·

Filosofia ·

Filosofia

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

1 TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA POLÍTICA 2 TÓPICOS ESPECIAIS DE FILOSOFIA POLÍTICA DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES Segunda a Sexta das 0900 as 1800 ATENDIMENTO AO ALUNO editorafamartfamartedubr 3 Sumário Os primórdios 4 Platão lei e degeneração da lei 5 Aristóteles interesse comum x interesse privado 9 Políbio regime misto 10 Novos poderes 12 Direito natural moderno 13 Grotius 13 Hobbes 14 Espinosa Pufendorf 16 Rousseau 17 Revolução Francesa 19 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 21 Crítica e evolução histórica dos direitos humanos 25 A liberdade moderna em Benjamin Constant 27 Karl Marx e os direitos sociais 29 Rumo ao breve século XX 31 Breve introdução histórica 35 Hannah Arendt 36 Michel Foucault 38 REFERÊNCIA 40 4 Os primórdios A figura de Sócrates 469 ac399 ac é emblemática para a história da filosofia e sobretudo para o que costumamos chamar de filosofia política Com ele a Filosofia começará a refletir sobre o que podemos chamar de poder do poder ou seja sobre o poder da verdade que é verdadeira e da verdade que é aparência que é apenas verossímil que parece verdadeira mas não é que por extensão parece justa mas é injusta O poder político entra em questão pois é a política que estabelece como e quem tem o poder de tomar decisões sejam justas ou não As reflexões acerca do poder e da justiça no entanto vinham de muito antes Desde os seus primórdios no pensamento dos primeiros filósofos gregos a filosofia refletiu de algumas maneira sobre o poder do conhecimento e da razão sobre a relação entre o poder e a justiça Anaximandro 610 aC547 aC2 por exemplo afirmou que o princípio de todos os seres é o ilimitado ápeiron em grego pois é dele que vêm os seres e para onde se corrompem segundo a justiça e a ordenação do tempo Assim os seres se geram e se corrompem segundo uma justiça contrária ao caos à bagunça e à injustiça motivo pelo qual os deuses são justos ou seja a justiça é o padrão de relação dos deuses entre si a justiça e o tempo se impõem aos deuses como meio para evitar o caos a justiça e o tempo são poderes impostos aos deuses Há assim deuses com estes poderes específicos Zeus ou Júpiter representando a justiça e Cronos ou Saturno como o senhor do tempo Parmênides 530 aC460 aC por sua vez afirmava que o ser é o nãoser não é ou seja o ser tem o poder para ser e o nãoser não tem o poder para ser e por isso não é Desde o nascimento da filosofia já estavam presentes reflexões acerca do poder e da justiça Será no entanto em Atenas em meio à efervescência política da formação histórica da democracia que o problema político e as reflexões acerca da natureza do poder se colocaram de forma mais premente À medida que a reflexão sobre o poder adquire um sentido mais propriamente político o poder na Polis entra em questão O meio pelo qual o pensamento sobre o poder e a política se estruturava na Grecia Antiga e na origem da Filosofia estava vinculado à reflexão sobre as 5 formasde governo Quem na antiguidade quisesse compreender o funcionamento e o princípio regulador da vida política perguntava qual era a forma de governo vigente na Polis Assim a tipologia das formasdegoverno caracterizou as primeiras reflexões da filosofia política e do poder político A primeira exposição sistemática acerca das formas de governo foi apresentada pelo historiador Heródoto 485 aC420 aC Em sua obra História livro VIII 7981 ele narra a conversa entre três persas Otanes Megabises e Dario que após a queda do tirano Cambises discutiam a fim de decidir a melhor maneira de reorganizar a Pérsia após a tirania Cada um dos três defende uma forma de governo diferente e critica outra apresenta argumentos favoráveis a uma ou outra Otanes afirma que a monarquia devido à riqueza e inveja do monarca degenera sempre em tirania e pelo mesmo motivo a disputa entre os que postulam a riqueza e o poder político então o melhor é entregar o poder ao povo e constituir uma democracia Megabises o segundo a falar concorda com a crítica da monarquia mas tem ressalvas quanto à democracia pois a massa é inepta e desatinada trocar a prepotência de um tirano pela prepotência da turba implica no mesmo resultado Defende então a aristocracia o poder entregue àqueles escolhidos como os melhores homens da Pérsia Dario por sua vez afirmou que em seu estado perfeito todas as três formas de governo são boas mas entre elas a monarquia é a melhor quando ocupada pelo melhor homem pois numa oligarquia surgem conflitos entre os que querem ser chefes e numa democracia ocorre corrupção nos negócios públicos Podemos notar que encontramos a classificação das formasdegoverno e um julgamento de cada uma Uma questão é quantos governam e outra é como governa Há assim uma descrição de cada forma e em seguida o elogio de uma delas Esta conversa inaugura o modelo teórico que a antiguidade grega adotou na reflexão acerca das formas de governo Platão lei e degeneração da lei 6 Platão 428 aC327 aC discute as formas de governo no diálogo intitulado República tradução usada para a palavra grega politeia que por sua vez designa o que traduzimos como Formadegoverno Neste diálogo as personagens discutem acerca do conceito de justiça Inicialmente o diálogo trata de refutar algumas teses apresentadas acerca da natureza da justiça Em seguida pesquisa a noção de Cidade Justa Tratase de encontrar a Calipolis a cidade ideal a cidade das palavras aquela que é totalmente descrita por meio do planejamento e da reflexão em que todos os problemas são cuidadosamente pensados e excluídos Platão discute as diversas formas de governo e apresenta uma justificativa racional em defesa daquela que para ele era a melhor forma de governo No livro VIII Sócrates um dos interlocutores da República apresenta os tipos de homens e os tipos de Polis Na sua tipologia a Cidade ideal é a monarquia governada pelo mais sábio entre os sábios o filósoforei que recebe a melhor e mais completa educação e que ouve atentamente os outros filósofos Contudo esta Calipolis é uma Polis ideal um lugar no céu topos uranos em grego as Polis reais são todas sombras projetadas pela Polis ideal do mundo inteligível não passam de degenerações no mundo da sensibilidade Assim todas as formasdegoverno são más exceto a monarquia ou a aristocracia de sábios Platão elabora então uma lista de razões pelas quais a Calipolis monárquicoaristocrática se degenera Inicialmente surge a timocracia ou seja uma falsa aristocracia em que não são os melhores que governam mas os que têm timé honra os que têm a reputação e a fama os que parecem melhores Estabelecese uma distinção entre SER e PARECER o que parece pode ser mas não é necessariamente Os que parecem melhores mas não são usarão o poder para acumular riquezas e honrarias e não para o bem comum Assim pouco a pouco a timocracia se degenera em oligarquia quando o poder está com os ricos Os ricos governam e se entregam às mais diversas dissipações Com isso alguns ricos se esbaldam e empobrecem Uma vez empobrecidos e inconformados com sua situação insuflam os pobres contra os ricos Com os distúrbios a oligarquia degenera em democracia onde os pobres ou a maioria governa Quando a maioria governa a tendência é a licenciosidade cada um faz o 7 que quer e não se preocupa com as leis caímos numa anarquia em que todos governam para ninguém e na confusão alguém impõe pela força a ordem política surge a tirania a pior das formas de governo O tirano domina pela força e violência ninguém tem nenhuma segurança porque o tirano é sempre ameaçador e governa pelo medo As análises de Platão são notáveis porque a Cidade ideal Calipolis só existe no mundo das ideias poderíamos chamála de uma ideia reguladora para pensar a Cidade a Polis ou o Estado um governo sábio e prudente que nunca se corrompe Mas a distinção inevitável no mundo da vida é que não podemos saber quem é verdadeiramente sábio precisamos nos contentar em aceitar quem parece ou que aparece como sábio nunca teremos certeza Então é a honra a timé que nos servirá para designar os melhores A degeneração desta é a oligarquia dos ricos em que o que conta são os bens materiais e não a capacidade Esta se transforma na boa democracia onde todo o povo faz a lei da Polis um elemento de equilíbrio pelo pensamento pela reflexão a lei Em seguida a degeneração em licença e anarquia a má democracia quando a lei não vale mais nada e que suscita o que há de pior na Polis a tirania o descontrole da violência e da força dos poderosos Podemos deduzir então que a reflexão e o pensamento presente na Polis por meio da lei nos permite discriminar boas e más formas de governo timocracia e democracia que têm a lei como referência de um lado e oligarquia anarquia e tirania de outro em que a riqueza a licenciosidade da plebe e a violência do chefe são as piores Assim a boa democracia é o pior regime entre os melhores e a má democracia ou anarquia é o melhor regime entre os piores Podemos observar a rejeição de Platão pela democracia especialmente a democracia ateniense Na democracia antiga todos os cidadãos livres tinham direito a voz e a voto na os cargos públicos taxis ton archon eram distribuídos por sorteio Segundo Platão o bem falar é melhor sucedido do que o bem pensar a retórica é mais importante que a filosofia o parecer mais considerado do que o ser O exemplo que dá no diálogo Górgias sobre o sofista Górgias 485 aC 380 aC é que um canastrão que se apresente como médico sem entender nada de medicina mas conhecedor das regras de persuasão pode convencer o doente a fazer um 8 tratamento ao passo que um médico capaz e bem preparado que desconhece a retórica não conseguirá convencer o doente a seguir o tratamento A discussão é interessante quem é dono da verdade O filósofo que pensa bem mas não sabe convencer ou o orador que não sabe pensar mas convence bem Protágoras em defesa da democracia Sócrates e Platão eram opositores dos sofistas pois a filosofia deve se preocupar com a verdade e os sofistas eram mais pragmáticos Foram os primeiros professores a vender seus saberes a trocálos por dinheiro O saber é um poder que pode beneficiar aquele que sabe Enquanto Platão defendia a existência da verdade absoluta que estava para além de toda mera aparência os sofistas defendiam uma postura relativista com relação à verdade De acordo com esses pensadores dos quais Protágoras 480 aC410 aC e Górgias foram os mais expressivos o poder de persuasão e a força retórica se sobressaem à busca da verdade mesma O importante em última análise não é dizer o verdadeiro mas levar a melhor no debate o que é fundamental para o exercício do poder no regime democrático Protágoras é um dos poucos sofistas que merece o respeito de Platão que escreveu um diálogo para analisar suas ideias Protágoras é famoso defensor da democracia e ensinava seus alunos a bem falar e a bem manifestarse na Assembleia Considerava que os homens compartilham a razão com os deuses por isso a discussão aberta dos recursos e problemas conduz sempre à melhor solução Acreditava que como diz o mito de Epimeteu e Prometeu sobre a criação dos animais e a distribuição de propriedades conforme Protágoras 320d323c todos os homens recebem o fogo da razão ou seja todos os homens têm a mesma capacidade de pensar todos podem igualmente compreender as dificuldades e os problemas da Polis e se posicionar adequadamente Nesse sentido o homem é a medida de todas as coisas ou seja cada Polis fornece ao homem suas medidas de pensamento e reflexão A razão social ou política assim é relativista convencional não há uma Polis ideal absoluta uma Calipolis senão no mundo da fantasia e da imaginação um lugar no céu Mesmo a razão é convencional ou socialmente 9 construída cada Polis tem uma maneira diferente de compreenderse a si mesmo Aristóteles interesse comum x interesse privado Aristóteles 384 aC322 aC realiza uma análise completa e cuidadosa das formasdegoverno no livro III da Política Oferece uma definição precisa A forma degoverno politeia é a estrutura que dá ordem à cidade e determina o funcionamento de todos os cargos públicos e sobretudo da autoridade máxima 1278b Indica a distinção entre formas retas e desvios Quando um só poucos ou muitos exercem o poder buscando o interesse comum temos necessariamente as constituições retas quando exercem no seu interesse privado temos os desvios 1279a Vejamos então a classificação que ele apresenta O governo de uma pessoa cujo objetivo é o interesse comum é a monarquia quando o governo é de poucas pessoas chamamos de aristocracia O governo do maior número Aristóteles chama simplesmente de politeia O desvio da monarquia é a tirania pois o tirano não governa pelo interesse comum mas por seu próprio interesse O desvio da aristocracia é a oligarquia que é o governo no interesse dos ricos O desvio da politeia Aristóteles chama de democracia ou oclocracia que é o governo no interesse dos pobres Posteriormente estudiosos de Aristóteles associaram democracia à forma boa e mantiveram o nome de oclocracia para a forma corrompida Em seguida Aristóteles reflete sobre o princípio de justiça de cada uma destas formadegoverno ou seja como a polis se relaciona com a igualdade e com a desigualdade a saber homens e mulheres cidadãos e escravos ricos e pobres estrangeiros etc Quais deles e como podem ter uma relação ativa e participante nos assuntos públicos A Polis precisa contribuir para a felicidade de cada um eudaimonia e da mesma forma cada um se dedica aos problemas da Polis à política Assim só os homens livres que se dedicam à política podem ser felizes mas somente enquanto a política visa o bem comum Caso defendam interesses particulares essas pessoas não podem ser felizes digamos que sejam 10 degeneradas pois desviam ou corrompem as boas formasdegoverno Compreendemos então porque Aristóteles usa a palavra politeia para o governo da maioria pois é o governo de pessoas honestas e felizes em função do interesse comum Por outro lado quando o governo da maioria é dos pobres ou da turba demo em grego a preocupação maior não é a felicidade ou o interesse comum mas ocorre a degeneração causada pela carência Quando demo foi associado a todo o povo democracia foi usada para designar a defesa do interesse comum e oclocracia para sua ausência ou corrupção Observemos ainda que o sentido antigo da palavra democracia é diferente do sentido que damos hoje Na antiguidade grega tratavase da democracia direta todo cidadão tinha direito de voz e voto na Assembleia Hoje vigora a democracia representativa os deputados e governadores que elegemos tomam decisões em nosso nome Políbio regime misto Alguns séculos depois no período republicano de Roma o historiador Políbio 203 aC 120 aC afirmou que a formadegoverno de um povo explica o êxito ou o fracasso de todas as ações História livro VI 2 Explicou então o êxito de Roma pelo regime misto ou seja uma nova formadegoverno que combina as vantagens da monarquia da aristocracia e da democracia e reduz as desvantagens de cada uma Note que ele usa para o governo da maioria o nome democracia que será preservado até hoje As decisões políticas de Roma eram tomadas no Senado composto pelos Senadores pelos Cônsules e pelos Tribunos Haviam dois Cônsules eleitos entre os Senadores por um ano Os Tribunos eram eleitos pela plebe e participavam das discussões no Senado Assim o Consulado constituía a Monarquia o Senado a aristocracia e o Tribunato a democracia A excelência desse regime explica o sucesso do povo romano que conquistou todos os outros povos impondolhe seu domínio 11 É curioso contudo que Políbio descreve o equilíbrio e a força de Roma no século II aC mas no século seguinte ocorreram diversas rebeliões entre as quais a do escravo Espártaco 120 aC70 aC Em 23 AC cai a República e Roma se torna um Império Direito Natural e Contratualismo na Modernidade Vimos que a Filosofia surge com os filósofos présocráticos e com os sofistas num contexto de CidadesEstado na Grécia Antiga A Filosofia se propaga em seguida no contexto imperial com o Império Macedônico especialmente com Alexandre o Grande aluno de Aristóteles e em seguida com a República Romana cuja excelência foi confirmada por Políbio O filósofo romano Cícero é contemporâneo e adversário de Júlio César no século I aC que se autodenominou ditador vitalício e foi assassinado por um grupo de Senadores que tentavam evitar a queda da República Alguns anos depois em 23 aC Otávio Augusto César sobrinho de Júlio César e seu herdeiro político coroouse Imperador romano e Roma se converteu num poderoso Império No século III dC o império romano se cristianizou e a partir de Constantino no século IV o cristianismo se tornou religião de Estado a religião de Roma Ao longo dos séculos com o fim do Império Romano e sua subdivisão o cristianismo permaneceu como elemento unificador da tradição romana e de certa forma isto vale até hoje Um novo problema que surgiu foi uma disputa entre o poder espiritual cristão e o poder político terreno Já na baixa Idade Média no alvorecer da Modernidade as disputas entre a Igreja e o Estado eram complexas A Igreja oferecia uma sustentação ao Estado com a teoria da origem divina do poder real Filosoficamente a leitura tomista Tomás de Aquino de Aristóteles oferecia a chave do direito divino Com o Renascimento o avanço das ciências isto é da filosofia e a descoberta do Novo Mundo os dogmas que ofereciam segurança teórica à visão de mundo cristã entraram em colapso Galileu por exemplo foi obrigado a reconhecer perante a Inquisição que a terra não é redonda O enorme poder da Igreja romana foi contestado e em algumas regiões surgiu 4 12 a Reforma movimentos teológicopolíticos que propunham mudanças na Igreja e que desencadearam intensas e violentas guerras religiosas As diferenças religiosas não permitiam mais manter intacto o direito natural divino tomista e com isso despontou o direito natural moderno e a filosofia moderna que lhe fornecia unidade teórica Com o direito natural moderno surge uma nova forma de pensar o poder o contratualismo Novos poderes Com Maquiavel o pensamento sobre o poder passa do governo para o governante então a relação do governo com seu povo se torna mais importante do que a formadegoverno Do ponto de vista do governante o que é preciso fazer para permanecer no poder é o que está exposto na obra O príncipe e do ponto de vista do povo quais reações populares podem ser historicamente elencadas é o que está nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio O poder ou está com o povo temos uma república ou com o príncipe temos um principado uma monarquia Posteriormente Montesquieu afirma no Espírito das Leis que um poder só pode ser contido por outro poder então propôs a divisão do poder político em três para que nenhum fosse sozinho mais forte que o outro executivo legislativo e moderador ou judiciário Assim o Estado é composto por instituições institutio em latim que são grupos sociais instituídos pelo Estado com finalidade função interesse e campo de ação determinado As disputas internas pelo poder independem da formadegoverno e se dão entre as diversas instituições Contudo cada instituição pode ser considerada uma miniCidadeEstado e o conhecimento das formasdegoverno podem auxiliar na reflexão Considerava basicamente três formasdegoverno república monarquia e despotismo Um exemplo de como pensar o poder por meio de instituições um clube de cinema precisa de um regulamento pode ter um presidente uma diretoria vários membros ou simplesmente ser administrado em autogestão a finalidade pode ser organizar sessões de filmes europeus e a solicitação de verbas junto ao Ministério da Cultura 13 ou à iniciativa privada se houver censura official ou religiosa a um filme ou se uma lei inviabilizar a instituição o clube pode promover uma passeata ou contatar deputados ou desencadear um processo judicial etc Direito natural moderno A teoria da origem divina do poder real defendia que os desígnios de deus eram misteriosos e inacessíveis à imperfeição humana apenas alguns profetas e santos e alguns outros iniciados nas Sagradas Escrituras eram capazes de vislumbrar na sua obscuridade Estes estavam sob a guarida da Igreja e seu chefe maior o Papa Toda contingência todo acidente é uma resposta divina favorável ou contrário aos excessos humanos Com isso os poderes espirituais adentravam a porta da vida terrena e obrigavam os governantes a seguir suas orientações Ademais um governante dependia da aprovação divina atestada pelo Papa Tensões entre a Igreja e o Estado contribuíram para a Reforma mas a origem divina do poder permaneceu com alguns ajustes Contudo o direito natural moderno ou simplesmente jusnaturalismo surge especialmente nos locais em que a Reforma fora bem sucedida Grotius O primeiro autor a tratar do tema foi um jurista mercantilista e colonialista Grotius que em 1626 publica Direito da guerra e da paz Seu principal objetivo era pacificar a Europa defender a unidade cristã e mostrar que a paz é propícia ao comércio mercantilismo Ao mostrar que a natureza humana é comum e que a reta razão recta ratio em latim é compreensível por todos defende a hipótese de que o gênero humano nasce provido de direitos e deveres naturais que decorrem da própria capacidade de raciocínio da própria racionalidade Para isso evoca um estado de natureza pacífico anterior à qualquer história para se opor ao atual estado social dos homens Se há uma natureza primitiva anterior o que inaugura a alta civilização é o Estado moderno O passo seguinte é mostrar que o Estado é 14 constituído por um contrato entre o governo e seu povo donde o contratualismo Os grandes pensadores e filósofos modernos seguiram esta trilha reaberta por Grotius para defender o direito natural e o contratualismo com algumas diferenças Espinosa na Holanda Hobbes e Locke na Inglaterra Pufendorf e Leibniz na Alemanha Burlamaqui em Genebra e o genebrino Rousseau na França Hobbes Se Grotius se propôs a fundar a ciência jurídica Hobbes por sua vez pretendia fundar a ciência moral e política ou seja estabelecer a moral e a política por base fixa e segura que tome a matemática euclidiana como modelo Tradutor de Euclides e Eurípedes preceptor do Lord Cavendish membro da corte de Carlos I Hobbes impressionouse com as violentas guerras religiosas e pretendia restabelecer o direito divino de forma axiomática more geometrico conforme a geometria Tomou o movimento como base para a física a física como base para o homem e o homem como elemento para a sociedade para a ética e a política De natura Sobre a natureza De homine Sobre o homem e De cive Sobre o cidadão são as três obras em que desenvolve esta hipótese Esta ordem temática inseria a natureza na ordem divina o homem na natureza e a política a partir deste homem de modo que a velha hierarquia aristotélica perdia completamente a função teórica A urgência dos acontecimentos na Inglaterra motivouo a inverter a e exposição planejada e a escrever e publicar o livro sobre política De cive antes dos outros Pouco depois deste há uma versão que aprofunda a discussão teológicopolítica o Leviatã O que seria cuidadosamente provado nos dois primeiros livros é um breve axioma no terceiro Todos os homens são iguais não fisicamente iguais pois há diferenças de tamanho e gênio mas têm as mesmas necessidades e almejam os mesmos fins Mas então por que são diferentes em sociedade Ora por que a sociedade se origina de um pacto que precisou conter os efeitos nefastos da igualdade Segundo Hobbes como os homens são iguais podem querer a mesma coisa ao mesmo tempo que outro e por isso ficam inimigos entre si O homem é assim um lobo para o homem Essa condição ademais é permanente e contínua pois a própria conservação do homem está em risco sempre que ele precisa de algo 15 que outro também deseja Assim a disputa é generalizada e constante Naturalmente egoísta e agressivo Para se precaver é preciso se antecipar e atacar sem mostrarse pois qualquer vacilo pode ser fatal Há assim uma guerra de todos contra todos É uma guerra de destruição ou dominação Alguns preferem deixarse dominar do que morrer nesse caso o chefe estabelece totalmente despoticamente as condições dos que preferem servir do que morrer Quando contudo o dominador se enfraquece ele é por sua vez dominado Essa condição de guerra impede que haja qualquer indústria ou conforto qualquer bem ou mal qualquer justiça qualquer sociedade qualquer progresso Assim originalmente o homem é solitário não é sociável não tem noção de justiça Assim a liberdade não tem a limitação da justiça o homem faz o que quer sem restrições éticas ou morais pois não há códigos de conduta senão a autopreservação acima de tudo Contudo o homem é inteligente Pelo raciocínio percebe que a paz é melhor do que a guerra e também encontra caminhos para estabelecêla entrar em acordo com outros homens desde que estes homens façam o mesmo com ele No que consiste o acordo Tratase de renunciar à liberdade natural de fazer tudo sem limites em favor de um terceiro desde que todos os homens façam o mesmo Este terceiro estabelecerá limites comuns e adequados para todos os homens que aceitaram o pacto Estes limites serão as leis morais e políticas E o objetivo comum é a paz Este homem que estabelece as leis para os outros é o soberano e cabe a ele governar a sociedade assim formada Com este argumento Hobbes oferece uma fundamentação filosófica geométrica e moderna para a Monarquia absoluta Encontra também uma definição axiomática para a soberania e para a representação política Inaugura ademais a separação metafísica ou ontológica diríamos hoje entre a liberdade e a racionalidade O direito natural tem agora um fundamento metafísico necessário e inquestionável Pensar o poder então é pensar a relação entre os homens é pensar o direito natural e o direito político é pensar o uso da força e da violência como instrumentos do poder Além disso é reconhecer que o poder é resultado de um acordo de um pacto ou seja o poder é consentido por aqueles que se submetem Compreendemos bem a velha assertiva de La Boétie filósofo do Renascimento que mostrou que toda servidão é voluntária segundo a qual para não se submeter basta 16 dizer não pois ou nos submetemos à força porque vencidos ou por consentimento porque convencidos E ainda para retomarmos a perspectiva das formasde governo todo Estado é necessariamente provido de soberania e portanto monárquico ou seja o governo é soberano e organiza todas as instituições submetidas a seus critérios ou a suas ordens Espinosa Pufendorf Hobbes ofereceu uma base filosófica sólida e inquestionável à Monarquia ou à soberania do governo Questionar a Monarquia implica discutir a hipótese de Hobbes Descartes insatisfeito com a antropologia egoísta e cruel do homem natural ou seja anticristã acusou Hobbes de plagiar e falsear seu sistema Espinosa por sua vez considerava o ódio apenas a outra face do amor e não admitia a concessão total do direito natural ao soberano o resultado é filosoficamente interessante pois preserva o sistema de Hobbes e defende a democracia ou a república Cada homem vale o que valer seu poder posto que sem nenhum poder o homem é escravo O direito natural equivale a seu poder de preserválo Entretanto o homem tem um poder inacessível aos outros homens o poder de pensar a liberdade de pensar Como na democracia todos os homens têm a plenitude da liberdade e do pensamento este é o meio pelo qual todos podem ser conjuntamente felizes Pufendorf por outro lado procurou mostrar aporias nos sistemas cartesianos de Hobbes e Espinosa e defendeu a perspectiva teológica da liberdade divina da vontade Locke No próprio contexto inglês Hobbes teve um adversário que mudou a filosofi cartesiana Locke mostrou que as idéias inatas são oriundas dos sentidos ou seja não são inatas com isso não é a geometria que organiza o conhecimento mas as sensações O homem é uma tabula rasa um quadro vazio que é preenchido ao longo de sua vida Nasce também outra política como é apartir do corpo que o 17 homem sente então o homem adquire uma noção de propriedade pois o homem é dono do próprio corpo Da mesma forma é dono dos bens que produz ou seja daquilo que produz com seu próprio corpo enquanto instrumento de sua liberdade Se o homem pode produzir o que precisa então não há por que brigar com outros homens logo a natureza humana é pacífia Contudo eventualmente surgem conflitos Nessa situação vence o mais forte não o mais justo por isso o homem forma a sociedade por meio de um contrato para que a justiça tenha mais força do que a injustiça O Estado é assim formado para regular conflitos equilibrar as forças e proteger os bens de cada um Nasce o liberalismo o Estado deve proteger a vida a liberdade e a propriedade Para proteger a liberdade é preciso preservar a lei da maioria ou seja o governo deve estar a cargo do poder legislativo a Monarquia não deve ser absoluta pois tenderia à tirania e sim parlamentar de foma a dividir e equilibrar os poderes Para proteger os bens o Estado deve proteger os ricos e os ricos por sua vez devem ser generosos com os pobres uma espécie de contra partida ética para compensar o privilégio político Rousseau Rousseau nasceu na República de Genebra e discordava da Monarquia absoluta francesa ou Antigo Regime defendia a república e não admitia a monarquia identificava esta forma de governo à qualquer tirania e despotismo pois o Monarca pode ou não ser correto e mesmo assim continua monarca A história mostra numerosos exemplos de monarcas cruéis e sanguinários Quando lê os autores jusnaturalistas Grotius e Hobbes fautores do despotismo que defendem a monarquia com os sólidos argumentos da matemática euclidiana Rousseau não hesita em discordar dos métodos da filosofia moderna Se o cálculo matemático permite concluir a tirania então a matemática está errada em certo sentido Rousseau aproximase do relativismo de Protágoras assim como Hume se torna radicalmente cético à maneira de Sexto Empírico importante cético romano no mesmo período Ambos foram amigos embora tenham se distanciado pois 18 Rousseau tinha um temperamento difícil O que nos interessa em filosofia é que Rousseau relativista e Hume cético contribuiram para demolir a razão dogmática moderna as idéias inatas cartesianas e despertaram Kant do sono dogmático Segundo Rousseau o direito natural permite deduzir a monarquia absoluta porque todos os pensadores até seu tempo não compreenderam adequadamente o direito natural pressupuseram um estado de natureza mas transferiram elementos das sociedades corrompidas de seu tempo Rousseau então vai mais longe que Hobbes afirma com ele que a sociabilidade não é natural mas acrescenta que a razão também não é natural A razão é historicamente adquirida a razão cartesiana é típica do tempo de Descartes a matemática é só um instrumento para conhecer mas não é o único nem é universal O homem é perfectível aprende a raciocinar com a natureza mas pode compreender a natureza de inúmeras formas todas igualmente aceitáveis O que é fundamental para o homem não é são as leis da natureza mas a justiça natural A retrogradar das leis para a justiça Rousseau reabre a discussão da justiça na moral e política Recupera a discussão original de Sócrates na República de Platão o que é a justiça mas não à maneira platônica que determina critérios objetivos e universais para a Calipolis para a Cidade perfeita comunista e sim à maneira de Protágoras democrática cada sociedade sabe por si mesma estabelecer sua própria justiça Há uma justiça natural que é compreendida em cada sociedade de uma maneira diferente mas não é imposta a todas da mesma maneira jamais Toda sociedade tem justiça isso é certo mas cada sociedade tem sua justiça os cristãos europeus mas também os índios os incas os japoneses etc Por isso cada sociedade tem sua própria vontade geral que é diferente da vontade geral das outras sociedades assim como cada homem tem sua própria vontade que é diferente da vontade dos outros homens Assim Rousseau abandona o método analítico da filosofia moderna e propõe um método genético troca assim a matemática pela gênese histórica E com isso a ciência política renuncia ao autoritaritarismo do cálculo frio e assume o caráter democrático da sensibilidade e solidariedade sociais A preocupação com o certo e errado cede lugar ao conceito de legitimidade e liberdade abremse as portas da arte política do legislador do sentimento e do romantismo 19 Sade Marquês de Sade se apropriou das filosofias dos grandes moralistas dos séculos XVII e XVIII colocouas umas contra as outras e inverteu seus resultados Em seus romances os personagens são amorais violentos egoístas e ao mesmo tempo refinados sofisticados O que aconteceria se os homens não fossem seres morais O que acontece quando o freio da justiça e moralidade não estão presentes A experiência literária nos permite refletir sobre isto A Revolução Francesa inspirase nas ideias de Rousseau e muda definitivamente o mundo Com o aburguesamento das sociedades e o avanço capitalismo que determinam a igualdade política dos homens vêm também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão De fato a igualdade política é a justiça formal perante a lei ou a justiça efetiva segundo a necessidade de cada um Ora podemos notar que a filosofia política agora toma outros rumos Ao coroarse Imperador em 1804 Napoleão Bonaparte manifesta simbolicamente que o poder político não depende mais da Igreja httpcommonswikimediaorgwikiFileJacquesLouisDavid006jpguselangptbr Revolução Francesa Após Rousseau ocorre a Revolução Francesa a partir de 1789 ao longo da qual é discutido votado e aprovado a Declaração Universal do Homem e do Cidadão que contém uma súmula positiva do que se indicava como direito natural e alguns elementos a mais A importância e atualidade do tema que ao invés de ser confirmado assim como foi o novo papel político da burguesia é ainda controvertido e mal compreendido até hoje Direitos sociais e Direitos humanos Vimos que a justificação ideológica do Antigo Regime pela origem divina do poder real sustentado pelas Sagradas Escrituras foi substituído pelo jusnaturalismo 20 moderno sustentado pela razão do homem Podemos afirmar que os mistérios da fé passaram a ser iluminados pela razão pois os mistérios eram usados para justificar tiranias e guerras violências e intolerâncias As disputas perseguições e guerras religiosas precisavam ser contidas mas quem fala em nome de Deus quer impor sua verdade a todos os outros assim reformados católicos muçulmanos budistas judeus queriam imporse uns aos outros A transcendência sustentada pela fé não era mais suficiente o jusnaturalismo de origem cartesiana mostra que a condição de todos os homens é a mesma e que todos são igualmente racionais A razão assim tornase o elemento unificador do gênero humano a transcendência homogênea comprovada pela geometria pela matemática como linguagem transparente e unívoca Se os homens são iguais por que alguns são melhores que outros Vimos que os filósofos jusnaturalistas procuraram dar respostas a esta questão Hobbes afirmou que os homens se organizam num Estado por meio de um pacto para ter segurança Locke dizia que o objetivo do contrato é a propriedade e a justiça Espinosa defende que o mais importante é a liberdade e Rousseau procura critérios de legitimidade O que vemos nestas preocupações é a formação do Estado de direito ou seja o reconhecimento de que a lei organiza a vida social Não mais a lei divina cuja origem apenas os profetas conhecem mas a lei política aquela que é constituída pelos cidadãos pelo povo que faz o contrato que fundamenta o Estado Os filósofos assim mostravam que o povo educado estudado civilizado rejeita a tirania e a violência Contudo foi necessário recorrer à violência para vencer e derrubar a tiranias Assim o estabelecimento do Estado de direito ocorreu por meio de lutas sociais eventualmente violentas Os filósofos jusnaturalistas que pensaram numa nova justificativa para o poder por meio do direito natural e que combatiam o fanatismo e a superstição pelo uso da razão ofereceram também ao povo e aos letrados da época argumentos contra os abusos do Antigo Regime Persuadir um rei que tem poder absoluto a dividir seu poder com o povo ou com um Parlamento convencêlo a exprimir a vontade do Estado por meio da lei não é fácil Se num primeiro momento com Grotius e Hobbes é o rei que faz a lei com Locke Montesquieu e Rousseau o rei 21 deve obedecer a lei No século XVII houve a Revolução Gloriosa na Inglaterra que instituiu a Monarquia Parlamentar e no século XVIII ocorreu a Revolução Francesa que estabeleceu a República Posteriormente na França a monarquia é restaurada com Napoleão Bonaparte uma monarquia parlamentar Indicamos dois famosos quadros de época que caracterizam bem este movimento de ideias A coroação de Josefina de JacquesLouis David quando Napoleão Bonaparte ele mesmo coroa a Imperatriz Josefina em 1803 ao invés de aceitar a coroação pelo Papa Assim a Igreja que antes sustentava o Antigo Regime agora admite submeterse ao Estado em nome da razão a religião tornou se um problema de foro íntimo Outro quadro interessante é A liberdade guiando o povo de Jean Delacroix que mostra o povo em 1830 enfrentando a elite governante para estabelecer um novo padrão de liberdade e igualdade republicano contra o Antigo Regime e sua herança Há três momentos históricos exemplares que caracterizam a queda do Antigo Regime e o fim do feudalismo e a constituição do Estado de direito a Revolução Gloriosa na Inglaterra1688 a Independência dos Estados Unidos 1776 e a Revolução Francesa 1789 Nestas revoluções o povo rejeitou a elite governante e impôs uma nova forma de governar que se espalhou por quase todo o mundo ou melhor estabeleceu um padrão político internacional que vigora até hoje com algumas variações e muitos entretempos as democracias representativas burguesas ou liberais O que nos interessa é que estes movimentos sociais e revolucionários foram baseados em ideias discutidas e antecipadas pelas artes literatura artes plásticas teatro e pela filosofia Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Os três movimentos revolucionários que mencionamos que instituem o Estado de direito e promovem um novo padrão de relação entre o povo e o governo propuseram Cartas de Direitos para toda a humanidade Surgiu na Inglaterra a Bill of rights Carta de Direitos em 1689 que estabelece o papel do Parlamento e direitos 22 aos simples cidadãos Na Independência dos Estados Unidos o primeiro Estado a propor uma Declaração foi Virgínia em 1776 a Virginia Bill of Rights Carta de Direitos da Virgínia de inspiração iluminista Esta Carta é a base da United States Bil of Rigths os dez primeiros artigos da Constituição dos Estados Unidos Defende direitos inerentes ou seja direitos naturais inerentes a todo ser humano como a liberdade a vida e a propriedade e afirma que todo poder emana do povo Vejamos os dois primeiros artigos Artigo 1 todos os homens são por natureza livres e independentes têm certos direitos inerentes dos quais não podem quando entram em sociedade por nenhum contrato privarse nem desprover sua posteridade Nomeadamente o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades de perseguir e obter felicidade e segurança Artigo 2 todo o poder pertence ao povo e consequentemente dele emana os magistrados são os seus mandatários e servidores e em todo o tempo acessíveis Em Paris no ano de 1789 com a Revolução Francesa a Assembléia Nacional propôs a Declaration des Droits de lhomme et du citoyen Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Inserida no mesmo conjunto de ideias esta é mais completa e importante porque recebeu um repúdio das Monarquias européias que levou a França a defenderse e ao mesmo tempo a sublevar os povos de quase toda a Europa Houve a revogação dos privilégios de classe isto é a nobreza francesa perdeu seus privilégios e reconheceu que todo homem é igual Há a defesa da igualdade e da resistência à opressão ou seja o povo tem o direito e mesmo o dever de resistir à tirania e portanto ao Antigo Regime Na Inglaterra tratavase de promover reformas na monarquia inglesa Nos Estados Unidos o objetivo era a independência o fim da relação colonial com a metrópole Já na França o que houve foi um movimento popular inesperado e surpreendente O rei Luís XVI convocara os estadosgerais ou seja representantes de todo o reino para discutir dificuldades financeiras ou seja aumentar impostos Uma vez reunido e insatisfeito com a Monarquia Absoluta o povo francês estabeleceu o poder da Assembleia e propôs uma Constituição que restringia os 23 anteriormente ilimitados poderes do rei Despeitado e ignorado pela Assembleia o rei tentou fugir da França e de seu próprio povo o que equivale a trairse a si mesmo pois o rei é a encarnação da França Preso em Varennes em 1791 discussões intermináveis conduziram a sua guilhotinação decapitação pela guilhotina em 1793 à radicalização da revolução e ao início do Terror revolucionário que executou dezenas de milhares de pessoas O triunvirato que governava a República Francesa era composto por Robespierre Marat e SaintJust todos de origem plebéia e admiradores da filosofia de Montesquieu e Rousseau Um foi assassinado outros dois guilhotinados Ameaçado pelas monarquias vizinhas a França entrou em guerra com quase toda a Europa e ganhou Um jovem soldado tornase general pouco a pouco assume o controle político e restaura a monarquia autodenominandose Imperador em 1801 Napoleão Bonaparte As ideias liberais inicialmente confinadas à Inglaterra e nos Estados Unidos estão agora impostas a toda civilização ocidental metrópoles e colônias A filosofia que combatia o fanatismo e a superstição que defendia as luzes da razão sai do gabinete e entra na vida da plebe agora todos são iguais e livres perante a lei todo homem e todo cidadão é dotado de direitos Não se admite que os homens sejam fantoches do governo nenhum tipo de tirania é aceitável A filosofia sai dos livros e declara Cartas de Direitos para toda a humanidade Leiamos os 17 artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Art1º Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem ser fundadas na utilidade comum Art 2º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Esses direitos são a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão Art 3º O princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação Nenhum corpo nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane dela expressamente Art 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudica ninguém assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão 24 aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Estes limites só podem ser determinados pela lei Art 5º A lei só tem o direito de proibir as ações nocivas à sociedade Tudo que não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordena Art 6º A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou por seus representantes em sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a capacidade de cada um e sem outra distinção senão a de sua virtude e seus talento Art 7º Ninguém pode ser acusado preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e segundo as formas que ela prescreve Aqueles que solicitam expedem executam ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas qualquer cidadão chamado ou convocado em virtude da lei deve obedecer imediatamente caso contrário tornase culpado pela resistência Art 8º A lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada Art 9º Todo homem é presumido inocente até que ele seja declarado culpado Se é julgado indispensável prendêlo todo o rigor que não seria necessário à guarda da sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei Art 10º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões mesmo religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11º A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livremente contudo responde pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei Art 12º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública esta força é portanto instituída para a vantagem de todos e não para a utilidade particular daqueles a quem ela é confiada 25 Art 13º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração uma contribuição comum é indispensável ela deve ser igualmente repartida entre os cidadãos em razão de suas possibilidades Art 14º Os cidadãos têm o direito de constatar por si mesmos ou por seus representantes a necessidade da contribuição pública de consentirlhe livremente de observar seu uso e de lhe determinar a quota a coleta a cobrança e a duração Art 15º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público por sua administração Art 16º Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição Art 17º A propriedade é um direito inviolável e sagrado ninguém pode dela ser privado exceto quando a necessidade pública legalmente constatada o exigir com evidência e sob a condição de uma justa e prévia indenização A simples leitura da Declaração nos aponta muitas questões interessantes para reflexão Liberdade e igualdade de direitos baseado na utilidade pública Propriedade como direito natural Resistência à opressão como direito natural Lei como expressão da vontade geral Liberdade de manifestação do pensamento Presunção de inocência Detenção somente em casos prescritos pela lei Direito de pedir contas ao agente público Todos nós nos defrontamos direta ou indiretamente com estes assuntos todos os dias de nossa vida Ora precisamos conhecêlos bem não é mesmo Crítica e evolução histórica dos direitos humanos A Declaração de Direitos oriunda da Revolução Francesa tem algumas características importantes para a Filosofia Uma delas é a afirmação de direitos naturais inalienáveis e imprescritíveis Sabemos que o pressuposto dos direitos naturais exige uma base filosófica moderna de origem cartesiana todos os homens são racionais e livres há uma única racionalidade que sustenta diversas manifestações históricas entre as muitas sociedades humanas È a razão inata cartesiana que sustentou a formação do jusnaturalismo moderno Outra de suas 26 consequências é a subjetividade ou seja o cogito cartesiano penso logo existo inaugura o indivíduo moderno Cada indivíduo tem portanto uma experiência singular que deve ser respeitada Há assim uma condição transcendental superior a todos os homens que dá sustentação aos direitos humanos Outra característica filosófica é a afirmação de que a lei é a expressão da vontade geral oriunda da obra de Rousseau para quem a lei política é a expressão da vontade do povo Assim se o direito natural contém a lei natural que obriga necessariamente de outro lado a lei provém da vontade que é variável não pode ser necessária a vontade não pode ser involuntária Resultado da Filosofia a Declaração contém também algumas aporias Vimos como o individualismo e a igualdade de condições é fundamental para todo o jusnaturalismo moderno de Grotius e Hobbes a Rousseau e Kant Vimos que precisamos do indivíduo para pensar a noção de contrato que cada indivíduo é igual ao aceitar o contrato que a racionalidade que equaliza os homens está baseada no cogito de um lado e na matemática e geometria de outro Cada um tem seu cogito e o cogito de todos é o mesmo porque a matemática é a mesma para todos Ora se a filosofia moderna que serve de base para o direito natural entra em crise o conceito de direito natural precisa ser revisto E com o direito natural a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que tem em si seus elementos fundamentais Podemos mencionar especialmente dois que servirão de mediação para o que podemos chamar de segunda geração dos direitos humanos o individualismo e a propriedade Com a Revolução Francesa uma nova classe social se organiza e impõe sua visão de mundo a burguesia Ela precisa conter os que pretendiam voltar à situação anterior que pretendiam restaurar a monarquia e a nobreza em oposição à plebe A burguesia precisa também conter os que pretendem um avanço social maior os que lutam por um padrão de igualdade maior o socialismo que colocava os trabalhadores em oposição aos proprietários Assim a burguesia se aliava ora com a força reacionária ora com a força revolucionária para conter um e outro A ordem jurídica que surge deste processo histórico prevê direitos sociais que se anexam aos direitos humanos como forma de fazer concessões aos trabalhadores e destarte 27 evitar o socialismo Direitos sociais são previdência social assistência social direito à educação saúde moradia e outros Os direitos sociais foram incorporados aos direitos humanos pois não há como garantir os direitos humanos sem que necessidades sociais mínimas estejam satisfeitas Um assim condiciona o outro isto é reconhecido por todos os Estados civilizados do mundo É interessante que um filósofo homenageado na Declaração de 1789 Rousseau contribua como vimos decisivamente para a mediação entre a primeira geração e a segunda geração dos direitos humanos Vimos que Rousseau tem tendência relativista e historicista critica o dogmatismo da razão e defende a sensibilidade e a solidariedade são as críticas ao iluminismo no próprio contexto iluminista Apesar de tanto avanço teórico no pensamento ético e político da humanidade o conflito de interesses entre os homens as instituições e as nações continuou a produzir violências e guerras cada vez maiores e mais graves O totalitarismo especialmente o nazismo a Segunda Guerra Mundial e as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki promoveram o aprofundamento da reflexão sobre os direitos humanos Surgiu a terceira geração dos direitos humanos que trata das menorias da paz da autodeterminação dos povos da ecologia Falase agora de uma quarta geração que trataria dos estudos do genoma e da engenharia genética área de pesquisa da bioética A liberdade moderna em Benjamin Constant Benjamin Constant representa a burguesia pósrevolucionária ameaçada tanto pelos que queriam restaurar o Antigo Regime quanto pelos lutavam por mais e maiores mudanças pretendia assim estabilizar o que fora obtido justificar as novas aquisições e impedir outras revoluções Precisa elogiar e recusar os valores revolucionários Um de seus textos mais famosos é Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos onde distingue a participação ativa e constante no poder político que caracteriza os tempos antigos e o usufruto pacífico e passivo da independência 28 privada na era moderna Os antigos compartilhavam as decisões políticas deliberavam sobre a paz e a guerra tratados de aliança estrangeira votavam leis pronunciavam julgamentos examinavam contas e atos dos magistrados Por outro lado suas ações privadas estão sujeitas à vigilância não tem independência individual nem mesmo para escolher a própria religião Ao mesmo tempo soberano nas questões públicas é escravo em assuntos privados Entre os modernos ao contrário ser livre é submeterse apenas às leis não ser detido nem preso nem condenado nem maltratado pela vontade arbitrária de nenhum indivíduo é dizer a própria opinião escolher seu trabalho e dispor de sua propriedade Os modernos são independentes na vida privada mas sua soberania política é restrita dáse por representação Benjamin Constant contrapõe a vida política antiga à vida privada moderna O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria Era isso o que eles denominavam liberdade O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios privados e eles chamam liberdade as garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios Em seguida o elogia das conquistas juntase à crítica implacável aos excessos da Revolução tavam imbuídos de opiniões antiquadas e absurdas Robespierre Marat e SaintJust pensavam como os velhos gregos e romanos enquanto instituíam a moderna república burguesa A primeira implicação deste ensaio é que se o direito dos antigos é diferente dos modernos então o direito é reinscrito na história não é mais possível apoiar direitos humanos no jusnaturalismo ou numa realidade transcendental eterna e imutável Da mesma forma em Princípios de Política acusa Rousseau e Hobbes de pensarem à maneira antiga e atribuírem ao Estado e ao Governo um poder excessivo sobre o povo e os indivíduos afirma que nenhuma autoridade na terra é ilimitada Insiste que os cidadãos possuem direitos individuais independentes de toda autoridade social ou política e toda autoridade que viola estes direitos se torna ilegítima Entendemos bem onde o Estado absolutista se excede e onde o novo Estado burguês precisa interromper seu poder Os direitos dos cidadãos são a 29 liberdade individual a liberdade religiosa a liberdade de opinião na qual está compreendida seu aspecto público o usufruto da propriedade a garantia contra toda arbitrariedade Aqui a crítica contra os direitos humanos é que a Declaração começa nos direitos naturais do homem para fundar os direitos políticos do cidadão ou seja assimila o homem e o cidadão ao passo que tratarseia na modernidade justamente de dissociar o indivíduo e o cidadão Por isso é preciso despojar o homem de direitos naturais politizados para defender a emancipação do sujeito do indivíduo É sem dúvida um grande avanço a defesa da liberdade individual nestes termos mas o paradoxo é que ela é feita contra os filósofos que ajudaram a constituíla Logo veremos as implicações filosóficas e políticas deste problema Karl Marx e os direitos sociais A literatura é rica em exemplos sobre a extrema desigualdade social causada pelos excessos do individualismo quando cada um é abandonado à própria sorte por exemplo Os miseráveis de Victor Hugo Uma frase de Friedrich Engels pode apontar claramente o problema Os donos de escravos precisavam ao menos cuidar da alimentação dos escravos os burgueses não se preocupam mais nem mesmo com isso A condição de vida dos mais pobres era absolutamente miserável e desumana A exploração do trabalho não tinha limites crianças 16 horas de trabalho por dia descanso nãoremunerado falta de assistência médica etc Movimentos sociais e violentas lutas sindicais surgiram a igualdade defendida pela sociedade burguesa carecia de conteúdo social e equilíbrio Direitos sociais que garantissem uma condição mínima a todos precisavam ser incorporados aos direitos humanos donde falarmos em segunda geração O individualismo da Declaração de 1789 encontrava limites claros seus pressupostos filosóficos deixavam uma lacuna importante Uma das críticas filosóficas mais contundentes e profícuas ao individualismo da Declaração dos direitos do homem e do cidadão foi feita por Karl Marx em sua juventude em Sobre a questão judaica Os judeus alemães reivindicavam direitos específicos vinculados a seu credo religioso Um dos companheiros de Marx da 30 esquerda hegeliana Bruno Bauer respondeu aos judeus afirmava que todos os alemães judeus e cristãos devem lutar pela liberdade e se emancipar como cidadãos e que todos os homens devem combater os privilégios religiosos e se emancipar enquanto homens Marx cita artigos e mostra que os direitos do homem e os direitos do cidadão não são os mesmos na Declaração dos direitos do homem e do cidadão pois a emancipação humana é a emancipação do indivíduo e a emancipação política é a emancipação burguesa ou seja o que está em jogo é o individualismo burguês na plenitude de seu egoísmo e isolamento separado da sociedade A liberdade religiosa prevista no artigo 10 implica que o privilégio da fé é um direito humano mas como um privilégio pode ser um direito No artigo 4 a liberdade de fazer o que não prejudica os outros equivale a impor um limite físico como o limite da cerca de um terreno pois desconsiderase o conjunto e destacase o alcance do indivíduo O artigo 17 sobre a propriedade privada supõe a mesma independência e desconsideração de todos os outros Se eu tenho muito mais coisas do que preciso é problema meu se outro não tem nada é problema dele Dessa forma conceder liberdade religiosa e garantir a propriedade são dois aspectos do mesmo problema o homem se separa da humanidade como judeu ou cristão e se separa da sociedade como proprietário O homem se torna uma mônada isolada dobrada sobre si mesma O direito à igualdade converge para o egoísmo do membro da sociedade burguesa livre para comprar e vender resultado passivo da revolução O homem não se libertou da religião obteve a liberdade religiosa não se libertou da propriedade obteve a liberdade de propriedade não se libertou da indústria obteve a Liberdade industrial O indivíduo egoísta e independente ignora a sociedade que o educa e condiciona vêse a si mesmo isolado do todo Nesta obra Marx menciona Rousseau como um dos filósofos que perceberam o paradoxo entre os direitos naturais do homem e os direitos políticos do cidadão é preciso desnaturar o homem para tornálo cidadão ou seja o indivíduo precisa tornarse cidadão para ser verdadeiramente homem para não ser egoísta violento e indiferente às indignidades da miséria social Acompanhando este argumento podemos dizer que nosso autor anterior Benjamin Constant não percebeu que a 31 filosofia de Rousseau já dispunha de uma crítica ao individualismo liberal inglês de John Locke Marx coloca a incapacidade burguesa de olhar o outro como seu igual prefere vêlo como concorrente como competidor Por isso diz que é preciso reunir novamente o homem e o cidadão e promover a emancipação humana por meio da emancipação política é preciso evitar o isolamento político e humano da sociedade burguesa De fato as Constituições incorporaram muitas reivindicações de direitos sociais Rumo ao breve século XX Vimos que no século XIX o pensamento liberal elogia o individualismo e suas vantagens e o pensamento socialista prefere acentuar a sociedade como um todo Ambos têm críticas aos direitos humanos e discutem sua fundamentação filosófica Veremos agora no século XX como a violência do Estado totalitarismo e das guerras levaram à formação da ONU Organização das Nações Unidas e a uma nova Declaração de Direitos Humanos e algumas discussões presentes na filosofia que lhe servem de apoio teórico e conceitual Violência e Disciplina na Atualidade A violência é um tema que grita em nosso cotidiano de nosso grande e poderoso Brasil Vemos a violência privada de assassinatos latrocínios estupros e a violência pública dos agentes da lei contra infratores e inocentes eventualmente com o recurso da tortura para combater o crime e também contra grevistas e manifestantes para garantir a ordem cívica Muitas vezes vemos as pessoas defenderem a violência e criticarem os direitos humanos não percebem que legitimam uma espiral em todos saem perdendo todos ficam prejudicados pois só é possível defenderse da violência por meio da violência A recusa do diálogo a rejeição da palavra fundar a autoridade na força e não no consentimento são formas de dar razão àquele que não pôde falar de reconhecer a validade do 32 raciocínio que não pôde ser exposto pois usamos a força se perdemos a razão O filho que apanha aprende a bater da mesma forma o criminoso que apanha da polícia bate na vítima A regra pela qual quem abusa da força está errado sempre funciona se a polícia bate em manifestantes ou grevistas então os manifestantes estão certos É natural defendermos o lado mais fraco oferecemos solidariedade porque precisamos de solidariedade quando não somos os mais fortes É honroso ajudar os mais fracos Segundo Locke o pai do liberalismo que defende a propriedade a riqueza e o luxo os ricos devem ajudar os pobres Segundo Marx por sua vez todas as violências que conhecemos são resultado direto ou indireto da lutadeclasses do conflito entre a classe dominante a burguesia e a classe dominada a pequenoburguesia o proletariado e o lumpenproletariado Em geral os filósofos recusam a violência exceto que se justifique filosoficamente como é o caso da guerra justa da revolução e do combate ao crime A explosão da violência civilizada pois contraditoriamente promovida pelos países mais ricos melhor educados e mais cultos no século XX com duas guerras mundiais guerras étnicas genocídios a bomba atômica e bombas químicas levaram os Estados mais poderosos a organizarem a Liga das Nações em 1919 após a Primeira Grande Guerra e a Organização das Nações Unidas ONU em 1945 após a Segunda Grande Guerra e a declararem uma nova Declaração dos Direitos Humanos A importância mundial desta Declaração é não apenas filosófica mas sustenta decisões soberanas de muitos países por exemplo ao conceder asilo aos brasileiros que lutaram contra a ditadura militar e ao apoiar a condenação de militares que aterrorizaram seus inimigos políticos na ditadura como o expresidente chileno general Augusto Pinochet Há um site específico da ONU apenas para os direitos humanos em inglês onde se informam os 379 idiomas nos quais a Declaração já foi traduzida Universal Declaration of Human RightsTradução para o Português Podemos afirmar que a defesa dos direitos humanos é um dos principais objetivos da ONU pois a ONU não tem nem pode ter poder de polícia sobre os países membros É um órgão onde ocorrem discussões políticas e diplomáticas 33 muitas convenções e Declarações de Direitos são debatidos e propostos mas os interesses de cada Estado são soberanos Somente quando há um grande consenso entre os países membros é que criminosos de guerra como por exemplo alguns dos carrascos nazistas dos campos de concentração holocausto judeu de 19391943 e dos genocidas da Iugoslávia 19921995 puderam ser julgados e iniciaram o cumprimento da pena Outros massacres contudo como o de nossos irmãos lusofones do Timor Leste entre 1975 e 1999 ou de nossos irmãos latinoamericanos da Praça Tlatelolco Cidade do México em 2 de dezembro de 1968 permanecem impunes É preciso observar que os direitos humanos são uma política de Estado prevista na Constituiçãocidadã de 1988 Artigo primeiro A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Parágrafo único Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição Artigo quarto A República Federativa do Brasil regese nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios I independência nacional II prevalência dos direitos humanos III autodeterminação dos povos IV nãointervenção V igualdade entre os Estados VI defesa da paz 34 VII solução pacífica dos conflitos VIII repúdio ao terrorismo e ao racismo IX cooperação entre os povos para o progresso da humanidade X concessão de asilo político Parágrafo único A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino americana de nações Ressaltamos o liberalismo político livreiniciativa e pluralismo a rejeição da violência e a defesa da dignidade O Brasil tem ainda uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos criada em 1997 Estamos já em seu terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos para o quinquênio 20092013 Para nós professores de Filosofia no nível médio é importante conhecer também o Observatório Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Em nível estadual há a Secretaria da Justiça e da Cidadania E há ainda um site totalmente dedicado aos Direitos Humanos com muitas informações Direitos Humanos na Internet Versão eletrônica do importante livro Brasil Nunca Mais e a campanha de Direito à memória e à verdade Os novos artigos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 retomam muitos das Declarações francesas de 178917911793 mas retira a propriedade como direito natural recusa decididamente a escravidão e a tortura e retira a importância anteriormente dada à legalidade De fato muitos crimes de Estado foram feitos em nome das leis embora contra a humanidade A violência escandalizou não apenas os filósofos e intelectuais mas sobretudo as pessoas de bem como o ódio pode obnubilar a visão de todo um povo será que tanto avanço técnico não pode contribuir para a justiça Um dos ensaios de 35 filosofia mais importantes do século XX é Dialética do esclarecimento de Theodor Adorno e Max Horkheimer publicado m 1946 onde a hipótese de que houve uma mistificação da filosofia e da educação e por isso o conhecimento se tornou meramente instrumental perdeu seu papel libertador Na mesma tradição Jürgen Habermas se preocupa com o problema do direito com a limitação do poder político e do poder financeiro mencionamos especialmente Direito e democracia de 1991 Breve introdução histórica A Revolução Francesa ensinou aos povos uma maneira decisiva de mudar o poder político e derrubar o governo vigente para o bem ou para o mal a revolução De fato a sombra da revolução popular passou desde então a apavorar as elites e a orientar todas as suas ações já que nem mesmo a religião oferecia como antes freio aos anseios do povo Para conter a violência da revolução não foi difícil escolher a violência da contrarevolução e da guerra a todo custo para contentar e delimitar os movimentos sociais Grotius que no século XVII propusera o direito natural para restringir a violência das guerras religiosas para justificar a escravidão e a colonização e para defender o progresso e a paz no comércio internacional não podia imaginar o grau de violência que o progresso técnico e o conflito de interesses comerciais causariam três séculos depois Os direitos humanos serviram antes para que os homens reconhecessem os excessos da violência do que propriamente para reduzir a violência e estabelecer canais aceitáveis de diálogo político A França em particular e a Europa em geral atravessaram os séculos XIX e XX em meio a revoluções e guerras Em Paris houve levantes populares em 1830 de 1848 e 1871 e depois a Primeira e Segunda Guerra Mundial Após a Segunda Grande Guerra de 19391943 a guerrafria na Europa que por sua vez foi bastante quente nos países periféricos por exemplo a guerra do Vietnam as ditaduras militares na América do Sul Com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1989 o foco de tensões circunda a produção petrolífera no Oriente Médio e a expansão do domínio da tecnologia nuclear de uso militar Em suma ao 36 mesmo tempo que o progresso técnico e industrial melhorou a vida cotidiana e a condição de trabalho das pessoas os métodos de dominação opressão e controle também se aperfeiçoaram Numa palavra violência Um quadro famoso que exprime a violência social na primeira metade do século XX na Europa é Guernica de Picasso quadro que veio ao Brasil na Segunda Bienal de Arte de São Paulo de 1953 Este quadro retrata o massacre da resistência republicana no povoado de Guernica em 1937 durante a Guerra Civil Espanhola 19331937 pelo general monarquista Francisco Franco com aviões alemães e indiferença soviética devido ao pacto de nãoagressão HitlerStalin de 1933 para desespero dos socialistas e anarquistas espanhóis e da força internacional que lá estava em luta pelo socialismo e pela justiça social httpenwikipediaorgwikiFilePicassoGuernicajpg Veremos a seguir dois aspectos da violência contra o povo no caso do totalitarismo segundo Hannah Arendt e contra a pessoa na sociedade disciplinar segundo Michel Foucault Hannah Arendt O termo totalitarismo era usado pelos fascistas de forma elogiosa Coube a Hannah Arendt 19061975 judia alemã radicada nos EUA descreveu o nazi fascismo e o stalinismo caracterizandoos como totalitários em Origens do totalitarismo de 1951 Tratase de uma forma de domínio que se apropria ao mesmo tempo do individualismo moderno e da alienação das tiranias antigas O Estado totalitário impede o homem de ter relações privadas livres e fora de controle público privao assim de seu próprio eu e ainda destrói os meios de organização política alternativa ao poder estabelecido já que autoriza apenas um único partido político Há assim uma elite dirigente vinculada ao partido que controla o Estado e o acesso ao partido e que proíbe qualquer conduta ou expressão desviante recorre à violência para controlar os corpos e as mentes Constitui um mundo fictício internamente coerente sustentado pelo terror psicológico e perseguição política Ora o interessante é que Hannah Arendt qualifica de totalitário tanto a direita quanto a esquerda tanto o nazifascismo que exterminou milhões de pessoas em campos de 37 concentração quanto o comunismo stalinista que promovera expurgos e assassinatos Angariou assim adversários de todos os lados Alguns anos depois após a morte de Stalin seu sucessor Nikita Kruchev denuncia seus crimes e a filosofia política da pensadora alemã ganha grande importância teórica O que nos chama atenção é a perfeita integração de seu pensamento com a doutrina dos direitos humanos da ONU Hannah Arendt escreve um livro intitulado Sobre a violência em 1969 onde apresenta a mais completa reflexão sobre o papel da violência na política ou no controle das pessoas Tratase especialmente de uma reflexão franca e aberta sobre os movimentos estudantis de 1968 a rebelião estudantil é global e os ideais revolucionários que defendiam a violência como uma forma de superar as injustiças sociais do capitalismo no quadro da guerrafria Ela procura mostrar que a violência e o poder se excluem mutuamente pois o poder reune por meio do consentimento e a violência desagrega devido ao ressentimento A forma extrema do poder é o todos contra um e forma extrema da violência é o um contra todos Diz que a violência é instrumental e que para os poderosos é uma tentação recorrer à violência para continuar no poder contudo o resultado é a impotência Contra Hegel e Marx diz que a violência pode destruir o poder mas é incapaz de criálo Não considera que o mal possa ser a manifestação temporária de um bem oculto essa é uma das características da negação dialética hegeliana da qual Hannah Arendt discorda Uma das implicações de seu pensamento é a política da nãoviolência de Mahatma Gandhi Ela mostra bem que conforme o contexto político a desobediência civil pode ser tratada como uma doença a ser extirpada ou seja com enorme violência com a brutalidade e o massacre ou simplesmente pode alcançar seus objetivos Depende da disposição de quem ocupa o poder e de como este poder se organiza Estas análises nos permitem reconhecer para nós brasileiros um aspecto precário de nossa elite nos anos 60 e 70 que optou pelo terror para calar as críticas Não ousou repetir a mesma solução por ocasião dos cara pintadas que derrubaram o presidente Collor fato que introduziu a política brasileira num ciclo virtuoso ou seja qualitativamente superior Segundo a filósofa alemã exigir o impossível a fim de obter o possível nem sempre é contraproducente De 38 fato a ameaça da revolução e da violência pode angariar algumas boas reformas Notemos assim que uma política de Estado que respeite os direitos humanos introduz uma nova forma de lidar com os conflitos políticos ao longo da história Ora se nos é permitido ainda uma digressão brasileira observamos ainda importantes focos de violência em nossa sociedade é assim preciso restabelecer o poder onde ele está ausente Qual poder Aquele que prescinde de violência Michel Foucault O maior filósofo do século XX é um antifilósofo Esta provocação é uma forma de mostrar que Michel Foucault 19261984 virou a filosofia e as ciências humanas do avesso Mostrou que a história não podia pressupor a continuidade que lhe dava sentido que os conceitos clássicos de soberania instituição governo liberdade para pensar o poder deixam escaper o principal que é a interiorização das ordens que a psiquiatria cria as doenças que diz curar e que vale o mesmo para toda a medicina que a justiça não cuida do justo mas disciplina os corpos que a classe é uma questão de raça que o governo administra o interior da vida e não a liberdade enfim todo o saber não é mais do que a criação de um discurso que internaliza uma forma de vida Tudo funciona como se aqueles direitos humanos que pareciam libertar o homem da opressão na verdade disciplinam e submetem a vida e os corpos a certas práticas O direito que liberta na verdade controla Ademais a verdade nada mais é que uma forma de poder sobre os corpos uma legislação sobre a intimidade Muito bem nossas ciências humanas nos trouxeram até aqui mas o que efetivamente somos Foucault mostra que as respostas disponíveis são todas falseadoras Em A história da loucura Foucault mostra como a loucura foi aos poucos qualifi ada como doença inicialmente associada à lepra e ao isolamento depois ao internamento em instituições psiquiátricas Este procedimento é emblemático para constituição do discurso das ciências humanas Tratase de um discurso de poder constituído a partir dos micropoderes a partir da realidade concreta nas relações pessoais O modelo da soberania cria uma realidade abstrata transcendente distante da motivação real das práticas pessoais da concretude que disciplina os corpos As 39 formas jurídicas se constituem para criar estes micropoderes a vocação transcendente articula a racionalidade da disciplina mas o real é a prática concreta O tema principal para Foucault é o sujeito o indivíduo o poder da classe da instituição do soberano só contam em sua concretude disciplinar para a biopolítica política da vida e dos corpos A violência assim é vista como a consequência necessária e a ameaça contínua da micropolítica apenas a continuação da disciplina eventualmente até mesmo sua condição como se vê em Vigiar e punir Pretendemos aqui apresentar brevemente duas perspectivas de reflexão filosófica sobre o poder a partir da violência e que tem impacto sobre a compreensão dos direitos humanos Apenas um mote para entrarmos na filosofia levando em consideração nossa vida contemporânea 40 REFERÊNCIA BOBBIO Norberto Teoria das formas de governo Brasília UnB 1997 CHAUÍ Marilena Introdução à história da filosofia São Paulo Companhia das Letras 20022010 2 v Monteagudo Ricardo Filosofia e paradigma em Cícero TransFormAção Marília n 25 Marília 2002 Disponível em httpwwwscielobrpdftransv25n1v25n1a04pdf Acessado em 10 dez 2010 ARISTÓTELES Política Tradução de Mário da Gama Kury Brasília UnB 1979 Coleção Pensamento Político BIGNOTTO Newton O tirano e a cidade São Paulo Discurso 1999 FINLEY Moses Democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 GUTHRIE William K C Os sofi Tradução de João Rezende Costa São Paulo Paulus 1995 HAVELOCK Eric Prefácio a PlatãoTradução de Enid Abreu Dobranzsky Campinas Papirus 1996 HERÓDOTO História Tradução de Mário da Gama Kury Brasília UnB 1985 PEREIRA Maria Helena da Rocha Estudos de história da cultura clássica Lisboa Fundação Calouste gulbenkian 1993 v 1 e 2 PLATÃO Protágoras Tradução de Carlos Alberto Nunes Belém UFPA 1983 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextocv000034pdf Acesso em 10 dez 2010 PLATÃO República Tradução de Anna Lia de Almeida Prado São Paulo Martins Fontes 2006 POLÍBIO História Tradução de Mário da Gama Kury Brasília UnB 1985 WOLFF Francis A política de Aristóteles São Paulo Discurso 1999 WOLFF Francis Sócrates o sorriso da razão São Paulo Brasiliense 1988 CHATELET François et al Org História das idéias políticas Rio de Janeiro Zahar 1983 DÉRATHÉ Robert Rousseau e a ciência política de seu tempo São Paulo Barcarola 2010 41 DUSO Giuseppe Org O poder história da filosofia política moderna Petrópolis Vozes 2005 ESPINOSA Bento de Ética Tratado político São Paulo Abril Cultural 1979 Os Pensadores ESPINOSA Bento de Tratado teológicopolítico São Paulo Martins Fontes 2003 ESPINOSA Ética Tratado político São Paulo Abril Cultural 1979 Os Pensadores GROTIUS Hugo O direito da guerra e da paz Ijuí RS Unijuí 2004 2 volumes HOBBES Thomas Leviatã São Paulo Abril Cultural 1979 Os Pensadores LOCKE John Segundo tratado sobre o governo São Paulo Abril 1980 MAQUIAVEL Nicolau Príncipe São Paulo Abril 1973 Os Pensadores MAQUIAVEL Nicolau Discorsi Brasília UNB 1994 Discursos sobre a primeira década de TitoLívio MONTEAGUDO Ricardo Entre o direito e a história a noção do legislador em MONTESQUIEU Espírito das leis São Paulo Abril 1974 Os Pensadores OLIVEIRA Francisco de PAOLI Maria Célia Org Os sentidos da democracia Petrópolis Vozes 1999 ROUSSEAU JeanJacques Discurso sobre as ciências e as artes São Paulo Abril 1980 Os Pensadores DORNELLES João Ricardo O que são direitos humanos São Paulo Brasiliense 1996 Primeiros Passos CONSTANT Benjamin Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Revista Filosofia Política Porto Alegre n 2 p 925 1985 CONSTANT Benjamin Escritos de política São Paulo Martins Fontes 2005 BINOCHE Bertrand CÉRO JeanPierre Bentham contre les droits de lhomme Paris Puf 2007 MARX Karl Sobre a questão judaica São Paulo Boitempo 2010 MARX Karl Manifesto comunista Rio de Janeiro Contraponto 1998 LEFORT Claude Direitos do homem e política In LEFORT Claude A invenção democrática São Paulo Brasiliense 1987 famart GRUPO EDUCACIONAL