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Direito ·
Direito do Consumidor
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1 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Lívia Maria da Silveira Estudante 9º período de Direito Nome do Professor Orientador Professor de Direito do Consumidor RESUMO O objetivo deste artigo é abordar a obrigação de compensar o tempo perdido nas interações de consumo conhecida como responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou desvio produtivo do consumidor Uma análise bibliográfica e jurisprudencial busca verificar a aplicabilidade da teoria no ordenamento jurídico brasileiro Ao explorar a evolução do conceito de Responsabilidade Civil Objetiva no Brasil visase destacar as características das principais formas de danos indenizáveis O cerne da pesquisa é demonstrar que o tempo de vida é protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro sendo reconhecido como um bem jurídico fundamental Palavraschave Responsabilidade Civil Tempo Perdido Relação de Consumo 2 SUMÁRIO 1 Introdução 2 Responsabilidade Civil nas relações consumeristas 3 Danos existentes no ordenamento jurídico 31 Da possibilidade de novos danos 4 Teoria do Desvio Produtivo 41 Tempo como recurso produtivo 42 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável 5 A superação do mero aborrecimento promovida pelo desvio produtivo 6 Da tese do advogado Marcos Dessaune 7 Arbitramento da Indenização decorrente do desvio produtivo 8 Aplicação do Desvio Produtivo na jurisprudência brasileira 9 Considerações Finais 10 Referências A APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Lívia Maria da Silveira Estudante 9º período de Direito Nome do Professor Orientador Professor de Direito do Consumidor RESUMO O objetivo deste artigo é abordar a obrigação de compensar o tempo perdido nas interações de consumo conhecida como responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou desvio produtivo do consumidor Uma análise bibliográfica e jurisprudencial busca verificar a aplicabilidade da teoria no ordenamento jurídico brasileiro Ao explorar a evolução do conceito de Responsabilidade Civil Objetiva no Brasil visase destacar as características das principais formas de danos indenizáveis O cerne da pesquisa é demonstrar que o tempo de vida é protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro sendo reconhecido como um bem jurídico fundamental Palavraschave Responsabilidade Civil Tempo Perdido Relação de Consumo SUMÁRIO INTRODUÇÃO3 1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS5 11 Histórico5 12 Conceitos norteadores da responsabilidade civil6 13 A responsabilidade civil e seus elementos configuradores8 14 Responsabilidade Objetiva e o Código de Defesa do Consumidor10 2 DANOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO13 21 Danos Materiais14 22 Danos Morais15 23 Danos Extrapatrimoniais ou Existenciais16 34 Reconhecimento de Novos Danos17 3 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO20 31 Tempo como recurso produtivo22 32 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável24 4 A SUPERAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO PROMOVIDA PELO DESVIO PRODUTIVO26 5 DA TESE DO ADVOGADO MARCOS DESSAUNE28 6 ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DO DESVIO PRODUTIVO31 7 APLICAÇÃO DO DESVIO PRODUTIVO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA33 CONSIDERAÇÕES FINAIS39 REFERÊNCIAS40 INTRODUÇÃO Este estudo busca aprofundar a compreensão da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor uma abordagem jurídica inovadora que destaca a perda de tempo útil do consumidor como elemento central para a configuração de danos morais passíveis de indenização A discussão se concentra em analisar as situações irritantes decorrentes de falhas na prestação de serviço ou em produtos e questiona se essas situações são juridicamente reconhecidas como passíveis de compensação No contexto das relações de consumo é fundamental considerar a vulnerabilidade do consumidor conforme definido pelo Código de Defesa do Consumidor A Teoria do Desvio Produtivo proposta por Marcos Dessaune vai além ao argumentar que a perda de tempo do consumidor não é apenas uma consequência indesejada mas sim um dano moral que deve ser reparado Isso ocorre quando o fornecedor por meio de práticas negligentes transfere ao consumidor a responsabilidade de resolver problemas originados pela má prestação de serviço obrigandoo a gastar um tempo considerável para solucionar questões que deveriam ser de responsabilidade do fornecedor A relevância dessa teoria é evidente diante de uma realidade em que falhas na prestação de serviço se tornaram rotineiras muitas vezes devido à ênfase excessiva nos números em detrimento da qualidade A consequência é um aumento significativo de ações de reparação de danos perante o Poder Judiciário indicando a necessidade de uma abordagem legal que considere não apenas os danos materiais mas também o tempo perdido e as consequências psicológicas para o consumidor No entanto a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo não está isenta de desafios A natureza aberta dos danos morais pode suscitar debates sobre a extensão da responsabilidade do fornecedor em relação à perda de tempo do consumidor A discussão sobre o quantum debeatur nessas ações indenizatórias é relevante pois a banalização do conceito de danos morais pode levar a desconexões entre o valor da compensação e o dano efetivamente provocado 3 A metodologia adotada neste estudo é qualitativa fundamentada em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial A divisão em cinco capítulos visa fornecer uma abordagem estruturada começando com a introdução ao tema seguida pela análise da responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo a apresentação da Teoria do Desvio Produtivo a investigação da adoção dessa teoria pela jurisprudência brasileira e por fim considerações finais Este estudo pretende contribuir para o acervo científico ao explorar uma teoria jurídica contemporânea que busca proteger os direitos do consumidor diante de práticas negligentes por parte dos fornecedores A análise aprofundada da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor pode fornecer insights valiosos para aqueles envolvidos em questões jurídicas relacionadas às relações de consumo e reparação de danos 4 1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS 11 Histórico A origem do conceito de responsabilidade enquanto instituto jurídico de reparação por danos causados remonta a uma evolução histórica que teve início em tempos antigos quando o homem começou a codificar normas A Lei das Doze Tábuas um dos primeiros registros escritos de uma norma jurídica já demonstrava a preocupação em reparar danos causados a terceiros mesmo que de maneira rudimentar JÚNIOR 2017 online No governo do imperador romano Justiniano por volta de dois séculos antes do nascimento de Cristo foi estabelecida a Lex Aquilia de Damno representando um marco fundamental na concepção moderna de responsabilidade civil Essa norma introduziu o conceito de culpa na análise da responsabilidade considerando a intenção do agente e estabeleceu a indenização pecuniária como a principal forma de restituição de danos DINIZ 2002 p 10 O próximo marco relevante para a concepção moderna de responsabilidade civil foi o Código Napoleônico elaborado na primeira metade do Século XIX Esse código estabeleceu requisitos para a configuração da responsabilidade civil exigindo a comprovação da conduta do dano e do nexo causal além de introduzir um conceito de culpa mais abrangente englobando tanto a culpa propriamente dita quanto o dolo TARTUCE 2017 p 373 Durante o Século XIX período da Segunda Revolução Industrial o debate sobre como um indivíduo comum poderia comprovar a culpa do autor do dano especialmente diante da complexidade dos processos tecnológicos levou ao surgimento da responsabilidade objetiva Essa nova forma de responsabilidade dispensava a necessidade de comprovação do elemento subjetivo de culpa por parte do agente causador do dano A teoria do risco criada pelos juristas franceses Raymond Saleilles e Louis Josserand estabeleceu que todo fornecedor de produto ou serviço assume os riscos de sua atividade e deve responder pelos danos dela decorrentes sendo essa teoria aplicada até os dias atuais TARTUCE 2017 p 373 5 No ordenamento jurídico brasileiro a previsão inicial do conceito de responsabilidade civil exigia a comprovação de culpa A responsabilidade objetiva foi consagrada pelo Código Civil de 1916 inicialmente para responsabilizar o Estado por atos comissivos de seus agentes A Constituição Federal de 1988 também expressamente previu a modalidade objetiva de responsabilidade no parágrafo sexto de seu artigo trinta e seis TARTUCE 2017 p 374 No âmbito das relações consumeristas no Brasil antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1990 não havia disposição expressa na legislação brasileira quanto à aplicação da responsabilidade objetiva por danos provocados por fornecedores Com a implementação do CDC a responsabilidade objetiva tornouse a regra nas relações de consumo equilibrando a relação entre o consumidor e o fornecedor facilitando o acesso à justiça especialmente para a pessoa comum que não possui o mesmo conhecimento técnico jurídico e informacional das empresas fornecedoras de produtos ou serviços TARTUCE 2017 p 375 12 Conceitos norteadores da responsabilidade civil Conforme os ensinamentos do professor Sérgio Cavalieri Filho destaca se que a violação de um dever jurídico configura o ilícito que predominantemente resulta em danos a terceiros Desse fato emerge um novo dever jurídico correspondente à obrigação de reparar o dano causado à vítima Nessa perspectiva a responsabilidade surge precisamente da transgressão de um dever jurídico originário ou primário dando origem a um dever jurídico subsequente ou secundário que implica a obrigação de reparar e indenizar o prejuízo causado a outrem Cavalieri Filho esclarece que a responsabilidade civil constitui o dever jurídico subsequente que tem o poder de restabelecer o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário Portanto a responsabilidade civil se configura apenas na presença da violação de um dever jurídico e consequentemente do prejuízo 6 Dentro desse conceito concluise que o jurista afirma que a responsabilidade civil está intrinsicamente relacionada à ideia de dever jurídico onde a violação desse dever resultando em dano acarreta o dever jurídico secundário de indenizar Dessaune destaca que a própria Constituição especialmente nos incisos V1 e X2 do artigo 5º consagra o direito à indenização por danos materiais eou morais decorrentes da violação de um bem jurídico protegido pelo direito Ele explica que a responsabilidade civil das pessoas físicas e jurídicas decorre do prejuízo causado pela lesão aos bens jurídicos mais importantes para a sociedade tutelados e legitimados pelo ordenamento jurídico pátrio pela jurisprudência e pela doutrina Assim ele afirma que não é incomum as pessoas agirem em desacordo com o Direito violando seus deveres jurídicos originais cometendo atos ilícitos que resultam em prejuízos e causam danos a terceiros Maria Helena Diniz doutrina que A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado de pessoa por quem ele responde ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou ainda de simples imposição legal Definição esta que guarda em sua estrutura a ideia de culpa quando se cogita da existência de ilícito responsabilidade subjetiva e a do risco ou seja da responsabilidade sem culpa responsabilidade objetiva DINIZ 2011 p50 Portanto Diniz sustenta que a responsabilidade civil implica na aplicação coercitiva para que o ofensor ou seja aquele que ocasionou o dano proceda à reparação dos prejuízos causados ao ofendido ou seja à vítima que suportou o dano Carlos Roberto Gonçalves no âmbito da responsabilidade civil também preconiza que 1 V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem 2 X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação 7 As expressões ressarcimento reparação e indenização significam respectivamente o pagamento de todo o prejuízo material sofrido a compensação pelo dano moral a fim de minorar a dor sofrida pela vítima e a compensação do dano decorrente de ato ilícito do Estado lesivo ao particular GONÇALVES 2005 p340341 A Constituição da República Federativa do Brasil ao assegurar o direito à indenização por dano material ou moral usou o termo indenização como gênero conforme disposto nos preceitos constitucionais consagrados no art 5º incisos V e X da CRFB O respectivo gênero possui como espécies a modalidade reparação e ressarcimento para reposição dos danos e prejuízos provocados à vítima pelo ofensor proveniente de um ato ilícito ensejador de responsabilidade civil Segundo Gonçalves indenizar à vítima corresponde ao ato de reparar o dano na sua inteireza restaurando caso possível o statu quo ante ou seja restabelecendo a vítima ao estado em que se encontrava anterior à ocorrência do ato ilícito Contudo majoritariamente é impossível alcançar tal finalidade buscando se como solução uma compensação revestida de um pagamento de uma indenização em pecúnia tal como defendido por Dessaune 13 A responsabilidade civil e seus elementos configuradores A responsabilidade civil é um conceito jurídico fundamental que se refere à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de atos ilícitos Seus elementos configuradores compreendem diversos aspectos que delineiam as circunstâncias em que um indivíduo ou entidade pode ser responsabilizado pelos danos causados Esses elementos incluem a Conduta Referese à ação ou omissão do agente que desencadeia a situação danosa Pode ser uma conduta positiva ação ou negativa omissão b Dano Consiste no prejuízo efetivamente causado à vítima Pode manifestarse de diversas formas abrangendo danos materiais morais patrimoniais entre outros 8 c Nexo Causal Estabelece a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima Demonstra que o prejuízo é diretamente resultado da ação ou omissão do responsável d Culpa ou Dolo Representa o elemento subjetivo da responsabilidade civil A culpa referese à negligência imprudência ou imperícia do agente enquanto o dolo diz respeito à intenção deliberada de causar o dano e Imputabilidade Referese à capacidade do agente de compreender as consequências de seus atos A imputabilidade está relacionada à capacidade mental e à capacidade de discernimento do agente no momento da conduta Para compreendermos melhor a responsabilidade civil é fundamental observar os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que destacam a evolução do direito civil e a não vinculação da culpa na responsabilidade civil objetiva Embora a culpa seja considerada um elemento acidental nesse contexto é importante ressaltar que a legislação brasileira em sua maioria fundamenta a responsabilidade civil na culpa tornando esse elemento crucial para a configuração da modalidade subjetiva Conforme delineado por Venosa a culpa em seu sentido amplo abrange a inobservância de um dever que o agente deveria conhecer e observar sendo um comportamento humano contrário à legislação vigente quer seja de forma intencional ou não Maria Helena Diniz ao discutir a culpa em sentido amplo enfatiza que este conceito compreende tanto o dolo caracterizado pela violação intencional do dever jurídico quanto a culpa em sentido estrito que se manifesta por imperícia imprudência ou negligência sem a intenção deliberada de violar um dever Assim a conduta culposa implica uma ação ou omissão em desacordo com a lei ou com o dever de cautela prudência e cuidado que se espera de um indivíduo médio A culpa nesse contexto incorpora os elementos intrínsecos da previsibilidade e evitabilidade exigindo do agente a capacidade de antever o resultado de sua conduta e adotar as precauções necessárias para evitar danos 9 Em suma a responsabilidade civil subjetiva preponderante no ordenamento jurídico brasileiro demanda a comprovação da culpa do agente para a configuração da obrigação de indenizar No entanto a presença da culpa não é obrigatória na responsabilidade civil objetiva sendo esta uma evolução que visa assegurar a reparação de danos independentemente da comprovação do elemento subjetivo especialmente em casos nos quais a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implica por sua natureza risco para os direitos de outrem Em suma a responsabilidade civil subjetiva preponderante no ordenamento jurídico brasileiro demanda a comprovação da culpa do agente para a configuração da obrigação de indenizar conforme estabelecido pelos artigos 1863 9274 e 944 do Código Civil No entanto a presença da culpa não é obrigatória na responsabilidade civil objetiva conforme disposto no parágrafo único5 do artigo 927 do Código Civil sendo esta uma evolução que visa assegurar a reparação de danos independentemente da comprovação do elemento subjetivo especialmente em casos nos quais a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implica por sua natureza risco para os direitos de outrem 14 Responsabilidade Objetiva e o Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor CDC estabelece normas para a proteção dos direitos e garantias do consumidor promovendo uma significativa ruptura de paradigmas nas relações de consumo Anteriormente princípios como autonomia de vontade e igualdade predominavam nesse campo deixando o consumidor em desvantagem jurídica diante do fornecedor devido à sua vulnerabilidade 3 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito 4 Art 927 Aquele que por ato ilícito arts186 e 187 causar dano a outrem fica obrigado a repará lo 5 Parágrafo único Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem 10 Diante desse cenário o CDC introduziu a Responsabilidade Objetiva presente nos artigos 126 e 147 visando equilibrar a relação entre consumidor e fornecedor Essa modalidade permite que o consumidor requeira indenização por falhas na prestação de serviço sem a necessidade de comprovação da intenção ou negligência do fornecedor adequandose à vulnerabilidade do consumidor nessas relações A previsão da responsabilidade objetiva no CDC resulta de fatores como a produção em massa crescimento da iniciativa privada e a distância técnica e econômica entre fornecedor e consumidor A Teoria do Risco também desempenhou papel fundamental indicando que ao explorar uma atividade econômica com ganho o fornecedor deve assumir a responsabilidade pelos riscos associados Embora o CDC expresse a responsabilidade objetiva nos casos de fato do produto ou serviço a ausência de menção nos casos de vício gerou debates A maioria dos juristas entende que a responsabilidade objetiva se aplica também aos vícios considerando o sistema adotado pelo CDC e a semelhança com os vícios redibitórios no Código Civil Para configurar a responsabilidade objetiva são necessários três elementos essenciais a existência de defeito no produto ou serviço a ocorrência efetiva do evento danoso e a relação de causalidade entre o defeito e o dano Durante o processo judicial a inversão do ônus da prova pode ocorrer com base no Artigo 6º VIII8 do CDC se houver indícios de veracidade na narrativa autoral ou hipossuficiência do requerente 6 Art 12 O fabricante o produtor o construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto fabricação construção montagem fórmulas manipulação apresentação ou acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos 7 Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos 8 VIII a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências 11 Apesar de ser a regra nas relações de consumo o CDC estabelece exceção para profissionais liberais no parágrafo quarto do artigo 14 exigindo a comprovação de culpa O CDC também apresenta causas que excluem a responsabilidade do fornecedor nos casos de fato do produto ou serviço como a inexistência de defeito culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros 12 2 DANOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO A análise dos danos existentes no ordenamento jurídico é de fundamental importância para compreender a extensão das consequências decorrentes das relações sociais especialmente nas esferas do direito civil e do direito do consumidor Essa análise permite identificar as variadas formas de prejuízo que podem afetar os sujeitos envolvidos em uma relação jurídica bem como avaliar como o sistema legal responde a essas situações No âmbito das relações de consumo a Lei nº 80781990 conhecida como Código de Defesa do Consumidor CDC desempenha um papel central ao estabelecer parâmetros para a proteção dos direitos dos consumidores O CDC reconhece diferentes tipos de danos destacandose os danos materiais morais e em algumas situações os danos extrapatrimoniais No contexto da responsabilidade civil um dos elementos essenciais para sua caracterização conforme previamente abordado neste trabalho é a ocorrência de um dano que resulta em prejuízos à vítima acarretando assim o dever de indenizar aqueles que foram prejudicados Entretanto é importante compreender que o dano indenizável deve ser encarado como um conceito abrangente com espécies que se encontram em um rol exemplificativo Em outras palavras não há uma delimitação restrita das categorias de danos passíveis de reparação Tal abertura conceitual é justificada pela necessidade na sociedade contemporânea de um entendimento mais amplo desse conceito Isso se deve à impossibilidade de prever por meio de uma enumeração taxativa todas as formas de danos que efetivamente causarão prejuízos às pessoas Caso contrário haveria o risco de alguma situação passível de indenização não se enquadrar nas categorias de danos já existentes NORONHA 2003 p 540 apud SILVA 2013 p 73 Diante desse caráter aberto dos danos indenizáveis é plausível inferir que em uma mesma situação pode ocorrer a ofensa a mais de uma espécie de dano permitindo assim um ressarcimento cumulativo dos danos causados Contudo a ausência de uma regulamentação legal específica sobre essa questão 13 pode gerar controvérsias Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça STJ estabeleceu a Súmula nº 37 que sustenta a possibilidade de cumulação em uma mesma ação de pedidos de reparação de danos morais e materiais TARTUCE 2017 p 469 Embora a mencionada súmula do STJ não faça referência à cumulação de outros tipos de danos na mesma ação a jurisprudência do próprio tribunal tem admitido a cumulação de outras espécies de danos juntamente com os pedidos de dano moral e material inclusive o dano estético Essa flexibilidade na interpretação reflete a necessidade de adaptação do ordenamento jurídico diante das diversas nuances que envolvem as situações fáticas e os diferentes tipos de danos causados A jurisprudência da 3ª Turma admite que sejam indenizados separadamente os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato Ressalva do entendimento do relator STJ 2007 online 21 Danos Materiais Ao examinar as principais categorias de dano indenizável o dano material ou patrimonial sendo uma espécie clássica de dano referese a qualquer prejuízo físico corpóreo e tangível que uma pessoa natural ou jurídica possa sofrer Esse tipo de dano implica no dever de ressarcimento pela lesão causada O Código Civil em seu Artigo 4029 BRASIL 2002 online apresenta a definição do dano material indicando que essa modalidade de dano pode ser subdividida em dois elementos conhecidos pela doutrina como dano emergente e lucros cessantes TARTUCE 2017 p 471472 Definição São os prejuízos que afetam o patrimônio do indivíduo causando uma diminuição econômica mensurável Podem incluir por exemplo danos emergentes gastos diretos decorrentes do dano e lucros cessantes perda de ganhos futuros 9 Art 402 Salvo as exceções expressamente previstas em lei as perdas e danos devidas ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar 14 Reparação A reparação dos danos materiais visa restituir o prejudicado ao estado anterior ao dano compensando financeiramente as perdas efetivas sofridas 22 Danos Morais Uma categoria de dano de grande relevância é o dano moral que em tempos passados não era reconhecido como passível de reparação Inicialmente a doutrina sustentava que somente danos físicos poderiam ser indenizados uma vez que apenas eles poderiam ser mensurados economicamente não sendo possível avaliar o abalo psicológico Contudo houve uma evolução doutrinária que passou a admitir os danos morais sem a necessidade de quantificação econômica reconhecendo a importância de compensar prejuízos morais inclusive como forma de desestimular condutas lesivas NADER 2016 p 28 A lógica subjacente à compensação financeira por danos morais decorre do entendimento de que como esses danos representam uma violação aos direitos da personalidade os quais são protegidos constitucionalmente é imperativo ter um mecanismo para auxiliar na compensação Embora não seja viável reparar integralmente a integridade psicológica da mesma maneira que se faz com a integridade física a compensação econômica desempenha um papel não apenas desestimulante como mencionado anteriormente mas também atenuador do dano causado THEODORO JR 2016 p 2 O caráter punitivo visando dissuadir a prática de atos ilícitos inerente aos danos morais por vezes não consegue atingir seu objetivo por meio dessa categoria de dano Ao examinar a responsabilidade objetiva notase que o elemento subjetivo é dispensado para sua configuração mas isso não impede que a extensão do dolo ou da culpa seja considerada durante a quantificação do dano FISBERG 2021 p 175176 Definição São os prejuízos de natureza extrapatrimonial relacionados à esfera emocional psicológica e reputacional da vítima Podem decorrer de situações como ofensas constrangimentos vexames entre outros 15 Reparação A reparação dos danos morais busca compensar o sofrimento experimentado pela vítima proporcionando uma reparação simbólica e dissuasiva ao causador do dano 23 Danos Extrapatrimoniais ou Existenciais O dano emergente é caracterizado pela efetiva perda patrimonial representando aquilo que foi concretamente perdido no momento do evento danoso Um exemplo claro desse tipo de dano seria a situação de um automóvel que sofre danos em um acidente resultando na perda material tangível do veículo Este aspecto do dano está associado diretamente à diminuição do patrimônio da vítima Por outro lado o lucro cessante referese à quantia econômica que a vítima deixou de obter em decorrência do dano causado Essa perda econômica ocorre tipicamente quando o bem afetado pelo dano é utilizado como meio de sustento financeiro da vítima Por exemplo considere um taxista cujo veículo é tornase inutilizável devido a um acidente Nesse caso além da perda material evidente dano emergente o taxista experimenta o lucro cessante uma vez que deixa de auferir os ganhos que normalmente obteria por meio da utilização do veículo danificado em sua atividade profissional Portanto o dano emergente e o lucro cessante representam duas facetas distintas do prejuízo patrimonial Enquanto o dano emergente relacionase diretamente à perda material concreta o lucro cessante está vinculado à privação dos ganhos econômicos que a vítima razoavelmente esperaria obter caso o dano não tivesse ocorrido TARTUCE 2017 p 472 Definição Tratase de uma categoria mais abrangente englobando danos que afetam aspectos fundamentais da existência humana como liberdade integridade física dignidade identidade entre outros Reparação A reparação de danos extrapatrimoniais pode envolver medidas que vão além da compensação financeira buscando restabelecer a dignidade da vítima e prevenir a ocorrência de danos semelhantes 16 34 Reconhecimento de Novos Danos Em um ambiente jurídico em constante evolução é imperativo que o ordenamento jurídico se adapte para reconhecer novas formas de danos que surgem em decorrência das mudanças na sociedade Um exemplo claro desse fenômeno é a incorporação de danos sociais ambientais e aqueles decorrentes de violações a direitos fundamentais Essa adaptação reflete a necessidade de o direito acompanhar e endereçar questões emergentes que podem impactar indivíduos e comunidades Assim sendo conforme as circunstâncias específicas do caso é possível que o prejuízo ocasionado ultrapasse o âmbito individual afetando a comunidade como um todo uma vez que um ato se doloso ou gravemente culposo ou se negativamente exemplar não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima mas sim atinge a toda a sociedade num rebaixamento imediato do nível de vida da população Causa dano social grifos originais JUNQUEIRA DE AZEVEDO 2009 p 380 apud FISBERG 2021 p 176 Contudo em situações como essa não é viável compensar o dano provocado por meio dos mecanismos de caracterização do dano moral Isso se deve ao fato de que o Artigo 944 do Código Civil BRASIL 2002 estabelece que o valor da indenização deve ser avaliado com base na extensão do dano o que resultaria em uma desproporcionalidade ao fixar em âmbito individual uma compensação destinada a reparar danos coletivos Diante desse impasse e a fim de resolver a questão sem deixar o ato ilícito contra a coletividade sem punição a doutrina instituiu uma nova categoria de dano denominada Dano Social Essa modalidade busca ressarcir a sociedade quando ocorre um prejuízo que ultrapassa o indivíduo lesado impactando negativamente a qualidade de vida de toda a população FISBERG 2021 p 176 177 17 Os danos sociais por exemplo referemse aos prejuízos coletivos que podem afetar grupos específicos ou a sociedade como um todo Isso pode incluir danos decorrentes de práticas discriminatórias desigualdades sistêmicas ou violações massivas de direitos A adaptação jurídica para incluir esses danos é essencial para garantir uma proteção efetiva aos interesses e direitos das partes afetadas Junqueira de Azevedo 2009 p 382 assim preconiza Os danos sociais por sua vez são lesões à sociedade no seu nível de vida tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral principalmente a respeito da segurança quanto por diminuição de sua qualidade de vida Os danos sociais são causa pois de indenização punitiva por dolo ou culpa grave especialmente repetimos se atos que reduzem as condições coletivas de segurança e de indenização dissuasória se atos em geral de pessoa jurídica que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população grifos originais apud FISBERG 2021 p 177 De acordo com Fisberg é admissível que o dano social seja cumulado com outros danos tais como o dano moral e material visto que além da prática jurisprudencial respaldar tal entendimento a compatibilização na fixação de danos neste caso pode ser solucionada através de uma cisão temporal isto é separase a extensão do dano individual do prejuízo maior e prolongado que justifica a lesão coletiva É importante destacar que os danos sociais não se confundem com os danos morais coletivos sendo este último subespécie dos danos morais Embora ambos estejam presentes em situações em que o dano extrapola a esfera individual os danos sociais têm uma função punitiva e que é proporcional à gravidade do dano Já os danos morais coletivos buscam uma compensação à violação de um direito personalíssimo não importando a extensão do dano para que ele esteja configurado Como dito anteriormente os danos indenizáveis fazem parte de um rol exemplificativo o que faz com que o termo dano previsto no Artigo 944 do Código Civil BRASIL 2002 online seja lido da forma mais ampliativa possível possibilitando a existência de diversas espécies de dano 18 Os danos ambientais são outra categoria que ganhou destaque com o aumento das preocupações com a sustentabilidade A degradação ambiental muitas vezes resulta em impactos diretos na qualidade de vida das pessoas e pode portanto ser considerada um dano passível de reparação A evolução jurídica neste contexto visa não apenas responsabilizar individualmente os causadores dos danos mas também promover a preservação ambiental como um objetivo legal Dentre as variadas espécies de dano além daquelas citadas até aqui destacase o Dano Estético modalidade autônoma de dano indenizável que se faz presente quando ocorre um ferimento lesão corte cicatriz amputação enfim tudo que prejudique o corpo humano de forma transitória ou permanente atingindo dessa forma a dignidade da pessoa humana Embora haja semelhança entre o dano estético e outras modalidades de dano há autonomia em relação ao dano estético de modo que é possível requerer indenização deste em cumulação com a reparação de outros danos Tal entendimento é majoritário na doutrina e jurisprudência sendo sedimentado inclusive pelo STJ através da edição da Súmula nº 38710 10 Súmula 387 É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral 19 3 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO A Teoria do Desvio Produtivo desenvolvida e concebida pelo jurista Marcos Dessaune consolidouse principalmente no campo do Direito do Consumidor onde foi prontamente acolhida amplamente adotada e extensivamente aplicada Essa teoria exerce uma influência direta nas decisões proferidas por juízes e tribunais ao resolver disputas entre consumidores e fornecedores envolvidos em relações de consumo Em suas palavras o autor explica Minha tese é que o fornecedor ao atender mal criar um problema de consumo potencial ou efetivamente danoso e se esquivar da responsabilidade de sanálo espontânea rápida e efetivamente induz o consumidor em estado de carência e condições de vulnerabilidade a incorrer em um dano extrapatrimonial de natureza existencial que deve ser indenizado in re ipsa pelo fornecedor que o causou independentemente da existência de culpa DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada 2 ed Vitória 2017 p 31 Esta teoria se ajusta e se integra de maneira coesa aos princípios e normas estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor alinhandose também à disciplina delineada na Constituição da República Federativa do Brasil Esta última ao consagrar a proteção dos direitos do consumidor é perceptível pela leitura dos artigos 5º inciso XXXII11 e 170 inciso V12 Dessaune ao explanar sobre sua teoria destaca que o consumidor na atual sociedade de consumo capitalista é cada vez mais compelido a dedicar seu tempo para lidar com defeitos de produtos ou serviços potencialmente prejudiciais originados pelos próprios fornecedores É notório que a sociedade sob a égide do capitalismo impõe um ritmo mais acelerado aos seus membros revelando práticas e peculiaridades típicas da 11 XXXII o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor 12 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios V defesa do consumidor 20 economia de mercado como a valorização do consumismo desenfreado e a adoção de comportamentos extravagantes e imediatistas por parte das pessoas Importante ressaltar que dada a nossa inserção nesse sistema econômico que fundamenta seus valores no consumismo exacerbado e no hedonismo sem precedentes as relações de consumo que estabelecemos com os fornecedores de serviços ou produtos assumem uma importância singular influenciando diretamente em nosso cotidiano O fornecedor presta um serviço inadequado quando deixa de promover o bemestar do consumidor visto que sua missão é proporcionar por meio de produtos ou serviços de qualidade condições para que o consumidor utilize seu tempo e habilidades em atividades de sua livre escolha e preferência conhecidas como atividades existenciais13 Estas atividades englobam estudos trabalho descanso lazer e autocuidado Em outras palavras o fornecedor deve liberar os recursos produtivos do consumidor Contudo o que frequentemente ocorre é que ao invés de fornecer produtos e serviços de qualidade o fornecedor presta um serviço inadequado e gera problemas de consumo potencial ou efetivamente prejudiciais além de se eximir de resolvêlos de maneira espontânea rápida e efetiva Exemplos comuns incluem filas em bancos envio de cartões de crédito não solicitados longas esperas em atendimentos médicos e dias de espera por uma visita técnica14 Nesse cenário o consumidor é compelido a dedicar uma parte de seu tempo útil para resolver questões relacionadas ao consumo o que por si só já acarreta um prejuízo potencial Afinal não é possível realizar simultaneamente duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludente Por exemplo reclamar e descansar aguardar atendimento em casa e trabalhar fora 13 DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada 2 ed Vitória 2017 p 31 14 MAIA Maurilio Casas O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo quando o tempo é mais que dinheiro é dignidade e liberdade São Paulo Revista de Direito do Consumidor v 92 2014 p 161176 21 esperar em uma fila demorada e participar de um culto religioso entre outras situações Vitor Guglinski ao argumentar que o tempo útil desviado para resolver problemas relacionados ao consumo deve ser indenizado destaca a importância de compensar a verdadeira via crucis enfrentada pelos consumidores para fazer valer seus direitos Ele afirma de maneira acertada que para o empreendedor tempo é dinheiro para o consumidor tempo é vida A indenização pela perda do tempo útil aborda situações intoleráveis em que há negligência e desrespeito aos consumidores Muitas vezes eles se veem obrigados a sair de sua rotina e sacrificar seu tempo livre para resolver problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores em situações que fogem do que é aceito como normal Nessas circunstâncias ocorre um claro desrespeito ao consumidor que frequentemente é atendido rapidamente na contratação mas ao buscar solucionar impasses é injustificadamente obrigado a perder seu tempo livre 31 Tempo como recurso produtivo A responsabilidade civil surge em decorrência de um dano causado a determinado bem jurídico gerando assim o dever de indenizar O bem jurídico neste caso pode ser entendido como todo e qualquer bem da vida que seja juridicamente protegido A doutrina de um modo geral normalmente atribui como bem o patrimônio físico da pessoa ou ainda o seu estado psicológico esquecendo se todavia do tempo O tempo deve ser interpretado sob duas óticas o tempo dinâmico enquanto fato jurídico em sentido estrito ordinário isto é o fenômeno natural do decurso de tempo e o tempo estático pessoal vital que é o tempo de vida que cada ser humano possui Diferente do tempo dinâmico o tempo vital merece proteção especial uma vez que o tempo de vida de cada ser humano é finito não sendo possível recuperálo ou acumulálo 22 Para tudo que o indivíduo faz ou produz é preciso que se gaste o tempo pessoal e não sendo possível têlo de volta este pode ser considerado bem econômico e todo bem econômico é considerado um bem jurídico Deste modo o tempo vital deve ser entendido como o capital pessoal do indivíduo isto é algo que pode ser convertido em outros bens materiais ou imateriais de acordo com as escolhas livres e voluntárias de cada pessoa Tratase de algo que condiciona a própria existência humana visto que a vida tem a sua duração pautada justamente no tempo o que faz com que o direito à vida previsto no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 online proteja o tempo vital por este ser algo inerente à vivência do indivíduo A teoria do desvio produtivo do consumidor possui como elemento central o tempo Tratado como um relevante recurso produtivo e um bem juridicamente tutelado o tempo possui como característica sua intangibilidade ininterruptibilidade e irreversibilidade Ou seja é algo que não se pode acumular nem recuperar durante a vida Por isso é tido como um bem econômico primordial e valioso que cada pessoa humana dispõe em sua existência15 Além disso o tempo é um recurso produtivo necessário para o desempenho de qualquer atividade Por consequência as pessoas estão sempre buscando ter mais tempo o que mediante a aplicação direta da Lei da Oferta e da Procura o qualifica como um bem escasso em relação à demanda por ele existente16 Conforme lecionado por Pablo Stolze Gagliano o tempo pode ser considerado sob duas perspectivas a dinâmica em que tempo é um fato jurídico em sentido estrito ordinário ou seja um acontecimento natural capaz de deflagrar efeitos na órbita do direito e a perspectiva estática segundo a qual o tempo é um valor um relevante bem passível de proteção jurídica Além disso o tempo é tutelado inclusive na Constituição Federal de 1988 que em seu art 5 inciso LXXVIII assegura a razoável duração do processo e a celeridade processual como 15 SCRAMIM Umberto Cassiano Garcia Da Responsabilidade Civil pela frustração de tempo disponível São Paulo Revista dos Tribunais v 968 p8399 jun 2016 16 GAGLIANO P S Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo Revista Direito UNIFACS Salvador v 168 jun 2014 23 direitos fundamentais com o objetivo de conceder a tutela jurisdicional no menor lapso temporal possível Dessa maneira quando o consumidor utiliza o seu tempo vital para tentar solucionar problemas advindos das relações de consumo precisa se desviar de suas atividades existenciais configurando uma renúncia ao direito à vida que é indisponível bem como ao direito à educação ao trabalho ao descanso ao lazer ao convívio social aos cuidados pessoais e ao próprio consumo Marcos Dessaune defende Ao sucumbir ao modus solvendi do problema veladamente imposto pelo fornecedor o consumidor incorre então independentemente do resultado do seu esforço na perda definitiva de uma parcela do seu tempo total de vida na alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida e na instalação em sua vida de um período de inatividade existencial o que configura a lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora Esse bem e esse interesse jurídicos respectivamente estão sintetizados na expressão existência digna e tutelados no âmbito do direito fundamental à vida que por sua vez é sustentado pelo valor supremo da dignidade humana O tempo vital existencial ou produtivo enquanto suporte implícito da própria vida também é um atributo integrante da personalidade resguardado no rol aberto dos direitos da personalidade DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor Uma Visão Geral ES Edição especial do autor 2017 32 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável A teoria do Desvio Produtivo desenvolvida por Dessaune se disseminou rapidamente entre os juristas destacandose pelo pioneirismo e inovação que sua abordagem trouxe A inserção do conceito no arcabouço teórico e conceitual das Ciências Jurídicas principalmente no campo consumerista estabeleceu um novo paradigma a ser considerado em disputas envolvendo consumidores e fornecedores que muitas vezes estão em posições opostas e antagônicas Esta teoria proporcionou aos magistrados uma análise das relações jurídicas de consumo sob a ótica do recurso tempo fornecendo às cortes as ferramentas necessárias para considerar essa variável e consequentemente 24 proferir decisões mais justas e alinhadas aos fatos ocorridos O tempo despendido e desperdiçado pelo consumidor ao tentar solucionar problemas decorrentes de produtos defeituosos ou serviços mal prestados fruto da ineficiência do fornecedor tornase um recurso vital que poderia ser utilizado de maneira mais proveitosa em compromissos e atividades essenciais em sua vida como trabalho estudo lazer e relações familiares Segundo a Teoria do Desvio Produtivo ao atender mal o fornecedor gera um problema de consumo potencial ou efetivamente danoso Caso o fornecedor se exima da responsabilidade de solucionar prontamente o problema transfere o ônus para o consumidor que é geralmente a parte mais vulnerável na relação de consumo Assim o consumidor é compelido a despender seu tempo adiar ou suprimir atividades para assumir deveres e custos inerentes ao fornecedor a fim de corrigir vícios e falhas que não foram causados por sua culpa A Teoria do Desvio Produtivo destaca a relevância do tempo como um recurso produtivo do consumidor destacando que seu desperdício constitui um prejuízo existencial O tempo considerado um recurso valioso e limitado desempenha um papel crucial nas atividades cotidianas e sua má utilização pode resultar em prejuízos tangíveis e intangíveis para o indivíduo Essa abordagem inovadora proporcionou uma mudança de paradigma na análise das relações de consumo sendo reconhecida e adotada tanto por juízes quanto por tribunais A Teoria do Desvio Produtivo trouxe à tona a importância de considerar o tempo como um elemento fundamental na aferição de danos ao consumidor decorrentes de práticas inadequadas dos fornecedores 25 4 A SUPERAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO PROMOVIDA PELO DESVIO PRODUTIVO A teoria do desvio produtivo representa uma significativa superação em relação à abordagem tradicional que trivializa o tempo perdido nas relações comerciais indo além da simples noção de mero aborrecimento para reconhecer o valor intrínseco do tempo do consumidor Ao considerar o desvio produtivo como um fenômeno que transcende o aspecto temporal essa teoria promove uma compreensão mais abrangente e justa dos danos passíveis de indenização Anteriormente muitas decisões judiciais desconsideravam o impacto do tempo desperdiçado pelo consumidor classificandoo como um mero dissabor ou aborrecimento corriqueiro na vida cotidiana Essa perspectiva por vezes resultava em decisões desfavoráveis aos consumidores minimizando a importância do tempo como recurso valioso e considerando as perturbações nas relações de consumo como algo trivial A teoria do desvio produtivo ao contrário destaca que o tempo é um recurso finito precioso e que não pode ser recuperado Ela reconhece que ao receber um serviço defeituoso ou lidar com produtos inadequados o consumidor é forçado a desviar suas atividades cotidianas para lidar com os problemas ocasionados pelo fornecedor Esse desvio não apenas representa um prejuízo tangível mas também atinge as dimensões existenciais do consumidor influenciando seu trabalho estudo lazer e relações familiares A teoria desconsidera a ideia de mero aborrecimento e propõe uma visão mais aprofundada dos danos causados reconhecendo a lesão ao tempo como uma forma de prejuízo existencial O consumidor é obrigado a abrir mão de oportunidades e compromissos importantes impactando negativamente sua qualidade de vida Essa superação do mero aborrecimento promovida pela teoria do desvio produtivo tem sido fundamental para reverter entendimentos equivocados sobre as relações de consumo O reconhecimento da lesão ao tempo como um dano injusto 26 passível de indenização demonstra a evolução do entendimento jurídico diante das demandas contemporâneas e das mudanças nas relações comerciais O dano decorrente de vícios em uma relação de consumo impõe ao fornecedor a obrigação de ressarcir o prejuízo causado ao consumidor A negligência do fornecedor em prestar assistência diante desses problemas transfere um ônus injusto ao consumidor considerado a parte mais vulnerável nessa relação Apesar disso decisões judiciais muitas vezes minimizam os danos tratandoos como mero aborrecimento na vida cotidiana A teoria do desvio produtivo do consumidor contesta essa visão argumentando que o tempo perdido representa uma efetiva lesão aos direitos da personalidade O cancelamento da súmula 75 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro fortalece essa abordagem permitindo uma análise mais justa e específica dos danos principalmente sob a perspectiva do tempo dilapidado pelo consumidor na solução de problemas decorrentes de produtos e serviços defeituosos Essa mudança de entendimento representa um avanço significativo no Direito Civil e contribui para corrigir injustiças nas relações de consumo punindo adequadamente fornecedores que desrespeitam as leis que protegem o consumidor Em síntese a teoria do desvio produtivo não apenas destaca a relevância do tempo como um elemento essencial nas relações de consumo mas também busca corrigir distorções na apreciação dos danos afastandose da trivialização do mero aborrecimento e proporcionando uma abordagem mais justa e condizente com a realidade das interações comerciais modernas 27 5 DA TESE DO ADVOGADO MARCOS DESSAUNE A tese do advogado Marcos Dessaune representa uma significativa contribuição para o desenvolvimento da teoria do desvio produtivo no contexto jurídico brasileiro Dessaune argumenta que o tempo perdido pelo consumidor na solução de problemas relacionados a produtos ou serviços defeituosos configura uma lesão real aos seus direitos indo além do mero aborrecimento A pesquisa realizada por Dessaune na cidade de VitóriaES em 2008 revelou que os consumidores frequentemente deixam de trabalhar 338 estudar 212 ou dedicar tempo ao descanso 207 ao tentar resolver problemas decorrentes de má prestação de serviços Essa renúncia a atividades essenciais à vida humana evidencia a relevância do tempo vital não apenas como um recurso econômico mas como um elemento intrínseco à qualidade de vida O desvio produtivo caracterizase quando o consumidor diante de uma situação de mau atendimento precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor a um custo de oportunidade indesejado de natureza irrecuperável Dessaune destaca que ao confrontar o consumidor com a responsabilidade de solucionar problemas causados pelo fornecedor ocorre não apenas a perda do tempo útil mas também possíveis abalos psicológicos e até uma diminuição patrimonial efetiva A busca por soluções muitas vezes implica assumir deveres operacionais e custos materiais para resolver questões que deveriam ser enfrentadas pelo fornecedor O jurista contesta a interpretação de alguns juízes que consideram tais situações como simples dissabores da vida cotidiana destacando que o tempo é um atributo da personalidade humana e portanto merece proteção jurídica Essa abordagem inovadora reconhece o desgaste causado ao consumidor ao empregar seu tempo na resolução de questões advindas de falhas no fornecimento de produtos e serviços 28 Quanto à aplicação prática de indenizações derivadas do desvio produtivo o advogado ressalta que por se tratar de um dano extrapatrimonial a jurisprudência exige a comprovação do interesse jurídico do lesado e das circunstâncias que levaram ao evento danoso A análise do grau de culpa e da condição econômica do infrator é crucial permitindo ao juiz adequar o valor indenizatório de acordo com a capacidade financeira do fornecedor e desestimulando a repetição do comportamento inadequado A ênfase de Dessaune na lesão ao tempo como um componente do dano moral vai de encontro à ideia tradicional de que apenas aspectos emocionais compõem o dano moral Ele ressalta que o conceito de dano moral evoluiu para abranger qualquer violação a atributos da personalidade humana e o tempo como recurso vital não deve ser desconsiderado O advogado também aponta três premissas equivocadas que segundo ele muitas vezes orientam as decisões judiciais de forma inadequada A primeira é a concepção ultrapassada de dano moral limitandoo a aspectos emocionais A segunda premissa distorcida associa o desvio produtivo à integridade psicofísica do consumidor enquanto na visão de Dessaune o verdadeiro dano reside na perda de tempo A terceira premissa errônea sugere que o tempo não é juridicamente tutelado o que contradiz os princípios da doutrina e jurisprudência que reconhecem o tempo como um direito da personalidade Com relação ao objeto do dano abordado pela teoria Dessaune 2017 p 275 assim estabelece Ao sucumbir ao modus solvendi do problema veladamente imposto pelo fornecedor o consumidor incorre então independentemente do resultado do seu esforço na perda definitiva de uma parcela do seu tempo total de vida na alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida e na instalação em sua vida de um período de inatividade existencial o que configura a lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora O tempo vital existencial ou produtivo enquanto suporte implícito da própria vida também é um atributo integrante da personalidade resguardado no rol aberto dos direitos da personalidade 29 O embasamento teórico de Dessaune aliado a sua defesa pela revisão do entendimento jurisprudencial teve um impacto relevante no cancelamento da súmula 75 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proporcionando uma perspectiva mais justa na avaliação de danos morais em casos de desvio produtivo do consumidor Sua abordagem assim ressalta a importância de considerar o tempo como um elemento crucial na análise de prejuízos nas relações de consumo contribuindo para uma interpretação mais alinhada aos princípios de proteção ao consumidor A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor portanto oferece uma abordagem inovadora para a proteção do consumidor no contexto das relações de consumo reconhecendo a perda do tempo vital como um dano relevante e passível de reparação alinhandose com a busca por uma efetiva tutela jurídica diante de práticas abusivas por parte dos fornecedores 30 6 ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DO DESVIO PRODUTIVO O processo de arbitramento da indenização decorrente do desvio produtivo proposto pelo advogado Marcos Dessaune é uma etapa fundamental nos casos em que consumidores buscam compensação pelos danos resultantes de uma má prestação de serviço Para determinar um montante justo e proporcional diversas considerações devem ser levadas em conta em conformidade com dispositivos legais e princípios jurídicos Em primeiro lugar é necessário que o consumidor apresente provas robustas do desvio produtivo documentando claramente o tempo e os esforços despendidos na tentativa de resolver o problema causado pela má prestação de serviço Nesse sentido o Código de Defesa do Consumidor CDC em seus artigos 6º e 14 confere ao consumidor o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços além de responsabilizar o fornecedor por falhas na prestação de serviços A avaliação do tempo perdido pelo consumidor desempenha um papel central nesse processo Esse tempo pode ser quantificado em horas de trabalho ou em atividades significativas da vida cotidiana que foram prejudicadas O artigo 6º inciso VI do CDC estabelece que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais garantindo respaldo legal para a busca de compensação Além do tempo é imprescindível considerar o impacto psicológico sobre o consumidor incluindo estresse e frustração O CDC em seu artigo 6º inciso VI também abrange a reparação por danos morais decorrentes da relação de consumo A jurisprudência brasileira tem reconhecido a importância de indenizar não apenas danos materiais mas também danos morais proporcionando uma compensação mais abrangente A aplicação do princípio da proporcionalidade é essencial para assegurar que o valor da indenização seja adequado à gravidade do desvio produtivo e aos prejuízos causados ao consumidor Casos mais graves podem justificar compensações mais elevadas respeitando o princípio da equidade 31 A capacidade econômica do fornecedor também deve ser considerada evitandose que a indenização seja ineficaz O artigo 14 1º do CDC estabelece que o fornecedor é solidariamente responsável por eventuais danos causados aos consumidores proporcionando uma base legal para a busca de compensação financeira Além disso é relevante levar em conta os efeitos preventivos e punitivos da indenização Uma compensação substancial pode desencorajar práticas abusivas cumprindo uma função dissuasória Essa abordagem está alinhada com a ideia de responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 caput do CDC que estabelece que o fornecedor responde independentemente da existência de culpa A análise de jurisprudência e precedentes judiciais em casos semelhantes contribui para estabelecer um padrão e garantir consistência nas decisões judiciais A uniformização de entendimentos fortalece a segurança jurídica e promove uma aplicação mais justa do direito Em síntese o processo de arbitramento da indenização decorrente do desvio produtivo envolve uma cuidadosa ponderação de elementos como tempo impacto psicológico proporcionalidade e capacidade econômica do fornecedor Ao considerar dispositivos legais e princípios jurídicos buscase assegurar uma compensação justa e efetiva aos consumidores prejudicados promovendo a equidade nas relações de consumo 32 7 APLICAÇÃO DO DESVIO PRODUTIVO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA A aplicação da teoria do desvio produtivo na jurisprudência brasileira representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos consumidores proporcionando uma abordagem inovadora diante das falhas na prestação de serviços A aceitação e consolidação dessa teoria no sistema jurídico do país podem ser observadas em diversos casos em que os tribunais reconheceram a validade do conceito buscando assegurar a justa compensação aos consumidores prejudicados O Código de Defesa do Consumidor CDC é a base legal que respalda a aplicação da teoria do desvio produtivo no Brasil No âmbito desse código o artigo 6º enumera os direitos básicos do consumidor destacando a busca pela efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais Além disso o artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos vícios e defeitos dos produtos e serviços constituindo um fundamento legal para a teoria Um exemplo notável de aplicação da teoria do desvio produtivo na jurisprudência brasileira pode ser extraído de decisões judiciais que reconhecem o tempo despendido pelo consumidor na resolução de problemas causados por má prestação de serviço Tribunais têm considerado o desvio produtivo como uma forma de dano extrapatrimonial em conformidade com o artigo 6º inciso VI do CDC que protege o consumidor contra práticas abusivas e lesivas à sua dignidade Em casos específicos como demandas relacionadas a serviços essenciais como telefonia fornecimento de energia elétrica e instituições financeiras os tribunais têm adotado a teoria do desvio produtivo como uma ferramenta eficaz para compensar os consumidores pelos transtornos causados Essa aceitação da teoria demonstra sua versatilidade e aplicabilidade em diferentes contextos reforçando sua legitimidade no ordenamento jurídico brasileiro A análise da jurisprudência revela que os tribunais têm reconhecido não apenas o direito à indenização pelos danos materiais mas também pelos danos morais decorrentes do desvio produtivo Essa abordagem ampla está alinhada com a proteção integral do consumidor conforme preconizado pelo CDC 33 Destacase ainda a importância da fundamentação jurídica consistente nos julgamentos que aplicam a teoria do desvio produtivo A referência a dispositivos legais como o artigo 6º e o artigo 14 do CDC fortalece a decisão judicial e estabelece um precedente jurídico que contribui para a previsibilidade e coerência nas decisões futuras A teoria do desvio produtivo tem sido aplicada em diversas decisões monocráticas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça STJ sendo que pelo menos quatro acórdãos colegiados da Corte ganharam destaque devido à sua relevância e ampla repercussão No contexto desta análise optouse por examinar casos provenientes dessas decisões colegiadas visando uma compreensão mais aprofundada Um exemplo significativo é o Recurso Especial REsp 1634851 no qual a Terceira Turma do STJ analisou uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a empresa Via Varejo A demanda buscava compelir a empresa a corrigir vícios em seus produtos no prazo de 30 dias conforme estabelecido pelo art 26 do Código de Defesa do Consumidor CDC Em caso de descumprimento a proposta era conceder ao consumidor a opção prevista no art 18 1º do CDC sujeita a multa Além disso a ação visava garantir a substituição de produtos duráveis no prazo legal de 90 dias conforme o art 26 II do CDC também sob pena de multa e reparação dos danos materiais e morais individuais e coletivos A Via Varejo contestou no Recurso Especial alegando entre outras coisas que a responsabilidade pela reparação não recai sobre o comerciante e que orientar o consumidor a encaminhar seu produto para assistência técnica não pode ser considerado uma prática abusiva A relatora Ministra Nancy Andrighi destacou a batalha enfrentada pelos consumidores na busca por produtos e serviços que atendam às suas expectativas A Ministra ressaltou que essa jornada muitas vezes começa com a dificuldade de encontrar a assistência técnica mais próxima e inclui o esforço para agendar visitas 34 técnicas autorizadas demandando considerável tempo do consumidor durante o horário comercial Diante desse cenário a turma formou entendimento de que o fornecedor ao exercer sua atividade econômica em benefício próprio tem a obrigação de participar ativamente no processo de reparo do bem atuando como intermediário na relação entre o cliente e o fabricante Essa posição visa reduzir a perda de tempo útil do consumidor alinhandose à premissa central da teoria do desvio produtivo Conforme a ementa PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR RECURSO ESPECIAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AUSÊNCIA JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO POSSIBILIDADE VÍCIO DO PRODUTO REPARAÇÃO EM 30 DIAS RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO COMERCIANTE 2 Cingese a controvérsia a decidir sobre i a negativa de prestação jurisdicional art 535 II do CPC73 ii a preclusão operada quanto à produção de prova arts 462 e 517 do CPC73 iii a responsabilidade do comerciante no que tange à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica art 18 caput e 1º do CDC 5 À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa o que por certo pode ser evitado ou ao menos atenuado se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo intermediando a relação entre consumidor e fabricante inclusive porque juntamente com este tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo 6 À luz do princípio da boafé objetiva se a inserção no mercado do produto com vício traz em si inevitavelmente um gasto adicional para a cadeia de consumo esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade e não pode em nenhuma hipótese ser suportado pelo consumidor Incidência dos princípios que regem a política nacional das relações de consumo em especial o da vulnerabilidade do consumidor art 4º I do CDC e o da garantia de adequação a cargo do fornecedor art 4º V do CDC e observância do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele art 6º VI do CDC 7 Como a defesa do consumidor foi erigida a princípio geral da atividade econômica pelo art 170 V da Constituição Federal é ele consumidor quem deve escolher a alternativa que lhe parece menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o vício em 30 dias levar o produto ao comerciante à assistência técnica ou diretamente ao fabricante não cabendo ao fornecedor impor 35 lhe a opção que mais convém 8 Recurso especial desprovido17 A Ministra Nancy Andrighi novamente aplicou a teoria do desvio produtivo no REsp 1737412 derivado de uma ação civil pública movida pela Defensoria Pública de Sergipe contra o Banco de Sergipe A ação buscava obrigar a instituição financeira a cumprir normas de atendimento presencial relacionadas ao tempo máximo de espera em filas à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção Além disso visava a compensação por danos morais coletivos decorrentes do não cumprimento dessas obrigações Inicialmente o juízo de primeiro grau condenou o banco a disponibilizar pessoal suficiente para respeitar o tempo máximo de espera na fila de atendimento e estabeleceu uma compensação de danos morais coletivos no valor de R 20000000 Contudo o Tribunal de Justiça de Sergipe afastou a condenação pelos prejuízos extrapatrimoniais tema discutido no Recurso Especial Citando a doutrina de Marcos Dessaune a Ministra destacou que o consumo de um produto ou serviço de qualidade proveniente de um fornecedor especializado implica na utilização implícita do tempo e das competências que o consumidor precisaria empregar para produzilo para seu próprio uso Assim ressaltou a função social da atividade dos fornecedores relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos incluindo o tempo disponíveis na sociedade A Ministra enfatizou que a proteção contra a intolerável perda do tempo útil do consumidor ocorre devido ao desrespeito deliberado às garantias legais visando aumentar o lucro em detrimento da qualidade dos serviços Essa conduta justificou a condenação por danos morais coletivos pois o banco submetia os 17 STJ REsp 1634851 RJ 201502262739 relatora ministra NANCY ANDRIGHI Data de Julgamento 12092017 TERCEIRA TURMA Data de Publicação DJe 15022018 36 clientes a tempos de espera que ultrapassavam significativamente os limites estabelecidos pela legislação municipal18 RECURSO ESPECIAL CONSUMIDOR TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS DEVER DE QUALIDADE SEGURANÇA DURABILIDADE E DESEMPENHO ART 4º II D DO CDC FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR DANO MORAL COLETIVO OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE FUNÇÕES PUNITIVA REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA 1 Cuidase de coletiva de consumo por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações 3 O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva 4 O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psicofísica da coletividade bem de natureza estritamente transindividual e que portanto não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana dor sofrimento ou abalo psíquico amparados pelos danos morais individuais 7 O dever de qualidade segurança durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art 4º II d do CDC tem um conteúdo coletivo implícito uma função social relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade entre eles o tempo 8 O desrespeito voluntário das garantias legais com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boafé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor 9 Na hipótese concreta a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo 10 Recurso especial provido 18 STJ REsp 1737412SE relatora ministra NANCY ANDRIGHI Data de Julgamento 05022019 TERCEIRA TURMA Data de Publicação DJe 08022019 37 Uma análise da jurisprudência brasileira destaca casos em que a teoria do desvio produtivo foi aplicada demonstrando sua aceitação e consolidação no sistema jurídico do país 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente análise destaca a significativa relevância da teoria do desvio produtivo no cenário jurídico brasileiro A ênfase na proteção do tempo como um bem jurídico fundamental ressalta a crescente conscientização sobre a importância desse elemento na vida cotidiana e na busca por uma existência digna A teoria do desvio produtivo desenvolvida pelo advogado Marcos Dessaune demonstrou ser uma ferramenta eficaz na abordagem de situações em que o consumidor se vê prejudicado pela má prestação de serviços ou produtos A análise jurisprudencial apresentada evidencia a aceitação e consolidação dessa teoria no sistema jurídico brasileiro especialmente nos casos em que houve uma clara violação do tempo útil do consumidor A proteção do consumidor contra a perda injustificada de seu tempo muitas vezes imposta por práticas abusivas de grandes fornecedores destacase como um avanço significativo na tutela dos direitos do consumidor O reconhecimento do tempo como um elemento valioso na vida moderna reforça a necessidade constante de adaptação do ordenamento jurídico às demandas da sociedade contemporânea Nesse sentido as considerações finais sublinham a importância de se manter uma abordagem dinâmica e atualizada no campo jurídico de modo a assegurar que os direitos fundamentais como o direito ao tempo sejam protegidos de maneira eficiente A teoria do desvio produtivo emerge como uma ferramenta valiosa nesse contexto contribuindo para a construção de um ambiente jurídico mais justo e alinhado às necessidades da sociedade atual 39 REFERÊNCIAS ALMEIDA Fabrício Bolzan de Esquematizado Direito do consumidor 8ª edição São Paulo Editora Saraiva 2020 ANDRADE André Gustavo Corrêa de Dano Moral e Indenização Punitiva 1ª ed Rio de Janeiro Editora Forense 2006 ARTHMAR Rogério Teoria de W S Jevons mensagem pessoal Mensagem recebida via email em 18102009 BOLSON Simone Hegele Direito do Consumidor e Dano Moral Rio de Janeiro Editora Forense 2002 BRASIL Código Civil Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Brasília DF 2002 BRASIL Código de Defesa do Consumidor Decreto Presidencial nº 2181 de 20 de março de 1997 Brasília DF 1997 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 4 ed São Paulo Saraiva 1990 BRASIL Poder Judiciário Conselho da Justiça Federal Enunciado nº 444 V Jornada de Direito Civil Brasília 2002 Disponível em httpswwwcjfjusbrenunciadosenunciado362 Acesso em 20 dez 2023 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial 899869MG Relator Min Humberto Gomes de Barros Terceira Turma julgado em 13022007 DJ 26032007 Disponível em httpssconstjjusbrSCONjurisprudenciatocjsp i1bACORlivre27RESP 27clasenum2789986927ou 27REsp27adj2789986927su cethesaurusJURIDICOfrveja Acesso em 20 dez 2023 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial 1737412SE Relatora Min Nancy Andrighi Terceira Turma julgado em 05022019 DJe 08022019 Disponível em httpssconstjjusbrSCONjurisprudenciatocjspi1bACORlivre27R 40 ESP27clasenum27173741227ou27REsp27adj271737412 27sucethesaurusJURIDICOfrveja Acesso em 20 dez 2023 BRASIL Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Apelação Cível nº 00241118920138190001 Relatora Desa Andréa Fortuna 24ª Câmara Cível julgado em 15022016 DJe 17022016 Disponível em httpconhecimentotjrjjusbrdocuments57365406284946sumulas2019pdf Acesso em 20 dez 2023 BRASIL Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe Acórdão nº 201516482 Relatora Desa Elvira Maria de Almeida Silva Grupo II 1ª Câmara Cível julgado em 22092015 DJe 28092015 Disponível em httpswwwtjsejusbrtjnetjurisprudenciarelatoriowsptmp numprocesso201500 711550tmp numacordao201516482tmpexpressao Acesso em 20 dez 2023 Bergstein Laís Gomes O tempo do consumidor nas relações de consumo pela superação do menosprezo planejado nos mercados Tese de Doutorado Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Santa Catarina 2018 CAMPOS L Fernando Reglero Lecciones de Responsabilidad Civil 1ª edição Navarra Arazandi 2002 CALEGARI Luiza LOCALI Amanda TJSP reconhece desvio produtivo do consumidor como dano autônomo Conjur 202 CAVALIERI FILHO Sérgio Programa de responsabilidade civil 2 ed São Paulo Malheiros 1998 DESSAUNE Marcos Desvio Produtivo Do Consumidor O Prejuízo Do Tempo Desperdiçado 1ª edição São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 DESSAUNE Marcos Teoria Aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada 2ª edição Vitória Edição Especial do Autor 2017 DINIZ Maria Helena Curso de Direito Civil Brasileiro Vol IV 17ª edição São Paulo Saraiva 2002 41 FILOMENO José Geraldo Brito Manual de direitos do consumidor 10 ed São Paulo Atlas 2010 FISBERG Yuri Dano Social reparação aspectos sociais e destinação São Paulo Almedina 2021 JEVONS William Stanley A teoria da economia política Tradução de Cláudia Laversveiler de Morais 3 Ed São Paulo Nova Cultural 1988 JUNQUEIRA DE AZEVEDO Antonio Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado São Paulo Saraiva 2009 KHOURI PRRA Direito do consumidor contratos responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo 6ª edição São Paulo Atlas Grupo GEN 2013 LOPES JR Aury Direito processual penal e sua conformidade constitucional Vol I 4 Ed rev e atual Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 NADER Paulo Curso de Direito Civil Vol 7 Responsabilidade Civil 6ª edição Rio de Janeiro Editora Forense Grupo GEN 2016 NORONHA Fernando Direito das Obrigações 3ª edição São Paulo Saraiva 2003 POLI Fabrício Angerami O Dano Social 2014 Dissertação Mestrado em Direito Civil Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2014 300p SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional positivo 29 Ed rev e 37 atualiz São Paulo Malheiros 2007 SILVA Rafael Peteffi Da Responsabilidade civil pela perda de uma chance Uma análise do direito comparado e brasileiro 3ª edição São Paulo Editora Atlas 2013 STOLZE GAGLIANO Pablo Responsabilidade civil pela perda do tempo Jus Navigandi Teresina ano 18 n 3540 11032013 Disponível em httpjuscombrartigos23925 Acesso em 21 dez 2023 STOLZE GAGLIANO Pablo PAMPLONA FILHO Rodolfo Novo curso de direito civil volume 1 parte geral 17 Ed rev e atual São Paulo Saraiva 2015 42 TARTUCE Flávio Direito Civil Vol 2 Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil 12ª edição Rio de Janeiro Forense Grupo GEN 2017 THEODORO Jr Humberto Dano Moral 8ª edição Rio de Janeiro Forense Grupo GEN 2016 THEODORO Jr Humberto Direitos do Consumidor 10ª edição Rio de Janeiro Forense Grupo GEN 2020 43
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1 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Lívia Maria da Silveira Estudante 9º período de Direito Nome do Professor Orientador Professor de Direito do Consumidor RESUMO O objetivo deste artigo é abordar a obrigação de compensar o tempo perdido nas interações de consumo conhecida como responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou desvio produtivo do consumidor Uma análise bibliográfica e jurisprudencial busca verificar a aplicabilidade da teoria no ordenamento jurídico brasileiro Ao explorar a evolução do conceito de Responsabilidade Civil Objetiva no Brasil visase destacar as características das principais formas de danos indenizáveis O cerne da pesquisa é demonstrar que o tempo de vida é protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro sendo reconhecido como um bem jurídico fundamental Palavraschave Responsabilidade Civil Tempo Perdido Relação de Consumo 2 SUMÁRIO 1 Introdução 2 Responsabilidade Civil nas relações consumeristas 3 Danos existentes no ordenamento jurídico 31 Da possibilidade de novos danos 4 Teoria do Desvio Produtivo 41 Tempo como recurso produtivo 42 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável 5 A superação do mero aborrecimento promovida pelo desvio produtivo 6 Da tese do advogado Marcos Dessaune 7 Arbitramento da Indenização decorrente do desvio produtivo 8 Aplicação do Desvio Produtivo na jurisprudência brasileira 9 Considerações Finais 10 Referências A APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Lívia Maria da Silveira Estudante 9º período de Direito Nome do Professor Orientador Professor de Direito do Consumidor RESUMO O objetivo deste artigo é abordar a obrigação de compensar o tempo perdido nas interações de consumo conhecida como responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou desvio produtivo do consumidor Uma análise bibliográfica e jurisprudencial busca verificar a aplicabilidade da teoria no ordenamento jurídico brasileiro Ao explorar a evolução do conceito de Responsabilidade Civil Objetiva no Brasil visase destacar as características das principais formas de danos indenizáveis O cerne da pesquisa é demonstrar que o tempo de vida é protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro sendo reconhecido como um bem jurídico fundamental Palavraschave Responsabilidade Civil Tempo Perdido Relação de Consumo SUMÁRIO INTRODUÇÃO3 1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS5 11 Histórico5 12 Conceitos norteadores da responsabilidade civil6 13 A responsabilidade civil e seus elementos configuradores8 14 Responsabilidade Objetiva e o Código de Defesa do Consumidor10 2 DANOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO13 21 Danos Materiais14 22 Danos Morais15 23 Danos Extrapatrimoniais ou Existenciais16 34 Reconhecimento de Novos Danos17 3 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO20 31 Tempo como recurso produtivo22 32 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável24 4 A SUPERAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO PROMOVIDA PELO DESVIO PRODUTIVO26 5 DA TESE DO ADVOGADO MARCOS DESSAUNE28 6 ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DO DESVIO PRODUTIVO31 7 APLICAÇÃO DO DESVIO PRODUTIVO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA33 CONSIDERAÇÕES FINAIS39 REFERÊNCIAS40 INTRODUÇÃO Este estudo busca aprofundar a compreensão da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor uma abordagem jurídica inovadora que destaca a perda de tempo útil do consumidor como elemento central para a configuração de danos morais passíveis de indenização A discussão se concentra em analisar as situações irritantes decorrentes de falhas na prestação de serviço ou em produtos e questiona se essas situações são juridicamente reconhecidas como passíveis de compensação No contexto das relações de consumo é fundamental considerar a vulnerabilidade do consumidor conforme definido pelo Código de Defesa do Consumidor A Teoria do Desvio Produtivo proposta por Marcos Dessaune vai além ao argumentar que a perda de tempo do consumidor não é apenas uma consequência indesejada mas sim um dano moral que deve ser reparado Isso ocorre quando o fornecedor por meio de práticas negligentes transfere ao consumidor a responsabilidade de resolver problemas originados pela má prestação de serviço obrigandoo a gastar um tempo considerável para solucionar questões que deveriam ser de responsabilidade do fornecedor A relevância dessa teoria é evidente diante de uma realidade em que falhas na prestação de serviço se tornaram rotineiras muitas vezes devido à ênfase excessiva nos números em detrimento da qualidade A consequência é um aumento significativo de ações de reparação de danos perante o Poder Judiciário indicando a necessidade de uma abordagem legal que considere não apenas os danos materiais mas também o tempo perdido e as consequências psicológicas para o consumidor No entanto a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo não está isenta de desafios A natureza aberta dos danos morais pode suscitar debates sobre a extensão da responsabilidade do fornecedor em relação à perda de tempo do consumidor A discussão sobre o quantum debeatur nessas ações indenizatórias é relevante pois a banalização do conceito de danos morais pode levar a desconexões entre o valor da compensação e o dano efetivamente provocado 3 A metodologia adotada neste estudo é qualitativa fundamentada em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial A divisão em cinco capítulos visa fornecer uma abordagem estruturada começando com a introdução ao tema seguida pela análise da responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo a apresentação da Teoria do Desvio Produtivo a investigação da adoção dessa teoria pela jurisprudência brasileira e por fim considerações finais Este estudo pretende contribuir para o acervo científico ao explorar uma teoria jurídica contemporânea que busca proteger os direitos do consumidor diante de práticas negligentes por parte dos fornecedores A análise aprofundada da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor pode fornecer insights valiosos para aqueles envolvidos em questões jurídicas relacionadas às relações de consumo e reparação de danos 4 1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS 11 Histórico A origem do conceito de responsabilidade enquanto instituto jurídico de reparação por danos causados remonta a uma evolução histórica que teve início em tempos antigos quando o homem começou a codificar normas A Lei das Doze Tábuas um dos primeiros registros escritos de uma norma jurídica já demonstrava a preocupação em reparar danos causados a terceiros mesmo que de maneira rudimentar JÚNIOR 2017 online No governo do imperador romano Justiniano por volta de dois séculos antes do nascimento de Cristo foi estabelecida a Lex Aquilia de Damno representando um marco fundamental na concepção moderna de responsabilidade civil Essa norma introduziu o conceito de culpa na análise da responsabilidade considerando a intenção do agente e estabeleceu a indenização pecuniária como a principal forma de restituição de danos DINIZ 2002 p 10 O próximo marco relevante para a concepção moderna de responsabilidade civil foi o Código Napoleônico elaborado na primeira metade do Século XIX Esse código estabeleceu requisitos para a configuração da responsabilidade civil exigindo a comprovação da conduta do dano e do nexo causal além de introduzir um conceito de culpa mais abrangente englobando tanto a culpa propriamente dita quanto o dolo TARTUCE 2017 p 373 Durante o Século XIX período da Segunda Revolução Industrial o debate sobre como um indivíduo comum poderia comprovar a culpa do autor do dano especialmente diante da complexidade dos processos tecnológicos levou ao surgimento da responsabilidade objetiva Essa nova forma de responsabilidade dispensava a necessidade de comprovação do elemento subjetivo de culpa por parte do agente causador do dano A teoria do risco criada pelos juristas franceses Raymond Saleilles e Louis Josserand estabeleceu que todo fornecedor de produto ou serviço assume os riscos de sua atividade e deve responder pelos danos dela decorrentes sendo essa teoria aplicada até os dias atuais TARTUCE 2017 p 373 5 No ordenamento jurídico brasileiro a previsão inicial do conceito de responsabilidade civil exigia a comprovação de culpa A responsabilidade objetiva foi consagrada pelo Código Civil de 1916 inicialmente para responsabilizar o Estado por atos comissivos de seus agentes A Constituição Federal de 1988 também expressamente previu a modalidade objetiva de responsabilidade no parágrafo sexto de seu artigo trinta e seis TARTUCE 2017 p 374 No âmbito das relações consumeristas no Brasil antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1990 não havia disposição expressa na legislação brasileira quanto à aplicação da responsabilidade objetiva por danos provocados por fornecedores Com a implementação do CDC a responsabilidade objetiva tornouse a regra nas relações de consumo equilibrando a relação entre o consumidor e o fornecedor facilitando o acesso à justiça especialmente para a pessoa comum que não possui o mesmo conhecimento técnico jurídico e informacional das empresas fornecedoras de produtos ou serviços TARTUCE 2017 p 375 12 Conceitos norteadores da responsabilidade civil Conforme os ensinamentos do professor Sérgio Cavalieri Filho destaca se que a violação de um dever jurídico configura o ilícito que predominantemente resulta em danos a terceiros Desse fato emerge um novo dever jurídico correspondente à obrigação de reparar o dano causado à vítima Nessa perspectiva a responsabilidade surge precisamente da transgressão de um dever jurídico originário ou primário dando origem a um dever jurídico subsequente ou secundário que implica a obrigação de reparar e indenizar o prejuízo causado a outrem Cavalieri Filho esclarece que a responsabilidade civil constitui o dever jurídico subsequente que tem o poder de restabelecer o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário Portanto a responsabilidade civil se configura apenas na presença da violação de um dever jurídico e consequentemente do prejuízo 6 Dentro desse conceito concluise que o jurista afirma que a responsabilidade civil está intrinsicamente relacionada à ideia de dever jurídico onde a violação desse dever resultando em dano acarreta o dever jurídico secundário de indenizar Dessaune destaca que a própria Constituição especialmente nos incisos V1 e X2 do artigo 5º consagra o direito à indenização por danos materiais eou morais decorrentes da violação de um bem jurídico protegido pelo direito Ele explica que a responsabilidade civil das pessoas físicas e jurídicas decorre do prejuízo causado pela lesão aos bens jurídicos mais importantes para a sociedade tutelados e legitimados pelo ordenamento jurídico pátrio pela jurisprudência e pela doutrina Assim ele afirma que não é incomum as pessoas agirem em desacordo com o Direito violando seus deveres jurídicos originais cometendo atos ilícitos que resultam em prejuízos e causam danos a terceiros Maria Helena Diniz doutrina que A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado de pessoa por quem ele responde ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou ainda de simples imposição legal Definição esta que guarda em sua estrutura a ideia de culpa quando se cogita da existência de ilícito responsabilidade subjetiva e a do risco ou seja da responsabilidade sem culpa responsabilidade objetiva DINIZ 2011 p50 Portanto Diniz sustenta que a responsabilidade civil implica na aplicação coercitiva para que o ofensor ou seja aquele que ocasionou o dano proceda à reparação dos prejuízos causados ao ofendido ou seja à vítima que suportou o dano Carlos Roberto Gonçalves no âmbito da responsabilidade civil também preconiza que 1 V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem 2 X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação 7 As expressões ressarcimento reparação e indenização significam respectivamente o pagamento de todo o prejuízo material sofrido a compensação pelo dano moral a fim de minorar a dor sofrida pela vítima e a compensação do dano decorrente de ato ilícito do Estado lesivo ao particular GONÇALVES 2005 p340341 A Constituição da República Federativa do Brasil ao assegurar o direito à indenização por dano material ou moral usou o termo indenização como gênero conforme disposto nos preceitos constitucionais consagrados no art 5º incisos V e X da CRFB O respectivo gênero possui como espécies a modalidade reparação e ressarcimento para reposição dos danos e prejuízos provocados à vítima pelo ofensor proveniente de um ato ilícito ensejador de responsabilidade civil Segundo Gonçalves indenizar à vítima corresponde ao ato de reparar o dano na sua inteireza restaurando caso possível o statu quo ante ou seja restabelecendo a vítima ao estado em que se encontrava anterior à ocorrência do ato ilícito Contudo majoritariamente é impossível alcançar tal finalidade buscando se como solução uma compensação revestida de um pagamento de uma indenização em pecúnia tal como defendido por Dessaune 13 A responsabilidade civil e seus elementos configuradores A responsabilidade civil é um conceito jurídico fundamental que se refere à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de atos ilícitos Seus elementos configuradores compreendem diversos aspectos que delineiam as circunstâncias em que um indivíduo ou entidade pode ser responsabilizado pelos danos causados Esses elementos incluem a Conduta Referese à ação ou omissão do agente que desencadeia a situação danosa Pode ser uma conduta positiva ação ou negativa omissão b Dano Consiste no prejuízo efetivamente causado à vítima Pode manifestarse de diversas formas abrangendo danos materiais morais patrimoniais entre outros 8 c Nexo Causal Estabelece a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima Demonstra que o prejuízo é diretamente resultado da ação ou omissão do responsável d Culpa ou Dolo Representa o elemento subjetivo da responsabilidade civil A culpa referese à negligência imprudência ou imperícia do agente enquanto o dolo diz respeito à intenção deliberada de causar o dano e Imputabilidade Referese à capacidade do agente de compreender as consequências de seus atos A imputabilidade está relacionada à capacidade mental e à capacidade de discernimento do agente no momento da conduta Para compreendermos melhor a responsabilidade civil é fundamental observar os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que destacam a evolução do direito civil e a não vinculação da culpa na responsabilidade civil objetiva Embora a culpa seja considerada um elemento acidental nesse contexto é importante ressaltar que a legislação brasileira em sua maioria fundamenta a responsabilidade civil na culpa tornando esse elemento crucial para a configuração da modalidade subjetiva Conforme delineado por Venosa a culpa em seu sentido amplo abrange a inobservância de um dever que o agente deveria conhecer e observar sendo um comportamento humano contrário à legislação vigente quer seja de forma intencional ou não Maria Helena Diniz ao discutir a culpa em sentido amplo enfatiza que este conceito compreende tanto o dolo caracterizado pela violação intencional do dever jurídico quanto a culpa em sentido estrito que se manifesta por imperícia imprudência ou negligência sem a intenção deliberada de violar um dever Assim a conduta culposa implica uma ação ou omissão em desacordo com a lei ou com o dever de cautela prudência e cuidado que se espera de um indivíduo médio A culpa nesse contexto incorpora os elementos intrínsecos da previsibilidade e evitabilidade exigindo do agente a capacidade de antever o resultado de sua conduta e adotar as precauções necessárias para evitar danos 9 Em suma a responsabilidade civil subjetiva preponderante no ordenamento jurídico brasileiro demanda a comprovação da culpa do agente para a configuração da obrigação de indenizar No entanto a presença da culpa não é obrigatória na responsabilidade civil objetiva sendo esta uma evolução que visa assegurar a reparação de danos independentemente da comprovação do elemento subjetivo especialmente em casos nos quais a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implica por sua natureza risco para os direitos de outrem Em suma a responsabilidade civil subjetiva preponderante no ordenamento jurídico brasileiro demanda a comprovação da culpa do agente para a configuração da obrigação de indenizar conforme estabelecido pelos artigos 1863 9274 e 944 do Código Civil No entanto a presença da culpa não é obrigatória na responsabilidade civil objetiva conforme disposto no parágrafo único5 do artigo 927 do Código Civil sendo esta uma evolução que visa assegurar a reparação de danos independentemente da comprovação do elemento subjetivo especialmente em casos nos quais a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implica por sua natureza risco para os direitos de outrem 14 Responsabilidade Objetiva e o Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor CDC estabelece normas para a proteção dos direitos e garantias do consumidor promovendo uma significativa ruptura de paradigmas nas relações de consumo Anteriormente princípios como autonomia de vontade e igualdade predominavam nesse campo deixando o consumidor em desvantagem jurídica diante do fornecedor devido à sua vulnerabilidade 3 Art 186 Aquele que por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito 4 Art 927 Aquele que por ato ilícito arts186 e 187 causar dano a outrem fica obrigado a repará lo 5 Parágrafo único Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem 10 Diante desse cenário o CDC introduziu a Responsabilidade Objetiva presente nos artigos 126 e 147 visando equilibrar a relação entre consumidor e fornecedor Essa modalidade permite que o consumidor requeira indenização por falhas na prestação de serviço sem a necessidade de comprovação da intenção ou negligência do fornecedor adequandose à vulnerabilidade do consumidor nessas relações A previsão da responsabilidade objetiva no CDC resulta de fatores como a produção em massa crescimento da iniciativa privada e a distância técnica e econômica entre fornecedor e consumidor A Teoria do Risco também desempenhou papel fundamental indicando que ao explorar uma atividade econômica com ganho o fornecedor deve assumir a responsabilidade pelos riscos associados Embora o CDC expresse a responsabilidade objetiva nos casos de fato do produto ou serviço a ausência de menção nos casos de vício gerou debates A maioria dos juristas entende que a responsabilidade objetiva se aplica também aos vícios considerando o sistema adotado pelo CDC e a semelhança com os vícios redibitórios no Código Civil Para configurar a responsabilidade objetiva são necessários três elementos essenciais a existência de defeito no produto ou serviço a ocorrência efetiva do evento danoso e a relação de causalidade entre o defeito e o dano Durante o processo judicial a inversão do ônus da prova pode ocorrer com base no Artigo 6º VIII8 do CDC se houver indícios de veracidade na narrativa autoral ou hipossuficiência do requerente 6 Art 12 O fabricante o produtor o construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto fabricação construção montagem fórmulas manipulação apresentação ou acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos 7 Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos 8 VIII a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências 11 Apesar de ser a regra nas relações de consumo o CDC estabelece exceção para profissionais liberais no parágrafo quarto do artigo 14 exigindo a comprovação de culpa O CDC também apresenta causas que excluem a responsabilidade do fornecedor nos casos de fato do produto ou serviço como a inexistência de defeito culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros 12 2 DANOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO A análise dos danos existentes no ordenamento jurídico é de fundamental importância para compreender a extensão das consequências decorrentes das relações sociais especialmente nas esferas do direito civil e do direito do consumidor Essa análise permite identificar as variadas formas de prejuízo que podem afetar os sujeitos envolvidos em uma relação jurídica bem como avaliar como o sistema legal responde a essas situações No âmbito das relações de consumo a Lei nº 80781990 conhecida como Código de Defesa do Consumidor CDC desempenha um papel central ao estabelecer parâmetros para a proteção dos direitos dos consumidores O CDC reconhece diferentes tipos de danos destacandose os danos materiais morais e em algumas situações os danos extrapatrimoniais No contexto da responsabilidade civil um dos elementos essenciais para sua caracterização conforme previamente abordado neste trabalho é a ocorrência de um dano que resulta em prejuízos à vítima acarretando assim o dever de indenizar aqueles que foram prejudicados Entretanto é importante compreender que o dano indenizável deve ser encarado como um conceito abrangente com espécies que se encontram em um rol exemplificativo Em outras palavras não há uma delimitação restrita das categorias de danos passíveis de reparação Tal abertura conceitual é justificada pela necessidade na sociedade contemporânea de um entendimento mais amplo desse conceito Isso se deve à impossibilidade de prever por meio de uma enumeração taxativa todas as formas de danos que efetivamente causarão prejuízos às pessoas Caso contrário haveria o risco de alguma situação passível de indenização não se enquadrar nas categorias de danos já existentes NORONHA 2003 p 540 apud SILVA 2013 p 73 Diante desse caráter aberto dos danos indenizáveis é plausível inferir que em uma mesma situação pode ocorrer a ofensa a mais de uma espécie de dano permitindo assim um ressarcimento cumulativo dos danos causados Contudo a ausência de uma regulamentação legal específica sobre essa questão 13 pode gerar controvérsias Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça STJ estabeleceu a Súmula nº 37 que sustenta a possibilidade de cumulação em uma mesma ação de pedidos de reparação de danos morais e materiais TARTUCE 2017 p 469 Embora a mencionada súmula do STJ não faça referência à cumulação de outros tipos de danos na mesma ação a jurisprudência do próprio tribunal tem admitido a cumulação de outras espécies de danos juntamente com os pedidos de dano moral e material inclusive o dano estético Essa flexibilidade na interpretação reflete a necessidade de adaptação do ordenamento jurídico diante das diversas nuances que envolvem as situações fáticas e os diferentes tipos de danos causados A jurisprudência da 3ª Turma admite que sejam indenizados separadamente os danos morais e os danos estéticos oriundos do mesmo fato Ressalva do entendimento do relator STJ 2007 online 21 Danos Materiais Ao examinar as principais categorias de dano indenizável o dano material ou patrimonial sendo uma espécie clássica de dano referese a qualquer prejuízo físico corpóreo e tangível que uma pessoa natural ou jurídica possa sofrer Esse tipo de dano implica no dever de ressarcimento pela lesão causada O Código Civil em seu Artigo 4029 BRASIL 2002 online apresenta a definição do dano material indicando que essa modalidade de dano pode ser subdividida em dois elementos conhecidos pela doutrina como dano emergente e lucros cessantes TARTUCE 2017 p 471472 Definição São os prejuízos que afetam o patrimônio do indivíduo causando uma diminuição econômica mensurável Podem incluir por exemplo danos emergentes gastos diretos decorrentes do dano e lucros cessantes perda de ganhos futuros 9 Art 402 Salvo as exceções expressamente previstas em lei as perdas e danos devidas ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar 14 Reparação A reparação dos danos materiais visa restituir o prejudicado ao estado anterior ao dano compensando financeiramente as perdas efetivas sofridas 22 Danos Morais Uma categoria de dano de grande relevância é o dano moral que em tempos passados não era reconhecido como passível de reparação Inicialmente a doutrina sustentava que somente danos físicos poderiam ser indenizados uma vez que apenas eles poderiam ser mensurados economicamente não sendo possível avaliar o abalo psicológico Contudo houve uma evolução doutrinária que passou a admitir os danos morais sem a necessidade de quantificação econômica reconhecendo a importância de compensar prejuízos morais inclusive como forma de desestimular condutas lesivas NADER 2016 p 28 A lógica subjacente à compensação financeira por danos morais decorre do entendimento de que como esses danos representam uma violação aos direitos da personalidade os quais são protegidos constitucionalmente é imperativo ter um mecanismo para auxiliar na compensação Embora não seja viável reparar integralmente a integridade psicológica da mesma maneira que se faz com a integridade física a compensação econômica desempenha um papel não apenas desestimulante como mencionado anteriormente mas também atenuador do dano causado THEODORO JR 2016 p 2 O caráter punitivo visando dissuadir a prática de atos ilícitos inerente aos danos morais por vezes não consegue atingir seu objetivo por meio dessa categoria de dano Ao examinar a responsabilidade objetiva notase que o elemento subjetivo é dispensado para sua configuração mas isso não impede que a extensão do dolo ou da culpa seja considerada durante a quantificação do dano FISBERG 2021 p 175176 Definição São os prejuízos de natureza extrapatrimonial relacionados à esfera emocional psicológica e reputacional da vítima Podem decorrer de situações como ofensas constrangimentos vexames entre outros 15 Reparação A reparação dos danos morais busca compensar o sofrimento experimentado pela vítima proporcionando uma reparação simbólica e dissuasiva ao causador do dano 23 Danos Extrapatrimoniais ou Existenciais O dano emergente é caracterizado pela efetiva perda patrimonial representando aquilo que foi concretamente perdido no momento do evento danoso Um exemplo claro desse tipo de dano seria a situação de um automóvel que sofre danos em um acidente resultando na perda material tangível do veículo Este aspecto do dano está associado diretamente à diminuição do patrimônio da vítima Por outro lado o lucro cessante referese à quantia econômica que a vítima deixou de obter em decorrência do dano causado Essa perda econômica ocorre tipicamente quando o bem afetado pelo dano é utilizado como meio de sustento financeiro da vítima Por exemplo considere um taxista cujo veículo é tornase inutilizável devido a um acidente Nesse caso além da perda material evidente dano emergente o taxista experimenta o lucro cessante uma vez que deixa de auferir os ganhos que normalmente obteria por meio da utilização do veículo danificado em sua atividade profissional Portanto o dano emergente e o lucro cessante representam duas facetas distintas do prejuízo patrimonial Enquanto o dano emergente relacionase diretamente à perda material concreta o lucro cessante está vinculado à privação dos ganhos econômicos que a vítima razoavelmente esperaria obter caso o dano não tivesse ocorrido TARTUCE 2017 p 472 Definição Tratase de uma categoria mais abrangente englobando danos que afetam aspectos fundamentais da existência humana como liberdade integridade física dignidade identidade entre outros Reparação A reparação de danos extrapatrimoniais pode envolver medidas que vão além da compensação financeira buscando restabelecer a dignidade da vítima e prevenir a ocorrência de danos semelhantes 16 34 Reconhecimento de Novos Danos Em um ambiente jurídico em constante evolução é imperativo que o ordenamento jurídico se adapte para reconhecer novas formas de danos que surgem em decorrência das mudanças na sociedade Um exemplo claro desse fenômeno é a incorporação de danos sociais ambientais e aqueles decorrentes de violações a direitos fundamentais Essa adaptação reflete a necessidade de o direito acompanhar e endereçar questões emergentes que podem impactar indivíduos e comunidades Assim sendo conforme as circunstâncias específicas do caso é possível que o prejuízo ocasionado ultrapasse o âmbito individual afetando a comunidade como um todo uma vez que um ato se doloso ou gravemente culposo ou se negativamente exemplar não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima mas sim atinge a toda a sociedade num rebaixamento imediato do nível de vida da população Causa dano social grifos originais JUNQUEIRA DE AZEVEDO 2009 p 380 apud FISBERG 2021 p 176 Contudo em situações como essa não é viável compensar o dano provocado por meio dos mecanismos de caracterização do dano moral Isso se deve ao fato de que o Artigo 944 do Código Civil BRASIL 2002 estabelece que o valor da indenização deve ser avaliado com base na extensão do dano o que resultaria em uma desproporcionalidade ao fixar em âmbito individual uma compensação destinada a reparar danos coletivos Diante desse impasse e a fim de resolver a questão sem deixar o ato ilícito contra a coletividade sem punição a doutrina instituiu uma nova categoria de dano denominada Dano Social Essa modalidade busca ressarcir a sociedade quando ocorre um prejuízo que ultrapassa o indivíduo lesado impactando negativamente a qualidade de vida de toda a população FISBERG 2021 p 176 177 17 Os danos sociais por exemplo referemse aos prejuízos coletivos que podem afetar grupos específicos ou a sociedade como um todo Isso pode incluir danos decorrentes de práticas discriminatórias desigualdades sistêmicas ou violações massivas de direitos A adaptação jurídica para incluir esses danos é essencial para garantir uma proteção efetiva aos interesses e direitos das partes afetadas Junqueira de Azevedo 2009 p 382 assim preconiza Os danos sociais por sua vez são lesões à sociedade no seu nível de vida tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral principalmente a respeito da segurança quanto por diminuição de sua qualidade de vida Os danos sociais são causa pois de indenização punitiva por dolo ou culpa grave especialmente repetimos se atos que reduzem as condições coletivas de segurança e de indenização dissuasória se atos em geral de pessoa jurídica que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população grifos originais apud FISBERG 2021 p 177 De acordo com Fisberg é admissível que o dano social seja cumulado com outros danos tais como o dano moral e material visto que além da prática jurisprudencial respaldar tal entendimento a compatibilização na fixação de danos neste caso pode ser solucionada através de uma cisão temporal isto é separase a extensão do dano individual do prejuízo maior e prolongado que justifica a lesão coletiva É importante destacar que os danos sociais não se confundem com os danos morais coletivos sendo este último subespécie dos danos morais Embora ambos estejam presentes em situações em que o dano extrapola a esfera individual os danos sociais têm uma função punitiva e que é proporcional à gravidade do dano Já os danos morais coletivos buscam uma compensação à violação de um direito personalíssimo não importando a extensão do dano para que ele esteja configurado Como dito anteriormente os danos indenizáveis fazem parte de um rol exemplificativo o que faz com que o termo dano previsto no Artigo 944 do Código Civil BRASIL 2002 online seja lido da forma mais ampliativa possível possibilitando a existência de diversas espécies de dano 18 Os danos ambientais são outra categoria que ganhou destaque com o aumento das preocupações com a sustentabilidade A degradação ambiental muitas vezes resulta em impactos diretos na qualidade de vida das pessoas e pode portanto ser considerada um dano passível de reparação A evolução jurídica neste contexto visa não apenas responsabilizar individualmente os causadores dos danos mas também promover a preservação ambiental como um objetivo legal Dentre as variadas espécies de dano além daquelas citadas até aqui destacase o Dano Estético modalidade autônoma de dano indenizável que se faz presente quando ocorre um ferimento lesão corte cicatriz amputação enfim tudo que prejudique o corpo humano de forma transitória ou permanente atingindo dessa forma a dignidade da pessoa humana Embora haja semelhança entre o dano estético e outras modalidades de dano há autonomia em relação ao dano estético de modo que é possível requerer indenização deste em cumulação com a reparação de outros danos Tal entendimento é majoritário na doutrina e jurisprudência sendo sedimentado inclusive pelo STJ através da edição da Súmula nº 38710 10 Súmula 387 É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral 19 3 TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO A Teoria do Desvio Produtivo desenvolvida e concebida pelo jurista Marcos Dessaune consolidouse principalmente no campo do Direito do Consumidor onde foi prontamente acolhida amplamente adotada e extensivamente aplicada Essa teoria exerce uma influência direta nas decisões proferidas por juízes e tribunais ao resolver disputas entre consumidores e fornecedores envolvidos em relações de consumo Em suas palavras o autor explica Minha tese é que o fornecedor ao atender mal criar um problema de consumo potencial ou efetivamente danoso e se esquivar da responsabilidade de sanálo espontânea rápida e efetivamente induz o consumidor em estado de carência e condições de vulnerabilidade a incorrer em um dano extrapatrimonial de natureza existencial que deve ser indenizado in re ipsa pelo fornecedor que o causou independentemente da existência de culpa DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada 2 ed Vitória 2017 p 31 Esta teoria se ajusta e se integra de maneira coesa aos princípios e normas estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor alinhandose também à disciplina delineada na Constituição da República Federativa do Brasil Esta última ao consagrar a proteção dos direitos do consumidor é perceptível pela leitura dos artigos 5º inciso XXXII11 e 170 inciso V12 Dessaune ao explanar sobre sua teoria destaca que o consumidor na atual sociedade de consumo capitalista é cada vez mais compelido a dedicar seu tempo para lidar com defeitos de produtos ou serviços potencialmente prejudiciais originados pelos próprios fornecedores É notório que a sociedade sob a égide do capitalismo impõe um ritmo mais acelerado aos seus membros revelando práticas e peculiaridades típicas da 11 XXXII o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor 12 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios V defesa do consumidor 20 economia de mercado como a valorização do consumismo desenfreado e a adoção de comportamentos extravagantes e imediatistas por parte das pessoas Importante ressaltar que dada a nossa inserção nesse sistema econômico que fundamenta seus valores no consumismo exacerbado e no hedonismo sem precedentes as relações de consumo que estabelecemos com os fornecedores de serviços ou produtos assumem uma importância singular influenciando diretamente em nosso cotidiano O fornecedor presta um serviço inadequado quando deixa de promover o bemestar do consumidor visto que sua missão é proporcionar por meio de produtos ou serviços de qualidade condições para que o consumidor utilize seu tempo e habilidades em atividades de sua livre escolha e preferência conhecidas como atividades existenciais13 Estas atividades englobam estudos trabalho descanso lazer e autocuidado Em outras palavras o fornecedor deve liberar os recursos produtivos do consumidor Contudo o que frequentemente ocorre é que ao invés de fornecer produtos e serviços de qualidade o fornecedor presta um serviço inadequado e gera problemas de consumo potencial ou efetivamente prejudiciais além de se eximir de resolvêlos de maneira espontânea rápida e efetiva Exemplos comuns incluem filas em bancos envio de cartões de crédito não solicitados longas esperas em atendimentos médicos e dias de espera por uma visita técnica14 Nesse cenário o consumidor é compelido a dedicar uma parte de seu tempo útil para resolver questões relacionadas ao consumo o que por si só já acarreta um prejuízo potencial Afinal não é possível realizar simultaneamente duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludente Por exemplo reclamar e descansar aguardar atendimento em casa e trabalhar fora 13 DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor o prejuízo do tempo desperdiçado e da vida alterada 2 ed Vitória 2017 p 31 14 MAIA Maurilio Casas O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo quando o tempo é mais que dinheiro é dignidade e liberdade São Paulo Revista de Direito do Consumidor v 92 2014 p 161176 21 esperar em uma fila demorada e participar de um culto religioso entre outras situações Vitor Guglinski ao argumentar que o tempo útil desviado para resolver problemas relacionados ao consumo deve ser indenizado destaca a importância de compensar a verdadeira via crucis enfrentada pelos consumidores para fazer valer seus direitos Ele afirma de maneira acertada que para o empreendedor tempo é dinheiro para o consumidor tempo é vida A indenização pela perda do tempo útil aborda situações intoleráveis em que há negligência e desrespeito aos consumidores Muitas vezes eles se veem obrigados a sair de sua rotina e sacrificar seu tempo livre para resolver problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores em situações que fogem do que é aceito como normal Nessas circunstâncias ocorre um claro desrespeito ao consumidor que frequentemente é atendido rapidamente na contratação mas ao buscar solucionar impasses é injustificadamente obrigado a perder seu tempo livre 31 Tempo como recurso produtivo A responsabilidade civil surge em decorrência de um dano causado a determinado bem jurídico gerando assim o dever de indenizar O bem jurídico neste caso pode ser entendido como todo e qualquer bem da vida que seja juridicamente protegido A doutrina de um modo geral normalmente atribui como bem o patrimônio físico da pessoa ou ainda o seu estado psicológico esquecendo se todavia do tempo O tempo deve ser interpretado sob duas óticas o tempo dinâmico enquanto fato jurídico em sentido estrito ordinário isto é o fenômeno natural do decurso de tempo e o tempo estático pessoal vital que é o tempo de vida que cada ser humano possui Diferente do tempo dinâmico o tempo vital merece proteção especial uma vez que o tempo de vida de cada ser humano é finito não sendo possível recuperálo ou acumulálo 22 Para tudo que o indivíduo faz ou produz é preciso que se gaste o tempo pessoal e não sendo possível têlo de volta este pode ser considerado bem econômico e todo bem econômico é considerado um bem jurídico Deste modo o tempo vital deve ser entendido como o capital pessoal do indivíduo isto é algo que pode ser convertido em outros bens materiais ou imateriais de acordo com as escolhas livres e voluntárias de cada pessoa Tratase de algo que condiciona a própria existência humana visto que a vida tem a sua duração pautada justamente no tempo o que faz com que o direito à vida previsto no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 online proteja o tempo vital por este ser algo inerente à vivência do indivíduo A teoria do desvio produtivo do consumidor possui como elemento central o tempo Tratado como um relevante recurso produtivo e um bem juridicamente tutelado o tempo possui como característica sua intangibilidade ininterruptibilidade e irreversibilidade Ou seja é algo que não se pode acumular nem recuperar durante a vida Por isso é tido como um bem econômico primordial e valioso que cada pessoa humana dispõe em sua existência15 Além disso o tempo é um recurso produtivo necessário para o desempenho de qualquer atividade Por consequência as pessoas estão sempre buscando ter mais tempo o que mediante a aplicação direta da Lei da Oferta e da Procura o qualifica como um bem escasso em relação à demanda por ele existente16 Conforme lecionado por Pablo Stolze Gagliano o tempo pode ser considerado sob duas perspectivas a dinâmica em que tempo é um fato jurídico em sentido estrito ordinário ou seja um acontecimento natural capaz de deflagrar efeitos na órbita do direito e a perspectiva estática segundo a qual o tempo é um valor um relevante bem passível de proteção jurídica Além disso o tempo é tutelado inclusive na Constituição Federal de 1988 que em seu art 5 inciso LXXVIII assegura a razoável duração do processo e a celeridade processual como 15 SCRAMIM Umberto Cassiano Garcia Da Responsabilidade Civil pela frustração de tempo disponível São Paulo Revista dos Tribunais v 968 p8399 jun 2016 16 GAGLIANO P S Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo Revista Direito UNIFACS Salvador v 168 jun 2014 23 direitos fundamentais com o objetivo de conceder a tutela jurisdicional no menor lapso temporal possível Dessa maneira quando o consumidor utiliza o seu tempo vital para tentar solucionar problemas advindos das relações de consumo precisa se desviar de suas atividades existenciais configurando uma renúncia ao direito à vida que é indisponível bem como ao direito à educação ao trabalho ao descanso ao lazer ao convívio social aos cuidados pessoais e ao próprio consumo Marcos Dessaune defende Ao sucumbir ao modus solvendi do problema veladamente imposto pelo fornecedor o consumidor incorre então independentemente do resultado do seu esforço na perda definitiva de uma parcela do seu tempo total de vida na alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida e na instalação em sua vida de um período de inatividade existencial o que configura a lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora Esse bem e esse interesse jurídicos respectivamente estão sintetizados na expressão existência digna e tutelados no âmbito do direito fundamental à vida que por sua vez é sustentado pelo valor supremo da dignidade humana O tempo vital existencial ou produtivo enquanto suporte implícito da própria vida também é um atributo integrante da personalidade resguardado no rol aberto dos direitos da personalidade DESSAUNE Marcos Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor Uma Visão Geral ES Edição especial do autor 2017 32 Desvio Produtivo como nova espécie de dano indenizável A teoria do Desvio Produtivo desenvolvida por Dessaune se disseminou rapidamente entre os juristas destacandose pelo pioneirismo e inovação que sua abordagem trouxe A inserção do conceito no arcabouço teórico e conceitual das Ciências Jurídicas principalmente no campo consumerista estabeleceu um novo paradigma a ser considerado em disputas envolvendo consumidores e fornecedores que muitas vezes estão em posições opostas e antagônicas Esta teoria proporcionou aos magistrados uma análise das relações jurídicas de consumo sob a ótica do recurso tempo fornecendo às cortes as ferramentas necessárias para considerar essa variável e consequentemente 24 proferir decisões mais justas e alinhadas aos fatos ocorridos O tempo despendido e desperdiçado pelo consumidor ao tentar solucionar problemas decorrentes de produtos defeituosos ou serviços mal prestados fruto da ineficiência do fornecedor tornase um recurso vital que poderia ser utilizado de maneira mais proveitosa em compromissos e atividades essenciais em sua vida como trabalho estudo lazer e relações familiares Segundo a Teoria do Desvio Produtivo ao atender mal o fornecedor gera um problema de consumo potencial ou efetivamente danoso Caso o fornecedor se exima da responsabilidade de solucionar prontamente o problema transfere o ônus para o consumidor que é geralmente a parte mais vulnerável na relação de consumo Assim o consumidor é compelido a despender seu tempo adiar ou suprimir atividades para assumir deveres e custos inerentes ao fornecedor a fim de corrigir vícios e falhas que não foram causados por sua culpa A Teoria do Desvio Produtivo destaca a relevância do tempo como um recurso produtivo do consumidor destacando que seu desperdício constitui um prejuízo existencial O tempo considerado um recurso valioso e limitado desempenha um papel crucial nas atividades cotidianas e sua má utilização pode resultar em prejuízos tangíveis e intangíveis para o indivíduo Essa abordagem inovadora proporcionou uma mudança de paradigma na análise das relações de consumo sendo reconhecida e adotada tanto por juízes quanto por tribunais A Teoria do Desvio Produtivo trouxe à tona a importância de considerar o tempo como um elemento fundamental na aferição de danos ao consumidor decorrentes de práticas inadequadas dos fornecedores 25 4 A SUPERAÇÃO DO MERO ABORRECIMENTO PROMOVIDA PELO DESVIO PRODUTIVO A teoria do desvio produtivo representa uma significativa superação em relação à abordagem tradicional que trivializa o tempo perdido nas relações comerciais indo além da simples noção de mero aborrecimento para reconhecer o valor intrínseco do tempo do consumidor Ao considerar o desvio produtivo como um fenômeno que transcende o aspecto temporal essa teoria promove uma compreensão mais abrangente e justa dos danos passíveis de indenização Anteriormente muitas decisões judiciais desconsideravam o impacto do tempo desperdiçado pelo consumidor classificandoo como um mero dissabor ou aborrecimento corriqueiro na vida cotidiana Essa perspectiva por vezes resultava em decisões desfavoráveis aos consumidores minimizando a importância do tempo como recurso valioso e considerando as perturbações nas relações de consumo como algo trivial A teoria do desvio produtivo ao contrário destaca que o tempo é um recurso finito precioso e que não pode ser recuperado Ela reconhece que ao receber um serviço defeituoso ou lidar com produtos inadequados o consumidor é forçado a desviar suas atividades cotidianas para lidar com os problemas ocasionados pelo fornecedor Esse desvio não apenas representa um prejuízo tangível mas também atinge as dimensões existenciais do consumidor influenciando seu trabalho estudo lazer e relações familiares A teoria desconsidera a ideia de mero aborrecimento e propõe uma visão mais aprofundada dos danos causados reconhecendo a lesão ao tempo como uma forma de prejuízo existencial O consumidor é obrigado a abrir mão de oportunidades e compromissos importantes impactando negativamente sua qualidade de vida Essa superação do mero aborrecimento promovida pela teoria do desvio produtivo tem sido fundamental para reverter entendimentos equivocados sobre as relações de consumo O reconhecimento da lesão ao tempo como um dano injusto 26 passível de indenização demonstra a evolução do entendimento jurídico diante das demandas contemporâneas e das mudanças nas relações comerciais O dano decorrente de vícios em uma relação de consumo impõe ao fornecedor a obrigação de ressarcir o prejuízo causado ao consumidor A negligência do fornecedor em prestar assistência diante desses problemas transfere um ônus injusto ao consumidor considerado a parte mais vulnerável nessa relação Apesar disso decisões judiciais muitas vezes minimizam os danos tratandoos como mero aborrecimento na vida cotidiana A teoria do desvio produtivo do consumidor contesta essa visão argumentando que o tempo perdido representa uma efetiva lesão aos direitos da personalidade O cancelamento da súmula 75 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro fortalece essa abordagem permitindo uma análise mais justa e específica dos danos principalmente sob a perspectiva do tempo dilapidado pelo consumidor na solução de problemas decorrentes de produtos e serviços defeituosos Essa mudança de entendimento representa um avanço significativo no Direito Civil e contribui para corrigir injustiças nas relações de consumo punindo adequadamente fornecedores que desrespeitam as leis que protegem o consumidor Em síntese a teoria do desvio produtivo não apenas destaca a relevância do tempo como um elemento essencial nas relações de consumo mas também busca corrigir distorções na apreciação dos danos afastandose da trivialização do mero aborrecimento e proporcionando uma abordagem mais justa e condizente com a realidade das interações comerciais modernas 27 5 DA TESE DO ADVOGADO MARCOS DESSAUNE A tese do advogado Marcos Dessaune representa uma significativa contribuição para o desenvolvimento da teoria do desvio produtivo no contexto jurídico brasileiro Dessaune argumenta que o tempo perdido pelo consumidor na solução de problemas relacionados a produtos ou serviços defeituosos configura uma lesão real aos seus direitos indo além do mero aborrecimento A pesquisa realizada por Dessaune na cidade de VitóriaES em 2008 revelou que os consumidores frequentemente deixam de trabalhar 338 estudar 212 ou dedicar tempo ao descanso 207 ao tentar resolver problemas decorrentes de má prestação de serviços Essa renúncia a atividades essenciais à vida humana evidencia a relevância do tempo vital não apenas como um recurso econômico mas como um elemento intrínseco à qualidade de vida O desvio produtivo caracterizase quando o consumidor diante de uma situação de mau atendimento precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor a um custo de oportunidade indesejado de natureza irrecuperável Dessaune destaca que ao confrontar o consumidor com a responsabilidade de solucionar problemas causados pelo fornecedor ocorre não apenas a perda do tempo útil mas também possíveis abalos psicológicos e até uma diminuição patrimonial efetiva A busca por soluções muitas vezes implica assumir deveres operacionais e custos materiais para resolver questões que deveriam ser enfrentadas pelo fornecedor O jurista contesta a interpretação de alguns juízes que consideram tais situações como simples dissabores da vida cotidiana destacando que o tempo é um atributo da personalidade humana e portanto merece proteção jurídica Essa abordagem inovadora reconhece o desgaste causado ao consumidor ao empregar seu tempo na resolução de questões advindas de falhas no fornecimento de produtos e serviços 28 Quanto à aplicação prática de indenizações derivadas do desvio produtivo o advogado ressalta que por se tratar de um dano extrapatrimonial a jurisprudência exige a comprovação do interesse jurídico do lesado e das circunstâncias que levaram ao evento danoso A análise do grau de culpa e da condição econômica do infrator é crucial permitindo ao juiz adequar o valor indenizatório de acordo com a capacidade financeira do fornecedor e desestimulando a repetição do comportamento inadequado A ênfase de Dessaune na lesão ao tempo como um componente do dano moral vai de encontro à ideia tradicional de que apenas aspectos emocionais compõem o dano moral Ele ressalta que o conceito de dano moral evoluiu para abranger qualquer violação a atributos da personalidade humana e o tempo como recurso vital não deve ser desconsiderado O advogado também aponta três premissas equivocadas que segundo ele muitas vezes orientam as decisões judiciais de forma inadequada A primeira é a concepção ultrapassada de dano moral limitandoo a aspectos emocionais A segunda premissa distorcida associa o desvio produtivo à integridade psicofísica do consumidor enquanto na visão de Dessaune o verdadeiro dano reside na perda de tempo A terceira premissa errônea sugere que o tempo não é juridicamente tutelado o que contradiz os princípios da doutrina e jurisprudência que reconhecem o tempo como um direito da personalidade Com relação ao objeto do dano abordado pela teoria Dessaune 2017 p 275 assim estabelece Ao sucumbir ao modus solvendi do problema veladamente imposto pelo fornecedor o consumidor incorre então independentemente do resultado do seu esforço na perda definitiva de uma parcela do seu tempo total de vida na alteração prejudicial do seu cotidiano ou do seu projeto de vida e na instalação em sua vida de um período de inatividade existencial o que configura a lesão ao tempo existencial e à vida digna da pessoa consumidora O tempo vital existencial ou produtivo enquanto suporte implícito da própria vida também é um atributo integrante da personalidade resguardado no rol aberto dos direitos da personalidade 29 O embasamento teórico de Dessaune aliado a sua defesa pela revisão do entendimento jurisprudencial teve um impacto relevante no cancelamento da súmula 75 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proporcionando uma perspectiva mais justa na avaliação de danos morais em casos de desvio produtivo do consumidor Sua abordagem assim ressalta a importância de considerar o tempo como um elemento crucial na análise de prejuízos nas relações de consumo contribuindo para uma interpretação mais alinhada aos princípios de proteção ao consumidor A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor portanto oferece uma abordagem inovadora para a proteção do consumidor no contexto das relações de consumo reconhecendo a perda do tempo vital como um dano relevante e passível de reparação alinhandose com a busca por uma efetiva tutela jurídica diante de práticas abusivas por parte dos fornecedores 30 6 ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DO DESVIO PRODUTIVO O processo de arbitramento da indenização decorrente do desvio produtivo proposto pelo advogado Marcos Dessaune é uma etapa fundamental nos casos em que consumidores buscam compensação pelos danos resultantes de uma má prestação de serviço Para determinar um montante justo e proporcional diversas considerações devem ser levadas em conta em conformidade com dispositivos legais e princípios jurídicos Em primeiro lugar é necessário que o consumidor apresente provas robustas do desvio produtivo documentando claramente o tempo e os esforços despendidos na tentativa de resolver o problema causado pela má prestação de serviço Nesse sentido o Código de Defesa do Consumidor CDC em seus artigos 6º e 14 confere ao consumidor o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços além de responsabilizar o fornecedor por falhas na prestação de serviços A avaliação do tempo perdido pelo consumidor desempenha um papel central nesse processo Esse tempo pode ser quantificado em horas de trabalho ou em atividades significativas da vida cotidiana que foram prejudicadas O artigo 6º inciso VI do CDC estabelece que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais garantindo respaldo legal para a busca de compensação Além do tempo é imprescindível considerar o impacto psicológico sobre o consumidor incluindo estresse e frustração O CDC em seu artigo 6º inciso VI também abrange a reparação por danos morais decorrentes da relação de consumo A jurisprudência brasileira tem reconhecido a importância de indenizar não apenas danos materiais mas também danos morais proporcionando uma compensação mais abrangente A aplicação do princípio da proporcionalidade é essencial para assegurar que o valor da indenização seja adequado à gravidade do desvio produtivo e aos prejuízos causados ao consumidor Casos mais graves podem justificar compensações mais elevadas respeitando o princípio da equidade 31 A capacidade econômica do fornecedor também deve ser considerada evitandose que a indenização seja ineficaz O artigo 14 1º do CDC estabelece que o fornecedor é solidariamente responsável por eventuais danos causados aos consumidores proporcionando uma base legal para a busca de compensação financeira Além disso é relevante levar em conta os efeitos preventivos e punitivos da indenização Uma compensação substancial pode desencorajar práticas abusivas cumprindo uma função dissuasória Essa abordagem está alinhada com a ideia de responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 caput do CDC que estabelece que o fornecedor responde independentemente da existência de culpa A análise de jurisprudência e precedentes judiciais em casos semelhantes contribui para estabelecer um padrão e garantir consistência nas decisões judiciais A uniformização de entendimentos fortalece a segurança jurídica e promove uma aplicação mais justa do direito Em síntese o processo de arbitramento da indenização decorrente do desvio produtivo envolve uma cuidadosa ponderação de elementos como tempo impacto psicológico proporcionalidade e capacidade econômica do fornecedor Ao considerar dispositivos legais e princípios jurídicos buscase assegurar uma compensação justa e efetiva aos consumidores prejudicados promovendo a equidade nas relações de consumo 32 7 APLICAÇÃO DO DESVIO PRODUTIVO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA A aplicação da teoria do desvio produtivo na jurisprudência brasileira representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos consumidores proporcionando uma abordagem inovadora diante das falhas na prestação de serviços A aceitação e consolidação dessa teoria no sistema jurídico do país podem ser observadas em diversos casos em que os tribunais reconheceram a validade do conceito buscando assegurar a justa compensação aos consumidores prejudicados O Código de Defesa do Consumidor CDC é a base legal que respalda a aplicação da teoria do desvio produtivo no Brasil No âmbito desse código o artigo 6º enumera os direitos básicos do consumidor destacando a busca pela efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais Além disso o artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos vícios e defeitos dos produtos e serviços constituindo um fundamento legal para a teoria Um exemplo notável de aplicação da teoria do desvio produtivo na jurisprudência brasileira pode ser extraído de decisões judiciais que reconhecem o tempo despendido pelo consumidor na resolução de problemas causados por má prestação de serviço Tribunais têm considerado o desvio produtivo como uma forma de dano extrapatrimonial em conformidade com o artigo 6º inciso VI do CDC que protege o consumidor contra práticas abusivas e lesivas à sua dignidade Em casos específicos como demandas relacionadas a serviços essenciais como telefonia fornecimento de energia elétrica e instituições financeiras os tribunais têm adotado a teoria do desvio produtivo como uma ferramenta eficaz para compensar os consumidores pelos transtornos causados Essa aceitação da teoria demonstra sua versatilidade e aplicabilidade em diferentes contextos reforçando sua legitimidade no ordenamento jurídico brasileiro A análise da jurisprudência revela que os tribunais têm reconhecido não apenas o direito à indenização pelos danos materiais mas também pelos danos morais decorrentes do desvio produtivo Essa abordagem ampla está alinhada com a proteção integral do consumidor conforme preconizado pelo CDC 33 Destacase ainda a importância da fundamentação jurídica consistente nos julgamentos que aplicam a teoria do desvio produtivo A referência a dispositivos legais como o artigo 6º e o artigo 14 do CDC fortalece a decisão judicial e estabelece um precedente jurídico que contribui para a previsibilidade e coerência nas decisões futuras A teoria do desvio produtivo tem sido aplicada em diversas decisões monocráticas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça STJ sendo que pelo menos quatro acórdãos colegiados da Corte ganharam destaque devido à sua relevância e ampla repercussão No contexto desta análise optouse por examinar casos provenientes dessas decisões colegiadas visando uma compreensão mais aprofundada Um exemplo significativo é o Recurso Especial REsp 1634851 no qual a Terceira Turma do STJ analisou uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a empresa Via Varejo A demanda buscava compelir a empresa a corrigir vícios em seus produtos no prazo de 30 dias conforme estabelecido pelo art 26 do Código de Defesa do Consumidor CDC Em caso de descumprimento a proposta era conceder ao consumidor a opção prevista no art 18 1º do CDC sujeita a multa Além disso a ação visava garantir a substituição de produtos duráveis no prazo legal de 90 dias conforme o art 26 II do CDC também sob pena de multa e reparação dos danos materiais e morais individuais e coletivos A Via Varejo contestou no Recurso Especial alegando entre outras coisas que a responsabilidade pela reparação não recai sobre o comerciante e que orientar o consumidor a encaminhar seu produto para assistência técnica não pode ser considerado uma prática abusiva A relatora Ministra Nancy Andrighi destacou a batalha enfrentada pelos consumidores na busca por produtos e serviços que atendam às suas expectativas A Ministra ressaltou que essa jornada muitas vezes começa com a dificuldade de encontrar a assistência técnica mais próxima e inclui o esforço para agendar visitas 34 técnicas autorizadas demandando considerável tempo do consumidor durante o horário comercial Diante desse cenário a turma formou entendimento de que o fornecedor ao exercer sua atividade econômica em benefício próprio tem a obrigação de participar ativamente no processo de reparo do bem atuando como intermediário na relação entre o cliente e o fabricante Essa posição visa reduzir a perda de tempo útil do consumidor alinhandose à premissa central da teoria do desvio produtivo Conforme a ementa PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR RECURSO ESPECIAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AUSÊNCIA JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO POSSIBILIDADE VÍCIO DO PRODUTO REPARAÇÃO EM 30 DIAS RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO COMERCIANTE 2 Cingese a controvérsia a decidir sobre i a negativa de prestação jurisdicional art 535 II do CPC73 ii a preclusão operada quanto à produção de prova arts 462 e 517 do CPC73 iii a responsabilidade do comerciante no que tange à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica art 18 caput e 1º do CDC 5 À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa o que por certo pode ser evitado ou ao menos atenuado se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo intermediando a relação entre consumidor e fabricante inclusive porque juntamente com este tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo 6 À luz do princípio da boafé objetiva se a inserção no mercado do produto com vício traz em si inevitavelmente um gasto adicional para a cadeia de consumo esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade e não pode em nenhuma hipótese ser suportado pelo consumidor Incidência dos princípios que regem a política nacional das relações de consumo em especial o da vulnerabilidade do consumidor art 4º I do CDC e o da garantia de adequação a cargo do fornecedor art 4º V do CDC e observância do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele art 6º VI do CDC 7 Como a defesa do consumidor foi erigida a princípio geral da atividade econômica pelo art 170 V da Constituição Federal é ele consumidor quem deve escolher a alternativa que lhe parece menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o vício em 30 dias levar o produto ao comerciante à assistência técnica ou diretamente ao fabricante não cabendo ao fornecedor impor 35 lhe a opção que mais convém 8 Recurso especial desprovido17 A Ministra Nancy Andrighi novamente aplicou a teoria do desvio produtivo no REsp 1737412 derivado de uma ação civil pública movida pela Defensoria Pública de Sergipe contra o Banco de Sergipe A ação buscava obrigar a instituição financeira a cumprir normas de atendimento presencial relacionadas ao tempo máximo de espera em filas à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção Além disso visava a compensação por danos morais coletivos decorrentes do não cumprimento dessas obrigações Inicialmente o juízo de primeiro grau condenou o banco a disponibilizar pessoal suficiente para respeitar o tempo máximo de espera na fila de atendimento e estabeleceu uma compensação de danos morais coletivos no valor de R 20000000 Contudo o Tribunal de Justiça de Sergipe afastou a condenação pelos prejuízos extrapatrimoniais tema discutido no Recurso Especial Citando a doutrina de Marcos Dessaune a Ministra destacou que o consumo de um produto ou serviço de qualidade proveniente de um fornecedor especializado implica na utilização implícita do tempo e das competências que o consumidor precisaria empregar para produzilo para seu próprio uso Assim ressaltou a função social da atividade dos fornecedores relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos incluindo o tempo disponíveis na sociedade A Ministra enfatizou que a proteção contra a intolerável perda do tempo útil do consumidor ocorre devido ao desrespeito deliberado às garantias legais visando aumentar o lucro em detrimento da qualidade dos serviços Essa conduta justificou a condenação por danos morais coletivos pois o banco submetia os 17 STJ REsp 1634851 RJ 201502262739 relatora ministra NANCY ANDRIGHI Data de Julgamento 12092017 TERCEIRA TURMA Data de Publicação DJe 15022018 36 clientes a tempos de espera que ultrapassavam significativamente os limites estabelecidos pela legislação municipal18 RECURSO ESPECIAL CONSUMIDOR TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS DEVER DE QUALIDADE SEGURANÇA DURABILIDADE E DESEMPENHO ART 4º II D DO CDC FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR DANO MORAL COLETIVO OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE FUNÇÕES PUNITIVA REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA 1 Cuidase de coletiva de consumo por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações 3 O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva 4 O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psicofísica da coletividade bem de natureza estritamente transindividual e que portanto não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana dor sofrimento ou abalo psíquico amparados pelos danos morais individuais 7 O dever de qualidade segurança durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art 4º II d do CDC tem um conteúdo coletivo implícito uma função social relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade entre eles o tempo 8 O desrespeito voluntário das garantias legais com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boafé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor 9 Na hipótese concreta a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo 10 Recurso especial provido 18 STJ REsp 1737412SE relatora ministra NANCY ANDRIGHI Data de Julgamento 05022019 TERCEIRA TURMA Data de Publicação DJe 08022019 37 Uma análise da jurisprudência brasileira destaca casos em que a teoria do desvio produtivo foi aplicada demonstrando sua aceitação e consolidação no sistema jurídico do país 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente análise destaca a significativa relevância da teoria do desvio produtivo no cenário jurídico brasileiro A ênfase na proteção do tempo como um bem jurídico fundamental ressalta a crescente conscientização sobre a importância desse elemento na vida cotidiana e na busca por uma existência digna A teoria do desvio produtivo desenvolvida pelo advogado Marcos Dessaune demonstrou ser uma ferramenta eficaz na abordagem de situações em que o consumidor se vê prejudicado pela má prestação de serviços ou produtos A análise jurisprudencial apresentada evidencia a aceitação e consolidação dessa teoria no sistema jurídico brasileiro especialmente nos casos em que houve uma clara violação do tempo útil do consumidor A proteção do consumidor contra a perda injustificada de seu tempo muitas vezes imposta por práticas abusivas de grandes fornecedores destacase como um avanço significativo na tutela dos direitos do consumidor O reconhecimento do tempo como um elemento valioso na vida moderna reforça a necessidade constante de adaptação do ordenamento jurídico às demandas da sociedade contemporânea Nesse sentido as considerações finais sublinham a importância de se manter uma abordagem dinâmica e atualizada no campo jurídico de modo a assegurar que os direitos fundamentais como o direito ao tempo sejam protegidos de maneira eficiente A teoria do desvio produtivo emerge como uma ferramenta valiosa nesse contexto contribuindo para a construção de um ambiente jurídico mais justo e alinhado às necessidades da sociedade atual 39 REFERÊNCIAS ALMEIDA Fabrício Bolzan de Esquematizado Direito do consumidor 8ª edição São Paulo Editora Saraiva 2020 ANDRADE André Gustavo Corrêa de Dano Moral e Indenização Punitiva 1ª ed Rio de Janeiro Editora Forense 2006 ARTHMAR Rogério Teoria de W S Jevons mensagem pessoal Mensagem recebida via email em 18102009 BOLSON Simone Hegele Direito do Consumidor e Dano Moral Rio de Janeiro Editora Forense 2002 BRASIL Código Civil Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Brasília DF 2002 BRASIL Código de Defesa do Consumidor Decreto Presidencial nº 2181 de 20 de março de 1997 Brasília DF 1997 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 4 ed São Paulo Saraiva 1990 BRASIL Poder Judiciário Conselho da Justiça Federal Enunciado nº 444 V Jornada de Direito Civil Brasília 2002 Disponível em httpswwwcjfjusbrenunciadosenunciado362 Acesso em 20 dez 2023 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial 899869MG Relator Min Humberto Gomes de Barros Terceira Turma julgado em 13022007 DJ 26032007 Disponível em 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