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Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação LITERATURA COMPARADA Meu nome é Célia Gaia Sou mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USPSP bacharel em Letras e licenciada em Pedagogia No mestrado pesquisei sobre a representação estética no texto intersemiótico Exerci os cargos de Supervisão Escolar e Direção de Escola junto à Prefeitura Municipal de São Paulo Trabalhei para empresa privada de assessoria educacional como monitora de cursos de Formação Permanente subsidiando e orientando as equipes escolares na elaboração e no desenvolvimento de projetos pedagógicos e projetos de área Concomitantemente a essas funções lecionei Português em todas as séries do Ensino Fundamental e Médio Atualmente trabalho como tutora na EaD Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 claretianoedubrbatatais Profa Ms Célia Gaia Batatais Claretiano 2018 LITERATURA COMPARADA Ação Educacional Claretiana 2015 Batatais SP Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Reitor Prof Dr Pe Sérgio Ibanor Piva ViceReitor Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Administrativo Pe Luiz Claudemir Botteon PróReitor de Extensão e Ação Comunitária Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Acadêmico Prof Me Luís Cláudio de Almeida Coordenador Geral de EaD Prof Me Evandro Luís Ribeiro CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Raquel Baptista Meneses Frata Simone Rodrigues de Oliveira Revisão Eduardo Henrique Marinheiro Filipi Andrade de Deus Silveira Rafael Antonio Morotti Rodrigo Ferreira Daverni Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Bruno do Carmo Bulgarelli Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami Videoaula André Luís Menari Pereira Bruna Giovanaz Marilene Baviera Renan de Omote Cardoso Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 INFORMAÇÕES GERAIS Cursos Graduação Título Literatura Comprada Versão ago2018 Formato 15x21 cm Páginas 232 páginas SUMÁRIO CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO 7 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 8 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 16 4 EREFERÊNCIA 16 UNIdAdE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE 19 2 BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LITERATURA COMPARADA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA 21 3 DA TRADIÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO COMO DISCIPLINA 24 4 DAS RELAÇÕES BINÁRIAS E INFLUÊNCIAS AO BIGBANG MULTIDISCIPLINAR E ESTUDOS INTERARTES 36 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 48 6 CONSIDERAÇÕES 49 7 EREFERÊNCIAS 50 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50 UNIdAdE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE 55 2 ALENCAR E SEU PROJETO DE UMA LITERATURA NACIONAL 57 3 LUCÍOLA UMA APROPRIAÇÃO CRIATIVA 91 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 93 5 CONSIDERAÇÕES 93 6 EREFERÊNCIA 96 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96 UNIdAdE 3 COMUNITARISMO COMUNIdAdE CULTURAL IBERO AFROAMERICANA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE 99 2 CONFLITO LOCALISMO E COSMOPOLITISMO 101 3 LITERATURAS AFRICANAS NO PÓSCOLONIALISMO 106 4 UMA BUSCA DE IDENTIDADE 120 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 122 6 CONSIDERAÇÕES 123 7 EREFERÊNCIAS 124 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 124 UNIdAdE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE 127 2 LITERATURA COMPARADA 127 3 DESAFIOS CONCEITUAIS LITERATURA E HISTÓRIA 128 4 HISTÓRIA QUE SE PRESENTIFICA NA LITERATURA 133 5 CONSTRUÇÃO DE UM CENÁRIO DIEGÉTICO A SELVA DE FERREIRA DE CASTRO 135 6 PROSA MEMORIALÍSTICA BAÚ DE OSSOS DE PEDRO NAVA 146 7 A HISTÓRIA NAS HISTÓRIAS O TEMPO E O VENTO DE ÉRICO VERÍSSIMO 156 8 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA MEMORIAL DO CONVENTO DE JOSÉ SARAMAGO 162 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 173 10 CONSIDERAÇÕES 173 11 EREFERÊNCIAS 175 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 176 UNIdAdE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE 179 2 DIALOGISMO 181 3 INTERTEXTUALIDADE 195 4 ANTROPOFAGIA 215 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 226 6 CONSIDERAÇÕES 227 7 EREFERÊNCIAS 229 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 230 7 CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo ao estudo de Literatura Comparada Nesta obra consta o referencial teórico dividido em cinco unidades ou seja você obterá esclarecimentos sobre a organi zação da Literatura Comparada sobre as formas de participação para uma melhor absorção dos conteúdos e sobre alguns concei tos necessários ao nosso estudo Abordaremos os conceitos tradicionais de fonte imitação influência originalidade e dependência além dos novos paradig mas de análise comparada que permitem a apropriação textual dialogismo intertextualidade e antropofagia Trataremos também de analisar textos operando com os procedimentos e técnicas intertextuais e reconhecendo o co munitarismo literário como forma de desenvolvimento de um comparativismo solidário Dessa forma observaremos as seme lhanças e as diferenças entre literaturas do macrossistema de li teraturas de Língua Portuguesa Após essa introdução aos conceitos principais apresen taremos a seguir no Tópico Orientações para o estudo algu mas orientações de caráter motivacional dicas e estratégias de aprendizagem que poderão facilitar o seu estudo 8 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Profª Ms Célia Gaia Neste tópico apresentase uma visão geral do que será estudado Aqui você entrará em contato com os assuntos prin cipais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportuni dade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade Desse modo essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conhe cimento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com competência cognitiva ética e responsabilidade social Vamos começar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos prin cípios básicos que fundamentam esta obra Na Unidade 1 construiremos uma síntese retrospectiva da Literatura Comparada com base em alguns dos seus principais conceitos operacionais a fim de encontrarmos os parâmetros necessários para a análise comparada atual em seus pressupos tos interdisciplinares e seus estudos interartes Na Unidade 2 veremos que com a articulação da teoria li terária e a Literatura comparada outros campos da investigação comparativista evoluíram como por exemplo as relações inter disciplinares Além disso no decorrer dessa unidade reavalia remos os conceitos de influência e discutiremos a dependência cultural entre metrópole e periferia Já na Unidade 3 compreenderemos as relações entre Lite ratura e História Em seguida na Unidade 4 vamos ultrapassar 9 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO os estudos e as pesquisas que buscam relacionar obras auto res ou sistemas literários Além das relações interdisciplinares teremos ainda a oportunidade de entender como ocorrem as absorções textuais e as relações interartes que se fazem dentro dos novos conceitos que se seguem Por fim na última unidade adentraremos um pouco nos conceitos literários tais como dialogismo intertextualidade e antropofagia com base em exemplificações objetivando escla recer nossos estudos Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá pida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados em Literatura Comparada Veja a seguir a definição dos seus principais conceitos 1 Aforismos ditados frases curtas 2 Alaúde instrumento antigo de cordas beliscadas que ocupa um lugar muito importante na música instru mental dos séculos XVI e XVII Descende em filiação direta dum instrumento persa ou árabe chamado ud aparentado com a antiga guitarra mourisca e intro duzido na Espanha no século XII ou XIII Alud donde derivou para laud em espanhol laude em português que deu alaúde e lut em francês arcaico QUEIMA DO 2015 3 Dialogismo o dialogismo bakhtiniano é a ciência das relações que busca observar a interação existente en tre os enunciados e os fenômenos do homem com o mundo Todos os fenômenos analisados à luz do dia 10 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO logismo são considerados em sua bidirecionalidade a orientação entre um EU e um OUTRO MACHADO 1995 p 310 4 Epopeia invocação proposição e narração 5 Imagemmiragem nos estudos comparados significa a verdadeira ou falsa ideia que uma nação tem da lite ratura de outra nação 6 Imagologia estudo das imagensmiragens 7 Intermediários meios que transmitem as influências 8 Intersemiose os discursos do vasto campo que o ter mo literatura hoje abarca prosa poesia cinema can ção internet podem ser analisados como linguagens em constante processo de reelaboração O significado acontece na relação entre as diferentes linguagens 9 Intertextualidade termo da teoria de Júlia Kristeva 2005 Designa o processo de produtividade do texto literário que se constrói como absorção ou transforma ção de outros textos 10 Literariedade o que faz com que um texto seja lite ratura Bakhtin designa este aspecto de literariedade que conforme Irene Machado em seu vocabulário crí tico é o processo de enobrecimento da linguagem através de recursos estilísticos consagrados pela lín gua culta MACHADO 1995 p 313 11 New criticism movimento norteamericano que junto ao Formalismo russo rompeu com a noção de que a Li teratura deve ser analisada sob o prisma de outra dis ciplina Os novos estudiosos querem uma análise ima nentista da Literatura uma análise dos sons e ritmos dos versos das estruturas narrativas da prosa enfim 11 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO de aspectos estritamente literários que se encontram no texto 12 Semiose este é um termo introduzido por Charles Sanders Peirce 18391914 para designar o processo de significação a produção de significados Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações entre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteú dos de ensino Com base na teoria de aprendizagem significativa enten dese que por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu conhecimento de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem escolar tais como planejamentos de currículo sistemas e pes quisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase 12 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que estabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do alu no Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configu re como uma aprendizagem significativa Para isso é importante considerar as entradas de conhecimento e organizar bem os ma teriais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes es truturas cognitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimen to por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgs bredutoolsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 13 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Literatura Comparada Babel da Literatura Comparada Espaços de intersecção Comunidade Cultural Ibero AfroAmericana Literatura História Dialogismo Intertextualidade Antropofagia Interdisciplinari dade Dumas Autores Alencar Figura 1 Esquema dos Conceitoschave de Literatura Comparada Como pode observar esse Esquema oferece a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo Ao seguilo será possível transitar entre os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensinoaprendizagem O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no am biente virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realizadas presencialmente no polo Lembrese de que você alu no EaD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento 14 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas ques tões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertativas Responder discutir e comentar essas questões bem como relacionálas com a prática do ensino de Literatura Comparada pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tra tado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte in tegrante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos abordados pois relacionar aquilo que está no campo vi sual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual 15 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Dicas motivacionais Este estudo convida você a olhar de forma mais apurada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao com partilhar com outras pessoas aquilo que você observa permite se descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é por tanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Letras na modalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e consistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor pre sencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugerimos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas ques tões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadurecimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procuran do sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores 16 LITERATURA COMPARADA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta obra entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KRISTEVA J Introdução à Semanálise Tradução de Lúcia Helena França Ferraz 2 ed São Paulo Perspectiva 2005 Coleção Debates 84 MACHADO I O romance e a voz a prosaica dialógica de Mikhail Bakhtin Rio de Janeiro ImagoSão Paulo Fapesp 1995 4 EREFERÊNCIA Site pesquisado QUEIMADO C Alaúde Disponível em httpwwwminervauevorapt netdays99musicaindexhtmindice Acesso em 23 jul 2018 17 UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Adentrar no terreno da Literatura Comparada é prepararse para caminhar por trilhas diversas do pensamento humano É desprezar fronteiras e penetrar em territórios diferentes e descobrir que o Outro pode ser o Mesmo ou que o Outro pode ser Eumesmo ou simplesmente o Outro é valerse da oportunidade de olhar longe para ver de perto como o Outro fala do que o Outro fala o que o Outro pensa onde o Outro vive como vive é enfim estabelecer comparações atitude normal do ser humano ALLEGRO 2004 Objetivos Identificar a alteração constante de paradigmas na Literatura Comparada mediante o estudo da evolução histórica da disciplina Reconhecer os principais conceitos embasadores dos estudos comparados Conteúdos Evolução do campo e métodos da Literatura Comparada Principais conceitos embasadores das análises comparativas 18 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explicitados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitoschave para o estudo de todas as unidades deste material Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho 2 Pesquise novas fontes e troque experiências com seus colegas e tutor pois toda experiência é bemvinda e ajudará no aprendizado 3 Para fixar os conteúdos desta unidade recomendamos a releitura dos tex tos deste material Sugerimos também que você realize apontamentos com o objetivo de comparar e aprofundar os pontos de destaque utili zandose das fontes aqui listadas e indicadas como indispensáveis para o estudo deste tema 19 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Sejam bemvindos aos estudos da Literatura Comparada Pelas veredas e trilhas da Literatura Comparada o que vamos exercitar é a nossa interdependência que exige abertura para acolher e incluir bem como humildade para receber e aprender E como nos diz o pensamento Nenhum homem é uma ilha completa em si mesma cada ho mem é o pedaço de um continente parte de um todo se um pequeno cabo é levado pelo mar a Europa menor fica tal como se promontório fosse ou o fossem a casa de teus amigos ou a tua qualquer morte de homem me diminui porque perten ço à humanidade e portanto nunca mandes saber por quem o sino dobra ele dobra por ti DONNE apud LIMA 1997 p 143159 Vamos iniciar pontuando que comparar é um ato que exige um pensamento relacional Comparar literaturas é um ato que vai além que exige um olhar sensível para a amplidão dos fenô menos e aspectos que envolvem a arte da palavra e as outras artes Estudar Literatura Comparada é abraçar a solidariedade e perceber o quanto somos interdependentes e o quanto pode mos nos conhecer através do Outro Como nos diz a epígrafe a comparação exige sempre um Outro para que possamos ex pressar juízos de valor em relação a um Eu Pode ser que exija também dois Outros para um olhar de um terceiro Também é possível descobrir neste Eu elementos a serem compara dos Ou no Outro também podemos descobrir comparações possíveis Conforme Carvalhal 1998 p 6 comparar é um procedi mento que faz parte da estrutura de pensamento do homem e da organização da cultura A comparação não é um método es pecífico mas um processo mental capaz de viabilizar a generali 20 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA zação ou a diferenciação Assim a crítica literária quando analisa uma obra pode estabelecer confrontos dessa obra com outra ou de dois aspectos numa mesma obra a fim de avaliar seu valor Entretanto quando a comparação é a base para um estudo crítico ela passa a ser um método e a configurar um estudo com parado A comparação é sempre um meio e não um fim em si mesma ela é um procedimento de se observar e explorar aspec tos relevantes para que se atinja um objetivo Não comparamos simplesmente por comparar Comparamos para fundamentar al guma hipótese ou tese levantada Em nossa primeira unidade tentaremos construir uma sín tese retrospectiva da Literatura Comparada mediante a aborda gem de alguns dos seus principais conceitos operacionais com o objetivo de encontrarmos os parâmetros necessários para a análise comparada atual em seus pressupostos interdisciplinares e seus estudos interartes Não se assuste com tantos conceitos datas e nomes Não é preciso decorálos Basta entender a ideia que transmitem Queremos também ressaltar que quando mencionamos Literatura Comparada um questionamento básico sempre surge A Literatura Comparada existe como disciplina Ou apenas existe um método de comparação que se aplica às literaturas Esta pergunta é difícil de ser respondida já que é possível que nem mesmo os grandes mestres do comparativismo tenham respostas precisas para ela O que podemos afirmar é que os estudos de Literatura Comparada estão envolvidos desde que surgiram em intensas polêmicas conceituais sobre sua função seu objeto e o campo de atuação Isto porque seus pressupostos mudam constantemente ao longo do tempo e em diversos espa 21 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA ços de acordo com a evolução teórica tanto das disciplinas afins da Literatura quanto da própria Literatura A comparação se faz em tempos e espaços próximos ou diferenciados quer seja a comparação entre literaturas de di ferentes nacionalidades quer seja entre Literatura e disciplinas afins como a História a Filosofia e a Psicanálise quer seja entre as diferentes artes Novos olhares refazem constantemente estu dos anteriores diante da evolução dos estudos disciplinares e de novas configurações contextuais Por isso é impossível entender o momento presente sem uma abordagem dessa evolução 2 BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LITERATURA COMPA RADA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA De acordo com Nitrini 1997 p 19 bastou existirem duas literaturas para se começar a comparálas com o intuito de se apreciar seus respectivos méritos ainda que neste estágio os estudos acontecessem de forma empírica Somente no século 20 os estudos comparados de Literatura passaram a se constituir numa disciplina acadêmica no contexto europeu dada uma visão cosmopolita que incentivou viagens e encontros entre grandes pensadores e intelectuais da época No Brasil a Literatura Comparada tornouse disciplina acadêmica apenas no início do século 20 Ainda conforme Nitrini 1997 o ensino de Literatura Com parada iniciouse com Abel Villemain JeanJacques Ampère Philarète Chasles em 1828 1830 e 1835 respectivamente nas universidades francesas Veja o que diz um de seus fundadores Philarète Chasles na aula inaugural numa tentativa de definir o objeto da nova disciplina 22 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Deixenos avaliar a influência de pensamento sobre pen samento a maneira pela qual os povos transformaramse mu tuamente o que cada um deles deu e o que cada um deles re cebeu deixenos avaliar o efeito deste perpétuo intercâmbio entre nacionalidades individuais como por exemplo o espírito bem afastado do norte permitiuse finalmente ser penetrado pelo espírito do sul como as nuanças do sul misturaram se com a profunda análise de Shakespeare como o espírito romano e italiano adornou o credo católico de Miltom e final mente a atração as simpatias a vibração constante de todos esses pensamentos vividos amados exaltados melancólicos e reflexivos alguns espontaneamente e outros por causa do estudo todos submetendose a influências que receberam como presente de todos por sua vez emitindo novas e impre vistas influências para o futuro CHASLES apud NITRINI 1997 p 20 grifo nosso O que percebemos nessa citação é que a Literatura Com parada teve início com a análise das influências de uma litera tura sobre a outra com seus estudos centrados em pesquisas de ideias temas gêneros personagens que possuíssem relações e traços comuns Faziase uma síntese históricoestética das obras literárias Mas há tempo que as relações binárias duas obras duas literaturas dois autores e influências deixaram de ser o foco da disciplina e são meros retratos na parede CARVALHAL 1998 Confrontos entre obras autores ou temas a fim de constatar quem imitou quem cada vez mais se esvaziam surgindo novas perspectivas de análise crítica das obras literárias Termos da Literatura Comparada clássica tais como fonte originalidade influência autonomia dependência metrópole periferia têm sido relativizados e reavaliados em função das no vas correntes teóricas da produtividade textual a intertextua lidade de Kristeva e o dialogismo de Bakhtin e das teorias da 23 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA recepção literária a estética da recepção de R H Jauss Os tex tos dialogam e se interpenetram Há diálogos entre textos entre disciplinas afins entre passado e presente Diálogos e mais diá logos que vão construindo e destruindo textos e contextos A revolução eletrônica vem intensificar tal reavaliação possibilitando a quebra das barreiras formais entre as artes vis to que desencadeia a confederação da escritura ou seja num mesmo contexto encontramos diferentes linguagens artísticas O livro deixou de ser feito somente de palavras e integrase prin cipalmente à imagem foto pintura desenho grafismo projeto gráfico etc As novas mídias empregam num mesmo contexto diferentes linguagens O que se observa é que novas tecnologias de dissemina ção da informação redimensionam a nossa noção de escritura como intercomplexa e intersemiótica Os abalos no interior de cada arte e consequentemente entre as artes preparam para uma sinestesia dos sentidos humanos para a hipercomplexidade e intersemioses nos ofícios da criação tanto na produção quanto na recepção Parece complexo mas não é Sabe o que isto quer dizer Quer dizer que cada vez mais vamos encontrar mídias que inte gram diferentes linguagens que uma linguagem se altera diante da outra e que nossa interpretação desse novo objeto de arte acontecerá com a integração de sensações e consequentemen te com a integração dos estudos disciplinares Não é assim que acontece com um vídeo Já ouviu também falar da videopoesia Ela integra palavra som e imagem As linguagens verbais e não verbais estão integradas o significado de uma linguagem depen de da outra São os chamados estudos comparados interartes 24 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Nesta retomada avaliativa Carvalhal 1996 em seu arti go A Literatura Comparada na confluência dos séculos destaca pelo menos dois pontos que considera fundamentais na análise do problema A institucionalização da Literatura Comparada como dis ciplina acadêmica no século XX Neste momento o seu ensi no firmase na Europa e América do Norte com uma tradição de pesquisa e ensino Nas décadas de 6070 difundese para a América Latina ingressando nas universidades brasileiras em articulação com a Teoria Literária A atuação marcadamente interdisciplinar dos estudos de Li teratura com alteração de conceitos considerados definitivos Tal tendência é considerada como decorrente do encontro da Teoria Literária com a Literatura Comparada encontro que es tabeleceu uma fundamentação teórica aos estudos literários capaz de alterar paradigmas nas diversas disciplinas que se ocupam deles Apoiandonos nesses dois pontos é que busca remos destacar os principais conceitos deles decorrentes CARVALHAL 1996 p 1118 Assim podemos afirmar que é esse emaranhado de con ceitos que operam os estudos comparados Fios que iremos de sembaraçando aos poucos para descobrir como se entrelaçam na construção das obras literárias Vamos detalhálos nos próxi mos tópicos 3 DA TRADIÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO COMO DISCIPLINA Desde o início dos estudos comparados acontece uma discussão ininterrupta sobre o objeto o campo o método e o objetivo da disciplina Vamos a alguns pontos que refletem essa construção histórica dos diferentes aspectos da Literatura Comparada 25 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Literatura Comparada como parte do campo da Literatura Geral Como citamos no tópico anterior a França iniciou seus estudos comparados com trabalhos que a princípio foram de nominados de panoramas comparados história comparada Li teratura Comparada Veja o título da obra de Ampère História da Literatura Francesa na Idade Média comparada às literaturas estrangeiras Pelo título perceba o foco histórico na comparação das literaturas Somente em 1887 em Lyon e em 1910 na Sor bonne foram criadas as primeiras cátedras da disciplina A esse respeito podemos nos perguntar como era vista a disciplina e seu campo de estudo Chasles afirma que apud CARVALHAL 1998 p 10 Nada vive isolado todo mundo empresta a todo mundo este grande esforço de simpatias é universal e constante Assim formaram se as noções de evolução continuidade e derivação que inte gravam o ideal cosmopolita Pensavase numa literatura univer sal E é claro que esta visão trazia implícito o conceito de que os que recebiam influências tinham um valor menor Havia uma hierarquização das literaturas Coitados de nós que recebemos a herança dos colonizadores Estávamos sempre devendo algo à Europa O escritor Goethe chegou até a criar o termo Weltliteratur propondo uma Literatura Geral de fundo comum composta pela totalidade das grandes obras literárias Era o espírito cosmopoli tista buscando integrar todos numa Literatura Geral No final do século 19 e início do século 20 surgem na Ale manha na Inglaterra na Itália e em Portugal estudos departa mentos e a disciplina de Literatura Comparada No entanto ela será encaixada dentro dos estudos de Literatura Geral como uma área desta Seus estudos serão subsidiários da Literatura Geral 26 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Observe o seguinte trecho À denominação literatura geral também é associada a de literatura mundial mais conhecida pelo termo Weltlitera tur cunhado por Goethe em 1827 Embora se tenha prestado a várias interpretações esse termo foi utilizado por Goethe em oposição à expressão literaturas nacionais para ilustrar sua concepção de uma literatura de fundo comum compos ta pela totalidade das grandes obras espécie de biblioteca de obrasprimas Mas além desse significado podemos entender ainda o termo de acordo com o pensamento de Goethe como a possibilidade de interação das literaturas entre si corrigindo se umas às outras CARVALHAL 1998 p 12 Os contatos genéticos e a perspectiva histórica As propostas clássicas seguiam duas orientações básicas e complementares a validade dos estudos comparados dependia de um contato real e comprovado entre os autores e obras ou entre autores e países e a vinculação dos estudos literários com parados com a perspectiva histórica Estudavamse as fontes e as influências e estabeleciamse filiações imitações empréstimos e a fortuna crítica das obras fora do país de origem Eram comuns temas como Goethe na França ou Taine e a Inglaterra a influência de Lamartine em Álvares de Azevedo Podemos citar uma publicação brasileira que trabalha com os conceitos de influência e filiação A presen ça dos Irmãos Grimm na Literatura Infantil e no folclore brasilei ro de Adelino Brandão 1995 Destacavamse ainda por exemplo as influências dos poe tas franceses nas obras dos poetas românticos brasileiros as in fluências da literatura europeia na literatura brasileira as fontes medievais da literatura infantil etc Devemos lembrar que esses 27 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA estudos traziam uma relação de dependência cultural dos cen tros periféricos diante dos centros metropolitanos Tal visão da disciplina parecia fundamentarse especial mente no conceito de influência Na concepção tradicional esse conceito apesar das diferentes posições dos comparatistas re velava uma relação de hierarquia com o privilégio do modelo considerado antecipado e original e a desvalorização da recep ção vista como passiva e dependente Em contrapartida a Literatura Comparada passou a ser um ramo da história literária Procuramse os pressupostos de uma história dos grandes movimentos literários no mundo ocidental com base na comparação entre eles Muitos historiadores passa ram a assumir o ensino da disciplina em decorrência dessa visão histórica predominante Escolas francesa norteamericana e do Leste europeu Os manuais costumam denominar por escola francesa e escola norteamericana as duas perspectivas de estudos com parados que se chocaram em dado momento Na escola francesa predominaram os estudos de relações causais entre autores e obras numa visão historiográfica enquan to na escola norteamericana havia o privilégio da análise do tex to literário em detrimento das relações entre autores ou obras e estritamente dentro das fronteiras de uma única literatura A crise entre esses dois pontos de vista tornouse mais acentuada com René Wellek que se opôs ao historicismo domi nante nos estudos franceses defendendo a posição norteame ricana que apresentava maior ecletismo e baseava seus princí pios no New criticism estudar o texto em si mesmo 28 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Essas divergências estão bem atenuadas na atualidade ha vendo muito da orientação historicista nos estudos de Literatura NorteAmericana e uma multiplicidade de estudos que abordam vários campos de atuação entre os estudiosos franceses Fora dessa disputa os comparativistas soviéticos adotaram a compreensão da Literatura como fenômeno fechado e depois como produto histórico estudando tipologias e importações cul turais num enfoque inicial mais estruturalista Vamos detalhar mais cada uma delas Escola francesa evolução de seus pressupostos Na França a grande produção na Literatura Comparada fez com que a sua orientação fosse a mais difundida A tradição da França espalhouse por outros continentes Em 1931 o francês Paul Tieghem definiu o objeto da Li teratura Comparada como o estudo das diversas literaturas em relações recíprocas NITRINI 1997 Assim o objetivo da discipli na é descrever a passagem de um componente literário de uma literatura para outra A metodologia indicada para tal estudo é a focalização do objeto de passagem ou seja o que foi transpos to gêneros estilos assuntos temas ideias situações persona gens procedimentos sentimentos etc e a observação de como se deu essa passagem Se a observação for realizada do ponto de vista do emissor ou seja daquele que influencia podese estudar o sucesso de uma obra de um escritor de um gênero de uma literatura intei ra num país estrangeiro e estudar a influência de um escritor de uma obra de um gênero sobre outro escritor sobre outra obra estrangeira e sobre os demais aspectos 29 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Se a observação for realizada do ponto de vista do recep tor ou seja daquele que é influenciado estudamse as fontes de um escritor e de uma obra Outra possibilidade ainda é a de estudar os intermediários dessa transmissão indivíduos específicos salões sociais viajan tes críticas de jornais e revistas traduções e publicações mi grantes colonizadores entre outros Carvalhal 1998 analisa outros comparativistas franceses e faz uma crítica à postura de um deles Guynard Ela o define como aquele que se coloca nas fronteiras lingüísticas ou nacio nais controla as trocas de temas idéias livros ou sentimentos entre duas ou várias literaturas GUYNARD apud CARVALHAL 1998 p 28 Essa autora critica a visão que faz do comparativista um fiscal de trânsito ou do intercâmbio cultural Essa visão foi quebrada por outro francês Etiemble que se encarregou de contestar as divisões entre Literatura Geral e Literatura Comparada e as divisões políticas e geográficas Ele submeteu o comparativismo tradicional francês a um cons tante questionamento criticando a extremada perspectiva nacionalista Conforme Nitrini 1997 Etiemble afirmou que os valores se trocam há milênios e que as civilizações humanas não podem ser compreendidas sem essas trocas Esse autor compreende a interdependência universal das nações o que faz com que as obras de uma nação sejam propriedade comum de todas as na ções expressando claramente a visão marxista Dessa forma Nitrini 1997 desmistificou a dependência cultural e abriu espaço para as pequenas literaturas descartando o chauvinismo cultural o nacionalismo e a proibição das influên 30 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA cias Destacou também que se estudam as influências do país em outras literaturas mas que se desconhecem as influências das culturas estrangeiras na cultura francesa Assumiu portanto uma atitude antiimperialista e anticolonialista Concluímos que Nitrini 1997 procurou os aspectos co muns as invariantes de obras parecidas postulando a poética comparada Além disso recusouse a estudar problemas mar ginais da Literatura que desconhecem os textos em si mesmos propondo a combinação de dois métodos a investigação históri ca e a reflexão crítica Escola norteamericana seus pressupostos No 2º Congresso Internacional de Literatura Comparada realizado em Chapel Hill em 1958 houve grande abalo nos es tudos comparados durante muito tempo dominados pelos estu diosos franceses Nesse congresso René Wellek fez uma conferência de im pacto que logo após foi publicada como A crise da Literatura Comparada Ele expressou todo o pensamento antipositivista que já estava inserido no meio acadêmico Para ele a Literatura Comparada tinha se limitado até então a estudar mecanicamente as fontes e as influências as relações de fato a fortuna a reputação ou a acolhida e as causas e conseqüências deterministas das produções literárias WELLEK apud NITRINI 1997 p 34 Wellek manifestouse claramente sobre a inutilidade dos estudos realizados até então afirmando que o que essas re lações indicavam era apenas que um autor conheceu o outro Propôs que ao invés de fatos inertes houvesse uma tomada de consciência sobre os valores e as qualidades das obras literárias 31 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA reconhecendo o valor da crítica como critério de seleção carac terização e avaliação das obras para a constituição de um siste ma literário Assim o que deve ser estudado é a literariedade da obra ou seja aquilo que faz com que um texto seja arte literária o enobrecimento da linguagem CARVALHAL 1998 p 36 René Wellek desvelou os pontos fracos das propostas clás sicas a saber uma exagerada ênfase no determinismo causal das relações e nos fatores não literários nas relações binárias redutoras deixando de lado os textos em si mesmos No entanto ele não definiu uma atuação comparativista levando a uma crise da disciplina Os pontos frágeis de sua teoria são a recusa dos estudos da imagologia e do caráter histórico da literatura De acordo com Carvalhal 1998 p 39 a Literatura Com parada como atividade crítica não precisa excluir o histórico Evitandose seu exagero o historicismo os dados literários o verso o ritmo a narrativa etc e os extraliterários como con texto aspectos históricos vida do autor etc fornecem à críti ca literária à historiografia literária e à teoria literária uma base fundamental Comparatismo do Leste Europeu A crise do comparativismo levantada por Welleck ao cri ticar o princípio causalista dos estudos de fontes e influências da ênfase a fatores não literários da análise de contatos estéreis sem atentar para os textos em si mesmos do binarismo reducio nista da caça às semelhanças desencadeou a busca de novos caminhos para a disciplina Novos autores procuraram caminhos para a crise 32 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA O grupo estruturalista russo teve como principais repre sentantes Durisin Tynianov e Mukarovsky Esse grupo rejeitou o estudo da gênese que se apoiava na Sociologia e na Biologia e postulou o princípio da imanência da obra o texto como um sistema fechado analisado dentro de suas marcas e sem relação com a história Essa postura favoreceu a descrição do texto literário em si mesmo e desconheceu os elementos extratextuais Postulou se a elaboração de princípios gerais para os diferentes tipos de gêneros literários como por exemplo o de Propp que propôs 31 funções para a fábula Há toda uma classificação e um estudo sobre os gêneros literários Estudaram por exemplo a estrutura do gênero romance Tais estudos formalistas buscaram definir a estrutura dos diferentes fenômenos literários Um novo grupo fugiu das concepções fechadas do texto resgatando as ligações deste com a história Tyanianov alertou para o fato de um mesmo elemento ter funções diferentes em sistemas diferentes Esse autor não levava em conta apenas o elemento em si mas a função que este exercia em cada contexto Tyanianov já alertava que uma obra se constrói como uma rede de relações diferenciais disposta tanto pelas relações com os textos que a antecedem quanto pela relação com os textos simultâneos ou ainda pela relação com sistemas não literários No entanto a abertura para o estudo das relações extra textuais se deu com Mukarovsky e especialmente com Bakhtin que ressaltou o texto literário como um mosaico uma cons trução polifônica e caleidoscópica Bakhtin resgatou a perspec tiva diacrônica que foi descartada pelos primeiros formalistas que rejeitavam a perspectiva histórica 33 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Bakhtin construiu a teoria do dialogismo considerando que um texto dialoga com outros textos e contextos Mas não pense que dialogismo é um simples diálogo pois se configura como uma teoria complexa de análise de encontros e confrontos expressos nos textos literários Esse autor questionava Quem fala em mim quando falo Que discursos estão implícitos no meu discurso dos quais muitas vezes não tenho consciência Quando nos expressamos nosso discurso é um emaranhado de conhecimentos e vivências adqui ridos culturalmente Diante desse contexto afirmou que o texto escuta as vozes da história e não mais as representa como uma unidade mas como um jogo de confrontações Utilizandose das teorias anteriores Kristeva 2005 chegou à noção de intertextualidade o que acarretou uma retomada e um redimensionamento dos conceitos operacionais subtraise deles os traços de dependência antecipação e originalidade Isto se dá pelo fato de sua teoria considerar a sociabilidade da escrita e a coletivização da obra bem como a investigação das redes intertextuais o exame dos modos de absorção e transformação criativos Esses conceitos ampliaram não somente a compreensão dos procedimentos textuais mas também da produção literária comprometendo a velha questão da originalidade O conceito de imitação ou cópia perdeu seu caráter pejorativo dada a diluição da noção de dívida firmada na identificação da influência Literatura Comparada no Brasil Dando continuidade aos nossos estudos iniciaremos este tópico com dois questionamentos como os posicionamentos 34 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA desses autores repercutiram e ainda repercutem no Brasil Como e quando se começou a fazer pesquisas nessa área no Brasil João Ribeiro foi o primeiro autor a dedicar um capítulo de seu livro Páginas de Estética 1905 a pesquisas sobre a Literatu ra Comparada Nesse capítulo ele apresentou o comparativismo de uma perspectiva histórica defendendo que se pudesse tra çaria as fronteiras das demais literaturas com a nossa erudita refletida artificial tardiamente criada sobreposta e dobrada so bre a arte popular CARVALHAL 1998 p 22 Observe a visão de dependência exposta por tal afirmação Surgiram outros estudos de vários autores mas sempre segundo os modelos franceses Podemos exemplificar com o es tudo de Eugênio Gomes Machado de Assis Influências inglesas 1930 Neste ensaio ele rebateu a acusação de Sílvio Romero que acusou Machado de Assis de macaquear Sterne Veja que o ponto em discussão é sempre o da influência e da originalidade Como você pode perceber nossa literatura sempre foi marcada pelo processo de colonização o que fez com que os es tudos literários fossem moldados pelo modelo europeu Desse modo a comparação de autores obras ou movimentos já existia desde o início do século 20 mas sempre calcada nos estudos de fontes e influências Havia sempre a valorização e a superioridade da fonte em detrimento da literatura local que sempre foi vista como depen dente em relação aos padrões europeus Mesmo a própria perio dização da Literatura Brasileira segue os parâmetros das literatu ras europeias deixando de observar as especificidades de nosso contexto e autores 35 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Tânia Franco Carvalhal afirmou em uma entrevista conce dida a Freitas 2003 para o Jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que parece ser natural fazer Literatura Com parada para uma literatura jovem como a nossa Ressaltou que sempre se fez de maneira espontânea sem a preocupação de se institucionalizar esse tipo de estudos o que só aconteceu com a Fundação da Associação Brasileira de Literatura Comparada na UFRGS em 1986 A Literatura Comparada apareceu como disciplina no curso de Letras da Universidade de São Paulo em 1961 incluída na área de Teoria Literária Em 1962 a área passou a denominar se de Teoria Literária e Literatura Comparada por iniciativa do professor Antônio Cândido que sempre pautou seus estudos teóricos e suas análises nas relações da formas literárias com os processos sociais Sua visão marcada pelo marxismo abriu espa ço para os estudos de Literatura e Sociedade de Literatura e His tória e das Literaturas africanas na Universidade de São Paulo Iniciouse uma nova etapa na qual se questionavam no ções cristalizadas de autoria cópia influência e originalidade As novas abordagens comparatistas colocaram o texto brasileiro não como devedor mas como um revitalizador como um desvio da norma e uma resposta criativa ao primeiro Passou a preva lecer o elemento diferencial do texto em relação ao que lhe deu origem evidenciando o diálogo intertextual Outro elemento que passou a figurar nos estudos foi o da inversão de posições a influência da Literatura Brasileira sobre a europeia a norteamericana e outras mais Resumiuse à procu ra de um diálogo em pé de igualdade COUTINHO 2000 Sabe onde iniciamos nossa recuperação de autonomia e independência Provavelmente na antropofagia oswaldiana 36 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Com sua linguagem metafórica poética e humorística propôs sua teoria Só a antropofagia nos une Socialmente Economica mente Filosoficamente Num retrospecto da História Brasileira que se iniciou com a devoração do bispo Pero Vaz de Sardinha pelos índios caetés de Alagoas Oswald de Andrade 1928 apre goou a necessidade de dessacralizar o patriarca por meio do ri tual antropofágico A expressão máxima dessa apropriação cria tiva é Tupy or not Tupy como uma paródia antropofágica que se apropria criativamente da dúvida hamletiana 4 DAS RELAÇÕES BINÁRIAS E INFLUÊNCIAS AO BIGBANG MULTIDISCIPLINAR E ESTUDOS INTERARTES As repercussões das novas teorias nos conceitos tradicionais A evolução da Literatura Comparada fez que conceitos como fonte e influência originalidade e imitação autonomia e dependência metrópole e periferia cosmopolitismo e naciona lismo fossem relativizados e reavaliados diante das novas teorias O conceito de imitação será motivo de polêmicas teóricas Anteriormente numa perspectiva ainda tradicional a va lidade das comparações literárias dependia da existência de um contato real e comprovado entre autores e obras entre autores e países estabelecendose estudos relativos às traduções imita ções críticas empréstimos fortuna crítica entre outros O conceito de imitação restringiase a contatos localizados e centravase nos detalhes materiais mais visíveis tais como tra ços de composição episódios procedimentos frases palavras que se repetiam em duas ou mais obras 37 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Após os novos estudos houve uma evolução do concei to de imitação que partiu da mimese ou imitação da natureza como forma de arte passou pela aceitação da imitação dos pro cedimentos dos grandes autores antigos pela adaptação renas centista pela superação o que resultou numa gradação atual do que seja imitação tradução paráfrase estilização e paródia Em cada um desses procedimentos é feito um tipo de imi tação do original pois o artista pode transcriar reler ou mo dificar diferentes textos obras autores ou movimentos sem no entanto ter um valor pejorativo Assim surgem várias formas de absorção criativa de textos no Modernismo colagem pasti che plagiarismo burlesco farsa citação alusão etc Os conceitos de fonte e influência ganharão também um novo olhar O conceito de influência é mais difícil de ser verificado que o conceito de imitação tratandose de uma aquisição mais den tro de uma visão ideológica e artística do receptor temas co muns situações parecidas procedimentos artísticos semelhan tes etc Diante das novas teorias numa perspectiva mais abrangen te esses aspectos serão analisados como diálogos intertextuais entre as diversas culturas e sua produção literária Num diálogo não há relações hierárquicas e de dependência As literaturas passam a se encarar como partícipes de um movimento mais amplo da cultura Noções como autonomia e dependência me trópole e periferia deixarão de ser balizas de julgamentos das obras literárias 38 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA O conceito de originalidade acompanhou este mesmo trajeto No ideário tradicional são consideradas posições tais como a originalidade total sem modelo e a relativa com sua marca própria bem como os dois sentidos possíveis em francês do termo original como origem o que abre caminho e original como aperfeiçoamento do que os outros produziram via desvio ou deformação reversibilidade sátira da convenção ou aperfei çoamento de uma técnica No ideário mais atual a originalidade é sempre um ato criador que independe das fontes influências ou imitações Tor nase um ato devorador que valoriza os processos criativos de transformação e reconstrução do que está posto no passado e no presente A originalidade está ligada à diferença que o tex to considerado dependente consegue inaugurar em relação ao anterior Merece destaque nesta discussão a expressão de Paul Va léry do leão que é feito de carneiro assimilado para quem a problemática da influência e da originalidade confundese com o ato de ingerir digerir e nutrirse A originalidade nessa visão é conseguida pela devoração antropofágica do outro e sua trans formação num ato criador inteiramente novo Os conceitos de diferença e dependência Estes conceitos aparecerão marcadamente no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade 1928 um dos precursores do Modernismo brasileiro Nesse manifesto constam duas das famosas frases que ex pressam a contradição dos países colonizados Tupy or not tupy that is de question e Sou um tupi tangendo um alaúde 39 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA O que essas frases nos mostram é o questionamento de ter ou não ter uma identidade nacional De ser nacional mas ter consciência de que trazemos uma herança da metrópole o alaúde Para a Antropofagia a diferença era um recurso por meio do qual se garantia a nossa identidade nacional por isso a com paração não se fixou nas afinidades mas nas diferenças que que bravam o caráter de dependência cultural Na perspectiva oswal diana a devoração do estrangeiro era decisiva para a construção de uma identidade nacional Essa devoração não podia ser entendida como simples assimilação da cultura europeia mas como processo de seleção ou seja o desenvolvimento de ca pacidade crítica de selecionar o que interessava à nossa cultura Percebemos que o representante da cultura periférica e dependente investia contra o colonizador devorandoo para as similar somente aquilo que lhe servia Podemos pontuar que a intertextualidade conseguiu estudar esse processo de devoração cultural Nesse caminho a Literatura Comparada brasileira abriu es paço para um diálogo com as demais literaturas latinoamerica nas As literaturas periféricas passaram a se olhar Enfim a autonomia cultural não está em se recusar a olhar para fora mas na capacidade de fazer desse olhar um olhar crítico Teorias propostas por outros autores Outros autores propuseram teorias que desrespeitaram se assim se pode afirmar todos esses conceitos criando teorias que podemos chamar pelo chavão do velho guerreiro nada se 40 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA cria tudo se copia No entanto não era mais a cópia pela cópia mas uma recontextualização significativa e criativa de diversos fenômenos literários Veja alguns desses teóricos Para Bloom cada poema é a disputa do Laio com Édipo é a cristalização do atrito sendo a influência um mal benéfico O autor descreve o processo das modalidades de apro priação denominadas clinamen desleitura ou desapropriação poética tessera complementação artística kenosis esvazia mento ou vazante em relação ao precursor demonização con trassublime demonizado o efebo o precursor é necessariamen te humanizado askesis sublimação poética apophrades dia de má sorte os mortos voltam às casas onde haviam vivido Se eliminarmos toda essa complexa denominação o que podemos perceber é que esses termos evidenciam diferentes formas do autor e criador encarar e transformar o que já existe Podese desler complementar modificar humanizar sublimar ou reviver durante o ato de criação Nessa mesma linha surgiram T S Eliot e Jorge Luís Borges para os quais uma obra atual reescreve o passado e subverte as convenções cada obra prolonga ou rompe a tradição literária Borges subverte o conceito de originalidade pois o texto inova dor é aquele que possibilita uma leitura diferente dos que o pre cederam já que a tradição pode ser lida do final para o começo Borges afirma que cada escritor cria seus precursores e modifica a concepção do passado como há de modificar a con cepção do futuro Dessa maneira Borges abala a noção de dí vida pois se há algum devedor este é o texto anterior O texto novo subverte a ordem estabelecida e sua leitura remete à relei tura do passado É o texto atual que leva o leitor a ler o texto do passado portanto se há alguma dívida esta é sempre do texto anterior 41 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Ainda ao definir o ato de ler como um processo produtivo de novos significados reavalia a noção de autoria colocando o leitor como coautor A leitura é uma forma de reescrita intermi nável pois cada leitor cria novos significados para cada obra A obra adquire vários significados nos diversos atos de leitura O significado de uma obra acontece na relação com o leitor Trazendo novas contribuições ao debate surgiram os estu dos sobre a recepção produtiva Hans Robert Jauss restabelece a recuperação histórica como necessária para a interpretação literária É impossível entender o hoje sem o ontem Destaca a importância do horizonte de expectativas do receptor como por exemplo o sistema de referência quanto ao gênero à forma ao tema Se o leitor não tem um cabedal de conhecimentos de obras do passado não apresenta referências para entender as obras do presente O conhecimento e as vivências de um leitor sobre a Litera tura influenciam sua leitura no presente Por exemplo um leitor que desconhece o texto do qual se originou uma paródia não conseguirá entender a paródia atual É preciso conhecer os dois textos Assim as possibilidades de leitura dependem do universo do leitor A obra literária não se constitui em algo acabado que percorre o tempo imutável Ela é um objeto que se transforma de acordo com as leituras que se fazem dela Como você pode perceber os estudos da recepção alteram o conceito de influência levando em conta a dupla direção entre emissor e receptor Neste ponto parece haver a recuperação de alguns conceitos Observe a citação a seguir com a qual encer ramos esta parte Por outro lado os estudos de recepção e os estudos sobre influências se completam os segundos têm necessidade dos 42 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA primeiros pois como apreciar o que determinado autor absor veu de outro ou de uma dada tradição literária se ignorarmos integralmente como teve acesso por que intermediários se estabeleceu a relação nítida em sua obra Mesmo que a verifi cação do contato não seja indispensável as ligações efetuadas nos permitirão esclarecer muito do procedimento produtivo de um autor Uma confrontação desse tipo possibilita não apenas o confronto entre dois sistemas literários mas também nos leva a obter sobre uma determinada obra esclarecimentos contrastados acentuando certas possibilidades de leitura nela contidas CARVALHAL 1998 p 73 Literatura e disciplinas afins e Literatura e outras artes Outros campos da investigação comparativista também progrediram com o estudo teórico A interdisciplinaridade é um campo importante da Literatura Comparada atual Ela busca estudar as interfaces Literatura e Artes Literatura e Educação Literatura e Psicologia Literatura e folclore Literatura e Histó ria Literatura e Sociologia etc Estes novos objetos de estudo ampliaram os pontos de interesse e a metodologia da Literatura Comparada Sobre esse assunto veja o seguinte trecho Os estudos interdisciplinares em literatura comparada insti gam a uma ampliação dos campos de pesquisa e à aquisição de competências Essa ampliação se reflete nas conceituações mais atuais de literatura comparada como a que nos dá Henry H H Remak considerandoa o estudo da literatura além das fronteiras de um país em particular e o estudo das relações entre literatura de um lado e outras áreas do conhecimento e crença como as artes pintura escultura arquitetura música a filosofia a história as ciências sociais política economia so ciologia as ciências as religiões etc de outro Em suma é a comparação de uma literatura com outra ou outras e a compa ração da literatura com outras esferas da expressão humana 43 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Assim compreendida a literatura comparada é uma forma es pecífica de interrogar textos literários na sua interação com outros textos literários ou não e outras formas de expressão cultural e artística CARVALHAL 1998 p 73 grifo nosso No entanto podemos afirmar que para esses estudos a Literatura definiu mais ou menos seus conceitos e métodos conforme Leila PerroneMoisés 1990 Ela afirma que os com paratistas concordam com esse mais ou menos dadas as cir cunstâncias da disciplina abarca uma área muito abrangente ressentese da indefinição de seu campo de atuação e apresenta um ecletismo metodológico Notamos então que temos como metodologia de análise dessas relações os conceitos levantados anteriormente os con ceitos tradicionais reavaliados e relativizados fonte influência originalidade imitação dependência que desembocam em no vos conceitos operacionais a intertextualidade o dialogismo a antropofagia os estudos culturais Os estudos interdisciplinares apresentam relações comple xas e os caminhos para a análise dessas relações ainda estão sendo construídos Outro aspecto a salientar é que diante da profusão de teorias fica inviável o conhecimento de todas Mui tos são os posicionamentos e questionamentos Destacamos duas posições que nos parecem importantes para o estudo dessas relações interdisciplinares Etiènne Sou riau em sua obra A correspondência entre as artes elementos de estética comparada 1983 e Claus Clüver em seu artigo Es tudos interartes conceitos termos objetivos publicado na Re vista Literatura e Sociedade 1997 p 3755 Os estudos de Etiènne Souriau 1983 baseiamse numa in terrogação básica O que têm em comum as diversas atividades 44 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA criadoras O autor considera que a pesquisa deve banir as me táforas imprecisas as analogias confusas frequentes nestes estudos de transposição de uma arte para outra Destaca que a pesquisa só será útil e fecunda se se carac terizar por um rigor e abandonar as afirmações como sinfonia em azul maior ao referirse a um quadro As especificidades de cada arte o pensar com sons o pensar com volumes a golpes de martelo ou cinzel no mármore o pensar em cores não podem ser negligenciadas visto que cada linguagem traz consigo recursos próprios e insuficiências tratando o assunto de modo próprio Para ele a Literatura tem seus métodos próprios e a esté tica comparada deve estabelecer os seus Veja a citação na qual satiriza as colocações metafóricas sobre as obras de arte Entre uma estátua e um quadro entre um soneto e uma ânfora entre uma catedral e uma sinfonia até onde podem ir as se melhanças as afinidades as leis comuns e quais são também as diferenças que se poderiam chamar de congênitas É esse o nosso problema Nada mais evidente que um tipo de parentesco entre as artes Pintores escultores músicos poetas são levitas do mesmo templo Servem senão ao mesmo deus pelo menos a divinda des congêneres Irmandade das Musas associação dos artistas que manejem o escopro ou a caneta o pincel ou o arco unifor midade do gênio em todos os gêneros eis outros temas de tão fácil desdobramento Somos irmãos a flor Pode ser feita por duas artes O poeta é cinzelador O cinzelador é poeta 45 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Escrevia Hugo a FromentMeurice E quantos agradáveis efeitos do estilo quantas metáforas graciosas ao se usar numa arte o vocabulário de outra Não se envergonhar de dizer diante do quadro de uma paisagem de inverno que se trata realmen te de uma sinfonia em branco maior aos pés da dançarina emprestarlhe gamas e harpejos de um movimento louvar com ares de entendido o arabesco de um soneto a arquitetura de uma sonata o ritmo de um edifício quanta elegância Não é o cúmulo do refinamento E em pano de fundo o universo baudelairiano onde perfumes cores e sons se correspondem Se sairmos entretanto da atmosfera das frases a questão tornase difícil Difícil mas de grande importância SOURIAU 1983 p 14 grifo nosso Ao satirizar essa visão que considera imprecisa e idealista propõe em contrapartida analisar estruturalmente as obras das diversas artes atentar para as diferenças mesmo que as artes se comunguem Cabe à estética comparada o confronto das obras entre si e dos procedimentos das diferentes artes Esse autor afirma que as diferentes artes são como línguas diferentes ape sar das similitudes que se possam encontrar Etiènne Souriau 1983 reforça que embora possamos en contrar semelhanças entre uma melodia e um arabesco decora tivo entre uma combinação de cores e um acorde musical nem o músico nem o desenhista ou o pintor entretanto as deseja ram ou procuraram O músico pensou musicalmente o pintor plasticamente E é nos próprios da arte específica de cada um e na experiência ativa e concreta que adquiriram em seus respec tivos trabalhos os imperativos e optativos destes que estavam secretamente implicadas as razões desta similitude SOURIAU 1983 p 31 Numa posição mais ampla e até certo ponto contrária encontramos as colocações de Claus Clüver 1997 ao abordar 46 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA os estudos interartes Ele coloca que já faz tempo que nós nos distanciamos de um paradigma que trata o texto como absoluto um sistema fechado em detrimento dos vários contextos que o cercam As estruturas herdadas das disciplinas acadêmicas e a ins trução fornecida por elas não nos permitem abordar diversos fenômenos culturais As mesmas mudanças que as disciplinas acadêmicas passaram individualmente perpassam as mudanças do paradigma dos estudos interartes Até o fim do Modernismo esses estudos destacavam a es sência e a natureza própria de cada arte Atualmente propõem uma visão ao mesmo tempo contrastiva e integrativa As ar tes não são isoladas ou necessariamente suficientes O que há é uma rede de interrelações entre as artes Clüver 1997 coloca que não podemos aceitar mais nem a pureza das artes nem a fusão delas num Gesamtkunstwerk união de todas as artes Estas visões serão superadas pelos dis cursos transdisciplinares envolvendo a antropologia a linguísti ca a psicologia as ciências cognitivas a semiótica a informática os estudos textuais os estudos de comunicação a crítica ideo lógica especialmente nas variantes marxistas e feministas e os novos estudos culturais cultural studies Assim ele propõe a análise de diferentes aspectos em re lação à integração de diversas linguagens nos estudos interartes 1 Os discursos transmídias passam de uma linguagem para outra linguagem Exemplos a resenha de um balé a adaptação de um romance ao cinema um poe ma sinfônico 47 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA 2 Os discursos multimídias diferentes linguagens agru padas em justaposição uma ao lado da outra Exem plos as ilustrações de livros os emblemas e títulos de textos não verbais 3 Os discursos mixtos envolvem a combinação de textos de diferentes linguagens sendo autossuficientes mas não separáveis Exemplos os selos os quadrinhos as inscrições verbais em textos visuais 4 Os discursos sincréticos textos em que os aspectos visuais ou auditivos não permitem a separação do ver bal ou seja são textos intermídias ou intersemióticos Por exemplo a versão em vídeo da música Nome de Arnaldo Antunes a videopoesia O estudioso estabelece que muitas são as relações e que estas podem dentro de uma situação concreta não admitir pa drões tão rígidos de formalização citando como exemplo a can ção que se faz pela fusão de dois sistemas o verbal letra e o não verbal música Eis como esse mesmo autor situa a dificul dade do comparativista Para muitas pessoas os estudos interartes podem parecer apenas uma das novas superdisciplinas como a semiótica há algum tempo e os Cultural Studies no presente Na verdade mesmo a literatura comparada já foi vista como candidata a esse lugar e parte dessa percepção persiste e leva ao desespe ro o comparatista face à impossibilidade de conhecer tudo ao medo de ser incompetente Incompetência é de fato inadmis sível Mas aprendemos a delimitar os limites e a extensão de nossa competência a aferila no contexto em que trabalhamos Muitos da velha geração de comparatistas não tiveram forma ção como tal mas entretanto produziram trabalhos pioneiros a que me referi logo de início O mesmo vale para os estudiosos interartes Estamos preparando as ferramentas e a formação necessária à nova geração que terá como trabalhar com tex 48 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA tos que combinam e fundem diferentes meios e sistemas de signos e que poderá então lidar com a maior parte da criação artística do nosso tempo voltada a produzir especialmente essa espécie de textos CLÜVER 1997 p 54 grifo nosso O que podemos concluir é que na atualidade temos uma confluência de linguagens que se entranham e formam no vos e diferentes objetos artísticos para os quais muitas ve zes não temos nem denominação A revolução da eletrônica e da informática traz até nós esses fenômenos interartes Como interpretálos e como analisálos Há necessidade de estudos transdisciplinares Como Clüver 1997 ainda afirma a Literatura Comparada ou outra disciplina qualquer isoladamente não consegue dar conta desses fenômenos E agora Como fica a pergunta inicial Existe Literatura Comparada ou Estudos Comparados 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comen tar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos es tudados para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Educação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas descobertas com os seus colegas 49 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Qual a importância da discussão proposta nesta unidade para a sua formação 2 Apresente sua crítica sobre a unidade Assim explique e destaque a Quais os pontos fundamentais b Quais os pontos divergentes c Ela é importante para sua formação do professor 3 O que são os estudos comparados interartes 6 CONSIDERAÇÕES Queremos crer que com o estudo desta unidade você conseguiu perceber a complexidade do problema Tantos teóri cos Tantas visões diferentes Estudar Literatura Comparada é entrar nesta Torre de Babel Linda mas bastante confusa Esperamos ter ampliado o seu olhar sobre esta disciplina Sabemos que a princípio você pensava que bastava comparar dois poemas dois autores e dois livros Agora você pode compa rar a linguagem cinematográfica de Oswald de Andrade verificar como a história de Portugal está presente na obra de José Sara mago quais as relações do cordel nordestino com a Literatura europeia medieval como as histórias de animais da Literatura Infantil de ontem e de hoje se refizeram como se diferenciam ou se aproximam a poesia dos livros e a videopoesia quais re lações com seus originais têm as adaptações dos romances para telenovelas ou minisséries como as ilustrações dos livros infan tis relacionamse com o texto verbal etc Resumindo você pode alçar longos ou pequenos voos mas sempre interessantes Cada um pode escolher um aspecto que mais lhe der prazer 50 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA Acreditamos que dentro dos parâmetros vistos nesta uni dade os estudos literários os estudos interartes e os estudos culturais deverão abarcar tanto a produção quanto a recepção admitir a importância do passado sem canibalizálo retirar das fontes influências imitação e apropriação o polo negativo da dependência cultural verificar o diálogo inter e entre obras au tores e literaturas Nas próximas unidades vamos operacionalizar alguns dos conceitos estudados evidenciando suas possibilidades 7 EREFERÊNCIAS Sites pesquisados ALLEGRO A L V Das relações entre Literatura Comparada e tradução literária algumas considerações Revista Eletrônica Unibero de Produção Científica mar 2004 Disponível em httpwwwuniberoedubr Acesso em 19 fev 2015 LIMA B M Guilhermina ou a arte de escutar as aves Revista Literatura e Sociedade São Paulo n 2 p 143159 dez 1997 Disponível em httpwwwrevistasuspbrls articleview1560017174 Acesso em 23 jul 2018 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE O Manifesto Antropófago Revista de Antropofagia São Paulo Ano 1 n 1 maio 1928 BRANDÃO A A presença dos irmãos Grimm na Literatura Infantil e no folclore brasileiro São Paulo Ibrasa 1995 CARVALHAL T F A Literatura Comparada na confluência dos séculos In CUNHA E L SOUZA E M Orgs Literatura Comparada ensaios Salvador EDUFBA 1996 p 1118 Literatura Comparada 3 ed São Paulo Ática 1998 CARVALHAL T F COUTINHO E F Literatura Comparada textos fundadores Rio de Janeiro Rocco 1994 CLÜVER C Estudos interartes conceitos termos objetivos Literatura e Sociedade Revista de Teoria Literária e Literatura Comparada São Paulo Edusp n 2 p 3755 dez 1997 51 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 1 TRILHAS E CONCEITOS NA BABEL DA LITERATURA COMPARADA COUTINHO E F O comparativismo brasileiro dos anos 90 globalização e multiculturalismo Ipotesi Revista de Estudos Literários Juiz de Fora v 4 n 1 p 916 janjun 2000 FREITAS A V Tania Carvalhal a comparatista Jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre v 4 n 61 p 12 abr 2003 KRISTEVA J Introdução à Semanálise Tradução de Lúcia Helena França Ferraz 2 ed São Paulo Perspectiva 2005 Coleção Debates 84 MACHADO I O romance e a voz a prosaica dialógica de Mikhail Bakhtin Rio de Janeiro ImagoSão Paulo Fapesp 1995 NITRINI S Literatura Comparada história teoria e crítica São Paulo EDUSP 1997 NUNES A M Um bigbang multidisciplinar In CUNHA E L SOUZA E M Orgs Literatura Comparada ensaios Salvador EDUFBA 1996 PERRONEMOISÉS L B Flores da escrivaninha São Paulo Companhia das Letras 1998 SOURIAU É A correspondência entre as artes elementos de estética comparada Tradução de Maria Cecília de Morais Pinto e Maria Helena Ribeiro da Cunha 3 ed São Paulo Cultrix 1983 WELLEK R A crise da Literatura Comparada Tradução de Maria Lúcia Rocha Coutinho In CARVALHAL T F COUTINHO E F Orgs Literatura Comparada textos fundadores Rio de Janeiro Rocco 1994 p 108119 A crise da Literatura Comparada In Conceitos de crítica São Paulo Cultrix sd 53 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Autores e obras também constroem seus espaços de intersecção Contexto e ruptura formas previsíveis e imprevisíveis redundância e informação nova A intersecção não se reduz aos ouvidos surdos É espaço de risco mas não do mergulho sem retorno da submissão sem saída ao canto das sereias O impacto implica repercussão leitura produtividade a ponte comunicativa contextual mais o impulso do novo canto As pontes as formas previsíveis são necessárias justamente para serem fraturadas ABDALA JR 2003 p 35 Objetivos Aplicar na análise comparativa os conceitos de imitação influência e originalidade Reavaliar os conceitos empregados retirando deles critérios de dependên cia hierarquia e valoração negativa Conteúdo Análise de duas obras de sistemas literários diferentes em seus espaços de intersecção UNIDADE 2 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que sua participação pode significar a diferença entre ape nas ler conteúdos ou transformar conhecimentos em qualidade profissio nal Por isso não deixe de interagir com seus colegas de turma e o tutor 2 Sua formação é essencial pois ela determinará posturas e escolhas no de senvolvimento de sua prática Invista em você faça da pesquisa e da inte ração com seus colegas de curso e seu tutor hábitos que poderão ajudar você a ampliar e aprofundar seus conhecimentos 3 Para você entender melhor esta unidade é preciso que leia Lucíola de José de Alencar e A dama das camélias de Alexandre Dumas 55 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior tivemos a oportunidade de estudar a evolução do campo e dos métodos da Literatura Comparada bem como os principais conceitos das análises comparativas Ao estudarmos os conceitos clássicos de Literatura Compa rada tais como imitação fonte influência dependência metró pole e periferia precisamos reavaliálos diante dos novos para digmas da atualidade Na Literatura encontramos um vasto repertório de obras que produziram impactos em outras havendo repercussão em temáticas personagens gêneros estilos de época recursos es truturais etc Como vimos na unidade anterior essas repercus sões eram conotadas por aspectos de dependência e hierarquia entre os diferentes sistemas literários As obras da metrópole eram sempre avaliadas como superiores às do mundo periférico Um olhar inverso sobre a linha temporal pode nos levar a reavaliar o passado Nem sempre uma obra que recebeu influên cia de outra anteriormente publicada pode ser valorada como menos importante ou inferior Há temas que correm e percorrem espaços diversos e fazem parte de uma memória cultural e de ideologias próprias de determinada época ou de determinada configuração histórica Escritores e autores podem estar inseridos num movimen to maior e representar em suas obras as tensões criadoras de seu tempo e suas relações interativas com o sistema de expec tativa dos leitores de uma época sem que este fato torne suas obras cópias ou transcrições umas das outras Veja um exemplo Lourenço 1999 publicou um estudo comparativo cha mado Mitologia da Saudade sobre as nuances deste sentimento 56 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR nas obras portuguesas em diferentes momentos históricos Nele esse autor estuda como a saudade está presente na Literatura Portuguesa como uma temática recorrente em diferentes auto res e épocas Em dado momento o autor afirma ninguém mor re no país da saudade Como nos sonhos LOURENÇO 1999 p 15 Esse estudo mostra como uma temática faz parte de um mundo cultural e configurase através dos tempos não se carac terizando como imitação ou cópia mas como diálogos culturais que perpassam diferentes obras e épocas O mundo português traz sempre a presença de uma ausência pois a saudade faz par te de sua identidade cultural Podemos também fazer um recorte na ideologia de um momento histórico e verificar como duas obras quase concomi tantes trabalham determinada temática recorrente e específica daquele momento histórico Assim vamos analisar duas obras uma do Romantismo francês A dama das camélias e outra do Romantismo brasileiro Lucíola inseridas num mesmo contexto romântico embora em sociedades diferentes Veremos como essas duas obras comunicamse e em que medida o texto considerado influenciado Lucíola rompe com o texto influenciador A dama das camélias e até que ponto é re dundante ao anterior Por meio deste estudo poderemos escla recer os conceitos de dependência cultural mais especificamen te a dependência da cultura francesa aspecto este tão associado ao Romantismo brasileiro e que foi tratado como imitação da metrópole europeia Nossa análise toma por base o estudo comparativo de di ferentes cortesãs presentes nas literaturas e publicado no livro O império da cortesã Lucíola um perfil de Alencar de Valéria de 57 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Marco 1986 Quem se interessar pelo assunto pode lêlo na íntegra pois consta da bibliografia indicada Para início de conversa lançamos alguns questionamentos Será que Lucíola é parte do contexto colonial de impor tação de modelos estrangeiros Seria essa obra uma importação acrítica Será que Alencar descarta as formas literárias do pró prio país 2 ALENCAR E SEU PROJETO DE UMA LITERATURA NACIONAL José de Alencar tinha por objetivo conhecer a realidade brasileira e produzir uma literatura nacional Queria construir uma vasta produção literária que representasse todo o país Dentro desse ideal o autor escolheu o romance como seu proje to principal retratar toda a cultura brasileira em seus romances urbanos e rurais históricos e indianistas O livro Lucíola faz parte de sua trajetória para a conquis ta de uma proposta concreta de romance nacional embora se mantenha ligado não somente a outros aspectos da produção do autor mas também à literatura estrangeira Mas como se deu o contato de José de Alencar com as obras dos escritores do Ro mantismo europeu e francês Os tão estigmatizados contatos genéticos Certo é que José de Alencar era o ledor oficial de sua fa mília De acordo com o próprio autor ele lia os volumes de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo para 58 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR uma plateia familiar ALENCAR apud MARCO 1986 p 6 Quan do jovem veio para São Paulo estudar Direito e isolouse das farras acadêmicas cultivando a leitura de autores estrangeiros tais como os franceses Balzac Dumas Vigny Chateaubriand e Victor Hugo Veja um breve trecho sobre essa fase de Alencar Li nesse decurso muita coisa mais o que me faltava de Ale xandre Dumas e Balzac o que encontrei de Arlincourt Frede rico Soulié Eugênio Sue e outros Mas nada valia para mim as grandiosas marinhas de Scott e Cooper e os combates heróicos de Marryat ALENCAR apud MARCO 1986 p 9 Como podemos perceber o autor de A dama das camélias Alexandre Dumas Filho fez parte de suas leituras Alencar viu como mestres vários poetas românticos franceses Vitor Hugo Lamartine e em especial Chateaubriand Daí suas obras in cluírem a musicalidade a plasticidade bem como o lirismo nos romances indianistas e uma linguagem mais despojada nos ro mances urbanos A busca de um estilo para a Literatura nacional No ensaio O estilo na Literatura Brasileira publicado na Revista Ensaios Literários em agosto de 1850 Alencar expôs seu pensamento sobre o conceito e as funções do estilo a diferen ciação entre o estilo clássico e o chamado por ele de estilo mo derno Emitiu também considerações sobre qual seria o estilo conveniente para a Literatura Brasileira Para ele o bom estilo seria aquele que conseguisse extrair do automatis mo da língua uma multiplicidade de movimentos que pudesse reproduzir adequadamente a multiplicidade do pensamento e 59 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR a diversidade dos sentimentos ALENCAR apud MARCO 1986 p 10 Nesse ensaio ele define o estilo quinhentista clássico como solene rígido conciso e adequado ao tempo do heroís mo O estilo moderno é aquele que se caracteriza como fluente flexível solto e capaz de expressar com naturalidade ideias de lirantes e desvairadas A partir dessa reflexão o autor questionase sobre qual dos dois estilos seria bom para a Literatura Brasileira Considera que há uma impossibilidade do estilo clássico renascer em nossa literatura mas que o estilo moderno ganharia um encanto su premo se buscasse elaborar com esmero e cuidado a conci são e a austeridade do estilo clássico ALENCAR apud MARCO 1986 p 12 Alencar participou ativamente da vida literária de sua época publicando textos críticos em jornais da época O autor analisa minuciosamente muitas obras de seu tempo buscando identificar o que elas apresentam como contribuição para a ela boração de uma linguagem literária própria da nação que tenta va se afirmar como independente Considerava que as lendas indígenas se constituíam num tema privilegiado pois ofereciam um modelo que nos permitia recuperar o passado e ao mesmo tempo cultivar o exótico duas das principais características do Romantismo A aceitação da influência estrangeira Aqui vamos levantar dois posicionamentos críticos do autor aparentemente contraditórios mas no fundo complementares 60 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Ele publicou uma crítica sobre o poema A Confederação dos Tamoios 1856 de Gonçalves Magalhães e entrou numa grande polêmica Nela Alencar expõe que o autor não conside rou as tradições indígenas e que o poema não é lírico nem didá tico mas sim épico Acusou também o poeta de não respeitar a estrutura da epopeia e de não ter uma ação heroica ou seja não apresenta o conflito nem o desenlace Alencar aproximou Magalhães dos cronistas afirmando o pouco valor estético do seu poema Considerou que a nacionali dade da Literatura não se fazia apenas por uma temática nacio nal mas que havia necessidade de se construir uma expressão estética adequada à realidade brasileira Ele criticou em Maga lhães a inadequação da expressão de um tema heroico em lin guagem bucólica O sol que esmalta as pétalas das flores Observe que ele criticou a imitação do lirismo que conside rou inadequada Mas numa outra crítica a respeito da obra de Castro Alves valorizou exatamente a influência de Vítor Hugo Ao analisar a peça O Gonzaga reconheceu em Castro Alves um discípulo de Vítor Hugo Postulou que a imitação de um grande escritor requer também grande talento e ressaltou o traço ori ginal o sentimento de nacionalidade Nesse caso aceitou total mente a imitação Veja esta aceitação na citação a seguir Imitar Vítor Hugo só é dado às inteligências de primor Não obstante sob essa imitação de um modelo sublime desponta no drama a inspiração original que mais tarde há de formar a identidade literária do autor Palpita em sua obra o podero so sentimento da nacionalidade essa alma da pátria que faz os grandes poetas como os grandes cidadãos ALENCAR apud MARCO 1986 p 45 61 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Observe que nesse trecho ele aceita a imitação quase sem reservas Afinal podemos nos perguntar por que na pri meira crítica ele rejeita a imitação e na segunda aceita a influên cia dos escritores estrangeiros Como isso se explica diante de seu projeto de criar uma literatura identificada com a sociedade brasileira O que nos parece é que no primeiro caso ele discute mais a inadequação da importação e no segundo ressalta a imita ção criativa Alencar aceitava a importação de ideias e modelos como algo real e incontestável na nossa cultura colonial É esta característica do processo social que o leva a pensar sobre as relações entre imitação e pesquisa como elementos fundamentais da produção literária Nesse sentido postula que o trabalho do escritor implica o conhecimento e a imitação dos grandes modelos literários No entanto ele não poderia limitarse a este estágio pois isto o levaria a estagnar a litera tura e a afastarse de uma possível originalidade Esta nasceria das tentativas de inovar que por sua vez exigiriam do escritor uma intensa atividade de pesquisa sobre sua realidade MAR CO 1986 p 66 O projeto de Alencar era criar uma linguagem que se ade quasse à temática brasileira o que implicaria num intercâmbio da linguagem portuguesa e indígena uma forma mestiça de ficção Afirmava que no Brasil já era possível constatar uma transformação profunda da língua portuguesa No entanto essa busca de uma expressão estética funda da na realidade brasileira incluía o diálogo com os modelos da tradição estrangeira Não se considerava até então que uma li teratura se fizesse dentro dos limites nacionais isoladamente A Literatura nacional deveria ser uma síntese da realidade social e cultural brasileira e dos modelos da tradição estrangeira 62 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Antecedentes da publicação de Lucíola Em 1858 Alencar já era bem conhecido quando estreou a peça de teatro As asas de um anjo que foi proibida pela censura logo após a segunda apresentação por consideraremna imoral A peça tinha por tema a regeneração de uma prostituta pelo amor O seu enredo ofendeu a sociedade provinciana da época apesar de estar no auge a encenação de muitas peças estrangei ras que abordavam o tema da prostituição A peça desencadeou críticas e mais críticas Alencar jamais perdoou os censores que tiraram sua peça do ar na segunda apresentação A peça abordava a história de Carolina que abandona um amor puro por uma aventura amorosa e pela prostituição No auge do drama a prostituta encontrase com o pai bêbado que tenta seduzila O incesto não se consuma mas a partir desse fato a personagem se regenera assume a filha que tivera com seu primeiro sedutor Apesar de casarse posteriormente com Luís seu grande amor tem um casamento de aparências A cena do incesto é considerada pela sociedade da épo ca 1858 por demais realista provocando um escândalo no Rio de Janeiro Alencar foi obrigado a ir a público para protestar e defenderse das acusações dos jornais e do falatório que a peça provocou Esse texto consistiu a base para o desenvolvimento da te mática de Lucíola uma prostituta regenerada Alencar conside rava que a censura não poderia têla retirado dos palcos porque nela não constavam ataques às autoridades constituídas à re ligião e à moral pública Alencar argumentou que a obra seria o retrato da reali dade cotidiana do Rio e que era bem mais moralizadora que os 63 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR produtos estrangeiros semelhantes que circulavam pela corte Afirmou que sua peça foi proibida por uma única razão ser a comédia produção de um autor brasileiro e sobre costumes na cionais ALENCAR apud MARCO 1986 p 27 Será imoral uma obra que mostra o vício castigado pelo próprio vício que tomando por base um fato infelizmente muito freqüente na sociedade deduz dele conseqüências ter ríveis que servem de punição não só aos seus autores princi pais como àqueles que concorreram indiretamente para sua realização E entretanto é esta a ação de minha comédia são aquelas as teses que me propus desenvolver no meio de um quadro de costumes brasileiros não há aí uma só personagem que não represente uma idéia social que não tenha uma missão moralizadora Quanto ao estilo desafio a quem quer que seja que me apresen te uma palavra que não possa ser pronunciada pelos lábios os mais puros escutadas pelos ouvidos os mais castos conversa se ali como se conversa em qualquer sala e a linguagem serve de véu à idéia ALENCAR apud MARCO 1986 p 2728 Alencar argumentou que a linguagem da peça era delicada para recobrir os fatos não reconhecendo o motivo do escândalo A linguagem ocultaria a indecência do vício Justificou e defen deu a cortesã de sua obra mostrando o conhecimento de todas as demais cortesãs presentes nos romances estrangeiros recen temente publicados Fez uma declaração de seu conhecimento das demais obras estrangeiras que tratam da mesma temática Veja um trecho dessa declaração a seguir Vítor Hugo poetizou a perdição de Marion Delorme A Dumas Filho enobreceua n A Dama das Camélias eu moralizeia n As Asas de um Anjo o amor que é a poesia de Marion e a regeneração de Margarida é o martírio de Carolina eis a única diferença não falando no que diz respeito à arte que existe entre aqueles três tipos ALENCAR apud MARCO 1986 p 30 64 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Alencar remetenos aos livros da época que abordavam a questão da prostituição Há toda uma família de cortesãs angé licas Essa temática está ligada à formação do gênero romance em sua estética específica e à criação de um público leitor Alen car buscou uma expressão estética fundamentada na realidade brasileira mas não negou as influências e não considerou a Lite ratura Brasileira isolada das demais culturas Para ele como já vimos a Literatura nacional deveria se constituir numa síntese do nacional e do estrangeiro Alencar não negou a necessidade de um diálogo com outras culturas para a realização de seu projeto de uma Literatura nacional A Literatura seria um veículo de discussão política e social Lucíola foi o primeiro romance escrito depois de tão polêmico incidente Alencar passou a procurar uma estética para o romance que po deria tanto representar e denunciar quanto moralizar os novos hábitos da sociedade burguesa da corte Estava preocupado com a vida urbana que assumia novos padrões de comportamento diante de um capitalismo em ascensão Surgiu assim seu pro jeto principal estruturar um romance cuja ação fosse a de punir o que julgou vício na realidade social e elaborar uma linguagem que recobrisse o drama com um véu de decência Escondido pelo pseudônimo de GM Alencar financiou a primeira edição de Lucíola e firmou seu sucesso junto ao público embora a crítica continue a rejeitar sua obra As críticas sofridas por Alencar quando da publicação de Lucíola A consciência de se viver num BrasilImpério recémliberto de Portugal produziu um sentimento de busca da independên cia cultural eliminandose tudo que não fosse genuinamente na cional Acreditavase na época que a construção de uma cultura 65 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR nacional devesse acontecer pela eliminação de todo e qualquer elemento estrangeiro Havia na nação um sentimento xenófobo O crítico Joaquim Nabuco desvalorizou o romance Lucíola considerandoo inadequado à realidade brasileira ressaltando a sua temática copiada e a ausência de cor local Para ele Lucíola era uma cópia servil do romance A dama das camélias Surgiram assim muitas críticas de cópia imitação e falta de originalidade para a obra por parte dos partidários do nacionalismo xenófobo Veja algumas delas feitas por Joaquim Nabuco Lucíola não é senão a Dame aux Camélias adaptada ao uso do demimonde fluminense cada novo romance que faz a sen sação na Europa tem uma edição brasileira dada pelo Sr José de Alencar que ainda nos fala da originalidade e do sabor nativo dos seus livros A originalidade de Lucíola é nenhuma a cor local é falsa o Rio de Janeiro não é o que o autor descreve o desenho é medíocre NABUCO In COUTINHO 1978 p 135136 Em um outro artigo Brito Broca assim critica o romance É preciso no entanto reconhecerlhe a falta de originali dade Lucíola repete quase servilmente o tema de A dama das camélias porque o autor se acha muito mais perto de Dumas Filho e Feuillet do que de Balzac BROCA In MARCO 1986 p 147 Observe que nesse sentido os críticos tocaram na ques tão da imitação e da originalidade do nacional e do estrangeiro revelando um posicionamento de valorização do modelo prece dente ou dos modelos precedentes já que muitos livros aborda ram a temática Alencar ao se defender das críticas de Joaquim Nabuco deixou claro que sua postura literária não excluía a interação o diálogo e o conflito com a cultura estrangeira Admitiu o diálogo 66 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR entre as duas obras rejeitando a visão nacionalista limitada de desvalorização da cópia considerandoa como secundária e sem valor Numa postura bastante coincidente até com os conceitos atuais José de Alencar considerou o romance Lucíola como uma réplica e uma refutação ao romance francês bem como à socie dade que proibiu a exibição de sua peça Aceitou a continuidade do estrangeiro no nacional Eis um trecho de sua defesa Essa acusação vaga de plágio é tudo quanto há de mais fú til mas assenta bem no folhetinista A Dame aux Camélias esta sim não foi mais do que a ressurreição de Manon Lescault Ale xandre Dumas Filho remoçou o romance de Prévost dandolhe o encanto de seu estilo Nenhum crítico porém desmereceu o seu livro por causa da semelhança da fábula Lucíola bem longe de ser imitação da Dame aux Camélias é ao contrário sua cabal refutação Alexandre Dumas quis provar no seu livro que a mu lher podia regenerarse pelo amor e para o amor que a afeição verdadeira e sincera arrancando a pecadora ao seu passado restituíalhe a felicidade da posse mútua Lucíola foi escrita em contestação dessa tese fisiológica Seu sentimento foi pro var que se a mulher pode regenerarse pelo coração rara vez poderá regenerar para o amor feliz porque nas mais ardentes efusões desse amor achará a lembrança inexorável de seu erro ALENCAR apud COUTINHO 1978 p 150 Nessa declaração além de defenderse da acusação de plágio marcando a diferença entre as duas obras Marguerite cede às pressões do pai mas se regenera para viver o amor a dois Lucíola sabe que não poderá ser feliz no amor pois não há perdão para o seu erro o autor revelou todos os padrões morais de uma sociedade burguesa que valorizava o casamento a famí lia a religião e o estado 67 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Percebemos claramente que Alencar aceitou a importa ção de ideias e modelos como um dado da realidade cultural do Império Seu projeto no entanto não foi a simples tradução ou cópia Ele desejou refutar a heroína francesa e construir outra heroína bem mais condizente com a nossa paisagem e com os valores da sociedade brasileira Apesar de todas as polêmicas Lucíola ganhou popularida de E para que possamos nos posicionar diante dessas polêmi cas sobretudo diante da mais famosa delas NabucoAlencar vamos à análise comparativa dos pontos principais das duas narrativas Antes para finalizarmos este tópico cabe neste momen to refletirmos acerca das questões a seguir Qual sensação você teve ao ler os dois romances Quem lhe parece ter razão até o momento Quais aspectos afrancesados você identifica em Lucíola Semelhanças e dessemelhanças Uma primeira impressão pode não se confirmar diante de uma análise mais detalhada Dadas as semelhanças das duas obras quanto à temática ao foco narrativo e a algumas situa ções parece fácil considerar Lucíola uma imitação desvalorizada No entanto Lucíola constróise no atrito com a obra de Dumas A dama das camélias Esta por sua vez montase no atrito com a obra anterior do abade Prévost Manon Lescault Lúcia lê o livro A dama das camélias e Marguerite lê Ma non Lescault O tema das cortesãs está na raiz do surgimento do romance e da formação de um público leitor de folhetins no período romântico É um tema que contaminou diversos países e autores 68 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Alain Corbin apud MARCO 1986 p 135 chegou a uma tipologia das prostitutas da época demimondaines mulheres galantes de teatros e jan tares noturnos padrões luxuosos típicas das grandes cidades clientela rica e nobre femmes dattende mulheres que reproduzem no rela cionamento o modelo do casamento burguês de com portamento mais recatado e que atendem burgueses celibatários e jovens artistas fille entretenue vítimas da insuficiência dos salários Eis um resumo bemhumorado do livro Manon Lescault de Prévost 1731 Manon Lescault Finalmente minha curiosidade foi saciada Tem uns 10 anos que eu procurava A História de Manon Lescault Suspeitava que fosse a narrativa de um amor impossível trágico e piegas Mas não poderia imaginar um enredo tão melan cólico e surreal Em suma o narrador conta os anos vividos com uma mulher que ele adora e que é uma safada Durante 3 vezes ela o troca por dinheiro E ele nem era pobre Ela o troca por mais dinheiro só isso E ele a perdoa mata para tirála da prisão engana amigos desgosta os pais abre mão de tudo o que é mais valioso por ela Na terceira vez que ela o trai olha só a motivação já era mais generosa Ela queria que ele também vivesse às custas de um conde rico E o bocó topa Essa francesinha era impagável No fim os dois são presos de novo e o pai dele exige que ela seja deportada para a América E lá vai ela para Nova Orleans e ele atrás Mas o livro foi escrito por um Abade e nenhum padre deixaria uma cortesã morrer no vício neh Pois é ela morre depois de criar juízo e o coitado fica pra contar a história Ah Eu não estraguei o suspense não desde o início da narrativa a gente fica sabendo que a mocinha morre MORETTO 2006 Assim se dirigirmos nosso olhar para o passado podemos detectar diálogos anteriores obras que trataram da mesma te mática como por exemplo Atala novela escrita por François 69 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR René de Chateaubriand e publicada pela primeira vez em 1801 Paul e Virginie romance escrito em 1787 por Bernardin de Saint Pierre É o fio condutor da história que se refaz a cada novo mo vimento tomando por base aquele que o precedeu Em seguida vamos observar algumas dessas intersecções os elementos co muns e os elementos discordantes nas duas obras Os diversos narradores Em A dama das camélias vamos encontrar quatro narra dores principais todos eles em primeira pessoa o desconhecido narradorouvinteescrevente introduz a história e fica incógnito o tempo todo o narradorpersonagem Armand conta sua história de amor ao narrador anterior a narradorapersonagem Marguerite relata seu sofri mento e esclarece os fatos em uma carta e um diário a narradoratestemunha Julie escreve as cartas que contam o sofrimento final da heroína quando esta já não pode mais escrever Todos esses discursos se dirigem a Armand as cartas de Julie são dirigidas a ele o diário de Marguerite também Num demorado diálogo com o narradorouvinteescrevente Armand conta ordenadamente os episódios de sua história com a cortesã No início do texto encontramos um desconhecido narra dor que nos descreve os bens de Marguerite que serão leiloados Ele nos fornece a moldura para todos os acontecimentos que se rão relatados por Armand localiza no tempo os fatos e mais que isto desperta a curiosidade do leitor 70 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR No espaço da casa do leilão passeia pelo cenário e nos mostra toda a intimidade do mundo privado das cortesãs os mó veis de paurosa jarros de porcelana chinesa as joias os objetos de ouro e prata as rendas e os veludos da decoração O leitor burguês tem a oportunidade de adentrar ao ninho de amor Em seguida ele relembrase da proprietária triste corte sã que havia visto nos Champs Elysées Descreve sua angelical e virginal figura expõe também sua presença nas premières dos teatros sempre portando três objetos a lorgnette um pacote de bombons e um ramo de camélias Constrói a imagem pública da cortesã Ainda mediante incidentes inusitados cria o suspense No dia do leilão ignorando todos os bens valiosos arremata apenas um volume encadernado e dourado a fogo intitulado Manon Lescault No livro uma dedicatória Manon a Marguerite Humildade Armand Duval DUMAS FILHO 1998 p 19 O narradorescrevente busca também a simpatia do leitor descrevendo o processo que o aproximou dos personagens des sa dedicatória Narra que dias depois foi procurado por Armand que lhe pede para ficar com o livro arrematado alegando que não conseguiu chegar a tempo para o leilão e mostralhe uma carta de Marguerite Nela o pedido para guardar uma lembran ça sua A curiosidade instalase no leitor e no narradorescreven te que sai à caça da história de amor Visita o túmulo da cor tesã sempre com camélias renovadas pelo zelador Encontrase com Armand Este lhe mostra um rolo de documentos e lhe pede 71 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR para acompanhálo na exumação do corpo de Marguerite Cena romântica macabra de quem quer ver pela última vez a morta Auxiliao em sua doença física que o recupera emocionalmente Tornamse amigos e Armand lhe conta sua história a ordem dos fatos A palavra neste momento passa para o narradorpersona gem Armand Veja É uma história bem simples acrescentou então e a contarei seguindo a ordem dos acontecimentos Se mais tarde o senhor dela se utilizar fica livre de apresentála de forma di versa DUMAS FILHO 1998 p 42 Esse novo narrador cumpre a função de fazer a ligação da vida pública de Marguerite o narradorescrevente já havia re latado o espaço social em que ela atuava com a vida privada representada pelo livro de Manon Lescault o narradorpersona gem vai detalhar sua história de amor Nesse momento a his tória perde em objetividade e ganha uma visão particularizada pois é Armand o amante quem nos apresentará os fatos Ao assumir a voz narrativa esse narradorpersonagem re constrói a imagem de Marguerite A imagem da vida privada do amor e da intimidade do coração de Marguerite Passamos como leitores a usufruir de uma nova visão dessa mulher poderíamos ver naquela jovem uma virgem que um nada tor nara cortesã e na cortesã a mulher em quem um outro faria renascer a mais amorosa e pura virgem Mas Marguerite também vai ser conhecida do leitor pela sua própria voz pois além de Armand relatar os fatos reproduz os diálogos Veja Se eu me tratasse morreria O que me mantém é a vida febril que levo Afinal tratarse é bom para as mulheres que têm família e amigos mas nós desde que não possamos mais servir à vaidade ou ao prazer de nossos amantes eles nos aban 72 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR donam e longas noites sucedem a longos dias Conheço isso muito bem pois estive durante dois meses na cama e ao final de três semanas ninguém mais me vinha visitar DUMAS FILHO 1998 p 66 Essa nova narradorapersonagem vai ter seu grande mo mento na narrativa a transcrição de sua carta final e a repro dução de seu diário dos quais conforme o narradorescrevente não se retirou sequer uma linha Neles Marguerite extravasa seus sentimentos expõe sua dor conta de sua doença e esclare ce os fatos sobretudo o seu abandono repentino da vida cam pestre e sua volta aos salões São declarações pungentes e de alta comoção Não resisti ao desejo de dar explicações sobre minha con duta e lhe escrevi uma carta Escrita por uma mulher como eu semelhante carta pode ser considerada uma falsidade a menos que a morte a santifique com a sua influência e que em vez de uma carta seja ela uma confissão DUMAS FILHO 1998 p 169 Cheguei a tremer ao ouvir isso Seu pai aproximouse de mim tomoume as mãos e continuou em tom cordial Minha filha não leve a mal o que vou dizer Entenda que a vida tem às vezes necessidades cruéis para o coração às quais temos que nos submeter A senhora é boa e sua alma possui generosida des desconhecidas de muitas mulheres que talvez a desprezem e não têm o seu valor Mas pense além da amante há a família além do amor há o dever DUMAS FILHO 1998 p 171 10 de janeiro A esperança de cura não passava de um sonho Estou de novo na cama o corpo coberto de emplastros que me queimam Po bre corpo pelo qual pagavam tão caro outrora Vê o que te da rão hoje por ele 73 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR É preciso que tenhamos feito muito mal antes de nascer ou que devamos gozar uma grande felicidade após a morte para que Deus permita que nesta vida existam todas as torturas da expiação e todas as dores da experiência DUMAS FILHO 1998 p 181 Como você pode notar é um final comovente mas no momento em que a doente não mais consegue escrever é Julie quem assume seu diário Esta narradoratestemunha faz o relato dos finalmentes da história É a vez da amiga que a acompanha até o fim relatar a expropriação de seus bens e sua morte no iso lamento logo após uma confissão religiosa Ela viveu como pe cadora mas morrerá como cristã DUMAS FILHO 1998 p 185 Muitos outros narradorestestemunhas aparecem no de correr dos diálogos que se travam e se constituem em vozes so ciais de admiração ou de condenação social O que podemos depreender dessa multiplicidade de vozes narrativas todas elas em primeira pessoa é a necessidade de fazer com que o leitor acredite na veracidade dos fatos Visões diferentes se expõem e se contrapõem Há a condenação da voz social e a pungência da voz pessoal dos personagens O narra dorescrevente tenta ficar isento mas envolvese na história Passemos à narração em Lucíola Nesta obra também te mos um jogo de narradores em primeira pessoa a narradora autora fictícia e o narradorpersonagem que apresenta duas perspectivas conforme veremos a seguir A primeira voz narrativa é a de uma autora fictícia a senho ra G M pseudônimo de Alencar em algumas publicações des tinatária das cartas do personagem Paulo Ela reúne o material enviado e faz um livro Esta senhora aparece logo antes do pri meiro capítulo numa nota introdutória Embora essa nota esteja 74 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR em primeira pessoa configurase numa narradora que não par ticipa da história não se envolve com o narradorpersonagem Simplesmente declara que reuniu as cartas e delas fez o livro Eis o destino que lhes dou quanto ao título não me foi difícil achar O nome da moça cujo perfil o senhor me dese nhou com tanto esmero lembroume o nome de um inseto Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos Não será a imagem verda deira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza dalma ALENCAR 1998 p 11 No entanto é Paulo quem assume desde o primeiro capí tulo a narrativa confessando sua história Esta confissão se dará de forma diversa do romance de Dumas Paulo narra os fatos de um distanciamento temporal de seis anos Armand narra logo após a morte de Marguerite o que caracteriza uma narrativa muito mais melodramática Paulo o narradorpersonagem justifica sua narrativa criando um fato bastante verossímil explicar a uma senhora de cabelos brancos sua atitude indulgente em relação às cortesãs A senhora estranhou na última vez que estivemos juntos a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes que es candalizam a sociedade com a ostentação de seu luxo e extra vagância Calandome naquela ocasião prometi darlhe a razão que a senhora exigia e cumpro o meu propósito mais cedo do que pensava Escrevi as páginas que lhe envio às quais a senhora dará um título e o destino que merecem É um perfil de mulher apenas esboçado ALENCAR 1998 p 13 Eis o porquê da narradoraleitora GM abrir o livro justifi cando o título que atribuiu aos fatos narrados por Paulo Como você pode ver também não encontramos mais o desconhecido piedoso que consola o jovem pela morte da amante mas uma senhora de cabelos brancos que lê uma história reúne cartas e 75 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR as publica Ela não se envolve na trama e não mais participa da escritura do texto Apenas é citada por Paulo em sua confissão Veja que Alencar parece querer conseguir a respeitabilida de dos fatos evitando o choque anterior de sua peça de teatro Se uma senhora de cabelos brancos pode lêla o leitor também Assim essa personagem entra na trama como uma personagem leitora e não como um narradorouvinteescrevente como era o caso de A dama das camélias Ela entra no romance como um elemento capaz de reforçar a validade moral da obra sobretudo pelos cabelos brancos e pela idade Outro fato que busca dar uma resposta aos que o critica ram quando da encenação de As asas de um anjo é seu posi cionamento de escrever a história para não ferir os ouvidos da senhora e de alguma mocinha angelical que a pudesse ouvir Dessa forma ele justifica a opção pela palavra escrita Tratase de uma motivação éticomoralista que busca preservar a priva cidade do diálogo Como pode deduzir tudo respira o desejo de ser adequado moralmente A técnica narrativa fica mais complexa ainda pelo desdo bramento do narradorpersonagem em duas perspectivas um narradorpersonagem que escreve a história e tem a incumbên cia e o privilégio de ordenar os fatos e analisálos e um outro narradorpersonagem que é o provinciano que se envolveu com uma cortesã e que participou dos acontecimentos Assim em Lucíola os fatos são apresentados sob dois pon tos de vista dois ângulos diferentes o de Paulopersonagem que transmite ao leitor as sensações vividas com Lúcia e o de Paulonarrador que por vezes interrompe a narrativa fazendo reflexões ou dirigindose à senhora destinatária de suas cartas 76 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Observe o seguinte trecho Um era aquele provinciano que se envolvera com a cortesã e não a compreendia outro é o homem experiente e versado nos hábitos da Corte que consegue distanciamento para exa minar um episódio amoroso de sua vida Para um o envolvi mento e a paixão para outro a reflexão e a narração O que os separa é o tempo o que os une é a memória MARCO 1986 p 153 Como o próprio narradorpersonagem declara seu objeti vo não é mais acabar com um sofrimento pela confissão como é o caso de Armand mas sim analisar os acontecimentos do pas sado e construir um perfil de mulher A história narrada busca muito mais selecionar fatos que possam desvelar a realidade e os valores sociais que contar uma história Esses aspectos revelam algumas diferenças entre as duas obras A dama das camélias envolve o leitor na trama da história Lucíola convoca o leitor para uma reflexão sobre a situação da prostituição e a hipocrisia da sociedade burguesa O ingênuo olhar de Paulo que não conhece os padrões corruptos da corte enxerga a pureza de Lúcia As muitas vozes de personagens burgueses apresentamlhe outra imagem O conflito do personagem é bastante evidente aceitar sua intuição ou agir diante dos padrões da sociedade Esse é um conflito que não se apresenta em Armand cujo comportamento é mais superficial O que impede o amor de Ar mand e Marguerite não é a consciência do problema por parte deles mas sim a interferência do pai do rapaz que expõe o pen samento da sociedade à sua amante Enquanto em A dama das camélias a tensão dramática se faz pelos incidentes da narrativa o que observamos em Lucíola é 77 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR que a ação se desenvolve por meio dos diálogos tensos e cheios de situações conflituosas É uma narrativa que exige mais do leitor O narrador constrói espaços de tensão psicológica como pode ser observado no trecho seguinte Ali está a minha estrela Olhe sou eu disse mostrandome Lúcifer que se elevava no oriente límpida e fulgurante Não pude deixar de sorrirme És muito linda no céu sobretudo hoje que vestes um manto de tão puro azul mas eu te prefiro aqui junto a mim Lúcia Também eu antes queria viver sempre neste cantinho da ter ra como agora respondeume tomando as mãos e olhandome do que no céu como ela brilhando para o mundo inteiro Calouse um instante Se eu ainda lá estivesse desceria agora para vir sentarme aqui Mas Lúcifer deixou no céu a luz que perdeu para sempre ALENCAR 1998 p 53 Observe que esse diálogo já não é tão piegas quanto as declarações de amor de Marguerite e Armand A narração no romance de Alencar deixa espaços para inferências do leitor e dubiedades a serem desveladas diante do conflito interior dos personagens Assim podemos concluir que apesar de podermos detec tar o mesmo tom confessional da primeira pessoa nos dois ro mances a função que adquirem na trama é totalmente diferente No primeiro contase uma história que carrega o leitor para a intimidade dos personagens e da trama Contase melo dramaticamente a história de um amor impossível No segundo a narrativa mais que conta analisa os fatos reflete sobre os acontecimentos desvela uma realidade social 78 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR em confronto com a emocional dos personagens Constróise o perfil da cortesã do Império Brasileiro e revelamse os limites que lhe são impostos socialmente Alencar faz um diálogo entre um provinciano e os fidalgos da corte que condenavam a prostituição mas participavam das bacanais em suas chácaras É este olhar pensante sobre uma hipócrita sociedade que Alencar desvela com seu narrador dis tanciado dos fatos por seis anos Construção da intriga A construção da intriga do romance de Dumas Filho está nos incidentes que vão sendo relatados O romance de Alencar ultrapassa esses incidentes e inclui a técnica de narrar os diálo gos evidenciam toda uma tensão psicológica que não percebe mos no primeiro Em A dama das camélias temos uma sucessão de peque nos episódios desvelados pelos narradores pouco a pouco Num primeiro movimento narrativo temos o leilão a compra do li vro a visita de Armand a exumação do corpo a doença emocio nal de Armand Num segundo movimento narrativo aparece o conhecimento e o relacionamento a mudança para Bougival a volta para Paris o baile os novos amantes o encontro amoroso a separação Num terceiro movimento narrativo a carta a visi ta do pai a doença Num quarto movimento o agravamento da doença o diário a ida ao teatro o padre a morte No entanto o que estrutura e dá sentido a esses incidentes é a vinculação de todos eles a Armand Este aspecto apaga um pouco a figura da cortesã que divide seu espaço com ele 79 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Há também situações que criam o suspense não conhece mos o narradorescrevente que oculta sua identidade algumas situações são explicadas somente ao final O principal elemento estruturante da intriga em A dama das camélias é o registro fiel dos diversos ângulos da situação por meio das várias confissões Em Lucíola a narrativa é mais lenta com menos incidentes constróise aparentemente mais linearmente o conhecimento da menina o desnudamento da cortesã na chácara a imposição das leis do mercado e limites sociais a transformação de Lúcia em Maria da Glória Todavia a superação dessa linearidade menos intrigante que os lances da outra história fazse pelo aprofundamento do olhar sobre os conflitos psicológicos das personagens bastante explorados nos diálogos Eles não são simples registros de fa las mas apresentam todo um questionamento sobre as situa ções vivenciadas Os personagens ganham toda uma espessura psicológica A dramaticidade não é criada por extravasamentos melo dramáticos de cartas ou diários mas pelo conflito que se reve la a cada cena que se desenrola Os tensos diálogos constroem a dualidade presente nos dois personagens centrais Paulo fica entre as convenções sociais e seus desejos subjetivos entre a imagem que teima em fazer de Lúcia e a imagem que a socie dade lhe apresenta Lúcia oscila entre a cortesã despudorada e a ingênua menina entre assumir definitivamente a identidade atual ou a antiga identidade de Maria da Glória A trama se tece nessa linha de tensão entre dois polos Os objetivos diferentes contar uma história para um e ana lisar a prostituição e o Império para o outro levam a intrigas dife rentes uma centrada nos incidentes e outra centrada nas cenas e nos diálogos 80 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Um olhar mais demorado para Marguerite e Lucíola Nos dois casos as personagens são conhecidas pela mes ma estratégia Armand e Paulo encontramse com elas e voltam no tempo rememorando as situações anteriores em que as ha viam visto pela primeira vez O momento presente leva a um flash back A visão atual os leva a reconstruírem a imagem pri meira a visão da graciosidade e da pureza não corrompida pelos comentários maldosos dos amigos Primeira imagem de Lúcia Uma encantadora menina sentada ao lado de uma senho ra idosa se recostava preguiçosamente sobre o macio estofo e deixava pender pela cobertura derreada do carro a mão que brincava com um leque de penas escarlates atitude cheia de abandono e muita graça mas graça simples correta e har moniosa perfil suave e delicado que iluminava a aurora de um sorriso raiando apenas no lábio mimoso e a fronte límpida que à sobra dos cabelos negros brilhava de viço e juventude não me pude conter de admiração Que linda menina Como deve ser pura a alma que mora naquele rosto mimoso ALENCAR 1998 p 16 e 17 grifo nosso Primeira imagem de Marguerite Via pela primeira vez na praça da Bolsa na porta da Susse Uma caleça aberta estacionava ali e dela descera uma mulher vestida de branco Um murmúrio de admiração acolhera sua entrada na loja Trajava um vestido branco de musselina esvoaçante usava um xale da Índia com os cantos bordados em ouro e flores de seda um chapéu de palha da Itália e um bracelete de ouro que estava na moda A lembrança dessa visão não me saiu mais do pensamento e passei a procurar por toda parte aquela mulher tão bela DUMAS FILHO 1998 p 65 grifo nosso 81 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Para Valéria de Marco 1986 a Lúcia da praça das Manga beiras está longe de ser a mera réplica de Marguerite da praça da Bolsa A descrição primeira de cada uma delas já revela a dife rença embora os dois autores utilizem a mesma estratégia a cena atual os leva a uma rememoração da imagem primeira Em Lúcia vemos a menina o sorriso a fronte límpida a alma pura Em Marguerite vemos a mulher bela a musseline esvoaçante as flores de ouro O primeiro contato entre eles também ocorre em espaços bem diversos Lúcia é vista numa festa popular e religiosa Mar guerite está em um camarote numa ópera cômica Marguerite desde o início é vista como bela mas mulher para ser conquistada Durante toda a narrativa sua imagem será a da cortesã embora Armand e o narradorescrevente trabalhem para que seja considerada uma exceção entre as cortesãs uma mulher capaz de amar como a personagem do romance Manon Lescault Os anônimos admitem que tinha um pouco mais de in teligência e talvez de sentimento que as outras DUMAS FILHO 1998 p 45 Paulo por outro ângulo não conseguirá superar a visão da encantadora menina Esta imagem guardada na imaginação e no desejo irá interferir na sua percepção da realidade Fica como uma sombra guardada na subjetividade que gera seu conflito e sua dificuldade em enxergar a cortesã tão comentada e difama da pelos amigos Como nos diz Lúcia seu olhar a purificou Marguerite também não tem conflitos por amar Armand Pode ter se sacrificado pela felicidade da família e da irmã dele mas não se mostra constrangida no relacionamento Lúcia chora 82 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR mostra ardente rubor e uma resignação tímida diante da inves tida de Paulo e de sua declaração de que não tem sentido ele lhe fazer a corte Ele se confunde diante da transfiguração de Lúcia no ato amoroso Ela revela um comportamento contradi tório que será esclarecido apenas ao final quando aparece sua verdadeira identidade Maria da Glória Bem ao gosto romântico as duas personagens afastamse do ambiente urbano para se purificarem No entanto Margue rite vai para um hotel para um lugar idílico e propício ao amor Lúcia vai para os arredores da Corte para uma casinha modesta e negase ao amor carnal vivendo apenas um relacionamento espiritual e de amizade com Paulo A maior diferença entre as duas no entanto será marcante quanto aos seus posicionamentos diante do passado vivido Para Marguerite não há impedimento para o amor e o dever vem de um elemento exterior à sua consciência do pai de Armand que apela para que respeite sua família e abandone seu filho Em Lu cíola é ela quem não aceita que seu corpo vendido possa amar Ela se impõe uma purificação pela negação do amor carnal As flores que as representam também diferem a elegante e perfumada camélia de Marguerite e o resistente cáctus que revela a personalidade de Lúcia Enfim Alencar imita os procedimentos de Dumas Filho mas os torce de acordo com seus objetivos Sua personagem re vela mais compromisso com a aceitação moral dos burgueses Os diferentes diálogos intertextuais O livro A dama das camélias dialoga com o romance do abade Prévost As histórias possuem muitos pontos de contato 83 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR como por exemplo a interferência do pai do rapaz no relaciona mento São muitas as citações dessa obra em A dama das camé lias desde o livro arrematado pelo desconhecido senhor que é o narrador que inicia a história O livro foi dado a Marguerite por Armand talvez queren do associar a situação dos dois à trágica histórica do romance Durante o retiro em Bougival ela lê Manon Lescault Dizia que quando uma mulher ama não pode agir como Manon que era mais interesseira do que ela Ao deixar Bougival chora sobre o volume Identificação de Marguerite com a tragédia da heroína Manon Quem sabe A manifestação do narrador diante da cena de morte de Marguerite é o foco da sua comparação com Manon O narrador escrevente referese às duas personagens como pobres criatu ras que se não podem ser amadas pelo menos recebam a nossa piedade Ele compara a morte das duas e chega à conclusão de que a morte de Marguerite foi bem mais triste Manon morreu no deserto mas nos braços do homem a que amava e que ao vêla morta cavoulhe um túmulo regou o com lágrimas e ali deixou seu coração Mas Marguerite pe cadora como Manon morreu em meio ao luxo suntuoso mas também no seio desse deserto do coração que é bem mais vasto do que aquele em que foi enterrada Manon Soube por amigos beminformados que Marguerite não viu à cabeceira uma única consolação verdadeira nos dois meses que durou sua agonia DUMAS FILHO 1998 p 19 Lúcia também busca sua identidade na literatura Paulo a surpreende lendo A dama das camélias O narrador revela que talvez tivesse o desejo inconsciente de ser amada como Margue rite Os dois travam uma conversa que desfaz o sonho romântico de Lúcia Diante dessa decepção ela reage irritada argumenta 84 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR que um corpo prostituído não pode conhecer o amor Ressalta que o livro é uma mentira e que amor e mercadoria são incom patíveis Prevê sua desgraça ao afirmar que o amor seria a mais terrível punição Paulo também reage Está bem deixe mos em paz A dama das camélias Nem tu és Margarida nem eu sou Armando ALENCAR 1998 p 83 Nas críticas ao livro Lúcia anuncia sua trajetória Ela toca no pontochave da diferença para Marguerite era possível amar para Lúcia existe um abismo insuperável entre o prazer e o amor entre a esposa e a cortesã Ela sabe da impossibilidade de qualquer sonho de futuro Em dado momento Lúcia recebe de Couto um bilhete e uma camélia Rasga a carta e atira o vaso pela janela É bem evi dente a sua recusa em aceitar o modelo de Marguerite Concluindo o diálogo de Lúcia com a heroína de A dama das camélias é de contestação do padrão moral Mais uma vez Alencar vai ser mais rigoroso moralmente para replicar aos críti cos e censores de sua peça retirada de cena Espaços revisitados Embora a influência da obra francesa possa ser constatada nos diferentes procedimentos que Alencar utiliza em Lucíola va mos perceber que o autor seguindo uma visão ufanista e nacio nalista do Romantismo costura dentro da sua narrativa espaços que exaltam a natureza nacional Muitos discursos demonstram seu patriotismo que refuta o espaço francês para uma exaltação de nossas belezas naturais No trecho a seguir ele contrasta a paisagem francesa reduzindoa diante da paisagem brasileira 85 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Saindo vi sentada na porta do seu camarote uma das pou cas lorettes de Paris que por um belo dia de inverno como ver dadeiras aves de arribação batem as asas atravessam o Atlân tico e vêm esponejarse ao sol do Brasil nas margens risonhas da mais bela baía do mundo ALENCAR 1998 p 85 A saudade da Pátria e de sua natureza será um outro com ponente que fará parte de seu discurso Esta é a fala de Lúcia em seu diálogo com Paulo Da Europa Apenas desembarquei metime num carro e fui passear Vinte dias embarcada Sabe o que é isso Tinha sau dade das árvores e dos campos de minha terra que eu não via há oito meses Que passeios encantadores por aquelas quintas cobertas de mangueira que bordam as margens do rio ALEN CAR 1998 p 20 Alencar não fugiu às influências temáticas e à filosofia ro mântica de apego à natureza à cor local e ao patriotismo Uma literatura em formação como a nossa não poderia deixar de bus car seus valores mais caros diante de uma recente libertação de Portugal Há todo um apego ao descritivismo e ao encanto pito resco de nossa natureza como evidenciado no trecho a seguir Nunca lhe sucedeu passando em nossos campos admi rar algumas das brilhantes parasitas que pendem dos ramos das árvores abrindo ao sol a rubra corola ALENCAR 1998 p 17 No entanto também não estava cego às nossas deficiên cias culturais aos nossos problemas sociais e ao provincianismo de uma nação recente e ainda muito dependente da metrópole e do ideário europeu O autor vai criticar o atraso cultural a falta de leitura a veneração pela literatura estrangeira a falta de lazer na sociedade fluminense nessa fase de transição de uma cultura colonial e rural para uma cultura urbana e burguesa 86 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Analise esses aspectos no seguinte trecho Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente que se preo cupa mais com a vida dos outros do que com sua própria e em parte doulhe razão de que viveriam eles sem isso quando têm a alma oca e vazia Essa gente já sabe quem tu és que for tuna tens quanto ganhas onde moras e como vives ALENCAR 1998 p 63 Eis um Alencar que valoriza os aspectos essencialmente brasileiros mas não foge à crítica dos padrões sociais que se es tabelecem na antiga colônia No entanto em nenhum momen to do livro detectamos uma cópia de um cenário tipicamente estrangeiro e francês Sua recriação de espaços irá caracterizar uma obra eminentemente brasileira Alencar vai diferir da obra francesa sobretudo quanto às suas descrições mais detalhadas dos espaços naturais e sociais No livro francês as descrições são mais limitadas e tendem mui to mais ao macabro e ao soturno ao luxo e à riqueza de Paris Exemplo de macabro é a cena da exumação do corpo de Margue rite Armand queria vêla uma vez ainda Veja Um dos homens esticou o braço removeu o sudário e sur giu o rosto de Marguerite Rosto Os olhos não eram mais que duas cavidades e os dentes estavam apertados uns contra os outros Os longos cabelos negros colavamse às têmporas es condendo em parte as depressões esverdeadas das faces Ape sar de tudo reconheci naquela face o rosto alegre que tantas vezes apreciara DUMAS FILHO 1998 p 38 Penso que já é suficiente para você perceber a diferença de tom nos dois romances e a intenção de marcar a diferença do nosso autor brasileiro Você ainda acha que Lucíola é uma mera cópia imitativa da obra francesa Será que ela não tem mesmo a cor local 87 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Dois romances dois estilos A linguagem de Alencar apresenta o processo de reelabo ração dos recursos que aprendera no teatro os diálogos com põem cenas de densidade dramática e psicológica Sua narração também difere de sua fonte de inspiração quando introduz a linguagem erótica Em A dama das camélias o erótico é apenas sugerido Em Lucíola as imagens sexuais dão concretude ao desejo e ao jogo amoroso Para conseguir os efeitos eróticos Alencar reveste os seus diálogos e a narrativa com termos gastronômicos monetá rios e astronômicos Cria metáforas para encobrir aquilo que a sociedade ainda não tinha condições de aceitar numa linguagem mais aberta Digo que vi ontem um quadro deste gênero que eu não trocaria por todas as tuas pinturas Era uma mulher mas as for mas palpitavam a carne latejava sob os olhos que a devoravam os lábios comiam de beijos a vítima que eles provocavam e en tre a cútis transparente corria o sangue que se precipitava do coração espadanando em cascatas ALENCAR 1998 p 41 Em A dama das camélias a descrição das cenas e dos diá logos é bastante empobrecida Encobrese o erótico A cena ter mina antes da relação física Os diálogos são grandiloquentes e melodramáticos Perdem muito em naturalidade São cartas diários e narrações carregadas de sentimentalismo Veja o que afirma Valéria de Marco 1987 sobre a intenção de Alencar ao erotizar algumas cenas Abusa da linguagem erótica traço que não se encontra em Dumas Filho ou em Prévost tinge o romance de escarlate para desnudar publicamente o corpo da mulher e colocálo sobre a mesa A ceia na casa de Sá é o ponto alto do desvendamento e nela se pode perceber a mão do dramaturgo e o olho do crítico refletindo sobre a imitação dos modelos MARCO 1987 p 314 88 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Há um desnudamento da sociedade brasileira que absor via os padrões europeus Mensagem moralista das duas obras Marguerite vai conhecer o amor somente quando está à beira da morte A convivência de Armand e do leitor com a cor tesã reduzse aos últimos dias de sua vida devastada pela tuber culose Ele já a conhece doente Não é dado à cortesã o direito de encontrar o amor antes da degradação Embora ela tenha o direito de ser conhecida do público lei tor pela sua própria voz é a voz de Prudence que espelhará todo o preconceito da época e a situação das cortesãs Mas como quereria o senhor que procedessem as cortesãs de Paris para manter o padrão de vida que levam se não tives sem três ou quatro amantes de cada vez Não há fortuna por mais considerável que possa prover por si só as despesas de uma mulher como Margarida DUMAS FILHO 1998 p 127 Aí está a necessidade de consumo sensual dos novos ricos da nova classe de burgueses que enriqueceram com a industria lização Na obra de Dumas não há o sonho de transformações sociais nenhuma voz se levanta para questionar os valores dessa sociedade Marguerite morre sozinha e sem a companhia de nenhum de seus amantes Passa a ter o direito ao amor somente depois de doente Há um consenso social de que as cortesãs merecem ser punidas pela vida pois é uma literatura para ser lida pela burguesia nos gabinetes de leitura pequenas bibliotecas ou nos folhetins diários dos jornais A mulher adúltera deve ser punida porque ameaça o fun cionamento planejado da família Esta é a visão expressa pelo 89 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR pai de Armand O narrador salva a imagem paterna e a descreve conscientemente gentil e simpática com a cortesã No final até lhe dá um beijo paternal Mas salva sua filha pura da desonra de um irmão que se relaciona com prostitutas o casamento da casta Branca Duval que ruiria se persistisse a relação amorosa entre os desvairados amantes É a voz da família que moraliza a narrativa Veja a cena em que o pai conversa com a amante do filho Minha filha não me leve a mal o que vou lhe dizer Entenda que a vida tem às vezes necessidades cruéis para o coração às quais temos que nos submeter A senhora é boa e sua alma possui generosidades desconhecidas de muitas mulheres que talvez a desprezem e não têm o seu valor Mas pense além da amante há a família além do amor há o dever Minha filha vai se casar com o homem que ama entrará numa família honrada que exige o respeito à honra Meu futuro genro soube que Armand vivia em Paris com a senhora e ameaçou desfazer o compromisso O futuro dessa moça que nada lhe fez e que tem o direito de contar com o futuro está em suas mãos DUMAS FILHO 1998 p 171 e 173 grifo nosso O pai de Armand expressa sem rodeios as normas sociais Eis como se configura a moral da época Assim no texto de Dumas Filho a instituição familiar é o parâmetro que delimita o espaço social de atuação da cortesã enrijecelhe a imagem de profissional do prazer negalhe a pos sibilidade de manter uma relação amorosa e de humanizarse impõelhe a consciência de reconhecerse como uma merca doria MARCO 1986 p 129 No romance de Alencar a vida mundana de Lúcia entra no texto mediante o diálogo e a dramaticidade do conflito de Pau lo objetivando discutir a complexidade do processo de conhe cimento da realidade O romance não trata somente da moral da cortesã mas também desnuda a devassidão dos costumes da 90 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Corte brasileira arranca as máscaras dos personagens que a fre quentam Sá o trabalhador e milionário das bacanais Sr Couto o capitalista velho galante de mocidade fictícia Rochinha a im prensa amarrotada e a literatura byroniana Esses são tipos sociais sobre os quais Alencar põe o peso de sua crítica a hipocrisia da burguesia da imprensa e do inte lectual Diferentemente do livro de Dumas que deixa passar em branco os demais tipos sociais recaindo todo o peso sobre a cor tesã Alencar mostra as demais relações sociais com o problema É bem clara sua intenção de educar de moralizar a sociedade No entanto a condescendência que permitia a Marguerite amar não era aceita no Rio de Janeiro Lúcia mesmo revelando sua verdadeira identidade e os motivos nobres que a levaram à prostituição e o caráter depravado de Couto que comprara sua virgindade por reles moedas não tem direito ao amor Ela tem consciência da moral vigente na sociedade Logo Alencar vai ser mais severo com sua heroína deve purificarse através de seu amor espiritualizado Lúcia é mais ín tegra que Marguerite na visão alencariana Ela tem uma densi dade psicológica maior que sua concorrente Mas Alencar deixa que haja sobre o problema o olhar complacente e ingênuo do interiorano Paulo É um olhar menos estigmatizado pelos costu mes da Corte ainda desprovido dos vícios urbanos É Lúcia que vai reconhecer este aspecto no personagem Tu me puri ficaste ungindome com os teus lábios Tu me santificaste com o teu primeiro olhar ALENCAR 1998 p 126 Outro aspecto que aparece na obra de Alencar é a covardia masculina Paulo não a assume em nenhum momento Uma das cenas finais deixa este aspecto bem marcado 91 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Partimos para a missa como de costume Lúcia e a irmã com os braços enlaçados eu a alguma distância passando por desconhecidos que seguiam o mesmo caminho ALEN CAR 1998 p 119 O que podemos concluir é que a obra de Alencar aprofunda a discussão do problema colocao na ordem das relações sociais e dos dramas psicológicos como explicado no trecho seguinte Com esse movimento Alencar constrói a feição psicológica de suas personagens explorada como em nenhum dos outros romances que haviam criado a imagem da pecadora arrependi da É a terceira dimensão que entra na estória que afasta Lu cíola de A dama das Camélias e que leva Dante Moreira Leite a reconhecer na cortesã do Império a superioridade e a moderni dade de nosso romancista MARCO 1986 p 180 3 LUCÍOLA UMA APROPRIAÇÃO CRIATIVA Diante das informações colhidas como você se posiciona diante das duas obras neste momento Esperamos que concor de com as explicações que veremos a seguir As duas obras atendem às exigências do novo público que se vai formando nos gabinetes de leitura pequenas bibliotecas e nos folhetins diários Os romances invadem as casas da bur guesia das populações urbanas por meio do jornal diário Os fo lhetins franceses também chegam até a Corte e são traduzidos para a publicação de capítulo a capítulo Formase um público leitor embora ainda longe da classe popular Considerando os dados comparativos delineados pode mos afirmar que Lucíola não pode ser caracterizada como uma simples cópia imitativa de A dama das camélias Ela não pode ser valorada como inferior à obra francesa Embora estejam presen 92 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR tes espaços de intersecção entre as duas obras Alencar con fronta a fonte Lucíola é uma réplica à obra que a precedeu É a história de sua produção que melhor nos mostra seu caráter de réplica e não de simples cópia ou imitação Em muitos aspectos o livro questiona o discurso das autoridades discute o tema da prosti tuta regenerada e debate as relações entre a literatura estran geira e a nacional Tratase de uma resposta aos censores e ao público que o acusaram de imoralidade O autor faz uma exposição sobre o problema torna inte ligível o conhecimento que tem sobre a vida dessas mulheres e sobre a corrupção dos burgueses endinheirados Não há da parte de Alencar o objetivo de ser bonzinho de se apiedar da cortesã há sim uma exposição da problemática que era escondida pela sociedade Em Lucíola há uma reelaboração da temática e dos procedimentos em um novo contexto literário e social Observe uma análise sobre esse assunto Para considerarmos Lucíola como uma proposta de roman ce nacional é preciso encarála não só como uma obra acabada e definida mas também como um momento da longa trajetória empreendida por Alencar em busca de uma expressão artística original para a nação emergente Tenhamos sempre presente que esta cortesã tem um toque especial o sabor do debate so bre diferentes questões MARCO 1986 p 148 A obra formaliza um conflito entre o nacional e o estran geiro entre o local e o cosmopolita Na cultura oitocentista flu minense debatemse a ordem patriarcal e a ordem burguesa Conflitos estes que fazem parte do Romantismo brasileiro e de uma literatura em formação Marcamos nossa identidade pela recriação do modelo importado diante de nossa realidade Em bora seu ideário pregasse a criação de uma Literatura nacional e 93 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR o registro da história e dos valores locais não temos ainda uma tradição literária que nos permita criar modelos desvinculados da metrópole 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Lucíola é uma imitação de A dama das Camélias Quais semelhanças e diferenças entre as duas obras 2 Como entender as influências do romantismo francês no romantismo brasileiro 3 A literatura europeia seria a fonte estelar que brilha majestosa na metró pole e sob os raios da qual as literaturas periféricas criam seus projetos 5 CONSIDERAÇÕES Diante das novas concepções de Literatura Comparada não podemos valorar negativamente as obras de um sistema li terário diante de outro Conceitos como cópia imitação influên cia dependência fonte imperialismo não mais fazem sentido Como nos afirma Abdala Júnior 2003 Ao estudarmos épocas movimentos escritores podemos caracterizar o sentido dos impulsos as tensões criadoras diante do campo comunicativo de seu tempo das interações com o sistema de expectativas dos leitores daquela época ABDA LA JR 2003 p 39 Para esse mesmo autor 2003 a valoração de uma obra literária não pode ser em função dos padrões de dependência cultural e para que se consiga tal intento é importante uma teo 94 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR ria literária descolonizada e com critérios próprios de valor Nenhuma literatura pode se afirmar como paradigmática como uma forma superior de atualização dessa série cultural que co locaria outras literaturas como dependentes ABDALA JR 2003 p 67 O estudo comparativo das literaturas dos países de língua oficial portuguesa enfrenta toda uma tradição históricocultural modelada pela linguagem europeia desde a Idade Média No processo comunicativo que se estabeleceu das metrópoles com as colônias são constatadas aproximações e diferenciações den tro de um campo comum de contatos entre os diversos sistemas literários Assim formouse a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa CPLP Os macrossistemas alimentamse tan to de um passado comum quanto de suas diversidades que se vão construindo aos poucos Tradição e rupturas fazem parte dos sistemas Queiramos ou não pertencemos a um macrossistema her dado culturalmente Há uma tradição que é absorvida desde as apreensões mais espontâneas da literatura oral até os textos da literatura erudita Muitas vezes uma apropriação de um fenô meno ou de uma obra pode se configurar numa dessacralização do modelo anterior mostrando que se pode quebrar a aura de respeito pelo objeto anterior Abdala Jr 2003 considera que quando se aproximam as literaturas atuais não mais se interessam pelas questionáveis in fluências Não há mais uma estrela mas um campo magnético com várias estrelas cada uma com seu brilho Algumas mais ve lhas outras mais novas Os estudos atuais de Literatura Compa rada entendem os textos como discursos que se constroem ab sorvendo outros discursos tanto extraliterários como literários 95 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Com isso estudar influências deixa de ser o foco Eis o que esse autor afirma ao analisar a escrita neorrealista Não nos interessa a verificação de problemáticas e ques tionáveis influências originalidade ou imitações mas as trans ferências distribuições e desenvolvimento das formas literá rias Enfatizaremos a construção de um texto como resultado de outros textos através de um trabalho poético de absorção e transformação dentro das produções de cada um dos ficcio nistas ou confrontandoos de forma a estabelecer certas linhas de desenvolvimento da própria escrita neorealista no contexto lusobrasileiro ABDALA JR 2003 p 109 E diante desse quadro teórico como podemos entender Lucíola de José de Alencar Podemos entender Lucíola como um texto que se apro pria de outro texto pertencente à cultura europeia mas o faz marcando a diferença sendo portanto um texto descoloniza do embora vinculado a uma cultura dominada pelos padrões externos visto que nossa literatura ainda estava em formação A apropriação realizada não se caracteriza por um processo de sujeição mas por um processo de abertura dialética e dialógica com o texto de Dumas e com a cultura brasileira Como apro priação bem elaborada acaba por ser mais rico por se constituir numa resposta ao texto precedente O diálogo estabelecido com o texto precedente possui es paços de intersecção mas possui também a cor local como dife renciação Como explica Tânia Franco Carvalhal 1986 O diálogo entre os textos não é um processo tranqüilo nem pacífico pois sendo os textos um espaço onde se inserem dialeticamente estruturas textuais e extratextuais eles são o local de conflito que cabe aos estudos comparados investigar numa perspectiva sistemática de leitura intertextual CAR VALHAL 1986 p 53 96 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 2 ESPAÇÕES DE INTERSECÇÃO DUMAS E ALENCAR Sabendo que ainda há muito espaço para polêmicas so bretudo diante de processos de globalização predatórios que destroem culturas locais concluímos esperançosamente que só afirmamos nossa identidade quando conseguimos marcar nossa diferença em relação a Outro E para isso precisamos nos co nhecer e conhecer também o Outro 6 EREFERÊNCIA Site pesquisado MORETTO N Manon Lescault Disponível em httpnilmorettoblogspotcom br200608manonlescaulthtml Acesso em 24 fev 2015 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALA JR B De vôos e ilhas literatura e comunitarismos São Paulo Ateliê Editorial 2003 ALENCAR J Lucíola São Paulo Ática 1998 CARVALHAL T F COUTINHO E F Literatura Comparada textos fundadores Rio de Janeiro Rocco 1994 CARVALHAL T F Literatura Comparada 3 ed São Paulo Ática 1998 COUTINHO A Org A polêmica AlencarNabuco Rio de Janeiro Tempo Brasileiro Brasília Editora da Universidade de Brasília 1978 DUMAS FILHO A A dama das camélias Rio de Janeiro Ediouro 1998 LOURENÇO E Mitologia da saudade São Paulo Companhia das Letras 1999 MARCO V O império da cortesã Lucíola um perfil de Alencar São Paulo Martins Fontes 1986 O império da cortesã A Dama das Camélias e Lucíola In SIMPÓSIO DE LITERATURA COMPARADA 2 1987 Belo Horizonte Anais do I e II Simpósios de Literatura Comparada Belo Horizonte UFMG 1987 v 1 p 311315 SANTIAGO S Uma Literatura nos trópicos Rio de Janeiro Rocco 2000 97 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Nenhum homem é uma ilha completa em si mesma cada homem é o pedaço de um continente parte de um todo se um pequeno cabo é levado pelo mar a Europa menor fica tal como se promontório fosse ou o fossem a casa de teus amigos ou a tua qualquer morte de homem me diminui por que pertenço à humanidade e portanto nunca mandes saber por quem o sino dobra ele dobra por ti DONNE apud LIMA 1997 p 143159 grifo nosso Objetivos Analisar a importância dos conceitos de sistema e macrossistema literários Reconhecer a importância do comunitarismo no desenvolvimento de uma Literatura Comparada solidária Identificar semelhanças no macrossistema dos países de Literatura de Lín gua Portuguesa Conteúdos Estudo e aplicação dos conceitos de sistema macrossistema e comunitarismo A dialética entre localismo e cosmopolitismo Formação da identidade das literaturas africanas UNIDADE 3 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Se encontrar dificuldade não desanime Não se esqueça de acessar a Sala de Aula Virtual Interaja pois dessa maneira você ampliará seus conhecimentos 2 As ideias apresentadas a seguir serão muito importantes para seu aper feiçoamento e não esgotam o tema Ele é passível de questionamen tos Sugerimos portanto pesquisas constantes sempre buscando o aprofundamento 3 Organize seu cronograma para não atrasar a entrega das atividades Essa dica vale para todas as disciplinas do curso 99 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior estudamos duas obras de sistemas literários diferentes em seus espaços de intersecção Nesta unidade usaremos o mesmo procedimento na abordagem do conteúdo Inicialmente abordaremos os conceitos de sistema ma crossistema e comunitarismo em seguida a dialética entre loca lismo e cosmopolitismo e por fim veremos a formação da iden tidade das literaturas africanas Vamos lá A diferença entre comunidades irmãs Há sempre um sonho de que comunidades irmãs cultu rais se reúnam tanto política quanto literariamente O escritor José Saramago expõe esse sonho em seu livro Jangada de pedra 1986 fazendo com que a embarcação faça um caminho oposto ao da integração de Portugal à Comunidade Europeia e navegue para o Atlântico em busca de sua base cultural comum na Amé rica do Sul e na África Central Numa explicação sobre sua obra ele comenta sobre esse sonho Então imagino ou antes vejo uma enorme área ibero americana que terá certamente um grande papel a desempe nhar no futuro Esta não é uma afirmação rácica que a própria diversidade das raças desmente Não se trata de nenhum quin to ou sexto nem sétimo império Tratase apenas de sonhar acho que esta palavra serve bem com uma aproximação entre dois blocos e com o modo de demonstrar Ponho a Península a vagar para o seu lugar próprio que seria no Atlântico entre a América do Sul e a África Central Imagine portanto que eu sonharia com uma bacia cultural atlântica SARAMAGO In ABDALA JR 2003 p 136 grifo nosso 100 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Sonho difícil de se viabilizar mas não impossível pois em decorrência de processos de globalização e de facilidades de co municação as aproximações entre as literaturas ganham novas possibilidades e novos problemas Esses aspectos facilitam a for mação de movimentos comunitários supranacionais mas tam bém podem debilitar antigos vínculos de solidariedade e anti gos laços de parentesco que caracterizam uma nação ABDALA JR 2003 p 78 O professor Benjamin Abdala Júnior 2003 estudioso da Literatura Comparada e das literaturas africanas critica a globa lização por não atender à reciprocidade necessária e por se fazer impositivamente Por isso ele nos apresenta como possibilidade o comunitarismo que descobre fronteiras múltiplas e identida des culturais O crítico alerta para a necessidade de se reforçar os laços de solidariedade para uma possível proposição de modelos que amenizem a desagregação cultural Os sistemas literários nacio nais relacionamse com os macrossistemas literários criando es paços de articulação supranacionais e buscando novas associa ções no campo do comunitarismo cultural Abdala Júnior 2003 p 7879 considera que podemos manter os nossos pés no Brasil e a cabeça deslocandose para outros territórios que nos interessam Propõe duas articulações necessárias uma que aponta para a América Latina e outra que busca os países de Língua Portuguesa Além disso ressalta que do ponto de vista político essas perspectivas estão se concreti zando na CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e nas chamadas cimeiras iberoamericanas mas que ainda fal tam relações literárias Veja o seguinte trecho 101 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Pelas margens de um mundo de fronteiras múltiplas pare cenos imprescindível buscar novas associações no campo do comunitarismo cultural a que historicamente nos vinculamos articulações que efetivamente não reproduzem gestos colo niais ou imperiais Importa ao nosso pensamento crítico assim não reproduzir habitus acríticos que vêm desde os tempos co loniais o consumo de produtos culturais inclusive de natureza teórica mesmo quando produzidos por quem tem os pés na periferia do centro hegemônico ABDALA JR 2003 p 79 Essas organizações abrem novas fronteiras que precisam se pautar pelo sentimento de parentesco e pelo compartilhamento de experiências sem no entanto desconsiderarem os aspectos locais Os países iberoafroamericanos possuem aspectos seme lhantes em sua maneira de ser o que pode aproximálos Esses países também fazem parte dos movimentos periféricos fora dos limites hegemônicos de determinada parte da Europa e dos Estados Unidos Todavia toda integração sempre produziu e continua a produzir conflitos entre o localismo e o cosmopolitismo 2 CONFLITO LOCALISMO E COSMOPOLITISMO O conflito entre localismo e cosmopolitismo acompanhou os estudos dessas literaturas que são cobradas no sentido de assumirem sua identidade mas não conseguiram fazêlo sem uma abertura para além de suas fronteiras Embora as literatu ras latinas tenham buscado nas primeiras décadas do século 20 uma afirmação nacional as vanguardas europeias desencadea ram nova crise como absorver os novos conceitos sem perder a identidade local No entanto os países africanos lusófonos ain da estão iniciando a vivência nesse dilema dada a independên cia tardia somente em meados do século 20 102 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA No Brasil Oswald de Andrade abriu uma perspectiva com seus conceitos antropofágicos que inverteram os tradicionais mecanismos de importação cultural dos modelos estrangeiros A devoração pode fazer uma síntese do que nos interessa assi milar A África por meio de seus movimentos de libertação con seguiu algumas publicações que incorporaram em seus prefácios e posfácios perspectivas de vanguardas literárias afirmando o poder da sociedade crioula e de uma comunidade mestiça Os movimentos centrados na modernidade portanto não mais aceitaram atributos que lhes foram impostos culturalmente e procuraram criar seus próprios valores Surgiram algumas pers pectivas de enfrentamento e de resistência diante do imperia lismo O movimento antropofágico de Oswald de Andrade que buscou assimilar criticamente dos centros hegemônicos apenas o que nos interessava tentou realizar a dessacralização do mo delo sobretudo da cultura europeia Mario de Andrade refutou a assimilação das vanguardas europeias e o caráter imitativo do Modernismo brasileiro como pode ser observado a seguir O novo Esse foi o pensamento estético que nos agitou aqui durante a guerra Onde estava o novo Lá fomos que ma cacos Buscar o novo nas Europas E imitamos os ismos euro peus Deixaremos de ser afrancesados deixaremos de ser aportuguesados germanizados não sei que mais pra nos abra sileirarmos Eu tenho o orgulho já de dizer que sou um brasilei ro abrasileirado ANDRADE apud SCHWARTZ 1995 p 467 Em que pesem as críticas de Mário de Andrade e o ques tionamento do modelo eurocêntrico não podemos desconhecer o surgimento de absorções ricas que se vinculam aos padrões lo cais O que era entendido como uma cópia imperfeita do modelo da cultura central passou a ser visto como uma resposta criativa que dessacraliza o original 103 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Antonio Candido ao mostrar a dialética existente entre o localismo e o cosmopolitismo ressalta que o importante não é a existência de modelos mas a forma como esses modelos são absorvidos transformados ou inteiramente modificados de acordo com a singularidade do autor e as peculiaridades locais Se a Literatura Brasileira assimila aspectos da cultura europeia modificaos substancialmente no momento da apropriação A produção literária não se recusa a um diálogo com o que lhe é externo admitindo o diálogo transcultural pois as melhores criações atuais abremse às contribuições externas sem no en tanto sujeitaremse a elas Silviano Santiago apud ABDALA JR 2003 p 117 ressal ta que uma apropriação de uma perspectiva nacional pode ser muito mais rica do que o original sobretudo por conter em si uma representação do texto dominante e uma resposta a esta representação no próprio nível da fabulação Sobre o caráter de dependência cultural esse mesmo au tor afirma O segundo texto se organiza a partir de uma meditação si lenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto e o leitor transfor mado em autor tenta surpreender o modelo original em suas limitações suas fraquezas em suas lacunas desarticulao e o rearticula de acordo com suas intenções segundo sua própria direção ideológica sua visão do tema apresentado de início pelo original Nesse sentido as críticas que muitas vezes são dirigidas à alienação do escritor latinoamericano por exem plo são inúteis e mesmo ridículas Se ele só fala de sua pró pria experiência de vida seu texto passa desapercebido entre seus contemporâneos É preciso que aprenda primeiro a falar a língua da metrópole para melhor combatêla em seguida SANTIAGO 2000 p 20 104 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Benjamin Abdala Júnior 2003 cria uma metáfora para designar esse viver conflituoso que coloca os países coloniza dos entre o localismo e o cosmopolitismo Dona Flor e seus dois maridos Veja Não se trata efetivamente do mundo que o português criou mas de um mundo que foi construído continuamente por todos nós e quase sempre contra o poder coercitivo do Es tado Foi um exercício dessa ginga para driblar a adversidade sensualmente expressa nos gestos de Dona Flor expressão de sua alteridade feminina entre dois maridos duas posturas de gênero duas culturas duas maneiras de ser que se aproximam em função do sujeito mas que também se opõem conflituosa mente A imagem dos dois maridos não se funde numa única entidade residindo aí a graça Para Dona Flor a evidência das diferenças não lhe permite que os traços se misturem numa única imagem ABDALA JR 2003 p 94 grifo nosso O dilema entre os dois polos culturais torna necessária a convivência comum entre os diferentes e iguais ao mesmo tem po De acordo com Abdala Jr 2003 a tendência do comunita rismo permite que se imagine uma constelação de países irmãos que constituíram mais que pátrias e sim fátrias Nações frater nas que redefiniriam agrupamentos por afinidades culturais Antonio Candido 1987 alertanos em seu livro A Educa ção pela noite e outros ensaios que uma visão muito centrada no localismo em busca de uma identidade literária como é o caso de formas literárias nativistas e regionalistas pode redu zir os problemas mais amplos a um elemento pitoresco que faz por exemplo da paixão e do sofrimento do homem rural ou das populações de cor um equivalente a mamões e abacaxis CANDIDO 1987 p 20 Nesse sentido o localismo pode refor 105 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA çar o colonialismo e a dependência através de nossa condição de subdesenvolvimento Para esse autor as utopias isolacionistas são compreen síveis apenas nos períodos de formação nacional recente nos quais os países se voltam para o próprio cordão umbilical Con tudo ele considera que se deve ter consciência do subdesen volvimento para que ao enxergar a realidade trágica possamos rejeitar o imperialismo e modificar as estruturas internas Logo o que importa é a consciência crítica que o olhar lo cal tem do que lhe é externo O jogo artístico deve articularse dialeticamente entre as partes região e país país e países paí ses de Língua Portuguesa e literaturas de outros sistemas linguís ticos mas sem apropriações acríticas que desconsiderem o local e os dramas de cada povo Os macrossistemas alimentamse de um passado comum mas também das diversidades que cada nação construiu ao lon go de sua formação Convivem com a tradição e com a ruptura Há aspectos culturais que aproximam as comunidades ibero afrolatinas e que se concretizam em similaridades contextuais e situacionais Nesta unidade levantaremos alguns pontos da Literatura Africana de expressão portuguesa opção esta fundamentada no desconhecimento dessa literatura pelos brasileiros situação na qual nos incluímos Faremos comentários sobre as literaturas latinoamericanas posteriormente 106 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA 3 LITERATURAS AFRICANAS NO PÓSCOLONIALISMO O problema levantado anteriormente acentuase nos chamados cinco da África colônias recentemente independentes do imperialismo português que manteve as populações dentro do agrafismo e consequentemente a literatura na oralidade Sair da oralidade para a escritura demanda uma revolução literária capaz de se abrir para transformações sem perda de identidade Diante de seus múltiplos dialetos a literatura desses países africanos teve que resolver o conflito de assumir a Língua Portuguesa como elemento de integração a língua do colonizador Mas assim como os latinoamericanos os africanos estão transformando profundamente o português europeu ao introduzir nele registros de língua e de sensibilidade que não existiam antes Muitas das antologias literárias publicadas recentemente apontam o vocabulário típico que extrapola o português convencional Já aparecem na atual Literatura Africana escritas transgressivas que rompem com o padrão linguístico português A chamada Literatura Africana de expressão portuguesa pois a literatura oral já existia anteriormente a esta teve a sua origem através do confronto da luta da rebelião literária linguística e ideológica tornandose uma literatura dirigida particularmente aos africanos Sua escrita vai construindo uma mistura das línguas locais com o português Podemos constatar nas obras de poetas angolanos Agostinho Neto António Jacinto Pinto de Andrade Luandino Vieira etc a introdução de palavras e frases idiomáticas em quimbundo e umbundo dialetos locais 107 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Antes da independência o escritor africano vivia em meio a duas realidades a sociedade colonial europeia e a sociedade africana Seus escritos eram por isso o resultado dessa tensão entre os dois mundos ainda que tenham recebido as influências fora dessa dualidade revelando o contato com movimentos e correntes literárias da Europa e da América sobretudo do Brasil Na luta pela independência o texto africano ganha a per cepção de sua realidade para após esse período ganhar a cons ciência de colonizado revelando em seu discurso a dor de ser negro o negrismo e o indigenismo Parte de um discurso de desalienação passa num primeiro momento por um discurso de revolta para num segundo momento como nação indepen dente reconstituir sua individualidade expressandose com li berdade e criatividade Sobre esse assunto leia o seguinte trecho Negrismo e Negritude A discussão temática negrista da cultura latinoamericana dos anos 20 exige alguns esclarecimentos preliminares primeiro o negrismo enquanto manifes tação literária pouco tem a ver com negritude Negritude engloba movimentos de reivindicação dos direitos dos negros Negrismo não é um movimento estético organizado ou uma teoria mas se define como certos procedimentos da vanguarda européia exploração do exo tismo uma estética baseada nos fetiches africanos retorno a elementos primi tivos da cultura afro etc SCHWARTZ 1995 p 579 Aparece o elemento que se constituirá na identidade afri cana o mestiço A Literatura define sua posição na sociedade póscolonial traçando novos rumos para o futuro dentro das perspectivas de cada país mas sem desconhecer a necessidade de sua inserção no corpus literário exterior 108 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Considerase que a Literatura Africana de expressão por tuguesa se definiu nos diferentes países em torno das seguintes publicações 1 Em Cabo Verde com a Revista Claridade 19361960 2 Em S Tomé e Príncipe com o livro de poemas Ilha de Nome Santo 1943 de Francisco José Tenreiro 3 Em Angola com a Revista Mensagem 19511952 4 Em Moçambique com a Revista Msaho 1952 5 Na GuinéBissau com a antologia Mantenhas para quem luta 1977 As produções africanas mais atuais são o reflexo do esfor ço de procura de identidade cultural e a tomada progressiva de consciência nacional As transformações necessárias nos países de língua oficial portuguesa têm sido encaminhadas pelos setores crioulizados que conseguem imprimir um caráter nacional a seu país sem descartar as afinidades A crioulidade uma profunda miscigena ção cultural é uma resposta à dependência que envolveu esses países até recentemente Acentuamse os dialetos bem como a miscigenação como fatores de identidade Assim acentuamse os padrões internos que recuperam os valores nacionais e as culturas tradicionais Procurase construir uma nação juntando os fragmentos de antigas nações desman teladas pelo imperialismo português Observe o seguinte trecho Contextualizando Russell G Hamilton indica que embora no Brasil a palavra crioulo seja sinônimo de preto em sua ori gem na HispanoAmérica criollo era branco filho de europeu como também créole nos domínios franceses O crítico con 109 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA sidera mais fiel ao sentido original da palavra origem portu guesa e ao seu uso na África lusófona a designação créole no sentido que é usada em Nova Orleans quando significa mestiço ABDALA JR 2003 p 132 Como o processo de libertação africana associouse à luta de Portugal pela libertação do regime salazarista Portugal e Áfri ca tinham um inimigo comum a Literatura Africana apresenta semelhanças com o neorrealismo português em alguns de seus períodos As temáticas de consciência da negritude ampliamse para um campo mais vasto a tirania a violência o despotismo o aviltamento Os africanos também estabelecem afinidades com os bra sileiros pois leem os modernistas Manuel Bandeira Jorge de Lima Jorge Amado Graciliano Ramos José Lins do Rego Érico Veríssimo produzindo apropriações criativas Agora leia e analise o seguinte texto Literatura Africana em Língua Portuguesa Com efeito alguns anos mais tarde após a instalação da imprensa em Angola ocorre a publicação do livro Espontaneidade da minha alma 1949 do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira o primeiro livro impresso na África lusófona mas não a mais antiga obra do autor africano Anterior a esta há conhecimento do poemeto da caboverdiana Antónia Gertrudes Pusish Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo na noute de 25 de Junho de 1844 publicado em Lisboa no mesmo ano A literatura africana como um conjunto de obras literárias que traduzem uma certa africanidade toma esta designação porque a África é o motivo da sua mensagem ao mundo porque os processos técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e europeizante John chamoua de literatura Neo africana por ser escrita em línguas europeias e para diferenciála da literatura oral produzida em língua africana Nesta literatura o centro do universo deixa de ser o homem europeu e passa a ser o homem africano GARRIDO 2000 110 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Literatura caboverdiana Cabo Verde sofreu menos as influências europeias pois em função de sua posição geográfica de ilha e do drama da seca foi deixado aos cuidados de um grupo local Dado o caldeamento étnico e a forte mestiçagem marcada pelo dialeto crioulo sua literatura não ressalta tão significativa mente as questões de raça pois a unidade cultural é representa da pelo crioulo Sua literatura possui ligações com o Modernismo brasilei ro com autores como Jorge Amado Graciliano Ramos José Lins do Rego poetas como Jorge Lima Ribeiro Couto Manuel Ban deira e sociólogos como Gilberto Freyre Em torno da Revista Claridade juntamse escritores que buscam revelar a fome a miséria e a falta de esperança As cons tantes secas que provocam migrações levam esses autores a ver o mar como saída para o encontro de uma terra prometida A Literatura constróise na dialética do ir e ficar no apelo das raízes e na perspectiva de libertarse da falta de condições de sobrevivência Apesar dessa volta da Literatura caboverdiana para o chão crioulo ela não pode prescindir de um modelo oferecido por Portugal na condição de colonizador Assim segundo vários crí ticos ela voltase para o Modernismo brasileiro Conforme José Osório de Oliveira em seu texto Palavras sobre Cabo Verde para serem lidas no Brasil os ecos da Literatura Brasileira estão em Cabo Verde Veja Os caboverdianos precisavam de um exemplo que a litera tura de Portugal não lhes podia dar mas que o Brasil lhes forne ceu As afinidades existentes entre Cabo Verde e os estados do Nordeste do Brasil predispunham os caboverdianos para com 111 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA preender sentir e amar a nova Literatura Brasileira OLIVEI RA apud ABDALA JR 2003 p 268 Embora buscassem ardentemente o estudo da realidade caboverdiana houve uma identificação com o meio físico e so cial do homem brasileiro e com os problemas de nossa realida de o que fez com que nossa Literatura fosse lida e os ecos dessa leitura aparecessem em seus textos Literatura de São Tomé e Príncipe Esta Literatura é quantitativamente pequena dadas as di mensões geográficas do país duas ilhas No entanto São Tomé e Príncipe têm assegurada a presença no panorama histórico da Literatura Africana pelo seu escritor Francisco José Tenreiro Nas cido em São Tomé ele é um dos marcos da poesia africana de expressão portuguesa pois em parceria com outro importante nome da Literatura de Angola Mário Pinto de Andrade publicou o célebre caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa lançado em Lisboa em 1953 Tratase de uma antologia de poetas da Angola Moçambi que e São Tomé e Príncipe contendo ainda um poema de Nicolás Guillén poeta cubano a quem o caderno é dedicado Nesse ca derno discutese o que se devia entender por negritude na Áfri ca sob dominação portuguesa Na introdução explicam a quem se destina essa publicação Fundamentalmente aos que sabem encontrarse reflectidos nesta poesia e aos que compreendendo a hora presente de formação de um novo humanismo à escala universal enten dem que os negros exercitam também os seus timbres parti culares para cantar a grande sinfonia humana TENREIRO ANDRADE 2012 112 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Observe que Tenreiro ressalta o exercício de uma Literatu ra com a cor local mas não descarta sua inserção num movimen to mais amplo A obra poética de Tenreiro particularmente Ilha de Nome Santo 1942 foi leitura obrigatória de todos quantos participaram dos movimentos sociais políticos e literários so bretudo desde a década de 1950 dos quais é o fundador Tenreiro serviu de parâmetro na moldagem da Literatura Africana literatura esta que não conseguiu uma ruptura signi ficativa com a cultura dominante mas que segue na luta pela libertação e busca de identidade configurada no mestiço Ob serve esse aspecto no poema a seguir Canção do Mestiço Mestiço Nasci do negro e do branco e quem olhar para mim é como se olhasse para um tabuleiro de xadrez a vista passando depressa fica baralhando cor no olho alumbrado de quem me vê Mestiço E tenho no peito uma alma grande uma alma feita de adição como 1 e 1 são 2 Foi por isso que um dia o branco cheio de raiva 113 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA contou os dedos das mãos fez uma tabuada e falou grosso mestiço a tua conta está errada Teu lugar é ao pé do negro Ah Mas eu não me danei E muito calminho arrepanhei o meu cabelo para trás fiz saltar fumo do meu cigarro cantei do alto a minha gargalhada livre que encheu o branco de calor Mestiço Quando amo a branca sou branco Quando amo a negra sou negro Pois é TENREIRO 2015 A mestiçagem é uma das marcas de identidade da Literatu ra de São Tomé e Príncipe Literatura angolana A Literatura angolana carrega o peso de uma tradição oral fecunda No início foi marcada pela temática da terra da gente e de suas origens pela valorização do homem negro e sua cultura 114 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA e pelos protestos anticoloniais Quase todos os escritores tratam da angolanidade como uma temática que inclui a identidade a fraternidade a terra de Angola pátria de todos negros brancos e mestiços a luta pela resistência Também se observa em al guns escritores uma escrita transgressiva que registra a tradi ção oral na qual as próprias línguas nacionais ocupam espaço importante Agostinho Neto é um dos autores que representa esta li teratura sobretudo a poesia angolana A sua obra principal Sagrada Esperança representa não só a poesia de combate e contestação sem ser panfletária mas também a poesia lírica e intimista cuja principal temática é a esperança em relação dia lética com os dramas vividos o sonho do poeta e o despertar do povo a escravidão e a fé de transcender a opressão Não po demos mencionar sentimentalismo nesta poesia pois evidencia grande contenção de forma sem extravasamentos Em seu ensaio Agostinho Neto e a alteridade no contexto da globalização neoliberal inserido em De vôos e ilhas literatu ra e comunitarismos Benjamin Abdala Júnior 2003 p 196207 mostra como esse poeta consegue articular o supranacional e o nacional em sua obra Vamos destacar alguns pontos Por considerar Luanda uma síntese do espaço nacional e por admitir que ali se encontram diferentes civilizações sua obra faz o diálogo com o exterior Entre as diversas contribuições cul turais de várias partes do interior de seu país presentes em Luan da estão os negros de todo o mundo Assim sua poesia ganha elementos universais 115 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Voz do sangue Palpitamme os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue Ó negro esfarrapado do Harlem ó dançarino de Chicago ó negro servidor do South Ó negro de África negros de todo o mundo eu junto ao vosso canto a minha pobre voz os meus humildes ritmos Eu vos acompanho Pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo Eu vos sinto negros de todo o mundo eu vivo a vossa Dor meus irmãos AGOSTINHO NETO In ABDALA JR 2003 p 199 Benjamin Abdala Júnior 2003 expõe que por intermédio de um processo metonímico o poeta descreve Luanda como um espaço de estrangeiros como se estivessem isolados em seu próprio território Os negros de todo o mundo estão em Luanda Para denunciar a falta de sentido de existências sofridas valese do repertório literário dos países de Língua Portuguesa 116 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA em especial o Brasil podendo ser encontradas semelhanças com os poetas João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira Abdala cita como exemplo o texto a seguir Compare os dois fragmentos de poemas Passei a vida a servir os meus dias passeios a chorar no meu mundo meu inferno AGOSTINHO NETO In ABDALA 2003 p 202 Andorinha Andorinha lá fora está dizendo Passei o dia à toa à toa Andorinha andorinha minha cantiga é mais triste Passei a vida à toa à toa BANDEIRA In ABDALA 2003 p 202 O poema faz uma apropriação do texto Andorinha de Manuel Bandeira No entanto Bandeira ressalta sua lástima de ter ficado à margem da vida pela doença enquanto Agostinho mostra a falta de sentido para uma vida infernal Apropriação tipo réplica e não imitação Buscando referenciais supranacionais afirma a identidade negra pela estratégia da negação Denuncia assim as tentativas de apagar os traços da cultura negra nos outros povos A negri tude é afirmada pela negação dos outros povos e pelo contexto do capitalismo e do colonialismo que tentam apagar em si os traços físicos e culturais angolanos Leia outra poesia de Agostinho Neto 117 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Nunca houve negros A África foi construída por vós A América foi colonizada por vós A Europa não conhece civilizações africanas Nunca houve beijo de negros sobre faces brancas Nem um negro foi linchado Nunca matastes pretos a golpes de cavalomarinho Para lhes possuirdes as mulheres Nunca extorquistes propriedades a pretos Não tendes nunca filhos com sangue negro Ó racistas de desbragadas lubricidades Não existe música negra Nunca houve batuques nas florestas do Congo Quem falou em spirituals Os salões enchemse e Debussy Strauss Korsakov Que não há selvagens na terra Viva a civilização dos homens superiores Sem manchas negróides a perturbarlhe a estética VivaAGOSTINHO NETO In ABDALA JR 2003 p 203 e 204 Perceba que essa poesia utiliza a estratégia discursiva de negações para mostrar sua alteridade no contexto da globaliza ção neoliberal Apropriase das negativas sociais e da indiferença do contexto mundial para mostrar a cultura híbrida na qual os povos e a literatura se inserem Tratase de poesia de engaja mento político que mostra a mestiçagem cultural Veja como Abdala Júnior 2003 encerra seu ensaio 118 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Desconsiderar a alteridade e seu sentimento histórico é ter uma visão reduzida essencialista de nós próprios Somos mui tos e contraditórios dialógicos e dialéticos num mesmo terri tório individual e coletivo nacional e supranacional ABDALA JR 2003 p 206 Literatura moçambicana A literatura produzida em Moçambique também passou pelo mesmo caminho das anteriores précolonial e colonial afrocêntrica e lusotropicalista nacional e póscolonial Tendose em vista a pouca penetração da cultura portuguesa e população com um índice considerável de analfabetismo a tradição oral assim como em Angola é uma marca dessa literatura Uma parte significativa da produção literária moçambicana devese aos poetas da literatura europeia ou seja escritores que centram sua temática nos problemas de Moçambique O poeta Rui de Noronha representa uma das primeiras ten tativas de sistematizar em termos poéticos o legado da tradição oral africana como por exemplo em seu poema Quenguele quêze que aparece carregado de imagens do mundo mítico africano Contudo a figura mais representativa dessa literatura é José Craveirinha cuja poesia engloba todas as etapas apresentadas No período pósindependência os escritores fazem a rela ção do patrimônio tradicional moçambicano com uma temática mais universal A literatura moçambicana de expressão portu guesa atual já está registrada num português que não é o de An gola nem o do Brasil nem o de Portugal começando a se definir como instrumento de comunicação de sua cultura emergente A renovação da linguagem portanto é uma de suas características 119 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Sempre que nos abrimos para a observação dos macrossis temas podemos perceber que a Literatura Africana bem como a de outras localidades dialogam com a Literatura Brasileira Leia a seguir um trecho da Canção do exílio de Gonçal ves Dias e logo após o Poema para Eurídice negra de Sérgio Vieira Conforme Benjamin Abdala Júnior 2003 p 222 esse poema consta na antologia Poetas de Moçambique que foi orga nizada em 1961 pelo Departamento Cultural da Casa dos Estu dantes do Império Nosso céu tem mais estrelas Nossas várzeas têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida mais amores DIAS apud ABDALA JR 2003 p 222 Poema para Eurídice Negra dedicado ao brasileiro Vinicius de Moraes são doces os frutos das nossas árvores e as flores da nossa terra vivem em perfume no ar nos nossos céus há mais estrelas nos nossos pulsos livres há mais sonho VIEIRA apud ABDALA JR 2003 p 222 120 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA Se o nosso poema cantava a identidade brasileira pela na tureza o poema africano refaz esse canto e atualizao dentro do contexto da panafricanidade para ressaltar sua identidade dife rente da nossa A memória coletiva moçambicana é preservada pelo resga te de sua ancestralidade sobretudo pela sua literatura oral Mes mo que tenha havido um intenso processo de rupturas e descon tinuidades Mia Couto outro escritor moçambicano busca as estórias passadas de geração a geração e revela a complexidade da formação cultural do seu país O passado refaz o presente 4 UMA BUSCA DE IDENTIDADE Vocês estudaram em literatura o conceito de sistema de senvolvido por Antonio Candido que considerou a necessidade de três aspectos para a sua constituição acervo de obras públi co leitor e temática nacional Os países africanos póscoloniais buscam a constituição de seu sistema nacional Abdala Júnior 2003 p 214 afirma que a sua referência à existência de um macrossistema de literaturas de língua portu guesa nasceu de um desejo de aproximar literaturas com raízes históricoculturais comuns E nesse aspecto a Literatura Africana aproximase da nossa Literatura Brasileira não só por estar sendo registrada na mesma língua mas por ter vivenciado assim como nós o colonialismo português Também considera a importância dessas bases aproximativas como uma estratégia de resistência contra a hegemonia capitalista que anula as culturas nacionais Percebemos que o diálogo com a Literatura Brasileira acon tece pela apropriação dos escritores africanos de um repertório de autores nacionais que marcará algumas produções africanas 121 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA É possível identificar aspectos formais e temáticos que se rela cionam com nossa literatura Os africanos ao criarem seu pro jeto político e cultural encontraram em nossa realidade e em nossa literatura elementos de identificação Abdala Júnior 2003 p 68 ainda afirma que ao buscarem a identificação simbólica com a Mátria a MamãeÁfrica profanada pelo colonialismo dão as costas à simbolização da Pátria o poder paterno colonial encontrando algumas de suas marcas na Fátria brasileira Assim como tivemos nossa luta pela descolonização no Romantismo os países africanos a buscam na atualidade pois somente em meados do século 20 conseguiram sua independên cia política por meio de diferentes movimentos e frentes que se organizaram em torno de revistas e jornais Assim como naquele momento nos voltamos para nosso umbigo a África faz o mes mo Mas como vimos na Unidade 2 é praticamente impossível afirmar a alteridade sem o conhecimento do outro É com essa produção que a África se identifica na criação de sua também independência cultural e política A dialética do localismo e do cosmopolitismo rege a formação dos sistemas li terários que não podem prescindir de uma abertura para o ex terno na conformação de seu interno Não se trata de reproduzir padrões hegemônicos mas de absorvêlos criativamente O de sejo africano de se identificar com sua negritude como um valor representativo de sua identidade faz com que se voltem para a reabilitação de suas temáticas rurais e citadinas juntando o que esteve fragmentado durante a repressiva colonização Este sentimento de criar uma Literatura Africana mostra nos um sistema em formação com o surgimento de grupos de escritores que buscam mediante uma temática nacional ex 122 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA pressar sua individualidade na universalidade da cultura A busca do diferente e de suas marcas essenciais não deixa de ser uma defesa diante do outro A Literatura Africana não tem se pautado apenas pelo registro de sua literatura oral mas principalmente pela criação e recriação de seu mundo fragmentado Veja o que nos explica o escritor africano Manuel Rui sobre como a oralidade africana vai se tornando escrita E agora Vou passar o meu texto oral para a escrita Não É que a partir do momento em que eu o transferir para o es paço da folha branca ele quase que morre Não tem árvores Não tem ritual Não tem as crianças sentadas segundo o quadro comunitário estabelecido Não tem som Não tem dança Não tem braços Não tem olhos Não tem bocas O texto são bocas negras na escrita quase redundam num mutismo sobre a folha branca No texto oral já disse não toco e não o deixo minar pela escrita arma que eu conquistei ao outro Não posso matar o meu texto com a arma do outro Vou é minar a arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto Invento ou tro texto Interfiro desescrevo para que conquiste a partir do instrumento escrita um texto escrito meu da minha identidade RUI apud TETTAMANZY 2006 p 1 grifo nosso A Literatura Africana recria a si mesma Faz sua escrita mas preserva sua oralidade que segundo um provérbio umbun du está inscrita no corpo Somos o mundo que pensa o mundo que está no âmago da nossa carne 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 123 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA 1 Qual a importância dos conceitos de sistema e macrossistema literários 2 Como ocorreu a origem da Literatura Africana de expressão portuguesa 3 Com o passar do tempo como a oralidade africana tornase escrita 6 CONSIDERAÇÕES O conceito do comunitarismo pode ser capaz de facilitar nossa resistência e defesa diante de movimentos hegemô nicos que enfraquecem culturas nacionais A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa pode favorecer essa resistência A proposição de um comunitarismo cria as bases para o comparatismo da solidariedade capaz de desvelar o que é co mum e o que é próprio de cada sistema literário Em comum há nossa identidade crioula e mestiça e este reconhecimento pode favorecer relações que não se pautem por dependência e hierarquia O ir e vir de obras e leitores pode viabilizar o comunitaris mo e uma Literatura Comparada descolonizada capaz de analisar sem julgamentos de valor Agora reflita O que conhecemos nós brasileiros da lite ratura desses povos irmãos Sabemos que somos lidos intensa mente por eles O que lemos desse povo Não estaríamos prati cando o mesmo imperialismo que criticamos em nossas relações com outros povos Ficam esses questionamentos para você pensar e quem sabe tomar a atitude de ler algo dessa literatura desconhecida e ignorada por nós brasileiros 124 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 3 COMUNITARISMO COMUNIDADE CULTURAL IBEROAFROAMERICANA 7 EREFERÊNCIAS Sites pesquisados GARRIDO N Literatura africana em Língua Portuguesa Alternativas Ano 1 n 1 junjul 2000 Disponível em httpwwwprof2000ptusershjcoalternativas01 pag00008htm Acesso em 24 fev 2015 LIMA B M Guilhermina ou a arte de escutar as aves Revista Literatura e Sociedade São Paulo n 2 p 143159 dez 1997 Disponível em httpwwwrevistasuspbr lsarticleview1560017174 Acesso em 24 fev 2015 LITERATURAS LUSÓFONAS Bemvindos ao colo da mamãe África Disponível em literaturaslusofonasblogspotcom Acesso em 23 jul 2018 TENREIRO F J Canção do mestiço In LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da Língua Portuguesa no mundo Disponível em httplusofoniax10mxtenreiro htmCANC387C383ODOMESTIC387O Acesso em 23 jul 2018 TETTAMANZY A L L Meus pensamentos são todos sensações corpo e voz nas narrativas orais africanas Revista Boitatá Londrina n 2 juldez 2006 Disponível em httprevistaboitataportaldepoeticasoraisinfbrsitearquivosrevistas1 artigo20Anapdf Acesso em 23 jul 2018 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALA JR B De vôos e ilhas literatura e comunitarismos São Paulo Ateliê editorial 2003 CANDIDO A A educação pela noite e outros ensaios São Paulo Ática 1987 Série Temas A formação da Literatura Brasileira momentos decisivos 6 ed Belo HorizonteRio de Janeiro Itatiaia 2000 Coleção Reconquista do Brasil LIMA L C História ficção literatura São Paulo Companhia das Letras 2006 SANTIAGO S Uma Literatura nos trópicos Rio de Janeiro Rocco 2000 SANTILLI M A Estórias africanas história e antologia São Paulo Ática 1985 SCHWARTZ J Vanguardas latinoamericanas Polêmicas manifestos e textos críticos São Paulo USPIluminurasFapesp 1995 TENREIRO F J ANDRADE M P Orgs Poesia negra de expressão portuguesa Vila Nova de Cerveira Nóssomos 2012 125 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Objetivos Entender a Literatura e a História como linguagens e constructos sociais Analisar diferentes formas de relação interdisciplinar entre Literatura e História Observar como os fatos históricos são apropriados pela Literatura Conteúdos Relações interdisciplinares entre Literatura e História Memorialismo reconstrução literária do passado histórico metaficção historiográfica Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que na Educação a Distância você faz parte de um grupo de construção colaborativa do saber Desse modo caso tenha dúvida ou sugestões entre em contato com seu tutor ou com seus colegas de curso 2 Para aprimorar seus conhecimentos sugerimos a leitura de A selva de Ferreira de Castro Baú de ossos de Pedro Nava e O tempo e o vento de Érico Veríssimo UNIDADE 4 3 Conheça um pouco da biografia de dois importantes escritores cujo pen samento norteia o estudo desta unidade Érico Veríssimo 19051975 Nenhuma literatura em nenhum período da sua história se explica inteiramente por si mesma SENA 1977 p 189 Érico Lopes Veríssimo nasceu em Cruz Alta RS no dia 17 de dezembro de 1905 filho de Sebastião Ve ríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes Veríssimo O escritor falece subitamente no dia 28 de no vembro de 1975 deixando inacabada a segunda parte do segundo volume de suas memórias além de esboços de um romance que se chamaria A hora do sétimo anjo Imagem disponível em httpwwwestudopraticocombrbiografiadeericoverissimo Texto dispo nível em httpwwwreleiturascomeverissimobioasp Acesso em 26 fev 2015 José Saramago 19222010 Filho e neto de camponeses José Saramago nas ceu na aldeia de Azinhaga província do Ribatejo no dia 16 de novembro de 1922 se bem que o registro oficial mencione como data de nascimen to o dia 18 Os seus pais emigraram para Lisboa quando ele não havia ainda completado dois anos A maior parte da sua vida decorreu portanto na ca pital embora até aos primeiros anos da idade adul ta fossem numerosas e por vezes prolongadas as suas estadas na aldeia natal Fez estudos secundários liceais e técnicos que por dificuldades económicas não pôde prosseguir O seu primeiro emprego foi como serralheiro me cânico tendo exercido depois diversas profissões desenhador funcionário da saúde e da previdência social tradutor editor jor nalista Imagem disponível em httpsprefacioculturalwordpresscom tagjosesaramago Texto disponível em httpwwwjosesaramagoorg biografiajosesaramago Acesso em 26 fev 2015 127 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Após termos feito o percurso histórico da formação da identidade das literaturas africanas veremos nesta unidade as relações interdisciplinares entre Literatura e História bem como o memorialismo a reconstrução literária do passado histórico e a metaficção historiográfica Vamos em frente 2 LITERATURA COMPARADA Diante da articulação da teoria literária com a Literatu ra Comparada outros campos da investigação comparativista progrediram como é o caso das relações interdisciplinares As fronteiras entre as diversas disciplinas estão sendo questiona das O conhecimento não mais obedece a divisões racionalistas e estanques Assim podemos afirmar que os estudos comparativistas atuais são marcados por uma profunda relação interdisciplinar é cada vez maior o interesse de outras áreas do pensamento pela Literatura assim com é também cada vez maior o interesse da Literatura por outras áreas do pensamento Há uma ampliação dos pontos de interesse que criam no vas relações e confrontos Literatura e Artes Literatura e Psico logia Literatura e folclore Literatura e História Literatura e So ciologia Literatura e cultura Literatura e educação Literatura e música Literatura e pintura etc Essas relações expressam a tendência atual de se explorar o imbrincamento da literatura com outras formas de expressão artística ou outras formas de conhecimento Assim como a Lite 128 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA ratura Comparada ultrapassou barreiras geopolíticas ultrapas sa também neste momento barreiras artísticas ou intelectuais As conceituações mais atuais de Literatura Comparada refletem essa ampliação do campo de estudo o estudo da literatura além das fronteiras de um país em particular e o estudo das relações entre literatura de um lado e outras áreas do conhecimento e crença como as artes pin tura escultura arquitetura música a filosofia a história as ciências as religiões etc de outro Em suma é a comparação de uma literatura com outra ou outras e a comparação da li teratura com outras esferas da expressão humana REMAK apud CARVALHAL 1998 p 74 grifo nosso Verificamos nesta linha de pensamento que a Literatura Comparada precisa encontrar meios de interrogar textos em seus aspectos literários ou extraliterários Vimos nas unidades anteriores como uma literatura se relaciona com outra ou ou tras literaturas Toda essa ampliação do campo de investigação demanda metodologias e estudos teóricos para a formação de competências Exigese do comparatista conhecimento em mais de uma área do conhecimento ou o trabalho em grupo A meto dologia adequada para estes estudos está ainda em construção Cabenos agora verificar como a literatura se relaciona com outras áreas do conhecimento Todavia como é impossí vel abarcar todas as interrelações vamos nos ater ao estudo de apenas alguns aspectos das relações entre Literatura e História 3 DESAFIOS CONCEITUAIS LITERATURA E HISTÓRIA Iniciaremos este tópico pontuando que a Literatura e a His tória podem se aproximar de três maneiras 129 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA o estudo da história da Literatura a historiografia literária a Literatura que absorve aspectos históricos Nesta disciplina nossas reflexões estão delimitadas ao úl timo aspecto à forma como se dá a apropriação da Literatura da temática da História Obras que tomam uma realidade qualquer do universo histórico e transformamna em tema de uma obra ficcional O que levaria um escritor de Literatura a tomar uma reali dade conhecida como temática de sua obra A linha divisória entre Literatura e História ainda não está totalmente delimitada Existem questionamentos que são fun damentais para o entendimento dessa aproximação Quando um texto é Literatura Quando um texto é História As respostas simples ligadas ao senso comum de que Li teratura é arte e História é ciência não são suficientes para escla recer as diferentes gradações que essas duas disciplinas ganham nos textos concretos postos para análise Uma obra pode partir do simples relato de suas percepções sobre um cenário ou fato tematização perceptual e chegar a um relato de um contexto histórico que absorve o imaginário tematização do imaginário Para exemplificar pensemos nas seguintes questões o li vro Os Sertões de Euclides da Cunha é Literatura ou História Em que medida esse livro tematiza apenas as experiências vi vidas pelo seu autor expõe o cenário da guerra de Canudos e a paisagem do sertão O assunto é tão complexo que gera críticas as mais opostas possíveis fantasias de um artista que sabe fazer romance GUI MARÃES apud LIMA 2006 p 375 ou Euclides transformou em 130 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA brilho de frase sonora e imagens chiques o que é cegueira insu portável deste solão transformou em heroísmo o que é miséria pura ANDRADE apud LIMA 2006 p 376 Para um ele é pura fantasia para o outro ele é real fantasiado Faz algum tempo que a relação entre História e Literatura é questionada por historiadores e críticos literários Buscase sa ber que fios tecem o histórico e que fios tecem o literário São comuns questionamentos sobre a validade de se buscar aspec tos históricos na escrita literária Uma narrativa de estrutura literária possui capacidade de cumprir a função histórica Em que medida a Literatura apre senta dados que podem esclarecer fatos históricos E os relatos considerados históricos Seriam totalmente verdadeiros Não trazem em sua estrutura certa dose de ficção literária Até o início do século 20 acreditavase que a Literatura ex primiria o verossímil uma ficção com a impressão de verdade e a história exprimiria o verdadeiro ou seja a representação do real Era bem clara a noção de que Literatura e História eram campos distintos indicando que enquanto um ficcionalizava o real o outro estabelecia este real Esta visão fez a História autodeterminarse a única possi bilidade de registro da realidade do passado não reconhecendo essa capacidade na literatura MENDONÇA ALVES 2003 p 2 Contudo se bem pensarmos tanto História quanto Literatura são discursos humanos são constructos linguísticos Enquanto tal o historiador escolhe fatos que considera im portantes faz um recorte do real e expressao numa escritura Ele não deixa de inventar à sua maneira uma vez que é impos sível a captação do real tal qual é mesmo na fotografia O autor 131 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA recorta posicionase em determinado ângulo escolhe sobre o que vai registrar Assim os historiadores também são contadores de histórias Veja o que afirma José Saramago um escritor que subverte a história em seus romances parece legítimo dizer que a História se apresenta como pa rente próxima da ficção dado que ao rarefazer o referencial procede a omissões portanto a modificações estabelecendo assim com os acontecimentos relações que são novas na me dida em que incompletas se estabeleceram SARAMAGO 1990 p 719 Dentro desses parâmetros História e Literatura concreti zamse em um texto O texto nasce do trabalho humano e é um testemunho do esforço de criação individual e o resultado de uma absorção de condicionamentos sociais de dimensões cultu rais de condições econômicas de conflitos éticos de contradi ções políticas enfim de todos os aspectos que formam o campo extratextual É quase impossível separar em um discurso o que é exclu sivamente individual e o que é social As teorias do dialogismo e da intertextualidade vão questionar quem fala em mim quando falo Um discurso comporta diferentes vozes inclui o que pen so mas minhas ideias são construídas histórica e coletivamente É claro também que o discurso literário e o histórico com portam diferenças Costumase dizer que a Literatura tem um ca ráter multivocal ou seja é ambígua comporta diferentes inter pretações O discurso histórico pretendese unívoco pretende uma única interpretação O autor literário vive o fato de modo intimista faz do mun do uma leitura subjetiva o que importa é a sua interpretação 132 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA O autor histórico expressa os acontecimentos pesquisados e analisados apresentando conclusões obtidas com base em suas interpretações Os dois incluem uma interpretação do fato mas o literato não tem compromisso com afirmar ou negar a verdade ao passo que o historiador deve apresentar dados localizados no espaço e no tempo É a intenção que vai diferenciálas a intenção do literato é a de expor um universo ficcional enquanto a do his toriador é mostrar e explicar os fatos concretos de um passado Podemos concluir que história e ficção são formas de aces so ao passado que oferecem um conhecimento indireto fora da esfera do visível mediante traços ou vestígios visíveis no pre sente Em princípio entrosamse como formas de linguagem caracterizandose ambas como sintéticas e recapitulativas da atividade humana Tanto o romance quanto a história selecio nam simplificam e organizam resumem um século numa pági na Muitas polêmicas envolvem a descoberta de que história se constitui mais um saber o que a despoja de seu aspecto científi co posto que ela também não tem comprovação característi ca esta exclusiva do domínio da ciência exata Sua referência ao passado é indireta pois trata do que não é mais e jamais será outra vez ainda que se proclame precisa Observamos que a ficção literária apresenta sempre rela ções com os eventos históricos Atualmente em muito do que se produz literariamente percebemos a ficção dialogando com a história mas de forma bastante peculiar o passado é trazi do para o presente não para recontálo simplesmente mas sim para questionálo e configurálo em novos contextos Assim podemos observar como essa tendência se mani festa no âmbito das literaturas de Língua Portuguesa bem como 133 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA seus reflexos Algumas obras de ficção são capazes de iluminar certa fase da história da cultura dos povos nos quais tais literatu ras se desenvolvem Vamos ver apenas alguns aspectos principais dessas iluminações 4 HISTÓRIA QUE SE PRESENTIFICA NA LITERATURA Os temas da História sempre atraíram escritores e poetas pela riqueza em peripécias e emoções No Romantismo surgi ram os romances históricos com seus temas envolvendo insur reições guerras revoluções e retratos regionais Entre as tendências mais marcadas da ficção moderna e pósmoderna notase uma insistente procura por contextualizar o presente mediante o questionamento da História Por outras palavras há uma tendência de a ficção empreender uma proble matização da História Veja as inúmeras minisséries televisivas que tentam reconstruir o passado histórico brasileiro com base em romances atuais São os romances que mais firmemente fazem a ligação ficçãohistória Segundo a teoria bakthiniana o romance tem a possibilidade privilegiada de representação dos outros gêneros Nele podem aparecer cartas diários notícias poesia e aspectos históricos O romance é uma manifestação multívoca em que as diversas vozes sociais encontram espaço para se manifestarem Parecenos que a finalidade de um romance sobre a His tória não está apenas no relato nem na análise dos fatos pois isso confirmaria apenas o que já está descrito Seria uma obra de divulgação de aspectos da História O romance de ficção faz sem 134 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA pre um jogo entre a realidade imaginada e a realidade concreta e tentará passar um conhecimento de outra ordem A análise de diferentes romances evidencia os diferentes nexos dialógicos da ficção com a história tais como um narra dor que constrói um cenário diegético com informações sobre os personagens sobre os objetos sobre o espaço e o tempo his tóricos um narrador autodiegético que por meio de uma prosa memorialística revela aspectos históricos um narrador hetero diegético que dá voz a múltiplos personagens marcados de histo ricidade uma prosa paródica que inverte aspectos históricos etc Vamos à análise de alguns desses aspectos Percorreremos um caminho que mostra um aprofundamento das qualidades estéticas do texto literário diante dos aspectos históricos nele presentes Pensaremos como o escritor transpôs a História para a Ficção Vamos relembrar alguns conceitos da teoria literária Para tanto leia o seguinte trecho extraído do Dicionário de teoria da narrativa Alguns termos empregados em teoria literária O termo diegese pode apresentar dois significados 1 Diegese como sinônimo de história e universo espacialtemporal no qual se desenvolve a história 2 Diegese como designação do universo do significado o mundo possível que enquadra valida e confere inteligibilidade à história Autodiegético o narrador da história relata suas próprias experiências com o registro em primeira pessoa eu Este narrador acontece sobretudo quando narra eventos já acontecidos concluídos e inteiramente conhecidos Tem um conhecimento absoluto dos assuntos mas o revela gradualmente 135 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Heterodiegético o narrador relata uma história da qual não participa enquan to personagem exprimindose em terceira pessoa O narrador pode assumir uma focalização onisciente conhece pensamentos e sentimentos dos perso nagens ou assumir o ponto de vista de um personagem narrando os fatos segundo a visão desse personagem apesar da terceira pessoa REIS LOPES 1988 p 26 118121 5 CONSTRUÇÃO DE UM CENÁRIO DIEGÉTICO A SELVA DE FERREIRA DE CASTRO José Maria Ferreira de Castro era português filho de cam poneses pobres que aos 12 anos de idade cruzou o oceano rumo ao Brasil Fez uma aventurosa emigração A obra A selva 1930 é vista como uma obra universal da das as diferentes traduções dispostas em 20 línguas estrangei ras e em esperanto Suas edições sempre esgotadas receberam capas de pintores famosos como Portinari O inusitado nessa obra é um escritor português escrever um livro com temática brasileira Lembrome ainda do dia já tão distante em que apareci com doze anos apenas de olhos baixos e gestos curtos tímido dentro desses fatos de aldeia que eram sempre mais pequenos do que o corpo na Praça de José Estêvão onde nessa época se encontrava o governo civil para tirar um documento de natu ralidade um elemento de expatriação e de funda saudade pela terra nativa o meu passaporte CASTRO apud SACRAMEN TO 1998 Depois de curto tempo em Belém do Pará embrenhouse no Rio Madeira para trabalhar em um seringal em plena selva amazonense Esses quatro anos vividos no chamado inferno verde consistiram na matériaprima do romance A selva Vol tou a Belém viveu de trabalhos informais fez muitas leituras na 136 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA biblioteca pública da cidade e escreveu outro romance chamado Criminoso por ambição Depois retornou a Portugal Mais tarde registrou suas memórias e publicou A selva que se transformou num êxito imediato Essa é a história real do autor que a transformou em ficção relatando suas vivências no período em que esteve embrenha do em um seringal dentro da floresta Veja o que ele relata no prefácio de sua obra Não estranhe a acentuação e a ortografia portuguesa De A selva Em uso nas edições posteriores a 1955 data dos 25 anos do romance Eu devia este livro a essa majestade verde soberba e enigmática que é a selva amazónica pelo muito que nela sofri durante os primeiros anos da minha adolescência e pela coragem que me deu para o resto da vida E deviao sobretudo aos anónimos desbravadores que viriam a ser meus companheiros meus irmãos gente humilde que me antecedeu ou acompanhou na brenha gente sem crónica defi nitiva que à extracção da borracha entregava a sua fome a sua liberdade e a sua existência Devialhes este livro que constitui um pequeno capítulo da obra que há de registrar a tremenda caminhada dos deserdados através dos séculos em busca de pão e de justiça A luta de cearenses e maranhenses nas florestas da Amazónia é uma epopéia de que não ajuíza quem no resto do Mundo se deixa conduzir veloz e comodamente num automóvel com ro das de borracha da borracha que esses homens humildemen te heróicos tiram à selva misteriosa e implacável CASTRO 1986 p 15 Desse modo você pode perceber que mencionar A selva é também mencionar o seu criador e sua experiência pois nela ficaram as marcas do relato de um português de um imigrante 137 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA que recorda no sentido primitivo de cordis coração revive um momento de sua trajetória de vida e registrao No entanto a obra ultrapassa o caráter autobiográfico e apresenta um olhar comovido sobre sua vida e a vida de outros homens tocados pelo isolamento da imensidão verde e pela ex ploração humana Os críticos portugueses costumam denominá la de uma saga humana pois documenta um percurso huma no no mundo verde da escravidão dos seringais Tratase de uma narrativa marcada pela dor do viver no isolamento e pela revolta muda diante das injustiças de um siste ma de escravidão a que são submetidos os trabalhadores O trecho a seguir revela sua dolorosa experiência viven cial e escritural realizada à luz de um candeeiro após 15 anos de sua estada na floresta Referirei seguidamente A Selva esse outro livro que o homem trazia no fundo do seu ser desde os anos em que vi veumorreu na floresta amazónica Obra tão sofrida que a seu respeito ele teve este impressionante desabafo de que cito apenas algumas passagens quando sem tecto sem pão sem ninguém sonhando constantemente que se encontrava na selva na de verdade na Amazónia tinha pesadelos constan tes quando dormia confessando que foi por isso talvez que durante muitos anos tive medo de revivêla literariamente Um medo frio que ainda hoje sinto quando os amigos me incitam a escrever memórias Enfim 14 anos vividos tormentosamente sobre a noite em que abandonei o seringal Paraíso pude sen tarme à mesa de trabalho para começar este livro CAS TRO apud SACRAMENTO 1998 Percebemos que é uma obra neorrealista que encara a for ma de fazer literatura em uma perspectiva social uma obra vol tada para fora apesar de narrar uma experiência pessoal Este aspecto está marcado pelo narrador em 3ª pessoa onisciente ou 138 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA seja o narrador que tudo vê e tudo sabe Por meio dele vamos formando um quadro do cenário e das pessoas Aparecem não somente as belezas e os horrores da Amazônia e a descrição da natureza tropical mas também os homens que habitam esta ter ra os primitivos os caboclos os colonos os comerciantes e os imigrantes que lutam pelo pão de cada dia Ao reconstituir em 3ª pessoa heterodiegético sua aventu ra dramática no barracão do Paraíso à margem do Rio Madei ra na planície amazônica o autor colocase fora da diegese para narrar os fatos o que caracteriza sua intenção de ficcionalizar sua experiência Ele deseja construir um espaço para além de sua visão pessoal Cria o personagem Alberto o que marca a di ferença entre autor e personagem Não é um eu que narra os fatos mas uma voz externa Esta voz ganha força pela sua capacidade de apresentar os pen samentos e a visão de Alberto sobre tudo que está acontecendo Embora o narrador não seja um personagem ele se cola no per sonagem Alberto e nos apresenta sua visão de mundo Temos a nítida sensação de estarmos vendo a história pelos olhos desse personagem pois a voz narrativa nos conta os pensamentos e as angústias internas dele Todos os acontecimentos e as refle xões são decorrentes dessa perspectiva Assim temos a visão de um português sobre a nossa floresta brasileira e seus habitantes Veja este aspecto nos trechos a seguir Aquela longa viagem duplicando a distância que até ali o se parava de Portugal a interrupção dos seus estudos a derrota das suas doutrinas e os ásperos baldões já sofridos tudo agora muito nítido perante a maneira como fora admitido por Balbi no deprimiamno tenazmente Sem futuro definido entregue 139 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA apenas ao arbítrio das circunstâncias talvez não conseguisse mesmo regressar E sorria depreciativamente ao pensar no apostolado da demo cracia nos defensores da igualdade humana que ele combate ra e o haviam atirado ao exílio Retóricos perniciosos Queria vêlos ali ao seu lado para lhes perguntar se era com aquela humanidade primária que pretendiam restaurar o mundo Via se o que tinham feito Tudo na mesma sempre a mesma vio lência a demagogia até Os cearenses moveramse formaram roda junto do negro pa nelão e com rosto alegre e ditos jocosos iam recebendo o seu almoço aquelas gadanhas de carne seca e feijão preto que o copeiro distribuía a cada um Alberto simulou não ver O novo olor que se espalhara no con vés açularalhe ainda o apetite mas ele resistiulhe e decidiu não imitar os outros que estendiam em homenagem à fome os míseros pratos Continuava a importunálo a promiscuidade em que a vida se realizava ali a igualdade em que todos se fundiam como se cada um não tivesse o seu temperamento as suas predilec ções a autonomia que ele desejava para si CASTRO 1986 p 5253 Ao lermos esse trecho compreendemos a razão pela qual temos a sensação de uma narrativa em primeira pessoa pois esse narrador extradiegético adota um ponto de vista do per sonagem Alberto um português que deportado de Portugal acolhido em Belém por uns parentes é forçado a assumir um emprego em um seringal Descreve os vários dias de viagem a bordo do Justo Cher mont de Belém até o Paraíso a sujeira do convés e a aceitação 140 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA passiva dos demais trabalhadores das condições oferecidas tudo perpassado pela visão de Alberto O narrador fala por meio dele O trecho a seguir de A selva narra a chegada do navio com os trabalhadores Estes se dirigiam ao seringal É o Juca Tristão elucidou o outro É o seu patrão Baixo e com sangue negro graças a sucessivos cruzamentos já insinuando apenas sua remota existência o dono do Paraíso de mãos papudas rebrilhando anéis mal disfarçava sob o sor riso que lhe abria as faces largas o olhar duro e enérgico agora sombreado pelo chapéu À chegada dum seu empregado hirto num dólman de mescla Juca Tristão interrompeu a palestra com o imediato Estão aqui os conhecimentos Binda Veja isso com o nos so Meireles E subiu familiarmente a escada para a primeira classe Pouco se demorou Desceu entre Balbino e o comandante e logo a uma palavra sua a leva foi desfilando a caminho da pran cha com ordens de esperar destino aglomerada no barranco Balbino ia contando os homens e dando explicações a Juca Tristão Alberto pensava olhando de longe a cena nos navios negreiros de outrora ao desembarcarem os escravos em pla gas longínquas quando a voz rude do pastor lhe recordou que também ele fazia parte do rebanho Você Tinham já saído todos A prancha estava livre de um marinhei ro de caixa aos ombros aguardava apenas que ele passasse para ir depor o volume em terra Alberto evocou a sua mala Lá irá ter disse secamente Balbino 141 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Pelo olhar que lhe dirigia de quando em quando Alberto com preendeu que ele falava a seu respeito com Juca e não seria naturalmente por bem O episódio de Manaus continuava a parecerlhe justificação para maus tratos e perseguições agora mais do que nunca Lá fora os desembarcados encolhiamse sempre humildes e submissos entre os velhos seringueiros que surgiam naquele primeiro contato não como homens nascidos na mesma terra e trilhando a mesma via dolorosa mas como inimigos a quem nada comovia De sério só o que lhes interessava a notícia veementemente esperada do último preço da borracha Ne nhum dos brabos o sabia e quando balbuciavam a ignorância mais acirravam a mordacidade No Barranco iamse acumulando caixotes sacos e barris bar ris barris porque a cachaça era a morfina na vida áspera do seringueiro Finalmente com Balbino atrás dele Juca Tristão saiu do navio E dirigindose a um homem que Alberto não havia ainda notado entre os que se encontravam no barranco ordenoulhe Ó Caetano Leveos todos para o barracão CASTRO 1986 p 8788 Como você pode depreender da leitura não podemos di zer que Alberto seja a figura principal mas a história passa por ele A visão de mundo que se apresenta ao leitor é a sua Alber to compreendeu Alberto pensava olhando a cena Alberto ainda não havia notado É a visão de um português sobre o drama dos seringais Mas não nos esqueçamos de que a história de Alberto fic cional é a mesma do autor real um jovem estudante de Direi to que em Portugal conspirava contra o regime republicano e é deportado Chega a Belém do Pará esperando a proteção de um parente que diante do desemprego geral o aconselha a substi 142 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA tuir numa leva de trabalhadores encaminhados àquele seringal um cearense fugitivo Todavia o fato de a história se ficcionalizar na terceira pes soa faz com que deixe de ser um simples relato de uma expe riência pessoal Deixa de ser uma simples autobiografia e passa a ser um retrato autêntico do homem esmagado pela organização econômica do seringal A vida nos seringais e as relações de tra balho são expostas em sua miséria física social e humana A narrativa ganha uma dimensão mais ampla e universal com o retrato do regime de escravidão dos trabalhadores os nossos canaviais não fogem muito aos seringais da época que sempre devem tudo que recebem E o cenário da selva perma nece sempre impassível com seus nativos e animais perigosos Um obstáculo intransponível para quem deseja fugir Calor escu ridão e claridade sufocam e prendem o ser humano nesse isola mento do mundo tropical Os que tentam fugir e são pegos acabam amarrados a um tronco e fechados no barracão sem comer por oito dias São grandes também as carências afetivas Além da saudade há um pequeno número de mulheres nesse meio inóspito O isola mento é social e afetivo A imensidão toma conta da vida do ser humano Veja este trecho A selva dominava tudo Não era o segundo reino era o primeiro em força e categoria tudo abandonado a um plano secundá rio E o homem simples transeunte no flanco do enigma viase obrigado a entregar o seu destino àquele despotismo O animal esfrangalhavase no império vegetal e para ter alguma voz na solidão reinante forçoso se lhe tornava vestir a pele de fera CASTRO 1986 p 108 143 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA A única figura humanizada a representar o povo brasileiro é seu companheiro de barraca o sertanejo Firmino que o ajuda no seringal fazendo muitas vezes a sua parte do trabalho Um ser prestativo e serviçal que lhe tocou o coração Outros perfis são compostos como o Juca Tristão o dono do seringal cujo as pecto rude e áspero é bem atenuado Ao final aparece então o velho negro Tiago antigo escravo que incendeia por se rebelar contra os maus tratos o barracão onde dorme o chefe Juca Para compreendermos mais um pouco acerca dessa obra vejamos na citação a seguir um relato de Humberto de Campos Quem se habituou a ver a Amazónia com os óculos de ouro dos nossos escritores ou com a lente dos naturalistas estrangei ros que por lá andaram a classificar insectos e plantas estra nhará sem dúvida este livro do Sr Ferreira de Castro Ele não foge à confissão do espanto que lhe causou a terra fervilhante de seres fantásticos ou com a sua vegetação evocadora da in fância do mundo mas em vez de pousar os olhos exclusiva mente nas frondes largas ou baixálos sobre os pântanos em que se elabora a vida dos infinitamente pequenos fixouos es pecialmente no homem hóspede incómodo e heróico daquelas paragens Os outros falaram da natureza dos seus prodígios e mistérios ele fala do animal temerário que pretende subjugála e que vencido na sua luta com a terra virgem rola morto mas de bruços mordendoa ainda e abraçado com ela CAM POS 1977 p 539 O livro pode ser visto como uma crônica de costumes que reflete o ambiente físico e social da região amazônica não per dendo nenhum detalhe Todos os incidentes são registrados numa busca de fidelidade ao real Há também partes de beleza lírica como por exemplo a descrição de uma tempestade e um diálogo sobre uma orquídea a cataleia 144 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Já não era triste litania que a selva agora entoava um uivo for te perene e agoirento viera substituir entre fustes e umbelas a monótona cantilena A brenha uivava ramalhava contorcia se sob o vendaval que conduzia para longe a música épica de sesperada Toda a terra se arrepiava voava milhões de folhas desprendidas e não havia na maranha um só ramo que não se agitasse Estreitavamse e tremiam as copas das exuberantes parecendo no seu desgrenhamento não presas mas correndo a mesma direcção do vento com louca velocidade CAS TRO 1986 p 174 Podemos afirmar que mais do que descrever a natureza amazônica o objetivo do autor é outro A natureza tornase uma simples moldura nesse quadro de ternura e de saudade que per passa a intimidade emocional da narrativa É diante de sua con dição de imigrante saudoso que vive o isolamento da amplidão do espaço Apesar de termos conhecido grandes escritores que aqui con viveram escrevendo páginas maravilhosas sobre o Amazonas nenhum dos muitos dos muitíssimos livros publicados sobre esta vida reuniu todos os seus motivos de encantamento as suas torturas as angústias e mágoas como esse romance do escritor português que é a crónica sincera e palpitante da sua realidade Esse livro merece ser estimado entre os melhores da nossa gra tidão É o romance do Amazonas o poema de suas belezas o cântico das tristezas profundas que transfiguram a fisionomia enchendo a floresta de uma esquisita animação de sombras e fulgurações FIGUEIREDO 2015 145 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Embora seja um relato muito autobiográfico percebemos que o romance A selva extrapola esse aspecto e ganha caráter ficcional O autor ao buscar recriar suas experiências de forma objetiva não somente as filtra pela razão mas também pela sub jetividade fazendo que o real se transfigure no imaginário As sim não se trata de um documento histórico apenas mas sim da história transfigurada pela emoção da ficção literária Seu sucesso devese à sua humanidade profunda e à sua veracidade o que aparece expresso na autenticidade dos por menores nas observações minuciosas sobre a vida dos pobres seringueiros Há quase ausência completa de comentários de modo que o leitor conhece os fatos pela fidelidade das expres sões e pelos diálogos Mesmo quando se escreve uma biogra fia há um discurso que minimamente passou pela reflexão mas que também passa pela subjetividade de quem escreve Sua universalidade se dá pelo testemunho do êxodo da imigração da saudade Os fenômenos sociais aparecem ilumina dos pelo sofrimento e pela obstinação mas são recobertos pela nostalgia portuguesa que se apresenta na selva brasileira Esse recobrimento faz com que os fatos sejam mais que verdade sejam também ficção Há todo um jogo o autor busca a verdade pela objetividade da narrativa mas sai da verdade desde quando inventa personagens posicionase fora da narrativa para olhar a figura de Alberto a se locomover no espaço ficcional O autor Ferreira de Castro confundese com o persona gem Alberto Mas este último é ficção é invenção daquele que quis transfigurar sua experiência em literatura desde o momen to que optou por um foco narrativo fora da primeira pessoa O autor veste a capa do fingimento literário e transformase em 146 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Alberto É esse jogo que faz com que se considere a obra um ro mance e não um documento histórico Vamos a outra obra que faz contraponto com a História di ferentemente do que acabamos de ver 6 PROSA MEMORIALÍSTICA BAÚ DE OSSOS DE PEDRO NAVA Vimos no tópico anterior o registro de uma experiência que criou um mundo diegético por meio de um narrador em 3ª pessoa colado ao personagem pois o autor desejava uma obje tividade impossível Agora vamos estudar um caso interessantíssimo Um nar rador autodiegético em que o autor e o narrador se confundem vida e obra se encontram o autor Pedro Nava narra a história de sua própria família os dados são biográficos O sexagenário médico reumatologista abriu suas memórias com o livro Baú de ossos ao qual se seguiram Balão cativo 1973 Chão de ferro 1976 Beiramar 1978 Galodastrevas 1981 Círio perfeito 1983 São seis livros de memórias Muitos são os aspectos ainda a serem explorados na obra desse enigmático autor que começou a escrever suas memórias aos 60 anos Foi amigo de grandes poetas seus contemporâneos incluindo Carlos Drummond de Andrade Leitor de Proust Eça de Queirós Shakespeare Dickens Anatole France e o brasileiro Raul Pompeia Preocupavase muito com a morte como com provam cartas e conversas com os amigos Leia a seguir trechos de um de seus poemas sobre a morte intitu lado O defunto 147 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA O defunto Quando morto estiver meu corpo evitem os inúteis disfarces os disfarces com que os vivos só por piedade consigo procuram apagar no Morto o grande castigo da Morte Não quero caixão de verniz Nem os ramalhetes distintos Os superfinos candelabros E as discretas decorações Eu quero a morte com mau gosto E descubram bem minha cara Que a vejam bem os amigos Que a não esqueçam os amigos E ela lance nos seus espíritos A incerteza o pavor o pasmo E a cada um leve bem nítida A idéia da própria morte Meus amigos tenham pena Senão do morto ao menos Dos dois sapatos do morto Dos seus incríveis patéticos Sapatos pretos de verniz Olhem bem estes sapatos E olhai os vossos também NAVA apud CAMPOS 2015 148 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Deixou também um enigma a ser decifrado aos 80 anos no auge do sucesso suicidouse com um revólver Taurus calibre 32 Aos 60 anos abriu seu Baú de Ossos e não mais conseguiu parar o jorro de memórias e se foi numa tarde de domingo sem nada mais explicar Houve conjecturas sobre um possível homos sexualismo afirmado por alguns e questionado por outros Baú de ossos revelou as origens nortistas e nordestinas da família de Pedro Nava a viagem da família para o estado de Mi nas seu estabelecimento em Juiz de Fora até a morte do pai e parte da experiência no Rio de Janeiro Esse memorialista contu maz é considerado um autoleitor pois leu a si mesmo através da história de sua família Para fazêlo consultou pessoas e escri tos de toda a família que tinha vários guardadores de lembran ças e curiosidades De acordo com Maria Eugênia de Menezes 2003 alguns dos seus parentes mineiros ficaram enfurecidos com a manei ra como foram retratados Pedro Nava relatou em uma de suas entrevistas Eu só arranjei inimigos dentro de minha família com esses livros de memórias Todos ficaram indignados Do lado da mi nha mãe então foi uma coisa horrorosa um deusnosacuda Houve pranto e ranger de dentes MENEZES 2003 No entanto se você pensa que sua obra contém apenas memórias trágicas e sentimentais enganase Humor e prosa poética reconstroem ficcionalmente todo um passado pessoal e histórico O autor fez todo o trajeto pessoal e social de sua família desvelando mais que confissões Refez toda a formação das cidades nordestinas e de Juiz de Fora a medicina do Rio de Janeiro no início do século passado e muito mais Personagens 149 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA históricos saltam de sua imobilidade nas palavras desse autor desse visionário da memória Assim inicia seu relato Eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Ma tos Gerais Se não exatamente da picada de Garcia Rodrigues ao menos da variante aberta pelo velho Halfeld e que na sua travessia pelo arraial do Paraibuna tomou o nome de Rua Prin cipal e ficou sendo depois a Rua Direita da Cidade do Juiz de Fora Nasci nessa rua no número 179 em frente à Mecânica no sobrado onde reinava minha avó materna E nas duas dire ções apontadas por essa que é hoje a Avenida Rio Branco hesi tou a minha vida A direção de Milheiros e Mariano Procópio A da Rua Espírito Santo e do Alto dos Passos NAVA 1983 p 19 Também faz retornar pessoas de sua convivência À hora de levantar ainda escuro ouvimos pela última vez o apito da fábrica e ao seu silvo lancinante minha Mãe começou a chorar entendendo pela primeira vez aquele apelo prolonga do que a chamava para sua vida de operária dos filhos de pro letária da família Logo enxugou as lágrimas e tocou pra frente Enterrou ali mesmo sua existência de SinháPequena para ini ciar a luta áspera da Dona Diva NAVA 1983 p 57 A narrativa constróise por microhistórias que vão orga nizando um repertório imenso de dados minuciosos incluindo datas e ambientes Memórias que divertem e que integram um passado pessoal a um passado históricosocial Ele reconstrói o panorama social resgata tradições e costumes de regiões brasi leiras clareia o processo de formação político e social de algu mas cidades Faz a genealogia de sua família e de suas cidades Retalhos de sua memória de suas leituras e dos vestígios deixa dos tais como documentos cartas e conversas Como um historiador cheio de método pôsse a revirar os arquivos com fotos papéis e documentos que havia feito ao longo da vida Selecionava o que lhe servia e só depois se en 150 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA tregava ao exercício de sua prosa De acordo com Antonio Can dido na literatura naviana o individual acaba sendo ponto de partida para o encontro com o universal A autobiografia des liza para a biografia que por sua vez tem aberturas para a his tória de grupo da qual emerge em plano mais largo a visão da sociedade traduzida finalmente numa certa visão de mundo Com sua escrita abarrocada o escritor mineiro passa de um as sunto a outro da geografia das cidades à vida burguesa dos retratos familiares à vida política e intelectual da culinária à medicina e aos costumes de época e tudo isso feito com ta manha habilidade verbal com tantos sentidos que vão se so mando que o leitor deixase levar pelo mar de palavras quase sem se dar conta da colcha de retalhos tecida MENEZES 2003 Podemos afirmar que em sua escritura ele costura retalhos de memórias No fragmento a seguir observe como o autor faz a ligação de sua árvore genealógica com a formação do povo brasileiro Suprimindo a vaidade o que procuro na genealogia como biologista são minha razões de ser animais reflexas instinti vas genéticas inevitáveis Gosto de saber na minha hora de bom ou mau na de digno ou indigno nobre ou ignóbil bravo ou covarde veraz ou mentiroso audaz ou fugitivo circunspecto ou leviano puro ou imundo arrogante ou humilde saudável ou doente quem sou eu Quem é que está na minha mão na minha cara no meu coração no meu gesto na minha pa lavra quem é que me envulta e grita estou aqui de novo meu filho meu neto Você não me conheceu logo porque eu estive escondido cem duzentos trezentos anos A vaca da epígrafe A vaca branca negra castanha ou malhada que quando entra numa casa nessa casa reaparecerá cem anos depois ou mes mo duzentos ou mesmo trezentos Poeticamente a genea logia é oportunidade de exploração do tempo Nada de novo sobre a face do corpo Nem dentro dele Esse riso esse jeitão esse cacoete esse timbre de voz esse olhar esse choro essa 151 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA asma essa urticária esse artritismo esse estupor essa ure mia são nossos e eternos são deles e eternos Vêm de trás passam logo para o futuro e vão marcando uma longa cadeia de misérias São sempre iguais e emergem ao lado das balizas trágicas do nascimento do casamento do amor do ódio da renúncia da velhice e da morte Vão pontuando e contrapon tuando um longo martírio Meu teu seu nosso vosso deles delas Eu tu ele nós vós eles Entre dois nadas os pronomes dançam em vão Assim como é minha gente é o retrato da formação dos outros grupos familiares do país Com todos os defeitos Com todas as qualidades Uns e outros velhos pois temos uma brasileirice de quinhentos anos coeva do país cada vez mais virulenta pela sua passagem uso o termo no seu sen tido médico laboratorial numa série de homens e mulheres bons e maus demônios ou santos castos e lúbricos austeros e cincos coração na mão ou cara estanhada pela hipocrisia fa mília de várias cores com altos e baixos com todas as fortunas Nela tem sertanista preador e índio preado negreiro e quem sabe negro também conspiradores e delatores oposicionistas cheios de brio e situacionistas sem vergonha heróis e deserto res assassinos e vítimas tudo entranhado na História do Brasil de saída com o Descobridor depois com um donatário com todos os bandeirantes dezenas de mestres de campo magotes de capitãesmores dois inconfidentes os povoadores de São Vicente os descobridores do rio das Mortes os varadores dos sertões do nordeste os dominadores dos Goianá os conquista dores do Sumidouro do Vapabuçu e das serras refulgentes Tem mais ainda tem constituintes deputados senadores mi nistros doutores coronelões letrados analfabetos vinte e um titulares de Pedro I e Pedro II um Governador das Minas na Co lônia um presidente de Minas no Império um Presidente da República e um contraventor de jogo de bicho que está longe de ser o menos interessante Mesmo porque Il ya des ma landrins qui sont des gens desprit il ya des honnêtes gens qui sont dignes de la corde Uma família como outras só que anti ga Dentro dela eu posso dizer que não valho nada mas dizêlo com a vingadora compensação que também se dava Choulette no capítulo XIX do Le lys rouge quando se julgava e julgava 152 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA seus contemporâneos Pois é Eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais NAVA 1983 p 213214 grifos nossos Veja também como ele descreve a cidade do Rio de Janei ro a rua onde morava e a campanha de Oswaldo Cruz para a coleta de ratos Trepado no paredão de pedra e seguro ao gradil não só eu via todas as cores do céu despencando como ouvia os ruídos da rua inseparáveis da impressão luminosa Confundiaos po lifonia e policromia como se eu mesmo estivesse caindo mo lemente sobre bolhas de sabão irisada como arcoíris e sobre luzentes balões verdes vermelhos azuis amarelos roxos que rebentassem sonorosamente ao peso de meu corpo Há ruas só noturnas como as da Lapa Outras só de meiodia como a da Glória Há as crepusculares como Paissandu Ipiranga e La ranjeiras E há as matinais como as de Copacabana e as de Rio Comprido Na Rua Aristides Lobo mesmo a noite guarda cintila ções de alvorada Logo depois vinham os próprios pregões O áspero e gritado dos peixeiros alongando o seu peiiiiiixcama ró entrando de portão adentro e indo até a escada da cozinha onde descansavam as pesadas cestas pendentes de varapau que lhes esmagava os ombros e que eles seguravam dos lados como em gravura chinesa Logo depois passava gritando outro verdugo Rato rato rato Corria de dentro das casas o tropel das mulatas meninos pa troas moleques e crioulas com suas ratoeiras e todos despe javam o conteúdo das armadilhas dentro de uma espécie de sorveteira enorme que continha um líquido que dava fumaça sem ferver Os bichos mortos iam logo para o fundo e os vivos ficavam nadando em círculo até que a potessa os descascasse O homem em vez de receber pagava Duzentos réis a ratazana um tostão por camundongo Pagava tampava punha na cabeça e seguia soltando o prego que virou música do rato rato rato camundongo percevejo carrapato que ficamos devendo ao empresário da compra que era o Dr Oswaldo Gonçalves Cruz Infelizmente a providência em vez de acabar com a bicharia 153 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA industrializou sua criação Havia especialistas que os tinham em viveiros e que só os vendiam adultos e gordos porque assim eram mais bem cotados Duzentão E seguiam os vassoureiros e os doceiros NAVA 1983 p 351352 grifo nosso E a formação do caráter do povo mineiro aparece com toda clareza no seu capítulo II Caminho Novo quando descreve os parentes de sua mãe citando as diversas cidades que formam um círculo mágico onde se fala a língua do uai Terras pesadas de espantos e metais Noruegas cheias de avencas e assombrações Montanhas inteiras de ferro Valados e socavões atulhados de ouro Ouro de todo jeito Preto bran co fino podre Solo imantado metálico pulverulento e pega josos que segurou firmemente o pé errante dos paulistas des manchoulhes a prosápia triturouos no sofrimento na fome no crime na pestilência na cobiça no medo no pagode no homizio Ficaram na terra e foram fomos ficando mineiros E tome coito com índia E mistura e mais mistura com emboaba padre levantino fidalgo circuncizado escravo da Costa e se quaz de Mafoma apesar de cada um dos maiores se declarar documentalmente cristão puro sem liga com negro mouro judeu ou quaisquer outras infectas naçoens Nem tanto por que elas estão todas representadas no sangue aristocrático da gente do Centro O que admira é a rapidez com que a predo minância lusíada fez desse barro o módulo fabuloso e único do mineiro Duas gerações três no máximo e estava constituída uma sociedade cheia de hierarquia de polidez de religião ce rimônia inteligência latim e polícia E desde o início sabendo disfarçar por causa do fisco dEl Rei Logo desconfiada e ime diatamente concorrente porque a pepita achada pelo faiscador podia ter ido no lote de areia remexido pelo faiscador que es tava a seu lado Ergo o mal é o vizinho Inconfessável Então vamos sublimar o sentimento mesquinho e tornálo amor a Mi nas e assim poder odiar de ódio legítimo o baiano o nortista o guasca o carioca o paulista Do estrangeiro então nem é bom 154 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA falar Tampouco esse amor abstrato pela Minas abstrata impe de que seus pedaços Norte Sul Mata Triângulo Centro se entredevorem Inaparentemente Mas há também aquilo que nos une O fumo e a bosta de cavalo postos na ferida umbili cal formam os mesmos para todos os que escapamos e os que morreram do mal de sete dias NAVA 1983 121122 grifo nosso E por aí vai esse mineiro contando todos os elementos que caracterizam o mineiro somos queijo do mesmo queijo milho da mesma espiga fubá da mesma saca NAVA 1983 Fica difícil parar de transcrever trechos para você pois a gente vai se en rolando e se enovelando nessa prosa mineira de contar causos de conversar pausadamente nas portas das casas É o literato refazendo suas memórias em linguagem significante que ressoa nos sinos de bronze das Minas Gerais Linguagem que ecoa sen tidos escondidos e adormecidos nas palavras Em todas as histórias vamos perceber sempre a ligação da experiência individual com a coletiva O cunho biográfico e testemunhal nos encaminha para uma narrativa retrospectiva de uma saudade depurada pelo filtro da memória Vão ser revifica dos acontecimentos históricos Abolição da Escravatura Lei do Ventre Livre Reforma Saboia La belle époque Cometa Halley Estrada de Ferro Dom Pedro Vamos encontrar ainda a comovente personagem Rosa que lhe contava todas as histórias de Perrault Grimm os contos jocosos da população a comovente morte do sanitarista seu pai os doces da cultura mineira O individual e o coletivo aparecem entrelaçados pelos fios da memória que vão contando sua his tória que também é de muitos outros Através do itinerário de sua família reconstrói o panorama social brasileiro num triân 155 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA gulo entre o Ceará o Rio de Janeiro e Juiz de Fora Converte sua crônica pessoal em panorama social Como os dados históricos aparecem na obra de Nava Nava trabalha sob um conceito de história que se expres sa sobretudo na interpretação dos fatos A história é vista do ponto essencial de sua visão de homem A verdade é relativa A interpretação do fato acontece dentro da perspectiva de quem o vê Assim podemos dizer que o livro Baú de Ossos é a recria ção de um passado e de um presente pois através do desarqui vamento dos fatos lembranças leituras personagens espaços cartas bilhetes Nava reconstrói a visão de si mesmo Suas me mórias estão recheadas de citações e algumas epígrafes marcas de intertextualidade oriundas de sua ligação com grandes lite ratos Memória remexida por leituras livros herdados móveis e objetos da herança familiar Literatura ou História A autobiografiamemória não deixa dúvidas sobre a identidade do autor O texto de Nava encontra se como aponta o crítico Antonio Candido em dois polos o memorialismo e a escrita romanesca Contém ingredientes do romance do memorialismo e da autobiografia Tratase de um gênero híbrido uma construção que não admite uma rígida clas sificação racionalista Em linguagem literária trabalhada o autor resgata sua vida sua família sua comunidade e seu país Fatos reais mas que são narrados numa linguagem que evidencia o trabalho árduo com a palavra na busca de sua qualidade estética o que forja uma obra literária No prefácio do livro Carlos Drummond de Andrade re conhece a condição de arte no memorialismo de Pedro Nava 156 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA No dia 1º de fevereiro de 1968 botou na máquina uma folha de papel almaço sem linhas e no apartamento da Rua da Glória começou a alinhavar causos paixões ódios e nostalgia nas pá ginas que batizaria como Baú de Ossos Nascia no Rio quase 70 anos depois de seu registro civil em Juiz de Fora Pedro Nava o escritor que a partir da história de sua família e de sua juventu de elevaria o memorialismo à condição de grande arte Carlos Drummond de Andrade no prefácio de NAVA 1983 Verdade ou mentira História ou Literatura Talvez deva mos trocar a conjunção ou pela conjunção e Verdade e His tória que se refazem na máquina de escrever para se tornarem escritura literária Para finalizarmos este tópico veja mais um trecho da obra Baú de ossos Balão cativo Disselhe Pilatos Que é a verdade João XVIII38 É com essa pergunta que entro nesta fase de minhas memórias fase tão irreal e mágica e adolescente como se tivesse sido in ventada e não vivida Se eu fosse historiador tudo se resolveria Se ficcionista também A questão é que o memorialista é forma anfíbia dos dois e ora tem de palmilhar as securas desérticas da verdade ora nadar nas possibilidades oceânicas de sua inter pretação NAVA 1983 p 403 7 A HISTÓRIA NAS HISTÓRIAS O TEMPO E O VEN TO DE ÉRICO VERÍSSIMO A obra de Érico Veríssimo O tempo e o vento é compos ta de três romances em cinco volumes O continente O retrato 157 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA e O arquipélago Este conjunto constituise num painel históri co do Rio Grande do Sul entre 1745 e 1945 Em suas mil folhas apresentanos o jogo de gerações as batalhas entre portugueses e espanhóis pela posse da terra nos tempos coloniais as lutas separatistas como a dos Farrapos as disputas entre maragatos e florianistas na época da Revolta da Armada em 1893 São 150 anos da história do Rio Grande do Sul e do Brasil que o escritor recupera nessas partes Mas todos esses fatos históricos e as histórias familiares que a eles se ligam são pano de fundo para os personagens que se sobressaem na narrativa Vidas que se manifestam no turbi lhão de acontecimentos formando uma imensa galeria de per sonagens Ana Terra o capitão Rodrigo Cambará Bibiana Luzia Silva Maria Valéria Floriano Cambará o coronel Amaral e tantos outros que se fixam no imaginário dos leitores O primeiro volume O continente abre a trilogia A história começa com os personagens em plena ação durante o cerco das tropas federalistas ao Sobrado do republicano Licurgo Camba rá em 1895 Em seguida temos um flash back de um século e meio que nos mostra as origens históricas do clã Terra Cambará A obra constituise na saga desta família Um começo de anôni mos que aos poucos vão crescendo e tornandose conhecidos dos leitores A história retrocede até o episódio de Ana Terra e Pedro o índio missioneiro Retrospectivamente vão sendo refeitos os trajetos e as ge rações que se originaram da história da trabalhadora Ana Terra e o visionário índio Pedro morto pelos irmãos dela Uma sucessão de histórias individuais e coletivas Histórias marcadas pelo tem po e pelo vento 158 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA A estruturação do tempo no romance reflete uma visão particular da História O tempo estruturase pela dialética pre sentepassado que o autor estabelece O passado é visto como uma forma de revisão do presente Os fatos são apresentados fora da linha cronológica convencional Em O continente o autor parte do presente sendo o passado a fonte das causas do que então está a ocorrer O romance apresenta uma superposição de modalida des temporais que resultam numa reconstrução ficcional da narrativa O tempo cronológico vai sendo exposto ao longo da narra tiva localizando o leitor Naquela madrugada de abril de 1745 o Pe Alonzo acordou angustiado Seu espírito relutou por alguns segundos emara nhado nas malhas do sonho como um peixe que se debate na rede na ânsia de voltar ao seu elemento natural VERÍSSI MO 1997 p 21 O tempo histórico aquele da duração das guerras tam bém vai aparecendo simultaneamente Naquela direção ficava o Continente do Rio Grande de São Pedro que Portugal inimigo da Espanha estava tratando de ga rantir para sua coroa Um dia em futuro talvez não mui remoto os portugueses haveriam de fatalmente voltar seus olhos cobi çosos para os Sete Povos Fazia sessenta e cinco anos que com o fim do estender ainda mais seu império na América haviam eles fundado à margem esquerda do Rio Prata a Colônia do Sa cramento a qual desde então passara a ser um pomo de discór dia entre Espanha e Portugal VERÍSSIMO 1997 p 2122 Seguido a esses tempos mais concretos temos o tempo psicológico de extrema importância na construção da narrativa 159 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Foi então que Ana Terra percebeu que estava ventando E de novo Ana Terra começou a esperar Esperava notícias da guerra esperava a volta do filho Se era dia esperava que caís se a noite porque dormindo esquecia a espera Se era noite queria que um novo dia viesse porque quanto mais depressa o tempo passasse mais cedo o filho voltaria para casa Muitas vezes até em sonhos Ana se surpreendia a esperar agoniada vendo longe no horizonte vultos de cavaleiros entre os quais ela sabia que estava Pedrinho mas por mais que seus cavalos ga lopassem eles nunca chegavam VERÍSSIMO 1997 p 143 O tempo linguístico também nos leva a sentir no presente todos os fatos narrados Eles são presentificados Bibiana tinha já quase três anos quando certo dia um tro peiro chegado do Rio Pardo contou a Pedro que havia grandes novidades no Rio de Janeiro A rainha e o príncipe regente ti nham fugido de Portugal porque esse país havia sido invadido pelos franceses ou ingleses ele não sabia ao certo mas a verdade era que a família real já estava no Brasil No Rio Par do todos achavam que as coisas iam mudar para melhor VERÍSSIMO 1997 p 149 E finalmente o tempo do mito que está presente no mun do fechado da família de Ana Terra uma história imune às mar cas temporais dos tempos históricos Um ciclo que sempre se repete guerras e mulheres sozinhas O autor também se utiliza de diversas técnicas que aumen tam a complexidade das categorias temporais flashback ana cronismo flashforward rapidez ou não da narrativa As modalidades temporais entrecruzamse no romance fa zendo do tempo um elemento dinâmico Além disso sua conju gação ao vento reforça a ideia de dinamicidade mostrando que como o vento o tempo também carrega coisas e pessoas à sua passagem Vãose pessoas e coisas mas os episódios de solidão 160 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA e guerra se repetem Os ciclos da vida miticamente cumprem seu papel nesta repetição Vamos a um trecho da obra para que você possa sentir a perspectiva que os fatos históricos assumem na narrativa Assim Eulália e a filha mudaramse para outro rancho E Ana Terra ficou sozinha em casa E quando se punha a fiar a pedalar na roca freqüentemente falava consigo mesma por longo tem po e acabava concluindo a sorrir que estava ficando caduca Às vezes a imagem do filho em seus sonhos confundiase com a do pai e uma madrugada Ana acordou angustiada pois sonha ra que Antônio e Horácio tinham levado Pedrinho para longe para assassinálo Ficou de olhos abertos até ouvir o canto do primeiro galo à hora de nascer o sol Passaramse meses e um dia quando ela viu que o ventre de Eulália começava a crescer pensou logo na sua tesoura e sorriu Naquele inverno nasceram seis crianças nos ranchos porque antes de partir para a guerra muitos maridos tinham deixado suas mulheres grávidas E quase sempre no momento em que ela via uma criança nascer a primeira coisa que pensava era será que o pai ainda está vivo Uma noite de chuva voltando para casa depois dum parto ca minhando meio às cegas e orientandose pelo clarão dos relâm pagos Ana pensou todo o tempo no filho imaginouo a dormir no chão enrolado num poncho ensopado com a chuva a cair lhe em cheio na cara Teve vontade de apertálo nos braços emprestarlhe o calor de seu corpo E em casa perto do fogo ficou ouvindo o barulho manso da chuva na coberta do rancho Olhava para a roca e lembravase dos tempos lá na estância quando a alma de sua mãe vinha fiar na calada da noite A roca ali estava velha e triste e Ana Terra sentiase mais abandonada que nunca pois agora nem o fantasma da mãe vinha fazerlhe companhia Lá pelo fim daquele inverno um próprio chegou e disse A guerra anda aqui perto 161 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Muitas pessoas velhos e mulheres aproximaramse dele e ou viram o homem contar que um tal de Santos Pedrozo com uns vinte soldados derrotara a guarda castelhana de San Martinho e apoderarase das Missões E com um largo sorriso na cara marcada por uma cicatriz que lhe ia do canto da boca à ponta da orelha acrescentou Agora todos esses campos até o Rio Uruguai são nossos Ana Terra sacudiu a cabeça lentamente mas sem compreender Para que tanto campo Para que tanta guerra Os homens se matavam e os campos ficavam desertos Os meninos cresciam faziamse homens e iam para outras guerras Os estancieiros aumentavam as suas estâncias As mulheres continuavam es perando Os soldados morriam ou ficavam aleijados Voltou a cabeça na direção dos Sete Povos e seu olhar perdeuse vago sobre as coxilhas VERÍSSIMO 1997 p 144 O que temos em O continente é um narrador heterodiegé tico e onisciente que por meio do discurso direto dá voz aos vá rios personagens que marcam de historicidade e expressividade o mundo do possível ficcional Ora o autor situa a história como uma experiência individual e verossímil pelo cunho autobiográ fico e testemunhal ora ele a situa como realidade políticosocial e econômica que absorvida pelo plano mítico relega os perso nagens históricos a um segundo plano em função das fictícias assumirem e conduzirem o enredo Seus grandes personagens são ficcionais e mostram toda a dor existencial diante da guerra Assim podemos nos perguntar mais uma vez Ficção ou realida de Mentira ou verdade A obra de Érico montase sobre cenários construídos pelos fatos históricos possíveis de serem comprovados Mas ultrapas sa os limites do mero romance histórico ou regional pois fala de sentimentos universais O autor não se restringe a narrar fatos históricos e a fazer uma fotografia do social sua narrativa revela 162 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA uma concepção existencial É o esforço para conservar um mun do constantemente desfigurado pela violência que alinhava to dos os episódios São histórias pessoais dentro da História Constatamos o embate entre a alma heroica e a alma lírica que faz com que os fatos históricos ganhem a dimensão humana Assim como as mulheres representam o tempo e os homens o vento sua obra é o resultado da dialética entre o mundo subje tivo e o mundo histórico A história nele aparece revificada pela subjetividade de seus personagens São histórias de vidas dentro da História oficial 8 METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA MEMORIAL DO CONVENTO DE JOSÉ SARAMAGO Eis uma última discussão sobre Literatura e História Neste tópico vamos tratar das obras que chegam ao ato de transfusão poética da realidade e que fundam uma nova referencialidade Podemos afirmar simplificadamente o relatado é e não é realidade São obras que resgatam o discurso histórico não exa tamente como contrário ao ficcional na apresentação da verda de mas no que nele se apresenta como potencialidade velada de reapresentação ou seja como metaficção historiográfica Essas obras ultrapassam o histórico posicionandoo em novos contextos Todas elas constituemse em escrituras duplas que na contemporaneidade colocam em evidência o dialogismo de textos e contextos Assim História e Ficção dialogam formando uma nova realidade O resultado é uma reescritura que se re faz diante de nós leitores mergulhados na detecção das virtuali 163 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA dades desse jogo Nem história nem ficção saem intactas desse jogo Poderíamos citar inúmeras dessas obras que se refazem na ficcionalização da história Boca de inferno de Ana Miranda His tória do cerco de Lisboa de José Saramago Galvez o imperador do Acre de Márcio Souza Em liberdade de Silviano Santiago etc Entretanto restringindo nosso olhar vejamos como a ma téria histórica comparece em Memorial do convento de José Sa ramago publicado pela primeira vez em 1982 O autor português costumava definir esse aspecto em suas obras como a perturbação do possível colocando em questão a possibilidade do conhecimento histórico pela organização de um universo ficcional que ao mesmo tempo em que incorpora a História se incorpora a ela numa profunda relação dialética O romance aborda fatos de um período de aproximada mente 30 anos na História de Portugal à época da Inquisição O cenário é rico registrando não só o fato histórico mas reconsti tuindo a vivência popular numa viagem a diferentes povoados ao redor de Lisboa O enredo de Memorial do convento coloca num mesmo espaçotemporal duas narrativas a construção do paláciomos teiro de Mafra em Portugal e a construção de uma máquina voadora pelo padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão denomi nada passarola No primeiro caso encontramos o rei D João V e sua esposa D Maria Ana Josefa da Áustria A complicação inicia por ele não conseguir engravidála Fato este considerado impor tante pois o trono ficaria sem herdeiro Para que se conseguisse tal intento o frei Antonio de São José assegura ao rei que se construísse um convento para a morada dos frades em Mafra 164 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Deus lhe concederia o tão esperado herdeiro Este convento era um desejo dos franciscanos desde 1624 desde a dominação es panhola sobre Portugal 15801640 O rei faz então a promessa de levantar um convento em Mafra para que a concepção ocor resse Embora nasça uma menina o rei fica tão feliz que manda construir não um pequeno convento mas um gigantesco palá cio Esta construção demanda 13 anos e 40 mil homens Paralelamente temos o registro da vida do povo através do enfoque da história de amor entre um soldado que perdeu a mão esquerda na guerra contra os espanhóis Baltasar Sete Sóis e uma mulher de poderes mágicos que enxergava fisicamente dentro das pessoas e o interior da terra Blimunda Sete Luas Os dois se conhecem em um autodefé da Inquisição no qual a mãe de Blimunda está sendo desterrada para Angola por pos suir poderes de feiticeira Nesse mesmo ritual os dois encontramse com o Pe Bar tolomeu que está construindo sob a proteção do rei uma máqui na de voar a passarola O casal que se casa num ritual de san gue acaba por se integrar ao projeto do padre a construção da passarola O dom de Blimunda tornase crucial para se fazer voar a máquina uma vez que é preciso que o sol atraia o âmbar que há de estar preso aos arames do teto o qual por sua vez atrai rá o éter que será introduzido dentro das esferas SARAMAGO 1999 p 57 Além de tudo ela deve recolher a vontade de todos os que estão moribundos Após anos conseguem então realizar o sonho fazendo um sobrevoo justamente por Mafra local de construção do convento Observe o seguinte trecho sobre o padre Bartolomeu Lou renço de Gusmão extraído do site do Instituto Histórico e Geo gráfico de Santos 165 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Em 1708 passa a trabalhar no projeto de um aparelho maislevequeoar com grande dedicação Entrega então a D João V a petição de privilégio sobre o seu instrumento de an dar pelo ar que lhe é concedida por Alvará em 19 de Abril de 1709 juntamente com uma boa contribuição em dinheiro Com isso Gusmão passou a se dedicar inteiramente ao seu projeto Alguns autores revelam que em 5 de agosto de 1709 o padre jesuíta Gusmão realizou perante a corte portuguesa no pátio da Casa da Índia em Lisboa a primeira demonstração da Passa rola uma espécie de balão que havia concebido e construído O balão pegou fogo sem sair do solo mas numa segunda de monstração elevouse a 4 metros de altura Tratavase de um pequeno balão de papel pardo grosso cheio de ar quente produzido pelo fogo material contido numa ti gela de barro incrustada na base de um tabuleiro de madeira encerada Segundo Salvador Antônio Ferreira com receio que pegasse fogo aos cortinados dois criados destruíram o balão mas a experiência tinha sido coroada de êxito e impressionado vivamente a Coroa O facto é confirmado em depoimento do então cardeal de Lisboa futuro papa Inocêncio XIII que referiu se ao risco de incêndio Na terceira tentativa a Passarola movida a ar quente teria voa do diante do rei e da rainha na Casa da Índia e descido no Terreiro do Paço em 8 de agosto de 1709 A partir de então famoso o religioso brasileiro passou a ser chamado de padre voador INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SAN TOS 2015 Veja a Figura 1 que representa a Passarola 166 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Figura 1 A Passarola de Bartolomeu de Gusmão No entanto continuando a tratar da obra Memorial do convento os três sonhadores têm destinos bastante dramáticos em decorrência do ato O padre devido à sua proximidade com a alquimia tem de fugir da Inquisição para Toledo Espanha Bal tasar é queimado vivo pela Inquisição ao lado de Antonio José da Silva um autor judeu que satirizava a Igreja Católica em suas peças teatrais Blimunda procura Baltasar durante nove anos e o reencontra exatamente no momento da morte Essas histórias paralelas são ligadas pelo percurso de vida do personagem Baltasar Sua vida é o fio condutor da narrativa Ele é um dos milhares de recrutas trabalhadores na construção do convento que tanto vive uma realização pessoal na constru ção da máquina voadora quanto se insere na multidão de traba lhadores que devem realizar o desvairado desejo do rei Todavia não são essas histórias paralelas em si o mais in teressante do romance Uma primeira leitura apressada pode nos levar a classificálo de romance histórico diante de alguns personagens concretos o rei D João V e D Maria Ana a figura de Antonio José e Bartolomeu de Gusmão Na verdade o que o 167 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA romance constrói é uma reelaboração crítica do passado diante da perspectiva do século 20 Ele entremeia nas lacunas da his tória oficial de Portugal os aspectos fictícios que vão tecer uma nova visão Não há mais o retorno nostálgico ao passado que presen ciamos nos livros anteriores Essa revisão é feita por uma fina iro nia que parodia num sentido amplo esses fatos O autor utiliza se de uma linguagem fundada na oralidade que se contrapõe à linguagem fria e formal dos documentos históricos Por meio de uma série de inversões Saramago critica o poder representado pela figura do rei e pela Inquisição Faz um painel dos espaços sociais subvertendo o consa grado Lisboa é a terra dos ladrões de igrejas sendo alguns hila riamente recebidos e socorridos pelos próprios santos Continua subvertendo nas suas metáforas a rainha é um cântaro vaso que espera que o rei lhe deposite seu sucessor mas dorme em paz quando sonha com seu cunhado o infante D Francisco O rei por seu lado enojase do cheiro de seus travesseiros de pena de ganso e tem que dormir em outro quarto O padre é o primei ro a saber da gravidez da rainha Há críticas veladas a todos Mostra os costumes da época durante as procissões os homens flagelamse com bolas de cera nas ruas e as mulheres permanecem nas janelas a população da cidade se regozija dian te dos condenados pela Inquisição e lhes grita impropérios a po breza e a busca de serviço junto ao rei ou mesmo uma pensão diante da impossibilidade de sobrevivência dos soldados mutila dos os assassinatos e o medo que corre solto entre a população as pestes e a varíola que matam reis e populares etc Por intermédio da personagem Blimunda que vê o que está escondido no mundo físico mas se apresenta invisível aos 168 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA olhos das outras pessoas o narrador pode olhar o lado negativo da história do século 18 a hipocrisia dos religiosos e das autori dades a corrupção da Igreja os excessos da nobreza Podemse ver também as sujeiras as doenças e as diferenças sociais Blimunda afirma que não vê a alma talvez porque ela não esteja dentro do corpo mas pode ver um filho na barriga de uma mulher cujo cordão umbilical está enrolado no pescoço uma pessoa com o estômago vazio um frade que leva nas tripas uma bicha solitária uma moeda de prata por baixo da terra os defei tos internos dos ferros com os quais constroem a passarola etc Esses aspectos são metáforas da sociedade a dor a fome o parasitismo da Igreja os empecilhos do sonho E apesar da vida simples e pobre a ela é dado o direito de ser livre vive um amor sem perguntas com Baltasar sua pureza é entregue a ele por amor casase num ritual de sangue contrariando os prin cípios religiosos A vida contrária aos princípios inquisitoriais é sempre mais verdadeira A construção dessa personagem questiona nossa capaci dade de realmente ver o mundo Ela pode ver a essência das coisas mesmo que sujas tristes e feias A sociedade não quer enxergar seus dramas Não importam à Blimunda os conceitos preestabelecidos os dogmas os ensinamentos recebidos Ela não entende o dogma das três pessoas em uma no espírito san to não consegue ver Deus na hóstia mesmo em jejum Ao contrário dessa personagem do povo a rainha D Maria Ana cumpre formalidades num casamento de aparências A úni ca forma de se realizar é através do sonho com o cunhado A ela cabe ser passiva diante da vida e para isso é orientada pelo seu confessor a resignarse às traições do marido com as freiras do mosteiro É o povo simples em contraponto com a realeza 169 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Poderíamos nos estender em outras análises de subversão do estabelecido pois são múltiplas Uma delas é a heresia do Pe Bartolomeu no convencimento do maneta Baltasar a ajudálo na construção da passarola Ele declara a Baltasar que Deus também é maneta e foi capaz de criar o universo Veja sua justificativa Que está a dizer Padre Bartolomeu Lourenço onde é que se escreveu que Deus é maneta Ninguém escreveu não está escrito só eu digo que Deus não tem a mão esquerda porque é à sua direita que se sentam os eleitos não se fala nunca da mão esquerda de Deus nem nas Sagradas Escrituras nem os Doutores da Igreja à esquerda de Deus não se senta ninguém é o vazio o nada a ausência portanto Deus é maneta Respirou fundo o padre e concluiu Da mão esquerda SARAMAGO 1999 p 65 Eis a seguir a paródia que ri da história oficial um padre pecador que ao lado de uma feiticeira e um maneta desejam su bir aos céus local de Cristo e da Virgem Maria E eles conseguem voar na Passarola Baltasar representa os humildes que dentro das suas limitações constroem a história concretamente e Bli munda é decisiva nessa tarefa pois recolhe a vontade dos que estão à beira da morte e inspeciona os defeitos Este ferro não serve tem uma racha por dentro Como é que sabes Foi Blimunda que viu o padre virouse para ela sor riu olhou um e olhou outro e declarou Tu és SeteSóis porque vês às claras tu serás SeteLuas porque vês às escuras SARA MAGO 1999 p 88 Veja que recolher a vontade de quem já está quase morto pela miséria é ser capaz de assumir para si os sonhos do coletivo Blimunda concretiza o sonho coletivo de voar sobre o convento de Mafra local de tanto sofrimento para os trabalhadores em regime de escravidão 170 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA Assim a personagem Blimunda é usada pelo autor para mostrar suas incredulidades em relação ao clero à nobreza aos falsos conceitos morais E é usandose de ironia e subversão que Saramago revê o passado Blimunda descobre novos valores que ultrapassam os li mites da época através de questionamentos e incertezas que possui Ela está à frente do seu tempo Isso possibilita ao autor falar através da personagem de tudo que o incomoda Ele dá força autoridade e posição de destaque às pessoas comuns que não tinham voz que eram oprimidas Ele permite que o povo tenha poder quando dá à Blimunda a capacidade de re colher as vontades dos homens E o que é mais importante o romance nos leva à reflexão através de Blimunda da importân cia de ver o mundo de forma verdadeira sem máscaras sem hi pocrisia e isso só é permitido a pessoas sensíveis àquelas que entendem que nem sempre ter olhos é saber ver É portanto pertinente recordar que Usa cada qual os olhos que tem para ver o que pode ou lhe consentem ou apenas parte pequena do que desejaria MC 75 SARAMAGO apud MALHEIROS 2002 Muitas outras reflexões podem ser feitas sobre esse com plexo livro inclusive sobre o trabalho escravo dos que constroem o convento de Mafra e os que imaginativamente constroem o sonho da Passarola Mas creio eu que nosso intento se cumpriu nos comentários anteriores mostrar como o autor se apropria de um passado histórico para através de sua subversão construir uma nova realidade ficcional que o redimensiona diante de um contexto atual Não há a intenção de registrálo ou rememorálo em sua referencialidade A dialética entre as duas histórias a que representa o his tórico a construção do convento e a que representa o ficcional a construção da Passarola cria uma nova realidade que tem recebido o nome de metaficção historiográfica E para que sa 171 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA boreie um pouco dessa narrativa eis o episódio da subida da Passarola Viva com os personagens esse sonho Agora sim podem partir O padre Bartolomeu Lourenço olha o espaço celeste descoberto sem nuvens o sol que pa rece uma custódia de ouro depois Baltasar que segura a cor da com que se fecharão as velas depois Blimunda prouvera que adivinhassem os seus olhos o futuro Encomendemonos ao Deus que houver disseo num murmúrio e outra vez num sussurro estrangulado Puxa Baltasar não o fez logo Baltasar tremeulhe a mão que isto será como dizer Fiat dizse e apare ce feito o quê puxase e mudamos de lugar para onde Blimun da aproximouse pôs as duas mãos sobre a mão de Baltasar e num só movimento como se só desta maneira devesse ser ambos puxaram a corda A vela correu toda para um lado o sol bateu em cheio nas bolas de âmbar e agora que vai ser de nós A máquina estremeceu oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido ouviuse um rangido geral eram as lamelas de ferro os vimes entrançados e de repente como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes so bre si própria enquanto subia mal ultrapassara ainda a altura das paredes até que firme novamente equilibrada erguendo a sua cabeça de gaivota lançouse em flecha céu acima Sacu didos pelos bruscos volteios Baltasar e Blimunda tinham caído no chão de tábuas da máquina mas o padre Bartolomeu Lou renço agarrarase a um dos prumos que sustentavam as velas e assim pôde ver afastarse a terra a uma velocidade incrível já mal se distinguia a quinta logo perdida entre colinas e aquilo além que é Lisboa claro está e o rio oh o mar aquele mar por onde eu Bartolomeu Lourenço de Gusmão vim por duas vezes do Brasil o mar por onde viajei à Holanda a que mais continentes da terra e do ar me levarás tu máquina o vento rugeme aos ouvidos nunca ave alguma subiu tão alto se me visse elrei se me visse aquele Tomás Pinto Brandão que se riu de mim em verso se o Santo Ofício me visse saberiam todos que sou filho predilecto de Deus eu sim eu que estou subindo ao céu por obra do meu génio por obra também dos olhos de Blimunda se haverá no céu olhos como eles por obra da mão 172 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA direita de Baltasar aqui te levo Deus um que também não tem a mão esquerda Blimunda Baltasar venham ver levantemse daí não tenham medo Não tinham medo estavam apenas assustados com a sua pró pria coragem O padre ria dava gritos deixara já a segurança do prumo e percorria o convés da máquina de um lado a ou tro para poder olhar a terra em todos os seus pontos cardeais tão grande agora que estavam longe dela enfim levantaramse Baltasar e Blimunda agarrandose nervosamente aos prumos depois à amurada deslumbrados de luz e de vento logo sem nenhum susto Ah e Baltasar gritou Conseguimos abraçouse a Blimunda e desatou a chorar parecia uma criança perdida um soldado que andou na guerra que nos Pegões matou um homem com o seu espigão e agora soluça de felicidade abraça do a Blimunda que lhe beija a cara suja então então O padre veio para eles e abraçouse também subitamente perturbado por uma analogia assim dissera o italiano Deus ele próprio Baltasar seu filho Blimunda o Espírito Santo e estavam os três no céu Só há um Deus gritou mas o vento levoulhe as pa lavras da boca Então Blimunda disse Se não abrirmos a vela continuaremos a subir aonde iremos parar talvez ao sol SARAMAGO 1999 p 189190 As narrativas do pósModernismo no conceito de Linda Hutcheon não se confundem com contemporaneidade caracte rizamse paradoxalmente por uma autorreflexividade e por sua fundamentação histórica A reconstrução do passado acontece pelo jogo paródico entendido como o diálogo intertextual ca racterizado pela inversão e pela transcontextualização como uma repetição com distância crítica que permite a indicação irônica da diferença no próprio âmago da semelhança HUT CHEON 1991 p 47 A interação do historiográfico e do metaficcional evidencia a rejeição das pretensões de representação autêntica da His tória e inautêntica da Literatura apontando para o fato de que 173 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA as duas são formas narrativas são sistemas de significação em nossa cultura são formas de mediar o mundo com o objetivo de introduzir o sentido 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Quais são as especificidades do literário e do histórico 2 Como as diferentes formas de uma obra literária pode reconstruir aconte cimentos fatos e dados históricos 3 Escolha uma obra literária dentre as muitas que você leu no curso de Letras ou durante a sua vida de leitora e comente como a História se apresenta nessa obra 10 CONSIDERAÇÕES Como você pode perceber realizar estudos comparati vistas interdisciplinares exige um olhar integrado para o imen so campo de conhecimentos Sabendo da nossa dificuldade em abordar a vastidão do campo de conhecimentos e suas relações com a Literatura a opção foi restringir a reflexão à História Esperamos que o percurso realizado tenha esclarecido que as relações entre História e Literatura vão além de se estudar um contexto de obras ou autores ou a história da Literatura Estas duas disciplinas sempre se relacionaram mas é um rela cionamento que se altera de tempos em tempos e ganha novos olhares Buscando essas nuances relacionais partimos de um texto que tenta o registro fiel de um espaço físico e social A selva 174 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA observamos a realidade recriada e filtrada pela memória subje tiva Baú de ossos sentimos a reconstrução literária de um pas sado histórico O continente e desvendamos os intrincados fios que unificam o real e o ficcional numa metaficção historiográfica Memorial do convento Ninguém pode ignorar a malha de influências que essas duas disciplinas exercem uma sobre a outra Assim como Litera tura e Filosofia iluminaramse anteriormente o romance român tico do século 19 também enriqueceu a Literatura na medida em que se passou a reconstruir ficcionalmente os costumes a fala as instituições e personagens históricos e inventados Contudo neste século e mais especificamente na PósMo dernidade todas as fronteiras e os limites começam a ser ques tionados As fronteiras entre as disciplinas estão diluídas diante das possibilidades da revolução eletrônica Conhecimentos e lin guagens diferentes encontramse em espaços virtuais criando gêneros híbridos Os textos literários transformamse em maté ria para a ficção televisiva que alia imagem palavra e som Em que medida a Literatura e a História aparecem em cada um dos romances Difícil definir pois as narrativas em geral vi vem uma eterna ambiguidade entre as diferentes ordens de rea lidade a realidade imaginada a ficção e a realidade concreta o referente O romance que aborda a História possui ainda um duplo jogo a relação no seu interior de ficção e realidade Certo é que o texto literário que se apropria de uma sé rie histórica terá uma significação outra uma verdade de outra ordem A Literatura pela sua capacidade de transfiguração da realidade retira a capa opaca dos fatos históricos e os reveste de novas capas coloridas pelo sabor da linguagem e pela inventivi dade humana Como afirma Leyla PerroneMoisés 175 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA É preciso que se considere o trabalho do significante como o único trabalho especificamente literário já que o significante não recobre ou transmite um significado prévio mas cria esse significado numa homologia e não numa analogia com os referentes numa relação complexa e ambígua com o real ao mesmo tempo afirmado e destruído pela palavra PERRO NEMOISÉS 1998 p 8990 Afirmar e destruir o real para fundar novas realidades e novos significados parece ser uma capacidade específica da lin guagem literária 11 EREFERÊNCIAS Figura Figura 1 A Passarola de Bartolomeu de Gusmão Disponível em httpwww cabinetmagazineorgissues11hartinterviewphp Acesso em 03 jul 2018 Sites pesquisados CAMPOS M C C Pedro Nava Quando tudo aconteceu o grande universo do passado Disponível em httpwwwvidaslusofonasptpedronavahtm Acesso em 26 fev 2015 FERREIRA DE CASTRO E A SELVA Opinião crítica sobre A Selva de Ferreira de Castro Disponível em httpwwwceferreiradecastroorgsilascriticahtm Acesso em 26 fev 2015 FIGUEIREDO H Depoimento de um escritor amazonense Obras de Ferreira de Castro Porto Lello Irmão Editores 1977 p 5479 v 1 Disponível em httpwww ceferreiradecastroorgsilasdepoimentodumamazonensehtm Acesso em 26 fev 2015 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SANTOS Patronos Bartolomeu Lourenço de Gusmão Disponível em httpwwwihgscombrcadeiraspatronos bartolomeudegusmaohtml Acesso em 26 fev 2015 JESUS M S O Brasil na vida de Ferreira de Castro Disponível em httpwww ceferreiradecastroorgsilasnewpage1htm Acesso em 26 fev 2015 JORNAL DE LETRAS ARTES E IDEIAS Disponível em httpvisaosapoptgen plsidvssections25193 Acesso em 26 fev 2015 176 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 4 RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES LITERATURA E HISTÓRIA MALHEIROS E C O papel da mulher em Memorial do Convento de José Saramago Sincronía Guadalajara ano 7 n 25 dez 2002mar 2003 Disponível em http sincroniacucshudgmxcostainv02htm Acesso em 26 fev 2015 MENEZES M E Pedro Nava e o desespero da finitude inevitável Jornal da USP São Paulo ano XVIII n 634 mar 2003 Disponível em httpwwwuspbrjorusp arquivo2003jusp634pag1011htm Acesso em 03 jul 2018 SACRAMENTO C Testemunho 1998 Disponível em httpwwwceferreiradecastro orgsilastestemunhohtm Acesso em 26 fev 2015 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORDINI M G Criação literária em Érico Veríssimo Porto Alegre LMEDIPUCRS 1995 CAMPOS H In Obras de Ferreira de Castro Porto Lello Irmão Editores 1977 v 1 CARVALHAL T F Literatura Comparada 3 ed São Paulo Ática 1998 CASTRO J A F A selva 36 ed Lisboa Guimarães Editores 1986 CHAVES F L Érico Veríssimo realismo e sociedade Porto Alegre Globo 1976 HUTCHEON L Poética do PósModernismo história teoria ficção Tradução de Ricardo Cruz Rio de Janeiro Imago 1991 JENNY L et al Intertextualidades Tradução de Clara Crabbé Rocha Poétique Revista de Teoria e Análise Literárias Coimbra Livraria Almedina n 27 p 549 1979 LIMA L C História ficção Literatura São Paulo Companhia das Letras 2006 MENDONÇA C V C ALVES G S Os desafios teóricos da história e a literatura História Hoje São Paulo v 1 n 2 dez 2003 NAVA P Baú de ossos memórias Rio de Janeiro Nova Fronteira 1983 NUNES B O tempo na narrativa São Paulo Ática 1995 Série Fundamentos PERRONEMOISÉS L B Flores da escrivaninha São Paulo Companhia das Letras 1998 REIS C R LOPES A C M Dicionário de teoria da narrativa São Paulo Ática 1988 SARAMAGO J História e ficção Jornal de Letras Artes e Idéias Lisboa p 917 6 mar 1990 Memorial do convento Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1999 SENA J Dialécticas teóricas da Literatura Lisboa Ed 70 1977 VERÍSSIMO É O continente São Paulo Globo 1997 v 1 177 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Borges me disse que não precisava ter vergonha de ser leitor que os livros não são propriedade privada Somos todos em arte e artes grileiros Mas já aí estaria em sombrios invernos da década de 70 em meio a grandes depressões Precisei de novo pedir coragem a ele coragem para pôr no papel a idéia luminosa a quem pertence o adjetivo de Em Liberdade SANTIAGO 1984 p 2 grifo nosso Objetivos Entender o conceito de dialogismo Compreender a ideia de intertextualidade Entender e analisar o conceito da antropofagia Conteúdos Dialogismo Intertextualidade Antropofagia UNIDADE 5 Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Ao se aproximar do final desta disciplina lembrese de que você terá uma visão geral do que estudou Para tanto retome os principais pontos ana lisados até agora 2 Para aprimorar seus conhecimentos leia O poeta e o bruxo dialogismo e alusividade na poesia de Drummond Tratase de uma análise realizada por Alcmeno Bastos professor adjunto do curso de Letras da UFRJ pes quisador de narrativas brasileiras e interdisciplinaridade Esse texto está disponível em httpacdufrjbrconfrariadoventonumero8ensaio04 htm Acesso em 2 mar 2015 3 Leia também a fábula O lobo e o cordeiro de Esopo 179 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Dialogismo intertextualidade e antropofagia são estudos teóricos que geram uma nova lógica de análise textual na qual se subvertem os conceitos de fonte origem influências fron teira originalidade dependência Consideram que a escritura e a leitura se fazem no confronto do velho com o novo na relação dialética entre as semelhanças e as diferenças Uma abordagem intertextual rompe com os limites tradicionais e abre novas pers pectivas para a consideração dos aspectos internos e externos das obras Na primeira unidade seguimos a trajetória histórica dos conceitos Na segunda unidade reavaliamos os conceitos de in fluência discutindo a dependência cultural entre metrópole e periferia Na terceira unidade estudamos a formação da iden tidade das literaturas africanas Na quarta unidade observamos as relações entre Literatura e História Agora nesta unidade vamos ultrapassar os estudos e as pesquisas que buscam rela cionar obras autores ou sistemas literários Além das relações interdisciplinares temos as absorções textuais e as relações inte rartes que se fazem dentro dos novos conceitos que se seguem A derrubada definitiva dos conceitos tradicionais citados anteriormente acontece com Mikhail Bakhtin e sua teoria do dia logismo considerando o romance como uma obra polifônica em que várias vozes se entrecruzam num diálogo textual Ao con siderar que o discurso interno de um romance comporta uma reconstrução de discursos sociais e históricos este autor começa a quebrar a noção de autoria É ele quem pergunta Quem fala em mim quando falo Que vozes sociais aparecem no interior dos discursos de um romance Você já observou que muitas ve 180 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA zes falamos algo que aprendemos com outras pessoas como se fosse um conhecimento próprio Uma obra literária é uma organização de diversos discursos historicamente acumulados Para Bakhtin 1981 p 123 tudo e todos devem se conhecer uns não devem ignorar os ou tros tudo entra em contato tudo se coloca face a face a tudo e assim se põe a conversar Tudo deve se interrefletir se interesclarecer dialogicamente A partir daí Kristeva apud Nitrini 1997 p 165 concebe o conceito de intertextualidade afirmando que todo texto é uma absorção e transformação de uma infinidade de outros textos O valor de sua teoria é a formalização de práticas de absorção e transformação disseminadas nos textos a citação a alusão a apropriação o empréstimo a paráfrase a paródia o ready made as colagens etc No Brasil o nosso poeta Oswald de Andrade inventa sua antropofagia afirmando que só lhe interessava o que não era dele O poeta tornase consciente de que sua poesia e a de seus companheiros modernistas tinham muito de contrabando e importação Ao revelar esse aspecto no Manifesto Antropofágico ANDRADE 1928 quebra o estigma da dependência Aceita que somos um tupi tangendo um alaúde Não nega as influências mas retira delas o aspecto de devedores Assim tornase tam bém o autor da Carta de Caminha refazendoa e introduzindo novos significados neste documento congelado pelo passado São as famosas releituras Como você pode ver a noção de autoria cai por água abai xo Escritura e leitura passam a ser fenômenos integrados a con textos maiores Minha leitura de um texto depende de minhas leituras anteriores e minha escritura também Nossos textos in 181 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA corporam tanto discursos valores e visões de mundo absorvi dos culturalmente como outros textos E a revolução eletrônica Que fez ela da escritura O que é escrever e ler diante das novas mídias As obras de arte atuais estruturamse na confluência de linguagens que se tocam crian do verdadeiros objetos novos que absorvem diferentes lingua gens A noção de escritura ampliase As palavras movemse na videopoesia Os livros passam a integrar imagens visuais recur sos de editoração O videoclipe narra histórias A fotografia liga se à poesia e e uma infinidade de opções Vamos a um detalhamento de alguns desses aspectos 2 DIALOGISMO O dialogismo é um conceito complexo que demanda um aprofundamento teórico razoável Vamos tentar simplificálo para você mas saiba que muitos são os aspectos relativos a essa teoria e que será impossível abordar todos As ideias de Bakhtin sobre o homem e a vida estão funda mentadas no princípio dialógico A vida é dialógica por natureza e portanto a linguagem também A linguagem constróise nas interações e dentro destas interações o diálogo é um pressu posto fundamental Toda linguagem é um fenômeno sóciohis tórico concebido não somente como um sistema abstrato mas também como uma criação coletiva que se baseia no diálogo cumulativo entre o eu e o outro entre muitos eus e muitos outros Mas o que seria esse diálogo Uma simples conversa entre duas pessoas Um simples discurso direto dentro de um texto Não Para esse teórico a teoria do dialogismo está fundamen 182 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA tada no caráter interativo da linguagem Diálogo não significa apenas a comunicação em voz alta de pessoas face a face mas toda comunicação verbal ou de outro tipo Veja o que ele afirma Tudo se reduz ao diálogo à contraposição dialógica enquanto centro Tudo é meio o diálogo é o fim Uma só voz nada termina nada resolve Duas vozes são o mínimo da vida BAKHTIN 1997 p 296 Toda enunciação constróise no diálogo mesmo quando explicitamente um texto não se refere a um interlocutor concre to ele pressupõe esse interlocutor A palavra orientase em fun ção de um interlocutor como se explica a seguir A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros Se ela se apóia sobre mim numa extremidade na outra se apóia sobre meu interlocutor A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor BAKHTIN VOLOSHINOV 1992 p 113 Resumindo toda enunciação procede de alguém e se diri ge a alguém mesmo que isto não seja claro A interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem É na relação entre os sujeitos ou seja na produção e na interpretação dos textos que se constroem o sentido do texto a significação das palavras e os próprios sujeitos A inter subjetividade vem antes da subjetividade Nós nos construímos pelas interações com os demais sujeitos Nossa subjetividade é fruto da polifonia das muitas vozes sociais que recebemos e reelaboramos As interações produzem enunciações ou seja linguagens expressas Nessas enunciações podemos negar afirmar compro var ou fazer uma síntese dialética do que recebemos anterior mente Assim a dialogia não é calma mas realizase em meio 183 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA a confrontos discursivos enunciações textos e ideológicos sis temas de valores Esse princípio pressupõe sempre um EU e um OUTRO Este eu e este outro podem se caracterizar como dois interlocu tores dois discursos dois textos como língua falada e língua es crita enfim tudo que em linguagem possa se relacionar ou se confrontar O discurso constróise como um diálogo entre discursos forma híbrida A palavra é sempre perpassada pela palavra do outro O enunciador ao elaborar seu discurso sempre leva em conta o discurso de outrem que está sempre presente no seu Você já percebeu a complexidade do problema Para nós em Literatura Comparada esse princípio abre um amplo leque de possibilidades e aguça nosso olhar para a percepção e análise das vozes que estão presentes nos discursos especialmente nos textos literários Para Bakhtin 1997 p 348 o enunciado sempre cria algo que antes dele não existira algo novo e irreprodutível algo que está sempre relacionado com um valor a verdade o bem a beleza etc Entretanto qualquer coisa criada se cria sempre a partir de uma coisa que é dada a língua o fenômeno observado na realidade o senti mento vivido o próprio sujeito falante o que é já concluído em sua visão do mundo etc O dado se transfigura no criado A vida e linguagem estão permeadas de relações dialógicas e diante delas temos uma autonomia relativa pois somos seres sociais Assim também a autoria individual é bem relativa pois as ideias os textos são frutos de interações sociais e possuem um caráter coletivo As palavras os textos os livros os roman ces de alguém são inevitavelmente atravessados pelas palavras 184 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA e produções do outro Veja como Bakthin 1997 p 316 grifo nosso define estas relações Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são autosuficientes conhecemse uns aos outros refletem se mutuamente São precisamente esses reflexos recíprocos que lhes determinam o caráter O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados aos quais está vincu lado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera a palavra resposta é empregada aqui no sentido lato refuta os confirmaos completaos baseiase neles supõenos co nhecidos e de um modo ou de outro conta com eles Ao falar do romance ele expõe Todas as palavras e formas que povoam a linguagem são vozes sociais e históricas que lhe dão determinadas significa ções concretas e que se organizam no romance em um sistema estilístico harmonioso BAKTHIN 1988 p 100106 São essas orquestrações dialógicas presentes nos textos literários que despertam grande interesse nos estudos de Litera tura Comparada A Literatura faz parte da cultura e é impossível compreendêla fora do contexto cultural embora o fato literário tenha suas especificidades e sua diferenciação em relação aos demais Os livros literários não estão isolados no tempo mas dia logam entre si e se abrem a novos e constantes diálogos Obras de uma época descobrem sempre algo novo em obras do pas sado Afirma Bakhtin 1997 p 364 uma obra não pode viver nos séculos futuros se não se nutriu dos séculos passados Para esse autor as grandes obras da Literatura são aquelas que resul tam de um longo processo de gestação e aparecem no presente como frutos maduros Assim elas são frutos do amadurecimen to cultural 185 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Neste ponto da reflexão é possível entendermos o signifi cado da epígrafe desta unidade somos todos grileiros estamos sempre nos apropriando de algo que é do outro e viceversa Bakhtin não especificou esses meios de apropriação mas nos mostrou algumas formas de enxergamos um discurso dentro do outro de enxergarmos aquilo que ele considera como o dado o que recebemos dentro do criado nosso enunciado E isso é o que busca a Literatura Comparada As vozes do discurso Discurso citado Esta é uma forma de transmitir a palavra do outro no ro mance O discurso citado é sempre bivocalizado atrás da voz do autor inserese o discurso de outro É um discurso dentro de um discurso É a citação direta de uma voz ou a inclusão disfarçada de uma voz no discurso narrativo Lembrase do livro comentado A selva de Ferreira de Cas tro 1986 Nele o narrador passou a falar pela visão do perso nagem Alberto Tentou esconder seus posicionamentos pessoais na voz narrativa O discurso do imaginário Neste caso é preciso adivinhar quem está falando quem está com a palavra As vozes aparecem como num sonho mas a impressão é de que alguém realmente as fala É o que chama mos de discurso indireto livre Não há verbos de elocução diz fala responde e não há fronteiras entre os vários discursos A voz dos personagens misturase com a voz do narrador 186 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA O discurso polifônico A oralidade como procedimento primordial da escritura São processos de transmissão da palavra de outrem quer como fala quer como discurso não pronunciado ou pensamento Cabe ao autor organizar formas de representar diferentes vozes que se embaralham O discurso do autor e o dos personagens embara lhamse numa polifonia discursiva Os procedimentos de representação da voz Skaz É o processo de criação da fala na prosa narrativa Tratase de uma fala estilizada e marcada pelo tom pessoal da perfor mance oral do autornarrador ou dos personagens Aparece com muita frequência na Literatura Infantil quando a narrativa bus cando ganhar a simpatia do leitor quase conversa com ele Há o revestimento oral da narrativa escrita Um excelente exemplo desse aspecto está na obra infantil de Clarice Lispector sobre tudo em O mistério do coelho pensante 2013 Nela a autora vai dialogando com o filho Sabe Paulo Você não imagina É uma escrita que se oferece como fala como conversa com o receptor A estilização do discurso O discurso conserva a estrutura do discurso do qual se ori gina mas o representa artisticamente Há um recobrimento do original mas sempre no sentido de confirmálo nunca de criticá lo Um dos exemplos pode ser o tom da poesia inserido na pro sa de Iracema de José de Alencar 2006 Podese verificar um 187 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA grande número de metáforas de recursos sensoriais de paro nomásias dentro da prosa que se quer poesia Há nesse recurso uma estilização do romance prosa e poesia dialogam Paródia segundo Bakthin Na teoria bakthiniana a paródia é vista como um canto paralelo distorcido Um romance quando surge não só parodia outros gêneros como a si próprio A paródia implica a descon tinuidade do estabelecido É um discurso em deslocamento O autor coloca que a segunda voz que entrou no discurso depois de ter se alojado na voz narrativa entra em antagonismo com a voz original que a recebeu forçandoa a servir a fins diretamente opostos Uma voz contraria a outra colocandose abertamente em antagonismo Carnavalização Um processo de carnavalização implica necessariamente inversões do estabelecido no texto anterior Ultrapassamse as barreiras da interdição colocandose o mundo às avessas e de safiando o discurso oficial Ela é mais forte do que a paródia pois provoca inversões do cotidiano dos gêneros do estilo da temática dos personagens e outras mais Você já ouviu falar de um lobo bonzinho e um caçador mau Você já leu a história do chapeuzinho amarelo de Chico Buarque 2003 em que ele o transforma em bolo pela brinca deira de juntar palavras lo Bo Lo bo Você já viu contos em que a princesa foge de um castelo pois não aguenta a re pressão do príncipe Todos esses aspectos entram no processo chamado de carnavalização ou seja a quebra das barreiras entre 188 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA o sagrado e o profano o velho e o novo o conto e a crônica a poesia e a prosa etc É o mundo às avessas tanto nos movimen tos de contracultura quanto nos movimentos literários Chama se carnavalização por ser baseado na ideia de que o carnaval é uma festa profana que quebra as regras do passado Um discurso em dialogia Saindo do romance e estudando um caso de dialogia den tro da poesia vamos observar que este princípio se aplica a qual quer tipologia e gênero textual Observaremos o diálogo do poe ta Carlos Drummond de Andrade com Machado de Assis Toda a poesia de Drummond apresenta uma acentuada dialogia de um eu e um outro Normalmente ele organiza seu discurso como se falasse de algo que lhe é externo escon dese sob uma máscara de aparente impessoalidade O poeta trabalha com a interdiscursividade seu discurso conversa com outros discursos o que traz o posicionamento de uma subjeti vidade diante do outro É essa interação com o outro com o que lhe é externo que retira de seus poemas o tom confessional Sua poesia é marcada pela tentativa de objetivar o subjetivo Esta tematização do outro é mais marcante nos poemas dedicados a escritores e suas obras Muitos escritores aparecem em seus poemas como retratos que nos levam a questionar a existência pois a poesia drummondiana é quase sempre existen cialista e pergunta o porquê da vida Vejamos o poema A um bruxo com amor escrito em ho menagem a Machado de Assis e parte da primeira obra poética de Carlos Drummond de Andrade Alguma poesia publicada em 1930 A um bruxo com amor 189 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Em certa casa da Rua Cosme Velho que se abre no vazio venho visitarte e me recebes na sala trajestada com simplicidade onde pensamentos idos e vividos perdem o amarelo de novo interrogando o céu e a noite Outros leram da vida um capítulo tu leste o livro inteiro Daí esse cansaço nos gestos e filtrada uma luz que não vem de parte alguma pois todos os castiçais estão apagados Contas a meia voz maneiras de amar e de compor os ministérios e deitálos abaixo entre malinas e bruxelas Conheces a fundo a geologia moral dos Lobo Neves e essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para ciumentos E ficas mirando o ratinho meio cadáver com a polida minuciosa curiosidade de quem saboreia por tabela o prazer de Fortunato vivisseccionista amador Olhas para a guerra o murro a facada como para uma simples quebra da monotonia universal e tens no rosto antigo uma expressão a que não acho nome certo das sensações do mundo a mais sutil volúpia do aborrecimento ou grande lascivo do nada 190 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA O vento que rola do Silvestre leva o diálogo e o mesmo som do relógio lento igual e seco tal um pigarro que parece vir do tempo da Stoltz e do gabinete Paraná mostra que os homens morreram A terra está nua deles Contudo em longe recanto a ramagem começa a sussurrar alguma coisa que não se estende logo aparece a canção das manhãs novas Bem a distingo ronda clara É Flora com olhos dotados de um mover particular ente mavioso e pensativo Marcela a rir com expressão cândida e outra coisa Virgília cujos olhos dão a sensação singular de luz úmida Mariana que os tem redondos e namorados e Sancha de olhos intimativos e os grandes de Capitu abertos como a vaga do mar lá fora o mar que fala a mesma linguagem obscura e nova de D Severina e das chinelinhas de alcova de Conceição A todas decifrastes íris e braços e delas disseste a razão última e refolhada moça flor mulher flor canção de mulher nova E ao pé dessa música dissimulas ou insinuas quem sabe o turvo grunhir dos porcos troça concentrada e filosófica entre loucos que riem de ser loucos e os que vão à Rua da Misericórdia e não a encontram O eflúvio da manhã quem o pede ao crepúsculo da tarde Uma presença o clarineta 191 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA vai pé ante pé procurar o remédio mas haverá remédio para existir senão existir E para os dias mais ásperos além da cocaína moral dos bons livros Que crime cometemos além de viver e porventura o de amar não se sabe a quem mas amar Todos os cemitérios se parecem e não pousas em nenhum deles mas onde a dúvida apalpa o mármore da verdade a descobrir a fenda necessária onde o diabo joga dama com o destino estás sempre aí bruxo alusivo e zombeteiro que resolves em mim tantos enigmas Um som remoto e brando rompe em meio a embriões e ruínas eternas exéquias e aleluias eternas e chega ao despistamento de teu pencenê O estribeiro Oblivion bate à porta e chama ao espetáculo promovido para divertir o planeta Saturno Dás volta à chave envolveste na capa e qual novo Ariel sem mais resposta sais pela janela dissolveste no ar ANDRADE apud MEMÓRIA VIVA 2015 Nesse poema estão em confronto dois universos literá rios a estética drummondiana e a estética machadiana Um eu e um outro aparecem no discurso poético Você pode perceber 192 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA que não se trata de uma simples poesia de louvor a Machado de Assis ou de um simples caso de influência Há todo um jogo de alusão citação e estilização do discurso poético fazendo a integração dos dois universos num dialogismo implícito O autor fala de todo o universo machadiano mas sem uma referência direta O leitor desavisado não conseguirá desvelar o significado do texto Podemos encontrar no poema a alusão a espaços perso nagens objetos e a citação de frases da obra machadiana Por meio desses elementos Drummond dialoga com a vida e a obra de Machado posicionando seu texto como o relato de uma vi sita ao amigo Esta visita parecenos ser muito mais uma visita leitura à vida e obra machadianas Nessa releitura Drummond retrata o universo de Machado mas lança sobre ele seu questio namento existencial O título A um bruxo com amor faz uma alusão a Macha do de Assis consagrado pela crítica como o Bruxo do Cosme Velho É a alusão a um elemento cultural mas tornase uma dedicatória afetiva que desvela uma familiaridade entre os dois Drummond leitor e discípulo de Machado de Assis fazse um amigo íntimo de Machado dialogando com ele por meio do co nhecimento de sua vida e obra Por isso cita a casa e o espaço de Machado como se a frequentasse cotidianamente Ele presenti fica Machado de Assis em seu espaço dando ao leitor a sensação de que o bruxo lá está no momento mesmo da leitura Além dessa aproximação faz sua homenagem reconhe cendo o valor do mestre ao afirmar Outros leram da vida um capítulo tu leste o livro inteiro ANDRADE apud MEMÓRIA VIVA 2015 É como se dissesse também que leu toda a obra desse grande escritor 193 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Segue dizendo que na casa do Cosme Velho os pensa mentos idos e vividos retornam e interrogam o céu Esta é uma citação de um verso do soneto que Machado escreveu quando da morte de sua mulher À Carolina que eu se tenho nos olhos mal feridospensamentos de vida formuladossão pensa mentos idos e vividos ASSIS 1988 Os dois conhecemse pela obra A partir dessa localização aproximativa faz referências às obras do autor É à meia voz e à luz filtrada que o poeta nos conta como Machado era perito em compor amores e deitálos abaixo À meia voz respeita o tom machadiano que não é dado a exal tações e descontroles subjetivos Contanos também como com aborrecimento com minuciosa curiosidade e com rosto antigo Machado mira personagens e fatos da vida Vento e relógio em ritmo calmo e pausado trazem a ronda de personagens das obras machadianas Flora Marcela Virgília Mariana Sancha Capitu D Severina Destaca o processo machadiano de composição das personagens femininas A todas decifrastes íris e braços ANDRADE apud MEMÓRIA VIVA 2015 Ressalta aspectos importantes das personagens machadianas os olhos de ressaca de Capitu e os braços de D Severina Todas as referências demonstram um conhecimento pro fundo da vida e da produção do escritor Falanos de seus óculos pencenê de sua dúvida que apalpa o mármore de seu olhar que dissecava a alma humana do remédio para o pessimismo procu rado por Brás Cubas do estribeiro Oblivion de Ariel etc Há todo um dialogismo implícito que convoca o leitor a desvendar aspec tos da obra machadiana sem nenhuma indicação concreta das fontes O leitor tem que procurar suas referências também Só o leitor familiarizado com o universo de Machado de Assis pode reconhecer tantas recorrências alusivas 194 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Tanto Drummond quanto Machado foram escritores cultos e de grandes leituras que construíram seus textos pacientemen te Assim as referências a fatos situações personagens versos oriundos de suas muitas leituras fazem parte do estilo dos dois autores Machado de Assis é o autor das digressões cultas e fi losóficas Sua narrativa está entremeada de reflexões e cita ções Drummond é o autor da outridade Sua poesia olha para o mundo e busca uma resposta Drummond mostra todo o processo de criação de Macha do a dúvida o jogo do destino o bruxo alusivo e zombeteiro E finalmente chama uma metáfora do próprio Machado Obli vion usada em Memórias Póstumas de Brás Cubas como ima gem do esquecimento para envolvêlo em sua capa e dissolvê lo no ar Entretanto a personna de Drummond vai aparecer no dis curso cortando as citações e as alusões para abrir espaço para seu posicionamento universal e seus questionamentos existen ciais mas haverá remédio para o existirsenão existir Que crimes cometemos além de vivere porventura o de amarnão se sabe a quem mas amar ANDRADE apud ME MÓRIA VIVA 2015 O diálogo se faz em vários níveis Além do diálogo entre os dois autores o leitor se vê obrigado a dialogar com os dois universos representados Um meticuloso e cético O outro uni versal e questionador da existência Sobre esse assunto observe o seguinte trecho A postura de que versos se fazem com palavras é cons cientemente assumida por Drummond Em lugar da confissão emocionada encontramos em sua poesia o trabalho artesanal de revitalização das palavras o dizer de forma absolutamente 195 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA original capaz de causar no leitor um efeito de estranhamento que desautomatize a sua percepção associações inéditas que incorporam o efeito lúdico a linguagem poética assumindo o seu tanto de jogo e o seu tanto de elaboração racional REIS 2002 p 4344 Há todo um meticuloso trabalho com a palavra no poe ma pois as alusões e as citações são costuradas num discurso estilizado A poesia apresentase na estruturação dos versos e estrofes no jogo metafórico das expressões nas metonímias caracterizadoras do espaço machadiano Tudo isso entremeado pelos questionamentos existenciais de Drummond O que temos nesse poema é a tessitura de duas estéticas dois mundos duas personalidades em apenas um discurso poético Pela represen tação do universo machadiano Drummond pensa o existir e tece o diálogo com a palavra poética 3 INTERTEXTUALIDADE A intertextualidade é um conceito apoiado no dialogismo só que restrito ao texto em si mesmo embora o conceito de tex to seja mais amplo que a palavra verbal textos orais escritos visuais musicais arquitetônicos cinematográficos fotográficos propagandísticos etc Enquanto a dialogia é um princípio filosófi co a intertextualidade procura verificar como os textos se cons troem Parte do princípio de que todo texto se constrói como um mosaico de citações todo texto é absorção e transformação de um outro texto KRISTEVA In NITRINI 1997 p 161 Assim o texto literário inserese dentro de um corpus an terior ou atual faz parte de um conjunto de textos com os quais mantém uma rede de conexões Não se trata de influências mas do reconhecimento de que outros textos compõem a estrutura 196 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA de toda e qualquer obra literária os textos sofrem modificações ao serem assimilados o texto resultado é um discurso que unifi ca os demais textos por meio do sentido Veja o trecho a seguir Todo texto é um intertexto outros textos estão presentes nele em níveis varáveis sob formas mais ou menos os textos da cultura anterior e os da cultura circundante todo texto é um tecido de citações acabadas Passam no texto redistribuí dos nele pedaços de códigos fórmulas modelos rítmicos frag mentos de linguagens sociais etc pois sempre há linguagens antes do texto e ao redor dele KRISTEVA In NITRINI 1997 p 165 grifo nosso Costumase falar em intertextualidade explícita e implícita Esta última é muito difícil de ser reconhecida e operacionalizada O leitor deve reconhecer um variado e vasto campo de referên cias trechos mais ou menos conhecidos de obras provérbios ditos populares frases etc Em decorrência desses conceitos entendese que não há mais modelo e o fenômeno não pode ser encarado como uma influência mas deve ser entendido como um vasto sistema de trocas deixando a questão da propriedade e da originalidade bastante relativizadas As fontes só interessam para saber como foram transformadas As influências não mais servem para julgar uma literatura ou texto superior ao outro mas como forma de verificar o confronto entre os textos Conceitos de autonomia originalidade e imitação são relativizados como explicado no trecho a seguir Estudando relações entre diferentes literaturas nacionais autores e obras a literatura comparada não só admite mas comprova que a literatura se produz num constante diálogo de textos por retomadas empréstimos e trocas A literatura nas ce da literatura cada obra nova é uma continuação por con sentimento ou contestação das obras anteriores dos gêneros 197 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA e temas existentes Escrever é pois dialogar com a literatura anterior e com a contemporânea PERRONEMOISÉS 1998 p 94 grifo nosso No PósModernismo há uma tendência generalizada e de liberada de intertextualidade com uma multiplicação dos pro cedimentos dada a intensificação do espírito lúdico na criação literária Há também uma ampliação da absorção de novas manifestações artísticas relação de diferentes linguagens numa mesma mídia A produção pósmoderna remete o leitor a ou tros textos e paratextos do circuito cultural mídia propaganda outdoors marcas de produtos e literário nomes de obras fra ses famosas escritores Alguns teóricos costumam ligar as absorções a três tipos de intertextualidade as que se associam ao conteúdo tais como assuntos de notícias jornais de textos informativos e literários etc aquelas que se associam ao caráter formal do texto como imitações de certos tipos de linguagens ou de estilos de determi nados autores e as que se associam a tipos textuais tipos e es tilos de época estruturas narrativas e argumentativas gêneros etc Um poeta pode imitar o estilo de uma época literária É comum canções que imitam o estilo trovadoresco e que fazem uma intertextualidade com as normas de composição poética dessa época Em suma podemos afirmar que a intertextualidade é a in teração entre textos criando um diálogo entre eles Podemos também afirmar que o significado de texto está bastante am pliado constituindose em sentido amplo um conjunto de sig nos organizados para transmitir uma mensagem não importa se verbais ou não verbais Por isso a intertextualidade também pode ocorrer interartes 198 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Conceitos operacionais alusão epígrafe citação paráfrase es tilização e paródia Para explicar e exemplificar estes procedimentos citare mos diferentes releituras da poesia Canção do exílio de Gon çalves Dias sempre que possível Esta poesia faz parte da obra Primeiros cantos Alguns aspectos serão exemplificados com textos que fogem a essa temática tão recorrente na Literatura Brasileira Epígrafe A palavra epígrafe vem do grego epi em posição superior e graphé escrita Constituise numa escrita introdutória de ou tra mantendo com esta última um diálogo No exemplo a seguir a epígrafe relacionase com o texto de Gonçalves Dias pois os dois têm características românticas pertencem ao gênero lírico e abordam o sentimento nacionalista Esta é a epígrafe da Can ção do exílio de Gonçalves Dias Kennst du das Land wo die Zitronen blühen Im dunklen Laub die GoldOrangen glühen Kennst du es wohl Dahin dahin Möcht ich ziehn GOETHE A seguir a tradução da epígrafe Conheces o país onde florescem as laranjeiras Ardem na escura fronde os frutos de ouro Conhecêlo Para lá para lá quisera eu ir Tradução de Manuel Bandeira GERMINA 2015 199 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Alusão A palavra alusão vem do latim aludere que significa brin car ou referirse a alguém em tom de brincadeira Na análise tex tual ela é entendida como um meio de se referir ou atingir uma pessoa um fato ou algo por meio de alguma característica iden tificadora Tratase de uma referência a uma obra de arte a um fato histórico ou a um autor Seu sentido depende fundamen talmente do contexto em que está inserida e do conhecimento que o leitor tem em relação às referências feitas Machado de Assis é mestre nesse tipo de intertextualidade No romance Dom Casmurro ele cita Otelo personagem de Shakespeare para que o leitor analise o drama de Bentinho Vejamos como o poeta Manuel Bandeira faz uma alusão ao estilo dos parnasianos numa crítica bem humorada aos pre ceitos destes escritores que afirmavam que fazer poesia é tra balhar o verso como um ourives O trecho a seguir faz parte do poema Os sapos publicado em 1919 A grande arte é como labor de joalheiro Ou bem de estatuário tudo quanto é belo tudo quanto é vário canta no martelo BANDEIRA 1919 apud BRAZILIAN PORTUGUESE 2015 Citação Se a alusão é uma referência a um texto preexistente a citação é a transcrição literal de um texto preexistente A citação transcreve sem deformações no texto embora a nova contex tualização de qualquer palavra frase ou texto desencadeie no vos significados 200 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Veja nos versos a seguir que Oswald de Andrade além de inverter o sentido da Canção do exílio de Gonçalves Dias cita literalmente alguns versos O verso em negrito é uma transcrição literal do texto precedente Canto de Regresso à Pátria Oswald de Andrade 1925 Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo ANDRADE 1925 apud MACHADO 2006 Paráfraseestilização e paródia Estes conceitos podem ganhar diferentes significações de pendendo da teoria Aqui vamos utilizar a abordagem de Affonso Romano de SantAnna empregando a noção de desvio encon trada em seu livro Paródia paráfrase e cia 1998 Ele aponta que esses termos podem estar relacionados com os desvios que provocam em relação ao texto original A pa 201 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA ráfrase faz um desvio mínimo a estilização um desvio tolerável e a paródia um desvio total em relação ao texto original Assim na paráfrase o autor trabalha quase como uma tra dução ou um resumo do texto reproduzindo o texto de outrem com suas palavras e organizando um discurso paralelo Na es tilização acontece um desvio desejável havendo certa diferen ciação do original mas ainda se podem perceber elementos do texto original num jogo entre entrega e resistência Na paródia acontece uma subversão ao texto anterior o que nos leva a um enfrentamento temático e estilístico do original Veja o esquema proposto por SantAnna 1998 p 41 Paráfrase Estilização Paródia desvio mínimo desvio tolerável desvio total Fazendo uma comparação a paródia para Bakthin é muito mais um jogo de vozes dentro do próprio discurso e menos intertextual como o que acabamos de ver SantAnna 1998 p 41 afirma que a paráfrase conforma a estilização reforma e a paródia deforma Observe exemplos dessas formas de absorções ou alterações que se estabelecem entre os textos Vamos tomar por base novamente a Canção do exílio de Gonçalves Dias Texto original Canção do exílio Gonçalves Dias 1843 Minha terra tem palmeiras 202 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Onde canta o Sabiá As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá Nosso céu tem mais estrelas Nossas várzeas têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida mais amores Em cismar sozinho à noite Mais prazer eu encontro lá Minha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá Minha terra tem primores Que tais não encontro eu cá Em cismar sozinho à noite Mais prazer eu encontro lá Minha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá Não permita Deus que eu morra Sem que eu volte para lá Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá Sem quinda aviste as palmeiras Onde canta o Sabiá DIAS 1843 apud MACHADO 2006 Paráfrase 203 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Observe agora como Casimiro de Abreu repete com outras palavras o assunto do texto original A variação é muito pequena Canção do exílio Casimiro de Abreu 1855 Eu nasci além dos mares Os meus lares Meus amores ficam lá Onde canta nos retiros Seus suspiros Suspiros o sabiá Oh Que céu que terra aquela Rica e bela Como o céu de claro anil Que seiva que luz que galas Não exalas Não exalas meu Brasil Oh Eu saudades tamanhas Das montanhas Daqueles campos natais Daquele céu de safira Que se mira Que se mira nos cristais Não amo a terra do exílio Sou bom filho Quero a pátria o meu país Quero a terra das mangueiras E as palmeiras E as palmeiras tão gentis ABREU 1855 apud MACHADO 2006 204 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Estilização Drummond estiliza o poema cria variações nos versos aproveitando o motivo do texto original tecendo seu texto com novas palavras e ritmos Faz também seus questionamentos o sabiá seria feliz sozinho na mata Nova canção do exílio Carlos Drummond de Andrade 1945 Um sabiá na palmeira longe Estas aves cantam um outro canto O céu cintila sobre flores úmidas Vozes na mata e o maior amor Só na noite seria feliz um sabiá na palmeira longe Onde tudo é belo e fantástico só na noite seria feliz Um sabiá na palmeira longe 205 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Ainda um grito de vida e voltar para onde tudo é belo e fantástico a palmeira o sabiá o longe ANDRADE 1945 apud MACHADO 2006 Paródia Em seu poema Murilo Mendes inverte o sentido do texto original introduzindo críticas à visão nacionalista Canção do exílio Murilo Mendes 1930 Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista os sargentos do exército são monistas cubistas os filósofos são polacos vendendo a prestações A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda Eu morro sufocado em terra estrangeira Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade MENDES 1930 apud MACHADO 2006 206 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Paródia interartes Caulos humorista fez dos versos de Gonçalves Dias um pretexto para uma denúncia ecológica o sentimento de exílio do sabiá que já não tem sua palmeira conforme você observa na Figura 1 Figura 1 O sabiá Como você pode notar na paráfrase o autor repete os mesmos elementos o sabiá a palmeira do texto original ex pressando o mesmo sentimento nostálgico da Pátria Na estiliza ção há um desvio no texto original para que o poeta questione o sentimento deste texto bem como ocorre o refinamento esti lístico dos elementos poéticos do texto original Nas duas paró 207 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA dias os textos fogem e se contrapõem ao sentimento nostálgico subvertem a temática e o gênero Intertextualidade implícita Na Literatura a intertextualidade implícita acontece mui tas vezes principalmente quando o leitor não conhece o texto precedente Sempre que um texto sem mencionar o anterior faz uma crítica ou uma reverência a ele temos uma intertextua lidade implícita A crítica aos estilos de época é uma constante porque cada estilo de época se opõe ao anterior e retoma parte da estética passada Por exemplo o Classicismo retomou a Anti guidade Clássica assim fizeram também o Arcadismo e o Par nasianismo O Realismo combateu os excessos do Romantismo já este contrariou o formalismo dos clássicos O soneto de Antero de Quental é uma evidência de como uma corrente literária se contrapõe à outra O realista que busca o presente e a clareza faz uma crítica aos românticos que amam a noite com seus abismos e virgens vaporosas mas sem mencio nar especificamente o Romantismo Mais luz Antero de Quental Amem a noite os magros crapulosos E os que sonham com virgens impossíveis E os que se inclinam mudos e impassíveis À borda dos abismos silenciosos Tu Lua com teus raios vaporosos Cobreos tapaos e tornaos insensíveis Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis Como aos longos cuidados dolorosos 208 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Eu amarei a santa madrugada E o meiodia em vida refervendo E a tarde rumorosa e repousada Viva e trabalhe em plena luz depois Sejame dado ainda ver morrendo O claro Sol amigo dos heróis QUENTAL apud FAROL DAS LETRAS 2015 Exemplificando o jogo intertextual num poema de Manuel Ban deira apropriação e criação Balada das três mulheres do sabonete Araxá Manuel Bandeira As três mulheres do sabonete Araxá me invocam me boulever sam me hipnotizam Oh as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá Que outros não eu a pedra cortem Para brutais vos adorarem Ó brancaranas azedas Mulatas cor da lua vêm saindo cor de prata Oh celestes africanas Que eu vivo padeço e morro só pelas três mulheres do Sabonete Araxá São amigas são irmãs são amantes as três mulheres do Sabo nete Araxá 209 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA São prostitutas são declamadoras são acrobatas São as três Marias Meu Deus serão as três Marias A mais nua é doirada borboleta Se a segunda casasse eu ficava safado da vida dava pra beber e nunca mais telefonava Mas se a terceira morresse Oh então nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim Se me perguntassem Queres ser estrela queres ser rei Queres uma ilha no Pacífico Um bangalô em Copacabana Eu responderia Não quero nada disso tetrarca Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá BANDEI RA 1993 p 150 Para esta análise estamos nos apoiando nos estudos com parativos realizados por Ramos 1996 Esse é um poema escrito em 1931 e publicado em 1936 no livro Estrela da manhã O texto faz uma tessitura de vários tre chos de poemas de outros autores Olavo Bilac Castro Alves Luís Delfino Eugênio de Castro Oscar Wilde Shakespeare Rimbaud e uma marchinha de carnaval de 1931 Vamos desvelar essas citações que estão escondidas no discurso poético de Manuel Bandeira pois nele se encontram traços das leituras poéticas do autor A poesia de Manuel Bandeira tem uma íntima ligação com o prosaico e o cotidiano oferecendose ao leitor a possibilidade de associála a frases e fatos do dia a dia Embora sua poética 210 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA tenha como fundamento a emoção e a intuição iniciais ele re cobre estes aspectos com valores plásticos e musicais Diz coisas novas com palavras comuns É o poeta da reelaboração poética do cotidiano Seu processo criativo prevê o jogo intertextual Em seus estudos sobre poesia e poetas publicados no Itinerário de Pa sárgada o poeta esclarece alguns procedimentos adotados em relação à Balada das três mulheres do sabonete Araxá Obser ve esses dados na explicação do autor O poema foi escrito em Teresópolis depois de eu ver numa venda o cartaz do sabonete É claro uma brincadeira mas em que pus ironicamente muito de mim mesmo O trabalho de composição está em eu ter adequado às circunstâncias de minha vida fragmentos de poetas queridos e decorados em mi nha adolescência Bilac Castro Alves Luís Delfino Eugênio de Castro Oscar Wilde Fiz de brincadeira o que Eliot faz sério in corporando aos seus poemas e convertendoos imediatamen te em substância eliotiana versos de Dante de Baudelaire de Spencer de Shakespeare etc BANDEIRA 1984 p 161 Veja que o poeta fez uma brincadeira conforme ele pró prio afirmou No entanto o que se observa é que as apropria ções estão bastante veladas pelo seu discurso poético Manuel Bandeira faz uma espécie de colagem e bricolagem de versos de outros autores remontando o texto e recriandoo com a tonali dade da paródia galhofeira A palavra balada pode tanto indicar uma composição líri ca de três oitavas e uma quadra quanto um tipo de composição anticlássica em que se faziam narrações em versos de aconteci mentos romanescos e populares No poema temos este último sentido utilizado para narrar um fato prosaico as três mulheres de um cartaz de sabonete O caráter romanesco ficou com o en 211 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA cantamento do poeta por elas e o caráter popular no fato de ser o cartaz de uma venda Além da referência direta ao sabonete famoso na época o poeta cita e recria frases de Shakespeare O verso O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá BANDEIRA 1993 p 150 é a recriação de uma famosa frase da peça Ricardo III de William Shakespeare Numa das ce nas de uma batalha o cavalo do rei Ricardo cai morto e ele supli ca a Catesby Um cavalo Um cavalo Meu reino por um cavalo SHAKESPEARE 1965 p 655 O poeta apropriase dessa frase e do tom desesperado mas coloca seu desejo nas três moças do sabonete Araxá Descarta o cavalo Olavo Bilac Bandeira apropriase de um verso do poema parnasiano Profissão de fé de Olavo Bilac BILAC apud PROENÇA FILHO 1989 p 252 Que outro não eu a pedra cortePara brutal Erguer de Atene o altivo porteDescomunal Bilac está referindose aos moldes parnasianos nos quais o verso deve ser trabalhado como a construção de uma estátua grega com perfeição formal Por meio de uma pequena altera ção Bandeira pede que outros façam estátuas brancaranas para serem adoradas não ele pois ele continua querendo as três mo ças do sabonete Que outros não eu a pedra cortemPara brutais vos adoraremÓ brancaranas azedas BANDEIRA 1993 p 150 Pelo que consta as mulheres do sabonete eram mulatas da cor da lama do produto 212 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Lamartine Babo Em 1931 uma marchinha de carnaval fazia bastante suces so Lua cor de prata Veja o coro dessa música A lua vem saindo Cor de prata Cor de prata Cor de prata Que saudades da mulata BABO 2015 Agora veja o verso do poeta Mulatas cor da lua vêm saindo cor de prata BANDEIRA 1993 p 150 Há uma re criação para atender ao ritmo do verso Castro Alves No poema O navio negreiro Castro Alves emprega os ver sos Stamos em pleno mar Doudo no espaçoBrinca o luar doirada borboleta E as vagas após ele correm cansamComo turba de infantes inquieta ALVES 2015 Quando Manuel Bandeira transfere e cola a expressão doirada borboleta em seu poema ela muda de significado Não é mais o luar que é doirada borboleta mas a mulher do sabonete Luís Delfino Delfino escreveu um longo poema intitulado As três ir mãs DELFINO 1928 p 138141 que retrata o amor de pai o amor de irmão o amor de homem É um poema formal e ra cional dividido em quatro partes cada uma com três estrofes e cada estrofe com quatro versos e rimas ABAB 213 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Na parte I a primeira ele ama como filha a segunda como irmã e a terceira como mulher Na parte II a primeira é linda borboleta a segunda es sência melindrosa e a terceira anjo monstro esfinge Na parte III se a primeira casasse seria alegria a segun da conduziria pela mão a terceira seria infelicidade e viuvez Vamos transcrever apenas a quarta parte para comprovar o que foi exposto IV Se a primeira morresse oh Como eu choraria A minha desventura Com lágrimas de dor lavara noite e dia A sua sepultura Se a segunda morresse oh Transe amargurado Eu choraria tanto Que ela iria boiando em seu caixão doirado Nas águas do meu pranto Se a terceira morresse em seu caixão deitada Sem que eu chorasse iria Porque noutro caixão ó minha morte amada Alguém te seguiria DELFINO apud RAMOS 1996 p 1732 Volte ao poema de Bandeira e perceba que ele quebra este clima sério e formal Faz um contraponto parodia mediante a inversão do tom sério pelo tom brincalhão Além de questionar se as três mulheres são filhas irmãs ou amantes amplia pergun 214 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA tando também se não são prostitutas declamadoras ou acroba tas E arremata São as três Marias BANDEIRA 1993 p 150 Acrescenta elementos coloquiais que quebram a seriedade do poema anterior Se a segunda casasse eu ficava safado da vida dava pra beber e nunca mais telefonava BANDEIRA 1993 p 150 Rimbaud Utilizase de um verso de Rimbaud Jadis si je me sou viens bien ma vie était um festin où souvraientt tous les coeurs où tous les vins coulaient Tradução Outrora se me lembro bem minha vida era um festim onde se abriam todos os cora ções onde todos os vinhos corriam Bandeira bebendo dessa fonte realiza um perfeito jogo entre passado e futuro no verso Mas se a terceira morres se Oh então nunca mais minha vida outrora teria sido um festim BANDEIRA 1993 p 150 Levanta a possibilidade de ter sido um festim o que nunca foi Oscar Wilde É pela palavra tetrarca que vamos ter a ligação dos versos finais com a história de Salomé de Oscar Wilde Nesse drama Salomé exige a cabeça de Jokanaan João Batista numa bandeja de prata pois ele se havia recusado a participar de sua extrava gante lascívia Dança com o tetrarca Herodes que lhe traz a cabeça do profeta numa bandeja Bandeira inverte a história pois nada quer além das três mulheres do sabonete Araxá Não quero nada disso te trarca Quero apenas as três mulheres do sabonete Araxá 215 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA BANDEIRA 1993 p 150 Não abre mão de seu desejo Volta a repetir Meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá BANDEIRA 1993 p 150 Como pode ver não é uma simples colagem ou imitação Há o trabalho brincalhão e galhofeiro em cima desse retalhar e costurar versos de outros poetas Embeleza as expressões dos poetas que aprecia inverte o contexto de outros recria a lin guagem poética Subtrai e acrescenta Dessacraliza e desmistifica textos consagrados Enfim alinhava tudo com seu jeito simples e prosaico de fazer poesia 4 ANTROPOFAGIA Em 1928 Oswald de Andrade lançou na Revista de Antro pofagia seu Manifesto Antropófago que foi publicado em duas partes do Diário de São Paulo Nele sintetiza as ideias amadu recidas da primeira fase heroica do Modernismo A inspiração foi Marx Manifesto Comunista Freud e Breton recuperação do elemento primitivo no civilizado e Rousseau e Montaigne revi são dos conceitos de bárbaro e primitivo Nesse manifesto há a discussão de dois aspectos da Lite ratura Comparada o cosmopolitismo e o localismo que Oswald resolve propondo que se transforme o bom selvagem rousseau riano num mau selvagem capaz de devorar o europeu e assimi lar o outro revertendo a relação desigual entre colonizador e colonizado Oswald após contatos com a cultura e as técnicas revolu cionárias da cultura europeia percebe a necessidade de se rea firmarem os valores nacionais mas dentro de uma linguagem atualizada e moderna Assim ele traça um perfil do Brasil me 216 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA diante uma releitura da própria história do Brasil que segundo ele começa com a deglutição do bispo Pero Fernandes Sardinha pelos índios O que ele propõe é a dessacralização do patriarca europeu através de um ritual antropofágico Dessa forma incor poramse as qualidades do inimigo e eliminamse a diferença e o caráter da dependência cultural Todo o manifesto é escrito em forma de aforismos numa linguagem bem típica de seu autor que sintetiza poemas e faz o poemapiada Veja alguns dos princípios do antropofagismo presentes nos seguintes trechos do Manifesto antropófago Só a antropofagia nos une Socialmente Economicamente Filosoficamente Tupy or not tupy that is the question Só me interessa o que não é meu Lei do homem Lei do antropófago O que atrapalhava a verdade era a roupa o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior A reação contra o homem vestido O cinema americano informará Nunca fomos catequizados Vivemos através de um direito so nâmbulo Fizemos Cristo nascer na Bahia Ou em Belém do Pará Antes dos portugueses descobrirem o Brasil o Brasil tinha des coberto a felicidade 217 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Contra a realidade social vestida e opressora cadastrada por Freud a realidade sem complexos sem loucura sem prostitui ções e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama Oswald de Andrade Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha Revista da Antropofagia Ano 1 n 1 maio de 1928 ANDRADE In SCHUARTZ 1995 p 140147 A proposta é radical refuta qualquer importação acrítica nega a vinculação do presente com o passado histórico descreve o procedimento canibalesco ligase à sociedade primitiva e pro põe a transformação do tabu em totem Para Oswald a devora ção artística do estrangeiro é decisiva para a construção de uma síntese nacional Ele inverte a lógica ao propor que se passe de devorado a devorador Retira o caráter de dependência e subor dinação aos modelos europeus propondo a apropriação a ex propriação e a desconstrução das influências recebidas O poeta Haroldo de Campos explica na frase a seguir a visão oswaldiana contida na antropofagia Oswald pediulhe emprestada a máquina fotográfica e re tribuiulhe a gentileza comendoo CAMPOS apud CARVALHAL 1998 p 78 A citação mostra que o objetivo é aproveitar do coloniza dor somente aquilo que lhe interessa assimilar a cultura estran geira para transformála em algo novo A teoria do devorador cultural repercute na apropriação de um texto por outro nas relações intertextuais o que faz que a antropofagia interesse aos comparatistas Ela coloca ênfase no processo de transforma 218 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA ção dos textos Se antes a literatura vivia dos modelos e matri zes europeias a teoria oswaldiana abre um caminho para que a periferia e o centro se relacionem sem hierarquia Apropria ções e releituras são procedimentos da literatura modernista e pósmodernista O comparatista Antonio Candido é o representante de uma postura dialética na consideração do localismo e do cosmopoli tismo aceitando que estas duas tendências são conflitantes em nossa Literatura na medida em que a Literatura oscila entre uma e outra corrente Contudo considera que é impossível criar uma identidade nacional pela rejeição à tradição histórica Devemos integrála pois também está em nossa formação Temos de tra balhar as relações dialéticas entre o centro e a periferia Procedimentos de apropriação ligados ao Modernismo cola gem assemblage happening pastiche A Literatura recebeu das artes plásticas a técnica da apro priação Genericamente o termo significa tomar posse de algo transformandoo em seu Em Literatura ou arte é um processo de renovação da tradição mediante diversas técnicas Essa re novação pode ser para dar continuidade renovar ou contestar pode ser criativa e artística assim como pode resvalar para a fal ta de criatividade Colagem Em artes a colagem é a reunião de diversos materiais encontrados no dia a dia para se construir um objeto artístico como por exemplo a exposição de uma urinol ou uma roda de bicicleta como obra de arte feita por Marcel Duchamp Em Lite 219 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA ratura Oswald de Andrade recorta trechos da carta de Pero Vaz de Caminha e organizaos compondo novos textos sem retirar ou pôr nenhuma palavra Apenas acrescentalhes títulos que dão novos contextos a frases já existentes Utilizandose dessa téc nica ele faz uma releitura do passado e do presente Confira os exemplos a seguir A descoberta Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava Páscoa Topamos aves E houvemos vista de terra As meninas da gare Eram três ou quatro moças e bem gentis Com cabelos mui pretos pelas espáduas E suas vergonhas tão altas e saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha ANDRADE 2015b Ao introduzir títulos irônicos nesses recortes de textos de Caminha Oswald faz que o sentido dos textos do escrivão se al tere O texto do passado sai de sua imobilidade salta 500 anos e ganha um novo sentido Outros autores também se utilizam dessa técnica A escritora de livros infantis Ângela Lago recorta versos de Fernando Pessoa cria uma imagem para cada verso e faz um belíssimo livro infantil chamado Pedacinhos de pessoa O escritor Silviano Santiago coleciona textos que representam di ferentes ideologias brasileiras e com eles faz um livro que revive o clima de sua infância durante a Segunda Guerra Mundial cha 220 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA mado Crescendo durante a guerra numa província ultramarinha Todos esses são exemplos de apropriação por colagem Assemblage reunião ajuntamento É uma técnica que retira desloca objetos de seu contexto para um novo contexto transformandoos em símbolos Tirados de seu ambiente os objetos ganham novas significações como por exemplo quando Andy Warhol pinta as latas de sopa e as expõe como objetos de arte Veja no texto a seguir um desloca mento da prosa jornalística para o poético Poema tirado de uma notícia de jornal João gostoso era carregador de feira livre e morava No morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou num bar na rua Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado BANDEIRA 1993 p 136 Observe que o deslocamento da notícia de sua mídia o jornal para um espaço poético inclusive em verso e sem pon tuação dinamiza o sentido do texto pelo seu estranhamento 221 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Happening acontecimento O happening em artes é a inserção de um imprevisto numa cena pública Fazse uma interferência no cotidiano das pessoas Em Literatura fazse a inserção de um elemento que destoa do contexto geral do texto que pode provocar riso estra nheza choque Este elemento normalmente cria um non sense falta de sentido ou pelo menos estranhamento Leia o poema Jogos Florais Jogos florais I Minha terra tem palmeiras onde canta o ticotico Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre a água já não vira vinho vira direto vinagre II Minha terra tem Palmares memória calate já Peço licença poética Belém capital Pará Bem meus prezados senhores dado o avanço da hora errata e efeitos do vinho o poeta sai de fininho será mesmo com esses dois esses que se escreve paçarinho CACASO apud PEDRAS E POESIAS 2015 222 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Pastiche O pastiche é a imitação propositada de outra obra com o objetivo de dessacralizar que pode adotar uma conotação de cáustica ou reformista O pastiche embora em algumas situa ções tenha conotação pejorativa por se configurar em plágio não é imitação banal Tratase de uma imitação criativa e sofis ticada só os que conhecem o modelo imitado são capazes de entender a imitação No pastiche as peculiaridades e os procedimentos de um escritor podem ser encontrados mas quem o realiza escolhe normalmente um aspecto para fazer sua imitação Uma imitação completa se configuraria num plágio Por exemplo um pastiche pode ser de uma obra de um filme de um livro de uma pintura etc mas sempre se escolhe um aspecto para o pastiche perso nagens ou situações ou falas ou o ritmo do verso entre outros José Paulo Paes no melhor estilo do sintético e antidiscur sivo das vanguardas modernistas fez da Canção do exílio um resumo em pílula retirando todos os elementos desnecessários e deixando apenas as rimas e as palavras que caracterizam o na cionalismo e o sentimentalismo O poema transformase quase num balbucio infantil Canção do exílio facilitada Lá Ah Sabiá Papá Maná Sofá Sinhá Cá Bah PAES apud CANAL DO EDUCADOR 2015 223 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Um exemplo interessante de apropriação sátira e paródia Muitos são os exemplos capazes de evidenciar a incorpora ção suplantadora de fábulas do passado construídas dentro de uma duplicidade paradoxal continuidade e mudança autorida de e transgressão A obra Fábulas fabulosas de Millôr Fernandes 1963 por meio do humor cutuca a estagnação do pensamento existente nas fábulas mediante a recriação escrachada anárqui ca e muitas vezes surreal Vamos destacar uma de suas fábulas O lobo e o cordeiro que nos possibilita comprovar os objetivos do escritor de dessa cralizar a moral social e a moral fabulística Os comentários tomam por base a teoria da paródia de Linda Hutcheon 1991 que amplia os conceitos já mencionados aceitando como paródia uma recontextualização de um texto do passado verbal ou não verbal dotada de poder de renova ção Admite que esta nova posição do texto pode assumir desde uma reverência até a ironia total possuindo diferentes grada ções Pode ter um ethos respeitoso passar para um grau zero de agressividade num ethos brincalhão e galhofeiro e chegar a um ataque ridicularizador num ethos escarnecedor e desdenhoso É este último aspecto que vamos exemplificar Leia a seguir a fábula O lobo e o cordeiro O lobo e o cordeiro Estava um cordeirinho bebendo água quando viu refletida no rio a sombra do lobo Estremeceu ao mesmo tempo em que ouvia a voz cavernosa Vais pa gar com a vida o teu miserável crime Que crime perguntou o cordeirinho tentando ganhar tempo pois já sabias que com o lobo não adianta argumentar O crime de sujar a água que eu bebo Mas como posso sujar a água que bebes se sou lavado diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda indagou o cordeirinho Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre sujo 224 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA para o lobo retrucou dialeticamente o lobo E viceversa pensou o cor deirinho mas disse apenas Como posso eu sujar a sua água se estou abaixo da correnteza Pois se não foi você foi seu pai foi sua mãe ou qualquer outro ancestral e eu vou comêlo de qualquer maneira pois como rezam os livros de lobologia eu só me alimento de carne de carneiro finalizou o lobo preparandose para devorar o cordeirinho Ein moment Ein moment gritou o cordeirinho traçando lá seu alemão kantiano Doulhe toda razão mas faço lhe uma proposta se me deixar livre atrairei para cá todo o rebanho Chega de conversa disse o lobo Vou comêlo logo e está acabado Espera aí falou firme o cordeiro Isso não é ético Eu tenho pelo menos direito a três perguntas Está bem cedeu o lobo irritado com a lembrança do códi go milenar da jungle Qual é o animal mais estúpido do mundo O homem casado respondeu prontamente o cordeiro Muito bem muito bem disse o lobo logo esfriando envergonhado o súbito entusiasmo Outra a zebra é um animal branco de listras pretas ou um animal preto de listras brancas Um animal sem cor pintado de preto e branco para não passar por burro respondeu o cordeirinho Perfeito disse o lobo engolindo em seco Agora por último diga uma frase de Bernard Shaw Vai haver eleições em 66 res pondeu logo o cordeirinho mal podendo conter o riso Muito bem muito certo você escapou deuse o lobo por vencido E já ia se preparando para devorar o cordeirinho quando apareceu o caçador e o esquartejou Moral Quando um lobo tem fome não deve se meter em filosofias FERNANDES 1963 p 46 Vejamos alguns aspectos dessa paródia satírica ou sátira paródica Millôr subverte a lógica do discurso e dos papéis so ciais O cordeirinho do texto deixa de ser o animal zinho desprotegido da fábula esópica ele já sabia que com o lobo não adiantava argumentar e tornase um perspicaz interlocutor Veja que ele enfrenta o lobo afirmando firmemente Espera aí O lobo envolvese em seu discurso de ganhar tempo Esta subversão atin ge tanto a sociedade na qual a inocência desapareceu quanto o discurso invertido das características simbóli 225 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA cas tradicionais dos animais nas fábulas o lobo mau e o cordeiro inocente Temos o desmoronamento da filosofia clássica da re flexão racional A apresentação de um cordeiro que fala alemão kantiano Ein moment o idioma dos filóso fos é profundamente irônica A argumentação do cor deiro não possui lógica beira ao non sense e ao lúdico é o jogo de ganhar tempo a qualquer custo Esta ilogicida de da argumentação leva a filosofia racional e a fábula ao chão pois retira delas seu caráter essencial filosofia kantiana prega a razão e a fábula constróise pela lógica dos fatos A brincadeira é totalmente irracional A transcontextualização do passado para o presente Imagine um cordeiro lavado por máquinas automáti cas da fazenda O elemento aparentemente inocente transfere toda uma cultura milenar e antiga para o tem po presente Altera o contexto da fábula O desfecho destoa da lógica clássica e dialoga com outros clássicos de gênero diverso O lobo é vencido pelo cordeiro porém isto não acontece pela lógica da argumentação mas por uma contingência do cotidiano aparecimento do caçador Este final traz outra voz tex tual O Chapeuzinho Vermelho O caçador é introduzido numa mistura de conto e fábula infantil Dá à fábula o desfecho do conto subvertendo o gênero Observase a moral destragicizante independente e antagônica do texto original A moral apresentase como um conselho ao lobo podendo ser designada de imoral do texto Ela desautomatiza a moral anterior e critica a reflexão social que desconhece os efeitos práti cos das atitudes ou seja a pragmática 226 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Podemos afirmar que toda a subversão da lógica do dis curso da fábula e do discurso social fundase na técnica do hap pening Millôr desarruma inverte interrompe a normalidade da fábula esópica inserindo uma série de elementos desconcer tantes as máquinas automáticas como símbolos da automação inútil os livros de lobologia como a burocracia legal representan te da lei do mais forte o alemão kantiano como crítica à lógica racional o código milenar da jungle como ética ultrapassada a referência a Bernard Shaw como representante da sátira política Observe que a introdução desses elementos estranhos à fábula desconcerta o discurso textual e social Há ainda o hilariante jogo de perguntas e respostas Per guntas inúteis e respostas desconcertantes O que vai resultar desses aspectos é uma carnavalização uma dessacralização do código hegemônico da fábula e do código da racionalidade so cial Os dois códigos representam a estagnação do pensamento Como paródia o texto de Millôr mostra que na fábula a lingua gem é instrumento de manipulação do outro com estratégias que podem esconder e enganar Como sátira o texto critica a au sência de espaço para a reflexão diante do pragmatismo reinante nas relações interpessoais Eis uma apropriação antropofágica de um texto do passa do Ao mesmo tempo em que assimila subverte de acordo com seus interesses o texto original 5 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade Pesquise dois textos podem ser dois poemas um poema e uma música duas músicas um poema e um conto um poema e uma pintura um livro 227 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA e um filme etc que apresentem uma relação intertextual ou dialógica Se forem poemas ou músicas transcrevaos verificando 1 Quais procedimentos o autor utilizou para estabelecer a relação intertextual 2 É comum encontrarmos mais de um procedimento em um mesmo poema 6 CONSIDERAÇÕES Como vimos no início o comparativismo brasileiro ma nifestava uma ótica dependente que tinha como referencial de avaliação o modelo europeu Os modelos binários restringiam se a estudos entre duas culturas duas literaturas dois autores o que acarretava uma hierarquização dos aspectos comparados No início do século 20 já havia algumas posições que en caravam a Literatura Comparada como crítica histórica surgindo alguns trabalhos que procuravam comparar aspectos da cultura erudita com a cultura popular Foram realizados estudos de fon tes de diversos escritores buscando refutar as críticas relativas à imitação e ao plágio ressaltando divergências criativas por meio de análises estilísticas No entanto a dialética do cosmopolitismo e do localismo abriu a discussão da tensão sempre presente entre o dado local e a tradição europeia Numa perspectiva de mão dupla a forma ção de nossa Literatura é vista como resultante desse confronto que às vezes se adapta outras se choca outras ainda supera os contextos mais amplos nos quais se insere Estudos da questão passam a entender a influência como um conceito que implica a deformação e a adaptação às necessidades do local 228 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA Observamos a busca de um discurso crítico e de um mo delo comparatista descolonizado capaz de analisar essa tensão e verificar as respostas criativas da Literatura nacional aos im pactos recebidos de fora Há também uma preocupação com a Literatura Brasileira como sistema e como participante dos ma crossistemas dos países de língua oficial portuguesa e dos países latinoamericanos numa busca de fortalecimento das relações Somente na década de 1970 os estudos comparativistas passaram a incorporar os novos conceitos da intertextualidade e do dialogismo desfazendo mais enfaticamente o preconceito da hierarquia e do débito inerentes aos estudos tradicionais A conscientização se deu também pela visão antropofágica que quebrou definitivamente a noção de dívida com as culturas do minantes pregando a devoração antropofágica do legado cultu ral estrangeiro Os estudos mais recentes da Literatura Comparada bus cam as interfaces e os entrecruzamentos da Literatura com ou tras linguagens tais como o cinema a pintura a fotografia o jornalismo a arquitetura a televisão abrindo imenso campo de investigação interdisciplinar Infelizmente a carga horária desta disciplina não nos permite analisar essas relações que apenas foram esquematizadas na Unidade 1 As pesquisas atuais têm sido ampliadas para análises de natureza intertextual interdisciplinar e multicultural Encon tramse trabalhos que investigam relações da Literatura com diferentes disciplinas com diferentes formas de expressão artís tica e linguagens com diferentes questões da vida cultural Nos estudos culturais nem sempre a Literatura é o centro da inves tigação mas se faz presente como mais uma manifestação que pode desvendar outros aspectos da cultura 229 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA A dificuldade em desenvolver um material auxiliar para esta disciplina foi grande pois o assunto exige que se façam lei turas e mais leituras mas esperamos ter contribuído para um olhar mais amplo para o mágico mundo da Literatura e suas divi sas com os demais campos de investigação 7 EREFERÊNCIAS Figura Figura 1 O sabiá Disponível em httpwwwcomcienciabrcartamigracoeshtm Acesso em 2 mar 2015 Sites pesquisados ALVES A C O navio negreiro Disponível em httpwww3universiacombr conteudoliteraturaOnavionegreirodecastroalvespdf Acesso em 2 mar 2015 ANDRADE O Manifesto Antropófago e Manifesto da poesia paubrasil Disponível em httpwwwufrgsbrcdromoandradeoandradepdf Acesso em 2 mar 2015a Quinhentismo Disponível em httpptslidesharenetpedroandradex quinhentismo17108450 Acesso em 2 mar 2015b BABO L A Lua cor de prata Disponível em httpletrasmusbrlamartine babo1649072 Acesso em 2 mar 2015 BASTOS A O poeta e o bruxo dialogismo e alusividade na poesia de Drummond Revista Confraria arte e literatura Rio de Janeiro Confraria do Vento UFRJ n 8 maiojun 2006 Disponível em httpwwwconfrariadoventocomrevista numero8ensaio04htm Acesso em 2 mar 2015 BRAZILIAN PORTUGUESE Figura de estilo alusão Disponível em httpwww brazilianportuguescomindexphpidcanal296 Acesso em 2 mar 2015 CANAL DO EDUCADOR O uso de paródias e suas múltiplas formas de aplicação Disponível em httpeducadorbrasilescolacomorientacoesousoparodiassuas multiplasformasaplicacaohtm Acesso em 2 mar 2015 CAMÕES INSTITUTO DA COOPERAÇÃO E DA LÍNGUA Ministério dos Negócios Estrangeiros Home page Disponível em httpwwwinstitutocamoespt Acesso em 2 mar 2015 FAROL DAS LETRAS Sonetos de Antero de Quental Disponível em http faroldasletrasnosapoptsonetosanterohtmltopo Acesso em 2 mar 2015 230 LITERATURA COMPARADA UNIDADE 5 NOVOS PARÂMETROS DE COMPARAÇÃO DIALOGISMO INTERTEXTUALIDADE E ANTROPOFAGIA GERMINA REVISTA DE LITERATURA ARTE Onde canta o sabiá Disponível em httpwwwgerminaliteraturacombrsabiaseexiliosondecantaosabiahtm Acesso em 2 mar 2015 ITAÚ CULTURAL Home page Disponível em httpwwwitauculturalorg braplicexternasenciclopediapoesiaindexcfmfuseactionDetalheCD Verbete3890 Acesso em 2 mar 2015 MACHADO C Org Canções do exílio Gonçalves Dias Poesianet São Paulo ano 4 n 174 ago 2006 Disponível em httpwwwalgumapoesiacombrpoesia2 poesianet174htm Acesso em 2 mar 2015 MEMÓRIA VIVA HISTÓRIA RIMA COM MEMÓRIA Carlos Drummond de Andrade Alguma Poesia a um bruxo com amor Disponível em httpwwwmemoriaviva combrdrummondpoema036htm Acesso em 2 mar 2015 PEDRAS E POESIAS Jogos florais Disponível httpspedrasepoesiaswordpress comtagpoemajogosflorais Acesso em 2 mar 2015 REIS L M R Por que ler Drummond Disponível em wwwluziademariacomartigos porquelerdrummonddoc Acesso em 2 mar 2015 VOGT C Carta ao leitor Canções do exílio Brasil migrações internacionais e identidade Revista ComCiência Campinas n 16 jan 2001 Disponível em http wwwcomcienciabrcartamigracoeshtm Acesso em 2 mar 2015 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR J Iracema São Paulo Hedra 2006 ASSIS M Relíquias da casa velha Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1988 BANDEIRA M Itinerário de Pasárgada 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 Estrela da vida inteira 20 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 BAKHTIN M Estética da criação verbal Tradução de Maria Ermantina G G Pereira 2 ed São Paulo Martins Fontes 1997 Problemas da poética de Dostoiévski Tradução de Paulo Bezerra Rio de Janeiro Forense Universitária 1981 Questões de Literatura e de 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