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CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E AÇÃO DE INTERDIÇÃO UMA PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO Civil capacity of the handicapped people and insanity proceedings a proposal for systematization Revista dos Tribunais vol 9992019 p 67 104 Jan 2019 DTR201822780 Augusto Jorge Cury Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP Professor convidado do curso de pósgraduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUCCampinas Autor e coautor de obras jurídicas Advogado e Professor Universitário atajuridicagmailcom Área do Direito Civil Processual Resumo Pesquisa científica que aborda problemáticas inerentes ao novo regramento da capacidade civil das pessoas com deficiência e seus reflexos em relação ao cabimento da ação de interdição no Direito pátrio em vista do Estatuto da Pessoa com Deficiência da nova redação por ele conferida ao Código Civil e do regramento do procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 Com este trabalho almejase propor uma sistematização dos institutos materiais e processuais relacionados à capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência de modo a harmonizálos principalmente com o fito de delimitar qual o atual papel da ação de interdição no Direito brasileiro Palavraschave Capacidade civil Pessoas portadoras de deficiência Ação de Interdição Direito Processual Civil Estatuto da Pessoa com Deficiência Abstract Scientific research that addresses problems inherent to the new rules of handicapped peopless civil capacity and its consequences on the insanity proceedings adequacy in Brazilian Law in view of the Brazilian Statute of the Handicapped People of the new wording conferred by it on the Brazilian Civil Code and of the rules of insanity proceedings laid down in the Brazilian Code of Civil Procedure This paper aims to propose a systematization of the material and procedural institutions related to the civil capacity of handicapped people in order to harmonize them mainly with the purpose of delimiting the current function of the insanity proceedings in the Brazilian Law Keywords Civil capacity Handicapped people Insanity proceedings Civil Procedural Law Brazilian Statute of the Handicapped People Sumário 1Introdução 2Noções gerais sobre a capacidade civil a incapacidade a proteção dos incapazes e a ação de interdição 3O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as alterações promovidas no regramento da capacidade civil 4Problematização as aparentes incongruências do novo regramento legal da capacidade civil e seus reflexos no cabimento do procedimento de interdição 5Uma proposta de sistematização 6Conclusão 7Referências bibliográficas 1Introdução Matéria de maior importância para o Direito em vista de sua essencialidade ao desenvolvimento das atividades e interações do homem em sociedade é a referente à regulamentação da capacidade civil das pessoas ou seja ao regramento da aptidão das pessoas para praticar validamente os atos da vida civil No Direito brasileiro a questão da capacidade é tradicionalmente matéria regulamentada pelo Código Civil LGL2002400 A capacidade civil e as causas de incapacidade civil encontravam tratamento nos arts 2º a 9º do Código Civil de 1916 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 1 Posteriormente com o advento do Código Civil de 2002 esse passou a regular o tema em seus arts 1º a 5º sendo os arts 3º e 4º aí incluídos responsáveis pela regulamentação das causas de incapacidade absoluta e relativa Paralelamente e em perfeita consonância com a redação original dos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 os arts 1767 a 1783 do mesmo Código cuidavam da curatela e da interdição dos incapazes ligados umbilicalmente ao regramento do procedimento especial da ação de interdição previsto até recentemente pelo Código de Processo Civil de 1973 artigos 1177 a 1198 e atualmente pelo Código de Processo Civil de 2015 em seus arts 747 a 763 Ocorre que no ano de 2015 restou promulgada e publicada a Lei 131462015 LGL20155138 nominada como Estatuto da Pessoa com Deficiência que entrou em vigor no início do ano de 2016 trazendo severas alterações à matéria da capacidade civil inclusive com a mutilação dos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 e conjuntamente dos arts 1767 a 1783 do mesmo Código todos correlatos Mencionadas alterações do novo Estatuto por incidirem negativamente sobre princípios básicos relacionados à capacidade civil especialmente no que concerne à consideração do discernimento da pessoa natural como elemento da capacidade de exercício geraram incongruências no ordenamento jurídico criando assim uma série de dúvidas aos operadores e aplicadores do Direito Entre tais dúvidas impõemse as seguintes i o critério do discernimento foi expungido do regramento da capacidade civil admitindose atualmente a incapacidade apenas com fundamento na impossibilidade de expressão da vontade ii Nesse ponto o deficiente terá sempre capacidade civil plena mesmo quando sua condição afetar seu discernimento iii Há para as pessoas com deficiência curatela sem incapacidade E curatela sem interdição Seria ainda interdição de capazes iv Aplicase ainda o procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 aos deficientes v Qual é portanto a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada Daí a relevância do estudo teóricodoutrinário do tema Ora é o jurista que analisando no campo teórico o ordenamento jurídico mas por certo sem se desprender do aspecto pragmático o analisa e o interpreta a fim de sistematizálo possibilitando ou no mínimo facilitando aos operadores e aplicadores do Direito a compreensão e o adequado manejo das normas jurídicas1 E outro não é o escopo deste singelo trabalho mediante todo o escrito nas páginas que seguem propõese uma sistematização racional do regramento normativo da capacidade e da incapacidade civil da curatela e da interdição em vista das alterações perpetradas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência a fim de se delimitar qual o atual cabimento e assim o papel no Direito pátrio da ação de interdição e de seu procedimento especial constante do Código de Processo Civil de 2015 proporcionando assim o suporte necessário a que os operadores e aplicadores do Direito possam lidar com tal questão sobremaneira problemática 2Noções gerais sobre a capacidade civil a incapacidade a proteção dos incapazes e a ação de interdição 21Personalidade jurídica das pessoas naturais e capacidade civil de gozo e de exercício O Direito é um meio de regulação da vida em sociedade O Direito trabalha portanto com base em fatos sociais juridicamente relevantes ou seja que geram reflexo no âmbito do direito assim entendidos aqueles fatos da vida que possuem a aptidão para criar extinguir modificar declarar ou proteger direitos Do direito subjetivo derivado de um fato jurídico decorre por lógico uma relação jurídica assim compreendida a relação que o ordenamento jurídico estabelece entre Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 2 duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas ou entidades despersonalizadas conferindolhes poderes e deveres que as vinculam2 Como se vê as relações jurídicas têm como sujeitos normalmente pessoas ressalvadas apenas as hipóteses de entes despersonalizados que figurem como sujeitos de direitos E no mais das vezes tais relações se dão entre pessoas naturais A pessoa natural ou física segundo conceituação clássica é a pessoa humana com vida é o ser humano como naturalmente é Consoante afirma Maria Helena Diniz3 tal expressão pessoa natural designa o ser humano tal como ele é lição complementada por Nicoletti Camillo4 para quem o termo indica a pessoa individual o ser humano propriamente dito Pois bem toda pessoa detém personalidade A personalidade está intrinsecamente associada à ideia de pessoa E não sem razão uma vez que a personalidade nada mais é que o conjunto de atributos próprios da pessoa e a ela inerentes que a distingue dos demais entes coisas e seres Assim afirmar que um ser tem personalidade significa dizer que ele reúne as características próprias de uma pessoa Doutrinariamente e já visando as suas consequências jurídicas conceituase a personalidade jurídica como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações na órbita do Direito Nesse sentido a personalidade é colocada como um pressuposto sempre presente para que a pessoa natural seja um sujeito de direitos5 A ideia de que todo ser humano é dotado de personalidade jurídica se reforça ademais pelo fato de que basta à aquisição da personalidade jurídica e segundo o ordenamento jurídico brasileiro art 2º do Código Civil LGL20024006 que o ser humano a pessoa natural tenha nascido com vida7 Toda pessoa viva destarte ostenta personalidade jurídica E a noção de personalidade jurídica ligase umbilicalmente à noção de capacidade civil da pessoa natural pois a capacidade civil da pessoa natural é a aptidão do ser humano decorrente de sua personalidade para adquirir direitos e contrair deveres na órbita civil bem como para por si próprio exercer os direitos por ele adquiridos e cumprir com os deveres assumidos Nesse passo temse que a capacidade civil é um gênero que comporta duas espécies a a capacidade de gozo também chamada de capacidade de direito ou de capacidade jurídica stricto sensu e b a capacidade de exercício também nominada como capacidade de fato ou capacidade de agir A capacidade de gozo é a simples aptidão da pessoa natural para ser sujeito de direitos ou seja é a aptidão detida pela pessoa humana para a aquisição de direitos e a contração de deveres no âmbito da ordem jurídica Como se observa a ideia de capacidade de gozo confundese com a própria noção de personalidade jurídica visto que ambas refletem por seus próprios conceitos a aptidão da pessoa natural para ser sujeito de direitos8 Isso em última análise significa que do mesmo modo que todos os seres humanos nascidos com vida possuem personalidade jurídica à todas as pessoas naturais vivas é conferida também a capacidade de gozo ou de exercício Não se concebe atualmente pessoa natural que não detenha capacidade de gozo Como indica Ruggiero9 a capacidade jurídica ou seja a idoneidade para ser sujeito de direito pertence pois em regra a todos os homens10 Por outro lado a capacidade civil compreende a denominada capacidade de exercício ou capacidade de fato ou ainda capacidade de agir consistente na aptidão da pessoa para por si própria praticar os atos da vida civil exercendo os direitos que adquirir numas relações jurídicas e cumprindo com os deveres e as obrigações a que se submeter em outras11 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 3 A capacidade de exercício portanto existe em virtude da capacidade de gozo sendo um importante complemento a ela Afinal de nada valeria ser o indivíduo sujeito de uma série de direitos e deveres se não pudesse na prática exercêlos Mais ainda a capacidade de exercício sempre pressupõe a capacidade de gozo visto apenas ser possível que uma pessoa seja capaz de exercer direitos ou deveres se tiver antes a capacidade de adquirilos ou de assumilos Concluise disso que muito embora seja possível ao indivíduo ter capacidade de gozo sem ter capacidade de exercício o contrário é inadmissível12 22A capacidade de exercício e a sua limitabilidade construção teórica clássica sobre a incapacidade absoluta e a incapacidade relativa e sobre os meios de proteção dos incapazes Nos termos do que restou verificado no item anterior do presente trabalho a pessoa natural sempre possui capacidade de gozo aptidão para adquirir direitos e contrair deveres muito embora nem sempre seja dotada de capacidade de exercício aptidão para pessoalmente exercer seus direitos e cumprir com seus deveres Isso se deve ao fato de que ao contrário da capacidade de gozo que surge indistintamente ao indivíduo no momento de seu nascimento com vida a existência da capacidade de exercício não lhe é inata dependendo pois segundo as construções da doutrina tradicional de a pessoa possuir discernimento e conseguir expressar sua vontade Aqueles que não detêm o necessário discernimento ou não conseguem por qualquer razão expressar inequivocamente sua vontade carecem total ou parcialmente de capacidade de exercício ou de fato não podendo exercer por si próprios alguns ou todos os atos da vida civil a depender da extensão da incapacidade Desse modo contrariamente à capacidade de gozo que não comporta limitações sendo sempre presente nas pessoas naturais nascidas com vida a capacidade de exercício é permeada de limitabilidade podendo em vista da falta ou insuficiência de discernimento do sujeito ou da inviabilidade de manifestação de sua vontade mostrarse relativa ou absolutamente ausente À limitação da capacidade de exercício dáse o nome de incapacidade E não há apenas uma modalidade de incapacidade na medida em que há mais de um nível de limitação da capacidade de exercício A incapacidade portanto comporta graduação a depender justamente da extensão da limitação da capacidade de exercício13 De fato a limitação da capacidade pode se dar de modo total o que ocorre via de regra quando a pessoa natural carece absolutamente de discernimento ou quando não pode de maneira alguma expressar inequivocamente sua vontade Há na hipótese incapacidade em seu grau máximo o que se denomina como incapacidade absoluta Por outro lado a limitação da capacidade pode ser apenas parcial decorrente pois da mera insuficiência de discernimento ou eventualmente da dificuldade extrema mas não impossibilidade para a manifestação inequívoca da vontade Há na hipótese incapacidade em seu grau mínimo o que se denomina como incapacidade relativa A incapacidade absoluta por ser total torna o indivíduo incapaz para a prática por si próprio de qualquer ato da vida civil Já a incapacidade relativa em vista de seu caráter parcial apenas retira do indivíduo a capacidade para sozinho praticar certos atos ou ainda reduz a capacidade do sujeito quanto ao modo de exercício de seus direitos ou de cumprimento de seus deveres Não por outra razão construíramse meios distintos para a proteção dos absolutamente incapazes e dos relativamente incapazes criandose também formas distintas de suprimento de sua incapacidade O absolutamente incapaz por ser totalmente desprovido de discernimento ou de aptidão para manifestar vontade é impossibilitado de ter qualquer atuação direta na prática dos Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 4 atos da vida civil Faltalhe completamente a autonomia Sua participação em tais atos portanto é meramente indireta sendo necessário que alguém exerça por ele e em seu lugar os direitos de que é titular Desse modo o absolutamente incapaz deve ser protegido mediante representação A representação consiste na atuação de terceira pessoa o representante que pratica pelo incapaz e em nome dele os atos da vida civil A atuação do representante é de substituição não havendo qualquer atuação conjunta do incapaz14 O relativamente incapaz por sua vez visto ter sua capacidade de exercício apenas reduzida guarda ainda meios de atuar diretamente na prática dos atos da vida civil Reserva assim certa autonomia Entretanto por ser diminuta sua autonomia necessita o relativamente incapaz do acompanhamento de um terceiro que com ele efetive a prática dos atos jurídicos O sujeito relativamente incapaz portanto não deve ser protegido por representação que seria medida excessiva mas por mera assistência Na assistência a terceira pessoa a intervir na prática dos atos jurídicos do incapaz não o substitui senão apenas o auxilia sendo sua manifestação complementar à manifestação do relativamente incapaz Assim a assistência consiste na atuação conjunta do incapaz e de seu assistente15 E o que ocorre se o incapaz uma vez sujeito à representação ou à assistência de um terceiro capaz praticar sozinho atos da vida civil sem a necessária assistência ou representação daqueles a quem incumbem essas tarefas A solução é simples o ato jurídico porventura praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação em vista da gravidade da situação é fulminado de nulidade com efeitos ex tunc e sem possibilidade de confirmação ou convalidação16 de outro lado o ato jurídico eventualmente praticado pelo relativamente incapaz sem a devida assistência é meramente anulável tendo seu reconhecimento efeitos ex nunc e podendo haver confirmação pela vontade expressa das partes ou convalidação pelo transcurso in albis do prazo para a propositura da ação anulatória17 23As hipóteses de incapacidade absoluta e de incapacidade relativa segundo a redação original do Código Civil de 2002 A percepção do discernimento e da manifestação de vontade como requisitos da capacidade de exercício De acordo com as construções teóricas clássicas a capacidade de exercício da pessoa natural pode sofrer limitações em virtude da falta ou da insuficiência do discernimento da pessoa ou ainda em vista da inaptidão desta para manifestar inequivocamente sua vontade havendo então incapacidade absoluta ou relativa Ocorre que também oriunda de construção teórica grassa entre nós a máxima de que a capacidade é a regra sendo a incapacidade a exceção daí levantandose importante consequência a de que apenas à lei cabe definir taxativamente as hipóteses de incapacidade18 E com fundamento nessa máxima de taxatividade as causas específicas de incapacidade absoluta e relativa são previstas todas na legislação positivada sendo tradição do Direito brasileiro sua regulamentação pelo próprio Código Civil LGL2002400 Assim foi com o Código Civil de 1916 redigido por Clóvis Beviláqua que trazia as hipóteses de incapacidade absoluta em seu art 5º 19 e as situações geradoras de incapacidade relativa em seu art 6º20 E a tradição se manteve com o Código Civil de 2002 que consagra as hipóteses de incapacidade absoluta em seu art 3º e de incapacidade relativa em seu artigo 4º E em sua redação original assim dispunham os arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 Art 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 5 I os menores de 16 dezesseis anos II os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos III os que mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade Art 4º São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer I os maiores de 16 dezesseis e menores de 18 dezoito anos II os ébrios habituais os viciados em tóxicos e os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido III os excepcionais sem desenvolvimento mental completo IV os pródigos O Código Civil de 2002 por sua redação original considerava absolutamente incapazes os menores impúberes menores de dezesseis anos os deficientes ou doentes despidos de discernimento para a prática dos atos da vida civil e aqueles que permanente ou transitoriamente não pudessem exprimir sua vontade Por outro lado o Código considerava como relativamente incapazes os menores púberes maiores de dezesseis e menores de dezoito anos os viciados em bebida alcoólica ou em outras substâncias entorpecentes os deficientes ou doentes com discernimento reduzido os excepcionais com desenvolvimento mental incompleto e os pródigos Como se percebe era clara a graduação estabelecida entre as causas de incapacidade absoluta e de incapacidade relativa Quanto aos menores a lei presume desde há muito não tenham ainda a maturidade suficiente para a prática dos atos da vida civil E a falta de maturidade na verdade nada mais indica senão a ausência ou redução do discernimento necessário para o exercício autônomo dos direitos21 Nesse ponto a legislação utilizandose de critérios puramente objetivos e por tradição considera ausente de discernimento o menor impúbere reputandoo absolutamente incapaz pela total invalidade de sua manifestação de vontade Todavia quanto aos menores púberes o texto legal sempre considerou existente o discernimento mas de modo incompleto por isso fixando sua incapacidade relativa22 O mesmo se poderia dizer em relação aos deficientes aos enfermos e aos excepcionais sempre que ausente seu discernimento restando totalmente impossibilitados para a prática dos atos da ida civil seriam absolutamente incapazes ao passo que fosse seu discernimento apenas reduzido mas ainda existente em alguma medida seria hipótese de incapacidade relativa Também em vista da mera redução de discernimento é que o Código Civil de 2002 sempre considerou como relativamente incapazes os ébrios habituais os toxicômanos e os pródigos Os ébrios habituais e os toxicômanos em decorrência desses vícios têm reduzida a sua capacidade de compreensão da realidade muito embora guardando alguma às vezes mínima capacidade de percepção racional E por haver neles ainda certa medida de discernimento é que não se desconsidera a sua manifestação de vontade que deve entretanto ser complementada pela de seu curador assistente23 Pródigo por sua vez é todo aquele que se desfaz desmedidamente de seu patrimônio sequer reservando o necessário à sua subsistência É como conceitua Washington de Barros Monteiro24 aquele que desordenadamente dissipa seus haveres reduzindose à Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 6 miséria Temse por exemplo a situação do viciado em jogos de azar que para a satisfação de seu vício aposta bens essenciais à sua sobrevivência como a casa o carro as poucas verbas salariais de que dispõe os valores que têm em poupança entre outros encaminhandose a uma situação de sobrevivência indigna Quanto aos pródigos como se vê a situação é interessante têm eles discernimento íntegro para a prática de determinados atos assim todos aqueles de caráter puramente pessoal relativos ao seu status de pessoa mas lhes falta o discernimento para a prática de outros atos a saber os atos de cunho patrimonial Apenas quanto a esses últimos fazse necessária sua proteção por terceira pessoa motivo por que sua incapacidade é simplesmente relativa Por fim o Código Civil de 2002 em sua redação original tratava como absolutamente incapazes todos os indivíduos que permanente ou transitoriamente não pudessem exprimir sua vontade E nada mais correto já que o exercício dos direitos se dá mediante manifestação de vontade de modo que se a pessoa não dispõe de qualquer meio para manifestar sua vontade a exemplo de alguém que se encontra em coma ou em estado vegetativo é incapaz de praticar qualquer ato da vida civil sendo o caso de ser efetivamente substituído no exercício de seus direitos por um representante Podese depreender daí que o Código Civil de 2002 em sua redação original tratava como absolutamente incapazes todos os que de algum modo e ainda que transitoriamente estivessem privados totalmente de discernimento ou da aptidão para manifestar inequivocamente sua vontade relegando à classe dos relativamente incapazes aqueles cujo discernimento fosse apenas diminuto Reforçase com isso a ideia de que a capacidade civil de exercício tradicionalmente tem por vigas mestras de modo cumulativo o discernimento da pessoa e a sua aptidão para a manifestação da própria vontade E não por outro motivo preleciona Washington de Barros Monteiro25 que o exercício dos direitos pressupõe realmente a consciência e a vontade por conseguinte a capacidade de fato subordinase à existência no homem dessas duas faculdades no que lhe complementa Francisco Amaral26 ao asseverar que a capacidade de fato depende da capacidade natural de entendimento inteligência e vontade 24A consagração expressa do discernimento na redação original do Código Civil de 2002 como necessária evolução Conforme concluído linhas atrás a capacidade de exercício é segundo as construções doutrinárias clássicas adotadas pela redação original Código Civil de 2002 condicionada por dois elementos o discernimento e a aptidão para a manifestação de vontade Ausente ou insuficiente qualquer deles haveria incapacidade absoluta ou relativa Cabe nesse momento uma atenção especial ao requisito do discernimento especificamente quanto à sua incidência na averiguação da capacidade das pessoas portadoras de deficiência ou enfermidade e ainda segundo a redação original do Código de 2002 dos excepcionais com desenvolvimento mental incompleto Discernimento nada mais é que a consciência da pessoa acerca da realidade que a cerca e a sua aptidão para compreendêla e avaliála racionalmente a fim de determinar sua vontade e sua conduta de modo ponderado e refletido O discernimento portanto é responsável por possibilitar a prática refletida dos atos da vida civil conferindo capacidade de exercício ao indivíduo Segundo bem conceitua Maria Helena Diniz27 discernimento é a faculdade de entender algo de modo sensato e claro ou seja a capacidade de avaliar fatos ou atos de modo sensato tendo por isso aptidão para praticar atos da vida civil Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 7 Desse modo aquele a quem falta o necessário discernimento ou que o tem de modo incompleto é tido por incapaz justamente por não ser apto a bem compreender ou avaliar racionalmente de modo adequado os fatos e acontecimentos do mundo circundante e as consequências de suas atitudes não podendo por conseguinte desenvolver um agir ponderado Assim a determinação daquele que não tem discernimento frente às situações da realidade é sempre irrefletida como aponta Betti28 para quem A lei ao estabelecer a inidoneidade de determinadas pessoa para realizar atos jurídicos parte sempre da consideração da natural ineptidão desses sujeitos para cuidarem dos seus interesses materiais ou morais e essa ineptidão deriva de uma deficiência fisiopsíquica em virtude da qual os sujeitos em questão não têm clara consciência do alcance das suas ações determinandose a elas de maneira irrefletida A circunstância da ausência ou da redução de discernimento por essa razão encontrase tradicionalmente na base das causas legais de incapacidade como concluído em relação à redação original dos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 muito embora se mostre via de regra considerada de modo implícito Nesse ponto porém o Código Civil de 2002 trouxe interessante inovação em relação ao Código Civil de 1916 indicou expressamente e não apenas de modo implícito o discernimento como critério de capacidade capacidade de exercício a ser verificado para os deficientes e os enfermos De fato não havia no Código Civil de 1916 uma ideia específica de discernimento como critério para a averiguação da capacidade senão apenas a definição de incapacidade com base em elementos puramente biológicos de que se extraía objetivamente a presunção de ausência de discernimento Ora o Código Beviláqua indicava em seu art 5º II serem absolutamente incapazes os loucos de todo o gênero critério biológico que permitia averiguação deveras abstrata da incapacidade pela presunção de ausência de discernimento do indivíduo considerado então louco Pelo texto do Código Civil de 1916 partiase da ilação de que toda pessoa com deficiência ou enfermidade mental seria desprovida de discernimento Destarte provada a situação biológica de doença ou deficiência caracterizadora de loucura presumiase a incapacidade civil da pessoa natural não se verificando no caso concreto se realmente era ausente ou reduzido o discernimento A seu turno a redação original do Código Civil de 2002 no art 3º II apontava como absolutamente incapazes os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos ao passo que o art 4º II segunda parte do mesmo Código dispunha serem relativamente incapazes os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido Em vista da sistemática adotada originalmente pelo Código Civil de 2002 com a inclusão expressa do elemento discernimento como definidor da capacidade civil passouse a exigir uma verificação mais concreta da capacidade ou da incapacidade das pessoas Já não bastaria pois a prova da deficiência ou da enfermidade sendo indispensável ao reconhecimento da incapacidade que se verificasse que no caso concreto a referida situação de doença ou de deficiência da pessoa fosse geradora da ausência ou da diminuição de seu discernimento Nesse sentido leciona Judith MartinsCosta29 que a positivação pelo Código de 2002 do discernimento como eixo conceitual da teoria da capacidade possibilitou o raciocínio de concreção das incapacidades em inequívoca evolução à abstração do Código Civil de 1916 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 8 Assim já pelo regime original do Código Civil de 2002 os deficientes ou doentes mentais apenas seriam considerados incapazes se efetivamente ausente ou diminuto o seu discernimento capacidade de raciocínio e compreensão da realidade para a prática dos atos da vida civil mediante uma análise concreta e não mais mera presunção como à época do Código Civil de 1916 25A lógica clássica da ação de interdição frente à questão da incapacidade e seu cabimento segundo a redação original do Código Civil de 2002 Conforme se verificou anteriormente neste trabalho os incapazes por não poderem praticar sozinhos os atos da vida civil necessitam ser representados ou assistidos por terceiros capazes que os substituem na prática dos atos da vida civil no caso de representação ou que praticam tais atos conjuntamente a eles apenas complementando a sua manifestação de vontade no caso de assistência Ingressam nesse ponto os institutos protetivos da tutela e da curatela A proteção dos incapazes quando não mais submetidos esses ao poder familiar dáse por meio de tutores ou curadores assim denominados os terceiros capazes incumbidos de representálos ou de assistilos A tutela destinase aos incapazes menores de idade Normalmente os menores de idade que são incapazes absolutamente incapazes se impúberes relativamente incapazes se púberes sujeitamse ao poder familiar exercido por seus pais o que significa que estando sob o poder familiar o menor é representado ou assistido pelos próprios pais Entretanto uma vez não estando o menor incapaz sob o poder familiar por exemplo em virtude de ser órfão ou de terem os pais perdido por decisão judicial o seu poder familiar será ele representado ou assistido por um tutor a serlhe conferido A tutela portanto é o meio de proteção de incapazes que se destina aos menores de idade não sujeitos ao poder familiar30 Quanto aos incapazes maiores de idade sua representação ou assistência darseá por meio do instituto da curatela Nomeiase ao maior incapaz um curador que atuará representandoo se a incapacidade for absoluta ou assistindoo se a incapacidade for meramente relativa A curatela enfim é o meio de proteção dos incapazes destinado aos maiores de idade31 Ocorre que na hipótese da curatela temse um indivíduo maior de idade e por isso inicialmente dotado de plena capacidade civil mas que necessita ser reconhecido como incapaz absoluta ou relativamente e submetido à curatela Isso significa que diferentemente da incapacidade dos menores de idade que por presunção legal absoluta independe de qualquer medida para ser reconhecida e para posteriormente cessar uma vez que o sujeito passa a ser plenamente capaz ao completar dezoito anos de idade a incapacidade dos maiores de idade necessita ser reconhecida mediante procedimento jurisdicional em que se averigue consoante as hipóteses previstas nos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 a sua falta de discernimento ou de aptidão para manifestar vontade nomeandolhe assim curador Referida medida judicial é justamente a ação de interdição que se processa pelo procedimento especial previsto atualmente nos arts 747 a 763 do Código de Processo Civil de 2015 e que tem por objetivo a verificação da incapacidade da pessoa maior de idade e se reconhecida essa a sua submissão ao regime de curatela para sua representação ou assistência32 A ação de interdição portanto tal como a curatela a representação e a assistência longe de ser prejudicial à pessoa inapta a manifestar vontade ou cujo discernimento é ausente ou incompleto é um verdadeiro instrumento destinado à proteção do incapaz Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 9 ou seja ao resguardo de seus direitos e interesses33 E visto que a ação de interdição teve sempre por objetivo a proteção dos incapazes maiores de idade seu cabimento para definição da curatela abrangia segundo a redação original do Código Civil de 2002 todas as hipóteses de incapacidade não relacionadas aos menores de idade como se percebe do texto original do art 1767 do Código de 2002 Art 1767 Estão sujeitos a curatela I aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil II aqueles que por outra causa duradoura não puderem exprimir a sua vontade III os deficientes mentais os ébrios habituais e os viciados em tóxicos IV os excepcionais sem completo desenvolvimento mental V os pródigos Segundo o preceito original do Código Civil de 2002 era cabível a ação de interdição para o reconhecimento da incapacidade e a sujeição a curatela de todos aqueles maiores de idade inaptos à manifestação de sua vontade ou ainda despidos ou enfraquecidos em seu discernimento Deveras faziase expressamente cabível a ação de interdição tanto em relação ao pródigo e aos viciados e álcool e tóxicos como a todos os que não pudessem manifestar vontade como enfim às pessoas portadoras de deficiência que tivessem seu discernimento tolhido ou reduzido Aliás como informa Orlado Gomes o instituto da interdição foi criado especialmente para a proteção dos doentes mentais34 Cumpre perceber nesse ponto que a ação de interdição como meio de proteção do incapaz e visto que a capacidade de exercício tem por um de seus pilares o discernimento sempre teve ligação íntima com a circunstância da falta ou insuficiência de discernimento da pessoa natural a ser interditada Daí afirmar Ernane Fidélis dos Santos35 que a interdição protege aquele estiver depauperado ou enfraquecido em sua capacidade de discernimento Na mesma esteira Montenegro Filho36 conceitua a ação de interdição como o procedimento que permite o reconhecimento da incapacidade da pessoa abatida por uma das circunstâncias previstas na lei sendo incapaz de exercer os atos da vida civil com o necessário discernimento 3O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as alterações promovidas no regramento da capacidade civil O Código Civil de 2002 trazia em sua redação original regramento acerca da capacidade e da incapacidade civil deveras adequado e de boa técnica por considerar expressamente como pilares da capacidade de exercício tanto a aptidão para manifestação da vontade como em patente inovação em relação ao Código de 1916 também o discernimento Embora fosse bastante satisfatória e dotada de primor técnico a sistemática original do Código Civil de 2002 acerca da regulamentação da capacidade e da incapacidade civil o referido panorama legal acerca da capacidade civil restou parcialmente alterado com o advento da Lei 131462015 LGL20155138 Tal Lei 131462015 LGL20155138 a que se denomina Estatuto da Pessoa com Deficiência teve por objetivo incorporar ao Direito interno tendências internacionais acerca do tratamento legal das pessoas com deficiência com fulcro principalmente na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 10 Nova York em 30 de março de 2007 e incorporada ao Direito brasileiro com status de Emenda Constitucional pelo Decreto 69492009 LGL20092353 Ocorre que esse novo Estatuto da Pessoa com Deficiência operou verdadeira revolução na teoria da capacidade civil do Direito brasileiro alterando o Código Civil LGL2002400 mediante irracional mutilação dos arts 3º e 4º desse Diploma causando com isso uma série de problemas de ordem teórica e prática mormente em vista da atecnia legislativa Cumpre verificar de início quais as alterações perpetradas pelo referido Estatuto na regulamentação da capacidade civil 31O remanejamento das hipóteses de incapacidade absoluta e sua conversão em incapacidades relativas De início modificação relevante trazida pela Lei 131462015 LGL20155138 diz respeito à alteração da classe jurídica de quase todas as causas de incapacidade Ao realizar modificações nos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 o Estatuto da Pessoa com Deficiência transformou praticamente todas as hipóteses de incapacidade absoluta em hipóteses de incapacidade relativa Tudo de um modo bastante simples o Estatuto transferiu a maioria dos incisos do art 3º do Código Civil LGL2002400 que cuida das incapacidades absolutas para o art 4º que cuida das incapacidades relativas O resultado se vê a seguir Art 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 dezesseis anos I Revogado II Revogado III Revogado Art 4º São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer I os maiores de 16 dezesseis e menores de 18 dezoito anos II os ébrios habituais e os viciados em tóxico III aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade IV os pródigos Parágrafo único A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial Como se observa as clássicas hipóteses de incapacidade absoluta seja pela inexistência do necessário discernimento seja pela impossibilidade total de manifestação inequívoca da vontade foram ou revogadas ou convertidas em meras situações de incapacidade relativa Mantevese como única situação de incapacidade absoluta a hipótese do indivíduo menor de 16 anos revogandose a referente aos deficientes ou enfermos sem discernimento e transferindose à incidência da mera incapacidade relativa a hipótese daqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade a exemplo dos indivíduos em estado vegetativo Incorreu o Estatuto da Pessoa com Deficiência porém em erro técnico crasso contrariando toda a firme construção teórica a respeito da capacidade e da incapacidade civil Ora vejase uma vez que a capacidade de exercício tem por pilares de que depende o discernimento e a aptidão da pessoa para manifestar sua vontade a ausência plena Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 11 desses elementos consiste na total incapacidade e pois na incapacidade absoluta sendo impossível pensarse em incapacidade relativa nesses casos E as consequências desse equívoco não são apenas teóricas tendo mesmo efeitos práticos já que como indicado alhures as hipóteses de incapacidade relativa demandam assistência do tutor do curador ou dos pais enquanto às incapacidades absolutas há a representação Vejase pela assistência destinada aos relativamente incapazes os atos do incapaz devem ser praticados pelo incapaz em conjunto ao seu assistente o que via de regra se mostra absolutamente impossível nas hipóteses de o indivíduo por causa transitória ou permanente não poder exprimir sua vontade sendo que aí se faria imprescindível a substituição do incapaz por um terceiro para a prática do ato sendo o caso pois de representação Uma vez que ato algum pode ser praticado pelo indivíduo que não consegue manifestar vontade sendo impossível até mesmo a assistência que depende da atividade conjunta do incapaz e do assistente a nova lei criou ou uma hipótese de representação de relativamente incapaz ou uma hipótese de assistente que atua com poderes de representante sendo igualmente atécnica qualquer delas Como se percebe os legisladores responsáveis pela redação do Estatuto da Pessoa com Deficiência ao transmudarem em incapacidades relativas aquelas mencionadas hipóteses de incapacidade absoluta o fizeram não apenas de modo totalmente desvencilhado da técnica jurídica adequada mas também sem qualquer atenção à realidade e à condição fática dessas modalidades de incapazes Esqueceramse somente de que não é a realidade que se maleabiliza em virtude das leis mas as leis é que se devem adequar à realidade 32 A consagração da plena capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência a menção à curatela e a alteração das hipóteses de cabimento da ação de interdição Como segunda modificação imposta em relação à temática da capacidade civil o Estatuto da Pessoa com Deficiência extirpou das hipóteses de incapacidade absoluta e relativa do Código Civil LGL2002400 todas as situações antes previstas de doença mental ou deficiência limitadoras do discernimento do indivíduo Revogou assim as antigas hipóteses do art 3º II segundo o qual seriam absolutamente incapazes os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e do art 4º II e III pelos quais seriam relativamente incapazes os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido e os excepcionais sem desenvolvimento mental completo E não apenas foram revogadas as causas de incapacidade relacionadas aos deficientes e enfermos despidos de discernimento ou de discernimento diminuto como ainda em claro complemento passou a estabelecer o mencionado Estatuto em seus arts 6º e 84 caput a plena capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência como se observa Art 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive para I casarse e constituir união estável II exercer direitos sexuais e reprodutivos III exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar IV conservar sua fertilidade sendo vedada a esterilização compulsória V exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 12 VI exercer o direito à guarda à tutela à curatela e à adoção como adotante ou adotando em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Art 84 A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas Mais ainda o Estatuto da Pessoa com Deficiência a fim de manter certa congruência em suas escolhas alterou também o art 1767 do Código Civil de 2002 retirando das hipóteses de cabimento da curatela e assim da ação de interdição ali previstas aquelas relacionadas aos deficientes enfermos ou excepcionais Restou assim o texto legal após as referidas mudanças Art 1767 Estão sujeitos a curatela I aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade II Revogado III os ébrios habituais e os viciados em tóxico IV Revogado V os pródigos Como se percebe o intuito do Estatuto da Pessoa com Deficiência parece ter sido o de considerar a pessoa com deficiência sempre plenamente capaz ainda que eventualmente tolhida de discernimento não podendo em caso algum ser submetida a curatela mediante interdição De fato visto que a averiguação concreta do discernimento para fins de incapacidade do deficiente faziase necessária de acordo com a redação original do Código Civil de 2002 a alteração do texto legal para sua extração aponta no sentido de que não há incapacidade para o deficiente ainda que despido de discernimento Todavia interessantemente muito embora afastando a pessoa com deficiência da incapacidade e da curatela por interdição do Código Civil LGL2002400 o Estatuto do Deficiente prevê em seu art 84 1º logo após reafirmar a capacidade civil plena do deficiente que se necessário deve esse ser submetido à curatela nos termos legais Vale a transcrição do dispositivo Art 84 1º Quando necessário a pessoa com deficiência será submetida à curatela conforme a lei Temse com essa curiosa previsão aliada à ideia de que o deficiente seria sempre plenamente capaz a impressão inicial de que essa curatela a que pode ser submetido o deficiente é uma espécie diferenciada de curatela não relacionada a qualquer situação de incapacidade relativa ou absoluta e pior ainda uma curatela sem interdição É como afirma Maurício Requião37 para quem em vista das disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência mantémse a possibilidade de que venha ele o deficiente a ser submetido ao regime de curatela O que se afasta repisese é a sua condição de incapaz 33A criação do instituto da Tomada de Decisão Apoiada Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 13 Por fim o Estatuto da Pessoa com Deficiência criou um novo instituto voltado às pessoas com deficiência a que denominou como Tomada de Decisão Apoiada inserindoo no novel art 1783A do Código Civil de 200238 Segundo se denota da leitura do mencionado dispositivo tratase a Tomada de Decisão Apoiada de uma faculdade conferida exclusivamente à pessoa com deficiência de se fazer auxiliar na prática dos atos da vida civil por duas ou mais pessoas idôneas e de sua confiança Esses terceiros auxiliares nominados como apoiadores e que devem ser escolhidos pelo próprio deficiente que pretende fazer uso do instituto têm a função de dar suporte ao apoiado quanto às decisões que esse precisar tomar para a prática dos atos da vida civil conferindo a ele as informações necessárias para tanto A atividade dos apoiadores na Tomada de Decisão Apoiada portanto nada mais é que um aconselhamento direcionado à adequada prática dos atos da vida civil De todo modo a criação desse novo instituto gera nova dúvida seria esse novo instituto o meio adequado de proteção dos deficientes desprovidos de discernimento uma vez que aparentemente o Estatuto da Pessoa com Deficiência considera tal deficiente um plenamente capaz Cumpre dar a tal dúvida uma resposta o que adiante se fará 4Problematização as aparentes incongruências do novo regramento legal da capacidade civil e seus reflexos no cabimento do procedimento de interdição Como visto nas linhas precedentes a atecnia legislativa empregada na redação do Estatuto da Pessoa com Deficiência aliada à circunstância de o legislador não se ter atentado à realidade fática do mundo circundante gerou uma série de incongruências no regramento da capacidade e da incapacidade civil no Direito brasileiro principalmente no que concerne às pessoas portadoras de deficiência E além das inconsistências já apontadas nos itens precedentes deste trabalho mais uma deve ser considerada é que com as modificações perpetradas o Estatuto da Pessoa com Deficiência extirpou do Código Civil de 2002 uma de suas grandes inovações no que respeita à temática da capacidade civil qual seja a menção expressa ao discernimento como elemento da capacidade de exercício Daí questionar a exclusão da menção expressa ao discernimento significa a intenção da nova legislação de estabelecer uma teoria das incapacidades baseada apenas na aptidão para a manifestação da vontade sem mais considerar portanto o discernimento em claro retrocesso legislativo Por mais essa razão temse que a nova lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência ao modificar o regramento da capacidade civil pode se mal interpretada causar situações no mínimo bastante estranhas e desproporcionais A fim de ilustrar o quão absurdos podem ser os resultados práticos dessa alteração legislativa das regras sobre capacidade civil cabe perceber que a depender da interpretação conferida a essas novas normas jurídicas poderseá ter a desproporcional situação de uma pessoa portadora de deficiência mental absolutamente desprovida de discernimento que poderia a depender do entendimento dado às normas do novo Estatuto ser considerada plenamente capaz ser mais capaz que um pródigo considerado relativamente incapaz que guarda ainda discernimento embora reduzido 39 Mister pois que se proceda a uma adequada interpretação do novo regramento positivo da capacidade civil em relação às pessoas com deficiência de modo a se apresentar uma sistematização que se não eliminar ao menos reduza as incongruências oriundas das modificações efetivadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência Para tanto é imprescindível que se solucionem as seguintes problemáticas i o critério Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 14 do discernimento foi realmente expungido do regramento da capacidade civil admitindose atualmente a incapacidade apenas com fundamento na impossibilidade de expressão da vontade ii Nesse ponto o deficiente ou doente mental terá sempre capacidade civil plena mesmo quando sua condição afetar seu discernimento iii Há para as pessoas com deficiência curatela sem incapacidade E curatela sem interdição Seria ainda interdição de capazes iv Aplicase ainda o procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 aos deficientes e doentes mentais v Qual é portanto a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada É o que se pretende fazer logo a seguir neste trabalho 5Uma proposta de sistematização 51A permanência do discernimento como pilar da capacidade civil o discernimento como um passo necessário à manifestação de vontade válida Como verificado alhures o Estatuto da Pessoa com Deficiência afastou do Código Civil LGL2002400 as previsões expressas e específicas acerca da incapacidade dos deficientes e doentes mentais que não tiverem o necessário discernimento ou o tiverem reduzido para a prática dos atos da vida civil Essa circunstância entretanto não significa e nem permite afirmar que os deficientes sejam sempre plenamente capazes principalmente quando lhes faltar o discernimento Deveras o fato de não mais constar expressamente do Código Civil de 2002 a menção à incapacidade do deficiente ou doente mental por ausência de discernimento tendo sido excluída da lei a menção expressa ao discernimento não resulta que esse tenha deixado de ser critério para a averiguação da capacidade civil plena Não se poderia conceber nem em termos teóricos muito menos em termos práticos um regramento da capacidade e da incapacidade civil que mantivesse ou instituísse a aptidão para manifestação da vontade como critério único de verificação da capacidade de exercício afastando então a peneira do discernimento E a razão a fundamentar tal conclusão é muito simples o próprio critério da aptidão para a manifestação inequívoca da vontade guarda em si sempre e obrigatoriamente certa medida do requisito relativo ao discernimento Isso significa que nada obstante seja possível que um indivíduo não consiga manifestar sua vontade mesmo tendo íntegro seu discernimento a exemplo do mudo que não saiba escrever ou se comunicar por linguagem de sinais apesar de entender o que é dito pelas outras pessoas é impossível que o sujeito sem discernimento manifeste vontade Ocorre que a ideia de vontade deve ser entendida como vontade racional ou vontade ponderada enfim uma vontade manifestada tendo seu emissor consciência e capacidade de reflexão sobre aquilo que manifesta o que apenas é possível se antes possuir discernimento Ora o indivíduo despido de aptidão para compreender e avaliar racionalmente os fatos que ocorrem no mundo circundante e as consequências de seus próprios atos não tem igualmente meios para se autodeterminar de modo ponderado Seguese nessa esteira a lição de Emílio Betti40 no sentido de que os sujeitos que não detêm clara consciência do alcance das suas ações determinamse em relação a elas de maneira irrefletida Daí afirmar Rosenvald41 que a inaptidão para manifestação da vontade consiste em o indivíduo não poder exprimir sua vontade de forma ponderada Como decorrência disso sempre que o indivíduo deficiente ou não não possui discernimento suficiente para a prática dos atos da vida civil está impossibilitado de manifestar ponderadamente sua vontade Eventual vontade manifestada nesse caso é uma vontade inválida equivalente à inexistência da expressão de vontade Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 15 Concluise por esse prisma que o critério do discernimento apesar de não mais estar expressamente mencionado na nova redação conferida aos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 não foi realmente expungido do regramento da capacidade civil já que constitui sempre um passo necessário à existência de aptidão da pessoa para a expressão da vontade essa entendida como vontade ponderada Portanto considerandose o ordenamento jurídico brasileiro sempre que a pessoa natural por qualquer razão não possuir discernimento para a prática dos atos da vida civil não podendo assim manifestar vontade ponderada ou válida será incapaz nos termos do art 4º III do Código Civil de 2002 segundo o qual são relativamente incapazes aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade Mais ainda a ausência de discernimento por impossibilitar a manifestação de vontade e assim resultar na incapacidade do indivíduo subordinao à curatela mediante a ação judicial de interdição por força da disposição do art 1767 I do Código Civil de 2002 que estabelece estarem sujeitos à curatela aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade 52A incapacidade do deficiente desprovido de discernimento e a manutenção da curatela mediante interdição como medida de proteção ao incapaz Da conclusão de permanência do critério do discernimento decorre que há verdadeiro equívoco em se imaginar que o deficiente ou doente mental que não possua discernimento seja plenamente capaz É o deficiente em verdade sempre que tolhido de discernimento um relativamente incapaz nos termos do art 4º III do Código Civil LGL2002400 por ser imponderada e assim inválida eventual vontade que consiga manifestar Depreendese das lições de Roberto Senise Lisboa42 que a ausência de discernimento oriunda de enfermidade perturbadora da integridade psíquica ou provocadora de déficit mental impossibilita a manifestação de vontade plenamente válida pela pessoa com deficiência E nem poderia ser diferente uma vez que praticamente todas as hipóteses de incapacidade mantidas no Código Civil LGL2002400 têm por base ainda que implicitamente o discernimento a exemplo dos ébrios habituais dos viciados em tóxico e dos menores de idade não sendo sequer coerente que os indivíduos aí incluídos fossem incapazes por falta de discernimento e os deficientes ou doentes mentais quando desprovidos de discernimento não o fossem Concluise destarte que as regras dos arts 6º e 84 caput do Estatuto da Pessoa com Deficiência ao apregoarem a plena capacidade civil dos deficientes são meras regras gerais que não afastam as limitações à capacidade de exercício previstas pelo art 4º do Código Civil LGL2002400 Nesses termos é mister reconhecer que a curatela mencionada no art 84 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência não se coloca como uma curatela especial ou independente de interdição É na realidade a curatela de incapazes que se efetiva mediante interdição Essa afirmação ademais é corroborada pelo fato de o próprio 1º do art 84 indicar que o deficiente quando necessário será sujeito à curatela conforme a lei indicando desse modo a incidência do regramento geral da curatela de incapazes constante do Código Civil LGL2002400 e por conseguinte do procedimento de interdição previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 Não há assim no que se refere aos deficientes qualquer curatela sem incapacidade nem curatela sem interdição nem interdição sem incapacidade a falta de discernimento que gera a impossibilidade de manifestação de vontade válida é causa Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 16 de sua incapacidade e por isso fundamenta a aplicação do instituto da curatela mediante autêntico procedimento de interdição Tudo ainda é reforçado pela previsão do art 748 do Código de Processo Civil de 201543 vigente e válida44 que confere ao Ministério Público legitimidade para propor a ação de interdição em determinadas situações para a defesa de indivíduo com doença mental grave indicando o dispositivo desse modo que os deficientes e doentes mentais quando desprovidos de discernimento também se submetem à interdição45 O art 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência portanto necessita ser interpretado à luz dos arts 4º III e 1767 I do Código Civil LGL2002400 e do artigo 747 e dispositivos seguintes do Código de Processo Civil de 2015 ausente o discernimento há incapacidade devendo o deficiente ou doente mental ser submetido a processo de interdição de que resultará a fixação da curatela e a definição do respectivo curador E uma vez que tanto o regime das incapacidades como os institutos da curatela e da ação de interdição se tratam de meios de proteção da pessoa incapaz46 ou seja justamente de resguardo de seus direitos e interesses não há que se falar que o reconhecimento da incapacidade ou da necessidade de interdição de uma pessoa portadora de deficiência que se encontre tolhida de discernimento constitua ofensa à sua dignidade Vale nesse ponto a preciosa lição de Maria Helena Diniz47 Nada obsta a que se inclua entendemos o portador de deficiência no rol dos relativamente incapazes porque isso em nada afetaria sua dignidade como ser humano Dignidade não é sinônimo de capacidade O seu status personae e o seu viver com dignidade no seio da comunidade familiar ou social não se relaciona com sua capacidade intelectiva para exercer direitos nem com a transferência de suas decisões havendo interdição para um curador que o assistirá nos atos da vida civil se não puder por causa transitória ou permanente manifestar sua vontade Haveria de fato ofensa à dignidade da pessoa portadora de deficiência se fosse essa sempre considerada capaz e não se sujeitando ao regime protetivo dos incapazes fosse prejudicada quando da prática dos atos da vida civil ou simplesmente não tivesse na prática como efetivar ou aperfeiçoar tais atos Assim frisese o deficiente ou doente mental que não possua qualquer discernimento para a prática dos atos da vida civil não é sequer minimamente capaz de manifestar vontade ponderada e assim válida motivo por que deve ser considerado incapaz e sujeito a curatela mediante processo de interdição nos termos do que preceitua o Código de Processo Civil de 2015 pelo rito de jurisdição voluntária previsto tipicamente em seus arts 747 a 758 A ação de interdição portanto não restou afastada da sujeição à curatela das pessoas portadoras de deficiência e nem se tornou um procedimento destinado a pessoas capazes Permanece a interdição normalmente aplicável aos deficientes que não tiverem discernimento justamente por ser incapazes Não por outra razão Teresa Arruda Alvim et al48 em suas lições permanecem mesmo após o advento das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência compreendendo a ação de interdição como o meio judicial para a declaração da incapacidade daquele não possui o discernimento necessário à prática dos atos da vida civil Segundo afirmam os mencionados autores O procedimento de interdição perfaz medida judicial por intermédio da qual determinada pessoa é declarada parcial ou totalmente incapaz para os atos da vida civil em virtude da perda de discernimento para a condução de seus próprios interesses Decretada a interdição daquele declarado parcial ou totalmente incapaz porque sem discernimento para a gestão de seus interesses é nomeado curador que representará ou assistirá o Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 17 interditado O mesmo vale aliás às hipóteses de o deficiente ou doente mental se tornar pródigo toxicômano ou ainda ébrio habitual casos em que diante do previsto nos arts 4º e 1767 do Código Civil LGL2002400 é ele igualmente incapaz devendo nos mesmos termos já expostos ser submetido à interdição e à curatela para proteção de seus interesses 53Função da Tomada de Decisão Apoiada e sua relação com a ação de interdição Segundo já averiguado neste trabalho nos termos do art 1783A do Código Civil LGL2002400 incluído pelo art 116 do Estatuto do Deficiente há a possibilidade de o deficiente ou doente mental para seu auxílio escolher ele próprio ao menos duas pessoas que atuarão mediante a chamada Tomada de Decisão Apoiada Ocorre que diante do panorama apresentado nos itens imediatamente anteriores deste artigo podese questionar se o deficiente que não possui discernimento é incapaz e sujeito a curatela mediante ação de interdição qual a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada De modo mais simples quando é cabível a sujeição do deficiente à Tomada de Decisão Apoiada E a resposta não é difícil o instituto da Tomada de Decisão Apoiada tem vez quando o deficiente ou doente mental tiver mera redução de seu discernimento e portanto ainda conseguir manifestar vontade minimamente ponderada caso em que não se admite sua curatela por faltar incapacidade Explicase a ausência de discernimento do deficiente é causa de sua incapacidade relativa conforme art 4º III do Código Civil LGL2002400 visto não ter ele qualquer possibilidade de manifestar uma vontade ponderada Entretanto se o discernimento do deficiente for apenas reduzido não fica ele obstado de expressar uma vontade ainda que minimamente ponderada caso em que não se pode reconhecer sua incapacidade Ora o deficiente que tem discernimento reduzido embora seja plenamente capaz pode necessitar do auxílio de terceiros uma vez que o nível diminuto de seu discernimento pode gerarlhe certas dificuldades para praticar os atos da vida civil sem qualquer apoio E suprimento dessa necessidade é justamente a função da Tomada de Decisão Apoiada Portanto na Tomada de Decisão Apoiada o deficiente não é incapaz motivo por que não necessita de qualquer assistência ou representação senão de simples aconselhamento de pessoas de sua confiança especialmente parentes ou familiares visto que o nível reduzido de seu discernimento pode imporlhe certas dificuldades para sozinho praticar os atos da vida civil É o que esclarece Rosenvald49 ao afirmar que o instituto da Tomada de Decisão Apoiada tem vez quando a pessoa deficiente possua limitações no exercício do autogoverno mas preserve de forma precária a aptidão de se expressar e de se fazer compreender de modo que aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente incapazes por discernimento reduzido art 4º II do CC02 LGL2002400 serão plenamente capazes e direcionadas ao modelo da Tomada de Decisão Apoiada50 E não se poderia mesmo admitir a Tomada de Decisão Apoiada em relação a incapazes uma vez que o art 1783A caput e 2º do Código Civil deixa indubitável que a submissão a essa medida protetiva é uma faculdade exclusiva do próprio deficiente único legitimado a requerêla e a quem compete eleger também os apoiadores51 o que apenas pode ser levado a efeito por alguém dotado de capacidade civil plena Não se confundem portanto a interdição e a Tomada de Decisão Apoiada por cumprirem funções distintas a interdição é instrumento destinado à proteção de Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 18 incapazes deficientes ou não enquanto a Tomada de Decisão Apoiada é mecanismo de proteção exclusivo dos deficientes capazes que necessitem de auxílio para tomarem suas decisões quanto aos atos da vida civil Nesse ponto vale considerar equivocada a opção do legislador de inserir o regramento da Tomada de Decisão Apoiada em dispositivo do Código Civil LGL2002400 ao lado da regulamentação da curatela por serem distintos os escopos de um e de outro instituto Na realidade por se tratar a Tomada de Decisão Apoiada de mecanismo exclusivamente destinado aos deficientes e doentes mentais melhor seria que o legislador o tivesse alocado internamente no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência De todo modo muito embora sejam distintas as funções da interdição e da Tomada de Decisão Apoiada nada impede que no bojo de ação de interdição movida por terceiros contra a pessoa com deficiência essa pugnando por sua plena capacidade civil requeira a sua sujeição à medida da Tomada de Decisão Apoiada indicando os apoiadores de sua confiança Deveras quando a ação de interdição é proposta por outras pessoas que não o deficiente tendo esse algum discernimento pode ele se opor à pretensão judicial de interdição mediante a impugnação prevista no art 752 do Código de Processo Civil de 201552 com o fim de demonstrar que não está abarcado pela situação de incapacidade 53 E na ocasião de sua defesa pode o deficiente interditando demonstrando não ser incapaz requerer mesmo se for de seu interesse o estabelecimento de Tomada de Decisão Apoiada com nomeação de apoiadores por ele escolhidos hipótese em que se verificada a capacidade civil plena do deficiente e rejeitada a pretensão de interdição declarará o juiz a sua sujeição à Tomada de Decisão Apoiada54 Por fim cumpre mencionar que por não se confundirem a Tomada de Decisão Apoiada e a interdição bem como por não ser o apoiado um incapaz e nem os apoiadores seus curadores o procedimento para o estabelecimento da Tomada de Decisão Apoiada não é o rito especial da interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 No caso o próprio art 1783A do Código Civil LGL2002400 cuida de estabelecer procedimento próprio a que o deficiente se sujeite à Tomada de Decisão Apoiada e nomeie os apoiadores que escolher procedimento esse que deve ser seguido55 6Conclusão Por todo o exposto no presente trabalho concluise que o discernimento permanece como critério para averiguação da capacidade e pois da incapacidade civil inclusive em relação às pessoas portadoras de deficiência já que se constitui em passo necessário para uma manifestação de vontade ponderada e assim válida Isso significa que a pessoa portadora de deficiência quando desprovida de discernimento é segundo a nova sistemática dos art 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 relativamente incapaz com fundamento no inciso III do art 4º visto ser inapta a manifestar vontade sequer minimamente válida E uma vez que é incapaz a pessoa que em virtude de sua deficiência não possui discernimento a curatela a que deve ser submetida nos termos do art 84 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência tratase de uma autêntica curatela de incapazes a ensejar a propositura da ação de interdição para sua fixação A ação de interdição portanto permanece cabível para as pessoas portadoras de deficiência que não tiverem qualquer discernimento a fim de que por meio do procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 seja reconhecida judicialmente a situação de incapacidade interditandose a pessoa e nomeandolhe curador Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 19 Apenas não mais se admite a curatela e pois a ação de interdição para os casos em que a pessoa com deficiência tiver seu discernimento apenas reduzido e não ausente uma vez que aí tem o deficiente aptidão para manifestar vontade minimamente válida havendo dessarte plena capacidade civil e sendo a hipótese de utilização pelo deficiente do instituto da Tomada de Decisão Apoiada caso entenda necessário o auxílio de terceiros Em síntese a a completa falta de discernimento da pessoa com deficiência gera a sua incapacidade relativa pela impossibilidade de manifestação de vontade vontade ponderada ou válida sujeitandoa ao procedimento de interdição e à sujeição à curatela ao passo que b a mera redução de discernimento da pessoa com deficiência não altera sua plena capacidade civil o que afasta a possibilidade de interdição e de sujeição à curatela sendo a hipótese porém caso assim deseje o indivíduo de submissão à Tomada de Decisão Apoiada 7Referências bibliográficas AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 ARRUDA ALVIM WAMBIER Teresa et al Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil LGL20151656 artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2016 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I CAMILLO Carlos Eduardo Nicoletti et al Comentários ao Código Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2009 CORREIA Atalá Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas Consultor Jurídico ConJur publicado em 03082015 Disponível em wwwconjurcombr2015ago03direitocivilatualestatutopessoadeficienciatrazinovacoesduvidas Acesso em 03102017 DINIZ Maria Helena Conflito de normas 2 ed São Paulo Saraiva 1996 DINIZ Maria Helena Dicionário jurídico D I 3 ed São Paulo Saraiva 2008 v 2 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro teoria geral do direito civil 31 ed São Paulo Saraiva 2014 v 1 DINIZ Maria Helena Código civil anotado 18 ed São Paulo Saraiva 2017 GAGLIANO Pablo Stolze PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil parte geral 13 ed São Paulo Saraiva 2011 v 1 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 KÜMPEL Vitor Frederico BORGARELLI Bruno de Ávila As aberrações da Lei 131462015 LGL20155138 Migalhas publicado em 11082015 Disponível em wwwmigalhascombrdePeso16MI22490561044Asaberracoesdalei131462015 Acesso em 21042017 LISBOA Roberto Senise Manual de direito civil teoria geral do direito civil 6 ed São Paulo Saraiva 2010 v 1 LÔBO Paulo Direito civil parte geral 4 ed São Paulo Saraiva 2013 MARCATO Antonio Carlos Procedimentos especiais 13 ed São Paulo Atlas 2007 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 20 MARINONI Luiz Guilherme ARENHART Sérgio Cruz MITIDIERO Daniel Novo código de processo civil comentado 3 ed São Paulo Ed RT 2017 MARTINSCOSTA Judith Capacidade para consentir e esterilização de mulheres tornadas incapazes pelo uso de drogas notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética In Bioética e responsabilidade Organização de Judith MartinsCosta e Letícia Ludwig Möller Rio de Janeiro Forense 2009 MEDINA José Miguel Garcia Direito processual civil moderno 2 ed São Paulo Ed RT 2016 MIRANDA Francisco Cavancanti Pontes de Tratado de direito de família parentesco Campinas Bookseller 2001 v III MONTEIRO Washington de Barros Curso de direito civil parte geral 28 ed São Paulo Saraiva 1989 v 1 MONTENEGRO FILHO Misael Curso de direito processual civil medidas de urgência tutela antecipada e ação cautelar procedimentos especiais 9 ed São Paulo Atlas 2013 v III NERY JUNIOR Nelson NERY Rosa Maria de Andrade Código de Processo Civil comentado 16 ed São Paulo Ed RT 2016 PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v 1 PERELMAN Chaïm Ética e direito Trad Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 RAITANI Francisco Prática de processo civil Atualização de Felício Raitani Neto Carlos Raitani e Milton de Oliveira Condessa 13 ed São Paulo Saraiva 1983 v I REQUIÃO Maurício Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades Consultor Jurídico ConJur publicado em 20072015 Disponível em wwwconjurcombr2015jul20estatutopessoadeficienciaalteraregimeincapacidades Acesso em 03102017 RODRIGUES Silvio Direito civil parte geral 34 ed São Paulo Saraiva 2003 v 1 ROSENVALD Nelson et al Tratado de direito das famílias 2 ed Belo Horizonte IBDFAM 2016 ROSS Alf Direito e justiça Trad Edson Bini e revisão técnica de Alyson Leandro Mascaro 2 ed Bauru Edipro 2007 RUGGIERO Roberto de Instituições de direito civil introdução e parte geral direito das pessoas Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio Campinas Bookseller 1999 v I SANTOS Ernane Fidélis dos Manual de direito processual civil procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 5 ed São Paulo Saraiva 1997 v 3 1 Vale aqui a lição de Perelman para quem o papel da doutrina é ser um precioso auxiliar da justiça PERELMAN Chaïm Ética e direito Trad Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 p 631 no que lhe fundamenta Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 21 Alf Ross ao explicitar que a tarefa do pensamento jurídico consiste em conceitualizar as normas jurídicas de tal modo que sejam reduzidas a um ordenamento sistemático expondo assim o direito vigente da forma mais simples e conveniente possível ROSS Alf Direito e justiça Trad Edson Bini e revisão técnica de Alyson Leandro Mascaro 2 ed Bauru Edipro 2007 p 204 2 É a lição de Emilio Betti que conceitua a relação jurídica como sendo a relação que o direito objetivo estabelece entre uma e outra pessoa na medida em que confere a uma um poder e impõe à outra um vínculo correspondente BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 2627 Seguindo esse entendimento na doutrina pátria Francisco Amaral AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 207 3 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro teoria geral do direito civil 31 ed São Paulo Saraiva 2014 v 1 p 164 4 CAMILLO Carlos Eduardo Nicoletti et al Comentários ao Código Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2009 p 106 5 Consoante lição de Beviláqua personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações E prossegue todo ser humano é pessoa porque não há homem excluído da vida jurídica não há criatura humana que não seja portadora de direitos BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I p 170 6 Art 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro 7 O nascimento com vida aliás nos termos do artigo 29 VI da Resolução 011988 do Conselho Nacional de Saúde consiste na expulsão ou extração completa do produto da concepção quando após a separação respire e tenha batimentos cardíacos tendo sido ou não cortado o cordão esteja ou não desprendida a placenta Nascer com vida portanto é ser completamente extraído ou expelido do ventre materno e tendo batimentos cardíacos respirar Uma única respiração é o suficiente para que se considere o ser nascido com vida 8 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 128 PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v 1 p 224 9 RUGGIERO Roberto de Instituições de direito civil introdução e parte geral direito das pessoas Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio Campinas Bookseller 1999 v 1 p 436437 10 Mais ainda admitirse a existência de pessoa natural sem capacidade de gozo consistiria mesmo em privála dos próprios direitos e qualidades inerentes à sua personalidade segundo leciona com propriedade Caio Mário da Silva Pereira ao afirmar que a capacidade de direito de gozo ou de aquisição não pode ser recusada ao indivíduo sob pena de despilo dos atributos da personalidade PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v 1 p 223 11 Como pontua Silvio Rodrigues a capacidade de exercício é a capacidade de pessoalmente atuar na órbita do direito RODRIGUES Silvio Direito civil parte geral Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 22 34 ed São Paulo Saraiva 2003 v 1 p 39 12 Nessa esteira o escólio de Orlando Gomes a capacidade de fato condicionase à capacidade de direito Não se pode exercer um direito sem se ser capaz de adquirilo Uma não se concebe portanto sem a outra Mas a recíproca não é verdadeira Podese ter capacidade de direito sem capacidade de fato adquirir o direito e não poder exercêlo por si GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 128 No mesmo sentido o magistério de Ruggiero onde falta só a capacidade de agir deve pressuporse existente a capacidade jurídica se é esta que falta faltará necessariamente também a capacidade de agir RUGGIERO Roberto de Instituições de direito civil introdução e parte geral direito das pessoas Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio Campinas Bookseller 1999 v 1 p 438 13 Conforme pontua Francisco Amaral a capacidade de fato depende da capacidade de natural de entendimento inteligência e vontade ao que complementa como tais requisitos nem sempre existem ou existem com diversidade de grau a lei nega ou limita tal capacidade AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 281 14 Caio Mário da Silva Pereira ao tratar dos absolutamente incapazes explicita que esses são apartados das atividades civis não participam direta e pessoalmente de qualquer negócio jurídico Como são eles inteiramente afastados de qualquer atividade no mundo jurídico naqueles atos que se relacionam com seus direitos e interesses procedem por via de representantes que agem em seu nome falam pensam e querem por eles PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v I p 231 15 Consoante a translúcida preleção de Orlando Gomes pela assistência o relativamente incapaz pratica ele próprio o negócio jurídico mas sua declaração de vontade só é válida com a cooperação de alguém com esse poder por lei conferido GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 286 Daí afirmar Francisco Amaral que a assistência consiste na intervenção conjunta do relativamente incapaz e do seu assistente na prática do ato jurídico AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 287 16 Entendimento que restou adotado pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 166 I e 169 assim redigidos Art 166 É nulo o negócio jurídico quando I celebrado por pessoa absolutamente incapaz Art 169 O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo 17 Posição também interiorizada pelo Código Civil de 2002 consoante previsão de seus artigos 171 I e 172 que assim preceituam Art 171 Além dos casos expressamente declarados na lei é anulável o negócio jurídico I por incapacidade relativa do agente Art 172 O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes salvo direito de terceiro 18 Leciona Paulo Lôbo nessa esteira aduz que os tipos legais tanto na hipótese de incapacidade absoluta quanto na de incapacidade relativa são taxativamente enumerados Qualquer situação que não se enquadre em um dos tipos legais não pode ser considerada como impediente da plena capacidade de exercício LÔBO Paulo Direito civil parte geral 4 ed São Paulo Saraiva 2013 p 109 19 Art 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil I Os menores de 16 dezesseis II Os loucos de todo o gênero III Os surdosmudos que não puderem exprimir a sua vontade IV Os ausentes declarados tais por ato do Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 23 juiz 20 Art 6º São incapazes relativamente a certos atos art 147 I ou à maneira de os exercer I Os maiores de 16 dezesseis e os menores de 21 vinte e um anos arts 154 e 156 II Os pródigos III Os silvícolas Parágrafo único Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País 21 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 132 22 Conforme lição de Silvio Rodrigues a lei entende que o ser humano até atingir os dezesseis anos não alcançou ainda discernimento para distinguir o que lhe convém ou não ao passo que ao homem com idade entre dezesseis e dezoito anos admite a legislação que o indivíduo já tenha atingido certo desenvolvimento intelectual que se não basta para darlhe o inteiro discernimento de tudo que lhe convém nos negócios chega entretanto para possibilitarlhe atuar pessoalmente na vida jurídica RODRIGUES Silvio Direito civil parte geral 34 ed São Paulo Saraiva 2003 v 1 p 4349 23 É o escólio de Gagliano e Pamplona Filho para quem o vício embriaguez e a toxicomania será causa de incapacidade relativa sempre que reduza sem privar totalmente a capacidade de discernimento do homem GAGLIANO Pablo Stolze PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil parte geral 13 ed São Paulo Saraiva 2011 v 1 p 140 24 MONTEIRO Washington de Barros Curso de direito civil parte geral 28 ed São Paulo Saraiva 1989 v 1 p 63 25 MONTEIRO Washington de Barros Curso de direito civil parte geral 28 ed São Paulo Saraiva 1989 v 1 p 61 26 AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 281 27 DINIZ Maria Helena Dicionário jurídico D I 3 ed São Paulo Saraiva 2008 v 2 p 201 28 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 314 29 MARTINSCOSTA Judith Capacidade para consentir e esterilização de mulheres tornadas incapazes pelo uso de drogas notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética In Bioética e responsabilidade Organização de Judith MartinsCosta e Letícia Ludwig Möller Rio de Janeiro Forense 2009 p 319 30 Como indica Pontes de Miranda ao lecionar que tutela é o poder conferido pela lei ou segundo princípios seus à pessoa capaz para proteger a pessoa e reger os bens dos menores que estão fora do pátrio poder MIRANDA Francisco Cavancanti Pontes de Tratado de direito de família parentesco Campinas Bookseller 2001 v III p 302303 31 Consoante ensinamento de Beviláqua para quem curatela é o encargo público conferido por lei a alguém para dirigir a pessoa e administrar os bens dos maiores que por si não possam fazêlo BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I p 924 32 É o que indica Marcato ao afirmar que em sendo maior de idade o incapaz deverá ser interditado ou seja deverá ser proclamada judicialmente a sua incapacidade Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 24 MARCATO Antonio Carlos Procedimentos especiais 13 ed São Paulo Atlas 2007 p 398399 uma vez que como pontua Ernane Fidélis dos Santos o curador só se nomeia em decorrência de sentença declaratória de interdição SANTOS Ernane Fidélis dos Manual de direito processual civil procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 5 ed São Paulo Saraiva 1997 v 3 p 422 33 Como aliás bem salienta Francisco Raitani a interdição é medida de proteção ao incapaz cujos interesses visa resguardar RAITANI Francisco Prática de processo civil Atualização de Felício Raitani Neto Carlos Raitani e Milton de Oliveira Condessa 13 ed São Paulo Saraiva 1983 v I p 492 34 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 132 Corroborando a ideia afirma Pontes de Miranda embora utilizandose de vocabulário típico da regência legal do Código de 1916 que atendendo a que os fracos de espírito os que sofrem de perturbações mentais não podem reger reta e convenientemente sua pessoa e seus bens a lei manda que se lhes nomeiem curadores que os representem e possam gerir o patrimônio do incapaz A interdição do louco é portanto benefício da lei embora prive o indivíduo do exercício pessoal de seus direitos PONTES DE MIRANDA Francisco Cavancanti Tratado de direito de família parentesco Campinas Bookseller 2001 v III p 377 35 SANTOS Ernane Fidélis dos Manual de direito processual civil procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 5 ed São Paulo Saraiva 1997 v 3 p 425 36 MONTENEGRO FILHO Misael Curso de direito processual civil medidas de urgência tutela antecipada e ação cautelar procedimentos especiais 9 ed São Paulo Atlas 2013 v III p 470 37 REQUIÃO Maurício Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades Consultor Jurídico ConJur publicado em 20072015 Disponível em wwwconjurcombr2015jul20estatutopessoadeficienciaalteraregimeincapacidades Acesso em 03102017 38 Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informaçoes necessários para que possa exercer sua capacidade 1º Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito a vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros sem restriçoes desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contraassinem o contrato ou acordo especificando por escrito sua função em relação ao apoiado 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opinioes entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão 7º Se o apoiador agir com negligência exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigaçoes assumidas poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 25 Ministério Público ou ao juiz 8º Se procedente a denúncia o juiz destituirá o apoiador e nomeará ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse outra pessoa para prestação de apoio 9º A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada 10 O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada sendo seu desligamento condicionado a manifestação do juiz sobre a matéria 11 Aplicamse a tomada de decisão apoiada no que couber as disposiçoes referentes a prestação de contas na curatela 39 Em igual sentido é válido citar a pertinente imagem crítica trazida por Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli imaginese um indivíduo deficiente e que tenha idade mental calculada em 10 anos Ele sendo faticamente maior de 18 anos será tão ou mais capaz que outro indivíduo não deficiente de 17 anos KÜMPEL Vitor Frederico BORGARELLI Bruno de Ávila As aberrações da Lei 131462015 Migalhas publicado em 11082015 Disponível em wwwmigalhascombrdePeso16MI22490561044Asaberracoesdalei131462015 Acesso em 21042017 40 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 314 41 ROSENVALD Nelson et al Tratado de direito das famílias 2 ed Belo Horizonte IBDFAM 2016 p 763 42 LISBOA Roberto Senise Manual de direito civil teoria geral do direito civil 6 ed São Paulo Saraiva 2010 v I p 255 43 Art 748 O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave I se as pessoas designadas nos incisos I II e III do art 747 não existirem ou não promoverem a interdição II se existindo forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art 747 44 Cumpre mencionar que os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 que cuidam da interdição em nada foram afetados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência mantendose perfeitamente aplicáveis uma vez que tendo o Código de 2015 iniciado sua vigência posteriormente ao mencionado Estatuto deve sobre esse prevalecer em caso de antinomia pela aplicação do critério cronológico que determina que eventual conflito normativo resolvese em favor da norma que posteriormente entrar em vigor como explicita Maria Helena Diniz ao lecionar que o critério cronológico de solução de antinomias se remonta ao tempo em que as normas começaram a ter vigência de modo que com base na data de início de vigência de duas normas do mesmo nível ou escalão a última prevalece sobre a anterior DINIZ Maria Helena Conflito de normas 2 ed São Paulo Saraiva 1996 p 34 45 É o escólio aliás de Atalá Correia para quem a alteração legislativa que excluiu a expressão deficiência mental do texto do artigo 4º CC não veda a interdição quando o deficiente não possa por causa transitória ou permanente manifestar sua vontade O artigo 84 1º EPD enfatiza que quando necessário a pessoa com deficiência será submetida a curatela proporcional às necessidades às circunstâncias de cada caso durando o menor tempo possível 3º A manutenção da legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a interdição nos casos de deficiência mental ou intelectual nos termos do artigo 1769 Código Civil apenas explicita a manutenção dessa possibilidade de interdição de deficientes que não consigam expressar sua vontade CORREIA Atalá Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas Consultor Jurídico ConJur publicado em 03082015 Disponível em wwwconjurcombr2015ago03direitocivilatualestatutopessoadeficienciatrazinovacoesduvidas Acesso em 03102017 46 Vale aqui a lição de Caio Mário da Silva Pereira a lei não institui o regime de Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 26 incapacidades com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem mas ao contrário com o intuito de lhes oferecer proteção atendendo a que uma falta de discernimento de que sejam portadores aconselha tratamento especial por cujo intermédio o ordenamento jurídico procura restabelecer um equilíbrio psíquico rompido em consequência das condições peculiares dos mentalmente deficitários PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v I p 230 47 DINIZ Maria Helena Código civil anotado 18 ed São Paulo Saraiva 2017 p 78 48 ARRUDA ALVIM WAMBIER Teresa et al Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2016 p 1203 49 ROSENVALD Nelson et al Tratado de direito das famílias 2 ed Belo Horizonte IBDFAM 2016 p 768 50 E assim também leciona Maria Helena Diniz ao tratar do referido instituto regime protetivo alternativo à curatela consiste no processo pelo qual a pessoa apoiado com deficiência elege pele menos duas pessoas idôneas apoiadores de sua confiança com as quais tenha vínculos de parentesco ou de afetividade para prestarlhe apoio na tomada de decisões sobre atos da vida civil fornecendolhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade com isso poderseá evitar imposição de um curador à sua revelia ou até mesmo contrário a seus interesses O apoiado não será portanto interditado ou tido como incapaz e com isso manterá sua autonomia e sua integração social DINIZ Maria Helena Código civil anotado 18 ed São Paulo Saraiva 2017 p 1390 51 Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idoneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informaçoes necessários para que possa exercer sua capacidade 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 52 Art 752 Dentro do prazo de 15 quinze dias contado da entrevista o interditando poderá impugnar o pedido 1º O Ministério Público intervirá como fiscal da ordem jurídica 2º O interditando poderá constituir advogado e caso não o faça deverá ser nomeado curador especial 3º Caso o interditando não constitua advogado o seu cônjuge companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente 53 Aliás como bem apontam Nery Junior e Rosa Nery não se concebe processo de interdição sem defesa NERY JUNIOR Nelson NERY Rosa Maria de Andrade Código de processo civil comentado 16 ed São Paulo Ed RT 2016 p 1714 ou seja não pode haver interdição sem oportunização de impugnação pelo indivíduo cuja interdição é buscada pelo autor da demanda judicial 54 Nessa esteira vale a lição de Medina poderá o interditando ao impugnar o pedido de definição dos termos da curatela pedir por sua vez que se adote a tomada de decisão apoiada cf arts 84 2º da Lei 131462015 e 1783A do CC2002 inserido pela Lei 131462015 medida que poderá ser mais adequada ao caso MEDINA José Miguel Garcia Direito processual civil moderno 2 ed São Paulo Ed RT 2016 p 895 55 Cabendo registrar aqui a existência na doutrina de entendimento no sentido de que se deva aplicar complementarmente ao que dispõe o artigo 1783A do Código Civil o procedimento de interdição previsto nos artigos 747 a 758 do Código de Processo Civil de 2015 Por esse prisma o posicionamento manifestado por Marinoni Arenhart e Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 27 Mitidiero o procedimento judicial previsto para a instituição de tutela e de curatela arts 747763 CPC aplicamse no que não forem incompatíveis com o regramento instituído pelo art 1783A CC à decisão judicial que autoriza a tomada de decisão apoiada MARINONI Luiz Guilherme ARENHART Sérgio Cruz MITIDIERO Daniel Novo código de processo civil comentado 3 ed São Paulo Ed RT 2017 p 842 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 28
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CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E AÇÃO DE INTERDIÇÃO UMA PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO Civil capacity of the handicapped people and insanity proceedings a proposal for systematization Revista dos Tribunais vol 9992019 p 67 104 Jan 2019 DTR201822780 Augusto Jorge Cury Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP Professor convidado do curso de pósgraduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUCCampinas Autor e coautor de obras jurídicas Advogado e Professor Universitário atajuridicagmailcom Área do Direito Civil Processual Resumo Pesquisa científica que aborda problemáticas inerentes ao novo regramento da capacidade civil das pessoas com deficiência e seus reflexos em relação ao cabimento da ação de interdição no Direito pátrio em vista do Estatuto da Pessoa com Deficiência da nova redação por ele conferida ao Código Civil e do regramento do procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 Com este trabalho almejase propor uma sistematização dos institutos materiais e processuais relacionados à capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência de modo a harmonizálos principalmente com o fito de delimitar qual o atual papel da ação de interdição no Direito brasileiro Palavraschave Capacidade civil Pessoas portadoras de deficiência Ação de Interdição Direito Processual Civil Estatuto da Pessoa com Deficiência Abstract Scientific research that addresses problems inherent to the new rules of handicapped peopless civil capacity and its consequences on the insanity proceedings adequacy in Brazilian Law in view of the Brazilian Statute of the Handicapped People of the new wording conferred by it on the Brazilian Civil Code and of the rules of insanity proceedings laid down in the Brazilian Code of Civil Procedure This paper aims to propose a systematization of the material and procedural institutions related to the civil capacity of handicapped people in order to harmonize them mainly with the purpose of delimiting the current function of the insanity proceedings in the Brazilian Law Keywords Civil capacity Handicapped people Insanity proceedings Civil Procedural Law Brazilian Statute of the Handicapped People Sumário 1Introdução 2Noções gerais sobre a capacidade civil a incapacidade a proteção dos incapazes e a ação de interdição 3O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as alterações promovidas no regramento da capacidade civil 4Problematização as aparentes incongruências do novo regramento legal da capacidade civil e seus reflexos no cabimento do procedimento de interdição 5Uma proposta de sistematização 6Conclusão 7Referências bibliográficas 1Introdução Matéria de maior importância para o Direito em vista de sua essencialidade ao desenvolvimento das atividades e interações do homem em sociedade é a referente à regulamentação da capacidade civil das pessoas ou seja ao regramento da aptidão das pessoas para praticar validamente os atos da vida civil No Direito brasileiro a questão da capacidade é tradicionalmente matéria regulamentada pelo Código Civil LGL2002400 A capacidade civil e as causas de incapacidade civil encontravam tratamento nos arts 2º a 9º do Código Civil de 1916 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 1 Posteriormente com o advento do Código Civil de 2002 esse passou a regular o tema em seus arts 1º a 5º sendo os arts 3º e 4º aí incluídos responsáveis pela regulamentação das causas de incapacidade absoluta e relativa Paralelamente e em perfeita consonância com a redação original dos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 os arts 1767 a 1783 do mesmo Código cuidavam da curatela e da interdição dos incapazes ligados umbilicalmente ao regramento do procedimento especial da ação de interdição previsto até recentemente pelo Código de Processo Civil de 1973 artigos 1177 a 1198 e atualmente pelo Código de Processo Civil de 2015 em seus arts 747 a 763 Ocorre que no ano de 2015 restou promulgada e publicada a Lei 131462015 LGL20155138 nominada como Estatuto da Pessoa com Deficiência que entrou em vigor no início do ano de 2016 trazendo severas alterações à matéria da capacidade civil inclusive com a mutilação dos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 e conjuntamente dos arts 1767 a 1783 do mesmo Código todos correlatos Mencionadas alterações do novo Estatuto por incidirem negativamente sobre princípios básicos relacionados à capacidade civil especialmente no que concerne à consideração do discernimento da pessoa natural como elemento da capacidade de exercício geraram incongruências no ordenamento jurídico criando assim uma série de dúvidas aos operadores e aplicadores do Direito Entre tais dúvidas impõemse as seguintes i o critério do discernimento foi expungido do regramento da capacidade civil admitindose atualmente a incapacidade apenas com fundamento na impossibilidade de expressão da vontade ii Nesse ponto o deficiente terá sempre capacidade civil plena mesmo quando sua condição afetar seu discernimento iii Há para as pessoas com deficiência curatela sem incapacidade E curatela sem interdição Seria ainda interdição de capazes iv Aplicase ainda o procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 aos deficientes v Qual é portanto a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada Daí a relevância do estudo teóricodoutrinário do tema Ora é o jurista que analisando no campo teórico o ordenamento jurídico mas por certo sem se desprender do aspecto pragmático o analisa e o interpreta a fim de sistematizálo possibilitando ou no mínimo facilitando aos operadores e aplicadores do Direito a compreensão e o adequado manejo das normas jurídicas1 E outro não é o escopo deste singelo trabalho mediante todo o escrito nas páginas que seguem propõese uma sistematização racional do regramento normativo da capacidade e da incapacidade civil da curatela e da interdição em vista das alterações perpetradas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência a fim de se delimitar qual o atual cabimento e assim o papel no Direito pátrio da ação de interdição e de seu procedimento especial constante do Código de Processo Civil de 2015 proporcionando assim o suporte necessário a que os operadores e aplicadores do Direito possam lidar com tal questão sobremaneira problemática 2Noções gerais sobre a capacidade civil a incapacidade a proteção dos incapazes e a ação de interdição 21Personalidade jurídica das pessoas naturais e capacidade civil de gozo e de exercício O Direito é um meio de regulação da vida em sociedade O Direito trabalha portanto com base em fatos sociais juridicamente relevantes ou seja que geram reflexo no âmbito do direito assim entendidos aqueles fatos da vida que possuem a aptidão para criar extinguir modificar declarar ou proteger direitos Do direito subjetivo derivado de um fato jurídico decorre por lógico uma relação jurídica assim compreendida a relação que o ordenamento jurídico estabelece entre Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 2 duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas ou entidades despersonalizadas conferindolhes poderes e deveres que as vinculam2 Como se vê as relações jurídicas têm como sujeitos normalmente pessoas ressalvadas apenas as hipóteses de entes despersonalizados que figurem como sujeitos de direitos E no mais das vezes tais relações se dão entre pessoas naturais A pessoa natural ou física segundo conceituação clássica é a pessoa humana com vida é o ser humano como naturalmente é Consoante afirma Maria Helena Diniz3 tal expressão pessoa natural designa o ser humano tal como ele é lição complementada por Nicoletti Camillo4 para quem o termo indica a pessoa individual o ser humano propriamente dito Pois bem toda pessoa detém personalidade A personalidade está intrinsecamente associada à ideia de pessoa E não sem razão uma vez que a personalidade nada mais é que o conjunto de atributos próprios da pessoa e a ela inerentes que a distingue dos demais entes coisas e seres Assim afirmar que um ser tem personalidade significa dizer que ele reúne as características próprias de uma pessoa Doutrinariamente e já visando as suas consequências jurídicas conceituase a personalidade jurídica como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações na órbita do Direito Nesse sentido a personalidade é colocada como um pressuposto sempre presente para que a pessoa natural seja um sujeito de direitos5 A ideia de que todo ser humano é dotado de personalidade jurídica se reforça ademais pelo fato de que basta à aquisição da personalidade jurídica e segundo o ordenamento jurídico brasileiro art 2º do Código Civil LGL20024006 que o ser humano a pessoa natural tenha nascido com vida7 Toda pessoa viva destarte ostenta personalidade jurídica E a noção de personalidade jurídica ligase umbilicalmente à noção de capacidade civil da pessoa natural pois a capacidade civil da pessoa natural é a aptidão do ser humano decorrente de sua personalidade para adquirir direitos e contrair deveres na órbita civil bem como para por si próprio exercer os direitos por ele adquiridos e cumprir com os deveres assumidos Nesse passo temse que a capacidade civil é um gênero que comporta duas espécies a a capacidade de gozo também chamada de capacidade de direito ou de capacidade jurídica stricto sensu e b a capacidade de exercício também nominada como capacidade de fato ou capacidade de agir A capacidade de gozo é a simples aptidão da pessoa natural para ser sujeito de direitos ou seja é a aptidão detida pela pessoa humana para a aquisição de direitos e a contração de deveres no âmbito da ordem jurídica Como se observa a ideia de capacidade de gozo confundese com a própria noção de personalidade jurídica visto que ambas refletem por seus próprios conceitos a aptidão da pessoa natural para ser sujeito de direitos8 Isso em última análise significa que do mesmo modo que todos os seres humanos nascidos com vida possuem personalidade jurídica à todas as pessoas naturais vivas é conferida também a capacidade de gozo ou de exercício Não se concebe atualmente pessoa natural que não detenha capacidade de gozo Como indica Ruggiero9 a capacidade jurídica ou seja a idoneidade para ser sujeito de direito pertence pois em regra a todos os homens10 Por outro lado a capacidade civil compreende a denominada capacidade de exercício ou capacidade de fato ou ainda capacidade de agir consistente na aptidão da pessoa para por si própria praticar os atos da vida civil exercendo os direitos que adquirir numas relações jurídicas e cumprindo com os deveres e as obrigações a que se submeter em outras11 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 3 A capacidade de exercício portanto existe em virtude da capacidade de gozo sendo um importante complemento a ela Afinal de nada valeria ser o indivíduo sujeito de uma série de direitos e deveres se não pudesse na prática exercêlos Mais ainda a capacidade de exercício sempre pressupõe a capacidade de gozo visto apenas ser possível que uma pessoa seja capaz de exercer direitos ou deveres se tiver antes a capacidade de adquirilos ou de assumilos Concluise disso que muito embora seja possível ao indivíduo ter capacidade de gozo sem ter capacidade de exercício o contrário é inadmissível12 22A capacidade de exercício e a sua limitabilidade construção teórica clássica sobre a incapacidade absoluta e a incapacidade relativa e sobre os meios de proteção dos incapazes Nos termos do que restou verificado no item anterior do presente trabalho a pessoa natural sempre possui capacidade de gozo aptidão para adquirir direitos e contrair deveres muito embora nem sempre seja dotada de capacidade de exercício aptidão para pessoalmente exercer seus direitos e cumprir com seus deveres Isso se deve ao fato de que ao contrário da capacidade de gozo que surge indistintamente ao indivíduo no momento de seu nascimento com vida a existência da capacidade de exercício não lhe é inata dependendo pois segundo as construções da doutrina tradicional de a pessoa possuir discernimento e conseguir expressar sua vontade Aqueles que não detêm o necessário discernimento ou não conseguem por qualquer razão expressar inequivocamente sua vontade carecem total ou parcialmente de capacidade de exercício ou de fato não podendo exercer por si próprios alguns ou todos os atos da vida civil a depender da extensão da incapacidade Desse modo contrariamente à capacidade de gozo que não comporta limitações sendo sempre presente nas pessoas naturais nascidas com vida a capacidade de exercício é permeada de limitabilidade podendo em vista da falta ou insuficiência de discernimento do sujeito ou da inviabilidade de manifestação de sua vontade mostrarse relativa ou absolutamente ausente À limitação da capacidade de exercício dáse o nome de incapacidade E não há apenas uma modalidade de incapacidade na medida em que há mais de um nível de limitação da capacidade de exercício A incapacidade portanto comporta graduação a depender justamente da extensão da limitação da capacidade de exercício13 De fato a limitação da capacidade pode se dar de modo total o que ocorre via de regra quando a pessoa natural carece absolutamente de discernimento ou quando não pode de maneira alguma expressar inequivocamente sua vontade Há na hipótese incapacidade em seu grau máximo o que se denomina como incapacidade absoluta Por outro lado a limitação da capacidade pode ser apenas parcial decorrente pois da mera insuficiência de discernimento ou eventualmente da dificuldade extrema mas não impossibilidade para a manifestação inequívoca da vontade Há na hipótese incapacidade em seu grau mínimo o que se denomina como incapacidade relativa A incapacidade absoluta por ser total torna o indivíduo incapaz para a prática por si próprio de qualquer ato da vida civil Já a incapacidade relativa em vista de seu caráter parcial apenas retira do indivíduo a capacidade para sozinho praticar certos atos ou ainda reduz a capacidade do sujeito quanto ao modo de exercício de seus direitos ou de cumprimento de seus deveres Não por outra razão construíramse meios distintos para a proteção dos absolutamente incapazes e dos relativamente incapazes criandose também formas distintas de suprimento de sua incapacidade O absolutamente incapaz por ser totalmente desprovido de discernimento ou de aptidão para manifestar vontade é impossibilitado de ter qualquer atuação direta na prática dos Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 4 atos da vida civil Faltalhe completamente a autonomia Sua participação em tais atos portanto é meramente indireta sendo necessário que alguém exerça por ele e em seu lugar os direitos de que é titular Desse modo o absolutamente incapaz deve ser protegido mediante representação A representação consiste na atuação de terceira pessoa o representante que pratica pelo incapaz e em nome dele os atos da vida civil A atuação do representante é de substituição não havendo qualquer atuação conjunta do incapaz14 O relativamente incapaz por sua vez visto ter sua capacidade de exercício apenas reduzida guarda ainda meios de atuar diretamente na prática dos atos da vida civil Reserva assim certa autonomia Entretanto por ser diminuta sua autonomia necessita o relativamente incapaz do acompanhamento de um terceiro que com ele efetive a prática dos atos jurídicos O sujeito relativamente incapaz portanto não deve ser protegido por representação que seria medida excessiva mas por mera assistência Na assistência a terceira pessoa a intervir na prática dos atos jurídicos do incapaz não o substitui senão apenas o auxilia sendo sua manifestação complementar à manifestação do relativamente incapaz Assim a assistência consiste na atuação conjunta do incapaz e de seu assistente15 E o que ocorre se o incapaz uma vez sujeito à representação ou à assistência de um terceiro capaz praticar sozinho atos da vida civil sem a necessária assistência ou representação daqueles a quem incumbem essas tarefas A solução é simples o ato jurídico porventura praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação em vista da gravidade da situação é fulminado de nulidade com efeitos ex tunc e sem possibilidade de confirmação ou convalidação16 de outro lado o ato jurídico eventualmente praticado pelo relativamente incapaz sem a devida assistência é meramente anulável tendo seu reconhecimento efeitos ex nunc e podendo haver confirmação pela vontade expressa das partes ou convalidação pelo transcurso in albis do prazo para a propositura da ação anulatória17 23As hipóteses de incapacidade absoluta e de incapacidade relativa segundo a redação original do Código Civil de 2002 A percepção do discernimento e da manifestação de vontade como requisitos da capacidade de exercício De acordo com as construções teóricas clássicas a capacidade de exercício da pessoa natural pode sofrer limitações em virtude da falta ou da insuficiência do discernimento da pessoa ou ainda em vista da inaptidão desta para manifestar inequivocamente sua vontade havendo então incapacidade absoluta ou relativa Ocorre que também oriunda de construção teórica grassa entre nós a máxima de que a capacidade é a regra sendo a incapacidade a exceção daí levantandose importante consequência a de que apenas à lei cabe definir taxativamente as hipóteses de incapacidade18 E com fundamento nessa máxima de taxatividade as causas específicas de incapacidade absoluta e relativa são previstas todas na legislação positivada sendo tradição do Direito brasileiro sua regulamentação pelo próprio Código Civil LGL2002400 Assim foi com o Código Civil de 1916 redigido por Clóvis Beviláqua que trazia as hipóteses de incapacidade absoluta em seu art 5º 19 e as situações geradoras de incapacidade relativa em seu art 6º20 E a tradição se manteve com o Código Civil de 2002 que consagra as hipóteses de incapacidade absoluta em seu art 3º e de incapacidade relativa em seu artigo 4º E em sua redação original assim dispunham os arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 Art 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 5 I os menores de 16 dezesseis anos II os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos III os que mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade Art 4º São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer I os maiores de 16 dezesseis e menores de 18 dezoito anos II os ébrios habituais os viciados em tóxicos e os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido III os excepcionais sem desenvolvimento mental completo IV os pródigos O Código Civil de 2002 por sua redação original considerava absolutamente incapazes os menores impúberes menores de dezesseis anos os deficientes ou doentes despidos de discernimento para a prática dos atos da vida civil e aqueles que permanente ou transitoriamente não pudessem exprimir sua vontade Por outro lado o Código considerava como relativamente incapazes os menores púberes maiores de dezesseis e menores de dezoito anos os viciados em bebida alcoólica ou em outras substâncias entorpecentes os deficientes ou doentes com discernimento reduzido os excepcionais com desenvolvimento mental incompleto e os pródigos Como se percebe era clara a graduação estabelecida entre as causas de incapacidade absoluta e de incapacidade relativa Quanto aos menores a lei presume desde há muito não tenham ainda a maturidade suficiente para a prática dos atos da vida civil E a falta de maturidade na verdade nada mais indica senão a ausência ou redução do discernimento necessário para o exercício autônomo dos direitos21 Nesse ponto a legislação utilizandose de critérios puramente objetivos e por tradição considera ausente de discernimento o menor impúbere reputandoo absolutamente incapaz pela total invalidade de sua manifestação de vontade Todavia quanto aos menores púberes o texto legal sempre considerou existente o discernimento mas de modo incompleto por isso fixando sua incapacidade relativa22 O mesmo se poderia dizer em relação aos deficientes aos enfermos e aos excepcionais sempre que ausente seu discernimento restando totalmente impossibilitados para a prática dos atos da ida civil seriam absolutamente incapazes ao passo que fosse seu discernimento apenas reduzido mas ainda existente em alguma medida seria hipótese de incapacidade relativa Também em vista da mera redução de discernimento é que o Código Civil de 2002 sempre considerou como relativamente incapazes os ébrios habituais os toxicômanos e os pródigos Os ébrios habituais e os toxicômanos em decorrência desses vícios têm reduzida a sua capacidade de compreensão da realidade muito embora guardando alguma às vezes mínima capacidade de percepção racional E por haver neles ainda certa medida de discernimento é que não se desconsidera a sua manifestação de vontade que deve entretanto ser complementada pela de seu curador assistente23 Pródigo por sua vez é todo aquele que se desfaz desmedidamente de seu patrimônio sequer reservando o necessário à sua subsistência É como conceitua Washington de Barros Monteiro24 aquele que desordenadamente dissipa seus haveres reduzindose à Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 6 miséria Temse por exemplo a situação do viciado em jogos de azar que para a satisfação de seu vício aposta bens essenciais à sua sobrevivência como a casa o carro as poucas verbas salariais de que dispõe os valores que têm em poupança entre outros encaminhandose a uma situação de sobrevivência indigna Quanto aos pródigos como se vê a situação é interessante têm eles discernimento íntegro para a prática de determinados atos assim todos aqueles de caráter puramente pessoal relativos ao seu status de pessoa mas lhes falta o discernimento para a prática de outros atos a saber os atos de cunho patrimonial Apenas quanto a esses últimos fazse necessária sua proteção por terceira pessoa motivo por que sua incapacidade é simplesmente relativa Por fim o Código Civil de 2002 em sua redação original tratava como absolutamente incapazes todos os indivíduos que permanente ou transitoriamente não pudessem exprimir sua vontade E nada mais correto já que o exercício dos direitos se dá mediante manifestação de vontade de modo que se a pessoa não dispõe de qualquer meio para manifestar sua vontade a exemplo de alguém que se encontra em coma ou em estado vegetativo é incapaz de praticar qualquer ato da vida civil sendo o caso de ser efetivamente substituído no exercício de seus direitos por um representante Podese depreender daí que o Código Civil de 2002 em sua redação original tratava como absolutamente incapazes todos os que de algum modo e ainda que transitoriamente estivessem privados totalmente de discernimento ou da aptidão para manifestar inequivocamente sua vontade relegando à classe dos relativamente incapazes aqueles cujo discernimento fosse apenas diminuto Reforçase com isso a ideia de que a capacidade civil de exercício tradicionalmente tem por vigas mestras de modo cumulativo o discernimento da pessoa e a sua aptidão para a manifestação da própria vontade E não por outro motivo preleciona Washington de Barros Monteiro25 que o exercício dos direitos pressupõe realmente a consciência e a vontade por conseguinte a capacidade de fato subordinase à existência no homem dessas duas faculdades no que lhe complementa Francisco Amaral26 ao asseverar que a capacidade de fato depende da capacidade natural de entendimento inteligência e vontade 24A consagração expressa do discernimento na redação original do Código Civil de 2002 como necessária evolução Conforme concluído linhas atrás a capacidade de exercício é segundo as construções doutrinárias clássicas adotadas pela redação original Código Civil de 2002 condicionada por dois elementos o discernimento e a aptidão para a manifestação de vontade Ausente ou insuficiente qualquer deles haveria incapacidade absoluta ou relativa Cabe nesse momento uma atenção especial ao requisito do discernimento especificamente quanto à sua incidência na averiguação da capacidade das pessoas portadoras de deficiência ou enfermidade e ainda segundo a redação original do Código de 2002 dos excepcionais com desenvolvimento mental incompleto Discernimento nada mais é que a consciência da pessoa acerca da realidade que a cerca e a sua aptidão para compreendêla e avaliála racionalmente a fim de determinar sua vontade e sua conduta de modo ponderado e refletido O discernimento portanto é responsável por possibilitar a prática refletida dos atos da vida civil conferindo capacidade de exercício ao indivíduo Segundo bem conceitua Maria Helena Diniz27 discernimento é a faculdade de entender algo de modo sensato e claro ou seja a capacidade de avaliar fatos ou atos de modo sensato tendo por isso aptidão para praticar atos da vida civil Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 7 Desse modo aquele a quem falta o necessário discernimento ou que o tem de modo incompleto é tido por incapaz justamente por não ser apto a bem compreender ou avaliar racionalmente de modo adequado os fatos e acontecimentos do mundo circundante e as consequências de suas atitudes não podendo por conseguinte desenvolver um agir ponderado Assim a determinação daquele que não tem discernimento frente às situações da realidade é sempre irrefletida como aponta Betti28 para quem A lei ao estabelecer a inidoneidade de determinadas pessoa para realizar atos jurídicos parte sempre da consideração da natural ineptidão desses sujeitos para cuidarem dos seus interesses materiais ou morais e essa ineptidão deriva de uma deficiência fisiopsíquica em virtude da qual os sujeitos em questão não têm clara consciência do alcance das suas ações determinandose a elas de maneira irrefletida A circunstância da ausência ou da redução de discernimento por essa razão encontrase tradicionalmente na base das causas legais de incapacidade como concluído em relação à redação original dos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 muito embora se mostre via de regra considerada de modo implícito Nesse ponto porém o Código Civil de 2002 trouxe interessante inovação em relação ao Código Civil de 1916 indicou expressamente e não apenas de modo implícito o discernimento como critério de capacidade capacidade de exercício a ser verificado para os deficientes e os enfermos De fato não havia no Código Civil de 1916 uma ideia específica de discernimento como critério para a averiguação da capacidade senão apenas a definição de incapacidade com base em elementos puramente biológicos de que se extraía objetivamente a presunção de ausência de discernimento Ora o Código Beviláqua indicava em seu art 5º II serem absolutamente incapazes os loucos de todo o gênero critério biológico que permitia averiguação deveras abstrata da incapacidade pela presunção de ausência de discernimento do indivíduo considerado então louco Pelo texto do Código Civil de 1916 partiase da ilação de que toda pessoa com deficiência ou enfermidade mental seria desprovida de discernimento Destarte provada a situação biológica de doença ou deficiência caracterizadora de loucura presumiase a incapacidade civil da pessoa natural não se verificando no caso concreto se realmente era ausente ou reduzido o discernimento A seu turno a redação original do Código Civil de 2002 no art 3º II apontava como absolutamente incapazes os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos ao passo que o art 4º II segunda parte do mesmo Código dispunha serem relativamente incapazes os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido Em vista da sistemática adotada originalmente pelo Código Civil de 2002 com a inclusão expressa do elemento discernimento como definidor da capacidade civil passouse a exigir uma verificação mais concreta da capacidade ou da incapacidade das pessoas Já não bastaria pois a prova da deficiência ou da enfermidade sendo indispensável ao reconhecimento da incapacidade que se verificasse que no caso concreto a referida situação de doença ou de deficiência da pessoa fosse geradora da ausência ou da diminuição de seu discernimento Nesse sentido leciona Judith MartinsCosta29 que a positivação pelo Código de 2002 do discernimento como eixo conceitual da teoria da capacidade possibilitou o raciocínio de concreção das incapacidades em inequívoca evolução à abstração do Código Civil de 1916 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 8 Assim já pelo regime original do Código Civil de 2002 os deficientes ou doentes mentais apenas seriam considerados incapazes se efetivamente ausente ou diminuto o seu discernimento capacidade de raciocínio e compreensão da realidade para a prática dos atos da vida civil mediante uma análise concreta e não mais mera presunção como à época do Código Civil de 1916 25A lógica clássica da ação de interdição frente à questão da incapacidade e seu cabimento segundo a redação original do Código Civil de 2002 Conforme se verificou anteriormente neste trabalho os incapazes por não poderem praticar sozinhos os atos da vida civil necessitam ser representados ou assistidos por terceiros capazes que os substituem na prática dos atos da vida civil no caso de representação ou que praticam tais atos conjuntamente a eles apenas complementando a sua manifestação de vontade no caso de assistência Ingressam nesse ponto os institutos protetivos da tutela e da curatela A proteção dos incapazes quando não mais submetidos esses ao poder familiar dáse por meio de tutores ou curadores assim denominados os terceiros capazes incumbidos de representálos ou de assistilos A tutela destinase aos incapazes menores de idade Normalmente os menores de idade que são incapazes absolutamente incapazes se impúberes relativamente incapazes se púberes sujeitamse ao poder familiar exercido por seus pais o que significa que estando sob o poder familiar o menor é representado ou assistido pelos próprios pais Entretanto uma vez não estando o menor incapaz sob o poder familiar por exemplo em virtude de ser órfão ou de terem os pais perdido por decisão judicial o seu poder familiar será ele representado ou assistido por um tutor a serlhe conferido A tutela portanto é o meio de proteção de incapazes que se destina aos menores de idade não sujeitos ao poder familiar30 Quanto aos incapazes maiores de idade sua representação ou assistência darseá por meio do instituto da curatela Nomeiase ao maior incapaz um curador que atuará representandoo se a incapacidade for absoluta ou assistindoo se a incapacidade for meramente relativa A curatela enfim é o meio de proteção dos incapazes destinado aos maiores de idade31 Ocorre que na hipótese da curatela temse um indivíduo maior de idade e por isso inicialmente dotado de plena capacidade civil mas que necessita ser reconhecido como incapaz absoluta ou relativamente e submetido à curatela Isso significa que diferentemente da incapacidade dos menores de idade que por presunção legal absoluta independe de qualquer medida para ser reconhecida e para posteriormente cessar uma vez que o sujeito passa a ser plenamente capaz ao completar dezoito anos de idade a incapacidade dos maiores de idade necessita ser reconhecida mediante procedimento jurisdicional em que se averigue consoante as hipóteses previstas nos arts 3º e 4º do Código Civil de 2002 a sua falta de discernimento ou de aptidão para manifestar vontade nomeandolhe assim curador Referida medida judicial é justamente a ação de interdição que se processa pelo procedimento especial previsto atualmente nos arts 747 a 763 do Código de Processo Civil de 2015 e que tem por objetivo a verificação da incapacidade da pessoa maior de idade e se reconhecida essa a sua submissão ao regime de curatela para sua representação ou assistência32 A ação de interdição portanto tal como a curatela a representação e a assistência longe de ser prejudicial à pessoa inapta a manifestar vontade ou cujo discernimento é ausente ou incompleto é um verdadeiro instrumento destinado à proteção do incapaz Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 9 ou seja ao resguardo de seus direitos e interesses33 E visto que a ação de interdição teve sempre por objetivo a proteção dos incapazes maiores de idade seu cabimento para definição da curatela abrangia segundo a redação original do Código Civil de 2002 todas as hipóteses de incapacidade não relacionadas aos menores de idade como se percebe do texto original do art 1767 do Código de 2002 Art 1767 Estão sujeitos a curatela I aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil II aqueles que por outra causa duradoura não puderem exprimir a sua vontade III os deficientes mentais os ébrios habituais e os viciados em tóxicos IV os excepcionais sem completo desenvolvimento mental V os pródigos Segundo o preceito original do Código Civil de 2002 era cabível a ação de interdição para o reconhecimento da incapacidade e a sujeição a curatela de todos aqueles maiores de idade inaptos à manifestação de sua vontade ou ainda despidos ou enfraquecidos em seu discernimento Deveras faziase expressamente cabível a ação de interdição tanto em relação ao pródigo e aos viciados e álcool e tóxicos como a todos os que não pudessem manifestar vontade como enfim às pessoas portadoras de deficiência que tivessem seu discernimento tolhido ou reduzido Aliás como informa Orlado Gomes o instituto da interdição foi criado especialmente para a proteção dos doentes mentais34 Cumpre perceber nesse ponto que a ação de interdição como meio de proteção do incapaz e visto que a capacidade de exercício tem por um de seus pilares o discernimento sempre teve ligação íntima com a circunstância da falta ou insuficiência de discernimento da pessoa natural a ser interditada Daí afirmar Ernane Fidélis dos Santos35 que a interdição protege aquele estiver depauperado ou enfraquecido em sua capacidade de discernimento Na mesma esteira Montenegro Filho36 conceitua a ação de interdição como o procedimento que permite o reconhecimento da incapacidade da pessoa abatida por uma das circunstâncias previstas na lei sendo incapaz de exercer os atos da vida civil com o necessário discernimento 3O Estatuto da Pessoa com Deficiência e as alterações promovidas no regramento da capacidade civil O Código Civil de 2002 trazia em sua redação original regramento acerca da capacidade e da incapacidade civil deveras adequado e de boa técnica por considerar expressamente como pilares da capacidade de exercício tanto a aptidão para manifestação da vontade como em patente inovação em relação ao Código de 1916 também o discernimento Embora fosse bastante satisfatória e dotada de primor técnico a sistemática original do Código Civil de 2002 acerca da regulamentação da capacidade e da incapacidade civil o referido panorama legal acerca da capacidade civil restou parcialmente alterado com o advento da Lei 131462015 LGL20155138 Tal Lei 131462015 LGL20155138 a que se denomina Estatuto da Pessoa com Deficiência teve por objetivo incorporar ao Direito interno tendências internacionais acerca do tratamento legal das pessoas com deficiência com fulcro principalmente na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 10 Nova York em 30 de março de 2007 e incorporada ao Direito brasileiro com status de Emenda Constitucional pelo Decreto 69492009 LGL20092353 Ocorre que esse novo Estatuto da Pessoa com Deficiência operou verdadeira revolução na teoria da capacidade civil do Direito brasileiro alterando o Código Civil LGL2002400 mediante irracional mutilação dos arts 3º e 4º desse Diploma causando com isso uma série de problemas de ordem teórica e prática mormente em vista da atecnia legislativa Cumpre verificar de início quais as alterações perpetradas pelo referido Estatuto na regulamentação da capacidade civil 31O remanejamento das hipóteses de incapacidade absoluta e sua conversão em incapacidades relativas De início modificação relevante trazida pela Lei 131462015 LGL20155138 diz respeito à alteração da classe jurídica de quase todas as causas de incapacidade Ao realizar modificações nos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 o Estatuto da Pessoa com Deficiência transformou praticamente todas as hipóteses de incapacidade absoluta em hipóteses de incapacidade relativa Tudo de um modo bastante simples o Estatuto transferiu a maioria dos incisos do art 3º do Código Civil LGL2002400 que cuida das incapacidades absolutas para o art 4º que cuida das incapacidades relativas O resultado se vê a seguir Art 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 dezesseis anos I Revogado II Revogado III Revogado Art 4º São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer I os maiores de 16 dezesseis e menores de 18 dezoito anos II os ébrios habituais e os viciados em tóxico III aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade IV os pródigos Parágrafo único A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial Como se observa as clássicas hipóteses de incapacidade absoluta seja pela inexistência do necessário discernimento seja pela impossibilidade total de manifestação inequívoca da vontade foram ou revogadas ou convertidas em meras situações de incapacidade relativa Mantevese como única situação de incapacidade absoluta a hipótese do indivíduo menor de 16 anos revogandose a referente aos deficientes ou enfermos sem discernimento e transferindose à incidência da mera incapacidade relativa a hipótese daqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade a exemplo dos indivíduos em estado vegetativo Incorreu o Estatuto da Pessoa com Deficiência porém em erro técnico crasso contrariando toda a firme construção teórica a respeito da capacidade e da incapacidade civil Ora vejase uma vez que a capacidade de exercício tem por pilares de que depende o discernimento e a aptidão da pessoa para manifestar sua vontade a ausência plena Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 11 desses elementos consiste na total incapacidade e pois na incapacidade absoluta sendo impossível pensarse em incapacidade relativa nesses casos E as consequências desse equívoco não são apenas teóricas tendo mesmo efeitos práticos já que como indicado alhures as hipóteses de incapacidade relativa demandam assistência do tutor do curador ou dos pais enquanto às incapacidades absolutas há a representação Vejase pela assistência destinada aos relativamente incapazes os atos do incapaz devem ser praticados pelo incapaz em conjunto ao seu assistente o que via de regra se mostra absolutamente impossível nas hipóteses de o indivíduo por causa transitória ou permanente não poder exprimir sua vontade sendo que aí se faria imprescindível a substituição do incapaz por um terceiro para a prática do ato sendo o caso pois de representação Uma vez que ato algum pode ser praticado pelo indivíduo que não consegue manifestar vontade sendo impossível até mesmo a assistência que depende da atividade conjunta do incapaz e do assistente a nova lei criou ou uma hipótese de representação de relativamente incapaz ou uma hipótese de assistente que atua com poderes de representante sendo igualmente atécnica qualquer delas Como se percebe os legisladores responsáveis pela redação do Estatuto da Pessoa com Deficiência ao transmudarem em incapacidades relativas aquelas mencionadas hipóteses de incapacidade absoluta o fizeram não apenas de modo totalmente desvencilhado da técnica jurídica adequada mas também sem qualquer atenção à realidade e à condição fática dessas modalidades de incapazes Esqueceramse somente de que não é a realidade que se maleabiliza em virtude das leis mas as leis é que se devem adequar à realidade 32 A consagração da plena capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência a menção à curatela e a alteração das hipóteses de cabimento da ação de interdição Como segunda modificação imposta em relação à temática da capacidade civil o Estatuto da Pessoa com Deficiência extirpou das hipóteses de incapacidade absoluta e relativa do Código Civil LGL2002400 todas as situações antes previstas de doença mental ou deficiência limitadoras do discernimento do indivíduo Revogou assim as antigas hipóteses do art 3º II segundo o qual seriam absolutamente incapazes os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e do art 4º II e III pelos quais seriam relativamente incapazes os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido e os excepcionais sem desenvolvimento mental completo E não apenas foram revogadas as causas de incapacidade relacionadas aos deficientes e enfermos despidos de discernimento ou de discernimento diminuto como ainda em claro complemento passou a estabelecer o mencionado Estatuto em seus arts 6º e 84 caput a plena capacidade civil das pessoas portadoras de deficiência como se observa Art 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive para I casarse e constituir união estável II exercer direitos sexuais e reprodutivos III exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar IV conservar sua fertilidade sendo vedada a esterilização compulsória V exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 12 VI exercer o direito à guarda à tutela à curatela e à adoção como adotante ou adotando em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Art 84 A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas Mais ainda o Estatuto da Pessoa com Deficiência a fim de manter certa congruência em suas escolhas alterou também o art 1767 do Código Civil de 2002 retirando das hipóteses de cabimento da curatela e assim da ação de interdição ali previstas aquelas relacionadas aos deficientes enfermos ou excepcionais Restou assim o texto legal após as referidas mudanças Art 1767 Estão sujeitos a curatela I aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade II Revogado III os ébrios habituais e os viciados em tóxico IV Revogado V os pródigos Como se percebe o intuito do Estatuto da Pessoa com Deficiência parece ter sido o de considerar a pessoa com deficiência sempre plenamente capaz ainda que eventualmente tolhida de discernimento não podendo em caso algum ser submetida a curatela mediante interdição De fato visto que a averiguação concreta do discernimento para fins de incapacidade do deficiente faziase necessária de acordo com a redação original do Código Civil de 2002 a alteração do texto legal para sua extração aponta no sentido de que não há incapacidade para o deficiente ainda que despido de discernimento Todavia interessantemente muito embora afastando a pessoa com deficiência da incapacidade e da curatela por interdição do Código Civil LGL2002400 o Estatuto do Deficiente prevê em seu art 84 1º logo após reafirmar a capacidade civil plena do deficiente que se necessário deve esse ser submetido à curatela nos termos legais Vale a transcrição do dispositivo Art 84 1º Quando necessário a pessoa com deficiência será submetida à curatela conforme a lei Temse com essa curiosa previsão aliada à ideia de que o deficiente seria sempre plenamente capaz a impressão inicial de que essa curatela a que pode ser submetido o deficiente é uma espécie diferenciada de curatela não relacionada a qualquer situação de incapacidade relativa ou absoluta e pior ainda uma curatela sem interdição É como afirma Maurício Requião37 para quem em vista das disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência mantémse a possibilidade de que venha ele o deficiente a ser submetido ao regime de curatela O que se afasta repisese é a sua condição de incapaz 33A criação do instituto da Tomada de Decisão Apoiada Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 13 Por fim o Estatuto da Pessoa com Deficiência criou um novo instituto voltado às pessoas com deficiência a que denominou como Tomada de Decisão Apoiada inserindoo no novel art 1783A do Código Civil de 200238 Segundo se denota da leitura do mencionado dispositivo tratase a Tomada de Decisão Apoiada de uma faculdade conferida exclusivamente à pessoa com deficiência de se fazer auxiliar na prática dos atos da vida civil por duas ou mais pessoas idôneas e de sua confiança Esses terceiros auxiliares nominados como apoiadores e que devem ser escolhidos pelo próprio deficiente que pretende fazer uso do instituto têm a função de dar suporte ao apoiado quanto às decisões que esse precisar tomar para a prática dos atos da vida civil conferindo a ele as informações necessárias para tanto A atividade dos apoiadores na Tomada de Decisão Apoiada portanto nada mais é que um aconselhamento direcionado à adequada prática dos atos da vida civil De todo modo a criação desse novo instituto gera nova dúvida seria esse novo instituto o meio adequado de proteção dos deficientes desprovidos de discernimento uma vez que aparentemente o Estatuto da Pessoa com Deficiência considera tal deficiente um plenamente capaz Cumpre dar a tal dúvida uma resposta o que adiante se fará 4Problematização as aparentes incongruências do novo regramento legal da capacidade civil e seus reflexos no cabimento do procedimento de interdição Como visto nas linhas precedentes a atecnia legislativa empregada na redação do Estatuto da Pessoa com Deficiência aliada à circunstância de o legislador não se ter atentado à realidade fática do mundo circundante gerou uma série de incongruências no regramento da capacidade e da incapacidade civil no Direito brasileiro principalmente no que concerne às pessoas portadoras de deficiência E além das inconsistências já apontadas nos itens precedentes deste trabalho mais uma deve ser considerada é que com as modificações perpetradas o Estatuto da Pessoa com Deficiência extirpou do Código Civil de 2002 uma de suas grandes inovações no que respeita à temática da capacidade civil qual seja a menção expressa ao discernimento como elemento da capacidade de exercício Daí questionar a exclusão da menção expressa ao discernimento significa a intenção da nova legislação de estabelecer uma teoria das incapacidades baseada apenas na aptidão para a manifestação da vontade sem mais considerar portanto o discernimento em claro retrocesso legislativo Por mais essa razão temse que a nova lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência ao modificar o regramento da capacidade civil pode se mal interpretada causar situações no mínimo bastante estranhas e desproporcionais A fim de ilustrar o quão absurdos podem ser os resultados práticos dessa alteração legislativa das regras sobre capacidade civil cabe perceber que a depender da interpretação conferida a essas novas normas jurídicas poderseá ter a desproporcional situação de uma pessoa portadora de deficiência mental absolutamente desprovida de discernimento que poderia a depender do entendimento dado às normas do novo Estatuto ser considerada plenamente capaz ser mais capaz que um pródigo considerado relativamente incapaz que guarda ainda discernimento embora reduzido 39 Mister pois que se proceda a uma adequada interpretação do novo regramento positivo da capacidade civil em relação às pessoas com deficiência de modo a se apresentar uma sistematização que se não eliminar ao menos reduza as incongruências oriundas das modificações efetivadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência Para tanto é imprescindível que se solucionem as seguintes problemáticas i o critério Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 14 do discernimento foi realmente expungido do regramento da capacidade civil admitindose atualmente a incapacidade apenas com fundamento na impossibilidade de expressão da vontade ii Nesse ponto o deficiente ou doente mental terá sempre capacidade civil plena mesmo quando sua condição afetar seu discernimento iii Há para as pessoas com deficiência curatela sem incapacidade E curatela sem interdição Seria ainda interdição de capazes iv Aplicase ainda o procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 aos deficientes e doentes mentais v Qual é portanto a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada É o que se pretende fazer logo a seguir neste trabalho 5Uma proposta de sistematização 51A permanência do discernimento como pilar da capacidade civil o discernimento como um passo necessário à manifestação de vontade válida Como verificado alhures o Estatuto da Pessoa com Deficiência afastou do Código Civil LGL2002400 as previsões expressas e específicas acerca da incapacidade dos deficientes e doentes mentais que não tiverem o necessário discernimento ou o tiverem reduzido para a prática dos atos da vida civil Essa circunstância entretanto não significa e nem permite afirmar que os deficientes sejam sempre plenamente capazes principalmente quando lhes faltar o discernimento Deveras o fato de não mais constar expressamente do Código Civil de 2002 a menção à incapacidade do deficiente ou doente mental por ausência de discernimento tendo sido excluída da lei a menção expressa ao discernimento não resulta que esse tenha deixado de ser critério para a averiguação da capacidade civil plena Não se poderia conceber nem em termos teóricos muito menos em termos práticos um regramento da capacidade e da incapacidade civil que mantivesse ou instituísse a aptidão para manifestação da vontade como critério único de verificação da capacidade de exercício afastando então a peneira do discernimento E a razão a fundamentar tal conclusão é muito simples o próprio critério da aptidão para a manifestação inequívoca da vontade guarda em si sempre e obrigatoriamente certa medida do requisito relativo ao discernimento Isso significa que nada obstante seja possível que um indivíduo não consiga manifestar sua vontade mesmo tendo íntegro seu discernimento a exemplo do mudo que não saiba escrever ou se comunicar por linguagem de sinais apesar de entender o que é dito pelas outras pessoas é impossível que o sujeito sem discernimento manifeste vontade Ocorre que a ideia de vontade deve ser entendida como vontade racional ou vontade ponderada enfim uma vontade manifestada tendo seu emissor consciência e capacidade de reflexão sobre aquilo que manifesta o que apenas é possível se antes possuir discernimento Ora o indivíduo despido de aptidão para compreender e avaliar racionalmente os fatos que ocorrem no mundo circundante e as consequências de seus próprios atos não tem igualmente meios para se autodeterminar de modo ponderado Seguese nessa esteira a lição de Emílio Betti40 no sentido de que os sujeitos que não detêm clara consciência do alcance das suas ações determinamse em relação a elas de maneira irrefletida Daí afirmar Rosenvald41 que a inaptidão para manifestação da vontade consiste em o indivíduo não poder exprimir sua vontade de forma ponderada Como decorrência disso sempre que o indivíduo deficiente ou não não possui discernimento suficiente para a prática dos atos da vida civil está impossibilitado de manifestar ponderadamente sua vontade Eventual vontade manifestada nesse caso é uma vontade inválida equivalente à inexistência da expressão de vontade Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 15 Concluise por esse prisma que o critério do discernimento apesar de não mais estar expressamente mencionado na nova redação conferida aos arts 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 não foi realmente expungido do regramento da capacidade civil já que constitui sempre um passo necessário à existência de aptidão da pessoa para a expressão da vontade essa entendida como vontade ponderada Portanto considerandose o ordenamento jurídico brasileiro sempre que a pessoa natural por qualquer razão não possuir discernimento para a prática dos atos da vida civil não podendo assim manifestar vontade ponderada ou válida será incapaz nos termos do art 4º III do Código Civil de 2002 segundo o qual são relativamente incapazes aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade Mais ainda a ausência de discernimento por impossibilitar a manifestação de vontade e assim resultar na incapacidade do indivíduo subordinao à curatela mediante a ação judicial de interdição por força da disposição do art 1767 I do Código Civil de 2002 que estabelece estarem sujeitos à curatela aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade 52A incapacidade do deficiente desprovido de discernimento e a manutenção da curatela mediante interdição como medida de proteção ao incapaz Da conclusão de permanência do critério do discernimento decorre que há verdadeiro equívoco em se imaginar que o deficiente ou doente mental que não possua discernimento seja plenamente capaz É o deficiente em verdade sempre que tolhido de discernimento um relativamente incapaz nos termos do art 4º III do Código Civil LGL2002400 por ser imponderada e assim inválida eventual vontade que consiga manifestar Depreendese das lições de Roberto Senise Lisboa42 que a ausência de discernimento oriunda de enfermidade perturbadora da integridade psíquica ou provocadora de déficit mental impossibilita a manifestação de vontade plenamente válida pela pessoa com deficiência E nem poderia ser diferente uma vez que praticamente todas as hipóteses de incapacidade mantidas no Código Civil LGL2002400 têm por base ainda que implicitamente o discernimento a exemplo dos ébrios habituais dos viciados em tóxico e dos menores de idade não sendo sequer coerente que os indivíduos aí incluídos fossem incapazes por falta de discernimento e os deficientes ou doentes mentais quando desprovidos de discernimento não o fossem Concluise destarte que as regras dos arts 6º e 84 caput do Estatuto da Pessoa com Deficiência ao apregoarem a plena capacidade civil dos deficientes são meras regras gerais que não afastam as limitações à capacidade de exercício previstas pelo art 4º do Código Civil LGL2002400 Nesses termos é mister reconhecer que a curatela mencionada no art 84 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência não se coloca como uma curatela especial ou independente de interdição É na realidade a curatela de incapazes que se efetiva mediante interdição Essa afirmação ademais é corroborada pelo fato de o próprio 1º do art 84 indicar que o deficiente quando necessário será sujeito à curatela conforme a lei indicando desse modo a incidência do regramento geral da curatela de incapazes constante do Código Civil LGL2002400 e por conseguinte do procedimento de interdição previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 Não há assim no que se refere aos deficientes qualquer curatela sem incapacidade nem curatela sem interdição nem interdição sem incapacidade a falta de discernimento que gera a impossibilidade de manifestação de vontade válida é causa Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 16 de sua incapacidade e por isso fundamenta a aplicação do instituto da curatela mediante autêntico procedimento de interdição Tudo ainda é reforçado pela previsão do art 748 do Código de Processo Civil de 201543 vigente e válida44 que confere ao Ministério Público legitimidade para propor a ação de interdição em determinadas situações para a defesa de indivíduo com doença mental grave indicando o dispositivo desse modo que os deficientes e doentes mentais quando desprovidos de discernimento também se submetem à interdição45 O art 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência portanto necessita ser interpretado à luz dos arts 4º III e 1767 I do Código Civil LGL2002400 e do artigo 747 e dispositivos seguintes do Código de Processo Civil de 2015 ausente o discernimento há incapacidade devendo o deficiente ou doente mental ser submetido a processo de interdição de que resultará a fixação da curatela e a definição do respectivo curador E uma vez que tanto o regime das incapacidades como os institutos da curatela e da ação de interdição se tratam de meios de proteção da pessoa incapaz46 ou seja justamente de resguardo de seus direitos e interesses não há que se falar que o reconhecimento da incapacidade ou da necessidade de interdição de uma pessoa portadora de deficiência que se encontre tolhida de discernimento constitua ofensa à sua dignidade Vale nesse ponto a preciosa lição de Maria Helena Diniz47 Nada obsta a que se inclua entendemos o portador de deficiência no rol dos relativamente incapazes porque isso em nada afetaria sua dignidade como ser humano Dignidade não é sinônimo de capacidade O seu status personae e o seu viver com dignidade no seio da comunidade familiar ou social não se relaciona com sua capacidade intelectiva para exercer direitos nem com a transferência de suas decisões havendo interdição para um curador que o assistirá nos atos da vida civil se não puder por causa transitória ou permanente manifestar sua vontade Haveria de fato ofensa à dignidade da pessoa portadora de deficiência se fosse essa sempre considerada capaz e não se sujeitando ao regime protetivo dos incapazes fosse prejudicada quando da prática dos atos da vida civil ou simplesmente não tivesse na prática como efetivar ou aperfeiçoar tais atos Assim frisese o deficiente ou doente mental que não possua qualquer discernimento para a prática dos atos da vida civil não é sequer minimamente capaz de manifestar vontade ponderada e assim válida motivo por que deve ser considerado incapaz e sujeito a curatela mediante processo de interdição nos termos do que preceitua o Código de Processo Civil de 2015 pelo rito de jurisdição voluntária previsto tipicamente em seus arts 747 a 758 A ação de interdição portanto não restou afastada da sujeição à curatela das pessoas portadoras de deficiência e nem se tornou um procedimento destinado a pessoas capazes Permanece a interdição normalmente aplicável aos deficientes que não tiverem discernimento justamente por ser incapazes Não por outra razão Teresa Arruda Alvim et al48 em suas lições permanecem mesmo após o advento das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência compreendendo a ação de interdição como o meio judicial para a declaração da incapacidade daquele não possui o discernimento necessário à prática dos atos da vida civil Segundo afirmam os mencionados autores O procedimento de interdição perfaz medida judicial por intermédio da qual determinada pessoa é declarada parcial ou totalmente incapaz para os atos da vida civil em virtude da perda de discernimento para a condução de seus próprios interesses Decretada a interdição daquele declarado parcial ou totalmente incapaz porque sem discernimento para a gestão de seus interesses é nomeado curador que representará ou assistirá o Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 17 interditado O mesmo vale aliás às hipóteses de o deficiente ou doente mental se tornar pródigo toxicômano ou ainda ébrio habitual casos em que diante do previsto nos arts 4º e 1767 do Código Civil LGL2002400 é ele igualmente incapaz devendo nos mesmos termos já expostos ser submetido à interdição e à curatela para proteção de seus interesses 53Função da Tomada de Decisão Apoiada e sua relação com a ação de interdição Segundo já averiguado neste trabalho nos termos do art 1783A do Código Civil LGL2002400 incluído pelo art 116 do Estatuto do Deficiente há a possibilidade de o deficiente ou doente mental para seu auxílio escolher ele próprio ao menos duas pessoas que atuarão mediante a chamada Tomada de Decisão Apoiada Ocorre que diante do panorama apresentado nos itens imediatamente anteriores deste artigo podese questionar se o deficiente que não possui discernimento é incapaz e sujeito a curatela mediante ação de interdição qual a função do instituto da Tomada de Decisão Apoiada De modo mais simples quando é cabível a sujeição do deficiente à Tomada de Decisão Apoiada E a resposta não é difícil o instituto da Tomada de Decisão Apoiada tem vez quando o deficiente ou doente mental tiver mera redução de seu discernimento e portanto ainda conseguir manifestar vontade minimamente ponderada caso em que não se admite sua curatela por faltar incapacidade Explicase a ausência de discernimento do deficiente é causa de sua incapacidade relativa conforme art 4º III do Código Civil LGL2002400 visto não ter ele qualquer possibilidade de manifestar uma vontade ponderada Entretanto se o discernimento do deficiente for apenas reduzido não fica ele obstado de expressar uma vontade ainda que minimamente ponderada caso em que não se pode reconhecer sua incapacidade Ora o deficiente que tem discernimento reduzido embora seja plenamente capaz pode necessitar do auxílio de terceiros uma vez que o nível diminuto de seu discernimento pode gerarlhe certas dificuldades para praticar os atos da vida civil sem qualquer apoio E suprimento dessa necessidade é justamente a função da Tomada de Decisão Apoiada Portanto na Tomada de Decisão Apoiada o deficiente não é incapaz motivo por que não necessita de qualquer assistência ou representação senão de simples aconselhamento de pessoas de sua confiança especialmente parentes ou familiares visto que o nível reduzido de seu discernimento pode imporlhe certas dificuldades para sozinho praticar os atos da vida civil É o que esclarece Rosenvald49 ao afirmar que o instituto da Tomada de Decisão Apoiada tem vez quando a pessoa deficiente possua limitações no exercício do autogoverno mas preserve de forma precária a aptidão de se expressar e de se fazer compreender de modo que aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente incapazes por discernimento reduzido art 4º II do CC02 LGL2002400 serão plenamente capazes e direcionadas ao modelo da Tomada de Decisão Apoiada50 E não se poderia mesmo admitir a Tomada de Decisão Apoiada em relação a incapazes uma vez que o art 1783A caput e 2º do Código Civil deixa indubitável que a submissão a essa medida protetiva é uma faculdade exclusiva do próprio deficiente único legitimado a requerêla e a quem compete eleger também os apoiadores51 o que apenas pode ser levado a efeito por alguém dotado de capacidade civil plena Não se confundem portanto a interdição e a Tomada de Decisão Apoiada por cumprirem funções distintas a interdição é instrumento destinado à proteção de Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 18 incapazes deficientes ou não enquanto a Tomada de Decisão Apoiada é mecanismo de proteção exclusivo dos deficientes capazes que necessitem de auxílio para tomarem suas decisões quanto aos atos da vida civil Nesse ponto vale considerar equivocada a opção do legislador de inserir o regramento da Tomada de Decisão Apoiada em dispositivo do Código Civil LGL2002400 ao lado da regulamentação da curatela por serem distintos os escopos de um e de outro instituto Na realidade por se tratar a Tomada de Decisão Apoiada de mecanismo exclusivamente destinado aos deficientes e doentes mentais melhor seria que o legislador o tivesse alocado internamente no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência De todo modo muito embora sejam distintas as funções da interdição e da Tomada de Decisão Apoiada nada impede que no bojo de ação de interdição movida por terceiros contra a pessoa com deficiência essa pugnando por sua plena capacidade civil requeira a sua sujeição à medida da Tomada de Decisão Apoiada indicando os apoiadores de sua confiança Deveras quando a ação de interdição é proposta por outras pessoas que não o deficiente tendo esse algum discernimento pode ele se opor à pretensão judicial de interdição mediante a impugnação prevista no art 752 do Código de Processo Civil de 201552 com o fim de demonstrar que não está abarcado pela situação de incapacidade 53 E na ocasião de sua defesa pode o deficiente interditando demonstrando não ser incapaz requerer mesmo se for de seu interesse o estabelecimento de Tomada de Decisão Apoiada com nomeação de apoiadores por ele escolhidos hipótese em que se verificada a capacidade civil plena do deficiente e rejeitada a pretensão de interdição declarará o juiz a sua sujeição à Tomada de Decisão Apoiada54 Por fim cumpre mencionar que por não se confundirem a Tomada de Decisão Apoiada e a interdição bem como por não ser o apoiado um incapaz e nem os apoiadores seus curadores o procedimento para o estabelecimento da Tomada de Decisão Apoiada não é o rito especial da interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 No caso o próprio art 1783A do Código Civil LGL2002400 cuida de estabelecer procedimento próprio a que o deficiente se sujeite à Tomada de Decisão Apoiada e nomeie os apoiadores que escolher procedimento esse que deve ser seguido55 6Conclusão Por todo o exposto no presente trabalho concluise que o discernimento permanece como critério para averiguação da capacidade e pois da incapacidade civil inclusive em relação às pessoas portadoras de deficiência já que se constitui em passo necessário para uma manifestação de vontade ponderada e assim válida Isso significa que a pessoa portadora de deficiência quando desprovida de discernimento é segundo a nova sistemática dos art 3º e 4º do Código Civil LGL2002400 relativamente incapaz com fundamento no inciso III do art 4º visto ser inapta a manifestar vontade sequer minimamente válida E uma vez que é incapaz a pessoa que em virtude de sua deficiência não possui discernimento a curatela a que deve ser submetida nos termos do art 84 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência tratase de uma autêntica curatela de incapazes a ensejar a propositura da ação de interdição para sua fixação A ação de interdição portanto permanece cabível para as pessoas portadoras de deficiência que não tiverem qualquer discernimento a fim de que por meio do procedimento de interdição previsto no Código de Processo Civil de 2015 seja reconhecida judicialmente a situação de incapacidade interditandose a pessoa e nomeandolhe curador Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 19 Apenas não mais se admite a curatela e pois a ação de interdição para os casos em que a pessoa com deficiência tiver seu discernimento apenas reduzido e não ausente uma vez que aí tem o deficiente aptidão para manifestar vontade minimamente válida havendo dessarte plena capacidade civil e sendo a hipótese de utilização pelo deficiente do instituto da Tomada de Decisão Apoiada caso entenda necessário o auxílio de terceiros Em síntese a a completa falta de discernimento da pessoa com deficiência gera a sua incapacidade relativa pela impossibilidade de manifestação de vontade vontade ponderada ou válida sujeitandoa ao procedimento de interdição e à sujeição à curatela ao passo que b a mera redução de discernimento da pessoa com deficiência não altera sua plena capacidade civil o que afasta a possibilidade de interdição e de sujeição à curatela sendo a hipótese porém caso assim deseje o indivíduo de submissão à Tomada de Decisão Apoiada 7Referências bibliográficas AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 ARRUDA ALVIM WAMBIER Teresa et al Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil LGL20151656 artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2016 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I CAMILLO Carlos Eduardo Nicoletti et al Comentários ao Código Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2009 CORREIA Atalá Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas Consultor Jurídico ConJur publicado em 03082015 Disponível em 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que a tarefa do pensamento jurídico consiste em conceitualizar as normas jurídicas de tal modo que sejam reduzidas a um ordenamento sistemático expondo assim o direito vigente da forma mais simples e conveniente possível ROSS Alf Direito e justiça Trad Edson Bini e revisão técnica de Alyson Leandro Mascaro 2 ed Bauru Edipro 2007 p 204 2 É a lição de Emilio Betti que conceitua a relação jurídica como sendo a relação que o direito objetivo estabelece entre uma e outra pessoa na medida em que confere a uma um poder e impõe à outra um vínculo correspondente BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 2627 Seguindo esse entendimento na doutrina pátria Francisco Amaral AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 207 3 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro teoria geral do direito civil 31 ed São Paulo Saraiva 2014 v 1 p 164 4 CAMILLO Carlos Eduardo Nicoletti et al Comentários ao Código Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2009 p 106 5 Consoante lição de Beviláqua personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações E prossegue todo ser humano é pessoa porque não há homem excluído da vida jurídica não há criatura humana que não seja portadora de direitos BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I p 170 6 Art 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro 7 O nascimento com vida aliás nos termos do artigo 29 VI da Resolução 011988 do Conselho Nacional de Saúde consiste na expulsão ou extração completa do produto da concepção quando após a separação respire e tenha batimentos cardíacos tendo sido ou não cortado o cordão esteja ou não desprendida a placenta Nascer com vida portanto é ser completamente extraído ou expelido do ventre materno e tendo batimentos cardíacos respirar Uma única respiração é o suficiente para que se considere o ser nascido com vida 8 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 128 PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v 1 p 224 9 RUGGIERO Roberto de Instituições de direito civil introdução e parte geral direito das pessoas Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio Campinas Bookseller 1999 v 1 p 436437 10 Mais ainda admitirse a existência de pessoa natural sem capacidade de gozo consistiria mesmo em privála dos próprios direitos e qualidades inerentes à sua personalidade segundo leciona com propriedade Caio Mário da Silva Pereira ao afirmar que a capacidade de direito de gozo ou de aquisição não pode ser recusada ao indivíduo sob pena de despilo dos atributos da personalidade PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v 1 p 223 11 Como pontua Silvio Rodrigues a capacidade de exercício é a capacidade de pessoalmente atuar na órbita do direito RODRIGUES Silvio Direito civil parte geral Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 22 34 ed São Paulo Saraiva 2003 v 1 p 39 12 Nessa esteira o escólio de Orlando Gomes a capacidade de fato condicionase à capacidade de direito Não se pode exercer um direito sem se ser capaz de adquirilo Uma não se concebe portanto sem a outra Mas a recíproca não é verdadeira Podese ter capacidade de direito sem capacidade de fato adquirir o direito e não poder exercêlo por si GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 128 No mesmo sentido o magistério de Ruggiero onde falta só a capacidade de agir deve pressuporse existente a capacidade jurídica se é esta que falta faltará necessariamente também a capacidade de agir RUGGIERO Roberto de Instituições de direito civil introdução e parte geral direito das pessoas Tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio Campinas Bookseller 1999 v 1 p 438 13 Conforme pontua Francisco Amaral a capacidade de fato depende da capacidade de natural de entendimento inteligência e vontade ao que complementa como tais requisitos nem sempre existem ou existem com diversidade de grau a lei nega ou limita tal capacidade AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 281 14 Caio Mário da Silva Pereira ao tratar dos absolutamente incapazes explicita que esses são apartados das atividades civis não participam direta e pessoalmente de qualquer negócio jurídico Como são eles inteiramente afastados de qualquer atividade no mundo jurídico naqueles atos que se relacionam com seus direitos e interesses procedem por via de representantes que agem em seu nome falam pensam e querem por eles PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v I p 231 15 Consoante a translúcida preleção de Orlando Gomes pela assistência o relativamente incapaz pratica ele próprio o negócio jurídico mas sua declaração de vontade só é válida com a cooperação de alguém com esse poder por lei conferido GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 286 Daí afirmar Francisco Amaral que a assistência consiste na intervenção conjunta do relativamente incapaz e do seu assistente na prática do ato jurídico AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 287 16 Entendimento que restou adotado pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 166 I e 169 assim redigidos Art 166 É nulo o negócio jurídico quando I celebrado por pessoa absolutamente incapaz Art 169 O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo 17 Posição também interiorizada pelo Código Civil de 2002 consoante previsão de seus artigos 171 I e 172 que assim preceituam Art 171 Além dos casos expressamente declarados na lei é anulável o negócio jurídico I por incapacidade relativa do agente Art 172 O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes salvo direito de terceiro 18 Leciona Paulo Lôbo nessa esteira aduz que os tipos legais tanto na hipótese de incapacidade absoluta quanto na de incapacidade relativa são taxativamente enumerados Qualquer situação que não se enquadre em um dos tipos legais não pode ser considerada como impediente da plena capacidade de exercício LÔBO Paulo Direito civil parte geral 4 ed São Paulo Saraiva 2013 p 109 19 Art 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil I Os menores de 16 dezesseis II Os loucos de todo o gênero III Os surdosmudos que não puderem exprimir a sua vontade IV Os ausentes declarados tais por ato do Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 23 juiz 20 Art 6º São incapazes relativamente a certos atos art 147 I ou à maneira de os exercer I Os maiores de 16 dezesseis e os menores de 21 vinte e um anos arts 154 e 156 II Os pródigos III Os silvícolas Parágrafo único Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País 21 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 132 22 Conforme lição de Silvio Rodrigues a lei entende que o ser humano até atingir os dezesseis anos não alcançou ainda discernimento para distinguir o que lhe convém ou não ao passo que ao homem com idade entre dezesseis e dezoito anos admite a legislação que o indivíduo já tenha atingido certo desenvolvimento intelectual que se não basta para darlhe o inteiro discernimento de tudo que lhe convém nos negócios chega entretanto para possibilitarlhe atuar pessoalmente na vida jurídica RODRIGUES Silvio Direito civil parte geral 34 ed São Paulo Saraiva 2003 v 1 p 4349 23 É o escólio de Gagliano e Pamplona Filho para quem o vício embriaguez e a toxicomania será causa de incapacidade relativa sempre que reduza sem privar totalmente a capacidade de discernimento do homem GAGLIANO Pablo Stolze PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil parte geral 13 ed São Paulo Saraiva 2011 v 1 p 140 24 MONTEIRO Washington de Barros Curso de direito civil parte geral 28 ed São Paulo Saraiva 1989 v 1 p 63 25 MONTEIRO Washington de Barros Curso de direito civil parte geral 28 ed São Paulo Saraiva 1989 v 1 p 61 26 AMARAL Francisco Direito civil introdução 8 ed Rio de Janeiro Renovar 2014 p 281 27 DINIZ Maria Helena Dicionário jurídico D I 3 ed São Paulo Saraiva 2008 v 2 p 201 28 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 314 29 MARTINSCOSTA Judith Capacidade para consentir e esterilização de mulheres tornadas incapazes pelo uso de drogas notas para uma aproximação entre a técnica jurídica e a reflexão bioética In Bioética e responsabilidade Organização de Judith MartinsCosta e Letícia Ludwig Möller Rio de Janeiro Forense 2009 p 319 30 Como indica Pontes de Miranda ao lecionar que tutela é o poder conferido pela lei ou segundo princípios seus à pessoa capaz para proteger a pessoa e reger os bens dos menores que estão fora do pátrio poder MIRANDA Francisco Cavancanti Pontes de Tratado de direito de família parentesco Campinas Bookseller 2001 v III p 302303 31 Consoante ensinamento de Beviláqua para quem curatela é o encargo público conferido por lei a alguém para dirigir a pessoa e administrar os bens dos maiores que por si não possam fazêlo BEVILÁQUA Clovis Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado Edição histórica Rio de Janeiro Editora Rio 1979 v I p 924 32 É o que indica Marcato ao afirmar que em sendo maior de idade o incapaz deverá ser interditado ou seja deverá ser proclamada judicialmente a sua incapacidade Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 24 MARCATO Antonio Carlos Procedimentos especiais 13 ed São Paulo Atlas 2007 p 398399 uma vez que como pontua Ernane Fidélis dos Santos o curador só se nomeia em decorrência de sentença declaratória de interdição SANTOS Ernane Fidélis dos Manual de direito processual civil procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 5 ed São Paulo Saraiva 1997 v 3 p 422 33 Como aliás bem salienta Francisco Raitani a interdição é medida de proteção ao incapaz cujos interesses visa resguardar RAITANI Francisco Prática de processo civil Atualização de Felício Raitani Neto Carlos Raitani e Milton de Oliveira Condessa 13 ed São Paulo Saraiva 1983 v I p 492 34 GOMES Orlando Introdução ao direito civil Atualização de Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito 20 ed Rio de Janeiro Forense 2010 p 132 Corroborando a ideia afirma Pontes de Miranda embora utilizandose de vocabulário típico da regência legal do Código de 1916 que atendendo a que os fracos de espírito os que sofrem de perturbações mentais não podem reger reta e convenientemente sua pessoa e seus bens a lei manda que se lhes nomeiem curadores que os representem e possam gerir o patrimônio do incapaz A interdição do louco é portanto benefício da lei embora prive o indivíduo do exercício pessoal de seus direitos PONTES DE MIRANDA Francisco Cavancanti Tratado de direito de família parentesco Campinas Bookseller 2001 v III p 377 35 SANTOS Ernane Fidélis dos Manual de direito processual civil procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 5 ed São Paulo Saraiva 1997 v 3 p 425 36 MONTENEGRO FILHO Misael Curso de direito processual civil medidas de urgência tutela antecipada e ação cautelar procedimentos especiais 9 ed São Paulo Atlas 2013 v III p 470 37 REQUIÃO Maurício Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades Consultor Jurídico ConJur publicado em 20072015 Disponível em wwwconjurcombr2015jul20estatutopessoadeficienciaalteraregimeincapacidades Acesso em 03102017 38 Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informaçoes necessários para que possa exercer sua capacidade 1º Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito a vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros sem restriçoes desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contraassinem o contrato ou acordo especificando por escrito sua função em relação ao apoiado 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opinioes entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão 7º Se o apoiador agir com negligência exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigaçoes assumidas poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 25 Ministério Público ou ao juiz 8º Se procedente a denúncia o juiz destituirá o apoiador e nomeará ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse outra pessoa para prestação de apoio 9º A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada 10 O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada sendo seu desligamento condicionado a manifestação do juiz sobre a matéria 11 Aplicamse a tomada de decisão apoiada no que couber as disposiçoes referentes a prestação de contas na curatela 39 Em igual sentido é válido citar a pertinente imagem crítica trazida por Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli imaginese um indivíduo deficiente e que tenha idade mental calculada em 10 anos Ele sendo faticamente maior de 18 anos será tão ou mais capaz que outro indivíduo não deficiente de 17 anos KÜMPEL Vitor Frederico BORGARELLI Bruno de Ávila As aberrações da Lei 131462015 Migalhas publicado em 11082015 Disponível em wwwmigalhascombrdePeso16MI22490561044Asaberracoesdalei131462015 Acesso em 21042017 40 BETTI Emilio Teoria geral do negócio jurídico Campinas Servanda 2008 p 314 41 ROSENVALD Nelson et al Tratado de direito das famílias 2 ed Belo Horizonte IBDFAM 2016 p 763 42 LISBOA Roberto Senise Manual de direito civil teoria geral do direito civil 6 ed São Paulo Saraiva 2010 v I p 255 43 Art 748 O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave I se as pessoas designadas nos incisos I II e III do art 747 não existirem ou não promoverem a interdição II se existindo forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art 747 44 Cumpre mencionar que os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 que cuidam da interdição em nada foram afetados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência mantendose perfeitamente aplicáveis uma vez que tendo o Código de 2015 iniciado sua vigência posteriormente ao mencionado Estatuto deve sobre esse prevalecer em caso de antinomia pela aplicação do critério cronológico que determina que eventual conflito normativo resolvese em favor da norma que posteriormente entrar em vigor como explicita Maria Helena Diniz ao lecionar que o critério cronológico de solução de antinomias se remonta ao tempo em que as normas começaram a ter vigência de modo que com base na data de início de vigência de duas normas do mesmo nível ou escalão a última prevalece sobre a anterior DINIZ Maria Helena Conflito de normas 2 ed São Paulo Saraiva 1996 p 34 45 É o escólio aliás de Atalá Correia para quem a alteração legislativa que excluiu a expressão deficiência mental do texto do artigo 4º CC não veda a interdição quando o deficiente não possa por causa transitória ou permanente manifestar sua vontade O artigo 84 1º EPD enfatiza que quando necessário a pessoa com deficiência será submetida a curatela proporcional às necessidades às circunstâncias de cada caso durando o menor tempo possível 3º A manutenção da legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a interdição nos casos de deficiência mental ou intelectual nos termos do artigo 1769 Código Civil apenas explicita a manutenção dessa possibilidade de interdição de deficientes que não consigam expressar sua vontade CORREIA Atalá Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas Consultor Jurídico ConJur publicado em 03082015 Disponível em wwwconjurcombr2015ago03direitocivilatualestatutopessoadeficienciatrazinovacoesduvidas Acesso em 03102017 46 Vale aqui a lição de Caio Mário da Silva Pereira a lei não institui o regime de Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 26 incapacidades com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem mas ao contrário com o intuito de lhes oferecer proteção atendendo a que uma falta de discernimento de que sejam portadores aconselha tratamento especial por cujo intermédio o ordenamento jurídico procura restabelecer um equilíbrio psíquico rompido em consequência das condições peculiares dos mentalmente deficitários PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de direito civil introdução ao direito civil teoria geral de direito civil Atualização de Maria Celina Bodin de Moraes 26 ed Rio de Janeiro Forense 2013 v I p 230 47 DINIZ Maria Helena Código civil anotado 18 ed São Paulo Saraiva 2017 p 78 48 ARRUDA ALVIM WAMBIER Teresa et al Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo 2 ed São Paulo Ed RT 2016 p 1203 49 ROSENVALD Nelson et al Tratado de direito das famílias 2 ed Belo Horizonte IBDFAM 2016 p 768 50 E assim também leciona Maria Helena Diniz ao tratar do referido instituto regime protetivo alternativo à curatela consiste no processo pelo qual a pessoa apoiado com deficiência elege pele menos duas pessoas idôneas apoiadores de sua confiança com as quais tenha vínculos de parentesco ou de afetividade para prestarlhe apoio na tomada de decisões sobre atos da vida civil fornecendolhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade com isso poderseá evitar imposição de um curador à sua revelia ou até mesmo contrário a seus interesses O apoiado não será portanto interditado ou tido como incapaz e com isso manterá sua autonomia e sua integração social DINIZ Maria Helena Código civil anotado 18 ed São Paulo Saraiva 2017 p 1390 51 Art 1783A A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 duas pessoas idoneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendolhes os elementos e informaçoes necessários para que possa exercer sua capacidade 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo 52 Art 752 Dentro do prazo de 15 quinze dias contado da entrevista o interditando poderá impugnar o pedido 1º O Ministério Público intervirá como fiscal da ordem jurídica 2º O interditando poderá constituir advogado e caso não o faça deverá ser nomeado curador especial 3º Caso o interditando não constitua advogado o seu cônjuge companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente 53 Aliás como bem apontam Nery Junior e Rosa Nery não se concebe processo de interdição sem defesa NERY JUNIOR Nelson NERY Rosa Maria de Andrade Código de processo civil comentado 16 ed São Paulo Ed RT 2016 p 1714 ou seja não pode haver interdição sem oportunização de impugnação pelo indivíduo cuja interdição é buscada pelo autor da demanda judicial 54 Nessa esteira vale a lição de Medina poderá o interditando ao impugnar o pedido de definição dos termos da curatela pedir por sua vez que se adote a tomada de decisão apoiada cf arts 84 2º da Lei 131462015 e 1783A do CC2002 inserido pela Lei 131462015 medida que poderá ser mais adequada ao caso MEDINA José Miguel Garcia Direito processual civil moderno 2 ed São Paulo Ed RT 2016 p 895 55 Cabendo registrar aqui a existência na doutrina de entendimento no sentido de que se deva aplicar complementarmente ao que dispõe o artigo 1783A do Código Civil o procedimento de interdição previsto nos artigos 747 a 758 do Código de Processo Civil de 2015 Por esse prisma o posicionamento manifestado por Marinoni Arenhart e Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 27 Mitidiero o procedimento judicial previsto para a instituição de tutela e de curatela arts 747763 CPC aplicamse no que não forem incompatíveis com o regramento instituído pelo art 1783A CC à decisão judicial que autoriza a tomada de decisão apoiada MARINONI Luiz Guilherme ARENHART Sérgio Cruz MITIDIERO Daniel Novo código de processo civil comentado 3 ed São Paulo Ed RT 2017 p 842 Capacidade civil das pessoas com deficiência e ação de interdição uma proposta de sistematização Página 28