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Filosofia do Direito

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78 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO MODERNO os inimigos da ortodoxia. Uma parte cada vez maior de seu tempo será, pois, dedicada a escrever cartas e tratados dou- trinais. Terá uma atividade de doutor, sobretudo, lutando pela ortodoxia contra os maniqueístas, os donatistas e os pelagianos: Santo Agostinho saiu do maniqueísmo. Contra essa seita ainda atuante, defenderá o cristianismo, o valor do An- tigo Testamento e a bondade da natureza e do conjunto da criação (Contra Faustum manichaeum)7. O cisma donatista, que nasceu primeiro de uma di- verGência à propósito da reintegração na Igreja dos apósta- tas, espalha-se perigosamente pela África. Santo Agosti- nho dirige contra ele uma campanha ardente: contra os do- natistas, defende a unidade da Igreja cristã e decide recor- rer ao braço secular, forjando então uma teoria das funções do Estado a serviço da ortodoxia. O monge bretão Pelágio, extremamente popular na época, devolve uma moral ascética que dá grande im- portância às virtudes humanas e corre o risco de apresentar o homem como capaz de se salvar exclusivamente por seus méritos naturais. Contra Pelágio, santo Agostinho empreen- de uma longa e apaixonada luta: apresenta-se agora como o teólogo da graça e o contendor da natureza (esse aspecto de sua obra foi, de todos, o mais célebre no século XVII, na época do jansenismo). Santo Agostinho tem ainda de lutar contra o paganis- mo, que não desapareceu no império romano oficialmente convertido, e cuja chama volta a se acender esporadicamen- te. Também tem de se preocupar com o perigo bárbaro. Em 410, os visigodos tomam Roma: esse fato dá lugar à Ci- dade de Deus. Há ainda outro aspecto da obra de santo Agostinho. Ele é um místico, mais inclinado para a vida de monge que 7. In Oeuvres, op. cit., trad. R. Jolivet, M. Jourjon, vol. 17. 8. P. de Labriolle, La réaction païenne. Étude sur la polémique antichrétienne du le IV’ siècle, Paris, L’Artisan du Livre, 1934. 79 A FILOSOFIA DO DIREITO NOS TEÓLOGOS DO CRISTIANISMO para a de bispo, e para a oração que para as lutas doutrinais. Escreve inúmeras preces, os Solilóquios9 e as Confissões10, que se tornaram suas obras mais famosas, meditação sobre os eventos de sua vida, de aspecto incrivelmente mo- derno, obra subjetiva, interior e cheia da presença de Deus, com quem ele dialoga. Foi uma vida plena: estudos sólidos, tanto profanos como sacros, resultam, na idade madura, numa transbordante atividade e terminam em contempla- ção. Ora, só poderemos compreender bem a doutrina se a vincularmos estreitamente com as circunstâncias que a suscitaram. É difícil escolher, na obra colossal de santo Agostinho, os textos que abordam nosso tema. Nada trata especifica- mente de direito; mas muitas obras a ele se referem indi- retamente. Num diálogo filosófico (o De magistro11), santo Agostinho edifica, por exemplo, sua teoria do conhecimento pela iluminação divina, de inspiração platônica. Isso con- cerne a nós: se só podemos conhecer o verdadeiro, o bem, a justiça por meio de Deus e não pela experiência sensível, se a verdade, a justiça são Deus mesmo, então teremos sem dúvida que renunciar ao direito natural de Aristóteles e dos jurisconsultos romanos12. As obras polêmicas também são todas ricas em conse- quências para a teoria geral do direito. Contra o maniquéis- ta Fausto, acabamos de dizer que santo Agostinho reabilita a natureza (Contra Faustum13); dedica também um tratado (De bono conjugali14) para defender, no mesmo espírito, a ins- 9. Les Soliloques, trad. fr. La Croix du Christ, Paris, Le Coffre, 1877. 10. Les confessions, op. cit. 11. De magistro, in Oeuvres, op. cit., vol. 6. 12. Sobre a parte filosófica da obra de santo Agostinho, ver É. Gilson, In- troduction à la philosophie de saint Augustin, Paris, Vivin, 1929; F. Cayré, Initiation à la philosophie de saint Augustin, Paris, 1947, e a excelente exposição de J. Hirs- chberger, Geschichte der Philosophie, Freiburg, Basiléia, Viena, Herder, 1979. 13. Op. cit. 14. De bono conjugali, trad. fr. G. Combès, in Oeuvres, op. cit., vol. 2. 80 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO MODERNO tituição do casamento; uma carta, contra os mesmos adver- sários, para defender a propriedade (carta 157 ad Ilarlum). Contra os donatistas, constrói a doutrina do braço secular e das funções ministeriais do Estado em relação à Igreja, nu- ma série de cartas (ad Marcellinum – ad Vincentum – ad Olym- pium16) destinadas, ademais, à leitura pública e que consti- tuem, cada uma, uma pequena obra: aliás, terão longa vida em direito canônico medieval. Contra os pelagianos, sobre- tudo, santo Agostinho discorre abundantemente sobre a im- potência do homem para encontrar naturalmente a justiça, e a necessidade de recorrer à Revelação divina. Se a única verdadeira justiça e o único verdadeiro di- reito são divinos, nada do que concerne à exposição da re- ligião, nada da obra de santo Agostinho merece, como é fá- cil compreender, ser descartado. Nem o De vera religione17, nem o De ordine18, nem mesmo o tratado sobre a Trindade, onde encontramos longas passagens sobre a lei divina. O De doctrina christiana19 (que inspirou na Idade Média a or- Ganização dos estudos) nos ensina como compreender e in- terpretar a lei revelada na Sagrada Escritura, e que auxílio secundário pedir à ciência paga. O comentário do Salmo 118 nos apresenta a apologia da lei eterna e o valor da lei judaí- ca; o do sermão da montanha, a transformação da lei mo- saica em lei cristã evangélica; aquele sobre o Gênese, as in- tenções de Deus sobre a ordem da criação; aquele sobre a Epístola de são Paulo aos romanos, a nova significação cris- tã da lei natural etc. Será em todas essas obras esparsas de santo Agostinho, de objeto propriamente religioso, que a Idade Média buscará sua concepção da ordem social. 15. Casta 157, Ad Ilarlum, in Les lettres de saint Augustin, trad. fr. Padres Benedictinos da Congregação de Saint-Maur, Paris, Le Mercier, 1737. 16. In Les lettres de saint Augustin, op. cit. 17. De vera religione, trad. fr. J. Pegon, in Oeuvres, op. cit., vol. 8. 18. De ordine, trad. fr. R. Jolivet, in Oeuvres, op. cit., vol. 4. 19. De doctrina christiana, trad. fr. G. Combès, J. Fargès, in Oeuvres, op. cit., vol. 11. 76 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO MODERNO do suas oposições. Santo Agostinho ver-se-á confrontado com uma tarefa análoga. Existem poucas vidas mais célebres que a de santo Agostinho, graças ao sucesso das Confissões 1. Santo Agostinho nasce em Tagasta, no norte da África (359). Faz os estudos normais de um jovem romano culto: gramática, retórica. Sua carreira de jovem estudante pobre leva-o a lecionar retórica, profissão que exerce em Tagasta, Cartago, Roma e Milão. Esses estudos não só familiarizam santo Agostinho com os grandes autores latinos (Cícero, Virgílio, Quintiliano), como também lhe dão a oportunidade de tomar contato com o direito. Seu amigo íntimo Alípio, que o acompanha em Roma e em Milão, é um estudante de direito 2. E a própria retórica ocupa-se da eloquência judiciá- ria. Ao comparecer à residência do imperador romano, que era então em Milão, Agostinho chega a pensar em seguir uma carreira administrativa 3. Mas, depois da gramática e da retórica (que a excelen- te educação das escolas romanas sabe manter no seu justo lugar), vem a filosofia, tentativa de encontrar a verdade e a sabedoria, auge do estudo para um cidadão romano culto. A leitura do Hortensius, diálogo perdido de Cícero, conquista Agostinho para a busca da verdade. Situa-se aí sua fase maniqueísta: fica seduzido pela doutrina dos sábios dessa seita, adere e ela, reúne-se com Fausto, o maniqueu. É tam- bém aí que se situa sua descoberta de Platão e dos neopla- tônicos: o livro VII das Confissões 4 demonstra o peso con- siderável que continuará a ter, no pensamento de santo 1. Encontramos essa obra resumida e comentada no excelente Saint Au- gustin et l’augustinisme, de H. Marrou (Paris, Seuil, 1956), ou em G. Papini, Saint Augustin (trad. fr. P. H. Michel, Paris, Plon, 1930); ver também H. Mar- rou, Saint Augustin et la fin de la culture antique, Paris, De Boccard, 1938. 2. Confessions, in Oeuvres, trad. fr. E. TréhoréI, G. Bouisson, Paris, Desclée de Brouwer, 1962, VI, 8 e 9 (ver também a trad. fr. J. Trabucco, Paris, Flamma- rion, col. “GP”, 1964). 3. Ibid., VI, 11. 4. Ibid., IX ss. 77 A FILOSOFIA DO DIREITO NOS TEÓLOGOS DO CRISTIANISMO Agostinho, a filosofia de Platão. O idealismo de Platão, seu senso das realidades invisíveis, encaminham-no para o cristianismo. E, com efeito, última etapa, da filosofia pagã santo Agos- tinho acaba, por fim, elevando-se à sabedoria cristã sob a influência de santo Ambrósio, de sua mãe santa Mónica, que veio juntar-se a ele em Milão, e, conforme o célebre re- lato das Confissões 5, por ação da graça divina. Santo Agosti- ho é batizado no ano de 387. Tem, então, 28 anos. Dali em diante, abandonará a leitura dos autores profanos para me- ditar a Sagrada Escritura e esforçar-se para viver como cris- tão. Inaugura-se aí um novo período de sua vida, a mais criativa. A intenção primeira de santo Agostinho convertido é levar vida monástica: renunciando a um projeto de casa- mento, recolhe-se com um grupo de amigos em Cassicia- cum. Dessa época data a maioria de seus Diálogos filosófi- cos: neles explica-se, de seu novo ponto de vista, com a fi- losofia pagã. Elabora uma doutrina do conhecimento pela iluminação divina, de espírito ainda platônico, mas cristia- nizado. Escreve sobre a verdade, a ordem natural do univer- so, a alma humana, ou então, o livre-arbítrio. Mas as circunstâncias o arrancarão de seu ideal mo- nástico. De volta à Argélia – depois do êxtase em Óstia e da morte de sua mãe Mónica –, o povo de Hipona elege-o bis- po. Ei-lo à frente de uma das dioceses mais vivas da famo- sa igreja da África – ilustrada por Tertuliano e são Cipriano –, confidente do primaz de Cartago e, ademais, devido a seu prestígio pessoal, escutado por toda a cristandade do mun- do latino. Além de suas funções de bispo (sermões, comen- tários sobre a Sagrada Escritura, catequese, administração da justiça e dos assuntos temporais da Igreja) e seu perma- nente interesse pelas comunidades monásticas (atribuem- se a ele diversas regras), santo Agostinho terá de enfrentar 5. Ibid., VIII, 12. 6. In Oeuvres, op. cit., trad. fr. J. Thonnard, vol. 6. A FILOSOFIA DO DIREITO NOS TEÓLOGOS DO CRISTIANISMO Deus é uma realidade mística, é a comunidade dos santos; mas ela se encarna historicamente nos grupos humanos cujos chefes são Abel, Noé, Abraão e os reis justos de Israel27, e, enfim, na Igreja cristã. Ela tem sua justiça, suas leis próprias. Está prometida para durar e ser vitoriosa eternamente. É so- bretudo nela que os cristãos deveriam fincar raízes. E o Estado? O pensamento de santo Agostinho consis- te em condenar a existência de nossas sociedades políticas? Em rejeitar qualquer lealdade ao mundo imperial romano, assimilado à sociedade dos maus, à "civitas impiorum"28? Em optar por uma teocracia, cujos germes Constantino ou Teodósio lançaram a exemplo dos santos reis do Antigo Testamento29? Embora laivos de maniqueísmo e, talvez, a intransigência de seu temperamento pessoal tenham-no às vezes empurrado para essas consequências, o produto da reflexão de santo Agostinho é, no final das contas, menos simplista. Enquanto dura a história, enquanto realizemos nossa "peregrinação terrestre" e enquanto o joio não tiver sido separado da boa semente, é da essência das duas cida- des elas coexistirem, estarem mescladas, imbricadas30. E a própria cidade terrena tem, na história, sua razão de ser; é obra, como todas as coisas, da providência divina e cumpre certa função em nosso caminho para a salvação. Por isso o Estado, as leis, o direito de nossas cidades humanas histó- ricas – cujo valor é questionado e que é preciso confrontar com os da cidade celeste – serão tratados por santo Agosti- nho do ponto de vista de nossa salvação. Sobre a doutrina jurídica de santo Agostinho existe uma literatura abundante31. O mais notável é que essa lite- 27. C. D., op. cit., XV. 28. Ibid. 29. Ibid., V, 24 ss. 30. Ibid., I, 35; XIX, 26 e 37. 31. G. Garilli, Aspetti della filosofia giuridica politica e sociale di S. Agostino, Milão, Giuffrè, 1957; S. Cotta, La città politica di Sant’Agostino, Milão, Commu- nità, 1960; F. Fluckiger, Geschichte des Naturrechts I, Evangelischer Verlag, Zu- rich. A FILOSOFIA DO DIREITO NOS TEÓLOGOS DO CRISTIANISMO Contudo, se tivermos de separar alguns textos essen- ciais (o que não pode ser feito sem certa arbitrariedade), eu escolheria, por um lado, o diálogo sobre o livre-arbítrio –no qual santo Agostinho, estudando a liberdade do homem conciliada com a onipotência divina, nos fornece21 uma teo- ria das leis que regem a conduta humana22 – e, por outro e particularmente, a Cidade de Deus23. O que, em história da França, costuma ser chamado de a grande invasão ocorreu em 406. Em 410, escândalo mais grave, Alarico toma e saqueia Roma. A capital cultural do império do Ocidente, a cidade de Cícero e de Augusto, e também de Ulpiano, de Paulo e de Papiniano, a cidade que se acreditava eterna é ocupada pelos bárbaros. Os pagãos aproveitam a oportunidade para reabrir a velha querela das responsabilidades cristãs que, desde o final do século II, dera lugar aos ataques de Celso contra o cristianismo, aos quais Orígenes replicara. Essa querela jamais se encerrará. O cristianismo pode ser acusado da queda de Roma: os cris- tãos recusaram os cultos sobre os quais se fundava o Estado romano e se afastaram dos cargos públicos para se evadir numa mística supratemporal. Como evitar, a partir daí, al- gumas perguntas: será que seu sistema de vida era apro- priado para salvaguardar a cidade contra a invasão dos bár- baros, como o tinham feito os pagãos? A nova religião não era incompatível com a ordem jurídica romana, sustentada pela filosofia clássica herdada dos gregos? Santo Agosti- nho, em suas Retractationes, nos adverte sobre as intenções 20. Trad. fr. J. Thonnard, in Oeuvres, op. cit., vol. 6. 21. Ibid., I, 5, 6, 15. 22. S. Cotta, "Droit et justice dans le De libero arbitrio", Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie, 1961, pp. 159 ss. 23. Pode-se consultar La cité de Dieu (abrev. C.D.) em diversas edições bi- língues, a da Biblioteca augustiniana, texto da 4ª ed. Dombart-Kalb, trad. fr. G. Combès, introd. e notas G. Bardy, Paris, Desclée de Brouwer, 1959-1960, 5 vol.; a de P. de Labriolle, I-V, Paris, Garnier, 1941 (trad. fr. J. Perret, L. VI-X, Paris, 1945); ou ainda em tradução: P. Lombert, La cité de Dieu, Paris, 1675, 2 vol. in-8º, (BN C 3006), que é, segundo H. Marrou, a melhor tradução francesa. A FILOSOFIA DO DIREITO NOS TEÓLOGOS DO CRISTIANISMO A formação do pensamento jurídico moderno com que compôs a Cidade de Deus24: tratava-se de defender a fé contra esses renovados ataques, de reconfortar os fiéis mergulhados na provação temporal, de suscitar ao contrá- rio, nessa oportunidade, um encorajamento de vida espiri- tual e de ensiná-los a julgar esses acontecimentos históri- cos a partir da fé cristã. Redigida sem ordem aparente, por pedaços, durante ca- torze anos, a obra foi publicada e lida por fragmentos, como uma espécie de jornal, uma série de comentários religiosos sobre a atualidade política. Começa com reflexões sobre a queda da capital e as causas desse desastre, comporta muitas digressões sobre a história de Roma e a civilização, a religião e a literatura romanas, a filosofia, perde-se em assuntos di- versos. É difícil apreender o objeto principal e ele recebeu de seus leitores interpretações diversas. Atualmente, é vista so- bretudo como uma filosofia ou, melhor, uma teologia da his- tória, porque a filosofia da história é um tema muito em voga: Deus conduz a história, dá-lhe um sentido, uma função providencial, porque Deus é a causa de tudo e toda história deveir ser compreendida do ponto de vista de Deus e da salvação. Outros encontraram nela conhecimentos sobre a civilização pagã. Outros, uma doutrina política. Seja como for, o tema do livro é a coexistência e o para- lelo entre duas cidades. Aquela que temos diante de nossos olhos é, primeiro, a "cidade terrena", cuja sorte está justa- mente em questão, sob a imagem do Império Romano: mas seus destinos parecem frágeis, provisórios, seus bens enga- nosos, sua justiça falsa; sem dúvida ela não merece muito apego de nosso coração. Nossa verdadeira pátria é antes a "cidade de Deus" – expressão já utilizada pelo donatista Ti- conius25, familiar a santo Agostinho, tomada da linguagem dos Salmos: gloriosa dicta sunt de te, civitas Dei26. A Cidade de 24. Trad. fr. G. Combès, in Oeuvres, op. cit., vol. 12. 25. Ver E. Gilson, Les métamorphoses de la Cité de Dieu, Paris, Vrin, 1952, p. 51. 26. Salmo 86, 3. 84 A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO JURIDICO MODERNO ratura seja tão contraditória. Alguns intérpretes "bem pen santes" fazem de santo Agostinho um adepto do direito na tural concebido à maneira tomista: esta é, por exemplo, a tendência de Giorgianni. Outros vêem nele o inspirador da teocracia, o profeta de um direito sacro que se abeberava não na natureza mas nas fontes da Revelação: tese do "agosti nismo político", de todas a mais antiga e, por muito tempo, a mais influente. Mas um terceiro grupo de autores acaba de tentar demonstrar (algo que talvez não seja tão novo) que o verdadeiro significado de sua doutrina sobre o direi to seria o positivismo jurídico (Cotta). O que acabamos de dizer sobre as condições da ativi dade de santo Agostinho pode em parte explicar essas di versões. Sua obra nada tem de escolástica, não trata ex professo de questões abstratas, intemporais, como aquelas nas quais nós, universitários, costumamos nos encerrar. Responde a situações: determinada heresia, o cisma dona tista ou a tomada de Roma. Não tem a pretensão de que rer chegar de uma só vez a respostas definitivas e não tem o temor desmesurado de se contradizer: vimo-lo, em re lação ao maniqueísmo, defender a bondade da natureza, a existência do direito natural; perante a heresia pelagia na, é da verdade oposta que ele nos adverte, ou seja, da corrupção do homem e da constante necessidade de re correr à graça divina. Mostra-nos a primazia da cidade de Deus, mas não pretende desconhecer a cidade terrena e suas leis. A realidade é rica demais para se encaixar em algum sistema e santo Agostinho cultua demais a verda de para não registrar seus aspectos aparentemente con traditórios. Contudo, a unidade profunda, a coerência de sua dou trina aparecem quando, afastando-nos do ponto de vista rique, 1954; Ver Giorgianni, Il concetto di diritto o dello stato di S. Agostino, Pádua, Cedam, 1951; O. Schilling, Die Staats und Soziallehre des heil. Augustinus, Frei burg, 1910; A. Truyol y Serra, El Derecho y el Estado en San Augustin, Madri, Editorial Revista de Derecho Privato, 1944; G. Combès, La doctrine politique de saint Augustin, Paris, 1927.