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BION DA TEORIA À PRÁTICA 165 14 Teoria das Transformações ton chamava de infinito vazio e informe para se aproximar de Deus Além desses modelos Bion também ilus tra esse As transformações com muitas passa gens clínicas de modo a nunca perder de vis ta que não admitia posições teóricas e consi derações metapsicológicas que não tivessem um embasamento e uma correlação com a prá tica analítica Na descrição que segue há uma omissão deliberada dos detalhes mais profundos dos três modelos anteriores devido ao propósito de tornar mais claro e fazer sobressair o que creio podemos considerar a quarta dimensão que Bion empregou em As transformações que proponho denominar pragmáticoclínica CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO O conceito de transformação é priori tariamente clínico e segundo Bion objetiva es clarecer a cadeia de fenômenos que se passa entre os enunciados do analista e do paciente para compreender a evolução da experiência emocional entre ambos Os termos transformação e invariân cia são utilizados em muitas disciplinas como na geometria projetiva na teoria dos conjun tos da matemática na gramática na filosofia e naturalmente em psicanálise desde Bion Em 1965 Bion publicou As transforma ções com o subtítulo Da aprendizagem ao crescimento que juntamente com os dois li vros anteriores O aprender com a experiência de 1962 e Elementos de psicanálise de 1963 constituem uma espécie de trilogia da parte epistemológica de sua obra científica Vimos como Bion costumava enfatizar que a psicanálise pode ser abordada a partir de três dimensões a científica com funda mentos lógicomatemáticos a estética artís tica e a religiosomística Acho interessante o título As transformações por coincidência corresponder a uma época em que Bion co meçava a dar os primeiros sinais mais claros de transformações em seu pensamento cien tífico para um modelo de natureza filosófica e progressivamente mística Dessa forma esse livro contém uma mes cla de elementos da lógica matemática com a utilização de signos pontos linhas e conceitos extraídos da geometria moderna da estética como a visualização que ele faz do caso Dora cuja bela descrição literária feita por Freud representa para Bion um primeiro elo de ligação entre a psicanálise e a arte e da filosofia religiosomística como as enfáticas citações de Platão do poeta Milton e de São João da Cruz os quais cada um com o seu vértice e estilo próprio asseveravam a reen carnação das almas em vidas sucessivas e a ne cessidade de o homem ultrapassar o que Mil Bionp65 24042008 0851 165 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 166 DAVID E ZIMERMAN De certa forma lembrando a clássica lei de Lavoisier segundo a qual na natureza nada se perde nada se cria tudo se transforma também em psicanálise tudo sofre e ao mes mo tempo é produto de transformações Hoje pensando melhor ao revisar para esta segun da edição é possível que essa minha analogia com a lei de Lavoisier não faça justiça a Bion visto que seu conceito de que o crescimento mental se comporta como um universo em ex pansão implica a agregação de novos espaços e objetos Bion estendeu o conceito de transforma ção utilizado no processo analítico para as modificações que se processam no meio am biente fora da análise tal como exemplificou com um paciente psicótico seu que com sua piora mobilizou a preocupação e a interfe rência de familiares e amigos na análise A palavra transformação significa for mar para além de de modo que as mudanças da forma de um determinado fenômeno po dem ser múltiplas e adquirir os mais diversos formatos e significados porém sempre conser varão a propriedade de se conectarem entre si devido à permanente manutenção de pelo menos um elemento imutável comum a todas as formas que constitui o que se conhece por invariantes Para esclarecer a sua conceituação psi canalítica Bion utilizou entre outros o mo delo da geometria podese submeter as figu ras geométricas a todos os tipos de transfor mação como translação rotação ou projeção em que o matemático consegue encontrar o que há de comum entre o antes e o depois das transformações e o modelo da arte uma mesma paisagem pode ser transposta para a tela de formas bem diferentes conforme a escola do pintor Os elementos presentes em uma análise estão sempre em uma conjunção constante penso que à moda de uma estrutura reticular entre si mas isso não quer dizer que haja uma direta e linear relação de causaefeito entre eles No entanto esses elementos sofrem cons tantes transformações e o importante a assi nalar é que estas últimas se processam tanto na pessoa do paciente podendo atingir o grau máximo de alucinações sensoriais como na sua família e na pessoa do psicanalista a interpre tação verbal é a culminância de um processo de transformação dentro dele Dessa forma como exemplos de transfor mação que ocorrem na situação psicanalítica podemse mencionar os sonhos os sintomas a passagem do pensamento para o verbo ou para o acting o fenômeno da transferência a formulação da interpretação do analista e o ato de simbolizar visto que transformar é simboli zar e viceversa Da mesma maneira a grade pode ser encarada tanto no seu vertical eixo genético como no horizontal eixo da utiliza ção dos pensamentos como um grupo de su cessivas transformações de uma categoria a outra sendo que Bion frisa que nenhuma trans formação pode ocorrer sem a concomitância de uma experiência emocional Assim em As transformações para deixar claro que as diversas formas de transformação sempre ocorrem no curso de uma vivência emocional Bion utiliza como modelo prototí pico o da violência na encruzilhada de Tebas estabelecendo uma vinculação entre a sua teo ria das transformações com uma invariante das teorias psicanalíticas a do Complexo de Édipo Penso que a exemplo de um mapamúndi geográfico que vai mudando a sua configura ção com o correr das transformações históri cas também na análise as sucessivas transfor mações que ocorrem no vínculo analítico vi sam a modificar o mapa das capacidades afetivas e intelectivas do analisando O PROCESSAMENTO DA TRANSFORMAÇÃO Bion postulou que em todo o processo de transformação o qual ele designa por T tanto no paciente Tp como no analista Ta sem pre vai haver a presença de quatro elementos um estado inicial que ele denomina O um mecanismo de ação que produz a transforma ção designado pelo signo alfa um produto final designado pelo signo beta e a perma nência de algum grau de invariância É útil es clarecer que os signos gregos das letras alfa e beta que Bion utiliza em As transformações não têm nada a ver com o significado que es Bionp65 24042008 0851 166 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 167 sas letras representam como elementos do pensamento O signo O necessita ser clarificado por quanto tem sido empregado com acepções um pouco distintas pelos autores que têm divulga do a obra de Bion Alguns são convictos em interpretar O como a letra o de origem enquanto outros lêem esse signo como zero O próprio Bion nos esclarece melhor ao res ponder uma pergunta que lhe foi formulada na oitava das Conferências brasileiras 1 1973 p 136 sugerindo que O seja lido como letra o embora deva ser consignado que o idioma inglês permite as duas acepções O que importa é que para Bion O desig na um estado inicial desconhecido pode ser o início de uma sessão no entanto de uma for ma mais consistente ele emprega O com o sig nificado de que o ciclo de transformações se inicia a partir de uma original realidade incognoscível Em outros contextos ele de nomina O como coisa em si mesmo inspira do em Kant ou também como verdade ab soluta infinito incognoscível númeno divindade e essa variada nomenclatura pa rece que vai além de uma simples sinonímia e serve para Bion tanto designar um plano obje tivo como o de uma sessão como também pre tende atingir a um plano místico sendo que tudo isso pode nos causar alguma imprecisão quando não uma certa confusão Vale lembrar que inspirado em Kant Bion afirma que a coisa em si mesmo indica que é necessário que o analista saiba suportar e acei tar conhecer somente a realização da coisa a conjunção a constelação dos fenômenos que cercam a original coisa em si mesmo porquan to esta última é impossível de ser conhecida Comentários acredito que o conceito de como é e de como se processa o fenômeno da transformação fique mais claro através de um modelo da física o da transformação da água nos estados líquido sólido e gasoso e nos di versos usos desses derivados Assim se apre sentarmos a uma criancinha ou a um habi tante primitivo a um psicótico a alguém que ignora a física um copo com água uma barra de gelo e uma nuvem no céu ela não terá con dições de reconhecer que esses três corpos não passam de transformações de um mesmo fato original a combinação de átomos de hidrogê nio e de oxigênio que formam a molécula H2O que é o invariante comum nos três Da mesma forma o significado que cada pessoa empresta a uma simples menção da palavra água para ficarmos no mesmo exem plo também vai produzir transformações con ceituais Assim água tanto pode significar um líquido para matar a sede uma água para to mar banho um rio para um navio navegar uma queda dágua etc Indo mais além uma queda dágua tanto pode ser destrutiva e arrasar uma lavoura como ter o seu curso transformado por aquedutos e ser vital e construtiva para essa plantação ou ainda essa mesma queda dágua pode ser transformada em energia elétrica e esta por sua vez em energia luminosa e as sim por diante A partir dessa analogia podemos dedu zir que o fenômeno de transformação depen de muito do meio no qual ele se processa e da técnica empregada e voltando para a situa ção psicanalítica o meio de transformação pode ser a mente o corpo o espírito ou o es paço exterior e as técnicas analíticas variam muito de acordo com cada um desses diferen tes estados mentais Outro modelo de transformação que me ocorre é aquele em que Freud ao estudar as paranóias parte de uma suposta frase de um homem que tenha em relação a outro homem um inconsciente pensamento carregado com um desejo tipo eu o amo Como esse desejo denotaria um proibido desejo homossexual a mente do sujeito mercê do uso de negações e projeções e trocando os lugares do sujeito ver bo ou complemento pode fazer uma série de transformações do tipo 1 não eu não o amo eu o odeio 2 ele me odeia 3 ele ama ela sua mulher por exemplo 4 ela ama ele pode atingir o grau de um ciúme delirante Podería mos fazer outros desdobramentos como 5 todas as mulheres me amam erotomania 6 não amo ninguém e nunca vou amar fuga para o narcisismo etc Ainda tomando Freud como referência um exemplo simples de transformação como é em Bion o de elementos beta em alfa equi vale em Freud à revelação dos conteúdos la Bionp65 24042008 0851 167 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 168 DAVID E ZIMERMAN tentes do sonho na sua transformação em con teúdo manifesto Segundo Bion as verdadeiras transforma ções em direção a O na situação psicanalítica podem vir acompanhadas de um estado psí quico que ele denomina mudança catastrófi ca nome que titulou um artigo Catastrophic Change escrito em 1966 Utilizando o modelo continenteconteú do Bion mostra como em diversos con textos diferentes na mente nos grupos na sociedade na sessão psicanalítica etc há sempre uma conjunção constante de fatos específicos No entanto sempre que essa con junção estável se enfrenta com uma situação de mudança e crescimento se altera e se ins tala um clima de catástrofe Em relação aos fatos que irrompem a mudança catastrófica Bion aponta a presença de três características a violência a invariância e a subversão do sistema TIPOS DE TRANSFORMAÇÃO Inspirado na nomenclatura utilizada pela geometria moderna Bion propõe que as trans formações psíquicas se processam por três modalidades distintas entre si e que ele cha ma de transformações de movimento rígido transformações projetivas e alucinoses A transformação de movimento ou mo ção rígido é aquela que pouco distorce o fato original e permite ao analista encontrar o ele mento invariante com alguma facilidade Es sas transformações são mais comuns em pa cientes neuróticos cujo mecanismo defensivo predominante é o da repressão A transformação do tipo projetivo defor ma mais intensamente o fato original desvir tuando as noções de espaço a distância e de tempo a época dos fatos distorcidos sem no entanto impedir completamente que o psica nalista possa reconhecer os invariantes que possibilitam a interpretação Esse tipo de trans formação acontece com pacientes que estão no limite do analisável e as deformações dos fa tos originais ocorrem por conta do precoce emprego de defesas muito primitivas dissocia ções projeções conforme conhecemos da teoria kleiniana Comentários penso que podemos encon trar um bom exemplo de transformação do tipo projetivo no historial clínico de Freud Ho mem dos Ratos em que na sessão inicial com Freud o paciente falava de seu pai como se ambos estivessem convivendo diariamente numa relação muito intensa e viva Qual não foi a surpresa de Freud quando ao perguntar qual era a atividade do seu pai o paciente lhe informou que o mesmo já havia falecido há dezenas de anos Tratase creio de uma trans formação projetiva oriunda da vivência dis torcida de um fato devido a uma projeção no tempo provavelmente porque o paciente não tinha elaborado a morte do pai e este continua va mortovivo dentro dele A transformação em alucinose consiste em uma deformação de tal grandeza que se torna uma tarefa dificílima ao analista chegar ao O da verdade essencial de seu paciente É preci so esclarecer que alucinose não deve ser con fundida com o conceito clássico de alucina ção em psiquiatria embora eventualmente possa chegar a esse estado Creio ser oportuno e útil registrar a etimo logia da palavraconceito alucinose Segun do de la Puente 1992 p 343 de forma ne nhuma alucinar deriva de a privação de e lucinare de lux lucis iluminar isto é como o significado de sem luz alucinare equí voco muito comum Alucinose resulta dos étimos gregos hallos e gnosis Hallos significa outro e seus derivados e correlativos são di ferente estrangeiro falso nãoreal mau Gnosis por sua vez se encontra em duas pala vras especificamente opostas a cognose e a alucinose Portanto o conhecimento se opõe diferencialmente à alucinação Dessa forma prossegue de la Puente a partir do referencial bioniano quer se trate de alucinose como um fenômeno de transformação ou de uma aluci nação clínica como um termo final desse pro cesso transformatório alucinar deve ser en carado como um entendimento uma presen ça de luz Tal entendimento não provém da experiência apesar de ser expressado com ele mentos sensoriais Bionp65 24042008 0851 168 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 169 A transformação em alucinose está corre lacionada à catástrofe primitiva do lactante pela qual as sensações e os protopensamentos elementos β embutidos numa ansiedade de aniquilamento primordial não foram bem con tidos pelo rêverie da mãe e por isso a criança os reintrojetou sob a forma de um terror sem nome o qual por sua vez volta a ser evacua do por projeções no ambiente exterior pelas vias sensoriais as projeções então retornam por essas vias sob a forma de alucinoses Essa transformação em alucinose proces sase na área psicótica da personalidade do paciente e o fato de as fortes ansiedades não serem adequadamente processadas em pensa mentos úteis falta da função α compromete a capacidade de formação de símbolos daí a dificuldade de o psicanalista decodificar as transformações Essa parte psicótica da perso nalidade não opera com símbolos abstratos mas sim com equações simbólicas concretas conforme a clássica descrição de Segal 1957 Podese dizer portanto que a transfor mação em alucinose resulta essencialmente da intolerância à ausência do objeto ou o que é o mesmo da dor da privação da frustração e da decepção A transformação em alucinose consiste na evacuação projetiva dos estados ocultos da personalidade nos órgãos sensori ais de uma forma tal que reverte a função de algum órgão do sentido o qual de receptor passa a efetor Assim por exemplo a visão não recebe as imagens pelo contrário emiteas como se observa nas alucinações O psicanalista precisa estar atento aos estados de alucinose porquanto nessa situa ção a linguagem do paciente seja ela verbal ou alguma forma nãoverbal não visa tanto à comunicação mas a um meio de expressão da alucinose e a uma tentativa de impôla aos demais Comentários penso que esses três tipos de transformação podem ser exemplificados a par tir da minha prática analítica com três pacien tes diferentes em situações em que um mesmo objeto um violino apareceu como produto de transformações distintas No primeiro caso um paciente neurótico sonha que executa em seu violino os movimentos para lá e para cá enquanto a dama proibida que ele cobiça se xualmente o escuta embevecida Aqui a trans formação é de movimento rígido e portanto permite uma fácil leitura do desejo sexual re primido Em um segundo caso um paciente adulto borderline sonha que um menino assus tado olha atentamente para um palco onde um grande número de músicos utiliza os mais vari ados tipos e tamanhos de violinos enquanto ele está ladeado por duas mulheres uma negra mal encarada e uma moça que lembra uma fada No caso tratavase de uma transformação projetiva de um reconhecimento mais difícil para o analista porém a análise do simbolismo do sonho mostrou que a transformação consis tia em que o paciente homem adulto de hoje confundiase com o menino de ontem aspiran do a possuir um pênis que fosse igual ou maior do que o de seu pai sem saber qual a reação que encontraria por parte da mãe dissociada em uma idealizada e uma denegrida Uma ter ceira situação é trazida por um exemplo da pró pria Segal 1957 p 77 criadora do conceito da equação simbólica um paciente psicótico convidado por ela a tocar seu violino em uma festa do hospital ficou indignado e respondeu a senhora quer que eu me masturbe em públi co Tratase de um caso mais extremo de alucinose porém ilustra como na equação sim bólica o símbolo ficou confundido com o sim bolizado tal como ficou o violino com o pênis O tipo de transformação mais dramática na situação analítica é a que Bion denominou como mudança catastrófica que permite uma visualização de tipos diferentes como será explicitado mais adiante RELAÇÃO ENTRE K E O Vimos que K é o signo do conhecer sa ber que K indica uma condição de se negar e de não querer tomar conhecimento de certas verdades penosas e que nãoK se refere ao fato de que houve uma foraclusão termo de Lacan ou seja uma ruptura com a realidade e a substituição das ausências do mundo inter no pela criação e presença de um mundo inexistente Bionp65 24042008 0851 169 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 170 DAVID E ZIMERMAN Por outro lado vimos que em psicanáli se O é tudo aquilo que é desconhecido no pa ciente o que ainda não apareceu e não evo luiu enquanto na pessoa do analista O é o seu ponto de partida do desconhecido isto é o seu vértice psicanalítico Esse O pode evoluir muito amparado na sua intuição até a formu lação da interpretação Assim a transformação de K em O signifi ca as interpretações transformarem o saber acerca de algo por exemplo o caso de um insight unicamente intelectivocognitivo em vir a ser esse algo no caso insight elaborativo e verdadeiramente transformador Transformação em O é portanto reto mando Nietzsche o mesmo que um indivíduo vir a ser aquilo que realmente ele é Uma leitura mais atenta de Bion permite supor que a relação entre K e O na situação analítica se opera em três tempos inicialmen te é necessário passar do K trazido pelo pa ciente a sua realidade racionalizada para uma condição de algo desconhecido O e a partir desse desconhecido O da sessão chegar ao insight K porém esse K deve ser dirigido ao O original dos primórdios do psiquismo Assim podese falar de uma transfor mação de O isto é a partir do fato desco nhecido trazido pelo paciente chegar a K de uma transformação em O ou seja che gar a uma verdade absoluta a partir de K e de alcançar um estado mental de estar de acordo com O Mudança catastrófica As transformações em O são caracteri zadas pela tríade subversão do sistema violên cia e invariância de sorte que sempre repre sentam um caráter disruptivo e ameaçador A palavra catástrofe se forma dos étimos gre gos katos para baixo strophos virar voltar porém não necessariamente signifi ca um desastre Assim Bion enfatizou que o vocábulo catástrofe não deve ser tomado no sentido literal e concreto salvo em algumas situações em que a mudança se faz num meio mental totalmente ocupado por K tal como podemos ver em Atenção e interpretação ele considera que esse tipo de mudança num meio em que prevaleça K constitui um movi mento psíquico positivo e evolutivo de cresci mento mental não obstante muito sofrido Segundo Bion existem três etapas uma mudança précatastrófica quando podem pre dominar distintas formas de resistências mais intensas nas personalidades psicóticas o ca tastrófico propriamente dito impregnado de fortes emoções como por exemplo o pacien te sentirse confuso angustiado deprimido hipocondríaco queixoso de que está pior do que antes de ter começado a análise e não ra ramente mostrarse agressivo dar indícios de uma reação terapêutica negativa ou chegar a um extremo de fazer veladas ameaças suici das Além disso indiretamente ele aciona a fa mília que então angustiada procura interfe rir no tratamento analítico Um terceiro mo mento é o póscatastrófico que pode trazer grandes benefícios analíticos Tratase pois de um estado psíquico que Bion denomina como turbulência emocional que pode ser tanto mais forte quanto mais psicótica for a personalidade do paciente Bion gostava de comparar essa turbulência com obras de Leonardo da Vinci em que com sen sibilidade e intuição esse genial artista pinta figuras que se assemelham à água em movi mento ou a uma cabeleira algo revolta Essa noção de mudança catastrófica ad quire uma importância especial na evolução da análise visto que o risco é de que o analista se amedronte e não consiga tirar os frutos po sitivos dessa situação turbulenta TRANSFORMAÇÃO NA SITUAÇÃO PSICANALÍTICA Comentários como exemplificação des ses conceitos vou figurar com uma situação de minha clínica de um tipo bastante comum na experiência de todo psicanalista Após a in terrupção da análise por duas semanas devi do a uma viagem do analista um paciente adul to começa a primeira sessão do retorno fazen do um relato minucioso do incrível número de Bionp65 24042008 0851 170 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 171 mulheres que havia passado no pau Na sua forma de falar ele exibia a um só tempo tan to o júbilo de um vencedor em relação ao ana lista como uma forma de desprezo pelas mu lheres na sua forma de referirse a elas A ses são transitou pelas seguintes transformações o O inicial está representado nos actings donjuanescos os quais traduziam uma forte necessidade de confirmar a sua condição de homem potente para evitar o conhecimento K de que se despertaram nele impulsões de natureza homossexual Essa homossexualida de latente por sua vez encobria um ódio à figura feminina e um conseqüente desejo de um afago masculino sendo que o despertar desse ódio lhe foi incrementado pelo abando no a que foi submetido pelo seu analista Em outras palavras um acting de natureza manía ca o protegia de sentir uma profunda depres são Percebese que do O inicial da sessão donjuanismo chegouse a um K insight o movimento seguinte do analista foi a partir daí chegar às vivências inanimadas de um O muito primitivo da personalidade do paciente que provavelmente correspondiam a uma ter rível ansiedade de aniquilamento decorrente de uma mãe muito ausente ou que quando presente não o entendia e não o continha Na prática analítica é fundamental a afir mativa de Bion de que qualquer O do paciente que não seja comum ao analista por exemplo um ponto cego deste último por uma insufi ciência de sua análise pessoal impossibilita a investigação psicanalítica entre K e O Da mesma forma toda vez que o pacien te estiver em um estado mental de K de nada adiantarão as interpretações centradas nos con flitos por mais exatas que sejam o que não é o mesmo que eficazes porquanto o paciente não quer ou não pode tomar conhecimento delas Nessas condições a atividade interpre tativa prioritária do analista deve objetivar transformar K em um K isto é um estado de descobrimento Dizendo com outras palavras tudo isso corresponde à importante passagem de um estado mental egossintônico do pacien te para o de uma egodistonia É fácil deduzir que à medida que a análi se vai se aproximando do O do paciente tam bém vão aumentando as resistências deste e isso se torna muito intensificado nas alucinoses pois nesses casos o O original se confunde com as primitivas fantasias inconscientes do paci ente que o levam ao medo de se transformar em um louco um assassino ou em Deus O que Bion quer dizer me parece é que o paciente enlouquece tem delírios alucinações para não enlouquecer cometer suicídio homicídio ou ter os poderes mágicos e onipotentes por tanto também perigosos de Deus Na hipótese de que na mente do analista predomina um ponto cego em relação ao O do paciente ele vai desenvolver um movimen to contraresistencial conjugado com as resis tências que o paciente opõe às transformações Essas resistências adquirem muitas modalida des conhecidas porém é preciso destacar as duas que Bion descreve de um modo original em outros textos a do ataque aos vínculos perceptivos dele próprio e do seu analista e a da reversão da perspectiva através da qual vai impedir as transformações propostas pela interpretação do analista e vai retransformá las enquadrandoas para as suas próprias pre missas imutáveis Uma transformação adequada no psica nalista consiste em que partindo de seu vérti ce de observação do fato analítico ele utilize a sua intuição e consiga chegar ao fato selecio nado que corresponde à descoberta do fato que dá ordem e coerência ao que até então parecia disperso e caótico O fato seleciona do possibilita o pensamento verbal do analis ta e daí a formulação da interpretação Bion por vezes chama esse processo de evolução porém quando utiliza o referen cial kleiniano se refere a ele como a passa gem na mente do analista de um estado de paciência correspondente à posição esquizo paranóide para um estado de segurança correspondente à posição depressiva Partin do daí e do fato de que transformar é simbo lizar e viceversa podese dizer que a formu lação final de uma interpretação é decorrência de uma série de transformações na mente do analista Em relação às transformações que se pas sam na mente do paciente Bion traz uma bela Bionp65 24042008 0851 171 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 172 DAVID E ZIMERMAN ilustração no livro Atenção e interpretação 1970 p 15 na qual descreve as transforma ções que o desejo de seu paciente por sorvete icecream sofreu até se transformar em um grito de dor I scream Comentários creio que cabe fazer uma metáfora das transformações que se processam numa análise com as que resultam de uma aná lise química Assim a palavra análise forma da dos étimos gregos analysis significa uma dissolução lise de um todo em partes aná de sorte que se pode dizer que o modelo de uma análise química é comparável ao acontecimen to psíquico que pode ser decomposto em seus elementos componentes os quais por sua vez podem entrar em novas combinações da mes ma forma que os elementos musicais O modelo utilizado por Bion 1965 para ilustrar o fenômeno da transformação foi o de uma analogia com a hipótese de dois pintores de estilos diferentes pintarem uma mesma pai sagem de maneiras aparentemente irreconhe cíveis entre si embora conservem uma mesma invariante que é a paisagem real Assim dois analistas que trabalham com diferentes refe renciais teóricos e técnicos um freudiano e um kleiniano por exemplo poderão sofrer trans formações diferenciadas e assim dar interpre tações bem distintas a um mesmo material clí nico o mesmo pode ocorrer entre dois analis tas de mesma orientação teórica como tam bém com cada psicanalista isoladamente con forme forem as particularidades de um deter minado contexto clínico Uma outra metáfora utilizada por Bion no mesmo livro é a de que a sombra da imagem de uma árvore por exem plo pode mostrar os contornos dela mas nun ca será a mesma coisa que uma visão direta da mesma árvore ao vivo Da mesma forma este capítulo sobre transformações resulta da transformação par ticular que o texto de Bion provocou em mim e que certamente não será coincidente com a de outros embora conserve a mesma invariância essencial A própria escolha do vértice prioritário de observação já determina uma significativa mudança nas transformações que esse texto opera no leitor devido à intersecção entre os enfoques da matemática geometria estética religião filosofia e o da prática analítica e cada uma de suas abordagens permite um desdobra mento específico A utilização do modelo da geometria bas tante empregado por Bion nos levaria a inte ressantes correlações com as transformações psicanalíticas e para tanto seria imprescindí vel reproduzir como se comportam os ângu los vértices movimentos e projeções das figu ras geométricas assim como o emprego gráfi co do ponto da linha e do círculo Estes três últimos sinais para Bion representam res pectivamente o seio o pênis e a noção de den trofora e poderiam servir para indicar o tem po em que o objeto estava antes e o espaço onde o objeto vai ficar que por sua vez simbolizam os objetos ausentes e as relações objetais Além disso esses sinais de ponto e linha podem ser precedidos do sinal negativo o que designaria que houve um despojamento da representação e da significação através de um ataque invejoso tanto ao que ocupa o es paço da mente como ao tempo o qual fica re duzido a um instante sem passado nem futu ro abolindo assim toda significação Como se vê embora tenha o mérito de ser instigante o modelo geométrico é muito complicado e do meu ponto de vista não faz acréscimos ao entendimento e à aplicação na prática analíti ca do importante conceito de transformação Da matemática além de outros vale re gistrar pela importância que representa para o entendimento do processo de transformação no analista até sua interpretação o conceito de fato selecionado que Bion extraiu de Poincaré Segundo esse pensador que conse guia emprestar um caráter filosófico à sua con dição de matemático o fato selecionado tal como ele alude em Science and method des creve o processo de criação de uma formula ção matemática do seguinte modo se um novo resultado há de ter algum va lor deve unir elementos conhecidos por muito tempo porém que tenham estado diversos até então e que tenham sido apa rentemente estranhos entre si e subita mente introduzir ordem onde havia a apa rência de desordem Bionp65 24042008 0851 172 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 173 Bion diz que usa o termo fato seleciona do para descrever aquilo que o analista deve experimentar no processo de síntese em meio aos movimentos transformatórios Tratase de uma experiência emocional com uma signifi cação essencialmente epistemológica e não se deve supor que a relação dos fatos seleciona dos seja lógica pois ela é antes disso mais intuitiva O enfoque filosóficoreligiosomístico tam bém permitiria tecer interessantes considera ções acerca da relação da realidade última e incognoscível do O com a divindade Assim entre outros Bion menciona o Mestre Eckart o qual considerava a diferença entre Deus e a divindade e apregoava que a unificação com Deus que consuma o destino permite ao mes mo tempo a descoberta da realidade das coi sas São João da Cruz cujos poemas líricos e místicos expressam a intimidade dos homens com Deus e o poeta Milton o qual numa pas sagem do Paraíso Perdido escreveu que a personalidade deve sobrepujar o infinito va zio e amorfo Entre os filósofos no entanto poderia ser muito útil um aprofundamento no conceito de forma da teoria platônica que também ser viu de inspiração para as idéias de Bion acerca das transformações Vale lembrar que na clás sica alegoria da caverna de Platão os ho mens primitivos estão sentados imóveis na en trada de uma caverna de costas para a entra da observando as formas projetadas pelo fogo que arde no fundo da caverna enquanto des conhecem as formas decorrentes da lumino sidade do sol que se filtram para dentro da caverna Essa alegoria situa o mundo sensori al no interior iluminado pelo fogo e o mundo inteligível fora à luz do sol Da mesma forma completa Bion os ór gãos dos sentidos bloqueiam o conhecimento das verdadeiras realidades e fazemnos tomar como sendo verdades aquilo que não é mais que uma aparência fragmentária e muitas ve zes enganadora das mesmas Para Platão a alma aproxima o homem do mundo divino das idéias e das formas e a ambas ele designa como Eidos É justamente aqui que a meu juízo Bion poderia ter feito uma conexão mais íntima e mais clara entre formas e idéias tal como é possível perceber nos derivados etimológicos de eidos étimo grego que tanto dá origem à palavra idéia no sentido de pensamento como designa o surgimento de formas como na palavra caleidosscópio e ainda dá ori gem à palavra ídolo vem de eidolon e alude a Deus O conceito de transformação de Bion penso não deixa de ser um constante movimento caleidoscópico na análise Na hipótese de que Bion tivesse utilizado para as transformações um modelo mitológi co tal como fez com seus estudos sobre o desconhecimento creio que o mito de Narci so poderia se enquadrar muito bem para esse propósito de sem nunca perder de vista a prio ridade científica psicanalítica estabelecer as conexões entre as idéias e as formas A começar pelo título Metamorfose que o poeta Ovídio deu à sua narrativa Essa tragédia grega a partir da fala do cego Tirésias que profetizara que Narciso morreria caso e quando viesse a co nhecerse pode bem ilustrar a necessidade de um crescimento mental darse sobre as ruínas e a morte de anteriores estados mentais primiti vos que devem sofrer transformações Assim clinicamente falando para que se dê o cresci mento de um paciente regressivo portador de uma parte psicótica da personalidade portan to fixado em uma posição narcisista se usar mos um referencial atual é necessário que se processe uma transformação essencial que o sujeito atinja uma posição edípica porém para atingila é preciso que antes o seu Narciso patológico morra como no mito Se partirmos de um modelo grupalista va mos reconhecer que os enunciados de Bion re ferentes à relação do místico com o establish ment têm muito a ver com o medo de uma mudança catastrófica por parte da estrutura social vigente O melhor exemplo dado pelo próprio Bion é o de Jesus que provocou uma turbulência na comunidade judaica da época Em relação à aplicação do conceito de transformação na prática psicanalítica pode se dizer de forma muito resumida que pelo menos três aspectos são relevantes a desco Bionp65 24042008 0851 173 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 174 DAVID E ZIMERMAN berta do fato selecionado a repercussão clí nica da mudança catastrófica e a busca da verdade representada por O À importância que o fato selecionado re presenta para a elaboração dentro do analista e a posterior formulação da sua interpretação já aludimos antes Bion considera na transforma ção que se processa no analista o estado men tal que chama de evolução o qual inclui a pre sença de lembranças que surgem espontanea mente no curso da sessão portanto bem dife rentes de memórias que por antecipação este jam saturando a mente do analista A repercussão clínica diante da mudan ça catastrófica além das manifestações resis tenciais mais gritantes próprias da área psi cótica do paciente como a reversão da pers pectiva e o ataque aos vínculos perceptivos adquire uma relevância nas formas mais sutis como se manifestam na prática psicanalítica Assim mudanças verdadeiras e significativas de qualquer paciente costumam vir acompa nhadas de sensações catastróficas de um medo de enlouquecer de uma sensação de piora de sintomas hipocondríacos de despersonalização e de somatizações de actings preocupantes além de angustiantes para o paciente para o seu entorno familiar e para o psicanalista sen timentos depressivos e confusionais e amea ças de suicídio É justamente nesse momento de transformações que a capacidade de rêverie do analista se torna de fundamental importân cia no destino do processo analítico Quanto à busca da verdade representa da por O deve ser destacado como particular mente significativo o fato de esse conceito enaltecer a necessária discriminação que deve haver entre o que é verdadeiro o que é falso e o que é uma mentira deliberada Chegar a O significa como vimos que o analisando venha a ser o que realmente ele é e isso está muito bem ilustrado em Ecce homo Eis o homem de Nietzsche em um subtítulo denominado Como se chegar a ser o que realmente se é Por outro lado essa conceituação de O em um certo sentido aproxima Bion dos conhecidos postulados de Winnicott acerca do verdadei ro e do falso self As transformações no processo analítico se exitosamente superadas as dores que acom panham os estados derivados de uma mudan ça catastrófica são recompensadas por uma sensação de autenticidade e liberdade tal como expressou uma paciente às vésperas do térmi no de uma análise de sete anos de duração pensei muito no que foi a minha aná lise nestes anos e compareia com as trans formações a paciente não era da área PSI que sofre uma larva até chegar à condição de borboleta Eu vim para cá me sentindo um bicho cabeludo termo que particularmente designa o estado larvário da borboleta se arrastando viscoso re pugnante e com uma única e monótona cor verde fui passando por outros estági os de transformação e sinto que posso me considerar uma borboleta com cores vi vas e variadas e acreditando em que eu possa fazer um vôo livre porque estou me sentindo verdadeira Bionp65 24042008 0851 174 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS
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BION DA TEORIA À PRÁTICA 165 14 Teoria das Transformações ton chamava de infinito vazio e informe para se aproximar de Deus Além desses modelos Bion também ilus tra esse As transformações com muitas passa gens clínicas de modo a nunca perder de vis ta que não admitia posições teóricas e consi derações metapsicológicas que não tivessem um embasamento e uma correlação com a prá tica analítica Na descrição que segue há uma omissão deliberada dos detalhes mais profundos dos três modelos anteriores devido ao propósito de tornar mais claro e fazer sobressair o que creio podemos considerar a quarta dimensão que Bion empregou em As transformações que proponho denominar pragmáticoclínica CONCEITO DE TRANSFORMAÇÃO O conceito de transformação é priori tariamente clínico e segundo Bion objetiva es clarecer a cadeia de fenômenos que se passa entre os enunciados do analista e do paciente para compreender a evolução da experiência emocional entre ambos Os termos transformação e invariân cia são utilizados em muitas disciplinas como na geometria projetiva na teoria dos conjun tos da matemática na gramática na filosofia e naturalmente em psicanálise desde Bion Em 1965 Bion publicou As transforma ções com o subtítulo Da aprendizagem ao crescimento que juntamente com os dois li vros anteriores O aprender com a experiência de 1962 e Elementos de psicanálise de 1963 constituem uma espécie de trilogia da parte epistemológica de sua obra científica Vimos como Bion costumava enfatizar que a psicanálise pode ser abordada a partir de três dimensões a científica com funda mentos lógicomatemáticos a estética artís tica e a religiosomística Acho interessante o título As transformações por coincidência corresponder a uma época em que Bion co meçava a dar os primeiros sinais mais claros de transformações em seu pensamento cien tífico para um modelo de natureza filosófica e progressivamente mística Dessa forma esse livro contém uma mes cla de elementos da lógica matemática com a utilização de signos pontos linhas e conceitos extraídos da geometria moderna da estética como a visualização que ele faz do caso Dora cuja bela descrição literária feita por Freud representa para Bion um primeiro elo de ligação entre a psicanálise e a arte e da filosofia religiosomística como as enfáticas citações de Platão do poeta Milton e de São João da Cruz os quais cada um com o seu vértice e estilo próprio asseveravam a reen carnação das almas em vidas sucessivas e a ne cessidade de o homem ultrapassar o que Mil Bionp65 24042008 0851 165 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 166 DAVID E ZIMERMAN De certa forma lembrando a clássica lei de Lavoisier segundo a qual na natureza nada se perde nada se cria tudo se transforma também em psicanálise tudo sofre e ao mes mo tempo é produto de transformações Hoje pensando melhor ao revisar para esta segun da edição é possível que essa minha analogia com a lei de Lavoisier não faça justiça a Bion visto que seu conceito de que o crescimento mental se comporta como um universo em ex pansão implica a agregação de novos espaços e objetos Bion estendeu o conceito de transforma ção utilizado no processo analítico para as modificações que se processam no meio am biente fora da análise tal como exemplificou com um paciente psicótico seu que com sua piora mobilizou a preocupação e a interfe rência de familiares e amigos na análise A palavra transformação significa for mar para além de de modo que as mudanças da forma de um determinado fenômeno po dem ser múltiplas e adquirir os mais diversos formatos e significados porém sempre conser varão a propriedade de se conectarem entre si devido à permanente manutenção de pelo menos um elemento imutável comum a todas as formas que constitui o que se conhece por invariantes Para esclarecer a sua conceituação psi canalítica Bion utilizou entre outros o mo delo da geometria podese submeter as figu ras geométricas a todos os tipos de transfor mação como translação rotação ou projeção em que o matemático consegue encontrar o que há de comum entre o antes e o depois das transformações e o modelo da arte uma mesma paisagem pode ser transposta para a tela de formas bem diferentes conforme a escola do pintor Os elementos presentes em uma análise estão sempre em uma conjunção constante penso que à moda de uma estrutura reticular entre si mas isso não quer dizer que haja uma direta e linear relação de causaefeito entre eles No entanto esses elementos sofrem cons tantes transformações e o importante a assi nalar é que estas últimas se processam tanto na pessoa do paciente podendo atingir o grau máximo de alucinações sensoriais como na sua família e na pessoa do psicanalista a interpre tação verbal é a culminância de um processo de transformação dentro dele Dessa forma como exemplos de transfor mação que ocorrem na situação psicanalítica podemse mencionar os sonhos os sintomas a passagem do pensamento para o verbo ou para o acting o fenômeno da transferência a formulação da interpretação do analista e o ato de simbolizar visto que transformar é simboli zar e viceversa Da mesma maneira a grade pode ser encarada tanto no seu vertical eixo genético como no horizontal eixo da utiliza ção dos pensamentos como um grupo de su cessivas transformações de uma categoria a outra sendo que Bion frisa que nenhuma trans formação pode ocorrer sem a concomitância de uma experiência emocional Assim em As transformações para deixar claro que as diversas formas de transformação sempre ocorrem no curso de uma vivência emocional Bion utiliza como modelo prototí pico o da violência na encruzilhada de Tebas estabelecendo uma vinculação entre a sua teo ria das transformações com uma invariante das teorias psicanalíticas a do Complexo de Édipo Penso que a exemplo de um mapamúndi geográfico que vai mudando a sua configura ção com o correr das transformações históri cas também na análise as sucessivas transfor mações que ocorrem no vínculo analítico vi sam a modificar o mapa das capacidades afetivas e intelectivas do analisando O PROCESSAMENTO DA TRANSFORMAÇÃO Bion postulou que em todo o processo de transformação o qual ele designa por T tanto no paciente Tp como no analista Ta sem pre vai haver a presença de quatro elementos um estado inicial que ele denomina O um mecanismo de ação que produz a transforma ção designado pelo signo alfa um produto final designado pelo signo beta e a perma nência de algum grau de invariância É útil es clarecer que os signos gregos das letras alfa e beta que Bion utiliza em As transformações não têm nada a ver com o significado que es Bionp65 24042008 0851 166 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 167 sas letras representam como elementos do pensamento O signo O necessita ser clarificado por quanto tem sido empregado com acepções um pouco distintas pelos autores que têm divulga do a obra de Bion Alguns são convictos em interpretar O como a letra o de origem enquanto outros lêem esse signo como zero O próprio Bion nos esclarece melhor ao res ponder uma pergunta que lhe foi formulada na oitava das Conferências brasileiras 1 1973 p 136 sugerindo que O seja lido como letra o embora deva ser consignado que o idioma inglês permite as duas acepções O que importa é que para Bion O desig na um estado inicial desconhecido pode ser o início de uma sessão no entanto de uma for ma mais consistente ele emprega O com o sig nificado de que o ciclo de transformações se inicia a partir de uma original realidade incognoscível Em outros contextos ele de nomina O como coisa em si mesmo inspira do em Kant ou também como verdade ab soluta infinito incognoscível númeno divindade e essa variada nomenclatura pa rece que vai além de uma simples sinonímia e serve para Bion tanto designar um plano obje tivo como o de uma sessão como também pre tende atingir a um plano místico sendo que tudo isso pode nos causar alguma imprecisão quando não uma certa confusão Vale lembrar que inspirado em Kant Bion afirma que a coisa em si mesmo indica que é necessário que o analista saiba suportar e acei tar conhecer somente a realização da coisa a conjunção a constelação dos fenômenos que cercam a original coisa em si mesmo porquan to esta última é impossível de ser conhecida Comentários acredito que o conceito de como é e de como se processa o fenômeno da transformação fique mais claro através de um modelo da física o da transformação da água nos estados líquido sólido e gasoso e nos di versos usos desses derivados Assim se apre sentarmos a uma criancinha ou a um habi tante primitivo a um psicótico a alguém que ignora a física um copo com água uma barra de gelo e uma nuvem no céu ela não terá con dições de reconhecer que esses três corpos não passam de transformações de um mesmo fato original a combinação de átomos de hidrogê nio e de oxigênio que formam a molécula H2O que é o invariante comum nos três Da mesma forma o significado que cada pessoa empresta a uma simples menção da palavra água para ficarmos no mesmo exem plo também vai produzir transformações con ceituais Assim água tanto pode significar um líquido para matar a sede uma água para to mar banho um rio para um navio navegar uma queda dágua etc Indo mais além uma queda dágua tanto pode ser destrutiva e arrasar uma lavoura como ter o seu curso transformado por aquedutos e ser vital e construtiva para essa plantação ou ainda essa mesma queda dágua pode ser transformada em energia elétrica e esta por sua vez em energia luminosa e as sim por diante A partir dessa analogia podemos dedu zir que o fenômeno de transformação depen de muito do meio no qual ele se processa e da técnica empregada e voltando para a situa ção psicanalítica o meio de transformação pode ser a mente o corpo o espírito ou o es paço exterior e as técnicas analíticas variam muito de acordo com cada um desses diferen tes estados mentais Outro modelo de transformação que me ocorre é aquele em que Freud ao estudar as paranóias parte de uma suposta frase de um homem que tenha em relação a outro homem um inconsciente pensamento carregado com um desejo tipo eu o amo Como esse desejo denotaria um proibido desejo homossexual a mente do sujeito mercê do uso de negações e projeções e trocando os lugares do sujeito ver bo ou complemento pode fazer uma série de transformações do tipo 1 não eu não o amo eu o odeio 2 ele me odeia 3 ele ama ela sua mulher por exemplo 4 ela ama ele pode atingir o grau de um ciúme delirante Podería mos fazer outros desdobramentos como 5 todas as mulheres me amam erotomania 6 não amo ninguém e nunca vou amar fuga para o narcisismo etc Ainda tomando Freud como referência um exemplo simples de transformação como é em Bion o de elementos beta em alfa equi vale em Freud à revelação dos conteúdos la Bionp65 24042008 0851 167 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 168 DAVID E ZIMERMAN tentes do sonho na sua transformação em con teúdo manifesto Segundo Bion as verdadeiras transforma ções em direção a O na situação psicanalítica podem vir acompanhadas de um estado psí quico que ele denomina mudança catastrófi ca nome que titulou um artigo Catastrophic Change escrito em 1966 Utilizando o modelo continenteconteú do Bion mostra como em diversos con textos diferentes na mente nos grupos na sociedade na sessão psicanalítica etc há sempre uma conjunção constante de fatos específicos No entanto sempre que essa con junção estável se enfrenta com uma situação de mudança e crescimento se altera e se ins tala um clima de catástrofe Em relação aos fatos que irrompem a mudança catastrófica Bion aponta a presença de três características a violência a invariância e a subversão do sistema TIPOS DE TRANSFORMAÇÃO Inspirado na nomenclatura utilizada pela geometria moderna Bion propõe que as trans formações psíquicas se processam por três modalidades distintas entre si e que ele cha ma de transformações de movimento rígido transformações projetivas e alucinoses A transformação de movimento ou mo ção rígido é aquela que pouco distorce o fato original e permite ao analista encontrar o ele mento invariante com alguma facilidade Es sas transformações são mais comuns em pa cientes neuróticos cujo mecanismo defensivo predominante é o da repressão A transformação do tipo projetivo defor ma mais intensamente o fato original desvir tuando as noções de espaço a distância e de tempo a época dos fatos distorcidos sem no entanto impedir completamente que o psica nalista possa reconhecer os invariantes que possibilitam a interpretação Esse tipo de trans formação acontece com pacientes que estão no limite do analisável e as deformações dos fa tos originais ocorrem por conta do precoce emprego de defesas muito primitivas dissocia ções projeções conforme conhecemos da teoria kleiniana Comentários penso que podemos encon trar um bom exemplo de transformação do tipo projetivo no historial clínico de Freud Ho mem dos Ratos em que na sessão inicial com Freud o paciente falava de seu pai como se ambos estivessem convivendo diariamente numa relação muito intensa e viva Qual não foi a surpresa de Freud quando ao perguntar qual era a atividade do seu pai o paciente lhe informou que o mesmo já havia falecido há dezenas de anos Tratase creio de uma trans formação projetiva oriunda da vivência dis torcida de um fato devido a uma projeção no tempo provavelmente porque o paciente não tinha elaborado a morte do pai e este continua va mortovivo dentro dele A transformação em alucinose consiste em uma deformação de tal grandeza que se torna uma tarefa dificílima ao analista chegar ao O da verdade essencial de seu paciente É preci so esclarecer que alucinose não deve ser con fundida com o conceito clássico de alucina ção em psiquiatria embora eventualmente possa chegar a esse estado Creio ser oportuno e útil registrar a etimo logia da palavraconceito alucinose Segun do de la Puente 1992 p 343 de forma ne nhuma alucinar deriva de a privação de e lucinare de lux lucis iluminar isto é como o significado de sem luz alucinare equí voco muito comum Alucinose resulta dos étimos gregos hallos e gnosis Hallos significa outro e seus derivados e correlativos são di ferente estrangeiro falso nãoreal mau Gnosis por sua vez se encontra em duas pala vras especificamente opostas a cognose e a alucinose Portanto o conhecimento se opõe diferencialmente à alucinação Dessa forma prossegue de la Puente a partir do referencial bioniano quer se trate de alucinose como um fenômeno de transformação ou de uma aluci nação clínica como um termo final desse pro cesso transformatório alucinar deve ser en carado como um entendimento uma presen ça de luz Tal entendimento não provém da experiência apesar de ser expressado com ele mentos sensoriais Bionp65 24042008 0851 168 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 169 A transformação em alucinose está corre lacionada à catástrofe primitiva do lactante pela qual as sensações e os protopensamentos elementos β embutidos numa ansiedade de aniquilamento primordial não foram bem con tidos pelo rêverie da mãe e por isso a criança os reintrojetou sob a forma de um terror sem nome o qual por sua vez volta a ser evacua do por projeções no ambiente exterior pelas vias sensoriais as projeções então retornam por essas vias sob a forma de alucinoses Essa transformação em alucinose proces sase na área psicótica da personalidade do paciente e o fato de as fortes ansiedades não serem adequadamente processadas em pensa mentos úteis falta da função α compromete a capacidade de formação de símbolos daí a dificuldade de o psicanalista decodificar as transformações Essa parte psicótica da perso nalidade não opera com símbolos abstratos mas sim com equações simbólicas concretas conforme a clássica descrição de Segal 1957 Podese dizer portanto que a transfor mação em alucinose resulta essencialmente da intolerância à ausência do objeto ou o que é o mesmo da dor da privação da frustração e da decepção A transformação em alucinose consiste na evacuação projetiva dos estados ocultos da personalidade nos órgãos sensori ais de uma forma tal que reverte a função de algum órgão do sentido o qual de receptor passa a efetor Assim por exemplo a visão não recebe as imagens pelo contrário emiteas como se observa nas alucinações O psicanalista precisa estar atento aos estados de alucinose porquanto nessa situa ção a linguagem do paciente seja ela verbal ou alguma forma nãoverbal não visa tanto à comunicação mas a um meio de expressão da alucinose e a uma tentativa de impôla aos demais Comentários penso que esses três tipos de transformação podem ser exemplificados a par tir da minha prática analítica com três pacien tes diferentes em situações em que um mesmo objeto um violino apareceu como produto de transformações distintas No primeiro caso um paciente neurótico sonha que executa em seu violino os movimentos para lá e para cá enquanto a dama proibida que ele cobiça se xualmente o escuta embevecida Aqui a trans formação é de movimento rígido e portanto permite uma fácil leitura do desejo sexual re primido Em um segundo caso um paciente adulto borderline sonha que um menino assus tado olha atentamente para um palco onde um grande número de músicos utiliza os mais vari ados tipos e tamanhos de violinos enquanto ele está ladeado por duas mulheres uma negra mal encarada e uma moça que lembra uma fada No caso tratavase de uma transformação projetiva de um reconhecimento mais difícil para o analista porém a análise do simbolismo do sonho mostrou que a transformação consis tia em que o paciente homem adulto de hoje confundiase com o menino de ontem aspiran do a possuir um pênis que fosse igual ou maior do que o de seu pai sem saber qual a reação que encontraria por parte da mãe dissociada em uma idealizada e uma denegrida Uma ter ceira situação é trazida por um exemplo da pró pria Segal 1957 p 77 criadora do conceito da equação simbólica um paciente psicótico convidado por ela a tocar seu violino em uma festa do hospital ficou indignado e respondeu a senhora quer que eu me masturbe em públi co Tratase de um caso mais extremo de alucinose porém ilustra como na equação sim bólica o símbolo ficou confundido com o sim bolizado tal como ficou o violino com o pênis O tipo de transformação mais dramática na situação analítica é a que Bion denominou como mudança catastrófica que permite uma visualização de tipos diferentes como será explicitado mais adiante RELAÇÃO ENTRE K E O Vimos que K é o signo do conhecer sa ber que K indica uma condição de se negar e de não querer tomar conhecimento de certas verdades penosas e que nãoK se refere ao fato de que houve uma foraclusão termo de Lacan ou seja uma ruptura com a realidade e a substituição das ausências do mundo inter no pela criação e presença de um mundo inexistente Bionp65 24042008 0851 169 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 170 DAVID E ZIMERMAN Por outro lado vimos que em psicanáli se O é tudo aquilo que é desconhecido no pa ciente o que ainda não apareceu e não evo luiu enquanto na pessoa do analista O é o seu ponto de partida do desconhecido isto é o seu vértice psicanalítico Esse O pode evoluir muito amparado na sua intuição até a formu lação da interpretação Assim a transformação de K em O signifi ca as interpretações transformarem o saber acerca de algo por exemplo o caso de um insight unicamente intelectivocognitivo em vir a ser esse algo no caso insight elaborativo e verdadeiramente transformador Transformação em O é portanto reto mando Nietzsche o mesmo que um indivíduo vir a ser aquilo que realmente ele é Uma leitura mais atenta de Bion permite supor que a relação entre K e O na situação analítica se opera em três tempos inicialmen te é necessário passar do K trazido pelo pa ciente a sua realidade racionalizada para uma condição de algo desconhecido O e a partir desse desconhecido O da sessão chegar ao insight K porém esse K deve ser dirigido ao O original dos primórdios do psiquismo Assim podese falar de uma transfor mação de O isto é a partir do fato desco nhecido trazido pelo paciente chegar a K de uma transformação em O ou seja che gar a uma verdade absoluta a partir de K e de alcançar um estado mental de estar de acordo com O Mudança catastrófica As transformações em O são caracteri zadas pela tríade subversão do sistema violên cia e invariância de sorte que sempre repre sentam um caráter disruptivo e ameaçador A palavra catástrofe se forma dos étimos gre gos katos para baixo strophos virar voltar porém não necessariamente signifi ca um desastre Assim Bion enfatizou que o vocábulo catástrofe não deve ser tomado no sentido literal e concreto salvo em algumas situações em que a mudança se faz num meio mental totalmente ocupado por K tal como podemos ver em Atenção e interpretação ele considera que esse tipo de mudança num meio em que prevaleça K constitui um movi mento psíquico positivo e evolutivo de cresci mento mental não obstante muito sofrido Segundo Bion existem três etapas uma mudança précatastrófica quando podem pre dominar distintas formas de resistências mais intensas nas personalidades psicóticas o ca tastrófico propriamente dito impregnado de fortes emoções como por exemplo o pacien te sentirse confuso angustiado deprimido hipocondríaco queixoso de que está pior do que antes de ter começado a análise e não ra ramente mostrarse agressivo dar indícios de uma reação terapêutica negativa ou chegar a um extremo de fazer veladas ameaças suici das Além disso indiretamente ele aciona a fa mília que então angustiada procura interfe rir no tratamento analítico Um terceiro mo mento é o póscatastrófico que pode trazer grandes benefícios analíticos Tratase pois de um estado psíquico que Bion denomina como turbulência emocional que pode ser tanto mais forte quanto mais psicótica for a personalidade do paciente Bion gostava de comparar essa turbulência com obras de Leonardo da Vinci em que com sen sibilidade e intuição esse genial artista pinta figuras que se assemelham à água em movi mento ou a uma cabeleira algo revolta Essa noção de mudança catastrófica ad quire uma importância especial na evolução da análise visto que o risco é de que o analista se amedronte e não consiga tirar os frutos po sitivos dessa situação turbulenta TRANSFORMAÇÃO NA SITUAÇÃO PSICANALÍTICA Comentários como exemplificação des ses conceitos vou figurar com uma situação de minha clínica de um tipo bastante comum na experiência de todo psicanalista Após a in terrupção da análise por duas semanas devi do a uma viagem do analista um paciente adul to começa a primeira sessão do retorno fazen do um relato minucioso do incrível número de Bionp65 24042008 0851 170 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 171 mulheres que havia passado no pau Na sua forma de falar ele exibia a um só tempo tan to o júbilo de um vencedor em relação ao ana lista como uma forma de desprezo pelas mu lheres na sua forma de referirse a elas A ses são transitou pelas seguintes transformações o O inicial está representado nos actings donjuanescos os quais traduziam uma forte necessidade de confirmar a sua condição de homem potente para evitar o conhecimento K de que se despertaram nele impulsões de natureza homossexual Essa homossexualida de latente por sua vez encobria um ódio à figura feminina e um conseqüente desejo de um afago masculino sendo que o despertar desse ódio lhe foi incrementado pelo abando no a que foi submetido pelo seu analista Em outras palavras um acting de natureza manía ca o protegia de sentir uma profunda depres são Percebese que do O inicial da sessão donjuanismo chegouse a um K insight o movimento seguinte do analista foi a partir daí chegar às vivências inanimadas de um O muito primitivo da personalidade do paciente que provavelmente correspondiam a uma ter rível ansiedade de aniquilamento decorrente de uma mãe muito ausente ou que quando presente não o entendia e não o continha Na prática analítica é fundamental a afir mativa de Bion de que qualquer O do paciente que não seja comum ao analista por exemplo um ponto cego deste último por uma insufi ciência de sua análise pessoal impossibilita a investigação psicanalítica entre K e O Da mesma forma toda vez que o pacien te estiver em um estado mental de K de nada adiantarão as interpretações centradas nos con flitos por mais exatas que sejam o que não é o mesmo que eficazes porquanto o paciente não quer ou não pode tomar conhecimento delas Nessas condições a atividade interpre tativa prioritária do analista deve objetivar transformar K em um K isto é um estado de descobrimento Dizendo com outras palavras tudo isso corresponde à importante passagem de um estado mental egossintônico do pacien te para o de uma egodistonia É fácil deduzir que à medida que a análi se vai se aproximando do O do paciente tam bém vão aumentando as resistências deste e isso se torna muito intensificado nas alucinoses pois nesses casos o O original se confunde com as primitivas fantasias inconscientes do paci ente que o levam ao medo de se transformar em um louco um assassino ou em Deus O que Bion quer dizer me parece é que o paciente enlouquece tem delírios alucinações para não enlouquecer cometer suicídio homicídio ou ter os poderes mágicos e onipotentes por tanto também perigosos de Deus Na hipótese de que na mente do analista predomina um ponto cego em relação ao O do paciente ele vai desenvolver um movimen to contraresistencial conjugado com as resis tências que o paciente opõe às transformações Essas resistências adquirem muitas modalida des conhecidas porém é preciso destacar as duas que Bion descreve de um modo original em outros textos a do ataque aos vínculos perceptivos dele próprio e do seu analista e a da reversão da perspectiva através da qual vai impedir as transformações propostas pela interpretação do analista e vai retransformá las enquadrandoas para as suas próprias pre missas imutáveis Uma transformação adequada no psica nalista consiste em que partindo de seu vérti ce de observação do fato analítico ele utilize a sua intuição e consiga chegar ao fato selecio nado que corresponde à descoberta do fato que dá ordem e coerência ao que até então parecia disperso e caótico O fato seleciona do possibilita o pensamento verbal do analis ta e daí a formulação da interpretação Bion por vezes chama esse processo de evolução porém quando utiliza o referen cial kleiniano se refere a ele como a passa gem na mente do analista de um estado de paciência correspondente à posição esquizo paranóide para um estado de segurança correspondente à posição depressiva Partin do daí e do fato de que transformar é simbo lizar e viceversa podese dizer que a formu lação final de uma interpretação é decorrência de uma série de transformações na mente do analista Em relação às transformações que se pas sam na mente do paciente Bion traz uma bela Bionp65 24042008 0851 171 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 172 DAVID E ZIMERMAN ilustração no livro Atenção e interpretação 1970 p 15 na qual descreve as transforma ções que o desejo de seu paciente por sorvete icecream sofreu até se transformar em um grito de dor I scream Comentários creio que cabe fazer uma metáfora das transformações que se processam numa análise com as que resultam de uma aná lise química Assim a palavra análise forma da dos étimos gregos analysis significa uma dissolução lise de um todo em partes aná de sorte que se pode dizer que o modelo de uma análise química é comparável ao acontecimen to psíquico que pode ser decomposto em seus elementos componentes os quais por sua vez podem entrar em novas combinações da mes ma forma que os elementos musicais O modelo utilizado por Bion 1965 para ilustrar o fenômeno da transformação foi o de uma analogia com a hipótese de dois pintores de estilos diferentes pintarem uma mesma pai sagem de maneiras aparentemente irreconhe cíveis entre si embora conservem uma mesma invariante que é a paisagem real Assim dois analistas que trabalham com diferentes refe renciais teóricos e técnicos um freudiano e um kleiniano por exemplo poderão sofrer trans formações diferenciadas e assim dar interpre tações bem distintas a um mesmo material clí nico o mesmo pode ocorrer entre dois analis tas de mesma orientação teórica como tam bém com cada psicanalista isoladamente con forme forem as particularidades de um deter minado contexto clínico Uma outra metáfora utilizada por Bion no mesmo livro é a de que a sombra da imagem de uma árvore por exem plo pode mostrar os contornos dela mas nun ca será a mesma coisa que uma visão direta da mesma árvore ao vivo Da mesma forma este capítulo sobre transformações resulta da transformação par ticular que o texto de Bion provocou em mim e que certamente não será coincidente com a de outros embora conserve a mesma invariância essencial A própria escolha do vértice prioritário de observação já determina uma significativa mudança nas transformações que esse texto opera no leitor devido à intersecção entre os enfoques da matemática geometria estética religião filosofia e o da prática analítica e cada uma de suas abordagens permite um desdobra mento específico A utilização do modelo da geometria bas tante empregado por Bion nos levaria a inte ressantes correlações com as transformações psicanalíticas e para tanto seria imprescindí vel reproduzir como se comportam os ângu los vértices movimentos e projeções das figu ras geométricas assim como o emprego gráfi co do ponto da linha e do círculo Estes três últimos sinais para Bion representam res pectivamente o seio o pênis e a noção de den trofora e poderiam servir para indicar o tem po em que o objeto estava antes e o espaço onde o objeto vai ficar que por sua vez simbolizam os objetos ausentes e as relações objetais Além disso esses sinais de ponto e linha podem ser precedidos do sinal negativo o que designaria que houve um despojamento da representação e da significação através de um ataque invejoso tanto ao que ocupa o es paço da mente como ao tempo o qual fica re duzido a um instante sem passado nem futu ro abolindo assim toda significação Como se vê embora tenha o mérito de ser instigante o modelo geométrico é muito complicado e do meu ponto de vista não faz acréscimos ao entendimento e à aplicação na prática analíti ca do importante conceito de transformação Da matemática além de outros vale re gistrar pela importância que representa para o entendimento do processo de transformação no analista até sua interpretação o conceito de fato selecionado que Bion extraiu de Poincaré Segundo esse pensador que conse guia emprestar um caráter filosófico à sua con dição de matemático o fato selecionado tal como ele alude em Science and method des creve o processo de criação de uma formula ção matemática do seguinte modo se um novo resultado há de ter algum va lor deve unir elementos conhecidos por muito tempo porém que tenham estado diversos até então e que tenham sido apa rentemente estranhos entre si e subita mente introduzir ordem onde havia a apa rência de desordem Bionp65 24042008 0851 172 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS BION DA TEORIA À PRÁTICA 173 Bion diz que usa o termo fato seleciona do para descrever aquilo que o analista deve experimentar no processo de síntese em meio aos movimentos transformatórios Tratase de uma experiência emocional com uma signifi cação essencialmente epistemológica e não se deve supor que a relação dos fatos seleciona dos seja lógica pois ela é antes disso mais intuitiva O enfoque filosóficoreligiosomístico tam bém permitiria tecer interessantes considera ções acerca da relação da realidade última e incognoscível do O com a divindade Assim entre outros Bion menciona o Mestre Eckart o qual considerava a diferença entre Deus e a divindade e apregoava que a unificação com Deus que consuma o destino permite ao mes mo tempo a descoberta da realidade das coi sas São João da Cruz cujos poemas líricos e místicos expressam a intimidade dos homens com Deus e o poeta Milton o qual numa pas sagem do Paraíso Perdido escreveu que a personalidade deve sobrepujar o infinito va zio e amorfo Entre os filósofos no entanto poderia ser muito útil um aprofundamento no conceito de forma da teoria platônica que também ser viu de inspiração para as idéias de Bion acerca das transformações Vale lembrar que na clás sica alegoria da caverna de Platão os ho mens primitivos estão sentados imóveis na en trada de uma caverna de costas para a entra da observando as formas projetadas pelo fogo que arde no fundo da caverna enquanto des conhecem as formas decorrentes da lumino sidade do sol que se filtram para dentro da caverna Essa alegoria situa o mundo sensori al no interior iluminado pelo fogo e o mundo inteligível fora à luz do sol Da mesma forma completa Bion os ór gãos dos sentidos bloqueiam o conhecimento das verdadeiras realidades e fazemnos tomar como sendo verdades aquilo que não é mais que uma aparência fragmentária e muitas ve zes enganadora das mesmas Para Platão a alma aproxima o homem do mundo divino das idéias e das formas e a ambas ele designa como Eidos É justamente aqui que a meu juízo Bion poderia ter feito uma conexão mais íntima e mais clara entre formas e idéias tal como é possível perceber nos derivados etimológicos de eidos étimo grego que tanto dá origem à palavra idéia no sentido de pensamento como designa o surgimento de formas como na palavra caleidosscópio e ainda dá ori gem à palavra ídolo vem de eidolon e alude a Deus O conceito de transformação de Bion penso não deixa de ser um constante movimento caleidoscópico na análise Na hipótese de que Bion tivesse utilizado para as transformações um modelo mitológi co tal como fez com seus estudos sobre o desconhecimento creio que o mito de Narci so poderia se enquadrar muito bem para esse propósito de sem nunca perder de vista a prio ridade científica psicanalítica estabelecer as conexões entre as idéias e as formas A começar pelo título Metamorfose que o poeta Ovídio deu à sua narrativa Essa tragédia grega a partir da fala do cego Tirésias que profetizara que Narciso morreria caso e quando viesse a co nhecerse pode bem ilustrar a necessidade de um crescimento mental darse sobre as ruínas e a morte de anteriores estados mentais primiti vos que devem sofrer transformações Assim clinicamente falando para que se dê o cresci mento de um paciente regressivo portador de uma parte psicótica da personalidade portan to fixado em uma posição narcisista se usar mos um referencial atual é necessário que se processe uma transformação essencial que o sujeito atinja uma posição edípica porém para atingila é preciso que antes o seu Narciso patológico morra como no mito Se partirmos de um modelo grupalista va mos reconhecer que os enunciados de Bion re ferentes à relação do místico com o establish ment têm muito a ver com o medo de uma mudança catastrófica por parte da estrutura social vigente O melhor exemplo dado pelo próprio Bion é o de Jesus que provocou uma turbulência na comunidade judaica da época Em relação à aplicação do conceito de transformação na prática psicanalítica pode se dizer de forma muito resumida que pelo menos três aspectos são relevantes a desco Bionp65 24042008 0851 173 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 174 DAVID E ZIMERMAN berta do fato selecionado a repercussão clí nica da mudança catastrófica e a busca da verdade representada por O À importância que o fato selecionado re presenta para a elaboração dentro do analista e a posterior formulação da sua interpretação já aludimos antes Bion considera na transforma ção que se processa no analista o estado men tal que chama de evolução o qual inclui a pre sença de lembranças que surgem espontanea mente no curso da sessão portanto bem dife rentes de memórias que por antecipação este jam saturando a mente do analista A repercussão clínica diante da mudan ça catastrófica além das manifestações resis tenciais mais gritantes próprias da área psi cótica do paciente como a reversão da pers pectiva e o ataque aos vínculos perceptivos adquire uma relevância nas formas mais sutis como se manifestam na prática psicanalítica Assim mudanças verdadeiras e significativas de qualquer paciente costumam vir acompa nhadas de sensações catastróficas de um medo de enlouquecer de uma sensação de piora de sintomas hipocondríacos de despersonalização e de somatizações de actings preocupantes além de angustiantes para o paciente para o seu entorno familiar e para o psicanalista sen timentos depressivos e confusionais e amea ças de suicídio É justamente nesse momento de transformações que a capacidade de rêverie do analista se torna de fundamental importân cia no destino do processo analítico Quanto à busca da verdade representa da por O deve ser destacado como particular mente significativo o fato de esse conceito enaltecer a necessária discriminação que deve haver entre o que é verdadeiro o que é falso e o que é uma mentira deliberada Chegar a O significa como vimos que o analisando venha a ser o que realmente ele é e isso está muito bem ilustrado em Ecce homo Eis o homem de Nietzsche em um subtítulo denominado Como se chegar a ser o que realmente se é Por outro lado essa conceituação de O em um certo sentido aproxima Bion dos conhecidos postulados de Winnicott acerca do verdadei ro e do falso self As transformações no processo analítico se exitosamente superadas as dores que acom panham os estados derivados de uma mudan ça catastrófica são recompensadas por uma sensação de autenticidade e liberdade tal como expressou uma paciente às vésperas do térmi no de uma análise de sete anos de duração pensei muito no que foi a minha aná lise nestes anos e compareia com as trans formações a paciente não era da área PSI que sofre uma larva até chegar à condição de borboleta Eu vim para cá me sentindo um bicho cabeludo termo que particularmente designa o estado larvário da borboleta se arrastando viscoso re pugnante e com uma única e monótona cor verde fui passando por outros estági os de transformação e sinto que posso me considerar uma borboleta com cores vi vas e variadas e acreditando em que eu possa fazer um vôo livre porque estou me sentindo verdadeira Bionp65 24042008 0851 174 INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS