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19 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 Sistema de avaliação às cegas por pares double blind review Universidade Presbiteriana Mackenzie Rita Aparecida Nicioli Cerioni1 Universidade de São Paulo SP Brasil Eliana Herzberg Universidade de São Paulo SP Brasil Resumo A pesquisa visa analisar as expectativas acerca do atendimento psicológico verbalizadas no processo de triagem por pacientes de um ServiçoEscola e relacionálas a desejos inconscientes Foi utilizado o método clínicoqualitativo e apresentado um caso atendido na triagem O atendimento foi individual com 2 sessões de 60 minutos utilizandose entrevista semiestruturada Foram abordadas as queixas histórias clínica e de vida fantasias acerca do atendimento psicológico e expectativas A análise foi ba seada na teoria psicanalítica de Freud Concluise que ao investigar as expectativas em relação ao que se espera dos atendimentos tornase possível ao menos em alguma medida acessar o desejo inconsciente abrindo caminho para compreensão de sua di nâmica Palavraschave triagem psicológica escuta psicanalítica desejo inconsciente psicaná lise clínica expectativas PSYCHOLOGICAL SCREENING FROM LISTENING TO EXPECTATIONS TO FORMULATIONS OF DESIRE Abstract The research aims to analyze verbalized expectations of the psychological care in the screening process for patients of a Psychological Clinic of a University and relate them to the unconscious desires The clinicalqualitative method was applied to a case addressed in the screening process The service provided consisted in 2 sessions of 60 minutes using a semistructured interview Complaints clinical and life stories fantasies around the realm of the psychological care and expectations were also regar ded The analysis was based on psychoanalytic theory of Freud It was concluded that investigating expectations about what is hoped from the psychological care makes it is possible at least to some extent to access the unconscious desire and to un derstand its dynamics Keywords psychological screening psychoanalytic listening unconscious desire clini cal psychoanalysis expectations EVALUACIÓN PSICOLÓGICA DE LA ESCUCHA DE LAS EXPECTATIVAS HASTA EL DESEO Resumen El estudio tiene por objeto analizar las expectativas sobre la atención psico lógica expresadas verbalmente por pacientes de un Servicio Escuela en el proceso de evaluación y relacionadas con los deseos inconscientes Se usó el método clínico cuali tativo e se presentó un caso atendido en la evaluación La atención fue individual con 2 ¹ Endereço para correspondência Rita Aparecida Nicioli Cerioni Universidade de São Paulo Rua Rangel Pestana 828 sala 37 Centro Jundiaí SP Brasil CEP 13201000 Email ritacerioniuspbr Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo Rita Aparecida Nicioli Cerioni Eliana Herzberg 20 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 sesiones de 60 minutos utilizando una entrevista semiestructurada Se abordaron las quejas las historias clínicas y de vida las fantasías sobre la atención psicológica y las expectativas El análisis se basó en la teoría psicoanalítica de Freud Se llegó a la conclu sión de que al investigar las expectativas con relación a lo que se espera en la atención se hace posible al menos de alguna forma tener acceso al deseo inconsciente abrien do camino a la comprensión de su dinámica Palabras clave evaluación psicológica escucha psicoanalítica deseo inconsciente psi coanálisis clínico expectativas De acordo com a definição tradicional a triagem psicológica tem os objetivos de coletar dados levantar hipóteses diagnósticas e verificar qual tipo de atendimento a pessoa necessita a fim de encaminhála ao tratamento adequado possível Herzberg Chammas 2009 Outros estudos propõem a triagem interventiva ampliando a ideia de triagem tradicional Perfeito Mello 2004 Herzberg Chammas 2009 A triagem interventiva envolve um processo dinâmico um encontro entre duas pessoas com papéis distintos e integrados Neste modo de intervenção O encontro entre terapeuta e cliente é muito valorizado e o foco principal passa a ser o acolhimento das pessoas e a elaboração das questões que mobilizaram a busca de ajuda psicológica O profissional nessa perspectiva não realiza uma sessão devolutiva como acontece nas triagens tradicionais mas co munica sua compreensão compartilha suas impressões a partir do que está ouvindo e vendo Rocha 2011 p 127 Um estudo sobre a escuta das expectativas de pacientes acerca do atendimento psi cológico no processo de triagem aponta que ao procurar esse serviço os pacientes chegam com fantasias esperanças medos e desejos Cerioni 2014 Escutar em psica nálise é escutar o desejo A situação analítica é por excelência uma situação de comu nicação nela circulam demandas nem sempre lógicas ou de fácil deciframento mas as quais em seu cerne comunicam o desejo e a necessidade de serem escutadas Mace do Falcão 2005 p 65 Escutar as expectativas parece articularse com a escuta do que o sujeito deseja e a forma como ele articula esse desejo e suas representações No entanto segundo Alves 2004 parafraseando Alberto Caeiro Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito É preciso também que haja silêncio dentro da alma Alves 2004 p 67 Freud só chegou à técnica da associação livre ao silenciar Ouvir para Freud tornouse mais do que uma arte tornouse um método uma via privilegiada para o conhecimento à qual os pacientes lhe davam acesso Um dos guias a quem Freud sempre foi grato era Emmy Von N que Freud atendeu em 1889 e 1990 e tratou com a técnica hipnoanalítica de Breu er ela proporcionou uma veemente lição prática ao seu médico Quando Freud a interrogava com insistência ela se aborrecia muito rispidamente e pedia que ele parasse de lhe perguntar de onde veio isso ou aquilo mas que a deixasse contar o que ela tinha a dizer Ele já havia reconhecido que por mais tediosas e repetitivas que fossem suas narrativas ele não ganhava nada com suas in terrupções mas que tinha que ouvir as histórias dela até o fim com todos os seus minuciosos detalhes Gay 2004 pp 8081 Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo 21 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 Entendese que há uma diferença importante entre ouvir e escutar De acordo com Macedo e Carrasco 2005 essa diferença embora amplamente difundida em psicaná lise transcende uma teoria Enquanto ouvir é uma condição fisiológica ligada aos ór gãos sensoriais escutar diz respeito a uma disponibilidade integral e não só sensorial àquele que fala de sua dor dor que traz consigo um significado próprio e singular A verdadeira escuta precisa estar desprovida de preconceitos e principalmente excluir qualquer possibilidade de um préconhecimento a respeito daquele que chega e ago ra fala Macedo Carrasco 2005 p 29 Um debruçarse sem saber a priori sentido essencial da escuta clínica A escuta clínica psicanalítica é uma escuta do sofrimento do padecimento do sujeito e por ser clínica é uma escuta das dimensões inconscientes das experiências do sofrimento A escuta não só é condição para o que se faz em psi canálise como muitas vezes é disso que o sujeito necessita em primeira instância uma escuta sensível e diferenciada sem a qual nada pode ser feito No estudo sobre triagem estendida Herzberg Chammas 2009 são apontadas algumas expectativas dos pacientes em relação ao atendimento psicológico tanto po sitivas como uma alta expectativa em receber ajuda quanto negativas como receber um rótulodiagnóstico dúvidas quanto a receber ajuda de psicóloga jovem ou mulher De qualquer forma a escuta da expectativa leva o psicólogo a uma escuta do seu de sejo ainda que parcialmente e portanto de seu funcionamento Assim ao escutar as expectativas escutase também o desejo pois as expectativas do paciente revelam como aquele sujeito se articula com o desejo e com o sofrimento portanto escutálas significa também escutar e compreender parcialmente essa articu lação é uma porta de entrada Mas prioritariamente escutar as expectativas é dar voz e legitimar o desejo e só a partir daí poder esclarecer e ajudar o paciente a entrar em contato com uma parte de si muitas vezes desconhecida Isso por si só já caracte riza uma intervenção psicológica Expectativas e desejos são experimentados pelo sujeito a partir da sua própria sub jetividade e esta se relaciona com a história afetiva de cada um Supostos direitos possibilidades pressupostos promessas e esperanças passam pela interpretação que cada pessoa tem de si do mundo e do outro Não é simples pensar em expectativa pois esta articulação com a vida pessoal a torna complexa Ao construir um enunciado acerca das expectativas o paciente o remete a um des tinatário aquele que escuta e que está colocado na cena transferencial É na transfe rência nesta reedição de protótipos infantis de relacionamento que aspectos primiti vos são comunicados Freud 2006b Na clínica da atualidade há uma questão cada vez mais comum indagação préedí pica Quem sou eu Se antes o sofrimento estava no campo da competição edípica hoje as questões que aparecem na clínica são falhas na constituição do eu trazendo um horror diante do não saber de si revelando o desamparo de quem olha e não sabe o que enxerga Gobbi 2008 Indagação que aponta para uma reedição do narcisismo postulado por Freud 2006d no texto Sobre o narcisismo uma Introdução Rita Aparecida Nicioli Cerioni Eliana Herzberg 22 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 Em relação ao conceito de desejo tomase a definição de Freud 2006a no livro Interpretação dos sonhos que descreve a partir da concepção dinâmica como um dos polos do conflito defensivo Diferese da necessidade pois esta estaria ligada mais às demandas fisiológicas como fome ou sono por exemplo O desejo em Freud está relacionado às vivências primordiais de satisfação Teria um apoio biológico mas en contraria na alucinação dessa satisfação o nascimento do desejo Suposições que hão de fundamentarse num outro momento nos dizem que o aparato psíquico obede ceu primeiramente ao afã de manterse o mais possível isento de estímulos Porém a estimulação da vida externa perturba esta simples função a ela deve o aparato também o empurrão para sua consti tuição ulterior A estimulação da vida o assedia primeiro na forma das grandes necessidades corporais A excitação imposta pela necessidade interior buscará uma drenagem na motilidade que pode desig narse alteração interna ou expressão emocional Tal situação só pode modificarse quando por algum caminho no caso da criança pelo cuidado alheio se dá a experiência da vivência de satisfa ção que cancela o estímulo interno Um componente essencial desta vivência é a aparição de certa percepção a nutrição no caso de nosso exemplo cuja imagem mnêmica permanece daí em diante associada ao traço que deixou na memória a excitação produzida pela necessidade Na próxima vez que esta última sobrevenha devido ao enlace assim estabelecido suscitará uma moção psíquica que quere rá investir novamente a imagem mnêmica daquela percepção e produzir outra vez a percepção mesma vale dizer na verdade restabelecer a situação da satisfação primeira Uma moção dessa índole é o que chamamos desejo a reaparição da percepção é o cumprimento do desejo e o caminho mais curto para este é o que leva desde a excitação produzida pela necessidade até o investimento pleno na percepção Freud 2006a pp 557558 O que é reativado diante da necessidade é apenas a lembrança a marca mnêmica da vivência de satisfação por meio do pensamento alucinatório Assim essa reativa ção não acompanha o objeto real mas fantasiado sendo o desejo ligado a traços mnêmicos buscando sua realização na reprodução alucinatória das percepções que se tornaram sinais dessa satisfação A alucinação entra no lugar do objeto real porque a vivência de satisfação plena pode ser considerada por si só uma ilusão Assim o objeto dessa satisfação estará para sempre perdido dada à impossibilidade de satisfação plena O desejo nasce na falta é por causa da experiência de falta de insatisfação e de frustração que o de sejo se faz presente Movese o psiquismo Inaugurase o sujeito Todo sujeito é sujeito de um desejo ou melhor todo sujeito é sujeito porque é desejante Kehl 1990 p 368 No texto Malestar na civilização Freud 2006e se refere a uma das característi cas fundamentais na natureza do homem decisiva na articulação com o desejo O desejo e portanto sua tentativa de se satisfazer é regido totalmente pelo princípio do prazer No entanto o próprio princípio do prazer é contraditório a busca da feli cidade é a busca da experiência de uma satisfação intensa e ao mesmo tempo de uma Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo 23 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 satisfação constante ou seja a felicidade é almejada como algo intenso e ao mesmo tempo que dure para sempre ambos propósitos do princípio do prazer Assim esse princípio é paradoxal ele exige o prazer mas se a busca pela satisfação plena for levada até o limite encontrase o desprazer Se o eu realizar todos os desejos de forma irrestrita os danos a si e ao outro são inevitáveis Daí o valor do recalque Em última análise o que se recalca é o desejo de plenitude Recalcase o desejo mas ele não morre Ele continua buscando satisfação em seus substitutos como ressalta San ches 2010 p 98 Nesse sentido a grande força motriz da ação de um sujeito em Freud é a busca de retorno a esse momento de satisfação plena que nunca mais será revivido integralmente como também é essa busca do substrato para toda a construção do aparelho psíquico além da fonte de sua energia E é nessa busca que é possível articular a escuta da expectativa em relação ao aten dimento psicológico com a escuta parcial do desejo na sua concepção psicanalítica Parcial porque o desejo dado à força do recalque não se manifesta integralmente O recalque tem também a função de proteção do eu Assim embora em uma entrevista de triagem psicológica de orientação psicanalítica se possa reconhecer parte do desejo na elaboração das expectativas vale a regra de ouro acerca da verdade do psicanalista e do paciente Nisso tudo porém nunca deixamos de fazer uma distinção rigorosa entre o nosso conhecimento psi canalista e o conhecimento dele paciente Evitamos dizerlhe imediatamente coisas que muitas vezes descobrimos num primeiro estágio e evitamos dizerlhe a totalidade de que achamos que descobrimos Refletimos cuidadosamente a respeito de quando lhe comunicamos o conhecimento de uma de nossas construções e esperamos pelo que nos pareça ser o momento apropriado Via de regra adiamos falar lhe de uma construção ou explicação até que ele próprio tenha chegado tão perto dela que só reste um passo a ser dado Se procedermos doutra maneira e o esmagamos com nossas interpretações antes que esteja preparado para elas nossa informação ou não produziria efeito algum ou então provoca ria uma violenta irrupção da resistência que tornaria o avanço de nosso trabalho mais difícil ou poderia mesmo ameaçar interrompêlo por completo Freud 2006f p 205 Mannoni 2004 sobre a primeira entrevista em psicanálise momento em que a triagem psicológica psicanalítica se insere refere que é a presença do psicanalista que vai ajudar o sujeito a articular sua demanda constituirse na sua fala em relação à sua história a fim de extrair uma mensagem em que poderá ser veiculado um sentido Porém sentido não é sinônimo de desejo O sentido pode ser verbalizado e interpre tado mas e o desejo Freud 2006c no texto Sobre o início de tratamento alerta que não é difícil para um analista treinado identificar os desejos inconscientes do paciente nas entreli nhas de suas queixas e de sua doença e que seria vaidade e falta de reflexão comuni cálos ao paciente antes que ele próprio tivesse algum conhecimento sobre si mesmo Rita Aparecida Nicioli Cerioni Eliana Herzberg 24 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 A que serve então ao psicanalista o acesso ao desejo inconsciente se o paciente se encontra distante de sua própria verdade Freud responde a essa questão afirmando que a força motivadora inicial do tratamento não é suficiente mantêlo colocandose assim duas dificuldades não se sabe que caminhos seguir para livrarse de seu sofri mento e não possui necessária cota de energia para se opor às resistências É em rela ção à primeira dificuldade que o fato de o analista conhecer o desejo inconsciente pode ajudar No percurso do caminho que levará o paciente a se aproximar de si mes mo de seu desejo Objetivo A partir da apresentação da história clínica história de vida do participante e das expectativas em relação ao tratamento psicológico verbalizadas na entrevista de tria gem objetivouse extrair uma compreensão e uma articulação entre expectativas acerca do atendimento psicológico e o desejo inconsciente inerente às expectativas Método Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado apresentada no Instituto de Psico logia da Universidade de São Paulo O método utilizado foi clínico qualitativo Participantes Foram entrevistados dez participantes maiores de 18 anos sendo um do sexo mas culino e nove do sexo feminino inscritos no ServiçoEscola de uma universidade do interior de São Paulo A relação entre expectativa e desejo será feita a partir de vinhe tas clínicas de um desses casos Critério de inclusão O participante não ter tido experiência em psicoterapia individual a fim de que as expectativas referidas não estivessem atravessadas pela experiência de fato Instrumentos Entrevista de triagem psicológica semiestruturada Procedimentos A partir de uma análise criteriosa dos dez casos apresentados na dissertação um foi selecionado para articular expectativas e desejo pela aparente clareza em que essa re lação se destacou no discurso do entrevistado As entrevistas foram agendadas pelo serviço por telefone a partir de inscrição prévia dos interessados no atendimento psico lógico Foram realizados dois encontros em cada caso para melhor compreensão da demanda Por motivos de ordem ética e com o objetivo de preservar sigilo e a confiden Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo 25 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 cialidade dos dados do participante o nome é fictício e serão utilizados apenas recortes das entrevistas de triagem seguidos da análise a partir da perspectiva psicanalítica Cuidados Éticos Os participantes assinaram o TCLE autorizando a utilização dos dados para publica ção A pesquisa foi aprovada pelo comitê de Ética em 1252011 Protocolo n 07311 CEPICSUnip Caso João João tem entre 50 e 59 anos Procurou atendimento psicológico espontaneamente Faz acompanhamento psiquiátrico e o psiquiatra o diagnosticou com depressão pres crevendo antidepressivo Descreve apatia falta de vontade para realizar atividades da vida cotidiana como trabalhar e comer e dorme muito Refere que vive só não tem vínculos sociais e nunca se relacionou amorosamente Quando criança morava com irmãos e pais em uma área rural Os irmãos mais ve lhos se casaram e a família se mudou para a cidade Os pais se separaram quando ele ainda era criança Ele ficou com o pai e o irmão mais jovem com a mãe por opção da mãe segundo o relato Essa divisão foi vivida por ele como uma rejeição Relata que não tinha com o pai a mesma afinidade que tinha com a mãe Era apegado a ela Não entendia por que ela escolhera o irmão e não a ele Ele disse na entrevista Minha mãe olhou muito mais para o meu irmão do que para mim a vida toda O pai faleceu e ele voltou a morar com a mãe já adulto Ele sentia uma grande distância dela em relação a ele Meu irmão tinha até ela morrer toda a atenção dela Após a morte da mãe João que já apresentava um quadro de depressão de senvolveu sintomas compatíveis com a síndrome do pânico Taquicardia sudorese medo de sair de casa dores abdominais diarreia Após consulta com psiquiatra ele foi afastado do trabalho e encaminhado para psicoterapia e iniciou um processo em gru po no sistema público de saúde de seu município Ao mesmo tempo se inscreveu no serviço de psicologia da universidade ficando em lista de espera alguns meses Na entrevista de triagem do ServiçoEscola ao ser perguntado sobre o que espera va do atendimento psicológico ele respondeu de verdade eu queria atendimento individual Não quero mais fazer terapia em grupo Ele diz isso de cabeça baixa mas olhando no rosto do entrevistador como quem aguarda um assentimento Estimula do a falar mais sobre esse desejo ele explica No atendimento em grupo a profissional tem que dividir sua atenção com todo mundo que está ali Ela não consegue dar uma atenção individual Eu acho que ela me ouve pouco e quase não olha para mim e para meu sofrimento Eu preciso de alguém que me escute de verdade que me olhe e só de olhar já saiba o que eu estou sentindo naquele dia e me diga o que eu sinto porque eu mesmo muitas vezes não sei dizer entender Vocês são treinados para isso né Que me dê atenção integral O traba lho em grupo não está ajudando às vezes me sinto pior lá Rita Aparecida Nicioli Cerioni Eliana Herzberg 26 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 O entrevistador questiona Como se sente quando está lá Ele responde Tenho muita raiva mas muita mesmo Acho que a psicóloga não acha interessante o meu caso Mas não devia ser assim Ela deveria olhar igual para todo mundo Todos que estão lá sofrem não tem sofrimento maior ou menor não é É interessante observar como a percepção que João tem do trabalho em grupo suas queixas os sentimentos de raiva e exclusão por ele relatados se articulam com a queixa latente minha mãe não olhava para mim e com seu desejo de ser único e de ser olhado A questão do olhar se repete em sua fala Mas que olhar é esse que João deseja João parece reproduzir em sua fala um conflito infantil vivido na relação com a mãe que segundo o relato de sua história de vida faz uma escolha pelo seu irmão Minha mãe olhou muito mais para o meu irmão do que para mim a vida toda João ao se referir ao trabalho de terapia em grupo revela No atendimento em grupo a profissional tem que dividir sua atenção com todo mundo que está ali Ela não consegue dar uma atenção individual Eu acho que ela me ouve pouco e quase não olha para mim e para meu sofrimento Na transferência João deseja ser único E deseja ser compreendido como um bebê que é satisfeito sem que precise enun ciar Ele pede Eu preciso de alguém que me escute de verdade que me olhe e só de olhar já saiba o que eu estou sentindo naquele dia e me diga o que eu sinto porque eu mesmo não sei Vocês são treinados para isso né Onde ainda não há linguagem verbal é o corpo quem fala Um corpo que primor dialmente é investido pela mãe que ao exercer suas funções ao cuidar de seu bebê erotiza seu corpo E erotiza justamente pelo fato do bebê não ser apenas um pedaço de carne mas sim um corpo simbólico investido pelo outro de afeto e de palavras Zornig 2008 Obviamente o psicanalista não é testemunha ocular de como se constituiu um pa ciente nas suas relações primitivas mas é ali onde se inscreve a transferência e suas manifestações que é possível acessar aspectos primitivos da constituição do sujeito Esse pedido de João na primeira entrevista com o psicanalista revela transferen cialmente seu desejo Olhe para mim e diga quem sou O olhar narcísico especular que idealiza o outro e o coloca em um lugar de onipotência João ao criticar o atendimento em grupo como um lugar onde ele não consegue existir ao esperar uma terapeuta que o atenda individualmente para que possa ser visto e ouvido em sua singularidade que saiba sobre ele mais do que ele próprio de seja o olhar de alguém que diga quem ele é Vivência do narcisismo primário em que o ego se constituiria como unidade psíquica em um correlato com a constituição do esquema corporal no qual uma unidade é precipitada por uma determinada ima gem que o sujeito adquire de si mesmo segundo o modelo do outro que é precisa mente o ego Laplanche Pontalis 2001 p 288 João menciona que não tem amigos e que nunca se relacionou amorosamente Atualmente vive em função de seu sofrimento Pelo princípio de conservação da ener Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo 27 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 gia libidinal reinveste o ego desinvestindo os objetos e quanto mais o eu absorve mais os investimentos nos objetos se empobrecem Freud 2006d A partir da queixa de depressão e síndrome do pânico considerando que esses quadros apontam para a angústia do inominável e do indizível e articulando suas ex pectativas em relação ao atendimento psicológico podese supor que João deseja uma relação em que o outro organize seu caos a partir de uma ação específica vinda de um outro É em uma comunicação transferencial que João formula sua expectativa e ao fazêla revela o desejo infantil primitivo de ser único e um com o outro Escutar o desejo tem assim o valor de uma comunicação de um entendimento que pode gerar uma ação específica por parte do psicanalista Não a ação de satisfação do desejo impossível de ser realizado mas sim de uma satisfação parcial Ao favorecer um atendimento individual algo do desejo de ser único se realiza abrindo um campo transferencial onde o trabalho psicanalítico possa acontecer Conclusão Por meio de uma entrevista de triagem psicológica em que uma das perguntas dis paradoras era sobre expectativas acerca do atendimento psicológico e baseandose em uma análise psicanalítica que leve em conta a escuta das manifestações inconscien tes coletouse elementos importantes que possibilitaram uma compreensão do desejo que na concepção freudiana é motivo e motor do psiquismo Perguntar sobre as expectativas permite que algo desse desejo seja acionado e tra zido para a relação transferencial O resultado obtido no caso apresentado revela que desde o início do tratamento psicanalítico uma escuta atenta ao que o paciente espera do atendimento e não só o que o profissional tem a oferecer pode favorecer que aspectos primitivos sejam ree ditados na cena transferencial e que a partir dessa compreensão as peças do quebra cabeça comecem a ser conhecidas pela dupla psicólogopaciente A análise do caso apresentado revela que as expectativas apresentadas por João se articulam com conflitos primários que ele verbalizou na triagem sentimentos de rejei ção desejo de ser visto de ser único e de ser um com o outro idealização do profis sional investindoo de onipotência revelando uma demanda de amor infantil Assim é possível verificar a preciosidade da escuta das expectativas do paciente momento para a compreensão de sua dinâmica psíquica e do desejo inconsciente ine rente às expectativas acerca do atendimento psicológico Rita Aparecida Nicioli Cerioni Eliana Herzberg 28 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 Referências Alves R 2004 Escutatória In Alves R O amor que ascende a lua pp 6571 Campinas Papirus Cerioni R A N 2014 Expectativas de pacientes acerca do atendimento psicoló gico em uma clínicaescola da escuta à adesão Dissertação de Mestrado Uni versidade de São Paulo São Paulo SP Brasil Freud S 2006a A interpretação dos sonhos In Freud S Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol IV e V pp 39649 J Salo mão Trad Rio de Janeiro Imago Freud S 2006b A dinâmica da transferência In Freud S Edição standard brasi leira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol XII pp 109119 J Salomão Trad Rio de Janeiro Imago Freud S 2006c Sobre o início do tratamento In Freud S Edição standard brasi leira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol XII pp 163187 J Salomão Trad Rio de Janeiro Imago Freud S 2006d Sobre o narcisismo Uma Introdução In Edição standard brasilei ra das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol XIV pp 77108 J Salomão Trad Rio de Janeiro Imago Freud S 2006e O malestar na civilização In Edição standard das obras psicoló gicas completas de Sigmund Freud Vol XXI J Salomão Trad Rio de Janeiro Imago Freud S 2006f A técnica da Psicanálise In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol XXIII p 205 J Salomão Trad Rio de Janei ro Imago Obra original publicada em 1938 Gay P 2004 Freud Uma vida para o nosso tempo D Bottmantrad Trad São Paulo Ed Schwarcz Gobbi A S 2008 O narcisismo na clínica contemporânea Contemporânea Psica nálise e Transdisciplinaridade 61 2435 Disponível em httpwwwrevistacon temporaneaorgbrsitewpcontentartigosartigo186pdf Herzberg E Chammas D 2009 Triagem estendida serviço oferecido por uma clínicaescola de Psicologia Paideia 1942 107114 DOI 101590S0103 863X2009000100013 Kehl M R 1990 Desejo de realidade In A Novaes A Org O desejo pp 363 382 São Paulo Companhia das Letras Laplanche J Pontalis JB 2001 Vocabulário da Psicanálise São Paulo Martins Fontes Triagem psicológica da escuta das expectativas à formulação do desejo 29 Revista Psicologia Teoria e Prática 183 1929 São Paulo SP setdez 2016 ISSN 15163687 impresso ISSN 19806906 online httpdxdoiorg10593519806906psicologiav18n3p1929 Macedo M M K Carrasco L K 2005 A entrevista clínica um espaço de inter subjetividade In Contextos de entrevistas olhares diversos sobre a interação humana p 26 São Paulo Casa do Psicólogo Macedo M M K Falcão C N B 2005 A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta Psyche 915 6576 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielo phpscriptsciarttextpidS141511382005000100006lngpttlngpt Manoni M 2004 A primeira entrevista em psicanálise Rio de Janeiro Elsevier Perfeito H C C S Melo S A de 2004 Evolução do processo de triagem psi cológica em uma clínicaescola Estudos de Psicologia 211 3342 DOI 101590 S0103166X2004000100003 Rocha M C 2011 Plantão psicológico e triagem aproximações e distanciamen tos Revista do NUFEN 31 119134 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