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ETNOGRAFIA SABERES E PRÁTICAS1 Ana Luiza Carvalho da Rocha Cornelia Eckert Passando de uma atividade exclusivamente literária a prática da etnografia eu pensava romper com os hábitos intelectuais que tinham sido os meus até agora através do contato com homens de outra cultura e raça que não as minhas e com as muralhas que me sufocavam expandindo meu horizonte para uma medida verdadeiramente humana Michel Leiris 1934 Método etnográfico Técnicas de pesquisa etnográfica É freqüente se afirmar que o método etnográfico é aquele que diferencia as formas de construção de conhecimento em Antropologia em relação a outros campos de conhecimento das ciências humanas De fato o método etnográfico encontra sua especificidade em ser desenvolvido no âmbito da disciplina antropológica sendo composto de técnicas e de procedimentos de coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma convivência mais ou menos prolongada doa pesquisadora junto ao grupo social a ser estudado A prática da pesquisa de campo etnográfica responde pois a uma demanda científica de produção de dados de conhecimento antropológico a partir de uma interrelação entre oa pesquisadora e os sujeitos pesquisados que interagem no contexto recorrendo primordialmente as técnicas de pesquisa da observação direta de conversas informais e formais as entrevistas nãodiretivas etc Desde já esclarecemos ao à alunoa de graduação que o método etnográfico é um método específico da pesquisa antropológica Outras ciências sociais recorrem não obstante a determinadas técnicas de pesquisas que são singulares ao método de pesquisa qualitativa Mas neste caso tratase de adotar alguns procedimentos técnicos próprios da pesquisa etnográfica como a observação e as entrevistas vinculadas agora a outros campos teóricos 1 Artigo publicado no livro organizado por Céli Regina Jardim Pinto e César Augusto Barcellos Guazzelli Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008 de interpretação da realidade social que não a teoria antropológica Já o método etnográfico é a base na qual se apóia o edifício da formação de uma antropólogoa A pesquisa etnográfica constituindose no exercício do olhar ver e do escutar ouvir impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a realidade investigada se lhe apresenta Inicialmente em Antropologia a preparação para o trabalho de campo implica inúmeras etapas uma delas é a construção do próprio tema e objeto de pesquisa desde a adoção de determinados recortes teóricoconceituais do próprio campo disciplinar e suas áreas de conhecimento Antropologia rural Antropologia urbana etc Não é usual este projeto contemplar hipóteses iniciais de pesquisa uma vez que estas emergem na medida em que a investigação avança com a aproximação ao universo a ser pesquisado A observação direta Se o método etnográfico é composto por inúmeros procedimentos incluindo levantamento de dados de pesquisa probabilística e quantitativa demografia morfologia geografia genealogia etc a observação direta é sem dúvida a técnica privilegiada para investigar os saberes e as práticas na vida social e reconhecer as ações e as representações coletivas na vida humana É se engajar em uma experiência de percepção de contrastes sociais culturais e históricos As primeiras inserções no universo de pesquisa conhecidas como saídas exploratórias são norteadas pelo olhar atento ao contexto e a tudo que acontece no espaço observado A curiosidade é logo substituída por indagações sobre como a realidade social é construída Esta demanda é habitada por aspectos comparativos que nascem da inserção densa do pesquisador no compromisso de refletir sobre a vida social estando antes de mais nada disposto a vivenciar a experiência de intersubjetividade sabendo que ele próprio passa a ser objeto de observação LéviStrauss 1974 p 1 à 36 O A aprendiz a antropólogoa coteja os aspectos que percebe cada vez mais orientados por questões teóricoconceituais apreendidas já nos primeiros anos do curso de ciências humanas Após a elaboração de um projeto com tema pertinente ao campo de conhecimento antropológico e orientado por uma professora que lhe iniciará na pesquisa etnográfica a primeira atitude doda jovem cientista é aproximarse das pessoas dos grupos ou da instituição a ser estudada para conquistar a concordância de sua presença para a observação sistemática das práticas sociais A interação é a condição da pesquisa Não se trata de um encontro fortuito mas de uma relação que se prolonga no fluxo do tempo e na pluralidade dos espaços sociais vividos cotidianamente por pessoas no contexto urbano no mundo rural nas terras indígenas nos territórios quilombolas enfim nas casas nas ruas na roça etc que abrangem o mundo público e o mundo privado da sociedade em geral Logo após o pedido de consentimento por parte dos indivíduos ou das pessoas ou da concordância institucional oa pesquisadoraobservadora em sua atitude de estar presente com regularidade passa a participar das rotinas do grupo social estudado e sua técnica consiste então na observação participante A prática da etnografia se torna mais profunda e se constitui como uma forma doa antropólogoa pesquisar na vida social os valores éticos e morais os códigos de emoções as intenções e as motivações que orientam a conformação de uma determinada sociedade É recorrente se afirmar que oa antropólogoa não pode se transformar em nativoa submergindo integralmente ao seu ethos e visão de mundo tanto quanto não pode aderir irrestritamente aos valores de sua própria cultura para interpretar e descrever uma cultura diferente da sua própria o que consiste no etnocentrismo sob pena de não mais ter as condições epistemológicas necessárias à produção da etnografia Oa antropólogoa brasileiro Roberto Da Matta 1978 e 1981 denomina este sentimento de estar lá e do estar aqui como parte das tristezas doa antropólogoa um eterno desgarrado de sua própria cultura mas na eterna busca do seu encontro com outras culturas Por isto podemos caracterizar a antropologia como a ciência que trata da diversidade cultural O trabalho de conhecer A pesquisa de campo etnográfico consiste em estudarmos o Outro como uma Alteridade mas justamente para conhecer o Outro A observação é então esta aprendizagem de olhar o Outro para conhecêlo e ao fazermos isto também buscamos nos conhecer melhor Esta busca de conhecimento é sempre orientada por questões conceituais aprendidas no estudo das teorias sociais Todo tempo estamos portanto desenvolvendo o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu definiu como uma teoria em ato apud Thiollent 1980 A cada percepção que nos permite refletir conceitualmente operamos o que o filósofo francês Gaston Bachelard ensinou em sua obra de iniciação A formação do espírito científico sobre como vencer obstáculos epistemológicos imbuídos de uma cultura científica Fascinado pelas generalizações de primeira vista logo somos mobilizados pela motivação científica e superamos as armadilhas de explicar o que observamos pelo senso comum Ao recorrermos às idéias científicas podemos então ordenar nossas descobertas em uma lógica inteligente que provoca o conhecimento intelectual sobre o observado sobre a situação pesquisada sobre as dinâmicas sociais investigadas Bachelard nos ensina aqui que vivemos no campo científico uma ruptura epistemológica Bachelard 1996 Esta descoberta sobre o Outro é uma relação dialética que implica em uma sistemática reciprocidade cognitiva entre oa pesquisadora e os sujeitos pesquisados A acuidade de observar as formas dos fenômenos sociais implica na disposição doa pesquisadora a permitirse experimentar uma sensibilidade emocional para penetrar nas espessas camadas dos motivos e intenções que conformam as interações humanas ultrapassando a noção ingênua de que a realidade é mensurável ou visível em uma atitude individual O observar na pesquisa de campo implica na interação com o Outro evocando uma habilidade para participar das tramas da vida cotidiana estando com o Outro no fluxo dos acontecimentos Isto implica em estar atentoa as regularidades e variações de práticas e atitudes reconhecer as diversidades e singularidades dos fenômenos sociais para além das suas formas institucionais e definições oficializadas por discursos legitimados por estruturas de poder A pesquisa se inicia pela aprovação de um projeto que contenha as intenções teóricas e categorias antropológicas que fundamentam as etapas do desenvolvimento do trabalho de campo sob a orientação de um professorapesquisadora antropólogoa Existem múltiplas maneiras da inserção em campo ser iniciada mas em sua maioria uma etnografia se estréia com um processo de negociação doa antropólogoa com indivíduos eou grupos que pretende estudar transformandoos em parceiros de seus projetos de investigação compartilhando com eles e com elas suas idéias e intenções de pesquisa O consentimento implica em saber quando e onde ir com quem e o que se pode ou não falar como agir diante de situações de conflito e risco etc Algumas vezes oa antropólogoa é iniciadoa no seu trabalho de campo por um dos membros do grupo que investiga Em geral denominamos estea personagem que nos apóia nos primeiros passos no contexto da pesquisa de interlocutor principal quando não pela carinhosa denominação de padrinho ou madrinha de iniciação Outras vezes se coloca em campo a partir do consentimento de uma determinada instituição que avalia a pertinência da pesquisa para sua concordância ou ainda uma organização que desenvolve ações junto ao grupo com o qual pretende trabalhar O antropólogo americano William Foote Whyte 2005 fez sua entrada em campo nas ruas da cidade Buscava se aproximar dos moradores do quarteirão italiano de um bairro de Boston Cornerville Esta aproximação é mediada por um trabalhador que lhe apresentará Doc chefe de um grupo de jovens que lhe colocará em contato com seus companheiros através dos quais irá conhecer uma rede densa de relações no bairro Fica evidente que a expressão entrada em campo possui uma rica ambigüidade Para oa etnógrafoa entrar em campo significa tanto a permissão formal do nativo para que ele disponha de seu sistema de crenças e de práticas como objetotema de produção de conhecimento em antropologia quanto o momento propriamente dito em que oa antropólogoa adquire a confiança doa nativoa e de seu grupo os quais passam a aceitar se deixar observar peloa etnógrafoa que passa por sua vez a participar de suas vidas cotidianas A escuta atenta A entrada em campo sempre transcorre desde uma rede de interações tecidas peloa antropólogoa no seu contato com um grupo determinado sendo o trabalho de campo um laborioso trabalho de entrada doa etnógrafoa desde uma situação periférica no interior da vida coletiva deste grupo até seu deslocamento progressivo no coração dos dramas sociais vividos por seus membros Obviamente não todos mas aqueles aos quais oa antropólogoa aderiu em seu trabalho de campo A experiência situada é aquela que orienta a prática da pesquisa em antropologia que jamais pretende atingir um conhecimento do mundo social a partir da posição que ele ela ocupa no seu interior Todo o conhecimento produzido e acumulado pelo pensamento antropológico está referido a experiência singular que oa etnógrafoa desenvolve com a sociedade que investiga A inserção no contexto social objetivado peloa pesquisadora para o desenvolvimento do seu tema de pesquisa oa aproxima cada vez mais dos indivíduos dos grupos sociais que circunscrevem seu universo de pesquisa Junto a estas pessoas oa pesquisadora tece uma comunicação densa orientada pelo seu projeto de intenções de pesquisa A presença se prolonga e oa antropólogoa participa da vida social que pesquisa interagindo com as pessoas no espaço cotidiano compartilhando a experiência do tempo que flui Esta comunicação se densifica com a aprendizagem da língua do nativo para a compreensão de suas falas quando necessário com o reconhecimento dos sotaques ou das gírias com a aprendizagem dos significados dos gestos das performances e das etiquetas próprias ao grupo que revelam suas orientações simbólicas e traduzem seus sistemas de valores para pensar o mundo O antropólogo americano Clifford Geertz 1978 sugere aqui que estaremos desvendando o tom e a qualidade da vida cultural o ethos e o habitus do grupo ou seja estaremos interpretando o sistema simbólico que orienta a vida e conforma os valores éticos dos grupos sociais em suas ações e representações acerca de como viver em um sistema social Isto significa estar junto nas situações ordinárias vividas como possibilidade interpretativa dos ditos e não ditos que se constituem como parte fundamental das aprendizagens de seu métier A disposição de escutar o Outro não é tarefa evidente Exige um aprendizado a ser conquistado a cada saída de campo a cada visita para a entrevista a cada experiência de observação Os constrangimentos enfrentados pelo desconhecimento vão sendo superados pela definição cada vez mais concreta da linha temática a ser colocada como objetivo da comunicação Dizse então que a prática etnográfica permite interpretar o mundo social aproximandose o pesquisador do Outro estranho tornandoo familiar ou no procedimento inverso estranhando o familiar superando o pesquisador suas representações ingênuas agora substituídas por questões relacionais sobre o universo de pesquisa analisado Da Matta 1978 e Velho 1978 O universo de pesquisa o contexto estudado Os Jogadores de futebol de várzea os fiéis de uma determinada casa de religião os moradores de uma vila de invasão os habitantes de um cortiço de esquina de um bairro popular os grupos de travestis e as prostitutas em seus territórios de batalha os freqüentadores de fast foods os doadores de rins os vendedores de artesanato no mercado de pulgas os voluntários em uma Ong ativista ambiental os jovens de classe média que ficam numa boate etc todas estas redes sociais tem sua forma própria de pertencer e viver construindo realidades culturais próprias A escolha do tema de pesquisa leva a opção pela inserção em um contexto social específico que responde a demanda intelectual doa antropólogoa Questões iniciais de dificuldades ou impedimentos são levadas em conta em torno das condições sociais concretas para a reciprocidade almejada Sobretudo as pessoas devem estar cientes da intenção do pesquisador e somente na disponibilidade e cumplicidade a pesquisa tem sua continuidade Este lugar não é neutro de sentidos Cada acontecimento está vinculado ao contexto social em que a ação humana é desenvolvida O esforço de construir este cenário social é então fundamental em toda monografia para que os futuros leitores possam compartilhar dos matizes que orientaram os procedimentos sociais nos atos interativos bem como ter o mínimo de dados sobre as disposições sociais que estavam em jogo nas interações cotidianas Este contexto é elaborado a partir de dados observados estudos históricos revisão bibliográfica de pesquisas já desenvolvidas sobre o tema análise de discursos e de documentos históricos estudo de imagens produzidas etc enfim uma gama de dados empíricos e conceituais coletados e interpretados nesta atitude arqueológica de reconstruir o saber produzido sobre o universo social pesquisado O exercício da escrita e a ipseidade A cada investida em campo oa etnógrafoa segue o modelo clássico fundado pelos primeiros antropólogos que se aventuravam em viagens para conhecer os povos nominados na época de exóticos simples e distantes Tratase do registro escrito em notas diários ou relatos das experiências observadas ou escutadas no cotidiano da investigação O que se escreve Recorremos aqui ao famoso antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro 2006 que responde de forma muito simples Meus diários são anotações que fiz dia a dia lá nas aldeias do que via do que me acontecia e do que os índios me diziam Este ato de escritura define a capacidade de recriar as formas culturais que tais fenômenos adotam e permite exercitar a habilidade de lhes dar vida novamente agora na forma escrita com base em uma estrutura narrativa Eis alguns pontos em comum entre o método etnográfico e o romance e que aproxima a Antropologia da Literatura O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira recorre a uma expressão em inglês para definir esta experiência de escrever sobre a experiência de observar o Outro e escutar o Outro Semantical Gap Isto quer dizer que oa antropólogoa vivencia seja na interação face a face seja no ato de refletir sobre esta experiência o momento de descoberta do Outro mas onde o pesquisador faz sempre um retorno a si mesmo porque ele também se redescobre no Outro Oa antropólogoa reconhece ao se relacionar na pesquisa de campo uma diferença uma separação de valor um abismo entre valores que é definido desde a fundação da premissa de estranhar o Outro como de relativismo cultural Este momento é uma experiência única e intransferível Uma busca de conhecimento orientada por conceitos de um campo semântico da teoria antropológica que nos estimula a questões antietnocêntricas quer dizer de não fazer com que os juízos de valores da sociedade doa próprioa pesquisadora persistam ao olhar o Outro evitando a armadilha de ver o Outro com os valores de uma sociedade tão distante que gere e reproduza o preconceito Para muitos uma mescla entre arte e ciência o método etnográfico se conforma num processo lento longo e trabalhoso de acesso as inúmeras camadas interpretativas da vida social e que conforma os fenômenos culturais tanto quanto num laborioso procedimento de reapresentar as formas culturais na qual tal vida social se apresenta para seus protagonistas A antropóloga americana Margareth Mead 1979 em um artigo célebre já havia pontuado entre seus colegas que uma das peculiaridades da antropologia desde suas origens é a de ser uma disciplina de palavras A autora ao desenvolver seu argumento revela que a prática etnográfica se traduz na memorização de acontecimentos orais complexos cerimônias conversas relatos comentários interações verbais etc que necessitam ser registrados classificados correlacionados comparados e logo após retomados pelo etnógrafo na forma de estudos monográficos através do uso de conceitos teóricos e metodológicos do seu campo disciplinar e não do próprio nativo Todoa oa etnógrafoa é por assim dizer uma escriba Para muitos cientistas sociais a sua formação no oficio de etnógrafo passa pelo espinhoso processo da escrita de uma monografia ou seja um estudo pontual e denso sobre uma prática cultural qualquer analisada onde necessita transpor para a escrita sua experiência com o grupo pesquisado O sofrimento que a escrita traz para este aprendiz de etnógrafoa é mais complexa quanto mais ele ou ela se dedicarem ao estudo de práticas cujos contextos culturais são marcados pela forte presença da oralidade na sua forma de expressiva caso dos estudos de contos e de lendas do folclore popular de cantos e mitos em sociedades indígenas ou tribais A prática da etnografia traz para o campo do debate hoje as questões da restituição etnológica isto é o retorno ao grupo pesquisado das informações e dados que oa etnógrafoa deles retirou quando de sua estadia entre eles Esta foi sem dúvida uma das grandes contribuições dos antropólogos americanos que reivindicam uma antropologia pós moderna Estes se preocuparam fortemente com estas questões da autoridade etnográfica dos escritos dos antropólogos e do lugar de autor que este ocupa no momento de oferecer a comunidade dos antropólogos suas interpretações da cultura do Outro Produção de estudos monográficos que apresentam dados situações acontecimentos da vida cotidiana do nativo cuja natureza é diversa daquela dos dados obtidos no trabalho de campo Não cabe no computo deste artigo discutir mas vale lembrar que a prática da escrita em antropologia e o trabalho de edição revisão e editoração representa um rito de passagem importante para a formação de um antropólogo precisamente pela forma como a linguagem escrita permite ao próprio pensamento antropológico dar conta da natureza do construto intelectual que orienta a representação etnográfica Importante se ressaltar que o trabalho de escrita etnográfica tal qual aparece nos estudos monográficos clássicos foi obviamente concebido a posteriori geralmente com o apoio de casas de edições interessadas na venda de tais monografias sob a forma de livros A leitura dos clássicos tal qual se apresenta no espaço livresco não pode ignorar que a realização de um trabalho etnográfico necessita a prática de um dispositivo de pensamento especulativo preliminar onde a escrita exploratória e ensaística é fundamental para o seu processo de pensar seu próprio pensamento A organização do trabalho de campo em fases bem precisas totalmente esquemáticas preparação coleta de dados análise dos dados e escrita final do estudo monográfico dissertação ou tese é neste sentido uma ilusão criada pelo espaço livresco por onde circulam as etnográficas clássicas do pensamento antropológico e do qual todoa oa aprendiz de etnógrafoa precisa ter acesso A escrita etnográfica desde a contribuição de Clifford Geertz O antropólogo como autor de James Clifford A experiência etnográfica e de Paul Rabinow Antropologia da razão supõe atualmente a pesquisa com novas formas de escritas etnográficas como forma de acomodar as questões da controversa da restituição etnológica da palavra do Outro Conhecer a trajetória da antropologia como campo de idéias disciplinares A prática do método etnográfico é seguida do estudo sistemático da construção do campo da disciplina antropológica Este procedimento permite a compreensão das disposições intelectuais e ideológicas da trajetória do método antropológico em que o pesquisador se engaja Compõese portanto de um dos processos de formação pelos quais um aluno do curso de ciências sociais necessita apreender para se formar na prática de investigação crítica que delimita a produção de conhecimento em Antropologia na sua relação com os demais campos das ditas sociais O encontroconfronto do cientista social com as sociedades nãoeuropéias foi evidentemente que deu origem a este modo de conhecimento particular elaborado desde a técnica da observação rigorosa contínua e regular da vida social a partir da localização do investigado no interior das formas da vida social que pretendia estudar Procurava impregnarse lenta e sistematicamente dos grupos humanos com os quais mantinha então estreita troca e interação Nas palavras do antropólogo alemão Franz Boas Qualquer um que tenha vivido entre as tribos primitivas compartilhado suas alegrias e seus sofrimentos que tenha conhecido com eles seus momentos de provação e abundância e que não os encarem como simples objetos de pesquisa examinados como célula num microscópio mas que os observe como seres humanos sensíveis e inteligentes que são admitiria que eles nada possuem de um espírito primitivo de um pensamento mágico ou pré lógico e que cada individuo no interior de uma sociedade primitiva é um homem uma mulher ou uma criança da mesma espécie possuindo uma mesma forma de pensar sentir e agir que um homem uma mulher ou uma criança de nossa própria sociedade Boas 2003 p 32 Bronislaw Malinowski e Franz Boas foram os pais fundadores deste método ao explorarem a distância que separava suas sociedades daquelas por eles investigadas Suas obras Os argonautas do pacífico ocidental e A alma primitiva respectivamente são exemplos da experiência de alteridade na elaboração da experiência etnográfica tão necessária à formação de um antropólogo mesmo nos dias de hoje Diz o antropólogo polonês e posteriormente naturalizado inglês Se um homem embarca em uma expedição decidido a provar certas hipóteses e se mostra incapaz de modificar sem cessar seus pontos de vistas e de abandonálos em razão de testemunhos inútil de dizer que seu trabalho não terá valor algum Malinowski 1976 p 65 Estranhamento e relativização foram conceitos cunhados na tradição do pensamento antropológico na sua tentativa de dar conta dos processos de transformação do olhar o outro o diferente desde os deslocamentos necessários do olhar doa antropólogoa sobre si mesmo e sua cultura o igual A antropologia dos mestres fundadores foi assim responsável no campo das ciências sociais por uma revolução epistemológica pela forma como a pesquisa etnográfica tendo como fundamento o trabalho de campo junto as sociedades ditas primitivas provocaria nas formas das ciências sociais produzir conhecimento ao longo do século XX conquistando vigor metodológico na investigação antropológica nas modernas sociedades complexas A etnografia como método de investigação das modernas sociedades complexas como método de investigação influenciou as formas de se fazer pesquisa entre os sociólogos da Escola de Chicago Este grupo de sociólogos americanos e europeus tinha por interesse comum nos anos 30 do século XX desenvolver um método e conceitos pertinentes para tratar do fenômeno urbano e industrial Suas descobertas para compreender a sociedade moderna amplificaram seus efeitos nos questionamentos no campo da pesquisa em ciências sociais pela forma como a etnometodologia encontrou nos estudos clássicos dos antropólogos sua fonte de inspiração para o estudo microscópico das formas de vida social de nossas próprias sociedades na cultura ocidental urbanoindustrial No inicio do séc XX principalmente após as crises dos anos 1930 eram inúmeros os cientistas sociais que participavam de instituições públicas ou privadas que tinham por centro de suas ações o trabalho com grupos eou indivíduos vivendo em situações de crise social Muitos destes cientistas fizeram destas experiências seu tema e objeto de teses em universidades efetuandose assim a passagem da participação para a observação das situações vividas por tais indivíduos eou grupos numa tentativa de reunilos no interior de um mesmo procedimento metodológico A etnometodologia foi neste caso fundamental para a pesquisa no campo das ciências sociais migrarem de procedimentos e técnicas de pesquisa influenciadas por uma sociologia funcionalista ou positivista para uma microsociologia com grande influência do método etnográfico em Antropologia Um exemplo paradigmático é a Escola de Chicago que influenciou grandemente os estudos antropológicos em sociedades complexas em especial orientando para a análise das práticas culturais no contexto da vida social nos grandes centros urbanos Reunindo esta experiência ao método etnográfico a área de conhecimento da Antropologia inovou em suas formas de pesquisar os fenômenos sociais nas modernas sociedades urbanoindustriais ao propor o conceito de relativização como inerente à pesquisa em ciências sociais resultado do jogo polêmico entre participação e distanciamento do pesquisador em relação ao seu próprio território de pesquisa Outra forma de se produzir conhecimento em ciências sociais se expande desde aí tendo como foco o tema das necessárias rupturas epistemológicas conforme Pierre Bourdieu 1999 Para o sociólogo francês tal pesquisa necessita contemplar o sentido reflexivo da trajetória dos conceitos e teorias produzidos superando a força e a qualidade heurística das ditas ciências duras A apresentação do mundo subjetivo do pesquisador como parte integrante dos procedimentos científicos de objetivação a pesquisa do mundo social e não como impedimentos a sua realização encontram na história das técnicas de pesquisa em antropologia uma fonte de inspiração Aprender a etnografia lendo etnografias A pergunta doa alunoa ao professora antropólogoa é freqüente como posso aprender a fazer uma boa etnografia Existe algum modelo que possas me sugerir Tenho pressa Oa professora antropólogoa sempre responde da mesma forma Não existe nenhuma receita de bolo pronta ou cursinho Walita2 a seguir Você pode começar por ler o Manual etnográfico de Marcel Mauss ou os vários livros que buscam sistematizar as técnicas de pesquisa etnográfica Mas somente lendo boas etnografias os diários as crônicas de viajantes uma boa literatura os laudos de pesquisa os relatos de campo somado ao estudo sistemático de abordagens teóricas é que você conseguirá passar pelo processo de formação epistemológica na experiência etnográfica Oa alunoa conformadoa de que a pressa não adiantará de nada entenderá que a prática da etnografia se baseia nesta disponibilidade de pesquisar a partir de um método que oa coloque no encontro direto com os indivíduos eou grupos em situações de vida ordinárias Lendo os chamados clássicos da etnografia oa aprendiz configura o que significa a experiência doa etnógrafoa misturarse no seio do grupo social colocandose em perspectiva a partir de conversas diálogos que nascem das interações sempre na expectativa de compreender as intenções e motivações que orientam as ações dos Outros e as suas Desvenda aos poucos os acontecimentos rituais cerimônias eventos conflitos solidariedades etc particulares interpretando os sentidos nele contidos Pela leitura das etnografias oa pesquisadora vai participando cada vez mais de uma comunidade de comunicação que compartilha de um estilo de produção do conhecimento sempre orientadoa por interrogações e inquietações de seu tema e objeto de pesquisa o que está se passando naquele momento em que um determinado acontecimento esta ocorrendo 2 Cursinho Walita resultou de uma publicidade da venda de liquidificadores Walita que sugeriam receitas de culinária rapidamente elaboradas com o uso do aparelho Quem faz o quê nestas situações Quem é quem na ordem destes acontecimentos Quais as razões de tudo aquilo se passar da forma como está se passando Quais as razões das coisas serem como são Baseado no aprendizado da leitura etnográfica oa pesquisadora perde este lugar de mal necessário e se torna provocador de questões mais pontuais sobre a vida das pessoas e dos grupos com as quais está dialogando convidandoos a pensar sobre o sentido de suas práticas cotidianas No interior deste diálogo oa etnógrafoa transforma assim os acontecimentos ordinários da vida dos indivíduos eou dos grupo com os quais interage em evento extraordinário promovendo entre eles o desafio de refletir conjuntamente sobre si mesmos As implicações de ser um etnógrafo a vigilância epistemológica O método etnográfico se define pelas técnicas de entrevista e de observação participante complementares aos procedimentos importantes para o cientista adequar suas preocupações estritamente acadêmicas e academicistas à trama interior da vida social que investiga Uma das razões pela qual na etnografia a entrevista transcorre desde a elaboração da estrutura de um roteiro de inquietações doa pesquisadora flexível o suficiente para aderir as situações subjetivas que estão presentes no encontro etnográfico A preocupação desmedida doa pesquisadora com a estrutura de uma entrevista dirigida quase transformado em questionário e sua insistência no afastamento do entrevistado de uma reflexividade sobre suas situações de vida ordinária em antropologia pode conduzir o etnógrafo muitas vezes ao desencontro etnográfico e até mesmo ao desconforto do desinteresse por parte do grupo de investigação Ao contrário as relações de reciprocidade mesmo que oscilantes em dias de pesquisa ditos mais produtivos e outros permeados de dificuldades de toda ordem o informante que deu bolo a desconfiança de um entrevistado sobre a fidelidade de suas concepções etc são construídas em situações de entrevistas livres abertas semiguiadas repletas de trocas mútuas de conhecimento Além destas duas técnicas associadas ao método etnográfico existe outra de extrema importância para todo oa antropólogoa a técnica da escrita do diário de campo Após cada mergulho no trabalho de campo retornando ao seu cotidiano de antropólogo o etnógrafo necessita proceder a escrita de seus diários de campo Os diários íntimos dos antropólogos trazem farta bibliografia sobre os medos os receios os preconceitos as dúvidas e as perturbações que o moveram no interior de uma cultura como forma de compreensão da sociedade por ele investigada Tratase de anotações diárias do que oa antropólogoa vê e ouve entre as pessoas com que ele compartilha um certo tempo de suas vidas cotidianas Os diários de campo entretanto não servem apenas como um instrumento de passar a limpo todas as situações fatos e acontecimentos vividos durante o tempo transcorrido de um dia compartilhado no interior de uma família moradora de uma vila popular com quem passou um tempo para pesquisar o tema da violência urbana Ele é o espaço fundamental para oa antropólogoa arranjar o encadeamento de suas ações futuras em campo desde uma avaliação das incorreções e imperfeições ocorridas no seu dia de trabalho de campo dúvidas conceituais e de procedimento ético Um espaço para oa etnógrafoa avaliar sua própria conduta em campo seus deslizes e acertos junto as pessoas eou grupos pesquisados numa constante vigilância epistemológica Evidentemente que o diário de campo não é algo que possa ser escrito ao mesmo tempo em que me encontro compartilhando com os outros suas vidas no dia a dia Ele resulta de outro instrumento o caderno de notas É no caderno de notas de campo onde oa antropólogoa costuma registrar dados gráficos anotações que resultam do convívio participante e da observação atenta do universo social onde está inserido e que pretende investigar é o espaço onde situa o aspecto pessoal e intransferível de sua experiência direta em campo os problemas de relações com o grupo pesquisado as dificuldades de acesso a determinados temas e assuntos nas entrevistas e conversas realizadas ou ainda as indicações de formas de superação dos limites e dos conflitos por ele vividos O caderno de notas e o diário de campo são instrumento de transposição de relatos orais e falas obtido desde a inserção direta doa pesquisadora no interior da vida social por ele ou por ela observada Muitos destes cadernos de notas e diários contendo dados brutos de observações diretas em campo conduziram os antropólogos ao estudo e a pesquisa por exemplo com as gramáticas e os vocabulários que constituem os diferentes dialetos de uma mesma língua falados pelas sociedades por eles pesquisadas com as genealogias de parentesco que organizam seu corpo social os mitos e os rituais que vivificam o sentido coletivo de suas vidas etc Nos termos de Roberto Cardoso de Oliveira 2000 ver ouvir e escrever como parte integrante da prática da etnografia não se limita a ações simples mas giram em torno das implicações do pesquisador com sua pesquisa uma vez que ela repousa sobre a qualidade e densidade das trocas sociais doa antropólogoa com os grupos com os quais esta compartilhando experiências O resultado de um trabalho de campo se mede pela forma como oa próprioa antropólogoa vai refletir sobre si mesmo na experiência de campo A confrontação pessoal com o desconhecido o contraditório o obscuro e o confuso no interior de simesmo é uma das razões que conduzem inúmeros autores a considerar a etnografia como uma das práticas de pesquisa mais intensas nas ciências sociais Não raro os diários são hoje publicados ou revistos para publicação pelosas própriosas antropólogosas como é o caso do Os diários e suas margens viagem aos territórios Terêna e Tükúna de Roberto Cardoso de Oliveira em uma clara intenção de devolução da obra escrita e fotografada aos povos indígenas hoje em crescente índice de alfabetização e tomados agora como leitores potenciais de sua própria história registrada e relatada pelo antropólogo Cardoso de Oliveira 2002 p 13 Esta crescente circularidade das produções etnográficas elaboradas no âmbito acadêmico para contextos alémmuros universitários consiste numa perspectiva de democratização e compartilhamento político do trabalho de pensar o mundo social Como esclarece o antropólogo americano Marshall Sahlins Agora duzentos anos mais tarde uma marcada consciência de cultura está reaparecendo no mundo todo entre as vítimas atuais e passadas da dominação ocidental é como expressão de exigências políticas e existenciais semelhantes Esse culturalismo tal como foi chamado está entre os mais surpreendentes e talvez mais significativos fenômenos da história do mundo moderno Sahlins 2001 p 28 A tendência monográfica e a grafia da luz A pesquisa elaborada no suporte escrito segue a tendência monográfica tendo por projeto acadêmico divulgar e circular a descrição da experiência etnográfica A prática da escrita tem sido o espaço da produção intelectual do etnógrafo por excelência A escrita de artigos de ensaios de livros de teses e dissertações ou de trabalhos monográficos tem sido a forma adotada para a expressão final de um trabalho de campo com base no método etnográfico a ser reconhecido pelos pares do mundo acadêmico Entretanto assistese ao longo do último século uma reorientação desta tendência no sentido de agregar a ela a produção de etnografias através do uso de recursos audiovisuais como foi o caso da adoção da câmera fotográfica por Bronislaw Malinowski entre os trombriandeses e por Margaret Mead e Gregoire Bateson entre os balineses para citarmos apenas alguns entre outros antropólogosas que produziram imagens nas experiências de campo nos primeiros cinqüenta anos do século XX O antropólogo visual australiano David MacDougall 2006 reflete sobre estas questões que decorrem do uso do método etnográfico na pesquisa em ciências sociais Ele afirma que a produção textual de etnografias tem seus limites expressos no fato de que a linguagem escrita reapresenta as diferenças culturais sob uma forma esquemática em detrimento da concretude da experiência etnográfica traduzida por exemplo pela via da fotografia e do filme Na produção textual segundo o autor o nativo se deixa ver pela mão do etnógrafo desde um ponto de visa generalizante abstrato e normativo da palavra escrita em seu desespero de expressar as formas como os fenômenos foram vividos em campo peloa antropólogoa Outro fator determinante da escrita etnográfica é que na medida em que o texto circula e é reinterpretado pelo ato da leitura os dados etnográficos se depositam na forma de uma produção textual e se tornam pouco a pouco independentes de seu contexto original de enunciação pois são reinterpretados desde outros lugares e contextos de leituras Estas questões sobre as modalidades de escrita do pensamento antropológico tecer suas interpretações sobre a cultura nativa são aspectos fundamentais do avanço nos usos dos procedimentos e técnicas dos recursos audiovisuais para a prática da pesquisa de campo em Antropologia nos últimos 30 anos Se antes a expressão figurativa do outro poderia ser vista negativamente porque congelava a cultura do nativo e o próprio nativo numa imagem determinada alusiva apenas a um momento de sua vida compartilhada com o etnógrafo que o fotografou e o filmou durante seu trabalho de campo hoje este mesmo traço figurativo já se coloca de outra forma através do olhar de uma tradição interpretativa em antropologia que longe da ingenuidade positivista não atribui a imagem técnica seu estatuto de duplo ou cópia do real Acumulados ao longo dos anos nos acervos pessoais dos antropólogos ou nos arquivos institucionais as imagens visuais e sonoras captadas e registradas do nativo e de sua cultura durante os vários momentos do trabalho de campo permitem precisamente avaliar o grau de impacto da presença do etnógrafo entre a população por ele estudada Para David MacDougalll 2006 o caráter figurativo da imagem fotográfica e filmica hoje cada vez mais videográfica ao mesmo tempo em que permite a quem as manipula pensar nas semelhanças e diferenças entre ele e a cultura retratada na imagem conduz a uma reflexão sobre a passagem do tempo do qual estas imagens resultam Precisamente por que é o seu traço figurativo que podemos perceber quase como pistas desvendando os gestos e motivações simbólicas que orientaram o olhar etnográfico para a composição daquela forma de representação do nativo e não de outra Etnografia e as novas tecnologias Até recentemente o leitor era orientado a ler na interface de um livro ou a olhar as imagens ilustrativas anexas para conhecer e compartilhar da experiência etnográfica e do potencial analítico conceitual doa antropólogoa em sua objetividade científica Após os aprendizados com a interface da fotografia e do cinema é na era das textualidades eletrônicas que se renova o desafio da metamorfose da escrita etnográfica Neste contexto o clique aqui é o convite de um contrato de trocas complexas e efêmeras que colocam autrement o ato sempre possível da interatividade entre o pesquisador e os sujeitos da interpretação Vale ressaltar que uma das últimas fronteiras hoje é a produção de novas escritas etnográficas com base no contexto enunciativo que constituem as novas textualidades eletrônicas e digitais Uma antropologia do cyberspace ou no cyberspace é hoje uma das formas possíveis de expressão do trabalho de campo em Antropologia através do uso do método etnográfico clássico em ambientes virtuais o que tem gerado uma reflexão cada vez maior em torno do processo de desterritoralização da representação etnográfica e a desmaterialização do texto etnográfico no âmbito das ciências sociais O processo de desencaixe espaçotempo que as novas tecnologias da informática têm proposto para os lugares da memória no corpo da sociedade contemporânea ao configurar as relações entre homem e cosmos em redes mundiais de comunicação tem provocado nas ciências humanas a necessidade de se aprofundarem novas formas de entendimento das estruturas espaçotemporais que conformam a magia dos mundos virtuais Para enfrentar esse e outros desafios o que se coloca cada vez mais é a relevância não apenas de refletir sobre as diferentes modalidades de tecnologias de pensamento oralidade escrita redes digitais empregadas pelas sociedades humanas para liberar a memória de seu suporte material seguimos aqui LeroiGourhan 1964 até atingir sua expressão recente em redes eletrônicas e digitais mas principalmente de indagar a respeito das operações e proposições por meio das quais as ciências humanas têm enfrentado até o momento o conhecimento da matéria do tempo e suas cadeias operatórias Importa aqui tratar da cultura da tela Eckert e Rocha 2005 e da civilização da imagem Durand 1980 como novas formas de reorganização dos saberes que suportes mais tradicionais disponibilizam transfigurando seu sentido original e atribuindolhes uma significação mais móvel plural e instável pelo caráter granular que atribui a todos eles Podese supor a possibilidade de uma etnografia hipertextual Eckert e Rocha 2005 com base numa retórica mais aberta dinâmica fluida de disponibilização dos dados etnográficos em web tanto para o pesquisador quanto para sua comunidade lingüística o que contempla uma alteração na forma como até então as ciências sociais vinham produzindo conhecimento Conclusões Os fundamentos da prática etnográfica portanto apontam assim para o papel que assume o pesquisador da área das ciências sociais na sua investigação da vida social no coração dela uma questão que se tornou central principalmente nos anos 50 e 60 do século XX mais particularmente quando o objeto da Antropologia migra das sociedades ditas primitivas para as sociedades dos próprios antropólogos O papel do etnógrafo diante da coisa e das pessoas por ele pesquisadas seu grau de implicações com elas sua forma de participar no transcurso dos processos da vida social que se modifica e transforma no tempo e no espaço configurase na própria delimitação do trabalho de campo segundo a situação que nela ocupa o pesquisador em relação ao fenômeno etnografado Em antropologia a dissimulação doa etnógrafoa sua profissão seus objetivos suas intenções etc no interior do grupo a ser pesquisado desencadeia inconvenientes de ordem éticomoral que tem sido debatido pela sua comunidade de pesquisadores que tendem a rejeitar a situação em que oa antropólogoa esconde suas verdadeiras intenções em campo A figura doa antropólogoa travestido de nativo é portanto rara na prática do método etnográfico colocando em risco precisamente o pacto de confiança e cumplicidade com o grupo que investiga e desde aí comprometendo a natureza dos dados por ele obtidos O método etnográfico opera precisamente com esta distensão infinita doa antropólogoa diante de si e do outro sendo no interior deste vazio de sentido que brota sua reflexão sobre as culturas e sociedades humanas Importante se frisar que duração de uma etnografia não é a mesma da duração da temporalidade do próprio fenômeno social e cultural investigado Desde suas origens a prática do trabalho de campo em Antropologia vem confrontando situações de extrema complexidade nem sequer imaginadas pelos seus pais fundadores Cada vez mais investigando os fenômenos de sua própria sociedade oa antropólogoa ao usar o método etnográfico se confronta com difíceis questões éticomorais no delineamento de suas relações com as pessoas eou grupos sociais por ele pesquisados Neste sentido a prática da etnografia no mundo póscolonial desdobraramse em importantes debates sobre o lugar doa antropólogoa e das ciências sociais no âmbito por exemplo das lutas pelos direitos humanos e dos direitos sexuais no mundo contemporâneo Esta complexidade decorre da interdependência que une hoje o oficio doa antropólogoa as formas de vida dos interlocutores onde muitas vezes se vê constrangido a participar das atividades de lutas de defesa das suas culturas Se antes o ato de participar que configurava a técnica da observação participante não trazia consigo o engajamento doa antropólogoa nas mudanças das formas de ser da cultura nativa hoje o método etnográfico não pode ignorar que o próprio trabalho de campo doa antropólogoa provoca nela intervenções a ponto de ser um fator de transformação da cultura do nativo Acusada inúmeras vezes de produzir um conhecimento insípido e inodoro das sociedades humanas pela forma inicial com que advogava a necessidade doa antropólogoa conservar em campo uma certa distância do fenômeno observado tendo em vista suas preocupações com o rigor científico a tradição etnográfica se transformou lentamente em expressão de uma forma de produção de conhecimento engajada e por vezes até mesmo militante Com o passar das décadas em fins do séc XX situados na defensiva diante de um modelo positivista ou da radicalidade de um modelo militante nas formas de procederem às apropriações do método etnográfico alguns antropólogos inspirados numa tradição interpretativista reorientam para as tensões entre participação e distanciamento como inerentes à condição do tradicional ato de etnografar as culturas nas mais diversas sociedades Mais ou menos participante o debate em torno das tipologias da técnica da observação participante que orienta o método etnográfico e seus graus variados de implicações doa antropólogoa com o grupo pesquisado até se chegar a controversa da pesquisaação ou pesquisa participante fez avançar a própria importância deste método para a formação de um cientista social no campo da produção de conhecimento antropológico O que coloca a etnografia como uma forma fundamental de construção de conhecimento nas ciências sociais é justamente esta sua abertura ao mundo das interações sociais e culturais que unem o pesquisador às culturas e sociedades por ele investigadas e que reside em algumas perguntas cruciais sem que por isto se tenha para elas uma resposta única Como conciliar a necessidade metodológica do pesquisador se implica na vida cotidiana de um grupo humano e a implicação doa pesquisadora que desde aí decorre com a forma da vida humana que ele configura Como evitar nos tornarmos nós mesmos nativos ou de transformar os nativos em nós A ruptura com o senso comum sem dúvida é hoje uma questão que provoca verdadeira vertigem entre os cientistas sociais se pensarmos que neste senso comum estão as suas próprias produções teóricas e conceituais Na figuração de um tempo pós colonial o Outro o Diferente é ameaçado de se tornar o Mesmo o igual e isto pelas mãos dos próprios etnógrafos ou dos nativos transformados em antropólogos imbuídos da invenção ocidental da figura do nativo universal Segundo Sahlins 2001 no desencaixe espaçotempo do mundo póscolonial no encurtamento das distâncias que colocam o pesquisador e sua produção no interior do olho do furacão das guerras e disputas entre povos e culturas em busca de seus destinos o apelo moral da noção de nativo universal e da privação que ela impõe as possibilidades de compreensão da experiência nativa fora de suas particularidades ou pressupostos culturais como sugere a teoria perspectivista se tornou hoje outro dos grandes desafios da permanência do método etnográfico no campo das pesquisas sociais A prática etnográfica tem por desafio compreender e interpretar tais transformações da realidade desde seu interior Mas sabemos também que toda produção de conhecimento circunscreve o trajeto humano Assim o oficio de etnógrafo pela observação participante pela entrevista nãodiretiva pelo diário de campo pela técnica da descrição etnográfica entre outros coloca oa cientista social oa antropólogoa mediante o compromisso de ampliar as possibilidades de reconhecimento das diversas formas de participação e construção da vida social Referências Bibliográficas BACHELARD G A formação do espírito científico Rio de Janeiro Contraponto l996 BERGER Peter L e LUCKMANN Thomas A construção social da realidade Petrópolis Vozes 1973 BOAS Franz Lart primitif Paris Adam Biro 2003 BOURDIEU Pierre et alli A profissão de sociólogo preliminares epistemológicas Petrópolis Editora Vozes 2002 CALDEIRA Teresa Pires do Rio A presença do autor e a pósmodernidade em Antropologia In NOVOS ESTUDOS CEBRAP n 21 julho 1988 CALDEIRA Teresa Uma incursão pelo lado não respeitável da pesquisa de campo Ciências Sociais Hoje 1 Trabalho e cultura no Brasil Recife Brasília CNPq ANPOCS 1981 CARDOSO DE OLIVEIRA Roberto O trabalho do antropólogo SP Unesp 2000 CARDOSO DE OLIVEIRA Roberto Os diários e suas margens Brasília UNB 2002 CASTRO Eduardo B Viveiros de O campo na selva visto da praia XIV Encontro Anual da ANPOCS 22 a 26 de outubro de 1990 Caxambu Minas Gerais CLIFFORD James A experiência etnográfica antropologia e literatura no século XX RJ Ed UFRJ 1998 COULON Alain Lethnométhodologie Paris PUF 1987 COULON Alain A escola de Chicago Campinas Papirus Editora 1995 DA MATTA Roberto O oficio de etnólogo ou como ter anthropological blues In NUNES Edson de Oliveira organizador A aventura sociológica objetividade paixão improviso e método na pesquisa social Rio de Janeiro Zahar 1978 p 2335 DA MATTA Roberto Relativizando uma introdução a antropologia social Rio de Janeiro Petrópolis 1981 DURAND Gilbert Les structures anthropologiques de limaginaire Paris Dunod l980 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da Imagens do tempo nos meandros da memória por uma etnografia da duração In Koury Mauro G P org Imagem e Memória Estudos em Antropologia Visual Rio de Janeiro Garamond 2000 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da Escrituras hipermídiaticas e as metamorfoses da escrita etnográfica na era das textualidades eletrônicas In SEL Susana Imágenes y Medios en la Investigación Social Una mirada latinoamericana Buenos Aires UBA e FFL 2005 p 65 a 78 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da O tempo e a cidade Porto Alegre Editora da UFRGS 2006 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Etnografia de rua e câmera na mão Revista Eletrônica Studium httpwwwstudiumiarunicampbroito2htm FOOTE WHYTE William Sociedade de Esquina RJ Jorge Zahar Editor 2005 GEERTZ Clifford A interpretação das culturas Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 GEERTZ Clifford Obras e vidas o antropólogo como autor Rio de Janeiro Editora UFRJ 2002 LEIRIS Michel LAfrique Fantôme Paris Gallimard 1934 LEROIGOURHAN Andre Le geste et la Parole Paris AlbinMichel 1964 LÉVISTRAUSS Claude Introdução à Obra de Marcel Mauss In Sociologia e Antropologia SP EPUEDUSP 1974 p136 LEVYBRUHL Lucien Carnets Paris PUF 1998 MACDOUGALL David The visual in Anthropology In The corporeal image Film ethnography and the senses Princeton New Jersey Princeton University Press 2006 MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacífico Ocidental São Paulo Abril Cultural Pensadores Atica 1976 MEAD Margareth Anthropologie visuelle dans une discipline verbale In Pour une anthropologie visuelle France C org Paris Mouton 1979 PEIRANO Mariza Uma antropologia no plural Três experiências contemporâneas Brasília Ed UNB 1991 RABINOW Paul Antropologia da Razão Rio de Janeiro Relume Dumará 1999 RIBEIRO Darcy Diários Índios São Paulo Cia das Letras 2006 RICOEUR Paul Tempo e Narrativa São Paulo Editora Papirus l994 SAHLINS Marshall Como pensam os nativos São Paulo EDUSP 2001 THIOLLENT Michel Critica metodológica Investigação social e enquête operária São Paulo Polis 1980 VELHO Gilberto Observando o familiar In NUNES Edson de Oliveira organizador A aventura sociológica objetividade paixão improviso e método na pesquisa social Rio de Janeiro Zahar 1978 p 3646 VELHO Gilberto org O desafio da cidade Rio de Janeiro Ed Campus 1979 WINKIN Yves A nova comunicação São Paulo Papirus 1998 RESENHA ETNOGRAFIA SABERES E PRÁTICAS Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert O texto Etnografia saberes e práticas de ROCHA e ECKERT pode nos servir como uma leitura iniciática no campo da pesquisa antropológica através da práxis etnográfica Pois a etnografia segundo as autoras nos fornece uma espécie de imersão na prática da antropologia O olhar escutar registrar nos permitem um aproximação de diferentes tipos de culturas de fazeres de pessoas nos colocando face a face com um modo de pesquisar inteiramente humano Na introdução nos é colocado a importância da preparação e da entrada do pesquisador no campo dentro uma etnografia Desde já esclarecemos ao à alunoa de graduação que o método etnográfico é um método específico da pesquisa antropológica Outras ciências sociais recorrem não obstante a determinadas técnicas de pesquisas que são singulares ao método de pesquisa qualitativa Mas neste caso tratase de adotar alguns procedimentos técnicos próprios da pesquisa etnográfica como a observação e as entrevistas vinculadas agora a outros campos teóricos 1Artigo publicado no livro organizado por Céli Regina Jardim Pinto e César Augusto Barcellos Guazzelli Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008 de interpretação da realidade social que não a teoria antropológicaECKERT e ROCHA 2008 O texto demonstra uma dimensão humana empática da pesquisa ao orientar o pesquisador ao se aproximar das pessoas pertencentes ao espaço geográfico em que a pesquisa se empreende A proximidade com algum morador de alguma comunidade ribeirinha por exemplo facilita o processo de inserção do profissional antropólogo para a compreensão da vida cotidiana das práticas sociais religiosas culturais adentrando nas singularidades da comunidade e de seus pesquisados Um ponto importante no início das reflexões feitas pelas autoras é a ênfase na preparação e na elaboração da pesquisa etnográfica Como por exemplo a definição do campo pesquisa a abordagem antropológica a ser usada antropologia urbana antropologia rural antropologia social e demais áreas Pois a prática etnográfica ela se faz como uma espécie não só de iniciação do graduando na pesquisa mas também a porta de entrada do estudante para o mundo da pesquisa descobrindo seus métodos de coleta de dados suas metodologias com as quais tem mais afinidade A pesquisa sempre parte de um projeto que demanda rigor metodológico cumprimento com as normas técnicas de pesquisa dentro do seu ramo de estudo Um dos outros pontos decorridos no texto é a função valiosa do registro escrito no trabalho etnográfico Ele permite juntamente com a observação a escuta o envolvimento mais amplo do pesquisador com o nativo facilitando as entrevistas a observação orgânica do campo em processo de pesquisa O registro escrito deve sempre pode fornecer maiores detalhes na coleta de dados num levantamento qualitativo da pesquisa na formulação e reformulação de elementos presentes no projeto de pesquisa e durante a própria visita ao local onde se encontra objeto ou pesquisados A escrita no texto pode ser um ponto determinante para uma intensificação do processo de conhecer o local como campo de pesquisa Outro ponto referente á prática da escrita na etnografia é o auxílio que ela presta a outras ciências que também fazem pesquisa de campo com nativos líderes comunitários ou religiosos instituições em geral Ciências com a história a sociologia filosofia psicologia assistência social e até medicina fazem o uso de registros escritos nas suas pesquisas de campos para uma coleta de dados mais rica O conhecimento da trajetória da antropologia como prática interdisciplinar talvez é o principal requisito que é citado no presente deste abordado por esta resenha Saber da evolução das tecnologias usadas pelos antropólogos durante o desenvolvimento da ciência ajuda no apoio de novas produções do saber antropológico podendo colaborar para o enriquecimento de trabalhos acadêmicos para a literatura específica em na disciplina antropológica Assim como aprender a prática da etnografia lendo outras produções etnográficas isso enriquece o repertório do estudante em quaisquer níveis acadêmicos seja na graduação extensão mestrados e doutorados Ler um livro de cunho etnográfico é a mesma coisa que acrescentar um item valioso na bagagem do aluno do professorpesquisador podendo fazer arqueologias mais complexas no processo do trabalho etnográfico A etnografia é uma prática rica introdutória ao mundo das pesquisas de campo e uma agente de conhecimento de diversas culturas ao redor do mundo retirando o escopo tradicional da pesquisa científica focado em elementos culturais vindos de países europeus prática do etnocentrismo Fazendo da ciência um lugar de produção de conhecimento para uma universidade transformadora e ativa na sociedade como um elemento formador educador e acima de tudo libertador REFERENCIAL ROCHA Ana LC da ECKERT Cornélia Etnografia saberes e práticas In PINTO Céli Regina Jardim e GUAZZELLI César Augusto Barcellos Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008
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ETNOGRAFIA SABERES E PRÁTICAS1 Ana Luiza Carvalho da Rocha Cornelia Eckert Passando de uma atividade exclusivamente literária a prática da etnografia eu pensava romper com os hábitos intelectuais que tinham sido os meus até agora através do contato com homens de outra cultura e raça que não as minhas e com as muralhas que me sufocavam expandindo meu horizonte para uma medida verdadeiramente humana Michel Leiris 1934 Método etnográfico Técnicas de pesquisa etnográfica É freqüente se afirmar que o método etnográfico é aquele que diferencia as formas de construção de conhecimento em Antropologia em relação a outros campos de conhecimento das ciências humanas De fato o método etnográfico encontra sua especificidade em ser desenvolvido no âmbito da disciplina antropológica sendo composto de técnicas e de procedimentos de coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma convivência mais ou menos prolongada doa pesquisadora junto ao grupo social a ser estudado A prática da pesquisa de campo etnográfica responde pois a uma demanda científica de produção de dados de conhecimento antropológico a partir de uma interrelação entre oa pesquisadora e os sujeitos pesquisados que interagem no contexto recorrendo primordialmente as técnicas de pesquisa da observação direta de conversas informais e formais as entrevistas nãodiretivas etc Desde já esclarecemos ao à alunoa de graduação que o método etnográfico é um método específico da pesquisa antropológica Outras ciências sociais recorrem não obstante a determinadas técnicas de pesquisas que são singulares ao método de pesquisa qualitativa Mas neste caso tratase de adotar alguns procedimentos técnicos próprios da pesquisa etnográfica como a observação e as entrevistas vinculadas agora a outros campos teóricos 1 Artigo publicado no livro organizado por Céli Regina Jardim Pinto e César Augusto Barcellos Guazzelli Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008 de interpretação da realidade social que não a teoria antropológica Já o método etnográfico é a base na qual se apóia o edifício da formação de uma antropólogoa A pesquisa etnográfica constituindose no exercício do olhar ver e do escutar ouvir impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a realidade investigada se lhe apresenta Inicialmente em Antropologia a preparação para o trabalho de campo implica inúmeras etapas uma delas é a construção do próprio tema e objeto de pesquisa desde a adoção de determinados recortes teóricoconceituais do próprio campo disciplinar e suas áreas de conhecimento Antropologia rural Antropologia urbana etc Não é usual este projeto contemplar hipóteses iniciais de pesquisa uma vez que estas emergem na medida em que a investigação avança com a aproximação ao universo a ser pesquisado A observação direta Se o método etnográfico é composto por inúmeros procedimentos incluindo levantamento de dados de pesquisa probabilística e quantitativa demografia morfologia geografia genealogia etc a observação direta é sem dúvida a técnica privilegiada para investigar os saberes e as práticas na vida social e reconhecer as ações e as representações coletivas na vida humana É se engajar em uma experiência de percepção de contrastes sociais culturais e históricos As primeiras inserções no universo de pesquisa conhecidas como saídas exploratórias são norteadas pelo olhar atento ao contexto e a tudo que acontece no espaço observado A curiosidade é logo substituída por indagações sobre como a realidade social é construída Esta demanda é habitada por aspectos comparativos que nascem da inserção densa do pesquisador no compromisso de refletir sobre a vida social estando antes de mais nada disposto a vivenciar a experiência de intersubjetividade sabendo que ele próprio passa a ser objeto de observação LéviStrauss 1974 p 1 à 36 O A aprendiz a antropólogoa coteja os aspectos que percebe cada vez mais orientados por questões teóricoconceituais apreendidas já nos primeiros anos do curso de ciências humanas Após a elaboração de um projeto com tema pertinente ao campo de conhecimento antropológico e orientado por uma professora que lhe iniciará na pesquisa etnográfica a primeira atitude doda jovem cientista é aproximarse das pessoas dos grupos ou da instituição a ser estudada para conquistar a concordância de sua presença para a observação sistemática das práticas sociais A interação é a condição da pesquisa Não se trata de um encontro fortuito mas de uma relação que se prolonga no fluxo do tempo e na pluralidade dos espaços sociais vividos cotidianamente por pessoas no contexto urbano no mundo rural nas terras indígenas nos territórios quilombolas enfim nas casas nas ruas na roça etc que abrangem o mundo público e o mundo privado da sociedade em geral Logo após o pedido de consentimento por parte dos indivíduos ou das pessoas ou da concordância institucional oa pesquisadoraobservadora em sua atitude de estar presente com regularidade passa a participar das rotinas do grupo social estudado e sua técnica consiste então na observação participante A prática da etnografia se torna mais profunda e se constitui como uma forma doa antropólogoa pesquisar na vida social os valores éticos e morais os códigos de emoções as intenções e as motivações que orientam a conformação de uma determinada sociedade É recorrente se afirmar que oa antropólogoa não pode se transformar em nativoa submergindo integralmente ao seu ethos e visão de mundo tanto quanto não pode aderir irrestritamente aos valores de sua própria cultura para interpretar e descrever uma cultura diferente da sua própria o que consiste no etnocentrismo sob pena de não mais ter as condições epistemológicas necessárias à produção da etnografia Oa antropólogoa brasileiro Roberto Da Matta 1978 e 1981 denomina este sentimento de estar lá e do estar aqui como parte das tristezas doa antropólogoa um eterno desgarrado de sua própria cultura mas na eterna busca do seu encontro com outras culturas Por isto podemos caracterizar a antropologia como a ciência que trata da diversidade cultural O trabalho de conhecer A pesquisa de campo etnográfico consiste em estudarmos o Outro como uma Alteridade mas justamente para conhecer o Outro A observação é então esta aprendizagem de olhar o Outro para conhecêlo e ao fazermos isto também buscamos nos conhecer melhor Esta busca de conhecimento é sempre orientada por questões conceituais aprendidas no estudo das teorias sociais Todo tempo estamos portanto desenvolvendo o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu definiu como uma teoria em ato apud Thiollent 1980 A cada percepção que nos permite refletir conceitualmente operamos o que o filósofo francês Gaston Bachelard ensinou em sua obra de iniciação A formação do espírito científico sobre como vencer obstáculos epistemológicos imbuídos de uma cultura científica Fascinado pelas generalizações de primeira vista logo somos mobilizados pela motivação científica e superamos as armadilhas de explicar o que observamos pelo senso comum Ao recorrermos às idéias científicas podemos então ordenar nossas descobertas em uma lógica inteligente que provoca o conhecimento intelectual sobre o observado sobre a situação pesquisada sobre as dinâmicas sociais investigadas Bachelard nos ensina aqui que vivemos no campo científico uma ruptura epistemológica Bachelard 1996 Esta descoberta sobre o Outro é uma relação dialética que implica em uma sistemática reciprocidade cognitiva entre oa pesquisadora e os sujeitos pesquisados A acuidade de observar as formas dos fenômenos sociais implica na disposição doa pesquisadora a permitirse experimentar uma sensibilidade emocional para penetrar nas espessas camadas dos motivos e intenções que conformam as interações humanas ultrapassando a noção ingênua de que a realidade é mensurável ou visível em uma atitude individual O observar na pesquisa de campo implica na interação com o Outro evocando uma habilidade para participar das tramas da vida cotidiana estando com o Outro no fluxo dos acontecimentos Isto implica em estar atentoa as regularidades e variações de práticas e atitudes reconhecer as diversidades e singularidades dos fenômenos sociais para além das suas formas institucionais e definições oficializadas por discursos legitimados por estruturas de poder A pesquisa se inicia pela aprovação de um projeto que contenha as intenções teóricas e categorias antropológicas que fundamentam as etapas do desenvolvimento do trabalho de campo sob a orientação de um professorapesquisadora antropólogoa Existem múltiplas maneiras da inserção em campo ser iniciada mas em sua maioria uma etnografia se estréia com um processo de negociação doa antropólogoa com indivíduos eou grupos que pretende estudar transformandoos em parceiros de seus projetos de investigação compartilhando com eles e com elas suas idéias e intenções de pesquisa O consentimento implica em saber quando e onde ir com quem e o que se pode ou não falar como agir diante de situações de conflito e risco etc Algumas vezes oa antropólogoa é iniciadoa no seu trabalho de campo por um dos membros do grupo que investiga Em geral denominamos estea personagem que nos apóia nos primeiros passos no contexto da pesquisa de interlocutor principal quando não pela carinhosa denominação de padrinho ou madrinha de iniciação Outras vezes se coloca em campo a partir do consentimento de uma determinada instituição que avalia a pertinência da pesquisa para sua concordância ou ainda uma organização que desenvolve ações junto ao grupo com o qual pretende trabalhar O antropólogo americano William Foote Whyte 2005 fez sua entrada em campo nas ruas da cidade Buscava se aproximar dos moradores do quarteirão italiano de um bairro de Boston Cornerville Esta aproximação é mediada por um trabalhador que lhe apresentará Doc chefe de um grupo de jovens que lhe colocará em contato com seus companheiros através dos quais irá conhecer uma rede densa de relações no bairro Fica evidente que a expressão entrada em campo possui uma rica ambigüidade Para oa etnógrafoa entrar em campo significa tanto a permissão formal do nativo para que ele disponha de seu sistema de crenças e de práticas como objetotema de produção de conhecimento em antropologia quanto o momento propriamente dito em que oa antropólogoa adquire a confiança doa nativoa e de seu grupo os quais passam a aceitar se deixar observar peloa etnógrafoa que passa por sua vez a participar de suas vidas cotidianas A escuta atenta A entrada em campo sempre transcorre desde uma rede de interações tecidas peloa antropólogoa no seu contato com um grupo determinado sendo o trabalho de campo um laborioso trabalho de entrada doa etnógrafoa desde uma situação periférica no interior da vida coletiva deste grupo até seu deslocamento progressivo no coração dos dramas sociais vividos por seus membros Obviamente não todos mas aqueles aos quais oa antropólogoa aderiu em seu trabalho de campo A experiência situada é aquela que orienta a prática da pesquisa em antropologia que jamais pretende atingir um conhecimento do mundo social a partir da posição que ele ela ocupa no seu interior Todo o conhecimento produzido e acumulado pelo pensamento antropológico está referido a experiência singular que oa etnógrafoa desenvolve com a sociedade que investiga A inserção no contexto social objetivado peloa pesquisadora para o desenvolvimento do seu tema de pesquisa oa aproxima cada vez mais dos indivíduos dos grupos sociais que circunscrevem seu universo de pesquisa Junto a estas pessoas oa pesquisadora tece uma comunicação densa orientada pelo seu projeto de intenções de pesquisa A presença se prolonga e oa antropólogoa participa da vida social que pesquisa interagindo com as pessoas no espaço cotidiano compartilhando a experiência do tempo que flui Esta comunicação se densifica com a aprendizagem da língua do nativo para a compreensão de suas falas quando necessário com o reconhecimento dos sotaques ou das gírias com a aprendizagem dos significados dos gestos das performances e das etiquetas próprias ao grupo que revelam suas orientações simbólicas e traduzem seus sistemas de valores para pensar o mundo O antropólogo americano Clifford Geertz 1978 sugere aqui que estaremos desvendando o tom e a qualidade da vida cultural o ethos e o habitus do grupo ou seja estaremos interpretando o sistema simbólico que orienta a vida e conforma os valores éticos dos grupos sociais em suas ações e representações acerca de como viver em um sistema social Isto significa estar junto nas situações ordinárias vividas como possibilidade interpretativa dos ditos e não ditos que se constituem como parte fundamental das aprendizagens de seu métier A disposição de escutar o Outro não é tarefa evidente Exige um aprendizado a ser conquistado a cada saída de campo a cada visita para a entrevista a cada experiência de observação Os constrangimentos enfrentados pelo desconhecimento vão sendo superados pela definição cada vez mais concreta da linha temática a ser colocada como objetivo da comunicação Dizse então que a prática etnográfica permite interpretar o mundo social aproximandose o pesquisador do Outro estranho tornandoo familiar ou no procedimento inverso estranhando o familiar superando o pesquisador suas representações ingênuas agora substituídas por questões relacionais sobre o universo de pesquisa analisado Da Matta 1978 e Velho 1978 O universo de pesquisa o contexto estudado Os Jogadores de futebol de várzea os fiéis de uma determinada casa de religião os moradores de uma vila de invasão os habitantes de um cortiço de esquina de um bairro popular os grupos de travestis e as prostitutas em seus territórios de batalha os freqüentadores de fast foods os doadores de rins os vendedores de artesanato no mercado de pulgas os voluntários em uma Ong ativista ambiental os jovens de classe média que ficam numa boate etc todas estas redes sociais tem sua forma própria de pertencer e viver construindo realidades culturais próprias A escolha do tema de pesquisa leva a opção pela inserção em um contexto social específico que responde a demanda intelectual doa antropólogoa Questões iniciais de dificuldades ou impedimentos são levadas em conta em torno das condições sociais concretas para a reciprocidade almejada Sobretudo as pessoas devem estar cientes da intenção do pesquisador e somente na disponibilidade e cumplicidade a pesquisa tem sua continuidade Este lugar não é neutro de sentidos Cada acontecimento está vinculado ao contexto social em que a ação humana é desenvolvida O esforço de construir este cenário social é então fundamental em toda monografia para que os futuros leitores possam compartilhar dos matizes que orientaram os procedimentos sociais nos atos interativos bem como ter o mínimo de dados sobre as disposições sociais que estavam em jogo nas interações cotidianas Este contexto é elaborado a partir de dados observados estudos históricos revisão bibliográfica de pesquisas já desenvolvidas sobre o tema análise de discursos e de documentos históricos estudo de imagens produzidas etc enfim uma gama de dados empíricos e conceituais coletados e interpretados nesta atitude arqueológica de reconstruir o saber produzido sobre o universo social pesquisado O exercício da escrita e a ipseidade A cada investida em campo oa etnógrafoa segue o modelo clássico fundado pelos primeiros antropólogos que se aventuravam em viagens para conhecer os povos nominados na época de exóticos simples e distantes Tratase do registro escrito em notas diários ou relatos das experiências observadas ou escutadas no cotidiano da investigação O que se escreve Recorremos aqui ao famoso antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro 2006 que responde de forma muito simples Meus diários são anotações que fiz dia a dia lá nas aldeias do que via do que me acontecia e do que os índios me diziam Este ato de escritura define a capacidade de recriar as formas culturais que tais fenômenos adotam e permite exercitar a habilidade de lhes dar vida novamente agora na forma escrita com base em uma estrutura narrativa Eis alguns pontos em comum entre o método etnográfico e o romance e que aproxima a Antropologia da Literatura O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira recorre a uma expressão em inglês para definir esta experiência de escrever sobre a experiência de observar o Outro e escutar o Outro Semantical Gap Isto quer dizer que oa antropólogoa vivencia seja na interação face a face seja no ato de refletir sobre esta experiência o momento de descoberta do Outro mas onde o pesquisador faz sempre um retorno a si mesmo porque ele também se redescobre no Outro Oa antropólogoa reconhece ao se relacionar na pesquisa de campo uma diferença uma separação de valor um abismo entre valores que é definido desde a fundação da premissa de estranhar o Outro como de relativismo cultural Este momento é uma experiência única e intransferível Uma busca de conhecimento orientada por conceitos de um campo semântico da teoria antropológica que nos estimula a questões antietnocêntricas quer dizer de não fazer com que os juízos de valores da sociedade doa próprioa pesquisadora persistam ao olhar o Outro evitando a armadilha de ver o Outro com os valores de uma sociedade tão distante que gere e reproduza o preconceito Para muitos uma mescla entre arte e ciência o método etnográfico se conforma num processo lento longo e trabalhoso de acesso as inúmeras camadas interpretativas da vida social e que conforma os fenômenos culturais tanto quanto num laborioso procedimento de reapresentar as formas culturais na qual tal vida social se apresenta para seus protagonistas A antropóloga americana Margareth Mead 1979 em um artigo célebre já havia pontuado entre seus colegas que uma das peculiaridades da antropologia desde suas origens é a de ser uma disciplina de palavras A autora ao desenvolver seu argumento revela que a prática etnográfica se traduz na memorização de acontecimentos orais complexos cerimônias conversas relatos comentários interações verbais etc que necessitam ser registrados classificados correlacionados comparados e logo após retomados pelo etnógrafo na forma de estudos monográficos através do uso de conceitos teóricos e metodológicos do seu campo disciplinar e não do próprio nativo Todoa oa etnógrafoa é por assim dizer uma escriba Para muitos cientistas sociais a sua formação no oficio de etnógrafo passa pelo espinhoso processo da escrita de uma monografia ou seja um estudo pontual e denso sobre uma prática cultural qualquer analisada onde necessita transpor para a escrita sua experiência com o grupo pesquisado O sofrimento que a escrita traz para este aprendiz de etnógrafoa é mais complexa quanto mais ele ou ela se dedicarem ao estudo de práticas cujos contextos culturais são marcados pela forte presença da oralidade na sua forma de expressiva caso dos estudos de contos e de lendas do folclore popular de cantos e mitos em sociedades indígenas ou tribais A prática da etnografia traz para o campo do debate hoje as questões da restituição etnológica isto é o retorno ao grupo pesquisado das informações e dados que oa etnógrafoa deles retirou quando de sua estadia entre eles Esta foi sem dúvida uma das grandes contribuições dos antropólogos americanos que reivindicam uma antropologia pós moderna Estes se preocuparam fortemente com estas questões da autoridade etnográfica dos escritos dos antropólogos e do lugar de autor que este ocupa no momento de oferecer a comunidade dos antropólogos suas interpretações da cultura do Outro Produção de estudos monográficos que apresentam dados situações acontecimentos da vida cotidiana do nativo cuja natureza é diversa daquela dos dados obtidos no trabalho de campo Não cabe no computo deste artigo discutir mas vale lembrar que a prática da escrita em antropologia e o trabalho de edição revisão e editoração representa um rito de passagem importante para a formação de um antropólogo precisamente pela forma como a linguagem escrita permite ao próprio pensamento antropológico dar conta da natureza do construto intelectual que orienta a representação etnográfica Importante se ressaltar que o trabalho de escrita etnográfica tal qual aparece nos estudos monográficos clássicos foi obviamente concebido a posteriori geralmente com o apoio de casas de edições interessadas na venda de tais monografias sob a forma de livros A leitura dos clássicos tal qual se apresenta no espaço livresco não pode ignorar que a realização de um trabalho etnográfico necessita a prática de um dispositivo de pensamento especulativo preliminar onde a escrita exploratória e ensaística é fundamental para o seu processo de pensar seu próprio pensamento A organização do trabalho de campo em fases bem precisas totalmente esquemáticas preparação coleta de dados análise dos dados e escrita final do estudo monográfico dissertação ou tese é neste sentido uma ilusão criada pelo espaço livresco por onde circulam as etnográficas clássicas do pensamento antropológico e do qual todoa oa aprendiz de etnógrafoa precisa ter acesso A escrita etnográfica desde a contribuição de Clifford Geertz O antropólogo como autor de James Clifford A experiência etnográfica e de Paul Rabinow Antropologia da razão supõe atualmente a pesquisa com novas formas de escritas etnográficas como forma de acomodar as questões da controversa da restituição etnológica da palavra do Outro Conhecer a trajetória da antropologia como campo de idéias disciplinares A prática do método etnográfico é seguida do estudo sistemático da construção do campo da disciplina antropológica Este procedimento permite a compreensão das disposições intelectuais e ideológicas da trajetória do método antropológico em que o pesquisador se engaja Compõese portanto de um dos processos de formação pelos quais um aluno do curso de ciências sociais necessita apreender para se formar na prática de investigação crítica que delimita a produção de conhecimento em Antropologia na sua relação com os demais campos das ditas sociais O encontroconfronto do cientista social com as sociedades nãoeuropéias foi evidentemente que deu origem a este modo de conhecimento particular elaborado desde a técnica da observação rigorosa contínua e regular da vida social a partir da localização do investigado no interior das formas da vida social que pretendia estudar Procurava impregnarse lenta e sistematicamente dos grupos humanos com os quais mantinha então estreita troca e interação Nas palavras do antropólogo alemão Franz Boas Qualquer um que tenha vivido entre as tribos primitivas compartilhado suas alegrias e seus sofrimentos que tenha conhecido com eles seus momentos de provação e abundância e que não os encarem como simples objetos de pesquisa examinados como célula num microscópio mas que os observe como seres humanos sensíveis e inteligentes que são admitiria que eles nada possuem de um espírito primitivo de um pensamento mágico ou pré lógico e que cada individuo no interior de uma sociedade primitiva é um homem uma mulher ou uma criança da mesma espécie possuindo uma mesma forma de pensar sentir e agir que um homem uma mulher ou uma criança de nossa própria sociedade Boas 2003 p 32 Bronislaw Malinowski e Franz Boas foram os pais fundadores deste método ao explorarem a distância que separava suas sociedades daquelas por eles investigadas Suas obras Os argonautas do pacífico ocidental e A alma primitiva respectivamente são exemplos da experiência de alteridade na elaboração da experiência etnográfica tão necessária à formação de um antropólogo mesmo nos dias de hoje Diz o antropólogo polonês e posteriormente naturalizado inglês Se um homem embarca em uma expedição decidido a provar certas hipóteses e se mostra incapaz de modificar sem cessar seus pontos de vistas e de abandonálos em razão de testemunhos inútil de dizer que seu trabalho não terá valor algum Malinowski 1976 p 65 Estranhamento e relativização foram conceitos cunhados na tradição do pensamento antropológico na sua tentativa de dar conta dos processos de transformação do olhar o outro o diferente desde os deslocamentos necessários do olhar doa antropólogoa sobre si mesmo e sua cultura o igual A antropologia dos mestres fundadores foi assim responsável no campo das ciências sociais por uma revolução epistemológica pela forma como a pesquisa etnográfica tendo como fundamento o trabalho de campo junto as sociedades ditas primitivas provocaria nas formas das ciências sociais produzir conhecimento ao longo do século XX conquistando vigor metodológico na investigação antropológica nas modernas sociedades complexas A etnografia como método de investigação das modernas sociedades complexas como método de investigação influenciou as formas de se fazer pesquisa entre os sociólogos da Escola de Chicago Este grupo de sociólogos americanos e europeus tinha por interesse comum nos anos 30 do século XX desenvolver um método e conceitos pertinentes para tratar do fenômeno urbano e industrial Suas descobertas para compreender a sociedade moderna amplificaram seus efeitos nos questionamentos no campo da pesquisa em ciências sociais pela forma como a etnometodologia encontrou nos estudos clássicos dos antropólogos sua fonte de inspiração para o estudo microscópico das formas de vida social de nossas próprias sociedades na cultura ocidental urbanoindustrial No inicio do séc XX principalmente após as crises dos anos 1930 eram inúmeros os cientistas sociais que participavam de instituições públicas ou privadas que tinham por centro de suas ações o trabalho com grupos eou indivíduos vivendo em situações de crise social Muitos destes cientistas fizeram destas experiências seu tema e objeto de teses em universidades efetuandose assim a passagem da participação para a observação das situações vividas por tais indivíduos eou grupos numa tentativa de reunilos no interior de um mesmo procedimento metodológico A etnometodologia foi neste caso fundamental para a pesquisa no campo das ciências sociais migrarem de procedimentos e técnicas de pesquisa influenciadas por uma sociologia funcionalista ou positivista para uma microsociologia com grande influência do método etnográfico em Antropologia Um exemplo paradigmático é a Escola de Chicago que influenciou grandemente os estudos antropológicos em sociedades complexas em especial orientando para a análise das práticas culturais no contexto da vida social nos grandes centros urbanos Reunindo esta experiência ao método etnográfico a área de conhecimento da Antropologia inovou em suas formas de pesquisar os fenômenos sociais nas modernas sociedades urbanoindustriais ao propor o conceito de relativização como inerente à pesquisa em ciências sociais resultado do jogo polêmico entre participação e distanciamento do pesquisador em relação ao seu próprio território de pesquisa Outra forma de se produzir conhecimento em ciências sociais se expande desde aí tendo como foco o tema das necessárias rupturas epistemológicas conforme Pierre Bourdieu 1999 Para o sociólogo francês tal pesquisa necessita contemplar o sentido reflexivo da trajetória dos conceitos e teorias produzidos superando a força e a qualidade heurística das ditas ciências duras A apresentação do mundo subjetivo do pesquisador como parte integrante dos procedimentos científicos de objetivação a pesquisa do mundo social e não como impedimentos a sua realização encontram na história das técnicas de pesquisa em antropologia uma fonte de inspiração Aprender a etnografia lendo etnografias A pergunta doa alunoa ao professora antropólogoa é freqüente como posso aprender a fazer uma boa etnografia Existe algum modelo que possas me sugerir Tenho pressa Oa professora antropólogoa sempre responde da mesma forma Não existe nenhuma receita de bolo pronta ou cursinho Walita2 a seguir Você pode começar por ler o Manual etnográfico de Marcel Mauss ou os vários livros que buscam sistematizar as técnicas de pesquisa etnográfica Mas somente lendo boas etnografias os diários as crônicas de viajantes uma boa literatura os laudos de pesquisa os relatos de campo somado ao estudo sistemático de abordagens teóricas é que você conseguirá passar pelo processo de formação epistemológica na experiência etnográfica Oa alunoa conformadoa de que a pressa não adiantará de nada entenderá que a prática da etnografia se baseia nesta disponibilidade de pesquisar a partir de um método que oa coloque no encontro direto com os indivíduos eou grupos em situações de vida ordinárias Lendo os chamados clássicos da etnografia oa aprendiz configura o que significa a experiência doa etnógrafoa misturarse no seio do grupo social colocandose em perspectiva a partir de conversas diálogos que nascem das interações sempre na expectativa de compreender as intenções e motivações que orientam as ações dos Outros e as suas Desvenda aos poucos os acontecimentos rituais cerimônias eventos conflitos solidariedades etc particulares interpretando os sentidos nele contidos Pela leitura das etnografias oa pesquisadora vai participando cada vez mais de uma comunidade de comunicação que compartilha de um estilo de produção do conhecimento sempre orientadoa por interrogações e inquietações de seu tema e objeto de pesquisa o que está se passando naquele momento em que um determinado acontecimento esta ocorrendo 2 Cursinho Walita resultou de uma publicidade da venda de liquidificadores Walita que sugeriam receitas de culinária rapidamente elaboradas com o uso do aparelho Quem faz o quê nestas situações Quem é quem na ordem destes acontecimentos Quais as razões de tudo aquilo se passar da forma como está se passando Quais as razões das coisas serem como são Baseado no aprendizado da leitura etnográfica oa pesquisadora perde este lugar de mal necessário e se torna provocador de questões mais pontuais sobre a vida das pessoas e dos grupos com as quais está dialogando convidandoos a pensar sobre o sentido de suas práticas cotidianas No interior deste diálogo oa etnógrafoa transforma assim os acontecimentos ordinários da vida dos indivíduos eou dos grupo com os quais interage em evento extraordinário promovendo entre eles o desafio de refletir conjuntamente sobre si mesmos As implicações de ser um etnógrafo a vigilância epistemológica O método etnográfico se define pelas técnicas de entrevista e de observação participante complementares aos procedimentos importantes para o cientista adequar suas preocupações estritamente acadêmicas e academicistas à trama interior da vida social que investiga Uma das razões pela qual na etnografia a entrevista transcorre desde a elaboração da estrutura de um roteiro de inquietações doa pesquisadora flexível o suficiente para aderir as situações subjetivas que estão presentes no encontro etnográfico A preocupação desmedida doa pesquisadora com a estrutura de uma entrevista dirigida quase transformado em questionário e sua insistência no afastamento do entrevistado de uma reflexividade sobre suas situações de vida ordinária em antropologia pode conduzir o etnógrafo muitas vezes ao desencontro etnográfico e até mesmo ao desconforto do desinteresse por parte do grupo de investigação Ao contrário as relações de reciprocidade mesmo que oscilantes em dias de pesquisa ditos mais produtivos e outros permeados de dificuldades de toda ordem o informante que deu bolo a desconfiança de um entrevistado sobre a fidelidade de suas concepções etc são construídas em situações de entrevistas livres abertas semiguiadas repletas de trocas mútuas de conhecimento Além destas duas técnicas associadas ao método etnográfico existe outra de extrema importância para todo oa antropólogoa a técnica da escrita do diário de campo Após cada mergulho no trabalho de campo retornando ao seu cotidiano de antropólogo o etnógrafo necessita proceder a escrita de seus diários de campo Os diários íntimos dos antropólogos trazem farta bibliografia sobre os medos os receios os preconceitos as dúvidas e as perturbações que o moveram no interior de uma cultura como forma de compreensão da sociedade por ele investigada Tratase de anotações diárias do que oa antropólogoa vê e ouve entre as pessoas com que ele compartilha um certo tempo de suas vidas cotidianas Os diários de campo entretanto não servem apenas como um instrumento de passar a limpo todas as situações fatos e acontecimentos vividos durante o tempo transcorrido de um dia compartilhado no interior de uma família moradora de uma vila popular com quem passou um tempo para pesquisar o tema da violência urbana Ele é o espaço fundamental para oa antropólogoa arranjar o encadeamento de suas ações futuras em campo desde uma avaliação das incorreções e imperfeições ocorridas no seu dia de trabalho de campo dúvidas conceituais e de procedimento ético Um espaço para oa etnógrafoa avaliar sua própria conduta em campo seus deslizes e acertos junto as pessoas eou grupos pesquisados numa constante vigilância epistemológica Evidentemente que o diário de campo não é algo que possa ser escrito ao mesmo tempo em que me encontro compartilhando com os outros suas vidas no dia a dia Ele resulta de outro instrumento o caderno de notas É no caderno de notas de campo onde oa antropólogoa costuma registrar dados gráficos anotações que resultam do convívio participante e da observação atenta do universo social onde está inserido e que pretende investigar é o espaço onde situa o aspecto pessoal e intransferível de sua experiência direta em campo os problemas de relações com o grupo pesquisado as dificuldades de acesso a determinados temas e assuntos nas entrevistas e conversas realizadas ou ainda as indicações de formas de superação dos limites e dos conflitos por ele vividos O caderno de notas e o diário de campo são instrumento de transposição de relatos orais e falas obtido desde a inserção direta doa pesquisadora no interior da vida social por ele ou por ela observada Muitos destes cadernos de notas e diários contendo dados brutos de observações diretas em campo conduziram os antropólogos ao estudo e a pesquisa por exemplo com as gramáticas e os vocabulários que constituem os diferentes dialetos de uma mesma língua falados pelas sociedades por eles pesquisadas com as genealogias de parentesco que organizam seu corpo social os mitos e os rituais que vivificam o sentido coletivo de suas vidas etc Nos termos de Roberto Cardoso de Oliveira 2000 ver ouvir e escrever como parte integrante da prática da etnografia não se limita a ações simples mas giram em torno das implicações do pesquisador com sua pesquisa uma vez que ela repousa sobre a qualidade e densidade das trocas sociais doa antropólogoa com os grupos com os quais esta compartilhando experiências O resultado de um trabalho de campo se mede pela forma como oa próprioa antropólogoa vai refletir sobre si mesmo na experiência de campo A confrontação pessoal com o desconhecido o contraditório o obscuro e o confuso no interior de simesmo é uma das razões que conduzem inúmeros autores a considerar a etnografia como uma das práticas de pesquisa mais intensas nas ciências sociais Não raro os diários são hoje publicados ou revistos para publicação pelosas própriosas antropólogosas como é o caso do Os diários e suas margens viagem aos territórios Terêna e Tükúna de Roberto Cardoso de Oliveira em uma clara intenção de devolução da obra escrita e fotografada aos povos indígenas hoje em crescente índice de alfabetização e tomados agora como leitores potenciais de sua própria história registrada e relatada pelo antropólogo Cardoso de Oliveira 2002 p 13 Esta crescente circularidade das produções etnográficas elaboradas no âmbito acadêmico para contextos alémmuros universitários consiste numa perspectiva de democratização e compartilhamento político do trabalho de pensar o mundo social Como esclarece o antropólogo americano Marshall Sahlins Agora duzentos anos mais tarde uma marcada consciência de cultura está reaparecendo no mundo todo entre as vítimas atuais e passadas da dominação ocidental é como expressão de exigências políticas e existenciais semelhantes Esse culturalismo tal como foi chamado está entre os mais surpreendentes e talvez mais significativos fenômenos da história do mundo moderno Sahlins 2001 p 28 A tendência monográfica e a grafia da luz A pesquisa elaborada no suporte escrito segue a tendência monográfica tendo por projeto acadêmico divulgar e circular a descrição da experiência etnográfica A prática da escrita tem sido o espaço da produção intelectual do etnógrafo por excelência A escrita de artigos de ensaios de livros de teses e dissertações ou de trabalhos monográficos tem sido a forma adotada para a expressão final de um trabalho de campo com base no método etnográfico a ser reconhecido pelos pares do mundo acadêmico Entretanto assistese ao longo do último século uma reorientação desta tendência no sentido de agregar a ela a produção de etnografias através do uso de recursos audiovisuais como foi o caso da adoção da câmera fotográfica por Bronislaw Malinowski entre os trombriandeses e por Margaret Mead e Gregoire Bateson entre os balineses para citarmos apenas alguns entre outros antropólogosas que produziram imagens nas experiências de campo nos primeiros cinqüenta anos do século XX O antropólogo visual australiano David MacDougall 2006 reflete sobre estas questões que decorrem do uso do método etnográfico na pesquisa em ciências sociais Ele afirma que a produção textual de etnografias tem seus limites expressos no fato de que a linguagem escrita reapresenta as diferenças culturais sob uma forma esquemática em detrimento da concretude da experiência etnográfica traduzida por exemplo pela via da fotografia e do filme Na produção textual segundo o autor o nativo se deixa ver pela mão do etnógrafo desde um ponto de visa generalizante abstrato e normativo da palavra escrita em seu desespero de expressar as formas como os fenômenos foram vividos em campo peloa antropólogoa Outro fator determinante da escrita etnográfica é que na medida em que o texto circula e é reinterpretado pelo ato da leitura os dados etnográficos se depositam na forma de uma produção textual e se tornam pouco a pouco independentes de seu contexto original de enunciação pois são reinterpretados desde outros lugares e contextos de leituras Estas questões sobre as modalidades de escrita do pensamento antropológico tecer suas interpretações sobre a cultura nativa são aspectos fundamentais do avanço nos usos dos procedimentos e técnicas dos recursos audiovisuais para a prática da pesquisa de campo em Antropologia nos últimos 30 anos Se antes a expressão figurativa do outro poderia ser vista negativamente porque congelava a cultura do nativo e o próprio nativo numa imagem determinada alusiva apenas a um momento de sua vida compartilhada com o etnógrafo que o fotografou e o filmou durante seu trabalho de campo hoje este mesmo traço figurativo já se coloca de outra forma através do olhar de uma tradição interpretativa em antropologia que longe da ingenuidade positivista não atribui a imagem técnica seu estatuto de duplo ou cópia do real Acumulados ao longo dos anos nos acervos pessoais dos antropólogos ou nos arquivos institucionais as imagens visuais e sonoras captadas e registradas do nativo e de sua cultura durante os vários momentos do trabalho de campo permitem precisamente avaliar o grau de impacto da presença do etnógrafo entre a população por ele estudada Para David MacDougalll 2006 o caráter figurativo da imagem fotográfica e filmica hoje cada vez mais videográfica ao mesmo tempo em que permite a quem as manipula pensar nas semelhanças e diferenças entre ele e a cultura retratada na imagem conduz a uma reflexão sobre a passagem do tempo do qual estas imagens resultam Precisamente por que é o seu traço figurativo que podemos perceber quase como pistas desvendando os gestos e motivações simbólicas que orientaram o olhar etnográfico para a composição daquela forma de representação do nativo e não de outra Etnografia e as novas tecnologias Até recentemente o leitor era orientado a ler na interface de um livro ou a olhar as imagens ilustrativas anexas para conhecer e compartilhar da experiência etnográfica e do potencial analítico conceitual doa antropólogoa em sua objetividade científica Após os aprendizados com a interface da fotografia e do cinema é na era das textualidades eletrônicas que se renova o desafio da metamorfose da escrita etnográfica Neste contexto o clique aqui é o convite de um contrato de trocas complexas e efêmeras que colocam autrement o ato sempre possível da interatividade entre o pesquisador e os sujeitos da interpretação Vale ressaltar que uma das últimas fronteiras hoje é a produção de novas escritas etnográficas com base no contexto enunciativo que constituem as novas textualidades eletrônicas e digitais Uma antropologia do cyberspace ou no cyberspace é hoje uma das formas possíveis de expressão do trabalho de campo em Antropologia através do uso do método etnográfico clássico em ambientes virtuais o que tem gerado uma reflexão cada vez maior em torno do processo de desterritoralização da representação etnográfica e a desmaterialização do texto etnográfico no âmbito das ciências sociais O processo de desencaixe espaçotempo que as novas tecnologias da informática têm proposto para os lugares da memória no corpo da sociedade contemporânea ao configurar as relações entre homem e cosmos em redes mundiais de comunicação tem provocado nas ciências humanas a necessidade de se aprofundarem novas formas de entendimento das estruturas espaçotemporais que conformam a magia dos mundos virtuais Para enfrentar esse e outros desafios o que se coloca cada vez mais é a relevância não apenas de refletir sobre as diferentes modalidades de tecnologias de pensamento oralidade escrita redes digitais empregadas pelas sociedades humanas para liberar a memória de seu suporte material seguimos aqui LeroiGourhan 1964 até atingir sua expressão recente em redes eletrônicas e digitais mas principalmente de indagar a respeito das operações e proposições por meio das quais as ciências humanas têm enfrentado até o momento o conhecimento da matéria do tempo e suas cadeias operatórias Importa aqui tratar da cultura da tela Eckert e Rocha 2005 e da civilização da imagem Durand 1980 como novas formas de reorganização dos saberes que suportes mais tradicionais disponibilizam transfigurando seu sentido original e atribuindolhes uma significação mais móvel plural e instável pelo caráter granular que atribui a todos eles Podese supor a possibilidade de uma etnografia hipertextual Eckert e Rocha 2005 com base numa retórica mais aberta dinâmica fluida de disponibilização dos dados etnográficos em web tanto para o pesquisador quanto para sua comunidade lingüística o que contempla uma alteração na forma como até então as ciências sociais vinham produzindo conhecimento Conclusões Os fundamentos da prática etnográfica portanto apontam assim para o papel que assume o pesquisador da área das ciências sociais na sua investigação da vida social no coração dela uma questão que se tornou central principalmente nos anos 50 e 60 do século XX mais particularmente quando o objeto da Antropologia migra das sociedades ditas primitivas para as sociedades dos próprios antropólogos O papel do etnógrafo diante da coisa e das pessoas por ele pesquisadas seu grau de implicações com elas sua forma de participar no transcurso dos processos da vida social que se modifica e transforma no tempo e no espaço configurase na própria delimitação do trabalho de campo segundo a situação que nela ocupa o pesquisador em relação ao fenômeno etnografado Em antropologia a dissimulação doa etnógrafoa sua profissão seus objetivos suas intenções etc no interior do grupo a ser pesquisado desencadeia inconvenientes de ordem éticomoral que tem sido debatido pela sua comunidade de pesquisadores que tendem a rejeitar a situação em que oa antropólogoa esconde suas verdadeiras intenções em campo A figura doa antropólogoa travestido de nativo é portanto rara na prática do método etnográfico colocando em risco precisamente o pacto de confiança e cumplicidade com o grupo que investiga e desde aí comprometendo a natureza dos dados por ele obtidos O método etnográfico opera precisamente com esta distensão infinita doa antropólogoa diante de si e do outro sendo no interior deste vazio de sentido que brota sua reflexão sobre as culturas e sociedades humanas Importante se frisar que duração de uma etnografia não é a mesma da duração da temporalidade do próprio fenômeno social e cultural investigado Desde suas origens a prática do trabalho de campo em Antropologia vem confrontando situações de extrema complexidade nem sequer imaginadas pelos seus pais fundadores Cada vez mais investigando os fenômenos de sua própria sociedade oa antropólogoa ao usar o método etnográfico se confronta com difíceis questões éticomorais no delineamento de suas relações com as pessoas eou grupos sociais por ele pesquisados Neste sentido a prática da etnografia no mundo póscolonial desdobraramse em importantes debates sobre o lugar doa antropólogoa e das ciências sociais no âmbito por exemplo das lutas pelos direitos humanos e dos direitos sexuais no mundo contemporâneo Esta complexidade decorre da interdependência que une hoje o oficio doa antropólogoa as formas de vida dos interlocutores onde muitas vezes se vê constrangido a participar das atividades de lutas de defesa das suas culturas Se antes o ato de participar que configurava a técnica da observação participante não trazia consigo o engajamento doa antropólogoa nas mudanças das formas de ser da cultura nativa hoje o método etnográfico não pode ignorar que o próprio trabalho de campo doa antropólogoa provoca nela intervenções a ponto de ser um fator de transformação da cultura do nativo Acusada inúmeras vezes de produzir um conhecimento insípido e inodoro das sociedades humanas pela forma inicial com que advogava a necessidade doa antropólogoa conservar em campo uma certa distância do fenômeno observado tendo em vista suas preocupações com o rigor científico a tradição etnográfica se transformou lentamente em expressão de uma forma de produção de conhecimento engajada e por vezes até mesmo militante Com o passar das décadas em fins do séc XX situados na defensiva diante de um modelo positivista ou da radicalidade de um modelo militante nas formas de procederem às apropriações do método etnográfico alguns antropólogos inspirados numa tradição interpretativista reorientam para as tensões entre participação e distanciamento como inerentes à condição do tradicional ato de etnografar as culturas nas mais diversas sociedades Mais ou menos participante o debate em torno das tipologias da técnica da observação participante que orienta o método etnográfico e seus graus variados de implicações doa antropólogoa com o grupo pesquisado até se chegar a controversa da pesquisaação ou pesquisa participante fez avançar a própria importância deste método para a formação de um cientista social no campo da produção de conhecimento antropológico O que coloca a etnografia como uma forma fundamental de construção de conhecimento nas ciências sociais é justamente esta sua abertura ao mundo das interações sociais e culturais que unem o pesquisador às culturas e sociedades por ele investigadas e que reside em algumas perguntas cruciais sem que por isto se tenha para elas uma resposta única Como conciliar a necessidade metodológica do pesquisador se implica na vida cotidiana de um grupo humano e a implicação doa pesquisadora que desde aí decorre com a forma da vida humana que ele configura Como evitar nos tornarmos nós mesmos nativos ou de transformar os nativos em nós A ruptura com o senso comum sem dúvida é hoje uma questão que provoca verdadeira vertigem entre os cientistas sociais se pensarmos que neste senso comum estão as suas próprias produções teóricas e conceituais Na figuração de um tempo pós colonial o Outro o Diferente é ameaçado de se tornar o Mesmo o igual e isto pelas mãos dos próprios etnógrafos ou dos nativos transformados em antropólogos imbuídos da invenção ocidental da figura do nativo universal Segundo Sahlins 2001 no desencaixe espaçotempo do mundo póscolonial no encurtamento das distâncias que colocam o pesquisador e sua produção no interior do olho do furacão das guerras e disputas entre povos e culturas em busca de seus destinos o apelo moral da noção de nativo universal e da privação que ela impõe as possibilidades de compreensão da experiência nativa fora de suas particularidades ou pressupostos culturais como sugere a teoria perspectivista se tornou hoje outro dos grandes desafios da permanência do método etnográfico no campo das pesquisas sociais A prática etnográfica tem por desafio compreender e interpretar tais transformações da realidade desde seu interior Mas sabemos também que toda produção de conhecimento circunscreve o trajeto humano Assim o oficio de etnógrafo pela observação participante pela entrevista nãodiretiva pelo diário de campo pela técnica da descrição etnográfica entre outros coloca oa cientista social oa antropólogoa mediante o compromisso de ampliar as possibilidades de reconhecimento das diversas formas de participação e construção da vida social Referências Bibliográficas BACHELARD G A formação do espírito científico Rio de Janeiro Contraponto l996 BERGER Peter L e LUCKMANN Thomas A construção social da realidade Petrópolis Vozes 1973 BOAS Franz Lart primitif Paris Adam Biro 2003 BOURDIEU Pierre et alli A profissão de sociólogo preliminares epistemológicas Petrópolis Editora Vozes 2002 CALDEIRA Teresa Pires do Rio A presença do autor e a pósmodernidade em Antropologia In NOVOS 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DURAND Gilbert Les structures anthropologiques de limaginaire Paris Dunod l980 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da Imagens do tempo nos meandros da memória por uma etnografia da duração In Koury Mauro G P org Imagem e Memória Estudos em Antropologia Visual Rio de Janeiro Garamond 2000 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da Escrituras hipermídiaticas e as metamorfoses da escrita etnográfica na era das textualidades eletrônicas In SEL Susana Imágenes y Medios en la Investigación Social Una mirada latinoamericana Buenos Aires UBA e FFL 2005 p 65 a 78 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Carvalho da O tempo e a cidade Porto Alegre Editora da UFRGS 2006 ECKERT Cornelia e ROCHA Ana Luiza Etnografia de rua e câmera na mão Revista Eletrônica Studium httpwwwstudiumiarunicampbroito2htm FOOTE WHYTE William Sociedade de Esquina RJ Jorge Zahar Editor 2005 GEERTZ Clifford A interpretação das culturas Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 GEERTZ Clifford Obras e vidas o antropólogo como 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os nativos São Paulo EDUSP 2001 THIOLLENT Michel Critica metodológica Investigação social e enquête operária São Paulo Polis 1980 VELHO Gilberto Observando o familiar In NUNES Edson de Oliveira organizador A aventura sociológica objetividade paixão improviso e método na pesquisa social Rio de Janeiro Zahar 1978 p 3646 VELHO Gilberto org O desafio da cidade Rio de Janeiro Ed Campus 1979 WINKIN Yves A nova comunicação São Paulo Papirus 1998 RESENHA ETNOGRAFIA SABERES E PRÁTICAS Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert O texto Etnografia saberes e práticas de ROCHA e ECKERT pode nos servir como uma leitura iniciática no campo da pesquisa antropológica através da práxis etnográfica Pois a etnografia segundo as autoras nos fornece uma espécie de imersão na prática da antropologia O olhar escutar registrar nos permitem um aproximação de diferentes tipos de culturas de fazeres de pessoas nos colocando face a face com um modo de pesquisar inteiramente humano Na introdução nos é colocado a importância da preparação e da entrada do pesquisador no campo dentro uma etnografia Desde já esclarecemos ao à alunoa de graduação que o método etnográfico é um método específico da pesquisa antropológica Outras ciências sociais recorrem não obstante a determinadas técnicas de pesquisas que são singulares ao método de pesquisa qualitativa Mas neste caso tratase de adotar alguns procedimentos técnicos próprios da pesquisa etnográfica como a observação e as entrevistas vinculadas agora a outros campos teóricos 1Artigo publicado no livro organizado por Céli Regina Jardim Pinto e César Augusto Barcellos Guazzelli Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008 de interpretação da realidade social que não a teoria antropológicaECKERT e ROCHA 2008 O texto demonstra uma dimensão humana empática da pesquisa ao orientar o pesquisador ao se aproximar das pessoas pertencentes ao espaço geográfico em que a pesquisa se empreende A proximidade com algum morador de alguma comunidade ribeirinha por exemplo facilita o processo de inserção do profissional antropólogo para a compreensão da vida cotidiana das práticas sociais religiosas culturais adentrando nas singularidades da comunidade e de seus pesquisados Um ponto importante no início das reflexões feitas pelas autoras é a ênfase na preparação e na elaboração da pesquisa etnográfica Como por exemplo a definição do campo pesquisa a abordagem antropológica a ser usada antropologia urbana antropologia rural antropologia social e demais áreas Pois a prática etnográfica ela se faz como uma espécie não só de iniciação do graduando na pesquisa mas também a porta de entrada do estudante para o mundo da pesquisa descobrindo seus métodos de coleta de dados suas metodologias com as quais tem mais afinidade A pesquisa sempre parte de um projeto que demanda rigor metodológico cumprimento com as normas técnicas de pesquisa dentro do seu ramo de estudo Um dos outros pontos decorridos no texto é a função valiosa do registro escrito no trabalho etnográfico Ele permite juntamente com a observação a escuta o envolvimento mais amplo do pesquisador com o nativo facilitando as entrevistas a observação orgânica do campo em processo de pesquisa O registro escrito deve sempre pode fornecer maiores detalhes na coleta de dados num levantamento qualitativo da pesquisa na formulação e reformulação de elementos presentes no projeto de pesquisa e durante a própria visita ao local onde se encontra objeto ou pesquisados A escrita no texto pode ser um ponto determinante para uma intensificação do processo de conhecer o local como campo de pesquisa Outro ponto referente á prática da escrita na etnografia é o auxílio que ela presta a outras ciências que também fazem pesquisa de campo com nativos líderes comunitários ou religiosos instituições em geral Ciências com a história a sociologia filosofia psicologia assistência social e até medicina fazem o uso de registros escritos nas suas pesquisas de campos para uma coleta de dados mais rica O conhecimento da trajetória da antropologia como prática interdisciplinar talvez é o principal requisito que é citado no presente deste abordado por esta resenha Saber da evolução das tecnologias usadas pelos antropólogos durante o desenvolvimento da ciência ajuda no apoio de novas produções do saber antropológico podendo colaborar para o enriquecimento de trabalhos acadêmicos para a literatura específica em na disciplina antropológica Assim como aprender a prática da etnografia lendo outras produções etnográficas isso enriquece o repertório do estudante em quaisquer níveis acadêmicos seja na graduação extensão mestrados e doutorados Ler um livro de cunho etnográfico é a mesma coisa que acrescentar um item valioso na bagagem do aluno do professorpesquisador podendo fazer arqueologias mais complexas no processo do trabalho etnográfico A etnografia é uma prática rica introdutória ao mundo das pesquisas de campo e uma agente de conhecimento de diversas culturas ao redor do mundo retirando o escopo tradicional da pesquisa científica focado em elementos culturais vindos de países europeus prática do etnocentrismo Fazendo da ciência um lugar de produção de conhecimento para uma universidade transformadora e ativa na sociedade como um elemento formador educador e acima de tudo libertador REFERENCIAL ROCHA Ana LC da ECKERT Cornélia Etnografia saberes e práticas In PINTO Céli Regina Jardim e GUAZZELLI César Augusto Barcellos Ciências Humanas pesquisa e método Porto Alegre Editora da Universidade 2008