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Filosofia ·

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r UNIFESP BIBUOTECACMiPUS GUARijLHOS LCYAillAÇÃO J 1 UllLL TOMBO qqJq PR1ritJ PREÇO I 1 ATA DE ENTRIDA2IOID TRaMAS ROBBES Leviatã OU MATÉRIA FORMA E PODER DE UMA REPÚBLICA ECLESIÁSTICA E CIVIL Organizado por RICHARD TUCK Professor de Governo Harvard University Edição brasileira supervisionada por EUNICE OSTRENSKY Tradução JOÃO PAULO MONTEIRO MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA Tradução do aparelho critico CLAUDIA BERLINER Revisão da tradução EUNICE OSTRENSKY Martins Fontes São Paulo 2003 I UNIFESP I BBmECA CMIfUS GlJAAUIjJS Título do original inglês LEVIATHAN Esta tradução baseiase na edição de uviathan publicado na coleção Cambridge Texts in the History of Political Thought por Press Syndicate of the University of Cambridge Copyright Cambridge University Press 1996 para a tradução e a edição Copyright 2003 Livraria Martins Fontes Editora Ltda São Paulo para a presente edição l edição novembro de 2003 Tradução JOÃO PAULO MONTEIRO MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA CLAUDIA BERUNER Revisão da tradução Eunice Ostrensky Acompanhamento editorial Luzia Aparecida dos Santos Revisões gráficas Lilian Jenkino Leticia Braun Dinarte Zorzanelli da Silva Produção gráfica Geraldo Alves PagiuaçãolFotolilos Studio 3 Desenvolvimento Editorial Dados lnternacionais de Catalogação na Puhlicação ClP Cãmara Brasileira do Livro SP Brasil Hobbes Thomas 15881679 Leviatã 1 Thomas Hobbes organizado por Richard Tuck tradução João Paulo Monteiro Maria Beatriz Nizza da Silva Claudia Berliner revisão da tradução Eunice Ostrensky Ed brasileira supervisionada por Eunice Ostrensky São Paulo Marlins Fontes 2003 Clássicos Cambridge de filosofia política Título original uviathan Bibliografia ISBN 8533619308 1 O Estado 2 Filosofia inglesa 3 Hobbes Thomas 15881679 4 Poder Ciências sociais 5 Política I Tuck Richard 11 Ostrensky Eunice m Título IV Série 036386 CDD3201 índices para catálogo sistemático 1 Estado Poder político 3201 2 Poder político do Estado 3201 Todos os direitos desta edição para o Brasil reservados à Livraria Martins Fontes Editora Lida Rua Conselheiro Ramalho 3301340 01325000 São Paulo SP Brasil Tel 11 32413677 Fax 11 31056867 email infomartinsfontescombr httpwwwmartinsfontescombr Índice Agradecimentos Introdução Nota sobre o texto Principais fatos da vida de Hobbes Leituras adicionais Notas biográficas e referências VII IX LV LXIX LXXIII LXXIX Leviatã Ao meu mui estimado amigo Índice dos capítulos Introdução O texto Capítulos lXLVII Revisão e conclusão 1 5 7 11 15 582 1 Índice remissivo de assuntos 2 Índice de nomes próprios 593 609 Agradecimentos Como expliquei na nota sobre o texto esta edição foi extraída de duas fontes uma é uma cópia especial do Leviatãexistente na Biblioteca da Cambridge University onde faz parte da Royal Library adquirida de John Moore bispo de Ely e doada à universidade por Jorge I em 1715 e a outra é o manuscrito de Leviatã da British Library Gostaria de agradecer aos bibliotecários das duas instituições por sua ajuda e pela autorização para reproduzir material sob sua responsabilidade tenho uma dívida particular com BrianJenkins bibliotecário assistente encarregado da Sala de Livros Raros da Biblioteca da Universidade Gostaria também de agradecer a David McKitterick bibliotecário do Trinity College por sua ajuda e orientação no que se refere à biblioteca de Moore a Peter Jones bibliotecário do Kings College por me deixar consultar a fantástica coleção de obras de Hobbes da faculdade legada por lorde Keynes e por me ajudar de outras maneiras também e a Peter Day encarregado das Obras de Arte em Chatsworth que me ajudou a descobrir o curioso fato de que aparentemente não havia nenhuma cópia de Leviatã em Hardwick ou Chatsworth até o século XIX Outros acadêmicos deram me muitos conselhos sobretudo Noel Malcolm Quentin Skinner Maurice Goldsmith Ian Harris ver p LXXIX e Lucien J aume VII Introdução I Leviatã de Hobbes sempre despertou fortes sentimentos em seus leitores Atualmente é considerado a obraprima do pensamento político inglês e uma obra que mais que qualquer outra definiu o caráter da política moderna de finais do século XVII a principias do século XX todos os grandes escritores de teoria política tomaram esse texto como referência No entanto quando ele apareceu pela primeira vez nas livrarias da Inglaterra em finais de abril ou inícios de maio de 1651 muitos de seus leitores consideraramno profundamente chocante e ofensivo tanto por sua descrição desapaixonada do poder político como por sua visão extraordinariamente heterodoxa do papel da religião na sociedade humana Mesmo antigos admiradores de Hobbes e de seus escritos filosóficos consideraram o livro uma afronta um dos velhos I Ver a carta de Robert Payne para Gilbert Sheldon de 6 de maio de 1651 Ox me comunicou que o livro do Sr Hobbes foi impresso e vem vindo ele o intitula Leviatã Boa parte de seu De Cive ali se encontra parece apoiar o atual governo e recomenda que seu livro seja lido nas universidades apesar de todas as censuras que possa sofrer É um fólio e custa 8s6d mas ainda não o vi Anon Illustrations of the State of the Church during the Great Rebellion The Theologian and Ecclesiastic 6 1848 p 223 IX Leviatã conhecidos de Hobbes o teólogo anglicano Henry Hammond descreveuo um pouco depois naquele mesmo ano como uma farragem de ateísmo cristão descrição que como veremos estava muito perto da verdade2 Esses velhos amigos estavam particularmente zangados com o livro pois este lhes parecia um ato de traição Haviam conhecido Hobbes como defensor entusiasta da causa realista na guerra civil inglesa entre rei e Parlamento com efeito encontravase exilado em Paris desde 1640 devido ao seu apoio a essa causa e Leviatã foi escrito na França Quando o livro foi publicado contudo parecia defender a submissão à nova república instituída após a execução do rei em janeiro de 1649 e o abandono da Igreja Anglicana pela qual muitos dos realistas tinham lutado O espanto de seus amigos diante dessa voltaface influenciou as reações dos contemporâneos de Hobbes e afetou sua reputação até os dias de hoje No entanto algumas das intenções de Hobbes ao escrever Leviatã talvez tenham sido mal interpretadas A primeira tarefa na tentativa de avaliar quais eram essas intenções e uma questão básica a ser feita diante de qualquer texto é indagar quando o livro foi escrito Nossa primeira informação sobre a composição da obra que viria a se tornar Leviatã aparece numa carta de maio de 1650 Nela um daqueles antigos amigos realístas escreveu a Hobbes pedindolhe que traduzisse para o inglês um de seus primeiros textos em latim sobre política para que pudesse ínfluenciar a cena política inglesa daquele momento Aparentemente Hobbes respondeu que ele tinha outra coisinha à mão que é um tratado político em inglês do qual já concluíra trinta e sete capítulos num total pretendido de cinqüenta que vão sendo traduzidos para o francês por um erudito francês muito capaz à medida que os termina Essa coisinha viria a ser Leviatã e quando o amígo tomou conhecimento de seu conteúdo escreveu várías e várías 2 Anon illustrations of the State of the Church during the Great Rebellion The Theologian and Eccesiastic 9 1850 pp 2945 x Introdução vezes para Hobbes implorandoIhe que moderasse suas opiniões embora sem sucess03 Leviatã tem quarenta e sete capítulos e não cinqüenta mas o projeto de Hobbes de maio de 1650 obviamente se realizou embora aquela tradução francesa nunca tenha sido publicada e talvez não tenha sido completada Aliás o fato de Hobbes ter querido uma tradução nos diz que para ele o livro era tão relevante para os distúrbios políti cos franceses da época como para os da Inglaterra Os anos de 164952 foram aqueles em que a Fronda a confusa revolta contra o governo absolutista da França estava no auge e até Paris fora tomada pelos rebeldes no início de 1649 não só os ingleses precisavam de instrução quanto aos deveres dos súditos Não sabemos quanto tempo Hobbes levou para escrever os trinta e sete capítulos que já estavam terminados por volta de maio de 1650 aproximadamente 60 de toda a obra mas se os escreveu na mesma velocidade dos últimos dez capítulos deve ter começado a compor o livro em princípios de 1649 data que vale notar coincide com a época em que o rei Carlos estava sendo condenado à morte É verdade que existem muitas passagens do Leviatã que falam da guerra civil como ainda em andamento sobretudo uma na p 381 e que somente bem no fim numa famosa passagem do último capítulo sobre o novo regime eclesiástico na Inglaterra e na Revisão e Conclusão Hobbes se expressa como se houvesse novamente um governo estável na Inglaterra Já que se convencionou datar o fim da guerra civil em 1649 podese deduzir que Hobbes escreveu boa parte do livro bem antes da execução Houve quem tomasse passagens semelhantes no Leviatã em latim de 1668 ver abaixo que nem sempre são traduções diretas do texto inglês para dar a entender que a versão latina baseia se num esboço anterior à versão inglesa embora nada justifique tal idéia4 3 Anon illustrations of the State of the Church during the Great Rebellion The Theologian and Ecclesiastic 6 1848 pp 1723 Por exemplo num determinado ponto o texto em latim fala da guerra que agora está sendo travada na Inglaterra ao passo que na versão inglesa consta the late troubles p 170 Levio1luzn trad e ed F Tricaud Paris 1971 XI Leviatã Tendemos a esquecer no entanto que a execução do rei e a declaração da república na Inglaterra não foram vistas pelos contemporâneos como o fim da guerra pois ainda restava um forte exército na Escócia que se opunha às ações dos republicanos na Inglaterra Esse exército acabou sendo derrotado por Cromwell em Dunbar em setembro de 1650 e o grande historiador da guerra civil Edward conde de Clarendon ele mesmo um realista registra que esta vitória é que foi considerada em toda parte como a conquista final de todo o reino Embora os realistas ainda tenham sido capazes de organizar uma resistência baseada na Escócia que começou na primavera de 1651 e acabou de modo ignominioso na batalha de Worcester em setembro de 1651 Leviatã foi obviamente concluído no clima político que se seguiu a Dunbar quando a guerra parecia enfim terminada Foi especificamente nessa época que Hobbes escreveu a Revisão e Conclusão com seu apelo explícito à submissão ao novo regime Todavia a princi pal parte do livro fora escrita numa época em que a vitória ainda não estava decidida e em que um exército escocês devo tado ao rei ainda poderia ter imposto sua vontade sobre os dois reinos Portanto ao ler Leviatã não devemos esquecer a incerteza de Hobbes quanto ao desfecho das guerras civis tanto na Inglaterra como na França e sua esperança de que os argumentos de seu livro pudessem exercer algum efeito sobre o desenlace temos de lembrar em particular que Hobbes o escreveu quando ainda freqüentava a corte do exilado rei Carlos lI e que provavelmente era a ele que o livro seria dedicado ver a Nota sobre o texto A obra era em parte uma contribuição para uma discussão entre os exilados6 pp XXVXXVI Mas Iate em inglês do século XVII não significa necessariamente já terminado também pode significar recente 5 Edward Hyde conde de Clarendon The History ofthe Rebellíon and Civil Wars in England also his Life Oxford 1843 p 752 Do hemisfério norte N da T 6 Quando a primeira edição Cambridge do Leviatã estava na gráfica o Dr Glenn Burgess chegou por outras vias à mesma conclusão arrolando uma XII Introdução 11 A próxima indagação a fazer é que tipo de vida tanto intelectual como prática Hobbes levava por volta de 1649 Jáera um pensador de certo destaque mas de menos notoriedade na verdade na sua idade muitos homens de seu tempo játeriam terminado sua carreira de escritores pois ele tinha 61 anos em abril de 1649 Dois anos antes sobrevivera a uma séria doença que quase o matou mas viveria mais trinta anos morreu em dezembro de 1679 Nasceu no ano da Invencível Armada 1588 em Malmesbury Wiltshire De família relativamente pobre era filho de um clérigo semiletrado provavelmente nem tinha grau universitário que se tornou alcoólatra e abandonou a família a educação de Hobbes na escola primária em Malmesbury e posteriormente num hall em Oxford isto é uma versão mais barata e menos prestigiosa de uma faculdade foi custeada por seu tio Hobbes foi sem dúvida reconhecido como aluno extremamente brilhante sobretudo no tema central do currículo renascentista o estudo das letras Sua facilidade com as línguas se manteve por toda a vida e ele passou muito tempo realizando traduções a primeira obra publicada com seu nome em 1629 foi uma tradução de Tucídides e uma das últimas em 1674 uma tradução de Homero Era escritor fluente tanto em latim como em inglês e também lia italiano francês e grego A essas habilidades aliavase uma sofisticação de estilo representada por sua capacidade de escrever poesia em duas línguas bem como prosa elegante Como todos os escritores renascentistas sua educação foi antes de mais nada literária Homens com essas aptidões eram muito cobiçados na Europa renascentista pois podiam ser de grande valia para série de argumentos a seu favor Ver seu artigo Contexts for the Writing and Publication of Hobbess Leviathan History of Polítical Thought II 1990 pp 675702 7 O que segue baseiase em grande medida nos meus livros Hobbes Oxford 1989 e Philosophy and Government 15721651 Cambridge 1993 XIII II I Leviatã I111I II I 1II Ili alguém envolvido na vida pública Podiam escrever cartas e discursos responder a correspondentes estrangeiros educar as crianças mais velhas de uma casa nas técnicas da vida pública e atuar de forma geral de maneira bastante semelhante aos modernos assessores de senadores nos Estados Unidos Com efeito esta viria a ser a carreira de Hobbes ao longo de sua vida pois depois de se formar em Oxford em 1608 foi indicado para o cargo de secretário e preceptor na residência de William Cavendish que pouco depois viria a ser o primeiro conde de Devonshire e um dos homens mais ricos da Inglaterra Dali em diante Hobbes enquanto esteve na Inglaterra morou nas casas do conde em Hardwick Hall em Derbyshire ou na Devonshire House em Londres e ao morrer em Hardwick ainda era um honrado servidor da família ou domésti co como ele certa vez denominou a si mesmo Nem sempre esteve diretamente empregado pelos condes de Devonshire pois em vários momentos não havia ninguém da família desempenhando alguma função na vida pública nessas épocas trabalhava para seus vizinhos em Derbyshire e em particular para seus sobrinhos os condes de Newcastle que viviam em Welbeck Uma de suas tarefas era levar os herdeiros dos con dados para um grande giro pela Europa e entre 1610 e 1640 passou quatro anos no continente Pelo fato de viajar com um jovem de alta posição social ele e seu senhor tinham acesso às mais importantes personalidades politicas e intelectuais da Europa encontrando por exemplo os líderes de Veneza em sua luta com o papado cardeais em Roma personalidades de destaque em Genebra e Galileu Seu conhecimento prático e pessoal da política européia não encontrava rival em nenhum pensador inglês de sua geração e poder seia dizer em apenas um no continente o holandês Hugo Grócio Desde o começo do Renascimento carreiras deste tipo embora não tão internacionais não eram incomuns na Europa ocidental mas os interesses intelectuais singulares que Hobbes parece ter nutrido mais profundamente eram estra nhos aos primeiros renascentistas Aos olhos destes humanis XIV Introdução tas o objetivo do conhecimento dos clássicos sobretudo os escritores romanos era equipar um homem para o tipo de serviço público que heróis como Cícero tinham desempenhado o melhor modo de vida acreditavam eles era o de um cidadão ativo e comprometido lutando pela liberdade de sua respublica ou usando suas habilidades oratórias para convencer os outros cidadãos a lutar com ele Para eles liberdade significava libertarse tanto da opressão externa exercida por uma força estrangeira como da dominação interna exercida por um César ou qualquer outra figura que reduzisse os cidadãos republicanos a meros súditos Até mesmo Maquiavel geralmente associado pela posteridade a técnicas de dominação pelo príncipe exaltava esses valores em seus Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio e mesmo O príncipe não os evitava por completo ele contém por exemplo notáveis apelos para que o governante confie na massa do povo que nunca o decepcionarás e para que governe por meio de um exército de cidadãos a instituição central do republicanismo renascentista No entanto ao término do século XVI muitos intelectuais europeus tinham se afastado desses valores embora ainda conservassem o compromisso de compreender seu próprio tempo em termos das idéias da antiguidade e a hostilidade para com as teorias escolásticas prévias ao Renascimento No lugar de Cícero liam e escreviam como Tácito o historiador dos primórdios do Império Romano e nos escritos de Tácito encontravam uma versão da política como domínio da corrupção e da traição no qual príncipes manipulavam populações instáveis e perigosas e homens sábios ou bem se retiravam do terreno público ou eram destruídos por ele Tácito descreveu em detalhes as técnicas de manipulação que supunha ele todos os príncipes usariam e seus leitores do Renascimento estavam igualmente fascinados por elas o estudo e a análise dessas técnicas deu lugar à vasta literatura sobre a razão 8 Ver The Prince ed Quentin Skinner e Russell Price Cambridge 1988 p 37 Trad bras O príncipe São Paulo Martins Fontes 2 ed 1996 xv Leviatã de Estado que invadiu as livrarias da Europa entre 1590 e 1630 Quando o século XVI se aproximava de seu fim depois de décadas de guerras civis e religiosas e a correspondente construção de poderosas monarquias para tornar inócuas as ameaças de guerras civis essa literatura política ganhou muito sentido na vida do diaadia Junto com essa literatura e compartindo com ela vários interessantes pontos em comum havia outra na qual os temas do antigo estoicismo e cepticismo eram amplamente explorados Os conselhos dos filósofos estóicos contemporâneos de Tácito eram de que o homem sábio deveria se afastar do foro e evitar envolverse emocionalmente com quaisquer princípios que pudessem leváIo a se aventurar na luta política Encontramos esses conselhos reiterados por escritores de finais do século XVI como Justus Lipsius nos Países Baixos e Michel de Montaigne na França no contexto em geral de uma versão explicitamente tacitista da política Para muitos autores antigos que debateram essas questões no entanto o mero afastamento emocional não era suficiente como insistiam os cépticos seguidores de Pirro e Carnéades era impossível afastarse por completo e ao mesmo tempo continuar a acreditar que os princípios morais ou políticos em questão eram verdadeiro Os cépticos argumentavam portanto que o sábio se protegeria melhor renunciando não apenas à emoção mas também à crença a reflexão particularmente sobre a multiplicidade de crenças e práticas conflitivas encontradas no mundo logo o persuadiria de que suas crenças na verdade não tinham fundamentação suficiente Como as idéias sobre o mundo natural na Antiguidade estavam intimamente ligadas a idéias sobre a ação e a moralídade humanas os estóicos por exemplo acreditavam que os homens estavam enredados num mundo de causas físicas deterministas e por isso não tinham liberdade Pirro foi no século IV aC o fundador do cepticismo Carnéades viveu 150 anos depois e desenvolveu a tradição céptica sob a égide da Nova Academia por isso sua versão do cepticismo costuma ser denominada de acadêmica em contraposição ao cepticismo pirroniano XVI Introduç ão para modificar sua situação os cépticos também queriam libertar o sábio do peso do compromisso com teorias cientificaso Afirmavam portanto que todas as ciências fisicas existentes eram incoerentes e não podiam explicar coisas como a prevalência das ilusões ópticas até mesmo a matemática pura estava viciada por por exemplo notórias dificuldades em dar sentido às definições fundamentais de Euclides uma linha sem profundidade etc Lipsius e Montaigne simpatizavam com essa extensão do programa estóico original e Montaigne em particular tornouse famoso pela riqueza e força de seus argumentos cépticoslO As obrigações de Hobbes na residência dos Cavendish incluía estudar essa nova literatura e mostrar para os seus pupilos como contribuir para seu desenvolvimento Todos ti nham um interesse particular pelas obras de seu contemporâneo um velho amigo da família Cavendish Sir Francis Bacon nos anos de 1650 sabiase que Hobbes prezava muito as obras de Bacon e que durante um certo tempo tinha inclusive servido de amanuense de Bacon foi provavelmente cedido a Bacon pelo conde de Devonshire pouco antes de 162011 Bacon foi uma das primeiras e mais importantes personalidades da Inglaterra a importar esse novo tipo de humanismo ele mesmo escreveu história ao estilo de Tácito e também publicou o primeiro volume de ensaios em inglês modelados segundo os essais de Montaigne Mas havia certo grau de ambigüidade na abordagem de Bacon o que em muitos sentidos também se manteve como traço característico na perspectiva de Hobbes Bacon certamente acreditava que em geral a politica era uma arena para a manipulação principesca e que os cépticos tinham razão quando ressaltavam a inadequação da ciência conven 10 Para um relato mais detalhado desse movimento ver minha obra Philosophy and Government 15721651 cit pp 3164 11 Quanto à opinião de Hobbes sobre Bacon ver a carta de Du Verdus para Hobbes agosto de 1654 em Hobbes Correspondence ed Noel Malcolm Oxford 1994 pp 1946 Quanto à sua associação com Bacon ver ibid pp 6289 XVII Leviatã cional além disso como os outros filósofos desse gênero acreditava na necessidade da automanipulação psicológica para se adequar mentalmente ao mundo modernoI2 Mas ele também continuava a acreditar como um homem do começo do Renascimento que cada cidadão deveria se envolver na vida pública e que deveria se preparar psicologicamente para tanto Ademais dizia Bacon claramente contra Montaigne a busca das ciências era útil para os cidadãos ativos desde que as ciências partissem de fundamentos novos e apropriados É claro que Hobbes estava educando jovens destinados a cargos políticos portanto para ele e seus pupilos o tacitismo e o compromisso cívico de Bacon devem ter sido bastante atraentes escreveram juntos imitações dos ensaios e discursos de Bacon e o próprio Hobbes fato recentemente comprovado de maneira convincente compôs seu primeiro longo tratado de política na forma de um discurso sobre os primeiros quatro parágrafos dos Anais de Tácito em que este faz um relato sucinto da carreira do imperador August013 Foi publicado junto com alguns dos ensaios de seus pupilos num livro anônimo de 1620 por um editor que pretendia lucrar com a febre pelos ensaios baconianos1 e nele se encontram muitos 12 Ver por exemplo sua longa discussão sobre as técnicas apropriadas em seu The Advaruement of Learning Df the proficience and advancement of learning divine and humane Londres 1605 U1orks edJames Spedding Robert Leslie Ellis e Douglas Deron Heath V Londres 1858 pp 2330 13 As evidências técnicas estatísticas da autoria de Hobbes no que concerne a esse discurso junto com uma peça mais curta Of Lawes e um interessante guia da Roma de seu tempo podem ser encontrados no artigo de N B Reynolds e J L Hilton Thomas Hobbes and Authorship of the Horae Subsecivae History of Polítical Thought 14 1993 pp 36180 As evidências textuais internas algumas das quais cito a seguir também me parecem convincentes pelo menos naquilo que se refere aos discursos sobre Tácito e Roma l O título do livro é Horae Subsecivae Observations and Discourses Londres 1620 Uma discussão aprofundada sobre sua complicada gênese pode ser encontrada no artigo de Noel Malcolm Hobbes Sandys and the Vírgínia Company HistoricalJournal24 1981 pp 297321 XVIII Introdução temas familiares ao Leviatã Entre eles o comentário de que um Estado popular é para as províncias não como um mas como muitos tiranos1S compare com Leviatã pp 1656 e a observação de que todos os homens são dessa condição que o desejo e esperança do bem os afeta mais que a fruição pois esta induz saciedade mas a esperança é um estímulo para os desejos dos homens e não os fará enlanguescerI6Leviatã pp 578 Revela também uma das raízes do interesse que Hobbes teve a vida toda pela idéia de liberdade a primeira frase dos Anais diz No princípio reis governavam a cidade de Roma Lúcio Bruto fundou a liberdade e o consulado17 e foi muitas vezes usada na tradição de Tácito como bom pretexto para a discussão sobre o verdadeiro sentido da liberdade Em seu discurso Hobbes comenta que Bruto não tinha propriamente jus tificativas para derrubar a monarquia romana mas que os crimes de Tarquinio deram a cor para sua expulsão e para a alteração do governo E é isso que o autor intitula Liberdade não porque a servidão esteja sempre vinculada à Monarquia mas quando os reis abusam de seus cargos tiranizam os súditos etc tal usurpação dos estados e natureza dos homens muitas vezes provoca esforços pela liberdade e é mal suportada pela natureza e paixão do homem embora a razão e a religião nos ensinem a tolerar o jugo Portanto não é o governo mas o abuso que faz a alteração ser chamada de liberdade Ia 15 Horae Subsecivae p 269 16 Ibid p 291 Outro exemplo é o ferrenho ataque a qualquer oponente políti co que faça uso do suborno cumular de benefícios homens soturnos e hostis esperando com isso ganhar sua afeição é injusto e prejudicial Horae Subsecivae p 266 compare com Leviatã pp 2412 17 Urbem Romam a principio reges habuere Libertatem Consulatum L Brutus ins tituit 18 Horae Subsecivae pp 2289 O termo cor a propósito era um termo técni co da retórica muito apreciado tanto por Bacon como por Hobbes XIX Leviatã Augusto por outro lado é louvado ao longo de todo o discurso por sua habilidade para manipular seus cidadãos e em particular por ocultar a verdadeira face de seu mando9 No entanto uma certa nostalgia da república aparece constan temente no discurso como também em Tácito Hobbes con cordava com tacitistas contemporãneos seus de que repúblicas livres tinham de cair nas mãos de príncipes manipulativos particularmente como ele diz na p 239 após um período de guerra civil mas descrevia a supressão dos antigos costumes republicanos com certo pesar Os cidadãos agora não estudam mais a Arte de comandar que no passado era necessária para qualquer cavalheiro romano quando o mando do conjunto podia ser atribuído a cada um sucessívamente mas dedicamse por completo às Artes de servir de modo que a obsequiosidade predomina e passa a ser louvável desde que se distinga da bajulação e proveitosa enquanto não se converta em tédio20 A esse discurso seguiuse a primeira obra de Hobbes pu blicada com seu nome uma tradução do historiador grego Tucídides 1629 em que aparece uma ambivalência semelhan te Tucídides também lamentava a queda de uma república em termos notavelmente semelhantes aos que Tácito viria a usar mas ao mesmo tempo punha na boca de alguns de seus personagens uma nobre defesa dos valores republicanos e democráticos Tucídides afirmava igualmente que a verdadeira causa da guerra do Peloponeso era o medo dos espartanos diante do crescimento do poder de Atenas numa nota marginal Hobbes enfatiza esse ponto algo que também chamara a atenção de Bacon quando instava o governo inglês a romper seus tratados e declarar guerra à Espanha A idéia de que o medo em si 19 Por exemplo não é sábio por parte daquele que quer converter um Estado livre numa Monarquia retirarIhes todas as manifestações de liberdade de uma só vez e fazêIos de repente sentir a servidão sem primeiro introduzir em seus espíritos algumas previae dispositioms ou preparativos por meio dos quais possam suportáIa melhor p 261 20 Horae Subsecivae p 307 xx Introduç ão mesmo justificava a agressão já era um Jugarcomum nos círculos que Hobbes freqüentava2 Oito anos depois Hobbes também publicou anonimTlente ma versão radicalmente alterada da Retórica de Aristóteles em que dava rédea larga ao interesse que ele já demonstrara pelo uso da persuasão e da retórica para adquirir poder Expunha em particular uma asserção supreendentemente implificada sobre o caráter da retórica Os antigos retóricos costumavam supor que não havia conflito fundamental entre habilidades oratórias e a busca da verdade mas Hobbes nega isso os princípios da retórica são as opiniões comuns que os homens têm no que se refere ao proveitoso e não proveitoso ao justo e injusto honroso e desonroso Pois assim como em lógica em que o conhecimento certo e infalível é o objetivo de nossa demonstração todos os principios têm de ser verdades infalíveis portanto em retórica os principios têm de ser opiniões comuns como as que o juiz já possui porque a finalidade da retórica é a vitória que consiste em obter a crença Segundo Hobbes o retórica empregaria algumas das mesmas técnicas que o príncipe manipulador usa para garantir a vitória sobre seu povo Aqui a função das opiniões comuns é importante quando Hobbes dá conselhos morais aos seus pupilos sua preocupação é garantir que suas condutas se adequem ao que o mundo chama de virtude23 Como veremos mais 21 Quanto a essa tradução de Tucidides ver Hobbess T7zucydides ed Richard Schlatter New Brunswick Nj 1975 A passagem a que me refiro está na p 42 e a nota de Hobbes na p 577 O uso que Bacon faz de Tucidides está em Considerations Touching a War with Spain que ele esboçou para o príncipe Carlos em 1624 como parte de sua campanha para reiniciar a guerra com a Espanha WOrks edjames Spedding et al XN Londres 1874 p 474 Como em breve mostrará Karl Schuhmann em sua edição das obras de Hobbes A Briefe 01 the Art 01 Rlzetorique versão inglesa da paráfrase escrita originalmente por Hobbes em latim contém inúmeros erros e não pode por isso ser atribuída a Hobbes N da R T 22 T7ze English WOrks VI ed W Molesworth Londres 1840 p 426 23 Ver sua notável carta a Charles Cavendish agosto de 1638 em Correspondence ed Malcolm pp 523 XXI II 1I II I1 I1 I1 I Leviatã adiante uma das características permanentes de toda a filosofia moral de Hobbes sempre foi tomar como ponto de partida uma descrição comumente aceita de algum estado de coisas24 Contudo na época em que publicou A Briefe of the Art of Rhetorique já começara a ampliar seus interesses para além dessa literatura humanista Em 1634 visitara Paris com o filho do conde de Devonshire e tomara conhecimento da crítica a esse tipo de humanismo que vinha sendo desenvolvida sobretudo por escritores ligados ao monge francês Marín Mersenne entre os quais se destacava René Descartes Sob a influência deles começou a escrever filosofia propríamente dita pela primeira vez e logo produziu a primeira das grandes obras que formaram sua reputação Por volta de 1641 esboçara em latim uma longa obra intitulada The Elements of Philosophy Elementa Philosophiae dividida em três seções relativamente independentes a primeira das quais dedicada à física e à metafísica a segunda à ação humana sensação e moralidade compreendida como um relato dos mores humanos ou hábitos e costumes e a última tratava de política25 Um fato importante sobre Hobbes é que depois de produzir muito rapidamente esse esboço passou quase vinte anos mexendo nele e que durante todo o período em que estava escrevendo Leviatã também estava rescrevendo e pensando sobre The Elements of Philosophy que ele acreditava ser sua principal obra Conseguiu que cópias da terceira seção fossem ímpressas em 1642 em Paris com o titulo de Do cidadão De Cive e distribuiuas entre os amigos mas não conseguiram persuadilo a publicar propriamente falando nada de sua filosofia até Para uma exposição inteligente do papel da retórica e da hostilidade em relação ao orador nas primeiras obras de Hobbes ver Quentin Skinner Scientia civilis in Classic Rhetoric and in the Early Hobbes em Nicholas Phillipson e Quentin Skinner eds Political Discourse in Early Modero Britain Cambridge 1993 pp 6793 25 No que se refere às evidências desta afirmação ver meu artigo Hobbes and Descartes em G A Rogers e Alan Ryan eds Perspectives on Thomas Hobbes Oxford 1988 pp 1141 e Correspondence ed Malcolm ppliiilv XXII Introdução 1647 quando a grande empresa holandesa de Elzevirs publi cou um versão revisada do De Cive e Hobbes ganhou notoriedade em toda a Europa Uma versão da primeira seção intitu lada Da matéria De Cor pore foi finalmente enviada aos edito res em 1655 depois de Hobbes ter voltado para a Inglaterra e a segunda seção Do homem De Homine em 1658 As três se ções foram finalmente publicadas juntas e com o título origi nal em 1668 como parte das obras completas em latim de Hobbes publicadas naquele an026 Elas vinham acompanha das de uma tradução para o latim do Leviatã evidência clara de que Hobbes continuava a acreditar que The Elements of Phi losophy e Leviatã eram expressões compatíveis e igualmente importantes de sua filosofia Ao mesmo tempo que estava es crevendo a primeira versão de The Elements of Philosophy em latim Hobbes compôs um resumo em inglês e podese con jeturar a tradução de algumas passagens das últimas duas seções que ele denominou Elements of Law Natural and Politic Fez este texto circular bastante entre seus amigos ingleses por volta de maio de 1640 e ele continua sendo a melhor introdu ção breve às idéias de Hobbes realizada no mesmo período em que acabavam de ser geradas lU Comentadores de Hobbes costumam discutir entre si so bre as relações entre seus interesses humanistas iniciais e suas preocupações científicas e filosóficas posteriores e em parti cular eles indagam se as idéias políticas do De Cive e do Le viatã derivam de suas teorias científicas afinal de contas a po sição do De Cive em The Elements of Philosophy sugere que era para ele ser lido como extensão das teorias apresentadas nas primeiras duas seções Uma das grandes contribuições de Leo Strauss foi levantar essa questão e insistir em que a própria ver 26 Uma edição completa de The Elements parece ter sido planejada em 1656 ver Hobbes Correspondence ed Malcolm p 325 XXIII II 11 I Leviatã são de Hobbes sobre o assunto na qual sua filosofia civil é coerentemente apresentada como decorrência de sua filoso fia natural pode ser enganosa Strauss achava que na essência a teoria política de Hobbes continuaria sendo humanista e quando muito viuse distorcida por sua apresentação nu ma forma dedutiva e cientifica27 No entanto como observei a dicotomia entre humanismo e ciência é falsa aos olhos dos humanistas do final do século XVI a posição das ciên cias naturais estava vinculada à filosofia moral Os cépticos eram contrários à busca vã de verdades cientificas porque acreditavam que levava as pessoas a compromissos epistemo lógicos e portanto morais que as colocavam em perigo Ba con por outro lado acolhia de bom grado pelo menos um novo tipo de ciência precisamente porque permitiria que as pessoas levassem uma vida melhor como cidadãos ativos e eficientes O mesmo pode ser dito embora isso seja em geral des considerado sobre Descartes em seu Discurso do método ele toma o cuidado de apresentar uma imagem de si como um típico humanista formado em letras e levando uma vida ativa e é claro militar além de explicitar o tema de todo o seu projeto nos seguintes termos Sempre tive o extremo desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso a fim de com preender profundamente minhas próprias ações e avançar com confiança marcher avec aJfurance nesta vida28 Portanto era uma conseqüência natural de todas as preocupações ini ciais de Hobbes também indagar sobre os fundamentos das ciências e não deveria surpreender que os temas de seu pri 11 II TI Ver Leo Strauss The Political Philosophy of Hobbes Oxford 1936 Strauss queria usar Horae Subsecivae como prova das primeiras convicções políticas de Hobbes embora tenha desistido disto ao ficar sabendo que os ensaios eram atribuidos a outros autores vemos agora que sua intuição talvez esti vesse correta Podese encontrar alguns comentários úteis sobre Strauss em J w N Watkins Hobbess System of ldeas Londres 1973 pp 147 28 René Descartes The Philosophic Writings I trad John Cottingham Robert Stoothoff e Dugald Murdoch Cambridge 1985 p 115 XXN Introdução meiro humanismo persistissem nesse novo contexto Em particular dada a proximidade inicial de Hobbes com Bacon não deveria surpreender que ele acolhesse com agrado a possibilidade do que poderíamos denominar de ciência póscéptica isto é uma ciência natural e uma filosofia moral que de alguma maneira respondessem às objeções cépticas sem negar a sensatez dos argumentos cépticos No âmago do projeto cientifico tanto de Hobbes como de Descartes está a questão da sensação humana Ambos aceitam o argumento céptico de que não se pode ter uma experiência direta e confiável do mundo externo e que tudo o que podemos perceber é a atividade interna de nosso cérebro é este o tema central do capítulo I do Leviatã em que Hobbes exprime entre outras coisas os argumentos cépticos habituais contra o realismo ingênuo dos aristotélicos Numa famosa passagem de seu Discurso do método junho de 1637 Hobbes já o estava lendo em outubro daquele mesmo ano29 Descartes afirma que isso poderia implicar que o mundo externo não existe e que todos nós poderíamos estar sonhando era esta a famosa dúvida hiperbólica que Descartes se dispôs a responder com sua igualmente famosa demonstração a priori da existência de Deus e a conseqüente afirmação de que um Deus benevolente não iludiria sua criação Hobbes ficou evidentemente muito impressionado com a dúvida hiperbólica e uma versão dela aparece em todos os esboços de The Elements of Philosophy na forma da conjectura de que todo o universo externo pode ter sido recentemente aniquilado sem que tenhamos tomado consciência de seu desaparecimento já que nossa vida mental interna poderia simplesmente continuar como antes Em seus primeiros esboços ele parece ter adotado a firme convicção de que não existe critério plenamente adequado para distinguir entre vigília e sonho e que isso não importa porque em ambos os casos podemos supor que nossa vida 29 Jbid p 109 Hobbes COespondence ed Malcolm p 51 xxv I1 Leviatã I mental tem como causa forças materiais externas a nós30 ao escrever Leviatã mudara de postura e passara a acreditar que como ele diz no capítulo II contentome com saber que estando desperto não sonho muito embora quando sonho me julgue acordado Ele sempre dera razões pouco elaboradas e imperfeitas para distinguir sonhos de pensamentos despertos tais como a maior incoerência dos sonhos mas a ênfase que agora punha na capacidade de distinguir entre eles estava relacionada com a proeminência que deu no Leviatã ao papel dos fantasmas e outros seres incorpóreos na vida imaginativa do homem questão de que tratarei mais adiante Por volta de 1650 Hobbes pensava que a crença em fantasmas era conse qüência de um equívoco quanto ao status dos sonhos e que para eliminar tal crença era preciso fornecer uma distinção mais clara do que as que dera até então entre sonhar e despertar31 Muito embora Hobbes tenha ficado impressionado pela dúvida hiperbólica ele nunca simpatizou com a resposta de Descartes a ela Em todas as suas obras Hobbes negou firme mente a relevância do conceito convencional de um Deus benevolente para qualquer indagação filosófica Apenas a reflexão sobre a natureza do universo acreditava ele pode ria levar os homens a uma concepção de seu criador o ser ou evento que deu início aos processos mecânicos que desde então persistem Mas nenhuma reflexão racional poderia nos dizer algo sobre o caráter desse ser Era natural que os seres humanos honrassem e admirassem o poder do que quer que 30 Para uma exposição mais completa de por que Hobbes pensava isso ver meu artigo Hobbes and Descartes em G A J Rogers e AIan Ryan OOs Pers pectives on ThOTlUlf Hobbes Oxford 1988 pp 1141 um exemplo de suas pri meiras idéias encontrase em Elements of Law 13810 Sua crítica a Thomas White 1643 já contém a afirmação de que os pagãos produziram a idéia de demônios e outras substâncias incorpóreas a partir de seus sonhos mas acrescenta cautelosamente que como não se pode saber a partir da razão natural se uma substãncia é incorpórea o que foi revelado sobrenaturalmente por Deus deve ser verdadeiro Tlwmas Whitá De Mundo ExamiTUld trad H W Jones Bradford 1976 p 54 XXVI Introduçã o tivesse causado o universo e essa admiração podia adotar a forma de atribuição a Ele de qualidades humanas desejáveis como a benevolência mas devíamos compreender que como ele mesmo diz em uma de suas melhores expressões de suas crenças religiosas tais atribuições são mais oblações que proposições ou seja são maneiras de honrar comparáveis a se prostrar ou fazer um sacrifício mas não contêm nenhuma verdade genuína32 Portanto a benevolência de Deus não poderia ser usada para resolver nenhum dilema filosófico e essa determinação a excluir uma noção convencional de Deus de sua filosofia persistiu em toda a obra posterior de Hobbes inclusive em Leviatã33 O fenõmeno da religião contudo continuou sendo de grande importância para ele e mais adiante discutirei suas opiniões sobre isso Embora o próprio Hobbes dissesse em Leviatã que suas opiniões sobre a relação entre percepção e mundo externo não são muito necessárias para o que agora nos ocupa e escrevi largamente sobre o assunto em outro lugar p 153 ainda assim sentiuse obrigado a iniciar sua obra com um breve resumo de sua teoria Infelizmente é tão curto que muitas vezes ilude os leitores Fica claro a partir de suas obras mais longas sobre o fundamento das ciências que o que caracteriza sua 32 Essa distinção encontrase em Thomas Whites De Mundo ExamiTUld trad Jones p 434 A mesma obra contém uma notável aplicação dessa teoria ao problema do mal descrever Deus como TodoPoderoso é concederLhe a mais alta honraria ao passo que descrevêLo como autor do mal seria desonráLo Ambas as descrições não são conflitivas porque em termos estritos nenhuma delas é uma proposição 33 Quanto ao uso explícito que ele faz dessa questão como resposta a Descartes ver seu artigo Objections to Descartess Meditations publícado juntamente com o texto de Descartes em 1641 em decorrência de um convite de Mersenne para contribuir com o volume Descartes The Philosophical Wrilings lI trad Cottingham Stoothoff e Murdoch pp 12137 ver especialmente pp 1312 34 Esta última observação é uma indicação interessante de que ele supunha que The Elements of Philosophy logo estaria de alguma forma disponivel para o públíco XXVII Leviatã teoria é que nossos pensamentos e vida mental estão constituídos de objetos materiais Coisas como imagens mentais e outras idéias que para Descartes eram imateriais e que portanto tinham uma relação problemática com um possível mundo material para Hobbes eram simplesmente parte desse mundo Como os objetos materiais não podem se mover nossa vida mental movediça deve ser o resultado de uma cadeia de causalidade material que se estende retroativamente até uma distância indefinida e envolve podese supor tanto processos corporais internos como a circulação do sangue como eventos externos como o impacto da luz sobre nossos olhos No entanto só podemos confiar na verdade de proposições relacionadas com as percepções finais pois só delas temos conhecimento direto o restante de uma ciência natural tem de permanecer hipotético Disso decorrem duas implicações importantes no que tange às suas teorias moral e política A primeira é que a noção tradicional de livrearbítrio é absurda pois todas as intenções e ações têm de ser causadas por processos materiais prévios Hobbes escreveu longamente a esse respeito que é o tema de uma significativa passagem em Leviatã pp 17981 é importante compreender contudo o que ele entende por sua negação do livrearbítrio Não quer dizer que não devemos deliberar intencionalmente sobre nossas ações e fazer escolhas e na verdade ficou particularmente irritado quando um de seus oponentes fez essa suposição como ele mesmo respondeu quando está determinado que uma coisa deve ser escolhida por um agente antes de outra também está determinado por que causa isso deve ser escolhido assim causa esta que em geral é deliberação ou consulta e portanto a consulta não é em vão35Já que por causa disso a deliberação não era em vão tampouco o era a deliberação sobre como deliberar a filosofia moral de Hobbes pressupõe a aptidão para fazer raciocínios complicados sobre que tipo de 35 Ver seus comentários contra Bramhall em Of Liberty and Necessity em English U70rks ed Molesworth IV 1840 p 255 XXVIII Introduç ão pessoa queremos ser e como deveríamos viver O que temos de compreender é que esse sentido subjetivo de liberdade para escolher como viver baseiase tão pouco na liberdade real quanto nossO senso subjetivo de cor se baseia na cor real A confian ça de Hobbes de que deliberação e persuasão têm uma eficá cia causal está relacionada com seu duradouro interesse huma nista pela retórica e manipulação politica a idéia que a tradi ção de Tácito tinha dos agentes humanos era precisamente a de que eles estavam abertos para a manipulação causal de um tipo mais ou menos fidedigno e a filosofia de Hobbes em rela ção a esta área bem como em relação a todas as outras incorporou as idéias dessa tradição A segunda implicação era que uma ética realista seria praticamente impossível Novamente seria um erro supor que situações ou agentes fora de nossas mentes tivessem quaisquer qualidades morais independentes de nosso próprio juízo des crições como bom ou mau eram projeções de nossas sensações internas sobre o mundo externo assim como vermelho ou verde Como Hobbes disse p 48 seja qual for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem esse objeto é aquele a que cada um chama bom ao objeto de seu ódio e aversão chama mau Se fosse possível fazer os seres humanos re conhecerem o caráter inerentemente subjetivo dessas descrições morais é claro que não haveria discordância entre eles sobre questões morais assim como não há discordância sobre questões reconhecidamente subjetivas como o gosto por diferentes comidas Hobbes parece ter acreditado que os filósofos poderiam vir a conceber uma linguagem moral desse tipo o mesmo se dando com todos os homens quando tivessem momentos de tranqüila reflexã036 mas também parece ter pressuposto que isso não se manteria de modo permanente A linguagem moral como a linguagem das cores constantemente incitaria seus usuários a atribuir ao mundo externo um conjunto de atributos imaginários e em conseqüência a debater 36 Ver De Cive 11126 XXIX Leviatã entre si sobre o mundo Ademais tal debate não se restringia apenas ao que poderiamos considerar assuntos morais os homens também debateriam sobre questões de interesses e lucro e é claro sobre assuntos que vão da própria definição de um homem até questões triviais como pesos e medidas37 A análise desse conflito e uma exposição de sua resolução constituem a filosofia civil madura de Hobbes Em primeiro lugar é importante compreender o objetivo da filosofia aos olhos de Hobbes Os filósofos políticos modernos costumam pensar que de certa maneira sua tarefa consiste em fornecer um fundamento lógico para as atitudes ou práticas políticas concretas de sua sociedade e para tal empresa sempre trataram Hobbes como um aliado suas hipóteses realistas ou pessimistas sobre a natureza humana parecem fazer dele um recruta plausível Mas Hobbes acha que a correta compreensão e aplicação de sua filosofia poderia transformar a vida humana Desde o começo de seu projeto proclama os beneficios que estava oferecendo à humanidade já em Elements 01 Law descreve suas conclusões como de natureza tal que por falta delas governo e paz nada mais foram até este dia senão medo reciproco um bom lembrete para o fato de que ao contrário do que muitos pensam Hobbes deseja libertar o povo do medo Reiterou suas esperanças em De Cive se a filosofia moral pudesse estar tão bem fundamentada quanto a geometria então Desconheço outra maior contribuição da indústria humana à felicidade humana Pois caso se conhecessem os padrões da ação humana com a mesma certeza com que se conhecem as relações de magnitude das figuras então a ambição e a ganância cujo poder se apóia nas falsas opiniões do povo sobre o certo e o errado ficariam desarmadas e a humanidade poderia desfrutar de uma paz tão segura que afora conflitos por espaço 37 Ver em particular Elements o Law IllO8 reproduzido em ou baseado em De Cive VI9 e XVII12 xxx Introdução à medida que a população cresce é improvável que tivessem de lutar novamente Epistola Dedicatória 6 A mesma ambição utópica é manifestada em Leviatã por exemplo pp 31011 e na verdade nesta obra ela é como vere mos ainda mais extravagante do que nas obras anteriores38 Como então segundo Hobbes poderia a filosofia supe rar o conflito debilitante até aquele momento inerente à vida humana dada a ausência de qualquer padrão objetivo para avaliar o que é certo ou errado ou até mesmo o que é benéfi co ou danoso para um ser humano O primeiro passo seria reconhecer a verdadeira natureza do conflito ou seja que na verdade se trata de um conflito de crenças Mais uma vez é ten tador supor que Hobbes pensava que colisões do estado de natureza eram colisões entre os diferentes interesses das pessoas envolvidas mas como ele explica cuidadosamente no capítulo VI de Leviatã mesmo as paixões que aparentemente nos movem têm na maioria dos casos um componente cogniti vo fundamental de modo que por exemplo a alegria provém da imaginação do próprio poder e capacidade de um ho mem ao passo que a tristeza se deve à convicção da falta de poder p 53 O único desejo destituido de conteúdo cogniti vo é o desejo fundamental de se preservar da morte todas as outras paixões e desejos envolvem alguma crença sobre a posi ção que ocupamos no mundo e as ameaças que podemos vir a enfrentar Se os recursos de um gênero básico fossem de fato parcos poderia haver um conflito de interesses irredutível mas Hobbes acreditava que no mundo tal como então estava constituído tal escassez não existia O Novo Mundo criava a expectativa de um enorme aumento da produção 38 Talvez fosse relevante comparar as ambições de Hobbes a esse respeito com as ambições igualmente utópicas de Bacon que afinal de contas é o autor da obra politica declaradamente utópica New Atlantis XXXI I I I Leviatã Caso houver o aumento constante da multidão de pessoas pobres mas vigorosas elas deverão ser removidas para regiões ainda não suficientemente habitadas onde não deverão exterminar aqueles que lá encontrarem mas obrigáIos a habitar mais perto uns dos outros e a não explorar uma grande extensão de solo para colher o que encontram e sim tratar cada pequeno pedaço de terra com arte e cuidado a fim de este Ihes dar o sustento na devida época E quando toda a terra estiver superpovoada então o último remédio é a guerra que trará aos homens ou a vitória ou a morte p 29339 Segundo Hobbes o sábio deveria portanto reconhecer que todo conflito é no fundo um conflito de crenças e também deveria reconhecer que todas as crenças que são matéria de conflito estão mal fundamentadas Para analisar esse conflito e sua resolução Hobbes voltouse para o que deveria nos parecer uma linguagem bastante surpreendente a linguagem dos direitos e das leis naturais Nem o humanismo tardio no qual se formou nem a nova filosofia do círculo de Mersenne tinham particular simpatia por essa linguagem tradicionalmente associada com a filosofia escolástica e na verdade muitas das preocupações centrais de Hobbes continuaram a ser discutidas na França por escritores como Pascal sem fazer grande uso desses termos Mas essa linguagem vinha sendo usada naqueles tempos por dois autores para descrever teorias morais póscépticas O mais importante deles era o holandês Hugo Grócio embora Hobbes provavelmente também tenha sido influenciado pelo outro que mais tarde tornouse seu amigo o inglêsJohn Selden Em seu De Jure Belli ac Pacis de 1625 Grócio afirma expressamente contra os cépticos ser possível uma teoria da lei natural 39 É também esta a justificação que Locke dá da anexação das terras dos abarígines ver o artigo de J H Tully Redíscoveríng Ameríca The Two Treatises and Aboriginal Rights em seu lívro An Approach to Political Philosophy Locke in Contexts Cambrídge 1993 pp 13776 XXXII Introdução desde que ela se baseie num conjunto de princípios morais mais circunscrito do que aquele usado na tradição aristotélica Segundo Grócio a lei fundamental da natureza é o reconhecimento mútuo dos direitos básicos dos seres humanos e em particular o direito de se defender de agressões e o direito de adquirir o necessário para viver Não existe nem pode ser imaginada nenhuma sociedade diz Grócio que não inclua entre suas leis e costumes o respeito pelo direito à autoconservação e a condenação do esbanjamento ou do dano desnecessário Selden em dois livros escritos nos anos de 1630 e de certa maneira dirigidos a Grócio concorda em linhas gerais com essa teoria mas afirma que as implicações do direito à autoconservação podem ser muito mais amplas do que Grócio pensa e podem por exemplo incluir o direito muito geral a fazer a guerra com outros povos para alcançar os próprios objetivos Hobbes reconhece a compatibilidade entre esse tipo de teoria dos direitos naturais e sua própria filosofia moral e passa a interpretar os conflitos fundamentais de crenças em termos de um estado de natureza em que cada indivíduo tece seus próprios juízos sobre tudo inclusive os meios desejáveis para garantir sua própria conservação sendo reconhecido por todos como tendo o direito de fazêIo40 Tal reconhecimento mútuo do direito à autoconservação provém segundo Hobbes da compreensão que todos têm da proeminência em sua própria conduta do desejo de autoconservação devese destacar no entanto que a teoria de Hobbes não exige que as pessoas sempre ajam com base no princípio de autoconservação Sabe perfeitamente que às vezes as pessoas podem se sacrificar pelos pais ou por sua religiã04 Mas sempre parece justificável 40 Vale notar que a expressão estado de natureza da forma como é usada nesse contexto parece ter sido uma invenção de Hobbes nem Grócio nem Selden usavam essa expressão embora cada um deles certamente usasse o conceito 41 Ele é mais claro sobre isso em De Cive onde observa VI13 que nenhum homem pode ser obrigado pelo soberano a matar o pai seja ele inocente XXXIII Leviatã agir com base nisso o autosacrifício não pode ser obrigatório e a autoconservação é sempre compreensível Como em princípio qualquer coisa pode ser necessária para a preservação do indivíduo esse direito natural de usar o próprio juízo também pode ser considerado de modo um tanto dramático como direito a todas as coisas embora algumas coisas como a crueldade sem motivo sempre sejam vistas por Hobbes como difíceis de serem justificadas em termos da conservação de um agente Uma comparação entre Grócio e Hobbes nessa área é instrutiva Por um lado Hobbes aceita o argumento de Grócio de que nesse estado todos reconhecem o direito de cada indivíduo a se autoconservar de modo tal que no estado de natureza haveria um acordo básico sobre os fundamentos de uma teoria moral mas por outro lado discorda de Grócio ao considerar que tal acordo básico não é suficiente por si só para gerar uma ordem moral estabelecida pois continuaria havendo discordâncias radicais sobre todo o resto destacandose aías circunstâncias concretas nas quais os povos teriam o direito de se autopreservarem Como conseqüência desse desacordo entre povos o estado de natureza seria inevitavelmente um estado de guerra eu me defenderia de você de uma maneira para você desnecessária já que a seu ver você não constitui perigo para mim e assim por diante É importante sublinhar no entanto que segundo Hobbes se esse desacordo secundário sobre a implementação do direito pudesse ser eliminado então como em Grócio haveria uma base segura para um consenso moral pois todos os homens considerariam sensata a proposição de que cada homem tem o direito fundamental de se autopreservar Muito se discutiu para tentar definir se o estado de natu reza de Hobbes é apenas hipotético uma espécie de experi ou culpado e legalmente condenado como existem outros que o farão se assim lhes ordenarem um filho prefere morrer a viver a infãmia e abjeção e onde instava os cristãos oprimidos por seu principe a ir até Cristo pelo martirio XVIIIl3 XXXIV Introdução mento mental ou se ele supõe que poderia ser ou tinha sido uma possibilidade prática Em diferentes momentos de suas obras Hobbes deu exemplos do estado de natureza os mais comuns eram as relações internacionais entre Estados e a condição dos povos aborígines da América do Norte e dos povos primitivos da Europa Também acrescentou o exemplo de Caim e Abel no Leviatã em latim talvez suscitado por uma discussão sobre o tema com um jovem admirador francês nos anos de 1650 Não dispomos das cartas de Hobbes sobre o assunto mas em 1657 o francês expressava ter recebido uma carta de Hobbes explicitando aquilo que poderiam ser exemplos do estado de natureza e continuava Fiquei muito satisfeito com sua resposta às minhas últimas indagações A meu ver os exemplos que você deu de soldados que servem em diferentes lugares e pedreiros que trabalham com diferentes arquitetos não conseguem ilustrar com precisão suficiente o estado de natureza Pois estas são guerras de um contra o outro em diferentes momentos o exemplo que eu propunha discutir no entanto era num mesmo e único momento Depois de meditar um pouco sobre o assunto descobri que na minha opinião quando se trata de opiniões e sentimentos há e sempre houve uma guerra de espíritos e que esta guerra reflete exatamente o estado de natureza Por exemplo não é comum acontecer que entre os membros de um único parlamento cada homem com suas próprias idéias e convencido de que está certo sustente obstinadamente essa idéia contra todos os seus colegas Temos assim uma guerra de espíritos de todos contra todos De modo similar em filosofia temos tantos professores de doutrinas e tantas seitas diferentes Cada um acha que encontrou a verdade e imagina que todos os outros estão errados Não fica claro o que Hobbes quis dizer precisamente com o exemplo de soldados mercenários ou pedreiros viajantes Carta de François Peleau em Hobbes Correspondence ed Malcolm p 424 Ver também a indagação original de Peleau a Hobbes ibid p 331 xxxv Leviatã nem como respondeu às sugestões extremamente precisas de seu correspondente mas fica claro que ele pensava no tipo de conflito que constituía o estado de natureza como algo que certamente poderia surgir na prática e que ocorreria com freqüência Com efeito sua força heurística estava precisamente no fato de representar uma ameaça real que caberia à sociedade civil assumir Segundo Hobbes os homens precisariam abandonr o estado de natureza renunciando ao direito a todas as coisas isto é com efeito renunciando ao seu próprio direito privado de julgamento sobre o que garantia sua preservação exceto em casos óbvios e extremos em que não pode haver desacordo sobre os meios necessários43 Segundo a descrição que Hobbes faz desse processo os homens são levados a isso por reconhecerem a força da lei da natureza e o status dessa lei talvez seja o aspecto mais desconcertante de toda a teoria de Hobbes Se é verdade que há desacordo radical sobre todos os assuntos morais e não há nenhum conjunto objetivo de princípios morais como podem os homens ser convencidos a abandonar seu próprio juízo moral e prudencial por meio da reflexão sobre uma lei aparentemente objetiva Em meados do século XX tornouse popular uma teoria sobretudo ligada ao nome de Howard Warrender segundo a qual a lei da natureza de Hobbes seria na verdade um princípio objetivo que se sobrepõe ao desacordo subjetivo representado pelo direito de natureza e que pode 43 A melhor discussão de Hobbes sobre esta questão encontrase em De Cive IU8 onde afirma que ninguém nem mesmo o próprio soberano contestará o ato de que aquele que é atacado pelas mãos do próprio soberano tem o direito de resistir quem está obrigado por um acordo tem normalmente a confiança de seu beneficiário pois a fé é a única obrigação dos contratos mas quem é conduzido ao castigo seja a pena capital ou outra vai acorrentado ou sob forte guarda o que é sinal clarissimo de que não parece estar suficientemente obrigado por um acordo a não resistir Tampouco a república precisa exigir de alguém como condição do castigo que concorde em não resistir bastalhe apenas que concorde em não proteger a outros Ver também Leviatã pp 1856 e 18990 XXXVI Introdução ser mais facilmente compreendido embora Warrender fosse cauteloso nesse ponto como lei de Deus44 Essa opinião se sustenta sobretudo pela passagem no final do capítulo XV do Leviatã em que Hobbes diz que as leis da natureza são apenas teoremas enquanto a lei em sentido próprio é a palavra daquele que tem direito de mando sobre os outros No entanto se considerarmos os mesmos teoremas como transmitidos pela palavra de Deus que tem direito de mando sobre todas as coisas nesse caso serão propriamente chamados leis p 137 A maneira mais fácil de compreender o argumento de Hobbes nesse ponto é voltar para aquilo que conforme afirmei é a teoria não jurídica subjacente ao emprego da linguagem de direitos e deveres O homem sábio reconhecerá a fragilidade de suas próprias crenças sempre que houver verdadeiros desacordos com outras pessoas também reconhecerá que insistir na verdade de suas crenças nessas situações conduzirá ao conflito O caminho para a paz e a tranqüilidade está portanto na renúncia a essas crenças assim como ensinaram os cépticos do Renascimento e muitas vezes seus aliados estóicos Nosso próprio compromisso profundo com a autoconservação nos ensinará que usar nosso próprio juízo sobre o que conduz à conservação em casos discutíveis levará ao fracasso O paradoxo é apenas superficial é análogo a Ulisses e as Sereias ou a qualquer outra teoria relativa à maneira como um conjunto de necessidades de ordem superior prescreve as necessidades de ordem inferior que cada qual deveria testar para induzirse a adotáIas como suas Se for esta a estrutura que sustenta os argumentos jurídicos de Hobbes desaparece qualquer confusão na relação entre direito de natureza e lei da natureza em nossos momentos mais calmos como disse em De Cive III26 veremos que temos de nos privar da capacidade 44 Ver Howard Warrender The PoliticalPhilosophy ofHobbes His Theory ofObligation Oxford 1957 e melhor ainda os artigos de A E Taylor S Brownj Plamenatz e o próprio Warrender em Hobbes Studies ed K C Brown Oxford 1965 XXXVII IIrI I 1i Leviatã de agir conforme nosso juízo independente e contencioso desde que os outros façam o mesmo para alinhar nossos juí zos com os de outros homens e formar uma sociedade civil Se for assim a força da lei da natureza emerge de con siderações de interesse pessoal ou pelo menos das da auto conservação Por que então Hobbes a descreve como uma lei já que antes aparentemente descrevera a autoconservação como um direito e nas suas palavras leí e direíto se dístin guem tanto como obrígação e liberdade as quais são incom pativeis quando se referem à mesma matéria A resposta a esta questão compõese de duas partes A prímeira é que em sentido estrito Hobbes não define o direito de natureza sim plesmente como um direito de preservar a si mesmo nas pala vras do Leviatã é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder da maneira que quiser para a preservação de sua própria natureza os itálicos são meus4S Em outras palavras na verdade o direito de natureza é o direito de usar o próprio juízo sobre a conservação e não o mero direito à autoconser vação O díreito de natureza baseiase no reconhecimento da importância para todos de sua própria sobrevivência mas como todo direito podese renunciar a ele e esta renúncia está no ceme da teoria de Hobbes A segunda parte é que como bem ilustra a citação sobre os teoremas Hobbes hesi ta em descrever a lei da natureza como uma lei a palavra de Deus nessa citação como a passagem equivalente em De Cive III33 ilustra claramente significa as Escrituras que eviden temente não têm qualquer poder sobre os homens naturais É bem possível que sua hesitação se deva à consciência do fato de como vimos ele admitir em outra passagem que os homens nem sempre são motivados pelo desejo de sobrevivência a lei Compare as formulações em suas outras obras É portanto um direito de natureza que cada homem preserve sua própria vida e seu corpo com todo o poder de que disponha Elemerús o Law XIv6 O primeiro fundamen to do direito natural é que cada homem proteja sua vida e corpo tanto quanto pos sa De Cive 17 XXXVIII Introdução da natureza é na verdade um teorema que estabelece a relação entre sobrevivência e renúncia ao direito de natureza mas não afeta pessoas que não desejem se preservar a si mesmas Segundo Hobbes renunciamos ao juizo individual estabelecendo relações contratuais com os outros homens e instituindo um soberano cujos juízos passaremos a considerar como nossos É lícito dizer que no Leviatã o contrato tem pouca força moral independente mantemo nos firmes no acordo de alinhar nossOS juízos aos dos outros porque enquanto todos fizerem isso não temos motivos para romper o acordo Isso muitas vezes deixou perplexos os leitores de Leviatã e Hobbes tentou responder às suas dúvidas dúvidas provavelmente expressas de início por leitores de De Cive numa famosa passagem desconcertante sobre o néscio pp 1256 Hobbes tomou a figura do néscio que disse em seu coração não há Deus SI 141 e desdenhou dele dizendo que também não existe justiça46 e se o Reino de Deus se conquista pela violência não éerrado conquistálo Essa imagem chocante vem do Evangelho segundo São Mateus 1112 desde os dias de João Batista até agora fazse violência ao reino dos céus e pela força apoderamse dele passagem cuja interpretação continua obscura O importante em relação a essa passagem é que o néscio não está interessado apenas em aumentar sua conveniência por meio por exemplo do roubo procura aumentar enormemente seu próprio poder apoderandose quer de um reino ter restre quer de um reino celeste Para Hobbes como vimos a única base aceitável da conduta racional é a garantia da própria preservação e não um acréscimo qualquer da própria conveniência por menor que fosse esta é uma diferença fundamental entre Hobbes e os modernos teóricos da escolha racional e qualquer tentativa de remodelar os argumentos de Hobbes em termos da teoria da escolha é extremamente equivocada Portanto a única questão válida para Hobbes é caso Talvez aqui também haja referência a uma famosa passagem do antigo cep ticismo na qual Carnéades dizia que justiça é tolice XXXIX Leviatã eu me apoderasse da soberania não estaria em melhor situação no que se refere à minha sobrevivência do que se continuasse sendo um cidadão obediente E ele respondeu de forma clara e direta que não é mais benéfico ser soberano que cidadão e que o risco de destruição é maior quando se escolhe a traição em vez da obediência leal às leis Não há vantagem em ser soberano e não cidadão porque não importa segundo a teoria de Hobbes quem emite os juízos sobre nossa preservação desde que todos emitamos os mesmos juízos eu não deveria pensar que há algo de especial em serem os meus juízos e não os de outra pessoa que prevaleçam já que todos os juízos em matéria contenciosa são igualmente mal fundados IV Não há dúvida de que o quadro que Hobbes pintou das relações entre cidadão e soberano na sociedade civil é estranho e desconcertante Seu cidadão ideal como o sábio de uma filosofia mais antiga tornarase um homem sem crença e paixão aceitando as leis de seu soberano como a única medida das boas e das más ações e tratandoas como a consciência pública que deveria substituir totalmente a sua própria pp 2734 Uma resposta natural a esse quadro é dizer como Hume que ela serve apenas para promover a tirania resposta aparentemente confirmada por exemplo pelo desdém de Hobbes quanto a qualquer distinção entre a república livre de Lucca e o regime do sultão de Constantinopla pp 1834 Em De Cive ele foi ainda mais insensível declarando que ser um cidadão não é mais que ser um escravo servus do soberano cap VIII ver também Leviatã pp 1745 Essa indiferença em relação à distinção entre o homem livre e o escravo é mais uma vez em grande parte uma reminiscência de antigos escritos filosóficos sobre a vida sábia que conforme por exemplo afirmavam os estóicos poderia igualmente ser vivida por um escravo e por um senhor Mas no caso de Hobbes nem sempre fica claro que sua teoria aponta de modo inequívoco na direção da tira XL Introdução nia muitas vezes Hobbes foi lido como um autor surpreen dentemente liberal7 A interpretação liberal de Hobbes começa com sua teoria do soberano como representante dos cidadãos Em Leviatã Hobbes descreveu essa relação da seguinte maneira no estado de natureza os futuros cidadãos devem designar um homem ou uma assembléia de homens como por tador de suas pessoas admitindose e reconhecendose cada um como autor de todos os atos que aquele que assim é portador sua pessoa praticar ou levar a praticar em tudo o que disser respeito à paz e à segurança comuns todos submetendo desse modo suas vontades à vontade dele e às suas decisões à sua decisão P 147 Nessa passagem Hobbes usa deliberadamente a lingua gem que também costumava ser usada por aqueles teóricos que pretendiam limitar os poderes dos soberanos ou até insti tuir governos quase republicanos A idéia de que um soberano porta as pessoas de seus cidadãos é por exemplo uma alu são a uma passagem do De Officiis de Cícero 1124 em que Cícero um entusiasta da república romana e oponente de Cé sar observa que um magistrado deveria entender que porta a pessoa do civitas palavra que Hobbes usa nas obras em latim como sinônimo de república termo empregado nas obras escritas em inglês e que o cargo de magistrado lhe foi con fiado ea fidei suae commissa Os magistrados da república romana tinham de fato sido eleitos pelo povo e era natural para os teóricos republicanos descrever os funcionários de uma república como representantes ou agentes do povo Além disso em Elements o Law e em De Cive Hobbes não medira esforços para descrever o soberano original criado pelos Notese que muitos liberais ingleses de principias do século XIX expressa vam grande admiração por ele ver por exemplo o curto ensaio sobre Hobbes na obra de John Austin The Province of jurisJrrudence Determined ed H L A Hart Londres 1955 p 276 n 25 p 281 Trad bras Dos deveres Martins Fontes São Paulo 1999 XLI I lil II Leviatã habitantes do estado de natureza como necessariamente uma assembléia democrática que só poderia transferir os direitos de soberania a uma única pessoa ou pequeno grupo por uma maioria de votos de seus membros Portanto desde o início a teoria de Hobbes está fortemente impregnada das formas da política eleitoral48 Mais uma vez vale a pena comparar isso com Grócio também Grócio era famoso entre seus contemporâneos por basear a soberania numa cessão de poder por parte dos cidadãos mas ele nunca usou o modelo claramente eleitoral que Hobbes empregou À primeira vista isso não é verdade em Leviatã e alguns estudiosos enfatizaram muito essa diferença não fica claro porém que o abismo entre os primeiros trabalhos e Leviatã seja tão grande como parece Hobbes continuou a pressupor que algo como uma maioria de votos entre os habitantes do estado de natureza deveria ser necessário para criar qualquer soberano que não fosse uma assembléia democrática49 Ver Elements ofLaw II2l1O De Give VII516 Ver o começo do capítulo XVIII Considerase que uma república tenha sido instituida quando uma multidão de homens concorda e pactua cada um com cada um dos outros que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles ou seja de ser o seu representante todos sem exceção tanto os que votaram a jàvor dele como os que votaram contra ele deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens tal como se fossem seus próprios atos e decisões Pp 1489 O professor M M Goldsmith chama a atenção para essa passagem na introdução à sua edição de Elements of Law Londres 1969 p xix embora a considerasse apenas um resquício da posição inicial de Hobbes e comparaa com a passagem de Leviatã p 159 em que Hobbes diz É evidente que os homens que se encontrarem numa situação de absoluta liberdade poderão se lhes aprouver conferir a um só homem a autoridade de representar todos eles ou então conferir essa autoridade a qualquer assembléia de homens Poderão portanto se tal considerarem conveniente submeterse a um monarca de maneira tão absoluta como a qualquer outro representante Não vejo uma divergência significativa entre essas passagens já que na segunda Hobbes não está preocupado em discutir o verdadeiro mecanismo pelo qual os homens em absoluta liberdade conferem a autoridade ao representante que escolherem a questão da maioria pode simplesmente estar implicita nessa passagem XLII Introduçã o Em certo sentido em Leviatã Hobbes está empenhado em construir uma teoria mais parecida com algumas discussões posteriores sobre democracia e voto por exemplo a teoria de Rousseau que tinha ciência de algumas similaridades entre Hobbes e ele na qual tenta responder ao problema de como alguém pode ser considerado nosso representante ou como numa democracia direta podese dizer que consentimos com a decisão de nossa assembléia quando perdemos a votação e nossos desejos foram aparentemente ignorados Sua resposta como a de Rousseau e como a da maioria dos teóricos modernos é que temos um compromisso prévio e unânime de nos submetermos ao resultado do processo eleitoral e que é essa unanimidade que torna legítimo o representante ou a lei em questãdo Na falta de tal compromisso um povo seria conforme a terminología de Hobbes apenas uma multidão uma massa desordenada sem personalidade legal Uma teoria desse tipo é compatível com a crença de Hobbes de que os cidadãos teriam poucos direitos contra seu soberano como Hobbes bem sabia democracias podem ser extremamente brutais com seus próprios cidadãos De modo coerente Hobbes endossava outra idéia fundamental para a moderna política democrática segundo a qual faz sentido dizer que a soberania pode residir no povo mesmo quando ele não a exerce diretamente Nas suas três obras Hobbes considerou a possibilidade de que um monarca eleito por toda a vida não tivesse o poder de nomear seu sucessor e observou que nesse caso embora o povo não participasse do governo em termos práticos o poder soberano como a posse permanecia com o povo apenas seu uso ou exercicio era desfruta do pelo monarca temporário como usufrutuário De Cive VII16 ver também Leviatã p 167 Elements o Law II291O Durante 50 O termo representação propriamente dito aparece na obra de Hobbes na tradução francesa de De Give o que é novo em Leviatã é simplesmente a descrição elaborada da autorização que suplementa a noção de representação XLIII 1111 III I Leviatã III III Illf esse período o povo está como afirma Hobbes adormecido O critério para distinguir um regime de monarquia absoluta da soberania popular consiste em saber se a assembléia elei toral do povo conserva o direito de se reunir quando da mor te do monarca para determinar um sucessor e de maneira correspondente se o monarca detinha o direito legal de indicar seu sucessor em testamento Leviatã pp 1679 De Cive IXU19 Este era um critérío extremamente perigoso para usar como base de uma teoria realista pois pelo menos não estaria nada claro o direito do rei da Inglaterra de definir arbitrariamente seu próprio sucessor Por exemplo quando da morte da rainha os ministros de Isabel tinham contemplado seriamente a hipótese de que um parlamento se reunisse para determinar a sucessão e até mesmo decidisse deixar o trono temporariamente vago Hobbes afirma confiantemente tanto que o rei tinha tal direito como o que era mais plausível que nenhum parlamento poderia se reunir sem ser convocado pelo rei e que portanto não haveria outro candidato para soberano representante na Inglaterra senão o monarca5 Mas sua teoria fundamental era tal que mais tarde democratas radi cais como os jacobinos ou os radicais filosóficos da Inglater ra do começo do século XIX puderam se apropriar dela para seus próprios fins Devese dizer também que interpretado em termos estri tos o caráter representativo do soberano implica que os pode res do soberano não são tão amplos como se pensa Os direi tos do soberano nada mais são do que os de um indivíduo no estado de natureza e como vimos segundo Hobbes um indi 51 No entanto vale a pena observar que em Elements of Law Hobbes descreve a Câmara dos Comuns do Parlamento como uma pessoa civil em cuja vontade está incluída e envolvida a vontade de cada um em particular e que nesse sentido é todos os Comuns na medida em que ali se reúnam com autoridade e direito para tanto A aceitação dos Comuns como represen tantes desaparece nas obras posteriores o que é compreensível No que se refere aos ministros de Isabel ver Patrick Collinson Elizabethan Essays Londres 1994 pp 3157 XLIV Introduçã o viduo só teria direito àquelas coisas que acredita sinceramente serem capazes de garantir sua preservação embora na prática qualquer coisa pudesse ser assim qualificada De modo similar na sua qualidade de representante um soberano só tem direito a impor aos súditos aquelas coisas que considere necessárias para a preservação deles É claro que ele poderia ultrapassar esse limite e os súditos teriam de aceitar sua decisão mas na verdade assim fazendo estaria extrapolando seu direito natural e transgredindo a lei da natureza como Hobbes deixa claro em seus comentários sobre Davi e Urias p 182 Nessa situação ao ordenar algo ao súdito o soberano estaria agindo sem direito e no caso de resistir o súdito agiria sem direito embora a Hobbes interessasse principalmente a esfera dos direitos e deveres sua opinião sobre o que aconteceria uma vez que tal esfera fosse abandonada está expressa em sua melancólica observação no final do capitulo XXXI de que o o go verno negligente dos príncipes é punido com rebelião e a rebelião com a carnificina p 310 Além disso pelo fato de o soberano ser o representante de seus súditos precisa levar a sério a tarefa de garantirIhes as coisas necessárias à vida o soberano de Hobbes teria não só o direito como o dever de intervir no sistema econômico se o seu funcionamento livre ameaçasse a sobrevivência de qualquer de seus cidadãos No entanto segundo Hobbes a área mais importante de potencial intervenção do soberano é a religião foi a discussão sobre religião nas últimas duas partes de Leviatã que acabou por romper seus laços com seus antigos amigos realistas embora seja preciso dizer que suas idéias poderiam perfeitamente ser acolhidas por outros realistas É aí que os argumentos do Leviatã diferem de maneira mais evidente dos de Elements 01 Law ou De Cive em outras áreas as diferenças quase sempre podem ser compreendidas como a tentativa de Hobbes de esclarecer melhor suas idéias originais52 No que tange à religião David Johnston em The Rhetoric of Leviathan Princeton 1986 e Quentin Skinner em Scientia civilis in Classic Rhetoric and in the Early Hobbes in Nicholas Phillipson e Quentin Skínner eds Polítical Discourse in Early XLV Leviatã no entanto ele parece ter repudiado taxativamente o que afirmara nas obras anteriores e assim fazendo coloca o Leviatãnuma direção notavelmente utópica Faz sentido dizer que são as partes lU e IV de Leviatã que constituem o objetivo principal da obra Em Elements of Law e em De Cive Hobbes cuidou de evitar um confronto direto com a Igreja Anglicana da qual muitos ministros eram seus amigos Embora na maioria dos assuntos o soberano tenha o direito de determinar as crenças de seus súditos a religião em geral e o cristianismo em particular são casos especiais Tais questões foram exploradas de modo mais minucioso em De Cive em que Hobbes afirma que a religião natural é um aspecto inevitável da psicologia humana tratase do reconhecimento de uma causa primeira e um sentimento de temor e admiração diante do poder que tal causa tem de gerar o universo mais tarde um paralelo próximo seria com o sentimento de admiração de Kant diante do céu estrelado Essa religião natural não resulta diretamente num teísmo convencional já que nada sabemos sobre a natureza da causa pri Modern Britain Cambridge 1993 pp 6793 afirmam que outra diferença entre as primeiras obras e Leviatã foi o maior valor que Hobbes passou a atribuir à retórica Skinner em particular sustenta que Hobbes na voltaface mais nítida em toda a evolução de sua filosofia civil p 93 retratouse ex plicitamente de seu cepticismo inicial sobre o valor das artes retóricas no comentário que faz na Revisão e Conclusão de que Razão e Eloqüência podem muito bem caminhar juntas Não estou totalmente convencido disso como vimos Hobbes sempre esteve ciente do poder e portanto do perigo da retórica e mesmo no Leviatã existem passagens em que ele expressa preocupação em relação a ela Ver por exemplo suas observações sobre os oradores que são os favoritos das assembléias soberanas e têm grande poder para prejudicar mas pouco têm para ajudar p 162 e observações semelhantes sobre o modo como oradores alimentam as chamas das paixões dos homens numa assembléia pp 2234 A importante diferença entre Leviatã e as primeiras obras no que se refere a essa área é que Leviatã estava endereçado tanto ao governante como ao cidadão e que como Hobbes já observara mais de trinta anos antes em Discourse upon the Beginnings 01 Tacitus um governante eficaz pode usar as técnicas da manipulação retórica para governar seu povo XLVI Introdução meira mas as convenções das diferentes sociedades sobre a expressão do temor e da admiração originam uma linguagem teológica embora esta tenha um caráter puramente emocional e seja destituída de verdadeiros valores Argumento semelhante é encontrado no capítulo XXXI de Leviatã Portanto o soberano é a figurachave para decidir como esse temor deve ser expresso em principio pois toda religião é religião civil afirmação que os contemporâneos de Hobbes associavam a Maquiavel e que causava neles grande desconfiança Mas em De Cive a desconfiança deles era abafada pelo papel especial que Hobbes atribuía ao cristianismo Afirmava ali que quem tivesse fé nos princípios do cristianismo fé que por sua própria natureza não era racional filosófica ou natural aceitaria o caráter especial das mensagens comunicadas pelo próprio Cristo através da sucessão apostólica do clero Até mesmo um soberano se for cristão tem de respeitar isso e interpretar o texto sagrado por meio de eclesiásticos propriamente ordenados XVII28 Portanto na área vital da religião o soberano de Hobbes é obrigado a endossar a ortodoxia da Igreja apostólica cujos ensinamentos é obrigado a impor aos cidadãos além disso não há nada na teologia dos primeiros escritos de Hobbes que contradiga explicitamente essa ortodoxia53 Muito embora em cada um deles descrevesse por exemplo a alma como material mas é claro não como volumosa isto é impossível de ser plenamente apreendida pelos sentidos insistia tenazmente em que ainda assim era imortal Em Leviatã contudo essa qualificação foi posta de lado O cristianismo agora é equivalente às outras religiões da Antiguidade e o soberano pode interpretar as Escrituras ou determinar a doutrina sem dar atenção aos padres ordenados é esse o ponto principal da parte lU em que Hobbes entre 53 Devese notar no entanto que mesmo nessa época Hobbes podia em conversas privadas ser extremamente crítico em relação ao papel politico que o clero desempenhava ver sua carta ao conde de Devonshire de julho de 1641 Correspondence ed Malcolm pp 1201 XLVII Leviatã outras coisas nega expressamente qualquer importância à sucessâo apostólica pp 3636 O alvo explícito de Hobbes é o cardeal Belarmino principal portavoz da teoria papal do poder eclesiástico sobre os soberanos temporais implicitamente todavia como ele indica por exemplo nas pp 416 e 473 seu alvo era igualmente a reivindicação dos presbiterianos tanto da Inglaterra como da Escócia de um poder comparável para a Igreja deles Alguns anos antes Belarmino servira de pretexto para os presbiterianos numa amarga controvérsia tanto na Holanda como na Inglaterra de que Hobbes certamente tinha conhecimento Pelo contrário o soberano precisa aplicar à religião de sua república as mesmas considerações que governavam sua abordagem dos assuntos seculares Hobbes insta o soberano a considerar duas coisas ao promulgar doutrina A primeira diz respeito à questão geral da paz social e ao modo de evitar conflitos sectários argumenta agora que se um regime de tolerância for mais propício para alcançar esses objetivos do que uma uniformidade imposta o soberano deverá implementar tal regime Numa famosa passagem Hobbes acolhe de forma eloqüente a tolerância religiosa posta em execução pelo poder crescente dos independentes na Inglaterra pp 4689 não é de surpreender que essa passagem tenha sido suprimida do Leviatã em latim mas até o fim da vida Hobbes continuou lutando contra leis contrárias à heresia A segunda coisa que ele solicitava do soberano é no entanto muito mais extraordinária e muitos leitores de Leviatã esquivaramse de suas implicações o soberano deve considerar a possibilidade de declarar como doutrina pública de seu país uma versão radicalmente reconstruída do cristianismo baseada numa nova interpretação das Escrituras A principal característica dessa nova religião está em sua descrição da vida depois da morte Devese dizer também que 54 Em relação a essa controvérsia ver David N obbs Theocracy and Toleratíon A Study of the Disputes ín Dutch Calvínism from 7600 to 7650 Cambridge 1938 XLVIII Introdução há outras características notáveis por exemplo nas pp 4136 Hobbes propõe a incrível teoria de que a Trindade se refere às três grandes representações ou personificações históricas de um Deus desconhecido a primeira por Moisés Deus Pai a segunda por Cristo Deus Filho e a terceira pelos Apóstolos Deus Espírito Santo55 Rechaçou algumas das implicações unitaristas dessa teoria continuando a descrever Cristo como Deus e Homem p 415 mas a julgar pela aparência afastouse bastante do cristianismo trinitário ortodoxo No entanto de maiores conseqüências é a versão de Hobbes do céu e do inferno pois dedicouse a longos trabalhos exegéticos para estabelecer a materialidade da alma o caráter terrreno de uma vida após a morte e o fato de que não haverá tormentos eternos para os amaldiçoados Segundo Hobbes a fé em Cristo isto é a fé em que ele representa Deus e a obediência às leis da natureza são suficientes para garantir uma vida eterna ao passo que a transgressão da fé ou da obediência condena a uma morte eterna ou seja uma segunda morte posterior à ressurreição corpórea de todos os homens e sua decisão por Deus no dia do JUízo Final pp 385 522556 Instava portanto o soberano a ensinar a nãoexistência do Inferno e o caráter minimalista dos atos necessários para ser admitido no Céu Por que Leviatã toma de repente esse rumo excêntrico Os custos disto para Hobbes foram extremamente altos perdeu amigos dinheiro pois esperava receber apoio financeiro do rei 55 Cabe indagar se foi esse uso da noção de representação que chamou a atenção de Hobbes no final dos anos 1640 e não suas possibilidades politicas 56 Devese notar que nas pp 5234 Hobbes contempla a possibilidade de que depois de sua ressurreição os amaldiçoados poderiam viver uma vida normal ter filhos e depois morrer e embora nas reedições de Leviatã como demonstro na Nota sobre o texto ele ou um ditor eliminaram as afirmações mais contundentes relativas a essa idéia restaram vários indicios dela O que parece importar para Hobbes é estabelecer a proposição de que os amaldiçoados deveriam sofrer o destino humano normal da mortalidade e se inclina a imaginar que essa mortalidade se seguiria a outras atividades humanas normais XLIX Leviatã exilado de quem fora preceptor em matemática por um breve período de 1646 a 1647 e um lar foi forçado a voltar para a Inglaterra em 1652 devido ao furor que seu livro despertou nos anglicanos em Paris57 As especulações teológicas de Leviatã não eram fúteis há uma paixão por trás delas que exige algumas explicações Em geral os historiadores que se perguntaram sobre isso sobretudo G A Pocock responderam que a teologia de Leviatã era parte do projeto de Hobbes de garantir que o soberano fosse a autoridade moral e religiosa inquestionável da república Segundo essa visão Hobbes pretenderia eliminar a possibilidade de um clero que pudesse oferecer recompensas ou ameaçar com punições para além do campo de ação de um soberano civil Nesse caso fica difícil entender por que Hobbes trataria o Céu e o Inferno de maneiras tão diferentes afinal de contas se ele deu efetivamente a chave do Céu para o soberano por que lhe negou a chave do Inferno As reivindicações do clero por uma autoridade independente não parecem particularmente relevantes no que concerne a esse importante aspecto da teologia de Hobbes No entanto o que a teoria de Hobbes realmente faz é libertar os homens de um medo desnecessário Grande parcela das partes 111 e IV do Leviatã e na verdade quase toda a parte IV dedicase a estabelecer que não deveríamos temer entidades como fantasmas ou duendes que não existem mas que preencheram a imaginação dos homens ao longo dos tempos O Inferno é outra dessas entidades a idéia de Inferno acrescen 57 Em 27 de janeiro de 1652 Clarendon escreveu para Nicholas De fato ajudei a promover o descrédito de meu antigo amigo o Sr Hobbes e o governador de meu condado o marquês de Ormonde não se demorou em exprimir a satisfação do rei Clarendon State Papers III ed Thomas Monkhouse Oxford 1786 p 45 Em janeiro de 1652 o Mercurius Politicus relatou que Ormonde não dera permissão a Hobbes para ver o rei quando Hobbes compareceu à corte para receber como esperava os agradecimentos do rei por uma cópia de Leviatã que lhe mandara de presente ver abai xo p LXIII Ver também as cartas de Nicholas a Clarendon Correspondence of Sir Edward Nicholas I ed George F Warner Camden Society New Series XL 1886 pp 2846 L Introdução tou todo um conjunto de medos imaginários à vida dos homens além do medo natural e inevitável da morte A religião de Hobbes pelo contrário oferece uma nova esperança a da vida eterna e não novos medos pois tudo o que os condenados à danação sofreriam seria o que os homens naturais sofreriam de qualquer maneira A religião pode pois ser apresentada como parte do grande empreendimento hobbesiano de libertar os homens do terror seja aquele que uns têm dos outros como aquele que nutrem pelo reino espiritual desconhecido Nesse ponto a teoria do Leviatã é claramente utópica muito semelhante às utopias do século XVIII ou até as do século XIX nas quais uma nova religião era considerada algo necessário para reconstruir a sociedade Se levarmos a religião de Hobbes a sério também temos de lembrar que ele propunha uma nova religião civil ou seja Hobbes sugeria que o soberano instituísse sua religião por causa de seus efeitos sociais e psicológicos benéficos e porque era uma extensão do que a sociedade já acreditava e não porque fosse verdade A acusação de que Hobbes era ateu tão freqüente depois de 1660 estava baseada nesse ponto seus contemporâneos supunham não sem razão que se o soberano podia determinar qualquer dogma religioso inclusive os do próprio cristianismo e se a religião natural era tão destituída de um Deus pessoal então o próprio teísmo convencional tinha desaparecido dos escritos de Hobbes A descrição que Hammond faz da teologia de Hobbes como ateísmo cristão parece extremamente precisa Diante disso a corte do príncipe de Gales exilado em Paris no final dos anos 1640 era um lugar pouco propício para especulações desse tipo que caso se assemelhem a algo lembram mais as teologias idiossincráticas de alguns sectários profundamente envolvidos na luta contra o pai do príncipe Mas os realistas tanto antes como depois de sua derrota militar sempre estiveram divididos quanto à questão da Igreja Muitos deles entre os quais sobretudo antigos amigos de Hobbes como Clarendon lutavam pelo rei a fim de preservar a Igreja LI Leviatã Anglicana mas outros especialmente os conselheiros da rainha Henriqueta Maria achavam que o rei deveria abandonar sua Igreja a fim de garantir sua posição política como o pai da rainha Henrique IV da França fizera Paris vale uma missa Se como sugeri no princípio boa parte do Leviatã foi escrita enquanto Hobbes ainda era de certa forma um realista e forneço outras provas disso nas Notas sobre o texto sua mensagem era inteligivel dentro desse contexto lembraria então algumas das obras realistas escritas no final da guerra civil que propunham uma aproximação entre o rei e os independentes embora fosse muito mais longe e abarcasse um território muito mais extenso do que essas obras58 Todavia os últimos capítulos e a Revisão e Conclusão ilustram que Hobbes tínha efetivamente abandonado os doís tipos de realismo por volta de abril de 1651 talvez por reconhecer que era entre os vitoriosos sectários que agora encontraria leitores mais sim páticos às suas idéias Devese notar também que entre os cató licos ingleses na França defensores naturais da rainha conta vase um número de pessoas igualmente audaciosas em suas especulações metafísicas que constituíam um grupo de sectá rios católicos não muito diferentes dos sectários protestantes de sua terra natal pelo menos um deles o antigo parceiro de discussões intelectuais de Hobbes Thomas White fez a mesma escolha de Hobbes nos anos de 1650 e retomou à Inglaterra para viver sob o regime dos independentes59 v Depois de publicar Leviatã Hobbes logo compreendeu que não mais seria aceito na corte exilada que recentemente 58 Ver por exemplo Michael Hudson The Divine Right of Government Londres 1647 cf xiv ss para uma discussão sobre a tolerãncia embora o livro seja muito diferente do Leviatã em todos os outros aspectos Para mais detalhes sobre esse fenômeno ver meu artigo The Civil Reli gion of Thomas Hobbes em Phillipson e Skinner eds Polítical Discourse in Early Modero Britain pp 12038 LU Introdução voltara a estar sob a influência de Clarendon Tentou convencer Carlos 11 sobre os méritos do livro mas foi repudiado em grande medida sob instigação de Clarendon ver a discussão sobre o texto a seguir O fracasso ignominioso da aventura escocesa de Carlos que Henrietta Maria e seus defensores tinham apoiado com entusiasmo deixou Hobbes com poucos amigos influentes na corte Retomou à Inglaterra em janeiro ou fevereiro de 1652 e ali viveu pelo resto de sua vida Passou os anos de 1650 trabalhando na sua filosofia geral e combatendo os presbiterianos ou anglicanos que ainda ansiavam por uma forte disciplina eclesiástica na década de 1660 as tentativas de impingir a ortodoxia religiosa à população sob a forma de uma série de projetos de lei parlamentares contra o ateísmo e a heresia fizeram Hobbes produzir uma enxurrada de textos em defesa de suas idéias Escreveu uma série de tratados manuscritos entre os quais o conhecido Dialogue of the Common Laws of Englaná para fundamentar sua afirmação de que não havia poder legal na Inglaterra para agir contra opiniões heréticas nem deveria haver como vimos também traduziu o Leviatã para o latim em 1668 com algumas interessantes modificações e com um apêndice em que enumerava os mesmos argumentos sobre a heresia6 Antes do término de 1670 escreveu Behemoth que é uma interpretação da guerra civil como luta pelo poder ideológico sobre os ingleses o tema da heresia e sua punição é mais uma vez uma característica marcante do livro Sua última obra sobre política foi um curto ensaio datado de 1679 que trata da questão da Exclusão a tentativa dos Whigs entre os quais estava o filho de seu patrono de excluir o irmão de Carlos 11 da linha de sucessão mediante lei do Parlamento Hobbes como era característico dele apoiou os Whigs de maneira ambígua reafirmando seu princípio constitucional fundamental de que o soberano poderia 60 A tradução francesa de Tricaud do Leviatã Paris 1971 é o único estudo completo da relação entre os textos em latim e em inglês inclui notas de rodapé que destacam as principais diferenças e traduz o apêndice latino para o francês LIII Leviatã 11r 11 I1 I determinar seu próprio sucessor Sua carreira intelectual cobre portanto quase toda a grande crise do século XVII e Leviatã foi a resposta mais ponderada e lúcida que qualquer observador tenha dado a essa crise Os países em que habitamos forma ramse em grande medida pelos conflitos daquele período e Leviatã é portanto um dos textos fundantes de nossa política LN Nota sobre o textol I A história da publicação de Leviatã é extremamente complicada e sua complexidade é sem dúvida uma das razões pelas quais nunca houve uma edição acurada da obra A primeira dificuldade no estabelecimento do texto é que existem três edições separadas cada qual contendo a imprenta London Printed for Andrew Crooke at the Green Dragon in St PauIs Churchyard 1651 Crooke a propósito fora escolhido como editor por Hobbes porque tinha publicado a última obra de Hobbes impressa na Inglaterra seu A Briefe of the Ar of Rhetorique de 1637 Essas edições são diferenciadas por modernos bibliógrafos com base nos diferentes ornatos tipográficos que aparecem em suas respectivas páginas de rosto conhecidos como Head Bear e 25 Omaments Beare 25 Omaments parecem ser reimpressões linha por linha de Head embora com algumas interessantes alterações sua datação posterior é em parte comprovada pelo maior número de erros tipográfi I Gostaria de agradecer particularmente ao professor M M Goldsmith por seus comentários sobre essa seção na primeira edição Em parte como conseqüência de suas observações modifiquei algumas de minhas opiniões sobre os detalhes da publicação de Leviaà LV li I Leviatã I1 1 cos corrigidos mas também pelo fato de que em cada uma delas a grafia foi modernizada de maneira significativa por exemplo palavras como ecclesiasticall na Head freqüentemente tornamse ecclesiastical em Bear e 25 Ornaments O famoso frontispício gravado também está muito mais gasto em Bear que em Head e na verdade foi parcialmente regravado em 25 Ornaments foi essa deterioração que levou William Whewell a ser o primeiro estudioso moderno a observar em 1842 que havia pelos menos duas edições com a mesma imprenta2 No entanto no final do século XVII Anthony Wood já sabia que havia duas edições com a imprenta 1651 e que somente uma era autêntica ele disse não sabemos baseado em quê mas ele costumava ser preciso nesses assuntos que a outra fora impressa em Londres em 1680 Fica claro que foi feita uma tentativa de produzir uma edição em Londres aparentemente com a licença de Crooke em 1670 numa época em que Hobbes desfrutava de alguma ainda que subrepticia proteção governamental e talvez Wood estivesse se referindo a essa edição Bibliógrafos modernos deduziram a partir dos ornatos que Bear provavelmente foi impressa na Holanda e portanto a edição londrina deve ser 25 Ornaments A datação de Bear é desconhecida mas não deve distar muito da de 25 Ornaments também é possível que Wood se referisse a Bear e estivesse correto sobre a data mas equivocado sobre o local da impressã03 As únicas diferenças substanciais entre a primeira Head edição e as duas posteriores aparecem num trecho da teologia de Hobbes passagens que sugerem que depois da ressurreição os réprobos podiam levar uma vida sexual normal e se perpetuar eternamente p 421 foram eliminadas Isso suscitou o argumento de que o Leviatã inglês estava nesse trecho mais li 2 William Whewell Lectures on the History o Moral Philosophy in England Lon dres 1842 p 2l 3 Sobre todos os detalhes em relação a essas três edições ver H Macdonald e M Hargreaves Thomas Hohhes A Bibliography Londres 1952 pp 2737 LVI Nota sobre o texto perto da versão em latim o que implicaria que Hobbes teria aprovado a mudança antes de sua morte no entanto é impen sável que as edições Bear ou 25 Ornaments tenham sido revis tas no seu conjunto por Hobbes por razões que serão expli citadas a seguir As principais edições modernas as de A R Waller em 1904 da Oxford University Press em 1909 de Michael Oakes hott em 1946 e C B Macpherson em 1968 basearamse cor retamente na edição Head O mesmo devese dizer foi feito por ohn Campbell na sua edição de 1750 das obras em inglês de Hobbes e por Molesworth na sua edição de 1839 Também foi a Head na forma de uma cópia na British Library BL 522k6 que foi reproduzida em facsímile pela Scolar Press em 1969 Além disso Waller cotejou sistematicamente uma cópia de Head com uma cópia de uma das edições posteriores aparentemente a 25 Ornaments Infelizmente as circunstâncias da impressão de Head foram tais que não se pode simplesmen te reimprimir de maneira adequada uma cópia disponível de Head e supor que o texto correto foi estabelecido para demons tráIo explicarei de forma breve como o livro foi impress04 Leviatã foi impresso em grandes folhas dobradas para formar quatro páginas do volume final que era como se compu nham os primeiros livros modernos Pelo fato de que os antigos tipógrafos não podiam manter seu pequeno estoque de tipos móveis montados num grande número de folhas ou fôrmas como eram conhecidas tinham necessariamente de imprimir todas as cópias de uma folha de que precisariam para a edi ção final depois desmontar as fôrmas e armar os caixilhos para as novas folhas e assim por diante até imprimirem todas as folhas daquela edição Talvez pudessem manter montada uma meia dúzia de fôrmas ao mesmo tempo mas não mais Correções tipográficas podiam ser feitas em qualquer momen Para informações sobre a impressão de livros do século XVII ver R B McKerrow An Introduction to Bibliography ftr Literary Students Oxford 1928 e P Gaskell A New Introduction to Bibliography Oxford 1972 LVII 1111 III1 II11 III1 I1II Leviatã to entre essa primeira montagem das fôrmas pelo compositor e a impressão da última folha correções por parte do autor costumavam ser feitas quando o eram bem mais tarde depois que o corretor da casa de impressão tivesse cotejado a fôrma com o manuscrito do autor No caso de Leviatã o estabelecimento tipográfico ou estabelecimentos deparou com um problema pouco comum Como já vimos Hobbes escreveu a obra em Paris mas ela foi impressa em Londres Clarendon o visitou em Paris em abril de 1651 e descobriu que o livro estava sendo impresso na Inglaterra e que a cada semana ele recebia uma folha para corrigir tendo ele me mostrado uma ou duas destas folhas5 portanto os tipógrafos ingleses de Hobbes lhe mandavam provas para Paris para que ele as devolvesse com correções Hobbes ainda não tinha mandado para o tipógrafo a dedicatória em forma de carta para Francis Godolphin mas era comum que as dedicatórias fossem inseridas no final da impressão e a dedicatória de Leviatã está impressa em tipos maiores do que o resto da obra do que se deduz que ela foi esticada para caber no espaço que o tipógrafo deixou na primeira folha Havia dois estabelecimentos tipográficos envolvidos na composição a página de rosto do Leviatã registra apenas o nome do editor ou livreiro e Crooke costumava empregar outras firmas para imprimir as obras que vendia Era comum utilizar mais de uma firma para imprimir obras extensas e as partes I e 11 de Leviatã foram compostas usando um conjunto levemente diferente de convenções de composição daquelas usadas nas partes 111 e IV os cadernos das primeiras estão indicados nas primeiras duas folhas e os das últimas nas primeiras três As decorações usadas nas duas metades do livro também são diferentes6 Portanto Hobbes deve ter recebido uma folha de 5 Edward Hyde conde de Clarendon A Brief Vzew and SUTVey oJ Leviathan Oxford 1676 p 7 6 Os dois principais estabelecimentos tipográficos envolvidos estão identifica dos no catálogo da Biblioteca Carl H Pforzheimer English Literaturc 1475 1700 Nova York 1940 11 p 493 devo essa referência a Quentin Skinner LVIII Nota sobre o texto cada firma por semana Mesmo assim esta era uma maneira extremamente incômoda e cara de um tipógrafo manual tra balhar todos os seus tipos ficavam presos em fôrmas durante todo o periodo em que o sistema de correios levava as provas para Paris e as trazia de volta além do período em que estava efetivamente imprimindo as cópias o que podia levar vários dias Seria portanto de esperar que ele imprimisse um lote de cópias antes de receber as correções do autor e incorporasse essas correções apenas num estágio adiantado da impressão com efeito existem variações tão marcantes entre diferentes cópias da mesma folha de texto que chegaram até nós que esta deve ter sido a prática do impressor Em geral as folhas eram reunidas para montar os volu mes finais sem muita consideração com o fato de elas terem si do igualmente corrigidas ou não de modo que não podemos falar de cópias corrigidas do Leviatã mas apenas de folhas cor rigidas Contudo para nossa grande sorte há um conjunto de cópias que com certeza foi totalmente corrigido Esperavase é evidente que Leviatã causasse sensação e um indício disto é que lhe coube um privilégio concedido apenas a livros impor tantes ou caros ou seja ter sido publicado numa edição em papel maior a altura normal da página do livro era 2930 cm mas essas cópias especiais mediam 35 cm e recebiam linhas de margem vermelhas feitas a mão Ainda existem algumas dessas cópias grandes e todas elas contêm alterações feitas no texto raramente ou nunca encontradas nas cópias em papel padrão Por motivos óbvios era comum imprimir essas folhas especiais no final da impressão das folhas normais e portanto é sensato crer que o texto de uma cópia em papel maior incor pora todas as correções introduzidas nas provas Duas outras correções chegaram tão tarde que a fôrma de suas folhas já tinha sido desmontada e tiveram de ser incorporadas na for ma de cancelamentos pedaços de papel colados sobre as pas sagens corrigidas pp 88 e 108 do original 147 e 179 desta edi ção O texto desta edição baseiase principalmente numa có pia em papel grande existente na Biblioteca da Cambridge LlX III1I 1111 Leviatã I1111 University Syn3651 a que passarei a me referir como Syn Todas as edições anteriores basearamse em cópias em papel tamanho normal exceto aparentemente a edição Oxford de 1909 embora nesta não estejam incorporadas as supressões Darei um exemplo de como as cópias em papel grande podem diferir das versões em papelpadrão Na p 108 do ori ginal p 179 desta edição onde Hobbes escreve sobre a com patibilidade entre liberdade e necessidade e onde também foi necessário fazer uma supressão essa página parece ter dado muito trabalho para Hobbes o manuscrito se refere às ações voluntárias dos homens que como derivam de sua vontade derivam da liberdade e contudo porque todo ato da vontade dos homens todo desejo e inclinação deriva de alguma causa e esta de uma outra causa as quais causas which causes numa cadeia contínua cujo primeiro elo está na mão de Deus a primeira de todas as causas deri vam proceed da necessidade É uma passagem evidentemente difícil de compreender da maneira como está o sujeito do último verbo proceed é which causes o que deixa a frase que começa com porque todo ato sem complemento Em algumas cópias em papel padrão encontramos simplesmente a reprodução do manus crito entre essas cópias está a da British Library cl75n3 e a 7 O professor M M Goldsmith chamou minha atenção para o fato de que pelo menos uma cópia em papel grande não inclui as supressões apesar de incluir as correções mais extensas introduzidas nas folhas durante a impres são em particular a correção da passagem da p 108 é uma cópia da biblio teca da Universidade de Otago também na Nova Zelãndia É interessante notar que a edição Oxford de 1909 apresenta a mesma combinação inco mum de características será aquela a cópia da qual esta foi feita A cópia de Otago não contém as linhas retas vermelhas e supostamente não estava destinada a ser uma cópia para presente tão especial como Syn O professor Goldsmith também observou que algumas cópias em papelpadrão incluem as supressões mas não todas as correções feitas durante a impressão como é o caso da cópia da biblioteca de sua universidade a Victoria University of WeIlington Nova Zelãndia LX 0 Nota sobre o texto cópia da Biblioteca da Toronto University 101397 que serviu de base para a edição de Macpherson Na edição de Campbell de 1750 também encontramos essa versão Naquela que foi provavelmente a primeira tentativa de corrigir a passagem as folhas de algumas cópias inclusive a da BL 522k6 omitem as palavras which causes o que torna a passagem bem mais gramatical embora ainda difícil de seguir o sujeito de derivam da necessidade é agora ações dos homens que também derivam da liberdade É esse o texto usado por Molesworth Waller e Oakeshott Em Syn a palavra they foi inserida antes da palavra proceed o que faz todo o sentido A maioria das cópias em papel grande e algumas em papel padrão também incluem as supressões embora tenham sido coladas de maneira um tanto caprichosa Syn por sorte contém ambos Apenas uma é significativa na p 88 do original pp 1478 desta edição Hobbes escreveu segundo o manuscrito e Syn que élhe conferido ao soberano o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar conjõrme as vontades de todos eles no sentido da paz no seu próprio país Nas cópias impressas aparece performe em vez de conforme Este erro óbvio foi percebido por algum revisor e na lista de erratas inserida no começo de todas as cópias performe foi substituído por forme que faz um certo sentido mas não é tão claro como a versão Syn Posteriormente depois que a errata e o resto do material preliminar tinham sido ímpressos Hobbes ou o tipógrafo decidiram imprimir uma supressão que restaurava a versão correta No Leviatã em latim aliás também encontramos conformare A segunda supressão na p 108 do original p 182 desta edição apenas corrige um peculiar problema de pontuação Nenhuma dessas emendas são encontradas nas versões Bear e 25 Ornaments e portanto fica claro como disse antes que elas não foram totalmente revisadas por Hobbes Executar desempenhar N da T Formar N da T LXI I UNIFESP I 8BTECA CAMPUS GUAAlAHUS I Leviatã 11 Embora Syn seja a base desta edição há outro texto que teve de ser cotejado muito minuciosamente com ele o do manuscrito Sabese publicamente desde 1813 que existe uma cópia manuscrita do Leviatã escrita por mãos de escriba em velin08 Foi adquirida pelo grande colecionador de livros Lorde Macartney falecido em 1806 e comprada de seu descendente pelo British Museum em 1861 Sua catalogação agora éBritish Library MS Egerton 1910 Não parece haver motivos para duvidar de que se trata da mesma cópia mencionada por Clarendon no prefácio de seu A Brief View and Survey Hobbes percebeu quando fui ao encontro do rei isto é o exilado Carlos lI em Paris que eu censurava veementemente seu livro escrito em velino por uma mão maravilhosa e por ele presenteado ao rei p 8 Do manuscrito MS não consta a dedicatória a Francis Godolphin o que é compreensível uma vez que estava sendo oferecido a um rei Hobbes deve ter pago muito dinheiro pela cópia o que leva a crer que ele esperava muito do rei Embora o MS seja conhecido há tanto tempo nunca foi usado como base para qualquer edição e em geral foi descartado por ser considerado idêntico à cópia impressa isso talvez se deva em parte ao fato de que por ter sido escrito com tinta de baixa qualidade sobre velino que não é absorvente parcelas do texto tenham desaparecido e sejam agora quase ilegíveis Mas embora de fato seja substancialmente igual há muitas pequenas variantes importantes uma delas transforma de modo incisivo o sentido de uma passagem central Além disso sua datação e seu status nunca foram esclarecidos Um dos aspectos estudados do MS é seu frontispício que é um desenho do frontispício posteriormente gravado com algumas interessantes variações em particular as figuras que compõem a 8 Ver nota de William Henry Pratt em The Gentlemans Magazine 83 1813 pp 301 LXII Nota sobre o texto pessoa do soberano na gravação e que dirigem o olhar para a cabeça do soberano são substituídas no desenho por rostos que olham para o leitor Além disso o rosto do soberano pode ser uma representação de Carlos lI É provável que o desenho seja de Wenceslas Hollar e que uma versão revisada dele te nha sida enviada aos gravadores para fazer a placa usada na cópia impressa embora nada indique que o próprio Hollar tenha examinado o trabalho do gravador9 Para avaliar o status do MS em relação ao texto impresso temos de saber primeiro quando foi dado de presente a Carlos É possível encontrar uma resposta plausível a essa per guntajá que em junho de 1650 Carlos saiu de Flandres onde estava até então e foi para a Escócia só voltando para Paris depois da campanha na GrãBretanha que culminou na batalha de Worcester Chegou à cidade em 30 de outubro de 165110 Clarendon vindo da Antuérpia juntouse a ele em meados de dezembro e suas observações emA BriefView and Survey citadas antes sugerem que Hobbes presenteara o rei com o MS por essa época Em 11 de janeiro de 1652 Hobbes foi banido da corte real em boa parte por causa da reação de Clarendon ao Leviatã Hobbes regressou à Inglaterra em fevereiroll Por volta de 25 de janeiro já se sabia na Inglaterra que Hobbes fora banido o Mercurius Politicus de 815 de janeiro cf calendário juliano isto é 1825 no continente noticiava que Hobbes enviou um de seus livros de presente para o R dos Escoceses e ele aceitou No entanto os padres que então rodeavam o rei acusaram seu autor de ateísmo e por isso quando o Sr Hobbs veio oferecerlhe pessoalmente seus serviços foi repudiado12 Portanto Hobbes deve ter dado o MS de presente a Carlos em novembro ou começo de dezembro de 1651 9 Ver Keith Brown The Artist of the Leviathan Titlepage British Library ournal4 1978 pp 2436 10 B L Add MS 12186 f303 despacho de Richard Browne 11 Correspondence ofSir Edward Nicholas I ed George F Warren Camden Sacie ty New Series XL 1886 pp 2846 12 Mercurius Politicus 84 815 jan 1652 p 1344 I J LXIII Leviatã No entanto evidências internas sugerem que o texto a partir do qual a firma de escribas trabalhou fora esboçado por Hobbes numa data anterior à da cópia com que Crooke e seus tipógrafos em Londres trabalharam Embora o grosso do MS esteja escrito por um escriba há também um número significativo de emendas ao texto do próprio punho de Hobbes Algumas dessas alterações corrigem o MS tornando o idêntico ao texto impresso mas outras introduzem modificações onde o texto já era idêntico ao impresso A implicação óbvia disso é que Hobbes já tinha incorporado algumas dessas emendas à cópia que enviou a Crooke mas que outras lhe ocorreram depois de corrigir as folhas de Crooke Presumese que ele conferiu o MS em novembro dezembro de 1651 antes de enviálo a Carlos Uma interessante alteração confirma que a datação do MS é anterior à da cópia impressa na p 385 desta edição lê se na cópia impressa Quanto à distinção entre o temporal e o espiritual consideremos Originalmente liase no MS Quanto à distinção entre o temporal e o espiritual pretendo exami náIa em outro lugar e portanto deixandoa de lado por ora consideremos Hobbes corrigiu esta passagem igualandoa à da cópia impressa supostamente porque a versão original era um remanescente de um esboço anterior em que ele pretendia discutir a distinção num outro ponto intenção esta abandonada quando a cópia foi envIada para a tipografia Em alguns casos o MS contém trechos que Hobbes deixou intatos mas que foram eliminados ou alterados na cópia de Crooke ou bem Hobbes esqueceuse disso ou agora os preferia novamente em detrimento do texto impresso Sua verifi cação do MS não era nada precisa e vários trechos que ali se encontram são piores do que os do texto Impresso por exemplo na p 361 desta edição lêse nas cópias impressas homens que já se deixaram possuir pela opinião de que sua obediência ao poder soberano lhes será mais prejudicial que sua desobediência irão desobedecer às leis Mas no MS está eles irão desobedecer às leis Nesse caso a cópia impressa é claramente superior ao MS como também ocorre na passagem sobre a LXIV Nota sobre o texto compatibilidade entre liberdade e necessidade citada antes Contudo um grupo de passagens que Hobbes eliminou da cópia impressa mas deixou no MS tem certo interesse histórico há alguns lugares pp 1145 149 em que o MS se refere em termos relativamente desfavoráveis aos independentes mas a cópia impressa não A dedução óbvia disto é que Hobbes amenizou as demonstrações de hostilidade tanto em relação aos presbiterianos como aos independentes na primeira parte do livro para que esta condissesse com o apoio aos independentes expressa na parte final embora tenha permitido que a crítica permanecesse no MS para o rei Se o MS do copista é anterior à cópia que Crooke recebeu deve estar datado do outono de 1650 Hobbes não poderia ter mandado a cópia a Crooke muito depois de princípios de 1651 levavase cerca de dois dias para compor uma folha de um livro do tamanho de Leviatã de modo que mesmo com digamos dois compositores trabalhando simultaneamente em cada tipografia seriam necessários vinte e cinco dias de trabalho para compor as cinqüenta folhas de Leviatã Um tipógrafo manual também precisava de dois dias para imprimir todas as cópias necessárias de uma folha portanto com duas tipografias cada uma com duas prensas quantidade esta que era a comum eram precisos outros vinte e cinco dias de trabalho para imprimir todas as cópias Seria impossível o projeto ter sido concluído em menos de dez semanas e pode ter levado muito mais tempo Portanto a cópia que Hobbes enviou a Crooke tinha de estar pronta no final de 1650 o que a propósito confirma que o grosso do trabalho estava escrito antes da batalha de Dunbar em setembro de 1650 Por isso a datação do MS para Carlos tem de ser um pouco anterior embora presumese posterior a Dunbar já que também o MS se refere à situação de estabilidade da Inglaterra em suas últimas páginas com uma certa falta de tato considerandose a quem se destinava A relação entre o MS e a versão impressa no que a isso se refere é quase idêntica à relação entre o velino manuscrito de De Cive que Hobbes dedicou ao conde de Devonshire em 1641 LXV Leviatã e a posterior edição impressa3 Parece ter sido hábito de Hobbes nessa fase de sua vida mandar confeccionar e presentear generosamente manuscritos por conta própria antes da impressão das obras Não sabemos a quem esse MS do Leviatã estava inicialmente destinado podese supor que Hobbes sempre o tenha pensado para Carlos algo também sugerido pelas passagens no final da Introdução e da parte II que fazem referência a um Soberano p 311 e aquele que vai governar uma nação inteira p 13 Diante disso a dedicatória a Godolphin deve ter sido uma decisão tardia bem como uma composição tardia e refletiria o cepticismo de Hobbes quanto à possibilidade de Carlos retomar da GrãBretanha ao oferecer o MS em novembrodezembro Hobbes estaria tentando então recuperar terreno perdido o que talvez explique em parte sua recepção fria Outra possibilidade é que o MS tenha sido destinado originalmente a Francis Godolphin e depois dedicado ao rei em troca de favores Prefiro a primeira teoria mas até agora nada se conhece de conclusivo sobre as intenções de Hobbes a esse respeito Dados esses fatos no que tange ao MS podemos agora avaliar a autoridade do texto em relação a Syn Como já disse em alguns casos Hobbes sem dúvida ndicou sua escolha de uma nova versão em suas correções do MS uma das novas versões mais espetaculares nesta edição é um exemplo disso No MS do copista e em todos os textos impressos lêse na p 128 do original p 212 desta edição Pois considerando que o soberano quer dizer a república cuja pessoa ele representa nada faz que não seja em vista da paz e segurança comuns essa distribuição das terras se faz em vista da mesma finalidade Em conseqüência qualquer distribuição que ele faça em prejuízo dessa paz e dessa segurança écontrária à vontade de todos os súditos que confiaram a paz e a segurança de suas vidas à discrição e consciência do soberano 13 Ver De Cive The Latin Version ed Howard Warrender Oxford 1983 pp 389 LXVI Nota sobre o texto e assim essa distribuição deve pela vontade de cada um deles ser considerada nula Mas Hobbes corrigiu o MS cortando o ele da quinta linha desta citação e substituindoo por um outro alterando assim radicalmente ou talvez esclarecendo o sentido de toda a passagem Em casos como este devemos é claro preferir as emendas de Hobbes e incorporei ao meu texto as alterações que Hobbes fez no MS embora antes da alteração o MS fosse idêntico à cópia impressa As passagens alteradas serão encontradas no texto entre asteriscos com chamada de nota e as passagens originais na nota de rodapé correspondente Mais difíceis são as ocasiões em que a cópia impressa é diferente do MS e Hobbes parece ter deixado o MS intato Como vimos em alguns casos a cópia impressa é claramente melhor e na maioria deles as diferenças são mínimas são muito poucos os casos em que o MS não corrigido tem uma versão obviamente melhor que Syn Por isso e porque foi a cópia impressa que seus contemporâneos leram preferi seguir Syn e não tentei fazer uma edição critica completa do texto isto será feito por Noel Malcolm em sua edição do Leviatã para as obras completas de Hobbes da Oxford University Press As passagens mais importantes presentes no MS mas omitidas na cópia impressa podem no entanto ser encontradas nas notas de rodapé assim como as poucas alterações interessantes introduzidas nas primeiras edições falsas Pela mesma razão de modo geral segui a grafia e pontuação de Syn e não a do MS elas podem em certa medida ser obra do compositor e não do autor mas sem dúvida o mesmo poderia ser dito dos escribas que trabalharam no MS Corrigi erros tipográficos óbvios muitos dos quais constam da errata agregada à primeira edição ou são confirmados como erros pelo MS Tampouco expus minuciosamente as diferenças entre o Leviatã em latim e aquele em inglês Como sugeri na minha introdução o Leviatã em latim data de um período diferente da vida de Hobbes em que circunstâncias muito diferentes exi LXVII Leviatã giam sua atenção A edição em latim parece basearse numa cópia em papel grande e não no MS Isso se comprova por um lado pelo uso de conformare ver p LXI e por outro por uma passagem na p 203 do texto inglês em que Hobbes se refere nas cópias impressas e copiadas a mão a Clemente I depois de São Pedro bispo de Roma p 442 desta edição Ele cortou as palavras entre parênteses quando revisou o MS mas na edição latina p 108 lêse post Petrum A edição do Dr Malcolm também nos fornecerá uma comparação completa dos textos LXVIII Principais fatos da vida de Hobbes 1588 5 de abril nasce em Malmesbury Wilts 1602 Aceito em Magdalen Hall Oxford 1608 Fevereiro Bacharel em Artes BA em Oxford Indicado para preceptor de William filho do lorde William Cavendish acompanha seu pupilo em julho no St Johns College Cambridge na qualidade de BN Mais tarde nesse mesmo ano instalase com seu aluno nas residências dos Cavendish Hardwick Hall e Chatsworth em Derbyshire e Devonshire House em Londres 1614 Verão deixa a Inglaterra com seu pupilo para uma viagem pela França e Itália Encontrouse provavelmente com Paolo Sarpi em Veneza2 I Hobbes Correspondence ed Noel Malcolm Oxford 1994 p 856 Esta datação bem como as próximas referemse a estações do hemisfério norte N da T 2 Isso difere da cronologia geralmente encontrada nas biografias de Hobbes Segundo os relatos de Hardwick fica claro que Hobbes estava na Inglaterra entre 1611 e 1614 recebeu a pensão trimestral de William em fevereiro de 1614 Devo a informação sobre esse fato a Quentin Skinner Também fica claro que William e portanto Hobbes estava na Itália em setembro de 1614 e que ele retomou em setembro de 1615 Noel Malcolm Hobbes Sandys and the Virginia Company HistoricalJournal24 1981 pp 297321 meu livro Philosophy and Government 75727657 Cambridge 1994 pp 2801 Cos LXIX Leviatã 1615 Verão volta à Inglaterra 1618 Lorde Cavendish nomeado primeiro conde de De vonshire 1619 Hobbes em contato com Francis Bacon3 Entre esse ano e 1623 teria sido amanuense de Bacon cedido pelos Ca vendish 1620 Provavelmente publicou Discourse upon the Beginnings o Tacitus e alguns outros discursos num volume composto além disso de ensaios de William Cavendish seu antigo pupilo intitulado Horae Subsecivae4 1622 Tomase proprietário de terras em Virginia e associase a William Cavendish na direção da Virginia Company até sua dissolução em 1624 1626 Março primeiro conde de Devonshire morre 1628 Junho segundo conde de Devonshire morre Hobbes dei xa de prestar serviços aos Cavendish5 1629 Hobbes publica a tradução de Tucidides dedicada ao terceiro conde de Devonshire de 11 anos Entra para a casa de Sir Gervase Clifton de Clifton Notts e acompanha o filho de Clifton numa viagem pela França e Genebra 1630 Outono retoma à Inglaterra e instalase novamente na residência dos Cavendish6 É provável que tenha iniciado uma associação com o conde de Newcastle primo do conde de Devonshire em Welbeck Notts tumavase dizer que Hobbes partira de viagem em 1610 esta data baseiase na biografia de Hobbes escrita por John Aubrey e Richard Blackborne Vitae Hobbianae Auctarium Opera Latina I ed Molesworth Londres 1839 p xxiv mas essa biografia embora autorizada talvez seja imprecisa no que se refere aos detalhes do inicio da carreira de Hobbes Nem nessa biografia nem nos esboços autobiográficos de Hobbes Opera Latina pp xiiixxi xxxixcix há qualquer referência a duas visitas ao continente nessa época 3 Hobbes Correspondente ed Malcolm pp 6289 4 N B Reynolds e J L Hilton Thomas Hobbes and Authorship of the Horae Subsecivae History of Political Thought 14 1993 pp 36180 5 Hobbes Correspondente ed Malcolm p 808 6 Ibid p 17 isso parece implicar que ele voltou para casa antes do que Mal colm sugere na p 808 LXX PrinciPais fatos da vida de Hobbes 1634 Outono leva o filho do conde de Devonshire para uma viagem pela França e Itália 1635 Ligase a Marin Mersenne Gassendi e outros filósofos franceses em Paris 1636 Primavera visita Galileu em Florença Outubro retoma à Inglaterra 1637 Publica A Brieft o the Art o Rhetorique Outubro recebe o Discurso do método de Descartes de Sir Kenelm Digby 1640 Março sugestão para que Hobbes represente Derby no Curto Parlamento Maio termina o manuscrito de Elements o Law publicado em duas partes piratas em 1650 e em edição completa em 1889 Novembro foge para Paris preocupado por ter sido impli cado no ataque a Strafford no Longo Parlamento 1641 Contribui para as Objeções às Meditações de Descartes 1642 Março começa a guerra civil na Inglaterra Abril Hobbes publica De Cive em Paris 1643 Esboça resposta manuscrita a De Mundo de Thomas White publicado em 1973 1644 Contribui com um ensaio sobre balística para Ballistica de Mersenne 1646 Indicado professor de matemática do príncipe de Gales em Paris Controvérsia com John Bramhall sobre livre arbítrio e determinismo publicada em 16545 1647 Janeiro publica segunda edição de De Cive Agosto adoece gravemente 1649 Janeiro Carlos I é executado em Londres 1651 Abril Hobbes publica Leviatã Dezembro banido da corte de Carlos 1652 Fevereiro retoma à Inglaterra 1655 Publica De Cor pore 1658 Publica De Homine 1660 Maio restauração de Carlos 11 Clarendon é um de seus principais ministros LXXI Leviatã 1666 Outubro proposto projeto de lei na Câmara dos Comuns que tornaria Hobbes passível de acusação de ateísmo ou heresia Hobbes escreve o manuscrito de Dialogue 01 the Common Laws publicado em 1681 1668 Escreve outros manuscritos sobre heresia publica Opera em Amsterdam com uma tradução latina do Leviatã Clarendon cai é substituído pelo Ministério Cabal junto ao qual Hobbes encontra apoio 1670 Escreve o manuscrito de Behemoth publicado em 1679 1674 Ministério Cabal cai 1675 Hobbes deixa Londres pela última vez e se instala defi nitivamente em Hardwick e Chatsworth 1679 Esboça um manuscrito sobre a Crise da Exclusão para o filho do terceiro conde apoiando a posição moderada dos Whigs 3 de dezembro morre em Hardwick e é enterrado em Ault Hucknall LXXII Leituras adicionais Outras obras de Hobbes A Oxford University Press está elaborando uma moderna edição das obras completas de Hobbes mas até agora só foram publicadas duas obras A primeira foi De Cive 1983 editada por Howard Warrender A versão latina e a versão ingle sa estão em volumes separados mas a versão inglesa não foi a despeito de Warrender feita por Hobbes na verdade tratase de uma tradução bastante imprecisa feita por algum contemporâneo dele Uma tradução nova e precisa por Michael Silverthorne será publicada em breve na coleção Cambridge Texts in the History of Political Thought A segunda foi uma edição exemplar da Correspondence de Hobbes editada por Noel Malcolm 1994 A edição completa clássica continua portanto sendo The English JiVorks olThomas Hobbes editada por Sir William Molesworth 11 vols Londres 1839 45 e Thomae Hobbes Opera Philosophica Quae Latina Scripsit Omnia também editada por Molesworth 5 vols Londres 183945 Existem edições úteis de algumas outras obras em particular The Elements 01 Law Natural and Politic editada por Ferdinand Tõnnies Londres 1889 reimpressa com novas introduções por M M Goldsmith Londres 1969 eJ C A Gaskin Oxford 1994 Thomas Whites LXXIII Leviatã De Mundo Examined traduzido por H wJones Bradford 1976 tratase de uma tradução do texto latino incluído em Critique du De Mundo editado por JeanJacquot e H WJones Paris 1973 Behemoth editado por Ferdinand Tõnnies Londres 1889 reimpresso com novas introduções por M M Goldsmith Londres 1969 e Stephen Holmes Chicago 1990 e A Dialogue Between a Philosopher and a Student of the Common Law of England editado por Joseph Cropsey Chicago 1971 Parte de De Homine foi traduzido em Man and Citizen editado por Bernard Gert Humanities Press 1972 Biografia de Hobbes A mais divertida e muitas vezes a mais perspicaz biografia de Hobbes é aquela incluída em Brief Lives de J ohn Aubrey da qual existem muitas edições As narrativas de Fuller estão em G C Robrtson Hobbes Londres 1886 e em meu próprio Hobbes Oxford 1989 A Rogow Thomas Hobbes Nova York 1986 oferece muita informação mas tem de ser usado com cuidado As notas biográficas sobre as pessoas com quem Hobbes trocou correspondência e que fazem parte de um apêndice à edição de Malcolm de Correspondence servem na verdade de andaime para qualquer biografia e estão cheias de informações novas e interessantes Entre os artigos úteis sobre a vida de Hobbes temos Jacquot Sir Charles Cavendish and his Learned Friends Annals of Science 8 1952 Hamilton Hobbess Study and the Hardwick Library Joumal of the History of Philosophy 16 1978 N Malcolm Hobbes Sandys and the Virginia Company Historicaljoumal 24 1981 Q R D Skinner Thomas Hobbes and his Disciples in France and England Comparative Sudies in Society and History 8 1966 e Q R D Skinner Thomas Hobbes and the Nature of the Early Royal Society HistoricalJoumal12 1969 e meu Hobbes and Descartes em G A Rogers e Alan Ryan eds Perspectives on Thomas Hobbes Oxford 1988 pp 1141 M M Goldsmith Picturing Hobbess Politics Journal of the Warburg and LXXIV Leituras adicionais Courtauld Institutes 44 1981 e Keith Brown The Artist of the Leviathan TitlePage British Library Joumal 4 1978 discutem a iconografia dos livros de Hobbes Importantes cartas relacionadas com Hobbes de particular relevância no que se refere a Leviatã podem ser encontradas em Anon Illustrations of the State of the Church during the Great Rebellion The Theologian and Ecclesiastic 6 1848 Introduções às idéias de Hobbes As melhores introduções gerais são provavelmente as de Richard Peters Hobbes Harmondsworth 1956 W N Watkins Hobbess System of ldeas 2 edição Londres 1973 Tom Sorell Hobbes Londres 1986 e meu próprio Hobbes Oxford 1989 Quatro coleções de ensaios úteis no que se refere a vários aspectos do pensamento de Hobbes são K C Brown ed Hobbes Studies Oxford 1965 M Cranston e R Peters eds Hobbes and Rousseau A Collection of Critical Essays Nova York 1972 G A Rogers e Alan Ryan eds Perspectives on Thomas Hobbes Oxford 1988 e Tom Sorell ed The Cambridge Companion to Hobbes Cambridge 1995 As idéias científicas de Hobbes As principais obras sobre ciência em Hobbes são F Brandt Thomas Hobbess Mechanical Conception of Nature Copenhagen 1928 e A Pacchi Convenzione e ipotesi nella formazione delta filoso fia naturale di Thomas Hobbes Florença 1965 S Shapin e S Schaffer discutiram as disputas de Hobbes com Boyle e Wallis em Leviathan and the AirPump Princeton 1985 e A E Shapiro faz uma exposição cuidadosa da áptica de Hobbes em Kinematic Optics A Study of the Wave Theory of Light in the Seventeenth Century Archive for lhe History of the Exact Sciences 11 1973 O artigo de Terence Ball Hobbes Linguistic Turn Polity 17 1985 é uma discussão minuciosa das idéias de Hobbes sobre linguagem e o de Noel Malcolm Hobbes LXXV li I Leviatã and the Royal Society em Rogers e Ryan é a exposição mais recente sobre uma questão sabidamente polêmica As idéias éticas e políticas de Hobbes As exposições mais notáveis e controversas das idéias de Hobbes são as de C B Macpherson em sua edição dê Leviatã seu ensaio Hobbess Bourgeois Man reimpresso em Brown Hobbes Studies e seu 17ze Political17zeory of Possessive lndividualism Hobbes to Locke Oxford 1962 Leo Strauss em seu capítulo sobre Hobbes em Natural Right and History Chicago 1953 também reimpresso em Hobbes Studies e seu antigo livro sobre Hobbes The Political Philosophy of Hobbes lts Basis and Genesis Oxford 1936 Michael Oakeshott em Hobbes on Civil Association Oxford 1975 uma coleção de seus primeiros ensaios sobre Hobbes entre os quais se encontra sua famosa introdução a Leviatã e Howard Warrender em The Political Philosophy of Hobbes His Theory of Obligation Oxford 1957 Warrender também publicou um prático resumo de suas idéias em Hobbes Studies de Brown O melhor estudo sobre a controvérsia em relação a Warrender está nessa coleção além de Thomas Nagel Hobbess Concept of Obligation Philosophical Review 68 1959 e Q R D Skinner Hobbess Leviathan Historical Journal7 1964 Entre as mais recentes exposições gerais das idéias de Hobbes encontramse M M Goldsmith Hobbess Science of Politics Nova York 1966 D D Raphael Hobbes Morais and Politics Londres 1977 Miriam M Reik 17ze Golden Lands of Thomas Hobbes Detroit 1977 Johann P Sommerville Thomas Hobbes Political Ideas in Historical Context Londres 1992 e Richard E Flathman 17zomas Hobbes Skepticism lndividuality and Chastened Politics Newbury ParkjLondres 1993 Obras que tratam principalmente das idéias éticas de Hobbes são R E Ewín Virtues and Rights 17ze Moral Philosophy of17zomas Hobbes BoulderjOxford 1991 S A Lloyd Ideais as lnterests in Hobbess Leviathan The Power of Mind over Matter Cam LXXVI Leituras adicionais bridge 1992 e meu próprio artigo Hobbess Moral Philosophy em Sorell ed 17ze Cambridge Companion to Hobbes Algumas obras se destacam por considerar a teoria de Hobbes à luz das concepções modernas do interesse pessoal racional entre elas encontramos David Gauthier 17ze Logic of Leviathan Oxford 1969 Jean Hampton Hobbes and the Social Contract Tradition Cambridge 1986 e Gregory S Kavka Hobbesian Moral and Political Theory Princeton 1986 As idéias de Hobbes sobre o Estado e a realidade concreta do governo são discutidas em Deborah Baumgold Hobbess Political Thought Cambridge 1988 Lucien Jaume Hobbes et létat representatif moderne Paris 1986 e Quentin Skinner The State em Terence BallJames Farr e Russell L Hanson eds Politicallnnovation and Conceptual Change Cambridge 1989 Nos últimos tempos tem despertado muito interesse a relação entre as idéias éticas e políticas de Hobbes e sua concepção da retórica Boas exposições podem ser encontradas em David J ohnston The Rhetoric of Leviathan Thomas Hobbes and the Politics ofCultural Transformation Princeton 1986 Tom Sorell Hobbess Persuasive Civil Science 17ze Philosophic Quartery 40 1990 e Hobbess UnAristotelian Political Rhetoric Philosophy and Rhetoric 23 1990 Raia Prokhovnik Rhetoric and Philosophy in Hobbess Leviathan Nova York 1991 e Quentin Skinner Scientia civilis in Classic Rhetoric and in the Ear1y Hobbes em Nicholas Phillipson e Quentin Skinner eds Political Discourse in Eary Modem Britain Cambridge 1993 Outros artigos úteis sobre aspectos do pensamento de Hobbes incluem R Ashcraft Hobbess Natural ManJournal of Politics 33 1971 dois artigos afins de Quentin Skinner The Ideological Context of Hobbess Political Thought HistoricalJournal9 1966 e Conquest and Consent Thomas Hobbes and the Engagement Controversy em G E Aylmer ed The lnterregnum Londres 1972 do mesmo autor Thomas Hobbes on the Proper Signification of Liberty Transactions of the Royal Historical Society 5 Série 40 1990 e Glenn Burgess Contexts for the Writing and Publication of Hobbess Leviathan History ofPolitical Thought 11 1990 LXXVII Leviatã As idéias religiosas de Hobbes Recentemente têm sido publicados muitos trabalhos interessantes nessa área O pioneiro foi J G A Pocock com Time History and Eschatology in the Thought of Thomas Hobbes em seu Politics Language and Time Londres 1972 ver também seu Thomas Hobbes Atheist or Enthusiast His Place in a Restoration Debate History o Political Thought 11 1990 Entre as contribuições posteriores temos RJ Halliday T Kenyon e A Reeve Hobbess Belief in God Polítical Studies 31 1983 Alan Ryan Hobbes Toleration and the Inner Life em D Miller ed The Nature o Polítical Theory Oxford 1983 e A More Tolerant Hobbes em Susan Mendus ed ustijjing Toleration Cambridge 1986 Edwin Curley I Durst Not Write So Boldly How to Read Hobbess TheologicalPolitical Treatise em E Giancotti ed Proceedings o the Conference on Hobbes and Spinoza Urbino 1988 David Johnston Hobbes and Mortalism History o Polítical Thought 10 1989 A P Martinich The Two Gods o Leviathan Thomas Hobbes on Relígion and Politics Cambridge 1992 e alguns artigos meus relacionados ao tema The Christian Atheism of Thomas Hobbes em M Hunter e D Wootton eds Atheism from the Re formation to the Enlightenment Oxford 1992 e The Civil Religion of Thomas Hobbes em Nicholas Phillipson e Quentin Skinner eds Political Discourse in EarlJ Modem Britain Cambridge 1993 LXXVIII N atas biográficas e referências Tenho uma enorme dívida com o Dr lan Harris do Jesus College Cambridge e Leicester University pela sua ajuda com as entradas relacionadas a personagens bíblicos aqueles marcados com um asterisco embora seja minha qualquer responsabilidade por eventuais erros nestas notas MRÃO Irmão mais velho de MOISÉS e líder espiritual dos judeus sob seu comando Também aparece na Bíblia como portavoz de Moisés Ex 71 e Hobbes o descreve como consagrado ou subordinado a Moisés ABDIAS Profeta que aparece no Livro de Abdias do Antigo Testamento Nada se sabe sobre ele diretamente mas Hobbes contrariando a tradição talmúdica identificao com o levita que levava esse nome e que supervisionou a reconstrução do templo na época de JOSIAS ABIATAR Filho do sacerdote Abimelec e com ele sacerdote em Nob perto de Jerusalém c 1000 aC Posteiiormente foi um dos conselheiros e sacerdotes de Davi provavelmente o sumo sacerdote No fim do reinado de Davi c 970 aC conspirou contra Salomão e perdeu seu cargo ABIMELEC Rei de Gerar na Palestina no tempo de Abraão em cuja corte Abraão tentou fazer Sara sua esposa passar por sua irmã LXXIX 1 Leviatã ABNER Primo de Saul que fez dele chefe de seu exército Inicialmente não apoiou Davi para a sucessão mas foi derrotado ofereceu entregar Israel a Davi mas foi assassinado antes ABRAÃO Ancestral dos judeus migrou por volta de 1900 aC de Ur para Canaã Foi o fundador da religião judaica monoteísta e supõese que Deus lhe tenha concedido revelações especiais por meio de visões ACAB Sétimo rei de Israel 874853 aC e marido de JezebelJezebel estimulou falsos profetas e perseguiu a verdadeira religião ACà Da tribo de Judá cometeu roubos na tomada de Jericó por Josué violando assim um interdito sacrificial c 1240 aC Ele e sua família foram apredrejados até a morte depois que o roubo foi descoberto por meio de um sorteio ADÃO O primeiro homem posteriormente expulso do paraíso depois de comer o fruto da árvore do conhecimento ADRIANO papa Papa Adriano IV papa de 1154 a 1159 seu nome de nascença era Nicholas Breakspear e foi o único inglês a se tornar papa Foi abade de St Albans de 1137 a 1146 e bispo de Albano de 1146 a 1154 O incidente a que Hobbes se refere na p 577 ocorreu em 1155 quando o imperador FREDERICO I na sua primeira visita a Roma concordou depois de uma recusa inicial em desempenhar a função de escudeiro do papa segurando seu estribo AGAG Rei de Amalec que foi poupado por SAUL con trariando uma ordem de Deus Então SAMUEL o assassinou declarando que Deus o autorizara a fazêIo teria sido este o momento em que Saul foi repudiado por Deus AGAR Criada de Sara esposa de ABRAÃO AGEU Ageu e Zacarias foram os primeiros dois profetas depois do retorno do exílio em 537 aC Suas profecias datam do período posterior ao cativeiro embora Hobbes pensasse que elas foram feitas durante o exílio AGOSTINHO San to 354430 O maior padre latino professor de retórica até se tornar cristão em 387 Bispo de Hípon LXXX Notas biográficas e referências a partir de 395 escreveu longamente contra as heresias cristãs Hobbes cita pp 5245 seu Enarratio in Psalmum XXXVII J P Migne Patrologia Latina xxxvi cal 397 AGUR Conhecido apenas como filho de Jaque e autor de parte do Livro dos Provérbios do Antigo Testamento AíAs Profeta de Silo que protestou contra a idolatria de Salomão e acertou na profecia da carreira de JEROBOÃO ALEXANDRE 356323 aC Alexandre o Grande rei da Macedônia Filho do rei Filipe da Macedônia foi educado por ARISTÓTELES Sucedeu no trono em 336 ac e liderando um exército grego combinado derrotou os persas em 334 Marchou então sobre todo o império persa criando um incrível império próprio que se estendia da Grécia até o Punjab mas com sua morte repentina depois de um banquete na Babilônia seus territóríos foram divididos entre seus generais AMAsIAS Rei de Judá 796767 aC venceu os edomitas seguindo as palavras de Deus mas foi derrotado quando passou a adorar ídolos AMBRÓSIO Santo c 33997 Nascido em Trier filho do prefeito da Gália em 369 foi nomeado governador da Itália do Norte com o titulo de cônsul Seu sucesso no trato das disputas religiosas na província levouo a ser eleito bispo de Milão Como bispo excomungou o imperador Teodósio pelo massacre dos insurretos tessalonicenses AMIANO MARCELINO c 33090 Historiador de Roma nasceu na Antióquia filho de pais gregos Escreveu em latim uma história do Império Romano a parte dela que chegou até nós abrange os anos de 35378 Hobbes p 447 cita uma passagem da História XXVII3l213 que relata a luta entre DÃMAso e URSICINO numa eleição papal em 366 AMós Autor de um dos livros da Bíblia provavelmente no século VIII aC Proclamou o juízo de Deus sobreJudá e Samaria tendo sido chamado por Deus a pregar em seu nome ANANIAS Seguidor de Jesus em Damasco que ajudou PAULO na sua conversão e transmitiulhe a comissão de Cristo LXXXI Leviatã ANDRÔMEDA Filha do rei da Etiópia no mito grego deveria ser sacrificada a um monstro do mar mas foi salva pelo herói Perseu APOLO Deus grego das artes e da lei civil ARISTIDES morreu em 468 aC Político ateniense apeli dado o Justo Foi arconte em 489 aC mas pela rivalídade de outro político Temístocles foi punido com ostracismo e banido numa data entre 485 e 482 Regressou do exílio depois da batalha de Salamina tornandose figura de destaque na política ateniense ARISTÓTELES 384324 aC Um dos dois principais filósofos gregos foi aluno do outro PLATÃO e preceptor de ALEXANDRE o Grande Sua filosofia baseavase numa extensa crítica de Platão e foi alvo de certo desfavor num momento posterior da Antiguidade no entanto a redescoberta de muitas de suas obras na Europa ocidental nos séculos XI e XII forneceu a base para grande parte da filosofia medieval sofisticada conhecida como escolástica Em axford Hobbes estudou profundamente as obras de Aristóteles mas sentia uma violenta aversão a elas como muitos de sua geração Em Leviatã ele faz referência às seguintes obras De Anima 432a species sensivel embora como Hobbes reconhece a teoria medieval posterior da visão elabora de modo considerável passagens como essa p 167 Política 1254aI31255a5 escravidão p 132 Política 1253a6 abelhas p 145 Política 1317a40 democracia e liberdade p 184 Política Ética e Metafisica p 557 Metafisica pp 5589 Física 255b14 gravidade p 564 e Política 1284a351285b33 tirania pp 5678 AUGUSTO 63 aC14 dC Primeiro imperador romano era filho da sobrinha de Júlío CÉSAR Assumiu o poder durante as lutas militares que se seguiram ao assassinato de César que fizera dele seu herdeiro em 44 aC Em 42 ele e seu aliado Antonio derrotaram BRUTUS e Cássio em Filipos e em 31 venceu a frota de Antonio e Cleópatra rainha do Egito em Ácio De 29 em diante fortaleceu sua posição de príncipe ou imperador ocupando todos os cargos mais importantes da república LXXXII Notas biográficas e refêrêncías AzARIAs Nome com que Hobbes se refere ao rei azias um hábil e enérgico chefe de Judá c 791740 aC BAAL Termo geral que designa a principal divindade adorada pelas comunidades préisraelítas de Canaã e um constante desafio para a religião hebraica BALAÃo Profeta de Moab Jordão nos séculos XII e XI aC profetizou a futura grandeza de Israel mas mais tarde tentou atrair os israelitas para o culto de Baal e foi morto por eles BARNABÉ Cognome de José um dos primeiros missionários cristãos Era muito ligado a Paulo Existe uma epistola apócrifa de Barnabé provavelmente datada do século 11 BECKET Thomas I 111870 Em 1155 tornouse chanceler do rei HENRIQUE 11 e em 1166 arcebispo de Cantuária Tornouse um critico severo da atitude régia em relação à Igreja e foi forçado a se exilar por cinco anos de seu bispado em 1165 Ao retomar em 1170 foi assassinado em dezembro por quatro cavaleiros na catedral de Cantuária supostamente por ordem de Henrique lI a rei fez penitência pública pelo assassinato e Becket foi canonizado em 1172 BEDA a Venerável Beda c 673735 nasceu perto de Monkwearmouth no condado de Durham e viveu no antigo reino de Nortúmbria durante toda a vida tornandose monge no duplo monastério de JarrowMonkwearmouth Foi o principal escritor da Inglaterra anglosaxã produzindo muitos comentários bíblicos e outras obras bem como sua famosa Ecclesiastical Hístory oi the Englísh People Hobbes faz referência p 571 às suas observações sobre fantasmas em Hístory v 12 BELARMINO Roberto 15421621 Nasceu perto de Siena ingressou para a ordem dos jesuítas em 1560 e teve uma carreira acadêmica brilhante que culminou na reitoria do Collegio Romano em 1592 Foi nomeado cardeal em 1599 e arcebispo de Capua em 1602 Dedicouse à produção de uma defesa enciclopédica da Igreja Católica contra os protestantes as Dísputationes de Controversiís Chrístianae Fidei Adversus Huius Temporís LXXXIII J Leviatã Haereticos 158192 e foi também um dos principais propagan distas contra Jaime I da Inglaterra quando o rei instituiu um Juramento de Fidelidade que discriminava os súditos católi cos Foi também um dos principais alvos de Hobbes na parte lU do Leviatã pp 461 ss na qual Hobbes atacava a terceira parte das Disputationes Tertia Controversia Generalis de Sumrrw Pontifice Disputationes Ingolstadt 1590 I cal 582 ss Além desta exis tem as seguintes referências a ele p 416 Tertia Controversia ibid I cal 596 e p 524 Sexta Controversia ibid cal 177985 BELzEBu No Novo Testamento os fariseus acusaram Jesus de exorcizar demônios por Belzebu príncipe dos de mônios BERNARDO São 10901153 Nascido na Barganha in gressou na Ordem Cisterciense em 1113 e se tornou abade de Clairvaux em Champagne em 1115 Foi escritor e profes sor muito influente tendo reformado o ramo dos cistercienses a que pertencia foi canonizado em 1174 Hobbes faz refe rência p 571 a suas idéias sobre fantasmas que se encon tram em seus Sermones de Diversis XLII e em seus Sermones in Cantica LXVI U P Migne Patrologia Latina clxxxiii cal 663 4 e 1100 BEZA Theodore 15191605 Nascido na Barganha re cebeu formação humanista e se converteu ao calvinismo em 1549 Em 1559 tornouse professor de teologia em Genebra e o principal colaborador de Calvino Traduziu o Novo Testamento para o latim com notas que Hobbes cita como segue p 516 Annotationes Maiores in Novum Dn Nostri Iesu Chris ti Testamentum 1594 p 199 Mc 91 e p 531 ibid p 458 At 224 BRUTO Marco Júnio c 8642 aC Político romano começou como opositor de CÉSAR mas depois trocou de lado e o apoiou No entanto foi um dos assassinos de César e foi posteriormente derrotado por AUGUSTO em Filipo onde cometeu suicídio CADMO filho de Agenor rei da Fenícia Conforme a len da grega foi o fundador e primeiro rei de Tebas sendo atri LXXXIV Notas biográficas e referências buída a ele a invenção do alfabeto grego que na verdade baseavase no alfabeto fenicio CAIFÁS Cognome de José sumo sacerdote na época do julgamento deJEsus CALÍGULA 1241 Filho do sobrinho do imperador Tibério assumiu com a morte do pai em 19 o lugar deste como herdeiro legitimário do imperador Sucedeu a Tibério logo depois da morte deste em 37 mas teria enlouquecido oito meses depois de herdar o trono Depois de quatro anos de incríveis e insanos excessos foi morto por seus guardacostas CARACALA 188217 Filho do imperador Sétimo Severo Com a morte deste ele e o irmão dividiram o trono em 211 Em seguida Caracala mandou matar o irmão e muitos outros politicos mas foi assassinado seis anos depois pelo chefe da guarda pretoriana Foi ele no entanto que deu a todos os homens livres do império o título e os direitos de cidadãos romanos CARLOS MAGNO 742814 Filho mais velho do rei dos francos Pepino o Breve sucedeu ao pai como rei em 768 Seguiram se trinta anos de extenuantes campanhas por meio das quais estendeu os limites do poderio franco do Ebro até o Elba no dia de Natal de 800 foi coroado imperador dos romanos pelo papa Leão lU na Basilica de São Pedro CARNÉADES 214129 aC Famoso filósofo grego cujas obras no entanto em sua grande maioria se perderam Foi o principal céptico de sua geração e transformou a escola filosófica fundada por PLATÃO a Academia no centro do cepticismo Em 155 visitou Roma numa missão diplomática onde proferiu palestras que incluíam a demonstração de que não existem bases fundamentadas para uma teoria da justiça em protesto o político romano CATÃO mandou expulsáIa da cidade CARONTE O barqueiro que levava as sombras dos mortos para o outro lado do Estige na mitologia grega sendo pago com um óbolo a moeda de menor valor colocado na boca dos mortos antes do enterro CATÃO Marco Pórcio o Censor 232147 aC Político e general romano que liderou a luta política e militar contra LXXXV I II1 II I II Leviatã Cartago Em 155 protestou contra as palestras de CARNÉADES e mandou afastáIo de Roma CATILINA Lucius Sergius Catilina c 10962 aC Político romano iniciou uma insurreição em 63 depois de perder a eleição consular para CíCERO Cícero liderou a ofensiva para abafar o levante com suas famosas catilinárias e Catilina foi derrotado e morto numa batalha perto de Pistóia CÉRBERO Cão de várias cabeças na mitologia grega a quem se atribui a função de guardar a entrada do mundo subterrâneo de Hades no lugar onde Caronte depositava as sombras dos mortos depois de cruzar o Estige CERES Deusa romana dos grãos e da fertilidade CÉSAR Júlio 10244 aC Homem a quem se atribui a destruição da república romana César foi seu general mais bem sucedido e um importante político de 70 a 50 aC Seu sucesso despertou rivalidades sobretudo de POMPEU e levou a uma guerra civil que terminou com a morte de Pompeu em 45 aC Embora César tivesse recusado a coroa real em 44 seu imenso poder pessoal assustava aqueles que eram leais à república entre eles CíCERO e BRUTO e acabou provocando seu assassinato nos idos décimo quinto dia de março de 44 CHILPERICO Erro de Hobbes para Childerico 111 o último rei merovingio dos francos Coroado em 743 foi deposto em 751 por Pepino o prefeito do palácio Pepino dirigiu uma famosa questão ao papa ZACARIAS indagando se tal ato era permitido e o julgamento do papa foi favorável CíCERO Marco Túlio 10643 aC De 81 em diante Cícero foi uma das principais figuras da república romana atuando como questor e político e também como filósofo Cônsul em 63 reprimiu a conspiração catilinária e nos anos seguintes tentou sem muito sucesso preservar as instituições da república contra o crescimento do cesarismo Depois do assassinato de CÉSAR emergiu como líder do partido republicano mas foi proscrito e morto pela oposição sob o comando de AuGUSTO e Antonio Até hoje seus escritos constituem o corpus de literatura latina mais importante e serviram de cânon de LXXXVI Notas biográficas e referências correção da linguagem Seu De Officiis um tratado moral geral foi sua obra mais influente na Idade Média e Renasci mento e evidentemente Hobbes sabia disso muito bem mas suas citações de Cícero referemse basicamente a seus discur sos são eles De Oratore 111025 p 138 Pro Caecina 73 e 70 p 211 Pro Caecina 100 p 268 De Divinatione 119 p 557 e Pro Milone 32 p 572 CIPIÃO AFRICANO Publius Cornelius 234c 183 aC Principal general na guerra dos romanos contra os cartagi neses derrotou Aníbal em Zama na África em 202 Na velhi ce foi um importante político mas retirouse depois de um escândalo de propinas em 184 CIPRIANO São Thascius Caecilius Cyprianus c 20058 Nascido no norte da África lecionou retórica e depois tomou se cristão e importante escritor latino sobre assuntos da Igre ja foi martirizado na época do imperador Valeriano Hobbes faz referência p 478 às suas idéias sobre o primado de Roma contidas principalmente na sua carta a Comélio U P Migne Patrologia Latina III col 81819 CLEMENTE I Considerado atualmente o segundo ou tercei ro sucessor de PEDRO como bispo de Roma Atribuiuse a ele a compilação de um conjunto de Constituições e Cânones apos tólicos agora avaliados como espúrios uma carta datada de c 95 é o único produto genuíno de sua autoria As Consti tuições e Cânones a que Hobbes se refere pp 326 e 442 en contramse em P Migne Patrologia Graeca I col 5571156 e 11 col 160512 CWVERIUS Cluvier Philip 15801623 Nascido em Danzig estudou na Universidade de Leiden onde mais tarde lecionou Também passou algum tempo em Oxford na segun da década do século XVII Foi um geógrafo famoso Hobbes faz referência p 83 a seu Germaniae Antiquae Libri Tres Lei den 1616 COKE Sir Edward 15521634 Jurista inglês ganhou fama e reputação através dos grandes escritórios de advocacia no tempo de ISABEL e JAIME I e se tomou presidente do Superior Tribunal de Justiça em 1613 Brigou com o rei e foi LXXXVII J Leviatã destituído do cargo em 1617 mantevese na oposição à Coroa particulármente nos Parlamentos dos anos 1620 até sua morte Suas principais obras são seus Reports publicados de 1600 até 1615 e suas Institutes quatro obras publicadas entre 1628 e 1644 a primeira das quais consistia num comentário sobre o manual da Idade Média tardia sobre títulos de posse de Sir Thomas Littleton Hobbes faz referência a essa obra pelo nome em dois lugares e sem nomeáIa num lugar como segue The First Part 01 the Institutes 01 the Lawes 01 England 2 ed Londres 1629 p 16r 118 p 125 ibid p 97v 116138 p 230 e ibid p 373r 11112709 p 237 CONSTANTINO Flavius Constantinus 274337 Filho ilegítimo do imperador Constâncio I foi proclamado imperador pelo exército em York depois da morte do pai Uma complexa luta contra outros pretendentes terminou em 312 com a vitória de Constantino na batalha da ponte Mílvia que ficava nove milhas ao norte de Roma Aparentemente em conseqüência de uma visão que teve na véspera da batalha converteuse ao cristianismo e em 313 promulgou a tolerância aos cristãos no império em 324 o cristianismo tornouse a religião oficial Presidiu o Concílio de Nicéia em 325 no qual tentou pôr fim ao conflito entre os cristãos arianos que negavam a identidade de Cristo com Deus e seus oponentes que Constantino apoiava Na Idade Média acreditavase que ele tinha sido batizado pelo papa SILVESTRE em 326 e transferido o poder sobre Roma para o papa mas tal fato já foi questionado no Renascimento e sabese agora que é inverídico CORÉ Coré junto com Datan e Abiram rebelouse contra MOISÉS e AARÃo pelo fato de eles terem se elevado sobre os outros israelitas e se arrogado o sacerdócio Foram tragados pela terra e consumidos pelo fogo CRISPO Crispo Caio e Estéfanas eram cidadãos de Corinto e contavam entre os judeus batizados por PAULO DÂMAso Papa de 366 a 384 cuja eleição disputada é relatada em AMIANO MARCELINO LXXXVIII Notas biográficas e referências DANIEL O quarto do grandes profetas 605535 aC cuja carreira é descrita no Livro de Daniel Aprisionado por Nabucodonosor na Babilônia ganhou notoriedade como in térprete de sonhos Profetizou o futuro triunfo de Israel DAVI Rei de Israel 1010970 aC Quando garoto ma tou o gígante filisteu Golias e mais tarde depôs SAUL o rei de Israel sem provocar a ira de Deus É considerado autor dos Salmos e ancestral de Jesus Tramou a morte de Urias o hiti ta um de seus comandantes depois de cometer adultério com a mulher dele DIOCLECIANO Caius Aurelius Valerius Diocletianus 245 313 Soldado profissional foi proclamado imperador por suas tropas em 284 Reorganizou o império incluindo uma tentati va fracassada de congelar todos os preços em 301 também instituiu uma severa perseguição aos cristãos em 303 Abdicou em 305 e viveu em seu grande palácio em Split Iugoslávia até a morte DOMICIANO Titus Flavius Domitianus 5196 Filho mais jovem do imperador Vespasiano sucedeu a seu irmão mais velho Tito em 81 Uma revolta das legiões da Germânia supe rior em 889 levouo a suprimir qualquer possivel oposição a seu mando da maneira mais selvagem baniu seu primo sus peito de ser cristão mas como vingança foi morto no leito por um dos escravos libertados de seu primo EFRAIM Segundo filho de José c 1700 aC abençoado por Jacó doente com a mão direita indicando assim a futura prosperidade dos descendentes de Efraim EGÉRIA Ninfa de um rio nos arredores de Roma dizem que foi amante do rei NUMA e teria inspirado a organização por parte dele da religião romana ELEAZAR Terceiro filho de AARÃo e como seu pai e ir mãos sacerdote Auxiliou MOISÉS num recenseaento e le vantamento de terras ELIAS Profeta de Israel do século IX e oponente dos adoradores de Baal sobretudo de J ezebel esposa de ACAB Acabou sendo transportado para o céu LXXXIX Leviatã ELISEU Profeta de Israel do século IX respeitado por seus conselhos tanto pelo povo como pelos reis ver NAAMAN ISABEL rainha da Inglaterra 15331603 Filha de HENRIQUE VIII e de Ana Bolena sucedeu a sua irmã Maria em 1558 Restabeleceu o protestantismo depois da reação católica de Maria à reforma de seu pai sua decisão em relação à Igreja foi considerada no século XVII como a fundação da Igreja Episcopal da Inglaterra Em 1570 o papa Pio V a excomungou e dispensou seus súditos do Juramento de Fidelidade a ela iniciouse assim uma prolongada batalha em duas frentes contra os católicos em casa e contra o império espanhol no estrangeiro culminando com a famosa Armada de 1588 Nos anos subseqüentes foi também objeto de hostilidade por parte dos puritanos da Inglaterra que desejavam instaurar uma forma mais calvinista de governo da Igreja ENoQuE Filho de J ared pai de Matusalém e bisavô de Noé era membro da linhagem de Sete terceiro filho de Adão através da qual o conhecimento de Deus foi preservado Co mo Elias foi levado ao céu sem morrer ÉOLO Senhor dos ventos na mitologia grega e romana sua morada tradicional era Lípara nas Ilhas Eólias ESDRAS ou EZRA Enviado aJerusalém pelo rei da Pér sia em 458 aC para reforçar a observância uniforme da lei judaica e fazer indicações para cargos públicos Sua missão é o tema do Lívro de Esdras do Antigo Testamento ESTER Esposa de Xerxes rei da Pérsia 485465 aC arriscou a vida para servir os judeus dentro do império persa e sugeriu lhes massacrar seus inimigos Sua história é relatada no Lívro de Ester ESTÊVÃO Santo Um dos sete escolhidos pelos discípulos depois da ressurreição para dar assistência às viúvas da Igreja para que os apóstolos estivessem livres para levar a cabo sua peculiar missão de pregar o evangelho Brigou com alguns judeus e foi apedrejado até a morte EVA A primeira mulher esposa de ADÃo e a causa da queda do homem depois de apanhar o fruto proibido xc Notas biográficas e referências EZEQuIAs Um dos ilustres reis deJudá reinou no final do século VIII aC Reformou e purificou a religião judaica e liderou uma rebelião vitoriosa contra os assírios EZEQUIEL Profeta e suposto autor do Lívro de Ezequiel do Antigo Testamento era um dos chefes de uma ordem de sacerdotes e foi deportado para a Babilônia quando aquele estado dominou Israel 593570 aC FILIPE 1 O apóstolo é o quinto nas listas do Novo Testamento mas não se encontram muitas menções a ele 2 Um dos sete escolhidos para oficiais ou diáconos da Igreja Cristã de Jerusalém Depois do martírio de ESTÊVÃO foi missionário na Samaria FÍLON c 15 aC Escritor judeu nascido em Alexandria escreveu muitas obras em grego tanto sobre filosofia grega como sobre judaísmo Em 40 dC fez parte de uma missão encarregada de protestar perante CALÍGULA contra uma ameaça de profanação do templo em Jerusalém FORMIÃo Formão Comandante de esquadra ateniense que derrotou a frota peloponesa em 429 aC FREDERICO I o Barba Roxa c 112390 Sucedeu ao pai como duque de Suábia em 1147 e ao seu tio como imperador em 1152 Subjugou tanto os príncipes da Alemanha como as cidadesestado italianas e liderou a terceira cruzada contra Saladino Um conflito com o papado terminou em acordos em 1183 mas em 1155 concordou com relutância em servir de escudeiro do papa na entrada de Roma ver ADRIANO GABRIEL Um dos dois anjos mencionados na Bíblia o outro é MIGUEL No Antigo Testamento ele é o anjo da punição e guardião do paraíso ao passo que no Novo Testamento consta sobretudo como mensageiro GIDEÃO Filho deJoás foi o juiz que libertou Israel dos medianitas 11691129 aC Foi convocado a fazêlo por um anjo do Senhor GODOLPHIN Francis e Sidney Eram filhos do proprietário de Godolphin na Cornualha Sidney 161043 era realis XCI Leviatã ta membro do parlamento em 1628 e 1640 e também poeta de certa nota Abandonou o parlamento em 1642 para se juntar ao exército do rei na Cornualha e foi morto numa escaramuça em Devon em fevereiro de 1643 Deixou uma doação de 1200 para Hobbes que fora seu amigo antes da guerra e em sua memória Hobbes dedicou o Leviatã a seu irmão Francis 160567 governador realista das Ilhas Scilly durante a guerra até entregáIas em 1646 Fez um aéordo para preservar suas propriedades e viveu tranqüilamente na Inglaterra até a Restauração quando foi nomeado Cavaleiro da Ordem de Bath GRACO Caio e Tibério Tibério 168134 aC foi um po lítico romano tribuno do povo em 133 que acreditava que os problemas sociais de Roma poderiam ser resolvidos por meio de uma reforma agrária e a divisão e redistribuição das grandes propriedades Apresentou um projeto de lei nesse sentido mas a medida sofreu oposição da aristocracia e ele foi assassinado por um nobre Seu irmão mais novo Caio foi eleito tribuno em 123 e 122 e tentou levar adiante o projeto de Tibério mas também enfrentou oposição cometeu suicídio em 121 depois de um tumulto e o massacre de seus partidários GREGÓRIO I 11 e IX papas Gregório I c 540604 o Grande nasceu em Roma e se tornou pretor antes de abdicar e ingressar num monastério Foi eleito papa em 590 e se empenhou em reorganizar a Igreja chegando a entregar a Agostinho a missão de converter a Inglaterra Escreveu várias obras teológicas Hobbes faz referência a suas idéias sobre fantasmas p 571 contidas em Dialogorum Libri IV IV55 U P Migne Patrologia Latina lxxvii col 421 Gregório 11 669731 também era romano foi eleito papa em 715 e expandiu o poder do papado na Itália às expensas dos imperadores romanos que na época residiam no Oriente Tanto Gregório I como Gregório 11 enfatizavam em seus pronunciamentos pú blicos que o poder temporal tinha de estar a serviço do poder espiritual representando pelo pontífice Gregório IX 11481241 papa a partir de 1227 também reivindicou a suprema cia do poder papal contra o imperador Frederico 11 escreveu XCII Notas biográficas e referências uma coleção de Decretais que Hobbes cita na p 508 numa passagem sobre Inocêncio 111 Decretales D Gregorii Papae IX V7l3 por exemplo em Corpus Iuris Canonici Paris 1618 p 686 GUILHERME I o Conquistador 102787 Filho bastardo do duque da Normandia sucedeu ao pai como duque em 1035 Em 1051 seu primo Eduardo o Confessor prometeulhe a sucessão ao trono inglês promessa que fez valer em 1066 conquistando a Inglaterra Organizou na Inglaterra uma hierarquia feudal mais rígida do que a que existia até então em que todas as províncias estavam em última instância submetidas ao rei GUILHERME 11 Rufus 10661100 Segundo filho sobrevivente de GUILHERME o Conquistador herdou a Inglaterra com a morte do pai em 1087 ao passo que seu irmão mais velho Roberto herdou a Normandia Os nobres normandos da Inglaterra apoiavam Roberto para rei da Inglaterra mas Guilherme ofereceuIhes vários privilégios em troca de seu apoio à sua acessão Depois de anos de conflitos com a Igreja e com seu irmão foi morto por uma flecha quando caçava em New Forest HABACUC Autor do Livro de Habacuc sobre quem nada se sabe com certeza RAsARIAS Um dos hebronitas a serviço de Davi HELKIAS Sumo sacerdote no reinado deJosias 640610 aC que redes cobriu o livro da lei durante a restauração do templo Posteriormente fez parte de uma delegação que foi consultar Holda a profetisa para saber o que Deus queria que fosse feito com o livro também ajudou J osias a implantar a reforma religiosa HENRIQUE 11 rei da Inglaterra 113389 Filho do conde de Anjou ascendeu ao trono da Inglaterra em 1154 graças à sua mãe filha de Henrique I Restabeleceu a autoridade monárquica depois da Anarquia subseqüente à morte de seu avô e ao morrer tinha consolidado o império dos dois lados XCIII Leviatã do canal da Mancha Indicou BECKET para arcebispo de Canterbury mas rompeu com ele e acabou tendo de se penitenciar por seu assassinato HENRIQUE 111 rei da França 155189 Filho de Henrique 11 da França sucedeu ao seu irmão Carlos IX como rei em 1575 Em seu reinado assistiuse a uma prolongada guerra civil entre católicos e protestantes durante a qual os católicos liderados pelo duque de Guise formaram uma liga santa para defender sua causa Em 1588 Guise foi assassinado Henrique juntouse ao líder dos protestantes Henrique de Navarra mais tarde Henrique IV e pai da rainha Henriqueta Maria da Inglaterra e marcharam sobre Paris mas Henrique 111 foi apunhalado e morto por um católico em 1589 HENRIQUE VIII rei da Inglaterra 14911547 Filho de Henrique VII ascendeu ao trono em 1509 A uma brilhante carreira quando jovem rei seguiuse a luta com o papado de 1527 em diante por causa de sua intenção de repudiar sua primeira mulher Catarina de Aragão e desposar Ana Bolena Em 1534 rompeu definitivamente com Roma e o parlamento votou um ato nomeandoo chefe supremo da Igreja Anglicana uma série de outras medidas se seguiram incluindo a dissolução dos monastérios Depois de Ana Bolena ser executada por traição Henrique continuou tentando ter um herdeiro saudável do sexo masculino quando morreu tinhase casado seis vezes mas só tivera duas filhas Maria e ISABEL e um filho doentio mais tarde Eduardo VI HÉRCULES Herói da mitologia grega famoso por sua enorme força exemplificada na história de seus doze trabalhos nos quais derrotou vários inimigos bizarros HESíODO Poeta grego da Antiguidade que provavelmente viveu no final do século VIII aC na Beócia É o autor de um longo poema sobre as atividades rurais e da Teogonia poema que sistematiza as lendas dos deuses HIPÉRBOLO Político ateniense que se tornou impopular por ter tentado condenar ao ostracismo dois importantes generais durante a Guerra do Peloponeso Como retaliação ele XCIV Notas biográficas e referências mesmo foi condenado ao ostracismo segundo ARISTÓTELES política 1284a este foi considerado um uso tão deturpado da punição que ela nunca mais foi usada HOLDA Profetisa e esposa do roupeiro do reiJoslAS foi consultada sobre a autenticidade do livro da lei descoberto por HELKIAS Ela o aceitou como palavra divina e também profetizou a destruição de Jerusalém depois da morte de J osias HOMERO Grande poeta grego viveu provavelmente entre 810 e 730 aC na parte ocidental da Ásia Menor Na Antiguidade tardia foi descrito como cego Atribuise a ele a auto ria da llíada e da Odisséia as duas obras foram traduzidas para o inglês por Hobbes na velhice INOCÊNCIO III papa 11601216 Nasceu em Anagni foi eleito papa em 1198 Tentou impor a superioridade papal sobre a maioria dos governantes da Europa Ocidenal inclusive sobre o imperador conseguiu que Oto IV fosse deposto e o rei da Inglaterra excomungou o rei João quando este se recusou a reconhecer seu indicado para arcebispo da Cantuária Presidiu o IV Concílio de Latrão em 1215 cujas decisões sobre heresia Hobbes cita na p 508 a partir dos Decretais de Gregório IX ver GREGÓRIO IX ISAAc Filho de ABRAÃo e Sara e ancestral dos israelitas Nasceu quando seus pais já eram muito idosos Quando criança foi oferecido em sacrifício por Abraão mas sobreviveu selando assim a aliança de Deus com Abraão Era o pai de Esaú e JACÓ ISAÍAs Profeta de sangue real segundo a tradição judaica viveu nos reinados de OziasJoatão Acaz e EZEQUIAS segunda metade do século VIII aC Costumava ser muito critico em relação aos reis e no Livro de Isaias dizse que Ezequias sofreu infortúnio depois que Isaias o castigou JACÓ Filho de ISAAC e ancestral dos judeus c 1800 aC Obteve a posição de herdeiro de Isaac suplantando seu irmão Esaú fugindo da ira de Esaú teve a visão de uma esca XCV J Leviatã da que levava do céu para a terra em cujo topo encontravase o Deus de sua família confirmação da aliança de Deus com ABRAÃO Teve muitas aventuras no exílio e em todas elas Deus o protegeu Acabou adotando os dois filhos de seu filho mais novo José e preferiu na sucessão o mais novo ao mais velho Deles descendem as tribos de EFRAIM e MANASSÉS JAIME I rei da Inglaterra 15661625 Filho de Maria Stuart rainha da Escócia sucedeu ao trono escocês depois de sua abdicação em 1569 como Jaime VI Com a morte de ISABEL em 1603 tornouse rei da Inglaterra No começo de seu reinado entrou em conflito com os católicos a quem obrigou a fazer um Juramento de Fidelidade ao soberano renunciando à sua lealdade ao papa e com os puritanos a cujos ataques ao governo da Igreja Episcopal ele resistiu Escreveu sobre teologia e também ensaios sobre vários outros temas polêmicos JAQUE Pai de Agur o nome significa escrupulosamente pio JEFTÉ Um dos juízes de Israel c 1100 aC de origem humilde chegou a comandante dos israelitas durante a invasão dos amonitas Triunfou pela fé prometendo sacrificar a Deus a primeira pessoa que visse depois da batalha decisiva que acabou sendo sua filha JEREMIAS Profeta do Antigo Testamento c 630590 aC Viveu durante o reinado do rei Nabucodonosor da Babilônia numa época de grandes calamidades para os judeus Seu nome passou a ser associado a lamúria JEROBOÃO Efraimista que se rebelou contra ROBOÃO filho de SALoMÃo e se tornou o primeiro rei de Israel depois da divisão de Israel e Judá 930 aC Era um idólatra mas granjeou apoio popular por libertar o povo de algumas políticas opressivas de Salomão e Roboão JERÔNIMO São c 342420 Estudante de filosofia e retórica em Roma ordenouse monge em 374 e se tornou figura influente da Igreja foi secretário do papa DÃMAso É famoso sobretudo por sua tradução autorizada da Bíblia para o latim a Vulgata que Hobbes parece ter usado nas suas citações bíblicas XCVI Notas biográficas e referências no Leviatã traduzidas por ele mesmo para o inglês Hobbes referese nas pp 323 e 326 às idéias deJerônimo sobre o cânon da Escritura que podem ser encontradas em seu prefácio ao Livro de Esdras na Vulgata U P Migne Patrologia Latina xxviii col 1403 ou em sua Epístola 53 ibid xxii col 5456 JESUS CRISTO Na doutrina cristã o filho de Deus enviado para redimir o pecado original de ADÃO prometendo salvação para todos que acreditassem nele Sua vida e seus ensinamentos estão registrados no Novo Testamento e não precisam ser resumidos aqui Hobbes distingue Cristo dos outros representantes de Deus como MOISÉS por exemplo p 327 pelo fato de que a divindade reside corporalmente nele p 361 JETRO Sogro de MOISÉS aconselhouo a delegar a administração da justiça JEÚ 1 Profeta filho de Hanani e crítico deJosAFÁ 2 Filho de Josafá décimo rei de Israel c 842815 aC ELISHA indicou um profeta para sagrar Jeú rei e deulhe a missão de extirpar a linhagem de ACAB e Jezebel os apóstatas J6 Sua história é contada no Livro de Jó e também é mencionada em EzequieI141420 e Tiago 511 Por permissão divina Satã rouboulhe riquezas saúde filhos e esposa deixandoIhe apenas o conforto de três amigos de cuja inutilidade Jó se queixava de maneira eloqüente Entregandose àmisericórdia de Deus aprendeu como o poder de Deus justifica todas as coisas metáfora atraente para Hobbes que tirou o título de seu livro de uma passagem emJó 41134 JOANA Uma das várias mulheres curadas por Jesus que ajudavam na manutenção de seus acompanhantes durante suas viagens Cusa seu marido era um oficial de Herodes Antipas JOÃO o Apóstolo Considerado o autor do evangelho e das epístolas que levam seu nome era irmão de BARNABÉ e muito próximo de PEDRO JOÃo rei da Inglaterra 11671216 Filho de HENRIQUE 11 sucedeu a seu irmão Ricardo como rei em 1199 Em 1205 iniciou um longo conflito com a Igreja sobre o poder real de L XCVII Leviatã indicar bispos e em 1208 INOCÊNCIO 111 lançou um interdito sobre o país João se submeteu ao papa e concordou em enfeudar a Inglaterra a Roma em 1213 A oposição interna dos barões às suas políticas forçaramno a promulgar a Magna Carta em 1215 JOÃo Batista Filho de Zacarias um sacerdote e Isabel recebeu o chamado profético para que preparasse o povo para a vinda de Jesus e em particular para instituir o rito do batismo Entrou em choque com Herodes Antipas foi preso e executado No Novo Testamento é retratado como precursor de Cristo JOÃs Rei deJudá c 837800 aC Foi salvo por sua tia Josaba esposa de Jojada o sumo sacerdote quando Atalia a rainha mãe extinguiu toda a descendência real numa tentativa de manter o poder Depois de seis anos de governo de Atalia Jojada colocouJoás no trono e mandoumatar Atalia J OEL Profeta e autor de um livro do Antigo Testamento em alguma época entre 800 e 200 aC J ONAS Profeta no reinado de J eroboão 11 século VIII aC Seu livro da Bíblia é em grande medida narrativo e inclui a famosa história de ter sido engolido por uma baleia seu tema central é que a misericórdia de Deus estendese para além dos judeus a toda a raça humana JONATAS 1 Filho de Gersom e neto de MOISÉS tornouse sacerdote e progenitor de uma longa linhagem de sacerdotes 2 Filho mais velho de SAUL mas amigo leal de DAVI o sucessor de seu pai JOSAFÁ Quarto rei de Judá c 873849 aC pôs fim à tradicional rivalidade com Israel e permitiu que o rei apóstata ACAB de Israel combatesse os sírios foi censurado por isso pelo profetaJEú f JosÉ I O décimo primeiro filho de JACO e seu favorito foi vendido como escravo no Egito devido à inveja dos irmãos Ali prosperou tornandose vizir do faraó c 1750 aC Dele descendem as tribos de EFRAIM e Manassés 2 José marido de Maria mãe de Jesus Segundo o evangelho de MATEUS um anjo apareceu para José num sonho para anunciar que Jesus fora concebido pelo Espírito Santo XCVIII Notas biográficas e referências JOSEFO Flávio 37c 101 Historiador e político judeu indicado pelos romanos para governador da Galiléia em 66 Apesar de apoiar os rebeldes judeus em 67 continuou tendo influência em Roma e tornouse o favorito do imperador Vespasiano Escreveu em grego muitas obras importantes sobre história e religião judaicas Hobbes faz referência p 320 a suas idéias sobre o cânon do Antigo Testamento que podem ser encontradas em seu Contra Apionem 13941 JOSIAs Rei de Judá c 640609 aC Seu reinado destacou se sobretudo pela grande reforma religiosa cujo elemento central foi a redes coberta do livro da lei por HELKIAS Foi morto em combate pelo faraó Necau 11 depois de se recusar a aceitar as garantias bastante razoáveis do faraó de que ele só pretendia marchar através da Palestina para ajudar os assírios contra os babilônios JosuÉ Escolhido por Moisés como assistente sobressaiu como soldado Foi formalmente escolhido como sucessor de Moisés na liderança militar dos judeus com ELEAZAR ocupando lugar de sumo sacerdote embora Hobbes pp 399400 insista em dizer que Eleazar era o soberano Hobbes comenta p 322 que Josué não escreveu o livro que leva seu nome no Antigo Testamento mas aceitao como relato histórico JUDAS ISCARIOTES Um dos primeiros doze discípulos de Jesus foi seu tesoureiro TraiuJesus e posteriormente cometeu suicídio seu lugar como apóstolo foi preenchido por MATIAS por sorteio JULIANO imperador c 33163 Sobrinho de CONSTANTINO foi proclamado imperador em 361 Empenhouse em restaurar as antigas religiões do império tolerando ao mesmo tempo o cristianismo e o judaísmo em particular retirou da Igreja todos os privilégios Foi morto numa campanha contra os persas JÚPITER Principal deus do panteão romano e protetor es pecial da cidade os romanos o identificam ao deus grego Zeus JUVÊNCIO Leitura incorreta da escrita do nome do homem que agora se sabe ser Viventius Sciscianus da Panônia prefei XCIX Leviatã to de Roma e prefeito pretoriano na Gália que se retirou em face da violência na eleição papal de Dãmaso ver AMIANO MARCELINO LABÃO Tio de Jacó e Esaú e depois sogro de Jacó Tentou lograr Jacó mas Jacó levou a melhor por sua astúcia e pelo apoio de Deus LAMUEL Rei de Massa no norte da Arábia Os conselhos de sua mãe sobre bom governo e autodisciplina estão registrados no Livro dos Provérbios LEÃO III papa c 750816 Eleito papa em 795 buscou o apoio de CARLOS MAGNO para estabelecer seu poder temporal na Itália Em 800 coroou Carlos Magno imperador e em troca obteve formalmente a autoridade temporal sobre Roma e a Romagna sob suserania imperial LEVI Terceiro filho de JACÓ foi amaldiçoado por sua traição mas foi também o ancestral da tribo de Levi conhecida por suas funções sacerdotais Ló Sobrinho de ABRAÃO que de forma egoísta escolheu estabelecerse no bem irrigado vale do Jordão Isso o pôs em contato com os perversos homens de Sodoma de quem foi salvo primeiro por Abraão e depois por dois anjos LUCAS Pagão falava grego era médico e foi discipulo de PAULO Reivindicava a perfeita precisão de seu relato da vida e dos ensinamentos de Jesus Diz a tradição que ele sobreviveu ao martírio de Paulo e morreu aos 84 anos MALAQUIAS Suposto autor do Livro de Malaquias no Antigo Testamento embora algumas autoridades tenham afirmado não se tratar de um nome próprio mas da palavra men sageiro em hebraico O livro foi provavelmente escrito no século V aC MANASSÉS Filho mais velho de JOSÉ e irmão de EFRAIM Perdeu seus direitos de primogênito quando JOSÉ abençoou EFRAIM com a mão direita e Manassés com a esquerda Seus descendentes a tribo de Manassés eram célebres por sua bravura c Notas biográficas e referências MAOMÉ 570632 Nasceu em Meca dispôsse a reformar a religião abraãmica do judaismo e do cristianismo e se tornou o profeta de uma nova versão da fé De 622 em diante instituiu sua autoridade militar e espiritual sobre uma extensa área da Arábia Suas profecias estão descritas no Corão o livro sagrado dos muçulmanos MARCOS Autor do segundo evangelho teria sido parente de BARNABÉ Sem ser um dos discípulos originais viajou por algum tempo com Barnabé e PAULO MARDoQuEu Judeu exilado cortesão de Xerxes rei da Pérsia 485465 aC Frustrou um plano para matar os judeus do império persa e se tornou grãovizir de Xerxes O fato é co memorado com uma festa o dia de Mardoqueu MARIA Mãe de Jesus Cristo MARIA MADALENA Seu nome vem da cidade de Mag dala situada na Galiléia Foi uma das mulheres curadas dos maus espíritos por Jesus e mais tarde testemunha de sua ressurreição MARIA MIRIAM Filha de Arnram e J oquebed e irmã de AARÃo e MOISÉS Segundo a tradição cuidava do pequeno Moisés nas corridas de touros Aarão e ela rebelaramse contra Moisés por ciúmes por sentença divina desenvolveu lepra mas Moisés intercedeu por ela e ela foi perdoada e purificada MÁRIO Caio 15786 aC General romano que foi tribuno do povo em 119 aC e se tornou líder do partido popular Reformou o exército e tentou introduzir um certo grau de reforma agrária no estado mas seu grande rival Sul a a ele se opôs desencadeando uma guerra civil Esta terminou com um golpe de Mário em 87 acompanhado de um banho de sangue na cidade mas ele morreu no ano seguinte MARTA Irmã de Maria ungiu Jesus pouco antes de sua morte e de Lázaro que Jesus ressuscitou dos mortos Na narrativa de Lucas Marta é censurada por Cristo por sua impaciência com a irmã e sua excessiva preocupação com as disposições para a refeição oferecida aos hóspedes CI Leviatá MATEUS Um dos doze apóstolos tinha sido coletor de impostos Seu evangelho destaca os ensinamentos éticos de Jesus e é o mais lido das quatro narrativas MATIAS Matias foi escolhido por sorteio como sucessor deJudas entre os apóstolos A base para deitar sortes era que aparentemente Deus já o tinha escolhido em segredo Nada se sabe de sua carreira posterior MEDÉIA Na mitologia grega filha de Eetes rei da Cólquida Fugiu com o herói J asão depois de ele ter roubado o velo de ouro do pai dela e para retardar os que os perseguiam retalhou seu próprio irmão menor e espalhou os pedaços pelo caminho Mais tarde usou seus poderes mágicos para convencer as filhas do tio de Jasão o rei Pélias de lolco de que matá10 e ferver seu corpo desmembrado lhe devolveria a juventude como Hobbes observa p 286 isso não aconteceu Depois de J asão têIa abandonado para se casar com Glauce mandou a esta uma túnica envenenada em que ela ardeu até a morte matou então os dois filhos que Jasão lhe dera e fugiu para Atenas MERCÚRIO Deus romano das trocas e do comércio em geral Costuma ser identificado com o deus grego Hermes mensageiro dos deuses MIGUEL Um dos dois anjos d GABRIEL mencionados na Bíblia É considerado patrono e protetor de Israel MIQUÉIAS Filho de Jemla e profeta nos dias de ACAB Nada se sabe dele a não ser uma entrevista que teve com Acab MOISÉS c 13501230 aC Grande legislador por meio de quem Deus tirou os hebreus do Egito transformouos numa nação e permitiu que vissem a terra prometida aos seus ancestrais Salvo de um edito do faraó que ordenava a execução de todas as crianças hebréias de sexo masculino acabou ocupando cargos administrativos no Egito Matou um egipcio que batia num judeu e fugiu para o deserto Ali permaneceu até ser chamado de volta por uma visão de Deus na forma de uma sarça ardente que não se consumia Convenceu os egipcios a deixar os judeus partirem por meio de uma série de mi CII Notas biográficas e referências lagres e por estes mesmos meios manteve seu próprio poder sobre seu povo Conduziu os judeus do Egito para o Sinai onde recebeu os Dez Mandamentos sozinho sobre o monte SinaL A tradição judaica o considera autor dos primeiros cinco livros da Bíblia o Pentateuco embora Hobbes tivesse dúvidas a esse respeito p 321 MOLoc Deus adorado pelos amonitas e associado ao sacrifício de crianças pelo fogo MOISÉS decretou a morte de todos que oferecessem sacrifício a Moloc e JOSIAS destruiu pelo fogo os templos de Moloc emJudá NAAMAN Comandante do exército sírio na época do profeta ELISEU Era leproso e se curou depois de consultar Eliseu restabelecido e convertido perguntou a Eliseu se poderia continuar a crer na verdadeira fé mesmo que exteriormente adorasse ídolos pagãos Aparentemente Eliseu deulhe permissão para assim agir NATAN Profeta da época de DAVI que criticou a condu ta do rei em relação a Urias NAUM Profeta de Elcos em Judá que profetizou o saque de Nínive pelos medas 612 aC no Livro de Naum do Antigo Testamento NEEMIAS Copeiro judeu de Artaxerxes I da Pérsia 465424 aC Ao tomar conhecimento da situação desoladora de Jerusalém obteve permissão para se tornar seu governador Reconstruiu seus muros em cinqüenta e dois dias Seu relato dessa missão é o tema central do Livro de Neemias no Antigo Testamento NERO imperador 3768 Sobrinho de CALÍGULA teve como mestre Sêneca e foi adotado pelo imperador Cláudio a quem sucedeu em 54 Ganhou fama entre seus contemporãneos por sua conduta excêntrica como imperador e entre as gerações posteriores pela perseguição aos cristãos Suicidouse depois de uma revolta vitoriosa de seu exército NETUNO Deus romano da água mais tarde identificado com o grego Posêidon deus dos mares cm Leviatã NIMROD Guerreiro e caçador lendário cujo reino incluia a Babilônia e Ninive NOSTRADAMUS Michel de 150366 Nasceu em Provence e se tornou um famoso médico astrólogo e profeta Suas profecias se encontram em suas Centúrias poema de quadras obscuras e rimadas NUMA POMPÍLIO Segundo rei de Roma na lendária história do antigo reinado Teria sido eleito rei em 714 aC e ficou famoso sobretudo por organizar a religião pública do Estado romano supostamente sob inspiração da ninfa EGÉRIA No Renascimento seu sistema foi muitas vezes usado como exemplo de uma religião civil OBERON Grande mágico ou rei das fadas no folclore frâncico e germânico Aparece tanto em Sonho de uma noite de verão de Shakespeare como na peça masque de BenJonson Oberon or the Fairy Prince OSÉIAS Autor de um dos livros do Antigo Testamento descreve a morte de sua esposa OZA Levita que segurou a Arca da Aliança para impediIa de cair Este ato era sacrílego pois era proibido tocáIa e por isso Deus o feriu mortalmente r P à Deus grego dos pastores e dos rebanhos e responsável por provocar pânico nos viajantes PAULO São Antigo perseguidor do cristianismo Saulo de Tarso foi miraculosamente convertido por uma visão no caminho de Damasco Mudou seu nome para Paulo pregou incansavelmente o evangelho no Mediterrâneo oriental e em Roma onde acabou sofrendo martírio nas mãos de Nero Suas cartas são a base da teologia cristã moderna PEDRO São Um dos discípulos cujo nome ocupa o primeiro lugar na lista Sua importância particular é que ele negou Cristo mas foi perdoado e proclamado por Cristo a pedra sobre a qual uma igreja seria construída trocadilho com seu nome em grego Sua atividade missionária e seu martírio CIV Notas biográficas e referências em Roma deram lugar à tradição segundo a qual é considerado o primeiro bispo de Roma e por isso o primeiro papa PÉLIAS Ver MEDÉIA PERSEU Ver ANDRÔMEDA PLATÃO c 427c 347 aC Um dos dois grandes filósofos gregos sendo que o outro foi seu discípulo ARISTÓTELES Foi discípulo de Sócrates que fundou uma escola filosófica na Academia de Atenas c 387 aC Foi também conselheiro dos governantes de Siracusa na Sicília Suas obras chegaram até nós de maneira mais completa que a de outros filósofos gregos e até hoje são estudadas e comentadas Sua obra mais famosa sobre política é a República a que Hobbes se refere na p 311 POMPEU Cnaeus Pompeius Magnus 10648 aC General romano que lutou com Sul a contra os partidários de Mário Cônsul em 70 começou a simpatizar com o partido popular em Roma e fez parte do primeiro triunvirato com CÉSAR e Crasso em 60 Brigou com César e se juntou ao partido aristocrático tornandose cônsul sozinho em 52 Em 49 desencadeouse uma guerra civil entre suas tropas e as de César e Pompeu foi derrotado em Farsália em 48 Foi morto quando fugia para o Egito PRÍAPO Na mitologia grega filho de Dionísio e deus da fertilidade representado por um falo PRócuLoJúlio Senador do antigo reino de Roma segundo sua história lendária para quem o fantasma de RÔMULO teria aparecido A história é contada por TITO LÍVIO PROMETEU Na mitologia grega filho de um titã que roubou o fogo dos céus em prol da humanidade Zeus o puniu acorrentandoo no topo de uma montanha do Cáucaso onde uma águia comia seu figado que se recompunha todos os dias PTOLOMEU II FILADELFO Segundo rei grego do Egito de pois da divisão do império de ALEXANDRE reinou de 283 a 246 aC Ampliou a famosa biblioteca de Alexandria fundada por PTOLOMEU I e organizou a tradução da Bíblia hebraica para o grego por setenta tradutores a Septuaginta CV I Leviatã ROBOÃO Filho de SALoMÃo e rei de Judá 930913 ac prosperou enquanto foi fiel a Deus mas depois permitiu a idolatria Como castigo Deus enviou Susac faraó do Egito para saquear o reino de Roboão e capturar Jerusalém RÔMULO Lendário fundador de Roma em 753 aC Ele e o irmão Remo foram criados por uma loba o futuro emblema de Roma quando Rômulo ergueu os primeiros muros da cidade no monte Palatino Remo os ridicularizou e Rômulo o matou Posteriormente Rômulo foi levado aos céus e adorado como o deus Quirino SADOC Sacerdote da corte de Davi junto com ABIATAR Participou da unção de SALoMÃo como sucessor de Davi quando Abiatar apoiava outro candidato Salomão o recompensou com o cargo de Abiatar SALoMÃO Terceiro rei de Israel 970930 aC depois de Saul e Davi que era seu pai Dono de uma sabedoria lendária reorganizou seu reino e construiu o templo em Jerusalém embora seja criticado no Antigo Testamento por aceitar deuses estrangeiros em Israel Hobbes observa que ele legislou p 176 depôs Abiatar o sacerdote p 402 realizou atos de consagração p 519 e Deus falou com ele num sonho p 359 SAMUEL Último e maior dos juízes e o primeiro profeta tratado no Antigo Testamento como a figura mais importante depois de MOISÉS Tendo recebido revelações divinas desde a infância assumiu o governo de Israel depois de um desastre nacional Com ele terminou o governo de sacerdotes e juízes enviados por Deus seus filhos eram tão corruptos que sua conduta provocou descontentamento em relação à hierocracia e o pedido de que fosse substituída por uma monarquia Deus disse a Samuel que aquiescesse c 1000 aC O primeiro rei SAUL apoiavase nos conselhos de Samuel chegando a consultar uma necromante em Endor numa tentativa vã de entrar em contato com Samuel depois de sua morte Samuel também indicou Davi como sucessor de Saul SANSÃO Um dos juizes c 1070 aC inspirado por Deus para realizar feitos de grande força em prol de Israel mas sua CVI Notas biográficas e reftrências amante Dalila foi corrompida e o traiu revelando seu segredo aos seus inimigos filisteus Cometeu suicídio fazendo o templo ruir sobre ele e sobre os chefes filisteus SATURNINO Lúcio Político romano foi tribuno do povo em 103 aC e apoiou o programa de reformas de MÁRIO De pois de distúrbios durante o terceiro tribunado de Saturnino em 99 Mário obedeceu relutante a uma ordem senatorial para prendêIo e Saturnino foi morto na luta que se seguiu SATURNO Deus romano da semeadura e do cultivo da terra teria reinado na Itália numa idade de ouro anterior aos registros históricos As festividades a ele consagradas em Roma as Saturnais eram a principal celebração do inverno SAUL Primeiro rei de Israel c 1000 aC Seu reinado começou com a derrota dos amonitas em Jabes de Galaad Mas então ele arrogou para si poderes sacerdotais e entrou em composição com Agag rei dos amonitas poupando sua vida e contrariando assim as instruções de Deus Depois disso Samuel ungiu DAVI para suceder a Saul Saul voltouse contra Davi mas este se recusou a matáIo Depois da morte de Samuel Saul tentou falar com ele por meio de uma necromante em Endor dizse que Deus usou a feiticeira para transmitir a Saul seu descontentamento Pouco tempo depois Saul caiu no combate contra os filisteus SEDECIAS Um dos quatrocentos profetas da corte de ACAB e aparentemente seu líder SELDENJohn 15841654 Importante político e teórico político inglês foi membro dos parlamentos na década de 1620 e do Longo Parlamento Opunhase tanto ao realismo extremo como ao presbiterianismo e escreveu muitas obras sobre história Constituição inglesa e sobre a lei de natureza De todos os seus contemporâneos era quem tinha maior afinidade intelectual com Hobbes embora só tenham se conhecido depois da publicação de Leviatã tendo Hobbes lhe enviado uma cópia de presente Na p 84 Hobbes faz referência à obra de Selden Titles of Honour 1614 estudo sobre a relação entre a nobreza e a monarquia em todos os estados europeus CVII Leviatã SILVESTRE I papa Papa de 314 a 335 dizse erroneamente que batizou CONSTANTINO que lhe teria outorgado poder imperial sobre Roma Foi papa na época do Concílio de Nicéia 325 SKANDERBEG Iskander Bey 140368 Sérvio que chegou ao poder como general do Sultão de Constantinopla renuncíou ao islamismo e à lealdade aos turcos em 1443 e criou a Albânia independente que perdurou até sua morte SÓCRATES 469399 aC Principal influência filosófica sobre PLATÃO que teria registrado suas idéias em seus diálogos Foi professor de filosofia em Atenas e em 404 foi acusado de impiedade e corrupção dos jovens da cidade Condenado à morte bebeu a cicuta prescrita por lei na primavera de 399 SOFONIAS É mencionado como profeta no primeiro versículo do livro do Antigo Testamento que leva seu nome Trata sobretudo dos juízos de Deus contra os adoradores de t BAAL Estudiosos modernos diferentemente de Hobbes si tuamno no reinado de JOSIAs SÓLON e 639c 559 aC Líder político de Atenas em sua disputa com Mégara pelo controle de Salamina e posteriormente arconte de Atenas c 595 com poderes ilimitados Remodelou a Constituição ateniense aumentando o poder da assembléia popular SUAREZ Francisco de 15841617 Nascido em Granada Espanha tornouse jesuíta e lecionou teologia em várias universidades ibéricas e em Roma Foi o principal metafísico aristotélico moderno considerado uma autoridade tanto por pro testantes como por católicos embora tenha escrito contra os protestantes em algumas de suas obras mais polêmicas Em Leviatã p 73 Hobbes ridiculariza uma passagem extraída de De Concursu Motione et Auxilio Dei 1116 da obra de Suarez Varia Opuscula Theologica Madri 1599 p 20 SULA Lúcio Cornélio 13878 aC General romano vitorioso que se tornou o principal rival e oponente de MÃRIo Em 82 derrotou o partido popular e se tornou ditador milhares foram mortos na proscrição por ele ordenada de supostos CVIII Notas biográficas e referências inimigos da república Abdicou viveu em retiro até a morte SUSANA Ver JOANA SYLLA Ver SULA inesperadamente em 79 e TARQÜÍNIO Lucius Tarquinius Superbus Último rei lendário de Roma teria chegado ao poder em 534 aC Conquistou algumas cidades vizinhas mas em 510 aC seu filho também chamado Tarquinius violentou Lucrécia esposa de seu primo Colatino e toda a família foi expulsa de Roma por um levante popular que também aboliu a própria monarquia TEODÓSIO I c 34695 General romano que se tornou imperador em 379 derrotou os godos e pacificou o império Tornouse cristão trinitário em 380 Em 390 depois de uma matança em Tessalônica por causa do assassinato do governador local foi excomungado por AMBRÓSIO e teve de fazer oito meses de penitência Reconciliouse mais tarde com Ambrósio e teria morrido em seus braços TIAGO Filho de Zebedeu pescador da Galiléia foi chamado junto com seu irmão João para ser um dos doze apóstolos Apelidados de filhos do trovão por Jesus os irmãos foram censurados por ele por sua impetuosidade TrTO LíVIO Titus Livius 59 aC17 dC Nascido em Pádua passou a maior parte de sua vida em Roma Escreveu uma história de Roma de 749 a 9 aC em 142 livros dos quais 35 sobreviveram que abrange o período dos reis e dos primórdios da república A história foi muito popular durante a Idade Média e o Renascimento os Discorsi de Maquiavel são um comentário sobre os primeiros dez livros Hobbes faz referência a duas passagens na p 61 referese a um incidente em XLI132 e na p 550 a canonização de Rômulo conforme relato de Júlio Próculo em 11658 TOMÃS DE AQUINO Thomas Aquinas 122574 Nascido perto de Nápoles tornouse dominicano em 1243 e discípulo do filósofo Alberto Magno A partir de 1248 começou a publicar comentários sobre ARISTÓTELES e de 1252 a 1258 lecio CIX Leviatã nou em Paris e posteriormente em várias universidades italianas Foi o mais influente filósofo escolástico sobretudo por meio de sua Suma teológica TOMÉ Um dos doze apóstolos que aparece pessoalmente apenas no evangelho de JOÃo onde seu cepticismo em relação à ressurreição de Cristo foi rebatido por prova tátil O Evangelho de São Tomé é um dos livros apócrifos do Novo Testamento URIAS Ver DAVI URSICINO Candidato derrotado à eleição papal de 366 vencida por DÃMAso VALENTE Imperador romano 3748 Foi escolhido por seu irmão Valentiniano I para governar o Império Oriental e foi derrotado e morto pelos visigodos na batalha de Adrianápolis Foi um ardente partidário dos arianos VARRÃO Marcus Terentius 11627 aC Opositor de CÉSAR na guerra civil retirouse para a vida privada no governo de AUGUSTO Escreveu uma imensa obra sobre a Antiguidade romana incluindo uma história da língua latina em De Lingua Latina Fragmentos de sua obra sobre religiões da Antiguidade foram preservados em escritores posteriores VÊNUS Deusa romana da fertilidade posteriormente identificada com a grega Afrodite VIRGÍLIO Publius Vergilius Maro 7019 aC Nasceu em Mântua tornouse o mais famoso poeta latino tendo escrito as Éclogas as Geórgicas e a Eneida Hobbes cita na p 381 a Eneida VI 5789 ZACARIAS Profeta mencionado com AGEU no Livro de Esdras O Livro de Zacarias provavelmente escrito por Zacarias data de 520500 aC ZACARIAS papa 74152 De família grega nasceu na Calábria reconheceu Pepino o Breve como rei por direito dos francos em 751 ver CmLPERICo CX Notas biográficas e referências ZAQUEU Importante coletor de impostos de Jericó que se tornou discipulo de Jesus Retribuiu o perdão de Cristo por seus pecados doando metade de seus bens aos pobres e restituindo o quádruplo aos que tinha defraudado ZENÃO DE CÍCIO 355263 aC Fundador da filosofia estóica abriu uma escola no pórtico da ágora em Atenas depois de estudar com vários mestres cínicos sofistas e platônicos CXI Fig 1 T Hobbes Leviathan Londres 1651 frontispício 240 x 155 mm UNIFESP I BIBLIOTECA CAMPUS GUAAtJUS I L E V I A T H A N OR The Matter Forme Power OFA COMMONWEAL TH ECCLESIASTICALL AND C I V I L L fJy THO MA S H OB B ES ri Malmesbury L o N D o N Printd fOr A N D Il E W C Il o o JC E at the Green Dragon in St PI Churchyard 16 f I Fig 2 T Hobbes Leviathan 1651 frontispício Eg 1910248 x 173 mm AO MEU MUI ESTIMADO AMIGO Sr FRANCIS GODOLPHIN DE GODOLPHIN Estimado Senhor AProuve a vosso mui merecedor irmão Sr Sidney Godolphin quando era ainda vivo considerar dignos de atenção os meus estudos e além disso privilegiarme conforme sabeis com testemunhos efetivos da sua boa opinião testemunhos que em si mesmos já eram grandes e maiores eram ainda pelo merecimento da sua pessoa Pois de todas as virtudes que ao homem é dado ter seja a serviço de Deus seja a serviço do seu pais da sociedade civil ou da amizade particular nenhuma deixava de manifestadamente se revelar na sua conversação não que fossem adquiridas por necessidade ou constituissem uma afetação de momento mas porque lhe eram inerentes e brilhavam na generosa constituição da sua natureza É portanto em sinal de honra e gratidão para com ele e de devoção para convosco que humildemente vos dedico este meu discurso sobre a república Ignoro como o mundo o irá receber ou como se poderá re fletir naqueles que lhe parecerem ser favoráveis Pois num caminho cercado por aqueles que se batem de um lado por excessiva liberdade e de outro por excessiva autoridade é difícil passar sem ferimentos por entre as lanças de cada um No entanto creio que o esforço para promover o poder civil não deverá ser pelo poder civil condenado tampouco os particulares ao repreendêlo declaram julgar demasiado grande esse poder Além do mais não é dos homens no poder que falo e sim em abstrato da sede do poder tal como aquelas simples e imparciais criaturas no Capitólio de Roma que com o seu ruido defendiam os que lá dentro estavam não porque fossem quem eram mas apenas porque lá se encon 5 Leviatã travam sem oftnder ninguém creio a não ser os de fora ou os de dentro se de tal esPécie os houver que lhes sejam favoráveis O que talvez possa ser tomado como grande oftnsa são certos textos das Sagradas Escrituras por mim usados com uma finalidade diferente da que geralmente por outros é visada Mas filo com a devida submissão e também dado o meu assunto porque tal era necessário Pois eles são as fortificações avançadas do inimigo de onde este impugna o poder civil E se apesar disto verificardes que o meu trabalho é desacreditado por todos talvez vos apraza excusarvos dizendo que sou um homem que ama as próprias opiniões e acredita em tudo o que diz que honrei vosso irmão como vos honro a vós e nisso me apoiei para assumir o título sem vosso conhecimento de ser como sou SENHOR Vosso mui humilde e mui obediente servidor THO HOBBES Paris 1525 de abril de 1651 Índice PARTE 1 DO HOMEM Capo Introdução I Da Sensação lI Da Imaginação III Da Seqüência ou Cadeia de Imaginações IV Da Linguagem V Da Razão e da Ciência VI Da Origem Interna dos Movimentos Voluntários vulgarmente chamados Paixões e da Linguagem que os exprime VII Dos Fins ou Resoluções do Discurso VIII Das Virtudes vulgarmente chamadas Intelectuais e dos Defeitos contrários a estas IX Dos Diferentes Objetos do Conhecimento X Do Poder Valor Dignidade Honra e Merecimento XI Das diferenças de Costumes XII Da Religião XIII Da Condição Natural da Humanidade relativamente à sua Felicidade e Miséria XIV Da primeira e segunda Leis Naturais e dos Contratos XV De outras Leis de Natureza XVI Das Pessoas Autores e coisas Personificadas 11 15 17 24 29 39 46 58 61 73 75 85 92 106 112 123 138 6 7 PARTE 2 DA REPÚBLICA XVII Das Causas Geração e Definição de uma República XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição XIX Das diversas EsPécies de República por Instituição e da Sucessão do Poder Soberano XX Do Domínio Paterno e Despótico XXI Da Liberdade dos Súditos XXII Dos Sistemas subordinados Políticos e Privados XXIII Dos Ministros Públicos do Poder Soberano XXIV Da Nutrição e Procriação de uma República XXV Do Conselho XXVI Das Leis Civis XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes XXVIII Das Punições e Recompensas XXIX Das coisas que Enfraquecem ou levam à Dissolução de uma República XXX Do Cargo do Soberano Representante XXXI Do Reino de Deus por Natureza PARTE 3 DA REPÚBLICA CRISTà XXXII Dos Princípios da Política Cristã XXXIII Do Número Antiguidade Alcance Autoridade e Intérpretes dos Livros das Sagradas Escrituras XXXIV Do Significado de Espírito Anjo e InsPiração nos Livros das Sagradas Escrituras XXXV Do Significado de Reino de Deus Santo Sagrado e Sacramento nas Escrituras XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas XXXVII Dos Milagres e seu Uso XXXVIII Do Significado de Vida Eterna Inferno Salvação Mundo Vindouro e Redenção nas Escrituras XXXIX Do significado da palavra Igreja nas Escrituras XL Dos Direitos do Reino de Deus em Abraão Moisés nos Sumos Sacerdotes e nos Reis deJudá 8 XLI Do Oficio do nosso Abençoado Salvador XLII Do Poder Eclesiástico XLIII Do que é Necessário para Entrar no Reino dos Céus 143 148 405 413 489 158 170 179 190 204 210 217 225 246 262 PARTE 4 DO REINO DAS TREVAS XLIV Das Trevas Espirituais Resultantes da Má Interpretação das Escrituras XLV Da Demonologia e outras Relíquias da Religião dos Gentios XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia e das Tradições Fabulosas XLVII Do Beneficio resultante de tais Trevas e a quem aproveita 271 283 299 Revisão e conclusão 313 319 330 343 351 367 375 391 394 9 505 531 553 572 582 INTRODUÇÃO Assim como em tantas outras coisas a NATUREZA a arte mediante a qual Deus fez e governa o mundo é imitada pela arte dos homens também nisto que lhe é possível fazer um animal artificial Pois considerando que a vida não passa de um movimento dos membros cujo início ocorre em alguma parte principal interna por que não poderíamos dizer que todos os autômatos máquinas que se movem por meio de molas e rodas tal como um relógio possuem uma vida artificial Pois o que é o coração senão uma mola e os nervos senão outras tantas cordas e as juntas senão outras tantas rodas imprimindo movimento ao corpo inteiro tal como foi projetado pelo Artífice E a arte vai mais longe ainda imitando aquela criatura racional a mais excelente obra da natureza o Homem Porque pela arte é criado aquele grande LEVIATà a que se chama REpÚBLICA ou ESTADO em latim CrVITAS que não é senão um homem artificial embora de maior estatura e força do que o homem natural para cuja proteção e defesa foi projetado E no qual a soberania é uma alma artificial pois dá vida e movimento ao corpo inteiro os magistrados e outros jitncionários judiciais ou executivos juntas artificiais a recompensa e o castigo pelos quais atados à sede da soberania todas as juntas e todos os membros se movem para cumprir o seu dever são os nervos que fazem o mesmo no corpo natural a riqueza e prosperidade de todos I 11 Leviatã Introdução 2 J os membros individuais são aforça Salus Populi a segurança do povo é sua tarefa os conselheiros através dos quais todas as coisas que necessita saber lhe são sugeridas são a memória a eqüidade e as leis uma razão e uma vontade artificiais a concórdia é a saúde a sedição é a doença e a guerra civil é a morte Por último os pactos e convenções mediante os quais as partes deste Corpo Político foram criadas reunidas e unificadas assemelhamse àquele Fiat ao Façamos o homem proferido por Deus na Criação I Para descrever a natureza deste homem artificial éxami narei Primeiro a sua matéria e o seu artífice que são ambos o homem Segundo como e por meio de que convenções é feitoc quais são os direitos e o justo poder ou autoridade de um soberano e o que o preserva e o desagrega Terceiro o que é uma república cristã Quarto o que é o Reino das Trevas Relativamente ao primeiro aspecto há um ditado do qual ultimamente muito se tem abusado a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros mas dos homens Em conseqüência disso aquelas pessoas que em sua maioria são incapazes de apresentar outras provas da sua sabedoria têm grande deleite em mostrar o que pensam ter lido nos homens através de impiedosas censuras que fazem umas às outras pelas costas Mas háum outro ditado que ultimamente não tem sido compreendido graças ao qual os homens poderiam realmente aprender a lerse uns aos outros caso se dessem ao trabalho de o fazer isto é Nosce te ipsum Lête a ti mesmo Esse ditado não pretendia ter o sentido atualmente habitual de aprovar a bárbara conduta dos detentores do poder para com os seus inferiores ou de levar homens de baixa estirpe a um comportamento insolente para com os seus superiores Pretendia ensinarnos que graças à semelhança de pensamentos e paixões de um homem para com os pensamentos e paixões de outro quem olhar para den tro de si mesmo e considerar o que faz quando pensa oPina raciocina tem esperança e medo etc e por quais motivos o faz poderá por esse meio ler e conhecer quais os pensamentos e as paixões de todos os outros homens em circunstãncias idênticas Refirome à semelhança das paixões que são as mesmas em todos os homens desejo medo esperança etc e não à semelhança dos objetos das paixões que são as coisas desejadas temidas esperadas etc Quanto a estas últimas a constituição individual e a educação de cada um são tão variáveis e tão fáceis de ocultar ao nosso conhecimento que as letras do coração humano emaranhadas e confusas como são devido à dissimulação à mentira ao fingimento e às doutrinas errôneas só se tornam legíveis para quem investiga os corações E embora por vezes descubramos os desígnios dos homens através das suas ações tentar fazêIo sem comparáIas com as nossas distinguindo todas as circunstâncias capazes de alterar o caso é o mesmo que decifrar sem ter uma chave e deixarse as mais das vezes enganar quer por excesso de confiança ou por excesso de desconfiança conforme aquele que lê seja um bom ou mau homem Mas mesmo que um homem seja capaz de ler perfeitamente um outro através das suas ações isso servirIheá apenas com os seus conhecidos que são muito poucos Aquele que vai governar uma nação inteira deve ler em si mesmo não este ou aquele indivíduo em particular mas o gênero humano Embora fazer isso seja difícil mais ainda do que aprender qualquer língua ou qualquer ciência depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada a minha própria leitura o trabalho deixado a outro será apenas decidir se também não encontra o mesmo em si próprio Pois esta espécie de doutrina não admite outra demonstração 12 13 L PARTE 1 DO HOMEM CAPo I Da SENSAÇÃO No que se refere aos pensamentos do homem considerálosei primeiro isoladamente e depois em cadeia ou dependentes uns dos outros Isoladamente cada um deles é uma representação ou aparência de alguma qualidade ou outro acidente de um corpo exterior a nós o que comumente se chama um objeto Esse objeto atua nos olhos nos ouvidos e em outras partes do corpo do homem e pela forma diversa como atua produz aparências diversas A origem de todas elas é aquilo que denominamos SENSAçÃO pois não há concepção no espírito do homem que primeiro não tenha sido origínada total ou parcialmente nos órgãos dos sentidos O resto deriva daquela origem Para o que agora nos ocupa não é tão necessário conhecer a causa natural da sensação e escrevi largamente sobre o assunto em outro lugar Contudo para preencher cada parte do meu presente método repetirei aqui rapidamente o que foi dito A causa da sensação é o corpo exterior ou objeto que pressiona o órgão próprio de cada sentido seja de forma imediata como no gosto e no tato seja de forma mediata como na visão no ouvido e no olfato essa pressão pela mediação 3 15 Parte 7 Do Homem II Da Imaginação 4 dos nervos e outras cordas e membranas do corpo prolongada para dentro em direção ao cérebro e ao coração causa ali uma resistência contrapressão ou esforço do coração para se transmitir esse esforço porque para fora parece ser de algum modo exterior E é a esta aparência ou ilusão que os homens chamam sensação e consiste no que se refere à visão numa luz ou cor figurada em relação ao ouvido num som em relação ao olfato num cheiro em relação à língua e paladar num sabor e em relação ao resto do corpo em frio calor dureza macieza e outras qualidades tantas quantas discernimos pelo sentir Todas estas qualidades denominadas sensiveis estão no objeto que as causa mas são muitos os movimentos da matéria que pressionam os nossos órgãos de maneira diversa Tabém em nós que somos pressionados elas nada mais são do que movimentos diversos pois o movimento nada produz senão o movimento Mas a sua aparência para nós é ilusão quer quando estamos acordados quer quando estamos sonhando E do mesmo modo que pressionar esfregar ou bater nos olhos nos faz imaginar uma luz e pressionar o ouvido produz um som também os corpos que vemos ou ouvimos produzem o mesmo efeito pela sua ação forte embora não observada Porque se essas cores e sons estivessem nos corpos ou objetos que os causam não poderiam ser separados deles como nos espelhos e nos ecos por reflexão vemos que eles são nos quais sabemos que a coisa que vemos está num lugar e a aparência em outro E muito embora a uma certa distância o próprio objeto real pareça investido da ilusão que provoca em nós o objeto é ainda assim uma coisa e a imagem ou ilusão umaoutra De tal modo que em todos os casos a sensação nada mais é do que a ilusão originária causada como disse pela pressão isto é pelo movimento das coisas exteriores nos nossos olhos ouvidos e outros órgãos para tal destinados Mas a filosofia escolástica por meio de todas as universidades da cristandade baseadas em certos textos de Aristóteles ensina outra doutrina e diz a respeito da causa da visão que a coisa vista envia em todas as direções uma species visivel ou traduzindo uma exibição aparição ou aspecto visivel ou um ser visto cuja recepção nos olhos é a visão E quanto à causa da audição dizem que a coisa ouvida envia uma species audivel isto é um aspecto audível ou um ser audível o qual entrando no ouvido faz a audição Pior mesmo no que se refere à causa do entendimento dizem que a coisa compreendida emite uma species inteligivel isto é um ser inteligível visto o qual entrando no entendimento nos faz entender Não digo isto para criticar o uso das universidades mas porque devendo mais adiante falar do seu papel na república tenho de mostrar em todas as ocasiões em que isso vier a propósito que coisas devem nelas ser corrigidas entre as quais temos de incluir a freqüência do discurso insignificante CAPo lI Da IMAGINAÇÃO Nenhum homem duvida da verdade da seguinte afirmação quando uma coisa está em repouso permanecerá sempre em repouso a não ser que algo a coloque em movimento Mas esta outra afirmação não é tão facilmente aceita muito embora a razão seja a mesma a saber que nada pode mudar por si só quando alguma coisa está em movimento permanecerá eternamente em movimento a não ser que algo a pare Porque os homens julgam não apenas os outros homens mas todas as outras coisas por si mesmos e porque depois do movimento se acham sujeitos à dor e ao cansaço pensam que todo o resto se cansa do movimento e procura espontaneamente o repouso sem meditarem se não consiste em algum outro movimento esse desejo de repouso que encontram em si próprios Daí os escolásticos afirmarem que os corpos pesados caem por causa de um apetite para repousar e conservar sua natureza no lugar mais adequado para eles atribuindo de maneira 16 17 Parte 1 Do Homem 5 absurda a coisas inanimadas o apetite e o conhecimento do que é bom para a sua conservação o que é mais do que o homem possui Uma vez em movimento um corpo movese eternamente a menos que algo o impeça e seja o que for que o faça não o pode extinguir totalmente num só instante mas apenas com o tempo e gradualmente Assim o que vemos acontecer na água cessado o vento as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda acontece também no movimento produzido nas partes internas do homem quando ele vê sonha etc pois após a desaparição do objeto ou quando os olhos estão fechados conservamos ainda a imagem da coisa vista embora mais obscura do que quando a vemos E é a isto que os latinos chamam imaginação por causa da imagem criada pela visão e aplicam o mesmo termo ainda que indevidamete a todos os outros sentidos Mas os gregos chamamlhe ilusão que significa aparência termo tão adequado a um sentido como a outro A IMAGINAÇÃO nada mais é portanto que uma sensação em declínio e encontrase nos homens tal como em muitos outros seres vivos quer estejam adormecidos quer estejam despertos O declínio da sensação nos homens acordados não é o declínio do movimento produzido nos sentidos mas o seu obscurecimento assim como a luz do sol obscurece a luz das estrelas as quais nem por isso deixam de exercer a virtude pela qual são visíveis durante o dia menos do que à noite Mas porque entre os muitos golpes que os nossos olhos ouvidos e outros órgãos recebem dos corpos exteriores só é sensível o golpe predominante assim também sendo a luz do sol predominante não somos afetados pela ação das estrelas E quando qualquer objeto é afastado dos nossos olhos muito embora permaneça a impressão que fez em nós outros objetos mais presentes sucedemse e agem sobre nós e a imaginação do passado fica obscurecida e enfraquecida tal como a voz de um homem no ruído diário Daqui se segue que quanto mais tempo decorre desde a visão ou sensação de qualquer objeto tanto mais fraca é a imaginação Pois a contínua mudança do corpo 18 I lI Da Imaginação do homem destrói com o tempo as partes que na sensação foram movimentadas de tal modo que a distância no tempo e no espaço têm ambas o mesmo efeito em nós Pois tal como à grande distância no espaço os objetos para que olhamos nos aparecem opacos e indistintos nos seus pormenores e as vozes se tornam fracas e inarticuladas assim também depois de uma grande distância no tempo a nossa imaginação do passado é fraca e perdemos por exemplo das cidades que vimos muitas ruas específicas e das ações muitas circunstâncias específicas Esta sensação em declínio quando queremos exprimir a própria coisa digo a ilusão mesma denomina se imaginação como já disse anteriormente mas quando queremos exprimir o declínio e significar que a sensação é evanescente antiga e passada denominase memória Assim a imaginação e a memória são uma e mesma coisa que por várias razões tem nomes diferentes Muita memória ou a memória de muitas coisas chamase experiência A imaginação diz respeito apenas àquelas coisas que foram anteriormente percebidas pelos sentidos de uma só vez ou por partes em várias vezes A primeira que consiste em imaginar o objeto na sua totalidade tal como ele se apresentou aos sentidos é a imaginação simples como quando ima ginamos um homem ou um cavalo que vimos antes a outra écomposta como quando pela visão de um homem num determinado momento e de um cavalo em outro momento concebemos no nosso espírito um centauro Assim quando alguém compõe a imagem da sua própria pessoa com a imagem das ações de outro homem por exemplo quando um homem se imagina um Hércules ou um Alexandre o que freqüentem ente acontece àqueles que lêem muitos romances tratase de uma imaginação composta e na verdade nada mais é do que uma ficção do espírito Existem também outros tipos de imaginação que surgem nos homens ainda que em estado de vigilia devido a uma forte impressão produzida nos sentidos como acontece quando depois de olharmos fixamente para o Sol a impressão deixa diante dos nossos olhos uma imagem do Sol que se conserva durante muito tempo ou quando depois de Memóri a 6 19 Parte 7 Do Homem lI Da Imaginação Sonh os atentar longa e intensamente para figuras geométricas o homem ainda que em estado de vigilia tem no escuro as imagens de linhas e ângulos diante dos seus olhos Este tipo de ilusão não tem nenhum nome especial por ser coisa que comumente o discurso dos homens não classifica As imaginações daqueles que se encontram adormecidos denominamse sonhos E também estas tal como as outras imaginações estiveram anteriormente total ou parcialmente na sensação E porque na sensação o cérebro e os nervos que constituem órgãos necessários dos sentidos estão de tal modo entorpecidos que a ação dos objetos externbs não os move com facilidade não pode haver no sono nenhuma imaginação e portanto nenhum sonho que não provenha da agitação das partes internas do corpo do homem A inquietação dessas partes internas pela conexão que têm com o cérebro e outros órgãos mantémnos em movimento e por isso cas imaginações ali anteriormente formadas aparecem como se o homem estivesse acordado salvo que estando agora os órgãos dos sentidos entorpecidos e não havendo nenhum novo objeto capaz de os dominar e obscurecer com uma impressão mais vigorosa um sonho tem de ser mais claro em meio a este silêncio dos sentidos do que os nossos pensamentos quando despertos Disto se segue que é difícil e talvez mesmo impossível estabelecer uma distinção clara entre sensação e sonho No que me diz respeito quando considero que nos sonhos não penso muitas vezes nem constantemente nas mesmas pessoas lugares objetos ações que ocupam o meu pensamento quando estou acordado e que sonhando não recordo uma tão longa cadeia de pensamentos coerentes como em outros 1llomentos e porque acordado observo muitas vezes o absurdo dos sonhos mas nunca sonho com os absurdos dos meus pensamentos despertos bastame estando desperto saber que não sonho muito embora quando sonho me julgue atordado E uma vez que os sonhos são causados pela perturbação de algumas das partes internas do corpo perturbações diversas têm de causar sonhos diversos Por isso é que deitarse com frio provoca sonhos de terror e faz surgir o pensamento e a imagem de alguns objetos pavorosos pois são recíprocos o movimento do cérebro para as partes internas e o das partes internas para o cérebro E do mesmo modo que a cólera provoca quando estamos acordados calor em algumas partes do corpo quando estamos dormindo o calor excessivo de algumas das partes também provoca a cólera e forma n0 cérebro a imaginação de um inimigo Da mesma maneira tal como a gentileza natural causa desejo quando estamos despertos e o desejo provoca calor em certas outras partes do corpo assim também o excesso de calor nessas partes enquanto dormimos forma no cérebro uma imaginação de alguma gentileza que tenha sido demonstrada Em suma os nossos sonhos são o reverso das nossas imaginações despertas iniciandose o movimento por um lado quando estamos acordados e pelo outro quando sonhamos Observase a maior dificuldade em discernir o sonho dos pensamentos despertos quando por qualquer razão nos apercebemos de que não dormimos o que é fácil de acontecer a um homem cheio de pensamentos terríveis e cuja consciência se encontra muito perturbada e dorme sem mesmo ir para a cama ou tirar a roupa cabeceando numa cadeira Pois aquele que se esforça por dormir e cuidadosamente se deita para adormecer no caso de lhe sobrevir alguma imagem insólita e extravagante só a pode pensar como um sonho Lemos acerca de Marco Bruto aquele a quem a vida foi concedida por Júlio César e que foi também o seu valido e que apesar disso o matou de que maneira em Filipe na noite antes da batalha contra César Augusto viu uma tremenda aparição que é freqüentemente narrada pelos historiadores como uma visão mas consideradas as circunstâncias podemos facilmente ajuizar que nada mais foi do que um breve sonho Pois estando sentado na sua tenda pensativo e perturbado com o horror do seu ato temerário não lhe foi difícil ao dormitar no frio sonhar com aquilo que mais o atemorizava e esse temor assim como gradualmente o fez acordar também gradualmente deve ter feito 20 21 AParições ou visões 7 Parte 7 Do Homem Il Da Imaginação a aparição sumir E não estando seguro de ter dormido não podia ter nenhuma razão para julgáIa um sonho ou algo senão uma visão E isto não é um acidente muito raro pois mesmo aqueles que estão perfeitamente acordados se forem assustadiços e supersticiosos se estiverem obcecados por contos de horror e sozinhos no escuro estão sujeitos a tais ilusões e julgam ver espíritos e fantasmas de pessoas mortas passeando nos cemitérios quando é apenas a imaginação deles ou então a velhacaria de algumas pessoas que se servem desse temor supersticioso para andar disfarçadas de noite em lugares que não gostariam que se soubesse serem por elas freqüentados Desta ignorância quanto ao modo de distinguir os sonhos de outras ilusões fortes da visão e da sensação nasceram no passado a maior parte da religião dos gentios os quais adoravam sátiros faunos ninfas e outros seres semelhantes e nos nossos dias a opinião que a gente grosseira tem das fadas fantasmas e gnomos e do poder das feiticeiras Quanto às feiticeiras ainda que sua feitiçaria não seja segundo penso um poder real é justo puniIas pela falsa crença que possuem de não praticarem nenhum mal somada a seu propósito de o praticarem se puderem estando a sua atividade mais próxima de uma nova religião do que de uma arte ou uma ciência E quanto às fadas e fantasmas ambulantes creio manterse a opinião de que existem com o propósito expresso ou não refutado de dar crédito ao uso do exorcismo das cruzes da águabenta e outras tantas invenções de homens espirituais Não há dúvida de que Deus pode provocar aparições não naturais Porém não é questão central da fé cristã que ele as provoque com tanta freqüência que os homens devam temer tais coisas mlis do que temem a permanência ou a modificação do curso da Natureza que ele também pode deter e mudar Ora homens perversos com o pretexto de que Deus pode fazer qualquer coisa levam a sua ousadia ao ponto de afirmarem qualquer coisa se lhes convier ainda que a julguem falsa Cabe ao homem sensato só acreditar naquilo que a reta razão lhe apontar como crível Se desaparecesse este temor supersticioso dos espíritos e com ele os prognósticos tirados dos sonhos as falsas profecias e muitas outras coisas dele dependentes graças às quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade da gente simples os homens estariam muito mais preparados do que agora para a obediência civil E esta devia ser a tarefa dos escolásticos mas eles preferem alimentar tal doutrina Pois ignorando o que seja a imaginação ou a sensação aquilo que recebem ensinam uns dizem que as imagens nascem de si mesmas não tendo nenhuma causa outros afirmam que é mais comum nascerem da vontade sendo os bons pensamentos insuflados inspirados no homem por Deus e os maus pensamentos pelo Diabo ou então que os bons pensamentos são vertidos infundidos no homem por Deus e os maus pensamentos pelo Diabo Alguns dizem que os sentidos recebem as espécies das coisas e as transmitem ao senso comum e o senso comum as transmite por sua vez à imaginação e a imaginação à memória e a memória ao juízo tal como coisas passando de mão em mão com muitas palavras que tornam tudo incompreensível A imaginação que é suscitada no homem ou em qualquer outra criatura dotada da faculdade de imaginar pelas palavras ou quaisquer outros sinais voluntários é o que geralmente chamamos entendimento e é comum ao homem e aos outros animais Pois um cão treinado entenderá o chamamento ou a reprimenda do dono e o mesmo acontece com outros animais Aquele entendimento que é próprio do homem é o entendimento não só da sua vontade mas também das suas concepções e pensamentos pela seqüência e contextura dos nomes das coisas em afirmações negações e outras formas de discurso e deste tipo de entendimento falarei mais adiante 22 23 8 Entendimento Parte 1 Do Homem III Da Seqüência de Imaginações CAPo lI Da Seqüência ou CADEIA de Imaginações homens que não só estão sem companhia mas também sem nenhuma preocupação embora mesmo então os seus pensamentos estejam tão ocupados como em qualquer outro momento mas desta vez sem harmonia como o som que um alaúde fora de tom produziria a qualquer homem ou mesmo dentro do tom a alguém que não soubesse tocar E contudo neste turbulento registro do espírito o homem pode muitas vezes perceber o curso deste e a dependência de um pensamento em relação a outro Assim num discurso da nossa atual guerra civil que coisa pareceria mais impertinente do que perguntar como efetivamente aconteceu qual era o valor de uma moeda romana Contudo para mim a coerência era assaz manifesta pois o pensamento da guerra introduziu o pensamento da entrega do rei aos seus inimigos este pensamento trouxe o pensamento da entrega de Cristo e este por sua vez o pensamento das trinta moedas que foram o preço da traição e daífacilmente se seguiu aquela pergunta maliciosa E tudo isto num breve momento pois o pensamento é célere A segunda é mais constante por ser regulada por algum desejo ou desígnio Pois a impressão feita por aquelas coisas que desejamos ou tememos é forte e permanente ou quando cessa por alguns momentos de rápido retorno É por vezes tão forte que impede e interrompe o nosso sono Do desejo surge o pensamento de algum meio que vimos produzir algo de semelhante àquilo que almejamos e do pensamento disso o pensamento de meios para aquele meio e assim sucessivamente até chegarmos a algum início dentro do nosso próprio poder E porque o fim pela grandeza da impressão vem muitas vezes ao espírito nossos pensamentos serão rapidamente trazidos outra vez ao caminho certo se começarem a vagar a que observado por um dos sete sábios o levou a dar aos homens o seguinte preceito que hoje está esquecido Respice finem o que significa que em todas as nossas ações devemos olhar muitas vezes para aquilo que queremos ter pois deste modo concentramos todos os nossos pensamentos na forma de o atingir 9 Por seqüência ou CADEIA de pensamentos entendo aquela sucessão de um pensamento a outro que se denomina para se distinguir do discurso em palavras discurso mental Quando o homem pensa em algo qualquer o pensamento que se segue não é tão fortuito como poderia parecer Não é qualquer pensamento que se segue indiferentemente a um pensamento Mas assim como não temos uma imaginação da qual não tenhamos tido antes uma sensação na sua totalidade ou em parte também não temos passagem de uma imaginação para outra se não tivermos tido previal1ente o mesmo nas nossas sensações A razão disto é a seguinte todas as ilusões são movimentos dentro de nós vestígios dos movimentos produzidos nos sentidos e os movimentos que imediatamente se sucedem uns aos outros na sensação continuam também juntos depois da sensação Assim vindo novamente o primeiro para tomar lugar e ser predominante o outro segueo por coerência da matéria movida à maneira da água sobre uma mesa lisa que quando se empurra uma parte com o dedo o resto segue também Mas porque na sensação de uma mesma coisa percebida ora se sucede uma coisa ora outra acontece com o tempo que ao imaginarmos alguma coisa não há certeza do que imaginaremos em seguida Só temos a certeza de que será alguma coisa que antes num ou noutro momento se sucdeu àquela Esta cadeia de pensamentos ou discurso mental é de dois tipos a primeiro é desgovernado sem desígnio e inconstante não havendo nenhum pensamento apaixQnado para governar e dirigir aqueles que se lhe seguem como fim ou meta de algum desejo ou outra paixão Neste caso dizse que os pensamentos vagueiam e parecem impertinentes uns aos outros como acontece no sonho Assim são comum ente os pensamentos dos Cadeia de pensamentos desgovernados 24 25 Cadeia de pensamentos regulada 10 Recordação Prudência Parte 1 Do Homem Il Da Seqüência de Imaginações A cadeia dos pensamentos regulados é de duas espécies primeira quando de um efeito imaginado buscamos as causas ou os meios que o produziram e esta espécie é comum ao homem e aos outros animais a outra ao imaginarmos seja o que for buscamos todos os possíveis efeitos que podem por essa coisa ser produzidos ou por outras palavras imaginamos o que podemos fazer com ela quando a tivermos Desta espécie só tenho visto indícios no homem pois se trata de uma curiosidade pouco provável na natureza de qualquer criatura viva que não tenha outras paixões além das sensuais como por exemplo a fome a sede a lascívia e a cólera Em suma o discurso do espírito quando um desígnio o governa nada mais é do que uma busca ou faculdade de invenção que os latinos denominam sagacitas e solertia uma descoberta das causas de algum efeito presente ou passado ou dos efeitos de alguma causa passada ou presente Às vezes o homem busca aquilo que perdeu e a partir do lugar e tempo em que sentiu a sua falta o seu espírito volta atrás de lugar em lugar de momento em momento para encontrar onde e quando o tinha ou em outras palavras para encontrar algum momento e lugar certo e limitado no qual possa começar um método de busca Mais uma vez daí os seus pensamentos percorrem os mesmos lugares e momentos a fim de descobrir que ação ou outra ocasião poderiam fazêIo perder o objeto A isto chamamos recordação ou lembrança os latinos chamamlhe reminiscentia como se fosse um reconhecimento das nossas ações passadas Às vezes o homem conhece um lugar determinado no ãmbito do qual ele deve procurar e então os seus pensamentos acorrem de todos os lados para ali assim como alguém que varre uma sala para encontrar uma jóia ou um cachorro que percorre um campo para encontrar um rastro pu um homem que percorre o alfabeto para iniciar uma rima Às vezes o homem deseja conhecer o resultado de uma ação e então pensa em alguma ação Semelhante no passado e nos resultados dela uns após os outros supondo que resultados semelhantes se devem seguir de ações semelhantes Assim aquele que prevê o que acontecerá a um criminoso reconhece aquilo que ele viu seguirse de crimes semelhantes no passado tendo esta ordem de pensamentos o crime o oficial de justiça a prisão o juiz e as galés A este tipo de pensamentos chamase previsão e prudência ou providência e algumas vezes sabedoria embora tal conjectura devido à dificuldade de observar todas as circunstâncias seja muito falaciosa Mas isto é certo quanto mais experiência das coisas passadas tiver um homem tanto mais prudente é e as suas expectativas raramente falham Só o presente tem existência na natureza as coisas passadas têm existência apenas na memória mas as coisas que estão por vir não têm existência alguma sendo o futuro apenas uma ficção do espírito aplicando as seqüências das ações passadas às ações que são presentes o que é feito com mais certeza por aquele que tem mais experiência mas não com a certeza suficiente E muito embora se denomine prudência quando o resultado corresponde à nossa expectativa contudo por sua própria natureza nada mais é do que suposição Pois a previsão das coisas que estão por vir que é providência só compete àquele por cuja vontade as coisas devem acontecer Dele apenas e sobrenaturalmente deriva a profecia O melhor profeta naturalmente é o melhor adivinho e o melhor adivinho o que é mais versado e erudito nas questões que adivinha pois ele tem maior número de signos pelos quais se guiar Um signo é o evento antecedente do conseqüente e contrariamente o conseqüente do antecedente quando conseqüências semelhantes foram anteriormente observadas E quanto mais vezes tiverem sido observadas menos incerto é o signo E portanto aquele que possuir mais experiência em qualquer tipo de assunto tem maior número de signos para adivinhar os tempos futuros e conseqüentemente é o mais prudente E muito mais prudente do que o novato tanto que não os iguala nenhuma vantagem de uma finura natural e extemporânea embora talvez os homens jovens pensem o contrário Contudo não é a prudência que distingue o homem dos outros animais Há animais que com um ano observam mais e Signo s lIJ 26 27 Gonjectura do tempo ptliSado Parte 1 Do Homem IV Da Linguagem buscam o que é bom para eles de uma maneira mais prudente do que jamais alguma criança poderia fazer com 10 anos Do mesmo modo que a prudência é uma suposição do futuro tirada da experiência dos tempos passados também há uma suposição das coisas passadas tirada de outras coisas não futuras mas também passadas Pois aquele que tiver visto por que graus e fases um Estado florescente primeiro entra em guerra civil e depois chega à ruína à vista das ruínas de qualquer outro Estado suporá uma guerra semelhante e fases semelhantes ali também Mas esta conjectura tem quase a mesma incerteza que a conjectura do futuro sendo ambas baseadas apenas na experiência Que eu me lembre não existe nenhum outro ato do espírito naturalmente implantado no homem que para exercerse exija algo além de ser homem e viver com o uso dos seus cinco sentidos Aquelas outras faculdades das quais falarei aos poucos e que parecem características penas do homem são adquiridas e aumentadas com o estudo e a indústria e as de muitos homens apuradas por meio da instrução e da disciplina e procedem todas da invenção das palavras e do discurso Pois além da sensação dos pensamentos e da cadeia de pensamentos o espirito do homem não possui nenhum outro movimento muito embora com a ajuda do discurso e do método essas faculdades possam se desenvolver tanto que permitem distinguir os homens de todos os outros seres vivos Tudo o que imaginamos é finito Portanto não existe nenhuma idéia ou concepção de algo que denominamos infinito Nenhum homem pode ter no seu espírito uma imagem de magnitude infinita nem conceber uma velocidade infinita um tempo infinito ou uma força infinita ou um poder infinito Quando dizemos que alguma coisa é infinita queremos apenas dizer que não somos capazes de conceber os limites e fronteiras da coisa designada não tendo concepção da coisa mas da nossa própria incapacidade Portanto o nome de Deus é usado não para nos fazer concebêIo pois ele é incompreensível e a sua grandeza e poder são inconcebíveis mas para que o pos samos honrar Também porque como disse antes tudo o que concebemos foi primeiro percebido pelos sentidos de uma vez só ou por partes pois o homem não pode ter nenhum pensamento representando uma coisa que não esteja sujeita à sensação Nenhum homem portanto pode conceber uma coisa qualquer mas tem de a conceber em algum lugar e dotada de uma determinada magnitude e susceptível de ser dividida em partes Que alguma coisa esteja toda neste lugar e toda em outro lugar ao mesmo tempo que duas ou mais coisas possam estar num e no mesmo lugar ao mesmo tempo nenhuma destas coisas jamais sobreveio ou pode sobrevir aos sentidos não passam de discursos absurdos a que se dá crédito sem nenhum sentido graças a filósofos enganados e a escolásticos enganados ou enganadores CAP IV Da LINGUAGEM A invenção da imprensa conquanto engenhosa comparada com a invenção das letras é coisa de somenos importância Ignorase quem descobriu o uso das letras Dizse que o primeiro que as trouxe para a Grécia foi Cadmus filho de Agenor rei da Fenícia Invenção proveitosa decerto pois preserva a memória dos tempos passados e une a humanidade dispersa por tantas e tão distantes regiões da Terra apesar de todas as dificuldades como as verificadas pela cuidadosa observação dos diversos movimentos da língua palato lábios e outros órgãos da fala em estabelecer tantas diferenças de caracteres quantas as necessárias para recordar Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da LINGUAGEM que consiste em nomes ou designações e nas suas conexões pelas quais os homens registram os seus pensamentos os recordam depois de passarem e também os manifestam uns aos outros para a utilidade e convivên 28 29 1 2 Orige m da linguagem Parte 1 Do Homem IV Da Linguagem o uso da linguagem cia recíprocas sem o que não haveria entre os homens nem república nem sociedade nem contrato nem paz tal como não existem entre os leões os ursos e os lobos O primeiro autor da linguagem foi o próprio Deus que ensinou a Adão a maneira de designar as criaturas que lhe apresentava as Escrituras nada mais dizem a este respeito Mas isto foi suficiente para o levar a acrescentar mais nomes conforme a experiência e o uso das criaturas lhe exigiram e para ligar esses nomes gradualmente de modo que se fizesse compreender E assim com o passar do tempo ele adquiriu toda a linguagem de que precisava embora não fosse tão abundante como aquela de que necessita o orador ou o filósofo Pois nada encontrei nas Escrituras que pudesse afirmar direta ou indiretamente que Adão aprendeu os nomes de todas as figuras números medidas cores sons imagens relações e muito menos os nomes de palavras e de discursos como geral especial afirmativo negativo interrogativo optativo infinitivo todas elas úteis e muito menos os de entidade intencionalidade qüididade e outras insignificantes palavras dos escolásticos Mas toda esta linguagem adquirida e aumentada por Adão e sua posteridade foi novamente perdida na torre de BabeI quando pela mão de Deus todos os homens foram punidos devido à sua rebelião com o esquecimento da sua primitiva linguagem Ora como foram forçados a se dispersar pelas várias partes do mundo seguese necessariamente que a atual diversidade de linguas originouse gradualmente deles à medida que a necessidade a mãe de todas as invenções os foi ensinando e com o passar dos tempos as linguas tornaramse por toda parte mais prolixas O uso geral da linguagem consiste em passar o nosso dis curso mental para um discurso verbal ou a cadeia dos nossos pensamentos para uma cadeia de palavras E isto com duas van tagens uma das quais consiste em registrar as seqüências dos nossos pensamentos os quais podendo esc1par da nossa memória e deste modo darnos mais trabalho podem ser novamente recordados por aquelas palavras com que foram marca dos De maneira que o primeiro uso dos nomes consiste em servirem de marcas ou notas de lembrança Um outro uso consiste quando muitos usam as mesmas palavras em exprimir pela conexão e ordem uns aos outros aquilo que concebem ou pensam de cada assunto e também aquilo que desejam temem ou aquilo por que experimentam alguma outra paixão E em razão desse uso são chamados signos Os usos especiais da linguagem são os seguintes em primeiro lugar registrar aquilo que por cogitação descobrimos ser a causa de qualquer coisa presente ou passada e aquilo que achamos que as coisas presentes ou passadas podem produzir ou causar o que em suma é adquirir artes Em segundo lugar para mostrar aos outros o conhecimento que atingimos ou seja aconselhar e ensinar uns aos outros Em terceiro lugar para darmos a conhecer aos outros as nossas vontades e objetivos a fim de que tenhamos a ajuda uns dos outros Em quarto lugar para agradar e para nos deliciarmos e aos outros brincando com as palavras por prazer e ornamento de maneira inocente A estes usos correspondem quatro abusos Primeiro quando os homens registram erradamente os seus pensamentos pela inconstância da significação das suas palavras com as quais registram como concepções suas aquilo que nunca conceberam e deste modo se enganam Em segundo lugar quando usam palavras de maneira metafórica ou seja com um sentido diferente daquele que lhes foi atribuído e deste modo enganam os outros Em terceiro lugar quando por palavras declaram ser sua vontade aquilo que não o é Em quarto lugar quando as usam para se ofenderem uns aos outros pois dado que a natureza armou os seres vivos uns com dentes outros com chifres e outros com mãos para ferirem o inimigo nada mais é do que um abuso da linguagem ferir os outros com a língua a menos que se trate de alguém que somos obrigados a governar mas então não é ferir e sim corrigir e emendar A linguagem serve para a recordação das seqüências de causas e efeitos por meio da imposição de nomes e da conexão destes Abusos de linguagem 13 30 31 Nomes próprios e comuns Universais 14 Parte 7 Do Homem IV Da Linguagem Alguns dos nomes são próprios e singulares a uma só coisa como Pedrojoão este homem esta árvore e alguns são comuns a muitas coisas como homem cavalo árvore cada um dos quais apesar de ser um só nome é contudo o nome de várias coisas particulares cujo conjunto se denomina um universal nada havendo no mundo universal além de nomes pois as coisas nomeadas são cada uma delas individuais e singulares Impõese um nome universal a muitas coisas por sua semelhança em alguma qualidade ou outro acidente além disso enquanto o nome próprio relembra uma coisa apenas os universais recordam qualquer dessas muitas coisas E dos nomes universais uns são de maior e outros de menor extensão os mais amplos compreendendo os menos amplos e alguns de igual extensão compreendendoos uns aos outros reciprocamente Como por exemplo o nome corpo tem maior significação do que a palavra homem e compreendea e os nomes homem e racional são de igual extensão compreendendose um ao outro mutuamente Mas aqui devemos notar que por um nome nem sempre se entende como na gramática uma só palavra mas às vezes por circunlocução muitas palavras juntas pois todas estas palavras quem nas suas ações observa as leis do seu pais constituem um só nome equivalente a esta simples palavra justo Por esta imposição de nomes uns mais amplos outros de significação mais restrita transformamos o cálculo de seqüências de coisas imaginadas no espírito num cálculo de conseqüências das designações Por exemplo um homem que não possui nenhum uso da linguagem como aquele que nasceu e permaneceu completamente surdo e mudo se tiver diante dos olhos um triângulo e ao lado deste dois ângulos retos como são os cantos de um quadrado pode através da pleditação comparar e descobrir que os três ângulos daquele triângulo são iguais àqueles dois ângulos retos que estão ao lado Porém se lhe for mostrado um outro triângulo diferente do primeiro na forma ele não pode saber sem um novo esforço se os três ângulos desse triângulo são também iguais a ele Mas aquele que tem o uso das palavras quando observa que tal igualdade era conseqüente não do comprimento dos lados nem de nenhum outro aspecto particular do triângulo mas somente os lados de serem retos e os ângulos três e daí ser levado a denominar tal figura um triângulo não hesitará em concluir universalmente que tal igualdade dos ângulos existe em todos os triângulos sejam eles quais forem e em registrar a sua invenção nestes termos gerais todo triângulo tem os seus três ângulos iguais a dois ângulos retos E assim a conseqüência descoberta num caso particular passa a ser registrada e recordada como uma regra universal o que alivia o nosso cálculo mental do espaço e do tempo libertanos de todo o trabalho do espírito na medida em que nos poupa desse cálculo e faz que aquilo que se descobriu ser verdade aqui e agora seja verdade em todos os tempos e lugares Ora nada evidencia mais o uso de palavras para registrar os nossos pensamentos do que a numeração Um louco natural que nunca conseguisse aprender de cor a ordem das palavras numerais como um dois três poderia observar cada batida de um relógio e acompanhar com a cabeça ou dizer um um um mas nunca poderia saber quantas horas bateram E parece que houve uma época em que esses nomes de números não estavam em uso e os homens se contentavam com utilizar os dedos de uma ou das duas mãos para aquelas coisas que desejavam contar e daí resultou que hoje as nossas palavras numerais só são dez em qualquer nação e em algumas só são cinco caso em que se começa de novo E aquele que sabe contar até dez se os recitar fora de ordem perderseá e não saberá o que esteve fazendo E muito menos será capaz de somar e subtrair e realizar todas as outras operações da aritmética De modo que sem palavras não há nenhuma possibilidade de calcular os números e muito menos as grandezas a velocidade a força e outras coisas cujo cálculo é necessário à existência ou ao bem estar da humanidade Quando dois nomes estão ligados numa conseqüência ou afirmação como por exemplo o homem é um ser vivo ou esta outra se ele for um homem é um ser vivo se o último nome ser vivo 32 33 15 Necessidade das definições Parte 7 Do Homem IV Da Linguagem significar tudo o que o primeiro nome homem significa então a afirmação ou conseqüência é verdadeira do contrário é falsa Pois o verdadeiro e o falso são atributos da linguagem e não das coisas E se não existir linguagem não há nem verdade nem falsidade Pode haver erro como quando esperamos algo que não acontecerá ou quando suspeitamos algo que não aconteceu Mas em nenhum destes casos se pode acusar um homem de inveracidade Considerando então que a verdade consiste na correta ordenação de nomes nas nossas afirmações um homem que procurar a verdade rigorosa devese lembrar o que significa cada palavra de que se serve e então empregáIa de acordo do contrário verseá enredado em palavras como uma ave em varas enviscadas quanto mais luta mais se fere E portanto em geometria que é a única ciência que prouve a Deus conceder até aqui à humanidade os homens começam por estabelecer as significações das suas palavras e a esse estabelecimento de significações chamam definições e colocamnas no início do seu cálculo Por aqui se vê como é necessário a qualquer pessoa que aspire ao conhecimento verdadeiro examinar as definições de autores passados ou para as corrigir quando tiverem sido estabelecidas de maneira negligente ou para tornáIas suas Pois os erros de definições multiplicamse à medida que o cálculo avança e conduzem os homens a absurdos que finalmente descobrem mas que não conseguem evitar sem calcular de novo desde o princípio e é nisso que reside o fundamento dos seus erros Daí por que esses que acreditam nos livros procedem como os que lançam várias pequenas somas numa soma maior sem atentarem se essas pequenas somas foram ou não corretamente lançadas e por fim encontrando o erro visível e não duvidando das suas primeiras bases ignoram o meio de se safarem pelo contrário gastam tempo azafamandose em torno dos seus livros como aves que entrando numa chaminé e vendose fechadas num quarto adejam em torno da enganadora luz de uma janela por não possuírem tino suficiente para atentarem por que caminho entraram De tal modo que na correta definição de nomes reside o primeiro uso da linguagem o qual consiste na aquisição de ciência e na incorreta definição ou na ausência de definições reside o primeiro abuso do qual resultam todas as doutrinas falsas e destituídas de sentido Isso torna aqueles homens que tiram a sua instrução da autoridade dos livros e não da sua própria meditação tão inferiores àcondição dos ignorantes quanto são superiores a estes os homens revestidos de uma verdadeira ciência Pois entre a verdadeira ciência e as doutrinas errôneas situase a ignorância A sensação e a imaginação naturais não estão sujeitas a absurdos A natureza em si não pode errar e à medida que os homens vão adquirindo uma abundância de linguagem vãose tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente Nem épossível sem letras que algum homem se torne ou extraordinariamente sábio ou a menos que a sua memória seja atacada por doença ou deficiente constituição dos órgãos extraordinariamente louco Pois as palavras são os calculadores dos sábios que só com elas calculam mas constituem a moeda dos loucos que as avaliam pela autoridade de um Aristóteles de um Cícero ou de um Tomás ou de qualquer outro doutor que nada mais é do que um homem Sujeito aos nomes é tudo aquilo que pode entrar ou ser considerado num cálculo e ser acrescentado um ao outro para fazer uma soma ou subtraído um do outro e deixar um resto Os latinos chamavam aos cômputos de moeda rationes e ao cálculo ratiocinatio e àquilo que nós em contas ou livros de cálculo denominamos itens chamavam nomina isto é nomes e daíparece resultar a extensão da palavra ratio à faculdade de contar em todas as outras coisas Os gregos têm uma só palavra ítóyoç para linguagem e razão não por pensarem que não havia linguagem sem razão mas por considerarem que não havia raciocínio sem linguagem E ao ato de raciocinar chamaram silo gismo o que significa somar as conseqüências de uma proposição a outra E porque as mesmas coisas podem entrar em conta para diversos acidentes os seus nomes são para mostrar essa diversidade diversamente deflectidos e diversificados Esta diversidade dos nomes pode ser reduzida a quatro grupos gerais 34 35 Sujeito aos nomes 16 Parte 1 Do Homem IV Da Linguagem Uso de nomes positivos Em primeiro lugar uma coisa pode entrar em conta como matéria ou corpo assim como vivo sensível racional quente frio movido parado todos nomes com os quais a palavra matéria ou corpo é entendida sendo todos eles nomes de matéria Segundo pode entrar em conta ou ser considerada como algum acidente ou qualidade que concebemos estar nela tal como ser movida ser tão longa ser quente etc e então do nome da própria coisa por uma pequena mudança ou alteração fazemos um nome para o acidente que consideramos e como vivo levamos em conta vida como movido movimento como quente calor como comprido comprimento e assim sucessivamente E todos esses nomes são os nomes dos acidentes e propriedades pelos quais uma matéria e um corpo se distinguem de outro A estes nomes chamase nomes abstratos porque apartados não da matéria mas da conta da matéria Em terceiro lugar levamos em conta as propriedades dos nossos próprios corpos mediante as quais estabelecemos distinções como quando alguma coisa é vista por nós contamos não com a própria coisa mas com a visão a cor a idéia dela na imaginação e quando alguma coisa é ouvida não contamos com ela mas com a audição ou com o som apenas que é nossa ilusão ou concepção dela pelo ouvido e estes são nomes de concepções Em quarto lugar levamos em conta consideramos e deno minamos os próprios nomes e discursos pois geral universal especial equívoco são nomes de nomes E afirmação interrogação ordem narração silogismo sermão oração e tantos outros são nomes de discursos E esta é toda a variedade de nomes positivos que são usados para assinalar algo que existe na natureza ou que pode ser simulado pelo espírito do homem como corpos que existem ou podem ser concebidos como existentes ou corpos cujas propriedades são ou podem ser simuladas ou então palavras e discursos Há também outros nomes chamados negativos que são notas para significar que uma palavra não é o nome da0 coisa em questão como nada ninguém infinito indizível três não são qua tra e outras semelhantes que contudo se usam no cômputo ou na correção do cômputo e recordam as nossas cogitações passadas muito embora não sejam nomes de coisa alguma porque nos fazem recusar admitir nomes que não são corretamente usados Todos os outros nomes nada mais são do que sons insignificantes e estes são de duas espécies Uma delas quando são novos e o seu sentido ainda não foi explicado por uma definição e desta espécie existem muitos inventados pelos escolásticos e pelos filósofos confusos Uma outra espécie quando se faz um só nome de dois nomes cujos significados são contraditórios e inconsistentes como por exemplo o nome corpo incorpóreo ou o que é o mesmo substãncia incorpórea e um grande número de outros como estes Pois sempre que qualquer afirmação seja falsa os dois nomes pelos quais é composta colocados lado a lado e tornados num só não significam absolutamente nada Por exemplo se for uma afirmação falsa dizer um quadrãngulo é redondo a expressão quadrãngulo redondo nada significa e é um simples som Do mesmo modo se for falso dizer que a virtude pode ser infundida ou insuflada e retirada as expressões virtude infundida virtude insuflada são tão absurdas e insignificantes como um quadrãngulo redondo E portanto dificilmente encontraremos uma palavra destituída de sentido e insignificante que não seja formada por alguns nomes latinos ou gregos Um francês raras vezes ouve chamar o nosso Salvador pelo nome de Parole mas muitas vezes ouve chamáIa pelo nome de Vcrbe e contudo Vcrbe e Parale em nada mais diferem senão no fato de uma ser latina e a outra francesa Quando um homem ao ouvir qualquer discurso tem aqueles pensamentos para cujo significado as palavras desse discurso e a sua conexão foram ordenadas e constituídas então dizemos que ele o compreendeu não sendo o entendimento outra coisa senão a concepção causada pelo discurso E portanto se o discurso é peculiar ao homem como pelo que sei deve ser então também o entendimento lhe é peculiar E por Nomes negativos com seus usos 36 37 Palavras insignificantes 17 Entendimento No iruonstantes Parte 7 Do Homem V Da Razão e da Ciência tanto não pode haver compreensão de afirmações absurdas e falsas no caso de serem universais muito embora muitos julguem que compreendem quando nada mais fazem do que repetir tranqüilamente as palavras ou graváIas no seu espírito Quando falar das paixões falarei dos tipos de discurso que significam os apetites as aversões e as paixões do espírito do homem e também do seu uso e abuso Os nomes daquelas coisas que nos afetam isto é que nos agradam e desagradam porque todos os homens não são igualmente afetados pelas mesmas coisas nem o mesmo homem em todos os momentos são nos discursos comuns dos homens de significação inconstante Pois dado que todos os nomes são impostos para significar as nossas concepções e todos os nossos afetos nada mais são do que concepções quando concebemos as mesmas coisas de forma diferente dificilmente podemos evitar darIhes diferentes nomes também Pois muito embora a natureza do que concebemos seja a mesma a diversidade da nossa recepção dela no que se refere às diferentes constituições do corpo e aos preconceitos da opinião dá a tudo a coloração das nossas diferentes paixões Portanto ao raciocinar o homem tem de tomar cautela com as palavras que além da significação daquilo que imaginamos da sua natureza também possuem uma significação da natureza disposição e interesse do locutor Assim são os nomes de virtudes e vícios pois um homem chama sabedoria àquílo que outro homem chama temor crueldade o que para outro é justiça prodigalidade o que para outro é magnanimidade gravidade o que para outro é estupidez etc E portanto tais nomes nunca podem ser verdadeiras bases de algum raciocínio Como também não o podem ser as metáforas e os tropos do discurso mas estes são menos perigosos pois ostentam a sua inconstãncia ao passo que os outros não o fazem CAP V Da RAzÃo e da CIÊNCIA Quando alguém raciocina nada mais faz do que conceber uma soma total pela adição de parcelas ou conceber um resto pela subtração de uma soma por outra o que se for feito com palavras é conceber a conseqüência partindo dos nomes de todas as partes para o nome do todo ou partindo dos nomes do todo e de uma parte para o nome da outra parte E muito embora em algumas coisas como nos números além de adicionar e subtrair os homens nomeiem outras operações como multiplicar e dividir elas são as mesmas pois a multiplicação nada é senão adicionar coisas iguais e a divísão subtrair uma coisa tantas vezes quantas forem possíveis Estas operações não são características apenas dos números mas também de toda a espécie de coisas que podem ser somadas e tiradas umas das outras Pois se os aritméticos ensínam a adicionar e a subtrair com números os geõmetras ensinam a fazer o mesmo com linhas figuras sólidas e superficiais ângulos proporções tempos graus de velocidade força potência e outras coisas semelhantes Os lógicos ensinam o mesmo com conseqüências de palavras somando dois nomes para fazer uma afirmação duas afirmações para fazer um silogismo muitos silogismos para fazer uma demonstração e da soma ou conclusão de um silogismo subtraem uma proposição para encontrar a outra Os escritores de política somam pactos para descobrir os deveres dos homens e os juristas leis e fatos para descobrir o que é direito e errado nas ações dos indivíduos Em suma seja em que matéria for que houver lugar para a adição e para a subtração também haverá lugar para a razão e se não houver lugar para elas também a razão nada terá a fazer Isso tudo nos permite definir isto é determinar o que queremos dizer com a palavra razão quando a incluímos entre as faculdades do espírito Pois RAzÃo neste sentido nada mais 1 Syn de 38 39 18 o que é a razão DefinÍfão da razão Onde está a reta razáo 19 O uso da razáo Parte 7 Do Homem V Da Razão e da Ciência é do que cálculo isto é adição e subtração das conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar os nossos pensamentos Digo marcar quando calculamos para nós próprios e significar quando demonstramos ou aprovamos os nossos cálculos para os outros homens E tal como na aritmética os homens inexperientes e mesmo os professores podem muitas vezes errar e contar falso também em qualquer outro objeto do raciocínio os homens mais capazes mais atentos e mais experientes podem se enganar e inferir falsas conclusões Não porque a razão em si própria não seja sempre razão reta assim como a aritmética é uma arte infalível e certa Mas a razão de nenhum homem nem a razão de que número for de homens constitui a certeza tal como nenhum cômputo é bemfeito porque um grande número de homens o aprovou unanimemente E portanto tal como ocorre numa controvérsia a propósito de um cálculo quando as partes precisam de comum acordo recorrer à reta razão à razão de algum árbitro ou juiz a cuja sentença se submeterão ou do contrário sua controvérsia chegará às vias de fato ou permanecerá indecisa por falta de uma reta razão constituída por natureza o mesmo ocorre em todos os debates sejam de que espécie forem Quando os homens que se julgam mais sábios do que todos os outros clamam e exigem a razão como juiz apenas procuram que as coisas sejam determinadas não pela razão de outros homens mas pela sua própria e isso é tão intolerável na sociedade dos homens como é no jogo uma vez escolhido o trunfo usar como trunfo em todas as ocasiões aquela série de que se tem mais cartas na mão Pois com isso nada mais fazem do que tomar por reta razão cada uma das paixões que sucedem dominálos e isto nas suas próprias controvérsias revelando a sua falta de reta razão pelo fato de reclamarem dela O uso e finalidade da razão não é descobrir a soma e a verdade de uma ou várias conseqüências afastadas das primeiras definições e das significações fixas de nomes mas começar por estas e seguir de uma conseqüência para outra Pois não pode haver certeza da última conclusão sem a certeza de todas aquelas afirmações e negações nas quais se baseou e das quais foi inferi da Tal qual um chefe de família que ao fazer uma conta adiciona as somas de todas as notas de despesa numa só soma e não considerando de que modo cada nota foi feita por aqueles que lhe apresentaram a conta nem aquilo que está pagando procede como se aceitasse a conta total e confia na habilidade e na honestidade dos contadores também no raciocínio de todas as outras coisas aquele que tira conclusões confiando em autores e não as examina desde os primeiros itens em cada cálculo os quais são as significações de nomes estabelecidas por definições em vão se esforça pois nada fica sabendo apenas acredita Quando alguém calcula sem o uso de palavras o que pode ser feito em casos especiais tal como ao ver qualquer coisa conjecturamos o que provavelmente a precedeu ou o que provavelmente se lhe seguirá se aquilo que julgou provável que se seguisse não se seguir ou se aquilo que julgou provável que tivesse precedido não tiver precedido isto se chama ERRO ao qual estão sujeitos mesmo os homens mais prudentes Mas quando raciocinamos com palavras de significação geral e empreendemos uma inferência geral que é falsa muito embora seja comum ente denominada erro é na verdade um ABSURDO ou um discurso sem sentido Pois o erro é apenas um engano ao presumir que algo aconteceu ou está para acontecer sobre aquilo de que embora não tivesse acontecido nem estivesse para acontecer não existe nenhuma impossibilidade aparente Mas quando fazemos uma asserção geral a menos que seja uma asserção verdadeira a sua possibilidade é inconcebível E as palavras com as quais nada mais concebemos senão o som são as que denominamos absurdas insignificantes e sem sentido E portanto se alguém me falasse de um quadrângulo redondo ou dos acidentes do pão no queijo ou de substâncias imateriais ou de um súdito livre livrearbítrio ou de qualquer coisa livre tirante livre de ser impedida por oposição não diria que estava em erro mas que as suas palavras eram destituídas de sentido ou seja absurdas 40 41 Do erro e do absurdo 20 Causas do absurdo 1 2 Parte 1 Do Homem V Da Razão e da Ciência Disse anteriormente no capo lI que o homem realmente supera todos os outros animais na seguinte faculdade ao conceber qualquer coisa é capaz de inquirir as conseqüências disso e que efeitos pode obter com isso E agora acrescento este outro grau da mesma excelência ser capaz por meio de palavras de reduzir as conseqüências que descobre a regras gerais chamadas teoremas ou aforismos isto é o homem é capaz de raciocinar ou calcular não apenas com números mas com todas as outras coisas que se podem adicionar ou subtrair umas às outras Mas este privilégio é atenuado por um outro que é o privilégio do absurdo ao qual nenhum ser vivo está sujeito exceto o homem E entre os homens aqueles que professam a filosofia são de todos os que lhe estão mais sujeitos Pois é bem verdade aquilo que Cícero disse algures a seu respeito que nada pode haver de tão absurdo que não se encontre nos livros dos filósofos E a razão disto é manifesta Pois não há um só deles que comece os seus raciocínios por definições ou explicações dos nomes que irá usar método que só se tem empregado em geometria cujas conclusões assim se tornaram indiscutíveis Atribuo a primeira causa das conclusões absurdas à falta de método na medida em que não começam o seu raciocínio por definições isto é por significações fixas das suas palavras como se pudessem contar sem conhecer o valor das palavras numerais um dois e três E visto que todos os corpos entram em conta sob diversas considerações que mencionei no capitulo precedente sendo estas considerações designadas de maneira diferente vários absurdos decorrem da confusão e da inadequada conexão dos seus nomes em asserções E portanto Atribuo a segunda causa das asserções absurdas ao fato de se darem aos acidentes nomes de corpos ou aos corpos nomes de acidentes como fazem aqueles que dizem a fé é infundida ou insPirada quando apenas num corpo é possível infundir ou insuflar alguma coisa ou que a extensão é corpo e que os fantasmas são espíritos etc Atribuo a terceira ao fato de se darem nomes de acidentes de corpos exteriores a nós a acidentes dos nossos próprios corpos como fazem os que dizem a cor está no corpo o som está no ar etc A quarta ao fato de se darem nomes de corpos a nomes ou discursos como fazem aqueles que dizem que há coisas universais que uma criatura viva é gênero ou uma coisa geral etc A quinta ao fato de se darem nomes de acidentes a nomes e discursos como fazem aqueles que dizem a natureza de uma coisa é a sua definição a autoridade de um homem é a sua vontade e outras coisas semelhantes A sexta ao uso de metáforas tropos e outras figuras retóricas em vez das palavras próprias Pois embora seja lícito dizer por exemplo na linguagem comum o caminho vai ou leva para aqui e ali o provérbio diz isto ou aquilo quando os caminhos não vão nem os provérbios falam contudo no cálculo e na procura da verdade tais discursos não podem ser admitidos A sétima aos nomes que nada significam mas que se tomam e aprendem por hábito nas Escolas como hipostático transubstanciar consubstanciar eternoagora e outras semelhantes cantilenas dos escolásticos Para aquele que consegue evitar estas coisas não é fácil incorrer em qualquer absurdo a menos que seja pela extensão do cálculo no qual pode talvez esquecer o que ficou para trás Pois todos os homens por natureza raciocinam de forma semelhante e bem quando têm bons princípios Quem é tão estúpido que não só comete erros em geometria como também persiste neles quando outra pessoa os aponta Por aqui se vê que a razão não nasce conosco como os sentidos e a memória nem é adquirida apenas pela experiência como a prudência pelo contrário é alcançada com esforço primeiro por meio de uma adequada imposição de nomes e em segundo lugar obtendose um método bom e ordenado para proceder dos elementos que são nomes a asserções feitas por conexão de um deles com o outro e dai para os silogismos que são as conexões de uma asserção com outra até chegarmos 42 43 3 4 5 6 7 21 Ciência Parte 1 Do Homem V Da Razão e da Ciência a um conhecimento de todas as conseqüências de nomes pertencentes ao assunto em questão e é a isto que os homens chamam CIÊNCIA E enquanto a sensação e a memória apenas são conhecimento de fato o que é uma coisa passada e irrevogável a ciência é o conhecimento das conseqüências e a dependência de um fato em relação a outro e por esse intermédio a partir daquilo que presentemente fazemos sabemos como fazer qualquer outra coisa quando quisermos ou a mesma coisa em outra ocasião Porque quando vemos como algo acontece devido a que causas e de que maneira quando causas semelhantes estiverem sob nosso poder saberemos como fazêIas produzir os mesmos efeitos As crianças portanto não são dotadas de nenhuma razão até que adquiram o uso do discurso mas são denominadas seres racionais devido à manifesta possibilidade de terem o uso da razão no tempo devido E embora os homens em sua maioria façam algum uso da razão como ao contar até certo grau isso contudo serveIhes pouco na vida comum na qual se governam uns melhor outros pior segundo as suas diferentes experiências rapidez de memória e inclinações para vários fins mas especialmente segundo a boa ou má fortuna e os erros de uns em relação aos outros Pois no que se refere à ciência ou a certas regras das suas ações estão tão afastados dela que nem mesmo sabem o que vem a ser Consideram a geometria como conjuro mas quanto às outras ciências os que não tenham aprendido os seus principias nem avançado nelas para ver como são adquiridas e geradas são nesse aspecto como crianças que não fazendo nenhuma idéia da geração são levadas pelas mulheres a acreditar que os seus irmãos e irmãs não nasceram mas foram encontrados no jardim Contudo os que não possuem nenhuma ciência encontramse numa condição melhor e mais nobre com a sua natu ral prudência do que os homens que por raciocinarem mal ou por confiarem nos que raciocinam erroneamente servemse de regras gerais falsas e absurdas Porque a ignoância das causas e das regras não afasta tanto os homens do seu cami nho como a confiança em falsas regras e a aceitação como causas daquilo a que aspiram de causas que não o são antes são causas do contrário Para finalizar a luz dos espiritos humanos são as palavras perspicuas mas primeiro limpas por meio de exatas definições e purgadas de toda a ambigüidade A razão é o passo o aumento da ciência o caminho e o benefício da humanidade o fim Pelo contrário as metáforas e as palavras ambíguas e destituídas de sentido são como ignes alui e raciocinar com elas éperambular entre inúmeros absurdos e o seu fim é a disputa a sedição ou o desacato Assim como muita experiência é prudência também muita ciência é sapiência Pois embora comumente só tenhamos o nome de sabedoria para as duas os latinos sempre distinguiram prudência de sapiência atribuindo a primeira à experiência e a segunda à ciência Mas para que a diferença entre elas apareça de maneira mais clara suponhamos um homem dotado de um excelente uso natural e destreza em mexer os braços e um outro que acrescentou a essa destreza uma ciência adquirida acerca do lugar onde pode ferir ou ser ferido pelo seu adversário em todas as possíveis posturas e guardas A habilidade do primeiro estaria para a habilidade do segundo assim como a prudência está para a sapiência ambas úteis mas a segunda infalível Porém os que por acreditarem apenas na autoridade dos livros vão cegamente atrás dos cegos são como o homem que acreditando nas falsas regras de um mestre de esgrima presunçosamente se aventura contra um adversário que ou o mata ou o desgraça Dentre os sinais da ciência alguns são certos e infaliveis outros incertos Certos quando aquele que aspira à ciência de alguma coisa sabe ensináIa isto é demonstrar a sua verdade de maneira perspícua a alguém Incertos quando apenas alguns resultados especificas correspondem à sua pretensão e em muitas ocasiões se verificam na medida em que ele afirma deverem verificarse Os sinais de prudência são todos incertos porque observar pela experiência e lembrar todas as cir 44 45 22 Prudência e sapiência com a sua diferença Sinais da ciência Parte 1 Do Homem cunstâncias que podem alterar o sucesso é impossível Mas em qualquer assunto em que o homem não tenha uma infalível ciência pela qual se guiar é sinal de loucura e geralmente desprezado com o nome de pedantismo abandonar o próprio juízo natural para se deixar conduzir por sentenças gerais lidas em autores e sujeitas a muitas exceções E mesmo entre os homens que nos conselhos da república gostam de ostentar as suas leituras de política e de história pouquíssimos fazem o mesmo nos seus negócios privados quando seus interesses particulares estão em jogo Possuem a prudência suficiente para os seus negócios privados mas nos negócios públicos preocupam se mais com a reputação da sua perspicácia do que com o sucesso dos negócios alheios 23 CAPo VI Da Origem Interna dos Movimentos Voluntários vulgarmente chamados PAIXÕES e da Linguagem que os exprime Movimento vital e animal Há nos animais dois tipos de movimento que lhes são peculiares Um deles chamase vital começa com a geração e continua sem interrupção durante toda a vida Deste tipo são a circulação do sangue a pulsação a resPiração a digestão a nutrição a excreção etc Para estes movimentos não é necessária a ajuda da imaginação O outro tipo é dos movimentos animais também chamados movimentos voluntários como andar falar mover qualquer dos membros da maneira como primeiro imaginamos em nossa mente A sensação é o movimento provocado nos órgãos e partes inferiores do corpo do homem pela ação das coisas que vemos ouvimos etc e a imaginação é apenas o resíduo do 46 r L VI Da Origem das Paixões mesmo movimento que permanece depois da sensação conforme já se disse nos capítulos I e 11 E dado que andar falar e os outros movimentos voluntários dependem sempre de um pensamento anterior de como onde e o que é evidente que a imaginação é a primeira origem interna de todos os movimentos voluntários E embora os homens sem instrução não concebam que exista nenhum movimento onde a coisa movida é invisível ou o espaço onde ela é movida devido à sua pequenez é imperceptível não obstante esses movimentos existem se nada os impede Pois jamais um espaço será tão pequeno que aquilo que seja movido num espaço maior do qual o espaço pequeno faz parte não deva primeiro ser movido neste último Estes pequenos inícios do movimento no interior do corpo do homem antes de se manifestarem no andar na fala na luta e em outras ações visíveis chamamse geralmente ESFORÇO Este esforço quando vai na direção de algo que o causa chamase APETITE ou DESEJO sendo o segundo o nome mais A geral e o primeiro freqüentemente limitado a significar o dese fe jo de alimento nomeadamente a fome e a sede Quando o esfor Fome ço vai na direção contrária de alguma coisa chamase geral Sede mente AVERSÃO As palavras apetite e aversão vêm do latim e Aversão ambas designam movimentos um de aproximação e o outro de afastamento Também os gregos tinham palavras para exprimir o mesmo óPLi e ácpoPJlr Assim a própria natureza impõe aos homens certas verdades com as quais depois eles vão topar quando procuram alguma coisa além da natureza As Escolas não encontram no simples apetite de andar ou moverse nenhuma espécie de movimento real mas como são obrigadas a reconhecer alguma espécie de movimento chamamlhe movimento metafórico o que não passa de discurso absurdo porque só as palavras podem ser chamadas metafóricas não os corpos e os movimentos Aquilo que os homens desejam se diz também que AMAM Amor e que ODEIAM aquelas coisas pelas quais sentem aversão De 6dio modo que o desejo e o amor são a mesma coisa salvo que por 24 desejo sempre queremos dizer a ausência do objeto e por amor Esforço 47 Parte 1 Do Homem VI Da Origem das Paixões Despre zo mais comumente a presença desse objeto Também por aversão queremos dizer a ausência e por ódio a presença do objeto Dos apetites e aversões alguns nascem com o homem como o apetite pela comida o apetite de excreção e exoneração que podem também e mais propriamente ser chamados aversões em relação a algo que se sente dentro do corpo e alguns outros apetites porém não muitos Os restantes que são apetites de coisas específicas derivam da experiência e comprovação dos seus efeitos sobre si mesmos ou sobre os outros homens Porque das coisas que inteiramente desconhecemos ou em cuja existência não acreditamos não podemos ter outro desejo que não o de provar e testar Mas temos aversão não apenas por coisas que sabemos teremnos causado dano mas também por aquelas que não sabemos se podem ou não causarnos dano Das coisas que não desejamos nem odiamos dizemos que as desprezamos pois o DESPREZO não é outra coisa senão uma imobilidade ou contumácia do coração ao resistir à ação de certas coisas Isso se deve ao coração estar já movido de maneira diferente por objetos mais potentes ou à falta de experiência daquelas coisas Dado que a constituição do corpo de um homem se encontra em constante modificação é impossível que as mesmas coisas nele provoquem sempre os mesmos apetites e aversões e muito menos é possível que todos os homens consintam no desejo de um só e mesmo objeto Mas seja qual for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem esse objeto é aquele a que cada um chama bom ao objeto do seu ódio e aversão chama mau e ao do seu des prezo chama vil e insignificante Pois as palavras bom mau e desprezível são sempre usadas em relação à pessoa que as usa Não há nada que o seja simples e absolutamente nem há nenhuma regra comum do bem e do mal que possa ser extraÍda da natureza dos próprios objetos Ela só pode ser tirada da pessoa de cada um quando não há república ou entio numa república da pessoa que a representa ou também de um árbi Inserido por T H o restante da inserção está agora ilegível Bom Mau tro ou juiz que pessoas discordantes possam instituir por consentimento fazendo que a sua sentença seja aceita como regra A lingua latina possui duas palavras cuja significação se aproxima das de bom e mau mas que não são exatamente as mesmas e são as palavras pulchrum e turpe A primeira significa aquilo que por quaisquer sinais manifestos promete o bem e a segunda aquilo que promete o mal Mas na língua inglesa não temos nomes suficientemente gerais para exprimir essas idéias Para traduzir pulchrum a respeito de algumas coisas usamos belo de outras lindo ou bonito assim como galante honrado conveniente amigável Para traduzir turpe usamos infame disforme feio baixo nauseante e termos semelhantes conforme exija o assunto Todas estas palavras na sua significação própria indi cam apenas o aspecto ou feição que promete o bem e o mal ou o lustro e brilho de alguma capacidade para o bem Assim há três espécies de bem o bem na promessa que é pulchrum o bem no efeito como fim desejado que se chama jucundum delicioso e o bem como meio que se chama utile ou proveitoso E outras tantas espécies de mal pois o mal na promessa éo que se chama turpe o mal no efeito e no fim é molestum desa gradável perturbador e o mal como meio inutile inaproveitável prejudicial Tal como na sensação aquilo que realmente está dentro de nós é como anteriormente já disse apenas o movimento provocado pela ação dos objetos externos mas em aparência para a vista a luz e a cor para o ouvido o som para o olfato o odor etc Assim quando a ação do mesmo objeto se prolonga a partir dos olhos dos ouvidos e outros órgãos até o coração o efeito aí realmente produzido não passa de movimento ou esforço que consiste em apetite ou aversão em relação ao objeto movente Mas a aparência ou sensação desse movimento é o que se chama DELEITE ou então PERTURBAÇÃO DO ESPÍRITO 48 49 Pulchrum Turpe Delicioso Proveitoso 25 Desagradável Prejudicial Deleite Desprazer Prazer Oftma Prazeres dos sentidos Prazeres dos espírito Alegria Dor Tristeza EsperaTlfa Parte 1 Do Homem VI Da Origem das Paixões Este movimento a que se chama apetite e em sua manifestação deleite e prazer parece constituir uma corroboração do movimento vital e uma ajuda prestada a este Portanto as coisas que provocam deleite eram com toda a propriedade chamadas jucunda a juvando porque ajudavam e fortaleciam e eram chamadas molestas ofensivas as que impediam e perturbavam o movimento vital Portanto o prazer ou deleite é a aparência ou sensação do bem e o incômodo ou desprazer é a aparência ou sensação do mal Conseqüentemente todo apetite desejo e amor é acompanhado por um deleite maior ou menor e todo ódio e aversão por um desprazer e ofensa maior ou menor Dentre os prazeres ou deleites alguns derivam da sensação de um objeto presente e a eles podese chamar prazeres dos sentidos a palavra sensual tal como é usada apenas por aqueles que condenam esses prazeres só tem lugar depois de existirem leis Desta espécie são todas as onerações e exonerações do corpo além de tudo quanto é agradável à vista ao ouvido ao olfato ao gosto e ao tato Outros prazeres ou deleites derivam da expectativa provocada pela previsão do fim ou conseqüências das coisas quer essas coisas agradem ou desagradem aos sentidos Estes são os prazeres do espírito daquele que extrai essas conseqüências e geralmente recebem o nome de ALEGRIA De maneira semelhante alguns dos desprazeres residem na sensação e chamaseIhes DOR outros residem na expectativa de conseqüências e chamaseIhes TRISTEZA Estas paixões simples chamadas apetite desejo amor aversão ódio alegria e tristeza recebem nomes diversos conforme a maneira como são consideradas Em primeiro lugar quando uma sucede à outra são designadas de maneiras diversas conforme a opinião que os homens têm da possibilidade de conseguir o que desejam Em segundo lugar do objeto amado ou odiado Em terceiro da consideração de muitas delas em conjunto E em quarto da alteração da própria sucessão O apetite ligado à crença de conseguir chamas ESPERANÇA O mesmo apetite sem essa crença chamase DESESPERO A aversão ligada à crença de dano proveniente do objeto chamase MEDO A mesma aversão com esperança de evitar esse dano pela resistência CORAGEM A coragem súbita chamase CÓLERA A esperança constante chamase CONFIANÇA em si mesmo O desespero constante chamase DESCONFIANÇA em si mesmo A cólera perante um grande dano feito a outrem quando pensamos que este foi feito por injúria chamase INDIGNAÇÃO O desejo do bem dos outros chamase BENEVOLÊNCIA BOA VONTADE CARIDADE Se for desejo do bem do homem em geral chamase BONDADE NATURAL O desejo de riquezas chamase COBIÇA palavra que é sempre usada em tom de censura porque os homens que lutam por riquezas vêem com desagrado que os outros as consigam embora o desejo em si mesmo deva ser censurado ou permitido de acordo com os meios pelos quais se procura conseguiIas O desejo de cargos ou de preeminência chamase AMBIçÃO nome usado também no pior sentido pela razão acima referida O desejo de coisas que só contribuem um pouco para os nossos fins e o medo das coisas que constituem apenas um pequeno impedimento chamase PUSILANIMIDADE O desprezo pelas pequenas ajudas e impedimentos chama se MAGNANIMIDADE A magnanimidade em perigo de morte ou de ferimentos chamase CORAGEM ou VALENTIA A magnanimidade no uso das riquezas chamase LIBERA LIDADE A pusilanimidade quanto ao uso das riquezas chamase MESQUINHEZ e TACANHEZ ou PARCIMÔNIA conforme dela se goste ou não 50 51 Desespero Medo Coragem Cólera ConfiaTlfa Desconfiança 261 Indignação Benevolência Bondade naturaL Cobiça Ambição Pusilanimidade Magnanimidade Valentia Liberalidade Mesquinhez Gentileza Lasdvia natural Luxúria A paixão do amor Ciúme Vingança Curiosidade Religião Superstição Verdadeira religião Terror Pânico Parte 1 Do Homem VI Da Origem das Paixões o amor pelas pessoas sob o aspecto da convivência social chamase GENTILEZA O amor pelas pessoas apenas sob o aspecto dos prazeres dos sentidos chamase LASCÍVIA NATURAL O amor pelas pessoas adquirido por reflexão insistente isto é por imaginação do prazer passado chamase LUXÚRIA O amor por uma só pessoa junto ao desejo de ser amado com exclusividade chamase A PAIXÃO DO AMOR Este somado ao receio de que o amor não seja recíproco chamase CIÚME O desejo de causar dano a outrem a fim de o levar a lamentar qualquer dos seus atos chamase ÂNSIA DE VINGANÇA O desejo de saber o porquê e o como chamase CURIOSIDADE e não existe em nenhuma criatura viva a não ser no homem Assim não é só pela razão que o homem se distingue dos outros animais mas também por esta singular paixão Nos outros animais o apetite pelo alimento e outros prazeres dos sentidos predominam de modo tal que impedem toda e qualquer preocupação com o conhecimento das causas o qual éuma lascívia do espírito que devido à persistência do deleite na contínua e infatigável produção do conhecimento supera a fugaz veemência de qualquer prazer carnal O medo dos poderes invisíveis inventados pelo espírito ou imaginados com base em histórias publicamente permitidas chamase RELIGIÃO quando essas histórias não são permitidas chamase SUPERSTIÇÃO Quando o poder imaginado é realmente como o imaginamos chamase VERDADEIRA RELIGIÃO O medo sem se saber por quê ou de quê chamase TERROR P ÃNICO nome que lhe vem das fábulas que faziam de Pão seu autor Na verdade existe sempre em quem primeiro sente esse medo uma certa compreensão da causa embora os restantes fujam devido ao exemplo cada um supondo que o seu companheiro sabe por quê Portanto esta paixão só ocorre numa turba ou multidão de pessoas A alegria ao saber de uma novidade chamase ADMIRAçÃO é peculiar ao homem porque desperta o apetite de conhecer a causa A alegria proveniente da imaginação do próprio poder e capacidade é aquela exultação do espírito a que se chama GLORIFICAÇÃO a qual se baseada na experiência das suas próprias ações anteriores é o mesmo que confiança e se baseada na lisonja dos outros ou é apenas suposta pelo próprio para se deleitar com as suas conseqüências chamase V ANGLÓRIA nome muito apropriado porque uma confiança bem fundada leva à eficiência ao passo que a suposição do poder não leva ao mesmo resultado e é portanto justamente chamada vã A tristeza devida à convicção da falta de poder chamase DESALENTO A vanglória que consiste na invenção ou suposição de capacidades que sabemos não possuir é mais freqüente nos jovens e é alimentada pelas narrativas verdadeiras ou fictícias de pessoas notáveis Muitas vezes é corrigida pela idade e pela ocupação O entusiasmo súbito é a paixão que provoca aquelas caretas a que se chama RISO Este é provocado ou por um ato repentino de nós mesmos que nos diverte ou pela percepção de alguma coisa deformada em outra pessoa com a qual ao nos compararmos subitamente aplaudimos a nós mesmos Isto acontece mais aos que têm consciência de seus parcos recursos e são obrigados a reparar nas imperfeições dos outros para continuarem indulgentes consigo Portanto um excesso de riso em face dos defeitos dos outros é sinal de pusilanimidade Porque um dos feitos próprios dos grandes espíritos é ajudar outros e livráIos do escárnio e compararse apenas com os mais capazes Pelo contrário o desalento súbito é a paixão que provoca o CHORO e é provocado por aqueles acidentes que bruscamente vêm frustrar uma forte esperança ou retirar algum apoio de seu poder E os que lhe estão mais sujeitos são os que confiam principalmente em auxílios de fora como as mulheres e as crianças Assim alguns choram porque perderam os Admiraç ão 27 Glória Vanglória Desalento Entusiasmo súbito Riso Desalento súbito Choro 52 53 Vergonha Rubor Impudência Piedade Cldade 28 Emuloção Inveja Parte 1 Do Homem VI Da Origem das Paixões amigos outros por causa da falta de amabilidade destes últimos e outros pela brusca paralisação dos seus pensamentos de vingança provocada pela reconciliação Mas em todos os casos tanto o riso como o choro são movimentos repentinos e o hábito a ambos faz desaparecer Pois ninguém ri de piadas velhas nem chora por causa de uma velha calamidade A tristeza causada pela descoberta de alguma falta de capacidade é a VERGONHA a paixão que se revela através do RUBOR Consiste ela na percepção de uma coisa desonrosa Nos jovens é sinal de amor à boa reputação e é louvável Nos velhos é sinal da mesma coisa mas como já chega tarde demais não é louvável O desprezo pela boa reputação chamase IMPUDÊNCIA A tristeza perante a desgraça alheia chamase PIEDADE e surge ao imaginarmos que a mesma desgraça poderia acontecer a nós mesmos Por isso é também chamada COMPAIXÃO ou na expressão atualmente em voga SIMPATIA Assim quanto às calamidades provocadas por uma grande maldade os melhores homens são os que sentem menos piedade quanto à mesma calamidade sentem menos piedade os que se consideram menos sujeitos a ela O desprezo ou pouca preocupação com a desgraça alheia é o que os homens chamam CRUELDADE que deriva da segurança da própria fortuna Pois não concebo que alguém possa sentir prazer de grandes males sofridos por outros sem que se tenha um interesse pessoal no caso A tristeza causada pelo sucesso de um competidor em riqueza honra ou outros bens se se lhe juntar o esforço para aumentar as nossas próprias capacidades a fim de o igualar ou superar chamase EMULAÇÃO Quando ligada ao esforço para suplantar ou levantar obstáculos ao competidor chamase INVEJA Quando surgem alternadamente no espírito humano apetites e aversões esperanças e medos relativamente a uma mesma coisa quando passam sucessivamente pelo pensamento as diversas conseqüências boas ou más de praticar ou absterse de praticar a coisa proposta de modo tal que às vezes se sente um apetite em relação a ela e às vezes uma aversão às vezes a esperança de ser capaz de praticar e às vezes o desespero ou medo de a empreender toda a soma de desejos aversões esperanças e medos que se vão desenrolando até que a ação seja praticada ou considerada impossível leva o nome de DELIBERACÃO Portanto é impossível haver deliberação quanto às coisas passadas pois é manifestamente impossível que estas sejam mudadas nem de coisas que se sabe serem impossíveis porque os homens sabem ou supõem que tal deliberação seria vã Mas é possível deliberar sobre coisas impossíveis quando as supomos possíveis sem saber que será em vão E o nome deliberação vem de ela consistir em pôr fim à liberdade que antes tínhamos de praticar ou evitar a ação conforme nosso apetite ou aversão Esta sucessão alternada de apetites aversões esperanças e medos não é maior no homem do que nas outras criaturas vivas conseqüentemente os animais também deliberam Dizse então que toda deliberação chega ao fim quando aquilo sobre o que se deliberava foi feito ou considerado impossível pois até esse momento conservase a liberdade de o fazer ou evitar conforme os próprios apetites ou aversões Na deliberação o último apetite ou aversão imediatamente anterior à ação ou à omissão desta é o que se chama VONTADE o ato não a faculdade de querer Os animais dado que são capazes de deliberações devem necessariamente ter também vontade A definição da vontade vulgarmente dada pelas Escolas como apetite racional não é aceitável Porque se assim fosse não poderia haver atos voluntários contra a razão Pois um ato voluntário é aquele que deriva da vontade e nenhum outro Mas se em vez de dizermos que é um apetite racional dissermos que é um apetite resultante de uma deliberação anterior neste caso a definição será a mesma que aqui apresentei Portanto a vontade é o último apetite na deliberação Embora na linguagem comum se diga que um homem teve uma vez vontade de fazer uma coisa que não obstante evitou fazer isto é propriamente apenas uma inclinação que não constitui uma ação voluntária pois a ação não depende dela e sim da última Deliberação Vontade 54 55 29 Formas de linguagem na paixão Parte 7 Do Homem VI Da Origem das Paixões inclinação ou apetite Porque se todos os apetites intervenientes fizessem de uma ação uma ação voluntária então pela mesma razão todas as aversões intervenientes deveriam fazer da mesma ação uma ação involuntária e assim uma mesma ação seria ao mesmo tempo voluntária e involuntária Fica assim manifesto que as ações voluntárias não são apenas as qUe têm origem na cobiça na ambição na lascívia e em outros apetites em relação à coisa proposta mas também aquelas que têm origem na aversão ou no medo das conseqüências decorrentes da omissão da ação As formas de linguagem por meio das quais se exprimem as paixões são em parte as mesmas e em parte diferentes daquelas pelas quais se exprimem os pensamentos Em primeiro lugar todas as paixões podem de maneira geral ser expressas no indicativo como por exemplo amo temo alegrome delibero quero ordeno mas algumas delas têm expressões que lhes são peculiares e todavia não são afirmações a não ser para fazer outras inferências além da inferência da paixão de que deriva a expressão A deliberação exprime se pelo subjuntivo que é o modo próprio para exprimir as suposições e as suas conseqüências como por exemplo em Se isto for feito então isto se seguirá Não difere da linguagem do raciocínio salvo que o raciocínio se exprime através de termos gerais e a deliberação refere se sobretudo a casos particulares A linguagem do desejo e da aversão é imperativa como por exemplo em Faz isto ou Evita aquilo Quando o outro é obrigado a fazer ou a evitar essa linguagem é uma ordem caso contrário é um pedido ou então um conselho A linguagem da vanglória ou da indignação da piedade e da vingança é optativa mas para o desejo de conhecer háuma expressãQ peculiar a que se chama interrogativa como por exemplo em O que é isso Quando será isso Como se faz isso e Por que isso Não conheço mais nenhuma linguagem das paixões porque as maldições juras e insultos e coisas semelhantes não têm significado como linguagem e sim como ações de um linguajar habitual Estas formas de linguagem são expressões ou significações voluntárias das nossas paixões Mas determinados stnais não o são pois podem ser usados arbitrariamente quer aqueles que os usam tenham ou não tais paixões Os melhores sinais das paixões atuais estão nal atitude nos movimentos do corpo nas ações e nos fins e propósitos que de algum outro modo sabemos que a pessoa tem Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela previsão das boas ou más conseqüências e seqüelas da ação sobre a qual se delibera os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da previsão de uma extensa cadeia de conseqüências cujo fim muito poucas vezes qualquer pessoa é capaz de ver Mas até o ponto em que se consiga ver que o bem dessas conseqüências é superior ao mal o conjunto da cadeia é aquilo que os autores chamam bem visível ou manifesto Pelo contrário quando o mal é maior do que o bem o conjunto chamase mal visível ou manifesto Assim quem possuir graças à experiência ou à razão a maior e mais segura perspectiva das conseqüências será mais capaz de deliberar para si e terá mais condições quando quiser de dar aos outros os melhores conselhos O sucesso contínuo na obtenção daquelas coisas que de tempos em tempos os homens desejam quer dizer o prosperar constante é aquilo a que os homens chamam FELICIDADE refirome à felicidade nesta vida Pois não existe uma perpétua tranqüilidade de espírito enquanto aqui vivemos porque a própria vida não passa de movimento e jamais pode deixar de haver desejo ou medo tal como não pode deixar de haver sensação Que espécie de felicidade Deus reservou àqueles que devotamente o veneram é coisa que ninguém saberá antes de a gozar São alegrias tão incompreensíveis agora como é ininteligível a expressão visão beatifica usada pelos escolásticos A forma de linguagem por meio da qual os homens exprimem a sua opinião da excelência de alguma coisa chamase LOlNOR Aquela pela qual exprimem o poder e grandeza de alguma coisa é a EXALTAÇÃO e aquela pela qual exprimem a opinião que têm da felicidade de um homem era pelos gregos I Syn também na 56 57 Bem e mal manifestos Felicidade 30 Louvor Exaltação jlampJjlóç Juizo ou sentença final Dúvida Parte 1 Do Homem chamada fJaKaptCJfJóç palavra para a qual não existe tradução na língua inglesa E isto é quanto basta dizer sobre as PAIXÕES para o propósito presente CAPo VII Dos Fins ou Resoluções do DISCURSO Para todo discurso governado pelo desejo de conhecimento existe pelo menos um fim quer seja para conseguir ou para abandonar alguma coisa E onde quer que a cadeia do discurso seja interrompida existe um fim provisório Se o discurso for apenas mental consistirá em pensamentos de que uma coisa será ou não de que ela foi ou não foi alternadamente De modo que onde quer que interrompamos a cadeia do discurso de alguém deixamoIo na suposição de que algo será ou não será de que foi ou não foi Tudo isto é opinião E tudo quanto é apetite alternado na deliberação relativa ao bem e ao mal é também opinião alternada na investigação da verdade sobre o passado e o fUturo E tal como o último apetite na deliberação se chama vontade assim também a última opinião na busca da verdade sobre o passado e o futuro se chama Juizo ou sentença final e decisiva daquele que discursa E tal como o conjunto da cadeia de apetites alternados quanto ao problema do bem e do mal se chama deliberação assim também o conjunto da cadeia de opiniões alternadas quanto ao problema da verdade e da falsidade se chama DúvIDA Nenhuma espécie de discurso pode terminar no conhecimento absoluto dos fatos passados ou vindouros Pois quanto ao conhecimento dos fatos tratase originalmente de sensação e sempre depois de memória e quanto ao conhecimento das conseqüências que já disse chamarse ciência não é absoluto mas condicional Ninguém pode chegar a saber pelo discurso que isto ou aquilo é foi ou será porque isso é conhecer absolu 58 L VIL Dos Fins ou Resoluções do Discurso tamente É possível apenas saber que se isto é aquilo também é que se isto foi aquilo também foi e que se isto será aquilo também será e isso é conhecer condicionalmente E não se trata de conhecer as conseqüências de uma coisa para outra e sim as do nome de uma coisa para outro nome da mesma coisa Portanto quando o discurso é expresso por meio de linguagem começa pela definição das palavras e procede mediante sua conexão em afirmações gerais e destas por sua vez em silogismos o fim ou soma total é chamado conclusão e o pensamento por esta significado é aquele conhecimento condicional ou conhecimento das conseqüências das palavras a que geralmente se chama CIÊNCIA Mas se o primeiro fundamento desse discurso não forem as definições ou se as definições não forem corretamente ligadas em silogismo nesse caso o fim ou conclusão volta a ser OPINIÃO acerca da verdade de algo afirmado embora às vezes em palavras absurdas e destituídas de sentido sem possibilidade de serem compreendidas Quando duas ou mais pessoas conhecem um e o mesmo fato dizse que cada uma delas está CONSCIENTE do fato em relação à outra o que equivale a conhecer conjuntamente E porque cada uma delas é para a outra ou para uma terceira a melhor testemunha de tais fatos tem sido e sempre será considerado um ato extremamente perverso que qualquer um fale contra a sua consciência ou corrompa ou force outrem a fazêIo É por isso que em todos os tempos sempre se escuta com grande atenção o testemunho da consciência Depois passouse a usar metaforicamente a mesma palavra para indicar o conhecimento dos fatos e pensamentos secretos de cada um de modo que retoricamente se diz que a consciência equivale a mil testemunhas E finalmente os homens intensamente apaixonados pelas suas novas opiniões por mais absurdas que fossem e obstinadamente inclinados a mantêIas deram também a essas opiniões o reverenciado nome de consciência como se desejassem considerar ilícito mudáIas ou falar contra elas e assim pretextam saber que estão certos quando no máximo sabem que pensam estar 31 Ciência Opinião Consciêruia 59 Parte 1 Do Homem VIII Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos Cren ça Fé Quando O discurso de alguém não começa por definições ou começa por qualquer outra contemplação de si próprio e neste caso continua a chamarse opinião ou começa com qualquer afirmação alheia de alguém de cuja capacidade para conhecer a verdade e de cuja honestidade e sinceridade não se çJuvida e neste caso o discurso diz menos respeito à coisa do que à pessoa e à resolução chamase CRENÇA e FÉ fi na pessoa crença tanto na pessoa como na verdade do que ela diz De modo que na crença há duas opiniões uma relativa ao que a pessoa diz e outra relativa à sua virtude Acreditar ter fi em ou con fiar em alguém tudo isto significa a mesma coisa a opinião da veracidade de uma pessoa Mas acreditar no que é dito significa apenas uma opinião da verdade da coisa dita Ora deve observarse que a frase creio em como também no latim credo in ou no grego 7rlJTévw eu só é usada nas obras dos teólogos Em lugar dela nos outros escritos põese acreditoo ou tenho fi nele ou confio nele ou fiome nele em latim credo illi ou fido illi e em grego 7rlnÉvw avrq Esta singularidade do uso eclesiástico da palavra deu origem a numerosas disputas relativas ao verdadeiro objeto da fé cristã Mas crer em como no Credo não significa confiar na pessoa e sim uma confissão e aceitação da doutrina Porque não apenas os cristãos mas toda espécie de homens acreditam de tal modo em Deus que aceitam como verdade tudo o que o ouvem dizer quer o compreendam quer não o máximo de fé e confiança que é possível encontrar em qualquer pessoa No entanto nem todos eles aceitam a doutrina do Credo Daí podermos inferir que ao acreditarmos que qualquer espécie de afirmação é verdadeira com base em argumentos que são tirados não da própria coisa nem dos princípios da razão natural mas da autoridade da opinião favorável que temos acerca de quem fez essa afirmação neste caso o objeto da nossa fé é o orador ou a pessoa em quem acreditamos ou em quem confiamos e cuja palavra aceitamos e a honra feita ao acreditar é feita apenas a essa pessoa Conseqüentemente quando acreditamos que as Escrituras são a palavra de Deus sem ter recebido nenhuma revelação imediata do próprio Deus o objeto da nossa crença fé e confiança é a Igreja cuja palavra aceitamos e à qual aquiescemos E aqueles que acreditam naquilo que um profeta lhes diz em nome de Deus aceitam a palavra do profeta honramno e nele confiam e crêem aceitando a verdade do que ele diz quer se trate de um verdadeiro ou de um falso profeta O mesmo se passa também com qualquer outro tipo de história Pois se eu não acreditasse em tudo o que foi escrito pelos historiadores sobre os feitos gloriosos de Alexandre ou de César não creio que o fantasma de Alexandre ou de César tivesse nenhum motivo justo para se ofender nem ninguém mais a não ser o historiador Se Tito Lívio afirma que uma vez os deuses fizeram uma vaca falar e não o acreditamos não estamos com isso retirando a nossa confiança em Deus mas em Tito Lívio É portanto evidente que tudo aquilo em que acreditemos baseados em nenhuma outra razão senão tãosó a autoridade dos homens e dos seus escritos quer eles tenham ou não sido enviados por Deus a nossa fé será apenas fé nos homens 32 CAPo VIII Das VIRTUDES vulgarmente chamadas INTELECTUAIS e dos DEFEITOS contrários a estas Geralmente a virtude em toda espécie de assuntos é algo que se estima pela eminência e consiste na comparação Pois se todas as coisas fossem iguais em todos os homens nada seria apreciado Por virtudes INTELECTUAIS sempre se entendem as capacidades do espírito que os homens elogiam valorizam e desejariam possuir em si mesmos e vulgarmente recebem o Definição tk virtude intelectual 60 61 Talento natural ou adquirido Engenho natural 33 Bom engenho ou imaginação Bom juízo Discrição Parte 1 Do Homem VIII Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos nome de engenho natural embora a mesma palavra ENGENHO também seja usada para distinguir das outras uma certa capacidade Estas virtudes são de duas espécies naturais e adquiridas Por naturais não entendo as que um homem possui de nascença pois isso é apenas sensação pela qual os homens diferem tão pouco uns dos outros e dos animais que não merecem ser inclui das entre as virtudes Refirome ao engenho que se adquire apenas por meio da prática e da experiência sem método cultura ou instrução Este ENGENHO NATURAL consiste principalmente em duas coisas celeridade da imaginação isto é rápida sucessão de um pensamento a outro e firmeza de direção para um fim escolhido Pelo contrário uma imaginação lenta constitui o defeito ou falha do espírito a que vulgarmente se chama EMBOTAMENTO estupidez e às vezes outros nomes que significam lentidão de movimentos ou dificuldade em se mover Esta diferença de rapidez é causada pela diferença das paixões dos homens que gostam e detestam uns de uma coisa outros de outra Em conseqüência os pensamentos de alguns homens seguem uma direção e os de outros outra e retêm e observam diversamente as coisas que passam pela imaginação de cada um E embora nesta sucessão dos pensamentos dos homens nada há a observar nas coisas em que eles pensam a não ser aquilo em que elas são idênticas umas às outras ou aquilo em que são diferentes ou então para que servem ou como servem para tal fim dizse dos que observam as suas semelhanças caso sejam tais que raramente outros as observam que têm um bom engenho com o que nesta circunstância se pretende identificar uma boa imaginação Quanto aos que observam as suas diferenças e dissimilitudes a que se chama distinguir discemir e julgar entre coisas diversas nos casos em que tal discernimento não seja simples têm segundo se diz um bom juizo e sobretudo em questões de convívio e negócios em que é preciso discernir momentos lugares e pessoas esta virtude chamase DISCRIçÃO A primeira isto é a imaginação sem o auxílio de juízo não se recomenda como virtude mas a última que é o juízo e discrição recomendase por si mesma sem o auxílio da imaginação Além da discrição de momentos lugares e pessoas necessária para uma viva imaginação é necessária também uma freqüente aplicação dos pensamentos ao seu fim quer dizer ao uso que deles pode ser feito Feito isto aquele que possui esta virtude facilmente encontrará semelhanças capazes de agradar não apenas como ilustrações do seu discurso adornandoo com metáforas novas e adequadas mas também pela raridade da sua invenção Mas sem firmeza e direção para um fim determinado uma grande imaginação é uma espécie de loucura semelhante à das pessoas que iniciando qualquer discurso se deixam desviar do seu objetivo por qualquer coisa que lhes passe pelo pensamento para longas digressões e parênteses até que inteiramente se perdem Para esse gênero de loucura não conheço nenhum nome especial mas sua causa é às vezes a falta de experiência devido à qual uma coisa pode parecer a alguém nova e rara quando aos outros assim não parece e outras vezes é a pusilanimidade devido à qual lhe parece uma grande coisa aquilo que outros consideram uma ninharia E tudo o que é novo ou grande portanto considerado merecedor de ser dito vai gradualmente afastandoo do propósito inicial do seu discurso Num bom poema quer seja épico ou dramático assim como também nos sonetos ePigramas e outras obras é necessário tanto o juízo como a imaginação Mas a imaginação deve ser a mais eminente pois tais obras devem agradar pela sua extravagância embora não devam desagradar por indiscrição Num bom livro de história o juízo deve ser eminente porque a excelência da obra consiste no método e na verdade assim como na escolha das ações que é mais proveitoso conhecer A imaginação não tem lugar aqui a não ser para ornamentar o estilo Nas orações laudatórias e nas invectivas a imaginação é predominante porque o desígnio não é a verdade mas a honra ou a desonra o que é feito mediante nobres ou vis comparações O juízo limitase a sugerir quais as circunstâncias que tornam uma ação louvável ou condenável 62 63 j Parte 1 Do Homem VIII Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos 34 Nas exortações e discursos em tribunal assim como a verdade ou a simulação serva melhor o desígnio em vista também o juízo ou a imaginação é a qualidade mais necessária Na demonstração no conselho e em toda a busca rigorosa da verdade o juízo faz tudo salvo se por vezes o entendimento tiver necessidade de se alargar por uma semelhança adequada havendo nesse caso uso exaustivo da imaginação Quanto às metáforas neste caso estão completamente excluídas Pois sabendo que elas abertamente professam o logro admitiIas no conselho e no raciocínio seria manifesta loucura Em qualquer espécie de discurso se a falta de discrição for evidente por mais extravagante que a imaginação possa ser o discurso inteiro será tomado como um sinal de falta de engenho o que nunca acontecerá quando a discrição for manifesta mesmo que a imaginação jamais seja a comum Os pensamentos secretos de cada homem percorrem todas as coisas sagradas ou profanas puras ou obscenas sérias ou frívolas sem vergonha ou censura coisa que o discurso verbal não pode fazer limitado que está pela aprovação do juízo quanto ao momento ao lugar e à pessoa Um anatomista ou médico pode expor verbalmente ou por escrito seu parecer sobre um assunto impuro porque nesse caso não se trata de agradar e sim de ser útil Mas se um outro homem escrevesse as suas extravagantes e divertidas fantasias sobre o mesmo assunto seria o mesmo que alguém apresentarse perante boa companhia depois de revirar na lama E é na falta de discrição que reside a diferença Nos casos de manifesto desleixo do espírito e entre pessoas bem conhecidas é possível brincar com os sons e com as significações equívocas das palavras tendo muitas vezes como oponentes homens de extraordinária imaginação Mas num sermão ou em público ou diante de pessoas desconhecidas ou a quais devemos reverenciar nenhum jogo de palavras deixará de ser considerado loucura e a diferença reside apenas na falta de discrição Assim quando falta engenho não é a imaginação que está faltando mas discrição Portanto o juízo sem imaginação é engenho mas a imaginação sem juízo não o é Quando os pensamentos de alguém que tem um desígnio em vista ao percorrerem uma grande quantidade de coisas o levam a observar que elas o conduzem a esse desígnio ou a que desígnio elas podem conduzir caso essas observações não sejam as simples e usuais esse seu talento chamase PRUDÊNCIA e depende de muita experiência e memória de coisas semelhantes bem como das suas conseqüências até o momento A esse respeito a diferença entre os homens não é tão grande como a que se verifica quanto à imaginação e ao juízo porque a experiência de homens da mesma idade não é tão desigual quanto à quantidade variando conforme as diferentes ocasiões dado que cada um tem os seus desígnios pessoais Governar bem uma família ou um reino não equivale a diferentes graus de prudência mas a diferentes espécies de ocupação do mesmo modo que desenhar um quadro em pequeno ou grande ou em tamanho maior que o natural não corresponde a diferentes graus de arte Um simples lavrador é mais prudente nos assuntos da sua própria casa do que um conselheiro privado nos assuntos de um outro homem Se à prudência se acrescentar o uso de meios injustos ou desonestos como aqueles de que comumente os homens são tentados a se servir pelo medo e pela necessidade temos aquela sabedoria velhaca a que se chama ASTÚCIA e é um sinal de pusilanimidade Porque a magnanimidade é o desprezo pelos expedientes injustos ou desonestos E aquilo a que os latinos chamavam Versutia que se traduz em inglês por ardileza e consiste em livrarse deste perigo ou incômodo para envolverse em outros ainda maiores como por exemplo quando se rouba a um para pagar ao outro é apenas uma astúcia míope chamada Versutia de Versura que significa aceitar dinheiro com usura pelo presente pagamento de juros Quanto ao engenho adquirido ou seja adquirido por método e instrução o único que existe é a razão que se funda no uso correto da linguagem e da qual derivam as ciências Mas da razão e da ciência já falei nos capítulos V e VI As causas destas diferenças de engenho residem nas paixões e a diferença das paixões deriva em parte da diferente 64 65 Prudênci a Astúcia 35 Engenho adquirido Parte 7 Do Homem VIlL Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos Levianda de constituição do corpo e em parte das diferenças de educação Porque se a diferença proviesse da têmpera do cérebro e dos órgãos dos sentidos quer externos quer internos a diferença entre os homens quanto à vista ao ouvido e aos outros sentidos não seria menor do que a diferença quanto à sua imaginação e discrição Portanto tal diferença deriva das paixões que são diferentes não apenas por causa das diferenças de constituição dos homens mas também por causa das diferenças de costumes e de educação entre eles As paixões que mais provocam as diferenças de engenho são principalmente o maior ou menor desejo de poder de riqueza de saber e de honra Todas elas podem ser reduzidas àprimeira que é o desejo de poder Porque a riqueza o saber e a honra não são mais do que diferentes formas de poder Portanto um homem que não tenha grande paixão por nenhuma destas coisas sendo como se costuma dizer indiferente embora possa ser uma boa pessoa incapaz de prejudicar os outros mesmo assim é impossível que tenha uma gran de imaginação ou grande juízo Porque os pensamentos são para os desejos como batedores ou espias que vão ao exterior e encontram o caminho para as coisas desejadas e é daí que provém toda a firmeza do movimento do espírito assim como toda a sua rapidez Porque assim como não ter nenhum desejo é o mesmo que estar morto também ter paixões fracas éestupidez e ter paixões indiferentemente por todas as coisas éLEVIANDADE e distração E ter por qualquer coisa paixões mais fortes e intensas do que geralmente se verifica nos outros é aquilo a que os homens chamam LOUCURA Existem quase tantas espécies de loucura como de paixões Por vezes uma paixão extraordinária e extravagante deriva da má constituição dos órgãos do corpo ou de um dano a eles causado e outras vezes o dano e indisposição dos órgãos são causados pela intensidade ou pelo extremo prolongamento da paixão Em ambos os casos porém a loucura é de uma sóe mesma natureza A paixão cuja violência ou prolongamento provoca a loucura ou é uma grande vanglória a que vulgarmente se chama orgulho ou vaidade ou é um grande desalento de espírito O orgulho torna os homens sujeitos à colera cujo excesso é a loucura chamada RAIVA e FÚRIA E assim ocorre que o excessivo desejo de vingança quando se torna habitual prejudica os órgãos e transformase em raiva que o amor excessivo somado ao ciúme também se transforma em raiva a opinião exagerada de si mesmo quanto à inspiração divina à sabedoria à erudição às maneiras e coisas semelhantes transformase em perturbação e leviandade e esta somada à inveja transformase em raiva a forte opinião da verdade de alguma coisa quando contrariada pelos outros também se transforma em raiva O abatimento provoca no homem receios infundados espécie de loucura vulgarmente chamada MELANCOLIA que se manifesta em diversas condutas na freqüentação de cemitérios e lugares solitários nos comportamentos supersticiosos e no medo de alguém ou de alguma coisa determinada Em suma todas as paixões que provocam comportamentos estranhos e invulgares são designadas pelo nome geral de loucura Mas quem se quisesse dar ao trabalho de enumerar as várias espécies de loucura poderia arrolar uma multidão delas E se os excessos são loucura não resta dúvida de que as próprias paixões quando tendem para o mal constituem outros tantos graus da loucura Por exemplo embora os efeitos da loucura nos que estão possuídos pela convicção de que são inspirados nem sempre se tornem visíveis em um homem por qualquer ação extravagante derivada dessa paixão quando muitos deles conspiram juntos a raiva da multidão inteira é bastante visível Pois que melhor prova de loucura pode haver do que acusar golpear e apedrejar os nossos melhores amigos No entanto isto é um pouco menos do que uma tal multidão fará Pois ela acusará combaterá e destruirá aqueles por quem durante toda a sua vida foi protegida e defendida de danos E se isto é loucura Loucur a 66 67 Raiva 36 Melancolia Parte 1 Do Homem VIll Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos 37 numa multidão é também em cada indivíduo particular Pois tal como no meio do mar embora não ouçamos nenhum ruído da parte da água mais próxima de nós estamos absolutamente certos de que essa parte contribui tanto para o rugido das ondas como qualquer outra parte da mesma quantidade assim também embora não percebamos grande inquietação em um ou dois homens podemos estar absolutamente certos de que as suas paixões individuais fazem parte do rugido sedicioso de uma nação conturbada E mesmo que nada mais denunciasse a sua loucura o próprio fato de se arrogarem essa inspiração constitui prova suficiente dela Se algum interno de Bedlam nos entretivesse com um discurso sóbrio e ao nos despedirmos quiséssemos saber quem ele é para mais tarde retribuir sua gentileza e ele nos dissesse ser Deus Pai creio que não seria necessário esperar nenhuma ação extravagante como prova da sua loucura Esta convicção de inspiração vulgarmente chamada espírito particular começa muitas vezes com a feliz descoberta de um erro geralmente cometido pelos outros E sem saberem ou lembrarem mediante que conduta da razão chegaram a uma verdade tão singular conforme eles pensam embora muitas vezes seja apenas uma inverdade com que deparam passam imediatamente a admirar a si mesmos por terem recebido a graça especial de Deus TodoPoderoso que lhes revelou tal verdade sobrenaturalmente por intermédio do seu Espírito Além disso que a loucura não é mais do que um excesso de manifestação da paixão é coisa que se pode verificar nos efeitos do vinho que são idênticos aos da má disposição dos órgãos Porque a variedade de comportamento nos homens que bebem demais é a mesma que a dos loucos uns enraivecendose outros amando outros rindo tudo isso de maneira extravagante mas conformem ente às várias paixões dominantes Pois os efeitos do vinho apenas tiram a dissimulação ao mesmo tempo que subtraem aos olhos a deformidade das paixões Porque segundo creio os homens mais sóbrios não gostariam que a futilidade e extravagãncia dos seus pensamentos nos momentos em que andam sozinhos dando rédea solta à sua imaginação fossem tornadas públicas o que vem confirmar que as paixões sem guia não passam na sua maioria de simples loucura Tanto nos tempos antigos como nos modernos tem havido duas opiniões comuns relativamente às causas da loucura Uns atribuemna às paixões outros a demônios e espíritos tanto bons como maus que supunham capazes de penetrar num homem e possuíIo movendo os seus órgãos da maneira estranha e disparatada que é habitual nos loucos Assim os primeiros chamam loucos a esses homens mas os segundos às vezes chamamIhes endemoninhados ou seja possessos dos espíritos outras vezes energúmenos isto é agitados ou movidos pelos espíritos e hoje na Itália são chamados não apenas pazzi loucos mas também spiritati isto é possessos Houve uma vez grande afluência de gente em Abdera cidade da Grécia por causa da representação da tragédia de Andrômeda num dia extremamente quente Em resultado disso grande parte dos espectadores foi acometida de febres sendo este acidente devido ao calor e à tragédia conjuntamente e os doentes limitavamse a recitar jâmbicos com os nomes de Perseu e Andrômeda O que foi curado juntamente com a febre pela chegada do inverno Esta loucura foi atribuída às paixões suscitadas pela tragédia Em outra cidade grega também grassou um surto de loucura e que atacou apenas as jovens donzelas levando muitas delas a se enforcarem Tal fato foi por muitos considerado obra do diabo Mas houve quem suspeitasse que tal desprezo pela vida proviria de alguma paixão do espírito e supondo que elas não desprezariam também a sua honra aconselhou os magistrados a despirem as que se enforcavam e a expôIas nuas publicamente A história diz que isto curou essa loucura Por outro lado os mesmos gregos freqüentemente atribuíam a loucura à intervenção das Eumênides ou Fúrias e outras vezes a Ceres Febo e outros deuses de tal modo que os homens atribuíam muitas coisas a fantasmas considerandoos corpos aéreos vivos e geralmente chamavamIhes espíritos E a exemplo dos romanos que a esse respeito tinham a mesma opinião dos gregos o mesmo acontecia com os judeus que cha 68 69 Parte 1 Do Homem VIII Das Virtudes Intelectuais e dos Defeitos 38 mavam aos profetas loucos ou endemoninhados conforme consideravam os espíritos bons ou maus alguns deles chamavam loucos tanto aos profetas como aos endemoninhados e alguns chamavam ao mesmo homem tanto endemoninhado como louco Ora quanto aos gentios isto não é de estranhar porque as doenças e a saúde os vícios e as virtudes bem como muitos acidentes naturais eram assim denominados e venerados como demônios e identificavase como demônio tanto às vezes um calafrio como um diabo Porém é bastante estranho que os judeus tivessem tal opinião Pois nem Moisés nem Abraão pretendiam profetizar graças à posse por um espírito mas graças à voz de Deus ou a uma visão ou sonho Nem há nada nas suas leis na sua moral ou nos seus rituais que lhes ensinasse a ver tal entusiasmo ou tal posse Quando se diz que Deus Nm 1125 tomou o espírito que estava em Moisés e o deu aos setenta anciãos o Espírito de Deus compreendido como a substância de Deus não estava dividido O Espírito de Deus no homem é entendido pelas Escrituras como um espírito humano que tende para o divino E quando se diz Ex 283 aqueles em quem infundi o espírito da sabedoria para que fizessem roupas para Aarão não se pretende referir um espírito colocado neles capaz de fazer roupas mas a sabedoria dos seus próprios espíritos nesse tipo de trabalho Em sentido semelhante se chama vulgarmente um espírito impuro ao espírito do homem quando este pratica ações impuras e assim se fala também de outros espíritos embora nem sempre mas todas as vezes em que a virtude ou vício assim denominados são extraordinários e predominantes Tampouco os outros profetas do Antigo Testamento pretextavam entusiasmo ou que Deus falasse através deles mas apenas a eles por meio de voz visão ou sonho e o fardo do Senhor não era posse mas ordem Como terá então sido possível que os judeus herdassem a opinião de posse Não consigo imaginar razão alguma a não ser a que é comum a todos os homens nomeadamente a falta de curiosidade para procurar as causas naturais e a identificação da felicidáde como gozo dos grosseiros prazeres dos sentidos e das coisas que conduzem a eles mais diretamente Pois quem vê no espírito de um homem qualquer aptidão ou defeito invulgar ou estranho a menos que veja também a causa de onde provavelmente derivou dificilmente pode consideráIa natural Não sendo natural é inevitável que o considerem sobrenatural e então que pode ser senão a presença nele de Deus ou do Diabo Daí que quando o nosso Salvador Mc 321 se encontrava rodeado pela multidão os da casa suspeitaram que ele era louco e saíram para agarráIa mas os escribas disseram que ele tinha Belzebu e que era através dele que expulsava os demônios como se o louco maior houvesse aterrorizado o menor E alguns disseram ao 1020 ele tem o diabo e é louco enquanto outros que o consideravam profeta disseram Essas não são as palavras de alguém que tem o diabo Assim no Antigo Testamento aquele que veio ungir aJeú 2 Rs 911 era profeta mas um dos presentes perguntoueú que veio o louco aqui fazer Em resumo émanifesto que quem se comportasse de maneira invulgar era considerado pelos judeus como possesso quer por Deus quer por um espírito maligno à exceção dos saduceus que erravam tanto no sentido oposto que não acreditavam na existência de nenhum espírito o que está muito próximó do ateísmo declarado e talvez por isso ainda mais instigavam os outros a chamarem endemoninhados a esses homens em vez de loucos Mas por que motivo o nosso Salvador procedeu para os curar como se estivessem possessos e não como se estivessem loucos A isso não posso dar outro tipo de resposta senão aquela que é dada aos que de maneira semelhante reclamam as Escrituras contra a crença no movimento da Terra As Escrituras foram escritas para mostrar aos homens o Reino de Deus e preparar os seus espíritos para se tornarem seus súditos obedientes deixando o mundo e a filosofia a ele referente às disputas dos homens pelo exercício da sua razão natural Que o dia e a noite provenham do movimento da Terra ou do Sol ou que as ações exorbitantes dos homens derivem da paixão ou do diabo desde que não adoremos a este último nenhuma diferença faz quanto à nossa obediência e sujeição a Deus TodoPoderoso que é o fim para que se escreveram as Escrituras Quanto ao fato de o nosso Salvador falar à doença como se 39 70 71 Discurso insignificante Parte 1 Do Homem IX Dos Diferentes Objetos do Conhecimento falasse a uma pessoa esse é o procedimento habitual daqueles que curam apenas pela palavra como Cristo fazia e os encantadores pretendem fazer quer falem a um diabo ou não Pois não se diz que Cristo Mt 826 repreendeu também os ventos Ora porque se pode afirmar que os ventos são espíritos também1 não se diz Lc 439 que ele repreendeu uma febre Todavia isto não prova que uma febre seja um diabo E embora se afirme que muitos desses diabos se confessaram a Cristo não é necessário interpretar essas passagens de outro modo senão que esses loucos se lhe confessaram E quando o nosso Salvador Mt 1243 fala de um espírito impuro que tendo saído de um homem vai errando pelos lugares secos procurando repouso sem nunca o encontrar e volta para o mesmo homem juntamente com sete outros espíritos piores do que ele tratase manifestamente de uma parábola aludindo a um homem que depois de um pequeno esforço para se libertar dos seus desejos é vencido pela força deles e se torna sete vezes pior do que era Assim nada vejo nas Escrituras que exija acreditar que os endemoninhados eram outra coisa senão loucos Há ainda uma outra falha nos discursos de alguns homens que também se pode listar entre as várias espécies de loucura nomeadamente aquele abuso de palavras que referi no capítulo V sob o nome de absurdo Isso ocorre quando os homens proferem palavras que reunidas umas às outras não possuem significação alguma alguns topam com elas ao compreenderem mal as palavras que recebem e as repetem mecanicamente outros as usam com a intenção de enganar por meio da obscuridade E isto só acontece com aqueles que discutem sobre questões incompreensíveis como os escolásticos ou sobre questões de filosofia abstrusa Os homens comuns raramente falam sem significado e por tal motivo são por essas egrégias pessoas tidos por idiotas Mas para ter a certeza de que as suas palavras não correspondem a nada no espírito seriam necessários alguns exemplos Se alguém os quiser encarreguese de um escolástico e veja se ele é capaz de traduzir qualquer capí tulo referente a uma questão difícil como a Trindade a divindade a natureza de Cristo a transubstanciação o livrearbítrio etc para qualquer das linguas modernas de maneira que o torne inteligivel Ou então para um latim tolerável como o que era conhecido por todos os que viviam na época em que o latim era a língua vulgar Qual é o significado destas palavras A primeira causa não insufla necessariamente alguma coisa na segunda por força da subordinação essencial das causas segundas pela qual pode ser levada a atuar Elas são a tradução do título do sexto capítulo do primeiro livro de Suárez Do concurso movimento e ajuda de Deus Quando alguém escreve volumes inteiros cheios de tais coisas ele está louco ou pretende enlouquecer os outros E particularmente quanto ao problema da transubstanciação aqueles que dizem depois de pronunciar certas palavras que a brancura a redondez a magnitude a qualidade a corruptibilidade todas as quais são incorpóreas etc passam da hóstia para o corpo de nosso abençoado Salvador não estarão eles fazendo desses uras exes tudes e dades outros tantos espíritos possuindo o corpo Porque por espíritos sempre entendem coisas que sendo incorpóreas movemse contudo de um lugar para outro Assim este tipo de absurdo pode corretamente ser enumerado entre as muitas espécies de loucura E todo o tempo em que guiados por pensamentos claros das suas paixões mundanas se abstêm de discutir ou escrever assim não é mais do que um intervalo de lucidez E tanto basta quanto às virtudes e defeitos intelectuais 40 1 CAPo IX Dos Diferentes OBJETOS do CONHECIMENTO Há duas espécies de CONHECIMENTO um deles é o conhecimento de fato e o outro o conhecimento das conseqüências de uma afirmação para outra O primeiro está limitado aos sentidos e à I Syn Também 72 73 Conseqüências dos acidentes comuns a todos os corpos naturais que são a quantidade e o movimento O Ô s j r Conseqüências dos acidentes dos corpos naturais que se chama FILOSOFIA NATURAL FíSICA ou conseqüências de qualidades E Ô I u z cJ Conseqüências da quantidade e movimento determinados Pela figura Pelo número Conseqüências do movimento e quantidade das grandes partes do mundo como a Terra e as Estrelas PHILOSOPHIA PRIMA Conseqüências da quantidade e movimento indeterminados as quais sendo os principias ou fundamento primeiro da filosofia se chamam Philosophia Prima Matemática GEOMETRIA ARITMÉTICA Conseqüências das qualidades dos corpos permanentes Conseqüências dos acidentes dos corpos políticos que se chamam POLíTICA e FILOSOFIA CIVIL I Conseqüências da instituição DAS REpÚBLICAS para os direitos e deveres do corpo político ou soberano 2 Conseqüências desta para o dever e o direito dos súditos J rt 1 o Q Õ O tj ê D 10 O3 O 3 o O n t C PôõSO 1b 1 Ij 1 tO rõo J00 O 1 1 õaSQ 1 o31c 118O O S S 3 Õ C 1 030t O n 01 ó Pô1S1 N 00r6 1 Ptgs 1 c 1 5 pj I o S n Oj 1 O O t 0501 o1n ó 1 O j o o Joo O 1 O n N O 1 O J 9 Conseqüências do movimento e quantidade determinados Conseqüências do movimento e quantidade dos corpos em especial Ciência da ENGENHARIA ARQUITETURA NAVEGAÇAO AsTRONOMIA GEOGRAFIA Conseqüências do movimento de tipos e figuras especiais dos corpos Mecãnica doutrina do peso Conseqüências das qualidades dos corpos transitórios que às vezes aparecem e às vezes se desvanecem Conseqüências Conseqüências da luz das estrelas disto e do das qualidades movimento do Sol é feita a ciência da das estrelas Conseqüência da influência das estrelas METEOROLOGIA CIOGRAFIA AsTROLOGIA Conseqüências das qualidades dos corpos líquidos que enchem o espaço entre as estrelas tais como o ar ou substãncias etéreas Conseqüências das qualidades dos corpos terrestre s tr1 g tr1 Z O b Q O 1 tj tr1 O tt Z O Conseqüências das partes da Terra que não têm sensação Conseqüências das qualidades dos minerais como as pedras os metais etc Conseqüência das qualidades dos vegetais Conseqüências da visão ÓPTICA Canse üências q Consequenclas dos sons MUSICA das qualIdades Conseqüências dos demais dos animais em sentidos geral Conseqüência das paixões dos homens ÉTICA Conseqüências ExaltandO das qualIdades l dti POESIA dos homens em Conseqüências vz1jJen n o etc I I PersuadmdoRETÓRICA esrecla da inguagem Raciocinando LÓGICA Contratando A Ciência do JUSTO e do INJUSTO Conseqüências das qualidades dos animais r6 1 Jj o or J3 S pj S O Oj O n 1 1 o 1 ê c 1 cr o 1 3 O S O O O 8 gj F õ D o o161SO3 3t O aq a n 1 1 1 c 1 1 a o 1 c 3 gj o O 09 O E 1 n aq n J 1 O po 1 o n S o o 1 o 1 O 0 3 Pô O tj 1b O po 11 O 3 O o O S o Õ 1 no no O n1ogs S11ó8 1 S r n Pô o o n 1 1 3 O po 1 po g oQ1npo3n Ono 3 rn po r O O n 010 po Oo O e O 3 r S Õ o POQ S O tj ó po o O 6 S N o c t Q 1 c O po 1 o O rr O c Pô 1 g 1Q Q 1 oõO J S o g 1 o s o 1 S 1 S S 3 n 11 0 0 c 1 o r po n 3 po 3 po 0 O po 1 o S 1 S 311 Q 1 S 1 O J 1 5 O 03 opoQ 1 o 1 1Q 1 O o 1 Q 1 j o ê 1g f Q 8 ê3 Q 0 0 Q S 1 3 1 01 o e n g o M 1 ir O O O 0111 po On nn P O r po 1 t r o ó g O 1 O O po c tj o 3 o oS SQ 1 1 oflorO 1srr o 83P1 S J 1 Sô 1 õ 1 r6 S Parte 1 Do Homem X Do Poder e Merecimento são os que se adquirem mediante os anteriores ou pelo acaso e constituem meios e instrumentos para adquirir mais como a riqueza a reputação os amigos e os secretos deígnios de Deus a que os homens chamam boa sorte Porque a natureza do poder é neste ponto idêntica à da fama dado que cresce à medida que progride ou à do movimento dos corpos pesados que quanto mais longe vão mais rapidamente se movem O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes da maioria dos homens unidos por consentimento numa só pessoa natural ou civil que tem o uso de todos os poderes deles na dependência da sua vontade é o caso do poder de uma república Ou na dependência das vontades de cada indivíduo é o caso do poder de uma facção ou de várias facções coligadas Conseqüentemente ter servidores é poder e ter amigos é poder porque são forças unidas Também a riqueza aliada à liberalidade é poder porque consegue amigos e servidores Sem a liberalidade não o é porque neste caso a riqueza não protege mas expõe o homem como presa à inveja A reputação de poder é poder pois ela atrai a adesão da queles que necessitam proteção Também o é pela mesma razão a reputação de que tenha um homem de amar seu país à qual se chama popularidade Da mesma maneira qualquer qualidade que torna um homem amado ou temido por muitos ou a reputação dessa qualidade é poder porque constitui um meio para adquirir a ajuda e o serviço de muitos O sucesso é poder porque traz reputação de sabedoria ou boa sorte o que faz os homens temerem quem o consegue ou confiarem nele A afabilidade dos homens que já estão no poder é aumen to de poder porque conquista amor A reputação de prudência na conduta da paz ou da guerra é poder porque confiamos o governo de nós mesmos de mais bom grado aos homens prudentes do que aos outros A nobreza é poder não em todos os lugares mas somente nas repúblicas em que goza de privilégios pois é nesses pri vilégíos que consiste o seu poder A eloqüência é poder porque aparenta prudência A beleza é poder pois sendo uma dádiva de Deus reco menda os homens ao favor das mulheres e dos estranhos As ciências são um pequeno poder porque não são eminentes e conseqüentemente somente são reconhecidas em alguns homens e mesmo nestes em poucas coisas Porque é da natureza da ciência que só a podem compreender aqueles que em boa medida já a alcançaram As artes de utilidade pública como a fortificação o fabrico de máquinas e outros instrumentos de guerra são poder porque facilitam a defesa e conferem a vitória Embora a sua verdadeira mãe seja a ciência nomeadamente a matemática uma vez que são dadas à luz pela mão do artífice são consideradas geração deste neste caso para o vulgo a parteira passa por mãe O valor ou a IMPORTÂNCIA de um homem tal como o de todas as outras coisas é o seu preço isto é tanto quanto seria dado pelo uso do seu poder Portanto não é absoluto mas algo que depende da necessidade e julgamento de outrem Um hábil condutor de soldados é de alto preço em tempo de guerra presente ou iminente mas não o é em tempo de paz Um juiz douto e incorruptível é de grande importãncia em tempo de paz mas não o é tanto em tempo de guerra E tal como nas outras coisas também no homem não é o vendedor mas o comprador quem determina o preço Porque mesmo que um homem como a maioria faz atribua a si mesmo o mais alto valor possível o seu verdadeiro valor não será superior ao que for estimado por outros A manifestação do valor que mutuamente nos atribuímos é o que vulgarmente se chama honra e desonra Atribuir a um homem um alto valor é honráIa e um baixo valor é desonráIa Mas neste caso alto e baixo devem ser entendidos em comparação com o valor que cada homem se atribui a si próprio 76 77 42 Importância Parte 1 Do Homem Dignida de A importância pública de um homem que é o valor atribuído a ele pela república é o que os homens vulgarmente chamam DIGNIDADE E este apreço que a república lhe atribui exprimese por meio de cargos de direção funções judiciais e empregos públicos ou pelos nomes e títulos introduzidos para distinguir tal apreço Rogar a outro qualquer tipo de auxílio é HONRAR porque é sinal de que na nossa opinião ele tem poder para ajudar E quanto mais difícil é o auxílio maior é a honra Obedecer é honrar porque ninguém obedece a quem julga não ter nenhum poder para o ajudar ou prejudicar Conseqüentemente desobedecer é desonrar Oferecer grandes presentes a um homem é honrálo porque consiste em comprar proteção e reconhecer o poder Oferecer presentes pequenos é desonrar porque não passa de esmola e indica a opinião de que são necessários auxílios pequenos Ser solícito em promover o bem do outro assim como adular é honrar como sinal de que buscamos sua proteção ou ajuda Negligenciar é desonrar Ceder o passo ou o lugar a outrem em qualquer ocasião é honrar porque equivale a admitir um poder superior Fazer frente é desonrar Mostrar qualquer sinal de amor ou de medo do outro é honrar porque tanto amar como temer implicam valorizar Desprezar ou mostrar menos amor ou medo do que o outro espera é desonrar porque é subestimar Louvar exaltar ou felicitar é honrar pois nada é mais valorizado do que a bondade o poder e a felicidade Insultar troçar ou compadecerse é desonrar Falar ao outro com consideração aparecer diante dele com decência e humildade é honrálo como sinal de receio de o ofender Falarlhe asperamente comportarse perante ele de maneira obscena reprovável ou impudente é desonrálo Acreditar confiar apoiarse no outro é honrálo como sinal de reconhecimento da sua vírtude e poder Desconfiar ou não acreditar é desonrar Honrar e desonrar 43 78 X Do Poder e Merecimento Solicitar de um homem o seu conselho ou um discurso de qualquer tipo é honrar em sinal de que o consideramos sábio ou eloqüente ou sagaz Dormir afastarse ou falar quando ele fala é desonráIa Fazer ao outro as coisas que ele considera sinais de honra ou que assim o sejam pela lei ou pelo costume é honrar porque ao aprovar a honra feita por outros se reconhece o poder que os outros reconhecem Recusar fazêIas é desonrar Concordar com a opinião do outro é honrar pois é sinal de aprovação do seu julgamento e sabedoria Discordar é desonrar e acusar o outro de erro e se a discordãncia atinge muitas coisas de loucura Imitar é honrar pois equivale a uma veemente aprovação Imitar o inimigo do outro é desonrar Honrar aquele a quem o outro honra é honrar este também como sinal de aprovação do seu discernimento Honrar os seus inimigos é desonráIa Pedir conselho ou colaboração em ações difíceis é honrar como sinal de apreço pela sua sabedoria ou outro poder Recusar a colaboração dos que a oferecem é desonrar Todas estas maneiras de honrar são naturais tanto nas repúblicas como fora delas Mas nas repúblicas em que aquele ou aqueles que detêm a suprema autoridade podem instituir os sinais de honra que lhes aprouver existem outras honras Um soberano pode honrar um súdito com qualquer título ou cargo ou emprego ou ação que ele próprio haja estabelecido como sinal da sua vontade de honrar O rei da Pérsia honrou a Mordecai quando decidiu que ele seria conduzido pelas ruas envergando as vestimentas reais montado num dos cavalos do rei com uma coroa na cabeça e um príncipe adiante dele proclamando Assim será feito àquele que o rei quiser honrar E no entanto um outro rei da Pérsia ou o mesmo rei em outra ocasião a um súdito que pedia para algum grande servíço permissão para usar as roupas do rei outorgou o que ele pedia mas acrescentou que deveria usáIas como seu bobo e nesta caso era desonra Portanto a fonte de 79 44 Honroso Desonroso Parte 1 Do Homem X Do Poder e Merecimento toda e qualquer honra civil reside na pessoa da república e depende da vontade do soberano Conseqüentemente é temporária e chamase honra avil É o caso da magistratura dos cargos públicos e dos títulos e em alguns lugares dos uniformes e emblemas Os homens honram a quem os possui porque são outros tantos sinais do favor da república este favor é poder Honrosa é qualquer espécie de posse ação ou qualidade que constitui argumento e sinal de poder Por conseguinte ser honrado amado ou temido por muitos é honroso e prova de poder Ser honrado por poucos ou nenhum é desonroso O domínio e a vitória são honrosos porque se adquirem pelo poder a servidão que vem da necessidade ou do medo é desonrosa A boa sorte quando duradoura é honrosa como sinal do favor de Deus A má sorte e a desgraça são desonrosas A riqueza é honrosa porque é poder A pobreza é desonrosa A magnanimidade a liberalidade a esperança a coragem e a confiança são honrosas porque derivam da consciência do poder A pusilanimidade a parcimônia o medo e a desconfiança são desonrosos A decisão ou resolução oportuna do que se precisa fazer é honrosa pois implica desprezo pelas pequenas dificuldades e perigos A irresolução é desonrosa como sinal de excessiva valorização de pequenos impedimentos e pequenas vantagens Porque quando um homem ponderou as coisas tanto quanto o tempo permite e não se decidiu a diferença de ponderação é ínfima logo se ele não se decide é porque sobrevaloriza pequenas coisas o que é pusilanimidade Todas as ações e palavras que derivam ou parecem derivar de muita experiência ciência discrição ou sagacidade são honrosas pois todas estas últimas são poderes As ações ou palavras que derivem do erro da ignorância ou da loucura são desonrosas A gravidade na medida em que pareça proceder de um espíríto ocupado com outras coisas é honrosa porque a ocupa ção é sinal de poder Mas se parece proceder do propósito de aparentar gravidade é desonrosa Porque a gravidade do primeiro é como a firmeza de um navio carregado de mercadoria mas a do segundo é como a firmeza de um navio que leva um lastro de areia ou qualquer outra carga inútil Ser ilustre ou seja ser conhecido pela riqueza cargos grandes ações ou qualquer bem eminente é honroso como sinal do poder que faz alguém ser ilustre Pelo contrário a obscuridade é desonrosa Descender de pais ilustres é honroso porque assim mais facilmente se conseguem a ajuda e os amigos dos antepassados Pelo contrário descender de pais obscuros é desonroso As ações que derivam da eqüidade acompanhadas de perdas são honrosas como sinais de magnanimidade porque a magnanimidade é um sinal de poder Pelo contrário a astúcia o uso de expedientes e a falta de eqüidade são desonrosos A cobiça de grandes riquezas e a ambição de grandes honras são honrosas como sinais do poder para as obter A cobiça e a ambição de pequenos lucros ou preeminências é desonrosa Não importa no que se refere à honra que uma ação por maior e mais difícil que seja e conseqüentemente sinal de muito poder seja justa ou injusta porque a honra consiste ape nas na opinião de poder Por isso os antigos pagãos não pensavam que desonravam mas que honravam muito os deuses quando os apresentavam nos seus poemas cometendo violações roubos e outras grandes mas injustas e pouco puras ações Daí queJúPiter seja tão celebrado pelos seus adultérios ou Mercúrio pelas suas fraudes e roubos E o maior elogio que lhe é feito num hino de Homero é que tendo nascido de manhã inventou a música ao meiodia e antes do anoitecer roubou o gado de Apolo aos seus pastores Também entre os homens antes de se constituírem as grandes repúblicas não se considerava desonra ser pirata ou ladrão de estrada sendo estes pelo contrário negócios lícitos não apenas entre os gregos mas também nas outras nações como o prova a história dos tempos antigos E nesta época e 80 81 45 Brasões Parte 1 Do Homem X Do Poder e Merecimento nesta parte do mundo os duelos são e sempre serão honrosos embora ilegais até que venha um tempo em que a honra seja atribuída aos que recusam e a ignomínia aos que desafiam Porque os duelos são também muitas vezes conseqüência da coragem e a razão da coragem é sempre a força ou a destreza que são poder embora na maior parte dos casos sejam conseqüência de palavras ásperas e do temor da desonra em um ou em ambos os contendores que tomados pela cólera são levados a defrontarse para evitar perder a reputação Os escudos e brasões hereditários quando acompanhados de qualquer privilégio eminente são honrosos Caso contrário não o são porque o seu poder consiste nesses mesmos privilégios ou em riquezas ou outras coisas semelhantes que são igualmente reconhecidas como honrosas em outros homens Esta espécie de honra geralmente chamada nobreza proveio dos antigos germanos Pois jamais se conheceu tal coisa nos lugares onde se desconheciam costumes germanos nem hoje estão em uso nos lugares que os germanos não habitaram Os antigos comandantes gregos quando iam para a guerra mandavam pintar nos seus escudos as divisas que lhes apraziam de tal modo que um escudo sem emblema era sinal de pobreza próprio do soldado comum mas não havia transmissão dessas di visas por herança Os romanos transmitiam as marcas das suas famílias mas eram as imagens não as divisas dos seus antepassados Entre os povos da Ásia África e América não há nem jamais houve tal coisa Só os germanos tinham esse costume e daí foi passado para a Inglaterra França Espanha e Itália onde eles em grande número secundaram os romanos ou fizeram as suas próprias conquistas nessas regiões ocidentais do globo Ora a Germânia antigamente se encontrava tal como todos os países nos seus inícios dividida por um número infinito de pequenos senhores ou chefes de família que estavam continuamente em guerra uns com os outros esses chefes ou senhores sobretudo a fim de poderem ser reconhecidos pelos seus sequazes quando iam cobertos de armas e em parte como ornamento pintavam a sua armadura ou escudo ou capa com a efígie de um animal ou qualquer outra coisa e além disso colocavam uma marca ostensivamente visível na cimeira dos seus elmos E esta ornamentação das armaduras e do elmo era transmitida por herança aos filhos ao primogênito em toda a sua pureza e aos demais com alguma nota de diversidade a qual o velho senhor ou seja em holandês o Herealt considerasse conveniente Mas quando muitas dessas famílias reunidas formavam uma monarquia mais ampla essa função de heraldo que consistia em distinguir os brasões tornavase um cargo particular independente Os descendentes desses senhores constituíram a grande e antiga nobreza que na sua maioria usava como emblemas criaturas vivas caracterizadas pela sua coragem ou afã de rapina ou castelos ameias tendas armas barras paliçadas e outros sinais de guerra pois nada era então tão honrado como a virtude militar Posteriormente não só os reis mas também as repúblicas populares davam diversos tipos de escudo aos que iam para a guerra ou dela voltavam como incentivo ou recompensa por seus serviços Tudo isto poderá ser encontrado por um leitor atento nos antigos livros de história gregos e latinos que fazem referência à nação e aos costumes germanos do seu tempol Os títulos de honra como duque conde marquês e barão são honrosos pois significam o valor que lhes é atribuído pelo poder soberano da república Nos tempos antigos esses títulos correspondiam a cargos e funções de mando sendo alguns derivados dos romanos e outros dos germanos e franceses Os duques em latim duces eram generais de guerra Os condes comites eram os companheiros ou amigos do general a quem se confiavam o governo e a defesa dos lugares conquistados e pacificados Os marqueses marchiones eram condes que governavam os limites ou fronteiras do Império Estes títulos de duque conde e marquês foram introduzidos no Império na época de Constantino o Grande numa adaptação dos costumes da milícia dos o manuscrito do copista está assim redigido As passagens da história antiga das quais é possivel concluir o que venho de dizer foram minuciosamente compiladas por Philip Cluverius em Germania antiqua 82 83 46 Titulos de honra Merecimento Competência 47 Parte 1 Do Homem Xl Das diferenças de Costumes germanos Mas barão parece ter sido um título dos gauleses e significa um grande homem como os guardas de que os reis e príncipes se cercavam na guerra O termo parece derivar de vir para ber e bar que na língua dos gauleses significava o mesmo que vir em latim E daí para bero e baro e assim esses homens eram chamados berones e posteriormente barones e em espanhol varones Mas quem quiser conhecer mais minuciosamente a origem dos títulos de honra pode encontráIa como fiz no excelente tratado de Selden sobre o assunto Com o passar do tempo estes cargos de honra por ocasião de distúrbios ou por razões de bom e pacífico governo foram transformados em meros títulos servindo na sua maioria para distinguir a preeminência lugar e ordem dos súditos na república sendo nomeados duques condes marqueses e barões para lugares dos quais essas pessoas não tinham posse nem comando e criaramse também outros títulos para o mesmo fim O MERECIMENTO de um homem é diferente de sua importância bem como de seu mérito e consiste num poder ou habilidade especial para aquilo de que se diz que ele é merecedor habilidade particular que geralmente é chamada COMPETÊNCIA ou aptidão Porque quem mais merece ser comandante ou juiz ou receber qualquer outro cargo é quem for mais dotado das qualidades necessárias para o seu bom desempenho e quem mais merece a riqueza é quem tem as qualidades mais necessárias para o bom uso dessa riqueza Mesmo na falta dessas qualidades podese ser um homem importante e valioso para qualquer outra coisa Além disso pode ser merecedor de riquezas cargos ou empregos um homem que no entanto não pode reivindicar o direito de os possuir de preferência a um outro e portanto não é possível dizerse que os mereça Porque o mérito pressupõe um direito e a coisa merecida é devida por promessa A isto voltarei a referirme mais adiante quando falar dos contratos CAPo XI Das diferenças de COSTUMES Não entendo aqui por COSTUMES a decência da conduta como por exemplo a maneira pela qual um homem deve saudar outro ou como deve lavar a boca ou limpar os dentes diante dos outros e diversos aspectos da pequena moral Entendo isto sim aquelas qualidades dos homens que dizem respeito à vida comum em paz e unidade Para este fim devemos considerar que a felicidade desta vida não consiste no repouso de um espírito satisfeito Pois não existe o finis ultimus fim último nem o summum bonum bem supremo de que se fala nos livros dos antigos filósofos morais Tampouco há mais vida no homem cujos desejos chegam ao fim do que naquele cujos sentidos e imaginação estão paralisados A felicidade é uma contínua marcha do desejo de um objeto para outro não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo A causa disto é que a finalidade do desejo do homem não consiste gozar apenas uma vez e só por um momento mas garantir para sempre os caminhos do seu desejo futuro Portanto as ações voluntárias e as inclinações dos ho mens não tendem apenas para conseguir mas também para garantir uma vida satisfeita e diferem apenas quanto ao modo como surgem em parte da diversidade das paixões em pessoas diversas e em parte das diferenças no conhecimento e opinião que cada um tem das causas que produzem os efeitos desejados Assinalo assim em primeiro lugar como tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que cessa apenas com a morte E a causa disto nem sempre é que se espere um prazer mais intenso do que aquele que já se alcançou ou que cada um não possa contentar se com um poder moderado mas o fato de não se poder garantir o poder e os meios para viver bem que atualmente se possuem sem adquirir mais ainda E daqui se segue que os reis 84 85 o que aqui se entende por costumes Um irrequieto desejo de poder em todos os homens J Amor da luta por causa da competição 48J Obediência civil por amor ao conftrto Por medo da morte e ferimentos E por amor às artes Amor à virtude por amor aos louvores Parte 1 Do Homem XI Das diferenças de Costumes cujo poder é o maior se esforçam por garantiIo no interior de seus reinos por meio de leis e no exterior por meio de guerras E depois disto feito surge um novo desejo em alguns de fama por uma nova conquista em outros de conforto e prazeres sensuais e em outros de admiração de serem elogiados pela excelência em alguma arte ou outra qualidade do espírito A competição pela riqueza a honra o mando e outros poderes levam à luta à inimizade e à guerra porque o caminho seguido pelo competidor para realizar o seu desejo consiste em matar subjugar suplantar ou repelir o outro Particularmente a competição pelo elogio leva a reverenciar a antiguidade Porque os homens competem com os vivos não com os mortos e atribuem a estes mais do que o devido a fim de poderem obscurecer a glória dos outros O desejo de conforto e deleite sensual predispõe os homens a obedecer a um poder comum pois com tais desejos se abandona a proteção que poderia esperarse do esforço e trabalho próprios O medo da morte e dos ferimentos produz a mesma tendência e pela mesma razão Pelo contrário os ho mens necessitados e esforçados que não estão contentes com a sua presente condição assim como todos os homens que ambicionam a autoridade militar inclinamse a prolongar as causas da guerra e a suscitar perturbações e revoltas pois só na guerra há honra militar e a única esperança de remediar um mau jogo é dar as cartas mais uma vez O desejo de conhecimento e das artes da paz inclina os homens a obedecer a um poder comum pois tal desejo encerra um desejo de ócio conseqüentemente de proteção derivada de um poder diferente do seu próprio O desejo de louvores predispõe para ações louváveis capazes de agradar àqueles cujo julgamento se valoriza pois desprezamos também os louvores das pessoas que desprezamos O desejo de fama depois da morte tem o mesmo efeito E embora depois da morte seja impossível sentir os louvores que nos são feitos na Terra pois são alegrias que ou são eclipsadas pelas indizíveis alegrias do Céu ou são extintas pelos extremos tor mentos do Inferno apesar disso essa fama não é vã porque os homens encontram um deleite presente na sua previsão assim como no beneficio que daí pode resultar para a sua posteridade Ainda que agora não o vejam conseguem imagináIo e tudo o que constitui prazer para os sentidos constitui também prazer para a imaginação Ter recebido de alguém a quem consideramos nosso igual maiores benefícios do que esperamos retribuir faz tender para o amor fingido e na realidade para o ódio secreto pois colocanos na situação de devedor desesperado que ao recusarse a ver o seu credor tacitamente deseja que ele se vá para onde jamais possa voltar a vêIo Porque os benefícios obrigam e a obriga ção é servidão a obrigação que não se pode retribuir é servidão perpétua e perante um igual é odiosa Mas ter recebido benefícios de alguém a quem se considera superior faz tender para o amor porque a obrigação não é uma nova degradação e a alegre aceitação a que se dá o nome de gratidão constitui uma honra tal para o benfeitor que geralmente é tomada como re tribuição Também receber benefícios mesmo de um igual ou inferior desde que haja esperança de retribuição faz tender para o amor porque na intenção do beneficiado a obrigação é de ajuda e serviço mútuo Dai deriva uma emulação para ver quem superará o outro em benefícios que é a mais nobre e proveitosa competição possível na qual o vencedor fica satisfeito com a sua vitória e o outro se vinga admitindo a derrota Ter feito a alguém um mal maior do que se pode ou se está disposto a sofrer inclina quem praticou a odiar quem sofreu o mal pois só se pode esperar vingança ou perdão e ambos são odiosos O medo da opressão predispõe os homens à antecipação ou a buscar ajuda na associação pois não há outra maneira de assegurar a vida e a liberdade Os homens que desconfiam da sua própria sutileza estão nos tumultos e sedições mais predispostos para a vitória do que os que se consideram sábios ou ardilosos pois estes últimos gostam de se informar primeiro e os outros com medo de se deixar 86 87 6dio pela dificuldade de retribuir grandes benifidos E pela consciênda de merecer ser odiado 49 Prontidão para ferir por medo E para deixar de confiar no seu próprio engenho Empresas vãs por vaidade Ambição por convicção de capacidade Indecisão por valorizar demais as pequenas coisas Parte 1 Do Homem Xl Das diftrenças de Costumes enredar gostam de atacar primeiro E nas sedições como os homens estão sempre nos recintos da batalha defenderse uns aos outros e usar todas as vantagens da força é um estratagema superior a todos os que possam proceder da sutileza do engenho Os homens vangloriosos que por não perceberem em si mesmos uma grande capacidade deleitamse em se julgarem briosos tendem apenas para a ostentação não para os empreendimentos pois quando surgem perigos ou dificuldades só os aflige ver descoberta a sua incapacidade Os homens vangloriosos que avaliam a sua capacidade pelas lisonjas de outros homens ou pelo sucesso de alguma ação anterior sem terem tido sólidas razões de esperança baseadas num autêntico conhecimento de si mesmos têm tendência para empreendimentos irrefletidos e à primeira visão de perigos ou dificuldades a retirarse assim que podem Porque não vendo o caminho da seguranca preferem arriscar a sua honra que pode ser salva com uma desculpa em vez da sua vida para a qual nenhuma salvação é suficiente Os homens que têm em alta conta a sua sabedoria em questões de governo inclinamse para a ambição Porque sem um emprego público como conselheiros ou magistrados perdese a honra da sua sabedoria Conseqüentemente os oradores eloqüentes têm tendência para a ambição pois a eloqüência assemelhase à sabedoria tanto para eles mesmos como para os outros A pusilanimidade predispõe os homens para a indecisão e conseqüentemente para perder as ocasiões e as melhores oportunidades de ação Porque quando se esteve em deliberação até se aproximar o momento da ação se nessa altura não for manifesto o que há de melhor a fazer isso é sinal de que a diferença entre os fatores quer num sentido quer noutro não é muito grande Portanto não tomar uma decisão nesse momento é perder a ocasião por dar importãncia a ninharias o que é pusilanimidade A frugalidade embora nos pobres seja uma virtude torna os homens incapazes de levar a cabo as ações que precisam da força de muitos ao mesmo tempo Porque ela enfraquece o seu esforço que deve ser alimentado e revigorado pela recompepsa A eloqüência juntamente com a lisonja leva os homens a confiar em quem as pratica pois a primeira tem aparência de sabedoria e a segunda de bondade AcrescenteseIhe a reputação militar e os homens tornarseão predispostos a aderir e a sujeitarse a quem as possui As duas primeiras tranqüilizamnos quanto aos perigos que podem vir dessa pessoa e a segunda quanto aos que podem vir dos outros A falta de ciência isto é a ignorância das causas predispõe ou melhor obriga os homens a confiar na opinião e autoridade alheias Porque todos os homens preocupados com a verdade se não confiarem na sua própria opinião deverão confiar na de alguma outra pessoa a quem julguem mais sábia que eles próprios e não considerem provável que queira enganáIos A ignorância do significado das palavras isto é a falta de entendimento predispõe os homens para confiar não apenas na verdade que não conhecem mas também nos erros e o que é mais nos absurdos daqueles em quem confiam Porque nem o erro nem o absurdo podem ser detectados sem um perfeito entendimento das palavras Disso deriva que os homens dêem nomes diferentes a uma única e mesma coisa por causa das diferenças entre as suas próprias paixões Quando aprovam uma opinião particular chamamlhe opinião e quando não gostam dela chamamlhe heresia contudo heresia significa simplesmente uma opinião particular apenas com mais algumas tintas de cólera Disso deriva também ser impossível distinguir sem estudo e grande entendimento entre uma ação de muitos homens e muitas ações de uma multidão como por exemplo entre a ação única de todos os senadores de Roma ao matarem Catilina e as muitas ações de um certo número de senadores ao matarem César Ficase portanto predisposto a tomar como ação do povo aquilo que é uma multidão de ações praticadas por uma multidão de pessoas talvez conduzidas pela persuasão de uma só 88 89 Confiança nos outros por ignorância dos sinais de sabedoria e bondade E por ignorância das causas naturais 50 E por falta de entendimento Parte 1 Do Homem XI Das diferenças de Costumes Adoção do costU1Tlll por ignorãncia da uatureza do bem e do mal A ignorância das causas e da constituição original do direito da eqüidade da lei e da justiça predispõe os homens para tomarem como regra das suas ações o costume e o exemplo de maneira que consideram injusto aquilo que é costume castigar e justo aquilo de cuja impunidade e aprovação podem apresentar um exemplo ou como barbaramente lhe chamam os juristas os únicos que usam esta falsa medida um precedente Comportamse assim como crianças pequenas que têm como única regra dos bons e maus costumes a correção que recebem dos seus pais e mestres salvo que as crianças são fiéis a essa regra ao passo que os homens não o são porque tendose tornado fortes e obstinados apelam do costume para a razão e da razão para o costume conforme mais lhe convém afastandose do costume quando o seu interesse o exige e pondose contra a razão todas as vezes em que ela fica contra eles Éesta a causa devido à qual a doutrina do bem e do mal é objeto de permanente disputa tanto pela pena como pela espada ao passo que com a doutrina das linhas e figuras o mesmo não ocorre Neste último assunto com efeito não preocupa aos homens qual é a verdade pois não se contraria a ambição o lucro ou a cobiça de ninguém Não duvido que se acaso fosse contrária ao direito de domínio de alguém ou aos interesses dos homens que possuem domínio a doutrina segundo a qual os três ângulos de um triângulo sâo iguais a dois ângulos de um quadrado teria sido se não objeto de disputa pelo menos suprimida mediante a queima de todos os livros de geometria na medida em que o atingido por tal doutrina fosse capaz A ignorância das causas remotas predispõe os homens para atribuir todos os eventos a causas imediatas e instrumentais pois são estas causas que percebem E daí se segue que em todos os lugares onde os homens se vêem oprimidos por tributos fiscais descarregam a sua fúria em cima dos publicanos isto é os recebedores recolhe dores e outros funcionários da renda pública e se associam àqueles que censuram o governo civil e assim depois de se terem comprometido para além dos limites de qualquer justificação possível se voltam também contra a autoridade suprema por medo ao castigo ou por vergonha de receber perdão A ignorância das causas naturais predispõe os homens para a credulidade de modo que acreditem muitas vezes em coisas impossíveis Pois como nada conhecem em contrário que possa ser verdadeiro são incapazes de detectar a impossibilidade E a credulidade dado que os homens se comprazem em que se lhes dediquem atenção predispõenos para mentir Assim a simples ignorância sem ser acompanhada de malícia écapaz de levar os homens tanto a acreditar em mentiras como a dizêIas e por vezes também a inventáIas A ansiedade em relação ao futuro predispõe os homens a investigar as causas das coisas pois o seu conhecimento torna os homens mais capazes de dispor o presente da maneira mais vantajosa A curiosidade ou amor pelo conhecimento das causas leva o homem da contemplação do efeito à busca da causa e depois também da causa dessa causa até que forçosamente deve chegar a esta idéia que há uma causa da qual não há causa anterior porque é eterna que é aquilo a que os homens chamam Deus De modo que é impossível proceder a qualquer investigação profunda das causas naturais sem com isso nos inclinarmos para acreditar que existe um Deus eterno embora não possamos ter no nosso espírito uma idéia dele que corresponda à sua natureza Porque tal como um homem que tenha nascido cego ao ouvir outros falarem de irem aquecerse junto ao fogo e ser levado a aquecerse junto a ele pode facilmente conceber e convencerse de que há ali alguma coisa a que os homens chamam fogo e é a causa do calor que sente sendo porém incapaz de imaginar como ele seja ou de ter no seu espírito uma idéia igual à daqueles que vêem o fogo assim também por meio das coisas visíveis deste mundo e da sua ordem admirável se pode conceber que há uma causa dessas coisas a que os homens chamam Deus mas sem ter uma idéia ou imagem dele no espírito E aqueles que pouca ou nenhuma investigação fazem das causas naturais das coisas graças ao medo que deriva da pró Adesão a pessoas privadas por ignorãncia das causas da paz 90 91 51 Credulidade por ignorãncia da natureza Curiosidade de conhecer procede da preocupação com o futuro Religião natural procede do 1TIIISmO motivo Parte 7 Do Homem XIl Da Religião pria ignorância daquilo que tem o poder de lhes ocasionar grande bem ou mal tendem a supor e a imaginar por si mesmos várias espécies de poderes invisíveis enchendose de temor reverente por suas próprias fantasias Em épocas de desgraça tendem a invocáIas assim como em épocas de inesperado bom sucesso tendem a agradecerIhes transformando em seus deuses as criaturas da sua própria imaginação E foi dessa maneira que em razão da infinita variedade da imaginação os homens criaram no mundo inúmeras espécies de deuses Este medo das coisas invisíveis é a semente natural daquilo a que cada um em si mesmo chama religião e naqueles que veneram e temem esse poder de maneira diferente da sua superstição E tendo esta semente da religião sido observada por muitos alguns dos que a observaram tenderam a alimentáIa revestiIa e conformáIa às leis e a acrescentarlhe de sua própria invenção qualquer opinião sobre as causas dos eventos futuros que melhor parecesse capaz de lhes permitir governar os outros fazendo o máximo uso possivel dos seus poderes menos mas em todos os homens o suficiente para terem a curiosidade de procurar as causas da sua própria boa ou má fortuna Em segundo lugar élhe também peculiar perante toda e qualquer coisa que tenha tido um começo pensar que ela teve também uma causa que determinou esse começo no momento em que o fez nem mais cedo nem mais tarde Em terceiro lugar enquanto para os animais a única felicidade é o gozo dos seus alimentos repouso e prazeres quotidianos pois de pouca ou nenhuma previsão dos tempos vindouros são capazes por falta de observação e de memória da ordem conseqüência e dependência das coisas que vêem o homem por seu lado observa como um evento foi produzido por outro e recorda os seus antecedentes e conseqüentes E quando se vê na impossibilidade de descobrir as verdadeiras causas das coisas dado que as causas da boa e da má sorte são na sua maior parte invisíveis supõe causas para elas quer as que lhe são sugeridas pela sua própria imaginação quer as que aceita da autoridade de outros homens os quais considera seus amigos e mais sábios do que ele próprio Os dois primeiros motivos dão origem à inquietude Pois quando se está certo de que existem causas para todas as coisas que aconteceram até agora ou no futuro virão a acontecer é impossível a alguém que constantemente se esforça por se garantir contra os males que receia e por obter o bem que deseja não se encontrar em eterna apreensão com os tempos vindouros De modo que todos os homens sobretudo os que são extremamente previdentes se encontram numa situação semelhante à de Prometeu Porque tal como Prometeu nome que quer dizer homem prudente foi acorrentado ao monte Cáucaso um local de vista aberta onde uma águia se alimentava do seu fígado devorando de dia o que tinha voltado a crescer durante a noite assim também o homem que olha demasiado longe preocupado com os tempos futuros tem durante todo o dia o seu coração ameaçado pelo medo da morte da pobreza ou de outras calamidades e não encontra repouso nem paz para a sua inquietude a não ser no sono 52 CAPo XII Da Religião Religião apenas no homem Considerando que só no homem encontramos sinais ou frutos da religião não há motivo para duvidar de que a semente da religião se encontra também apenas no homem e consiste em alguma qualidade peculiar ou pelo menos em algum grau eminente dessa qualidade que não se encontra nas outras criaturas vivas Em primeiro lugar é peculiar à natureza do homem investigar as causas dos eventos a que assiste uns mais outros PrirMiro peltJ desejo de conhecer as causas I Syn esperado 92 93 Pela consideração do início das coisas Pela observação das conseqüências das coisas Inquietude quanto ao futuro causa natural da religião Que os faz temer o poder das coisas invisíveis 53 E supor que elas são incorpóreas Parte 1 Do Homem XII Da Religião Este medo perpétuo que acompanha os homens ignorantes das causas como se estivessem no escuro deve necessariamente ter um objeto Quando portanto não há nada que possa ser visto nada acusam quer da boa quer da má sorte a não ser algum poder ou agente invisível Foi talvez neste sentido que alguns dos antigos poetas disseram que os deuses foram criados pelo medo dos homens o que se aplicado aos deuses quer dizer aos muitos deuses dos gentios é muito verdadeiro Mas o reconhecimento de um único Deus eterno infinito e onipotente pode ser derivado do desejo que os homens sentem de conhecer as causas dos corpos naturais e as suas diversas virtudes e operações mais facilmente que do medo do que possa vir a acontecer Ihes nos tempos vindouros Pois aquele que de qualquer efeito que vê ocorrer infira a causa própria e imediata desse efeito e depois a causa dessa causa e mergulhe profundamente em direção àl busca das causas deverá finalmente concluir que necessariamente existe como até os filósofos pagãos confessavam um primeiro motor Isto é uma primeira e eterna causa de todas as coisas que é o que os homens significam com o nome de Deus E tudo isto sem levar em conta a sorte por cuja preocupação se produz nos homens tanto uma tendência para o medo como um obstáculo à investigação das causas das outras coisas que assim dão ensejo à invenção de tantos deuses quantos forem os homens que os inventem E quanto à matéria ou substância dos agentes invisíveis assim imaginados seria impossível que por cognição natural se incorresse num outro conceito senão no que seria idêntico à alma do homem e que a alma do homem seria da mesma substância que aparece nos sonhos àqueles que dormem ou nos es pelhos aos que estão despertos Como os homens não sabem que tais aparições não passam de criaturas da imaginação pensam que essas substâncias são externas e reais e assim lhes chamam fantasmas como os latinos lhes chamavam imagines e umbrae pensando que seriam espíritos ou seja tênues corpos aéreos semelhantes àqueles agentes invisíveis que temiam salvo que estes aparecem e desaparecem quando lhes aprazo Mas a opinião de que tais espíritos são incorpóreos e imateriais jamais poderia entrar por natureza na mente de nenhum homem porque embora os homens sejam capazes de reunir palavras de significação contraditória como espírito e incorpóreo jamais serão capazes de ter a imaginação de alguma coisa que lhes corresponda Portanto os homens que por sua própria meditação acabam por reconhecer um Deus infinito onipotente e eterno preferem antes confessar que Ele é incompreensível e se encontra acima do seu entendimento em vez de definir a sua natureza pelas palavras espírito incorpóreo para depois confessar que a sua definição é ininteligivel Ou se Lhe atribuem esse título não é dogmaticamente com a intenção de fazer entender a natureza divina mas Piedosamente para honráIo com atributos ou significações o mais distantes que seja possível da solidez dos corpos visíveis Além disso quanto à maneira como pensam que esses agentes invisíveis produziriam os seus efeitos quer dizer que causas imediatas usaram para fazer que as coisas ocorressem os homens que não conhecem o que chamamos causar isto é quase todos os homens não dispõem de outra regra para as descobrir senão observando e recordando aquilo que viram preceder o mesmo efeito em alguma outra ocasião ou ocasiões anteriores sem verem entre o evento antecedente e o conseqüente nenhuma espécie de dependência ou conexão Portanto de coisas idênticas no passado esperam coisas idênticas no futuro e supersticiosamente ficam esperando a boa ou má sorte de coisas que nada tiveram a ver com a produção de efeitos Assim como os atenienses pediam um novo Fórmio para a sua batalha de Lepanto o partido de Pompeu para a sua guerra na África pedia um novo Cipião e outros também em diversas ocasiões desde então também nesse caso atribuem a sua fortuna a um coadjuvante a um lugar que daria sorte ou azar ou a palavras proferidas especialmente se entre elas estiver o nome de Deus como as frases cabalísticas e esconjuros a liturgia das bruxas I Syn na 94 95 Mas sem saber a maneira como produzem as coisas 54J M m honrá1as como honram os homens E atribuirlhes todos os eventos extraordinários As quatro sementes naturais da religião Tornadm diftrentes pelo cultivo Parte 1 Do Homem XII Da Religião chegando então ao ponto de acreditar que têm o poder de transformar uma pedra em pão o pão num homem ou qualquer coisa em qualquer coisa Em terceiro lugar a adoração naturalmente manifestada pelos homens para com os poderes invisíveis só pode usar as mesmas expressões de reverência que se usam em relação aos homens como oferendas petições agradecimentos submissão do corpo súplicas respeitosas comportamento sóbrio palavras meditadas juras isto é garantia mútua das promessas ao invocar esses poderes Para além disso a razão nada sugere permitindo aos homens que a isso se limitem ou que em relação a outras cerimônias confiem naqueles que consideram mais sábios do que eles próprios Por último quanto à maneira como esses poderes invisíveis comunicam aos homens as coisas que futuramente virão a ocorrer sobretudo quanto à boa e à má fortuna em geral ou o bom ou mau sucesso em qualquer empreendimento particular os homens encontramse naturalmente numa situação de perplexidade Salvo que fazendo a partir do tempo passado con jecturas sobre o tempo futuro estão extremamente sujeitos não apenas a tomar coisas acidentais depois de uma ou duas ocorrências por prognósticos de que o mesmo sempre ocorrerá no futuro mas também a acreditar em idênticos prognósticos feitos por outros homens dos quais conceberam uma opinião favorável E é nestas quatro coisas a crença nos fantasmas a ignorância das causas segundas a devoção pelo que se teme e a aceitação de coisas acidentais como prognósticos que consiste a semente natural da religião Essa devido às diferenças da imaginação julgamento e paixões dos diversos homens se desenvolveu em cerimônias tão diferentes que as praticadas por um homem são na sua maior parte consideradas ridículas por outro Porque estas sementes foram cultivadas por duas espécies de homens Uma espécie foi a daqueles que as alimentaram e ordenaram segundo a sua própria invenção A outra foi a dos que o fizeram sob o mando e direção de Deus Mas ambas as espécies o fizeram com o objetivo de fazer os que neles confiavam tender mais para a obediência as leis a paz a caridade e a sociedade civil De modo que a religião da primeira espécie constitui parte da política humana e ensina parte do dever que os reis terrenos exigem dos seus súditos A religião da segunda espécie é a política divina que encerra preceitos para aqueles que se entregaram como súditos do Reino de Deus Da primeira espécie são todos os fundadores de repúblicas e legisladores dos gentios Da segunda espécie são Abraão Moisés e o nosso abençoado Salvador dos quais chegaram até nós as leis do Reino de Deus Quanto àquela parte da religiâo que consiste nas opiniões relativas à natureza dos poderes invisíveis quase nada há com um nome que não tenha sido considerado entre os gentios em um ou outro lugar como um deus ou um demônio ou imaginado pelos poetas como animado habitado ou possuído por um ou outro espírito A matéria informe do mundo era um deus com o nome de Caos O céu o oceano os planetas o fogo a terra os ventos eram outros tantos deuses Os homens as mulheres um pássaro um crocodilo uma vaca um cão uma cobra uma cebola um alhoporro foram divinizados Além disso encheram quase todos os lugares com espíritos chamados daemons as planícies com Pã e panises ou sátiros os bosques com faunos e ninfas o mar com tritões e outras ninfas cada rio e cada fonte com um fantasma do mesmo nome e com ninfas cada casa com os seus lares ou familiares cada homem com o seu gênio o inferno com fantasmas e acólitos espirituais como Caronte Cérbero e as Fúrias e de noite todos os lugares com larvas lêmures fantasmas de homens falecidos e todo um reino de fadas e duendes Também atribuíram divindade e dedicaram templos a meros acidentes e qualidades como o tempo a noite o dia a paz a concórdia o amor o ódio a virtude a honra a saúde a corrupção a febre e outros semelhantes E nas suas preces a favor ou contra a eles A absurda opinião do gentilismo 551 96 97 UNIFESP B1BUOTECACAMPUS Parte 1 Do Homem XII Da Religião 56 J oravam como se houvesse fantasmas com esses nomes pairando sobre as suas cabeças os quais deixariam cair ou impediriam de cair aquele bem ou mal a favor do qual ou contra o qual oravam Invocavam também o seu próprio engenho sob o nome de Musas a sua própria ignorância sob o nome de Fortuna a sua própria lascívia sob o nome de CuPido a sua própria raiva sob o nome de Fúrias o seu próprio membro viril sob o nome de Príapo atribuíam as suas poluções a Íncubos e Súcubos de modo tal que de nada que um poeta pudesse introduzir como pessoa no seu poema deixavam de fazer um deus ou um demônio Os mesmos autores da religiâo dos gentios observando o segundo fundamento da religião que é a ignorância que os homens têm das causas e conseqüentemente a sua tendência para atribuir a sua sorte a causas das quais ela em nada aparenta depender aproveitaram para impor à sua ignorância em vez das causas secundárias uma espécie de deuses secundários e ministeriais atribuindo a causa da fecundidade a Vênus a causa das artes a Apoio a da sutileza e sagacidade a Mercúrio a das tormentas e tempestades a Éolo e as de outros efeitos a outros deuses De modo tal que havia entre os pagãos quase tão grande variedade de deuses como de atividades E às formas de culto que os homens naturalmente consideravam próprias para oferecer aos seus deuses tais como sacrifícios orações e ações de graças além das já referidas os mesmos legisladores dos gentios acrescentaram as suas imagens tanto em pintura como em escultura a fim de que os mais ignorantes quer isto dizer a maior parte ou o conjunto do povo pensando que os deuses em cuja representação tais imagens eram feitas nelas realmente estavam incluídos como se nelas estivessem alojados pudessem sentir perante elas ainda mais medo E dotaramnos com terras e casas funcionários e rendas separadas de todos os outros usos humanos isto é santificadas e consagradas a esses seus ídolos tais como cavernas grutas bosques e montanhas e também ilhas inteiras e atribuíramlhes não apenas as formas umas de homens outras de animais e outras de monstros mas também as faculdades e paixões de homens e animais como a sensação a linguagem o sexo o desejo a geração e isto não apenas misturandose uns com os outros para propagar a raça dos deuses mas misturandose também com os homens e as mulheres produzindo deuses híbridos e simples moradores dos céus como Baco Hércules e outros e além dessas também o ódio e a vingança e outras paixões das criaturas vivas assim como as ações delas derivadas como a fraude o roubo o adultério a sodomia e todo e qualquer vício que possa ser tomado como efeito do poder e causa do prazer e todos aqueles vícios que entre os homens são considerados mais como contrários à lei do que à honra E por último aos prognósticos dos tempos vindouros que naturalmente não passam de conjecturas baseadas na experiência dos tempos passados e sobrenaturalmente não são mais do que revelação divina os mesmos autores da religião dos gentios baseandose em parte numa pretensa experiência e em parte numa pretensa revelação acrescentaram inúmeras outras supersticiosas maneiras de adivinhação E fizeram os homens acreditar que descobririam a sua sorte às vezes nas respostas ambíguas ou sem sentido dos sacerdotes de DelfOs Delos e Amon e outros famosos oráculos respostas que eram propositadamente ambíguas para dar conta do evento em qualquer caso ou absurdas pelas intoxicantes emanações do lugar o que é muito freqüente em cavernas sulfurosas Às vezes nas folhas das sibilas sobre cujas profecias como talvez as de Nostradamus pois os fragmentos atualmente existentes parecem ser invenção de uma época posterior havia alguns livros que gozavam de grande reputação no tempo da República Romana Às vezes nos insignificantes discursos dos loucos supostamente possuídos por um espírito divino ao que chamavam entusiasmo e a estas maneiras de predizer acontecimentos se chamava teomancia ou profecia Às vezes no aspecto apresentado pelas estrelas ao nascer ao que se chamava horoscopia e era considerado parte da astrologia judicial Às vezes nas suas próprias esperanças e temores ao que se chamava tumomancia ou presságio Às vezes 98 99 Parte 1 Do Homem XII Da Religião 57 nas predições dos bruxos que pretendiam comunicarse com os mortos ao que se chama necromancia esconjuro e feitiçaria e não passa de um misto de impostura e fraude Às vezes no vôo ou forma de se alimentar casual das aves ao que se chamava augúrio Às vezes nas entranhas de um animal sacrificado ao que se chamava aruspicina Às vezes nos sonhos Às vezes no crocitar dos corvos ou no canto dos pássaros Às vezes nas linhas do rosto ao que se chamava metoposcopia ou pela palmistria nas linhas da mão ou às vezes eml palavras casuais ao que se chamava omina Às vezes em monstros ou acidentes invulgares como eclipses cometas meteoros raros terremotos inundações nascimentos prematuros e coisas semelhantes ao que chamavam portenta e ostenta porque pensavam que eles prediziam ou pressagiavam alguma grande calamidade futura Às vezes no simples acaso como no jogo de cara ou coroa ou na contagem do número de orifícios de um crivo ou no jogo de escolher versos de Homero e Virgílio e em inúmeras outras vãs invenções do gênero Tão fácil é os homens serem levados a acreditar em qualquer coisa por aqueles que gozam de crédito junto deles que podem com cuidado e destreza tirar partido do seu medo e ignorância Portanto os primeiros fundadores e legisladores de repúblicas entre os gentios cujo objetivo era apenas manter o povo em obediência e paz em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados primeiro o de incutir nas suas mentes a crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deviam ser considerados como provenientes da sua própria invenção mas como os ditames de algum deus ou outro espírito ou então de que eles próprios eram de natureza superior à dos simples mortais a fím de que as suas leis fossem mais facilmente aceitas Assim Numa Pompílio pretextou ter recebido da ninfa Egéria as cerimônias que instituiu entre os romanos o primeiro rei e fundador do reino do Peru pretextou que ele e a sua es posa eram filhos do Sol e Maomé para estabelecer a sua nova religião pretextou falar com o Espírito Santo sob a forma de uma pomba Em segundo lugar tiveram o cuidado de fazer acreditar que aos deuses desagradavam as mesmas coisas que eram proibidas pelas leis Em terceiro lugar o de prescrever cerimônias suplicações sacrifícios e festivais os quais se devia acreditar capazes de aplacar a ira dos deuses assim como que da ira dos deuses resultavam o insucesso na guerra grandes doenças contagiosas terremotos e a desgraça de cada indivíduo e que essa ira provinha da falta de cuidado com o culto a esses deuses e do esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias exigidas E embora entre os antigos romanos não fosse proibido negar aquilo que nos poetas está escrito sobre os sofrimentos e os prazeres depois desta vida e quel vários indivíduos de grande autoridade e peso nesse Estado satirizaram abertamente em suas arengas apesar disso essa crença sempre foi mais aceita do que rejeitada E por meio destas e outras instituições semelhantes conseguiam a fim de alcançar sua finalidade que era a paz da república que o vulgo em ocasiões de desgraça atribuísse a culpa à negligência ou a erros cometidos nas suas cerimônias ou à sua própria desobediência às leis tornandose assim menos capaz de se rebelar contra os seus governantes Entretido pela pompa e pela distração dos festivais e jogos públicos celebrados em honra dos deuses nada mais necessitava do que pão para se manter afastado do descontentamento de murmúrios e protestos contra o Estado Portanto os romanos que tinham conquistado a maior parte do mundo então conhecido não hesitavam em tolerar nenhuma religião que fosse mesmo na própria cidade de Roma a não ser que nela houvesse alguma coisa incompatível com o governo civil E não há notícia de que lá alguma religião fosse proibida a não ser a dos judeus os quais por serem o próprio Reino de Deus consideravam ilícito reconhecer sujeição a qualquer rei mortal ou a qualquer Estado E assim se vê como a relígião dos gentios fazia parte da sua política Os desígnios dos autores da religião dos pagãos 1 Syn em 1 Syn que 100 101 Parte 1 Do Homem XIL Da Religião A verdadeira religião o mesmo que as leis do Reino de Deus Mas quando foi o próprio Deus através da revelação sobrenatural que implantou a religião nesse momento Ele estabeleceu também para si mesmo um reino particular e não ditou apenas leis relativas ao comportamento para Consigo próprio mas também de uns para com os outros E dessa maneira no Reino de Deus a política e as leis civis fazem parte da religião e a distinção entre a dominação temporal e a espiritual não tinha aí lugar É verdade que Deus é o rei de toda a Terra mas mesmo assim pode ser rei de uma nação peculiar e eleita Pois não há nisso maior incongruência do que no fato de aquele que detém o comando geral de todo o exército ter também um regimento ou companhia que lhe pertença em particular Deus é rei de toda a Terra pelo seu poder mas do seu povo escolhido é rei em virtude de um pacto Mas para falar mais longamente do Reino de Deus tanto por natureza como por pacto reservei no subseqüente discurso um outro lugar Tendo em conta a maneira como a religião se propagou não é difícil compreender as causas de sua decomposição nas suas primeiras sementes ou princípios os quais são apenas a crença em divindade e em poderes2 invisíveis e sobrenaturais que jamais poderá ser extirpada da natureza humana a tal ponto que novas religiões deixem de brotar dela mediante a ação daqueles homens que têm reputação suficiente para esse efeito Pois considerando que toda religião estabelecida assenta inicialmente na fé de uma multidão em determinada pessoa que se acredita não apenas ser um sábio capaz de conseguir a felicidade de todos mas também ser um santo a quem o pró prio Deus decidiu declarar de forma sobrenatural a sua vontade seguese necessariamente que quando aqueles que têm o governo na religião se tornam suspeitos quanto à sua sabedoria à sua sinceridade ou ao seu amor ou quando se mostram incapazes de apresentar sinal provável da revelação divina nesse caso a religião que eles desejam manter tornase igualmente suspeita e sem o medo da espada civil contradita e rejeitada Aquilo que faz perder a reputação de sabedoria naquele que estabelece uma religião ou lhe acrescenta algo depois de já estabelecida é a imposição de crenças contraditórias Como não é possível que sejam verdadeiras as duas partes de uma contradição portanto impor a crença nelas é um argumento de ignorância que nisso denuncia o seu autor e o desacredita em todas as outras coisas que ele venha a propor como revelação sobrenatural a qual certamente se pode receber sobre muitas coisas acima da razão natural mas nunca contra ela Aquilo que faz perder a reputação de sinceridade é fazer ou dizer coisas que pareçam ser sinais de que não se acredita nas coisas em que se exige que os outros acreditem Todos esses atos e palavras são portanto considerados escandalosos porque são obstáculos que fazem os homens cair em vez de seguir o caminho da religião como por exemplo a injustiça a crueldade a hipocrisia a avareza e a luxúria Pois quem pode acreditar que aquele que pratica ordinariamente as ações que derivam de qualquer destas raízes possa acreditar que existe e deve ser temido aquele poder invisível com que pretende atemorizar os outros por faltas menores Aquilo que faz perder a reputação de amor é deixar transparecer ambições pessoais como por exemplo quando a crença que se exige dos outros conduz ou parece conduzir à aquisição de domínio riquezas dignidade ou à garantia de prazeres apenas ou especialmente para si próprio Porque aquilo de que os homens tiram benefícios próprios se considera que o fazem por si mesmos não por amor aos outros Por último o testemunho que os homens podem apresentar de vocação divina não pode ser outro senão a realização de milagres ou de profecias verdadeiras o que é também um milagre ou de extraordinária felicidade Portanto aos pontos de religião recebidos dos que realizaram tais milagres os que forem acrescentados por aqueles que não provam a sua vocação através de algum milagre não conquistam crença suplementar àproporcionada pelos costumes e leis dos lugares onde foram educados Pois tal como nas coisas naturais os homens judicio 58 J Capo xxxv As causas da mudança na religião I Syn e portanto a 2 Syn Poderes 102 103 Impor a crença em coisas impossiveis Agir ao contrário da religião que estabelecem 59J Falta de testemunho dos milagres Ex 3212 Jz 271 78m83 Parte 7 Do Homem XII Da Religião sos exigem sinais e argumentos naturais assim também nas coisas sobrenaturais exigem sinais sobrenaturais que são os milagres antes de aquiescerem no seu intimo e do fundo do coração Todas estas causas do enfraquecimento da fé dos homens aparecem manifestamente nos exemplos que se seguem Em primeiro lugar temos o exemplo dos filhos de Israel que quando Moisés que lhes havia confirmado sua vocação por meio de milagres e pela maneira feliz como os tirou do Egito se ausentou por apenas quarenta dias se revoltaram contra o culto do verdadeiro Deus que por ele lhes fora recomendado e estabelecendo como seu deus um bezerro de ouro caíram na idolatria dos egípcios dos quais tão pouco tempo antes haviam sido libertados Mais ainda depois que Moisés Aarão eJosué e a geração que tinha assistido às grandes obras de Deus em Israel morreram surgiu uma outra geração que adorou a Baal De modo que quando faltaram os milagres faltou também a fé E também quando os filhos de Samuel depois de instituí dos pelo seu pai como juízes em Bersabé aceitaram suborno e julgaram injustamente o povo de Israel recusou continuar a ter Deus como seu rei a não ser da mesma maneira como era rei dos outros povos exigindo portanto de Samuel que lhes escolhesse um rei à maneira das nações De modo que quando falta a justiça a fé falta também a ponto de os ter levado a depor o seu Deus do reinado que tinha sobre eles E enquanto no momento da implantação da religião cris tã os oráculos cessavam em todas as partes do Império Romano e o número de cristãos aumentava maravilhosamente todos os dias e em todos os lugares devido à pregação dos apóstolos e evangelistas uma grande parte desse sucesso pode razoavelmente ser atribuída ao desprezo que os sacerdotes gentios dessa época haviam atraido sobre si mesmos por sua impureza avareza e trapaça com os príncipes Também a religião da Igre ja de Roma foi em parte pela mesma razão abolida na Inglaterra e em muitas outras partes da cristandade na medida em que a falta de virtude dos pastores fez a fé faltar no povo e em parte porque a filosofia e doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos escolásticos Pois daí vieram à tona tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma reputação tanto de ignorãncia como de intenção fraudulenta e levaram o povo a revoltarse contra eles quer contra a vontade dos seus próprios príncipes como na França e na Holanda quer de acordo com a sua vontade como na Inglaterra Por último entre os pontos que a Igreja de Roma declarou necessários para a salvação existe um tão grande número que redunda manifestamente em vantagem para o papa e para os seus súditos espirituais residentes nos territórios de outros príncipes cristãos que se não fosse a recíproca emulação desses príncipes eles teriam podido sem guerras nem perturbações expulsar toda a autoridade estrangeira tão facilmente como ela foi expulsa na Inglaterra Pois haverá alguém que não seja capaz de ver para benefício de quem contribuía acreditar se que um rei só recebe de Cristo a sua autoridade no caso de ser coroado por um bispo Que um rei se for sacerdote não se pode casar Que se um príncipe nasceu de um casamento legitimo ou não é assunto que deve ser decidido pela autoridade de Roma Que os súditos podem ser liberados do seu dever de sujeição se o tribunal de Roma tiver condenado o rei como herege Que um rei como é Chilperico da França pode ser deposto por um papa como o papa Zacarias sem motivo algum sendo o seu reino dado a um dos seus súditos Que o clero secular e regular seja em que país for se encontra isento da autoridade do seu reino em casos criminais E quem não vê em proveito de quem redundam os emolumentos das missas particulares e dos véusl do purgatório juntamente com outros sinais de interesse pessoal suficientes para mortificar a mais viva fé se conforme disse o magistrado civil e os costumes deixarem de a sustentar mais do que qualquer opinião que tenham da santidade sabedoria e probidade dos seus mestres De modo que posso atribuir todas as mudanças de religião do mundo a uma e mesma causa qual j Syn Vales 104 105 60 li Homens iguais por natureza Parte 7 Do Homem XIII Da Condição Natural da Humanidade seja sacerdotes desprezíveís e isto não apenas entre os católicos mas até naquela Igreja que mais presumiu de Reformal ainda maior do que a de força Porque a prudência nada mais é do que experiência que um tempo igual concede igualmente a todos os homens naquelas coisas a que igualmente se dedicam O que talvez possa tornar inacreditável essa igualdade ésimplesmente a presunção vaidosa da própria sabedoria a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo quer dizer em maior grau do que todos menos eles próprios e alguns outros que ou devido à fama ou por concordarem com eles merecem a sua aprovação Pois a natureza dos homens é tal que embora sejam capazes de reconhecer em muitos outros maior sagacidade maior eloqüência ou maior saber dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios porque vêem a própria sagacidade bem de perto e a dos outros homens à distância Ora isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto e não que sejam desiguais Pois geralmente não há sinal mais claro de uma distribuição eqüitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos os nossos fins Portanto se dois homens desejam a mesma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos eles tornamse inimigos E no caminho para o seu fim que é principalmente a sua própria conservação e às vezes apenas o seu deleite esforçamse por se destruir ou subjugar um ao outro E disto se segue que quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem se alguém planta semeia constrói ou possui um lugar cômodo esperase que provavelmente outros venham preparados com forças conjugadas para o desapossar e privar não apenas do fruto do seu trabalho mas também da sua vida ou da sua liberdade Por sua vez o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros E por causa desta desconfiança de uns em relação aos outros nenhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação isto é pela força ou pela astúcia subjugar as pessoas de todos os homens que puder durante o tempo necessá CAPo XIII Da CONDIÇÃO NATURAL da Humanidade relativamente à sua Felicidade e Miséria A natureza fez os homens tão iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito que embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo do que outro mesmo assim quando se considera tudo isto em conjunto a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte quer por secreta maquinação quer aliandose com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo Quanto às faculdades do espírito pondo de lado as artes que dependem das palavras e especialmente aquela capacidade para proceder de acordo com regras gerais e infalíveis a que se chama ciência que pouquíssimos têm e apenas numas poucas coisas não sendo uma faculdade inata nascida conosco nem alcançada como a prudência enquanto cuidamos de alguma outra coisa encontro entre os homens uma igualdade I O manuscrito do copista vem assim redigido Nos quais os homens por fraqueza comum são levados a executar sua ira Abatem não apenas a religião a que reduzem a uma ilusão individual mas também o governo civil que a sustenta reduzindoo à condição natural da força individual 106 107 61 Da igualdade provém a desconfiaTfa Da desconfraTfa a guerra Parte 1 Do Homem XIII Da Condição Natural da Humanidade 62 rio para chegar ao momento em que não veja nenhum outro poder suficientemente grande o ameaçar E isto não é mais do que a sua própria conservação exige e geralmente se aceita E porque alguns se comprazem em contemplar o próprio poder em atos de conquista levados muito além do que a sua segurança exige outros que em circunstâncias distintas se contentariam em se manter tranqüilamente dentro de modestos limites caso não aumentassem o seu poder por meio de invasões não seriam capazes de subsistir durante muito tempo se apenas se pusessem em atitude de defesa Conseqüentemente devese conceder a todos esse aumento do domínio sobre os homens pois é necessário para a conservação de cada um Além disso os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros e sim pelo contrário um enorme desprazer quando não existe um poder capaz de intimidar a todos Porque cada um pretende que o seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação naturalmente se esforça na medida em que a tal se atreve o que entre os que não têm um poder comum capaz de manter a todos em respeito vai suficientemente longe para leváIos a se destruírem uns aos outros por arrancar dos seus contendores a atribuição de maior valor causandoIhes dano e de outros também pelo exemplo De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia Primeiro a competição segundo a desconfiança e terceiro a glória A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro a segunda a segurança e a terceira a reputação Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas mulheres filhos e rebanhos dos outros homens os segundos para defenderem nos e os terceiros por ninharias como uma palavra um sorriso uma opinião diferente e qualquer outro sinal de desprezo quer seja diretamente dirigido às suas pessoas quer indiretamente aos seus parentes amigos nação profissão ou ao seu nome Com isto tornase manifesto que durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantêIos todos em temor respeitoso eles se encontram naquela condição a que se chama guerra e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens Pois a GUERRA não consiste apenas na batalha ou no ato de lutar mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta na natureza da guerra do mesmo modo que na natureza do clima Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos mas numa tendência para chover durante vários dias seguidos também a natureza da guerra não consiste na luta real mas na conhecida disposição para tal durante todo o tempo em que não há garantia do contrário Todo o tempo restante é de PAZ Portanto tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra em que todo homem é inimigo de todo homem inferese também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua própria invenção Numa tal condição não há lugar para o trabalho pois o seu fruto é incerto conseqüentemente não há cultivo da terra nem navegação nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar não há construções confortáveis nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força não há conhecimento da face da Terra nem cômputo do tempo nem artes nem letras não há sociedade e o que é pior do que tudo um medo contínuo e perigo de morte violenta E a vida do homem é solitária miserável sórdida brutal e curta Poderá parecer estranho a alguém que não tenha medido bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens tornandoos capazes de se atacarem e destruírem uns aos outros E poderá portanto talvez desejar não confiando nesta inferência feita das paixões que ela seja confirmada pela experiência Que seja portanto ele a considerarse a si mesmo que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem 108 109 Fora das Repúblicas civis há sempre guerra de todos conlra todos Inconvenientes de tal guerra Parte 1 Do Homem 63 acompanhado quando vai dormir fecha as suas portas mesmo quando está em casa tranca os seus cofres embora saiba que existem leis e servidores públicos armados prontos a vingar qualquer dano que lhe possa ser feito Que opinião tem ele dos seus compatriotas ao viajar armado dos seus concidadãos ao fechar as suas portas e dos seus filhos e criados quando tranca os seus cofres Não significa isso acusar tanto a humanidade com os seus atos como eu o faço com as minhas palavras Mas nenhum de nós acusa com isso a natureza humana Os desejos e outras paixões do homem não são em si mesmos um pecado Tampouco o são as ações que derivam dessas paixões até o momento em que se tome conhecimento de uma lei que as proíba o que será impossível até o momento em que sejam feitas as leis e nenhuma lei pode ser feita antes de se ter concordado quanto à pessoa que deverá fazêIa Poderá porventura pensarse que nunca existiu um tal tempo nem uma condição de guerra como esta e acredito que jamais tenha sido geralmente assim no mundo inteiro mas há muitos lugares onde atualmente se vive assim porque os povos selvagens de muitos lugares da América com exceção do governo de pequenas famílias cuja concórdia depende da concupiscência natural não possuem nenhuma espécie de governo e vivem nos nossos dias daquela maneira brutal que antes referi Seja como for é fácil conceber qual era o gênero de vida quando não havia poder comum a temer pelo gênero de vida em que os homens que anteriormente viveram sob um governo pacífico costumam deixarse cair numa guerra civil Mas mesmo que jamais tivesse havido um tempo em que os individuos se encontrassem numa condição de guerra de todos contra todos em todos os tempos os reis e as pessoas dotadas de autoridade soberana por causa da sua independência vivem em constante rivalidade e na condição e atitude dos gladiadores com as armas assestadas cada um de olhos fixos nos outros isto é os seus fortes guarnições e canhões guardando as fronteiras dos seus reinos e constantemente com espiões no território dos seus vizinhos o que constitui uma ati 110 XIII Da Condição Natural da Humanidade tude de guerra Mas como desse modo protegem o trabalho dos seus súditos disso não se segue como conseqüência a desgraça associada à liberdade dos individuos isolados Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é conseqüência que nada pode ser injusto As noções de certo e de errado de justiça e injustiça não podem aí ter lugar Onde não há poder comum não há lei e onde não há lei não há injustiça Na guerra a força e a fraude são as duas virtudes cardeais A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito Se assim fosse poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo do mesmo modo que os seus sentidos e paixões São qualidades que pertencem aos homens em sociedade não na solidão Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade nem domínio nem distinção entre o meu e o teu só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir e apenas en quanto for capaz de o conservar É pois nesta miserável condi ção que o homem realmente se encontra por obra da simples natureza embora com uma possibilidade de escapar a ela que em parte reside nas paixões e em parte na sua razão As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de as conseguir por meio do trabalho E a razão sugere adequadas normas de paz em torno das quais os homens podem chegar a um acordo Es sas normas são aquelas a que em outras situações se chamam leis da natureza das quais falarei mais particularmente nos dois capítulos seguintes Em tal guerra ruuia é injusto As paixões qUI flOem tender para a pIO 1 l 111 64 o que é o direito de natureza o que é a liberdade o que é uma lei de natureza Diferença entre direito e lei Todo homem tem naturalmente direito a tudo Parte 7 Do Homem XlV Da primeira e segunda Leis Naturais CAPo XIV Da primeira e segunda LEIS NATURAIS e dos CONTRATOS gos seguese que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas até mesmo aos corpos uns dos outros Portanto enquanto perdurar este direito natural de cada homem a todas as coisas não poderá haver para nenhum homem por mais forte e sábio que seja a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver Conseqüentemente é um preceito ou regra geral da razão Que todo homem deve se esforçar pela paz na medida em que tenha esperança de a conseguir e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra A primeira parte desta regra encerra a primeira e fundamental lei de natureza isto é procurar a paz e seguiIa A segunda encerra a súmula do direito de natureza isto é por todos os meios que pudermos defendermonos a nós mesmos Desta lei fundamental de natureza mediante a qual se ordena a todos os homens que se esforcem para conseguir a paz deriva esta segunda lei Que um homem concorde quando outros também o façam e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo em resignar ao seu direito a todas as coisas contentandose em relação aos outros homens com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo Porque enquanto cada homem detiver o seu direito de fazer tudo quanto queira todos os homens se encontrarão numa condição de guerra Mas se os outros homens não resignarem ao seu direito assim como ele próprio não há razão para que alguém se prive do seu pois isso equivaleria a oferecerse como presa coisa a que ninguém é obrigado e não a disporse para a paz É esta a lei do Evangelho Faz aos outros o que queres que te façam a ti E esta é a lei de todos os homens Quod tibi fieri non vis alteri ne feceris Resignar a um direito a alguma coisa é o mesmo que privarse da liberdade de impedir outro de beneficiarse do seu próprio direito à mesma coisa Pois quem renuncia ou resigna ao seu direito não dá a nenhum outro homem um direito que este já não tivesse antes porque não há nada a que um homem não tenha direito por natureza neste caso apenas se afasta do ca o DIREITO DE NATUREZA a que os autores geralmente chamamJus Naturale é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder da maneira que quiser para a preservação da sua própria natureza ou seja da sua vida e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim Por LIBERDADE entendese conforme a significação própria da palavra a ausência de impedimentos externos impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer mas não podem obstar a que use o poder que lhe resta conforme o que o seu julgamento e razão lhe ditarem Uma LEI DE NATUREZA Lex Naturalis é um preceito ou regra geral estabelecido pela razão mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou pri váIo dos meios necessários para a preservar ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a preservar Porque embora os que têm tratado deste assunto costumem confundir Jus e Lex o direito e a lei é necessário distinguiIos um do outro Pois o DIREITO consiste na liberdade de fazer ou de omitir ao pas so que a LEI determina ou obriga a uma dessas duas coisas De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade as quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão E dado que a condição do homem conforme foi declarado no capítulo anterior é uma condição de guerra de todos contra todos sendo neste caso cada um governado pela sua própria razão e nada havendo de que possa lançar mão que não lhe ajude na preservação da sua vida contra os seus inimi I Syn Natureza 2 Syn Natureza 112 113 Lei fúndamental de natureza Buscar a paz A segunda lei de natureza Contratar para obter a paz 2 65 o que é resignar a um direito o que é renundar a um direito o que é a transferência de direito Obrigação Dever Injustiça Parte 7 Do Homem XlV Da primeira e segunda Leis Naturais minho do outro para que ele possa gozar do seu direito original sem que haja obstáculos da sua parte mas não sem que haja obstáculos da parte dos outros De modo que o efeito redundante a um homem da desistência de outro ao seu direito é simplesmente uma diminuição equivalente dos impedimentos ao uso do seu próprio direito original Resignase a um direito simplesmente renunciando a ele ou transferindoo para outrem Simplesmente RENUNCIANDO quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício TRANSFERINDOO quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas Quan do de qualquer destas maneiras alguém abandonou ou adjudi cou o seu direito dizse que fica OBRIGADO ou FORÇADO a não impedir àqueles a quem esse direito foi abandonado ou adju dicado o respectivo beneficio e que deve e é seu DEVER não tornar nulo esse seu próprio ato voluntário e que tal impedimento é INJUSTIÇA e DANO dado que é sine jure pois se trans feriu ou se renunciou ao direito De modo que dano ou injusti ça nas controvérsias do mundo é de certo modo semelhante àquilo que nas disputas dos escolásticos se chama absurdo Porque tal como nestas últimas se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou assim também no mundo se chama injustiça e dano desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito O modo pelo qual um homem simplesmente renuncia ou transfere o seu direito é uma declaração ou expressão mediante um sinal ou sinais voluntários e suficientes de que assim renuncia ou transfere ou de que assim renunciou ou transferiu esse direito àquele que o aceitou Estes sinais podem ser apenas palavras ou apenas ações ou então conforme acontece na maior parte dos casos tanto palavras como ações E estas são os VíNCULOS mediante os quais os homens ficam atados e obrigados vínculos que não recebem a sua força da sua própria natureza pois nada se rompe mais facilmente do que a pala vra de um homem mas do medo de alguma má conseqüência resultante da ruptura Quando alguém transfere o seu direito ou a ele renuncia o faz em consideração a outro direito que reciprocamente lhe foi transferido ou a qualquer outro bem que dai espera Pois é um ato voluntário e o objetivo de todos os atos voluntários dos homens é algum bem para si mesmos Portanto há alguns direitos que é impossível admitir que algum homem por quaisquer palavras ou outros sinais possa abandonar ou transferir Em primeiro lugar ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela força para lhe tirar a vida pois é impossível admitír que com isso vise algum benefício próprio O mesmo se pode dizer dos ferimentos das cadeias e do cárcere tanto porque desta resignação não pode resultar benefício como há quando se resigna a permitir que outro seja ferido ou encarcerado mas também porque é impossível saber quando alguém lança mão da violência se com ela pretende ou não provocar a morte Por último o motivo e fim devido ao qual se introduz esta renúncia e transferência do direito não é mais do que a segurança da pessoa de cada um quanto à sua vida e quanto aos meios de a preservar de maneira tal que não acabe por dela se cansar Portanto se por palavras ou outros sinais um homem parecer despojarse do fim para que esses sinais foram criados não se deve entender que é isso que ele quer dizer ou que é essa a sua vontade mas que ele ignorava a maneira como essas palavras e ações iriam ser interpretadas A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama CONTRATO Rá uma diferença entre a transferência do direito a uma coisa e a transferência ou transmissão ou seja a entrega da própria coisa Porque a coisa pode ser entregue juntamente com a translação do direito como na compra e venda com dinheiro à vista ou na troca de bens e terras ou pode ser entregue algum tempo depois Além disso um dos contratantes pode de sua parte entregar a coisa contratada e deixar que o outro cumpra a sua parte num momento posterior determinado confiando nele até lá Nesse caso da sua parte o contrato chamase PACTO ou 114 115 66 Nem todos os direitos são alienáveis O que é um contrato O que é convenção Dádiva SiTlflis expressos de contrato 67 Sinais de contrato por inferênda A dádiva é transmitida por palavras do presente ou passado Parte 7 Do Homem CONVENÇÃO As duas partes podem também contratar agora para cumprir mais tarde e nesse caso dado que se confia naquele que deverá cumprir a sua parte ao cumprimento chamase observância da promessa ou fé e a falta de cumprimento se for voluntária chamase violação de fé Quando a transferência de direito não é mútua e uma das partes o transfere na esperança de assim conquistar a amizade ou os serviços de um outro ou dos amigos deste ou na esperança de adquirir reputação de caridade ou magnanimidade ou para livrar o seu espírito da dor da compaixão ou na esperança de ser recompensado no céu nestes casos não há contrato mas DOACÃO DÁDIVA ou GRAÇA palavras que significam uma e mesma coisa Os sinais de contrato podem ser expressos ou por inferência Expressas são as palavras proferidas com a compreensão do que significam Essas palavras são do tempo presente ou do passado como dou adjudico dei adjudiquei quero que isto seja teu ou do futuro como darei adjudicarei palavras do futuro a que se chama PROMESSAS Os sinais por inferência são às vezes conseqüência de palavras e às vezes conseqüência do silêncio às vezes conseqüência de ações e às vezes conseqüência da omissão de ações Geralmente um sinal por inferência de qualquer contrato é tudo aquilo que mostra de maneira suficiente a vontade do contratante As palavras sozinhas se pertencerem ao tempo futuro e encerrarem uma simples promessa são sinais insuficientes de uma doação e portanto não são obrigatórias Porque se forem do tempo futuro como por exemplo amanhã darei são sinal de que ainda não dei e de que conseqüentemente o meu direito não foi transferido continuando na minha posse até o momento em que o transferir por algum outro ato Mas se as palavras forem do tempo presente ou do passado como por exemplo dei ou dou para ser entregue amanhã então meu direito de amanhã é abandonado hoje e isto em virtude das palavras mesmo que não haja nenhum outro argumento da minha von 116 I11 III XlV Da primeira e segunda Leis Naturais tade E há uma grande diferença no significado das palavras Volo hoc tuum esse cras e Cras dabo isto é entre Quero que isto seja teu amanhã e Darteei isto amanhã Porque a expressão Quero do primeiro discurso indica um ato da vontade presente ao passo que o segundo discurso indica um ato da vontade futura Por tanto a primeira frase estando no presente transfere um di reito futuro e a segunda que é do futuro não transfere nada Mas se além das palavras houver outros sinais da vontade de transferir um direito nesse caso mesmo que a doação seja livre podese considerar que o direito é transmitido através de palavras do futuro Por exemplo se alguém oferece um prê mio àquele que chegar primeiro ao fim de uma corrida a doa ção é livre embora as palavras sejam do futuro mesmo assim o direito é transmitido pois se esse alguém não quisesse as suas palavras assiml entendidas não as teria deixado escapar Nos contratos o direito não é transmitido apenas quando as palavras são do tempo presente ou passado mas também quando elas são do futuro porque todo contrato é uma trans lação ou troca mútua de direitos Portanto aquele que apenas promete por já ter recebido o beneficio em razão do qual fez a promessa deve ser entendido como se tivesse a intenção de transmitir o direito porque se não quisesse ver as suas pala vras assim entendidas o outro não teria cumprido primeiro a sua parte É por esse motivo que na compra e na venda e em outros atos de contrato uma promessa é equivalente a um pacto e portanto é obrigatória De quem cumpre primeiro a sua parte num contrato diz se que MERECE o que há de vir a receber do cumprimento da parte do outro o qual tem como devido E também quando se promete a muitos um prêmio mas que será dado apenas ao ganhador ou quando se lança dinheiro no meio de um grupo para ser aproveitado por quem o apanhar embora isto seja uma doação ganhar ou apanhar desse modo equivale a mere cer e a têl o como DEVIDO Porque o direito é transferido pela Sinais de contrato sáo palavras de passado presente e ftturo o que é mérito I Syn fossem assim 117 Parte 1 Do Homem 68 oferta do prêmio e pelo ato de lançar o dinheiro embora não esteja determinado a quem é transferido o que só será feito pela realização do certame Mas entre essas duas espécies de mérito há esta diferença no contrato eu mereço em virtude do meu próprio poder e da necessidade do contratante ao passo que no caso da doação o que me permite merecer é apenas a benevolência do doador No contrato mereço do contratante que ele se desfaça do seu direito No caso da doação não mereço que o doador se desfaça do seu direito e sim que quando dele se desfizer ele seja meu e não de outrem Creio ser este o significado da distinção estabelecida pelos escolásticos entre meTitum congrui e meTitum condigni Deus TodoPoderoso prometeu o paraíso aos homens cegos pelos desejos carnais que forem capazes de atravessar este mundo em conformidade com os preceitos e limites por Ele estabelecidos e segundo esses escolásticos quem disso for capaz merecerá o paraíso ex congruo Mas como nenhum homem pode reclamar o direito ao paraíso com base na sua própria retidão nem em nenhum outro dos seus poderes mas apenas com base na livre graça de Deus dizem eles que nenhum homem pode merecer o paraíso ex condigno Creio ser este o significado dessa distinção mas dado que os disputantes não se põem de acordo quanto à significação dos termos da sua própria arte a não ser enquanto isso lhes é de utilidade nada afirmarei do seu significado limitandome apenas a dizer isto quando uma doação é feita indefinidamente como no caso de um prêmio a ser disputado aquele que ganhar merece e pode reclamar o prêmio como algo que lhe é devido Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente a sua parte e uns confiam nos outros na condição de simples natureza que é uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto Mas se houver um poder comum situado acima dos contratantes com direito e força suficiente para impor o seu cumprimento ele não é nulo Pois aquele que cumpre primeiro não tem nenhuma garantia de que o outro Quando são inválidos os pactos de conflllnça mútua 118 IL XIv Da primeira e segunda Leis Naturais também cumprirá depois porque os vínculos das palavras são demasiado fracos para refrear a ambição a avareza a cólera e outras paixões dos homens se não houver o medo de algum poder coercitivo coisa impossível de supor na condição de simples natureza em que os homens são todos iguais e juízes do acerto dos seus próprios temores Portanto aquele que cum pre primeiro não faz mais do que entregarse ao seu inimigo contrariamente ao direito que jamais pode abandonar de defender a sua vida e os seus meios de sobrevivência Mas numa república civil em que foi instituído um poder para coagir aqueles que do contrário violariam a sua fé esse te mor deixa de ser razoável Por esse motivo aquele que median te o pacto deve cumprir primeiro a sua parte é obrigado a fazêIo A causa do medo que torna inválido um tal pacto deve ser sempre algo que surja depois de feito o pacto como por exem plo algum fato novo ou outro sinal da vontade de não cum prir caso contrário ela não pode tornar nulo o pacto Porque não se deve admitir aquilo que não pôde impedir um homem de prometer como obstáculo ao cumprimento Aquele que transfere qualquer direito transfere também os meios de o gozar na medida em que tal esteja em seu poder Por exemplo daquele que transfere uma terra se enten de que transfere também a vegetação e tudo o que nela cresce Também aquele que vende um moinho não pode desviar a cor rente que o faz andar E daqueles que dão a um homem o direi to de governar como soberano se entende que lhe dão também o direito de recolher impostos para pagar aos seus soldados e de designar magistrados para a administração da justiça É impossível fazer pactos com os animais porque eles não compreendem a nossa linguagem e portanto não podem com preender nem aceitar nenhuma translação de direito nem podem transferir nenhum direito a outrem sem mútua aceitação não há pacto possível É impossível fazer pactos com Deus a não ser pela mediação daqueles a quem Deus falou por meio da revelação sobre natural quer através dos lugartenentes que sob Ele governam 119 Direito aos fins contém direito aos meios Não há pacto com animais 69 Nem com Deus sem revelação especial Parte 7 Do Homem Só há pacto do possível e ftturo e em Seu nome Porque do contrário não podemos saber se os nossos pactos foram aceitos ou não Portanto aqueles que fazem voto de alguma coisa contrária à lei de natureza fazem voto em vão pois cumprir tal voto seria uma coisa injusta E se for uma coisa ordenada pela lei de natureza não é o voto mas a lei que os vincula A matéria ou objeto de um pacto é sempre alguma coisa sujeita à deliberação porque fazer o pacto é um ato da vonta de quer dizer um ato e o último ato da deliberação portan to sempre se entende ser alguma coisa futura e que é conside rada possível cumprir por aquele que faz o pacto Portanto prometer o que se sabe ser impossível não é um pacto Mas se só depois se mostrar impossível o que antes se considerava possível o pacto é válido e embora não obrigue à própria coisa obriga ao valor equivalente Ou então se tam bém isso for impossível à tentativa sem fingimentos de cumprir o mais possível porque a mais do que isto ninguém pode ser obrigado Os homens ficam liberados dos seus pactos de duas ma neiras ou cumprindo ou sendo perdoados Pois o cumprimen to é o fim natural da obrigação e o perdão é a restituição da liberdade sendo a retransferência daquele direito em que con sistia a obrigação Os pactos celebrados por medo na condição de simples natureza são obrigatórios Por exemplo se eu me comprometo a pagar ao meu inimigo um resgate ou um serviço em troca da vida fico vinculado por esse pacto Porque é um contrato em que um recebe o benefício da vida e o outro receberá dinheiro ou serviços em troca dela Conseqüentemente quando não há outra lei como é o caso na condição de simples natureza que proíba o cumprimento o pacto é válido Portanto os prisionei ros de guerra que se comprometem a pagar o seu resgate são obrigados a pagáIo E se por medo um príncipe mais fraco assi na uma paz desvantajosa com outro mais forte é obrigado a respeitá Ia a não ser como já foi dito que surja algum novo e justo motivo de temor para recomeçar a guerra E mesmo nas Como os pactos se tornam nulos Pactos extorquidos por medo são válidos 120 XlV Da primeira e segunda Leis Naturais repúblicas se eu me vir forçado a livrarme de um ladrão prometendo lhe dinheiro sou obrigado a pagáIo a não ser que a lei civil disso me dispense Porque tudo o que posso fazer licitamente sem obrigação posso também compactuar licitamente por medo e o que eu compactuar licitamente não posso licitamente romper Um pacto anterior anula outro posterior Porque um homem que transmitiu hoje o seu direito a outro não o pode transmitir amanhã a um terceiro portanto a promessa posterior não transmite direito algum pois é nula Um pacto em que eu me comprometa a não me defender da força pela força é sempre nulo Porque conforme mostrei ninguém pode transferir ou renunciar ao seu direito de evitar a morte os ferimentos ou o cárcere o que é o único fim da renúncia ao direito e portanto a promessa de não resistir à força não transfere nenhum direito em pacto algum nem é obrigatória Porque embora se possa fazer um pacto nos seguintes termos Se eu não fizer isto ou aquilo matame não se pode fazêlos nestes termos Se eu não fizer isto ou aquilo não te resistirei quando vieres matarme Porque o homem escolhe por natureza o mal menor que é o perigo de morte ao resistir e não o mal maior que é a morte certa e imediata se não resistir E isto é reconhecido como verdadeiro por todos os homens quando fazem conduzir os criminosos para a execução e para a prisão rodeados de guardas armados apesar de esses criminosos terem aceitado a lei que os condena Um pacto segundo o qual alguém se acusa a si mesmo sem garantia de perdão é igualmente inválido Pois na condição de natureza em que todo homem é juiz não há lugar para a acusação e na república civil a acusação é seguida pelo castigo como este é força ninguém é obrigado a não lhe resistir O mesmo é verdadeiro a respeito da acusação daqueles em virtude de cuja condenação se fica na miséria como a de um pai uma esposa ou um benfeitor porque o testemunho de um tal acusador se não for prestado voluntariamente deve considerarse corrompido pela natureza e portanto não deve ser acei 121 Pacto anterior com um anula um posterior com outro É nulo um pacto de não se deftnder 70 Ninguém é obrigado a se acusar Parte 7 Do Homem A finalidade de um juramento to e quando o testemunho de um homem não vai receber crédito ele não é obrigado a prestálo Também as acusações arrancadas sob tortura não devem ser aceitas como testemunhos Porque a tortura é para ser usada somente como meio de conjectura de esclarecimento num exame posterior e de busca da verdade e o que nesse caso se confessa contribui para aliviar quem é torturado não para informar os torturadores Portanto não deve ser aceito como testemunho suficiente porque quer o torturado se liberte graças a uma verdadeira ou a uma falsa acusação o faz pelo direito de preservar a sua vida Dado que a força das palavras conforme assinalei é demasiado fraca para obrigar os homens a cumprirem os seus pactos só é possivel conceber na natureza do homem duas maneiras de a reforçar Estas são o medo das conseqüências de faltar à palavra dada ou a glória ou o orgulho de aparentar não precisar faltar a ela Este último é uma generosidade demasiado raro de encontrar para se poder contar com ela sobretudo entre aqueles que procuram a riqueza a autoridade ou os prazeres sensuais ou seja a maior parte da humanidade A paixão com que se pode contar é o medo o qual pode ter dois objetos extremamente gerais um é o poder dos espíritos invisíveis e o outro é o poder dos homens que se pode ofender Destes dois embora o primeiro seja o maior poder mesmo assim o medo do segundo é geralmente o maior medo O medo dos primeiros é em cada homem a sua própria religião a qual surge na natureza do homem antes da sociedade civil Já o segundo não surge antes disso ou pelo menos não em grau suficiente para levar os homens a cumprirem as suas promessas porque na condição de simples natureza só se nota a desigualdade do poder no desfecho da luta De modo que antes da sociedade civil ou em caso de interrupção desta pela guerra nada há que seja capaz de fortalecer um pacto de paz a que se tenha anuído contra as tentações da avareza da ambição da concupiscência ou outro desejo forte a não ser o medo daquele poder invisível que todos cultuam como Deus e na qualidade de vingador da sua perfídia Portanto tudo o que pode 122 xv De outras Leis de Natureza ser feito entre dois homens que não estejam sujeitos ao poder civil é jurarem um ao outro pelo Deus que ambos temem Essa jura ou JURAMENTO é uma forma de discenso somada a uma promessa pela qual aquele que promete quer dizer que caso não a cumpra renuncia à graça de Deus ou pede que sobre si mesmo recaia a sua vingança Era assim a fórmula pagã que Júpiter me mate como eu mato este animal E assim é a nossa fórmula Ajudaime Deus que farei isto e aquilo E a isso se acrescentam os rituais e cerimônias que cada um usa na sua religião a fim de tornar maior o medo de faltar à palavra Fica assim manifesto que qualquer juramento proferido segundo outra fórmula ou ritual senão o daquele que jura seja em vão não é juramento algum Além disso quem jura só pode fazêIo por aquele que julgue ser Deus Porque embora os homens costumem às vezes jurar pelo seu rei por medo ou lisonja com isso dão a entender que lhe atribuem honra divina E jurar desnecessariamente por Deus não é mais do que profanar o seu nome ao mesmo tempo que jurar por outras coisas como os homens o fazem no discurso vulgar não é jurar e sim um costume ímpío adquirido por um excesso de veemência na linguagem Fica manifesto também que o juramento nada acrescenta à obrigação Porque um pacto caso seja legítimo vincula aos olhos de Deus tanto sem o juramento como com ele caso seja ilegítimo não vincula nada mesmo que seja confirmado por um juramento CAP XV De outras Leis de Natureza Daquela leí de natureza pela qual somos obrigados a transferir aos outros direitos que se forem conservados impedem 123 71 Forma dos juramentos Só por Deus há juramento Juramento nada rurescenta à obrigação A justiça terceira lei de natureza o que são justiça e injustiça Justiça e propriedade começam a constituição da república 72 Parte 1 Do Homem xv De outras Leis de Natureza a paz da humanidade seguese uma terceira Que os homens cum pram os pactos que celebrarem Sem esta lei os pactos seriam vãos e não passariam de palavras vazias com o direito de todos os homens a todas as coisas ainda em vigor permanecemos na condição de guerra Nesta lei da natureza reside a fonte e a origem da JUSTIÇA Porque sem um pacto anterior não há transferência de direito e todo homem tem direito a todas as coisas conseqüentemente nenhuma ação pode ser injusta Mas depois de celebrado um pacto rompêIo é injusto E a definição da INJUSTIÇA não é outra senão o não cumprimento de um pacto E tudo o que não é injusto é justo Ora como os pactos de confiança mútua são inválidos sempre que de qualquer dos lados existe receio de nãocumprimento conforme se disse no capítulo anterior embora a origem da justiça seja a celebração dos pactos não pode haver realmente injustiça antes de ser removida a causa desse medo o que não pode ser feito enquanto os homens se encontram na condição natural de guerra Portanto para que as palavras justo e injusto possam ter lugar é necessária alguma espécie de poder coercitivo capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto e capaz de confirmar propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo como recompensa do direito universal a que renunciaram E não pode haver tal poder antes de se erigir uma república Também a definição comum de justiça fornecida pelos escolásticos permite deduzir o mesmo na medida em que afírmam que a justiça é a vontade constante de dar a cada um o que é seu Portanto onde não há o seu isto é não há propriedade não pode haver injustiça e onde não foi estabelecido um poder coercitivo isto é onde não há república não há propriedade pois todos os homens têm direito a todas as coisas Portanto onde não há república nada é injusto De modo que a natureza da justiça consiste no cumprimento dos pactos válidos mas a validade dos pactos só começa com a cons tituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri Ios e é também só aí que começa a haver propriedade O néscio disse em seu coração que a justiça é coisa que não existe e às vezes disseo também com a língua afirmando com toda a seriedade que se a conservação e a satisfação de cada homem está entregue ao seu próprio cuidado não pode haver razão para que cada um deixe de fazer o que supõe conduzir a esse fim Portanto também fazer ou deixar de fazer cumprir ou deixar de cumprir os pactos não é contra a razão nos casos em que contribui para o benefício próprio Com isso ele não pretende negar que existem pactos e que algumas vezes eles são desrespeitados e outras são cumpridos e que o seu desrespeito pode ser chamado injustiça e a sua observância justiça Mas pergunta se a justiça pondo de lado o temor a Deus porque o mesmo néscio disse no seu coração que não há Deus não poderá às vezes concordar com aquela mesma razão que dita a cada um o seu próprio bem sobretudo quando ela produz um benefício capaz de colocar um homem em posição de desprezar não apenas censuras e os ultrajes mas também o poder dos outros homens O Reino de Deus conquistase pela violência E se ele fosse conquistado pela violência injusta Seria contra a razão assim o conquistar quando é impossível que daí resulte qualquer dano E se não é contra a razão não é contra a justiça caso contrário a justiça não pode ser considerada uma coisa boa Graças a raciocínios como este a perversidade triunfante adquiriu o nome de virtude e alguns que em todas as outras coisas condenam a violação da fé aprovamna quando é para conquistar um reino E os pagãos que acreditavam que Satumo foi deposto pelo seu filhojúpiter acreditavam por outro lado que o mesmojúPiter era o vingador da injustiça Coisa semelhante se encontra num texto jurídico dos comentários de Coke sobre Litleton na qual se diz que o legítimo herdeiro da coroa que for culpado de traição deverá mesmo assim ser coroado e eo instante a culpa será anulada Desse exemplo se pode muito bem concluir que se o herdeiro legitimário de um reino matar o ocupante do trono mesmo que seja o seu pai podese 124 125 A justiça não é contrária á razão Parte 7 Do Homem xv De outras Leis de Natureza 73 J dar a isso o nome de injustiça ou qualquer outro nome que se queira mas jamais se poderá dizer que é contra a razão dado que todas as ações voluntárias dos homens tendem para o seu beneficio próprio e as ações mais razoáveis são as que melhor conduzem aos seus fins Todavia este especioso racioCÍnio é falso Pois a questão não diz respeito a promessas mútuas quando de ambos os lados não há garantia de cumprimento assim como ocorre quando não há um poder civil estabelecido acima dos autores das promessas Essas promessas com efeito não são pactos Mas seja quando um dos lados já cumpriu a sua parte seja quando há um poder capaz de obrigar a cumprir põese o problema de saber se é contra a razão isto é contra o beneficio do outro cumprir ou não a sua parte E eu afirmo que não é contra a razão Para proválo há várias coisas a considerar Em primeiro lugar quando alguém faz algo que embora possa ser previsto e calculado tende para a sua própria destruição mesmo que algum acidente inesperado venha a tornar essa ação benéfica para ele tais acontecimentos não a transformam numa ação razoável ou judiciosa Em segundo lugar numa condição de guerra em que cada homem é inimigo de cada homem por falta de um poder comum que os mantenha a todos aterrados ninguém pode esperar ser capaz de se defender da destruição só com a sua própria força ou sagacidade sem o auxílio de aliados em alianças das quais cada um espera a mesma defesa Portanto quem declarar que considera razoável enganar aos que o ajudam não pode razoavelmente esperar outros meios de segurança senão os que dependem do seu poder isolado Portanto quem quebra o seu pacto e por conseguinte declara que pode fazêlo de acordo com a razão não pode ser aceito por nenhuma sociedade que se constitua em vista da paz e da defesa a não ser devido a um erro dos que o aceitam E se for aceito não se pode continuar a admitilo quando se vê o perigo desse erro e não seria razoável esse homem contar com tais erros como garantia da sua segurança Portanto alguém que seja deixado fora ou expulso de uma sociedade está condenado a perecer e se viver nessa sociedade será graças aos erros dos outros homens os quais ele não podia prever nem calcular e conseqüentemente contra a razão da sua preservação Assim como todos os homens que não contribuem para a destruição dele evitamno apenas por ignorância do que é bom para si mesmos Quanto à hipótese de adquirir uma segura e perpétua felicidade no céu por qualquer meio tratase de uma pretensão frívola pois para tal só se pode imaginar uma maneira não rompendo os pactos mas cumprindoos Quanto à outra hipótese de alcançar a soberania pela rebelião é evidente que a tentativa mesmo coroada de êxito écontrária à razão por um lado porque não é razoável esperar que tenha êxito antes pelo contrário por outro porque ao fazê10 se ensina aos outros a conquistar a soberania da mesma maneira Portanto a justiça isto é o cumprimento dos pactos éuma regra da razão pela qual somos proibidos de fazer todas as coisas que destroem a nossa vida por conseguinte é uma lei de natureza Há alguns que vão ainda mais longe e não aceitam que a lei de natureza seja constituída por aquelas regras que conduzem à preservação da vida do homem na Terra mas pelas regras que permitem conseguir uma felicidade eterna depois da morte à qual pensam que o rompimento dos pactos possa conduzir sendo este portanto justo e razoável são esses que consideram obra meritória matar depor ou rebelarse contra o poder soberano constituído acima deles pelo seu próprio consentimento Mas como não há nenhum conhecimento natural da condição do homem depois da morte e muito menos da recompensa que lá se dá à falta de palavra havendo apenas uma crença baseada na afirmação de outros homens que dizem conhecêIa sobrenaturalmente ou dizem conhecer aqueles que conheceram os que conheceram outros que a conheceram sobrenaturalmente não é possível por conseguinte considerar a falta de palavra um preceito da razão ou da natureza Outros há que embora reconheçam o cumprimento da palavra dada como uma lei de natureza não obstante abrem exce 74 Os pactos não são anulados pew vicio da pessoa com quem são feitos 126 127 o que são a justiça dos homens e a justiça das ações Justiça dos costumes e justiça das ações Parte 1 Do Homem xv De outras Leis de Natureza ção para certas pessoas tais como os hereges e todos aqueles que não têm como costume o cumprimento dos seus pactos e também isto é contra a razão Pois se qualquer falta de um homem for suficiente para nos dispensar do cumprimento de um pacto o mesmo deveria ter sido perante a razão suficiente para nos ter impedido de o celebrar As palavras justo e injusto quando atribuídas a homens significam uma coisa e quando atribuídas a ações significam outra Quando são atribuídas a homens indicam a conformidade ou a incompatibilidade entre os costumes e a razão Mas quando são atribuídas a ações indicam a conformidade ou a incompatibilidade com a razão não dos costumes mas de ações determinadas Portanto um homem justo é aquele que toma o maior cuidado possível para que todas as suas ações sejam justas e um homem injuto é o que despreza esse cuidado É mais freqüente que na nossa língua esses homens sejam designados pelas palavras probo e improbo em vez de justo e injusto embora o significado seja o mesmo Portanto um homem probo não perde o direito a esse titulo por causa de uma ou algumas ações injustas derivadas de paixões repentinas ou de erros sobre coisas ou pessoas Nem um homem improbo deixa de assim ser considerado por causa das ações que pratica ou deixa de praticar devido ao medo pois a sua vontade não é determinada pela justiça mas pelo benefício manifesto do que faz O que presta às ações humanas o sabor da justiça é uma certa nobreza ou bravura raras vezes encontrada em virtude da qual se desdenha dever o bemestar da vida à fraude ou à quebra das promessas É essa justiça da conduta que se quer indicar quando se chama virtude à justiça e vício à injustiça Mas a justiça das ações não faz que aos homens se chame justos e sim inocentes e a injustiça das ações também chamada dano fazIhes atribuir 0 nome de culpados Além disso a injustiça de costumes é a disposição ou aptidão para praticar dano e é injustiça antes de passar aos atos e sem supor que se tenha causado dano a algum indivíduo determinado Mas a injustiça de uma ação quer dizer um dano pressupõe que se tenha causado dano a um determinado indivíduo nomeadamente aquele com quem se celebrou o pacto Assim muitas vezes se causa dano a um homem mas o dano redunda a outro Por exemplo quando o senhor ordena ao seu servo que dê dinheiro a um estranho se tal não for feito o dano será feito ao senhor a quem anteriormente o servo se comprometera a obedecer mas o prejuízo recai sobre o estranho para com o qual ele não tinha obrigação e portanto não poderia sofrer dano O mesmo se passa nas repúblicas indivíduos podem perdoar uns aos outros as suas dívidas mas não os roubos ou outras violências que lhes causem dano Porque não pagar uma dívida é um dano causado a eles mesmos ao passo que o roubo e a violência são danos causados à pessoa da república Tudo o que seja feito a um homem de conformidade com a sua própria vontade manifestada ao autor da ação não é dano causado a ele Porque se quem pratica a ação não tiver anteriormente transmitido o seu direito original de fazer o que lhe aprouver mediante um pacto antecedente não há quebra de pacto portanto não há dano E se o tiver nesse caso a manifestação pelo outro da vontade de que o faça libertao desse pacto e conseqüentemente não há dano causado ao outro Os autores dividem a justiça das ações em comutativa e distributiva e dizem que a primeira consiste numa proporção aritmética e a segunda numa proporção geométrica Assim a justiça comutativa é por eles atribuída à igualdade de valor das coisas que são objeto de contrato e a justiça distributiva à distribuição de benefícios iguais a pessoas de mérito igual co mo se fosse injustiça vender mais caro do que se comprou ou dar a um homem mais do que ele merece O valor de todas as coisas contratadas é medido pelo apetite dos contratantes portanto o valor justo é aquele que eles acham conveniente ofere cer E o mérito sem contar o que ocorre num pacto em que o cumprimento por uma das partes merece o cumprimento da outra parte e cai sob a alçada da justiça comutativa não da dis 1 Syn apenas o 128 129 75 Nada que é féito a alguém com o seu consentimento é dano I Justiça comutativa e distributiva A gratidão quarta lei de natureza 76J A quinta a tl01lWtação recíproca ou complacência Parte 7 Do Homem xv De outras Leis de Natureza tributiva não é devido por justiça é recompensado apenas pela graça Portanto esta distinção não é correta no sentido em que costumava ser exposta Para falar com propriedade a justiça comutativa é a justiça de um contratante ou seja o cumprimento dos pactos na compra e venda no aluguel ou sua aceitação ao emprestar ou tomar emprestado na troca na permuta e outros atos de contrato E a justiça distributiva é a justiça de um árbitro isto é o ato de definir o que é justo Por essa razão como merecedor da confiança dos que o escolheram como árbitro se ele corresponder a essa confiança se diz que distribui a cada um o que lhe édevido Com efeito esta é uma distribuição justa e pode ser chamada embora impropriamente justiça distributiva Mais próprio seria chamarlhe eqüidade a qual é também uma lei de natureza conforme se mostrará no lugar oportuno Tal como a justiça depende de um pacto antecedente também a GRATIDÃO depende de uma graça antecedente quer dizer de uma dádiva antecedente É esta a quarta lei de natureza que pode ser assim formulada Quem recebeu beneficio de outro homem por simples graça deve se esforçar para que o doador não venha a ter motivo razoável para se arrepender da sua boa vontade Pois quem dá o faz tendo em mira um benefício próprio porque a dádiva é voluntária e o objeto de todos os atos voluntários é sempre o benefício de cada um Se esta expectativa for frustrada não poderá haver benevolência nem confiança nem conseqüentemente ajuda mútua ou reconciliação entre um homem e outro Portanto permanecerão na condição de guerra a qual é contrária à lei primeira e fundamental de natureza que ordena aos homens procurarem a paz O desrespeito a esta lei chamase ingratidão e tem com a graça a mesma relação que há entre a injustiça e a obrigação por contrato A quinta lei de natureza é a COMPLACÊNCIA quer dizer Cada homem deve se esforçar por se acomodar com os outros Para compreender esta lei é preciso levar em conta que na aptidão dos homens para a sociedade existe certa diversidade de natureza derivada da diversidade das suas inclinações de manei ra semelhante ao que verificamos nas pedras que juntamos para a construção de um edifício Pois tal como os construtores põem de lado como inaproveitáveis e perturbadoras as pedras que devido à sua aspereza ou à irregularidade da sua forma tiram às outras mais espaço do que elas mesmas ocupam e além disso pela sua dureza não são fáceis de aplanar assim também aqueles que devido à aspereza da sua natureza se esforçarem por guardar aquelas coisas que para eles são supérfluas e para os outros são necessárias e devido à obstinação das suas paixões não puderem ser corrigidos deverão ser abandonados ou expulsos da sociedade como hostis a ela Pois sendo de esperar que cada homem não apenas por direito mas também pela necessidade da sua natureza se esforce o mais que possa por conseguir o que é necessário à sua conservação todo aquele que a tal se oponha por causa de coisas supérfluas é culpado da guerra que daí venha a resultar e portanto age contrariamente à lei fundamental de natureza que ordena procurar a paz Aos que respeitam esta lei pode chamarse SOCIÁVEIS os latinos chamavamIhes commodt e aos que não o fazem obstinados insociáveis refratários ou intratáveis A sexta lei de natureza é Como garantia do tempo futuro que se perdoem as ofensas passadas àqueles que se arrependam e o desejem Porque o PERDÃO não é mais do que uma garantia de paz a qual embora quando dada aos que perseveram na sua hostilidade não seja paz mas medo quando recusada aos que oferecem garantia do tempo futuro é sinal de aversão pela paz o que é contrário à lei de natureza A sétima lei é Que na vingança isto é a retribuição do mal com o mal os homens não olhem à importância do mal passado mas só à importância do bem futuro Isso nos proíbe aplicar castigo com qualquer intenção que não seja a correção do ofensor ou o exemplo para os outros Pois esta lei é conseqüência da que lhe é anterior a qual ordena o perdão em vista da segurança do tempo futuro Além do mais a vingança que não visa ao exemplo ou ao proveito vindouro é um triunfo ou glorificação com base no dano causado ao outro que não tende para fim 130 131 A sexta a facilidade de perdoar A sétima que na vínga7lfa só se olhe ao bem ftturo J Parte 1 Do Homem XV De outras Leis de Natureza A oitava contra a contumélia algum pois o fim é sempre alguma coisa vindoura Ora glo rificarse sem tender a um fim é vanglória e contrário à razão e causar dano sem razão tende a provocar a guerra o que é contrário à lei de natureza E geralmente se designa pelo nome de crueldade E dado que todos os sinais de ódio ou desprezo provocam a luta tanto que a maior parte dos homens prefere arriscar a vida a ficar sem vingança podemos formular em oitavo lugar como lei de natureza o seguinte preceito Que ninguém por atos palavras atitude ou gesto declare ódio ou desprezo pelo outro Ao desrespeito a esta lei se chama geralmente contumélia A questão a respeito de quem é o melhor homem não tem lugar na condição de simples natureza na qual conforme se mostrou todos os homens são iguais A desigualdade atualmente existente foi introduzida pelas leis civis Bem sei que Aristóteles no Livro I da sua Política como fundamento da sua doutrina afirma que por natureza alguns homens são dignos de mandar referindose aos mais sábios entre os quais se incluia a si próprio devido à sua filosofia e outros têm mais capacidade para servir referindose com isto aos que tinham corpos fortes mas não eram filósofos como ele como se senhor e servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens mas pela diferença de inteligência o que não só é contrário à razão mas é também contrário à experiência Pois poucos há tão insensatos que não prefeririam governarse a si mesmos a ser governados por outros tampouco quando os que julgam a si mesmos sábios contendem pela força com aqueles que desconfiam da sua sabedoria saem vitoriosos sem pre freqÜentemente ou algumas vezes Portanto se a natureza fez todos os homens iguais essa igualdade deve ser reconhe cida ou se a natureza fez os homens desiguais como os que se consideram iguais só aceitarão as cláusulas da paz em termos eqüitativos tal igualdade deve ser admitida Por conseguinte como nona lei de natureza proponho esta Que cada homem reco nheça os outros como seus iguais por natureza A falta a este preceito chamase orgulho Desta lei depende uma outra Que uma vez aceitas as cláusulas da paz ninguém exija reservar para si um direito que não aceite seja também reservado para qualquer dos outros Assim como é necessário a todos os homens que buscam a paz renunciar a certos direitos de natureza quer dizer perder a liberdade de fazer tudo o que desejam também é necessário para a vida do homem que alguns desses direitos sejam conservados como o de governar o próprio corpo desfrutar o ar a água o movimento os caminhos para ir de um lugar a outro e todas as outras coisas sem as quais não se pode viver ou não se pode viver bem Se neste caso ao celebrar a paz alguém exigir para si aquilo que não aceita seja concedido aos outros estará agindo contrariamente à lei precedente que ordena o reconhecimento da igualdade natural e contrariamente também portanto à lei de natureza Quem respeita esta lei é geralmente chamado modesto e quem não a respeita arrogante Os gregos chamavam à violação desta lei lrÀEovEçía isto é o desejo de possuir mais do que a sua parte E também Se a alguém for confiado servir de juiz entre dois homens é um preceito da lei de natureza que trate a ambos eqüitativamente Pois sem isso as controvérsias entre os homens só podem ser decididas pela guerra Portanto aquele que for parcial num julgamento estará fazendo todo o possível para impedir os homens de recorrer a juízes e árbitros por conseguinte contra a lei fundamental de natureza estará sendo causa de guerra A observância desta lei que ordena distribuir eqüitativamente a cada homem o que segundo a razão lhe pertence chamase EQÜIDADE ou conforme já disse justiça distributiva A sua violação chamase acepção de pessoas lrPJwlroÀ1VfÍa E desta deriva uma outra lei Que as coisas que não podem ser divididas sejam gozadas em comum se assim puder ser e se a quantidade da coisa o permitir sem limite caso contrário proporcionalmente ao número daqueles que a ela têm direito Se não for assim a distribuição será desigual e contrária à eqüidade Mas há algumas coisas que não podem ser divididas nem gozadas em comum Para esses casos a lei de natureza que pres A nona conira o orgulho 77 132 133 A décima contra a arrogância A décima primeira a eqüidade A décima segunda o uso eqüitativo das coisas comuns 78 A décima terceira o sorteio A décima quarta da primogenitura e primeira posse A décima quinta dos mediadores A décima sexta da submissão à arbitragem A décima sétima ninguém é seu próprio juiz Parte 1 Do Homem xv De outras Leis de Natureza creve a eqüidade exige Que o direito pleno ou então se o uso for alternado a primeira posse sejam determinados por sorteio Porque a distribuição eqüitativa faz parte de lei de natureza e é impossivel imaginar outras maneiras de fazer uma distribuição eqüitativa Há duas espécies de sorteio o arbitrário e o natural O arbitrário é aquele com o qual os competidores concordaram o na tural ou é a primogenitura que os gregos chamavam KÀpOVOf1 ía o que significa dado por sorteio ou é a primeira posse Portanto aquelas coisas que não podem ser gozadas em comum nem divididas devem ser adjudicadas ao primeiro possuidor e em alguns casos ao primogênito como adquiridas por sorteio É também lei de natureza Que a todos aqueles que servem de mediadores para a paz seja concedido salvoconduto Porque a lei que ordena a paz enquanto fim ordena a intercessão como meio E o meio para a intercessão é o salvoconduto Mas como por mais desejosos de cumprir estas leis que os homens estejam é não obstante sempre possível que surjam controvérsias relativas às açÕes primeiro se foram ou não praticadas segundo se praticadas se foram ou não contrárias à lei à primeira das quais se chama questão de fato e à segunda questão de direito e portanto se as partes em litígio não pactuarem mutuamente aceitar a sentença de um terceiro estarão tão longe da paz como antes Esse outro a cuja sentença se submetem chamase ÁRBITRO Portanto é da lei de natureza Aqueles entre os quais há controvérsia devem submeter o seu direito ao jul gamento de um árbitro Considerando que todo homem supostamente faz todas as coisas tendo em vista o seu próprio benefício ninguém pode ser árbitro adequado em causa própria e como a eqüidade atribui a cada parte um benefício igual à falta de árbitro adequado se um for aceito como juiz o outro também o deve ser desta maneira a controvérsia isto é a causa da guerra permanece contrária à lei de natureza Pela mesma razão em nenhuma causa alguém pode ser aceito como árbitro se aparentemente para ele resultar mais proveito honra ou prazer com a vitória de uma das partes do que com a da outra Porque nesse caso ele recebeu um suborno embora um suborno inevitável e ninguém pode ser obri gado a confiar nele Também neste caso a controvérsia e a condição de guerra permanecem contra a lei de natureza Numa controvérsia de fato dado que o juiz não pode dar mais crédito a um do que a outro na ausência de outros argumentos precisa dar crédito a um terceiro ou a um terceiro e a um quarto ou mais Caso contrário a questão não pode ser decidida a não ser pela força contra a lei de natureza São estas as leis da natureza que ditam a paz como meio de conservação dos homens em multidÕes e as únicas que dizem respeito à doutrina da sociedade civil Há outras coisas que contribuem para a destruição dos indivíduos como a embriaguez e outras formas de intemperança as quais portanto também podem ser contadas entre aquelas que a lei de natureza proíbe Mas não é necessário referiIas nem seria pertinente fazêIo neste lugar Embora esta possa parecer uma dedução das leis de natureza demasiado sutil para ser apreciada por todos os homens a maior parte dos quais está demasiado ocupada na busca de sustento sendo os restantes demasiado negligentes para a poderem compreender mesmo assim para não permitir que ninguém seja escusável todas elas foram condensadas num resumo acessível e inteligivel mesmo para os de capacidade mais mesquinha Esse resumo é Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti Isso mostra a cada um que para aprender as leis de natureza o que tem a fazer é apenas quando ao pesar as suas ações com as dos outros estas últimas parecerem excessivamente pesadas colocáIas no outro prato da balança e no lugar delas as suas próprias de maneira que as suas paixões e seu amorpróprio em nada modifiquem o peso Não haverá então nenhuma destas leis de natureza que não lhe pareça perfeitamente razoável 134 135 A décima oitava que não seja juiz quem tem em si causa natural de parcialidade A décima nona das testemunhas li 79 Uma regra pela qual se possa freilmente examinar as leis de natureza i As kis de natureza obrigam sempre em consciência mas de fato só quando há segurança As leis de natureza são eternas Mas apesar disso são filceis A ciência dessas kis é a verdadeira filosofia moral Parte 7 Do Homem xv De outras Leis de Natureza As leis de natureza obrigam in foro interno quer dizer tornam impositivo o desejo de que sejam cumpridas mas in foro externo isto é tornando impositivo o desejo de as colocar em prática nem sempre obrigam Pois aquele que fosse modesto e tratável e cumprisse todas as suas promessas numa época e num lugar em que mais ninguém assim fizesse tornarseia presa fácil para os outros e inevitavelmente provocaria a sua própria ruína contrariamente ao fundamento de todas as leis de natureza que tendem para a preservação de natureza Mais ainda aquele que embora possua garantia suficiente de que os outros observarão para com ele as mesmas leis mesmo assim não as observa não procura a paz mas a guerra e conseqüentemente a destruição da sua natureza pela violência Todas as leis que obrigam in foro interno podem ser violadas não apenas por um fato contrário à lei mas também por um fato conforme a ela no caso de o seu autor o considerar contrário Pois embora neste caso a sua ação seja conforme à lei a sua intenção é contrária à lei que constitui uma violação quando a obrigação é in foro interno As leis de natureza são imutáveis e eternas pois a injustiça a ingratidão a arrogância o orgulho a iniqüidade a acepção de pessoas etc jamais podem ser tornados legítimos Pois nunca poderá ocorrer que a guerra preserve a vida e a paz a destrua Essas leis na medida em que obrigam apenas a um desejo e a um esforço isto é um esforço não fingido e constante são fáceis de obedecer Pois na medida em que exigem apenas esforço aquele que se esforça por as cumprir estáIhes a obedecer E aquele que obedece à lei é justo E a ciência dessas leis é a verdadeira e única filosofia moral Porque a filosofia moral não é mais do que a ciência do que é bom e mau no convívio e na sociedade humana O bem e o mal são nomes que significam os nossos apetites e aversões os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos costumes e doutrinas dos homens E homens diversos não divergem apenas no seu julgamento quanto às sensações do que é agradável ou desagradável ao gosto ao olfato ao ouvido ao tato e à vista divergem também quanto ao que é conforme ou repulsivo à razão nas ações da vida cotidiana Mais o mesmo homem em momentos diferentes diverge de si mesmo às vezes louvando isto é chamando bom aquilo mesmo que outras vezes despreza e a que chama mau Daqui procedem disputas controvérsias e finalmente a guerra Portanto enquanto os homens se encontram na condição de simples natureza que é uma condição de guerra o apetite pessoal é a medida do bem e do mal Por conseguinte todos os homens concordam que a paz é uma boa coisa e portanto que também são bons o caminho ou meios da paz os quais conforme mostrei são ajustiça a gratidão a modéstia a eqüidade a misericórdia e o restante das leis de natureza quer dizer as virtudes morais e que os seus vícios contrários são maus Ora a ciência da virtude e do vício é a fi losofia moral portanto a verdadeira doutrina das leis de natureza é a verdadeira filosofia moral Mas os autores de filosofia moral embora reconheçam as mesmas virtudes e vícios não sabem ver em que consiste a sua excelência não sabem ver que elas são louvadas como meios para uma vida pacifica sociável e confortável e fazemnas consistir numa mediocridade das paixões Como se não fosse na causa e sim no grau de intrepidez que consiste a força ou como se não fosse na causa e sim na quantidade de uma dádiva que consiste a liberalidade A estes ditames da razão os homens costumam dar o nome de leis mas impropriamente Pois eles são apenas conclusões ou teoremas relativos ao que contribui para a conservação e defesa de cada um enquanto a lei em sentido próprio é a palavra daquele que tem direito de mando sobre outros No entanto se considerarmos os mesmos teoremas como transmitidos pela palavra de Deus que tem direito de mando sobre todas as coisas nesse caso serão propriamente chamados leis 80 136 137 Parte 1 Do Homem XVI Das Pessoas Autores e coisas Personificadas CAPo XVI Das PESSOAS AUTORES e coisas Personificadas de ações é chamado de um autorl E tal como o direito de posse se chama domínio assim também o direito de fazer qualquer ação se chama AUTORIDADE e às vezes mandato2 De modo que por autoridade entendese sempre o direito de praticar qualquer ação e feito por autoridade significa sempre feito por comissão ou licença daquele a quem pertence o direito Disso se segue que quando o ator faz um pacto por autoridade compromete assim o autor não menos do que se este mesmo o fizesse nem o sujeita menos a todas as suas conseqüências Portanto tudo o que já se disse cap XIV sobre a natureza dos pactos entre homens na sua capacidade natural é válido também para os que são feitos pelos seus atores representantes ou procuradores que possuem autoridade para tal dentro dos limites da sua comissão mas não para além destes Portanto aquele que faz um pacto com o ator ou representante sem saber que autoridade ele tem o faz por sua conta e risco Porque ninguém está obrigado por um pacto do qual não é autor nem conseqüentemente por um pacto feito contra ou à margem da autoridade que ele mesmo conferiu Quando o ator faz qualquer coisa contra a lei de natureza por ordem do autor se por pacto prévio estiver obrigado a obedecerlhe não é ele e sim o autor quem viola a lei de natureza Pois a ação embora seja contra a lei de natureza não é sua pelo contrário recusar se a praticáIa é contra a lei de natureza que proíbe o rompimento do pacto E aquele que faz um pacto com o autor pela mediação do ator sem saber que autoridade este tem mas simplesmente confiando na sua palavra no caso de esta autoridade não lhe ser comprovada quando pedida não mais está obrigado Porque o pacto feito com o autor não é válido sem essa garantia Mas se aquele que assim pactuou sabia de antemão que não podia esperar outra garantia senão a palavra do ator neste caso o pacto é válido porque aqui o ator constitui a si mesmo como autor Portanto do mesmo modo que quando a autoridade o que é uma pessoa Uma PESSOA é aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer como as suas próprias quer como representando as palavras ou ações de outro homem ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas seja verdade ou ficção Quando são consideradas como as suas próprias ele chamase uma pessoa natural Quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro chamaseIhe uma pessoa fictícia ou artificial A palavra pessoa é de origem latina Em lugar dela os gregos tinham lrpóaOJlrov que significava rosto tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem imitada no palco Mais particularmente às vezes significa aquela parte dele que disfarça o rosto como máscara ou viseira E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação tanto nos tribunais como nos teatros De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator tanto no palco como no convivio comum E personificar é atuar ou representar a si mesmo ou a outro e daquele que representa outro dizse que é portador da sua pessoa ou que atua em seu nome sentido usado por Cícero quando diz Unus sustineo tres Personas Mei Adversarii etJudicis Sou portador de três pessoas eu mesmo o meu adversário e o juiz Recebe designações diversas conforme as ocasiões representante mandatário lugartenente vigário advogado delegado procurador ator e outras semelhantes Quanto às pessoas artificiais em certos casos algumas das suas palavras e ações pertencem àqueles a quem representam Nesses casos a pessoa é o ator e aquele a quem pertencem as suas palavras e ações é o AUTOR casos estes em que o ator atua por autoridade Pois aquele que ao falarmos de bens e posses é chamado dono em latim Dominus e em grego ICÚpWÇ ao falarmos 1 Syn Autor 2 Syn AUTORIDADE Pessoa natural e artificial De onde vem a palavra pessoa 81 Ator autor 138 139 Autoridade Pactos por autoridade comprometem o autor I il Mas não o ator i A autoridade deve ser comprovada Parte 1 Do Homem Coisas personificadas inanimadas é evidente o pacto obriga o autor e não o ator também quando a autoridade é simulada ele obriga apenas o ator pois o único autor é ele próprio Poucas são as coisas que não podem ser representadas por ficção As coisas inanimadas como uma igreja um hospital uma ponte podem ser personificadas por um reitor um diretor ou um supervisor Mas as coisas inanimadas não podem ser autores nem portanto conferir autoridade aos seus atores Todavia os atores podem ter autoridade para prover à sua conservação a eles conferida pelos donos ou governadores dessas coisas Portanto essas coisas não podem ser personificadas enquanto não houver um estado de governo civil De maneira semelhante as crianças os débeis e os loucos que não têm o uso da razão podem ser personificados por guardiões ou curadores mas não podem ser autores durante esse tempo de nenhuma ação praticada por eles a não ser que quando tiverem recobrado o uso da razão venham a considerar razoável essa ação Porém enquanto durar a loucura aquele que tem o direito de os governar pode conferir autoridade ao guardião Mas também isto só pode ter lugar num Estado civil porque antes desse estado não há domínio de pessoas Um ídolo ou mera ficção do cérebro pode ser personificado como o eram os deuses dos pagãos que eram personificados pelos funcionários para tal nomeados pelo Estado e tinham posses e outros bens assim como direitos que os homens de vez em quando a eles dedicavam e consagravam Mas os ídolos não podem ser autores porque um ídolo não é nada A autoridade provinha do Estado portanto antes da instituição do governo civil os deuses dos pagãos não podiam ser personificados O verdadeiro Deus pode ser personificado conforme efetivamente foi primeiro por Moisés que governou os israelitas que não eram o seu povo e sim o povo de Deus não em seu próprio nome com Hoc dicit Moses mas em nome de Deus com Hoc dicit Dominus Em segundo lugar pelo Filho do Homem o Seu próprio Filho nosso Abençoado Salvador Jesus Cristo que 82 Irraâonais Falsos deuses o verdadeiro Deus 140 XJ7 Das Pessoas Autores e coisas Personificadas veio para submeter os judeus e induzir todas as nações a entrar no reino do seu Pai não em seu próprio nome mas como enviado por seu Pai Em terceiro lugar pelo Espírito Santo ou confortador que falava e atuava nos apóstolos Esse Espírito Santo era um confortador que não veio por si mesmo mas foi enviado pelos outros dois e provinha de ambos no dia de Pentecostesl Uma multidão de homens se torna uma pessoa quando é representada por um só homem ou pessoa de maneira que tal seja feito com o consentimento de cadú um dos que constituem essa multidão Porque é a unidade do representante e não a uni dade do representado que faz a pessoa ser una E é o representante o portador da pessoa e só de uma pessoa E não é possível entender de nenhuma outra maneira a unidade numa multidão Dado que a multidão naturalmente não é um mas muitos ela não pode ser tomada por um só mas por muitos autores de cada uma das coisas que o representante diz ou faz em seu nome pois cada homem confere ao seu representante comum a sua própria autoridade em particular e a cada um pertencem todas as ações praticadas pelo representante caso lhe haja conferido autoridade sem limites Caso contrário quando o limitam àquilo ou até o ponto em que os representará a nenhum deles pertence mais do que aquilo em que deu comissão para agir Se o representante for constituído por muitos homens a voz da maioria deverá ser considerada a voz de todos eles Porque se a minoria votar a favor por exemplo e a maioria votar contra haverá votos contrários mais do que suficientes para destruir os favoráveis E assim o excesso de votos contrários não sendo impugnados é a voz única do representante Um corpo representativo de número par sobretudo quando o número não é grande em que portanto as vozes contrárias são freqüentemente iguais é conseqüentemente outras tantas vezes mudo e incapaz de ação Todavia em alguns casos as vozes contrárias iguais em número podem decidir uma questão I Syn ambos 141 Como uma multidão de homens é uma pessoa Todos são autores Um ator pode ser muitos homens feitos um só por pluralidade de votos 83 Os representativos são inúteis quando o número é par Parte 1 Do Homem Poder de voto tal como na condenação ou absolvição a igualdade de votos na medida em que não condena efetivamente absolve mas pelo contrário não condena na medida em que não absolve Porque quando se realiza a audiência de uma causa não condenar é o mesmo que absolver mas a recíproca isto é dizer que não absolver é o mesmo que condenar não é verdadeira O mesmo se passa numa deliberação entre a execução imediata e o adiamento para outra ocasião pois quando os votos são iguais não decretar a execução é um decreto de dilação Por outro lado se o número for ímpar como três ou mais seja homens ou assembléias em que cada um tem autoridade por poder de voto para anular o efeito de todos os votos dos demais esse número não é representativo Porque devido à diversidade de opiniões e interesses dos homens muitas vezes e em casos da maior gravidade ele se torna uma pessoa muda incapaz para muitas coisas bem como para o governo de uma multidão especialmente em tempo de guerra Há duas espécies de autores O autor da primeira espécie sendo simplesmente assim chamado defini como aquele a quem pertence simplesmente a ação de um outro Da segunda espécie é aquele a quem pertence uma ação ou um pacto de um outro condicionalmente isto é ele empreende a ação se o outro não a faz até ou antes de determinado momento Estes autores condicionais são geralmente chamados FIADORES em latim fidejussores e sponsores quando especialmente para dívidas praedes e para comparecimento perante um juiz ou magistrado vades 142 PARTE 2 DA REPÚBLICA CAPo XVII Das Causas Geração e Definição de uma REpÚBLICA A causa final finalidade e desígnio dos homens que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre outros ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver em repúblicas é a precaução com a sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita Quer dizer o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária conforme se mostrou das paixões naturais dos homens quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito e os forçar por medo do castigo ao cumprimento dos seus pactos e à observância das leis de natureza que foram expostas nos capítulos XIV e XV Porque as leis de natureza como a justiça a eqüidade a modéstia a piedade ou em resumo fazer aos outros o que queremos que nos façam por si mesmas na ausência do temor de algum poder que as faça ser respeitadas são contrárias às nossas paixões naturais as quais nos fazem tender para a parcialidade o orgulho a vingança e coisas semelhantes E os pactos sem a espada não passam de palavras sem força para dar segurança a ninguém Portanto apesar das leis de natureza que cada um 143 85 1 A finalidade da república é a segurança individual Capo XIII E isso não se alcança da lei de natureza Nem da associação de uns poucos homens ou famílias 86 Nem de uma grande multidão a não ser que dirigida por um só julgamento Parte 2 Da República respeita quando tem vontade de as respeitar e quando o poder fazer com segurança se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança cada um confiará e poderá legitimamente confiar apenas na sua própria força e capacidade como proteção contra todos os outros Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas familias roubarse e espoliarse uns aos outros sempre foi um comércio e tão longe de ser considerado contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação consegui da maior era a honra adquirida Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as da honra ou seja evitar a crueldade isto é deixar aos outros as suas vidas e os seus instrumentos de trabalho Tal como então faziam as pequenas famílias também hoje as cidades e os reinos que não são mais do que famílias maiores para sua própria segurança ampliam os seus dominios e sob qualquer pretexto de perigo de medo de invasão ou de assistência que possa ser prestada aos invasores com toda a justiça se esforçam o mais possível para subjugar ou enfraquecer os seus vizinhos por meio da força ostensiva e de artificios secretos por falta de qualquer outra segurança e em épocas futuras esses feitos são evocados com honra Não é a união de um pequeno número de homens que é capaz de oferecer essa segurança porque quando os números são pequenos basta um pequeno aumento de um ou outro lado para tornar a vantagem da força suficientemente grande para garantir a vitória constituindo portanto tal aumento um incentivo à invasão A multidão que pode ser considerada suficiente para garantir a nossa segurança não pode ser definida por um número exato mas apenas por comparação com o inimigo que tememos e é suficiente quando a superioridade do inimigo não é de importância tão visível e manifesta que baste para determinar o desfecho da guerra incitandoo ao ataque Mesmo que haja uma grande multidão se as ações de cada um dos que a compõem forem determinadas pelo julgamento e pelos apetites individuais de cada um não se poderáesperar que ela seja capaz de dar defesa e proteção a ninguém 144 I XVII Das Causas de uma República seja contra o inimigo comum seja contra os danos causados uns aos outros Pois se suas opiniões divergem quanto ao melhor uso e aplicação da sua força em vez de se ajudarem só se atrapalham uns aos outros e essa oposição mútua faz reduzir a nada a sua força Assim não apenas facilmente serão subjuga dos por uns poucos que tenham entrado em acordo mas além disso mesmo sem haver inimigo comum facilmente farão guer ra uns contra os outros por causa dos seus interesses particulares Pois se conseguíssemos imaginar uma grande multidão capaz de consentir na observância da justiça e das outras leis de natureza sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito igualmente conseguiríamos imaginar a humanidade inteira capaz de fazer o mesmo Nesse caso não haveria nem seria necessário nenhum governo civil ou república pois haveria paz sem sujeição Tampouco basta para garantir aquela segurança que os homens desejariam durasse todo o tempo das suas vidas que eles sejam governados e dirigidos por um julgamento único apenas durante um período limitado como é o caso numa ba talha ou numa guerra Porque mesmo que o seu esforço unânime lhes permita obter uma vitória contra um inimigo estran geiro depois disso quando ou não terão mais um inimigo co mum ou aquele que por alguns é tido por inimigo é por outros tido como amigo é inevitável que as diferenças entre os seus interesses os levem a desunirse voltando a cair em guerra uns contra os outros É certo que há algumas criaturas vivas como as abelhas e as formigas que vivem socialmente umas com as outras e por isso são incluídas por Aristóteles entre as criaturas políticas sem outra orientação a não ser os julgamentos e apetites particulares nem linguagem por meio da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o benefício comum Assim talvez haja alguém interessado em saber por que a hu manidade não pode fazer o mesmo A isso tenho a responder o seguinte Primeiro os homens estão constantemente envolvidos nu ma competição pela honra e pela dignidade o que não ocorre E isso de modo permanente Por que certas criaturas sem razão ou linguagem vivem em sociedade sem Mnhum poder coercitivo 145 Parte 2 Da República 87 no caso dessas criaturas E é devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio e finalmente a guerra ao passo que entre aquelas criaturas tal não acontece Segundo entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem individual e como por natureza tendem para o benefício individual acabam por promover o benefício comum Mas o homem cuja alegria consiste em se comparar só encontra felicidade na comparação com os outros homens só pode apreciar o que é eminente Terceiro como essas criaturas não possuem ao contrário do homem o uso da razão elas não vêem nem julgam ver nenhuma falha na administração de suas atividades em comum Ao passo que entre os homens são muitos os que se julgam mais sábios e mais capacitados do que os outros para o exercício do poder público E esses esforçamse por empreender reformas e inovações uns de uma maneira e outros doutra acabando assim por levar o país à perturbação e à guerra civil Quarto essas criaturas embora façam certo uso da voz para dar a conhecer umas às outras os seus desejos e outras inclinações carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de descrever aos outros o que é bom sob a aparência do mal e o que é mau sob a aparência do bem e aumentar ou diminuir a manifesta grandeza do bem ou do mal semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu belprazer a paz em que os outros vivem Quinto as criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre dano e prejuízo e conseqüentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com os seus semelhantes O homem por sua vez é tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente pois é neste caso que tende mais para exibir a sua sabedoria e para controlar as ações dos que governam a república Por último o acordo vigente entre essas criaturas é natural o dos homens se dá apenas através de um pacto que é arti ficial Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais além de um pacto para tornar constante e duradou 146 I I I L XVII Das Causas de uma República ro o seu acordo ou seja um poder comum que os mantenha em respeito e que dirija as suas ações para o beneficio comum A única maneira de instituir um tal poder comum capaz de os defender das invasões dos estrangeiros e dos danos uns dos outros garantindoIhes assim uma segurança suficiente para que mediante o seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda a sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir todas as suas vontades por pluralidade de votos a uma só vontade Isso equivale a dizer designar um homem ou uma assembléia de homens como portador de suas pessoas admitindose e reconhecendose cada um como autor de todos os atos que aquele que assim é portador de sua pessoa praticar ou levar a praticar em tudo o que disser respeito à paz e à segurança comuns todos submetendo desse modo as suas vontades à vontade dele e as suas decisões à sua decisão Isto é mais do que consentimento ou concórdia é uma verdadeira unidade de todos eles numa só e mesma pessoa realizada por um pacto de cada homem com todos os homens de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia de homens com a condição de trans ferires para ele o teu direito autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações Feito isto à multidão assim unida numa só pessoa chamase REpÚBLICA em latim CIVITAS É esta a geração daquele grande LEVIATà ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus mortal ao qual devemos abaixo do Deus imortal a nossa paz e defesa Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada individuo na república élhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conlformar as vontades de A geração de uma república 881 I Aqui há uma supressão ver p LXI substituindo per No original commonweallh Embora na Introdução desta obra Hobbes tenha traduzido ciuitas como Estado e república ver p 11 é notável sua preferência por este último termo Talvez isso se deva à intenção de deixar mais clara a idéia de um governo por consentimento ou até mesmo de estabelecer alguma ligação entre o Leviatã e o governo republicano No capítulo XXVI adiante o autor voltará a traduzir civitas por commonweallh ou república N da R T 147 Parte 2 Da República A definição de uma repúhlica todos eles no sentido da paz no seu próprio pais e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros É nele que consiste a essência da república a qual pode ser assim definida uma pessoa de cujos atos uma grande multidão mediante pactos recíprocos uns com os outros foi instituída por todos como autora de modo que ela pode usar a força e os recursos de todos da maneira que considerar conveniente para assegurar a paz e a defesa comuns Àquele que é portador dessa pessoa chamase SOBERANO e dele se diz que possui poder soberano Todos os demais são SÚDITOS Este poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras Uma delas é a força natural como quando um homem obriga os seus filhos a submeteremse e a submeterem os seus próprios filhos à sua autoridade na medida em que é capaz de os destruir em caso de recusa Ou como quando um homem sujeita através da guerra os seus inimigos à sua vontade concedendoIhes a vida com essa condição A outra é quando os homens concordam entre si em se submeterem a um homem ou a uma assembléia de homens voluntariamente confiando que serão protegidos por ele contra os outros Esta última pode ser chamada uma república política ou por instituição À primeira pode chamarse uma república por aquisição Vou em primeiro lugar referir me à república por instituição o que são soherano e súdito CAPo XVIII Dos DIREITOS dos Soberanos por Instituição Oqueéoatode instituir uma repúhlica Considerase que uma república tenha sido instituída quando uma multidão de homens concorda e pactua cada um com cada um dos outros que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maíoria o direito de representar a pessoa de todos eles ou seja de ser o seu representante todos sem 148 XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição exceção tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens tal como se fossem os seus próprios atos e decisões a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos demais homens É desta instituição da república que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido Em primeiro lugar na medida em que pactuam deve entender se que não se encontram obrigados por um pacto anterior a nada que contradiga o atual Conseqüentemente aque les que já instituíram uma república dado que são obrigados pelo pacto a reconhecer como seus os atos e decisões de alguém não podem licitamente celebrar entre si um novo pacto de obe diência a outrem seja no que for sem sua licença Portanto os súditos de um monarca não podem sem licença deste renegar a monarquia voltando à confusão de uma multidão desunida nem transferir sua pessoa daquele que dela é portador para outro homem ou outra assembléia de homens Pois são obri gados cada homem perante cada homem a reconhecer e a ser considerado autor de tudo quanto aquele que já é seu soberano fizer e considerar bom fazer já que a dissensão de alguém levaria todos os demais a romper o pacto feito com esse al guém o que constitui injustiça Além disso cada homem conferiu a soberania àquele que é portador da sua pessoa e por isso se o depuserem estarãoIhe tirando o que lhe pertence o que também constitui injustiça Mais ainda se aquele que tentar depor o seu soberano for morto ou por ele castigado devi do a essa tentativa será o autor do seu próprio castigo dado que por instituição é autor de tudo quanto o seu soberano fi zer E como constitui injustiça alguém praticar qualquer ato em razão do qual possa ser castigado pela sua própria autoridade também a esse titulo ele estará sendo injusto E quanto aos homens que usaram de pretexto para sua desobediência ao seu soberano um novo pacto não com homens mas com Deus também isto é injusto pois não há pacto com Deus a não ser As conseqüências dessa instituição são 7 Os súditos não podem mudar a forma de governo 89 I 149 Parte 2 Da República 2 Não se perde o direito ao poder soberano pela mediação de algum corpo que represente a pessoa de Deus e disso somente é capaz o lugartentente de Deus o detentor da soberania abaixo de Deus Mas esse pretexto de um pacto com Deus é uma mentira tão evidente mesmo perante a própria consciência de quem tal pretexta que não constitui apenas um ato injusto mas também um ato próprio de um caráter vil e inumano Em segundo lugar como o direito de portar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado apenas entre cada um e cada um e não entre o soberano e cada um dos outros não pode haver quebra do pacto da parte do soberano conseqüentemente nenhum dos súditos pode libertarse da sujeição sob qualquer pretexto de que o soberano transgrediu seus direitos É evidente que quem é tornado soberano não faz antecipadamente nenhum pacto com os seus súditos porque teria ou que o celebrar com toda a multidão na qualidade de parte do pacto ou que celebrar diversos pactos um com cada um deles Com o todo na qualidade de parte é impossível porque nesse momento eles ainda não constituem uma pessoa E se fizer tantos pactos quantos forem os homens depois de ele receber a soberania esses pactos serão nulos pois qualquer ato que um deles possa alegar como rompimento do pacto será um ato praticado tanto por ele mesmo como por todos os outros porque será um ato praticado na pessoa e pelo direito de cada um deles em particular Além disso se algum ou mais de um deles alegar que houve rompimento do pacto feito pelo soberano quando da sua instituição e outros ou um só dos seus súditos ou mesmo apenas ele próprio alegar que não houve tal rompimento não haverá nesse caso nenhum juiz capaz de decidir a controvérsia Há portanto um retorno à guerra e cada um recupera o direito de se defender com sua própria força contrariamente à intenção que o levara àquela instituição Portanto é inútil conferir a soberania à guisa de um pacto anterior A opinião segundo a qual qualquer monarca recebe o seu poder de um pacto quer dizer condicionalmente deriva de não se compreender esta simples verdade que os pactos não passando de palavras e vento não 150 XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição I I têm nenhuma força para obrigar dominar constranger ou proteger ninguém a não ser a que deriva da espada pública ou seja das mãos livres e sem peias daquele homem ou assembléia de homens que detém a soberania cujas ações são garantidas por todos e realizadas pela força de todos os que nele se encontram unidos Ora quando se confere a soberania a uma assembléia de homens ninguém imagina que um tal pacto tenha ocorrido no momento da instituição Pois ninguém é su ficientemente tolo para dizer por exemplo que o povo de Roma fez um pacto com os romanos para deter a soberania sob tais e tais condições as quais quando não cumpridas dariam aos romanos o direito de depor o povo de Roma O fato de os homens não verem a razão para que se passe o mesmo numa monarquia e num governo popular deriva da ambição de al guns que são mais indulgentes com o governo de uma assembléia da qual podem ter a esperança de vir a participar do que o de uma monarquia da qual é impossível esperarem desfrutar Em terceiro lugar se a maioria por voto de consentimento escolher um soberano os que tiverem discordado devem passar a consentir juntamente com os restantes Ou seja de vem aceitar reconhecer todos os atos que ele venha a praticar ou então serem justamente destruídos pelos restantes Aquele que voluntariamente ingressou na congregação dos que constituíam a assembléia declarou suficientemente com esse ato a sua vontade e portanto tacitamente fez um pacto de se conformar ao que a maioria decidir Portanto se depois se recusar a aceitar ou protestar contra qualquer dos seus decretos age contrariamente ao pacto isto é age injustamente E quer faça parte da congregação quer não faça e quer o seu consentimento seja pedido quer não seja ou terá que se submeter aos seus decretos ou será deixado na condição de guerra em que antes se encontrava e na qual pode sem injustiça ser destruído por qualquer um Em quarto lugar dado que todo súdito é por instituição autor de todos os atos e decisões do soberano instituído seguese que nada do que este faça pode ser considerado dano a nenhum dos seus súditos e que nenhum deles o pode acusar de 151 90 3 Ninguém pode sem injustiça protestar contra a instituição do soberano apontado pela maioria I I I 4 Não há justiça nas acusações que o súdito faça aos ntos dos soberanos 5 Nada que o soberano faz pode ser punido pelo súdito 6 O soberano é juiz do que é necessário para a paz e deftsa dos seus súditos 91 E juiz de quais doutrinas são próprias para lhes serem ensinadas Parte 2 Da República XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição injustiça Pois quem faz alguma coisa em virtude da autoridade de um outro não pode nunca causar injúria àquele em virtude de cuja autoridade está agindo Ao contrário por meio dessa instituição da república cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer por conseqüência aquele que se queixar de dano causado pelo seu soberano estará se queixando daquilo de que ele próprio é autor portanto não deve acusar ninguém a não ser a si próprio e não pode acusarse a si próprio de dano pois causar dano a si próprio é impossível Écerto que os detentores do poder soberano podem cometer iniqüidades mas não podem cometer injustiça nem dano em sentido próprio Em quinto lugar e em conseqüência do que foi dito por último aquele que detém o poder soberano não pode justamente ser morto nem de nenhuma outra maneira pode ser punido pelos seus súditos Pois uma vez que todo súdito é autor dos atos do seu soberano cada um estaria castigando outrem pelos atos cometidos por si mesmo Visto que o fim dessa instituição é a paz e a defesa de todos e visto que quem tem direito a um fim tem direito aos meios pertence de direito a qualquer homem ou assembléia que detenha a soberania ser juiz tanto dos meios para a paz e a defesa como de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas e fazer tudo o que considere necessário ser feito tanto antecipadamente para a preservação da paz e da segurança mediante a prevenção da discórdia interna e da hostilidade externa quanto também depois de perdidas a paz e a segurança para a recuperação de ambas E em conseqüência Em sexto lugar pertence à soberania ser juiz de quais as opiniões e doutrinas são contrárias à paz e quais as que lhe são propícias E em conseqüência de em que ocasiões até que ponto e o que se deve conceder àqueles que falam a multidões de pessoas e de quem deve examinar as doutrinas de todos os livros antes de serem publicados Pois as ações dos homens derivam das suas opiniões e é no bom governo das opiniões que consiste o bom governo das ações dos homens tendo em vista a paz e a concórdia entre eles E embora em matéria de doutrina não se deva olhar para nada senão para a verdade nada se opõe à sua regulação em função da paz Pois uma doutrina contrária à paz não pode ser verdadeira tal como a paz e a concórdia não podem ser contrárias à lei de natureza É certo que numa república em que devido à negligência ou incapacidade dos governantes e dos mestres venham a ser geralmente aceitas falsas doutrinas as verdades contrárias podem ser geralmente ofensivas Mas mesmo a mais brusca e repentina irrupção de uma nova verdade nunca vem quebrantar a paz pode apenas às vezes despertar a guerra Pois os homens que são tão desleixadamente governados que chegam a ousar pegar em armas para defender ou impor uma opinião esses encontramse ainda em condição de guerra A sua situação não éde paz mas apenas uma suspensão de hostilidades por medo uns dos outros É como se vivessem continuamente num prelúdio de batalha Portanto compete ao detentor do poder soberano ser o juiz ou constituir todos os juízes de opiniões e doutrinas como coisa necessária para a paz evitando assim a discórdia e a guerra civil Em sétimo lugar está anexado à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar e quais ações pode praticar sem ser incomodado por nenhum dos seus concidadãos é a isto que os homens chamam propriedade Porque antes da constituição do poder soberano conforme já foi mostrado todos os homens tinham direito a todas as coisas o que necessariamente provocava a guerra Portanto esta propriedade dado que é necessária à paz e depende do poder soberano é um ato desse poder tendo em vista a paz pública Essas regras da propriedade ou meum e tuum tal como o bom e o mau ou o lícito e o ilícito nas ações dos súditos são as leis civis ou seja as leis de cada república específica embora hoje o nome de direito civil se aplique apenas às antigas leis civis da cidade de Roma pois sendo esta a capital de uma grande parte do mundo as suas leis eram nesse tempo o direito civil dessa região 7 O direito de fazer regras pelas quais todos os súditos possam saber o que lhes pertence e nenhum outro súdito pode tirarlhes sem injustiça I I 152 153 8 Tamhém a ele perteneem a autoridade judicial e a decisão das controvérsias 92 9 E de fazer a guerra e a paz como lhe parecer melhor TO E de escolher todos os conselheiros e ministros tanto da paz como da guerra 77 E de compensar e punir e quando nenhuma lei precedente tenha determinado a sua medida de fazêlo a seu arhitrio Parte 2 Da República XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição Em oitavo lugar está anexada à soberania a autoridade judicial quer dizer o direito de ouvir e julgar todas as controvérsias que possam surgir com respeito às leis tanto civis como naturais ou com respeito aos fatos Porque sem a decisão das controvérsias não pode haver proteção de um súdito contra os danos de um outro Serão em vão as leis relativas ao meum e ao tuum e a cada homem pertence devido ao natural e necessário apetite da sua própria conservação o direito de se proteger a si mesmo com a sua força individual o que é uma condição de guerra contrária aos fins que levaram à instituição de cada república Em nono lugar está anexado à soberania o direito de fazer a guerra e a paz com outras nações e repúblicas Quer dizer o de decidir quando a guerra corresponde ao bem comum e qual a quantidade de forças que devem ser reunidas armadas e pagas para esse fim e de arrecadar dinheiro entre os súditos a fim de pagar as suas despesas Porque o poder mediante o qual o povo vai ser defendido consiste nos seus exércitos e a força de um exército consiste na união das suas forças sob um comando único Poder que pertence conseqüentemente ao soberano instituido pois o comando da militia na ausência de outra instituição torna soberano aquele que o possui Portanto seja quem for o escolhido para general de um exército aquele que possui o poder soberano é sempre o generalíssimo Em décimo lugar está anexada à soberania a escolha de todos os conselheiros ministros magistrados e funcionários tanto na paz como na guerra Dado que o soberano está encarregado dos fins que são a paz e a defesa comuns entendese que ele possui o poder de usar aqueles meios que considerar mais adequados para o seu propósito Em décimo primeiro lugar é confiado ao soberano o di reito de recompensar com riquezas e honras e o de punir com castigos corporais ou pecuniários ou com a ignomínia qualquer súdito de acordo com a lei que previamente estabeleceu Caso não haja lei estabelecida de acordo com o que considerar mais capaz de incentivar os homens a servir a república ou de desestimular a prática de desserviços a ela Por último levando em conta os valores que os homens tendem naturalmente a atribuir a si mesmos o respeito que esperam receber dos outros e o pouco valor que atribuem aos outros homens o que dá origem entre eles a uma emulação constante assim como querelas facções e por último à guerra à destruição de uns pelos outros e à diminuição da sua força perante um inimigo comum tudo isto torna necessário que existam leis de honra e uma avaliação pública da dignidade dos homens que merecem ou que são capazes de bem merecer da república e também que seja posta força nas mãos de alguns a fim de dar execução a essas leis Mas já foi mostrado que não é apenas a militia inteira ou forças da república mas também o julgamento de todas as controvérsias que pertence à soberania Ao soberano compete pois também conceder títulos de honra e designar a ordem de lugar e dignidade que cabe a cada um assim como quais os sinais de respeito nos encontros públicos ou privados que devem manifestar uns para com os outros São estes os direitos que constituem a essência da soberania e são as marcas pelas quais se pode distinguir em que homem ou assembléia de homens se localiza e reside o poder soberano Porque esses direitos são incomunicáveis e inseparáveis O poder de cunhar moeda de dispor das propriedades e pessoas dos infantes herdeiros de ter opção de compra nos mercados assim como todas as outras prerrogativas legais pode ser transferido pelo soberano sem que por isso perca o poder de proteger os seus súditos Mas se transferir o comando da militia será em vão que conservará o poder judicial pois as leis não poderão ser executadas Se alienar o poder de recolher impostos o comando da militia será em vão e se renunciar à regulação das doutrinas os súditos serão levados à rebelião com medo a espíritos Se examinarmos cada um dos referidos direitos imediatamente veremos que conservar todos os outros menos ele não produzirá nenhum efeito para a preservação da paz e da justiça que é o fim em vista do qual todas as repúblicas são instituídas E esta é a divisão da qual se diz que um reino 72 E da honra e da ordem Ir 1 Esses direitos são indivisíveis 93 154 155 E por nenhuma outorga podem ser trarziferidos sem direta renúncia ao poder soberano o poder e honra dos súditos se desvanece na presença do poder soberano Parte 2 Da República XVIII Dos Direitos dos Soberanos por Instituição dividido em si mesmo não se pode manter pois a menos que esta divisão anteriormente se verifique a divisão em exércitos opos tos jamais poderá ocorrer Se ao princípio não houvesse sido aceita na maior parte da Inglaterra a opinião segundo a qual esses poderes eram divididos entre o rei e os Lordes e a Câmara dos Comuns o povo jamais haveria se dividido nem caído nesta guerra civil primeiro entre os que discordavam em matéria de política e depois entre os dissidentes acerca da liber dade de religiãol lutas que de tal modo instruíram os homens quanto a este ponto do direito do soberano que poucos há hoje na Inglaterra que não vejam que esses direitos são inseparáveis e assim serão universalmente reconhecidos quando se restituir a paz e assim continuarão até que essas desgraças sejam esquecidas e não mais do que isso a não ser que o vulgo seja mais bem educado do que tem sido até agora E como se trata de direitos essenciais e inseparáveis seguese necessariamente que quaisquer que sejam as palavras em que qualquer deles pareça ser alienado mesmo assim se não se renunciar em termos expressos ao próprio poder soberano e o nome de soberano não mais for dado pelos outorga dos àquele que a eles outorga nesse caso a outorga é nula por que depois de ele ter outorgado tudo quanto queira se lhe outorgamos de volta a soberania tudo fica assim restabelecido e inseparavelmente anexado a ele Como esta grande autoridade é indivisível e inseparavel mente anexada à soberania há pouco fundamento para a opi nião dos que afirmam que os reis soberanos embora sejam singulis majores ou seja tenham maior poder do que qualquer dos seus súditos são universus minores isto é têm menos poder do que eles todos juntos Porque se por todos juntos não enten dem o corpo coletivo como uma pessoa nesse caso todos juntos e cada um significam o mesmo e o discurso é absurdo Mas se por todos juntos os entendem como uma pessoa pessoa da qual o soberano é portador nesse caso ao poder de todos juntos é o mesmo que o poder do soberano e mais uma vez o discurso é absurdo absurdo esse que vêem com clareza sempre que a soberania reside numa assembléia do povo mas que num monarca não vêem E no entanto o poder da soberania é o mesmo seja a quem for que pertença E do mesmo modo que o poder também a honra do soberano deve ser maior do que a de qualquer um ou a de todos os seus súditos Porque é na soberania que está a fonte da honra Os títulos lorde conde duque e príncipe são suas criaturas Tal como na presença do amo os servos são iguais e não possuem nenhuma espécie de honra assim também o são os súditos na presença do soberano E embora quando não estão na sua pre sença alguns tenham mais brilho e outros menos perante ele não brilham mais do que as estrelas na presença do sol Mas poderia aqui objetarse que a condição de súdito é 94 muito miserável pois se encontra sujeita à lascívia e a outras o poder soberano não é paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm nas suas tão prejudicial como a sua fálta e o prluzzo mãos poder tão ilimitado Geralmente os que vivem sob um deriva na sua maior monarca Pensam que isso é cul pa da monar quia e os q ue vi parte de não hver pronta aceztaçao de um vem sob o governo de uma democracia ou de outra assembléia prejuízo menor soberana atribuem todos os inconvenientes a essa forma de república Ora o poder é sempre o mesmo sob todas as formas se estas forem suficientemente perfeitas para proteger os súditos E isto sem levar em conta que o estado do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra incomodidade e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral em qualquer forma de governo é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompanham a guerra civil ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar as suas mãos impedindo a rapina e a vingança E também sem levar em conta que o que mais impulsiona os soberanos governantes não é nenhum deleite ou proveito que esperem recolher do prejuízo ou debilitamento causado aos seus súditos em cujo vigor consiste a sua própria força e glória e sim a obstinação o manuscrito do copista vem assim redigido as facções temporais de parlamentaristas e realistas sob o nome de Roundheads e Cavaliers e posteriormente entre as facções doutrinais de presbiterianos e independentes 156 157 Parte 2 Da República XIX Das diversas Espécies de República daqueles que contribuindo de má vontade para a sua própria defesa tornam necessário que os governantes deles arranquem tudo o que podem em tempo de paz a fim de obterem os meios para resistir ou vencer os seus inimigos em qualquer emergência ou súbita necessidade Porque todos os homens são dotados por natureza de grandes lentes de aumento ou seja as paixões e o amorpróprio através das quais todo pequeno pagamento aparece como um imenso agravo mas são destituídos daquelas lentes prospectivas a saber a ciência moral e civil que permitem ver de longe as misérias que os ameaçam e que sem tais pagamentos não podem ser evitadas ARISTOCRACIA Não pode haver outras espécies de governo porque o poder soberano pleno que já mostrei ser indivisível tem que pertencer a um ou mais homens ou a todos Encontramos outros nomes de espécies de governo como tirania e oligarquia nos livros de história e de política Porém não se trata de nomes de outras formas de governo e sim das mesmas formas quando são detestadas Pois os que estão descontentes sob uma monarquia chamamlhe tirania e aqueles que se acham agravados sob uma aristocracia chamamlhe oligarquia Do mesmo modo os que se sentem agravados sob uma democracia chamamlhe anarquia o que significa ausência de governo embora creio eu ninguém pense que a ausência de governo é uma nova espécie de governo Pela mesma razão também não devem as pessoas pensar que o governo é de uma espécie quando gostam dele e de uma espécie diferente quando o detestam ou quando são oprimidos pelos governantes É evidente que os homens que se encontrarem numa situação de absoluta liberdade poderão se lhes aprouver conferir a um só homem a autoridade de representar todos eles ou então conferir essa autoridade a qualquer assembléia de homens Poderão portanto se tal considerarem conveniente submeterse a um monarca de maneira tão absoluta como a qualquer outro representante Assim quando já estiver instituído um poder soberano só será possível haver outro representante das mesmas pessoas para determinados fins particulares definidos pelo próprio soberano Caso contrário instituirseiam dois soberanos tendo cada homem a sua pessoa representada por dois atores os quais se oporiam um ao outro e assim necessariamente dividiriam esse poder que para que o povo possa viver em paz tem que ser indivisível Dessa forma a multidão seria reduzida a uma situação de guerra contrariamente ao fim para que é instituída toda e qualquer soberania Portanto do mesmo modo que seria absurdo supor que uma assembléia soberana ao convidar o povo dos seus domínios a enviar os seus deputados com poder para dar a conhecer as suas opiniões ou desejos estaria assim considerando esses deputados e não os mem CAPo XIX Das diversas EsPécies de REpÚBLICA por Instituição e da Sucessão do Poder Soberano São apenas três as distintas formas de república A diferença entre as repúblicas consiste na diferença do soberano ou pessoa representante de todos e cada um dos membros da multidão E como a soberania ou reside em um homem ou em uma assembléia de mais de um e que em tal assembléia ou todos têm o direito de participar ou nem todos mas apenas certos homens distintos dos restantes tornase evidente que só pode haver três espécies de república Pois o representante é necessariamente um homem ou mais de um e caso seja mais de um a assembléia será de todos ou apenas de uma parte Quando o representante é um só homem a república é uma MONARQUIA Quando é uma assembléia de todos os que se uniram é uma DEMOCRACIA ou governo popular Quando é uma assembléia apenas de uma parte chamaseIhe 158 159 95 Tirania e oligarquia apenas nomes diferentes da monarquia e da aristocracia Os representantes subordinados são perigosos Comparação da monarquia com assemhliias soberanas 96 Parte 2 Da República XIX Das diversas Espécies de República bros da própria assembléia como representantes absolutos do povo também seria absurdo supor o mesmo numa monarquia E não compreendo como uma verdade tão evidente como esta pode ultimamente ter sido tão pouco observada numa monarquia quem detinha a soberania por uma descendência de seiscentos anos era o único a ser chamado soberano havia recebido de cada um de seus súditos o título de majestade e era inquestionavelmente considerado por todos como seu rei e contudo jamais foi considerado seu representante sendo esta palavra tomada sem que ninguém o contradissesse como o título daqueles que por ordem do rei foram designados pelo povo para apresentar as suas petições e caso o rei o permitisse para exprimir as suas opiniões Que isso sirva de advertência àqueles que são os verdadeiros e absolutos representantes do povo a fim de ensinarem a todos a natureza do seu cargo e tomarem cuidado com a maneira como admitem a existência de qualquer outra representação geral em qualquer ocasião que seja se pretenderem corresponder à confiança neles depositada A diferença entre essas três espécies de república não reside numa diferença de poder mas numa diferença de conveniência isto é de capacidade para garantir a paz e a segurança do povo fim para o qual foram instituídas Comparando a monarquia com as outras duas impõemse várias observações Em primeiro lugar seja quem for o portador da pessoa do povo ou membro da assembléia que dela é portadora é também portador da sua própria pessoa natural Embora tenha o cuidado na sua pessoa política de promover o interesse comum terámais ainda ou não terá menos cuidado de promover o seu próprio bem pessoal assim como o da sua família seus parentes e amigos E na maior parte dos casos se porventura houver conflito entre o interesse público e o interesse pessoal preferirá o interesse pessoal pois em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão Disso se segue que quanto mais intimamente unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal mais se beneficiará o interesse público Ora na monarquia o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público A riqueza o poder e a honra de um monarca provêm unicamente da riqueza da força e da reputação dos seus súditos Porque nenhum rei pode ser rico ou glorioso ou pode ter segurança se acaso os seus súditos forem pobres ou desprezíveis ou demasiado fracos por carência ou dissensão para manter uma guerra contra os seus inimigos Por outro lado numa democracia ou numa aristocracia a prosperidade pública concorre menos para a fortuna pessoal de alguém que seja corrupto ou ambicioso do que muitas vezes uma decisão pérfida uma ação traiçoeira ou uma guerra civil Em segundo lugar um monarca recebe conselhos de quem lhe apraz e quando e onde lhe aprazo Em conseqüência tem a possibilidade de ouvir as pessoas versadas na matéria sobre a qual está deliberando seja qual for a posição ou a qualidade dessas pessoas com a antecedência que quiser em relação ao momento da ação e com o sigilo que quiser Pelo contrário quando uma assembléia soberana precisa de conselhos só são admitidas as pessoas que desde o início a tal têm direito as quais na sua maioria são mais versadas na aquisição de riquezas do que na de conhecimentos e darão o seu conselho em longos discursos que podem incitar os homens à ação e geralmente o fazem mas jamais os refreiam de agir Porque o entendimento submetido à chama das paixões jamais é iluminado mas sempre ofuscado E nunca há lugar nem tempo em que uma assembléia possa receber conselhos em sigilo devido à sua própria multidão Em terceiro lugar as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância que é a da natureza humana ao passo que nas assembléias além da natureza verificase a inconstância do número Porque a ausência de uns poucos que poderiam manter firme a resolução uma vez tomada ausência que pode ocorrer por segurança por negligência ou por impedimentos pessoais ou a diligente aparição de uns poucos da opinião contrária pode desfazer hoje tudo o que ontem ficou decidido 160 161 Parte 2 Da República 97 Em quarto lugar é impossível um monarca discordar de si mesmo seja por inveja ou por interesse mas numa assembléia isso é possível e em grau tal que pode chegar a provocar uma guerra civil Em quinto lugar numa monarquia existe o inconveniente de qualquer súdito poder ser pelo poder de um só homem e com o fim de enriquecer um favorito ou um adulador privado de tudo quanto possui Este confesso é um grande e inevitável inconveniente Mas o mesmo pode também acontecer quando o poder soberano reside numa assembléia pois o seu poder é o mesmo e os seus membros encontramse tão sujeitos aos maus conselhos ou a serem seduzidos por oradores como um monarca por aduladores e tornandose aduladores uns dos outros servem mutuamente à cobiça e à ambição uns dos outros E enquanto os favoritos de um monarca são poucos e ele tem para favorecer apenas os seus parentes os favoritos de uma assembléia são muitos e os parentes são em muito maior número do que os de um monarca Além do mais não há favorito de um monarca que não seja tão capaz de ajudar os seus amigos como de prejudicar os seu inimigos Ora oradores ou seja os favoritos das assembléias soberanas embora possuam grande poder para prejudicar pouco têm para ajudar Porque acusar exige menos eloqüência assim é a natureza do homem do que desculpar e a condenação se parece mais com a justiça do que com a absolvição Em sexto lugar há na monarquia o inconveniente de ser possível a soberania ser herdada por uma criança ou por alguém incapaz de distinguir entre o bem e o mal O inconveniente reside no fato de ser necessário que o uso do poder fique nas mãos de um outro homem ou nas de uma assembléia que deverá governar pelo seu direito e em seu nome como curador e protetor da sua pessoa e autoridade Mas dizer que é inconveniente pôr o uso do poder soberano mis mãos de um homem ou de uma assembléia é dizer que todo governo é mais inconveniente do que a confusão e a guerra civil E todo o perigo que se pode alegar só virá portanto das lutas entre aque 162 XIX Das diversas Espécies de República les que por causa de um cargo de tamanha honra e proveito se tornarão competidores Para ver claramente que este inconveniente não se deve à forma de governo a que chamamos monarquia basta lembrar que o monarca anterior pode indicar o tutor do infante seu sucessor quer expressamente por testamento quer tacitamente não se opondo ao costume que neste caso é normal Assim tal inconveniente se existir não deverá ser atribuído à monarquia mas à ambição e injustiça dos súditos que são as mesmas em todas as espécies de governo em que o povo não é competentemente instruído quanto aos seus deveres e quanto aos direitos da soberania No caso de o monarca anterior não haver tomado nenhuma medida quanto a essa tutoria basta a lei de natureza para fornecer esta regra suficiente que o tutor seja aquele que por natureza tenha maior interesse na preservação da autoridade do infante e a quem menos beneficie a sua morte ou a diminuição dessa autoridade Pois como por natureza todo homem procura o seu próprio interesse e benefício colocar o infante nas mãos de quem possa beneficiarse com a sua destruição ou prejuízo não é tutoria mas traição Portanto se forem tomadas suficientes precauções contra qualquer justa querela a respeito do governo de um menor de idade se surgir qualquer disputa que venha perturbar a paz pública ela não deve ser atribuída à forma da monarquia mas à ambição dos súditos e à ignorância do seu dever Por outro lado não há nenhuma grande república cuja soberania resida numa grande assembléia que não se encontre quanto às consultas da paz e da guerra e quanto à elaboração das leis na mesma situação de um governo pertencente a uma criança Porque do mesmo modo que à criança falta julgamento para discordar dos conselhos que lhe dão precisando portanto pedir a opinião daquele ou daqueles a quem foi confiada assim também a uma assembléia falta liberdade para discordar do conselho da maioria seja ele bom ou mau E do mesmo modo que uma criança tem necessidade de um tutor ou protetor para preservar a sua pessoa e autoridade assim também nas grandes repúblicas a assembléia soberana por 11 I I I 163 j Parte 2 Da República XIX Das diversas Espécies de República 98 J ocasião de todos os grandes perigos e perturbações tem necessidade de custodes libertatis ou seja de ditadores e protetores da sua autoridade Estes são o equivalente de monarcas temporários aos quais ela pode entregar por um tempo determinado o completo exercícío do seu poder E tem acontecído mais freqüentemente ela ser por eles privada do poder ao fim desse tempo do que os infantes serem privados dele pelos seus protetores regentes ou quaisquer outros tutores Embora conforme acabei de mostrar as espécies de soberania sejam apenas três ou seja a monarquia quando pertence a um só homem a democracia quando pertence à assembléia geral dos súditos e a aristocracia quando reside numa assembléia de certas pessoas designadas ou de qualquer outra maneira distinguidas das demais apesar disso aquele que examinar as repúblicas específicas que efetivamente existiram e existem no mundo talvez não encontre facilidade em reduziIas a três podendo assim tender para acreditar que existem outras formas derivadas da mistura daquelas três Como por exemplo as monarquias eletivas em que o poder soberano é colocado nas mãos dos reis por um tempo determinado ou as monarquias em que o poder do rei é limitado governos que não obstante são pela maior parte dos autores chamados monarquias De maneira semelhante se uma república popular ou aristocrática subjugar um país inimigo e governar este último através de um presidente um procurador ou outro magistrado neste caso poderá parecer à primeira vista que se trata de um governo popular ou aristocrático Mas não é esse o caso Porque os monarcas eletivos não são soberanos mas ministros dos que têm o poder soberano E aquelas provincias que se encontram submetidas a uma democracia ou aristocracia de uma outra república não são democrática ou aristocraticamente governadas e sim monarquicamente Em primeiro lugar com respeito ao monarca eletivo cujo poder está limitado à duração da sua vida como acontece atualmente em muitas regiões da cristandade ou a certos anos ou meses como no caso do poder dos ditadores entre os romanos se ele tiver o direito de designar o seu sucessor não será mais eletivo mas hereditário Mas se ele não tiver o direito de escolher o seu sucessor nesse caso haverá algum outro homem ou assembléia conhecida que após a sua morte poderá indicar um novo monarca pois caso contrário a república morreria e se dissolveria com ele voltando à condição de guerra Se for sabido quem terá o poder de conceder a soberania após a sua morte será também sabido que já antes a soberania lhe pertencia Porque ninguém tem o direito de dar aquilo que não tem o direito de possuir e guardar para si mesmo se assim lhe aprouver E se não houver ninguém com o poder de conceder a soberania após a morte daquele que foi eleito em primeiro lugar nesse caso este tem o poder ou melhor é obrigado pela lei de natureza a garantir mediante a escolha do seu sucessor que aqueles que lhe confiaram o governo não voltem a cair na miserável condição de guerra civil Conseqüentemente ele foi quando eleito designado como soberano absoluto Em segundo lugar o rei cujo poder é limitado não é supe rior àquele ou àqueles que têm o direito de o limitar E aquele que não é superior não é supremo isto é não é soberano Por tanto a soberania sempre residiu naquela assembléia que teve o direito de o limitar e em conseqüência o governo não é mo narquia mas democracia ou aristocracia como acontecia anti gamente em Esparta onde os reis tinham o privilégio de co mandar os seus exércitos mas a soberania residia nos éforos Em terceiro lugar mesmo enquanto o povo romano governou a região daJudéia por exemplo através de um presidente aJudéia jamais foi uma democracia porque os seus habitantes não eram governados por uma assembléia da qual alguns deles tinham o direito de fazer parte nem uma aristocracia pois não eram governados por uma assembléia da qual qualquer um podia fazer parte por sua eleição Eram governados por uma só pessoa que embora em relação ao povo de Roma fosse uma assembléia do povo ou democracia em relação ao povo da Judéia que não tinha nenhum direito de participar no governo era um monarca Pois embora quando o povo é governado por 99 164 165 Do direito de sucessão Parte 2 Da República XIX Das diversas Espécies de República uma assembléia escolhida por ele próprio em seu próprio seio o governo se chame uma democracia ou aristocracia quando o povo é governado por uma assembléia que não é da sua própria escolha o governo é uma monarquia não de um homem sobre outro homem mas de um povo sobre outro povo Dado que a matéria de todas estas formas de governo é mortal de modo que não apenas os monarcas morrem mas também assembléias inteiras é necessário para a conservação da paz entre os homens que assim como foram tomadas medidas para a criação de um homem artificial também sejam tomadas medidas para uma eternidade artificial da vida Sem isso os homens que são governados por uma assembléia voltarão à condição de guerra em cada geração e com os que são governados por um só homem o mesmo acontecerá assim que morrer o seu governante Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão Não existe nenhuma forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do soberano vigente Porque se esse direito pertencer a qualquer outro ho mem ou a qualquer assembléia particular ele pertence a um súdito e pode ser tomado pelo soberano a seu belprazer e por conseqüência o direito pertence a ele próprio Se o direito não pertencer a nenhuma pessoa em especial e estiver na dependência de uma nova escolha neste caso a república encontrase dissolvida e o direito pertence a quem dele puder se apoderar contrariamente à intenção dos que instituíram a república tendo em vista uma segurança perpétua e não apenas temporária Numa democracia é impossível que a assembléia inteira venha a faltar a não ser que falte também a multidão que deverá ser governada Portanto as questões relativas ao direito de sucessão não podem ter lugar algum nessa forma de governo Numa aristocracia quando morre qualquer dos membros da assembléia a eleição de outro em seu lugar compete à própria assembléia na qualidade de soberano a quem pertence o direito de escolher todos os conselheiros e funcionários Pois tudo quanto o representante faz como ator cada um dos súdi tos faz também como autor E embora a assembléia soberana possa dar a outrem os poderes para eleger novos membros para completar seu tribunal mesmo assim continua a ser em virtude da sua autoridade que se faz a eleição e por ela pode ser revogada quando o interesse público assim o exigir Com respeito ao direito de sucessão a maior dificuldade ocorre no caso da monarquia E a dificuldade surge do fato de à primeira vista não ser evidente quem deve designar o sucessor nem muitas vezes quem foi que ele designou Porque em ambos os casos é necessária maior precisão de raciocinio do que geralmente se tem o costume de aplicar Quanto ao problema de saber quem deve designar o sucessor de um monarca que é detentor da soberana autoridade ou seja quem deve determinar o direito de herança dado que os monarcas eletivos não têm a propriedade mas apenas o uso do poder soberano devese admitir que ou aquele que tem a posse tem o direito de decidir a sucessão ou esse direito volta para a multidão dissolvida Porque a morte daquele que tem a propriedade do poder soberano deixa a multidão destituída de qualquer soberano isto é sem nenhum representante no qual possa ser unida e tornarse capaz de praticar qualquer espécie de ação Ela fica portanto incapaz de proceder à eleição de um novo monarca pois cada um tem igual direito de se submeter a quem considerar mais capaz de o proteger ou então se puder de se proteger a si mesmo com a sua própria espada o que equivale a um regresso à confusão e à condição de guerra de todos os homens contra todos os homens contrariamente ao fim para que a monarquia foi instituída Tornase assim evidente que pela instituição de uma monarquia a escolha do sucessor é sempre deixada ao juizo e vontade do possessor atual Quanto ao problema que às vezes pode surgir de saber quem foi que o atual monarca designou como herdeiro e sucessor do seu poder este é determinado por palavras expressas num testamento ou por outros sinais tácitos considerados suficientes Considerase que há palavras expressas ou testamento quando tal é declarado em vida do soberano viva voce ou por escri 166 167 o mnnarca atual tem o direito dt dispor da sucessão 100 li A sucessão passa por palavras expressas Ou por não regular um costume 101 Ou peia presunção de aflição natural Parte 2 Da República XIX Das diversas Espécies de República to como os primeiros imperadores de Roma declaravam quem deviam ser os seus herdeiros Porque a palavra herdeiro não significa por si mesma os filhos ou parentes mais próximos de um homem mas seja quem for que de qualquer modo este último declarar que deverá sucederlhe em seu dominio Portanto se um monarca declarar expressamente que determinada pessoa deverá ser sua herdeira quer oralmente quer por escrito nesse caso essa pessoa será imediatamente após o falecimento do seu predecessor investida no direito de ser monarca Mas na ausência de testamento e palavras expressas é preciso guiarse por outros sinais naturais da vontade um dos quais é o costume Portanto quando o costume é que o parente mais próximo seja o sucessor absoluto também nesse caso é o parente mais próximo quem tem direito à sucessão visto que se fosse diferente a vontade do que detinha o poder facilmente ele poderia assim ter declarado quando em vida De maneira semelhante quando o costume é que o sucessor seja o parente masculino mais próximo também nesse caso o direito de sucessão pertence ao parente masculino mais próximo pela mesma razão E o mesmo seria se o costume fosse dar preferência ao parente feminino Porque seja qual for o costume que um homem tenha a possibilidade de regular através de uma palavra e não o faz estáse perante um sinal natural de que ele quer que esse costume se mantenha Mas quando não há costume ou testamento anterior devese entender primeiro que a vontade do monarca é que o governo continue sendo monárquico dado que aprovou essa forma de governo em si mesmo Segundo que o seu próprio filho homem ou mulher seja preferido a qualquer outro dado que se supõe que os homens tendem por natureza a favorecer mais os seus próprios filhos do que os dos outros homens e de entre os seu filhos mais os do sexo masculino que os do feminino porque os homens são naturalmente mais capazes do que as mulheres para as ações que implicam esforço e perigo Terceiro caso não deixe descendentes mais um irmão do que um estranho e mesmo assim o de sangue mais próximo de preferência ao mais remoto dado que se supõe que o parente mais chega do é também o mais chegado ao afeto e é evidente que sempre se recebe por reflexo mais honra devido à grandeza do parente mais próximo Mas sendo legitimo que um monarca decida a sua sucessão por palavras de contrato ou testamento alguém poderá talvez objetar um grave inconveniente que ele pode vender ou dar a um estrangeiro o seu direito de governar Ora como os estrangeiros isto é os homens que não estão habituados a viver sob o mesmo governo e não falam a mesma lingua geralmente dão pouco valor aos outros isso poderia redundar na opressão dos súditos Este é sem dúvida um grande inconveniente mas não deriva necessariamente da sujeição ao governo de um estrangeiro e sim da falta de habilidade dos governantes que ignoram as verdadeiras regras da política Assim os romanos quando haviam subjugado muitas nações a fim de tornarem o seu governo mais aceitável tinham o hábito de eliminar essa causa de ressentimento tanto quanto consideraram necessário concedendo às vezes a nações inteiras e às vezes aos homens mais importantes das nações que conquistaram não apenas os privilégios mas também o nome de romanos E a muitos deles deram um lugar no Senado assim como cargos públicos na cidade de Roma E era isto que o nosso mui sábio rei2Jaime visava ao esforçarse por realizar a união dos dois reinos da Inglaterra e da Escócia Se tal tivesse conseguido é muito provável que tivesse evitado as guerras civis que tornaram os dois reinos hoje miseráveis Portanto não constitui dano provocado ao povo que um monarca decida por testamento a sua sucessão embora por culpa de muitos príncipes tal haja sido às vezes considerado inconveniente Em favor da legitimidade de uma tal decisão há também um outro argumento que sejam quais forem os inconvenientes que possam derivar da entrega de um reino a um estrangeiro o mesmo pode também acontecer devido ao casamento com um estrangeiro dado que o direito de sucessão pode acabar por recair nele Todavia isto éconsiderado legítimo por todos os homens I Syn inclusive na 2 Syn Rei o Rei 168 169 Dispor da sucessão mesmo a de um rei de outra nação não é ilegitimo li il n I I A república por aquisição 102 Em que difere da república por instituição Os direitos de soberania são os mesmos em ambos Parte 2 Da República xx Do Domínio Paterno e Despótico CAPo XX Do Domínio PATERNO e DESPÓTICO direito a esse poder não pode ser acusado de praticar dano por nenhum dos seus súditos não pode por eles ser punido É juiz do que é necessário para a paz e juiz das doutrinas é o único legislador e supremo juiz das controvérsias assim como dos tempos e motivos da guerra e da paz é a ele que compete a escolha dos magistrados conselheiros comandantes assim como todos os outros funcionários e ministros é ele quem determina as recompensas e castigos as honras e as ordens As razões de tudo isto são as mesmas que foram apresentadas no capítulo anterior para os mesmos direitos e conseqüências da soberania por instituição O domínio pode ser adquirido de duas maneiras por geração e por conquista O direito de domínio por geração é aquele que o pai tem sobre os seus filhos e chamase PATERNO Esse direito não deriva da geração como se o pai tivesse domínio sobre o seu filho por o ter criado e sim do consentimento do filho seja expressamente ou por outros argumentos suficientemente declarados Quanto à geração quis Deus que o homem tivesse uma colaboradora e há sempre dois que são igualmente pais portanto o domínio sobre o filho deveria pertencer igualmente a ambos e ele deveria estar igualmente submetido a ambos o que é impossível pois ninguém pode obedecer a dois senhores Assim os que atribuem o domínio apenas ao homem por ser do sexo mais excelente enganamse totalmente Porque nem sempre se verifica essa diferença de força e prudência entre o homem e a mulher de maneira que o direito possa ser determinado sem guerra Nas repúblicas essa controvérsia é decidida pela lei civil e na maior parte dos casos embora nem sempre a sentença é favorável ao pai porque em sua maioria as repúblicas foram criadas pelos pais não pelas mães de família Mas agora a questão diz respeito ao estado de mera natu reza em que se supõe não existam leis matrimoniais nem leis referentes à educação das crianças mas apenas a lei de natu reza e a inclinação natural dos sexos um para com o outro e para com seus filhos Nesta condição de simples natureza ou os pais decidem entre si por contrato o domínio sobre os filhos Uma república por aquisição é aquela em que o poder soberano foi adquirido pela força E este é adquirido pela força quando os homens individualmente ou em grande número e por pluralidade de votos por medo da morte ou do cativeiro autorizam todas as ações daquele homem ou assembléia que tem em seu poder as suas vidas e a sua liberdade Esta espécie de domínio ou soberania difere da soberania por instituição apenas num aspecto os homens que escolhem o seu soberano fazemno por medo uns dos outros e não daquele a quem instituem Mas no caso vertente submetemse àquele de quem têm medo Nos dois casos fazemno por medo o que deve ser notado por todos aqueles que consideram nulos os pactos originados no medo da morte ou da violência Se isso fosse verdade ninguém poderia em nenhuma espécie de república ser obrigado à obediência É certo que numa república já instituída ou adquirida as promessas derivadas do medo da morte ou da violência não são pactos nem geram obrigação quando a coisa prometida é contrária às leis mas a razão disso não é que tenha sido feita por medo e sim que aquele que prometeu não tinha nenhum direito à coisa prometida Além disso quando alguém pode legitimamente cumprir uma promessa e não o faz não é a invalidez do pacto que o absolve e sim a sentença do soberano Se assim não fosse todas as vezes em que um homem legitimamente prometesse ele estaria ilegitimamente não cumprindo Porém quando o soberano como ator de tal o dispensa ele está sendo dispensado por aquele que obteve a promessa na qualidade de autor dessa absolvição Mas os direitos e conseqüências da soberania são os mesmos em ambos os casos O seu poder não pode sem o seu consentimento ser transferido para oOutrem ele não perde o 170 171 Como se adquire o dominio paterno Não por geração mas por contrato BI li I 1 I 103 Parte 2 Da República xx Do Domínio Paterno e Despótico Ou educação ou nada decidem a tal respeito Se houver essa decisão o direito se aplicará conforme o contrato Diznos a história que as amazonas faziam com os homens dos paises vizinhos aos quais recorriam para terem filhos um contrato pelo qual as crianças do sexo masculino seriam enviadas de volta e as do sexo feminino ficavam com elas assim o domínio sobre as filhas pertencia à mãe Caso não haja contrato o domínio pertence à mãe Porque na condição de simples natureza em que não existem leis matrimoniais é impossível saber quem é o pai a não ser que tal seja declarado pela mãe Portanto o direito de domínio sobre os filhos depende da vontade dela e conseqüentemente pertenceIhe Além disso visto que a criança se encontra inicialmente em poder da mãe de modo que esta tanto pode alimentáIa como abandonáIa caso seja alimentada fica devendo a vida à mãe sendo portanto obrigada a obedecerlhe e não a outrem por conseqüência é a ela que pertence o domínio sobre a criança Mas se a abandonar e um outro a encontrar e alimentar nesse caso o domínio pertence a quem a alimentou pois ela deve obedecer a quem a preservou Como a preservação da vida é o fim em vista do qual um homem fica sujeito a outro supõese que todo homem prometa obediência àquele que tem o poder de o salvar ou de o destruir Se a mãe se encontrar submetida ao pai o filho encontrase em poder do pai e se o pai estiver submetido à mãe como quando uma rainha soberana desposa um dos seus súditos o filho fica submetido à mãe visto que o pai também a ela está submetido Se um homem e uma mulher monarcas de dois reinos diferentes tiverem um filho e fizerem um contrato estabelecendo quem deverá ter dominio sobre ele o direito de domínio será conforme a esse contrato Se não houver contrato o domínio será conforme ao domínio do lugar onde o filho reside Porque o soberano de cada pais tem direito de domínio sobre todos quantos lá residem Aquele que tem dominio sobre um filho tem também domínio sobre os filhos desse filho e sobre os filhos dos seus fi lhos Porque aquele que tem domínio sobre a pessoa de alguém também tem domínio sobre tudo quanto lhe pertence sem o que o domínio seria apenas um título desprovido de quaisquer efeitos Com o direito de sucessão ao domínio paterno passase o mesmo que com o direito de sucessão à monarquia sobre o qual já disse o suficiente no capítulo anterior O domínio adquirido por conquista ou vitória militar é aquele que alguns autores chamam DESPÓTICO de L1EmróT1ç que significa senhor ou amo e é o domínio do senhor sobre o seu servo O domínio é então adquirido pelo vencedor quando o vencido para evitar o iminente golpe de morte promete por palavras expressas ou por outros suficientes sinais da sua vontade que enquanto a sua vida e a liberdade do seu corpo lho permitirem o vencedor terá direito ao seu uso a seu belprazer Após realizado esse pacto o vencido tornase SERVO mas não antes Porque pela palavra servo quer seja derivada de servire servir ou de servare salvar disputa que deixo para os gramáticos não se entende um cativo que é guardado na prisão ou a ferros até que o dono daquele que o tomou ou o comprou de alguém que o fez decida o que vai fazer com ele porque esses homens geralmente chamados escravos não têm obrigação alguma e podem sem injustiça destruir as suas cadeias ou prisão e matar ou levar cativo o seu senhor por servo entendese alguém a quem se permite a liberdade corpórea e que após prometer não fugir nem praticar violência contra o seu senhor recebe a confiança deste último Portanto não é a vitória que confere o direito de domínio sobre o vencido mas o pacto celebrado por este E ele não adquire a obrigação por ter sido conquistado isto é batido tomado ou posto em fuga mas por ter vindo se submeter ao vencedor E o vencedor não é obrigado pela rendição do inimigo se não lhe tiver prometido a vida a poupá Io por se ter entregue à sua discrição o que só obriga o vencedor na medida em que este em sua própria discrição considerar bom E o que os homens fazem quando pedem quartel como agora se lhe chama e a que os gregos chamavam ZúYypía tomar com Ou anterior sujeição de um dos pais ao outro 172 173 O direito de sucessão segue as regras do direito de posse Como se adquire o dominio despótico 104 1 Ili Não pela vitória mas pelo consentimento do ventido Parte 2 Da República 10 5 vida é escapar pela submissão à fúria presente do vencedor e chegar a um acordo para salvar a vida mediante resgate ou prestação de serviços Portanto aquele a quem é dado quartel não recebe garantia de vida mas apenas um adiamento até uma deliberação posterior pois não se trata de se entregar em troca de uma condição de vida mas de se entregar à discrição A sua vida só se encontra em segurança e o seu serviço só se torna devido depois de o vencedor lhe ter outorgado a sua liberdade corpórea Porque os escravos que trabalham nas prisões ou amarrados por cadeias não o fazem por dever mas para evitar a crueldade dos seus guardas O senhor do servo é também senhor de tudo quanto este tem e pode exigir o seu uso Isto é dos seus bens do seu trabalho dos seus servos e seus filhos tantas vezes quantas lhe aprouver Porque ele recebeu a vida do seu senhor mediante o pacto de obediência isto é o reconhecimento e autorização de tudo o que o senhor vier a fazer E caso o senhor se ele recusar o matar ou o puser a ferros ou de outra maneira o castigar pela desobediência ele próprio será o autor dessas ações e não o pode acusar de provocar dano Em resumo os direitos e conseqüências tanto do domínio paterno como do despótico são exatamente os mesmos que os do soberano por instituição e pelas mesmas razões já apresentadas no capítulo anterior Assim no caso de alguém que é monarca de nações diferentes tendo numa recebido a soberania por instituição do povo reunido e noutra por conquista isto é por submissão de cada individuo para evitar a morte ou as cadeias exigir de uma nação mais do que da outra por causa do título de conquista ou porl ser uma nação conquistada é um ato de ignorância dos direitos da soberania Porque ele é igualmente soberano absoluto das duas nações caso contrário não haveria soberania alguma e cada um poderia legitimamente protegerse a si mesmo conforme pudesse com a sua própria espada o que é uma situação de guerra I Syn por 174 xx Do Domínio Paterno e Despótico Tornase assim patente que uma grande família se não fizer parte de nenhuma república é em si mesma quanto aos direitos de soberania uma pequena monarquia E isto quer a família seja formada por um homem e seus filhos ou por um homem e seus servos ou por um homem e seus filhos e servos em conjunto dos quais o pai ou senhor é o soberano Apesar disso uma família não é propriamente uma república a não ser que graças ao seu número ou a outras circunstâncias tenha poder suficiente para só ser subjugada pelos azares da guerra Porque quando um certo número de pessoas manifestamente é demasiado fraco para se defender em conjunto cada uma pode usar a sua própria razão nos momentos de perigo para salvar a sua vida seja pela fuga ou pela sujeição ao inimigo conforme achar melhor assim como uma pequena companhia de soldados surpreendida por um exército pode baixar as armas e pedir quartel ou então fugir em vez de ser passada ao fio da espada E isto é o bastante relativamente ao que eu estabeleci por especulação e dedução sobre os direitos soberanos a partir da natureza necessidades e desígnios dos homens na criação das repúblicas e na submissão a monarcas ou assembléias a quem outorgam poder suficiente para a sua proteção Examinemos agora o que as Escrituras ensinam relativamente às mesmas questões Assim disseram a Moisés os filhos de Israel Fala nos e ouvirteemos mas que Deus não nos fale senão morreremos Isto implica uma obediência absoluta a Moisés A respeito do direito dos reis disse o próprio Deus pela boca de Samuel Este será o direito do rei que sobre vós reinará Ele tomará vossos filhos e os fará guiar os seus carros e ser seus cavaleiros e correr na frente dos seus carros e colher a sua colheita e fazer as suas máquinas de guerra e instrumentos dos seus carros e levará as vossas filhas para fazerem perfUmes para serem suas cozinheiras e padeiras Ele tomará vossos campos vossos vinhedos e vossos olivais e dálosá aos seus servos Tomará as primícias do vosso grão e do vosso vinho e dálas á aos seus camareiras e aos outros servos Tomará vossos servos e vossas criadas e a flor da vossa juventude para empregálos nos seus negócios Tomará as primícias dos vossos rebanhos e vós sereis seus servos Tratase aqui de 175 DifereTlfa entre uma família e um reino iI I I I Os direitos da monarquia pelas Escrituras Ex 2019 1 Sm 811 ss Verso 19 SS 1 Rs 39 106J 1 Sm 249 1 Col 320 Vers 22 Mt 2323 Ti 32 Mt 212 s Parte 2 Da República xx Do Domínio Paterno e Despótico um poder absoluto resumido nas últimas palavras vós sereis seus servos Mais ainda quando o povo soube qual o poder que o seu rei iria ter apesar de tudo consentiu e assim disse Nós seremos como todas as outras nações e o nosso rei julgará as nossas causas e irá à nossa frente para nos comandar nas nossas guerras Aqui se encontra confirmado o direito que têm os soberanos tanto à militia como a todo o judiciário direito que encerra o poder mais absoluto que a um homem é possível transferir a outro Além disso foi a seguinte a oração do rei Salomão a Deus Dá ao teu servo entendimento para julgar o teu povo e para distinguir entre o bem e o mal Pertence portanto ao soberano ser juiz e prescrever as regras para distinguir entre o bem e o mal regras estas que são as leis por conseqüência é nele que reside o poder legislativo Saul pôs a prêmio a vida de Davi mas este quando estava em seu poder dar a morte a Saul e os seus servos se aprestavam a fazêIo impediuos dizendo Deus não permita que eu cometa tal ação contra o meu senhor o ungido de Deus Sobre a obediência dos servos disse São Paulo Servos obedecei ao vosso senhor em todas as coisas E também Filhos obedecei aos vossos pais em todas as coisas Há obediência simples naqueles que estão sujeitos ao domínio paterno ou despótico Mais Os escribas e fariseus estão sentados na cadeira de Moisés portanto tudo o que vos mandarem observar observa io e fazeio E São Paulo Advertios para que se submetam aos príncipes outras pessoas de autoridade e que lhes obedeçam Esta obediência também é simples Por último mesmo o nosso Salvador reconhece que os homens devem pagar os impostos exigidos pelos reis quando diz Dai a César o que é de César e ele próprio pagava esses impostos E reconhece também que a palavra do rei é suficiente para tirar qualquer coisa de qualquer súdito quando tal é necessário e que o rei é o juiz dessa neces sidade porque ele próprio como rei dos judeus ordenou aos discípulos que tomassem a burra e o seu burrinho para o levarem a Jerusalém dizendo I de à aldeia que fica diante de vós e láencontrareis uma burra amarrada e com ela o seu burrinho desamarraios e trazeimos E se alguém vos perguntar o que pretendeis dizei que o Senhor tem necessidade deles e deixarvosão partir Ninguém per guntará se essa necessidade constitui um direito suficiente nem se ele é juiz dessa necessidade mas simplesmente acatarão a vontade do Senhor A estas passagens pode ser acrescentada outra do Gênese Vós sereis como deuses conhecendo o bem e o mal E o versículo 11 Quem vos disse que estáveis nus Haveis comido da árvore da qual vos ordenei que não comêsseis Porque sendo o conhecimento ou juízo do bem e do mal proibido sob o símbolo do fruto da árvore do conhecimento como prova a que foi submetida a obediência de Adão o diabo a fim de excitar a ambição da mulher a quem o fruto já parecia belo disselhe que se o provassem seriam como deuses conhecendo o bem e o mal E depois de ambos terem comido efetivamente assumiram o ofício de Deus que é o juízo do bem e do mal mas não adquiriram nenhuma nova aptidão para distinguir corretamente entre eles E embora se diga que depois de comerem viram que estavam nus nunca ninguém interpretou essa passagem como querendo dizer que antes eles eram cegos e não viam a sua própria pele o significado é claramente que foi essa a primeira vez que julgaram a sua nudez na qual foi a vontade de Deus criáIos como inconveniente e sentindose envergonhados tacitamente censuraram o próprio Deus Ao que Deus disse Haveis comido etc como se quisesse dizer Vós que me deveis obediência pretendeis atribuirvos a capacidade de julgar os meus mandamentos Isso quer dizer claramente embora alegoricamente que os mandamentos daqueles que têm o direito de mandar não devem ser censurados nem discutidos pelos seus súditos De modo que parece bem claro ao meu entendimento tanto com base na razão como nas Escrituras que o poder soberano quer resida num homem como numa monarquia quer numa assembléia como nas repúblicas populares e aristocráticas é o maior que possivelmente se imaginam os homens capazes de criar E embora seja possível imaginar muitas más conseqüências de um poder tão ilimitado ainda assim as conseqüências da falta dele isto é a guerra perpétua de todos os homens com os seus semelhantes são muito piores Nesta vida Gn35 i 10 7 O poder soberano deve ser absoluto em todas as repúblicas 176 177 Parte 2 Da República XXI Da Liberdade dos Súditos a condição ao homem jamais poderá deixar de ter alguns inconvenientes mas numa república jamais se verifica nenhum grande inconveniente a não ser o que resulta da desobediência dos súditos e o rompimento daqueles pactos a que a república deve a sua existência E quem procurar diminuir o poder soberano por consideráIo demasiado grande terá de submeterse a um poder capaz de o limitar quer dizer a um poder ainda maior A maior objeção diz respeito à prática perguntase sobre onde e quando um tal poder foi reconhecido pelos súditos Ora então se pode retorquir perguntando quando e onde já existiu um reino que tenha permanecido muito tempo livre de sedições e guerras civis Naquelas nações cujas repúblicas tiveram vida longa e só foram destruídas pela guerra exterior os súditos jamais discutiram o poder soberano E seja como for um argumento tirado da prática de homens que nunca conseguiram examinar a fundo e com exata razão pesar as causas e natureza das repúblicas e que sofreram diariamente aquelas misérias que derivam da ignorância dessas causas e dessa natureza é um argumento sem validade Porque mesmo que em todos os lugares do mundo os homens costumassem construir sobre a areia as fundações das suas casas daí não seria possível inferir que é assim que deve ser feito A habilidade de fazer e conservar repúblicas consiste em certas regras tal como a aritmética e a geometria e não como o jogo do tênis apenas na prática Essas regras nem os homens pobres têm lazer nem os homens que dispõem de lazer tiveram até agora curiosidade ou método suficientes para descobrir CAP XXI Da LIBERDADE dos Súditos LIBERDADE ou INDEPENDÊNCIA significa em sentido próprio a ausência de oposição entendendo por oposição os impedimentos externos do movimento e não se aplica menos às criaturas irracionais e inanimadas do que às racionais Porque de tudo o que estiver amarrado ou envolvido de modo que não se possa mover senão dentro de um certo espaço sendo esse espaço determinado pela oposição de algum corpo externo dizemos que não tem liberdade de ir mais além E o mesmo se passa com todas as criaturas vivas quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou cadeias e também das águas quando são contidas por diques ou canais do contrário se espalhariam por um espaço maior costumamos dizer que não têm a liberdade de se mover da maneira que fariam se não fos sem esses impedimentos externos Mas quando o que impede o movimento faz parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que lhe falta liberdade mas que lhe falta o poder de se mover tal como uma pedra que está parada ou um homem que se encontra amarrado ao leito pela doença De acordo com este significado próprio e geralmente aceito da palavra Um HOMEM LIVRE é aquele que naquelas coisas que graças à sua força e engenho é capaz de fazer não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer Mas sempre que as palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que não é um corpo há um abuso de linguagem pois o que não se encontra sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos Portanto quando se diz por exemplo que o caminho está livre não se quer exprimir a liberdade do caminho e sim daqueles que por ele caminham sem se deter E quando se diz que uma doação é livre não se está exprimindo nenhuma liberdade de doação e sim do doador que não é obrigado a fazêIa por nenhuma lei 178 179 o que é a liberdade I 108 O que é ser livre Medo e liberdade compatíveis Líberdtule e necessidade compatíveis Parte 2 Da República ou pacto Assim quando falamos livremente não se trata da liberdade da voz ou da pronúncia e sim do homem ao qual nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou Por último do uso da expressão livrearbítrio não é possível inferir nenhuma liberdade da vontade do desejo ou da inclinação mas apenas a liberdade do homem Esta consiste no fato de ele não deparar com entraves ao fazer aquilo que tem vontade desejo ou inclinação de fazer O medo e a liberdade são compatíveis quando alguém atira os seus bens ao mar por medo de fazer afundar o seu barco apesar disso o faz por vontade própria podendo recusar fazêlo se quiser Tratase portanto da ação de alguém que é livre Assim também às vezes só se pagam as dívidas por medo de ser preso o que como ninguém impede a abstenção do ato constitui o ato de uma pessoa em liberdade E de maneira geral todos os atos praticados pelos homens no interior de repúblicas por medo da lei são ações que os seus autores têm a liberdade de não praticar A liberdade e a necessidade são compatíveis o que ocorre com1 a água que não tem apenas a liberdade mas também a necessidade de descer pelo canal também ocorre com as ações que os homens voluntariamente praticam estas como derivam de sua vontade derivam da liberdade e contudo porque todo ato da vontade dos homens todo desejo e inclinação deriva de alguma causa e esta de uma outra causa numa cadeia contínua cujo primeiro elo está na mão de Deus a primeira de todas as causas eles derivam também da necessidade De modo tal que para quem pudesse ver a conexão dessas causas a necessidade de todas as ações voluntárias dos homens pareceria manifesta Portanto Deus que vê e dispõe todas as coisas vê também que a liberdade que o homem tem de fazer o que quer éacompanhada pela necessidade de fazer aquilo que Deus quer e nem mais nem menos do que isso Porque embora os homens possam fazer muitas coisas que Deus não ordenou e das quais I Aqui há uma supressão ver minha Nota sobre o texto p LX que foi substituída por o que ocorre com 180 L XXI Da Liberdade dos Súditos portanto não é autor não lhes é possível ter paixão ou apetite por nada de cujo apetite a vontade de Deus não seja a causa E se acaso a sua vontade não garantisse a necessidade da vontade do homem e conseqüentemente de tudo o que depende da vontade a liberdade dos homens seria uma contradição e um1 impedimento à onipotência e liberdade de Deus E isto é suficiente quanto ao assunto em pauta sobre aquela liberdade natural que é a única propriamente chamada liberdade Mas do mesmo modo que os homens criaram um homem artificial a que chamamos república para alcançar a paz e com isso sua própria conservação também criaram laços artificiais chamados leis civis os quais eles mesmos mediante pactos mútuos prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembléia a quem confiaram o poder soberano e na outra ponta aos seus próprios ouvidos Ainda que esses laços sejam fracos pela sua própria natureza é no entanto possível mantêlos pelo perigo embora não pela dificuldade de os romper É unicamente em relação a esses laços que vou agora falar da liberdade dos súditos Pois como não existe nenhuma república do mundo em que foram suficientemente estabelecidas regras para regular todas as ações e palavras dos homens o que é uma coisa impossível seguese necessariamente que em todas as espécies de ações omitidas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir como o mais favorável ao seu interesse Porque se tomarmos a liberdade no seu sentido próprio como liberdade corpórea isto é como estar livre das cadeias e prisões tornase inteiramente absurdo que os homens clamem como o fazem por uma liberdade de que tão manifestamente desfrutam Mais ainda se tomarmos a liberdade como isenção das leis não é menos absurdo que os homens exijam como fazem aquela liberdade mediante a qual todos os outros homens se podem tornar senhores das suas vidas No entanto por mais absurdo que isso seja é isto o que eles reivindicam pois ignoram que as leis não têm poder algum Laços artificiais ou pactos 109 A liberdade dos súditos consiste em liberdade em face dos pactos 1 I Syn e 181 Parte 2 Da República Liberdatk do súdito é compatível com o poder ilimitado do soberano para os proteger se não houver uma espada nas mãos de um homem ou homens encarregados de pôr as leis em execução Portanto a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas que ao regular as suas ações o soberano preteriu como a liberdade de comprar e vender ou de outro modo realizar contratos mútuos de cada um escolher a sua residência a sua alimentação a sua profissão e instruir os seus fIlhos conforme achar melhor e coisas semelhantes Não devemos todavia concluir que com essa liberdade fica abolido ou limitado o poder soberano de vida e de morte Porque já foi mostrado que nada que o soberano representante faça a um súdito pode sob nenhum pretexto ser propriamente chamado injustiça ou dano Porque cada súdito é autor de todos os atos praticados pelo soberano de modo que a este nunca falta o direito seja ao que for a não ser na medida em que ele próprio é súdito de Deus e conseqüentemente obrigado a respeitar as leis de natureza Portanto pode ocorrer e freqüentemente ocorre nas repúblicas que um súdito seja condenado à morte por ordem do poder soberano e apesar disso nenhum dos dois ter feito mal ao outro Assim sucedeu quando efté levou a sua fIlha para ser sacrificada caso este como em todos os casos semelhantes em que quem assim morreu tinha liberdade para praticar a ação pela qual não obstante foi sem causar dano condenado à morte O mesmo vale também para um príncipe soberano que leve à morte um súdito inocente Embora o ato seja contrário à lei de natureza por ser contrárío à eqüidade como foi o caso de Davi ao matar Urias contudo não constitui dano causado a Urias e sim a Deus Não a Urias porque o direito de fazer o que lhe aprouvesse lhe foi dado pelo próprio Urias mas a Deus porque Davi era súdito de Deus e estava proibido de toda a iniqüidade pela lei de natureza Essa distinção foi confirmada pelo próprio Davi de maneira evidente quando se arrependeu do fato e disse Somente contra vós pequei Da mesma maneira o povo de Atenas quando baniu por dez anos o homem mais poderoso de sua república embora não praticasse nenhuma injustiça nunca procurou saber que crime 110 182 XXI Da Liberdade dos Súditos ele havia cometido mas apenas o mal que poderia fazer Mais ordenaram o banimento daqueles que não conheciam quando cada cidadão levava para a praça do mercado a sua concha de ostra tendo escrito o nome daquele a quem desejava banir sem realmente o chegar a acusar umas vezes bania um Aristides pela sua reputação de Justiça e outras vezes um ridículo bufão como Hipérbolo apenas como gracejo Contudo é impossível dizer que o povo soberano de Atenas carecia de direito para os banir ou que a cada ateniense faltava a liberdade de gracejar ou de ser justo A liberdade à qual se encontram tantas e tão honrosas referências nas obras de história e filosofia dos antigos gregos e romanos assim como nos escritos e discursos dos que deles receberam todo o seu saber em matéria de politica não é a liberdade dos individuos mas a da república que é idêntica àque teria todo homem se não houvesse leis civis nem nenhu ma espécie de república E os efeitos daí decorrentes também são os mesmos Porque tal como entre homens sem senhor existe uma guerra perpétua de cada homem contra o seu vizinho sem que haja herança a transmitir ao fIlho nem a esperar do pai nem propriedade de bens e de terras nem segurança mas uma plena e absoluta liberdade de cada indivíduo assim também nos Estados e repúblicas independentes umas das outras cada república não cada individuo tem absoluta liberdade de fazer tudo o que considerar isto é aquilo que o homem ou assembléia que os representa considerar mais favorável a seu benefício Além disso vivem numa condição de guerra perpétua e sempre na iminência da batalha com as fronteiras em armas e canhões apontados contra os seus vizinhos a toda a volta Os atenienses e romanos eram livres quer dizer repúbli cas livres Isso não significa que qualquer individuo tivesse a liberdade de resistir ao seu próprio representante o seu representante é que tinha a liberdade de resistir a um outro povo ou de o invadir Até hoje se encontra escrita em grandes letras nas torres da cidade de Lucca a palavra LIBERTAS mas ninguém pode daí inferir que qualquer individuo lá possui maíor liber A liberdade louvado pelos autores é a liberdatk dos soberanos não a dos indivíduos 1 11 I 183 Parte 2 Da República lll dade ou imunidade em relação ao serviço da república do que em Constantinopla Quer a república seja monárquica quer seja popular a liberdade é sempre a mesma Mas é coisa fácil os homens deixaremse iludir pelo especioso nome de liberdade e por falta de critério para distinguir tomarem por herança pessoal e direito inato aquilo que é apenas direito comum E quando o mesmo erro é confirmado pela autoridade de autores reputados pelos seus escritos sobre o assunto não é de admirar que ele provoque sedições e mudanças de governo Nestas regiões ocidentais do mundo costumamos receber as nossas opiniões relativas à instituição e aos direitos da república de Aristóteles Cícero e outros autores gregos e romanos que viviam em Estados populares e em vez de fazerem derivar esses direitos dos princípios da natureza transcreviamnos para os seus livros a partir da prática de suas próprias repúblicas que eram populares tal como os gramáticos descrevem as regras da linguagem a partir da prática do tempo ou as regras da poesia a partir dos poemas de Homero e Virgílio E como aos atenienses se ensinava para neles impedir o desejo de mudar de governo que eram homens livres e que todos os que viviam em monarquia eram escravos Aristóteles escreveu na sua Política livro 6 capo 2 Na democracia deve suporse a liberdade porque é geralmente reconhecido que ninguém é livre em nenhuma outra forma de governo Tal como Aristóteles também Cícero e outros autores baseavam a sua doutrina civil nas opiniões dos romanos que eram ensinados a odiar a monarquia primeiro por aqueles que depuseram o soberano e passaram a partilhar entre si a soberania de Roma e depois pelos seus sucessores Graças à leitura desses autores gregos e latinos os homens desde a infância adquiriram o hábito sob uma falsa aparência de liberdade de fomentar tumultos e de exercer um licencioso controle sobre os atos dos seus soberanos e depois o de controlar esses controladores com uma imensa efusão de sangue Por isso creio poder sinceramente afirmar que jamais uma coisa foi paga tão caro como estas partes ocidentais pagaram o aprendizado das línguas grega e latina 184 L XXl Da Liberdade dos Súditos Passando agora concretamente à verdadeira liberdade dos súditos ou seja quais são as coisas que embora ordenadas pelo soberano não obstante eles podem sem injustiça recusarse a fazer é preciso examinar que direitos transferimos no momento de criarmos uma república Ou então o que é a mesma coisa que liberdade a nós mesmos negamos ao reconhecer todas as ações sem exceção do homem ou assembléia a quem fazemos nosso soberano Porque do nosso ato de submissão fazem parte tanto a nossa obrigação como a nossa líberdade as quais portanto devem ser inferidas por argumentos dai tirados pois ninguém tem nenhuma obrigação que não derive de algum dos seus próprios atos visto que todos os homens são por natureza igualmente livres E como tais argumentos terão que ser tirados ou das palavras expressas eu autorizo todas as suas ações ou da intenção daquele que se submete ao seu poder intenção que deve ser entendida como o fim devido ao qual assim se submeteu a obrigação e a liberdade do súdito deve ser derivada ou daquelas palavras ou outras equivalentes ou do fim da instituição da soberania a saber a paz dos súditos entre si e a sua defesa contra um inimigo comum Portanto em primeiro lugar dado que a soberania por instituição assenta num pacto entre cada um e todos os outros e a soberania por aquisição em pactos entre o vencido e o vencedor ou entre o filho e o pai tornase evidente que todo súdito tem liberdade em todas aquelas coisas cujo direito não pode ser transferido por um pacto Já no capítulo XIV mostrei que os pactos no sentido de cada um se abster de defender o seu próprio corpo são nulos Portanto Se o soberano ordenar a alguém mesmo que justamente condenado que se mate se fira ou se mutile a si mesmo ou que não resista aos que o atacarem ou que se abstenha de usar os alimentos o ar os medicamentos ou qualquer outra coisa sem a qual não poderá viver esse alguém tem a liberdade de desobedecer Se alguém for interrogado pelo soberano ou por sua autoridade relativamente a um crime que cometeu não é obrigado 185 Como medir a liberrúue dos súditos H Os súditos têm a liberdade de defender os seus próprios corpos mesmo contra quem wgitimamente os ataque Não são obrigados a ferirse 112 Nem à guerra a nào ser que voluntariamente a empreendam Parte 2 Da República XXI Da Liberdade dos Súditos a não ser que receba garantia de perdão a confessáIo porque ninguém conforme mostrei no mesmo capítulo pode ser obrigado por um pacto a acusarse a si próprio Além disso o consentimento de um súdito ao poder soberano está contido nas palavras eu autorizo ou assumo como minhas todas as suas ações nas quais não há nenhuma espécie de restrição à sua antiga liberdade natural Porque ao permitirlhe que me mate não fico obrigado a matarme quando ele me ordena Uma coisa é dizer mata me ou ao meu companheiro se te aprouver e outra coisa é dizer matarmeei ou ao meu companheiro Seguese portanto que Ninguém fica obrigado pelas próprias palavras a matarse a si mesmo ou a outrem Por conseqüência a obrigação que às vezes se pode ter por ordem de soberano de executar qual quer missão perigosa ou desonrosa não depende das palavras da nossa submissão mas da intenção a qual deve ser entendida como o seu fim Portanto quando a nossa recusa de obedecer prejudica o fim em vista do qual foi criada a soberania não há liberdade de recusar caso contrário há essa liberdade Por esta razão um soldado a quem se ordene combater o inimigo embora o seu soberano tenha suficiente direito de o punir com o morte em caso de recusa pode não obstante em muitos casos recusar sem praticar injustiça como quando se faz substituir por um soldado suficiente em seu lugar caso este em que não está desertando do serviço da república E deve também admitir o temor natural não só às mulheres das quais não se espera o cumprimento de tão perigoso dever mas também aos homens de coragem feminina Quando dois exércitos combatem há sempre os que fogem de um dos lados ou de ambos mas quando não o fazem por traição e sim por medo não se considera que o fazem injustamente mas desonrosamente Pela mesma razão evitar o combate não é injustiça é covardia Mas aquele que se alista como soldado ou toma dinheiro público emprestado perde a desculpa de uma natu reza timorata e fica obrigado não apenas a ir para o combate mas também a dele não fugir sem licença do seu comandante E quando a defesa da república exige o concurso simultãneo de todos os que são capazes de pegar em armas todos têm essa obrigação porque de outro modo teria sido vã a instituição da república à qual não têm o propósito ou a coragem de defender Ninguém tem a liberdade de resistir à espada da república em defesa de outrem seja culpado ou inocente Porque essa liberdade priva a soberania dos meios para nos proteger sendo portanto destrutiva da própria essência do governo Mas caso um grande número de homens em conjunto tenha já resistido injustamente ao poder soberano ou tenha cometido algum crime capital pelo qual cada um deles pode esperar a morte terão eles ou não a liberdade de se unirem e se ajudarem e defenderem uns aos outros Certamente que a têm porque se limitam a defender as suas vidas o que tanto o culpado como o inocente podem fazer Sem dúvida havia injustiça na primeira falta ao seu dever mas o ato de pegar em armas subseqüente a essa primeira falta embora seja para manter o que fizeram não constitui um novo ato injusto E se for apenas para defender as suas pessoas de modo algum será injusto Mas a oferta de perdão tira àqueles a quem é feita o pretexto da defesa própria e torna ilegítima a sua insistência em ajudar ou defender os demais Quanto às outras liberdades dependem do silêncio da lei Nos casos em que o soberano não tenha estabelecido uma regra o súdito tem a liberdade de fazer ou de omitir conformemente à sua discrição Portanto essa liberdade em alguns lugares é maior e noutros menor e em algumas épocas maior e noutras menor conforme os que detêm a soberania consideram mais conveniente Por exemplo houve um tempo na Inglaterra em que um homem podia entrar nas suas próprias terras desapossando pela força quem ilegitimamente delas se houvesse apossado Mas posteriormente essa liberdade de entrada à força foi abolida por uma lei feita pelo rei no Parlamento E em alguns lugares do mundo os homens têm a liberdade de possuir muitas esposas sendo que em outros lugares tal liberdade não é permitida 186 187 113 I 2 A maior liberdade dos súditos depentk do silêneio da lei Parte 2 Da República 11 4J Se um súdito tem uma controvérsia com o seu soberano quanto a uma dívida ou um direito de posse de terras ou bens ou quanto a qualquer serviço exigido das suas mãos ou quanto a qualquer pena corporal ou pecuniária baseandose numa legislação precedente tem a mesma liberdade de defender o seu direito se fosse contra outro súdito e perante os juízes que o soberano houver designado Pois como o soberano demanda por força de uma lei anterior e não em virtude do seu poder declara com isso não estar exigindo mais do que parecer devido por essa lei Portanto a ação judicial não é contrária à vontade do soberano e em conseqüência disso o súdito tem o di reito de pleitear que a sua causa seja julgada e decidida de acordo com a lei Mas se o soberano pleitear ou tomar algu ma coisa em nome do seu poder nesse caso deixa de haver lugar para qualquer ação da lei pois tudo o que ele faz em virtude do seu poder é feito pela autoridade de cada súdito e em conseqüência quem mover uma ação contra o soberano estará movendoa contra si mesmo Se um monarca ou uma assembléia soberana conceder uma liberdade a todos ou a qualquer dos súditos concessão essa que lhe faz perder a capacidade de prover à sua segurança a concessão é nula a não ser que diretamente renuncie ou transfira a soberania para outrem Porque dado que poderia ter abertamente se tal fosse a sua vontade e em termos claros renunciado ou transferido a soberania e não o fez deve enten derse que não era essa a sua vontade e que a concessão teve origem na ignorância da incompatibilidade entre uma talliberdade e o poder soberano Portanto a soberania continua nas suas mãos assim como todos os poderes que são necessários para o seu exercicio como o da paz e da guerra e o poder judicial e o de designar funcionários e conselheiros e o de levantar impostos e os restantes referidos no capítulo XVIII Entendese que a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto e apenas enquanto dura também o poder mediante o qual ele é capaz de os proteger Porque o direito que por natureza os homens têm de se defenderem a si mes Em que casos os súditos são dispensados da obediência ao seu soberano 188 1 XXL Da Liberdade dos Súditos mos quando ninguém mais os pode proteger não pode ser abandonado através de pacto algum A soberania é a alma da república e uma vez separada do corpo os membros deixam de receber dela o seu movimento A finalidade da obediência é a proteção e seja onde for que um homem a veja quer na sua própria espada quer na de um outro a natureza quer que a ela obedeça e se esforce por conservá Ia Embora a soberania seja imortal na intenção daqueles que a criaram não apenas ela se encontra por sua própria natureza sujeita à morte violenta em razão de guerra externa mas encerra também em si mesma devido à ignorância e às paixões dos homens desde a sua própria instituição grande número de sementes de mortalidade natural por causa de discórdia interna Se um súdito for feito prisioneiro de guerra ou a sua pessoa ou os seus meios de vida se encontrarem entregues à guarda do inimigo e se a sua vida e a sua liberdade corpórea lhe forem oferecidas com a condição de se tornar súdito do vencedor ele tem a liberdade de aceitar essa condição E depois de a ter aceito passa a ser súdito de quem o aprisionou pois era essa a única maneira de se preservar O caso será idêntico se ele ficar retido num país estrangeiro sob as mesmas condições Mas se um homem for mantido na prisão ou a ferros ou se não lhe for confiada a liberdade do seu corpo nesse caso não se pode dizer que esteja obrigado à sujeição por um pacto podendo portanto se for capaz fugir por quaísquer meios que sejam Se um monarca renunciar à soberania tanto para si mesmo como para os seus herdeiros os súditos voltam à absoluta liberdade da natureza Porque embora a natureza possa declarar quem são os seus filhos e quem é o parente mais próximo continua dependendo da sua própria vontade conforme se disse no capítulo anterior designar quem deverá ser o herdeiro Assim se ele não tiver herdeiro não há mais soberania nem sujeição O mesmo ocorre se ele morrer sem parentes conhecidos e sem declarar quem deverá ser o herdeiro Porque nesse caso não pode ser conhecido herdeiro algum e por conseqüência não pode ser devida nenhuma sujeição Em caso de cativeiro Caso o soberano renuncie ao governo por si mesmo e pelos seus herdeiros 189 Em caso de banimento Em caso de o soberano se tornar súdito de um outro 115 As diversas espécies de sistemas de pessoas Parte 2 Da República XXIL Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados Se o soberano banir um súdito durante o banimento ele não será súdito Mas quem tiver sido enviado com uma mensagem ou tiver obtido licença para viajar continua a ser súdito Contudo o é por contrato entre soberanos não em virtude do pacto de sujeição Pois quem quer que penetre nos domínios de outrem passa a estar sujeito a todas as leis aí vigentes a não ser que tenha um privilégio por acordo entre os soberanos ou por licença especial Se um monarca vencido na guerra se fizer súdito do vencedor os seus súditos ficam livres da obrigação anterior e passam a ter obrigação para com o vencedor Mas se ele for feito prisioneiro ou não dispuser da liberdade do seu próprio corpo nesse caso não se entende que ele tenha renunciado ao direito de soberania e em conseqüência os seus súditos são obrigados a prestar obediência aos magistrados que anteriormente tiverem sido nomeados para governar não em nome deles mesmos mas no do soberano Porque se o seu direito ainda subsiste o problema diz respeito apenas à administração isto é aos magistrados e funcionários e se a ele faltarem meios para os nomear deve suporse que aprova aqueles que ele próprio anteriormente nomeou gulares Os regulares são aqueles em que se institui um homem ou uma assembléia como representante de todo o conjunto Todos os outros são irregulares Dos regulares alguns são absolutos e independentes sujeitos apenas ao seu próprio representante e só são deste tipo as repúblicas das quais já falei nos últimos capítulos Outros são dependentes quer dizer subordinados a um poder soberano do qual todos incluindo o seu representante são súditos Dos sistemas subordinados uns são politicos e outros são privados Os politicos também chamados corpos politicos ou pessoas juridicas são os criados pelo poder soberano da república Os privados são os constituídos pelos próprios súditos entre si ou pela autoridade de um estrangeiro Porque nenhuma autoridade derivada de um poder estrangeiro dentro do domínio de um outro é pública mas privada Dos sistemas privados alguns são legítimos e outros são ilegítimos São legítimos todos os que são permitidos pela república e todos os outros são ilegítimos Os sistemas irregulares são aqueles que não tendo representante consistem apenas numa reunião de pessoas se não forem proibidos pela república nem forem constituídos com malévola intenção como a confluência de pessoas aos mercados às feiras ou para quaisquer outros fins inofensivos são legitimos Mas se a intenção for malévola ou então caso o número seja considerável se for desconhecida nesse caso são ilegitimos Nos corpos políticos o poder do representante é sempre limitado e quem estabelece os seus limites é o poder soberano Porque o poder ilimitado é soberania absoluta E em todas as repúblicas o soberano é o representante absoluto de todos os seus súditos portanto nenhum outro pode ser representante de nenhuma parte deles a não ser na medida em que ele o permita E permitir que um corpo político de súditos tenha um representante absoluto para todos os efeitos e fins seria abandonar o governo de uma parte idêntica da república e dividir o domínio contrariamente aos interesses da paz e da defesa o Em todos os corpos políticos o poder do representante é límitado CAPo XXII Dos SISTEMAS Subordinados Políticos e Privados Depois de ter falado da geração forma e poder de uma república cabe agora falar das partes que a constituem E em primeiro lugar dos sistemas que se parecem com as partes semelhantes ou músculos de um corpo natural Por SISTEMA entendo qualquer número de homens unidos por um interesse ou um negócio dentre os quais alguns são regulares e outros irre 190 191 Parte 2 Da República XXII Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados 116 que é inconcebível que o soberano possa fazer por qualquer concessão que não os díspense clara e diretamente da sua su jeição Porque as conseqüências das palavras não são sinais da sua vontade quando outras conseqüências são sinais do contrário são sinais de erro e de falta de cálculo coisa a que todos os homens estão sujeitos Os limites do poder que é concedido ao representante de um corpo político dependem de duas coisas Uma são os mandados ou cartas que recebe do soberano a outra são as leis da república Porque embora na instituição ou aquisição de uma república independente não haja necessidade dessas cartas dado que nesse caso o poder do representante tem apenas os limites estabelecidos pela lei de natureza que não é escrita nos corpos subordinados são tais as diversidades de limitação que se tornam necessárias relativamente às suas funções tempos e lu gares que não poderiam ser lembrados sem essas cartas e não poderiam ser conhecidos se essas cartas não fossem patentes de forma que lhes possam ser lidas e além disso seladas e autenticadas com os selos ou outros sinais permanentes da autoridade soberana E como essa limitação nem sempre é fácil ou talvez passível de ser descrita numa carta é preciso que as leis ordinárias comuns a todos os súditos determinem o que é legitimo aos representantes fazer em todos os casos sobre os quais as cartas se omitam Portanto Num corpo político se o representante for um só homem qualquer coisa que faça na pessoa do corpo que não seja autorizada pelas suas cartas ou pelas leis é o seu próprio ato e não o ato do corpo nem de nenhum dos membros deste além dele mesmo Porque para além dos limites estabelecidos pelas suas cartas e pelas leis ele não representa a pessoa de ninguém a não ser a dele próprio Mas aquilo que ele fizer de acordo com elas será o ato de todos pois do ato do soberano todos são autores dado que ele é o seu representante ilimitado E o ato do repre sentante que não divergir das cartas do soberano será um ato do soberano logo cada um dos membros do corpo é seu autor Mas se o representante for uma assembléia qualquer coisa que essa assembléia decrete não autorizada pelas cartas ou pelas leis será o ato da assembléia ou corpo político e o ato de cada um daqueles por cujo voto o decreto foi decidido Mas não será o ato de cada um dos que estando presentes votaram contra nem de nenhum dos ausentes a não ser que tenham votado por procuração É o ato da assembléia porque foi votado pela maioria e se for um crime a assembléia pode ser punida na medida em que de tal é passível como por dissolução ou cassação das suas cartas o que é mortal para esses corpos artificiais e fictícios ou então por multa pecuniária se a assembléia tiver um capital comum do qual nenhum dos membros inocentes seja proprietário Porque dos castigos corporais a natureza livrou todos os corpos políticos Mas aqueles que não deram o seu voto são inocentes porque a assembléia não pode representar ninguém em coisas que não sejam autorizadas pelas cartas e em conseqüência disso não são envolvidos no voto geral Se a pessoa do corpo político for um homem e este pedir dinheiro emprestado a um estranho isto é a alguém que não pertença ao mesmo corpo dado ser desnecessário que as cartas limitem os empréstimos limitação esta que já é feita pelas inclinações naturais dos homens a dívida é do representante Porque se das suas cartas recebesse autoridade para fazer os membros pagarem a sua dívida teria também em conseqüência soberania sobre eles E nesse caso a outorga seria nula enquanto derivada de um erro freqÜentemente verificado na natureza humana e sinal insuficiente da vontade do outorgante E se for permitida por ele é porque ele é soberano representante e deixa de estar abrangido pela presente questão que diz respeito apenas aos corpos subordinados Portanto nenhum membro a não ser o próprio representante tem obrigação de pagar a dívida assim contraída pois aquele que emprestou enquanto estranho às cartas e à qualificação do corpo entendeu Por carttLSpatentes E peltLS kis Quando o representante é um só homem os seus atos não autorizados são apentLS seus 192 193 Quando é uma tLSsembliia é apentLS o ato daqueks que tLSsentiram 2 1 9 117 Quando o representante é um homem e ek pedir dinheiro emprestado ou o dever por contrato só ek é responsável e não os membros Quando é uma assembliia só são responsãveis os que assentiram Se o credor for um membro da assembliia só o corpo desta tem a obrigação Protestar contra os decretos dos corpos políticos às vezes é legitimo mas nunca contra o poder soberano Parte 2 Da República XXII Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados como seus devedores apenas os que nessa qualidade se comprometeram E dado que só o representante e mais ninguém pode assumir tal compromisso é ele o único devedor portanto é ele quem deve pagar tirando o dinheiro do capital comum se o houver ou das suas próprias propriedades se não houver esse capital Se o representante contrair uma dívida através de contrato ou de multa o caso será o mesmo Mas quando o representante é uma assembléia e o credor é um estranho apenas são responsáveis pela dívida os que deram voto favorável à contratação do empréstimo ou ao contrato que originou a dívida ou ao fato devido ao qual a multa foi imposta Porque cada um dos que assim votaram se comprometeu pessoalmente a pagar visto que quem for autor de um pedido de empréstimo ficará obrigado ao pagamento inclusive do total da dívida embora fique dela dispensado no caso de alguém a pagar Mas se o credor for um membro da assembléia é apenas esta que se encontra obrigada a pagar com o capital comum se o houver Havendo liberdade de voto se o credor votou que se fizesse o empréstimo votou que ele fosse pago Mas se votou que não se fizesse o empréstimo ou estava ausente apesar disso pelo próprio fato de emprestar votou pelo empréstimo contrariando o seu voto anterior e fica obrigado pelo último tornandose ao mesmo tempo devedor e credor Não pode portanto exigir o pagamento a nenhum indivíduo em particular mas apenas ao tesouro comum e se tal inexistir não há solução nem tem ele razão de queixa a não ser contra si mesmo pois tinha conhecimento dos atos da assembléia e das suas possibilidades de pagamento e sem ser forçado não obstante aceitou num ato de insanidade emprestar o seu dinheiro Fica assim manifesto que nos corpos políticos subordinados e sujeitos ao poder soberano por vezes se torna não apenas legítimo mas também útil que um indivíduo abertamente proteste contra os decretos da assembléia representativa fazendo que a sua discordância seja registrada ou testemunhada Caso contrário esse indivíduo poderia ser obrigado a pagar dívidas contraídas ou tornarse responsável por crimes cometidos por outrem Mas numa assembléia soberana essa liberdade desaparece tanto porque quem aí protesta ao mesmo tempo nega a soberania da assembléia quanto porque tudo o que é ordenado pelo poder soberano é perante o súdito embora nem sempre aos olhos de Deus justificado pela própria ordem pois de tal ordem cada um dos súditos é autor A variedade dos corpos políticos é quase infinita pois não se distinguem apenas em função dos diversos tipos de atividade para que são constituídos deste ponto de vista há uma indizível diversidade mas também em função dos tempos lugares e números sujeitos a muitas limitações Entre as atividades algumas dizem respeito ao governo Primeiro o governo de uma província pode ser delegado a uma assembléia cujas resoluções dependem todas do voto da maioria esta assembléia será um corpo político e o seu poder será limitado pela delegação A palavra província significa um cargo ou função que aquele a quem Bertence a função delega a um outro para que este o administre por ele e sob a sua autoridade Assim quando numa república há diversos países onde vigoram leis diferentes ou que são separados por grandes distâncias e quando a administração do governo é delegada a diversas pessoas esses países onde o soberano não reside e governa por delegação são chamados províncias Mas do governo de uma província por uma assembléia residente na própria província há poucos exemplos Os romanos que tinham soberania sobre muitas províncias governavamnas sempre por meio de presidentes e pretores não por assembléias como governavam a cidade de Roma e os territórios adjacentes De maneira semelhante quando a Inglaterra enviou colonos para cultivar a Virgínia e as ilhas de Sommer embora o governo dessas colônias fosse delegado a assembléias em Londres jamais estas assembléias delegaram a sua função governativa a nenhuma assembléia residente no local mas enviaram um governador para cada colônia Pois embora todo homem quando por natureza pode estar presente de se 118 Corpos políticos para governo de uma provincia colônia ou cidade 1 i 194 195 Parte 2 Da República XXII Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados 11 9 je participar do governo quando não pode estar presente inclinase também por natureza para delegar o governo dos seus interesses comuns a uma forma monárquica de preferência a uma forma popular de governo Isso também é evidente nos homens que têm grandes propriedades territoriais pois quando não querem se dar ao trabalho de administrar os seus negócios preferem confiar num único servidor a confiar numa assembléia quer dos seus amigos quer dos seus servidores Mas seja como for na realidade podemos supor que o governo de uma província ou de uma colônia seja delegado a uma assembléia Quando assim é o que neste lugar tenho a dizer é o seguinte seja qual for a dívida que essa assembléia contraia e seja qual for o ato ilegal decretado será apenas o ato dos que votarem a favor e não dos que discordaram ou estavam ausentes pelas razôes anteriormente apresentadas Além disso uma assembléia residente fora dos limites da colônia cujo governo lhe pertence é incapaz de exercer qualquer poder sobre as pessoas ou sobre os bens de qualquer membro da colônia para os punir por dívida ou qualquer outro dever em qualquer lugar fora da própria colônia pois fora dela não possui jurisdição nem autoridade e devesecontentar com a solução que as leis locais lhe oferecerem Embora a assembléia tenha direito de aplicar multas a qualquer dos seus membros que desrespeite as leis de sua autoria fora do território da colônia não tem nenhum direito de executar a cobrança dessa multa E o que aqui ficou dito sobre os direitos de uma assembléia no governo de uma província ou colônia aplicase também a uma assembléia no governo çie uma cidade uma universidade um colégio ou uma Igreja ou a qualquer outro governo exercido sobre seres humanos De maneira geral em todos os corpos políticos se qualquer dos membros se considerar injustiçado pelo próprio corpo o julgamento da sua causa compete ao soberano e aos que o so berano tenha nomeado como juízes de tais causas ou nomeie para julgar essa causa particular e não ao próprio corpo político Porque o corpo político inteiro é neste caso um outro súdito coisa que não se passa com uma assembléia soberana caso em que se o soberano não for juiz embora em causa própria não pode haver juiz algum Num corpo político para a boa administração do comércio exterior a forma de representação mais conveniente é uma assembléia de todos os membros quer dizer uma assembléia tal que todos os que investiram o seu dinheiro possam estar presentes a todas as deliberaçôes e resoluções do corpo se assim o quiserem Como prova disto basta ter presente o fim em vista do qual às que são comerciantes e podem comprar e vender ou exportar e importar as suas mercadorias conforme a sua própria discrição apesar disso se vinculam a uma corporação Não há dúvida de que são poucos os comerciantes capazes com a mercadoria que compram no próprio país de fretar um navio para a exportar ou com a que compram no exterior de trazêIas para o país Portanto em geral precisam se reunir numa sociedade em que cada um possa participar nos lucros em proporção ao seu investimento ou tirar o seu próprio lucro da venda do que transporta ou importa ao preço que considerar adequado Mas no caso não se trata de um corpo político pois inexiste qualquer representante comum capaz de os obrigar a qualquer lei além daquela que é comum a todos os outros súditos O fim dessa incorporação é tornar maior o seu lucro o que pode ser feito de duas maneiras por simples compra ou simples venda tanto no país como no estrangeiro De modo que autorizar uma companhia de comerciantes a tornarse uma corporação ou corpo político é o mesmo que lhe conferir um duplo monopólio um de compradores exclusivos e o outro de vendedores exclusivos Porque quando existe uma companhia incorporada para determinado país estrangeiro ela só exporta as mercadorias vendáveis nesse país e isso é só comprar no país e só vender no país estrangeiro Porque no país há apenas um comprador e no estrangeiro apenas I Syn o é 196 197 Corpos políticos para o ordenamento do comércio z Parte 2 Da República XXII Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados 120 um vendedor sendo as duas coisas lucrativas para o comerciante pois assim compra no país a preço mais baixo e vende no estrangeiro a preço mais alto E no exterior há apenas um comprador de mercadoria estrangeira e no país há apenas um vendedor sendo ambas as coisas mais uma vez lucrativas para quem investe Deste duplo monopólio uma parte é desvantajosa para o povo do país e a outra para os estrangeiros Porque no país graças ao exclusivo da exportação estabelecem os preços que lhes apraz para os produtos da terra e da manufatura do povo e graças ao exclusivo da importação estabelecem os preços que lhes apraz para todas as mercadorias de que o povo necessita sendo ambas as coisas prejudiciais para o povo Por outro lado graças ao exclusivo da venda das mercadorias nacionais no estrangeiro e ao exclusivo da compra local das mercadorias estrangeiras elevam o preço das primeiras e abaixam o preço das últimas em prejuízo dos estrangeiros Porque quando só um vende as mercadorias são mais caras e quando só um compra elas são mais baratas e assim essas corporações não passam de monopólios embora fossem altamente proveitosas para a república se pudessem ser reunidas num só corpo nos mercados estrangeiros e ao mesmo tempo serem livres no próprio país cada um comprando e vendendo ao preço que pudesse Não sendo portanto a finalidade desses corpos de comerciantes o benefício comum do corpo inteiro que neste caso tem como único capital comum aquele que é deduzido de cada empreendimento para construir comprar carregar e equipar os navios e sim o lucro particular de cada um dos empreendedores é razoável que cada um esteja a par do emprego do seu próprio dinheiro isto é que cada um seja membro da assembléia que terá o poder de decidir esse emprego e também que cada um seja informado das suas contas Portanto o representante de um corpo dessa espécie tem que ser uma assembléia na qual cada um dos membros do corpo possa estar presente se quiser a todas as decisões Se um corpo político de comerciantes contrair uma dívida com um estranho por ato da sua assembléia representativa cada um dos membros será individualmente responsável pelo todo Porque um estranho não pode se informar das suas leis particulares pelo contrário encaraos a todos como outros tantos individuos cada um deles obrigado ao total do pagamento até que o pagamento feito por um desonera todos os demais Mas se a dívida for para com um dos membros da companhia o credor será devedor do todo perante si próprio não podendo portanto exigir o pagamento a não ser tirado do capital comum se o houver Se a república baixar um imposto sobre o corpo politico entendese que ele recai sobre cada um dos membros proporcionalmente à sua participação individual na companhia Porque neste caso o único capital comum que existe é o que é feito dos seus investimentos individuais Se for aplicada ao corpo político alguma multa devido a qualquer ato ilegal só estão sujeitos a ela aqueles por cujos votos esse ato foi decidido ou aqueles com cujo auxílio o ato foi executado Porque quanto a todos os outros o único crime que há é pertencer ao corpo e isso se for um crime não é deles pois o corpo foi criado pela autoridade da república Se um dos membros for devedor do corpo político pode ser por este processado mas os seus bens não podem ser confiscados nem a sua pessoa pode ser presa pela autoridade do corpo mas apenas pela autoridade da república Porque se o corpo político puder fazêIa pela sua própria autoridade poderá também pela sua própria autoridade julgar que a dívida é devida o que é o mesmo que ser juiz em causa própria Esses corpos instituídos para o governo dos homens ou do comércio podem ser perpétuos ou limitados a uma duração estabelecida por escrito Mas também há corpos cuja duração élimitada apenas pela natureza dos seus negócios Se por exemplo um monarca soberano ou uma assembléia soberana houver por bem dar ordem às cidades ou a outras regiões do seu território para que lhe enviem os seus delegados para o infor 2 Um corpo político para aconselhar o soberano 198 199 Parte 2 Da República XXII Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados 121 J mar sobre a situação e necessidade dos súditos ou para aconselhar na feitura de boas leis ou por qualquer outra razão com uma pessoa representando toda região e a esses delegados for fixado um lugar e um tempo de reunião eles constituem nesse lugar e durante esse tempo um corpo político representando todos os súditos desse domínio Mas isso é apenas para aqueles assuntos que lhes foram propostos por aquele homem ou assembléia que pela autoridade soberana os mandou chamar e a partir do momento em que seja declarado que nada mais será por eles proposto ou debatido o corpo político fica dissol vido Porque se eles fossem os representantes absolutos do povo nesse caso seriam a assembléia soberana havendo assim duas assembléias soberanas ou dois soberanos para um só e mesmo povo o que não é compatível com a paz desse povo Portanto onde já há uma soberania a única representação absoluta do povo que pode haver é através dela própria Quanto aos limites dentro dos quais um tal corpo político pode representar o povo inteiro esses são estabelecidos por escrito por quell o convocou Pois o povo não pode escolher os seus delegados para outro fim senão o que se encontrar expresso no mandado a ele enviado pelo seu soberano Os corpos privados regulares e legitimos são aqueles que são constituídos sem cartas ou outra autoridade escrita a não ser as leis comuns a todos os outros súditos Dado que se encontram unidos numa pessoa representativa são considerados regulares tal como o são todas as famílias em que o pai ou senhor comanda a família inteira Porque ele tem autoridade sobre os seus filhos e serviçais até onde a lei permite embora não possa ir além disso pois nenhum deles é obrigado a obedecer naquelas ações que a lei proíbe praticar Em todas as outras ações durante o tempo em que estiverem submetidos ao gover no doméstico estão submetidos aos seus pais e senhores como a seus soberanos imediatos Sendo o pai e senhor antes da instituição da república soberano absoluto da sua própria famí lia depois dessa instituição só perde da sua autoridade aquilo que a lei da república lhe tirar 1 Syn nem por São legítimos os corpos regulares privados como as familias Os corpos privados regulares mas ilegitimos são aqueles que se unem numa só pessoa representativa sem nenhuma espécie de autoridade pública É o caso das corpo rações de mendigos ladrões e ciganos destinadas a organizar melhor as suas ocupações de mendicância e de roubo E o das corporações de homens que se unem pela autoridade de qualquer pessoa estrangeira em outro domínio para a propagação mais fácil de qualquer doutrina ou para constituir um partido contrário ao poder da república Os sistemas irregulares que pela sua natureza não passam de ligas ou por vezes de mera convergência de pessoas sem união em vista de nenhum desígnio determinado por obrigação reciproca a não ser apenas a resultante de uma semelhança de vontades e inclinações tornamse legitimos ou ilegitimos conforme a legitimidade ou ilegitimidade dos desígnios de cada um dos indivíduos que os constituem e estes desígnios devem ser interpretados conforme as circunstâncias As ligas de súditos pois é corrente fazeremse ligas de defesa mútua são numa república que não é mais do que uma liga de todos os súditos juntos em sua maioria desnecessárias e têm um sabor de intenção ilegítima por esse motivo são ilegítimas recebendo geralmente o nome de facções ou conspirações Como uma liga é uma união de homens por meio de pactos se não for conferido poder a um homem ou a uma assembléia como na condição de simples natureza para os obrigar ao cumprimento de tais pactos a liga só será válida enquanto não surgir justa causa de desconfiança Portanto as ligas entre as repúblicas acima das quais não há nenhum poder humano constituído capaz de os manter a todos em respeito não apenas são legitimas como são também proveitosas durante o tempo que duram Mas as ligas de súditos de uma mesma república em que cada um pode defender o seu direito por meio do poder soberano são desnecessárias para a preservação da paz e da justiça e caso os seus desígnios sejam malévolos ou des 200 201 Corpos privados regulnres mas ilegítimos Sistemas irregulares como as ligas privadas I 2 122 Cabalas secretas Lutas eutre famílias privadas Facções para governo Parte 2 Da República XXIl Dos Sistemas Subordinados Políticos e Privados conhecidos da república também ilegítimas Porque toda a união das forças de indivíduos particulares é se a intenção for malévola injusta e se a intenção for desconhecida é perigosa para o poder público e injustamente escondida Se o poder soberano residir numa grande assembléia e um determinado número de indivíduos membros dessa assembléia sem autorização para tal instigam uma parte com o fim de influenciar a conduta dos demais neste caso tratase de uma facção ou conspiração ilegítima pois constitui uma sedução fraudulenta da assembléia em defesa dos seus interesses particulares Mas se aquele cujo interesse particular vai ser debatido e julgado pela assembléia fizer o maior número de ami gos possível não há nenhuma injustiça porque neste caso ele não faz parte da assembléia Ainda que suborne esses amigos com dinheiro salvo se houver uma lei expressa contra isso mesmo assim não há injustiça Porque às vezes dados os costumes humanos como são é impossível obter justiça sem dinheiro e cada um pode pensar que a sua própria causa é justa atéo momento de ser ouvida e julgada Em todas as repúblicas sempre que um particular tiver mais servos do que os necessários para a administração das suas propriedades e o lgítimo uso que deles possa fazer tratase de uma facção e ilegítima Como ele dispõe da proteção da república não tem necessidade de se defender com uma força pessoal E embora nas nações não inteiramente civilizadas várias famílias numerosas sempre tenham vivido em permanente hostilidade atacandose umas às outras com forças particulares é suficientemente evidente que o fizeram de forma injusta ou então que não havia república Tal como as facções familiares assim também as facções que se propõem o governo da religião como os papistas os protestantes etc ou o do Estado como os patricios e plebeus dos antigos tempos de Roma e os aristocráticos e democráti cos dos antigos tempos da Grécia são injustas pois são contrárias à paz e à segurança do povo e equivalem a tirar a espada de entre as mãos do soberano O ajuntamento de pessoas é um sistema irregular cuja legitimidade ou ilegitimidade depende das circunstâncias e do número dos que se reúnem Se as circunstâncias forem legitimas e manifestas o ajuntamento é legitimo como por exemplo a habitual reunião de pessoas numa igreja ou num espetáculo público nos números habituais Porque se o número de pessoas for extraordinariamente grande as circunstâncias deixam de ser evidentes e em conseqüência aquele que não for capaz de apresentar uma explicação satisfatória da sua presença no local deve ser considerado consciente de um desígnio ilegitimo e tumultuoso Pode ser legítimo que milhares de pessoas façam uma petição para ser apresentada a um juiz ou magistrado mas se milhares de pessoas forem levar essa petição tratase de uma assembléia tumultuosa porque para tal fim um ou dois são bastantes Mas em casos como este não é um número fixo que torna ilegitima uma assembléia mas aquele número que os funcionários presentes não têm a possibilidade de sub jugar e entregar à justiça Quando um número inusitado de pessoas se reúne contra alguém a quem acusam a assembléia é um tumulto ilegitimo porque lhes é possível entregar a acusação ao magistrado por uns poucos ou apenas um só Foi esse o caso de São Paulo em Éfeso quando Demétrio e um grande número de outros homens levaram perante o magistrado dois dos companheiros de São Paulo clamando a uma só voz Grande é Diana de Éfeso O que era uma maneira de exigir justiça contra eles por ensinarem ao povo uma doutrina que era contrária à sua religião e aos seus negócios Neste caso as circunstâncias eram justas levando em conta as leis desse povo Mas a sua assembléia considerou ilegitima essa ação e por ela o magistrado repreendeuos com estas palavras Se Demétrio e os outros artífices podem acusar qualquer homem de alguma coisa existem audiências e deputados que se I O manuscrito do copista traz Independentes 202 203 123 J At 7940 Quem é ministro público Parte 2 Da República XXIII Dos Ministros Públicos do Poder Soberano acusem uns aos outros E se tendes mais alguma coisa a pedir o vosso caso poderá ser julgado por uma assembléia legalmente convocada Pois corremos o risco de ser acusados pela sedição deste dia visto que não existe motivo capaz de justificar este ajuntamento de pessoas Com isto ele qualificou uma assembléia para a qual os homens não conseguem apresentar nenhuma boa explicação de sedição e sedição pela qual não poderiam responder E isto é tudo quanto eu tinha a dizer relativamente aos sistemas e assembléias de pessoas que podem ser comparados conforme já disse às par tes semelhantes do corpo do homem os que forem legítimos aos músculos e os que forem ilegitimos aos tumores cálculos e apostemas engendrados pelo afluxo antinatural de humores malignos públicos sãono apenas os que servem na administração dos negócios públicos Portanto nem os oficiais de justiça nem os alguazis nem os outros funcionários que servem na assembléia tendo como única finalidade a conveniência dos membros da assembléia numa aristocracia ou numa democracia nem os despenseiros camareiros e caixeiros nem nenhum outro servidor de cada monarca são ministros públicos numa monarquia Dos ministros públicos alguns têm a seu cargo a administração geral quer de todo o dominio quer de uma parte dele No caso do todo pode ser confiada a alguém como protetor ou regente pelo antecessor de um infanterei durante a menoridade deste toda a administração do seu reino Neste caso todos os súditos têm obrigação de obediência às ordenações que faça assim como às ordens que dê em nome do rei desde que não sejam incompativeis com o poder soberano No caso de só uma parte ou província tanto um monarca como uma assembléia soberana podem entregar a sua administração geral a um governador lugartenente prefeito ou vicerei E também neste caso todos os habitantes dessa provincia são obrigados a fazer tudo quanto ele ordenar em nome do soberano e que não sejal incompativel com o direito do soberano Porque esses protetores vicereis e governadores só têm como direitos aqueles que dependem da vontade do soberano E nenhuma delegação de poder que lhes seja feita pode ser interpretada como uma declaração da vontade de transferir a soberania sem que haja palavras expressas e evidentes para tal fim E esta espécie de ministros públicos assemelhase aos nervos e tendões que movem os diversos membros de um corpo natural Outros têm administração especial quer dizer estão encarregados de alguma função especial seja no pais ou no estrangeiro No pais temos em primeiro lugar para a economia da república aqueles que possuem autoridade relativamente ao tesouro aos tributos impostos rendas multas ou qualquer rendi CAPo XXIII Dos MINISTROS PÚBLICOS do Poder Soberano No último capítulo falei das partes semelhantes da república Neste capitulo vou falar das partes orgânicas que são os ministros públicos Um MINISTRO PÚBLICO é aquele que é encarregado pelo soberano quer este seja um monarca ou uma assembléia de qualquer atividade com autoridade no desempenho desse cargo para representar a pessoa da república E enquanto qualquer homem ou assembléia a quem pertença a soberania representa duas pessoas ou então como é mais comum dizerse tem duas capacidades uma natural e outra política um monarca não tem apenas a pessoa da república mas também a de um homem e uma assembléia soberana não tem apenas a pessoa da república mas também a da assembléia aqueles que são seus servidores na sua capacidade natural não são ministros 1 Syn que 204 205 124J Ministro para a administração geral 1 Para administração especia4 como a economia Parte 2 Da República XXIII Dos Ministros Públicos do Poder Soberano Para instrução do povo mento público assim como para receber recolher publicar ou tomar as respectivas contas e que são ministros públicos Ministros porque estão a serviço da pessoa representante e nada podem fazer contra as suas ordens ou sem a sua autorização Públicos porque a servem na sua capacidade política São também ministros públicos em segundo lugar os que têm autoridade com relação à militia para ter a custódia das armas fortes e portos para o recrutamento pagamento e comando dos soldados ou para a provisão de todas as coisas ne cessárias para conduta da guerra tanto em terra como nos mares Mas um soldado sem comando embora esteja lutando pela república nem por isso representa a sua pessoa porque não tem ninguém perante quem possa representáIa Porque to dos os que têm um comando representamno apenas perante aqueles que comandam Também são ministros públicos os que têm autoridade para ensinar ou para permitir a outros que ensinem ao povo os seus deveres para com o poder soberano instruindoo no conhecimento do que é justo ou injusto a fim de tornar o povo mais apto a viver em paz e harmonia e a resistir ao inimigo comum São ministros na medida em que não fazem tudo isso pela sua própria autoridade e sim pela de outrem e são públicos por que o fazem ou devem fazêIo apenas em virtude da autorida de do soberano Só o monarca ou a assembléia soberana pos sui abaixo de Deus autoridade para ensinar e instruir o povo e nenhum homem além do soberano recebe o seu poder Dei gra tia simplesmente isto é de um favor que vem apenas de Deus Todos os outros recebem os seus poderes do favor e providên cia de Deus e dos seus soberanos e assim numa monarquia se diz Dei gratia Regis ou Dei providentia voluntate Regis Também são ministros públicos aqueles a quem é conce dido o poder judicial Porque nas suas sedes de justiça repre sentam a pessoa do soberano e a sua sentença é a sentença de le Porque conforme foi declarado todo o poder judicial está essencialmente anexado à soberania portanto todos os outros juízes são apenas ministros daquele ou daqueles que têm o poder soberano E todas as controvérsias são de duas espécies a saber de fato e de direito e assim são também os julgamentos uns de fato e outros de direito De modo que para julgar a mesma controvérsia pode haver dois juízes um de fato e outro de direito E em qualquer desses tipos de controvérsia pode surgir uma controvérsia entre a parte julgada e o juiz a qual como ambos são súditos do soberano manda a eqüidade que seja julgada por homens aceitos por consentimento de ambos pois ninguém pode ser juiz em causa própria Mas o soberano já estáaceito por ambos como juiz e portanto deverá ou ouvir a causa e decidiIa ele mesmo ou nomear um juiz com o qual ambos concordem Considerase então que esse acordo foi realizado entre eles de diversas maneiras Em primeiro lugar se ao acusado for permitido objetar àqueles juízes cujos interesses o façam suspeitar deles tendo o queixoso já escolhido o seu próprio juiz aqueles a que ele não objetar serão juízes com os quais ele próprio concordou Em segundo lugar se apelar para qualquer outro juiz não poderá depois voltar a apelar porque esse apelo foi de sua escolha Em terceiro lugar se apelar para o próprio soberano e for este a proferir a sentença em pessoa ou por meio de delegados com os quais ambas as partes tenham concordado essa sentença é definitiva porque o acusado foi julgado pelos seus próprios juízes quer dizer por ele próprio Depois de examinadas estas propriedades de uma justa e racional administração judicial não posso deixar de observar a excelente constituição dos tribunais de justiça estabelecidos na Inglaterra tanto para os litígios comuns como para os políticos Entendo por litígios comuns aqueles em que tanto o queixoso como o acusado são súditos e por litígios políticos também chamados pleitos da Coroa aqueles em que o queixoso éo soberano Porque quando havia duas ordens na sociedade sendo uma a dos lordes e a outra dos comuns os lordes tinham o privilégio de ter por juízes se o litígio fosse público em i 125 Para o poder judicial I SynJuízes 206 207 126J Para execução Parte 2 Da República XXlI Dos Ministros Públicos do Poder Soberano todos os crimes capitais apenas os outros lordes e desses lordes todos quantos estivessem presente Já que isto era reconhecido como privilégio de favor os seus juízes eram apenas aqueles que eles mesmos solicitavam E em todas as controvérsias todo súdito como também os lordes nas controvérsias civis tinha como juízes habitantes da região a que correspondia a questão controvertida e em relação a esses podia exercer o direito de recusa até que finalmente se escolhessem doze homens contra os quais não houvesse objeção sendo então o súdito julgado por esses doze Assim como cada uma das partes tinha os seus próprios juízes não havia nenhum motivo para alegar que a sentença não era definitiva Essas pessoas públicas que recebem do poder soberano autorização tanto para instruir como para julgar o povo são aqueles membros da república que podem adequadamente ser comparados aos órgãos da fala num corpo natural São também ministros públicos todos aqueles que receberam do soberano autorização para proceder à execução de todas as sentenças para publicar as ordens do soberano para reprimir tumultos para prender e encarcerar os malfeitores e praticar outros atos tendentes à preservação da paz Porque cada ato que praticam em nome dessa autoridade é um ato da república e a sua função é comparável à das mãos num corpo natural Os ministros públicos nomeados para o estrangeiro são aqueles que representam a pessoa do seu próprio soberano perante os Estados estrangeiros São dessa espécie os embaixado res os mensageiros os agentes e arautos enviados com a autorização pública e em missão política Mas aqueles que são enviados apenas pela autoridade de um partido privado de um Estado conturbado mesmo que sejam aceitos pelo país estrangeiro não são ministros públicos nem privados da república porque nenhuma das suas ações tem como autor a própria república De maneira semelhante um embaixador enviado por um príncipe para apresentar feli citações ou condolências ou para estar presente a uma solenidade ainda que a autoridade seja pública é uma pessoa privada porque se trata de um assunto privado e que lhe compete na sua capacidade natural E também um homem que seja enviado a outro país com o fim secreto de investigar as opiniões lá vigentes e a força do país embora tanto a autorização como a missão sejam públicas e dado que não é possível que alguém veja nele outra pessoa a não ser a sua própria é apenas um ministro privado Mas apesar disso é um ministro da república e pode ser comparado aos olhos do corpo natural E aqueles que são escolhidos para receber as petições ou outras informações do povo e são como se fossem os ouvidos públicos são ministros públicos e nessa qualidade representam o seu soberano Um conselheiro ou um conselho de Estado se o considerarmos destituído de qualquer autoridade judicial ou de comando e tendo apenas a de dar a sua opinião ao soberano quando ela for pedida ou de a propor quando não for pedida também não é uma pessoa pública Porque a opinião é apresentada apenas ao soberano cuja pessoa não pode na sua própria presença ser representada para ele por um outro Mas um corpo de conselheiros nunca deixa de ter alguma autoridade tanto judicial como de administração imediata Numa monarquia eles representam o monarca transmitindo as suas ordens aos ministros públicos Numa democracia o conselho ou senado propõe ao povo os resultados das suas deliberações enquanto conselho mas quando designa juízes ou julga causas ou concede audiência a embaixadores o faz na qualidade de ministro do povo E numa aristocracia o conselho de Estado é a própria assembléia soberana oferecendo conselho apenas a si própria 208 209 Conselheiros sem outra função além de orientar não são ministros públicos i1 I I I 127 A nutrição de uma repúhlica consiste nos hens do mar e da terra Parte 2 Da República CAPo XXIV Da NUTRIÇÃO e PROCRIAÇÃO de uma República A NUTRIÇÃO de uma república consiste na abundância e na distribuição das matériasprimas necessárias à vida no seu acondicionamento e preparação e uma vez acondicionados na sua entrega para uso público através de canais adequados Quanto à abundância de matéria é uma coisa limitada por natureza àqueles bens que por intermédio da terra e do mar os dois peitos da nossa mâe comum Deus geralmente ou dá de graça ou em troca do trabalho dos homens No que se refere à matéria dessa nutrição composta de animais vegetais e minerais Deus colocouos generosamente ao nosso alcance à superfície da terra ou perto dela de modo tal que não é preciso mais do que trabalho e esforço para os colher Assim a abundância depende simplesmente a seguir ao favor de Deus do trabalho e do esforço dos homens Essa matéria a que geralmente se chama bens em parte é nativa e em parte é estrangeira Nativa quando pode ser obtída dentro do território da república Estrangeira quando é impor tada do exterior E como não existe território algum sob o domínio de uma república a não ser que seja de uma extensão imensa que produza todas as coisas necessárias para a manutenção e movimento do corpo inteiro e poucos são os que não produzem alguma coisa mais além do necessário os bens su pérfluos que se obtêm no interior deixam de ser supérfluos e passam a suprir as necessidades internas mediante a importa ção do que pode ser obtido no exterior seja através de troca de justa guerra ou de trabalho Porque o trabalho de um homem também é um bem que pode ser trocado por benefícios tal como qualquer outra coisa E já houve repúblicas que não tendo mais território suficiente para os seus habitantes conseguiram apesar disso não apenas manter mas até aumentar o 210 L XXIV Da Nutrição e Procriação de uma República seu poder em parte graças à atividade mercantil entre um lugar e outro e em parte através da venda de manufaturas cujas matérias primas eram trazidas de outros lugares A distribuição das matériasprimas dessa nutrição é a constituição do meu do teu e do seu Isto é uma palavra da pro priedade E em todas as espécies de república é da competência do poder soberano Porque onde não há república conforme já se mostrou há uma guerra perpétua de cada homem contra o seu semelhante na qual portanto cada coisa é de quem a apanha e conserva pela força o que não é propriedade nem comunidade mas incerteza Isso é a tal ponto evidente que até Cicero um apaixonado defensor da liberdade numa arenga pública atribui toda propriedade às leis civis Se as leis civis disse ele alguma vez forem abandonadas ou negligentemente conservadas para não dizer oprimidas não haverá nada mais que alguém possa estar certo de receber dos seus antepassados ou deixar aos seus filhos E também Suprimi as leis civis e ninguém mais saberá o que é seu e o que é dos outros Visto portanto que a introdução da propriedade é um efeito da república que nada pode fazer a não ser por intermédio da pessoa que a representa tal propriedade só pode ser um ato do soberano e consiste em leis que só podem ser feitas por quem tiver o poder soberano Bem o sabiam os antigos que chamavam NÓJlOÇ quer dizer distribuição ao que chamamos lei e definiam a justiça como a distribuição a cada um do que é seu Nesta distribuição a primeira lei diz respeito à distribuição da própria terra da qual o soberano atribui a todos os omens uma porção conforme o que ele e não conforme o que qualquer súdito ou qualquer número deles considerar compativel com a eqüidade e com o bem comum Os filhos de Israel constituíam uma república no deserto e careciam dos bens da terra até o momento em que se tornavam senhores da Terra Prometida a qual foi posteriormente dividida entre eles não conforme a sua própria discrição mas conforme a discrição do sacerdote Eleazar e do generalJosué Estes quando já havia doze tribos ao fazer delas treze mediante a subdivisão da tribo de 211 E na sua correta distribuição 128 z I Toda proprndatk privada da terra deriva originalmente da distrihuição arbitrária do soherano Parte 2 Da República A propriedade de um súdito não exclui o dominio do soberano mas apenas o de outros súditos José dividiram a terra em apenas doze porções e não atribuíram nenhuma terra à tribo de Levi designandoIhe a décima parte da totalidade dos frutos da terra divisão que portanto era arbitrária E embora quando um povo toma posse de um território por meio da guerra nem sempre ele extermine os antigos habitantes como fizeram os judeus deixando as suas terras a muitos ou à maior parte ou a todos é evidente que depois essas terras passam a ser patrimônio do vencedor como aconteceu com o povo da Inglaterra que recebeu todas as suas terras de Guilherme o Conquistador Disso podemos concluir que a propriedade que um súdito tem nas suas terras consiste no direito de excluir todos os outros súditos do uso dessas terras mas não de excluir o soberano quer este seja uma assembléia ou um monarca Pois considerando que o soberano quer dizer a república cuja pessoa ele representa nada faz que não seja em vista da paz e segurança comuns essa distribuição das terras se faz em vista da mesma finalidade Em conseqüência qualquer distribuição que um outro1 faça em prejuízo dessa paz e dessa segurança é contrária à vontade de todos os súditos que confiaram a paz e a segurança das suas vidas à discrição e consciência do soberano e assim essa distribuição deve pela vontade de cada um deles ser considerada nula É certo que um monarca soberano ou a maioria de uma assembléia soberana pode ordenar a realização de muitas coisas seguindo os ditames das suas paixões e contrariamente à sua consciência e isso constitui uma que bra da confiança e da lei de natureza Mas isto não é suficiente para autorizar nenhum súdito a pegar em armas contra o seu soberano ou mesmo a acusáIo de injustiça ou de qualquer modo falar mal dele Porque os súditos autorizaram todas as suas ações e ao lhe atribuírem o poder soberano fizeramnas suas Mas em que casos as ordens do soberano são contrárias à eqüidade e à lei de natureza é coisa que será examinada adiante em outro lugar 1 Syn se 212 XXIV Da Nutrição e Procriação de uma República Na distribuição das terras a própria república pode ter uma porção possuindo e melhorandoa através do seu representante E essa porção pode ser de molde a tornarse suficiente para sustentar todas as despesas necessárias para a paz e defesa comuns Isso seria muito verdadeiro se fosse possível conceber qualquer representante que estivesse livre da paixões e fraquezas humanas Mas sendo a natureza humana o que é a atribuição de terras públicas ou de uma renda determinada para a república seria inútil e faria tender para a dissolução do governo e a condição de simples natureza e guerra sempre que o poder soberano caísse nas mãos de um monarca ou de uma assembléia que ou fosse excessivamente negligente em questões de dinheiro ou suficientemente ousado para arriscar o patrimônio público numa guerra longa e dispendiosa As repúblicas não podem suportar uma dieta pois não sendo as suas despesas limitadas pelo seu próprio apetite e sim por acidentes externos e pelos apetites dos seus vizinhos a riqueza pública não pode ser limitada por outros limites senão os que forem exigidos por cada ocasião Embora na Inglaterra o Conquistador tenha reservado algumas terras para seu próprio uso além de florestas e coutadas tanto para sua recreação como para a preservação dos bosques e tenha também reservado diversos serviços nas terras que deu aos seus súditos parece apesar disso que elas não foram reservadas para a sua manutenção enquanto em1 sua capacidade pública mas enquanto em2 sua capacidade natural pois tanto ele como os seus sucessores lançaram impostos arbitrários sobre as terras de todos os seus súditos sempre que tal consideraram necessário E mesmo que essas terras e serviços públicos tivessem sido estabelecidos como suficiente manutenção da república tal teria sido contrário à finalidade da instituição pois eram insuficientes conforme ficou claro dados esses impostos subseqüentes e além disso estavam sujeitos à alienação e diminuição conforme foi tornado claro pela posterior pequena rend da Coroa Portanto é o poder públUo isento tk dieta 129 1 Syn em 2 Syn em 213 T li Os lugares e objetos de tráfio dependem tal COTTW a sua distribuição do soberano As leis da transferência de propriedade também competem ao soberano 130 o dinheiro é o sangue de uma república Parte 2 Da República inútil atribuir uma porção à república que pode vendêIa ou dáIa e efetivamente a vende e a dá quando tal é feito pelo seu representante Quanto às terras do país sua distribuição compete ao soberano assim como a decisão sobre em que lugares e com que mercadorias os súditos estão autorizados a manter tráfico com o estrangeiro Porque se às pessoas privadas competisse usar nesses assuntos da sua própria discrição algumas delas seriam levadas pela ânsia do lucro tanto a fornecer ao inimigo os meios para prejudicar a república como a prejudicáIa elas mesmas importando aquelas coisas que ao mesmo tempo que agradam aos apetites dos homens são para eles nocivas ou pelo menos inúteis Compete portanto à república quer dizer apenas ao soberano aprovar ou desaprovar tanto os lugares como os objetos do tráfico externo Além do mais dado que não é suficiente para o sustento da república que cada indivíduo tenha a propriedade de uma porção de terra ou de alguns poucos bens ou a propriedade natural de alguma arte útil e que não1 existe arte no mundo que nãO seja necessária ou para a existência ou para o bemestar de quase todos os indivíduos é necessário que os homens distribuam o que são capazes de acumular transferindo essa propriedade mutuamente uns aos outros através da troca e de contratos mútuos Compete portanto à república isto é ao soberano determinar de que maneira se devem fazer entre os súditos todas as espécies de contrato de compra venda troca empréstimo arrendamento e mediante que palavras e sinais esses contratos devem ser considerados válidos Quanto à matéria e à distribuição de alimento a todos os membros da república o que até então foi dito levando em conta o modelo da presente obra é suficiente Entendo por acondicionamento a transformação de todos os bens que não são imediatamente consumidos e são reservados para alimentação num momento posterior a alguma coisa I Syn não 214 XXIV Da Nutrição e Procriação de uma República de igual valor e além disso suficientemente portátil para não atrapalhar o movímento das pesspas de um lugar para outro a fim de que se possa ter em qualquer local toda a nutrição que o lugar seja capaz de fornecer E isso não é outra coisa senão o ouro a prata e o dinheiro Pois como o ouro e a prata têm um elevado valor em quase todos os países do mundo eles consti tuem uma medida cômoda do valor de todas as outras coisas entre nações diferentes E o dinheiro qualquer que seja a ma tériaprima em que se faça cunhar pelo soberano de uma repú blica constitui a medida suficiente do valor de todas as outras coisas entre os súditos dessa república Graças a essas medidas tornase possível que todos os bens tanto os móveis como os imóveis acompanhem qualquer indivíduo a todo lugar para onde ele se desloque dentro e fora do local da sua residência habitual E torna se possível que os mesmos bens sejam passados de indivíduo a indivíduo dentro da república e vão circulando a toda a volta alimentando à medida que passa todas as partes dessa república a tal ponto que este acondicionamen to é por assim dizer a corrente sanguínea de uma república pois o sangue natural se forma também similarmente dos fru tos da terra e circulando vai alimentando pelo caminho todos os membros do corpo do homem E porque o ouro e a prata recebem o seu valor da próprià matéria de que são feitos são eles os primeiros a ter o seguinte privilégio o seu valor não pode ser alterado pelo poder de uma ou algumas repúblicas pois é a medida comum das mercado rias em todos os lugares Mas a moeda corrente do país pode facilmente ter o seu valor aumentado ou rebaixado Em segun do lugar o ouro e a prata têm o privilégio de imprimir movimento às repúblicas fazendoas quando tal se torna necessá rio estender os seu braços até os países estrangeiros e o de aprovisionar não apenas os súditos que viajam mas também exércitos inteiros No entanto aquela moeda que não tem valor devido ao material de que é feita e sim devido à cunhagem local é incapaz de suportar a mudança de ares e só produz efeitos no seu próprio país e mesmo neste encontrase sujeita 11 215 Parte 2 Da República Caminhos e canais do dinheiro para uso público à mudança das leis podendo assim ter o seu valor diminuído muitas vezes em prejuízo dos que a possuem Os caminhos e canais através dos quais o dinheiro circula para uso público são de duas espécies os da primeira conduzemno até os cofres públicos e os da outra fazemno sair outra vez para efetuar os pagamentos públicos À primeira espécie pertencem os recolhedores recebedores e tesoureiros e à segunda pertencem igualmente os tesoureiros assim como os funcionários designados para fazer os pagamentos dos vários ministros públicos ou privados E também nisto o homem artificial conserva a sua semelhança com o homem natural cujas veias recebem o sangue das diversas partes do corpo e o transportam até o coração e depois de vitalizáIa o coração volta a expelir o sangue por meio das artérias a fim de vivificar e tornar possível o movimento a todos os membros do corpo A procriação ou os filhos de uma república são aquilo a que chamamos plantações ou colônias que são grupos de pessoas enviadas pela república sob a direção de um chefe ou governador para povoar um país estrangeiro quer este já se encontre vazio de habitantes quer seja tornado vazio por meio da guerra E depois de estabelecida a colônia ou esta constitui por si só uma república dispensada da sujeição ao soberano que enviou os colonos como foi feito por muitas repúblicas nos tempos antigos e neste caso a república de que partiram era chamada sua metrópole ou mãe e não exigia da colônia mais do que os pais costumam exigir dos filhos a quem emancipam e libertam do seu governo doméstico ou seja a honra e a amizade ou então permanece unida à metrópole como as colônias do povo de Roma e neste caso não são repúblicas independentes mas províncias e parte integrante da república que enviou os colonos De modo que o direito das colônias fora a honra e a ligação com a sua metrópole depende totalmente da licença ou carta por meio da qual o soberano os autorizou a se estabelecer 131 1 As colônias são os filhos de uma república 216 xxv Do Conselho CAPo XXV Do CONSELHO Nada mostra mais claramente como é falacioso ajuizar da natureza das coisas por meio do uso vulgar e inconstante das palavras do que a confusão entre os conselhos e as ordens resultante da maneira imperativa de falar em ambos utilizada e em muitos outros casos além destes Porque as palavras Faz isto não são apenas as palavras de quem ordena mas também as de quem dá um conselho ou de quem exorta No entanto são poucos os que não vêem que estas coisas são muito diferentes ou que são incapazes de distinguir entre elas quando percebem quem está falando a quem se está dirigindo e em que ocasião Ora quando se encontram estas frases nos escritos dos homens e não se é capaz ou não se quer levar em consideração as circunstâncias confundemse às vezes os preceitos dos conselheiros com os daqueles que ordenam e outras vezes o oposto conforme seja mais adequado às conclusões que se quer tirar ou às ações a que se dá aprovação Para evitar tais erros e restituir as suas significações próprias e distintas a esses termos de ordenar aconselhar e exortar definoos da seguinte maneira Uma ORDEM é quando alguém diz Faz isto ou Não faças isto e não se pode esperar outra razão a não ser a vontade de quem o diz Daí manifestamente se segue que quem ordena visa com isso ao seu próprio benefício pois a razão da sua ordem é apenas a sua própria vontade e o objeto próprio da vontade de todo homem é sempre algum benefício para si mesmo Um CONSELHO é quando alguém diz Faz isto ou Não faças isto e deduz as suas razões do benefício que tal acarreta para aquele a quem o diz Tornase a partir daqui evidente que aquele que dá conselho pretende apenas seja qual for a sua intenção oculta o benefício daquele a quem o dá Há portanto entre um conselho e uma ordem grande diferença a ordem é dirigida para benefício de quem a dá e o con 217 o que é conselho i I I I Diferenças entre ordem e conselho 132 11 1 11 Parte 2 Da República o fUI são exortllfão e dissuasão selho para benefício de outrem E daqui deriva outra diferença um homem pode ser obrigado a fazer aquilo que lhe ordenam como quando fez a promessa de obedecer mas ninguém pode ser obrigado a fazer o que lhe aconselham porque o prejuízo resultante de não seguir o conselho é apenas o seu próprio e se acaso tiver feito a promessa de o seguir o conselho já adquiriu a natureza de uma ordem Uma terceira diferença entre ambos é que ninguém pode reivindicar o direito de dar conselhos a outra pessoa porque não é possível alegar que daí tire algum benefício próprio mas reclamar o direito de dar conselho a outrem revela uma vontade de conhecer os desígnios do outro ou de conseguir algum outro benefício para si mesmo o que conforme já disse é o objeto próprio da vontade de cada um Outra coisa também faz parte da natureza do conselho que seja quem for que peça não pode de acordo com a eqüidade acusar ou punir quem o der Porque pedir conselho a outrem é permitirlhe que dê esse conselho da maneira que achar melhor e em conseqüência quem dá conselhos ao seu soberano quer seja um monarca ou uma assembléia a pedido deste não pode de acordo com a eqüidade ser punido por causa do conselho quer este seja ou não conforme à opinião da maioria quanto à proposta em debate Porque se a decisão da assembléia puder ser conhecida antes de terminado o debate então ela não deve pedir nem aceitar nenhum conselho pois a decisão da assembléia é a resolução do debate e o fim de toda a deliberação E geralmente quem pede conselho é autor dele portanto não pode punir e aquilo que o soberano não pode fazer nenhum outro pode também Mas se um súdito der a outro algum conselho de fazer coisas contrárias às leis quer o conselho provenha de más intenções ou apenas da ignorância pode ser punido pela república porque a ignorância da lei não é desculpa suficiente já que todos são obrigacos a se informar das leis a que estão sujeitos A EXPORTAÇÃO e a DISSUASÃO são conselhos acompanhados de sinais naquele que os dá de um veemente desejo de que sejam aceitos Ou em termos mais breves tratase de um con 218 xxv Do Conselho selho em que se insiste com veemência Porque quem exorta não deduz as conseqüências daquilo que aconselha a fazer vinculandose assim ao rigor do raciocínio verdadeiro mas incita aquele a quem aconselha à ação do mesmo modo que ao dissuadir procura afastáIo da ação Levam assim em conta seus discursos ao deduzirem as suas razões as paixões e opiniões comuns dos homens e fazem uso de similitudes metáforas exemplos e outros recursos da oratória a fim de persuadirem os seus ouvintes da utilidade da honra ou da justiça da aceitação do seu conselho Disso se pode concluir em primeiro lugar que a exortação e a dissuasão têm em vista o bem de quem dá o conselho não de quem o pede o que é contrário ao dever de um conselheiro pois este segundo a definição do conselho não devia ter em conta o seu próprio benefício e sim o benefício daquele a quem aconselha Que nesse conselho tem em vista o seu próprio benefício fica bem patente na longa e veemente insistência ou no artifício com que é dado que não lhe tendo sido pedido e em conseqüência derivando dos seus próprios motivos visa principalmente ao seu próprio benefício e só acidentalmente ou de nenhum modo poderá redundar em benefício de quem é aconselhado Em segundo lugar o uso da exortação e da dissuasão só tem cabimento quando alguém vai se dirigir a uma multidão porque quando o discurso é dirigido a uma só pessoa esta pode interromper o orador examinando as suas razões com mais rigor do que pode ser feito por uma multidão que é constituída por um número excessivo de gente para que seja possível estabelecer uma disputa e um diálogo com quem se dirige indiferentemente a todos ao mesmo tempo Em terceiro lugar os que exortam ou dissuadem quando se lhes pediu que aconselhassem são conselheiros corruptos como se estivessem subornados pelo seu próprio interesse Por melhor que seja o conselho quem o der não será bom conselheiro tal como quem der uma sentença justa a troco de uma recompensa não será um juiz justo Mas quando alguém tem o 219 133 I U T I I I Difere1lfas entre os conselheiros adequados e os conservados 134 Parte 2 Da República direito de comandar como pai da sua família ou como chefe de um exército as suas exortações e dissuasões não apenas são legítimas mas também necessárias e louváveís No entanto nesse caso não se trata mais de conselhos mas de ordens e estas quando visam à execução de um trabalho árduo manda às vezes a necessidade e sempre a humanidade que sejam dadas de maneira suavizada para melhor encorajarem e no tom e estilo de um conselho de preferência à linguagem mais áspera de uma ordem Podemos encontrar exemplos da diferença entre a ordem e o conselho nos modos de discurso que exprimem ambos nas Sagradas Escrituras Não tenhais outros deuses senão eu Não façais para vós mesmos nenhuma imagem gravada Não pronuncieis o nome de Deus em vão Santificai o sábado Honrai pai e mãe Não mateis Não roubeis etc são ordens Porque a razão pela quallhes devemos obedecer é tirada da vontade de Deus nosso Rei a quem temos a obrigação de obedecer Mas as palavras Vendei tudo o que tiverdes daio aos pobres e seguime são um conselho porque a razão pela qual devemos fazêIo é tirada do nosso próprio benefício a saber que assim ganharemos um tesouro no céu As palavras de à aldeia que fica diante de vós e lá encontrareis uma burra amarrada e com ela o seu burrinho desamarra ia e trazeima são uma ordem porque a razão delas é tirada da vontade do Senhor Mas as palavras Arrependeivos e batizaivos em nome de Jesus são um conselho porque a razão de eles assim fazerem não visa a nenhum benefício de Deus TodoPoderoso que continuará sendo o Rei mesmo que nos rebelemos mas a nosso próprio benefício pois não temos outra maneira de evitar o castigo que nos ameaça por via dos nossos pecados pretéritosl Tal como a diferença entre o conselho e a ordem pôde ser deduzida da natureza do conselho consistindo numa dedução do benefício ou prejuízo que pode resultar para quem é aconselhado pelas conseqüências necessárias ou prováveis da ação proposta assim também podem ser derivadas as diferenças entre I Syn pecados 220 xxv Do Conselho os conselheiros capazes e os incapazes Pois não sendo a experiência mais do que a memória de ações semelhantes anteriormente observadas e não sendo o conselho mais do que o discurso através do qual essa experiência é transmitida a outrem as virtudes e defeitos de um conselho são idênticos às virtudes e defeitos intelectuais E quanto à pessoa de uma república seus conselheiros fazemlhe as vezes de memória e de discurso mental Mas a esta semelhança entre a república e o homem natural vemse acrescentar uma dissemelhança da maior importância a saber um homem natural recebe a sua experiência dos objetos naturais dos sentidos que influenciam a sua própria paixão ou interesse ao passo que quem dá conselho à pessoa representante de uma república pode ter e muitas vezes tem os seus fins e paixões particulares o que torna os seus conselhos sempre suspeitos e muitas vezes infidedignos Deve portanto estabelecerse como primeira condição de um bom conselheiro que os seus fins e interesses não sejam incompatíveis com os fins e interesses daquele a quem aconselha c Em segundo lugar dado que a função de um conselheiro quando se passa a deliberar sobre qualquer ação consiste em tornar manifestas as conseqüências desta a fim de que quem é aconselhado possa ser informado de maneira clara e correta ele deve apresentar o seu conselho no modo do discurso que melhor permita à verdade aparecer de modo evidente quer dizer com um raciocínio firme e uma linguagem significante e própria e com a maior brevidade que a evidência permita Portanto as inferências apressadas e destituídas de evidência como as que são tiradas apenas de exemplos ou da autoridade dos livros e não são argumentos sobre o que é bom ou mau mas testemunhos de fato ou de opinião as expressões obscuras confusas e ambíguas e também todos os discursos metafóricos que tendem a excitar as paixões porque tal raciocínio e tais expressões servem apenas para iludir ou para levar quem aconselhamos a fins que não são os seus tudo isto é incompatível com o cargo de conseUzeiro Em terceiro lugar dado que a capacidade para aconselhar deriva da experiência e de muito estudo e ninguém pode ser 221 Parte 2 Da República 135 considerado possuidor de experiência em todas as coisas que é necessário conhecer para a administração de uma grande república ninguém pode ser considerado bom conselheiro a não ser naquelas questões em que não apenas seja muito versado mas sobre as quais tenha também longamente meditado e refletido Pois considerando que as questões da república consistem em manter o povo em paz no pais e defendêIo de invasão estrangeira é evidente que elas exigem profundo conhecimento da condição do gênero humano dos direitos do governo e da natureza da eqüidade da justiça e da honra conhecimento a que não se pode chegar sem estudo e também o da força dos bens e dos lugares do próprio país e dos seus vizinhos assim como das inclinações e desígnios de todas as nações que de qualquer maneira o possam prejudicar E nada disto se consegue sem muita experiência Não apenas a soma de todas estas coisas mas mesmo cada um dos aspectos exige a idade e a observação de um homem avançado em anos e com estudos mais do que medianos Conforme disse anteriormente cap VIII o talento que se exige para o conselho é o juízo E as diferenças entre os homens quanto a este ponto dependem das diferenças de educação de uns para um tipo de estudo e de ocupação e de outros para um outro Quando para fazer todas as coisas existem regras infalíveis como as da geometria para as máquinas e os edifícios nem toda a experiência do mundo é capaz de igualar o conselho daquele que aprendeu ou descobriu a regra Quando não existe tal regra aquele que tem mais experiência no tipo de questão de que se trata será senhor do melhor juízo e será o melhor conselheiro Em quarto lugar para ter a capacidade de dar conselho a uma república numa questão que diga respeito a uma outra república é necessário terse conhecimento de todas as inteligências e cartas que de lá vêm assim como de todos os registros de tratados e transações de Estado entre os dois países o que só pode ser feito por quem de talo representante considerar capaz Disso podemos concluir que os que não são convidados a dar conselho não têm em tais casos de se meter onde não são chamados 222 xxv Do Conselho Em quinto lugar supondose que o número de conselheiros seja par recebese melhor conselho ouvindoos separadamente em vez de numa assembléia e isso por muitas razões Em primeiro lugar ouvindoos separadamente se é informado da opinião de cada um E numa assembléia muitos deles exprimem a sua opinião dizendo simplesmente sim ou não ou com as mãos ou pés e sem serem motivados pela sua própria reflexão mas pela eloqüência de outrem ou por medo de desagradar a alguns que já falaram ou a toda a assembléia caso os contradigam ou por medo de parecer de compreensão mais embotada do que os que aplaudiram a opinião contrária Em segundo lugar numa assembléia constituída por muitos é ine vitável que alguns tenham interesses contrários ao interesse pú f blico estes podem deixarse apaixonar pelos seus interesses a paixão pode tornáIos eloqüentes e a eloqüência pode conquistar outros para a mesma opinião Porque as paixões dos homens que isoladamente são moderadas como o calor de uma tocha numa assembléia são como muitas tochas que se inflamam umas às outras especialmente quando sopram umas nas outras com discursos até porem fogo na república sob pretexto de a aconselharem Em terceiro lugar ao ouvir cada um separadamente tornase possível examinar quando necessário a verdade ou a probabilidade das razões de cada um e os fundamentos da opinião defendida mediante freqüentes interrupções e objeções Isso é impossivel numa assembléia em que em todas as questões difíceis se fica mais estupefato e aturdido pela variedade dos discursos do que informado sobre a decisão a ser tomada Além do mais quando uma assembléia numerosa é convocada para dar conselho nunca podem deixar de aparecer alguns que têm a ambição de ser considerados eloqüentes e conhecedores de política e estes não comunicarão a sua opinião preocupados com a questão em pauta e sim com o sucesso dos seus discursos variados tecidos de polícromos fios ou fragmentos de autores No mínimo isso é uma impertinência que rouba o tempo de uma consulta séria e é fácil de evitar se o conselho for dado separadamente e de ma 223 f j f I i 136 I I li II Parte 2 Da República neira sigilosa Em quarto lugar nas deliberações que devem ser mantidas em segredo o que é extremamente freqüente nas questões públicas os conselhos de um grande número e sobretudo os das assembléias são perigosos Assim as grandes assembléias são obrigadas a confiar essas questões a um número menor de pessoas e às que são mais versadas neles e em cuja fidelidade têm mais confiança Para concluir haverá alguém que concorde que se peça conselho a uma grande assembléia de conselheiros que desejem ou aceitem ocuparse com seus problemas quando se tratar de casar os seus filhos de dispor das suas terras de governar a sua casa ou de administrar o seu patrimônio privado especialmente se houver entre eles alguns que não desejem a sua prosperidade Quem quer que trate dos seus negócios com a ajuda de muitos e prudentes conselheiros consultando a cada um separadamente e no seu elemento próprio é o que deles trata melhor tal como quem usa parceiros competentes no jogo do tênis colocados nos lugares próprios Aquele que em seguida deles tratará melhor será quem usar apenas o seu próprio julgamento tal como aquele que não usa parceiro algum Mas quem nos seus negócios é levado de cá para lá por um conselho complexo que só é capaz de agir com a pluralidade de opiniões concordantes cuja execução é geralmente atrasada devido à inveja ou ao interesse pela parte discordante équem deles trata pior e é comparável a quem é levado até a bola embora por bons jogadores num carrinho de mão ou outro veículo já de si mesmo pesado e além disso é atrapalhado pelas opiniões e esforços divergentes dos que o vão empur rando e tanto mais quanto mais numerosos forem os que nele ponham as mãos e sobretudo quando entre eles existe um ou mais que deseja que ele perca o jogo E embora seja verdade que muitos olhos vêem mais do que um não deve isto ser considerado aplicável a um grande número de conselheiros a não ser quando a resolução final pertença apenas a um homem I Syn versadas Syn e 224 XXVI Das Leis Civis Caso contrário dado que muitos olhos vêem a mesma coisa em diversos planos e tendem a olhar de soslaio para o seu interesse pessoal quem deseja não falhar o alvo embora olhe àvolta com ambos os olhos quando aponta o faz sempre com um só Assim nunca uma grande república popular se conservou a não ser graças a um inimigo exterior que uniu o seu povo ou graças à reputação de algum homem eminente em seu seio ou ao conselho secreto de uns poucos ou ao medo recíproco de duas facções equivalentes mas nunca graças à consulta aberta da assembléia Quanto às repúblicas muito pequenas sejam elas populares ou monárquicas não há sabedoria humana capaz de as conservar para além do que durar a rivalidade entre os seus poderosos vizinhos CAPo XXVI Das LEIS CIVIS Entendo por LEIS CIVIS aquelas leis que os homens são obrigados a respeitar não por serem membros desta ou daquela república em particular mas por serem membros de uma república Porque o conhecimento das leis particulares é da competência dos que estudam as leis dos seus diversos países mas o conhecimento da lei civil é de caráter geral e compete a todos os homens A antiga lei de Roma era chamada a sua lei civil da palavra Civitas que significa república E os países que tendo estado submetidos ao Império Romano e governados por essas leis ainda conservam delas a parte que consideram necessária e chamaml a essa parte a lei civil para a distinguir do resto das suas próprias leis civis Mas não é disso que é meu propósito falar aqui pois não pretendo mostrar o que são as leis aqui e ali e sim o que é a lei assim como fize o que são úis civis 137 1 I Syn chamam mas é possível que seja apenas uma melhor redação 225 Parte 2 Da República o soberano é legislador ram Platão Aristóteles e Cícero e muitos outros sem que tenham adotado como profissão o estudo das leis E em primeiro lugar é evidente que a lei em geral não é um conselho mas uma ordem E também não é ordem dada por qualquer um a qualquer um pois é dada por quem se dirige a alguém já anteriormente obrigado a lhe obedecer Quanto à lei civil acrescenta esta apenas o nome da pessoa que ordena que é a persona civitatis a pessoa da república Considerado isto defino a lei civil da seguinte maneira A LEI CIVIL é para todo súdito constituída por aquelas regras que a república lhe impõe oralmente ou por escrito ou por outro sinal suficiente da sua vontade para usar como critério de distinção entre o bem e o mal isto é do que é contrário à regra Nessa definição não há nada que não seja evidente à primeira vista Pois não há ninguém que não veja que algumas leis são dirigidas a todos os súditos em geral algumas só a determinadas provincias outras a determinadas ocupações e outras a determinadas pessoas sendo portanto leis para aqueles a quem a ordem é dirigi da e para ninguém mais E também que as leis são as regras do justo e do injusto não havendo nada que seja considerado injusto e não seja contrário a alguma lei E igualmente que ninguém pode fazer leis a não ser o Estado pois a nossa sujeição é unicamente para com a república e que as ordens devem ser expressas por sinais suficientes pois de outro modo ninguém saberia como lhes obedecer Portanto tudo o que possa ser deduzido desta definição como conseqüência necessária deve ser reconhecido como verdadeiro E dela passo a deduzir o que se segue 1 Em todas as repúblicas o legislador é unicamente o soberano seja este um homem como numa monarquia ou uma assemBléia como numa democracia ou numa aristocracia Porque o legislador é aquele que faz a lei e apenas a república prescreve e ordena a observância daquelas regras a que chamamos leis Portanto a república é o único legislador Mas a república só é uma pessoa com capacidade para fazer seja o que for por meio do representante isto é o soberano portanto 226 XXVI Das Leis Civis o soberano é o único legislador Pela mesma razão ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano porque uma lei só pode ser revogada por outra lei que proiba a sua execução 2 O soberano de uma república quer seja uma assembléia ou um homem não se encontra sujeito às leis civis Como tem o poder de fazer e revogar as leis pode quando lhe aprouver libertarse dessa sujeição revogando as leis que o estorvam e fazendo outras novas por conseqüência já antes era livre Porque é livre quem pode ser livre quando quiser Além disso a ninguém é possível estar obrigado perante si mesmo pois quem pode obrigar pode libertar logo quem está obrigado apenas perante si mesmo não está obrigado 3 Quando um costume prolongado adquire a autoridade de lei não é a grande duração que lhe dá autoridade mas a vontade do soberano expressa pelo seu silêncio pois às vezes o silêncio é um argumento de aquiescência e só continua sendo lei enquanto o soberano mantiver esse silêncio Portanto se o soberano tiver um caso de direito que não se baseie na sua vontade presente e sim nas leis anteriormente feitas a passagem do tempo não trará prejuízo ao seu direito e o caso será julgado pela eqüidade Porque muitas ações injustas e senten ças injustas passam sem controle durante mais tempo do que qualquer homem pode lembrar E os nossos juristas só aceitam as leis consuetudinárias que são razoáveis e consideram necessário abolir os costumes maléficos mas a decisão sobre o que é razoável e o que deve ser abolido pertence a quem faz a lei que é a assembléia soberana ou o monarca 4 A lei de natureza e a lei civil contêmse uma à outra e têm igual alcance Porque as leis de natureza que consistem na eqüidade na justiça na gratidão e outras virtudes morais destas dependentes na condição de simples natureza conforme já disse no final do capítulo XV não são propriamente leis mas qualidades que predispõem os homens para a paz e a obediência Só depois de instituída a república elas efetivamente se tornam leis nunca antes pois passam então a ser ordens da república portanto também leis civis na medida em que é 227 E não está sujeito às leis civis 138 o costume não é lei em virtude do tempo mas apenas do consentimento do soberano i 5 A lei de natureza e a lei civil contémse uma à outra Parte 2 Da República 13 9 o poder soberano que obriga os homens a obedecerIhes Porque para declarar nas dissensões entre particulares o que éeqüidade o que é justiça e o que é virtude moral e tornáIas obrigatórias são necessárias as ordenações do poder soberano e punições estabelecidas para quem as infringir ordenações essas que portanto fazem parte da lei civil Desta forma a lei de natureza faz parte da lei civil em todas as repúblicas do mundo E também reciprocamente a lei civil faz parte dos ditames da natureza Porque a justiça quer dizer o cumprimento dos pactos e dar a cada um o que é seu é um ditame da lei de natureza Ora os súditos de uma república fizeram a promessa de obedecer à lei civil quer a tenham feito uns aos outros como quando se reúnem para escolher um represen tante comum quer cada um individualmente com o próprio representante quando subjugados pela espada prometem obediência em troca da garantia da vida portanto a obediência à lei civil também faz parte da lei de natureza A lei civil e a lei natural não são diferentes espécies mas diferentes partes da lei uma das quais é escrita e chamase civil e a outra não é escrita e chamase natural Mas o direito de natureza isto é a liberdade natural do homem pode ser limitado e restringido pela lei civil mais a finalidade das leis não é outra senão essa restrição sem a qual não será possível haver paz E não foi outra a razão pela qual a lei surgiu no mundo senão para limitar a liberdade natural dos individuos de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros e em vez disso se ajudem e se unam contra um inimigo comum 5 Se o soberano de uma república subjugar um povo que haja vivido sob outras leis escritas e posteriormente o governar através das mesmas leis pelas quais antes era governado essas leis serão não obstante as leis civis da república vencedora e não as da vencida Porque o legislador não é aquele por cuja autoridade as leis pela primeira vez foram feitas mas aquele por cuja autoridade elas continuam a ser leis Portanto quando diversas províncias são abrangidas pelo domínio de uma república e nessas províncias há uma diversidade de As leis proviruiais não são feitas pelo costume mas pelo poder soberano 228 XXVI Das Leis Civis leis às quais geralmente se chama os costumes de cada província não devemos entender que esses costumes recebem a sua força apenas da passagem do tempo Ao contrário eles eram antigamente leis escritas ou de algum outro modo dadas a conhecer para as constituições e promulgações dos seus soberanos E se agora são leis não é devido à prescrição do tempo e sim às constituições do atual soberano Mas se em todas as províncias de um domínio se verificar a observância geral de uma lei não escrita e se no seu uso não se manifestar nenhuma iniqüidade essa lei não pode ser outra coisa senão uma lei de natureza igualmente obrigatória para todos os homens 6 Dado que todas as leis escritas ou não recebem a sua força e autoridade da vontade da república quer dizer da vontade do representante que numa monarquia é o monarca e nas outras repúblicas é a assembléia soberana há lugar para perguntar de onde derivam aquelas opiniões que se encontram nos livros de eminentes juristas de várias repúblicas segundo as quais o Poder Legislativo depende diretamente ou por conseqüência de indivíduos particulares ou juízes subordinados Como por exemplo Que a lei comum só está submetida ao controle do Parlamento o que só é verdade se o Parlamento detém o poder soberano e só pode se reunir ou dissolver pela sua própria discrição Pois se outrem tiver o direito de o dissolver terá o direito de o controlar e conseqüentemente o de controlar os seus controles E caso não exista tal direito o controlador das leis não será o Parlamentum e sim o Rex in Parlamento E quando um Parlamento é soberano por mais numerosos e mais sábios que sejam os homens que reúna das regiões a ele submetidos e seja por que motivo for tal não levará ninguém a acreditar que por isso a assembléia adquiriu o poder legislativo Da mesma forma que os dois braços de uma república são a força e a justiça dos quais o primeiro é o rei e o segundo tá depositado nas mãos do Parlamento Como se fosse possível subsistir uma república em que a força estivesse em mãos que a justiça não tivesse a autoridade de comandar e governar Algumas opiniões toÚls dos juristas a respeito da criação das leis H 5 229 I 140 Sir Edw Coke sobre Littkton liv 2 capo 6 fi 97 6b Lei feita se não também feita conkcida não é lei Parte 2 Da República 7 Que a lei nunca pode ser contrária à razão é coisa com que os nossos juristas concordam bem como que não é a letra isto é cada uma das suas frases a lei e sim aquilo que é conforme à intenção do legislador Isto é verdade mas subsiste a dúvida quanto àquele cuja razão deve ser aceita como lei Não pode tratarse de nenhuma razão privada porque nesse caso haveria tantas contradições nas leis como as há nas Escolas Nem tampouco como pretende Sir Edward Coke de uma per feição artificial da razão obtida através de muito estudo observação e experiência como era a dele Porque é possível que muito estudo fortaleça e confirme sentenças errôneas e quando se constrói sobre falsos fundamentos quanto mais se constrói maior é a ruína Além disso as razões e resoluções dos que estudam e observam com igual diligência e durante tempo idêntico são e sempre serão discordantes Portanto o que faz a lei não é aquela juris prudentia ou sabedoria dos juízes subordinados mas a razão deste nosso homem artificial a república e suas ordens E sendo a república no seu representante uma só pessoa não é fácil surgir nenhuma contradição nas leis e quando tal acontece a mesma razão é capaz por interpretação ou alteração de eliminar a contradição Em todos os tribunais de justiça quem julga é o soberano que é a pessoa da república O juiz subordinado deve levar em conta a razão que levou o soberano a fazer determinada lei para que a sua sentença seja f conforme a esta e nesse caso a sentença é do soberano caso contrário é dele mesmo e é injusta 8 Partindo daqui de que a lei é uma ordem e de que uma lei consiste na declaração ou manifestação da vontade de quem ordena oralmente ou por escrito mediante outros suficientes argumentos da mesma vontade podemos compreender que a ordem da república só é lei para aqueles que têm meios para dela se informarem A lei não se aplica aos débeis naturais às crianças e aos loucos tal como não se aplica aos animais nem podem eles ser classificados como justos ou injustos pois nunca tiveram capacidade para fazer nenhum pacto ou para compreender as suas conseqüências portanto nunca acei 230 XXVI Das Leis Civis taram autorizar as ações do soberano como é necessário que façam para criar uma república Tal como aqueles a quem a natureza ou um acidente tirou a possibilidade de se informar das leis em geral também todo aquele a quem qualquer acidente que lhe não seja imputável tirou os meios para se informar de qualquer lei será desculpado quando não a observar Para falar em termos próprios para ele essa lei não é lei Tornase portanto necessário examinar aqui quais os argumentos e sinais suficientes para o conhecimento do que é a lei quer dizer do que é da vontade do soberano tanto nas monarquias como nas outras formas de governo Em primeiro lugar se for uma lei obrigatória para todos os súditos sem exceção e não estiver escrita ou de algum outro modo publicada em lugares onde se possam informar tratase de uma lei de natureza Porque tudo o que os homens conhecem como lei não pelas palavras de outros homens mas cada um através da sua própria razão deve ser válido para a razão de todos os homens o que não pode acontecer com nenhuma lei a não ser a lei de natureza Portanto as leis de natureza não precisam ser públicas nem proclamadas pois estão contidas nesta única sentença aprovada por toda gente Não faças aos outros o que não consideras razoável que seja feito por outrem a ti mesmo Em segundo lugar se for uma lei obrigatória apenas para uma determinada categoria de pessoas ou de uma determinada pessoa e não for escrita nem oralmente tornada pública tratase igualmente de uma lei de natureza e é conhecida pelos mesmos argumentos e sinais que distinguem essa categoria dos demais súditos Porque toda lei que não seja escrita ou de alguma maneira publicada por aquele que faz a lei só pode ser conhecida pela razão daquele que lhe obedece portanto é Uma lei também natural e não apenas civil Por exemplo se o soberano nomear um ministro público sem lhe dar instruções escritas sobre o que deve fazer o ministro é obrigado a tomar como instruções os ditames da razão Se nomear um juiz este deve tomar cuidado para que a sua sentença esteja de acordo 231 As leis não escritas são todas leis de natureza I I H n 5 i f I 141 I1 I I Pr73 Dt 1119 Dt 3172 Nada é lei quando o legislador não pode ser conhecido Parte 2 Da República com a razão do seu soberano e sendo esta sempre entendida como eqüidade é obrigatória para ele segundo a lei de natureza Se nomear um embaixador este deverá em todas as coisas que não constarem das suas instruções escritas tomar como instruções o que a razão lhe ditar como o mais vantajoso para os interesses do soberano e o mesmo se passa com todos os outros ministros da soberania públicos e privados Todas estas instruções da razão natural devem ser compreendidas sob o nome comum de fidelidade que é um dos ramos da justiça natural Com exceção da lei de natureza faz parte da essência de todas as outras leis serem dadas a conhecer a todos os que são obrigados a obedecerlhes quer oralmente quer por escrito ou mediante qualquer outro ato que se saiba proceder da autori dade soberana Porque a vontade de alguém só pode ser compreendida por meio das suas palavras ou atos ou então por uma conjectura feita a partir dos seus objetivos e propósitos os quais devem sempre ser considerados na pessoa da repú blica como conformes à eqüidade e à razão E nos tempos an tigos quando as letras ainda não eram de uso comum muitas vezes as leis eram postas em verso para que o povo inculto tomando prazer em cantar e recitar as pudesse mais facilmente guardar na memória Pela mesma razão Salomão aconselhou a um homem que estabelecesse uma relação entre os dez mandamentos e os seus dez dedos E Moisés quando deu a lei ao povo de Israel na renovação do pacto recomendou que a ensinassem aos seus filhos discorrendo sobre ela tanto em casa como nos caminhos tanto ao deitar como ao levantar e escre vendoa nos montantes e nas portas das suas casas e também que se reunisse o povo homens mulheres e crianças para a ouvirem ler E não basta que a lei seja escrita e publicada é preciso também que haja sinais manifestos de que ela deriva da vonta de do soberano Porque os individuos que têm ou julgam ter força suficiente para garantir os seus injustos designios e levá los em segurança até os seus ambiciosos fins podem publicar como lei o que lhes aprouver independentemente da autorida 232 XXVl Das Leis Civis de legislativa ou mesmo contra ela Portanto não basta apenas uma declaração da lei são necessários também sinais suficientes do autor e da autoridade Em todas as repúblicas supõese que esteja claro quem é o autor ou legislador pois ele é o soberano e tendo sido constituido pelo consentimento de todos devese considerar que é suficientemente conhecido por todos E embora a ignorância e ousadia da maior parte dos homens seja tal que quando se desvanece a recordação da primeira constituição de sua república deixam de levar em conta qual poder costuma defendêlos dos seus inimigos dá proteção à sua indústria e lhes garante justiça quando são ofendidos apesar disso dado que nenhum dos homens que tal levam em conta o pode colocar em dúvida não é possível alegar como desculpa a ignorância de onde reside a soberania E é um ditame da razão natural e conseqüentemente uma evidente lei de natureza que ninguém deve enfraquecer esse poder cuja proteção todos pediram ou conscientemente aceitaram contra outros Portanto ninguém pode pôr em dúvida quem é o soberano a não ser por sua própria culpa malgrado o que homens pérfidos possam sugerir A dificuldade reside na evidência da autoridade que dele deriva e a possibilidade de eliminar essa dificuldade depende de conhecimento dos registros públicos dos conselhos públicos dos mínistros públicos e dos selos públicos pelos quais todas as leis são suficientemente confirmadas Digo confirmadas não autorizadas pois a confirmação é apenas o testemunho e o registro não a autoridade da lei a qual consiste unicamente na ordem do soberano Portanto se alguém tem um caso de dano fundado na lei de natureza quer dizer da eqüidade comum a sentença do juiz que possui por delegação autoridade para examinar tais causas constitui nesse caso individual suficiente confirmação da lei de natureza Pois embora a opinião de quem professa o estudo das leis seja útil para evitar litigios tratase apenas de uma opinião é ao juiz que compete dizer aos homens o que é a lei depois de ter escutado a controvérsia Mas quando se trata de um caso de dano ou crime baseado numa lei escrita qualquer um pode se quiser ser suficien 142 I I i Diferença entre confirmadas e autorizadas A lei verifrcada pelo juiz subordinado Pelos registros públicos 233 Por cartas patentes e selo público A interpretação da lei depende do poder soberano 143 Todas as leis precisam de interpretação Parte 2 Da República temente informado mediante o recurso aos registros por si mesmo ou através de outros antes de praticar tal dano ou cometer o crime quer se trate de dano ou não Mais é isso que se deve fazer Porque quando alguém duvida se um ato que vai praticar é justo ou injusto e pode se informar se quiser o ato é ilegítimo De maneira semelhante quem se considerar vitima de dano num caso determinado pela lei escrita a qual pode por si mesmo ou através de outros ver e examinar se se queixar antes de consultar a lei fáIoá injustamente manifestando mais uma tendência para vexar os outros do que para exigir os seus direitos Se o caso for de obediência a um funcionário público constitui suficiente confirmação da sua autoridade ter visto a sua comissão para o cargo com o selo público e ouvir a sua leitura ou ter meios para dela se informar caso o queira Pois to do homem tem a obrigação de fazer todos os esforços para se informar de todas as leis escritas que possam ter relação com as ações futuras Se o legislador for conhecido e se as leis tanto por escrito como pela luz da natureza forem suficientemente publicadas mesmo assim fica faltando uma circunstância absolutamente essencial para tornáIas obrigatórias Porque a natureza da lei não consiste na letra mas na intenção ou significado isto é na autêntica interpretação da lei ou seja do que o legislador quis dizer portanto a interpretação de todas as leis depende da autoridade soberana e os intérpretes só podem ser aqueles que o soberano única pessoa a quem o súdito deve obediência venha a designar Se assim não for a astúcia do intérprete pode fazer que a lei adquira um sentido contrário ao que o soberano quis dizer e desse modo o intérprete tornarseá legislador Todas as leis escritas ou não têm necessidade de uma interpretação A lei de natureza que não é escrita embora seja fácil para aqueles que sem parcialidade ou paixão fazem uso da sua razão natural deixando portanto sem desculpa os seus violadores tornouse agora por haver poucos ou talvez nin 234 XXV Das Leis Civis guém que em alguns casos não se deixe cegar pelo amor de si ou qualquer outra paixão a mais obscura de todas as leis e conseqüentemente é a que tem mais necessidade de intérpretes capazes Quanto às leis escritas se forem breves facilmente serão mal interpretadas por causa da diversidade de significações de uma ou duas palavras se forem longas ainda serão mais obscuras devido à diversidade de significações de muitas palavras De modo que nenhuma lei escrita quer seja expressa em poucas ou em muitas palavras pode ser bem compreendida sem uma perfeita compreensão das causas finais para as quais a lei foi feita e o conhecimento dessas causas finais está com o legislador Para este portanto nenhum dos nós da lei pode ser insolúvel seja achandolhe as pontas e por ai desatandoo seja fazendo quantas pontas lhe aprouver como Alexandre fez com a sua espada ao nó górdio por meio do Poder Legislativo coisa que nenhum intérprete pode fazer Numa república a interpretação das leis de natureza não depende dos livros de filosofia moral Sem a autoridade da república a autoridade dos escritores não basta para transformar em leis as suas opiniões por mais verdadeiras que sejam Tudo o que escrevi neste tratado sobre as virtudes morais a sua necessidade para a obtenção e preservação da paz embora seja evidentemente verdadeiro não passa por isso a ser imediatamente lei Se o é é porque em todas as repúblicas do mundo faz parte das leis civis Embora seja naturalmente razoável apenas graças ao poder soberano se torna lei Caso contrário seria um grande erro chamar lei não escrita às leis de natureza sobre a qual vemos tantos volumes publicados por diversos autores com tão grande número de contradições uns dos outros ede si mesmos A interpretação da lei de natureza é a sentença do juiz constituido pela autoridade soberana para ouvir e determinar as controvérsias que nela se fundam e consiste na aplicação da lei ao caso em questão Porque no ato de judicatura o juiz não 1 Syn publicados 235 A autêntica interpretação da lei não é a dos escritores I ii 11 1 I 1I I S r f I o iatérprete da lei é o juiz que dã sentença viva voee em cada caso particular Parte 2 Da República 14 4 faz mais do que examinar se o pleito de cada uma das partes é compatível com a eqüidade e a razão natural sendo portanto a sua sentença uma interpretação da lei de natureza interpretação essa que não é autêntica por ser a sua sentença pessoal mas por ser dada pela autoridade do soberano mediante a qual ela se torna uma sentença do soberano que então se torna lei para as partes em litígio Mas como não existe nenhum juiz subordinado nem soberano que não erre num julgamento relativo à eqüidade se posteriormente em outro caso semelhante considerar mais compatível com a eqüidade proferir uma sentença contrária tem obrigação de fazêIo O erro de um homem nunca se torna a sua própria lei nem o obriga a nele persistir Tampouco pela mesma razão se torna lei para outros juízes mesmo que tenham jurado seguilo Pois embora uma sentença errada dada pela autoridade do soberano caso ela a conheça e autorize nas leis que são mutáveis seja constituição de uma nova lei para os casos em que todas as mais diminutas circunstâncias sejam idênticas nas leis imutáveis como as leis de natureza tal sentença não se torna lei para o mesmo ou outros juízes nos casos semelhantes que a partir de então possam ocorrer Os príncipes sucedemse uns e outros e um juiz passa e outro vem mais o céu e a terra passarão mas nem um artigo da lei de natureza passará porque ela é a eterna lei de Deus Portanto mesmo todas as sentenças juntas de todos os juízes que já existiram são incapazes de fazer uma lei contrária à eqüidade natural E nem todos os exemplos dos juízes anteriores chegam para justificar uma sentença irracional ou para dispensar um juiz do esforço de estudar o que é a eqüidade quanto ao caso que vai julgar com base nos princípios da sua própria razão natural Por exemplo é contrário à lei de natureza castigar os inocentes e inocente é aquele que é absolvido judicialmente e reconhecido como inocente pelo juiz Suponhamos então que um homem é acusado de um crime capital e à vista do poder e malícia de algum inimigo e da freqüente corrupção e parcialidade dos juí zes foge com medo de ser condenado Se posteriormente for A senteTlfa de um juiz não o obriga nem aos outros juizes a dar a mesma senteTlfa em todos os casos subseqüentes 236 XXVI Das Leis Civis apanhado e levado a julgamento legal e mostrar claramente que não é culpado do crime sendo ele absolvido e não obstan te for condenado à perda dos seus bens tratase de manifesta condenação de um inocente Concluo assim que não há nenhum lugar no mundo onde isto possa ser considerado uma interpretação da lei de natureza ou possa ser tornado lei pelas sentenças de juízes anteriores que hajam feito o mesmo Pois aquele que julgou primeiro o fez injustamente e nenhuma injustiça pode servir de padrão para o julgamento dos juízes posteriores Pode haver uma lei escrita que proíba os inocen tes de fugir e eles podem ser punidos se fugirem Mas que fugir por medo a sofrer dano seja tomado como umal presunção de culpa depois de alguém já ter sido judicialmente absolvido do crime é contrário à natureza da presunção que não pode ter lugar depois de feito o julgamento No entanto isso é considerado a lei comum da Inglaterra por um grande jurista2 Se um homem diz ele que é inocente for acusado de um crime e fugir com medo da acusação embora seja judicialmente absolvido do crime deverá mal grado a sua inocência perder todas as suas posses bens móveis dívidas e cargos Porque quanto ao confISco destes a lei não admite prova contra a presunção legal baseada na sua fuga Vemos aqui um inocen te judicialmente absolvido malgrado a sua inocência quando nenhu ma lei escrita o proibia de fugir depois da absolvição com base numa presunção legal ser condenado à perda de todos os seus bens Se a lei basear na sua fuga uma presunção do fato que era capital a sentença também deverá ser capital se a presunção não fosse do fato por que deveria ele perder os seus bens Portanto isto não é nenhuma lei da Inglaterra e a condenação não se baseia numa presunção legal e sim numa presunção dos juízes Também é contra a lei dizer que não pode ser admitida prova contra uma presunção legal Porque qualquer juiz seja soberano ou subordinado que se recusar ouvir as provas estará recusando fazer justiça Pois mesmo que a sentença seja justa os juízes que condenam sem ouvir as provas apresentadas são i 145 1 Syn como 2 isto é Edward Coke ver as notas biográficas 237 Parte 2 Da República A difererua entre a letra e a sentença da lei juízes injustos e a sua presunção é apenas preconceito o que ninguém deve levar consigo para a sede da justiça sejam quais forem os julgamentos ou exemplos precedentes que se pretenda estar seguindo Há outros casos desta natureza em que os julgamentos foram pervertidos por seguirem precedentes mas isto é suficiente para mostrar que embora a sentença do juiz seja lei para as partes litigantes não é lei para nenhum dos juízes que lhe venham a suceder no cargo De maneira semelhante quando é posto em questão o significado das leis escritas quem escreve um comentário delas não pode ser considerado seu intérprete Porque em geral os comentários estão mais sujeitos a chicanas do que o texto suscitando novos comentários e assim tal interpretação nunca teria fim Portanto a não ser que haja um intérprete autorizado pelo soberano do qual os juízes subordinados não podem divergir os intérpretes não podem ser outros senão os juízes comuns do mesmo modo que o são no caso da lei não escrita E as suas sentenças devem ser tomadas pelos litigantes como leis para aquele caso particular porém não obrigam outros juízes a dar sentenças idênticas em casos idênticos Porque é possível um juiz errar na interpretação mesmo das leis escritas mas nenhum erro de um juiz subordinado pode mudar a lei que é a sentença geral do soberano No caso das leis escritas é costume estabelecer uma diferença entre a letra e a sentença da lei Quando por letra se entende tudo o que se possa inferir das meras palavras a distinção é correta Porque a significação de quase todas as palavras quer em si mesmas quer no seu uso metafórico é ambígua e na argumentação podem adquirir muitos sentidos mas na lei há apenas um sentido No entanto se por letra se entender o sentido literal nesse caso não pode haver distinção entre a letra e a sentença ou intenção da lei Porque o sentido literal é aquele que o legislador pretendia que pela letra da lei fosse significado Ora supõese que a intenção do legislador é sempre a eqüidade pois seria grande contumélia que um juiz pensasse de maneira diferente do soberano Portanto ele deve caso as 238 XXVI Das Leis Civis palavras da lei não autorizem plenamente uma sentença razoável supriIa com a lei de natureza ou então se o caso for difícil suspender o julgamento até receber mais ampla autoridade Suponhamos que uma lei escrita ordene que aquele que for expulso da sua casa à força deva ser a ela restituído pela força e aconteça que por descuido alguém deixe a sua casa vazia e ao voltar seja impedido de entrar pela força caso para o qual não foi estabelecida uma lei especial É evidente que este caso é abrangido pela mesma lei senão não poderia haver nenhuma epécie de solução para ele o que deve ser considerado contrário à intenção do legislador Mais ainda a palavra da lei ordena que se julgue de acordo com a prova Suponhamos agora que alguém é acusado falsamente de uma ação que o próprio juiz viu ser cometida por outro e não por aquele que está sendo acusado Neste caso nem a letra da lei deve ser seguida de maneira que condene um inocente nem o juiz deve dar a sua sentença contra a prova testemunhal porque a letra da lei diz o inverso Pelo contrário deve solicitar do soberano que nomeie outro juiz e que ele próprio seja testemunha De modo que o inconveniente resultante das meras palavras de uma lei escrita pode remeter o juiz para a intenção da lei a fim de a interpretar melhor mas não há inconveniente que possa justificar uma sentença contrária à lei Porque o juiz do certo e do errado não é juiz do que é conveniente ou inconveniente para a república As aptidões necessárias a um bom intérprete da lei quer dizer a um bom juiz não são as mesmas de um advogado a saber o estudo das leis Porque um juiz assim como deve tomar conhecimento dos fatos exclusivamente pelas testemunhas também não deve tomar conhecimento da lei por intermédio de nada que não sejam as promulgações e constituições do soberano alegados no pleito ou a ele declarados por alguém autorizado pelo poder soberano a declaráIos E não precisa se preocupar antecipadamente com o que vai julgar por I Syn a palavra 239 146 J 51 I J Aptidões TUcessários a um juiz J Parte 2 Da República 14 7J que o que deverá dizer relativamente aos fatos serIheá dado pelas testemunhas e o que deverá dizer em matéria de lei serlheá dado por aqueles que nas suas alegações o mostrarem o que por autoridade interpretará no próprio local Os lordes do Parlamento da Inglaterra eram juizes e causas muito difíceis foram ouvidas e decididas por eles mas poucos eram bastante versados no estudo das leis e menos ainda eram os que disso faziam profissão Embora consultassem juristas nomeados para estarem presentes para esse fim só eles tinham autoridade para dar sentenças De maneira semelhante nos julgamentos de direito comum os juizes são doze homens do povo que dão sentença não apenas de fato mas também de direito e pronunciam se simplesmente pelo queixoso ou pelo acusado quer dizer são juizes não apenas do fato mas também do direito e num caso criminal não se limitam a determinar se o crime foi ou não praticado mas também se se tratou de assassinato homicídio felonia assalto e coisas semelhantes que são determinações da lei Mas como não se supõe que eles próprios conheçam a lei há alguém com autoridade para os informar dela em cujo caso particular deverão ser juizes Mas no caso de não julgarem em conformidade com o que ele lhes diz não ficam sujeitos a nenhuma penalidade a não ser que se torne patente que o fizeram contra as suas consciências ou que foram corrompidos por qualquer suborno As coisas que fazem um bom juiz ou um bom intérprete da lei são em primeiro lugar uma correta compreensão daquela lei principal de natureza a que se chama eqüidade a qual não depende da leitura das obras de outros homens mas apenas da sanidade da própria razão e meditação natural de cada um e portanto devese presumir existir em maior grau nos que têm maior oportunidade e maior inclinação para sobre ela meditarem Em segundo lugar o desprezo pelas riquezas desnecessárias e pelas preferências Em terceiro ser capaz no julgamento de se despir de todo o medo raiva ódio amor e compaixão Em quarto e último lugar paciência para ouvir atenção diligente ao ouvir e memória para reter digerir e aplicar o que se ouviu 240 XXVI Das Leis Civis A diferença e divisão das leis foi feita de diversas maneiras conforme os diferentes métodos daqueles que escreveram sobre elas Pois tratase de uma coisa que não se funda na natureza mas na perspectiva do autor e depende do método peculiar a cada um Nas Instituições deJustiniano encontramos sete espécies de leis civis 1 Os éditos constituições e epístolas do principe isto é do imperador porque todo o poder do povo residia nele São semelhantes a estes as proclamações dos reis da Inglaterra 2 Os decretos de todo o povo de Roma incluindo o Senado quando eram postos em discussão pelo Senado Inicialmente estes eram leis em virtude do poder soberano que residia no povo e os que não foram revogados pelos imperadores continuaram a ser leis pela autoridade imperial Pois entendese que todas as leis obrigatórias são leis em virtude da autoridade de quem tem poder para as revogar De certo modo semelhantes a estas leis são as leis do Parlamento da Inglaterra 3 Os decretos do povo comum excluindo o Senado quando eram postos em discussão pelos tribunos do povo Os que não foram revogados pelo imperador continuaram sendo leis pela autoridade imperiaL Eram semelhantes a estes as ordens da Câmara dos Comuns na Inglaterra 4 Senatus consulta as ordens do Senado Porque quando o povo de Roma se tornou demasiado numeroso para poder se reunir sem inconveniente o imperador considerou preferivel que se consultasse o Senado em vez do povo Estas têm alguma semelhança com os atos de conselho 5 Os éditos dos pretores e em alguns casos os dos edís tais como os dos juizes supremos nos tribunais da Inglaterra 6 Responsa prudentum que eram as sentenças e opiniões dos juristas a quem o imperador autorizou a interpretar a lei e a responder a todos quantos em matéria de lei pediam o seu conselho Essas respostas os juizes ao proferirem as suas sentenças eram obrigados a respeitar pelas constituições do imperador Seriam semelhantes aos pareceres de casos julgados se pelas leis da Inglaterra outros juizes fossem obrigados a res Divisões da lei I L 24 1 Parte 2 Da República 148 peitálas Porque os juízes da lei comum na Inglaterra não são propriamente juízes mas juris consulti aos quais tanto os lordes como os doze homens do povo são obrigados pela lei a pedir conselho 7 Finalmente os costumes não escritos que são por natureza uma imitação da lei são autênticas leis pelo consentimento tácito do imperador caso não sejam contrários à lei de natureza Outra maneira de dividir as leis é em naturais e positivas As naturais são as que têm sido leis desde toda a eternidade e não são apenas chamadas naturais mas também leis morais Consistem nas virtudes morais como a justiça a eqüidade e todos os hábitos de espírito propícios à paz e à caridade dos quais já falei nos capítulos XIV e xv As positivas são as que não existem desde toda a eternidade e foram tornadas leis pela vontade daqueles que tiveram o poder soberano sobre outros Podem ser escritas ou então dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade do seu legislador Além disso das leis positivas umas são humanas e outras divinas e das leis positivas humanas umas são distributivas e outras penais As distributivas são as que determinam os direitos dos súditos declarando a cada um por meio do que adquire e conserva a propriedade de terras ou bens e um direito ou liberdade de ação estas leis são dirigidas a todos os súditos As penais são as que declaram qual penalidade deve ser infligida àqueles que violam a lei e são dirigidas aos ministros e funcionários encarregados da execução das leis Porque embora todos devam ser informados das penas previstas para as suas transgressões a ordem não se dirige ao delinqüente do qual não se pode esperar que conscientemente se castigue a si próprio mas aos ministros públicos encarregados de mandar executar a penalidade Estas leis penais são na sua maioria escritas juntamente com as leis distributivas e por vezes são chamadas julgamentos Porque todas as leis são julgamentos ou sentenças gerais do legislador tal como cada julgamento particular é uma lei para aquele cujo caso é julgado Outra divisão da lei 242 I XXV7 Das Leis Civis As leis positivas divinas pois sendo as leis naturais eternas e universais são todas elas divinas são as que sendo os mandamentos de Deus não desde toda a eternidade nem universalmente dirigidas a todos os homens mas apenas a um determinado povo ou a determinadas pessoas são declaradas como tais por aqueles a quem Deus autorizou a assim os declarar Mas como pode ser conhecida esta autoridade do homem para declarar quais são essas leis positivas de Deus Deus pode ordenar a um homem por meios sobrenaturais que comunique leis aos outros homens Mas como faz parte da essência da lei que aquele que se tornar obrigado receba garantias da autoridade de quem lho declara e não podemos naturalmente nos informar de que isso provém de Deus como é possível sem revelação sobrenatura ter a garantia da revelação recebida pelo declarante e como é possível terse a obrigação de lhe obedecer Quanto à primeira pergunta é evidentemente impossível alguém ter a garantia da revelação feita a outrem sem receber uma revelação feita particularmente a si próprio Mesmo que alguém seja levado a acreditar em tal revelação graças aos milagres que vê o outro fazer ou à extraordinária santidade da sua vida ou por ver a extraordinária sabedoria ou o extraordinário sucesso das suas ações essas não são provas garantidas de uma revelação especial Os milagres são feitos maravilhosos mas o que é maravilhoso para um pode não sêlo para outro A santidade pode ser fingida e os sucessos visíveis deste mundo são as mais das vezes obra de Deus por meio de causas naturais e vulgares Portanto ninguém pode infalivelmente saber pela razão natural que alguém recebeu uma revelação sobrenatural da vontade de Deus pode apenas ter uma crença e conforme os seus sinais pareçam maiores ou menores uma crença mais firme ou uma crença mais fraca Quanto à segunda pergunta como podemos adquirir a obrigação de lhe obedecer já não é tão difícil Porque se a lei declarada não for contrária à lei de natureza a qual é indubitavelmente a lei de Deus e alguém se esforçar por lhe obedecer esse alguém é obrigado pelo seu próprio ato obrigado a obedecerlhe não obrigado a acreditar nela Porque as crenças e cogi 243 Como se sabe que as leis positivas divinas são leis I I I 5 r 149J Parte 2 Da República Gn 77 70 tações interiores dos homens não estão sujeitas aos mandamentos mas apenas à operação de Deus ordinária e extraordinária A fé na lei sobrenatural não é um cumprimento mas apenas um assentimento a essa lei e não é um dever que oferecemos a Deus mas um dom que Deus faz livremente a quem lhe aprazo Do mesmo modo a incredulidade também não é uma infração de nenhuma das suas leis mas uma rejeição de todas elas exceto as leis naturais Mas isto que digo ficará mais claro com os exemplos e testemunhos das Sagradas Escrituras relativos a este ponto O pacto que Deus fez com Abraão de maneira sobrenatural dizia o seguinte Este é o pacto que deves observar entre mim e ti e tua semente depois de ti A semente de Abraão não teve essa revelação nem sequer ainda existia mas participou do pacto ficando obrigada a obedecer o que Abraão lhes apresentasse como lei de Deus Isso só foi possível em virtude da obediência que deviam aos seus pais os quais se não estiverem sujeitos a nenhum outro poder terreno como era o caso de Abraão têm poder soberano sobre os seus filhos e servos Além disso quando Deus disse a Abraão Em ti serão abençoadas todas as nações da Terra pois sei que ordenarás aos teus filhos e à tua casa que continuem depois de ti a seguir a via do Senhor e a observar a retidão e o julgamento é evidente que a obediência da sua família que não teve nenhuma revelação dependia da obrigação anterior de obedecer ao seu soberano No monte Sinai sóMoisés subiu até Deus O povo foi proibido de se aproximar sob pena de morte e mesmo assim foi obrigado a obedecer a tudo quanto Moisés lhe apresentasse como lei de Deus Com que fundamento a não ser a sua própria submissão podiam dizer Fala nos e nós te ouviremos mas que Deus não nos fale senão morreremos Estas duas passagens mostram suficientemente que numa re pública os súditos que não tenham recebido uma revelação segura e certa relativamente à vontade de Deus feita pessoalmente a cada um deles devem obedecer como tais às ordens da república Porque se os homens tivessem a liberdade de tomar por mandamentos de Deus os seus próprios sonhos e fantasias ou os sonhos e fantasias de determinados indivíduos dificilmen 244 XXVI Das Leis Civis te haveria dois homens capazes de concordar quanto ao que são os mandamentos de Deus e além disso por respeito a eles todos desprezariam os mandamentos da república Concluo portanto que em tudo o que não seja contrário à lei moral quer dizer à lei de natureza todos os súditos são obrigados a obedecer como lei divina ao que como tal for declarado pelas leis da república Isso é evidente para a razão de qualquer homem pois tudo o que não for contrário à lei de natureza pode ser tornado lei em nome dos detentores do poder soberano e não há razão para que seja menos obrigatório obedecerlhe quando é proposta em nome de Deus Além do mais não há lugar algum no mundo onde seja permitido aceitar como mandamento de Deus o que não seja declarado como tal pela república Os Estados cristãos castigam os que se rebelam contra a religião cristã assim como todos os outros Estados castigam os que aderem a qualquer religiao por eles proibida Pois em tudo o que não for regulado pela república é conforme à eqüidade que é a lei de natureza e portanto uma eterna lei de Deus que cada um desfrute igualmente da sua liberdade Há ainda uma outra distinção de leis entre as fundamentais e as nãofundamentais mas nunca consegui ver em autor algum o que significa lei fundamental Ainda assim é possível estabelecer sob este aspecto uma distinção razoável entre leis Em cada república lei fundamental é aquela que se eliminada a república é destruída e irremediavelmente dissolvida como um edifício cujos alicerces se arruínam Portanto lei fundamental é aquela pela qual os súditos são obrigados a apoiar qualquer poder que seja conferido ao soberano quer se trate de um monarca ou de uma assembléia soberana sem o qual a república não poderia subsistir como é o caso do poder da guerra e da paz o da judicatura o da designação dos funcionários e o de fazer o que considerar necessário para o bem público Uma lei nãofundamental é aquela cuja revogação não acarreta a dissolução da república como é o caso das leis rela 150 Outra divisão das leis 5 I O que é uma lei fundamental I Syn é mandamento de Deus 245 Parte 2 Da República Diferença entre lei e direito tivas às controvérsias entre súditos E é tudo quanto à divisão das leis Penso que as expressões lex civilis e jus civile quer dizer lei e direito civil são usadas promiscuamente para designar a mesma coisa mesmo entre os mais doutos autores e não deveria ser assim Porque direito é liberdade nomeadamente a liberdade que a lei civil nos permite e a lei civil é uma obrigação que nos priva da liberdade que a lei de natureza nos deu A natureza deu a cada homem o direito de se proteger com a sua própria força e o de invadir um vizinho suspeito a título preventivo e a lei civil tira essa liberdade em todos os casos em que a proteção da lei pode ser imposta de modo seguro Nessa medida lex e jus são tão diferentes como obrigação e liberdade De maneira semelhante as leis e as cartas são promiscuamente tomadas pela mesma coisa Mas as cartas são doações do soberano e não são leis mas isenções da lei Os termos usados na lei são jubeo injungo mando e ordeno e os termos usados numa carta são dedi concessi dei e concedi Ora o que é dado e concedido a um homem não lhe é imposto por uma lei Uma lei pode ser obrigatória para todos os súditos de uma república mas uma liberdade ou carta destinase apenas a uma pessoa ou apenas a uma parte do povo Porque dizer que todo o povo de uma república tem liberdade em determinado caso é o mesmo que dizer que para tal caso não foi feita lei alguma ou então que se o foi já está revogada E entre uma lei e uma carta 151 CAP XXVII Dos CRIMES DESCULPAS e ATENUANTES o que i pecado Um pecado não é apenas uma transgressão da lei é também qualquer manifestação de desprezo pelo legislador Porque um tal desprezo é uma violação de todas as leis ao mesmo 246 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes tempo Pode portanto consistir além da perpetração de um ato oU do pronunciar de palavras proibidas pela lei ou da omissão do que a lei ordena também na intenção ou propósito de trans gredir Porque o propósito de infringir a lei manifesta um certo grau de desprezo por aquele a quem compete mandáIa executar Deliciarse apenas na imaginação com a idéia de possuir os bens os serviçais ou a mulher de um outro sem nenhuma intenção de lhos tirar pela força ou pela fraude não constitui infração da lei que diz Não cobiçarás Também não é pecado o prazer que se pode ter ao imaginar ou sonhar com a morte de alguém de cuja vida não se pode esperar mais do que prejuí zo e desprazer só o é a resolução de executar qualquer ato que a tal tenda Porque sentir prazer com a ficção daquilo que agradaria se fosse real é uma paixão tão inerente à natureza tanto do homem como das outras criaturas vivas que fazer disso um pecado seria o mesmo que considerar pecado serse um ho mem Levando isto em conta considero excessivamente severos tanto para si próprios como para os outros os que susten tam que os primeiros movimentos do espírito são pecados embora reprimidos pelo temor a Deus Mas reconheço que é mais seguro errar desse lado do que errar do outro Um CRIME é um pecado que consiste em cometer por atos ou palavras algo que a lei proíbe ou em omitirse de algo que ela ordena Assim todo crime é um pecado mas nem todo pecado é um crime A intenção de roubar ou matar é um pecado mesmo que nunca se manifeste em palavras ou atos porque Deus que vê os pensamentos dos homens pode culpáIos por eles Mas antes de aparecer por meio de alguma coisa feita ou dita em que um juiz humano possa descobrir a intenção não se pode falar em crime Tal distinção os gregos já havi am observado nas palavras afJápCTJla eyclrllla ou anía das quais a primeira que se traduz por pecado significava qualquer espécie de desvio da lei e as duas últimas que se traduzem por crime significavam apenas o pecado do qual um homem pode acusar outro Ora não há lugar para acusação humana de intenções que nunca se tornam visíveis em ações exteriores De o que i crime 247 Parte 2 Da República Quando nâo há lei civil não há crime 152 maneira semelhante os latinos com a palavra peccatum pecado designavam toda espécie de desvio em relação à lei e com a palavra crimen derivada de cemo que significava perceber designavam apenas os pecados que podem ser apresentados perante um juiz e portanto não são simples intenções Destas relações entre o pecado e a lei e entre o crime e a lei civil pode inferirse em primeiro lugar que quando acaba a lei acaba também o pecado Mas como a lei de natureza é eterna a violação dos pactos a arrogância a ingratidão e todos os atos contrários a qualquer virtude moral nunca podem deixar de ser pecados Em segundo lugar onde acaba a lei civil acaba também o crime pois na ausência de qualquer lei que não seja a lei de natureza deixa de haver lugar para acusação sendo cada homem seu próprio juiz acusado apenas pela sua própria consciência e desculpado pela retidão das suas próprias intenções Portanto se há reta intenção o ato não é pecado e no caso contrário o ato é pecado mas não é crime Em terceiro lugar quando não há mais poder soberano também não há mais crime pois quando não há tal poder não é possível conseguir a proteção da lei e então cada um podese proteger com o seu próprio poder Porque no momento da instituição do poder soberano não se pode supor que alguém renuncie ao direito de preservar o seu próprio corpo para cuja segurança foi estabelecida a soberania Mas isto devese aplicar apenas aos que não contribuíram pessoalmente para a derrubada do poder que os protegia já que isto foi um crime desde o início A fonte de todo crime é algum defeito do entendimento ou algum erro de raciocínio ou alguma brusca força das paixões O defeito de entendimento é ignorância e o de raciocínio é opinião errônea Além disso a ignorância pode ser de três espécies da lei do soberano e da pena A ignorância da lei de natureza não pode ser desculpa para ninguém pois deve suporse que todo o homem capaz de usar a razão sabe que não deve fazer aos outros o que jamais faria a si mesmo Portanto seja onde for que alguém se encontre tudo o que fizer contra esta lei será um crime Se alguém vier das Índias para o nosso país A ignorância da lei de natureza não desculpa ninguém 248 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes e persuadir os homens daqui a aceitar uma nova religião ou lhes ensinar qualquer coisa que tenda à desobediência das leis deste país mesmo que esteja perfeitamente persuadido da verdade do que ensina estará cometendo um crime e pode ser justamente punido por ele não apenas porque a sua doutrina éfalsa mas também por estar fazendo uma coisa que não aprovaria em outrem a saber que partindo daqui procure modificar lá a religião Mas a ignorância da lei civil serve de desculpa a quem se encontrar num país estranho até que ela lhe seja decla rada pois até esse momento nenhuma lei civil é obrigatória De maneira semelhante se a lei civil do próprio país não for suficientemente declarada a um homem de modo que ele a possa conhecer se quiser e se a ação não for contrária à lei de natureza a ignorância é uma desculpa razoável Nos outros casos a ignorância da lei civil não constitui desculpa A ignorância do poder soberano no país de residência habitual de um homem não o desculpa pois ele tem a obrigação de saber qual é o poder pelo qual lá tem sido protegido A ignorância da pena quando a lei é declarada não é desculpa para ninguém Pois quem infringir uma lei a qual sem o medo de uma pena disso resultante não seria uma lei mas palavras vãs estará submetido à pena mesmo que não saiba qual é porque quem pratica voluntariamente uma ação aceita todas as conseqüências conhecidas dessa ação Ora em qualquer república a punição é uma conseqüência conhecida da violação das leis e se essa punição já estiver determinada pela lei é a ela que se está submetido caso contrário se está sujeito a uma punição arbitrária Pois manda a razão que quem pratica dano sem outra limitação a não ser a da sua própria vontade sofra punição sem outra limitação a não ser a vontade daquele cuja lei foi violada Mas quando a pena está associada ao crime na própria lei ou quando ela costuma ser aplicada em casos semelhantes o delinqüente fica desculpado de uma pena maíor Pois o castigo conhecido de antemão se não for suficientemente gran I Syn se não 249 A ignorância da lei civil desculpa às vezes A ignorância do soberano não desculPa 1 A ignorância da pena não desculpa 153 Castigos declarados antes do ato desculPam de maiores castigos depois dek J Parte 2 Da República Nada pode ser tornado crime por uma lei ftita depois do fàto de para dissuadir da ação constitui um convite a esta ação Pois quando alguém compara o benefício tirado da sua injustiça com o prejuízo decorrente do castigo escolhe por necessidade da natureza o que lhe parece melhor para si mesmo Portanto quando sofre uma punição maior do que a prevista pela lei ou maior do que outros sofreram pelo mesmo crime foi a lei que o tentou e o enganou Nenhuma lei feita depois de praticado um ato pode transformar este num crime pois se o ato for contrário à lei de natureza a lei existe antes do ato e uma lei positiva não pode ser conhecida antes de ser feita portanto não pode ser obrigatória Mas quando a lei que proíbe o ato é feita antes de este ser praticado quem praticou o ato está sujeito à pena estabelecida posteriormente caso já não seja conhecida uma pena menor por escrito ou pelo exemplo pela razão imediatamente antes apresentada Por defeito de raciocínio quer dizer por erro os homens se dispõem a violar as leis de três maneiras Em primeiro lugar por presunção de falsos princípios Por exemplo observando que em todos os lugares e em todas as épocas ações injustas foram autorizadas pela força e as vitórias dos que as praticaram e que quando os poderosos conseguem abrir caminho entre o emaranhado das leis do seu país são só os mais fracos ou os que falharam nos seus empreendimentos que são considerados criminosos passam a derivar o seu raciocínio dos seguintes princípios e fundamentos que a justiça não passa de uma palavra vã que tudo o que um homem consiga adquirir pela sua indús tria ou pela sorte lhe pertence que a prática de todas as nações não pode ser injusta que os exemplos de éPocas anteriores são bons argumentos para voltar a fazer o mesmo e muitos outros da mesma espécie Se tais princípios forem aceitos nenhum ato poderá ser por si só um crime mas terá que ser tornado tal não pela lei mas pelo sucesso de quem o comete E o mesmo ato poderá ser virtuoso ou vicioso conforme à fortuna aprouver de modo que o que Mário torna um crime Sila poderá tornar meritórío e César supondo que as leis não mudem poderá transformar outra vez Os fàlsos princípios do certo e do errado são causas do crime 250 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes num crime provocando a perpétua perturbação da paz da república Em segundo lugar por falsos mestres que deturpam a lei de natureza tornandoa incompatível com a lei civil ou então ensinam leis e doutrinas de sua autoria ou tradições de tempos anteriores que são incompatíveis com o dever de um súdito Em terceiro lugar por inferências erradas feitas de princípios verdadeiros Isso acontece geralmente aos que são apressados e precipitados em concluir e decidir o que fazer como os que ao mesmo tempo têm em alta conta o seu próprio entendimento e estão convencidos de que coisas desta natureza não exigem tempo de estudo bastando a simples experiência e um bom talento natural coisas de que ninguém se considera desprovido enquanto por outro lado ninguém aspira ao conhecimento do bem e do mal que não é de menor dificuldade sem grandes e prolongados estudos E não há nenhum desses defeitos de raciocínio capaz de desculpar um crime embora alguns possam servir de atenuantes a quem pretende poder administrar os seus negócios pessoais e muito menos a quem desempenha um cargo público Porque nesses casos pretendese dotado de razão e só a falta desta poderia servir de fundamento para a desculpa Das paixões que mais freqüentemente se tornam causas do crime uma é a vanglória isto é o insensato sobrestimar do próprio valor Como se a diferença de valor fosse efeito do talento da riqueza ou do sangue ou de qualquer outra qualidade natural sem depender da vontade dos que detêm a autoridade soberana Daí deriva a presunção de que as punições ordenadas pelas leis e geralmente aplicáveis a todos os súditos não deveriam ser infligi das a alguns com o mesmo rigor com que são infligidas aos homens pobres obscuros e simples abrangidos pela designação de vulgo Assim acontece muito que os que se avaliam pela importância da sua fortuna se aventuram a praticar crimes com a esperança de escapar ao castigo mediante a corrupção da justiça pública ou a obtenção do perdão em troca de dinheiro ou outras recompensas 251 Falsos mestres deturpam a lei IÚ natureza 154 E inferêncías falsas tiradas pelos mestres de princiPios verdadeiros Pelas suas paixões Presunção IÚ riqueza Parte 2 Da República E amigos E também os que têm multidões de parentes poderosos assim corno os homens populares que adquiriram boa reputação junto à multidão adquirem coragem para violar as leis devido à esperança de dominar o poder ao qual compete mandáIas executar E também os que têm urna grande e falsa opinião da sua própria sabedoria se atrevem a repreender as ações e a pôr em questão a autoridade dos que os governam transtornando as leis com o seu discurso público tentando fazer que só seja crime o que os seus próprios designios exigem que o seja Também acontece a eles terem tendência para todos os crimes que dependem da astúcia e da capacidade de enganar o próximo pois imaginam que os seus desígnios são demasiado sutis para serem percebidos São estes os que considero os efeitos de urna falsa presunção da sabedoria própria Porque dos que são os primeiros instigadores da perturbação da república o que nunca pode ocorrer sem guerra civil muito poucos serão os que viverão o bastante para assistir ao triunfo dos seus novos desígnios De modo que os seus crimes redundam em benefício da posteridade e da maneira que menos teriam desejado o que prova que não eram tão sábios corno pensavam E aqueles que enganam com a esperança de não serem descobertos geralmente enganamse a si mesmos as trevas em que pensam estar escondidos não são mais do que a sua própria cegueira e não são mais sábios do que as crianças que pensam esconderse quando tapam os seus próprios olhos De maneira geral todos os homens cheios de vanglória a não ser que sejam inteiramente timoratos estão sujeitos à ira pois têm mais tendência do que os outros para interpretar corno desprezo a normal liberdade de convivência E poucos são os crimes que não podem ser resultado da ira Quanto às paixões do ódio da concupiscência da ambição e da cobiça é tão óbvio quais são os crimes capazes de produzir para a experiência e entendimento de qualquer um que nada é preciso dizer sobre eles a não ser que são doenças tão inerentes à natureza tanto do homem corno de todas as Sabedori a 155 6dio cpisdncUz ambição são causas do crime 252 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes outras criaturas vivas que os seus efeitos só podem ser evitados por um extraordinário uso da razão ou por urna constante severidade no seu castigo Porque em todas as coisas que odeiam os homens encontram um constante e inevitável incômodo perante o qual a paciência de cada um precisa ser ines gotável ou então é preciso encontrar alivio na eliminação do poder que causa o incômodo A primeira solução é difícil e a segunda muitas vezes é impossível sem alguma violação da lei Além disso a ambição e a cobiça são paixões que exercem continuamente a sua pressão e influência ao passo que a razão não se encontra continuamente presente para lhes resistir Assim sempre que surge a esperança de impunidade verificamse os seus efeitos Quanto à concupiscência o que lhe falta em continuidade sobralhe em veemência que é suficiente para dissipar o receio de castigos leves e incertos De todas as paixões a que menos faz os homens tender a violar as leis é o medo Mais excetuando algumas naturezas generosas é a única coisa que leva os homens a respeitáIas quando a violação das leis não parece poder dar lucro ou prazer Apesar disso em muitos casos o medo pode levar a cometer um crime Porque não é qualquer espécie de medo que justifica a ação que produz mas apenas o medo de sofrimento corporal a que se chama medo físico do qual não se possa ver corno se livrar a não ser através dessa ação Um homem é atacado teme urna morte imediata e não vê maneira de escapar senão ferindo quem o ataca logo se o ferir de morte não há crime Porque não se supõe que ninguém ao criar urna república haja renunciado à defesa da sua vida e dos seus membros quando não há tempo para a lei vir em seu auxílio Mas matar um homem porque por seus atos ou ameaças posso concluir que ele me matará quando puder é um crime considerando que disponho de tempo e de meios para pedir proteção ao poder soberano Além disso se alguém sofre palavras desagradáveis ou algumas pequenas injúrias para as quais os que fizeram as leis não previram castigo nem acharam que vales 253 Por vezes o medo é causa do crime como qUllndo o perigo não está presente nem é corpóreo 1 H i f i J Parte 2 Da República 15 6 se a pena um homem no uso da razão leváIas em conta e tem medo caso não se vingue de se tornar objeto de desprezo ficando conseqüentemente sujeito a receber de outros idênti cas injúrias e para evitar isto viola a lei protegendose a si mesmo para o futuro pelo terror da sua vingança privada neste caso tratase de um crime Porque o prejuízo não é corpóreo e sim imagínário e embora neste rincão do mundo seja considerado intolerável à luz de um costume iniciado não há muitos anos entre homens jovens e vaidosos tão insignificante que um homem corajoso e seguro da sua própria coragem não pode leváIo a sério Pode acontecer ainda que um homem tenha medo dos espíritos seja devido à sua própria superstição ou a ter dado excessivo crédito a outros homens que lhe falem de estranhos sonhos e visões É levado então a acreditar que esses espíritos lhe causarão dano se fizer ou omitir diversas coisas cuja prática ou omissão seja contrária às leis Aquilo que nestas condições é feito ou omitido não pode ser desculpado por esse medo e é um crime Porque conforme já mostrei no capítulo II os sonhos são naturalmente apenas as fantasias que perduram durante o sono derivadas das impressões recebidas pelos sentidos em estado de vigília e quando por qualquer acaso não se tem a certeza de ter dormido parecem verdadeiras visões Assim quem violar a lei baseandose nos seus próprios sonhos e pretensas visões ou nos de outrem ou numa fantasia do poder dos espíritos invisíveis diferente da que é permitida pela república estará se afastando da lei de natureza o que é um delito certo e estará seguindo os produtos da sua própria imagínação ou da de um outro dos quais jamais poderá saber se significam alguma coisa ou se não significam nada nem se quem lhe conta os seus sonhos está mentindo ou dizendo a verdade Se a cada individuo fosse permitido fazer isso como o seria pela lei de natureza se alguma houvesse nenhuma lei poderia existir e toda a república seria dissolvida A partir destas diferentes fontes do crime já vai ficando claro que nem todos os crimes são da mesma linhagem ao con Os crimes não são todos iguais 254 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes trário do que pretendiam os antigos estóicos Não apenas há lugar para DESCULPAS mediante as quais se prova não ser cri me aquilo que parecia sêIo mas também para ATENUANTES mediante as quais um crime que parecia grande se torna menor Pois embora todos os crimes mereçam igualmente o nome de injustiça tal como todo o desvio de uma linha reta impli ca igual sinuosidade conforme acertadamente observaram os estóicos não se segue daí que todos os crimes sejam igualmente injustos tal como nem todas as linhas tortas são igualmen te tortas Por deixarem de observar isto os estóicos consideravam crimes igualmente graves matar uma galinha contra a lei e matar o próprio pai O que desculpa inteiramente um ato tirandolhe todo o caráter criminoso só pode ser aquilo que ao mesmo tempo tira à lei o seu caráter obrigatório Porque se for cometido um ato contrário à lei e quem o cometeu tiver obrigação perante a lei esse ato só pode ser um crime A falta de meios para conhecer a lei desculpa totalmente porque a lei da qual não há meios para adquirir informação não é obrigatória Mas a falta de diligência para se informar não pode ser considerada como falta de meios e ninguém que pretenda possuir razão suficiente para dirigír os seus próprios assuntos pode ser considerado como carente de meios para conhecer as leis de natureza pois estas são conhecidas através da razão que ele pretende possuir Só as crianças e os loucos estão desculpados de qualquer ofensa à lei natural Quando um homem se encontra em cativeiro ou em poder do inimigo e encontrase em poder do inimigo quando a sua pessoa ou os seus meios de vida assim se encontram se não for por sua própria culpa cessa a obrigação da lei Porque é preciso que obedeça ao inimigo para não morrer e em conseqüência disso tal obediência não é crime porque ninguém éobrigado quando falta a proteção da lei a deixar de se proteger da maneira que puder Se alguém for obrigado pelo terror de uma morte iminente a praticar um ato contrário à lei fica inteiramente descul Desculpas totais 157 1 255 J Parte 2 Da República Desculpas contra o autor pado porque nenhuma lei pode obrigar um homem a renunciar à sua própria preservação Supondo que essa lei fosse obrigatória mesmo assim o raciocínio seria o seguinte Se não o fizer morrerei imediatamente e se o fzzer morrerei mais tardefazendoo portanto ganho tempo de vida Conseqüentemente a natureza obriga à prática do ato Quando alguém se encontra privado de alimento e de outras coisas necessárias à sua vida e só é capaz de se preservar por meio de um ato contrário à lei como obter pela força ou pelo roubo durante uma grande fome o alimento que não consegue com dinheiro ou pela caridade ou em defesa da própria vida arrancar a espada das mãos de outrem nesses casos o crime é totalmente desculpado pela razão acima apresentada Além disso os atos praticados contra a lei por autoridade de outrem são por essa autoridade desculpados perante o autor pois ninguém deve acusar do seu próprio ato a quem não passa de seu instrumento Mas o ato não é desculpado perante uma terceira pessoa por ele prejudicada pois na violação da lei tanto o autor como o ator são criminosos Daí se segue que quando aquele homem ou asembléia que detém o poder soberano ordena a alguém que faça uma coisa contrária a uma lei anterior esse ato será totalmente desculpado E o próprio soberano não o deve condenar por ser ele o autor e o que não pode ser justamente condenado pelo soberano não pode ser justamente punido por ninguém Além do mais quando o soberano ordena que se faça alguma coisa contrária à sua própria lei anterior essa ordem quanto a esse ato particular é uma revogação da lei Se o homem ou assembléia que tem o poder soberano renunciar a qualquer direito essencial para a soberania resultando daí para o súdito a aquisição de qualquer liberdade incompatí vel com o poder soberano quer dizer com a própria existência da república se o súdito recusar obedecer às suas ordens em alguma coisa contrária à liberdade concedida apesar de tudo tratase de um pecado contrário ao dever do súdito Porque este deve saber o que é incompativel com a soberania pois que esta última foi criada pelo seu próprio consentimento e 256 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes para sua própria defesa e que essa liberdade sendo incompativel com ela foi concedida por ignorância das conseqüências funestas do ato Mas se ele não apenas desobedecer como ainda resistir a um ministro público na sua execução neste caso tratase de um crime pois poderia ter protestado e com isso retificado o erro sem nenhuma violação da paz Os graus do crime distribuemse em várias escalas e são medidos em primeiro lugar pela malignidade da fonte ou causa em segundo lugar pelo contágio do exemplo em terceiro lugar pelo prejuízo do efeito e em quarto lugar pela concorrência de tempos lugares e pessoas O mesmo ato praticado contra a lei se derivar da presunção de força riqueza e amigos capazes de resistir aos que devem executar a lei é um crime maior do que se derivar da esperança de não ser descoberto ou de poder escapar pela fuga Porque a presunção da impunidade pela força é uma raiz da qual sempre brotou em todas as épocas e devido a todas as tentações o desprezo por todas as leis ao passo que no segundo caso o receio do perigo que leva um homem a fugir tornao mais obediente para o futuro Um crime qlle sabemos sê Io é maior do que o mesmo crime baseado numa falsa persuasão de que o ato é lícito Pois quem o comete contra a sua consciência está confiando na sua força ou outro poder o que o encoraja a cometer o mesmo crime outra vez mas quem o faz por erro volta a conformarse com a lei depois de lhe mostrarem o erro Aquele cujo erro deriva da autoridade de um mestre ou de um intérprete da lei publicamente autorizado tem menos culpa do que aquele cujo erro deriva de uma peremptória prossecução dos seus próprios princípios e raciocínios Pois o que é ensinado por alguém que ensina por autoridade pública é ensinado pela república e tem aparência de lei até que a mesma autoridade o controle e em todos os crimes que não en cerram uma recusa do poder soberano nem são contrários a uma lei ou doutrina autorizadal evidente desculpa totalmente Por outro lado quem baseia as suas ações no seu juízo A presunção de poder é agravante 158 Maus proftssores são atenuantes 1 Syn lei 257 Parte 2 Da República Os exemplos dt impunidade são atenuantes pessoal deve conforme a retidão ou o erro desse juízo manterse de pé ou cair por terra O mesmo ato se tiver sido constantemente punido em outros casos é um crime maior do que se houver muitos exemplos precedentes de impunidade Porque esses exemplos são outras tantas esperanças de impunidade dadas pelo próprio soberano E quem dá a um homem tal esperança e presunção de perdão animandoo a cometer a ofensa tem a sua parte nesta última portanto não é razoável que atribua a culpa inteira ao ofensor Um crime provocado por uma paixão súbita não é tão grande como quando deriva de uma longa meditação Porque no primeiro caso há lugar para atenuantes baseadas na comum fraqueza da natureza humana mas quem o praticou com premeditação usou de circunspecção e pensou na lei no castigo e nas conseqüências do crime para a sociedade E ao cometer o crime desprezou tudo isto preferindo o seu próprio apetite Mas não há paixão tão súbita que possa servir de desculpa total pois todo o tempo que medeia entre o conhecimento da lei e a prática do ato deve ser tomado como um tempo de deliberação já que cada um deve meditando sobre a lei corrigir a irregularidade das suas paixões continuamentel Quando a lei é lida e interpretada pública e assiduamente perante o povo inteiro um ato praticado contra ela é um crime pior do que o praticado quando os homens não recebem essa instrução tendo de se informar com díficuldade incerteza e interrupção de suas vocações e junto a indivíduos particulares Porque neste caso parte da culpa é atribuída à comum fraqueza mas no primeiro há manifesta negligência que não deixa de implicar um certo desprezo pelo poder soberano Os atos que a lei condena expressamente mas que o legislador tacitamente aprova por meio de outros sinais manifestos da sua vontade são crimes menores do que os mesmos atos quando são condenados tanto pela lei como pelo legislador A prenudittlfão é agravante A aprovtlfão tádta do soberano é atenuante I Syn paixões 258 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes Como a vontade do legislador é a lei temos nesse caso duas leis contraditórias que serviriam de desculpa total se os homens fossem obrigados a tomar conhecimento da aprovação do soberano por outros argumentos que não os expressos pelas suas ordens Mas como existem castigos conseqüentes não apenas à transgressão da sua lei mas também à sua observância ele em parte é causa da transgressão e portanto não é razoável que atribua ao delinqüente todo crime Por exemplo a lei condena os duelos e a punição é capital Em contrapartida quem recusa um duelo fica sujeito ao desprezo e ao escárnio irremediavelmente e por vezes é considerado pelo próprio soberano indigno de desempenhar qualquer cargo de comando na guerra Dado isso se alguém aceitar um duelo levando em conta que todos os homens legitimamente se esforçam por conquistar uma opinião favorável dos detentores do poder soberano manda a razão que não se aplique um castigo rigoroso uma vez que parte da culpa pode ser atribuída a quem castiga E não digo isto por desejar a liberação das vinganças privadas nem nenhuma outra espécie de desobediência e sim por desejar que os governantes tenham o cuidado de não sancionar obliquamente o que diretamente proíbem Os exemplos dos principes são e sempre foram para quem os vê mais fortes como motivos da ação do que as próprias leis E embora o nosso dever seja fazer não o que eles fazem mas o que dizem este é um dever que só será seguido quando aprouver a Deus dar aos homens uma graça extraordinária e sobrenatural para obedecer a esse preceito Mais ainda podemos comparar os crimes por meio do malefício dos seus efeitos Em primeiro lugar o mesmo ato quando redunda no prejuízo de muitos mais grave do que se resulta em dano para poucos Portanto quando um ato é prejudicial não apenas no presente mas também pelo exemplo no futuro ele é um crime mais grave do que se prejudicar apenas no presente Isso porque o primeiro é um crime fértil que se multiplica em prejuízo de muitos ao passo que o segundo é estéril Defender doutrinas contrárias à religião oficial da 259 159 lin I 1 I I1I li I Comparação dos crimes por meio dos seus eftitos Parte 2 Da República Laesa majestas república é uma falta mais grave num pregador autorizado do que numa pessoa privada do mesmo modo que viver de modo profano ou incontinente ou praticar qualquer espécie de ação irreligiosa Igualmente é um crime mais grave num professor de direito do que em qualquer outro homem sustentar qualquer argumento ou praticar qualquer ato que contribua para o enfraquecimento do poder soberano O mesmo vale para um homem possuidor de tal reputação de sabedoria que todos os seus conselhos sejam seguidos e os seus atos imitados por muitos se ele atentar contra a lei o seu ato será um crime maior do que o mesmo ato praticado por outrem Porque tais homens não se limitam a cometer crimes mas ensinamnos como leis a todos os outros homens E de maneira geral todos os crimes se tornam mais graves quando provocam escândalo quer dizer quando se tornam obstáculos para os fracos que olham menos para o caminho que estão seguindo do que para a luz que outros homens levam na sua frente Também os atos de hostilidade à situação presente da re pública são crimes maiores do que os mesmos atos praticados contra pessoas privadas porque o prejuízo se estende a todos São desse tipo a revelação das forças e dos segredos da república a um inimigo assim como quaisquer atentados contra o representante da república seja ele um monarca ou uma assembléia e todas as tentativas por palavras ou atos para di minuir sua autoridade quer no momento presente quer na sucessão Os latinos definiam esses crimes como crimina laesae majestatis e consistem em propósitos ou atos contrários a uma lei fundamental De maneira semelhante os crimes que invalidam os julgamentos são mais graves do que os danos causados a uma ou mais pessoas Por exemplo receber dinheiro para dar falso testemunho ou proferir julgamento é um crime maior do que defraudar alguém de qualquer maneira numa quantia idêntica ou maior Pois não apenas se comete injustiça a quem sucumbe por causa desse julgamento mas além disso todos os julgamen tos se tornam inúteis dandose oportunidade ao uso da força e da vingança pessoal 160 Suborno e falso testemunho 260 XXVII Dos Crimes Desculpas e Atenuantes Também o roubo e dilapidação do tesouro ou da renda pública é um crime mais grave do que roubar ou defraudar um particular porque roubar o público é roubar muitos ao mesmo tempo E também a usurpação fraudulenta de um ministério público a falsificação de selos públicos ou da moeda nacional émais grave do que se fazer passar pela pessoa de um particular ou falsificar o seu selo porque a primeira fraude vai prejudicar a muitos Dos atos contrários à lei praticados contra particulares o maior crime é o que provoca maior dano segundo a opinião comum entre os homens Portanto Matar contra a lei é um crime maior do que qualquer ou tro dano que não sacrifique vidas Matar com tortura é mais grave do que simplesmente matar A mutilação de um membro é mais grave do que despo jar alguém dos seus bens E despojar alguém dos seus bens pelo temor da morte ou ferimentos é mais grave do que mediante clandestina subtração E por clandestina subtração é mais grave do que por con sentimento fraudulentamente conseguido E a violação da castidade pela força é mais grave do que por sedução E a de uma mulher casada é mais grave do que a de uma mulher solteira Porque de maneira geral é assim que essas coisas são avaliadas embora algumas pessoas sejam mais e outras menos sensíveis à mesma ofensa Porém a lei nâo olha ao particular e sim às inclinações gerais da espécie humana Assim a ofensa causada por contumélia seja por palavras ou gestos quando o único prejuízo que causa é o agravo de quem a recebe foi ignorada pela lei dos gregos romanos e outras repúblicas tanto antigas como modernas partindo do princípio de que a verdadeira causa do agravo não está na con 261 Dilapidação Falsificar a autoridade Comparação dos crimes contra pessoas privadas jj ii i 1 Ifd i I o Parte 2 Da República 16 1J tumélia que não produz efeitos sobre pessoas conscientes da sua própria virtude e sim na pusilanimidade de quem se considera ofendido Além disso um crime contra um particular é muito agravado pela pessoa tempo e lugar Porque matar os seus próprios pais é um crime maior do que matar qualquer outro dado que o pai deve ter a honra de um soberano embora tenha cedido o seu poder à lei civil pois a tinha originalmente por natureza E roubar um pobre é um crime maior do que roubar um rico pois para o pobre o prejuízo é mais importante E um crime cometido num momento e num lugar reservados à devoção é maior do que se cometido noutro momento e noutro lugar pois revela maior desprezo pela lei Poderiam acrescentarse muitos outros casos de agravantes e atenuantes mas pelos já apresentados fica fácil para qualquer um medir o nível de outros crimes que se queira considerar Por último como em quase todos os crimes se causa dano não apenas a um particular mas também à república o mesmo crime é chamado crime públicol quando a acusação é feita em nome da república e quando esta é feita em nome de um particular chamase Ihe crime privado2 E os litígios correspondentes chamamse públicos judicia publica litígios da Coroa ou litígios privados Numa acusação de assassinato se o acusador é um particular o litígio é privado e se o acusador é o soberano o litígio é público o que são crimes públicos CAPo XXVIII Das PUNIÇÕES e RECOMPENSAS Definição da punição Uma PUNIÇÃO é um dano infligido pela autoridade pública a quem fez ou omitiu o que pela mesma autoridade é considerado trans 1 Syn crime público 2 Syn crime privado 262 XXVIll Das Punições e Recompensas gressão da lti a fim de que assim a vontade dos homens fique mais disposta à obediência Antes de inferir seja o que for desta definição há uma pergunta da maior importância a que é mister responder a saber qual é em cada caso a porta por onde entra o direito ou autoridade de punir Pois segundo o que anteriormente ficou dito ninguém é considerado obrigado pelo pacto a absterse de resistir à violência não se podendo portanto pretender que alguém deu a outrem nenhum direito de usar de violência contra a sua pessoa Ao fundar uma república cada um renuncia ao direito de defender os outros mas não de se defender a si mesmo Além disso cada um obrigase a ajudar o soberano na punição de outrem mas não na sua própria No entanto pactuar assistir ao soberano a causar dano a outrem salvo se aquele que assim pactua tiver ele próprio esse mesmo direito não é darlhe o direito de punir Fica assim manifesto que o direito de punir que pertence à república isto é àquele ou àqueles que a representam não tem o seu fundamento em nenhuma concessão ou dádiva dos súditos Mas também já mostrei que antes da insti tuição da república cada um tinha direito a todas as coisas e a fazer o que considerasse necessário pJra a sua própria preservação podendo com esse fim subjugar ferir ou matar qualquer um E é este o fundamento daquele direito de punir que é exercido em todas as repúblicas Porque não foram os súditos que deram ao soberano esse direito simplesmente ao renunciarem ao seu reforçaram o uso que ele pode fazer do seu próprio da maneira que achar melhor para a preservação de todos eles De modo que o direito de punir não foi dado ao soberano foilhe deixado e apenas a ele e tão pleno com exceção dos limites estabelecidos pela lei natural como na condição de simples natureza ou de guerra de cada um contra o seu próximo Da definição da punição infiro em primeiro lugar que nem as vinganças pessoais nem os danos provocados por particulares podem propriamente ser classificados como puniçõesl pois não derivam da autoridade pública I Syn punição 263 De onde provém o direito de punir ji S 8 ij i I 5 i I oi I i 162J I Os danos de particulares e as vinganças não são punições Nem a recusa de nomeação Nem o mal infligido sem condenação pública Nem o mal infligido por poder usurpado Nem o mal infligido sem respeito ao bem futuro As más conseqüências naturais não são punições Prejuízo infligido menor que o beneficio na transgressão não ê punição Parte 2 Da República Em segundo lugar que não constitui punição o ser esquecido ou desfavorecido pelo favor público pois dessa maneira não se faz mal a ninguém apenas se o deixa na situação em que estava antes Em terceiro lugar que o mal infligido pela autoridade pública sem condenação pública anterior não deve ser classificado como punição mas como ato hostil Porque o ato devido ao qual se aplica a alguém uma punição deve primeiro ser julgado pela autoridade pública como transgressão da lei Em quarto lugar que o mal infligido pelo poder usurpado ou por juizes não autorizados pelo soberano não é punição mas ato de hostilidade porque os atos do poder usurpado não têm como autor a pessoa condenada portanto não são atos de autoridade pública Em quinto lugar que todo dano infligido sem intenção ou possibilidade de predispor o delinqüente ou outros homens pelo exemplo à obediência às leis não é punição mas ato de hostilidade porque sem tal fim nenhum dano merece receber esse nome Em sexto lgar enquanto certas ações implicam por na tureza diversas conseqüências danosas como ocorre por exemplo quando ao atacar outrem alguém acaba morto ou ferido ou quando se é acometido de doença por causa da prática de um ato ilegal esses danos embora quanto a Deus que é o autor da natureza possam ser considerados infligidos sendo portanto castigos divinos não podem ser considerados punições quanto aos homens porque não são infligidos pela autoridade dos homens Em sétimo lugar se o dano infligido for menor do que o beneficio ou satisfação naturalmente resultante do crime cometido tal dano não é abrangido pela definição e é mais preço ou resgate do que punição aplicada por um crime Porque é da natureza da punição ter por fim predispor os homens a obedecer às leis fim esse que não será atingido se forem meno res do que o beneficio da transgressão redundando a punição no efeito contrário 264 XXVIII Das Punições e Recompensas Em oitavo lugar se uma punição for determinada e prescrita pela própria lei e se depois de cometido o crime for infligida uma pena mais pesada o excesso não é punição e sim ato de hostilidade Uma vez que a finalidade da punição não é a vingança mas o terror e uma vez que se tira o terror de uma pena mais pesada com a declaração de uma que o é menos a inesperada adição não faz parte da punição Mas quando a lei não determina punição alguma qualquer uma que seja infligida tem a natureza de uma punição Pois quem se arrisca a violar uma lei para a qual não está determinada uma pena espera uma punição indeterminada quer dizer arbitrária Em nono lugar que os danos infligidos por um ato praticado antes de haver uma lei que o proibisse não são punições mas atos de hostilidade Porque antes da lei não há transgressão da lei e a punição supõe um ato julgado como transgressão de uma lei Portanto os danos infligidos antes de feita a lei não são punições mas atos de hostilidade Em décimo lugar os danos infligidos ao representante da república não são punições mas atos de hostilidade Porque é da natureza das penas serem infligidas pela autoridade pública que é apenas a autoridade do pr9prio representante Por último os danos infligidos a quem é um inimigo declarado não podem ser classificados como punições Como esse inimigo ou nunca esteve sujeito à lei e portanto não a pode transgredir ou esteve sujeito a ela e professa não mais o estar negando em conseqüência que a possa transgredir todos os danos que lhe possam ser causados devem ser tomados como atos de hostilidade E numa situação de hostilidade declarada é legítimo infligir qualquer espécie de danos Disso se segue que se por atos ou palavras sabida e deliberadamente um súdito negar a autoridade do representante da república seja qual for a penalidade prevista para a traição o representante pode legitimamente fazêIo sofrer o que bem entender Porque ao negar a sujeição ele negou as punições previstas pela lei portanto deve sofrer como inimigo da república isto é conforme a vontade do representante Porque as punições estabelecidas 265 Quando a punição ê prescrita pela lei um dano maior não ê punição mas hostilidade 163 Dano infligido por fato anterior à lei não é punição o representante da república não é punive ji jj I j i t1 n Dano a súbitos revoltados é jeito por direito de guerra não como punição I UNIfESP I BtBlmECA CAMPUS Parte 2 Da República Punições corporais pela lei são para os súditos não para os inimigos como é o caso daqueles que tendose tornado súditos pelos seus próprios atos deliberadamente se revoltam e negam o poder soberano A primeira e mais geral distribuição das punições é em divinas e humanas Das primeiras terei ocasião de falar mais adiante em lugar mais conveniente As punições humanas são as que são infligidas por ordem dos homens e podem ser corporais pecuniárias a ignomínia a pri são o exílio ou uma mistura destas As punições corporais são as infligidas diretamente ao corpo e conforme a intenção de quem as inflige como a flagela ção os ferimentos ou a privação dos prazeres do corpo de que antes legitimamente se desfrutava Destas umas são caPitais e outras menos do que capitais Pena capital é a morte dada de modo simples ou com tortura Menos do que capitais são a flagelação os ferimentos as cadeias ou quaisquer outros castigos corporais que pela sua própria natureza não são mortais Porque se quando da aplicação de uma punição resultar a morte sem ser por intenção de quem a aplicou a pena não deve ser considerada capital mesmo que o dano resulte mortal devido a um acidente imprevisível caso em que a morte não é infligida mas apressada As penas pecuniárias são as que consistem não apenas no confisco de uma soma em dinheiro mas também de terras ou quaisquer outros bens que geralmente são comprados e vendi dos por dinheiro Caso a lei que estabelece uma dessas penas seja feita com o propósito de recolher dinheiro daqueles que a transgredirem não se trata propriamente de uma punição e sim do preço de um privilégio e isenção da lei a qual não proí be o ato de maneira absoluta mas proíbeo apenas aos que não têm a possibilidade de pagar a soma em questão a não ser que se trate de uma lei natural ou de parte da religião pois estes casos não dizem respeito a uma isenção da lei mas à sua transgressão Se por exemplo uma lei impuser uma multa pecuniária aos que usarem o nome de Deus em vão o pagamento da multa não será o preço de uma licença para blasfemar Capitai s 164 266 XXVIII Das Punições e Recompensas mas uma punição aplicada à transgressão de uma lei da qual não há dispensa De maneira semelhante se uma lei impuser o pagamento de uma quantia em dinheiro a quem se causou dano tratase apenas de uma compensação do prejuízo causado que extingue apenas a acusação da parte ofendida e não o crime do ofensor A ignomínia consiste em infligir um mal considerado desonroso ou privar de um bem considerado honroso pela república Porque algumas coisas são honrosas por natureza como os efeitos da coragem da magnanimidade da força da sabedoria e outras qualidades do corpo e do espírito Outras são tornadas honrosas pela república como as insígnias títulos e cargos assim como quaisquer outros sinais singulares do favor do soberano As primeiras embora delas possamos ser privados por natureza ou acidente não nos podem ser tiradas pela lei portanto a sua perda não constitui uma punição Mas as últimas podem ser tiradas pela autoridade que as tornou honrosas e neste caso tratase de punições propriamente ditas como por exemplo quando se degrada um condenado privandoo das suas insígnias títulos e cargos ou declarandoo indigno deles para o futuro A prisão ocorre quando alguém é privado da liberdade pela autoridade pública e pode ser imposta tendo em vista dois fins diferentes sendo um deles a segura detenção do acusado e o outro infligir um mal ao condenado No primeiro caso não se trata de uma punição pois não é possível punir alguém antes de ser judicialmente ouvido e declarado culpado Portanto seja qual for o dano infligido a um homem por prisão ou confinamento antes de a sua causa ser ouvida para além do que for necessário para garantir a sua detenção é contrário à lei de natureza Mas no outro caso tratase de uma punição porque éum dano infligido pela autoridade pública em virtude de algo que foi pela mesma autoridade considerado transgressão da lei A palavra prisão abrange toda a restrição de movimentos causada por um obstáculo exterior seja uma casa a que se dá o nome geral de prisão seja uma ilha caso em que se diz que as Ignomini a Prisã o 267 li Parte 2 Da República 165 Exílio pessoas lá ficam confinadas seja um lugar onde as pessoas são obrigadas a trabalhar como antigamente se condenavam as pessoas às pedreiras e atualmente se condenam às galés seja mediante correntes ou qualquer outro impedimento O exílio banimento ocorre quando por causa de um crime alguém é condenado a sair dos domínios da república ou de uma das suas partes para durante um tempo determinado ou para sempre ficar impedido de lá voltar E por sua própria natureza sem outras circunstâncias não parece ser uma punição mas mais uma fuga ou então uma ordem pública para por meio da fuga evitar a aplicação da pena Cícero dizia que jamais tal punição foi aplicada na cidade de Roma e chamavalhe um refúgío para quem está em perigo Pois se alguém for banido e apesar disso for autorizado a desfrutar dos seus bens e do rendimento das suas terras a simples mudança de ares não constitui uma punição nem contribui para o benefício da república em vista da qual todas as punições são ditadas quer dizer para que a vontade dos homens seja conformada à observância da leí e muitas vezes constitui um prejuízo para a república Porque um homem banido é um inimigo legítimo da república que o baniu não sendo mais um de seus membros Mas se além disso for privado das suas terras ou bens nesse caso não é no exílio que a punição consiste e esta deve ser incluída entre as penas pecuniárias Todas as punições aplicadas a súditos inocentes quer sejam grandes ou pequenas são contrárias à lei de natureza pois as punições só podem ser aplicadas por transgressão da lei não podendo assim os inocentes sofrer punições Isso é portanto uma violação em primeiro lugar daquela lei de natureza que proíbe a todos os homens nas suas vinganças olhar para algo que não seja o bem futuro pois nenhum bem pode resultar para a república da punição de um inocente Em segundo lugar constitui violação da lei que proíbe a ingratidão como todo poder soberano origínalmente é dado pelo consentimento de cada um dos súditos a fim de que por ele sejam protegídos enquanto se mantiverem obedientes a punição de um inocente equivale a As punições de súditos inocentes são contrárias ã ki de natureza 268 XXVIII Das Punições e Recompensas pagar um bem com um mal Em terceiro lugar é violação da lei que ordena a eqüidade quer dizer uma distribuição eqüitativa da justiça o que deixa de se respeitar quando se castiga um inocente Mas infligír qualquer dano a um inocente que não é súdito se for para benefício da república e sem violação de nenhum pacto anterior não constitui desrespeito à lei de natureza Por que todos os homens que não são súditos ou são inimigos ou deixaram de sêIo em virtude de algum pacto anterior E contra os inimigos a quem a república julgue capaz de lhe causar dano é legítimo fazer guerra em virtude do direito de natureza origínal no qual a espada não julga nem o vencedor faz distinção entre culpado e inocente como acontecia nos tempos antigos nem tem outro respeito ou clemência senão o que contribui para o bem do seu povo É também com este fundamento que no caso dos súditos que deliberadamente negam a autoridade da república a vingança se estende legítimamente não apenas aos pais mas também à terceira e quarta gerações ainda não existentes que conseqüentemente são inocentes do ato em virtude do qual vão sofrer Porque a natureza desta ofensa consiste na renúncia à sujeição que é um regresso à condição de guerra a que vulgarmente se chama rebelião e os que assim ofendem não sofrem como súditos mas como inimigos Porque a rebelião é apenas a guerra renovada A RECOMPENSA pode ser por dádiva ou por contrato Quando é por contrato chamase salário ou ordenado que é o benefício devido por serviços prestados ou prometidos Quando épor dádiva é um benefício proveniente da graça de quem o confere a fim de estimular ou capacitar alguém para lhe prestar serviços Portanto quando o soberano de uma república estipula um salário para qualquer cargo público aquele que o recebe é obrigado em justiça a desempenhar o seu cargo caso contrário fica apenas obrigado pela honra a reconhecer e a esforçarse por retribuir Embora não haja recurso licito para os homens que são ordenados abandonar os seus negócios pessoais a fim de desempenhar funções públicas sem recompensa ou sa 269 Mas o dano causada a inocentes na guerra não o é Nem o que é causado a rebeldes declllrados 166 A recompensa é salário ou graça li Parte 2 Da República I Os beneftdos outorgados por 1T1do não são recompensas lário mesmo assim não são a tal obrigados nem pela lei de natureza nem pela instituição da república a não ser que o serviço em questão não possa ser realizado de outra maneira Porque se considera que o soberano pode fazer uso de todas as capacidades desses homens desde que a estes se reconheça o mesmo direito que ao mais ínfimo soldado o de reclamar como uma dívida o pagamento dos serviços prestados Os benefícios outorgados pelo soberano a um súdito por medo do seu poder ou da sua capacidade para causar dano à república não são propriamente recompensas Não são salários porque neste caso não se supõe a existência de nenhum contrato estando já cada homem obrigado a não prestar des serviços à república Também não são graças porque são extorquidos pelo medo o qual nunca deve ser inerente ao poder soberano São mais sacrifícios feitos pelo soberano conside rado na sua pessoa natural e não na pessoa da república com o fim de aplacar o descontentamento de quem considera mais poderoso do que ele próprio para o estimular não à obediência mas pelo contrário à continuação e intensificação de futuras extorsões Enquanto alguns salários são certos provenientes do Tesouro público e outros são incertos ou ocasionais provenientes da execução do cargo para o qual o salário foi estipulado casos há em que os últimos são nocivos para a república como por exemplo no caso da judicatura Com efeito quando o benefício dos juízes e ministros dos tribunais de justiça resulta da multidão de causas que são levadas ao seu conhecimento daí se seguem necessariamente dois inconvenientes Um deles é a multiplicação dos processos porque quantos mais eles forem maior será o benefício O outro depende do primeiro e é a disputa acerca da jurisdição pois cada tríbunal procura atribuirse o julgamento do maior número possível de processos Mas nos cargos executivos estes inconvenientes não se verificam pois o lucro não pode ser aumentado por nenhum esforço que se possa despender E isto bastará quanto à natureza das punições e das recompensas as quais são como que os ner Salários certos e casuais 270 XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República vos e tendões que movem os membros e as juntas de uma república Até aqui expus a natureza do homem cujo orgulho e outras paixões o obrigaram a submeterse ao governo juntamente com o grande poder do seu governante ao qual comparei com o Leviatã tirando essa comparação dos dois últimos versículos do capitulo 41 deJó onde Deus após ter estabelecido o grande poder do Leviatã lhe chamou Rei dos Soberbos Não há nada na Terra disse ele que se lhe possa comparar Ele é feito de maneira que nunca tenha medo Ele vê todas as coisas abaixo dele e é o Rei de todos os Filhos da Soberba Mas por ser mortal e sujeito à degenerescência do mesmo modo que todas as outras criaturas terrenas e por existir no céu embora não na terra algo de que ele deve ter medo e a cuja lei deve obedecer vou falar no capítulo seguinte das suas doenças e das causas da sua mortalidade e de quais leis de natureza a que deve obedecer 167 fl II CAPo XXIX Das coisas que Enfraquecem ou levam à DISSOLUÇÃO de uma República Muito embora nada do que os mortais fazem possa ser imortal contudo se os homens se servissem da razão da maneira como aspiram a fazêIo podiam pelo menos evitar que as suas repúblicas perecessem por causa de doenças internas Pois pela natureza da sua instituição estão destinados a viver tanto tempo como a humanidade ou como as leis de natureza ou como a própria justiça que lhes dá vida Portanto quando acontece serem dissolvidos não por violência externa mas por desordem interna a causa não reside nos homens enquanto matéria mas enquanto seus obreiros e organizadores Pois os homens quando finalmente se cansam de choques e batidas irregulares e recíprocas e desejam de todo o coração transfor Discussão das repúblicas derruba a instituição imperfeita 271 Parte 2 Da República Falta de poder absoluto marse num edifício sólido e duradouro por falta quer da arte de fazer leis adequadas para ajustar as suas ações quer também de humildade e paciência para aceitarem ver aplainados os pontos ásperos e escabrosos da sua presente grandeza não conseguem sem a ajuda de um arquiteto muito hábil se coligir em outra coisa senão num edifício desarticulado que mal se agüentando durante a sua própria época necessariamente cairá sobre a cabeça da posteridade Portanto entre as debilidades de uma república incluirei em primeiro lugar as que têm origem numa instituição imperfeita e se assemelham às doenças de um corpo natural que provêm de uma procriação defeituosa Esta é uma dessas debilidades Um homem para obter um reino contentase muitas vezes com menos poder do que é necessário para a paz e defesa da república Daí se segue que a retomada para a segurança pública do exercício do poder que se deíxara de lado tem a aparência de um ato injusto que predispõe um grande número de homens quando a ocasião se apresenta para a rebelião do mesmo modo que os corpos das crianças nascidas de pais doentes estão sujeitos quer a uma morte precoce quer a purgar a infeliz propriedade resultante da sua concepção viciosa que rebenta em bile e pústulas E quando os reis se negam a si próprios uma parte desse poder tão necessário nem sempre é muito embora por vezes o seja por ignorância daquilo que é necessário ao cargo que ocupam mas muitas vezes pela esperança de a recuperarem quando lhes aprouver Nesse aspecto não raciocinam corretamente porque os que quiserem obrigá Ios a cumprir as suas promessas serão ajudados contra eles pelas repúblicas estrangeiras as quais para bem dos seus próprios súditos não perderão uma ocasião de enfraquecer o domínio dos seus vizinhos Thomas Becket arcebispo de Cantuária foi assim apoiado contra Henrique II pelo papa tendo a sujeição dos eclesiásticos à república sido dispensada por Guilherme o Conquistador no momento da sua recepção quando fez o juramento de não infringir a liberdade da Igreja Do mesmo modo os barões cujo poder foi elevado a um grau incompatível 168 1 272 XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República com o poder soberano por Guilherme Rufits a fim de obter a sua ajuda na transferência da sucessão do seu irmão mais velho para ele próprio foram ajudados pelos franceses na sua rebelião contra o rei João Mas isto não acontece apenas nas monarquias Pois enquanto a fórmula da antiga república romana era o Senado e o povo de Roma nem o Senado nem o povo aspiravam à totalidade do poder o que primeiro causou as sedições de Tibério Graco Caio Graco Lúcio Saturnino e outros e mais tarde as guerras entre o Senado e o povo no tempo de Mário e Sila e novamente no tempo de Pompeu e César com a extinção da sua democracia e a instalação da monarquia O povo de Atenas obrigouse reciprocamente a tudo menos a uma única ação a saber que ninguém sob pena de morte podia propor o recomeço da guerra pela ilha de Salamina e contudo por essa razão se Sólon não espalhasse que estava louco e se mais tarde com os gestos e os trajes de um louco e em verso não a tivesse proposto ao povo que o rodeava teriam tido um inimigo perpetuamente em pé de guerra mesmo às portas da sua cidade Todas as repúblicas que têm o seu poder limitado mesmo que seja pouco são levadas a esses estragos ou mudanças Em segundo lugar examinarei as doenças de uma república que derivam do veneno das doutrinas sediciosas uma das quais é a seguinte todo o individuo particular é juiz das boas e más ações Isto é verdade na condição de simples natureza quando não existem leis civis e também sob o governo civil nos casos que não estão determinados pela Lei Mas não sendo assim é evidente que a medida das boas e das más ações é a lei civil e o juiz legislador que sempre é 0 representantel da república Partindo desta falsa doutrina os homens adquirem a tendência para debater entre si e discutir as ordens da república e mais tarde para lhes obedecer ou desobedecer conforme acharem conveniente nos seus juízos particulares Assim a república se perturba e enfraquece I Syn representante 273 li i 1 i 1 1 juízo partícular sobre o bem e o mal I I II Consciinda errônea 169 Pretensão de inspiração Parte 2 Da República Outra doutrina incompatível com a sociedade civil é a de que é pecado o que alguém ruer contra a sua consciência e depende do pressuposto de que o homem é juiz do bem e do mal Pois a consciência de um homem e o seu julgamento são uma e mesma coisa e tal como o julgamento também a consciência pode ser errônea Portanto muito embora aquele que não está sujeito à lei civil peque em tudo o que fizer contra a sua consciência porque não possui nenhuma outra regra que deva seguir senão a sua própria razão o mesmo não acontece com aquele que vive numa república porque a lei é a consciência pública pela qual ele já aceitou ser conduzido Do contrário em meio a tal diversidade de consciências particulares que não passam de opiniões particulares a república tem necessariamente de ser perturbada e ninguém ousa obedecer ao poder soberano senão na medida em que isso se afigurar bom aos seus próprios olhos Também tem sido freqüentemente ensinado que a fé e a santidade não devem ser alcançadas pelo estudo e pela razão mas sim por inspiração sobrenatural ou infUsão o que uma vez aceito não vejo por que alguém deveria apresentar as razões de sua fé ou por que todos os cristãos não seriam também profetas ou por que alguém deveria seguir como regra de ação a lei do seu país em vez da sua própria inspiração E assim caímos outra vez no erro de atribuir a nós mesmos o julgar do bem e do mal ou de tornar seus juízes esses indivíduos particulares que fingem ser inspirados sobrenaturalmente o que leva à dissolução de todo o governo civil A fé vem pelo ouvido e ouvindo pelos acidentes que nos guiam à presença daqueles que nos falam Esses acidentes são todos provocados por Deus TodoPoderoso e contudo não são sobrenaturais mas apenas inobserváveis devido ao grande número que concorre para cada efeito Sem dúvida a fé e a santidade não são muito freqüentes porém não são milagres mas provocadas pela educação pela disciplina pela correção e por outros meios naturais pelos quais Deus as produz no seu eleito no momento que julgar adequado E estas três opiniões perniciosas à paz e ao gover 274 J 1 J XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República no têm nesta região do mundo se originado principalmente nas línguas e nos escritos de teólogos ignorantes os quais juntando as palavras das Sagradas Escrituras de uma maneira diversa daquela que é conforme à razão fazem tudo para levar os homens a pensar que a santidade e a razão natural não podem coexistir Uma quarta opinião incompativel com a natureza da república é a de que o detentor do poder soberano está sujeito às leis civis É certo que todos os soberanos estão sujeitos às leis de natureza porque tais leis são divinas e não podem ser revogadas por nenhum homem ou república Mas o soberano não está sujeito àquelas leis que ele próprio ou melhor que a república fez Pois estar sujeito a leis é estar sujeito à república isto é ao soberano representante ou seja a si próprio o que não é sujeição mas liberdade em relação às leis Este erro porque coloca as leis acima do soberano coloca também um juiz acima dele com poder para castigáIo o que é fazer um novo soberano e também pela mesma razão um terceiro para castigar o segundo e assim sucessivamente para confusão e dissolução da república A quinta doutrina que tende para a dissolução da república é que todo indivíduo particular tem propriedade absoluta dos seus bens a ponto de excluir o direito do soberano Todo o homem tem na verdade uma propriedade que exclui o direito de qualquer outro súdito e temna apenas devido ao poder soberano sem cuja proteção qualquer outro homem teria igual direito à mesma coisa Mas se o direito do soberano for também excluído ele não poderá desempenhar o cargo em que o colocaram o qual consiste em defendêIos quer dos inimigos externos quer dos ataques uns dos outros e conseqüentemente deixará de haver república E se a propriedade dos súditos não exclui o direito do soberano representante aos bens deles muito menos o exclui em relação aos cargos de judicatura ou de execução nos quais representam o próprio soberano Existe uma sexta doutrina aberta e diretamente contrária à essência da república que é esta o poder soberano pode ser dividi 275 Sujeição do poder soberano às kiJ civis Atribuição de propriedade absoluta aos súditos 170 Divisão do poder soberano Parte 2 Da República Imitação das nações vizinhas do Pois em que consiste dividir o poder de uma república senão em dissolvêIol uma vez que os poderes divididos se destroem mutuamente uns aos outros E para estas doutrinas os homens apóiam se principalmente em alguns daqueles que fazendo das leis sua profissão tentam tornáIas dependentes do seu próprio saber e não do Poder Legislativo E do mesmo modo que as falsas doutrinas também muitas vezes o exemplo de governos diferentes em nações vizinhas predispõe os homens para a alteração da forma já estabelecida Assim o povo judeu foi instigado a rejeitar Deus e a pedir ao profeta Samuel um rei à maneira das outras nações do mesmo modo as cidades menores da Grécia foram continuamente perturbadas com sedições das facções aristocrática e democrática desejando uma parte de quase todas as repúblicas imitar os lacedemõnios e a outra parte os atenienses E não duvido que muitos homens tenham ficado contentes com as recentes perturbações na Inglaterra para imitar os Paises Baixos supondo que de nada mais precisavam para se tornar ricos do que mudar como estes tinham feito a forma do seu governo Por si só a constituição da natureza humana já está sujeita ao desejo de novidade Quando portanto são incitados à novidade também pela vizinhança daqueles que foram enriquecidos por ela é quase impossível que não fiquem contentes com aqueles que os convidam a mudar e que não gostem dos primeiros tempos embora se aflijam com a continuação2 da desordem tal como os indivíduos de sangue quente que quando têm comichões se arranham com as próprias unhas até não poderem mais suportar o ardor Quanto à rebelião contra a monarquia em particular uma das suas causas mais freqüentes é a leitura de livros de política e de história dos antigos gregos e romanos da qual os jovens e todos aqueles que são desprovidos do antídoto de uma sólida razão recebendo uma impressão forte e agradável das grandes façanhas de guerra praticadas pelos condutores dos exér Imitação dos gregos e romanos I Syn dissolvêIo 2 Syn embora se aflijam com a continuação 276 XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República citos formam uma idéia agradável de tudo o mais que fizeram Além disso imaginam que a sua grande prosperidade procedeu não da emulação de indivíduos particulares mas da virtude da sua forma popular de governo não atentando nas freqüentes sedições e guerras civis provocadas pela imperfeição da sua política Graças à leitura digo de tais livros os homens empreenderam matar os seus reis porque os autores gregos e latinos nos seus livros e discursos de política consideraram legítimo e louvável fazêIo desde que antes de os matar os chamassem tiranos Pois não dizem que seja legítimo o regicídio isto é o assassinato de um rei mas sim o tiranicídio isto é o assassinato de um tirano Por causa dos mesmos livros aqueles que vivem numa monarquia formam a opinião de que os súditos de uma república popular gozam de liberdade e aqueles que o são de uma monarquia são todos escravos Repito aque les que vivem numa monarquia formam tal opinião mas não aqueles que vivem num governo popular pois não notam essa questão Em resumo não consigo imaginar coisa mais prejudicial a uma monarquia do que a permissão de se lerem tais livros em público sem mestres sensatos lhes fazerem aquelas correções capazes de lhes retirar o veneno que contêm veneno esse que não hesito em comparar à mordida de um cão raivoso que constitui uma doença denominada pelos fisicos hidro fobia ou medo da água Pois assim como aquele que foi mordido tem um contínuo tormento de sede e contudo não pode ver a água e fica num estado tal como se o veneno o conseguisse transformar num cão quando uma monarquia é mordida até o âmago pelos autores democráticos que continuamente rosnam para esse regime também ela de nada mais precisa do que de um monarca forte que contudo quando surgir será detestado devido a uma certa tirano fobia ou medo de ser governado pela força Assim como houve doutores que sustentaram que há três almas no homem também há aqueles que pensam poder haver mais de uma alma isto é mais de um soberano numa República e levantam a supremacia contra a soberania os cânones con 277 171 j ii g li5 f i f Parte 2 Da República 17 2 tra as leis e a autoridade esPiritual contra a autoridade civil agindo sobre o espirito dos homens com palavras e distinções que em si mesmas nada significam mas revelam pela sua obscuridade que vagueia no escuro como alguns pensam de maneira invisível um outro reino como se fosse um reino de fadas Ora dado ser manifesto que o poder civil e o poder da república são uma e mesma coisa e que a supremacia e o poder de fazer cânones e dar permissão a faculdades implicam uma república seguese então que onde um é soberano e o outro é supremo onde um pode fazer leís e o outro pode fazer cânones tem de haver duas repúblicas compostas exatamente dos mesmos súditos eis um reino cindido e que não pode durar Pois apesar da insignificante distinção entre temporal e espiritual não deixa de haver doís reinos e cada súdito fica sujeito a doís senhores Pois como o poder esPiritual reclama o direito de declarar o que é pecado reclama por conseqüência o direito de declarar o que é lei nada mais sendo o pecado do que a transgressão da lei e dado que por outro lado o poder civil reclama o direito de declarar o que é lei todo súdito tem de obedecer a dois senhores ambos os quais querem ver as suas ordens cumpridas como leis o que é impossível Ora se houver apenas um reino ou o civil que é o poder da república tem de estar subordinado ao espiritual e então não há nenhuma soberania exceto a espiritual ou o esPiritual tem de estar subordinado ao temporal e então não existe outra supremacia senão a temporal Quando portanto estes dois poderes se opõem um ao outro a república só pode estar em grande perigo de guerra civil e dissolução Pois sendo a autoridade civil mais visível e aparecendo na luz mais clara da razão natural não pode fazer outra coisa senão atrair para ela em todas as épocas uma parte muito considerável do povo A autoridade espiritual por sua vez permanece na escuridão das distinções dos escolásticos e das palavras difíceis mas como o medo da escuridão e dos espíritos é maior do que os outros medos não pode deixar de congraçar um partido suficiente para a desordem e muitas vezes para a destruição da república E isto é uma doença que não é inadequado comparar à epilepsia ou 278 XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República malcaduco que os judeus consideravam como uma espécie de possessão pelos espíritos no corpo natural Pois assim como nesta doença há um espírito não natural ou vento na cabeça que obstrui as raízes dos nervos e agitandoos violentamente faz desaparecer o movimento que naturalmente eles deviam ter como resultado do poder da alma sobre o cérebro e que por isso causa movimentos violentos e irregulares as chamadas convulsões nas partes a ponto de aquele que é tomado por eles cair umas vezes na água outras vezes no fogo como um homem destituído de sentidos também no corpo político quando o poder espiritual agita os membros de uma república pelo terror dos castigos e pela esperança das recompensas que são os seus nervos e não pelo poder civil que é a alma da república como deviam ser movidos e por meio de palavras estranhas e difíceis sufoca o seu entendimento necessariamente deixa aturdido o povo e submerge a república na opressão ou a lança no fogo de uma guerra civil Acontece por vezes também que no governo meramente civil há mais do que uma alma como por exemplo quando o poder de arrecadar impostos que é a faculdade nutritiva depende de uma assembléia geral o poder de conduzir e comandar que é a faculdade motora depende de um só homem e o poder de fazer leis que é a faculdade racional depende do consenso acidental não apenas daqueles dois mas também de um terceiro Isto coloca em perigo a república às vezes por falta de consenso para boas leis mas sobretudo por falta daquele alimento que é necessário para a vida e para o movimento Pois muito embora alguns percebam que tal governo não é governo mas divisão da república em três facções e a chamem monarquia mista a verdade é que não é uma repúblíca independente mas três facções independentes não uma pessoa representante mas três No Reino de Deus pode haver três pessoas independentes sem quebra da unidade no Deus que reina mas quando são os homens que reinam e estão sujeitos à diversidade de opiniões isso não pode acontecer E portanto se o rei é por tador da pessoa do povo e a assembléia geral também porta a 279 Governo misto li li I i j f1 1 I 173 Falta de dinheiro Parte 2 Da República pessoa do povo e uma outra assembléia é portadora da pessoa de uma parte do povo não há apenas uma pessoa nem um soberano mas três pessoas e três soberanos Não sei a que doença do corpo natural do homem posso comparar exatamente esta irregularidade de uma república Mas uma vez vi um homem que tinha outro homem saindo de um dos seus lados com cabeça braço tronco e estômago próprios Se tivesse outro homem do outro lado a comparação podia então ser exata Até aqui tenhome referido às doenças da república que representam um perigo maior e mais premente Há outras não tão graves que convém contudo observar Em primeiro lugar a dificuldade de conseguir dinheiro para os gastos necessários da república especialmente em vésperas de guerra Esta dificuldade surge da opinião de que cada súdito tem nas suas terras e bens uma propriedade exclusiva do direito do soberano ao seu uso Daqui se segue que o poder soberano que prevê as necessidades e perigos da república encontrando obstruída pela teimosia do povo a passagem do dinheiro para o tesouro público quando se devia ampliar para enfrentar e evitar tais perigos no seu inicio contraise tanto quanto possível e quando já não o pode fazer mais luta com o povo por meio dos estratagemas da lei a fim de obter pequenas somas que não sendo suficientes o levam afinal a se decidir a abrir violentamente o caminho para o fornecimento necessário ou então perecerá E sendo muitas vezes forçado a estes extremos reduz por fim o povo à atitude devida caso contrário a república necessariamente perecerá De tal modo que podemos muito bem comparar este desarranjo a uma febre sezão na qual estando coaguladas as partes carnosas ou obstruídas por matéria peçonhenta as veias que pelo seu curso natural esvaziamse no coração não são como deviam ser supridas pelas artérias e disso resulta primeiro uma contração fria e um tremor dos membros e depois um esforço violento e forte do coração a fim de forçar a passagem do sangue e antes que o consiga fazer contentase com os pequenos alívios provocados por aquelas 280 L XXIX Das coisas que Enfraquecem uma República coisas que refrescam momentaneamente até que se a natureza for suficientemente forte vence finalmente a resistência das partes obstruídas e dissipa o veneno em suor ou então se a natureza for demasiado fraca o doente morre Também existe às vezes na república uma doença que se assemelha à pleurisia e isso se dá quando o tesouro da república saindo do seu curso normal se concentra com demasiada abundância em um ou vários individuos particulares por meio de monopólios ou de arrendamentos das rendas públicas do mesmo modo que o sangue numa pleurisia alcançando a membrana do tórax causa ai uma inflamação acompanhada de febre e de pontadas dolorosas Também a popularidade de um súdito poderoso a me nos que a república tenha uma garantia muito forte da sua fidelidade constitui uma perigosa doença porque o povo que devia receber o seu movimento da autoridade do soberano pela adulação e reputação de um homem ambicioso é desvia do da sua obediência às leis para seguir alguém cujas virtudes e desígnios desconhece E isto representa habitualmente um perigo maior num governo popular do que numa monarquia porque o exército é tão forte e numeroso que se torna fácil acreditar que ele é o povo Por este meio Júlio César que fora erguido pelo povo contra o Senado depois de conquistar para si próprio a afeição do seu exército tornouse senhor tanto do Senado como do povo E este procedimento de homens populares e ambiciosos é pura rebelião e pode ser comparado aos efeitos da feitiçaria Outra debilidade da república é a grandeza imoderada de uma cidade quando esta é capaz de fornecer de seu próprio perímetro os contingentes e os recursos para um grande exérci to como também constituí uma debilidade o grande número de corporações que são como que muitas repúblicas menores nas entranhas de uma maior como vermes nas entranhas do homem natural A isso se pode acrescentar a liberdade de dis Syn cidade 281 Monopólios e abusos dos publicanos Homens populares 174 f wandeza exassiva de uma cidade ou multidão de corpo rações Liberdade de discutir o poder soberano Parte 2 Da República Dissolução da república cutir O poder absoluto daqueles que fingem ter prudência política os quais educados na maior parte entre as fezes do povo mas animados por falsas doutrinas estão em perpétua contenda com as leis fundamentais para grande incômodo da república tal como os pequenos vermes que os médicos denominam ascárides Podemos ainda acrescentar o apetite insaciável ou bulimia de alargar os domínios as feridas incuráveis muitas vezes por isso mesmo recebidas do inimigo e os tumores de conquistas caóticas que constituem muitas vezes uma carga e que são conservadas com maior perigo do que se fossem perdidas e também a letargia do ócio e o consumo dos tumultos e vãs despesas Finalmente quando numa guerra externa ou interna os inimigos obtêm uma vitória final a ponto de não se mantendo mais em campo as forças da república não haver mais proteção dos súditos leais então está a república DISSOLVIDA e todo o homem tem a liberdade de proteger a si próprio por aqueles meios que a sua prudência lhe sugerir Pois o sobera no é a alma pública que dá vida e movimento à república e quando esta expira os membros deixam de ser governados por ela tal como a carcaça do homem quando se separa da sua alma ainda que imortal Pois muito embora o direito de um monarca soberano não possa ser extinguido pelo ato de outro a obrigação dos membros pode Pois aquele que quer proteção pode procuráIa em qualquer lugar e quando a obtém fica obrigado sem o pretexto fraudulento de se ter submetido por medo a proteger a sua proteção enquanto for capaz Mas quando o poder de uma assembléia é suprimido o seu direito desaparece completamente porque a própria assembléia fica extinta e por conseguinte não há nenhuma possibilidade de a soberania reaparecer 282 xxx Do Cargo do Soberano Representante CAPo XXX Do CARGO do Soberano Representante o CARGO do soberano seja ele um monarca ou uma assembléia consiste no fim para o qual lhe foi confiado o poder soberano nomeadamente a obtenção da segurança do povo ao qual está obrigado pela lei de natureza e do qual tem de prestar contas a Deus o autor dessa lei e a mais ninguém além dele Mas por segurança não entendemos aqui uma simples preservação como também todos os outros confortos da vida que cada homem por esforço lícito sem perigo ou inconveniente para a república adquire para si próprio E pensase que isto deve ser feito não por meio de um cuidado com os indivíduos maior do que a sua proteção em relação a ofensas de que se queixem mas por uma providência geral contida em instrução pública quer de doutrina quer de exemplo e na feitura e execução de boas leis que os indivíduos possam aplicar aos seus próprios casos E porque se os direitos essenciais da soberania anteriormente especificados no capítulo XVIII forem retirados a república fica por isso dissolvida e cada homem volta à condição e calamidade de uma guerra com os outros homens que éo maior mal que pode acontecer nesta vída faz parte do cargo do soberano manter esses direitos na sua integridade e conseqüentemente é contra o seu dever em primeiro lugar transferir para outro ou abdicar de qualquer deles Pois aquele que desampara os meios desampara os fins e desempara os meios aquele que sendo o soberano reconhece estar sujeito às leis civís e renuncia ao poder da judicatura suprema ou ao poder de fazer a paz e a guerra por sua própria autoridade ou de julgar as necessidades da república ou de arrecadar impostos e recrutar soldados quando e na medida em que segundo a sua própria consciência lhe parecer necessário ou de nomear 283 175 Obtenção do bem do povo Pela instrução e leis I li I i J É contra o dever do soberano renunciar a qualquer direito essencial de soberania t Ou deixar de ensinar ao povo os seus ftndammtos 176 Objeção dos que dizem que não hã princípios da razão para a soberania absoluta Parte 2 Da República funcionários e ministros quer da guerra quer da paz ou de nomear professores e de examinar que doutrinas são conformes ou contrárias à defesa paz e bem do povo Em segundo lugar é contra o seu dever deixar o povo ser ignorante ou desinforllado dos fundamentos e razões daqueles seus direitos essenciais porque assim os homens são facilmente seduzidos e levados a resistirlhe quando a república precisar da sua cooperação e ajuda Antes os fundamentos desses direitos devem ser ensinados de forma diligente e verdadeira porque não podem ser mantidos por nenhuma lei civil ou pelo terror de uma punição legal Pois uma lei civil que proíba a rebelião e nisso consiste toda a resistência aos direitos essenciais da soberania não é como uma lei civil nenhuma obrigação a não ser por virtude da lei de natureza que proíbe a violação do juramento a qual obrigação natural se não for conhecida dos homens impede que eles conheçam o direito de qualquer lei que o soberano faça E quanto à punição encaramna apenas como um ato de hostilidade que quando julgarem ter força suficiente tentarão evitar através de atos de hostilidade Como tenho ouvido dizer a alguns que a justiça não passa de uma palavra sem substância e que seja o que for que um homem possa pela força ou por artifício adquirir para si próprio não apenas em situação de guerra mas também numa república é dele mesmo o que já mostrei ser falso do mesmo modo também há aqueles que sustentam não existirem fundamentos nem princípios racionais que apóiem aqueles direitos essenciais que tornam absoluta a soberania Porque se existissem teriam sido descobertos em algum lugar e o que vemos até agora é que ainda não existiu nenhuma república em que esses direitos tenham sido reconhecidos ou discutidos Esse argumento é tão ruim como o seria os dos selvagens da América que negassem quaisquer fundamentos ou princípios racionais para construir uma casa capaz de durar tanto como os materiais porque nunca viram ainda uma tão bem constituída O tempo e a indústria todos os dias produzem conhecimento E 284 1 XXX Do Cargo do Soberano Representante tal como a arte de bem construir deriva de princípios racionais observados pelos homens industriosos que durante muito tempo estudaram a natureza dos materiais e os diversos efeitos de figura e proporção muito depois de a humanidade começar ainda que pobremente a construir do mesmo modo muito tempo depois que os homens começaram a constituir repúblicas imperfeitas e susceptíveis de cair em desordem podem ser descobertos por meio de uma industriosa meditação princípios racionais para tornar duradoura a sua constituição excetuada a violência externa E tais são aqueles que tenho apresentado neste discurso preocupandome hoje muito pouco que não sejam vistos por aqueles que têm o poder para os utilizar ou que sejam desprezados por eles ou não Mesmo supondo que estes meus princípios não sejam princípios da razão tenho a certeza de que são princípios tirados da autoridade das Escrituras como mostrarei quando falar do Reino de Deus administrado por Moisés sobre os judeus seu povo dileto por meio de um pacto Mas insistem que muito embora os princípios possam estar certos o povo vulgar não tem capacidade suficiente para ser levado a entendêIos Ficaria contente se os súditos ricos e poderosos de um reino ou aqueles que são considerados mais instruídos não fossem tão incapazes como o povo Ora todos sabem que a oposição a este tipo de doutrina não resulta tanto da dificuldade do assunto como do interesse daqueles que a devem aprender Os homens poderosos dificilmente digerem algo que estabeleça um poder para refrear as suas paixões e os homens eruditos algo que descubra os seus erros e portanto diminua a sua autoridade Por sua vez o espírito da gente vulgar a menos que esteja enodoado por uma dependência em relação aos poderosos ou rabiscado com as opiniões dos seus doutores é como papel em branco pronto para receber seja o que for que a autoridade pública queira nele imprimir Devem nações inteiras ser levadas a aquiescer aos grandes mistérios da religião cristã que estão acima da razão e devem milhões de homens ser levados a acreditar que o mesmo corpo Objeção extraida da incapacidade do vulgo I 177 285 Parte 2 Da República Os súditos devem ser ensinados a não gostar das mudanças de governo pode estar em inúmeros lugares ao mesmo tempo o que é contra a razão E em virtude do ensino e pregação protegidos por lei não devem os homens ser capazes de só aceitar o que é conforme à razão de maneira tal que qualquer homem sem preconceitos nada mais precise para aprendêIo do que ouviIo Concluo portanto que na instrução do povo acerca dos direitos essenciais que são as leis naturais e fundamentais da soberania não há nenhuma dificuldade enquanto um soberano conservar inteiro o seu poder exceto aquilo que resulta dos seus próprios erros ou dos erros daqueles a quem confia a administração da república e conseqüentemente é seu dever fazer que seja assim instruído e não apenas seu dever mas seu benefício também e segurança contra o perigo que pode vir da rebelião para a sua pessoa natural E descendo aos pormenores deve ensinarse ao povo em primeiro lugar que ele não se deve enamorar de qualquer forma de governo que veja nas nações vizinhas mais do que da sua própria tampouco seja qual for a presente prosperidade que observem em nações governadas de maneira diferente da sua deve desejar a mudança Pois a prosperidade de um povo governado por uma assembléia aristocrática ou democrática não vem nem da aristocracia nem da democracia mas da obediência e concórdia dos súditos assim como também o povo não floresce numa monarquia porque um homem tem o direito de o governar mas porque lhe obedece Retirem de qualquer espécie de Estado a obediência e conseqüentemente a concórdia do povo e ele não só não florescerá como a curto prazo será dissolvido E aqueles que empreendem reformar a república pela desobediência verão que assim o destroem como as loucas filhas de Pélias na fábula as quais desejando trazer de volta a juventude do pai decrépito seguindo o conselho de Mediia o cortaram em pedaços e o cozinharam juntamente com ervas estranhas porém não fizeram dele um novo homem Este desejo de mudar é como a quebra do primeiro dos mandamentos de Deus pois aí Deus diz Non habebis Deos alienos Não terás os deuses das outras nações e em outro texto referente aos reis que eles são deuses 286 xxx Do Cargo do Soberano Representante Em segundo lugar deve ser ensinado a não se deixar levar pela admiração da virtude de nenhum dos seus concidadãos por muito alto que se eleve ou por mais brilho que tenha na república nem de nenhuma assembléia exceto a assembléia soberana a ponto de lhe prestar a obediência ou honra adequada apenas ao soberano que nas suas posições específicas eles representam nem a receber nenhuma influência deles além da que lhes é conferida pela autoridade soberana Pois não se concebe que um soberano ame o seu povo como deve se não for zeloso dele e se permitir que seja pela lisonja de homens populares seduzido e afastado da sua lealdade como muitas vezes tem sido não apenas secretamente mas abertamente a ponto de proclamar o seu casamento com eles in facie ecclesiae por meio de pregadores e publicando a mesma coisa nas ruas o que pode ser adequadamente comparado à violação do segundo dos dez mandamentos Em terceiro lugar em conseqüência disto o povo deve ser informado de como é uma falta grave falar mal do soberano representante quer se trate de um homem quer se trate de uma assembléia ou pôr em questão e disputar o seu poder ou de qualquer modo usar seu nome com irreverência de modo que seja desprezado pelo povo e que permita a obediência deste na qual reside a segurança da república afrouxarse doutrina que o terceiro mandamento aponta por semelhança Em quarto lugar como o povo não consegue aprender isto ou aprendendoo não consegue lembráIo nem mesmo depois de uma geração sequer para saber em que reside o poder soberano sem se afastar do seu trabalho habitual algumas vezes para poder escutar aqueles que foram designados para instruíIo é necessário que sejam determinadas ocasiões em que se possa reunir depois das orações e das ações de graças a Deus o Soberano dos Soberanos para ouvir seus deveres para que as leis positivas principalmente as que se referem a todos sejam lidas e expostas e para que se recordem da autoridade que as tornou leis Com essa finalidade tinham os judeus a cada sete dias um Sabá em que a lei era lida e exposta e nesta sole 287 E a não aderir contra o soberano a pessoas populares 178 ii Nem a disputar o poder soberano 1t 1 E a ter dias próprios para apreuder o seu dever Parte 2 Da República E a honrar seus pais nidade lhes era lembrado que o seu rei era Deus que tendo criado o mundo em seis dias Ele descansou no sétimo dia e por descansarem do seu trabalho era seu rei aquele Deus que os redimiu das tarefas servis e penosas que faziam no Egito e lhes concedeu um período depois de se terem regozijado em Deus para se alegrarem também por meio de um divertimento legítimo De tal modo que a primeira tábua dos mandamentos é toda dedicada a enumerar a suma do poder absoluto de Deus não apenas como Deus mas como rei por pacto em especial dos judeus e pode portanto iluminar aqueles que receberam o poder soberano por consentimento dos homens a fim de verem que doutrina devem ensinar aos seus súditos E porque a primeira instrução das crianças depende do cuidado dos pais é necessário que elas lhes obedeçam enquanto estão sob a sua tutela e não apenas isto mas que também mais tarde como a gratidão o exige reconheçam os benefícios da sua educação através de sinais externos de honra Para esse fim devem ser ensinadas que originariamente o pai de todo homem era também o seu senhor supremo com poder de vida e de morte sobre eles e que os pais de família quando ao instituírem a república abdicaram daquele poder absoluto nunca pretenderam perder a honra que lhes era devida pela educação que davam Pois não era necessário à instituição do soberano renunciar a tal direito nem haveria nenhuma razão para que alguém desejasse ter filhos ou ter o encargo de os alimentar e instruir se mais tarde não devesse receber deles benefícios diferentes daqueles que recebem dos outros homens E isto concorda com o quinto mandamento Também todo soberano deve fazer que a justiça seja ensinada o que consistindo esta em não tirar a nenhum homem aquilo que é dele equivale a dizer que deve fazer os homens serem ensinados a não despojar por violência ou fraude os seus vizinhos de nada que seja deles pela autoridade do soberano Entre as coisas tidas em propriedade aquelas que são mais caras ao homem são a sua própria vida e membros e no grau seguinte na maior parte dos homens as que se referem à 179 E a evitar praticar dano 288 XXX Do Cargo do Soberano Representante afeição conjugal e depois delas as riquezas e os meios de vida Portanto o povo deve ser ensinado a absterse de violência para com as pessoas dos outros por meio de vinganças pessoais de violação da honra conjugal e de rapina violenta e de subtração fraudulenta dos bens uns dos outros Para esse propósito é também necessário que lhe sejam mostradas as más conseqüências de falsos julgamentos por causa de corrupção dos juízes ou das testemunhas pelos quais desaparece a distinção de propriedade e a justiça se torna de nenhum efeito coisas que estão todas preconizadas no sexto sétimo oitavo e nono mandamentos Finalmente develhe ser ensinado que não apenas os fatos injustos mas também os desígnios e intenções de os praticar embora acidentalmente impedidos constituem injustiça a qual consiste tanto na depravação da vontade como na irregularidade do ato E esta é a intenção do décimo mandamento e a súmula da segunda tábua a qual toda ela se reduz a este mandamento de caridade mútua Amarás a teu próximo como a ti mesmo assim como a súmula da primeira tábua se reduz ao amor de Deus que então tinham recebido havia pouco tempo como seu rei Quanto aos meios e instrumentos pelos quais o povo pode receber esta instrução devemos investigar por que meios tantas opiniões contrárias à paz da humanidade embora apoiadas em principios fracos e falsos nele se eraizaram tão profundamente Refirome àquelas que especifiquei no capítulo precedente como a que afirma deverem os homens julgar aquilo que é lícito ou ilícito não de acordo com a própria lei mas segundo as suas próprias consciências isto é pelos seus juízes particulares também que os súditos pecam ao obedecer às ordens da república a menos que primeiro tenham verificado serem elas lícitas que a sua propriedade em bens é tal que exclui o domínio que a república tem sobre eles que é legítimo os súditos matarem os que denominam tiranos que o poder soberano pode ser dividido e assim por diante Essas opiniões vêm a ser instiladas no povo da maneira como se segue tanto 289 E a fazer tudo isto sinceramente de bom grado o uso das universidades Ili o i II e d I r Parte 2 Da República 18 0J aqueles que por necessidade ou cobiça dedicam sua atenção aos negócios e lidas como aqueles de outro lado cuja superfluidade ou indolência os impelem à busca de prazeres sensuais as duas espécies de homens que compõem a maior parte da humanidade ao se desviarem da meditação profunda que necessariamente exige o aprendizado da verdade não apenas em questões de justiça natural mas também em todas as outras questões recebem as noções dos seus deveres basicamente dos teólogos no púlpito e em parte daqueles seus vizinhos ou familiares que tendo a faculdade de discorrer prontamente e de maneira plausível parecem mais sábios e mais instruídos em casos de lei e de consciência do que eles próprios Quanto aos teólogos e outros que fazem ostentação de erudição tiram o seu conhecimento das universidades e das escolas de direito ou de livros que foram publicados por homens eminentes nessas escolas e universidades É portanto manifesto que a instrução do povo depende totalmente de um adequado ensino da juventude nas universidades Mas podem alguns dizer não são as universidades da Inglaterra já suficientemente eruditas para fazer isso Ou será que desejais ensinar as Universidades Perguntas difíceis Contudo não hesito em responder à primeira que até por volta dos últimos anos do reinado de Henrique VIII o poder do papa se erguia sempre contra o poder da república principalmente por meio das Universidades e que as doutrinas defendidas por tantos pregadores contra o poder soberano do rei e por tantos juristas e outros que ali tinham recebido a sua educação constituem um argumento suficiente de que muito embora as universidades não fossem as autoras daquelas falsas doutrinas não souberam semear a verdade Pois no meio de tantas opiniões contraditórias o mais certo é que não tenham sido suficientemente instruídas e não é de causar espanto se ainda conservam os sabores daquela sutil bebida em algum momento temperada contra a autoridade civil Mas quanto à segunda pergunta não me compete nem é necessário dizer sim nem não pois qualquer homem que veja o que estou fazendo pode facilmente perceber aquilo que penso 290 XXX Do Cargo do Soberano Representante A segurança do povo exige além disso da parte daquele ou daqueles que detêm o poder soberano que a justiça seja administrada com igualdade a todas as categorias do povo isto é que tanto aos ricos e poderosos como às pessoas pobres e obscuras se faça justiça das ofensas contra eles praticadas Assim os grandes não terão maior esperança de impunidade quando fazem violências desonras ou quaisquer ofensas aos de condição inferior do que quando um destes faz o mesmo a um deles Com efeito nisso consiste a eqüidade à qual na medida em que é um preceito da lei de natureza um soberano estátão sujeito como o mais ínfimo do povo Todas as violações da lei são ofensas contra a república mas há algumas que o são também contra as pessoas privadas Só aquelas que dizem respeito à república podem sem violação da eqüidade ser perdoadas pois todo homem pode perdoar aquilo que é feito contra ele próprio conforme achar melhor Mas uma ofensa contra um indivíduo particular não pode ser de acordo com a eqüidade perdoada sem o consentimento daquele que foi ofendido ou sem uma razoável satisfação A desigualdade dos súditos resulta dos atos do poder so berano e portanto não tem mais lugar na presença do soberano isto é num Tribunal de Justiça do que a desigualdade entre os reis e seus súditos na presença do Rei dos Reis A honra das grandes pessoas deve ser avaliada pela sua beneficência e pela ajuda que dão aos homens de condição mesquinha ou sem condição nenhuma E as violências opressões e ofensas que come tem não são atenuadas mas antes agravadas pela grandeza das suas pessoas porque têm menos necessidade de as cometer As conseqüências desta parcialidade para com os grandes sucedemse do seguinte modo a impunidade faz a insolência a insolência o ódio e o ódio a tentativa de derrubar toda a grandeza opressora e insolente ainda que com a ruína da república Da igualdade da justiça faz parte também a igual cobrança de impostos igualdade que não depende da igualdade dos bens mas da igualdade da dívida que cada homem tem para com a república para sua defesa Não é suficiente que um ho 291 II11 Ili 1 4 11 1 d i I 181 Impostos iguais Parte 2 Da República Caridade pública mem trabalhe para sustentar sua vida é necessário também que lute se for preciso para assegurar o seu trabalho Ou faz como os judeus fizeram depois do regresso do cativeiro reedificando o templo com uma mão e segurando a espada com a outra ou então contrata outros para lutar por ele Pois os impostos que são cobrados ao povo pelo soberano nada mais são do que os soldos devidos àqueles que seguram a espada pública para defender os particulares no exercício de suas váriasl atividades e profissões Considerando então que o benefício que todos retiram disso é o usufruto da vida que é igualmente cara ao pobre e ao rico a dívida que o homem pobre tem para com aqueles que defendem a sua vida é a mesma que o homem rico tem pela defesa da sua exceto que os ricos que têm o serviço dos pobres podem ser devedores não apenas das suas pessoas mas de muitas mais Por causa disso a igualdade dos impostos consiste mais na igualdade daquilo que é consumido do que nos bens das pessoas que o consomem Pois que razão há para que aquele que trabalha muito e poupando os frutos do seu trabalho consome pouco tenha uma carga superior à daquele que vivendo ociosamente ganha pouco e gasta tudo o que ganha se um não recebe maior proteção da república do que o outro Mas quando os impostos incidem sobre as coisas que os homens consomem todos pagam igualmente por aquilo que usam e a república também não é defraudada pelo desperdício luxurioso dos particulares E sempre que muitos homens por um acidente inevitável se tornam incapazes de se sustentar com o seu trabalho não devem ser deixados à caridade de particulares mas ser supridos tanto quanto as necessidades da natureza o exigirem pelas leis da república Pois assim como é falta de caridade em qualquer homem abandonar aquele que não tem forças também o é no soberano de uma república expõlo aos acasos de uma caridade tão incerta Mas no que diz respeito àqueles que possuem corpos vigorosos a questão colocase de outro modo devem ser forçados Prevenção do ócio I Syn várias 292 xxx Do Cargo do Soberano Representante a trabalhar e para evitar a desculpa de que não encontram emprego deve haver leis que incentivem todas as espécies de oficios como a navegação a agricultura a pesca e todo tipo de manufatura que exige trabalho Caso houver o aumento constante da multidão de pessoas pobres mas vigorosas elas deverão ser removidas para regiões ainda não suficientemente habitadas onde não deverão exterminar aqueles que lá encontrarem mas obrigálos a habitar mais perto uns dos outros e a não explorar uma grande extensão de solo para colher o que encontram e sim tratar cada pequeno pedaço de terra com arte e cuidado a fim de este lhes dar o sustento na devida época E quando toda a terra estiver superpovoada então a última solução é a guerra que trará aos homens ou a vitória ou a morte Pertence ao cuidado do soberano fazer boas leis Mas o que é uma boa lei Por boa lei não entendo uma lei justa pois nenhuma lei pode ser injusta A lei é feita pelo poder soberano e tudo o que é feito por tal poder é permitido e reconhecido como seu por todo o povo e aquilo que qualquer homem assim tiver ninguém pode dizer que é injusto Acontece com as leis da república o mesmo que com as leis do jogo seja o que for que os jogadores estabeleçam não é injustiça para nenhum deles Uma boa lei é aquela que é necessária para o bem do povo e além disso clara Pois o objetivo das leis que são apenas regras autorizadas não é coibir o povo de todas as ações voluntárias mas sim dirigil o e mantê lo num movimento tal que não se fira com os seus próprios desejos impetuosos cbm a sua precipitação ou indiscrição do mesmo modo que as sebes não são colocadas para deter os viajantes mas sim para os manter no caminho E portanto uma lei que não é necessária não tendo a verdadeira finalidade de uma lei não é boa Pode imaginarse que uma lei seja boa quando é para benefício do soberano muito embora não seja necessária para o povo mas não é assim Pois o bem do soberano e do povo não podem ser separados É um soberano fraco o que tem súditos fracos e é um povo fraco aquele cujo soberano carece de poder para governar à sua von 293 182 1o que são boas leis u 11 ii Ii j l As que são necessárias Parte 2 Da República As que são claras tade Leis desnecessárias não são boas leis mas sim armadilhas para dinheiro são supérfluas quando o direito do soberano é reconhecido e quando este não é reconhecido são insuficientes para defender o povo A clareza não consiste tanto nas palavras da própria lei como na declaração das causas e motivos que lhe deram origem Isto é o que nos mostra a intenção do legislador e conhecida a intenção do legislador a lei é mais facilmente compreendida com poucas palavras do que com muitas Pois todas as palavras estão sujeitas à ambigüidade e portanto a multiplicação de palavras no texto da lei é uma multiplicação da ambigüidade Além disso parece implicar por demasiada diligência que quem puder evadir as palavras estará fora do alcance da lei E isto é a causa de muitos processos desnecessários Pois quando vejo quão curtas eram as leis dos tempos antigos e como a pouco e pouco se foram tornando mais extensas penso ver uma luta entre os redatores e os litigantes da lei os primeiros buscam circunscrever os segundos e os segundos evadir suas circunscrições tendo estes alcançado a vitória Pertence portanto à função do legislador tal é em todos as repúblicas o supremo representante seja ele um homem ou uma assembléia tornar clara a razão pela qual a lei foi feita e o próprio corpo da lei tão curto mas em termos tão adequados e significantes quanto possível Pertence também ao cargo do soberano estabelecer uma correta aplicação das punições e recompensas E considerando que o objetivo da punição não é a vingança nem dar largas à cólera mas sim a correção do ofensor ou de outros através do exemplo as mais severas punições devem ser infligidas aos crimes que são de maior perigo para a coisa pública como os que provêm de dolo contra o governo estabelecido os que brotam do desprezo da justiça os que provocam indignação na multidão e os que quando não punidos parecem autorizados como os cometidos por filhos servidores ou favoritos dos homens com autoridade pois a indignação leva os homens não só contra os atores e autores da injustiça mas também contra Puniçõ es 183 1 294 xxx Do Cargo do Soberano Representante todo poder que os parece proteger como no caso de Tarquínio quando por causa do ato insolente de um dos seus filhos foi expulso de Roma e a própria monarquia foi dissolvida Mas crimes por fraqueza como os que resultam de grande provocação de grande temor de grande necessidade ou de ignorância seja ou não o ato em crime grave muitas vezes dão ensejo à clemência sem prejuízo para a república e a clemência quando para ela há ensejo é exigida pela lei de natureza A punição aos líderes e mentores num tumulto e não ao pobre povo seduzido pode ser útil à república como exemplo Ser severo com o povo é punir a ignorância que pode em grande parte ser atribuída ao soberano cujo erro consistiu em não o ter instruído melhor Do mesmo modo pertence ao cargo e ao dever do sobera no distribuir as suas recompensas sempre que delas possa resultar um benefício para a república e nisso consiste seu emprego e sua finalidade E isso se verifica quando aqueles que bem serviram à república são com a menor despesa possível para o Tesouro comum bem recompensados a ponto de outros ficarem encorajados quer para a servir com a maior lealdade possível quer para estudarem as artes que lhes permitam fazê10 melhor Comprar com dinheiro ou com mercês um súdito ambicioso e popular para que fique quieto e desista de provocar más impressões no espírito do povo nada tem a ver com recompensa a qual não é dada por desserviços mas sim por bons serviços passados nem sinal de gratidão mas de medo tampouco contribui para o benefício mas para o prejuízo da coisa pública É uma luta contra a ambição como a que Hércules travou com o monstro de Hidra o qual tendo muitas cabeças para cada uma que desaparecia havia outras três que cresciam Pois da mesma maneira quando a ousadia de um homem popular é dominada com recompensa surgem muitos mais devido ao exemplo que fomentam idêntica discórdia na esperança de receberem igual benefício como todas as espécies de manufatura a malevolência aumenta por ser vendável E muito embora às vezes se possa adiar uma guerra civil com 295 Recompensas li 1 1 1 I 1 j 1 i Parte 2 Da República Conselheiros tais meios o perigo tornase ainda maior e a ruína do público mais certa É portanto contra o dever do soberano a quem está entregue a segurança pública recompensar aqueles que aspiram à grandeza perturbando a paz do seu país em vez de se opor às primeiras iniciativas de tais homens correndo um pequeno risco que se torna maior com o passar do tempo Outra tarefa do soberano consiste em escolher bons conselheiros quero dizer aqueles cujo conselho deve ouvir no governo da república Pois esta palavra conselho consilium corruptela de considium tem uma ampla significação e inclui todas as assembléias que se reúnam não apenas para deliberar o que deve ser feito no futuro mas também para julgar os fatos passados e a lei para o presente Aqui empregoa apenas no primeiro sentido e neste sentido não há escolha de conselho nem numa democracia nem numa aristocracia porque as pessoas que aconselham são parte da pessoa aconselhada A escolha de conselheiros portanto é própria da monarquia na qual o soberano que não procurar escolher aqueles que em todos os sentidos são os mais aptos não desempenha o seu cargo como deve Os conselheiros mais capazes são os que menos têm a ganhar com um mau conselho e aqueles que possuem maior conhecimento daquilo que leva à paz e defesa da república É dificil saber quem espera benefícios das perturbações públicas mas os sinais que guiam uma suspeição justa são a adulação do povo em seus agravos desarrazoados ou irremediáveis por parte de homens cujas posses não são suficientes para cobrir as suas despesas habituais sinais estes que podem ser facilmente observados por qualquer pessoa que se interesse por descobriIos Mas ainda é mais difícil conhecer quem tem maior conhecimento dos negócios públicos e aqueles que os conhecem precisam muito pouco destes Com efeito conhecer aqueles que conhecem as regras de quase todas as artes constitui um grau elevado de conhecimento da mesma arte já que nenhum homem se pode certificar da verdade das regras dos outros salvo aquele que primeiro aprendeu a compreendêIas Mas os melhores sinais de conhecimento de qualquer arte são a familiaridade 184 296 xxx Do Cargo do Soberano Representante com ela e seus constantes bons efeitos O bom conselho não vem por sorte nem por herança e portanto não há mais razão para esperar bom conselho do rico ou nobre em questões de Estado do que no delinear das dimensões de uma fortaleza salvo se pensarmos que não é necessário método no estudo da política como é necessário no estudo da geometria bastando ser bom observador o que não é verdade pois a política é dos dois estudos o mais difícil Nestas regiões da Europa tem sido considerado um direito de certas pessoas fazer parte do mais alto conselho de Estado por herança o que tem origem nas con quistas dos antigos germanos nas quais muitos senhores absolutos reunindose para conquistar outras nações não entrariam na confederação sem aqueles privilégios que pudessem constituir marcas de diferença em tempos vindouros entre a sua posteridade e a posteridade dos seus súditos Embora esses privilégios sejam incompatíveis com o poder soberano pela graça do soberano parecem conserváIos mas lutando por eles como se fossem seus direitos têm necessariamente de os perder a pouco e pouco e por fim não recebem mais honras do que aquelas que resultam naturalmente das suas capacidades E por muito capazes que sejam os conselheiros em qualquer questão o benefício do seu conselho é maior quando dão a qualquer pessoa a sua opinião juntamente com as razões dela do que quando o fazem numa assembléia por meio de um discurso e é maior quando pensaram antes o que vão dizer do que quando o fazem de improviso em ambos os casos porque tiveram mais tempo para examinar as conseqüências da ação e estão menos sujeitos a cair em contradição devido à inveja à emulação ou a outras paixões que surgem da diversidade de opiniões O melhor conselho naquelas coisas que não dizem respei to a outras nações mas apenas ao bemestar e aos benefícios de que os súditos podem usufruir por leis que visam apenas ao interior deve ser tomado das informações gerais e das queixas do povo de cada província que melhor está a par das suas próprias necessidades queixas estas que portanto quando nada é pedido que prejudique os direitos essenciais da soberania 297 pj i ii 1115 1 J 11 85 Parte 2 Da República Comandantes devem ser diligentemente levadas em conta Pois sem esses direitos essenciais como disse muitas vezes antes a república de modo algum pode subsistir a comandanteemchefe de um exército se não for popular não será amado nem temido como deve pelo seu exército e por conseguinte não pode desempenhar com êxito aquela função Tem portanto que ser industrioso valente afável liberal e afortunado a fim de obter uma reputação quer de suficiência quer de amor aos seus soldados A isto se chama popularidade e alimenta nos soldados quer o brio quer a coragem para caírem em suas graças e protege a severidade do general ao castigar quando se torna necessário os soldados rebeldes ou negligentes Mas este amor dos soldados se não houver garantia da fidelidade do comandante é coisa perigosa para o poder soberano especialmente quando reside nas mãos de uma assembléia que não é popular Faz parte portanto da segurança do povo que aqueles a quem o soberano entrega os seus exércitos sejam ao mesmo tempo bons chefes e súditos fiéis Mas quando o próprio soberano é popular isto é respeitado e amado pelo povo não existe nenhum perigo na popularidade de um súdito Pois os soldados em geral nunca são tão injustos que se aliem ao seu capitão muito embora o amem contra o seu soberano quando não só amam a sua pessoa como também a sua causa E portanto aqueles que pela violência alguma vez destruíram o poder do seu legítimo soberano antes de conseguirem instalarse no seu lugar sempre se encontraram na situação penosa de forjar os seus títulos a fim de poupar ao povo a vergonha de os receber Possuir um direito reconhecido ao poder soberano é uma qualidade tão popular que aquele que o possui já não precisa por seu lado atrair para si os corações dos súditos mas apenas que o vejam absolutamente capaz de governar a sua própria família nem requer do lado dos seus inimigos senão a dispersão dos seus exércitos Pois a parte maior e mais ativa da humanidade nunca até agora este ve contente com o presente No que se refere às atribuições de um soberano para com outro que estão incluídas naquele direito que é comumente 298 XXXI Do Reino de Deus por Natureza chamado direito das gentes não preciso aqui dizer nada porque o direito das gentes e a lei de natureza são uma e mesma coisa E qualquer soberano tem o mesmo direito ao buscar a segurança do seu povo que qualquer homem privado precisa ter para buscar a sua própria segurançal E a mesma lei que dita aos homens destituídos de governo civil o que devem fazer e o que devem evitar no que se refere uns aos outros dita o mesmo às repúblicas isto é às consciências dos príncipes soberanos e das assembléias soberanas Não há de fato nenhum tribunal de justiça natural exceto na própria consciência e aí não é o homem que reina mas Deus cujas leis como as que obrigam toda a humanidade no que se refere a Deus na medida em que é o autor da natureza são naturais e no que se refere ao mesmo Deus na medida em que é Rei dos Reis são leis Mas do Reino de Deus como Rei dos Reis e também como Rei de um determinado povo falarei no restante deste discurso CAPo XXXI Do REINO DE DEUS POR NATUREZA Que a condição de simples natureza isto é de absoluta liberdade como é a daqueles que não são súditos nem soberanos é anarquia e condição de guerra que os preceitos pelos quais os homens são levados a evitar tal condição são as leis de natureza que uma república sem poder soberano não passa de uma palavra sem substância e não pode subsistir que os súditos devem aos soberanos simples obediência em todas as coisas nas quais a sua obediência não é incompatível com as leis de Deus provei suficientemente por meio daquilo que já escre 1 Syn a segurança de seu próprio corpo I 299 186 J I 1 1 J I i 45 111 51 a I I i I 5 Finalidade das capitulas seguintes SI 96 1 SI 98 1 Quem são os súditos no Reino de Deus 187 A tripla palavra de Deus razão revelação profecia Parte 2 Da República vi Falta apenas para um completo conhecimento do dever civil saber o que são essas leis de Deus Pois sem isso um homem não sabe quando algo lhe é ordenado pelo poder civil se isso é contrário à lei de Deus ou não e assim ou por uma excessiva obediência civil ofende a Divina Majestade ou com receio de ofender a Deus transgride os mandamentos da república Para evitar ambos estes escolhos é necessário saber o que são as leis divinas E dado que o conhecimento de toda lei depende do conhecimento do poder soberano direi algo nos capítulos seguintes sobre o REINO DE DEUS Deus é rei que a terra se alegre escreve o salmista E também Deus é rei muito embora as nações não o queiram e é aquele que está sentado sobre os querubins muito embora a terra seja movida Quer os homens queiram quer não têm de estar sempre sujeitos ao poder divino Negando a existência ou a providência de Deus os homens podem livrarse de seu conforto porém não do seu jugo No entanto chamar esse poder de Deus que se estende não só ao homem mas também aos animais e plantas e corpos inanimados pelo nome de reino é apenas um uso metafórico da palavra Pois só reina propriamente quem governa os seus súditos com a palavra e com a promessa de recompensa àqueles que lhe obedecem e cqm a ameaça de castigo àqueles que não lhe obedecem Portanto os súditos do Reino de Deus não são os corpos inanimados nem as criaturas irracionais porque não compreendem os seus preceitos tampouco os ateus ou aqueles que não acreditam que Deus se preocupe com as ações humanas porque não reconhecem nenhuma palavra como sua nem têm esperança nas suas recompensas nem receio das suas ameaças Aqueles portanto que acreditam haver um Deus que governa o mundo e que deu preceitos e propôs recompensas e castigos para a humanidade são os súditos de Deus todos os outros devem ser entendidos como seus inimigos Governar com palavras exige que tais palavras sejam tornadas conhecidas de forma manifesta pois de outro modo não são leis Pertence à natureza das leis uma promulgação suficiente e clara de tal modo que afaste a desculpa de ignorância Nas 300 XXXI Do Reino de Deus por Natureza leis dos homens só há uma maneira de fazer essa proclamação ou promulgação pela voz do homem Deus porém declara as suas leis de três maneiras pelos ditames da razão natural pela revelação e pela voz de algum homem ao qual por operar milagres concede crédito junto dos outros Daqui surge uma tripla voz de Deus racional sensivel e profética à qual corresponde uma tripla audição justa razão sensação sobrenatural e fé Quanto à sensação sobrenatural que consiste na revelação ou inspiração não foi dada nenhuma lei universal porque Deus só fala desse modo a determinadas pessoas e a homens diversos diz coisas diversas A partir da diferença entre as outras duas espécies de palavras de Deus racional e profética pode ser atribuído a Deus um duplo reino natural e profético natural quando governa pelos ditames naturais da justa razão todos aqueles homens que reconhecem a sua providência e profético quando tendo elegido uma nação específica os judeus como seus súditos os governa e a nenhum outro além deles não apenas pela razão natural mas também por leis positivas que lhes dá pela boca dos seus profetas Pretendo falar do Reino Natural de Deus neste capítulo O direito de natureza pelo qual Deus reina sobre os homens e pune aqueles que violam as suas leis deve ser derivado não do fato de os ter criado como se exigisse obediência por gratidão pelos seus benefícios mas sim do seu poder irresistível Mostrei primeiro como o direito soberano nasce de um pacto para mostrar como o mesmo direito pode surgir da natureza nada mais é preciso do que mostrar em que casos esse direito nunca é subtraído Dado que todos os homens por natureza têm direito a todas as coisas cada um deles tem direito a reinar sobre todos os outros Mas porque este direito não pode ser obtido pela força interessa à segurança de cada um pôr de lado esse direito a fim de escolher homens com autoridade soberana por consentimento comum para o governar e defender visto que se tivesse havido um homem de poder irresistivel não haveria razão para ele não governar por aquele poder e se de 301 o duplo Reino de Deus natural e profttico o direito de soberania de Deus derivado da sua onipotência II 2 J ií Ii I 11 I 7 H 188 o pecado não é causa de toda aflição SI 72 ver 1 2 3 Já 38 v 4 Parte 2 Da República fender a si próprio e a eles conforme lhe parecesse melhor Para aqueles portanto cujo poder é irresistível o domínio de todos os homens é obtido naturalmente pela sua excelência de poder e por conseqüência é por aquele poder que o reino sobre os homens e o direito de afligir os homens a seu belprazer pertence naturalmente a Deus TodoPoderoso não como criador e concessor de graças mas como onipotente E muito embora o castigo seja devido apenas ao pecado porque por essa palavra se entende sofrimento pelo pecado o direito de fazer sofrer nem sempre resulta dos pecados dos homens mas do poder de Deus Esta questão Por que razão os homens maus prosperam e os homens bons sofrem reveses foi muito discutida pelos antigos e o mesmo acontece com esta nossa questão Por que direito Deus dispensa as prosperidades e os reveses desta vida e é de tamanha dificuldade que tem abalado a fé não apenas do vulgo mas também dos filósofos e o que é mais dos santos no que se refere à divina providência Como é bom diz Davi o Deus de Israel para aqueles que têm um coração justo contudo os meus pés tinham quase desaparecido as minhas pisadas tinham quase desaparecido pois fiquei revoltado contra os maus quando vi os gentios em tal prosperidade E jó com que vigor apostrofou Deus por tantos sofrimentos que passara apesar da sua retidão Esta questão no caso dejó é resolvida pelo próprio Deus não por argumentos tirados dos pecados de jó mas do seu próprio poder Pois enquanto os amigos de jó deduziram de seus pecados os seus argumentos para o sofrimento dele e ele se defendeu pela consciência da sua inocência o próprio Deus tomou à sua conta o assunto e tendo justificado o sofrimento com argumentos tirados do seu poder como por exemplo este Onde estavas tu quando lancei as fundações da terra e outros semelhantes não só aprovou a inocência dejó como reprovou a errônea doutrina dos seus amigos Conforme a esta doutrina é a frase do nosso Salvador que se refere ao homem que nasceu cego com estas palavras Nem este homem pecou nem os seus pais para que as obras de Deus nele pudessem ser tornadas manifestas E muito embora seja dito que a 302 j XXXI Do Reino de Deus por Natureza morte entrou no mundo através do pecado com o que se quer dizer que se Adão nunca tivesse pecado nunca teria morrido isto é nunca teria sofrido a separação da sua alma e do seu corpo não se segue daí que Deus não tivesse podido fazêIo sofrer muito embora ele não tivesse pecado tal como provocou sofrimento em outros seres vivos que não podem pecar Tendo afirmado que o direito de soberania de Deus assenta apenas na natureza devemos considerar em seguida o que são as leis divinas ou ditames da razão natural leis essas que dizem respeito quer aos deveres naturais de cada homem para com os outros quer às honras naturalmente devidas ao nosso divino soberano As primeiras são as mesmas leis de natureza de que já falei nos capítulos XIV e XV deste tratado a saber a eqüidade a justiça a compaixão a humildade e as outras virtudes morais Restanos portanto considerar que preceitos são ditados aos homens apenas pela sua razão natural sem outra palavra de Deus referentes à honra e ao culto da Divina Majestade A honra consiste no pensamento interior e na opinião do poder e bondade de outra pessoa e portanto honrar a Deus é pensar tão bem quanto possível do seu poder e bondade E os sinais externos desta opinião que aparecem nas palavras e nos atos dos homens recebem o nome de culto que é uma parte daquilo que os latinos designavam pela palavra cultus pois cultus significa em sentido próprio e constante aquele trabalho que o homem exerce sobre uma coisa com o propósito de obter com isso um benefício Ora essas coisas de que tiramos benefícios ou estão sujeitas a nós e a vantagem produzida advém como um efeito natural do trabalho que sobre elas aplicamos ou não estão sujeitas a nós mas correspondem ao nosso trabalho segundo a sua própria vontade No primeiro sentido o trabalho exercido sobre a terra é denominado cultivo e a educação das crianças o cultivo dos seus espíritos No segundo sentido quando se deve cultivar a vontade dos homens para o nosso objetivo não pela força mas pela complacência significa o mesmo que cortejar isto é conquistar as boas graças por meio Leis divinas o que é honra e culto 189 303 iili Vários sinais de honra Culto natural e arbitrário Culto obrigatório e livre Parte 2 Da República de bons préstimos como por exemplo louvores reconhecimento do seu poder e tudo aquilo que agradar àqueles de quem espe ramos benefícios E isto é propriamente culto e neste sentido publícola significa aquele que faz o culto do povo e cultus Dei sig nifica o culto de Deus Da honra interna que consiste na opinião do poder e da bondade nascem três paixões o amor que se refere à bondade a esperança e o temor que estão relacionados com o poder e três partes do culto externo louvor glorificação e bênção sendo o su jeito do louvor a bondade e o sujeito da glorificação e da bên ção o poder e o efeito deles a felicidade O louvor e a glorificação são expressos quer por palavras quer por atos por palavras quando dizemos que um homem é bom ou grande por atos quando lhe agradecemos pela sua bondade e obedecemos ao seu poder A opinião da felicidade de alguém só pode ser expressa por palavras Há alguns sinais de honra quer nos atributos quer nos atos que o são naturalmente entre os atributos bom justo libe ral e outros semelhantes e entre os atos orações ações de graças e obediência Outros o são por instituição ou costume dos homens e em alguns tempos e lugares são honrosos em outros não são honrosos em outros são indiferentes como por exemplo os ges tos na saudação na oração e nas ações de graças em diferentes tempos e lugares usados de forma diferente O primeiro éo culto natural e o segundo o culto arbitrário E quanto ao culto arbitrário há duas diferenças pois algumas vezes tratase de um culto obrigatório e outras vezes de um culto voluntário I obrigatório quando é da maneira que quer aquele que é cultuado livre quando é daquela maneira que o cultuador considera adequada Quando é obrigatório não são as palavras ou gestos mas sim a obediência que constitui o culto Mas quando é livre o culto consiste na opinião dos espectadores pois se as palavras ou atos pelos quais pen samos venerar lhes parecem ridículos e tendentes à contumélia I Syn voluntário 304 XXXI Do Reino de Deus por Natureza não constituem culto porque não são sinais de honra e não são sinais de honra porque um sinal não é sinal para aquele que o dá mas para aquele a quem é dedicado isto é o espectador Também há um culto público e um culto privado Público é o culto que uma república realiza como pessoa Privado é aquele que é feito por um particular O público no que se refere à república como um todo é livre mas no que se refere aos particulares não o é O culto privado é secretamente livre mas perante a multidão nunca existe sem algumas restrições quer por parte das leis quer por parte das opiniões dos homens o que é contrário à natureza da liberdade A finalidade do culto entre os homens é o poder Pois quando um homem vê outro ser cultuado considerao poderoso e fica mais pronto a obedecerlhe o que torna o seu poder ainda maior Mas Deus não possui finalidades o culto que lhe prestamos é um resultado do nosso dever e é regulado segundo a nossa capacidade por aquelas regras de honra que a razão dita para serem observadas pelos fracos em relação aos homens mais poderosos na esperança de benefícios por medo de perseguições ou como agradecimentos por um bem já deles recebido Para que possamos conhecer que culto de Deus nos é ensinado pela luz da natureza começarei com os seus atributos Em primeiro lugar é evidente que lhe devemos atribuir existência pois ninguém quererá venerar aquilo que julga não existir Em segundo lugar os filósofos que disseram que o mundo ou a alma do mundo era Deus falaram indignamente dele e negaram a sua existência pois por Deus entendemos a causa do mundo e dizer que o mundo é Deus é dizer que não há causa dele isto é que não existe Deus Em terceiro lugar dizer que o mundo não foi criado mas que é eterno dado que aquilo que é eterno não tem causa é negar que haja um Deus Em quarto lugar aqueles que atribuem a inatividade a Deus como pensam lhe retiram o cuidado com a humanidade lhe retiram a sua honra pois isso faz desaparecer o amor e o temor dos homens que é a raiz da honra Culto público e privado A finalidade do culto 190 Atributos da honra divina 305 Parte 2 Da República 19 1 Em quinto lugar naquelas coisas que significam grandeza e poder dizer que é finito não é honráIa pois não é um sinal da vontade de honrar a Deus atribuirlhe menos do que podemos e finito é menos do que podemos porque ao finHo é fácil acrescentar mais Portanto atribuirlhe figura não é honráIa pois toda figu ra é finita Nem dizer que concebemos e imaginamos ou temos uma idéia dele no nosso espírito pois seja o que for que concebamos é finito Nem atribuirlhe partes ou totalidade que são atributos ape nas de coisas finitas Nem dizer que ele está neste ou naquele lugar pois tudo o que está num lugar é limitado e finHo Nem que ele se move ou descansa pois ambos estes atribu tos lhe conferem lugar Nem que há mais do que um Deus porque isso implica que todos são finitos pois não pode haver mais do que um infinito Nem atribuirlhe a menos que seja metaforicamente querendo exprimir não a paixão mas o efeito paixões que participam da dor como arrependimento cólera compaixão ou da carência como apetite esperança desejo ou de qualquer faculdade passiva pois a paixão é o poder limitado por alguma coisa E portanto quando atribuímos uma vontade a Deus ela não deve ser entendida como a do homem por apetite racional mas como o poder pelo qual tudo faz Do mesmo modo quando lhe atribuímos visão e outros atos dos sentidos e também conhecimento e entendimento o que em nós nada mais é do que um tumulto do espírito provocado pelas coisas externas que pressionam as partes orgãnicas do corpo do homem Pois não existe tal coisa em Deus e sendo coisas que dependem de causas naturais não lhe podem ser atribuídas Aquele que quiser atribuir a Deus apenas o que é garantido pela razão natural ou deve servirse de atributos negativos 306 XXXI Do Reino de Deus por Natureza como infinito eterno incompreensível ou de superlativos como o mais alto o maior e outros semelhantes ou de indefinidos como bom justo sagrado criador e em tal sentido como se não quisesse declarar aquilo que ele é pois isso seria circunscrevêIa dentro dos limites de nossa imaginação mas sim como o admiramos e como estamos prontos a obedecerlhe o que é um sinal de humildade e de vontade de honrar tanto quanto possível pois só existe um nome para exprimir a nossa concepção da sua natureza e esse nome é Eu Sou e apenas um nome da sua relação conosco e esse é Deus no qual está contido o Pai o Rei e o Senhor No que se refere aos atos do culto divino é preceito da razão absolutamente geral que eles devem ser sinais da intenção de honrar a Deus como são em primeiro lugar as orações pois não se pensa que os escultores quando fazem as imagens fazem delas deuses mas sim o povo que reza diante delas Em segundo lugar as ações de graças que no culto divino diferem das orações apenas na medida em que estas precedem o benefício e aquelas lhe sucedem sendo a finalidade de ambas reconhecer Deus como o autor de todos os benefícios tanto passados como futuros Em terceiro lugar as ofertas isto é sacrificios e oblações se forem dos melhores são sinais de honra pois são ações de graças Em quarto lugar Não jurar senão por Deus é naturalmente um sinal de honra pois é uma confissão de que só Deus conhece o coração e que a sabedoria ou a força de nenhum homem pode proteger alguém contra a vingança de Deus sobre o perjuro Em quinto lugar faz parte de um culto racional falar com consideração de Deus pois revela medo dele e o medo é uma confissão do seu poder Daqui se segue que o nome de Deus não deve ser usado de maneira precipitada e sem nenhum propósi to pois isso é o mesmo que usáIa em vão E não tem nenhum propósito a menos que seja por meio de juramento e por or dem da república para dar garantia aos julgamentos ou entre repúblicas para evitar a guerra E a discussão sobre a natureza de Deus é contrária à sua honra pois se supõe que neste reino Ações que são sinais de honra divina 307 I I Parte 2 Da República II li I I 192 natural de Deus não existe nenhuma outra maneira de conhecer nada exceto pela razão natural isto é pelos principios da ciência natural a qual está tão longe de nos ensinar alguma coisa sobre a natureza de Deus como de nos ensinar a nossa própria natureza ou a natureza do mais infimo ser vivo E portanto quando os homens abandonam os principios da razão natural e discutem sobre os atributos de Deus nada mais fazem do que desonráIo pois nos atributos que damos a Deus não devemos considerar a significação da verdade filosófica mas a significação da intenção piedosa de lhe prestarmos a maior honra de que somos capazes Por faltar esta consideração ocorreram milhares de discussões sobre a natureza de Deus que não tendem à sua honra mas à honra da nossa própria sabedoria e erudição e nada mais são do que abusos vãos e inconsiderados do seu sagrado nome Sexto nas orações ações de graças ofertas e sacrifícios é um ditame da razão natural que eles devem ser na sua espécie os melhores e os mais capazes de expressar honra Por exemplo que as rezas e ações de graças sejam feitas com palavras e frases que não sejam nem abruptas nem frívolas nem plebéias mas belas e bem compostas pois de outro modo não honraremos a Deus tão bem quanto podemos E portanto os gentios procediam de maneira absurda quando veneravam imagens de deuses mas era razoável fazêIo em verso e com música quer de vozes quer de instrumentos Estavam também concordes com a razão por resultarem de uma intenção de o venerar os animais que ofereciam em sacrifício e as ofertas que faziam e os seus atos de veneração estavam cheios de submissão e celebravam os beneficios recebidos Sétimo a razão aponta não apenas para o culto de Deus em particular mas também e especialmente em público e à vista dos homens pois sem isso se perde o que em honra é mais aceitável levar os outros a honráIo Finalmente a obediência às suas leis isto é neste caso às leis de natureza é o maior de todos os cultos Pois tal como a obediência é mais aceitável para Deus do que o sacrifício assim 308 XXXI Do Reino de Deus por Natureza também deixar de atender aos seus mandamentos é a maior de todas as contumélias E estas são as leis daquele culto divino que a razão natural dita aos particulares Mas dado que a república é apenas uma pessoa deve também apresentar a Deus um só culto o que faz quando ordena que seja ostentado publicamente pelos particulares E isto é culto público cuja propriedade é ser uniforme pois aquelas ações que são feitas de maneira diferente por homens diferen tes não podem ser consideradas como culto público E portanto quando são permitidas muitas espécies de culto resultantes das diferentes religiões dos particulares não se pode dizer que haja algum culto público nem que a república tenha alguma religião E porque as palavras e por conseqüência os atributos de Deus recebem a sua significação por acordo e constituição dos homens devem ser tidos como capazes de expressar honra os atributos que os homens decidam que assim sejam e aquilo que puder ser feito pela vontade dos particulares quando não existe outra lei além da razão pode ser feito pela vontade da república por meio das leis civis E porque a república não tem vontade e não faz outras leis senão aquelas que são feitas pela vontade daquele ou daqueles que têm o poder soberano seguese que aqueles atributos que o soberano ordena no culto de Deus como sinais de honra devem ser aceitos e usados como tais pelos particulares no seu culto público No entanto como nem todas as ações são sinais por cons tituição ao contrário algumas são naturalmente sinais de honra outras de contumélia estas últimas que são aquelas que os homens têm vergonha de fazer à vista daqueles a quem reverenciam não podem ser tornadas parte do culto divino por meio do poder humano nem as primeiras na medida em que são um comportamento decente modesto e humilde podem ser separadas dele Mas visto que há um número infinito de ações e gestos de natureza indiferente aqueles que a república ordenar que estejam pública e universalmente em uso como sinais de honra e parte do culto de Deus devem ser acei o culto púhLiJo consiste na uniformidade Todos os atributos dependem das Leis civis Porém nem todas as ações 193 l 309 I IIII I III I IIII 1 111 I I I illll III Punições naturais I IIII Conclusão da segunda parte Parte 2 Da República tos e usados como tais pelos súditos E aquilo que é dito nas Escrituras Mais vale obedecer a Deus do que aos homens tem lugar no Reino de Deus por pacto e não por natureza Tendo assim falado rapidamente do Reino natural de Deus e das suas leis naturais apenas acrescentarei a este capítulo uma breve exposição acerca das suas punições naturais Não existe nesta vida nenhuma ação do homem que não seja o começo de uma cadeia de conseqüências tão longa que nenhuma providência do homem1 é suficientemente alta para dar uma visão do seu fim E nesta cadeia estão ligados acontecimentos agradáveis e desagradáveis de tal maneira que quem quiser fazer alguma coisa para seu prazer tem de aceitar sofrer todas as dores a ele anexadas e estas dores são as punições naturais das ações que são o início de um mal maior do que o bem E daqui resulta que a intemperança é naturalmente castigada com doenças a precipitação com desastres a injustiça com a violência dos inimigos o orgulho com a ruína a covardia com a opressão o governo negligente dos príncipes com a rebelião e a rebelião com a carnificina Pois uma vez que as punições são conseqüentes com a violação das leis as punições naturais têm de ser naturalmente conseqüentes com a quebra das leis de natureza e portanto seguiIas como seus efeitos naturais e não arbitrários E isto no que se refere à constituição natureza e direito dos soberanos e no que se refere ao dever dos súditos derivado dos princípios da razão natural E agora considerando como é diferente esta doutrina da prática da maior parte do mundo especialmente nas regiões ocidentais que receberam seu saber moral de Roma e de Atenas e como é necessária uma profunda filosofia moral àqueles que têm a administração do poder soberano estou a ponto de acreditar que este meu trabalho seja inútil como a república de Platão pois também ele é de opinião que é impossível desaparecerem as desordens do Estado e as mudanças de governo por meio de guerras civis I Syn humana 310 XXXI Do Reino de Deus por Natureza enquanto os soberanos não forem filósofos Mas quando con sidero novamente que a ciência da justiça natural é a única ciência necessária para os soberanos e para os seus principais ministros e que eles não precisam de ser mais sobrecarrega dos com as ciências matemáticas como o são por Platão do que por boas leis capazes de incentivar os homens ao seu estu do e que nem Platão nem qualquer outro filósofo até agora colocou em ordem e provou suficientemente ou com probabilidade todos os teoremas da doutrina moral que os homens podem aprender a partir daí não só a governar como a obede cer retomo alguma esperança de que esta minha obra venha um dia a cair nas mãos de um soberano que a examinará por si próprio pois é curta e penso que é clara sem a ajuda de algum intérprete interessado ou invejoso e que pelo exercício da plena soberania protegendo o ensino público desta obra converterá esta verdade especulativa à utilidade da prática l 311 PARTE 3 DA REPÚBLICA CRISTA CAPo XXXII Dos Princípios da POLÍTICA CRISTà Até aqui deduzi os direitos do poder soberano e os deveres dos súditos unicamente dos princípios da natureza que a experiência tenha mostrado serem verdadeiros ou dos que o consentimento relativamente ao uso das palavras assim tenha tornado Quer dizer partindo da natureza do homem que conhecemos através da experiência e de definições das palavras que são essenciais para todo o raciocínio político que são universalmente aceitas Mas quanto àquilo de que vou tratar em seguida isto é a natureza e direitos de uma REpÚBLICA CRISTà que depende muito das revelações sobrenaturais da vontade de Deus o fundamento do meu discurso deverá ser não apenas a palavra natural de Deus mas também a sua palavra profética Não obstante não convém renunciar aos sentidos e à experiência nem àquilo que é a palavra indubitável de Deus a nossa razão natural Pois foram esses os talentos que ele pôs nas nossas mãos para negociarmos até o retorno do nosso abençoado Salvador Portanto não são para serem envoltos no manto 313 195 A palavra de Deus transmitida pelos profetas é o principio fUndamental da politica cristã Mesmo assim não se deve renunciar à razão natural ill II I I 196 o que é cativar o entendimento Como Deus fala aos homens Parte 3 Da República Cristã de uma fé implícita mas para serem usados na busca da justiça da paz e da verdadeira relígião Pois embora haja na palavra de Deus muitas coisas que estão acima da razão quer dizer que não podem ser demonstradas nem refutadas pela razão natural não há nessa palavra nada contrário a ela E quando assim parece ser a culpa é da nossa inábil interpretação ou do nosso incorreto raciocínio Portanto quando alguma coisa aí escrita se mostra demasiado árdua para nosso exame devemos propornos cativar o nosso entendimento às palavras e não ao esforço de peneirar uma verdade filosófica por intermédio da lógica a respeito daqueles mistérios que não são compreensíveis e aos quais não se aplica nenhuma regra da ciência natural Pois com os mistérios da nossa religião se passa o mesmo que com as pílulas salutares para os doentes que quando são engolidas inteiras têm a virtude de curar mas quando mastigadas voltam na sua maior parte a ser cuspidas sem nenhum efeito Mas o cativeiro do nosso entendimento não deve ser interpretado como uma submissão da faculdade intelectual à opinião de outrem e sim à vontade de obedecer quando a obediência é devida Porque os sentidos a memória o entendimento a razão e a opinião não podem por nós ser mudados à vontade pois são sempre necessariamente tais como nolos sugerem as coisas que vemos ouvimos e consideramos Não são portanto efeitos da nossa vontade é a nossa vontade que é efeito deles Cativamos o nosso entendimento e a nossa razão quando evitamos a contradição quando falamos da maneira como a legitima autoridade nos ordena e quando vivemos de tal maneira Em suma tratase de confiança e fé que depositamos naquele que fala embora o espírito seja incapaz de conceber qualquer espécie de noção a partir das palavras proferidas Quando Deus fala ao homem tem que ser ou imediatamente ou pela mediação de outro homem ao qual ele próprio haja antes falado imediatamente Qual a maneira como Deus fala ao homem imediatamente é algo que pode ser bastante bem entendido por aqueles a quem assim falou mas como a 314 XXXII Dos Princípios da Política Cristã mesma coisa deve ser entendida por outros é algo difícil se não impossível de saber Pois se alguém me disser que Deus lhe falou sobrenaturalmente e imediatamente e se eu de tal duvidar não me é fácil ver que argumento pode ele apresentar para me obrigar a acreditar É certo que se ele for meu soberano pode obrigarme à obediência impedindome de declarar por atos ou palavras que não acredito mas não pode me obrigar a pensar de maneira diferente daquela de que a minha razão me persuade Mas se alguém que não tenha sobre mim tal auto ridade disser a mesma coisa nada será capaz de impor seja a crença seja a obediência Porque dizer que Deus lhe falou nas Sagradas Escrituras não é o mesmo que dizer que Deus lhe falou imediatamente e sim pela mediação dos profetas ou dos apóstolos ou da Igreja da mesma maneira como fala a todos os outros cristãos Dizer que Deus lhe falou em sonhos não é mais do que dizer que ele sonharal que Deus lhe havia falado o que não tem eficácia para conquistar a crença de quem sabe que os sonhos na sua maioria são naturais e podem ter origem nos pensamentos anteriores e que sonhos como esses não passam da manifestação de uma alta estima de si mesmo e de uma insensata arrogância assim como de uma falsa opinião sobre a sua própria devoção ou outra virtude pela qual julga ter merecido o favor de uma revelação extraordinária Dizer que teve uma visão ou que ouviu uma voz é o mesmo que dizer que sonhou entre o sono e a vigília pois acontece muitas vezes alguém assim tomar naturalmente o seu sonho por uma visão por não ter reparado bem que estava dormitando Dizer que fala por inspiração sobrenatural é o mesmo que dizer que sente um ardente desejo de falar ou alguma alta opinião de si mesmo para os quais não consegue encontrar uma razão natural e suficiente De modo que embora Deus possa falar a alguém através de sonhos visões voz e inspiração Ele não obriga ninguém a acreditar que efetivamente assim fez a qualquer um que tenha I Syn sonhou l 315 II Parte 3 Da República Cristã Por qUt sinais são conhecidos os profetas essa pretensão Porque sendo um homem pode estar enganado e o que é mais pode estar mentindo Como pode então aquele a quem Deus nunca revelou imediatamente a sua vontade a não ser por intermédio da razão natural saber quando deve ou não obedecer à palavra dos que pretendem ser profetas Dos quatrocentos profetas aos quais o rei de Israel pediu conselho a respeito da guerra que fazia contra Ramoth Gilead só Miquéias era um verdadeiro profeta O profeta que foi enviado para profetizar contraJeroboão embora fosse um verdadeiro profeta e mediante dois milagres feitos na sua presença mostrasse ser um profeta enviado por Deus foi apesar disso enganado por outro velho profeta que o persuadiu a comer e beber com ele como se fosse uma ordem dada pela boca de Deus Se um profeta foi capaz de enganar outro que certeza pode haver de conhecer a vontade de Deus por outro meio que não seja o da razão Ao que respondo baseado nas Sagradas Escrituras que há dois sinais que em con junto mas não separadamente permitem identificar o verda deiro profeta Um deles é a realização de milagres o outro énão ensinar nenhuma religião que não a já oficial Separadamente conforme disse nenhum deles é suficiente Se entre vós se erguer um profeta ou um sonhador de sonhos que pretenda realizar um milagre e o milagre acontecer se ele disser para seguirdes deuses estranhos aos quais não conheçais não lhe dareis ouvidos etc E esse pro feta ou sonhador de sonhos deve ser condenado à morte pois vos disse para vos revoltardes contra Deus vosso Senhor Nestas palavras há duas coisas a salientar Em primeiro lugar que Deus não aceita que os milagres bastem como argumentos para aceitar a vocação de um profeta como é o caso no terceiro versículo eles servem para experimentar a constância da nossa dedicação a Deus Porque as obras dos feiticeiros egipcios embora não fossem tão grandes como as de Moisés mesmo assim eram grandes milagres Em segundo lugar que por maior que seja o milagre se ele tender a provocar a revolta contra o rei ou contra aquele que governa em virtude da autoridade do rei deve pen sarse apenas que quem realizou tal milagre foi enviado para 7 Rr 22 1971 7 Rr 73 Dt 73 v 7 2 3 4 e 5 316 XXXII Dos Princípios da Política Cristã pôr à prova a fidelidade do povo Porque as palavras vos revoltardes contra Deus vosso Senhor são nesta passagem equivalentes a vos revoltardes contra o vosso rei Com efeito Deus haviase tornado seu rei por um pacto celebrado no sopé do monte Sinai e Deus governavaos unicamente por intermédio de Moisés pois só este falava com Deus e de vez em quando comunicava ao povo os mandamentos de Deus De maneira semelhante Cristo nosso Salvador depois de ter feito os discípulos reconheceremno como o Messias quer dizer como o ungido de Deus que a nação dos judeus dia após dia esperou como seu rei mas recusou quando ele chegou não deixou de os avisar contra o perigo dos milagres Surgirão disse ele falsos Cristos e falsos profetas e farão grandes maravilhas e milagres capazes até de seduzir se tal fosse possível os próprios eleitos Isso mostra que os falsos profetas podem ter o poder de fazer milagres e mesmo assim não devemos aceitar a sua doutrina como a palavra de Deus Além disso São Paulo disse aos Gálatas que se ele mesmo ou um anjo do céu lhes pregasse um outro Evangelho diferente do que ele pregara que ele fosse amaldiçoado Esse Evangelho dizia que Cristo era rei de modo que toda pregação contra o poder do rei reconhecido em conseqüência destas palavras é amaldiçoada por São Paulo Pois as suas palavras eram dirigidas àqueles que devido à sua pregação já tinham reconhecido Jesus como Cristo quer dizer como rei dos judeus Tal como os milagres sem a pregação da doutrina estabelecida por Deus são argumento insuficiente de uma revelação imediata assim também o é a pregação da verdadeira doutri na sem a realização de milagres Porque se um homem que não ensina falsas doutrinaspretextasse ser um profeta sem mostrar nenhum milagre de modo algum a sua pretensão deveria ser aceita como é evidente em Dt 1821 Se perguntais em vosso coração como saber que a palavra do profeta não é aquela que Deus proferiu se o profeta tiver falado em nome do Senhor e se tal não for verdade essa é a palavra que o Senhor não proferiu e o profeta proferiua com o orgulho do seu coração não o temais Mas poderia aqui também perguntarse quando o profeta prediz uma coisa como po Mt 24 24 GI78 198 Os sinais de um profeta da lei antiga são os milagres e a doutrina conftrrTi à lei 317 I II I Parte 3 Da República Cristã 1 demos saber se ela virá ou não a ocorrer Porque ele pode predizer uma coisa que só virá a acontecer depois de muito tempo mais do que o tempo de vida de um homem ou pode dizer de maneira indefinida que tal virá a ocorrer em qualquer momento e neste caso esse sinal do profeta é inútil Portanto os milagres que nos obrigam a acreditar num profeta devem ser confirmados por um acontecimento imediato e não adiado por muito tempo Fica assim manifesto que o ensino da religião estabelecida por Deus juntamente com a realização imediata de um milagre foram os únicos sinais aceitos pelas Escrituras como próprios de um verdadeiro profeta quer dizer como impondo o reconhecimento de uma revelação imediata e que nenhum deles por si só é suficiente para obrigar alguém a aceitar o que ele diz Portanto uma vez que agora não se produzem mais milagres não resta nenhum sinal que permita reconhecer as pretensas revelações ou inspirações de nenhum individuo E não há obrigação alguma de dar ouvidos a nenhuma doutrina para além do que é conforme às Sagradas Escrituras que desde o tempo do nosso Salvador substituem e suficientemente compensam a falta de qualquer outra profecia e a partir das quais mediante sábia e douta interpretação e cuidadoso raciocinio podem facilmente ser deduzidos todos os preceitos e regras necessários para conhecer o nosso dever para com Deus e para com os homens sem entusiasmo ou inspiração sobrenatural E é destas Escrituras que vou extrair os principios do meu discurso a respeito dos direitos dos que são na Terra os supremos governantes das repúblicas cristãs e dos deveres dos súditos cristãos para com os seus soberanos E com esse fim vou falar no capitulo seguinte dos livros autores alcance e autoridade da Bíblia 1IIIIil 111 I Cessando os milagres cessam os projetas e as Escrituras entram no seu lugar I Syn imediata 318 XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras CAPo XXXIII Do Número Antiguidade Alcance Autoridade e Intérpretes dos Livros das Sagradas ESCRITURAS 199 Entendo por livros das Sagradas ESCRITURAS aqueles que devem ser o Cânone quer dizer as regras da vida cristã E como as regras da vida que os homens são em consciência obrigados a respeitar são leis o problema das Escrituras é o problema de saber o que é lei tanto natural como civil para toda a cristandade Porque embora as Escrituras não determinem quais são as leis que cada rei cristão deve ditar nos seus domí nios não obstante elas determinam quais são as leis que eles não devem ditar Assim como já provei que nos seus domínios os soberanos são os únicos legisladores só são canônicos isto é só constituem lei em cada nação os livros estabe lecidos como tais pela autoridade soberana É certo que Deus é o soberano de todos os soberanos e portanto quando fala a qualquer súdito deve ser obedecido seja o que for que qual quer potentado terreno ordene em sentido contrário Mas o problema não é o da obediência a Deus e sim o de quando e o que Deus disse e isso só pode ser conhecido pelos súditos que não receberam revelação sobrenatural através da razão natural a qual os levou a obedecer a fim de conseguir a paz e a justiça à autoridade das suas diversas repúblicas quer dizer dos seus legítimos soberanos Conformemente a esta obrigação só posso reconhecer como Sagradas Escrituras dos livros do Antigo Testamento aqueles que a autoridade da Igreja Anglicana ordenou que fossem reconhecidos como tais É su ficientemente sabido quais são esses livros sem ser preciso enumerá Ios aqui são os mesmos reconhecidos por SãoJerô nimo que considera apócrifos os restantes a saber a Sabedoria de Salomão o Eclesiastesudite Tobias o primeiro e o segundo Dos livros das Sagradas Escrituras 319 I l 200 1 Sua antiguidade o Pentateuco não jói escrito por Moisés Parte 3 Da República Cristã XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras dos Macabeus apesar de ele ter visto o primeiro em hebreu e o terceiro e o quarto de Esdrasjosefo um sábio judeu que escreveu na época do Imperador Domiciano reconhece vinte e dois dos canônicos fazendo o número coincidir com o alfabeto hebreu Sãojerônimo faz o mesmo embora ambos os reconheçam de maneiras diferentes Porque josefo conta cinco livros de Moisés treze dos Profetas que escreveram a história da sua própria época e veremos depois como concordam com os escritos dos profetas contidos na Bíblia e quatro dos Hinos e preceitos morais Mas São jerônimo reconhece cinco livros de Moisés oito dos Profetas e nove outros sagrados escritos aos quais chama Hagiógrafos Os Septuaginta que eram setenta sábios judeus enviados por Ptolomeu rei do Egito para traduzir a lei judaica do hebreu para o grego não nos deixaram como Sagradas Escrituras em língua grega nada a não ser o mesmo que é aceito pela Igreja Anglicana Quanto aos livros do Novo Testamento são igualmente reconhecidos como cânone por todas as Igrejas cristãs e por todas as seitas de cristãos que admitem qualquer livro como canônico Quanto a quem foram os autores originais dos vários livros das Sagradas Escrituras é coisa que não foi tornada evidente por nenhum testemunho suficiente de outra história que é a única prova em matéria de fato nem pode sêIa por nenhum argumento da razão natural pois a razão serve para convencer da verdade não dos fatos mas das conseqüências Portanto a luz que nos deve guiar nesta questão deve ser a que provém dos próprios livros e embora esta luz não nos mostre o autor de cada livro ela não deixa de ter utilidade para nos dar a conhecer a época em que foram escritos Em primeiro lugar quanto ao Pentateuco não constitui argumento suficiente para afirmar que foi escrito por Moisés o fato de serem chamados os cinco livros de Moisés Tal como os títulos do livro dejosué do livro dos juizes do livro de Rute e dos livros dos Reis não são argumentos suficientes para provar que eles foram escritos porjosué pelosjuízes por Rute ou pelos Reis Porque nos títulos dos livros o tema é tão freqüentemente assinalado como o autor A História de Lívio denota o autor mas a História de Alexandre1 é denominada em função do tema Lemos no último capítulo do Deuteronômio versículo 6 a respeito do sepulcro de Moisés que ninguém conhecia o seu sepulcro atéeste dia isto é ao dia em que estas palavras foram escritas Portanto é manifesto que estas palavras foram escritas depois do seu funeral Porque seria uma estranha interpretação dizer que Moisés falou do seu próprio sepulcro mesmo por profecia afirmando não ter sido encontrado até esse dia em que ele ainda estava vivo Mas talvez alguém possa alegar que apenas o último capítulo e não todo o Pentateuco foi escrito por outra pessoa e não o restante Examinemos portanto o que se encontra no livro do Gn 126 E Abraão passou pela terra até o lugar de Sichem na planície de Moreh e então o cananeu estava na terra Estas têm necessariamente que ser as palavras de alguém que escreveu quando o cananeu não estava na terra portanto não podem ser de Moisés que morreu depois de ele para lá ter ido De maneira semelhante nos Nm 2114 o autor cita outro livro mais antigo intitulado O livro das guerras do Senhor onde foram registrados os feitos de Moisés no mar Vermelho e na ponte de Arnon Fica assim perfeitamente evidente que os cinco livros de Moisés foram escritos depois do seu tempo embora não seja manifesto quanto tempo depois Mas embora Moisés não tenha compilado inteiramente esses livros na forma em que os conhecemos ele escreveu tudo o que aí se diz que escreveu Como por exemplo o Volume da Lei que segundo parece está contido no capítulo 11 do Deute ronômio e os capítulos seguintes até o 27 que também foi ordenado que fossem escritos em pedras na entrada para a terra de Canaã E isto escreveuo o próprio Moisés e entregouo aos sacerdotes e anciãos de Israel para ser lido todo sétimo ano em Israel inteiro na assembléia da festa do Tabernáculo E foi dessa lei que Deus ordenou que os seus reis quando estabele Dt319 201 I Syn Scanderberg 320 321 I I 111 1 Dt 3126 2 Rs 228 2313 o livro de josué foi escrito depois do seu tempo js49 js59 js 726 o livro dos juizes e Rute foi escrito muito depois do seu cativeiro o mesmo quaato aos livros de Samuel 2 Sm 64 Parte 3 Da República Cristã ceram essa forma de governo tirassem uma cópia para os sacerdotes e levitas e foi ela que Moisés ordenou aos sacerdotes e levitas que colocassem ao lado da arca e a mesma que depois de estar perdida voltou muito tempo depois a ser encontrada por Hilkiah que a enviou ao reiJosias o qual fazendo que ela fosse lida ao povo renovou o pacto estabelecido entre este último e Deus Que o livro deJosué também foi escrito muito depois do tempo deJosué é coisa que se pode inferir de muitos trechos do próprio livro Josué tinha colocado doze pedras no meio do Jordão como monumento da sua passagem e sobre isto diz o autor que elas lá ficaram até este dia Ora até este dia é uma frase que significa um tempo passado muito além da memória do homem De maneira semelhante depois da fala do Senhor que tinha libertado o povo do opróbrio do Egito diz o autor que o lugar se chama Gilgal até este dia O que teria sido impróprio se dito no tempo de Josué E também sobre o nome do vale de Achor pela perturbação causada por Acã no acampamento diz o autor que ficou até este dia o qual portanto deve necessariamente ser muito posterior ao tempo de Josué E há muitos outros argumentos deste tipo como emJs 829 1313 1414 e 1563 A mesma coisa é manifesta em argumentos semelhantes do livro dosJuízes capítulos 12126 624 104 1519 176 e Rt 11 mas especialmente Js 1830 onde se diz queJônatas e seus filhos eram sacerdotes da tribo de Dan até o dia do cativeiro da terra Que os livros de Samuel também foram escritos depois do seu tempo provase com base em argumentos idênticos 1 Sm 55 71315 276 e 3025 onde depois de Davi ter distribuído partes iguais dos despojos entre os que guardaram as munições e os que combateram diz o autor Ele fez disso um estatuto e uma ordenação para Israel até este dia Além disso quando Davi desgostoso por Deus ter dado a morte a Oza por estender a mão para segurar a arca chamou ao lugar PerezUzzah diz o autor que ele é assim chamado até este dia Portanto a época 322 XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras em que o livro foi escrito deve ser muito posterior ao fato quer dizer muito tempo depois da época de Davi Quanto aos dois livros dos Reis e aos dois livros das Grô Os livros dos Reis e as nicas além dos trechos que fazem referência aos monumentos crônicas que segundo o autor permaneceram até o seu próprio tempo como em 1 Rs 91321 1012 1219 e 2 Rs 222 822 1027 147 166 17233441 e 1 Cr 441 526 constitui argumento suficiente de que foram escritos depois do cativeiro da Babilônia o fato de a sua história continuar até esse tempo Porque os fatos registrados são sempre mais antigos do que o registro e muito mais antigos do que os livros que referem ou citam esse registro como fazem esses livros em diversas passa gens remetendo o leitor para as crônicas dos reis deJudá para as crônicas dos reis de Israel para os livros do profeta Samuel do profeta Natan e do profeta Ageu assim como para a Visão deJehdo e os livros do profeta Servias e do profeta Addo Não resta dúvida de que os livros de Esdras e Neemias foram 202 escritos depois do seu regresso do cativeiro pois fazem refe Esdras e Neemias rência a esse regresso à reconstrução das muralhas e casas de Jerusalém à renovação do pacto e às ordenações da sua política A história da rainha Ester é do tempo do cativeiro portan Ester to o autor deve ser da mesma época ou de uma posterior O livro deJó não mostra nenhum sinal do tempo em que jô foi escrito embora pareça suficientemente evidenciado Ez 1414 e Tg 511 que não era uma pessoa inventada contudo o livro não parece ser uma história e sim um tratado sobre uma questão muito discutida nos tempos antigos Por que fre qüentemente os maus prosperam neste mundo e os bons são afligidos Parece ser isso o mais provável porque desde o início até o terceiro versículo do terceiro capítulo quando se inicia o lamento deJó o hebreu é em prosa conforme testemunha SãoJerônimo daí até o sexto versículo do último capítulo é em versos hexâmetros e o resto do capítulo volta a ser em prosa Assim a discussão é toda em verso e a prosa só é acrescentada como prefácio no início e como epílogo no fim Ora o verso não é o es tilo habitual dos que se encontram em grande aflição como 323 Parte 3 Da República Cristã Os Salmos Jó nem dos que vão confortáIas como amigos Mas nos tem pos antigos era freqüente em filosofia sobretudo em filosofia moral Os Salmos foram escritos na sua maioria por Davi para uso do coro A eles foram acrescentados alguns cantos de Moisés e de outros homens santos sendo alguns deles posteriores ao regresso do cativeiro como o 137 e o 126 por onde fica mani festo que o Saltério foi compilado e posto na forma atual depois do regresso dos judeus da Babilônia Os Provérbios como são uma coleção de sábias e piedosas sentenças em parte da autoria de Salomão e em parte de Agur filho deJaque e em parte da mãe do rei Lamuel não é provável que tenham sido coligidos por Salomão ou por Agur ou pela mãe de Lamuel embora as sentenças sejam deles a coleção ou compilação de todos num único livro provavelmente foi obra de algum outro homem devoto que viveu depois de todos eles Os livros do Eclesiastes e dos Cãnticos não têm nada que não seja de Salomão a não ser os títulos e inscrições Porque As palavras do pregador filho de Davi rei de Jerusalém e O Cântico dos Cânticos parecem ter sido feitos para fins de distinção quan do os livros das Escrituras foram reunidos num único corpo de lei para que também os autores e não só a doutrina pudes sem subsistir Dos profetas os mais antigos são Sofonias Jonas Amós Oséias Isaías e Miquéias que viveram no tempo de Amasias e Azarias ou Ozias reis deJudá Mas o livro deJonas não é propria mente um registro da sua profecia a qual está contida em pou cas palavras Quarenta dias e Nínive será destruída e sim a histó ria ou narração da sua rebeldia e desrespeito aos mandamen tos de Deus assim dado que ele é o tema do livro há pouca probabilidade de que seja também o seu autor Mas o livro de Amós é a sua própria profecia Jeremias Abdias Naum e Habacuc profetizaram no tempo de Josias Ezequiel Daniel Ageu e Zacarias profetizaram no cativeiro Quanto ao tempo em que Joel e Malaquias profetizaram não se torna evidente a partir dos seus escritos Mas exami Os Provérbios Eclesiastes e Cânticos Os profttas 203J 324 XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras nando as inscrições ou titulas dos seus livros fica bastante claro que todas as Escrituras do Antigo Testamento foram postas na forma que possuem após o regresso dos judeus do cativeiro na Babilônia e antes do tempo de Ptolomeu FiladelfO que as mandou traduzir para o grego por setenta homens que lhe foram mandados daJudéia para esse fim E se os livros Apócrifos que nos são recomendados pela Igreja embora não como canônicos mas como livros proveitosos para a nossa instrução neste ponto merecem crédito as Escrituras foram postas na forma que lhes conhecemos por Esdras Isso se nota no que ele mesmo diz no segundo livro capítulo 14 versiculos 2122 etc ao dirigirse a Deus A tua lei foi queimada portanto ninguém conhece as coisas que fizeste nem as obras que estão para começar Mas se encontro graça perante ti envia o Espírito Santo até mim e escreverei tudo o que foi feito no mundo desde o início todas as coisas que foram escritas na lei para que os homens possam encontrar teu caminho e para que possam viver aqueles que irão viver nos dias mais longínquos E no versículo 45 E veio a acontecer que depois de cumpridos os quarenta dias o Altissimo falou e disse o primeiro que escreveste publicao abertamente para que os dignos e os indignos possam lêlo mas guarda os últimos setenta para que possas entregálos apenas àqueles de entre o povo que sejam sábios E isto é quanto basta acerca do tempo em que foram escritos os livros do Antigo Testamento Os autores do Novo Testamento viveram todos menos de uma geração depois da Ascensão de Cristo e todos eles viram o nosso Salvador ou foram seus discípulos com exceção de São Paulo e São Lucas Em conseqüência tudo o que por eles foi escrito remonta à época dos apóstolos Mas a época em que os livros do Novo Testamento foram aceitos e reconhecidos pela Igreja como seus escritos não é uma época tão remota Porque assim como os livros do Antigo Testamento não nos vêm de uma época mais antiga do que a de Esdras que sob a direção do Espírito de Deus os recuperou quando estavam perdidos também os do Novo Testamento cujas cópias não eram muitas nem facilmente poderiam estar todas nas mãos de uma só pessoa não podem datar de uma época mais antiga do que O Novo Testamento 325 Parte 3 Da República Cristã 204 aquela em que os dirigentes da Igreja os reuniram aprova ram e nolos recomendaram como os escritos desses apósto los e discípulos por cujos nomes são designados A primeira enumeração de todos os livros tanto do Antigo como do Novo Testamento são os Cânones dos Apóstolos que se supõe te rem sido coligidos por Clemente 0 primeirol bispo de Roma Mas como isso não passa de uma suposição que muitos contestam o concílio de Laodicéia é o primeiro que conhecemos a recomendar a Bíblia às então Igrejas cristãs como os escritos dos profetas e apóstolos e esse concílio reuniuse no ano de 364 depois de Cristo Depois dessa 2 época embora até en tão a ambição tivesse dominado entre POUCOS3 doutores da Igreja fazendoos deixar de reconhecer os imperadores ape sar de cristãos como pastores mas só como ovelhas e considerar como lobos os imperadores não cristãos e de se terem esforçado por apresentar a sua doutrina não como conselho e informação na qualidade de pregadores mas como leis na qualidade de governantes absolutos embora tais fraudes pre tendessem tornar o povo mais piedoso e mais obediente à doutrina cristã apesar de tudo estou convencido de que isso não os levou a falsificar as Escrituras embora as cópias dos li vros do Novo Testamento estivessem apenas nas mãos dos eclesiásticos Com efeito se tivessem a intenção de assim fazer sem dúvida os teriam tornado mais favoráveis do que são ao seu poder sobre os príncipes cristãos Portanto não vejo nenhuma razão para duvidar que o Antigo e o Novo Testamento tais como atualmente os conhecemos são os verdadeiros registros das coisas que foram feitas e ditas pelos profetas e apóstolos Assim talvez alguns daqueles livros que são chamados Apó crifos não tenham sido deixados fora do Cânone por inconformidade de doutrina com o restante mas apenas por não terem sido encontrados em hebreu Porque depois da conquista da Ásía por Alexandre o Grande eram poucos os judeus cultos que não conheciam perfeitamente a língua grega Os setenta 1 Syn o primeira depois de São Pedra 2 Syn Nessa 3 Syn os grandes 326 XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras intérpretes que verteram a Bíblia para o grego eram todos hebreus e ainda temos as obras de Fílon e de Josefo ambos judeus por eles eloqüentemente escritas em grego Mas o que torna canônico um livro não é o autor é a autoridade da Igreja E embora esses livros tenham sido escritos por diversos homens é manifesto que todos eles estavam imbuídos do mesmo espírito pois todos conspiram para o mesmo fim que era o estabelecimento dos direitos do Reino de Deus do Pai do Filho e do Espírito Santo Porque o livro do Gênese derivava a genealogia do povo de Deus desde a criação do mundo até a ida para o Egito Os outros quatro livros de Moisés contêm a eleição de Deus como rei desse povo e as leis que ele prescreveu para o seu governo Os livros deJosué dosJuízes de Rute e de Samuel até o tempo de Saul descrevem as ações do povo de Deus até o momento em que se libertaram do jugo de Deus e escolheram um rei à maneira das nações vizinhas O resto da história do Antigo Testamento deriva a sucessão da linha de Davi até o cativeiro linha essa da qual viria a nascer o restaurador do Reino de Deus o nosso abençoado Salvador Deus Filho cuja vinda foi prevista nos livros dos profetas depois dos quais os evangelistas escreveram a sua vida as suas ações e a sua pretensão ao trono enquanto viveu sobre a terra Por último os Atos e Epístolas dos apóstolos declaram a vinda de Deus o Espírito Santo e a autoridade que ele lhes deixou e aos seus sucessores para a direção dos judeus e para a conversão dos gentios Em resumo tanto as histórias e profecias do Antigo Testamento como os Evangelhos e Epístolas do Novo Testamento tiveram um só e único objetivo a conversão dos homens à obediência a Deus 1 em Moisés e nos sacerdotes 2 no homem Cristo e 3 nos apóstolos e nos sucessores do poder apostólico Porque efetivamente estes representaram em momentos diversos a pessoa de Deus Moisés e os seus sucessores os Sumos Sacerdotes e reis de Judá no Antigo Testamento o próprio Cristo durante o tempo em que viveu na Terra e os apóstolos e seus sucessores desde o dia do Pentecostes quando o Espírito Santo baixou sobre eles até o dia de hoje Sua finalidade 205 327 I1 1 1 I I I Parte 3 Da República Cristã A questão da autoridade das Escrituras Sua autoridade e interpretação É uma questão muito disputada entre as diversas seitas da religião cristã de onde as Escrituras tiram a sua autoridade Questão que às vezes é formulada em outros termos Como sabemos que elas são a palavra de Deus ou Por que acreditamos que elas o são A difi culdade de resolver essa questão vem sobretudo da improprie dade das palavras em que a própria questão está formulada Porque em toda a parte se acredita que foi Deus o seu primeiro e original autor logo não é essa a questão que está em disputa Por outro lado é evidente que só podem saber que elas são a pa lavra de Deus embora todos os verdadeiros cristãos em tal creiam aqueles a quem o próprio Deus o revelou sobrenatural mente portanto não é correto colocar a questão em termos do nosso conhecimento de tal fato Por último quando se levanta a questão da nossa crença dado que uns são levados a acreditar por uma razão e outros por outras diferentes não é possível dar uma resposta geral válida para todos A formulação correta da questão é por que autoridade elas são tornadas lei Na medida em que não diferem das leis de natureza não há dúvida de que são a lei de Deus e são portadoras de uma autoridade legível por todos os homens que têm o uso da razão natural Mas esta autoridade não é outra senão a de toda outra doutrina moral conforme à razão cujos ditames são leis não feitas mas eternas Se elas são tornadas leis pelo próprio Deus são da natu reza das leis escritas que são leis apenas para aqueles perante quem Deus suficientemente as publicou de modo que nin guém se possa desculpar dizendo que não sabia que elas eram as suas leis Portanto aquele a quem Deus não revelou sobrenatural mente que elas são as suas leis nem que aqueles que as publi caram foram enviados por ele não é obrigado a obedecerIhes por nenhuma autoridade a não ser a daquele cujas ordens já têm força de lei quer dizer por nenhuma outra autoridade que não a da república única a possuir o poder legislativo Além disso se não for a autoridade legislativa da república que lhes confere força de lei deve ser alguma outra autoridade deriva 328 XXXIII Dos Livros das Sagradas Escrituras da de Deus seja pública ou privada Se for privada obriga apenas àquele a quem Deus aprouve reveláIa em particular Porque se todos os homens fossem obrigados a aceitar como lei de Deus o que qualquer particular a pretexto de inspiração ou revelação pessoal lhes pretenda impor sendo tal número de homens que por orgulho ou ignorância tomam os seus próprios sonhos e extravagantes fantasias e loucuras por testemunho do Espírito de Deus ou por ambição pretextam os divinos testemunhos falsamente e contra as suas próprias consciências seria impossível que qualquer lei divina fosse reconhecida Se for pública ou é a autoridade da república ou é a da Igreja Mas a Igreja se for uma pessoa é a mesma coisa que uma república de cristãos sendo uma república porque consiste num dado número de homens unidos numa pessoa o seu soberano e sendo uma Igreja porque é formada de cristãos unidos sob um soberano cristão Mas se a Igreja não for uma pessoa então não possui nenhuma espécie de autoridade não pode mandar nem praticar nenhuma espécie de ação nem é capaz de ter nenhum poder ou nenhum direito a nada e não tem nenhuma espécie de vontade razão ou voz porque todas essas qualidades são pessoais Ora se todos os cristãos não se encontrarem abrangidos por uma única república eles não constituem uma pessoa nem existe uma Igreja universal que tenha sobre eles nenhuma autoridade Portanto as Escrituras não são tornadas leis pela Igreja Universal E se ela é uma república nesse caso todos os monarcas e nações cristãs são pessoas privadas sujeitas a serem julgadas depostas e punidas por um soberano universal de toda a cristandade Portanto a questão da autoridade das Escrituras fica reduzida a isto Se os reis cristãos e as assembléias soberanas das repúblicas cristãs são absolutos no seu próprio território imediatamente abaixo de Deus ou se estão suo jeitos a um vigário de Cristo constituido sobre a Igreja Universal podendo ser julgados condenados depostos ou mortos consoante ele achar conveniente ou necessário para o bem comum 206 1 Syn da embora corrigida na Errata 329 Parte 3 Da República Cristã Questão esta que só poderá ser resolvida mediante um exame mais atento do Reino de Deus o qual nos permitirá tam bém julgar a autoridade de interpretar as Escrituras Porque quem tiver o poder de tornar lei a qualquer escrito terá tam bém o poder de aprovar ou desaprovar sua interpretação 207 CAPo XXXIV Do Significado de ESPÍRITO ANJO e INSPIRAÇÃO nos Livros das Sagradas Escrituras Como corpo e espírito são entendídos nos Escrituras Considerando que o fundamento de todo o raciocínio ver dadeiro é o significado constante das palavras que na doutri na seguinte não depende da vontade do autor como na ciência natural nem do uso vulgar como na conversação corrente mas do sentido que têm nas Escrituras tornase necessário antes de ir mais adiante determinar que significado têm na Bíblia as palavras que devido à sua ambigüidade podem tornar obscuro ou discutível o que a partir delas vou inferir Vou come çar com as palavras CORPO e ESPÍRITO que na linguagem dos escolásticos se denominam substâncias corpóreas e incorpóreas A palavra corpo na sua acepção mais geral significa o que preenche ou ocupa um determinado espaço ou um lugar ima ginado que não dependa da imaginação mas seja uma parte real do que chamamos o universo Como o universo é o agrega do de todos os corpos não há nenhuma das suas partes reais que não seja também corpo nem há coisa alguma que seja pro priamente um corpo e não seja também parte desse agregado de todos os corpos que é o universo Além disso uma vez que os corpos estão sujeitos à mudança quer dizer à variedade da aparência para os sentidos das criaturas vivas ao mesmo se chama também substância quer dizer sujeito a diversos aci 111 330 XXXIV Do Significado de Espírito Anjo e Inspiração dentes como às vezes ser posto em movimento outras a ficar parado ou a parecer nos nossos sentidos às vezes quente outras vezes frio às vezes de uma cor cheiro gosto ou som e outras vezes de outro diferente E atribuímos esta variedade do parecer produzida pela diversidade das operações dos corpos sobre os órgãos dos nossos sentidos às alterações dos corpos que operam e chamamosIhes acidentes desses corpos Segundo esta acepção da palavra substância e corpo significam a mesma coisa Portanto substância incorpórea são palavras que quando reunidas se destroem uma à outra tal como se alguém falasse de um corpo incorpóreo Mas na linguagem popular nem todo o universo é chamado corpo só o sendo aquelas das suas partes que podem ser discernidas pelo sentido do tato como resistentes à pressão ou pelo sentido da vista como impedindo uma perspectiva mais longinqua Portanto na linguagem comum ar e substâncias aéreas não costumam ser tomados como corpos mas chamaseIhes vento ou hálito na medida em que se sentem os seus efeitos ou espíritos porque em latim são chamados spiritus como por exemplo quando se chama espíritos animais e vitais àquela substância aérea que no corpo de toda criatura viva lhe dá vida e movimento Quanto àqueles idolos do cérebro que nos representam corpos onde eles não existem como num espelho num sonho ou para um cérebro acordado mas destemperado eles nada são como disse em geral de todos os ídolos o Apóstolo Não são absolutamente nada dizia eu no lugar onde parecem estar e no próprio cérebro nada mais são do que tumulto proveniente da ação dos objetos ou da desordenada agitação dos órgãos dos nossos sentidos E os homens que se ocupam de muitas coisas menos de investigar suas causas não sabem por si mesmos o que lhes chamar podendo portanto facilmente ser persuadidos por aqueles cujo conhecimento tanto reverenciam alguns a chamarIhes corpos pensando que são feitos de ar tornado compacto por um poder sobrenatural já que a vista os julga corpóreos e outros a chamarIhes espíritos porque o sentido do tato nada discerne no lugar onde apare 20 8 331 1111 II1 11 o Espirito de Deus entendido nas Escrituras às vezes como um vento ou sopro Parte 3 Da República Cristã cem que seja capaz de resistir à pressão dos dedos De modo que a significação própria de esPírito na linguagem comum tanto pode ser um corpo sutil fluido e invisivel como um fantasma ou outro idolo ou fantasia da imaginação Mas significações metafóricas há muitas pois às vezes é tomado como uma disposição ou inclinação da mente como quando designamos a disposição para controlar o que os outros dizem como espírito de contradição ou uma tendência para a impureza como espírito impuro ou a tendência para a maldade como espírito perverso ou a estupidez como espírito tosco e a tendência para a Piedade ou para o serviço de Deus como Espírito de Deus E às vezes designamos com essa palavra uma capacidade eminente ou uma paixão extraordinária ou uma enfermidade da mente como quando uma grande sabedoria é chamada espírito de sabedoria ou quando se diz dos loucos que estão possuídos por um espírito Não encontro em lugar algum outras significações de espírito E quando nenhuma dessas é capaz de dar conta do sentido dessa palavra nas Escrituras a passagem não está ao alcance do entendimento humano e a nossa fé nesse caso não consiste na nossa opinião mas na nossa submissão Isso ocorre em todas as passagens em que se diz que Deus é um espírito ou quando com Espírito de Deus se pretende designar o próprio Deus Porque a natureza de Deus é incompreensível quer dizer nada entendemos do que Ele é mas apenas que Ele é Portanto os atributos que lhe damos não são para dizermos uns aos outros o que Ele é nem para indicar a nossa opinião da sua natureza mas o nosso desejo de o honrar com os nomes que consideramos mais honrosos entre nós mesmos Gn 12 O Espírito de Deus pairava sobre as águas Se aqui por Espírito de Deus se entender o próprio Deus estáse atribuindo movimento a Deus e conseqüentemente lugar o que só é inteligivel quanto aos corpos não quanto às substãncias incorpóreas Assim esta passagem está acima do nosso entendimento que é incapaz de conceber algo que se mova e que não mude de lugar ou que não tenha dimensões e tudo o que tem dimensões é corpo Mas o significado dessas palavras entendese melhor 332 XXXIv Do Significado de Espírito Anjo e Inspiração numa passagem semelhante Gn 81 Quando a Terra estava coberta pelas águas como no principio e Deus pretendia fazê Ias baixar para descobrir de novo a terra firme usou estas pa lavras Quero levar o meu Espírito sobre a Terra e as águas diminuirão Nesta passagem deve entenderse por Espírito um vento que é um ar ou espírito movido que poderia ser chamado como na passagem anterior o Espírito de Deus porque era obra de Deus Gn 4138 O Faraó chamou à sabedoria deJosé o Espírito de Deus TendoJosé o aconselhado a procurar um homem sábio e discreto para o mandar à terra do Egito disse ele Poderemos en contrar um homem como este no qual exista o Espírito de Deus E Ex 283 freis falar disse Deus a todos os de coração sábio aos quais en chi com o espírito da sabedoria para que façam roupas para Aarão a fim de o consagrarem Aqui um entendimento extraordinário embora apenas para fazer roupas sendo um dom de Deus é chamado Espírito de Deus O mesmo se encontra também em Ex 3136 e 3531 E em Is 1120 0 profeta diz ao falar do Messias O Espírito do Senhor irá habitar nele o Espírito da sabedo ria e do entendimento o Espírito do conselho e da firmeza e o Espírito do temor ao Senhor Aqui manifestamente não se quer falar de outros tantos fantasmas mas de outras tantas graças eminen tes que Deus lhe daria No livro dosJuízes um extraordinário zelo e coragem em defesa do povo de Deus é chamado o Espírito de Deus Como quando estimulou a Otoniel Gideão efté e Sansão para que o libertassem da servidão z 310 634 1129 1325 146 e 19 Sobre Saul ao receber noticias da insolência dos amonitas para com os homens de abesh Gilead dizse 1 Sm 116 que o Espírito de Deus baixou sobre Saul e a sua ira ou na versão lati na a sua fúria foi grandemente incendiada Aqui não é provável que se esteja falando de um fantasma e sim de um extraordi nário zelo de castigar a crueldade dos amonitas De maneira semelhante pelo Espírito de Deus que baixou sobre Saul quan do ele se encontrava entre os profetas que louvavam a Deus 209 Segundo como dotes extraordinários do entendimento Terceíro como afeíções extraordinárias I Syn em que 333 111I III 11 I Quarto C01TW o dom da predição por sonhos e visões Quinto como vida Sexto como subordinação à autoridade 210 Parte 3 Da República Cristã cpm canções e músicas 1 Sm 1920 não se deve entender um fantasma mas um zelo inesperado e súbito de se unira eles na sua devoção O falso profeta Zedequias disse a Miquéias 1 Rs 2224 Por onde se foi de mim o EsPírito do Senhor para te falar Nessa passagem não pode ser tomado como um fantasma pois Miquéias declarou perante os reis de Israel e Judá o acontecimento da batalha como proveniente de uma visão e não de um espírito falando nele Do mesmo modo se depreende dos livros dos profetas que estes últimos apesar de falarem pelo Espírito de Deus quer dizer por uma graça especial de predição não recebiam o seu conhecimento do futuro de um fantasma dentro deles e sim de um sonho ou visão sobrenatural Gn 27 Dizse que Deus fez o homem do pó da terra e insuflou nas suas narinas spiraculum vitae o sopro da vida e o homem foi tornado uma alma vivente Aqui o sopro da vida insuflado por Deus significa simplesmente que Deus lhe deu a vida E também Oó 273 dizer enquanto o Espírito de Deus estiver nas minhas narinas é o mesmo que dizer enquanto eu viver Assim em Ez 120 o esPírito da vida estava nas rodas é equivalente de as rodas estavam vivas E em Ez 230 a expressão o esPírito entrou em mim e pôsme de pé significa recuperei a minha força vital e não que algum fantasma ou substância incorpórea entrou no meu corpo e o possuiu No capitulo 11 dos Números versículo 17 Tomarei disse Deus do Espírito que está em ti e dáIoei a eles e eles suportarão contigo o fardo do povo Tratase dos sete anciãos de dois dos quais se diz que profetizam no acampamento e disso alguns se quei xaram e Josué quis que Moisés de talos proibisse ao que Moisés se recusou De onde se depreende que Josué não sabia que eles estavam autorizados a fazêlo e profetizavam de acordo com a vontade de Moisés quer dizer por um esPírito ou autoridade subordinada à deste último Em sentido semelhante lemos Dt 349 que Josué estava cheio do esPírito de sabedoria porque Moisés tinha posto as suas mãos sobre ele Isto é porque lhes foi ordenado por Moisés que continuas 334 XXXIv Do Significado de Espírito Anjo e ITlSpiração se a obra por ele próprio iniciada a saber levar o povo de Deus até a terra prometida e que a morte o impediu de terminar Em sentido semelhante se diz Rm 89 Se algum homem não tiver o Espírito de Cristo ele não é dos seus Com isto não se quer referir o fantasma de Cristo e sim a submissão à sua doutrina E também 1 Jo 42 Por isso conhecereis o Espírito de Deus todo o Es pírito que confessar que Jesus Cristo veio carnalmente é de Deus Com isso se quer referir o espírito da genuína cristandade ou a sub missão àquele artigo principal da fé cristã que Jesus é o Cristo o que não pode ser ihterpretado como um fantasma E do mesmo modo nestas palavras Lc 41 EJesus cheio do Santo Fantasma isto é conforme vem expresso em Mt 41 e em Mc 112 do Espírito Santo deve lerse o zelo de realizar a obra para que fora enviado por Deus Pai Mas interpretar isso como um fantasma é o mesmo que dizer que o próprio Deus pois nosso Salvador o era estava cheio de Deus o que é extremamente impróprio e insignificante Não vou examinar como chegamos a traduzir espíritos pela palavra fantasmas que nada significa nem no céu nem na Terra a não ser os habitantes imaginários do cérebro do homem Digo apenas que no texto a palavra espírito não significa tal coisa e ou significa propria mente uma substância real ou significa metaforicamente alguma aptidão ou feito extraordinário da mente ou do corpo Os discípulos de Cristo ao veremno caminhar sobre as ondas Mt 1426 e Mc 649 julgaram que ele era um espírito querendo com isso referir um corpo aéreo e não um fantasma Pois se diz que todos eles o viram o que é impossível dizerse das ilusões do cérebro que não são comuns a muita gente ao mesmo tempo como são os corpos visíveis mas singulares devido às diferenças das imaginações só podendo dizerse dos corpos O mesmo aconteceu quando ele foi tomado por um espírito pelos mesmos Apóstolos Lc 2437 e também At 1215 quando São Pedro foi libertado da prisão e nãol se deu cré dito à notícia E quando a donzela disse que ele estava à porta Sétimo como corpos aéreos 1 Sylz não 335 li II 1111 IIi I IIII m II I 211 o que é ahjo Parte 3 Da República Cristã disseram que era o seu anjo com o que certamente se queria referir a uma substância corpórea e é preciso dizer que os próprios discípulos aceitavam a opinião comum tanto del judeus como gentios de que tais2 aparições não eram imaginárias mas reais e sem precisarem da fantasia do homem para existirem A estas os judeus chamavam espíritos e anjos bons ou maus e os gregos davam a elas o nome de demônios E algumas dessas aparições podem ser reais e substanciais quer dizer corpos sutis que Deus pode formar pelo mesmo poder com que fez todas as coisas e que pode usar como ministros e mensageiros quer dizer anjos para declarar a sua vontade e executáIa quando lhe aprouver de maneira extraordinária e sobrenatural Mas depois de Ele assim as formar elas são substâncias dotadas de dimensões ocupando espaço e podendo ser movidas de um lugar para outro conforme é peculiar aos corpos Portanto não são fantasmas incorpóreos quer dizer fantasmas que não estão em lugar algum quer dizer que estão em nenhures quer dizer que parecendo ser algo não são nada Mas se se entender corpóreo da maneira mais vulgar como substâncias perceptiveis pelos nossos sentidos externos nesse caso a substância incorpórea não é uma coisa imaginária e sim real a saber uma substância tênue e invisível mas que tem as mesmas dimensões dos corpos mais sólidos A palavra ANJo significa geralmente um mensageiro e na maior parte dos casos um mensageiro de Deus E por mensageiro de Deus entendese algo que dá a conhecer a sua presença extraordinária quer dizer a manifestação extraordinária do seu poder especialmente através de um sonho ou de uma visão Não há nada nas Escrituras relativamente à criação dos anjos Freqüentemente se repete que são espíritos mas este nome significa tanto nas Escrituras como na linguagem vulgar tanto entre os judeus como entre os gentios às vezes corpos tênues como o ar o vento os espíritos vitais e animais das criaturas vivas outras vezes significa as imagens que surgem na imagi I Syn de tanto 2 Syn algumas de tais 336 L XXXIV Do Significado de Espírito Anjo e Inspiração nação por ocasião dos sonhos e visões as quais não são subs tâncias reais e não duram mais do que o sonho ou visão em que aparecem aparições essas que embora não sejam substâncias reais mas acidentes do cérebro quando são criadas sobrena turalmente por Deus para manifestar a sua vontade não é im propriamente que são chamadas mensageiros de Deus quer di zer seus anjos Tal como os gentios concebiam as imaginações do cére bro como coisas realmente existentes fora deles e independen tes da imaginação e forjaram a partir daí as suas opiniões dos demônios bons e maus aos quais dado que pareciam existir real mente chamavam substâncias e dado que não lhes era possível sentiIos com as mãos chamavam incorpóreos assim também os judeus com o mesmo fundamento sem haver nada no Antigo Testamento que a talos obrigasse eram geralmente de opinião com exceção da seita dos saduceus de que essas aparições que por vezes a Deus aprazia fazer surgir na imaginação dos ho mens para seu próprio serviço e portanto lhes chamava seus anjos eram substâncias independentes da imaginação mas criaturas permanentes de Deus Assim os que julgavam bons para eles eram considerados anjos de Deus e os que julgavam serIhes prejudiciais eram chamados anjos maus ou espíritos ma lignos Esse era o caso do espírito de Piton e dos espíritos dos loucos dos lunáticos e dos epilépticos Pois consideravam endemoninhados todos os que eram afligidos por essas doenças Mas se examinarmos as passagens do Antigo Testamento em que se faz referência aos anjos veremos que na maior parte delas a única coisa que se pode entender pela palavra anjo é uma imagem criada sobrenaturalmente na imaginação para indicar a presença de Deus na execução de alguma obra sobre natural Portanto nas passagens restantes em que a sua na tureza não é explicitada essa palavra deve ser entendida da mesma maneira Pois lemos em Gn 16 que à mesma aparição se chama não apenas anjo mas também Deus e que o que é chamado versículo 7 o anjo do Senhor diz a Agar no décimo versículo 212 337 11111111 Parte 3 Da República Cristã Multiplicarei abundantemente a tua linhagem quer dizer fala na pessoa de Deus E esta aparição não era uma imaginação figurada mas uma voz Por isso se torna evidente que anjo significa aqui simplesmente o próprio Deus o qual fez sobrenaturalmente que Agar ouvisse uma voz vinda do céu ou melhor tratase simplesmente de uma voz sobrenatural testemunhando a presença especial de Deus Sendo assim por que não poderão os anjos que apareceram a Ló e são chamados homens Gn 1913 e aos quais embora fossem dois Ló falou como se fosse só um versículo 18 e a esse um como se fosse Deus porque as palavras são Ló lhes disse Não rogovos Senhor ser entendidos como imagens de homens sobrenaturalmente formadas na imaginação tal como antes um anjo foi entendido como uma voz imaginada Quando do céu o anjo chamou a Abraão para que detivesse a sua mão que ia matar Isaac Gn 2211 não houve aparição mas apenas uma voz Entretanto com bastante propriedade se chamou mensageiro ou anjo de Deus pois declarou sobrenaturalmente a vontade de Deus o que evita o esforço de supor quaisquer fantasmas permanentes Os anjos que Jacó viu na escada do céu Gn 2812 eram uma visão do seu sonho portanto eram apenas uma fantasia e um sonho mas como essas aparições são sobrenaturais e sinais da presença especial de Deus não é impróprio chamarIhes anjos O mesmo se deve entender Gn 3111 quando Jacó diz O anjo do Senhor apareceume durante o sono Com efeito uma aparição a um homem durante o sono é o que toda a gente chama um sonho quer esse sonho seja natural ou sobrenatural E aquilo a que Jacó chamou anjo era o próprio Deus porque o mesmo anjo disse versículo 13 Eu sou o Deus de Bethel Também Ex 149 o anjo que foi à frente do exército de Israel até o mar Vermelho e depois se pôs atrás dele é o próprio Deus versículo 19 E ele não apareceu sob a forma de um belo homem mas de dia sob a forma de uma coluna de nuvens e de noite sob a forma de uma coluna de fogo Contudo esta coluna foi toda a aparição e o anjo prometido a Moisés Ex 149 como guia do exército Pois se diz que essa coluna 338 XXXIV Do Significado de Espírito Anjo e InsPiração nebulosa desceu do céu e ficou à porta do Tabernáculo e fa lou com Moisés Vemos neste caso o movimento e a linguagem que geralmente se atribuem aos anjos atribuídos a uma nuvem porque a nuvem era um sinal da presença de Deus e não era menos um anjo do que se tivesse a forma de um homem ou uma criança de beleza inexcedível com asas como geralmente são pintados para falsa instrução da gente do vulgo Porque não é a forma que deles faz anjos mas o seu uso Ora este uso deve ser a significação da presença de Deus nas operações sobrenaturais como quando Moisés Ex 3314 quis que Deus fosse junto com o exército como sempre tinha feito antes de fazerem o bezerro de ouro e Deus não respondeu Irei nem Mandarei um anjo em meu lugar e sim A minha presença irá convosco Seria demasiado longo enumerar todas as passagens do Antigo Testamento em que se encontra a palavra anjo Assim para as abranger todas ao mesmo tempo direi que não há nenhum texto naquela parte do Antigo Testamento que a Igreja Anglicana considera canônica de que possamos concluir que existe ou que foi criada alguma coisa permanente designada pelo nome de espirito ou anjo que não possua quantidade e não possa ser dividida pelo entendimento quer dizer examinada por partes de modo tal que uma parte esteja num lugar e a parte seguinte no lugar seguinte ao primeiro Em resumo que não seja corpórea considerando corpo aquilo que é alguma coisa ou que está em algum lugar Pelo contrário em todas as passagens o sentido permite a interpretação de anjo como mensageiro como João Batista é chamado um anjo e Cristo o anjo do pacto e também como segundo a mesma analogia a pomba e as línguas de fogo na medida em que eram sinais da presença especial de Deus poderiam igualmente ser chamadas anjos Embora em Daniel encontremos dois nomes de anjos Gabriel e Miguel o próprio texto deixa claro Dn 121 que por Miguel se entende o Cristo não como anjo mas como principe 213 ISyn asas 339 l II Parte 3 Da República Cristã II e que Gabriel tal como as idênticas aparições a outros santos homens durante o sono não passava de um fantasma sobrenatural pelo qual pareceu a Daniel no seu sonho que estando dois santos a falar um deles disse ao outro Gabriel vamos fazer este homem entender a sua visão Porque Deus não precisa distinguir os seus servos celestes com nomes que só se tornam úteis para as curtas memórias dos mortais No Novo Testamento não há nenhuma passagem que permita provar que os anjos a não ser quando se trata daqueles homens de quem Deus fez os mensageiros e ministros da sua palavra ou das suas obras sejam coisas permanentes e além disso incorpóreas Que são permanentes podese depreender das palavras do nosso Salvador Mt 2541 quando ele diz que será dito aos perversos no dia do Juizo lde malditos para o fogo eterno preparado para o Diabo e seus anjos Essa passagem mostra bem a permanência dos anjos maus a não ser que entendamos o nome do Diabo e seus anjos como indicando os adversários da Igreja e seus ministros mas que é incompativel com a sua imaterialidade porque o fogo eterno não seria um castigo para substâncias impalpáveis como são todas as coisas incorpóreas Portanto ai não fica provado que os anjos sejam incorpóreos De maneira semelhante quando São Paulo diz 1 Cor 63 Não sabeis que julgaremos os anjos e também 2 Pd 24 Porque se Deus não perdoou aos anjos que pecaram e os precipitou no inferno e ainda at 16 E aos anjos que não conservaram o seu estado primitivo e abandonaram a sua primitiva habitação ele reservou a obscuridade em eternas cadeias até o juízo do último dia em todas estas passagens embora prove a permanência da natureza angelical confirma também a sua materialidade E também Mt 2230 Na ressurreição os homens não casam nem dão em casamento mas são como os anjos de Deus no céu mas na ressurreição os homens serão permanentes e não incorpóreos portanto os anjos também o serão Há diversas outras passagens das quais se poderia tirar a mesma conclusão Para os homens que entendem o significado das palavras substância e incorpóreo dado que incorpóreo não étomado como corpo sutil mas como não corpo elas implicam 214 340 XXXIV Do Significado de Espírito Anjo e Inspiração quando juntas uma contradição Nessa medida dizer que um anjo ou espirito é nesse sentido uma substância incorpórea é efetivamente o mesmo que dizer que não há nenhuma espécie de anjos ou espíritos Assim levando em conta a significação da palavra anjo no Antigo Testamento e a natureza dos sonhos e visões que acontecem aos homens através dos processos comuns da natureza inclinome para pensar que os anjos não são mais do que aparições sobrenaturais da imaginação suscitadas pela intervenção especial e extraordinária de Deus a fim de dar a conhecer à humanidade e principalmente ao seu próprio povo a sua presença e os seus mandamentos Mas as numero sas passagens do Novo Testamento e as próprias palavras do nosso Salvador em textos em que não há suspeita de corrup ção das Escrituras arrancaram à minha débil razão o reconhe cimento e a crença de que também há anjos substanciais e permanentes Mas acreditar que eles não estão em parte alguma quer dizer em nenhures quer dizer que não são nada como dizem embora indiretamente os que os consideram incorpóreos não pode ser provado a partir das Escrituras Da significação da palavra espírito depende a da palavra INSPIRAÇÃO que ou é tomada em sentido próprio e neste caso não é mais do que o insuflar num homem de um ar ou vento fino e sutil tal como um homem enche uma bexiga com o seu sopro ou se os espíritos não são corpóreos e têm a sua existência apenas na imaginação então não é mais do que o insuflar de um fantasma o que só pode ser dito de maneira imprópria e impossível pois os fantasmas não são nada ape nas parecem ser alguma coisa Portanto essa palavra é usada nas Escrituras apenas metaforicamente Como quando se diz Gn 27 que Deus inspirou ao homem o sopro da vida não se querendo dizer outra coisa senão que Deus lhe deu o movi mento vital Porque não devemos pensar que Deus fez primeiro um sopro vivo e depois o insuflou em Adão depois de este já estar feito quer esse sopro fosse real ou aparente mas ape o que é insPiração I Syn não 341 I 11 Parte 3 Da República Cristã I 1I nas At 1725 que lhe deu vida e alento quer dizer que fez dele uma criatura viva E quando se diz 2 Tm 316 todas as Escrituras são dadas por inspiração de Deus falando aí das Escrituras do Antigo Testamento tratase de uma simples metáfora significando que Deus inclinou o espirito ou mente desses autores a escrever o que seria útil para ensinar reprovar corrigir e instruir os homens no reto caminho da vida Mas quando São Pedro diz 2 Pd 121 que nos tempos antigos a profecia não proveio da vontade dos homens mas os santos homens de Deus falaram enquanto movidos pelo Espírito Santo entendese por Espírito Santo a voz de Deus num sonho ou visão sobrenatural que não é uma inspiração E quando o nosso Salvador lançou o seu alento sobre os discipulos dizendo recebei o Espírito Santo esse alento também não era o espírito mas um sinal das graças espirituais que lhes estava concedendo E embora se diga de muitos inclusive do nosso próprio Salvador que estava cheio do Espírito Santo mesmo assim essa plenitude não deve ser entendida como in fusão da substância de Deus mas como acumulação dos seus dons como o dom da santidade da vida ou o dom das línguas e outros semelhantes quer sejam conseguidos sobrenaturalmente ou pelo estudo e pelo trabalho pois em todos os casos tratase de dons de Deus De maneira semelhante quando Deus diz JI 228 derramarei o meu espírito sobre a carne e os vossos filhos e filhas profetizarão os vossos velhos sonharão sonhos e os vossos jovens verão visões não devemos entendêIo em sentido próprio como se o esPírito fosse como a água sujeito a efusão e infusão mas no sentido de Deus ter prometido dar lhe sonhos e visões proféticas Porque o uso próprio da palavra infundido ao falar das graças de Deus constitui um abuso da palavra dado que as graças são virtudes e não corpos que podem ser levados para aqui e para ali ou que podem ser despejados para dentro dos homens como se estes fossem barris Da mesma maneira tomar inspiração em sentido próprio ou dizer que entraram nos homens esPíritos benéficos que lhes permitem profetizar ou esPíritos maléficos que os tornam frenéticos lunáticos ou epiléticos não é tomar a palavra no senti 215 1 342 xxxv Do Significado de Reino de Deus do das Escrituras pois nestas o espírito é tomado como poder de Deus atuando por meio de causas que nos são desconhecidas Como também o vento At 22 que lá se diz ter enchido a casa onde os apóstolos estavam reunidos no dia de Pentecos tes não deve ser entendido como o Espírito Santo o qual é a própria divindade mas como um sinal externo da interven ção especial de Deus nos seus corações para neles tornar efe tivas as graças internas e as santas virtudes que considerava necessárias para a realização do seu apostolado CAPo XXXV Do Significado de REINO DE DEUS SANTO SAGRADO e SACRAMENTO nas Escrituras 216 Nas obras dos teólogos especialmente nos sermões e tra tados de devoção o Reino de Deus é geralmente tomado como a eterna felicidade depois desta vida no altissimo céu ao qual também chamam o Reino de Glória e às vezes é tomado tam bém como santificação o máximo dessa felicidade ao que chamam Reino da Graça Mas nunca o tomam como monar quia quer dizer o poder soberano de Deus sobre quaisquer sú ditos adquirido pelo consentimento destes que é a significação própria de Reino Pelo contrário verifico que na maioria das passagens das Escrituras REINO DE DEUS significa um reino propriamente dito constituído pelos votos do povo de Israel de maneira pe culiar segundo a qual escolheram Deus como seu rei median te um pacto celebrado com Ele após Deus lhes ter prometido a posse da terra de Canaã e poucas vezes tem um significa do metafórico E mesmo nestes casos é tomado como domínio sobre o pecado apenas no Novo Testamento pois um domínio o Reino de Deus entendido metaftricamente pelns teólngos mas nas Escrituras em sentido próprio 343 11 li III II1 li I I A origem do Reino de Deus 217 Parte 3 Da República Cristã como esse todo súdito o terá no Reino de Deus sem prejuízo para o soberano Desde a própria criação Deus não apenas reinou naturalmente sobre todos os homens através do seu poder mas teve também súditos peculiares aos quais comandava por intermédio de uma voz da mesma maneira que um homem fala com outro Foi dessa maneira que reinou sobre Adão dandolhe ordem de se abster da árvore do conhecimento do bem e do mal Quando ele desobedeceu e dela provou propôsse ser como Deus julgando entre o bem e o mal seguindo o seu próprio critério em vez dos mandamentos do seu criador e o seu castigo foi a privação do estado de vida eterna no qual inicialmente Deus o tinha criado E posteriormente Deus castigou pelos seus vícios a sua posteridade com exceção de apenas oito pessoas com um dilúvio universal E era nessas pessoas que consistia nesse momento o Reino de Deus Mais tarde prouve a Deus falar a Abraão e fazer com ele um pacto Gn 177s nestes termos Estabelecerei o meu pacto entre mim e ti e a tua semente depois de ti nas suas gerações por um pacto perPétuo para ser um Deus para ti e para a sua semente depois de ti E darteei a ti e à tua semente depois de ti a terra onde és um estranho toda a terra de Canaã para uma posse perPétua Neste pacto Abraão prometeu por si mesmo e sua posteridade obedecer ao que Deus nosso Senhor lhe dissesse e por sua parte Deus prometeu a Abraão a posse perpétua da terra de Canaã E como memorial e símbolo do pacto ordenou versículo 11 o sacramento da circuncisão É a isto que se chama o Antigo Pacto ou Testamento que encerra um contrato entre Deus e Abraão mediante o qual Abraão fica obrigado assim como a sua posteridade a se sujeitar de maneira peculiar à lei positiva de Deus porque à lei moral já estava obrigado antes por intermédio de um juramento de obediência Embora ainda não seja dado a Deus o nome de rei nem a Abraão e sua descendência o nome de reino a coisa é a mesma a saber a instituição mediante um pacto da soberania peculiar de Deus sobre a descendência de Abraão tanto assim que renovação do mesmo pacto por Moisés no monte Sinai é expres 344 xxxv Do Significado de Reino de Deus samente chamado um Reino de Deus peculiar sobre os judeus E foi de Abraão não de Moisés que São Paulo disse Rm 411 que ele é o Pai dos fiéis quer dizer dos que são leais e não vio lam a obediência jurada a Deus primeiro pela circuncisão e depois no novo pacto pelo batismo Este pacto no sopé do monte Sinai foi renovado por Moi sés Ex 195 quando o Senhor ordenou a Moisés que falasse ao povo desta maneira Se efetivamente obedecerdes à minha voz e respeitardes o meu pacto então sereis um povo peculiar para mim pois toda a terra me pertence E sereis sob mim um reino sacerdotal e uma nação santa Povo peculiar era no latim vulgar peculium de cunctis populis na tradução inglesa feita no reinado de Jaime a minha propriedade peculiar dentre todos os povos e na tradução francesa de Genebra a jóia mais preciosa de todas as nações Mas a tradu ção correta é a primeira pois é confirmada pelo próprio São Paulo Tt 214 quando diz aludindo a essa passagem que o nosso abençoado Salvador se deu a si mesmo por nós com o fim de nos purificar para si mesmo como um povo peculiar isto é extraordi nário Porque em grego a palavra é 7CEplOvmoç que geralmen te se opõe à palavra emovmoç e assim como esta significa vulgar quotidiano ou como na oração do Senhor de uso diário assim também a outra significa excedente e armazenado e gozado de maneira especial e é a isso que os latinos chamavam peculium E este significado da passagem é confirmado pela razão para ela dada por Deus imediatamente a seguir quando ele acres centa Todas as nações do mundo são minhas mas não é dessa ma neira que sois meus e sim de uma maneira especial Porque elas são minhas em virtude do meu poder mas vós sereis meus por vosso próprio consentimento e pacto Isso constitui um acrescento ao seu título geral sobre todas as nações Além disso o mesmo é confirmado nas palavras expressas do mesmo texto Vós sereis para mim um reino sacerdotal e uma nação santa O latim vulgar era regnum sacerdotale com o que concorda a tradução dessa passagem 1 Pd 2 sacerdotium regale um sacerdócio real Como concorda também a própria instituição pela qual ninguém podia entrar no sanetum sanetorum quer dizer nin o Reino de Deus em sentido própria é a sua soberania dvil sobre um dado povo por pacto 345 i1 111 III IIIIII III Parte 3 Da República Cristã 218 guém podia investigar a vontade de Deus imediatamente do próprio Deus mas só através do sumo sacerdote A tradução inglesa aqui citada seguindo a de Genebra refere um reino de sacerdotes o que ou significa a sucessão de um sumo sacerdote após outro ou então não está de acordo com São Pedro nem com o exercício do sumo sacerdócio Porque nunca competiu a ninguém a não ser apenas ao sumo sacerdote informar o povo da vontade de Deus nem jamais nenhuma convocação de sacerdotes permitiu entrar no sanctum sanctorum Mais ainda o titulo de nação santa confirma a mesma coisa porque santo significa aquilo que é de Deus por direito especial não por direito geral Conforme se diz nos textos a Terra inteira é de Deus mas nem toda a Terra é chamada santa sendoo apenas aquela que é posta de parte para um serviço especial como era o caso da nação dos judeus Portanto esta passagem mostra suficientemente que por Reino de Deus se entende propriamente uma república instituída pelo consentimento dos que lhe iriam ficar sujeitos para o seu governo civil e para o controle do seu comportamento não apenas para com Deus seu rei mas também uns para com os outros nas questões de justiça e para com as outras nações tanto na paz como na guerra E ele era propriamente um reino onde Deus era o rei e o Sumo Sacerdote viria a ser após a morte de Moisés o seu único vicerei ou lugartenente Mas há muitas outras passagens que provam claramente o mesmo Em primeiro lugar 1 Sm 87 aquela em que os anciãos de Israel aflitos com a corrupção dos filhos de Samuel pediram um rei e Samuel mostrou o seu desagrado e orou ao Senhor e o Senhor em resposta lhe disse Escuta a voz do povo pois não foi a ti que eles rejeitaram foi a mim para que não reine sobre eles Disso resulta evidente que o próprio Deus era então o seu rei e que Samuel não comandava o povo mas apenas a ele comunicava o que de vez em quando Deus lhe indicava Também quando Samuel disse ao povo 1 Sm 1212 Quando vistes que Nahash rei dos filhos de Amon marchava contra vós haveisme dito Não só um rei deve reinar sobre nós dado que Deus nosso 346 XXXV Do Significado de Reino de Deus Senhor era vosso rei fica manifesto que Deus era o seu rei e go vernava o regime civil de sua república E depois de os israelitas rejeitarem Deus os Profetas pre disseram a sua restituição Is 2423 Então a Lua ficará confundida e o Sol ficará envergonhado quando o Senhor das Hostes reinar no monte Sião e emJerusalém Aqui se fala expressamente do seu rei no em Sião e em Jerusalém quer dizer na Terra E também Mq 47 E o Senhor reinará sobre eles no monte Sião este monte Sião é em Jerusalém na Terra E também Ez 2033 Como vivo disse Deus nosso Senhor seguramente com mão poderosa e o braço esten dido e com fúria derramada governarei sobre vós e versiculo 37 Far vosei passar sob a vara e levarvosei até o laço do pacto quer di zer reinarei sobre vós e obrigarvosei a respeitar aquele pacto que fizestes comigo através de Moisés e ao qual haveis que brado com a vossa rebelião contra mim no tempo de Samuel e na vossa eleição de um outro rei E no Novo Testamento o anjo Gabriel disse do nosso Sal vador Lc 13233 Ele será grande e será chamado o Filho do Altis simo e o Senhor lhe dará o trono do seu pai Davi e ele reinará para sempre sobre a casa deJacó e o seu reino não mais terá fim Aqui tam bém se trata de um reino na Terra e foi porque o reclamou que lhe foi dada a morte como inimigo de César A insígnia da sua cruz eraJesus de Nazaré Rei dosJudeus por escárnio foi coroado com uma coroa de espinhos e por sua proclamação dizse dos discipulos At 177 Isso todos eles fzzeram contrariamente aos decretos de César dizendo que havia um outro rei chamado Jesus Portanto o Reino de Deus é um reino real não um reino metafórico e é neste sentido que é tomado não só no Antigo Testamento como também no Novo Quando dizemos porque vosso é o Reino o Poder e a Glória deve entenderse o Reino de Deus pela força do nosso pacto e não pelo direito do poder de Deus porque tal reino Deus sempre teve portanto seria supérfluo dizer nas nossas preces venha a nós o Vosso Reino se isso não significasse a restauração daquele Reino de Deus pelo Cristo esse reino que a revolta dos israelitas interrompeu com a eleição de Saul E também não seria próprio dizer o Reino do Céu está na tua mão ou rezar venha a nós o vosso Reino se ele tivesse continuado 219 347 li I 11 II III 220 o qUI é santo Parte 3 Da República Cristã Existe tão grande número de outras passagens que confirmam esta interpretação que seria de espantar tal não ter sido mais notado não fosse a maneira como elas esclarecem os reis cristãos fazendoos ver o seu direito ao governo eclesiástico Isto muito bem viram os que em vez de reino sacerdotal traduziram reino de sacerdotes pois também teriam podido traduzir sacerdócio real como em São Pedro por sacerdócio de reis E tal como traduzem povo peculiar por jóia preciosa ou propriedade assim também se poderia chamar ao regimento ou companhia especial de um general a jóia preciosa ou a propriedade do general Em resumo o Reino de Deus é um reino civil que consiste em primeiro lugar na obrigação do povo de Israel para com as leis que Moisés lhe deveria trazer do monte Sinai e que posteriormente o Sumo Sacerdote do momento lhe deveria comunicar perante os querubins do sanctum sanctorum Renegado na eleição de Saul esse reino seria restaurado por Cristo previram os profetas e é por essa restauração que diariamente oramos quando dizemos na prece ao Senhor venha a nós o Vimo Reino Seu direito reconhecemos quando acrescentamos porque Vosso é o Reino o Poder e a Glória para todos os séculos dos séculos amém reino este proclamado na pregação dos apóstolos e para o qual os homens são preparados pelos mestres do Evangelho Por sua vez a aceitação desse Evangelho quer dizer a promessa de obediência ao governo de Deus equivale a estar no Reino da Graça porque Deus lhes concedeu gratuitamente o direito de serem súditos isto é filhos de Deus posteriormente quando Cristo viesse em majestade para julgar o mundo e para governar efetivamente o seu povo ao que se chama Reino de Glória Se o Reino de Deus também chamado Reino do Céu devido à gloriosa e admirável altura desse trono não fosse um reino exercido por Deus na Terra através dos seus lugartenentes e vigários que transmitem os seus mandamentos ao povo não teria havido tantas discussões e guerras para determinar através de quem Deus nos fala nem tantos padres se teriam preocupado com a jurisdição espiritual nem rei algum a teria negado a eles A partir desta interpretação literal do Reino de Deus surge também a verdadeira interpretação da palavra SANTO Pois é 348 xxxv Do Significado de Reino de Deus uma palavra que corresponde no Reino de Deus àquilo que os homens nos seus reinos costumam chamar público isto é os reis Em qualquer país o rei é a pessoa pública ou representante de todos os seus súditos E Deus rei de Israel era a pessoa santa de Israel A nação que está sujeita a um soberano terreno é a nação desse soberano isto é da pessoa pública Assim os judeus que eram a nação de Deus eram chamados Ex 196 uma nação santa Porque por santo se entendeu ou o próprio Deus ou o que é propriedade de Deus E público sempre signi ficou ou a própria pessoa da república ou alguma coisa que pertence à república de modo tal que nenhuma pessoa parti cular pode pretender a sua propriedade Portanto o sábado dia de Deus é um dia santo o templo casa de Deus é uma casa santa os sacrifícios dízimos e oferen das tributos de Deus são deveres santos os padres profetas e os reis ungidos por Cristo ministros de Deus são homens santos os espíritos ministeriais celestes mensageiros de Deus são san tos anjos e assim por diante E sempre que a palavra santo é usa da adequadamente expressa ainda alguma propriedade obti da por consentimento Ao dizer santificado seja o vosso nome não fazemos mais do que rogar a Deus pela graça de respeitar o primeiro mandamento de não ter outros deuses senão ele A huma nidade é a nação de Deus por propriedade mas só os judeus são uma nação santa Por que razão senão porque se tornaram sua propriedade por meio do pacto E a palavra profano geralmente é usada nas Escrituras com o sentido de comum conseqüentemente os seus contrários san to e próprio no Reino de Deus devem significar também o mes mo Mas em sentido figurado também se chama santos àqueles homens cujas vidas foram tão retas como se eles tivessem renun ciado a qualquer propósito mundano e se dedicado e se dado inteiramente a Deus Em sentido próprio dizse que é santifi cado por Deus aquilo que se torna santo quando Deus de tal se apropria e separa para o seu próprio uso como o sétimo dia no quarto mandamento e como segundo o Novo Testamento os eleitos são santificados no momento em que são investidos do o qUI é sagrado 349 i T II II 111 lu II II Graus de santidade 2211 Sacramento Parte 3 Da República Cristã espíríto de píedade E o que é tornado santo pela dedicação dos homens e entregue a Deus a fim de ser usado unicamente no seu serviço público é também chamado SAGRADO e dizse que está consagrado como os templos e outras casas de oração pública assim como os seus utensílios padres e ministros vítimas oferendas e a matéria externa dos sacramentos Existem diferentes graus de santidade pois dentre as coisas que são postas de parte para o serviço de Deus pode haver algumas que são novamente postas de parte para o seu serviço mais próximo e mais especial A nação inteira dos israelitas era um povo santo de Deus mas a tribo de Levi era entre os israelitas uma tribo santa e entre os levitas os sacerdotes eram os mais santos e entre os sacerdotes o Sumo Sacerdote era o mais santo de todos E assim também a terra da Judéia era a terra santa mas a cidade santa onde Deus devia ser adorado era a mais santa e por sua vez o templo era mais santo do que a cidade e o sanctum sanctorum era mais santo do que o resto do templo Um SACRAMENTO é a separação de uma coisa visível do seu uso comum e a sua consagração para o serviço de Deus como sinal seja da nossa admissão no Reino de Deus como pertencentes ao seu povo peculiar seja de sua comemoração No Antigo Testamento o sinal de admissão era a circuncisão e no Novo Testamento é o batismo A sua comemoração no Antigo Testamento era comer o cordeiro pascal num momento determinado que era o aniversário mediante o que se lembrava a noite em que os judeus foram libertados da escravidão do Egito No Novo Testamento é a celebração da ceia do Senhor mediante a qual nos lembramos da nossa libertação da escravidão do pecado pela morte do nosso abençoado Salvador na cruz Os sacramentos de admissão só podem ser usados uma vez porque só é preciso haver uma admissão mas como é preciso sernos freqüentem ente lembrada a nossa libertação e a nossa fidelidade os sacramentos de comemoração necessitam ser reiterados E são estes os principais sacramentos que são por assim dizer os juramentos solenes de fidelidade que faze 350 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profttas mos Também há outras consagrações que podem ser chama das sacramentos dado que a palavra implica consagração ao serviço de Deus mas como ela implica também um juramento ou promessa de fidelidade a Deus não se encontra no Antigo Testamento nenhum outro além da circuncisão e da extremaun ção e no Novo Testamento não há nenhum outro além do ba tismo e da ceia do Senhor CAPo XXXVI Da PALAVRA DE DEUS e dos PROFETAS 222 Sempre que há referência à palavra de Deus ou do homem tal não significa uma parte do discurso como são para os gramáticos os nomes ou os verbos ou qualquer termo isolado sem um contexto com outras palavras que lhe dêem significa do e sim uma oração ou discurso perfeito em que o orador afirma nega ordena promete ameaça deseja ou interroga E neste sentido uma palavra não significa vocabulum mas sermo em gre go Àóyoç isto é uma oração discurso ou fala Mais ainda quando falamos da palavra de Deus ou do ho mem isso pode às vezes entenderse do orador como as palavras que Deus proferiu ou que um homem proferiu Neste sentido quando falamos do Evangelho de São Mateus enten demos que São Mateus foi o seu autor Outras vezes pode en tenderse do tema e nesse sentido quando lemos na Bíblia as palavras dos dias dos reis de Israel e de Judá isso significa que as ações praticadas nesses dias foram o tema dessas palavras E na língua grega que nas Escrituras conserva muitos hebraís mos entendese muitas vezes pela palavra de Deus não aquela que é dita por Deus mas a que é dita a respeito de Deus e do seu governo quer dizer a doutrina da religião Assim é a o que é a palavra As palavras ditas por Deus e a respeito de Deus ambas chamadas palavra de Deus nas Escrituras 351 1 1 11 1 223 7 Tm 47 Parte 3 Da República Cristã mesma coisa dizer íióyoç Jeov ou theologia a doutrina a que precisamente chamamos teologia conforme é manifesto na seguinte passagem At 1346 Então Paulo e Barnabé passaram à ousadia e disseram é necessário que a palavra de Deus primeiro vos seja dita mas vendo que a recusais e que vos julgais indignos de uma vida eterna vede voltamos para os gentios O que aqui se chamava palavra de Deus era a doutrina da religião cristã como fica evidente pelo que precede E quando At 520 um anjo diz aos apóstolos Ergueivos e dizei no templo todas as palavras desta vida a expressão palavras desta vida significa a doutrina do Evangelho como se torna evidente pelo que eles fizeram no templo e encontrase expresso no último versículo do mesmo capítulo Diariamente no templo e em cada casa eles não cessavam de ensinar e pre gar a Cristo Jesus Fica manifesto nesta passagem que Jesus Cris to era o tema desta palavra da vida ou então o que é o mesmo o tema das palavras desta eterna vida que o nosso Salvador Ihes ofereceu Assim At 157 a palavra de Deus é chamada a palavra do Evangelho porque encerrava a doutrina do Reino de Cristo e a mesma palavra Rm 1089 é chamada a palavra da fé isto é conforme aí se encontra expresso a doutrina de Cristo erguido e regressado de entre os mortos E também em Mt 1319 Quando alguém escutar a palavra do Reino isto é a doutrina do Reino ensinada por Cristo E da mesma palavra se diz At 1224 que cresce e se multiplica o que é fácil ser entendido da doutrina evangélica mas é difícil e estranho ser entendido da voz ou fala de Deus No mesmo sentido doutrina dos diabos não significa as palavras de qualquer diabo e sim a doutrina dos pagãos a respeito dos demônios e os fantasmas a quem eles adoravam como deuses Examinando estas duas significações da PALAVRA DE DEUS conforme aparece nas Escrituras é manifesto neste último sentido quando tomada como doutrina da religião cristã que as Escrituras inteiras são a palavra de Deus mas no primeiro sentido não é esse o caso Por exemplo embora as palavras Eu sou o Senhor teu Deus etc no final dos dez mandamentos tenham sido ditas a Moisés por Deus apesar disso o Prefácio 352 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas Deus proferiu estas palavras e disse deve ser entendido como as palavras daquele que escreveu a história santa A palavra de Deus no sentido daquela que Ele proferiu às vezes entendese propriamente e às vezes metaforicamente Propriamente como as palavras que Ele disse aos Seus profetas e metaforicamente como a Sua sabedoria poder e eterno decreto ao fazer o mun do Neste sentido os fiat de Gn 1 Façase a luz Façase um firmamento Façamos o homem etc são a palavra de Deus E no mesmo sentido se diz 00 13 Todas as coisas são feitas com ela e sem ela nada foi feito do que foi feito e também Heb 13 Ele manteve todas as coisas pela palavra do seu poder quer dizer pelo poder da Sua palavra ou seja pelo Seu poder ainda Heb 113 Os mundos foram forjados pela palavra de Deus e muitas outras passagens com o mesmo sentido Assim como também entre os latinos a palavra fate que significava propriamente a palavra dita era tomada no mesmo sentido Em segundo lugar entendese como os efeitos da Sua palavra quer dizer como a própria coisa que pela Sua palavra éafirmada ordenada ameaçada ou prometida Como quando se diz SI 10519 que José foi mantido na prisão até que a sua palavra chegou isto é até vir a acontecer aquilo que ele havia predito Gn 4013 ao copeiro do Faraó a respeito da sua restauração nesse cargo porque a sua palavra chegou significa aí que a própria coisa aconteceu E também Elias disse a Deus 1 Rs 1836 Eu fiz todas estas vossas palavras em vez de dizer Eu fiz todas estas coisas por vossa palavra ou ordem E ar 1715 Onde estáa palavra do Senhor está em vez de Onde está o mal que ele ameaçou E Ez 1228 em Nenhuma das minhas palavras se prolongará mais entendese por palavras aquelas coisas que Deus havia prometido ao seu povo E no Novo Testamento Mt 2435 o céu e a terra passarão mas as minhas palavras não passarão quer dizer que não há nada do que eu prometi ou predisse que não venha a acontecer E é neste sentido que São João Evangelista e segundo creio apenas São João chamava ao próprio Salvador a encarnação da palavra de Deus como emJo 114 a palavra se fez carne quer dizer a palavra ou promessa de que Cristo viria ao mun A paÚlvra de Deus usada metaforicamente primeiro para os decretos do poder de Deus Segundo como efeito da Sua paÚlvra 353 il Parte 3 Da República Cristã 224 J do que no princípio estava com Deus quer dizer era intenção de Deus Pai enviar ao mundo a Deus Filho a fim de iluminar os homens no caminho da vida eterna mas até esse momento essa intenção não foi posta em execução e efetivamente en carnada e assim o nosso Salvador é aí chamado a palavra não porque ele fosse a promessa mas porque era a coisa prometida Aqueles que se apóiam nesta passagem para lhe chamar o Verbo de Deus não fazem mais do que tornar o texto mais obscuro Também lhe poderiam ter chamado o Nome de Deus porque por nome tal como por verbo entendese apenas uma parte do discurso uma voz um som que nem afirma nem nega não ordena nem promete e também não é nenhuma substância corpórea ou espiritual da qual portanto não se pode dizer que seja Deus ou homem ao passo que o nosso Salvador era ambas essas coisas E essa palavra que São João disse no seu Evangelho que estava com Deus é na sua primeira Epístola versículo 1 chamada a palavra da vida e versículo 2 a vida eterna que estava com o Pai de modo que Deus só pode ser chamado a palavra na medida em que é chamado vida eterna quer dizer aquele que nos trouxe a vida eterna pelo fato de se ter feito carne Assim também Ap 1913 o apóstolo ao falar do Cristo vestido com uma túnica empapada de sangue disse seu nome é a palavra de Deus o que deve ser entendido como se ele tivesse dito que o seu nome era Aquele que veio conformemente à intenção de Deus desde o princípio e conformemente à sua palavra e promessas transmitidas pelos profetas Portanto aqui de modo algum se trata da encarnação da palavra mas da encarnação de Deus Filho ao qual portanto se chama a palavra porque a sua encarnação foi o cumprimento da promessa Da mesma maneira que ao Espírito Santo se chama a promessa Há também passagens das Escrituras em que a palavra de Deus significa as palavras que são conformes à razão e à eqüidade embora às vezes não sejam proferidas nem por um profeta nem por um homem santo Porque o faraó Necau era um idólatra e no entanto dizem que suas palavras ao bom reiJosias nas quais o aconselhava por intermédio de mensageiros a não At 74 Lc 2449 Terceiro como palavra de razão e eqüidade 354 XxxVl Da Palavra de Deus e dos Profetas se opor à sua marcha contra Carchemish provinham da boca de Deus eJosias como não lhes deu ouvidos foi morto na batalha conforme se pode ler em 2 Cr 352123 É certo que quando a mesma história é narrada no primeiro livro de Esdras não é o faraó e simJeremias quem diz essas palavras aJosias a partir da boca do Senhor Mas devemos dar crédito às Escrituras canônicas seja o que for que esteja escrito nos apócrifos A palavra de Deus também deve ser tomada como os ditames da razão e da eqüidade quando dela se diz nas Escrituras que está escrita no coração do homem como no Salmo 3631 emJr 3133 em Dt 3011 e 14 e em muitas outras passagens semelhantes O nome de PROFETA significa nas Escrituras às vezes prolocutor quer dizer aquele que fala de Deus ao homem ou do homem a Deus outras vezes praedictor aquele que prediz as coisas futuras e outras vezes aquele que fala incoerentemente como os homens que estão confusos É usado mais freqüentemente no sentido de quem fala de Deus ao povo Assim Moisés Samuel Elias Isaíasjeremias e outros eram profetas E neste sentido o Sumo Sacerdote era um profeta pois só ele entrava no sanctum sanctorum para inquirir de Deus e transmitir a sua resposta ao povo Portanto de quando Caifás disse ser conveniente que um homem morresse pelo povo diz São João cap 1l15 que Ele não disse isso por si mesmo mas sendo o Sumo Sacerdote desse ano profetizou que um homem morreria pela nação Também daqueles que nas congregações cristãs ensinavam o povo 1 Cor 143 se diz que profetizavam Foi no mesmo sentido que Deus disse a Moisés a respeito de Aarão Ex 414 Ele será o teu portavoz perante o povo e para ti ele será uma boca e tu para ele farás as vezes de Deus o que aqui é chamado portavoz é no capo 71 interpretado como profeta Vê disse Deus fiz de ti um Deus para Faraó e teu irmão Aarão será o teu profeta Gn 207 quando num sonho Deus fala a Abimelec desta maneira Restitui portanto agora ao homem sua mulher porque ele é um profeta e rezará por ti de onde se pode também concluir que o nome de profeta pode ser dado e não impropriamente aos que nas igrejas cristãs têm a voca Diversas acepções da palavra profeta 225 355 Parte 3 Da República Cristã II ção de dizer orações públicas para a congregação No mesmo sentido dos profetas que desceram do alto lugar ou colina de Deus com um saltério um adufe uma flauta e uma harpa 1 Sm 1056 entre os quais Saul versÍCulo 10 se diz que profetizaram na medida em que dessa maneira publicamente louvaram a Deus No mesmo sentido Miriam é chamada uma profetisa Ex 1520 O mesmo deve ser entendido quando São Paulo diz 1 Cor 1145 Todo homem que ora ou profetiza com a cabeça coberta etc e toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta porque nesta passagem profetizar significa apenas louvar a Deus em salmos e santas canções o que as mulheres podiam fazer na igreja embora não fosse legítimo que elas falassem à congregação E é neste sentido que os poetas dos pagãos que compunham hinos e outros tipos de poema em honra dos seus deuses eram chamados vates profetas como bem sabem todos os que são versados nos livros dos gentios e como fica evidente quando São Paulo diz aos cretenses Tt 112 que um dos seus profetas dissera que eles eram mentirosos Não que São Paulo considerasse profetas os seus poetas pois ele simplesmen te reconhecia assim que a palavra profeta era geralmente usada para designar os que celebravam em verso a honra de Deus Na medida em que profecia significa predição ou previsão de contingências futuras não eram profetas apenas os que eram porta vozes de Deus e prediziam para os outros as coisas que Deus havia predito a eles eramno também todos aqueles impostores que simulavam com a ajuda de espíritos familiares ou por supersticiosas adivinhações dos acontecimentos passados partidas de falsas causas prever a ocorrência de acontecimentos semelhantes no futuro Destes há muitas espécies conforme já declarei no capítulo XII deste discurso que adquirem na opinião das gentes do vulgo maior reputação de profecia graças a um acontecimento casual distorcido em seu proveito do que a passível de perderem depois por um grande número de fracassos A profecia não é uma arte tampou co quando é tomada como predição uma vocação constante mas um emprego extraordinário e temporário por Deus na A predifão de contingências fUturas nem sempre é proftcia 356 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas maior parte dos casos de homens bons mas às vezes também de homens maus A mulher de Endor da qual se diz que tinha um espírito familiar com o qual evocoU o fantasma de Samuel e previu a morte de Saul não era portanto uma profetiza Pois nem possuía uma ciência mediante a qual pudesse evocar um tal fantasma nem parece que Deus tenha ordenado essa evo cação tendose limitado a usar essa impostura como meio para aterrorizar e desencorajar Saul levandoo à derrota de que sucumbiu Quanto à linguagem incoerente entre os gentios era tomada por uma espécie de profecia porque as profecias dos seus oráculos intoxicados por um espírito ou vapor da caverna do oráculo pítico de Delfos ficavam por uns tempos realmen te loucos e falavam como loucos e das suas palavras desconexas podiase tirar um sentido capaz de se aplicar a qualquer aconte cimento do mesmo modo que de todos os corpos se diz que são feitos de matériaprima Também nas Escrituras encontro o mes mo sentido 1 Sm 1810 nestas palavras E o esPírito maligno bai xou sobre Saul e ele profetizou no meio da casa Embora haja nas Escrituras grande número de significa ções da palavra profeta a mais freqüente é a daquele a quem Deus falou imediatamente e vai repetiIo a outro homem ou ao povo E aqui pode fazerse uma pergunta a saber qual a manei ra como Deus fala a um tal profeta Poderá propriamente dizer se como dizem alguns que Deus tem voz e linguagem quando não pode propriamente dizerse que ele tem língua ou outros órgãos como um homem O profeta Davi usa o seguinte argu mento Pode aquele que fez o olho não ver e pode aquele que fez o ouvi do não ouvir Mas isto pode ser dito não como habitualmente para descrever a natureza de Deus mas para expressar a nossa intenção de o honrarmos Porque ver e ouvir são atributos hon rosos e podem ser dados a Deus para declarar a Sua onipotên cia na medida em que a nossa capacidade A pode conceber Mas se fossem tomados em sentido estrito e próprio poderia argumentarse que como Ele criou todas as outras partes do corpo humano faz delas o mesmo uso que nós o que na maioria dos casos seria inconveniente além de que atribuirlha se 226 A maneira como Deus falou aos profttas 357 I I I II I 1I I1 II 1I I1 I I I Aos profetas extraordiruírios do Antigo Testamento Ek falou por sonhos ou visões 2271 Parte 3 Da República Cristã ria a maior contumélia deste mundo Portanto devemos interpretar o ato de Deus falar aos homens imediatamente como a maneira seja ela qual for através da qual Deus lhes dá a conhecer a Sua vontade E são muitas as maneiras como Ele faz isso e só devem ser procuradas nas Sagradas Escrituras nas quais embora muitas vezes se diga que Deus falou a esta ou àquela pessoa sem declarar de que maneira há por outro lado muitas passagens que revelam também os sinais mediante os quais essas pessoas deviam reconhecer a Sua presença e os Seus mandamentos passagens essas através das quais se pode tornar possível entender de que maneira falou a muitas das restantes Não se encontra expressa a maneira como Deus falou a Adão Eva Caim e Noé nem como falou a Abraão até o momento em que este saiu da sua terra e foi a Sichem na terra de Canaã e aqui se diz Gn 127 que Deus lhe apareceu Portanto há uma maneira pela qual Deus tornou manifesta a sua presença isto é através de uma aparição ou visão Além disso Gn 151 a palavra de Deus chegou a Abraão numa visão quer dizer alguma coisa em sinal da presença de Deus apareceu como mensageiro de Deus para lhe falar O Senhor apareceu também a Abraão Gn 181 através de uma aparição de três anjos e a Abimelec Gn 203 num sonho a Ló Gn 191 através da aparição de dois anjos e a Agar Gn 2117 através da aparição de um anjo e novamente a Abraão Gn 2211 através da aparição de uma voz do céu e a Isaac Gn 2624 durante a noite quer dizer durante o sono ou através de um sonho e aJacó Gn 1812 foi num sonho quer dizer conforme as palavras do textoacó sonhou que viu uma escada etc e também Gn 321 numa visão de anjos e a Moisés Ex 32 foi a aparição de uma chama ou fogo no meio da sarça E depois da época de Moisés na qual está expressa a maneira como Deus falou imediatamente ao homem no Antigo Testamento Ele sempre falou por uma visão ou por um sonho como nos casos de Gideão Samuel Elias Isaias equiel e os demais profetas e muitas vezes também no Novo Testamento como nos casos de São José São Pedro São Paulo e SãoJoão Evangelista no Apocalipse 358 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas Só a Moisés falou de maneira mais extraordinária no monte Sinai e no Tabernáculo e ao Sumo Sacerdote no Taber náculo e no sanctum sanctorum do templo Mas Moisés e depois dele os Sumos Sacerdotes eram profetas de lugar e posição mais eminente no favor de Deus e o próprio Deus declarou por pa lavras expressas que aos outros profetas falava através de so nhos e visões mas ao seu servo Moisés falava da maneira como um homem fala a um amigo As palavras são estas Nm 1268 Se há um profeta entre vós eu vosso Senhor me darei a conhecer a ele numa visão e a ele falarei num sonho Com o meu servo Moisés não é assim pois ele é fiel em toda a minha casa com ele falarei de boca a boca de maneira clara e não em palavras obscuras e ele contemplará o semblante de Deus E também Ex 3311 O Senhor falou a Moisés frente a frente como um homem fala a um amigo Apesar disso esta fala de Deus a Moisés foi através da mediação de um anjo ou anjos como é dito expressamente At 735 e 53 e GI319 por tanto através de uma visão embora uma visão mais clara do que a que foi dada a outros profetas Conformemente a isto quando Deus diz Dt 131 Se surgir entre vós um profeta ou sonha dor de sonhos a última expressão é apenas uma interpretação da anterior E também 01 228 Os vossos filhos e filhas profetizarão e os vossos velhos sonharão sonhos e os vossos jovens verão visões em que mais uma vez a palavra profecia é exposta por sonho e visão E foi da mesma maneira que Deus falou a Salomão prometen dolhe sabedoria riqueza e honra pois o texto diz 1 Rs 315 E quando Salomão acordou viu que era um sonho De modo que em geral os profetas extraordinários do Antigo Testamento só to maram conhecimento da palavra de Deus através dos seus so nhos ou visões quer dizer através das imaginações que tiveram durante o sono ou um êxtase imaginações essas que em todos os verdadeiros profetas eram sobrenaturais mas nos falsos pro fetas ou eram naturais ou eram Cingidas Não obstante dizse que os mesmos profetas falavam pelo espirito como quando o profeta falando dos judeus disse Zc 712 Eles tornavam os seus corações duros como diamante para não ou virem a lei e as palavras que o senhor das hostes enviara no seu esPírito 228 359 I I l I Parte 3 Da República Cristã Aos profetas de vocação perpétua e supremtl Deus falou no Antigo Testamento do trono da misericórdia de uma mandra não expressa nas Escrituras pelos profttas anteriores Disso fica manifesto que falar pelo esPírito ou ínsPiração não era uma maneira especial de Deus falar diferente de uma visão quando aqueles de quem se dizia que falavam pelo espírito eram profetas extraordinários tais que para cada nova mensagem havia de ter uma comissão particular ou o que é a mesma coisa um novo sonho ou visão Dos profetas que o eram por uma vocação perpétua no Antigo Testamento uns eram supremos e outros eram subordinados Dos supremos o primeiro foi Moisés e depois dele os Sumos Sacerdotes cada um no seu tempo enquanto o sacerdócio foi real E depois que o povo dos judeus rejeitou a Deus para que não mais reinasse sobre eles aqueles reis que se submeteram ao governo de Deus eram também os profetas principais e o cargo do Sumo Sacerdote passou a ser ministerial E quando Deus ia ser consultado eles envergavam a indumentária sagrada e interrogavam o Senhor quando o rei tallhes ordenava e eram privados dessa função sempre que assim ao rei aprazia Assim o rei Saul 1 Sm 139 ordenou que lhe trouxessem o sacrifício pelo fogo e ordenou 1 Sm 1418 que o sacerdote trouxesse a arca para perto dele e de novo que a deixasse versículo 19 por ver nisso uma vantagem sobre seus inimigos E no mesmo capítulo Saul pede conselho a Deus De maneira semelhante do rei Davi depois de ser ungido embora antes de tomar posse do reino se diz que interrogou o Senhor 1 Sm 232 sobre se deveria combater contra os filisteus em Keilah e versículo 10 Davi ordenou ao sacerdote que lhe trouxesse a estola sacerdotal para perguntar se deveria ou não ficar em Queila E o rei Salomão 1 Rs 227 tirou a função sacerdotal a Abiatar e deua a Zadoc versículo 35 Portanto Moisés e os Sumos Sacerdotes e os reis piedosos que interrogavam a Deus em todas as ocasiões extraordinárias sobre que atitude deviam tomar ou que acontecimento iria ocorrer eram todos profetas soberanos Mas não é manifesto qual a maneira como Deus lhes falava Dizer que a subida de Moisés até Deus no monte Sinai foi um sonho ou uma visão como as que recebiam os outros profetas é contrário à distinção estabelecida por Deus entre 360 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas Moisés e os outros profetas Nm 1268 Dizer que Deus falou oU apareceu na sua própria natureza é negar a Sua infinitude a Sua invisibilidade e a Sua incompreensibilidade Dizer que falou por inspiração ou infusão do Espírito Santo dado que o Espírito Santo significa divindade é fazer Moisés igual a Cristo e só neste a divindade conforme disse São Paulo Cl 29 reside corporalmente Por último dizer que falou através do Espírito Santo dado que isso significa as graças ou dádi vas do Espírito Santo não é atribuirLhe nada de sobrenatural Porque Deus predispõe os homens para a piedade a justiça a misericórdia a verdade a fé e toda a espécie de virtude tan to moral como intelectual através da doutrina do exemplo e de diversas maneiras naturais e comuns E assim como nada disto pode ser aplicado a Deus ao fa lar a Moisés no monte Sinai do mesmo modo não se lhe pode aplicar ao falar aos Sumos Sacerdotes na sede da misericór 229 dia Portanto a maneira como Deus falou a esses soberanos profetas do Antigo Testamento cujo ofício consistia em interrogáLo por não ser declarada tampouco é inteligível a não ser pela voz No tempo do Novo Testamento o único profeta soberano era o nosso Salvador que era ao mesmo tempo o Deus que falava e o profeta a quem Ele falava Quanto aos profetas subordinados de vocação perpétua não encontro passagem alguma que prove terlhes Deus falado sobrenaturalmente mas apenas daquela maneira que inclina os homens para a piedade a crença a retidão e as outras virtu des de todos os cristãos E essa maneira embora consistisse na constituição instrução e educação e nas ocasiões e propensões dos homens para as virtudes cristãs é apesar disso corretamente atribuída à intervenção do Espírito de Deus ou Santo Es pírito que costumamos chamar Espírito Santo Pois não há boa inclinação que não seja produto da intervenção de Deus Mas essa intervenção nem sempre é sobrenatural Portanto quando se diz que um profeta fala no Espírito ou pelo Espírito de Deus devemos entender apenas que ele fala conformemente Aos profetas de vocação perpétua mas subordinados Deus falou pelo espirito I Syn não é inteligível 361 III I I II Parte 3 Da República Cristã à vontade de Deus declarada pelo supremo profeta Porque a acepção mais comum da palavra esPírito é quando ela significa a intenção a mente e a disposição de um homem No tempo de Moisés havia além dele setenta homens que profetizavam no acampamento dos israelitas Qual a maneira como Deus lhes falava é declarado no capítulo 11 dos Números versículo 25 O senhor desceu numa nuvem e falou a Moisés e tomou o Espírito que estava nele e deuo aos setenta anciãos E aconteceu que quando o Espírito pousou sobre eles passaram a profetizar e não mais cessaram Daqui fica manifesto em primeiro lugar que as profecias que faziam ao povo eram subservientes e subordinadas às profecias de Moisés pois Deus tirou do Espírito de Moisés para dálo a eles de modo que profetizavam da maneira que Moisés queria caso contrário não se teria permitido que profetizassem Com efeito houve uma queixa feita a Moisés contra eles vers 27 e Josué queria que Moisés os tivesse proibidol de profetizar coisa que ele não fez e disse aJosué Não sejas zeloso em meu nome Em segundo lugar nessa passagem o Espírito de Deus significa apenas a tendência e disposição para obedecer e ajudar Moisés na administração do governo Pois se isso significasse que neles tinha sido inspirado o Espírito substancial de Deus quer dizer a natureza divina nesse caso eles não o teriam menos do que o próprio Cristo que é o único em quem o Espírito de Deus reside corporalmente Isto significa portanto a dádiva e graça de Deus que os levou a coo perar com Moisés de quem derivava o Espírito deles E estádito versÍCulo 16 que eles eram os que o próprio Moisés teria designado como anciãos e funcionários do povo Porque as palavras são Reúne me setenta homens a quem conheças como anciãos e funcíonários do povo e aqui conheças é o mesmo que designas ou designaste como tais Pois antes nos foi dito Ex 18 que Moisés seguindo os conselhos do seu sogro J etro designou como juízes e funcionários para o povo os tementes a Deus e a esses pertenciam os setenta os quais recebendo de Deus o espírito 111 230 I Syn Moisés os proibisse 362 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas de Moisés receberam também a disposição para ajudar Moisés na administração do reino E neste sentido se diz que o Espírito de Deus 1 Sm 1613s logo depois da unção de Davi desceu sobre este e abandonou Saul pois Deus concedeu a sua gra ça ao que escolheu para governar o seu povo e retiroua daquele a quem rejeitou Portanto pelo Espírito se entende uma inclinação para o serviço de Deus e não qualquer revelação sobrenatural Deus também falou muitas vezes através do resultado de sorteios que eram ordenados por aqueles a quem ele tinha dado autoridade sobre o seu povo Assim lemos que Deus manifestou pelo sorteio que Saul mandou realizar 1 Sm 1443 a falta cometida por Jônatas ao comer um favo de mel contrariamente ao juramento feito pelo povo E Deus dividiu a terra de Canaã entre os israelitas Js 1810 mediante o sorteio feito por Josué perante o Senhor em Siló Parece ter sido da mesma maneira que Deus revelou o crime de Acã Js 716 etc E eram estas as maneiras como Deus manifestava a Sua vontade no Antigo Testamento Todas essas maneiras usouas Ele também no Novo Testamento À Virgem Maria através da visão de um anjo aJosé num sonho a Paulo no caminho de Damasco através de uma visão do nosso Salvador e a Pedro através da visão de uma faixa descendo do céu com diversas espécies de carne de animais puros e impuros e na prisão com a visão de um anjo E a todos os apóstolos e autores do Novo Testamento através das graças do seu Espírito e aos apóstolos também por sorteio como na escolha de Matias em lugar deJudas Iscariotes Assim considerando que toda profecia supõe uma visão ou um sonho sendo estas duas coisas o mesmo quando são naturais ou algum dom especial de Deus coisa tão raramente verificada entre os homens que é para ser admirada quando se verifica e considerando também que esses dons como os mais extraordinários sonhos e visões podem provir de Deus não apenas através de intervenção sobrenatural e imediata mas também através de uma intervenção natural e da media Deus às vezes também falou por sorteios Todos devem examinar a probabilidatk de toda a pretensa vocafão de profeta 363 Parte 3 Da República Cristã I ção de causas secundárias é necessário o uso da razão e do julgamento para distinguir entre dons naturais e sobrenaturais entre visões ou sonhos naturais e sobrenaturais Em conseqüência disso é preciso ser muito circunspecto e cuidadoso ao obedecer à voz de homens que se dizem profetas e exigem que obedeçamos a Deus da maneira que eles em nome de Deus nos dizem ser o caminho da felicidade Porque quem pretende ensinar aos homens o caminho para tão grande felicidade pretende governáIas quer dizer dirigiIas e reinar sobre eles coisa que todos os homens naturalmente desejam e portanto é de desconfiar que se trate de ambição e impostura Conseqüentemente tal pretensão deve ser examinada e posta à prova por todos antes de lhes prestarem obediência a não ser que tal já lhes tenha sido prestado na instituição de uma república quando o profeta é o soberano civil ou é autorizado pelo soberano civil Se este exame dos profetas e espíritos não fosse permitido a todas as gentes do povo teria sido inútil definir os sinais pelos quais cada um é capaz de distinguir entre aqueles a quem deve e aqueles a quem não deve seguir Portanto como foram definidos esses sinais que permitem distinguir um profeta Dt 131 etc e que permitem distinguir um espírito 1 Jo 41 etc e por haver tanta profecia no Antigo Testamento e tanta pregação no Novo Testamento contra os profetas e por haver geralmente um número muito maiorI de falsos profetas do que de verdadeiros cada um deve ter cuidado ao obedecer às suas determinações por sua conta e risco Em primeiro lugar que houve muito mais falsos do que verdadeiros profetas verificase no fato de Ahab 1 Rs 12 ter consultado quatrocentos profetas e todos eles serem falsos e impostores com a única exceção de Miquéias E um pouco antes da época do cativeiro os profetas geralmente eram mentirosos Os profetas diz o Senhor emJeremias capítulo 14 versiculo 14 profetizam mentiras em meu nome Não os enviei nem nada lhes ordenei nem lhes disse que vos pro fetizassem uma falsa visão uma coisa inane e engano do seu coração 231 I Syn muito maior número 364 XXXVI Da Palavra de Deus e dos Profetas Assim Deus ordenou ao povo que lhes não obedecesse pela boca do profetaJeremias cap 2316 Assimfalou o Senhor das hostes não deis ouvidos às palavras dos profetas que a vós profetizam Eles vos iludem falam de uma visão do seu próprio coração e não da boca do Senhor Considerando então que nos tempos do Antigo Testamento havia tais querelas entre os profetas visionários um contestando o outro e perguntando quando foi que o espírito se foi de mim para ir para ti como ocorreu entre Miquéias e os de mais dos quatrocentos e chamandose mentirosos uns aos outros como emJr 1414 e existindo controvérsias semelhantes até hoje em dia a respeito do Novo Testamento entre os profetas espirituais dado isso tanto então como agora os homens eram e são obrigados a fazer uso da sua razão natural aplicando a toda e qualquer profecia aquelas regras que Deus nos deu para distinguir entre o verdadeiro e o falso Dessas regras no Antigo Testamento uma era a conformidade doutrinária com o que Moisés o profeta soberano havia ensinado e a outra era o poder miraculoso de predizer o que Deus ia fazer acontecer conforme já mostrei a partir de Dt 131 etc E no Novo Testamento há apenas um único sinal que é a pregação da doutrina queJesus é o Cristo isto é o rei dos judeus prometido no Antigo Testamento Quem quer que negasse esse artigo era um falso profeta fossem quais fossem os milagres que parecesse capaz de realizar e quem o ensinasse era um verdadeiro profeta Pois São João 1 J o 42 etc falando expressamente da maneira de examinar os espíritos para ver se provinham ou não de Deus depois de lhes ter dito que apareceriam falsos profetas assim dis se Desta maneira conhecereis o Espírito de Deus todo espírito que confessar queJesus Cristo veio encarnado é de Deus quer dizer aprovado e reconhecido como profeta de Deus Não que seja um homem piedoso ou um dos eleitos todo aquele que confessa professa ou prega que Jesus é o Cristo mas apenas que é um profeta re conhecido Porque Deus às vezes fala por intermédio de profetas cujas pessoas não aceitou como foi o caso de Balaão e quando predisse a Saul a sua morte por intermédio da feiticeira Toda proftcia com exceção da do proftta soberano deve ser examinada pelos súditos 365 III I IIII IIII 232 Parte 3 Da República Cristã de Endor E no versículo seguinte Todo esPírito que não confessar que Jesus Cristo veio encarnado não é de Cristo E este é o espírito do Anticristo Assim a regra é perfeita de ambos os lados é um ver dadeiro profeta quem prega que o Messias já veio na pessoa de Jesus e é um falso profeta quem nega que ele veio e o espe ra em algum futuro impostor que falsamente pretenderá tal honra e a quem o apóstolo propriamente chamou o Anticristo Portanto todos devem examinar quem é o profeta soberano quer dizer quem é o vicerei de Deus na Terra e possui abai xo de Deus a autoridade de governar os cristãos e respeitar como regra aquela doutrina que ele em nome de Deus ordenou fosse ensinada e com ela examinar e pôr à prova a verda de das doutrinas que pretensos profetas com milagre ou sem ele em qualquer momento venham propor E se acharem contrário a essa regra devem fazer como fizeram os que foram a Moisés queixar se de que havia alguns que profetizavam no acampamento e de cuja autoridade duvidavam deixando ao soberano como fizeram com Moisés o cuidado de os autorizar ou proibir conforme lhe parecer e se ele os desautorizar não mais obedecer à sua voz e se ele os aprovar passar a obedecer lhes como homens a quem Deus deu uma parte do espírito do seu soberano Porque quando os cristãos não aceitam o seu so berano cristão como profeta de Deus ou têm que aceitar os seus próprios sonhos como a profecia pela qual tencionam governar se e a tumescência dos seus próprios corações como Espírito de Deus ou então têm que aceitar ser dirigidos por um príncipe estrangeiro ou por algum dos seus concidadãos capaz de os enfeitiçar por difamação do governo levandoos à rebe lião sem outro milagre para confirmar a sua vocação do que às vezes um extraordinário sucesso e impunidade Com isso destroem todas as leis divinas e humanas e reduzem toda a ordem governo e sociedade ao caos primitivo da violência e da guerra civil 366 XXXVII Dos Milagres e seu Uso CAPo XXXVII Dos MILAGRES e seu Uso 233 Entendese por milagres as obras admiráveis de Deus e portanto chamaseIhes também maravilhas E como na maior parte dos casos são feitos para exprimir os seus mandamentos em circunstâncias em que sem eles os homens seriam capazes de ter dúvidas seguindo o seu raciocínio natural privado sobre qual é o seu mandamento e qual não é eles são geralmente chamados nas Sagradas Escrituras sinais no mesmo sentido em que são chamados pelos latinos ostenta e portenta por mostrarem e anunciarem o que o Altissimo vai fazer acontecer Portanto para entender o que é um milagre é preciso primeiro entender quais obras causam assombro aos homens e são por isso chamadas admiráveis E em qualquer circunstância há apenas duas coisas que causam assombro aos homens A primeira são as coisas estranhas quer dizer de natureza tal que algo semelhante nunca aconteceu ou só muito raramente A segunda são as coisas que depois de acontecidas não podemos imaginar que tenham ocorrido por meios naturais mas apenas imediatamente pela mão de Deus Mas quando vemos para isso a possibilidade de uma causa natural por mais raro que tenha sido tal acontecer ou se tal tiver acontecido muitas vezes mesmo que seja impossível imaginar as suas causas naturais não mais nos assombramos e consideramos o fato como milagre Portanto se um cavalo ou uma vaca falassem seria um milagre porque ao mesmo tempo a coisa seria estranha e a causa natural seria difícil de imaginar E o mesmo seria se víssemos um estranho desvio da natureza na criação de alguma nova forma de criatura viva Mas quando um homem ou outro animal engendra o seu semelhante embora mais não saibamos neste caso como tal é feito do que no outro não se trata de um milagre porque é habitual De maneira semelhante se um homem se metamorfoseasse em pedra ou numa coluna seria um milagre porque seria estranho Mas se um pedaço de madeira as Um milagre é uma obra que causa admiração E que portanto deve ser rara e sem que seja conhecida a sua causa natural 367 fI I 11 234 o que a alguém parece milagre pode a outrem parecer outra coisa Finalidade dos milagres Parte 3 Da República Cristã sim se transformasse como vemos isso muitas vezes tal não seria um milagre Todavia não sabemos que operação de Deus faz isso acontecer tanto num caso como no outro O primeiro arcoíris que foi visto no mundo foi um milagre porque foi o primeiro e conseqüentemente era estranho E serviu como um sinal de Deus colocado no céu para garantir ao seu povo que não haveria mais destruição universal do mundo pelas águas Mas atualmente como é freqüente não é um milagre nem para os que conhecem as suas causas naturais nem para os que não as conhecem Além disso há muitas obras raras produzidas pela arte do homem mas quando sabemos que são assim criadasl visto que sabemos também os meios pelos quais são criados não as consideramos milagres pois não são forjadas imediatamente pela mão de Deus e sim pela mediação do engenho humano Além do mais como a admiração e o assombro resultam do conhecimento e experiência de que os homens são dotados uns mais e outros menos seguese que a mesma coisa pode ser milagre para um e não o ser para outro Acontece assim que homens ignorantes e supersticiosos consideram grandes maravilhas as mesmas obras que outros homens sabendo que elas derivam da natureza que não é obra extraordinária mas obra comum de Deus não admiram de modo algum Por exemplo os eclipses do Sol e da Lua foram considerados obras sobrenaturais pelas gentes do vulgo embora houvesse outros capazes a partir das suas causas naturais de prever a hora exata em que eles iam ocorrer Ou então quando alguém por confederação e secreta inteligência tomar conhecimento das ações privadas de um homem ignorante e descuidado e lhe disser o que ele fez no passado isso parecerlheá uma coisa miraculosa mas entre os homens sábios e cautelosos não é fácil fazer milagres como esse Mais ainda faz parte da natureza do milagre que ele sirva para granjear crédito aos mensageiros ministros e profetas de Deus a fim de que os homens possam saber que eles foram I Syn criadas 368 XXXVII Dos Milagres e seu Uso chamados enviados e empregados por Deus e fiquem assim mais inclinados a obedecerlhes Portanto embora a criação do mundo e depois a destruição de todas as criaturas vivas no dilúvio universal fossem obras admiráveis não é costume chamarlhes milagres porque não foram feitas para granjear crédito a nenhum profeta ou outro ministro de Deus Por mais ad mirável que seja qualquer obra a admiração não se deve ao fato de ela ter podido ser feita porque os homens naturalmente acreditam que o TodoPoderoso pode fazer todas as coisas mas ao fato de ela ser feita devido à oração ou à palavra de um homem Ora as obras de Deus no Egito pela mão de Moisés foram propriamente milagres porque foram feitas com a intenção de levar o povo de Israel a acreditar que Moisés não fora até eles por nenhum desígnio dependente do seu próprio interesse e sim como enviado de Deus Assim depois que Deus lhe ordenou que libertasse os israelitas da servidão do Egito quando disse Eles não me acreditarão e dirão que o Senhor não me apareceu Deus deu a Moisés o poder de transformar numa serpente a vara que tinha na mão e de mais uma vez a voltar a transformar numa vara e o de ao pôr a mão no seu próprio peito fazêlo leproso e de novo ao tiráIa deixálo sadio a fim de levar os filhos de Israel a acreditar como se vê no versículo 5 que o Deus dos seus pais lhe havia aparecido E como se isso não fosse suficiente deulhe o poder de transformar as suas águas em sangue E depois de ele ter realizado estes milagres perante o povo dizse vers 41 que eles o acreditaram Não obstante com medo do Faraó eles não ousavam ainda obedecerlhe Portanto as outras obras que foram realizadas para derramar pragas sobre o Faraó e os egipcios tendiam todas para levar os israelitas a acreditar em Moisés e eram milagres propriamente ditos De maneira semelhante se examinarmos todos os milagres feitos pela mão de Moisés e dos restantes profetas até o cativeiro assim como os do nosso Salvador e depois os dos apóstolos veremos que o seu fim foi sempre o de obter ou confirmar a crença de que eles não eram movidos por intenções pessoais e que pelo contrário eram enviados de Deus As Es 235 L 369 Parte 3 Da República Cristã Definição de milagre crituras nos permitem ainda observar que a finalidade dos milagres nunca foi fazer surgir a crença universalmente em todos os homens tanto nos eleitos como nos réprobos mas apenas nos eleitos quer dizer naqueles que Deus determina que se deveriam tornar seus súditos Porque essas miraculosas pragas do Egito não tinham como fim a conversão do Faraó jáque Deus havia dito antes a Moisés que ia endurecer o coração do Faraó para que ele não deixasse o povo partir e quando ele finalmente o deixou partir não foi porque os milagres o tivessem persuadido mas porque as pragas a talo tinham forçado Assim também do nosso Salvador está escrito Mt 1358 que Ele não realizou muitos milagres no seu próprio país por causa da descrença dos seus habitantes e além disso em Mc 65 em vez de não realizou muitos está escrito não podia realizar nenhum Não foi porque Lhe faltasse o poder para tal pois dizer isto seria blasfemar contra Deus nem que os milagres não tivessem o fim de converter a Cristo homens incrédulos pois a finalidade de todos os milagres de Moisés dos profetas do nosso Salvador e de seus apóstolos era acrescentar homens à Igreja Foi porque a finalidade dos seus milagres era acrescentar à Igreja não todos os homens mas os que deviam ser salvos quer dizer os eleitos por Deus Assim como o nosso Salvador foi enviado pelo seu Pai não lhe era possível usar o seu poder na conversão daqueles que o seu Pai havia rejeitado Aqueles que ao expor esta passagem de São Marcos dizem que a frase Ele não podia é equivalente a Ele não queria fazemno sem se apoiar em nenhum exemplo da língua grega na qual não queria se usa às vezes em lugar de não podia no caso de coisas inanimadas destituídas de vontade mas nunca não podia em lugar de não queria e assim colocam um obstáculo diante dos cristãos mais débeis como se Cristo só pudesse fazer milagres entre os crédulos A partir do que aqui estabeleci quanto à natureza e uso dos milagres podemos definir um MILAGRE como uma obra de Deus além da sua operação por meio da natureza determinada na criação ftita para tornar manifesta aos seus eleitos a missão de um ministro extraordinário enviado para a sua salvação 370 XXXVII Dos Milagres e seu Uso E desta definição podemos inferir em primeiro lugar que em todos os milagres a obra não é um efeito de nenhuma virtude do profeta pois é um efeito da intervenção imediata de Deus quer dizer Deus a realiza sem usar o profeta como causa subordinada Em segundo lugar nenhum demônio anjo ou outro espírito criado pode fazer um milagre Pois deve ser ou em virtude de alguma ciênçia natural ou por encantamento quer dizer em virtude 1 das palavras Porque se os encantadores o fazem pelo seu próprio poder independente é porque há algum poder que não deriva de Deus coisa que todos os homens recusam e se eles o fazem por um poder que lhes foi dado então não se trata de obra feita pela intervenção imediata de Deus mas pela sua intervenção natural e conseqüentemente não se trata de um milagre Há alguns textos das Escrituras que parecem atribuir o poder de realizar maravilhas equivalentes a alguns daqueles milagres imediatos realizados pelo próprio Deus a certas artes de magia e encantamento Por exemplo lemos que depois que a vara de Moisés espetada no chão se transformou numa serpente os magos do Egito fizeram o mesmo mediante os seus encantamentos e que depois de Moisés ter transformado em sangue as águas dos rios regatos tanques e lagos do Egito os magos também fizeram o mesmo com os seus encantamentos e que depois de Moisés com o poder de Deus ter enchido de rãs a terra os ma gos também fizeram o mesmo com os seus encantamentos e encheram de rãs a terra do Egito Ora não é natural depois disto atribuir milagres aos encantamentos quer dizer à eficácia do som das palavras e pensar que isso está perfeitamente provado por esta e outras passagens E contudo não há nenhuma passagem das Escrituras que nos diga o que é um encantamento Portanto se um encantamento não é como muitos pensam a realização de estranhos efeitos com feitiços e palavras e sim impostura e ilusão conseguida através de meios vulgares e tão longe de 236 Ex 711 Ex 722 Ex 877 1 Syn virtude 371 Parte 3 Da República Cristã Que os homens tendem a ser enganados por falsos milagres ser sobrenatural que os impostores para fazêIo precisam menos do estudo das causas naturais do que da vulgar ignorância estupidez e superstição do gênero humano esses textos que parecem consagrar o poder da magia da feitiçaria e dos encantamentos devem necessariamente ter um sentido diferente daquele que à primeira vista parecem ter Porque é perfeitamente evidente que as palavras só têm efeito sobre aqueles que as compreendem e neste caso têm o único efeito de exprimir as intenções ou paixões de quem fala produzindo assim no ouvinte a esperança o medo ou outras paixões e concepções Portanto quando a vara parece tornarse uma serpente ou as águas se tornaram sangue ou quando qualquer outro milagre parece realizarse por encantamento se isso não acontece para edificação do povo de Deus nem a vara nem a água nem nenhuma outra coisa é encantada quer dizer modificada pelas palavras mas apenas o espectador Assim todo milagre consistiu apenas nisto o encantador enganou alguém o que não é milagre algum mas coisa muito fácil de fazer Porque são tais a ignorância e a tendência ao erro comuns a todos os homens mas especialmente aos que não têm muito conhecimento das causas naturais e da natureza e interesses dos homens que são inúmeras e fáceis as maneiras de os enganar Que reputação de poder miraculoso antes de se saber que havia uma ciência do curso das estrelas não poderia ter adquirido alguém que tivesse anunciado ao povo a hora ou o dia em que o Sol iria escurecer O prestidigitador com o manejo de seus copos e outras bugigangas se tal arte não fosse hoje em dia vulgarmente praticada levaria a pensar que as suas maravilhas são feitas graças ao poder do diabo pelo menos Quem adquirir a prática de falar contendo a respiração os quais nos tempos antigos se chamavam ventriloqui fazendo assim que a fraqueza da sua voz pareça provir não da fraca impulsão dos Em inglês wrought upon Hobbes faz trocadilho intraduzivel com os vários sentidos desse verbo que significa transformar mas também convencer persuadir influenciar N da R T 372 XXXVII Dos Milagres e seu Uso órgãos da fala mas da distância do lugar é capaz de fazer mui ta gente acreditar que se trata de uma voz do céu sejam quais forem as coisas que diga E para um homem ardiloso não é difícil depois de se informar dos segredos e confissões familiares que normalmente uma pessoa faz a outra sobre suas ações e aventuras passadas voltar a contar essas coisas e apesar disso houve muitos que mediante esses artificios adquiriram a reputação de adivinhos Seria demasiado longo enumerar as diversas espécies desses homens a quem os gregos chamavam thaumaturgi quer dizer capazes de fazer coisas maravilhosas e no entanto tudo o que eles fazem fazemno apenas graças à sua habilidade E se examinarmos as imposturas realizadas por meio de conspiração não há nada por mais impossivel que seja de fazer que seja impossivel de acreditar Com efeito dois homens que conspirarem para um se fingir de coxo e o outro fingir que o cura com um feitiço serão capazes de enganar a muitos mas se muitos conspirarem um para se fingir de coxo outro para fingir que o cura e os restantes para servir de testemunhas serão capazes de enganar a muitos mais Contra esta tendência do gênero humano para acreditar demais em pretensos milagres não há melhor precaução e creio mesmo que não existe outra do que a que Deus prescreveu primeiro por Moisés conforme já disse no capítulo anterior no início do capítulo 13 e no final do capítulo 18 do Deuteronômio não aceitemos como profetas os que ensinam uma religião diferente da estabelecida pelo lugartenente de Deus que nesse tempo era Moisés nem aqueles que embora ensínem essa religião não vejam confirmadas as suas predições Portanto Moisés no seu tempo e Aarão e seus sucessores no seu tempo e o soberano governante do povo de Deus abaixo do próprio Deus quer dizer o chefe da Igreja em cada época devem ser consultados sobre a doutrina que Ele estabeleceu antes de se dar crédito a um pretenso milagre ou profeta E uma vez feito isso a coisa que dizem ser um milagre é preciso que a vejamos ser feita e também que usemos todos os meios possíveis para verificar se realmente foi feita e não apenas isto mas verificar se 237 1 Cuidados contra a impostura dos milagres 373 Parte 3 Da República Cristã 238 se trata de uma coisa que ninguém é capaz de fazer com o seu poder natural e para a qual seja indispensável a intervenção imediata de Deus Também quanto a isto devemos recorrer ao lugartenente de Deus a quem submetemos os nossos julgamentos privados em todos os casos duvidosos Por exemplo se alguém disser que depois de pronunciar algumas palavras sobre um pedaço de pão Deus imediatamente fez que ele deixasse de ser pão passando a ser Deus ou um homem ou ambos e não obstante ele continuar como sempre com a aparência de pão não há razão para ninguém acreditar que isso se tenha realizado nem conseqüentemente para ter temor a esse alguém até perguntar a Deus por intermédio do seu vigário oU lugartenente se isso foi feito ou não Se este disser que não seguese o que disse Moisés Dt 1822 ele disseo presunçosamente e não deveis temê lo Se disser que sim não devemos negá10 E também se não virmos um milagre mas apenas ouvirmos falar dele devemos consultar a Igreja legítima quer dizer o chefe legítimo desta sobre até que ponto devemos dar crédito a quem o contou E este é sobretudo o caso dos que hoje em dia vivem sob a autoridade de soberanos cristãos E no nosso tempo não ouvi falar de um único homem que tenha visto qualquer dessas obras maravilhosas feita pelo encantamento ou palavra ou prece de alguém que seja considerada sobrenatural pelos que são dotados de uma razão um pouco mais que medíocre E o problema não é mais o de saber se o que vemos fazer é um milagre ou se o milagre de que ouvimos falar ou sobre o qual lemos é um fato real e não um ato da língua ou da pena e sim em termos simples se o relato é uma verdade ou uma mentira E quanto a esse problema nenhum de nós deve aceitar como juiz a sua razão ou consciência privada mas a razão pública isto é a razão do supremo lugartenente de Deus E sem dúvida já o escolhemos como juiz se já lhe demos um poder soberano para fazer tudo quanto seja necessário para a nossa paz e defesa Um particular tem sempre a liberdade visto que o pensamento é livre de acreditar ou não acreditar em seu coração nos fatos que lhe forem apresentados como mila 374 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção gres conforme veja qual o benefício que a sua crença pode acarretar para os que o afírmam ou negam e conjecturando a partir daí se eles são milagres ou mentiras Mas quando se tra ta da profíssão pública dessa fé a razão privada deve se subme ter à razão pública quer dizer ao lugartenente de Deus Mas quem é o lugartenente de Deus e chefe da Igreja é coisa que será examinada adiante em lugar adequado CAPo XXXVIII Do Significado de VIDA ETERNA INFERNO SALVAÇÃO MUNDO VINDOURO e REDENÇÃO nas Escrituras Dado que a preservação da sociedade civil depende da justiça e que a justiça depende do poder de vida e de morte assim como de outras recompensas e castigos menores que competem aos detentores da soberania da república é impossível uma república subsistir se qualquer outro que não o soberano tiver o poder de dar recompensas maiores do que a vida ou de aplicar castigos maiores do que a morte Ora sendo a vida eterna uma recompensa maior do que a vida presente e sendo os tormentos eternos um castigo maior do que a morte natural o significado que têm nas Sagradas Escrituras as expressões vida eterna e tormentos eternos é coisa que merece o exame de todos os que desejam pela obediência à autoridade evitar as calamidades da confusão e da guerra civil assim como que ofensas e cometidas contra quem pelas quaís os homens receberão os tormentos eternos e que ações permitirão gozar uma vida eterna 375 rl o lugar da eternidade de Adão se não tivesse pecado teria sido o paraíso terrestre Gn 322 2391 Textos respeitantes ao lugar da vida eterna para os crentes Parte 3 Da República Cristã Em primeiro lugar temos que Adão foi criado em tais condições de vida que se não tivesse desobedecido aos mandamentos de Deus teria gozado perpetuamente do Paraíso do Éden Porque lá havia a árvore da vida da qual estava autorizado a comer desde que se abstivesse de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal que não lhe era permitida Assim depois que desta comeu Deus expulsouo do Paraíso para que ele não estendesse a sua mão e colhesse também da árvore da vida vivendo para sempre Disso se me afigura o que contudo está sujeito tanto nesta como em todas as questões cuja resolução depende das Escrituras à interpretação da Bíblia autorizada pela república de que sou súdito que Adão se não tivesse pecado teria gozado de uma vida eterna na Terra e que tanto ele como a sua posteridade adquiriram a mortalidade devido a esse primeiro pecado Não que tal tivesse acarretado uma morte imediata pois nesse caso Adão jamais poderia ter filhos e é certo que viveu muito tempo depois e viu uma numerosa descendência antes de morrer Mas onde se diz No dia em que dela comeres morrerás seguramente o significado só pode ser a sua mortalidade e certeza da morte Como a vida eterna se perdeu graças à transgressão de Adão ao cometer o pecado aquele que anulasse essa pena deveria assim recuperar de novo essa vida Ora Jesus Cristo remiu os pecados de todos os que nele acreditam portanto recuperou para todos os crentes aquela VIDA ETERNA que havia sido perdida pelo pecado de Adão E é neste sentido que tem validade a comparação de São Paulo Rm 51819 Assim como pela ofensa de um só todos os homens foram julgados e condenados assim também pela retidão de um só veio para todos os homens a graça da justificação da vida Isto se exprime de maneira mais clara nestas palavras 1 Cor 152122 Pois assim como pelo homem veio a morte assim também pelo homem veio a ressurreição dos mortos Pois assim como em Adão todos morreram assim também em Cristo todos serão vivificados Quanto ao lugar onde os homens deverão gozar essa vida eterna que Cristo conseguiu para eles os textos acima citados parecem indicar que é na terra Pois tal como em Adão todos 376 XXXVJlL Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção morreram isto é perderam o direito ao Paraíso e à vida eterna na terra assim também em Cristo todos serão vivificados portanto todos os homens deverão viver na terra pois caso con trário a comparação não seria própria Com isto parece concordar o salmista SI 1333 Sobre Sião envia Deus a bênção e também a vida perPétua pois Sião é em Jerusalém na terra E também São João Ap 27 ao que resistir darei a comer da árvore da vida que fica no meio do Paraiso de Deus Esta era a árvore da vida eterna de Adão e essa vida era para ser na terra O mesmo parece ser confirmado também por São João Ap 212 Eujoão vi a cidade santa Nova Jerusalém descendo de Deus no céu preparada como uma noiva adornada para o seu marido e também o versículo 10 confirma o mesmo É como se ele dissesse que a NovaJerusalém o Paraíso de Deus quando do regresso de Cristo deverádescer do céu para o povo de Deus em vez de ser este a para lá partir da Terra E isto em nada difere do que os dois homens de roupas brancas isto é os dois anjos disseram aos apóstolos que estavam contemplando a ascensão de Cristo At 111 este mesmo Jesus que agora vos é arrebatado para o céu voltará assim como o vistes subir ao céu Isso soa como se tivessem dito que ele voltaria para os governar sob seu Pai eternamente aqui e não como se se tratasse de os levar para os governar no céu e é conforme à restauração do Reino de Deus instituído sob Moisés que era um governo político dos judeus na terra Além disso a afirmação do nosso Salvador Mt 2230 que na ressurreição eles não casam nem são dados em casamento mas são como os anjos de Deus no céu é uma descrição de uma vida eterna semelhante à que perdemos em Adão no que diz respeito ao casamento Com efeito considerando que Adão e Eva se não tivessem pecado teriam vivido na terra eternamente nas suas pessoas individuais é manifesto que não teriam procriado continuadamente a sua espécie Porque se as almas imortais fossem capazes de geração como é hoje o gênero humano em pouco tempo não haveria mais lugar na terra para se ficar Os judeus que perguntaram ao nosso Salvador quem seria na ressurreição o marido da mulher que havia desposado muitos irmãos desco 377 1II i f II Parte 3 Da República Cristã I I nheciam quais eram as conseqüências da vida eterna e por isso o nosso Salvador lhes lembrou essa conseqüência da imortalidade não haverá geração e conseqüentemente não haverá casamento tal como não há casamento nem geração entre os anjos A comparação entre aquela vida eterna que Adão perdeu e a que o nosso Salvador recuperou pela sua vitória sobre a morte também é válida nisto que tal como Adão perdeu a vida eterna pelo seu pecado e contudo ainda viveu algum tempo depois disso assim também o fiel cristão recuperou a vida eterna pela paixão de Cristo embora morra de morte natural e continue morto durante algum tempo até a ressurreição Pois tal como a morte se conta a partir da condenação de Adão e não da sua execução assim também a vida se conta a partir da absolvição não da ressurreição dos que são eleitos em Cristo Não é fácil concluir de nenhum texto que eu possa encontrar que o lugar onde os homens irão viver eternamente depois da ressurreição seja o céu entendendose por céu aquelas regiões do mundo que são mais distantes da Terra onde ficam as estrelas ou acima das estrelas num outro céu mais alto chamado coelum empyreum do qual não existe referência nas Escrituras nem fundamento na razão Por Reino do Céu entendese o reino do Rei que habita no céu e o Seu reino era o povo de Israel ao qual Ele governava na terral por intermédio dos profetas seus lugartenentes primeiro Moisés e depois dele Eleazar e os Soberanos Sacerdotes até que no tempo de Samuel esse povo se revoltou e escolheu como rei um mortal à maneira das outras nações E quando Cristo nosso Salvador pela pregação dos seus ministros persuadir os judeus a voltar e chamar os gentios à sua obediência então haverá um novo Reino do Céu porque então nosso rei será Deus cujo trono fica no céu sem que nas Escrituras haja nenhuma necessidade evidente de que os homens ascendam até essa felicidade mais alto do que o escabelo onde Deus apóia os pés isto é a terra Pelo contrário está escrito Jó 313 que ninguém ascenderá ao céu a não ser 240J Ascensão ao céu I Syn governava 378 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção aquele que desceu do céu o filho do homem que está no céu Aqui ob servo aliás que estas palavras não são como as que imediatamente as antecedem palavras do nosso Salvador mas do pró prio São João pois nesse tempo Cristo não estava no céu mas na terra O mesmo se diz de Davi At 234 quando São Pedra para provar a ascensão de Cristo e usando as palavras do sal mista SI 1610 Não deixarás a minha alma no inferno nem suportarás que a tua santa alma contemple a corrupção diz que elas não foram ditas de Davi mas de Cristo e para prováIa acrescenta esta razão que Davi não ascendeu ao céu Mas a isto seria fácil responder dizendo que embora os corpos não devam ascender antes do dia do J uízo Final as suas almas vão para o céu a partir do momento em que se separam do corpo o que parece ser também confirmado pelas palavras do nosso Salvador que ao provar a ressurreição a partir das palavras de Moisés disse Lc 203738 Que os mortos são ressuscitados já Moisés o mostrou quando chamou ao Senhor o Deus de Abraão e o Deus de Isaac e o Deus de Jacó Pois ele não é um rei dos mortos e sim dos vivos porque todos eles vivem nele Mas se estas palavras forem entendidas como referentes apenas à imortalidade da alma elas de modo algum provam o que o nosso Salvador pretendia provar que era a ressurreição do corpo quer dizer a imortalidade do homem Portanto o nosso Salvador queria dizer que esses patriarcas eram imortais não por uma propriedade derivada da essência e natureza do gênero humano mas pela vontade de Deus ao qual aprazia simplesmente pela sua graça conceder a vida eterna aos fiéis E embora nesse momento os patriarcas e muitos outros fiéis estivessem mortos o que está no texto é que eles viviam para Deus quer dizer foram inscritos no livro da vida jun tamente com os que foram absolvidos dos seus pecados e escolhidos para a vida eterna depois da ressurreição Que a alma do homem seja eterna pela sua própria natureza e uma criatura viva independente do corpo ou que qualquer simples homem seja mortal sem ser pela ressurreição no último dia com exceção de Enoque e Elias é uma doutrina que não é manifesta nas Escrituras Todo o capítulo 14 deJó que não é uma fala 241 379 1I I Parte 3 Da República Cristã dos seus amigos mas dele mesmo é um lamento sobre a mortalidade desta natureza sem que seja uma negação da imortalidade na ressurreição Ainda há esperança na árvore diz o versículo mesmo quando cortada Mesmo que a sua raiz envelheça e o seu tronco morra na terra quando sentir a água reverdecerá e dará rebentos como uma planta Mas o homem morre e se esvai sim o homem exala o espírito e onde está ele e também versículo 12 o homem cai e não se levanta mais até que não haja mais céu Mas quando é que não haverá mais céu São Pedro diznos que é no dia da ressurreição geral Pois na sua segunda epístola capítulo 3 versículo 7 ele diz que o céu e a terra que hoje existem estão reservados ao fogo no dia do julgamento para perdição dos descrentes e versículo 12 esperando e apressandose para a vinda de Deus quando os céus ficarão em fogo e se dissolverão e os elementos fundirão com calor fervente No entanto conforme a promessa nós esperamos por um novo céu e uma nova terra onde impere a retidão Portanto quando jó disse que o homem não se levanta até que não haja mais céu disse o mesmo que se dissesse que a vida imortal nas Escrituras alma e vida geralmente significam a mesma coisa só começa para o homem na ressurreição e no dia do juízo e não tem como causa a sua natureza e geração específica mas sim a promessa Pois São Pedro diz que esperamos um novo céu e uma nova terra não da natureza 2 somente da promessa Por último dado que já ficou provado com diversas e evidentes passagens das Escrituras no capítulo XXXV deste livro que o Reino de Deus é uma república cívil em que o próprio Deus é o soberano primeiro em virtude do antigo pacto e depois em virtude do novo pacto segundo o qual reina por intermédio do seu vigário e lugar tenente as mesmas passagens provam portanto também que depois do retorno do nosso Salvador na sua majestade e glória para reinar efetiva e eternamente o Reino de Deus será na terra Mas como esta doutrina apesar de provada por passagens das Escrituras que nem são poucas nem obscuras será pela maioria considerada 1 Syn não diz 2 Syn da natureza mas 380 xXXVIIL Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção uma novidade limitome a propôIa nada sustentando quanto a este ou qualquer outro paradoxo da religião mas esperando o fim daquela disputa pela espada a respeito da autoridade ainda não decidida entre os meus concidadãos pela qual toda a espécie de doutrina deverá ser aprovada ou rejeitada e de quem dará as ordens tanto oralmente como por escrito que devem ser obedecidas sejam quais forem as opiniões dos par ticulares por todos os homens que pretendem ser protegidos pelas leis Porque as questões de doutrina relativas ao Reino de Deus têm tamanha influência sobre o reino dos homens que só podem ser decididas por quem abaixo de Deus detém o poder soberano Tal como o Reino de Deus e a vida eterna assim também os inimigos de Deus e os seus tormentos após o juízo aparecem nas Escrituras como tendo lugar na terra O nome do lugar onde até a ressurreição ficam todos os homens quer tenham sido enterrados ou tragados pela terra é geralmente designado nas Escrituras por palavras que significam debaixo da terra Os latinos usavam sobretudo Infernus e Inferi os gregos ã8nç Quer di zer um lugar onde os homens não podem ver compreendendose tanto o sepulcro como qualquer outro lugar mais profundo No entanto o lugar dos condenados depois da ressurreição não está determinado quer no Antigo quer no Novo Testamento por nenhuma indicação de situação mas apenas pela compa nhia será no lugar para onde foram os homens perversos que Deus em ocasiões anteriores e de maneira extraordinária e miraculosa fez desaparecer da face da terra Como por exemplo que estão no Inferno no Tártaro ou no poço sem fundo porque Coré Datã e Abirão foram engolidos vivos pela terra Não que os autores das Escrituras pretendessem fazernos acreditar que poderia haver no globo terráqueo que não é infinito e além disso não é se comparado com a altura das estrelas de grandeza considerável um poço sem fundo quer dizer um buraco de profundidade infinita como os gregos na sua Demonologia quer dizer na sua doutrina a respeito dos demônios e depois deles os romanos chamavam Tartarus Do qual Virgilio diz 242 o lugar após o juízo Final dos que nunta estiveram no Reino tk Deus ou que lá tendo estado foram expulsos o Tártaro 381 Parte 3 Da República Cristã Bis patet in praeceps tantum tenditque sub umbras Quantum ad aetherum coeli suspectus Olympum A congregação dos gigantes pois é uma coisa que não admite nenhuma proporção com a terra e o céu mas que devemos acreditar ser lá indefinidamente onde estão os homens a quem Deus infligiu aquele castigo exemplar Além disso como aqueles poderosos homens da terra que viveram no tempo de Noé antes do dilúvio e a quem os gregos chamavam heróis e as Escrituras gigantes e ambos dizem que foram produzidos pela copulação dos filhos de Deus com os filhos dos homens foram por causa da sua vida perversa destruídos pelo dilúvio geral o lugar dos condenados também é às vezes assinalado pela companhia desses gigantes mortos como em Pr 2116 O homem que se extravia do caminho do entendimento irá permanecer na congregação dos gigantes e Jó 265 Contemplai os gigantes gemendo sob as águas e os que moram com eles Neste caso o lugar dos condenados é debaixo da água E em Isaías 149 O Inferno perturba se por te receber quer dizer o rei da Babilônia e deslocará os gigantes para ti aqui mais uma vez o lugar dos condenados se o sentido for literal é debaixo da água Em terceiro lugar dado que as cidades de Sodoma e Gomorra devido à sua perversidade foram pela ira extraordinária de Deus consumi das com o fogo e o enxofre e porque jun tamente com elas a região ao redor fezse um pestilento lago betuminoso o lugar dos condenados é por vezes expresso pelo fogo e como um lago fervente Por exemplo em Apocalipse 218 Mas os timoratos os incrédulos e abomináveis assim como os assassinos os fornicadores os feiticeiros e idólatras e todos os mentirosos terão a sua parte no lago que arde com fogo e enxofre que é a segunda morte Fica assim manifesto que o fogo do Inferno aqui expresso por metáfora a partir do fogo verdadeiro de Sodoma não significa uma espécie ou lugar determinado de tormento mas deve ser tomado indefinidamente por destruição como é o caso no capítulo 20 versiculo 14 onde se diz que a morte e o Inferno foram lançados ao lago de fogo quer dizer foram abolidos Lago de jógo 242 1 382 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção e destruí dos como se depois da segunda morte não houvesse mais mortes nem se fosse mais para o Inferno quer dizer não se fosse mais para o Hades palavra da qual talvez derive a que usamos o que é o mesmo que não mais morrer Em quarto lugar a partir da praga das trevas infligida aos egipcios sobre a qual está escrito Ex 1023 Eles não se viam uns aos outros e ninguém saiu de onde estava durante três dias mas todos os filhos de Israel tinham luz nas suas moradas chamase ao lugar dos perversos depois do J uízo as trevas absolutas ou conforme o original trevas exteriores É o que está expresso Mt 2213 quando o rei ordena aos seus servos que amarrem mãos e pés do homem que não tinha vestido a sua roupa de casamento e que o expulsem eíç rà JÓ10ç ràÉçIDrepov para as trevas de fora ou trevas exteriores o que quando traduzido por trevas absolutas não significa a grandeza dessas trevas mas onde elas ficam a saber fora da morada dos eleitos de Deus Por último havia um lugar perto de Jerusalém chamado vale dos filhos de Hinom numa parte do qual chamada Tofete os judeus haviam cometido a mais tremenda idolatria sacrificando os seus filhos ao ídolo Moloc onde também Deus havia infligido aos seus inimigos os mais tremendos castigos e onde Josias havia incinerado os sacerdotes de Moloc sobre os seus altares como se verifica extensamente em 2 Rs 23 Mais tarde o lugar serviria para acumular o lixo e o esterco lá levado da cidade e lá se costumava de vez em quando fazer fogueiras para purificar o ar e eliminar o cheiro da putrefação Por causa desse lugar abominável os judeus passaram desde então a denominar o lugar dos condenados com o nome de Geena ou vale de Hinom E Geena é a palavra que agora habitualmente se traduz por INFERNO e é em razão das fogueiras que lá de tempos em tempos ardem que temos a noção de fogo perPétuo e inextinguível Ora visto não haver ninguém que interprete as Escrituras assim isto é que após o Juízo Final os perversos serão eter Trevas absolutas Geena e Tofite Do sentido literal das Escrituras a respeito do Infirno 1 Syn dia do Juizo Final Hell Inferno em inglês N dos T 383 244 Satanás e Diabo não são nomes próprios mas apelativos Tormentos do Inferno Parte 3 Da República Cristã namente punidos no vale de Hinom ou que se levantarão para depois ficarem eternamente debaixo do chão ou debaixo da água ou que depois da ressurreição nunca mais se verão uns aos outros ou não se mexerão do lugar onde estão seguese necessariamente creio eu que o que se diz a respeito do fogo do Inferno é dito metaforicamente e portanto há um sentido próprio a investigar porque para todas as metáforas há um fundamento real capaz de ser expresso em termos próprios tanto para o lugar do lriferno como para a natureza dos tormentos irifernais e dos atormentadores Em primeiro lugar a natureza e propriedades dos atormentadores são exata e propriamente expressas pelo nome do inimigo ou Satanás o acusador ou Diabolus e o destruidor ou Aba dono Estes nomes significativos Satanás Diabo e Abadon não nos apresentam nenhuma pessoa individual como é costume com os nomes próprios mas apenas uma função ou qualidade sendo portanto nomes comuns que não deviam ter deixado de ser traduzidos como é o caso nas Bíblias latinas e modernas porque assim parecem ser os nomes próprios de demônios e os homens são mais facilmente seduzidos a acreditar na doutrina dos diabos que nesse tempo era a religião dos gentios e era contrária à de Moisés e de Cristo E dado que inimigo acusador e destruidor são termos que significam o inimigo daqueles que estarão no Reino de Deus se depois da ressurreição o Reino de Deus ficar na terra conforme no capítulo anterior mostrei pelas Escrituras que parece ser o inimigo e o seu reino devemse também situar na ter ra Pois também assim era no tempo anterior à deposição de Deus pelos judeus Porque o Reino de Deus era na Palestina e as nações circunvizinhas eram os reinos do inimigo e assim por Satanás se entende qualquer inimigo terreno da Igreja Os tormentos do Inferno são por vezes expressos como choro e ranger de dentes como em Mt 812 às vezes como o verme da consciência como Is 6624 e em Mc 944 46 e 48 outras vezes como jOgo como na passagem onde o verme não morre e o jOgo não se extingue outras vezes como vergonha e desprezo como em Dn 122 e muitos dos que dormem no pó da terra despertarão uns para uma 384 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção vida eterna e outros para eterna vergonha e desprezo Todas estas passagens designam metaforicamente um pesar e descontentamento do espírito à vista daquela eterna felicidade dos outros que eles perderam devido à sua incredulidade e desobediência E como essa felicidade dos outros só se torna considerável por comparação com a sua miséria presente seguese que eles deverão sofrer as dores e calamidades corporais a que estão sujeitos os que vivem submetidos a governantes maus e cruéis e além disso têm como inimigo o eterno rei dos santos Deus TodoPoderoso E entre essas dores corporais devese reconhecer também para cada um dos perversos uma segunda morte Pois embora as Escrituras sejam claras quanto à ressurreição universal não está escrito que a nenhum dos réprobos esteja prometida uma vida eterna Porque São Paulo à questão sobre com quais corpos os homens se erguerão de novo respondeu 1 Cor 1542 e 43 que o corpo é semeado na corrupção e erguido na incorrupção é semeado na desonra e erguido na glória é semeado na fraqueza e erguido no poder e aqui a glória e o poder não podem ser aplicados aos corpos dos perversos E a expressão segunda morte não pode ser aplicada aos que morrem só uma vez embora em discurso metafórico uma vida perpetuamente calamitosa possa ser chamada uma morte perpétua não pode ser corretamente entendida como uma segunda morte O fogo que espera os perversos é um fogo perpétuo o que quer dizer que o estado no qual ninguém pode estar sem tortura tanto de corpo como de espírito depois da ressurreição durará para semprel e neste sentido o fogo será inextinguível e os tormentos serão perpétuos mas daí não se pode inferir que quem for lançado nesse fogo ou atormentado por esses tormentos deverá suportáIas e resistirIhes de modo tal que será eternamente queimado e torturado mas jamais será destruído nem morrerá Embora muitas passagens afirmem o fogo e os tormentos perpétuos nos quais é possível lançar pessoas sucessivamente e umas atrás das outras para sempre2 não encontro nenhuma onde se 245 I As edições 25 Ornaments e Bear trazem tanto quanto existir o mundo 2 As edições 25 Ornaments e Bear trazem tanto quanto durar o mundo 385 Parte 3 Da República Cristã Ap 2073 e 14 afirme que lá haverá urna vida eterna para qualquer pessoa individual e sim pelo contrário urna morte perpétua que é a segunda morte Porque quando a morte e o sepulcro tiverem entregue os mortos que lá estavam e cada homem tiver sido julgado conforme as suas ações a morte e o sepulcro serão também lançados ao lago de fogo Isto é a segunda morte Fica então evidente que deverá haver urna segunda morte para todos os que forem condenados no dia do Juízo depois da qual não mais morrerão Todas as alegrias da vida eterna estão abrangidas nas Escrituras pelas palavras SALVAÇÃO ou salvarse Salvarse é livrarse do mal quer respectivamente contra males especiais quer absolutamente contra todo o mal incluindo a necessidade a doença e a própria morte E corno o homem foi criado numa condição imortal não sujeito à corrupção nem conseqüentemente a nada que tenda para a dissolução da sua natureza e perdeu essa felicidade por causa do pecado de Adão seguese que salvarse do pecado é salvarse de todos os males e calamidades que o pecado acarretou para nós Portanto nas Sagradas Escrituras a remissão dos pecados e a salvação da morte e da miséria são a mesma coisa conforme se verifica nas palavras do nosso Salvador que curou um homem que sofria de paralisia dizendo Mt 92 Alegrate meu filho que os teus pecados te serão perdoados e sabendo que os escribas consideravam isso urna blasfêmia perguntouIhes vers 5 se era mais fácil dizer Os teus pecados serão perdoados ou Levantate e caminha querendo com isso dizer que era a mesma coisa quanto à salvação dos doentes dizer os teus pecados serão perdoados ou Levantate e caminha e que ele usava essa forma de linguagem apenas para mostrar que tinha o poder de perdoar os pecados Além disso é evidente para a razão que sendo a morte e a miséria os castigos do pecado a isenção do pecado deve ser também a isen ção da morte e da miséria quer dizer urna salvação absoluta como a que os fiéis deverão gozar depois do dia do J uízo Final pelo poder e favor de Jesus Cristo que por esse motivo é chamado nosso SALVADOR Nada direi sobre as salvações individuais tais como são entendidas em 1 Sm 1439 como vive o Senhor que salvou Israel a Alegrias da vida eterna e salvação são a mesma coisa Salvação do pecado e da miséria são uma só 386 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção saber dos seus inimigos temporários em 2 Sm 224 Tu és o meu Salvador tu salvasteme da violência e em 2 Rs 135 Deus deu aoS israelitas um Salvador e assim eles foram libertados das mãos dos assirios e outras passagens semelhantes Pois não há nenhuma dificuldade nem interesse em corromper a interpretação de textos deste gênero Mas quanto à salvação geral corno ela se deve dar no Reino dos Céus há uma grande dificuldade quanto ao lugar Por um lado enquanto se trata de um reino que é um estado organizado pelos homens para sua perpétua segurança contra os inimigos e as necessidades parece que essa salvação se deve dar na terra Com a salvação o que nos espera é um glorioso reino do nosso rei por conquista e não a segurança pela fuga portanto quando procuramos a salvação devemos também procurar o triunfo e antes do triunfo a vitória e antes da vitória a batalha que não se pode imaginar bem corno se daráno céu Mas por melhor que seja este argumento não confiarei nele sem confirmação por passagens perfeitamente evidentes das Escrituras O estado de salvação é descrito de maneira geral em Is 3320 a 24 Olha para Sião a cidade das nossas solenidades os teus olhos verão Jerusalém uma morada tranqüila um tabernáculo que não deveráser derrubado nem uma só das suas estacas deve ser retirada nem uma só das suas cordas deve ser romPida Mas ali o glorioso Senhor porá ante nós um lugar de amplos rios e correntes aonde não irá galera com remos e por onde não passará galante navio Porque o Senhor é o nosso juiz o Senhor é o nosso legislador o Se nhor é o nosso rei e ele nos salvará Tuas cordas afrouxaram elas não podem segurar bem o mastro elas não podem esticar a vela então se dividirá a presa de um grande despojo os fracos tomam a presa E o habitante não dirá que está enfermo ao povo que lá morará será perdoada a sua iniqüidade Nesta passagem temos indicado o lugar de onde deve proceder a salvação Jerusalém uma morada tranqüila a sua eternidade um tabernáculo que não deverá ser derrubado etc o Salvador 246 o lugar da salvação eterna 387 Parte 3 Da República Cristã 111 I o Senhor seu juiz seu legislador seu rei que nos salvará a salvação o Senhor porá ante eles uma vasta extensão de águas correntes etc a condição dos seus inimigos as suas cordas afrouxaram os seus mastros estão fracos os fracos tomarão os seus despojos etc a condição dos que se salvam o habitante não dirá que está erifCrmo e por último tudo isto é abrangido pelo perdão dos pecados ao povo que lá morará será perdoada a sua iniqüidade Disso fica evidente que a salvação será na terra quando Deus reinar em Jerusalém por ocasião do retorno de Cristo e de Jerusalém virá a salvação dos gentios que serão recebidos no Reino de Deus como é também mais expressamente declarado pelo mesmo profeta capítulo 6520 e 21 E eles isto é os gentios que conservavam qualquer judeu em escravidão trarão todos os vossos irmãos de todas as nações para uma oferenda do Senhor a cavalo em carros e em liteiras sobre mulas e animais velozes para a minha montanha sagrada Jerusalém disse o Senhor como os filhos de sraellevam uma oferenda numa vasilha limpa à casa do Senhor E eu os tomarei também como sacerdotes e como levitas disse o Senhor Disso fica manifesto que a sede principal do Reino de Deus que é o lugar de onde virá a salvação daqueles de entre nós que somos gentios seráJeru salém E o mesmo é também confirmado pelo nosso Salvador no seu diálogo com a mulher de Samaria sobre o lugar da adoração de Deus à qual disse ao 422 que os samaritanos não conheciam o que adoravam e os judeus adoravam o que conheciam pois a salvação é dos judeus ex judaeis quer dizer começa com os judeus É como se dissesse vós adorais a Deus mas não sabeis por intermédio de que Ele vos salvará ao contrário de nós que sabemos que será um dos da tribo de Judá um judeu e não um samaritano Assim não foi impertinentemente que a mulher lhe replicou Nós sabemos que o Messias virá De modo que o que o nosso Salvador disse a salvação é dos judeus é o mesmo que diz São Paulol Rm 116 e 17 O Evangelho é o poder de Deus para salvação de todos os que crêem primeiro para o judeu e também para o grego Porque aí a justiça de Deus se revela de fé 247J 1 Syn Paulo 388 XXXVIII Da Vida Eterna Inferno Salvação e Redenção em fé da fé do judeu para a fé do gentio É no mesmo sentido que o profeta J oel descrevendo o dia do Juizo Final cap 230 e 31 diz que Deus mostraria maravilhas no céu e na terra sangue fogo e colunas de fumo O sol transfôrmarseia em trevas e a lua em san gue antes da vinda do grande e terrível dia do Senhor e acrescenta no versiculo 32 e acontecerá que quem invocar o nome do Senhor será salvo Porque no monte Sião e emJerusalém estará a salvação E Abdias no versículo 17 diz o mesmo No monte Sião estará a libertação e haverá santidade e a casa de Jacó possuirá as suas posses isto é as posses dos pagãos estando essas posses expressas mais particularmente nos versículos seguintes como o monte de Esaú a terra dos filisteus os campos de Efraim de Samaria Gileade e as ddades do sul e conclui com as palavras o Reino será do Senhor Todas estas passagens são sobre a salvação e o Reino de Deus depois do dia do Juizo Final na terra Por outro lado não encontrei texto algum capaz de provar a probabilidade de uma ascensão dos santos aos céus quer dizer a uma coelum empyreum ou outra região etérea A não ser que ela se chame o Reino dos Céus nome que pode ter porque Deus que era o Rei dos judeus os governava por meio das Suas ordens enviadas a Moisés pelos anjos do céu E depois que eles se revoltaram enviou do céu a Seu Filho para os submeter à obediência e de lá o enviará de novo para os governar tanto a eles como a outros fiéis desde o dia do Juizo até a eternidade Ou porque o trono deste nosso grande rei está no céu enquanto a terra é apenas o seu escabe10 Mas que os súditos de Deus tenham um lugar tão alto como o seu trono ou mais alto do que o seu escabelo é coisa que não parece compatível com a dignidade de um rei e além disso não encontro em seu apoio nenhum texto evidente das Sagradas Escrituras Em razão de tudo quanto ficou dito a respeito do Reino de Deus e da salvação não é difícil interpretar o que significa MUNDO VINDOURO Nas Escrituras encontrase referência a três mundos o mundo antigo o mundo atual e o mundo vindouro Sobre o primeiro diz São Pedro Se Deus não poupou o mundo anti go e salvou apenas Noé como oitava pessoa um pregador da retidão le 2 Pd 25 248 389 I II II 11 II II I I I 2 Pd 313 Redenção Parte 3 Da República Cristã vando o dilúvio para sobre o mundo dos ímPios etc Assim o primeiro mundo vai desde Adão até o dilúvio geral Sobre o mundo atual diz o nosso Salvador 00 1836 O meu reino não é deste mundo Porque ele veio apenas para ensinar aos homens o caminho da salvação e para renovar o reino do seu Pai através da sua doutrina Sobre o mundo vindouro diz São Pedro Não obstante es peramos conforme a sua promessa novos céus e uma nova terra É este aquele MUNDO onde Cristo depois de descer dos céus por entre as nuvens com grande poder e glória enviará os seus anjos e reunirá os seus eleitos idos dos quatro ventos e dos lugares mais longínquos da terra para a partir de então reinar sobre eles abaixo do seu Pai perpetuamente A salvação de um pecador supõe uma REDENÇÃO anterior pois aquele que uma vez se tornou culpado de um pecado fica sujeito a sofrer uma pena por causa desse pecado e é obrigado a pagar ou alguém em seu lugar o resgate que aquele que foi ofendido e o tem em seu poder quiser exigir Considerando que a pessoa ofendida é Deus TodoPoderoso em cujo poder se encontram todas as coisas esse resgate precisa de ser pago antes de ser possível conquistar a salvação e será aquele que a Deus aprouver exigir Não se entende por este resgate uma compensação do pecado equivalente à ofensa algo de que nenhum pecador é capaz por si só e nenhum homem reto é capaz de fazer por outrem É possível compensar o prejuízo que um homem causa a outro mediante restituição ou recompensa mas o pecado não pode ser eliminado mediante uma recompensa pois isso seria transformar numa coisa vendável a liberdade de pecar Mas os pecados podem ser perdoados aos que se arrependem seja grátis ou mediante uma penalidade que a Deus aprouver aceitar O que Deus geralmente aceitava no Antigo Testamento era um sacrifício ou uma oferenda Perdoar um pecado não é um ato de injustiça ainda que tenha havido ameaça de punição Mesmo entre os homens embora uma promessa perante Deus seja obrigatória para os promitentesl as ameaças quer dizer as promessas de mal não são I Syn o promitente 390 XXXIX Da palavra Igreja nas Escrituras obrigatórias e muito menos obrigatórias devem ser para Deus que é infinitamente mais misericordioso do que os homens Por tanto para nos redimir Cristo nosso Salvador não compensou os pecados dos homens nesse sentido de que a sua morte por si mesma poderia tornar injusto para Deus castigar os pecado res com a morte eterna Mas esse seu sacrifício e oferenda de si mesmo fez ele na sua primeira vinda que a Deus aprouve exigir para que na sua segunda vinda se salvassem aqueles que nesse meio tempo se arrependessem e nele cressem E embora este ato da nossa redenção nem sempre seja chamado nas Escri turas um sacrifício e uma oferenda mas às vezes seja chamado preço não devemos entender por preço uma coisa por cujo valor ele podia exigir um direito de perdão para nós ao seu Pai ofen dido Devemos entender sim aquele preço que a Deus o Pai em sua roisericórdia aprouve pedir CAP XXXIX Do significado da palavra IGREJA nas Escrituras 247 Nos livros das Sagradas Escrituras a palavra Igreja Eccle sia significa diversas coisas ÀB vezes embora não freqüente mente é tomada no sentido de casa de Deus quer dizer como um templo onde os cristãos se reúnem para cumprir publica mente os seus sagrados deveres como em 1 Cor 1434 Que as mulheres se mantenham em silêncio nas igrejas Mas neste caso a pa lavra é usada metaforicamente designando a congregação lá reunida e desde então tem sido usada para designar o próprio edifício a fim de distinguir entre os templos dos cristãos e os dos idólatras O templo de Jerusalém era a casa de Deus e a casa de oração e assim todo o edifício destinado pelos cristãos à adoração de Cristo é a casa de Cristo por isso os padres gregos A Igreja é a cIa de Deus 391 Parte 3 Da República Cristã o que é propriammte Ecclesia lhe chamavam Kvpw1d1 a casa do Senhor e a partir daí a nossa língua passou a chamarlhe kyrke e igreja Quando não é usada no sentido de uma casa a palavra igreja significa o mesmo que Ecclesia significava nas repúblicas gregas quer dizer a congregação ou assembléia de cidadãos convocada para ouvir falar o magistrado que na república de Roma se chamava Concio e aquele que falava era chamado Ecclesiastes e Concionator E quando a assembléia era convocada pela autoridade legitima ela era chamada Ecclesia legitima uma igreja legítima EVVOflOÇ EXKÀTJaía Mas quando era perturbada por clamores tumultuosos e sediciosos era considerada uma igreja confusa ExclTJaía avyxtXVfIÉvTJ Às vezes a palavra também é usada para designar os homens que têm o direito de fazer parte da congregação mesmo quando não se encontram efetivamente reunidos quer dizer para designar toda a multidão dos cristãos por mais dispersos que possam estar como em At 83 onde se diz que Saul assolava a Igreja E neste sentido se diz que Cristo é a cabeça da Igreja Às vezes a palavra também designa uma certa parte dos cristãos como em CI415 Saudai a igreja que está em sua casa E às vezes também apenas no sentido dos eleitos como em Ef 527 Uma Igreja gloriosa sem manchas nem rugas sagrada e sem mácula o que se diz da Igreja triunfante ou Igreja vindoura Às vezes designa uma congregação reunida cujos membros professam o cristianismo quer essa profissão seja verdadeira ou fingi da conforme se verifica em Mt 1817 onde se diz Dilo à Igreja e se recusar ouvir a Igreja que ele seja para ti como um gentio ou um publicano É apenas neste último sentido que a Igreja pode ser entendida como uma pessoa quer dizer que nela se pode admitir o poder de querer de pronunciar de ordenar de ser obedecida de fazer leis ou de praticar qualquer espécie de ação Porque quando não há autoridade de uma congregação legitima seja qual for o ato praticado por um conjunto de pessoas AI 1939 Em que sentido a Igreja é uma pessoa Em inglês church derivado de kyrke N do T 392 XXXIX Da palavra Igreja nas Escrituras tratase de um ato individual de cada um dos que estavam presentes e contribuíram para a prática desse ato e não um ato de todos eles em conjunto como um só corpo e muito menos um ato dos que estavam ausentes ou que estando presentes não queriam que ele fosse praticado Neste sentido defino uma IGREJA como uma companhia de pessoas que professam a religião cristã unidas na pessoa de um soberano a cuja ordem se devem reunir e sem cuja autorização não se devem reunir E como em todas as repúblicas são ilegitimas as assembléias não autorizadas pelo soberano civil também aquela Igreja que se reúna em qualquer república que lhe tenha proibido reunirse constitui uma assembléia ilegitima Daqui se segue também que não existe na terra nenhuma Igreja universal a que todos os cristãos sejam obrigados a obedecer pois não existe na terra um poder ao qual todas as outras repúblicas se encontrem sujeitas Existem cristãos nos domínios dos diversos principes e Estados mas cada um deles estásujeito à república da qual é membro não podendo em conseqüência estar sujeito às ordens de nenhuma outra pessoa Portanto uma Igreja que seja capaz de mandar julgar absolver condenar ou praticar qualquer outro ato é a mesma coisa que uma república civil formada por homens cristãos e chama selhe um Estado civil por os seus súditos serem homens e uma Igreja por os seus súditos serem cristãos Governo temporal e espiritual são apenas duas palavras traz idas ao mundo para levar os homens a se confundirem enganandose quanto ao seu soberano legítimo É certo que os corpos dos fiéis depois da ressurreição não serão apenas espirituais mas eternos porém nesta vida eles são grosseiros e corruptíveis Portanto nesta vida o único governo que existe seja o do Estado seja o da religião é o governo temporal tampouco é legitimo que um súdito ensine doutrinas proibidas pelo governante do Estado e da religião E esse governante tem que ser único caso contrário seguemse necessariamente a facção e a guerra civil na república entre a Igreja e o Estado entre os espiritualistas e os temporalistas entre a espada da justiça e o escudo da fé E o que é pior ain 248 Definição de Igreja República cristã e Igreja são uma só 393 Parte 3 Da República Cristã da no próprio peito de cada cristão entre o cristão e o homem Os doutores da Igreja são chamados pastores e assim o são também os soberanos civis Mas se entre os pastores não houver alguma subordinação de maneira que haja apenas um chefe dos pastores serão ensinadas aos homens doutrinas contrárias que poderão ser ambas falsas e das quais uma necessariamente o será Quem é esse chefe dos pastores segundo a lei de natureza já foi mostrado é o soberano civil Quanto a quem tal cargo foi atribuído pelas Escrituras vêIoemos nos capítulos seguintes 249 CAPo XL Dos DIREITOS do Reino de Deus em Abraão Moisés nos Sumos Sacerdotes e nos Reis de J udá Os direitos soberanos de Abraão O pai dos fiéis e o primeiro no Reino de Deus por contrato foi Abraão Pois foi com ele que se celebrou o primeiro contrato pelo qual ele se obrigou e a sua descendência depois dele a reconhecer e obedecer às ordens de Deus não apenas aquelas de que tinha conhecimento como as leis morais pela luz da natureza mas também aquelas que Deus lhe comunicasse de maneira especial por sonhos e visões Pois quanto à lei moral estavam já obrigados e não precisavam fazer contrato pela promessa da terra de Canaã Nem havia nenhum contrato que pudesse aumentar ou fortalecer a obrigação pela qual quer eles quer todos os outros homens eram obrigados a obedecer naturalmente a Deus TodoPoderoso E portanto o contrato que Abraão fez com Deus era para receber como mandamento de Deus aquilo que em nome de Deus lhe fosse ordenado num sonho ou visão e para o comunicar à sua família e a levar a observar as mesmas coisas 394 XL Dos Direitos do Reino de Deus Neste contrato de Deus com Abraão podemos observar três pontos de importante conseqüência no governo do povo de Deus Primeiro que ao fazer este contrato Deus só falou a Abraão e portanto não fez contrato com ninguém da sua família ou descendência a não ser na medida em que as suas vontades que constituem a essência de todos os contratos estavam antes do contrato implicadas na vontade de Abraão que então se supôs possuir um poder legítimo para fazer realizar tudo o que ele tinha contratado em seu nome Conforme a isso Gn 181819 Deus disse Todas as nações da Terra serão nele abençoadas pois sei que ele governará os seus filhos e a sua casa depois dele e que eles conservarão o caminho do Senhor Daí se pode concluir este primeiro ponto aqueles a quem Deus não falou imediatamente devem receber do seu soberano as ordens positivas de Deus como a família e os descendentes de Abraão as recebeu do seu pai senhor e soberano civil E conseqüentemente em toda república aqueles que não recebem revelação sobrenatural em contrário devem obedecer às leis do seu próprio soberano nos atos externos e na profissão de religião Quanto ao pensamento interior e à crença dos homens de que os governantes não podem ter conhecimento pois só Deus conhece os corações não são voluntários nem são efeito das leis mas sim de uma vontade não revelada e do poder de Deus e conseqüentemente não estão incluídos na obrigação Donde se segue um outro ponto a saber que não era ilegítimo para Abraão punir os seus súditos quando algum deles pretextasse ter uma visão particular ou espírito ou outra revelação da parte de Deus em apoio de qualquer doutrina que Abraão proibisse ou quando aderissem ou seguissem a quem tivesse tamanha pretensão e conseqüentemente agora é legitimo o soberano punir alguém que oponha o espírito particular às leis pois ele ocupa o mesmo lugar na república que Abraão ocupava na sua própria família Disso deriva também um terceiro ponto assim como ninguém exceto Abraão na sua família também ninguém exceto o soberano numa república cristã pode conhecer o que é 395 Só Abraão tinha o poder de ordenar a religião do seu Povo 250 Nenhuma pretensão de esPirito particular contra a religião de Abraão Abraão único juiz e intérprete do que Deus disse Fundamento da autoridade de Moisés Jo 531 Parte 3 Da República Cristã XL Dos Direitos do Reino de Deus ou o que não é a palavra de Deus Pois Deus falou apenas a Abraão e só ele podia saber o que Deus disse e interpretálo para a família E portanto também aqueles que ocupam o lugar de Abraão numa república são os únicos intérpretes daquilo que Deus disse O mesmo pacto foi renovado com Isaac e depois com Jacó mas em seguida não o foi mais até os israelitas se libertarem dos egípcios e terem chegado ao sopé do monte Sinai e então foi renovado por Moisés como disse antes no capítulo XXXV de tal modo que eles se tornaram dali em diante o Reino de Deus cujo representante era Moisés durante o seu tempo e a sucessão daquele cargo foi atribuída a Aarão e seus herdeiros depois dele para ser eternamente para Deus um reino sacerdotal Por meio dessa constituição adquiriuse um reino a Deus Mas dado que Moisés não tinha autoridade para governar os israelitas como sucessor do direito de Abraão porque não podia reclamálo por herança parece que o povo só era obrigado a encarálo como representante de Deus enquanto acreditava que Deus lhe falava Portanto a sua autoridade apesar do con trato que tinha feito com Deus dependia ainda só da opinião que tinha da sua santidade e da realidade das suas conversas com Deus e da verdade dos seus milagres vindo a mudar essa opinião deixavam de estar obrigados a aceitar como lei de Deus tudo aquilo que ele lhes propunha em nome de Deus Devemos portanto investigar que outro fundamento havia para a obrigação de lhe obedecerem Com efeito não podia ser a ordem de Deus que os obrigava porque Deus não lhes falou imediatamente mas pela mediação do próprio Moisés E o nosso Sal vador disse de si próprio Se eu trouxer testemunho de mim próprio o meu testemunho não é verdadeiro muito menos se Moisés trouxesse testemunho de si próprio especialmente numa reivindicação de poder monárquico sobre o povo de Deus devia o seu testemunho ser aceito A sua autoridade portanto tal como a autoridade de todos os outros príncipes tem de ter como fundamento o consentimento do povo e a sua promessa de lhe obedecer E assim foi pois o povo Ex 2018 quando viu os trovões e os relãmpagos e o barulho da trombeta e a montanha lançar fumo ser afastada e ficar bem longe disse a Moisés falanos e ouvirteemos mas que Deus não nos fale senão morreremos Aqui estava a sua promessa de obediência e foi deste modo que se obrigaram a obedecer a tudo o que ele lhes transmitisse por ordem de Deus E apesar de o pacto constituir um reino sacerdotal isto é um reino hereditário a Aarão isso deve ser entendido da sucessão depois de Moisés ter morrido Pois todo aquele que ordene e estabeleça a politica como primeiro fundador de uma república seja ela uma monarquia uma aristocracia ou uma democracia precisa ter poder soberano sobre o povo durante todo o tempo em que o estiver fazendo E que Moisés teve esse poder durante toda sua vida está afirmado com evidência nas Escrituras Primeiro no texto há pouco citado porque o povo prometeu obediência a ele e não a Aarão Segundo Ex 241 e 2 E Deus disse a Moisés Vem até o Senhor tu e Aarão Nadabe e Abiú e setenta dos anciãos de Israel E só Moisés chegará perto do Senhor mas eles não chegarão perto nem o povo subirá com ele Aí fica claro que Moisés que foi chamado sozinho até Deus e não Aarão nem os outros sacerdotes nem os setenta anciãos nem o povo a quem foi proibido subir era o único que representava para os israelitas a pessoa de Deus isto é era o seu único soberano sob Deus E embora depois seja dito versiculo 9 Então subiram Moisés e Aarão Nadabe e Abiú e setenta dos anciãos de Israel e viram o Deus de Israel e havia sob os seus pés algo que se assemelhava a um pavimento de pedra safira etc contudo isto só foi depois de Moisés ter estado antes com Deus e de ter trazido para o povo as palavras que Deus lhe dissera Só ele foi para tratar dos negócios do povo aos outros como aos nobres do seu séquito foi admitida como honra uma graça especial não concedida ao povo que consistiu como se vê pelo versículo seguinte em ver Deus e viver Deus não pôs a sua mão sobre eles viram Deus e comeram e beberam isto é viveram mas não transmitiram nenhuma ordem dele para o povo Também é dito em toda a parte O Senhor falou a Moisés como em todas as outras ocasiões de governo assim também na ordenação das cerimâ 396 397 251 Moisés era abaixo de Deus soberano dos judeus em todo o seu tempo embora Abraão tivesse o sacerdócio Parte 3 Da República Cristã 252 nias de religião contidas nos capitulos 25 26 27 28 29 30 e 31 do Êxodo e em todo o Levitico a Aarão raras vezes O bezerro que Aarão fez foi lançado por Moisés no fogo Finalmente a questão da autoridade de Aarão por ocasião da revolta dele e de Miriam contra Moisés foi Nm 12 julgada pelo próprio Deus em vez de Moisés Assim como na questão entre Moisés e o povo quem tinha o direito de governar o povo quando Coré Datã e Abirão e duzentos e cinqüenta príncipes da assembléia se reuniram Nm 163 contra Moisés e contra Aarão e lhes disseram Vós tomais demasiado sobre vós mesmos dado que toda a congregação é sagrada cada um deles e o Senhor está entre eles porque vos elevais acima da congregação do Senhor Deus fez que a terra engolisse vivos Coré Datã e Abirão com as suas mulheres e crianças e consumiu os duzentos e cinqüenta príncipes pelo fogo Portanto nem Aarão nem o povo nem nenhuma aristocracia dos maiores príncipes do povo mas só Moisés teve depois de Deus a sabedoria sobre os israelitas E isto não apenas em questões de política civil mas também de religião Pois só Moisés falou com Deus e portanto só ele podia dizer ao povo o que Deus exigia das suas mãos Ninguém sob pena de morte podia ser tão presunçoso que se aproximasse da montanha onde Deus falou com Moisés Colocarás limites disse o Senhor Ex 1912 ao povo à tua volta e dirás Tende cautela convosco para que não subais a montanha ou toqueis a sua fronteira aquele que tocar a montanha será certamente condenado à morte E também vers 21 Desce exorta o povo a que não irrompa para contemplar o Senhor Disso podemos concluir que todo aquele que numa república cristã ocupar o lugar de Moisés é o único mensageiro de Deus e o intérprete das suas ordens E de acordo com isto ninguém devia segundo a interpretação da Escritura ir além dos limites que são colocados pelos seus vários soberanos Pois as Escrituras dado que Deus agora fala nelas são o monte Sinai cujos limites são as leis daqueles que representam a pessoa de Deus sobre a terra Olhar para elas e ali contemplar as maravilhosas obras de Deus e aprender a temêIo é permitido mas interpretáIas isto é intrometerse naquilo que Deus disse àquele que Ele desig 398 XL Dos Direitos do Reino de Deus nou para governar em Seu nome e decidir como um juiz se ele governa como Deus lhe ordenou ou não é transgredir os limites que Deus nos estabeleceu e olhar para Deus de manei ra irreverente No tempo de Moisés não houve nenhum profeta nem ninguém pretextava ter o espírito de Deus senão aqueles que Moisés tinha aprovado e autorizado Pois havia em seu tempo só setenta homens que se dizia profetizar por meio do Espírito de Deus e estes eram todos da escolha de Moisés a respeito dos quais Deus disse a Moisés Nm 1116 Reúneme setenta dos anciãos de Israel que souberes serem os anciãos do povo A estes Deus concedeu o Seu espírito mas não era um espírito diferente do de Moisés pois disse vers 25 Deus desceu numa nuvem e tirou do espírito que estava sobre Moisés e deuo aos setenta anciãos Mas como mostrei antes cap XXXVI por espírito se entende a mente e por isso o sentido do texto não é outro senão este Deus os do tou de uma mente conforme e subordinada à de Moisés para que pudessem profetizar isto é falar ao povo em nome de Deus de tal modo que apresentassem como ministros de Moisés e por autoridade sua a doutrina concorde a Moisés Pois não passavam de ministros e quando dois deles profetizavam no acampamento isso era considerado uma coisa nova e ilegitima Como mostram nos versículos 27 e 28 do mesmo capítulo foram acusados disso e Josué aconselhou Moisés a proibiIos por não saberem que era pelo espírito de Moisés que eles profetizavam Fica claro então que nenhum súdito deve ter pretensão à profecia ou ao espírito em oposição à doutrina estabelecida por aquele a quem Deus colocou no lugar de Moisés Morto Aarão e depois dele também Moisés o reino por ser um reino sacerdotal passou em virtude do pacto ao filho de Aarão Eleazar o Sumo Sacerdote E Deus declarouo soberano logo abaixo Dele ao mesmo tempo em que designou Josué para general do seu exército Pois assim falou Deus expressamente N m 2721 referindo se a J osué Ele ficará antes de Eleazar o Sacerdote que pedirá conselho para ele diante do Senhor pe rante a sua palavra sairão e perante a sua palavra entrarão tanto ele Todos os esPíritos eram subordínados ao esPírito de Moísés 253 Depoís de Moísés a soberanía pertenda ao Sumo SlUerdote 399 Parte 3 Da República Cristã Do poder soberano entre o tempo deJosué e o de Saul como todos os filhos de Israel com ele Portanto o supremo poder de fazer a guerra e a paz pertencia ao sacerdote a supremo poder da judicatura pertencia também ao Sumo Sacerdote pois o livro da lei estava à sua guarda e só os sacerdotes e levitas eram os juizes subordinados nas causas civis como se vê em Dt 17810 E quanto à maneira de se prestar culto a Deus nunca houve dúvida de que o Sumo Sacerdote até o tempo de Saul tinha a autoridade suprema Portanto o poder civil e o eclesiástico estavam ambos reunidos numa única e mesma pessoa o Sumo Sacerdote e assim deve ser quando alguém governa por direito divino isto é por autoridade imediata de Deus a intervalo entre a morte de J osué e a época de Saul é freqüentemente indicado no livro dos Juízes do seguinte modol nesses dias não havia rei em Israel e algumas vezes com esta adição cada homem fazia aquilo que a seus olhos era certo Disso se deve entender que onde se diz que não havia rei isso significa que não havia soberano poder em Israel E assim era se considerarmos o ato e o exercício de tal poder Pois depois da morte de Josué e Eleazar surgiu uma outra geração Uz 210 que não conhecia o Senhor nem as obras que tinha feito por Israel e que procedeu mal perante o Senhor e serviu aos baalins E os judeus tinham aquela qualidade que São Paulo observou procurar um sinal não só antes de se submeterem ao governo de Moisés mas também depois de se terem comprometido pela sua submissão Pois os sinais e os milagres tinham por finalidade conseguir a fé e não impedir os homens de a violarem quando já a tinham dado pois a isso os homens estão obrigados pela lei de natureza Mas se considerarmos não o exercício mas o direito de go vernar o soberano poder ainda pertencia ao Sumo Sacerdote Portanto seja qual for a obediência prestada a qualquer dos juizes que eram homens escolhidos extraordinariamente por Deus para salvar os seus súditos rebeldes das mãos do inimigo isso não pode constituir argumento contra o direito do Sumo Sacerdote ao poder soberano em todas as questões quer 1 Synuízes 400 XL Dos Direitos do Reino de Deus de política quer de religião E nem os juizes nem o próprio Samuel receberam uma convocação comum para o governo pelo contrário receberam uma convocação extraordinária e foram obedecidos pelos israelitas não por dever mas por reverência para com o seu favor junto a Deus que aparecia em sua sabedoria coragem ou fortuna A partir dai portanto ficaram inseparáveis o direito de regular a política e o de regular a religião Aos juizes sucederam os reis Enquanto antes toda a autoridade em religião e em política estava no Sumo Sacerdote agora ela estava toda no rei Pois a soberania sobre o povo que existia antes não apenas em virtude do poder divino mas também por um pacto particular dos israelitas com Deus e logo abaixo dele com o Sumo Sacerdote como seu vicerei sobre a terra foi abandonada pelo povo com o consentimento do próprio Deus Pois quando disseram a Samuel 1 Sm 85 faznos um rei para nos julgar como todas as outras nações expressaram o desejo de não mais ser governados pelas ordens que o Sacerdote lhes impunha em nome de Deus mas sim por alguém que os governasse da mesma maneira que todas as outras nações eram governadas Assim ao deporem o Sumo Sacerdote da autoridade real aboliram o governo especial de Deus E contudo Deus consentiu nisso dizendo a Samuel versÍCulo 7 Escuta com atenção a voz do povo em tudo o que ele te disser pois ele não te re jeitou mas me rejeitou a mim para que não reinasse sobre ele Uma vez rejeitado Deus em cujo nome os Sacerdotes governavam não foi deixada nenhuma autoridade aos sacerdotes exceto aquela que aprouvesse ao rei concederIhes a qual era maior ou menor conforme os reis eram bons ou maus E quanto ao governo das questões civis é manifesto que estava todo nas mãos do rei Pois no mesmo capitulo versiculo 20 dizem que serão como todas as nações que o seu rei será o seu juiz e irá à frente deles e lutará nas suas batalhas isto é terá toda a autoridade tanto na paz como na guerra Nisso está contida também a autoridade religiosa pois não havia nessa altura outra palavra de Deus pela qual regular a religião a não ser a lei de Moisés que era a sua lei civil Além disso lemos 1 Rs 227 2541 Dos direitos dos reis de Israel 401 Parte 3 Da República Cristã 255 que Salomão destituiu Abiatar de ser sacerdote perante o Senhor Tinha portanto autoridade sobre o Sumo Sacerdote como sobre qualquer súdito o que é uma grande marca de supremacia em religião E lemos também 1 Rs 8 que dedicou o templo que abençoou o povo e que ele em pessoa fez aquela excelente oração usada na consagração de todas as igrejas e casas de oração o que é uma outra grande marca de supremacia em religião Também lemos 2 Rs 22 que quando foi questionado o livro da lei encontrado no templo a decisão não coube ao Sumo Sacerdote mas J osias enviou e a outros para inquirirem a tal respeito junto de Holda a profetiza o que constituiu uma outra marca da supremacia em religião Finalmente lemos 1 Cr 2630 que Davi tornou Hasabias e seus irmãos hebronitas oficiais de Israel a oeste do J ordão em todos os negócios do Senhor e no serviço do rei Do mesmo modo versiculo 32 que ele tornou outros hebronitas governantes sobre os rubenitas os gaditas e meia tribo de Manassés estes eram o restante de Israel que habitava para lá do Jordão para todas as questões que dissessem respeito a Deus e para os negócios do rei Não é isto o pleno poder tanto tem poral como espiritual como lhe chamam aqueles que o dividem Em conclusão desde a primeira instituição do reino de Deus até o cativeiro a supremacia da religião estava nas mesmas mãos que a da soberania civil e o oficio de sacerdote depois da eleição de Saul não era magisterial mas ministerial Apesar de o governo tanto na política como na religião estar unido primeiro nos Sumos Sacerdotes e depois nos reis pelo menos no que se refere ao direito a mesma História Sagrada mostra que o povo não compreendeu assim Pelo contrário como muitos provavelmente a maioria só davam crédito à fama de Moisés ou aos colóquios entre Deus e os sacerdotes se viam grandes milagres ou o que é equivalente a um milagre grandes feitos ou grande êxito nos empreendimentos de seus governantes valiamse de todas as oportunidades em que os governantes lhes desagradavam ora censurando a política ora a religião para mudar o governo ou revoltarse de sua obediência a seu belprazer E daí se seguiram de tempos em tempos A prática da supremacia na religiáo não existia na época dos reis de acordo com o direito a isso 402 XL Dos Direitos do Reino de Deus as guerras civis as divisões e as calamidades da nação Como por exemplo depois da morte de Eleazar e J osué a geração seguinte que não tinha visto os prodígios de Deus mas foi deixada à sua própria e fraca razão não se sabendo obrigada pelo pacto de um reino sacerdotal deixou de acatar as ordens do sacerdote e qualquer lei de Moisés e todos os homens passaram a fazer o que a seus olhos parecia certo e nas questões civis obedeciam àqueles homens que de tempos em tempos julgavam capazes de os libertar das nações vizinhas que os oprimiam Não consultavam Deus como deviam fazer mas apenas os homens ou mulheres que supunham ser profetas pelas suas predições das coisas que estavam para vir e muito embora tivessem um ídolo na sua capela mesmo se tinham um levita como capelão diziam adorar o Deus de Israel E depois quando pediram um rei segundo os costumes das nações não foi com a intenção de se afastarem do culto de Deus rei mas desesperando da justiça dos filhos de Samuel queriam ter um rei para os julgar nas ações civis mas não que permitissem ao seu rei mudar a religião que pensavam lhes fora recomendada por Moisés De tal modo que sempre tinham reservado um pretexto de justiça ou de religião para se desembaraçarem da sua obediência sempre que tinham esperança de ganhar Samuel ficou aborrecido com o povo porque eles desejaram um rei pois Deus já era o seu rei e Samuel só tinha autoridade abaixo Dele contudo Samuel quando Saul não observou os seus conselhos destruindo Agag como Deus tinha ordenado ungiu outro rei a saber Davi para tomar a sucessão dos seus herdeiros Roboão não era idólatra mas quando o povo o considerou opressor esse pretexto civil afastou dele dez tribos paraJeroboão um idólatra E em geral durante toda a história dos reis tanto de J udá como de Israel sempre houve profetas que controlavam os reis por transgredirem a religião e às vezes também por erros de Estado como J osafá foi censurado pelo profetaJeú por ajudar o rei de Israel contra os sírios e Ezequias por Isaías por mostrar os seus tesouros aos embaixadores da Babilõnia Por tudo isto se vê que embora o poder 2 Cr 192 2561 L 403 Parte 3 Da República Cristã Depois do cativeiro os Judeus não tinham república fixa tanto do Estado como da religião estivesse nos reis nenhum deles deixou de estar controlado no seu uso a não ser quando eram bem vistos pelas suas capacidades naturais ou pela sua fortuna De tal modo que das práticas daqueles tempos não se pode tirar nenhum argumento de que o direito de supremacia em religião não pertencia aos reis a menos que o atribuamos aos profetas nem concluir que como as preces de Ezequias ao Senhor diante dos querubins não foram respondidas nesse momento mas apenas mais tarde pelo profeta Isaías então era Isaías o chefe supremo da Igreja ou que como Josias consultou Holda a profetisa a respeito do livro da lei portanto nem ele nem o Sumo Sacerdote mas sim Holda a profetisa tinha a suprema autoridade em matéria de religião o que penso não ser a opinião de nenhum doutor Durante o cativeiro os judeus não tinham república alguma e depois do seu regresso embora renovassem o seu pacto com Deus não foi feita promessa de obediência nem a Esdras nem a nenhum outro E logo depois se tornaram súditos dos gregos cujos costumes e demonologia assim como a doutrina dos cabalistas corromperam sobremaneira a sua religião de tal modo que nada se pode coligir da sua confusão tanto no Estado como na religião a respeito da supremacia em nenhum deles Portanto no que se refere ao Antigo Testamento pode mos concluir que quem tinha a soberania da república entre os judeus tinha também a suprema autoridade em matéria de culto exterior de Deus e representava a pessoa de Deus isto é a pessoa de Deus Pai embora não fosse chamado pelo nome de Pai até aquela altura em que enviou ao mundo o Seu Filho Jesus Cristo para redimir a humanidade dos seus pecados e leváIa para o seu reino eterno para ser salva para sempre Disso vamos falar no capítulo seguinte 404 XLI Do Oficio do nosso Abençoado Salvador CAPo XLI Do OFÍCIO do nosso ABENÇOADO SALVADOR 261J Encontramos nas Sagradas Escrituras três partes do oficio do Messias A primeira é como Redentor ou Salvador a segunda é como Pastor Conselheiro ou Mestre isto é o ofício de um profeta enviado por Deus para converter os que Deus havia eleito para a salvação a terceira é como Rei e um rei eterno mas sob seu Pai como foi o caso de Moisés e dos Sumos Sacerdotes nas suas respectivas épocas E a essas três partes correspondem três épocas A nossa redenção ele a realizoul na sua primeira vinda pelo sacrifício mediante o qual se ofereceu na cruz pelos nossos pecados a nossa conversão foi em parte levada a cabo pela sua própria pessoa e em parte efetuada atualmente pelos seus ministros o que assim continuará até o seu retorno E após esse retorno começará o seu glorioso reinado sobre os seus eleitos que há de durar eternamente Pertence ao ofício de um Redentor isto é de quem pagou o resgate do pecado resgate esse que é a morte que ele tenha sido sacrificado tendo assim carregado na sua própria cabeça e afastado de nós as nossas iniqüidades da maneira que Deus havia exigido Não que a morte de um só homem embora sem pecado possa compensar as ofensas de todos os homens no rigor da justiça mas apenas na misericórdia de Deus que ordenou os sacrifícios pelo pecado que na sua misericórdia lhe aprouve aceitar Na lei antiga como está escrito no Levitico capítulo 16 o Senhor exigia que se fizesse todos os anos uma reparação dos pecados de todo o Israel tanto os sacerdotes como os outros Para tal Aarão devia sacrificar um boi jovem por si mesmo e pelos sacerdotes Quanto ao resto do povo devia receber deste dois bodes jovens dos quais devia sacrificar um mas Três partes do oficio de Cristo Seu oficio como Redentor 1 Syn realizou 2 Syn reinado 405 Parte 3 Da República Cristã 262 quanto ao outro que era o bode expiatório devia pousar as mãos na sua cabeça e depositar sobre esta pela confissão todas as iniqüidades do povo depois por meio de uma pessoa adequada fazer que o bode fosse levado para o deserto e láfugisse levando consigo as iniqüidades do povo Tal como o sacrifício de um só dos bodes era um preço suficiente porque aceitável para o resgate de todo o Israel assim também a morte do Messias é um preço suficiente para pagar os pecados de todo o gênero humano pois nada mais foi exigido Os sofrimentos de Cristo nosso Salvador parecem estar aqui figurados tão claramente como na oblação de Isaac ou em qualquer dos seus outros símbolos no Antigo Testamento Ele foi ao mesmo tempo o bode sacrificado e o bode expiatório Ele foi oprimido e ele foi afligido Is 537 ele não abriu a bocafoi levado como um cordeiro para a matança e assim como um cordeiro fica mudo diante do tosquiador assim também ele não abriu a boca Aqui ele é o bode sacrificado Ele suportou os nossos agravos e levou as nossas aflições vers 4 E também versÍCulo 6 o Senhor carregou sobre si as iniqüidades de todos nós Aqui ele é o bode expiatório Ele foi separado da terra dos vivos pela transgressão do meu povo vers 8 Aqui é mais uma vez o bode sacri ficado E também vers 11 ele suportará os seus pecados Aqui é o bode expiatório Assim o cordeiro de Deus é o equivalente de ambos esses bodes sacrificado no fato de ter morrido e escapando na sua ressurreição sendo erguido oportunamente pelo seu Pai e retirado da habitação dos homens na sua Ascensão Assim na medida em que quem redime não tem direito à coisa redimida antes da redenção e do pagamento do resgate e este resgate era a morte do redentor é manifesto que o nosso Salvador enquanto homem não era rei daqueles que redimiu antes de sofrer a morte isto é durante o tempo em que viveu corporalmente na terra Digo que ele então não era rei de maneira presente em virtude do pacto que os fiéis fazem com ele no batismo Não obstante pela renovação do seu pacto com o reino de Cristo não é deste mundo Jogo de palavras intraduzível com scapegoat bode expíatório e escape esca par fugir N do T 406 XLI Do Oficio do nosso Abençoado Salvador Deus no batismo eles ficam obrigados a obedecerlhe como rei sob seu Pai a qualquer momento em que lhe aprouver assumir o Reino De acordo com isto o nosso Salvador disse expressamente ele mesmo a o 1836 o meu Reino não é deste mundo Ora dado que nas Escrituras se encontra referência somente a dois mundos desde o Dilúvio1 aquele que existe agora e durará até o dia do J uízo Final que portanto se chama também o último dia e aquele que existirá depois do dia do Juízo quando haverá um novo céu e uma nova terra dado isso o Reino do Cristo só vai começar depois da ressurreição geral E foi isso que disse o nosso Salvador Mt 1627 O Filho do homem virá na glória do seu Pai com os seus anjos e então recompensará a cada homem conforme os seus atos Recompensar a cada homem conforme os seus atos é exercer o ofício de um rei e isso não acontecerá antes de ele vir na glória do seu Pai com os seus anjos Quando o nosso Salvador disse Mt 232 Os escribas e fariseus estão sentados na cadeira de Moisés portanto tudo o que vos pedirem para fazer observaio e fazeio declarou claramente estar atribuindo para esse tempo o poder real não a si mesmo mas a eles E assim faz também quando diz Lc 1214 Quemfez de mim um juiz ou um divisor para vós E também ao 1247 Eu não vim para julgar o mundo mas para salvar o mundo Contudo o nosso Sal vador veio a este mundo para poder ser rei e juiz no mundo vindouro Pois ele era o Messias isto é o Cristo isto é o sacerdote ungido e o soberano profeta de Deus Quer dizer ele viria a ter todo o poder que estava em Moisés o profeta nos Sumos Sacerdotes que sucederam a Moisés e nos reis que sucederam aos Sacerdotes E São João diz expressamente cap 5 verso 22 O Pai não julga ninguém mas confiou todo o julgamento ao Filho E isto não é incompatível com aquela outra passagem Eu não vim para julgar o mundo pois isto se refere ao mundo presente o outro ao mundo vindouro Assim como também onde está escrito que na segunda vinda de Cristo Mt 1928 vós que me seguistes na regeneração quando o Filho do homem se sentar no trono 263 1 Syn mundos 407 A finalidade da vinda de Cristo era a renovação do pacto do Reino de Deus e convencer os eleitos a aceitá Io o que era a segunda parte da sua missão A pregação de Cristo não era contrária à ld dos judeus nem à de César Parte 3 Da República Cristã da sua glória também vos sentareis em doze tronos julgando as doze tribos de Israel está claro que seu reino não começaria quando ele disse Nesse caso se enquanto Cristo estava na terra não tinha nenhum reino neste mundo qual a finalidade da sua primeira vinda Foi para restaurar a Deus mediante um novo pacto o Reino que era Seu pelo Antigo Pacto e havia sido interrompido pela rebelião dos israelitas com a eleição de Saul Para fazêIo devia pregar a eles que ele era o Messias isto é o rei a eles prometido pelos profetas e oferecerse em sacrifício pelos pecados daqueles que pela fé deviam submeterseIhe E caso a nação em geral o recusasse devia chamar à sua obediência aqueles de entre os gentios que o acreditassem De modo que háduas partes do ofício do nosso Salvador durante a sua estada na terra Uma é proclamarse a si mesmo como Cristo a outra é pelo ensino e pela realização de milagres persuadir e preparar os homens a viverem de maneira que se tornem merecedores da imortalidade que os crentes iriam gozar no tempo em que ele viesse em majestade para tomar posse do Reino do seu Pai E é por isso que a época da sua pregação é muitas vezes por ele mesmo chamada a Regeneração o que não é propriamente um reino nem portanto uma licença para negar obediência aos magistrados então existentes pois ele ordenouIhes que obedecessem aos que se sentavam na cadeira de Moisés e que pagassem tributos a César mas unicamente um adiantamento do Reino de Deus que estava para vir dado àqueles a quem Deus havia concedido a graça de serem seus discípulos e de nele acreditarem É por esta razão que dos piedosos se diz estarem já no Reino da Graça enquanto naturalizados naquele Reino celeste Até aqui por conseguinte nada foi feito ou ensinado por Cristo que tenda a diminuir o direito civil dos judeus ou de Césaro Pois no que diz respeito à república em que nessa época os judeus viviam tanto os que governavam como os que eram go I Syn Israel 408 XLI Do Ofício do nosso Abençoado Salvador vernados esperavam a vinda do Messias e do Reino de Deus o que lhes teria sido impossível se as suas leis o proibissem quando viesse de se manifestar e se dar a conhecer Assim como Cristo nada fez senão ocuparse de provar por meio de pregação e milagres que era o Messias ele nada fez contra as leis dos judeus O Reino que reclamava só viria num outro mundo Ensinou todos os homens a nesse ínterim obedecerem aos que se sentavam na cadeira de Moisés permitiuIhes que dessem a César o seu tributo e recusou exercer ele mesmo as funções de juiz Como podiam então as suas palavras ou ações ser sediciosas ou tenderem para a derrubada do governo civil então existente Mas como Deus havia determinado o seu sacrifício a fim de levar os seus eleitos de volta à obediência do pacto primitivo usou como meios para fazer que este se realizasse a malicia e a ingratidão dos judeus E também nada fez de contrário às leis de César Pois embora o próprio Pilatos para contentar os judeus o entregasse para ser crucificado antes de assim fazer declarou abertamente que nele não havia encontrado falta E como justificação da sua condenação não alegou o que os judeus exigiam que ele pretextou ser rei mas simplesmente que ele era rei dos judeus e malgrado o seu clamor recusouse a alteráIa dizendo O que está escrito está escrito Quanto à terceira parte de seu ofício que era ser rei já mostrei que o seu Reino não havia de começar antes da ressurreição Então ele será rei não apenas enquanto Deus pois nesse sentido ele já é rei e sempre o será de toda a terra em virtude da sua onipotência mas também peculiarmente rei dos seus eleitos em virtude do pacto que eles com ele fazem no batismo E é por isso que o nosso Salvador diz Mt 1928 que os seus apóstolos se sentarão em doze tronos julgando as doze tribos de Israel quando o Filho do homem se sentar no seu trono em sua glória Com isso quer dizer que reinará em sua natureza humana E em Mt 1627 O Filho do homem virá na glória do seu Pai com os seus anjos e então recompensará a cada homem conforme os seus atos O mesmo podemos ler em Mc 1326 1462 e mais expressamente quanto ao tempo em Lc 2229 e 30 Eu vos concedo um 264 A terceira parte de seu oficio era ser sob seu Pai rei dos eleitos 409 Parte 3 Da República Cristã A autoridade di Cristo no Reino de Deus subordinada à do seu Pai Reino tal como meu Pai mo concedeu a mim para que possais comer e beber à minha mesa no meu reino e sentarvos em tronos julgando as doze tribos de Israel Isso deixa claro que o Reino de Cristo a ele concedido pelo seu Pai não há de chegar antes que o Filho do homem venha em glória e faça dos seus apóstolos os juizes das doze tribos de Israel Mas aqui alguém pode perguntar considerando que não existe casamento no Reino do Céu e que os homens então não poderão nem comer nem beber de que comida se pode tratar nessa passagem Isto é explicado pelo nosso Salvador quando diz a o 627 Não trabalheis pela comida que perece mas por aquela comida que dura uma vida eterna e que o Filho do homem vos dará Assim comer à mesa de Cristo significa comer da árvore da vida quer dizer gozar da imortalidade no Reino do Filho do homem Essas passagens juntamente com muitas outras permitem ver que o Reino do nosso Salvador será por ele exercido na sua natureza humana Além disso ele só será então rei como subordinado ou vicerei de Deus Pai como Moisés o era no deserto e os Sumos Sacerdotes o eram antes do reinado de Saul e os reis depois disso Porque uma das profecias relativas a Cristo é que ele seria semelhante a Moisés quanto ao ofício Eu erguerei para eles um profeta disse o Senhor Dt 1818 de entre os seus irmãos como para vós e porei as minhas palavras na sua boca e esta semelhança com Moisés manifestase também nas próprias ações do nosso Salvador no tempo que passou na terra Pois tal como Moisés es colheu os doze príncipes das tribos para governarem abaixo dele assim também o nosso Salvador escolheu doze apóstolos que se sentarão em doze tronos e julgarão as doze tribos de Israel E tal como Moisés autorizou setenta anciãos a receber o Espírito de Deus e a profetizar perante o povo isto é conforme já disse antes a falarlhe em nome de Deus assim também o nosso Salvador ordenou setenta discípulos para pregarem o seu Reino e a salvação de todas as nações E tal como quando apresentaram a Moisés uma queixa contra os setenta que profetizavam no acampamento de Israel e ele os justificou dizendo que nisso eles estavam manifestando obediência ao seu go 265 J 410 XLI Do Oficio do nosso Abençoado Salvador vemo assim também o nosso Salvador quando São João se lhe foi queixar de um certo homem que exorcizava os demõnios em seu nome ele o justificou de tal fato dizendo Lc 950 Não lho proíbas pois quem não está contra nós está do nosso lado Mais ainda o nosso Salvador assemelhouse a Moisés na instituição dos sacramentos tanto de admissão no Reino de Deus como de comemoração da libertação dos eleitos da sua miserável condição Tal como os filhos de Israel tinham como sacramento da sua recepção no Reino de Deus antes do tempo de Moisés o rito da circuncisão rito esse que depois de ter sido omitido no deserto voltou a ser restaurado logo que eles chegaram à terra da promissão assim também os judeus antes da vinda do nosso Salvador tinham o rito do batismo isto é de lavar com água todos os que antes eram gentios e haviam abraçado ao Deus de Israel Era este rito que São João Batista usava na recepção de todos os que davam os seus nomes ao Cristo o qual ele pregava já ter chegado a este mundo e o nosso Salvador instituiu o mesmo rito como sacramento a ser dado a todos os que nele acreditavam Nas Escrituras não se encontra formalmente expressa a razão por que se deu início ao rito do batismo mas podese provavelmente considerar uma imitação da lei de Moisés respeitante à lepra pela qual se ordenava que o leproso fosse obrigado a afastarse durante algum tempo do acampamento de Israel e se depois desse tempo fosse por um sacerdote considerado curado era readmitido no acampamento depois de uma solene lavagem Pode portanto ter sido este o protótipo da lavagem do batismo mediante a qual os homens que são curados pela fé da lepra do pecado são aceitos no seio da Igreja com a solenidade do batismo Há uma outra conjectura extraída das cerimônias dos gentios num determinado caso que raramente ocorre e que era o seguinte quando um homem depois de dado por morto conseguia restabelecerse os outros homens hesitavam conviver com ele como hesitariam conviver com um fantasma a não ser que ele fosse novamente aceito na multidão de homens mediante a lavagem tal como as crianças recémnascidas eram lavadas das impurezas da sua nativi 411 Parte 3 Da República Cristã 266 dade o que constituía uma espécie de novo nascimento É bastante provável que essa cerimônia dos gregos da época em que aJudéia estava sob o domínio de Alexandre e dos gregos seus sucessores tenhase insinuado na religião dos judeus Mas como não é verossímil que o nosso Salvador sancionasse um rito pagão é mais verossímil que ela tenha origem na cerimônia legal da lavagem depois da lepra Quanto ao outro sacramento o de comer o cordeiro pascal é manifestamente imitado no sacramento da ceia do Senhor na qual o partir do pão e o derramar do vinho trazem à memória a nossa libertação da miséria do pecado pela paixão de Cristo tal como comer o cordeiro pascal trazia à memória a libertação dos judeus da escravidão do Egito Assim considerando que a autoridade de Moisés era apenas subordinada e que ele era apenas o lugartenente de Deus seguese que Cristo cuja autoridade enquanto homem devia ser idêntica à de Moisés não estava menos subordinado à autoridade do seu Pai Este se encontrava mais manifestamente expresso no fato de ele nos ensinar a orar Pai nosso venha a nós o vosso Reino e Porque vosso é o Reino o Poder e a Glória e por se dizer que ele virá na glória do seu Pai e pelo que diz São Paulo 1 Cor 1524 então virá o fim quando ele terá entregue o Reino de Deus Pai e por muitas outras passagens bastante claras Portanto o nosso Salvador tanto no ensinar como no reinar representa como o fez Moisés a pessoa de Deus ao qual desse momento em diante mas não antes se chama o Pai e continuando a ser uma e mesma substância é uma pessoa enquanto representado por Moisés e uma outra pessoa enquanto representado pelo seu Filho o Cristo Porque sendo pessoa algo relativo a um representante é conseqüência da pluralidade de representantes que haja uma pluralidade de pessoas embora de uma e mesma substância Um e o mesmo Deus é a pessoa representada por Moisés e por Cristo 412 L XLII Do Poder Eclesiástico CAPo XLII Do PODER ECLESIÁSTICO 267 Para compreender o que é o PODER ECLESIÁSTICO e a quem pertence é preciso fazer uma separação no tempo desde a As censão do nosso Salvador dividindoo em duas partes uma antes da conversão dos reis e homens investidos do poder civil e a outra depois da sua conversão Com efeito só muito tempo depois da Ascensão é que um rei ou soberano civil abraçou e publicamente permitiu o ensino da religião cristã Quanto a esse tempo intermediário é manifesto que o poder eclesiástico pertencia aos apóstolos e depois destes àqueles que haviam sido por eles ordenados para pregar o Evangelho e converter os homens ao cristianismo assim como para guiar os convertidos no caminho da salvação Depois destes o poder foi mais uma vez entregue a outros por estes ordenados o que era feito mediante a imposição das mãos sobre os que eram ordenados gesto que significava a transmissão do Espírito Santo ou Espírito de Deus àqueles a quem ordenavam ministros de Deus para promover o seu reinado Assim a imposição das mãos não era outra coisa senão o selo da sua missão de pregar a Cristo e ensinar a sua doutrina e a transmissão do Espírito Santo através dessa cerimônia da imposição das mãos era uma imitação do que havia feito Moisés Porque Moisés usou a mesma cerimônia com o seu ministro J osué conforme le mos no Dt 349 EJosué filho de Nun estava cheio do espírito da sabedoria porque Moisés havia posto as suas mãos sobre ele Portanto o nosso Salvador entre a Ressurreição e a Ascensão deu o seu Espírito aos apóstolos primeiro soprando sobre eles e dizendo Uo 2022 recebei o Espírito Santo e depois da Ascensão At 223 enviando sobre eles um poderoso vento e afiadas línguas de fogo e não pela imposição das mãos tal como Deus não pôs as suas mãos sobre Moisés e os seus apóstolos transmitiram depois o mesmo Espírito pela imposição das mãos como Moisés fez com Josué Fica claro então com quem permaneceu con Do Espirito Santo que baixou sobre os apóstolos 413 11 Da trindade IIIIII I 2681 Parte 3 Da República Cristã tinuamente o poder eclesiástico naqueles primeiros tempos em que não havia nenhuma república cristã com os que receberam esse poder dos apóstolos pela sucessiva imposição das mãos Temos portanto aqui a pessoa de Deus nascendo pela terceira vez Pois tal como Moisés e os Sumos Sacerdotes eram os representantes de Deus no Antigo Testamento e mesmo o nosso Salvador na qualidade de homem durante a sua morada na terra também o Espírito Santo quer dizer os apóstolos e os seus sucessores no encargo de pregar e de ensinar o que receberam do Espírito Santo tem deste então sido o seu representante Mas uma pessoa conforme já mostrei no capítulo XVI é aquela que é representada tantas vezes quantas for representada Portanto Deus que foi representado isto é personificado três vezes pode propriamente ser considerado como três pessoas embora nem a palavra pessoa nem a palavra trindade lhe sejam atribuídas na Bíblia Sem dúvida São João diz 1 Jo 57 Existem três que dão testemunho no céu o Pai a Palavra e o Espirito Santo e estes três são um só Mas isto não entra em contradição pelo contrário concorda perfeitamente com a idéia de três pessoas na significação própria de pessoas ou seja os que são representados por outros Pois Deus Pai enquanto representado por Moisés é uma pessoa enquanto representado pelo seu Filho é outra pessoa e enquanto representado pelos apóstolos e pelos doutores que ensinavam pela autoridade deles recebida é uma terceira pessoa E no entanto aqui cada uma destas pessoas é a pessoa de um e um só Deus Mas poderia aqui perguntarse do que é que esses três prestam testemunho E São João diznos vers ll que eles prestam testemunho de que Deus nos deu a vida eterna em seu Filho Além disso se perguntarem onde se manifesta esse testemunho a resposta é fácil pois Deus deu prova dele pelos milagres que realizou primeiro por meio de Moisés depois por meio do seu próprio Filho e por último por meio dos apóstolos que haviam recebido o Espírito Santo Todos estes no seu tempo representaram a pessoa de Deus e profetizaram ou pregaram aJesus Cristo Quanto aos apóstolos era do caráter do apostolado no 414 XLII Do Poder Eclesiástico casO dos doze primeiros e grandes apóstolos prestar testemunho da sua ressurreição como aparece expressamente em At 1 2122 onde São Pedro quando ia ser escolhido um novo apóstolo para o lugar de Judas Iscariotes usou estas palavras Destes homens que nos acompanharam todo o tempo que Jesus nosso Senhor esteve entre nós desde o batismo de João até o próprio dia em que foi arrebatado de entre nós deve ser ordenado um para conosco ser testemunha da sua ressurreição palavras que devem ser interpreta das como a prestação de testemunho de que fala São João Na mesma passagem vem referida uma outra trindade das testemunhas na terra Pois ele diz versículo 8 que há três que prestam testemunho na terra o espírito a água e o sangue e estes três coincidem em um só Quer dizer as graças do Espírito de Deus e os dois sacramentos o batismo e a ceia do Senhor todos os quais coincidem no testemunho para garantir a vida eterna às consciências dos crentes testemunho do qual ele disse versículo 10 Aquele que crê no Filho do homem tem em si mesmo a sua própria testemunha Nesta trindade na terra a unidade não é a da coisa porque o espírito a água e o sangue não são a mesma substãncia embora dêem o mesmo testemunho Mas na trindade do céu as pessoas são as pessoas de um só e mesmo Deus embora representado em três momentos e ocasiões diferentes Concluindo e na medida em que tal pode ser diretamente tirado das Escrituras a doutrina da trindade é em substância a seguinte Deus que é sempre um e o mesmo foi a pessoa representada por Moisés a pessoa representada pelo seu Filho encarnado e a pessoa representada pelos apóstolos Enquanto representado pelos apóstolos o Espírito Santo pelo qual eles falavam é Deus enquanto representado pelo seu Filho que era Deus e homem o Filho é esse Deus enquanto representado por Moisés e pelos Sumos Sacerdotes o Pai quer dizer o pai de nosso Senhor Jesus Cristo é esse Deus Daqui podemos inferir a razão pela qual os nomes Pai FiUzo e Espírito Santo significando a divindade nunca são usados no Antigo Testamento porque são pessoas isto é recebem os seus nomes do fato de representarem o que só era possível depois de diversos homens te 269 1 415 1 o poder eclesiástico é apenas o poder de ensinar Argumento a favor disso estraido do poder do próprio Cristo Extraído do nome de regeneração Parte 3 Da República Cristã rem representado a pessoa de Deus no governo ou direção de outros sob a sua autoridade Vemos assim como o poder eclesiástico foi transmitido aos apóstolos pelo nosso Salvador e como eles foram a fim de melhor poderem exercer esse poder investidos do Espírito Santo que portanto é às vezes chamado no Novo Testamento paracletus que significa assistente alguém chamado em ajuda embora seja geralmente traduzido como consolador Passemos agora a examinar o próprio poder o que era e sobre quem era exercido O Cardeal Belarmino na sua terceira controvérsia geral tratou um grande número de questões relativas ao poder eclesiástico do papa de Roma e começa com a seguinte se ele deveria ser monárquico aristocrático ou democrático Todas estas espécies de poder são soberanas e coercitivas Mas toda disputa seria em vão se agora ficasse evidente que não lhes foi deixado pelo nosso Salvador nenhuma espécie de poder coercitivo mas apenas o poder de proclamar o Reino de Cristo e de persuadir os homens a submeteremseIhe e através de preceitos e bons conselhos ensinar aos que se submeteram o que devem fazer para serem recebidos no Reino de Deus quando ele chegar e que os apóstolos e outros ministros do Evangelho são apenas nossos professores e não nossos comandantes e que os seus preceitos não são leis mas apenas salutares conselhos Já mostrei no capítulo anterior que o Reino de Cristo não é deste mundo portanto os seus ministros não podem a não ser que sejam reis exigir obediência em seu nome Pois se o rei supremo não tiver o seu poder real neste mundo por que autoridade pode ser exigida obediência aos seus funcionários Tal como meu Pai me enviou assim disse o nosso Salvador assim também vos enVio Mas o nosso Salvador foi enviado para persuadir os judeus a voltarem para o reino do seu Pai e os gentios a aceitarem no e não para reinar em majestade tampouco como lugartenente do seu Pai até o dia do Juízo Final O tempo que vai desde a Ascensão até a ressurreição geral não é chamado um reinado e sim uma regeneração isto é Syn o 416 XLII Do Poder Eclesiástico uma preparação dos homens para a segunda e gloriosa vinda de Cristo no dia do Juízo Isso se vê pelas palavras do nosso Salvador Mt 1928 Vós que me seguistes na regeneração quando o Filho do homem se sentar no trono da sua glória também vós vos sentareis em doze tronos E nas de São Paulo Ef 615 Tendo os vossos pés calçados com a preparação do Evangelho da paz Isso é comparado pelo nosso Salvador com a pesca isto é com ganhar os homens para a obediência não pela coerção e pela punição mas pela persuasão por isso ele não disse aos apóstolos que faria deles outros tantos Nemrods ou caçadores de homens e sim pescadores de homens Também é comparado com a levedura com a sementeira e com a multiplicação de uma semente de mostarda comparação que exclui qualquer compulsão não é portanto possível que nesse tempo haja um verdadeiro reinado A obra dos ministros cristãos é a evangelização isto é a proclamação de Cristo e a preparação da sua segunda vinda tal como a evangelização de São João Batista era uma preparação para a primeira vinda Além disso o ofício dos ministros de Cristo neste mundo é levar os homens a crer e a ter fé em Cristo Mas a fé não tem nenhuma relação ou dependência com a coerção e o mando mas apenas com a certeza ou probabilidade de argumentos tirados da razão ou de alguma coisa em que já se acredita Portanto os ministros de Cristo neste mundo não recebem desse titulo nenhum poder para punir alguém por não acreditar ou por contradizer o que dizem isto é o título de ministros cristãos não lhes dá o poder de punir os que assim agem Mas se tiverem poder civil soberano por instituição política nesse caso podem sem dúvida legitimamente unir qualquer contradição das suas leis E São Paulo disse expressamente sobre si mesmo e os outros pregadores do Evangelho Nós temos domínio sobre a vossa fé somos os ajudantes da vossa alegria Um outro argumento de que os ministros de Cristo neste mundo não têm o direito de comandar pode ser extraído da autoridade legítima que Cristo conferiu a todos os principes tanto os cristãos como os infiéis Diz São Paulo CI 320 Vós 417 270 Extraído da comparação com a pesca a levedura a semente Extraido da natureza da fi 2 Cor 724 Extraído da autoridade que Cristo tínha deixado aos principes civis Parte 3 Da República Cristã 27 1 filhos obedecei em tudo aos vossos pais pois isso muito agrada ao Senhor E no versículo 22 Vós servos obedecei em tudo a vossos senhores de acordo com a carne não trabalhando apenas debaixo de olho para agradarlhes mas com simplicidade de coração por temor a Deus Isto se diz daqueles cujos senhores são infiéis sendo mesmo assim obrigados a obedecerIhes em todas as coisas Por outro lado a respeito da obediência aos príncipes Rm 13 primeiros 6 versículos São Paulo exorta a sujeitarse aos poderes superiores dizendo que todo poder é ordenado por Deus e que nos devemos sujeitar a eles não apenas por medo de incorrer na sua ira mas também por imperativo da consciência E São Pedro diz 1 Pd 21315 Submeteivos a todas as ordens do homem em nome do Senhor quer seja para com o rei como supremo ou para com governadores como aqueles que por ele foram enviados para castigar os malfeitores e para louvar os que praticam o bem porque é essa a vontade de Deus E de novo São Paulo Tt 31 Lembrai aos homens que se sujeitem aos príncipes e poderes e obedeçam aos magistrados Esses príncipes e poderes de que São Pedro e São Paulo falam aqui eram todos infiéis logo muito mais devemos nós obedecer aos que são cristãos a quem Deus conferiu um poder soberano sobre nós Nesse casa como podemos ser obrigados a obedecer a qualquer ministro de Cristo se ele nos ordenar que façamos alguma coisa contrária às ordens do rei ou outro representante soberano da república de que somos membros e pelo qual esperamos ser protegidos Portanto é manifesto que Cristo não deu nenhuma autoridade para comandar os outros homens aos seus ministros neste mundo a não ser que eles estejam também investidos de autoridade civil Mas poderia objetarse e se um rei ou um senado ou qualquer outra pessoa soberana nos proibisse de acreditar em Cristo Ao que respondo que essa proibição não teria efeito algum porque a crença e a descrença nunca seguem as ordens dos homens A fé é uma dádiva de Deus que o homem é incapaz de dar ou tirar por promessas de recompensa ou ameaças de tortura Mas se além disso se perguntar e se nos for ordenado pelo nosso príncipe legítimo que digamos com a nossa o que os cristãos podem fazer para evitar a perseguição 418 XLII Do Poder Eclesiástico boca aquilo em que nós não acreditamos devemos obedecer a essa ordem A confissão com a boca é apenas uma coisa externa não mais do que qualquer outro gesto mediante o qual manifestamos a nossa obediência Nesse caso qualquer cristão mantendose em seu coração firmemente fiel à fé de Cristo tem a mesma liberdade de fazer que o profeta Eliseu concedeu a Naaman o sírio Naaman estava em seu coração convertido ao Deus de Israel pois declarou 2 Rs 517 De ora em diante teu servo não fará oferendas ou sacrifícios a outros deuses senão ao Senhor E nesta coisa o Senhor perdoa ao seu servo que quando o meu amo vai à casa de Rimmon para o culto e se apóia na minha mão eu inclinome na casa de Rimmon quando eu me inclino na casa de Rimmon o Senhor perdoa ao seu servo nesta coisa O profeta aprovou e lhe disse Vai em paz Em seu coração Naaman era crente mas ao inclinarse perante o ídolo Rimmon negava efetivamente o verdadeiro Deus tanto como se o houvesse feito com os seus lábios Mas nesse caso o que devemos responder ao que disse o nosso Salvador A quem me negar diante dos homens eu negarei diante do meu Pai que está no céu Podemos dizer que tudo aquilo que um súdito como era o caso de Naaman é obrigado a fazer em obediência ao seu soberano desde que não o faça segundo o seu próprio espírito mas segundo as leis do seu país não é uma ação propriamente sua e sim do seu soberano e neste caso não é ele quem nega Cristo perante os homens mas o seu governante e as leis do seu país E se alguém acusar esta doutrina de incompatibilidade com o verdadeiro e autêntico cristianismo perguntarIheei se acaso houver em qualquer república cristã um súdito que intimamente em seu coração seja da religião mulçumana a quem o seu soberano ordene que esteja presente no serviço divino da Igreja cristã e isso sob pena de morte se nesse caso ele pensa que esse mulçumano é em sã consciência obrigado a sofrer a morte por essa causa em vez de obedecer às ordens do seu príncipe legitimo Se ele disser que é melhor sofrer a morte estará autorizando todos os particulares a I Syn nós 419 Parte 3 Da República Cristã 272 J desobedecer aos seus príncipes em defesa da sua religião seja esta verdadeira ou falsa se disser que deve obedecer estará permitindo a si mesmo aquilo que nega ao outro contrariamente às palavras do nosso Salvador Tudo o que quiseres que os outros te façam deves fazêlo a eles e contrariamente à lei de natureza que é a indubitável e eterna lei de Deus Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti Mas então o que devemos dizer sobre aqueles mártires acerca dos quais lemos na história da Igreja Que eles desperdiçaram inutilmente as suas vidas Para responder a isto é preciso estabelecer uma distinção quanto às pessoas que foram condenadas à morte por esse motivo das quais algumas receberam a vocação de pregar e professar abertamente o Reino de Cristo enquanto outras não receberam essa vocação nem lhes foi exigido nada mais além da sua própria fé As da primeira espécie caso tenham sido condenadas à morte por prestarem testemunho sobre o fato de Jesus se ter erguido de entre os mor tos foram verdadeiros mártires Porque um mártir conforme a verdadeira definição da palavra é uma testemunha da ressurreição de Jesus o Messias papel que só pode ser desempenhado pelos que com ele conviveram na terra e o viram depois de assim se ter erguido Pois é preciso que uma testemunha tenha visto o que vai atestar caso contrário o seu testemunho não tem valor E que só esses podem propriamente ser chamados mártires de Cristo fica manifesto nas palavras de São Pedro At 121 e 22 Qualquer desses homens que nos tiver acompanhado todo o tempo em que Jesus nosso Senhor andou entre nós desde o batismo de João até o próprio dia em que nos foi arrebatado deve ser ordenado como mártir isto é como testemunha da sua ressurreição juntamente conosco E aqui deve salientarse que para ser testemunha da verdade da ressurreição de Cristo quer dizer da verdade deste artigo fundamental da religião cristã que Jesus era o Cristo é preciso ser um discípulo que tenha convivido com ele e o tenha visto antes e depois da sua ressurreição Portanto é preciso ser um dos seus discípulos oríginais e os que tal não foram podem testemunhar apenas que os seus antecesso Do martírio 420 XLII Do Poder Eclesiástico res o disseram logo não passam de testemunhas dos testemunhos de outrem e são apenas mártires secundários ou mártires das testemunhas de Cristo Aquele que para sustentar qualquer doutrina que ele próprio tenha tirado da história da vida do nosso Salvador e dos Atos ou Epístolas dos apóstolos ou na qual acredite por aceitar a autoridade de um particular se opuser às leis e à autoridade do Estado civil está muito longe de ser um mártir de Cristo ou um mártir dos seus mártires Há apenas um único artigo pelo qual vale a pena morrer e merecer nome tão honroso e esse artigo é queJesus é o Cristo quer dizer que Ele nos redimiu e que voltará para nos dar a salvação e a vida eterna no Seu glorioso reino Não se exige morrer por nenhum dogma que sirva à ambição ou às vantagens do clero e não é a morte da testemunha e sim o próprio testemunho que faz o mártir porque a palavra significa simplesmente o homem que presta testemunho quer seja ou não condenado à morte por causa desse testemunho E também aquele que não foi enviado para pregar este artigo fundamental mas assume tal tarefa pela sua própria autoridade pessoal embora seja uma testemunha e conseqüentemente um mártir quer primariamente de Cristo quer secundariamente dos seus apóstolos discípulos ou seus sucessores não é obrigado a sofrer a morte por essa causa pois não foi chamado a tal e portanto tal não lhe é exigido e também não deverá queixarse se perder a recompensa que espera de quem nunca lhe confiou tal missão Portanto não pode ser mártir nem do primeiro nem do segundo grau quem não tiver recebido autorização para pregar a Cristo regressado na carne quer dizer ninguém a não ser os que são enviados a converter os infiéis Porque ninguém é testemunha para quem já acredita e portanto não precisa de testemunhas mas apenas para quem nega ou duvida ou de tal jamais ouviu falar Cristo enviou os seus apóstolos assim como os seus setenta discípulos com autorização para pregar não enviou todos os crentes E enviouos aos incréus Enviovos disse ele como ovelhas entre os lobos não como ovelhas entre outras ovelhas 273 421 II Parte 3 Da República Cristã Argumento extraído dos pontos da sua missão Por último nenhum dos pontos da sua missão conforme se encontram expressamente estabelecidos pelo Evangelho implica qualquer espécie de autoridade sobre a congregação Temos em primeiro lugar Mt 10 que os doze apóstolos foram enviados às ovelhas desgarradas da casa de Israel e ordenouseIhes pregarem que o Reino de Deus estava próximo Mas em sentido original pregar é aquele ato que um pregoeiro ou um arauto ou outro funcionário costuma praticar publicamente ao proclamar um rei Ora um pregoeiro não tem direito de comandar ninguém Além disso os setenta discípulos foram enviados Lc 102 como lavradores não como senhores da colheita e eram obrigados versículo 9 a dizer O Reino de Deus chegou até vós Entendese aqui por Reino não o Reino da Graça mas o Reino da Glória pois eles eram obrigados a anunciar vers 11 àquelas cidades que recusavam recebê Ios como ameaça que tal dia seria mais tolerável para Sodoma do que para uma tal cidade Além disso o nosso Salvador disse aos seus discípulos que procuravam prioridade de lugar Mt 2028 que seu ofício era servir exatamente quando viesse o Filho do homem não ser servidos mas servir Os pregadores não têm poder magistral apenas poder ministerial Que não sejais chamados mestres disse o nosso Salvador Mt 23 10 pois só um é vosso mestre e é Cristo Outro ponto da sua missão é ensinar a todas as nações como se vê em Mt 2819 e em Mc 1615 de pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a todas as criaturas Portanto ensinar e pregar são a mesma coisa Porque quem proclama a vinda de um rei precisa de ao mesmo tempo dar a conhecer por que direito ele vem se se pretender que os homens se lhe submetam Como São Paulo fez com os judeus de Tessalônica quando durante três sábados argumentou com eles sobre as Escrituras manifestando e alegando que Cristo teve necessariamente que sofrer e ressurgir de entre os mortos e que este Jesus é o Cristo Mas ensinar com base no Antigo Testamento que Jesus era o Cristo quer dizer rei e ressurgiu de entre os mortos não é o mesmo que dizer que os homens têm obrigação depois de o ter acreditado de obedecer aos que lhe Prega r E ensinar 422 XLII Do Poder Eclesiástico dizem contra as leis e as ordens dos seus soberanos mas ape nas que agirão sabiamente os que esperarem a vinda futura de Cristo com paciência e fé e conservando a sua obediência aos magistrados atuais Outro ponto da sua missão é batizar em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo O que é o batismo É mergulhar na água Mas o que é mergulhar alguém na água em nome de alguma coisa O significado destas palavras do batismo é o que se segue Aquele que é batizado é mergulhado ou lavado como sinal da sua transformação num novo homem e num súdito leal daquele Deus cuja pessoa era representada nos tempos anti gos por Moisés e os Sumos Sacerdotes quando reinava sobre os judeus e de Jesus Cristo seu Filho Deus e homem que nos redimiu e em sua natureza humana representará a pessoa do seu Pai no seu reino eterno após a ressurreição e como sinal de aceitação da doutrina dos apóstolos os quais ajudados pelo Espírito do Pai e do Filho foram designados como guias para nos levar até esse reino pelo único e seguro caminho para lá Dado que esta é a nossa promessa de batismo e dado que a autoridade dos soberanos terrenos não deverá ser derrubada antes do dia do Juízo Final o que é expressamente afirmado por São Paulo 1 Cor 1522 a 24 quando diz Tal como em Adão todos morrem assim também em Cristo todos serão revivificados Mas cada um na sua ordem tendo Cristo os primeiros frutos e depois os que são de Cristo na sua vinda depois vem o fim quando nos será entregue o Reino de Deus Pai depois de ele ter derrubado todo o mando todo o p der e toda a autoridade é manifesto que no batismo não constituímos acima de nós nenhuma autoridade encarregada de dirigir as nossas ações externas nesta vida apenas prometemos tomar a doutrina dos apóstolos como guia no caminho da vida eterna O poder da remissão e retenção dos pecados também chama do o poder de libertar e obrigar e às vezes as chaves do Reino dos Céus é uma conseqüência da autoridade para batizar e para recusar batizar Porque o batismo é o sacramento de submissão dos que serão recebidos no Reino de Deus quer dizer na vida eterna quer dizer da remissão dos pecados Pois tal como a 274 BtItizar E perdoar e remir os pecados 423 Parte 3 Da República Cristã 27 5 vida eterna se perde quando o pecado é cometido assim também ela é recuperada com a remissão dos pecados dos homens A finalidade do batismo é a remissão dos pecados e por isso São Pedro quando os que foram convertidos pelo seu sermão do dia de Pentecostes lhe perguntaram o que deviam fazer aconselhouos a se arrependerem e se deixarem batizar em nome de Jesus para a remissão dos pecados Portanto como batizar é declarar a recepção dos homens no Reino de Deus e recusar dar o batismo é declarar a sua exclusão seguese que o poder de declarar expulsos ou admitidos nele foi dado aos mesmos apóstolos e aos seus substitutos e sucessores Assim depois de o nosso Salvador soprar sobre eles dizendo ao 2022 recebei o Espírito Santo acrescenta no versículo seguinte Seja quem for que por vós tenha remido os seus pecados estes estarão remidos e seja quem for cujos peca dos por vós sejam retidos eles estarão retidos Com estas palavras não é conferida a autoridade de perdoar ou de reter os pecados simples e absolutamente da maneira como Deus os perdoa ou os retém pois conhece o coração do homem e a verdade da sua penitência e conversão mas apenas condicionalmente ao penitente E este perdão ou absolvição caso o absolvido tenha apenas um arrependimento fingido fica imediatamente sem nenhum outro ato ou sentença do absolvente nulo e sem nenhum efeito para a salvação sendo pelo contrário uma agravante do pecado Portanto os apóstolos e seus sucessores devemse guiar apenas pelos sinais exteriores do arrependimento e se estes se manifestarem têm autoridade para negar a absolvição mas se estes não se manifestarem não têm autoridade para absolver O mesmo se pode também verificar no batismo pois a um judeu convertido ou a um gentio os apóstolos não têm poder para negar o batismo nem têm o de o conceder a um impenitente Mas dado que ninguém é capaz de discernir a verdade do arrependimento de outrem a não ser pelos sinais exteriores das suas palavras e ações que estão sujeitas à hipocrisia surge uma nova questão quem pode ser constituido como juiz desses sinais Questão que é decidida pelo nosso próprio Salvador Se o teu irmão diz ele pecar con Mt 1815 a 17 424 XLII Do Poder Eclesiástico tra ti vai e falalhe da sua falta a sós entre ti e ele se ele te ouvir terás conquistado a teu irmão Mas se ele não te quiser ouvir leva contigo mais um ou dois E se ele recusar ouvilos vai dizêlo à Igreja e se ele recusar ouvir a Igreja deixa que ele seja para ti como um pagão e um publicano Isso deixa claro que a decisão acerca da verdade do arrependimento não compete a nenhum homem mas à Igreja isto é àassembléia dos fiéis ou àqueles que têm autoridade para ser seus representantes Mas além da decisão é também necessário que seja pronunciada uma sentença e isto compete sempre ao apóstolo ou a algum pastor da Igreja como prolocutor do que o nosso Salvador fala no versículo 18 Tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desatares na terra será desatado no céu E é conforme a isto a prática de São Paulo quando diz 1 Cor 53 a 5 Porque eu em verdade ausente de corpo mas presente em espírito já determinei como se estivesse presente em relação àquele que praticou tal ato em nome de nosso Senhor Jesus Cristo quando estamos reunidos e do meu esPírito com o poder de nosso Senhor Jesus Cristo entregar esse a Satanás quer dizer expulsálo da Igreja como alguém cujos pecados não foram perdoados Neste caso foi São Paulo1 quem pronunciou a sentença mas primeiro a assembléia ouviu a causa dado que São Paulo estava ausente e foi ela que ditou a condenação Mas no mesmo capítulo versiculos 11 e 12 o julgamento de um tal caso é mais expressamente atribuído à assembléia Mas agora vos escrevi que não aceitásseis a companhia de alguém que seja chamado irmão mas seja um flrnicador etc que com tal pessoa não comêsseis Pois que me importa julgar os que estão fora Não julgais vós os que estão fora Portanto a sentença mediante a qual alguém foi expulso da Igreja foi pronunciada pelo apóstolo ou pastor mas o julgamento acerca do mérito da causa competiu à Igreja quer dizer dado que isso foi antes da conversão dos reis e homens que tinham o poder soberano da república à assembléia dos cristãos residentes na mesma cidade em Corinto era a assembléia dos cristãos de Corinto Esta parte do poder das chaves mediante a qual os homens são expulsos do Reino de Deus é o que se chama excomunhão 276 Excomunhão I Syn Paulo 425 Parte 3 Da República Cristã o uso da excomunhão sem poder civil E excomungar no original é a7roavváyCiJyov 7W1EIV expulsar da Sinagoga quer dizer expulsar do lugar do serviço divino Essa palavra deriva do costume que tinham os judeus de expulsar das suas sinagogas os que eram considerados quanto à conduta ou à doutrina contagiosos do mesmo modo que os leprosos pela lei de Moisés eram separados da congregação de Israel até o momento em que fossem declarados sãos pelo sacerdote O uso e efeito da excomunhão no tempo em que ainda não estava fortalecida pelo poder civil limitavase a isto os que não eram excomungados deviam evitar a companhia dos que o eram Não bastava consideráIos como pagãos que nunca tivessem sido cristãos pois com estes podiase comer e beber o que não se podia com as pessoas excomungadas conforme se vê nas palavras de São Paulo em que ele diz 1 Cor 59 etc que antes lhes havia proibido a companhia dos fornicadores no entanto como isso não seria possível sem sair do mundo limitou a regra aos fornicadores e outras pessoas viciosas que pertencessem aos irmãos Com tal pessoa disse ele não se devia andar de companhia nem comer E isto não é mais do que o disse o nosso Salvador Mt 1817 Que ele seja para ti como um pagão e um publicano Porque os publicanos os colhedores e recebedores das rendas da república eram tão odiados e detestados pelos judeus que pagavam os impostos que publicano e pecador eram entre eles tomados pela mesma coisa Tanto assim era que quando o nosso Salvador aceitou o convite do publicano Zaqueu embora fosse com o fim de o converter isso foilhe assacado como um crime Por isso quando a pagão o nosso Salvador acrescentou publicano proibiu efetivamente de se comer com uma pessoa excomungada Quanto a proibiIos de entrar nas suas sinagogas e lugares de reunião não tinham poder para o fazer a não ser como donos do lugar quer como cristãos quer como pagãos E como todos os lugares estão de direito no domínio da república tanto o excomungado como o que nunca tinha sido batizado podiam lá entrar com permissão do magistrado civil Como por exemplo Paulo antes da sua conversão entrou nas sinago 426 XLII Do Poder Eclesiástico gas de Damasco para prender cristãos homens e mulheres e leváIos a ferros para erusalém com permissão do Sumo Sacerdote Fica claro então que num lugar onde o poder civil perseguisse ou não apoiasse a Igreja os efeitos da excomunhão nada tinham que fosse capaz de causar dano neste mundo ou de inspirar terror ao cristão que se tornasse apóstata Nenhum terror devido à sua descrença e nenhum dano porque com isso voltavam a gozar do favor do mundo e no mundo futuro não iriam ficar em situação pior do que os que nunca tinham acreditado O prejuízo redundava mais para a Igreja pois com isso provocava os que expulsava a um mais livre exercício da sua maldade Portanto a excomunhão só tinha efeito sobre os que acreditavam que esus Cristo havia de voltar em glória para reinar para sempre e para julgar tanto os vivos como os mortos e que portanto ele recusaria a entrada no seu reino àqueles cujos pecados fossem retidos quer dizer aos que fossem excomungados pela Igreja Por isso São Paulo chamou à excomunhão uma entrega da pessoa excomungada a Satanás Porque fora o Reino de Cristo todos os outros reinos após o uízo Final ficarão incluídos no Reino de Satanás Era disto que o crente tinha medo quando ameaçado de excomunhão quer dizer de uma situação em que os seus pecados não seriam perdoados Daqui podemos concluir que a excomunhão no tempo em que a religião cristã não era autorizada pelo poder civil era usada apenas como correção dos costumes e não dos erros de opinião Porque se tratava de um castigo que só podia ser sentido pelos que acreditavam e esperavam o regresso do nosso Salvador para julgar o mundo E os que em tal acreditavam não precisavam para conseguir a salvação de nenhuma outra opinião mas apenas de retidão de vida Existe excomunhão por injustiça como em Mt 18 Se teu irmão te ofender dizlho em particular e depois com testemunhas e por último diIo à Igreja e se ele então não te obedecer que ele seja para ti como um pagão e um publicano E existe excomunhão por vida escandalosa como em 1 Cor 511 Se qualquer um 427 At92 Sem efeito sobre os apóstatas 277 Mas apenas sobre os fiéis Para que faltas existe a excomunhão Parte 3 Da República Cristã 278 que seja chamado irmão for um fornicador ou cobiçoso ou idólatra ou ébrio ou extorsionista com esse não deverás comer Mas para excomungar alguém que aceitasse este fundamento que Jesus era o Cristo por causa de uma diferença de opinião quanto a outros pontos que não implicassem a destruição desse fundamento não se encontra expressa nenhuma autoridade nas Escrituras nem exemplo nos apóstolos É certo que em São Paulo há um texto que parece ir em sentido contrário Tt 310 Se um homem é um herege depois da primeira e da segunda admoestação rejeita io Porque um erege é aquele que sendo membro da Igreja ensina uma opinião pessoal que a Igreja proibiu e é a esse que São Paulo aconselha Tito a rejeitar depois da primeira e da segunda admoestação Mas nesta passagem rejeitar não é o mesmo que excomungar e sim desistir de o admoestar deixandoo sozinho para discutir consigo mesmo como alguém que só por si mesmo pode ser convencido O mesmo apóstolo diz 2 Tm 223 para evitar as perguntas néscias e ignorantes sendo que evitar nesta passagem e rejeitar na anterior são o mesmo no original lrapal7ofí e as perguntas néscias podem ser postas de lado sem excomunhão Além disso Tt 39 evitar as perguntas néscias era no original lrEpllCJ7aOo pôIas de lado e é o equivalente da palavra rejeitar Não há nenhuma outra passagem em que se possa encontrar uma quantidade de matizes suficiente para justificar a expulsão da Igreja de homens fiéis e crentes nos fundamentos apenas por causa de uma própria e singular superestrutura que talvez seja devida a uma boa e piedosa consciência Pelo contrário todas essas passagens que ordenam evitar tais disputas são escritas como lição para os pastores como era o caso de Timóteo e de Tito a fim de não inventarem novos artigos de fé decidindo toda e qualquer pequena controvérsia o que obriga os homens a sobrecarregar desnecessariamente a consciência ou os leva a romper a sua união com a Igreja Lição essa que os próprios apóstolos aproveitaram muito bem São Pedro e São Paulo embora fosse grande a controvérsia entre eles como po demos ler em GI21l nem por isso se expulsaram um ao outro da Igreja Não obstante durante o tempo dos apóstolos houve 428 XLII Do Poder Eclesiástico outros pastores que não a aproveitaram como Diótrefes 3 Jo 9 etc que expulsou da Igreja aqueles que o próprio São João considerava merecedores de nela entrarem devido ao orgulho que tinha da sua preeminência tão cedo foi que a vanglória e a ambição conseguiram entrar na Igreja de Cristo São muitas as condições necessárias para que alguém fique sujeito à excomunhão Em primeiro lugar que seja membro de alguma república quer dizer de alguma assembléia legitima que tenha o poder de julgar a causa pela qual ele deve ser excomungado Porque quando não há comunidade não pode haver excomunhão nem há poder de dar sentença quando não há poder de julgar Daqui se segue que uma Igreja não pode ser excomungada por outra Porque ou ambas têm igual poder de excomungarse uma à outra e neste caso a excomunhão não é disciplina nem ato de autoridade e sim um cisma e uma destruição da caridade Ou então uma é subordinada à outra de modo tal que ambas têm uma só voz caso em que são apenas uma Igreja e a parte excomungada não é mais uma Igreja mas apenas uma quantidade desagregada de pessoas individuais E porque a sentença de excomunhão comporta um conselho para não andar em companhia nem sequer comer com quem foi excomungado se um príncipe ou uma assembléia soberana for objeto de excomunhão a sentença não tem efeito Porque todos os súditos são obrígados a estar na companhia e presença do seu soberano quando ele assim exigir segundo a lei de natureza e não podem legitimamente expulsáIo de nenhum lugar do seu próprio domínio quer sagrado quer profano nem podem abandonar esse domínio sem sua licença e muito menos se ele os chamar a tal honra recusarse a comer com ele Quanto aos outros príncipes e Estados dado que não são parte de uma congregação única não precisam de nenhuma sentença alheia para os levar a evitar a companhia do Estado excomungado porque a própria instituição que uniu um grande número de homens numa só comunidade dissociou ao mesmo tempo uma comunidade da outra e assím a excomu DJ pessoJ sujeitJ àexcomunhão 429 Parte 3 Da República Cristã XLII Do Poder Eclesiástico 279 nhão não é necessária para manter afastados os reis e os Estados nem tem nenhum efeito que não esteja na natureza da própria política a não ser o de instigar os príncipes a fazer guerra uns aos outros Tampouco tem qualquer efeito a excomunhão de um súdito cristão que obedeça às leis do seu próprio soberano seja cristão ou pagão Porque se ele acreditar que Jesus é o Cristo é porque tem o Espírito de Deus 1 Jo 41 e Deus habita nele e ele em Deus 1 Jo 415 Ora aquele que tem o Espírito de Deus aquele que habita em Deus aquele em quem Deus habita não pode sofrer nenhum prejuízo com a excomunhão dos homens Portanto quem acredita que Jesus é o Cristo encontrase livre de todos os perigos que ameaçam as pessoas excomungadas Quem em tal não acredita não é cristão Portanto um cristão verdadeiro e autêntico não está sujeito à excomunhão tampouco o está o cristão professo até o momento em que a sua hipocrisia se manifeste na sua conduta quer dizer até que o seu comportamento se torne contrário à lei do seu soberano que é a regra da conduta e à qual Crísto e seus apóstolos nos ordenaram que nos sujeitássemos Porque a Igreja só pode julgar a conduta mediante as ações externas ações estas que só se podem tornar ilegítimas quando são contrárias à lei da república Se o pai a mãe ou o amo de alguém for objeto de excomunhão os filhos não ficam proibidos de andar na sua companhia ou de comer com eles porque isso seria o mesmo na maior par te dos casos que obrigáIos a absolutamente não comer por fal ta de meios para conseguir comida e o mesmo que autorizáIos a desobedecer aos seus pais e ao seu amo contrariamente aos preceitos dos apóstolos Em resumo o poder de excomunhão não pode ultrapassar os limites que correspondem aos fins em razão dos quais os apóstolos e pastores da Igreja receberam a sua missão do nosso Salvador missão que não consiste em governar pelo mando e pela coação mas em ensinar e orientar os homens no caminho da salvação do mundo vindouro E tal como um professor de qualquer ciência pode abandonar o seu estudante que obstinadamente se recuse a praticar as suas regras mas não pode acusáIo de injustiça pois ele jamais teve obrigação de lhe obedecer assim também um mestre da doutrina cristã pode abandonar os seus discípulos que obstinadamente continuem a levar uma vida pouco cristã mas não pode afirmar que eles procedem mal para com ele pois eles não têm obrigação de lhe obedecer Pois ao mestre que assim se queixe podese aplicar a resposta que Deus deu a Samuel numa situação idêntica Não foi a ti que eles rejeitaram mas a mim Portanto a excomunhão quando lhe faltar a ajuda do poder civil como ocorre quando um Estado ou príncipe cristão é excomungado por uma autoridade estrangeira não possui nenhum efeito e conseqüentemente não deveria inspirar terror de espécie alguma O nome de fulmen excommunicationis isto é o raio da excomunhão teve origem numa fantasia do bispo de Roma o primeiro a usáIa de que ele era o rei dos reis tal como os pagãos faziam deJúpiter o rei dos deuses e lhe atribuíram nos seus poemas e quadros um raio com o qual subjugou e castigou os gigantes que ousavam negar o seu poder Essa fantasia se baseava em dois erros primeiro que o Reino de Cristo é deste mundo contrariamente às próprias palavras do nosso Salvador O meu Reino não é deste mundo segundo que ele era o vigário de Cristo não apenas em relação aos seus próprios súditos mas também em relação a todos os cristãos do mundo para o que não existe nas Escrituras nenhum fundamento e em seu devido lugar se provará precisamente o contrário Quando São Paulo foi a Tessalônica onde havia uma sinagoga dos judeus At 172s entrou como costumava e dirigiuse a eles e durante três sábados discutiu com eles as Escrituras afirmando e alegando que Cristo necessariamente sofreu e voltou a erguerse de entre os mortos e que esse Jesus que ele pregava era o Cristo As Escrituras aqui referidas eram as Escrituras dos judeus quer dizer o Antigo Testamento Os homens a quem ele ia provar que Jesus era o Cristo e que voltara a erguerse de entre os mortos eram todos judeus e já acreditavam que essas Escrituras eram a palavra de Deus Quanto às afirmações de São Paulo uns acreditavam 430 431 18m 8 280 Do intérprete das Escrituras antes de os soberanos civis se tomarem cristãos Parte 3 Da República Crístã versículo 4 e outros não acreditavam versículo 5 Dado que todos acreditavam nas Escrituras qual era a razão de não acreditarem todos da mesma maneira uns aceitando e outros recusando a interpretação que São Paulo propunha das suas passagens e cada um interpretando as para si mesmo Era a seguinte São Paulo foi até eles sem estar encarregado de nenhuma missão legal e à maneira de alguém que não pretende ordenar mas persuadir Isso necessariamente tem que ser feito ou por milagres como Moisés fez com os israelitas no Egito para que eles pudessem ver a sua autoridade nas obras de Deus ou então por raciocínio a partir das Escrituras já previamente aceitas para que eles pudessem ver a verdade da sua doutri na da palavra de Deus Mas quem persuade por raciocínio a partir de princípios escritos torna aquele a quem se dirige um juiz tanto do significado desses princípios como da força das inferências que faz a partir deles Se esses judeus de Tessalônica não o eram quem mais era juiz daquilo que São Paulo alegava sobre as Escrituras Se era São Paulo para que precisava de citar quaisquer passagens para provar a sua doutrina Teria sido suficiente dizer verifico que é assim nas Escrituras quer dizer nas vossas leis das quais sou o intérprete enviado por Cristo Portanto não havia ninguém que fosse um intérprete das Escrituras cujas interpretações os judeus de Tessalônica fossem obrigados a aceitar cada um deles podia acreditar ou deixar de acreditar consoante as alegações lhe parecessem concordar ou não concordar com os significados das passagens alegadas E de maneira geral em todos os casos do mundo aquele que pretende provar alguma coisa torna juiz da sua prova aquele a quem dirige o seu discurso Quanto ao caso particular dos judeus eles eram obrigados por palavras expressas Dt 17 a aceitar a decisão de todas as questões difíceis que fossem apresenta das pelos sacerdotes e juízes de Israel nesse momento Mas isto se aplica aos judeus que ainda não tinham sido convertidos Para a conversão dos gentios era inútil o recurso às Escrituras nas quais não acreditavam Portanto os apóstolos trabalhavam com a razão a fim de refutar a sua idolatria e isto feito 432 XLII Do Poder Eclesiástico para os persuadir a aceitarem a fé em Cristo mediante o seu testemunho da sua vida e ressurreição Portanto não podia ainda haver nenhuma controvérsia a respeito da autoridade para interpretar as Escrituras dado que enquanto era infiel nenhum homem era obrigado a aceitar nenhuma interpretação de nenhuma Escritura a não ser a interpretação das leis do seu país dada pelo seu soberano Passemos agora a examinar a própria conversão para ver qual poderia ser a causa de uma tal obrigação Os homens não eram convertidos a coisa alguma a não ser à crença naquilo que os apóstolos pregavam e os apóstolos nada pregavam senão que Jesus era o Cristo quer dizer o rei que havia de os salvar e reinar sobre eles eternamente no mundo vindouro E conseqüentemente que ele não estava morto mas tinha voltado a erguerse de entre os mortos e subido aos céus e havia de voltar um dia para julgar o mundo que também havia de voltar a erguerse para ser julgado e recompensar cada um conforme as suas obras Nenhum deles pregava que ele próprio ou qualquer dos outros apóstolos era um intérprete das Escrituras tal que todos os que se tornavam cristãos deviam aceitar a sua interpretação como se fosse lei Porque a interpretação das leis faz parte da administração de um reino atual o que não era o caso dos apóstolos Assim eles pregavam tal como todos os outros pastores desde então Deíxai que venha o reino e exortavam os seus conversos a obedecerem aos seus príncipes étnicos do momento O Novo Testamento não estava ainda publicado num volume único Cada um dos Evangelistas era intérprete do seu próprio Evangelho e cada apóstolo da sua própria Epístola Quanto ao Antigo Testamento o nosso Salvador disse ele mesmo aos judeus a o 539 Escrutinai as Escrituras pois nelas pensais que tendes a vida eterna e são elas que dão testemunho de mim Se ele não quisesse dizer que eles as deviam interpretar não lhes teria mandado tirar delas a prova de ele ser o Cristo ou têIasia interpretado ele mesmo ou têIosia remetido para a interpretação dos sacerdotes Quando surgia uma dificuldade os apóstolos e os anciãos da Igreja reuniamse e decidiam o que devia ser pregado e ensi 28 1 433 Parte 3 Da República Cristã IIIII nado e como as Escrituras deviam ser interpretadas para o povo mas não tiravam ao povo a liberdade de as ler e interpretar ele mesmo Os apóstolos enviavam às igrejas diversas cartas e outros escritos para sua instrução o que teria sido em vão se não as tivessem autorizado a interpretáIos isto é a examinar o seu significado E tal como acontecia no tempo dos apóstolos assim também deve ser até o momento em que haja pastores que possam autorizar um intérprete cuja interpretação deva ser geralmente aceita e isso só pode acontecer a partir do momento em que os reis são pastores ou os pastores são reis Um escrito pode ser canônico em dois sentidos já que cânone significa regra e uma regra é o preceito pelo qual se é guiado e dirigido em qualquer espécie de ação Esses preceitos mesmo que sejam dados por um mestre ao seu discipulo ou por um conselheiro ao seu amigo não deixam de ser cânones porque são regras Mas quando são dados por alguém a quem o que os recebe é obrigado a obedecer esses cânones não são apenas regras mas leis Portanto aqui a questão diz respeito ao poder de transformar em leis as Escrituras que são as regras da fé cristã A parte das Escrituras que se tornou lei em primeiro lugar foram os dez mandamentos escritos nas duas tábuas de pedra e entregues pelo próprio Deus a Moisés e dadas a conhecer por Moisés ao povo Antes desse momento não havia lei de Deus escrita pois ele não tinha ainda escolhido nenhum povo para ser o seu reino peculiar e assim não tinha dado aos homens nenhuma lei a não ser a lei de natureza quer dizer os preceitos da razão natural escritos no próprio coração de cada homem Destas duas tábuas a primeira encerrava a lei da soberania 1 Que não obedecessem nem honrassem aos deuses das outras nações nos seguintes termos Non habetis Deos alienos coram me isto é Não tereis como deuses os deuses que as outras nações adoram mas apenas a mim mandamento mediante o qual ficavam proibidos de obedecer e honrar como seu rei e governante a qualquer outro deus que não o que lhes falava nesse mo Do poder de tornar lei ar Escriturar Dos dez mandammtos 282 Syn também 434 XLIl Do Poder Eclesiástico mento através de Moisés e posteriormente através do Sumo Sacerdote 2 Que não deviam fazer uma imagem para O representar quer dizer não deviam escolher nem no céu nem na terra nenhum representante criado por sua própria imaginação mas deviam obedecer a Moisés e a Aarão a quem ele designara para essa missão 3 Que não invocassem o nome de Deus em vão isto é que não falassem irresponsavelmente do seu rei e não contestassem o seu direito nem a missão de Moisés e Aarão seus lugartenentes 4 Que em todo o sétimo dia se deviam abster de qualquer trabalho comum empregando o seu tempo em honráIo publicamente A segunda tábua encerrava o dever de cada um para com os outros como honrar pai e mãe não matar não cometer adultério não roubar não corromper o julgamento com falsos testemunhos e por último nem sequer em foro íntimo projetar causar dano aos outros Agora a questão é a seguinte Quem deu a essas tábuas escritas a força obrigatória de leis É indubitável que elas foram tornadas leis pelo próprio Deus Mas como uma lei não produz obrigação nem é lei para ninguém a não ser os que a reconhecem como ato do seu soberano como podia o povo de Israel que foi proibido de se aproximar da montanha para ouvir o que Deus disse a Moisés ser obrigado a obedecer a todas aquelas leis que Moisés lhes propunha É certo que algumas delas eram as leis de natureza como todas as da segunda tábua e portanto deviam ser reconhecidas como boas leis não apenas pelos israelitas mas por toda a gente Mas quanto às que eram peculiares aos israelitas como as da primeira tábua permanece de pé a questão salvo que eles se haviam obrigado logo depois de elas lhes terem sido propostas a obedecer a Moisés nas seguintes palavras Ex 2019 Falanos e nós ouvirte emos mas que Deus não nos fale senão morreremos Portanto nesse momento era apenas Moisés e depois dele somente o Sumo Sacerdote que através de Moisés fosse designado por Deus para administrar esse seu reino peculiar quem tinha na terra o poder de fazer dessa curta escritura do decálogo a lei da república de Israel E Moisés e Aarão e os Sumos Sacerdotes subseqüentes eram os soberanos civis Portanto a partir de então a canonização ou transformação das Escrituras em lei competia ao soberano civil L 43 5 Parte 3 Da República Cristã Da lei judicial e levitica A lei judicial quer dizer as leis que Deus prescreveu aos magistrados de Israel para dirigir a sua administração da justiça e das sentenças ou julgamentos que proferissem nos litígios entre os homens e a lei levitica quer dizer a regra prescrita por Deus relativamente aos ritos e cerimônias dos sacerdotes e levitas todas essas leis foram transmitidas a eles unicamente por Moisés e portanto também só se tornaram leis em virtude da mesma promessa de obediência a Moisés Se essas leis foram escritas ou não o foram mas foram ditadas ao povo por Moisés depois de estar quarenta dias com Deus na montanha de boca em boca não se encontra expresso no texto mas todas elas eram leis positivas e equivalentes às Sagradas Escrituras e tornadas canônicas por Moisés na qualidade de soberano civil Depois que os israelitas chegaram às planícies de Moab em frente aJericó e estavam prontos para entrar na terra prometida Moisés acrescentou às primeiras leis diversas outras as quais se chamaram portanto o Deuteronômio isto é as Segundas Leis E elas são conforme está escrito Dt 291 as palavras do pacto que Deus ordenou a Moisés que fizesse com os filhos de Israel além do pacto que ele fez com eles em Horeb Porque depois de explicar essas primeiras leis no começo do livro do Deuteronômio ele acrescentou outras que começam no capítulo 12 e vão até o final do capítulo 26 do mesmo livro Esta lei Dt 271 lhes foi ordenado que a escrevessem em grandes pedras emplastradas ao atravessarem o J ordão Esta lei foi também escrita pelo próprio Moisés num livro e entregue nas mãos dos sacerdotes e anciãos de Israel Dt 319 com a ordem de versículo 26 colocálo ao lado da Arca pois propriamente na Arca nada havia além dos dez mandamentos Foi desta lei que Moisés Dt 1718 ordenou aos reis de Israel que guardassem uma cópia E foi esta lei que depois de durante muito tempo estar perdida voltou a ser encontrada no templo na época de Josias tendo por sua autoridade sido aceita como lei de Deus Mas tanto Moisés ao escrevêIa como J osias ao recuperáIa eram detentores da so berania civil Portanto a partir de então o poder de tornar canônicas as Escrituras era da competência do soberano civil 283 A segunda lei 436 XLIL Do Poder Eclesiástico Não houve além deste livro da lei desde o tempo de Moisés até depois do cativeiro nenhum outro livro aceito entre os judeus como lei de Deus Porque os profetas com exceção de alguns poucos viveram durante o tempo do próprio cativeiro e os restantes viveram apenas um pouco antes dele e estavam tão longe de ver as suas profecias aceitas como leis que as suas pessoas eram perseguidas em parte pelos falsos profetas e em parte pelos reis que por estes se deixavam seduzir E mesmo esse livro que foi confirmado por J osias como lei de Deus e com ele toda a história das obras de Deus se perdeu no cativeiro e saque da cidade de Jerusalém como se verifica em Esd 1421 A tua lei foi queimada portanto ninguém conhece as coisas que foram feitas por ti nem as obras que irão começar E antes do cativeiro entre o tempo em que a lei se perdeu o qual não vem referido nas Escrituras mas pode provavelmente ser considerado o tempo de Roboão quando Sisaque rei do Egito se apoderou dos despojos do templo e o tempo de J osias quando voltou a ser encontrada eles não tinham uma lei de Deus escrita e governavam conforme a sua própria discrição ou conforme a orientação dos que cada um deles considerava como profetas Podemos daqui inferir que as Escrituras do Antigo Testamento que atualmente possuímos não eram canônicas nem lei para os judeus antes da renovação do seu pacto com Deus quando do seu regresso do cativeiro e da restauração de sua república sob Esdras Mas a partir desse tempo passaram a ser consideradas como leis dos judeus e como tais foram traduzidas para o grego pelos setenta anciãos daJudéia colocados na biblioteca de Ptolomeu em Alexandria e aprovadas como a palavra de Deus Ora dado que Esdras era o Sumo Sacerdote e que o Sumo Sacerdote era o seu soberano civil é manifesto que as Escrituras só foram tornadas leis pelo poder civil soberano Podemos verificar nos escritos dos padres que viveram na época anterior à aceitação da religião cristã e sua autorização pelo Imperador Constantino que os livros que atualmente possuímos do Novo Testamento eram considerados pelos cristãos desse tempo com exceção de alguns poucos tão poucos que 437 1 Rs 1426 284 Quando fii tornado canônico o Antigo Testamento o Novo Testamento começou a ser canônico sob os soberanos cristãos Parte 3 Da República Cristã 285 aos restantes se chamava Igreja católica e a eles hereges como ditames do Espírito Santo e conseqüentemente como cânone e regra da fé tal era o respeito e elevada opinião em que tinham os seus mestres tal como aliás não é pequena de maneira geral a reverência dos discípulos para com os seus primeiros mestres quanto a toda a espécie de doutrina que deles recebem Portanto não há dúvida que quando São Paulo escrevia às Igre jas que haviam se convertido ou qualquer outro apóstolo ou discípulo de Cristo escrevia aos que haviam aceitado a Cristo eles recebiam esses seus escritos como a verdadeira doutrina cristã Mas nesse tempo em que não era o poder e autoridade do mestre e sim a fé do ouvinte que o levava a aceitálo não eram os apóstolos que tornavam canônicos os seus escritos era cada converso que assim os tornava para si mesmo Mas aqui o problema não diz respeito ao que cada cristão torna lei ou cânone para si mesmo o que ele pode voltar a rejeitar pelo mesmo direito com que o aceitou diz respeito ao que era tornado cânone para eles de modo tal que lhes fosse impossível fazer sem injustiça qualquer coisa contrária a isso Que o Novo Testamento seja canônico neste sentido quer dizer seja lei em qualquer lugar onde a lei da república assim não o fez é contrário à natureza da lei Porque uma lei conforme já foi mostrado é a ordem de um homem ou assembléia a quem demos autoridade soberana para fazer as regras que lhe aprouver para direção das nossas ações e para nos castigar quando fazemos alguma coisa contrária a elas Portanto quando algum outro homem nos propõe quaisquer outras regras as quais o soberano governante não haja prescrito elas não passam de pare ceres e conselhos e quanto a estes sejam bons ou maus quem é aconselhado pode sempre sem injustiça recusarse a seguilos e quando são contrários às leis já estabelecidas não pode seguilos sem injustiça por melhores que pareçam ser Ou seja neste caso quem recebe conselhos não pode seguilos nem nas ações nem nas conversas com outros homens embora possa sem por isso merecer censura acreditar nos mestres e desejar ter liberdade para seguir os seus conselhos e que estes sejam publica 438 XLII Do Poder Eclesiástico mente aceitos como lei Porque a fé interior é por sua própria natureza invisível e conseqüentemente está isenta de qualquer jurisdição humana ao passo que as palavras e ações que dela derivam na medida em que violam nossa obediência civil constituem injustiça perante Deus e os homens Assim considerando que o nosso Salvador negou que o seu reino fosse deste mundo e que ele disse não ter vindo para julgar mas para salvar o mundo ele não nos sujeitou a lei alguma a não ser as da república quer dizer os judeus à lei de Moisés que como disse Mt 5 não veio para destruir mas para realizar e as outras nações às leis dos seus diferentes soberanos e todos os homens às leis de natureza Com efeito tanto ele como os seus apóstolos na sua pregação nos recomendaram o respeito a estas leis como condição necessária para sermos aceitos por ele no último dia no seu Reino eterno onde haverá proteção e vida perpétuas Portanto já que o nosso Salvador e os seus apóstolos não deixaram novas leis obrigatórias para nós neste mundo e sim uma nova doutrina para nos preparar para o mundo vindouro os livros do Novo Testamento que encerravam essa doutrina até o momento em que nos foi ordenado que lhes obedecêssemos por aqueles a quem Deus tinha dado poder na terra para serem legisladores não eram cânones obrigatórios ou seja leis mas apenas bons e seguros conselhos para direção dos pecadores no caminho da salvação aos quais cada um pode aceitar ou recusar por sua conta e risco sem injustiça Além disso a missão da qual Cristo nosso Salvador encarregou os seus apóstolos e discípulos foi a de proclamar o seu Reino não presente mas vindouro ensinar a todas as nações batizar aos que acreditassem entrar nas casas dos que os recebessem quando não fossem recebidos sacudir contra eles a poeira dos seus pés sem entretanto invocar o fogo dos céus para os destruir nem obrigálos à obediência pela espada Em tudo isto nada é poder mas apenas persuasão Ele enviouos como ovelhas entre lobos não como reis entre os seus súditos Eles não tinham a missão de fazer leis mas a de obedecer e ensinar obediência às leis existentes conseqüentemente não podiam fa 439 Parte 3 Da República Cristã o poder dos condlios para tornar leis as Escrituras zer dos seus escritos cânones obrigatórios sem a ajuda do poder civil soberano Portanto as Escrituras do Novo Testamento só se tornam lei quando o poder civil legitimo assim quis E nesse caso o rei ou soberano também faz delas uma lei para si mesmo com o que se sujeita não ao doutor ou apóstolo que o converteu mas ao próprio Deus e a seu FilhoJesus Cristo de maneira tão imediata como o fizeram os próprios apóstolos O que pode parecer conferir ao Novo Testamento em relação aos que abraçaram a doutrina cristã a força das leis nos tempos e lugares onde houve perseguições são os decretos que fazem entre si nos seus sinodos Porque lemos At 1528 que a fórmula usada no concilio dos apóstolos dos anciãos e da Igreja inteira era a seguinte Pareceu bom ao Espírito Santo e a nós não vos impor um fardo maior do que estas coisas necessárias etc fórmula esta que significa um poder para impor um fardo aos que tinham aceitado a sua doutrina Ora impor um fardo a outrem parecia o mesmo que obrigar e assim os atos desse concilio eram leis para todos os que eram cristãos No entanto não eram mais do que os outros preceitos como arrependeivos batizai vos guardai os mandamentos acredita i no Evangelho vinde a mim vende tudo o que tens dáo aos pobres e segueme que não eram ordens mas convites e exortações aos membros da cristandade como o de Is 551 Ó tu que tens sede vem até as águas vem e compra vinho e leite sem dinheiro Porque em primeiro lugar o poder dos apóstolos não era diferente do do nosso Salvador o de convidar os homens a aceitar o Reino de Deus o qual eles próprios reconheciam ser um Reino vindouro e não presente e quem não tem reino não pode fazer leis Em segundo lugar se os seus atos de concilio fossem as leis não seria possível desobedecerIhes sem pecado Porém não lemos em lugar algum que os que não aceitavam a doutrina de Cristo se tornassem por isso pecadores e sim que morreriam em pecado isto é que os seus pecados contra as leis a que deviam obediência não seriam perdoados E essas leis eram as leis de natureza e as leis civis do Estado ao qual cada cristão se havia submetido através de um pacto Portanto não devemos entender o fardo que os apóstolos podiam impor aos que tinham 286 440 XLIL Do Poder Eclesiástico convertido como leis mas como condições propostas àqueles que procuravam a salvação e que estes podiam aceitar ou recusar por sua conta e risco sem nenhum novo pecado embora não sem se arriscarem a ser condenados e excluídos do Reino de Deus por causa dos seus pecados passados Por isso São João não disse dos infiéis que a ira de Deus iria cair sobre eles e sim que a ira de Deus permanecia sobre eles e não que eles iriam ser condenados e sim que eles já estavam condenados E não é concebível que o benefício da fé seja a remissão dos pecados a não ser que se conceba ao mesmo tempo que o prejuízo da infidelidade seja a retenção dos mesmos pecados Mas para que fim poderá alguém perguntar é que os apóstolos e depois do tempo destes os outros pastores da Igreja se haviam de reunir para se porem de acordo sobre a doutrina que devia ser ensinada tanto para a fé como para a conduta se ninguém fosse obrigado a obedecer aos seus decretos Ao que se pode responder que os apóstolos e os anciãos desse concilio eram obrigados pelo próprio fato de dele participarem a ensinar a doutrina lá aprovada e decretaram que ela fosse ensinada na medida em que nenhuma lei anterior à qual fossem obrigados a obedecer a tal fosse contrária porém não que todos os outros cristãos fossem obrigados a respeitar o que eles ensinavam Pois embora eles pudessem deliberar sobre o que cada um deles havia de ensinar não podiam deliberar sobre o que os outros deviam fazer a não ser que a sua assembléia tivesse poder legislativo o que só os soberanos civis podiam ter Porque embora Deus seja o soberano do mundo inteiro não somos obrigados a aceitar como sua lei tudo o que qualquer homem nos possa propor em seu nome nem nenhuma coisa contrária à lei civil à qual Deus nos ordenou expressamente que obedecêssemos Assim considerando que os atos do concilio dos apóstolos não eram leis mas conselhos muito menos eram leis os atos de quaisquer outros doutores ou concilios a partir de então se se reuniram sem a autoridade do soberano civil Conseqüentemente os livros do Novo Testamento embora sejam perfeitis Jo 336 Jo 318 287 441 Parte 3 Da República Cristã Do direito de constituir fUncionários eclesiásticos no tempo dos apóstolos simas regras da doutrina cristã não podiam ser tornados leis por nenhuma autoridade a não ser a dos reis ou assembléias soberanas Nada restou do primeiro concílio que fez cânones asl Escrituras que agora possuímos porque a coleção dos cânones dos apóstolos que é atribuída a Clemente o primeiro bispo de Roma depois de São Pedro é objeto de controvérsia Pois embora aí tenham sido compilados os livros canônicos as palavras Sint vobis omnibus clericis laicis libri venerandietc encerram uma distinção entre o clero e os leigos que não era habitual aproximadamente na época de São Pedro O primeiro concílio para estabelecer as Escrituras canônicas de que temos notícia foi o de Laodicéia Can 59 que proíbe a leitura de outros livros nas igrejas o que é um mandato que não se dirige a todos os cristãos mas apenas àqueles que tinham autorização para ler qualquer coisa publicamente na igreja isto é apenas aos eclesiásticos Dos funcionários eclesiásticos do tempo dos apóstolos uns eram magistrais e os outros ministeriais Magistrais eram as funçôes de pregação do Evangelho do Reino de Deus aos infiéis de administração dos sacramentos e do serviço divino e de ensinar as regras da fé e da conduta aos que eram convertidos Ministerial era a função dos diáconos isto é dos que eram encarregados da administração das necessidades seculares da Igreja numa época em que esta vivia de um fundo comum de dinheiro constituído pelas contribuições voluntárias dos fiéis De entre os funcionários magistrais os primeiros e mais importantes eram os apóstolos dos quais havia no início apenas doze que foram escolhidos e nomeados pessoalmente pelo nosso Salvador e a sua função não consistia apenas em pregar ensinar e batizar mas também em serem mártires testemunhas da ressurreição do nosso Salvador Este testemunho era a marca específica e essencial mediante a qual o apostolado se distinguia das outras magistraturas eclesiásticas pois para ser I Syn das mas corrigido na ErrataJ 442 XLII Do Poder Eclesiástico um apóstolo era essencial ou ter visto o nosso Salvador depois da sua ressurreição ou ter convivido com ele antes e ter visto as suas obras e outros argumentos da sua divindade que lhes per mitissem ser considerados testemunhas adequadas Assim na eleição de um novo apóstolo para o lugar de Judas Iscariotes disse São Pedro At 121 e 22 Destes homens que nos acompanharam em todo o tempo em que Jesus nosso Senhor andou entre nós desde o batismo deJoão até o próprio dia em que nos foi arrebatado deve ser ordenado um para ser testemunha da sua ressurreição juntamente conosco Com a palavra deve fica implicada uma propriedade necessária para um apóstolo a saber ter acompanhado os primeiros apóstolos no tempo em que o nosso Salvador se manifestou em carne O primeiro dos apóstolos que não foram nomeados por Cristo no tempo em que passou na terra foi Matias escolhido da seguinte maneira Reuniramse em Jerusalém cerca de uns cento e vinte cristãos At 115 Estes designaram doisjosé o Justo e Matias vers 23 e tiraram a sorte entre ambos E a sorte caiu em Matias que passou a contarse entre os apóstolos vers 26 Por aqui vemos que a ordenação deste apóstolo foi um ato da congregação e não de São Pedro nem dos onze a não ser enquanto membros da assembléia Depois dele não houve nenhum apóstolo que fosse ordenado a não ser Paulo e Barnabé o que foi conforme lemos nos At 131 a 3 da maneira seguinte Havia na igreja que ficava em Antioquia certos profetas e mestres como Barnabé e Simeão que era chamado Niger e Lúcio de Cirene e Manaém que tinha sido criado com Herodes o Tetrarca e Saulo Quando estes estavam ministrando ao Senhor e jejuando disse o Espírito Santo Separaime Barnabé e Saulo para a obra para a qual os chamei E depois de eles jejuarem e orarem e posto as suas mãos sobre eles despediramnos Fica claro pelo exposto que embora fossem convocados pelo Espírito Santo essa convocação lhes foi declarada e a sua missão foi autorizada pela igreja de Antioquia em especial E que essa sua convocação se destinava ao aposto lado é evidente pelo fato de a ambos se chamar apóstolos At 1414 E que foi em virtude desse ato da igreja de Antioquia que eles se torna 288 J Matias féito apóstolo pela congregruão Paulo e Barnabé féitos apóstolos pela igreja de Antioquia 443 Parte 3 Da República Cristã Quais as funções magistrais na igreja ram apóstolos é claramente declarado por São Paulo Rm 11 pelo fato de ter usado a palavra que o Espírito Santo usou na sua convocação Pois ele definiase como um apóstolo separado para o Evangelho de Deus aludindo às palavras do Espírito Santo separaime Barnabé e Saulo etc Mas como a missão de um apóstolo era ser testemunha da ressurreição de Cristo poderia aqui perguntarse como é que São Paulo que não havia convivido com o nosso Salvador antes da sua paixão podia saber que ele ressuscitara A isso facilmente se responde que o nosso Salvador lhe apareceu no caminho de Damasco descendo do céu após a Ascensão e escolheuo como expoente para levar o seu nome aos gentios e aos reis e aos filhos de Israel Conseqüentemente por ter visto o Senhor depois da sua paixão ele era uma testemunha hábil da sua ressurreição Quanto a Barnabé era discípulo antes da Paixão É portanto evidente que Paulo e Barnabé eram apóstolos e foram escolhidos e autorizados não apenas pelos primeiros apóstolos mas pela igreja de Antioquia tal como Matias foi escolhido e autorizado pela igreja de Jerusalém Bispo palavra formada na nossa língua a partir do grego Episcopus significa um inspetor ou superintendente de qualquer empreendimento e particularmente um pastor E depois por metáfora foi tomado não apenas entre os judeus que originalmente eram pastores mas também entre os pagãos no sentido da função de um rei ou qualquer outro dirigente ou guia do povo quer governe pelas leis ou pela doutrina Assim os apóstolos foram os primeiros bispos cristãos instituídos pelo próprio Cristo e neste sentido o apostolado deJudas é chamado o seu bispado At 120 E posteriormente quando as igrejas cristãs nomearam anciãos encarregados de guiar o rebanho de Cristo com a sua doutrina esses anciãos foram também chamados bispos Timóteo era um ancião sendo a palavra ancião no Novo Testamento o nome de um cargo além de indicar a idade mas também era um bispo nesse tempo os bispos contentavamse com o título de anciãos E o próprio São João o apóstolo amado do Senhor começa a sua segunda Epístola com as palavras Do ancião para a senhora eleita Fica então evidente que bispo pastor 289 444 XLII Do Poder Eclesiástico ancião doutor quer dizer mestre eram apenas nomes diversos da mesma função no tempo dos apóstolos Porque nesse tempo não havia governo por coerção mas apenas por doutrina e persuasão O Reino de Deus ainda estava para vir num novo mundo de modo que não podia haver em nenhuma igreja uma autoridade capaz de obrigar antes de a república haver abraçado a fé cristã e assim não podia haver diversidade de autoridade embora houvesse diversidade de funções Além destes cargos magistrais da Igreja nomeadamente os apóstolos os bispos os anciãos os pastores e os doutores cuja missão era proclamar Cristo aos judeus e incréus e dirigir e ensinar os crentes não encontramos menção de nenhum outro no Novo Testamento Porque os nomes de evangelista e profeta não significam um cargo mas diversos dons graças aos quais diversos homens se tornavam úteis à Igreja seja como evangelistas escrevendo a vida e os atos do nosso Salvador como foi o caso dos apóstolos São Mateus e São João e dos discípulos São Marcos e São Lucas e de quem mais escreveu sobre esse assunto como se diz que fizeram São Tomás e São Barnabé embora a Igreja não tenha os livros que levavam os seus nomes seja como profetas pelo dom de interpretar o Antigo Testamento e às vezes por comunicarem à Igreja as suas revelações especiais Pois não eram esses dons nem o dom das línguas nem o dom de expulsar os demônios ou de curar outras doenças nem nenhuma outra coisa que vinha atribuir um cargo da Igreja a não ser unicamente a vocação e eleição para a função de ensinar Tal como os apóstolos Matias Paulo e Barnabé não foram ordenados diretamente pelo nosso Salvador mas eleitos pela Igreja isto é pela assembléia dos cristãos nomeadamente Matias pela Igreja de Jerusalém e Paulo e Barnabé pela igreja de Antioquia assim também os presbíteros e pastores de outras cidades foram eleitos pelas igrejas dessas cidades A fim de o provar examinemos antes de mais nada a maneira como São Paulo procedeu à ordenação dos presbíteros nas cidades onde tinha convertido os habitantes à fé cristã imediatamente após ele e Ordenação de presbiteros 445 Parte 3 Da República Cristã 290 J Bamabé terem recebido o seu apostolado Lemos que At 14 23 eles ordenaram anciãos em todas as igrejas e isso à primeira vista pode ser tomado como argumento provando que eles próprios os escolhiam e lhes conferiam a sua autoridade Mas se considerarmos o texto original ficará manifesto que era a assembléia dos cristãos de cada cidade quem os autorizava e escolhia Porque as palavras originais eram XElpOTOviaaVTEç OVTÔlÇ npEafiVTÉpovÇ KaT EXKÀ1aíav isto é Quando eles os ti nham ordenado anciãos pelo levantar das mãos em cada congregação olher os magistrados e funcionários era a pluralidade de sufrágios E como a maneira normal de distinguir entre os votos afirmativos e os negativos era o levantar das mãos em qualquer das cidades ordenar um funcionário não era mais do que reunir o povo para eleger o funcionário por pluralidade de votos quer fosse pela pluralidade das mãos erguidas quer pela pluralidade das vozes ou pela pluralidade das bolas feijões ou pedrinhas que cada um colocava num vaso marcado como afirmativo ou negativo porque quanto a este ponto as diversas cidades tinham costumes diversos Portanto era a assembléia que elegia os seus próprios anciãos os apóstolos eram apenas presidentes da assembléia encarregados de a convocar para essa eleição e de proclamar os eleitos dandoIhes a bênção o que atualmente se chama consagração E por este motivo os que eram presi dentes das assembléias como na ausência dos apóstolos era o caso dos anciãos eram chamados npoEaTúJTEç e em latim antistites palavras que significam a principal pessoa da assembléia cuja função era contar os votos e declarar quem por eles fora escolhido e em caso de empate de votos decidir o problema em questão acrescentando o seu próprio voto o que é a função do presidente de um concílio E como em todas as igrejas os presbíteros eram ordenados da mesma maneira quando se usa a palavra constituir como em Tt 15 íva KaTaaTianç KaTà 1tÓÂlV npEafiVTÉpoúJÇ por este motivo te deixei em Creta para que constituisses anciãos em todas as cidades deve entenderse a mesma coisa a saber que ele devia reunir os fiéis e ordenar presbíteros por pluralidade de sufrágios Teria sido estranho que numa ci 446 XLII Do Poder Eclesiástico dade onde provavelmente nunca se tinha visto escolher nenhum magistrado sem ser por uma assembléia no momento em que os habitantes dessa cidade se tomassem cristãos eles chegassem sequer a pensar em outra maneira de eleger os seus mestres e guias quer dizer os seus presbíteros também chamados bispos que não fosse por esta pluralidade de sufrágios indicada por São Paulo At 1423 na palavra xapoToviaaVTeç Nem jamais houve nenhuma escolha de bispos antes de os imperadores terem achado necessário regular o assunto a fim de manter a paz entre eles que não fosse mediante as assembléias de cristãos em cada uma das diversas cidades O mesmo é confirmado também pela prática constante até o dia de hoje na eleição dos bispos de Roma Pois se em qualquer lugar o bispo tivesse o direito de escolher outro para lhe suceder na função pastoral em qualquer cidade em qualquer momento em que dela saísse para implantáIa em outro lugar muito mais teria o direito de designar o seu sucessor no lugar em que por último residira e morrera E não constatamos que nenhum bispo de Roma tenha designado o seu sucessor Pois durante muito tempo eles foram escolhidos pelo povo como podemos verificar no caso da sedição suscitada entre Dâmaso e Ursicino por causa da sua eleição da qual diz Amiano Marcelino ter sido tão grande que o prefeitojuvêncio incapaz de manter a paz entre eles se viu obrigado a sair da cidade e que dentro da própria igreja foram nessa ocasião encontrados mortos mais de cem homens E embora depois eles fossem escolhidos primeiro por todo o clero de Roma e mais tarde pelos cardeais nunca um deles foi indicado para a sucessão pelo seu antecessoro Portanto se eles não reivindicavam o direito de designar os seus sucessores creio poderse razoavelmente concluir que eles não tinham o direito de designar os sucessores dos outros bispos antes de receberem qualquer novo poder o qual não podia ser atribuído a ninguém pela Igreja mas apenas por quem possuísse uma autoridade legítima não apenas para ensinar mas também para comandar a Igreja isto é por ninguém a não ser o soberano civil 291 447 Parte 3 Da República Cristã o que são ministros da Igreja A palavra ministro no original L1láKovoç significa alguém que faz voluntariamente o trabalho de outrem e difere do servo apenas no fato de por sua condição o servo ter obrigação perante quem nele manda ao passo que os ministros são obrigados apenas perante o seu empreendimento não sendo portanto obrigados a mais do que empreenderam De modo que tanto os que ensinam a palavra de Deus como os que administram os negócios seculares da Igreja são ministros mas são ministros de pessoas diferentes Porque os pastores da Igreja chamados At 64 os ministros da palavra são ministros de Cristo pois é dele essa palavra Mas o ministério de um diácono a que se chama versÍCulo 2 do mesmo capítulo serviço de altar é um serviço feito à igreja ou congregação Assim ninguém pode nem sequer a igreja inteira dizer que seu pastor é um ministro Mas a um diácano quer o seu cargo seja o de servir o altar ou o de distribuir sustento aos cristãos quando em cada cidade viviam de um fundo comum ou de coletas como nos primeiros tempos ou o de tomar conta da casa de orações ou o de administrar as rendas e outros negócios terrenos da igreja a esse diácono a congregação inteira pode propriamente chamar seu ministro Porque a sua função de diáconos era servir a congregação embora ocasionalmente não deixassem de pregar o Evangelho e de defender a doutrina de Cristo cada um conforme os seus dons como fazia Santo Estêvão ou de ao mesmo tempo pregar e batizar como fazia Filipe Pois esse Filipe que pregava o Evan gelho em Samaria At 85 e batizou o eunuco versÍCulo 38 era Filipe o diácono não Filipe o apóstolo Porque é manifesto versículo 1 que quando Filipe pregava em Samaria os apóstolos estavam em Jerusalém e vers 14 quando ouviram dizer que Samaria tinha recebido a palavra de Deus envioulhes Pedro eJoão por imposição de cujas mãos os que foram batizados vers 15 receberam o que antes do batismo de Filipe não tinham recebido o Espírito Santo Porque para ser concedido o Espírito Santo era necessário que o seu batismo fosse ministrado ou confirmado por um ministro da palavra e não por um ministro da Igre ja Assim para confirmar o batismo dos que Filipe o diácono 292 448 XLI1 Do Poder Eclesiástico havia batizado os apóstolos enviaram de entre eles Pedra e João de Jerusalém para Samaria E eles concederam aos que antes apenas tinham sido batizados aquelas graças que eram os sinais do Espírito Santo que naquele tempo acompanhavam todos os verdadeiros crentes E quais eles eram pode verse pelo que disse São Marcos cap 1617 Estes sinais seguem a quem crê no meu nome eles expulsarão os demônios eles falarão com novas línguas eles pegarão em serpentes e se beberem alguma coisa mortal ela não lhes fará mal eles porão as mãos nos doentes e estes serão curados A possibilidade de fazer isto não podia ser dada por Filipe mas pelos apóstolos podia e eles efetivamente a deram como se verifica nesta passagem a todos os que verdadeiramente acreditavam e haviam sido batizados por um ministro de Cristo E este poder os ministros de Cristo desta época não podem conferir ou então há muito poucos verdadeiros crentes ou Cristo tem muito poucos ministros Que os primeiros diáconos não eram escolhidos pelos apóstolos mas pela congregação dos discípulos isto é de cristãos de toda a espécie encontrase manifesto em Atos 6 onde está escrito que os doze depois que foi multiplicado o número de discípulos os mandaram reunir e depois de lhes dizer que não era próprio que os apóstolos deixassem a palavra de Deus para servirem o altar acrescentaram vers 3 Irmãos procurai entre vós sete homens de honesto testemunho cheios do Espirito Santo e de sabedoria a quem possamos indicar para essa função Fica assim manifesto que embora os apóstolos os declarassem eleitos foi a congregação que os escolheu Isso se afirma mais expressamente vers 5 onde está escrito que esse parecer agradou à multidão que escolheu sete elc No tempo do Antigo Testamento a tribo de Levi era a única capaz de sacerdócio e outros cargos inferiores da Igreja A terra foi dividida entre as outras tribos excetuandose a de Levi que continuavam a ser doze devido à divisão da tribo de José entre Efraim e Manassés Para a habitação da tribo de Levi foram escolhidas certas cidades com os subúrbios para o seu gado e o seu quinhão devia ser a décima parte dos frutos da E como eram escolhidos Das rendas ecksiãsticas sob a Lei de Moisés 449 Parte 3 Da República Cristã 293 terra dos seus irmãos Além disso os sacerdotes tinham para seu sustento um décimo dessa décima parte juntamente com parte das oferendas e sacrifícios Porque Deus dissera a Aarão Nm 1820 Vós não tereis herança da terra deles nem tereis parte entre eles eu sou a vossa parte e a vossa herança entre os filhos de Israel Como então Deus era rei e tinha constituído os membros da tribo de Israel como seus ministros públicos concedeulhes para seu sustento a renda pública quer dizer a parte que Deus reservara para si mesmo que eram os dízimos e as oferendas e éisto que se entende quando Deus diz eu sou a vossa herançaPortanto não é incorreto atribuir aos levitas a designação de clero em razão de KÀi7poç que significa lote ou herança não que eles fossem os herdeiros do Reino de Deus mais do que os outros mas porque a herança de Deus era o seu sustento Ora dado que nesse tempo o próprio Deus era o seu rei e Moisés Aarão e os Sumos Sacerdotes subseqüentes eram os seus lugartenentes é manifesto que o direito aos dízimos e oferendas foi instituído pelo poder civil Depois de rejeitarem Deus e pedirem um rei continuaram a desfrutar da mesma renda Mas o direito a ela derivava do fato de o rei nunca lha ter tirado pois a renda pública estava à disposição de quem fosse a pessoa pública e esta até o cativeiro era o rei Além disso depois do regresso do cativeiro continuaram como antes a pagar os seus dízimos ao sacerdote Portanto até então os meios de vida da Igreja eram determinados pelo soberano civil Quanto ao sustento do nosso Salvador e dos seus apóstolos lemos apenas que eles tinham uma bolsa levada por Judas Iscariotes Além do mais aqueles dentre os apóstolos que eram pescadores valiamse às vezes de sua profissão e quando o nosso Salvador enviou os doze apóstolos para pregar lhes proibiu levar ouro prata e bronze nas suas bolsas pois o trabalhador merece a sua paga Sendo assim parece provável que o seu sustento normal não estivesse em desacordo com o seu emprego pois o seu emprego era versÍCulo 8 dar gratuitamente porque gratuitamente tinham recebido e o seu sustento era a dádiva gratuita daqueles No tempo do nosso Salvador e depois disso Mt 109 e 10 450 XLII Do Poder Eclesiástico que acreditavam na boanova que eles levavam da vinda do Messias seu Salvador A isso podemos acrescentar as contribuições feitas por gratidão por aqueles que o nosso Salvador curara de doenças entre os quais são referidas Lc 823 certas mulheres que tinham sido curadas de maus espíritos e enfermidades Maria Madalena da qual saíram sete diabos eJoana mulher de Cuza procurador de Herodes e Susana e muitas outras que lhes servíram das suas riquezas Depois da Ascensão do nosso Salvador os cristãos de todas as cidades viviam em comum do dinheiro proveniente da venda das suas terras e posses as quais depuseram aos pés dos apóstolos por boa vontade não por dever Porque Enquanto conservavas a terra disse São Pedro a Ananias At 54 ela não era tua E depois de ela ser vendida não estava em teu poder Isso mostra que ele não teria precisado de mentir para conservar a sua terra e o seu dinheiro pois não era obrigado a contribuir com coisa alguma a não ser que tal lhe aprouvesse E tal como no tempo dos apóstolos também nos tempos posteriores até depois de Constantino o Grande verificamos que o sustento dos bispos e pastores da Igreja cristã se devia apenas à contribuição voluntária dos que haviam abraçado a sua doutrina Ainda não havia referência a dízimos mas no tempo de Constantino e seus filhos era tal a afeição dos cristãos pelos seus pastores conforme disse Amiano Marcelino descrevendo a sedição de Dâmaso e Ursicino por causa do bispado que a sua querela valia a pena na medida em que os bispos desse tempo graças à liberalidade do seu rebanho e especialmente das matronas viviam esplendidamente eram transportados em carruagens e tinham mesa e roupagens suntuosas Mas aqui alguém poderá perguntar se nesse tempo os pastores eram obrigados a viver de contribuições voluntárias como de esmolas Pois quem disse São Paulo 1 Cor 97 vai para a guerra à sua própria custa Quem alimenta o rebanho e não bebe o leite do rebanho E também Não sabeis que os que ministram sobre coisas sagradas vivem das coisas do templo e que os que ajudam no altar partilham do altar Quer dizer recebem parte do que é ofereci Atos 434 2941 Os ministros do Evangelho viviam da benevollnaa dos seus rebanhos 1 Cor 913 451 Parte 3 Da República Cristã do no altar para seu sustento E conclui então E assim o Senhor determinou que os que pregam o Evangelho vivam do Evangelho Desta passagem pode sem dúvida inferirse que os pastores da Igreja deviam ser sustentados pelos seus rebanhos porém não competia aos pastores determinar a quantidade ou a espécie dos seus emolumentos como quem numa partilha decide o seu próprio quinhão Portanto os seus emolumentos deviam necessariamente ser determinados pela gratidão e liberalidade de cada um dos membros do seu rebanho ou então pela congregação inteira Todavia não podia ser pela congregação inteira pois nessa época as decisões desta não eram leis Portanto o sustento dos pastores antes de os imperadores e soberanos civis o de terminarem por lei não era mais do que a benevolência Os que serviam no altar viviam do que lhes era oferecido Igualmente os pastores podem aceitar o que lhes é oferecido pelo seu reba nho mas não podem exigir o que não lhes é oferecido A que juízes podiam recorrer se não tinham tribunais Ou se entre eles existiam árbitros quem podia executar as suas sentenças visto que não tinham poder para armar os seus funcionários Resta concluir que apenas a congregação inteira podia atribuir a quaisquer pastores da Igreja um sustento certo e mesmo isto somente no caso de os seus decretos terem a força de leis e não apenas de cânones leis essas que só poderiam ser feita pelos imperadores reis e outros soberanos civis O direito dos dízimos da lei de Moisés não podia ser aplicado aos ministros do Evan gelho desse tempo porque Moisés e os Sumos Sacerdotes eram os soberanos civis do povo abaixo de Deus cujo Reino entre os judeus era presente ao passo que o Reino de Deus pelo Cristo ainda está para vir Até aqui mostrouse o que são os pastores da Igreja quais são os pontos da sua missão como por exemplo pregar ensinar batizar ser presidentes das suas respectivas congregações o que é a censura eclesiástica a saber a excomunhão quer dizer nos lugares onde o cristianismo era proibido pelas leis civis evitar a companhia dos excomungados e onde o cristianismo era sancionado pelas leis civis expulsar os excomunga 452 XLII Do Poder Eclesiástico dos das congregações de cristãos quem elegia os pastores e ministros da Igreja que era a congregação e quem os consagrava e abençoava que era o pastor quais as rendas que lhes eram devidas que não eram mais do que as suas próprias posses e o seu próprio trabalho e as contribuições voluntárias dos cristãos devotos e gratos Passamos agora a examinar que função têm na Igreja as pessoas que sendo soberanos civis ao mesmo tempo abraçaram a fé cristã Em primeiro lugar é preciso lembrar que o direito de julgar que doutrinas favoráveis à paz devem ser ensinadas aos súditos se encontra em todas as repúblicas inseparavelmente dependente conforme já se provou no capítulo XVIII do poder civil soberano quer ele pertença a um homem ou a uma assembléia Pois mesmo para a mais medíocre inteligência é evidente que as ações dos homens derivam das suas opiniões acerca do bem ou do mal que dessas ações para eles redundam e em conseqüência os homens que se deixam possuir pela opinião de que a sua obediência ao poder soberano lhes serão mais prejudicial do que a sua desobediência desobedecerão às leis contribuindo assim para destruir a república e introduzir a confusão e a guerra civil contra as quais todo o governo civil foi instituído Assim em todas as repúblicas dos pagãos os soberanos recebiam o nome de pastores do povo pois não era legítimo que nenhum súdito ensinasse o povo sem sua licença e autorização Não se pode considerar que a conversão à fé de Cristo retire o direito dos reis pagãos já que ele nunca determinou que os reis devido a nele acreditarem fossem depostos isto é sujeitos a alguém que não ele mesmo ou então o que é a mesma coisa fossem privados do poder necessário para a preservação da paz entre os seus súditos e para a sua defesa contra os inimigos estrangeiros Portanto os reis cristãos continuam sendo os supremos pastores do seu povo e têm o poder de ordenar os pastores que lhes aprouver para ensinar na Igreja isto é para ensinar o povo que está a seu cargo Mais ainda mesmo que o direito de os escolher pertença à Igreja como acontecia antes da conversão dos reis pois assim 295 Que o soberano civil quando cristão tinha o direito de nomear pastores 453 Parte 3 Da República Cristã 296 era no tempo dos próprios apóstolos conforme já se mostrou neste capítulo ainda assim o direito pertence ao soberano civil desde que cristão Pois pelo fato de ser cristão ele autoriza o ensino e pelo fato de ser o soberano o que é o mesmo que dizer a Igreja por representação os mestres por eles eleitos são eleitos pela Igreja E quando uma assembléia de cristãos escolhe o seu pastor numa república cristã é o soberano quem o elege pois tal é feito pela sua autoridade Da mesma maneira como quando uma cidade escolhe o seu prefeito se trata de um ato daquele que detém o poder soberano pois todo o ato praticado é um ato daquele sem cujo consentimento ele seria inválido Assim sejam quais forem os exemplos que se possam tirar da história quanto à eleição dos pastores pelo povo ou pelo clero esses exemplos não constituem argumentos contra o direito de nenhum soberano civil pois aqueles que os elegeram fizeramno pela sua autoridade Portanto considerando que em toda república cristã o soberano civil é o supremo pastor que tem a seu cargo todo o rebanho dos seus súditos e que conseqüentemente é pela sua autoridade que todos os outros pastores são nomeados e adquirem o poder de ensinar e de desempenhar todas as outras funções pastorais seguese também que é do soberano civil que todos os outros pastores recebem o direito de ensinar de pregar e outras funções pertinentes ao seu cargo E também que eles são apenas seus ministros do mesmo modo que os magistrados das cidades os juízes dos tribunais de justiça e os comandantes dos exércitos são apenas ministros daquele que é o magistrado de toda a república o juiz de todas as causas e o comandante de toda a milícia que é sempre o soberano civil E a razão disto não é que sejam seus súditos os que ensinam mas que o são os que vão aprender Suponhamos que um rei cristão confira a autoridade de ordenar pastores nos seus domínios a um outro rei poder que diversos reis cristãos atribuem ao papa Com isso ele não estará constituindo um pastor acima de si mesmo nem um soberano pastor acima do seu povo pois isso equivaleria a privarse do poder civil o qual dependendo da opinião que os 454 XLII Do Poder Eclesiástico homens têm do seu dever para com ele e do medo que têm do castigo num outro mundo dependeria também da habilidade e lealdade dos doutores E estes não estão menos sujeitos do que nenhuma outra espécie de homens não apenas à ambição mas também à ignorância Por isso quando um estrangeiro tem autoridade para escolher os mestres esta éIhe dada pelo sobe rano em cujos domínios ensina Os doutores cristãos são nos sos professores de cristianismo mas os reis são pais de família que podem aceitar professores para os seus súditos por reco mendação de um estranho porém não por ordem deste especialmente se o mau ensino redundar em grande e manifesto proveito para aquele que os recomenda Tampouco podem ser obrigados a conserváIa mais do que o necessário para o bem público que se encontra a seu cargo na exata medida em que conservam quaisquer outros direitos essenciais da soberania Portanto se alguém perguntar a um pastor no desempenho do seu cargo como os principais sacerdotes e anciãos do povo perguntaram ao nosso Salvador Mt 2123 Por que autoridade fazes essas coisas e quem te deu tal autoridade a única resposta correta será que o faz pela autoridade da república a qual lhe foi dada pelo rei ou assembléia que o representa Todos os pastores com exceção do supremo pastor desempenham as suas funções pelo direito isto é pela autoridade do soberano civil isto éjure civili Mas o rei ou qualquer outro soberano desem penha o seu cargo de supremo pastor pela imediata autorida de de Deus quer dizer por direito de Deus ou jure divino Assim só os reis podem incluir nos seus títulos como marca da sua submissão apenas aDeus Dei gratia Rex etc Os bispos devem di zer no início dos seus mandatos pelo favor da majestade do rei bispo de tal ou tal diocese ou então como ministros civis em nome de Sua Majestade Porque ao dizer divina providentia que é o mes mo que Dei gratia embora disfarçadamente eles estão negando receber do Estado civil a sua autoridade e estão subrepticia mente tirando a coleira da sua sujeição civil contrariamente àunidade e defesa da república Mas se todo soberano cristão for o supremo pastor dos seus próprios súditos possuirá também ao que parece a autoridade 455 Só a autoridade pastoral dos soberanos é de jure divino e a dos outros pastores é jure civili 297 Os reis cristãos têm o poder de exercer todo tipo de jitTUjão pastoral Parte 3 Da República Cristã Jo42 não apenas de pregar o que talvez ninguém negue mas também de batizar e de administrar o sacramento da ceia do Senhor de consagrar ao serviço de Deus tanto os templos como os pastores o que é negado pela maior parte das pessoas em parte porque ele não costuma fazêIo e em parte porque a administração dos sacramentos e a consagração de pessoas e lugares para uso sagrado exige a imposição das mãos daqueles homens que mediante uma idêntica imposição e continuamente desde o tempo dos apóstolos foram ordenados para idêntico ministério Assim como prova de que os reis cristãos têm poder para batizar e consagrar vou apresentar uma razão para expli car por que eles não costumam fazêIo e também como sem a habitual cerimônia da imposição das mãos eles se tornam capazes de o fazer se tallhes aprouver Não resta dúvida de que qualquer rei no caso de ser versado em ciências poderia ele próprio dar aulas sobre elas pelo mesmo direito do seu cargo com o qual autoriza outros a dar essas aulas nas Universidades Não obstante como o cuidado com o conjunto dos assuntos da república lhe toma completamente o tempo não seria conveniente que ele se dedicasse pessoalmente a tal atividade Também um rei pode se assim lhe aprou ver tomar assento em juízo para ouvir e decidir toda espécie de causas tal como pode dar a outros autoridade para o fazer em seu nome mas as funções de mando e governo que lhe com petem obrigamno a estar constantemente ao leme delegando as funções ministeriais a outros submetidos a ele De maneira semelhante o nosso Salvador que indubitavelmente tinha poder para batizar não batizava ninguém pessoalmente mas mandava batizar aos seus apóstolos e discípulos E assim também São Paulo devido à necessidade de pregar em diversos e distantes lugares batizava poucos dentre todos os coríntios batizou apenas Crispo Caio e Estêvão e a razão disso era que a sua função principal era a pregação Fica então manifesto que o cargo maior como o governo da Igreja dispensa do menor Assim a razão de não ser costume os reis cristãos batizarem é evidente e é a mesma pela qual ainda hoje poucos são os batizados pelos bispos e pelo papa ainda menos 7 Cor 774 e 76 7 Cor 777 456 XLIl Do Poder Eclesiástico Quanto à imposição das mãos se ela é ou não necessária para autorizar os reis a batizar e a consagrar podemos considerar o seguinte A imposição das mãos era entre os judeus uma antiqüíssima cerimônia pública mediante a qual era designada e tomada certa a pessoa ou qualquer outra coisa pretendida numa oração bênção sacrifício consagração condenação ou outro discurso de alguém Assim ao abençoar os filhos deJoséJacó Gn 4814 pousou a sua mão direita sobre Efraim o mais novo e a sua mão esquerda sobre Manassés o primogênito e fez isto conscientemente embora eles lhe tivessem sido apresentados por José de maneira tal que se viu obrigado a estender os braços em cruz para o fazer para indicar a quem pretendia dar a maior bênção Também ao fazer o sacrifício da oferenda se ordena a Aarão Ex 2910 colocar as suas mãos na cabeça do boi e vers 15 colocar a sua mão na cabeça do carneiro O mesmo se diz também em Lv 14 e 814 De maneira semelhante Moisés quando ordenou Josué como capitão dos israelitas isto é quando o consagrou ao serviço de Deus Nm 2723 colocou suas mãos sobre ele e deulhe o seu cargo designando e tornando certo a quem eles deviam obedecer na guerra E na consagração dos levitas Nm 810 Deus ordenou que os filhos de Israel pousassem suas mãos sobre os levitas E na condenação daquele que tinha blasfemado contra o Senhor Lv 2414 Deus ordenou que todos os que o ouvissem pousassem suas mãos na sua cabeça e que toda a congregação o apedrejasse E por que haviam de ser apenas os que o ouvissem a pousar nele as suas mãos em vez de um sacerdote um levita ou outro ministro da justiça a não ser porque mais ninguém seria capaz de designar e mostrar aos olhos da congregação quem era que tinha blasfemado e merecia morrer E usar a mão para designar à visão um homem ou qualquer outra coisa é menos passível de erro do que fazer a mesma coisa mas usando um nome para dirigirse ao ouvido E a tal ponto era observada esta cerimônia que ao abençoar em conjunto toda a congregação o que não pode ser feito pela imposição das mãos ainda assim Aarão Lv 922 ergueu a 298J 457 Parte 3 Da República Cristã 299 sua mão em direção ao povo quando o abençoou E lemos também sobre uma idêntica cerimônia de consagração dos templos entre os pagãos que o sacerdote punha as mãos num dos pilares do templo ao mesmo tempo que ia pronunciando as palavras de consagração Dai que natural é designar qualquer coisa especifica com a mão para dar certeza aos olhos de preferência às palavras para informar os ouvidos nas questôes do serviço público de Deus Portanto essa cerimônia não era nova no tempo do nosso Salvador Porque J airo Mc 523 cuja filha estava doente não rogou ao nosso Salvador que a curasse mas que pousasse nela as suas mãos para que ela se curasse E também Mt 1913 eles levaram até ele criancinhas para que ele pousasse as suas mãos sobre elas e orasse Segundo esse antigo ritual os apóstolos e presbíteros e o próprio presbiterato punham as mãos sobre aqueles a quem ordenavam como pastores ao mesmo tempo que oravam para que eles recebessem o Espírito Santo E isso não apenas uma vez mas em certos casos mais vezes quando aparecia uma nova ocasião Mas o fim era sempre o mesmo isto é uma designação pontual e religiosa da pessoa ordenada quer fosse para uma função pastoral em geral quer fosse para uma missão especial Assim At 66 os apóstolos oraram e puseram as suas mãos sobre os sete diáconos o que não foi feito para lhes dar o Espírito Santo pois eles estavam cheios do Espírito Santo antes de serem escolhidos como se verifica imediatamente antes no versículo 3 mas para os designar para essa função E depois de Filipe o diácono ter convertido certas pessoas em Samaria Pedro e João foram lá At 817 e pousaram as suas mãos sobre eles e eles receberam o Espírito Santo E não eram apenas os apóstolos que tinham esse poder mas também os presbíteros Pois São Paulo aconselhou a Timóteo 1 Tm 522 que não pusesse as mãos bruscamente em ninguém isto é não designasse apressadamente a ninguém para o cargo de pastor O presbiterato inteiro pôs as mãos em Timóteo conforme lemos em 1 Tm 414 mas aqui devese entender que algum deles o fez por delegação do presbiterato mui 458 XLIl Do Poder Eclesiástico to provavelmente o seu npoeo1ÕJç ou prolocutor que talvez fos se o próprio São Paulo Porque em 2 Tm 16 ele dizlhe Reparte o dom do Senhor que está em ti pela imposição das minhas mãos onde de passagem se deve salientar que por Espírito Santo não se entende aqui a terceira pessoa da Trindade mas os dons necessários para a função pastoral Lemos também que São Paulo recebeu duas vezes a imposição das mãos uma vez de Ananias em Damasco At 917s no momento do seu batismo e outra vez At 133 em Antioquia da primeira vez que foi enviado para pregar Portanto a utilidade desta cerimônia na ordena ção dos pastores era designar a pessoa a quem se conferia esse poder Mas se então tivesse havido algum cristão que já antes tivesse poder para ensinar o seu batizado isto é o ato de fazer dele um cristão não lhe teria dado nenhum novo poder teria somente feito que ele pregasse a verdadeira doutrina isto é que ele usasse corretamente o seu poder e portanto a imposição das mãos teria sido desnecessária e o batismo por si só teria sido suficiente Porém antes do cristianismo todo soberano tinha o poder de ensinar e de ordenar mestres portanto o cristianismo não lhes veio dar nenhum novo direito mas apenas orientáIos quanto à maneira de ensinar a verdade Portanto não precisavam de nenhuma imposição das mãos além da que é feita no batismo para autorizáIos ao exercício de qualquer das funçôes pastorais nomeadamente o batismo e a consagração E no Antigo Testamento embora o sacerdote tivesse o direito de consagrar durante o tempo em que a soberania residia no Sumo Sa cerdote não tinha esse direito no tempo em que a soberania residia no rei Com efeito lemos 1 Rs 8 que Salomão abençoou o povo consagrou o templo e proferiu aquela oração pública que hoje serve de padrão para a consagração de todas as igrejas e capelas cristãs o que mostra que ele não tinha ape nas o direito ao governo eclesiástico tinha também o de exercer funçôes eclesiásticas Graças a essa consolidação do direito politico e eclesiástico nos soberanos cristãos fica evidente que eles têm sobre os seus súditos toda espécie de poder que pode ser conferido a um ho o soberano doi quando cristão é chefe da Igreja nos seus donúnios 459 Parte 3 Da República Cristã 300 J mem para o governo das ações externas dos homens tanto em política como em religião e que podem fazer as leis que se lhes afigurarem melhores para o governo dos seus súditos tanto na medida em que eles são a república como na medida em que eles são a Igreja pois o Estado e a Igreja são os mesmos homens Portanto se tal lhes aprouver podem entregar ao papa como hoje fazem muitos reis cristãos o governo dos seus súditos em matéria de religião Mas então o papa ficaIhes subordinado quanto a este ponto e exerce esse cargo no domínio de outrem jure civili pelo direito do soberano civil e não jure divino pelo direito de Deus Por conseguinte pode ser demitido dessas funções sempre que o soberano tal considerar necessário para o bem dos seus súditos Este também pode se tal lhe aprouver confiar o cuidado da religião a um pastor Supremo ou a uma assembléia de pastores atribuindoIhes o poder sobre a Igreja ou uns sobre os outros que considerar mais conveniente e os títulos de honra que quiser como bispo arcebispo padre ou presbítero e estabelecer para seu sustento as leis que lhe aprouver seja por dízimos ou de outra maneira desde que o façam com sinceridade de convicção da qual só Deus pode ser juiz É ao soberano civil que compete nomear os juízes e intérpretes das Escrituras canônicas pois é ele que as transforma em leis Também é ele quem dá força às excomunhões que seriam desprezadas se não fosse graças àquelas leis e castigos que são capazes de reduzir à humildade os mais obstinados libertinos obrigandoos a se unirem ao restante da Igreja Em resumo é ele quem tem o poder supremo em todas as causas quer eclesiásticas ou civis no que diz respeito às ações e às palavras pois só estas são conhecidas e podem ser acusadas E do que nin guém pode ser acusado não existe juiz de espécie alguma a não ser Deus que conhece o coração E estes direitos são inerentes a todos os soberanos sejam monarcas ou assembléias pois os que são os representantes de um povo cristão são os representantes da Igreja porque uma Igreja e uma república de gente cristã são uma e mesma coisa Embora tudo ísto que aqui disse assim como em outras passagens deste livro pareça suficientemente claro para afirmar Exame dos Livros do Cardeal Belarmino De Summo Pontifice 460 XLII Do Poder Eclesiástico o supremo poder eclesiástico dos soberanos cristãos dado que a pretensão universal do papa de Roma a esse poder foi sustentada principalmente e creio que com a maior força possível pelo Cardeal Belarmino na sua controvérsia De Summo Pontifice considerei necessário examinar com a maior brevidade possível os fundamentos e a solidez do seu discurso Dos cinco livros que escreveu sobre o assunto o primeiro contém três questões A primeira referese a qual é absolutamente o melhor governo a monarquia a aristocracia ou a democracia e conclui que nenhuma destas e sim um governo misto de todas as três A segunda qual destas é o melhor governo da Igreja e conclui por uma forma mista mas com o predomínio da monarquia A terceira se nesta monarquia mista São Pedra ocupa o lugar de monarca Quanto à sua primeira conclusão já provei suficientemente cap XVIII que todos os governos a que os homens são obrigados a obedecer são simples e absolutos Na monarquia há apenas um homem com o poder supremo e todos os outros homens que têm no Estado qualquer espécie de poder têmno por sua delegação enquanto tal lhe apraz e usam desse poder em seu nome E numa aristocracia ou numa democracia há apenas uma assembléia suprema com o mesmo poder que na monarquia pertence ao monarca o que não é soberania mista mas absoluta Mas num lugar onde uma dessas três formas de governo já seja a estabelecida não se deve discutir qual delas é a melhor devendo ser sempre preferida mantida e considerada melhor a que já existe pois é contrário tanto à lei de natureza como à lei positiva divina fazer alguma coisa que tenda para a sua subversão Além do mais nada tem a ver com o poder de nenhum pastor a não ser que detenha a soberania civil qual seja a melhor forma de governo pois a sua vocação não é de governar os homens pelo mando mas de os ensinar e persuadir com argumentos deixandoIhes o cuidado de decidir se devem aceitar ou rejeitar a doutrina ensinada Porque a monarquia a aristocracia e a democracia demarcam para nós três espécies de soberanos não de pastores ou então como também podemos dizer três espécies de chefes de família e não três espécies de professores para os filhos o primeiro livro 301 461 II1I1 I 111 Parte 3 Da República Cristã Portanto a segunda conclusão relativa à melhor forma de governo da Igreja nada vale quanto à questão do poder do papa fora dos seus próprios domínios pois em todas as outras repú blicas o seu poder se tiver algum é apenas o do professor não o do chefe de família Quanto à terceira conclusão a saber que São Pedro era monarca da Igreja cita ele como seu principal argumento uma passagem de São Mateus caps 16 18 e 19 Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja etc E dartef1i as chaves do céu tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desatares na terra será desatado no céu Passagem esta que se bem examinada nada mais prova senão que a Igreja de Cristo tinha como fundamento um único artigo a saber o que Pedro professando em nome de todos os apóstolos deu oportunidade ao nosso Salvador para falar as palavras aqui citadas Para compreender claramente quais essas palavras devemos lembrar que o nosso Salvador pregava unicamente por ele mesmo por João Batista e pelos seus apóstolos um único artigo de fé que ele era o Cristo não exigindo os outros artigos senão a fé que nesse se fundamentaJoão começou primeiro Mt 107 pregando apenas isto O Reino de Deus está próximo E o nosso Salvador pregava o mesmo Mt 417 e quando encarrega os doze apóstolos da sua missão Mt 107 não há referência à pregação de nenhum outro artigo a não ser esse Era este o artigo fundamental e é ele o fundamento da fé da Igreja Posteriormente quando os apóstolos voltaram a ele perguntou a todos eles e não apenas a Pedro Mt 1613 quem os homens diziam que ele era e eles responderam que alguns diziam que ele era São João Batista outros Elias outros Jeremias ou um dos profetas Então ele voltou a perguntarlhes e não apenas a Pedro vers 15 Quem dizeis vós que eu sou Ao que São Pedro respondeu em nome de todos Tu és Cristo Filho de Deus vivo e este como já disse é o fundamento da fé de toda a Igreja Foi então que o nosso Salvador aproveitando a ocasião disse Sobre esta pedra construirei a minha Igreja Fica assim manifesto que a pedra fundamental da Igreja era o mesmo que o artigo fundamental da fé da Igreja Mas então por que razão ob 302 462 XLII Do Poder Eclesiástico jetarão alguns o nosso Salvador disse também as palavras Tu és Pedro Se o original deste texto tivesse sido rigorosamente traduzido a razão teria aparecido claramente é preciso lembrar que o apóstolo Simão era apelidado Pedra que é a significação da palavra siríaca cephas e da palavra grega Petrus Portanto de pois da confissão daquele artigo fundamental e referindose ao seu nome disse ele assim como se fosse na nossa língua Tu és Pedra e sobre esta pedra construirei a minha Igreja O que equivale a dizer que o artigo Eu sou Cristo é o fundamento de toda a fé que eu exijo dos que vão ser membros da minha Igreja E esta referência a um nome não é coisa inabitual na fala comum mas teria sido uma fala estranha e obscura se o nosso Salvador tencionando construir a sua Igreja sobre a pessoa de São Pedro tivesse dito Tu és uma pedra e sobre esta pedra construirei a minha Igreja quando seria tão óbvio ter dito sem ambigüidade construi rei minha Igreja sobre ti pois neste caso teria continuado a haver a mesma referência ao seu nome E quanto às palavras dartef1i as chaves do céu etc não se trata de mais do que o nosso Salvador deu também aos seus restantes discípulos Mt 1818 Tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desatares na terra será desatado no céu Mas seja como for que isto se interprete não resta dúvida de que o poder aqui conferido pertence a todos os Supremos Pastores como são todos os soberanos civis cristãos nos seus próprios domínios Tanto assim é que se São Pedro ou o nosso Salvador em pessoa tivesse convertido qualquer desses soberanos levandoo a acreditar nele e a reconhecer o seu Reino como o seu Reino não é deste mundo teria confiado unicamente a esse soberano o supremo cuidado de converter os seus súditos caso contrário teria de o privar da soberania à qual está indissoluvelmente ligado o direito de ensinar E isto é quanto basta como refutação do seu primeiro livro onde pretende provar que São Pedro foi o monarca universal da Igreja quer dizer de todos os cristãos do mundo O segundo livro tem duas conclusões Uma é que São Pedro foi bispo de Roma e lá morreu A outra é que os papas de o segundo iuro 463 Parte 3 Da República Cristã 303 Roma são seus sucessores Ambas estas conclusões têm sido contestadas por outros Mas mesmo supondo que são verdadeiras se acaso por bispo de Roma se entender o monarca da Igreja ou seu Supremo Pastor esse bispo não foi Silvestre e sim Constantino que foi o primeiro imperador cristão E do mesmo modo que Constantino também todos os outros imperadores cristãos eram por direito os bispos supremos do Império Romano Digo do Império Romano não de toda a cristandade pois os outros soberanos cristãos tinham o mesmo direito nos seus diversos territórios por tratarse de um cargo essencialmente inerente à sua soberania Isso vale como resposta ao seu segundo livro No terceiro livro discute ele o problema de saber se o papa é o Anticristo Quanto a mim não vejo argumento algum capaz de provar que ele o é no sentido em que esse nome é usado nas Escrituras E também não tiro da qualidade de Anticristo nenhum argumento capaz de contradizer a autoridade que ele exercia ou que até então exercera nos domínios de qualquer outro príncipe ou Estado É evidente que os profetas do Antigo Testamento predis seram e os judeus esperavam um Messias isto é um Cristo que viria restabelecer entre eles o Reino de Deus por eles rejeitado no tempo de Samuel quando pediram um rei à maneira das outras nações Esta sua expectativa tornavaos sujeitos às imposturas de todos quantos tinham ao mesmo tempo a ambição de conseguir esse reino e a arte de enganar o povo mediante milagres falsificados uma vida hipócrita ou orações e doutrinas plausíveis Por isso nosso Salvador e seus apóstolos preveniram o povo contra os falsos profetas e os falsos Cristos Os falsos Cristos são aqueles qlle pretendem ser o Cristo porém não o são e são propriamente chamados Anticristos no mesmo sentido em que quando se deu um cisma na Igreja por causa da eleição de dois papas cada um deles chamava ao outro Antipapa ou falso papa Portanto o Anticristo na sua significação própria tem duas características essenciais Uma delas é negar que Jesus é o Cristo e a outra é pretender ser ele mesmo o Cristo A primeira característica é definida por São João na sua primeira o terceiro livro 464 XLII Do Poder Eclesiástico Epístola capítulo 4 versículo 3 Todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus e esse é o espírito do Anticristo A outra caracteristica exprimese nas palavras do nosso Salvador Mt 245 Muitos virão em meu nome dizendo Eu sou o Cristo e também Se alguém vier a vós e disser aqui está o Cristo aí está Cristo não o acrediteis Portanto o Anticristo é forçosamente um falso Cristo isto é um dos que reivindicam ser o Cristo E destas duas características negar que Jesus seja o Cristo e afirmar de si mesmo que é o Cristo seguese que tem que existir também um adversário de Jesus o verdadeiro Cristo o que é uma outra significação habitual da palavra Anticristo Mas entre estes numerosos Anticristos existe um especial Ó AÍTlXPwroÇ O Anticristo ou Anticristo definido como uma certa pessoa e não indefinidamente um Anticristo Ora visto que o papa de Roma nem reivindica sêIo ele mesmo nem nega que Jesus seja o Cristo não percebo como ele pode ser chamado Anticristo palavra esta pela qual não se entende alguém que falsamente reivindica ser o seu lugartenente ou vigário geral mas ser Ele Há também uma característica relativa ao tempo desse Anticristo especial como vemos em Mt 2415 quando aquele abominável destruidor a que se refere Daniel se erguer no lugar sagrado ocorrendo uma tribulação como nunca houve desde o princípio do mundo nem voltará a haver pois se durasse muito tempo versÍCulo 22 nenhuma carne se salvaria mas por causa dos eleitos esses dias serão encurtados serão menos dias Mas essa tribulação ainda não ocorreu pois ela será seguida imediatamente versículo 29 por um obscurecimento do Sol e da Lua por uma queda das estrelas por um abalo dos céus e o glorioso retorno do nosso Salvador por entre as nuvens Portanto O Anticristo ainda não chegou ao passo que muitos papas já vieram e se foram É certo que o papa arrogandose o direito de ditar leis a todos os reis e nações da cristandade usurpou um reino deste mundo que Cristo não reservou para si porém não faz como Cristo e sim para Cristo e nisso nada há de O Anticristo No quarto livro a fim de provar que o papa é o supremo juiz de todas as questões de fé e de costumes o que é o mesmo Dn927 304 o quarto livro 465 Parte 3 Da República Cristã Textos a favor da infalibilidade dos juizos do papa em questões deft que ser o monarca absoluto de todos os cristãos do mundo apresenta ele três proposições A primeira é que os seus juízos são infalíveis A segunda é que ele pode fazer autênticas leis castigando os que não as respeitam A terceira é que o nosso Salvador conferiu ao papa de Roma toda a jurisdição eclesiástica Para provar a infalibilidade dos seus juízos alega as Escrituras e em primeiro lugar uma passagem de Lc 2231 Simão Simão Satanás desejou poder peneirarte como trigo mas eu orei por ti para que a tua fé não fraqueje e tu uma vez convertido fortalece a teus irmãos Conforme a exposição de Belarmino isto significa que Cristo concedeu aqui a Simão Pedro dois privilégios um deles era que a sua fé não fraquejasse nem a fé de nenhum dos seus sucessores o outro era que nem ele nem nenhum dos seus sucessores jamais definira erroneamente nem contrariamente àdefinição de um papa anterior nenhum ponto relativo à fé ou aos costumes Essa é uma interpretação estranha e extremamente forçada Quem ler com atenção esse capítulo verificará que não existe passagem em todas as Escrituras que mais milite contra a autoridade do papa do que precisamente esta passagem Quando os sacerdotes e os escribas pretendiam matar o nosso Salvador na Páscoa eJudas estava decidido a traí10 no dia da matança do cordeiro pascal o nosso Salvador celebrouo com os seus apóstolos o que declarou não voltaria a fazer até a chegada do Reino de Deus e disselhes também que um deles o iria trair Ao que eles perguntaram qual deles iria fazêlo e além disso como a próxima Páscoa que o Mestre iria celebrar seria já como Rei entraram numa discussão sobre quem seria então o maior homem Então o nosso Salvador lhes disse que os reis das nações tinham domínio sobre os seus súditos e eram designados por uma palavra que em hebreu significa generoso mas isso eu não posso ser para vós deveis esforçarvos por vos servir uns aos outros eu vos ordeno um Reino mas tal como meu Pai mo ordenou a mim um Reino que vou agora comprar com o meu sangue e que só vou possuir após a minha segunda vinda então comereis e bebereis à minha mesa e sentarvoseis em tronos julgando as doze tribos de Israel 466 XLIl Do Poder Eclesiástico Então dirigindose a São Pedro disse Simão Simão Satanás tenta sugerindo uma dominação presente enfraquecer a tua fé no ftturo mas eu orei por ti para que a tua fé não fraqueje Portanto tu notai isto estando convertido e compreendendo que o meu Reino é de outro mundo consolida a mesma fé nos teus irmãos Ao que São Pedro respondeu como alguém que já não espera nenhuma autoridade neste mundo Senhor estou pronto para ir contigo não apenas para a prisão mas também para a morte Fica claro portanto não apenas que não foi dada a São Pedro nenhuma jurisdição neste mundo mas também que lhe foi dado o encargo de ensinar aos outros apóstolos que eles também não teriam nenhuma Quanto à infalibilidade das sentenças definitivas de São Pedro em matéria de fé o que pode atribuirselhe com base neste texto é unicamente que São Pedro devia conservar a sua crença neste ponto a saber que Jesus voltaria de novo e possuiria o Reino no dia do Juízo Final o que por este texto não é atribuído a todos os seus sucessores dado que no mundo atual vemos que o continuam a reclamar A segunda passagem é a de Mt 16 Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja e os portões do inferno não prevalecerão contra ela Ela prova apenas conforme já mostrei neste capítulo que os portões do inferno não prevalecerão contra a confissão de Pedro que deu origem a essa fala nomeadamente esta que Jesus é Cristo Filho de Deus O terceiro texto é o de Jo 21 versículos 16 e 17 alimenta as minhas ovelhas e este encerra somente uma missão de ensinar E se concedermos que os restantes apóstolos estão incluidos na designação de ovelhas tratarseá do supremo poder de ensinar mas apenas para o tempo em que não havia soberanos cristãos que já possuis sem essa supremacia Mas já provei que os soberanos cristãos são nos seus domínios os supremos pastores e que são instituídos como tais em virtude de serem batizados embora sem nenhuma outra imposição de mãos Como essa imposição é uma cerimônia para designar a pessoa tornase desnecessária visto que ele já está designado para o poder de ensinar a doutrina que lhe aprouver por sua instituição como de 305 J 467 II Parte 3 Da República Cristã 306 tentor de um poder absoluto sobre os seus súditos Pois conforme já mostrei antes os soberanos são em virtude do seu cargo os supremos mestres em geral e ficam obrigados pelo seu batismo a ensinar a doutrina de Cristo E quando permitem a outros ensinarem ao seu povo fazemno com risco das suas próprias almas pois será aos chefes de família que Deus irá pedir contas da instrução dos seus filhos e servos Foi do próprio Abraão e não de um contratado que Deus disse Gn 1819 Sei que ele ordenará aos seus filhos e à sua casa que o sigam no caminho do Senhor fazendo justiça e julgamento A quarta passagem é a de Ex 2830 Tu porás no peitoral do juízo o Urim e o Tumim o que ele diz ser interpretado pelos Septuaginta como 8iJÂmnv Kai áÂiJOtzav isto é evidência e ver dade E daí conclui que Deus havia dado a evidência e a verdade o que é quase a infalibilidade ao Sumo Sacerdote Mas quer seja a evidência e a verdade o que foi dado quer seja apenas uma advertência ao sacerdote para se esforçar por se informar claramente e proferir juízos corretos o certo é que na medida em que tal foi dado ao Sumo Sacerdote foio também ao soberano civil Pois era esta abaixo de Deus a qualidade do Sumo Sacerdote na república de Israel o que constitui um argumento a favor da evidência e da verdade isto é da supremacia eclesiástica dos soberanos civis sobre todos os seus súditos contra o pretenso poder do papa São estes todos os textos por ele alegados em favor da infalibilidade de juízo do papa em matéria de fé Quanto à infalibilidade de seu juízo relativamente aos costumes alega ele um texto que é o de Jo 1613 Quando o esPírito da verdade chegar ele vos guiará até toda a verdade onde diz ele por toda a verdade se entende pelo menos toda a verdade necessá ria para a salvação Mas com esta forma mitigada ele não atribui ao papa mais infalibilidade do que a nenhuma pessoa que professe o cristianismo e não vai ser condenada Pois se qualquer pessoa errar em qualquer ponto onde não errar seja necessário para a salvação é impossível que ela seja salva pois para a salvação é necessário unicamente aquilo sem o que é impossível serse salvo Quais são esses pontos vou declaráIo com Textos sobre a mesma questão quanto aos costumes 468 J XLII Do Poder Eclesiástico base nas Escrituras no capítulo seguinte Aqui direi simplesmente que mesmo concedendo que ao papa é impossível ensinar qualquer erro tal não lhe dá direito a nenhuma jurisdição nos domínios de outro príncipe a não ser que ao mesmo tempo sustentemos que cada um é obrigado em consciência a dar trabalho em todas as ocasiões ao melhor trabalhador mesmo que tenha anteriormente prometido esse trabalho a um outro Além de recorrer aos textos recorre também à razão da maneira seguinte Se o papa pudesse errar nas coisas necessárias então Cristo não teria provisto suficientemente para a salvação da Igreja pois lhe ordenou que seguisse as indicações do papa Mas esta razão não é válida a não ser que ele mostre quando e onde Cristo tal ordenou ou sequer tomou qualquer conhecimento de algum papa Mais mesmo concedendo que tudo o que foi dado a São Pedro foi dado ao papa visto não haver nas Escrituras nenhuma ordem para se obedecer a São Pedro não poderá ser justo quem lhe obedecer quando as suas ordens forem contrárias às do seu soberano legitimo Por último não foi declarado pela Igreja nem pelo próprio papa que ele seja o soberano civil de todos os cristãos do mundo Portanto os cristãos não são todos obrigados a reconhecer a sua jurisdição em matéria de costumes Porque a soberania civil e a suprema judicatura quanto às controvérsias de costumes são uma e mesma coisa E os criadores das leis civis não são apenas os declarantes são também os criadores da justiça e injustiça das ações pois nada há nos costumes dos homens que os faça íntegros e iníquos a não ser a sua conformidade com a lei do soberano Portanto quando o papa reclama a supremacia quanto às controvérsias de costumes está ensinando os homens a desobedecer ao soberano civil o que é uma doutrina errõnea contrária aos muitos preceitos do nosso Salvador e seus apóstolos que nos foram transmitidos pelas Escrituras Para provar que o papa tem o direito de fazer leis invoca ele muitas passagens Em primeiro lugar Dt 1712 O homem que age presunçosamente não dando ouvidos ao Sacerdote que está ali para ministrar perante o Senhor teu Deus ou juiz esse homem morrerá e tu 307 1 469 Parte 3 Da República Cristã fàrás desaparecer o mal de Israel Para responder a isto convém lembrar que o Supremo Sacerdote imediatamente abaixo de Deus era o soberano civil e que todos os juízes deviam por ele ser constituídos Portanto as palavras referidas significam o se guinte O homem que ousar desobedecer ao soberano civil do momento ou a qualquer dos seus fUncionários na execução das suas fUnções esse homem morrerá etc o que é claramente a favor da soberania civil e contra o poder universal do papa Em segundo lugar alega ele Mt 1 Tudo o que ligares etc e interpreta esse ligar como o mesmo que é atribuído aos escribas e fariseus Mt 234 Eles ligam pesados fàrdos duros de carregar e põemnos aos ombros dos homens o que significa segundo ele fazer leis e daí conclui que o papa pode fazer leis Mas também isto somente milita em favor do Poder Legislativo dos soberanos civis porque os escribas e fariseus sentavamse na cadeira de Moisés mas Moisés era abaixo de Deus o soberano do povo de Israel e assim o nosso Salvador ordenou a este que fizesse tudo o que eles dissessem porém não tudo o que eles fizessem Isto é que obedecessem às suas leis não que seguissem os seus exemplos A terceira passagem éJo 2116 alimenta as minhas ovelhas Aqui não se trata de um poder para fazer leis mas de uma ordem para ensinar Fazer as leis é da competência do senhor da família que pela sua própria discrição escolhe o capelão e também o professor que vai ensinar os seus filhos A quarta passagem Jo 2021 é contra ele As palavras são Como meu Pai me enviou a mim vos envio eu a vós Mas o nosso Salvador foi enviado para redimir com a sua morte os que acreditassem assim como para os preparar por sua própria pregação e pela dos apóstolos para a entrada no seu Reino que se gundo ele mesmo disse não era deste mundo e nos ensinou a orar pela sua vinda futura embora recusasse At 16 e 7 dizer aos apóstolos quando ela se daria E quando ela chegar os doze apóstolos se sentarão em doze tronos talvez cada um de les tão alto como o de São Pedro para julgar as doze tribos de Israel Considerando então que Deus Pai não enviou o nosso 470 XLII Do Poder Eclesiástico Salvador para fazer leis neste mundo podemos concluir do texto que o nossO Salvador também não enviou a São Pedro para fazer leis aqui e sim para persuadir os homens a esperar a sua segunda vinda com uma fé inquebrantável e entretanto se forem súditos a obedecerem aos seus príncipes e se forem príncipes tanto a em tal acreditarem eles próprios quanto a fazerem todos os esforços para levarem os seus súditos a acreditar no mesmo o que é a função de um bispo Portanto esta passagem milita muito fortemente em favor da atribuição da supremacia eclesiástica à soberania civil contrariamente ao que o Cardeal Belarmino dela pretende concluir A quinta passagem é At 1528 Pareceu bom ao Espírito Santo e a nós não vos impor um fardo maior do que estas coisas necessárias que vos abstenhais de oferecer sacrifícios aos ídolos e do sangue e de coisas estranguladas e da fornicação Aqui interpreta ele a frase impor um fàrdo no sentido do poder legislativo Mas quem poderá dizer ao ler este texto que esta fórmula dos apóstolos não pode ser usada com igual propriedade para dar conselho assim como para fazer leis A fórmula da lei é nós ordenamos mas parecenos bom é a fórmula habitual de quem se limita a dar conselho E quem dá conselho impõe um fardo embora seja condicional isto é um fardo tal que quem o receber conseguirá os seus fins E é esse o caso do fardo de se abster das coisas estranguladas e do sangue que não é absoluto mas apenas para o caso de não se querer errar Já antes mostrei cap XXV que a lei se distingue do conselho no seguinte a razão de uma lei é tirada do desígnio e benefício de quem a prescreve ao passo que a razão de um conselho é tirada do desígnio e benefício daquele a quem é dado o conselho E no presente caso os apóstolos visam apenas o benefício dos gentios convertidos ou seja a sua salvação e não o seu próprio benefício pois desde que cumpram a sua missão terão a sua recompensa quer sejam obedecidos quer não Portanto os atos desse concílio não eram leis eram conselhos A sexta passagem é a de Rm 13 Que cada alma se sujeite aos poderes superiores pois não há poder senão o de Deus Essa passagem 30 8 471 I I Parte 3 Da República Cristã 309 segundo ele não se aplica apenas aos príncipes seculares mas também aos príncipes eclesiásticos Ao que respondo em primeiro lugar que os únicos príncipes eclesiásticos são os que são também soberanos civis e que os seus principados não ultrapassam o âmbito da sua soberania civil fora desses limites podem ser aceitos corno doutores porém não podem ser reconhecidos corno príncipes Pois se o apóstolo tivesse querido dizer que devemos ser súditos tanto dos nossos próprios príncipes corno do papa ternosia ensinado urna doutrina que o próprio Cristo nos disse ser impossível a saber seroir a dois Senhores E embora o apóstolo diga em outra passagem Escrevo estas coisas estando ausente pois se estivesse presente usaria de dureza de acordo com o poder que me deu o Senhor não significa isto que ele reclamasse o poder de condenar à morte ou à prisão ao banimento ao açoitamento ou a urna multa a qualquer deles sendo tudo isto punições Reclamava apenas o poder de excomungar o qual sem o poder civil não é mais do que abandonar a companhia e nada mais ter a ver com o excomungado do que com um pagão ou um publicano Em muitos casos isso pode ser mais doloroso para o excomungante do que para o excomungado A sétima passagem é 1 Cor 421 Devo ir a vós com uma vara ou com amor e espírito de clemência Mas mais urna vez aqui não é o poder que um magistrado tem para punir os criminosos que se entende por urna vara mas apenas o poder da excomunhão que por sua natureza não é urna punição mas apenas urna denúncia da punição que Cristo virá a infligir quando estiver de posse do seu Reino no dia do Juízo E mesmo então não será propriamente urna punição do tipo da que se aplica a um súdito que infringiu a lei mas de urna vingança corno a que se aplica a um inimigo ou um rebelde que nega o direito do nosso Salvador ao seu reino Portanto isso não prova o poder legislativo de nenhum bispo que não possua também o poder civil A oitava passagem é 1 Tm 32 Um bispo deve ser marido de uma só mulher vigilante sóbrio etc que segundo ele tratase de urna lei Pensava eu que quem na Igreja podia fazer leis era 472 XLII Do Poder Eclesiástico unicamente o monarca da Igreja São Pedro Mas mesmo su pondo que esse preceito provenha da autoridade de São Pedro não vejo razão para lhe chamar urna lei e não um conselho dado que Timóteo não era súdito de São Paulo mas apenas seu discipulo e os membros do rebanho que Timóteo tinha a seu cargo também não eram súditos do seu reino mas seus escolares na escola de Cristo Se todos os preceitos que ele deu a Timóteo fossem leis por que não seria também urna lei o de não beber mais água mas usar um pouco de vinho por causa da saúde E por que não serão os preceitos dos bons médicos outras tantas leis O que transforma um preceito numa lei não é a maneira imperativa de falar e sim a sujeição absoluta a urna pessoa Da mesma maneira a nona passagem 1 Tm 519 Contra um ancião não aceites acusação a não ser diante de duas ou três testemunhas é um sábio preceito porém não é urna lei A décima passagem é Lc 1016 Aquele que vos ouve ouveme a mim e aquele que vos despreza desprezame a mim E não resta dúvida de que quem despreza o conselho dos que são enviados por Cristo despreza o conselho do próprio Cristo Mas quem são esses enviados por Cristo senão os que são ordenados pastores pela autoridade legitima E quem é legitimamente ordenado se não for ordenado pelo pastor soberano E quem é ordenado pelo pastor soberano numa república cristã se não for ordenado pela autoridade do soberano dessa república Desta passagem concluise portanto que quem ouvir ao seu soberano sendo este cristão ouve a Cristo e que quem despreza a doutrina autorizada pelo seu rei sendo este cristão despreza a doutrina de Cristo e não era isto que Belarmino pretendia aqui provar mas o contrário Mas nada disto tem coisa alguma a ver com as leis Mais ainda não é na qualidade de pastor e mestre dos seus súditos que um rei cristão faz as suas doutrinas serem leis Ele não pode obrigar as pessoas a acreditar embora enquanto soberano civil possa fazer leis compatíveis com a sua doutrina as quais possam obrigar os homens a certas ações e às vezes ações que de outro modo eles não praticariam e que ele não deveria ordenar E no entanto por serem ordenadas 473 II1 I Parte 3 Da República Cristã 31 0 elas são leis e as ações externas praticadas em obediência a elas sem aprovação interior são ações do soberano e não do súdito que neste caso é apenas um instrumento sem nenhum movimento próprio porque Deus ordenou que lhes obedecesse Em décimo primeiro lugar vêm todas as passagens em que os apóstolos usam para designar um conselho alguma palavra que se costuma usar com o significado de uma ordem ou quando designam a aceitação dos seus conselhos com o nome de obediência Assim invocase de 1 Cor 112 Recomendovos que guardeis os meus preceitos tais como volos dei No grego está Recomendovos que guardeis as coisas que vos dei tais como eu volas dei Isso estámuito longe de significar que eram leis ou qualquer coisa senão bons conselhos E a de 1 Ts 42 Vós sabeis que mandamentos vos demos onde a frase grega é napayytÂíar e8mTal1ev equivalente a nape8wTal1ev o que vos entregamos como na passagem anteriormente invocada o que não prova que as tradições dos apóstolos fossem outra coisa senão conselhos embora se diga no ver sículo 8 Aquele que os despreza não despreza ninguém senão a Deus Porque mesmo o nosso Salvador não veio para julgar isto é para ser rei deste mundo mas para se sacrificar pelos pecadores e para deixar na sua igreja doutores que guiassem e não que empurrassem os homens para Cristo Pois ele jamais aceitou ações forçadas que é tudo o que a lei produz mas apenas a conversão interior do coração a qual não é obra das leis e sim dos conselhos e da doutrina E a de 2 Ts 314 Se algum homem não obedecer à nossa palavra nesta Epistola assinala i esse homem e não aceiteis a sua companhia para que ele se envergonhe onde da palavra obedecer pretende ele inferir que esta Epístola era uma lei para os tessalônicos Sem dúvida que as Epístolas dos imperadores eram leis Portanto se eles tivessem que obedecer também à Epístola de São Paulo eles teriam de obedecer a dois senhores Mas a palavra obedecer que em grego é vnaxovel significa dar ouvidos a ou pôr em prática não apenas aquilo que é ordenado por quem tem o direito de castigar mas também aquilo que é apresentado sob a forma de conselho para nosso bem Assim São Paulo não diz que ma tem o desobediente ou que lhe batam ou o prendam ou que o 474 XLII Do Poder Eclesiástico multem o que todos os legisladores podem fazer e sim que evitem a sua companhia para que se envergonhe Daí ficar evidente que os cristãos se mantinham em respeito não por causa do império de um apóstolo mas de sua reputação entre os fiéis A última passagem é a de Heb 1317 Obedecei aos vossos che fes e submeteivos a eles pois eles velam pelas vossas almas já que terão que prestar contas delas Também aqui se entende por obediência seguir os seus conselhos já que a razão da nossa obediência não deriva da vontade e do mando dos nossos pastores e sim do nossO próprio benefício pois o que eles têm em atenção é a salvação das nossas almas e não a exaltação do seu próprio poder e autoridade Se aqui se pretendesse dizer que tudo o que eles ensinam são leis daí resultaria que não apenas o papa mas também cada pastor na sua paróquia teria poder legislativo Por outro lado os que são obrigados a obedecer aos seus pastores não têm o poder de examinar as suas ordens Que iremos então dizer a São João que nos manda 1 Jo 41 Não obedecer a todos os espiritos mas provar os espiritos para saber se são de Deus pois andam pelo mundo muitos falsos profetas Portanto é manifesto que podemos contestar as doutrinas dos nossos pastores mas ninguém pode contestar uma lei As ordens dos soberanos civis são confirmadas como leis sob todos os aspectos Se além deles alguém puder fazer leis será o fim de toda a república e conseqüentemente de toda a paz e justiça o que é contrário a todas as leis tanto divinas como humanas Portanto nada se pode concluir desta ou de nenhuma outra passagem das Escrituras provando que os decretos do papa são leis se ele não tiver também a soberania civil O último ponto que ele pretende provar é o seguinte Cristo nosso Salvador não confiou a jurisdição eclesiástica imediatamente a ninguém a não ser ao papa E aqui não trata da questão da supremacia entre o papa e os reis cristãos mas entre o papa e os outros bispos E em primeiro lugar diz estar estabelecido que a jurisdição dos bispos é pelo menos em geral de jure divino isto é pelo direito de Deus Para proválo cita São Paulo Ef 411 onde se diz que Cristo após a sua Ascensão aos céus concedeu dons aos homens uns como apóstolos outros como profetas outros como 311 A questão da superioridade entre o papa e os outros bispos 475 IIII Parte 3 Da República Cristã evangelistas outros como pastores e outros como mestres E daí infere que sem dúvida eles têm a sua jurisdição pelo direito de Deus porém não concede que a recebam imediatamente de Deus e sim por intermédio do papa Mas se de alguém se disser que tem a sua jurisdição de jure divino mas não imediatamente qual a jurisdição legítima ainda que apenas civil que pode existir numa república cristã sem ser ao mesmo tempo de jure divino Porque os reis cristãos recebem o seu poder civil imediatamente de Deus e os magistrados abaixo deles exercem os seus diversos cargos em virtude da sua delegação e o que nesse exercício fazem não é menos de jure divino mediato do que o que os bispos fazem em virtude da ordenação pelo papa Todo poder legítimo é imediatamente divino no supremo governante e mediatamente nos que têm autoridade abaixo dele Assim ou se reconhece que todo funcionário do Estado tem o seu cargo pelo direito de Deus ou é impossível afirmar que assim o tem qualquer bispo além do próprio papa Mas toda esta discussão sobre se Cristo atribuiu a jurisdição apenas ao papa ou também a outros bispos se não se referir aos lugares onde o papa detém a soberania civil é uma disputa de lana caprina Pois nem um nem os outros quando não são soberanos possuem nenhuma espécie de jurisdição Porque a ju risdição é o poder de ouvir e decidir os litigíos entre os homens e não pode pertencer a ninguém a não ser àquele que possui o poder de prescrever as regras do bem e do mal isto é de fazer as leis e com a espada da justiça obrigar os homens a obedecer às suas decisões quer sejam proferidas por ele mesmo ou pelos juízes que nomeou para esse fim coisa que só o soberano civil pode legítimamente fazer Quando portanto Belarmino alega baseado no capítulo 6 de Lucas que o nosso Salvador mandou reunir os seus discípulos e escolheu doze homens aos quais chamou apóstolos prova apenas que Cristo os elegeu todos exceto1 Matias Paulo e Barnabé e lhes deu poder e mando para pregar porém não para julgar os litígíos entre os homens pois esse é um poder que I Syn todos exceto 476 XLII Do Poder Eclesiástico ele próprio recusou assumir dizendo Quem fiz de mim um juiz ou um divisor entre vós e em outra passagem O meu reino não é deste mundo E de quem não tem poder para ouvir e decidir os litígios entre os homens não se pode dizer que tem alguma espécie de jurisdição Mas isto não impede que o nosso Salvador lhes tenha dado poder para pregar e batizar em todas as partes do mundo desde que não fossem proibidos pelo seu próprio soberano legítimo Porque o próprio Cristo e os seus apóstolos expressamente nos ordenaram que obedecêssemos ao nosso soberano em todas as coisas Os argumentos mediante os quais ele pretende provar que os bispos recebem do papa a sua jurisdição são inúteis dado que o próprio papa não tem nenhuma jurisdição nos domínios dos outros príncipes Mas como pelo contrário eles provam que todos os bispos recebem dos seus soberanos civis a jurisdição que têm não deixarei de os enumerar O primeiro é de Nm 11 no qual Moisés sendo incapaz de arcar sozinho com todo o fardo da administração dos negócios do povo de Israel recebeu de Deus a ordem de escolher setenta anciãos e Deus tomou uma parte do espírito de Moisés para dar a esses setenta anciãos Isso não significa que Deus tenha enfraquecido o espírito de Moisés o que em nada teria vindo ajudar a este mas que todos eles tinham dele recebido a sua autoridade Belarmino interpreta de maneira autêntica e engenhosa esta passagem Mas como Moisés tinha toda a soberania na república dos judeus é manifesto que aquilo significa terem eles recebido do soberano civil a sua autoridade e conseqüentemente a passagem prova que em todas as repúblicas cristãs os bispos recebem do soberano civil a sua autoridade recebendoa do papa apenas nos territórios deste último e não nos territórios de nenhum outro Estado O segundo argumento deriva da natureza da monarquia em que toda a autoridade pertence a um só homem sendo a dos outros derivada deste Mas o governo da Igreja diz ele é monárquico Isto também milita em favor dos monarcas cristãos Pois estes são realmente monarcas do seu próprio povo isto é 312 477 Parte 3 Da República Cristã IIII da sua própria Igreja porque a Igreja é a mesma coisa que um povo cristão ao passo que o poder do papa mesmo no caso de São Pedro nem é monárquico nem tem nada de árquico ou de crático é apenas didático Porque Deus não aceita uma obediência forçada mas apenas voluntária O terceiro assenta no fato de o vaso de São Pedro ser chamado por São Cipriano a cabeça a fonte a raiz o sol de que deriva a autoridade dos bispos Mas pela lei de natureza princípio do bem e do mal melhor do que a palavra de qualquer doutor que é apenas um homem o soberano civil de cada república é a cabeça a fonte a raiz o sol de que deriva toda a jurisdição Portanto a jurisdição dos bispos deriva do soberano civil O quarto é tirado da desigualdade das suas jurisdições Porque se Deus diz ele lha tivesse dado imediatamente teria conferido ao mesmo tempo igualdade de jurisdição e de ordem Mas verificase que alguns são bispos de apenas uma cidade outros de uma centena de cidades e outros de muitas províncias inteiras e estas diferenças não são determinadas pelas ordens de Deus Portanto a sua jurisdição não vem de Deus e sim do homem e ela é maior ou menor conforme apraz ao príncipe da Igreja argumento este que teria servido ao seu propósito se antes tivesse provado que o papa é detentor de uma jurisdição universal sobre todos os cristãos Mas como isso não foi provado e é sabido e notório que a ampla jurisdição do papa lhe foi dada pelos que a tinham isto é pelos imperadores de Roma pois o patriarca de Constantinopla baseado no mesmo título ou seja de ser bispo da capital do império e sede do imperador pretendia ser igual a ele seguese que todos os outros bispos recebem a sua jurisdição dos soberanos dos lugares onde a exercem E como devido a isso eles não têm autoridade de jure divino também o papa não a tem de jure divino a não ser onde tenha também o cargo de soberano civil O quinto argumento é o seguinte Se os bispos recebem a sua jurisdição imediatamente de Deus o papa não lha pode tirar pois nada pode fazer de contrário ao que Deus determinou Esta conseqüência é correta e bem provada Mas diz ele o papa pode fazêlo e 31 31 478 XLII Do Poder Eclesiástico já o tem feito Isso também se admite desde que o faça nos seus próprios domínios ou nos domínios de qualquer outro príncipe que lhe tenha dado esse poder mas não universalmente como um direito do papado Pois esse poder pertence a cada soberano cristão dentro das fronteiras do seu império e é inseparável da soberania Antes de o povo de Israel por ordem de Deus a Samuel se ter submetido a um rei à maneira das outras nações o Sumo Sacerdote detinha o governo civil e só ele podia nomear ou depor um sacerdote inferior Mas posteriormente esse poder passou ao rei conforme pode ser provado pelo mesmo argumento de Belarmino Porque se o sacerdote fosse ele o Sumo Sacerdote ou qualquer outro recebesse a sua jurisdição imediatamente de Deus nesse caso o rei não lha poderia tirar pois nada pode fazer de contrário ao que Deus determinou Mas é sabido que o rei Salomão 1 Rs 226 privou do seu cargo ao Sumo Sacerdote Abiatar colocando em seu lugar a Zadoc vers 35 Portanto os reis podem do mesmo modo ordenar e demitir os bispos conforme lhes aprouver para o bom governo dos seus súditos O sexto argumento é o seguinte se os bispos têm a sua jurisdição de jure divino quer dizer recebida imediatamente de Deus os que o sustentam deveriam apresentar alguma palavra de Deus capaz de prováIo porém não conseguem apresentar nenhuma O argumento é válido portanto nada tenho a dizer contra ele Todavia não é menos válido o argumento provando que o próprio papa não tem jurisdição nos domínios de nenhum outro príncipe Por último apresenta ele como argumento o testemunho de dois papas Inocêncio e Leão E não duvido de que ele poderia ter invocado com idêntica razão os testemunhos de quase todos os papas desde São Pedro Dado o amor ao poder naturalmente implantado no gênero humano quem quer que seja feito papa terá a tentação de sustentar a mesma opinião No entanto o que eles fariam seria apenas como foi o caso de Inocêncio e Leão prestar testemunho sobre si mesmos e portanto o seu testemunho não seria válido 479 Parte 3 Da República Cristã 1I 314 No quinto livro apresenta ele quatro conclusões A primeira é que o papa não é senhor do mundo inteiro A segunda que o papa não é senhor de todo o mundo cristão A terceira que o papa fora do seu próprio território não tem DIRETAMENTE nenhuma jurisdição temporal Facilmente se aceitam estas três conclusões A quarta é que o papa nos domínios dos outros príncipes tem INDIRETAMENTE o supremo poder temporal Conclusão que nego a não ser que indiretamente queira dizer que foi obtido por meios indiretos caso em que a aceito Mas suponho que ao afirmar indiretamente ele quer dizer que essa jurisdição temporal pertence ao papa de direito e que esse direito é apenas uma conseqüência da sua autoridade pastoral e ele não poderia exercêIo se não tivesse também esta Portanto ao poder pastoral ao qual chama espiritual está necessariamente ligado o supremo poder civil tendo ele assim o direito de mudar os reinos dandoos a um e tirandoos de outros quando pensar que tal contribui para a salvação das almas Antes de passar a examinar os argumentos mediante os quais ele pretende provar esta doutrina não seria despropositado pôr a nu as suas conseqüências a fim de que os príncipes e governantes detentores da soberania civil nos seus diversos Estados possam avaliar por si mesmos se é para eles conveniente aceitáIas e se elas contribuem para o bem dos seus súditos do qual terão de prestar contas no dia do juízo Quando se diz que o papa nos territórios dos outros Estados não tem diretamente o supremo poder civil devemos entender que ele não o reclama ao contrário dos outros soberanos civis com base na submissão origínal daqueles que irão ser governados Pois é evidente e já foi neste tratado suficientemente demonstrado que o direito de todos os soberanos deriva origínariamente do consentimento de cada um dos que irão ser governados quer o escolham tendo em vista a defesa comum contra um inimigo como por exemplo quando concordam entre si em designar um homem ou uma assembléia para proteger quer o façam para salvar as suas vidas por submissão a um conquistador inimigo Portanto o papa quando re Do poder lmlporal do papa i 480 XLII Do Poder Eclesiástico nuncia à posse direta do supremo poder civil sobre os outros Estados nega unicamente ter adquirido o seu poder dessa maneira Nem por isso deixa de o exigír de outra maneira a qual consiste sem o consentimento dos que irão ser governados num direito a ele dado por Deus o que ele chama indiretamente na sua assunção do papado Mas seja qual for a maneira de o adquirir o poder continua a ser o mesmo podendo ele se tal lhe for concedido como um direito depor principes e governantes sempre que tal seja pela salvação das almas isto é quantas vezes lhe aprouver pois ele pretende também ser o único a ter o poder de julgar seja ou não seja para a salvação das almas dos homens E é esta a doutrina que não apenas Belarmino nesta obra e muitos outros doutores ensinam nos seus sermões e livros mas também que alguns concilios decretaram e conformem ente a isso os papas puseram em prática sempre que a ocasião lhes foi propícia Porque o quarto concilio de Latrão realizado sob o papa Inocêncio 111 no terceiro capítulo De Haereticis estabeleceu o seguinte cânone Se apesar de admoestado pelo papa um rei deixar de expurgar o seu reino dos hereges e se depois de por tal ser excomungado não prestar satisfação dentro de um ano os seus súditos ficarão dispensados de lhe obedecer Isto foi posto em prática em diversas ocasiões como quando da deposição de Chilperico rei da França na translação do Império Romano para Carlos Magno na opressão do reijoão da Inglaterra na transferência do reino de Navarra e em anos mais recentes na liga contra Henrique III da França além de muitas outras ocorrências Penso haver poucos principes que não considerem isto injusto e inconveniente mas preferiria que todos eles decidissem se querem ser reis ou súditos Os homens não podem servir a dois senhores Devem portanto os príncipes aliviáIos seja tomando completamente nas suas mãos as rédeas do governo seja deixandoas inteiramente nas mãos do papa a fim de que os que desejam ser obedientes sejam protegídos na sua obediência Porque essa distinção entre o poder temporal e o poder espiritual não passa de palavras Dáse uma divisão tão real do poder e sob todos os aspectos tão perigosa dividindo com outrem 315 481 1 I I Parte 3 Da República Cristã um poder indireto como um 1 poder direto Mas passemos agora aos seus argumentos O primeiro é o seguinte O poder civil está sujeito ao poder es piritual Portanto o detentor do supremo poder esPiritual tem o direito de mando sobre os principes temporais e o de dispor das suas temporalidades tendo em vista o espiritual Quanto à distinção entre o temporal e o espiritual vejamos2 em que sentido se pode dizer inteligivelmente que o poder temporal ou civil está sujeito ao espiritual Há somente duas maneiras pelas quais estas palavras podem adquirir sentido Com efeito quando dizemos que um poder está sujeito a outro poder ou isso significa que quem tem um deles está sujeito a quem tem o outro ou então que um dos poderes está para o outro como um meio está para um fim Porque é impossível entender que um poder tenha poder sobre outro poder ou que um poder possa ter direito de mando sobre outro visto que sujeição mando direito e poder não são acidentes de poderes e sim de pessoas Um poder pode estar subordinado a outro tal como a arte do seleiro o está à arte do cavaleiro Assim mesmo concedendo que o governo civil seja estabelecido como meio para nos conduzir a uma felicidade espiritual daí não se segue que se um rei tiver o poder civil e o papa o poder espiritual em conseqüência disso o rei seja obrigado a obedecer ao papa tal como um seleiro não é obrigado a obedecer a nenhum cavaleiro Portanto tal como da subordinação de uma arte não se pode inferir a sujeição do mestre assim também da subordinação de um governo não se pode inferir a sujeição de um governante Portanto quando ele diz que o poder civil está sujeito ao espiritual isso significa que o soberano civil está sujeito ao soberano espiritual E o argumento fica assim O soberano civil está sujeito ao espiritual portanto o príncipe espiritual pode mandar nos principes temporais E aqui a conclusão é idêntica à anterior que ele devia ter pro III1 I Syn um poder indireto bem como um 2 No manuscrito do copista está Pretendo examinar isso noutro lugar Assim deixando a questão de lado por ora vejamos Foi o próprio Hobbes quem apagou esse trecho 482 XLII Do Poder Eclesiástico vado Mas para prováIo invoca ele em primeiro lugar esta razão Os reis e os papas o clero e os leigos constituem uma única república quer dizer uma única Igreja E se em todos os corpos os membros dependem uns dos outros mas as coisas esPirituais não dependem das coisas temporais então as temporais dependem das espirituais Estão portanto sujeitas a elas Nessa argumentação há dois erros grosseiros Um deles é que todos os reis cristãos papas clero e todos os outros cristãos constituem uma única república Porque é evidente que a França é uma república a Espanha é outra Veneza é uma terceira etc E estas são formadas por cristãos sendo portanto outros tantos corpos de cristãos quer dizer outras tantas igrejas E os seus respectivos soberanos os representam eles são capazes de comandar e obedecer de fazer e de sofrer como um homem natural o que não ocorre com nenhuma Igreja geral ou universal enquanto não tiver um representante coisa que na terra não tem Pois se o tivesse não haveria dúvida de que toda a cristandade seria uma única república cujo soberano seria esse representante tanto nas coisas espirituais como nas temporais E ao papa para se tornar esse representante faltam três coisas que o nosso Salvador não lhe deu Mandar e julgar e castigar de outro modo que não seja pela excomunhão furtandose a quem não quer aprender com ele Pois mesmo que o papa fosse o único vigário de Cristo ele não poderia exercer o seu governo antes da segunda vinda do nosso Salvador E então também não será o papa mas o próprio São Pedro juntamente com os outros apóstolos quem irá ser juiz do mundo Neste primeiro argumento o outro erro é ele dizer que os membros de toda república dependem uns dos outros tal como num corpo natural É certo que existe coesão entre eles mas dependem apenas do soberano que é a alma da repúbli ca cujo defeito levaria a república a desagregarse numa guerra civil deixando de haver coesão entre os homens por falta de uma dependência comum em relação a um soberano conhecido exatamente como os membros do corpo natural se desagregam no pó por falta de uma alma que os conserve unidos 316 483 Parte 3 Da República Cristã 31 7 Portanto não há nesta semelhança nada de que se possa inferir a dependência dos leigos em relação ao clero ou dos funcionários temporais em relação aos espirituais mas apenas de ambos em relação ao soberano civil o que sem dúvida deve orientar as suas ordens civis com a finalidade de salvar as almas e nem por isso fica submetido a ninguém senão a Deus Fica assim patente a elaborada falácia do primeiro argumento para enganar os que não sabem distinguir entre a subordinação das ações em vista de um fim e a sujeição das pessoas umas às outras na administração dos meios Porque para cada fim os meios são determinados pela natureza ou sobrenaturalmente pelo próprio Deus Mas o poder para levar os homens a usar os meios é em todas as nações atribuído pela lei de natureza que proíbe faltar à palavra dada ao soberano civil O seu segundo argumento é o seguinte Toda a república dado suporse que seja perfeita e suficiente em si mesma pode mandar em qualquer outra república que não lhe seja sujeita e forçála a mudar a administração do governo mais pode depor o principe e colocar outro em seu lugar se de outro modo não se puder defender contra os danos que ele se prepara para lhe fazer E muito mais pode uma república esPiritual ordenar a uma república temporal que mude a administração do seu governo ou depor o principe e instituir outro quando de outro modo não possa defender o bem espiritual Que uma república a fim de se defender contra danos pode legitimamente fazer tudo o que ele aqui diz é muito verdadeiro e foi já suficientemente demonstrado em tudo o que precede E se também fosse verdade existir hoje no mundo uma república espiritual distinta de uma república civil nesse caso o seu príncipe se lhe fosse causado dano ou se lhe faltasse garantia de que não lhe seria causado dano no futuro poderia defenderse e garantirse através da guerra o que em suma consiste em depor matar ou subjugar ou na prática de qualquer ato de hostilidade Mas pela mesma razão não seria menos legitimo que um soberano civil perante idênticos praticados ou temidos I Syn Deus 484 XLII Do Poder Eclesiástico declarasse guerra ao soberano espiritual o que julgo ser mais do que o Cardeal Belarmino gostaria de inferir das suas próprias proposições Mas não existe neste mundo república espiritual alguma pois isso é a mesma coisa que o Reino de Cristo do qual ele mesmo disse não ser deste mundo Mas existirá no outro mundo na ressurreição quando os que viveram como justos e acreditaram que ele era o Cristo se erguerem apesar de terem morrido como corpos naturais como corpos espirituais E será então que o nosso Salvador julgará o mundo e vencerá os seus adversários e fundará uma república espiritual Nesse ínterim como não existem na face da terra homens cujos corpos sejam espiri tuais não pode haver nenhuma república espiritual entre homens que ainda existem carnalmente a não ser que consideremos uma república os pregadores que têm a missão de ensinar e preparar os homens para a sua recepção no Reino de Cristo quando da ressurreição o que já provei não ser uma república O terceiro argumento é o seguinte Não é legítimo que cristãos tolerem um rei infiel ou herege caso ele se esforce por os arrastar para a sua heresia ou infidelidade E compete ao papa julgar se um rei arrasta ou não os seus súditos para a heresia Portanto o papa tem o direito de decidir quando o principe deve ou não ser deposto A isso respondo que ambas estas asserções são falsas Porque os cristãos ou homens de qualquer religião caso não tole rem o seu rei seja qual for a lei que ele faça mesmo que seja respeitante à religião faltarão à sua palavra contrariamente à lei divina tanto natural como positiva E não há nenhum juiz da heresia entre os súditos a não ser o seu próprio soberano civil Pois a heresia não é mais do que uma opinião pessoal obstinadamente mantida contrária à opinião que a pessoa pública quer dizer o representante da república ordenou que fosse ensinada Fica claro então que uma opinião publicamente escolhida para ser ensinada não pode ser heresia nem o soberano principe que a autorizou pode ser um herege Pois os hereges são apenas os indivíduos particulares que teimosamente defendem uma doutrina proibida pelos seus legitimos soberanos 318 485 I I illiII I Parte 3 Da República Cristã Mas a fim de provar que os cristãos não devem tolerar reis infiéis ou hereges invoca ele uma passagem de Dt 17 em que Deus proíbe os judeus ao estabelecerem um rei para os governar de escolherem um estrangeiro E daí ínfere ser ilegítimo para um cristão escolher um rei que não seja cristão É verdade que quem for cristão isto é quem já se obrigou a aceitar o nosso Salvador como seu rei quando ele vier tentará demasiado a Deus se escolher como reí neste mundo alguém que sabe se esforçará tanto pelo terror como pela persuasão por fazê Io violar a sua fé Mas é ígualmente perigoso díz ele escolher como rei alguém que não é cristão e deixar de o depor depois de já escolhido A isso respondo que o problema não reside no perigo de deixar de o depor e sim na justiça de o depor EscolhêIo poderá em alguns casos ser injusto mas depôIo quando já está escolhido em nenhum caso pode ser justo Porque é sempre umal violação de fé e conseqüentemente contrário à lei de natureza que é a eterna lei de Deus Por outro lado não está escrito que uma tal doutrina fosse considerada cristã no tempo dos apóstolos nem no tempo dos imperadores romanos antes de os papas serem os detentores da soberanía civil em Roma Mas a isto ele replicou que os cristãos do passado não depuseram NeTo nem Diocleciano nemJuliano nem o ariano Valente pela única razão de carecerem de forças temporais Talvez sim Mas acaso o nosso Salvador a quem bastaria chamar para ter a ajuda de doze legíões de anjos ímortais e ínvulneráveis carecia de forças para depor a CésaT ou pelo menos a Pilatos que injustamente e sem nele encontrar falta o entregou aos judeus para ser crucificado Ou se os apóstolos precisavam de forças temporaís para depor a Nero eraIhes necessário nas suas Epístolas aos cristãos recémconvertidos ensinarIhes como fizeram a obedecer aos poderes constituídos acima deles um dos quais nesse tempo era Nero dizendoIhes que não era por medo da sua ira que lhes deviam obedecer mas por motivos de consciência Deveremos dizer que eles I Syn sempre 486 XLII Do Poder Eclesiástico não somente obedeciam mas além disso ensinavam coisas em que não acreditavam por falta de força Certamente não é por tanto por falta de força mas por motivos de consciência que os cristãos devem tolerar os seus príncipes pagãos ou então dado que não posso chamar herege a alguém cuja doutrina é a doutrina pública os príncipes que autorizarem o ensino de um erro Quanto ao que além disso ele alega em favor do poder temporal do papa que São Paulo 1 Cor 6 nomeou juízes sob os príncipes pagãos desses tempos não sendo eles ordenados por esses príncipes isso não é verdade Porque São Paulo limi tase a aconselháIos a escolher alguns dos seus irmãos para dirimir as suas dissensões como árbitros em vez de recorrerem à lei uns contra os outros perante os juizes pagãos Isto constitui um preceito são e cheio de caridade que merece ser seguido também nas melhores repúblicas cristãs Quanto ao perigo que pode advir para a religião por causa de os súditos tolerarem um príncipe pagão ou erradio é este um ponto a respeito do qual o súdito não é um juiz competente e se o for então os súditos temporais do papa também podem julgar as doutrinas do papa Pois todo príncipe cristão conforme anteriormente provei não é menos o supremo pastor dos seus próprios súditos do que o papa o é dos seus O quarto argumento é retirado do batismo dos reis quando estes para poderem ser feitos cristãos submetem os seus cetros a Cristo e prometem guardar e defender a fé cristã Isto éverdade porque os reis cristãos não são mais do que súditos de Cristo Mas apesar de tudo isso podem ser equivalentes aos papas pois são os supremos pastores dos seus próprios súditos e o papa não é mais do que rei e pastor mesmo na própria Roma O quinto argumento é tirado das palavras proferidas pelo nosso Salvador Alimenta as minhas ovelhas Com as quais era conferido todo o poder necessário para um pastor como o poder de afugentar os lobos como o são os hereges o poder de isolar os carneiros que são bravios ou agridem as outras ovelhas com os chifres como o são os reis perversos embora cristãos e o poder de dar ao rebanho comida adequada Disso ele infere 319 487 11 II 1I1 Parte 3 Da República Cristã I II I que São Pedro tinha recebido de Cristo estes três poderes Respondo que o último desse poderes não é mais do que um poder ou melhor uma ordem para ensinar Quanto ao primeiro que é o de afugentar os lobos isto é os hereges a passagem citada é Mt 715 Guardate dos falsos profetas que vão a ti disfarçados de ovelhas mas interiormente são lobos ferozes Mas os hereges não são falsos profetas nem profetas de espécie alguma nem sequer admitindo que os hereges são os lobos ali referidos os apóstolos ordenavam que os matassem tampouco no caso de serem reis que os depusessem mas apenas que se guardassem deles lhes fugissem e os evitassem Tampouco foi a São Pedro nem a ne nhum dos apóstolos mas àmultidão dos judeus que o seguiram até a montanha que em sua naioria eram homens ainda não convertidos que ele deu esse conselho de se guardarem dos falsos profetas Portanto se isso acaso confere o poder de expulsar os reis não apenas foi dado a individuos particulares mas até a homens que de modo algum eram cristãos Quanto ao po der de separar e isolar os carneiros furiosos com o que ele queria referir os reis cristãos que se recusam a submeterse ao pastor romano o nosso Salvador recusou assumir ele próprio esse poder neste mundo e além disso aconselhou que se deixasse o trigo e o joio crescerem juntos até ao dia do JUízo Final muito menos deu esse poder a São Pedro ou São Pedro o deu aos papas A São Pedro e a todos os outros pastores se pede que tratem os cristãos que desobedecem à Igreja isto é que desobede cem ao soberano cristão como pagãos e como publicanos E como os homens não reclamam do papa autoridade alguma sobre os príncipes pagãos também não devem reclamar nenhuma sobre os que são para ser tratados como pagãos Mas do simples poder de ensinar infere ele também que o papa tem sobre os reis um poder coercitivo O pastor diz ele tem que dar ao seu rebanho comida adequada portanto o papa pode e deve forçar os reis a cumprirem o seu dever Daqui se segue que o papa como pastor dos cristãos é o rei dos reis o que sem dúvida todos os reis cristãos devem admitir ou então devem assumir para si mesmos o supremo cargo pastoral cada um nos seus domínios 320 J 488 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus O seu sexto e último argumento é tirado de exemplos Ao que respondo em primeiro lugar que os exemplos não pro vam nada Em segundo lugar que os exemplos por ele invocados não chegam sequer a formar uma probabilidade de direito O ato de J oiada ao matar Atália 2 Rs 11 ou foi pratica do pela autoridade do reiJoás ou então foi um crime nefando da parte do Sumo Sacerdote que após a eleição do rei Saul não passava de um simples súdito O ato de Santo Ambrósio ao excomungar o Imperador Teodósio caso seja verdade que o fez foi um crime capital Quanto aos papas Gregório I Gregório II Zacarias e Leão III os seus julgamentos foram nulos e feitos em causa própria E os atos por eles praticados conformemente a esta doutrina são os maiores crimes especialmen te o de Zacarias de que é capaz a natureza humana E é quanto basta a respeito do poder eclesiástico em cujo exame eu teria sido mais breve deixando de analisar os argumentos de Belarmino se fossem apenas dele como indivíduo particular e não como paladino do papado contra todos os outros príncipes e governos cristãos CAPo XLIII Do que é NECESSÁRIO para Entrar no Reino dos Céus 321 O pretexto de sedição e de guerra civil mais freqüente nas repúblicas cristãs teve durante muito tempo a sua origem numa dificuldade ainda não suficientemente resolvida de obedecer ao mesmo tempo a Deus e aos homens quando as suas ordens se contradizem É perfeitamente evidente que quando alguém recebe duas ordens contrárias e sabe que uma vem de Deus tem de obedecer a esta e não à outra embora seja a ordem do seu legítimo soberano quer se trate de um monarca quer se trate de uma assembléia soberana ou a ordem do seu A difltUÚk1lie de obedecer a Deus e ao homem ao mesmo tempo 489 I 11I II11I Nada significa para os que distinguem entre o queéeo que não é necessãrio para a salvação 322 Tudo o que é necessário para a salvação está contido na fé e na obediência Parte 3 Da República Cristã pai A dificuldade consiste portanto em que os homens quan do recebem ordens em nome de Deus não sabem em alguns casos se a ordem vem de Deus ou se aquele que ordena o faz abusando do nome de Deus para algum fim próprio e particu lar Pois assim como havia na Igreja dos judeus muitos falsos profetas que buscavam reputação junto do povo com visões e sonhos inventados também tem havido em todos os tempos na Igreja de Cristo falsos mestres que procuram fama junto do povo com doutrinas fantásticas e falsas e que por meio dessa reputação tal como está na natureza da ambição procuram governáIo em benefício próprio Mas esta dificuldade de obedecer ao mesmo tempo a Deus e ao soberano civil sobre a terra não tem gravidade para aque les que sabem distinguir entre o que é necessário e o que não é necessário para a sua entrada no Reino de Deus Pois se a ordem do soberano civil for tal que possa ser obedecida sem a perda da vida eterna é injusto não lhe obedecer tendo lugar o precei to do Apóstolo Servos obedecei a vossos senhores em tudo e Crianças obedecei a vossos pais em todas as coisas e o preceito do nosso Salva dor Os escribas e fariseus sentamse na cadeira de Moisés portanto ob servem e façam tudo o que eles disserem Mas se a ordem for tal que não possa ser obedecida sem que se seja condenado à morte eterna então será loucura obedecerlhe e então tem lugar o conselho do nosso Salvador Mt 1028 Não temais aqueles que ma tam o corpo mas não podem matar a alma Portanto todos os ho mens que quiserem evitar quer as penas que lhes devem ser in fligidas neste mundo pela desobediência ao seu soberano terre no quer as que lhes serão infligidas no mundo que está para vir por desobediência a Deus precisam de aprender a distin guir bem aquilo que é e aquilo que não é necessário para a sal vação eterna Tudo o que é NECESSÁRIO para a salvação está contido em duas virtudesft em Cristo e obediência às leis A última delas se fosse perfeita seria suficiente para nós Mas porque somos to dos culpados de desobediência à lei de Deus não apenas origi nalmente em Adão mas também atualmente pelas nossas pró 490 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus prias transgressões exigese agora não só a obediência para o resto da nossa vida mas também uma remissão dos pecados dos tempos passados remissão essa que é a recompensa da nossa fé em Cristo Que nada mais se exige necessariamente para a salvação é algo que fica evidente pelo seguinte o Reino de Deus sóestá fechado aos pecadores isto é aos desobedientes ou transgressores da lei e não àqueles que se arrependem e crêem em todos os artigos da fé cristã necessários à salvação A obediência exigida por Deus que aceita em todas as nossas ações a vontade pelos atos é um esforço sério de lhe obedecer e é também denominada com todos aqueles nomes que significam esse esforço E portanto a obediência é umas vezes denominada com os nomes de caridade e amor porque implicam a vontade de obedecer e mesmo o nosso Salvador faz do nosso amor a Deus e ao próximo um cumprimento de toda a lei e algumas vezes pelo nome de retidão pois a retidão nada mais é do que a vontade de dar a cada um o que lhe é devido isto é a vontade de obedecer às leis e algumas vezes pelo nome de arrependimento porque arrependerse implica um afastamento do pecado que é o mesmo que o regresso da vontade de obediência Portanto todo aquele que desejar sinceramente cumprir os mandamentos de Deus ou que se arrepender verdadeiramente das suas transgressões ou que amar a Deus com todo o seu coração e ao próximo como a si mesmo tem toda a obediência necessária à sua entrada no Reino de Deus pois se Deus exigisse uma inocência perfeita não haveria carne que se salvasse Mas quais são esses mandamentos que Deus nos deu Serão mandamentos de Deus todas as leis dadas aos judeus pelas mãos de Moisés Se o são por que razão não se ensinam os cristãos a lhes obedecerem Se não o são que outras o são além da lei de natureza Pois o nosso Salvador não nos deu novas leis mas aconselhounos a observar aquelas a que estávamos sujeitos isto é as lei de natureza e as leis dos nossos diversos soberanos Também não fez nenhuma lei nova para os judeus no seu sermão da montanha mas apenas expôs as leis de Moisés às quais estavam antes sujeitos As leis de Deus portanto nada Que obediência é necessãria E a que leis 491 I11I11 III Parte 3 Da República Cristã 323 mais são do que as leis de natureza a principal das quais é que não devemos violar a nossa fé isto é uma ordem para obedecer aos nossos soberanos civis que constituimos acima de nós por um pacto mútuo E esta lei de Deus que ordena a obediência à lei civil ordena conseqüentemente a obediência a todos os pre ceitos da Biblia a qual como mostrei no capítulo precedente é a única lei nos lugares onde o soberano civil assim o estabele ceu e nos outros lugares é apenas conselho que cada um por sua conta e risco pode sem injustiça recusarse a obedecer Sabendo agora o que é a obediência necessária à salvação e a quem é devida devemos considerar em seguida no que se refere à fé em quem e por que razão cremos e quais são os ar tigos ou pontos que devem necessariamente ser objetos da cren ça dos que querem ser salvos E em primeiro lugar quanto à pessoa em quem acreditamos porque é impossível acreditar em alguém antes de saber o que disse é necessário que seja al guém que tenhamos ouvido falar Portanto a pessoa em quem Abraão IsaacJacó Moisés e os profetas acreditaram era o pró prio Deus que lhes falou sobrenaturalmente e a pessoa em quem os apóstolos e os discípulos que conviveram com Cristo acre ditaram era o nosso Salvador em pessoa Mas não se pode di zer daqueles a quem nem Deus Pai nem o nosso Salvador falou alguma vez que a pessoa em quem acreditavam fosse Deus Acreditaram nos apóstolos e depois deles nos pastores e douto res da Igreja que recomendaram à sua fé a história do Antigo e do Novo Testamento de tal modo que a fé dos cristãos des de o tempo do nosso Salvador teve como fundamento primei ro a reputação dos seus pastores e mais tarde a autoridade daqueles que fizeram o Antigo e o Novo Testamento serem aceitos como regra da fé o que ninguém podia fazer a não ser os soberanos cristãos Estes são portanto os pastores supremos e as únicas pessoas a quem os cristãos agora ouvem falar da par te de Deus com exceção daqueles a quem Deus fala sobrena turalmente nos nossos dias Mas porque há muitos falsos pro fetas que saíram para o mundo os homens1 devem examinar Em que pessoa se crê na fi do cristão 1 Syn OS outros homens 492 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus tais espíritos como São João nos aconselhou 1 J o 41 se são de Deus ou não E portanto vendo que o exame das doutrinas pertence ao pastor supremo a pessoa em quem todos aqueles que não têm nenhuma revelação especial devem acreditar é em todas as repúblicas o pastor supremo isto é o soberano civil As causas pelas quais os homens acreditam em qualquer doutrina cristã são variadas pois a fé é um dom de Deus e Ele produziua nos vários homens por aquelas maneiras que lhe aprouv usar A causa imediata mais comum da nossa crença referente a qualquer ponto da fé cristã é que acreditamos que a Bíblia é a palavra de Deus Mas por que razão acreditamos que a Bíblia seja a palavra de Deus é algo de muito discutido como necessariamente o são todas as questões que não estão bem assentes Pois não colocam a questão em termos de por que acreditamos nela mas como a conhecemos como se acreditar e conhecer fossem a mesma coisa E daqui enquanto um lado assenta o seu conhecimento na infalibilidade da Igreja e o outro lado no testemunho do espírito particular nenhum dos lados conclui aquilo que pretende Pois como conhecerá alguém a infalibilidade da Igreja se não conhecer primeiro a infalibilidade das Escrituras ou saberá alguém que o seu próprio espírito particular é algo diferente de uma crença baseada na autoridade e nos argumentos dos seus mestres ou numa presunção de seus próprios dons Além disso não há nada nas Escrituras de que possa inferirse a infalibilidade da Igreja e muito menos de alguma igreja em particular e ainda menos a infalibilidade de algum homem em particular É portanto manifesto que os cristãos não sabem mas apenas acreditam que as Escrituras são a palavra de Deus e que o meio de os fazer acreditar naquilo que prouve a Deus conceder geralmente aos homens está de acordo com o curso da natureza isto é por seus mestres E a doutrina de São Paulo referente à fé cristã em geral Rrn 1017 a fé vem pelo ouvir isto é por se ouvir aos nossos legítimos pastores Disse também versÍCulos 14 e 15 do mesmo capítulo Como acreditarão naquele a quem não ouviram E como ouvirão sem um pregador E como pregarão se não 10 As causas da fi cristã 324 A fi chega pelo ouvir 493 Ir III I I I II o único artigo necessário da fi cristã IIII II II II III Parte 3 Da República Cristã rem enviados Resta assim evidente que a causa comum da crença de que as Escrituras são a palavra de Deus é a mesma que a causa da crença em todos os outros artigos da nossa fé a saber escutar aqueles que estão por lei autorizados e designados para nos ensinar como os nossos pais nas nossas casas e os nossos pastores nas igrejas o que também se torna mais manifesto pela experiência Pois que outra causa pode ser atribuída para o fato de nas repúblicas cristãs todos os homens ou acreditarem ou pelo menos professarem que as Escrituras são a palavra de Deus e nas outras repúblicas não senão que nas repúblicas cristãs foram assim ensinados desde a infância e nos outros lugares foram ensinados de outro modo Mas se o ensino é a causa da fé por que razão nem todos acreditam É portanto certo que a fé é dom de Deus e que Ele a dá a quem quer Contudo porque àqueles a quem deu a deu por meio dos professores a causa imediata da fé é o ouvir Numa escola onde muitos são ensinados e alguns com proveito outros sem ele a causa de terem esse proveito é o professor Contudo não se pode inferir dai que o aprendizado não seja um dom de Deus Todas as coisas boas provêm de Deus contudo não podem considerarse inspirados todos os que as têm pois isso implica um dom sobrenatural e a intervenção direta de Deus Quem tem essa pretensão tem também a pretensão de ser profeta e está sujeito à inquirição da Igreja Mas quer os homens saibam acreditem ou concedam que as Escrituras são a palavra de Deus se eu mostrar com base em textos que não são obscuros que artigos de fé são necessários e os únicos necessários para a salvação esses homens têm de saber acreditar ou conceder o mesmo O único unum necessarium artigo de fé que as Escrituras tornam simplesmente necessário para a salvação é este JESUS é o CRISTO Pelo nome de Cristo se entende o rei que Deus tinha antes prometido pelos profetas do Antigo Testamento enviar ao mundo para reinar sobre os judeus e sobre aquelas nações que acreditassem nele em seu nome eternamente e para lhes dar aquela vida eterna que ficara perdida com o pecado 494 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus de Adão Quando eu provar isso com base nas Escrituras mostrarei ainda quando e em que sentido alguns outros artigos po dem também ser chamados necessários Como prova de que a crença neste artigoesus é o Cristo é toda a fé exigida para a salvação o meu primeiro argumento será tirado do objetivo dos evangelistas qual seja pela descri ção da vida do nosso Salvador estabelecer aquele mesmo artigo Jesus é o Cristo O resumo do Evangelho de São Mateus é este que Jesus era do rebanho de Davi nascido de uma virgem marcas constitutivas do verdadeiro Cristo que os magos vie ram adoráIo como rei dos judeus que Herodes pela mesma razão procurou matáIo que João Batista o proclamou que ele pregou por si mesmo e pelos apóstolos que era rei que ensinou a lei não como um escriba mas como um homem de autoridade que saroU doenças apenas com a sua palavra e fez muitos outros milagres que tinham sido preditos que Cristo faria que foi sau dado como rei quando entrou em Jerusalém que preveniu os homens para que tivessem cuidado com todos aqueles que pretendessem ser Cristo que foi preso acusado e condenado à mor te por dizer que era rei que a causa da sua condenação escrita na cruz era JESUS DE NAZARÉ REI DOS JUDEUS Tudo isto tende apenas para um fim que é o seguinte os homens devem acre ditar queJesus é o Cristo Tal era portanto o objetivo do Evangelho de São Mateus Mas o objetivo de todos os evangelistas como se pode ver pela sua leitura era o mesmo Portanto o objetivo de todo o Evangelho era estabelecer apenas esse artigo E São João expressamente o aponta na sua conclusãoJo 2031 Estas coisas estão escritas para que possais saber que Jesus é o Cristo o filho do Deus vivo O meu segundo argumento é tirado do tema dos sermões dos apóstolos tanto durante o periodo em que o nosso Salva dor viveu sobre a terra como depois da sua Ascensão Os apóstolos durante o tempo do nosso Salvador foram enviados Lc 92 para pregar o Reino de Deus pois nem aqui nem em Mt 1O7lhes deu outro encargo além deste À medida que avançarem preguem dizendo que o Reino do Céu está próximo isto é queJesus é o 325 Provado pela finalidade dos evangelistas Pelos sermões dos apóstolos 495 j Parte 3 Da República Cristã Pela jàcilidade da doutrina Messias o Cristo o Rei que estava para vir Que a sua pregação também depois da Ascensão foi a mesma é manifesto em At 176 Eles arrastaram escreveu São LucasJasão e alguns irmãos até junto dos governantes da cidade gritando Estes que puseram o mundo de pernas para o ar também vieram aqui e foram recebidos por Jasão E eles fazem tudo ao contrário dos decretos de César dizendo que há um outro rei umJesus E também nos versiculos 2 e 3 do mesmo capítulo onde se diz que São Paulo como era seu hábito entrou e foi até eles e durante três sábados discutiu com eles as Escrituras mostrando e alegando que Cristo necessariamente sofreu e ressuscitou dos mortos e que esteJesus que ele pregava é Cristo O terceiro argumento é tirado daqueles textos das Escrituras nos quais se declara que toda fé exigida para a salvação é fácil Pois se fosse necessário à salvação um assentimento interior do espírito a todas as doutrinas referentes à fé cristã hoje ensinadas nada haveria no mundo tão difícil como ser cristão O ladrão na cruz muito embora arrependido não poderia ser salvo dizendo Senhor lembrate de mim quando entrares no teu reino e com isso ele não testemunhava nenhuma crença em outro artigo senão neste que Jesus era o Rei Nem se poderia dizer como é dito em Mt 1130 que o jugo de Cristo é fácil e a sua carga leve nem que as criancinhas acreditam nele como é dito em Mt 186 Nem podia São Paulo ter dito 1 Cor 121 Prouve a Deus pela loucura de pregar salvar aqueles que acreditavam Nem podia o próprio São Paulo ter sido salvo e muito menos ter sido tão depressa um tão grande doutor da Igreja que talvez nunca pensasse na transubstanciação nem no purgatório nem em muitos outros artigos agora introduzidos O quarto argumento é tirado de textos expressos e tais que não são suscetíveis de nenhuma controvérsia interpretativa Como em primeiro lugarJo 539 Procurai as Escrituras pois nelas vereis que tendes vida eterna e são elas que dão testemunho de mim O nosso Salvador aqui fala apenas das Escrituras do Antigo Testamento pois os judeus daquela época não podiam procurar as Escrituras do Novo Testamento que ainda não estavam escritas Mas o Antigo Testamento nada tinha de Cristo senão as 326 Por textos fórmais e claros 496 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus marcas pelas quais os homens podiam conhecêIo quando viesse como que ele descenderia de Davi nasceria em Belém e de uma virgem faria grandes milagres e outras coisas semelhantes Portanto acreditar que ele era este Jesus era suficiente para alcançar a vida eterna mas mais do que suficiente não é necessário e conseqüentemente não se exige nenhum outro artigo E também Uo 1126 Quem viver e acreditar em mim não morrerá eternamente Portanto acreditar em Cristo é fé suficiente para a vida eterna e conseqüentemente não é necessária mais fé do que esta Mas acreditar em Jesus e acreditar que Jesus é o Cristo é a mesma coisa como se vê nos versículos que imediatamente se seguem Pois quando o nosso Salvador versículo 26 disse a Marta Acreditas tu nisto ela respondeu vers 27 Sim Senhor acredito que tu és o Cristo o filho de Deus que devia vir ao mundo Portanto só este artigo é fé suficiente para a vida eterna e mais do que suficiente não é necessário Terceiro Jo 2031 Estas coisas estão escritas para que possais acreditar que Jesus é o Cristo o filho de Deus para que acreditando nisso possais ter vida através do seu nome Aqui acreditar queJesus é o Cristo é fé suficiente para a obtenção da vida e assim nenhum outro artigo é necessário Quarto 1 Jo 42 Todo espírito que confessar queJesus Cristo se encarnou é de Deus E 1 J o 51 Aquele que acreditar que Jesus é o Cristo nasceu de Deus E o versículo 5 Quem é aquele que vence o mundo senão aquele que acredita que Jesus é o filho de Deus Quinto At 83637 Vede disse o eunuco aqui está a água o que me impede de ser batizado E Filipe disse Se acreditares de todo o coração podes E ele res pondeu e disse Acredito que Jesus Cristo é o Filho de Deus Portanto a crença neste artigo Jesus é o Cristo é suficiente para o batismo isto é para a nossa entrada no Reino de Deus e por conseqüência a única necessária E em geral em todos os textos onde o nosso Salvador diz a alguém A tua fé salvoute a razão para ele dizer isto é alguma confissão que diretamente ou por conseqüência implica uma crença em queJesus é o Cristo O último argumento é tirado de textos nos quais este artigo constitui o fundamento da fé pois aquele que se agarrar ao fundamento será salvo Esses textos são primeiro Mt 2423 327 J Por ser o fUndamento de todos os outros artigos 497 Parte 3 Da República Cristã Se alguém vos disser aqui está Cristo ou ali não o acrediteis porque aparecerão falsos Cristos e falsos profetas e mostrarão grandes sinais e maravilhas etc Vemos aqui que este artigo Jesus é o Cristo tem de ser defendido muito embora aquele que ensinar o contrário faça grandes milagres A segunda passagem é Gll8 Ainda que nós ou um anjo do céu vos pregue qualquer outro Evangelho diferente daquele que vos pregamos que seja maldito Mas o Evangelho que Paulo e os outros apóstolos pregaram era apenas este artigo Jesus é o Cristo Portanto para a crença neste artigo devemos rejeitar a autoridade de um anjo do céu e muito mais a de qual quer mortal que nos ensinar o contrário Este é portanto o artigo fundamental da fé cristã Um terceiro texto é 1 jo 41 Amados não acrediteis em todos os espíritos Por este meio conhecereis o esPirito de Deus todo o espírito que corifessar queJesus encarnou é de Deus Resta por isso evidente que este artigo é a medida e a regra pela qual se avaliam e examinam todos os outros artigos e é portanto o único fundamental Um quarto texto é Mt 1618 no qual depois de São Pedro ter professado este artigo dizendo ao nosso Salvador Tu és Cristo o Filho do Deus vivo o nosso Sal vador respondeu Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha igreja Daqui infiro que este artigo é aquele sobre o qual estão construí das todas as outras doutrinas da Igreja como sua fundação Um quinto texto é 1 Cor 3 versículos 1112 etc Nenhum homem pode colocar outra ftndação diferente daquela que está coloca da Jesus é o Cristo Agora se alguém erguer sobre esta fundação ouro prata pedras preciosas madeira palha restolho a obra de cada homem tornarseá manifesta pois o dia a declarará porque será revelada pelo fogo e o fogo porá à prova a obra de qualquer homem mostrando de que esPécie ela é Se resistir a obra que qualquer homem sobre ela tenha construído ele receberá uma recompensa se a obra do homem for queimada ele sofrerá uma perda mas ele próprio será salvo mas pelo fogo Como estas palavras são em parte simples e fáceis de compreender e em parte alegóricas e difíceis do que é simples podese inferir que os pastores que ensinam esse fundamento Jesus é o Cristo embora tirem dele conseqüências falsas coisa a que todos os homens às vezes estão sujeitos podem contudo ser salvos e 498 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus com muito mais razão serão salvos aqueles que não sendo pastores mas ouvintes acreditam naquilo que lhes é ensinado pelos seus legítimos pastores Portanto a crença neste artigo é suficiente e por conseqüência não se exige necessariamente ne nhum outro artigo de fé para a salvação Ora quanto à parte alegórica como que o fogo porá à prova a obra de cada homem e que serão salvos mas pelo fogo ou através do fogo pois o origínal é 8tà nvpõç em nada altera esta conclusão que tirei das outras palavras que são simples Contudo porque este texto também serviu de argumento para provar o fogo do purgatório apresentarei também aqui a minha hipótese referente ao significado deste julgamento de doutrinas e à salvação dos homens pelo fogo Aqui o apóstolo parece aludir às palavras do profeta Zacarias Zc 1389 que falando da restauração do Reino de Deus disse assim Duas partes deles serão reparadas e morrerão mas a terceira será deixada e trarei a terceira parte pelo fogo e purificáIosei como a prata é purificada e afináIosei como o ouro é afinado eles chamarão pelo nome do Senhor e eu ouviIosei O dia do juízo Final é o dia da restauração do Reino de Deus e é nesse dia que São Pedro nos diz que haverá a conflagração do mundo na qual os maus perecerão mas os restantes que Deus salvar passarão pelo fogo sem se queimarem e assim como a prata e o ouro são purificados pelo fogo que os liberta das suas impurezas serão afinados e purificados da sua idolatria e serão levados a invocar o nome do verdadeiro Deus Aludindo a isso São Paulo aqui diz que o dia isto é o dia do juízo Final o grande dia da chegada do nosso Salvador para restaurar o Reino de Deus em Israel purificará a doutrina de cada homem avaliando o que é ouro prata pedras preciosas madeira palha restolho Então os que construíram falsas conseqüências sobre a verdadeira fundação verão condenadas as suas doutrinas contudo eles próprios serão salvos e passarão sem se queimarem através desse fogo universal e viverão eternamente para invocar o nome do verdadeiro e único Deus Neste sentido nada há que não concorde com o restante das Sagradas Escrituras nem há vestígíos do fogo do purgatório 328 2 Pd 3 v 7 10 12 499 Parte 3 Da República Cristã Em que sentido outros artigos potkm ser chamados necessários Mas aqui pode perguntarse se não é tão necessário para a salvação acreditar que Deus é onipotente criador do mundo que Jesus Cristo ressuscitou e que todos os homens ressuscitarão dos mortos no último dia como acreditar que Jesus é o Cristo A isso respondo que o é assim como muitos outros artigos mas eles são tais que estão contidos neste e podem ser deduzidos dele com mais ou menos dificuldade Pois haverá quem não veja que acreditar em Jesus como o filho do Deus de Israel e que os israelitas consideravam Deus o onipotente criador de todas as coisas é acreditar também por isso mesmo que Deus é o onipotente criador de todas as coisas Ou como pode agora alguém acreditar que Jesus é o rei que reinará eternamente salvo se também acreditar que ele ressuscitou dos mortos Pois um morto não pode exercer o cargo de rei Em suma aquele que defender este fundamento Jesus é o Cristo defende expressamente tudo aquilo que vê corretamente deduzido dele e implicitamente tudo aquilo que é conseqüente com isso embora não tenhamos habilidade suficiente para discernir a conseqüência E portanto continua a ser verdade que a crença neste único artigo constitui fé suficiente para obter a remissão dos pecados aos penitentes e conseqüentemente para os trazer para o reino do céu Depois de mostrar que toda a obediência exigida para a salvação consiste na vontade de obedecer à lei de Deus isto é no arrependimento e que toda a fé exigida para isso está incluída na crença neste artigo Jesus é o Cristo alegarei ainda aqueles textos do Evangelho que provam que tudo o que é necessário à salvação está contido em ambas aquelas juntamente Os homens a quem São Pedro pregou no dia de Pentecostes logo a seguir à Ascensão do nosso Salvador perguntaramlhe e aos demais apóstolos dizendo At 237 Homens e irmãos o que faremos Ao que São Pedro respondeu no versículo seguinte Arre pendeivos e seja cada um de vós batizado para a remissão dos pecados e recebereis o dom do EsPírito Santo Portanto o arrependimento e o batismo isto é a crença em queJesus é o Cristo é tudo o que é necessário para a salvação E mais tendo certo governante per 329 Que a fi e a obediência sáo ambas necessárias para a salvação 500 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus guntado ao nossO Salvador Lc 1818 O que farei para alcançar a vida eterna este respondeu versículo 20 Tu conheces os mandamentos não cometas adultério não mates não prestes falsos testemunhos honra teu pai e tua mãe ao que quando ele afirmou tê Ios observado o nosso Salvador acrescentou Vende tudo o que possuis dáo aoS pobres vem e segueme o que era o mesmo que dizer confia em mim que sou o rei Assim cumprir a lei e acreditar que Jesus é o rei é tudo o que se exige para levar um homem à vida eterna Terceiro São Paulo disse Rm 117 Os justos viverão pela fé não todos mas os justos logo a fé e a justiça isto é a vontade de ser justo ou arrependimento é tudo o que é necessário para a vida eterna E Mc 115 o nosso Salvador pregou dizendo O tempo está cumprido e o Reino de Deus está próximo arrependeivos e acreditai no Evangelho isto é a boa nova de que o Cristo tinha chegado Portanto arrependerse e acreditar que Jesus é o Cristo é tudo o que se exige para a salvação Como é então necessário que a fé e a obediência implicada na palavra arrependimento concorram ambas para a nossa salvação debatese com impertinência a questão de saber por qual das duas somos justificados Não será contudo impertinente tornar manifesto de que maneira cada uma delas para isso contribui e em que sentido se diz que devemos ser justificados por uma e pela outra Em primeiro lugar se por retidão se entende a justiça das próprias obras nenhum homem pode ser salvo pois não há nenhum que não tenha transgredido a lei de Deus E portanto quando se diz que devemos ser justificados pelas obras tal deve entenderse da vontade que Deus sempre aceita em vez da própria obra tanto nos homens bons como nos maus E neste sentido apenas é que alguém é chamado justo ou injusto e que a sua justiça o justifica isto é lhe dá o título na aceitação de Deus de justo e o torna capaz de viver pela sua fé e disso antes não era capaz De tal modo que a justiça justifica naquele sentido em que justificar é o mesmo que denominar alguém justo e não no sentido de exonerarse da lei pelo que o castigo dos seus pecados seria injusto Mas também se diz que um homem é justificado quando a sua alegação ainda que em si insuficiente é aceita como quan Em que cada uma contribui para tal 330 501 1 Iii Parte 3 Da República Cristã A obediência a Deus e ao soberano civil não são ine01llfaliveis seja ele cristão do alegamos a nossa vontade o nosso esforço para cumprir a lei e nos arrependemos dos nossos desfalecimentos e Deus aceita isso em vez da própria realização E porque Deus não aceita a vontade pela ação a não ser nos fiéis é portanto a fé que torna boa a nossa alegação e é neste sentido que só a fé justifica de tal modo que a fé e a obediência são ambas necessárias para a salvação De qualquer modo em vários sentidos se diz que cada uma delas justifica Tendo assim mostrado o que é necessário para a salvação não é difícil reconciliar a nossa obediência a Deus com a nossa obediência ao soberano civil que ou é cristão ou infiel Se for cristão permite a crença neste artigoJesus é o Cristo em todos os artigos que estão nele contidos ou que são por evidente conseqüência dele deduzidos o que constitui toda a fé necessária à salvação E porque é um soberano exige obediência a todas as suas leis isto é a todas as leis civis nas quais estão também contidas todas as leis de natureza isto é todas as leis de Deus pois além das leis de natureza e das leis da Igreja que fazem parte da lei civil pois a Igreja que pode fazer leis é a república não há nenhuma outra lei divina Quem obedecer portanto ao seu soberano cristão não fica por isso impedido nem de acreditar nem de obedecer a Deus Mas suponhamos que um rei cristão a partir deste fundamentoJlilllS é o Cristo tire algumas conseqüências falsas isto é faça algumas construções de palha ou restolho e ordene o seu ensino Mesmo assim considerando que São Paulo diz ele será salvo e com muito mais razão será salvo aquele que as ensina por sua ordem e com muito mais ainda aquele que as não ensina e que apenas acredita no seu legitimo mestre E no caso de um súdito ser proibido pelo soberano civil de professar algumas destas suas opiniões com que fundamento justo pode ele desobedecer Podem os reis cristãos errar ao deduzir uma conseqüência mas quem o julgará Julgará um particular quando a questão é a sua própria obediência Ou só julgará aquele que para isso for designado pela igreja isto é pelo soberano civil que o representa Ou se o papa ou um apóstolo julga não pode ele errar ao deduzir uma con 502 XLIII Para Entrar no Reino dos Céus seqüência Não errou um dos dois São Pedro ou São Paulo numa superestrutura quando São Paulo se opõs frontalmente a São Pedra Não pode portanto haver contradição entre as leis de Deus e as leis de uma república cristã E quando o soberano civil é infiel todos os seus súditos que lhe resistam pecam contra as leis de Deus pois tais são as leis de natureza e rejeitam o conselho dos apóstolos que aconselharam todos os cristãos a obedecer aos seus príncipes e to dos os filhos e servos a obedeceram aos seus pais e senhores em todas as coisas E quanto à sua fé ela é interior e invisível Possuem a licença que teve Naaman e não precisam colocarse em perigo por ela Mas se o fizerem devem esperar a sua re compensa no céu e não se queixar do seu legitimo soberano e muito menos fazerlhe guerra Pois aquele que não fica contente com uma ocasião adequada de martírio não tem a fé que professa mas apenas aparenta têIa para dar alguma cor à sua própria contumácia Porém que rei infiel será tão destituído de razão a ponto de condenar à morte e perseguir um súdito que se sabe à espera da segunda chegada de Cristo depois que o mun do atual for queimado e que pretende então obedecerlhe a intenção da crença em que Jesus é o Cristo mas entretanto se considera obrigado a obedecer às leis daquele rei infiel o que todos os cristãos são obrigados em consciência a fazer E só isto bastará no que se refere ao Reino de Deus e à politica eclesiástica Não tive a pretensão de apresentar nenhuma opinião própria mas apenas mostrar quais são as conseqüên cias que me parecem dedutíveis dos principios de uma política cristã que são as Sagradas Escrituras em confirmação do poder do soberano civil e do dever dos seus súditos E na alegação das Escrituras tentei evitar os textos que são de uma interpretação obscura ou controvertida e só alegar aqueles cujo sentido é mais simples e agradável à harmonia e finalidade de toda a Bíblia escrita para o restabelecimento do Reino de Deus em Cristo Pois não são as palavras nuas mas sim o propósito do autor que dá a verdadeira luz pela qual qualquer escrito deve ser interpre tado e aqueles que insistem nos textos isolados sem considera Ou infieL 331 503 J rI I Parte 3 Da República Cristã rem o desígnio principal nada deles podem tirar com clareza ao contrário jogando átomos das Escrituras como poeira nos olhos dos homens tornam tudo mais obscuro do que é artifí cio habitual daqueles que não procuram a verdade mas sim as suas próprias vantagens 504 L PARTE 4 DO REINO DAS TREVAS CAPo XLIV Das Trevas Espirituais Resultantes da MÁ INTERPRETAÇÃO das Escrituras Além destes poderes soberanos divino e humano sobre os quais até aqui tenho discorrido há nas Escrituras referência a um outro poder a saber o dos govemantes das trevas deste mundo o reino de Satanás e a soberania de Belzebu sobre os demônios isto é sobre os fantasmas que aparecem no ar por cuja razão Satanás também é chamado o principe do poder do ar e porque governa nas trevas deste mundo o principe deste mundo e por conseqüência aqueles que estão sob o seu domínio em oposição aos fiéis que são os filhos da luz são chamados os filhos das trevas Pois dado que Belzebu é o principe dos fantasmas habitantes do seu domínio de ar e trevas filhos das trevas e estes demônios fantasmas ou espíritos de ilusão significam alegoricamente a mesma coisa Posto isto o reino das trevas tal como é apresentado nestes e em outros textos das Escrituras nada mais é do que uma confederação de impostores que para obterem o domínio sobre os homens neste mundo presente tentam por meio de escuras e errôneas doutrinas extinguir neles a luz quer da natureza quer do Evangelho e deste modo despreparálos para a vinda do Reino de Deus 505 333 o que é o Reino das Trevas Ef672 Mt 7226 Mt934 Ef22 João 76 77 f 1 r I III 334 A Igreja ainda não estã totalTTUinte livre das trevas Quatro causas das trevas espirituais Parte 4 Do Reino das Trevas Assim como os homens que desde a nascença estão profundamente destituídos da luz dos olhos corporais não possuem nenhuma idéia da luz e ninguém concebe na imagina ção uma luz maior do que a alguma vez entrevista pelos sentidos externos também o mesmo acontece com a luz do Evangelho e com a luz do entendimento pois ninguém é capaz de conceber que haja um grau maior dela do que aquele a que já chegou E daqui resulta que os homens não possuem outros meios para reconhecer as suas próprias trevas senão raciocinando sobre os desastres imprevistos que lhes aconteceram pelo caminho A parte mais escura do reino de Satanás é a que se encontra fora da Igreja de Deus isto é entre os que não acreditam em Jesus Cristo Porém não podemos concluir então que a Igreja goza como a terra de Gósen de toda a luz necessária para a realização da obra que Deus nos destinou Como explicar que na cristandade tenha sempre havido quase desde os tempos dos apóstolos tantas lutas para se expulsarem uns aos outros dos seus lugares quer por meio de guerra externa quer por meio de guerra civil Tanto estrebuchar a cada pequena aspereza da própria fortuna e a cada pequena eminência na dos outros homens E tanta diversidade na maneira de correr para o mesmo alvo a felicidade se não por haver noite entre nós ou pelo menos neblina Estamos portanto ainda nas trevas O inímigo tem estado aqui na noite da nossa natural ignorância e espalhou as taras dos erros espirituais Isso fez prímeiro abusando e apagando as luzes das Escrituras pois erramos quando não conhecemos as Escrituras Em segundo lugar introduzindo a demonologia dos poetas gentios isto é as suas fabulosas doutrinas referentes aos demônios que nada mais são do que ídolos ou fantasmas do cérebro sem nenhuma natureza real própria distinta da fantasia humana como são os fantasmas dos mortos as fadas e outros personagens de histórias de velhas Em terceiro lugar misturando com as Escrituras diversos vestígios da religião e muito da vã e errônea fIlosofia dos gregos especialmente de Aristóteles Em quarto lugar misturando com ambas estas falsas ou incertas tradições e uma his 506 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras tória nebulosa ou incerta E deste modo erramos dando aten ção aos espíritos sedutores e à demonologia dos que dizem mentiras hipocritamente ou como está no original 1 Tm 412 dos que fazem o papel de mentirosos com uma consciência endurecida isto é contrá ria ao seu próprio conhecimento No que se refere aos primeiros destes ou seja os que seduzem os homens abusando das Escrituras penso falar rapidamente neste capítulo O maior e principal abuso das Escrituras e em relação ao qual todos os outros são ou conseqüentes ou subservientes é distorcêlas a fim de provar que o Reino de Deus tantas vezes mencionado nas Escrituras é a atual Igreja ou multidão de cristãos que vivem agora ou que estando mortos devem ressuscitar no último dia No entanto o Reino de Deus foi primeiro instituído pelo ministério de Moisés apenas sobre os judeus que foram portanto chamados o Seu Povo Eleito e terminou mais tarde no momento da eleição de Saul quando se recusaram a continuar a ser governados por Deus e pediram um rei segundo o costume das nações no que o próprio Deus consentiu como provei já longamente no capítulo XXXV Depois dessa época não houve no mundo nenhum outro Reino de Deus por pacto ou de outro modo ainda que Ele sempre tenha sido seja e haverá de ser rei de todos os homens e de todas as criaturas na medida em que governa segundo a Sua vontade através do Seu infinito poder Contudo Ele prometeu pelos seus profetas restaurar o Seu governo para os judeus novamente quando tivesse chegado o tempo que Ele no seu secreto conselho havia deter minado e quando voltassem a Ele arrependidos e com desejos de mudar de vida Não apenas isto convidou também os gentios a virem gozar a felicidade do Seu reino sob as mesmas condições de conservação e arrependimento e prometeu também mandar o Seu Filho à terra para expiar os pecados de todos eles através da sua morte e para os preparar pela sua doutrina e recebêIo na sua segunda vinda Não se tendo ainda verificado a sua segunda vinda o Reino de Deus ainda não chegou e agora não estamos por pacto submetidos a nenhum outro rei senão os nossos soberanos civis tirante apenas que os cristãos já Erros por interpretar mal as Escrituras a respeito do Reino de Deus 335 507 334 A Igreja ainda não está totalmente livre das trevas I 1 Quatro causas das trevas espirituais Parte 4 Do Reino das Trevas Assim como os homens que desde a nascença estão profundamente destituídos da luz dos olhos corporais não possuem nenhuma idéia da luz e ninguém concebe na imagina ção uma luz maior do que a alguma vez entrevista pelos sentidos externos também o mesmo acontece com a luz do Evangelho e com a luz do entendimento pois ninguém é capaz de conceber que haja um grau maior dela do que aquele a que já chegou E daqui resulta que os homens não possuem outros meios para reconhecer as suas próprias trevas senão raciocinando sobre os desastres imprevistos que lhes aconteceram pelo caminho A parte mais escura do reino de Satanás é a que se encontra fora da Igreja de Deus isto é entre os que não acreditam em Jesus Cristo Porém não podemos concluir então que a Igreja goza como a terra de Gósen de toda a luz necessária para a realização da obra que Deus nos destinou Como explicar que na cristandade tenha sempre havido quase desde os tempos dos apóstolos tantas lutas para se expulsarem uns aos outros dos seus lugares quer por meio de guerra externa quer por meio de guerra civil Tanto estrebuchar a cada pequena aspereza da própria fortuna e a cada pequena eminência na dos outros homens E tanta diversidade na maneira de correr para o mesmo alvo afelicidade se não por haver noite entre nós ou pelo menos neblina Estamos portanto ainda nas trevas O inimigo tem estado aqui na noite da nossa natural ignorãncia e espalhou as taras dos erros espirituais Isso fez primeiro abusando e apagando as luzes das Escrituras pois erramos quando não conhecemos as Escrituras Em segundo lugar introduzindo a demonologia dos poetas gentios isto é as suas fabulosas doutrinas referentes aos demônios que nada mais são do que ídolos ou fantasmas do cérebro sem nenhuma natureza real própria distinta da fantasia humana como são os fantasmas dos mortos as fadas e outros personagens de histórias de velhas Em terceiro lugar misturando com as Escrituras diversos vestígios da religião e muito da vã e errônea fUosofia dos gregos especialmente de Aristóteles Em quarto lugar misturando com ambas estas falsas ou incertas tradíçôes e urna his 506 L XLIV Da Má Interpretação das Escrituras tória nebulosa ou incerta E deste modo erramos dando aten ção aos espíritos sedutores e à demonologia dos que dizem mentiras hipocritamente ou como está no original 1 Tm 412 dos que fazem o papel de mentírosos com uma consciência endurecida isto é contrá ria ao seu próprio conhecimento No que se refere aos primeiros destes ou seja os que seduzem os homens abusando das Escri turas penso falar rapidamente neste capítulo O maior e principal abuso das Escrituras e em relação ao qual todos os outros são ou conseqüentes ou subservientes é distorcêlas a fim de provar que o Reino de Deus tantas vezes mencionado nas Escrituras é a atual Igreja ou multidão de cristãos que vivem agora ou que estando mortos devem ressus citar no último dia No entanto o Reino de Deus foi primeiro instituído pelo ministério de Moisés apenas sobre os judeus que foram portanto chamados o Seu Povo Eleito e terminou mais tarde no momento da eleição de Saul quando se recusaram a continuar a ser governados por Deus e pediram um rei segundo o costume das naçôes no que o próprio Deus consentiu como provei já longamente no capítulo XXXV Depois dessa época não houve no mundo nenhum outro Reino de Deus por pacto ou de outro modo ainda que Ele sempre tenha sido seja e haverá de ser rei de todos os homens e de todas as criaturas na medida em que governa segundo a Sua vontade através do Seu infinito poder Contudo Ele prometeu pelos seus profetas res taurar o Seu governo para os judeus novamente quando tivesse chegado o tempo que Ele no seu secreto conselho havia deter minado e quando voltassem a Ele arrependidos e com desejos de mudar de vida Não apenas isto convidou também os gentios a virem gozar a felicidade do Seu reino sob as mesmas condiçôes de conservação e arrependimento e prometeu também mandar o Seu Filho à terra para expiar os pecados de todos eles através da sua morte e para os preparar pela sua doutrina e recebêlo na sua segunda vinda Não se tendo ainda verifica do a sua segunda vinda o Reino de Deus ainda não chegou e agora não estamos por pacto submetidos a nenhum outro rei senão os nossos soberanos civis tirante apenas que os cristãos já Erros por interpretar mal as Escrituras a respeito do Reino de Deus 335 507 Parte 4 Do Reino das Trevas 1 11 I II estão no Reino da Graça na medida em que já têm a promessa de serem recebidos quando ele voltar Conseqüente com este erro de que a atual Igreja é o reino de Cristo é o de que deveria haver um homem ou uma assembléia pela boca dos quais o nosso Salvador agora no céu falasse e desse a lei e representasse a sua pessoa perante todos os cristãos ou homens diversos ou diversas assembléias que fizessem o mesmo em diversas partes da cristandade Este poder real sob Cristo sendo desejado universalmente pelo papa e nas repúblicas em particular pelas assembléias dos pastores do lugar quando as Escrituras só o concedem aos soberanos civis vem a ser tão apaixonadamente disputado que faz desaparecer a luz da natureza e causa uma escuridão tão grande no entendimento dos homens que não vêem a quem foi que prometeram obediência Conseqüente com esta pretensão do papa a ser o vigário2 geral de Cristo na atual Igreja supondose que seja aquele seu reino de que nos fala o Evangelho é a doutrina de que é necessário a um rei cristão receber a sua coroa das mãos de um bispo como se fosse desta cerimônia que ele tirasse a cláusula de Dei gratia do seu título somente se tomando rei pelo favor3 de Deus quando coroado pela autoridade do vicerei universal de Deus sobre a terra e além disso que todos os bispos seja quem for O seu soberano fazem no momento da sua consagração um juramento de absoluta obediência ao papa Conseqüente com a mesma pretensão é a doutrina do quarto concílio de Latrão reunido no tempo do papa Inocêncio lU cap 3 De Haereticis se um rei perante a exortação do papa não expurgar o seu reino de heresias e sendo excomungado pela mesma razão não der satisfação dentro de um ano os seus súditos são absolvidos do vínculo da sua obediência Por heresias se entendem todas as opiniões proibidas pela Igreja romana E por esses expedientes sempre que há qualquer contradição entre os designios políticos do papa e dos outros príncipes cristãos como muitas vezes Como que o Reino dt Deus é a Igreja atual E que o papa é o seu vigário geral Vidt Pontific Greg 13 fol 3361 I Syn desse 2 Syn a vigário 3 Syn favor Nota marginal inserida por Hobbes no manuscrito Ver a nota biográfica re lativa ao papa Gregório IX 508 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras acontece surge tal neblina entre os seus súditos que eles não distinguem entre um estrangeiro que se atirou no trono do seu legítimo principe e aquele que eles próprios lá colocaram Nesta escuridão de espírito são levados a lutar uns contra os outros sem distinguirem os seus inimigos dos seus amigos conduzidos pela ambição de outro homem Da mesma opiião a de que a atual Igreja é o Reino de Deus resulta que os pastores diáconos e todos os outros ministros da Igreja atribuemse o nome de clero dando aos outros cristãos o nome de leigos isto é simplesmente povo Pois clero significa aqueles cuja manutenção consiste no rendimento que Deus tendoo reservado para si próprio durante o seu reinado sobre os israelitas atribuiu à tribo de Levi os quais se destina vam a ser os seus ministros públicos e não possuíam nenhuma porção de terra para que pudessem viver como seus irmãos fosse sua herança Assim como o papa na pretensão de que a atual Igreja é como o reino de Israel o Reino de Deus reclamasse para si próprio e para os seus ministros subordinados o mesmo rendimento como herança de Deus o nome de clero estava adequado à essa reclamação E daí se segue que os dízi mos e outros tributos pagos aos levitas como se fora por direito de Deus entre os israelitas foram durante muito tempo pedidos e tomados aos cristãos pelos eclesiásticos jure divino isto é por direito de Deus O povo foi assim por toda a parte obrigado a um duplo tributo um para o Estado outro para o clero Mais o do clero sendo o décimo dos seus rendimentos é o dobro daquilo que o rei de Atenas considerado um tirano arrancava aos seus súditos para pagar todos os cargos públicos pois ele nada mais pedia do que a vigésima parte e apesar disso mantinha cD ela abundantemente a república E no reino dos judeus durante o reinado sacerdotal de Deus os dízimos e ofertas constituíam a totalidade da receita pública Do mesmo errO de considerar a atual Igreja como o Reino de Deus proveio a distinção entre as leis civis e as leis canônicas E que os pastores sáo o clero I Syn direito de Deus 509 L Parte 4 Do Reino das Trevas 337 sendo a lei civil os atos dos soberanos nos seus próprios domínios e a lei canônica os atos do papa nos mesmos domínios Esses cânones muito embora não passassem de cânones isto é regras propostas e só voluntariamente recebidas pelos príncipes cristãos até a transferência do império para Carlos Magno depois disso à medida que o poder do papa aumentava tornaramse leis obrigatórias e os próprios imperadores para evitarem maiores males a que o povo cego podia ser conduzido eram obrigados a deixáIos passar por leis É por isso que em todos os domínios onde o poder eclesiástico do papa é totalmente aceito os judeus os turcos e os gentios são na Igreja romana tolerados na sua religião desde que ao praticarem sua fé não ofendam o poder civil por sua vez um cristão embora estrangeiro que não pertence à religião romana pratica crime capital porque o papa tem a pretensão de que todos os cristãos são seus súditos Do contrário seria tão ofensivo à lei das nações perseguir um estrangeiro cristão por professar a religião do seu próprio país como perseguir um infiel ou melhor na medida em que não estão contra Cristo estão com ele Do mesmo erro resulta que em todos os Estados Cristãos há certos homens que estão isentos por liberdade eclesiástica dos tributos e dos tribunais do Estado civil Com efeito essa é a condição do clero secular além dos monges e frades os quais em muitos lugares constituem uma parte tão importante do povo comum que se houvesse necessidade se poderia só com eles organizar um exército suficiente para qualquer guerra em que a Igreja militante os quisesse empregar contra o seu próprio príncipe ou outros príncipes Um segundo abuso geral das Escrituras consiste em transformar a consagração em conjuração ou encantação Consagrar é nas Escrituras oferecer dar ou dedicar com linguagem e gestos pios e decentes um homem ou qualquer outra coisa a Deus separandoo do uso comum isto é santificáIo ou tornáIo de Deus e para ser usado apenas por aqueles a quem Deus nomeou para serem seus ministros públicos como já provei largamente Erro por conftndir consagrllfão e conjurllfão 510 L XLIV Da Má Interpretação das Escrituras no capítulo XXXV Portanto é mudar não a coisa consagra da mas apenas o seu uso de profano e comum para sagrado e especifico do serviço de Deus No entanto quando por tais palavras pretensamente se muda a natureza ou qualidade da própria coisa não é consagração e sim uma obra extraordiná ria de Deus ou uma vã e ímpia conjuração Mas tendo em vista a freqüência com que se pretexta a mudança da natureza em suas consagrações não é possível consideráIa como obra extraordinária não é outra coisa senão uma conjuração ou encantação pela qual querem que os homens acreditem numa alteração da natureza que não existe contrária ao testemunho dos olhos humanos e de todos os demais sentidos Por exemplo quando o padre em vez de consagrar o pão e o vinho ao serviço particular de Deus no sacramento da ceia do Senhor que nada mais é do que a sua separação do uso comum para signi ficar isto é para lembrar aos homens a sua redenção pela paixão de Cristo cujo corpo foi quebrado e cujo sangue brotou na cruz pelas nossas transgressões tem a pretensão de que por dizer as palavras de nosso Salvador Este é o meu corpo Este é o meu sangue a natureza do pão já não está lá mas sim o seu próprio corpo ainda que não apareça aos olhos ou aos outros sentidos do espectador coisa alguma que não tivesse aparecido antes da consagração Os esconjuradores egipcios que se diz terem transformado as suas varas em serpentes e a água em sangue são encarados apenas como pessoas que iludiram os sentidos dos espectadores por uma falsa aparição de coisas e contudo são julgados como encantadores Mas o que teríamos nós pensado deles se nas suas varas nada tivesse aparecido semelhante a uma serpente e na água encantada nada de semelhante ao sangue nem a nada que não fosse água e se tivessem afrontado o rei dizendo que eram serpentes parecidas a varas e sangue parecido a água Que tinha sido simultaneamente Syn tendo em vista pela freqüência com que se pretexta a mudança da na tureza em suas consagrações que não é possível consíderála como obra extraordínáría 511 Parte 4 Do Reino das Trevas 338 encantamento e mentira E contudo neste ato diário do padre eles fazem exatamente o mesmo usando as palavras sagradas à maneira de um encanto que nada apresenta de novo aos sentidos Ora eles nos afrontam dizendo que transformaram o pão num homem e mais ainda num Deus e exigem que os homens o venerem como se fosse o nosso Salvador que estivesse presente como Deus e como Homem e portanto que cometamos a mais grosseira idolatria Com efeito se for suficiente para desculpar de idolatria dizer que já não é pão mas sim Deus por que razão não serviria a mesma desculpa para os egipcios no caso de terem tido a ousadia de dizer que os alhos e as cebolas que veneravam não eram alhos nem cebolas mas uma divindade sob suas species ou semelhança As palavras Este é o meu corpo são equivalentes a Isto significa ou representa o meu corpo e consistem numa vulgar figura de discurso mas encaráIas literalmente é um abuso e se assim as encararmos só podemos fazêIo em relação ao pão que o próprio Cristo consagrou com as suas mãos Ele jamais afirmou que se de um pão qualquer um padre qualquer dissesse Este é o meu corpo ou Este é o corpo de Cristo ele seria efetivamente transubstanciado Nem a Igreja de Roma alguma vez estabeleceu esta transubstanciação até a época de Inocêncio lU o que aconteceu há menos de 500 anos quando o poder dos papas estava no auge e as trevas dos tempos se haviam tornado tão densas que os homens não distinguiam o pão que lhes era dado para comer especialmente quando era marcado com a figura de Cristo na cruz como se quisessem que os homens acreditassem que se transubstanciava não só no corpo de Cristo mas também na madeira da cruz e que comiam ambos em conjunto no sacramento A mesma encantação em vez de consagração é usada também no sacramento do batismo no qual o abuso do nome de Deus em cada uma das várias pessoas e em toda a Trindade com o sinal da cruz a cada nome constitui o encanto Primeiro quando fazem a água benta o padre diz Conjurote criatura da água em nome de Deus Pai TodoPoderoso e em nome deJesus Cristo seu único Filho Nosso Senhor e em virtude do Espírito Santo que te tornes Encantação nas cerimônias do batismo 512 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras água conjurada para afastar todos os poderes do inimigo e para erradi car e suplantar o inimigo etc E o mesmo acontece na bênção do sal que se mistura com ela Que tu sal sejas conjurado que todos os fan tasmas e velhacaria da fraude do demônio possam fugir e abandonar o lugar em que és salpicado e que todos os espíritos sujos sejam conjurados por aquele que virá para julgar os vivos e os mortos Idem na bênção do óleo Que todo o poder do inimigo toda a hoste do Diabo todos os assaltos e fantasmas de Satanás possam ser afastados por esta criatura do óleo E quanto à criança que está para ser batizada é sujeita a muitos encantamentos primeiro na porta da igreja o padre assopra três vezes no rosto da criança e diz Sai de dentro dele espírito sujo e dá lugar ao Espírito Santo o confortador Como se todas as crianças até serem assopradas pelo padre fossem demoniacaso Novamente antes da sua entrada na igreja diz como antes Conjurote etc para que saias e abandones este servo de Deus E o mesmo exorcismo é repetido uma vez mais antes do batismo Estas e algumas outras encantações são aquelas que são usadas no lugar de bênçãos e consagrações na administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor onde tudo o que serve para esses sagrados usos exceto o profanado cuspe do padre possui alguma forma estabelecida de exorcismo Também não são isentos de encantamentos os outros ritos como os do casamento extremaunção visitação dos doentes consagração das igrejas e adros e outros semelhantes na medida em que se observa neles o uso de óleo encantado e água com o abuso da cruz e da palavra sagrada de Davi Asperges me Domine Hyssopo como coisas eficazes para afastar os fantasmas e os espiritos imaginários Outro erro geral resulta da má interpretação das palavras vida eterna morte eterna e segunda morte Lemos claramente nas Sagradas Escrituras que Deus criou Adão em estado de viver para sempre o que era condicional isto é caso ele não desobedecesse às suas ordens algo que não era essencial na natureza humana mas conseqüente com a virtude da árvore da vida da qual ele tinha liberdade de comer enquanto não pecasse que foi expulso do paraiso depois de ter pecado para que não co 513 339 E no casamento na uisitação dos doentes e na consagração dos lugares Erros por confundir vida eterna e morte eterna I Parte 4 Do Reino das Trevas messe dela nem vivesse para sempre que a Paixão de Cristo é um resgate do pecado de todos os que acreditarem nele e por conseqüência uma restituição da vida eterna a todos os fiéis e apenas a eles Mas apesar disso tudo a doutrina é agora e tem sido há muito tempo diferente a saber todo homem tem vida eterna por natureza já que a sua alma é imortal Assim a espada flamejante à entrada do Paraíso muito embora impeça o homem de chegar à árvore da vida não o impede de possuir a imortalidade que Deus lhe tirou por causa do seu pecado nem o faz precisar do sacrificio de Cristo para recuperáIa Conseqüentemente não apenas os fiéis e justos mas também os perversos e os gentios gozarão a vida eterna sem nenhuma morte e muito menos uma segunda e eterna morte Para mitigar isso dizem que por segunda e eterna morte se entende uma segunda e eterna vida porém em tormentos figura que nunca é usada exceto exatamente neste caso Toda esta doutrina assenta apenas em alguns dos textos mais obscuros do Novo Testamento os quais contudo considerado todo o âmbito das Escrituras são suficientemente claros num sentido distinto e que é desnecessário para o credo cristão Pois supondo que quando um homem morre nada resta dele senão a sua carcaça não pode Deus que transformou com as suas palavras a argila e o pó inanimados numa criatura viva facilmente2 fazer voltar à vida uma carcaça morta e deixáIa viver para sempre ou fazêIa morrer outra vez também com a sua palavra A alma nas Escrituras significa sempre ou a vida ou a criatura viva e o corpo e a alma conjuntamente o corpo vivo No quinto dia da criação Deus disse Que a água produza reptile animae viventis a coisa rastejante que tem nela uma alma viva na tradução que tirúza vida E mais Deus criou as baleias e omnem animam viventem na tradução todas as criaturas vivas e do mesmo modo com o homem Deus fêIo do pó da terra e soprou no seu rosto o sopro da vida e factus est Homo in animam viventem que é e o homem foi tomado uma criatura viva E depois que Noé 340 I Syn desnecessário 2 Syn com igual facilidade 514 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras saiu da arca Deus disse que não mais destruiria omnem animam viventem isto é todas as criaturas vivas E Dt 1223 Não comas o sangue pois o sangue é a alma isto é a vida Destas passagens se por alma se entendesse uma substância incorpórea com uma existência separada do corpo o mesmo poderia ser inferido de qualquer outra criatura viva tal como do homem Mas que as almas dos fiéis não por sua natureza mas por graça especial de Deus permanecerão nos seus corpos depois da ressurreição para toda a eternidade penso ter já suficientemente provado com base nas Escrituras no capítulo XXXVIII E quanto às passagens do Novo Testamento em que se diz que qualquer homem pode ser lançado de corpo e alma no fogo do Inferno nada mais é do que corpo e vida isto é serão lançados vivos no fogo perpétuo de Geena É esta a janela que dá entrada à tenebrosa doutrina pri meiro dos tormentos eternos e depois do purgatório e conseqüentemente dos fantasmas dos mortos passeando principalmente em lugares consagrados solitários ou escuros e daí aos pretextos de exorcismo e conjuração de fantasmas como também de invocação de homens mortos e à doutrina das indulgên cias isto é de isenção durante um tempo ou para sempre do fogo do purgatório onde se pretende que estas substâncias incorpóreas são queimadas para serem purificadas e preparadas para o céu Com efeito como antes do tempo de nosso Salvador os homens estivessem por contágio da demonologia dos gregos possuídos da opinião de que as almas dos homens eram substâncias distintas dos seus corpos e portanto quando o corpo estava morto que a alma de todos os homens quer bemaven turados quer maus tinha de subsistir em algum lugar por virtude da sua própria natureza sem reconhecerem ai neÍ1hum dom sobrenatural de Deusl os doutores da Igreja hesitaram durante muito tempo acerca do lugar no qual elas deviam esperar até serem reunidas aos seus corpos na ressurreição Durante algum tempo supuseram que elas permanecessem debaixo dos Bem como a doutrina do purgatório exorcismos e a invoCllfão dos santos I Syn deuses 515 Os textos usados em apoio das referidas doutrinas firam respondidos antes 341J Resposta ao texto em que Beza inferiu que o Reino de Cristo começou na ressurreição Parte 4 Do Reino das Trevas altares mas depois a Igreja de Roma achou mais interessante construir para elas esse lugar o purgatório que nestes últimos tempos tem sido demolido por algumas outras igrejas Consideremos agora que textos das Escrituras parecem confirmar melhor estes três erros gerais que aqui abordei Quanto àqueles que o Cardeal Belarmino alegou para o atual Reino de Deus administrado pelo papa não há nenhum que apresente um melhor feixe de provas já lhes respondi e tornei evidente que o Reino de Deus instituído por Moisés terminou com a eleição de Saul e depois disso jamais o sacerdote pela sua própria autoridade depôs nenhum rei Aquilo que o Sumo Sacerdote fez a Atália não foi feito por direito próprio mas por direito do jovem ReiJoás seu filho porém Salomão por seu di reito próprio depôs o Sumo Sacerdote Abiatar e colocou outro em seu lugar A passagem mais difícil de responder de todas as que podem ser alegadas para provar que o Reino de Deus por Cristo já é deste mundo não é referida por Belarmino nem por nenhum outro da Igreja de Roma mas por Beza que estabelece o início desse reino desde a ressurreição de Cristo Mas se com isso pretendia dar ao presbitério o supremo poder eclesiástico na república de Genebra e conseqüentemente a qualquer presbitério em qualquer outra república ou aos príncipes e outros soberanos civis é coisa que ignoro Pois o presbitério reclama o poder de excomungar os seus próprios reis e de ser o supremo moderador em religião nos lugares onde têm essa forma de governo eclesiástico do mesmo modo que o papa o reivindica universalmente As palavras são Marcos 91 1 Em verdade vos digo que há alguns daqueles que aqui estão que não provarão a morte antes de terem visto o Reino de Deus chegar com poder Se tomadas gramaticalmen te essas palavras tornam certo que ou alguns daqueles homens que estavam junto de Cristo naquele momento ainda estão vi vos ou então que o Reino de Deus tem de estar agora neste mundo atual E então há um outro trecho mais difícil pois quando os apóstolos depois da ressurreição do nosso Salvador I Syn Marcos 91 516 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras e imediatamente antes da sua Ascensão perguntaram ao nosso Salvador dizendo At 16 Restituirás nessa altura o reino a Israel ele lhes respondeu Não vos compete a vós conhecer os tempos e as éPocas que o Pai detém em seu próprio poder mas recebereis poder pela vinda do Espírito Santo sobre vós e sereis meus mártires testemunhos quer emJerusalém e em toda aJudéia e na Samaria e até os corifins da terra Isso é o mesmo que dizer o meu reino ainda não chegou nem sabereis antecipadamente quando vai chegar pois virá como um ladrão na noite mas enviarvosei o Espírito Santo e por ele recebereis poder para testemunhar ao mundo inteiro pela vossa pregação a minha ressurreição e as obras que fiz e a doutrina que ensinei a fim de que possam acreditar em mim e ter esperança na vida eterna quando eu vier outra vez Como é que isto concorda com a chegada do reino de Cristo no momento da ressurreição E aquilo que São Paulo diz 1 Ts 1910 Que eles se afastaram dos ídolos para servir o Deus verdadeiro e vivo e para esperar pelo seu Filho do céu em que esperar pelo Seu Filho do céu é esperar pela sua chegada para ser rei no poder o que não seria necessário se este reino estivesse então presente Também se o Reino de Deus começou como Beza naquele trecho Marcos 91 queria ver na ressurreição que razão haveria para os cristãos desde a ressurreição dizerem nas suas orações Venha a nós o vosso reino É portanto manifesto que as palavras de São Marcos não devem ser interpretadas desse modo Há alguns daqueles que aqui estão disse o nosso Salvador que não provarão a morte antes de terem visto o Reino de Deus chegar com poder Se então este reino estivesse para vir na ressurreição de Cristo por que razão é dito alguns daqueles em vez de todos Pois todos eles viveram até depois da ressurreição de Cristo Mas os que exigem uma exata interpretação deste texto devem interpretar primeiro as palavras semelhantes do nosso Salvador a São Pedro referindose a São João cap 2122 Se quero que ele permaneça até eu chegar o que te importa isso sobre a qual se fundamentou a versão de que ele não morreria Contudo a verdade dessa versão nem se confirmou como bem fundamentada nem se refutou como mal fundamentada nessas palavras ao contrário ficou como um provérbio incompreen 342 Explicação do lugar em Mc9l 517 Parte 4 Do Reino das Trevas Abuso de alguns outros textos em defesa do poder do papa sível A mesma dificuldade se observa na passagem relativa a São Marcos E se for legítimo conjecturar acerca do seu signi ficado através daquilo que se segue imediatamente quer aqui quer em São Lucas onde a mesma coisa é repetida não é improvável dizer que tem relação com a transfiguração descrita nos versículos que se seguem imediatamente onde se diz que Depois de seis dias Jesus levou consigo Pedro e Tiago eJoão não todos mas alguns dos seus discípulos e conduziuos a uma alta montanha onde estavam sozinhos e fài transfigurado diante deles E as suas roupas ficaram brilhantes extremamente brancas como a neve tal como nenhum tintureiro sobre a terra as poderia branquear E ali lhes apare ceu Elias com Moisés e eles estavam conversando com Jesus etc Deste modo viram Cristo em Glória e majestade tal como deve chegar de tal maneira que ficaram cheios de medo E assim a promessa do nosso Salvador foi cumprida por meio de visão pois era uma visão como provavelmente se pode inferir de São Lucas que conta a mesma história cap 9 verso 28 e disse que Pedro e aqueles que estavam com ele estavam morrendo de sono mas com mais certeza do que Mateus 179 onde a mesma coisa é relatada outra vez pois o nosso Salvador assim os exortou Não contem a ninguém a visão até que o Filho tenha ressuscitado de entre os mortos Seja como for daqui não se pode tirar nenhum argumento provando que o Reino de Deus começou antes do dia do J uízo Final Quanto a alguns outros textos para provar o poder do papa sobre os soberanos civis além dos de Belarmino como o de que as duas espadas que Cristo e os seus apóstolos tinham entre eles seriam a espada espiritual e a espada temporal que dizem São Pedro lhe tinha dado por meio de Cristo e o outro texto acerca das duas luminárias em que a maior significa o papa e a menor o rei podiase igualmente inferir pelo primeiro ver sículo da Bíblia que por céu se entende o papa e por terra o rei Ora isso não é argumentar com base nas Escrituras mas um petulante insulto aos príncipes quel se tornou moda de I Syn o qual 518 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras pois da época em que os papas ficaram tão seguros da sua gran deza que desprezavam todos os reis cristãos e pisando o pescoço dos imperadores troçavam tanto deles como das Escrituras com as palavras do Salmo 91 Pisarás o leão e a serpente o jovem leão pisarás e o dragão pisarás com os teus pés Quanto aos ritos da consagração muito embora dependam em sua maior parte da discrição e da sensatez dos chefes da Igreja e não das Escrituras esses chefes estão mesmo assim obrigados à direção que a própria natureza da ação exige por exemplo que as cerimônias palavras e gestos sejam ao mesmo tempo decentes e significantes ou pelo menos conformes à ação Quando Moisés consagrou o tabernáculo o altar e os vasos que lhes pertenciam Ex 40 consagrou os com o óleo que Deus tinha ordenado que fosse feito para aquele fim e ficaram sagrados Não havia nada exorcizado para afastar fantasmas O mesmo Moisés o soberano civil de Israel quando consagrou Aarão o Sumo Sacerdote e seus filhos lavouos realmente com água não água exorcizada colocouIhes as vestes e consagrouQs com óleo e eles ficaram santificados a fim de ministrarem junto do Senhor no cargo de sacerdotes o que foi uma purificação simples e decente adornandOs antes de os apresentar a Deus para serem seus servos Quando o rei Salomão o soberano civil de Israel consagrou o templo que tinha construído 2 Rs 8 ficou de pé diante de toda a Congregação de Israel e tendoos abençoado deu graças a Deus por ter colocado no coração do seu pai a sua construção e por ter concedido a ele próprio a graça de realizáIo e então suplicoulhe em primeiro lugar que aceitasse aquela casa muito embora não fosse adequada à sua infinita grandeza e que escutasse as orações dos seus servos que ali rezassem ou se estivessem ausentes para lá voltados e finalmente fez um sacrificio de oferta de paz e a casa ficou consagrada Aqui não houve procissões o rei permaneceu no seu lugar destacado não houve água exorcizada não houve Asperges me nem outra aplicação impertinente de palavras proferidas em outra ocasião mas um discurso decente e racional e tal que ao fazer a Deus a oferta da sua nova casa construída era o mais adequado à ocasião Nas Escrituras as consagrt1fões não tinham exorcismo 343 519 Parte 4 Do Reino das Trevas As Escrituras não provam que a alma humana é imortal por natureza mas por grtlfa Não lemos que São João tenha exorcizado a água do Jordão nem Filipe a água do rio onde batizou o eunuco nem que algum pastor do tempo dos apóstolos tenha tomado o seu cuspe e o tenha posto no nariz da pessoa a ser batizada dizendo In odorem suavitatis isto é Para um suave odor ao Senhor onde nem a cerimônia do cuspe devido à sua sujidade nem a aplicação daquela Escritura devido à sua leviandade podem ser justificadas por nenhuma autoridade humana Para provar que a alma separada do corpo vive eternamente não apenas as almas dos eleitos por graça especial e restauração da vida eterna que Adão perdeu com o pecado e o nosso Salvador restabeleceu pelo sacrifício de si mesmo aos fiéis mas também as almas dos réprobos como uma propriedade naturalmente conseqüente com a essência da humanidade sem nenhuma outra graça de Deus exceto a que é universalmente dada a toda a humanidade há diversas passagens que à primeira vista parecem servir sufícientemente ao caso mas tais que quando as comparo com o que antes aleguei cap XXXVIII com base no capítulo 14 deJó me parecem muito mais sujeitos a interpretaçôes diversas do que as palavras deJó E em primeiro lugar há as palavras de Salomão Ecl127 Então voltará o pó a ser pó como antes e o espírito voltará a Deus que o deu Isso pode muito bem se não houver nenhum outro texto diretamente contrário a ele ter esta interpretação só Deus conhece mas o homem não o que acontece ao espírito do homem quando ele expira e o mesmo Salomão no mesmo livro cap 3 verso 20 e 21 proferiu a mesma frase no sentido que lhe dei As suas palavras são Todos homens e animais vão para o mesmo lugar todos são de pó e todos voltarão a ser pó outra vez quem sabe que o espírito do homem vai para cima e que o espírito do animal vai para baixo para a terra Isto é ninguém sabe exceto Deus Tampouco essa é uma frase desusada para comentar coisas que não compreendemos Deus sabe o que e Deus sabe onde A de Gn 524 Enoque caminhou com Deus e não estava pois Deus o levou 344 1 Syn pelo Sacrifício de si mesmo 520 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras o que está exposto em Heb ii 5 Foi trasladado para que não morresse e não foi encontrado porque Deus o tinha trasladado Pois antes da sua trasladação ele tinha o seu testemunho de que agradava a Deus o que provando a imortalidade tanto do corpo como da alma mostra que esta sua trasladação era peculiar àqueles que agradavam a Deus não comum a estes e aos maus e dependendo da graça não da natureza Mas pelo contrário que interpretação deyemos nós dar além do sentido literal das palavras de Salomão Ecl 319 Que o que acontece aos filhos dos homens acontece aos animais a mesma coisa acontece a eles assim como uns morrem também os outros morrem sim todos têm um mesmo sopro um espírito de tal modo que o homem não tem preeminência sobre a besta pois tudo é vaidade Pelo sentido literal aqui não há nenhuma imortalidade natural da alma nem contudo nenhuma repugnância quanto à vida eterna que os eleitos devem gozar por graça E cap 4 verso 3 Melhor está aquele que ainda não foi que ambos eles isto é os que vivem ou viveram o que se a alma de todos os que viveram fosse imortal seria um dito forte pois então ter uma alma imortal seria pior do que não ter alma nenhuma E também cap 9 ver 5 Os vivos sabem que morrerão mas os mortos nada sabem isto é naturalmente e antes da ressurreição do corpo Outro trecho que parece defender uma imortalidade natural da alma é aquele em que o nosso Salvador diz que Abraão Isaac e Jacó estavam vivendo mas isto é dito da promessa de Deus e da sua certeza de se levantarem novamente não de uma vida então real No mesmo sentido em que Deus disse a Adão que no dia em que comesse do fruto proibido com certeza morreria daquele dia em diante era um homem morto por sentença porém não por execução até quase mil anos depois Do mesmo modo Abraão Isaac e Jacó estavam vivos por promessa naquele momento quando Cristo falou porém não o estão na verdade até a ressurreição E a história de Dives e de Lázaro nada prova contra isto se a encararmos como a parábola que é 1 Syn 13 521 Parte 4 Do Reino das Trevas 345 Mas há outros trechos do Novo Testamento em que parece ser atribuída diretamente uma imortalidade aos maus pois é evidente que todos se levantarão para o Juízo Final Além disso em muitos lugares se afirma que eles irão para o fogo eterno para tormentos eternos para castigos eternos e que o verme da consciência nunca morre e tudo isto está compreendido na expressão morte eterna que é geralmente interpretada como vida eterna em tormentos E contudo não consigo encontrar em parte alguma que alguém deva viver eternamente em tormentos Também parece difícil dizer que Deus que é o Pai da misericórdia que faz tudo o que quer no céu e na terra que tem à Sua disposição os corações de todos os homens que opera sobre os homens quer na ação quer na vontade e sem Cujo dom livre o homem não tem inclinação para o bem nem arrependimento do mal quisesse punir as transgressões dos homens sem nenhum limite de tempo e com todos os extremos de tortura que os homens podem imaginar e mais Devemos portanto atentar em qual seja o significado de fogo eterno e de outras expressões semelhantes das Escrituras Já mostrei que o Reino de Deus por Cristo começa no dia do Juízo que nesse dia os fiéis se levantarão de novo com corpos gloriosos e espirituais e serão seus súditos nesse seu reino que será eterno que não se casarão nem serão dados em casamento nem comerão nem beberão como o faziam com os seus corpos naturais mas viverão para sempre nas suas pessoas individuais sem a eternidade específica da geração e que os réprobos também se levantarão de novo para receber os castigos pelos seus pecados e também que os eleitos que estiverem vivos com os seus corpos terrenos terão os seus corpos subitamente transformados e tornados espirituais e imortais Mas que os corpos dos réprobos que constituem o reino de Satanás serão também corpos gloriosos ou espirituais ou que serão como os anjos de Deus sem comer nem beber nem gerar ou que a sua vida será eterna nas suas pessoas individuais como é a vida de todos os fiéis ou como a vida de Adão teria sido se ele não tivesse pecado não existe nenhum trecho das Escrituras que o II 522 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras prove se excetuarmos apenas os trechos referentes aos tormentos eternos que podem ser interpretados de outro modo Daí se pode inferir que assim como os eleitos depois da ressurreição serão restituídos ao estado em que se encontrava Adão antes de ter pecado do mesmo modo os réprobos se encontrarão no estado em que ficaram Adão e a sua posteridade depois de cometido o pecado ressalvando que Deus prometeu um redentor a Adão e àqueles de sua descendência que Nele confiassem e se arependessem mas não aos que morressem em pecado como morrem os réprobos Consideradas estas coisas os textos que mencionam fogo eterno tormentos eternos ou o verme que nunca morre não contradizem a doutrina de uma segunda e eterna morte no sentido próprio e natural da palavra morte O fogo ou tormentos preparados para os maus em Geena Tofete ou em qualquer outro texto podem continuar para sempre e nunca faltarão homens maus para serem neles atormentados muito embora nem todos nem ninguém eternamente Pois sendo os maus deixados no estado em que se encontravam depois do pecado de Adão podem no momento da ressurreição viver como o fizeram casarse e serem dados em casamento e ter corpos grosseiros e corruptíveis como agora toda a humanidade tem e por conseqüência podem gerar perpetuamente depois da ressurreição como o faziam antes pois não há nenhum trecho das Escrituras que diga o contrário2 Pois São Paulo falando da ressurreição 1 Cor 15 referese a ela apenas como a ressurreição para a vida eterna e não como a ressurreição para o castigo E da primeira disse que o corpo é semeado em corrupção e cresce em incorrupção semeado em desonra e cresce em honra semeado em fraqueza e cresce em poder semeado como corpo natural e cresce como corpo esPiritual Nada disto é possível afirmar dos corpos daqueles que ressuscitam para o castigo Assim também o nosso Salvador quando fala da natureza do homem depois da ressurreição referese à ressurreição para a vida eterna e não para o castigo O texto é o que são tormentos eternos 346 1 Nas edições 25 Ornaments e Bear está até o fim deste mundo Essa sentença foi omitida das edições 25 Ornaments e Bear 523 Parte 4 Do Reino das Trevas Respostas aos textos usados em apoio do purgatório Lc 203436 um texto fértil Os filhos deste mundo casamse e são dados em casamento mas os que fOrem havidos por dignos desse mundo e da ressurreição dentre os mortos nem se casam nem são dados em casamento nem podem morrer mais pois são iguais aos anjos e são os filhos de Deus sendo os filhos da ressurreição Os filhos deste mundo que se encontram no estado em que Adão os deixou casarseão e serão dados em casamento isto é corrompemse e geram su cessivamente o que é uma imortalidade da espécie mas não das pessoas dos homens Eles não são dignos de serem contados entre aqueles que alcançarão o mundo futuro e uma ressurreição absoluta dos mortos mas apenas um curto periodo como habitantes daquele mundo e para o fim apenas de rece ber um castigo condigno pela sua contumácia Os eleitos são os únicos filhos da ressurreição isto é os únicos herdeiros da vida eterna só não podem mais morrer os que são iguais aos anjos e que são os filhos de Deus e não os réprobos Para os réprobos permanece depois da ressurreição uma segunda e eterna morte havendo entre a ressurreição e sua segunda e eterna morte apenas um período de castigo e de tormento e para durar por toda a sucessão de pecadores durante tanto tempo quanto a espécie do homem por propagação agüentar o que é eternamente Nesta doutrina da eternidade natural das almas separadas se baseia como disse a doutrina do purgatório Pois supondo a vida eterna por graça apenas não há vida exceto a vida do corpo e nenhuma imortalidade até a ressurreição Os textos relativos ao purgatório alegados por Belarmino e tirados das Escri turas canônicas do Antigo Testamento são em primeiro lugar o jejum de Davi em favor de Saul eJônatas mencionado em 2 Sam 112 e novamente em 2 Sm 335 pela morte de Abner Este jejum de Davi afirma Belarmino tinha por finalidade obter algo para eles das mãos de Deus depois da sua morte porque após jejuar para conseguir o restabelecimento do seu próprio filho logo que soube que estava morto pediu carne Dado que então a alma tem uma existência separada do corpo e nada pode ser obtido pelo jejum dos homens para as almas que já estão ou 524 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras no céu ou no inferno seguese que há algumas almas de homens mortos que não estão nem no céu nem no inferno e portanto têm de estar num terceiro lugar que tem de ser o purgatório E assim com duro esforço deturpou essas passagens para provar a existência de um purgatório visto ser manifesto que as cerimônias de luto e jejum quando são feitas por ocasião da morte de homens cuja vida não foi lucrativa para os carpidores são feitas em honra das suas pessoas e quando são feitas por ocasião da morte daqueles cuja vida trouxe beneficio aos carpidores resulam do seu prejuízo particular E assim Davi honrou Saul e Abner com o seu jejum e na morte do seu próprio filho reconfortouse recebendo o seu alimento habitual Nos outros textos que ele foi buscar no Antigo Testamento não há nada que se pareça com um vestígio ou sombra de prova Recorre a todos os textos em que aparece a palavra cólera ou fOgo ou incêndio ou exPiação ou purificação que num sermão os padres aplicaram retoricamente à doutrina do purgatório na qual já se acreditava O primeiro versiculo do Salmo 37 Ó Senhor não me afastes com a tua cólera nem me castigues com o teu intenso desagrado o que teria a ver com o purgatório se Agostinho não tivesse aplicado a cólera ao fogo do inferno e o desagrado ao do purgatório E o que tem a ver com o purgatório o do Salmo 6612 Fomos por entre fOgo e água e trouxestenos a um lugar úmido e outros textos semelhantes com os quais os doutores daqueles tempos pretendiam adornar ou ampliar os seus sermões ou comentários trazidos para os seus fins à força de engenho Mas ele alegou outras passagens do Novo Testamento que não são tão fáceis de serem respondidas Em primeiro lugar Mt 1232 Aquele que disser uma palavra contra o filho do homem ela lhe será perdoada mas aquele que falar contra o Espírito Santo isso não lhe será perdoado nem neste mundo nem no mundo que está para vir onde pretende que o purgatório seja o mundo que está para vir no qual podem ser perdoados alguns dos pecados que neste mundo não o foram Não obstante é manifesto que só há três mundos um desde a criação até o dilúvio que foi destruído pela água e que é chamado nas Escrituras o velho mundo outro desde o dilú 347 Resposta aos textos do Novo T estarrwnto a favor do Purgatório 525 Parte 4 Do Reino das Trevas 348 J vio até o dia do Juízo Final que é o mundo presente e que será destruído pelo fogo e o terceiro que existirá desde o dia do Juízo em diante eterno que é denominado o mundo vindouro e no qual todos concordam que não haverá purgatório Portanto são incompatíveis o mundo vindouro e o purgatório Mas então qual pode ser o sentído daquelas palavras do nosso Salvador Confesso que são muito dificilmente conciliáveis com todas as doutrinas agora unanimemente aceitas Nem é vergonha confessar que a profundidade das Escrituras é demasiado grande para ser perscrutada pelo curto entendimento humano Contudo posso propor à consideração dos mais eruditos teólogos as coisas que o próprio texto sugere E em primeiro lugar considerando que falar contra o Espírito Santo sendo a terceira pessoa da Trindade é falar contra a Igreja na qual o Espírito Santo reside parece que a comparação é feita entre a facilidade com que o nosso Salvador foi indulgente com as ofensas que lhe foram feitas enquanto ele próprio ensinou o mundo isto é quando estava na terra e a severidade dos pastores depois dele contra os que negassem a sua autoridade proveniente do Espírito Santo Como se ele dissesse Vós que negais o meu poder mais que ides crucificarme sereis por mim perdoados sempre que vos voltardes para mim com arrependimento mas se negardes o poder daqueles que daqui em diante vos ensinarão pela virtude do Espírito Santo eles serão inexoráveis e não vos perdoarão mas sim vos perseguirão neste mundo e vos deixarão sem absol vição ainda que vos dirijais a mim a menos que vos dirijais a eles também para os castigos tanto quanto estiver ao seu alcance do mundo que está para vir E assim as palavras podem ser tomadas como uma profecia ou predição referente aos tempos como têm sido desde muito nal Igreja cristã Ora se este não for o significado pois não sou peremptório acerca de textos tão difíceis talvez possa restar algum espaço depois da ressurreição para o arrependimento de alguns pecadores E há ainda um I Syn pela Na edição aqui utilizada o termo assimilado é Iong ao passo que na edição Syn é along Neste caso toda a diferença está na letra a o que foi impossivel preservar na tradução N da R T 526 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras I outro texto que parece concordar com isto Pois atentando nas palavras de São Paulo 1 Cor 1529 O que farão aqueles que são batizados pelos mortos se os mortos não chegarem a ressuscitar Por que também são eles batizados pelos mortos pode provavelmente infe rirse como alguns fizeram que no tempo de São Paulo havia o costume de receber batismo pelos mortos como os homens que agora acreditam poderem servir de fiadores e tomar a seu cargo responder pela fé das crianças que não são capazes de ter fé tomando a seu cargo pelas pessoas dos seus amigos mortos afirmar que elas estariam prontas a obedecer e a receber o nos so Salvador como seu rei quando ele viesse de novo e então o perdão dos pecados no mundo que está para vir não exige um purgatório Mas em ambas estas interpretações há tanto paradoxo que não confio nelas Prefiro propôIas aos que são profundamente versados nas Escrituras a fim de que investiguem se não há algum texto mais claro que as contradiga Só posso afirmar que encontrei passagens evidentes das Escrituras suficientes para me persuadir de que não há nem a palavra nem a coisa purgatório nem neste nem em nenhum outro texto nem nada que possa provar a necessidade de um lugar para a alma sem o corpo nem para a alma de Lázaro durante os quatro dias em que esteve morto nem para as almas daqueles que a Igreja romana pretende estarem agora sendo atormentados no purgatório Pois Deus que foi capaz de dar vida a um pedaço de barro tem o mesmo poder para dar outra vez vida a um morto e transformar a sua carcaça inanimada e podre num corpo glorioso espiritual e imortal Um outro texto é I Cor 3 onde se diz que os que acumularam restolho feno etc sobre a verdadeira fundação verão a sua obra perecer mas serão salvos embora pelo fogo Pretendese que este fogo seja o fogo do purgatório As palavras como disse antes são uma alusão às de Zc 139 onde ele diz Trarei a ter ceira parte através do fogo e purificálosei como a prata é purificada e afinálosei como o ouro é afinado o que é dito da chegada do Messias em poder e glória isto é no dia do Juízo e conflagração do mundo presente quando os eleitos não serão consumidos mas refinados isto é desfarseão as suas doutrinas e tradi 1 527 Parte 4 Do Reino das Trevas 349 J ções errôneas como se estas fossem chamuscadas e depois disso receberão o nome do verdadeiro Deus De maneira idêntica o apóstolo disse daqueles que defendendo esta fundaçãoJesus é o Cristo constroem sobre ela outras doutrinas errôneas segun do as quais eles não serão consumidos no fogo que renova o mundo e passarão através dele para a salvação mas só na medida em que reconhecem e abandonam os seus primitivos erros Os construtores são os pastores a fundaçãoJesus é o Cristo o restolho e o feno as falsas conseqüências dela tiradas por ignorân cia ou fraqueza o ouro a prata e as pedras preciosas são as suas verdadeiras doutrinas e a sua refinação ou purificação o abandono dos seus erros Em tudo isto não há o menor vestígio da queima das almas incorpóreas isto é impalpáveis Um terceiro texto é o de 1 Cor 15 já mencionado relativo ao batismo pelos mortos com base no qual concluiu em pri meiro lugar que as orações pelos mortos não são desprovidas de vantagens e por causa disso que há um fogo do purgatório Mas nenhuma destas conclusões é acertada Das muitas inter pretações da palavra batismo ele aprova esta em primeiro lu gar que por batismo se entende metaforicamente um batismo de penitência e que os homens são neste sentido batizados quando jejuam rezam e dão esmolas e assim batismo pelos mortos e orações pelos mortos são a mesma coisa Mas isto é uma metáfora da qual não há nenhum exemplo nem nas Es crituras nem em nenhum outro uso da linguagem e que está também em discordância com a harmonia e a finalidade das Escrituras A palavra batismo é utilizada Mc 1038 e Lc 1250 para significar o banho em seu próprio sangue como aconteceu com Cristo na cruz e com a maioria dos apóstolos por terem dado testemunho dele Mas é difícil dizer que a reza o jejum e as esmolas tenham alguma similitude com o banho A mesma palavra é usada também Mt 311 o que parece contri buir algo para o purgatório como uma purificação pelo fogo Mas é evidente que o fogo e a purificação aqui mencionados são os mesmos de que falou o profeta Zacarias cap 13 verso 9 Trarei a terceira parte através do jOgo e refinálosei etc E São Pedro seguindoo 1 Pd 17 Que a prova da tua fé muito mais preciosa do Como entender o batismo para os mortos 528 XLIV Da Má Interpretação das Escrituras que a do ouro que perece muito embora seja afinado com fogo possa ser encontrada em louvores e honras e glória pela aparição de Jesus Cristo E São Paulo 1 Cor 313 O fogo purificará a obra de todos os homens seja ela de que esPécie for Mas São Pedro e São Paulo falam do fogo que haverá por ocasião da segunda aparição de Cristo e o profeta Zacarias do dia do Juízo portanto este texto de São Mateus pode ser interpretado da mesma maneira e então não haverá necessidade do fogo do purgatório Outra interpretação do batismo pelos mortos é a que já mencionei que ele favorece como a segunda mais provável dela inferindo também a utilidade da prece Se depois da ressurreição os que não ouviram falar de Cristo ou que não acreditaram nele podem ser recebidos no reino de Cristo não é em vão depois da sua morte que os seus amigos rezem por eles até ressuscitarem Mas admitindo que Deus em face das preces dos fiéis pode converter a si alguns daqueles que não ouviram Cristo pregar e conseqüentemente não podem ter rejeitado Cristo e que a caridade dos homens nesse ponto não pode ser censurada nada disto milita em favor do purgatório porque ressuscitar da morte para a vida é uma coisa e ressuscitar do purgatório para a vida é outra na medida em que é ressuscitar da vida para a vida de uma vida de tormentos para uma vida de felicidade Um quarto texto é o de Mt 525 Concorda i raPidamente com o vosso adversário enquanto estais no caminho com ele para que a qualquer momento o adversário não vos entregue ao juiz e o juiz vos entregue ao oficial e vós sejais lançados na prisão Em verdade vos digo que de nenhum modo saireis de lá até que tenhais pago o último tostão Nessa alegoria o ofensor é o pecador o adversário e o juiz é Deus o caminho é esta vida a prisão é o túmulo o oficial a morte o pecador não ressuscitará para a vida eterna mas para uma segunda morte até que tenha pago o último tostão ou Cristo tenha pago por ele com a sua Paixão que é um resgate completo para toda a espécie de pecado para os pecados menores como para os maiores crimes tendose ambos tornado veniais com a Paixão de Cristo O quinto texto é o de Mt 522 Todo aquele que ficar zangado com o seu irmão sem uma razão será culpado em juizo E todo aquele 3501 529 Parte 4 Do Reino das Trevas 35 1 que disser a seu irmão RACA será culpado no sinédrio Mas quem disser tu tolo será condenado ao fogo do inferno Dessas palavras ele inferiu três espécies de pecados e três espécies de castigos e nenhum daqueles pecados exceto o último será castigado com o fogo do inferno e conseqüentemente depois desta vida há castigo de pecados menores no purgatório De tal inferência não se vêem vestigios em nenhuma interpretação que até agora lhes tenha sido dada Haverá depois desta vida uma distinção de tribunais de justiça como havia entre os judeus no tempo do nosso Salvador para ouvir e determinar diversas espécies de crimes como por exemplo os juízes e o sinédrio Não pertencerá toda a judicatura a Cristo e seus apóstolos Portanto para compreender este texto não devemos examináIo isoladamente mas com as palavras precedentes e subseqüentes O nosso Salvador neste capítulo interpreta a lei de Moisés lei essa que os judeus julgavam então cumprir quando não a tinham transgredido no seu sentido gramatical muito embora a tivessem transgredido no espírito ou na intenção do legislador Portanto embora pensassem que só se transgredia o sexto mandamento quando se matava um homem ou o sétimo quando um homem dormia com uma mulher que não fosse sua esposa o nosso Salvador disseIhes que a cólera escondida de um homem contra o seu irmão se for sem uma causa justa é homicidio Ouvistes disse ele a lei de Moisés Não matarás e que Aquele que matar será condenado perante os juizes ou perante a sessão dos setenta mas digovos ficar colérico contra um irmão sem causa ou dizer a ele Raca ou tolo é homicidio e será castigado no dia do Juízo Final e sessão de Cristo e seus apóstolos com o fogo do inferno De tal modo que essas palavras não eram usadas para distin guir entre diversos crimes e diversos tribunais de justiça e diversos castigos mas para taxar a distinção entre um pecado e outro pecado que os judeus não extraíam da diferença da vontade de obedecer a Deus mas da diferença dos seus tribunais temporais de justiça e para lhes mostrar que aquele que tenha vontade de magoar a seu irmão muito embora o efeito só apareça no ultraje ou não apareça nada será lançado no fogo do inferno pelos juízes e pela sessão que será a mesma não dife 530 XL V Da Demonologia e outras Relíquias rentes tribunais no dia do Juízo Final Posto isto não vejo o que possa ser tirado deste texto para defender o purgatório O sexto trecho é Lc 169 Tornaivos amigos do injusto Mamon para que quando falhardes possam recebervos em tabernáculos eternos Isto ele alega para provar a invocação dos santos defuntos Mas o sentido é simples devemos tornarnos amigos dos pobres com os nossos bens e obter deste modo as suas orações enquanto eles viverem Quem dá aos pobres empresta a Deus O sétimo é Lc 2342 Ó Senhor lembraivos de mim quando chegardes ao vosso reino Portanto diz ele há uma remissão dos pecados depois desta vida Mas a conseqüência não é correta O nosso Salvaror perdoouo então e ao chegar novamente em glória lembrarse á de ressuscitar para a vida eterna O oitavo é At 224 onde São Pedro disse de Cristo que Deus o tinha ressuscitado e abrandado as penas de morte porque não era possivel que ele fosse detido por ela o que ele interpreta como uma descida de Cristo ao purgatório para ali soltar algumas almas dos seus tormentos embora esteja claro que era manifesto ser Cristo que se soltava era ele que não podia ser detido pela morte ou pelo túmulo e não as almas no purgatório Mas se o que Beza diz nas suas notas sobre esse trecho for correto não haverá ninguém que não veja que em vez de penas devia estar ligaduras e então não haveria mais razão para procurar o purgatório neste texto CAPo XLV Da DEMONOLOGIA e outras Relíquias da Religião dos Gentios 352 A impressão provocada nos órgãos da visão pelos corpos lúcidos quer em linha reta quer em muitas linhas refletidas a partir dos corpos opacos ou refratadas na passagem por meio de corpos diáfanos produz nos seres vivos em que Deus colo Origem da demonologia 531 Parte 4 Do Reino das Trevas cou tais órgãos uma imagem do objeto de que resulta a impressão imagem esta denominada visão e que parece não ser mera imagem mas os próprios corpos fora de nós Igualmente quando alguém comprime violentamente o olho lhe aparece à frente uma luz exterior que ninguém mais vê porque na verdade não existe tal coisa mas apenas um movimento nos órgãos internos pressionando por uma resistência para fora que o leva a pensar desse modo E o movimento produzido por esta pressão continuando depois que o objeto que a causou foi removido é aquilo que denominamos imaginação e memória e durante o sono e algumas vezes numa grande perturbação dos órgãos provocada por doença ou violência sonho coisas acerca das quais já falei rapidamente nos capitulos 11 e 111 Como essa natureza da visão jamais foi descoberta pelos homens que nos tempos antigos aspiravam ao conhecimento natural e muito menos pelos que não atentam em coisas tão remotas como é esse conhecimento do seu uso presente foi dificil aos homens conceber essas imagens na imaginação e nos sentidos a não ser como coisas realmente existentes fora de nósl Alguns porque desaparecem não se sabe por que nem como resolvem que se trata de coisas absolutamente incorpóreas isto é imateriais2 formas sem matéria cor ou figura sem nenhum corpo colorido ou figurado e que eles podem colocar em corpos aéreos como uma roupa para as tornarem visíveis quando quiserem aos nossos olhos corpóreos outros dizem que são corpos e criaturas vivas mas feitas de ar ou outra matéria mais sutil e etérea que no momento em que são vistoS3 se condensam Mas os dois grupos concordam com uma designação para elas DEMÔNIOS Como se os mortos com quem I No manuscrito do copista está outros homens ocupados na busca de poder honra e meios de satisfazer e assegurar seus apetites animais não dispõem de tempo ou não querem ir à cata de nenhuma causa remota daquilo que vêem como conhecer a natureza de sua própria imaginação esta é a razão pela qual todas as nações conceberam que tais imagens produzidas pelos sentidos são coisas realmente existentes fora de nós Syn ou 3 Syn no momento em que são vistos 532 XL V Da Demonologia e outras Relíquias sonham não fossem os habitantes do seu próprio cérebro mas sim do ar do céu ou do inferno não fantasmas mas espectros com tanto fundamento como se dissessem que viam o seu próprio espectro num espelho ou os espectros das estrelas num rio ou chamassem à vulgar aparição do sol com cerca de um pé de altura o demônio ou espectro grande sol que ilumina todo o mundo visível E por esta razão têmnos temido como coisas de um poder desconhecido isto é de um poder ilimitado para lhes fazer bem ou mal e conseqüentemente deram ensejo aos governantes das repúblicas pagãs para controlarem assim o seu medo estabelecendo aquela DEMONOLOGIA na qual os poetas como sacerdotes principais da religião pagã eram especialmente empregados ou reverenciados necessária para a paz pública e para a obediência dos súditos e para tomarem alguns deles bons demônios e outros maus uns como esporas para a observância os outros como rédeas para impedilos da violaçãol às leis Que espécie de coisas eram essas a que atribuiam o nome de demônios é algo que em parte mostram a genealogia dos seus deuses escrita por Hesiodo um dos mais antigos poetas gregos e em parte outras histórias algumas das quais já analisei no capítulo XII deste discurso Por meio das suas colônias e conquistas os gregos transmitiram a sua língua e escritos à Ásia ao Egito e à Itália e também por conseqüência necessária a sua demonologia ou como São Paulo lhe chama as suas doutrinas dos diabos E por este intermédio o contágio chegou também aos judeus quer daJudéia quer de Alexandria e outras regiões onde estavam espalhados Mas o nome de demônio não era por eles atribuído como acontecia com os gregos aos espíritos bons e maus mas só aos maus E aos bons demônios deram o nome do Espírito de Deus e acreditavam que aqueles em cujos corpos entravam eram profetas Em suma todas as singularidades quando boas eram atribuídas ao Espírito de Deus e as más a algum demônio mas a um ao8álfLúJV um mau demônio isto é um diabo E portanto cha 353 o que eram os demônios para os antigos Como se espalhou essa doutrina Até que ponto aceita pelos judeus 1 Syn violação 533 Parte 4 Do Reino das Trevas Jo 852 mavam demoníacos isto é pOSSUídos pelo diabo aqueles que denominamos loucos ou lunáticos ou os que tinham epilepsia ou que diziam qualquer coisa que eles por não a compreenderem consideravam absurda E também de uma pessoa extremamente suja costumavam dizer que ela tinha um espírito sujo de um mudo que ele tinha um espírito mudo e de João Batista Mt 1118 devido à singularidade do seu jejum que ele tinha um diabo e do nosso Salvador por dizer que aquele que obedece às suas ordens não verá a morte in aetemum Agora sabemos que tu tens um diabo Abraão morreu e os profetas morreram e ainda porque disse Uo 720 Tentaram matálo o povo respondeu Tu tens um diabo que intenta matarte Resta então manifesto que os judeus tinham a mesma opinião dos gregos com relação a fantasmas a saber que não eram fantasmas isto é ídolos do cérebro mas coisas reais e independentes da imaginação Se esta doutrina não é verdadeira por que razão podem alguns dizer o nosso Salvador não a contradisse e não ensinou o contrário Mais por que razão se serve em diversas ocasiões de formas de discurso tais que parecem confirmáIa A isto respondo que em primeiro lugar quando Cristo diz Um esPírito não tem carne nem ossos embora mostre que há espíritos não nega que sejam corpos E quando São Paulo diz Ressuscitaremos como corpos espirituais reconhece a natureza dos espíritos mas que eles são espíritos corpóreos o que não é dificil de compreender Pois o ar e muitas outras coisas são corpos muito embora não sejam carne nem ossos nem nenhum outro corpo grosseiro capaz de ser discernido pelo olhar Mas quando o nosso Salvador fala ao diabo e lhe ordena que saia de um homem se pelo diabo quer dizer uma doença como frenesi ou lunatismo ou um espírito corpóreo não é imprópria a expressão Podem as doenças ouvir Ou pode haver um espírito corpóreo num corpo de carne e osso já cheio de espíritos vitais e animais Não há portanto espíritos que nem têm corpos nem são meras fantasias À primeira pergunta respondo que o fato de o nosso Salvador Por que o nosso Salvador não a contrariou 354 Syn opinião 534 XLV Da Demonologia e outras Relíquias ao curar dar uma ordem à loucura ou ao lunatismo não é mais impróprio do que dirigir uma censura à febre ou ao vento e ao mar pois também estes não ouvem ou do que a ordem de Deus à luz ao firmamento ao sol e às estrelas quando Lhes ordenou que existissem pois não podiam ouvir antes de terem um ser Mas essas falas não são impróprias porque significam o poder da palavra de Deus portanto também não é impróprio dar ordens à loucura ou ao lunatismo com a designação de diabos pela qual eram então habitualmente entendidos para que saíssem do corpo de um homem Quanto à segunda pergunta referente ao fato de serem incorpóreos ainda não encontrei nenhum trecho das EsCrituras do qual se possa concluir que alguém fos se possuído por nenhum outro espírito corpóreo exceto pelo próprio por meio do qual move naturalmente o seu corpo O nosso Salvador logo depois que o Espírito Santo desceu sobre ele sob a forma de uma pomba segundo São Mateus cap 41 foi conduzido pelo espírito ao deserto e o mesmo é contado Lc 41 com estas palavras EstandoJesus cheio do Espírito Santo foi conduzido em espírito ao deserto onde fica evidente que por espírito aqui se entende o Espírito Santo Isto não pode ser interpretado como uma posse pois Cristo e o Espírito Santo são uma e mesma substância e isso não é posse de uma substância ou corpo por outra E enquanto nos versiculos seguintes se diz que ele foi levado pelo diabo para a cidade santa e colocado no pináculo do templo deveremos concluir daí que ele estava possuído pelo diabo ou que foi ali conduzido pela força E novamente transportado dali pelo diabo para uma montanha extremamente alta o qual lhe mostrou dali todos os reinos do mundo Aqui não devemos acreditar que estivesse possuído ou forçado pelo diabo nem que uma montanha fosse suficientemente alta de acordo com o sentido literal para lhe mostrar todo um hemisfério Qual pode então ser o sentido deste trecho senão o de que ele foi por si próprio para o deserto e que este andar para cima e para baixo do deserto para a cidade e daqui para uma montanha era uma visão Conforme a isto é também a frase de São Lucas de que ele foi conduzido para o deserto não por um As Escrituras não ensinam que os espírítos são íncorpóreos 535 Parte 4 Do Reino das Trevas 355 espírito mas em espírito enquanto com relação a ser levado para a montanha e para o pináculo do templo ele fala como São Mateus Isso se coaduna com a natureza de uma visão Também quando São Lucas diz de Judas Iscariotes que Satanás entrou nele e depois ele foi conversar com os sacerdotes principais e capitães acerca do modo como podia atraiçoar Cristo para eles pode ser respondido que pela entrada nele de Satanás isto é o inimigo se pretende significar a intenção hostil e traidora de vender o seu senhor e mestre Pois assim como pelo Espírito Santo se entende freqüentem ente nas Escrituras as graças e boas inclinações dadas pelo Espírito Santo do mesmo modo pela entrada de Satanás é possível entender as cogitações e os desígnios perversos dos adversários de Cristo e dos seus discípulos Com efeito assim como é difícíl dizer que o diabo entrou emJudas antes de ele ter tido um desígnio tão hostil também é impertinente dizer que ele era primeiro o inimigo de Cristo em seu coração e que o diabo entrou nele depois disso Portanto a entrada de Satanás e o seu desígnio perverso eram uma e mesma coisa Mas se não existir nenhum espírito imaterial nem nenhu ma posse dos corpos dos homens por nenhum espírito corpóreo pode se novamente perguntar por que razão o nosso Salvador e os seus apóstolos não ensinaram isso ao povo e com palavras tão claras que não pudessem depois ser postas em dúvida Po rém questões como estas são mais curiosas do que necessárias para a salvação de um cristão Os homens podem igualmente perguntar por que razão Cristo que podia ter dado a todos os homens fé piedade e toda espécíe de virtudes morais só as deu a alguns e não a todos e por que razão as deixou à razão natural e à indústria dos homens e não as revelou sobrenaturalmente a todos ou a qualquer homem E podem fazer muitas outras perguntas para as quais contudo podem ser alegadas razões prováveis e piedosas Pois assim como Deus quando trouxe os israelitas para a Terra Prometida não os protegeu ali subjugando todas as nações à sua volta mas deixou muitas delas como espinhos no seu flanco para neles despertar de tempos em tem 536 XL V Da Demonologia e outras Relíquias pos a sua piedade e indústria do mesmo modo o nosso Salvador conduzindonos para o seu reino celestial não destruiu todas as dificuldades das questões naturais mas deixouas para exercitarmos a nossa indústria e razão sendo a finalidade da sua pregação apenas mostrarnos este simples e direto caminho para a salvação a saber a crença neste artigo que ele era o Cristo o filho do Deus vivo enviado ao mundo para se sacrificar pelos nossos pecados e ao chegar novamente reinar gloriosamente sobre os seus eleitos e para os salvar dos seus inimigos eternamente A opinião da posse por espíritos ou fantasmas não constitui nenhum impedimento no caminho para a crença nisso embora seja para alguns uma ocasião de sair do caminho e seguir as suas próprias invenções Se exigimos das Escrituras uma explicação para todas as questões que podem ser levantadas e que nos perturbam no cumprimento das ordens de Deus também nos podemos queixar de Moisés por não ter estabelecido o tempo para a criação de tais espíritos assim como da criação da terra e do mar e dos homens e dos animais Para concluir vejo nas Escrituras que há anjos e espíritos bons e maus porém não que eles sejam incorpóreos como são as aparições que os homens vêem no escuro ou nos sonhos ou visões a que os latinos chamam Spectra e tomaram por demônios E vejo por outro lado que há espíritos corpóreos embora sutis e invisíveis porém não que o corpo de qualquer homem esteja possuído ou habitado por eles e que os corpos dos santos serão tal como São Paulo lhes chamou corpos espirituais Contudo a doutrina contrária a saber que há espíritos incorpóreos tem até agora prevalecido de tal modo na Igreja que o uso do exorcismo isto é da expulsão de demônios por conjuração se apoiou nela e embora praticado rara e fracamente ainda não foi totalmente suprimido Que havia muitos demoníacos na Igreja primitiva alguns loucos e outros doentes singulares enquanto nos tempos de hoje ouvimos falar e vemos muitos loucos e poucos demoníacos é algo que não resulta de uma mudança de natureza mas de nomes Ora é outra questão saber por que razão os apóstolos e depois deles durante algum tempo os pastores da Igreja curavam essas doenças 356 o poder de expulsar os demônios não é o mesmo que era na Igreja primitiva 537 Parte 4 Do Reino das Trevas Outra relíquia do gentilismo adorar as imagens foi deixada na Igreja não tTanda para ela singulares o que agora não se vê fazer como também por que razão não está no poder de cada verdadeiro crente fazer agora tudo o que os fiéis então fizeram isto é como lemos Mc 1617 Em nome de Cristo expulsar os demônios falar com novas línguas levantar serpentes beber venenos mortais sem ficar mal e curar os doentes COWcando sobre eles as mãos e tudo isto sem outras palavras exceto em nome deJesus E é provável que aqueles dons extraordinários fossem dados à Igreja só enquanto os homens confiassem totalmente no Cristo e procurassem a sua felicidade apenas no reino que está para vir e conseqüentemente que quando procuravam autoridade e bens e confiavam na sua própria sutileza para um reino deste mundo estes dons sobrenaturais de Deus lhes eram novamente retirados Uma outra relíquia do gentilismo é o culto das imagens que não foi instituído por Moisés no Antigo Testamento nem por Cristo no Novo nem ainda trazido dos gentios mas deixado entre eles depois de terem dado os seus nomes a Cristo Antes que o nosso Salvador pregasse era a religião geral dos gentios cultuar como deuses essas aparências que permanecem no cérebro depois da impressão dos corpos externos sobre os órgãos dos sentidos comumente chamadas idéias idolosfantasmasfantasias por serem representações dos corpos externos que os causam e que nenhuma realidade possuem tal como nenhuma realidade existe nas coisas que parecem estar diante de nós nos sonhos E esta é a razão por que São Paulo diz Sabemos que um ídolo não é nada não porque pensasse que uma imagem de metal de pedra ou de madeira não fosse nada mas porque aquilo que eles honravam ou temiam na imagem e que consideravam como um deus era uma mera ficção sem lugar nem habitação nem movimento nem existência exceto nos movimentos do cérebro E o seu culto com honra divina é aquilo que nas Escrituras se denomina idolatria e rebelião contra Deus Pois sendo Deus o rei dos judeus e sendo o seu representante primeiro Moisés e depois o Sumo Sacerdote se se tivesse permitido ao povo o culto e as rezas a imagens que são representações das suas próprias fantasias ele deixaria de depender do verdadeiro 538 r1 1 JJiru t 1 XL V Da Demonologia e outras Relíquias Deus do qual não pode haver similitude e dos seus primeirosministros Moisés e os Sumos Sacerdotes e cada homem ter seia governado de acordo com o seu próprio desejo para a completa subversão da república e sua própria destruição por falta de união Portanto a primeira lei de Deus era Não devem tomar como deuses ALIENaS DEos isto é os deuses de outras nações mas apenas aquele verdadeiro Deus que condescendeu em falar com Moisés e através dele lhes deu leis e direções para a sua paz e para a sua salvação dos inimigos E a segunda era que eles não deviam fazer para si nenhuma imagem para culto de sua própria invenção Pois é o mesmo depor um rei para se submeter a outro rei quer seja imposto por outra nação quer por nós próprios Os trechos das Escrituras que pretensamente favorecem o estabelecimento de imagens para culto ou o seu estabelecimento nos lugares onde Deus é venerado são em primeiro lugar dois exemplos um o dos querubins sobre a arca de Deus o outro da serpente de bronze Em segundo lugar alguns textos nos ordenando que prestemos culto a certas criaturas pela sua relação com Deus como o seu escabelo e finalmente alguns outros textos pelos quais se autoriza uma veneração religiosa de coisas sagradas Mas antes de examinar a força desses textos para provar aquilo que se pretexta tenho em primeiro lugar de explicar o que deve se entender por culto e por imagens e ídolos Já mostrei no capítulo XX deste discurso que honrar é avaliar muito alto o poder de qualquer pessoa e que tal valor é medido pela comparação com outros Mas porque não há nada que possa ser comparado a Deus em poder não o honramos mas desonramos com qualquer valor menor que o infinito E assim a honra é propriamente por sua própria natureza secreta e interior ao coração Mas os pensamentos interiores dos homens que se manifestam exteriormente nas suas palavras e ações são os sinais do nosso ato de honrar e estas são conhecidas pelo nome de CULTO em latim CULTUS Portanto rezar jurar obedecer ser diligente e oficioso no servir em suma todas Na verdade tratase do capítulo X O erro talvez do copísta N da R T 539 357J Resposta a certos supostos textos que parecem favorecer as imagens o que é culto I UNIFESP J 8lUTECACAMR15 Parte 4 Do Reino das Trevas Distinção entre culto divino e civil as palavras e ações que indicam receio de ofender ou desejo de agradar são culto quer as palavras e ações sejam sinceras quer sejam fingidas e porque aparecem como sinais do ato de honrar são também geralmente chamadas honra O culto que oferecemos aos que consideramos apenas como homens como reis e homens de autoridade é o culto civil mas o culto que oferecemos àquilo que pensamos ser Deus se jam quais forem as palavras as cerimônias os gestos ou outras ações é o culto divino Cair prostrado diante de um rei quando se pensa que é apenas um homem não passa de culto civil e quem tira o chapéu na igreja por pensar que é a casa de Deus honra com culto divino Aqueles que procuram a distinção entre o culto divino e civil não na intenção de quem presta o culto mas nas palavras DovÂEÍa e Âarptia enganase a si próprio Com efeito há duas espécies de servos os que estão totalmente em poder dos seus senhores como escravos tomados em combate em guerra e seus filhos cujos corpos não estão em seu próprio poder dependendo as suas vidas da vontade dos seus senhores de tal modo que as perdem à menor desobediência e que são comprados e vendidos como animais eram chamados L10VÂOl isto é propriamente escravos e o seu serviço L1ovÀEía A outra espécie que é a dos que servem por salário ou na esperança de alcançarem um benefício dos seus senhores voluntariamente é chamada efreç isto é servos domésticos a cujo serviço os senhores não têm outro direito salvo o que está contido nos contratos feitos entre eles Estas duas espécies de servos têm assim em comum que o seu trabalho lhes é destinado por outrem E a palavra AárplÇ é o nome geral de ambos signi ficando aquele que trabalha para outrem quer como escravo quer como servo voluntário de tal modo que Aarptia significa geralmente qualquer serviço mas L10vÂEÍa apenas o serviço do escravo e a condição de escravidão E ambos são usados promiscuamente nas Escrituras para significar o nosso serviço de Deus L1ovÀEía porque somos os escravos de Deus Aarptia porque o servimos e em qualquer espécie de serviço está implícita não apenas a obediência mas também o culto isto é aquelas ações gestos e palavras que significam honra 358 540 XL V Da Demonologia e outras Reliquias Uma IMAGEM na mais estrita significação da palavra é a semelhança de algo visível em cujo sentido as formas fantásticas as aparições ou aparências de corpos visíveis à vista são apenas imagens tal como a aparição de um homem ou de qualquer outra coisa na água por reflexão ou refração ou do sol ou estrelas por direta visão no ar que não são nada real nas coisas vistas nem no lugar onde elas parecem estar nem são as suas magnitudes e figuras as mesmas que as do objeto mas mutáveis pela variação dos órgãos da visão ou por óculos e muitas vezes estão presentes na nossa imaginação e nos nossos sonhos quando o objeto está ausente ou modificado em outras cores e formas como coisas que dependem apenas da fantasia E estas são as imagens que originariamente e mais propriamente são chamadas idéias e ÍDOLOS e derivadas da linguagem dos gregos para os quais a palavra ElO significava ver São também chamadas FANTASMAS o que é na mesma lingua aparições E é por causa dessas imagens que uma das faculdades da natureza do homem é chamada imaginação Fica assim manifesto que não há nem pode haver nenhuma imagem de uma coisa invisível É também evidente que não pode haver imagem alguma de uma coisa infinita pois todas as imagens e fantasmas que são provocados pela impressão de coisas visíveis têm uma figura mas a figura é uma quantidade de toda a maneira determinada Portanto não pode haver imagem alguma de Deus nem da alma do homem nem dos espíritos mas apenas dos corpos visíveis isto é corpos que têm luz em si próprios ou são por estes iluminados E assim como um homem pode fantasiar formas que nunca viu compondo uma figura com partes de diversas criaturas tal como os poetas constroem os seus centauros quimeras e outros monstros nunca vistos também pode dar matéria a essas formas e produziIas em madeira barro ou metal E estas também são chamadas imagens não pela semelhança com alguma coisa corpórea mas pela semelhança com alguns fantásticos habitantes do cérebro daquele que as faz Mas nestes ídolos na medida em o que é uma imagem Fastasmas Ficçõe s 359 Imagens materiais 541 i Parte 4 Do Reino das Trevas o que é idolatria que estão originariamente no cérebro e na medida em que são pintados entalhados moldados em matéria há uma similitude de uns com os outros razão pela qual o corpo material feito pela arte pode ser considerado como a imagem do ídolo fantástico feito pela natureza Mas num uso mais amplo da palavra imagem está contida também qualquer representação de uma coisa por outra Assim um soberano terreno pode ser denominado a imagem de Deus e um magistrado inferior a imagem do soberano terreno E muitas vezes na idolatria dos gentios havia pouca consideração pela similitude do seu ídolo material com o ídolo da sua fantasia e contudo denominavase uma imagem dele pois uma pedra por desbastar podia ser levantada como Netuno e o mesmo acontecia com diversas outras formas muito diferentes das formas com que concebiam os seus deuses E nos tempos atuais vemos muitas imagens da Virgem Maria e outros santos diferentes umas das outras e sem correspondência com nenhuma fantasia do homem Mesmo assim servem bastante bem o fim para que foram feitas o qual não era outro senão por nomes apenas representar as pessoas mencionadas na História às quais todos os homens aplicam uma imagem mental feita por eles próprios ou então nenhuma E assim no sentido mais amplo uma imagem é ou a semelhança ou a representação de alguma coisa visível ou ambas as coisas como acontece na maior parte das vezes Mas o nome de ídolo é ainda mais ampliado nas Escrituras a ponto de significar também o sol ou uma estrela ou qualquer outra criatura visível ou invisível quando eles são adorados como deuses Tendo mostrado o que é culto e o que é imagem reunirei as duas coisas agora e examinarei o que é IDOLATRIA proibida no segundo mandamento e em outras passagens das Escrituras Cultuar uma imagem é praticar voluntariamente os atos externos que são sinais de veneração ou da matéria da imagem que é madeira metal ou alguma outra criatura visível ou do fantasma do cérebro por cuja semelhança ou representação a matéria foi formada e figurada ou ambas as coisas 542 XLV Da Demonologia e outras Relíquias como um corpo animado composto da matéria e do fantasma como de corpo e alma Estar descoberto diante de um homem de poder e autoridade ou diante do trono de um príncipe ou nos outros lugares que ele ordenou para esse fim na sua ausência é cultuar esse homem ou príncipe com culto civil como um sinal não de venerar a cadeira ou lugar mas a pessoa e não é idolatria Mas se aquele que o fizer supuser que a alma do príncipe está na cadeira ou apresentar uma petição à cadeira será culto divino e idolatria Rogar a um rei as coisas que ele é capaz de fazer por nós apesar de nos prostrarmos diante dele não passa de culto civil porque não reconhecemos nele nenhum outro poder além do humano mas pedir lhe voluntariamente bom tempo ou qualquer outra coisa que só Deus pode fazer por nós é culto divino e idolatria Por outro lado se um rei compelir a isso um homem pelo terror da morte ou outro grande castigo corporal não é idolatria pois o culto que o soberano ordena que lhe seja feito pelo terror das suas leis não é um sinal de que aquele que lhe tiver obedecido o venere intimamente como Deus mas sim de que ele está desejoso de salvarse da morte ou de uma vida miserável e o que não é um sinal de veneração interior não é culto e portanto não é idolatria Nem pode dizerse que aquele que o fizer escandalize ou coloque algum tropeço diante do seu irmão porque por muito sábio ou erudito que seja quem cultua dessa maneira uma outra pessoa não pode argumentar daí que ele o aprova mas sim que o faz por medo e que esse não é ato seu mas ato do soberano Cultuar a Deus em algum lugar especial ou voltando o rosto para uma imagem ou para um determinado lugar não é cultuar ou venerar o lugar ou imagem mas reconhecêla como sagrada isto é reconhecer a imagem ou o lugar como à parte do uso comum pois esse é o significado da palavra sagrado Esta não implica uma nova qualidade no lugar ou na imagem mas apenas uma nova relação por apropriação a Deus e portanto não é idolatria como também não era idolatria cultuar Deus 360 1 543 Parte 4 Do Reino das Trevas 361 diante da serpente de bronze ou para os judeus quando estavam fora do seu país voltarem os rostos ao rezarem para o templo de Jerusalém ou para Moisés tirar os sapatos quando estava diante da sarça ardente no solo do monte Sinai lugar onde Deus tinha escolhido aparecer e dar as suas leis ao povo de Israel e que era portanto solo sagrado não por uma santidade inerente mas por separação para uso de Deus ou para os cristãos cultuarem nas igrejas as quais são dedicadas a Deus para esse fim pela autoridade do rei ou de outro verdadeiro representante da Igreja Mas cultuar a Deus como se Ele animasse ou habitasse tal imagem ou lugar isto é supondo uma substância infinita num lugar finito é idolatria pois tais deuses finitos são apenas ídolos do cérebro e nada de real Nas Escrituras são comumente referidos com as palavras vaidade mentiras e nada Também cultuar a Deus não por animar ou estar presente no lugar ou na imagem mas com o propósito de ser recordado Dele ou de algumas das Suas obras no caso de o lugar ou imagem serem dedicados ou erigídos por uma autoridade privada e não pela autoridade dos que são os nossos pastores soberanos é idolatria Pois o mandamento diz Não farás de ti próprio nenhuma imagem gravada Deus ordenou a Moisés que erigisse a serpente de bronze e ele não a fez para si próprio portanto não foi contra o mandamento Mas a feitura do bezerro de ouro por Aarão e o povo sem a autorização de Deus foi idolatria não só porque o tomaram como Deus mas também porque o fizeram para um fim religioso sem permissão nem de Deus seu soberano nem de Moisés que era o seu representante Os gentios cultuavam como deusesJúpiter e outros que quando vivos e como homens tinham talvez praticado grandes e gloriosos feitos e cultuavam como filhos de deuses vários homens e mulheres supondose concebidos por uma divindade imortal e um mortal Isto era idolatria porque os fizeram assim para si próprios não tendo autorização de Deus nem da sua eterna lei da razão nem da sua vontade positiva e revelada Nosso Salvador era um homem e nós também acreditávamos que fosse um Deus imortal e filho de Deus e no entanto isto 544 XL V Da Demonologia e outras Relíquias não é idolatria porque não construímos essa crença segundo a nossa fantasia ou juízo mas segundo a palavra de Deus revelada nas Escrituras E quanto à adoração da Eucaristia se as palavras de Cristo Isto é o meu corpo significam que ele próprio e o pão que aparecia na sua mão e não apenas este mas todos os pedaços de pão que desde então e em qualquer altura mais tarde seriam consagrados por sacerdotes seriam outros tantos corpos de Cristo e contudo todos eles seriam apenas um corpo então isso não é idolatria porque é autorizado pelo nosso Salvador Mas se o texto não significa isso pois não há outrà que possa ser alegado então porque é um culto de instituição humana é idolatria Não é suficiente dizer que Deus pode transubstanciar o pão no corpo de Cristo pois os gentios também sustentaram que Deus era onipotente e podiam em razão disso assentar uma desculpa igual para a sua idolatria pretendendo assim como outros uma transubstanciação da sua madeira e pedra em Deus Todo Poderoso Os que pretendem que a inspiração divina é uma entrada sobrenatural do Espírito Santo num homem e não uma aquisição da graça de Deus por doutrina e estudo encontramse penso eu num dilema muito perigoso Pois se não cultuam os homens que acreditam ser assim inspirados podem cair em impiedade por não adorarem a presença sobrenatural de Deus E também se os cultuam cometem idolatria pois os apóstolos jamais permitiram que os cultuassem assim Portanto a maneira mais segura consiste em acreditar que pela descida da pomba sobre os apóstolos e pelo sopro de Cristo sobre eles quando lhes deu o Espírito Santo e pela sua dádiva pela imposição das mãos se entendem os sinais que prouve a Deus utilizar ou ordenar que fossem utilizados da sua promessa de ajudar essas pessoas no seu estudo para pregar o seu reino e a sua conversão para que não fosse escandalosa mas edificante para os outros Além do culto idólatra das imagens há também um culto escandaloso delas que é também um pecado porém não idolatria Idolatria é cultuar por sinais de uma veneração interior e real mas um culto escandaloso não passa de um culto aparente e pode muitas vezes aliarse a um ódio interior e profundo tanto Culto escandaloso das imagens 362 545 II1 Parte 4 Do Reino das Trevas da imagem como do demônio fantástico ou ídolo a que é dedicado resultando apenas do receio da morte ou outra punição pesada No entanto constitui pecado daqueles que assim cultuam no caso de serem homens cujas ações são observadas por outros como luzes para os guiarem porque seguindo o seu caminho não podem fazer outra coisa senão tropeçar e cair no caminho da religião enquanto o exemplo daquele a quem desconsideramos não age em nada sobre nós pelo contrário deixanos a nossa própria diligência e cuidado e conseqüentemente não é causa da nossa queda Se portanto um pastor licitamente convocado a ensinar e a dirigir os outros ou quaisquer outros cujo saber goze de grande reputação presta honras externas a um ídolo por medo a menos que torne o seu medo e a sua relutãncia tão evidentes como o culto ele escandaliza ao seu irmão parecendo aprovar a idolatria Pois o seu irmão arrazoando com base na ação do seu professor ou daquele cujo conhecimento ele julga grande conclui que o próprio culto é lícito E este escândalo é pecado e um escândalo dado Mas se uma pessoa que não seja pastor nem goze de eminente reputação pelos seus conhecimentos na doutrina cristã fizer o mesmo e outra pessoa a seguir não se dá nenhum escândalo pois não tinha causa alguma para seguir tal exemplo Trata se apenas de um pretenso escãndalo que a pessoa concebe para si como desculpa perante outros homens Se a um ignorante em cujo poder esteja um rei ou Estado idólatra ordernarse sob pena de morte que preste culto perante um ídolo e ele detestar o ídolo em seu coração procederá bem muito embora se tivesse força suficiente para suportar a morte em vez de lhe prestar culto procedesse ainda melhor Mas se fizer o mesmo um pastor que tomou a si o encargo de ensinar a doutrina de Cristo a todas as nações como mensageiro de Cristo não só será um escândalo pecaminoso no que se refere às consciências de outros cristãos mas um pérfido abandono de tal encargo A súmula daquilo que até agora disse a respeito do culto das imagens é esta quem presta culto numa imagem ou em 546 XL V Da Demonologia e outras Relíquias qualquer criatura quer à sua matéria quer a qualquer fantasia da sua própria autoria que julga nela residir ou as duas coisas conjuntamente ou quem acredita que tais coisas ouvem as suas rezas ou vêem as suas devoções sem ouvidos ou olhos comete idolatria e quem finge esse culto por medo do castigo se for um homem cujo exemplo tem influência sobre os seus irmãos comete um pecado porém não comete idolatria quem cultua o criador do mundo diante de uma imagem ou num lugar que ele não fez nem escolheu por si próprio mas tirou do mandamento da palavra de Deus como os judeus fizeram ao cultuarem a Deus diante dos querubins e diante da serpente de bronze durante uns tempos e no templo de Jerusalém ou em direção a este o que aconteceu também durante uns tempos Agora quanto ao culto dos santos imagens relíquias e outras coisas hoje em dia praticadas na Igreja de Roma digo que não são permitidas pela palavra de Deus nem trazidas para a Igreja de Roma pela doutrina ali ensinada mas em parte nela deixada pela primeira conversão dos gentios e depois favorecida confirmada e aumentada pelos bispos de Roma Quanto às provas alegadas com base nas Escrituras a saber os exemplos de imagens que Deus indicou fossem erguidas cabe dizer que não foram erguidas a fim de que o povo ou qualquer homem as cultuasse mas para que eles cultuassem o próprio Deus diante deles como anteriormente os querubins sobre a arca e perante a serpente de bronze Com efeito não lemos que o sacerdote ou algum outro tenha cultuado os querubins mas pelo contrário lemos 2 Rs 184 que Ezequias quebrou em pedaços a serpente de bronze erguida por Moisés porque o povo lhe queimou incenso Além disso esses exemplos não são colocados para nós os imitarmos para que também nós erguês semos imagens sob o pretexto de cultuar Deus diante deles porque as palavras do segundo mandamento Não farás para ti pró prio nenhuma imagem gravada etc distinguem entre as imagens que Deus ordenou fossem erguidas e as que erguemos para nós 363 Resposta ao argumento dos queruhins e da serpente de bronze Syn a 547 Parte 4 Do Reino das Trevas Ex 322 Gn 3730 próprios E portanto não é válido o argumento que passa dos querubins ou da serpente de bronze para as imagens inventadas pelo homem ou do culto ordenado por Deus para o culto escolhido pelos homens Deve também ser considerado que assim como Ezequias fez em pedaços a serpente de bronze porque os judeus a adoravam a fim de que não o fizessem mais também os soberanos cristãos deviam quebrar as imagens que os seus súditos se habituaram a adorar a fim de que não houvesse mais ocasião para tal idolatria Pois nos dias de hoje toda vez em que o povo ignorante cultua imagens acredita realmente que há um poder divino nestas Aliás ouve dizer aos seus pastores que algumas delas falaram sangraram e que foram feitos milagres por elas atos que o povo concebe como praticados pelo santo que julgam ser a própria imagem ou estar dentro dela Os israelitas quando adoravam o bezerro pensavam na verdade que adoravam o Deus que os trouxera para fora do Egito e contudo era idolatria porque pensavam que o bezerro fosse Deus ou que o tinha na sua barriga E muito embora alguns homens possam pensar que é impossível o povo ser tão parvo a ponto de julgar que uma imagem seja Deus ou um santo ou de cultuá Ia de acordo com essa concepção as Escrituras claramente apontam para o inverso como na passagem em que foi feito o bezerro de ouro o povo disse Estes são os teus deuses ó Israel e naquela em que as imagens de Labão são denominadas seus deuses E todos os dias vemos por experiência em toda a espécie de povo que os homens incapazes de estudar qualquer coisa exceto a sua alimentação e bemestar contentamse com acreditar em qualquer absurdo de preferência a preocuparemse com o seu exame defendendo a sua crença como se ela fosse por vínculo inalienável exceto por uma lei expressa e nova Mas inferem de alguns outros trechos que é legítimo pintar anjos e também o próprio Deus como por exemplo Deus caminhando no jardim ou Jacó vendo Deus no cimo da escada ou outras visões e sonhos Mas as visões e sonhos quer naturais quer sobrenaturais não passam de fantasmas e quem pinta uma imagem de qualquer deles não faz uma imagem de Pintar fantarrnas não é idolatria mas abusar do culto religioso é 364 548 XL V Da Demonologia e outras Relíquias Deus mas do seu próprio fantasma o que significa fazer um ídolo Não digo que fazer um quadro de acordo com uma fantasia seja pecado mas quando é desenhado para ser considerado como uma representação de Deus é contra o segundo mandamento e não pode ser de nenhum uso exceto para o culto E o mesmo pode ser dito das imagens dos anjos e dos mortos a menos que se trate de monumentos de amigos ou de homens dignos de serem lembrados pois esse uso de uma imagem não é o culto da imagem mas uma veneração civil não da pessoa que é mas da que foi Porém quando é feito à imagem que formamos de um santo semnenhuma outra razão além de pensarmos que ele ouve as nossas preces e fica satisfeito com as honras que lhes prestamos quando morto e sem sentidos atribuímoslhe mais do que um poder humano e portanto é idolatria Assim como não existe autoridade nem na lei de Moisés nem do Evangelho para o culto religioso de imagens ou de outras representações de Deus que os homens erigiram para si próprios ou para o culto da imagem de qualquer criatura no céu ou na terra ou sob a terra e visto que os reis cristãos represen tantes vivos de Deus não devem ser adorados pelos seus súditos por nenhum ato que signifique uma estima do seu poder maior do que a natureza do homem mortal é suscetível não se pode conceber que o culto religioso agora em uso tenha sido trazido para a Igreja por uma má interpretação das Escrituras Resta portanto a hipótese de que foi nela deixado por não serem destruídas as próprias imagens quando da conversão dos gentios que as adoravam A causa disso era a estima imoderada e os preços atribuídos à execução dessas imagens que fizeram seus donos embora convertidos religíosamente adoravamnas como haviam adorado os demônios as conservarem ainda nas suas casas com o pretexto de o fazerem em honra de Cristo da Virgem Maria e dos apóstolos e outros pastores da Igreja primitiva Com efeito era fácil dandoIhes novos nomes tornar uma imagem da Virgem Maria e do seu Filho nosso Salvador aquilo que antes era denominado a imagem de Vênus e de Cupido e de umúPiter fa Como a idolatria jói deixada na Igreja 549 li Parte 4 Do Reino das Trevas Canoníztlfão dos sanlos zer um Barnabé e de um Mercúrio um Paulo e assim por diante E assim como a ambição mundana crescendo gradualmente nos pastores os levou a procurar agradar aos recentes cristãos e ainda a um gosto por esta espécie de honras que também eles podiam esperar após sua morte bem como aque les que as tinham já ganho do mesmo modo o culto das imagens de Cristo e dos seus apóstolos tornouse cada vez mais idólatra exceto alguns tempos depois de Constantino quando vários imperadores e bispos e concílios gerais observaram a sua ilegitimidade e a condenaram mas era demasiado tarde ou fizeramno de maneira demasiado fraca A canonização de santos é uma outra relíquia de gentilismo Nem é uma má interpretação das Escrituras nem uma nova invenção da Igreja romana mas um costume tão antigo como a própria república de Roma O primeiro a ser canonizado em Roma foi Rômulo e isto devido à narrativa deJulius Proculus que jurou diante do Senado ter falado com ele depois da sua morte e ter lhe assegurado que morava no céu lá era chamado Quirino e seria propício ao Estado da nova cidade E sobre isto o Senado deu testemunho público da sua santidade Júlio César e outros imperadores depois dele tiveram idêntico testemunho isto é foram canonizados como santos pois a CANONIZAÇÃO é agora definida por tal testemunho e é o mesmo que a fW9ÉlOO1Çdos gentios Foi também dos pagãos romanos que os papas receberam o nome e poder de PONTIFEX MAxIMUS Este era o nome daquele que na antiga república de Roma tinha a autoridade su prema sob o Senado e o povo para regular todas as cerimônias e doutrinas referentes à religião E quando Augusto César mudou o Estado para uma monarquia ele reservou para si apenas este cargo e o de tribuno do povo isto é o poder supremo quer no Estado quer na religião e os imperadores que lhe sucederam desfrutaram desses cargos Mas na época do Imperador Constantino o primeiro a professar e autorizar a religião cristã esta va de acordo com a sua profissão de fé fazer que a religião fosse regulada sob a sua autoridade pelo bispo de Roma embora pa 365 o nome de Pontifex 550 XLV Da Demonologia e outras Relíquias reça que não receberam logo o nome de pontifix mas sim que os bispos seguintes o tomaram para si por iniciativa própria para fortalecerem o poder que exerciam sobre os bispos das provincias romanas Pois não foi nenhum privilégio de São Pedro mas o privilégio da cidade de Roma que os imperadores sempre estavam prontos a apoiar que lhes deu tal autoridade sobre os outros bispos como se pode ver claramente pelo fato de o bispo de Constantinopla quando o imperador tornou esta cidade a sede do império pretender ser igual ao bispo de Roma embora por fim não sem luta o papa tenha vencido e se tenha tornado Pontifix Maximus No entanto isso sucedeu apenas por concessão do imperader e não fora dos limites do império nem em parte alguma depois que o imperador perdeu o seu poder em Roma muito embora fosse o próprio papa quem tirou dele o seu poder A propósito isso nos permite observar que não há lugar para a superioridade do papa sobre os outros bispos exceto nos territórios onde ele próprio é o soberano civil e naqueles em que o imperador tendo o soberano poder civil expressamente escolheu o papa como principal pastor sob a sua autoridade dos seus súditos cristãos Levar imagens em procissão é outro vestígio da religião dos gregos e dos romanos pois também eles transportavam os seus ídolos de lugar para lugar numa espécie de carroça que era especialmente destinada a esse fim chamada thensa e vehiculum deorum pelos latinos e a imagem era colocada numa moldura ou escrínio que chamavam ferculum E aquilo que denominavam pompa é o mesmo que agora se denomina procissão Por causa disso entre as honras divinas prestadas aJúlio César pelo Senado uma delas foi esta na pompa ou procissão por ocasião dos jogos circenses ele teria thensam et ferculum uma carroça sagrada e um escrinio o que era o mesmo que ser transportado como um deus tal como nos nossos dias os papas são transportados pelos suíços debaixo de um pálio A estas procissões também pertenciam as tochas acesas e as velas diante das imagens dos deuses tanto entre os gregos como entre os romanos Mais tarde os imperadores de Roma Procissão de imagens 366 las de cera e tochas acesas 551 Parte 4 Do Reino das Trevas receberam as mesmas honras como lemos acerca de Calígula que ao ascender ao império foi transportado de Misenum para Roma no meio de uma multidão de gente por caminhos enfeitados com altares e animais para sacrifício e tochas acesas e acerca de Caracala que foi recebido em Alexandria com incenso e com flores arremessadas e 8a8ovxÍmç isto é com tochas pois L1a8ovxol eram aqueles que entre os gregos seguravam tachas acesas nas procissões dos seus deuses E ao longo dos tempos o povo devoto mas ignorante muitas vezes prestou honras aos seus bispos com uma pompa semelhante de velas de cera e às imagens do nosso Salvador e dos santos constantemente na própria igreja E assim se chegou ao uso de velas de cera que foi também estabelecido por alguns dos antigos Concílios Os gentios tinham também a sua aqua lustralis isto é a água benta A Igreja de Roma também os imita nos seus dias santos Eles tinham as suas bacanais e nós temos as nossas vigílias que lhes correspondem eles as saturnalia nós os carnavais e a liberdade dos serviços na terçafeira de Entrudo eles a sua procissão de Priapo nós a festa de ir buscar levantar e dançar àvolta dos maios e dançar é uma das formas de culto e eles tinham a procissão chamada ambarvalia e nós a procissão pelos campos na semana das ladainhas Não penso que estas sejam todas as cerimônias deixadas na Igreja desde a primeira conversão dos gentios embora sejam todas as que de momento consigo lembrar Se alguém observasse bem aquilo que é contado nas histórias referentes aos ritos religiosos dos gregos e dos romanos não duvido de que encontraria mais destas velhas garrafas vazias do gentilismo que os doutores da Igreja romana ou por negligência ou por ambição encheram outra vez com o novo vinho da cristandade que a seu tempo não deixará de os destruir 552 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia CAPo XLVI Das TREVAS resultantes da Và FILOSOFIA e das TRADIÇÕES FABULOSAS Por FIWSOFIA entendese o conhecimento adquirido por raeiaeinio partindo do modo de geração de qualquer coisa e alcançando as prapriedades ou partindo das propriedades e alcançando algum possível modo de geração delas com a finalidade de ser capaz de produzir na medida em que a matéria e a força humana o permitirem os efeitos que a vida humana exige Assim o geômetra partindo da construção de figuras descobre muitas das suas propriedades partindo das suas propriedades novos modos de construir por raciocínio com a finalidade de ser capaz de medir a terra e a água e para outros inumeráveis usos Assim o astrônomo partindo do nascente do poente e do movimento do Sol e das estrelas em várias partes dos céus descobre as causas do dia e da noite e das diferentes estações do ano e com isso mantém uma contagem do tempo E o mesmo acontece nas outras ciências Por meio dessa definição fica evidente que não consideramos como parte dela aquele conhecimento originário chamado experiência em que consiste a prudência porque não é atingido por raciocínio mas se encontra igualmente nos animais e no homem nada mais sendo do que a memória de sucessões de eventos em tempos passados na qual a omissão de qualquer pequena circunstância alterando o efeito frustra a expectativa do mais prudente visto que nada é produzido pelo raciocínio acertadamente senão a verdade geral eterna e imutável Tampouco devemos portanto dar esse nome a nenhuma falsa conclusão pois quem raciocina corretamente com palavras que entende nunca pode concluir um erro Nem àquilo que qualquer homem conhece por revelação sobrenatural porque não é adquirido por raciocínio 553 367 o que é filosofia A prudência não é parte da filosofia Nenhumo fi11sa doutri7lil faz parte da filosofia Nem à revelação sobrenatural Parte 4 Do Reino das Trevas Nem aprender dando crédito aos autores Nem àquilo que se obtém por raciocinio da autoridade dos livros porque não é por raciocínio de causa e efeito nem do efeito para a causa e não é conhecimento mas crença Sendo a faculdade de raciocinar conseqüente ao uso da linguagem não era possível que deixasse de haver algumas verdades gerais descobertas por raciocínio quase tão antigas como a própria linguagem Os selvagens da América não deixam de possuir algumas boas proposições morais também possuem um pouco de aritmética para adicionar e dividir com números não muito grandes Mas nem por isso são filósofos Pois assim como havia plantas de cereal e de vinho em pequena quantidade espalhadas pelos campos e bosques antes de os homens conhecerem as suas virtudes ou as usarem como alimento ou as plantarem separadamente em campos e vinhas época em que se alimentavam de bolotas e bebiam água também deve ter havido várias especulações verdadeiras gerais e úteis desde o início à maneira de plantas naturais da razão humana No início porém elas escasseavam os homens viviam baseados na experiência groseira não havia método isto é não semeavam nem plantavam o conhecimento por si próprios separado das ervas daninhas e das plantas vulgares do erro e da conjectura E sendo a causa disso a falta de tempo dedicado à obtenção das coisas necessárias à vida e à defesa contra os semelhantes era impossível até que se erigisse uma grande república que tudo se passasse de maneira diferente O ócio é o pai da filosofia e a república a mãe da paz e do ócio Quando pela primeira vez surgiram grandes e florescentes cidades aí surgiu pela primeira vez o estudo da filosofia Os gimnosofxstas da Índia os magos da Pérsia e os sacerdotes da Caldéia e do Egito estão incluídos entre os mais antigos filósofos e aqueles países foram os reinos mais antigos A filosofia não surgiu entre os gregos e os outros povos do ocidente cujas repúblicas que não eram talvez maiores do que Lucca ou Gênova nunca viviam em paz a não ser quando os seus receios recíprocos eram iguais nem ócio para observar outra coisa além Do inicio e progresso da filosofia 3681 I Syn aquilo 554 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia de si mesmas Por fim quando a guerra uniu muitas destas cidades gregas menores em poucas e maiores cidades então começaram a adquirir a reputação de sábios sete homens de várias regiões da Grécia alguns deles devido a máximas morais e politicas e outros devido ao saber dos caldeus e egípcios que era astronomia e geometria Porém ainda não há noticia de nenhuma escola de filosofia Depois que os atenienses pela derrota dos exércitos persas alcançaram o domínio do mar e portanto de todas as ilhas e cidades marítimas do Arquipélago quer da Ásia como da Europa tornandose então ricos não tinham nada que fazer nem no seu país nem fora dele exceto como diz São Lucas At 1721 contar e ouvir notícias ou discorrer publicamente sobre filosofia dirigindose aos jovens da cidade Todos os mestres escolheram um lugar para esse fim Platão em certos passeios públicos denominados academia derivado de Academus Aristóteles no caminho para o templo de Pã chamado Lyceum outros na Stoa ou caminho coberto onde as mercadorias dos comerciantes eram trazidas para terra outros em outros lugares nos quais passavam o tempo do seu ócio ensinando ou discutindo as suas opiniões e alguns em qualquer lugar onde pudessem reunir a juventude1 para os ouvir falar E isto foi também o que fez Carnéades em Roma quando era embaixador o que levou Catão a aconselhar ao senado que o mandasse embora rapidamente com receio de que ele corrompesse os costumes dos jovens que se encantavam ao ouviIo falar como eles pensavam belas coisas Daqui resultou que o lugar onde qualquer deles ensinava e discutia se chamava schola que na sua lingua significava ócio e as suas disputas diatriba o que significa passar o tempo Também os próprios filósofos tinham o nome das suas seitas algumas delas derivadas destas escolas Com efeito os que seguiam a doutrina de Platão eram denominados acadêmicos os seguidores de Aristótelesperipatéticos do nome do caminho onde ele ensinava e aqueles que Zenão ensinava estóicos de Stoa como se Das escolas de filosofia entre os atenienses 369 I Syn juventude da cidade 555 Parte 4 Do Reino das Trevas Das escolas dos judeus denominássemos os homens em razão de Morefields Igreja de São Paulo e Bolsa porque eles ali se encontram muitas vezes para tagarelar e vaguear Contudo os homens estavam tão presos a este costume que com o tempo ele foi se espalhando por toda a Europa e pela maior parte da África de modo que havia escolas publicamente erigidas e mantidas para conferências e discussões em quase todas as repúblicas Houve também antigamente escolas entre os judeus quer antes quer depois do tempo do nosso Salvador mas eram escolas da sua lei Pois muito embora fossem chamadas sinagogas isto é congregações do povo como em todos os sabás a lei era nelas lida exposta e discutida não diferiam de natureza mas apenas de nome das escolas públicas e não estavam apenas em Jerusalém mas em todas as cidades dos gentios onde os judeus habitavam Havia uma escola dessas em Damasco onde Paulo entrou para inquirir Havia outras em Antioquia Iconium e Tessalônica onde ele entrou para discutir e semelhante era a sinago ga dos libertinos cirenaicos alexandrinos cilicianos e as da Ásia isto é a escola de libertinos e de judeus que eram estrangeiros emJerusalém E eram desta escola aqueles que discutiram com Santo Estêvão Mas qual tem sido a utilidade destas escolas Que ciência lá existe hoje adquirida pelas suas leituras e discussões Aquilo que possuímos de geometria a mãe da ciência natural não o devemos às escolas Platão que foi o melhor filósofo dos gregos proibiu a entrada em sua escola a todos aqueles que não fossem já de algum modo geômetras Havia muitos que estudavam esta ciência para grande vantagem da humanidade porém não há menção das suas escolas nem havia nenhuma seita de geômetras nem eram conhecidos pelo nome de filósofos A filosofia natural dessas escolas era mais um sonho do que uma ciência vinha exposta numa linguagem sem sentido e insignificante coisa que não podem evitar os que ensinam filosofia sem terem primeiro atingido um grande conhecimento em geo metria pois a natureza opera por movimento cujos modos e A escola dos gregos foi inútil 556 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia graus não podem ser conhecidos sem o conhecimento das proporções e das propriedades das linhas e das figuras A sua filosofia moral não passa de uma descrição das suas próprias paixões De fato a regra dos costumes sem o governo civil é a lei de natureza e nela a lei civil que determina o que é honesto e desonesto o que é justo e injusto e geralmente o que é bom e mau Eles por sua vez estabelecem as regras do bem e do mal conforme o seu apreço ou desapreço e por causa disso levando em conta tamanha variedade de gostos não existe nada em que haja concordância mas todos fazem na medida em que o ousam tudo que lhes pareça bom a seus próprios olhos para subversão da república A sua lógica que deveria ser o método de raciocinar nada mais é do que armadilhas de palavras e invenções de como confundir os que intentarem propôIas Em conclusão nada há de absurdo que algum dos antigos filósofos não tenha defendido como diz Cícero que era um deles E acredito que dificilmente se pode afirmar alguma coisa mais absurda em filosofia natural do que aquilo que hoje se denomina a metafisica de Aristóteles nem mais repugnante ao governo do que a maior parte daquilo que disse na sua Política nem mais ignorante do que uma grande parte da sua Ética A escola dos judeus era originariamente uma escola da lei de Moisés o qual ordenou Dt 3110 que ao fim de cada sete anos na festa dos tabernáculos ela fosse lida a todo o povo para que a pudesse ouvir e aprender Portanto a leitura da lei que era de hábito depois do cativeiro a cada sabá somente tinha como finalidade dar a conhecer ao povo os mandamentos que precisava cumprir e exporlhe os escritos dos profetas Mas é manifesto pelas muitas repreensões que lhe foram feitas pelo nosso Salvador que eles corromperam o texto da lei com os seus falsos comentários e vãs tradições e compreenderam tão maios profetas que nem reconheceram Cristo nem as suas obras que os profetas tinham profetizado De tal modo que pelas suas preleções e discussões nas sinagogas transformaram a doutrina da 370 A escola dos judeus foi inútil I Syn gosto 557 11 1111 Parte 4 Do Reino das Trevas o que é Universidade sua lei num tipo fantástico de filosofia referente à incompreensível natureza de Deus e dos espíritos que eles compuseram da vã fIlosofia e teologia dos gregos misturada com as suas próprias fantasias tiradas dos mais obscuros textos das Escrituras e que podiam mais facilmente ser distorcidos para os seus objetivos e tiradas também das tradições fabulosas dos seus antepassados Aquilo que agora se chama universidade é uma reunião e uma incorporação sob um governo de muitas escolas públicas numa única cidade Nessa reunião as principais escolas foram ordenadas para as três profissões isto é da religião romana do direito romano e da arte da medicina Quanto ao estudo da fIlosofia não tinha outro lugar senão o de criada da religião romana e como a autoridade de Aristóteles é a única em curso nela esse estudo não é propriamente filosofia cuja natureza não depende de autores mas aristotelia E quanto à geometria até hámuito pouco tempo não ocupava lugar absolutamente nenhum por não ser subserviente de nada exceto da rígida verdade E se alguém pelo engenho da sua própria natureza nela alcançasse algum grau de perfeição era geralmente considerado um mágico e a sua arte tida por diabólica Agora para descermos aos tópicos particulares da vã filosofia derivada para as universidades e daqui para a Igreja em parte proveniente de Aristóteles em parte da cegueira do entendimento considerarei em primeiro lugar estesl princípios Há uma certa philosophia prima da qual todas as outras filosofias deviam depender e que consiste principalmente na correta limitação dos significados das designações ou nomes que são de todos os mais universais limitações essas que servem para evitar ambigüidade e equívocos no raciocínio e são comumente chamadas defrníções tais como as definições de corpo tempo espaço matéria forma essência sujeito substância acidente potência ato finito infinito quantidade qualidade movimento ação paixão e várias outras necessárias à explicação das concepções do homem referentes à natureza e geração dos corpos 371 Erros trazidos da metafisica de Aristóteles para a religião I Syn seus 558 I L XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia A explicitação isto é o estabelecimento do sentido destes e de outros termos semelhantes é geralmente chamada nas escolas metafisica já que uma parte da filosofia de Aristóteles tinha este título mas em outro sentido pois aí significa livros escritos ou colocados depois da sua filosofia natural No entanto as escolas encararamnos como livros de filosofia sobrenatural pois a palavra metafisica tem estes dois sentidos E na verdade aquilo que lá vem escrito está na maior parte das vezes tão longe da possibilidade de ser compreendido e é tão contrário à razão natural que quem pensar que há algo para ser compreendido por meio dela precisa consideráIa sobrenatural Dizemnos a partir desta metafísica que misturada com as Escrituras passa a constituir a Escolástica que há no mundo certas essências separadas dos corpos às quais chamam essências abstratas e formas substanciais Para a interpretação deste jargão é aqui exigido um pouco mais de atenção do que habitualmente e por isso peço desculpas aos que não estão habituados a este tipo de discurso para me dirigir aos que o estão O mundo não quero dizer apenas a terra que denomina aqueles que a amam homens mundanos mas também o universo isto é toda a massa de todas as coisas que existem é corpóreo isto é corpo e tem as dimensões de grandeza a saber comprimento largura e profundidade também qualquer parte do corpo é igualmente corpo e tem as mesmas dimensões e conseqüentemente qualquer parte do universo é corpo e aquilo que não é corpo não é parte do universo E porque o universo é tudo o que não é parte dele não é nada e conseqüentemente está em nenhures Não se segue daqui que os espíritos não sejam nada pois têm dimensões e são portanto realmente corpos muito embora esse nome na linguagem comum seja dado apenas aos corpos visíveis ou palpáveis isto é que possuem algum grau de opacidade Porém aos espíritos chamamnos incorpóreos o que é um nome de mais honra e pode portanto ser atribuído com mais piedade ao próprio Deus em relação ao qual não consideramos que atributo expresse melhor a sua natureza que é incompreensível mas o que melhor expressa o nosso desejo de o venerarmos Erros a respeito das essências abstratas 559 1111 Parte 4 Do Reino das Trevas 372 Para sabermos agora com que fundamento dizem existir essências abstratas ou formas substanciais devemos considerar o que é que estas palavras significam propriamente O uso das palavras destinase a registrar para nós próprios e a tornar manifesto para os outros os pensamentos e concepções do nosso espírito Algumas destas palavras são os nomes das coisas concebidas como os nomes de todas as espécies de corpos que atuam sobre os sentidos e deixam uma impressão na imaginação Outras são os nomes das próprias imaginações isto é das idéias ou imagens mentais que temos de todas as coisas que vemos ou recordamos E outros finalmente são os nomes de nomes ou de diferentes tipos de discurso como universal plural e singular são os nomes de nomes e difinição afirmação negação verdadeirofalso silogismo interrogação promessa contrato são os nomes de certas formas de discurso Outros servem para mostrar a conseqüência ou incompatibilidade de um nome em relação com outro como quando se diz que um homem é um corpo se pretende que o nome corpo é necessariamente conseqüente ao nome homem pois são apenas vários nomes da mesma coisa homem a qual conseqüência adquire significado pela ligação dos dois nomes com a palavra l E assim como usamos o verbo é os latinos usam o seu verbo est e os gregos o seu ésti em todas as suas declinações Não posso dizer se todas as outras nações do mundo têm nas suas diferentes línguas uma palavra que lhe corresponda ou não mas tenho a certeza de que não têm necessidade dela pois colocar os dois nomes em ordem poderia servir para significar a sua conseqüência se fosse esse o costume pois é o costume que dá às palavras a sua força tal como as palavras é ou ser ou são e outras semelhantes E se assim fosse se houvesse uma língua sem nenhum verbo correspondente a est ou é ou ser os homens que dela se servissem não estariam de modo algum menos capacitados para 1 O manuscrito do copista traz a seguinte redação adquire significado ligandos com a palavra é palavra que não é o nome de uma coisa mas que significa a conseqüência do último nome corpo em relação ao primeiro nome homem 560 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia inferir concluir e para toda a espécie de raciocinios do que os gregos e latinos Mas então o que aconteceria com estes termos entidade essência essencial essencialidade que dele derivam e com muitos outros que dependem destes aplicados tão comumente como são Não são portanto nomes de coisas mas sinais pelos quais declaramos conceber a conseqüência de um nome ou atributo em relação a outro Assim quando dizemos um homem é um corpo vivo não queremos dizer que o homem seja uma coisa o corpo vivo outra e o é ou sendo uma terceira mas que o homem e o corpo vivo são a mesma coisa porque a conseqüência se ele for um homem é um corpo vivo é uma conseqüência verdadeira expressa pela palavra é Portanto ser um corpo caminhar falar viver ver e outros infinitos semelhantes e também corporeidade marchafala vida vista e outros que significam exatamente o mesmo são os nomes de nada como já mostrei amplamente noutro lugar Mas qual o propósito pode alguém perguntar de tais sutilezas numa obra desta natureza na qual nada mais pretendo senão aquilo que é necessário para a doutrina do governo e da obediência É com o propósito de que os homens não mais se deixem enganar por aqueles que com esta doutrina das essências separadas construídas sobre a vã filosofia de Aristóteles os quiserem aterrorizar com nomes vazios impedindoos de obedecer às leis do seu país tal como os homens assustam os pássaros do trigo com um gibão vazio um chapéu e um cajado Pois é com este fundamento que quando um homem morre e é sepultado dizem que a sua alma isto é a sua vida pode andar separada do corpo e é vista de noite por entre os túmulos Com o mesmo fundamento dizem que a figura a cor e o sabor de um pedaço de pão têm um ser lá onde eles dizem que não há pão E com o mesmo fundamento dizem que a fé e a sabedoria e outras virtudes são por vezes infundidas no homem outras vezes assopradas do céu para dentro dele como se o virtuoso e as suas virtudes pudessem estar separados e muitas outras coisas que servem para diminuir a dependência dos súditos em relação ao soberano poder do seu país Pois quem se esforçará em obedecer às leis se esperar que a obediência lhe seja infundida ou asso 373 1 561 Parte 4 Do Reino das Trevas 37 4 prada para dentro Ou quem não obedecerá a um padre que pode produzir Deus de preferência ao seu soberano e mais de preferência ao próprio Deus Ou quem tendo medo de espectros não terá mais respeito àqueles que sabem fazer a água benta capaz de os afugentar E isto bastará como exemplo dos erros que advêm à Igreja das entidades e essências de Aristóteles Pode ser que este soubesse tratar se de uma falsa filosofia mas escreveua como algo consonante e corroborativo da sua religião temendo o destino de Sócrates Tendo uma vez incorrido neste erro das essências separadas vêemse necessariamente envolvidos em muitos outros absurdos dele decorrentes Pois como desejam que estas formas sejam reais são obrigados a atribuirIhes algum espaço Mas porque mantêm que são incorpóreas sem a dimensão da quantidade e todos os homens sabem que espaço é dimensão que só pode ser ocupada pelo que é corpóreo são levados a defender o seu ponto de vista com uma distinção elas não estão na verdade em parte alguma circumscriptive mas definitive Estes termos sendo apenas meras palavras e neste caso insignificantes são expressos unicamente em latim a fim de a sua vacuidade poder ser escondida Pois a circunscrição de uma coisa nada mais é do que a determinação ou definição do seu espaço e assim ambos os termos das distinções significam o mesmo E em particular da essência do homem que dizem eles é a sua alma afirmam que ela está toda no seu dedo mínimo e toda em qualquer outra parte por menor que seja do seu corpo e contudo não há mais alma em todo o corpo do que em qualquer uma destas partes Pode alguém supor que se serve a Deus com tais absurdos E no entanto tudo isto é necessário para a crença para aqueles que acreditam na existência de uma alma incorpórea separada do corpo E quando chega a ocasião de explicar como pode uma substância incorpórea ser capaz de dor e ser atormentada no fogo do inferno ou do purgatório não encontram outra coisa para responder senão que é impossível saber como o fogo queima as almas Também visto que o momento é mudança de lugar e as substâncias incorpóreas não são suscetíveis de lugar afligemse 562 r XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia em fazer parecer possível que uma alma vá sem o corpo para o céu para o inferno ou para o purgatório e que os espectros dos homens e posso acrescentar os trajes com que aparecem caminhem de noite nas igrejas adros e outros lugares de sepultura A isto não sei o que possam responder salvo se disserem que caminham definitive e não circumscriptive ou esPiritualmente e não temporalmente pois tão egrégias distinções são igualmente aplicáveis a qualquer dificuldade Quanto ao significado de eternidade não querem que seja uma infindável sucessão de tempo pois nesse caso não seriam capazes de apresentar uma razão acerca de como é que a vontade de Deus e a preordenação das coisas que estão para vir não deveriam vir antes da sua presciência delas tal como a causa eficiente antes do efeito ou o agente antes da ação nem acerca de muitas outras atrevidas opiniões a respeito da natureza incompreensível de Deus Mas dirnosão que a eternidade é a permanência do presente o nuncstans como as escolas lhe chamam que nem eles nem ninguém compreende tal como não compreenderiam um hicstans para uma infinita grandeza de espaço E visto que os homens dividem em pensamento um corpo enumerando as suas partes e enumerando essas partes enumeram também as partes do espaço que ocupam seguese que ao fazermos muitas partes podemos também fazer muitos lugares dessas partes e por isso não podem ser concebidas no espírito de nenhum homem mais ou menos partes do que os lugares para elas Apesar disso porém querem fazernos crer que pelo supremo poder de Deus um corpo pode estar ao mesmo tempo em muitos lugares e muitos corpos ao mesmo tempo num só lugar como se fosse um reconhecimento do poder divino dizer que aquilo que é não é ou que aquilo que foi não foi E isto é apenas uma pequena parte das incongruências a que são forçados por disputarem filosoficamente em vez de admirarem e de adorarem a natureza divina e incompreensível cujos atributos não podem significar o que Deus é mas devem significar o nosso desejo de venerar com as melhores designações que pudermos imaginar Mas os que se aventuram a raciocinar sobre a Nunc stans Um corpo em muitos lugares e muitos corpos num só lugar ao mesmo tempo 563 Parte 4 Do Reino das Trevas Absurdos da filosofia natural como a gravidade ser causa do peso sua natureza a partir destes atributos de honra perdendo a sua compreensão logo na primeira tentativa caem de uma inconveniência para outra sem fim nem conta do mesmo modo que um homem ignorante das cerimônias da corte ao verse na presença de uma pessoa de maior distinção do que aquelas com quem está habituado a falar tropeçando ao entrar para evitar cair deixa escorregar a capa para recuperar a capa deixa cair o chapéu e de um embaraço para outro desvenda o seu espanto e rudeza Quanto à física isto é o conhecimento das causas subordinadas e secundárias dos eventos naturais não apresentam nenhuma só palavras vazias Se desejardes saber por que razão um certo tipo de corpos cai naturalmente no chão enquanto outros se elevam dele naturalmente as escolas dirvosão baseadas em Aristóteles que os corpos que caem são pesados e este peso é que os faz descerem Mas se lhes perguntardes o que entendem por peso definiIoão como uma tendência para se dirigir ao centro da terra de tal modo que a causa pela qual as coisas caem é uma tendência para estar embaixo o que é o mesmo que dizer que os corpos descem ou sobem porque o fazem Ou dirvosão que o centro da terra é o lugar de repouso e con servação para coisas pesadas e portanto os corpos tendem a ir para lá como se as pedras e os metais tivessem desejos ou pudessem discernir em que lugar querem estar como o homem ou amassem o repouso ao contrário do homem ou como se um pedaço de vidro estivesse menos a salvo numa janela do que caindo na rua Se quiséssemos saber por que razão o mesmo corpo parece maior sem que nada lhe tivesse sido acrescentado umas vezes do que outras dizem que parece menor quando está condensado e parece maior quando rarefeito O que é condensado e rarefeito Condensado é quando há na mesma matéria menos quantidade do que antes e rarefeito quando há mais como se pudesse haver matéria sem uma determinada quantidade quando a quantidade nada mais é do que a determinação de matéria isto é de corpo razão pela qual dizemos que um corpo é maior ou 375 Quantidade posta em corpos já fiitos 564 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia menor do que outro tanto ou quanto Ou como se um corpo estivesse feito sem nenhuma quantidade e que mais tarde fosse nele colocada mais ou menos conforme se pretendesse que o corpo fosse mais ou menos denso Quanto à causa da alma do homem dizem creatur infundendo e creando infunditur isto é é criada por infusão e infundida pelo criador Quanto à causa da sensação uma ubiqüidade de species isto é das aparições dos objetos as quais quando são aparições ao olhar são vísta à orelha ouvido ao palato gosto ao nariz cheiro e quanto ao resto do corpo sentir Quanto à causa da vontade para realizar determinada ação denominada volitio atribuemna à faculdade isto é à capacidade em geral que os homens têm para querer umas vezes uma coisa outras vezes outra a qual é chamada voluntas fazendo da potência a causa do ato como se se atribuísse como causa dos bons e maus atos dos homens a sua capacidade para praticáIas E em muitas ocasiões apontam como causa dos eventos naturais a sua própria ignorãncia mas disfarçada em outras palavras como ao dizerem que a fortuna é a causa das coisas contingentes isto é das coisas de que não conhecem a causa e como quando atribuem muitos efeitos a qualidades ocultas isto é qualidades deles desconhecidas e portanto também pensam eles não conhecidas por mais ninguém E atribuem efeitos também a simpatia antipatia antiperístasis qualidades específicas e outros termos semelhantes que não significam nem o agente que os produz nem a operação pela qual são produzidos Se uma metafisica e uma fisica como estas não forem vã filosofia então nunca houve nenhuma nem teria sido necessário que São Paulo nos avisasse para a evitarmos E quanto à sua filosofia moral e civil os absurdos são os mesmos ou maiores Se alguém praticar um ato de injustiça isto é um ato contrário à lei Deus dizem eles é a causa primeira 1 Syn A ignorância com causa oculta 2 Syn Um faz as coisas incongruentes e outro a incongruência 565 Infusão das almas Ubiqüidade de aparição Vontade causa do querer Simpatia antipatia e outras qualidades ocultasH 376 E que um faz as coisas incongruentes e outro a incongruência 111 II111I li E qU o apetite partiaJlar fé a regra do bem e do 71Ul1 público E qU o casammJo legitimo é incontinéntia Parte 4 Do Reino das Trevas da lei e também a causa primeira daquela e de todas as outras ações porém não é de modo algum causa da injustiça que consiste na inconformidade da ação com a lei Isto é vã filosofia Poderia igualmente dizerse que um homem faz tanto a linha reta como a linha curva e um outro faz a sua incongruência E esta é a filosofia de todos os homens que decidem acerca das suas conclusões antes de conhecerem as suas premissas tendo a pretensão de compreender o que é incompreensivel e dos atributos da honra fazer atributos da natureza na medida em que esta distinção foi feita para defender a doutrina do livre arbítrio isto é a de uma vontade do homem não sujeíta à von tade de Deus Aristóteles e outros filósofos pagãos definem o bem e o mal pelo apetite dos homens e isto é correto enquanto os con siderarmos governados cada um pela sua própria lei pois na condição de homens que não têm outra lei além do seu próprio apetite não pode haver uma regra geral das boas e más ações Mas numa república esta medida é falsa não é o apetite dos homens privados que constitui a medida mas a lei que é a vontade e o apetite do Estado E contudo ainda se pratica esta dou trina julgando os homens da bondade ou da malvadez das suas próprias ações ou das dos outros homens e das ações da própria república pelas suas próprias paixões Ora ninguém chama bom ou mau senão aquilo que o é a seus próprios olhos sem nenhuma preocupação com as leis públicas exceto ape nas os monges e frades que estão obrigados por voto à simples obediência ao seu superior a que qualquer súdito se devia considerar obrigado pela lei de natureza perante o soberano civil E esta medida privada do bem é uma doutrina não apenas vã mas também perniciosa para o Estado público Constitui também vã e falsa filosofia dizer que o casamento repugna à castidade ou continência e portanto tornáIo vicio moral2 como o fazem os que alegam castidade e conti J Syn O apetite Privado como regra do bem público Syn tornáIas vícios morais 3 Syn é falta de castidade 566 1 XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia nência para negarem o casamento do clero De fato confessam que se trata apenas de uma constituição da Igreja que exige às ordens sagradas que continuamente servem o altar e adminis tram a eucaristia uma contínua abstinência de mulheres sob a alegação de contínua castidade continência e pureza Portanto chamam à legitima função da esposa falta de castidade e de continência e assim fazem do casamento um pecado ou pelo menos uma coisa tão impura e suja que torna um homem impróprio para o altar Se a lei fosse feita porque servirse de esposas é incontinência e contrário à castidade então todo casamento seria vício se é porque se trata de uma coisa demasiado impura e sja para um homem consagrado a Deus muito mais outras ocupações naturais necessárias e diárias que todos os homens têm tornariam os homens impróprios para serem padres porque são muito mais sujas Mas o fundamento secreto desta proibição do casamento dos padres não se encontra provavelmente nesses erros de filosofia moral nem mesmo na preferência pela vida de solteiro em relação ao estado do matrimônio derivada da sabedoria de São Paulo que se deu conta de como era inconveniente para aqueles que naqueles tempos de perseguição eram pregadores do Evangelho e se viam obrigados a fugir de um pais para outro serem entravados pelos cuidados com mulher e filhos Encontrase isso sim no desígnio dos papas e padres dos tempos subseqüentes de se tornarem o clero isto é os únicos herdeiros do reino de Deus neste mundo e para isso era necessário tirar deles o hábito do casamento porque o nosso Salvador disse que quando chegar o seu reino os filhos de Deus não casarão nem serão dados em casamento mas serão como os anjos do céu isto é espirituais Dado que então tinham tomado para si o nome de espirituais teria sido uma incongruência permitiremse quando não havia necessidade disso a propriedade de esposas Com a filosofia civil de Aristóteles aprenderam a chamar a todas as repúblicas que não fossem populares como era naquele tempo a república de Atenas tiranias A todos os reis chamaram tiranos e à aristocracia dos trinta governadores ali esta 377 E qU só o governo JDPular não é tirania 567 j II11 Parte 4 Do Reino das Trevas Que as leis governam e não os homens belecidos pelos lacedemônios que os subjugaram os trinta tiranos Igualmente aprenderam a chamar à condição do povo sob a democracia liberdade Originariamente um tirano significava simplesmente um monarca mas quando mais tarde na maior parte da Grécia essa forma de governo foi abolida o nome começou a significar não apenas a coisa como antes mas com ela o ódio que os Estados populares lhe votavam Do mesmo modo também o nome de rei se tornou odioso depois da deposição dos reis em Roma sendo uma coisa natural a todos os homens conceberem alguma grande falta a ser expressa em qualquer atributo que se dá por despeito a um grande inimigo E quando os mesmos homens ficarem descontentes com os que detêm a administração da democracia ou aristocracia não vão procurar nomes ignominiosos com os quais possam exprimir a sua cólera mas imediatamente chamam uma de anarquia e outra de oligarquia ou tirania de alguns E o que ofende o povo não é outra coisa senão ser governado não como cada um o faria mas como o representante público quer se trate de um homem ou de uma assembléia de homens julgar conveniente isto é por meio de um governo arbitrário Esta é a razão por que atribuem maus epítetos aos seus superiores desconhecendo sempre até talvez um pouco depois de uma guerra civil que sem esse governo arbitrário tal guerra seria perpétua e que são os homens e as armas não as palavras e as promessas que fazem a força e o poder das leis Portanto este é um outro erro da política de Aristóteles a saber que numa república bem ordenada não são os homens que governam e sim as leis Qual é o homem dotado dos seus sentidos naturais muito embora não saiba ler nem escrever que não se encontra governado por aqueles que teme e que acredita o podem matar ou ferir se ele não lhes obedecer Ou que acredita que a lei o pode ferir isto é palavras e papel sem as mãos e as espadas dos homens E este pertence ao número dos erros perniciosos pois induz os homens sempre que eles não gostam dos seus governantes a aderir aos que lhes chamam tiranos e a pensar que é legítimo fazer guerra contra eles E contudo são muitas vezes exaltados do púlpito pelo clero 378 568 L XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia Há um outro erro na sua filosofia civil e este nunca aprenderam com Aristóteles nem com Cícero nem com nenhum outro dos pagãos que consiste em estender o poder da lei a qual é apenas a regra das ações até os próprios pensamentos e consciências dos homens por meio de exame e de inquisição daquilo que eles sustentam não obstante a conformidade do seu discurso e das suas ações Por causa disso os homens ou são punidos por responderem a verdade dos seus pensamentos ou constrangidos a responder uma mentira com medo do castigo É verdade que o magistrado civil ao pretender atribuir a um ministro o cargo de ensinar pode inquiriIo para saber se ele está satisfeito em pregar estas e aquelas doutrinas e em caso de recusa pode negarlhe o emprego Mas forçáIo a acusarse de opiniões quando as suas ações não são proibidas pela lei é contra a lei de natureza e especialmente por parte dos que ensinam que o homem será condenado a tormentos eternos e extremos se morrer com uma falsa opinião a respeito de um artigo da fé cristã Pois quem há que sabendo existir um tão grande perigo num erro não seja levado pelo natural cuidado de si próprio a não arriscar a sua alma com o seu próprio juízo de preferência ao de qualquer outro homem que nada tem que ver com a sua danação Com efeito partículares sem autoridade da república isto é sem a permissão do seu representante interpretarem a lei pelo seu próprio espírito constitui um outro erro em política porém não tirado de Aristóteles nem de nenhum dos outros filósofos pagãos Pois nenhum deles nega que no poder de fazer as leis está também compreendido o poder de as explicar quando necessário E não são as Escrituras em todos os textos que constituem lei feitas lei pela autoridade da república e conseqüentemente uma parte da lei civil Constitui erro da mesma espécie quando alguém exceto o soberano restringe em qualquer homem o poder que a república não restringiu como fazem os que se apropriam da pregação Que as leis podem ilegível ã consciência Que os individuos poolem interpretar a lei como quiserem2 Syn Leis acima da consciência 2 Syn Interpretação particular da lei 569 IIII 379 Linguagem dos escoásticos Erros devidos à tradição Parte 4 Do Reino das Trevas XLVI Das Trevas resultantes da Vã Filosofia do Evangelho para uma certa ordem de homens quando as leis a deixaram livre Se o Estado me dá a liberdade para pregar ou ensinar isto é não mo proíbe nenhum homem mo pode proibir Se me encontro entre os idólatras da América deverei pensar que eu que sou um cristão muito embora não me tenha ordenado cometo um pecado se pregar Jesus Cristo até ter recebido ordens de Roma Ou que depois de pregar não devo responder às suas dúvidas e fazerIhes uma exposição das Escrituras isto é que não devo ensinar Mas para isso podem alguns dizer assim como também para lhes administrar os sacramentos a necessidade será levada em conta para tal missão o que é verdade Ora é também verdade que para qualquer caso é devida uma dispensação em razão de necessidade porque a mesma coisa não precisa de nenhuma dispensação quando não há nenhuma lei que a proíba Portanto negar estas funções àqueles a quem o soberano civil não as negou é tirar uma liberdade legítima o que é contrário à doutrina do governo civil Seria possível apresentar outros tantos exemplos da vã filosofia trazida para a religião pelos doutores da Escolástica mas outros homens podem se quiserem observáIos por si próprios Acrescentarei apenas isto que os escritos dos escolásticos nada mais são na sua maioria do que torrentes insignificantes de estranhas e bárbaras palavras ou de palavras usadas de modo distinto do uso comum da língua latina como a usariam Cícero e Varrão e todos os gramáticos da antiga Roma Se alguém quiser comprováIo vejamos como já disse antes se é capaz de traduzir algum escolástico para qualquer das línguas modernas como francês inglês ou qualquer outra copiosa língua pois aquilo que na maior parte destas línguas não pode ser tornado inteligível não é inteligível em latim Embora eu não possa registrar esta insignificância de linguagem como falsa filosofia ela possui o dom não só de esconder a verdade mas também de levar os homens a pensar que a encontraram desistindo de novas buscas Finalmente passemos aos erros provenientes de uma história incerta e falsa o que são senão fábulas de velhas todas essas lendas de milagres fictícios nas vidas dos santos e todas as histórias de aparições e fantasmas citadas pelos doutores da Igreja romana para apoiar as suas doutrinas do inferno e do purgatório o poder do exorcismo e outras doutrinas que não têm nenhum aval nem na razão nem nas Escrituras como também todas aquelas tradições a que chamam a palavra oral de Deus Muito embora delas se encontre alguma coisa dispersa nos escritos dos antigos padres estes eram homens que tendiam com excessiva facilidade a acreditar em falsas narrativas O fato de apresentarem as suas opiniões como testemunho da verdade daquilo em que acreditavam não tem mais força junto daqueles que segundo o conselho de SãoJoão lJo 41 examinam os espíritos do que em todas as coisas relativas ao poder da Igreja romana de cujo abuso eles não suspeitavam ou do qual recebiam benefícios desacreditar o seu testemunho quanto a uma crença demasiado temerária nas narrativas à qual os homens mais sinceros sem grande conhecimento das causas naturais como eram os padres estão geralmente mais sujeitos pois naturalmente os melhores homens são os que menos suspeitam de fins fraudulentos O papa Gregório e São Bernardo têm algo sobre aparições de fantasmas que lhes disseram estarem no purgatório e também o nosso Beda tem alguma coisa mas creio sempre por relato de outrem Porém se eles ou quaisquer outros relatarem tais histórias do seu próprio conhecimento não estarão com isso confirmando tais relatos vãos mas apenas desvendando a sua própria debilidade ou fraude À introdução da falsa filosofia podemos também acrescentar a supressão da verdadeira filosofia por parte dos homens que nem por autoridade legítima nem por estudo suficiente são juízes competentes da verdade As nossas próprias navegações tornam manifesto e todos os homens versados nas ciências humanas agora reconhecem que há antípodas E todos os dias se torna cada vez mais visível que os anos e os dias são determinados pelos movimentos da Terra Contudo os homens que nos seus escritos consideraram esta doutrina como uma Supressão da razão 380 570 571 ill Parte 4 Do Reino das Trevas XL VII Do Benefício resultante de tais Trevas ocasião para apresentar as suas razões pró e contra têm sido por causa dela punidos pela autoridade eclesiástica Mas que razão há para isso Será porque tais opiniões são contrárias à verdadeira religião Não podem sêIo se são verdadeiras Deixemos portanto que a verdade seja primeiro examinada por juízes competentes ou refutada por aqueles que reivindicam saber o contrário Será porque são contrárias à religião estabe lecida Deixemos que sejam silenciadas pelas leis daqueles a quem estão sujeitos os seus mestres isto é pelas leis civis pois é possível punir legalmente a desobediência daqueles que contra as leis ensinam até mesmo a verdadeira filosofia Será porque tendem à desordem no governo por favorecerem rebeliões ou sedições Deixemos então que sejam silenciadas e os mestres punidos em virtude do poder a quem está entregue o cuidado da tranqüilidade pública que é a autoridade civil Pois seja qual for o poder eclesiástico que assumam em qualquer lugar onde estejam sujeitos ao Estado o seu próprio direito muito embora lhe chamem o direito de Deus não passa de usurpação rante tanto tempo dominou o povo nesta região da cristandade com estas doutrinas contrárias às pacíficas sociedades humanas Em primeiro lugar ao seguinte erro a atual Igreja agora militante sobre a terra é o Reino de Deus isto é o reino de glória ou terra da promissão não o reino da graça que é apenas uma promessa da terra estão ligados os benefícios terrenos que se seguem primeiro os pastores e mestres da Igreja têm direito como ministros públicos de Deus de governar a Igreja e conseqüentemente porque a Igreja e a república são a mesma pessoa a serem reitores e governantes da república Por causa desse direito é que o papa prevaleceu sobre os súditos de todos os príncipes cristãos levandoos a acreditar que desobedecerlhe era desobedecer ao próprio Cristo e em todas as divergências entre ele e outros príncipes fascinados com a expressão poder esPiritual a abandonar os seus legítimos soberanos o que com efeito é uma monarquia universal sobre toda a cristandade Pois muito embora tenham primeiro sido investidos no direito de serem os supremos mestres da doutrina cristã pelos imperadores cristãos e sob o governo destes dentro dos limites do império romano como eles próprios reconhecem com o título de Pontifex Maximus que era um funcionário sujeito ao Estado civil depois de dividido o império não foi difícil introduzir junto do povo já a eles sujeito um outro título a saber o direito de São Pedro não apenas de conservar intacto o seu pretenso poder mas também de o ampliar sobre as mesmas províncias cristãs embora estas não estivessem mais unidas no império de Roma Este benefício de uma monarquia universal considerando o desejo dos homens de terem uma autoridade constitui uma presunção suficiente de que os papas que a ela aspiraram e que durante muito tempo a desfrutaram eram os autores da doutrina pela qual foi alcançada a saber que a Igreja agora sobre a terra é o reino de Cristo Pois aceito isto tem de se aceitar que Cristo tenha um representante entre nós para dizernos quais são as suas ordens Depois que certas Igrejas renunciaram a este poder universal do papa seria razoável esperar que os soberanos civis em 381 1 CAPo XLVII Do BENEFÍCIO resultante de tais Trevas e a quem aproveita Aquele que recebeu beneficio de um ato é considerado seu autor Cícero faz uma honrosa menção de um dos Cássios severo juiz dos romanos por causa de um costume que tinha nas causas criminais quando o depoimento das testemunhas não era suficiente de perguntar aos acusadores Cui bono isto é que lucro honra ou outro proveito o acusado obtinha ou esperava do ato Pois entre as presunções não há nenhuma que mostre com tanta evidência o autor do que o BENEFÍCIO da ação Pela mesma regra pretendo neste lugar examinar quem é que du 572 573 Que a Igreja militante é o Reino de Deus começou por ser ensinado pela Igreja de Roma 382 1 II11 E sustentado também pelo presbitério Infalibilidade Sujeição dos bispos Parte 4 Do Reino das Trevas todas essas Igrejas recuperassem dele tanto quanto era seu próprio direito antes de o terem deixado ir embora inadvertidamente e estava em suas mãos E na Inglaterra isso aconteceu efetivamente tirante aqueles mediante os quais os reis administravam o governo da religião sustentando que o seu cargo era de direito divino pareceram usurpar se não a supremacia pelo menos uma certa independência do poder civil e pareciam usurpáIo ao mesmo tempo que reconheciam no rei o direito de os despojar a seu belprazer do exercício das suas funções Mas nos lugares em que o presbitério assumiu esse cargo embora muitas outras doutrinas da Igreja de Roma estivessem proibidas de serem ensinadas esta doutrina de que o reino de Cristo já chegou e começou com a ressurreição do nosso Salvador continuou ainda a ser sustentada Mas cui bano Que vantagem esperavam dela A mesma que os papas esperavam ter poder soberano sobre o povo Pois o que é para os homens excomungar o seu legítimo soberano senão afastáIo de todos os lugares do serviço público de Deus no seu próprio reino E resistirlhe mediante o uso da força quando ele pela força tenta corrigíIos Ou o que é sem autoridade do soberano civil excomungar uma pessoa senão retirarlhe a sua legítima liberdade isto é usurpar um poder ilegítimo sobre os seus irmãos Portanto os autores destas trevas na religíão são o clero romano e o clero presbiteriano Neste ponto refiro também todas as doutrinas que lhes servem para manter a posse desta soberania espiritual depois que foi alcançada Em primeiro lugar a doutrina de que o papa na sua capacidade pública não pode errar Pois quem é que acreditando ser isto verdade não lhe obedecerá prontamente em tudo aquilo que lhe aprouver ordenar Em segundo lugar que todos os outros bispos seja em que república for não recebem o seu direito nem imediatamente de Deus nem mediatamente dos seus soberanos civis mas do papa é uma doutrina pela qual acabam por existir em todas as repúblicas cristãs muitos homens poderosos pois assim o são os bispos que são dependentes do papa e que lhe devem obe 574 L XLVII Do Beneficio resultante de tais Trevas diência embora ele seja um príncipe estrangeiro Com isso o papa é capaz de como muitas vezes o fez instigar uma guerra civil contra o Estado que não se submeter a ser governado segundo o seu prazer e interesse Em terceiro lugar a isenção destes e de todos os outros padres e de todos os monges e frades em relação ao poder das leis civis Pois deste modo muitos súditos de todas as repúblicas usufruem o benefício das leis e são protegídos pelo poder do Estado civil sem contudo pagarem nenhuma parte da despesa pública nem estarem sujeitos às penas devidas aos seus crimes como os outros súditos e conseqüentemente não receiam ninguém exceto o papa e aderem apenas a ele para defender a sua monarquia universal Em quarto lugar a atribuição aos seus padres que no Novo Testamento nada mais são do que presbíteros isto é anciãos do nome de sacerdotes isto é sacrificadores que era o título do soberano civil e dos seus ministros públicos entre os judeus quando Deus era o seu rei Também o fato de fazer da ceia do Senhor um sacrifício serviu para levar o povo a acreditar que o papa tinha sobre todos os cristãos o mesmo poder que Moisés e Aarão tinham sobre os judeus isto é todo o poder quer civil quer eclesiástico que então possuía o Sumo Sacerdote Em quinto lugar o fato de ensinar que o matrimônio é um sacramento deu ao clero o direito de julgar a legítimidade dos casamentos e portanto quais os filhos legítimos e conseqüentemente qual o direito de sucessão a reinos hereditários Em sexto lugar a negação do casamento aos padres serviu para assegurar este poder do papa sobre os reis Pois se um rei for padre não pode casar e transmitir o seu reino à sua posteridade se não for padre o papa reivindica essa autoridade eclesiástica sobre ele e sobre o seu povo Em sétimo lugar pela confissão auricular obtém para a manutenção do seu poder um melhor conhecimento dos desígnios dos príncipes e dos grandes personagens do Estado civil do que estes podem obter acerca dos desígnios do Estado eclesiástico 575 Isenções do clero o nome de sacerdotes e de stUrificios 383 o sacramento do matrimõnio o celibato dos padres Confissão auricular n Canonização dos santos e tkclaração dos mártires Transubstanciação penitência absolvição Purgatório indulgências obras exteriores Demonologia e exorcismo Escolástica Quem são os autores das trevas espirituais 384 Parte 4 Do Reino das Trevas Em oitavo lugar pela canonização dos santos e pela declaração de quem são os mártires asseguram o seu poder na medida em que induzem os homens simples a uma obstinação contra as leis e as ordens dos seus soberanos civis até a própria morte se pela excomunhão dos papas eles forem declarados hereges ou inimigos da Igreja isto é de acordo com a sua interpretação inimigos do papa Em nono lugar asseguram o mesmo pelo poder que atribuem a todos os padres de criarem Cristo e pelo poder de ordenar a penitência e de remir ou reter os pecados Em décimo lugar pela doutrina do purgatório da justificação pelas obras exteriores e das indulgências o clero vai enriquecendo Em undécimo lugar pela sua demonologia e pelo uso do exorcismo e outras coisas com isso relacionadas conservam ou julgam conservar mais o povo sob o domínio do seu poder Finalmente a metafísica a ética e a política de Aristóteles as distinções frívolas os termos bárbaros e a linguagem obscura dos escolásticos ensinada nas universidades que foram todas erigidas e regulamentadas pela autoridade papal servemIhes para evitar que estes erros sejam detectados e para levar os homens a confundirem o ignis fatuus da vã filosofia com a luz do Evangelho Se estes exemplos não fossem suficientes poderseiam acrescentar outras das suas obscuras doutrinas cujas vantagens se revelam de forma evidente para o estabelecimento de um poder ilegítimo sobre os legítimos soberanos do povo cristão ou para sua manutenção quando está estabelecido ou para os bens terrenos a honra e a autoridade daqueles que o detêm E portanto pela já citada regra do cui bono podemos com razão considerar como autores de todas estas trevas espirituais o papa e o clero romano e também todos os que se esforçam por colocar no espirito dos homens esta doutrina errônea de que a Igreja agora sobre a terra é o Reino de Deus mencionado no Antigo e no Novo Testamento Mas os imperadores e outros soberanos cristãos sob cujo governo estes erros e as correspondentes usurpações dos ecle 576 XL VIL Do Beneficio resultante de tais Trevas siásticos sobre os seus cargos pela primeira vez surgiram para perturbação das suas possessões e da tranqüilidade dos seus súditos muito embora os tenham suportado por falta de previsão das suas seqüelas e por falta de visão profunda dos desígnios dos seus mestres podem contudo ser considerados cúmplices do seu prejuízo próprio e público pois sem a sua autoridade desde o início nenhuma doutrina sediciosa teria podido ser pregada publicamente Digo que podiam ter sido atalhados desde o início mas uma vez o povo possuído por esses homens espirituais não havia nenhum remédio humano que pudesse ser aplicado nenhum que algum homem fosse capaz de inventar E quanto aos remédios que Deus devia providenciar e Ele nunca deixou a seu tempo de destruir todas as maquinações dos homens contra a verdade temos de esperar a Sua boa vontade a qual muitas vezes suportou que a prosperidade dos Seus inimigos juntamente com a sua ambição chegasse a um ponto tal que a sua violência abrisse os olhos que a precaução dos seus predecessores tinha antes fechado e fizesse os homens abarcar demais para nada segurar assim como a rede de Pedro rebentou devido à luta de uma quantidade demasiado grande de peixes visto que a impaciência dos que lutam para resistir a tal usurpação antes de os olhos dos seus súditos estarem abertos apenas contribuiu para aumentar o poder a que resistiam Não censuro portanto o Imperador Frederico por dar estribo ao nosso compatriota papa Adriano pois tal era a disposição dos seus súditos nessa ocasião que se não o tivesse feito provavelmente não teria sucedido no Império Mas censuro aqueles que no princípio quando o seu poder estava inteiro permitiram que essas doutrinas fossem forjadas nas universidades dos seus próprios domínios e deram estribo a todos os sucessivos papas enquanto estes montavam nos tronos de todos os soberanos cristãos para os dominar e subjugar quer eles quer os seus povos a seu belprazer Porém assim como as invenções dos homens são tecidas assim também são desfeitas o processo é o mesmo mas a ordem é inversa a teia começa nos primeiros elementos do poder que são a sabedoria a humildade a sinceridade e outras virtu 577 Parte 4 Do Reino das Trevas 385 des dos apóstolos a quem todos os povos convertidos obedeceram por reverência e não por obrigação As suas consciências eram livres e as suas palavras e ações só estavam sujeitas ao poder civil Mais tarde os presbíteros à medida que os rebanhos de Cristo aumentavam reunindose para discutir o que deviam ensinar e portanto obrigandose a nada ensinar contra os decretos das suas assembléias fizeram crer que o povo estava por conseguinte obrigado a seguir a sua doutrina e quando este se recusou a fazêlo recusaramse a mantêlo na sua companhia a isso se chamou então excomunhão não por serem infiéis mas por serem desobedientes E este foi o primeiro nó na sua liberdade E aumentando o número de presbíteros os presbíteros da principal cidade de uma1 provincia assumiram autoridade sobre os presbíteros paroquiais e apropriaramse do nome de bispos E este foi um segundo nó na liberdade cristã Finalmente o bispo de Roma no que se refere à cidade imperial assumiu autoridade em parte pela vontade dos próprios imperadores e pelo título de Pontifex Maximus e finalmente quando os imperadores estavam enfraquecidos pelos privilégios de São Pedro sobre todos os outros bispos do império o que constitui o terceiro e último nó e toda a síntese e construção do poder pontifical Portanto a análise ou resolução se dá pelo mesmo processo mas começando com o laço que foi o último a ser atado como podemos ver na dissolução do preterpolitico governo da Igreja na Inglaterra Primeiro o poder dos papas foi totalmente dissolvido pela Rainha Isabel e os bispos que antes exerciam as suas funções pelo direito do papa passaram depois a exercêl o pelo direito da rainha e seus sucessores muito embora retendo a expressão jure divino se pudesse pensar que eles o recebiam de Deus por direito imediato E assim foi desatado o primeiro nó Depois disto os presbiterianos obtiveram na Inglaterra a queda do episcopado e assim foi desamarrado o segundo nó E quase ao mesmo tempo o poder foi também tirado aos presbiterianos e deste modo estamos reduzidos à independência I Syn ou 578 XL VIL Do Beneficio resultante de tais Trevas dos primitivos cristãos para eguirmos Paulo ou Cefas ou ApoIo segundo o que cada home preferir Se isso ocorrer sem luta e sem avaliar a doutrina de Cristo pela nossa afeição à pessoa do seu ministro a falta que o apóstolo censurou aos coríntios é talvez o melhor Primeiro porque não deve haver nenhum poder sobre as consciências dos homens a não ser o da própria palavra produzindo fé em cada um nem sempre de acordo com o propósito dos que plantam e regam mas do próprio Deus que proporciona a multiplicação e segundo porque é desarrazoado nos responsáveis por ensinar que existe tamanho perigo no menor erro exigir de um homem dotado de razão própria que siga a razão de qualquer outro homem ou a opinião majoritária de muitos outros homens o que é pouco melhor do que arriscar a sua salvação jogando cara ou coroa Nem deviam esses mestres ficar aborrecidos com esta perda da sua antiga autoridade pois ninguém melhor do que eles devia saber que o poder é conservado pelas mesmas virtudes com que é adquirido isto é pela sabedoria pela humildade pela clareza de doutrina e sinceridade de linguagem e não pela supressão das ciências naturais e da moralidade da razão natural nem por uma linguagem obscura nem arrogandose mais conhecimento do que deixam transparecer nem por fraudes piedosas nem por essas outras faltas que nos pastores da Igreja de Deus não são apenas faltas mas também escãndalos capazes de fazer que os homens mais cedo ou mais tarde acabem por decidir a supressão da sua autoridade Mas depois que esta doutrina de que a Igreja agora militante é o Reino de Deus reftrido no Antigo e no Novo Testamento foi aceita no mundo a ambição e a disputa de cargos que lhe estão adstritos e especialmente o grande cargo de ser o representante de Cristo e a pompa dos que obtiveram assim os principais cargos públicos tornaramse gradualmente tão evidentes que perderam a reverência interior devida à função pastoral de tal modo que os homens mais sábios dentre os que possuíam qualquer poder no Estado civil só precisavam da autoridade dos seus príncipes para lhes negarem mais obediência Com efeito Comparação do papado com o reino das fadas 3861 579 Parte 4 Do Reino das Trevas desde a época em que o bispo de Roma conseguiu ser reconhecido como bispo universal pela pretensão de suceder a São Pe dro toda a sua hierarquia ou reino das trevas pode ser comparada adequadamente ao reino das fadas isto é às fiibulas con tadas por velhas na Inglaterra referentes aos fantasmas e espiritos e às proezas que praticavam de noite E se alguém atentar para a origem deste grande domínio eclesiástico verá facilmente que o papado nada mais é do que o fantasma do defunto Império Romano sentado de coroa na cabeça sobre o túmulo deste pois assim surgiu de repente o papada das ruínas do poder pagão Também a linguagem que eles usam nas igrejas e nos atos públicos sendo o latim que não é comumente usado por ne nhuma nação hoje existente o que é senão o espectro da antiga lingua romana As jàdas seja qual for a nação onde habitem só têm um rei universal que alguns dos nossos poetas denominam rei Oberon mas as Escrituras denominam Belzebu príncipe dos demônios Do mesmo modo os eclesiásticos seja qual for o domínio em que se encontrem só reconhecem um rei uníversal o papa Os eclesiásticos são homens espirituais e padres espectrais As fadas são espiritos e espectros As jàdas e os espectros habitam as trevas os ermos e os túmulos Os eclesiásticos caminham na obscuridade da doutrina em mosteiros igrejas e claustros Os eclesiásticos têm as suas igrejas catedrais que em qual quer vila onde se ergam por virtude da água benta e de certos encantos denominados exorcismos possuem o poder de trans formar essas vilas em cidades isto é em sedes do império Tam bém as jàdas têm os seus castelos encantados e alguns espectros gigantescos que dominam as regiões circunvizinhas As jàdas não podem ser presas nem levadas a responder pelo mal que fazem Do mesmo modo os eclesiásticos desapare cem dos tribunais da justiça civil Os eclesiásticos tiram dos jovens o uso da razão por meio de certos encantos compostos de metafísica milagres tradições e Escrituras deturpadas e assim estes ficam incapazes seja para o que for exceto para executarem o que lhes for ordenado Do 580 XLVII Do Beneficio resultante de tais Trevas mesmo modo as fadas segundo se diz tiram as crianças dos seuS berços e transformamnas em néscios naturais a que o vulgo chama duendes e que têm tendência para a prática do mal As velhas não especificaram em que oficina ou laboratório as fadas fabricam os seus encantamentos mas sabese bem que os laboratórios do clero são as universidades que receberam a sua disciplina da autoridade pontifícia Quando alguém desagrada às fadas dizem que estas enviam os seus duendes para o beliscarem Os eclesiásticos quando algum Estado civillhes desagrada também mandam os seus duendes isto é súditos supersticiosos e encantados para beliscarem os seus príncipes pregando a sedição ou um príncipe encantado com promessas para beliscar outro As jàdas não se casam mas entre elas há incubi que copulam com gente de carne e osso Os padres também não se casam Os eclesiásticos tiram a nata da terra por meio de donativos de homens ignorantes que têm medo deles e por meio de dízimos o mesmo acontece na fábula das fadas segundo a qual elas entram nas leiterias e banqueteiamse com a nata que coam do leite A história também não conta que tipo de dinheiro circula no reino das jàdas Mas os eclesiásticos aceitam como rendimento a mesma moeda que nós muito embora quando têm de fazer algum pagamento o façam com canonizações indulgências e missas A estas e outras semelhanças entre o papado e o reino das jàdas podese acrescentar mais uma assim çomo as fadas só têm existência na imaginação de gente ignorante que se alimenta das tradições contadas pelas velhas ou pelos antigos poetas também o poder espiritual do papa fora dos limites do seu próprio domínio civil consiste apenas no medo que tem o povo seduzido da excomunhão por ouvir os falsos milagres as falsas tradições e as falsas interpretações das Escrituras Não foi assim muito dificil expulsáIas a Henrique VIII pelo seu exorcismo e a Rainha Isabel pelo dela Mas quem sabe 387 Syn das excomunhões 581 Parte 4 Do Reino das Trevas Revisão e Conclusão se este espírito de Roma que agora desapareceu e que vagueando por missões através dos lugares desertos da China do Japão e das Índias ainda produziu escassos frutos não pode voltar ou melhor uma assembléia de espíritos ainda mais ma léfica do que ele para habitar esta casa asseada e limpa tornan do portanto o fim ainda pior do que o princípio Pois não só o clero romano tem a pretensão de que o Reino de Deus seja des te mundo e que portanto ele tem um poder distinto do poder do Estado civil E isto era tudo o que eu tinha a intenção de dizer no que se refere à doutrina da POLÍTICA Depois de revisáIa de boa vontade a irei expor à censura do meu país 389 J REVISÃO e CONCLUSÃO gança pessoal e às vezes para a tentativa de perturbar a paz pública e a timidez muitas vezes predispõe para a deserção da defesa pública Não se podem encontrar ambas dizem na mesma pessoa E ao considerarem a contrariedade das opiniões e costumes dos homens em geral afirmam que é impossível manter uma amizade civil constante com todos aqueles com os quais os negócios do mundo nos obrigam a conviver negócios que quase sempre consistem apenas numa perpétua disputa por honras riquezas e autoridade A isso respondo que estas são sem dúvida grandes dificuldades mas não impossibilidades pois pela educação e disciplina podem ser e algumas vezes são somadas O juízo e a imaginação podem existir no mesmo homem mas alternadamente conforme o exigir a finalidade que se propõe Assim como os israelitas no Egito estavam por vezes concentrados no seu trabalho de fazer tijolos e outras vezes tinham que vaguear e apanhar palha também o juízo pode às vezes se fixar numa determinada consideração e outras vezes a imaginação andar vagueando pelo mundo Do mesmo modo a razão e a eloqüência embora não talvez nas ciências naturais mas pelo menos nas ciências morais podem muito bem ficar juntas Pois onde houver lugar para adornar e enaltecer o erro muito mais lugar haverá para adornar e enaltecer a verdade se a quiserem adornada Tampouco há discrepância alguma entre temer as leis e não temer um inimigo público ou entre absterse de ofensas e perdoáIas aos outros Não há portanto essa incompatibilidade entre a natureza humana e os deveres civis que alguns supõem Conheci clareza de juízo e largueza de imaginação força de razão e graciosa elocução coragem para a guerra e temor das leis e todas elas eminentes num só homem o meu nobilíssimo e honrado amigo Sidney Godolphin que embora não odiasse ninguém nem fosse odiado por ninguém foi lamentavelmente morto no início da última guerra civil na discórdia pública por uma mão indiscernível e destituída de discernimento Às leis de natureza enunciadas no capítulo XV gostaria de acrescentar esta cada homem é obrigado pela natureza na medi 390 Da contrariedade entre algumas das faculdades naturais do espírito assim como também entre as paixões e da sua referência ao convívio humano se retira um argumento inferindo a impossibilidade de qualquer homem se dispor suficientemente a todas as espécies de dever civil A severidade do juízo dizem torna os homens intransigentes e incapazes de perdoar os erros e fraquezas dos outros e por outro lado a celeridade da imaginação torna os pensamentos menos estáveis do que é necessário para distinguir exatamente entre o certo e o errado Além disso em todas as deliberações e em todos os pleitos é necessária a faculdade de raciocinar com solidez pois sem ela as decisões dos homens são precipitadas e as suas sentenças injus tas e contudo se não houver uma eloqüência poderosa que con quiste a atenção e o consenso será pequeno o efeito da razão Mas estas são faculdades contrárias baseandose a primeira nos princípios da verdade e a outra nas opiniões já recebidas verda deiras ou falsas e nas paixões e interesses dos homens que são diferentes e mutáveis E entre as paixões a coragem pela qual entendo o desprezo das feridas e da morte violenta inclina os homens para a vin 582 583 Parte 4 Do Reino das Trevas da em que isso lhe é possível a proteger na guerra a autoridade pela qual é protegido em tempo de paz Pois aquele que alega um direito de natureza para preservar seu próprio corpo não pode alegar um direito de natureza para destruir aquele graças a cuja força ele é preservado tratase de uma manifesta contradição consigo próprio E muito embora esta lei possa ser extraída como conseqüência de algumas daquelas que já haviam sido mencionadas os tempos exigem inculcá Ia e lembráIa E porque vários livros ingleses recentemente publicados me fazem ver que as guerras civis ainda não ensinaram suficientemente os homens quando um súdito se torna obrigado perante o conquistador nem o que é conquista nem como vem a obrigar os homens a obedecerem às leis do conquistador para satisfazer os homens a esse respeito portanto direi que um homem se torna súdito de um conquistador quando tendo a liberdade para se lhe submeter consente ou por palavras expressas ou por outro sinal suficiente em ser seu súdito Já mostrei no final do capítulo XXI a situação em que um homem tem a liberdade de se submeter a saber aquele para cuja obrigação para com o seu antigo soberano é a de um súdito comum isso acontece quando os meios da sua vida estão dentro das guardas e das guarnições do inimigo pois é nesse momento que ele deixa de receber proteção e passa a ser protegido pelo partido contrário devido à sua contribuição Portanto como em todos os lugares se considera tal contribuição lícita como algo inevitável não obstante ser um auxílio ao inimigo uma submissão total que é apenas um auxílio ao inimigo não pode ser considerada ilícita Além disso levando em conta que os que se submetem auxiliam o inimigo apenas com parte de suas posses enquanto os que se recusam a isso o auxilam com todas as suas posses não há motivo para chamar à sua submissão ou composição um auxílio mas antes um detrimento ao inimigo Mas se um homem além da obrigação de súdito assumiu a obrigação de soldado então não possui a liberdade de se submeter a um novo poder enquanto o antigo se conservar no campo de batalha e lhe fornecer os meios de subsistência ou nos seus exércitos ou nas 584 Revisão e Conclusão suas guarnições pois neste caso não se pode queixar de falta de proteção e de meios para viver como soldado Porém quando também isso desaparece um soldado pode também procurar a sua proteção onde tiver mais esperança de a encontrar e pode licitamente submeterse a um novo senhor E nada mais resta a dizer quanto ao momento em que pode fazêlo licitamente se o quiser Se portanto o fizer está sem dúvida alguma obrigado a ser um verdadeiro súdito pois um contrato licitamente cele brado não pode ser licitamente rompido Com isso também se compreende quando se pode dizer que os homens são conquistados e em que consiste a natureza da conquista e o direito do conquistador pois esta submissão é aquilo quel implica todos eles A conquista não é a própria vitória mas a aquisição pela vitória de um direito sobre as pes soas dos homens Portanto aquele que é morto é vencido porém não conquistado aquele que é aprisionado e levado para o cárcere ou acorrentado não é conquistado muito embora seja vencido pois é ainda um inimigo e pode fugir se conseguir Mas aquele que com promessa de obediência recebeu a vida e a liberdade está nesse momento conquistado e é um súdito po rém não antes Os romanos costumavam dizer que o seu gene ral tinha pacificado tal província isto é na nossa língua que a ti nha conquistado e que o país foi pacificado pela vitória quando o seu povo tinha prometido lmperata acere isto é Fazer o que o povo romano lhe tinha ordenado isto era ser conquistado Mas esta promessa pode ser expressa ou tácita expressa por promessa tácita por outros sinais Por exemplo um homem que não tenha sido convocado a fazer uma tal promessa expressa por ser al guém cujo poder talvez não seja considerável se viver aber tamente sob a sua proteção se considera que se submeteu ao governo Mas se lá viver secretamente estará sujeito a tudo o que pode acontecer a um espião e inimigo do Estado Não digo que ele faça alguma injustiça pois os atos de hostilidade declarada não recebem esse nome mas que ele pode com jus 391 1 Syn o que 585 Parte 4 Do Reino das Trevas 392 J tiça ser condenado à morte Do mesmo modo se um homem quando o seu país é conquistado se encontra fora dele não fica conquistado nem submetido mas se ao regressar se submeter ao governo é obrigado a obedecerlhe De tal maneira que a con quista para a definirmos é a aquisição do direito de soberania por vitória Esse direito é adquirido com a submissão do povo pela qual este faz um contrato com o vencedor prometendo obediência em troca da vida e liberdade No capítulo XXIX considerei como uma das causas da dis solução das repúblicas a sua geração imperfeita consistindo na falta de um poder legislativo absoluto e arbitrário em razão da qual o soberano civil está condenado a segurar a espada da jus tiça sem firmeza e como se ela fosse demasiado fogosa para as suas mãos Uma das razões disto que ali não mencionei é esta todos eles justificam a guerra pela qual o seu poder foi pela pri meira vez alcançado e da qual segundo pensam o seu direito depende e não da posse Como se por exemplo o direito dos reis da Inglaterra dependesse da excelência da causa de Guilherme o Conquistador e também da sua descendência linear e di reta se assim fosse talvez não houvesse hoje nenhum vínculo de obediência dos súditos ao seu soberano em todo o mundo Por isso enquanto inutilmente pensam justificarse justificam todas as rebeliões triunfantes que a ambição a qualquer mo mento depois levantar contra eles e contra os seus sucessores Portanto aponto como uma das mais ativas sementes da morte de qualquer Estado que os conquistadores exijam não apenas a submissão das ações dos homens a eles no futuro mas tam bém a aprovação de todas as suas ações passadas conquanto existam poucas repúblicas no mundo cujos primórdios possam em consciência ser justificados E porque o nome de tirania não significa nem mais nem menos do que o nome de soberania esteja ela em um ou em muitos homens a não ser que quem usa a primeira palavra es teja zangado com aqueles que chama tiranos penso que a tole 1 Syn mi1ínento 586 Revisão e Conclusão rância de um ódio professo da tirania é uma tolerância do ódio à república em geral e uma outra má semente não muito diferente da primeira Pois para a justificação da causa de um conquistador a desgraça da causa dos conquistados é na maior parte das vezes necessária mas nenhuma dessas causas é necessária para a obrigação dos conquistados E foi isto tudo o que me pareceu adequado dizer na revisão da primeira e da segunda parte deste discurso No capitulo XXXV mostrei suficientemente com textos das Escrituras que na república dos judeus o próprio Deus foi feito soberano por pacto com o povo que foi portanto chamado o seu povo eleito para distinguiIo do restante do mundo sobre o qual Deus não reinava por consentimento mas pelo seu próprio poder Mostrei ainda que neste reino Moisés era o representante de Deus sobre a terra e que foi ele quem lhes disse quais as leis que Deus tinha dado para eles se governarem Mas deixei de examinar quais eram os funcionários indicados para as aplicar especialmente nas penas capitais não pensando então que esta matéria fosse de uma consideração tão necessária como depois verifiquei ser Sabemos que geralmente em todas as repúblicas a execução dos castigos corporais era entregue ou a guardas ou a outros soldados do poder soberano ou entregue àqueles que por falta de meios desprezo da honra e dureza de coração eram adequados para um tal ofício Mas entre os israelitas era uma lei positiva de Deus seu soberano que quem fosse culpado de crime capital devia ser apedrejado até a morte pelo povo e que as testemunhas deviam lançar a primeira pedra e depois das testemunhas o restante do povo Esta era a lei designando quem deviam ser os executores porém não estipulava que alguém devesse lançar uma pedra nele antes da culpa formada e da sentença na qual a congregação era juiz As testemunhas deviam contudo ser ouvidas antes de se proceder à execução a menos que o fato tivesse sido cometido na presença da própria congregação ou à vista dos legítimos juízes pois nesse caso não eram necessárias outras testemunhas além dos próprios juízes Contudo não sendo esta maneira de proceder totalmente compreendida ela deu ocasião a uma pe 587 Parte 4 Do Reino das Trevas Revisão e Conclusão 393 rigosa opinião qualquer homem pode matar outro em alguns casos por um direito de zelo como se as execuções feitas sobre os ofensores no Reino de Deus nos tempos antigos não resultassem da ordem soberana mas da autoridade do zelo particular o que se atentarmos para os textos que parecem favorecêIa é totalmente ao contrário Em primeiro lugar quando os levitas atacaram o povo que tinha feito e adorado um bezerro de ouro e mataram três mil pessoas foi por ordem de Moisés pela boca de Deus como é manifesto Ex 3227 E quando o filho de uma mulher de Israel blasfemou contra Deus aqueles que o ouviram não o mataram mas levaramno à presença de Moisés que o deteve até que Deus desse sentença contra ele como aparece em Lv 251112 Também Nm 2567 quando Finéias matou Zimri e Cosbi não foi por direito de zelo particular o seu crime foi cometido na presença da assembléia não havia necessidade de testemunhas a lei era conhecida e ele o herdeiro aparente à soberania e o que é o ponto principal a legalidade do seu ato depen dia totalmente de uma posterior ratificação de Moisés da qual ele não tinha nenhuma razão para duvidar E esta suposição de uma futura ratificação é às vezes necessária para a segurança da república já que numa inesperada rebelião qualquer ho mem que possa domináIa por seu próprio poder na região onde ela começar sem lei ou comissão expressa pode legalmen te fazêlo e providenciar para que o seu ato seja ratificado ou perdoado enquanto o estiver praticando ou depois de o ter praticado Também em Nm 3530 se diz expressamente Aquele que matar o assassino matáloá pela palavra das testemunhas mas as testemunhas pressupõem uma judicatura formal e conseqüentemente condenam a pretensão de um jus zelotarum A lei de Moisés referente àquele que incita à idolatria isto é no Reino de Deus a renunciar à sua lealdade Dt 138 proíbe escondê 10 e ordena ao acusador que o faça ser condenado à morte e lhe atire a primeira pedra porém não que o mate antes de ele ser condenado E Dt 1746 o processo contra a idolatria está mencionado com exatidão pois ali Deus falou ao povo como juiz e ordenoulhe que quando alguém fosse acusado de idola tria inquirisse com toda a diligência acerca do fato e vindo a verificar que era verdadeiro que então o apedrejasse Mas ainda assim era a mão da testemunha que lançava a primeira pedra Isto não é zelo particular mas sim condenação pública De maneira semelhante quando um pai tem um filho rebelde a lei diz Dt 2118 que o deverá levar perante os juízes da cidade e que todo o povo da cidade o apedrejará Finalmente foi a pretexto destas leis que Santo Estêvão foi apedrejado e não a pretexto de zelo particular pois antes de ser levado à execução ele tinha pleiteado a sua causa perante o Sumo Sacerdote Não há nada nisto tudo nem em nenhuma outra parte da Bíblia que apóie as execuções por zelo particular estas sendo na maior parte das vezes uma conjunção da ignorância e da paixão são contrárias à justiça e à pazl da república No capítulo XXXVI disse que não se declara qual a maneira como Deus falou sobrenaturalmente a Moisés nem que Ele lhe não falou algumas vezes por sonhos e visões e por uma voz sobrenatural como a outros profetas pois a maneira como lhe falou do seu assento de misericórdia está expressamente mencionada Nm 789 com estas palavras Daquele momento em diante quando Moisés entrava no tabernáculo da congregação para falar com Deus ouvia uma voz que lhe falava de cima do assento de misericórdia que se encontra sobre a arca do testemunho de entre os querubins lhe falava Porém não se declara em que consiste a preeminência da maneira de Deus falar a Moisés sobre aquela como falava aos outros profetas como a Samuel e Abraão a quem também falou por uma voz isto é por visão a menos que a diferença consista na clareza da visão Pois face a face e boca a boca não po dem ser entendidas literalmente a respeito da infinitude e da incompreensibilidade da natureza divina Quanto ao conjunto da doutrina afiguraseme que os seus princípios são verdadeiros e adequados e que os seus raciocínios são sólidos Pois fundamento o direito civil dos soberanos e tanto o dever como a liberdade dos súditos nas conhecidas inclinações naturais da humanidade e nos artigos da lei de na 394 I Syn paz 588 589 li 1111 Parte 4 Do Reino das Trevas tureza os quais ninguém que aspire a raciocinar o suficiente para governar a sua família particular deve ignorar E quanto ao poder eclesiástico dos mesmos soberanos fundamentoo nos textos que são em si evidentes e consoantes com o objetivo de todas as Escrituras Estou portanto persuadido de que quem as ler com a única finalidade de ser informado será por elas informado Mas quanto aos que por escritos ou discursos públicos ou pelas suas ações eminentes já se comprometeram a defender opiniões contrárias esses não ficarão satisfeitos tão facilmente Pois em tais casos é natural que os homens ao mesmo tempo continuem a ler e desviem a sua atenção à procura de objeções ao que já leram antes Estas numa época em que os interesses dos homens estão mudados como uma grande parte da doutrina que serviu para instituir um novo governo tem necessariamente de ser contrária àquela que conduziu à dissolução do antigo não podem deixar de ser muitas Na parte que trata de uma república cristã há algumas doutrinas novas que num Estado onde as doutrinas contrárias já estivessem plenamente estabelecidas poderia constituir transgressão do súdito divulgáIas sem permissão na medida em que seria uma usurpação do cargo de professor Mas nesta época em que os homens não aspiram apenas à paz mas também à verdade oferecer essa doutrina que julgo verdadeira e manifestamente tendente para a paz e para a lealdade à consideração daqueles que ainda se encontram em fase de deliberação nada mais é do que oferecer vinho novo para ser colocado em barril novo para que ambos possam ser preservados juntamente E suponho que então quando a novidade não alimentar nenhuma perturbação nem desordem num Estado os homens em geral não estejam tão propensos a reverenciar a antiguidade que prefiram os antigos erros a uma verdade nova e bem provada Não há nada em que confie menos do que na minha elocução e malgrado isso estou seguro excetuadas as fatalidades da impressão de que não é obscura Que eu tenha desprezado I Syn essas doutrinas 590 Revisão e Conclusão o ornamento de citar os antigos poetas oradores e filósofos ao contrário do costume dos últimos tempos tenha eu procedido bem ou mal nisso resulta do meu próprio juízo apoiado em muitas razões Pois em primeiro lugar toda a verdade da dou trina depende ou da razão ou das Escrituras ambas as quais dão crédito a muitos autores mas nunca o recebem de nenhum Em segundo lugar as matérias em questão não são de fato mas de direito em que não há lugar para testemunhas Poucos dentre os autores antigos não se contradizem às vezes a si próprios ou aos outros o que torna insuficientes os seus testemunhos Em quar to lugar as opiniões que são levadas em conta apenas devido ao crédito da antiguidade não são intrinsecamente o juízo da queles que as citam mas palavras que passam como bocejos de boca em boca Quinto é muitas vezes com um desígnio frau dulento que os homens pregam a sua doutrina corrupta com os cravoS do engenho dos outros homens Sexto não acho que os antigos por eles citados considerassem ornamento fazer o mes mo com os autores que escreveram antes deles Sétimo é um argumento indigesto quando as frases gregas e latinas não mas tigadas sobem novamente como costumam fazer inalteradas Finalmente eu reverencio os homens dos tempos antigos que ou escreveram a verdade claramente ou nos puseram no bom caminho para a descobrirmos nós próprios Porém penso que à antiguidade em si nada é devido pois se reverenciamos a época a presente é a mais antiga Se se tratar da antiguidade do escritor não tenho certeza de que aqueles a quem prestam tal honra fossem mais antigos quando escreveram do que eu que agora escrevo Mas se atentarmos bem o louvor dos autores antigos resulta não do respeito dos mortos mas sim da compe tição e da inveja mútua dos vivos Para concluir tanto quanto posso perceber não há nada em todo este discurso nem naquele que escrevi antes sobre o mesmo assunto em latim de contrário à palavra de Deus ou aos bons costumes ou tendente à 1 perturbação da tranqüilidade 395 Syn à 591 T II1 I i I I I Parte 4 Do Reino das Trevas pública Penso portanto que pode ser publicado com vantagem e com mais vantagem ainda ensinado nas universidades no caso de também o pensarem aqueles a quem compete a decisão sobre tais matérias Pois como as universidades são as fontes da doutrina civil e moral com cuja água os pregadores e os fidalgos tirandoa tal como a encontram costumam borrifar o povo tanto do púlpito como no convivio devia certamente haver grande cuidado em conserváIa pura quer em relação ao veneno dos políticos pagãos quer em relação ao encantamento dos espíritos enganadores E por este meio os homens em sua maioria conhecedores dos seus deveres estarão menos sujeitos a servir à ambição de alguns descontentes nos seus desígnios contra o Estado e ficarão menos agravados com as contribuições necessárias para a paz e defesa e os próprios governantes terão menos razão para manter à custa do público um exército maior do que é necessário para defender a liberdade pública contra as invasões e as usurpações dos inimigos externos E assim ponho termo ao meu discurso sobre o governo civil e eclesiástico ocasionado pelas desordens dos tempos presentes sem parcialidade sem servilismo e sem outro desígnio senão colocar diante dos olhos dos homens a mútua relação entre proteção e obediência de que a condição da natureza humana e as leis divinas quer naturais quer positivas exigem um cumprimento inviolável E muito embora na revolução dos Estados não possa haver uma constelação inteiramente propícia ao aparecimento de verdades desta natureza tendo um aspecto desfavorável para os que dissolvem o antigo governo e vendo apenas as costas dos que erigem um novo não posso acreditar que seja condenado nesta época quer pelo juiz público da doutrina quer por alguém que deseje a continuação da paz pública E com esta esperança volto para a minha interrompida especulação sobre os corpos naturais na qual se Deus me der saúde para acabáIa espero que a novidade agrade tanto como desagradou nesta doutrina do corpo artificial Pois a verdade que não se opõe aos interesses ou aos prazeres de ninguém é bem recebida por todos os homens 396 1 PNS 592 1 Índice remissivo de assuntos Certos temas tais como Soberano e República ocorrem praticamente em todas as páginas de Leviatã em tais casos as entradas abaixo referemse somente às passagens em que há algumas discussão maior sobre o assunto Alma significado da nas Escrituras 5145 não naturalmente imortal 519 sS crença no movimento da alma 5623 não é infundida no homem 5645 Amor 523 surge da homa interior 3034 obediência algumas vezes chamada amor 4912 Anarquia não é uma forma de governo 15960 Anjos definidos 335 ss não são incorpóreos 5367 Anticristo 463 ss Apóstolos poder dos 421 ss 442 ss 4623 não eram intérpretes das Escrituras 4324 não podiam fazer leis 43942 I L Aristocracia 1589 16014612 Aritmética veja Número Arrependimento 4919 5001 Arte 112 Assembléia veja Democracia e Presbiterianos Ateísmo IXX Autor e Autoridade 1389 184 5 ato de autorizar na fundação da república 1468 pode desculpar crime 255D Batismo 421 ss o soberano pode batizar 455D encantamentos no batismo 5112 batismo para os mortos 5289 Bem e mal aparentes 578 bom como objeto de atos voluntários 1145 poder da 593 Leviatã retórica para o bem e o mal 1456 o erro dos filósofos em relação ao bem e ao mal 5657 Árvore de Conhecimento do Bem e do Mal 1767 3434 3756 Bíblia veja Escrituras Bispos o mesmo que pastores anciãos e doutores 4445 a jurisdição vem do soberano civil 476 ss 5745 presbíteros das principais cidades apropriavamse do titulo 5789 Bom 489 Cálculo veja Contabilidade Canonízação 54950 5801 apóia o poder do papa 5756 Caridade deveria ser publicamente provida 2923 obediência algumas vezes chamada caridade 4919 Carta distinta da lei 2456 Casamento 5657 5801 permitido aos padres 5756 Cepticismo XVIXVII Cerimônias na Igreja 5502 na Corte 5634 Cidades perigo de sua excessiva grandeza 2812 Ciências XXIII 42ó 58ó0 65ó pequeno poder das 768 ciência de leis de natureza 1357 inadequação da ciência natural 3089 Ciúme 523 Civitas veja também república 112 1468 Colônias 1956 2156 2923 Comerciantes mais bem representados por uma assembléia 1969 Comércio exterior 2134 interno 2145 Competição 545 856 1089 1456 Concilios da Igreja não podiam fazer lei 4412 Confissão 5756 Conhecimento 58 9 4934 Conquista Domínio adquirido por 1734 o perigo de estender conquistas 2812 quando se pode dizer que um homem foi conquistado 5845 título de Reis da Inglaterra por Conquista 5857 Consagração veja Santas Consciência 5960 leis de natureza obrigam em 1357 pode estar errada 2734 Deus reina na 2989 Conselho e Conselheiros 112 645 conselheiros a serem escolhidos pelo soberano 1545 melhor sob um monarca 1601 corpo político pode dar conselho 199200 conselheiros não são pessoas públicas 20910 conselho definído 2167 o conselho não pode ser punído 2179 diferença em relação a comando 21721 definição de bons conselheiros 2201 2967 conselho é melhor se prestado longe da assembléia 594 Índice remissivo de assuntos 22252978 conselhos das Escrituras 4345 4389 470 ss Contabilidade 401 Contrato veja também Pacto Promessa uma transferência mútua de direito 1157 sinais de 1158 Coragem 502 5823 Corpo veja Corporalidade Corporalidade XVXVI 368 945 significado de corpo nas Escrituras 32930 espíritos e anjos corpóreos 33940 535 ss alma não incorpórea 5145 universo corpóreo 55864 Costume lei pelo consentimento do soberano 2267 Costumes 845 5912 o julgamento relativo aos costumes não infalível 4689 Covardia 502 1858 Credo Cristão 601 Crença veja Fé Crime definido 2456 depende do direto civil 2479 os crimes não são todos iguais 2545 pode ser desculpado 2546 tipos de crime 25962 Cristandade XLV ss artigos fundamentais da 420 ss 430 1432446124945 5278 Crueldade XXXIIIXXXV 545 veja também Vingança Cultivo conexão com culto 3034 Culto definido 3034 53840 obrigatório ou livre 3045 público ou privado 3045 finalidade do culto é poder 3045 sinal da intenção de honrar a Deus 3068 deveria ser belo 3089 obediência às leis é o maior culto 3089 distinção entre culto divino e civil 5401 culto a uma imagem 542 ss Curiosidade 523 Dedicatória do Leviatã LXII LXIII LXVLXVII 5ó 5834 Definição veja Nome Deliberação 545 589 Democracia XLIXLV 1589 16014612 governo popular é como monarquia 1501 age como um monarca sobre outros povos 1656 não mais livre do que a monarquia 1834 facção nas assembléias 2013 democracias podem imprudentemente limitar a si mesmas 2734 perigos dos favoritos do povo 2801 Demônio Demoníaco 6970 337 8352350675324 5756 5801 Demonología do Paraíso 532 ss Desconfiança 1089 Desejo 469 857 Deus incompreensível 279 3323 5624 autor da linguagem 2930 espírito de 701332 ss primeira causa 945 a onipotência de Deus é 595 111 IW II IIII 1II1 Leviatã compatível com a líberdade humana 1802 poder Dei Gratia 2056 os mandamentos de Deus são aqueles declarados como tais pelo soberano 2445 atributos da honra divina 3056 como Deus fala aos homens 3146 3334 3589 3634 58990 autor das Escrituras 3278 Palavra de Deus 351 ss a Divindade reside em Deus porém não em Moisés 360 1 dificuldade de obedecer a Deus e ao homem 4889 Diabo 701 33940 3523 3845 Dinheiro o sangue da repúblíca 2145 Direito pressuposto pelo mérito 845 distinção entre lei e direito 2456 Direito civil 1534 Direito de Natureza XXXII XXXVIII definido 1123 distinto da lei 1123 direito a tudo 1123 renúncia ao direito 1134 1323 o direito à vida não pode ser abandonado 1145 1189 pode ser límitado pela leí civil 2278 direito natural anexado ao poder irresistível 3013 Discrição 625 Discurso 589 Dívida contraída pelas assembléias 1934 Dízimos 4502 50910 5801 Domínio Paterno 1701 II1I II1 Materno 1713 família naturalmente como uma monarquia 1745 famílías são corpos regulares privados 199201 país naturaís têm poder de soberano 2435 2878 o soberano possui o domínio paterno de Abraão 394 5 pais responsáveis por ensinar as crianças 4546 4668 Duelo 25960 Eleições veja Voto Eloqüência veja Retórica Embaixadores 2079 Embriaguez 1345 Eqüídade uma leí de natureza 1334 2689 soberano sujeito a 2901 Escândalo 5457 Escolas e Universidades doutrinas absurdas em línguagem inintelígível das 16822329 30578723 1035278956971 uso das universidades 28890 5578 5912 o poder do papa sustentado pelas universidades 290157575801 escolas dos atenienses 5547 escolas dos judeus 5558 Escravidão e Servidão 1735 autoridade escritural de 1757 Escrituras 601 por que foram escritas 712 parte da tripla palavra de Deus 3001 princípio fundamental da política cristã 313 4 596 Índice remissivo de assuntos substituem milagres e profetas 3178 os lívros canõnicos de 319 ss autoridade de 327 ss relação das à lei natural 3289 nenhum intérprete das Escrituras antes de os soberanos civis se tornarem cristãos 4312 tornar lei as Escritura 4345 Antígo Testamento canônico depois do reinado de Esdras 4378 Novo Testamento depois do pacto dos soberanos 437 ss Espectros veja Fadas Espírito veja também Fadas significado de na Bíblía 329 ss 535 ss possessão de espíritos 6970 5345 espíritos de Deus 701 espíritos incorpóreos 945 5356 5589 espíritos vitais e animais 3302 3357 veja também Movimento profetas falam pelo espírito 35960 todos os espíritos no tempo de Moisés subordinados ao seu espírito 3989 espíritos bons e maus 532 ss Espírito Santo 3345 3423 5257 5356 caiu sobre os apóstolos 4123 4434 o possuidor do espírito do santo não pode ser excomungado 4301 Essência 55863 Estado ver também Repúblíca 112 Eternidade 5623 Eucaristia 3734 5112 5445 5612 o soberano pode realizar eucaristia 4556 Exclusão veja também Herdeiro XVXVII Excomunhão 425 ss 4524 4713 Fadas e espectros veja também Espírito 213 945 5067 poder espiritual subordinado ao poder temporal 2789 tradução de espírito por espectro 3345 medo de espectros 5612 crença em espectros andando pela noite 5623 comparação entre o papado e o reino das fadas 579 ss Famílía veja Domínio Paterno e Materno Fé 5961 crença nas Escrituras não é conhecimento 3278 crença interior 3945 4734 56870 nenhuma relação com a compulsão 4169 56870 fé cristã é uma fé em pastores e soberanos 4923 causas da fé cristã 4923 vem do ensino 4934 Felícidade 578 5067 Fidelidade ramo da justiça natural 2312 Filosofia veja também Escolas XXVIXXX 734 1358 definida 5534 não aplicável aos mistérios da relígião 3145 história da filosofia 554 ss equívocos na metafisica e na fisica 55865 equívocos na filosofia moral 565 70 597 Ir III li I Leviatã supressão da verdadeira filosofia 5702 Física 5634 Forma veja Substância Fraudes piedosas 2045 57980 Gentios Religião dos gentios 961015067532 ss Geometria 345 3940 1789 2212 Glória 523 1089 vanglória 523 667 879 a vanglória freqüentemente é a causa de crime 2512 Governo Popular veja Democracia Gratidão 867 12930 Gravidade 5634 Guerra Civil 112 15674823 48895067 na Inglaterra XIXII LXIILXIII 1556 1697038015834 Guerra direito de fazer 1545 Guerra Estado de XXXIII XXXVI 10813 1345 1378 1434 299300 descrito como puro estado de natureza 1713 Herdeiro veja também Exclusão o soberano pode declarar quem será 1658 18990 Heresia XLVIIIXLIX LIILIV 4278475 ss História 601 624 734 história falsa 5702 Honra 7685 títulos de honra 815 leis de honra 1445 a honra dos súditos é menor do que a do soberano 1567 covardia na batalha desonra 185 8 as honras naturaís não podem ser tiradas ao contrário das civis 2667 honrando Deus 3034 3056 sinais de honra 3034 Idolatria 5112 537 ss veja também 2867 Ignorância 8992 Igreja veja também Padres Poder Eclesiástico definição de 391 ss doutores ambiciosos de 3267 o mesmo que república 3289 460 1 não existe igreja universal 328 9 3923 4823 não é o Reino de Deus 507 5724 Anglicana IX X XXV ss 5779 Igualdade dos homens 105 ss todos os homens são iguais perante o soberano 2912 Imaginação 1723468615 531254125834 Imortalidade veja Vida Eterna Imperador veja Soberano Imposição de mãos 4134 444 ss 5445 não é necessário para o rei batizar ou consagrar 456 ss Imprensa 2930 Impressão de Leviatã LVlILIX LXIVLXV Impudência 534 Incorporalidade veja Corporalidade Independentes XLVIII XLIX LIILIII LXIVLXV 1556 20135779 598 Índice remissivo de assuntos Inferno veja também Vida Eterna XLVIIIXLIX 380 ss 521 ss Infiéis tolerância dos 50910 obediência ao soberano infiel 418 948575013 Infinito 279 atributo de Deus 3056 Inspiração veja também Profecia definida 3401 não deve ser reivindicada como regra de ação 2734 Integridade 4912 5112 Interpretação da lei de natureza 2338 da lei civil 237 9 das Escrituras 3957 juiz ninguém é seu próprio 1345 nenhum juiz deve ser parcial 1345 o soberano é a autoridade apelada 2067 as leis não são a razão dos juízes 2301 sentença do juiz é uma confirmação da lei de natureza nos processos relativos à eqüidade 233 4 não obrigado por juízes anteriores 2367 aptidões necessárias a um juiz 23940 salários dos juízes 26971 a propriedade dos individuos não exclui o direito do soberano para os cargos judiciais 2756 más conseqüências do falso julgamento 28890 juizo Final XXXIIXXXIII 624 582 4 transferência de para o soberano 14650 juízo particular sobre o bem e o mal 273 4 juízo Final Dia do 3801 4067 408104995005112 juramentos 12243068 júri juízes de fato e de direito 23940 jurisdição Eclesiástica veja Poder Eclesiástico juristas opiniões tolas dos 22830 justiça 112 justiça e injustiça depende da lei 11011 injustiça como absurdo 1145 justiça não é contrária à razão 1245 2845 justiça de homens e das ações são diferentes 1257 justiça comunicativa e distributiva 129 30 justiça definida antigamente como distribuição 2101 deve ser igualmente administrada 2901 os professores não podem acusar os alunos de injustiça 4301 a justiça justifica 5012 erros dos filósofos a respeito da injustiça 5657 justiça tribunais de na Inglaterra 2067 em Israel 52930 justificação 5012 Latim 57980 Lei XXXVIXXXVII 112 leis civis quais 2256 leis civis laços artificiais 1802 silêncio da lei 1869 leis 599 Leviatã limitam os representantes 1913 leis a respeito da propriedade 210 1 soberano não está sujeito às leis 2267 2745 interpretação da lei depende do soberano 2334 569 70 as leis civis contêm a lei natural 2278 leis não são razão artificial 2301 as leis devem ser conhecidas publicamente 2301 2313 3001 deveria ser exposta num dia como o sábado 2878 leis não escritas são leis de natureza 2312 diferença entre letra e significado da lei 2389 divisões da lei 2403 leis fundamentais 2445 diferença entre lei e direito 2456 diferença entre uma lei e uma carta 2456 ignorãncia da lei não constitui desculpa 24750 nenhuma legislação retrospectiva 24950 relação entre lei e punição 2636 a lei civil mede o bem e o mal 2856 definição de boas leis 2924 o povo não pode fazer leis 469 ss distinção errada entre lei civil e canõnica 50910 não são as leis que governam mas os homens 568 9 as leis não afetam a consciência 5689 os padres não estão imunes à lei civil 574 55801 Lei das Nações o mesmo que lei de natureza 2989 Lei de Moisés 3212 4357 4912 Lei de natureza XXXVIXL definida 1124 distinta de direito 1123 Primeira Lei procurar a paz 1134 Segunda Lei formular os direitos se necessário 1134 Terceira Lei manter pactos 1234 Quarta Lei gratidão 129 30 2689 Quinta Lei complacência 1302 Sexta Lei perdoar 1302 Sétima Lei olhar somente o bem futuro na vingança 1302 2635 Oitava Lei contra a contumélia 1323 Nona Lei contra o orgulho 1323 Décima Lei contra a arrogãncia 1323 Décima Primeira Lei eqüidade 133426892901 Décima Segunda Lei uso eqüitativo de coisas comuns 1334 Décima Terceira Lei uso do sorteio 1334 Décima Quarta Lei da progenitura 1334 Décima Quinta Lei dos mediadores 1334 Décima Sexta Lei submissão ao árbitro 1345 Décima Sétima Lei ninguém é seu próprio juiz 1345 Décima Oitava Lei nenhum juiz é parcial 1345 Décima Nona Lei créditos a serem dados para as testemunhas 1345 leis naturais todas compreensíveis 1345 ciência das leis de natureza 1358 600 Índice remissivo de assuntos leis naturais obrigam in foro interno 1357 eterna 1357 propriamente teoremas salvo quando consíderadas como ordenadas por Deus 1378 2989 3034 contrário às paixões 1434 contém lei civil 2278 leis nãoescritas são leis de natureza 2312 sentença do juiz é uma confirmação da lei natural nos processos da eqüidade 2334 soberano o intérprete da lei natural 2338 distinção entre lei natural e lei positiva 2423 punição do inocente contrária à lei natural 2689 relação da lei natural com as Escrituras 3289 Leviatã 112 14682712 Liberalismo XLXLII Liberdade XXVIIXLII 1123 1468 definido 17880 medo e liberdade compatíveis 17980 liberdade dos súditos 1803 liberdade das repúblicas 1834 liberdade favorecida pelos escritores gregos e romanos 184 5 direitos dos súditos contra os soberanos 1848 diferença entre liberdade e obrigação 2456 liberdade de discutir é perigosa 2812 Ligas dos súditos 2001 Linguagem 2932 formas de 557 Livrearbítrio 723 17980 erros dos filósofos com relação ao arbitrio 5645 Loucura 624 6673 3302 34135378 Luxúria 523 Mágica nãosobrenatural 3704 consagração confundida com conjuração 5101 Magnanimidade 389 502 801 Mal veja Bem Mandamentos Dez 2323 34950 4345 semelhança com principios da obediência 28690 Manuscrito de Leviatã LXI LXVII Mártires 419 ss 4423 5023 Medo 523924 1101 1223 compatível com a liberdade 179 80 a paixão que menos inclina os homens a violar as leis 2524 Memória 1820 267 589 Mérito 1178 Messias veja Salvador Metafísica 5589 Milagres definidos 366 ss não podem ser incompatíveis com a submissão 3167 sem doutrina argumento insuficiente de revelação 3167 cessaram 3178 cuidado contra a impostura de milagres 3745 Milícia veja Soldados Ministros 204 ss da Igreja 447 ss Monarquia definida 1589 o monarca não recebe o poder por pacto 1501 monarca comparado com assembléias I 601 1I11 111I Leviatã II 11I soberanas 1645 reis eletivos não são soberanos 1645 a monarquia pode renunciar à soberania 18990 7llO5 veja 2834 os reis algumas vezes negam a si mesmos o poder necessário 2723 regicidio encorajado pelo estudo dos gregos e romanos 2768 direitos dos reis de Israel 400 ss Belarmino sobre a monarquia 4612 Monopólio 19892801 Movimento 1723 Movimentos animais 468 Movimento Vital 45 6 veja também Espirito Multidão feita uma pessoa pelo representante 1401 1469 deve ser dirigida por um julgamento 1445 Nações Lei das veja Lei das Nações Natureza Direito de veja Direito de Natureza Natureza estado de veja Guerra Estado de Natureza Lei de veja Lei de Natureza Necessidade compatível com a liberdade 17980 Nomes e palavras 319 402 definição 345 412 tem significação por concordância 30910 significado dos termos nas Escrituras 32930 Palavra de Deus ou Homem 3512 significação dos nomes 55962 Número 324 3940 Obediência veja Proteção Oblações 3068 Obrigação 1134 1234 1289 1357 todas as obrigações sobre o homem surgem de seus próprios atos 1845 distinção entre obrigação e liberdade 2456 conexão entre obrigação e proteção 188928125845 Oligarquia não é uma forma de governo 15960 Opinião 5960 Oratória veja Retórica Ordenação veja Imposição de mãos Pacto veja Convenção Pacto de Deus com Abraão 244 344 ss 393 ss Pactos e convenções veja também Contrato 112 definido 1157 pactos de voto de confiança mútua 1189 pactos com Deus diretamente impossível 11920 pactos aceitos por medo são obrigatórios 11920 16970 pactos de não se defender são inválidos 1202 2623 os pactos são obrigatórios quando uma das partes o cumpriu 1257 sem a espada são apenas palavras 1434 pacto para gerar uma república 1468 Padres da Igreja 5702 Paixões 11 245586573 1101 14345823 levam ao 602 L Índice remissivo de assuntos crime 2512 pode atenuar a ofensa 2579 Palavra de Deus veja Escrituras Palavras veja Nomes Papa 1036 2723 o poder do papa apoiado pelas Universidades 2901 5757 5801 poder do papa 415 ss eleição do papa 447 8 o soberano pode confiar a autoridade de ordenar pastores ao papa 4545 4601 o poder do papa é apenas o de professor 454 5 4612 não são bispos do Império Romano 4634 seu julgamento não é infalível 465 ss não pode fazer leis 469 ss não exerce jurisdição sobre os bispos 475 ss nenhum poder temporal indireto 479 ss pretende ser vigáriogeral de Cristo 5079 leis canônicas como atos do papa 50910 tolera nãocristãos 50910 o poder papal não a justifica por duas espadas 5178 título de Pontifex Maximus 54950 finalidade de proibir o casamento dos padres 5678 primeiro a ensinar que a Igreja é o Reino de Deus 5734 doutrinas que mantêm o papa na posse da soberania espiritual 574 ss dissolução do poder papal 5769 Paraiso veja também Vida Eterna Reino dos Céus na Terra 3789 Parlamento inglês XXXVXXXVI XLIIIXLIV 1868 22830 Pastor veja também Padre e Presbiterianos chefe soberano 3934 funcionários pastores na Igreja antiga 444 ss nomeado pelo soberano civil 4524 não o clero 50710 Pecado veja também Salvador definido 2456 depende da lei 2479 2734 2789 não causa de aflição 3013 remissão de pecados 4234 48991 5756 não é pecado rejeitar Cristo 43942 escândalo um pecado 5457 Pensamento desgovernado 245 regulado 256 Perdão 1302 Pessoa veja também Representante 756 pessoa artificial 13742 como ator 1389 multidão unida em uma pessoa 1468 1567 quem é portador de uma pessoa do povo também é portador de sua pessoa natural 1601 uma pessoa única deveria exibir um culto único 308 9 pessoas de Deus 4145 Piedade 534 Poder 656 7581 856 poder irresistivel 3013 finalidade do culto 3045 como o poder pode estar subordinado 4812 603 I1I Leviatã I1I Poder eclesiástico veja também Igreja 471 ss sem jurisdição eclesiástica independente 4757 Poema 624 Precedente 8990 Pregar 4213 qualquer um pode pregar 56970 Presbiterianos Assembléias de Pastores XLVIIXLVIII LII LIII LXNLXV 15565079 51675812 manteve os erros do papado 5734 Presbiterianos na Inglaterra 5779 Profecia 6970 99100 1023 não deve ser reivindicada como uma regra de ação contra a lei 2734 palavra profética de Deus 3001 sinais de um profeta 3158 a profecia cessou 3178 o significado de profeta nas Escrituras 3545 como Deus falou aos profetas 357 ss profetas supremos e subordinados 35960 os profetas devem ser examinados pelos súditos 3645 profetas não são funcionários da Igreja 4445 Professores ensino 2056 583 4 falsos mestres deturpam as leis de natureza 2501 nenhuma dificuldade em ensinar princípios de soberania absoluta 2856 o que se deve ensinar ao povo 285 ss apóstolos como III professores 4213 os professores não podem acusar os alunos de injustiça 4301 os pais não podem ser obrigados a contratar professores 4556 ensino causa da fé 4934 Promessa veja também Contrato 115 ss 5857 Propriedade 1101 1245 1389 sob poder do soberano 1534 2756 27980 distribuição da propriedade 2101 Proteção o fim da obediência 1889281258355912 Províncias 2045 leis provinciais não são feitas pelo costume mas pelo soberano 2278 Prudência 269 426 646 106 7 semelhante a prudência 76 8 Punição veja também Recompensa definindo 262 3 os nervos da república 112 súditos são autores de sua própria punição 14950 o soberano possui o poder da punição 1545 execução de punição 2079 leis penais 2423 punições declaradas antes do ato uma desculpa para uma maior punição mais tarde 24950 direito do soberano de punir não uma dádiva dos súditos 2623 a vingança não é uma punição 2635 a punição deve respeitar um bem futuro 604 Índice remissivo de assuntos 2635 males naturais não são punições humanas 2635 30910 mal em excesso do que é legalmente determinado não é punição 2635 não é punição o que se inflige aos traidores por direito de guerra 2656 punição corporal 2667 punição capital 2667 multas 2667 ignominia 2667 prisão 2678 exílio 2678 punição do inocente contrária à lei natural 268 9 correta aplicação da punição 2936 a preservação da sociedade civil depende das punições 3745 funcionários encarregados da punição na república dos judeus 5878 Purgatório 498500 515 ss 523 ss 5702 5756 Quantidade 5645 Razão 3546 656 falsos raciocínios levam os homens a violar as leis 2501 a palavra racional de Deus 3001 não é possivel renunciar à razão natural 3134 o cativeiro da razão 3145 a palavra de Deus algumas vezes são os ditames da razão 3545 razão contrária à eloqüência 5824 Realistas XXII XLIIIXLV XLIXLIII 1556 Rebelião XLIVXLV 1278 2689 incentivada pela 1 imitação das nações vizinhas 275 6 e pela imitação dos gregos e romanos 2756 punições naturais para rebelião 30910 Recompensa veja também Punição os nervos da república 112 o soberano possui o poder de recompensar 1545 recompensa ou dádiva ou contrato 2689 beneficios concedidos por medo não são recompensas 26971 salários 26971 a correta aplicação da recompensa 2967 Redentor veja Salvador Reforma destrói a república se empreendida por meio da desobediência 2867 Regência 2045 Reino de Cristo veja Reino de Deus Reino de Deus Reino de Cristo 380 1 38991 407 ss 4856 516 ss Reino eleito de Deus 1012395 ss 5878 Profético 3001 por pacto 3167 por acordo 352 ss conseguido pela violência 1245 erros a respeito 507 restaurado por Cristo 3467 Reino Natural de Deus punição em 2635 30910 reino metafórico sobre súditos não humanos 299300 direito natural derivado de seu poder irresistivel 3001 605 Leviatã Relativismo XVIXVII Religião XLIVLII 523 91106 1223 não deve ser tratada pela filosofia 3145 Religião mulçumana 41920 Renascença XIIXVI Representante veja também Pessoa XLIIXLIII 13742 representantes subordinados perigosos 15960 o poder do representante limitado em 1903 o representante não pode ser punido 2656 representação de Deus 412 5 República veja também Civitas Soberano Estado geração da 146 8 dissolução 271 ss por Instituição 14859 1845 por Aquisição 1489 16979 1845 República veja Democracia Reputação 758 Ressurreição dos Eleitos 378 ss 514 ss o Reino de Cristo não começou na sua Ressurreição 5167 Retórica XLIVXLVII 424 62487 95901 eloqüência é poder 768 o poder de apresentar o bem como o mal 1456 oradores são favoritos das assembléias do soberano 1613 uso em conselho 21720 é perigosa nas assembléias 2224 contrário à razão 5824 Revelação veja também Escrituras crença na 2434 milagres não são um argumento suficiente de 3167 Riqueza 112756 Riso 534 Sábado dia necessário para expor leis 2878 dia santo 34950 Sacerdotes veja também Igreja e Pastor de Israel 3456 359 613978 ss 44950 45860 515 6 dado o nome de Padres 5745 Sacramento definido 3501 conjuração em 5124 qualquer um pode administrar sacramentos 56970 Salvação veja Salvador Salvador Cristo como 3534 375 ss 405 ss Cristo como Messias 3167 3656 4634 Cristo como Redentor 38991382 ss 394 ss 4701 a divindade reside em Cristo 3601 o que é salvação 385 ss Cristo assemelhase a Moisés 409 ss remissão de pecado 4234 489915756 o que é necessário para a salvação 489 91 494 ss Santas que coisas são sagradas ou 34750 erro por confundir consagração por conjuração 5101 modo de consagração nas Escrituras 5189 Santos veja Canonização Sedição 11 2203427344889 Sentidos XXV XXVIII 157 4950 5312 5402 5645 Servo veja Escravidão 606 Índice remissivo de assuntos Silogismo 368 3940 424 589 Sinais 267 301 de honra 304 ss Sistemas de pessoas definidos 1901 sistemas regulares 190201 sistemas irregulares 2004 Soberano veja também República Pessoa e Domínio XLXLV 11 2 definido 1489 díreitos de 170 12834 ss não faz nenhum pacto com o súdito 14950 não pode ferir os indivíduos 1513 julga os meíos de defesa e de opinião 151 34524 poder de prescrever as regras de propriedade 15342101 direito de fazer guerra 1545 poder de escolher minístros 1545 a soberanía não pode ser dividida 1556 2756 27980 o soberano pode declarar seu herdeiro 1669 18990 direito dos súditos contra os soberanos 1848 a obrigação dos súditos depende da proteção 1889 281258355912 as obrigações dos súditos cessam se o monarca renuncia à soberania 189 90 mas veja 2834 o soberano pode agir contra as leis de natureza e as leis civís 2339 a aprovação tácita atenua as ofensas 2579 direito de punir 2623 soberano temporal superior à autoridade espiritual 2789 o soberano determina quais livros são canônicos 31920 profeta de Deus 3656 juiz de milagres 3745 Chefe dos Pastores 3934 designa os pastores 399 ss Chefe da Igreja 45860 pode punir quem pretextar o espírito particular contra as leis 3945 interpreta a palavra de Deus 3957 soberania em Israel depois de Moisés residia no Sumo Sacerdócio 399400 os soberanos não podem ser excomungados 428 30 obrigam a si mesmos pelo batismo a ensinar a doutrina cristã 4668 não pode obrigar os homens a ter fé 4734 pode ordenar o ensino das falsas conseqüências extraídas do artigo fundamental da cristandade 5012 cúmplices da transgressão dos eclesiásticos 576 7 Sociabilidade 1302 natural para certas criaturas vívas 1456 Soldados podem fugir se surpreendidos por um inimigo 174 5 podem se recusar a lutar 1858 autoridade sobre a milícia 2056 generais populares são perigosos para a república 2978 Sonhos veja também Visões 20 3 245 945 5489 não pode justificar a violação da lei 2545 Deus fala aos homens em sonhos 3156 3334 3389 3589 3634 representação de corpos em sonhos 3302 607 II Leviatã Substância veja também Corporalidade 368 945 330 ss 5589 formas substanciais 55961 Sucessão direito de veja Herdeiro Taxação 2056 2134 2156 279 80 deveria ser imposta igualmente 2913 Temor nasce da honra interior 3034 Terra uso da 20910 proprietário de 21113 Tirania não é uma forma de governo 15960 tiranicidio 2768 tirania era odiada pelos filósofos gregos 5679 tolerância de ódio à tirania é uma tolerância de ódio à república 5878 Tolerância estendida aos nãocristãos nos dominios do papa 50910 tolerância das doutrinas cristãs 57980 tolerância do ódio da tirania 5878 Trabalho fonte de abundância 209 10 bem trocado por beneficio 210 1 deve ser incentivado pelo soberano 2923 Tradução XIIXIII Traição e usurpação 1257 laesa majestas 2601 mal infligido pelo usurpador não é punição 2635 traição é punida pelo direito de guerra 2656 Trindade XLVIIIXLIX 4135 5257 Tristeza 523 Universais 314 Universidades veja Escolas Usurpação veja Traição Vanglória veja Glória Verdade 345 Vergonha 534 Vida Eterna 375 sS 3856 512 sS possibilidade de morte eterna 3824 514 ss 5212 alma não é imortal 379 ss Vingança 523 1302 5823 não é punição 2635 Virtude 61731358 Deus predispõe os homens a 3601 Visão veja Sentidos percepção Visões veja também Sonhos 701 3589 3634 5489 não podem justificar a violação da lei 2545 Deus fala nas visões 3589 3634 Deus falou a Moisés na visão 58990 Vontade 545 vontade da república 30910 erros dos filósofos a respeito da vontade 5645 Voto 1402 1489 1935 eleição de funcionários da Igreja 44550 Zelotes direito dos Jus Zelotarum5889 608 2 Índice de nomes próprios Este indice não inclui os nomes que constam na Leitura adicional Aarão LXXIX LXXXVIII C 701043553733969405 435450457519544575 Abdias LXXIX 324 Abiatar LXXIX CVI 360 402479 Abimelec LXXIX 355 358 Abirom LXXXVIII 381 398 Abner 5245 Abraão LXXX 70 97 244 321 338 3445 355 358 3946468492521534 Acan LXXX 363 Adão LXXX 30 177 303 344 3583768386390423 490 513 520 5224 Adriano IV Papa Nicholas Breakspear LXXX 577 Agag Rei de Amalek LXXX 403 Agar LXXX 3378 358 Ageu 324 Agostinho Santo LXXX LXXXI 525 AgurLXXXI324 Ahab Rei LXXX 364 Alexandre o Grande Ri da Macedônia LXXXI 61 235 321326 Amasias LXXXI 324 Ambrósio Santo LXXXI CIX 489 Amiano Marcelino LXXX 447 451 Amós LXXXI 324 Ananias LXXXI 451 Andrômeda LXXXII 69 ApoIo LXXXII 81 98 Aristides LXXXII 183 Aristóteles XXI LXXXI LXXXII 104 132 145 184 22650655555795612 564 5669 Atália 489 516 AustinJohn XLI Azarias Rei Ozias daJudéia LXXXIII 609 11 I111 Leviatã j I Baal deus LXXXIII Baco 99 Bacon Francis XVIIXX XXV XXXI LXX Balaão LXXXIII 365 Barnabé LXXXIII 352 4436 476550 Becket Thomas LXXXIII 272 Beda Venerável Beda LXXXIII 571 Belarmino Roberto Cardeal XLVIII LXXXIIILXXXIV 4164619516518524 Belzebu LXXXIV 71 505 580 Bernardo São 571 Beza Theodore LXXXIV 516 7 531 Bolena Ana XC BramhallJohn XXVIII Brown Keith LXIII Brutus MarcosJúnio LXXXIV 21 Burgess Glenn XII Cadmo filho de Agenor Rei da Fenicia LXXXIV 29 Caifás LXXXV 355 Caim 358 Calígula LXXXV 552 Caracala LXXXV 552 Carlos Magno LXXXV C 481 Carnéades XXXIX Caronte LXXXV 97 Catão Marcos Pórcio o Velho LXXXVLXXXVI Catilina Lucius Sergius Catilina LXXXVI 89 Cavendish William Conde de Newcastle XIV LXX LVIII Cavendish William Primeiro Conde de Devonshire XIV LXX Cérbero LXXXVI 97 César Augusto XVIII LXXXII LXXXVI 21 550 CésarJúlio LXXXII LXXXIV LXXXVI 21 61 89 250 273 281 4089 486 Chilperico Chilperic III LXXXVI 481 Cícero Marco Túlio XV XLI LXXXVI 42 184211226 26856970572 Cipião Mricano Publius Cornelius LXXXVII Cipriano São Thascius Caecilius Cyprianus LXXXVII Clarendon Edward Hyde Primeiro Conde de XII LLIII LVIII LXILXIV Clemente Bispo de Roma LXVIII 442 Clifton Sir Gervase LXX Cluverius Cluvier Philip LXXXVII Coke Sir Edward LXXXVIl LXXXVIII 125230237 Constantino Flavius Constantinus LXXXVIII 83437451464550 Coré LXXXVIII 381 398 Cosbi 588 Crispo LXXXVIII Crooke Andrew LVLVlX LXIIILXV Cupido 98 549 610 Índice de nomes próprios Dâmaso Papa LXXXVIII C 447 Daniel LXXXIX 324 33940 465 Dathan LXXXVIII 381 Davi Rei XLV LXXIX LXXXIX CVlI CVI 176 182 302 3224 327 357 36036337940240349 5245 Demétrio 203 Descartes René XXII XXV XXVIII Digby Sir Kenelm LXXI Diocleciano Caius Aurelius Valerius Dioclesianus LXXXIX 486 Diótrefes 429 Dives 521 Domiciano Titrus Flavius Domitianus LXXXIX Efraim LXXXIX CI 449 Egéria LXXXIX 100 Eleazar LXXXIX 211 378 400403 Elias LXXXIX 353 355 358 379518 Elisa XC XCVII CIII 358 419 Enoque XC 379 520 Éolo XC 98 Esaú XCV 389 Esdras Ezra XC 323 325 404437 Ester Rainha XC 323 Estevão Santo XC 448 589 Eva XC 358 Ezequias XCI 4034 547 Ezequiel XCI 324 358 Filipe Apóstolo XCI 4489 458497520 Fílon XCI 327 Finéias 588 Frederico I Barbaruiva LXXX XCI 577 Gabriel anjo XCI 33940 347 Gideão XCI 333 358 Godolphin Sidney LVIII LXVI XCIXCII 583 Graco Caio XCII 273 Graco Tibério XCII 273 Gregório I papa XCIIXCIII 489 Gregório 11 papa XCIIXCIII 489 Grócio Hugo XIV XXXlI XXXIV XLII Guilherme 11 Rufus XCIII 273 Guilherme o Conquistador XCIII 212 272 586 Habacuc XCIII 324 Hageu LXXX 323 Haggai LXXX Hammond Henry X LI Hasabias XCIII 402 Henrietta Maria Rainha LIILIII Henrique 11 Rei da Inglaterra LXXXIII XCIIIXCIV 272 Henrique 111 Rei da França XCIV 481 Henrique IV Rei da França LII XCIV Henrique VIII Rei da Inglaterra XCIV 290 581 611 Leviatã Hércules XCIV 99 295 Hesíodo XCIV Hilkías XCIII 322 Hipérbolo XCIVXCV 183 Holda XCV Hollar Wenceslas LXIII Homero XIII XCV 81 100 184 Inocêncio 11 papa XCV XCVIII 479 481 508 512 Isaac XCV 338 358 396 406 492521 Isabel Rainha da Inglaterra XLIV XC 578 581 Isaías XCV 324 355 358 382 387 4034 Jacó LXXXIX XCVXCVI C 33835845492521548 Jaime I rei da Inglaterra LXXXIV LXXXVII XCVI J airo 458 Jaque XCVI JeftéXCVI182333 J eoiada 489 Jeremias XCVI 324 355 3645 JeroboãoXCVI316 Jerônimo São XCVIXCVII 31920 323 Jesus Cristo XLIX XCVII 25 702 97 140 1757317325 3273353393473543601 3656 36971 3758 379 387 9 4624 4668 471 4723 4757 4902 494501 512 5167 52831 5368 5445 5746 Jetro XCVII 362 J eú XCVII 403 Jezebel Rainha LXXX XCVII JóXCVIII 271 3023234 37980 520 JoanaXCVlI451 João Batista XCVIII 339 411 417462495534 João o Apóstolo XCVII 3534 355 358 365 377 411 4145 4294414445 4489 458 464 495 5178 520 534 João Rei da Inglaterra XCVIII 273 481 Joás Rei deJudá XCVIII 489 Joel XCVIII 324 389 Johnston Davi XLV Jonas XCVIII 324 Jônatas amigo de Davi 363 524 Jônatas filho de Gérson XCVIII 322 J osafá XCVIII 403 José filho de Jacó XCVlII XCIX CI 212 333 3524 449457 José marido de Maria XCIX 358363 José o Justo 443 Josefo Flávio XCIX 320 327 Josias Rei deJudá XCIX 322 3545 383 4367 Josué XCIX 104 211 322 334 3623 399400 403 413 457 Judas Iscariotes XCIX 363 415 450 5356 Juliano Imperador XCIX 486 Júlio César veja CésarJúlio Júpiter C 81 125544549 Juvêncio C 447 612 Índice de nomes próprios Labão C 548 Lamuel Rei C 324 Lázaro CI 521 527 Leão m papa C 479 489 Levi C 212 449 LipsiusJustus XVIXVII Littleton Sir Thomas LXXXVIII 125 Lívio Tito CIX 61 321 LockeJohn XXXII Ló C 338 358 Lucas São C 325 445 496 518536556 Macartney Lord LXII Macpherson C B LVII LXI Malaquias C Malcom Noel XVIIXVIII XXXV LXVIILXVIII LXIX Manassés CI 449 457 Maomé CI 100 Maquiavel Nicolau XV XLVII Marcelino Amiano veja Amiano Marcelino Marcos São CI 445 464 5178 Maria Madalena CI 451 Maria Mãe de Jesus CI 363 549 Mário Caio CI CVlI 250 273 Marta CIII 497 Mateus São CII 351 445 535 Matias CII 363 443 4445 476 Medéia CII 286 Mercúrio CII 81 98 550 Mersenne Marin XXII Miguel anjo CII 339 Miquéias CII 316 324 334 3645 Miriam CI 356 Moisés XLIX LXXXIX XCVII LXXXVIII CI CIICIII 70 97 104 140 175 6 232 244 285 3167 3202 324 327 334 3389 3446 348 352 355 35861 3623 365 36971 3734 377 379 3843893964004013407 409144234346439450 4574704774912507516 518519530538544547 5575755879 Molesworth Sir William LVII LXI Moloc cm Montaigne Michel de XVI XVIII Mordoqueu CI Naaman CIII 419 503 Natan CIII 323 Naum cm 324 Neemias cm 323 Nero Imperador CIII 486 Netuno CIV Nirnrod CIV Nobbs Davi XLVIII Noé 358 382 389 514 Nostradamus Michel CIV 99 Numa Pompilio CIV Oakeshott Michael LVII LXI Oberon CIV 580 Oséias CIV 324 Osmonde Marquês de L Oza CIV Ozias Rei veja Azarias Pã CIV 97 613 I Leviatã I I Paulo São CIV 176203317 325340345352356358 361363376385388400 41241741842234254312 438 4435 4468 451 456 4589 473 4756 487 496 4984995035175235279 5345378550556565 567 Payne Robert IX Pedro São CIVCV 335 342 358 363 37880 38990 415 41820 424 428 4423 448 9 45145846134667469 4789 483 498 500 503 51785289 531 573 580 Pélias Rei de loco CV 286 Pélias François XXXV Perseu LXXXII 69 Pilatos Pôncio 486 Platão CV 226 3101 5556 PocockJ G A L Pompeu CV 273 Priapo CV PróculoJulius CV Prometeu CV 93 Ptolomeu 11 Filadelfo Rei do Egito CVVI 320 437 Remo CVI Reynolds Noel XVIII Roboão CVI 403 Rômulo CVI 550 Rousseau J eanJ acques XLIII Saduceus 71 Salomão CVI 176232319 32435960402479516 51921 Samuel LXXX CVICVlI 104 175 276 3223 3467 3557 358378401403431479 589 Sansão CVI 333 Satã 5056 Saturnino Lúcio CVlI 273 Saturno CVlI 125 Saul Rei CVlI 176 333 347 3567360 365 392 400 403 408 410 48950G 5245 Saulo de Tarso veja São Paulo SeldenJohn XXXII 84 Sheldon Gilbert IX Silvestre I papa CVlII 464 Sisaque Rei do Egito 437 Scanderberg CVlII Skinner Q R D XLV LVIII LXIX Sócrates CV CVlII 562 Sofonias CVIII Sólon CVlII 273 Strauss Leo XXIIIXXIV Suarez Francisco de CVlII 73 Sula Lúcio Cornélio CIX 250 273 Susana451 Tácito Caio Cornélio XVXX Tarqüínio CIX 295 Teodósio I CIX 489 Tiago filho de Zebedeu CIX 518 Timóteo 428 444 4589 473 Tito 428 Tomás de Aquino CX Tomás apóstolo CX 445 614 Índice de nomes próprios Tricaud François LlII Tucidides XII XXXXI Tully J ames XXXII Urias o hitita XLV LXXXIX 182 Ursicino CX 447 Valente CX 486 Varrão Marcos Terêncio CX 570 Vênus CX 98 549 Virgilio Públio Virgilio Maro CX 100 184 Waller A R LVII LXI Warrender Howard XXXVI XXXVII Whewell William LVI White Thomas XXVIXXVII LU Zacarias LXXX CX 105 324 489 499 5289 Zadoc CVI 360 479 Zaqueu CXI 426 Zedecias CVlI 334 Zenão de Cício CXI 555 Zimri 588 615 Oii Obrigada por me escolher Tentei dar o meu melhor e espero que meu trabalho possa te ajudar Tenha uma ótima semana Fichamento Capítulo XIII Da condição Natural da Humanidade relativamente à sua felicidade e Miséria Os homens são iguais em corpo e espírito pode haver homens mais fortes e na força corporal o mais forte domina sobre o mais fraco A igualdade espiritual é entretanto uma ideia da vaidade pois todos acreditam possuir um grau maior que o outro Como dito pelo autor o que talvez possa tornar inacreditável essa igualdade é simplesmente a presunção da vaidade da própria sabedoria a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo quer dizer em maior grau do que todos menos eles próprios A natureza do homem é se sentir superior aos outros se sentirem sábios e individualistas ao ponto de que duas pessoas quiserem algo e não poderem dividir eles se tornarão inimigos Quanto a natureza do homem foi encontrada três causas que levam a discórdia 1 Competição visa o lucro e usam da violência para se sentirem melhores sobre os outros homens e animais 2 Desconfiança busca segurança e usam da violência para defenderem a si e aos próximos 3 Glória busca reputação e usam de ferramentas como sorrisos ou olhares Hobbes acredita que o homem precisa de lei para poder conviver em sociedade e sem ela ele estaria vivendo em guerra As noções de certo e errado não existem na guerra nem como justiça e injustiça Na guerra a força e fraude são virtudes cardeais A justiça e injustiça não se envolvem com corpo e espírito pois se assim fosse o homem poderia viver sozinho no mundo sem depender de uma sociedade As únicas coisas que fazem o homem tender a paz é o medo da morte e o desejo das coisas que necessita para ter uma vida confortável Capítulo XIV Da primeira e segunda Leis Naturais e dos contratos O direito da natureza a qual os autores se referem é a liberdade do homem de usar o próprio poder para preservar sua própria natureza sua vida Liberdade é a ausência dos impedimentos externos aquilo que para alguém de fazer algo A primeira regra é Todo homem deve se esforçar pela paz na medida em que tenha esperança de a conseguir e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra A segunda regra é Que um homem concorde quando outros também o façam e na medida em que tal considere necessário para paz e para defesa de si mesmo em resignar ao seu direito a todas as coisas contentandose em relação aos outros homens com a mesma liberdade que aos outros homens permitem a si mesmo Resignar o direito a algo é o mesmo que privarse de liberdade O contrato O cumprimento do contrato chamase observância de fé e o não cumprimento é a violação de fé Os sinais do contrato podem ser expressos ou por interferência Os expressos são palavras no presente ou passado que vem com o sentido de promessa Os de interferência são as consequências das palavras é o silêncio seguido de ações ou até a falta das ações Palavras sozinhas são sinais insuficientes para serem entendidos no contrato O direito de algo no contrato não é transmitido somente pelas palavras que estão no passado como usado no texto Dei dou Mas também quando as palavras estão no futuro Darei Pois aquele que promete algo já demonstra intenção na promessa cumprindo sua parte e recebendo mérito Existem dois tipos de méritos 1 Eu mereço em virtude de meu próprio poder Independência 2 Eu mereço pela necessidade do contratante Benevolência do contratante Quando existe um pacto em que ninguém cumpre sua parte imediatamente a menor suspeita razoável torna o pacto nulo É impossível fazer pactos com animais pois eles não entendem nossa linguagem É impossível fazer pacto com Deus Homens fica liberados de seus pactos de duas maneiras 1 Os cumprindo 2 Sendo perdoados Capítulo XVII Das pessoas autores e coisas personificadas Existe uma diferença entre pessoa real e artificial 1 Real pessoa considerada como sí própria 2 Artificial Representa palavras e ações do outro Pertencem ao outro o ator A natureza dos pactos entre os homens na capacidade natural é válida para os que também são feitos pelos atores O ator pode fazer qualquer coisa contra a lei da natureza se no pacto estiver obrigado a obedecerlhe Aquele que faz um pacto com um ator sem saber sua autoridade está simplesmente confiando em sua palavra e não ação sendo assim nenhuma medida é comprovada Tudo pode ser personificado na ficção desde locais até pessoas Uma multidão de homens ser torna uma pessoa só quando é comandada por uma pessoa só seja homem ou mulher Esta multidão deixa de ser uma unidade e ser torna plural Se número da multidão for par as vozes contrárias são iguais o número de votos para condenar ou absolver tende a ser igual Se o número for ímpar existe o poder de anulação dos votos pois pode haver divergência de opiniões e interesses Há duas espécies de autores 1 Defini aquele que o pertence a ação um do outro 2 Pertence a uma ação e é condicionado São chamados de fiadores especialmente para dívidas A linguagem do livro pode ser um tanto complicada então é necessário reler várias vezes para que seja entendido O conteúdo é bem interessante mas precisa ser lido com calma Achei legal como o autor pôs as definições e as explicações no texto de forma simples e entendível Além disso os tópicos são diferenciados mas se complementam de capítulo em capítulo dando um sentido total aos conceitos de sociedade e pessoas na visão social As leis da natureza humana que Thomas Hobbes tratou são de sua visão de acordo com sua época e vida e com certeza valem como fatos e ideias para a história da humanidade