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Plano de Aula Detalhado Processo Civil Parte Geral - Fundamentos Jurisdição Ação e Defesa

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Calendario-de-Provas-Direito-2-Bimestre-2022

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Texto-resposta no Gênero Carta Formal

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Texto-resposta no Gênero Carta Formal

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Mortimer J Adler Charles Van Doren Tradução E DWA RD H O RST WO L F F P E D RO S ETTECÂMARA 2 impressão Realizações Editora Bem e mal é claro não são a mesma coisa que certo e errado os dois pares de termos parecem referirse a classes diferentes de coisas Em particular ainda que achemos que qualquer coisa certa é boa provavelmente não achamos que qualquer coisa errada é má Mas como tornamos essa distinção mais precisa Bem é um termo filosófico importante mas é também uma palavra importante de nosso vocabulário cotidiano Tentar expressar seu significado é um exercício dos mais difíceis antes que você perceba já terá mergulhado na filosofia Muitas coisas há que são boas ou como preferimos dizer há muitos bens Será possível classificar esses bens Será que alguns são mais importantes que outros Será que alguns dependem de outros Será que há circunstâncias em que os bens entram em conflito de modo que é preciso escolher um bem à custa de privarse de outro Novamente não temos espaço para nos alongarmos na discussão dessas questões O que podemos fazer é listar algumas outras questões no campo prático Existem questões não apenas a respeito do bem e do mal do certo e do errado e da classificação dos bens mas a respeito também dos deveres e das obrigações das virtudes e dos vícios da felicidade do sentido ou objetivo da vida da justiça e dos direitos na esfera das relações humanas e da interação social do Estado e de sua relação com o indivíduo da boa sociedade da politeia justa da economia justa da guerra e da paz Os dois grupos de questões que discutimos determinam ou identificam as duas principais divisões da filosofia As questões do primeiro grupo as questões a respeito do ser e do devir têm a ver com o que é ou acontece no mundo Essas questões têm a ver com a divisão da filosofia chamada teórica ou especulativa As questões do segundo grupo aquelas relacionadas ao bem e ao mal ou ao certo e ao errado têm a ver com aquilo que deve ser feito ou buscado e pertencem àquela divisão da filosofia que às vezes é chamada de prática mas que seria mais precisamente denominada normativa Os livros que lhe dizem como fazer alguma coisa um livro de receitas por exemplo ou como operar algo o manual de um carro não precisam tentar persuadilo a cozinhar bem nem a dirigir bem eles podem presumir que você queira fazer alguma coisa e simplesmente expliquem como ter sucesso em seus esforços Porém os livros SUMÁRIO Prefácio Lendo Mortimer Adler como Mortimer Adler nos ensina a ler José Monír Nasser 1 1 Prefácio da edição americana de 1972 19 PARTE 1 AS DIMENSÕES DA LEITURA 1 A leitura arte e atividade 25 Leitura ativa 26 Os objetivos da leitura ler para se informar e ler para entender 28 Leitura é aprendizado a diferença entre ensino e descoberta 32 Professores presentes e ausentes 3 5 2 Os níveis de leitura 37 3 A leitura elementar 41 Os estágios na alfabetização 43 Estágios e níveis 45 Os níveis superiores de leitura e o ensino médio 47 A leitura e o ideal democrático da educação 48 4 A leitura inspecionai 51 Leitura inspecionai préleitura ou sondagem sistemática 51 Leitura inspeciona li leitura superficial 55 A velocidade da leitura 57 Fixações e retrocessos 58 A questão da compreensão 59 Resumo da leitura inspecionai 61 5 A arte da leitura exigente 63 A essência da leitura ativa as quatro perguntas básicas 64 A arte de tomar posse de um livro 66 Os três tipos de anotação 68 Formando o hábito da leitura 69 Muitas regras em um hábito 70 PARTE 2 O TERCEIRO NÍVEL DA LEITURA A LEITURA ANALÍTICA 6 A classificação de um livro 75 A importância da classificação de livros 75 O que você pode aprender com o título do livro 77 Livros práticos versus livros teóricos 81 Tipos de livros teóricos 85 7 Como radiografar o livro 91 Tramas e complôs como expressar a unidade de um livro 94 Dominando a multiplicidade a arte de delinear um livro 99 Ler e escrever as artes recíprocas 105 Como descobrir as intenções do autor 107 O primeiro estágio da leitura analítica 109 8 Chegando a um acordo com o autor 111 Palavras versus termos 111 Como encontrar as palavraschave 115 Palavras técnicas e vocabulários especiais 117 Como encontrar os sentidos 120 9 Como especificar a mensagem do autor 127 Frases versus propostas 129 Como encontrar as fraseschave 13 3 Como encontrar as proposições 13 6 Como encontrar os argumentos 140 Como encontrar as soluções 146 O segundo estágio da leitura analítica 147 10 Como criticar um livro 1 49 O ensinamento é uma virtude 150 O papel da retórica 152 A importância de suspender o julgamento 153 Por que é importante evitar controvérsias 15 6 Como resolver discórdias 158 11 Concordar com o autor ou discordar 163 Preconceito e julgamento 165 Como julgar a solidez de um autor 167 Como julgar o grau de completude de um autor 171 O terceiro estágio da leitura analítica 173 12 Materiais de apoio 177 O papel da experiência relevante 178 Outros livros como apoios extrínsecos à leitura 180 Como usar comentários e resumos 182 Como usar obras de referência 184 Como usar o dicionário 1 86 Como usar uma enciclopédia 1 89 PARTE 3 COMO LER DIVERSOS ASSUNTOS 13 Como ler livros práticos 1 99 Os dois tipos de livros práticos 200 O papel da persuasão 204 Qual a consequência de concordar com o autor de um livro prático 206 1 4 Como ler literatura imaginativa 211 Como não ler literatura imaginativa 21 2 Regras gerais para a leitura de literatura imaginativa 216 1 5 Sugestões para a leitura de narrativas peças e poemas 223 Como ler narrativas 225 Uma nota sobre os épicos 230 Como ler peças teatrais 23 1 Uma nota sobre a tragédia 233 Como ler poesia lírica 235 1 6 Como ler livros de história 243 O caráter esquivo dos fatos históricos 244 Teorias da história 246 O universal na história 248 O que perguntar a um livro de história 250 Como ler biografias e autobiografias 252 Como ler sobre atualidades 257 Uma nota sobre os textos resumidos 261 1 7 Como ler livros de ciências e de matemática 263 Para compreender o projeto científico 264 Sugestões para a leitura de livros científicos clássicos 266 Como enfrentar o problema da matemática 268 Como lidar com a matemática nos livros de ciências 272 Uma nota sobre divulgação científica 274 1 8 Como ler livros de filosofia 277 As perguntas feitas pelos filósofos 2 78 A filosofia moderna e a grande tradição 282 Sobre o método filosófico 284 Os estilos filosóficos 286 Indicações para ler livros de filosofia 292 Sobre ter opiniões próprias 296 Uma nota sobre a teologia 297 Como ler livros 11 canônicOS11 299 1 9 Como ler livros de ciências sociais 301 O que são as ciências sociais 302 A aparente facilidade de ler livros de ciências sociais 304 Dificuldades da leitura de ciências sociais 305 A leitura de literatura de ciências sociais 308 PARTE 4 OS FINS ÚLTIMOS DA LEITURA 20 O quarto nível da leitura a leitura sintópica 3 1 3 O papel da inspeção na leitura sintópica 31 7 Os cinco passos da leitura sintópica 320 A objetividade necessária 326 Um exemplo de exercício de leitura sintópica a ideia de progresso 328 O sintópico e o modo de usálo 332 Sobre os princípios que servem de base à leitura sintópica 335 Resumo da leitura sintópica 3 3 7 2 1 A leitura e o crescimento intelectual 339 O que os bons livros podern nos proporcionar 340 A pirâmide dos livros 343 A vida e o crescimento da inteligência 345 Apêndice A Lista de leituras recomendadas 349 Apêndice B Exercícios e testes dos quatro níveis de leitura 365 Introdução 365 I Exercícios e testes do primeiro nível de leitura a leitura elementar 368 11 Exercícios e testes do segundo nível de leitura a leitura inspecionai 3 79 III Exercícios e testes do terceiro nível de leitura a leitura analítica 405 IV Exercícios e testes do quarto nível de leitura a leitura sintópica 408 Índice remissivo 425 9 COMO ESPECIFICAR A MENSAGEM DO AUTOR O mundo dos negócios tem outro aspecto em comum com o mundo dos livros além da definição dos termos de um contrato a apresentação de propos tas O que os compradores e vendedores querem dizer com proposta é uma espécie de oferta ou assentimento Nas negociações honestas a pessoa que faz uma proposta está nesse sentido declarando sua intenção de agir de determi nada maneira Uma negociação bemsucedida requer muito mais que honesti dade A proposta tem de ser clara e obviamente tem de ser atraente Assim as partes podem chegar a um acordo A proposta de um livro também é uma declaração ou seja é uma expres são do julgamento do autor sobre alguma coisa Ele afirma algo que julga ser verdade ou nega algo que julga ser falso Ele confirma este ou aquele fato Uma proposta desse tipo é como uma declaração mas de conhecimentos e não de intenções O autor talvez nos informe suas intenções no começo do prefácio por exemplo Mas para descobrirmos se ele manteve sua promessa temos de procurar suas propostas Em geral a ordem de leitura é inversa em relação à ordem de negociação Os executivos normalmente chegam a um acordo depois de entrarem em con tato com a proposta mas o leitor tem de chegar a um acordo com o autor antes de descobrir o que este está propondo qual julgamento está declarando É por isso que a quinta regra de leitura analítica aborda palavras e termos e a sexta que vamos expor logo a seguir referese a frases e propostas Há uma sétima regra estreitamente relacionada com a sexta Talvez o autor tenha sido honesto ao expressarse sobre questões factuais ou de conhecimen to Em gerat nós confiamos nele Mas a não ser que estejamos interessados apenas na personalidade do autor não devemos nos satisfazer apenas com suas opiniões As propostas de um autor não passam de sua opinião a não ser que sejam fundamen tadas por boas razões Se estamos interessados no livro e no assunto do livro e não apenas no autor então vamos querer conhecer não apenas suas propostas mas por que ele acha que devemos nos deixar persuadir e aceitálas A sétima regra versa portanto sobre os argumentos e seus tipos Existe uma grande quantidade de raciocínios ou seja uma grande quantidade de ma neiras de se fundamentar o que se diz Às vezes é possível argumentar que algo é verdadeiro às vezes só é possível defender uma probabilidade Mas todo tipo de argumento consiste em declarações que se relacionam de determinada ma neira Dizse isto por causa daquilo A expressão por causa sinaliza justamente uma razão uma explicação A presença de argumentos é indicada por algumas outras palavras que rela cionam declarações tais como se isto é assim então aquilo ou dado que isto por tanto aquilo ou disto seguese aquilo Nos capítulos anteriores deste livro surgiram muitas palavras como essas Sabemos por experiência que as pessoas que não estão mais na escola se querem continuar aprendendo e descobrindo precisam que os livros continuem lhes ensinando Nesse caso se as pessoas querem con tinuar aprendendo então precisam saber como continuar aprendendo com os livros já que os professores estão ausentes Um argumento nada mais é do que uma série de afirmações ou declarações que fornece os fundamentos ou razões para aquilo que se está concluindo É necessário um parágrafo portanto ou pelo menos uma série de frases para expressar um argumento As premissas ou princípios de um argumento nem sempre são declaradas de início no entanto são sempre a fonte das conclusões Se o argumento é válido então das premissas seguese a conclusão Isso não quer dizer que a conclusão seja necessariamente verdadeira dado que todas ou algumas premissas podem ser falsas Há um aspecto lógico e um aspecto gramatical na ordem dessas regras de interpretação Progredimos de termos para propostas e destas para argumentos progredindo de palavras e expressões para frases e destas para uma série de frases ou parágrafos Em suma estamos progredindo de unidades mais simples para unidades mais complexas O elemento menos significativo de um livro é ns Como Ler Livros obviamente a palavra Seria verdadeiro embora não adequado dizer que um livro consiste em palavras Ele também consiste em um grupo de palavras que são em si unidades e consiste em um grupo de frases que também são em si uma unidade O leitor ativo está atento não apenas às palavras mas às frases e aos parágrafos Não há outra maneira de descobrir os termos as propostas e os argumentos de um autor A esta altura da leitura analítica em que a interpretação é nosso objetivo você deve ter percebido que a direção que estamos tomando é contrária à direção do primeiro estágio quando o objetivo era esboçar uma estrutura No primeiro estágio partimos do livro como um todo e fomos descendo até suas partes principais depois às divisões dessas partes etc Como você deve suspeitar os dois movi mentos se encontram em algum lugar As partes principais de um livro e as divi sões dessas partes contêm muitas propostas e normalmente vários argumentos Se você continuasse dividindo o livro em partes teria condições de dizer afinal Nesta parte as seguintes ideias são expostas Ora cada uma dessas ideias é provavelmente uma proposta e algumas delas se tomadas em conjunto perfa zem um argumento Desse modo os dois processos de esboçar e interpretar encontramse no nível das propostas e argumentos Você chega às propostas e aos argumentos dividindo o livro em suas partes Vai aos argumentos observando sua composi ção em propostas e em última instância em termos Quando tiver completado os dois processos então poderá dizer com segurança que realmente conhece o conteúdo do livro FRASES VERSUS PROPOSTAS Já notamos anteriormente um aspecto das regras que vamos abordar nes te capítulo Como no caso da regra sobre palavras e termos também estamos lidando aqui com a relação entre linguagem e pensamento Frases e parágrafos são unidades gramaticais São unidades de linguagem Proposições e argumen tos são unidades lógicas ou unidades de pensamento e conhecimento 9 Como especificar a mensagem do autor 129 Teremos de encarar um problema semelhante àquele que encaramos no capítulo anterior Dado que a linguagem não é um meio perfeito de expressão do pensamento pois uma palavra pode ter vários significados e duas ou mais pa lavras podem ter o mesmo significado vimos como era complexa a relação entre o vocabulário do autor e sua terminologia Uma palavra pode representar diversos termos e um termo pode ser representado por diversas palavras Os matemáticos chamam a relação entre os botões de um paletó benfeito e as casas desses botões de relação de um para um ou biunívoca Há um botão para cada casa e uma casa para cada botão Ora a questão é que essa relação não se verifica entre palavras e termos O erro mais grave que você pode cometer ao aplicar essas regras é supor que exista uma relação de um para um entre os elementos da linguagem e os elementos de pensamento ou conhecimento Na realidade nem mesmo entre botões e suas casas seria tão fácil fazer uma relação dessas As mangas da maioria das camisas masculinas trazem botões que não têm sua própria casa E se a camisa estiver bem gasta talvez haja nela casas sem seus respectivos botões Vamos transpor essa situação para o caso das frases e propostas Nem toda frase de um livro expressa uma proposição Primeiro algumas frases expressam perguntas ou seja elas expõem problemas em vez de respostas Proposições são as respostas às perguntas Elas são declarações de conhecimento ou opinião É por isso que algumas frases são chamadas de declarativas enquanto outras são chamadas de interrogativas Há ainda frases que expressam desejos ou intenções Elas podem nos informar sobre o propósito do autor mas não transmitem o conhe cimento que ele está tentando expor Além do mais nem toda frase declarativa pode ser lida como se expressasse uma proposição Há pelo menos duas razões para isso A primeira é o fato de que palavras são ambíguas e podem ser usadas em várias frases Assim é possível que a mesma frase expresse diferentes proposições se houver uma mudança nos termos que as palavras expressam Ler é aprender é uma frase simples mas se em deter minado ponto quisermos dizer que aprender é adquirir informação e em outro ponto quisermos dizer que é desenvolver o entendimento a proposição não será a mesma pois os termos são diferentes Embora claro a frase seja a mesma 130 Como Ler Livros A segunda razão é que nem todas as frases são tão simples quanto ler é aprender Quando suas palavras são usadas sem ambiguidade uma frase sim ples normalmente expressa uma proposição simples No entanto mesmo quando suas palavras são usadas assim sem ambiguidade uma frase complexa expressa duas ou mais proposições Uma frase complexa é na realidade uma coleção de frases conectadas por palavras como e ou se então ou não apenas mas também Você está certo se pensou que a linha que separa uma longa frase com plexa de um parágrafo curto é muito tênue Uma frase complexa pode expressar proposições relacionadas entre si na forma de um argumento Essas frases podem ser extremamente difíceis de interpretar Como exem plo vamos considerar esta interessante frase de O Príncipe de Maquiavel Um príncipe tem de inspirar temor de tal maneira que se ele não an gariar amor que evite o ódio porque ele pode resistir muito bem sendo temido enquanto não for odiado o que se dará na medida em que se abs tenha da propriedade de seus cidadãos e de suas mulheres Gramaticalmente tratase de uma única frase embora seja extremamente com plexa O ponto e vírgula e o porque indicam as principais modificações da frase A primeira proposição é que um príncipe tem de inspirar temor de certa maneira A partir do porque dáse início a uma nova frase Ela poderia ter sido simplificada para A razão para isso é que ele pode resistir e assim por diante Essa frase expressa pelo menos duas proposições 1 a razão pela qual o prínci pe tem de inspirar temor de tal maneira que resista sendo temido na medida em que não seja odiado 2 ele pode evitar ser odiado respeitando as propriedades de seus cidadãos e suas mulheres É importante distinguir as diversas proposições contidas em uma frase lon ga e complexa Para que você concorde com Maquiavel ou discorde de suas ideias é preciso antes entender o que ele está dizendo Ocorre que ele está dizendo três coisas em uma frase só Você pode discordar de uma e concordar com as demais Pode até pensar que Maquiavel está errado quando propõe ter rorismo a um príncipe mas talvez você possa reconhecer sua sagacidade quando 9 Como especificar a mensagem do autor 131 diz que é melhor que o príncipe não desperte ódio junto ao temor e talvez você também possa concordar em que absterse das propriedades de seus súditos e de suas mulheres é uma condição indispensável para não ser odiado A não ser que detecte as diversas proposições de uma frase complexa você jamais con seguirá fazer um julgamento adequado a respeito do que o autor está dizendo Os advogados conhecem muito bem esse fato Eles devem examinar as fra ses com grande esmero para descobrir o que está sendo alegado pelo acusador ou negado pela defesa A frase Fulano assinou a escritura de aluguel em 24 de março parece bem simples mas ainda assim diz muitas coisas algumas das quais podem ser verdadeiras ou falsas Fulano pode até ter assinado a escritura mas não em 24 de março e esse fato pode ser importante Em suma mesmo em uma frase gramaticalmente simples às vezes estão expressas duas ou mais proposições Cremos que já dissemos o suficiente para indicar a diferença entre frases e proposições Elas não se relacionam de maneira um para um Uma frase simples pode expressar diversas proposições seja por ambiguidade seja por complexidade mas uma proposição também pode ser expressa por duas ou mais frases diferentes Se você captar nossos termos por meio das palavras e expressões que usamos como sinônimos você saberá que estamos dizendo a mesma coisa nas frases Ensinar e ser ensinado são funções correlatas e Trans mitir e receber comunicação são processos correlatos Vamos agora parar de explicar as questões gramaticais e lógicas e passar às regras A dificuldade deste capítulo é a mesma do anterior parar de explicar Em vez disso vamos supor que você saiba um pouco de gramática Isso não quer dizer que precisa saber tudo sobre sintaxe mas que ao menos conhece a ordem correta das palavras nas frases e as suas correlações Um pouco de conhecimen to gramatical é indispensável para um leitor Você nem conseguirá começar a lidar com termos proposições e argumentos os elementos do pensamento enquanto não for capaz de mergulhar para além da superfície linguística Uma vez que palavras frases e parágrafos continuem intocados e opacos represen tarão uma barreira e não um meio para a comunicação Você lerá palavras mas não receberá conhecimento Eis as regras A quinta regra de leitura como você deve estar lembrado era 132 Como Ler Livros REGRA 5 ENCONTRE AS PALAVRAS IMPORTANTES E POR MEIO DELAS ENTRE EM ACORDO COM O AUTOR Então a sexta regra pode ser expressa assim REGRA 6 MARQUE AS FRASES MAIS IMPORTANTES DO LIVRO E DESCUBRA AS PRO POSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM E eis a sétima regra REGRA 7 LOCALIZE OU FORMULE OS ARGUMENTOS BÁSICOS DO LIVRO COM BASE NAS CONEXÕES ENTRE FRASES Você logo entenderá por que não dissemos parágrafos nesta regra A propósito tanto estas novas regras quanto aquela que recomenda entrar em acordo com o autor valem primordialmente para as obras expositivas As re gras sobre proposições e argumentos são bem diferentes quando estamos lendo uma obra poética romance peça teatral ou poema Mais tarde trataremos das alterações necessárias para que as regras sejam aplicadas nesses casos COMO ENCONTRAR AS FRASESCHAVE Como se localizam as frases mais importantes de um livro E depois como se interpretam essas frases para nelas detectar as proposições que contêm Mais uma vez estamos enfatizando aquilo que é importante Dizer que há relativamente poucas frases importantes em um livro não quer dizer que você não precise prestar atenção ao resto Obviamente você tem de entender todas as frases Mas a maioria das frases assim como a maioria das palavras não lhe trará dificuldades Conforme dissemos em nossa discussão sobre leitura dinâ mica você as lerá rapidamente Do seu ponto de vista de leitor as frases mais importantes para você são aquelas que exigem esforço interpretativo porque à primeira vista não são perfeitamente inteligíveis Você as entende mas sabe que há mais para ser entendido São frases que você lê muito mais devagar e cuidadosamente do que as demais Talvez elas não sejam as frases mais impor tantes para o autor mas provavelmente são pois é possível que você tenha mais dificuldades justamente nas coisas mais importantes que o autor tenha a dizer 9 Como especificar a mensagem do autor 133 Nem é preciso ressaltar que são elas as coisas mais importantes nas quais você deve prestar atenção Do ponto de vista do autor as frases mais importantes são aquelas que expressam os julgamentos sobre os quais o livro se baseia Normalmente um livro contém muito mais do que as frases cruas de um argumento ou um mero conjunto de argumentos O autor talvez explique como chegou a certa conclu são ou por que seu posicionamento implica as consequências que alega Talvez ele discuta as palavras que utilizou Talvez comente as obras de outros autores Talvez se aprofunde nos mais variados tipos de discussões e considerações Mas o coração da comunicação reside nas principais afirmações e negações e nas razões que fornece para sustentálas Portanto para ser bemsucedido você precisa enxergar as frases principais como se elas saltassem da página em altorelevo Alguns autores podem ajudálo nessa tarefa Eles grifam para você as frases mais importantes Ou dizem explicitamente que o ponto em questão é impor tante ou usam outros dispositivos tipográficos para destacar as frases centrais É claro que nada vai realmente adiantar para as pessoas que não ficam acordadas durante a leitura Conhecemos muitos alunos e leitores que simplesmente não prestavam atenção a esses sinais Eles preferiam continuar lendo em vez de se deterem e examinarem as frases importantes com o devido cuidado São poucos os livros cujos autores destacam as frases fazendoas ocupar um lugar especial na ordem e no estilo de exposição Euclides novamente for nece o exemplo mais óbvio desse caso Ele não apenas afirma suas definições postulados e axiomas suas principais proposições no início mas também rotula todas as proposições a serem provadas Talvez você não entenda todos os enunciados Talvez não consiga acompanhar todos os argumentos Mas jamais perderá as frases ou grupos de frases importantes para o enunciado das provas Outro exemplo no qual as frases principais são destacadas pelo estilo da exposição é a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino Cada seção vem precedida por uma questão Há vários indícios da resposta que o autor busca defender São enunciadas várias objeções à resposta O local onde Santo To más começa a argumentar seu ponto de vista é marcado pelas palavras Eu respondo que Não há desculpa para não encontrar as frases importantes em 1 3 4 Como Ler Livros um livro desses as frases que expressam as razões e as conclusões embora mesmo assim o livro continue sendo uma grande confusão para os leitores que tratam tudo que leem como se fosse igualmente importante e leem tudo na mesma velocidade No final das contas tudo acaba sendo igualmente desimportante À parte os livros cujos estilos chamam a atenção para os trechos que mais precisam de interpretação por parte do leitor a localização das frases impor tantes é sua tarefa exclusiva Há muitas coisas que ele pode fazer Se for pers picaz o bastante conseguirá captar a diferença entre os trechos que entende prontamente e os trechos que não entende e então facilmente terá localizado as frases que mais o desafiam Talvez a esta altura você esteja começando a perceber como é importante para a leitura ficar perplexo e saber disso O espanto é o começo da sabedoria seja aprendendo por meio de livros seja aprendendo com a natureza Se você nunca se questionar sobre o sentido de determinado trecho então nunca poderá esperar que o livro lhe forneça qualquer insight que ainda não possua Outra pista para encontrar os trechos importantes está nas palavras que os compõem Se você já marcou as palavras importantes elas provavelmente o le varão até as frases que merecem sua atenção Assim o primeiro passo da leitura interpretativa o prepara para o segundo Mas o inverso também pode ser ver dadeiro Pode acontecer de você marcar determinadas palavras somente depois de ficar confuso diante do sentido de uma frase O fato de termos enunciado essas regras em determinada ordem não significa que você tenha de seguilas exatamente nessa ordem Termos constituem proposições Proposições contêm termos Se você conhece os termos que as palavras expressam é porque captou a proposição da frase Se você entender a proposição transmitida por uma frase terá captado os termos também Esse fato sugere mais uma pista para localizarmos as principais proposições Elas pertencem aos principais argumentos do livro Elas podem ser premissas ou conclusões Assim se você consegue detectar essas frases que parecem formar uma sequência uma sequência na qual há um começo e um fim então provavel mente terá apontado precisamente as frases que são importantes 9 Como especificar a mensagem do autor 135 Dissemos uma sequência na qual há um começo e um fim Todo argu mento que os homens expressam em palavras leva certo tempo para ser enun ciado Talvez você até consiga dizer uma frase de um só fôlego mas há sempre pausas em um argumento Você tem de dizer algo primeiro depois outra coisa e assim por diante Um argumento começa em um lugar passa por outro lugar e chega ainda a outro lugar É um movimento do pensamento Ele pode começar pelas conclusões e proceder fornecendo as razões dela Ou pode começar com a evidência e as razões para conduzilo até a conclusão Evidentemente assim como em outras situações a pista não será útil a não ser que você saiba usála Você tem de identificar um argumento assim que deparar com ele A despeito de algumas experiências negativas contudo per sistimos em nossa opinião de que a mente humana é tão naturalmente sensível aos argumentos quanto o olho é sensível às cores Deve haver pessoas que são cegas a argumentos Mas o olho não verá nada se permanecer fechado assim como a mente não acompanhará um argumento se não estiver desperta Muitas pessoas acham que sabem ler só porque sabem ler a velocidades diferentes Mas elas pausam e leem devagar nas frases erradas Elas pausam nas frases que mais lhes interessam em vez de pausarem nas frases que mais as confun dem Em verdade esse é um dos maiores obstáculos para a leitura de livros que não são totalmente contemporâneos Todo livro antigo contém fatos que são surpreendentes por serem diferentes daqueles que conhecemos mas a leitura para entendimento não deve se fixar nesse tipo de novidade O interesse no autor na sua linguagem ou no mundo em que escreve é uma coisa o interesse no entendimento de suas ideias é outra coisa bem diferente As regras aqui abordadas podem ajudar a satisfazer a esse interesse não à sua curiosidade sobre outras questões COMO ENCONTRAR AS PROPOSIÇÕES Suponhamos que você tenha localizado as frases principais A Regra 6 exige que se dê outro passo Você terá de descobrir a proposição ou as 136 Como Ler Livros proposições contidas em cada uma dessas frases É outra maneira de dizer que você deve saber o que a sentença quer dizer Você descobre termos des cobrindo o sentido de determinada palavra naquele contexto Similarmente você descobre proposições interpretando todas as palavras que compõem a frase sobretudo as palavras principais Novamente vale lembrar que você não conseguirá empreender essa tarefa sem conhecer um pouco de gramática É preciso saber o papel desempenhado por adjetivos e advérbios nas frases saber como os verbos funcionam em re lação aos substantivos como as locuções restringem ou amplificam o sentido das palavras e assim por diante Idealmente você tem de ser capaz de dissecar uma frase por meio da análise sintática embora não necessariamente de maneira formal Apesar da desvalorização da gramática no ensino escolar hoje em dia vamos considerar que você conheça o bastante não é possível que você não conheça embora possa estar um pouco enferrujado por falta de prática nos rudimentos da arte de ler Há somente duas diferenças entre encontrar os termos que as palavras expressam e identificar as proposições que as frases expressam Uma é que o contexto no caso das proposições é mais amplo Todas as frases vizinhas são levadas em conta para a interpretação da frase em questão assim como as pala vras vizinhas são levadas em conta para a interpretação de determinada palavra Em ambos os casos você procede a partir do que entende em direção a uma elucidação gradual daquilo que é em princípio relativamente ininteligível A outra diferença reside no fato de que as frases complicadas normalmente expressam mais do que uma proposição Você não terá completado a interpre tação de uma frase importante enquanto não tiver separado todas as diferentes proposições mesmo que elas estejam interrelacionadas A habilidade para fa zer isso vem com a prática Encontre algumas frases complicadas neste livro e tente enunciar com suas próprias palavras cada uma das proposições declaradas Enumereas e relacioneas entre si Enunciar com suas próprias palavras Isso sugere o melhor teste que co nhecemos para dizer se você entendeu a proposição ou as proposições de uma frase Se lhe pedirem que explique o que o autor quis dizer em determinada frase 9 Como especificar a mensagem do autor 137 e você somente conseguir repetir as próprias palavras do autor com algumas poucas alterações tratase de um indício de que você não entendeu realmente o que o autor quis dizer Idealmente você tem de ser capaz de dizer a mesma coisa com palavras totalmente diferentes É claro que esse ideal pode ser alcan çado em diferentes graus Mas se ficar claro que você não é capaz de se desfazer das palavras do autor isso mostra que somente palavras lhe foram transmitidas não pensamentos ou conhecimento Você conhecerá as palavras do autor mas não sua mente Ele tentou lhe comunicar conhecimento mas tudo o que você absorveu foram palavras O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua lín gua é relevante para o teste aqui proposto Se você não consegue expressar em uma frase em português o que diz uma frase em francês então sabe que não entende o significado da frase em francês No entanto mesmo que consiga sua tradução poderá permanecer no nível meramente verbal pois mesmo que tenha conseguido formar uma réplica fiel em português talvez você não entenda o que o autor quis dizer em francês A tradução de uma frase em português para outra língua porém não é meramente verbal A frase recémformada não é uma réplica verbal da frase original Se for exata ela será fiel somente ao pensamento É por isso que esse tipo de tradução é o melhor teste que você poderia aplicar a si próprio se quiser ter certeza de que digeriu a proposição e não apenas engoliu as palavras Se não passar no teste então terá descoberto uma falha de entendimento Se disser que sabe o que o autor quer dizer mas tudo o que consegue fazer é repetir a frase do autor para mostrar que sabe então não seria capaz de reconhecer a proposição do autor caso tivesse sido apresentada com outras palavras Talvez o autor tenha apresentado a mesma proposição com palavras dife rentes ao longo do livro O leitor que não foi capaz de enxergar a proposição através das palavras provavelmente tenderá a tratar as frases equivalentes como se fossem frases que contivessem proposições diferentes É o mesmo que uma pessoa não saber que 2 2 4 e 4 2 2 são notações distintas para a mesma relação aritmética a relação do número quatro como dobro de dois ou do número dois como metade de quatro 138 Como Ler Livros Você teria concluído que essa pessoa simplesmente não entendeu a equa ção A mesma conclusão se aplica a você ou a qualquer pessoa no caso de frases equivalentes que transmitam a mesma proposição ou no caso de não conseguir expressar a proposição com frases diferentes daquelas utilizadas pelo autor Essas observações têm a ver com a leitura sintópica a leitura de vários livros sobre um mesmo assunto Diferentes autores frequentemente dizem a mesma coisa com diferentes palavras ou diferentes coisas usando praticamente as mesmas palavras O leitor incapaz de ver através da linguagem os termos e proposições jamais conseguirá comparar livros correlatos Em sua leitura equi vocada ele provavelmente concluirá que os autores discordam por causa de suas diferenças verbais ou talvez ignore suas diferenças reais por causa de meras semelhanças verbais Há ainda outro teste para avaliar se você compreende a proposição de determinada frase Você consegue indicar alguma experiência pessoal descrita pela proposição ou na qual a proposição é pelo menos relevante Você conse gue dar um exemplo da regra geral que está sendo enunciada indicando alguma circunstância específica Imaginar um caso é às vezes tão proveitoso quanto citar um caso real Se você simplesmente não conseguir exemplificar ou ilustrar determinada proposição seja imaginativamente seja apontando uma experiên cia real talvez esteja na hora de começar a suspeitar de que não entendeu o que está sendo dito Nem todas as proposições são igualmente suscetíveis a esse teste Talvez seja necessário adquirir a experiência específica que somente um laboratório poderia fornecer Mas cremos que a questão está clara agora Proposições não existem no vácuo Elas se referem ao mundo em que vivem A não ser que con siga demonstrar certo traquejo com os fatos reais ou possíveis aos quais a pro posição se refira ou para os quais seja relevante você estará brincando com palavras e não lidando com pensamento e conhecimento Vamos dar um exemplo de caso assim Uma proposição básica em meta física é expressa pelas seguintes palavras Nada atua exceto o que é real Já ouvimos muitos alunos repetirem essa frase com um ar de autossatisfação inte lectual Eles pensavam estar se desobrigando de seu dever perante nós e o autor 9 Como especificar a mensagem do autor B9 só por repetirem verbalmente essa frase Mas a vergonha vinha à tona assim que lhes pedíamos para expressar a proposição com outras palavras Raramente di ziam por exemplo que algo que não existe não pode fazer nada Mas essa seria uma tradução imediata e evidente evidente pelo menos para quem entendeu a proposição em seu sentido original Quando eles se mostravam incapazes de traduzila nós lhes pedíamos um exemplo da proposição Se algum deles nos dissesse que grama não pode crescer a partir de uma possível chuva ou que contas bancárias não crescem só por causa de um possível aumento salarial saberíamos que a proposição foi bem entendida O vício do verbalismo pode ser definido como o mau hábito de usar palavras desprezando o pensamento que deveriam transmitir e sem consciência das experiências às quais deveriam se referir É brincar com palavras Como os dois testes indicam o verbalismo é o pecado capital da leitura analítica Esse tipo de leitor nunca vai além das palavras O máximo que possui é uma memória verbal que lhe permite recitar palavras de forma vazia Uma das acusações feitas pelos educadores modernos contra as artes liberais é que elas tendem ao verba lismo mas ocorre justamente o contrário O fracasso da leitura o verbalismo onipresente por parte daqueles que nunca foram treinados nas artes da gramá tica e da lógica mostra como o deficit nessas disciplinas resulta em escravidão às palavras e não em domínio sobre elas COMO ENCONTRAR OS ARGUMENTOS Já falamos o suficiente sobre proposições Agora está na hora de abordar mos a sétima regra da leitura analítica a qual requer que lidemos com várias frases Dissemos anteriormente que havia uma boa razão para não formularmos essa regra de interpretação simplesmente encontrando os parágrafos mais im portantes A razão é simples não há consenso entre os escritores sobre como os parágrafos devem ser compostos Grandes escritores como Montaigne Locke ou Proust compuseram parágrafos extremamente longos outros como 140 Como Ler Livros Maquiavel Hobbes ou Tolstói escreveram parágrafos relativamente curtos Nos tempos modernos sob a influência do estilo tipicamente jornalístico a maioria dos autores assumiu a tendência de escrever parágrafos curtos e fáceis de ler O parágrafo que você está lendo agora por exemplo é provavelmente longo demais para os padrões jornalísticos atuais Se quiséssemos agradar aos leitores teríamos começado um novo parágrafo em Grandes escritores Não é apenas uma questão de extensão O que nos incomoda aqui é a rela ção entre linguagem e pensamento A unidade lógica para a qual a sétima regra aponta é o argumento a sequência de proposições algumas das quais podem levar a outras Essa unidade lógica não guarda relação exclusiva com nenhuma unidade reconhecível no texto da maneira como por exemplo os termos es tão relacionados às palavras e expressões e as proposições estão relacionadas às frases Um argumento pode ser expresso em uma frase única e complicada por exemplo ou em várias frases que formam apenas uma pequena parte de um parágrafo Às vezes pode acontecer de um argumento coincidir exatamente com um parágrafo mas também pode acontecer de o argumento exigir diversos parágrafos para ser devidamente exposto Há ainda outra dificuldade Há inúmeros parágrafos em um livro que não expressam absolutamente nenhum argumento nem mesmo a pequena parte de um argumento Eles podem detalhar alguma evidência ou relatar como a evidência foi coleta da mas não são um argumento em si Assim como há frases cuja importância é secundária pois são meras digressões ou notas paralelas assim também há parágrafos desse tipo Nem precisamos lembrar que esses parágrafos podem ser lidos mais rapidamente que os demais Por causa dessas questões sugerimos que a REGRA 7 seja reescrita assim ENCONTRE SE PUDER OS PARÁGRAFOS QUE EXPRESSAM OS ARGUMENTOS IMPORTANTES DO LIVRO i MAS SE OS ARGUMENTOS NÃO PUDEREM SER ENCONTRADOS DESSA MANEIRA VOCÊ TERÁ DE CONSTRUÍLOS JUNTANDO FRASES DE DIVERSOS PARÁGRAFOS ATÉ QUE CONSIGA COMPOR UMA SEQUÊNCIA DE FRASES QUE ENUNCIEM AS PROPOSIÇÕES QUE COMPÕEM O ARGUMENTO Após ter detectado quais são as frases principais a composição dos pa rágrafos deverá ser algo relativamente simples Há várias maneiras de fazêlo 9 Como especificar a mensagem do autor w Você pode escrever em um papel as proposições que em conjunto formam um argumento Mas em geral o mais comum é fazer aquilo que sugerimos ante riormente escrever números nas margens além de outras marcas e sinais que indiquem os locais onde se encontram as frases que compõem o argumento Nem sempre os autores ajudam o leitor nessa tarefa Os autores que sabem expor seu raciocínio de maneira clara e limpa sempre buscam revelar e nunca ocultar seu pensamento No entanto nem todos os bons autores fazem isso da mesma maneira Alguns como Euclides Galileu Newton autores cujo estilo é eminentemente matemático ou geométrico chegam perto do ideal de igualar o argumento a apenas um parágrafo O estilo da maioria dos escritores não ma temáticos tende a apresentar dois ou mais argumentos em um só parágrafo ou apresentar um argumento em vários parágrafos Quanto mais displicente for a escrita de um livro tanto mais difusos os parágrafos tenderão a ser É muito comum termos de investigar todos os pa rágrafos de um capítulo para encontrar as frases que constituem o argumento Alguns livros nos levam a investigar em vão e outros nem mesmo encorajam a investigação Um bom livro normalmente se resume à medida que os argumentos se desenvolvem Se o autor resumir seus argumentos no final de um capítulo ou no final de uma seção ou parte você poderá consultar as páginas anteriores a fim de detectar os trechos que ele reuniu no resumo Na Origem das Espécies Darwin resume seu argumento para o leitor no último capítulo chamado Re capitulação e Conclusão O leitor que tanto se esforçou ao longo da leitura até que merece essa ajudai já o leitor que não se esforçou não conseguirá aproveitar o resumo A propósito se você investigou bem o livro antes de começar a lêlo ana liticamente saberá se os resumos existem e onde estão Nesse caso poderá usálos da melhor maneira possível para interpretar o livro Outro sinal de um livro mal escrito é a omissão de passos em um argumen to Às vezes eles podem ser omitidos sem causar danos pois essas proposições deixadas de lado em geral são compensadas pelo conhecimento médio dos leito res Mas em outros casos a omissão é enganosa quando não intencionalmente 142 Como Ler Livros enganosa Um dos truques mais conhecidos de oratória ou propaganda é não dizer certas coisas uma vez que poderiam arruinar o argumento se fossem expli citadas Em geral não esperamos que esse tipo de truque seja usado por autores honestos cujo intuito é ensinar mas mesmo assim é prudente adotarmos o há bito de explicitar todos os passos de um argumento Não importa de que tipo seja o livro sua missão como leitor continua a mesma Se o livro contiver argumentos você tem de saber quais são e deve po der expressálos em poucas palavras Há evidentemente argumentos constru ídos sobre outros argumentos Ao longo de uma análise complexa e elaborada uma coisa pode ser provada para provar outra coisa e esta coisa pode ser usada para provar ainda outra coisa As unidades de raciocínio porém são os argu mentos simples Se você for capaz de encontrálos em qualquer livro jamais se perderá nas sequências argumentativas mais longas Você pode estar pensando que embora tudo isso seja muito bonito tal vez fosse necessário conhecer a estrutura dos argumentos da mesma maneira como os especialistas em lógica a conhecem Sem esse conhecimento especí fico como encontrar ou pior como construir os argumentos se o autor não os expuser de maneira compacta em um único parágrafo A resposta é que obviamente você não precisa conhecer a estrutura dos argumentos como se fosse um especialista em lógica Há relativamente pou cos especialistas em lógica no mundo para o bem ou para o mal A maioria dos livros que transmitem conhecimento contém argumentos Eles são voltados para os leitores em geral e não para especialistas em lógica Nenhuma grande competência em lógica é necessária para ler esses livros Repetindo o que já dissemos anteriormente a natureza da mente humana é tal que se ela se esforçar ao longo da leitura se identificar os termos usados pelo autor e encontrar suas proposições ela também conseguirá encontrar os argumentos Porém algumas coisas que precisamos dizer poderão ser úteis para cumprir essa regra de leitura Em primeiro lugar lembrese de que todo argumento consiste em uma quantidade específica de afirmações Algumas dessas afirmações for necem as razões para que você aceite a conclusão proposta pelo autor Se você 9 Como especificar a mensagem do autor H3 encontrar as conclusões antes procure as razões Se encontrar as razões antes veja aonde elas o levarão Em segundo lugar discrimine entre o tipo de argumento que aponta para um ou mais fatos específicos como evidências para alguma generalização e o tipo de argumento que apresenta uma série de afirmações gerais para provar outras generalizações O primeiro tipo de raciocínio é chamado indutivo e o segundo é chamado dedutivo mas os nomes não são tão importantes O importante mesmo é saber distinguir os dois Na literatura científica observase essa distinção na diferença entre a prova de uma proposição por raciocínio e por experimentação Galileu em seu livro Duas Novas Ciências chega a mencionar alguns experimentos que com provam as conclusões já demonstradas anteriormente por raciocínio mate mático Em um capítulo conclusivo do livro Estudo Anatômico sobre o Movimento do Coração o grande fisiologista William Harvey disse Demonstrouse pela razão e por experimentos que o sangue graças à batida dos ventrículos flui pelos pulmões e pelo coração e é bombeado para todo o corpo Às vezes é possível defender uma proposição por meio de raciocínios feitos com base em outras verdades gerais e por evidências empíricas Outras vezes apenas um desses métodos está disponível Em terceiro lugar fique atento às coisas que o autor diz que tem de supor o que ele diz que pode ser provado ou evidenciado e o que não pode ser provado por que é autoevidente Talvez ele esteja realmente tentando lhe dizer quais são suas suposições ou talvez esteja realmente querendo que você descubra quais são essas suposições Obviamente nem tudo pode ser provado assim como nem tudo pode ser definido Se toda proposição tivesse de ser provada nenhuma prova teria início Axiomas suposições e postulados são necessários para provar proposições Se essas proposições forem provadas elas poderão naturalmente ser usadas como premissas em outras provas Em outras palavras toda linha de raciocínio tem de começar em algum lugar Basicamente há duas maneiras ou lugares para se começar com suposições acordadas entre autor e leitor ou com as chamadas proposições autoevidentes que nem o autor nem o leitor podem negar No primeiro caso as suposições podem 144 Como Ler Livros ser qualquer coisa contanto que haja acordo entre autor e leitor O segundo caso requer alguns comentários adicionais Recentemente as pessoas têm se referido às proposições autoevidentes como tautologiasi o sentimento que há por trás do termo é uma espécie de desprezo pelo trivial ou uma suspeita de engodo ou trapaça como se coelhos estivessem sendo tirados de cartolas Você enquadra a verdade definindo as pa lavras e num passe de mágica tira a mesma verdade como se ela nunca tivesse estado ali antes Mas nem sempre é assim Por exemplo há uma diferença considerável entre uma proposição como o pai do pai é o avô e o todo é maior do que suas partes A pri meira proposição é uma tautologia afinal a proposição está contida na defi nição das palavras mas o segundo exemplo está longe de ser uma tautologia Vejamos por quê A afirmação o todo é maior do que suas partes expressa o enten dimento que temos das coisas e de suas relações o qual seria o mesmo a despeito das palavras que utilizamos ou das convenções linguísticas que adotamos Os todos finitos quantitativos existem e eles possuem partes fi nitas definidasi por exemplo esta página pode ser cortada na metade ou em várias partes etc Ora a maneira como entendemos um todo finito isto é qualquer todo finito e a maneira como entendemos uma parte finita de um todo finito implicam entendermos o todo como maior que a parte ou a parte como menor que o todo Ao que parece a questão é meramente verbal ou seja simplesmente não conseguimos definir as palavras todo e partei essas palavras expressam noções primitivas ou indefiníveis Já que não podemos definilas separadamente o que podemos fazer é expressar o que entendemos por todo e parte por meio de uma frase que mostre como os todos e as partes estão relacionados A afirmação é axiomática ou autoevidente no sentido de que seu oposto é imediatamente percebido como falso Podemos dizer que esta página é parte e que metade desta página é todo mas não conseguimos pensar que esta página antes de ser cortada na metade seja menor que a metade obtida após cortála A despeito de como utilizamos as palavras os todos finitos e suas 9 Como especificar a mensagem do autor 145 partes definidas são tais que sempre somos movidos a dizer que o todo é maior que suas partes e o que sabemos é a relação entre os todos existentes e suas partes e não o uso das palavras ou seus significados Essas proposições autoevidentes possuem portanto o status de verdades indemonstráveis e por sua vez inegáveis Elas se baseiam somente em expe riências e são parte do conhecimento espontâneo já que não pertencem for malmente a nenhum grupo específico de conhecimento elas não pertencem à filosofia nem à matemática assim como não pertencem à ciência nem à história Eis por que a propósito Euclides as chamava de noções comuns Elas tam bém são instrutivas apesar de Locke por exemplo achar que não Ele não via diferença alguma entre uma proposição que nada instruía como aquela sobre o avô e uma que instruía as proposições que nos ensinam algo que de outra maneira não saberíamos como aquela sobre partes e todos Todos os moder nos que consideram tais proposições como meramente tautológicas cometem o mesmo erro Não percebem que algumas das proposições que consideram tautológicas contribuem para nosso conhecimento ao passo que outras ob viamente em nada contribuem COMO ENCONTRAR AS SOLUÇÕES As últimas três regras da leitura analítica as regras sobre termos pro posições e argumentos podem ser encabeçadas por uma oitava regra a qual abrange o último degrau na interpretação do conteúdo de um livro Mais do que isso essa oitava regra relaciona o primeiro estágio da leitura analítica delineamento da estrutura com o segundo estágio interpretação do conteúdo O último passo na tentativa de descobrir a essência do livro é descobrir os principais problemas que o autor tenta resolver Lembrese isso está na Regra 4 Ora após ter chegado a um acordo com o autor isto é ter detectado os termos que ele utiliza e captado quais suas proposições e argumentos você terá de verificar o que encontrou voltandose para outras questões Quais dos 146 Como Ler Livros problemas abordados pelo autor ele realmente conseguiu resolver Na tentativa de resolvêlos será que o autor criou novos problemas Dos problemas em que ele fracassou velhos ou novos em quais o próprio autor reconhece que fracas sou O bom autor assim como o bom leitor tem de saber se um problema foi resolvido ou não além de ser menos doloroso ao leitor se o autor explicitamen te reconhecer o fracasso 0 passo final da etapa interpretativa é a REGRA 8 DESCUBRA QUAIS SÃO AS SOLUÇÕES DO AUTOR Quando tiver aplicado essa regra além das três prece dentes você poderá ter certeza de que conseguiu entender o livro Se você começou com um livro que está acima do seu entendimento um livro que pode lhe ensinar alguma coisa então percorreu um longo caminho para chegar até aqui Mais do que isso agora está apto a completar sua leitura analítica do livro O terceiro e último estágio lhe será relativamente fácil Até agora você manteve seus olhos e sua mente abertos mas a boca esteve fechada Até agora você acompanhou o autor A partir de agora terá a chance de expressarse debatendo com o autor O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Até aqui descrevemos o segundo estágio da leitura analítica Outra ma neira de dizer isso é que até agora expusemos os materiais necessários para responder à segunda pergunta básica que você tem de fazer sobre o livro na realidade sobre qualquer coisa legível Você deve lembrar que a pergunta era O que exatamente está sendo dito e como A aplicação das regras 5 a 8 deve ter lhe ajudado a responder a essa pergunta Quando tiver chegado a um acordo com o autor isto é quando tiver encontrado seus termos detectado suas proposições e argumentos centrais e identificado as soluções que ele dá aos problemas que se propôs você saberá o que ele disse no livro e assim estará preparado para responder às duas perguntas básicas finais Já que completamos este estágio da leitura analítica vamos como anterior mente resumir suas regras 9 Como especificar a mensagem do autor 147 O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA OU REGRAS PARA DESCOBRIR O QUE DIZ O LIVRO INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO 1 Chegue a um acordo com o autor interpretando suas palavraschave 2 Capte as proposições principais encontrando as frases mais importantes 3 Entenda os argumentos do autor encontrandoos ou compondoos com base em conjuntos de frases 4 Determine quais problemas o autor conseguiu resolver e quais ele não conseguiu resolver neste caso decida se o autor sabe que fracassou ao não resolvêlos 1 4 8 Como Ler Livros 10 COMO CRITICAR UM LIVRO No final do capítulo anterior dissemos que o caminho percorrido até aqui foi longo Aprendemos a delinear um livro Aprendemos as quatro regras para interpretar o conteúdo de um livro Agora estamos prontos para o último es tágio da leitura analítica Neste estágio você colherá os frutos dos esforços despendidos nos estágios anteriores Ler um livro é como conversar Talvez não lhe pareça uma conversa de verdade já que é o autor quem fala e você permanece calado o tempo todo Se pensa desse jeito então você não percebe sua real obrigação como leitor além de não perceber todas as oportunidades à sua disposição Na realidade o leitor é aquele que dá a palavra final O autor teve a opor tunidade de falar o tempo todo e agora é a sua vez A conversa entre um livro e seu leitor se parece mais ou menos com aqueles debates em que cada um ouve a fala do outro sem interrompêlo esperando sua vez de falar Porém se o leitor for indisciplinado e rude a conversa não terá bom progresso O pobre autor não poderá se defender Ele não conseguirá dizer Ei espere até que eu tenha terminado de falar Ele não poderá protestar não poderá dizer que o leitor o entendeu mal As conversas entre pessoas que se confrontam são proveitosas apenas se levadas a cabo de maneira civilizada Não estamos aqui nos referindo apenas às civilidades sociais e a regras de etiqueta Essas convenções não são realmente importantes O que importa é a etiqueta intelectual esta sim tem de ser observada com rigor Sem essa etiqueta a conversa será mero bateboca e não uma co municação proveitosa Supomos obviamente que a conversa envolva questões sérias sobre as quais pessoas adultas possam concordar ou discordar Por isso é importante que se portem de maneira adequada Do contrário não haverá proveito nessa empreitada O proveito ou o lucro de uma conversa é aquilo que se aprendeu nela O que vale para uma conversa comum vale ainda mais para a situação es pecial na qual o livro falou e agora o leitor tem de responder Que o autor se portou adequadamente é algo que teremos de supor ao menos de início Que ele transmitiu tudo aquilo que tinha em mente também é algo que vamos supor sobretudo no caso dos bons livros Mas o que o leitor pode fazer em resposta O que ele tem de fazer para cumprir seu dever com louvor O leitor tem a obrigação e a oportunidade de responder ao autor A opor tunidade é evidente Nada pode impedir que o leitor pronuncie seu julgamento a respeito do livro As raízes da obrigação no entanto situamse nas profunde zas da natureza da relação entre livros e leitores Se o livro for do tipo que transmite conhecimento o objetivo do autor foi o de instruir Ele buscou ensinar Procurou convencer ou persuadir o leitor de alguma coisa Seu esforço só terá sucesso se o leitor ao final disser Fui ensinado Você me convenceu de que isso e isso é verdade ou me persuadiu de que isso é provavelmente verdade No entanto mesmo que o leitor não esteja convencido ou persuadido a intenção e o esforço do autor devem ser respei tados O leitor lhe deve um julgamento justo Se não pode concordar com o autor ao menos deve ter bases claras para discordar ou se for o caso suspender o julgamento em questão Na realidade o que acabamos de dizer já foi dito muitas vezes Um bom livro merece uma leitura analítica A leitura não acaba no entendimento do livro Ela tem de ser coroada por uma crítica por um julgamento O leitor pouco exigente não cumpre essa tarefa e provavelmente também não cumpre a tarefa de análise e interpretação Esse tipo de leitor não se limita à preguiça ele despreza o livro colocandoo de lado e esquecendose dele Pior do que elogiálo de leve ele o condena sem lhe conceder uma crítica adequada O ENSINAMENTO É UMA VIRTUDE A resposta não é algo separado da leitura É o terceiro estágio da leitura analítica de um livro assim como nos estágios anteriores há regras para seu 150 Como Ler Livros cumprimento Algumas delas são regras gerais de etiqueta intelectual Falare mos delas neste capítulo As demais são critérios mais específicos para críticas mais específicas Elas serão abordadas no próximo capítulo As pessoas tendem a achar que os bons livros estão livres das críticas do leitor mediano O leitor e o autor não são iguais O autor desse ponto de vista só deve se sujeitar ao julgamento de seus pares Lembrese da recomendação de Bacon a seus leitores Não leia para contradizer ou refutar nem para crer ou acreditar piamente nem para conversar ou debater mas para pesar e ponderar Sir Walter Scott lança críticas ainda mais ácidas contra aqueles que leem para duvidar ou leem para zombar Há certa verdade aí evidentemente mas também há uma boa dose de nonsense acerca da aura de infalibilidade que cerca alguns livros e da falsa devoção que ela produz Supõese que os leitores devam se comportar como crianças no sentido de que os grandes autores ensinam e os leitores têm de ficar quietos Cervantes pode ou não estar certo quando diz que não há livro tão ruim que não contenha nada de bom Se for assim também podemos dizer que não há livro tão bom que não contenha alguma falha É verdade que um livro que consegue transmitir conhecimento aos lei tores é nesse sentido superior a eles e só deve ser criticado até que esses leitores o entendam Quando tiverem entendido eles terão aumentado seu nível de conhecimento até um nível igual ao do autor Nesse caso estarão aptos a exercitar seus direitos e privilégios Se não o fizerem estarão come tendo uma injustiça contra o autor Ele fez o que pôde para eleválos até seu nível Ele merece que ajam como seus pares que conversem com ele que respondam Estamos falando aqui da virtude do ensinamento uma virtude muito mal compreendida hoje em dia O ensinamento confundese equivocadamente com a subserviência Dizse que uma pessoa pode ser ensinada se ela for dócil e passiva Mas é justamente o contrário o ensinamento é uma virtude extrema mente ativa Ninguém é verdadeiramente capaz de aprender se não exercitar livremente seu poder de julgamento independente Ele pode até ser treinado mas não ensinado O leitor mais capacitado a aprender é portanto o mais crítico dos leitores w Como criticar um livro 151 É o leitor que ao final responde ao livro esforçandose ao máximo nas questões apresentadas pelo autor Dissemos ao final porque o ensinamento requer que o professor seja ouvido totalmente e que mais do que isso seja entendido antes de ser julgado Vale lembrar que o mero esforço não é o critério adequado para a aprendiza gem O leitor tem de saber como julgar o livro assim comu tem de saber como entender o conteúdo do livro O terceiro grupo de regras é portanto um guia para o último estágio do exercício disciplinado do ensinamento O PAPEL DA RETÓRICA Por toda parte encontramos certa reciprocidade entre a arte de ensinar e a arte de ser ensinado entre a competência do autor e a competência do leitor Vimos como os mesmos princípios lógicos e gramaticais envolvidos na boa es crita também formam as regras da boa leitura As regras que abordamos até aqui lidam com a inteligibilidade do autor e com a capacidade de compreensão do leitor O conjunto de regras que vamos descrever agora vai além do entendi mento entra na seara do julgamento crítico É aqui que entra a retórica A retórica possui evidentemente muitos usos Em geral pensamos nela como algo utilizado por oradores ou profissionais do marketing No entanto a retórica está relacionada a todas as situações nas quais há comunicação entre seres humanos Se somos nós que falamos queremos não apenas que nos enten dam mas que concordem conosco em certa medida Se quisermos realmente nos comunicar se quisermos ser entendidos desejaremos também convencer ou persuadir mais precisamente desejaremos convencer a respeito de ques tões teóricas e em última instância persuadir a respeito de questpes que afetam nossas ações e sentimentos A comunicação séria exige não apenas que sejamos espectadores responsivos mas espectadores responsáveis Você será responsável à medida que acompanhar o que lhe for dito e perceber a intenção com que é dito Mas você também terá a responsabilidade de tomar uma posição Quando tomar essa posição ela será i52 Como Ler Livros sua e não do autor Achar que os outros são responsáveis pelo seu julgamento é ser escravo e não uma pessoa livre É exatamente por isso que as artes liberais têm esse nome Quanto ao orador ou escritor o dom da retórica significa saber como con vencer ou persuadir Dado que esse seja o fim último da comunicação todos os demais aspectos deverão servilo As habilidades lógicas e gramaticais possuem seus méritos mas elas também são meios para determinado fim Reciprocamen te quanto ao leitor ou ouvinte o dom da retórica significa saber como reagir quando alguém tenta nos convencer ou persuadir de algo Aqui as habilidades lógicas e gramaticais também possibilitam nossa reação de maneira crítica pois elas nos permitem entender o que está sendo dito A IMPORTÂNCIA DE SUSPENDER O JULGAMENTO Dessa maneira vemos como as três artes da gramática da lógica e da retórica cooperam para regular os elaborados processos de escrita e leitura A destreza nos dois primeiros estágios da leitura analítica depende da gramática e da lógica A destreza no terceiro estágio depende da arte da retórica Consi deraremos que os princípios da retórica são uma espécie de código de etiqueta não apenas para ensinar boas maneiras mas para que se saiba responder com a devida eficácia Embora não seja algo comumente reconhecido a etiqueta serve para os dois propósitos e não apenas para o primeiro Você provavelmente já consegue intuir qual será a nona regra Já falamos dela diversas vezes Não responda enquanto não tiver ouvido com cuidado e não tiver certeza de que entendeu Você será honesto e não se manifestará en quanto não tiver absoluta certeza de que cumpriu com esmero os primeiros dois estágios de leitura pois em seguida você não apenas terá o direito de se manifestar como terá o dever de fazêlo Isso significa que com efeito o terceiro estágio da leitura analítica deve se guirse cronologicamente aos dois primeiros Os dois primeiros estágios se inter penetram Mesmo o leitor iniciante conseguirá combinálos e o leitor avançado 10 Como criticar um livro 153 o fará quase que integralmente Ele consegue descobrir o conteúdo do livro que brando o todo em suas partes e ao mesmo tempo construindo o todo a partir de seus elementos intelectuais e cognoscíveis a saber os termos as proposições e os argumentos Além do mais boa parte do trabalho que os dois primeiros estágios demandam já terá sido executada na leitura inspecionai Porém mesmo o especia lista só poderá passar ao terceiro estágio depois que tenha entendido A nona regra pode ser reformulada desta maneira REGRA 9 VOCÊ TEM DE DIZER COM RAZOÁVEL GRAU DE CERTEZA EU ENTENDO ANTES QUE POSSA DIZER CONCORDO OU DISCORDO OU SUSPENDO O JULGAMENTO Essas três afirmações são exaustivas ou seja elas resumem todas as pos turas que você pode adotar a respeito de um livro Esperamos que você não tenha imaginado que criticar significa discordar Tratase de um equívoco muito comum Concordar é um exercício de julgamento crítico assim como discor dar Você pode errar tanto ao concordar quanto ao discordar Discordar sem entender é imprudente Embora não seja tão óbvio de início a suspensão de um julgamento é tam bém uma crítica Você está assumindo a postura de que algo não foi demonstra do ou seja não está convencido ou persuadido para nenhum dos lados A regra parece tão óbvia que talvez você esteja se perguntando por que nos incomodamos em explicitála Há duas razões para isso Em primeiro lugar muitas pessoas cometem o erro já mencionado de igualar crítica com discórdia Mesmo as críticas construtivas são discordantes Em segundo lugar embora essa regra pareça obviamente legítima nossa experiência deixa claro que pouca gente a segue na prática Como regra de ouro ela dá mais margem a elogios insinceros do que à obediência inteligente Todo autor já passou pela experiência de ser alvo de críticos que não se sentiram obrigados a cumprir os dois primeiros estágios de leitura O crítico frequentemente imagina que não precisa ser leitor apenas juiz Todo palestrao te também passou pela mesma experiência isto é foi alvo de perguntas cujo contexto revela que obviamente o ouvinte não entendeu o que foi dito Você mesmo já deve ter ouvido alguém dizer repentinamente Não entendi o que disse mas acho que você está errado 154 Como Ler Livros Na realidade não faz sentido responder a esse tipo de crítica A única atitude educada nesses casos é pedir a tais críticos que repitam o que en tenderam isto é as ideias que julgam estar condenando Se não puderem fazêlo de maneira satisfatória se não puderem repetir o que foi dito com suas próprias palavras você saberá que eles não entenderam e portanto estará com razão se decidir ignorálos São críticas irrelevantes assim como qual quer crítica que não se baseie em entendimento genuíno Quando conseguir encontrar uma dessas raras pessoas que demonstrem ter entendido o que você disse tão bem quanto você mesmo então desfrute de seu apoio ou se preocupe com sua crítica Após anos de experiência com alunos dos mais variados tipos concluímos que o cumprimento dessa regra é mais uma exceção do que regra mesmo Alu nos que evidentemente não entenderam o que o autor quis dizer não pensam duas vezes em fazer o papel de juiz Eles não apenas discordam de algo que não entenderam como pior ainda concordam com ideias as quais não consegui riam expressar inteligentemente com suas próprias palavras Suas discussões a exemplo de sua leitura são apenas palavras Onde não há entendimento não há sentido e inteligibilidade nas afirmações e negações Nem mesmo duvidar ou suspender o julgamento são posturas inteligentes já que o leitor não saberá o que afinat ele está deixando de julgar Há outras questões a serem observadas quanto a essa regra Se estiver len do um bom livro você deve hesitar antes de dizer entendi Supõese que terá muito trabalho pela frente antes de declarar qualquer coisa com confiança e honestidade Certamente você deve ser um juiz de si próprio nessas questões o que só torna a responsabilidade ainda maior e mais séria Dizer não entendi também é evidentemente um julgamento crítico mas somente depois de ter se esforçado é que essa declaração refletirá algo sobre o livro e não sobre você Caso tenha realmente feito a sua parte e ainda não tenha entendido talvez o livro seja de fato ininteligível Porém sempre se supõe que o julgamento seja a favor do livro sobretudo se for um bom livro No caso dos bons livros a responsabilidade pelo fracasso em entendêlos quase sempre cabe ao leitor Por isso ele é obrigado a permanecer nos dois primeiros estágios de leitura antes w Como criticar um livro i55 de se aventurar no terceiro Quando disser não entendi preste atenção ao seu tom de voz e veja se ele concede a possibilidade de que a falha não seja do autor mas de você mesmo leitor Há mais duas condições nas quais a regra exige cuidados especiais Se es tiver lendo apenas uma parte do livro é mais difícil ter certeza de que você o entendeu e portanto terá de ser ainda mais cuidadoso ao criticálo Às vezes um livro está intimamente relacionado a outros livros do mesmo autor sendo assim seu pleno entendimento depende deles Nesse caso você também deve ser mais cauteloso em dizer entendi e diminuir a ânsia da crítica Um exemplo bastante característico desse tipo de audácia é dado pelos críticos que concordam com a Poética de Aristóteles ou dela discordam sem per ceber que os princípios centrais da análise poética de Aristóteles encontramse em outros trechos de outros livros sobretudo de seus tratados de psicologia lógica e metafísica Eles concordam ou discordam sem saber com o que estão concordando ou de que estão discordando O mesmo vale para autores como Platão e Kant Adam Smith e Karl Marx os quais não escreveram tudo o que sabiam ou pensavam em uma única obra Aqueles que julgam a Crítica da Razão Pura de Kant sem ler sua Crítica da Razão Prá tica ou A Riqueza das Nações de Adam Smith sem ler sua Teoria dos Sentimentos Morais ou O Manifesto Comunista de Marx sem ler O Capital simplesmente não estão em condições de concordar ou discordar de nada pois certamente não entenderam por completo o que esses autores disseram POR QUE É IMPORTANTE EVITAR CONTROVÉRSIAS O segundo preceito da leitura crítica é tão óbvio quanto o primeiro mas mesmo assim precisa ser explicitado pelos mesmos motivos É a REGRA 1 O que diz isto QUANDO DISCORDAR FAÇAO DE MANEIRA SENSATA SEM GERAR DISPUTAS OU DISCUSSÕES Não faz sentido vencer um debate se souber ou suspeitar que es teja errado Na prática você terá levado vantagem mas apenas no curto prazo A honestidade é a melhor política sobretudo no longo prazo 156 Como Ler Livros Aprendemos esse preceito antes de tudo com Platão e Aristóteles Em um trecho do Banquete há este diálogo Não posso refutarte Sócrates disse Ágaton Suponhamos que o que dizes é verdade Em vez disso Ágaton dize que não podes refutar a verdade pois Sócrates é facilmente refutável O trecho ecoa nas palavras de Aristóteles em sua Ética Ele diz É preferível e é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria porque embora ambos nos sejam caros a pie dade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos Platão e Aristóteles aconselham algo que a maioria das pessoas ignora Muitos pensam que vencer o debate é o que importa e não aprender a verdade Uma conversa não é uma batalha vencida por mero antagonismo ou seja não é uma batalha que se vence por meio de discórdias verdadeiras ou falsas O leitor que abordar o livro nesse espírito só vai ler aquilo de que discorda Em discussões e disputas é fácil encontrar pelo em ovo Na privacidade de sua casa nada impede que o leitor vença o debate Ele domina a situação O autor não está ali para se defender Se tudo o que quer é sentirse superior ao autor o leitor o conseguirá facilmente Ele nem precisa ler o livro para isso Basta correr os olhos por algumas páginas e pronto No entanto se ele perceber que o único proveito que poderá extrair de mestres vivos ou mortos é aquilo que puder aprender com eles se perceber que a vitória se segue à conquista do conhecimento e não ao nocaute do ad versário poderá compreender a futilidade das disputas Isso não quer dizer que o leitor não deva nunca discordar e tentar mostrar onde o autor errou Estamos apenas dizendo que ele deve estar tão preparado para concordar quanto para discordar Qualquer que seja sua postura ela deverá estar motivada apenas pe los fatos pela verdade 10 Como criticar um livro 157 É necessário mais do que honestidade É fato que se o leitor detectar um argumento válido terá de admitilo Mas ele não deve se sentir compelido a con cordar com o autor em vez de discordar Caso se sinta assim também estará investido do espírito de disputa À luz do segundo preceito seu problema é emocional e não intelectual COMO RESOLVER DISCÓRDIAS O terceiro preceito está intimamente ligado ao segundo Ele também ex pressa uma condição indispensável para a crítica de um livro Ele recomenda que você encare as discórdias como algo passível de ser resolvido Enquanto o segundo preceito sugere que você não discorde insensatamente o terceiro alertao contra a discórdia desesperançada A desesperança surge da ideia de que pessoas racionais não possam entrar em acordo Note que dissemos possam Isso não quer dizer que pessoas racionais sempre entrem em acordo Mesmo que não concordem elas podem concordar O que queremos dizer é que a discórdia não passa de mera perturbação fútil a não ser que as partes discordem na esperança mútua de que a questão possa ser devidamente resolvida Esses dois fatos isto é que as pessoas discordam e que podem concordar devemse à complexidade da natureza humana Os seres humanos são animais racionais A racionalidade é a fonte da capacidade de concordar A animalidade e as imperfeições que ela imprime sobre a razão são a causa da maior parte das discórdias Os seres humanos são criaturas passionais e preconceituosas A lin guagem que empregam na comunicação é imperfeita obscurecida pela emoção e colorida pelo interesse próprio além de pouco transparente ao pensamento No entanto dado que os seres humanos são racionais tais obstáculos podem ser superados O tipo de discórdia meramente aparente o tipo de discórdia que resulta de simples desentendimento pode ser curado Há obviamente outro tipo de discórdia aquela que se deve a desigual dades de conhecimento O sujeito relativamente ignorante discorda com fre quência e equivocadamente do sujeito relativamente culto sobre questões que 158 Como Ler Livros ultrapassam seu conhecimento Esse tipo de discórdia também pode ser corrigi do A desigualdade de conhecimento é sempre curável pelo ensino Há outras discórdias que são mais profundas e subsistem precisamente no domínio da própria razão É difícil certificarse delas e praticamente impossível descrevêlas racionalmente De qualquer maneira o que dissemos aplicase à imensa maioria das discórdias Elas resolvemse pela remoção dos desentendi mentos ou da ignorância Ambos os tipos são passíveis de cura embora à custa de alguma dificuldade Assim a pessoa que discordar a despeito do estágio em que se encontre uma conversa deve ao menos alimentar alguma esperança de que a concórdia seja alcançada ao final Ela deve estar apta a mudar sua opinião tanto quanto a mudar a opinião do opositor Em outras palavras devese sempre ter em mente a possibilidade de haver um desentendimento ou ignorância de parte a parte Ninguém deve ignorar que a ocasião para ensinar é também uma ocasião para ser ensinado O problema é que muitas pessoas não acham que a discórdia esteja ligada ao ensino ou à aprendizagem Elas acham que tudo é uma questão de opinião Eu tenho a minha e você tem a sua o direito de ter uma opinião é tão inviolável quanto o direito à propriedade privada Dessa perspectiva a comunicação ja mais será proveitosa pois o proveito advém justamente do aumento de conhe cimento A conversa não passaria de um jogo de pinguepongue de um jogo de opiniões opostas um jogo em que ninguém marca pontos ninguém vence e todos saem satisfeitos porque ninguém perdeu isto é todos saem com as mesmas opiniões com que entraram Jamais teríamos escrito este livro se sustentássemos esse tipo de opinião Pelo contrário acreditamos que o conhecimento pode ser comunicado e que as discussões podem suscitar aprendizagem Se o conhecimento genuíno e não a mera opinião pessoal é o que importa então ou as discórdias são apenas aparentes e são eliminadas por um acordo entre autor e leitor ou elas cons tituem problemas reais genuínos e podem ser resolvidas no longo prazo evidentemente apelandose aos fatos e à razão A racionalidade exige das partes que tenham no mínimo uma grande dose de paciência Em suma o que estamos querendo dizer é que as discórdias são questões argumentáveis w Como criticar um livro 159 Mas os argumentos são vazios caso as partes não trabalhem com a suposição de que é possível chegarem a um entendimento que à luz da razão e das evidências relevantes resolva os problemas originais Como este terceiro preceito se aplica às conversas entre leitor e autor Como transformálo em uma regra de leitura Ele referese ao caso em que o leitor discorda de alguma coisa no livro e exige em primeiro lugar que a discórdia não seja fruto de malentendidos Suponhamos que o leitor foi cuidadoso o bastante para não tecer críticas antes de ter certeza de que en tendeu o livro e portanto está convencido de que não há malentendidos E agora o que fazer Esse preceito exige que o leitor diferencie entre conhecimento genuíno e mera opinião e que caso se trate de conhecimento o problema possa ser resolvido Se for tenaz e persistente o bastante o leitor poderá ser ensinado em questões que mudarão sua opinião Se isso não acontecer talvez ele esteja justificado em criticar o autor e metaforicamente falando este deverá se deixar instruir pelo leitor Oigamos que se o autor estivesse vivo e presente é a opi nião dele que seria alterada Você deve estar lembrado do que dissemos sobre esse assunto no capí tulo anterior Se o autor não fornecer razões que sustentem suas proposições elas poderão ser tratadas como se fossem expressões de sua opinião O leitor que é incapaz de diferenciar entre conhecimento e manifestação de opinião não lê para aprender Na melhor das hipóteses estará interessado apenas na personalidade do autor e usará o livro como fonte de consulta Obviamente esse tipo de leitor não concordará nem discordará Ele não julga o livro mas o homem Porém se o leitor estiver interessado no livro e não no homem ele levará a sério a tarefa de criticálo a qual por sua vez depende da distinção entre co nhecimento real e mera opinião pessoal Por conseguinte o leitor não pode se limitar a concordar ou discordar Ele tem de fornecer razões É claro que caso concorde basta que compartilhe ativamente as razões e os argumentos do au tor mas caso discorde terá a obrigação de se explicar caso contrário reduzirá uma questão de conhecimento a outra de mera opinião 160 Como Ler Livros Assim a REGRA 1 1 pode ser expressa desta forma RESPEITE A DIFERENÇA EN TRE CONHECIMENTO E OPINIÃO FORNECENDO RAZÕES PARA QUAISQUER JULGAMENTOS CRÍTICOS QUE FIZER A propósito não estamos insinuando que exista uma grande quantidade de conhecimento absoluto disponível Proposições autoevidentes no sentido em que as definimos no capítulo anterior são verdades ao mesmo tempo inde monstráveis e irrefutáveis A maior parte do conhecimento porém não atinge esse grau absoluto O que sabemos está sujeito a correções sabemos porque todas as evidências ou muitas delas corroboram esse conhecimento mas não podemos ter certeza de que não surgirá uma nova evidência que em algum mo mento invalidará o que hoje pensamos ser verdadeiro Isso contudo não invalida a importante distinção entre conhecimento e opinião abordada há pouco Digamos que o conhecimento consiste nas opiniões que podem ser defendidas opiniões para as quais existem evidências de alguma espécie Nesse sentido se nós realmente sabemos algo devemos acreditar que somos capazes de convencer outras pessoas daquilo que sabemos A opinião no sentido em que a temos empregado é um julgamento não justi ficado É por isso que usamos os adjetivos mero ou pessoal associados a ela Não podemos fazer mais do que opinar caso não tenhamos evidências ou motivos que sustentem as proposições ou seja nada teremos além de preconceitos ou sentimentos pessoais Podemos dizer que algo é verdadeiro somente quando tivermos evidências objetivas que outros homens racionais provavelmente aceitarão Vamos resumir os três preceitos abordados neste capítulo Os três formam em conjunto as condições necessárias para a leitura crítica e estabelecem as maneiras pelas quais o leitor pode responder ao autor O primeiro pede ao leitor que conclua a tarefa de entender antes de criticar O segundo o aconselha a não ser polêmico nem competitivo O terceiro acon selha a considerar remediáveis os desacordos sobre questões do conhecimento Essa regra vai além ela também exige que o leitor apresente justificativas para o seu desacordo de forma que as proposições não sejam apenas expostas mas também justificadas Reside aqui toda a esperança de uma solução w Como criticar um livro i6i 11 CONCORDAR COM O AUTOR OU DISCORDAR A primeira coisa que o leitor tem de dizer é se entendeu ou não Na reali dade ele precisa dizer que entendeu para que possa dizer algo mais Se não tiver entendido deve calarse e concentrarse no livro Há uma exceção à crueldade da segunda alternativa Dizer não entendi pode ser em si um comentário crítico Para que seja esse o caso o leitor precisa saber se justificar Se o problema é do livro e não dele o leitor precisa localizar as fontes do problema Deve ser capaz de mostrar que o livro tem uma estrutura mal ordenada que suas partes não se encaixam como deveriam que algumas de las carecem de importância ou que o autor está equivocado ao empregar certas palavras importantes o que pode dar margem a uma série de confusões Na me dida em que o leitor consiga sustentar sua acusação de que o livro é ininteligível não lhe restará nenhuma obrigação em seu papel de crítico Suponhamos porém que você esteja lendo um bom livro ou seja um livro relativamente inteligível E suponhamos que no final das contas você seja capaz de dizer entendi Se além de entender o livro você concordar com o que o autor disse o trabalho terminou por aí A leitura analítica estará encer rada Você foi esclarecido ou convencido ou persuadido Ou seja só haverá passos adicionais caso tenha discordado do autor ou caso tenha suspendido o julgamento O primeiro caso é o mais comum Na medida em que os autores argumentam com seus leitores e esperam que seus leitores contraargumentem o bom leitor deve estar familiarizado com os princípios da argumentação Ele precisa ser capaz de conduzir uma po lêmica de forma civilizada e inteligente É exatamente para isso que serve este capítulo O leitor pode chegar a concordar com o autor ou discordar dele de for ma significativa não apenas entendendo os argumentos mas confrontandoos Vamos fazer uma pausa para refletir sobre o significado da concórdia e da discórdia O leitor que chega a um acordo com o autor assimilando suas proposições e argumentos compartilha com ele uma forma de pensar Na realidade todo o processo de interpretação está voltado para o encontro entre duas mentes mediante a linguagem Compreender o livro é como se houvesse um acordo entre autor e leitor Eles concordam sobre como a lin guagem foi usada para expressar determinadas ideias Em função desse acor do o leitor será capaz de enxergar através da linguagem do autor as ideias que ele buscou expressar Se o leitor entendeu o livro como poderá discordar dele A leitura crí tica exige que o leitor forme suas próprias ideias mas as mentes do autor e do leitor agora são uma só Que mente sobrou ao leitor para que forme suas próprias ideias Há pessoas que cometem o erro de não diferenciar entre dois tipos de acordo Elas supõem de maneira equivocada que se há acordo entre duas pessoas então não há nenhuma discórdia Elas acham que toda discórdia é uma questão de incompreensão O erro se torna patente quando lembramos que o autor está emitindo julgamentos sobre o mundo em que vivemos Ele transmite conhecimentos teóricos sobre como as coisas existem e se comportam ou conhecimentos práticos sobre como as coisas devem ser feitas Evidentemente ele pode es tar certo ou errado Ele só terá razão se tiver dito coisas verdadeiras se tiver apresentado fatos que são ao menos prováveis à luz das evidências Caso contrário estará equivocado Se você disser por exemplo que todos os homens são iguais enten deremos que todos os homens ao nascerem são igualmente dotados de inteli gência força etc À luz dos fatos teríamos de discordar de você Acharíamos que você está errado Mas suponha que tenhamos entendido você mal Vamos supor que na realidade você quis dizer que todos os homens têm os direitos políticos iguais Como não entendemos o que você quis dizer nossa discórdia tornase irrelevante Agora vamos supor que o erro foi devidamente corrigido Res tamnos duas alternativas Podemos concordar ou discordar mas se discordarmos 164 Como Ler Livros haverá uma discórdia real entre nós Entendemos seu posicionamento político mas defendemos uma posição contrária Discórdias sobre questões factuais ou políticas questões sobre como as coisas são ou deveriam ser são reais somente quando há um entendimen to comum a respeito daquilo que está sendo dito Estar de acordo sobre o uso das palavras é uma condição indispensável para a genuína concórdia ou discórdia sobre os fatos É por causa do consentimento entre você e o autor e não a despeito dele que mediante uma interpretação sólida você se torna capaz de formar sua própria opinião defendendo ou atacando a posição que ele tiver tomado PRECONCEITO E JULGAMENTO Consideremos agora a situação em que você discorda do autor mesmo que tenha entendido tudo o que ele disse Se você se esforçou em seguir os preceitos apresentados no capítulo anterior então discorda porque sabe onde o autor errou Você não está simplesmente verbalizando preconceitos ou expressando emoções É por isso que de um ponto de vista ideal há três condições que devem ser satisfeitas para que a controvérsia seja conduzida a contento A primeira é exatamente esta como os seres humanos além de racionais são também animais é indispensável que as emoções que porventura despontem ao longo da discórdia sejam identificadas e reconhecidas como tal Caso con trário você apenas dará vazão a sentimentos e não vai declarar razões Você pode até achar que está coberto de razão mas na verdade está coberto de fortes emoções Segunda você precisa explicitar suas premissas e pressuposições Precisa es tar ciente dos seus preconceitos isto é de seus prejulgamentos Caso contrário não conseguirá admitir que seu oponente também tem o direito de ter premissas e pressuposições diferentes A boa discórdia não deve resumirse a disputas sobre premissas Por exemplo se um autor explicitamente lhe pedir que aceite certas premissas 11 Concordar com o autor ou discordao 165 como verdadeiras o fato de que o contrário do que ele diz também possa ser verdadeiro não é motivo suficiente para você contestálo Se seus preconceitos situamse no polo oposto e se você não reconhece que são preconceitos será incapaz de avaliar o autor com a devida justiça Terceira e última tentar ser imparcial é um bom antídoto para as cegueiras partidárias É impossível não haver controvérsias quando há tomada de par tido mas para que as partes tenham certeza de que estão trilhando o caminho certo isto é que a razão esteja predominando sobre as emoções é desejável que cada parte assuma o ponto de vista do oponente Se você for incapaz de ler um livro de maneira digamos simpática suas discórdias provavelmente serão fruto de disputas meramente pessoais e não intelectuais Essas três condições são idealmente as condições sine qua non da conversa inteligente e proveitosa Elas obviamente se aplicam também à leitura uma vez que a leitura também é um tipo de conversa Cada uma dessas condições con tém conselhos úteis para os leitores que estejam realmente buscando respeitar o ponto de vista do oponente Porém o ideal é algo do qual podemos nos aproximar mas que nunca iremos atingir Jamais devemos esperar o ideal das pessoas Nós mesmos ad mitamos desde já estamos bastante conscientes de nossos próprios defeitos Violamos nossas próprias regras de boas maneiras intelectuais Já nos percebe mos atacando um livro em vez de criticálo batendo em espantalhos fazendo denúncias sem poder justificálas ou afirmando que nossos preconceitos eram melhores que os do autor No entanto continuamos firmes em nossa crença de que conversas e lei turas críticas podem ser bem disciplinadas Dessa maneira vamos substituir essas três condições ideais por um conjunto de prescrições que possam ser facilmen te seguidas Elas indicam os quatro caminhos para que um livro seja devida e justamente criticado Nossa esperança é que o leitor fique menos inclinado a expressar emoções e preconceitos Os quatro itens podem ser brevemente resumidos supondose que o leitor esteja conversando com o autor ou seja como se estivesse lhe respondendo ou fazendo comentários Após dizer entendi mas não concordo o leitor poderá 166 Como Ler Livros fazer estes comentários ao autor 1 Você está desinformadoi 2 Você está mal infor madoi 3 Você é ilógico seu raciocínio não é coerentei 4 Sua análise está incompleta Talvez mais tarde você descubra que essas quatro observações não são exaustivas mas achamos que são De qualquer maneira elas compõem as prin cipais discórdias esperadas do leitor Elas são mais ou menos independentes Se você fez uma dessas observações não significa que não pode fazer outra também Você pode comentar todas ao mesmo tempo já que as falhas a que se referem não são mutuamente excludentes Todavia o leitor não pode esquecer que cada uma das observações deve ser complementada com uma explicação definida e precisa sobre os pontos nos quais o autor está desinformado ou mal informado ou sobre os quais foi ilógico Não é possível que o livro esteja desinformado ou mal informado sobre tudo ou que seja totalmente ilógico Além do mais o leitor que fizer qualquer uma dessas considerações não deverá apenas complementar a res posta com uma explicação mas terá de fornecer razões que sustentem seu ponto de vista COMO JULGAR A SOLIDEZ DE UM AUTOR As primeiras três observações são diferentes da quarta conforme você provavelmente percebeu Vejamos cada uma delas rapidamente e depois pas saremos à quarta 1 Dizer que o autor está desinformado é o mesmo que dizer que nele estão ausentes conhecimentos relevantes sobre o problema que tenta resolver Observe que essa crítica só faz sentido se for relevante o conhecimento que falta ao autor Para que a crítica faça sentido você deve ser capaz de declarar precisamente o conhecimento que falta ao autor mostrando a sua relevância para as conclusões do problema e do raciocínio Alguns exemplos serão úteis Darwin não possui o conhecimento sobre genética que a obra de Mendel mais tarde apresentaria A ignorância de Darwin sobre o mecanismo da hereditariedade é provavelmente uma H Concordar com o autor ou discordao 167 das maiores falhas da Origem das Espécies Gibbon não conhecia alguns fatos relevantes sobre a queda de Roma que mais tarde seriam des cobertos por historiadores Em geral nas ciências e na história a fal ta de informação é evidenciada por pesquisas mais recentes Técnicas mais apuradas de observação e investigações mais prolongadas são as responsáveis pelo tipo de desinformação que se verifica nesses cam pos Quanto à filosofia a coisa é diferente A passagem do tempo pode trazer acréscimo de saber mas também pode trazer decréscimo Os pensadores da Antiguidade por exemplo distinguiam com clareza o que os seres humanos sentiam e imaginavam e o que podiam entender No entanto no século XVIII David Hume deixou claro que ignorava a distinção entre imagens e ideias apesar de ter sido tão bem delineada pelas obras dos filósofos da Antiguidade 2 Dizer que o autor está mal informado é o mesmo que dizer que ele afirma algo que não corresponde à realidade A falha pode resultar de alguma falta de conhecimento mas não se trata apenas disso A despeito da causa o erro consiste em afirmar coisas contrárias aos fatos O autor afirma que algo é verdadeiro ou provável quando de fato é algo falso ou improvável Ele afirma possuir um conhecimento que não tem Evidentemente esse tipo de falha só deve ser apon tado quando a questão for relevante às conclusões do autor E não se esqueça a falha não deve apenas ser apontada deve ser refutada mostrando a verdade ou a maior probabilidade do seu ponto de vista em relação ao do autor Por exemplo em um de seus tratados sobre política Espinosa parece ter dito que a democracia é um tipo mais primitivo de governo do que a monarquia Tratase de uma afirmação que vai de encontro a fatos bem conhecidos da história política O erro de Espinosa tem relação direta com seu argumento Aristóteles estava mal informado sobre o papel que as fêmeas desempenhavam na reprodução animal e consequentemente chegou a conclusões indefensáveis sobre o pro cesso reprodutivo Tomás de Aquino supunha equivocadamente que 168 Como Ler Livros a matéria dos corpos celestes era essencialmente diferente da matéria dos corpos terrestres pois ele supunha que os corpos celestes apenas mudavam de posição enquanto sua composição essencial permanecia a mesma A astrofísica moderna corrigiu esse erro e nesse respeito representou um progresso em relação à astronomia antiga e medieval Mas tratase de um erro cuja relevância é limitada pois não afeta a explicação metafísica que Tomás de Aquino dava para a natureza das coisas sensíveis compostas de matéria e forma Essas duas primeiras respostas críticas estão interrelacionadas Falta de informação conforme vimos pode ser a causa de afirmações equi vocadas Além disso sempre que alguém está mal informado ele também estará de certa maneira desinformado Mas faz diferença observar a re levância do erro A falta de conhecimento relevante torna impossível solucionar certos problemas ou sustentar determinadas conclusões As suposições errôneas contudo levam a conclusões errôneas e a soluções insustentáveis Tomados em conjunto esses dois pontos levantam sus peitas contras as premissas do autor Ele precisa de mais conhecimento do que possui Suas evidências não são suficientes seja em quantidade seja em qualidade 3 Dizer que o autor é ilógico é o mesmo que dizer que ele foi falacioso ao raciocinar Em geral há dois tipos de falácias Há os non sequitur ou seja a conclusão não guarda relação necessária com as razões oferecidas E há as inconsistências isto é quando o autor afirma duas coisas que são in compatíveis entre si Para fazer uma dessas duas críticas o leitor precisa ser capaz de mostrar onde precisamente a argumentação do autor care ce de coerência Só devemos nos ocupar dessas falhas à medida que elas afetem as conclusões principais do autor Afinal o livro pode carecer de coesão em questões irrelevantes à conclusão É mais difícil ilustrar esse tipo de falha porque os bons livros em geral não o cometem Quando cometem estão tão bem ocultos que somente um leitor experiente e inteligente conseguirá detectálos Há por exem plo uma falácia patente no Príncipe de Maquiavel 1 1 Concordar com o autor ou discordao 169 O fundamento principal de qualquer Estado seja velho ou novo são as boas leis Como não há boas leis em Estados que não estejam bem ar mados concluise que onde quer que haja um Estado bem armado haverá boas leis Ora o fato de que boas leis dependam de força policial adequada não quer dizer que onde haja força policial adequada as leis serão necessariamente boas Não estamos interessados no caráter altamente questionável da primeira asser tiva mas queremos abordar especificamente o non sequitur É mais verdadeiro afirmar que a felicidade depende de boa saúde do que afirmar que boas leis de pendem de força policial adequada mas isso não quer dizer que todas as pessoas saudáveis são felizes Em seu Elementos da Lei Hobbes argumenta em determinado trecho que os corpos não passam de quantidades de matéria em movimento O mundo dos corpos diz ele não possui qualidades Em outro trecho afirma que o homem é nada mais que um corpo ou um conjunto de corpos atômicos em movimento No entanto ao admitir a existência de qualidades sensoriais cores odores gostos etc Hobbes conclui que elas não passam de movimentos atômicos cerebrais A conclusão é inconsistente com o posicionamento inicial qual seja de que o mundo dos corpos não possuiria qualidades Afinal o que é dito de todos os corpos em movimento deve necessariamente ser aplicado a qualquer grupo em particular incluindo os átomos cerebrais Esse terceiro aspecto crítico relacionase com os outros dois O autor pode obviamente ter sido malsucedido ao extrair as devidas conclusões das evidências e princípios Por conseguinte o raciocínio estará incompleto Aqui estamos preocupados sobretudo com o caso em que ele raciocina equivocadamente com base em premissas corretas É interessante mas não tão importante descobrir sua falta de coerência ao raciocinar com base em premissas falsas ou a partir de evidências inadequadas A pessoa que chega a uma conclusão inválida a partir de premissas váli das está de certa maneira mal informada Mesmo assim vale a pena distinguir entre o tipo de afirmação errônea que decorre de raciocínio falho e o tipo de 1 70 Como Ler Livros afirmação errônea que decorre de outras falhas sobretudo de conhecimento insuficiente dos detalhes relevantes COMO JULGAR O GRAU DE COMPLETUDE DE UM AUTOR As três observações críticas já consideradas lidam com a solidez das afir mações e dos raciocínios do autor Vamos agora nos voltar à quarta observação Ela se refere ao esmero com que o autor executou seu plano Antes de nos aprofundarmos na quarta observação é necessário fazer um comentário Dado que você entendeu o livro o fato de não fazer uso de nenhu ma das três observações apontadas obrigao a concordar com o autor Não há livre escolha aqui Concordar com o autor ou discordar dele não é uma espécie de privilégio sagrado Se você não foi capaz de mostrar onde e como o autor está desinformado mal informado ou ilógico então simplesmente não pode discordar dele Você tem de concordar Você não pode dizer como muitos alunos dizem por aí que não encontrei nada de errado nas premissas nem no raciocínio mas mesmo assim discordo das conclusões Do contrário o que você estaria dizendo é que não gosta das conclusões Você não está discordando está expressando suas emoções ou preconceitos Ora se você foi convencido então tem de admitir isso Se mesmo não aderindo a nenhuma das três respostas críticas você ainda se sente honestamente incapaz de se deixar convencer talvez não devesse ter dito que entendeu o livro As primeiras três observações têm a ver com os termos proposições e ar gumentos do autor Afinal esses são os elementos que ele utilizou para resolver os problemas que inspiraram seus esforços A quarta observação o livro está incompleto tem a ver com a estrutura do livro 4 Dizer que a análise está incompleta é o mesmo que dizer que o autor não resolveu o problema que se propôs a resolver ou que não usou adequadamente o material de que dispunha que não observou todas as devidas implicações e H Concordar com o autor ou discordar 171 ramificações ou que falhou ao distinguir os aspectos relevantes de sua empreita da Não basta dizer que o livro está incompleto Qualquer um conseguiria dizer isso Os homens são finitos e por conseguinte suas obras também são Portanto essa ressalva só faz sentido se você for capaz de definir precisamente onde está a inadequação seja por esforço próprio seja com o auxílio de outros livros Ilustremos rapidamente esse ponto A análise dos tipos de governo na Po lítica de Aristóteles está incompleta Por causa das limitações típicas da épo ca e do fato de erroneamente aceitar a escravidão Aristóteles não considera nem mesmo concebe a constituição verdadeiramente democrática baseada no sufrágio universal ele também não imaginou um governo representativo ou a moderna república federativa Sua análise deveria ter sido capaz de conceber tais realidades políticas Os Elementos de Geometria de Euclides são incompletos porque ignoram outros postulados sobre a relação entre as linhas paralelas As obras modernas de geometria ao considerarem esses postulados suprem as deficiências de Euclides Como Pensamos de Dewey é uma análise incompleta do pensamento porque aborda somente o tipo de pensamento que ocorre duran te as investigações e descobertas mas não aborda o tipo de pensamento que ocorre durante as leituras ou durante as aprendizagens por instrução Para um cristão que crê na imortalidade da alma as obras de Epíteto ou Marco Aurélio são incompletas no que diz respeito à felicidade humana Estritamente falando esse quarto ponto não deve servir de base para dis córdias A única adversidade aqui é que os feitos do autor são limitados O leitor que concordar em parte com o livro já que não encontra razões para tecer críticas adversas pode no entanto suspender seu julgamento como um todo por suspeitar de que o livro não está completo O julgamento suspenso corres ponde à falha do autor em resolver com perfeição os problemas que se propôs Livros correlatos isto é livros do mesmo assunto podem ser critica mente comparados à luz desses quatro critérios Um livro será melhor que ou tro à medida que cometer menos erros e se expressar mais verdadeiramente Se estivermos lendo para aumentar nosso conhecimento o melhor livro será obviamente aquele que melhor abordar o assunto Talvez um autor não tenha as informações que outro possui talvez um autor estabeleça premissas errôneas 172 Como Ler Livros das quais outro esteja livre talvez um autor seja menos coerente que outro em sua exposição Mas a comparação mais profunda que podemos fazer é entre o grau de completude de cada um A medida dessa completude encontrase no número de distinções válidas e significativas que cada exposição contém Talvez agora você perceba como é útil e importante apreender os termos do autor O número de termos é diretamente proporcional ao número de distinções Talvez você também esteja percebendo como a quarta observação crítica está intimamente ligada aos três estágios de leitura analítica de qualquer livro O último passo no delineamento estrutural é conhecer os problemas que o au tor tenta resolver O último passo da interpretação é conhecer quais desses problemas o autor resolve e quais ele não resolve O passo final é justamente o ponto sobre o grau de completude do autor que se refere ao delineamento estrutural do livro pois considera se o autor foi bemsucedido ao declarar seus problemas Referese também à interpretação na medida em que avalia se o autor resolveu tais problemas a contento O TERCEIRO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Finalmente completamos de maneira geral a enumeração das regras de leitura analítica Estamos em condições de expor sintaticamente todas as regras 1 Primeiro estágio da leitura analítica regras para descobrir o conteúdo 1 Classifique o livro de acordo com o tipo e o assunto 2 Diga sobre o que é o livro como um todo com a máxima brevidade possível 3 Enumere as partes principais em sua devida ordem e relação e delineie essas partes assim como delineou o todo 4 Defina o problema ou os problemas que o autor buscou solucionar 11 Segundo estágio da leitura analítica regras para interpretar o conteúdo 5 Entre em acordo com o autor interpretando as palavraschave do livro H Concordar com o autor ou discordar 1 73 6 Apreenda as proposições principais estudando as frases mais importantes 7 Identifique os argumentos encontrandoos ou construindoos com base em sequências de frases 8 Determine os problemas que foram resolvidos e os que não foram resol vidosi quanto a estes últimos verifique se o autor está ciente de que não conseguiu resolvêlos III Terceiro estágio da leitura analítica regras para criticar o conteúdo A Preceitos da etiqueta intelectual 9 Não critique até que tenha completado o delineamento e a interpretação do livro Não diga que concorda discorda ou que suspende o julgamen to até que tenha dito entendi 1 O Não discorde de maneira competitiva 1 1 Demonstre que reconhece a diferença entre conhecimento e opinião pessoal apresentando boas razões para qualquer julgamento crítico que venha a fazer B Critérios especiais para o exercício da crítica 1 2 Mostre onde o autor está desinformado 1 3 Mostre onde o autor está mal informado 1 4 Mostre onde o autor foi ilógico 1 5 Mostre onde a análise ou a explicação do autor está incompleta Nota dos quatro últimos critérios os três primeiros servem para os ca sos em que há discórdia Se não servirem então você tem de concordar com o livro ao menos em parte embora possa suspender o julgamento do todo com base no último critério Observamos ao final do capítulo 7 que a aplicação das primeiras quatro regras da leitura analítica auxilia na resposta à primeira pergunta básica sobre qualquer livro qual seja O livro como um todo é sobre o quê De maneira similar no final do capítulo 9 dissemos que as quatro regras de interpretação auxiliam na resposta à segunda pergunta básica qual seja O que exatamente está sendo dito e como 1 74 Como Ler Livros Por fim é claro que as sete últimas regras de leitura os preceitos da etiqueta intelectual e os critérios para o exercício da crítica auxiliam na resposta à ter ceira e à quarta perguntas quais sejam O livro é verdadeiro e E daíl A pergunta O livro é verdadeiro pode se prestar virtualmente a qualquer tipo de leitura Ela se aplica a todo tipo de material escrito a despeito da verdade em questão matemática científica filosófica histórica ou poética O melhor elogio que alguém pode fazer a qualquer obra da mente humana é afirmar que ela expressou a verdadei porém criticála por não ter alcançado esse objetivo é sinal de que a respeitamos e a tratamos com seriedade No entanto causanos estranheza o fato de que recentemente pela primeira vez na história ocidental há uma preocupação cada vez menor com esse critério de excelência Há livros que arrancam aplausos da crítica e ganham tremenda popularidade pelo simples fato de zombarem da verdade quanto mais escandalosa a zombaria tanto melhor Há muitos leitores sobretudo os críticos das obras modernas que empregam outros padrões para julgar elogiar e condenar os livros que leem originalidade sensacionalismo poder de sedução força até mesmo a capacidade de distrair e confundir a mente do leitor mas não a verdade a clareza ou a capacidade de trans mitir conhecimento Arriscaríamos a sugerir que se dizer a verdade voltasse a ser um critério editorial importante poucos livros seriam escritos publicados e lidos Se o que você leu não foi verdadeiro em algum sentido não precisa prosse guir Mas se foi verdadeiro então você tem de encarar a última pergunta Você não pode ler inteligentemente para adquirir informação sem determinar qual significância deve ser atribuída aos fatos apresentados Os fatos vêm até nós sem a devida interpretação implícita ou explícita Isso vale especialmente se estivermos lendo compilações de fatos que precisem ser selecionados de acordo com sua importância de acordo com algum princípio interpretativo Se estiver mos lendo para adquirir conhecimento a quarta pergunta nunca terá fim E daíl As quatro perguntas como já dissemos resumem todas as obrigações de um leitor As primeiras três em especial correspondem a algo que subsiste na própria natureza do discurso humano Se as comunicações não fossem com plexas os delineamentos estruturais seriam desnecessários Se a linguagem fosse um meio perfeito de comunicação interpretações seriam totalmente H Concordar com o autor ou discordar 1 75 desnecessárias Se o erro e a ignorância não fossem uma ameaça à verdade e ao conhecimento não teríamos de ser críticos A quarta pergunta se volta para a distinção entre informação e entendimento Se a leitura tiver sido predomi nantemente informacional sintase desafiado a ir além e procurar o conhe cimento Mesmo que o material lido tenha sido relativamente esclarecedor você tem de continuar em busca de novos significados Antes de entrarmos na Parte Três vale a pena reafirmar que as regras da leitura analítica descrevem um desempenho ideal Poucas pessoas leem livros desse jeito e aquelas que o fazem provavelmente não o fazem com frequência O ideal permanece porém como a medida da realização Você será um bom leitor à medida que se aproximar desse ideal Deveríamos dizer que alguém é bem lido com esse ideal em mente Com frequência encontramos essa expressão sendo usada para apontar leitores que leram muitos livros a despeito da qualidade de sua leitura O sujeito que leu muito mas leu mal deveria ser condenado e não elogiado Como dizia Thomas Hobbes Se eu lesse tantos livros quanto as demais pessoas leem seria tão estúpido quanto elas Os grandes escritores também são grandes leitores mas isso não quer di zer que leram todos os livros que na época deles eram considerados indispen sáveis Em muitos casos eles leram menos livros do que se exige na maioria das universidades modernas mas o que leram leram muito bem Por causa do esmero com que leram acabaram tornandose pares dos grandes autores que estudaram Eles se tornaram literalmente autoridades No curso natural das coisas um bom estudante frequentemente se torna um bom professor e de maneira similar um bom leitor se torna um bom autor Nossa intenção aqui não é leválo da leitura para a escrita mas lembrálo de que o ideal da boa leitura é aplicar as regras aqui descritas à leitura de um único livro em vez de tomar contato superficial com muitos livros Há obviamente muitos livros cuja leitura vale a pena Há um número muito maior de livros cuja leitura deveria ser apenas inspecionai Para se tornar uma pessoa bem lida no melhor sentido da expressão você deve saber usar a habilidade que possui com discernimento isto é lendo cada livro de acordo com seus méritos 1 76 Como Ler Livros 12 MATERIAIS DE APOIO Qualquer material de apoio que não faça parte do livro chamaremos de ex trínseco Leitura intrínseca significa portanto o livro que estamos lendoi por consequência leitura extrínseca significa qualquer livro que seja lido com vis tas a outro livro Até aqui evitamos mencionar os auxílios extrínsecos à leitura As regras de leitura consideradas até aqui são todas regras de leitura intrínseca elas não supõem que você pare de ler e consulte outro livro a fim de entender o que está lendo Há boas razões para termos insistido no desenvolvimento soli tário de seu talento como leitor isto é ler o livro em sua casa sem nenhum tipo de apoio contando somente com o poder da sua mente Mas não seria correto insistirmos nisso As leituras extrínsecas de fato ajudam E às vezes elas são até mesmo indispensáveis para a compreensão perfeita e total de um livro Uma das razões para não termos abordado a leitura extrínseca até agora é que as leituras intrínseca e extrínseca tendem a se fundir durante os processos de entendimento e crítica Sua experiência anterior provavelmente não é sufi ciente para interpretar e criticar livros ou mesmo para delineálos Certamente você já leu outros livros antes deste mas sejamos francos nenhum leitor co meça sua carreira lendo analiticamente Talvez as experiências de leitura e de vida não sejam mesmo suficientes mas você é ao menos capaz de comparar as conclusões de um autor com outras coisas que conhece e sabe por outras fon tes Portanto o bomsenso nos diz que nenhum livro deve nem pode ser lido de maneira totalmente isolada A razão principal para termos evitado falar de ajudas extrínsecas até agora é que muitos leitores se submetem facilmente a elas e queremos mostrar que isso é desnecessário Ler um livro em uma mão e um dicionário em outra é uma péssima ideia embora isso não queira dizer que você nunca deva consultar um dicionário para entender as palavras que lhe são estranhas Além disso buscar o significado de um livro que o intriga mediante comentários e resumos é uma ideia pior ainda Em geral o melhor é que você faça tudo o que puder antes de buscar ajuda externa pois se agir consistentemente com base nesse princípio perceberá que esse tipo de ajuda será cada vez menos necessário Os materiais de apoio são classificados em quatro categorias Nós as dis cutiremos nesta ordem primeiro as experiências relevantes segundo outros livros terceiro os comentários e resumos quarto as obras de referência Como e quando utilizar esses materiais de apoio é algo que não se pode elucidar perfeitamente sobre todos os casos O que podemos fazer no entanto é fornecer algumas sugestões em linhas gerais Um dos preceitos básicos de leitura é que a ajuda externa deve ser buscada quando um livro permanecer ininteligível em todo ou em parte mesmo depois de você ter se esforçado ao máximo para lêlo de acordo com as regras da leitura intrínseca O PAPEL DA EXPERIÊNCIA RELEVANTE Há dois tipos de experiências relevantes que podem ajudar a entender li vros difíceis Já mencionamos essa distinção no capítulo 6 no qual abordamos as diferenças entre a experiência comum e a experiência especial A experiência comum é algo que está ao alcance de todos os homens e mulheres pelo sim ples fato de estarem vivos A experiência especial deve ser propositadamente buscada e está ao alcance somente daqueles que se esforçarem em adquirila O melhor exemplo de experiência especial são as experiências em laboratório mas nem sempre o laboratório é necessário Um antropólogo pode adquirir uma experiência especial viajando para a Amazônia por exemplo a fim de estudar os indígenas de uma região inexplorada Ele ganhará uma experiência que em geral não está disponível e que provavelmente nunca estará disponível às pessoas comuns do contrário se uma multidão de cientistas invadir a região deixará de ser uma experiência única De maneira similar a experiência dos astronautas que visitam a Lua é muito especial embora a Lua não seja exatamente um laborató rio A imensa maioria dos homens nunca terá a oportunidade de saber como é viver em um planeta sem ar e provavelmente só daqui a séculos essa experiência 1 78 Como Ler Livros será algo factível se é que o será algum dia Júpiter com sua gigantesca atração gravitacional também continuará sendo um laboratório por muito tempo ou talvez o seja para sempre A experiência comum não precisa ser comum no sentido de que todas as pessoas a possuem Comum não significa universal A experiência de ter pais por exemplo não é compartilhada por todos os seres humanos pois alguns são órfãos de nascimento Porém a vida familiar é uma experiência comum uma vez que a maioria dos homens e das mulheres no decurso normal da vida a com partilha O amor sexual também não é uma experiência universal embora seja comum no sentido que estamos empregando à palavra comum aqui Alguns homens e mulheres nunca o experimentam mas tratase de algo compartilhado em proporção tão elevada que não poderíamos chamáIa de algo especial Isso não quer dizer que a atividade sexual não possa ser estudada em laboratório A experiência de ser ensinado não é universal pois alguns homens e mulheres jamais vão à escola Mas ela também é uma experiência comum Os dois tipos de experiência são extremamente relevantes para os dife rentes tipos de livros A experiência comum é mais relevante para os livros de ficção por um lado e para os livros de filosofia por outro Os julgamentos sobre a verossimilhança de um romance são quase totalmente baseados na experiência comum dizemos que o livro soa verdadeiro ou falso de acordo com nossa experiência de vida e das pessoas em geral O filósofo como o poeta apela à experiência comum da humanidade Ele não trabalha em labora tórios nem realiza pesquisas em campo Por isso a fim de entender e testar os princípios de um filósofo não é necessária a ajuda extrínseca de experiências especiais ele apela a seu bomsenso e às observações cotidianas no mundo em que vive A experiência especial é relevante sobretudo para os livros científicos A fim de entender e julgar os argumentos indutivos de um livro científico você tem de ser capaz de aceitar as evidências que o cientista ali relata Às vezes a descrição apresentada pelo cientista é tão vívida e verdadeira que você não terá dificuldade em acompanhálo As ilustrações e os diagramas poderão ajudar a compreender o fenômeno descrito 12 Materiais de apoio 1 79 As experiências comuns e especiais são ambas relevantes para a leitura de livros de história Ocorre que a história compartilha tanto os aspectos ficcionais quanto os científicos Por um lado a narrativa histórica é como se fosse um conto ficcional pois contém enredo e personagens episódios atos clímax e desfecho A experiência comum relevante à leitura de romances e peças teatrais é relevante aqui também Mas a história é também como a ciência no sentido de que pelo menos algumas experiências são exclusivas do historiador Talvez ele tenha lido alguns documentos aos quais o leitor normalmente não teria acesso ou talvez tenha feito algumas pesquisas em campo como analisar resquícios de civilizações antigas ou entrevistar pessoas em locais distantes Como saber se você está fazendo uso adequado das suas experiências para entender um livro O teste mais seguro e certeiro é aquele que já recomen damos para testar sua compreensão pergunte a você mesmo se pode dar um exemplo concreto de um aspecto do livro que sente que entendeu Muitas ve zes pedimos a nossos estudantes que fizessem isso apenas para descobrirmos que não eram capazes de fazêlo OUTROS LIVROS COMO APOIOS EXTRÍNSECOS À LEITURA Mais adiante abordaremos novamente a leitura sintópica na qual se lê mais de um livro a respeito do mesmo assunto Por ora queremos falar um pouco sobre como é desejável que se leiam outros livros como apoios extrínsecos à leitura de uma obra em particular Nosso conselho vale sobretudo para a leitura das obras consideradas clás sicas É comum que o entusiasmo vivenciado no início da leitura dos clássicos rapidamente seja substituído por um sentimento de despreparo absoluto Uma das razões é claro é que muitos leitores nem sequer sabem ler direito um único livro Mas não só Há outra razão eles acham que conseguiriam enten der o primeiro livro que pegam na estante sem ter lido os outros livros com os quais ele se relaciona Eles podem tentar ler O Federalista um conjunto de 180 Como Ler Livros textos favoráveis à ratificação da Constituição norteamericana sem ter lido os Artigos da Confederação e a própria Constituição Podem ainda tentar ler todas essas obras sem ter lido O Espírito das Leis de Montesquieu O Contrato Social de Rousseau e o Segundo Tratado sobre o Governo Civil de Locke Muitos clássicos não só estão relacionados entre si como também foram escritos em certa ordem que não pode ser ignorada O autor que vem depois é influenciado por aquele que veio antes Se você ler primeiro o autor mais antigo talvez fique mais fácil a compreensão do que veio depois Ler livros relacionados fazendo as devidas relações entre eles numa ordem que deixe os posteriores mais inteligíveis eis um princípio básico de senso comum aplicado à leitura extrínseca A utilidade desse tipo de leitura extrínseca é simplesmente uma extensão da importância do contexto para a leitura de um único livro Já vimos que o contexto deve ser utilizado na interpretação de palavras e sentenças no intuito de encontrar termos e proposições Assim como o livro inteiro é o contexto de cada uma de suas partes os livros relacionados são um contexto ainda maior que ajuda a interpretar o livro que se está lendo Muitas vezes se observou que os clássicos fazem parte de uma conversa prolongada Os grandes autores foram grandes leitores e um modo de compre endêlos é ler os livros que eles leram Como leitores mantiveram uma conversa com outros autores assim como cada um de nós mantém uma conversa com os livros que lê ainda que não escrevamos outros livros Para tomar parte nessa conversa temos de ler os livros clássicos conside rando sua relação mútua e numa ordem que de algum modo respeite sua cro nologia A conversa dos livros acontece no tempo O tempo aqui é essenciat e não pode ser desconsiderado Podemos ler primeiro os livros do passado e depois os do presente ou primeiro os do presente e depois os do passado Ain da que a ordem do passado para o presente tenha certas vantagens por ser mais natural podese observar a cronologia em qualquer desses modos Devese notar aliás que a necessidade de ler livros considerando sua re lação mútua aplicase mais à história e à filosofia do que às ciências e à ficção Ela é mais relevante para a filosofia porque os filósofos são grandes leitores uns 12 Materiais de apoio 181 dos outros Ela provavelmente é menos relevante para os romances e as peças teatrais que se forem bons mesmo podem ser lidos isoladamente ainda que o crítico literário certamente não vá querer limitarse a isso COMO USAR COMENTÁRIOS E RESUMOS Uma terceira categoria de apoios extrínsecos à leitura inclui comentários e resumos O que se deve ressaltar aqui é que essas obras devem ser usadas com sabedoria isto é muito raramente Há duas razões para isso A primeira é que os comentadores nem sempre estão corretos em seus co mentários sobre um livro Às vezes é claro suas obras são imensamente úteis mas isso não acontece com a frequência desejável Os guias e manuais facil mente disponíveis nas livrarias universitárias e nas lojas frequentadas por alunos do ensino médio são muitas vezes enganosos Essas obras pretendem dizer ao aluno tudo o que ele tem de saber a respeito de um livro que tenha sido pedido por um de seus professores mas é comum estarem terrivelmente equivocados em suas interpretações Além disso seu uso costuma irritar alguns professores nas escolas e nas universidades Em defesa dos guias devese admitir que eles muitas vezes são indispen sáveis para a aprovação nos exames Além disso para compensar o fato de que alguns professores se irritam com os erros dos guias outros professores gostam de usálos em sua prática de ensino A segunda razão para usar moderadamente os comentários é que mesmo quando eles estão corretos podem não ser completos Isto é talvez você seja capaz de descobrir num livro sentidos importantes não descobertos pelo autor de um comentário Assim a leitura de um comentário especialmente um comentário que pareça escrito com grande autoridade tende a limitar sua compreensão de um livro ainda que seu entendimento esteja correto até onde ele chegue Existe portanto um conselho que queremos dar a respeito do uso de comentários e que realmente é quase um princípio básico da leitura extrínseca 182 Como Ler Livros Se uma das regras da leitura intrínseca é que você deve ler o prefácio e a intro dução do autor antes de ler seu livro a regra no caso da leitura extrínseca é que você só deve ler algum comentário escrito por um terceiro depois de ter lido o livro Isso se aplica sobretudo a introduções críticas e acadêmicas A melhor maneira de usálas é primeiro ler o livro e só depois buscar nelas respostas para questões que ainda o perturbem Se você as ler primeiro é provável que elas distorçam sua leitura do livro A tendência será de enxergar apenas os aspectos apontados pelo acadêmico ou crítico deixando de ver outros aspectos que po dem ser igualmente importantes Lidas assim as introduções podem proporcionar grande prazer Você já leu o livro e já o entendeu O autor da introdução também o leu talvez muitas vezes e tem sua própria compreensão dele Assim você se aproxima dele es sencialmente em pé de igualdade Porém se você leu sua introdução antes de ler o livro está à sua mercê É preciso respeitar a regra de que os comentários devem ser lidos depois da leitura do livro que discutem e não antes também no caso dos manuais Essas obras não têm como prejudicálo se você já leu o livro e sabe em que o manual está errado caso esteja Mas se você depender integralmente do manual e nunca ler o livro original pode estar em sérios apuros Há ainda outro detalhe Se você adquirir o hábito de depender de comen tários e manuais ficará totalmente perdido se não conseguir encontrar nenhum Você pode ser capaz de entender um livro em particular sem o auxílio de um comentário mas de modo geral terá piorado como leitor A regra da leitura extrínseca aqui exposta se aplica também a resumos e sinopses que são úteis em dois aspectos mas somente neles Primeiro podem ajudar a reavivar a memória a respeito do conteúdo de um livro caso você já o tenha lido Idealmente você mesmo terá feito esse resumo ao ler o livro anali ticamente mas se não o tiver feito um resumo ou uma sinopse podem ser um auxílio importante Segundo os resumos são úteis quando você está fazendo uma leitura sintópica e deseja saber se certa obra tem chances de ser relevante para seu projeto Um resumo nunca pode substituir a leitura de um livro mas às vezes pode ajudálo a decidir se quer ler o livro ou mesmo se isso é necessário 12 Materiais de apoio 183 COMO USAR OBRAS DE REFERÊNCIA Existem muitos tipos de obras de referência Na seção seguinte limitare mos nossa análise basicamente aos dois tipos mais usados os dicionários e as enciclopédias Porém grande parte do que diremos aplicase também a outros tipos de obras de referência Nem sempre se percebe ainda que seja verdade que é preciso ter muito conhecimento antes que você seja capaz de usar bem uma obra de referência Para ser exato são necessários quatro tipos de conhecimento Assim uma obra de referência é um antídoto para a ignorância só num sentido muito limitado Não é possível que ela cure a ignorância completa Não é possível que ela pense por você Para poder usar bem uma obra de referência é preciso que você primeiro tenha alguma ideia vaga que seja daquilo que quer saber Sua ignorância tem de ser como um círculo de trevas cercado pela luz Você quer iluminar o círculo tenebroso Não é possível fazer isso a menos que a luz cerque as trevas Em outras palavras você tem de ser capaz de fazer uma pergunta inteligível a uma obra de referência Se você estiver perdido vagando nas brumas da ignorância ela não lhe será de valia alguma Segundo você tem de saber onde encontrar aquilo que quer saber Você tem de saber que tipo de pergunta está fazendo e que tipos de obras de referência respondem a esse tipo de pergunta Não existe uma obra de referência que responda a todas as perguntas todas as obras de referência são por assim di zer especialistas Na prática isso se resume ao fato de que você precisa ter um conhecimento geral razoável de todos os tipos principais de obras de referência antes de poder usar qualquer tipo com proveito Há um terceiro tipo de conhecimento correlato aos anteriores que é neces sário para que uma obra de referência lhe possa ser útil É preciso que você saiba como a obra em questão está organizada Não será de ajuda nenhuma saber o que você quer saber e saber qual obra de referência usar se você não souber como usar aquela obra específica Assim há uma arte de ler obras de referência assim como há uma arte de ler tudo o mais Há uma arte correlata na produção 184 Como Ler Livros de obras de referência aliás O autor ou compilador tem de saber qual tipo de informação os leitores vão buscar e organizar a obra de modo a satisfazer suas necessidades Talvez nem sempre ele consiga prever essas necessidades e é por isso que a regra de que é preciso ler a introdução e o prefácio de um livro antes de ler o próprio livro aplicase particularmente a esse caso Não tente usar uma obra de referência antes de ler os conselhos do editor a respeito de como usála Claro que nem todo tipo de questão pode ser respondido por obras de re ferência Você não encontrará em nenhuma obra de referência as respostas para as três perguntas que Deus faz ao anjo no conto De que vivem os homens de Tolstói O que habita no homem O que não é dado ao homem e De que vivem os homens Você também não encontrará as respostas para a pergunta que aparece no título de outro conto de Tolstói De quanta terra precisa um homem E há muitas questões desse tipo As obras de referência só têm utilidade quando você sabe quais tipos de perguntas elas podem res ponder e quais não podem Isso se resume em saber quais são as espécies de coisas a respeito das quais os homens concordam Somente as coisas a respeito das quais os homens geral e convencionalmente concordam podem ser achadas em obras de referência As opiniões sem base não têm lugar nelas ainda que às vezes apareçam Concordamos em que é possível saber quando um homem nasceu quan do morreu e conhecer fatos similares Concordamos em que é possível definir palavras e coisas e é possível ter uma ideia da história de quase qualquer coisa Não concordamos a respeito de questões morais nem de questões sobre o fu turo e desse modo não encontramos esse tipo de coisa em obras de referência Em nossa época presumimos que o mundo físico é organizável e assim quase tudo a seu respeito pode ser encontrado em obras de referência Nem sempre foi assimi como resultado a história das obras de referência tem um interesse peculiar pois nos revela muito sobre as mudanças nas opiniões dos homens a respeito daquilo que se pode conhecer Como se vê acabamos de sugerir que há uma quarta exigência para o uso inteligente de obras de referência Você tem de saber o que quer saberi tem de saber em qual obra de referência vai procurari tem de saber como encontrar essa 12 Materiais de apoio 185 informação na obra de referência e tem de saber que os autores ou compilado res da obra consideram que tal informação pode ser conhecida Tudo isso indica que você precisa saber muito para que possa usar uma obra de referência Tais obras são inúteis para aqueles que nada sabem Elas não são guias para os desorientados COMO USAR O DICIONÁRIO Todas essas considerações se aplicam ao dicionário que é uma obra de referência Mas o dicionário também convida a uma leitura por diversão Ele desafia qualquer um a sentarse com ele num momento de ócio Há maneiras piores de gastar o tempo Os dicionários estão repletos de conhecimentos obscuros e passagens es pirituosas Além disso é claro têm usos mais austeros Para aproveitálos ao máximo é preciso saber como ler esse tipo particular de obra A observação de Santayana sobre os gregos de que eles foram o único povo na história da Europa que não estudou tem duplo sentido É claro que as massas não estudavam mas nem mesmo os poucos eruditos a classe ociosa estudou no sentido de terse colocado aos pés de mestres estrangeiros O estudo nesse aspecto começa com os romanos que foram à escola dos pedagogos gre gos e foram educados pelo contato com a cultura grega que tinham conquistado Não surpreende portanto que os primeiros dicionários fossem glossários de palavras homéricas cujo objetivo era ajudar os romanos a ler a Ilíada a Odisseia e outras obras gregas que usavam o vocabulário homérico arcaico Igualmen te muitos de nós hoje precisamos de um glossário para ler Shakespeare ou se não Shakespeare Chaucer Havia dicionários na Idade Média mas eles eram comumente enciclopé dias de conhecimentos sofisticados compreendendo discussões dos termos técnicos mais importantes usados no discurso erudito Havia dicionários bilín gues no Renascimento tanto de grego quanto de latim que eram necessários porque as obras que dominavam os estudos naquela época estavam escritas nas línguas antigas Mesmo quando as línguas ditas vulgares italiano francês 186 Como Ler Livros inglês foram gradualmente tomando o lugar do latim como línguas de cultura a busca da cultura continuava a ser um privilégio de poucos Nessas circuns tâncias os dicionários destinavamse a um público limitado sobretudo como apoio à leitura e à produção de literatura de valor Vemos assim que os propósitos educativos dominaram a produção de di cionários desde o início ainda que também houvesse interesse em preservar a pureza e a ordem do idioma Em contraste com esse último objetivo o Oxford English Dictionary conhecido simplesmente como OED iniciado em 1 857 foi um novo começo uma vez que não buscou prescrever usos mas apresentar um registro histórico preciso de toda espécie de uso dos piores aos melhores to mados da escrita popular e da elegante Mas esse conflito entre o lexicógrafo na posição de árbitro autonomeado e o lexicógrafo na posição de historiador pode ser considerado acessório pois o dicionário como quer que se organize é antes de tudo um instrumento educativo Esse fato é irrelevante para as regras do bom uso do dicionário como au xílio extrínseco à leitura A primeira regra da leitura de qualquer livro é saber que tipo de livro ele é Isso significa saber qual era a intenção do autor e que tipo de coisa você pode esperar encontrar em sua obra Se você consultar um dicionário apenas como guia de ortografia ou de pronúncia é assim que vai usá lo isto é não vai usálo bem Se perceber que ele contém muitas informações históricas cristalizadas no crescimento e no desenvolvimento do idioma você prestará atenção não apenas à variedade de sentidos listados para cada palavra mas também à sua ordem e relação mútua Acima de tudo se você estiver interessado em aprofundar sua própria edu cação usará um dicionário de acordo com seu objetivo primeiro isto é como auxílio à leitura de livros que seriam demasiadamente difíceis porque seu voca bulário inclui termos técnicos arcaicos alusões literárias e até palavras conheci das usadas em sentidos obsoletos Claro que há muitos problemas a serem resolvidos quanto à boa leitura de um livro além daqueles relacionados ao vocabulário de um autor E desaconse lhamos sentarse com o livro numa mão e o dicionário na outra sobretudo na primeira leitura de uma obra difícil Se você tiver de procurar muitas palavras no 12 Materiais de apoio 187 início certamente vai perder de vista a unidade e a ordem do livro A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer Isso sugere outras prescrições negativas Não há sujeito mais irritante do que aquele que pretende encerrar uma discussão sobre o comunismo a justiça ou a liberdade fazendo uma citação do dicionário É razoável respeitar os lexicógra fos como autoridades no uso das palavras mas eles não são as fontes últimas da sabedoria Outra regra negativa não engula o dicionário Não tente adquirir um vocabulário rico rapidamente pela memorização de uma longa lista de palavras cujos sentidos não se relacionam com nenhuma experiência efetiva Em suma não esqueça que o dicionário é um livro que fala de palavras não de coisas Se nos lembrarmos disso poderemos tirar desse fato todas as regras para usar um dicionário de modo inteligente Podemos encarar as palavras de quatro maneiras 1 PALAVRAS SÃO COISAS FÍSICAS palavras que podemos escrever sons que podemos emitir Deve haver portanto maneiras uniformes de escre vêlas e pronunciálas mesmo que a uniformidade seja frequentemente questionada pelas variantes De todo modo essa uniformidade não é tão fantasticamente importante como alguns professores pareceram sugerir 2 PALAVRAS SÃO PARTES DO DISCURSO Cada palavra desempenha um papel gramatical na estrutura mais complexa de uma expressão ou de uma fra se A mesma palavra pode ter usos distintos ao passar de uma parte do discurso a outra 3 PALAVRAS SÃO SIGNOS Elas têm significados não um mas muitos Es ses significados se relacionam entre si de diversas maneiras Às vezes são nuanças uns dos outros outras vezes uma palavra pode ter dois ou mais grupos de significados sem nenhuma relação entre si Por meio de seus significados palavras diferentes relacionamse umas com as outras 188 Como Ler Livros como sinônimos que compartilham o mesmo significado ainda que te nham diferenças de nuanças ou como antônimos por meio da oposição e do contraste de significados Além disso é na qualidade de signo que distinguimos as palavras entre nomes próprios e comuns por nomearem apenas uma coisa ou muitas que sejam semelhantes sob algum aspecto entre substantivos concretos e abstratos por referirem algo que perce bemos por meio dos sentidos ou por referirem algo que apreendemos intelectualmente mas não observamos por meio dos sentidos 4 Por fim PALAVRAS SÃO CONVENÇÕES São signos criados pelo homem É por isso que toda palavra tem uma história uma carreira cultural ao longo da qual passa por certas transformações A história das palavras é dada por sua derivação etimológica a partir de raízes prefixos e sufixos ela inclui o relato de suas mudanças físicas tanto de ortografia quanto de pronúncia ela fala de significados que mudam e quais deles são arcaicos e obsoletos quais são atuais e regulares quais são expressões idiomáti cas coloquialismos ou gírias Um bom dicionário responderá a todos esses quatro tipos de perguntas sobre as palavras A arte de usar um dicionário consiste em saber quais pergun tas fazer a respeito das palavras e como encontrar as respostas Já sugerimos as perguntas O próprio dicionário diz como encontrar as respostas Tratase portanto de um livro perfeito de autoajuda pois indica em que prestar atenção e como interpretar as diversas abreviações e símbolos que usa ao dar as quatro variedades de informação sobre as palavras Qualquer pessoa que deixe de consultar as notas explicativas e a lista de abreviações no início do dicionário só pode culpar a si mesma se não conseguir usálo direito COMO USAR UMA ENCICLOPÉDIA Muito do que dissemos sobre os dicionários também vale para as enci clopédias Assim como o dicionário a enciclopédia convida a uma leitura por 12 Materiais de apoio 189 diversão Ela também serve para distrair entreter e para algumas pessoas acal mar Mas é tão inútil tentar ler em sequência os verbetes de uma enciclopédia quanto os de um dicionário O sujeito que soubesse de cor uma enciclopédia es taria correndo o sério risco de merecer o título de idiot savant idiota erudito Muita gente usa o dicionário para saber como escrever e pronunciar as palavras O uso análogo da enciclopédia é buscála apenas para saber datas lugares e outros fatos simples Mas isso equivale a subutilizála ou utilizála mal Assim como os dicionários essas obras são instrumentos de informação e de educação Um olhar sobre a sua história confirma isso Ainda que a palavra enciclopédia seja grega os gregos não tinham uma como também não tinham dicionário pela mesma razão Para eles essa palavra não referia um livro sobre os conhecimentos um livro no qual estivessem os conhecimentos mas o conhecimento mesmo todo o conhecimento que um homem educado deveria ter Novamente foram os romanos que primeiro sen tiram a necessidade de enciclopédias o exemplo mais antigo é o de Plínio O mais interessante é que a primeira enciclopédia em ordem alfabética só apareceu por volta de 1 700 A maior parte das grandes enciclopédias desde então tem sido organizada alfabeticamente Tratase do arranjo mais simples de todos que permitiu grandes avanços na elaboração desses livros As enciclopédias apresentam um problema que as distingue das demais obras de referência Uma ordem alfabética é natural para um dicionário mas será que o mundo que é o assunto de uma enciclopédia está organizado alfa beticamente Claro que nao Assim como é que o mundo está organizado e ordenado Em última instância isso equivale a perguntar como é que o conhe cimento está ordenado A ordenação do conhecimento mudou com o passar dos séculos Houve uma época em que todo o conhecimento estava ordenado segundo as sete artes liberais gramática retórica e lógica que compunham o trivium e aritméti ca geometria astronomia e música compondo o quadrivium As enciclopédias medievais refletiam esse arranjo Como as universidades eram organizadas do mesmo modo e como os estudantes também estudavam segundo esse arranjo ele era útil na educação 1 90 Como Ler Livros A universidade moderna é muito diferente da medieval e a mudança se re flete nas enciclopédias O conhecimento que elas comunicam está dividido em áreas ou em especialidades que são mais ou menos equivalentes aos vários de partamentos universitários Mas essa organização ainda que constitua a espinha dorsal da enciclopédia fica mascarada pela organização alfabética do material É essa infraestrutura para usar um termo dos sociólogos que o bom leitor e usuário de uma enciclopédia tentará descobrir É verdade que o que ele busca numa enciclopédia são antes de tudo informações factuais Mas ele não deveria contentarse com fatos isolados A enciclopédia lhe oferece fatos organizados fatos relacionados uns aos outros A compreensão que uma enci clopédia pode oferecer mais do que a mera informação depende da percepção dessas relações Numa enciclopédia organizada alfabeticamente essas relações são em grande parte obscurecidas Numa enciclopédia organizada por assunto elas são ressaltadas é claro Mas as enciclopédias organizadas por assunto têm muitas desvantagens entre as quais o fato de que muitos leitores não estão acostuma dos a usálas Idealmente a melhor enciclopédia seria aquela que tivesse uma organização alfabética e outra por assunto A apresentação do material na forma de verbetes separados seria alfabética mas ela também traria uma lista ou divi são por assuntos essencialmente um índice de matérias Um índice de maté rias é uma divisão por assuntos de um livro ao passo que um índice remissivo é uma organização alfabética Na ausência do ideal o leitor precisa voltarse para o auxílio oferecido pe los editores das enciclopédias Qualquer enciclopédia razoável traz orientações para seu bom uso orientações que devem ser lidas e seguidas Frequentemente essas orientações exigem que o leitor dirijase primeiro ao índice remissivo da coleção antes de buscar algum dos volumes ordenados alfabeticamente Nesse caso o índice remissivo faz o papel de índice de matérias ainda que não muito bemi afinal ele reúne sob o mesmo título referências a discussões na enci clopédia que podem estar muito distantes no espaço mas que se referem ao mesmo assunto geral Isso reflete o fato de que ainda que um índice remissivo seja é claro organizado alfabeticamente suas remissões por assim dizer isto n Materiais de apoio m é as divisões de uma entrada principal estão organizadas por assunto Mas os assuntos mesmos têm de estar em ordem alfabética o que não é necessaria mente a melhor maneira de organizálos Assim o índice de uma enciclopédia verdadeiramente boa como a Britannica revela ao menos parte da organização do conhecimento refletida na obra Por essa razão qualquer leitor que deixe de usar o índice não pode culpar ninguém além de si mesmo caso a obra não satisfaça suas necessidades Assim como ocorre com os dicionários o uso de enciclopédias supõe certas prescrições negativas Tanto as enciclopédias como os dicionários são suplemen tos importantes para a leitura de bons livros os livros ruins normalmente não exi gem seu uso mas como antes o mais sensato é não se deixar escravizar por uma enciclopédia Novamente assim como no caso dos dicionários as enciclopédias não devem ser usadas para encerrar discussões cuja origem está em diferenças de opinião Contudo devem ser utilizadas para encerrar discussões sobre questões de fato tão cedo quanto possível Para começar fatos jamais devem ser discutidos Enciclopédias tornam desnecessário esse esforço vão porque estão repletas de fatos Idealmente elas não têm nada além de fatos Por fim ainda que os dicioná rios normalmente concordem nas suas descrições das palavras as enciclopédias frequentemente não concordam em suas descrições dos fatos Assim se você tem grande interesse por algum assunto e depende de tratamentos enciclopédicos dele não se limite a consultar apenas uma enciclopédia Leia mais de uma dando preferência a enciclopédias escritas em épocas diferentes Mencionamos diversas regras sobre as palavras que o usuário deve ter em mente ao consultar um dicionário No caso das enciclopédias há regras análo gas sobre fatos já que assim como as palavras são o objeto do dicionário os fatos são o objeto da enciclopédia 1 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES Afirmações factuais combinam palavras como Abraham Lincoln nasceu em 1 2 de fevereiro de 1 809 ou o número atômico do ouro é 79 Fatos não são coisas físicas assim como as pa lavras mas exigem explicações Para o conhecimento extensivo para o entendimento é preciso que você saiba também qual a importância de 192 Como Ler Livros um fato como ele afeta a verdade que busca Você não sabe muito se tudo o que sabe é em que consiste o fato 2 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES VERDADEIRAS Fatos não são opiniões Quando alguém diz que tal coisa é um fato o que quer dizer é que geralmente se concorda em que aquela coisa seja assim Essa pessoa nunca quer dizer ou nunca deveria querer dizer que ela e mais uma minoria de observadores acreditam que isso e aquilo sejam fatos É essa carac terística dos fatos que confere à enciclopédia seu tom e estilo Uma enciclopédia que contenha opiniões sem fundamentos de seus edito res é desonesta e ainda que uma enciclopédia possa conter opiniões por exemplo alguns creem que seja assim outros creem que seja assado é preciso que ela deixe bem claro que são apenas opiniões A exigência de que uma enciclopédia relate os fatos em questão e não as opiniões a seu respeito excetuando o caso já apresentado também limita a cobertura da obra Ela não pode tratar de assuntos a respeito dos quais não há consenso questões morais por exemplo Se ela tratar desses assuntos a única coisa que lhe cabe fazer é informar as discórdias relacionadas a eles 3 FATOS SÃO REFLEXOS DA REALIDADE Fatos podem ser a informações sin gulares ou b generalizações relativamente não questionadas mas em ambos os casos crêse que representem as coisas tais como efetivamente são A data de nascimento de Lincoln é uma informação singular o número atômico do ouro supõe uma generalização relativamente não questionada sobre o assunto Assim fatos não são ideias ou conceitos nem são teorias no sentido de meras especulações sobre a realidade De modo análogo uma explicação da realidade ou de parte dela não é um fato a menos que haja um consenso geral de que ela está correta e não antes do surgimento desse consenso 4 Por fim FATOS SÃO ATÉ CERTO PONTO CONVENÇÕES Üs fatos mudam como dizemos Queremos dizer que algumas proposições que são consi deradas fatos em uma época deixam de ser consideradas fatos em outra Na medida em que os fatos são verdadeiros e representam a realidade 12 Materiais de apoio 193 eles não podem mudar claro porque a verdade estritamente falando não muda nem a realidade Mas nem todas as proposições que consi deramos verdadeiras são mesmo verdadeiras e temos de admitir que praticamente qualquer proposição que consideremos verdadeira pode ser falsificada pela investigação mais detalhada e cuidadosa ou mais pa ciente Isso se aplica sobretudo aos fatos científicos Os fatos também são mais uma vez até certo ponto determina dos culturalmente Um físico nuclear por exemplo tem em mente uma estrutura complicada e hipotética da realidade que determina para ele alguns fatos que são diferentes dos fatos determinados e aceitos por um primitivo Isso não significa que o cientista e o primitivo não tenham como chegar a um acordo em relação a fato algum eles hão de concordar por exemplo em que dois mais dois são quatro ou que um todo físico é mais do que qualquer uma de suas partes Mas o primitivo talvez não concorde com os fatos do cientista a respeito das partículas nucleares assim como o cientista pode não concordar com os fatos do primitivo a respeito da magia ritual Foi difícil escrever essa frase por que como nós mesmos somos determinados culturalmente tendemos a concordar com o cientista e não com o primitivo e assim ficamos tentados a colocar o segundo fato entre aspas Só que é disso mesmo que estamos falando Uma boa enciclopédia sempre responderá às suas perguntas sobre os fatos se você se lembrar daquilo que já falamos sobre os fatos A arte de usar uma enciclopédia como auxílio à leitura é a arte de fazer as perguntas adequadas sobre os fatos Assim como no caso do dicionário limitamonos a sugerir as perguntas a enciclopédia trará as respostas É preciso também que você lembre que uma enciclopédia não é o melhor lugar para buscar o entendimento Ela pode levar a intuições sobre a ordem e a organização do conhecimento mas esse assunto por mais importante que seja ainda assim é limitado Muitas coisas necessárias ao conhecimento não podem ser encontradas numa enciclopédia 194 Como Ler Livros Duas omissões chamam particularmente a atenção Uma enciclopédia de verdade não contém discussões ou as contém só no sentido de que pode men cionar as linhas argumentativas que contemporaneamente têm mais aceitação ou as que têm interesse histórico Assim falta um elemento importante da es crita expositiva Uma enciclopédia também não contém poesia nem literatura imaginativa ainda que possa conter fatos relativos à poesia e aos poetas Como a imaginação e a razão são igualmente necessárias para o entendimento isso significa que a enciclopédia é um instrumento relativamente insatisfatório para nos auxiliar em sua busca 12 Materiais de apoio 1 95 18 COMO LER LIVROS DE FILOSOFIA As crianças fazem perguntas admiráveis Por que as pessoas existem O que é que o gato quer Qual o nome do mundo Por que Deus criou o mundo Da boca das crianças sai senão a sabedoria ao menos a busca por ela A filosofia segundo Aristóteles nasce do espanto Ela certamente começa na infância mesmo que para a maioria de nós também acabe nela A criança é um questionador natural Não é o número de perguntas que ela faz mas sua natureza que a distingue do adulto Os adultos não perdem a curiosidade que parece um traço inato do ser humano mas a qualidade dessa curiosidade vai se deteriorando Eles querem saber se uma coisa é de um jeito mas não por quê Mas as questões das crianças não ficam limitadas ao tipo que pode ser respondido por uma enciclopédia O que será que acontece entre o jardim de infância e a universidade para secar o fluxo de questões ou melhor para transformálo nos canais adultos mais chatos da curiosidade a respeito de questões factuais Uma inteligência que não seja agitada por boas questões não tem como apreciar nem mesmo a importância das melhores respostas Aprender as respostas é bastante fácil Mas desenvolver inteligências ativamente inquisitivas avivadas por questões reais e profundas isso é outra história Por que deveríamos tentar desenvolver essas inteligências se as crianças já nascem com elas Em algum momento a curiosidade dos adultos perde a pro fundidade que tinha originalmente Talvez a própria escola debilite a inteligência com o peso morto dos saberes decorados muitos dos quais nem são necessários É bem provável que os pais sejam ainda mais culpados por essa perda Tantas ve zes dizemos a uma criança que não há resposta mesmo quando há ou pedimos a ela que pare de fazer perguntas Mal conseguimos esconder nossa irritação quando ficamos desnorteados pela questão aparentemente irrespondível Tudo isso tira o entusiasmo da criança Ela pode ficar com a impressão de que não é educado ser muito inquisitivo A curiosidade humana nunca é destruída mas rapidamente é rebaixada àquelas perguntas feitas pela maior parte dos universitá rios que assim como os adultos que logo serão só querem informações Não temos solução para esse problema certamente não temos a arrogância de julgar que sabemos lhe dizer como responder às perguntas profundas e ma ravilhosas que as crianças fazem Mas queremos que você reconheça que uma das coisas mais impressionantes dos livros clássicos da filosofia é que eles fazem o mesmo tipo de perguntas profundas que as crianças fazem A capacidade de reter a visão que a criança tem do mundo junto a uma compreensão madura daquilo que significa retêla é extremamente rara e uma pessoa que tenha essas qualidades provavelmente dará alguma contribuição realmente importante ao nosso pensamento Não é preciso pensar como crianças para compreender a existência As crianças certamente não a compreendem nem conseguiriam compreendê la se é que alguém realmente consegue Mas é preciso ser capaz de ver como as crianças veem de sentir o espanto que elas sentem de questionar como elas questionam As complexidades da vida adulta atrapalham a verdade Os grandes filósofos sempre foram capazes de dissipar as complexidades e en xergar distinções simples simples uma vez que sejam formuladas e que antes eram imensamente difíceis Se formos seguilos nós também teremos de ser infantilmente simples em nossas perguntas e ter a maturidade da sabedoria em nossas respostas AS PERGUNTAS FEITAS PELOS FILÓSOFOS Quais serão essas perguntas infantilmente simples que os filósofos fa zem Quando as escrevemos elas não parecem simples porque respondêlas é muito difícil Ainda assim elas são inicialmente simples no sentido de serem básicas ou fundamentais Considere estas questões sobre o ser ou a existência por exemplo qual a dife rença entre existir e não existir O que é comum a todas as coisas que existem 278 Como Ler Livros e quais são as propriedades de tudo que existe Será que há maneiras diferentes de as coisas existirem modos diferentes de ser ou de existência Será que al gumas coisas só existem na mente ou para a mente ao passo que outras existem fora da mente sendo ou não conhecidas ou mesmo conhecíveis por nós Será que tudo que existe existe fisicamente ou será que há coisas que existem sepa radas da corporificação material Será que tudo muda ou será que existe algo imutável Será que algo existe necessariamente ou será que tudo que existe poderia não ter existido Será que o campo da existência possível é maior que o campo daquilo que efetivamente existe Quando um filósofo está interessado em investigar a natureza do próprio ser e dos campos do ser as perguntas que ele faz costumam ser desse tipo Como perguntas não são difíceis de formular nem de compreender mas são imensamente difíceis de responder tão difíceis na realidade que sobretudo em épocas recentes alguns filósofos afirmaram que elas não podem ser respon didas de modo satisfatório Outro grupo de questões filosóficas diz respeito à mudança ou ao devir mais do que ao ser Podemos dizer que os objetos de nossa experiência a que atri buiríamos existência sem hesitar estão todos sujeitos à mudança Eles passam a existir e deixam de existir 1 enquanto existem a maior parte deles muda de um lugar para outro e muitos deles se alteram em quantidade e qualidade ficam maiores ou menores mais pesados ou mais leves ou como a maçã que vai ama durecendo ou como a carne que vai maturando mudam de cor O que está presente em toda mudança Em todo processo de mudança haverá algo que permanece inalterado e algum aspecto daquela coisa inalterada que sofre alteração Quando você aprende algo que não sabia antes certamen te muda em relação ao conhecimento adquirido mas também continua sendo o mesmo indivíduo que era antes não fosse assim não se poderia dizer que você se alterou pelo aprendizado Será que isso vale para todas as mudanças 1 No original They come into being and pass away Há uma clara referência ao tratado de Aristóteles Sobre a Geração e a Corrupção também conhecido em inglês como On ComingtoBe and PassingAway Geração e corrupção referemse aos processos de começar a existir e deixar de existir respectivamente Não por acaso até o fim do parágrafo serão descritas as espécies de movimento segundo Aristóteles N T 18 Como ler livros de filosofia 279 Por exemplo será que isso vale para mudanças extraordinárias como o nas cimento e a morte a geração e a corrupção ou somente para mudanças menos fundamentais como o movimento o crescimento ou a mudança de qua lidade Quantos tipos diferentes de mudanças existem Será que os mesmos elementos ou condições fundamentais fazem parte de todos os processos de mudança e será que as mesmas causas operam em todos eles O que queremos dizer por causa de mudança Há tipos diferentes de causas responsáveis pelas mudanças Será que as causas das mudanças do devir são as mesmas causas do ser ou da existência Essas perguntas são feitas pelo filósofo que volta sua atenção do ser para o devir e busca ainda relacionar ser e devir Mais uma vez não são ques tões difíceis de formular nem de entender mas são extremamente difíceis de responder clara e satisfatoriamente De todo modo podese ver como elas partem de uma atitude infantilmente simples em relação ao mundo e à nossa experiência dele Infelizmente não temos espaço para nos aprofundar em toda a gama de questões Podemos apenas listar algumas outras questões que os filósofos le vantam e buscam responder Há questões que dizem respeito não apenas ao ser e ao devir mas também à necessidade e à contingência ao material e ao imaterial ao físico e ao não físico à liberdade e à indeterminação às facul dades da alma humana à natureza e à extensão do conhecimento humano à liberdade da vontade Todas essas questões são especulativas ou teóricas no sentido dos termos que usamos ao distinguir entre os campos teórico e prático Mas a filosofia como sabemos não se restringe às questões teóricas Considere por exemplo o bem e o mal As crianças se preocupam muito com a diferença entre o que é bom e o que é mau é provável que sua retaguarda ve nha a sofrer caso elas se enganem a esse respeito Haverá uma distinção univer salmente válida entre o bem e o mal Será que há certas coisas que são sempre boas e outras que são sempre más independentemente das circunstâncias Ou será que Hamlet tinha razão quando fazendo eco a Montaigne disse que Nada é bom ou mau é o pensar que as deixa assim 280 Como Ler Livros de filosofia normativa estão preocupados fundamentalmente com os objetivos que os homens devem buscar objetivos como levar uma boa vida ou instituir uma boa sociedade e ao contrário dos livros de receitas ou dos manuais de automóveis eles se limitam a prescrever com os termos mais gerais possíveis os meios que devem ser utilizados para atingir esses objetivos As perguntas feitas pelos filósofos também servem para distinguir ramos subordinados das duas principais divisões da filosofia Uma obra de filosofia teórica ou especulativa é metafísica somente se seu assunto principal tratar de questões sobre o ser ou a existência Será uma obra de filosofia da natu reza se estiver preocupada com o devir com a natureza e com os tipos de mudanças com suas condições e causas Se o interesse básico da obra for o conhecimento questões a respeito do que interfere no conhecimento de qualquer coisa as causas a extensão e os limites do conhecimento humano e suas certezas e incertezas então ela é de epistemologia que é o outro nome para a teoria do conhecimento Passando da filosofia teórica à normati va a principal distinção é entre por um lado questões a respeito da boa vida e aquilo que é certo ou errado na conduta do indivíduo tudo o que faz parte do terreno da ética e por outro lado questões a respeito da boa sociedade e da conduta do indivíduo em relação à comunidade o terreno da política ou da filosofia política A FILOSOFIA MODERNA E A GRANDE TRADIÇÃO Para que possamos ser breves nas próximas páginas vamos chamar as ques tões a respeito do mundo e daquilo que acontece nele ou a respeito daquilo que os homens deveriam buscar de questões de primeira ordem Deveríamos re conhecer então que também existem questões de segunda ordem questões a respeito do nosso conhecimento de primeira ordem questões sobre o conteú do do nosso pensamento quando tentamos responder a questões de primeira ordem questões a respeito dos modos como expressamos esses pensamentos por meio da linguagem 282 Como Ler Livros Essa distinção entre questões de primeira e de segunda ordem é útil porque ajuda a explicar o que aconteceu com a filosofia nos últimos anos A maioria dos filósofos profissionais já não acredita que as questões de primei ra ordem possam ser respondidas por filósofos A maioria dos filósofos pro fissionais de hoje dedica sua atenção exclusivamente às questões de segunda ordem frequentemente às questões que têm a ver com o idioma em que se expressa o pensamento Isso é certamente bemvindo pois ser crítico nunca faz mal O problema é a desistência completa das questões filosóficas de primeira ordem que são as que têm mais chance de despertar o interesse dos leitores leigos Na realidade assim como hoje não se escrevem mais livros de ciências ou matemática vol tados ao público leigo o mesmo acontece com os livros de filosofia As ques tões de segunda ordem têm quase por definição apelo limitado e os filósofos profissionais assim como os cientistas não estão interessados na opinião de ninguém exceto os outros especialistas Isso torna a filosofia moderna muito difícil de ler para os não filósofos tão difícil na realidade quanto as ciências para os não cientistas Neste livro não temos como lhe dar nenhuma orientação sobre como ler livros de filosofia moderna voltados exclusivamente para questões de segunda ordem Todavia existem livros filosóficos que você pode ler e que achamos que você deve ler Esses livros tratam das questões que classificamos como de primeira ordem Não é por acidente que eles foram escritos fundamentalmente para uma plateia leiga e não exclusivamente para outros filósofos Até mais ou menos 1 930 talvez um pouco depois os livros de filo sofia eram escritos para o público em geral Os filósofos esperavam que seus pares os lessem mas também queriam ser lidos por pessoas comuns e inteligentes Como as questões que levantavam e que buscavam responder interessavam a todos tais filósofos achavam que todos deveriam saber o que eles pensavam Todas as obras clássicas da filosofia de Platão em diante foram escritas a partir desse ponto de vista Tais livros são acessíveis ao leigo você conseguirá lê los se quiser Tudo que temos a dizer neste capítulo pretende ajudálo a fazer isso 1 8 Como ler livros de filosofia 283 SOBRE O MÉTODO FILOSÓFICO É importante entender em que consiste o método filosófico ao menos na medida em que a filosofia trata de propor e tentar responder questões de primeira ordem Suponha que você seja um filósofo preocupado com uma das questões infantilmente simples que mencionamos por exemplo a questão das proprie dades de tudo aquilo que existe ou a questão a respeito da natureza e das causas da mudança Como proceder Se sua questão fosse científica você saberia que para respondêla teria de fazer alguma espécie de pesquisa seja desenvolvendo um experimento para testar sua resposta seja observando uma vasta gama de fenômenos Se sua pergunta fosse histórica você saberia que também teria de fazer pesquisas ainda que de natureza diferente Mas não existe experimento que vá dizer o que é que todas as coisas que existem têm em comum simplesmente porque têm existência Não há tipos peculiares de fenômenos que você possa observar nem documentos que possa procurar e ler no intuito de descobrir o que é a mudança ou por que as coisas mudam Tudo que você pode fazer é meditar sobre a questão Em suma nada há a fazer além de pensar Você não pensa no vácuo claro A filosofia quando é boa não é pura especulação um pensamento distanciado da experiência Não podemos juntar as ideias de qualquer jeito As respostas às questões filosóficas têm de passar por testes rigorosos Mas esses testes se baseiam apenas na expe riência comum na experiência que você já tem porque é um ser humano não porque é filósofo A experiência comum faz que você conheça os fenô menos de mudança tão bem quanto qualquer outra pessoa tudo no mundo à sua volta manifesta a mutabilidade No tocante à simples experiência da mudança você está em posição tão adequada para pensar sobre sua nature za e suas causas quanto os maiores filósofos O que os distingue é que eles pensaram nisso extremamente bem eles formularam as questões mais inci sivas e mais pertinentes e deramse ao trabalho de desenvolver respostas clara e cuidadosamente elaboradas Por quais meios Não pela investigação Não pela busca ou agregação de mais experiências do que as vividas por nós 284 Como Ler Livros outros e sim pelo pensamento de modo mais profundo que o nosso sobre a experiência Entender isso não basta Ainda é preciso perceber que nem todas as per guntas feitas e analisadas pelos filósofos são verdadeiramente filosóficas Nem sempre eles mesmos tinham consciência disso e sua ignorância ou erro nesse aspecto crucial pode gerar dificuldades consideráveis para leitores pouco per ceptivos Para evitar essas dificuldades é necessário ser capaz de distinguir as questões verdadeiramente filosóficas das outras questões que talvez sejam dis cutidas por um filósofo mas cuja resposta ele deveria ter deixado para a investi gação científica posterior O filósofo enganouse por não ver que essas questões só podem ser respondidas pela investigação científica ainda que talvez não lhe fosse possível saber disso quando escreveu Um exemplo disso está na questão discutida pelos filósofos da Antiguida de a respeito da diferença entre a matéria dos corpos terrestres e a dos corpos celestes A olho nu sem a ajuda de telescópios parecia que os corpos celestes mudavam apenas de lugar eles não pareciam passar a existir nem deixar de existir como as plantas e os animais também não pareciam mudar em tamanho ou qualidade Como os corpos celestes só estavam sujeitos a um único tipo de mudança o movimento local ao passo que todos os corpos terrestres tam bém mudavam em outros aspectos os antigos concluíram que eles deveriam ser compostos de outro tipo de matéria Eles não imaginavam nem poderiam ter imaginado que com a invenção do telescópio os corpos celestes nos pro porcionariam um conhecimento de sua mutabilidade muito além de tudo que podemos conhecer por meio da experiência comum Por isso consideraram caber aos filósofos responder a uma questão que deveria ter sido deixada para as investigações científicas posteriores Essa investigação começou com o uso do telescópio por Galileu e com sua descoberta das luas de Júpiter isso levou à afirmação revolucionária de Kepler de que a matéria dos corpos celestes é exatamente a mesma que a matéria dos corpos terrestres e isso por sua vez lançou as bases para a mecânica celestial de Newton em que as mesmas leis do movimento aplicamse sem alterações para todos os corpos onde quer que estejam no universo físico J8 Como ler livros de filosofia 285 De modo geral tirando as confusões que podem surgir os erros ou a falta de informação a respeito de assuntos científicos que maculam a obra dos fi lósofos clássicos é irrelevante A razão é que quando lemos obras filosóficas estamos interessados em questões filosóficas e não científicas ou históricas Correndo o risco de nos repetir devemos enfatizar que não há outra maneira de responder a essas perguntas senão pensando Se pudéssemos construir um te lescópio ou um microscópio para examinar as propriedades da existência claro que faríamos isso Só que esses instrumentos são impossíveis Não queremos dar a impressão de que só os filósofos cometem os erros que estamos discutindo aqui Imagine que um cientista se preocupe com a ques tão do tipo de vida que se deve levar Essa questão pertence à filosofia norma tiva e a única maneira de respondêla é pensar nela Mas o cientista talvez não perceba isso e imagine que alguma espécie de experimento ou pesquisa possa lhe dar uma resposta Ele pode decidir perguntar a mil pessoas que tipo de vida elas gostariam de levar e basear sua resposta à questão nas respostas delas Mas deveria ser óbvio que sua resposta nesse caso seria tão irrelevante quanto as especulações de Aristóteles sobre a matéria dos corpos celestes OS ESTILOS FILOSÓFICOS Ainda que só haja um método filosófico ao menos cinco estilos expositi vos foram empregados pelos grandes filósofos da tradição ocidental O estu dante ou leitor de filosofia deveria ser capaz de distinguilos e de conhecer as vantagens e desvantagens de cada um deles 1 O DIÁLOGO FILOSÓFICO O primeiro estilo filosófico de exposição pri meiro cronologicamente mas não o primeiro em eficácia é aquele ado tado por Platão em seus Diálogos O estilo é de conversa até mesmo coloquiat alguns homens discutem um assunto com Sócrates ou nos diálogos posteriores com um participante conhecido como o Estran geiro de Atenas normalmente após falar um pouco a esmo Sócrates 286 Como Ler Livros começa a fazer uma série de perguntas e comentários que ajudam a elu cidar um problema Nas mãos de um mestre como Platão esse estilo é heurístico isto é ele ajuda o leitor e até mesmo o leva a descobrir as coisas por si mesmo Quando esse estilo é enriquecido pela grande tea tralidade pela grande comédia diriam alguns da história de Sócrates ganha um vigor tremendo Dissemos um mestre como Platão mas não há ninguém como Pla tão Outros filósofos buscaram escrever diálogos Cícero e Berkeley por exemplo mas tiveram pouco sucesso Seus diálogos são chatos monótonos quase ilegíveis Que Platão tenha conseguido escrever diá logos filosóficos que em termos de espírito charme e profundidade es tejam entre os melhores livros jamais produzidos por qualquer pessoa é algo que dá a medida de sua grandeza Contudo um sinal da inadequa ção desse estilo de filosofar pode estar no fato de que ninguém além de Platão conseguiu usálo bem Desnecessário dizer que Platão conseguiu Toda a filosofia ocidental como disse uma vez Whitehead não passa de uma nota de rodapé a Platão e os próprios gregos vieram a dizer entre si Aonde quer que eu vá em minha mente encontro Platão que já está voltando Essas afirmações porém não deveriam ser mal interpretadas Aparentemente Platão não criou um sistema filosófico não criou uma doutrina a menos que ela significasse que não há doutrina e que devemos simplesmente continuar dialogando E fazendo perguntas Platão e Sócrates que o an tecedeu de fato levantaram a maior parte das questões importantes que os filósofos posteriores julgaram necessário discutir 2 0 TRATADO FILOSÓFICO OU ENSAIO Aristóteles foi o melhor aluno de Platão estudou com ele por vinte anos Dizse que também escreveu diálogos mas nenhum deles sobreviveu integralmente Sobreviveram porém ensaios ou tratados curiosamente difíceis a respeito de diversos assuntos Obviamente Aristóteles era um pensador claro mas a difi culdade das obras que sobreviveram levou os estudiosos a sugerir que eram originalmente notas para aulas ou para livros feitas pelo próprio 18 Como ler livros de filosofia 287 Aristóteles ou por um aluno que assistira às aulas do mestre Talvez nun ca descubramos a verdade De qualquer modo o tratado aristotélico criou um novo estilo filosófico Os assuntos discutidos por Aristóteles em seus tratados e os vários estilos adotados por ele na apresentação de suas descobertas também ajudaram a estabelecer os ramos e as abordagens da filosofia nos séculos posteriores Há antes de tudo as chamadas obras populares sobre tudo diálogos dos quais nos chegaram apenas fragmentos Depois há as coleções de documentos A maior que conhecemos teria sido uma coleção de 1 58 Constituições de Estados gregos Apenas uma delas sobreviveu a Constituição de Atenas que foi encontrada em um papiro em 1 890 Por fim há os grandes tratados alguns dos quais como a Física e a Metafísica ou a Ética a Política e a Poética são obras puramente filosófi cas teóricas ou normativas algumas delas como o tratado Da Alma são misturas de teoria filosófica e investigação científica primitiva outros como os tratados biológicos são sobretudo obras científicas da área de história natural Apesar de ter sido provavelmente mais influenciado por Platão num sentido filosófico Immanuel Kant adotou o estilo expositivo de Aris tóteles Seus tratados são obras de arte acabadas contrastando nesse aspecto com os de Aristóteles Eles começam formulando o problema principal discutem o assunto de maneira meticulosa e minuciosa e tratam de problemas especiais no meio ou no final Podese dizer que a clareza tanto de Kant como de Aristóteles está na ordem que esses autores impõem a um assunto Vemos um começo um meio e um fim filosóficos Também particularmente no caso de Aristóteles somos informados das opiniões e objeções de outros sejam filósofos sejam homens comuns Assim num sentido o estilo do tratado é similar ao estilo do diálogo Mas fica faltando o elemento dramático nos tratados aristotélicos ou kantianos desenvolvese uma opinião filosófica por meio da exposição direta e não do conflito de posições e opiniões como em Platão 288 Como Ler Livros 3 O CONFRONTO DE OBJEÇÕES O estilo filosófico desenvolvido na Idade Média e aperfeiçoado por Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica tem semelhanças com os dois estilos já discutidos Platão como observamos levanta a maior parte das questões filosóficas que ainda hoje discutimosi Sócrates como poderíamos ter observador faz nos diálogos aquelas mesmas perguntas simples mas profundas das crianças E Aristóteles como também observamos leva em conta as objeções de outros filóso fos e responde a elas O estilo de Tomás de Aquino combina a proposição de questões com o confronto das objeções A Suma é dividida em partes tratados questões e artigos A forma de todos os artigos é a mesma Propõese uma questãoi apresentase a resposta contrária errada a elai enu meramse argumentos em favor da resposta erradai esses são primei ro rebatidos por texto de autoridade frequentemente uma citação bíblicai por fim1 Tomás apresenta sua própria resposta ou solução com as palavras 11 respondo que Após dar sua própria opinião sobre o assunto ele então responde a cada um dos argumentos dados em favor da resposta errada A limpeza e a ordem desse estilo têm apelo para pessoas de mente orga nizada mas essa não é a característica mais importante do estilo tomista de filosofar Antes é o fato de Tomás de Aquino reconhecer explici tamente os conflitos de descrever as opiniões divergentes e de tentar enfrentar todas as objeções possíveis a suas próprias soluções A ideia de que a verdade de algum modo surge da oposição e do conflito era comum na Idade Média Os filósofos na época de Tomás de Aquino achavam absolutamente normal ter de defender suas ideias em disputas públicas e abertas que muitas vezes eram acompanhadas por multidões de estudantes e interessados A civilização da Idade Média era essencial mente orat em parte porque os livros eram poucos e difíceis de obter Não se aceitava que uma proposição fosse verdadeira sem que ela pu desse enfrentar o teste da discussão abertai o filósofo não era um pen sador solitário mas alguém que enfrentava seus adversários no mercado 18 Como ler livros de filosofia 289 intelectual como talvez Sócrates dissesse Por isso a Suma Teológica está imbuída do espírito do debate e da discussão 4 A SISTEMATIZAÇÃO DA FILOSOFIA No século XVII dois filósofos notáveis Descartes e Espinosa desenvolveram um quarto estilo de exposição filosófica Fascinados pelo sucesso que a matemática prometia obter na organização do conhecimento da natureza eles buscaram organizar a filosofia mesma como se fosse a matemática Descartes era um grande matemático e ainda que talvez estivesse er rado em alguns pontos um filósofo formidável O que ele tentou fazer essencialmente foi vestir a filosofia com as roupas da matemática ou dar a ela a certeza e a estrutura formal que Euclides dera à geometria dois mil anos antes Descartes não fracassou completamente nessa empresa e sua demanda por clareza e diferenciação era em certa medida justificada pelo caos do ambiente intelectual de sua época Ele também escreveu tratados filosóficos em formato mais ou menos tradicional incluindo respostas a objeções a suas teses Espinosa levou esse conceito adiante Sua Ética foi escrita num formato estritamente matemático com proposições provas corolários lemas es cólios etc Porém o objeto da metafísica e da moral não se presta bem a esse formato que é mais apropriado para a geometria e outros assuntos matemáticos do que para os filosóficos Sinal disso é que ao ler Espino sa podemos saltar muitas partes exatamente como se pode fazer ao ler Newton Não se pode ignorar nada de Kant ou de Aristóteles porque a li nha de raciocínio é ininterrupta e não se pode saltar nada de Platão assim como não se pode saltar um trecho de uma peça teatral ou de um poema Provavelmente não há regras absolutas de estilo Ainda assim podese questionar a possibilidade de escrever uma obra filosófica satisfatória em formato matemático como tentou Espinosa ou uma obra científica satisfatória em forma de diálogo como tentou Galileu O fato é que os dois em alguma medida não conseguiram comunicar aquilo que preten diam comunicar e parece provável que a forma escolhida por eles foi uma das principais razões disso 290 Como Ler Livros 5 O ESTILO AFORÍSTICO Existe outro estilo de exposição filosófica digno de nota ainda que provavelmente não seja tão importante quanto os outros quatro Tratase do estilo aforístico adotado por Nietzsche em obras como Assim Falou Zaratustra e por alguns filósofos franceses modernos A popularidade desse estilo no século XX se deve talvez ao grande inte resse dos leitores ocidentais nos livros sapienciais do Oriente escritos em estilo aforístico Esse estilo talvez deva algo também aos Pensamentos de Pascal Este porém claramente não queria que sua grande obra fosse composta de afirmações curtas e enigmáticas mas morreu antes de ter minar de escrever o livro no formato de ensaio A grande vantagem da forma aforística em filosofia é ser heurística o leitor tem a impressão de que se está falando mais do que aquilo que está efetivamente dito já que ele mesmo assume boa parte do ônus da reflexão de fazer conexões entre as afirmações e de montar argumen tos para defender as posições Porém ao mesmo tempo essa é a grande desvantagem do estilo que na realidade nada tem de expositivo O autor é como um motorista que atropela uma vítima e a abandona ele bate num assunto e depois sai correndo em direção a outro sem ao menos dar atenção àquilo que disse Assim ainda que o estilo aforístico seja agradável àqueles de inclinação poética é irritante para filósofos sérios que preferem acompanhar e criticar a linha de raciocínio de um autor Até onde sabemos não há outro estilo importante de exposição filosó fica que tenha sido usado em nossa tradição filosófica Uma obra como De Rerum Natura Sobre a Natureza das Coisas de Lucrécio não é ex ceção Foi originalmente escrita em verso Mas no que diz respeito ao estilo não difere de outros ensaios filosóficos e de todo modo hoje em dia nós a lemos em traduções em prosa Isso significa que todos os grandes filósofos usaram um desses cinco estilos às vezes claro um filósofo experimenta mais de um O tratado ou ensaio é o formato mais comum tanto no passado quanto no presente Ele pode incluir não só as obras altamente formais e difíceis como as de Kant mas também ensaios populares ou cartas Os diálogos são muito difíceis de escrever 18 Como ler livros de filosofia 291 como se sabe e o estilo geométrico é difícil de ler e de escrever O esti lo aforístico é muito insatisfatório do ponto de vista filosófico O estilo tomista não tem sido muito usado recentemente Talvez os leitores mo dernos tenham dificuldades em aceitálo o que diante de todas as suas vantagens é uma vergonha INDICAÇÕES PARA LER LIVROS DE FILOSOFIA Talvez tenha ficado claro graças ao que discutimos até agora que a coisa mais importante a descobrir na leitura de qualquer obra filosófica é qual a ques tão ou quais as questões que ela busca responder As questões podem ser pro postas explicitamente ou podem em certa medida ficar implícitas Nos dois casos é preciso descobrir quais são elas A maneira como o autor responde a essas questões será profundamente influenciada por seus princípios diretores Esses podem estar explicitados mas nem sempre isso acontece á citamos o que disse Basil Willey sobre a dificul dade e a importância de descobrir os pressupostos ocultos e implícitos de um autor de não acrescentar nada Isso vale para qualquer livro Isso se aplica especialmente a livros de filosofia Não podemos acusar os grandes filósofos de terem sido desonestos e de terem escondido seus pressupostos nem de terem sido obscuros em suas de finições e postulados A marca do grande filósofo é justamente ser capaz de clarificar essas coisas mais do que outros autores Ainda assim a obra de todo grande filósofo tem princípios diretores É fácil encontrálos caso ele os formu le no livro que você lê Mas talvez ele não tenha feito isso e tenha deixado sua discussão para outro livro Ou talvez ele nunca os discuta explicitamente ainda que sua presença se faça sentir em todas as suas obras É difícil dar exemplos desses princípios diretores Se enunciarmos algum provavelmente os filósofos irão questionálo e não temos espaço para defen der nossas escolhas Podemos porém mencionar que para Platão talvez a conversa a respeito de assuntos filosóficos seja a mais importante de todas 292 Como Ler Livros as atividades humanas Essa ideia raramente é explicitada nos diálogos ainda que Sócrates talvez a esteja propondo quando na Apologia diz que a vida não examinada não vale a pena ser vivida e Platão a menciona na Carta Sete A questão é que Platão expressa essa ideia em diversos lugares ainda que não tão diretamente por exemplo no Protágoras no qual se mostra que a plateia não aprova a recusa de Protágoras em continuar conversando com Sócrates Outro exemplo está em Céfalo do Livro I da República o qual parece ter ou tras coisas a resolver e por isso sai Platão parece estar dizendo ainda que não explicitamente que a recusa de participar da busca da verdade é uma traição da natureza mais profunda do homem Mas como já observamos isso não costuma ser mencionado como uma das ideias de Platão porque raramente em suas obras ela é explicitamente discutida Podemos encontrar outros exemplos em Aristóteles Em primeiro lugar é sempre importante perceber ao ler qualquer obra aristotélica que coisas que tenham sido ditas em outras obras são relevantes para a discussão Assim os princípios básicos da lógica expostos no Organon são pressupostos na Físi ca Em segundo lugar os princípios diretores nem sempre são enunciados de modo suficientemente claro o que se deve em parte ao fato de que os trata dos não são obras de arte acabadas A Ética fala de muitas coisas da felicidade do hábito da virtude do prazer etc a lista poderia ser imensa mas só o leitor muito cuidadoso capta a intuição diretora Tratase da intuição de que a felicidade é o bem em seu todo não o bem supremo pois neste caso ela seria apenas um bem entre outros Ao perceber isso vemos que a felicidade não consiste no aperfeiçoamento de si próprio nem nos bens do autoaprimora mento ainda que esses sejam os maiores dentre os bens parciais A felicidade como diz Aristóteles é a qualidade de uma vida inteira e ele diz inteira nãó só no sentido temporal como também no sentido de todos os aspectos pelos quais se pode enxergar uma vida O homem feliz é alguém como diríamos hoje que é bem resolvido em tudo e permanece assim ao longo de sua vida Essa intuição é diretora no sentido de que afeta quase todas as outras ideias e intuições na Ética mas ela nunca é formulada tão explicitamente quanto poderia ter sido 18 Como ler livros de filosofia 293 Outro exemplo O pensamento maduro de Kant é muitas vezes chamado de filosofia crítica Ele mesmo distinguia a crítica do dogmatismo que atribuía a muitos filósofos anteriores Ao falar em dogmatismo ele referia a presunção de que o intelecto humano pode chegar às verdades mais im portantes por meio do puro pensamento sem estar ciente de suas próprias limitações O primeiro passo necessário segundo Kant é fazer um inventário e uma avaliação dos recursos e capacidades da inteligência Assim a limitação da inteligência é um princípio diretor para Kant diferentemente de qualquer filósofo que o tenha precedido no tempo Mas se isso está perfeitamente claro por ter sido explicitamente formulado na Crítica da Razão Pura não está formulado por estar presumido na Crítica da Faculdade do Juízo a grande obra de Kant sobre Estética Ainda assim é também nela um princípio diretor Isso é tudo que podemos dizer sobre encontrar os princípios diretores num livro filosófico porque não temos certeza de que sabemos ensinar como descobrilos Às vezes isso leva anos e muitas leituras e releituras Ainda assim esse é o objetivo ideal de uma leitura intensa e minuciosa e é preciso ter em mente que em última instância é isso que você deve tentar fazer se pretende entender o autor que está lendo Contudo apesar da dificuldade em descobrir esses princípios diretores não recomendamos que você pegue um atalho e leia livros sobre os filósofos sobre a vida e as opiniões deles A descoberta que você faz por si mesmo terá valor muito maior do que as ideias de outra pessoa Uma vez que você tenha encontrado esses princípios diretores há de que rer julgar se o autor é fiel a eles em sua obra Infelizmente nem mesmo os me lhores filósofos costumam ser A coerência dizia Emerson é um monstro que assusta as inteligências menores Essa afirmação é bem relaxada mas ainda que provavelmente seja sábio recordála também não há dúvida de que num filó sofo a incoerência é um problema sério Se um filósofo é incoerente é preciso julgar qual de dois grupos de proposições corresponde àquilo que ele realmente quer dizer os primeiros princípios tais como ele os formula ou as conclusões que na realidade não se seguem dos princípios formulados Você pode ainda julgar que nenhum dos dois grupos é válido 294 Como Ler Livros A leitura de obras filosóficas tem aspectos peculiares relacionados à dife rença entre a filosofia e as ciências Aqui estamos considerando apenas obras teóricas de filosofia como tratados metafísicos ou livros de filosofia da natureza O problema da filosofia é explicar a natureza das coisas e não como fazem as ciências descrevêla A filosofia questiona mais do que as conexões entre os fenômenos Ela pretende chegar a suas causas e condições últimas Esses problemas só são explorados satisfatoriamente quando as respostas a eles têm o apoio de argumentos e análises claros O maior esforço do leitor portanto será voltado para os termos e para as proposições iniciais Ainda que o filósofo assim como o cientista tenha uma terminologia técnica as palavras que expressam seus termos costumam vir da linguagem corrente mesmo que sejam usadas em sentido muito peculiar Se o leitor não superar a tendência de usar palavras conhecidas de um modo conhe cido provavelmente entenderá o livro de maneira totalmente errada Os termos básicos das discussões filosóficas são abstratos é claro Mas os das ciências também são Não se pode expressar nenhum conhecimento geral senão em termos abstratos Não há nada particularmente difícil em relação às abstrações Nós as usamos todos os dias e em todos os tipos de conversas Contudo as palavras abstrato e concreto parecem perturbar muita gente Sempre que você fala de algo de modo geral usa abstrações mas aquilo que percebe por meio dos sentidos é sempre concreto e particular Aquilo que você pensa com sua mente é sempre abstrato e geral Entender uma palavra abstrata é ter a ideia que ela expressa Ter uma ideia é só um modo de dizer que você entendeu algum aspecto geral das coisas que fazem parte da sua ex periência concreta Você não consegue ver tocar ou imaginar o aspecto geral referido Se conseguisse não haveria diferença entre os sentidos e a mente As pessoas que buscam imaginar a que as ideias se referem tendem a se confundir e todas as abstrações acabam por causarlhes desespero Assim como os argumentos indutivos devem ser o principal foco do leitor no caso de livros científicos também aqui no caso da filosofia devese prestar a máxima atenção aos princípios do filósofo Podem ser pressupostos que ele espera ver compartilhados por você ou teses que ele considera autoevidentes 18 Como ler livros de filosofia 295 Não há nenhum problema em ter pressupostos Aceiteos para ver aonde levam ainda que você mesmo tenha pressupostos contrários Fingir que você acredita em algo em que não acredita de verdade é um bom exercício mental E quanto mais claramente você conhecer seus próprios prejulgamentos menos chance terá de avaliar mal os dos outros O outro tipo de princípios é que pode causar problemas Poucos livros de filosofia deixam de explicitar algumas proposições que o autor considera autoevidentes Essas proposições são tiradas diretamente da experiência e não provadas por outras proposições O que se deve lembrar é que a experiência da qual elas são tiradas como observamos repetidas vezes é ao contrário da experiência especial do cientista a experiência comum da humanidade O filósofo não trabalha em laboratórios não faz pesquisas de campo Assim para entender e testar os princípios de um filósofo você não precisa da ajuda extrínseca da experiência especial que se obtém pela investigação metódica O filósofo pede apenas que você use seu bomsenso e suas observações diárias do mundo em que vive Em outras palavras o método para ler um livro filosófico é muito seme lhante ao método usado para escrevêlo Não há nada que um filósofo possa fazer diante de um problema além de pensar nele Não há nada que um leitor possa fazer com um livro filosófico além de lêlo o que significa como sabe mos pensar nele Não há outros auxílios além da própria mente Mas essa solidão essencial de leitor e livro é precisamente a situação que imaginamos no início de nossa longa discussão sobre as regras da leitura analí tica Assim você pode ver por que dizemos que as regras da leitura do modo como as formulamos e explicamos aplicamse mais diretamente à leitura de livros filosóficos do que a qualquer outro tipo de leitura SOBRE TER OPINIÕES PRÓPRIAS Como qualquer bom tratado científico uma boa obra teórica de filoso fia não contém retórica nem propaganda Não é preciso preocuparse com a 296 Como Ler Livros personalidade do autor nem investigar seu background social e econômico Porém é útil ler as obras de outros grandes filósofos que tenham discutido os mesmos problemas abordados pelo autor que você está lendo Os filóso fos vêm mantendo uma longa conversa entre si na história do pensamento É melhor ouvila antes de formar uma opinião a respeito do que qualquer um deles diz O fato de que os filósofos discordam não deveria perturbálo por duas razões Primeiro o fato de haver discórdia se persiste pode sugerir um pro blema grande e ainda não resolvido aliás talvez impossível de ser resolvido É bom saber onde estão os verdadeiros mistérios Segundo as discordâncias dos outros têm relativamente pouca importância A responsabilidade do lei tor é formar a sua própria opinião Diante da longa conversa que os filósofos mantiveram por meio de seus livros cabe a você julgar o que é verdadeiro e o que é falso Quando você tiver lido bem uma obra filosófica e isso significa ler outros filósofos que falem do mesmo assunto estará em posição de julgar De fato a marca mais distintiva das questões filosóficas é que todos preci sam dar a própria resposta a elas Usar as opiniões dos outros não é respondê las mas fugir delas E suas respostas devem ter bases sólidas com argumentos que as sustentem Isso significa acima de tudo que você não pode depender do testemunho de especialistas algo talvez necessário no caso das ciências A razão disso é que as perguntas feitas pelos filósofos são simplesmen te mais importantes do que as questões feitas por quaisquer outras pessoas À exceção das crianças UMA NOTA SOBRE A TEOLOGIA Existem dois tipos de teologia a teologia natural e a teologia dogmática A primeira é um ramo da filosofia é como o último capítulo da metafísica Se você perguntar por exemplo se a causalidade é um processo infinito se tudo é causado você pode caso responda afirmativamente verse numa regressão in finita Assim você talvez tenha de presumir a existência de uma causa originária 18 Como ler livros de filosofia 297 que não é ela mesma causada Aristóteles chamou essa causa não causada de motor imóvel Você pode lhe dar outros nomes pode até dizer que se trata apenas de outro nome para Deus mas o importante é que terá chegado a esse conceito por meio do esforço solitário pelo trabalho natural de sua mente A teologia dogmática é diferente da filosofia na medida em que seus pri meiros princípios são artigos de fé compartilhados pelos praticantes de alguma religião Uma obra de teologia dogmática sempre depende de dogmas e da au toridade da Igreja que os proclama Se você não faz parte dessa Igreja se não professa essa fé ainda assim pode ler bem um livro de teologia dogmática se tratar esses dogmas com o mesmo respeito com que trata os pressupostos de um matemático Mas é preciso ter sempre em mente que um artigo de fé não é algo que os fiéis presumem A fé para aqueles que a possuem não é uma opinião provisória mas a forma mais certa de conhecimento Compreender isso parece difícil para muitos leitores de hoje Normalmen te eles cometem um ou dois erros quando deparam com a teologia dogmática O primeiro erro é a recusa em aceitar nem que seja temporariamente os artigos de fé que são os primeiros princípios do autor O resultado é que o leitor con tinua a debaterse com esses primeiros princípios sem jamais realmente prestar atenção ao livro O segundo erro é presumir que como os primeiros princípios são dogmáticos os argumentos e raciocínios baseados neles e as conclusões a que levam são todos igualmente dogmáticos É verdade é claro que se certos princípios são aceitos e se o raciocínio que se baseia neles é lógico então as conclusões também devem ser aceitas ao menos na mesma medida em que os princípios são aceitos Mas se o raciocínio estiver errado os mais aceitáveis primeiros princípios levarão a conclusões inválidas Como você pode ver aqui estamos falando das dificuldades enfrentadas por um leitor não crente de uma obra teológica A ele cabe aceitar enquanto lê o livro que os primeiros princípios são verdadeiros e assim lêlo com todo o cuidado que qualquer boa obra expositiva merece O leitor fiel de uma obra que é essencial para sua religião tem de enfrentar outras dificuldades Porém esses problemas não estão limitados à leitura de teologia 298 Como Ler Livros COMO LER LIVROS CANÔNICOS Existe um tipo interessante de livro e de leitura que ainda não foi discu tido Usamos o termo canônico para fazer referência a esses livros numa tradição mais antiga poderíamos têlos chamado de sacros ou santos mas essas palavras não se aplicam mais a todas essas obras ainda que se apliquem a algumas delas O melhor exemplo é a Bíblia quando lida não como literatura mas como a palavra revelada de Deus Para os marxistas ortodoxos porém as obras de Marx devem ser lidas do mesmo modo que a Bíblia deve ser lida por judeus ou cris tãos ortodoxos O Livro Vermelho de Mao tem uma natureza igualmente canônica para um fiel comunista chinês A ideia de livro canônico pode ser ampliada para além desses exemplos óbvios Considere uma instituição qualquer uma Igreja um partido político uma sociedade que entre outras coisas 1 é uma instituição de ensino 2 possui um corpo doutrinário a transmitir e 3 tem membros fiéis e obedien tes Os membros de todas essas organizações leem de modo reverente Eles não questionam nem podem questionar a leitura autorizada ou correta dos li vros que consideram canônicos Os fiéis são proibidos por sua fé de encontrar qualquer erro no texto sagrado isso para não falarmos da proibição de ver algum nonsense nele É assim que os judeus ortodoxos leem o Antigo Testamento os cristãos o Novo Testamento os muçulmanos o Carão os marxistas ortodoxos as obras de Marx e Lênin e dependendo do clima político as de Stálin os psicanalistas freudianos as obras de Freud os oficiais do exército americano o manual da infantaria E você pode pensar em muitos outros exemplos por conta própria De fato quase todos nós ainda que não tenhamos ainda chegado lá já nos aproximamos da situação em que temos de ler canonicamente Um advogado inexperiente que precisa passar nos exames da Ordem tem de ler certos textos de certo modo para poder tirar a nota máxima O mesmo sucede com médicos e com outros profissionais e de fato com todos nós quando na posição de estudantes éramos obrigados a ler um texto segundo a interpretação dada pelo iB Como ler livros de filosofia 299 nosso professor correndo o risco de tirar zero Claro que nem todos os pro fessores reprovam seus alunos por discordai deles As características desse tipo de leitura estão provavelmente resumidas na palavra ortodoxo que vale em quase todos os casos A palavra vem de duas raízes gregas e significa opinião correta Para esses livros só existe uma leitura correta e apenas uma qualquer outra leitura traz muitos riscos da perda de uma nota 1 O à danação da alma Essa característica traz consigo uma obrigação O leitor fiel de um livro canônico é obrigado a entendêlo e a considerálo verdadeiro em algum sentido da palavra verdadeiro Se ele não consegue fazer isso por si é obrigado a procurar alguém que consiga Esse alguém pode ser um padre ou um rabi no ou seu superior na hierarquia do partido ou seu professor De todo modo ele está obrigado a aceitar a resolução do problema que lhe é oferecida Ele lê essencialmente sem liberdade mas ganha em troca um tipo de satisfação que talvez nunca seja obtido na leitura de outros livros Aqui de fato é preciso parar O problema de ler a Bíblia se sua fé diz que ela é a Palavra de Deus é o problema mais difícil em toda a área da leitura Existem mais livros sobre como ler as Escrituras do que a respeito de todos os outros aspectos da arte de ler juntos A Palavra de Deus é obviamente o texto mais difícil que o homem pode ler mas é também se para você tratase da Pala vra de Deus o mais importante a ler O esforço dos fiéis tem sido devidamente proporcional à tarefa É verdade que ao menos na tradição europeia a Bíblia é o livro em mais de um sentido Não só é o livro mais lido mas também o livro lido com mais cuidado 300 Como Ler Livros 19 COMO LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os conceitos e a terminologia das ciências sociais estão presentes em qua se tudo que lemos hoje O jornalismo moderno por exemplo não se limita a reportar fatos exceto nas notícias do tipo quem o que por que quando onde que encontramos na primeira página de um jornal É muito mais comum os jornalistas combinarem os fatos à interpretação ao comentário à análise das notícias Essas interpretações e comentários baseiamse nos conceitos e na terminologia das ciências sociais Esses conceitos e essa terminologia também se refletem no vasto número de livros e artigos atuais que podem ser classificados como crítica social De paramos com um fluxo ininterrupto de livros sobre assuntos como problemas raciais crime policiamento pobreza bemestar social guerra e paz boa e má administração pública Boa parte dessa literatura toma emprestados sua ideolo gia e seu linguajar das ciências sociais Os livros de ciências sociais não se limitam à não ficção Há uma importan te e vasta categoria de textos contemporâneos que pode ser chamada de ficção científica social Nela o objetivo é criar modelos artificiais de sociedades que nos permitam por exemplo explorar as consequências sociais da inovação tec nológica A organização do poder social as espécies de propriedade e de posse e a distribuição de riqueza são descritas condenadas ou elogiadas de várias maneiras em romances peças contos filmes e séries de televisão Na medida em que fazem isso podese dizer que têm importância social ou que contêm mensagens relevantes Ao mesmo tempo tais obras usam e disseminam ele mentos das ciências sociais Além disso praticamente não há problema social econômico ou políti co que não tenha sido abordado por especialistas nessas áreas seja por conta própria seja por causa de um convite de autoridades que estejam trabalhando com esses problemas Os especialistas em ciências sociais ajudam a formular os problemas e ajudam a lidar com eles Um dos fatores não menos importantes para a crescente difusão das ciên cias sociais é sua introdução no currículo escolar e nos cursos técnicos de nível superior Na realidade as inscrições nos cursos de ciências sociais são muito mais numerosas que as inscrições nos cursos tradicionais de língua e literatura E são também muito mais numerosas que nos cursos de ciência pura O QUE SÃO AS CIÊNCIAS SOCIAIS Falamos de ciências sociais como se fossem uma entidade unitária o que realmente não é adequado Quais de fato são as ciências sociais Uma maneira de responder à ques tão é examinar os departamentos e as disciplinas que as universidades agrupam sob esse nome As divisões nas ciências sociais costumam incluir departamentos de antropologia economia política e sociologia Por que não costumam incluir também os departamentos de direito educação administração serviço social e administração pública se todos esses para desenvolveremse baseiamse em conceitos e métodos das ciências sociais A razão que se costuma dar para a separação entre esses departamentos e os das ciências sociais é que o principal propósito de tais departamentos é oferecer treinamento para o trabalho profis sional fora da universidade ao passo que aqueles mencionados antes são mais exclusivamente dedicados à busca de conhecimento sistemático da sociedade humana atividade que normalmente se realiza dentro de uma universidade Há hoje nas universidades uma tendência ao estabelecimento de centros e institutos de estudos interdisciplinares Esses centros perpassam os depar tamentos comuns de ciências sociais e os departamentos profissionalizantes incluindo estudos de teorias e métodos de estatística de demografia de psefo logia a ciência das eleições e das pesquisas de opinião de tomada de decisões e de elaboração de políticas públicas de recrutamento e tratamento de pessoal 302 Como Ler Livros de administração pública de ecologia humana e muitos outros Tais centros produzem estudos e relatórios que incluem as descobertas de uma dúzia dessas especialidades ou mais É necessária uma considerável sofisticação até mesmo para discernir as diversas ramificações desses esforços isso para não falar no julgamento da validade de suas descobertas e conclusões E a psicologia Os cientistas sociais que fazem uma interpretação estrita de sua área tendem a excluir a psicologia argumentando que ela se volta para carac terísticas individuais e pessoais ao passo que as ciências sociais propriamente ditas estudam fatores culturais institucionais e ambientais Os menos estritos embora admitam que a psicologia fisiológica deve permanecer sob a classifica ção das ciências biológicas creem que a psicologia em ambas as modalidades que estudam o comportamento normal e o anormal deva ser considerada uma ciência social porque o indivíduo seria inseparável de seu ambiente social A psicologia aliás é um ótimo exemplo de área da ciência social que atu almente goza de grande popularidade entre os universitários É possível que as matrículas em psicologia nos Estados Unidos sejam mais numerosas do que em qualquer outra área E a bibliografia do assunto em todos os níveis do mais leigo ao mais técnico é imensa E as ciências comportamentais Qual o lugar delas no quadro das ciências sociais Originalmente o termo incluía sociologia antropologia e os aspectos comportamentais de biologia da economia da geografia do direito da psico logia da psiquiatria e da ciência política A ênfase comportamental servia para enfatizar comportamentos observáveis e mensuráveis que poderiam ser inves tigados sistematicamente e oferecer resultados verificáveis Recentemente o termo ciências comportamentais veio a ser utilizado quase como sinônimo de ciências sociais mas muitos puristas contestam esse uso Por fim e a história Admitese que as ciências sociais tiram da história os dados e os exemplos de suas generalizações Porém ainda que a história tomada como relatos e descrições de eventos e pessoas individuais possa ser científica no sentido básico de constituir um conhecimento sistemático não é uma ciência no sentido de que ela própria gera conhecimento sistemático de padrões ou leis do comportamento e do desenvolvimento 19 Como ler livros de ciências sociais 303 Será possível assim definir o que se quer dizer por ciência social Pensa mos que sim ao menos para os propósitos deste capítulo Campos como a antro pologia a economia a política e a sociologia constituem uma espécie de núcleo central da ciência social que quase todos os cientistas incluiriam em qualquer definição Além disso julgamos que a maioria dos cientistas sociais concordaria em que boa parte da literatura mas não toda de áreas como o direito a educa ção e a administração pública e parte da literatura de áreas como administração e serviço social mais uma parte considerável da literatura sobre psicologia pode ser incluída sob uma definição razoável Presumiremos que essa definição ainda que obviamente imprecisa esteja clara para você naquilo que se segue A APARENTE FACILIDADE DE LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Boa parte dos textos de ciências sociais parece a coisa mais fácil de ler que existe Os dados muitas vezes são extraídos de experiências que o leitor conhece nesse sentido as ciências sociais são como a poesia ou a filosofia e o estilo expositivo costuma ser narrativo que o leitor já conhece de sua leitura de ficção e de textos de história Além disso já nos familiarizamos com o jargão das ciências sociais e o usa mos bastante Termos como cultura intercultural contracultura subcultura tribo alienação status inputoutput infraestrutura étnico comportamental con senso e muitos outros tendem a aparecer em quase todas as nossas conversas e em quase tudo que lemos Considere a própria palavra sociedade Veja que palavra camaleônica quantos adjetivos podem lhe ser associados sem que ela deixe de transmitir a ideia de pessoas vivendo em conjunto e não isoladas Ouvimos falar da socie dade aberrante da sociedade abortiva da sociedade consumista da sociedade obediente da sociedade próspera e poderíamos passar por todo o alfabeto até chegar à sociedade zimótica a sociedade em perpétuo estado de fermentação bem parecida com a nossa 304 Como Ler Livros Social como adjetivo é também uma palavra de significados diversos e conhecidos Há o poder social a pressão social e a promessa social e é claro há os onipresentes problemas sociais Esta última expressão aliás é um belo exemplo da enganosa facilidade com que se leem e escrevem textos de ciências sociais Poderíamos apostar que nos últimos meses se não nas últimas semanas você leu e provavelmente escreveu problemas políticos econômicos e sociais Quando leu ou escreveu isso provavelmente sabia o que significa vam problemas políticos e econômicos Mas o que você ou o autor referiu por problemas sociais O jargão e as metáforas de boa parte dos textos de ciências sociais além dos profundos sentimentos que frequentemente os imbuem criam uma leitura enganosamente fácil As referências falam de questões imediatamente familiares ao leitori de fato ele lê ou ouve falar delas quase diariamente Além disso suas atitudes e seus sentimentos em relação a elas já estão quase sempre fortemente desenvolvidos A filosofia também trata do mundo de nossa experiência co mum mas não é comum estarmos comprometidos com questões filosóficas Já em assuntos tratados pelas ciências sociais é grande a probabilidade de ter mos opiniões fortes DIFICULDADES DA LEITURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Paradoxalmente os mesmos fatores aqui discutidos os fatores que fazem as ciências sociais parecerem fáceis de ler também as tornam difíceis de ler Considere o último fator mencionado por exemplo o comprometimento que você leitor provavelmente tem com alguma perspectiva do assunto discutido por um autor Muitos leitores temem que seja uma deslealdade para com seu comprometimento ficar de fora e questionar impessoalmente aquilo que estão lendo Ainda assim é necessário fazer isso sempre que se lê analiticamente As regras da leitura obrigam a essa atitude ao menos as regras do delineamento e da interpretação estruturais Se você vai responder às duas primeiras perguntas que deveriam ser feitas sobre qualquer coisa que se leia é preciso de certo i9 Como ler livros de ciências sociais 305 modo deixar as opiniões na sala de espera Não é possível entender um livro quando há uma recusa em ouvir aquilo que ele diz A familiaridade dos termos e das proposições presentes nas ciências sociais também é um obstáculo ao entendimento Muitos cientistas sociais admitem isso Eles recusam fortemente o uso de termos e conceitos mais ou menos téc nicos no jornalismo popular e em outros textos Um exemplo desse conceito é o de Produto Nacional Bruto PNB Nos textos econômicos sérios esse conceito é usado em sentido relativamente limitado Mas segundo alguns cien tistas sociais muitos repórteres e articulistas usam o conceito em sentido amplo demais sem realmente entenderem seu significado Obviamente se o autor de algum texto está confuso a respeito do uso de um termochave você leitor também há de ficar inseguro Tentemos deixar isso mais claro fazendo uma distinção entre as ciências sociais de um lado e as chamadas ciências exatas física química etc de ou tro Observamos que o autor de um livro científico tomando científico neste último sentido explícita aquilo que pressupõe e aquilo que deseja provar e também garante que seja fácil encontrar seus termos e proposições Mas chegar a um acordo e encontrar as proposições é uma das partes principais na leitura de uma obra expositiva e isso significa que no caso desses livros boa parte do trabalho já está feita Você pode ter dificuldades com a forma matemática da enunciação e se não tiver um conhecimento firme dos argumentos e da base experimental ou observacional das conclusões terá dificuldades em criticar o livro isto é em responder a questões como É verdade e E daí Mesmo assim num sentido importante esses livros científicos são mais fáceis de ler do que quase todas as outras obras expositivas Outra maneira de explicar o que é que o cientista exato faz é dizer que ele estipula seu uso isto é informa ao leitor quais são os termos essenciais para seu raciocínio e como pretende usálos Essas estipulações normalmente acontecem no início do livro na forma de definições postulados axiomas etc Como a estipulação do uso é característica dessas áreas já se disse que elas são como jogos ou que têm a estrutura de um jogo A estipulação do uso é como o estabelecimento das regras de um jogo Se você quer jogar pôquer não vai 306 Como Ler Livros discutir a regra segundo a qual ter na mão três cartas iguais é melhor que ter dois pares i se quer jogar bridge não vai discutir a convenção de que uma rainha vale mais que um valete no mesmo naipe ou que o maior trunfo vale mais que qualquer outra carta no contrato Da mesma maneira ao ler o livro de um cientista exato você não vai discutir o que ele estipulou Até muito recentemente a estipulação do uso não era tão comum nas ciências sociais quanto nas exatas Uma razão disso é que as ciências sociais não costumavam ser matematizadas Outra razão é que é mais difícil estipular usos nas ciências sociais ou comportamentais Uma coisa é definir um círculo ou um triângulo isóscelesi outra coisa é definir uma depressão econômica ou a saúde mental Mesmo que um cientista social procure definir esses termos os leitores estarão dispostos a questionar seu uso O resultado é que o cientista social terá de continuar lutando com seus próprios termos ao longo de sua obra e essa luta cria problemas para o leitor A fonte mais importante de dificuldades para a leitura de ciências sociais vem do fato de que essa área literária é composta de textos não puramente expositivos mas mistos Já vimos como a história é uma mistura de ficção e ciência e como é preciso ler livros de história tendo isso em mente Conhece mos esse tipo de misturai já tivemos muitas experiências com ele A situação nas ciências sociais é bem diferente Boa parte das ciências sociais é uma mis tura de ciências filosofia e história e sempre se adiciona um pouco de ficção como tempero Se as ciências sociais fossem sempre o mesmo tipo de mistura poderíamos ficar tão familiarizados com ela quanto com a história Mas estamos longe disso A própria mistura muda de livro para livro e o leitor depara com a tarefa de identificar a composição relativa dos itens que formam aquilo que ele está len do Essa composição pode mudar ao longo de um livro e de um livro para outro Não é fácil distinguila Você deve se lembrar que o primeiro passo que o leitor analítico tem de dar é responder à pergunta Que tipo de livro é esse No caso da ficção a questão é relativamente fácil de responder No caso das ciências e da filosofia tambémi e ainda que a história seja uma forma mista ao menos o leitor leigo sabe que 19 Como ler livros de ciências sociais 307 está lendo um texto sobre história Mas os vários itens que compõem as ciências sociais às vezes costurados segundo um padrão às vezes segundo outro às ve zes segundo outro ainda tornam muito difícil a resposta a essa questão quando estamos lendo uma obra em qualquer das áreas relacionadas O problema na realidade é difícil na exata medida em que definir as ciências sociais também é difícil Ainda assim o leitor analítico tem de responder de algum modo à per gunta Essa não é apenas sua primeira tarefa mas também a mais importante Se ele for capaz de apontar os itens que compõem o livro que está lendo terá caminhado muito no sentido de entendêlo Delinear uma obra de ciências sociais não apresenta problemas particu lares mas chegar a um acordo com o autor como já sugerimos pode ser ex tremamente difícil por causa da relativa impossibilidade de o autor estipular seus termos Mesmo assim costuma ser possível chegar a um entendimento comum dos termoschave Dos termos passamos às proposições e aos argumen tos e aqui também não surge problema algum se o livro for bom Mas a última questão E daí exige muito comedimento por parte do leitor É aqui que a situação que descrevemos antes pode ocorrer a saber a situação em que o leitor diz Não consigo ver o erro nas conclusões do autor mas discordo delas mesmo assim Isso acontece claro por causa dos prejulgamentos que o leitor provavelmente guarda em relação à abordagem e às conclusões do autor A LEITURA DE LITERATURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Usamos mais de uma vez neste capítulo a expressão literatura de ciências sociais em vez de livro de ciências sociais A razão é que é costumeiro nessa área ler diversos livros sobre um assunto em vez de apenas um Isso ocorre não apenas porque as ciências sociais são uma área relativamente nova que ainda não dispõe de muitos textos clássicos mas também porque ao ler ciências sociais frequentemente estamos interessados em um assunto ou problema específico e não em um autor ou livro específico Por exemplo ficamos interessados na verificação da obe diência às leis e lemos meia dúzia de obras sobre o assunto Ou talvez estejamos 308 Como Ler Livros interessados em relações raciais ou em educação ou em tributos ou nos proble mas das prefeituras O mais comum é não haver uma única obra de autoridade inconteste sobre nenhum desses assuntos e por isso temos de ler diversos livros Um sinal disso é que os próprios autores de ciências sociais buscando mostrarse atualizados sempre têm de produzir edições novas e revisadas de suas obrasi e as novas obras superam as mais antigas e logo as tornam obsoletas Em certa medida uma situação similar existe na filosofia como já obser vamos Para compreender integralmente um filósofo é preciso tentar de algum modo ler os filósofos que aquele autor leu os filósofos que o influenciaram Em certo sentido isso também se aplica à história para descobrir a verdade sobre o passado já sugerimos a leitura de diversos textos a seu respeito e não um só Mas naqueles casos a chance de você encontrar uma obra importante de autoridade era muito maior Nas ciências sociais isso não é muito comum por isso a necessidade de ler diversas obras e não apenas uma é muito mais urgente As regras da leitura analítica não são aplicáveis em si mesmas à leitura de diversas obras sobre o mesmo assunto Elas valem para cada uma das obras lidas claro e se você quiser ler bem qualquer uma delas terá de observálas Mas é preciso observar novas regras de leitura ao passar do terceiro nível de leitura a leitura analítica para o quarto a leitura sintópica Agora estamos prontos para tratar desse quarto nível tendo sentido necessidade por causa dessa caracterís tica das ciências sociais Ao observar isso fica claro por que deixamos a discussão das ciências sociais para o último capítulo da Parte 3 Agora deve estar claro por que or ganizamos a discussão do modo como fizemos Começamos com a leitura de livros práticos que são diferentes de todos os outros em virtude da obrigação particular de agir que o leitor assume uma vez que concorde com o que lê e o aceite Depois falamos da ficção e da poesia que apresentam problemas especí ficos distintos daqueles dos livros expositivos Por fim tratamos dos três tipos de leitura teórica e expositiva as ciências e a matemática a filosofia e agora as ciências sociais Estas vieram por último por causa da necessidade de lêlas sintopicamente Assim este capítulo serve não apenas como fim da Parte 3 mas também como introdução à Parte 4 19 Como ler livros de ciências sociais 309 COMO LER LIVROS Uma negociação bemsucedida requer muito mais que honestidade A proposta tem de ser clara e obviamente tem de ser atraente Assim as partes podem chegar a um acordoA proposta de um livro também é uma declaração ou seja é uma expressão do julgamento do autor sobre alguma coisa Ele afirma algo que julga ser verdade ou nega algo que julga ser falso Ele confirma este ou aquele fato Uma proposta desse tipo é como uma declaração mas de conhecimentos e não de intenções O autor talvez nos informe suas intenções no começo do prefácio por exemplo Mas para descobrirmos se ele manteve sua promessa temos de procurar suas propostas Em geral a ordem de leitura é inversa em relação à ordem de negociação Os executivos normalmente chegam a um acordo depois de entrarem em contato com a proposta mas o leitor tem de chegar a um acordo com o autor antes de descobrir o que este está propondo qual julgamento está declarando As propostas de um autor não passam de sua opinião a não ser que sejam fundamentadas por boas razões Se estamos interessados no livro e no assunto do livro e não apenas no autor então vamos querer conhecer não apenas suas propostas mas por que ele acha que devemos nos deixar persuadir e aceitálas A sétima regra versa portanto sobre os argumentos e seus tipos Existe uma grande quantidade de raciocínios ou seja uma grande quantidade de maneiras de se fundamentar o que se diz Às vezes é possível argumentar que algo é verdadeiro às vezes só é possível defender uma probabilidade Mas todo tipo de argumento consiste em declarações que se relacionam de determinada maneira Progredimos de termos para propostas e destas para argumentos progredindo de palavras e expressões para frases e destas para uma série de frases ou parágrafos Em suma estamos progredindo de unidades mais simples para unidades mais complexas O elemento menos significativo de um livro é obviamente a palavra Seria verdadeiro embora não adequado dizer que um livro consiste em palavras Ele também consiste em um grupo de palavras que são em si unidades e consiste em um grupo de frases que também são em si uma unidade O leitor ativo está atento não apenas às palavras mas às frases e aos parágrafos Não há outra maneira de descobrir os termos as propostas e os argumentos de um autor A esta altura da leitura analítica em que a interpretação é nosso objetivo você deve ter percebido que a direção que estamos tomando é contrária à direção do primeiro estágio quando o objetivo era esboçar uma estruturaAs partes principais de um livro e as divisões dessas partes contêm muitas propostas e normalmente vários argumentos Vo cê chega às propostas e aos argumentos dividindo o livro em suas partes Va i aos argumentos observando sua composição em propostas e em última instância em termos FRASES VERSUS PROPOSTAS Frases e parágrafos são unidades gramaticais São unidades de linguagem Proposições e argumentos são unidades lógicas ou unidades de pensamento e conhecimentolinguagem não é um meio perfeito de expressão do pensamento pois uma palavra pode ter vários significados e duas ou mais palavras podem ter o mesmo significado vimos como era complexa a relação entre o vocabulário do autor e sua terminologia Nem toda frase de um livro expressa uma proposição Primeiro algumas frases expressam perguntas ou seja elas expõem problemas em vez de respostas Proposições são as respostas às perguntas Elas são declarações de conhecimento ou opinião É por isso que algumas frases são chamadas de declarativas enquanto outras são chamadas de interrogativas Há ainda frases que expressam desejos ou intenções Elas podem nos informar sobre o propósito do autor mas não transmitem o conhecimento que ele está tentando exporAlém do mais nem toda frase declarativa pode ser lida como se expressasse uma proposição Há pelo menos duas razões para isso A primeira é o fato de que palavras são ambíguas e podem ser usadas em várias frases Assim é possível que a mesma frase expresse diferentes proposições se houver uma mudança nos termos que as palavras expressam Ler é aprender é uma frase simples mas se em determinado ponto quisermos dizer que aprender é adquirir informação e em outro ponto quisermos dizer que é desenvolver o entendimento a proposição não será a mesma pois os termos são diferentes Quando suas palavras são usadas sem ambiguidade uma frase simples normalmente expressa uma proposição simples No entanto mesmo quando suas palavras são usadas assim sem ambiguidade uma frase complexa expressa duas ou mais proposições Uma frase complexa é na realidade uma coleção de frases conectadas por palavras como e ou se então ou não apenas mas também Uma frase simples pode expressar diversas proposições seja por ambiguidade seja por complexidade mas uma proposição também pode ser expressa por duas ou mais frases diferentes Se você captar nossos termos por meio das palavras e expressões que usamos como sinônimos você saberá que estamos dizendo a mesma coisa nas frases Ensinar e ser ensinado são funções correlatas e Transmitir e receber comunicação são processos correlatos Eis as regras 5 ENCONTRE AS PALAVRAS IMPORTANTES E POR MEIO DELAS ENTRE EM ACORDO COM O AUTOR 6 MARQUE AS FRASES MAIS IMPORTANTES DO LIVRO E DESCUBRA AS PROPOSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM 7LOCALIZE OU FORMULE OS ARGUMENTOS BÁSICOS DO LIVRO COM BASE NAS CONEXÕES ENTRE FRASES COMO ENCONTRARAS FRASESCHAVE Dizer que há relativamente poucas frases importantes em um livro não quer dizer que você não precise prestar atenção ao resto Obviamente você tem de entender todas as frases Mas a maioria das frases assim como a maioria das palavras não lhe trará dificuldades As frases mais importantes para você são aquelas que exigem esforço interpretativo porque à primeira vista não são perfeitamente inteligíveis Você as entende mas sabe que há mais para ser entendido São frases que você lê muito mais devagar e cuidadosamente do que as demais Ta lvez elas não sejam as frases mais importantes para o autor mas provavelmente são pois é possível que você tenha mais dificuldades justamente nas coisas mais importantes que o autor tenha a dizer As frases mais importantes são aquelas que expressam os julgamentos sobre os quais o livro se baseia Normalmente um livro contém muito mais do que as frases cruas de um argumento ou um mero conjunto de argumentos O coração da comunicação reside nas principais afirmações e negações e nas razões que fornece para sustentálas Portanto para ser bemsucedido você precisa enxergar as frases principais como se elas saltassem da página em altorelevo Alguns autores grifam para você as frases mais importantes Ou dizem explicitamente que o ponto em questão é importante ou usam outros dispositivos tipográficos para destacar as frases centrais À parte os livros cujos estilos chamam a atenção para os trechos que mais precisam de interpretação por parte do leitor a localização das frases importantes é sua tarefa exclusiva Se você nunca se questionar sobre o sentido de determinado trecho então nunca poderá esperar que o livro lhe forneça qualquer insight que ainda não possua COMO ENCONTRAR AS PROPOSIÇÕES Você descobre termos descobrindo o sentido de determinada palavra naquele contexto Similarmente você descobre proposições interpretando todas as palavras que compõem a frase sobretudo as palavras principaisÉ preciso saber o papel desempenhado por adjetivos e advérbios nas frases saber como os verbos funcionam em relação aos substantivos como as locuções restringem ou amplificam o sentido das palavras e assim por diante Idealmente você tem de ser capaz de dissecar uma frase por meio da análise sintática embora não necessariamente de maneira formal Há somente duas diferenças entre encontrar os termos que as palavras expressam e identificar as proposições que as frases expressam Uma é que o contexto no caso das proposições é mais amplo To das as frases vizinhas são levadas em conta para a interpretação da frase em questão assim como as palavras vizinhas são levadas em conta para a interpretação de determinada palavra O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua língua é relevante para o teste aqui proposto Se você não consegue expressar em uma frase em português o que diz uma frase em francês então sabe que não entende o significado da frase em francês No entanto mesmo que consiga sua tradução poderá permanecer no nível meramente verbal pois mesmo que tenha conseguido formar uma réplica fi el em português talvez você não entenda o que o autor quis dizer em francês O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua língua é relevante para o teste aqui propostoA tradução de uma frase em português para outra língua porém não é meramente verbalSe disser que sabe o que o autor quer dizer mas tudo o que consegue fazer é repetir a frase do autor para mostrar que sabe então não seria capaz de reconhecer a proposição do autor caso tivesse sido apresentada com outras palavras Há ainda outro teste para avaliar se você compreende a proposição de determinada frase Se você simplesmente não conseguir exemplificar ou ilustrar determinada proposição seja imaginativamente seja apontando uma experiência real talvez esteja na hora de começar a suspeitar de que não entendeu o que está sendo dito Nem todas as proposições são igualmente suscetíveis a esse teste Talvez seja necessário adquirir a experiência específica que somente um laboratório poderia fornecer Proposições não existem no vácuo Elas se referem ao mundo em que vivem A não ser que consiga demonstrar certo traquejo com os fatos reais ou possíveis aos quais a pro posição se refira ou para os quais seja relevante você estará brincando com palavras e não lidando com pensamento e conhecimentoO vício do verbalismo pode ser definido como o mau hábito de usar palavras desprezando o pensamento que deveriam transmitir e sem consciência das experiências às quais deveriam se referir É brincar com palavras Como os dois testes indicam o verbalismo é o pecado capital da leitura analítica Esse tipo de leitor nunca vai além das palavras O máximo que possui é uma memória verbal que lhe permite recitar palavras de forma vazia Uma das acusações feitas pelos educadores modernos contra as artes liberais é que elas tendem ao verbalismo mas ocorre justamente o contrário O fracasso da leitura o verbalismo onipresente por parte daqueles que nunca foram treinados nas artes da gramática e da lógica mostra como o deficit nessas disciplinas resulta em escravidão às palavras e não em domínio sobre elas COMO ENCONTRAR OS ARGUMENTOS Não há consenso entre os escritores sobre como os parágrafos devem ser compostos Grandes escritores como Montaigne Locke ou Proust compuseram parágrafos extremamente longos outros como Maquiavel Hobbes ou To lstói escreveram parágrafos relativamente curtos A unidade lógica para a qual a sétima regra aponta é o argumento a sequência de proposições algumas das quais podem levar a outras Essa unidade lógica não guarda relação exclusiva com nenhuma unidade reconhecível no texto da maneira como por exemplo os termos estão relacionados às palavras e expressões e as proposições estão relacionadas às frasesUm argumento pode ser expresso em uma frase única e complicada por exemplo ou em várias frases que formam apenas uma pequena parte de um parágrafo Às vezes pode acontecer de um argumento coincidir exatamente com um parágrafo mas também pode acontecer de o argumento exigir diversos parágrafos para ser devidamente exposto Há inúmeros parágrafos em um livro que não expressam absolutamente nenhum argumento nem mesmo a pequena parte de um argumento Eles podem detalhar alguma evidência ou relatar como a evidência foi coletada mas não são um argumento em si Assim como há frases cuja importância é secundária pois são meras digressões ou notas paralelas assim também há parágrafos desse tipo Encontre se puder os paragrafos que expressam os argumentos importantes do livro Mas se os argumentos não puderem ser encontradoos dessa maneira você terá se construí los juntando frases de diversos parágrafos até que consiga compor uma sequencia de frases que enunciem as proposições que compõem o argumento COMO ENCONTRAR AS SOLUÇÕES As regras sobre termos proposições e argumentos podem ser encabeçadas por uma oitava regra a qual abrange o último degrau na interpretação do conteúdo de um livro Mais do que isso essa oitava regra relaciona o primeiro estágio da leitura analítica delineamento da estrutura com o segundo estágio interpretação do conteúdoO último passo na tentativa de descobrir a essência do livro é descobrir os principais problemas que o autor tenta resolver O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Quando tiver chegado a um acordo com o autor isto é quando tiver encontrado seus termos detectado suas proposições e argumentos centrais e identificado as soluções que ele dá aos problemas que se propôs você saberá o que ele disse no livro e assim estará preparado para responder às duas perguntas básicas finais O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA OU REGRAS PARA DESCOBRIR O QUE DIZ O LIVRO INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO 1 Chegue a um acordo com o autor interpretando suas palavraschave 2 Capte as proposições principais encontrando as frases mais importantes 3 Entenda os argumentos do autor encontrandoos ou compondoos com base em conjuntos de frases 4 Determine quais problemas o autor conseguiu resolver e quais ele não conseguiu resolver neste caso decida se o autor sabe que fracassou ao não resolvêlos COMO CRITICAR UM LIVRO O leitor é aquele que dá a palavra final O autor teve a oportunidade de falar o tempo todo e agora é a sua vez A conversa entre um livro e seu leitor se parece mais ou menos com aqueles debates em que cada um ouve a fala do outro sem interrompêlo esperando sua vez de falar O que vale para uma conversa comum vale ainda mais para a situação especial na qual o livro falou e agora o leitor tem de responder Que o autor se portou adequadamente é algo que teremos de supor ao menos de início O leitor tem a obrigação e a oportunidade de responder ao autor A oportunidade é evidente Nada pode impedir que o leitor pronuncie seu julgamento a respeito do livro As raízes da obrigação no entanto situamse nas profundezas da natureza da relação entre livros e leitores O leitor lhe deve um julgamento justo Se não pode concordar com o autor ao menos deve ter bases claras para discordar ou se for o caso suspender o julgamento em questão A leitura não acaba no entendimento do livro Ela tem de ser coroada por uma crítica por um julgamento O leitor pouco exigente não cumpre essa tarefa e provavelmente também não cumpre a tarefa de análise e interpretação Esse tipo de leitor não se limita à preguiça ele despreza o livro colocandoo de lado e esquecendose dele O ENSINAMENTO É UMA VIRTUDE O leitor e o autor não são iguais O autor desse ponto de vista só deve se sujeitar ao julgamento de seus pares Lembrese da recomendação de Bacon a seus leitores Não leia para contradizer ou refutar nem para crer ou acreditar piamente nem para conversar ou debater mas para pesar e ponderar Sir Wa lter Scott lança críticas ainda mais ácidas contra aqueles que leem para duvidar ou leem para zombar É verdade que um livro que consegue transmitir conhecimento aos leitores é nesse sentido superior a eles e só deve ser criticado até que esses leitores o entendam Quando tiverem entendido eles terão aumentado seu nível de conhecimento até um nível igual ao do autor Nesse caso estarão aptos a exercitar seus direitos e privilégios Se não o fizerem estarão cometendo uma injustiça contra o autor Ele fez o que pôde para eleválos até seu nível Ele merece que aj am como seus pares que conversem com ele que respondam Ninguém é verdadeiramente capaz de aprender se não exercitar livremente seu poder de julgamento independenteO leitor tem de saber como julgar o livro assim comu tem de saber como entender o conteúdo do livro O PAPEL DA RETÓRICA A retórica possui evidentemente muitos usosa retórica está relacionada a todas as situações nas quais há comunicação entre seres humanos Se somos nós que falamos queremos não apenas que nos entendam mas que concordem conosco em certa medida Se quisermos realmente nos comunicar se quisermos ser entendidos desejaremos também convencer ou persuadir mais precisamente desejaremos convencer a re speito de questões teóricas e em última instância persuadir a respeito de questpes que afetam nossas ações e sentimentos A IMPORTÂNCIA DE SUSPENDER O JULGAMENTO Consideraremos que os princípios da retórica são uma espécie de código de etiqueta não apenas para ensinar boas maneiras mas para que se saiba responder com a devida eficácia VOCÊ TEM DE DIZER COM RAZOÁVEL GRAU DE CERTEZA EU ENTENDO ANTES QUE POSSA DIZER CONCORDO OU DISCORDO OU SUSPENDO O JULGAMENTO Essas três afirmações são exaustivas ou seja elas resumem todas as posturas que você pode adotar a respeito de um livro Esperamos que você não tenha imaginado que criticar significa discordar Tratase de um equívoco muito comum Concordar é um exercício de julgamento crítico assim como discordar Vo cê pode errar tanto ao concordar quanto ao discordar Discordar sem entender é imprudente POR QUE É IMPORTANTE EVITAR CONTROVÉRSIAS O segundo preceito da leitura crítica é tão óbvio quanto o primeiro mas mesmo assim precisa ser explicitado pelos mesmos motivos Não faz sentido vencer um debate se souber ou suspeitar que esteja erradoÉ fato que se o leitor detectar um argumento válido terá de admitilo Mas ele não deve se sentir compelido a concordar com o autor em vez de discordar COMO RESOLVER DISCÓRDIAS Enquanto o segundo preceito sugere que você não discorde insensatamente o terceiro alertao contra a di scórdia desesperançadaA desesperança surge da ideia de que pessoas racionais não possam entrar em acordoO que queremos dizer é que a discórdia não passa de mera perturbação fútil a não ser que as partes discordem na esperança mútua de que a questão possa ser devidamente resolvida O problema é que muitas pessoas não acham que a discórdia esteja ligada ao ensino ou à aprendizagem Elas acham que tudo é uma questão de opinião Eu tenho a minha e você tem a sua o direito de ter uma opinião é tão inviolável quanto o direito à propriedade privada Dessa perspectiva a comunicação jamais será proveitosa pois o proveito advém justamente do aumento de conhecimento A conversa não passaria de um jogo de pinguepongue de um jogo de opiniões opostas um jogo em que ninguém marca pontos ninguém vence e todos saem satisfeitos porque ninguém perdeu isto é todos saem com as mesmas opiniões com que entraramVa mos resumir os três preceitos abordados neste capítulo Os três formam em conjunto as condições necessárias para a leitura crítica e estabelecem as maneiras pelas quais o leitor pode responder ao autor O primeiro pede ao leitor que conclua a tarefa de entender antes de criticar O segundo o aconselha a não ser polêmico nem competitivo O terceiro aconselha a considerar remediáveis os desacordos sobre questões do conhecimento Essa regra vai além ela também exige que o leitor apresente justificativas para o seu desacordo de forma que as proposições não sejam apenas expostas mas também justificadas Reside aqui toda a esperança de uma solução CONCORDAR COM O AUTOR OU DISCORDAR A primeira coisa que o leitor tem de dizer é se entendeu ou não Na realidade ele precisa dizer que entendeu para que possa dizer algo mais Se não tiver entendido deve calar se e concentrarse no livro Deve ser capaz de mostrar que o livro tem uma estrutura mal ordenada que suas partes não se encaixam como deveriam que algumas delas carecem de importância ou que o autor está equivocado ao empregar certas palavras importantes o que pode dar margem a uma série de confusões Na medida em que o leitor consiga sustentar sua acusação de que o livro é ininteligível não lhe restará nenhuma obrigação em seu papel de crítico Na medida em que os autores argumentam com seus leitores e esperam que seus leitores contraargumentem o bom leitor deve estar familiarizado com os princípios da argumentaçãoO leitor pode chegar a concordar com o autor ou discordar dele de forma significativa não apenas entendendo os argumentos mas confrontandoos PRECONCEITO E JULGAMENTO Consideremos agora a situação em que você discorda do autor mesmo que tenha entendido tudo o que ele disse há três condições que devem ser satisfeitas para que a controvérsia seja conduzida a contento A primeira é exatamente esta como os seres humanos além de racionais são também animais é indispensável que as emoções que porventura despontem ao longo da discórdia sejam identificadas e reconhecidas como tal A segunda você precisa explicitar suas premissas e pressuposições Precisa estar ciente dos seus preconceitos isto é de seus prejulgamentos A terceira e última tentar ser imparcial é um bom antídoto para as cegueiras partidárias Essas três condições são idealmente as condições sine qua non da conversa inteligente e proveitosa Elas obviamente se aplicam também à leitura uma vez que a leitura também é um tipo de conversa Cada uma dessas condições contém conselhos úteis para os leitores que estejam realmente buscando respeitar o ponto de vista do oponente COMO JULGAR A SOLIDEZ DE UM AUTOR Dizer que o autor está desinformado é o mesmo que dizer que nele estão ausentes conhecimentos relevantes sobre o problema que tenta resolver Dizer que o autor está mal informado é o mesmo que dizer que ele afirma algo que não corresponde à realidadeDizer que o autor é ilógico é o mesmo que dizer que ele foi falacioso ao raciocinar COMO JULGAR O GRAU DE COMPLETUDE DE UM AUTOR As três observações críticas já consideradas lidam com a solidez das afirmações e dos raciocínios do autor As primeiras três observações têm a ver com os termos proposições e argumentos do autor Afinal esses são os elementos que ele utilizou para resolver os problemas que inspiraram seus esforços A quarta observação o livro está incompleto tem a ver com a estrutura do livro Dizer que a análise está incompleta é o mesmo que dizer que o autor não resolveu o problema que se propôs a resolver ou que não usou adequadamente o material de que dispunha que não observou todas as devidas implicações e H Concordar com o autor ou discordar das ramificações ou que falhou ao distinguir os aspectos relevantes de sua empreitada O passo final é justamente o ponto sobre o grau de completude do autor que se refere ao delineamento estrutural do livro pois considera se o autor foi bemsucedido ao declarar seus problemas Referese também à interpretação na medida em que avalia se o autor resolveu tais problemas a contento O TERCEIRO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA I Primeiro estágio da leitura analítica regras para descobrir o conteúdo 1 Classifique o livro de acordo com o tipo e o assunto 2 Diga sobre o que é o livro como um todo com a máxima brevidade possível 3 Enumere as partes principais em sua devida ordem e relação e delineie essas partes assim como delineou o todo 4 Defina o problema ou os problemas que o autor buscou solucionar II Segundo estágio da leitura analítica regras para interpretar o conteúdo 5 Entre em acordo com o autor interpretando as palavraschave do livro 6 Apreenda as proposições principais estudando as frases mais importantes 7 Identifique os argumentos encontrandoos ou construindoos com base em sequências de frases 8 Determine os problemas que foram resolvidos e os que não foram resol vidosi quanto a estes últimos verifique se o autor está ciente de que não conseguiu resolvêlos III Te rceiro estágio da leitura analítica regras para criticar o conteúdo A Preceitos da etiqueta intelectual 9 Não critique até que tenha completado o delineamento e a interpretação do livro Não diga que concorda discorda ou que suspende o julgamento até que tenha dito entendi 1 O Não discorde de maneira competitiva 11 Demonstre que reconhece a diferença entre conhecimento e opinião pessoal apresentando boas razões para qualquer julgamento crítico que venha a fazer B Critérios especiais para o exercício da crítica 12 Mostre onde o autor está desinformado 13 Mostre onde o autor está mal informado 14 Mostre onde o autor foi ilógico 15 Mostre onde a análise ou a explicação do autor está incompleta MATERIAIS DE APOIO Qualquer material de apoio que não faça parte do livro chamaremos de extrínseco Leitura intrínseca significa portanto o livro que estamos lendoi por consequência leitura extrínseca significa qualquer livro que seja lido com vistas a outro livroAs leituras extrínsecas de fato aj udam E às vezes elas são até mesmo indispensáveis para a compreensão perfeita e total de um livro Uma das razões para não termos abordado a leitura extrínseca até agora é que as leituras intrínseca e extrínseca tendem a se fundir durante os processos de entendimento e crítica Sua experiência anterior provavelmente não é suficiente para interpretar e criticar livros ou mesmo para delineálosUm dos preceitos básicos de leitura é que a ajuda externa deve ser buscada quando um livro permanecer ininteligível em todo ou em parte mesmo depois de você ter se esforçado ao máximo para lêlo de acordo com as regras da leitura intrínseca O PAPEL DA EXPERIÊNCIA RELEVANTE A experiência comum é mais relevante para os livros de ficção por um lado e para os livros de filosofia por outro Os julgamentos sobre a verossimilhança de um romance são quase totalmente baseados na experiência comum dizemos que o livro soa verdadeiro ou falso de acordo com nossa experiência de vida e das pessoas em geralA experiência especial é relevante sobretudo para os livros científicos A fim de entender e julgar os argumentos indutivos de um livro científico você tem de ser capaz de aceitar as evidências que o cientista ali relata OUTROS LIVROS COMO APOIOS EXTRÍNSECOS À LEITURA Ler livros relacionados fazendo as devidas relações entre eles numa ordem que deixe os posteriores mais inteligíveiseis um princípio básico de senso comum aplicado à leitura extrínsecaA utilidade desse tipo de leitura extrínseca é simplesmente uma extensão da importância do contexto para a leitura de um único livro Os grandes autores foram grandes leitores e um modo de compreendêlos é ler os livros que eles leram Como leitores mantiveram uma conversa com outros autores assim como cada um de nós mantém uma conversa com os livros que lê ainda que não escrevamos outros livros A necessidade de ler livros considerando sua relação mútua aplicase mais à história e à filosofia do que às ciências e à ficçao COMO USAR COMENTÁRIOS E RESUMOS Primeiro podem ajudar a reavivar a memória a respeito do conteúdo de um livro caso você já o tenha lido Idealmente você mesmo terá feito esse resumo ao ler o livro anali ticamente mas se não o tiver feito um resumo ou uma sinopse podem ser um auxílio importante Segundo os resumos são úteis quando você está fazendo uma leitura sintópica e deseja saber se certa obra tem chances de ser relevante para seu projeto Um resumo nunca pode substituir a leitura de um livro mas às vezes pode aj událo a decidir se quer ler o livro ou mesmo se isso é necessário COMO USAR OBRAS DE REFERÊNCIA Para poder usar bem uma obra de referência é preciso que você primeiro tenha alguma ideia vaga que seja daquilo que quer saberSegundo você tem de saber onde encontrar aquilo que quer saber Na prática isso se resume ao fato de que você precisa ter um conhecimento geral razoável de todos os tipos principais de obras de referência antes de poder usar qualquer tipo com proveito Há um terceiro tipo de conhecimento correlato aos anteriores que é necessário para que uma obra de referência lhe possa ser útilAssim há uma arte de ler obras de referência assim como há uma arte de ler tudo o maisComo se vê acabamos de sugerir que há uma quarta exigência para o uso inteligente de obras de referência Vo cê tem de saber o que quer saberi tem de saber em qual obra de referência vai procurari tem de saber como encontrar essa informação na obra de referência e tem de saber que os autores ou compiladores da obra consideram que tal informação pode ser conhecida COMO USAR O DICIONÁRIO Os dicionários estão repletos de conhecimentos obscuros e passagens espirituosas Além disso é claro têm usos mais austeros Para aproveitálos ao máximo é preciso saber como ler esse tipo particular de obraÉ claro que as massas não estudavam mas nem mesmo os poucos eruditos a classe ociosa estudou no sentido de terse colocado aos pés de mestres estrangeiros O estudo nesse aspecto começa com os romanos que foram à escola dos pedagogos gregos e foram educados pelo contato com a cultura grega que tinham conquistado Não surpreende portanto que os primeiros dicionários fossem glossários de palavras homéricas cujo objetivo era aj udar os romanos a ler a Ilíada a Odisseia e outras obras gregas que usavam o vocabulário homérico arcaico Se você consultar um dicionário apenas como guia de ortografia ou de pronúncia é assim que vai usálo isto é não vai usálo bem Se perceber que ele contém muitas informações históricas cristalizadas no crescimento e no desenvolvimento do idioma você prestará atenção não apenas à variedade de sentidos listados para cada palavra mas também à sua ordem e relação mútua A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer Podemos encarar as palavras de quatro maneiras 1 PALAVRAS SÃO COISAS FÍSICAS palavras que podemos escrever sons que podemos emitir Deve haver portanto maneiras uniformes de escrevêlas e pronunciálas mesmo que a uniformidade seja frequentemente questionada pelas variantes De todo modo essa uniformidade não é tão fantasticamente importante como alguns professores pareceram sugerir 2 PALAVRAS SÃO PARTES DO DISCURSO Cada palavra desempenha um papel gramatical na estrutura mais complexa de uma expressão ou de uma frase A mesma palavra pode ter usos distintos ao passar de uma parte do discurso a outra 3 PALAVRAS SÃO SIGNOS Elas têm significados não um mas muitos Esses significados se relacionam entre si de diversas maneiras Às vezes são nuanças uns dos outros outras vezes uma palavra pode ter dois ou mais grupos de significados sem nenhuma relação entre si Por meio de seus significados palavras diferentes relacionamse umas com as outrascomo sinônimos que compartilham o mesmo significado ainda que tenham diferenças de nuanças ou como antônimos por meio da oposição e do contraste de significados Além disso é na qualidade de signo que distinguimos as palavras entre nomes próprios e comuns por nomearem apenas uma coisa ou muitas que sejam semelhantes sob algum aspecto entre substantivos concretos e abstratos por referirem algo que percebemos por meio dos sentidos ou por referirem algo que apreendemos intelectualmente mas não observamos por meio dos sentidos 4 Por fim PALAVRAS SÃO CONVENÇÕES São signos criados pelo homem É por isso que toda palavra tem uma história uma carreira cultural ao longo da qual passa por certas transformações A história das palavras é dada por sua derivação etimológica a partir de raízes prefixos e sufixos ela inclui o relato de suas mudanças físicas tanto de ortografia quanto de pronúncia ela fala de significados que mudam e quais deles são arcaicos e obsoletos quais são atuais e regulares quais são expressões idiomáticas coloquialismos ou gírias COMO USAR UMA ENCICLOPÉDIA O uso análogo da enciclopédia é buscála apenas para saber datas lugares e outros fatos simples Mas isso equivale a subutilizála ou utilizála mal Assim como os dicionários essas obras são instrumentos de informação e de educação Um olhar sobre a sua história confirma isso No caso das enciclopédias há regras análogas sobre fatos já que assim como as palavras são o objeto do dicionário os fatos são o objeto da enciclopédia 1 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES Afirmações factuais combinam palavras como Abraham Lincoln nasceu em 12 de fevereiro de 1809 ou o número atômico do ouro é 79 Fatos não são coisas físicas assim como as palavras mas exigem explicações Para o conhecimento extensivo para o entendimento é preciso que você saiba também qual a importância de um fato como ele afeta a verdade que busca Vo cê não sabe muito se tudo o que sabe é em que consiste o fato 2 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES VERDADEIRAS Fatos não são opiniões Quando alguém diz que tal coisa é um fato o que quer dizer é que geralmente se concorda em que aquela coisa seja assim Essa pessoa nunca quer dizer ou nunca deveria querer dizer que ela e mais uma minoria de observadores acreditam que isso e aquilo sejam fatos É essa característica dos fatos que confere à enciclopédia seu tom e estilo Uma enciclopédia que contenha opiniões sem fundamentos de seus editores é desonesta e ainda que uma enciclopédia possa conter opiniões por exemplo alguns creem que seja assim outros creem que seja assado é preciso que ela deixe bem claro que são apenas opiniões A exigência de que uma enciclopédia relate os fatos em questão e não as opiniões a seu respeito excetuando o caso já apresentado também limita a cobertura da obra Ela não pode tratar de assuntos a respeito dos quais não há consenso questões morais por exemplo Se ela tratar desses assuntos a única coisa que lhe cabe fazer é informar as discórdias relacionadas a eles 3 FATOS SÃO REFLEXOS DA REALIDADE Fatos podem ser a informações singulares ou b generalizações relativamente não questionadas mas em ambos os casos crêse que representem as coisas tais como efetivamente são A data de nascimento de Lincoln é uma informação singular o número atômico do ouro supõe uma generalização relativamente não questionada sobre o assunto Assim fatos não são ideias ou conceitos nem são teorias no sentido de meras especulações sobre a realidade De modo análogo uma explicação da realidade ou de parte dela não é um fato a menos que haja um consenso geral de que ela está correta e não antes do surgimento desse consenso 4 Por fim FATOS SÃO ATÉ CERTO PONTO CONVENÇÕES Üs fatos mudam como dizemos Queremos dizer que algumas proposições que são consideradas fatos em uma época deixam de ser consideradas fatos em outra Na medida em que os fatos são verdadeiros e representam a realidade eles não podem mudar claro porque a verdade estritamente falando não muda nem a realidade Mas nem todas as proposições que consideramos verdadeiras são mesmo verdadeiras e temos de admitir que praticamente qualquer proposição que consideremos verdadeira pode ser falsificada pela investigação mais detalhada e cuidadosa ou mais paciente Isso se aplica sobretudo aos fatos científicos Os fatos também são mais uma vez até certo ponto determinados culturalmente Um físico nuclear por exemplo tem em mente uma estrutura complicada e hipotética da realidade que determina para ele alguns fatos que são diferentes dos fatos determinados e aceitos por um primitivo Isso não significa que o cientista e o primitivo não tenham como chegar a um acordo em relação a fato algum eles hão de concordar por exemplo em que dois mais dois são quatro ou que um todo físico é mais do que qualquer uma de suas partes Mas o primitivo talvez não concorde com os fatos do cientista a respeito das partículas nucleares assim como o cientista pode não concordar com os fatos do primiti vo a respeito da magia ritual Foi difícil escrever essa frase porque como nós mesmos somos determinados culturalmente tendemos a concordar com o cientista e não com o primitivo e assim ficamos tentados a colocar o segundo fato entre aspas Só que é disso mesmo que estamos falando A FILOSOFIA MODERNA E A GRANDE TRADIÇÃO Questões a respeito do mundo e daquilo que acontece nele ou a respeito daquilo que os homens deveriam buscar de questões de primeira ordem Também existem questões de segunda ordem questões a respeito do nosso conhecimento de primeira ordem questões sobre o conteúdo do nosso pensamento quando tentamos responder a questões de primeira ordem questões a respeito dos modos como expressamos esses pensamentos por meio da linguagem A distinção entre questões de primeira e de segunda ordem é útil porque aj uda a explicar o que aconteceu com a filosofia nos últimos anos A maioria dos filósofos profissionais já não acredita que as questões de primeira ordem possam ser respondidas por filósofos A maioria dos filósofos profissionais de hoje dedica sua atenção exclusivamente às questões de segunda ordem frequentemente às questões que têm a ver com o idioma em que se expressa o pensamento SOBRE O MÉTODO FILOSÓFICO É importante entender em que consiste o método filosófico ao menos na medida em que a filosofia trata de propor e tentar responder questões de primeira ordem não existe experimento que vá dizer o que é que todas as coisas que existem têm em comum simplesmente porque têm existência Não há tipos peculiares de fenômenos que você possa observar nem documentos que possa procurar e ler no intuito de descobrir o que é a mudança ou por que as coisas mudam Tu do que você pode fazer é meditar sobre a questão Em suma nada há a fazer além de pensar As respostas às questões filosóficas têm de passar por testes rigorosos Mas esses testes se baseiam apenas na experiência comum na experiência que você já tem porque é um ser humano não porque é filósofo A experiência comum faz que você conheça os fenômenos de mudança tão bem quanto qualquer outra pessoa tudo no mundo à sua volta manifesta a mutabilidadeO que os distingue é que eles pensaram nisso extremamente bem eles formularam as questões mais incisivas e mais pertinentes e deramse ao trabalho de desenvolver respostas clara e cuidadosamente elaboradas E preciso perceber que nem todas as perguntas feitas e analisadas pelos filósofos são verdadeiramente filosóficas Nem sempre eles mesmos tinham consciência disso e sua ignorância ou erro nesse aspecto crucial pode gerar dificuldades consideráveis para leitores pouco perceptivos Para evitar essas dificuldades é necessário ser capaz de distinguir as questões verdadeiramente filosóficas das outras questões que talvez sejam discutidas por um filósofo mas cuja resposta ele deveria ter deixado para a investigação científica posterior O filósofo enganouse por não ver que essas questões só podem ser respondidas pela investigação científica ainda que talvez não lhe fosse possível saber disso quando escreveu Mas o cientista talvez não perceba isso e imagine que alguma espécie de experimento ou pesquisa possa lhe dar uma resposta Ele pode decidir perguntar a mil pessoas que tipo de vida elas gostariam de levar e basear sua resposta à questão nas respostas delas Mas deveria ser óbvio que sua resposta nesse caso seria tão irrelevante quanto as especulações de Aristóteles sobre a matéria dos corpos celestes SOBRE TER OPINIÕES PRÓPRIAS Os filósofos vêm mantendo uma longa conversa entre si na história do pensamento É melhor ouvila antes de formar uma opinião a respeito do que qualquer um deles diz Primeiro o fato de haver discórdia se persiste pode sugerir um problema grande e ainda não resolvido aliás talvez impossível de ser resolvido Segundo as discordâncias dos outros têm relativamente pouca importância A responsabilidade do leitor é formar a sua própria opinião Diante da longa conversa que os filósofos mantiveram por meio de seus livros cabe a você julgar o que é verdadeiro e o que é falso Usar as opiniões dos outros não é respondêlas mas fugir delas E suas respostas devem ter bases sólidas com argumentos que as sustentem Isso significa acima de tudo que você não pode depender do testemunho de especialistas algo talvez necessário no caso das ciências COMO LER LIVROS CANÔNICOS Usamos o termo canônico para fazer referência a esses livros numa tradição mais antiga poderíamos têlos chamado de sacros ou santos mas essas palavras não se aplicam mais a todas essas obras ainda que se apliquem a algumas delas O melhor exemplo é a Bíblia quando lida não como literatura mas como a palavra revelada de Deus Para os marxistas ortodoxos porém as obras de Marx devem ser lidas do mesmo modo que a Bíblia deve ser lida por judeus ou cristãos ortodoxos O Livro Vermelho de Mao tem uma natureza igualmente canônica para um fiel comunista chinês A ideia de livro canônico pode ser ampliada para além desses exemplos óbvios Considere uma instituição qualquer uma Igreja um partido político uma sociedade que entre outras coisas 1 é uma instituição de ensino 2 possui um corpo doutrinário a transmitir e 3 tem membros fiéis e obedientes Os membros de todas essas organizações leem de modo reverente Eles não questionam nem podem questionar a leitura autorizada ou correta dos livros que consideram canônicos COMO LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os conceitos e a terminologia das ciências sociais estão presentes em quase tudo que lemos hoje Os livros de ciências sociais não se limitam à não ficção Há uma importante e vasta categoria de textos contemporâneos que pode ser chamada de fic ção científica social Nela o objetivo é criar modelos artificiais de sociedades que nos permitam por exemplo explorar as consequências sociais da inovação tecnológica A organização do poder social as espécies de propriedade e de posse e a distribuição de riqueza são descritas condenadas ou elogiadas de várias maneiras em romances peças contos filmes e séries de televisão Na medida em que fazem isso podese dizer que têm importância social ou que contêm mensagens relevantes Ao mesmo tempo tais obras usam e disseminam elementos das ciências sociais Além disso praticamente não há problema social econômico ou político que não tenha sido abordado por especialistas nessas áreas seja por conta própria seja por causa de um convite de autoridades que estejam trabalhando com esses problemas Os especialistas em ciências sociais aj udam a formular os problemas e aj udam a lidar com eles O QUE SÃO AS CIÊNCIAS SOCIAIS As divisões nas ciências sociais costumam incluir departamentos de antropologia economia polí tica e sociologiaA razão que se costuma dar para a separação entre esses departamentos e os das ciências sociais é que o principal propósito de tais departamentos é oferecer treinamento para o trabalho profissional fora da universidade ao passo que aqueles mencionados antes são mais exclusivamente dedicados à busca de conhecimento sistemático da sociedade humana atividade que normalmente se realiza dentro de uma universidade Originalmente o termo incluía sociologia antropologia e os aspectos comportamentais de biologia da economia da geografia do direito da psicologia da psiquiatria e da ciência políticajulgamos que a maioria dos cientistas sociais concordaria em que boa parte da literatura mas não toda de áreas como o direito a educação e a administração pública e parte da literatura de áreas como administração e serviço social mais uma parte considerável da literatura sobre psicologia pode ser incluída sob uma definição razoável A APARENTE FACILIDADE DE LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os dados muitas vezes são extraídos de experiências que o leitor conhece nesse sentido as ciências sociais são como a poesia ou a filosofia e o estilo expositivo costuma ser narrativo que o leitor já conhece de sua leitura de ficção e de textos de história Ouvimos falar da sociedade aberrante da sociedade abortiva da sociedade consumista da sociedade obediente da sociedade próspera e poderíamos passar por todo o alfabeto até chegar à sociedade zimótica a sociedade em perpétuo estado de fermentação bem parecida com a nossa Há o poder social a pressão social e a promessa social e é claro há os onipresentes problemas sociais Esta última expressão aliás é um belo exemplo da enganosa facilidade com que se leem e escrevem textos de ciências sociais As referências falam de questões imediatamente familiares ao leitori de fato ele lê ou ouve falar delas quase diariamente Além disso suas atitudes e seus sentimentos em relação a elas já estão quase sempre fortemente desenvolvidos DIFICULDADES DA LEITURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Paradoxalmente os mesmos fatores aqui discutidos os fatores que fazem as ciências sociais parecerem fáceis de ler também as tornam difíceis de ler Não é possível entender um livro quando há uma recusa em ouvir aquilo que ele diz A familiaridade dos termos e das proposições presentes nas ciências sociais também é um obstáculo ao entendimento Muitos cientistas sociais admitem isso Eles recusam fortemente o uso de termos e conceitos mais ou menos técnicos no jornalismo popular e em outros textos Uma razão disso é que as ciências sociais não costumavam ser matematizadas Outra razão é que é mais difícil estipular usos nas ciências sociais ou comportamentais Uma coisa é definir um círculo ou um triângulo isóscelesi outra coisa é definir uma depressão econômica ou a saúde mental Mesmo que um cientista social procure definir esses termos os leitores estarão dispostos a questionar seu uso O resultado é que o cientista social terá de continuar lutando com seus próprios termos ao longo de sua obra e essa luta cria problemas para o leitor A fonte mais importante de dificuldades para a leitura de ciências sociais vem do fato de que essa área literária é composta de textos não puramente expositivos mas mistosSe as ciências sociais fossem sempre o mesmo tipo de mistura poderíamos ficar tão familiarizados com ela quanto com a história Mas estamos longe disso Isso acontece claro por causa dos prejulgamentos que o leitor provavelmente guarda em relação à abordagem e às conclusões do autor A LEITURA DE LITERATURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Ao ler ciências sociais frequentemente estamos interessados em um assunto ou problema específico e não em um autor ou livro específico Por exemplo ficamos interessados na verificação da obediência às leis e lemos meia dúzia de obras sobre o assunto Ou talvez estejamos interessados em relações raciais ou em educação ou em tributos ou nos problemas das prefeituras Em certa medida uma situação similar existe na filosofia como já observamos Para compreender integralmente um filósofo é preciso tentar de algum modo ler os filósofos que aquele autor leu os filósofos que o influenciaramEm certo sentido isso também se aplica à história para descobrir a verdade sobre o passado já sugerimos a leitura de diversos textos a seu respeito e não um só As regras da leitura analítica não são aplicáveis em si mesmas à leitura de diversas obras sobre o mesmo assunto Elas valem para cada uma das obras lidas claro e se você quiser ler bem qualquer uma delas terá de observálas Mas é preciso observar novas regras de leitura ao passar do terceiro nível de leitura a leitura analítica para o quarto a leitura sintópica KASHMIR PAHARI Conversation with Mr Abdullah the Governor of Kashmir 1956 1958 Excerpts Recorded in Urdu by KN Poddar Translated into English by Karin Klenke and Dr Raj Kumar Kashmir Himalayan Research Institute H29 Shanti Path Lane 1 Sector 12 Gurgaon 122001 Haryana India The sucesssive leaders of Jammu and Kashmir when confronted with the problem of restoring peace and order in the troubled State have invariably found themselves facing the same dilemma posed by the word Kashmiriyat that defines the states identity and the cause of its problem Mr Ghulam Mohammad Syed Mir Qasim Mr Bakshi Ghulam Mohammad and Sheikh Abdullah the Central figures in the political struggles during 194768 and later have all differed very strongly on the issue of this the state of Kashmir Yet the debate over the term has carried on Originally this term implied the composite culture and the harmony of the various ethnic and religious groups of the state which at the time of partition joined India and Pakistan on the basis of article 370 of the constitution of India But also it implied the long cherished aspiration of the people of Kashmir valley to attain political freedom from the colonial power that ruled them for centuries It was this historical spirit of the people that formed the basis of Kashmirs demand and the loyalty of its people in the post partition period This booklet is a collection of extracts from a rare personal interview with the late Sheikh Abdullah that throws light on the Kashmir problem in his own words It was made when he was Governor just after the accession of Jammu and Kashmir to India circa 1956 58 and was recorded by KN Poddar who was a close observer and student of Kashmir affairs For further information contact Kashmir Himalayan Research Institute Phone 01242436205 2436207 E mail researchkashmiryahoocoin ISBN 9788192622616 Price Rs 9000 Printed in India 2013

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Mortimer J Adler Charles Van Doren Tradução E DWA RD H O RST WO L F F P E D RO S ETTECÂMARA 2 impressão Realizações Editora Bem e mal é claro não são a mesma coisa que certo e errado os dois pares de termos parecem referirse a classes diferentes de coisas Em particular ainda que achemos que qualquer coisa certa é boa provavelmente não achamos que qualquer coisa errada é má Mas como tornamos essa distinção mais precisa Bem é um termo filosófico importante mas é também uma palavra importante de nosso vocabulário cotidiano Tentar expressar seu significado é um exercício dos mais difíceis antes que você perceba já terá mergulhado na filosofia Muitas coisas há que são boas ou como preferimos dizer há muitos bens Será possível classificar esses bens Será que alguns são mais importantes que outros Será que alguns dependem de outros Será que há circunstâncias em que os bens entram em conflito de modo que é preciso escolher um bem à custa de privarse de outro Novamente não temos espaço para nos alongarmos na discussão dessas questões O que podemos fazer é listar algumas outras questões no campo prático Existem questões não apenas a respeito do bem e do mal do certo e do errado e da classificação dos bens mas a respeito também dos deveres e das obrigações das virtudes e dos vícios da felicidade do sentido ou objetivo da vida da justiça e dos direitos na esfera das relações humanas e da interação social do Estado e de sua relação com o indivíduo da boa sociedade da politeia justa da economia justa da guerra e da paz Os dois grupos de questões que discutimos determinam ou identificam as duas principais divisões da filosofia As questões do primeiro grupo as questões a respeito do ser e do devir têm a ver com o que é ou acontece no mundo Essas questões têm a ver com a divisão da filosofia chamada teórica ou especulativa As questões do segundo grupo aquelas relacionadas ao bem e ao mal ou ao certo e ao errado têm a ver com aquilo que deve ser feito ou buscado e pertencem àquela divisão da filosofia que às vezes é chamada de prática mas que seria mais precisamente denominada normativa Os livros que lhe dizem como fazer alguma coisa um livro de receitas por exemplo ou como operar algo o manual de um carro não precisam tentar persuadilo a cozinhar bem nem a dirigir bem eles podem presumir que você queira fazer alguma coisa e simplesmente expliquem como ter sucesso em seus esforços Porém os livros SUMÁRIO Prefácio Lendo Mortimer Adler como Mortimer Adler nos ensina a ler José Monír Nasser 1 1 Prefácio da edição americana de 1972 19 PARTE 1 AS DIMENSÕES DA LEITURA 1 A leitura arte e atividade 25 Leitura ativa 26 Os objetivos da leitura ler para se informar e ler para entender 28 Leitura é aprendizado a diferença entre ensino e descoberta 32 Professores presentes e ausentes 3 5 2 Os níveis de leitura 37 3 A leitura elementar 41 Os estágios na alfabetização 43 Estágios e níveis 45 Os níveis superiores de leitura e o ensino médio 47 A leitura e o ideal democrático da educação 48 4 A leitura inspecionai 51 Leitura inspecionai préleitura ou sondagem sistemática 51 Leitura inspeciona li leitura superficial 55 A velocidade da leitura 57 Fixações e retrocessos 58 A questão da compreensão 59 Resumo da leitura inspecionai 61 5 A arte da leitura exigente 63 A essência da leitura ativa as quatro perguntas básicas 64 A arte de tomar posse de um livro 66 Os três tipos de anotação 68 Formando o hábito da leitura 69 Muitas regras em um hábito 70 PARTE 2 O TERCEIRO NÍVEL DA LEITURA A LEITURA ANALÍTICA 6 A classificação de um livro 75 A importância da classificação de livros 75 O que você pode aprender com o título do livro 77 Livros práticos versus livros teóricos 81 Tipos de livros teóricos 85 7 Como radiografar o livro 91 Tramas e complôs como expressar a unidade de um livro 94 Dominando a multiplicidade a arte de delinear um livro 99 Ler e escrever as artes recíprocas 105 Como descobrir as intenções do autor 107 O primeiro estágio da leitura analítica 109 8 Chegando a um acordo com o autor 111 Palavras versus termos 111 Como encontrar as palavraschave 115 Palavras técnicas e vocabulários especiais 117 Como encontrar os sentidos 120 9 Como especificar a mensagem do autor 127 Frases versus propostas 129 Como encontrar as fraseschave 13 3 Como encontrar as proposições 13 6 Como encontrar os argumentos 140 Como encontrar as soluções 146 O segundo estágio da leitura analítica 147 10 Como criticar um livro 1 49 O ensinamento é uma virtude 150 O papel da retórica 152 A importância de suspender o julgamento 153 Por que é importante evitar controvérsias 15 6 Como resolver discórdias 158 11 Concordar com o autor ou discordar 163 Preconceito e julgamento 165 Como julgar a solidez de um autor 167 Como julgar o grau de completude de um autor 171 O terceiro estágio da leitura analítica 173 12 Materiais de apoio 177 O papel da experiência relevante 178 Outros livros como apoios extrínsecos à leitura 180 Como usar comentários e resumos 182 Como usar obras de referência 184 Como usar o dicionário 1 86 Como usar uma enciclopédia 1 89 PARTE 3 COMO LER DIVERSOS ASSUNTOS 13 Como ler livros práticos 1 99 Os dois tipos de livros práticos 200 O papel da persuasão 204 Qual a consequência de concordar com o autor de um livro prático 206 1 4 Como ler literatura imaginativa 211 Como não ler literatura imaginativa 21 2 Regras gerais para a leitura de literatura imaginativa 216 1 5 Sugestões para a leitura de narrativas peças e poemas 223 Como ler narrativas 225 Uma nota sobre os épicos 230 Como ler peças teatrais 23 1 Uma nota sobre a tragédia 233 Como ler poesia lírica 235 1 6 Como ler livros de história 243 O caráter esquivo dos fatos históricos 244 Teorias da história 246 O universal na história 248 O que perguntar a um livro de história 250 Como ler biografias e autobiografias 252 Como ler sobre atualidades 257 Uma nota sobre os textos resumidos 261 1 7 Como ler livros de ciências e de matemática 263 Para compreender o projeto científico 264 Sugestões para a leitura de livros científicos clássicos 266 Como enfrentar o problema da matemática 268 Como lidar com a matemática nos livros de ciências 272 Uma nota sobre divulgação científica 274 1 8 Como ler livros de filosofia 277 As perguntas feitas pelos filósofos 2 78 A filosofia moderna e a grande tradição 282 Sobre o método filosófico 284 Os estilos filosóficos 286 Indicações para ler livros de filosofia 292 Sobre ter opiniões próprias 296 Uma nota sobre a teologia 297 Como ler livros 11 canônicOS11 299 1 9 Como ler livros de ciências sociais 301 O que são as ciências sociais 302 A aparente facilidade de ler livros de ciências sociais 304 Dificuldades da leitura de ciências sociais 305 A leitura de literatura de ciências sociais 308 PARTE 4 OS FINS ÚLTIMOS DA LEITURA 20 O quarto nível da leitura a leitura sintópica 3 1 3 O papel da inspeção na leitura sintópica 31 7 Os cinco passos da leitura sintópica 320 A objetividade necessária 326 Um exemplo de exercício de leitura sintópica a ideia de progresso 328 O sintópico e o modo de usálo 332 Sobre os princípios que servem de base à leitura sintópica 335 Resumo da leitura sintópica 3 3 7 2 1 A leitura e o crescimento intelectual 339 O que os bons livros podern nos proporcionar 340 A pirâmide dos livros 343 A vida e o crescimento da inteligência 345 Apêndice A Lista de leituras recomendadas 349 Apêndice B Exercícios e testes dos quatro níveis de leitura 365 Introdução 365 I Exercícios e testes do primeiro nível de leitura a leitura elementar 368 11 Exercícios e testes do segundo nível de leitura a leitura inspecionai 3 79 III Exercícios e testes do terceiro nível de leitura a leitura analítica 405 IV Exercícios e testes do quarto nível de leitura a leitura sintópica 408 Índice remissivo 425 9 COMO ESPECIFICAR A MENSAGEM DO AUTOR O mundo dos negócios tem outro aspecto em comum com o mundo dos livros além da definição dos termos de um contrato a apresentação de propos tas O que os compradores e vendedores querem dizer com proposta é uma espécie de oferta ou assentimento Nas negociações honestas a pessoa que faz uma proposta está nesse sentido declarando sua intenção de agir de determi nada maneira Uma negociação bemsucedida requer muito mais que honesti dade A proposta tem de ser clara e obviamente tem de ser atraente Assim as partes podem chegar a um acordo A proposta de um livro também é uma declaração ou seja é uma expres são do julgamento do autor sobre alguma coisa Ele afirma algo que julga ser verdade ou nega algo que julga ser falso Ele confirma este ou aquele fato Uma proposta desse tipo é como uma declaração mas de conhecimentos e não de intenções O autor talvez nos informe suas intenções no começo do prefácio por exemplo Mas para descobrirmos se ele manteve sua promessa temos de procurar suas propostas Em geral a ordem de leitura é inversa em relação à ordem de negociação Os executivos normalmente chegam a um acordo depois de entrarem em con tato com a proposta mas o leitor tem de chegar a um acordo com o autor antes de descobrir o que este está propondo qual julgamento está declarando É por isso que a quinta regra de leitura analítica aborda palavras e termos e a sexta que vamos expor logo a seguir referese a frases e propostas Há uma sétima regra estreitamente relacionada com a sexta Talvez o autor tenha sido honesto ao expressarse sobre questões factuais ou de conhecimen to Em gerat nós confiamos nele Mas a não ser que estejamos interessados apenas na personalidade do autor não devemos nos satisfazer apenas com suas opiniões As propostas de um autor não passam de sua opinião a não ser que sejam fundamen tadas por boas razões Se estamos interessados no livro e no assunto do livro e não apenas no autor então vamos querer conhecer não apenas suas propostas mas por que ele acha que devemos nos deixar persuadir e aceitálas A sétima regra versa portanto sobre os argumentos e seus tipos Existe uma grande quantidade de raciocínios ou seja uma grande quantidade de ma neiras de se fundamentar o que se diz Às vezes é possível argumentar que algo é verdadeiro às vezes só é possível defender uma probabilidade Mas todo tipo de argumento consiste em declarações que se relacionam de determinada ma neira Dizse isto por causa daquilo A expressão por causa sinaliza justamente uma razão uma explicação A presença de argumentos é indicada por algumas outras palavras que rela cionam declarações tais como se isto é assim então aquilo ou dado que isto por tanto aquilo ou disto seguese aquilo Nos capítulos anteriores deste livro surgiram muitas palavras como essas Sabemos por experiência que as pessoas que não estão mais na escola se querem continuar aprendendo e descobrindo precisam que os livros continuem lhes ensinando Nesse caso se as pessoas querem con tinuar aprendendo então precisam saber como continuar aprendendo com os livros já que os professores estão ausentes Um argumento nada mais é do que uma série de afirmações ou declarações que fornece os fundamentos ou razões para aquilo que se está concluindo É necessário um parágrafo portanto ou pelo menos uma série de frases para expressar um argumento As premissas ou princípios de um argumento nem sempre são declaradas de início no entanto são sempre a fonte das conclusões Se o argumento é válido então das premissas seguese a conclusão Isso não quer dizer que a conclusão seja necessariamente verdadeira dado que todas ou algumas premissas podem ser falsas Há um aspecto lógico e um aspecto gramatical na ordem dessas regras de interpretação Progredimos de termos para propostas e destas para argumentos progredindo de palavras e expressões para frases e destas para uma série de frases ou parágrafos Em suma estamos progredindo de unidades mais simples para unidades mais complexas O elemento menos significativo de um livro é ns Como Ler Livros obviamente a palavra Seria verdadeiro embora não adequado dizer que um livro consiste em palavras Ele também consiste em um grupo de palavras que são em si unidades e consiste em um grupo de frases que também são em si uma unidade O leitor ativo está atento não apenas às palavras mas às frases e aos parágrafos Não há outra maneira de descobrir os termos as propostas e os argumentos de um autor A esta altura da leitura analítica em que a interpretação é nosso objetivo você deve ter percebido que a direção que estamos tomando é contrária à direção do primeiro estágio quando o objetivo era esboçar uma estrutura No primeiro estágio partimos do livro como um todo e fomos descendo até suas partes principais depois às divisões dessas partes etc Como você deve suspeitar os dois movi mentos se encontram em algum lugar As partes principais de um livro e as divi sões dessas partes contêm muitas propostas e normalmente vários argumentos Se você continuasse dividindo o livro em partes teria condições de dizer afinal Nesta parte as seguintes ideias são expostas Ora cada uma dessas ideias é provavelmente uma proposta e algumas delas se tomadas em conjunto perfa zem um argumento Desse modo os dois processos de esboçar e interpretar encontramse no nível das propostas e argumentos Você chega às propostas e aos argumentos dividindo o livro em suas partes Vai aos argumentos observando sua composi ção em propostas e em última instância em termos Quando tiver completado os dois processos então poderá dizer com segurança que realmente conhece o conteúdo do livro FRASES VERSUS PROPOSTAS Já notamos anteriormente um aspecto das regras que vamos abordar nes te capítulo Como no caso da regra sobre palavras e termos também estamos lidando aqui com a relação entre linguagem e pensamento Frases e parágrafos são unidades gramaticais São unidades de linguagem Proposições e argumen tos são unidades lógicas ou unidades de pensamento e conhecimento 9 Como especificar a mensagem do autor 129 Teremos de encarar um problema semelhante àquele que encaramos no capítulo anterior Dado que a linguagem não é um meio perfeito de expressão do pensamento pois uma palavra pode ter vários significados e duas ou mais pa lavras podem ter o mesmo significado vimos como era complexa a relação entre o vocabulário do autor e sua terminologia Uma palavra pode representar diversos termos e um termo pode ser representado por diversas palavras Os matemáticos chamam a relação entre os botões de um paletó benfeito e as casas desses botões de relação de um para um ou biunívoca Há um botão para cada casa e uma casa para cada botão Ora a questão é que essa relação não se verifica entre palavras e termos O erro mais grave que você pode cometer ao aplicar essas regras é supor que exista uma relação de um para um entre os elementos da linguagem e os elementos de pensamento ou conhecimento Na realidade nem mesmo entre botões e suas casas seria tão fácil fazer uma relação dessas As mangas da maioria das camisas masculinas trazem botões que não têm sua própria casa E se a camisa estiver bem gasta talvez haja nela casas sem seus respectivos botões Vamos transpor essa situação para o caso das frases e propostas Nem toda frase de um livro expressa uma proposição Primeiro algumas frases expressam perguntas ou seja elas expõem problemas em vez de respostas Proposições são as respostas às perguntas Elas são declarações de conhecimento ou opinião É por isso que algumas frases são chamadas de declarativas enquanto outras são chamadas de interrogativas Há ainda frases que expressam desejos ou intenções Elas podem nos informar sobre o propósito do autor mas não transmitem o conhe cimento que ele está tentando expor Além do mais nem toda frase declarativa pode ser lida como se expressasse uma proposição Há pelo menos duas razões para isso A primeira é o fato de que palavras são ambíguas e podem ser usadas em várias frases Assim é possível que a mesma frase expresse diferentes proposições se houver uma mudança nos termos que as palavras expressam Ler é aprender é uma frase simples mas se em deter minado ponto quisermos dizer que aprender é adquirir informação e em outro ponto quisermos dizer que é desenvolver o entendimento a proposição não será a mesma pois os termos são diferentes Embora claro a frase seja a mesma 130 Como Ler Livros A segunda razão é que nem todas as frases são tão simples quanto ler é aprender Quando suas palavras são usadas sem ambiguidade uma frase sim ples normalmente expressa uma proposição simples No entanto mesmo quando suas palavras são usadas assim sem ambiguidade uma frase complexa expressa duas ou mais proposições Uma frase complexa é na realidade uma coleção de frases conectadas por palavras como e ou se então ou não apenas mas também Você está certo se pensou que a linha que separa uma longa frase com plexa de um parágrafo curto é muito tênue Uma frase complexa pode expressar proposições relacionadas entre si na forma de um argumento Essas frases podem ser extremamente difíceis de interpretar Como exem plo vamos considerar esta interessante frase de O Príncipe de Maquiavel Um príncipe tem de inspirar temor de tal maneira que se ele não an gariar amor que evite o ódio porque ele pode resistir muito bem sendo temido enquanto não for odiado o que se dará na medida em que se abs tenha da propriedade de seus cidadãos e de suas mulheres Gramaticalmente tratase de uma única frase embora seja extremamente com plexa O ponto e vírgula e o porque indicam as principais modificações da frase A primeira proposição é que um príncipe tem de inspirar temor de certa maneira A partir do porque dáse início a uma nova frase Ela poderia ter sido simplificada para A razão para isso é que ele pode resistir e assim por diante Essa frase expressa pelo menos duas proposições 1 a razão pela qual o prínci pe tem de inspirar temor de tal maneira que resista sendo temido na medida em que não seja odiado 2 ele pode evitar ser odiado respeitando as propriedades de seus cidadãos e suas mulheres É importante distinguir as diversas proposições contidas em uma frase lon ga e complexa Para que você concorde com Maquiavel ou discorde de suas ideias é preciso antes entender o que ele está dizendo Ocorre que ele está dizendo três coisas em uma frase só Você pode discordar de uma e concordar com as demais Pode até pensar que Maquiavel está errado quando propõe ter rorismo a um príncipe mas talvez você possa reconhecer sua sagacidade quando 9 Como especificar a mensagem do autor 131 diz que é melhor que o príncipe não desperte ódio junto ao temor e talvez você também possa concordar em que absterse das propriedades de seus súditos e de suas mulheres é uma condição indispensável para não ser odiado A não ser que detecte as diversas proposições de uma frase complexa você jamais con seguirá fazer um julgamento adequado a respeito do que o autor está dizendo Os advogados conhecem muito bem esse fato Eles devem examinar as fra ses com grande esmero para descobrir o que está sendo alegado pelo acusador ou negado pela defesa A frase Fulano assinou a escritura de aluguel em 24 de março parece bem simples mas ainda assim diz muitas coisas algumas das quais podem ser verdadeiras ou falsas Fulano pode até ter assinado a escritura mas não em 24 de março e esse fato pode ser importante Em suma mesmo em uma frase gramaticalmente simples às vezes estão expressas duas ou mais proposições Cremos que já dissemos o suficiente para indicar a diferença entre frases e proposições Elas não se relacionam de maneira um para um Uma frase simples pode expressar diversas proposições seja por ambiguidade seja por complexidade mas uma proposição também pode ser expressa por duas ou mais frases diferentes Se você captar nossos termos por meio das palavras e expressões que usamos como sinônimos você saberá que estamos dizendo a mesma coisa nas frases Ensinar e ser ensinado são funções correlatas e Trans mitir e receber comunicação são processos correlatos Vamos agora parar de explicar as questões gramaticais e lógicas e passar às regras A dificuldade deste capítulo é a mesma do anterior parar de explicar Em vez disso vamos supor que você saiba um pouco de gramática Isso não quer dizer que precisa saber tudo sobre sintaxe mas que ao menos conhece a ordem correta das palavras nas frases e as suas correlações Um pouco de conhecimen to gramatical é indispensável para um leitor Você nem conseguirá começar a lidar com termos proposições e argumentos os elementos do pensamento enquanto não for capaz de mergulhar para além da superfície linguística Uma vez que palavras frases e parágrafos continuem intocados e opacos represen tarão uma barreira e não um meio para a comunicação Você lerá palavras mas não receberá conhecimento Eis as regras A quinta regra de leitura como você deve estar lembrado era 132 Como Ler Livros REGRA 5 ENCONTRE AS PALAVRAS IMPORTANTES E POR MEIO DELAS ENTRE EM ACORDO COM O AUTOR Então a sexta regra pode ser expressa assim REGRA 6 MARQUE AS FRASES MAIS IMPORTANTES DO LIVRO E DESCUBRA AS PRO POSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM E eis a sétima regra REGRA 7 LOCALIZE OU FORMULE OS ARGUMENTOS BÁSICOS DO LIVRO COM BASE NAS CONEXÕES ENTRE FRASES Você logo entenderá por que não dissemos parágrafos nesta regra A propósito tanto estas novas regras quanto aquela que recomenda entrar em acordo com o autor valem primordialmente para as obras expositivas As re gras sobre proposições e argumentos são bem diferentes quando estamos lendo uma obra poética romance peça teatral ou poema Mais tarde trataremos das alterações necessárias para que as regras sejam aplicadas nesses casos COMO ENCONTRAR AS FRASESCHAVE Como se localizam as frases mais importantes de um livro E depois como se interpretam essas frases para nelas detectar as proposições que contêm Mais uma vez estamos enfatizando aquilo que é importante Dizer que há relativamente poucas frases importantes em um livro não quer dizer que você não precise prestar atenção ao resto Obviamente você tem de entender todas as frases Mas a maioria das frases assim como a maioria das palavras não lhe trará dificuldades Conforme dissemos em nossa discussão sobre leitura dinâ mica você as lerá rapidamente Do seu ponto de vista de leitor as frases mais importantes para você são aquelas que exigem esforço interpretativo porque à primeira vista não são perfeitamente inteligíveis Você as entende mas sabe que há mais para ser entendido São frases que você lê muito mais devagar e cuidadosamente do que as demais Talvez elas não sejam as frases mais impor tantes para o autor mas provavelmente são pois é possível que você tenha mais dificuldades justamente nas coisas mais importantes que o autor tenha a dizer 9 Como especificar a mensagem do autor 133 Nem é preciso ressaltar que são elas as coisas mais importantes nas quais você deve prestar atenção Do ponto de vista do autor as frases mais importantes são aquelas que expressam os julgamentos sobre os quais o livro se baseia Normalmente um livro contém muito mais do que as frases cruas de um argumento ou um mero conjunto de argumentos O autor talvez explique como chegou a certa conclu são ou por que seu posicionamento implica as consequências que alega Talvez ele discuta as palavras que utilizou Talvez comente as obras de outros autores Talvez se aprofunde nos mais variados tipos de discussões e considerações Mas o coração da comunicação reside nas principais afirmações e negações e nas razões que fornece para sustentálas Portanto para ser bemsucedido você precisa enxergar as frases principais como se elas saltassem da página em altorelevo Alguns autores podem ajudálo nessa tarefa Eles grifam para você as frases mais importantes Ou dizem explicitamente que o ponto em questão é impor tante ou usam outros dispositivos tipográficos para destacar as frases centrais É claro que nada vai realmente adiantar para as pessoas que não ficam acordadas durante a leitura Conhecemos muitos alunos e leitores que simplesmente não prestavam atenção a esses sinais Eles preferiam continuar lendo em vez de se deterem e examinarem as frases importantes com o devido cuidado São poucos os livros cujos autores destacam as frases fazendoas ocupar um lugar especial na ordem e no estilo de exposição Euclides novamente for nece o exemplo mais óbvio desse caso Ele não apenas afirma suas definições postulados e axiomas suas principais proposições no início mas também rotula todas as proposições a serem provadas Talvez você não entenda todos os enunciados Talvez não consiga acompanhar todos os argumentos Mas jamais perderá as frases ou grupos de frases importantes para o enunciado das provas Outro exemplo no qual as frases principais são destacadas pelo estilo da exposição é a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino Cada seção vem precedida por uma questão Há vários indícios da resposta que o autor busca defender São enunciadas várias objeções à resposta O local onde Santo To más começa a argumentar seu ponto de vista é marcado pelas palavras Eu respondo que Não há desculpa para não encontrar as frases importantes em 1 3 4 Como Ler Livros um livro desses as frases que expressam as razões e as conclusões embora mesmo assim o livro continue sendo uma grande confusão para os leitores que tratam tudo que leem como se fosse igualmente importante e leem tudo na mesma velocidade No final das contas tudo acaba sendo igualmente desimportante À parte os livros cujos estilos chamam a atenção para os trechos que mais precisam de interpretação por parte do leitor a localização das frases impor tantes é sua tarefa exclusiva Há muitas coisas que ele pode fazer Se for pers picaz o bastante conseguirá captar a diferença entre os trechos que entende prontamente e os trechos que não entende e então facilmente terá localizado as frases que mais o desafiam Talvez a esta altura você esteja começando a perceber como é importante para a leitura ficar perplexo e saber disso O espanto é o começo da sabedoria seja aprendendo por meio de livros seja aprendendo com a natureza Se você nunca se questionar sobre o sentido de determinado trecho então nunca poderá esperar que o livro lhe forneça qualquer insight que ainda não possua Outra pista para encontrar os trechos importantes está nas palavras que os compõem Se você já marcou as palavras importantes elas provavelmente o le varão até as frases que merecem sua atenção Assim o primeiro passo da leitura interpretativa o prepara para o segundo Mas o inverso também pode ser ver dadeiro Pode acontecer de você marcar determinadas palavras somente depois de ficar confuso diante do sentido de uma frase O fato de termos enunciado essas regras em determinada ordem não significa que você tenha de seguilas exatamente nessa ordem Termos constituem proposições Proposições contêm termos Se você conhece os termos que as palavras expressam é porque captou a proposição da frase Se você entender a proposição transmitida por uma frase terá captado os termos também Esse fato sugere mais uma pista para localizarmos as principais proposições Elas pertencem aos principais argumentos do livro Elas podem ser premissas ou conclusões Assim se você consegue detectar essas frases que parecem formar uma sequência uma sequência na qual há um começo e um fim então provavel mente terá apontado precisamente as frases que são importantes 9 Como especificar a mensagem do autor 135 Dissemos uma sequência na qual há um começo e um fim Todo argu mento que os homens expressam em palavras leva certo tempo para ser enun ciado Talvez você até consiga dizer uma frase de um só fôlego mas há sempre pausas em um argumento Você tem de dizer algo primeiro depois outra coisa e assim por diante Um argumento começa em um lugar passa por outro lugar e chega ainda a outro lugar É um movimento do pensamento Ele pode começar pelas conclusões e proceder fornecendo as razões dela Ou pode começar com a evidência e as razões para conduzilo até a conclusão Evidentemente assim como em outras situações a pista não será útil a não ser que você saiba usála Você tem de identificar um argumento assim que deparar com ele A despeito de algumas experiências negativas contudo per sistimos em nossa opinião de que a mente humana é tão naturalmente sensível aos argumentos quanto o olho é sensível às cores Deve haver pessoas que são cegas a argumentos Mas o olho não verá nada se permanecer fechado assim como a mente não acompanhará um argumento se não estiver desperta Muitas pessoas acham que sabem ler só porque sabem ler a velocidades diferentes Mas elas pausam e leem devagar nas frases erradas Elas pausam nas frases que mais lhes interessam em vez de pausarem nas frases que mais as confun dem Em verdade esse é um dos maiores obstáculos para a leitura de livros que não são totalmente contemporâneos Todo livro antigo contém fatos que são surpreendentes por serem diferentes daqueles que conhecemos mas a leitura para entendimento não deve se fixar nesse tipo de novidade O interesse no autor na sua linguagem ou no mundo em que escreve é uma coisa o interesse no entendimento de suas ideias é outra coisa bem diferente As regras aqui abordadas podem ajudar a satisfazer a esse interesse não à sua curiosidade sobre outras questões COMO ENCONTRAR AS PROPOSIÇÕES Suponhamos que você tenha localizado as frases principais A Regra 6 exige que se dê outro passo Você terá de descobrir a proposição ou as 136 Como Ler Livros proposições contidas em cada uma dessas frases É outra maneira de dizer que você deve saber o que a sentença quer dizer Você descobre termos des cobrindo o sentido de determinada palavra naquele contexto Similarmente você descobre proposições interpretando todas as palavras que compõem a frase sobretudo as palavras principais Novamente vale lembrar que você não conseguirá empreender essa tarefa sem conhecer um pouco de gramática É preciso saber o papel desempenhado por adjetivos e advérbios nas frases saber como os verbos funcionam em re lação aos substantivos como as locuções restringem ou amplificam o sentido das palavras e assim por diante Idealmente você tem de ser capaz de dissecar uma frase por meio da análise sintática embora não necessariamente de maneira formal Apesar da desvalorização da gramática no ensino escolar hoje em dia vamos considerar que você conheça o bastante não é possível que você não conheça embora possa estar um pouco enferrujado por falta de prática nos rudimentos da arte de ler Há somente duas diferenças entre encontrar os termos que as palavras expressam e identificar as proposições que as frases expressam Uma é que o contexto no caso das proposições é mais amplo Todas as frases vizinhas são levadas em conta para a interpretação da frase em questão assim como as pala vras vizinhas são levadas em conta para a interpretação de determinada palavra Em ambos os casos você procede a partir do que entende em direção a uma elucidação gradual daquilo que é em princípio relativamente ininteligível A outra diferença reside no fato de que as frases complicadas normalmente expressam mais do que uma proposição Você não terá completado a interpre tação de uma frase importante enquanto não tiver separado todas as diferentes proposições mesmo que elas estejam interrelacionadas A habilidade para fa zer isso vem com a prática Encontre algumas frases complicadas neste livro e tente enunciar com suas próprias palavras cada uma das proposições declaradas Enumereas e relacioneas entre si Enunciar com suas próprias palavras Isso sugere o melhor teste que co nhecemos para dizer se você entendeu a proposição ou as proposições de uma frase Se lhe pedirem que explique o que o autor quis dizer em determinada frase 9 Como especificar a mensagem do autor 137 e você somente conseguir repetir as próprias palavras do autor com algumas poucas alterações tratase de um indício de que você não entendeu realmente o que o autor quis dizer Idealmente você tem de ser capaz de dizer a mesma coisa com palavras totalmente diferentes É claro que esse ideal pode ser alcan çado em diferentes graus Mas se ficar claro que você não é capaz de se desfazer das palavras do autor isso mostra que somente palavras lhe foram transmitidas não pensamentos ou conhecimento Você conhecerá as palavras do autor mas não sua mente Ele tentou lhe comunicar conhecimento mas tudo o que você absorveu foram palavras O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua lín gua é relevante para o teste aqui proposto Se você não consegue expressar em uma frase em português o que diz uma frase em francês então sabe que não entende o significado da frase em francês No entanto mesmo que consiga sua tradução poderá permanecer no nível meramente verbal pois mesmo que tenha conseguido formar uma réplica fiel em português talvez você não entenda o que o autor quis dizer em francês A tradução de uma frase em português para outra língua porém não é meramente verbal A frase recémformada não é uma réplica verbal da frase original Se for exata ela será fiel somente ao pensamento É por isso que esse tipo de tradução é o melhor teste que você poderia aplicar a si próprio se quiser ter certeza de que digeriu a proposição e não apenas engoliu as palavras Se não passar no teste então terá descoberto uma falha de entendimento Se disser que sabe o que o autor quer dizer mas tudo o que consegue fazer é repetir a frase do autor para mostrar que sabe então não seria capaz de reconhecer a proposição do autor caso tivesse sido apresentada com outras palavras Talvez o autor tenha apresentado a mesma proposição com palavras dife rentes ao longo do livro O leitor que não foi capaz de enxergar a proposição através das palavras provavelmente tenderá a tratar as frases equivalentes como se fossem frases que contivessem proposições diferentes É o mesmo que uma pessoa não saber que 2 2 4 e 4 2 2 são notações distintas para a mesma relação aritmética a relação do número quatro como dobro de dois ou do número dois como metade de quatro 138 Como Ler Livros Você teria concluído que essa pessoa simplesmente não entendeu a equa ção A mesma conclusão se aplica a você ou a qualquer pessoa no caso de frases equivalentes que transmitam a mesma proposição ou no caso de não conseguir expressar a proposição com frases diferentes daquelas utilizadas pelo autor Essas observações têm a ver com a leitura sintópica a leitura de vários livros sobre um mesmo assunto Diferentes autores frequentemente dizem a mesma coisa com diferentes palavras ou diferentes coisas usando praticamente as mesmas palavras O leitor incapaz de ver através da linguagem os termos e proposições jamais conseguirá comparar livros correlatos Em sua leitura equi vocada ele provavelmente concluirá que os autores discordam por causa de suas diferenças verbais ou talvez ignore suas diferenças reais por causa de meras semelhanças verbais Há ainda outro teste para avaliar se você compreende a proposição de determinada frase Você consegue indicar alguma experiência pessoal descrita pela proposição ou na qual a proposição é pelo menos relevante Você conse gue dar um exemplo da regra geral que está sendo enunciada indicando alguma circunstância específica Imaginar um caso é às vezes tão proveitoso quanto citar um caso real Se você simplesmente não conseguir exemplificar ou ilustrar determinada proposição seja imaginativamente seja apontando uma experiên cia real talvez esteja na hora de começar a suspeitar de que não entendeu o que está sendo dito Nem todas as proposições são igualmente suscetíveis a esse teste Talvez seja necessário adquirir a experiência específica que somente um laboratório poderia fornecer Mas cremos que a questão está clara agora Proposições não existem no vácuo Elas se referem ao mundo em que vivem A não ser que con siga demonstrar certo traquejo com os fatos reais ou possíveis aos quais a pro posição se refira ou para os quais seja relevante você estará brincando com palavras e não lidando com pensamento e conhecimento Vamos dar um exemplo de caso assim Uma proposição básica em meta física é expressa pelas seguintes palavras Nada atua exceto o que é real Já ouvimos muitos alunos repetirem essa frase com um ar de autossatisfação inte lectual Eles pensavam estar se desobrigando de seu dever perante nós e o autor 9 Como especificar a mensagem do autor B9 só por repetirem verbalmente essa frase Mas a vergonha vinha à tona assim que lhes pedíamos para expressar a proposição com outras palavras Raramente di ziam por exemplo que algo que não existe não pode fazer nada Mas essa seria uma tradução imediata e evidente evidente pelo menos para quem entendeu a proposição em seu sentido original Quando eles se mostravam incapazes de traduzila nós lhes pedíamos um exemplo da proposição Se algum deles nos dissesse que grama não pode crescer a partir de uma possível chuva ou que contas bancárias não crescem só por causa de um possível aumento salarial saberíamos que a proposição foi bem entendida O vício do verbalismo pode ser definido como o mau hábito de usar palavras desprezando o pensamento que deveriam transmitir e sem consciência das experiências às quais deveriam se referir É brincar com palavras Como os dois testes indicam o verbalismo é o pecado capital da leitura analítica Esse tipo de leitor nunca vai além das palavras O máximo que possui é uma memória verbal que lhe permite recitar palavras de forma vazia Uma das acusações feitas pelos educadores modernos contra as artes liberais é que elas tendem ao verba lismo mas ocorre justamente o contrário O fracasso da leitura o verbalismo onipresente por parte daqueles que nunca foram treinados nas artes da gramá tica e da lógica mostra como o deficit nessas disciplinas resulta em escravidão às palavras e não em domínio sobre elas COMO ENCONTRAR OS ARGUMENTOS Já falamos o suficiente sobre proposições Agora está na hora de abordar mos a sétima regra da leitura analítica a qual requer que lidemos com várias frases Dissemos anteriormente que havia uma boa razão para não formularmos essa regra de interpretação simplesmente encontrando os parágrafos mais im portantes A razão é simples não há consenso entre os escritores sobre como os parágrafos devem ser compostos Grandes escritores como Montaigne Locke ou Proust compuseram parágrafos extremamente longos outros como 140 Como Ler Livros Maquiavel Hobbes ou Tolstói escreveram parágrafos relativamente curtos Nos tempos modernos sob a influência do estilo tipicamente jornalístico a maioria dos autores assumiu a tendência de escrever parágrafos curtos e fáceis de ler O parágrafo que você está lendo agora por exemplo é provavelmente longo demais para os padrões jornalísticos atuais Se quiséssemos agradar aos leitores teríamos começado um novo parágrafo em Grandes escritores Não é apenas uma questão de extensão O que nos incomoda aqui é a rela ção entre linguagem e pensamento A unidade lógica para a qual a sétima regra aponta é o argumento a sequência de proposições algumas das quais podem levar a outras Essa unidade lógica não guarda relação exclusiva com nenhuma unidade reconhecível no texto da maneira como por exemplo os termos es tão relacionados às palavras e expressões e as proposições estão relacionadas às frases Um argumento pode ser expresso em uma frase única e complicada por exemplo ou em várias frases que formam apenas uma pequena parte de um parágrafo Às vezes pode acontecer de um argumento coincidir exatamente com um parágrafo mas também pode acontecer de o argumento exigir diversos parágrafos para ser devidamente exposto Há ainda outra dificuldade Há inúmeros parágrafos em um livro que não expressam absolutamente nenhum argumento nem mesmo a pequena parte de um argumento Eles podem detalhar alguma evidência ou relatar como a evidência foi coleta da mas não são um argumento em si Assim como há frases cuja importância é secundária pois são meras digressões ou notas paralelas assim também há parágrafos desse tipo Nem precisamos lembrar que esses parágrafos podem ser lidos mais rapidamente que os demais Por causa dessas questões sugerimos que a REGRA 7 seja reescrita assim ENCONTRE SE PUDER OS PARÁGRAFOS QUE EXPRESSAM OS ARGUMENTOS IMPORTANTES DO LIVRO i MAS SE OS ARGUMENTOS NÃO PUDEREM SER ENCONTRADOS DESSA MANEIRA VOCÊ TERÁ DE CONSTRUÍLOS JUNTANDO FRASES DE DIVERSOS PARÁGRAFOS ATÉ QUE CONSIGA COMPOR UMA SEQUÊNCIA DE FRASES QUE ENUNCIEM AS PROPOSIÇÕES QUE COMPÕEM O ARGUMENTO Após ter detectado quais são as frases principais a composição dos pa rágrafos deverá ser algo relativamente simples Há várias maneiras de fazêlo 9 Como especificar a mensagem do autor w Você pode escrever em um papel as proposições que em conjunto formam um argumento Mas em geral o mais comum é fazer aquilo que sugerimos ante riormente escrever números nas margens além de outras marcas e sinais que indiquem os locais onde se encontram as frases que compõem o argumento Nem sempre os autores ajudam o leitor nessa tarefa Os autores que sabem expor seu raciocínio de maneira clara e limpa sempre buscam revelar e nunca ocultar seu pensamento No entanto nem todos os bons autores fazem isso da mesma maneira Alguns como Euclides Galileu Newton autores cujo estilo é eminentemente matemático ou geométrico chegam perto do ideal de igualar o argumento a apenas um parágrafo O estilo da maioria dos escritores não ma temáticos tende a apresentar dois ou mais argumentos em um só parágrafo ou apresentar um argumento em vários parágrafos Quanto mais displicente for a escrita de um livro tanto mais difusos os parágrafos tenderão a ser É muito comum termos de investigar todos os pa rágrafos de um capítulo para encontrar as frases que constituem o argumento Alguns livros nos levam a investigar em vão e outros nem mesmo encorajam a investigação Um bom livro normalmente se resume à medida que os argumentos se desenvolvem Se o autor resumir seus argumentos no final de um capítulo ou no final de uma seção ou parte você poderá consultar as páginas anteriores a fim de detectar os trechos que ele reuniu no resumo Na Origem das Espécies Darwin resume seu argumento para o leitor no último capítulo chamado Re capitulação e Conclusão O leitor que tanto se esforçou ao longo da leitura até que merece essa ajudai já o leitor que não se esforçou não conseguirá aproveitar o resumo A propósito se você investigou bem o livro antes de começar a lêlo ana liticamente saberá se os resumos existem e onde estão Nesse caso poderá usálos da melhor maneira possível para interpretar o livro Outro sinal de um livro mal escrito é a omissão de passos em um argumen to Às vezes eles podem ser omitidos sem causar danos pois essas proposições deixadas de lado em geral são compensadas pelo conhecimento médio dos leito res Mas em outros casos a omissão é enganosa quando não intencionalmente 142 Como Ler Livros enganosa Um dos truques mais conhecidos de oratória ou propaganda é não dizer certas coisas uma vez que poderiam arruinar o argumento se fossem expli citadas Em geral não esperamos que esse tipo de truque seja usado por autores honestos cujo intuito é ensinar mas mesmo assim é prudente adotarmos o há bito de explicitar todos os passos de um argumento Não importa de que tipo seja o livro sua missão como leitor continua a mesma Se o livro contiver argumentos você tem de saber quais são e deve po der expressálos em poucas palavras Há evidentemente argumentos constru ídos sobre outros argumentos Ao longo de uma análise complexa e elaborada uma coisa pode ser provada para provar outra coisa e esta coisa pode ser usada para provar ainda outra coisa As unidades de raciocínio porém são os argu mentos simples Se você for capaz de encontrálos em qualquer livro jamais se perderá nas sequências argumentativas mais longas Você pode estar pensando que embora tudo isso seja muito bonito tal vez fosse necessário conhecer a estrutura dos argumentos da mesma maneira como os especialistas em lógica a conhecem Sem esse conhecimento especí fico como encontrar ou pior como construir os argumentos se o autor não os expuser de maneira compacta em um único parágrafo A resposta é que obviamente você não precisa conhecer a estrutura dos argumentos como se fosse um especialista em lógica Há relativamente pou cos especialistas em lógica no mundo para o bem ou para o mal A maioria dos livros que transmitem conhecimento contém argumentos Eles são voltados para os leitores em geral e não para especialistas em lógica Nenhuma grande competência em lógica é necessária para ler esses livros Repetindo o que já dissemos anteriormente a natureza da mente humana é tal que se ela se esforçar ao longo da leitura se identificar os termos usados pelo autor e encontrar suas proposições ela também conseguirá encontrar os argumentos Porém algumas coisas que precisamos dizer poderão ser úteis para cumprir essa regra de leitura Em primeiro lugar lembrese de que todo argumento consiste em uma quantidade específica de afirmações Algumas dessas afirmações for necem as razões para que você aceite a conclusão proposta pelo autor Se você 9 Como especificar a mensagem do autor H3 encontrar as conclusões antes procure as razões Se encontrar as razões antes veja aonde elas o levarão Em segundo lugar discrimine entre o tipo de argumento que aponta para um ou mais fatos específicos como evidências para alguma generalização e o tipo de argumento que apresenta uma série de afirmações gerais para provar outras generalizações O primeiro tipo de raciocínio é chamado indutivo e o segundo é chamado dedutivo mas os nomes não são tão importantes O importante mesmo é saber distinguir os dois Na literatura científica observase essa distinção na diferença entre a prova de uma proposição por raciocínio e por experimentação Galileu em seu livro Duas Novas Ciências chega a mencionar alguns experimentos que com provam as conclusões já demonstradas anteriormente por raciocínio mate mático Em um capítulo conclusivo do livro Estudo Anatômico sobre o Movimento do Coração o grande fisiologista William Harvey disse Demonstrouse pela razão e por experimentos que o sangue graças à batida dos ventrículos flui pelos pulmões e pelo coração e é bombeado para todo o corpo Às vezes é possível defender uma proposição por meio de raciocínios feitos com base em outras verdades gerais e por evidências empíricas Outras vezes apenas um desses métodos está disponível Em terceiro lugar fique atento às coisas que o autor diz que tem de supor o que ele diz que pode ser provado ou evidenciado e o que não pode ser provado por que é autoevidente Talvez ele esteja realmente tentando lhe dizer quais são suas suposições ou talvez esteja realmente querendo que você descubra quais são essas suposições Obviamente nem tudo pode ser provado assim como nem tudo pode ser definido Se toda proposição tivesse de ser provada nenhuma prova teria início Axiomas suposições e postulados são necessários para provar proposições Se essas proposições forem provadas elas poderão naturalmente ser usadas como premissas em outras provas Em outras palavras toda linha de raciocínio tem de começar em algum lugar Basicamente há duas maneiras ou lugares para se começar com suposições acordadas entre autor e leitor ou com as chamadas proposições autoevidentes que nem o autor nem o leitor podem negar No primeiro caso as suposições podem 144 Como Ler Livros ser qualquer coisa contanto que haja acordo entre autor e leitor O segundo caso requer alguns comentários adicionais Recentemente as pessoas têm se referido às proposições autoevidentes como tautologiasi o sentimento que há por trás do termo é uma espécie de desprezo pelo trivial ou uma suspeita de engodo ou trapaça como se coelhos estivessem sendo tirados de cartolas Você enquadra a verdade definindo as pa lavras e num passe de mágica tira a mesma verdade como se ela nunca tivesse estado ali antes Mas nem sempre é assim Por exemplo há uma diferença considerável entre uma proposição como o pai do pai é o avô e o todo é maior do que suas partes A pri meira proposição é uma tautologia afinal a proposição está contida na defi nição das palavras mas o segundo exemplo está longe de ser uma tautologia Vejamos por quê A afirmação o todo é maior do que suas partes expressa o enten dimento que temos das coisas e de suas relações o qual seria o mesmo a despeito das palavras que utilizamos ou das convenções linguísticas que adotamos Os todos finitos quantitativos existem e eles possuem partes fi nitas definidasi por exemplo esta página pode ser cortada na metade ou em várias partes etc Ora a maneira como entendemos um todo finito isto é qualquer todo finito e a maneira como entendemos uma parte finita de um todo finito implicam entendermos o todo como maior que a parte ou a parte como menor que o todo Ao que parece a questão é meramente verbal ou seja simplesmente não conseguimos definir as palavras todo e partei essas palavras expressam noções primitivas ou indefiníveis Já que não podemos definilas separadamente o que podemos fazer é expressar o que entendemos por todo e parte por meio de uma frase que mostre como os todos e as partes estão relacionados A afirmação é axiomática ou autoevidente no sentido de que seu oposto é imediatamente percebido como falso Podemos dizer que esta página é parte e que metade desta página é todo mas não conseguimos pensar que esta página antes de ser cortada na metade seja menor que a metade obtida após cortála A despeito de como utilizamos as palavras os todos finitos e suas 9 Como especificar a mensagem do autor 145 partes definidas são tais que sempre somos movidos a dizer que o todo é maior que suas partes e o que sabemos é a relação entre os todos existentes e suas partes e não o uso das palavras ou seus significados Essas proposições autoevidentes possuem portanto o status de verdades indemonstráveis e por sua vez inegáveis Elas se baseiam somente em expe riências e são parte do conhecimento espontâneo já que não pertencem for malmente a nenhum grupo específico de conhecimento elas não pertencem à filosofia nem à matemática assim como não pertencem à ciência nem à história Eis por que a propósito Euclides as chamava de noções comuns Elas tam bém são instrutivas apesar de Locke por exemplo achar que não Ele não via diferença alguma entre uma proposição que nada instruía como aquela sobre o avô e uma que instruía as proposições que nos ensinam algo que de outra maneira não saberíamos como aquela sobre partes e todos Todos os moder nos que consideram tais proposições como meramente tautológicas cometem o mesmo erro Não percebem que algumas das proposições que consideram tautológicas contribuem para nosso conhecimento ao passo que outras ob viamente em nada contribuem COMO ENCONTRAR AS SOLUÇÕES As últimas três regras da leitura analítica as regras sobre termos pro posições e argumentos podem ser encabeçadas por uma oitava regra a qual abrange o último degrau na interpretação do conteúdo de um livro Mais do que isso essa oitava regra relaciona o primeiro estágio da leitura analítica delineamento da estrutura com o segundo estágio interpretação do conteúdo O último passo na tentativa de descobrir a essência do livro é descobrir os principais problemas que o autor tenta resolver Lembrese isso está na Regra 4 Ora após ter chegado a um acordo com o autor isto é ter detectado os termos que ele utiliza e captado quais suas proposições e argumentos você terá de verificar o que encontrou voltandose para outras questões Quais dos 146 Como Ler Livros problemas abordados pelo autor ele realmente conseguiu resolver Na tentativa de resolvêlos será que o autor criou novos problemas Dos problemas em que ele fracassou velhos ou novos em quais o próprio autor reconhece que fracas sou O bom autor assim como o bom leitor tem de saber se um problema foi resolvido ou não além de ser menos doloroso ao leitor se o autor explicitamen te reconhecer o fracasso 0 passo final da etapa interpretativa é a REGRA 8 DESCUBRA QUAIS SÃO AS SOLUÇÕES DO AUTOR Quando tiver aplicado essa regra além das três prece dentes você poderá ter certeza de que conseguiu entender o livro Se você começou com um livro que está acima do seu entendimento um livro que pode lhe ensinar alguma coisa então percorreu um longo caminho para chegar até aqui Mais do que isso agora está apto a completar sua leitura analítica do livro O terceiro e último estágio lhe será relativamente fácil Até agora você manteve seus olhos e sua mente abertos mas a boca esteve fechada Até agora você acompanhou o autor A partir de agora terá a chance de expressarse debatendo com o autor O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Até aqui descrevemos o segundo estágio da leitura analítica Outra ma neira de dizer isso é que até agora expusemos os materiais necessários para responder à segunda pergunta básica que você tem de fazer sobre o livro na realidade sobre qualquer coisa legível Você deve lembrar que a pergunta era O que exatamente está sendo dito e como A aplicação das regras 5 a 8 deve ter lhe ajudado a responder a essa pergunta Quando tiver chegado a um acordo com o autor isto é quando tiver encontrado seus termos detectado suas proposições e argumentos centrais e identificado as soluções que ele dá aos problemas que se propôs você saberá o que ele disse no livro e assim estará preparado para responder às duas perguntas básicas finais Já que completamos este estágio da leitura analítica vamos como anterior mente resumir suas regras 9 Como especificar a mensagem do autor 147 O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA OU REGRAS PARA DESCOBRIR O QUE DIZ O LIVRO INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO 1 Chegue a um acordo com o autor interpretando suas palavraschave 2 Capte as proposições principais encontrando as frases mais importantes 3 Entenda os argumentos do autor encontrandoos ou compondoos com base em conjuntos de frases 4 Determine quais problemas o autor conseguiu resolver e quais ele não conseguiu resolver neste caso decida se o autor sabe que fracassou ao não resolvêlos 1 4 8 Como Ler Livros 10 COMO CRITICAR UM LIVRO No final do capítulo anterior dissemos que o caminho percorrido até aqui foi longo Aprendemos a delinear um livro Aprendemos as quatro regras para interpretar o conteúdo de um livro Agora estamos prontos para o último es tágio da leitura analítica Neste estágio você colherá os frutos dos esforços despendidos nos estágios anteriores Ler um livro é como conversar Talvez não lhe pareça uma conversa de verdade já que é o autor quem fala e você permanece calado o tempo todo Se pensa desse jeito então você não percebe sua real obrigação como leitor além de não perceber todas as oportunidades à sua disposição Na realidade o leitor é aquele que dá a palavra final O autor teve a opor tunidade de falar o tempo todo e agora é a sua vez A conversa entre um livro e seu leitor se parece mais ou menos com aqueles debates em que cada um ouve a fala do outro sem interrompêlo esperando sua vez de falar Porém se o leitor for indisciplinado e rude a conversa não terá bom progresso O pobre autor não poderá se defender Ele não conseguirá dizer Ei espere até que eu tenha terminado de falar Ele não poderá protestar não poderá dizer que o leitor o entendeu mal As conversas entre pessoas que se confrontam são proveitosas apenas se levadas a cabo de maneira civilizada Não estamos aqui nos referindo apenas às civilidades sociais e a regras de etiqueta Essas convenções não são realmente importantes O que importa é a etiqueta intelectual esta sim tem de ser observada com rigor Sem essa etiqueta a conversa será mero bateboca e não uma co municação proveitosa Supomos obviamente que a conversa envolva questões sérias sobre as quais pessoas adultas possam concordar ou discordar Por isso é importante que se portem de maneira adequada Do contrário não haverá proveito nessa empreitada O proveito ou o lucro de uma conversa é aquilo que se aprendeu nela O que vale para uma conversa comum vale ainda mais para a situação es pecial na qual o livro falou e agora o leitor tem de responder Que o autor se portou adequadamente é algo que teremos de supor ao menos de início Que ele transmitiu tudo aquilo que tinha em mente também é algo que vamos supor sobretudo no caso dos bons livros Mas o que o leitor pode fazer em resposta O que ele tem de fazer para cumprir seu dever com louvor O leitor tem a obrigação e a oportunidade de responder ao autor A opor tunidade é evidente Nada pode impedir que o leitor pronuncie seu julgamento a respeito do livro As raízes da obrigação no entanto situamse nas profunde zas da natureza da relação entre livros e leitores Se o livro for do tipo que transmite conhecimento o objetivo do autor foi o de instruir Ele buscou ensinar Procurou convencer ou persuadir o leitor de alguma coisa Seu esforço só terá sucesso se o leitor ao final disser Fui ensinado Você me convenceu de que isso e isso é verdade ou me persuadiu de que isso é provavelmente verdade No entanto mesmo que o leitor não esteja convencido ou persuadido a intenção e o esforço do autor devem ser respei tados O leitor lhe deve um julgamento justo Se não pode concordar com o autor ao menos deve ter bases claras para discordar ou se for o caso suspender o julgamento em questão Na realidade o que acabamos de dizer já foi dito muitas vezes Um bom livro merece uma leitura analítica A leitura não acaba no entendimento do livro Ela tem de ser coroada por uma crítica por um julgamento O leitor pouco exigente não cumpre essa tarefa e provavelmente também não cumpre a tarefa de análise e interpretação Esse tipo de leitor não se limita à preguiça ele despreza o livro colocandoo de lado e esquecendose dele Pior do que elogiálo de leve ele o condena sem lhe conceder uma crítica adequada O ENSINAMENTO É UMA VIRTUDE A resposta não é algo separado da leitura É o terceiro estágio da leitura analítica de um livro assim como nos estágios anteriores há regras para seu 150 Como Ler Livros cumprimento Algumas delas são regras gerais de etiqueta intelectual Falare mos delas neste capítulo As demais são critérios mais específicos para críticas mais específicas Elas serão abordadas no próximo capítulo As pessoas tendem a achar que os bons livros estão livres das críticas do leitor mediano O leitor e o autor não são iguais O autor desse ponto de vista só deve se sujeitar ao julgamento de seus pares Lembrese da recomendação de Bacon a seus leitores Não leia para contradizer ou refutar nem para crer ou acreditar piamente nem para conversar ou debater mas para pesar e ponderar Sir Walter Scott lança críticas ainda mais ácidas contra aqueles que leem para duvidar ou leem para zombar Há certa verdade aí evidentemente mas também há uma boa dose de nonsense acerca da aura de infalibilidade que cerca alguns livros e da falsa devoção que ela produz Supõese que os leitores devam se comportar como crianças no sentido de que os grandes autores ensinam e os leitores têm de ficar quietos Cervantes pode ou não estar certo quando diz que não há livro tão ruim que não contenha nada de bom Se for assim também podemos dizer que não há livro tão bom que não contenha alguma falha É verdade que um livro que consegue transmitir conhecimento aos lei tores é nesse sentido superior a eles e só deve ser criticado até que esses leitores o entendam Quando tiverem entendido eles terão aumentado seu nível de conhecimento até um nível igual ao do autor Nesse caso estarão aptos a exercitar seus direitos e privilégios Se não o fizerem estarão come tendo uma injustiça contra o autor Ele fez o que pôde para eleválos até seu nível Ele merece que ajam como seus pares que conversem com ele que respondam Estamos falando aqui da virtude do ensinamento uma virtude muito mal compreendida hoje em dia O ensinamento confundese equivocadamente com a subserviência Dizse que uma pessoa pode ser ensinada se ela for dócil e passiva Mas é justamente o contrário o ensinamento é uma virtude extrema mente ativa Ninguém é verdadeiramente capaz de aprender se não exercitar livremente seu poder de julgamento independente Ele pode até ser treinado mas não ensinado O leitor mais capacitado a aprender é portanto o mais crítico dos leitores w Como criticar um livro 151 É o leitor que ao final responde ao livro esforçandose ao máximo nas questões apresentadas pelo autor Dissemos ao final porque o ensinamento requer que o professor seja ouvido totalmente e que mais do que isso seja entendido antes de ser julgado Vale lembrar que o mero esforço não é o critério adequado para a aprendiza gem O leitor tem de saber como julgar o livro assim comu tem de saber como entender o conteúdo do livro O terceiro grupo de regras é portanto um guia para o último estágio do exercício disciplinado do ensinamento O PAPEL DA RETÓRICA Por toda parte encontramos certa reciprocidade entre a arte de ensinar e a arte de ser ensinado entre a competência do autor e a competência do leitor Vimos como os mesmos princípios lógicos e gramaticais envolvidos na boa es crita também formam as regras da boa leitura As regras que abordamos até aqui lidam com a inteligibilidade do autor e com a capacidade de compreensão do leitor O conjunto de regras que vamos descrever agora vai além do entendi mento entra na seara do julgamento crítico É aqui que entra a retórica A retórica possui evidentemente muitos usos Em geral pensamos nela como algo utilizado por oradores ou profissionais do marketing No entanto a retórica está relacionada a todas as situações nas quais há comunicação entre seres humanos Se somos nós que falamos queremos não apenas que nos enten dam mas que concordem conosco em certa medida Se quisermos realmente nos comunicar se quisermos ser entendidos desejaremos também convencer ou persuadir mais precisamente desejaremos convencer a respeito de ques tões teóricas e em última instância persuadir a respeito de questpes que afetam nossas ações e sentimentos A comunicação séria exige não apenas que sejamos espectadores responsivos mas espectadores responsáveis Você será responsável à medida que acompanhar o que lhe for dito e perceber a intenção com que é dito Mas você também terá a responsabilidade de tomar uma posição Quando tomar essa posição ela será i52 Como Ler Livros sua e não do autor Achar que os outros são responsáveis pelo seu julgamento é ser escravo e não uma pessoa livre É exatamente por isso que as artes liberais têm esse nome Quanto ao orador ou escritor o dom da retórica significa saber como con vencer ou persuadir Dado que esse seja o fim último da comunicação todos os demais aspectos deverão servilo As habilidades lógicas e gramaticais possuem seus méritos mas elas também são meios para determinado fim Reciprocamen te quanto ao leitor ou ouvinte o dom da retórica significa saber como reagir quando alguém tenta nos convencer ou persuadir de algo Aqui as habilidades lógicas e gramaticais também possibilitam nossa reação de maneira crítica pois elas nos permitem entender o que está sendo dito A IMPORTÂNCIA DE SUSPENDER O JULGAMENTO Dessa maneira vemos como as três artes da gramática da lógica e da retórica cooperam para regular os elaborados processos de escrita e leitura A destreza nos dois primeiros estágios da leitura analítica depende da gramática e da lógica A destreza no terceiro estágio depende da arte da retórica Consi deraremos que os princípios da retórica são uma espécie de código de etiqueta não apenas para ensinar boas maneiras mas para que se saiba responder com a devida eficácia Embora não seja algo comumente reconhecido a etiqueta serve para os dois propósitos e não apenas para o primeiro Você provavelmente já consegue intuir qual será a nona regra Já falamos dela diversas vezes Não responda enquanto não tiver ouvido com cuidado e não tiver certeza de que entendeu Você será honesto e não se manifestará en quanto não tiver absoluta certeza de que cumpriu com esmero os primeiros dois estágios de leitura pois em seguida você não apenas terá o direito de se manifestar como terá o dever de fazêlo Isso significa que com efeito o terceiro estágio da leitura analítica deve se guirse cronologicamente aos dois primeiros Os dois primeiros estágios se inter penetram Mesmo o leitor iniciante conseguirá combinálos e o leitor avançado 10 Como criticar um livro 153 o fará quase que integralmente Ele consegue descobrir o conteúdo do livro que brando o todo em suas partes e ao mesmo tempo construindo o todo a partir de seus elementos intelectuais e cognoscíveis a saber os termos as proposições e os argumentos Além do mais boa parte do trabalho que os dois primeiros estágios demandam já terá sido executada na leitura inspecionai Porém mesmo o especia lista só poderá passar ao terceiro estágio depois que tenha entendido A nona regra pode ser reformulada desta maneira REGRA 9 VOCÊ TEM DE DIZER COM RAZOÁVEL GRAU DE CERTEZA EU ENTENDO ANTES QUE POSSA DIZER CONCORDO OU DISCORDO OU SUSPENDO O JULGAMENTO Essas três afirmações são exaustivas ou seja elas resumem todas as pos turas que você pode adotar a respeito de um livro Esperamos que você não tenha imaginado que criticar significa discordar Tratase de um equívoco muito comum Concordar é um exercício de julgamento crítico assim como discor dar Você pode errar tanto ao concordar quanto ao discordar Discordar sem entender é imprudente Embora não seja tão óbvio de início a suspensão de um julgamento é tam bém uma crítica Você está assumindo a postura de que algo não foi demonstra do ou seja não está convencido ou persuadido para nenhum dos lados A regra parece tão óbvia que talvez você esteja se perguntando por que nos incomodamos em explicitála Há duas razões para isso Em primeiro lugar muitas pessoas cometem o erro já mencionado de igualar crítica com discórdia Mesmo as críticas construtivas são discordantes Em segundo lugar embora essa regra pareça obviamente legítima nossa experiência deixa claro que pouca gente a segue na prática Como regra de ouro ela dá mais margem a elogios insinceros do que à obediência inteligente Todo autor já passou pela experiência de ser alvo de críticos que não se sentiram obrigados a cumprir os dois primeiros estágios de leitura O crítico frequentemente imagina que não precisa ser leitor apenas juiz Todo palestrao te também passou pela mesma experiência isto é foi alvo de perguntas cujo contexto revela que obviamente o ouvinte não entendeu o que foi dito Você mesmo já deve ter ouvido alguém dizer repentinamente Não entendi o que disse mas acho que você está errado 154 Como Ler Livros Na realidade não faz sentido responder a esse tipo de crítica A única atitude educada nesses casos é pedir a tais críticos que repitam o que en tenderam isto é as ideias que julgam estar condenando Se não puderem fazêlo de maneira satisfatória se não puderem repetir o que foi dito com suas próprias palavras você saberá que eles não entenderam e portanto estará com razão se decidir ignorálos São críticas irrelevantes assim como qual quer crítica que não se baseie em entendimento genuíno Quando conseguir encontrar uma dessas raras pessoas que demonstrem ter entendido o que você disse tão bem quanto você mesmo então desfrute de seu apoio ou se preocupe com sua crítica Após anos de experiência com alunos dos mais variados tipos concluímos que o cumprimento dessa regra é mais uma exceção do que regra mesmo Alu nos que evidentemente não entenderam o que o autor quis dizer não pensam duas vezes em fazer o papel de juiz Eles não apenas discordam de algo que não entenderam como pior ainda concordam com ideias as quais não consegui riam expressar inteligentemente com suas próprias palavras Suas discussões a exemplo de sua leitura são apenas palavras Onde não há entendimento não há sentido e inteligibilidade nas afirmações e negações Nem mesmo duvidar ou suspender o julgamento são posturas inteligentes já que o leitor não saberá o que afinat ele está deixando de julgar Há outras questões a serem observadas quanto a essa regra Se estiver len do um bom livro você deve hesitar antes de dizer entendi Supõese que terá muito trabalho pela frente antes de declarar qualquer coisa com confiança e honestidade Certamente você deve ser um juiz de si próprio nessas questões o que só torna a responsabilidade ainda maior e mais séria Dizer não entendi também é evidentemente um julgamento crítico mas somente depois de ter se esforçado é que essa declaração refletirá algo sobre o livro e não sobre você Caso tenha realmente feito a sua parte e ainda não tenha entendido talvez o livro seja de fato ininteligível Porém sempre se supõe que o julgamento seja a favor do livro sobretudo se for um bom livro No caso dos bons livros a responsabilidade pelo fracasso em entendêlos quase sempre cabe ao leitor Por isso ele é obrigado a permanecer nos dois primeiros estágios de leitura antes w Como criticar um livro i55 de se aventurar no terceiro Quando disser não entendi preste atenção ao seu tom de voz e veja se ele concede a possibilidade de que a falha não seja do autor mas de você mesmo leitor Há mais duas condições nas quais a regra exige cuidados especiais Se es tiver lendo apenas uma parte do livro é mais difícil ter certeza de que você o entendeu e portanto terá de ser ainda mais cuidadoso ao criticálo Às vezes um livro está intimamente relacionado a outros livros do mesmo autor sendo assim seu pleno entendimento depende deles Nesse caso você também deve ser mais cauteloso em dizer entendi e diminuir a ânsia da crítica Um exemplo bastante característico desse tipo de audácia é dado pelos críticos que concordam com a Poética de Aristóteles ou dela discordam sem per ceber que os princípios centrais da análise poética de Aristóteles encontramse em outros trechos de outros livros sobretudo de seus tratados de psicologia lógica e metafísica Eles concordam ou discordam sem saber com o que estão concordando ou de que estão discordando O mesmo vale para autores como Platão e Kant Adam Smith e Karl Marx os quais não escreveram tudo o que sabiam ou pensavam em uma única obra Aqueles que julgam a Crítica da Razão Pura de Kant sem ler sua Crítica da Razão Prá tica ou A Riqueza das Nações de Adam Smith sem ler sua Teoria dos Sentimentos Morais ou O Manifesto Comunista de Marx sem ler O Capital simplesmente não estão em condições de concordar ou discordar de nada pois certamente não entenderam por completo o que esses autores disseram POR QUE É IMPORTANTE EVITAR CONTROVÉRSIAS O segundo preceito da leitura crítica é tão óbvio quanto o primeiro mas mesmo assim precisa ser explicitado pelos mesmos motivos É a REGRA 1 O que diz isto QUANDO DISCORDAR FAÇAO DE MANEIRA SENSATA SEM GERAR DISPUTAS OU DISCUSSÕES Não faz sentido vencer um debate se souber ou suspeitar que es teja errado Na prática você terá levado vantagem mas apenas no curto prazo A honestidade é a melhor política sobretudo no longo prazo 156 Como Ler Livros Aprendemos esse preceito antes de tudo com Platão e Aristóteles Em um trecho do Banquete há este diálogo Não posso refutarte Sócrates disse Ágaton Suponhamos que o que dizes é verdade Em vez disso Ágaton dize que não podes refutar a verdade pois Sócrates é facilmente refutável O trecho ecoa nas palavras de Aristóteles em sua Ética Ele diz É preferível e é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria porque embora ambos nos sejam caros a pie dade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos Platão e Aristóteles aconselham algo que a maioria das pessoas ignora Muitos pensam que vencer o debate é o que importa e não aprender a verdade Uma conversa não é uma batalha vencida por mero antagonismo ou seja não é uma batalha que se vence por meio de discórdias verdadeiras ou falsas O leitor que abordar o livro nesse espírito só vai ler aquilo de que discorda Em discussões e disputas é fácil encontrar pelo em ovo Na privacidade de sua casa nada impede que o leitor vença o debate Ele domina a situação O autor não está ali para se defender Se tudo o que quer é sentirse superior ao autor o leitor o conseguirá facilmente Ele nem precisa ler o livro para isso Basta correr os olhos por algumas páginas e pronto No entanto se ele perceber que o único proveito que poderá extrair de mestres vivos ou mortos é aquilo que puder aprender com eles se perceber que a vitória se segue à conquista do conhecimento e não ao nocaute do ad versário poderá compreender a futilidade das disputas Isso não quer dizer que o leitor não deva nunca discordar e tentar mostrar onde o autor errou Estamos apenas dizendo que ele deve estar tão preparado para concordar quanto para discordar Qualquer que seja sua postura ela deverá estar motivada apenas pe los fatos pela verdade 10 Como criticar um livro 157 É necessário mais do que honestidade É fato que se o leitor detectar um argumento válido terá de admitilo Mas ele não deve se sentir compelido a con cordar com o autor em vez de discordar Caso se sinta assim também estará investido do espírito de disputa À luz do segundo preceito seu problema é emocional e não intelectual COMO RESOLVER DISCÓRDIAS O terceiro preceito está intimamente ligado ao segundo Ele também ex pressa uma condição indispensável para a crítica de um livro Ele recomenda que você encare as discórdias como algo passível de ser resolvido Enquanto o segundo preceito sugere que você não discorde insensatamente o terceiro alertao contra a discórdia desesperançada A desesperança surge da ideia de que pessoas racionais não possam entrar em acordo Note que dissemos possam Isso não quer dizer que pessoas racionais sempre entrem em acordo Mesmo que não concordem elas podem concordar O que queremos dizer é que a discórdia não passa de mera perturbação fútil a não ser que as partes discordem na esperança mútua de que a questão possa ser devidamente resolvida Esses dois fatos isto é que as pessoas discordam e que podem concordar devemse à complexidade da natureza humana Os seres humanos são animais racionais A racionalidade é a fonte da capacidade de concordar A animalidade e as imperfeições que ela imprime sobre a razão são a causa da maior parte das discórdias Os seres humanos são criaturas passionais e preconceituosas A lin guagem que empregam na comunicação é imperfeita obscurecida pela emoção e colorida pelo interesse próprio além de pouco transparente ao pensamento No entanto dado que os seres humanos são racionais tais obstáculos podem ser superados O tipo de discórdia meramente aparente o tipo de discórdia que resulta de simples desentendimento pode ser curado Há obviamente outro tipo de discórdia aquela que se deve a desigual dades de conhecimento O sujeito relativamente ignorante discorda com fre quência e equivocadamente do sujeito relativamente culto sobre questões que 158 Como Ler Livros ultrapassam seu conhecimento Esse tipo de discórdia também pode ser corrigi do A desigualdade de conhecimento é sempre curável pelo ensino Há outras discórdias que são mais profundas e subsistem precisamente no domínio da própria razão É difícil certificarse delas e praticamente impossível descrevêlas racionalmente De qualquer maneira o que dissemos aplicase à imensa maioria das discórdias Elas resolvemse pela remoção dos desentendi mentos ou da ignorância Ambos os tipos são passíveis de cura embora à custa de alguma dificuldade Assim a pessoa que discordar a despeito do estágio em que se encontre uma conversa deve ao menos alimentar alguma esperança de que a concórdia seja alcançada ao final Ela deve estar apta a mudar sua opinião tanto quanto a mudar a opinião do opositor Em outras palavras devese sempre ter em mente a possibilidade de haver um desentendimento ou ignorância de parte a parte Ninguém deve ignorar que a ocasião para ensinar é também uma ocasião para ser ensinado O problema é que muitas pessoas não acham que a discórdia esteja ligada ao ensino ou à aprendizagem Elas acham que tudo é uma questão de opinião Eu tenho a minha e você tem a sua o direito de ter uma opinião é tão inviolável quanto o direito à propriedade privada Dessa perspectiva a comunicação ja mais será proveitosa pois o proveito advém justamente do aumento de conhe cimento A conversa não passaria de um jogo de pinguepongue de um jogo de opiniões opostas um jogo em que ninguém marca pontos ninguém vence e todos saem satisfeitos porque ninguém perdeu isto é todos saem com as mesmas opiniões com que entraram Jamais teríamos escrito este livro se sustentássemos esse tipo de opinião Pelo contrário acreditamos que o conhecimento pode ser comunicado e que as discussões podem suscitar aprendizagem Se o conhecimento genuíno e não a mera opinião pessoal é o que importa então ou as discórdias são apenas aparentes e são eliminadas por um acordo entre autor e leitor ou elas cons tituem problemas reais genuínos e podem ser resolvidas no longo prazo evidentemente apelandose aos fatos e à razão A racionalidade exige das partes que tenham no mínimo uma grande dose de paciência Em suma o que estamos querendo dizer é que as discórdias são questões argumentáveis w Como criticar um livro 159 Mas os argumentos são vazios caso as partes não trabalhem com a suposição de que é possível chegarem a um entendimento que à luz da razão e das evidências relevantes resolva os problemas originais Como este terceiro preceito se aplica às conversas entre leitor e autor Como transformálo em uma regra de leitura Ele referese ao caso em que o leitor discorda de alguma coisa no livro e exige em primeiro lugar que a discórdia não seja fruto de malentendidos Suponhamos que o leitor foi cuidadoso o bastante para não tecer críticas antes de ter certeza de que en tendeu o livro e portanto está convencido de que não há malentendidos E agora o que fazer Esse preceito exige que o leitor diferencie entre conhecimento genuíno e mera opinião e que caso se trate de conhecimento o problema possa ser resolvido Se for tenaz e persistente o bastante o leitor poderá ser ensinado em questões que mudarão sua opinião Se isso não acontecer talvez ele esteja justificado em criticar o autor e metaforicamente falando este deverá se deixar instruir pelo leitor Oigamos que se o autor estivesse vivo e presente é a opi nião dele que seria alterada Você deve estar lembrado do que dissemos sobre esse assunto no capí tulo anterior Se o autor não fornecer razões que sustentem suas proposições elas poderão ser tratadas como se fossem expressões de sua opinião O leitor que é incapaz de diferenciar entre conhecimento e manifestação de opinião não lê para aprender Na melhor das hipóteses estará interessado apenas na personalidade do autor e usará o livro como fonte de consulta Obviamente esse tipo de leitor não concordará nem discordará Ele não julga o livro mas o homem Porém se o leitor estiver interessado no livro e não no homem ele levará a sério a tarefa de criticálo a qual por sua vez depende da distinção entre co nhecimento real e mera opinião pessoal Por conseguinte o leitor não pode se limitar a concordar ou discordar Ele tem de fornecer razões É claro que caso concorde basta que compartilhe ativamente as razões e os argumentos do au tor mas caso discorde terá a obrigação de se explicar caso contrário reduzirá uma questão de conhecimento a outra de mera opinião 160 Como Ler Livros Assim a REGRA 1 1 pode ser expressa desta forma RESPEITE A DIFERENÇA EN TRE CONHECIMENTO E OPINIÃO FORNECENDO RAZÕES PARA QUAISQUER JULGAMENTOS CRÍTICOS QUE FIZER A propósito não estamos insinuando que exista uma grande quantidade de conhecimento absoluto disponível Proposições autoevidentes no sentido em que as definimos no capítulo anterior são verdades ao mesmo tempo inde monstráveis e irrefutáveis A maior parte do conhecimento porém não atinge esse grau absoluto O que sabemos está sujeito a correções sabemos porque todas as evidências ou muitas delas corroboram esse conhecimento mas não podemos ter certeza de que não surgirá uma nova evidência que em algum mo mento invalidará o que hoje pensamos ser verdadeiro Isso contudo não invalida a importante distinção entre conhecimento e opinião abordada há pouco Digamos que o conhecimento consiste nas opiniões que podem ser defendidas opiniões para as quais existem evidências de alguma espécie Nesse sentido se nós realmente sabemos algo devemos acreditar que somos capazes de convencer outras pessoas daquilo que sabemos A opinião no sentido em que a temos empregado é um julgamento não justi ficado É por isso que usamos os adjetivos mero ou pessoal associados a ela Não podemos fazer mais do que opinar caso não tenhamos evidências ou motivos que sustentem as proposições ou seja nada teremos além de preconceitos ou sentimentos pessoais Podemos dizer que algo é verdadeiro somente quando tivermos evidências objetivas que outros homens racionais provavelmente aceitarão Vamos resumir os três preceitos abordados neste capítulo Os três formam em conjunto as condições necessárias para a leitura crítica e estabelecem as maneiras pelas quais o leitor pode responder ao autor O primeiro pede ao leitor que conclua a tarefa de entender antes de criticar O segundo o aconselha a não ser polêmico nem competitivo O terceiro acon selha a considerar remediáveis os desacordos sobre questões do conhecimento Essa regra vai além ela também exige que o leitor apresente justificativas para o seu desacordo de forma que as proposições não sejam apenas expostas mas também justificadas Reside aqui toda a esperança de uma solução w Como criticar um livro i6i 11 CONCORDAR COM O AUTOR OU DISCORDAR A primeira coisa que o leitor tem de dizer é se entendeu ou não Na reali dade ele precisa dizer que entendeu para que possa dizer algo mais Se não tiver entendido deve calarse e concentrarse no livro Há uma exceção à crueldade da segunda alternativa Dizer não entendi pode ser em si um comentário crítico Para que seja esse o caso o leitor precisa saber se justificar Se o problema é do livro e não dele o leitor precisa localizar as fontes do problema Deve ser capaz de mostrar que o livro tem uma estrutura mal ordenada que suas partes não se encaixam como deveriam que algumas de las carecem de importância ou que o autor está equivocado ao empregar certas palavras importantes o que pode dar margem a uma série de confusões Na me dida em que o leitor consiga sustentar sua acusação de que o livro é ininteligível não lhe restará nenhuma obrigação em seu papel de crítico Suponhamos porém que você esteja lendo um bom livro ou seja um livro relativamente inteligível E suponhamos que no final das contas você seja capaz de dizer entendi Se além de entender o livro você concordar com o que o autor disse o trabalho terminou por aí A leitura analítica estará encer rada Você foi esclarecido ou convencido ou persuadido Ou seja só haverá passos adicionais caso tenha discordado do autor ou caso tenha suspendido o julgamento O primeiro caso é o mais comum Na medida em que os autores argumentam com seus leitores e esperam que seus leitores contraargumentem o bom leitor deve estar familiarizado com os princípios da argumentação Ele precisa ser capaz de conduzir uma po lêmica de forma civilizada e inteligente É exatamente para isso que serve este capítulo O leitor pode chegar a concordar com o autor ou discordar dele de for ma significativa não apenas entendendo os argumentos mas confrontandoos Vamos fazer uma pausa para refletir sobre o significado da concórdia e da discórdia O leitor que chega a um acordo com o autor assimilando suas proposições e argumentos compartilha com ele uma forma de pensar Na realidade todo o processo de interpretação está voltado para o encontro entre duas mentes mediante a linguagem Compreender o livro é como se houvesse um acordo entre autor e leitor Eles concordam sobre como a lin guagem foi usada para expressar determinadas ideias Em função desse acor do o leitor será capaz de enxergar através da linguagem do autor as ideias que ele buscou expressar Se o leitor entendeu o livro como poderá discordar dele A leitura crí tica exige que o leitor forme suas próprias ideias mas as mentes do autor e do leitor agora são uma só Que mente sobrou ao leitor para que forme suas próprias ideias Há pessoas que cometem o erro de não diferenciar entre dois tipos de acordo Elas supõem de maneira equivocada que se há acordo entre duas pessoas então não há nenhuma discórdia Elas acham que toda discórdia é uma questão de incompreensão O erro se torna patente quando lembramos que o autor está emitindo julgamentos sobre o mundo em que vivemos Ele transmite conhecimentos teóricos sobre como as coisas existem e se comportam ou conhecimentos práticos sobre como as coisas devem ser feitas Evidentemente ele pode es tar certo ou errado Ele só terá razão se tiver dito coisas verdadeiras se tiver apresentado fatos que são ao menos prováveis à luz das evidências Caso contrário estará equivocado Se você disser por exemplo que todos os homens são iguais enten deremos que todos os homens ao nascerem são igualmente dotados de inteli gência força etc À luz dos fatos teríamos de discordar de você Acharíamos que você está errado Mas suponha que tenhamos entendido você mal Vamos supor que na realidade você quis dizer que todos os homens têm os direitos políticos iguais Como não entendemos o que você quis dizer nossa discórdia tornase irrelevante Agora vamos supor que o erro foi devidamente corrigido Res tamnos duas alternativas Podemos concordar ou discordar mas se discordarmos 164 Como Ler Livros haverá uma discórdia real entre nós Entendemos seu posicionamento político mas defendemos uma posição contrária Discórdias sobre questões factuais ou políticas questões sobre como as coisas são ou deveriam ser são reais somente quando há um entendimen to comum a respeito daquilo que está sendo dito Estar de acordo sobre o uso das palavras é uma condição indispensável para a genuína concórdia ou discórdia sobre os fatos É por causa do consentimento entre você e o autor e não a despeito dele que mediante uma interpretação sólida você se torna capaz de formar sua própria opinião defendendo ou atacando a posição que ele tiver tomado PRECONCEITO E JULGAMENTO Consideremos agora a situação em que você discorda do autor mesmo que tenha entendido tudo o que ele disse Se você se esforçou em seguir os preceitos apresentados no capítulo anterior então discorda porque sabe onde o autor errou Você não está simplesmente verbalizando preconceitos ou expressando emoções É por isso que de um ponto de vista ideal há três condições que devem ser satisfeitas para que a controvérsia seja conduzida a contento A primeira é exatamente esta como os seres humanos além de racionais são também animais é indispensável que as emoções que porventura despontem ao longo da discórdia sejam identificadas e reconhecidas como tal Caso con trário você apenas dará vazão a sentimentos e não vai declarar razões Você pode até achar que está coberto de razão mas na verdade está coberto de fortes emoções Segunda você precisa explicitar suas premissas e pressuposições Precisa es tar ciente dos seus preconceitos isto é de seus prejulgamentos Caso contrário não conseguirá admitir que seu oponente também tem o direito de ter premissas e pressuposições diferentes A boa discórdia não deve resumirse a disputas sobre premissas Por exemplo se um autor explicitamente lhe pedir que aceite certas premissas 11 Concordar com o autor ou discordao 165 como verdadeiras o fato de que o contrário do que ele diz também possa ser verdadeiro não é motivo suficiente para você contestálo Se seus preconceitos situamse no polo oposto e se você não reconhece que são preconceitos será incapaz de avaliar o autor com a devida justiça Terceira e última tentar ser imparcial é um bom antídoto para as cegueiras partidárias É impossível não haver controvérsias quando há tomada de par tido mas para que as partes tenham certeza de que estão trilhando o caminho certo isto é que a razão esteja predominando sobre as emoções é desejável que cada parte assuma o ponto de vista do oponente Se você for incapaz de ler um livro de maneira digamos simpática suas discórdias provavelmente serão fruto de disputas meramente pessoais e não intelectuais Essas três condições são idealmente as condições sine qua non da conversa inteligente e proveitosa Elas obviamente se aplicam também à leitura uma vez que a leitura também é um tipo de conversa Cada uma dessas condições con tém conselhos úteis para os leitores que estejam realmente buscando respeitar o ponto de vista do oponente Porém o ideal é algo do qual podemos nos aproximar mas que nunca iremos atingir Jamais devemos esperar o ideal das pessoas Nós mesmos ad mitamos desde já estamos bastante conscientes de nossos próprios defeitos Violamos nossas próprias regras de boas maneiras intelectuais Já nos percebe mos atacando um livro em vez de criticálo batendo em espantalhos fazendo denúncias sem poder justificálas ou afirmando que nossos preconceitos eram melhores que os do autor No entanto continuamos firmes em nossa crença de que conversas e lei turas críticas podem ser bem disciplinadas Dessa maneira vamos substituir essas três condições ideais por um conjunto de prescrições que possam ser facilmen te seguidas Elas indicam os quatro caminhos para que um livro seja devida e justamente criticado Nossa esperança é que o leitor fique menos inclinado a expressar emoções e preconceitos Os quatro itens podem ser brevemente resumidos supondose que o leitor esteja conversando com o autor ou seja como se estivesse lhe respondendo ou fazendo comentários Após dizer entendi mas não concordo o leitor poderá 166 Como Ler Livros fazer estes comentários ao autor 1 Você está desinformadoi 2 Você está mal infor madoi 3 Você é ilógico seu raciocínio não é coerentei 4 Sua análise está incompleta Talvez mais tarde você descubra que essas quatro observações não são exaustivas mas achamos que são De qualquer maneira elas compõem as prin cipais discórdias esperadas do leitor Elas são mais ou menos independentes Se você fez uma dessas observações não significa que não pode fazer outra também Você pode comentar todas ao mesmo tempo já que as falhas a que se referem não são mutuamente excludentes Todavia o leitor não pode esquecer que cada uma das observações deve ser complementada com uma explicação definida e precisa sobre os pontos nos quais o autor está desinformado ou mal informado ou sobre os quais foi ilógico Não é possível que o livro esteja desinformado ou mal informado sobre tudo ou que seja totalmente ilógico Além do mais o leitor que fizer qualquer uma dessas considerações não deverá apenas complementar a res posta com uma explicação mas terá de fornecer razões que sustentem seu ponto de vista COMO JULGAR A SOLIDEZ DE UM AUTOR As primeiras três observações são diferentes da quarta conforme você provavelmente percebeu Vejamos cada uma delas rapidamente e depois pas saremos à quarta 1 Dizer que o autor está desinformado é o mesmo que dizer que nele estão ausentes conhecimentos relevantes sobre o problema que tenta resolver Observe que essa crítica só faz sentido se for relevante o conhecimento que falta ao autor Para que a crítica faça sentido você deve ser capaz de declarar precisamente o conhecimento que falta ao autor mostrando a sua relevância para as conclusões do problema e do raciocínio Alguns exemplos serão úteis Darwin não possui o conhecimento sobre genética que a obra de Mendel mais tarde apresentaria A ignorância de Darwin sobre o mecanismo da hereditariedade é provavelmente uma H Concordar com o autor ou discordao 167 das maiores falhas da Origem das Espécies Gibbon não conhecia alguns fatos relevantes sobre a queda de Roma que mais tarde seriam des cobertos por historiadores Em geral nas ciências e na história a fal ta de informação é evidenciada por pesquisas mais recentes Técnicas mais apuradas de observação e investigações mais prolongadas são as responsáveis pelo tipo de desinformação que se verifica nesses cam pos Quanto à filosofia a coisa é diferente A passagem do tempo pode trazer acréscimo de saber mas também pode trazer decréscimo Os pensadores da Antiguidade por exemplo distinguiam com clareza o que os seres humanos sentiam e imaginavam e o que podiam entender No entanto no século XVIII David Hume deixou claro que ignorava a distinção entre imagens e ideias apesar de ter sido tão bem delineada pelas obras dos filósofos da Antiguidade 2 Dizer que o autor está mal informado é o mesmo que dizer que ele afirma algo que não corresponde à realidade A falha pode resultar de alguma falta de conhecimento mas não se trata apenas disso A despeito da causa o erro consiste em afirmar coisas contrárias aos fatos O autor afirma que algo é verdadeiro ou provável quando de fato é algo falso ou improvável Ele afirma possuir um conhecimento que não tem Evidentemente esse tipo de falha só deve ser apon tado quando a questão for relevante às conclusões do autor E não se esqueça a falha não deve apenas ser apontada deve ser refutada mostrando a verdade ou a maior probabilidade do seu ponto de vista em relação ao do autor Por exemplo em um de seus tratados sobre política Espinosa parece ter dito que a democracia é um tipo mais primitivo de governo do que a monarquia Tratase de uma afirmação que vai de encontro a fatos bem conhecidos da história política O erro de Espinosa tem relação direta com seu argumento Aristóteles estava mal informado sobre o papel que as fêmeas desempenhavam na reprodução animal e consequentemente chegou a conclusões indefensáveis sobre o pro cesso reprodutivo Tomás de Aquino supunha equivocadamente que 168 Como Ler Livros a matéria dos corpos celestes era essencialmente diferente da matéria dos corpos terrestres pois ele supunha que os corpos celestes apenas mudavam de posição enquanto sua composição essencial permanecia a mesma A astrofísica moderna corrigiu esse erro e nesse respeito representou um progresso em relação à astronomia antiga e medieval Mas tratase de um erro cuja relevância é limitada pois não afeta a explicação metafísica que Tomás de Aquino dava para a natureza das coisas sensíveis compostas de matéria e forma Essas duas primeiras respostas críticas estão interrelacionadas Falta de informação conforme vimos pode ser a causa de afirmações equi vocadas Além disso sempre que alguém está mal informado ele também estará de certa maneira desinformado Mas faz diferença observar a re levância do erro A falta de conhecimento relevante torna impossível solucionar certos problemas ou sustentar determinadas conclusões As suposições errôneas contudo levam a conclusões errôneas e a soluções insustentáveis Tomados em conjunto esses dois pontos levantam sus peitas contras as premissas do autor Ele precisa de mais conhecimento do que possui Suas evidências não são suficientes seja em quantidade seja em qualidade 3 Dizer que o autor é ilógico é o mesmo que dizer que ele foi falacioso ao raciocinar Em geral há dois tipos de falácias Há os non sequitur ou seja a conclusão não guarda relação necessária com as razões oferecidas E há as inconsistências isto é quando o autor afirma duas coisas que são in compatíveis entre si Para fazer uma dessas duas críticas o leitor precisa ser capaz de mostrar onde precisamente a argumentação do autor care ce de coerência Só devemos nos ocupar dessas falhas à medida que elas afetem as conclusões principais do autor Afinal o livro pode carecer de coesão em questões irrelevantes à conclusão É mais difícil ilustrar esse tipo de falha porque os bons livros em geral não o cometem Quando cometem estão tão bem ocultos que somente um leitor experiente e inteligente conseguirá detectálos Há por exem plo uma falácia patente no Príncipe de Maquiavel 1 1 Concordar com o autor ou discordao 169 O fundamento principal de qualquer Estado seja velho ou novo são as boas leis Como não há boas leis em Estados que não estejam bem ar mados concluise que onde quer que haja um Estado bem armado haverá boas leis Ora o fato de que boas leis dependam de força policial adequada não quer dizer que onde haja força policial adequada as leis serão necessariamente boas Não estamos interessados no caráter altamente questionável da primeira asser tiva mas queremos abordar especificamente o non sequitur É mais verdadeiro afirmar que a felicidade depende de boa saúde do que afirmar que boas leis de pendem de força policial adequada mas isso não quer dizer que todas as pessoas saudáveis são felizes Em seu Elementos da Lei Hobbes argumenta em determinado trecho que os corpos não passam de quantidades de matéria em movimento O mundo dos corpos diz ele não possui qualidades Em outro trecho afirma que o homem é nada mais que um corpo ou um conjunto de corpos atômicos em movimento No entanto ao admitir a existência de qualidades sensoriais cores odores gostos etc Hobbes conclui que elas não passam de movimentos atômicos cerebrais A conclusão é inconsistente com o posicionamento inicial qual seja de que o mundo dos corpos não possuiria qualidades Afinal o que é dito de todos os corpos em movimento deve necessariamente ser aplicado a qualquer grupo em particular incluindo os átomos cerebrais Esse terceiro aspecto crítico relacionase com os outros dois O autor pode obviamente ter sido malsucedido ao extrair as devidas conclusões das evidências e princípios Por conseguinte o raciocínio estará incompleto Aqui estamos preocupados sobretudo com o caso em que ele raciocina equivocadamente com base em premissas corretas É interessante mas não tão importante descobrir sua falta de coerência ao raciocinar com base em premissas falsas ou a partir de evidências inadequadas A pessoa que chega a uma conclusão inválida a partir de premissas váli das está de certa maneira mal informada Mesmo assim vale a pena distinguir entre o tipo de afirmação errônea que decorre de raciocínio falho e o tipo de 1 70 Como Ler Livros afirmação errônea que decorre de outras falhas sobretudo de conhecimento insuficiente dos detalhes relevantes COMO JULGAR O GRAU DE COMPLETUDE DE UM AUTOR As três observações críticas já consideradas lidam com a solidez das afir mações e dos raciocínios do autor Vamos agora nos voltar à quarta observação Ela se refere ao esmero com que o autor executou seu plano Antes de nos aprofundarmos na quarta observação é necessário fazer um comentário Dado que você entendeu o livro o fato de não fazer uso de nenhu ma das três observações apontadas obrigao a concordar com o autor Não há livre escolha aqui Concordar com o autor ou discordar dele não é uma espécie de privilégio sagrado Se você não foi capaz de mostrar onde e como o autor está desinformado mal informado ou ilógico então simplesmente não pode discordar dele Você tem de concordar Você não pode dizer como muitos alunos dizem por aí que não encontrei nada de errado nas premissas nem no raciocínio mas mesmo assim discordo das conclusões Do contrário o que você estaria dizendo é que não gosta das conclusões Você não está discordando está expressando suas emoções ou preconceitos Ora se você foi convencido então tem de admitir isso Se mesmo não aderindo a nenhuma das três respostas críticas você ainda se sente honestamente incapaz de se deixar convencer talvez não devesse ter dito que entendeu o livro As primeiras três observações têm a ver com os termos proposições e ar gumentos do autor Afinal esses são os elementos que ele utilizou para resolver os problemas que inspiraram seus esforços A quarta observação o livro está incompleto tem a ver com a estrutura do livro 4 Dizer que a análise está incompleta é o mesmo que dizer que o autor não resolveu o problema que se propôs a resolver ou que não usou adequadamente o material de que dispunha que não observou todas as devidas implicações e H Concordar com o autor ou discordar 171 ramificações ou que falhou ao distinguir os aspectos relevantes de sua empreita da Não basta dizer que o livro está incompleto Qualquer um conseguiria dizer isso Os homens são finitos e por conseguinte suas obras também são Portanto essa ressalva só faz sentido se você for capaz de definir precisamente onde está a inadequação seja por esforço próprio seja com o auxílio de outros livros Ilustremos rapidamente esse ponto A análise dos tipos de governo na Po lítica de Aristóteles está incompleta Por causa das limitações típicas da épo ca e do fato de erroneamente aceitar a escravidão Aristóteles não considera nem mesmo concebe a constituição verdadeiramente democrática baseada no sufrágio universal ele também não imaginou um governo representativo ou a moderna república federativa Sua análise deveria ter sido capaz de conceber tais realidades políticas Os Elementos de Geometria de Euclides são incompletos porque ignoram outros postulados sobre a relação entre as linhas paralelas As obras modernas de geometria ao considerarem esses postulados suprem as deficiências de Euclides Como Pensamos de Dewey é uma análise incompleta do pensamento porque aborda somente o tipo de pensamento que ocorre duran te as investigações e descobertas mas não aborda o tipo de pensamento que ocorre durante as leituras ou durante as aprendizagens por instrução Para um cristão que crê na imortalidade da alma as obras de Epíteto ou Marco Aurélio são incompletas no que diz respeito à felicidade humana Estritamente falando esse quarto ponto não deve servir de base para dis córdias A única adversidade aqui é que os feitos do autor são limitados O leitor que concordar em parte com o livro já que não encontra razões para tecer críticas adversas pode no entanto suspender seu julgamento como um todo por suspeitar de que o livro não está completo O julgamento suspenso corres ponde à falha do autor em resolver com perfeição os problemas que se propôs Livros correlatos isto é livros do mesmo assunto podem ser critica mente comparados à luz desses quatro critérios Um livro será melhor que ou tro à medida que cometer menos erros e se expressar mais verdadeiramente Se estivermos lendo para aumentar nosso conhecimento o melhor livro será obviamente aquele que melhor abordar o assunto Talvez um autor não tenha as informações que outro possui talvez um autor estabeleça premissas errôneas 172 Como Ler Livros das quais outro esteja livre talvez um autor seja menos coerente que outro em sua exposição Mas a comparação mais profunda que podemos fazer é entre o grau de completude de cada um A medida dessa completude encontrase no número de distinções válidas e significativas que cada exposição contém Talvez agora você perceba como é útil e importante apreender os termos do autor O número de termos é diretamente proporcional ao número de distinções Talvez você também esteja percebendo como a quarta observação crítica está intimamente ligada aos três estágios de leitura analítica de qualquer livro O último passo no delineamento estrutural é conhecer os problemas que o au tor tenta resolver O último passo da interpretação é conhecer quais desses problemas o autor resolve e quais ele não resolve O passo final é justamente o ponto sobre o grau de completude do autor que se refere ao delineamento estrutural do livro pois considera se o autor foi bemsucedido ao declarar seus problemas Referese também à interpretação na medida em que avalia se o autor resolveu tais problemas a contento O TERCEIRO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Finalmente completamos de maneira geral a enumeração das regras de leitura analítica Estamos em condições de expor sintaticamente todas as regras 1 Primeiro estágio da leitura analítica regras para descobrir o conteúdo 1 Classifique o livro de acordo com o tipo e o assunto 2 Diga sobre o que é o livro como um todo com a máxima brevidade possível 3 Enumere as partes principais em sua devida ordem e relação e delineie essas partes assim como delineou o todo 4 Defina o problema ou os problemas que o autor buscou solucionar 11 Segundo estágio da leitura analítica regras para interpretar o conteúdo 5 Entre em acordo com o autor interpretando as palavraschave do livro H Concordar com o autor ou discordar 1 73 6 Apreenda as proposições principais estudando as frases mais importantes 7 Identifique os argumentos encontrandoos ou construindoos com base em sequências de frases 8 Determine os problemas que foram resolvidos e os que não foram resol vidosi quanto a estes últimos verifique se o autor está ciente de que não conseguiu resolvêlos III Terceiro estágio da leitura analítica regras para criticar o conteúdo A Preceitos da etiqueta intelectual 9 Não critique até que tenha completado o delineamento e a interpretação do livro Não diga que concorda discorda ou que suspende o julgamen to até que tenha dito entendi 1 O Não discorde de maneira competitiva 1 1 Demonstre que reconhece a diferença entre conhecimento e opinião pessoal apresentando boas razões para qualquer julgamento crítico que venha a fazer B Critérios especiais para o exercício da crítica 1 2 Mostre onde o autor está desinformado 1 3 Mostre onde o autor está mal informado 1 4 Mostre onde o autor foi ilógico 1 5 Mostre onde a análise ou a explicação do autor está incompleta Nota dos quatro últimos critérios os três primeiros servem para os ca sos em que há discórdia Se não servirem então você tem de concordar com o livro ao menos em parte embora possa suspender o julgamento do todo com base no último critério Observamos ao final do capítulo 7 que a aplicação das primeiras quatro regras da leitura analítica auxilia na resposta à primeira pergunta básica sobre qualquer livro qual seja O livro como um todo é sobre o quê De maneira similar no final do capítulo 9 dissemos que as quatro regras de interpretação auxiliam na resposta à segunda pergunta básica qual seja O que exatamente está sendo dito e como 1 74 Como Ler Livros Por fim é claro que as sete últimas regras de leitura os preceitos da etiqueta intelectual e os critérios para o exercício da crítica auxiliam na resposta à ter ceira e à quarta perguntas quais sejam O livro é verdadeiro e E daíl A pergunta O livro é verdadeiro pode se prestar virtualmente a qualquer tipo de leitura Ela se aplica a todo tipo de material escrito a despeito da verdade em questão matemática científica filosófica histórica ou poética O melhor elogio que alguém pode fazer a qualquer obra da mente humana é afirmar que ela expressou a verdadei porém criticála por não ter alcançado esse objetivo é sinal de que a respeitamos e a tratamos com seriedade No entanto causanos estranheza o fato de que recentemente pela primeira vez na história ocidental há uma preocupação cada vez menor com esse critério de excelência Há livros que arrancam aplausos da crítica e ganham tremenda popularidade pelo simples fato de zombarem da verdade quanto mais escandalosa a zombaria tanto melhor Há muitos leitores sobretudo os críticos das obras modernas que empregam outros padrões para julgar elogiar e condenar os livros que leem originalidade sensacionalismo poder de sedução força até mesmo a capacidade de distrair e confundir a mente do leitor mas não a verdade a clareza ou a capacidade de trans mitir conhecimento Arriscaríamos a sugerir que se dizer a verdade voltasse a ser um critério editorial importante poucos livros seriam escritos publicados e lidos Se o que você leu não foi verdadeiro em algum sentido não precisa prosse guir Mas se foi verdadeiro então você tem de encarar a última pergunta Você não pode ler inteligentemente para adquirir informação sem determinar qual significância deve ser atribuída aos fatos apresentados Os fatos vêm até nós sem a devida interpretação implícita ou explícita Isso vale especialmente se estivermos lendo compilações de fatos que precisem ser selecionados de acordo com sua importância de acordo com algum princípio interpretativo Se estiver mos lendo para adquirir conhecimento a quarta pergunta nunca terá fim E daíl As quatro perguntas como já dissemos resumem todas as obrigações de um leitor As primeiras três em especial correspondem a algo que subsiste na própria natureza do discurso humano Se as comunicações não fossem com plexas os delineamentos estruturais seriam desnecessários Se a linguagem fosse um meio perfeito de comunicação interpretações seriam totalmente H Concordar com o autor ou discordar 1 75 desnecessárias Se o erro e a ignorância não fossem uma ameaça à verdade e ao conhecimento não teríamos de ser críticos A quarta pergunta se volta para a distinção entre informação e entendimento Se a leitura tiver sido predomi nantemente informacional sintase desafiado a ir além e procurar o conhe cimento Mesmo que o material lido tenha sido relativamente esclarecedor você tem de continuar em busca de novos significados Antes de entrarmos na Parte Três vale a pena reafirmar que as regras da leitura analítica descrevem um desempenho ideal Poucas pessoas leem livros desse jeito e aquelas que o fazem provavelmente não o fazem com frequência O ideal permanece porém como a medida da realização Você será um bom leitor à medida que se aproximar desse ideal Deveríamos dizer que alguém é bem lido com esse ideal em mente Com frequência encontramos essa expressão sendo usada para apontar leitores que leram muitos livros a despeito da qualidade de sua leitura O sujeito que leu muito mas leu mal deveria ser condenado e não elogiado Como dizia Thomas Hobbes Se eu lesse tantos livros quanto as demais pessoas leem seria tão estúpido quanto elas Os grandes escritores também são grandes leitores mas isso não quer di zer que leram todos os livros que na época deles eram considerados indispen sáveis Em muitos casos eles leram menos livros do que se exige na maioria das universidades modernas mas o que leram leram muito bem Por causa do esmero com que leram acabaram tornandose pares dos grandes autores que estudaram Eles se tornaram literalmente autoridades No curso natural das coisas um bom estudante frequentemente se torna um bom professor e de maneira similar um bom leitor se torna um bom autor Nossa intenção aqui não é leválo da leitura para a escrita mas lembrálo de que o ideal da boa leitura é aplicar as regras aqui descritas à leitura de um único livro em vez de tomar contato superficial com muitos livros Há obviamente muitos livros cuja leitura vale a pena Há um número muito maior de livros cuja leitura deveria ser apenas inspecionai Para se tornar uma pessoa bem lida no melhor sentido da expressão você deve saber usar a habilidade que possui com discernimento isto é lendo cada livro de acordo com seus méritos 1 76 Como Ler Livros 12 MATERIAIS DE APOIO Qualquer material de apoio que não faça parte do livro chamaremos de ex trínseco Leitura intrínseca significa portanto o livro que estamos lendoi por consequência leitura extrínseca significa qualquer livro que seja lido com vis tas a outro livro Até aqui evitamos mencionar os auxílios extrínsecos à leitura As regras de leitura consideradas até aqui são todas regras de leitura intrínseca elas não supõem que você pare de ler e consulte outro livro a fim de entender o que está lendo Há boas razões para termos insistido no desenvolvimento soli tário de seu talento como leitor isto é ler o livro em sua casa sem nenhum tipo de apoio contando somente com o poder da sua mente Mas não seria correto insistirmos nisso As leituras extrínsecas de fato ajudam E às vezes elas são até mesmo indispensáveis para a compreensão perfeita e total de um livro Uma das razões para não termos abordado a leitura extrínseca até agora é que as leituras intrínseca e extrínseca tendem a se fundir durante os processos de entendimento e crítica Sua experiência anterior provavelmente não é sufi ciente para interpretar e criticar livros ou mesmo para delineálos Certamente você já leu outros livros antes deste mas sejamos francos nenhum leitor co meça sua carreira lendo analiticamente Talvez as experiências de leitura e de vida não sejam mesmo suficientes mas você é ao menos capaz de comparar as conclusões de um autor com outras coisas que conhece e sabe por outras fon tes Portanto o bomsenso nos diz que nenhum livro deve nem pode ser lido de maneira totalmente isolada A razão principal para termos evitado falar de ajudas extrínsecas até agora é que muitos leitores se submetem facilmente a elas e queremos mostrar que isso é desnecessário Ler um livro em uma mão e um dicionário em outra é uma péssima ideia embora isso não queira dizer que você nunca deva consultar um dicionário para entender as palavras que lhe são estranhas Além disso buscar o significado de um livro que o intriga mediante comentários e resumos é uma ideia pior ainda Em geral o melhor é que você faça tudo o que puder antes de buscar ajuda externa pois se agir consistentemente com base nesse princípio perceberá que esse tipo de ajuda será cada vez menos necessário Os materiais de apoio são classificados em quatro categorias Nós as dis cutiremos nesta ordem primeiro as experiências relevantes segundo outros livros terceiro os comentários e resumos quarto as obras de referência Como e quando utilizar esses materiais de apoio é algo que não se pode elucidar perfeitamente sobre todos os casos O que podemos fazer no entanto é fornecer algumas sugestões em linhas gerais Um dos preceitos básicos de leitura é que a ajuda externa deve ser buscada quando um livro permanecer ininteligível em todo ou em parte mesmo depois de você ter se esforçado ao máximo para lêlo de acordo com as regras da leitura intrínseca O PAPEL DA EXPERIÊNCIA RELEVANTE Há dois tipos de experiências relevantes que podem ajudar a entender li vros difíceis Já mencionamos essa distinção no capítulo 6 no qual abordamos as diferenças entre a experiência comum e a experiência especial A experiência comum é algo que está ao alcance de todos os homens e mulheres pelo sim ples fato de estarem vivos A experiência especial deve ser propositadamente buscada e está ao alcance somente daqueles que se esforçarem em adquirila O melhor exemplo de experiência especial são as experiências em laboratório mas nem sempre o laboratório é necessário Um antropólogo pode adquirir uma experiência especial viajando para a Amazônia por exemplo a fim de estudar os indígenas de uma região inexplorada Ele ganhará uma experiência que em geral não está disponível e que provavelmente nunca estará disponível às pessoas comuns do contrário se uma multidão de cientistas invadir a região deixará de ser uma experiência única De maneira similar a experiência dos astronautas que visitam a Lua é muito especial embora a Lua não seja exatamente um laborató rio A imensa maioria dos homens nunca terá a oportunidade de saber como é viver em um planeta sem ar e provavelmente só daqui a séculos essa experiência 1 78 Como Ler Livros será algo factível se é que o será algum dia Júpiter com sua gigantesca atração gravitacional também continuará sendo um laboratório por muito tempo ou talvez o seja para sempre A experiência comum não precisa ser comum no sentido de que todas as pessoas a possuem Comum não significa universal A experiência de ter pais por exemplo não é compartilhada por todos os seres humanos pois alguns são órfãos de nascimento Porém a vida familiar é uma experiência comum uma vez que a maioria dos homens e das mulheres no decurso normal da vida a com partilha O amor sexual também não é uma experiência universal embora seja comum no sentido que estamos empregando à palavra comum aqui Alguns homens e mulheres nunca o experimentam mas tratase de algo compartilhado em proporção tão elevada que não poderíamos chamáIa de algo especial Isso não quer dizer que a atividade sexual não possa ser estudada em laboratório A experiência de ser ensinado não é universal pois alguns homens e mulheres jamais vão à escola Mas ela também é uma experiência comum Os dois tipos de experiência são extremamente relevantes para os dife rentes tipos de livros A experiência comum é mais relevante para os livros de ficção por um lado e para os livros de filosofia por outro Os julgamentos sobre a verossimilhança de um romance são quase totalmente baseados na experiência comum dizemos que o livro soa verdadeiro ou falso de acordo com nossa experiência de vida e das pessoas em geral O filósofo como o poeta apela à experiência comum da humanidade Ele não trabalha em labora tórios nem realiza pesquisas em campo Por isso a fim de entender e testar os princípios de um filósofo não é necessária a ajuda extrínseca de experiências especiais ele apela a seu bomsenso e às observações cotidianas no mundo em que vive A experiência especial é relevante sobretudo para os livros científicos A fim de entender e julgar os argumentos indutivos de um livro científico você tem de ser capaz de aceitar as evidências que o cientista ali relata Às vezes a descrição apresentada pelo cientista é tão vívida e verdadeira que você não terá dificuldade em acompanhálo As ilustrações e os diagramas poderão ajudar a compreender o fenômeno descrito 12 Materiais de apoio 1 79 As experiências comuns e especiais são ambas relevantes para a leitura de livros de história Ocorre que a história compartilha tanto os aspectos ficcionais quanto os científicos Por um lado a narrativa histórica é como se fosse um conto ficcional pois contém enredo e personagens episódios atos clímax e desfecho A experiência comum relevante à leitura de romances e peças teatrais é relevante aqui também Mas a história é também como a ciência no sentido de que pelo menos algumas experiências são exclusivas do historiador Talvez ele tenha lido alguns documentos aos quais o leitor normalmente não teria acesso ou talvez tenha feito algumas pesquisas em campo como analisar resquícios de civilizações antigas ou entrevistar pessoas em locais distantes Como saber se você está fazendo uso adequado das suas experiências para entender um livro O teste mais seguro e certeiro é aquele que já recomen damos para testar sua compreensão pergunte a você mesmo se pode dar um exemplo concreto de um aspecto do livro que sente que entendeu Muitas ve zes pedimos a nossos estudantes que fizessem isso apenas para descobrirmos que não eram capazes de fazêlo OUTROS LIVROS COMO APOIOS EXTRÍNSECOS À LEITURA Mais adiante abordaremos novamente a leitura sintópica na qual se lê mais de um livro a respeito do mesmo assunto Por ora queremos falar um pouco sobre como é desejável que se leiam outros livros como apoios extrínsecos à leitura de uma obra em particular Nosso conselho vale sobretudo para a leitura das obras consideradas clás sicas É comum que o entusiasmo vivenciado no início da leitura dos clássicos rapidamente seja substituído por um sentimento de despreparo absoluto Uma das razões é claro é que muitos leitores nem sequer sabem ler direito um único livro Mas não só Há outra razão eles acham que conseguiriam enten der o primeiro livro que pegam na estante sem ter lido os outros livros com os quais ele se relaciona Eles podem tentar ler O Federalista um conjunto de 180 Como Ler Livros textos favoráveis à ratificação da Constituição norteamericana sem ter lido os Artigos da Confederação e a própria Constituição Podem ainda tentar ler todas essas obras sem ter lido O Espírito das Leis de Montesquieu O Contrato Social de Rousseau e o Segundo Tratado sobre o Governo Civil de Locke Muitos clássicos não só estão relacionados entre si como também foram escritos em certa ordem que não pode ser ignorada O autor que vem depois é influenciado por aquele que veio antes Se você ler primeiro o autor mais antigo talvez fique mais fácil a compreensão do que veio depois Ler livros relacionados fazendo as devidas relações entre eles numa ordem que deixe os posteriores mais inteligíveis eis um princípio básico de senso comum aplicado à leitura extrínseca A utilidade desse tipo de leitura extrínseca é simplesmente uma extensão da importância do contexto para a leitura de um único livro Já vimos que o contexto deve ser utilizado na interpretação de palavras e sentenças no intuito de encontrar termos e proposições Assim como o livro inteiro é o contexto de cada uma de suas partes os livros relacionados são um contexto ainda maior que ajuda a interpretar o livro que se está lendo Muitas vezes se observou que os clássicos fazem parte de uma conversa prolongada Os grandes autores foram grandes leitores e um modo de compre endêlos é ler os livros que eles leram Como leitores mantiveram uma conversa com outros autores assim como cada um de nós mantém uma conversa com os livros que lê ainda que não escrevamos outros livros Para tomar parte nessa conversa temos de ler os livros clássicos conside rando sua relação mútua e numa ordem que de algum modo respeite sua cro nologia A conversa dos livros acontece no tempo O tempo aqui é essenciat e não pode ser desconsiderado Podemos ler primeiro os livros do passado e depois os do presente ou primeiro os do presente e depois os do passado Ain da que a ordem do passado para o presente tenha certas vantagens por ser mais natural podese observar a cronologia em qualquer desses modos Devese notar aliás que a necessidade de ler livros considerando sua re lação mútua aplicase mais à história e à filosofia do que às ciências e à ficção Ela é mais relevante para a filosofia porque os filósofos são grandes leitores uns 12 Materiais de apoio 181 dos outros Ela provavelmente é menos relevante para os romances e as peças teatrais que se forem bons mesmo podem ser lidos isoladamente ainda que o crítico literário certamente não vá querer limitarse a isso COMO USAR COMENTÁRIOS E RESUMOS Uma terceira categoria de apoios extrínsecos à leitura inclui comentários e resumos O que se deve ressaltar aqui é que essas obras devem ser usadas com sabedoria isto é muito raramente Há duas razões para isso A primeira é que os comentadores nem sempre estão corretos em seus co mentários sobre um livro Às vezes é claro suas obras são imensamente úteis mas isso não acontece com a frequência desejável Os guias e manuais facil mente disponíveis nas livrarias universitárias e nas lojas frequentadas por alunos do ensino médio são muitas vezes enganosos Essas obras pretendem dizer ao aluno tudo o que ele tem de saber a respeito de um livro que tenha sido pedido por um de seus professores mas é comum estarem terrivelmente equivocados em suas interpretações Além disso seu uso costuma irritar alguns professores nas escolas e nas universidades Em defesa dos guias devese admitir que eles muitas vezes são indispen sáveis para a aprovação nos exames Além disso para compensar o fato de que alguns professores se irritam com os erros dos guias outros professores gostam de usálos em sua prática de ensino A segunda razão para usar moderadamente os comentários é que mesmo quando eles estão corretos podem não ser completos Isto é talvez você seja capaz de descobrir num livro sentidos importantes não descobertos pelo autor de um comentário Assim a leitura de um comentário especialmente um comentário que pareça escrito com grande autoridade tende a limitar sua compreensão de um livro ainda que seu entendimento esteja correto até onde ele chegue Existe portanto um conselho que queremos dar a respeito do uso de comentários e que realmente é quase um princípio básico da leitura extrínseca 182 Como Ler Livros Se uma das regras da leitura intrínseca é que você deve ler o prefácio e a intro dução do autor antes de ler seu livro a regra no caso da leitura extrínseca é que você só deve ler algum comentário escrito por um terceiro depois de ter lido o livro Isso se aplica sobretudo a introduções críticas e acadêmicas A melhor maneira de usálas é primeiro ler o livro e só depois buscar nelas respostas para questões que ainda o perturbem Se você as ler primeiro é provável que elas distorçam sua leitura do livro A tendência será de enxergar apenas os aspectos apontados pelo acadêmico ou crítico deixando de ver outros aspectos que po dem ser igualmente importantes Lidas assim as introduções podem proporcionar grande prazer Você já leu o livro e já o entendeu O autor da introdução também o leu talvez muitas vezes e tem sua própria compreensão dele Assim você se aproxima dele es sencialmente em pé de igualdade Porém se você leu sua introdução antes de ler o livro está à sua mercê É preciso respeitar a regra de que os comentários devem ser lidos depois da leitura do livro que discutem e não antes também no caso dos manuais Essas obras não têm como prejudicálo se você já leu o livro e sabe em que o manual está errado caso esteja Mas se você depender integralmente do manual e nunca ler o livro original pode estar em sérios apuros Há ainda outro detalhe Se você adquirir o hábito de depender de comen tários e manuais ficará totalmente perdido se não conseguir encontrar nenhum Você pode ser capaz de entender um livro em particular sem o auxílio de um comentário mas de modo geral terá piorado como leitor A regra da leitura extrínseca aqui exposta se aplica também a resumos e sinopses que são úteis em dois aspectos mas somente neles Primeiro podem ajudar a reavivar a memória a respeito do conteúdo de um livro caso você já o tenha lido Idealmente você mesmo terá feito esse resumo ao ler o livro anali ticamente mas se não o tiver feito um resumo ou uma sinopse podem ser um auxílio importante Segundo os resumos são úteis quando você está fazendo uma leitura sintópica e deseja saber se certa obra tem chances de ser relevante para seu projeto Um resumo nunca pode substituir a leitura de um livro mas às vezes pode ajudálo a decidir se quer ler o livro ou mesmo se isso é necessário 12 Materiais de apoio 183 COMO USAR OBRAS DE REFERÊNCIA Existem muitos tipos de obras de referência Na seção seguinte limitare mos nossa análise basicamente aos dois tipos mais usados os dicionários e as enciclopédias Porém grande parte do que diremos aplicase também a outros tipos de obras de referência Nem sempre se percebe ainda que seja verdade que é preciso ter muito conhecimento antes que você seja capaz de usar bem uma obra de referência Para ser exato são necessários quatro tipos de conhecimento Assim uma obra de referência é um antídoto para a ignorância só num sentido muito limitado Não é possível que ela cure a ignorância completa Não é possível que ela pense por você Para poder usar bem uma obra de referência é preciso que você primeiro tenha alguma ideia vaga que seja daquilo que quer saber Sua ignorância tem de ser como um círculo de trevas cercado pela luz Você quer iluminar o círculo tenebroso Não é possível fazer isso a menos que a luz cerque as trevas Em outras palavras você tem de ser capaz de fazer uma pergunta inteligível a uma obra de referência Se você estiver perdido vagando nas brumas da ignorância ela não lhe será de valia alguma Segundo você tem de saber onde encontrar aquilo que quer saber Você tem de saber que tipo de pergunta está fazendo e que tipos de obras de referência respondem a esse tipo de pergunta Não existe uma obra de referência que responda a todas as perguntas todas as obras de referência são por assim di zer especialistas Na prática isso se resume ao fato de que você precisa ter um conhecimento geral razoável de todos os tipos principais de obras de referência antes de poder usar qualquer tipo com proveito Há um terceiro tipo de conhecimento correlato aos anteriores que é neces sário para que uma obra de referência lhe possa ser útil É preciso que você saiba como a obra em questão está organizada Não será de ajuda nenhuma saber o que você quer saber e saber qual obra de referência usar se você não souber como usar aquela obra específica Assim há uma arte de ler obras de referência assim como há uma arte de ler tudo o mais Há uma arte correlata na produção 184 Como Ler Livros de obras de referência aliás O autor ou compilador tem de saber qual tipo de informação os leitores vão buscar e organizar a obra de modo a satisfazer suas necessidades Talvez nem sempre ele consiga prever essas necessidades e é por isso que a regra de que é preciso ler a introdução e o prefácio de um livro antes de ler o próprio livro aplicase particularmente a esse caso Não tente usar uma obra de referência antes de ler os conselhos do editor a respeito de como usála Claro que nem todo tipo de questão pode ser respondido por obras de re ferência Você não encontrará em nenhuma obra de referência as respostas para as três perguntas que Deus faz ao anjo no conto De que vivem os homens de Tolstói O que habita no homem O que não é dado ao homem e De que vivem os homens Você também não encontrará as respostas para a pergunta que aparece no título de outro conto de Tolstói De quanta terra precisa um homem E há muitas questões desse tipo As obras de referência só têm utilidade quando você sabe quais tipos de perguntas elas podem res ponder e quais não podem Isso se resume em saber quais são as espécies de coisas a respeito das quais os homens concordam Somente as coisas a respeito das quais os homens geral e convencionalmente concordam podem ser achadas em obras de referência As opiniões sem base não têm lugar nelas ainda que às vezes apareçam Concordamos em que é possível saber quando um homem nasceu quan do morreu e conhecer fatos similares Concordamos em que é possível definir palavras e coisas e é possível ter uma ideia da história de quase qualquer coisa Não concordamos a respeito de questões morais nem de questões sobre o fu turo e desse modo não encontramos esse tipo de coisa em obras de referência Em nossa época presumimos que o mundo físico é organizável e assim quase tudo a seu respeito pode ser encontrado em obras de referência Nem sempre foi assimi como resultado a história das obras de referência tem um interesse peculiar pois nos revela muito sobre as mudanças nas opiniões dos homens a respeito daquilo que se pode conhecer Como se vê acabamos de sugerir que há uma quarta exigência para o uso inteligente de obras de referência Você tem de saber o que quer saberi tem de saber em qual obra de referência vai procurari tem de saber como encontrar essa 12 Materiais de apoio 185 informação na obra de referência e tem de saber que os autores ou compilado res da obra consideram que tal informação pode ser conhecida Tudo isso indica que você precisa saber muito para que possa usar uma obra de referência Tais obras são inúteis para aqueles que nada sabem Elas não são guias para os desorientados COMO USAR O DICIONÁRIO Todas essas considerações se aplicam ao dicionário que é uma obra de referência Mas o dicionário também convida a uma leitura por diversão Ele desafia qualquer um a sentarse com ele num momento de ócio Há maneiras piores de gastar o tempo Os dicionários estão repletos de conhecimentos obscuros e passagens es pirituosas Além disso é claro têm usos mais austeros Para aproveitálos ao máximo é preciso saber como ler esse tipo particular de obra A observação de Santayana sobre os gregos de que eles foram o único povo na história da Europa que não estudou tem duplo sentido É claro que as massas não estudavam mas nem mesmo os poucos eruditos a classe ociosa estudou no sentido de terse colocado aos pés de mestres estrangeiros O estudo nesse aspecto começa com os romanos que foram à escola dos pedagogos gre gos e foram educados pelo contato com a cultura grega que tinham conquistado Não surpreende portanto que os primeiros dicionários fossem glossários de palavras homéricas cujo objetivo era ajudar os romanos a ler a Ilíada a Odisseia e outras obras gregas que usavam o vocabulário homérico arcaico Igualmen te muitos de nós hoje precisamos de um glossário para ler Shakespeare ou se não Shakespeare Chaucer Havia dicionários na Idade Média mas eles eram comumente enciclopé dias de conhecimentos sofisticados compreendendo discussões dos termos técnicos mais importantes usados no discurso erudito Havia dicionários bilín gues no Renascimento tanto de grego quanto de latim que eram necessários porque as obras que dominavam os estudos naquela época estavam escritas nas línguas antigas Mesmo quando as línguas ditas vulgares italiano francês 186 Como Ler Livros inglês foram gradualmente tomando o lugar do latim como línguas de cultura a busca da cultura continuava a ser um privilégio de poucos Nessas circuns tâncias os dicionários destinavamse a um público limitado sobretudo como apoio à leitura e à produção de literatura de valor Vemos assim que os propósitos educativos dominaram a produção de di cionários desde o início ainda que também houvesse interesse em preservar a pureza e a ordem do idioma Em contraste com esse último objetivo o Oxford English Dictionary conhecido simplesmente como OED iniciado em 1 857 foi um novo começo uma vez que não buscou prescrever usos mas apresentar um registro histórico preciso de toda espécie de uso dos piores aos melhores to mados da escrita popular e da elegante Mas esse conflito entre o lexicógrafo na posição de árbitro autonomeado e o lexicógrafo na posição de historiador pode ser considerado acessório pois o dicionário como quer que se organize é antes de tudo um instrumento educativo Esse fato é irrelevante para as regras do bom uso do dicionário como au xílio extrínseco à leitura A primeira regra da leitura de qualquer livro é saber que tipo de livro ele é Isso significa saber qual era a intenção do autor e que tipo de coisa você pode esperar encontrar em sua obra Se você consultar um dicionário apenas como guia de ortografia ou de pronúncia é assim que vai usá lo isto é não vai usálo bem Se perceber que ele contém muitas informações históricas cristalizadas no crescimento e no desenvolvimento do idioma você prestará atenção não apenas à variedade de sentidos listados para cada palavra mas também à sua ordem e relação mútua Acima de tudo se você estiver interessado em aprofundar sua própria edu cação usará um dicionário de acordo com seu objetivo primeiro isto é como auxílio à leitura de livros que seriam demasiadamente difíceis porque seu voca bulário inclui termos técnicos arcaicos alusões literárias e até palavras conheci das usadas em sentidos obsoletos Claro que há muitos problemas a serem resolvidos quanto à boa leitura de um livro além daqueles relacionados ao vocabulário de um autor E desaconse lhamos sentarse com o livro numa mão e o dicionário na outra sobretudo na primeira leitura de uma obra difícil Se você tiver de procurar muitas palavras no 12 Materiais de apoio 187 início certamente vai perder de vista a unidade e a ordem do livro A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer Isso sugere outras prescrições negativas Não há sujeito mais irritante do que aquele que pretende encerrar uma discussão sobre o comunismo a justiça ou a liberdade fazendo uma citação do dicionário É razoável respeitar os lexicógra fos como autoridades no uso das palavras mas eles não são as fontes últimas da sabedoria Outra regra negativa não engula o dicionário Não tente adquirir um vocabulário rico rapidamente pela memorização de uma longa lista de palavras cujos sentidos não se relacionam com nenhuma experiência efetiva Em suma não esqueça que o dicionário é um livro que fala de palavras não de coisas Se nos lembrarmos disso poderemos tirar desse fato todas as regras para usar um dicionário de modo inteligente Podemos encarar as palavras de quatro maneiras 1 PALAVRAS SÃO COISAS FÍSICAS palavras que podemos escrever sons que podemos emitir Deve haver portanto maneiras uniformes de escre vêlas e pronunciálas mesmo que a uniformidade seja frequentemente questionada pelas variantes De todo modo essa uniformidade não é tão fantasticamente importante como alguns professores pareceram sugerir 2 PALAVRAS SÃO PARTES DO DISCURSO Cada palavra desempenha um papel gramatical na estrutura mais complexa de uma expressão ou de uma fra se A mesma palavra pode ter usos distintos ao passar de uma parte do discurso a outra 3 PALAVRAS SÃO SIGNOS Elas têm significados não um mas muitos Es ses significados se relacionam entre si de diversas maneiras Às vezes são nuanças uns dos outros outras vezes uma palavra pode ter dois ou mais grupos de significados sem nenhuma relação entre si Por meio de seus significados palavras diferentes relacionamse umas com as outras 188 Como Ler Livros como sinônimos que compartilham o mesmo significado ainda que te nham diferenças de nuanças ou como antônimos por meio da oposição e do contraste de significados Além disso é na qualidade de signo que distinguimos as palavras entre nomes próprios e comuns por nomearem apenas uma coisa ou muitas que sejam semelhantes sob algum aspecto entre substantivos concretos e abstratos por referirem algo que perce bemos por meio dos sentidos ou por referirem algo que apreendemos intelectualmente mas não observamos por meio dos sentidos 4 Por fim PALAVRAS SÃO CONVENÇÕES São signos criados pelo homem É por isso que toda palavra tem uma história uma carreira cultural ao longo da qual passa por certas transformações A história das palavras é dada por sua derivação etimológica a partir de raízes prefixos e sufixos ela inclui o relato de suas mudanças físicas tanto de ortografia quanto de pronúncia ela fala de significados que mudam e quais deles são arcaicos e obsoletos quais são atuais e regulares quais são expressões idiomáti cas coloquialismos ou gírias Um bom dicionário responderá a todos esses quatro tipos de perguntas sobre as palavras A arte de usar um dicionário consiste em saber quais pergun tas fazer a respeito das palavras e como encontrar as respostas Já sugerimos as perguntas O próprio dicionário diz como encontrar as respostas Tratase portanto de um livro perfeito de autoajuda pois indica em que prestar atenção e como interpretar as diversas abreviações e símbolos que usa ao dar as quatro variedades de informação sobre as palavras Qualquer pessoa que deixe de consultar as notas explicativas e a lista de abreviações no início do dicionário só pode culpar a si mesma se não conseguir usálo direito COMO USAR UMA ENCICLOPÉDIA Muito do que dissemos sobre os dicionários também vale para as enci clopédias Assim como o dicionário a enciclopédia convida a uma leitura por 12 Materiais de apoio 189 diversão Ela também serve para distrair entreter e para algumas pessoas acal mar Mas é tão inútil tentar ler em sequência os verbetes de uma enciclopédia quanto os de um dicionário O sujeito que soubesse de cor uma enciclopédia es taria correndo o sério risco de merecer o título de idiot savant idiota erudito Muita gente usa o dicionário para saber como escrever e pronunciar as palavras O uso análogo da enciclopédia é buscála apenas para saber datas lugares e outros fatos simples Mas isso equivale a subutilizála ou utilizála mal Assim como os dicionários essas obras são instrumentos de informação e de educação Um olhar sobre a sua história confirma isso Ainda que a palavra enciclopédia seja grega os gregos não tinham uma como também não tinham dicionário pela mesma razão Para eles essa palavra não referia um livro sobre os conhecimentos um livro no qual estivessem os conhecimentos mas o conhecimento mesmo todo o conhecimento que um homem educado deveria ter Novamente foram os romanos que primeiro sen tiram a necessidade de enciclopédias o exemplo mais antigo é o de Plínio O mais interessante é que a primeira enciclopédia em ordem alfabética só apareceu por volta de 1 700 A maior parte das grandes enciclopédias desde então tem sido organizada alfabeticamente Tratase do arranjo mais simples de todos que permitiu grandes avanços na elaboração desses livros As enciclopédias apresentam um problema que as distingue das demais obras de referência Uma ordem alfabética é natural para um dicionário mas será que o mundo que é o assunto de uma enciclopédia está organizado alfa beticamente Claro que nao Assim como é que o mundo está organizado e ordenado Em última instância isso equivale a perguntar como é que o conhe cimento está ordenado A ordenação do conhecimento mudou com o passar dos séculos Houve uma época em que todo o conhecimento estava ordenado segundo as sete artes liberais gramática retórica e lógica que compunham o trivium e aritméti ca geometria astronomia e música compondo o quadrivium As enciclopédias medievais refletiam esse arranjo Como as universidades eram organizadas do mesmo modo e como os estudantes também estudavam segundo esse arranjo ele era útil na educação 1 90 Como Ler Livros A universidade moderna é muito diferente da medieval e a mudança se re flete nas enciclopédias O conhecimento que elas comunicam está dividido em áreas ou em especialidades que são mais ou menos equivalentes aos vários de partamentos universitários Mas essa organização ainda que constitua a espinha dorsal da enciclopédia fica mascarada pela organização alfabética do material É essa infraestrutura para usar um termo dos sociólogos que o bom leitor e usuário de uma enciclopédia tentará descobrir É verdade que o que ele busca numa enciclopédia são antes de tudo informações factuais Mas ele não deveria contentarse com fatos isolados A enciclopédia lhe oferece fatos organizados fatos relacionados uns aos outros A compreensão que uma enci clopédia pode oferecer mais do que a mera informação depende da percepção dessas relações Numa enciclopédia organizada alfabeticamente essas relações são em grande parte obscurecidas Numa enciclopédia organizada por assunto elas são ressaltadas é claro Mas as enciclopédias organizadas por assunto têm muitas desvantagens entre as quais o fato de que muitos leitores não estão acostuma dos a usálas Idealmente a melhor enciclopédia seria aquela que tivesse uma organização alfabética e outra por assunto A apresentação do material na forma de verbetes separados seria alfabética mas ela também traria uma lista ou divi são por assuntos essencialmente um índice de matérias Um índice de maté rias é uma divisão por assuntos de um livro ao passo que um índice remissivo é uma organização alfabética Na ausência do ideal o leitor precisa voltarse para o auxílio oferecido pe los editores das enciclopédias Qualquer enciclopédia razoável traz orientações para seu bom uso orientações que devem ser lidas e seguidas Frequentemente essas orientações exigem que o leitor dirijase primeiro ao índice remissivo da coleção antes de buscar algum dos volumes ordenados alfabeticamente Nesse caso o índice remissivo faz o papel de índice de matérias ainda que não muito bemi afinal ele reúne sob o mesmo título referências a discussões na enci clopédia que podem estar muito distantes no espaço mas que se referem ao mesmo assunto geral Isso reflete o fato de que ainda que um índice remissivo seja é claro organizado alfabeticamente suas remissões por assim dizer isto n Materiais de apoio m é as divisões de uma entrada principal estão organizadas por assunto Mas os assuntos mesmos têm de estar em ordem alfabética o que não é necessaria mente a melhor maneira de organizálos Assim o índice de uma enciclopédia verdadeiramente boa como a Britannica revela ao menos parte da organização do conhecimento refletida na obra Por essa razão qualquer leitor que deixe de usar o índice não pode culpar ninguém além de si mesmo caso a obra não satisfaça suas necessidades Assim como ocorre com os dicionários o uso de enciclopédias supõe certas prescrições negativas Tanto as enciclopédias como os dicionários são suplemen tos importantes para a leitura de bons livros os livros ruins normalmente não exi gem seu uso mas como antes o mais sensato é não se deixar escravizar por uma enciclopédia Novamente assim como no caso dos dicionários as enciclopédias não devem ser usadas para encerrar discussões cuja origem está em diferenças de opinião Contudo devem ser utilizadas para encerrar discussões sobre questões de fato tão cedo quanto possível Para começar fatos jamais devem ser discutidos Enciclopédias tornam desnecessário esse esforço vão porque estão repletas de fatos Idealmente elas não têm nada além de fatos Por fim ainda que os dicioná rios normalmente concordem nas suas descrições das palavras as enciclopédias frequentemente não concordam em suas descrições dos fatos Assim se você tem grande interesse por algum assunto e depende de tratamentos enciclopédicos dele não se limite a consultar apenas uma enciclopédia Leia mais de uma dando preferência a enciclopédias escritas em épocas diferentes Mencionamos diversas regras sobre as palavras que o usuário deve ter em mente ao consultar um dicionário No caso das enciclopédias há regras análo gas sobre fatos já que assim como as palavras são o objeto do dicionário os fatos são o objeto da enciclopédia 1 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES Afirmações factuais combinam palavras como Abraham Lincoln nasceu em 1 2 de fevereiro de 1 809 ou o número atômico do ouro é 79 Fatos não são coisas físicas assim como as pa lavras mas exigem explicações Para o conhecimento extensivo para o entendimento é preciso que você saiba também qual a importância de 192 Como Ler Livros um fato como ele afeta a verdade que busca Você não sabe muito se tudo o que sabe é em que consiste o fato 2 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES VERDADEIRAS Fatos não são opiniões Quando alguém diz que tal coisa é um fato o que quer dizer é que geralmente se concorda em que aquela coisa seja assim Essa pessoa nunca quer dizer ou nunca deveria querer dizer que ela e mais uma minoria de observadores acreditam que isso e aquilo sejam fatos É essa carac terística dos fatos que confere à enciclopédia seu tom e estilo Uma enciclopédia que contenha opiniões sem fundamentos de seus edito res é desonesta e ainda que uma enciclopédia possa conter opiniões por exemplo alguns creem que seja assim outros creem que seja assado é preciso que ela deixe bem claro que são apenas opiniões A exigência de que uma enciclopédia relate os fatos em questão e não as opiniões a seu respeito excetuando o caso já apresentado também limita a cobertura da obra Ela não pode tratar de assuntos a respeito dos quais não há consenso questões morais por exemplo Se ela tratar desses assuntos a única coisa que lhe cabe fazer é informar as discórdias relacionadas a eles 3 FATOS SÃO REFLEXOS DA REALIDADE Fatos podem ser a informações sin gulares ou b generalizações relativamente não questionadas mas em ambos os casos crêse que representem as coisas tais como efetivamente são A data de nascimento de Lincoln é uma informação singular o número atômico do ouro supõe uma generalização relativamente não questionada sobre o assunto Assim fatos não são ideias ou conceitos nem são teorias no sentido de meras especulações sobre a realidade De modo análogo uma explicação da realidade ou de parte dela não é um fato a menos que haja um consenso geral de que ela está correta e não antes do surgimento desse consenso 4 Por fim FATOS SÃO ATÉ CERTO PONTO CONVENÇÕES Üs fatos mudam como dizemos Queremos dizer que algumas proposições que são consi deradas fatos em uma época deixam de ser consideradas fatos em outra Na medida em que os fatos são verdadeiros e representam a realidade 12 Materiais de apoio 193 eles não podem mudar claro porque a verdade estritamente falando não muda nem a realidade Mas nem todas as proposições que consi deramos verdadeiras são mesmo verdadeiras e temos de admitir que praticamente qualquer proposição que consideremos verdadeira pode ser falsificada pela investigação mais detalhada e cuidadosa ou mais pa ciente Isso se aplica sobretudo aos fatos científicos Os fatos também são mais uma vez até certo ponto determina dos culturalmente Um físico nuclear por exemplo tem em mente uma estrutura complicada e hipotética da realidade que determina para ele alguns fatos que são diferentes dos fatos determinados e aceitos por um primitivo Isso não significa que o cientista e o primitivo não tenham como chegar a um acordo em relação a fato algum eles hão de concordar por exemplo em que dois mais dois são quatro ou que um todo físico é mais do que qualquer uma de suas partes Mas o primitivo talvez não concorde com os fatos do cientista a respeito das partículas nucleares assim como o cientista pode não concordar com os fatos do primitivo a respeito da magia ritual Foi difícil escrever essa frase por que como nós mesmos somos determinados culturalmente tendemos a concordar com o cientista e não com o primitivo e assim ficamos tentados a colocar o segundo fato entre aspas Só que é disso mesmo que estamos falando Uma boa enciclopédia sempre responderá às suas perguntas sobre os fatos se você se lembrar daquilo que já falamos sobre os fatos A arte de usar uma enciclopédia como auxílio à leitura é a arte de fazer as perguntas adequadas sobre os fatos Assim como no caso do dicionário limitamonos a sugerir as perguntas a enciclopédia trará as respostas É preciso também que você lembre que uma enciclopédia não é o melhor lugar para buscar o entendimento Ela pode levar a intuições sobre a ordem e a organização do conhecimento mas esse assunto por mais importante que seja ainda assim é limitado Muitas coisas necessárias ao conhecimento não podem ser encontradas numa enciclopédia 194 Como Ler Livros Duas omissões chamam particularmente a atenção Uma enciclopédia de verdade não contém discussões ou as contém só no sentido de que pode men cionar as linhas argumentativas que contemporaneamente têm mais aceitação ou as que têm interesse histórico Assim falta um elemento importante da es crita expositiva Uma enciclopédia também não contém poesia nem literatura imaginativa ainda que possa conter fatos relativos à poesia e aos poetas Como a imaginação e a razão são igualmente necessárias para o entendimento isso significa que a enciclopédia é um instrumento relativamente insatisfatório para nos auxiliar em sua busca 12 Materiais de apoio 1 95 18 COMO LER LIVROS DE FILOSOFIA As crianças fazem perguntas admiráveis Por que as pessoas existem O que é que o gato quer Qual o nome do mundo Por que Deus criou o mundo Da boca das crianças sai senão a sabedoria ao menos a busca por ela A filosofia segundo Aristóteles nasce do espanto Ela certamente começa na infância mesmo que para a maioria de nós também acabe nela A criança é um questionador natural Não é o número de perguntas que ela faz mas sua natureza que a distingue do adulto Os adultos não perdem a curiosidade que parece um traço inato do ser humano mas a qualidade dessa curiosidade vai se deteriorando Eles querem saber se uma coisa é de um jeito mas não por quê Mas as questões das crianças não ficam limitadas ao tipo que pode ser respondido por uma enciclopédia O que será que acontece entre o jardim de infância e a universidade para secar o fluxo de questões ou melhor para transformálo nos canais adultos mais chatos da curiosidade a respeito de questões factuais Uma inteligência que não seja agitada por boas questões não tem como apreciar nem mesmo a importância das melhores respostas Aprender as respostas é bastante fácil Mas desenvolver inteligências ativamente inquisitivas avivadas por questões reais e profundas isso é outra história Por que deveríamos tentar desenvolver essas inteligências se as crianças já nascem com elas Em algum momento a curiosidade dos adultos perde a pro fundidade que tinha originalmente Talvez a própria escola debilite a inteligência com o peso morto dos saberes decorados muitos dos quais nem são necessários É bem provável que os pais sejam ainda mais culpados por essa perda Tantas ve zes dizemos a uma criança que não há resposta mesmo quando há ou pedimos a ela que pare de fazer perguntas Mal conseguimos esconder nossa irritação quando ficamos desnorteados pela questão aparentemente irrespondível Tudo isso tira o entusiasmo da criança Ela pode ficar com a impressão de que não é educado ser muito inquisitivo A curiosidade humana nunca é destruída mas rapidamente é rebaixada àquelas perguntas feitas pela maior parte dos universitá rios que assim como os adultos que logo serão só querem informações Não temos solução para esse problema certamente não temos a arrogância de julgar que sabemos lhe dizer como responder às perguntas profundas e ma ravilhosas que as crianças fazem Mas queremos que você reconheça que uma das coisas mais impressionantes dos livros clássicos da filosofia é que eles fazem o mesmo tipo de perguntas profundas que as crianças fazem A capacidade de reter a visão que a criança tem do mundo junto a uma compreensão madura daquilo que significa retêla é extremamente rara e uma pessoa que tenha essas qualidades provavelmente dará alguma contribuição realmente importante ao nosso pensamento Não é preciso pensar como crianças para compreender a existência As crianças certamente não a compreendem nem conseguiriam compreendê la se é que alguém realmente consegue Mas é preciso ser capaz de ver como as crianças veem de sentir o espanto que elas sentem de questionar como elas questionam As complexidades da vida adulta atrapalham a verdade Os grandes filósofos sempre foram capazes de dissipar as complexidades e en xergar distinções simples simples uma vez que sejam formuladas e que antes eram imensamente difíceis Se formos seguilos nós também teremos de ser infantilmente simples em nossas perguntas e ter a maturidade da sabedoria em nossas respostas AS PERGUNTAS FEITAS PELOS FILÓSOFOS Quais serão essas perguntas infantilmente simples que os filósofos fa zem Quando as escrevemos elas não parecem simples porque respondêlas é muito difícil Ainda assim elas são inicialmente simples no sentido de serem básicas ou fundamentais Considere estas questões sobre o ser ou a existência por exemplo qual a dife rença entre existir e não existir O que é comum a todas as coisas que existem 278 Como Ler Livros e quais são as propriedades de tudo que existe Será que há maneiras diferentes de as coisas existirem modos diferentes de ser ou de existência Será que al gumas coisas só existem na mente ou para a mente ao passo que outras existem fora da mente sendo ou não conhecidas ou mesmo conhecíveis por nós Será que tudo que existe existe fisicamente ou será que há coisas que existem sepa radas da corporificação material Será que tudo muda ou será que existe algo imutável Será que algo existe necessariamente ou será que tudo que existe poderia não ter existido Será que o campo da existência possível é maior que o campo daquilo que efetivamente existe Quando um filósofo está interessado em investigar a natureza do próprio ser e dos campos do ser as perguntas que ele faz costumam ser desse tipo Como perguntas não são difíceis de formular nem de compreender mas são imensamente difíceis de responder tão difíceis na realidade que sobretudo em épocas recentes alguns filósofos afirmaram que elas não podem ser respon didas de modo satisfatório Outro grupo de questões filosóficas diz respeito à mudança ou ao devir mais do que ao ser Podemos dizer que os objetos de nossa experiência a que atri buiríamos existência sem hesitar estão todos sujeitos à mudança Eles passam a existir e deixam de existir 1 enquanto existem a maior parte deles muda de um lugar para outro e muitos deles se alteram em quantidade e qualidade ficam maiores ou menores mais pesados ou mais leves ou como a maçã que vai ama durecendo ou como a carne que vai maturando mudam de cor O que está presente em toda mudança Em todo processo de mudança haverá algo que permanece inalterado e algum aspecto daquela coisa inalterada que sofre alteração Quando você aprende algo que não sabia antes certamen te muda em relação ao conhecimento adquirido mas também continua sendo o mesmo indivíduo que era antes não fosse assim não se poderia dizer que você se alterou pelo aprendizado Será que isso vale para todas as mudanças 1 No original They come into being and pass away Há uma clara referência ao tratado de Aristóteles Sobre a Geração e a Corrupção também conhecido em inglês como On ComingtoBe and PassingAway Geração e corrupção referemse aos processos de começar a existir e deixar de existir respectivamente Não por acaso até o fim do parágrafo serão descritas as espécies de movimento segundo Aristóteles N T 18 Como ler livros de filosofia 279 Por exemplo será que isso vale para mudanças extraordinárias como o nas cimento e a morte a geração e a corrupção ou somente para mudanças menos fundamentais como o movimento o crescimento ou a mudança de qua lidade Quantos tipos diferentes de mudanças existem Será que os mesmos elementos ou condições fundamentais fazem parte de todos os processos de mudança e será que as mesmas causas operam em todos eles O que queremos dizer por causa de mudança Há tipos diferentes de causas responsáveis pelas mudanças Será que as causas das mudanças do devir são as mesmas causas do ser ou da existência Essas perguntas são feitas pelo filósofo que volta sua atenção do ser para o devir e busca ainda relacionar ser e devir Mais uma vez não são ques tões difíceis de formular nem de entender mas são extremamente difíceis de responder clara e satisfatoriamente De todo modo podese ver como elas partem de uma atitude infantilmente simples em relação ao mundo e à nossa experiência dele Infelizmente não temos espaço para nos aprofundar em toda a gama de questões Podemos apenas listar algumas outras questões que os filósofos le vantam e buscam responder Há questões que dizem respeito não apenas ao ser e ao devir mas também à necessidade e à contingência ao material e ao imaterial ao físico e ao não físico à liberdade e à indeterminação às facul dades da alma humana à natureza e à extensão do conhecimento humano à liberdade da vontade Todas essas questões são especulativas ou teóricas no sentido dos termos que usamos ao distinguir entre os campos teórico e prático Mas a filosofia como sabemos não se restringe às questões teóricas Considere por exemplo o bem e o mal As crianças se preocupam muito com a diferença entre o que é bom e o que é mau é provável que sua retaguarda ve nha a sofrer caso elas se enganem a esse respeito Haverá uma distinção univer salmente válida entre o bem e o mal Será que há certas coisas que são sempre boas e outras que são sempre más independentemente das circunstâncias Ou será que Hamlet tinha razão quando fazendo eco a Montaigne disse que Nada é bom ou mau é o pensar que as deixa assim 280 Como Ler Livros de filosofia normativa estão preocupados fundamentalmente com os objetivos que os homens devem buscar objetivos como levar uma boa vida ou instituir uma boa sociedade e ao contrário dos livros de receitas ou dos manuais de automóveis eles se limitam a prescrever com os termos mais gerais possíveis os meios que devem ser utilizados para atingir esses objetivos As perguntas feitas pelos filósofos também servem para distinguir ramos subordinados das duas principais divisões da filosofia Uma obra de filosofia teórica ou especulativa é metafísica somente se seu assunto principal tratar de questões sobre o ser ou a existência Será uma obra de filosofia da natu reza se estiver preocupada com o devir com a natureza e com os tipos de mudanças com suas condições e causas Se o interesse básico da obra for o conhecimento questões a respeito do que interfere no conhecimento de qualquer coisa as causas a extensão e os limites do conhecimento humano e suas certezas e incertezas então ela é de epistemologia que é o outro nome para a teoria do conhecimento Passando da filosofia teórica à normati va a principal distinção é entre por um lado questões a respeito da boa vida e aquilo que é certo ou errado na conduta do indivíduo tudo o que faz parte do terreno da ética e por outro lado questões a respeito da boa sociedade e da conduta do indivíduo em relação à comunidade o terreno da política ou da filosofia política A FILOSOFIA MODERNA E A GRANDE TRADIÇÃO Para que possamos ser breves nas próximas páginas vamos chamar as ques tões a respeito do mundo e daquilo que acontece nele ou a respeito daquilo que os homens deveriam buscar de questões de primeira ordem Deveríamos re conhecer então que também existem questões de segunda ordem questões a respeito do nosso conhecimento de primeira ordem questões sobre o conteú do do nosso pensamento quando tentamos responder a questões de primeira ordem questões a respeito dos modos como expressamos esses pensamentos por meio da linguagem 282 Como Ler Livros Essa distinção entre questões de primeira e de segunda ordem é útil porque ajuda a explicar o que aconteceu com a filosofia nos últimos anos A maioria dos filósofos profissionais já não acredita que as questões de primei ra ordem possam ser respondidas por filósofos A maioria dos filósofos pro fissionais de hoje dedica sua atenção exclusivamente às questões de segunda ordem frequentemente às questões que têm a ver com o idioma em que se expressa o pensamento Isso é certamente bemvindo pois ser crítico nunca faz mal O problema é a desistência completa das questões filosóficas de primeira ordem que são as que têm mais chance de despertar o interesse dos leitores leigos Na realidade assim como hoje não se escrevem mais livros de ciências ou matemática vol tados ao público leigo o mesmo acontece com os livros de filosofia As ques tões de segunda ordem têm quase por definição apelo limitado e os filósofos profissionais assim como os cientistas não estão interessados na opinião de ninguém exceto os outros especialistas Isso torna a filosofia moderna muito difícil de ler para os não filósofos tão difícil na realidade quanto as ciências para os não cientistas Neste livro não temos como lhe dar nenhuma orientação sobre como ler livros de filosofia moderna voltados exclusivamente para questões de segunda ordem Todavia existem livros filosóficos que você pode ler e que achamos que você deve ler Esses livros tratam das questões que classificamos como de primeira ordem Não é por acidente que eles foram escritos fundamentalmente para uma plateia leiga e não exclusivamente para outros filósofos Até mais ou menos 1 930 talvez um pouco depois os livros de filo sofia eram escritos para o público em geral Os filósofos esperavam que seus pares os lessem mas também queriam ser lidos por pessoas comuns e inteligentes Como as questões que levantavam e que buscavam responder interessavam a todos tais filósofos achavam que todos deveriam saber o que eles pensavam Todas as obras clássicas da filosofia de Platão em diante foram escritas a partir desse ponto de vista Tais livros são acessíveis ao leigo você conseguirá lê los se quiser Tudo que temos a dizer neste capítulo pretende ajudálo a fazer isso 1 8 Como ler livros de filosofia 283 SOBRE O MÉTODO FILOSÓFICO É importante entender em que consiste o método filosófico ao menos na medida em que a filosofia trata de propor e tentar responder questões de primeira ordem Suponha que você seja um filósofo preocupado com uma das questões infantilmente simples que mencionamos por exemplo a questão das proprie dades de tudo aquilo que existe ou a questão a respeito da natureza e das causas da mudança Como proceder Se sua questão fosse científica você saberia que para respondêla teria de fazer alguma espécie de pesquisa seja desenvolvendo um experimento para testar sua resposta seja observando uma vasta gama de fenômenos Se sua pergunta fosse histórica você saberia que também teria de fazer pesquisas ainda que de natureza diferente Mas não existe experimento que vá dizer o que é que todas as coisas que existem têm em comum simplesmente porque têm existência Não há tipos peculiares de fenômenos que você possa observar nem documentos que possa procurar e ler no intuito de descobrir o que é a mudança ou por que as coisas mudam Tudo que você pode fazer é meditar sobre a questão Em suma nada há a fazer além de pensar Você não pensa no vácuo claro A filosofia quando é boa não é pura especulação um pensamento distanciado da experiência Não podemos juntar as ideias de qualquer jeito As respostas às questões filosóficas têm de passar por testes rigorosos Mas esses testes se baseiam apenas na expe riência comum na experiência que você já tem porque é um ser humano não porque é filósofo A experiência comum faz que você conheça os fenô menos de mudança tão bem quanto qualquer outra pessoa tudo no mundo à sua volta manifesta a mutabilidade No tocante à simples experiência da mudança você está em posição tão adequada para pensar sobre sua nature za e suas causas quanto os maiores filósofos O que os distingue é que eles pensaram nisso extremamente bem eles formularam as questões mais inci sivas e mais pertinentes e deramse ao trabalho de desenvolver respostas clara e cuidadosamente elaboradas Por quais meios Não pela investigação Não pela busca ou agregação de mais experiências do que as vividas por nós 284 Como Ler Livros outros e sim pelo pensamento de modo mais profundo que o nosso sobre a experiência Entender isso não basta Ainda é preciso perceber que nem todas as per guntas feitas e analisadas pelos filósofos são verdadeiramente filosóficas Nem sempre eles mesmos tinham consciência disso e sua ignorância ou erro nesse aspecto crucial pode gerar dificuldades consideráveis para leitores pouco per ceptivos Para evitar essas dificuldades é necessário ser capaz de distinguir as questões verdadeiramente filosóficas das outras questões que talvez sejam dis cutidas por um filósofo mas cuja resposta ele deveria ter deixado para a investi gação científica posterior O filósofo enganouse por não ver que essas questões só podem ser respondidas pela investigação científica ainda que talvez não lhe fosse possível saber disso quando escreveu Um exemplo disso está na questão discutida pelos filósofos da Antiguida de a respeito da diferença entre a matéria dos corpos terrestres e a dos corpos celestes A olho nu sem a ajuda de telescópios parecia que os corpos celestes mudavam apenas de lugar eles não pareciam passar a existir nem deixar de existir como as plantas e os animais também não pareciam mudar em tamanho ou qualidade Como os corpos celestes só estavam sujeitos a um único tipo de mudança o movimento local ao passo que todos os corpos terrestres tam bém mudavam em outros aspectos os antigos concluíram que eles deveriam ser compostos de outro tipo de matéria Eles não imaginavam nem poderiam ter imaginado que com a invenção do telescópio os corpos celestes nos pro porcionariam um conhecimento de sua mutabilidade muito além de tudo que podemos conhecer por meio da experiência comum Por isso consideraram caber aos filósofos responder a uma questão que deveria ter sido deixada para as investigações científicas posteriores Essa investigação começou com o uso do telescópio por Galileu e com sua descoberta das luas de Júpiter isso levou à afirmação revolucionária de Kepler de que a matéria dos corpos celestes é exatamente a mesma que a matéria dos corpos terrestres e isso por sua vez lançou as bases para a mecânica celestial de Newton em que as mesmas leis do movimento aplicamse sem alterações para todos os corpos onde quer que estejam no universo físico J8 Como ler livros de filosofia 285 De modo geral tirando as confusões que podem surgir os erros ou a falta de informação a respeito de assuntos científicos que maculam a obra dos fi lósofos clássicos é irrelevante A razão é que quando lemos obras filosóficas estamos interessados em questões filosóficas e não científicas ou históricas Correndo o risco de nos repetir devemos enfatizar que não há outra maneira de responder a essas perguntas senão pensando Se pudéssemos construir um te lescópio ou um microscópio para examinar as propriedades da existência claro que faríamos isso Só que esses instrumentos são impossíveis Não queremos dar a impressão de que só os filósofos cometem os erros que estamos discutindo aqui Imagine que um cientista se preocupe com a ques tão do tipo de vida que se deve levar Essa questão pertence à filosofia norma tiva e a única maneira de respondêla é pensar nela Mas o cientista talvez não perceba isso e imagine que alguma espécie de experimento ou pesquisa possa lhe dar uma resposta Ele pode decidir perguntar a mil pessoas que tipo de vida elas gostariam de levar e basear sua resposta à questão nas respostas delas Mas deveria ser óbvio que sua resposta nesse caso seria tão irrelevante quanto as especulações de Aristóteles sobre a matéria dos corpos celestes OS ESTILOS FILOSÓFICOS Ainda que só haja um método filosófico ao menos cinco estilos expositi vos foram empregados pelos grandes filósofos da tradição ocidental O estu dante ou leitor de filosofia deveria ser capaz de distinguilos e de conhecer as vantagens e desvantagens de cada um deles 1 O DIÁLOGO FILOSÓFICO O primeiro estilo filosófico de exposição pri meiro cronologicamente mas não o primeiro em eficácia é aquele ado tado por Platão em seus Diálogos O estilo é de conversa até mesmo coloquiat alguns homens discutem um assunto com Sócrates ou nos diálogos posteriores com um participante conhecido como o Estran geiro de Atenas normalmente após falar um pouco a esmo Sócrates 286 Como Ler Livros começa a fazer uma série de perguntas e comentários que ajudam a elu cidar um problema Nas mãos de um mestre como Platão esse estilo é heurístico isto é ele ajuda o leitor e até mesmo o leva a descobrir as coisas por si mesmo Quando esse estilo é enriquecido pela grande tea tralidade pela grande comédia diriam alguns da história de Sócrates ganha um vigor tremendo Dissemos um mestre como Platão mas não há ninguém como Pla tão Outros filósofos buscaram escrever diálogos Cícero e Berkeley por exemplo mas tiveram pouco sucesso Seus diálogos são chatos monótonos quase ilegíveis Que Platão tenha conseguido escrever diá logos filosóficos que em termos de espírito charme e profundidade es tejam entre os melhores livros jamais produzidos por qualquer pessoa é algo que dá a medida de sua grandeza Contudo um sinal da inadequa ção desse estilo de filosofar pode estar no fato de que ninguém além de Platão conseguiu usálo bem Desnecessário dizer que Platão conseguiu Toda a filosofia ocidental como disse uma vez Whitehead não passa de uma nota de rodapé a Platão e os próprios gregos vieram a dizer entre si Aonde quer que eu vá em minha mente encontro Platão que já está voltando Essas afirmações porém não deveriam ser mal interpretadas Aparentemente Platão não criou um sistema filosófico não criou uma doutrina a menos que ela significasse que não há doutrina e que devemos simplesmente continuar dialogando E fazendo perguntas Platão e Sócrates que o an tecedeu de fato levantaram a maior parte das questões importantes que os filósofos posteriores julgaram necessário discutir 2 0 TRATADO FILOSÓFICO OU ENSAIO Aristóteles foi o melhor aluno de Platão estudou com ele por vinte anos Dizse que também escreveu diálogos mas nenhum deles sobreviveu integralmente Sobreviveram porém ensaios ou tratados curiosamente difíceis a respeito de diversos assuntos Obviamente Aristóteles era um pensador claro mas a difi culdade das obras que sobreviveram levou os estudiosos a sugerir que eram originalmente notas para aulas ou para livros feitas pelo próprio 18 Como ler livros de filosofia 287 Aristóteles ou por um aluno que assistira às aulas do mestre Talvez nun ca descubramos a verdade De qualquer modo o tratado aristotélico criou um novo estilo filosófico Os assuntos discutidos por Aristóteles em seus tratados e os vários estilos adotados por ele na apresentação de suas descobertas também ajudaram a estabelecer os ramos e as abordagens da filosofia nos séculos posteriores Há antes de tudo as chamadas obras populares sobre tudo diálogos dos quais nos chegaram apenas fragmentos Depois há as coleções de documentos A maior que conhecemos teria sido uma coleção de 1 58 Constituições de Estados gregos Apenas uma delas sobreviveu a Constituição de Atenas que foi encontrada em um papiro em 1 890 Por fim há os grandes tratados alguns dos quais como a Física e a Metafísica ou a Ética a Política e a Poética são obras puramente filosófi cas teóricas ou normativas algumas delas como o tratado Da Alma são misturas de teoria filosófica e investigação científica primitiva outros como os tratados biológicos são sobretudo obras científicas da área de história natural Apesar de ter sido provavelmente mais influenciado por Platão num sentido filosófico Immanuel Kant adotou o estilo expositivo de Aris tóteles Seus tratados são obras de arte acabadas contrastando nesse aspecto com os de Aristóteles Eles começam formulando o problema principal discutem o assunto de maneira meticulosa e minuciosa e tratam de problemas especiais no meio ou no final Podese dizer que a clareza tanto de Kant como de Aristóteles está na ordem que esses autores impõem a um assunto Vemos um começo um meio e um fim filosóficos Também particularmente no caso de Aristóteles somos informados das opiniões e objeções de outros sejam filósofos sejam homens comuns Assim num sentido o estilo do tratado é similar ao estilo do diálogo Mas fica faltando o elemento dramático nos tratados aristotélicos ou kantianos desenvolvese uma opinião filosófica por meio da exposição direta e não do conflito de posições e opiniões como em Platão 288 Como Ler Livros 3 O CONFRONTO DE OBJEÇÕES O estilo filosófico desenvolvido na Idade Média e aperfeiçoado por Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica tem semelhanças com os dois estilos já discutidos Platão como observamos levanta a maior parte das questões filosóficas que ainda hoje discutimosi Sócrates como poderíamos ter observador faz nos diálogos aquelas mesmas perguntas simples mas profundas das crianças E Aristóteles como também observamos leva em conta as objeções de outros filóso fos e responde a elas O estilo de Tomás de Aquino combina a proposição de questões com o confronto das objeções A Suma é dividida em partes tratados questões e artigos A forma de todos os artigos é a mesma Propõese uma questãoi apresentase a resposta contrária errada a elai enu meramse argumentos em favor da resposta erradai esses são primei ro rebatidos por texto de autoridade frequentemente uma citação bíblicai por fim1 Tomás apresenta sua própria resposta ou solução com as palavras 11 respondo que Após dar sua própria opinião sobre o assunto ele então responde a cada um dos argumentos dados em favor da resposta errada A limpeza e a ordem desse estilo têm apelo para pessoas de mente orga nizada mas essa não é a característica mais importante do estilo tomista de filosofar Antes é o fato de Tomás de Aquino reconhecer explici tamente os conflitos de descrever as opiniões divergentes e de tentar enfrentar todas as objeções possíveis a suas próprias soluções A ideia de que a verdade de algum modo surge da oposição e do conflito era comum na Idade Média Os filósofos na época de Tomás de Aquino achavam absolutamente normal ter de defender suas ideias em disputas públicas e abertas que muitas vezes eram acompanhadas por multidões de estudantes e interessados A civilização da Idade Média era essencial mente orat em parte porque os livros eram poucos e difíceis de obter Não se aceitava que uma proposição fosse verdadeira sem que ela pu desse enfrentar o teste da discussão abertai o filósofo não era um pen sador solitário mas alguém que enfrentava seus adversários no mercado 18 Como ler livros de filosofia 289 intelectual como talvez Sócrates dissesse Por isso a Suma Teológica está imbuída do espírito do debate e da discussão 4 A SISTEMATIZAÇÃO DA FILOSOFIA No século XVII dois filósofos notáveis Descartes e Espinosa desenvolveram um quarto estilo de exposição filosófica Fascinados pelo sucesso que a matemática prometia obter na organização do conhecimento da natureza eles buscaram organizar a filosofia mesma como se fosse a matemática Descartes era um grande matemático e ainda que talvez estivesse er rado em alguns pontos um filósofo formidável O que ele tentou fazer essencialmente foi vestir a filosofia com as roupas da matemática ou dar a ela a certeza e a estrutura formal que Euclides dera à geometria dois mil anos antes Descartes não fracassou completamente nessa empresa e sua demanda por clareza e diferenciação era em certa medida justificada pelo caos do ambiente intelectual de sua época Ele também escreveu tratados filosóficos em formato mais ou menos tradicional incluindo respostas a objeções a suas teses Espinosa levou esse conceito adiante Sua Ética foi escrita num formato estritamente matemático com proposições provas corolários lemas es cólios etc Porém o objeto da metafísica e da moral não se presta bem a esse formato que é mais apropriado para a geometria e outros assuntos matemáticos do que para os filosóficos Sinal disso é que ao ler Espino sa podemos saltar muitas partes exatamente como se pode fazer ao ler Newton Não se pode ignorar nada de Kant ou de Aristóteles porque a li nha de raciocínio é ininterrupta e não se pode saltar nada de Platão assim como não se pode saltar um trecho de uma peça teatral ou de um poema Provavelmente não há regras absolutas de estilo Ainda assim podese questionar a possibilidade de escrever uma obra filosófica satisfatória em formato matemático como tentou Espinosa ou uma obra científica satisfatória em forma de diálogo como tentou Galileu O fato é que os dois em alguma medida não conseguiram comunicar aquilo que preten diam comunicar e parece provável que a forma escolhida por eles foi uma das principais razões disso 290 Como Ler Livros 5 O ESTILO AFORÍSTICO Existe outro estilo de exposição filosófica digno de nota ainda que provavelmente não seja tão importante quanto os outros quatro Tratase do estilo aforístico adotado por Nietzsche em obras como Assim Falou Zaratustra e por alguns filósofos franceses modernos A popularidade desse estilo no século XX se deve talvez ao grande inte resse dos leitores ocidentais nos livros sapienciais do Oriente escritos em estilo aforístico Esse estilo talvez deva algo também aos Pensamentos de Pascal Este porém claramente não queria que sua grande obra fosse composta de afirmações curtas e enigmáticas mas morreu antes de ter minar de escrever o livro no formato de ensaio A grande vantagem da forma aforística em filosofia é ser heurística o leitor tem a impressão de que se está falando mais do que aquilo que está efetivamente dito já que ele mesmo assume boa parte do ônus da reflexão de fazer conexões entre as afirmações e de montar argumen tos para defender as posições Porém ao mesmo tempo essa é a grande desvantagem do estilo que na realidade nada tem de expositivo O autor é como um motorista que atropela uma vítima e a abandona ele bate num assunto e depois sai correndo em direção a outro sem ao menos dar atenção àquilo que disse Assim ainda que o estilo aforístico seja agradável àqueles de inclinação poética é irritante para filósofos sérios que preferem acompanhar e criticar a linha de raciocínio de um autor Até onde sabemos não há outro estilo importante de exposição filosó fica que tenha sido usado em nossa tradição filosófica Uma obra como De Rerum Natura Sobre a Natureza das Coisas de Lucrécio não é ex ceção Foi originalmente escrita em verso Mas no que diz respeito ao estilo não difere de outros ensaios filosóficos e de todo modo hoje em dia nós a lemos em traduções em prosa Isso significa que todos os grandes filósofos usaram um desses cinco estilos às vezes claro um filósofo experimenta mais de um O tratado ou ensaio é o formato mais comum tanto no passado quanto no presente Ele pode incluir não só as obras altamente formais e difíceis como as de Kant mas também ensaios populares ou cartas Os diálogos são muito difíceis de escrever 18 Como ler livros de filosofia 291 como se sabe e o estilo geométrico é difícil de ler e de escrever O esti lo aforístico é muito insatisfatório do ponto de vista filosófico O estilo tomista não tem sido muito usado recentemente Talvez os leitores mo dernos tenham dificuldades em aceitálo o que diante de todas as suas vantagens é uma vergonha INDICAÇÕES PARA LER LIVROS DE FILOSOFIA Talvez tenha ficado claro graças ao que discutimos até agora que a coisa mais importante a descobrir na leitura de qualquer obra filosófica é qual a ques tão ou quais as questões que ela busca responder As questões podem ser pro postas explicitamente ou podem em certa medida ficar implícitas Nos dois casos é preciso descobrir quais são elas A maneira como o autor responde a essas questões será profundamente influenciada por seus princípios diretores Esses podem estar explicitados mas nem sempre isso acontece á citamos o que disse Basil Willey sobre a dificul dade e a importância de descobrir os pressupostos ocultos e implícitos de um autor de não acrescentar nada Isso vale para qualquer livro Isso se aplica especialmente a livros de filosofia Não podemos acusar os grandes filósofos de terem sido desonestos e de terem escondido seus pressupostos nem de terem sido obscuros em suas de finições e postulados A marca do grande filósofo é justamente ser capaz de clarificar essas coisas mais do que outros autores Ainda assim a obra de todo grande filósofo tem princípios diretores É fácil encontrálos caso ele os formu le no livro que você lê Mas talvez ele não tenha feito isso e tenha deixado sua discussão para outro livro Ou talvez ele nunca os discuta explicitamente ainda que sua presença se faça sentir em todas as suas obras É difícil dar exemplos desses princípios diretores Se enunciarmos algum provavelmente os filósofos irão questionálo e não temos espaço para defen der nossas escolhas Podemos porém mencionar que para Platão talvez a conversa a respeito de assuntos filosóficos seja a mais importante de todas 292 Como Ler Livros as atividades humanas Essa ideia raramente é explicitada nos diálogos ainda que Sócrates talvez a esteja propondo quando na Apologia diz que a vida não examinada não vale a pena ser vivida e Platão a menciona na Carta Sete A questão é que Platão expressa essa ideia em diversos lugares ainda que não tão diretamente por exemplo no Protágoras no qual se mostra que a plateia não aprova a recusa de Protágoras em continuar conversando com Sócrates Outro exemplo está em Céfalo do Livro I da República o qual parece ter ou tras coisas a resolver e por isso sai Platão parece estar dizendo ainda que não explicitamente que a recusa de participar da busca da verdade é uma traição da natureza mais profunda do homem Mas como já observamos isso não costuma ser mencionado como uma das ideias de Platão porque raramente em suas obras ela é explicitamente discutida Podemos encontrar outros exemplos em Aristóteles Em primeiro lugar é sempre importante perceber ao ler qualquer obra aristotélica que coisas que tenham sido ditas em outras obras são relevantes para a discussão Assim os princípios básicos da lógica expostos no Organon são pressupostos na Físi ca Em segundo lugar os princípios diretores nem sempre são enunciados de modo suficientemente claro o que se deve em parte ao fato de que os trata dos não são obras de arte acabadas A Ética fala de muitas coisas da felicidade do hábito da virtude do prazer etc a lista poderia ser imensa mas só o leitor muito cuidadoso capta a intuição diretora Tratase da intuição de que a felicidade é o bem em seu todo não o bem supremo pois neste caso ela seria apenas um bem entre outros Ao perceber isso vemos que a felicidade não consiste no aperfeiçoamento de si próprio nem nos bens do autoaprimora mento ainda que esses sejam os maiores dentre os bens parciais A felicidade como diz Aristóteles é a qualidade de uma vida inteira e ele diz inteira nãó só no sentido temporal como também no sentido de todos os aspectos pelos quais se pode enxergar uma vida O homem feliz é alguém como diríamos hoje que é bem resolvido em tudo e permanece assim ao longo de sua vida Essa intuição é diretora no sentido de que afeta quase todas as outras ideias e intuições na Ética mas ela nunca é formulada tão explicitamente quanto poderia ter sido 18 Como ler livros de filosofia 293 Outro exemplo O pensamento maduro de Kant é muitas vezes chamado de filosofia crítica Ele mesmo distinguia a crítica do dogmatismo que atribuía a muitos filósofos anteriores Ao falar em dogmatismo ele referia a presunção de que o intelecto humano pode chegar às verdades mais im portantes por meio do puro pensamento sem estar ciente de suas próprias limitações O primeiro passo necessário segundo Kant é fazer um inventário e uma avaliação dos recursos e capacidades da inteligência Assim a limitação da inteligência é um princípio diretor para Kant diferentemente de qualquer filósofo que o tenha precedido no tempo Mas se isso está perfeitamente claro por ter sido explicitamente formulado na Crítica da Razão Pura não está formulado por estar presumido na Crítica da Faculdade do Juízo a grande obra de Kant sobre Estética Ainda assim é também nela um princípio diretor Isso é tudo que podemos dizer sobre encontrar os princípios diretores num livro filosófico porque não temos certeza de que sabemos ensinar como descobrilos Às vezes isso leva anos e muitas leituras e releituras Ainda assim esse é o objetivo ideal de uma leitura intensa e minuciosa e é preciso ter em mente que em última instância é isso que você deve tentar fazer se pretende entender o autor que está lendo Contudo apesar da dificuldade em descobrir esses princípios diretores não recomendamos que você pegue um atalho e leia livros sobre os filósofos sobre a vida e as opiniões deles A descoberta que você faz por si mesmo terá valor muito maior do que as ideias de outra pessoa Uma vez que você tenha encontrado esses princípios diretores há de que rer julgar se o autor é fiel a eles em sua obra Infelizmente nem mesmo os me lhores filósofos costumam ser A coerência dizia Emerson é um monstro que assusta as inteligências menores Essa afirmação é bem relaxada mas ainda que provavelmente seja sábio recordála também não há dúvida de que num filó sofo a incoerência é um problema sério Se um filósofo é incoerente é preciso julgar qual de dois grupos de proposições corresponde àquilo que ele realmente quer dizer os primeiros princípios tais como ele os formula ou as conclusões que na realidade não se seguem dos princípios formulados Você pode ainda julgar que nenhum dos dois grupos é válido 294 Como Ler Livros A leitura de obras filosóficas tem aspectos peculiares relacionados à dife rença entre a filosofia e as ciências Aqui estamos considerando apenas obras teóricas de filosofia como tratados metafísicos ou livros de filosofia da natureza O problema da filosofia é explicar a natureza das coisas e não como fazem as ciências descrevêla A filosofia questiona mais do que as conexões entre os fenômenos Ela pretende chegar a suas causas e condições últimas Esses problemas só são explorados satisfatoriamente quando as respostas a eles têm o apoio de argumentos e análises claros O maior esforço do leitor portanto será voltado para os termos e para as proposições iniciais Ainda que o filósofo assim como o cientista tenha uma terminologia técnica as palavras que expressam seus termos costumam vir da linguagem corrente mesmo que sejam usadas em sentido muito peculiar Se o leitor não superar a tendência de usar palavras conhecidas de um modo conhe cido provavelmente entenderá o livro de maneira totalmente errada Os termos básicos das discussões filosóficas são abstratos é claro Mas os das ciências também são Não se pode expressar nenhum conhecimento geral senão em termos abstratos Não há nada particularmente difícil em relação às abstrações Nós as usamos todos os dias e em todos os tipos de conversas Contudo as palavras abstrato e concreto parecem perturbar muita gente Sempre que você fala de algo de modo geral usa abstrações mas aquilo que percebe por meio dos sentidos é sempre concreto e particular Aquilo que você pensa com sua mente é sempre abstrato e geral Entender uma palavra abstrata é ter a ideia que ela expressa Ter uma ideia é só um modo de dizer que você entendeu algum aspecto geral das coisas que fazem parte da sua ex periência concreta Você não consegue ver tocar ou imaginar o aspecto geral referido Se conseguisse não haveria diferença entre os sentidos e a mente As pessoas que buscam imaginar a que as ideias se referem tendem a se confundir e todas as abstrações acabam por causarlhes desespero Assim como os argumentos indutivos devem ser o principal foco do leitor no caso de livros científicos também aqui no caso da filosofia devese prestar a máxima atenção aos princípios do filósofo Podem ser pressupostos que ele espera ver compartilhados por você ou teses que ele considera autoevidentes 18 Como ler livros de filosofia 295 Não há nenhum problema em ter pressupostos Aceiteos para ver aonde levam ainda que você mesmo tenha pressupostos contrários Fingir que você acredita em algo em que não acredita de verdade é um bom exercício mental E quanto mais claramente você conhecer seus próprios prejulgamentos menos chance terá de avaliar mal os dos outros O outro tipo de princípios é que pode causar problemas Poucos livros de filosofia deixam de explicitar algumas proposições que o autor considera autoevidentes Essas proposições são tiradas diretamente da experiência e não provadas por outras proposições O que se deve lembrar é que a experiência da qual elas são tiradas como observamos repetidas vezes é ao contrário da experiência especial do cientista a experiência comum da humanidade O filósofo não trabalha em laboratórios não faz pesquisas de campo Assim para entender e testar os princípios de um filósofo você não precisa da ajuda extrínseca da experiência especial que se obtém pela investigação metódica O filósofo pede apenas que você use seu bomsenso e suas observações diárias do mundo em que vive Em outras palavras o método para ler um livro filosófico é muito seme lhante ao método usado para escrevêlo Não há nada que um filósofo possa fazer diante de um problema além de pensar nele Não há nada que um leitor possa fazer com um livro filosófico além de lêlo o que significa como sabe mos pensar nele Não há outros auxílios além da própria mente Mas essa solidão essencial de leitor e livro é precisamente a situação que imaginamos no início de nossa longa discussão sobre as regras da leitura analí tica Assim você pode ver por que dizemos que as regras da leitura do modo como as formulamos e explicamos aplicamse mais diretamente à leitura de livros filosóficos do que a qualquer outro tipo de leitura SOBRE TER OPINIÕES PRÓPRIAS Como qualquer bom tratado científico uma boa obra teórica de filoso fia não contém retórica nem propaganda Não é preciso preocuparse com a 296 Como Ler Livros personalidade do autor nem investigar seu background social e econômico Porém é útil ler as obras de outros grandes filósofos que tenham discutido os mesmos problemas abordados pelo autor que você está lendo Os filóso fos vêm mantendo uma longa conversa entre si na história do pensamento É melhor ouvila antes de formar uma opinião a respeito do que qualquer um deles diz O fato de que os filósofos discordam não deveria perturbálo por duas razões Primeiro o fato de haver discórdia se persiste pode sugerir um pro blema grande e ainda não resolvido aliás talvez impossível de ser resolvido É bom saber onde estão os verdadeiros mistérios Segundo as discordâncias dos outros têm relativamente pouca importância A responsabilidade do lei tor é formar a sua própria opinião Diante da longa conversa que os filósofos mantiveram por meio de seus livros cabe a você julgar o que é verdadeiro e o que é falso Quando você tiver lido bem uma obra filosófica e isso significa ler outros filósofos que falem do mesmo assunto estará em posição de julgar De fato a marca mais distintiva das questões filosóficas é que todos preci sam dar a própria resposta a elas Usar as opiniões dos outros não é respondê las mas fugir delas E suas respostas devem ter bases sólidas com argumentos que as sustentem Isso significa acima de tudo que você não pode depender do testemunho de especialistas algo talvez necessário no caso das ciências A razão disso é que as perguntas feitas pelos filósofos são simplesmen te mais importantes do que as questões feitas por quaisquer outras pessoas À exceção das crianças UMA NOTA SOBRE A TEOLOGIA Existem dois tipos de teologia a teologia natural e a teologia dogmática A primeira é um ramo da filosofia é como o último capítulo da metafísica Se você perguntar por exemplo se a causalidade é um processo infinito se tudo é causado você pode caso responda afirmativamente verse numa regressão in finita Assim você talvez tenha de presumir a existência de uma causa originária 18 Como ler livros de filosofia 297 que não é ela mesma causada Aristóteles chamou essa causa não causada de motor imóvel Você pode lhe dar outros nomes pode até dizer que se trata apenas de outro nome para Deus mas o importante é que terá chegado a esse conceito por meio do esforço solitário pelo trabalho natural de sua mente A teologia dogmática é diferente da filosofia na medida em que seus pri meiros princípios são artigos de fé compartilhados pelos praticantes de alguma religião Uma obra de teologia dogmática sempre depende de dogmas e da au toridade da Igreja que os proclama Se você não faz parte dessa Igreja se não professa essa fé ainda assim pode ler bem um livro de teologia dogmática se tratar esses dogmas com o mesmo respeito com que trata os pressupostos de um matemático Mas é preciso ter sempre em mente que um artigo de fé não é algo que os fiéis presumem A fé para aqueles que a possuem não é uma opinião provisória mas a forma mais certa de conhecimento Compreender isso parece difícil para muitos leitores de hoje Normalmen te eles cometem um ou dois erros quando deparam com a teologia dogmática O primeiro erro é a recusa em aceitar nem que seja temporariamente os artigos de fé que são os primeiros princípios do autor O resultado é que o leitor con tinua a debaterse com esses primeiros princípios sem jamais realmente prestar atenção ao livro O segundo erro é presumir que como os primeiros princípios são dogmáticos os argumentos e raciocínios baseados neles e as conclusões a que levam são todos igualmente dogmáticos É verdade é claro que se certos princípios são aceitos e se o raciocínio que se baseia neles é lógico então as conclusões também devem ser aceitas ao menos na mesma medida em que os princípios são aceitos Mas se o raciocínio estiver errado os mais aceitáveis primeiros princípios levarão a conclusões inválidas Como você pode ver aqui estamos falando das dificuldades enfrentadas por um leitor não crente de uma obra teológica A ele cabe aceitar enquanto lê o livro que os primeiros princípios são verdadeiros e assim lêlo com todo o cuidado que qualquer boa obra expositiva merece O leitor fiel de uma obra que é essencial para sua religião tem de enfrentar outras dificuldades Porém esses problemas não estão limitados à leitura de teologia 298 Como Ler Livros COMO LER LIVROS CANÔNICOS Existe um tipo interessante de livro e de leitura que ainda não foi discu tido Usamos o termo canônico para fazer referência a esses livros numa tradição mais antiga poderíamos têlos chamado de sacros ou santos mas essas palavras não se aplicam mais a todas essas obras ainda que se apliquem a algumas delas O melhor exemplo é a Bíblia quando lida não como literatura mas como a palavra revelada de Deus Para os marxistas ortodoxos porém as obras de Marx devem ser lidas do mesmo modo que a Bíblia deve ser lida por judeus ou cris tãos ortodoxos O Livro Vermelho de Mao tem uma natureza igualmente canônica para um fiel comunista chinês A ideia de livro canônico pode ser ampliada para além desses exemplos óbvios Considere uma instituição qualquer uma Igreja um partido político uma sociedade que entre outras coisas 1 é uma instituição de ensino 2 possui um corpo doutrinário a transmitir e 3 tem membros fiéis e obedien tes Os membros de todas essas organizações leem de modo reverente Eles não questionam nem podem questionar a leitura autorizada ou correta dos li vros que consideram canônicos Os fiéis são proibidos por sua fé de encontrar qualquer erro no texto sagrado isso para não falarmos da proibição de ver algum nonsense nele É assim que os judeus ortodoxos leem o Antigo Testamento os cristãos o Novo Testamento os muçulmanos o Carão os marxistas ortodoxos as obras de Marx e Lênin e dependendo do clima político as de Stálin os psicanalistas freudianos as obras de Freud os oficiais do exército americano o manual da infantaria E você pode pensar em muitos outros exemplos por conta própria De fato quase todos nós ainda que não tenhamos ainda chegado lá já nos aproximamos da situação em que temos de ler canonicamente Um advogado inexperiente que precisa passar nos exames da Ordem tem de ler certos textos de certo modo para poder tirar a nota máxima O mesmo sucede com médicos e com outros profissionais e de fato com todos nós quando na posição de estudantes éramos obrigados a ler um texto segundo a interpretação dada pelo iB Como ler livros de filosofia 299 nosso professor correndo o risco de tirar zero Claro que nem todos os pro fessores reprovam seus alunos por discordai deles As características desse tipo de leitura estão provavelmente resumidas na palavra ortodoxo que vale em quase todos os casos A palavra vem de duas raízes gregas e significa opinião correta Para esses livros só existe uma leitura correta e apenas uma qualquer outra leitura traz muitos riscos da perda de uma nota 1 O à danação da alma Essa característica traz consigo uma obrigação O leitor fiel de um livro canônico é obrigado a entendêlo e a considerálo verdadeiro em algum sentido da palavra verdadeiro Se ele não consegue fazer isso por si é obrigado a procurar alguém que consiga Esse alguém pode ser um padre ou um rabi no ou seu superior na hierarquia do partido ou seu professor De todo modo ele está obrigado a aceitar a resolução do problema que lhe é oferecida Ele lê essencialmente sem liberdade mas ganha em troca um tipo de satisfação que talvez nunca seja obtido na leitura de outros livros Aqui de fato é preciso parar O problema de ler a Bíblia se sua fé diz que ela é a Palavra de Deus é o problema mais difícil em toda a área da leitura Existem mais livros sobre como ler as Escrituras do que a respeito de todos os outros aspectos da arte de ler juntos A Palavra de Deus é obviamente o texto mais difícil que o homem pode ler mas é também se para você tratase da Pala vra de Deus o mais importante a ler O esforço dos fiéis tem sido devidamente proporcional à tarefa É verdade que ao menos na tradição europeia a Bíblia é o livro em mais de um sentido Não só é o livro mais lido mas também o livro lido com mais cuidado 300 Como Ler Livros 19 COMO LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os conceitos e a terminologia das ciências sociais estão presentes em qua se tudo que lemos hoje O jornalismo moderno por exemplo não se limita a reportar fatos exceto nas notícias do tipo quem o que por que quando onde que encontramos na primeira página de um jornal É muito mais comum os jornalistas combinarem os fatos à interpretação ao comentário à análise das notícias Essas interpretações e comentários baseiamse nos conceitos e na terminologia das ciências sociais Esses conceitos e essa terminologia também se refletem no vasto número de livros e artigos atuais que podem ser classificados como crítica social De paramos com um fluxo ininterrupto de livros sobre assuntos como problemas raciais crime policiamento pobreza bemestar social guerra e paz boa e má administração pública Boa parte dessa literatura toma emprestados sua ideolo gia e seu linguajar das ciências sociais Os livros de ciências sociais não se limitam à não ficção Há uma importan te e vasta categoria de textos contemporâneos que pode ser chamada de ficção científica social Nela o objetivo é criar modelos artificiais de sociedades que nos permitam por exemplo explorar as consequências sociais da inovação tec nológica A organização do poder social as espécies de propriedade e de posse e a distribuição de riqueza são descritas condenadas ou elogiadas de várias maneiras em romances peças contos filmes e séries de televisão Na medida em que fazem isso podese dizer que têm importância social ou que contêm mensagens relevantes Ao mesmo tempo tais obras usam e disseminam ele mentos das ciências sociais Além disso praticamente não há problema social econômico ou políti co que não tenha sido abordado por especialistas nessas áreas seja por conta própria seja por causa de um convite de autoridades que estejam trabalhando com esses problemas Os especialistas em ciências sociais ajudam a formular os problemas e ajudam a lidar com eles Um dos fatores não menos importantes para a crescente difusão das ciên cias sociais é sua introdução no currículo escolar e nos cursos técnicos de nível superior Na realidade as inscrições nos cursos de ciências sociais são muito mais numerosas que as inscrições nos cursos tradicionais de língua e literatura E são também muito mais numerosas que nos cursos de ciência pura O QUE SÃO AS CIÊNCIAS SOCIAIS Falamos de ciências sociais como se fossem uma entidade unitária o que realmente não é adequado Quais de fato são as ciências sociais Uma maneira de responder à ques tão é examinar os departamentos e as disciplinas que as universidades agrupam sob esse nome As divisões nas ciências sociais costumam incluir departamentos de antropologia economia política e sociologia Por que não costumam incluir também os departamentos de direito educação administração serviço social e administração pública se todos esses para desenvolveremse baseiamse em conceitos e métodos das ciências sociais A razão que se costuma dar para a separação entre esses departamentos e os das ciências sociais é que o principal propósito de tais departamentos é oferecer treinamento para o trabalho profis sional fora da universidade ao passo que aqueles mencionados antes são mais exclusivamente dedicados à busca de conhecimento sistemático da sociedade humana atividade que normalmente se realiza dentro de uma universidade Há hoje nas universidades uma tendência ao estabelecimento de centros e institutos de estudos interdisciplinares Esses centros perpassam os depar tamentos comuns de ciências sociais e os departamentos profissionalizantes incluindo estudos de teorias e métodos de estatística de demografia de psefo logia a ciência das eleições e das pesquisas de opinião de tomada de decisões e de elaboração de políticas públicas de recrutamento e tratamento de pessoal 302 Como Ler Livros de administração pública de ecologia humana e muitos outros Tais centros produzem estudos e relatórios que incluem as descobertas de uma dúzia dessas especialidades ou mais É necessária uma considerável sofisticação até mesmo para discernir as diversas ramificações desses esforços isso para não falar no julgamento da validade de suas descobertas e conclusões E a psicologia Os cientistas sociais que fazem uma interpretação estrita de sua área tendem a excluir a psicologia argumentando que ela se volta para carac terísticas individuais e pessoais ao passo que as ciências sociais propriamente ditas estudam fatores culturais institucionais e ambientais Os menos estritos embora admitam que a psicologia fisiológica deve permanecer sob a classifica ção das ciências biológicas creem que a psicologia em ambas as modalidades que estudam o comportamento normal e o anormal deva ser considerada uma ciência social porque o indivíduo seria inseparável de seu ambiente social A psicologia aliás é um ótimo exemplo de área da ciência social que atu almente goza de grande popularidade entre os universitários É possível que as matrículas em psicologia nos Estados Unidos sejam mais numerosas do que em qualquer outra área E a bibliografia do assunto em todos os níveis do mais leigo ao mais técnico é imensa E as ciências comportamentais Qual o lugar delas no quadro das ciências sociais Originalmente o termo incluía sociologia antropologia e os aspectos comportamentais de biologia da economia da geografia do direito da psico logia da psiquiatria e da ciência política A ênfase comportamental servia para enfatizar comportamentos observáveis e mensuráveis que poderiam ser inves tigados sistematicamente e oferecer resultados verificáveis Recentemente o termo ciências comportamentais veio a ser utilizado quase como sinônimo de ciências sociais mas muitos puristas contestam esse uso Por fim e a história Admitese que as ciências sociais tiram da história os dados e os exemplos de suas generalizações Porém ainda que a história tomada como relatos e descrições de eventos e pessoas individuais possa ser científica no sentido básico de constituir um conhecimento sistemático não é uma ciência no sentido de que ela própria gera conhecimento sistemático de padrões ou leis do comportamento e do desenvolvimento 19 Como ler livros de ciências sociais 303 Será possível assim definir o que se quer dizer por ciência social Pensa mos que sim ao menos para os propósitos deste capítulo Campos como a antro pologia a economia a política e a sociologia constituem uma espécie de núcleo central da ciência social que quase todos os cientistas incluiriam em qualquer definição Além disso julgamos que a maioria dos cientistas sociais concordaria em que boa parte da literatura mas não toda de áreas como o direito a educa ção e a administração pública e parte da literatura de áreas como administração e serviço social mais uma parte considerável da literatura sobre psicologia pode ser incluída sob uma definição razoável Presumiremos que essa definição ainda que obviamente imprecisa esteja clara para você naquilo que se segue A APARENTE FACILIDADE DE LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Boa parte dos textos de ciências sociais parece a coisa mais fácil de ler que existe Os dados muitas vezes são extraídos de experiências que o leitor conhece nesse sentido as ciências sociais são como a poesia ou a filosofia e o estilo expositivo costuma ser narrativo que o leitor já conhece de sua leitura de ficção e de textos de história Além disso já nos familiarizamos com o jargão das ciências sociais e o usa mos bastante Termos como cultura intercultural contracultura subcultura tribo alienação status inputoutput infraestrutura étnico comportamental con senso e muitos outros tendem a aparecer em quase todas as nossas conversas e em quase tudo que lemos Considere a própria palavra sociedade Veja que palavra camaleônica quantos adjetivos podem lhe ser associados sem que ela deixe de transmitir a ideia de pessoas vivendo em conjunto e não isoladas Ouvimos falar da socie dade aberrante da sociedade abortiva da sociedade consumista da sociedade obediente da sociedade próspera e poderíamos passar por todo o alfabeto até chegar à sociedade zimótica a sociedade em perpétuo estado de fermentação bem parecida com a nossa 304 Como Ler Livros Social como adjetivo é também uma palavra de significados diversos e conhecidos Há o poder social a pressão social e a promessa social e é claro há os onipresentes problemas sociais Esta última expressão aliás é um belo exemplo da enganosa facilidade com que se leem e escrevem textos de ciências sociais Poderíamos apostar que nos últimos meses se não nas últimas semanas você leu e provavelmente escreveu problemas políticos econômicos e sociais Quando leu ou escreveu isso provavelmente sabia o que significa vam problemas políticos e econômicos Mas o que você ou o autor referiu por problemas sociais O jargão e as metáforas de boa parte dos textos de ciências sociais além dos profundos sentimentos que frequentemente os imbuem criam uma leitura enganosamente fácil As referências falam de questões imediatamente familiares ao leitori de fato ele lê ou ouve falar delas quase diariamente Além disso suas atitudes e seus sentimentos em relação a elas já estão quase sempre fortemente desenvolvidos A filosofia também trata do mundo de nossa experiência co mum mas não é comum estarmos comprometidos com questões filosóficas Já em assuntos tratados pelas ciências sociais é grande a probabilidade de ter mos opiniões fortes DIFICULDADES DA LEITURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Paradoxalmente os mesmos fatores aqui discutidos os fatores que fazem as ciências sociais parecerem fáceis de ler também as tornam difíceis de ler Considere o último fator mencionado por exemplo o comprometimento que você leitor provavelmente tem com alguma perspectiva do assunto discutido por um autor Muitos leitores temem que seja uma deslealdade para com seu comprometimento ficar de fora e questionar impessoalmente aquilo que estão lendo Ainda assim é necessário fazer isso sempre que se lê analiticamente As regras da leitura obrigam a essa atitude ao menos as regras do delineamento e da interpretação estruturais Se você vai responder às duas primeiras perguntas que deveriam ser feitas sobre qualquer coisa que se leia é preciso de certo i9 Como ler livros de ciências sociais 305 modo deixar as opiniões na sala de espera Não é possível entender um livro quando há uma recusa em ouvir aquilo que ele diz A familiaridade dos termos e das proposições presentes nas ciências sociais também é um obstáculo ao entendimento Muitos cientistas sociais admitem isso Eles recusam fortemente o uso de termos e conceitos mais ou menos téc nicos no jornalismo popular e em outros textos Um exemplo desse conceito é o de Produto Nacional Bruto PNB Nos textos econômicos sérios esse conceito é usado em sentido relativamente limitado Mas segundo alguns cien tistas sociais muitos repórteres e articulistas usam o conceito em sentido amplo demais sem realmente entenderem seu significado Obviamente se o autor de algum texto está confuso a respeito do uso de um termochave você leitor também há de ficar inseguro Tentemos deixar isso mais claro fazendo uma distinção entre as ciências sociais de um lado e as chamadas ciências exatas física química etc de ou tro Observamos que o autor de um livro científico tomando científico neste último sentido explícita aquilo que pressupõe e aquilo que deseja provar e também garante que seja fácil encontrar seus termos e proposições Mas chegar a um acordo e encontrar as proposições é uma das partes principais na leitura de uma obra expositiva e isso significa que no caso desses livros boa parte do trabalho já está feita Você pode ter dificuldades com a forma matemática da enunciação e se não tiver um conhecimento firme dos argumentos e da base experimental ou observacional das conclusões terá dificuldades em criticar o livro isto é em responder a questões como É verdade e E daí Mesmo assim num sentido importante esses livros científicos são mais fáceis de ler do que quase todas as outras obras expositivas Outra maneira de explicar o que é que o cientista exato faz é dizer que ele estipula seu uso isto é informa ao leitor quais são os termos essenciais para seu raciocínio e como pretende usálos Essas estipulações normalmente acontecem no início do livro na forma de definições postulados axiomas etc Como a estipulação do uso é característica dessas áreas já se disse que elas são como jogos ou que têm a estrutura de um jogo A estipulação do uso é como o estabelecimento das regras de um jogo Se você quer jogar pôquer não vai 306 Como Ler Livros discutir a regra segundo a qual ter na mão três cartas iguais é melhor que ter dois pares i se quer jogar bridge não vai discutir a convenção de que uma rainha vale mais que um valete no mesmo naipe ou que o maior trunfo vale mais que qualquer outra carta no contrato Da mesma maneira ao ler o livro de um cientista exato você não vai discutir o que ele estipulou Até muito recentemente a estipulação do uso não era tão comum nas ciências sociais quanto nas exatas Uma razão disso é que as ciências sociais não costumavam ser matematizadas Outra razão é que é mais difícil estipular usos nas ciências sociais ou comportamentais Uma coisa é definir um círculo ou um triângulo isóscelesi outra coisa é definir uma depressão econômica ou a saúde mental Mesmo que um cientista social procure definir esses termos os leitores estarão dispostos a questionar seu uso O resultado é que o cientista social terá de continuar lutando com seus próprios termos ao longo de sua obra e essa luta cria problemas para o leitor A fonte mais importante de dificuldades para a leitura de ciências sociais vem do fato de que essa área literária é composta de textos não puramente expositivos mas mistos Já vimos como a história é uma mistura de ficção e ciência e como é preciso ler livros de história tendo isso em mente Conhece mos esse tipo de misturai já tivemos muitas experiências com ele A situação nas ciências sociais é bem diferente Boa parte das ciências sociais é uma mis tura de ciências filosofia e história e sempre se adiciona um pouco de ficção como tempero Se as ciências sociais fossem sempre o mesmo tipo de mistura poderíamos ficar tão familiarizados com ela quanto com a história Mas estamos longe disso A própria mistura muda de livro para livro e o leitor depara com a tarefa de identificar a composição relativa dos itens que formam aquilo que ele está len do Essa composição pode mudar ao longo de um livro e de um livro para outro Não é fácil distinguila Você deve se lembrar que o primeiro passo que o leitor analítico tem de dar é responder à pergunta Que tipo de livro é esse No caso da ficção a questão é relativamente fácil de responder No caso das ciências e da filosofia tambémi e ainda que a história seja uma forma mista ao menos o leitor leigo sabe que 19 Como ler livros de ciências sociais 307 está lendo um texto sobre história Mas os vários itens que compõem as ciências sociais às vezes costurados segundo um padrão às vezes segundo outro às ve zes segundo outro ainda tornam muito difícil a resposta a essa questão quando estamos lendo uma obra em qualquer das áreas relacionadas O problema na realidade é difícil na exata medida em que definir as ciências sociais também é difícil Ainda assim o leitor analítico tem de responder de algum modo à per gunta Essa não é apenas sua primeira tarefa mas também a mais importante Se ele for capaz de apontar os itens que compõem o livro que está lendo terá caminhado muito no sentido de entendêlo Delinear uma obra de ciências sociais não apresenta problemas particu lares mas chegar a um acordo com o autor como já sugerimos pode ser ex tremamente difícil por causa da relativa impossibilidade de o autor estipular seus termos Mesmo assim costuma ser possível chegar a um entendimento comum dos termoschave Dos termos passamos às proposições e aos argumen tos e aqui também não surge problema algum se o livro for bom Mas a última questão E daí exige muito comedimento por parte do leitor É aqui que a situação que descrevemos antes pode ocorrer a saber a situação em que o leitor diz Não consigo ver o erro nas conclusões do autor mas discordo delas mesmo assim Isso acontece claro por causa dos prejulgamentos que o leitor provavelmente guarda em relação à abordagem e às conclusões do autor A LEITURA DE LITERATURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Usamos mais de uma vez neste capítulo a expressão literatura de ciências sociais em vez de livro de ciências sociais A razão é que é costumeiro nessa área ler diversos livros sobre um assunto em vez de apenas um Isso ocorre não apenas porque as ciências sociais são uma área relativamente nova que ainda não dispõe de muitos textos clássicos mas também porque ao ler ciências sociais frequentemente estamos interessados em um assunto ou problema específico e não em um autor ou livro específico Por exemplo ficamos interessados na verificação da obe diência às leis e lemos meia dúzia de obras sobre o assunto Ou talvez estejamos 308 Como Ler Livros interessados em relações raciais ou em educação ou em tributos ou nos proble mas das prefeituras O mais comum é não haver uma única obra de autoridade inconteste sobre nenhum desses assuntos e por isso temos de ler diversos livros Um sinal disso é que os próprios autores de ciências sociais buscando mostrarse atualizados sempre têm de produzir edições novas e revisadas de suas obrasi e as novas obras superam as mais antigas e logo as tornam obsoletas Em certa medida uma situação similar existe na filosofia como já obser vamos Para compreender integralmente um filósofo é preciso tentar de algum modo ler os filósofos que aquele autor leu os filósofos que o influenciaram Em certo sentido isso também se aplica à história para descobrir a verdade sobre o passado já sugerimos a leitura de diversos textos a seu respeito e não um só Mas naqueles casos a chance de você encontrar uma obra importante de autoridade era muito maior Nas ciências sociais isso não é muito comum por isso a necessidade de ler diversas obras e não apenas uma é muito mais urgente As regras da leitura analítica não são aplicáveis em si mesmas à leitura de diversas obras sobre o mesmo assunto Elas valem para cada uma das obras lidas claro e se você quiser ler bem qualquer uma delas terá de observálas Mas é preciso observar novas regras de leitura ao passar do terceiro nível de leitura a leitura analítica para o quarto a leitura sintópica Agora estamos prontos para tratar desse quarto nível tendo sentido necessidade por causa dessa caracterís tica das ciências sociais Ao observar isso fica claro por que deixamos a discussão das ciências sociais para o último capítulo da Parte 3 Agora deve estar claro por que or ganizamos a discussão do modo como fizemos Começamos com a leitura de livros práticos que são diferentes de todos os outros em virtude da obrigação particular de agir que o leitor assume uma vez que concorde com o que lê e o aceite Depois falamos da ficção e da poesia que apresentam problemas especí ficos distintos daqueles dos livros expositivos Por fim tratamos dos três tipos de leitura teórica e expositiva as ciências e a matemática a filosofia e agora as ciências sociais Estas vieram por último por causa da necessidade de lêlas sintopicamente Assim este capítulo serve não apenas como fim da Parte 3 mas também como introdução à Parte 4 19 Como ler livros de ciências sociais 309 COMO LER LIVROS Uma negociação bemsucedida requer muito mais que honestidade A proposta tem de ser clara e obviamente tem de ser atraente Assim as partes podem chegar a um acordoA proposta de um livro também é uma declaração ou seja é uma expressão do julgamento do autor sobre alguma coisa Ele afirma algo que julga ser verdade ou nega algo que julga ser falso Ele confirma este ou aquele fato Uma proposta desse tipo é como uma declaração mas de conhecimentos e não de intenções O autor talvez nos informe suas intenções no começo do prefácio por exemplo Mas para descobrirmos se ele manteve sua promessa temos de procurar suas propostas Em geral a ordem de leitura é inversa em relação à ordem de negociação Os executivos normalmente chegam a um acordo depois de entrarem em contato com a proposta mas o leitor tem de chegar a um acordo com o autor antes de descobrir o que este está propondo qual julgamento está declarando As propostas de um autor não passam de sua opinião a não ser que sejam fundamentadas por boas razões Se estamos interessados no livro e no assunto do livro e não apenas no autor então vamos querer conhecer não apenas suas propostas mas por que ele acha que devemos nos deixar persuadir e aceitálas A sétima regra versa portanto sobre os argumentos e seus tipos Existe uma grande quantidade de raciocínios ou seja uma grande quantidade de maneiras de se fundamentar o que se diz Às vezes é possível argumentar que algo é verdadeiro às vezes só é possível defender uma probabilidade Mas todo tipo de argumento consiste em declarações que se relacionam de determinada maneira Progredimos de termos para propostas e destas para argumentos progredindo de palavras e expressões para frases e destas para uma série de frases ou parágrafos Em suma estamos progredindo de unidades mais simples para unidades mais complexas O elemento menos significativo de um livro é obviamente a palavra Seria verdadeiro embora não adequado dizer que um livro consiste em palavras Ele também consiste em um grupo de palavras que são em si unidades e consiste em um grupo de frases que também são em si uma unidade O leitor ativo está atento não apenas às palavras mas às frases e aos parágrafos Não há outra maneira de descobrir os termos as propostas e os argumentos de um autor A esta altura da leitura analítica em que a interpretação é nosso objetivo você deve ter percebido que a direção que estamos tomando é contrária à direção do primeiro estágio quando o objetivo era esboçar uma estruturaAs partes principais de um livro e as divisões dessas partes contêm muitas propostas e normalmente vários argumentos Vo cê chega às propostas e aos argumentos dividindo o livro em suas partes Va i aos argumentos observando sua composição em propostas e em última instância em termos FRASES VERSUS PROPOSTAS Frases e parágrafos são unidades gramaticais São unidades de linguagem Proposições e argumentos são unidades lógicas ou unidades de pensamento e conhecimentolinguagem não é um meio perfeito de expressão do pensamento pois uma palavra pode ter vários significados e duas ou mais palavras podem ter o mesmo significado vimos como era complexa a relação entre o vocabulário do autor e sua terminologia Nem toda frase de um livro expressa uma proposição Primeiro algumas frases expressam perguntas ou seja elas expõem problemas em vez de respostas Proposições são as respostas às perguntas Elas são declarações de conhecimento ou opinião É por isso que algumas frases são chamadas de declarativas enquanto outras são chamadas de interrogativas Há ainda frases que expressam desejos ou intenções Elas podem nos informar sobre o propósito do autor mas não transmitem o conhecimento que ele está tentando exporAlém do mais nem toda frase declarativa pode ser lida como se expressasse uma proposição Há pelo menos duas razões para isso A primeira é o fato de que palavras são ambíguas e podem ser usadas em várias frases Assim é possível que a mesma frase expresse diferentes proposições se houver uma mudança nos termos que as palavras expressam Ler é aprender é uma frase simples mas se em determinado ponto quisermos dizer que aprender é adquirir informação e em outro ponto quisermos dizer que é desenvolver o entendimento a proposição não será a mesma pois os termos são diferentes Quando suas palavras são usadas sem ambiguidade uma frase simples normalmente expressa uma proposição simples No entanto mesmo quando suas palavras são usadas assim sem ambiguidade uma frase complexa expressa duas ou mais proposições Uma frase complexa é na realidade uma coleção de frases conectadas por palavras como e ou se então ou não apenas mas também Uma frase simples pode expressar diversas proposições seja por ambiguidade seja por complexidade mas uma proposição também pode ser expressa por duas ou mais frases diferentes Se você captar nossos termos por meio das palavras e expressões que usamos como sinônimos você saberá que estamos dizendo a mesma coisa nas frases Ensinar e ser ensinado são funções correlatas e Transmitir e receber comunicação são processos correlatos Eis as regras 5 ENCONTRE AS PALAVRAS IMPORTANTES E POR MEIO DELAS ENTRE EM ACORDO COM O AUTOR 6 MARQUE AS FRASES MAIS IMPORTANTES DO LIVRO E DESCUBRA AS PROPOSIÇÕES QUE ELAS CONTÊM 7LOCALIZE OU FORMULE OS ARGUMENTOS BÁSICOS DO LIVRO COM BASE NAS CONEXÕES ENTRE FRASES COMO ENCONTRARAS FRASESCHAVE Dizer que há relativamente poucas frases importantes em um livro não quer dizer que você não precise prestar atenção ao resto Obviamente você tem de entender todas as frases Mas a maioria das frases assim como a maioria das palavras não lhe trará dificuldades As frases mais importantes para você são aquelas que exigem esforço interpretativo porque à primeira vista não são perfeitamente inteligíveis Você as entende mas sabe que há mais para ser entendido São frases que você lê muito mais devagar e cuidadosamente do que as demais Ta lvez elas não sejam as frases mais importantes para o autor mas provavelmente são pois é possível que você tenha mais dificuldades justamente nas coisas mais importantes que o autor tenha a dizer As frases mais importantes são aquelas que expressam os julgamentos sobre os quais o livro se baseia Normalmente um livro contém muito mais do que as frases cruas de um argumento ou um mero conjunto de argumentos O coração da comunicação reside nas principais afirmações e negações e nas razões que fornece para sustentálas Portanto para ser bemsucedido você precisa enxergar as frases principais como se elas saltassem da página em altorelevo Alguns autores grifam para você as frases mais importantes Ou dizem explicitamente que o ponto em questão é importante ou usam outros dispositivos tipográficos para destacar as frases centrais À parte os livros cujos estilos chamam a atenção para os trechos que mais precisam de interpretação por parte do leitor a localização das frases importantes é sua tarefa exclusiva Se você nunca se questionar sobre o sentido de determinado trecho então nunca poderá esperar que o livro lhe forneça qualquer insight que ainda não possua COMO ENCONTRAR AS PROPOSIÇÕES Você descobre termos descobrindo o sentido de determinada palavra naquele contexto Similarmente você descobre proposições interpretando todas as palavras que compõem a frase sobretudo as palavras principaisÉ preciso saber o papel desempenhado por adjetivos e advérbios nas frases saber como os verbos funcionam em relação aos substantivos como as locuções restringem ou amplificam o sentido das palavras e assim por diante Idealmente você tem de ser capaz de dissecar uma frase por meio da análise sintática embora não necessariamente de maneira formal Há somente duas diferenças entre encontrar os termos que as palavras expressam e identificar as proposições que as frases expressam Uma é que o contexto no caso das proposições é mais amplo To das as frases vizinhas são levadas em conta para a interpretação da frase em questão assim como as palavras vizinhas são levadas em conta para a interpretação de determinada palavra O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua língua é relevante para o teste aqui proposto Se você não consegue expressar em uma frase em português o que diz uma frase em francês então sabe que não entende o significado da frase em francês No entanto mesmo que consiga sua tradução poderá permanecer no nível meramente verbal pois mesmo que tenha conseguido formar uma réplica fi el em português talvez você não entenda o que o autor quis dizer em francês O processo de tradução de uma frase em língua estrangeira para a sua língua é relevante para o teste aqui propostoA tradução de uma frase em português para outra língua porém não é meramente verbalSe disser que sabe o que o autor quer dizer mas tudo o que consegue fazer é repetir a frase do autor para mostrar que sabe então não seria capaz de reconhecer a proposição do autor caso tivesse sido apresentada com outras palavras Há ainda outro teste para avaliar se você compreende a proposição de determinada frase Se você simplesmente não conseguir exemplificar ou ilustrar determinada proposição seja imaginativamente seja apontando uma experiência real talvez esteja na hora de começar a suspeitar de que não entendeu o que está sendo dito Nem todas as proposições são igualmente suscetíveis a esse teste Talvez seja necessário adquirir a experiência específica que somente um laboratório poderia fornecer Proposições não existem no vácuo Elas se referem ao mundo em que vivem A não ser que consiga demonstrar certo traquejo com os fatos reais ou possíveis aos quais a pro posição se refira ou para os quais seja relevante você estará brincando com palavras e não lidando com pensamento e conhecimentoO vício do verbalismo pode ser definido como o mau hábito de usar palavras desprezando o pensamento que deveriam transmitir e sem consciência das experiências às quais deveriam se referir É brincar com palavras Como os dois testes indicam o verbalismo é o pecado capital da leitura analítica Esse tipo de leitor nunca vai além das palavras O máximo que possui é uma memória verbal que lhe permite recitar palavras de forma vazia Uma das acusações feitas pelos educadores modernos contra as artes liberais é que elas tendem ao verbalismo mas ocorre justamente o contrário O fracasso da leitura o verbalismo onipresente por parte daqueles que nunca foram treinados nas artes da gramática e da lógica mostra como o deficit nessas disciplinas resulta em escravidão às palavras e não em domínio sobre elas COMO ENCONTRAR OS ARGUMENTOS Não há consenso entre os escritores sobre como os parágrafos devem ser compostos Grandes escritores como Montaigne Locke ou Proust compuseram parágrafos extremamente longos outros como Maquiavel Hobbes ou To lstói escreveram parágrafos relativamente curtos A unidade lógica para a qual a sétima regra aponta é o argumento a sequência de proposições algumas das quais podem levar a outras Essa unidade lógica não guarda relação exclusiva com nenhuma unidade reconhecível no texto da maneira como por exemplo os termos estão relacionados às palavras e expressões e as proposições estão relacionadas às frasesUm argumento pode ser expresso em uma frase única e complicada por exemplo ou em várias frases que formam apenas uma pequena parte de um parágrafo Às vezes pode acontecer de um argumento coincidir exatamente com um parágrafo mas também pode acontecer de o argumento exigir diversos parágrafos para ser devidamente exposto Há inúmeros parágrafos em um livro que não expressam absolutamente nenhum argumento nem mesmo a pequena parte de um argumento Eles podem detalhar alguma evidência ou relatar como a evidência foi coletada mas não são um argumento em si Assim como há frases cuja importância é secundária pois são meras digressões ou notas paralelas assim também há parágrafos desse tipo Encontre se puder os paragrafos que expressam os argumentos importantes do livro Mas se os argumentos não puderem ser encontradoos dessa maneira você terá se construí los juntando frases de diversos parágrafos até que consiga compor uma sequencia de frases que enunciem as proposições que compõem o argumento COMO ENCONTRAR AS SOLUÇÕES As regras sobre termos proposições e argumentos podem ser encabeçadas por uma oitava regra a qual abrange o último degrau na interpretação do conteúdo de um livro Mais do que isso essa oitava regra relaciona o primeiro estágio da leitura analítica delineamento da estrutura com o segundo estágio interpretação do conteúdoO último passo na tentativa de descobrir a essência do livro é descobrir os principais problemas que o autor tenta resolver O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA Quando tiver chegado a um acordo com o autor isto é quando tiver encontrado seus termos detectado suas proposições e argumentos centrais e identificado as soluções que ele dá aos problemas que se propôs você saberá o que ele disse no livro e assim estará preparado para responder às duas perguntas básicas finais O SEGUNDO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA OU REGRAS PARA DESCOBRIR O QUE DIZ O LIVRO INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO 1 Chegue a um acordo com o autor interpretando suas palavraschave 2 Capte as proposições principais encontrando as frases mais importantes 3 Entenda os argumentos do autor encontrandoos ou compondoos com base em conjuntos de frases 4 Determine quais problemas o autor conseguiu resolver e quais ele não conseguiu resolver neste caso decida se o autor sabe que fracassou ao não resolvêlos COMO CRITICAR UM LIVRO O leitor é aquele que dá a palavra final O autor teve a oportunidade de falar o tempo todo e agora é a sua vez A conversa entre um livro e seu leitor se parece mais ou menos com aqueles debates em que cada um ouve a fala do outro sem interrompêlo esperando sua vez de falar O que vale para uma conversa comum vale ainda mais para a situação especial na qual o livro falou e agora o leitor tem de responder Que o autor se portou adequadamente é algo que teremos de supor ao menos de início O leitor tem a obrigação e a oportunidade de responder ao autor A oportunidade é evidente Nada pode impedir que o leitor pronuncie seu julgamento a respeito do livro As raízes da obrigação no entanto situamse nas profundezas da natureza da relação entre livros e leitores O leitor lhe deve um julgamento justo Se não pode concordar com o autor ao menos deve ter bases claras para discordar ou se for o caso suspender o julgamento em questão A leitura não acaba no entendimento do livro Ela tem de ser coroada por uma crítica por um julgamento O leitor pouco exigente não cumpre essa tarefa e provavelmente também não cumpre a tarefa de análise e interpretação Esse tipo de leitor não se limita à preguiça ele despreza o livro colocandoo de lado e esquecendose dele O ENSINAMENTO É UMA VIRTUDE O leitor e o autor não são iguais O autor desse ponto de vista só deve se sujeitar ao julgamento de seus pares Lembrese da recomendação de Bacon a seus leitores Não leia para contradizer ou refutar nem para crer ou acreditar piamente nem para conversar ou debater mas para pesar e ponderar Sir Wa lter Scott lança críticas ainda mais ácidas contra aqueles que leem para duvidar ou leem para zombar É verdade que um livro que consegue transmitir conhecimento aos leitores é nesse sentido superior a eles e só deve ser criticado até que esses leitores o entendam Quando tiverem entendido eles terão aumentado seu nível de conhecimento até um nível igual ao do autor Nesse caso estarão aptos a exercitar seus direitos e privilégios Se não o fizerem estarão cometendo uma injustiça contra o autor Ele fez o que pôde para eleválos até seu nível Ele merece que aj am como seus pares que conversem com ele que respondam Ninguém é verdadeiramente capaz de aprender se não exercitar livremente seu poder de julgamento independenteO leitor tem de saber como julgar o livro assim comu tem de saber como entender o conteúdo do livro O PAPEL DA RETÓRICA A retórica possui evidentemente muitos usosa retórica está relacionada a todas as situações nas quais há comunicação entre seres humanos Se somos nós que falamos queremos não apenas que nos entendam mas que concordem conosco em certa medida Se quisermos realmente nos comunicar se quisermos ser entendidos desejaremos também convencer ou persuadir mais precisamente desejaremos convencer a re speito de questões teóricas e em última instância persuadir a respeito de questpes que afetam nossas ações e sentimentos A IMPORTÂNCIA DE SUSPENDER O JULGAMENTO Consideraremos que os princípios da retórica são uma espécie de código de etiqueta não apenas para ensinar boas maneiras mas para que se saiba responder com a devida eficácia VOCÊ TEM DE DIZER COM RAZOÁVEL GRAU DE CERTEZA EU ENTENDO ANTES QUE POSSA DIZER CONCORDO OU DISCORDO OU SUSPENDO O JULGAMENTO Essas três afirmações são exaustivas ou seja elas resumem todas as posturas que você pode adotar a respeito de um livro Esperamos que você não tenha imaginado que criticar significa discordar Tratase de um equívoco muito comum Concordar é um exercício de julgamento crítico assim como discordar Vo cê pode errar tanto ao concordar quanto ao discordar Discordar sem entender é imprudente POR QUE É IMPORTANTE EVITAR CONTROVÉRSIAS O segundo preceito da leitura crítica é tão óbvio quanto o primeiro mas mesmo assim precisa ser explicitado pelos mesmos motivos Não faz sentido vencer um debate se souber ou suspeitar que esteja erradoÉ fato que se o leitor detectar um argumento válido terá de admitilo Mas ele não deve se sentir compelido a concordar com o autor em vez de discordar COMO RESOLVER DISCÓRDIAS Enquanto o segundo preceito sugere que você não discorde insensatamente o terceiro alertao contra a di scórdia desesperançadaA desesperança surge da ideia de que pessoas racionais não possam entrar em acordoO que queremos dizer é que a discórdia não passa de mera perturbação fútil a não ser que as partes discordem na esperança mútua de que a questão possa ser devidamente resolvida O problema é que muitas pessoas não acham que a discórdia esteja ligada ao ensino ou à aprendizagem Elas acham que tudo é uma questão de opinião Eu tenho a minha e você tem a sua o direito de ter uma opinião é tão inviolável quanto o direito à propriedade privada Dessa perspectiva a comunicação jamais será proveitosa pois o proveito advém justamente do aumento de conhecimento A conversa não passaria de um jogo de pinguepongue de um jogo de opiniões opostas um jogo em que ninguém marca pontos ninguém vence e todos saem satisfeitos porque ninguém perdeu isto é todos saem com as mesmas opiniões com que entraramVa mos resumir os três preceitos abordados neste capítulo Os três formam em conjunto as condições necessárias para a leitura crítica e estabelecem as maneiras pelas quais o leitor pode responder ao autor O primeiro pede ao leitor que conclua a tarefa de entender antes de criticar O segundo o aconselha a não ser polêmico nem competitivo O terceiro aconselha a considerar remediáveis os desacordos sobre questões do conhecimento Essa regra vai além ela também exige que o leitor apresente justificativas para o seu desacordo de forma que as proposições não sejam apenas expostas mas também justificadas Reside aqui toda a esperança de uma solução CONCORDAR COM O AUTOR OU DISCORDAR A primeira coisa que o leitor tem de dizer é se entendeu ou não Na realidade ele precisa dizer que entendeu para que possa dizer algo mais Se não tiver entendido deve calar se e concentrarse no livro Deve ser capaz de mostrar que o livro tem uma estrutura mal ordenada que suas partes não se encaixam como deveriam que algumas delas carecem de importância ou que o autor está equivocado ao empregar certas palavras importantes o que pode dar margem a uma série de confusões Na medida em que o leitor consiga sustentar sua acusação de que o livro é ininteligível não lhe restará nenhuma obrigação em seu papel de crítico Na medida em que os autores argumentam com seus leitores e esperam que seus leitores contraargumentem o bom leitor deve estar familiarizado com os princípios da argumentaçãoO leitor pode chegar a concordar com o autor ou discordar dele de forma significativa não apenas entendendo os argumentos mas confrontandoos PRECONCEITO E JULGAMENTO Consideremos agora a situação em que você discorda do autor mesmo que tenha entendido tudo o que ele disse há três condições que devem ser satisfeitas para que a controvérsia seja conduzida a contento A primeira é exatamente esta como os seres humanos além de racionais são também animais é indispensável que as emoções que porventura despontem ao longo da discórdia sejam identificadas e reconhecidas como tal A segunda você precisa explicitar suas premissas e pressuposições Precisa estar ciente dos seus preconceitos isto é de seus prejulgamentos A terceira e última tentar ser imparcial é um bom antídoto para as cegueiras partidárias Essas três condições são idealmente as condições sine qua non da conversa inteligente e proveitosa Elas obviamente se aplicam também à leitura uma vez que a leitura também é um tipo de conversa Cada uma dessas condições contém conselhos úteis para os leitores que estejam realmente buscando respeitar o ponto de vista do oponente COMO JULGAR A SOLIDEZ DE UM AUTOR Dizer que o autor está desinformado é o mesmo que dizer que nele estão ausentes conhecimentos relevantes sobre o problema que tenta resolver Dizer que o autor está mal informado é o mesmo que dizer que ele afirma algo que não corresponde à realidadeDizer que o autor é ilógico é o mesmo que dizer que ele foi falacioso ao raciocinar COMO JULGAR O GRAU DE COMPLETUDE DE UM AUTOR As três observações críticas já consideradas lidam com a solidez das afirmações e dos raciocínios do autor As primeiras três observações têm a ver com os termos proposições e argumentos do autor Afinal esses são os elementos que ele utilizou para resolver os problemas que inspiraram seus esforços A quarta observação o livro está incompleto tem a ver com a estrutura do livro Dizer que a análise está incompleta é o mesmo que dizer que o autor não resolveu o problema que se propôs a resolver ou que não usou adequadamente o material de que dispunha que não observou todas as devidas implicações e H Concordar com o autor ou discordar das ramificações ou que falhou ao distinguir os aspectos relevantes de sua empreitada O passo final é justamente o ponto sobre o grau de completude do autor que se refere ao delineamento estrutural do livro pois considera se o autor foi bemsucedido ao declarar seus problemas Referese também à interpretação na medida em que avalia se o autor resolveu tais problemas a contento O TERCEIRO ESTÁGIO DA LEITURA ANALÍTICA I Primeiro estágio da leitura analítica regras para descobrir o conteúdo 1 Classifique o livro de acordo com o tipo e o assunto 2 Diga sobre o que é o livro como um todo com a máxima brevidade possível 3 Enumere as partes principais em sua devida ordem e relação e delineie essas partes assim como delineou o todo 4 Defina o problema ou os problemas que o autor buscou solucionar II Segundo estágio da leitura analítica regras para interpretar o conteúdo 5 Entre em acordo com o autor interpretando as palavraschave do livro 6 Apreenda as proposições principais estudando as frases mais importantes 7 Identifique os argumentos encontrandoos ou construindoos com base em sequências de frases 8 Determine os problemas que foram resolvidos e os que não foram resol vidosi quanto a estes últimos verifique se o autor está ciente de que não conseguiu resolvêlos III Te rceiro estágio da leitura analítica regras para criticar o conteúdo A Preceitos da etiqueta intelectual 9 Não critique até que tenha completado o delineamento e a interpretação do livro Não diga que concorda discorda ou que suspende o julgamento até que tenha dito entendi 1 O Não discorde de maneira competitiva 11 Demonstre que reconhece a diferença entre conhecimento e opinião pessoal apresentando boas razões para qualquer julgamento crítico que venha a fazer B Critérios especiais para o exercício da crítica 12 Mostre onde o autor está desinformado 13 Mostre onde o autor está mal informado 14 Mostre onde o autor foi ilógico 15 Mostre onde a análise ou a explicação do autor está incompleta MATERIAIS DE APOIO Qualquer material de apoio que não faça parte do livro chamaremos de extrínseco Leitura intrínseca significa portanto o livro que estamos lendoi por consequência leitura extrínseca significa qualquer livro que seja lido com vistas a outro livroAs leituras extrínsecas de fato aj udam E às vezes elas são até mesmo indispensáveis para a compreensão perfeita e total de um livro Uma das razões para não termos abordado a leitura extrínseca até agora é que as leituras intrínseca e extrínseca tendem a se fundir durante os processos de entendimento e crítica Sua experiência anterior provavelmente não é suficiente para interpretar e criticar livros ou mesmo para delineálosUm dos preceitos básicos de leitura é que a ajuda externa deve ser buscada quando um livro permanecer ininteligível em todo ou em parte mesmo depois de você ter se esforçado ao máximo para lêlo de acordo com as regras da leitura intrínseca O PAPEL DA EXPERIÊNCIA RELEVANTE A experiência comum é mais relevante para os livros de ficção por um lado e para os livros de filosofia por outro Os julgamentos sobre a verossimilhança de um romance são quase totalmente baseados na experiência comum dizemos que o livro soa verdadeiro ou falso de acordo com nossa experiência de vida e das pessoas em geralA experiência especial é relevante sobretudo para os livros científicos A fim de entender e julgar os argumentos indutivos de um livro científico você tem de ser capaz de aceitar as evidências que o cientista ali relata OUTROS LIVROS COMO APOIOS EXTRÍNSECOS À LEITURA Ler livros relacionados fazendo as devidas relações entre eles numa ordem que deixe os posteriores mais inteligíveiseis um princípio básico de senso comum aplicado à leitura extrínsecaA utilidade desse tipo de leitura extrínseca é simplesmente uma extensão da importância do contexto para a leitura de um único livro Os grandes autores foram grandes leitores e um modo de compreendêlos é ler os livros que eles leram Como leitores mantiveram uma conversa com outros autores assim como cada um de nós mantém uma conversa com os livros que lê ainda que não escrevamos outros livros A necessidade de ler livros considerando sua relação mútua aplicase mais à história e à filosofia do que às ciências e à ficçao COMO USAR COMENTÁRIOS E RESUMOS Primeiro podem ajudar a reavivar a memória a respeito do conteúdo de um livro caso você já o tenha lido Idealmente você mesmo terá feito esse resumo ao ler o livro anali ticamente mas se não o tiver feito um resumo ou uma sinopse podem ser um auxílio importante Segundo os resumos são úteis quando você está fazendo uma leitura sintópica e deseja saber se certa obra tem chances de ser relevante para seu projeto Um resumo nunca pode substituir a leitura de um livro mas às vezes pode aj událo a decidir se quer ler o livro ou mesmo se isso é necessário COMO USAR OBRAS DE REFERÊNCIA Para poder usar bem uma obra de referência é preciso que você primeiro tenha alguma ideia vaga que seja daquilo que quer saberSegundo você tem de saber onde encontrar aquilo que quer saber Na prática isso se resume ao fato de que você precisa ter um conhecimento geral razoável de todos os tipos principais de obras de referência antes de poder usar qualquer tipo com proveito Há um terceiro tipo de conhecimento correlato aos anteriores que é necessário para que uma obra de referência lhe possa ser útilAssim há uma arte de ler obras de referência assim como há uma arte de ler tudo o maisComo se vê acabamos de sugerir que há uma quarta exigência para o uso inteligente de obras de referência Vo cê tem de saber o que quer saberi tem de saber em qual obra de referência vai procurari tem de saber como encontrar essa informação na obra de referência e tem de saber que os autores ou compiladores da obra consideram que tal informação pode ser conhecida COMO USAR O DICIONÁRIO Os dicionários estão repletos de conhecimentos obscuros e passagens espirituosas Além disso é claro têm usos mais austeros Para aproveitálos ao máximo é preciso saber como ler esse tipo particular de obraÉ claro que as massas não estudavam mas nem mesmo os poucos eruditos a classe ociosa estudou no sentido de terse colocado aos pés de mestres estrangeiros O estudo nesse aspecto começa com os romanos que foram à escola dos pedagogos gregos e foram educados pelo contato com a cultura grega que tinham conquistado Não surpreende portanto que os primeiros dicionários fossem glossários de palavras homéricas cujo objetivo era aj udar os romanos a ler a Ilíada a Odisseia e outras obras gregas que usavam o vocabulário homérico arcaico Se você consultar um dicionário apenas como guia de ortografia ou de pronúncia é assim que vai usálo isto é não vai usálo bem Se perceber que ele contém muitas informações históricas cristalizadas no crescimento e no desenvolvimento do idioma você prestará atenção não apenas à variedade de sentidos listados para cada palavra mas também à sua ordem e relação mútua A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer A utilidade primária do dicionário aparece naquelas ocasiões em que você se defronta com um termo técnico ou uma palavra que lhe é inteiramente nova Mesmo assim não recomendaríamos procurálas na sua primeira leitura de um bom livro a menos que elas pareçam importantes para entender o sentido geral do que o autor quer dizer Podemos encarar as palavras de quatro maneiras 1 PALAVRAS SÃO COISAS FÍSICAS palavras que podemos escrever sons que podemos emitir Deve haver portanto maneiras uniformes de escrevêlas e pronunciálas mesmo que a uniformidade seja frequentemente questionada pelas variantes De todo modo essa uniformidade não é tão fantasticamente importante como alguns professores pareceram sugerir 2 PALAVRAS SÃO PARTES DO DISCURSO Cada palavra desempenha um papel gramatical na estrutura mais complexa de uma expressão ou de uma frase A mesma palavra pode ter usos distintos ao passar de uma parte do discurso a outra 3 PALAVRAS SÃO SIGNOS Elas têm significados não um mas muitos Esses significados se relacionam entre si de diversas maneiras Às vezes são nuanças uns dos outros outras vezes uma palavra pode ter dois ou mais grupos de significados sem nenhuma relação entre si Por meio de seus significados palavras diferentes relacionamse umas com as outrascomo sinônimos que compartilham o mesmo significado ainda que tenham diferenças de nuanças ou como antônimos por meio da oposição e do contraste de significados Além disso é na qualidade de signo que distinguimos as palavras entre nomes próprios e comuns por nomearem apenas uma coisa ou muitas que sejam semelhantes sob algum aspecto entre substantivos concretos e abstratos por referirem algo que percebemos por meio dos sentidos ou por referirem algo que apreendemos intelectualmente mas não observamos por meio dos sentidos 4 Por fim PALAVRAS SÃO CONVENÇÕES São signos criados pelo homem É por isso que toda palavra tem uma história uma carreira cultural ao longo da qual passa por certas transformações A história das palavras é dada por sua derivação etimológica a partir de raízes prefixos e sufixos ela inclui o relato de suas mudanças físicas tanto de ortografia quanto de pronúncia ela fala de significados que mudam e quais deles são arcaicos e obsoletos quais são atuais e regulares quais são expressões idiomáticas coloquialismos ou gírias COMO USAR UMA ENCICLOPÉDIA O uso análogo da enciclopédia é buscála apenas para saber datas lugares e outros fatos simples Mas isso equivale a subutilizála ou utilizála mal Assim como os dicionários essas obras são instrumentos de informação e de educação Um olhar sobre a sua história confirma isso No caso das enciclopédias há regras análogas sobre fatos já que assim como as palavras são o objeto do dicionário os fatos são o objeto da enciclopédia 1 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES Afirmações factuais combinam palavras como Abraham Lincoln nasceu em 12 de fevereiro de 1809 ou o número atômico do ouro é 79 Fatos não são coisas físicas assim como as palavras mas exigem explicações Para o conhecimento extensivo para o entendimento é preciso que você saiba também qual a importância de um fato como ele afeta a verdade que busca Vo cê não sabe muito se tudo o que sabe é em que consiste o fato 2 FATOS SÃO PROPOSIÇÕES VERDADEIRAS Fatos não são opiniões Quando alguém diz que tal coisa é um fato o que quer dizer é que geralmente se concorda em que aquela coisa seja assim Essa pessoa nunca quer dizer ou nunca deveria querer dizer que ela e mais uma minoria de observadores acreditam que isso e aquilo sejam fatos É essa característica dos fatos que confere à enciclopédia seu tom e estilo Uma enciclopédia que contenha opiniões sem fundamentos de seus editores é desonesta e ainda que uma enciclopédia possa conter opiniões por exemplo alguns creem que seja assim outros creem que seja assado é preciso que ela deixe bem claro que são apenas opiniões A exigência de que uma enciclopédia relate os fatos em questão e não as opiniões a seu respeito excetuando o caso já apresentado também limita a cobertura da obra Ela não pode tratar de assuntos a respeito dos quais não há consenso questões morais por exemplo Se ela tratar desses assuntos a única coisa que lhe cabe fazer é informar as discórdias relacionadas a eles 3 FATOS SÃO REFLEXOS DA REALIDADE Fatos podem ser a informações singulares ou b generalizações relativamente não questionadas mas em ambos os casos crêse que representem as coisas tais como efetivamente são A data de nascimento de Lincoln é uma informação singular o número atômico do ouro supõe uma generalização relativamente não questionada sobre o assunto Assim fatos não são ideias ou conceitos nem são teorias no sentido de meras especulações sobre a realidade De modo análogo uma explicação da realidade ou de parte dela não é um fato a menos que haja um consenso geral de que ela está correta e não antes do surgimento desse consenso 4 Por fim FATOS SÃO ATÉ CERTO PONTO CONVENÇÕES Üs fatos mudam como dizemos Queremos dizer que algumas proposições que são consideradas fatos em uma época deixam de ser consideradas fatos em outra Na medida em que os fatos são verdadeiros e representam a realidade eles não podem mudar claro porque a verdade estritamente falando não muda nem a realidade Mas nem todas as proposições que consideramos verdadeiras são mesmo verdadeiras e temos de admitir que praticamente qualquer proposição que consideremos verdadeira pode ser falsificada pela investigação mais detalhada e cuidadosa ou mais paciente Isso se aplica sobretudo aos fatos científicos Os fatos também são mais uma vez até certo ponto determinados culturalmente Um físico nuclear por exemplo tem em mente uma estrutura complicada e hipotética da realidade que determina para ele alguns fatos que são diferentes dos fatos determinados e aceitos por um primitivo Isso não significa que o cientista e o primitivo não tenham como chegar a um acordo em relação a fato algum eles hão de concordar por exemplo em que dois mais dois são quatro ou que um todo físico é mais do que qualquer uma de suas partes Mas o primitivo talvez não concorde com os fatos do cientista a respeito das partículas nucleares assim como o cientista pode não concordar com os fatos do primiti vo a respeito da magia ritual Foi difícil escrever essa frase porque como nós mesmos somos determinados culturalmente tendemos a concordar com o cientista e não com o primitivo e assim ficamos tentados a colocar o segundo fato entre aspas Só que é disso mesmo que estamos falando A FILOSOFIA MODERNA E A GRANDE TRADIÇÃO Questões a respeito do mundo e daquilo que acontece nele ou a respeito daquilo que os homens deveriam buscar de questões de primeira ordem Também existem questões de segunda ordem questões a respeito do nosso conhecimento de primeira ordem questões sobre o conteúdo do nosso pensamento quando tentamos responder a questões de primeira ordem questões a respeito dos modos como expressamos esses pensamentos por meio da linguagem A distinção entre questões de primeira e de segunda ordem é útil porque aj uda a explicar o que aconteceu com a filosofia nos últimos anos A maioria dos filósofos profissionais já não acredita que as questões de primeira ordem possam ser respondidas por filósofos A maioria dos filósofos profissionais de hoje dedica sua atenção exclusivamente às questões de segunda ordem frequentemente às questões que têm a ver com o idioma em que se expressa o pensamento SOBRE O MÉTODO FILOSÓFICO É importante entender em que consiste o método filosófico ao menos na medida em que a filosofia trata de propor e tentar responder questões de primeira ordem não existe experimento que vá dizer o que é que todas as coisas que existem têm em comum simplesmente porque têm existência Não há tipos peculiares de fenômenos que você possa observar nem documentos que possa procurar e ler no intuito de descobrir o que é a mudança ou por que as coisas mudam Tu do que você pode fazer é meditar sobre a questão Em suma nada há a fazer além de pensar As respostas às questões filosóficas têm de passar por testes rigorosos Mas esses testes se baseiam apenas na experiência comum na experiência que você já tem porque é um ser humano não porque é filósofo A experiência comum faz que você conheça os fenômenos de mudança tão bem quanto qualquer outra pessoa tudo no mundo à sua volta manifesta a mutabilidadeO que os distingue é que eles pensaram nisso extremamente bem eles formularam as questões mais incisivas e mais pertinentes e deramse ao trabalho de desenvolver respostas clara e cuidadosamente elaboradas E preciso perceber que nem todas as perguntas feitas e analisadas pelos filósofos são verdadeiramente filosóficas Nem sempre eles mesmos tinham consciência disso e sua ignorância ou erro nesse aspecto crucial pode gerar dificuldades consideráveis para leitores pouco perceptivos Para evitar essas dificuldades é necessário ser capaz de distinguir as questões verdadeiramente filosóficas das outras questões que talvez sejam discutidas por um filósofo mas cuja resposta ele deveria ter deixado para a investigação científica posterior O filósofo enganouse por não ver que essas questões só podem ser respondidas pela investigação científica ainda que talvez não lhe fosse possível saber disso quando escreveu Mas o cientista talvez não perceba isso e imagine que alguma espécie de experimento ou pesquisa possa lhe dar uma resposta Ele pode decidir perguntar a mil pessoas que tipo de vida elas gostariam de levar e basear sua resposta à questão nas respostas delas Mas deveria ser óbvio que sua resposta nesse caso seria tão irrelevante quanto as especulações de Aristóteles sobre a matéria dos corpos celestes SOBRE TER OPINIÕES PRÓPRIAS Os filósofos vêm mantendo uma longa conversa entre si na história do pensamento É melhor ouvila antes de formar uma opinião a respeito do que qualquer um deles diz Primeiro o fato de haver discórdia se persiste pode sugerir um problema grande e ainda não resolvido aliás talvez impossível de ser resolvido Segundo as discordâncias dos outros têm relativamente pouca importância A responsabilidade do leitor é formar a sua própria opinião Diante da longa conversa que os filósofos mantiveram por meio de seus livros cabe a você julgar o que é verdadeiro e o que é falso Usar as opiniões dos outros não é respondêlas mas fugir delas E suas respostas devem ter bases sólidas com argumentos que as sustentem Isso significa acima de tudo que você não pode depender do testemunho de especialistas algo talvez necessário no caso das ciências COMO LER LIVROS CANÔNICOS Usamos o termo canônico para fazer referência a esses livros numa tradição mais antiga poderíamos têlos chamado de sacros ou santos mas essas palavras não se aplicam mais a todas essas obras ainda que se apliquem a algumas delas O melhor exemplo é a Bíblia quando lida não como literatura mas como a palavra revelada de Deus Para os marxistas ortodoxos porém as obras de Marx devem ser lidas do mesmo modo que a Bíblia deve ser lida por judeus ou cristãos ortodoxos O Livro Vermelho de Mao tem uma natureza igualmente canônica para um fiel comunista chinês A ideia de livro canônico pode ser ampliada para além desses exemplos óbvios Considere uma instituição qualquer uma Igreja um partido político uma sociedade que entre outras coisas 1 é uma instituição de ensino 2 possui um corpo doutrinário a transmitir e 3 tem membros fiéis e obedientes Os membros de todas essas organizações leem de modo reverente Eles não questionam nem podem questionar a leitura autorizada ou correta dos livros que consideram canônicos COMO LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os conceitos e a terminologia das ciências sociais estão presentes em quase tudo que lemos hoje Os livros de ciências sociais não se limitam à não ficção Há uma importante e vasta categoria de textos contemporâneos que pode ser chamada de fic ção científica social Nela o objetivo é criar modelos artificiais de sociedades que nos permitam por exemplo explorar as consequências sociais da inovação tecnológica A organização do poder social as espécies de propriedade e de posse e a distribuição de riqueza são descritas condenadas ou elogiadas de várias maneiras em romances peças contos filmes e séries de televisão Na medida em que fazem isso podese dizer que têm importância social ou que contêm mensagens relevantes Ao mesmo tempo tais obras usam e disseminam elementos das ciências sociais Além disso praticamente não há problema social econômico ou político que não tenha sido abordado por especialistas nessas áreas seja por conta própria seja por causa de um convite de autoridades que estejam trabalhando com esses problemas Os especialistas em ciências sociais aj udam a formular os problemas e aj udam a lidar com eles O QUE SÃO AS CIÊNCIAS SOCIAIS As divisões nas ciências sociais costumam incluir departamentos de antropologia economia polí tica e sociologiaA razão que se costuma dar para a separação entre esses departamentos e os das ciências sociais é que o principal propósito de tais departamentos é oferecer treinamento para o trabalho profissional fora da universidade ao passo que aqueles mencionados antes são mais exclusivamente dedicados à busca de conhecimento sistemático da sociedade humana atividade que normalmente se realiza dentro de uma universidade Originalmente o termo incluía sociologia antropologia e os aspectos comportamentais de biologia da economia da geografia do direito da psicologia da psiquiatria e da ciência políticajulgamos que a maioria dos cientistas sociais concordaria em que boa parte da literatura mas não toda de áreas como o direito a educação e a administração pública e parte da literatura de áreas como administração e serviço social mais uma parte considerável da literatura sobre psicologia pode ser incluída sob uma definição razoável A APARENTE FACILIDADE DE LER LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS Os dados muitas vezes são extraídos de experiências que o leitor conhece nesse sentido as ciências sociais são como a poesia ou a filosofia e o estilo expositivo costuma ser narrativo que o leitor já conhece de sua leitura de ficção e de textos de história Ouvimos falar da sociedade aberrante da sociedade abortiva da sociedade consumista da sociedade obediente da sociedade próspera e poderíamos passar por todo o alfabeto até chegar à sociedade zimótica a sociedade em perpétuo estado de fermentação bem parecida com a nossa Há o poder social a pressão social e a promessa social e é claro há os onipresentes problemas sociais Esta última expressão aliás é um belo exemplo da enganosa facilidade com que se leem e escrevem textos de ciências sociais As referências falam de questões imediatamente familiares ao leitori de fato ele lê ou ouve falar delas quase diariamente Além disso suas atitudes e seus sentimentos em relação a elas já estão quase sempre fortemente desenvolvidos DIFICULDADES DA LEITURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Paradoxalmente os mesmos fatores aqui discutidos os fatores que fazem as ciências sociais parecerem fáceis de ler também as tornam difíceis de ler Não é possível entender um livro quando há uma recusa em ouvir aquilo que ele diz A familiaridade dos termos e das proposições presentes nas ciências sociais também é um obstáculo ao entendimento Muitos cientistas sociais admitem isso Eles recusam fortemente o uso de termos e conceitos mais ou menos técnicos no jornalismo popular e em outros textos Uma razão disso é que as ciências sociais não costumavam ser matematizadas Outra razão é que é mais difícil estipular usos nas ciências sociais ou comportamentais Uma coisa é definir um círculo ou um triângulo isóscelesi outra coisa é definir uma depressão econômica ou a saúde mental Mesmo que um cientista social procure definir esses termos os leitores estarão dispostos a questionar seu uso O resultado é que o cientista social terá de continuar lutando com seus próprios termos ao longo de sua obra e essa luta cria problemas para o leitor A fonte mais importante de dificuldades para a leitura de ciências sociais vem do fato de que essa área literária é composta de textos não puramente expositivos mas mistosSe as ciências sociais fossem sempre o mesmo tipo de mistura poderíamos ficar tão familiarizados com ela quanto com a história Mas estamos longe disso Isso acontece claro por causa dos prejulgamentos que o leitor provavelmente guarda em relação à abordagem e às conclusões do autor A LEITURA DE LITERATURA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Ao ler ciências sociais frequentemente estamos interessados em um assunto ou problema específico e não em um autor ou livro específico Por exemplo ficamos interessados na verificação da obediência às leis e lemos meia dúzia de obras sobre o assunto Ou talvez estejamos interessados em relações raciais ou em educação ou em tributos ou nos problemas das prefeituras Em certa medida uma situação similar existe na filosofia como já observamos Para compreender integralmente um filósofo é preciso tentar de algum modo ler os filósofos que aquele autor leu os filósofos que o influenciaramEm certo sentido isso também se aplica à história para descobrir a verdade sobre o passado já sugerimos a leitura de diversos textos a seu respeito e não um só As regras da leitura analítica não são aplicáveis em si mesmas à leitura de diversas obras sobre o mesmo assunto Elas valem para cada uma das obras lidas claro e se você quiser ler bem qualquer uma delas terá de observálas Mas é preciso observar novas regras de leitura ao passar do terceiro nível de leitura a leitura analítica para o quarto a leitura sintópica KASHMIR PAHARI Conversation with Mr Abdullah the Governor of Kashmir 1956 1958 Excerpts Recorded in Urdu by KN Poddar Translated into English by Karin Klenke and Dr Raj Kumar Kashmir Himalayan Research Institute H29 Shanti Path Lane 1 Sector 12 Gurgaon 122001 Haryana India The sucesssive leaders of Jammu and Kashmir when confronted with the problem of restoring peace and order in the troubled State have invariably found themselves facing the same dilemma posed by the word Kashmiriyat that defines the states identity and the cause of its problem Mr Ghulam Mohammad Syed Mir Qasim Mr Bakshi Ghulam Mohammad and Sheikh Abdullah the Central figures in the political struggles during 194768 and later have all differed very strongly on the issue of this the state of Kashmir Yet the debate over the term has carried on Originally this term implied the composite culture and the harmony of the various ethnic and religious groups of the state which at the time of partition joined India and Pakistan on the basis of article 370 of the constitution of India But also it implied the long cherished aspiration of the people of Kashmir valley to attain political freedom from the colonial power that ruled them for centuries It was this historical spirit of the people that formed the basis of Kashmirs demand and the loyalty of its people in the post partition period This booklet is a collection of extracts from a rare personal interview with the late Sheikh Abdullah that throws light on the Kashmir problem in his own words It was made when he was Governor just after the accession of Jammu and Kashmir to India circa 1956 58 and was recorded by KN Poddar who was a close observer and student of Kashmir affairs For further information contact Kashmir Himalayan Research Institute Phone 01242436205 2436207 E mail researchkashmiryahoocoin ISBN 9788192622616 Price Rs 9000 Printed in India 2013

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