens que entram eles próprios em determinadas relações sociais que conferem ao espaço e aos outros elementos da combinação uma forma uma função e uma significação social Ele não é portanto uma mera oportunidade a disposição da estrutura social mas uma expressão concreta de cada conjunto histórico em que uma sociedade é especificada A questão portanto é estabelecer do mesmo modo que em relação a qualquer outro objeto real as leis estruturais e conjunturais que regem sua existência e transformação e a especificidade de sua articulação com os outros elementos de uma realidade histórica Isso significa que não há teoria do espaço que não seja parte integrante de uma teoria social geral ainda que implícita p 115 grifos nossos Esse trecho complexo encerra uma dialética socioespacial mas é apresentado como uma alternativa à visão lefebvreana rejeitada Não surpreende que os leitores da tradução para o inglês tenham ficado confusos A própria conceituação de Castells foi atacada como sendo revisionista e weberiana pelos representantes do segundo campo Harloe 1976 21 por exemplo afirmou que Castells cometera o mesmo erro no qual criticara Lefebvre de incorrer ou seja o de separar a estrutura espacial de suas raízes nas relações de produção e de classe Esse suposto erro argumentouse gerara uma ênfase imprópria no consumo coletivo e em outros aspectos sociais e espaciais do processo de consumo uma ênfase que foi vista como algo que confundia o papel mais fundamental da produção na urbanização capitalista5 Mas voltemos à principal contribuição de Castells para o que ele denominou de debate sobre a teoria do espaço Castells claramente apresentou o espaço como um produto material que emerge dialeticamente da interação entre a cultura e a natureza Assim o espaço não seria simplesmente um reflexo uma mera oportunidade à disposição da estrutura social mas a expressão concreta de uma combinação de instâncias um conjunto histórico de elementos e influências materiais em interação Sendo assim como compreender e interpretar esse espaço criado O caminho passava pelo que Castells descreveu como as leis estruturais e conjunturais que regem sua existência e sua transformação um sólido indício do estruturalismo althusseriano que dominava nessa época a abordagem de Castells a questão urbana O que pareceu separar Castells de Lefebvre foi a argumentação não qualificada do primeiro de que determinadas relações sociais davam forma função e importância à estrutura espacial e a todos os outros elementos da combinação Assim atribuiuse a uma estrutura as relações sociais de produção supostamente aespaciais que de algum modo incluíam os direitos de propriedade embora ignorassem sua dimensão espacialterritorial um papel determinante Mas foi justamente essa relação determinante que Lefebvre começou a restringir e a corrigir associando a formação de classes às relações tanto sociais quanto espaciais de produção e inserindo a problemática social numa divisão simultaneamente social e espacial do trabalho numa dimensão vertical e horizontal Ainda não existia nos anos setenta uma formulação rigorosa dessas relações espaciais de produção e dessas divisões espaciais do trabalho não decerto uma formulação que se equiparasse à profundidade e à persuasão das análises marxistas das relações sociais de produção e das divisões sociais do trabalho Mas não havia razão para rejeitar a formulação de uma dialética socioespacial com base no fato de um século de marxismo não ter sabido incorporar uma interpretação materialista da espacialidade equiparável a sua interpretação materialista da história As origens do descaso para com a espacialidade no marxismo ocidental Tornouse praxe entre os geógrafos marxistas e os sociólogos urbanos na década de 1970 afirmar que nas obras clássicas de Marx Engels e Lênin havia poderosas intuições geográficas e espaciais mas que essas ênfases e orientações tinham sido precariamente desenvolvidas pelas gerações subsequentes Assim muitos abordaram a tarefa da análise espacial marxista basicamente em termos de um levantamento e elaboração dessas observações clássicas no contexto do capitalismo contemporâneo A análise de David Harvey sobre a geografia da acumulação capitalista 1975 e o trabalho de Jim Blaut sobre o imperialismo e o nacionalismo 1975 constituem exemplos excelentes ao passo que alguns projetos mais amplos visando a extrair as implicações geográficas dos escritos de Marx foram instaurados sob a direção dos colaboradores de Antipode e dos membros da organização vinculada a essa publicação o Sindicato dos Geógrafos Socialistas Relativamente pequena entretanto foi a atenção dada à explicação do motivo pelo qual a análise espacial continuara tão precariamente desenvolvida durante tanto tempo De fato até recentemente o marxismo ocidental se assemelhou ao desenvolvimento da ciência social burguesa ao encarar a organização do espaço como um continente ou um reflexo externo um espelho da dinâmica social e da consciência social De um modo quase durkheimiano a espacialidade da vida social foi externalizada e neutralizada em termos de seu impacto nos processos sociais e históricos e vista como pouco mais do que um pano de fundo ou um palco Explicar essa submersão da análise espacial no marxismo continua a ser uma tarefa fundamental Entretanto é possível estabelecer algumas teses iniciais 1 A publicação tardia dos Grundrisse Os Grundrisse6 de Marx que só se disseminaram amplamente numa tradução muito depois da II Guerra Mundial provavelmente contêm uma análise geográfica mais explícita do que qualquer de seus textos Seus dois volumes foram inicialmente publicados em russo em 1939 e 1941 A primeira edição alemã foi publicada em 1953 e a primeira edição em inglês em 1973 Além disso como é hoje perfeitamente sabido Marx nunca concluiu seus projetos de volumes subsequentes do Capital abordando o comércio mundial e a expansão geográfica do capitalismo mas apenas forneceu indícios de seu possível conteúdo nos Grundrisse tardiamente publicados Na falta dessas fontes deuse muita ênfase à teorização dos volumes publicados do Capital basicamente aespacial e fechada num sistema Embora Marx nunca deixe de ilustrar suas teses com exemplos históricos e geográficos específicos os volumes I e II do Capital em particular continuam encerrados nos pressupostos simplificadores de uma economia nacional fechada de um capitalismo essencialmente desprovido de espaço e sistematicamente estruturado quase como se existisse na cabeça de um alfinete O volume III e os volumes adicionais propostos deveriam representar concretizações da teoria de Marx projeções exteriorizadas para uma análise histórica e geográfica dos mercados mundiais do colonialismo do comércio internacional do papel do Estado etc em síntese para uma análise do desenvolvimento desigual dos setores produtivos das regiões e das nações Através das contribuições de Bukharin Lênin Luxemburgo Trótski e outros a teoria do imperialismo e as conceituações associadas dos processos do desenvolvimento desigual tornaramse o principal contexto da análise geográfica dentro do marxismo ocidental Havia uma problemática espacial implícita nessas teorizações do imperialismo mas ela se apoiou primordialmente no simples reconhecimento de uma limitação física última à expansão geográfica do capitalismo Para a maioria dos grandes teorizadores esses limites geográficos do capital tinham pouca probabilidade de vir a ser atingidos porque a revolução social interviria muito antes de o mundo inteiro tornarse uniformemente capitalista Não obstante os processos de desenvolvimento geograficamente desigual foram reconhecidos e colocados na agenda teórica e política sendo revividos por uma nova geração de estudiosos marxistas liderados por figuras como Wallerstein Amin Emmanuel Palloix Hymer e especialmente Ernest Mandel Até que ponto essa nova geração foi influenciada pelas traduções dos Grundrisse no pósguerra é uma questão interessante mas que ainda permanece em aberto 2 As tradições antiespaciais no marxismo ocidental A incapacidade de desenvolver as ênfases espaciais inerentes às obras de Marx e a outros trabalhos posteriores sobre a expansão geográfica do capitalismo bem como às interpretações igualmente espaciais da antítese cidadecampo que aparecem de maneira tão vívida em The German Ideology A ideologia alemã e em outros pontos dos textos de Marx também pode ser ligada a uma profunda tradição de antiespacialismo Paradoxalmente talvez essa tradição de rejeitar as explicações geográficas da história originase no próprio Marx em sua resposta à dialética hegeliana Sob diversos aspectos Hegel e o hegelianismo promulgaram uma poderosa ontologia e fenomenologia espacialista que reificou e fetichizou o espaço sob a forma do Estado territorial locus e meio da razão aprimorada Como afirma Lefebvre em A produção do espaço 1974 2933 o tempo histórico para Hegel cristalizouse e se fixou dentro da racionalidade iminente do espaço como ideia de Estado Assim o tempo foi subordinado ao espaço passando a própria história a ser dirigida por um espírito territorial o Estado O antihegelianismo de Marx não se restringiu a uma crítica materialista do idealismo Foi também uma tentativa de restabelecer a historicidade a temporalidade revolucionária em sua primazia sobre o espírito da espacialidade Desse projeto brotaram uma sensibilidade e uma resistência vigorosas à afirmação do espaço numa posição de determinação histórica e social um antiespacialismo antihegeliano entremeado praticamente na totalidade dos textos de Marx A possibilidade de uma negação da negação de uma recombinação não priorizada da história com a geografia do tempo com o espaço foi enterrada sob as codificações subsequentes da teoria marxista do fetichismo Acolheuse uma dialética materialista histórica à medida que os seres humanos foram contextualizados na construção da história mas uma dialética espacial ainda que materialista com os seres humanos produzindo suas geografias e sendo cerceados pelo que produziram mostrouse inaceitável Essa forma de antiespacialismo talvez tenha encontrado sua mais rígida codificação na History and Class Consciousness História e consciência de classe de Lukács onde a consciência espacial é apresentada como a epítome da reificação como a falsa consciência manipulada pelo Estado e pelo capital para desviar a atenção da luta de classes Essa armadura antiespacial serviu perfeitamente para resistir aos muitos ataques ao marxismo e à classe trabalhadora baseados numa incontestável reificação espacial situandose a opção de Le Corbusier entre Arquitetura ou Revolução entre os mais inofensivos desses ataques enquanto o fascismo foi de longe o mais pernicioso mas também tendeu a associar todas as formas de análise espacial e de explicação geográfica com o fetichismo e a falsa consciência Essa tradição não apenas continua a interferir no desenvolvimento da análise espacial marxista como também foi parcialmente responsável pela confusão característica que cerca a formulação de uma teoria marxista suficientemente concretizada do Estado do nacionalismo e da política local Cabe também fazer menção ao caráter antiespacial do dogmatismo marxista tal como ele emergiu da II Internacional e se consolidou no stalinismo As questões espaciais entre muitos outros aspectos da teoria e da prática marxistas foram abordadas pela II Internacional e por seus líderes pelo prisma de um reducionismo econômico estéril O marxismo foi transformado num cientificismo positivista sob a orientação de Stalin enfatizando a crença no pensamento tecnocrático e na causalidade estritamente econômica das ligações entre a base e a superestrutura A cultura a política a consciência a ideologia e juntamente com elas a produção do espaço foram reduzidas a simples reflexos da base econômica A espacialidade foi absorvida no economicismo à medida que se rompeu sua relação dialética com outros elementos da existência material 3 A mudança nas condições da exploração capitalista O descaso inicial e o recente ressurgimento do interesse pela problemática espacial no marxismo podem constituir afinal antes de mais nada um reflexo da mudança nas condições materiais Lefebvre argumentou em O pensamento marxista e a cidade 1972 que durante o século XIX e o início do século XX a problemática espacial foi simplesmente menos importante do que é hoje no tocante à exploração da mão de obra e à reprodução dos meios de produção essenciais Nas condições de um capitalismo industrial competitivo as máquinas as mercadorias e a força de trabalho eram reproduzidas de acordo com uma legislação social específica contratos de trabalho legislação civil acordos tecnológicos e com um aparelho estatal opressor polícia militares administração colonial A produção do espaço era acomodatícia conformista e diretamente moldada pelo poder do mercado e pelo poder estatal A estrutura espacial da cidade capitalista industrial por exemplo repetiase interminavelmente em sua concentricidade funcional e em setores segregados das classes sociais A exploração e a reprodução social foram primordialmente inseridas numa matriz temporal manipulável O índice de exploração a proporção de Marx entre a maisvalia e o capital variável constitui afinal uma expressão derivada da teoria trabalhista do valor e de sua mensuração fundamental do tempo de trabalho socialmente necessário Tal como as fórmulas da composição orgânica do capital e da taxa de lucro sua derivação pressupõe uma visão sistêmica fechada das relações de produção capitalistas desprovidas de diferenciação e desigualdade espaciais significativas Além disso dada a urbanização maciça associada à expansão da industrialização a reprodução da mão de obra mostrouse uma questão muito menos crucial do que o processo de exploração direta através de um sistema de salários de subsistência e da dominação do capital sobre o trabalho no local de produção Na extração da maisvalia absoluta a organização social do tempo afigurouse mais importante do que a organização social do espaço No capitalismo contemporâneo deixando de lado por ora a questão da transição e da reestruturação suas causas seu momento etc as condições subjacentes à continuação da sobrevivência do capitalismo se modificaram A exploração do tempo de trabalho continua a ser a fonte primordial da maisvalia absoluta mas dentro dos limites crescentes que decorrem da redução na duração do dia de trabalho dos níveis mínimos de salário e dos acordos salariais e de outras conquistas da organização da classe trabalhadora e dos movimentos sociais urbanos O capitalismo foi forçado a deslocar uma ênfase cada vez maior para a extração da maisvalia relativa através das mudanças tecnológicas das modificações na composição orgânica do capital do papel cada vez mais invasivo do Estado e das transferências líquidas do excedente associadas à penetração do capital em esferas não inteiramente capitalistas da produção internamente através da intensificação e externamente através do desenvolvimento desigual e da extensificação geográfica para regiões menos industrializadas do mundo inteiro Isso exigiu a construção de sistemas totais a fim de garantir e regular a serena reprodução das relações sociais de produção Nesse processo a produção do espaço desempenha um papel crucial Foi essa troca de importância entre a temporalidade e a espacialidade do capitalismo que instigou Lefebvre a afirmar que a industrialização antes produtora do urbanismo é agora produzida por ele A DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA ESPACIAL O desenvolvimento da análise espacial marxista sistemática coincidiu em sua maior parte com a intensificação das contradições sociais e espaciais nos países centrais e periféricos em virtude da crise geral do capitalismo iniciada na década de 1960 Contudo muito antes desse período houve diversos precursores importantes dentro da tradição marxista ocidental que não devem passar despercebidos Geralmente as teorias do imperialismo são vistas como a principal fonte do pensamento espacial no marxismo ocidental Houve porém vários outros progenitores significativos Por exemplo na Rússia entre 1917 e 1925 um movimento de vanguarda de urbanistas geógrafos e arquitetos trabalhou pela conquista de uma nova organização espacial socialista que correspondesse a outros movimentos revolucionários da sociedade soviética ver Kopp 1971 Não se presumiu que a transformação espacial fosse um subproduto automático da mudança social revolucionária Ela também implicava uma luta e a formação de uma consciência coletiva Sem esse esforço a Outra contribuição importante mas amiúde negligenciada para o desenvolvimento da análise espacial marxista encontrase na obra de Antonio Gramsci Em parte a obra de Gramsci está relacionada com análises das relações entre problemas urbanos e regionais da Europa durante os anos vinte e nos estágios iniciais da Grande Depressão No entanto uma das mais rigorosas e sistemáticas análises marxistas jamais escritas da economia política do desenvolvimento regional e internacional por sua conceituação da vida cotidiana no mundo moderno e passando pela urbanização e pelo urbanismo revolucionários até chegar a sua tese principal sobre a produção social do espaço Essa tese é claramente condensada em La Survie du Capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1976a 21 o único dos textos explicitamente espacializados de Lefebvre traduzido para o inglês O capitalismo descobriuse capaz de atenuar se não resolver suas contradições internas durante um século e consequentemente nos cem anos decorridos desde a redação do Capital logrou alcançar um crescimento Não podemos calcular a que preço mas realmente sabemos por qual meio ocupando o espaço produzindo um espaço Lefebvre vincula diretamente esse espaço capitalista tardio à reprodução das relações sociais de produção isto é aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue ampliar sua existência através da manutenção de suas estruturas definitórias Ele define três níveis de reprodução e afirma que a capacidade de o capital intervir diretamente e afetar todos esses três níveis desenvolveuse ao longo do tempo com o desenvolvimento das forças produtivas Primeiro existe a reprodução biofisiológica essencialmente dentro do contexto da família e das relações de parentesco em segundo lugar existe a reprodução da força de trabalho a classe trabalhadora e dos meios de produção e em terceiro existe a reprodução ainda mais ampla das relações sociais de produção No capitalismo tardio a organização do espaço passa a se relacionar predominantemente com a reprodução do sistema dominante de relações sociais Ao mesmo tempo a reprodução dessas relações sociais dominantes tornase a base primordial da sobrevivência do próprio capitalismo Lefebvre baseia sua tese na afirmação de que o espaço socialmente produzido essencialmente o espaço urbanizado do capitalismo tardio mesmo no campo é onde se reproduzem as relações dominantes de produção Elas são reproduzidas numa espacialidade concretizada e criada que tem sido progressivamente ocupada por um capitalismo que avança fragmentada em pedaços homogeneizada em mercadorias distintas organizada em posições de controle e ampliada para a escala global A sobrevivência do capitalismo tem dependido dessa produção e ocupação distintas de um espaço fragmentado homogeneizado e hierarquicamente estruturado obtido sobretudo através do consumo coletivo burocraticamente controlado isto é controlado pelo Estado da diferenciação entre os centros e as periferias em escalas múltiplas e da penetração do poder estatal na vida cotidiana A crise final do capitalismo só poderá surgir quando as relações de produção não mais puderem ser reproduzidas e não simplesmente quando a produção em si for paralisada a estratégia permanente do ouvrièrisme Assim a luta de classes sim ela ainda continua a ser uma luta de classes precisa abarcar e se concentrar no ponto vulnerável a produção do espaço a estrutura territorial de exploração e dominação a reprodução espacialmente controlada do sistema como um todo E precisa incluir todos os que são explorados dominados e periferalizados pela organização espacial impositiva do capitalismo tardio os camponeses sem terra a pequena burguesia proletarizada as mulheres os estudantes as minorias raciais e também a própria classe trabalhadora Nos países capitalistas tardios afirma Lefebvre a luta assumirá a forma de uma revolução urbana combatendo pelo droit à la ville direito à cidade e pelo controle da vie quotidienne dentro da estrutura territorial do Estado capitalista Nos países menos industrializados ela também se concentrará na liberação e na reconstrução territoriais na assunção do controle da produção do espaço e de seu sistema polarizado de centros dominantes e periferias dependentes dentro da estrutura global do capitalismo Com essa cadeia de argumentos Lefebvre define uma ampla problemática espacial do capitalismo e a eleva a uma posição central dentro da luta de classes inserindo as relações de classe nas contradições configuradoras do espaço socialmente organizado Ele não afirma que a problemática espacial sempre tenha tido essa centralidade Tampouco apresenta a luta pelo espaço como um substituto ou uma alternativa da luta de classes Em vez disso afirma que nenhuma revolução social pode ter êxito sem ser ao mesmo tempo uma revolução conscientemente espacial Exatamente da mesma maneira que outras abstrações concretas como a forma mercadoria foram analisadas na tradição marxista para mostrar como contêm em seu bojo mistificadas e fetichizadas as verdadeiras relações sociais do capitalismo também devemos agora abordar a análise do espaço A desmistificação da espacialidade revelará as potencialidades de uma consciência espacial revolucionária os fundamentos materiais e teóricos de uma praxis espacial radical voltada para a expropriação do controle da produção do espaço A afirmação de Berger retorna mais uma vez a profecia implica agora uma projeção mais geográfica do que histórica é o espaço e não o tempo que esconde de nós as consequências 1 Típico desse impulso de proteger a eterna primazia do social não espacial foi o comentário de Richard Walker sobre minha exposição inicial da dialética socioespacial num artigo sobre o Marxismo tópico apresentado na Assembleia Anual da Associação de Geógrafos Norteamericanos em Nova Orleans em 1978 Walker num interessante artigo sobre o desenvolvimento desigual no capitalismo tardio 1978 afirmou que a análise dialética já incorpora as relações espaciais do modo de produção mas que as relações sociais como relações de valor continuam a ter a primazia As relações de valor entretanto são definidas como abstratas e aespaciais mas apesar disso sociais Essa descrição foi algo que o próprio Walker qualificou de não dialética e conveniente e estou de acordo É justamente essa suspensão conveniente do raciocínio dialético que permite que as relações espaciais sejam incorporadas mas imediatamente e não dialeticamente ou acriticamente se vocês preferirem subordinadas a uma noção desespacializada do social aparentemente como um universal estrutural rígido que se evidencia em todos os momentos históricos do desenvolvimento do capitalismo 2 Uma das poucas tentativas de explicar por que a análise espacial historicamente foi tão pouco desenvolvida no marxismo pode ser encontrada em La Pensée Marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade de Lefebvre 1972 3 O predomínio de uma visão fisicalista do espaço permeou a tal ponto a análise da espacialidade humana que tende a distorcer nosso vocabulário Assim enquanto adjetivos como social político econômico e até histórico costumam sugerir salvo especificação em contrário um vínculo com a ação e a motivação humanas o termo espacial evoca tipicamente uma imagem física ou geométrica algo externo ao contexto social e à ação social uma parte do meio ambiente parte do cenário da sociedade seu continente ingenuamente dado e não uma estrutura formadora criada pela sociedade Na verdade não temos em inglês uma expressão amplamente usada e aceita para transmitir a qualidade intrinsecamente social do espaço organizado sobretudo uma vez que as expressões espaço social e geografia humana se tornaram muito obscuras com sentidos múltiplos e amiúde incompatíveis Por essas e outras razões optei por usar o termo espacialidade para especificar esse espaço socialmente produzido 4 Essa observação com o acréscimo do grifo provém da tradução de Harvey 1973 de um trecho de La Révolution urbaine A revolução urbana 1970 25 Nesse ponto do desenvolvimento de suas ideias sobre a produção do espaço Lefebvre se havia agarrado ao urbanismo como uma conceituação sumária da espacialidade capitalista Infelizmente essa metáfora explicitamente urbana impediu os leitores de verem a ênfase espacial muito mais generalizada que estava por trás de sua tese em desenvolvimento e provocou reações ao que foi percebido como uma reificação do urbano Castells cristalizaria essa visão ao descrever a conceituação lefebvreana da revolução urbana como a versão esquerdista da ideologia urbana promulgada pelos teóricos burgueses da Escola de Chicago de ecologia urbana que ele considerava uma superespecificação igualmente mistificadora do urbano como objeto teórico 5 Curiosamente uma reação muito semelhante vinhase desenvolvendo aproximadamente na mesma época contra Wallerstein e outros que tentavam conferir uma dimensão espacial explícita à divisão internacional do trabalho e ao desenvolvimento desigual da economia capitalista mundial Também eles foram atacados por sua ênfase exagerada no consumo e no comércio versus a produção por seu retorno não reconhecido às mistificações burguesas de classe via Adam Smith e não Max Weber e por suas espacializações inadequadas da história e do desenvolvimento capitalista ou seja sua ênfase excessiva em forças externas às relações sociais de produção evolutivas in situ através da estrutura centroperiferia e das operações em escala global de acumulação capitalista Examinarei esse debate crítico no capítulo seguinte 6 Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie NT 4 DEBATES URBANOS E REGIONAIS A PRIMEIRA RODADA Todo o sistema capitalista aparece como uma estrutura hierárquica com diferentes níveis de produtividade como o resultado do desenvolvimento desigual e conjunto de Estados regiões ramos industriais e empresariais desencadeado pela busca do lucro excedente Assim mesmo no caso ideal de um começo homogêneo o crescimento econômico capitalista a reprodução e a acumulação ampliadas do capital ainda são sinônimos da justaposição e da combinação constante de desenvolvimento e subdesenvolvimento Mandel 1975 102 e 85 A PROBLEMÁTICA ESPACIAL URBANA A análise espacial marxista em escala urbana evoluiu ao longo da década de 1970 juntamente com um desenvolvimento mais amplo que combinou diversas ênfases disciplinares econômica sociológica e geográfica num foco comum sobre a economia política da urbanização Subjacente a esse desenvolvimento integrador houve um conjunto de pressupostos sobre a natureza mutável do processo de urbanização no capitalismo avançado A crescente importância do capital monopolista sua expansão em escala global e sua dependência cada vez maior da administração e planejamento estatais foram interpretadas como havendo introduzido novas condições históricas e espaciais nas formações sociais capitalistas contemporâneas e portanto na política da luta de classes Entre outros efeitos essas novas condições exigiram uma abordagem da cidade e do processo de urbanização diferente da que havia caracterizado o tratamento dos problemas urbanos no capitalismo competitivo da época de Marx O processo de urbanização tornouse um hieróglifo social revelador através do qual era possível desvendar a dinâmica do desenvolvimento capitalista do pósguerra bem como desenvolver a estratégia de uma resposta política apropriada a uma economia mundial cada vez mais urbanizada A cidade passou a ser vista não apenas em seu papel distintivo de centro de produção e acumulação industrial mas também como o ponto de controle da reprodução da sociedade capitalista em termos da força de trabalho da troca e dos padrões de consumo O planejamento urbano foi criticamente examinado como um instrumento do Estado que atendia às classes dominantes através da organização e reorganização do espaço urbano em benefício da acumulação de capital e da administração da crise Deuse grande atenção não somente às contradições no local de trabalho o ponto de produção mas também ao conflito de classes em torno da habitação e do meio ambiente construído à prestação e à localização dos serviços públicos pelo Estado ao desenvolvimento econômico das comunidades e dos bairros às atividades das organizações financeiras e a outras questões que giravam em torno do modo como o espaço urbano era socialmente organizado para o consumo e a reprodução Assim uma problemática espacial especificamente urbana incorporada na dinâmica dos movimentos sociais urbanos foi colocada na agenda das considerações teóricas e da ação social radical Os marxistas mais ortodoxos discerniram um revisionismo perturbador e potencialmente destrutivo especialmente com respeito à primazia tradicional das questões da produção Sob muitos aspectos essa foi uma reação compreensível Os esforços de separar o consumo da produção e de lhe atribuir uma força autônoma significativa na sociedade e na história de definir a classe por exemplo primordialmente com base nas características de consumo tipificaram a ciência social burguesa ou liberal e sua reação ao materialismo histórico A presença de uma forte corrente neoweberiana na nova economia política urbana deixou os marxistas ainda mais inquietos com sua intenção e seu foco Além disso a ênfase depositada na análise espacial desencadeou temores de um recrudescimento do determinismo geográfico Na medida em que de fato a nova economia política urbana ocasionalmente caía numa tangente consumista e desvinculava as relações espaciais de sua origem nas relações de produção ela mereceu essa resposta crítica vigorosa Predominantemente porém a ênfase crescente na distribuição na troca e no consumo coletivo representou menos uma negação do papel central da produção do que um apelo para que se desse maior atenção a alguns processos historicamente negligenciados na análise marxista Na atualidade argumentouse tais processos haviamse tornado mais pertinentes à análise das classes e ao conflito de classes e mereciam um exame mais direto e intensivo Nesse sentido a análise urbana marxista situouse solidamente dentro da tradição crítica do marxismo ocidental que evoluíra ao longo do século XX em oposição ao economicismo formalista e infraestrutural ver Anderson 1976 Além disso podiase argumentar e se argumentou que o próprio Marx via a produção e o consumo como momentos dialeticamente relacionados do mesmo processo cada qual exigindo necessariamente o outro A maisvalia proveniente da aplicação do trabalho humano à produção de bens era a substância essencial da acumulação capitalista Mas essa maisvalia permanecia como um potencial abstrato a menos e até que fosse realizada através do nexo da troca e portanto através do processo de consumo Romper essa cadeia vinculada e alçar um momento intemporalmente acima dos outros seria supersimplificar a conceituação desse processo por Marx descrita de maneira sumamente explícita nos Grundrisse 1973 90 94 Mas enquanto a ênfase no consumo e na reprodução foi efetivamente legitimada muito menos exitosa foi a tentativa de defender a perspectiva espacial integradora que havia entrado na análise urbana marxista Como descrevemos no capítulo anterior o velho medo de fetichizar o espaço prejudicou os esforços de introduzir a espacialidade de maneira mais central no contexto mais amplo do materialismo dialético e histórico e nos debates históricos sobre o desenvolvimento e a sobrevivência do capitalismo Como resultado a análise espacial marxista prosperou mas primordialmente como um adendo uma ênfase metodológica ao que se converteu no foco dominante da economia política urbana a busca de uma teoria marxista do Estado capitalista tardio Apenas a obra de Lefebvre penetrou na confusão e na ambivalência de modo a projetar sem concessões uma problemática espacial urbana imperativa no cerne do marxismo contemporâneo A chave da afirmação lefebvreana consistiu em seu reconhecimento de uma profunda transformação evolutiva ligada à sobrevivência do capitalismo no século XX É a isso que ele se refere ao afirmar que estamos num período em que a problemática urbana tornouse mais decisiva em termos políticos do que as questões da industrialização e do crescimento econômico Em contraste com uma época anterior em que a industrialização produzia o urbanismo estamos agora diante de uma situação em que a industrialização e o crescimento econômico bases da acumulação capitalista são primordialmente moldados pela e através da produção social do espaço urbanizado planejada e orquestrada com crescente poder pelo Estado e que se expande rumo a um abarcamento cada vez maior da população e dos recursos mundiais Os movimentos sociais urbanos que receberam tamanha atenção contemporânea radicaramse essencialmente na resposta política dos que são subordinados marginalizados e explorados pelas particularidades desse processo de planejamento espacial cada vez mais global Uma vez compreendida e aceita essa assertiva tornase possível esclarecer o significado e a intenção de diversos argumentos mais específicos expostos por Lefebvre Tomemos por exemplo seus comentários sobre a relação histórica entre os circuitos primário industrial e secundário financeiro da circulação da maisvalia tal como traduzidos por David Harvey em A justiça social e a cidade 1973 n rodapé 1 312 Enquanto declina a proporção da maisvalia global formada e realizada na indústria a proporção realizada na especulação e na construção e bens imobiliários cresce O circuito secundário passa a superar o circuito principal O circuito secundário está profundamente implicado na manipulação do meioambiente construído na extração da renda urbana no estabelecimento dos valores da terra e na organização do espaço urbano para consumo coletivo facilitados na totalidade dos casos pelo Estado local e nacional Lefebvre não afirma que a maisvalia seja criada nesse circuito secundário mas apenas que a proporção ali realizada se ampliou maciçamente refletindo a crescente necessidade de intervenção direta na produção do espaço urbano Esses argumentos sugerem que a proporção da maisvalia absorvida na reprodução da força de trabalho e das relações sociais de produção numa sociedade capitalista cada vez mais urbanizada cada vez mais monopolista e cada vez mais global tornouse maior do que em qualquer época anterior maior até talvez do que a diretamente realizada e reinvestida a partir da produção industrial da exploração da mão de obra pelo capital no local de trabalho Isso não significa necessariamente que o volume absoluto da maisvalia produzida na indústria tenha declinado embora o desvio do capital para atividades não produtivas seja um problema estrutural significativo no que Lefebvre descreveu como système étatique sistema estatal e que outros denominaram de capitalismo monopolista de Estado O que se argumenta ao invés é que a crescente maisvalia obtida através da centralização e da acumulação do capital em escala global aumentou desproporcionalmente os custos da reprodução da mão de obra e da manutenção das relações sociais capitalistas O planejamento espacial da acumulação e crescimento capitalistas a capacidade de o capital atenuar senão resolver suas contradições internas no século passado ocupando o espaço produzindo um espaço não foi um passeio gratuito A espacialização é dispendiosa Levando a argumentação um passo adiante Lefebvre e outros como Castells desviaram a atenção para o terreno urbano do consumo coletivo como local fundamental para a realização do valor e para uma luta de classes cada vez mais espacializada Uma descrição particularmente clara da mudança histórica das relações de classe associada à ascensão do capitalismo monopolista administrado pelo Estado foi apresentada por Shoukry Roweis um planejador urbano cuja base é a Universidade de Toronto Verificamos uma mudança pronunciada no locus dos conflitos de classe acompanhando a mudança do capitalismo primitivo para o tardio Os principais problemas do capitalismo primitivo eram problemas de produção isto é problemas de oferta global insuficiente e portanto relativa escassez Nessas condições os conflitos de classe diziam respeito à divisão da produção excedente Em termos concretos os conflitos eram estritamente de trabalhocapital centrados no local de trabalho e concentrados nas disputas entre salárioslucro No capitalismo de hoje isso já não é estritamente aplicável Os problemas de produção cederam lugar aos problemas de superprodução O que o trabalho tira com uma das mãos na luta no local de trabalho ele dá com a outra no local de moradia urbano Com a intervenção estatal intensificada e ampliada as lutas pelos salários perdem sua importância e a luta pelo poder políticoadministrativo começa a se impor como uma luta crucial mas ainda não travada Ao mesmo tempo com a urbanização sempre crescente da população a maioria dessas lutas adquire um visível caráter urbano A luta em suma deslocouse da esfera da produção de bens e serviços para a esfera da reprodução isto é da manutenção de padrões de vida urbana estáveis senão aprimorados Roweis 1975 3102 grifo no original O capitalismo industrial competitivo conseguiu ampliarse e se transformar através de uma série de mudanças estruturais mas o fez sem eliminar suas contradições fundamentais Em vez disso elas passaram a se expressar não apenas no confronto direto entre o capital e o trabalho no ponto de produção mas também e com igual intensidade no âmbito do consumo coletivo e da reprodução social Enquanto no capitalismo competitivo Engels pôde afirmar que a militância da classe trabalhadora calcada no consumo tal como no conflito em torno da questão habitacional podia ser resolvida pela burguesia em benefício próprio quer barganhando a melhoria das condições habitacionais e da redução dos aluguéis em vez do aumento dos salários quer pelo simples deslocamento das condições habitacionais precárias para outro local em vez de sua eliminação a tática do deslocamento espacial esse conflito baseado no consumo já não pode ser cooptado com a mesma facilidade Mais do que no passado a realização da maisvalia e portanto a acumulação do próprio capital tornouse tão dependente do controle dos meios de consumoreprodução quanto do controle dos meios de produção ainda que esse controle permaneça em última instância nas mesmas mãos Assim podese afirmar que a transformação potencial do capitalismo passou a girar cada vez mais em torno de uma luta simultaneamente social e espacial de um conflito conjunto baseado nos salários e no consumo de uma organização e uma conscientização da mão de obra tanto na condição de trabalhadores quanto na de consumidores em outras palavras uma luta decorrente das estruturas de exploração inerentes às divisões verticais e horizontais de classe da sociedade numa dialética socioespacial Assim a resistência e a luta no contexto contemporâneo implicam a articulação das praxis social e espacial A priorização categórica do primeiro termo de cada uma dessas combinações em detrimento do segundo já não pode ser aceita Para ilustrar mais especificamente os argumentos anteriores e exemplificar mais uma vez a tipologia tripartite das abordagens da análise espacial marxista que prevaleceram durante a década de 1970 examinemos a controvérsia surgida em torno do papel do capital financeiro na cidade capitalista monopolista Michael Harloe um eminente sociólogo urbano marxista e durante muitos anos editor do International Journal of Urban and Regional Research1 definiu um dos lados do debate Em geral a ênfase de Harvey no papel do capital financeiro nas cidades em vez do capital produtivo tem sido criticada Ele não chega a ir tão longe quanto Lefebvre que considera que o capital financeiro isto é o capital implicado na circulação e não na produção vemse tornando a força dominante da sociedade e que os conflitos urbanos baseados no papel desse capital na especulação com a propriedade e na terra suplantam o conflito no local de trabalho teoria vivamente criticada por Castells Entretanto Harvey claramente encara isso como uma possibilidade embora seus críticos sugiram que o capital financeiro tem que permanecer secundário ao capital produtivo uma vez que afinal tem que abstrair sua riqueza da maisvalia e desse modo em última análise está subordinado ao segundo Harloe 1976 25 Essa compulsão de afirmar a dominante última grande maldição da lógica categórica versus a lógica dialética foi epitomada em toda a sua simplicidade estruturalista na conclusão de Harloe de que embora o capital financeiro possa aparentemente estar no controle o papel dominante ainda cabe ao capital produtivo Por implicação portanto Lefebvre seria um desviante irreconciliável que esqueceu o catecismo de Marx e Harvey seria inaceitavelmente ambivalente e confuso enquanto a produção continua a reinar suprema e inviolável A grande questão porém não é saber se o capital financeiro domina o capital industrial em última instância mas de que modo ele se relaciona como uma parcela do capital com outras parcelas do capital dentro de formações sociais específicas e de que modo isso afeta a ação das classes A questão portanto é conjuntural referente ao conjunto das relações de classe que emergem em determinados lugares durante determinados períodos de tempo Reduzir a análise marxista à afirmação das determinações estruturais últimas é eliminar toda a especificidade histórica e geográfica e portanto eliminar a própria cidade como objeto de análise2 Como deveríamos nesse caso avaliar o capital financeiro Embora Lefebvre tenha frisado claramente seu papel na realização da maisvalia ele não aquilatou de maneira inambígua suas relações com outras formas de capital deixando em aberto a velha questão de saber se o capital financeiro e o capital industrial estão em permanente conflito ou se como argumentou Lênin em sua teoria do imperialismo eles praticamente coalescem Em contraste David Harvey pareceu haver aceitado as duas posições sem levar em conta sua aparente incompatibilidade Em alguns momentos ele encarou o capital financeiro como uma parcela isolada um setor monopolista parasita que sugava verbas que de outro modo estariam disponíveis para a habitação e para os serviços sociais básicos e em conflito direto com o capital industrial do qual consegue extrair parte do excedente sob a forma de aluguel e juros Noutros momentos Harvey tratou o capital financeiro quase no sentido leninista como algo mesclado ao capital industrial numa união imperialista monopolista controlando num regime cooperativo a totalidade do processo de produção Num interessante artigo sobre a teoria da renda e a estratégia da classe trabalhadora temas diretamente vinculados ao debate sobre o capital financeiro Matthew Edel comentou a aparente duplicidade de Harvey Essas duas visões do capital financeiro não são realmente compatíveis e levam a implicações estratégicas diferentes para a classe trabalhadora Caso a primeira definição se sustentasse e os monopólios financeiros ou a discriminação financeira estivessem tornando escassas as finanças habitacionais quer para os trabalhadores em geral quer para subgrupos específicos colocados em guetos faria sentido uma estratégia antimonopolista implicando leis excludentes bancos estatais de habitação ou até a moratória dos pagamentos de hipotecas Caso entretanto se aplicasse a segunda definição e um grupo financeiro integrado controlasse a habitação e o emprego a redução dos custos habitacionais poderia ser compensada pela redução dos salários A relativa indiferença do capital financeiro quanto a determinar se a acumulação ocorre através da manutenção dos salários em níveis baixos no processo imediato de produção ou da manipulação no setor de consumo caso emergisse como Harvey sugere criaria a necessidade de a classe trabalhadora se organizar simultaneamente na condição de assalariados e de consumidores a fim de obter algum ganho econômico no capitalismo Mas essas vitórias seriam difíceis já que os erros táticos pela vertente da luta do consumo afetariam adversamente a luta salarial e viceversa Edel 1977 12 Edel conclui entretanto que a natureza da relação entre o capital financeiro e o capital industrial deve ser vista como historicamente determinada e assim claramente sujeita à mudança Nas fases iniciais de estagnação dos anos setenta as barreiras financeiras tiveram grande efeito Foram predominantemente responsáveis pela transformação dos centros metropolitanos através da renovação urbana e da redução da oferta de habitações de baixa renda em espetaculares novos centros de instituições de capital financeiro Contudo o aprofundamento da crise econômica tornou a deslocar o ônus para a redução dos salários reais assim estabelecendo a necessidade de uma luta em duas frentes nas relações de consumo e de produção simultaneamente Desse modo afirmou Edel o ataque contra apenas um setor do capital fosse o dos banqueiros ou o dos senhorios deixou de ser suficiente Mas essa afirmação precisa ser mais elaborada O capital financeiro improdutivo tornouse um elemento importante da estrutura do capitalismo contemporâneo mas não por haver suplantado o capital industrial na realização da maisvalia Ele retira sua importância da crescente absorção da maisvalia no consumo coletivo na reprodução da força de trabalho e da ordem social e na produção social contínua do espaço urbanizado No capitalismo industrial competitivo a organização do espaço urbano para a produção e o consumo podia ficar predominantemente entregue às forças de mercado às leis da propriedade privada e à concorrência normal entre os produtores industriais pelo acesso à mão de obra pelos materiais e pela infraestrutura A cidade capitalista industrial era primordialmente uma máquina de produção e como tal assumia uma estrutura espacial singularmente uniforme a estrutura tão argutamente retratada por Engels com respeito a Manchester e mais tarde pelos ecologistas urbanos no tocante a Chicago e outras cidades norteamericanas Nessas circunstâncias o capital financeiro tinha uma importância relativamente pequena como agente direto no contexto urbano local Seu papel preponderante na espacialização capitalista foi mais global moldando a expansão imperialista na virada do último século quando as máquinas de produção urbanas superaram sua capacidade de consumir sua produção e desencadearam níveis decrescentes de lucro e um crescente conflito de classes A reprodução ampliada em escala global e o crescimento concomitante do capitalismo monopolista entretanto intensificaram maciçamente a concentração de capital nos centros dos países industriais avançados e criaram pressões crescentes em prol de investimentos infraestruturais melhoria da habitação e serviços e métodos revigorados de controle social Mais do que nunca houve necessidade de intervir para reorganizar o espaço urbano e fazer os sistemas urbanos funcionarem mais eficazmente com vistas à acumulação de capital e à gestão da inquietação social Isso introduziu mais diretamente o capital financeiro no planejamento do espaço urbano O que se iniciara na primeira parte do século foi acelerado em resposta à Grande Depressão e à II Guerra Mundial depois que se tornou claro que a expansão imperialista e o monopólio empresarial não eliminariam sozinhos o conflito de classes e a crise econômica Como resultado de outra rodada de reestruturação o capital financeiro tornouse ainda mais significativo na moldagem do espaço urbano em conjunção não apenas com o capital industrial mas também cada vez mais com o outro agente de regulação e de reestruturação espacial o Estado Essa coalizão entre o capital e o Estado funcionou eficazmente replanejando a cidade como uma máquina de consumo transformando o luxo em necessidades à medida que a suburbanização maciça ampliou os mercados de bens de consumo duráveis O crescimento dessa fronteira de grama das casas suburbanas também intensificou a segregação residencial a fragmentação social e a segmentação ocupacional da classe trabalhadora Tornouse cada vez mais claro para os analistas urbanos marxistas dos anos setenta no entanto que essa reestruturação urbana induzida pela depressão depois de desempenhar um papel significativo na manutenção do surto de crescimento econômico do pósguerrra estava começando por sua vez a gerar novas formas de contradição crise e lutas sociais Castells 1976 captou vivamente a nova problemática espacial urbana que se estava desenvolvendo em sua descrição da ville sauvage a cidade selvagem mas a interpretação teórica mais convincente da década que reverberaria pelos anos oitenta afora veio de David Harvey como parte de sua análise ultraformalizada mas incisiva de The Urban Process Under Capitalism O processo urbano no capitalismo Depois de seguir o fluxo do capital por três circuitos entrelaçados de investimento na construção do espaço Harvey ofereceu uma conclusão sumamente provocante O capital se representa sob a forma de uma paisagem física criada à sua própria imagem criada como valores de uso favorecedores da acumulação progressiva do capital A paisagem geográfica daí resultante é a glória que coroa o desenvolvimento capitalista precedente Mas ao mesmo tempo ela expressa o poder da mão de obra morta sobre a mão de obra viva e como tal aprisiona e inibe o processo de acumulação dentro de um conjunto de restrições físicas específicas O desenvolvimento capitalista portanto tem que negociar um caminho muito estreito entre a preservação dos valores de troca dos investimentos de capital do passado no meio ambiente construído e a destruição do valor desses investimentos a fim de abrir um novo espaço para a acumulação No capitalismo portanto há uma luta perpétua em que o capital constrói uma paisagem física apropriada à sua própria condição em determinado momento do tempo simplesmente para ter que destruíla geralmente durante situações de crise num momento posterior do tempo O fluxo e refluxo temporal e geográfico do investimento no meio ambiente construído só pode ser entendido em termos desse processo Harvey 1978 124 Aqui a cidade o meio ambiente urbano construído é inserida na paisagem geográfica irrequieta do capital e especificada como parte de uma espacialização societária complexa e cheia de contradições que ao mesmo tempo favorece e inibe fornece um novo espaço e aprisiona oferece soluções mas logo acena para ser destruída A história do capitalismo da urbanização e da industrialização da crise e da reestruturação da acumulação e da luta de classes tornase necessária e centralmente uma geografia histórica localizada Esse lampejo de discernimento assinalou o fim da ambivalência de Harvey e a inauguração de uma nova fase na análise urbana marxista que será examinada no capítulo 7 A PROBLEMÁTICA ESPACIAL REGIONAL E INTERNACIONAL A análise urbana marxista e as interpretações marxistas do desenvolvimento regional e internacional raramente se superpuseram durante os anos setenta Embora uma nova economia política regional parecesse estarse configurando ao lado da já bemestabelecida economia política urbana houve um compartilhar de ideias relativamente pequeno3 Em vez de se basear nos debates e argumentos urbanos a análise regional recorreu primordialmente às teorias neomarxistas do desenvolvimento e do subdesenvolvimento internacionais que desde a década de 1960 haviam começado a incorporar uma perspectiva espacial questionadora se bem que um tanto fortuitamente descoberta Inexoravelmente seu trabalho também atraiu as conhecidas acusações de fetichização espacial e de submersão da análise das classes Um dos ataques mais veementes veio de uma economista Ann Markusen que na época estava apenas iniciando seu trabalho na economia política regional Markusen criticou especialmente os cientistas sociais marxistas mais jovens que imitam inadvertidamente a tendência da ciência social burguesa para atribuir características aos lugares e às coisas em vez de se ater à dinâmica de um processo como foco analítico 1978 40 A dinâmica do processo era essencialmente histórica e política afirmou ela e não geográfica As geografias as desigualdades regionais e os regionalismos vinham depois como efeitos da história e da política como produtos do desenvolvimento historicamente e não geograficamente desigual Os fantasmas do historicismo do século XIX haviam falado novamente através de mais um de seus fiéis descendentes Quase ninguém portanto pareceu notar a tese que se vinha desenvolvendo desde o início dos anos sessenta na obra de Ernest Mandel um dos mais destacados economistas políticos marxistas do século XX Ele publicou em 1963 aquilo a que hoje nos podemos referir como o primeiro grande estudo empírico da economia política regional prenunciadoramente intitulado de A dialética da classe e da região na Bélgica4 Mais tarde em sua influente Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista 1968 ele observou que o desenvolvimento regional desigual era habitualmente subestimado nos textos econômicos marxistas mas constituía uma das chaves essenciais para a compreensão da reprodução ampliada vol 1 373 Mandel levaria seu argumento ainda mais longe em obras posteriores afirmando como vimos em sua declaração sumamente enfática Mandel 1976 que o desenvolvimento desigual das regiões e das nações era tão fundamental para o capitalismo quanto a exploração direta do trabalho pelo capital Os textos de Immanuel Wallerstein sobre o sistema mundial capitalista e sua estrutura característica de centros periferias e semiperiferias de André Gunder Frank e da escola estruturalista latinoamericana sobre as relações metrópole satélite o subdesenvolvimento e a dependência de Samir Amin sobre a acumulação de capital em escala global e as propriedades singulares do capitalismo central e periférico e de Arghiri Emmanuel sobre as trocas desiguais e a transferência de valor todos complementaram e ampliaram implicitamente os argumentos de Mandel mas raras foram as vezes em que examinaram diretamente as espacializações vigorosas da teoria marxista e da história concreta do desenvolvimento capitalista sugeridas em sua interpretação do Capitalismo Tardio É por isso que descrevo a identificação de uma problemática espacial em escala regional e internacional por parte desses autores como fortuita como um adendo quase acidental a suas análises da expansão da reprodução sob o capitalismo Mas escavemos mais um pouco a problemática implícita que resultou dessa crescente espacialização da teoria do desenvolvimento regional e internacional na década de 1970 Da necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual A problemática espacial e suas ramificações sociopolíticas nas escalas regional e internacional dependem da importância atribuída ao desenvolvimento geograficamente desigual na gênese e na transformação do capitalismo Dito de maneira um pouco diferente dependem do grau em que a afirmação de Mandel sobre a equivalência interpretativa do desenvolvimento desigual e da relação capitaltrabalho possa ser aceita e fundamentada na teoria e na prática política marxistas A questão é clara será o desenvolvimento geograficamente desigual um traço tão necessário quanto contingente no capitalismo Para responder a essa pergunta é útil começarmos pela distinção entre uma análise das leis gerais do movimento do capital em condições puras e homogêneas ou seja espacialmente indiferenciadas e uma análise mais concreta das condições existentes em e entre formações sociais específicas Na primeira abstraída das particularidades de tempo e lugar a lógica fundamental da estrutura e do processo pode efetivamente ser vista como aespacial Seguindo Marx no Capital a natureza intrínseca do capitalismo pode ser revelada como um sistema de produção baseado num conjunto de contradições internas a começar pela que existe entre as forças e as relações de produção que deve levar em última instância através da crise e da luta de classes a uma transformação revolucionária Nessa interpretação essencialmente teórica e abstrata do capitalismo com seus paralelos tácitos com as conceituações ocidentais da ciência baseadas em leis gerais isentas da especificidade de tempo e lugar o desenvolvimento geograficamente desigual é não apenas irrelevante como também afastado por definição logicamente obliterado As análises marxistas baseadas nessas leis gerais do movimento e centralizadas na contradição entre o trabalho e o capital no processo de produção demonstram efetivamente o caráter efêmero do capitalismo sua autodestruição iminente Mas não explicam por si só como e por que o capitalismo continuou a existir Fazer isso exige uma atenção mais direta para os processos de reprodução especialmente para as particularidades da reprodução ampliada do capitalismo Quando as leis gerais do movimento do capital são fundamentadas na história e na geografia concretas do modo de produção capitalista uma conjunção que Mandel afirma que a teoria marxista nunca esclareceu satisfatoriamente o papel constitutivo do desenvolvimento geograficamente desigual tornase mais visível Há muitos paralelos entre esse argumento e o que foi anteriormente apresentado com respeito à problemática espacial urbana Em ambos a espacialidade vital do capitalismo é caracteristicamente afastada por definição através do recurso à teoria marxista ortodoxa em sua forma mais abstrata Mas quando concretizada no contexto da reprodução ampliada na especificidade associada à intensificação e à extensificação do capitalismo a importância da espacialidade se reafirma Mais uma vez a questão preponderante não é saber por que o capitalismo não pode durar mas por que e como ele sobreviveu desde a forma industrial competitiva dos tempos de Marx até sua metamorfose contemporânea a questão que permeia a obra de Lefebvre nos últimos cinquenta anos Assim como podemos definir o papel do desenvolvimento geograficamente desigual nesse contexto da reprodução ampliada Devemos começar mais uma vez pela fecunda afirmação lefebvreana de que o capitalismo foi capaz de sobreviver e de alcançar um crescimento através da produção e da ocupação de um espaço através de um processo difuso e problemático de espacialização A isso acrescentamos a especificação mandeliana de que a sobrevivência do capitalismo e a produção associada de sua espacialidade característica dependeram da diferenciação do espaço ocupado em regiões superdesenvolvidas e subdesenvolvidas da justaposição e da combinação constante do desenvolvimento e do subdesenvolvimento O modo como essa geografia específica do capitalismo se configura e é remodelada ao longo do tempo está apenas começando a se tornar claro O subdesenvolvimento regional é parte integrante da reprodução extensa ou ampliada criando grandes reservatórios de trabalho e mercados complementares capazes de atender ao fluxo espasmódico e contraditório da produtividade capitalista Se para sobreviver diz Mandel toda a população trabalhadora encontrasse trabalho na região em que vive não mais haveria reservas livres de mão de obra assalariada para as súbitas expansões do capitalismo industrial 1976 43 Quando essas reservas regionais de mão de obra5 não são criadas pelos movimentos naturais da população elas são produzidas pela força direta e através de outros meios Quando se esgotam numa área são novamente criadas em outra A criação de espaço de reserva de mão de obra também supre importantes mercados para o capital nos centros superdesenvolvidos de acumulação Essa combinação de reservas economicamente deprimidas de mão de obra que também funcionam como mercados para o produto excedente do centro é mantida e intensificada através de um sistema de troca desigual ou do que se poderia denominar em termos mais genéricos de transferência geográfica do valor Como sugere Mandel essa própria troca desigual é baseada na diferenciação regional Se a taxa de lucro fosse sempre a mesma em todas as regiões de uma nação e em todos os países do mundo assim como em todos os ramos da indústria não haveria mais acumulação de capital além da exigida pela movimentação demográfica E mesmo essa seria modificada por sua vez pelo impacto da aguda estagnação econômica que se seguiria Mandel 1976 43 E m Capitalismo Tardio 1975 Mandel apresenta uma inovadora síntese histórica da importância do desenvolvimento geograficamente desigual e da relação entre as transferências geográficas e setoriais de valor6 Ele baseia essa síntese numa contradição crítica no processo de reprodução ampliada a que existe entre a diferenciação e a igualação da taxa de lucro e de medidas correlatas tais como a composição orgânica do capital e as taxas de exploração Enquanto a concorrência capitalista normal tende para uma igualação da taxa de lucro entre os setores e entre as regiões a reprodução ampliada precisa alimentarse da extração de superlucros isto é superiores à taxa média o que por sua vez requer a diferenciação setorial eou regional Assim explica Mandel o processo efetivo de crescimento do capitalismo nunca atinge uma igualação plena das taxas de lucro Setorial e espacialmente ele é sempre desigualmente desenvolvido mesmo observa ele no caso ideal de um começo homogêneo A própria acumulação de capital produz o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como momentos mutuamente determinantes do movimento desigual e conjunto do capital A falta de homogeneidade da economia capitalista é um efeito necessário do desdobramento das leis de movimento do próprio capital Mandel 1975 85 grifos de Mandel O que estou discutindo aqui através das palavras de Mandel não é apenas que o desenvolvimento capitalista é geograficamente desigual pois uma certa desigualdade geográfica resulta de todos os processos sociais O ponto fundamental é que o capitalismo ou se preferirmos a atividade normal dos capitalistas em busca de lucros baseiase intrinsecamente nas desigualdades regionais ou espaciais como meio necessário de sua sobrevivência contínua A própria existência do capitalismo pressupõe a presença mantenedora e a instrumentalidade vital do desenvolvimento geograficamente desigual Que é que se torna geograficamente diferenciado A lista começa pelas taxas de lucro parâmetro crucial mas inclui também a composição orgânica do capital a produtividade do trabalho os índices salariais o custo dos materiais necessários à reprodução da força de trabalho os níveis de tecnologia e mecanização a organização do trabalho e a incidência da luta de classes Esses diferenciais são mantidos através de distribuições geográfica e setorialmente desiguais dos investimentos de capital e da infraestrutura social da concentração localizada de centros de controle da mão de obra e dos meios de produção dos circuitos entrosados do capital no processo de urbanização e das formas particulares de articulação entre as relações capitalistas e não capitalistas de produção Todos eles fazem parte da espacialização complexa e distintiva que tem marcado o desenvolvimento histórico do capitalismo desde sua origem Ao mesmo tempo há uma tendência persistente para a crescente homogeneização e redução dessas diferenças geográficas Essa tensão dialética entre diferenciação e igualação é a dinâmica subjacente do desenvolvimento geograficamente desigual Constitui uma fonte primordial da problemática espacial em todas as escalas geográficas desde o imediatismo da vida cotidiana no local de trabalho em casa e no meio ambiente urbano construído até a estrutura mais distante da divisão internacional do trabalho e da economia capitalista mundial Também está inserida embora costume passar despercebida na abordagem marxista da acumulação primitiva e no antagonismo entre a cidade e o campo assim como nos debates marxistas mais contemporâneos sobre a teoria do Estado7 Alain Lipietz captou de maneira sumamente vívida a ligação com o papel do Estado Confrontado com o desenvolvimento desigual de regiões socioeconômicas o Estado precisa tomar o cuidado de evitar deflagrar as lutas políticas e sociais que decorreriam de uma dissolução ou integração excessivamente abruptas dos modos arcaicos de produção É isso que ele faz de maneira geral ao inibir o processo de articulação protecionismo ou ao intervir prontamente para eliminar as consequências sociais subsídios para deslocamentos permanentes Mas tão logo a evolução interna e internacional o fazem necessário o desenvolvimento capitalista confere ao Estado o papel de controlar e incentivar o estabelecimento de uma nova divisão interregional do trabalho Esse espaço projetado entra num conflito mais ou menos violento com o espaço herdado Assim a intervenção estatal tem que assumir a forma de organizar a substituição do espaço atual pelo espaço projetado Lipietz 1980 74 trad para o inglês de 1977 Aí está mais uma vez a irrequieta paisagem geográfica de Harvey sua trilha estreita entre a preservação e a destruição esboçada numa problemática regional e urbana e similarmente vinculada à mais poderosa das territorialidades capitalistas o Estado nacional Não surpreende entretanto constatar que a contradição dinâmica entre a diferenciação e a igualação espaciais tenha vindo à tona com maior destaque na década de 1970 no tocante à internacionalização do capital à escala em que são atingidos os limites geográficos últimos do capitalismo O desenvolvimento geograficamente desigual foi uma questão importante nas primeiras teorias do imperialismo e continuou a ser perceptível à medida que se tornou mais claro que a expansão geográfica do capitalismo não era um simples processo de homogeneização em que as relações puras do Capital substituiriam as relações de produção précapitalistas como melado a se espalhar num prato Ao contrário o mundo não capitalista tornouse complexamente articulado com o mundo capitalista sendo suas relações de produção simultânea e seletivamente desintegradas e preservadas A resultante divisão internacional do trabalho forma distinta de espacialização global do capitalismo nasce dessa combinação contraditória de diferenciaçãoigualação desintegraçãopreservação e fragmentaçãoarticulação Christian Palloix que ao lado de Aglietta e Lipietz contribuiu para o desenvolvimento da Escola de Regulação francesa de economia política concentrouse explicitamente nessas contradições do desenvolvimento geograficamente desigual na internacionalização do capital ou no que chamou de extensão espacial do modo de produção capitalista 8 A autoexpansão do capital em escala mundial sustenta a difusão internacional dos ramos de produção e a tendência à uniformidade parece dominante Isso deixa de levar em conta o fato de que ocorre uma diferenciação quando um ramo industrial se internacionaliza Ele desaparece e é eliminado num dado lugar de tal maneira que se criam novas condições de produção e troca dando origem à diferenciação A essência da internacionalização do capital é que essa tendência à igualação é imediatamente compensada pela diferenciação das condições de produção e troca Assim de uma maneira importante a tendência à uniformidade leva à condição da diferenciação Palloix 1977 3 grifos no original Desse modo em seu aspecto internacional o capital impede qualquer união da classe trabalhadora internacional dividindo as diferentes classes trabalhadoras tirando proveito das áreas de desenvolvimento desigual e ampliando os cismas existentes A internacionalização do capital é antagônica à luta internacional do proletariado que tenta restabelecer a união da classe trabalhadora Ibid 23 O debate centroperiferia As interpretações anglófonas do aspecto internacional do desenvolvimento capitalista foram dominadas nos anos setenta pelas teorias do subdesenvolvimento e da dependência e pela obra de Wallerstein sobre os sistemas mundiais Houve importantes conexões francesas nessa bibliografia por exemplo as inspirações braudelianas de Wallerstein mas a explicitude francesa em relação ao espaço e à espacialidade tendeu a se dissipar nas traduções inglesas Por outro lado as geografias um tanto disfarçadas que chegaram a surgir provocaram ásperas reações de historiadores economistas sociólogos e até de alguns geógrafos marxistas anglófonos Praticamente todos pareciam admitir a existência de uma estrutura de centro e periferia na economia capitalista mundial admitir que havia alguns países nucleares que eram centros primários de produção industrial e acumulação e um conjunto subordinado dependente e sumamente explorado de países periféricos que faziam parte de um Terceiro Mundo Mas na falta de uma conceituação rigorosa do desenvolvimento geograficamente desigual a significação teórica e política dessa estrutura centroperiferia era difícil de entender especialmente quando apenas o nível superior sistema mundial da hierarquia escalar complexa era visto como explicativo da história da acumulação capitalista e da luta de classes Isso parecia explicar o capitalismo de cima e não debaixo externamente em vez de internamente onde os historiadores marxistas de orientação empírica sentiamse mais à vontade Para muitos estudiosos marxistas portanto a escola neomarxista de teóricos do subdesenvolvimento e da dependência pareceu estar desenfatizando a classe e colocando as causas da pobreza da exploração e da desigualdade quase que exclusivamente nas mãos dos países centrais e de uma divisão internacional fixa do trabalho baseada em alguma forma de dominação colonial ou neocolonial A exploração ou a rigor todo o sistema capitalista foi vista como decorrente de um processo geográfico entre as áreas centrais e periféricas que funcionava principalmente no nível das relações entre as nações Em defesa de suas concepções André Gunder Frank declarou que a teoria da dependência está morta viva a dependência e a luta de classes demonstrando em tom irônico não terse esquecido do que vem primeiro Mas houve poucas tentativas de explicar com maiores detalhes a ligação vital que estava sendo feita na teoria da dependência e na polarização estrutural do centro versus a periferia entre as dimensões sociais e espaciais do capitalismo Wallerstein entretanto foi mais longe Descreveu o sistema capitalista mundial como algo que girava em torno de duas dicotomias básicas uma das classes burguesa versus proletária e outra da especialização econômica dentro de uma hierarquia espacial centro versus periferia e acrescentou posteriormente uma semiperiferia aproximadamente paralela à formação de uma classe média Depois acrescentou A índole se quiserem do sistema capitalista é o entrelaçamento desses dois canais de exploração que se superpõem mas não são idênticos e criam as complexidades e as obscuridades culturais e políticas do sistema Entre outras coisas ele tornou possível responder às pressões políticoeconômicas das crises econômicas cíclicas através do rearranjo das hierarquias espaciais sem prejudicar significativamente as hierarquias de classe Wallerstein 1976 3501 Essa dupla dicotomia impele para além da teoria convencional do subdesenvolvimento e chega ao limite de uma dialética socioespacial assertiva Mas o impulso é um tanto enfraquecido pela incapacidade de Wallerstein de teorizar a estrutura espacial no mesmo plano da social perdendose a oportunidade de fazer da relação centroperiferia algo mais do que uma evocadora metáfora descritiva9 Fazer isso exigia uma conceituação da hierarquia espacial dos centros e periferias como produto e como meio instrumental do desenvolvimento geograficamente desigual Nessa qualidade a estrutura centroperiferia tornase fundamentalmente homóloga à estrutura vertical das classes sociais Não apenas elas se entrelaçam e se superpõem como também se originam das mesmas fontes e são moldadas pelas mesmas relações contraditórias do capital e do trabalho que definem o próprio modo de produção capitalista A formação do centro e da periferia portanto é inseparável da formação de uma burguesia industrial e de um proletariado urbano Prosseguindo nessa espacialização marxista as estruturas sociais e espaciais são constituídas em torno de uma relação exploratória enraizada no controle dos meios de produção e mantida através de uma apropriação do valor pela classe social dominante A luta de classes emerge da conscientização crescente da natureza duplamente exploratória da estrutura social e espacial e deve visar à transformação simultânea de ambas pois cada uma delas pode ser rearranjada de modo a amortecer os efeitos da luta na outra Esse duplo embasamento pode ser a índole real mas raramente vista do sistema capitalista a mais importante descoberta dos anos setenta Convém lembrar que essa dupla polarização ocorre em muitos níveis ou escalas diferentes e que em cada escala as configurações sociais e espaciais específicas podemse modificar ao longo do tempo sem necessariamente modificar a própria estrutura subjacente Um país central ou uma região central de um país podem tornarse parte da periferia e o que antes era a periferia pode tornarse parte do centro do mesmo modo que os indivíduos e famílias podem deslocarse do proletariado para a burguesia de uma geração para outra A estrutura polarizada em todas as escalas também é obscurecida e mistificada em suas formas materiais conferindo às atuais divisões sociais e espaciais do trabalho uma segmentação mais complexa e mais finamente diferenciada A divisão internacional do trabalho a divisão interregional do trabalho limitada pelo Estado a divisão urbanizada do trabalho nas áreas metropolitanas e a divisão do trabalho na menor das localidades A hierarquia espacial mutável das relações centroperiferia ainda é precariamente entendida e criou um malentendido generalizado O fato de alguns países periféricos estarem atualmente em rápida industrialização enquanto regiões antes avançadas estão declinando não significa que a teoria do subdesenvolvimento a existência de uma estrutura global de centroperiferia e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual tenham de algum modo que ser rejeitadas processos de trabalho associados a espacialização simples da transferência de valor de Marx entre as firmas e setores Esse movimento é empiricamente invisível e assim não é convenientemente passível de mensuração quantitativa direta Decorre primordialmente da lógica política da teoria trabalhista do valor e assim existe intrínseca e qualitativamente nas relações de troca capitalistas pelo menos na medida em que se adote a teoria trabalhista Seguindo Hadjimichalis 1980 é possível fazermos uma aproximação grosseira dessa transferência básica na diferença estatística entre o valor total adicionado à produção de uma dada região e a renda total recebida por essa produção pela população da região presumindose que seja possível explicar outros fluxos e transferências complicadores Isso fornece no mínimo uma indicação grosseira da probabilidade de que a transferência de valor seja acentuadamente positiva ou negativa embora mesmo nesse caso a estimativa seja complicada pelos muitos canais de transferência de valor que funcionam no nível secundário mais prontamente visível10 Nesse segundo nível a transferência de valor assume muitas formas diferentes é mais mensurável e pode ser modificada e regulada com maior facilidade Michael Kidron 1974 numa crítica à teoria da troca desigual de Emmanuel descreveu o que aqui denomino de segundo nível da transferência geográfica de valor em conjunto com uma análise da centralização e da concentração do capital A centralização positiva nos termos de Kidron é essencialmente equivalente à acumulação primitiva e implica um ganho líquido para um centro sem perda direta de valor para as formações sociais não plenamente capitalistas da periferia tal como acontece através das tributações fiscais e pilhagem coloniais11 A centralização negativa em contraste amplia as diferenças centroperiferia nos volumes relativos de capital através da destruição do excedente na periferia mediante a guerra e o desperdício em outras palavras do desvio do excedente periférico para atividades não produtivas tais como a produção eou compra de armamentos Por último a centralização neutra implica a transferência do excedente entre os capitais sem nenhuma mudança no valor total produzido Isso abrange vários processos a drenagem cerebral da migração seletiva a exportação líquida de lucros emolumentos direitos etc sobre as ajudas recebidas a transferência do controle direto do capital periférico para empresas multinacionais sediadas nos países centrais as técnicas de transferência da determinação do preço nos conglomerados multinacionais ou nas empresas de localização múltipla e em particular a ampliação da troca desigual decorrente das diferenças de mercado nas relações de troca das mercadorias que Emmanuel Mandel Amin e outros afirmaram terse tornado a mais importante base da transferência geográfica de valor na economia internacional do pósguerra Em todas essas formas de transferência geográfica de valor o padrão básico é o mesmo quer seja descrito como parte da centralização e da concentração do capital ou da dominação do centro sobre a periferia Parte da produção excedente gerada num local é impedida de ser localmente realizada e acumulada enquanto o excedente produzido em outro lugar é aumentado Há aqui uma certa possibilidade de comparação com a exploração da mão de obra pelo capital no local de trabalho Mas os canais sociais e espaciais da exploração achamse intrinsecamente enraizados e apoiados no modo de produção tão profundamente que eliminálos por completo requer uma transformação revolucionária e global Entretanto ambos são um tanto maleáveis passíveis de ser intensificados ou reduzidos por meios institucionais ou de outra natureza em épocas e lugares específicos sem necessariamente destruir a polarização estrutural Os dois canais podem parecer separados mas estão entrelaçados e ambos estão repletos de política e de ideologia Convém lembrar que Marx nunca afirmou que a produção a realização e a acumulação sempre ocorressem no mesmo lugar e assim manteve aberta uma janela reveladora para a paisagem geográfica do capitalismo e seus canais espaciais de exploração Mas a longa tradição de toldar a importância material da espacialidade capitalista impediu os marxistas de enxergarem com muita clareza por essa janela até a década de 1970 A primeira visão sistemática da transferência geográfica de valor para ilustrarmos esse ponto talvez tenha sido o livro de Arghiri Emmanuel intitulado Unequal Exchange A Study of the Imperialism of Trade A troca desigual um estudo do imperialismo do comércio 1972 Emmanuel entretanto viu o funcionamento da troca desigual quase que inteiramente no nível internacional como um mecanismo pelo qual o valor produzido nos países capitalistas periféricos era sistematicamente transferido para o centro através do imperialismo do comércio e dos salários diferenciados Durante a maior parte da década o debate sobre a transferência geográfica de valor continuou concentrado nesse foco Fezse muito pouco pela conceituação e pelo exame empírico dos processos mais gerais e multiescalares que estão por trás do desenvolvimento geograficamente desigual do capitalismo A imaginação geográfica estava acordando de um sono prolongado mas sua visão ainda continuava tolhida e embaçada Muitas questões controvertidas emergiram nos debates específicos sobre a troca desigual em escala global mas a maioria delas tendeu mais a enterrar do que a elucidar as implicações espaciais do que estava sendo discutido Isso foi exemplificado de maneira muito nítida nas discussões acaloradas entre os marxistas sobre as questões políticas suscitadas pela transferência de valor centroperiferia e pela aparente descrição de regiões que exploravam regiões Amin captou a essência dessas questões Se as relações entre o centro do sistema e sua periferia são relações de dominação relações desiguais expressas numa transferência de valor da periferia para o centro não deveria o sistema mundial ser analisado em termos de nações burguesas e nações proletárias para empregarmos expressões que se tornaram correntes Se essa transferência de valor da periferia para o centro possibilita um maior aprimoramento da remuneração do trabalho no centro do que seria possível obter sem ela não deveria o proletariado do centro aliarse a sua própria burguesia para manter o status quo mundial Se essa transferência na periferia reduz não apenas a remuneração do trabalho mas também a margem de lucro do capital local não seria essa uma razão de solidariedade nacional entre a burguesia e o proletariado em sua luta pela libertação econômica nacional Amin 1974 22 Sob muitos aspectos isso reafirmou com alguns toques novos as mesmas questões políticas e estratégicas que haviam cindido as políticas marxistaleninistas de desenvolvimento nacional e internacional desde o começo da era imperialista Foi reveladora a solução dada por Amin para os dilemas ressuscitados por esses toques novos Não afirmou ele não devemos analisar o sistema mundial em termos de nações burguesas e proletárias embora devamos reconhecer as profundas diferenças existentes entre as formações sociais capitalistas centrais e periféricas bem como a importância das transferências sistemáticas de valor que fluem entre elas Ao mesmo tempo que reconhecemos essa poderosa estrutura espacial no capitalismo internacional no entanto devemos reafirmar o domínio do plano social Para Amin as contradições sociais básicas do capitalismo não estão entre a burguesia e o proletariado de cada país isoladamente considerado mas entre a burguesia mundial e o proletariado mundial Amin 1974 24 Trabalhadores do sistema mundial univos não constitui uma estratégia particularmente nova mas sua reafirmação nesse contexto serviu para desviar a atenção da reconsideração mais substantiva do plano social que se fazia necessária para abarcar na teoria e na prática a dinâmica espacial apenas recémvisível do desenvolvimento capitalista internacional Como muitos observadores perspicazes sob outros aspectos do panorama geográfico do capital nos anos setenta Amin reafirmou o predomínio do social e do histórico em vez de confrontar o desafio revelado de uma dialética socioespacial e a dupla luta que ela implicava Mandel acrescentou maior clareza ao debate sobre as trocas desiguais e o neocolonialismo 1975 34375 mas também deixou não formuladas eou não respondidas muitas questões fundamentais A questão de saber se regiões exploram regiões portanto deve ser afirmativamente respondida mas essa afirmação só pode fazer sentido teórico e político quando a regionalização e o regionalismo são vistos como processos sociais hierarquicamente estruturados pelas relações fundamentais de produção As regiões nesse sentido são pessoas classes formações sociais coletividades espaciais partes ativas e reativas da paisagem geográfica do capitalismo Talvez nunca sejam uniformemente burguesas ou proletárias mas seus sistemas de produção localizados podem funcionar como pólos de acumulação ou pólos de desvalorização com respeito a outras regiões da mesma escala criando uma polaridade interacional análoga mas não equivalente à relação entre a burguesia e o proletariado Se a exploração é de interesse primordial as regiões individuais como sistemas socioespaciais devem ser vistas como imersas em pelo menos três canais de exploração Um se define pelas relações locais entre o capital e o trabalho no processo de produção o segundo pelas relações interregionais dentro de uma maior divisão espacial do trabalho numa dada escala e o terceiro pela inserção numa hierarquia multiestratificada de relações exploratórias que se estende do global ao local do sistema mundial a cada fábrica e cada habitação isolada Isso abrange um campo muito mais complexo de lutas contra a exploração do que o convencionalmente contemplado mas ninguém jamais disse que a luta seria fácil Tradicionalmente o primeiro desses canais tem dominado a tal ponto a atenção dos marxistas que os outros dois continuaram muito menos visíveis nos últimos duzentos anos E quando os dois canais espaciais tornaramse mais claramente visíveis nos anos setenta os ortodoxos ficaram ameaçados enquanto a maioria das descobertas perspicazes apesar de despertarem grande entusiasmo não conseguiu ser eficazmente comunicada sem confusão ambivalência e exagero Uma problemática espacial teórica e politicamente desafiadora estava vindo à tona mas a velha tampa histórica ainda estava apertada demais 1 Jornal Internacional de Pesquisa Urbana e Regional NT 2 É exatamente isso que muitos analistas urbanos foram levados a concluir no debate dos anos setenta sobre a especificidade do urbano A cidade não era nem um objeto teórico nem um objeto real com suas próprias regras autônomas de formação e transformação Os marxistas conseguiam estudar as cidades como expressões de estruturas societárias mais amplas e mais profundas mas não como campos de estruturação significativos em si Atribuir uma especificidade teórica e política ao urbano equivaleria a recair na armadilha ideológica da Escola de Ecologia Urbana de Chicago como Castells afirmou ter sido feito por Lefebvre Poucos conseguiram ver que o que estava sendo afirmado por Lefebvre e eventualmente por Harvey era uma especificação espacial mais abrangente do urbano O processo de urbanização longe de ser autônomo era parte integrante da espacialização envolvente e instrumental que era tão essencial ao desenvolvimento histórico do capitalismo uma espacialização que foi quase invisível para o marxismo e para outras perspectivas críticas durante a maior parte do século XX 3 As exceções mais notáveis foram a Edição Especial sobre o Desenvolvimento Regional Desigual da Review of Radical Political Economics Volume 10 1978 o levantamento da análise regional marxista feito por Doreen Massey em Capital and Class Volume 6 1978 e o livro de Alain Lipietz Le Capital et son espace 1977 4 O artigo saiu na New Left Review 20 1963 531 como uma das pouquíssimas análises explicitamente regionais ou espaciais jamais publicadas pelo que foi durante muitos anos o periódico de maior circulação da esquerda anglófona 5 As reservas regionais de mão de obra também podem situarse nas áreas urbanas O desenvolvimento geograficamente desigual como observa Mandel no tocante à totalidade do sistema capitalista surge como uma estrutura hierárquica de diferentes níveis de produtividade desde o local até o global Essa própria hierarquia multiescalar é produzida pela espacialização capitalista 6 Mandel nunca usa especificamente as expressões desenvolvimento geograficamente desigual ou transferência geográfica de valor Ao que eu saiba elas foram usadas pela primeira vez de maneira sistemática em meus textos para descrever com ênfase geográfica mais explícita aquilo que Mandel costumava chamar de desenvolvimento desigual e troca desigual entre as regiões e as nações No fim dos anos setenta trabalhei em estreita colaboração com um arquitetoplanejador grego Costis Hadjimichalis enquanto ele desenvolvia suas ideias sobre The Geographical Transfer of Value A transferência geográfica de valor título de sua dissertação ainda não publicada Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano UCLA 1980 Para uma extensão dessa obra de Hadjimichalis que teve grande influência em meu pensamento naquela época ver seu livro recémpublicado Uneven Development and Regionalism Desenvolvimento desigual e regionalismo 1986 7 Os teóricos críticos do planejamento regional viram uma lógica mais ou menos semelhante na dinâmica do desenvolvimento nacional Por exemplo o modelo de Gunnar Myrdal para a vantagem situacional inicial e a causação cumulativa com seus efeitos contrários de expansão e repercussão ilustrou o modo como o desenvolvimento desencadeava tendências ao aumento e à redução das desigualdades regionais Myrdal 1957 Esses modelos myrdalianos e outros correlatos pex Hirschmann 1958 foram criativamente ampliados posteriormente na teoria geral do crescimento polarizado de John Friedmann 1972 que introduziu uma luta política mais explícita na dinâmica do crescimento regional desequilibrado e na estrutura centroperiferia Em todas essas abordagens do planejamento entretanto a espacialidade do desenvolvimento foi primordialmente encarada como um resultado de processos de difusão não problematizados que existiriam para ser inocentemente manipulados por uma intervenção estatal benevolente 8 Mais uma vez os franceses parecem ficar muito mais à vontade com uma terminologia explicitamente espacial Em todas as obras que li sobre a internacionalização do capital escritas em inglês antes de 1980 não encontrei ninguém que se dispusesse a descrever o que estava estudando como a extensão espacial do capital 9 Em sua maior parte as afirmações espaciais de Wallerstein foram ignoradas pelos historiadores e sociólogos marxistas e outros salvo na qualidade de prova de que ele havia reificado o sistema capitalista mundial num novo determinismo geográfico a conhecida reação exagerada de uma imaginação histórica hiperativa 10 Hadjimichalis 1980 e 1986 usou essa medida num conjunto de mapas regionais da Espanha Itália e Grécia ao longo de vários períodos temporais As regiões centrais de Madrid do triângulo industrial do norte da Itália e especialmente da área de Atenas permaneceram singularmente estáveis no correr do tempo como receptoras líquidas na troca de valor mas muitas outras regiões passaram de receptoras a doadoras ou viceversa 11 Mandel afirma que essa foi a principal forma de exploração metropolitana do Terceiro Mundo antes da II Guerra Mundial Ver em Capitalismo Tardio 1975 seu interessante capítulo sobre Neocolonialismo e troca desigual que contém outra crítica embora mais simpática a Emmanuel 1972 Convém ainda notar que essa centralização positiva perpassa toda a descrição de Marx do antagonismo entre a cidade e o campo o modelo original da transferência geográfica de valor da relação centroperiferia e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual na história do capitalismo Por sua parte a pesquisa marxista considera até agora que as transformações do espaço e do tempo concentram essencialmente as maneiras de pensar ela atribui um papel marginal a essas mudanças alegando que elas pertencem ao âmbito ideológicocultural à espaço e o tempo Na realidade porém as transformações das matrizes espacotemporais referemse à materialidade da divisão social do trabalho da estrutura do Estado e das práticas e técnicas do poder econômico político e ideológico capitalista são o verdadeiro substrato das representações místicas religiosas filosóficas ou vivenciais do espaçotempo Poulantzas 1978 26 NA CONCEITUAÇÃO DO ESPAÇO A fonte geradora de uma interpretação materialista da espacialidade é o reconhecimento de que a espacialidade é socialmente produzida e como a própria sociedade existe em formas substanciais espacialidades concretas e como um conjunto de relações entre os indivíduos e os grupos uma corporificação e um meio da própria vida social Como espaço socialmente produzido a espacialidade pode ser distinguida do espaço físico da natureza material e do espaço mental da cognição e da representação cada um dos quais é usado e incorporado na construção social da espacialidade mas não pode ser conceituado como seu equivalente Dentro de certos limites que são frequentemente desconsiderados os processos e formas físicos e psicológicos podem ser independentemente teorizados no que concerne a suas dimensões e atributos espaciais Os clássicos debates na história da ciência em torno das qualidades absolutas versus as qualidades relativas do espaço físico exemplificam o primeiro caso enquanto as tentativas de explorar o sentido pessoal e o conteúdo simbólico dos mapas mentais e da imaginação de cenários ilustram o segundo Essa possibilidade de conceituação e investigação independentes entretanto não produz uma autonomia inquestionável ou uma separação rígida entre esses três espaços físico mental e social pois eles se interrelacionam e se superpõem Definir essas interligações continua a ser um dos mais impressionantes desafios da teoria social contemporânea especialmente considerando que o debate histórico tem sido monopolizado pelo dualismo físicomental quase excluindo o espaço social A afirmação da espacialidade social despedaça o dualismo tradicional e obriga a uma grande reinterpretação da materialidade do espaço do tempo e do ser do nexo construtivo da teoria social Em primeiro lugar não apenas os espaços da natureza e da cognição estão incorporados na produção social da espacialidade como também são significativamente transformados nesse processo Essa incorporaçãotransformação social estabelece limites importantes para as teorizações independentes do espaço físico e mental especialmente no tocante a sua aplicabilidade potencial à análise e à interpretação sociais concretas Em seus contextos interpretativos apropriados tanto o espaço material da natureza física quanto o espaço ideativo da natureza humana têm que ser vistos como socialmente produzidos e reproduzidos Cada um deles precisa ser teorizado e compreendido portanto como sendo ontológica e epistemologicamente parte da espacialidade da vida social Inversamente a espacialidade não pode ser completamente separada dos espaços físicos e psicológicos Os processos físicos e biológicos afetam a sociedade não importa quanto sejam socialmente mediados e a vida social nunca está inteiramente livre de choques restritivos como o desgaste físico da distância A marca dessa primeira natureza não é ingênua e independentemente dada entretanto pois seu impacto social sempre passa por uma segunda natureza que emerge da aplicação organizada e cumulativa do trabalho e do conhecimento humanos Assim não pode haver nenhum naturalismo autônomo ou física social autônoma com sua própria lógica causal separada na interpretação materialista da geografia e da história humanas No contexto da sociedade a natureza como a espacialidade é socialmente produzida e reproduzida apesar de sua aparência de objetividade e separação O espaço da natureza portanto está repleto de política e ideologia de relações de produção e da possibilidade de ser significativamente transformado Neil Smith captou o sentido dessa produção social da natureza numa obra recente Uneven development Desenvolvimento desigual 1984 reveladoramente subintitulada de A natureza o capital e a produção do espaço A ideia da produção da natureza é realmente paradoxal a ponto de soar absurda se julgada pela aparência superficial da natureza na sociedade capitalista A natureza costuma ser vista precisamente como aquilo que não pode ser produzido é a antítese da atividade produtiva humana Em sua aparência mais imediata a paisagem natural apresentase a nós como o substrato material da vida cotidiana o âmbito dos valores de uso e não dos valores de troca Como tal ela é sumamente diferenciada em diversos eixos Mas com o progresso da acumulação do capital e a expansão do desenvolvimento econômico esse substrato material é cada vez mais um produto da produção social e os eixos dominantes de diferenciação têm uma origem crescentemente social Em suma quando essa aparência imediata da natureza é situada no contexto histórico o desenvolvimento da paisagem material se apresenta como um processo de produção da natureza Os resultados diferenciados dessa produção da natureza são os sintomas materiais do desenvolvimento desigual No nível mais abstrato portanto é na produção da natureza que o valor de uso e o valor de troca e o espaço e a sociedade se fundem Smith 1984 32 Podese desenvolver uma argumentação semelhante com respeito ao espaço cognitivo ou mental A apresentação da espacialidade concreta está sempre envolta nas representações complexas e diversificadas da percepção e da cognição humanas sem nenhuma necessidade de uma correspondência direta e determinada entre as duas Essas representações como imagens semióticas e mapeamentos cognitivos como ideias e ideologias desempenham um papel poderoso na moldagem da espacialidade da vida social Não se pode questionar a existência desse espaço mental humanizado dessa mentalité mentalidade espacializada Mas também nesse caso a produção social da espacialidade se apropria e faz uma remoldagem das representações e significações do espaço mental como parte da vida social como parte da segunda natureza Por conseguinte procurar interpretar a espacialidade a partir da visão de processos socialmente independentes de representação semiótica é também impróprio e enganador pois tende a sepultar as origens sociais e a transformação social potencial sob uma capa deturpadora de idealismo e psicologismo de uma natureza humana universalizada e paradisíaca pavoneandose por um mundo aespacial e intemporal Ligada a essa interpretação das ligações entre o espaço físico mental e social está uma suposição fundamental sobre a Esse arcabouço material proveio de o modelo da atomização da frangmentação social e se conspricou nas práticas do próprio processo de trabalho Sendo a um só tempo o pressuposto dos relacionamentos e do a concretização do processo de trabalho esse arcabouço consiste na organização do espaçotempo contínuo a criação e a transformação das matrizes espacial e temporal estabelecia um arcabouço material primevo o verdadeiro substrato da vida social A colocar a equivoca da espacialidade a ilusao da opacidade Uma desconcertante miopia tem distorcido persistentemente a teorização espacial criando ilusões de opacidade e interpretações míopes da espacialidade que se concentraram nas aparências superficiais imediatas sem conseguir enxergar além delas A colocar a equivoca da espacialidade a ilusao da transparência Podese fazer uma interpretação similar de uma segunda fonte de ilusão na teorização da espacialidade uma fonte que evolui numa interação complexa com a primeira muitas vezes como tentiva de sua negação filosófica cidadania institucionalizada do Estado capitalista tardio Voltando a focalizar a fugidia espacialidade do capitalismo Como afirmei um antiespacialismo singular parcialmente enraizado na reação de Marx a Hegel tem separado teimosamente o marxismo ocidental de uma interpretação materialista apropriada da espacialidade Marx tratou o espaço primordialmente como um contexto físico a soma dos locais de produção o território dos diferentes mercados a fonte de um rude desgaste da distância a ser aniquilado pelo tempo e pelas operações cada vez mais desembaraçadas do capital Pode se afirmar que Marx reconheceu a opacidade da espacialidade reconheceu que ela pode ocultar sob suas aparências objetivas as relações sociais fundamentais de produção especialmente em suas discussões sobre as relações entre a cidade e o campo Ele também abordou ainda que não tão diretamente a problemática básica da dialética socioespacial o fato de as relações sociais serem simultânea e conflitantemente formadoras do espaço e contingentes ao espaço A contingência espacial da ação social entretanto foi primordialmente reduzida à fetichização e à falsa consciência e nunca recebeu de Marx uma interpretação materialista efetiva As teses sobre a contingência espacial das relações sociais de que essas relações sociais de produção e de classe podem ser reconfiguradas e possivelmente transformadas através da espacialidade evolutiva que as concretiza ainda são talvez a parte da interpretação materialista do espaço mais difícil de ser aceita pelos estudiosos marxistas contemporâneos Uma aversão permanente a qualquer indício de uma determinação geográfica da vida social torna difícil ver que a própria espacialidade é um produto social que não é independentemente imposta e nunca é inerte ou imutável A geografia e a história do capitalismo entrecruzamse num processo social complexo que cria uma sequência histórica de espacialidades em constante evolução uma estruturação espaçotemporal da vida social que molda e situa não apenas os movimentos grandiosos do desenvolvimento societário mas também as práticas repetitivas da atividade do dia a dia até nas menos capitalistas das sociedades contemporâneas Assim a produção da espacialidade em conjunto com a construção da história pode ser descrita como o meio e o resultado a pressuposição e a encarnação da ação e do relacionamento sociais da própria sociedade As estruturas sociais e espaciais estão dialeticamente entrelaçadas na vida social e não apenas mapeadas uma na outra como projeções categóricas E dessa ligação vital provém a pedra angular teórica da interpretação materialista da espacialidade o reconhecimento de que a vida social é materialmente constituída em sua geografia histórica de que as estruturas e as relações espaciais são as manifestações concretas das estruturas e relações sociais que evoluem no tempo seja qual for o modo de produção Afirmar que a história é a materialização da vida social causaria pouca controvérsia especialmente entre os estudiosos marxistas Isso é praticamente axiomático na análise materialista histórica Mas é nesse nível fundamental axiomático e ontológico que a espacialidade deve ser incorporada como uma segunda materializaçãocontextualização do ser social A constituição da sociedade é espacial e temporal a existência social se concretiza na geografia e na história A primeira afirmação explícita e sistematicamente desenvolvida dessa premissa fundamental proveio de Lefebvre em A produção do espaço 1974 Resta uma pergunta que ainda não foi formulada qual é exatamente o modo de existência das relações sociais A substancialidade A naturalidade A abstração formal O estudo do espaço agora nos permite responder as relações sociais de produção só têm existência social na medida em que existam espacialmente elas se projetam num espaço inscrevemse num espaço enquanto o produzem Caso contrário permanecem na abstração pura ou seja nas representações e consequentemente na ideologia ou dito de outra maneira no verbalismo na verborragia nas palavras 15253 tradução do autor Essa descoberta foi o nascedouro da principal reconceituação da teoria social crítica pósmoderna que avançou significativamente nos anos oitenta Lefebvre Poulantzas Giddens e muitos outros que começaram a reconceituar a espacialidade da vida social compartilham de várias outras ênfases específicas o poder instrumental que se liga à organização do espaço em muitas escalas diferentes o alcance crescente desse poder instrumental e disciplinar na vida cotidiana bem como em processos mais globais do desenvolvimento capitalista e os papéis mutáveis e amiúde contraditórios do Estado nessas relações de poder onde quer que sejam implantadas Quer vista como a formação de uma matriz espacial quer como uma estruturação espacial a produção social do espaço no capitalismo carregada de poder não tem sido um processo sereno e automático em que a estrutura social se imprima sem resistência ou constrangimento na paisagem Desde suas origens o desenvolvimento do capitalismo industrial enraizouse numa tentativa conflituosa de construir uma espacialidade própria socialmente transformadora e abrangente Foram muitas as arenas de luta a destruição das relações feudais de propriedade e a turbulenta criação de um proletariado liberto de seus meios de subsistência anteriores os desarraigamentos correlatos associados ao progressivo fechamento e mercantilização das terras rurais e urbanas a extensa concentração geográfica da força de trabalho e da produção industrial nos centros urbanos e a destruição concomitante embora incompleta das formas anteriores de urbanização industrialização e vida rural a separação induzida entre o local de trabalho e a residência e a padronização igualmente induzida dos usos da terra urbana e do meio ambiente construído do urbanismo a criação de mercados regionais diferenciados e a extensão do papel territorial do Estado capitalista e os primórdios de uma expansão do capitalismo para uma escala global Como Poulantzas afirmou e Michel Foucault retomou com tamanho detalhe e discernimento em suas recherches4 os produtores diretos ficam livres do solo apenas para cair na armadilha de uma grade que inclui não apenas a fábrica moderna mas também a família a escola o exército o sistema presidiário a cidade e o território nacional modernos Poulantzas 1978 105 Poulantzas prossegue descrevendo a fragmentação e a homogeneização paradoxais a diferenciação espacial e o nivelamento das diferenças que estão por trás do desenvolvimento geograficamente desigual do capitalismo A separação e a divisão para unificar o fracionamento para abranger a segmentação para totalizar o fechamento para homogeneizar e a individualização para obliterar as diferenças e a alteridade As raízes do totalitarismo estão inscritas na matriz espacial concretizada pelo moderno Estado nacional uma matriz que já está presente em suas relações de produção e na divisão capitalista do trabalho 107 A produção da espacialidade capitalista entretanto não é um acontecimento que ocorra de uma vez por todas A matriz espacial precisa ser constantemente reforçada e quando necessário reestruturada ou seja a espacialidade precisa ser socialmente reproduzida e esse processo de reprodução é uma fonte permanente de conflito e crise A ligação problemática da reprodução social e espacial é uma decorrência direta disso Se a espacialidade é ao mesmo tempo resultadoencarnação e meiopressuposto das relações sociais e da estrutura social referência material delas a vida social deve ser vista como formadora do espaço e contingente ao espaço produtora e produto da espacialidade Essa relação bidirecional define ou quem sabe redefine uma dialética socioespacial que é simultaneamente parte de uma dialética espaçotemporal uma interação tensa e repleta de contradições entre a produção social da geografia e da história Fornecendo uma necessária recomposição do conhecido dito de Marx fazemos nossa história e nossa geografia mas não a nosso bel prazer não as fazemos em circunstâncias escolhidas por nós mesmos mas em circunstâncias diretamente encontradas dadas e transmitidas a partir das geografias históricas produzidas no passado A argumentação geral que apresentei pode ser sucintamente resumida numa sequência de premissas interligadas 1 A espacialidade é um produto social consubstanciado e reconhecível parte de uma segunda natureza que incorpora ao socializálos e transformálos os espaços físicos e psicológicos 2 Como produto social a espacialidade é simultaneamente o meio e o resultado o pressuposto e a encarnação da ação e da relação sociais 3 A estruturação espaçotemporal da vida social define o modo como a ação e a relação sociais inclusive as relações de classe são materialmente constituídas concretizadas 4 O processo de constituiçãoconcretização é problemático repleto de contradições e de lutas em meio a muitas coisas recorrentes e rotinizadas 5 As contradições decorrem primordialmente da dualidade do espaço produzido como resultadoencarnaçãoproduto e meiopressupostoprodutor da atividade social 6 A espacialidade concreta a geografia humana efetiva é pois um terreno competitivo de lutas pela produção e reprodução sociais de práticas sociais que visam quer à manutenção e reforço da espacialidade existente quer a uma reestruturação significativa eou a uma transformação radical 7 A temporalidade da vida social desde as rotinas e eventos da atividade cotidiana até a construção da história em prazo mais longo évènement e durée5 para usarmos a linguagem de Braudel radicase na contingência espacial exatamente do mesmo modo que a espacialidade da vida social se enraíza na contingência temporalhistórica 8 A interpretação materialista da história e a interpretação materialista da geografia são inseparavelmente entremeadas e teoricamente concomitantes sem nenhuma priorização intrínseca de uma em relação à outra Tomadas em conjunto essas premissas estruturam uma interpretação materialista da espacialidade que só agora está ganhando forma e afetando a pesquisa empírica Ainda têm que ser pinçadas na bibliografia atual uma vez que em sua maioria permaneceram implícitas Muitas vezes uma pesquisa que ilustra brilhantemente os argumentos que estão por trás dessas premissas não é imediatamente reconhecida como tal nem mesmo pelos próprios pesquisadores como se observou no caso de Foucault Ou então exemplificações bemintencionadas acabam por turvar mais do que esclarecer os argumentos ao recaírem nas armadilhas do separatismo espacial Além disso ainda restam barreiras poderosas e persistentes à aceitação de uma interpretação materialista da espacialidade e de um materialismo históricogeográfico afirmativo especificamente voltado para a compreensão e a mudança das espacializações capitalistas A mais rígida dessas barreiras nasce de uma inflexível tradição marxista senão mais genericamente pósiluminista de historicismo que reduz a espacialidade ao lugar estável e não problemático da ação histórica ou à origem da falsa consciência à mistificação das relações sociais fundamentais O historicismo bloqueia da visão tanto a objetividade material do espaço como uma força estruturadora da sociedade quanto a subjetividade ideativa do espaço como parte progressivamente ativa da consciência coletiva Dito de maneira um pouco diferente em termos que viriam a assumir um novo sentido nos debates da década de 1980 sobre a reestruturação da teoria social crítica a conceituação marxista ocidental da interação entre a ação humana e a estrutura social conservouse essencialmente histórica definida na praxis da construção da história A espacialidade como praxis da criação da geografia humana ainda tende a ser impelida para uma obscuridade epifenomenal como continente especular da história O historicismo continua a ser um dos mais vigorosos monumentos do século XIX que precisam ser destruídos para que a teoria social crítica e o marxismo ocidental possam contemplar com êxito a espacialidade da vida social contemporânea Pode o marxismo ocidental ser espacializado sem induzir a uma aura de antihistória Nesse caso pode a imaginação histórica ser levada a acolher um espaço tão rico e dialético quanto o tempo Essas são perguntas desafiadoras raramente ou nunca formuladas antes da década atual Uma abordagem possível em resposta a essas perguntas passa pela persuasão lógica pela afirmação racional direta de uma dialética socioespacial de um materialismo histórico e geográfico de uma estruturação espaçotemporal da vida social A esta altura essa trajetória de afirmação teórica já deve ser conhecida do leitor paciente Mas não basta Uma via alternativa promissora que acabou por me levar ao estudo da reestruturação urbana em Los Angeles e que eventualmente levará também o leitor até lá é a da demonstração empírica é a aplicação de uma interpretação materialista da espacialidade às questões e às políticas do mundo real contemporâneo Essa passagem para a pesquisa empírica será vital sem dúvida para o futuro desenvolvimento de um materialismo histórico e geográfico e de uma teoria social crítica pósmoderna reconstruída Entretanto há ainda outro caminho raramente seguido nos dias atuais que se distancia da afirmação teórica num sentido oposto voltandose mais para as vinculações retrospectivas do que para as vinculações prospectivas empíricas e políticas da formação da teoria Tratase de uma via para o terreno ainda mais escorregadio e abstrato da ontologia do discurso metateórico que procura descobrir o que o mundo deve ser para que o conhecimento e a ação humana sejam possíveis o que significa ser Bhaskar 1975 Presumindo que restem poucas coisas importantes a descobrir no discurso ontológico com seu característico distanciamento da praxis a maioria dos marxistas ocidentais tem hesitado em se aventurar muito longe nesse caminho voltado para o passado Mas tratase de uma viagem que vale a pena fazer pois pode ajudarnos a descobrir algumas conexões que ainda faltam entre o espaço o tempo e o ser e por conseguinte entre as feituras da história da geografia humana e da sociedade DE VOLTA À ONTOLOGIA DA ESPACIALIDADE EXISTENCIAL DO SER A bibliografia do existencialismo e da fenomenologia existencial é rica em discussões ontológicas oriundas de seu interesse central na compreensão das estruturas da existência humana do ser e especialmente no sernomundo Por vezes usase a ênfase na posição e situação ativas do sernomundo para distinguir a fenomenologia existencial de um existencialismo vulgar aprisionado na contemplação pura do indivíduo isolado no que Henri Lefebvre um dia chamou filosofia excrementícia da grande obra inicial de Sartre O Ser e o Nada6 Mas em vez de abrir o debate sobre as semelhanças e diferenças entre o existencialismo e a fenomenologia considero mais frutífero basearse em suas realizações comuns para extrair o que ambos têm a dizer sobre a espacialidade do ser Uma das abordagens mais explícitas da espacialidade existencial encontrase na obra de Martin Buber intitulada Distance and Relation Distância e relação 1957 Buber apresenta a espacialidade como o começo da consciência humana o primeiro princípio da vida humana É uma peculiaridade da vida humana que nela e somente nela um ser emerja do todo dotado e habilitado para desligar o todo de si mesmo como um mundo e torná lo oposto a si mesmo Essa capacidade existencial original de separar o Ser Humano individuado da totalidade da Natureza do mundo das coisas gira em torno do que Buber denomina de distanciamento primário Somente os seres humanos são capazes de objetivar o mundo afastandose dele E o fazem através da criação de um hiato uma distância um espaço Esse processo de objetivação define a situação humana e a fundamenta na espacialidade na capacidade de desligamento possibilitada pelo distanciamento pela característica de sermos antes de mais nada espaciais É nesse sentido que a espacialidade está presente na origem da consciência humana pois ela permite a rigor pressupõe a distinção existencial fundamental entre o seremsi o ser da realidade não consciente dos objetos inanimados das coisas e o serparasi o ser da pessoa humana consciente A objetivação o distanciamento primário relacionase com o que Sartre denomina de nada a clivagem física entre a consciência subjetiva e o mundo dos objetos necessária para que o ser se diferencie em primeiro lugar para que o ser seja consciente de sua humanidade Nesse ato essencial nessa espacialização originária a consciência humana se origina embora se sustenta seja igualmente apropriado O nada portanto não é nada mais do que a distância primeva o primeiro espaço criado a separação vital que proporciona a base ontológica para a distinção entre sujeito e objeto A objetivação o desligamento e o distanciamento entretanto são somente uma dimensão existencial da consciência base apenas para uma definição mínima do ser Ser humano não é somente criar distâncias mas tentar transpôlas transformar a distância primeva através da intencionalidade da emoção do envolvimento e do apego Assim a espacialidade humana é mais do que o produto de nossa capacidade de nos separarmos do mundo de uma Natureza primitiva para contemplarmos sua plenitude distante e nossa separação No que talvez seja a dialética mais básica da existência humana o distanciamento primário fica sem sentido um dos mais importantes conceitos do existencialismo sem sua negação a criação do sentido através das relações com o mundo Portanto como afirma Buber a natureza humana provém da interação ousaria eu acrescentar da união e da oposição do distanciamento com a relação Entrar em relacionamentos sernomundo o Dasein de Heidegger e o Lêtre poursoi ou êtrelà seraí de Sartre não são possíveis sem o distanciamento sem a capacidade que nos permite assumirmos um ponto de vista do mundo Mas nessa capacidade há também um desejo de relacionar um impulso necessário de superar o desligamento como único meio através do qual podemos confirmar nossa existência no mundo podemos superar a ausência de sentido e estabelecer a identidade Dessa maneira raciocina Buber os dois movimentos lutam entre si cada qual vendo no outro os obstáculos a sua própria realização A subjetividade e a objetividade portanto religamse numa tensão dialética que dá margem ao ser que produz um meio uma segunda natureza humanizada Nessa religação entre o sujeito e o objeto reside um dilema que engloba o núcleo da crítica existencialista o dilema entre o sentido e a alienação A objetivação é parte da condição humana mas colocarse separado do mundo é também fonte da alienação O estabelecimento de relações com o mundo a ligação criativa entre o sujeito humano e os objetos de seu interesse constitui uma tentativa de superar a alienação mas também isso ameaça ser alienante quando reduz o eu subjetivo quando o sujeito é objetivado através das relações com o mundo Assim a alienação existencial é um estado de separação tanto de si mesmo quanto do mundo objetivo dos próprios meios e sentido da existência Nas obras clássicas do existencialismo e da fenomenologia essa tensão dialética entre a realidade da alienação e a necessidade de superála tende a se enraizar no tempo na temporalidade do devir e por conseguinte na formação da biografia e na construção da história Mas ela é simultânea e intrinsecamente espacial aspecto que Sartre Heidegger e Husserl talvez os três fenomenologistas existencialistas mais destacados e influentes dos últimos cem anos enfatizam em suas obras principais A deles é uma ontologia explicitamente situada ou para usarmos a expressão de Husserl regional ver Pickles 1985 na qual a existência e a espacialidade combinamse através de atos intencionais e criativos inerentes ao ser nomundo ao estabelecimento de relações e ao envolvimento Essa espacialidade existencial dá ao ser um lugar um posicionamento dentro do mundo vital o Lebenswelt de Husserl Esse emplacement é um processo apaixonado que vincula o sujeito e o objeto o Ser Humano e a Natureza o indivíduo e o meio ambiente a geografia humana e a história humana Sartre em Search for a Method7 oferece uma intervenção particularmente oportuna O meio ambiente de nossa vida com suas instituições seus instrumentos suas infinidades culturais seus fetiches sua temporalidade social e seu espaço hodológico também isso deve tornarse objeto de nosso estudo Produto de seu produto moldado por sua obra e pelas condições sociais da produção o homem existe ao mesmo tempo em meio a seus produtos e fornece a substância dos coletivos que o consomem A cada fase da vida instaurase um curto circuito uma experiência horizontal que contribui para modificálo com base nas condições materiais de que ele brotou A meta é pois construir sínteses horizontais em que os objetos considerados desenvolvam livremente suas próprias estruturas e suas leis Em relação à sintese vertical essa totalização transversa afirma sua dependência e sua relativa autonomia Sozinha ela não é nem suficiente nem inconsistente8 O lugar passa a existir portanto a partir dos curtocircuitos inerentes à experiência horizontal dos empurrões e puxões da espacialidade na trajetória verticaltemporal da vida Esse posicionamento firma o ser no lugar mas infelizmente transformase também na fonte de mais outro dilema ontológico um dilema com que Sartre Heidegger Husserl e muitos outros lutaram especialmente em seus textos mais maduros Esse dilema religase ao que se tem chamado problema do ser dividido à poderosa separação entre o sujeito pensante e o objeto fundante o ego transcendental e o mundo tal como vivido problema este que tem polarizado a moderna tradição ontológica desde pelo menos a oposição cartesiana entre a res cogitans e a res extensa O posicionamento original fonte do problema é visto exatamente da mesma maneira por Sartre e Heidegger O primeiro descreve a realidade humana como o ser que faz com que o lugar chegue aos objetos Não é possível que eu não tenha um lugar Para o segundo Dasein denomina aquilo que deve ser primeiramente experimentado e depois adequadamente pensado como o Lugar isto é o local da verdade do Ser ver Fell 1979 31 Mas uma vez que o ser tem lugar como se deve entender a relação entre o lugar e o ser Como esferas separadas Como interdependências Como inteiramente moldados pelo vigor do ego absoluto Como inteiramente moldados pela materialidade do lugar Sugiro serem essas as interrogações ontológicas de onde provém toda a teoria social Tanto Sartre quanto Heidegger tentam superar a dualização desse posicionamento através de uma fusão que parece assemelharse à afirmação de uma segunda natureza socializada que emergiria do embasamento do ser um terceiro caminho através do vínculo duplo Joseph Fell em Heidegger and Sartre An Essay on Being and Place Heidegger e Sartre Ensaio sobre o ser e o lugar descreve o terceiro caminho heideggeriano A unidade originária é uma união na separação e uma separação na união A terra e o pensamento certamente são distintos mas são parte um do outro e desde o início agem um sobre o outro como Terra Inteligível 1979 385 grifos do autor Fell passa então a comparar essa fusão dialética em palavras minhas com a clássica oposição entre o universal e o particular que também devem ser considerados fundidos como o mesmo para empregar as palavras dele Isso confere ao contato com o mundo vital o significativo status filosófico que tradicionalmente lhe faltou especialmente em virtude da tendência das ontologias convencionais a afirmarem o ego como absoluto e supremo Mas depois de nos dar esse mundo vital inteligível como uma espacialização identificável do ser Heidegger passa a envolvêlo na temporalidade Em Being and Time Ser e Tempo 1962 tradução de Sein und Zeit 1927 ele escreve A espacialidade parece constituir outro atributo básico do Dasein que corresponde à temporalidade Assim com a espacialidade do Dasein a análise existencialista temporal parece chegar a um limite o curtocircuito de Sartre de modo que a entidade a que chamamos Dasein deve ser considerada como temporal e também espacial coordenadamente Assim será que nossa análise existencial temporal do Dasein foi paralisada pelo fenômeno com que já travamos conhecimento como a espacialidade característica do Dasein e que apontamos como pertencente ao sernomundo 418 Nesse ponto somos levados ao extremo ontológico da dialética espaçotemporal a uma tensão existencial entre a experiência horizontal e a vertical à possibilidade de uma interpretação equilibrada do espaço do tempo e do ser A primazia do tempo entretanto é impossível de resistir Heidegger assim responde a sua indagação A constituição do Dasein e seus caminhos de ser só são ontologicamente possíveis com base na temporalidade independentemente de essa entidade ocorrer no tempo ou não Por conseguinte a espacialidade específica do Dasein deve estar baseada na temporalidade Heidegger reabre a questão da espaçotemporalidade do ser em suas últimas obras e abranda suficientemente sua temporalização para afirmar a importância do lugar como uma categoria ontológica fundamental ocultada na história Mas sua construção de uma ontologia mais plenamente espacializada nunca se completou A glorificação pouco entusiástica do lugar por Heidegger acabou sendo usada para alimentar as chamas do nazismo ocasionalmente com seu próprio incentivo aparente e iria contribuir para o isolamento pessoal e filosófico que marcou seu sernomundo do pósguerra até sua morte em 1976 sozinho em sua terra natal na Floresta Negra Enquanto a historicização heideggeriana do espaço foi em última instância conservadora descomprometida e espiritual o caminho espaçotemporal de Sartre foi muito mais radical ativista e materialista levandoo diretamente ao marxismo através de sua busca de um método A interpretação sartreana da história e da inteligibilidade do mundo vital revestese de uma praxis a qual na Crítica da razão dialética 1976 Sartre vincula a um movimento cuja direção fundamental é determinada pela escassez e que provoca a formação de grupos para lutarem coletivamente por essas necessidades escassas por esse material trabalhado Sartre descreve esse movimento vertical horizontalizado como uma espiral Fell explica A espiral representa o círculo esticado em três dimensões um centro explodido que tem que se manter circulando em termos ótimos num nível cada vez mais alto num esforço de alcançar o tempo ideal futuro em que o organismo como no começo estará novamente em equilíbrio ou numa relação estável com seu ambiente Seu eixo vertical representa a linearidade da busca histórica de unificação pelo homem Seus eixos horizontais cada uma das revoluções representam os desvios da estrita linearidade necessária ao longo do percurso as externalizações e internalizações reiteradas em que o homem faz e é feito por um ambiente material que ameaça e apoia seu projeto Assim o movimento horizontal para dentro e para fora expressa uma mediação dialética A espiral representa pois a materialização do projeto existencialista ou a inserção da consciência revolucionária sartreana numa história material como preço de sua eficácia Fell 1979 348 49 Aqui mais uma vez estamos à beira de uma filosofia da geografia histórica da estruturação espaçotempo de uma ontologia e uma epistemologia equilibradas e não priorizadas do espaço do tempo e do ser Não obstante também Sartre nunca chega realmente a conseguir escapar de seu historicismo ontológico do primeiro lugar explicitamente privilegiado que ele e seu materialismo histórico concede à construção da história Em vez de aplicar sua Crítica a uma geografia histórica tal como poderia ter aparecido em sua obra inacabada sobre a União Soviética Sartre optou por dedicar a maior parte de seus últimos anos de vida à biografia esse que é o mais flagrante dos veículos da imaginação histórica individualizada9 A despeito de suas conclusões últimas em sua vida e em suas ideias Heidegger e em especial Sartre contribuíram expressivamente para a reafirmação do espaço na teoria social e na filosofia Na esteira das lutas ontológicas que pontuaram as realizações desses dois fenomenologistas existenciais do século XX houve um redespertar para a espacialidade do ser da consciência e da ação uma consciência crescente da possibilidade da praxis espacial e uma necessidade cada vez mais reconhecida de repensar a teoria social de modo a incorporar em termos mais centrais a espacialidade fundamental da vida social 1 São relevantes nesse aspecto as críticas epistemológicas ao positivismo provenientes de um grupo de filósofos realistas que têm influenciado expressivamente a reteorização contemporânea da espacialidade Ver por exemplo Bhaskar 1975 e 1979 Keat e Urry 1982 Sayer 1984 e numa aplicação mais direta à geografia humana Gregory 1978 2 As principais obras de Bergson sobre o espaço e o tempo são seu Essai sur les données immédiates de la conscience Ensaio sobre os dados imediatos da consciência 1889 ver também Bergson 1910 e Matière et mémoire Matéria e memória 1896 Para uma ode a Bergson e seus seguidores bem como ao privilegiamento do tempo e da história contra os males da espacialização ver David Gross Space Time and Modern Culture Espaço tempo e cultura moderna publicado em Telos inverno de 198182 uma revista quadrimensal de pensamento radical Tão intensa é a ânsia de manter a priorização do tempo em relação ao espaço nesse periódico que a capa e o cabeçalho de cada página do artigo de Gross trazem o título como sendo Tempo espaço e cultura moderna 3 A contínua gangorra histórica entre a corrente naturalistacientífica dominante do positivismo e do empirismo de um lado e seu contraste hermenêutico antinaturalista de outro é vividamente descrita em Bhaskar 1979 4 Pesquisas investigações em francês no original NT 5 Evento e duração NT 6 Lefebvre foi o primeiro e mais contundente crítico da obra de Sartre Empenhado em amortecer o crescente entusiasmo da esquerda pelo existencialismo na década de 1940 ele atacou O Ser e o Nada LÊtre et le néant 1943 tradução para o inglês de Hazel Barnes 1956 como uma coleção de ideias descartadas e reacionárias ideias com as quais ele mesmo havia brincado em sua juventude mas que abandonara como periféricas a um desenvolvimento não reducionista do marxismo Ver LExistentialisme 1946 para uma crítica de Lefebvre e Mark Poster Existential Marxism in PostWar France O marxismo existencialista na França do pósguerra 1975 para uma visão crítica do confronto SartreLefebvre Numa fase posterior de sua vida Sartre concordaria quase inteiramente com a crítica de Lefebvre ao Ser e o Nada Escreveu que LÊtre et le néant retratou uma experiência interna sem relacionála com a experiência externa do intelectual pequenoburguês que eu era Assim no Ser e o nada o que vocês chamariam subjetividade não é o que ela seria para mim hoje a décalage ponto de mudança de um processo pelo qual uma internalização se reexternaliza num ato Situations IX 102 citado in Fell 1979 478 nota de rodapé 59 Fell traduz décalage por pequena margem 7 Embora o título original seja Question de méthode ver p 164n a tradução para o inglês corresponde a Em busca de um método NT 8 Sartre 1968 7980 Search for a Method é uma tradução de Hazel E Barnes de Question de méthode ensaio que originalmente Sartre queria colocar no final de sua volumosa Crítica da razão dialética 1960 mas que acabou publicando como sua introdução O termo espaço hodológico como assinala Barnes deriva de Kurt Lewin e se refere ao ambiente visto em termos de nossa orientação pessoal As referências à experiência horizontal e às sínteses horizontais entretanto são claramente derivadas de Henri Lefebvre que é atipicamente elogiado por Sartre numa longa nota de rodapé trad de 1968 pp 5152 Em seu Prefácio à edição conjunta a página de rosto diz Critique de la raison dialectique précedé de Question de méthode Sartre também observa que a Questão de método derivou de um convite de um jornal polonês para que ele contribuísse com um ensaio sobre o existencialismo para uma edição especial sobre a cultura francesa Sartre ficou aborrecido com esse cerceamento de seu desejo de escrever sobre as atuais contradições da filosofia especialmente no marxismo francês mas outra pessoa fora solicitada a abordar esses temas Henri Lefebvre Poster 1975 examina com alguns detalhes a crítica de Lefebvre sobre O Ser e o Nada mas não consegui encontrar nenhuma abordagem das interligações posteriores entre esses dois grandes filósofos franceses 9 A totalizante biografia sartreana de Gustave Flaubert em três volumes intitulada LIdiot de la famille foi publicada em 1971 e 1972 Para uma interessante tentativa contemporânea de dar à formação da biografia uma geografia temporal explícita ver Pred 1984 1986 É como se cada nova agressão do exterior cósmico se afirmasse ao mesmo tempo como uma disparidade e ao mesmo absorvida e como talvez a oportunidade única para recomeçar em novas bases a grande trama da totalidade que tenta assimilar contradições antigas e indestrutíveis isto é superálas numa unidade que finalmente seja rigorosa uma unidade que se manifeste como uma determinação cósmica Podese visualizar o movimento circular num espaço tridimensional como uma espiral cujos muitos centros são intermitentemente desviados e se elevam ininterruptamente executando um número indefinido de revoluções em torno de seu ponto de partida Assim é a evolução personalizante pelo menos até o momento da eclosão seu involução regressiva Nesta última circunstância o movimento novamente pelos mesmos lugares ou é uma dada abrupta de uma revolução suposta para uma revolução inferior Sartre LIdiot de la famille I 1971 656671 traduzido em Fell 1979 3478 Crítica tornouse a afirmação mais explícita e engajada de Giddens de sua conceituação da teoria social uma afirmação construtiva da capacidade de geração teórica do elo açãoestrutura O livro é cautelosamente apresentado como uma propedêutica um estímulo à reflexão adicional em vez de se aproximar de uma análise exaustiva da questão principal que suscita 1981 24 Propedêutica ou não a Crítica é o livro mais original e portanto mais vulnerável de Giddens constituindo ao mesmo tempo motivo de comemoração e convite a uma reavaliação crítica de todo o projeto teórico do autor A Crítica deve ser avaliada tanto num nível substantivo quanto num nível teórico e como algo que é simultaneamente uma crítica desconstrutiva e uma tentativa de afirmação reconstrutiva Giddens prenuncia sua abordagem do materialismo histórico nos Problemas centrais 1979 53 onde afirma que os textos de Marx ainda representam o mais expressivo fundo de ideias em que nos podemos basear ao buscar esclarecer problemas da ação e da estrutura Seu poder de esclarecimento no entanto deve ser avivado pela eliminação seletiva de um entulho de conceitos analíticos equivocados ambíguos ou incoerentes e dos muitos erros dos marxismos posteriores Livrarse desse estorvo é o objetivo declarado da Crítica Muitos dos alvos escolhidos por Giddens são conhecidos temas de discussão na literatura marxista contemporânea a insuficiência do esquema evolutivo de Marx e de sua antropologia ultrapassada os perigos do economicismo e do determinismo estruturalista o uso excessivo das categorias e explicações funcionalistas e a falta de teorias apropriadas do Estado da política da urbanização e do poder Há um ataque ao modo de produção como conceito analítico uma negação do aumento incessantemente progressivo das forças produtivas e uma recusa a aceitar toda a história como história das lutas de classe A falange de repúdios críticos sem dúvida há de aborrecer e entediar alguns leitores marxistas Outros hão de argumentar com razão que precisamente essas mesmas questões foram abordadas com mais eficácia por teóricos críticos menos avessos à aceitação do rótulo de marxistas do que Giddens Contudo apesar de suas reclamações Giddens continua singularmente receptivo e simpático comprometido com a centralidade do materialismo histórico na construção da teoria social crítica Na verdade a crítica ao materialismo histórico apresentada por ele é basicamente um acessório da aplicação e elaboração da teoria giddensiana da estruturação e em particular da distinção inerente entre a sociedade dividida em classes e a sociedade de classes postulada nos Problemas centrais Os capítulos substantivos da Crítica giram em torno dessa distinção numa tentativa de abordar a especificidade do capitalismo industrial em comparação com fases anteriores da história mundial As diferenças entre as sociedades divididas em classes basicamente os Estados agrários em que as classes existem mas para os quais a análise das classes não serve de base para identificar o princípio estrutural básico de organização 1981 7 e a sociedade de classes isto é o capitalismo em que o conflito a luta e a análise das classes são essenciais e centrais desdobramse numa série de ensaios críticos carregados de aprendizagens preliminares de apreciações propedêuticas frouxamente sintetizadas que desconfio que não suportariam com facilidade uma análise crítica rigorosa especialmente talvez feita pelo próprio Giddens O capítulo 3 A sociedade como viajante do tempo o capitalismo e a história mundial é uma análise das contradições entre o esquema evolutivo de Marx e as apreciações mais reservadas que se acham na seção das Formen formas dos Grundrisse Seguemse a ele O distanciamento tempoespaço e a geração do poder uma afirmação da importância das relações de tempoespaço versus as relações com a natureza numa interpretação materialista significativamente reorientada da história A propriedade e a sociedade de classes sobre a geração da sociedade de classes no entrelaçamento do capital com o trabalho assalariado numa dialética de controle moldada pela posse privada da propriedade O tempo o trabalho e a cidade sobre a mercantilização do tempo e do espaço na vida cotidiana no capitalismo síntese eclética de Lefebvre Castells Harvey Mumford Wirth Christaller Sjoberg et al Capitalismo integração vigilância e poder de classe exploração adicional da especificidade do capitalismo em termos de meios de controle do papel do Estado e da emergência de sistemas mundiais de integração intersocietária O Estado nacional o nacionalismo e o desenvolvimento capitalista uma interessante excursão desde Montesquieu até a nova divisão internacional do trabalho e O Estado conflito de classes e ordem política uma trajetória criativa embora limitada pelos debates atuais sobre a teoria do Estado A Crítica termina caracteristicamente com as sementes de seus projetados sucessores The Nation State and Violence O Estado nacional e a violência e Between Capitalism and Socialism Entre o capitalismo e o socialismo enredada numa discussão sobre A contradição e a exploração Antes de permitir que Giddens salte para outro estágio de sua via helicoidal entretanto cabe considerarmos com certo cuidado os argumentos conceituadores que estruturam esses capítulos substantivos e que são apresentados na Crítica 1981 3 como elementos de uma interpretação alternativa da história Em particular a teoria da estruturação deve ser submetida à mesma crítica positiva que Giddens aplicou com tanto êxito a outrem Ao fazêlo podese argumentar que a trajetória espiralar que tem marcado o longo projeto de Giddens e que o impulsionou para as realizações perspicazes da Crítica pode terse transformado em sua própria armadilha conceitual mais restringindo do que gerando desenvolvimentos teóricos adicionais Um livro propedêutico talvez mereça uma avaliação propedêutica um convite e uma reflexão maior e não uma análise exaustiva A teoria da estruturação de Giddens toma por base e elabora a máxima fundamental de Marx de que os homens fazem a história mas não em circunstâncias de sua própria escolha que ainda constitui a síntese mais evocadora da relação ação estrutura na teoria social À construção da história Giddens acrescenta a princípio meio desajeitadamente e sem plena consciência de suas implicações o que se poderia descrever como a construção da geografia a produção social do espaço embutida na mesma dialética da praxis A Crítica pleiteia a injeção da temporalidade e da espacialidade no cerne da teoria social e vincula e enquadra a teoria da estruturação em relações tempoespaço Todas as interações sociais escreve Giddens 1981 19 consistem em práticas sociais situadas no tempoespaço e organizadas de maneira engenhosa e esclarecida por agentes humanos Esse esclarecimento e ação entretanto são sempre limitados pelas propriedades estruturais dos sistemas sociais que são simultaneamente o meio e o resultado dos atos sociais formando o que Giddens denomina de dualidade estrutural Os sistemas sociais portanto são concebidos como práticas situadas relações padronizadas estruturadas que se reproduzem socialmente no tempo e no espaço como história e geografia1 A teoria da estruturação é ampliada através de uma combinação de três discursos que servem para vincular diretamente a articulação das relações de espaçotempo à geração do poder e à reprodução das estruturas de dominação A filosofia heideggeriana do Tempo e do Ser os esquemas estruturalistas de Althusser e os textos dos geógrafos modernos sobre conceitos como a geografia temporal e a subjetividade da distância são recompostos por Giddens de modo a descrever como a forma ocorre como as práticas situadas conjugam os momentos temporal estrutural e espacialmente na constituição da vida social O que se evidencia com mais clareza na profusão de neologismos e no vocabulário reformulado para os quais compreensivelmente Giddens roga indulgência é uma ênfase institucional no funcionamento do poder dentro do qual Giddens postula outra bifurcação definitiva O poder e a dominação são pareados na estruturação do controle distributivo do mundo material e do controle autorizado do mundo social Assim a distribuição e a autoridade passam a definir respectivamente os campos do econômico e do político e ligam a teoria geral da estruturação aos temas e à literatura a que faz referência o subtítulo da Crítica O poder a propriedade e o Estado A teoria da estruturação esboçada na Crítica continua impalpável entretanto e muito mais atraente na intenção do que na execução Parte do problema reside na imensidão da tarefa e nas linguagens díspares que são conjugadas de maneira pouco convencional em torno do elo açãoestrutura Além disso a estratégia reiterada de Giddens na formulação de argumentos teóricos tem consistido em desfiar um esquema classificatório interligado prática esta que se torna intratavelmente densa na Crítica muitas vezes confundindo a argumentação em vez de esclarecêla Em termos mais fundamentais porém a teoria da estruturação é construída em torno de uma premissa gerativa que exige um ajustamento mais portentoso da perspectiva teórica do que Giddens é capaz de efetuar2 Embora sua intenção reiterada consista em projetar a temporalidade e a espacialidade no âmago da teoria social crítica presumivelmente no equilíbrio explícito entre tempoespaço Giddens de maneira muito semelhante a Heidegger consegue sem que tencione fazêlo perpetuar a prolongada submersão do espacial sob o primado ontológico e epistemológico do tempo e da história Para Giddens a história e a sociologia tornamse metodologicamente indistinguíveis mas a análise da estruturação espacial continua periférica como um acessório perspicaz A descoberta giddensiana dos textos dos geógrafos modernos e da espacialidade da estruturação constitui não obstante o novo e mais importante ingrediente dos Problemas centrais e da Crítica Ela se distingue da maneira mais propícia de todas as contribuições anteriores do autor nas quais a espacialidade da vida social permanecera praticamente invisível Infelizmente o crescente debate contemporâneo sobre a teoria social e a estrutura espacial sobre a dialética da sociedade e a espacialidade mal chega a ser visto por Giddens que apresenta sua descoberta quase como se ele fosse um pioneiro solitário Isso o leva a recorrer a trechos desarticulados de textos de grandes colaboradores desse debate tais como Lefebvre Foucault Harvey Castells e Poulantzas sem reconhecer que eles forneceram a substância teórica para uma conceituação alternativa da constituição tempoespaço dos sistemas sociais que é tão central para a Crítica Em Estado Poder e Socialismo 1978 por exemplo Poulantzas voltara a concentrar sua análise da materialidade institucional do Estado na formação e transformação das matrizes espaciais e temporais manifestas nos temas do território e da tradição Como assinalamos no capítulo anterior essas matrizes foram definidas como os pressupostos em vez de simples precondições ou resultados do capitalismo implicadas nas relações de produção e na divisão do trabalho A temporalidade e a espacialidade foram conjuntamente apresentadas como a concretização das relações sociais e da prática social o verdadeiro substrato das representações míticas religiosas filosóficas e vivenciais do espaçotempo A Crítica teria sido muito mais rica se Giddens houvesse incorporado a explicitude e o equilíbrio da interpretação de Poulantzas tanto no plano da teoria quanto nos capítulos substantivos sobre o Estado e o nacionalismo onde sua ausência é sumamente perturbadora A exposição giddensiana do distanciamento da presença e da ausência temporalespacial da mercantilização do tempo e do espaço da distribuição e da autorização também teria ficado mais clara e compreensível Em vez disso nenhuma referência é feita a essa dimensão crucial da última grande obra de Poulantzas A ironia da Crítica é que Giddens perde o que seu percurso helicoidal havia conquistado de maneira tão produtiva na última década a oportunidade de reavaliar e reconstituir as clássicas contribuições de Marx Weber e Durkheim e as realizações da hermenêutica e do estruturalismo no século XX Há outra hélice da teoria crítica ainda por escrever que rastrearia a história e a geografia da primazia teórica do tempo em relação ao espaço até suas raízes gerativas Nessa espiral Durkheim Weber e Marx tornam a ser fontes primordiais Foi nas nascentes antihegelianas do materialismo histórico que o tempo revolucionário e a história deslocaram a espacialidade na forma espiritual da consciência hegeliana de Estado e territorial e a relegaram à condição de um fetichismo idealista e digressivo O desenvolvimento de uma teoria materialista efetiva do Estado do nacionalismo e do regionalismo da coletividade e da consciência territoriais foi desde então cerceado Similarmente os projetos teóricos de Durkheim e Weber ao construírem uma ciência social relativamente aespacial com base em interpretações diferenciadas do elo entre a ação individual e a consciência coletiva também marginalizaram o espacial numa externalidade quase mecânica A espacialidade converteuse num espelhocontinente passivo da vigorosa atuação da ação humana e do processo social libertos da determinação ambiental A hermenêutica e o estruturalismo reproduziram muito desse desequilíbrio tradicional A fenomenologia existencialista a despeito da qualidade intrinsecamente espacial de conceitos como Dasein Êtrelà Seraí continuou a se concentrar na temporalidade do Ser e do Devir Para Heidegger em particular o espaço do ser continuou sendo um problema crônico em mais de um aspecto A celebração do sincrônico pelo estruturalismo em comparação mostrouse repleta de metáforas espaciais promissoras mas com relativamente pouca análise espacial explícita Não obstante a hermenêutica e o estruturalismo abriram novas janelas pelas quais foi possível reengajar as relações tempoespaço numa simetria mais apropriada Por mais persistentemente combativos e procusteanos que tenham sido o estruturalismo e a hermenêutica sua conjunção recente e ainda provisória em torno da relação açãoestrutura da qual a obra de Giddens é apenas um grande exemplo exigiu um nexo apropriadamente dialético sem nenhuma prioridade forçada da ação em relação à estrutura ou viceversa Significativamente essa ligação dialética entre a ação e a estrutura foi acompanhada por uma atenção crescente para com outra dualidade tradicional o espacial e o temporal que requer uma conceituação similar epistemologicamente equivalentes dialeticamente relacionados em sua expressão material unificados na praxis e posicionados bem no cerne da teorização social crítica Giddens margeia de perto essa reconceituação crítica certamente mais de perto do que qualquer outro sociólogo contemporâneo que escreva em inglês Seu espaço teórico entretanto continua restrito demais Não há na Crítica nenhuma referência por exemplo a seu colega de Cambridge Derek Gregory cujo trabalho sobre a teoria social e a estrutura espacial no contexto da relação açãodeterminação iluminou tão brilhantemente a literatura geográfica contemporânea3 Há também uma apropriação excessivamente estreita e intermitente da teoria social francesa Em particular os extensos trabalhos de Lefebvre sobre a espacialidade da vida social e da reprodução social sobre a dialética da ação e da estrutura inserida na produção social do espaço não podem ser reduzidos a seus comentários sobre le quotidien e a uma reificação errante do urbano como faz Giddens seguindo como fizeram tantos outros a voz de Castells na Questão Urbana Embora essas deficiências possam ser definidas como estruturais elas não são é claro determinadas de maneira conclusiva especialmente considerandose o agente humano reflexivo e esclarecido que está implicado Logo depois da publicação da Crítica e antes da conclusão de suas prometidas sequências Giddens moveuse para outro nível de desenvolvimento teórico passando novamente pelos mesmos lugares porém com maior clareza e com uma intenção mais formalizadora Em The Constitution of Society A constituição da sociedade 1984 Giddens simultaneamente respondeu a seus críticos expôs as fontes ecléticas de sua recente evolução personalizante e consolidou cuidadosamente uma teoria da estruturação que visava à totalidade As sementes propedêuticas da Crítica desabrocharam num jardim maduro e ordeiro sendo cada espécie floral cuidadosamente rotulada quanto a sua herança ontogenética e filogenética Assim a Constituição oferece outra oportunidade de considerarmos a trajetória proposta pela Crítica e de reconstruirmos em bases mais sólidas a versão giddensiana da reafirmação do espaço A CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE E A RECONSTITUIÇÃO DA TEORIA SOCIAL Numa entrevista com Derek Gregory em Society and Space Giddens descreveu seu singular projeto pessoal Não penso em mim mesmo como alguém que trabalhe de maneira inovadora sobre questões epistemológicas e tento colocálas entre parênteses num grau substancial O que estou tentando fazer é trabalhar essencialmente no que descrevo como uma ontologia da sociedade humana isto é concentrarme nas questões de como teorizar a ação humana de quais são as implicações dessa teorização para a análise das instituições sociais e depois de qual é a relação entre esses dois conceitos conjuntamente elaborados Não creio que seja necessário ou possível supor que se possa formular uma epistemologia plenamente desenvolvida e depois de algum modo partir em segurança para estudar o mundo Assim minha ideia é disparar salvas na realidade social por assim dizer salvas conceituais que não fornecem uma epistemologia consolidada global Gregory 1984 124 O que emana dessas salvas conceituais na Constituição é uma teoria reformulada do ser da natureza da existência social Colocada na perspectiva adequada a Constituição se destaca como a afirmação ontológica mais rigorosa equilibrada e sistemática atualmente disponível sobre a estruturação espaçotemporal da vida social Sua posição e sua linhagem dentro do discurso da teoria social crítica são óbvias mas sua realização se estende mais amplamente através dos rastros deixados pelos esforços de Husserl Heidegger e Sartre para dar lugar ao ser É aí que precisam ser situadas suas realizações primordiais A ausência intencional de uma epistemologia formal torna bastante difícil qualquer tradução simples e direta da ontologia de Giddens numa pesquisa empírica demonstrativa enquanto sua necessária inventividade conceitual continua a provocar mal entendidos sobretudo entre os que buscam esse discernimento empírico direto e simples na obra de Giddens No entanto A constituição da sociedade fornece diretrizes esclarecedoras ainda que complexamente sinuosas para a análise empírica e em particular para uma reinterpretação crítica da geografia histórica do capitalismo Ela não apresenta fórmulas e esquemas simples nem propõe posturas rigidamente categóricas sobre as vias teóricas a serem seguidas Mas isso constitui seu ponto forte e não sua fraqueza A teoria da estruturação na Constituição é uma síntese elástica da concatenação quase infindável de dualismos associados que se seguiu à oposição amiúde cristalizada demais entre subjetividade e objetividade Ação e estrutura o individual e o social são flexivelmente combinados por Giddens e essa flexibilidade e fusão ontológicas são a mensagem primordial Os principais conceitos sintetizadores que afirmam esse equilíbrio ontológico podem ser extraídos do Glossário convenientemente anexado páginas 3737 Nossa linguagem conceitual herdada é tão distorcida no tocante às relações espaçotemporais que precisa ser radicalmente reestruturada para expressar a articulação do espaço do tempo e do ser social tarefa essa que Giddens assume conscienciosamente na Constituição O glossário conceitual resultante é um hábil ato de equilibração que insere sistematicamente o espaço aliado ao tempo mas nunca o espaço isoladamente na constituição da sociedade Contextualidade Caráter situado da interação no tempoespaço implicando o palco da interação os atores copresentes e a comunicação entre eles Local Região física implicada como parte do palco da interação dotada de fronteiras definidas que contribuem para concentrar a interação de um modo ou de outro Regionalização Diferenciação temporal espacial ou temporalespacial das regiões nos ou entre os locais a regionalização é uma noção importante para contrabalançar a suposição de que as sociedades são sempre sistemas homogêneos e unificados Integração social Reciprocidade das práticas entre os atores em situações de copresença entendidas como continuidades e disjunções dos encontros Integração dos sistemas Reciprocidade entre os atores ou coletividades no tempoespaço ampliado fora das condições de copresença Distanciamento tempoespaço Extensão dos sistemas sociais no tempoespaço ampliado com base em mecanismos de integração social e integração dos sistemas Apesar dos avanços conceituais o acompanhante temporal tornase vez por outra excessivamente protetor pois Giddens está decidido a reconhecer o espaço sem sucumbir às tendenciosidades disciplinares da geografia moderna e a seus separatismos peculiares Há muito menos cautela entretanto com respeito à história e a suas inclinações disciplinares Como resultado o tempo e a história muitas vezes aparecem sozinhos na Constituição da sociedade imbuídos de autoridade e distributivos muito mais estabelecidos do que o forasteiro geográfico menos conhecido4 A ordem imposta é sempre tempoespaço ligados na mesma sequência dominadordominado de centroperiferia Assim Giddens mais uma vez deixa de tomar a iniciativa da necessária crítica do historicismo que deve acompanhar a reestruturação contemporânea da teoria social crítica5 Ainda assim o vocabulário conceitual reformulado de Giddens pode ser efetivamente apropriado para reconstruir a substância e o sentido da estruturação espaçotemporal Com alguma extensão adaptativa o arcabouço dos conceitos estabelece uma provocante ontologia social conducente ao desenvolvimento do materialismo históricogeográfico uma ontologia muito mais adequada à tarefa do que qualquer outra que tenha emergido do encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental Para sermos mais específicos Giddens se aproxima mais do que qualquer outro teórico social influente de desvendar o que a meu ver é a generalização contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vida social que o mundo vital inteligível do ser compõese sempre e em todos os lugares de um sistema multiestratificado de regiões nodais socialmente criadas de uma configuração de locais diferenciados e hierarquicamente organizados As formas e funções específicas dessa estrutura espacial existencial variam significativamente no tempo e no lugar mas uma vez que o ser seja situado no mundo o mundo em que ele está tornase social dentro de uma matriz espacial de locais estabelecidos A estrutura topológica é mutável e permutável mas está sempre presente para envolver e abarcar situar e constituir toda a ação humana e concretizar a construção da história e da geografia Os geógrafos e os sociólogos examinaram partes dessa espacialização existencial e produziram uma bibliografia imponente que descreve as particularidades e as geometrias hipotéticas de suas aparências reais ou empíricas esperadas6 As fontes geradoras da matriz espacial entretanto têm sido fugidias e ilusórias A incapacidade da geografia e da sociologia de recomporem uma ontologia apropriada na qual para usarmos uma expressão atualmente na moda o espaço tenha importância em vez de simplesmente existir tem mantido oculto o sentido existencial do contexto espacial Examinemos mais detidamente o modo como a aproximação de Giddens pode ser efetivamente ampliada de maneira a destacar mais claramente a generalidade e a especificidade espaciais do ser social Primeiramente existe o evocador conceito de local uma região limitada que concentra a ação e reúne na vida social tanto o singular e particular quanto o geral e nomotético Como observa Giddens tratase de uma noção algo aparentada com lugar tal como utilizado nos textos dos geógrafos culturais onde acrescentaria eu ele é frequentemente afirmado como uma alternativa preferida a espaço e região Mas essa noção provoca uma comparação ainda mais estreita com o uso de lugar nas ontologias de Heidegger e Sartre Para Giddens os locais se referem ao uso do espaço para fornecer os cenários de interação sendo os cenários de interação por sua vez essenciais para especificar sua contextualidade 1984 118 Esses cenários podem ser um aposento numa casa uma esquina de rua o pátio de uma fábrica um presídio um asilo um hospital um bairrovilarejocidaderegião definível as áreas territorialmente demarcadas ocupadas por Estados nacionais ou a rigor a terra ocupada como um todo Os locais são estabelecidos em muitas escalas diferentes e essa hierarquia multiestratificada de locais é reconhecível como um constructo social e como uma parte vital do sernomundo7 A concentração da interação em locais está ligada a outra especificidade contextual do ser social que Giddens hesita em reconhecer A melhor maneira de descrevêla talvez seja como a nodalidade da vida social o acúmulo ou aglomeração de atividades em torno de centros ou nós geográficos identificáveis A nodalidade e a centração por sua vez pressupõem uma situação social de periferia para todo centro existe uma área interiorana mais ou menos delimitável definida por uma diminuição geográfica da nodalidade a qual é predominantemente provocada pelos controles do acesso às vantagens da aglomeração A nodalidade e o caráter periférico existem em certa medida em todos os locais nem que seja apenas como produto dos esforços individuais e coletivos de lutar com o atrito ontologicamente dado da distância imediatamente imposto ao sernomundo A existência a própria presença do ser significa ter que lidar com o desgaste da distância seja no nível do distanciamento primário seja nas rotinas enfadonhas da vida cotidiana Assim uma padronização espaçotemporal ordenada pela distância permeia o cenário existencial da interação humana e não pode ser ignorada na construção da teoria Mas o desgaste da distância tampouco deve ser arrancado de sua contextualidade social e modelado como uma variável independente quase newtoniana determinando a nodalidade dos locais como tem acontecido com tanta frequência nas modalidades quantitativas ou científicas da geografia moderna Como Giddens deixa implícito em sua discussão demasiadamente sucinta das distinções centroperiferia e do desenvolvimento desigual a operação do poder distributivo e autorizado regula a formação dos centros e periferias em toda a gama dos cenários locais Tentando evitar a tática obscurantista do separatismo espacial com sua despolitização intrínseca da espacialidade Giddens enquadra a nodalidade e suas extensões espaciais na temporalidade das relações de poder num eixo de estabelecimento antecedente de controle das pessoas e recursos que define posteriormente a situação de estar de fora Esse eixo temporal de diferenciação entrecruza se com o que existe entre as regiões centrais e periféricas formando as linhas de base das noções giddensianas de distanciamento e regionalização tempoespaço de como a interação humana se estende no tempo e no espaço numa série de cenários desigualmente desenvolvidos e diferenciados8 Dito em termos mais simples a espacialidade e a temporalidade dos locais estão contextualmente entrelaçadas e inseparavelmente vinculadas às relações de poder desde o começo até o fim As regiões centrais e periféricas são portanto análogas à criação de uma oposição social primordial entre o dentro e o fora do poder para voltarmos a minha tese anterior sobre a natureza e a necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual e das relações entre a espacialidade e a classe ver capítulo 4 A nodalidade a regionalização e o poder também estão implicados em outro aspecto contextualizador do ser social a criação de recintos limitados que demarcam o que Giddens denomina de disponibilidade da presença presençaausência da interação humana Aqui dois termos adicionais e estreitamente relacionados territorialidade e regionalismo precisam ser incluídos no glossário giddensiano e entremeados na teoria da estruturação Ambos funcionam de muitas maneiras diferentes no sentido de segregar e compartimentalizar a interação humana controlando a presençaausência e a inclusãoexclusão Tal como a distinção centroperiferia com a qual estão estreitamente relacionados a territorialidade e o regionalismo expressam o poder distributivo e autorizado que opera nos locais Fazendo um empréstimo de Foucault eles são produtos da instrumentalidade do espaçopodersaber e fornecem a base para espacializar e temporalizar o funcionamento do poder A territorialidade é o termo mais geral e contém alusões a noções particularizadas como soberania propriedade disciplina vigilância e jurisdição9 Referese à produção e à reprodução de recintos espaciais que não apenas concentram a interação o que é um traço de todos os locais mas também intensificam e impõem sua delimitação A territorialidade quase que por definição está presente em todos os locais pelo menos na fronteira mais externa onde começa a ausência de interação Mas essa delimitação pode ser mais ou menos rígida ou permeável e pode mudar de forma ao longo do tempo Também pode existir dentro do cenário local Essa territorialidade intralocal pode ou não coincidir com as regiões centrais e periféricas mas está sempre associada à regionalização às divisões espaçotemporais da atividade e da relação A diferenciação regional nos e entre os locais por sua vez é o cenário de um regionalismo contingente de uma consciência e assertividade ativas de determinadas regiões diante de outras regiões como recintos territoriais e sociais Como expressão da territorialidade dos locais o regionalismo se baseia na geografia do poder O ser material na forma do corpo é a primeira e prenunciadora exemplificação dessa hierarquia de locais nodais diferenciados O ego é a centralização primeva e tensionada do ser e em torno dele se forma uma regionalização criada que até muito recentemente escapou à análise formal pois permaneceu obstinadamente fora daquilo que Giddens descreve como nossa consciência discursiva em contraste com a consciência prática Giddens voltase primordialmente para a sociologia dos encontros de Goffman e para a geografia temporal de Hagerstrand em busca de discernimento dessa regionalização egocêntrica mas algumas salvas conceituais igualmente perspicazes podem ser encontradas na obra de Edward Hall Robert Sommer e outros que contribuíram para espacializar o ego através de uma crítica cultural e da iniciação de uma psicologia ambiental da cognição espacial Soja 1971 O que se revelou cada vez mais nesses textos foi uma notável microgeografia da interação humana articulada em torno das bolhas portáteis do zoneamento pessoal do espaço e do comportamento proxêmico uma linguagem corriqueira não verbal e não escrita da intersubjetividade espacial Mas isso é apenas o começo a primeira de muitas camadas de locais e regionalizações criados que se espraiam para fora a partir da espacialidade subjetiva do ego portátil passando a se imprimir na paisagem humanizada A nodalidade entrelaça atividades coletivas em torno de outros cenários centrados e relativamente fixos que também são regionalizados e mais ou menos delimitados territorialmente No mundo moderno o local de trabalho e o local de residência são os locais nodais predominantes da copresença social e sua separação e territorialidade localizadas induzem a sua própria padronização ordenada pela distância mas socialmente produzida da interação e da experiência humanas Nos contextos menos modernos esses dois locais são tipicamente cocentrados e se reforçam mutuamente definindo recintos mais estreitamente delimitados de integração social relativamente impermeáveis à interação em escalas geográficas mais elevadas exceto através da aglomeração de locais nodais e de microgeografias individuais nos povoamentos humanos ou no que seria útil chamarmos de localidades As localidades outro termo que Giddens não utiliza podem ser definidas como tipos particulares de locais permanentes social e espacialmente estabilizados através do estabelecimento aglomerado de sítios de atividade primária e do estabelecimento de comunidades territoriais afins Como todos os locais elas são estruturações espaçotemporais provenientes da combinação da ação humana e do impacto condicionador das condições espaçotemporais preexistentes Fornecem outro cenário criado um ambiente construído mais elaborado para a interação humana ampliada em escala densidade diferenciação social e apego coletivo ao lugar São também locais geradores do que Giddens define como distanciamento a extensão dos sistemas sociais no tempoespaço desde a copresença da integração social local até as coletividades e reciprocidades mais abrangentes e elásticas da integração dos sistemas As localidades portanto são os esteios da urbanização a formação de locais nodalmente aglomerados e coesos regionalmente diferenciados em termos internos dentro do aglomerado comparados um local urbanizado versus outro e hierárquicos posicionados num sistema multiestratificado de locais urbanos As vilas e cidades podem ser descritas como localidades que abrangem contextos recintos e concentrações nodais da interação humana ligados à integração social e dos sistemas e por conseguinte a redes múltiplas de poder social No contexto do mundo contemporâneo a localidade pode ir desde os menores povoados ou bairros até as maiores conurbações A urbanização contudo representa uma ruptura com a generalidade ontológica e impõe uma transição para uma geografia histórica mais concretamente especificada mudança esta que Giddens não chega a explicitar suficientemente Todas as sociedades humanas que já existiram foram contextualizadas e regionalizadas em torno de um encaixamento multiestratificado de locais nodais supraindividuais uma base doméstica para a alimentação coletiva e a reprodução biológica locais de coleta e territórios para alimentos e materiais centros cerimoniais e lugares para brincar espaços comuns e terrenos proibidos vizinhanças definíveis e recintos territoriais Contudo apenas em algumas sociedades esses locais foram aglomerados em povoamentos especificamente urbanos e somente nos dois últimos séculos é que a urbanização se expandiu tornandose o cenário vital dominante para uma grande parcela da população mundial mesmo nas áreas convencionalmente definidas como não urbanas ou rurais Essa é a definição ampliada do urbano usada por Lefebvre para descrever a geografia específica do capitalismo O entendimento da urbanização e do urbanismo na contextualidade de locais hierarquicamente centralizados portanto mais projeta do que rejeita a ontologia giddensiana Giddens não consegue desenvolver uma teoria rica e rigorosa da urbanização optando em vez disso por concentrar suas projeções no Estado nacional como se o Estado suplantasse a urbanização em vez de encarnála como locus primário do poder Mas ele de fato insiste em situar o urbano no âmago da teoria social crítica e em meio à estruturação tempoespaço Desse modo a especificidade do urbano essa velha questão que tanto dividiu os geógrafos e sociólogos marxistas recebe uma nova feição e um novo significado A urbanização pode ser vista como uma de várias grandes acelerações do distanciamento tempoespaço que estenderam a escala das interações humanas sem necessariamente destruir sua anatomia espacial fundamental Você e eu ainda vivemos dentro de uma hierarquia de regionalizações nodais provenientes de nosso corpo mas a interação social e a integração das sociedades expandiramse agora em escala mundial num alcance global em que o processo de urbanização foi um veículo primordial A especificidade do urbano é definida pois não como uma realidade separada com suas próprias regras sociais e espaciais de formação e transformação ou meramente como um reflexo e uma imposição da ordem social O urbano é uma parte integrante e uma particularização da generalização contextual mais fundamental sobre a espacialidade da vida social a de que criamos e ocupamos uma matriz espacial multiestratificada de locais nodais Em sua particularidade sua especificidade social o urbano é permeado por relações de poder relações de dominação e subordinação que canalizam a diferenciação regional e o regionalismo a territorialidade e o desenvolvimento desigual e as rotinas e revoluções em muitas escalas diferentes As generalidades descritivas da Escola de Chicago e da maior parte da sociologia e da geografia urbanas modernas alegando que as cidades se distinguem presumivelmente do rural ou não urbano por seu tamanho densidade heterogeneidade anomia solidariedades funcionais e concentricidades e axialidades geográficas não são inexatas Mas escondem a especificidade mais fundamental do urbano que provém da conjunção da nodalidade do espaço e do poder As cidades são aglomerações nodais especializadas construídas em torno da instrumental disponibilidade de presença do poder social Elas são centros de controle cidadelas concebidas para proteger e dominar através do que Foucault denominou de pequenas táticas do habitat mediante uma geografia sutil de recintos fechados confinamento vigilância compartimentalização disciplina social e diferenciação espacial A capacidade de controlar emana em grande parte da própria nodalidadecentralidade e se estende para fora em pelo menos dois planos um que vai diretamente do centro para o interior um controle vicinal que tipifica a integração social e um segundo que parte de um centro nodal para outros um controle hierárquico que é característico da integração dos sistemas Juntas essas emanações urbanas e territoriais do poder e do controle definem a própria natureza do Estado Definem também um campo contestável de política espacial e luta civil pelo droit à la ville o direito à cidade nos termos de Lefebvre o poder dos cidadãos de controlar a produção social do espaço10 Como escreve Giddens a cidade é muito mais do que um simples meio físico É um continente de armazenagem de recursos administrativos em torno dos quais os Estados se constroem 1984 183 Ele observa as dramáticas mudanças na contextualidade da cidade acarretadas pela ascensão da industrialização capitalista e por sua mercantilização do tempo e do espaço no final de um capítulo sobre O tempo o espaço e a regionalização Em seguida como seria apropriado voltase para Foucault em busca de discernimento crítico sobre o momento e o espacejamento do poder disciplinar introduzindo essas apreciações numa análise subsequente dos princípios estruturais das Sociedades Tribal Dividida em Classes e de Classes capitalista Nesse ponto surge uma importante distinção entre a organização local dominante das sociedades divididas em classes enraizada na simbiose entre a cidade e o campo o eixo que relaciona as áreas urbanas com seu interior rural e a organização local dominante do capitalismo a expansão alargada de um ambiente criado ou fabricado Quão de perto isso se aproxima de focalizar nossa atenção na espacialização problemática e fundamental que marcou a geografia histórica do capitalismo que Lefebvre desmascarou e ligou tão estreitamente à urbanização e que outros começam a identificar como a chave para o entendimento da sociedade capitalista contemporânea Mas Giddens mais uma vez sobe numa espiral até a margem da versão lefebvreana apenas para se recusar a dar o passo lateral seguinte Na segunda metade da Constituição a hélice giddensiana inicia uma involução quase regressiva repetindose sem avançar muito à frente A importância vívida e central da espacialidade parece ser esvaziada ponto por ponto até sermos deixados num longo capítulo sobre a aplicação da teoria da estruturação à pesquisa empírica e à crítica social que se segue a outra exorcização de Talcott Parsons praticamente sem espaço algum Há uma breve menção ao desenvolvimento desigual como tendo uma aplicação mais ampla do que se tem reconhecido comumente 319 seguida por várias frases quase wallersteinianas sobre o fato de a regionalização produzir e difundir as contradições sociais Mas o conselho explícito dado ao analista social parece omitir a vigorosa afirmação de que o espaço tem importância afinal Não surpreende que a reação sociológica a Giddens tanto pró quanto contra tenha deixado quase completamente de reconhecer a importância de sua pronunciada virada espacial pois o próprio Giddens parece encobrila nos momentos mais cruciais Bem no final da Constituição Giddens tenta com afinco resgatar sua geografia depois de havêla escondido nas 150 páginas anteriores Formulada como uma reconsideração derradeira ele escreve A frase pode parecer bizarra mas os seres humanos realmente fazem sua própria geografia tanto quanto fazem sua própria história Em outras palavras as configurações espaciais da vida social são um tema de importância tão básica para a teoria social quanto o são as dimensões da temporalidade 1984 363 São estas as últimas frases do texto O espaço não é uma dimensão vazia ao longo da qual os grupos sociais se estruturam mas tem que ser considerado em termos de seu envolvimento na constituição dos sistemas de interação A mesma afirmação feita em relação à história se aplica à geografia humana não há diferenças lógicas ou metodológicas entre a geografia humana e a sociologia 368 Se essas declarações finais marcadas por um ponto de exclamação acerca da Ciência Social História e Geografia permanecerão como a palavra final de Giddens sobre o assunto ou se irão transformarse nas sementes de outra sequência em espiral é difícil prever Olhando novamente para A constituição da sociedade resta muito a ser louvado A meu ver a instilação do poder numa ontologia explicitamente espacializada da sociedade e portanto nas interpretações da construção da geografia ao lado da construção da história constitui o principal feito de Giddens Há argumentações similares na obra de Foucault Lefebvre Poulantzas Sartre e talvez outros que me hajam escapado Mas na Constituição Giddens reúne quase tudo numa síntese monumental que pela primeira vez fornece uma ontologia social sistemática capaz de sustentar a reafirmação do espaço na teoria social crítica A crítica mais fácil a Giddens é a mais complicada e possivelmente a mais inútil pois ele ergueu uma couraça sumamente forte contra ela em sua evolução personalizada Ao deixar a epistemologia a cargo de outrem e se concentrar na ontologia social Giddens libertouse para mergulhar à vontade na análise empírica sem compromisso com ninguém a não ser com seu próprio arcabouço interpretativo sua própria determinação cósmica para resgatarmos a citação inicial de Sartre Isso é claro não é incomum entre os melhores teóricos e filósofos sociais Mas deixa Giddens vulnerável ao perder de vista as particularidades do momento contemporâneo suas novas possibilidades e suas rupturas com o passado Como escreve o sociólogo e realista teórico John Urry Giddens tende a negligenciar os problemas da explicação das causas e consequências das recentes transformações da estruturação espacial do capitalismo tardio Além disso essa omissão é particularmente grave uma vez que é o espaço e não o tempo que constitui a dimensão distintamente significativa do capitalismo contemporâneo tanto em termos de seus processos mais destacados quanto em termos de uma consciência social mais geral Como argumenta Braudel o historiador da longue durée Todas as ciências sociais devem abrir espaço para uma concepção cada vez mais geográfica da humanidade 1985 21 Isso constitui essencialmente um apelo por uma aplicação mais empírica e mais espacialmente centrada da teoria social crítica às perplexidades dos dias atuais E nos leva para uma outra rodada de reestruturação uma desconstrução e reconstituição mais profundas da teoria social crítica do que Giddens parece haver contemplado Dar sentido à modernidade contemporânea ou à pósmodernidade se preferirem não é algo que se possa fazer mediante o simples anúncio da equivalência lógica e metodológica da história da geografia e da sociologia em suas feições modernistas e a exaltação da fecundidade de suas religações nascentes Todo o tecido da moderna divisão acadêmica e intelectual do trabalho que definiu fechou e reificou essas disciplinas desde o final do século XIX precisa ser radicalmente remoldado Assim o sociologismo residual de Giddens assume uma nova significação pois a sociologia tão ricamente consolidada e ampliada por ele destacase hoje como um dos muitos monumentos disciplinares reificados que precisam ser desconstruídos para que possamos lograr êxito em fazer qualquer coisa nova 1 É interessante notar que Giddens enfatiza sistematicamente a combinação tempoespaço mas nunca usa explicitamente a expressão geografia histórica 2 Dada a discussão do capítulo anterior talvez seja mais exato descrever essa premissa gerativa como uma afirmação ontológica primordialmente derivada de Heidegger cujas obras tiveram particular influência nas teorizações de Giddens 3 Ver Gregory 1978 em particular Após a publicação da Crítica há muito mais contato entre Giddens e Gregory Ver Gregory 1984 Gregory e Urry 1985 e o verbete de Gregory sobre a teoria da estruturação em The Dictionary of Human Geography Johnston et al 1986 4 O glossário de Giddens inclui o verbete historicidade Identificação da história como mudança progressiva pareada com a utilização cognitiva dessa identificação para fomentar essa mudança A historicidade implica uma visão particular do que é a história o que significa utilizar o conhecimento da história para modificála Não há um verbete equivalente sobre a espacialidade 5 Mas o mesmo se deu convém acrescentar com todos os teóricos sociais espacializadores que examinei desde Foucault e Lefebvre que mais se aproximaram disso até Harvey Mandel e Jameson 6 A teoria do lugar central por exemplo descreve uma geometria idealizada da matriz espacial em condições em que se presume que as relações de mercado e o comportamento minimizador da distância no tocante à prestação de serviços sociais dominem a produção social do espaço Ocasionalmente seus modelos exibem uma semelhança fortuita com as paisagens geográficas reais das sociedades capitalistas basicamente por serem também eles estruturados em torno de uma suposta matriz espacial de locais estabelecidos Eles representam uma das raras tentativas na história da teoria social de abordar aspectos selecionados dessa espacialização existencial 7 A escala e a hierarquia também devem ser vistas como constructos sociais e não simplesmente como dados existenciais Para discussões recentes sobre as escalas espaciais características associadas ao desenvolvimento capitalista no nível do global do Estado nacional e do urbano ver Taylor 1981 e Smith 1984 Essas obras porém são pouco mais do que investigações iniciais num tema muito complexo e pouco estudado 8 Giddens apresenta um diagrama simples 1984 131 para descrever essas relações O eixo vertical traz estabelecidos no topo e forasteiros na parte inferior É atravessado por um eixo horizontal que vai das regiões centrais para as regiões periféricas 9 Comecei a investigar o conceito da territorialidade humana e sua relação com a organização política do espaço no fim dos anos sessenta ver Soja 1971 Boa parte desse trabalho teve de ser puramente defensiva pois a visão então vigente da territorialidade estava carregada de imperativos bioetológicos que obscureciam qualquer interpretação sociopolítica Para uma tentativa recente de resgatar e reformular os debates sobre a territorialidade humana ver Sack 1986 Nem meu trabalho anterior nem o de Sack entretanto fornecem uma ontologia social satisfatória da territorialidade 10 Ver Michael Mann The Sources of Social Power As origens do poder social volume 1 1986 quanto aos primórdios do que promete ser uma das poucas análises explicitamente geográficas do Estado e da estratificação social Mann parte da seguinte afirmativa grifada As sociedades são constituídas de múltiplas redes socioespaciais de poder que se superpõem e se cruzam 1 Ele prossegue observando que A maioria dos teóricos prefere noções abstratas da estrutura social de modo que ignora os aspectos geográficos e sócioespaciais das sociedades Se guardarmos em mente que as sociedades são redes com contornos espaciais definidos poderemos remediar isso 9 O desenvolvimento capitalista precisa negar uma margem estreitíssima entre a preservação dos valores dos compromissos passados assumindo novo lugar e rumos temporais a fim de abrir um novo espaço para a acumulação O capitalismo luta perpetuamente portanto por criar uma paisagem social e física à sua própria imagem e indispensável para suas necessidades em determinado ponto do tempo simplesmente para com igual certeza mirar desintegrar e até destruir essa paisagem num ponto posterior de tempo As contradições internas do capitalismo expressamse através da formação e reconfiguração de seus paisagens geográficas É de acordo com essa música que a geografia histórica do capitalismo tem que dançar ininterruptamente Harvey 1985 150 OBSERVAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE REESTRUTURAÇÃO A reestruturação em seu sentido mais amplo transmite a noção de uma freada senão de uma ruptura nas tendências seculares e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social econômica e política Evoca pois uma combinação sequencial de desmoronamento e reconstrução de desconstrução e tentativa de reconstituição proveniente de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos A antiga ordem está suficientemente esgarçada para impedir os remendos adaptativos convencionais e exigir em vez deles uma expressiva mudança estrutural Estendendo a terminologia de Giddens podese descrever essa freadaemudança como uma reestruturação temporalespacial das práticas sociais do mundano para o mondiale mundial Esses processos de reestruturação social continuam a ser enterrados sob esquemas evolucionistas idealizados em que a mudança simplesmente parece acontecer ou surge para pontuar alguma marcha inelutável para o progresso Esse idealismo evolucionista outra forma de historicismo disfarça o arraigamento da reestruturação na crise e no conflito competitivo entre o velho e o novo entre a ordem herdada e uma ordem projetada A reestruturação não é um processo mecânico ou automático nem tampouco seus resultados e possibilidades potenciais são predeterminados Em sua hierarquia de manifestações a reestruturação deve ser considerada originária de e reativa a graves choques nas situações e práticas sociais preexistentes e desencadeadora de uma intensificação de lutas competitivas pelo controle das forças que configuram a vida material Assim ela implica fluxo e transição posturas ofensivas e defensivas e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e mudança Como tal a reestruturação se enquadra entre a reforma parcial e a transformação revolucionária entre a situação de perfeita normalidade e algo completamente diferente Que estamos atualmente envolvidos num período contínuo de intensa reestruturação social parece com a crescente clareza da visão retrospectiva difícil de negar Há também uma ampla concordância entre os que tentam interpretar essa reestruturação contemporânea em que ela foi deflagrada por uma série de crises interrelacionadas desde as insurreições urbanas dos anos sessenta até a profunda recessão mundial de 197375 que assinalaram o fim do prolongado período de expansão econômica capitalista que se seguiu à II Guerra Mundial Embora isso seja menos amplamente aceito também se pode argumentar que essas crises emergiram primordialmente em conjunção com as estruturas institucionais específicas que sustentaram e pautaram a acumulação capitalista expansionista dos anos do surto de crescimento do pósguerra Mais especificamente elas podem ser vistas como uma cadeia complexa de crises na divisão internacional do trabalho estabelecida e na distribuição global do poder político e econômico nas funções expandidas e hoje claramente contraditórias do Estado nacional nos sistemas previdenciários keynesianos e nos contratos sociais estabilizadores entre governos empresas e a mão de obra organizada nos padrões de desenvolvimento regional desigual que se haviam tornado tão solidamente estabelecidos dentro dos países no século anterior nas formas desenvolvidas de exploração das mulheres das minorias e do meio ambiente natural na morfologia espacial na industrialização e no funcionamento financeiro das cidades e das áreas metropolitanas na concepção e na infraestrutura do meio ambiente construído e do consumo coletivo e nos modos como as relações de produção capitalistas se imprimem na vida cotidiana desde o processo de trabalho no local de trabalho até a reprodução da vida da mão de obra e do poder patriarcal na família e no lar Cada um desses campos de crise e reestruturação gerou uma crescente bibliografia acadêmica e novos contextos para um debate crítico Cada qual gerou também sua própria constelação de frases de efeito populares que tentam captar e definir as novas formas que se supõe estarem emergindo Uma das primeiras e mais conhecidas dentre elas anunciou o nascimento de uma Sociedade PósIndustrial com seu fim abreviado da era industrial e suas ideologias associadas nos países capitalistas tardios e a mudança concomitante para uma nova economia baseada nos serviços como uma conclusão idealizada da momentosa ascensão através de etapas de crescimento progressivas Entretanto há muitas outras que a esta altura encheram a imaginação popular de epítetos projetados de reestruturação uma Nova Ordem Econômica Internacional induzida pelos milagres industriais dos PRIs Países RecémIndustrializados e pela Periferalização do Centro numa Era do Capital Global novamente centrada na Orla do Pacífico uma Mudança do Poder que joga o Cinturão do Sol contra o Cinturão do Gelo proveniente da Desindustrialização da América e do crescimento da Alta Tecnologia e da Revolução da Eletrônica nas novas Paisagens de Silício ou os Estados PósPrevidenciários lutando com a Nova Austeridade para criar uma Sociedade Baseada na Informação e sistemas industriais PósFordistas Escolher um caminho que atravesse essa floresta metafórica não é tarefa simples Cada um desses rótulos ajuda de algum modo a ilustrar o processo de reestruturação mas é comum eles parecerem brilhar com tanta intensidade que nos impedem de ver o que pode realmente estar acontecendo em toda a sua plena complexidade e intercontingência Tornase necessário portanto apresentar uma breve leitura do ponto a que tenciono chegar na análise e na interpretação dos processos de reestruturação contemporâneos O ponto de partida é a ligação afirmativa entre a reestruturação e a espacialização Assim o momento contemporâneo será examinado como sendo a mais recente tentativa de reestruturar as matrizes espaciais e temporais do capitalismo mais uma busca de um arranjo espaçotemporal voltado para a sobrevivência Se há de haver um materialismo históricogeográfico ou se preferirem uma robusta geografia humana crítica ele virá de darmos sentido teórico e prático a essa reestruturação espacial temporal e social contemporânea Para enfatizar o elemento mais convencionalmente desprezado dessa tríplice reestruturação e erguer uma defesa contra seu desaparecimento nas outras dobras e recônditos focalizarei as três correntes principais da reestruturação espacial A primeira começa pela reestruturação ontológica que propôs a reafirmação do espaço na teoria social crítica e no discurso filosófico tema principal dos capítulos anteriores Se precisarmos de um epíteto contemporâneo para essa reestruturação teórica que seja póshistoricismo A segunda corrente tem sido guiada pela espacialização do marxismo ocidental e diz respeito à economia política material da acumulação capitalista e da luta de classes no contexto do desenvolvimento urbano e regional Por ora pósfordismo fornece uma condensação conveniente dessa corrente de reestruturação espacial A terceira corrente acrescenta à economia política urbana e regional uma dimensão e uma crítica culturais insistentes que estendem a reestruturação aos debates sobre a natureza da modernidade da modernização e do modernismo Aqui os argumentos são captados na afirmação de um pósmodernismo que se ergue à maneira de Jano em resposta às difundidas instrumentalidades do momento contemporâneo1 Essas três correntes se reunirão de maneira sumamente propícia no contexto empírico de um lugar exemplar a afluente cidaderegião de Los Angeles Antes de examinarmos Los Angeles no entanto pretendo aventurarme primeiro na segunda corrente a fim de descrever alguns aspectos da economia política da reestruturação urbana e regional de sua espacialidade sua periodicidade e sua geografia histórica Será uma viagem bastante rápida sem os densos detalhes empíricos e a complexidade necessários para dar profundidade e convicção aos argumentos especialmente talvez para os historiadores e geógrafos de orientação idiográfica Mas ela preparará indicativamente o cenário como um esboço sugestivo que visa a estimular outras investigações históricogeográficas AS REGIÕES NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO E DA QUESTÃO REGIONAL Nos últimos vinte anos algumas mudanças significativas têm ocorrido nos padrões de desenvolvimento regional desigual que se haviam estabelecido tão solidamente nos países capitalistas tardios durante o século precedente Da mesma maneira que alguns acontecimentos concomitantes na economia global parecem estar desarticulando a límpida compartimentalização entre Primeiro Segundo e Terceiro Mundos e induzindo a proclamações de uma Nova Divisão Internacional do Trabalho o mosaico padronizado da diferenciação regional subnacional vai se tornando mais caleidoscópico liberto de sua rigidez anterior A mudança acelerada da produção industrial e do poder político do Cinturão do Gelo para o Cinturão do Sol nos Estados Unidos por exemplo tornouse uma metáfora de alcance geral que encerra e estrutura o debate público e a pesquisa acadêmica sobre a questão regional De maneira similar temse chamado a atenção para uma Terceira Itália emergente Bagnasco 1977 complicando o dualismo simples que definira até aqui o mais clássico modelo NorteSul do desenvolvimento regional desigual e também para uma série de inversões de papel das regiões em muitos outros países à medida que áreas industriais antes prósperas vão declinando simultaneamente à rápida industrialização de periferias regionais antes menos desenvolvidas Como muitos têm argumentado a questão regional e a análise da reestruturação regional foram colocadas na agenda política e teórica contemporânea com força renovada Consideremos por exemplo os títulos de algumas publicações recentes Regiões em crise Capital versus regiões O problema regional As regiões em questão Guerras regionais por empregos e dólares A análise regional e a nova divisão internacional do trabalho O regionalismo e o Estado capitalista Desenvolvimento desigual e regionalismo Capitalismo global e declínio regional Problema regional em que sentido O Norte se erguerá outra vez O desenvolvimento regional e a comunidade local Ciclos de lucro oligopólio e desenvolvimento regional Obviamente há algo que se agita enquanto as visões alternativas manobram para se posicionar numa economia política regional emergente cada qual buscando uma compreensão apropriada da mudança regional contemporânea É possível usar quatro contextos interpretativos para situar os debates contemporâneos sobre a questão regional O primeiro e mais abrangente é a reteorização transformadora do espaço do tempo e do ser social que vem atualmente ganhando forma na teoria social e na filosofia contemporâneas Há pouco mais a dizer sobre esse contexto situador salvo para enfatizar mais uma vez que ele provém basicamente de uma ontologia reconstruída da sociedade humana na qual a formação das regiões a padronização do desenvolvimento regional desigual e do regionalismo e a formulação da teoria regional são diretamente implantadas num processo abrangente de espacialização a produção social do espaço Concreta e concretizadora historicamente situada e politicamente carregada essa estruturação espacial da sociedade dá especificidade interpretativa às regiões como parte de uma espacialidade multiestratificada que se estende em seu impacto desde a vida cotidiana num meio ambiente construído imediato de integração social até as redes sistêmicas de fluxos e conexões transacionais que unem a economia global do espaço Assim as regiões subnacionais encontramse entre os muitos locais criados e constitutivos da vida social contingentes aos processos sociais e históricos e simultaneamente formadores da sociedade e da história O segundo contexto interpretativo provém de uma reteorização mais específica das causas e consequências da natureza e da necessidade do desenvolvimento geograficamente desigual Como se argumentou antes capítulo 4 o desenvolvimento geograficamente desigual é uma parte essencial da espacialidade capitalista de sua matriz espacial e sua topologia características Produzido e reproduzido em múltiplas escalas ele é inerente à concretização das relações sociais capitalistas e das regionalizações como meiopressuposto e como resultadoencarnação Tal como a própria espacialidade o desenvolvimento geograficamente desigual tem sido visto tradicionalmente como um reflexo externo das forças sociais um espelho ilusório da ação social e da luta das classes sociais Também ele vem sendo agora adequadamente reconceituado num materialismo histórico e geográfico reconstruído Situar a questão regional subnacional no contexto do desenvolvimento geograficamente desigual ligaa à dinâmica das mutáveis divisões espaciais do trabalho e à interação entre a regionalização e o regionalismo As regiões subnacionais assim definidas portanto são produto de uma regionalização no nível do Estado nacional uma diferenciação geográfica particularizada que é tão provisória ambivalente e criativamente destrutiva quanto qualquer outro componente da matriz espacial do desenvolvimento capitalista Similarmente essa divisão espacial subnacional do trabalho pode proporcionar canais eficazes de exploração ou não ela não tem nenhuma funcionalidade automática e predeterminada para a lógica do capital Tratase de uma espacialização resultante que decorre das lutas competitivas e de conjunturas particulares repleta de tensões política ideologia e poder O regionalismo por sua vez é uma resposta possível à regionalização uma formação reativa para tomarmos um termo usado para descrever a filiação étnica e outras identidades comunitárias O regionalismo pode assumir muitas formas políticas e ideológicas diferentes que vão desde a solicitação aquiescente de recursos adicionais até as tentativas explosivas de secessão Hadjimichalis 1986 Essa dinâmica da regionalização e do regionalismo subnacionais não pode ser facilmente generalizada ou especificada pois é essencialmente conjuntural e periodicamente sofre uma reestruturação substancial Daí a necessidade de concretizar ainda mais a questão regional colocandoa dentro de um terceiro contexto interpretativo a periodicidade da regionalização na geografia histórica do capitalismo Isso nos leva de volta à descrição de Harvey da formação e reformação irrequietas das paisagens geográficas e à periodização mandeliana em ondas longas do desenvolvimento capitalista Como anteriormente assinalado a interpretação de Mandel sobre a questão regional decorre de sua afirmação de que todo o sistema capitalista aparece como uma estrutura hierárquica de diferentes níveis de produtividade como o desenvolvimento desigual de Estados regiões ramos da indústria e empresas desencadeado pela busca de superlucros 1975 102 Essa busca de superlucros gira em torno de três fontes fundamentais duas delas primordialmente definidas em torno da diferenciação regional subnacional e internacional e a terceira em torno do desenvolvimento setorialmente desigual Todas as três fontes existem desde as origens do capitalismo mas Mandel argumenta que cada uma alcançou uma proeminência particular em diferentes períodos históricos Durante o que ele denomina de era do capitalismo de livre concorrência até o fim do século XIX a forma predominante dos superlucros derivou da justaposição regional da indústria e da agricultura nos países então capitalistas avançados justaposição essa que estava profundamente imbricada nas relações entre a cidade e o campo O capital e a produção industriais estavam concentrados e localizados em apenas alguns complexos territoriais cercados por anéis de regiões agrícolas que serviam para fornecer matériasprimas e alimentos mercados para os bens de consumo industriais e reservatórios de mão de obra barata Essa singular divisão regional do trabalho consolidouse através da formação de mercados nacionais integrados como na unificação da Alemanha e da Itália no fim do século XIX e reforçou a hegemonia sobre os territórios dependentes O caso clássico de um país subsidiário agrícola foi a Irlanda cujas indústrias florescentes como observou Marx foram destruídas num exemplo precoce do processo de subdesenvolvimento capitalista Outras regiões subsidiárias ou colônias internas semelhantes incluíram Flandres o sul da América o Mezzogiorno italiano muitas partes do Império AustroHúngaro algumas áreas orientais e meridionais da Alemanha Bavária Silésia e PomerâniaMecklenburg o oeste e o centro agrários da França e a Andaluzia O que ocorreu durante todo o século XIX portanto foi uma reestruturação regional e uma expansão em escala da relação preformadora cidadecampo e da acumulação primitiva que marcaram as origens do capitalismo A expansão geográfica do capital comercial preparou inicialmente o terreno mas a força espacializante dominante associouse à industrialização urbana maciça Os regionalismos do século XIX desenvolveramse principalmente a partir das tentativas de preservar culturas regionais distintas diante da homogeneização crescente ou de resistir às divisões espaciais particulares do trabalho que estavam sendo impostas pela extensa integração do mercado e pelo Estado nacional igualmente expansivo Na maioria dos casos isso implicou regiões agrícolas subsidiárias mas alguns locais relativamente industrializados como a Catalunha também reagiram O pensamento anarquista com seus princípios explicitamente antiestatais e descentralistas encontrou um terreno fértil em muitas dessas territorialidades regionais e constituiu a principal ameaça radical ao capitalismo urbanoindustrial durante a maior parte do século Mas dentro das periferias nacionais também se desenvolveram poderosos novos blocos hegemônicos regionais para tomarmos uma expressão de Gramsci que acolheram orquestraram e se beneficiaram dos processos de subdesenvolvimento regional Eles ajudaram a consolidar as estruturas regionais do poder e a subjugar os regionalismos mais radicais Na era do imperialismo e da ascensão dos monopólios e oligopólios empresariais a fonte primordial dos superlucros começou a se modificar Como parte de outra reestruturação que se expandiu em escala e foi induzida pela crise articulada em torno do fin de siècle a justaposição internacional de desenvolvimento nos Estados imperialistas e subdesenvolvimento nos territórios coloniais e semicoloniais tornouse mais importante para a sobrevivência do capitalismo do que a diferenciação regional subnacional A superexploração de uma periferia global recémconsolidada estimulou a recuperação da depressão do fim do século XIX e levou à rápida expansão ocorrida nos países centrais nas duas primeiras décadas do século XX O capitalismo não se internacionalizou repentinamente O capital mercantil havia funcionado durante séculos para extrair superlucros no mundo inteiro através do comércio de mercadorias O imperialismo no entanto internacionalizou um outro circuito do capital implicado nas transações financeiras monetárias e de investimentos que organizou a economia internacional mais eficientemente do que jamais fora possível antes disso para as transferências geográficas de valor em maior escala A velha relação cidadecampo passou a ser implantada não apenas em escala nacional mas também numa estrutura global de centro e periferia capitalistas O subdesenvolvimento regional dos países centrais não desapareceu nem tampouco a pressão dos regionalismos antagônicos Mas houve uma significativa reestruturação regional basicamente moldada pelo impacto geograficamente desigual da internacionalização e das extrações de lucro imperialistas e pela concentração e centralização aceleradas do capital doméstico exemplificadas pela febre de fusões verticais e horizontais por volta da virada do século especialmente nos EUA As regiões que continham as principais capitais imperialistas e os centros de controle monopolista por exemplo os escritórios centrais das grandes empresas tenderam a crescer muito mais depressa do que as que anteriormente podiam ter estado em níveis similares de desenvolvimento industrial mas não se beneficiaram tanto da extração global de lucros A principal escala da reestruturação espacial nos países centrais porém foi menos internacional do que intraurbana As divisões do trabalho regionais e herdadas dentro dos países provavelmente não se modificaram muito durante esse período mesmo nos casos em que a intensidade geral das desigualdades regionais foi expressivamente reduzida Na verdade essa relativa estabilidade se não aperfeiçoamento da estrutura do desenvolvimento regional desigual foi um indício da decrescente importância relativa dos superlucros derivados da diferenciação regional subnacional As periferias agrárias mais antigas foram parcialmente urbanizadas ou então deixadas relativamente de lado mas seu papel fundamental de suprir mão de obra barata alimentos matériasprimas e mercados foi cada vez mais transposto para as colônias externas Nos lugares onde essas funções continuaram importantes como na Irlanda e no Mezzogiorno de fato surgiram rebeliões camponesas e movimentos regionais agressivos bem como uma emigração maciça Mas a principal ação política e econômica ficou hierarquicamente imprensada em torno das regiões nos principais centros urbanos embaixo e na arena da rivalidade interimperialista em escala mundial em cima Esse regime característico de acumulação baseado na consolidação de uma divisão internacional do trabalho repartida num centro mundial dominanteindustrialimperialista e numa periferia mundial dependenteagrícolasubdesenvolvida bem como na estrutura empresarial mais centralizada do capital monopolista e financeiro descreveu um curso de desenvolvimento histórico semelhante ao do regime competitivoempresarial que o precedera Emergindo claramente no período de crise e reestruturação do fim do século XIX tornouse a base do surto de crescimento expansivo do começo do século XX apenas para mergulhar em sua própria fase de crise e reestruturação durante a Grande Depressão O capitalismo monopolista entretanto não desapareceu assim como sua afirmação como regime predominante de acumulação não apagou seu antecessor O que se desenvolveu foi uma outra camada um regime reorganizado de acumulação articulado com seus antecedentes residuais e apto a coordenar a recuperação da mais profunda depressão da históriageografia capitalista Mandel descreve esse novo regime de acumulação como Capitalismo Tardio e afirma que seu aparecimento marcou uma mudança na fonte primordial dos superlucros do desenvolvimento geograficamente desigual para a justaposição industrial global de desenvolvimento em setores dinâmicos e subdesenvolvimento em outros primordialmente nos países imperialistas mas também de modo secundário nas semicolônias Mandel 1975 103 Como ele toma o cuidado de observar essas rendas tecnológicas lucros oriundos de progressos da produtividade predominantemente baseados nos avanços tecnológicos e na organização dos sistemas de produção existiram em períodos anteriores e foram essenciais para as próprias origens do capitalismo Na falta de níveis elevados de centralização e concentração do capital entretanto a apropriação das rendas tecnológicas tendeu a ser de magnitude limitada e curta duração especialmente em virtude da concorrência empresarial descontrolada Somente no Capitalismo Tardio alega Mandel foi que elas se tornaram predominantes e eficientemente sistêmicas A importância crescente das rendas tecnológicas obscurece um pouco o proeminente papel desempenhado pela exploração do desenvolvimento geograficamente desigual nos regimes de acumulação anteriores Mas ao mesmo tempo elas se tornam mais centrais para o entendimento das mutáveis divisões regionais do trabalho e da natureza cambiante da questão regional nos últimos cinquenta anos À medida que crescem as fontes setoriais de superlucros as fontes espaciais não necessariamente declinam para a insignificância pois o desenvolvimento geograficamente desigual pode ser continuamente reconstituído A rigor a busca contemporânea de superlucros onde quer que possam ser encontrados está chegando a um auge competitivo mais alto do que nunca na história do desenvolvimento capitalista recriando padrões novos e mais complexos de desenvolvimento e subdesenvolvimento em todo o mundo Emudecida durante a Grande Depressão e no período imediato do pósguerra a questão regional assumiu uma nova importância nos anos cinquenta Desde a reorientação do programa britânico Novas Cidades para problemas mais regionais versus os problemas exclusivamente urbanos até a formação do Datar na França e os primórdios do planejamento espacial do Mezzogiorno italiano e de outras regiões atrasadas dos países centrais o planejamento do bemestar regional foi incluído na agenda pública muitas vezes mas nem sempre em resposta às inquietações regionais e aos movimentos políticos regionais Tal como aconteceu com outras formas de planejamento e com o papel do Estado em termos mais gerais houve dois lados potencialmente contraditórios nessas promessas de melhora do bemestar regional sob a égide do que se poderia chamar regime de capitalismo administrado pelo Estado O planejamento estatal centralizado exigia uma legitimação social contínua especialmente por parte dos que tinham mais probabilidade de criar distúrbios políticos e econômicos A promessa de um desenvolvimento regional mais equilibrado harmonizavase bem com esse objetivo Ao mesmo tempo o Estado em boa parte por depender da receita fiscal também teve de facilitar o processo de acumulação capitalista que não coincidiu sistematicamente com as melhoras do bemestar regional Afinal o desenvolvimento regional desigual sempre foi uma importante base de geração e extração de superlucros e continua a sêlo mesmo numa era em que a fonte primária da superlucratividade pode ter passado a ser o desenvolvimento setorialmente desequilibrado Esse papel contraditório do Estado previdenciário e do planejamento do bemestar regional permaneceu relativamente invisível durante boa parte da década de 1960 embora praticamente todos os grandes programas de desenvolvimento regional que visavam a reduzir as desigualdades econômicas regionais esbarrassem numa poderosa resistência por parte de alguns segmentos do capital privado Mesmo nos casos em que sua iniciação não pôde ser bloqueada as atividades programáticas foram ao menos parcialmente cooptadas para beneficiar interesses altamente centralizados e concentrados do capital amiúde drenando recursos e rendas tecnológicas disponíveis da região atrasada para as áreas mais desenvolvidas da economia espacial nacional Isso se aplicou ao principal experimento de planejamento do bemestar regional dos EUA centrado em Appalachia e foi reiteradamente repetido na França em relação à Bretanha e ao sul na GrãBretanha em quase todas as áreas designadas para desenvolvimento regional na Itália através da Casa per il Mezzogiorno Um padrão similar também funcionou globalmente nos países periféricos atrasados que adotaram cada vez mais os modelos sistemáticos de planejamento espacial originários do centro e muitas vezes promovidos pelos países centrais como uma panaceia pós colonial de planejamento A consciência das estratégias espaciais contrapostas do capital e do Estado foi mínima tanto por parte dos pobres regionais que eram visados quanto dos especialistas teóricos e práticos que estavam moldando a política regional Na maioria dos casos o primeiro grupo consolavase com as promessas que eram proferidas mesmo quando elas não se cumpriam de imediato Pelo menos alguém finalmente parecia terse conscientizado do problema regional e estar propondo fazer algo a respeito dele Os planejadores regionais fascinados pelas novas teorias espaciais da época também se inclinaram a ser alegremente conciliatórios convencidos de que seus objetivos idealistas poderiam ser alcançados através das boas intenções e das ideias inovadoras do planejamento espacial O planejamento regional nunca recebeu verbas públicas particularmente grandes mas o período de 1950 a 1970 foi uma espécie de fase áurea na história da teoria e da prática do desenvolvimento regional Weaver 1984 Os pólos de crescimento e os centros de crescimento a ciência regional e a análise de sistemas espaciais a formulação de modelos de sistemas urbanos e ainda outros esforços voltados para a reconstrução de uma hierarquia mais equilibrada e equitativa de regiões nodais alcançaram o auge da popularidade Em 1970 praticamente todos os países do mundo haviam adotado alguma forma de política de planejamento espacial colocandoa em alguns casos como a peça central do plano de desenvolvimento econômico da nação Essa expansão mundial de um planejamento regional keynesiano assinalou o compromisso estatal explícito ainda que muitas vezes apenas documental de corrigir as desigualdades regionais e internacionais de mudar de fato a divisão espacial do trabalho já estabelecida Enquanto as promessas se afiguraram potencialmente atingíveis os regionalismos antiestatais antagônicos permaneceram relativamente quiescentes à espera das coisas acontecerem A sucessão de crises e recessões que marcou o fim da expansão econômica do capitalismo central do pósguerra também destruiu o otimismo paciente do planejamento do bemestar regional Surgiram novos movimentos setoriais e espaciais de libertação para desafiar os processos ordeiros de acumulação Alguns movimentos nacionalistas radicais inclusive a Revolução Cultural chinesa retiraram mais de um bilhão de pessoas dos lucrativos jogos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento internacionais ou no mínimo perturbaram significativamente a tranquilidade do jogo O ressurgimento dos regionalismos tensionou de maneira semelhante o funcionamento aceito dos Estados previdenciários enquanto novos lugares começaram a competir com êxito por localizar se não liberar as rendas tecnológicas que estavam sendo geradas pelos setores mais propulsores de um regime de acumulação capitalista cada vez mais flexível pósfordista e aparentemente desorganizado Piore e Sabel 1984 Scott e Storper 1986 Offe 1985 Lash e Urry 1987 A sequência de espacializações que marcou a geografia histórica do capitalismo passou para uma outra rodada de crise e reestruturação revolvendo um novo conjunto de possibilidades competitivas de reformação e transformação Continuar a dar sentido à questão regional requer portanto um quarto contexto interpretativo fundamentado nas particularidades do processo contemporâneo de reestruturação Nem todos os economistas políticos regionais de hoje dependem da conceituação especificamente mandeliana das ondas longas do Capitalismo Tardio e das rendas tecnológicas em suas análises do período contemporâneo Não obstante há uma ênfase e uma interpretação marcantemente similares que se evidenciam na vasta gama de abordagens regionais contemporâneas desde o estudo das articulações dos submodos de produção e da ascensão do capitalismo global Forbes e Thrift 1984 Gibson e Horvath 1983 Gibson et al 1984 até a escola francesa dos modos de regulaçãoregimes de acumulação e suas teses sobre a globalização da crise do fordismo Aglietta 1979 Lipietz 1984a 1984b 1986 e a nova geografia industrial dos mercados de trabalho territoriais dos ciclos de lucro setorial dos complexos industriais baseados na alta tecnologia e das divisões espaciais cambiantes do trabalho Massey 1984 Walker e Storper 1984 Cooke 1983 Scott e Storper 1986 Existem diferenças na periodização na terminologia e especialmente nas enfatizações específicas das implicações políticas da reestruturação contemporânea mas há aspectos comuns significativos que mais fazem reforçar do que reduzir os pontos fortes de uma emergente perspectiva materialista históricogeográfica da questão regional Todos compartilham de um modelo similar de crise da mudança histórica e geográfica uma ênfase na análise das classes e no processo de trabalho uma apreciação da importância da tecnologia e da estrutura empresarial na diferenciação da produtividade e dos lucros uma atenção explícita para com a interação entre a espacialidade a política e o papel do Estado um interesse pela análise da internacionalização do capital e da aceleração concomitante da mobilidade do capital e da migração da mão de obra e uma visão que reconhece em graus variáveis a natureza geral e a singularidade particular da espacialização capitalista As interpretações mais específicas giram tipicamente em torno de um ponto crucial histórico situado no fim dos anos sessenta ou início dos setenta e seu eco das Grandes Depressões do passado e há uma franca aceitação da hipótese geral da reestruturação a de que estamos atualmente em meio a um período em que o capital e o trabalho estão sendo significativamente reorganizados numa tentativa ainda não completamente bemsucedida de restabelecer o aumento dos lucros e reforçar a disciplina do trabalho em parte através de ataques diretos à organização aos salários e aos padrões de vida da classe trabalhadora Há também uma concordância geral em que as novas divisões regionais e internacionais do trabalho que se vêm configurando nos últimos vinte anos não são substitutos completos das antigas divisões que não apenas permanecem vivas como também em plena atividade A geografia histórica do capitalismo não tem sido marcada por grandes reviravoltas e substituições completas de sistemas mas antes por uma sequência evolutiva de reestruturações parciais e seletivas que não apagam o passado nem destroem as condições estruturais profundas das relações sociais e espaciais capitalistas Assim não há justificativa para uma corrida ingênua e simplista ao pós ao pósindustrialismo póscapitalismo pósmarxismo que insista no derradeiro fim de uma era como se o passado pudesse ser descascado e jogado fora Contudo houve mudanças regionais expressivas que ocorreram no atual período de reestruturação e elas precisam ser ressaltadas Por mais paradoxal que se afigure de início uma mudança digna de nota envolveu a intensificação dos padrões preexistentes de desenvolvimento regional desigual em muitas áreas e o consequente reforço das antigas divisões entre centro e periferia Várias regiões centrais bemestabelecidas experimentaram um relativo poder econômico e político sustentado e até ampliado enquanto muitas periferias atrasadas mergulharam mais fundo no relativo empobrecimento chegando em alguns casos à fome pandêmica Essas continuidades intensificadas entretanto não são simplesmente outra dose da mesma coisa pois têm ocorrido num novo conjunto de condições setoriais sociais políticas e tecnológicas que estão modificando de maneira significativa o modo como o desenvolvimento geograficamente desigual é produzido e reproduzido A identificação e a compreensão dessas condições alteradas tornouse o foco crucial das interpretações contemporâneas da reestruturação regional A título de ilustração é útil retornarmos às rendas tecnológicas e ao desenvolvimento setorialmente desigual que Mandel afirmou terem proporcionado a principal fonte de superlucros desde a II Guerra Mundial Como foi anteriormente assinalado as rendas tecnológicas sempre foram de importância vital na geografia histórica do capitalismo Desde a guerra entretanto sua significação axial tendeu a transformar a mudança regional e a organização das divisões regionais do trabalho mais do que nunca num produto direto da dinâmica setorial à medida que determinadas indústrias bem como ramos e empresas específicos dos setores industriais foram sendo cada vez mais diferenciados em termos de produtividade lucratividade e controle da força de trabalho Subjacente a essa justaposição de ciclos de crescimento rápido em alguns setoresramosempresas e de declínio e desvalorização em outros tem havido um arranjo tecnológico de largo alcance estimulado e escorado pelas medidas políticas estatais especialmente através dos gastos militares e com a defesa nos EUA e supostamente voltado para a aquisição de maior flexibilidade no local de trabalho e na organização do processo de trabalho A especialização flexível na produção nas relações trabalhistas e na localização das atividades produtivas tem o efeito de desenrijecer as estruturas hierárquicas mais antigas e criar pelo menos a aparência de uma ordem significativamente diferente de responsabilidade e controle Para Piore e Sabel 1984 ela definiu The New Industrial Divide O novo divisor industrial a mais expressiva transformação econômica e política desde as origens do capitalismo industrial Para Claus Offe 1985 teórico alemão do Estado ela faz parte de um Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado ou como o chamam Lash e Urry 1987 The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado uma quebra dos sistemas planejados e administrados do poder social e da autoridade política Para outros ela é a essência do pósfordismo e o instigador de novos modos de aglomeração erigidos em torno de divisões sociais do trabalho cada vez mais desintegradas e de uma trama flexível de transações que se coagulam em complexos de produção urbanos e regionais inovadores que se localizam fora dos centros da velha paisagem industrial fordista A especialização flexível os sistemas de produção verticalmente desintegrados e o rompimento das hierarquias rígidas têm sido acompanhados por uma mobilidade acelerada do capital para facilitar a busca de superlucros setoriais inclusive os obtidos através do barateamento substancial dos custos da mão de obra em qualquer parte do mundo A busca geográfica nem sempre é bemsucedida é claro mas o efeito conjunto desses processos de reestruturação setorial tem sido o desenrijecimento de divisões espaciais do trabalho há muito estabelecidas praticamente em todas as escalas geográficas É nesse ponto que os cenários setoriais e espaciais da reestruturação contemporânea convergem e reverberam acelerando os ciclos de exploração nos planos vertical e horizontal do desenvolvimento desigual As repercussões regionais desse afrouxamento talvez sem paralelo da paisagem do capital nesse novo regime de acumulação flexível Harvey 1987 têm sido dramáticas e atordoantes Os mosaicos relativamente estáveis de desenvolvimento regional desigual tornaramse subitamente quase caleidoscópicos Regiões centrais antes altamente industrializadas e prósperas segmentos do cinturão manufatureiro norteamericano o nordeste da Inglaterra e do País de Gales o norte da França a Valônia e o Ruhr têm experimentado um declínio e desindustrialização econômicos acelerados enquanto muitas regiões periféricas pobres inclusive alguns dos exemplos clássicos de subdesenvolvimento regional converteramse em novos centros de crescimento industrial e expansão econômica Essas inversões de papel das regiões como Mandel as denominou refletem o que tem sido a mais extensa descentralização e internacionalização geográfica da produção industrial desde as origens do capitalismo industrial gerando uma lista crescente de PRIs e RRIs países e regiões subnacionais recémindustrializados A inversão de papéis das regiões em si mesma é uma supersimplificação A reestruturação regional que vem ocorrendo é muito mais complexa e instável Poderseia descrevêla melhor como uma reciclagem regional acelerada em que as regiões passam por diversas fases de desenvolvimento e declínio associadas a superlucros setoriais mutáveis rodadas de disciplinamento intensivo do trabalho e maior mobilidade do capital Um dos exemplos mais bem analisados dessa reciclagem regional é a Nova Inglaterra Harrison 1984 agora passando por um novo surto de crescimento após um intenso disciplinamento interno do capital e do trabalho Uma recuperação similar talvez esteja ocorrendo também nas Terras Baixas da Escócia e em algumas outras regiões industriais mais antigas Há ainda alguns indícios sugestivos de que os milagres industriais dos PRIs e RRIs podem ser igualmente instáveis e de curta duração fazendo com que metáforas descritivas grandiosas como a mudança Cinturão do GeloCinturão do Sol e a Nova Ordem Econômica Internacional pareçam cada vez mais exageradas e enganosas O que vem acontecendo pode ser descrito de maneira mais cautelosa como uma sacudidela significativa mas não transformadora nas divisões regionais do trabalho há muito estabelecidas e uma formação de novas e ainda altamente instáveis regionalizações de economias nacionais Associado a essa regionalização reestruturada tem havido um regionalismo reativo à medida que vários movimentos sociais e coalizões políticas regionais reagem a essa reestruturação para resistir incentivar reorganizar exigir mais e pressionar por um redirecionamento Essas múltiplas formas de regionalismo sejam elas radicais ou reacionárias repolitizaram a questão regional como uma questão espacial mais genérica O regionalismo não mais se enraíza apenas na resistência à homogeneização das tradições culturais como o fazia basicamente no século XIX Agora ele faz parte do que Goodman 1979 chamou apropriadamente de guerras regionais por empregos e dólares uma competição territorial intensificada que se estende por toda a hierarquia dos locais espaciais desde a menor das localidades até a escala da economia mundial Assim a importância crescente da reestruturação tecnológica e setorial não eliminou a exploração do desenvolvimento geograficamente desigual como fonte de manutenção dos superlucros Tampouco reduziu a importância política e econômica da espacialidade da vida social Ao contrário o período contemporâneo de reestruturação tem sido acompanhado por uma visibilidade e uma conscientização acentuadas da espacialidade e da espacialização da regionalização e do regionalismo A instrumentalidade das estratégias espaciais e locacionais da acumulação do capital e do controle social está sendo revelada com mais clareza do que em qualquer época dos últimos cem anos Simultaneamente há também um crescente reconhecimento de que o operariado bem como todos os outros segmentos da sociedade que foram periferalizados e dominados de um modo ou de outro pelo desenvolvimento e reestruturação capitalistas precisam procurar criar contraestratégias espacialmente conscientes em todas as escalas geográficas numa multiplicidade de locais a fim de competir pelo controle da reestruturação do espaço Dado o efetivo empobrecimento de uma oposição neoconservadora empenhada em tornar a encobrir a instrumentalidade exploratória da reestruturação espacial tornase cada vez mais urgente que todas as forças sociais progressistas o feminismo os verdes o movimento pacifista o trabalho organizado e desorganizado os movimentos de libertação nacional e de mudança urbana e regional radical tornemse também consciente e explicitamente movimentos espaciais Para a esquerda é esse o desafio pósfordista e pósmoderno A REESTRUTURAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA FORMA URBANA Os estudos contemporâneos sobre a reestruturação urbana começaram a recapitular uma geografia histórica que forma um estreito paralelo com a sequência de espacializações que acabamos de descrever no tocante ao desenvolvimento regional À medida que essas visões retrospectivas se acumulam tornase cada vez mais possível afirmar que a evolução da forma urbana a estrutura espacial interna da cidade capitalista tem seguido o mesmo ritmo periodizável de formação e reformação induzidas pela crise que moldou a paisagem macrogeográfica do capital desde os primórdios da industrialização em larga escala Olhando para trás a partir da atual quarta modernização os mesmos três períodos anteriores de reestruturação e modernização aceleradas se destacam da movimentação contínua Cada um deles começa pelos períodos declinantes de recessão repressão e sublevação social que marcaram o término de longas fases de crescimento expansivo na economia macropolítica do desenvolvimento capitalista Cada qual gera também uma expressiva recontextualização da espacialidade da vida social uma geografia humana diferente Figura 1 Evolução da forma urbanaprotótipos da cidade norteamericana de 1820 a 1970 A data exata dessa era de reestruturação varia de país para país o mesmo acontecendo com as intensidades relativas da reestruturação Mas entre 1830 e meados do século XIX nas três últimas décadas antes do início do século XX e no período que se seguiu à Revolução Russa e foi até o término da II Guerra Mundial parece cada vez mais claro que a forma e a regionalização social internas da cidade capitalista passaram por mudanças significativas em quase todos os lugares E é igualmente claro que estamos agora às voltas com outra rodada de profunda e perturbadora metamorfose urbana A Figura 1 apresenta um quadro generalizado da evolução da forma urbana ao longo desses quatro períodos de reestruturação Como acontece com a reestruturação regional a sequência das espacializações urbanas é cumulativa cada fase contendo vestígios das geografias anteriores de divisões espaciais urbanas do trabalho já formadas que não chegam propriamente a desaparecer mas são seletivamente rearranjadas Para quem se sente à vontade com a metáfora geológica usada por Massey 1984 para descrever a divisão espacial interregional do trabalho as espacializações especificamente urbanas também podem ser vistas como estratificadas uma em cima da outra refletindo mudanças pronunciadas nas geografias do investimento da produção industrial do consumo coletivo e da luta social A sedimentação porém é mais complexa e labiríntica do que uma simples deposição de camadas pois cada corte transversal contém representações do passado e os contextos para a nova rodada de reestruturação Há outras simplificações nesse arcabouço sequencial que se fizeram necessárias pelas generalizações eliminadoras de detalhes exigidas para se produzir esses mapeamentos sumários A paisagem básica por exemplo não pressupõe cidades preexistentes que projetem seus ambientes construídos précapitalistas no panorama urbano Assim todas as descrições esquemáticas são mais diretamente aplicáveis a áreas em que a urbanização e a industrialização tenhamse originado junto com a difusão do capitalismo Nos casos em que houve uma extensa urbanização précapitalista como na Europa e na Ásia o quadro é muito menos nítido e ordeiro embora alguns dos mesmos padrões possam ser distinguidos A cidade norte americana provavelmente fornece a aproximação mais estrita admitindose as distorções causadas por diferentes geografias físicas locais Chicago por exemplo enquadrase melhor do que a cidade de Nova York assim como Manchester se enquadra melhor do que Londres Os modelos exibidos na Figura 1 portanto servem como generalizações idealizadas destinadas a ilustrar o conjunto dos processos fundamentais de reestruturação que nem sempre se encontram reunidos ou são igualmente vívidos em todas as cidades capitalistas A sequência começa pela Cidade Mercantil estabelecida num contexto de pequena produção de mercadorias comércio internacional e industrialização limitada Seu foco na cidade portuária e seu salpicar de pequenos centros manufatureiros industriais numa paisagem ainda predominantemente agrícola caracteriza muito de perto a situação urbana dos Estados Unidos antes de 1840 No caso norteamericano que serve de exemplo o capital comercial concentravase em núcleos pequenos densos e sobretudo costeiros ocupados por artesãos lojistas fazendeiros administradores e mercadores Nova York Filadélfia Baltimore e Boston foram os centros primordiais do Norte Savannah Charleston Mobile e Nova Orleans muito menores do que as quatro grandes do Norte serviram à economia sulista e à produção algodoeira escravocrata que fornecia o principal produto de exportação nacional Oitenta por cento da população urbana compunhamse de trabalhadores autônomos e a vida urbana girava basicamente em torno das atividades da pequena burguesia e da nodalidade do foco portuário A industrialização capitalista como aconteceu nas primeiras fases da revolução industrial na Europa começou primordialmente no campo em sítios energéticos ligados aos portos comerciais por meio de canais transporte fluvial e cada vez mais pelas ferrovias Embora as lutas sociais tendessem a se centralizar nas questões agrárias e na posse rural da terra durante a maior parte do período pósrevolucionário as crescentes desigualdades da riqueza nas cidades mercantis tornaramse cada vez mais visíveis e essas desigualdades frequentemente se converteram numa fonte de conflitos e de inquietação social David Gordon resumindo a rica literatura histórica sobre a urbanização norteamericana primitiva fornece uma descrição espacialmente perspicaz das contradições da Cidade Comercial A acumulação comercial tendeu a gerar um desenvolvimento desigual entre compradores e vendedores Como os diferentes grupos socioeconômicos viviam e trabalhavam em estreita proximidade nas Cidades Comerciais essas desigualdades crescentes foramse tornando cada vez mais fisicamente evidentes Essa evidência de desigualdade parece ter gerado um protesto popular Quando as desigualdades atingiram seu auge durante as décadas de 1820 e 1830 os protestos populares também pareceram intensificarse A maioria desses protestos concentrouse nas demandas de maior igualdade Uma vez que tais protestos tinham frequentemente um efeito político eles tenderam a restringir as oportunidades de maior acumulação comercial 1978 36 Gordon acrescenta que essa dialética do desenvolvimento desigual e do protesto popular demonstrou o aspecto fundamentalmente espacial das contradições da via comercial para a acumulação de capital Uma vez que a Cidade Comercial preservou as transparências précapitalistas dos relacionamentos sociais imediatos íntimos e integrados os lucros capitalistas comerciais não puderam ser mascarados A busca desse disfarce cuja necessidade urgente era tão dramaticamente testemunhada nas ruas da Cidade Comercial desempenhou um papel central na instigação de uma passagem para um novo e em última instância mais opaco modo de acumulação de capital Ibid Situações similares levaram o protesto popular às ruas das cidades europeias e outras em 1830 e 1848 os momentos mais explosivos da primeira grande fase de reestruturação urbana O período entre a década de 1840 e o início da de 1870 foi uma época de extraordinário crescimento industrial e urbano na Europa e na América do Norte Ao mesmo tempo o comércio internacional expandiuse num ritmo sem precedentes A era do capital como a chamou Hobsbawm havia superado a era da revolução e o ritmo da espacialização capitalista acelerouse em todas as escalas geográficas após a significativa reestruturação do capitalismo que culminou nas crises globais de 1848 49 Os marcos de pontuação dessa espacialização foram os novos tipos de cidades e de sistemas hierárquicos urbanos que acrescentaram às crescentes funções tradicionais do controle social da acumulação comercial e da administração política uma aglomeração sem precedentes em escala expansiva da produção industrial A nodalidade foi particularmente importante para o capital industrial Promoveu retornos muito maiores a cada aumento do que para o comércio e a agricultura e uma vez liberta de algumas restrições físicas e históricas a nodalidade característica dos locais humanos explodiu criando a forma singular da clássica Cidade Capitalista Industrial de Livre Concorrência Nunca antes fora a produção tão geograficamente concentrada tão localizadamente centralizada tão densamente aglomerada No leste dos Estados Unidos a industrialização urbana engoliu as pequenas cidades mercantis quer eliminandoas por completo quer preservando algumas recordações em cidades velhas vestigiais que vez por outra sobreviveram até nossos dias ou foram recriadas como simulacros como cópias exatas cujo original não existe mais As cidades préindustriais da Europa estabelecidas desde longa data foram muito mais difíceis de desintegrar e digerir mas mesmo nelas a centralização da produção industrial começou a desmontar os centros urbanos para acolher a expansão dos três elementos característicos do capitalismo industrial de livre concorrência as fábricas industriais e os serviços associados dos produtores a burguesia industrial e o novo proletariado urbano virtual classe trabalhadora industrial que fazia o sistema inteiro funcionar A intensificação do uso da terra no centro urbano redefiniu a forma da cidade e instigou uma ordenação social e espacial notável e mais opaca da vida urbana Algumas tecnologias adaptativas de transporte e condução por exemplo as ferrovias e os elevadores aceleraram essa intensificação e seu manancial associado de economias de aglomeração Espraiandose a partir do Central Business District CBD e do núcleo empregatício surgiu um meio ambiente construído zonal de anéis residenciais e setores radiais ligados em rede para permitir menores viagens cotidianas para o trabalho para o proletariado urbano e viagens cotidianas para controlar os trabalhadores para a burguesia industrial O zoneamento era basicamente uma questão de classe uma vez que a estrutura social antagônica do capitalismo industrial de livre concorrência se espacializou em compartimentos e recintos urbanos segregados e socialmente homogêneos A regionalização interna foi muito mais repetitiva e claramente mapeável do que nas cidades préindustriais mas essa regularidade flagrante não foi percebida com frequência pelos observadores estudiosos da época A significação social e política da organização espacial da sociedade estava desaparecendo convenientemente da visão na ciência social do século XIX e apenas alguns observadores perspicazes como Engels em seus escritos sobre Manchester foram capazes de enxergar a instrumentalidade cada vez mais oculta dessa nova geografia urbana Em seus contornos gerais de concentricidades e cunhas centros e periferias bem como em sua rede mais intricada de cubículos alinhamentos recintos fechados e divisões compartimentalizadas tratouse de uma espacialização disciplinar não projetada por alguma conspiração de arquitetos capitalistas mas assim mesmo habilmente projetada2 A Escola de Ecologistas Urbanos de Chicago revelou a geometria geral dessa regionalização urbana particular mas sepultou sua poderosa instrumentalidade sob uma obscurecedora ideologia do naturalismo eou do relativismo cultural Posteriormente essa instrumentalidade seria enterrada ainda mais fundo à medida que a lógica da economia neoclássica tomou conta da teoria urbana e fez dela um espaço disciplinador próprio Contudo muito antes desses acontecimentos a forma da cidade capitalista industrial centralizada haviase modificado dramaticamente mesmo na paradigmática Chicago A explosão da Comuna de Paris em 1871 o pânico financeiro de 1873 a perda concomitante de 300000 empregos nos Estados Unidos uma série de desapropriações em massa e de tumultos ligados aos aluguéis na cidade de Nova York e ainda outros choques para o sistema haviam assinalado o término do surto de crescimento pós1848 e o começo de outro período prolongado de reestruturação capitalista que duraria quase até o fim do século Durante esse período de reestruturação o capitalismo foi marcantemente intensificado pela concentração e centralização crescentes do capital em monopólios empresariais e extensificado através da internacionalização expansiva do capital financeiro numa era emergente de imperialismo O Estado começou a entrar mais a fundo na economia especialmente através da administração fiscal e monetária e da iniciação do planejamento econômico urbano Enquanto isso ocorria houve também vigorosos protestos e greves da classe trabalhadora liderados pelos crescentes sindicatos e partidos socialistastrabalhistas em praticamente todos os países industrializados A inquietação trabalhista nos Estados Unidos amiúde instigada por imigrantes europeus radicais centrouse a princípio nas pequenas cidades mineiras e ferroviárias mas depois de 1885 espalhouse pelos centros das grandes cidades e explodiu com particular veemência nos três maiores centros industriais Nova York Filadélfia e Chicago Gordon 1984 A eficiente centralização geográfica das fábricas e das comunidades da classe trabalhadora que caracterizou a cidade capitalista industrial clássica pareceu gerar uma consciência e militância reforçadas da classe trabalhadora traçando um paralelo em escala mais ampla com a experiência prévia das vilas operárias Não apenas a acumulação capitalista tinhase tornado mais lenta como também a espacialidade disciplinar da vida urbana fora enfraquecida Até a Paris de Haussman fora tomada mesmo que brevemente pelos membros da Comuna A necessidade de restaurar as condições de acumulação lucrativa do capital e de controle da mão de obra induzida pela crise esteve por trás da intensificação e extensificação do capitalismo que se desenvolveram no final do século XIX Depois da depressão mundial da década de 1890 o capitalismo retornou com vigor renovado nos países industrializados e acompanhando essa reviravolta do fin de siècle houve uma reestruturação seletiva da cidade capitalista Em 1920 uma nova geografia se havia consolidado decerto mais claramente em algumas cidades do que em outras Usarei novamente a cidade norteamericana como exemplo arquetípico A maior centralização empresarial o aumento da segmentação da força de trabalho em setores monopolistas e de livre concorrência as novas tecnologias de produção e a separação entre as funções administrativas e de produção reorganizaram a divisão espacial do trabalho na urbanização capitalista Na nova Cidade Capitalista do Monopólio Empresarial a produção industrial tornouse menos concentrada em torno do centro da cidade à medida que as fábricas se espalharam pelos antigos anéis residenciais internos e contrariando ainda mais o velho padrão por centros industriais satélites como Gary em Indiana e East St Louis em Illinois Como resultado os antigos núcleos urbanos tornaramse cada vez mais terciarizados substituindo as indústrias perdidas por um número crescente de sedes empresariais em 1929 mais de metade dos escritórios centrais das maiores empresas estavam localizados apenas em Nova York e Chicago de repartições governamentais instituições financeiras e atividades de apoio na prestação de serviços e de vigilância Os anéis de residências da classe trabalhadora e os encraves raciais e étnicos em guetos continuaram a servir a um núcleo urbano ainda dominante e em quase todas as grandes cidades norteamericanas restou pelo menos uma cunha residencial protegida que se estendia do centro para a periferia onde os habitantes de renda mais elevada tinham suas casas Mas a fuga da cidade espraiouse muito mais para fora à medida que os administradores supervisores e profissionais liberais juntaram se à antiga burguesia industrial num surto de suburbanização que transpôs as fronteiras administrativas anteriores da cidade A multiplicação da área de municípios separados incorporados substituiu a anexação como padrão principal da expansão territorial urbana criando um grau de fragmentação política metropolitana de que nunca se chegara perto no passado A paisagem urbana não apenas se estendeu por uma área muito mais vasta como também se rompeu em muito mais pedaços Essa regionalização urbana fragmentada policêntrica e muito mais complexa auxiliou o capital industrial a fugir da militância da classe trabalhadora aglomerada Os empregadores puderam afastarse mais facilmente das pressões sindicais organizadas3 a força de trabalho ficou mais segmentada e residencialmente segregada as novas tecnologias da linha de montagem e correlatas proporcionaram meios menos aglomerados de captar as externalidades positivas da produção industrial e foi possível canalizar com mais facilidade subsídios substanciais de um Estado local e nacional mais beneficente A geografia não foi tão caprichosamente ordenada quanto tinha sido mas especialmente com o carro a motor e outras formas de trânsito de massa as possibilidades urbanas de acumulação de capital e cooptação da mão de obra expandiramse significativamente Quando o surto de crescimento acabou a cidade norteamericana quase havia concluído sua explosiva proletarização Não muito mais de um século antes a população urbana compunhase de cerca de oitenta por cento de trabalhadores autônomos Em 1940 quase oitenta por cento eram trabalhadores a soldo e assalariados Os efeitos retardados da Revolução Russa e em seguida a instalação da Grande Depressão destroçaram as vaidades complacentes do surto de crescimento do início do século XX e levaram a mais uma rodada de reestruturação urbana Em vez de criar novas grandes reviravoltas e inversões entretanto essa terceira reestruturação pareceu ampliar ainda mais os mesmos processos que haviam caracterizado a segunda modernização maior centralização concentração e internacionalização do capital empresarial maior segmentação do trabalho baseada numa organização modificada do processo de produção maior fragmentação política urbana e desaglomeração das comunidades da classe trabalhadora e um papel ainda mais importante do Estado no fomento da acumulação e na manutenção de uma disciplina trabalhista legitimada Mediante políticas keynesianas de estimulação da demanda controles monetários e fiscais planejamento econômico investimentos industriais dirigidos pelo Estado e programas de previdência social especificamente voltados para aliviar as pressões da classe trabalhadora e reduzir a inquietação social o Estado interveio mais direta e profundamente do que nunca no processo de produção Um Sistema Urbano Administrado pelo Estado começou a tomar forma a partir da desvalorização e da reestruturação da Cidade Empresarial nos anos da Depressão Depois que a devastação do período da guerra deu margem ainda maior à acumulação acelerada e à obtenção de superlucros o capitalismo foi novamente impulsionado sob um outro disfarce Uma paisagem urbana diferente consolidouse na esteira dessa expansão A suburbanização foi marcantemente acelerada depois da II Guerra Mundial Com substancial apoio e incentivo estatais parcelas consideráveis da classe trabalhadora tanto operária quanto de colarinho branco instalouse em áreas suburbanas e recintos privatizados A metropolitanização expansiva acompanhada por uma fragmentação ainda maior das jurisdições políticas e uma descentralização acelerada não apenas das fábricas mas também das sedes empresariais do varejo e de outros serviços contribuiu ainda mais para o abandono seletivo do núcleo urbano interno Restou aos antigos centros da paisagem urbana uma mescla residual de firmas em setores de livre concorrência indústrias mais antigas algumas lojas e hotéis de luxo órgãos fundamentais do Estado e do capital financeiro algumas sedes empresariais remanescentes e uma força de trabalho inflada e irregular primordialmente composta de minorias e dos segmentos mais pobres da população metropolitana um exército trabalhista de reserva geograficamente concentrado e subserviente4 A grande desvalorização dos imóveis no centro da cidade associada à consolidação do Sistema Urbano Administrado pelo Estado ligouse desde o início a esforços persistentes e geralmente assistidos pelo Estado de revitalização do centro da cidade através da renovação urbana da elitização e de mudanças na posse da terra e nos padrões reguladores voltadas para a manutenção de uma presença empresarial e administrativa substancial O delicado equilíbrio entre a deterioração e a renovação variou de uma cidade para outra e se modificou significativamente ao longo do tempo criando uma situação incômoda que exigiu gastos estatais maciços sob a forma de pagamentos assistenciais tanto aos pobres quanto aos ricos que permaneceram somados ao subsídio da suburbanização dos que se mudaram para longe As tensões que cercaram essa incômoda mescla que tanto faz lembrar a aguda problemática espacial descrita por Harvey permearam a política urbana e numa medida significativa nacional durante todo o período do pósguerra e não apenas nos Estados Unidos A capacidade de sustentar essa espacialização aparentemente instável e o planejamento espacial coordenado que ela exigiu derivou basicamente do surto expansionista que se iniciou nos EUA durante a guerra e algum tempo depois na Europa e no Japão Mais uma vez o Estado colocouse em primeiro plano A fabricação de automóveis por companhias estatais em muitos países os transportes aéreos quase sempre dirigidos pelo Estado a indústria petrolífera maciçamente subsidiada para alimentar a maior mobilidade física a construção civil fomentada por programas governamentais de hipotecas e empréstimos e a produção de bens de consumo duráveis televisores máquinas de lavar e outros bens que permitissem a maior privatização do consumo antes mais coletivamente organizado lideraram a expansão econômica e contribuíram para grandes mudanças na forma urbana especialmente através do processo concomitante de suburbanização Walker 1981 Mais do que nunca as relações sociais e espaciais que organizavam a produção e a reprodução bem como os conflitos e lutas decorrentes dessas relações passaram a ser canalizados absorvidos e administrados pelo Estado Alguns deram a esse regime particular de acumulação e a essa modalidade de regulação o nome de capitalismo monopolista estatal Poulantzas usou frequentemente a expressão capitalismo do Estado autoritário e Lefebvre brincou certa vez com a ideia de chamálo de système étatique praticamente um modo de produção estatal Para Mandel Capitalismo Tardio foi suficiente Outras alcunhas ligaram a acumulação e a regulamentação ao fordismo Lipietz 1986 para reenfatizar seu enraizamento no processo trabalhista industrial Qualquer que seja seu rótulo mais adequado esse capitalismo diferente produziu uma espacialização urbana diferente um arranjo espacial urbano provisório novamente repleto de novas possibilidades e das sementes de sua própria destruição recriadora Essa paisagem urbana alterada mas ainda cheia de contradições que apareceu de maneira mais vívida nos anos cinquenta e sessenta foi o pano de fundo do desenvolvimento de uma economia política urbana e de uma sociologia urbana marxistas um marxismo que pela primeira vez passou a centrarse nas especificidades da urbanização e da mudança espacial Mas antes que a paisagem pudesse ser efetivamente compreendida também ela começou a mudar A instalação do atual período de reestruturação urbana pode ser rastreada até o tecido esticado e tensamente entretecido dos sistemas urbanos espacialmente planejados e administrados pelo Estado as villes sauvages5 como Castells as denominou que começou a se esgarçar na década de 1960 Os contagiosos tumultos intracitadinos atiçados pelos grupos menos beneficiados pelo surto de crescimento do pósguerra as insurreições urbanas da França e da Itália em 1968 e 1969 e uma série multiplicativa de movimentos sociais de base urbana tornaram a estimular visões de uma revolução especificamente urbana e assinalaram o término das transações habituais do período do pósguerra A chamada crise urbana entretanto fez parte de uma crise muito maior do Estado e de todo o sistema de administração planejamento previdência e legitimação ideológica que havia arrancado o capitalismo da Grande Depressão e que o impulsionara durante a prolongada expansão do pósguerra Na década de 1960 a dispendiosa política previdenciária keynesiana haviase tornado cada vez mais difícil de sustentar enquanto as pressões financeiras que acompanharam a enorme expansão creditícia que havia alimentado o surto de crescimento começaram em vez disso a alimentar a inflação A recessão global de 197375 seguiuse a uma cadeia de choques sofridos pelo sistema e ajudou a desencadear outra rodada conjunta de reestruturação Tal como antes as mesmíssimas estruturas sociais e espaciais de acumulação que haviam facilitado a expansão transformaramse em áreas de tensão e declínio econômicos Os acordos de produtividade do pósguerra que haviam trazido grandes benefícios salariais e previdenciários para o trabalho organizado em troca de uma paz produtiva nos locais de trabalho o processo de suburbanização que impulsionara a demanda a desvalorizaçãorenovação delicadamente equilibrada da parte central das cidades o sistema de regulação e administração estatais e a rápida expansão dos empregos no governo deixaram de ser parte da solução e se tornaram parte do problema Exacerbada pela elevação dos preços do petróleo e dos custos da energia assim como pelos desafios bemsucedidos à hegemonia militar global norteamericana outra crise política e econômica abalou a confiança e o otimismo que haviam marcado os anos cinquenta e sessenta nos Estados Unidos e em outros países capitalistas centrais A forma dessa crise foi a um tempo velha e nova Sob muitos aspectos ela envolveu os clássicos problemas de superproduçãosubconsumo mas complicando a interpretação clássica houve uma crise de reprodução primordialmente decorrente de uma crise fiscal do Estado e de seu efeito de aperto na acumulação de capital e na capacidade de se manterem meios eficazes de disciplina trabalhista e controle social Como resultado a necessidade de reconfigurar a paisagem espacial do capital assumiu uma urgência ainda mais crucial À medida que essa reestruturação contemporânea vai avançando ela está desarticulando não apenas o tecido urbano mas também o arcabouço da interpretação crítica do desenvolvimento capitalista ALGUMAS CONCLUSÕES E CONTINUIDADES CONTEMPORÂNEAS Ainda é cedo demais para fazermos afirmações inequívocas sobre a atual fase de reestruturação social e espacial O resultado ainda está em aberto ainda não se aplicou rigidamente uma nova tintura sobre a paisagem irrequieta e desse modo a possibilidade de olharmos para trás para um fait accompli6 ainda não está acessível Convém lembrar que os observadores mais agudos dos três últimos períodos de reestruturação prolongada entre os quais eu incluiria Marx no tocante ao primeiro Lênin quanto ao segundo e Mandel em relação ao terceiro tiveram a grande vantagem da visão retrospectiva a oportunidade de interpretar uma reestruturação que havia resgatado com sucesso a expansividade da acumulação capitalista e começado a consolidar sua espacialização representativa Uma nova inflexão positiva entretanto ainda não começou Devemos hoje contentarnos primordialmente com a identificação provisória das inclinações e tendências que pareçam estar assumindo o controle com especial vigor reconhecendo mais uma vez que a recuperação do capitalismo através da reestruturação não é mecânica nem garantida e que tudo o que hoje parece sólido podese desmanchar ou explodir no ar amanhã Se conseguirmos extrair esclarecimentos dos períodos passados de reestruturação no entanto poderemos esboçar algumas expectativas provisórias O período contemporâneo deve ser encarado como outra tentativa do capitalismo gerada pela crise de restaurar as condições fundamentais de sua sobrevivência a oportunidade de obter superlucros a partir da justaposição de desenvolvimento e subdesenvolvimento na hierarquia de locais regionalizados e entre os vários setores ramos e empresas produtivos É crucial para a ressurreição de superlucros crescentes como de costume a instituição de meios revigorados de disciplina trabalhista e controle social pois a lógica mantenedora da acumulação capitalista gera uma luta política e econômica competitiva e nunca se processa sem atrito e resistência Essa busca de superlucros e de maior controle social pode ser dividida em duas amplas categorias estratégicas de intensificação aprofundamento da divisão do trabalho geração de novas necessidades de consumo incorporação de novas esferas na produção capitalista maior concentração e centralização do capital maior legitimação da ideologia dominante e enfraquecimento da organização e da militância trabalhistas e de extensificação alargamento da divisão do trabalho abertura de novos mercados expansão geográfica para drenar fontes de mão de obra e matériasprimas baratas e aumento do âmbito da exploração do desenvolvimento geograficamente desigual mediante as transferências de valor e as trocas desiguais Assim há muitos caminhos específicos entre os quais escolher Optar por apenas um deles como via predominante equivale a ser tolamente inflexível e politicamente ingênuo Além disso a própria mescla particular de estratégias e contraestratégias é desigualmente desenvolvida e nunca tem sua eficácia predeterminada As mesmas afirmações podem ser feitas com respeito à espacialização que acompanha essa busca irrequieta de lucros e de disciplina Ela tem um padrão geral mas é altamente diferenciada e desigualmente desenvolvida por sua própria natureza assumindo uma variedade de formas específicas nem todas as quais podem ser vistas como funcionais para a lógica do capital ou como inerentemente antagônicas às reivindicações da mão de obra O quadro sequencial de evolução da forma urbana e do desenvolvimento regional desigual que apresentei aqui não passa de uma descrição rala que filtrou particularidades e complexidades a fim de destacar as texturas instrumentais de reestruturação que podem ser vislumbradas a partir da visão retrospectiva espacial Estender esse quadro à reestruturação urbana e regional que se vem desdobrando atualmente é mais difícil e exigirá uma compreensão empírica e uma adaptação teórica muito mais substanciais do que as obtidas até agora Não obstante voltar os olhos do momento atual para os acontecimentos das duas últimas décadas fornece pelo menos uma base provisória para identificarmos uma série de tendências indicativas que caracterizam o processo de reestruturação contemporâneo Cada uma dessas tendências tem um impacto espacializante que temse evidenciado cada vez mais na década de 1980 1 Uma tendência preponderante foi o aumento da centralização e da concentração da posse do capital tipificado pela formação de imensos conglomerados empresariais que combinam uma produção industrial diversificada finanças imóveis processamento de informações entretenimento e outras atividades de serviços Esse processo de conglomeração vai muito além das fusões horizontais do fim do século XIX e das posteriores fusões verticais e monopólios administrados pelo Estado que foram tão centrais na ascensão do fordismo As estruturas formais de administração muitas vezes são menos controladas centralmente e mais flexíveis enquanto os processos de produção centrais são cada vez mais rompidos em segmentos separados que atuam ao contrário da linha de montagem fordista integrada em muitas localizações diferentes A multiplicação das sucursais acrescenta uma flexibilidade adicional através da produção paralela enquanto as subempreitadas mais extensas expandem ainda mais as transações vitais dos conglomerados além das fronteiras da propriedade 2 Somandose à conglomeração empresarial da propriedade houve uma integração mais tecnologizada de diversas atividades industriais de pesquisa e de serviços a qual similarmente vai realocando o capital e o trabalho em sistemas espaciais de produção alargados ligando os centros de poder administrativo sobre o investimento de capital a uma constelação de ramos paralelos subsidiárias subempreiteiras e serviços públicos e privados especializados Mais do que nunca o alcance espacial desses sistemas de produção globalizouse mas eles também têm um poderoso efeito de urbanização através da aglomeração local de novos complexos industriais territoriais em geral localizados fora dos antigos centros da indústria fordista Aqui mais uma vez parece haver um pareamento paradoxal de desconcentração e reconcentração na paisagem geográfica 3 Ligada à maior concentração de capital e ao oligopólio tem havido uma internacionalização mais acentuada e um envolvimento global do capital produtivo e financeiro sustentada por novos acordos de crédito e liquidez organizados em escala mundial Esse capital transnacional ou global é capaz de investigar e explorar os mercados de bens finanças consumo e trabalho no mundo inteiro com menos restrições territoriais especialmente as advindas do controle estatal direto do que nunca Como resultado o capital puramente doméstico tem desempenhado um papel cada vez menor nas economias locais e nacionais dos países industriais avançados à medida que essas economias passam por uma internacionalização crescente 4 O enfraquecimento dos controles locais e da regulação estatal de um capital cada vez mais desembaraçado e móvel contribuiu para uma extraordinária reestruturação global da produção industrial A industrialização capitalista em larga escala tem ocorrido pela primeira vez numa série de países e regiões periféricos enquanto muitos países centrais têm passado por um extenso declínio industrial regional Essa combinação de desindustrialização e reindustrialização desarticulou as antigas definições globais de centro e periferia de PrimeiroSegundoTerceiro Mundos e criou os contornos provisórios de uma divisão internacional do trabalho diferente senão inteiramente nova 5 Nos EUA e em outros lugares a acelerada mobilidade geográfica do capital industrial e relacionado com a indústria deflagrou e intensificou uma concorrência territorial entre órgãos governamentais por novos investimentos e pela manutenção das firmas existentes no lugar onde estão Essas guerras regionais por empregos e dólares Goodman 1979 absorvem um volume crescente das verbas públicas e amiúde dominam o processo de planejamento urbano e regional à custa dos serviços sociais e previdenciários locais Como o capital coopera cada vez mais as comunidades competem cada vez mais outro velho paradoxo que vem sendo particularmente intensificado no período atual 6 Num paralelo com o que vem acontecendo em escala global a divisão regional do trabalho dentro dos países tem mudado mais drasticamente do que nos últimos cem anos As regiões que abrigam os setores manufatureiros fordistas que lideraram o surto de crescimento do pósguerra automóveis aço construção aviação civil bens de consumo duráveis vêm sendo disciplinadas e racionalizadas através de uma combinação variável de fuga de capitais e fechamento de fábricas da introdução de novas tecnologias que economizem mão de obra e de ataques mais diretos ao trabalho organizado dessindicalização recuos trabalhistas restrições às negociações coletivas Uma reindustrialização seletiva primordialmente baseada em tecnologias avançadas de produção e centrada nos setores menos sindicalizados vem ao mesmo tempo detendo o declínio em algumas das regiões racionalizadas com mais sucesso por exemplo na Nova Inglaterra ou concentrando a expansão industrial em novos complexos industriais territoriais tipicamente na periferia das grandes áreas metropolitanas 7 Acompanhando esses processos há grandes mudanças na estrutura dos mercados urbanos de trabalho Tem havido uma segmentação e uma fragmentação mais profundas com uma polarização mais pronunciada das ocupações entre trabalhadores de remuneração elevadaespecialização elevada e de remuneração baixabaixa especialização bem como uma segregação residencial cada vez mais especializada baseada na ocupação raça afiliação étnica condição de imigrante renda estilo de vida e outras variáveis relacionadas com o emprego Um decréscimo global na proporção relativa de empregos industriais devido principalmente ao declínio do emprego nas indústrias pesadas mais antigas e mais sindicalizadas acompanhado por um rápido aumento dos empregos terciários de remuneração inferior tende a produzir taxas de crescimento significativamente reduzidas senão negativas nos níveis salariais e na renda real dos trabalhadores além de aumentos limitados dos níveis de produtividade da economia nacional em todos os lugares onde essa estrutura setorial em processo de modificação é mais acentuada 8 O crescimento do emprego tende a se concentrar nos setores que têm mais facilidade de dispor de bolsões de trabalho comparativamente baratos mal organizados e fáceis de manipular e que desse modo são mais capazes de competir dentro de um mercado internacional ou de obter uma proteção significativa contra a concorrência internacional do Estado local ou nacional Os setores que lideram o crescimento do emprego portanto baseiamse tanto na alta quanto na baixa tecnologia e recorrem a uma mescla de técnicos especializados trabalhadores sem turno integral imigrantes e mulheres Isso cria um estreitamento no meio do mercado de trabalho com uma pequena protuberância no alto e uma protuberância ainda maior na base especialmente se incluirmos também a florescente economia informal Somente nos Estados Unidos no entanto ao menos dentre todos os países industriais avançados é que essa reestruturação dramática do emprego tem estado associada a um substancial crescimento conjunto do emprego7 Esses e outros processos predominantes de reestruturação injetaram uma equivocidade peculiar na paisagem geográfica mutante uma combinação de opostos que desafia a simples generalização categórica Nunca em época anterior a espacialidade da cidade capitalista industrial ou o mosaico do desenvolvimento regional desigual tornaramse tão caleidoscópicos tão soltos de suas amarras do século XIX tão cheios de contradições inquietantes Por um lado há uma importante desindustrialização urbana que está esvaziando as antigas concentrações nodais não apenas rumo aos anéis suburbanos padrão que se iniciou já no fim do século XIX mas indo muito mais longe para pequenas cidades não metropolitanas e locais campestres ou mais além para os PRIs e as RRIs Por outro lado um novo tipo de base industrial vemse estabelecendo nas grandes regiões metropolitanas com um efeito urbanizador que é quase indiferente às vantagens de localização implícitas na paisagem urbanoindustrial anterior Scott 1983a 1986 Assim falar da cidade pósindustrial é na melhor das hipóteses uma meiaverdade e na pior um espantoso erro de interpretação da dinâmica urbana e regional contemporânea pois a industrialização continua a ser a força propulsora primordial do desenvolvimento em todas as partes do mundo contemporâneo Nascida em grande parte dessa combinação de desindustrialização e reindustrialização há uma reestruturação interna igualmente paradoxal das regiões metropolitanas marcada por uma descentração e uma recentração das nodalidades urbanas A suburbanizaçãometropolitanização difusa continua mas já não parece tão inequivocamente associada ao declínio dos centros das cidades Um renascimento cuidadosamente orquestrado do centro vem ocorrendo tanto nas regiões metropolitanas em crescimento quanto nas declinantes Ao mesmo tempo o que alguns denominaram de cidades externas aglomerações bastante amorfas que desafiam as definições convencionais de urbanosuburbanoexurbano estão formando novas concentrações dentro do tecido metropolitano e provocando uma onda de neologismos que tentam captar sua singularidade tecnópolis tecnoburgo aldeia urbana metroplex e paisagem de silício O processo de internacionalização criou outro conjunto de paradoxos pois implica um estenderse para fora do urbano para o global e um estenderse para dentro do global para o local urbano Isso deu um novo sentido à noção de cidade mundo como uma condensação urbana da divisão internacional reestruturada do trabalho Friedmann e Wolff 1982 Mais do que nunca a economia macropolítica do mundo estáse contextualizando e reproduzindo na cidade As cidades do Primeiro Mundo estão ficando repletas de populações do Terceiro Mundo que em alguns casos são agora a maioria Enquanto essas cidadesmundo compostas espichamse cada vez mais moldando a economia internacional numa forma de planejamento espacial global elas também incorporam internamente cada vez mais as tensões e os campos de batalha políticos e econômicos das relações internacionais Nem a teoria urbana convencional nem a economia política urbana marxista que se consolidou nos anos setenta conseguiram dar sentido teórico e político a essa enigmática reestruturação urbana contemporânea Enquanto a primeira tende a especificar demasiadamente o urbano fazendo com que a afirmação do urbanismo tome o lugar da explicação a segunda tem tendido em sua maior parte a subespecificar o urbano passando distraidamente ao largo de seu poder causal e de seu posicionamento integral dentro da geografia histórica do capitalismo As duas tenderam a superenfatizar as questões de consumo e a desprezar os efeitos urbanizadores da produção industrial num estreitamento que talvez tenha sido politicamente adequado nos anos sessenta mas que é agora míope demais para se haver eficazmente com os processos de reestruturação contemporâneos Sob muitos aspectos o mesmo se pode dizer da economia política internacional neomarxista que evoluiu paralelamente à urbana Também ela tendeu a supersimplificar as complexidades da produção e dos processos de trabalho capitalistas ou a presumir que o materialismo histórico já solucionou todos os seus enigmas Muito se conseguiu na investigação dos múltiplos circuitos do capital que dão forma ao sistema mundial e no rastreamento de suas origens históricas e seu desenvolvimento geográfico Mas as perspectivas predominantes foram apanhadas desprevenidas pelas dramáticas mudanças da divisão internacional do trabalho acarretadas por uma reestruturação industrial essencialmente inesperada e mundial No momento o campo relativamente novo da economia política regional e uma geografia industrial regional revigorada e reorientada parecem ser as arenas mais perspicazes e inovadoras para analisarmos as economias macro meso e micropolíticas da reestruturação Ambos podem ser chamados de especializações flexíveis pois estão menos preocupados com as antigas fronteiras e restrições disciplinares e assim sendo estão mais abertos para uma adaptação oportuna de modo a enfrentar as novas demandas e desafios A perspectiva regional facilita a síntese do urbano e do global ao mesmo tempo que continua sabedora do poderoso papel mediador do Estado nacional mesmo no momento em que esse papel se reduz um pouco na era atual A interação mutuamente receptiva da regionalização e do regionalismo fornece uma abertura particularmente sagaz para observarmos a dinâmica da espacialização e do desenvolvimento geograficamente desigual confere maior profundidade e significado à noção de divisões espaciais do trabalho e é profusa em ligações úteis com as ontologias sociais reformuladas que discutimos antes Igualmente importantes sua abertura e sua flexibilidade bem como sua inclinação para tentar novas combinações de ideias em vez de recair nas velhas dualidades categóricas fazem dos estudos regionais críticos o ponto de confluência mais provável das três correntes de reestruturação contemporâneas É aí que nossa compreensão do pósfordismo do pósmodernismo e de uma teoria social crítica póshistoricista pode ocorrer mais abundantemente 1 Tal como usado aqui o asseverado prefixo pós indica seguindose a ou depois de mas não significa uma completa substituição do termo modificado O modernismo o fordismo e o historicismo persistem mesmo depois de sua reestruturação pósdefinida Similarmente alguns aspectos do pósmodernismo do pósfordismo e do pós historicismo podem ser prenunciadoramente encontrados num passado mais distante Essa utilização pode confundir os que insistem na aplicação de uma lógica categórica da temporalidade e da sequência mas tal é em parte sua intenção 2 O rico ensaio de Harvey sobre a transformação de Paris em 185070 Harvey 1985b explora o que talvez seja o exemplo mais paradigmático do poder disciplinar contido nessa espacialização urbana instrumental especialmente com suas extraordinárias elaborações haussmanescas Foucault inicia suas explorações muito antes e é mais responsável do que qualquer outra pessoa por nos abrir os olhos para a instrumentalidade do espaçopodersaber no contexto urbano 3 Gordon 1984 41 cita o presidente de uma empreiteira de Chicago todas essas controvérsias e greves que tivemos aqui durante alguns anos impediram que as pessoas de fora viessem para cá e investissem seu capital Isso desestimulou o capital no plano doméstico Afastou os fabricantes da cidade porque eles ficaram com medo de que seus homens se metessem em confusões e greves O resultado é que quarenta ou cinquenta milhas ao redor de toda Chicago as cidades menores estão recebendo essas fábricas 4 Processos semelhantes atuaram nas cidades europeias mas a suburbanização a fragmentação política metropolitana e o abandono do centro da cidade salvo em função da destruição causada pela guerra tenderam a ser muito menos intensos 5 Cidades selvagens em francês no original NT 6 Fato consumado em francês no original NT 7 A natureza dessa Grande Máquina de Empregos Norteamericana como alguns começaram a chamála ainda é difícil de apreender São sugestivas porém duas listas recentes das dez ocupações que têm crescido mais depressa publicadas pelo Instituto de Pesquisas de Financiamento e Administração Educacional da Universidade de Stanford Em termos de números absolutos as dez ocupações principais são zeladora de edifício caixa secretárioa auxiliar de serviços gerais de escritório vendedora enfermeiroa profissional garçomgarçonete professora de jardim de infânciaescola primária motorista de caminhão e auxiliar de enfermagem O maior aumento percentual esperado na próxima década refletindo a década passada referese a técnicos de computação assistentes legais analistas de sistemas de computação programadores técnicos de máquinas de escritório assistentes de fisioterapia engenheiros elétricos técnicos de engenharia civil operadores de computadores pessoais e digitadores 8 TUDO SE JUNTA EM LOS ANGELES Eu ficaria muito satisfeito se você me pudesse encontrar alguma coisa boa substancial sobre a situação econômica da Califórnia A Califórnia é muito importante para mim pois em nenhum outro lugar a revolução mais escandalosamente causada pela centralização capitalista ocorreu com tamanha velocidade Carta de Karl Marx a Friedrich Sorge 1880 Eilo Tomemno Discurso inaugural de William Mulholland na inauguração do Aqueduto de Los Angeles 1913 A curiosidade premonitória de Marx sobre a Califórnia foi instigada pelos extraordinários acontecimentos que se seguiram às descobertas de ouro em 1848 Vinda praticamente de lugar nenhum uma impressionante presença capitalista emergiu ao longo da costa do oceano Pacífico no Novo Mundo dando início a uma inclinação californiana para a economia espacial global do capitalismo que continuaria durante o século e meio seguinte O ouro da Califórnia alimentou significativamente a recuperação e a expansão do capitalismo industrial depois da era da revolução ajudou a acertar os ponteiros da consolidação territorial e da rápida industrialização urbana dos Estados Unidos e depositou na região da Baía de San Francisco um dos mais dinâmicos centros de acumulação do fim do século XIX Mas o processo uma vez iniciado não parou por aí Relativamente despercebida em 1880 deuse a instalação de outra inclinação mais local que sustentaria a californianização do capitalismo durante o século XX A ascensão do sul da Califórnia da região centrada na cidade de Los Angeles confirmou a intuição presciente de Marx Desde 1900 talvez não haja outro lugar em que as revoluções associadas à centralização capitalista tenhamse desenvolvido mais depressa ou mais escandalosamente O que foi a Califórnia Setentrional para a segunda metade do século XIX a Califórnia Meridional tem sido em escala muito maior para o século XX Se pudéssemos criar mapas globais decenais da geração regional de superlucros a começar da década de 1920 a área de Los Angeles estaria quase com certeza entre os pontos mais altos de praticamente todas as décadas O ouro verde e o negro a agricultura e o petróleo sustentaram a expansão inicial com o Condado de Los Angeles liderando o país por muitos decênios nos dois setores produtivos A partir de 1930 porém a indústria tomou a dianteira e uma década após outra até os dias atuais a Califórnia Meridional nunca foi substancialmente superada por nenhuma outra região norteamericana comparável no aumento líquido de empregos industriais Durante a maior parte do século XX Los Angeles esteve entre os polos de crescimento industrial mais propulsores e superlucrativos da economia mundial sediando sistematicamente os principais setores industriais do momento Hoje em dia o produto econômico regional da Califórnia Meridional é maior do que o produto interno bruto de todos os países com exceção de dez1 Que outro lugar poderia ser melhor para ilustrar e sintetizar a dinâmica da espacialização capitalista Sob inúmeros aspectos Los Angeles é o lugar onde tudo se junta para tomarmos emprestado o imodesto lema do Los Angeles Times Sendo mais inventivos poderíamos chamar a região urbana esparramada que se define por um círculo de sessenta milhas 100 quilômetros ao redor do centro da cidade de Los Angeles de prototopos lugar paradigmático ou levando a criatividade ainda mais longe de mesocosmo um mundo ordenado em que o micro e o macro o idiográfico e o nomotético o concreto e o abstrato podem ser vistos simultaneamente numa combinação articulada e interativa Mas recuemos dessas caracterizações presunçosas por enquanto para visar mais modestamente a uma descrição regional teoricamente esclarecida a um estudo de caso empiricamente fundamentado da geografia histórica da reestruturação urbana e regional O CENÁRIO CONTEMPORÂNEO A região urbana de Los Angeles que abarca cinco condados Los Angeles Orange Ventura Riverside e San Bernardino é hoje uma das maiores metrópoles industriais do mundo havendo recentemente ultrapassado a Grande Nova York em empregos industriais e produção industrial total Além disso desde o fim dos anos sessenta ela experimentou uma concentração da indústria um aumento do emprego e um investimento financeiro que talvez não tenham paralelo em nenhum país industrial avançado Entre 1970 e 1980 quando a totalidade dos Estados Unidos teve um aumento líquido de menos de um milhão de empregos industriais e Nova York perdeu quase 330000 a região de Los Angeles acrescentou 225800 Na mesma década sua população total aumentou em 1300000 habitantes mas o número de trabalhadores não agrícolas a soldo e assalariados aumentou em 1315000 fazendo da região sem sombra de dúvida a maior máquina de empregos do mundo posição esta que ela continuou a manter nos anos oitenta2 A máquina regional de empregos agitouse de maneira sumamente ativa em dois níveis O emprego e a produção nas indústrias de alta tecnologia se expandiu fazendo da Grande Los Angeles talvez a maior tecnópole do mundo com mais engenheiros cientistas matemáticos técnicos especializados e mais trabalhadores avalizados pela segurança máxima do que qualquer outra região urbana Uma expansão ainda maior dos empregos industriais e de serviços de baixa remuneração com uma florescente indústria de confecções na liderança além de uma explosão do trabalho em expediente parcial e do trabalho aleatório flexivelmente organizado para atender às demandas mutáveis de mão de obra inflaram a base do mercado de trabalho absorvendo a maioria dos quase dois milhões de trabalhadores em busca de emprego principalmente imigrantes e mulheres que ingressaram no mercado nos últimos vinte anos Houve outras aglomerações impressionantes Um fluxo crescente de funções nas áreas de finanças bancária de administração empresarial e pública de controle e de tomada de decisões fizeram de Los Angeles o eixo financeiro do oeste dos EUA e ao lado de Tóquio a capital do capital na orla do Pacífico A região também abarca o maior núcleo de empregados governamentais de qualquer cidade norteamericana com exceção de Washington DC e os portos gêmeos de San Pedro e Long Beach que figuram atualmente entre os maiores e os de crescimento mais rápido no mundo em termos de importações e exportações Hoje em dia eles manipulam quase metade do comércio transpacífico da América do Norte E para que isso não fique esquecido a região de Los Angeles tem sido pelo menos desde a guerra da Coreia a região primacial do país no recebimento de contratos de defesa para a pesquisa e desenvolvimento de armamentos o mais avançado arsenal da América Contrapondose a esses indicadores de rápido crescimento conjunto da economia regional entretanto há indicadores igualmente espantosos de declínio e deslocamento econômico uma extensa perda de empregos e fechamentos de fábricas nos setores mais sindicalizados da indústria pesada e um declínio vertiginoso do número de membros dos sindicatos de trabalhadores industriais pobreza e desemprego que se agravam em comunidades deixadas de lado que têm que se defender sozinhas numa crescente economia informal ou subterrânea uma multiplicação de pequenas empresas industriais que fazem lembrar o século XIX3 uma intensificação da discriminação residencial no que sempre foi uma cidaderegião altamente segregada índices incomumente elevados de crimes violentos assassinatos por gangues e utilização de drogas e a maior população carcerária urbana do país Uma crise particularmente aguda de habitação vemse armando há muitos anos invertendo a longa tendência para a aquisição crescente da casa própria e induzindo a um extraordinário conjunto de estratégias habitacionais disparatadas Talvez já chegue a haver 250000 pessoas no Condado de Los Angeles morando em garagens reformadas e construções de fundo de quintal e mais a metade desse número acotovelada em quartos de motéis e hotéis na esperança de poupar o suficiente para pagar os depósitos de fiança exigidos por acomodações de aluguel mais estáveis porém fora de seu alcance Muitas são forçadas a esquentar a cama revezandose para dormir em colchões alugados que nunca ficam vazios enquanto outras encontram acomodação nos cinemas que reduzem obsequiosamente o preço dos ingressos depois da meianoite As que são ainda menos afortunadas vivem nas ruas e embaixo dos viadutos em caixas de papelão e tendas improvisadas juntandose para formar a maior população sem teto dos Estados Unidos outro primeiro lugar para Los Angeles As justaposições aparentemente paradoxais mas funcionalmente interdependentes são as características sintetizadoras da Los Angeles contemporânea Reunidas ali há exemplificações singularmente vívidas de muitos processos e padrões diferentes associados à reestruturação da sociedade do fim do século XX As combinações particulares são únicas mas nelas se condensam expressões e reflexos mais gerais É possível encontrar em Los Angeles não apenas os complexos industriais de alta tecnologia do Vale do Silício e a economia errática do cinturão do sol de Houston mas também o extenso declínio industrial e os bairros urbanos falidos de Detroit ou Cleveland com seu cinturão de ferrugem Existem em Los Angeles uma Boston uma Baixa Manhattan e um sul do Bronx uma São Paulo e uma Cingapura Talvez não haja nenhuma outra região urbana equiparável que apresente de maneira tão vívida essa reunião e articulação conjuntas de processos de reestruturação urbana Los Angeles parece estar conjugando a história recente da urbanização capitalista em praticamente todas as suas formas flexionadas UMA BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA Los Angeles nunca vivenciou integralmente a intensa centralização geográfica da produção que caracterizou a cidade industrial capitalista do século XIX e moldou a expansão inicial da maioria das grandes cidades norteamericanas a leste das Rochosas e de San Francisco ao norte Embora fundada em 1781 a cidade de Los Angeles permaneceu como um pequeno posto avançado periférico até que um século depois quando o processo predominante de urbanização tornouse mais descentralizado iniciouse uma extensa suburbanização residencial e alguns feixes de municípios separadamente incorporados começaram a margear a cidade metropolitana central Assim o rápido crescimento populacional ocorrido entre 1880 e 1920 quando o Condado de Los Angeles se expandiu de 35000 para quase um milhão de habitantes foi basicamente moldado pelas relações sociais e espaciais da Cidade Empresarial Mas nunca houve nenhuma dúvida sobre onde se localizava o centro As atividades governamentais financeiras e comerciais sempre se concentraram no núcleo do centro da cidade de Los Angeles polo do controle e da administração sociais por mais de duzentos anos Havia também outra considerável zona industrial interna um pouco mais ao sul que acabaria por se expandir quase que ininterruptamente até o complexo portuário de San Pedro anexado à cidade em 1909 e Long Beach inicialmente incorporada em 1888 e a partir de 1920 a segunda maior cidade da região O padrão predominante de localização residencial e industrial entretanto já era polinuclear e descentralizado com densidades relativamente baixas na dispersa área construída Os subúrbios do ouro negro Viehe 1981 pontilharam o Condado de Los Angeles fora dos três maiores centros Los Angeles Pasadena e Long Beach que era talvez a maior dessas urbanizações ligadas pelo petróleo e se espalharam pelos condados de Orange e San Bernardino Os subúrbios do ouro negro incluíram Whittier Huntington Beach Norwalk El Segundo que literalmente definia a segunda maior refinaria da Standard Oil e muitas outras localidades que foram tragadas pela anexação à cidade central Uma rede ferroviária eficiente e extraordinariamente extensa para o transporte de massa a maior do país na época ligava esses centros dispersos e fomentava a cada conexão um padrão de desenvolvimentismo competitivo das localidades e de fragmentação territorial Das 43 milhas quadradas de terra sem acesso ao mar no início do século a cidade de Los Angeles ampliouse para 362 milhas quadradas em 1920 e para 442 em 1930 estendendo seus tentáculos anexadores primeiro para o porto e depois através de seu virtual monopólio da água para Hollywood Venice Watts e vastas faixas do Vale de San Fernando O lacônico discurso de William Mulholland na inauguração do Aqueduto de Los Angeles em 1913 Eilo Tomemno estava claramente sendo levado a sério Mas mesmo com essa agressiva expansão da cidade as outras áreas incorporadas do condado logo começaram a aumentar mais rapidamente sua população Depois de 1920 a cidade nunca mais voltou a experimentar uma taxa de crescimento populacional intercensitária superior à do restante do condado Entre 192040 abarcando os anos da Grande Depressão o Condado de Los Angeles somava quase dois milhões de habitantes divididos em números aproximadamente iguais entre a cidade e os subúrbios embora àquela altura a distinção já se houvesse tornado sumamente vaga sendo a maior parte da cidade tão suburbana quanto os chamados subúrbios O crescimento urbano baseouse sobretudo na extração e refino de petróleo na agricultura na indústria cinematográfica em formas incomumente agressivas de especulação com a terra e desenvolvimento imobiliário e numa pequena mas florescente base manufatureira dominada por formas artesanais de produção que atendiam à área local Apesar de uma história de vigorosas lutas trabalhistas Los Angeles também se transformara num preeminente centro de controle efetivo do trabalho numa área em que as firmas que preferiam empregados não sindicalizados tornaramse praticamente uma lei nos cinquenta anos subsequentes à depressão da década de 18904 A força persistente dos grupos de empregadores antissindicalistas e dos aliados do setor público que os apoiavam foi central para a industrialização de Los Angeles no século XX Nos anos vinte Los Angeles já era a cidade mais voltada para o automóvel no mundo inclinação esta que refletiu e contribuiu para sua morfologia urbana altamente descentralizada Como não é de surpreender a fabricação artesanal local cedo se concentrou em carros inovadores e experimentais equipamentos da moda para veículos e projetos especializados de carros Morales 1986 Aproximadamente na mesma época desenvolveuse também uma importante indústria aeronáutica parcialmente favorecida por um ambiente físico singularmente adequado porém mais ainda por sua associação com a produção em pequena escala de carros e equipamentos especializados Essa tradição artesanal local significativamente estimulada pelo relativo isolamento de Los Angeles em relação aos grandes centros industriais e mercados do Nordeste lançou as bases da industrialização urbana fordista dos anos do entreguerras como o faria em outros pontos dos EUA Durante a depressão quatro grandes fabricantes de automóveis inauguraram montadoras para produção em massa em Los Angeles No fim dos anos quarenta Los Angeles havia desenvolvido o maior complexo industrial de automóveisvidrospneus de borracha para o mercado de massa fora do MeioOeste Essa combinação propícia de habilidade artesanal e produção em massa fabricação de automóveis e aeronaves oferta abundante de mão de obra e petróleo gastos federais crescentes com a defesa e a suburbanização e a complacência do clima ensolarado e das firmas com empregados não sindicalizados sustentou uma rápida expansão econômica durante os anos da depressão e estimulou extraordinários surtos de crescimento baseados na guerra primeiro na II Guerra Mundial e depois na guerra da Coreia Em 195053 os anos da guerra da Coreia o índice total de empregos foi aumentado em 415000 postos sendo 95000 na indústria aeronáutica então reorientada de sua ênfase nas estruturas das aeronaves para uma fabricação mais diversificada de mísseis aeroespaciais eletronicamente guiados A industrialização acelerada de Los Angeles durante o terço médio do século XX foi em parte uma extensão do desenvolvimento urbanoindustrial fordista que então caracterizava o Cinturão Industrial Norteamericano A produção artesanal continuou a ser sumamente significativa mas em muitos setores industriais os processos trabalhistas fordistas e a produção em massa de bens de consumo duráveis cresceu com a mesma rapidez com que o fez em qualquer outro ponto do país Los Angeles tornouse a epítome da metrópole industrial administrada pelo Estado Foi um campo exemplar não apenas para a expansão industrial fordista mas também para a estimulação keynesiana da demanda e para o consumismo de massa para a administração federal das variáveis macroeconômicas incentivadora do crescimento para a criação trabalhisticamente estabilizadora de contratos sociais vinculados à produtividade firmados entre o governo as empresas e os sindicatos e talvez mais paradigmaticamente para a suburbanização dispersiva que empurrou a vida urbana para a fronteira do capimdashortas uma fronteira maníaca por automóveis e generosamente subsidiada pelo Estado Jackson 1985 Essa industrialização de efeito duplo localizouse num esparrame de residências e locais de trabalho de baixa densidade vinculados por uma rede de vias expressas e engastados numa extraordinária fragmentação de jurisdições políticas literalmente centenas de governos locais Miller 1981 O núcleo central da cidade de Los Angeles continuou sendo o nódulo maior mas sua vantagem relativa em termos de tamanho diminuiu significativamente com o crescimento acelerado de centros comerciais regionais e áreas industriais suburbanas Em resposta a esse declínio os poderosos interesses empresariais voltaram a exercitar seus músculos esmagando o que prometia ser um dos maiores projetos habitacionais públicos do país sob a bandeira do combate ao socialismo Parson 1982 O interesse público e as verbas públicas foram deslocados para grandes projetos de reforma que visavam a fazer reviver o distrito comercial central da cidade e a elitizar seletivamente as amplas áreas de moradias deterioradas que o cercavam refletindo senão instaurando mais uma vez as tendências urbanas nacionais Uma das maiores zonas industriais do mundo ainda se estendia do centro da cidade em direção ao sul atravessando áreas rigidamente discriminadas de trabalhadores negros e trabalhadores brancos pobres dezenas de milhares dos quais haviam imigrado para ali durante as décadas de 1930 e 1940 Mas também ali nesses subúrbios de aparência sumamente confortável dos operários houve um relativo declínio à medida que a nova expansão industrial e residencial extravasou em direção a Orange e outros condados das cercanias deixando atrás de si um dos mais rígidos divisores raciais do emprego de qualquer parte do país A oeste da Alameda White Curtain Cortina Branca ficou o compacto gueto negro o terceiro maior do país torturantemente próximo mas cada vez mais distanciado do grande bolsão de empregos a leste Sendo talvez o centro quintessencial da urbanização capitalista administrada pelo Estado e localmente fomentada Los Angeles foi também a epítome das crises que essa urbanização ajudou a gerar Os tumultos de Watts em 1965 iniciaram explosivamente uma série de contestações urbanas da legitimidade da ordem econômica do pósguerra nos EUA e na Europa ocidental A grande população chicana de Los Angeles também reagiu primeiro através dos boicotes à escola secundária em 1966 e depois em 1970 na Moratória Chicana um protesto de 30000 pessoas contra a guerra provavelmente a maior demonstração política latina na história norteamericana recente As tensões fiscais e sociais da metrópole administrada pelo Estado ficaram claramente à mostra especialmente no Condado de Los Angeles Os pagamentos totais da previdência mais do que duplicaram entre 196469 enquanto o auxílio às famílias com filhos menores triplicou O choque da recessão global de 197375 meramente confirmou o que já fora reconhecido em Los Angeles e outros lugares que a continuação do crescimento econômico do pósguerra já não podia contar com as transações habituais Faziase necessária uma reorganização extensa e fixadora das estruturas sociais e espaciais de acumulação Estava iniciada outra era de competição intensificada entre o velho e o novo entre uma ordem herdada e uma ordem projetada entre a continuidade e a mudança A REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL DE LOS ANGELES A mutável distribuição setorial do emprego fornece indicações reveladoras do alcance e da intensidade da reestruturação espacial da região urbana de Los Angeles nos últimos vinte anos Como se pode ver na Figura 2 o setor de serviços exibiu a mais alta taxa de aumento do emprego nos anos sessenta e setenta e segundo todas as indicações provavelmente continua a liderar todos os outros setores na década de 1980 Embora seu índice de crescimento tenhase reduzido desde 1970 o emprego total no setor de serviços superou recentemente o emprego nas fábricas transformandose no maior setor empregatício da região posição esta que ele detivera pela última vez nos anos vinte Fonte Departamento de Emprego da Califórnia Figura 2 Variações do emprego setorial 19601976 Esse rápido crescimento dos empregos no setor de serviços bem como no comércio atacadista e varejista e nos setores de FSSI finanças seguros e setor imobiliário juntamente com o acentuado declínio relativo dos empregos governamentais sobretudo federais traça um paralelo com amplas tendências nacionais O aspecto em que Los Angeles se afasta mais marcantemente dessas tendências nacionais é o padrão de mudança entre as duas décadas em particular no tocante à contínua expansividade do setor manufatureiro Para avaliar a intensidade relativa dessas mudanças desde 1970 assim como sua variação geográfica dentro da região convém nos referirmos à Figura 3 que apresenta os resultados de uma análise de alternânciaparticipação das mudanças no emprego em três períodos de tempo de 1962 a 1967 antes da ocorrência de qualquer reestruturação significativa de 1967 a 1972 período de transição e de 1972 a 1977 depois de uma primeira rodada de modificações5 No tocante à região como um todo o comércio e os setores FSSI tiveram índices de participação regional positivos nos três períodos indicando que o emprego na região cresceu mais depressa do que as médias nacionais O crescimento nos serviços e na construção entretanto foi mais lento resultando numa participação regional conjunta negativa embora ambos tenham recuperado forças em 197277 O maior índice global foi sem dúvida o da indústria primordialmente baseado no crescimento explosivo do complexo industrial do Condado de Orange Scott 1986 O Condado de Los Angeles teve uma participação negativa em todo o período mas os empregos na indústria foram positivos nos anoschave de 197277 sugerindo uma relativa recuperação do crescimento industrial Essas medidas retratam uma estrutura regional de empregos internamente diferenciada e cada vez mais descentralizada com um setor industrial incomumente robusto A terciarização da economia regional tem avançado rapidamente mas basicamente através dos setores do comércio atacadista e varejista finanças seguros e imobiliário e não do setor de serviços Os condados periféricos especialmente Orange parecem estar tendo um surto de Região Condado de LA Orange San Bern Riverside Indústria 92033 25803 96310 21515 Comércio atacadista e varejista 41429 81157 99639 22946 Serviços 20544 113500 79863 13092 Governo NC Não computado NC Não computado NC Não computado Transportes e serviços de utilidade pública 9411 10647 13663 6395 Finanças seguros e setor imobiliário 33692 5250 33741 5201 Construção 3493 4734 0 671 Mineração 4439 104 0 0 a produção e o emprego numa ampla zona que se estendia em direção ao sul partindo do centro da cidade de Los Angeles até os portos gêmeos de San Pedro e Long Beach com importantes pontos isolados nos vales de San Fernando e San Gabriel e no chamado Império Interiorano do Condado de San Bernardino sede anteriormente do maior complexo siderúrgico a oeste do rio Mississippi Dentro dessa extensa paisagem industrial urbana cujos municípios como Vernon e as semcerimoniosamente denominadas Cidade da Indústria e Cidade do Comércio passaram a se dedicar inteiramente à fabricação e aos serviços comerciais e de armazenagem correlatos quase não havendo população local para atrapalhar Quase 50000 pessoas trabalhavam em Vernon por exemplo mas menos de cem moravam lá Outras cidades como South Gate vizinha de Watts e quase a meio caminho entre o centro da cidade e os portos mesclavam uma densa produção industrial com alguns dos mais atraentes bairros residenciais da classe trabalhadora no país Tratavase quase que inteiramente de bairros brancos convém acrescentar pois essa zona industrial era atravessada por uma das divisões raciais mais rigidamente definidas de qualquer cidade norteamericana Atualmente essas áreas transformaramse no cinturão de ferrugem de Los Angeles com muitas fábricas abandonadas altas taxas de desemprego bairros economicamente devastados extensa emigração e mudanças ocupacionais desqualificadoras e redutoras de salários passando da indústria para funções de prestação de serviços O que um dia foi o segundo maior complexo de montadoras de automóveis do país viuse reduzido a uma única fábrica da General Motors em Van Nuys que hoje é sede de uma vigorosa luta trabalhista e comunitária contra seu fechamento Mann 1987 A segunda maior indústria de fabricação de pneus do país praticamente desapareceu com o fechamento da Firestone Goodyear Goodrich Uniroyal e outras empresas menores acompanhada por boa parte da indústria siderúrgica da Califórnia Meridional Nos quatro anos do período 197882 pelo menos 75000 empregos foram perdidos em decorrência do fechamento de fábricas e de dispensas infindáveis de trabalhadores afetando primordialmente um segmento do mercado de trabalho que era altamente sindicalizado e continha uma proporção incomumente elevada de operários bemremunerados das minorias e do sexo feminino A Figura 4 mapeia essa pronunciada desindustrialização Em South Gate desde 1980 o fechamento da Firestone Rubber da General Motors e da Norris IndustriesWeiser Lock representou a perda do que no auge do emprego dos anos anteriores equivalera a mais de 12500 colocações No município adjacente de Watts a situação econômica deteriorouse mais depressa do que em qualquer outra comunidade dentro da Cidade de Los Angeles e não está melhor agora provavelmente está pior do que na época dos tumultos de Watts em 1965 Na década e meia que se seguiu à insurreição a área predominantemente negra das zonas sulcentro de Los Angeles perdeu 40000 habitantes sua força de trabalho foi reduzida em 20000 trabalhadores e a renda familiar média caiu para 5900 dólares 2500 dólares abaixo da média correspondente à população negra da cidade no fim dos anos setenta Essa desindustrialização seletiva surtiu um grande efeito na força global da mão de obra organizada Durante a década de 1970 os índices de sindicalização no Condado de Los Angeles baixaram de mais de 30 para cerca de 23 No Condado de Orange a queda foi ainda mais pronunciada e na indústria que estava passando por uma extraordinária expansão do emprego os índices de sindicalização despencaram de 264 para 105 Isso representou um declínio absoluto de mais de um quarto do número de trabalhadores sindicalizados em 1971 Assim a desindustrialização e o novo crescimento industrial associaramse a expressivos declínios da sindicalização e ao enfraquecimento de muitos dos ganhos contratuais conquistados pela mão de obra organizada nas duas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial Figura 4 Fechamentos de fábricas e grandes dispensas de trabalhadores em 19781982 A desindustrialização seletiva e a dessindicalização maciça em Los Angeles ampliaram as tendências nacionais e globais geradas em resposta às crises econômicas e políticas que destroçaram o surto de crescimento do pósguerra e os contratos sociais keynesianos que tinham sido parte tão integrante do período expansionista Como ocorreu em períodos similares de crise e reestruturação do passado as inovações tecnológicas as estratégias administrativas empresariais e a política estatal passaram a se concentrar mais direta e explicitamente em dois objetivos cada vez mais vitais e estreitamente relacionados a restauração de crescentes oportunidades de superlucros e o estabelecimento de um controle mais efetivo da força de trabalho Usando a lógica de uma racionalização urgentemente necessária de uma celebração renovada da destruição criativa que é crucial para a sobrevivência das economias capitalistas a paisagem econômica que se consolidara nos anos do pósguerra começou a ser seletivamente destruída e reconstruída com igual seletividade Essa tentativa abrangente de disciplinar o trabalho juntamente com capitais menos eficientes e grandes segmentos do Estado central e local foi um tema essencial do processo de reestruturação contemporâneo Tem sido promulgado por uma gama diversificada de opções que giram basicamente em torno da relativa redução do custo da mão de obra Essas opções incluem ataques diretos às organizações mais poderosas da classe trabalhadora crescente centralização e concentração do capital mobilidade intensificada do capital para estabelecer uma ameaça constante de fechamento e transferência de local indução da inovação tecnológica para reduzir custos e criar instrumentos aperfeiçoados de controle da mão de obra e da produtividade e subsídios crescentes às grandes empresas pelo governo federal e pelos governos locais empenhados em atrair novos empregos tudo envolto em programas ideológicos destinados a justificar o sacrifício e a austeridade de alguns ostensivamente em nome do bem maior ao mesmo tempo em que outros são alimentados à força com a valorosa esperança de que o excedente de algum modo escoará para as subclasses que estão à espera dele Essas são as vias primárias da reestruturação quer nos refiramos à economia como um todo ou a empresas isoladas As estratégias nem sempre são bem sucedidas mas os objetivos impulsionadores não podem passar despercebidos em meio a tudo o mais que se vem modificando no mundo contemporâneo Essa perspectiva interpretativa mais concentrada na reestruturação faz da desindustrialização de Los Angeles muito mais do que a expressão local de um inocente processo de modernização e evolução pósindustrial um concomitante secundário de uma economia local que floresce em outros aspectos A desindustrialização tem sido um fulcro crucial em torno do qual giram muitos outros aspectos da reestruturação social e espacial Bluestone e Harrison 1982 Ela constitui o pano de fundo necessário por exemplo para o entendimento da notável expansão industrial que vem ocorrendo na região de Los Angeles desde a década de 1960 Examinemos mais de perto os dois contextos mais propulsores desse crescimento industrial expansivo a indústria aeroespacialeletrônica e a indústria de confecções As Figuras 5 e 6 fornecem uma imagem da magnitude e do padrão de localização do que talvez seja a maior concentração urbana mundial da indústria baseada em tecnologia avançada Durante o período de 197279 o emprego no grupo aeroespacialeletrônico de sete setores industriais cresceu 50 na região com um acréscimo de mais de 110000 empregos e uma subida em sua percentagem de emprego total na indústria de 23 para 26 O crescimento do emprego nesses sete setores foi maior do que o aumento total de novos empregos industriais em Houston no mesmo período e representa quase o equivalente ao aumento líquido de toda a força de trabalho de alta tecnologia do Vale do Silício de 110000 para 147000 empregos nos mesmos sete setores no Condado de Santa Clara 1979 Os dados mais recentes indicam que em 1985 o Condado de Los Angeles empregava sozinho mais de 250000 trabalhadores na categoria do Grupo 3 do Serviço de Estatística do Trabalho outra definição amplamente usada da indústria de alta tecnologia A cifra equivalente no Condado de Santa Clara foi de 160000 empregos Mais do que qualquer outra coisa o que vincula os setores que compõem esse complexo industrial tecnopolitano é sua dependência comum da tecnologia oriunda do Departamento de Defesa e das pesquisas da Nasa e o estímulo dos contratos militares A Califórnia Meridional tem sido de longe o maior destinatário dos melhores contratos da defesa desde a década de 1940 A expansão contínua das indústrias de alta tecnologia nos anos oitenta tem sido ainda mais promovida pelo keynesianismo da administração Reagan centrado nos militares sendo o Condado de Los Angeles em particular um dos principais beneficiários das verbas de pesquisa do projeto Guerra nas Estrelas a Iniciativa de Defesa Estratégica de Reagan Fonte Departamento de Comércio County Business Patterns Padrões comerciais dos condados 1972 e 1979 Figura 5 Variação do emprego nas indústrias aeroespacialeletrônica Essa expansão da alta tecnologia em Los Angeles admite uma certa comparação com o que tem ocorrido na região em torno de Boston onde um profundo e prolongado processo de disciplinamento do trabalho fechamento de fábricas e fuga do capital produziu as condições para uma recuperação econômica baseada em grande parte na rápida expansão dos setores de alta tecnologia e serviços Harrison 1984 Em ambas as regiões urbanas tem ocorrido uma reciclagem ocupacional que polariza cada vez mais o mercado de trabalho pelas diferenças de qualificação e salários O segmento médio dos operários qualificados sindicalizados e bem remunerados vem encolhendo com uma pequena parcela de seus trabalhadores ascendendo em direção a uma tecnocracia ampliada de colarinhosbrancos mas uma proporção muito maior escoando para baixo para um reservatório mal qualificado e mal pago de trabalhadores da produção e dos serviços inflacionado pela imigração maciça e pelos empregados de turno parcial e do sexo feminino Essa filtragem descendente de trabalhadores sindicalizados antes bem estabelecidos foi descrita certa vez como uma desmoralizante Kmarting6 do mercado de trabalho7 O crescimento da indústria de confecções reflete outra mudança dramática no mercado regional de trabalho Não só a alta tecnocracia estabeleceuse em Los Angeles em números extraordinários como o mesmo aconteceu com o que constitui provavelmente o maior bolsa de trabalhadores imigrantes mal pagos mal organizados e facilmente disciplináveis do país Essa reserva ainda crescente de trabalhadores afetou praticamente todos os setores da economia regional inclusive a indústria aeroespacial e eletrônica Sua marca tem sido mais visível entretanto na produção de roupas especialmente na categoria de confecções para senhoras moças e meninos que tende a ter uma mão de obra altamente intensiva difícil de mecanizar e organizada em torno de pequenas oficinas para se adaptar mais eficientemente à rapidez da mudança nas tendências da moda O emprego nas fábricas de confecções expandiuse quase 60 entre 1970 e 1980 representando 12 do crescimento total do emprego na indústria e um acréscimo líquido de mais de 32000 empregos Dentre os aproximadamente 125000 empregos desse setor talvez até 80 tenham sido ocupados por trabalhadores imigrantes nos últimos anos sendo 90 da totalidade da força de trabalho de mulheres Os índices de sindicalização são baixos e as infrações à legislação salarial são comuns embora o imenso trabalho infantil e de exploração não seja endêmico passadas de desaglomeração e uma inversão parcial dessas tendências levando à formação de concentrações urbanas novas ou renovadas na economia espacial metropolitana Como aconteceu com a reestruturação industrial a lógica integral dessa combinação de contrários tornase mais clara quando o quadro conjunto é decomposto em sua dinâmica interna mais intricada Um processo espraiado e polinuclear de descentralização caracterizou a geografia histórica das cidades capitalistas desde o século XIX Sob muitos aspectos Los Angeles foi e continua a ser um caso exemplar desse crescimento urbanosuburbano descentralizado À medida que as subregiões industriais e residenciais mais antigas declinaram a periferia regional se expandiu nos últimos vinte anos num ritmo que talvez não tenha sido superado em nenhum outro lugar do país Os condados de Orange San Bernardino Riverside e Ventura tiveram coletivamente uma média de 40 de aumento da população durante a década de 1970 e conheceram um índice ainda mais elevado de crescimento do emprego Todos os dados disponíveis sugerem que essas taxas de crescimento tenhamse mantido nos anos oitenta Uma expansão significativa também vem ocorrendo nas áreas externas do Condado de Los Angeles respondendo por grande parte de seu aumento populacional de 450000 habitantes nos anos setenta e mais de 600000 entre 198085 A atual descentralização metropolitana entretanto expandiuse muito além da região local de Los Angeles como fez na maioria das outras grandes cidades dos países industriais avançados Mais do que nunca na história norteamericana recente a população e a indústria têmse deslocado para cidades menores e áreas rurais evocando o que alguns denominaram de grande reviravolta não metropolitana outro dos traços característicos atribuídos ao processo contemporâneo de reestruturação A descentralização da produção industrial urbana entretanto progrediu ainda mais nas duas últimas décadas assumindo uma expressão cada vez mais global na qual as firmas industriais que estão de mudança passam inteiramente por cima da hierarquia nacional de centros urbanos e rurais e vãose instalar no exterior em regiões em processo recente de industrialização Essa virada crescente internacionalizou drasticamente o âmbito da análise urbana e ampliou o contexto do entendimento das implicações da reestruturação urbana nas cidades capitalistas Smith e Feagin 1987 O rápido crescimento global dos cargos e dos empregos em Los Angeles mascarou de certo modo uma expressiva emigração da população e das indústrias Também esta deve ser encarada como parte do padrão de descentralização quer seja computada como o número de estabelecimentos industriais que se mudam ou que instalam fábricas afiliadas fora da região quer como o volume crescente dos migrantes que retornam negros que se mudam novamente para o Sul talvez 25000 entre 197580 trabalhadores sem documentos que voltam a atravessar a fronteira do México possivelmente centenas de milhares nas duas última décadas embora muitos deles voltem repetidamente a Los Angeles e muitos outros que partem por não ter conseguido encontrar moradia que pudessem pagar O volume acumulado da emigração de Los Angeles tem sido substancial mas foi mais do que compensado pelos níveis extraordinários de crescimento populacional e industrial Também disfarçada pelos dados globais sobre a descentralização regional e fornecendo outro desafio desnorteante para a análise urbana convencional houve uma recentralização sem precedentes das atividades econômicas em Los Angeles Ela assumiu duas formas principais cada qual refletindo a internacionalização da economia espacial urbana e o conjunto de mudanças tecnológicas e organizacionais que marcaram a ascensão da especialização flexível na produção de bens e serviços Storper e Christopherson 1987 Essas duas formas podem ser popularmente caracterizadas como um renascimento do centro da cidade e uma ascensão da cidade externa Após décadas de campanhas públicas e privadas para contestar as afirmações de que Los Angeles era pouco mais do que uma centena de subúrbios em busca de uma cidade desenvolveuse nos últimos vinte anos um núcleo central visível e expansivo da gigantesca metrópole regional E se considerarmos que esse núcleo central inclui uma extensão de vinte milhas ao longo do corredor de Wilshire Boulevard até o Pacífico ele é hoje uma cidade central quase proporcional ao tamanho e ao alcance da economia regional Nos anos sessenta o centro de Los Angeles já era sede da segunda maior concentração de empregos governamentais do país e era um importante centro doméstico bancário e financeiro apesar de ficar claramente atrás de San Francisco Desde então ele se expandiu drasticamente como cidadela governamental e empresarial núcleo comercial e industrial e sede de controle do capital doméstico e internacional Mais uma vez Los Angeles proporciona um exemplo exagerado de tendências nacionais mais gerais uma extensão do renascimento de centros antes em deterioração e dos surtos de construção de prédios comerciais que ergueram uma nova silhueta de arranhacéus nos centros das cidades do cinturão do sol e de algumas do cinturão do gelo Embutido na nova centralidade do centro de Los Angeles houve um locus geográfico primordial da centralização concentração e internacionalização aceleradas do capital industrial e financeiro que têm marcado a reestruturação contemporânea da economia mundial Cada vez mais posicionada como uma capital do capital na bacia do Pacífico Los Angeles vem crescendo impetuosamente rumo ao nível das outras três capitais do capital global Nova York Londres e Tóquio sua companheira na orla do Pacífico A Figura 7 apresenta a cidadela empresarialfinanceira do centro de Los Angeles Na zona que se estende do centro da cidade até o oceano e se ramifica em direção sul até o aeroporto LAX há mais de sessenta escritórios centrais de grandes empresas uma dúzia de bancos e companhias de poupança e empréstimos com ativos superiores a um bilhão de dólares cinco das oito maiores empresas internacionais de contabilidade dois terços dos 200 milhões de metros quadrados de área construída de prédios de escritórios da região um batalhão de firmas de advocacia sem rival fora da costa leste e o núcleo nacional do complexo militarindustrial norteamericano Também contidos dentro da mesma área encontramse condomínios anunciados por 11 milhões de dólares com um RollsRoyce grátis de quebra e a maior concentração de pessoas sem teto do país num lembrete da intensa polarização econômica associada à reestruturação de Los Angeles Em muitas das áreas residenciais adjacentes ao centro ampliado da cidade as densidades populacionais aproximamse atualmente das encontradas nas grandes cidades lá do leste Figura 7 Localização das sedes de empresas e bancos 1982 Outra recentralização e polarização dramáticas vêm ocorrendo no Condado de Orange onde pelo menos 1500 firmas de alta tecnologia se aglomeraram desde meados dos anos sessenta Cidade externa de proporções paradigmáticas o complexo do Condado de Orange tornouse um importante laboratório juntamente com o Vale do Silício e a Rota 128 em Boston de investigação da dinâmica interna dos novos centros de crescimento urbano que se vêm configurando na totalidade dos EUA Scott 1986 No Condado de Orange a paisagem urbana pósfordista assume seus contornos mais representativos e sintomáticos O impulso formador por trás dessa urbanização periférica aqui e em outros lugares foi a criação de uma densa rede de vínculos transacionais e de sistemas de produção e serviços tecnologicamente avançados que permitem processos de produção industrial cada vez mais desintegrados verticalmente para serem horizontalmente religados de maneira flexível e eficiente num florescente complexo industrial territorial Amalgamados em torno desse sistema industrial aglomerativo encontramse os equipamentos das novas paisagens de silício empreendimentos residenciais de alta renda e acabamento dispendioso enormes centros comerciais regionais com a reputação de estarem entre os maiores do mundo ambientes criados e projetados para o lazer e o entretenimento com sua epítome na Disneylândia em Anaheim vínculos organizados com as grandes universidades e com o Departamento de Defesa e diversos encraves de mão de obra barata e manipulável constantemente supridos pela imigração de trabalhadores estrangeiros e de trabalhadores desindustrializados vindos de empregos de remuneração mais alta O Condado de Orange tem sido uma das tecnópoles prefiguradas um complexo regional amorfo que confunde as definições tradicionais de cidade e subúrbio mas desafia insistentemente qualquer caracterização simplista de pósindustrial Afinal a cidade externa desprovida de um centro é tão produto da industrialização quanto as aglomerações urbanas do século XIX Outra tecnópole exemplar ganhou forma na subregião que circunda o Aeroporto Internacional de Los Angeles estendendo se de Santa Monica para o sul até as vilas residenciais armadas e protegidas da península de Palos Verdes Esse é o coração da indústria aeroespacial e de empreendimentos de defesa da região bem como um centro rapidamente florescente de empresas eletrônicas grandes bancos e companhias de seguros e uma vasta gama de serviços comerciais A Figura 8 ilustra a extraordinária concentração residencial de engenheiros que cresceu em torno do LAX para atender às indústrias de alta tecnologia locais Seu pico fica logo ao sul do aeroporto num encrave ocupacional e racial quase inteiramente branco reduto A geografia ocupacional compartimentalizada do Condado de Los Angeles é resumida em linhas gerais na Figura 9 Superpõese à população de coloridosbrancos distribuído de maneira relativamente equitativa há uma acentuada polarização residencial entre a classe operária nas cidades centrais mais antigas e os redutos periféricos dos controladores executivos administrativos e de supervisão da força de trabalho nas encostas das montanhas e nas praias E dentro de cada um desses blocos concretamente opostos há outras especializações e recintos residenciais que mantêm cada um no seu lugar A força conjunta da descentralização e da recente centralização geográficas contribuiu significativamente para a crescente disciplina do trabalho que acompanhou a reestruturação espacial da região de Los Angeles A maior segmentação setorial do mercado de trabalho foi acolhida e reforçada por uma fragmentação e segregação geográficas da força de trabalho tanto local do que no local de residência Essa geografia urbana em mutação faz lembrar a descrição de Poulantzas 1978 107 da produção e a especialização capitalista Figura 9 Concentrações residenciais do operariado e de executivosadministradores no Condado de LA 1980 Ao lado dessa extensão internacional e desse afluxo de investimentos e de interesse do capital bem como da emergência de Los Angeles como um grande centro financeiro do capitalismo global houve uma acentuada periferalização do mercado regional de trabalho Nos últimos vinte anos cerca de dois milhões de pessoas vindas de países do Terceiro Mundo mudaram se para Los Angeles e estenderam sua influência a praticamente todos os aspectos da paisagem e da cultura urbanas em modificação O centro tem aumentado sua centralidade mas ao mesmo tempo vemse periferalizando também Esse é outro aparente paradoxo da reestruturação que pede para ser explicado Há trinta anos o Condado de Los Angeles era 85 branco não hispânico ou anglo Já então porém existia no condado um dos guetos negros mais rigidamente definidos do país e a maior concentração urbana de mexicanos fora de sua terra natal Além disso essa população minoritária já fora instrumental em rodadas anteriores de desenvolvimento industrial como fonte de trabalho barato e explorável e como um instrumento efetivo de controle dos trabalhadores sindicalizados mais organizados Durante a Grande Depressão por exemplo sua presença junto com a poderosa coalizão dos interesses antissindicais contribuiu para espremer a força de trabalho mais estabelecida e crescente que tanto vinha debaixo com respeito à estrutura vertical do mercado de trabalho quanto do lado através da contiguidade do gueto negro e do barrio latino com as principais zonas de crescimento industrial A relativa serenidade da mão de obra organizada em Los Angeles durante os anos minguados da Depressão é ao menos parcialmente explicada por essas manipulações eficazes apoiadas pela manutenção das firmas que preferiam empregados não sindicalizados e de um amplo sistema de trabalho por empreitada Um intenso episódio macarthista de caça aos comunistas nos anos cinquenta indicou a força persistente do movimento trabalhista A despeito de seus reveses antes da guerra o trabalho organizado em Los Angeles pareceu prestes a receber um dos maiores projetos habitacionais do governo dos EUA No início dos anos sessenta entretanto esses projetos ambiciosos foram redirecionados para a renovação urbana e a força da máquina de crescimento antitrabalhista se estabeleceu ainda mais solidamente Em Los Angeles e outros lugares esses primeiros eventos do pósguerra assinalaram o enfraquecimento progressivo da articulação do New Deal entre a política partidária e o trabalho organizado e a ascensão concomitante da política dos movimentos localmente mobilizada em resposta aos efeitos destrutivos da reurbanização Parson 1982 1985 Assim o desafio mais impactante ao regime local de acumulação que sustentara cinquenta anos de produção industrial em rápida expansão em Los Angeles proveio menos da mão de obra organizada do que das populações minoritárias anteriormente instrumentais Se há um evento singular que se possa escolher para marcar o início do processo contemporâneo de reestruturação no mundo inteiro ele pode perfeitamente ser a rebelião de Watts em 1965 Vista dessa maneira a reestruturação contemporânea da região de Los Angeles tem muitas das características de uma restauração de uma tentativa de restabelecimento e reforma de um sistema de relações trabalhistas que se haviam revelado bemsucedidas no passado Nesta rodada de reestruturação entretanto o exército de reserva de trabalhadores minoritários e A magnitude e a diversidade da imigração para Los Angeles desde 1960 só são comparáveis à onda de imigração destinada a Nova York na virada do último século O ressurgimento da imigração proveniente do México acrescentou pelo menos um milhão de residentes à população existente e contribuiu para introduzir no mapa regional uma presença da língua espanhola quase universal Desde 1970 mais de 200000 coreanos instalaramse em Los Angeles e se converteram numa grande influência no comércio varejista e na indústria de confecções revelandose o trabalho familiar coreano altamente competitivo mesmo com os piores empregadores de pequeno porte Filipinos tailandeses vietnamitas iranianos guatemaltecos colombianos e cubanos cresceram em grande número a diversas populações das ilhas do Pacífico tornaramse visíveis tanto em certas regiões nossas Não teve vez sequer a indústria numa de um único país assim como o Condado de Los Angeles tornouse minoritário A figura 10 mostra algumas das maiores concentrações étnicas com base no censo de 1980 Figura 10 Distribuição dos principais grupos étnicos 1980 A política étnica que explodiu na década de 1960 e no início dos anos setenta tem estado estranhamente silenciosa desde então A população negra foi cada vez mais polarizada e fragmentada no que talvez sejam as comunidades negras urbanas mais ricas e mais pobres do país polarização esta que debilitou a influência política negra apesar da presença de um prefeito negro com longa permanência e de uma representação contínua na câmara de vereadores A Assembleia Municipal de Los Angeles também tem atualmente membros latinos e asiáticos rompendo o bloqueio que existiu durante a maior parte do período de reestruturação mas ainda é cedo demais para saber se e como isso afetará a política urbana O efeito mais dramático da expansão demográfica do Terceiro Mundo talvez tenha sido o crescimento de uma maciça economia subterrânea ou informal mas por sua própria natureza seus participantes ficam afastados de uma participação política direta Almejando sobreviver à reestruturação e quem sabe até a prosperar com ela e não a atacar publicamente sua instrumentalidade polarizante e empobrecedora a economia subterrânea medra nos interstícios da vida urbana socorrendo as etnias e fornecendo os abrigos necessários à sobrevivência pessoal Somente quando sai de seus nichos para redes mais amplas de atividades criminosas ligadas a quadrilhas e a drogas é que ela ameaça a ordem reestruturada A resposta policial a essas invasões do terreno alheio tem sido caracteristicamente imediata e severa mas o índice de crimes violentos continua muito alto e mais de 20000 pessoas superlotam as prisões urbanas oficiais de Los Angeles Os movimentos sociais urbanos de maior sucesso foram organizados em torno de questões habitacionais numa reação elementar à aguda crise de moradia que tem acompanhado a reestruturação Por um breve momento a cidade de Santa Monica oscilou à beira do socialismo municipal quando uma assembleia de vereadores progressistas foi eleita por uma maioria despertada de inquilinos empenhados em impor controles aos aluguéis O movimento de controle dos aluguéis difundiuse a partir do que os proprietários de apartamentos chamaram de República Popular de Santa Monica introduzindo uma legislação similar em outras cidades inclusive a cidade de Los Angeles e mais recentemente o novo município de West Hollywood dominado por homossexuais e idosos Contudo pouco mais do que uma inspiração efêmera proveio dessas vitórias iniciais Os proprietários como se poderia esperar formaram organizações muito mais poderosas de controle do crescimento fazendo da região de Los Angeles talvez o mais ativo celeiro de movimentos de crescimento lento do país À medida que a região tornouse mais densa um número cada vez maior de grupos surgiu para atacar os engarrafamentos de tráfego e a deterioração visual que afetava suas aldeias urbanas dignas de proteção Essas territorialidades defensivas não eram novas mas a extraordinária intensidade do desenvolvimento urbano de Los Angeles provocou tantas delas que animadas por um poder renovado algumas começaram a se voltar para questões mais amplas do que a proteção da grama e as respostas simplistas do tipo NIMBY Não no meu quintal 10 Com a região dando sinais de estar sendo enterrada na imundície e em outros dejetos arriscados e sendo ocupada por um exército de semteto uma inclinação mais liberal tornouse mais evidente nos últimos tempos nesses movimentos comunitários de classe média formandose novas coalizões com grupos vizinhos de áreas pobres e predominantemente minoritárias do centro da cidade Hoje em dia essas coalizões especialmente quando se envolvem em questões econômicas como o salário mínimo as condições de saúde e segurança no trabalho e a moradia de custo acessível talvez constituam a maior ameaça reconhecida ao establishment político desde o início da reestruturação Essas observações entretanto meramente roçam a superfície política Abaixo dela há um mar de tensões urbanas que se intensificam atravessando classes raças e sexos e exemplificando o custo social da reestruturação relativamente bem sucedida e da instrumentalidade ainda mal visível da espacialização capitalista O modo como essa reestruturação e essa espacialização serão vistas e respondidas no futuro constitui uma questão que continua em aberto11 ENCONTRAR OUTROS ESPAÇOS Usouse uma concatenação de paradoxos para descrever Los Angeles e exemplificar a reestruturação contemporânea da cidade capitalista sua desconstrução e sua reconstituição provisória Ignorada por muito tempo como aberrante idiossincrática ou bizarramente excepcional Los Angeles numa outra virada paradoxal tornouse mais do que qualquer outro lugar a janela paradigmática através da qual se deve olhar para a segunda metade do século XX Não pretendo sugerir que a experiência de Los Angeles venha a ser duplicada em outro lugar Mas é bem possível que seja justamente o inverso que as experiências particulares de desenvolvimento e modificação urbanos que ocorrem em outros lugares do mundo estejam sendo duplicadas em Los Angeles o lugar onde tudo parece juntarse A descrição regional esclarecida apresentada até o momento no entanto retrata apenas alguns dos amplos panoramas visíveis da perspectiva de Los Angeles O cenário avistado é o de uma nova geografia da modernização uma paisagem urbana pósfordista emergente repleta de sistemas mais flexíveis de produção consumo exploração espacialização e controle social do que os que marcaram até o presente a geografia histórica do capitalismo Depois de compor essa paisagem regional interpretada tentarei decompôla novamente para ver se há outros espaços a serem explorados outros panoramas a serem descortinados à visão 1 Considerandose todo o estado da Califórnia as cifras são ainda mais assombrosas Em 1987 uma orgulhosa propaganda paga pelo Estado na revista Business Week anunciou que a Califórnia havia ultrapassado a Inglaterra e a Itália tornandose a sexta maior economia do mundo com uma produção total de bens e serviços equivalente a 550 bilhões de dólares 2 Comparada a Los Angeles a região de Houston ficou em segundo lugar na geração de empregos nos anos setenta Seu total foi de quase 700000 ou pouco mais da metade do da área da Grande Los Angeles 3 As industrial sweatshops a que o autor se refere aqui são não apenas empresas de pequeno porte mas também se caracterizam pela exploração aviltante da mão de obra mediante baixa remuneração e condições precárias de trabalho NT 4 Perry e Perry 1963 vii afirmam que Com a possível exceção de San Francisco na década de 1920 é duvidoso que o movimento trabalhista jamais tenha enfrentado grupos empregatícios antissindicalistas tão poderosos e bem organizados quanto os de Los Angeles 5 Ver Morales et al 1982 A análise por alternânciaparticipação decompõe a variação efetiva do emprego num setor em três componentes o crescimento nacional o número de empregos que teriam sido acrescentados caso o setor crescesse conforme a taxa nacional global em todos os setores a composição industrial o número de empregos que teriam sido acrescentados ou perdidos presumindose que o setor mudasse na mesma proporção do nível nacional e a participação regional a mudança derivada ou particularmente local do emprego depois de consideradas as tendências nacionais Usando o emprego na indústria como ilustração no período de 196277 os três índices são 393853 refletindo a taxa nacional de 48 de crescimento do emprego 265598 mostrando o crescimento negativo da indústria em todo o país e 92033 uma indicação do grau em que a região se afastou das normas nacionais A Figura 3 contém apenas os índices particularizantes da participação regional 6 Cadeia nacional de lojas de artigos diversos com preços populares KMart que devido ao tipo de trabalho emprega mão de obra não qualificada e portanto barata NR 7 Quando perguntaram à presidenta da agência local do United Electrical Workers Sindicato dos Trabalhadores do Setor Elétrico alguns anos atrás que empregos poderiam conseguir seus 1000 membros a maioria dos quais eram operárias qualificadas que ganhavam 10 a 12 dólares por hora depois que a General Electric fechasse sua fábrica de ferros de engomar em Ontário Condado de San Bernardino ela respondeu Balconistas da loja local da cadeia KMart A luta para impedir o fechamento dessa fábrica da General Electric que havia produzido quase todos os ferros elétricos a vapor vendidos pela General Electric nos EUA foi tão vigorosa quanto malsucedida Envolveu a formação de uma coalização de líderes trabalhistas comunitários e religiosos e a assistência organizacional e técnica da Los Angeles Cóalition Against Plant Shutdowns LACAPS Coalizão de Los Angeles contra o Fechamento de Fábricas para pressionar o governo provincial e municipal a criar ou ajudar a aumentar o nível de serviços e programas especiais para os trabalhadores demitidos Os pedidos da agência local do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Elétrico e da LACAPS a alguns membros do corpo docente do Programa de Planejamento Urbano da UCLA para que eles os ajudassem a dar sentido prático às mudanças industriais que estavam então ocorrendo na região de Los Angeles estimularam a primeira rodada de pesquisas sobre a reestruturação urbana e industrial inclusive Soja Morales e Wolff 1983 O primeiro produto desse trabalho um panfleto sobre os Primeiros Sinais de Advertência do Fechamento de Fábricas destinado a ser distribuído no pátio da fábrica da General Electric saiu no dia em que a General Electric anunciou formalmente o fechamento de sua fábrica de Ontário 8 Sweatshops ver nota 3 NT 9 Ver nota 3 NT 10 Em inglês Not In My Back Yard NT 11 Publicaramse recentemente duas análises de movimentos sociais locais na Califórnia que fornecem um novo discernimento de algumas das questões e estratégias gerais envolvidas fora da região de Los Angeles Ver Molotch e Logan 1987 e Plotkin 1987 Para uma excelente análise da política urbana contemporânea de Los Angeles ver Mike Davis 1987 O Aleph Sim lô A única coisa que está sem se confundir todos os lugares do mundo vistos de todos os ângulos Jorge Luis Borges O Aleph Los Angeles como o Aleph de Borges é sumamente difícil de traçar peculiarmente resistente à descrição convencional É difícil captála convincentemente uma narrativa temporal pois ela gera um número excessivamente grande de imagens conflitantes e uma historicização desontrante que sempre parece se estender para os lados em vez de se desdobrar sequencialmente Ao mesmo tempo sua espacialidade desafia a análise e a interpretação ortodoxas pois também ela parece ilimitada e constantemente em movimento nunca suficientemente quieta para ser abarcada por demais repleta de outros espaços Todos os lugares também parecem estar em Los Angeles Precisamos ter um lugar de onde partir para começar a ler o contexto Por mais que o espaço formador de Los Angeles possa ser global ou talvez mapeador construído em ninhos de fractais em ziguezague é preciso reduzilo a uma geometria mais familiar e localizada para se olhar A determinação do Círculo de Sessenta Milhas é produto do maior banco de dados do mundo A Cidade nasceu para preservar a vida exata para boa vida Mojave Perto de Victorville encontrase o Bastião nº 4 a Base Aérea George especializada em defesa e interceptação aéreas Cobrindo uma distância quase idêntica nossas paradas até agora parecem estar em espaços notavelmente equidistantes somos levados através do seco Lago da Miragem até a gigantesca Base Aérea Edwards o Bastião nº 5 sede da Nasa e das atividades de pesquisa e desenvolvimento da Força Aérea NorteAmericana além de campo de pouso fundamental para ônibus espaciais que não tenham explodido Estendendose para o sul fica um importante corredor aeroespacial que atravessa Lancaster e chega ao Aeroporto de Palmdale e à Fábrica 42 da Força Aérea que atende à fundamental função histórica da base Edwards servindo de campo de testes para caças e bombardeiros avançados As pessoas que moram por ali chamamna de Canyon Country e muitas querem que seja separada do Condado de Los Angeles logo abaixo O trecho seguinte é mais longo e mais sereno sobrevoa o Vale dos Antílopes e o Aqueduto de Los Angeles que canaliza os segmentos pertencentes a Los Angeles no Vale do Rio Owens vivificador mas em rápida extinção que fica a 200 milhas de distância a Interestadual 5 principal corredor expresso para o norte uma longa faixa da Floresta Nacional de Los Padres e a Reserva do Condor Selvagem9 chegando à idílica cidade de Ojai cenário da filmagem de Horizonte Perdido e novamente ao Pacífico na Missão de San Buenaventura no Condado de Ventura Algumas milhas adiante o Círculo de Sessenta Milhas na verdade atravessa todos os demais fica o Bastião nº 6 um complexo que consiste na Base Aérea de Oxnard atualmente desativada no Centro do Batalhão de Construção Naval do Porto de Hueneme e acima de tudo no Centro Naval de Mísseis Aéreos da Ponta Mugu com seu extenso campo visual Se quiséssemos poderíamos completar o círculo inteiro de superposição no Pacífico identificando quase diretamente abaixo de nós as Instalações Navais dos EUA nas ilhas de San Nicolas e San Clemente Essas ilhas raramente aparecem nos mapas de Los Angeles e continuam invisíveis no nosso Figura 11 Vista dos espaços externos de Los Angeles O centro urbano tem seu contorno em forma de pentágono sendo a cidade central indicada pelo triângulo preto As principais bases militares do perímetro do Círculo de Sessenta Milhas estão identificadas e os quadrados pretos são as sedes das maiores empreiteiras de defesa da região Também estão indicados os limites dos condados o sistema de vias expressas fora do pentágono central e a localização de todas as cidades com mais de cem mil habitantes pequenos círculos claros É impressionante observar quanto da circunferência pertence ao governo federal e é preservado por ele de um modo ou de outro Talvez seja impossível imputar a alguém uma premeditação mas a pósmeditação sobre a presença federal circunscritiva é certamente oportuna Recintos fechados Mas afinal que há por trás dessa muralha hercúlea Que é que parece requerer uma proteção tão impressionante Essencialmente voltamos à mesma indagação com que começamos que é este lugar Existe é claro aquela Máquina de Sonhos de longo alcance10 com suas plataformas de lançamento transmitindo imagens visuais e sons evocadores da boa vida anunciada na fachada da Assembleia Municipal Mas a própria indústria do entretenimento é em si mesma uma fachada e por mais significativa que seja há muito mais coisas sendo encenadas por trás dela muito mais coisas que se desenvolveram dentro do Círculo de Sessenta Milhas e que pedem para ser protegidas e preservadas Se houve um foco instigante que emergiu na recente literatura acadêmica sobre Los Angeles tratase da descoberta de uma extraordinária produção industrial um achado tão contrário às percepções populares de Los Angeles que seus investigadores são amiúde obrigados a exagerar para manter suas linhas de visão suficientemente abertas e livres de ofuscações externas No entanto não é exagero afirmar que o Círculo de Sessenta Milhas contém o polo primordial de crescimento industrial do século XX pelo menos nos países capitalistas avançados O petróleo os laranjais os filmes e os voos montaram o cenário no início do século e tendem a continuar fixados em muitas imagens contemporâneas da industriosa mas não industrial Los Angeles Desde 1930 entretanto Los Angeles provavelmente liderou todas as outras grandes áreas metropolitanas dos EUA década após década na acumulação de novos empregos industriais Para muitos não obstante a Los Angeles industrial continua a ser uma contradição Quando um colega da UCLA Universidade da Califórnia Los Angeles iniciou suas explorações da geografia industrial de Los Angeles seu pedido de financiamento a um destacado órgão científico nacional provocou um relatório confidencial do árbitro um economista ao que parece que proclamava o absurdo de se estudar um tema tão fantasioso algo que se assemelhava a examinar a cultura do trigo em Long Island Felizmente outras mentes mais sensatas prevaleceram e a pesquisa progrediu de maneira exemplar Outra prova da aparente invisibilidade da produção industrial de Los Angeles veio aproximadamente na mesma época da revista Forbes esse autoproclamado manual de consulta dos capitalistas beminformados que não deveriam cair nessa Em 1984 a Forbes publicou um mapa identificando os principais centros de desenvolvimento da alta tecnologia nos EUA A atenção cartográfica foi apropriadamente atraída pelo Vale do Silício e pelo eixo da Rota 128 em torno de Boston mas toda a Califórnia Meridional ficou visivelmente em branco Aparentemente invisível escondida da visão ficou não apenas uma das regiões históricas originárias da tecnologia avançada na indústria aeroespacial e eletrônica mas também o que pode perfeitamente ser a maior concentração de indústrias e empregos de alta tecnologia do país senão do mundo a mais destacada paisagem de silício uma região que acrescentou nos últimos quinze anos um bolsão de empregos de alta tecnologia aproximadamente equivalente ao de todo o Vale do Silício do Condado de Santa Clara até o norte que tem retido mais a atenção Ainda parcialmente ocultos por trás dessa revelação encontramse os órgãos geradores primários e os processos intricados que produzem esse preeminente complexo de produção Um vínculo essencial entretanto está mais do que claro No último meio século nenhuma outra área recebeu tanto bombeamento de verbas federais quanto Los Angeles certamente através do Departamento de Defesa mas também através de numerosos projetos federais de subsídio ao consumo suburbano suburbsídio e ao desenvolvimento dos sistemas de habitação transportes e abastecimento de água Desde a última Grande Depressão até hoje Los Angeles tem sido a prototípica cidade estatal keynesiana um metromar federalizado do capitalismo resgatado pelo Estado que desfruta de seu lugar no cinturão do sol demonstrando década após década sua assustadora capacidade de sair na frente e multiplicar as fecundantes verbas públicas investidas em sua promissora paisagem econômica11 Não surpreende que continue tão protegida Nela estão engastadas muitas das joias da coroa do capitalismo industrial tardio De certo modo o fluxo federal temse acelerado sob a égide do keynesianismo militar do governo Reagan e da permanente economia de guerra do Estado Armamentista Na Empresa Aeroindustrial Hughes em El Segundo os engenheiros já usaram parte de seus 60 milhões de dólares em ricos contratos Guerra nas Estrelas para simular um gigantesco sensor infravermelho tão sensível que é capaz de detectar o calor de um corpo humano a uma distância de mil milhas no espaço como parte de suas experiências com sistemas de armamentos cinéticos Ali por perto a TRW Inc 84 milhões de dólares e a divisão Rocketdyne da Rockwell International 32 milhões de dólares concorrem na busca de lasers espaciais mais potentes capazes ao que parece de incinerar cidades inteiras se necessário em projetos com nomes de código como Miracl Alpha e Rachel Centros de pesquisa como a Rand Corporation logo ao norte em Santa Monica manobram em busca de posições mais estratégicas ansiosos por reivindicar parte do que tem a potencialidade de atingir um total de 15 trilhões de A fulgurante colônia Guerra nas Estrelas que vem atualmente florescendo em torno do Aeroporto Internacional de Los Angeles LAX é parte de uma cidade externa muito maior que tomou forma ao longo da conexão do Pacífico no Condado de Los Angeles Essa extraordinária diferenciação fragmentação e controle social de bolsas especializados de mão de obra é dispensiosa Os preços da habitação e os custos dos aluguéis na cidade externa situamse facilmente entre os mais altos do país seu idealizador atualmente a Companhia Philip Morris Mission Viejo entrega atraentes porções do Sonho Norteamericano a uns poucos eleitos Como a descreveu um morador ajustado Você tem que ser feliz tem que ser bemfeito de corpo e tem que ter filhos que façam uma porção de coisas Se não correr caminhar ou andar de bicicleta as pessoas ficarão imaginando se você tem diabetes ou alguma outra doença incapacitadora Landsbaum e Evans 1984 Figura 12 Panorama do mundo visto da praia de Redondo O complexo do Condado de Orange também foi objeto de uma pesquisa detalhada sobre as aglomerações industriais de alta tecnologia que vêm recentralizando o tecido urbano da região de Los Angeles e induzindo à fluorescência das novas cidades projetadas Esse trabalho pioneiro ajudounos a enxergar com mais clareza a teia transacional de laços industriais que delineia e aglomera geograficamente redes especializadas de empresas alimentase do fluxo dos contratos federais e transborda precipitando uma economia espacial local de apoio Scott 1986 O que nos foi proporcionado foi um vislumbre revelador dos processos geradores que estão por trás da urbanização do Condado de Orange e através dessa abertura um vislumbre da interação histórica mais profunda entre a industrialização e a urbanização que definiu o desenvolvimento da cidade capitalista onde quer que ela se encontre Há outras cidades externas margeando o centro urbano pentagonal mais antigo indicado na Figura 11 Uma delas tomou forma no Corredor de Ventura atravessando o oeste do Vale de San Fernando até o Condado de Ventura que hoje vem sendo chamado Vale Periférico com seus centros principais na Garganta de Gálio e na área de Chatsworth 13 Outra vem sendo promovida embora ainda não esteja instalada no Império Interiorano que se estende para o leste partindo de Pomona onde está a General Dynamics atravessa Ontario com a Lockheed e um crescente Aeroporto Internacional e Zona Franca de Comércio e chega às sedes dos condados de San Bernardino e Riverside bem perto de suas fortalezas militares O império interiorano entretanto é uma cidade externa ainda mais antecipatória toscamente provida de novos condomínios residenciais que com a mania por automóveis atraem as famílias para distâncias cada vez maiores de seus locais de trabalho nos condados de Los Angeles e Orange numa paisagem realmente transitória Deixando de lado os aspectos empíricos do interior esses novos complexos territoriais parecem estar virando a cidade industrial pelo avesso recentrando o urbano e transformando a periferia metropolitana na região central da produção industrial avançada A descentralização a partir do núcleo da cidade vem ocorrendo seletivamente há pelo menos um século no mundo inteiro mas só recentemente é que a condensação periférica tornouse suficientemente densa para desafiar os antigos núcleos urbanos como centros de produção industrial nodalidade do emprego e urbanismo Esse processo de reestruturação está longe de ter sido concluído mas começa a ter repercussões profundas na maneira como pensamos a cidade nas palavras que usamos para descrever as formas e funções urbanas e na linguagem da teoria e da análise urbanas DE VOLTA AO CENTRO Vi o populoso mar vi a aurora e a tarde vi as multidões da América vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide vi um roto labirinto vi intermináveis olhos próximos perscrutando em mim como num espelho O Aleph 14 Para ver Los Angeles ainda mais é necessário nos afastarmos da absorvente periferia e voltarmos nos sentidos literal e figurado para o centro das coisas para o núcleo ainda tenaz da paisagem urbanizada Em Los Angeles como em todas as cidades a nodalidade do centro define e dá substância à especificidade do urbano confere seu sentido social e espacial singular A urbanização e as divisões espaciais do trabalho a ela associadas giram em torno de um padrão socialmente construído de nodalidade e do poder que têm os centros ocupados de aglomerar e dispersar de centralizar e descentralizar de estruturar espacialmente tudo o que é social e socialmente produzido A nodalidade situa e contextualiza a sociedade urbana dando uma forma material às relações sociais essenciais Somente com uma centralidade persistente é que pode haver cidades externas e urbanização periférica De outro modo não existe urbano algum É fácil passar por cima dos processos tendenciosos da estruturação urbana que emanam do centro especialmente na paisagem capitalista pósmoderna Na verdade nas sociedades contemporâneas o poder autorizado e distributivo do centro urbano é deliberadamente obscurecido ou então retirado do lugar arrancado do contexto e provido de uma aparência estendida de ubiquidade democrática Além disso como vimos o desenvolvimento histórico da urbanização nesse último século foi marcado por uma dispersão e descentralização seletivas esvaziando o centro de muitas das atividades e populações que antes se agregavam densamente a seu redor Para alguns isso assinalou uma negação da nodalidade uma submersão do poder dos lugares centrais ou talvez até uma desconstrução derrideana de todas as diferenças entre o central e o marginal Não obstante os centros se mantêm Ao mesmo tempo em que algumas coisas se desagregam e se dissipam novas nodalidades se formam e as antigas são reforçadas A centrífuga especificadora está sempre girando mas a força centrípeta da nodalidade nunca desaparece E é o resíduo persistente de poder político que continua a precipitar especificar e contextualizar o urbano fazendo com que tudo se mantenha unido As primeiras cidades surgiram com a concentração simultânea de formas simbólicas imponentes como centros cívicos destinados a anunciar cerimonializar administrar aculturar disciplinar e controlar Dentro e em torno do local institucionalizado da cidadela agregavamse as pessoas e suas relações sociais ordenadas pelo núcleo criando uma sociedade civil e um meio ambiente consonantemente construído que eram urbanizados e regionalizados através da interação de dois processos interacionais a vigilância e a adesão olhando do centro para fora e de fora para o centro através do olho panóptico do poder Ser urbanizado ainda significa aderir ser transformado num adepto num crente de uma ideologia coletiva especificada enraizada nas extensões de polis política programa político constituição política polícia e de civitas civilizado cívico cidadão civil civilização Em contraste a população que fica fora do alcance do urbano compõese de idiotas do radical grego idios que significa próprio de alguém pessoa particular não instruída nos modos da polis radical aparentado com o latim sui de sua espécie e generis constituindo uma classe isolada Assim falar na idiotia da vida rural ou na urbanidade de seu oposto é primordialmente uma afirmação da socialização e da espacialização políticas relativas do grau de adesãoseparação da ordem social coletiva uma ordem social articulada com a nodalidade urbana Para manter a adesão o centro cívico sempre funcionou como um núcleo vigilante fundamental do Estado supervisionando os locais de produção consumo e intercâmbio Ainda continua a fazêlo mesmo depois de séculos de recomposição e reestruturação urbanas após ondas sucessivas de industrialização reaglomeradora Não são a produção o consumo ou o intercâmbio em si que especificam o urbano mas antes sua vigilância coletiva sua supervisão e seu controle antecipado dentro do contexto de nodalidade repleto de poder Em termos foucaultianos as cidades são as sedes convergentes do espaço do saber e do poder sociais as sedes dos modos sociais de regulação de regula e regere regrar radicais de nossa palavrachave região Isso não significa que se atribua um determinismo mecânico à nodalidade na especificação do urbano A adesão é uma noção pegajosa e não é automaticamente sancionada pela localização numa paisagem urbanizada nem tampouco é sempre cientemente expressa na consciência prática Também a vigilância é problemática pois pode existir sem ser abrangentemente efetiva e pode ser abrangentemente efetiva sem parecer que existe Assim há sempre margem para resistência rejeição e redirecionamento no campo dos locais urbanos apesar de estruturados criando uma política ativa da espacialidade lutas por lugar espaço e posição na paisagem urbana regionalizada e nodal Como resultado a adesão e a vigilância desenvolvemse desigualmente em sua manifestação geográfica sua regionalização e seus regionalismos reativos Ao mesmo tempo essa diferenciação padronizada essa superestrutura imediata da divisão espacial urbana do trabalho tornase um campo crítico em que a geografia humana da cidade é moldada em que ocorre a espacialização Ela mapeia uma cartografia urbana do poder e da praxis política que amiúde se esconde nas histórias e geografias idiográficas de idios mais uma vez Dando sentido ao centro da cidade O núcleo central da cidade de Los Angeles que os letreiros chamam de Cidade Central é o núcleo aglomerativo e simbólico do Círculo de Sessenta Milhas certamente o mais antigo mas também o mais novo grande nódulo da região Considerandose o que está contido dentro do Círculo a dimensão e a aparência físicas do centro de Los Angeles parecem quase modestas mesmo hoje após um período de enorme expansão Como de hábito entretanto as aparências podem ser enganosas Talvez mais do que nunca o centro da cidade funciona de maneiras impossíveis para qualquer outro lugar como um mirante estratégico um panóptico urbano que se contrapõe ao cerco das vigilantes fortalezas militares e das cidades externas defensivas Tal como o vão central da concepção eminentemente utilitária de Bentham para as prisões circulares os panópticos originais o centro da cidade pode ser visto quando a visibilidade o permite por cada indivíduo isolado a partir de cada cela territorial dentro de sua órbita Somente da vantajosa perspectiva do centro porém é que o olho vigilante pode ver a todos coletivamente desencaixados mas interligados Como não é de surpreender a cidade central tem sido desde sua origem uma agregação de supervisores um local primordial para o controle social a administração política a codificação cultural a vigilância ideológica e a regionalização de sua hinterlândia próxima Olhando da Assembleia Municipal para baixo e para longe a visão é particularmente impressionante para o observador Imediatamente abaixo e em volta fica a maior concentração de escritórios e repartições burocráticas governamentais do país fora do Distrito Federal A leste seguindo por uma passarela elevada para pedestres ficam a Assembleia Municipal Leste e a Assembleia Municipal Sul acréscimos cívicos relativamente novos que englobam um centro comercial alguns murais um museu infantil e o Triforium uma espetacular fonte de água luz e música de sessenta pés para divertir as massas do horário de almoço Pouco adiante fica o imponente prédio da administração policial o Centro Parker que consagra o nome de um famoso exchefe de polícia Olhando mais para longe fora do vão central do centro da cidade mas dentro de seu ressalto oriental podese ver uma área que abriga 25 da população carcerária da Califórnia pelo menos 12000 internos detidos em quatro presídios projetados para abrigar metade desse número Incluídas nessa cunha carcerária encontramse a maior prisão feminina do país Sybil Brand e a sétima prisão masculina Central Masculina Outros recintos fechados vêm sendo insistentemente planejados pelo Estado para atender à demanda crescente Ao sul ao longo da First Street situamse o Departamento Estadual de Transportes CALTRANS com seus mapas murais eletrônicos que controlam as vias expressas arteriais da região o prédio da Administração do Estado da Califórnia e a sede do quarto estado o monumental complexo predial do TimesMirror que muitos afirmaram abrigar o poder governamental não oficial de Los Angeles fonte de muitas histórias que espelham os tempos e os espaços da cidade15 Perto do santuário espacial do Los Angeles Times situase também a Catedral de Sta Vibiana matriz de uma das maiores arquidioceses católicas do mundo quase quatro milhões de fiéis e controladora de outro estado de proporções significativas O Papa passou uma noite ali em frente às missões do baixo mundo que ficam do outro lado da rua temporariamente fechadas para que ele não visse todos os seus adeptos Olhando agora para o oeste em direção ao Pacífico e aos poentes coloridos pelo smog que pintam brilhantemente os entardeceres de Los Angeles temos primeiramente o prédio do Forum Criminal depois o Cartório de Registros e a Biblioteca Legal e a seguir o imenso Palácio da Justiça e da Administração do Condado de Los Angeles sede fundamental de poder do que é de longe o maior condado do país em termos de população total agora com mais de oito milhões de habitantes Do outro lado da Grand Avenue fica o mais destacado centro cultural de Los Angeles descrito pela Unique Media Incorporated em seus mapas pictóricos reforçadores do centro da cidade como a coroa cultural do sul da Califórnia que reina sobre a música orquestral o desempenho vocal a ópera o teatro e a dança Eles acrescentam que o Music Center encima a colina Bunker como uma Acrópole contemporânea que tem dominado a vida cultural civil desde sua inauguração em 1964 16 Logo adiante dessa coroa cultural situase o Departamento de Águas e Força cercado por fontes geralmente secas e uma extravagância de entrecruzamentos de vias expressas superpostas que fazem a ligação com todos os cantos do Círculo de Sessenta Milhas um ponto culminante de acessibilidade dentro da rede regional de transportes Em sua extremidade um dos maiores arquitetos do Japão projetou um Portal para pontuar o prolífico mar No flanco norte ficam o Palácio da Justiça a Corte Federal dos EUA e o Federal Building completando o anel de órgãos governamentais locais urbanos estaduais e federais que compõem o poderoso centro cívico Mais tranquilamente instalados pouco adiante cortados por uma faixa de vias expressas ficam os restos preservados do antigo centro cívico que agora fazem parte do Parque Histórico Estadual de El Pueblo de Los Angeles num testemunho adicional do poder duradouro do lugar central Desde as origens de Los Angeles os locais aqui descritos têm funcionado como a cidadela política destinada junto com outras cidadelas a comandar proteger socializar e dominar a população urbana circundante Há ainda outro segmento da cidadelapanóptico que não pode ser deixado de lado Sua forma e função talvez sejam mais específicas da cidade capitalista contemporânea mas suas raízes mercantis entrelaçamse historicamente com as cidadelas de todas as sociedades urbanizadas Hoje em dia ele se tornou o símbolo reconhecido da urbanidade de Los Angeles a prova visual da bemsucedida busca de uma cidade pelo mar circunjacente de subúrbios Essa visão marcada pelo perfil dos arranhacéus contém o feixe de castelos e catedrais do poder empresarial o novo e reluzente central business district distrito central de negócios da cidade central cravado ao lado de seu envelhecido predecessor logo a leste Também aqui os intermináveis olhos do LAleph mantêmse abertos e reflexivos perscrutando e espelhando esferas globais de influência localizando o mundo que está a seu alcance Quase todos os marcos do novo CBD de LA foram construídos nos últimos quinze anos e expressam espalhafatosamente a consolidação de Los Angeles como uma cidademundo Agora mais de metade das grandes propriedades pertence parcial ou integralmente a estrangeiros embora grande parte dessa presença territorial permaneça oculta da visão Os supervisores mais visíveis são os bancos que acendem seus logotipos no alto das torres mais elevadas o Security Pacific mais uma vez o First Interstate o Bank of America coproprietário das Torres Arco com sua aparência negra lustrosa antes de elas serem recentemente adquiridas pelos japoneses o Crocker o Union o Wells Fargo e o Citicorp que se intitula a mais nova cidade da cidade Lendo a silhueta dos arranhacéus no horizonte vêse o panorama empresarial habitual grandes companhias de seguros Manulife Transamerica Prudential a IBM e grandes empresas de petróleo o gigante imobiliário Coldwell Banker e os novos escritórios da Bolsa de Valores do Pacífico todos funcionando como pontos de ligação de teias prateadas de transações financeiras e comerciais que se estendem praticamente sobre todas as partes da terra Os dois pólos da cidadela político e econômico ligamse fisicamente através dos condomínios de arranhacéus da reformada Bunker Hill mas fazem uma interface menos escancarada com o aparato de planejamento do Estado local Ao contrário da opinião popular Los Angeles é um meio urbano estritamente planejado e arquitetado especialmente no que tange às divisões sociais e espaciais do trabalho necessárias à manutenção de sua preeminente industrialização e consumismo O planejamento coreografa Los Angeles através dos movimentos intercambiáveis do jogo do zoneamento e da montagem flexível da participação comunitária de apoio quando se conseguem encontrar comunidades numa dança repleta de intenções honrosas perícia dedicada e beneficência seletiva Ele temse sobressaído no entanto como um canalizador e um favorecedor ambivalente mas ainda assim enriquecedor para as incorporadoras e construtoras nacionais e estrangeiras de Los Angeles usando seu poder de influência para preparar a base e facilitar a venda de localizações e populações especializadas que atendam às necessidades dos organizadores mais poderosos da economia espacial urbana17 Embora a conspiração e a corrupção sejam fáceis de encontrar a venda planejada e incorporada de Los Angeles costuma seguir um ritmo mais prosaico tocado no compasso legitimador das forças insensíveis e palpitantes do mercado Nos espaços criados que cercam as cidadelas gêmeas de Los Angeles a batida tem sido martelada com um efeito particularmente insistente e hipnotizante Através de uma lei histórica de preservação e renovação existe agora em torno do centro da cidade uma vitrina enganosamente harmonizada de cidades étnicas e encraves econômicos especializados que desempenham papéis fundamentais embora às vezes um tanto ruidosamente na reurbanização e internacionalização contemporâneas de Los Angeles Basicamente responsável por essa produção incorporada e planejada do centro da cidade é a Agência de Renovação Comunitária CRA que é provavelmente a principal empreiteira pública do Círculo de Sessenta Milhas18 Há um deslumbrante conjunto de paisagens nessa coroa compartimentalizada do centro da cidade as lojas vietnamitas e as moradias no estilo de Hong Kong de uma Chinatown que vem sendo remodelada a modernização dos remanescentes que ainda resistem da antiga Pequena Tóquio financiada pela Grande Tóquio a pseudoSoHo induzida feita de sótãos e galerias de artistas que pairam perto das exposições da oficina de arte do Contemporâneo Temporário os restos protegidos de El Pueblo na rua Olvera dominada pela Calmex e na Old Plaza reformada os mercados atacadistas de produtos agrícolas flores e artigos de joalheria estranhamente anacrônicos que vêm crescendo enquanto outros centros de cidades se desfazem de seus equivalentes as oficinas fétidas e os alvoroçados empórios de mercadorias do florescente bairro das confecções o festival varejista latino na Broadway apinhada de pedestres outra zona preservada e centímetro a centímetro provavelmente a mais lucrativa rua comercial da região a sede do desabrigo urbano no bairro do submundo enfeitado pela CRA o imenso barrio amuralhado que se estende para leste em direção à Los Angeles oriental ainda não incorporada ao sul a cidade atacadista desindustrializada e praticamente sem moradores de Vernon cheia de galinhas e porcos à espera do abate as comunidades centroamericanas e mexicanas de Pico Union e Alvarado fazendo fronteira com os grandes arranhacéus a oeste os indiscretos poços de petróleo e as pichações agressivas dos quintais de TempleBeaudry predominantemente ocupados por imigrantes e que vão sendo progressivamente tragados pela difusão da Cidade Central Ocidental que agora vem sendo chamada de Margem Esquerda do centro da cidade a zona de reurbanização intencionalmente yuppificante de South Park bem como o já meio desgastado Centro de Convenções os espigões e fortalezas de Bunker Hill sagrados pelo físico o bolsão esplendorosamente elitizado das mansões vitorianas da velha Angelino Heights com sua vista da cidade o novo e maciço bairro coreano que vaise expandindo para o oeste e para o sul empurrando os limites da Los Angeles negra os bolsões filipinos a noroeste que ainda não se fundiram num bairro próprio e muito mais uma constelação de heterotopias foucaultianas capazes de justapor num único lugar real diversos espaços diversos locais que são em si incompatíveis mas que funcionam numa relação com todo o espaço remanescente O que se destaca de um olhar atento para o interior da cidade que parece um reflexo invertido e perverso da cidade externa um complexo aglomerado de particularidades dialéticas e superpovoadas oficinas de baixa tecnologia relíquias e restos de uma urbanização mais antiga um salpicado de nichos de profissões e supervisores reciclados e acima de tudo a mistura de má boa de trabalho na exesfera do terceiro mundo consumindo assim uma tripla referência para servir de centro As casas destas referências são especialmente pronunciadas quando se sai do círculo interno em torno do centro da cidade A esclerose da direção à decadência da distância reduz a elegância euclidiana das graduações concêntricas e muitos dos mais matemáticos dentro os geometrais urbanos reconfiguramse por conseguinte a seguir esse caminho ligeiramente inquietante Mas a direção induz efetivamente a um outro ataque ao apontar para a emanação de cunhas ou setores fortuitos que partem do centro As cunhas setoriais de Los Angeles são especialmente pronunciadas quando se sai do círculo interno em torno do centro da cidade O Corredor Wilshire por exemplo estende as cidadelas da cidade central por quase vinte milhas para oeste em direção ao Pacífico apanhando no caminho diversos outros centros de cidades proeminentes mas menores Miracle Mile que deu início a essa extensão Beverly Hills Century City Westwood Brentwood e Santa Monica Observando acima dela há uma cunha ainda mais longa das residências mais ricas correndo como uma homogeneidade quase esterrecedora até Pacific Palisades e as praias visando as prioridades habitacionais pois apenas os restos da resposta armada ao que os invasores se aproximarão de atirar Ali estão as cidades um nível mais elevado de proprietários de braços cruzados após o crescimento e pesquisas de latifúndios de classe usurpadores bloqueandose da época e do lugar do período e da região O Bonaventure simula a paisagem reestruturada de Los Angeles e ao mesmo tempo é simulado por ela Dessa interação interpretativa das microssimulações e macrossimulações emerge um modo alternativo de examinar criticamente a geografia humana da Los Angeles contemporânea de vêla como um mesocosmos da pósmodernidade Do centro para a periferia nas cidades internas e externas o atual Círculo de Sessenta Milhas encerra um mar metropolitano de comunidades culturas e economias fragmentadas mas homogeneizadas confusamente dispostas numa divisão espacial do trabalho e do poder contingentemente ordenada Como acontece com grande parte do padrão de urbanização do século XX Los Angeles dita o ritmo histórico e sintetiza de maneira sumamente vívida os extremos da expressão contemporânea A demarcação das fronteiras e a incorporação territorial dos municípios para tomarmos um exemplo ilustrativo produziram a mais extraordinária e louca colcha de retalhos oportunista encontrável em qualquer área metropolitana Minúsculos encraves de terra interiorana e cidades inteiras como Beverly Hills West Hollywood Culver City e Santa Monica pontilham a massa do Lado Ocidental da cidade incorporada de Los Angeles enquanto tiras estreitas de terra citadina estendemse como tentáculos que agarram as saídas marítimas fundamentais do porto em San Pedro e do Aeroporto Internacional de Los Angeles23 Quase metade da população da cidade no entanto vive no quintessencialmente suburbano Vale de San Fernando um milhão e meio de pessoas estatisticamente contadas como parte da cidade central da Área Estatística Metropolitana Padrão de Los AngelesLong Beach Poucos outros lugares zombam tão definitivamente das classificações padronizadas de urbano suburbano e extraurbano Mais de 130 outras municipalidades e uma profusão de áreas administradas pelo condado congregamse frouxamente ao redor da irregular Cidade de Los Angeles num estonteante e difuso mosaico de remendos Algumas têm nomes espantosamente autoexplicativos Onde mais pode haver uma Cidade da Indústria e uma Cidade do Comércio comemorando tão flagrantemente as parcelas do capital que asseguraram sua incorporação Em outros lugares os nomes tentam despreocupadamente resgatar uma história romanceada como nas muitas novas comunidades denominadas Rancho isto ou aquilo ou então abrigar a lembrança de geografias alternativas como em Veneza Nápoles Jardins do Havaí Ontário Praia de Manhattan e Westminster Na atribuição de nomes como em tantos outros processos urbanos contemporâneos o tempo e o espaço o uma vez e o ali são cada vez mais manipulados e arranjados para atender às necessidades do aqui e agora tornando a experiência vivida do urbano cada vez mais vicária encoberta por simulacros aquelas cópias exatas cujos originais verdadeiros se perderam Um recorte recente do Los Angeles Times Herbert 1985 fala dos 433 letreiros que conferem identidade dentro do hiperespaço da Cidade de Los Angeles descrita como Uma Cidade Dividida e que se Orgulha Disso Hollywood bem como a Miracle Mile Milha Milagrosa de Wilshire Boulevard e a Central City Cidade Central figuraram entre os primeiros locais a receber esses letreiros comunitários como parte de um programa de identificação da cidade organizado pelo Departamento de Transportes Um dos letreiros mais novos no que foi proclamado como a mais nova comunidade da cidade reconhece a formação de Harbor Gateway Portal da Enseada na estreita área operária de oito milhas de comprimento que ziguezagueia para o sul em direção ao porto a velha Shoestring Strip onde muitos dos 32000 habitantes muitas vezes se esqueciam de seus vínculos com a cidade Um dos fundadores do programa ponderou sobre seu desenvolvimento A princípio no começo dos anos sessenta o Departamento de Trânsito assumiu a postura de que todas as comunidades faziam parte de Los Angeles e de que não queríamos cidades dentro de cidades mas acabamos entregando os pontos Filosoficamente fazia sentido Los Angeles é imensa A cidade tinha de reconhecer que havia comunidades que precisavam de identificação O que tentamos evitar foi colocar letreiros em todos os cruzamentos que tivessem lojas Em última análise os letreiros da cidade são descritos como Um Reflexo do Orgulho pelos Subúrbios Onde ficamos então nessa terra da fantasia nominal e numenal Durante pelo menos cinquenta anos Los Angeles tem desafiado a descrição categórica convencional do urbano do que é cidade e do que é subúrbio do que pode ser identificado como uma comunidade ou um bairro do que significa copresença no contexto urbano elástico Na verdade ela vem desconstruindo o urbano numa colagem confusa de letreiros que anunciam muitas vezes o que são pouco mais do que comunidades imaginárias e representações exóticas da localidade urbana Não quero dizer com isso que não haja bairros autênticos encontráveis em Los Angeles Na verdade descobrilos em passeios exploratórios de carro tornouse um passatempo local popular especialmente para os que ficaram muito isolados da comunidade afim na difusão repetitiva das paisagens de aparência realmente corriqueira que compõem a maior parte da região Mais uma vez entretanto a experiência urbana vaise tornando cada vez mas vicária acrescentando outras camadas de opacidade ao espace vécu24 Por baixo dessa cobertura semiótica25 restam uma ordem econômica uma estrutura nodal instrumental e uma divisão espacial do trabalho essencialmente exploratória e esse sistema urbano espacialmente organizado tem sido mais continuamente produtivo no último meio século do que quase qualquer outro no mundo Mas também tem sido cada vez mais encoberto da visão imaginativamente mistificado num meio ambiente que é mais especializado na produção de mistificações abrangentes do que praticamente qualquer outro que se possa citar Como tem acontecido com tanta frequência nos Estados Unidos essa desconstrução conservadora é acompanhada por uma entorpecedora despolitização das relações e conflitos fundamentais de classe e de sexo Quando tudo o que se vê é tão fragmentado e cheio de extravagância e pastiche as rígidas arestas da paisagem capitalista racista e patriarcal parecem desaparecer desmancharse no ar Com singular ironia a Los Angeles contemporânea passou a se assemelhar mais do que nunca a uma aglomeração gigantesca de parques temáticos um espaço vital composto de Disneyworlds Tratase de um campo dividido em vitrinas de culturas de aldeia global e paisagens miméticas norteamericanas centros comerciais que têm de tudo e engenhosas Ruas Principais reinos mágicos patrocinados por empresas protótipos experimentais de comunidades do futuro baseadas na alta tecnologia e lugares de repouso e recreação atraentemente acabados todos escondendo com habilidade as esferas de atividade e os processos de trabalho que ajudam a mantêlos unidos Tal como o Lugar Mais Feliz da Terra em sua versão original os espaços fechados são controlados sutil mas estreitamente por supervisores invisíveis apesar da franca aparência de fantásticas liberdades de escolha A experiência de viver aqui pode ser extremamente divertida e excepcionalmente prazerosa especialmente para os que podem darse o luxo de permanecer dentro de Los Angeles por tempo suficiente para estabelecer suas próprias modalidades de trânsito e locais de repouso E é claro o empreendimento tem sido imensamente lucrativo ao longo dos anos Afinal foi construído no que começou como uma terra relativamente barata foi mantido por um exército constantemente renovado de mão de obra importada ainda mais barata está repleto das mais modernas engenhocas tecnológicas goza de níveis extraordinários de proteção e vigilância e funciona sob a suave agressão dos mais eficientes sistemas administrativos quase sempre capazes de entregar o que é prometido na hora exata de ser útil POSFÁCIO O God I could be bounded in a nutshell and count myself a King of infinite space26 Hamlet II 2 primeira citação do Aleph But they will teach us that Eternity is the Standing still of the Present Time a Nuncstans as the Schools call it which neither they nor any else understand no more than they would a Hicstans for an infinite greatness of Place27 Leviathan IV 46 segunda citação do Aleph Tenho olhado Los Angeles de muitos pontos de vista diferentes e cada maneira de vêla ajuda a discernir a miscelânea interjacente da paisagemalvo As perspectivas exploradas são intencionais ecléticas fragmentadas incompletas e frequentemente contraditórias mas também Los Angeles é assim e na verdade assim o é a geografia histórica vivenciada de todas as paisagens urbanas As visões totalizantes por mais atraentes que sejam nunca conseguem captar todos os sentidos e significações do urbano quando a paisagem é criticamente lida e encarada como um texto geográfico abundante Há demasiados auteurs autores por identificar a literalité materialidade do ambiente fabricado é multiestratificada demais para que possa falar por si e as metáforas e metonímias contrapostas frequentemente se chocam como símbolos discordantes que abafam os temas subjacentes Em termos mais sérios ainda sabemos muito pouco sobre a gramática e a sintaxe descritivas das geografias humanas sobre os fonemas e as epistemes da interpretação espacial Somos muito mais constrangidos pela linguagem do que nos damos conta como Borges tão sabiamente reconhece o que podemos ver em Los Angeles e na espacialidade da vida social é obstinadamente simultâneo mas o que escrevemos é sucessivo porque a linguagem é sucessiva A tarefa da descrição regional holista e abrangente portanto talvez seja impossível como talvez o seja a construção de um materialismo históricogeográfico completo Não obstante há esperança A interpretação crítica e teórica das paisagens geográficas expandiuse recentemente para campos que tinham sido funcionalmente analfabetos durante a maior parte do século XX Novos e ávidos leitores abundam como nunca muitos estão diretamente sintonizados com a especificidade do urbano e vários voltaram seu olhos significativamente para Los Angeles Além disso muitos leitores experientes das geografias superficiais começaram a enxergar através das distorções alternadamente míopes e hipermétropes das perspectivas passadas trazendo um novo discernimento para a análise espacial e a teoria social Também nesses casos Los Angeles tem atraído leitores observadores depois de uma história de negligência e apreensão equivocada pois ela se apresenta insistentemente como um dos mais instrutivos palimpsestos e paradigmas do desenvolvimento urbanoindustrial e da consciência popular do século XX Como vi e disse de várias maneiras tudo parece juntarse em Los Angeles o Aleph totalizante Suas representações da espacialidade e da historicidade são arquétipos de vivacidade simultaneidade e interconexão Convidam à investigação imediata de sua expressiva singularidade e ao mesmo tempo a sua generalidade afirmativa porém cautelosa Nem tudo pode ser entendido as aparências assim como as essências são persistentemente enganosas e o real nem sempre pode ser captado mesmo numa linguagem extraordinária Mas isso torna o desafio mais instigante especialmente quando vez por outra temse a oportunidade de decompor tudo e reconstruir o contexto A reafirmação do espaço na teoria social crítica e na praxis política crítica dependerá de uma desconstrução contínua de um historicismo ainda oclusivo e de muitas viagens exploratórias adicionais às heterotopias das geografias pósmodernas contemporâneas 1 Ver Jorge Luis Borges O Aleph tradução de Flávio José Cardozo Porto AlegreRio de Janeiro Ed Globo 6ª ed p 130 NT 2 Na edição brasileira ver nota 1 p 132 NT 3 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 NT 4 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 NT 5 Ou rua do Templo e rua da Primavera NT 6 Pelo menos oito edições de um panfleto sobre O Círculo de Sessenta Milhas foram publicadas pelo Departamento de Economia do Security Pacific National Bank tendo sua primeira versão em forma de folheto aparecido há quase vinte anos A edição de 1981 visou a celebrar o Bicentenário de Los Angeles A edição a que me refiro de 1984 anuncia o apoio do Security Pacific aos Jogos Olímpicos 7 A tradução perde o jogo de sentidos entre a palavra SONGS canções e as iniciais do nome da usina nuclear que a compõem San Onofre Nuclear Generating Station NT 8 A história imperial da irrigação de Los Angeles é parte fundamental do crescimento da Califórnia Meridional mas não pode ser examinada aqui 9 Os últimos condores restantes foram recentemente retirados e levados para jardins zoológicos depois que o envenenamento por chumbo ameaçou sua extinção no deserto 10 Referência à indústria cinematográfica concentrada numa faixa a oestenordeste do centro urbano de Los Angeles NR 11 A federalização do Círculo de Sessenta Milhas ainda continua pouco estudada mas nesse processo encontramse as vigorosas pistas necessárias à compreensão do desenvolvimento regional desigual da totalidade dos Estados Unidos inclusive do Cinturão do Sol e do Cinturão do Gelo 12 Em 1965 num estudo do Bank of America estimouse que quase 43 do total de empregos industriais nos condados de Los Angeles e Orange estavam ligados aos gastos com a defesa e pesquisa espacial Algumas percentagens por setor incluíram embalagens e caixas de papelão 12 borracha manufaturada 36 computadores 54 equipamento fotográfico 69 máquinas de tornear parafusos 70 e serviços e reparos em oficinas mecânicas 78 Em 1983 quase metade dos empregos industriais do Condado de Los Angeles estava direta ou indiretamente relacionada com a indústria aeroespacial e quase metade desses trabalhadores aeroespaciais estava empregada em projetos militares Scheer 1983 Não há razão para crer que essas cifras tenham sofrido alterações significativas desde 1983 13 Os chips de arsenieto de gálio funcionam em frequências mais altas e segundo se afirma computam mais depressa do que os chips de silício Inicialmente desenvolvidos para utilização militar há quem espere vêlos tomarem uma parcela cada vez maior do mercado mundial de semicondutores no futuro A Garganta de Gálio contém uma aglomeração de companhias recémcriadas que vêm fazendo experiências com essa nova tecnologia todas elas chefiadas por discípulos da Rockwell International Goldstein 1985 14 Na edição brasileira ver nota 1 p 133 15 Há aqui um jogo de sentidos que se perde na tradução ligado ao nome da rede jornalística TimesTemposMirrorEspelho NT 16 Os mapas pictóricos coloridos tão convenientes para a representação exagerada das presenças e ausências parecem multiplicarse com uma velocidade incomumente acelerada em toda Los Angeles apagando silenciosamente as relações espaciais distorcedoras e de má aparência para causar boa impressão e chamando a atenção para o fantástico e para o mais vendável 17 Os relatórios de investigação da corruptibilidade política do processo de planejamento vêm repetidamente à tona em Los Angeles com um efeito relativamente pequeno pois o que se expõe é caracteristicamente aceito como normal senão normativo pelos profissionais de destaque Duas análises particularmente minuciosas surgiram em 1985 Tony Castro LA Inc uma série em três partes no Herald Examiner Como a política construiu o centro da cidade 10 de março O exercício da influência política no alto de Bunker Hill 11 de março e Críticos afirmam que a CRA aterra os desejos dos pobres e impotentes 12 de março e Ron Curran e Lewis MacAdams The selling of LA County A venda do condado de L A LA Weekly 2228 de novembro Nada de comparável foi publicado no Los Angeles Times 18 A CRA é um órgão submetido à legislação estadual da Califórnia diretamente responsável perante a Assembleia Municipal de Los Angeles Funciona publicamente no centro de Los Angeles num estilo facilitador que se assemelha às operações de planejamento global da Companhia Irvine em suas áreas privadas no Condado de Orange 19 Sem classe em francês no original NT 20 O autor faz um trocadilho alusivo à velha região industrial do Ruhr na Alemanha NR 21 A compacta Los Angeles negra tem sido particularmente desconcertante Para muitos anos estatísticos ela abarcou algumas das mais baixas e mais altas faixas censitárias de renda média familiar do condado E antes de 1970 a maior densidade de residentes negros de qualquer faixa do censo não era encontrada no gueto demarcável mas na parte sul de Santa Monica Os negros estiveram entre os fundadores originais de Los Angeles em 1781 mas praticamente não há atualmente nenhum grande estudo sobre a geografia histórica da Los Angeles negra 22 O Westin Bonaventure financiado pelos japoneses e pertencente a eles figura com destaque ainda que sem a grafia correta na perspicaz análise de Jameson sobre o pósmodernismo 1985 Ver também a réplica de Davis 1985 e um ensaio de Michael Dear 1986 sobre o planejamento pósmoderno Esses textos fazem parte da primeira rodada de um debate que prossegue sobre o pósmodernismo em Los Angeles 23 Outra saída atingida perto do LAX é a Usina de Tratamento de Esgotos Hyperion que expectora um volume de dejetos da Cidade de Los Angeles equivalente ao quinto ou sexto maiores rios que atingem o oceano na Califórnia e que cria uma cadeia alimentar cada vez mais envenenada chegando a alcançar a população de sua bacia de drenagem Nos últimos anos tem havido afirmações de que a Baía de Santa Monica talvez apresente os níveis mais elevados de substâncias químicas tóxicas de toda a costa oeste Colocaramse placas a fim de alertar para os riscos dos peixes pescados no local especialmente a cocoroca tão apropriadamente denominada e os médicos advertiram muitos de seus pacientes a não nadarem em certas praias As linhas de fissura das cadeias de lixo da região podem vir a se revelar em última instância mais ameaçadoras do que as fendas mais conhecidas na superfície da terra O nome croaker cocoroca também significa em inglês agoureiro prenunciador de desgraças NT 24 Espaço vivido em francês no original NT 25 O radical de semiótica e semiologia é o grego semeion que significa sinal marco local ou ponto no espaço Marcase um encontro com alguém num semeion num local particular A importância dessa ligação entre a semiótica e a espacialidade é esquecida com excessiva frequência 26 Trad livre Oh Deus Eu poderia estar recluso numa casca de noz e julgarme Rei de espaço infinito NT 27 Mas dirnosão que a eternidade é a manutenção do presente o nuncstans como as escolas o chamam que nem eles nem ninguém compreende tal como não compreenderiam um hicstans para uma infinita grandeza do espaço Leviatã ou Matéria Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil Quarta Parte Cap XLVI trad de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 2ª ed 1979 p 390 NT BIBLIOGRAFIA Aglietta M 1979 A Theory of Capitalist Regulation The US Experience Londres New Left Books Amin S 1974 Accumulation on a World Scale A Critique of the Theory of Underdevelopment Nova York Monthly Review Amin S 1973 Unequal Exchange Nova York Random House Anderson J 1980 Towards a Materialist Conception of Geography Geoforum 11 17178 Anderson P 1983 In the Tracks of Historical Materialism Londres Verso Anderson P 1980 Arguments Within English Marxism Londres Verso Anderson P 1976 Considerations on Western Marxism Londres Verso Bachelard G 1969 The Poetics of Space Boston Beacon trad de M Jolas de La Poétique de lespace Paris PUF 1957 Bagnasco A 1977 Le Tre Italie Bolonha Il Mulino Banham R 1971 Los Angeles The Architecture of the Four Ecologies Nova York Harper and Row Berger J 1984 And our faces my heart brief as 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University Press Observação n referese a notas de rodapé os grifos referemse a ilustrações acumulação 1 2 3 4 5 6 7 flexível 1 2 nacionalismo 1 e 2 planejamento espacial 1 2 primitiva 1 regimes de 12 superdesenvolvida 1 ver também capitalismo urbanização agricultura 1 urbanização 1 e 2 3 All that Is Solid Melts into Air Tudo que é sólido desmancha no ar Berman 12 Althusser Louis 1 2 3 4 5 67 8 Amin Samir 1 2 3 4 5 6 Anderson Perry 1 2 regressão do marxismo 12 In the Tracks of Historical Materialism Na trilha do materialismo histórico 1 Antipódio periódico 1 2 3 4 arte espaço e tempo 1 2 3 arquitetura 1 2 3 reestruturação 1 mudança da exploração 12 sobrevivência do 1 23 45 6 tardio 1 23 45 6 7 89 1011 12 urbanização e 12 34 ver também desenvolvimento desigual indústria urbanização Castells Manuel 1 23 4 5 67 urbanização 12 34 5 67 The City and the Grass Roots A cidade e as raízes rurais 12 La question urbaine A questão urbana 1 2 Central Problems in Social Theory Problemas centrais de teoria social Giddens 12 3 centroperiferia 12 3 4 56 Giddens e 1 23 industrialização 12 Los Angeles 1 23 45 ver também nodalidade cidadania mais cultural do que espacial 12 ciências sociais consolidação 12 3 modernização 1 The City and the Grass Roots A cidade e as raízes rurais Castells 12 classes 1 cultura urbana 12 3 luta de 1 23 4 5 6 7 8 relações de 1 vertical 1 ver também grupos raciais e étnicos classe trabalhadora armadura antiespacial para resistir à 1 conquistas da organização 1 exploração da 1 2 greves 1 habitação 1 2 3 45 67 8 internacionalismo 1 2 Los Angeles 12 3 4 5 6 78 polarização 1 Colletti Lucio 1 Comuna de Paris 1 2 3 Conceptions of Space in Social Thought Concepções do espaço no pensamento social Sack 12 confecções indústria de 1 La conscience mystifiée A consciência mistificada Lefebvre 12 Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana Harvey 1 The Constitution of Society A constituição da sociedade Giddens 1 23 45 A Contemporary Critique of Historical Materialism Uma crítica contemporânea do materialismo histórico Giddens 12 construção residencial avanço tecnológico 1 crime Los Angeles 1 2 crises urbanas 1 2 3 rebelião de Watts 1 2 3 Critique de la vie quotidienne Crítica da vida cotidiana Lefebvre 1 Critique de la raison dialectique Crítica da razão dialética Sartre 1n 2 cubismo 1 2 cultural espaço e tempo 1 2 3 4 Datar Délégation à lAménagement du Territoire et à lAction Régionale 1 2 defesa indústria da 1 2 3 4 5 67 Della Volpe Galvano 1 demografia 1 2 Los Angeles 1 2 Depressão ver Grande Depressão Derrida Jacques 1 desconstrução 12 Eagleton e a 12 de Los Angeles 12 pósmoderna 1 desenvolvimento desigual 1 23 4 5 6 7 8 9 10 1112 13 14 15 16 1718 19 acumulação e 1 2 centro vs periferia 1 diferenças geográficas 12 internacional 1 23 Mendel sobre o 12 transferência de valor 1 dialética históricoespacial 12 34 dialética socioespacial 12 34 5 6 7 8 Des espaces autres Dos espaços outros Foucault 12 Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado Offe 12 distanciamento tempoespaço 12 3 4 5 6 Le Droit à la ville O direito à cidade Lefebvre 1 2 Durkheim Emile 1 2 3 4 5 67 Eagleton Terry 1 Against the Grain A contragosto 1 economia keynesiana 1 estado previdenciário 1 2 planejamento espacial 12 sistema urbano administrado pelo Estado 12 3 45 economia neoclássica 12 ver também capitalismo marxismo economia subterrânea 1 Edel Matthew capital financeiro 12 Emmanuel Arghiri 1 2 3 4 Unequal Exchange Troca desigual 1 The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado Lash Urry 12 Engels Friedrich 1 2 3 4 dimensões da produção 1 Escola de Chicago 1 2 3 4 5 Escola de Frankfurt 1 2 espaçoespacialização antitradicional 12 canais de exploração 12 Castells e 12 centroperiferia 12 dialética históricoespacial 12 34 dialética socioespacial 12 34 5 6 na economia neoclássica 1 existencial 12 Foucault e 12 Giddens e 1 intuição marxista sobre o desenvolvimento precário do 12 Lefebvre e 1 2 3 45 67 limites da análise 1 locais 12 3 localidades 12 materialidade ilusão 12 mental 1 2 3 mistificação ajuda o capitalismo 1 modalidade 1 23 ocultação das consequências 12 34 5 ontologia 1 23 45 6 7 opacidade 1 23 4 poder 12 34 56 78 problemática urbana 12 3 produção e 12 como produto social 12 3 45 6 78 9 1011 12 13 reafirmação na teoria 12 34 5 reestruturação e 12 34 reexaminado pelos marxistas 1 23 45 regionalismo 1 2 34 subordinação do 1 2 34 tendências tecnológicas 1 teoria social e 1 2 territorialidade 12 transferência de valor 12 transparência do 1 23 três vias diferentes 12 ver também história geografia tempo espaçotemposer social 1 23 especialização flexível 1 2 estrutura espacial Gregory sobre a 1 estruturação teoria giddensiana da 12 3 estruturalismo 1 2 de Althusser 1 2 3 4 5 6 ataque ao 1 Foucault e o 12 geografia marxista e o 1 eurocentrismo 1 2 existencialismo 1 2 34 5 Explanation in Geography A explicação na geografia Harvey 12 The Eye of Power O olho do poder Foucault 1 Fell Joseph Heidegger and Sartre 1 2 feminismo 1 feudalismo 1 2 ficção modo temporal de narração 12 34 filosofia 12 3 ver também teoria social fin de siècle 1 2 3 4 5 6 7 8 9 aproximação do 1 fordismo 1 2 3 4 5 6 7 Foucault Michel 1 23 4 5 6 7 capitalismo industrial 1 cidade carcerária 1 sobre a obsessão com o tempo 1 23 4 sobre espaço e geografia 12 3 45 6 The Eye of Power O olho do poder 1 Des espaces autres Dos outros espaços 12 Questions on Geography Perguntas sobre geografia 12 França marxismo na 1 23 45 planejamento espacial na 1 terminologia espacial na 12 Frank André Gunder 1 2 3 4 5 Friedmann John 1 geografia capitalismo e 12 confrontações modernas recentes 12 construção da 1 2 descrição linear vs simultânea 12 efeito da política na 12 espaço concreto 1 feita conforme as circunstâncias 1 2 Foucault e a 12 Giddens e a 12 imaginação da 1 2 isolamento da teoria 1 23 4 Los Angeles 12 materialismo históricogeográfico 1 23 paisagem moderna 1 pósfordista 1 23 45 6 póshistoricista 1 23 4 pósmoderna 1 2 3 45 6 78 9 origens da 1011 1213 reafirmação da história em relação à 12 34 reestruturação 12 3 45 teórica 12 34 56 7 ver também espaço ontologia urbanização geógrafos 1 2 3 4 5 marxistas 12 3 The German Ideology A ideologia alemã Marx 1 Geopolitik alemã 1 Giddens Anthony 1 2 3 4 5 6 7 89 1011 localidades 12 ontologia 12 regiões nodais 12 teoria da estruturação 12 territorialidade 12 urbanização 12 A Contemporary Critique of Historical Materialism Crítica contemporânea do materialismo histórico 12 Central Problems in Social Theory Problemas centrais de teoria social 12 3 The Constitution of Society A constituição da sociedade 1 23 45 New Rules of Sociological Method Novas regras do método sociológico 1 Goffman Erving 1 Gordon David 1 23 4 Gramsci Antonio 1 2 3 Prison Notebooks Cadernos da prisão 1 Grande Depressão 12 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Gregory Derek 1 2 Ideology Science and Human Geography Ideologia ciência e geografia humana 1 Grundrisse Marx 1 23 4 grupos raciais e étnicos concentração urbana 1 habitação 12 3 4 Los Angeles 12 3 4 5 6 7 8 910 1112 política étnica 1 Guterman Norbert 1 Habermas Jürgen 1 habitação classe trabalhadora 1 2 3 4 56 78 9 Los Angeles 1 23 4 5 67 89 nódulos sociais da 1 polarização 1 23 semtetodesabrigados 1 2 Hadjimichalis Costis 1 2 Hagerstrand Thorsten 1 Hall Edward 1 Harlos Michael 1 23 Harvey David 1 2 34 5 6 78 9 ambivalência em relação à espacialidade 12 investigação geográfica marxista 12 3 4 5 6 paisagem geográfica 1 2 sobre a acumulação capitalista 1 2 sobre o capital financeiro 1 sobre Paris 1 urbanização 1 Consciousness and the Urban Experience A consciência e a experiência urbana 1 Explanation in Geography A explicação na geografia 12 The Limits to Capital Os limites do capital 1 2 Social Justice and the City A justiça social e a cidade 1 2 34 5 Hegel Georg WF 1 dupla inversão de 12 influência em Lefebvre 1 ontologia espacialista 1 Heidegger and Sartre Fell 1 2 Heidegger Martin 1 23 4 5 Being an Time Ser e tempo 12 heterotopias 12 3 History and Class Consciousness História e consciência de classe Lukács 1 história e historicismo como único instrumento interpretativo 1 crítica da 1 definidos por Williams 1 dialética históricoespacial 12 feita conforme as circunstâncias 1 2 3 e Giddens 1 imaginação da 12 marxismo e 1 23 45 papel na teoria social 12 3 póshistoricismo 1 reafirmação da em relação à geografia 12 3 repensando o espaçotempo 12 34 tese de Foucault 12 ver também tempo Hobbes Thomas 1 Hotel Bonaventure 12 Husserl Edmund 1 2 3 4 Ideology Science and Human Geography Ideologia ciência e geografia humana Gregory 1 LIdiot de la famille O idiota da família Sartre 1 imperialismo 1 2 3 4 5 6 78 9 In the Tracks of Historical Materialism Na trilha do materialismo histórico Anderson 1 indústria vs agricultura 12 da defesa 1 2 3 4 5 67 desenvolvimento urbano 12 34 desindustrialização 1 2 34 5 6 expansão capitalista 1 2 Los Angeles 1 2 34 56 7 8 9 produção e 12 3 4 reindustrialização 1 23 transporte e 1 trabalhomão de obra e 12 ver também capitalismo tecnologia Inglaterra marxismo na 1 internacionalização 12 34 5 capital financeiro 1 capitalismo e 1 23 centroperiferia 1 divisão do trabalho 1 23 4 5 67 geografia marxista 12 Los Angeles 1 2 3 paisagem da 1 produção 1 Itália 1 2 Jameson Frederic 1 2 34 Kant Immanuel 1 2 3 geografia e 12 Kern Stephen 1 keynesianismo ver economia keynesiana Keywords Palavraschave Williams 1 Kidron Michael 1 Korsch Karl 1 Lacoste Yves 1 Lash S J Urry The End of Organized Capitalism O fim do capitalismo organizado 12 Late Capitalism Capitalismo tardio Mandel 1 23 4 56 7 8 9 10 Lefebvre Henri 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 capitalismo industrial vs financeiro 12 34 Castells e 12 crítica de por Harvey 12 3 crítico de Sartre 1 dialética espacial 1 2 34 segunda natureza do espaço 1 sobre Bergson 1 sobrevivência do capitalismo 12 3 sociedade e espaço 1 2 34 urbanização 12 La conscience mystifiée A consciência mistificada 12 Critique de la vie quotidienne Crítica da vida cotidiana 1 Le droit à la ville O direito à cidade 1 2 Le matérialisme dialectique O materialismo dialético 1 La pensée marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade 1 La production de lespace A produção do espaço 1 2 3 4 5 La révolution urbaine A revolução urbana 1 La survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo 1 2 Leibniz Gottfried 1 2 Lênin VI 1 2 3 4 5 leninismo 1 23 The Limits to Capital Os limites do capital Harvey 1 2 Lipietz Alain 1 locaislugares 1 23 4 localidades 1 23 The Look of the Things A aparência das coisas Berger 12 Los Angeles 1 2 34 área circunjacente 12 34 cenário contemporâneo 12 centroperiferia 12 34 56 Círculo de Sessenta Milhas 12 3 4 demografia 1 2 des e recentralização 12 fragmentação 1 2 34 geografia política 1 geografia pósmoderna 12 grupos raciais e étnicos 1 2 3 4 5 6 78 910 habitação 1 23 4 5 6 7 8 910 1112 história de 12 indústria 1 23 nodalidade 12 rebelião de Watts 1 2 3 tecnologia 1 2 trabalhoemprego 1 2 34 5 6 Lukács Georg History and Class Consciousness História e consciência de classe 1 Luxemburgo Rosa 1 2 Lynch Kevin 1 Mandel Ernest 12 3 4 5 6 7 colonialismo 1 2 desenvolvimento capitalista 1 desenvolvimento desigual 12 3 Late Capitalism Capitalismo tardio 1 23 4 56 7 8 9 Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista 1 Mann Michael The Sources of Social Power As origens do poder social 1 mão de obra ver trabalho mapas cognitivos 1 2 3 4 56 7 mapas da Europa 1 Marcuse Herbert 1 Markusen Ann 1 Marx Karl 1 23 4 5 6 7 8 9 10 canais espaciais de exploração 12 crítica de Giddens a 1 2 3 curiosidade sobre a Califórnia 1 dimensões da produção 1 dupla inversão de Hegel 12 espaço e 1 2 modificação da cidade desde 12 transferência de valor 12 urbanização 1 O Capital 1 2 3 4 5 6 7 The German Ideology A ideologia alemã 1 Grundrisse 1 23 4 marxismo análise das relações espaciais 12 3 4 5 6 análise urbana 12 34 anglófono 12 emergência do discurso espacial 1 2 34 56 78 fin de siècle 12 francês 1 23 45 67 geografia urbana e internacional 12 34 leninismo 1 23 origens 1 reafirmação da história sobre o espaço 12 regredindo para a filosofia 12 tradições antiespaciais 12 Marxist Economic Theory Teoria econômica marxista Mandel 1 Massey Doreen Spatial Divisions of Labour As divisões espaciais do trabalho 1 2 3 Le Matérialisme dialectique O materialismo dialético Lefebvre 1 macarthista 1 meio ambiente 1 23 4 5 6 causa de mudança social 1 construído 1 2 3 4 tradição homemterra 1 metáfora espacial 1 2 3 Mills C Wright 12 3 4 modernidade 1 definição 12 modernismo conceituação 1 movimentos modernistas 12 modernização marxista 1 2 periodicidade da 12 movimentos sociais urbanos 1 2 3 4 5 Mulholland William 1 2 Myrdal Gunnar 1 nacionalismo 1 23 4 5 6 7 narrativa ver ficção natureza 1 2 34 5 The New Industrial Divide O novo divisor industrial Piore e Sabel 1 New Rules of Sociological Method Novas regras do método sociológico Giddens 1 nodalidade 1 desenvolvimento urbano 1 23 desindustrialização 1 Los Angeles 12 teoria giddensiana da 12 ver também centroperiferia Offe Claus Disorganized Capitalism Capitalismo desorganizado 1 ontologia 1 2 3 espaçoespacialização 1 23 Giddens e 1 23 4 5 opacidade do espaço 1 2 34 5 social 1 transparência do espaço 1 23 opacidade ilusão de 1 23 4 ouro 1 paisagens imagens da 12 3 45 6 Palloix Christian 1 2 Parsons Talcott 1 2 La pensée marxiste et la ville O pensamento marxista e a cidade Lefebvre 1 petróleo 1 2 3 4 Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza Rorty 1 Piore M C Sabel The New Industrial Divide O novo divisor industrial 1 planejamento 1 2 3 4 5 Lefebvre e o 1 2 3 regional 1 23 Platão 1 política e espaço 1 2 34 Estados nacionais 1 isolamento da geografia 1 positivismo 1 2 34 5 6 pós corrida para o 1 2 pósmodernidadepósmodernismo 12 3 4 neoconservadorismo e 1 passagem para a 12 Poulantzas Nicos 1 2 3 45 6 espacialidade capitalista 1 State Power Socialism Estado poder e socialismo 12 3 The Poverty of Theory A pobreza da teoria Thompson 1 poder espaço e 1 23 4 56 tempo e espaço 12 34 PRIs países recémindustrializados 1 23 4 Prison Notebooks Cadernos da prisão Gramsci 1 Problemas centrais de teoria social Giddens 12 3 produção e consumo 12 3 espaço e 12 34 56 78 dinâmica capitalista de 1 industrial 1 2 internacionalização 1 23 relações sociais e 1 2 La production de lespace A produção do espaço Lefebvre 1 2 3 4 5 profecia 1 2 A Question of Geography Uma questão de geografia Berger 12 Questions on Geography Perguntas sobre geografia Foucault 12 raça e etnia ver grupos raciais e etnias Reagan Ronald 1 2 3 4 5 recessão de 19731975 1 2 3 reducionismo Lefebvre contra o 1 reestruturação conceitos de 1 23 forma urbana 12 marxismo 12 ontologia e 1 oposição à 12 questões regionais 12 tendências contemporâneas 12 teoria social e 12 regionalismo 1 2 34 56 7 Giddens 1 2 inversão de papéis 12 nacionalismo 1 planejamento 1 23 4 trabalho 12 ver também internacionalismo nodalidade regionalização 1 egocêntrica 1 retrato importância histórica 12 La révolution urbaine A revolução urbana Lefebvre 1 Rorty Richard Philosophy and the Mirror of Nature A filosofia e o espelho da natureza 1 Roweis Shoukry 1 Revolução Industrial 1 Revolução Russa 1 2 3 4 5 6 revolução urbana 12 Sabel C M Piore The New Industrial Devide O novo divisor industrial 1 Sack Robert Conceptions of Space in Social Thought As concepções do espaço no pensamento social 12 Sartre JeanPaul 1 2 34 5 6 7 89 Crítica da razão dialética Critique de la raison dialectique 1n 2 LIdiot de la famille O idiota da família 1 2 Search for a Method Questão de método 1 2n O ser e o nada LÊtre et le néant 1 Saunders Peter 1 Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana 1 Search for a Method Question de méthode Sartre 1 2n O ser e o nada Sartre 1 Ser e tempo Heidegger 12 ser social 12 3 equilíbrio entre tempo e espaço 1 especificidade 12 serviços sociais 1 2 Shakespeare William 1 Simmel Georg 1 simultaneidade 12 e extensão 12 Sindicato dos Geógrafos Socialistas 1 Smith Neil 1 2 Uneven Development O desenvolvimento desigual 1 23 Social Justice and the City A justiça social e a cidade Harvey 1 2 34 5 Social Theory and the Urban Question A teoria social e a questão urbana Saunders 1 socialismo ascensão do no séc XX 1 francês 1 Sociedade PósIndustrial 1 sociologiasociólogos para Giddens 1 reação aos geógrafos marxistas 12 teoria social como imaginação da 12 Sommer Robert 1 The Sources of Social Power As origens do poder social Mann 1 Spatial Divisions of Labour As divisões espaciais do trabalho Massey 1 2 3 Stalin 1 stalinismo 1 State Power Socialism Estado poder e socialismo Poulantzas 12 3 subdesenvolvimento e dependência 12 3 45 6 sucessão 12 surrealismo 1 2 La survie du capitalisme A sobrevivência do capitalismo Lefebvre 1 2 tecnocracia 1 2 tecnologia 1 2 3 4 5 6 7 8 Los Angeles 1 2 3 4 5 modernidade 12 ver também indústria tempo 1 2 3 e espaço 1 2 3 45 67 8 9 Marx estabelece a prioridade do 1 materialismo históricogeográfico 1 23 ontologia do 12 3 4 poder e espaço 12 34 romance moderno e 12 teorização do 12 vivido 1 ver também história teoria social 1 2 34 5 6 desespacialização da 12 espacialidade 1 2 34 5 6 7 8 910 1112 13 14 15 imaginação sociológica 12 marxista 12 modernidade 12 positivismo 1 23 4 reconstrução 12 rejeição de causas ambientais 1 visão histórica 12 3 4 5 ver também Giddens Anthony Mills C Wright terra valor da 1 2 mercantilização 1 territorialidade 1 23 4 56 7 8 Thatcher Margaret 1 2 Thompson EP The Poverty of Theory A pobreza da teoria 1 totalitarismo 1 2 3 Touraine Alain 1 trabalhomão de obra ameaça ao capitalismo 12 divisão espacial do 1 2 34 5 6 7 divisão internacional do 1 23 4 5 6 7 8 9 10 1112 13 1415 16 1718 efeito da desindustrialização 12 Los Angeles 1 23 modernização 1 polarização 1 reserva de 12 3 sindicatos 1 2 3 4 5 67 8 tendências contemporâneas 12 transferência de valor 12 em três centros industriais americanos 12 3 urbanização e 1 23 valor no tempo 12 ver também classe trabalhadora transferência de valor 1 23 transparência ilusão de 1 23 transportes 1 2 Trótski Leon 1 2 Tudo que é sólido desmancha no ar Berman 12 Turner Frederic Jackson 1 Unequal Exchange Troca desigual Emmanuel 1 Uneven Development O desenvolvimento desigual Smith 1 23 The Urban Question A questão urbana Castells 1 2 urbanização 1 23 4 Cidade Capitalista Industrial Competitiva 12 Cidade Capitalista do Monopólio Empresarial 12 Cidade Mercantil 12 crescimentoevolução 1 2 3 4 5 debate sobre a especificidade 12 O direito à cidade 1 2 des e recentralização 12 Giddens sobre a 1 23 Lefebvre e a 12 3 45 planejamento 12 3 4 5 67 8 9 10 précapitalista 1 problemática espacial 12 reestruturação 12 regiões agrícolas e 12 Sistema Urbano Administrativo pelo Estado 12 3 subúrbios 1 2 34 56 78 teóricos da 1 trabalho e 12 visão marxista 12 34 Urry John 1 2 3 e S Lash The End of Organized Capitalism 1 URSS organização espacial da 1 utopia 12 Walker Richard 1 2 Wallerstein Immanuel 1 2 3 4 5 6 7 8 Ways of Seeing Maneiras de ver Berger 1 Weber Max 1 2 3 4 5 67 Williams Raymond Keywords Palavraschave 1 Título original Postmodern Geographies The reassertion of space in critical social theory Tradução autorizada da segunda edição inglesa publicada em 1990 por VersoNew Left Books de Londres Inglaterra Copyright 1989 Edward W Soja Copyright 1993 da edição em língua portuguesa Jorge Zahar Editor Ltda rua Marquês de S Vicente 99 1º 22451041 Rio de Janeiro RJ tel 21 25294750 fax 21 25294787 editorazaharcombr wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Edição digital janeiro 2013 ISBN 9788537810248 Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros