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Ciência da Computação ·

Filosofia

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Antes de abordarmos essas teorias sobre justiça vale a pena perguntar como as discussões filosóficas podem continuar especialmente em domínios tão contestados como o moral e o da filosofia política Elas frequentemente parte de situações concretas Como já vimos em nossa discussão sobre o abuso de precos o Coração Púrpura e o bailout a reflexão moral e politica nasce da divergência Muitas vezes as divergências ocorrem entre partidários ou rivais no campo político Algumas vezes as divergências ocorrem dentro de nós entre indivíduos como quando nos vemos dilacerados em um conflito diante de uma difícil questão moral Mas como exatamente podemos a partir dos julgamentos que fazemos de situações concretas chegar a princípios de justiça que acreditamos ser aplicáveis em todas as situações Em suma em que consiste a ação moral Para vermos como se dá o processo de raciocínio moral voltemos para duas situações uma delas é uma história fictícia muito discutida por filósofos e a outra é uma história atual sobre um doloroso dilema moral Consideremos inicialmente a história hipotética Assim como todas as histórias do gênero ela envolve um cenário desprovisto de muitas das complexidades da vida real para que possamos nos concentrar em uma limitação de questões filosóficas O BONDE DESGOVERNADO Suponha que você seja o motorista de um bonde desgovernado avançando sobre os trilhos a quase 100 quilômetros por hora Adiante você vê cinco operários em pé nos trilhos com as ferramentas nas mãos Você tenta parar mas não consegue Os freios não funcionam Você se desespera porque sabe que se atropelar esses cinco operários todos eles morrerão Suponhamos que você tenha certeza disso De repente você nota um desvio para a direita Há um operário naqueles trilhos também mas apenas um Você percebe que pode desviar o bonde matando esse único trabalhador e poupando os outros cinco O que você deveria fazer Muitas pessoas diriam Vire Se é uma tragédia matar um inocente é ainda pior matar cinco Sacrificar uma só vida a fim de salvar cinco certamente parece ser a coisa certa a fazer Agora considere outra versão da história do bonde Desta vez você não é o motorista e sim um espectador de pé numa ponte acima dos trilhos Desta vez não há desvio O bonde avança pelos trilhos onde estão cinco operários Mais uma vez os freios não funcionam O bonde está prestes a atropelar os operários Você se sente impotente para evitar o desastre até que você na ponte um homem corpulento Você poderia empurrálo sobre os trilhos no caminho do bonde que se aproxima Ele morrerá mas os cinco operários seriam poupados Você pensa na hipótese de pular sobre os trilhos mas se dá conta de que é muito leve para o bonde Empurrar homem no caminho do bonde é a coisa certa a fazer Muitas pessoas diriam É claro que não Seria terrivelmente errado Empurrar alguém para uma morte certa realmente parece cruel mesmo que isso salvasse a vida de cinco inocentes Entretanto essa é uma quebracabeça moral Por que o princípio que parece certo no primeiro caso sacrificar uma vida para salvar cinco parece errado no segundo Na hipótese de como sugere nossa reação ao primeiro caso os números serem levados em conta se é melhor salvar cinco vidas do que uma por que então não devemos aplicar esse mesmo princípio ao segundo caso e empurrar o homem gordo Realmente parece cruel empurrar um homem para a morte mesmo por uma boa causa Mas é menos cruel matar um homem atropelandoo com um bonde Talvez a razão pela qual seja errado empurrar é que fazendo isso estaríamos usando o homem na ponte contra sua vontade Ele não escolheu estar envolvido afinal Estava apenas ali de pé O mesmo no entanto poderia ser dito sobre o homem que está trabalhando no desvio do trilho Ele também não escolheu se envolver Estava apenas fazendo seu trabalho não está oferecendo para sacrificar a vida num acidente com um bonde desgovernado O fato de que operários de ferrovias se expõem voluntariamente ao risco de morte ao contrário dos espectadores poderia ser usado como argumento Mas vamos supor que estar disposto a morrer em uma emergência para salvar a vida de outras pessoas não faça parte das atribuições dessa função e que o trabalhador não esteja mais propenso a oferecer a própria vida do que o espectador na ponte Talvez a diferença moral não resida no efeito sobre as vítimas ambas terminariam mortas e sim na intenção da pessoa que toma a decisão Como motorista do bonde você pode defender sua escolha de desviar o veículo alegando que não tinha a intenção de matar o operário no desvio apesar de isso ser previsível Seu objetivo ainda teria sido atingido se por um enorme golpe de sorte os cinco trabalhadores fossem poupados Entretanto o mesmo é verdadeiro no caso do empurrar A morte do homem que você empurrou da ponte não é essencial para seu propósito Todo que ele precisa fazer é parar o bonde e se de alguma forma conseguir fazer isso e sobreviver você ficará maravilhado Ou talvez pensando bem os dois casos deveriam ser governados pelo mesmo princípio Ambos envolvem a escolha deliberada de tirar a vida de uma pessoa inocente Para os moralmente consistentes isso pede uma descrição como um dever O fato de que o empregador ou o motorista se dispôs a assumir a responsabilidade moral mesmo sendo essa escolha restrita a suas próprias mãos não parece que a diferença moral entre os dois casos realmente possa ser resolvida Fazendo a coisa certa Justiça Fazendo a coisa certa motivos para acreditar que o homem na ponte fosse responsável pelo mau funcionamento dos freios do bonde com a intenção de matar os operários nos trilhos digamos que eles fossem seus inimigos o argumento moral para empurrálo sobre os trilhos começaria a parecer mais defensável Ainda precisaríamos saber quem eram esses inimigos e por que ele queria matálos Se soubéssemos que os operários nos trilhos eram membros da resistência francesa e o homem corpulento na ponte era um nazista que tentava matar os danificando o bonde o ato de empurrálo para salvar os outros passaria a ser moralmente aceitável É possível evidentemente que os pastores afegãos não fossem simpatizantes dos talibãs e sim neutros no conflito ou até mesmo opostos dos talibãs e tivessem sido forçados por eles a revelar a presença dos soldados americanos Supomos que Luttrell e seus companheiros tivessem certeza de que os pastores não tinham a intenção de fazerlhes mal mas que eram torturados pelos talibãs para revelar onde eles estavam Os americanos poderiam ter matados os pastores para proteger a missão a cles próprios Mas a decisão de fazer isso seria mais difícil e normalmente mais questionável do que se eles soubessem que os pastores eram espías próTalibã DILEMAS MORAIS Poucos entre nós enfrentaram escolhas tão dramáticas quanto as que se apresentaram aos soldados na montanha ou à testemunha do bonde desgovernado Mas refletir sobre esses dilemas nos permite ver de maneira mais clara como uma questão moral pode se apresentar em nossas vidas como indivíduos e como membros de uma sociedade A vida em sociedades democráticas é cheia de divergências entre o certo e o errado entre justiça e injustiça Algumas pessoas defendem o direito ao aborto outras o consideram um crime Algumas acreditam que a justiça requer que o rico seja taxado para ajudar o pobre enquanto outras acham que não é justo cobrar taxas sobre o dinheiro recebido por alguém como resultado do próprio esforço Algumas defendem o sistema No verão de 1884 quatro marinhheiros ingleses estavam à deriva em um pequeno bote salvavidas no Atlântico Sul a mais de 1600 km da costa Seu navio o Mignonette naufragara durante uma tempestade eles tinham apenas duas latas de nabos em conserva e estavam sem água potável Thomas Dudley era o capitão Edwin Stephens o primeirooficial e Edmund Brooks um marinhheiro todos homens de excelente caráter segundo relatos de jornais O quarto sobreviveu era o tailheiro Richard Parker de 17 anos Ele era órfão e fazia sua primeira longa viagem pelo mar Richard se alistara como um jovem ambicioso com o otimismo da ambição juvenil imaginando que a viagem faria dele um homem Infelizmente não foi assim No bote os quatro marinhheiros à deriva olhavam para o horizonte esperando que um navio passasse para resgatálos Nos primeiros três dias comeram pequenas porções dos nabos No quarto dia pegaram uma tartaruga Conseguiram sobreviver com a tartaruga e os nabos restantes durante mais alguns dias Depois ficaram sem ter o que comer por oito dias Parker o tailheiro estava deitado no canto do bote Bebera água salgada contrariando a orientação dos outros e ficou doente Parecia estar morrendo No 19º dia de provação Dudley o capitão sugeriu um sorteio para determinar quem morreria para que os outros pudessem sobreviver Mas Brooks foi contra a proposta e não houve sorteio Chegou o dia seguinte e não havia navio à vista Dudley pediu a Brooks que desviasse o olhar e fez um gesto para Stephens indicando que Parker deveria ser morto Dudley fez uma oração disse ao rapaz que a hora dele havia chegado e o matou com um canivete apunhalandoo na jugular Brooks deixou de lado a objeção de sua consciência e participou da divisão do prêmio Durante quatro dias os três homens se alimentaram do corpo de sangue do tailheiro Por fim o socorro chegou Dudley descreve o resgate em seu diário com um eufemismo cruel No 24º dia durante o desjejum finalmente apareceu um navio Os três sobreviventes foram resgatados Quando voltaram para a Inglaterra foram presos e levados a julgamento Brooks foi testemunha da acusação Dudley e Stephens foram julgados Brooks confessaram espontaneamente que haviam matado e comido Parker Alegaram que tinham feito isso por necessidade Suponhamos que você fosse o juiz Como os julgaria Para simplificar as coisas deixe de lado as questões legais e suponha que você tivesse de decidir se matar o tailheiro seria moralmente admissível O mais forte argumento de defesa é que diante das circunstâncias extremas fora necessário matar uma pessoa para salvarse ninguém tivesse sido morto e comido todos os quatro provavelmente teriam morrido Parker enfraquecido e doente era o candidato lógico pois não tinha dependentes Sua morte não privaria ninguém do sustento e não deixaria viúvas e filhos de luto Esse argumento está sujeito no mínimo a duas objeções Primeiramente podese perguntar se os benefícios de matar o tailheiro analisados como um todo realmente pesaram mais do que os custos Mesmo se considerarmos o número de vidas salvas e a felicidade dos sobreviventes e de suas famílias a aceitação desse crime poderia ter consequências ruins para a sociedade em geral enfraquecendo a regra contra o assassinato por exemplo aumentando a tendência das pessoas a fazer justiça com as próprias mãos tornando mais difícil para os capitães recrutar tailheiros Em segundo lugar se mesmo depois de todas as considerações os benefícios passassem mais do que os custos não teríamos a incómoda impressão de que matar e comer um tailheiro indefeso é errado por motivos que vão além dos cálculos de custos e benefícios sociais Não é um erro usar um ser humano dessa maneira explorando sua vulnerabilidade tirando sua vida sem seu consentimento mesmo que isso seja feito em benefício de outros Para qualquer um que fique chocado com os atos de Dudley e Stephens a primeira objeção parecerá um fraco lamento Ela aceita o pressuposto utilitarista de que a moral consiste em pesar custos e benefícios e apenas espera uma avaliação mais ampla das consequências sociais Se o assassinato do taifeiro for digno de repúdio moral a segunda objeção a ideia melhor o objetivo Ela recita a ideia de que a coisa certa a fazer é simplesmente uma questão de medir as consequências os custos e benefícios Sugere que a moral significa algo mais alguma coisa relativa à própria maneira como os seres humanos se tratam uns aos outros Esses dois entendimentos sobre o caso do bote salvavidas ilustram duas abordagens opostas da justiça A primeira diz que a moral de uma ação depende unicamente das consequências que ela acarretar a coisa certa é aquela que produzirá melhores resultados considerandose todos os aspectos A segunda abordagem diz que as consequências não só do que com o que devemos nos preocupar moralmente falando devemos observar certos deveres e direitos ou razões que não dependem das consequências sociais de nossos atos Para solucionar o caso do bote salvavidas hem como muitos outros dilemas menos extremos com os quais normalmente nos deparamos precisamos explorar algumas grandes questões da moral e da filosofia política A moral é uma questão de avaliar vidas quantitativamente e pesar custos e benefícios Ou certos deveres morais e direitos humanos são tão fundamentais que estão acima de cálculos dessa natureza Se certos direitos são assim fundamentais sejam eles naturais sagrados inalienáveis ou categóricos como podemos identificálos E o que os torna fundamentais