• Home
  • Chat IA
  • Guru IA
  • Tutores
  • Central de ajuda
Home
Chat IA
Guru IA
Tutores

·

Cursos Gerais ·

Macroeconomia 2

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Lei de Say e Suas Explicações

4

Lei de Say e Suas Explicações

Macroeconomia 2

FAE

Exercícios Resolvidos Modelo IS-LM: Cálculos de Equilíbrio e Impacto de Políticas

7

Exercícios Resolvidos Modelo IS-LM: Cálculos de Equilíbrio e Impacto de Políticas

Macroeconomia 2

FAE

Fazer um Resumo

14

Fazer um Resumo

Macroeconomia 2

FAE

Resumo Macroeconomia Modelo ISLM BP Mobilidade Imperfeita e Perfeita de Capitais

1

Resumo Macroeconomia Modelo ISLM BP Mobilidade Imperfeita e Perfeita de Capitais

Macroeconomia 2

FAE

Texto de pré-visualização

I N T R O D U Ç Ã O 1 OBJETO DE ESTUDO O problema da demanda efetiva que até então só era abordado pelos economistas heréticos desligados da tradição clássica e néoclássica finalmente ganhou destaque na década de 1930 e a partir daí inseriuse definitivamente na literatura econômica Essa mudança de radical implicação para uma série de questões se deveu às obras de três autores de diferentes formações teóricas por ordem de entrada em cena o sueco Gunnar Myrdal o polonês Michel Kalecki e o inglês John Maynard Keynes 1 A matriz teórica de que partiu Myrdal é constituída pela Escola austríaca e por Wicksell mas sua contribuição para o esclarecimento do problema da demanda efetiva é a mais limitada das três A matriz teórica que serviu de base a Keynes é bem menos nobre Thomas Malthus J A Hobson e outros menos conhecidos como Silvio Gesell Pelo menos essa é a matriz reconhecida pelo próprio Keynes mas na verdade ele sofreu influências de outros estudiosos mais distintos do que os acima citados como Wicksell e Alfred Marshall cuja obra principal Principles of Economics muito bem conhecida por Keynes contém algumas sementes da questão da demanda efetiva De todos foi Keynes quem obteve o maior reconhecimento pelo desenvolvimento da questão isto se deve em grande parte ao fato de ele já ser quando escreveu sua General Theory um eco 1 O trabalho de Myrdal foi publicado em sueco em 1931 e em alemão em 1933 em inglês sob o título de Monetary Equilibrium apareceu em 1939 O primeiro trabalho teórico de Kalecki foi publicado em polonês em 1933 e em francês e inglês em 1935 O livro de Keynes The General Theory of Employment Interest and Money surgiu em 1936 Indice INTRODUÇÃO iii 1 A LEI DE SAY E SUAS IMPLICAÇÕES 1 1 A longa vida da lei de Say 1 2 Formulação e significado da lei 7 3 Implicações da lei 20 2 MARX ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E REALIZAÇÃO DA MAISVALIA 49 1 O circuito do capital dinheiro 49 2 Reprodução simples e ampliada do capital 51 3 Condições materiais da reprodução 53 4 Oferta e demanda de força de trabalho 56 5 Composição material da produção 59 6 O dinheiro na acumulação de capital 71 7 O problema da realização da produção 78 8 Elementos para uma teoria da demanda efetiva 85 3 ROSA LUXEMBURGO ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E MERCADOS EXTERNOS 96 1 Formulação do problema 96 2 Solução do problema 107 3 Conquista e ampliação de mercados externos 116 4 Os erros na teoria de Rosa Luxemburgo 126 4 KALECKI A DINÂMICA DAS ECONOMIAS CAPITALISTAS 140 1 Introdução 140 2 O esquema de reprodução 147 3 Determinantes dos lucros equação simplificada 153 4 Determinantes dos lucros equação completa 160 5 Financiamento dos gastos 170 6 Lucros salários e renda nacional 183 7 Determinantes do consumo dos capitalistas 192 8 Determinantes do saldo de exportação e do déficit orçamentário 200 9 Determinantes do investimento 208 Jorge Miglieli ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA Tese de Livre Docência apresentada à Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Campinas 1979 UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL nomista de projeção mundial Contudo quem mais profundamente tratou do problema foi Kalecki tomando por base a literatura econômica marxista É precisamente a corrente marxista ligada à questão da demanda efetiva que constitui o objeto do estudo do presente trabalho Quando Kalecki elaborou seu primeiro estudo destacando o papel da demanda efetiva no processo de acumulação capitalista mais especificamente no movimento cíclico das economias capitalistas já havia sobre o assunto uma vasta literatura marxista Nessa literatura o problema da demanda efetiva era conhecido então como o problema da realização e como o problema dos mercados Esse tema havia sido amplamente discutido no fim do século XIX e no início do XX particularmente pelos marxistas russos Contudo no início da década de 1930 ele havia praticamente desaparecido de cena Em nosso entender esse desaparecimento pode ser explicado por dois motivos básicos primeiro o fato de Lênin ter criticado todos aqueles que haviam colocado em primeiro plano a questão dos mercados no processo de desenvolvimento do capitalismo segundo com o estabelecimento do marxismo oficial por Stálin no fim da década de 1920 a posição de Lênin em face do assunto foi elevada ao nível de dogma Assim o problema da realização que era um ponto controvertido sumiu da literatura marxista por longo tempo e até hoje encontramos alguns teóricos marxistas que identificam o problema da demanda efetiva que com outra designação nada mais é do que o velho problema da realização como um tema típico da Economia burguesa em sua versão keynesiana Kalecki porém que não era um marxista oficial retomou o assunto A grande crise econômica mundial de 192933 abalou profundamente a produção polonesa cujo nível em 1933 havia caído a menos da metade do nível existente em 1928 Kalecki observava que a produção decrescia apesar de haver equipamento de capital e força de trabalho suficientes para manter a economia operando em nível muito mais alto Se havia disponibilidade de capacidade produtiva a queda da produção só poderia ser explicada como uma crise de realização uma restrição de mercados uma insuficiência de demanda efetiva Para formular sua interpretação Kalecki recorreu às concepções de Marx Rosa Luxemburgo e TuganBaranovski os autores que mais diretamente o influenciaram Mas a obra de Kalecki ao fugir do padrão de conteúdo e linguagem do marxismo oficial acabou sendo identificada como keynesiana Somente a partir da segunda metade da década de 1950 sua formação marxista foi sendo pouco a pouco reconhecida em grande parte graças à divulgação de sua obra por Paul Baran Paul Sweezy e Joan Robinson Como já dissemos no presente trabalho pretendemos estudar a questão da demanda efetiva ou para sermos mais precisos o papel da realização da maisvalia no processo de acumulação capitalista no pensamento econômico marxista Assim fazendo daremos especial destaque à obra de Kalecki posto que em nosso entender foi com esse autor que a referida questão encontrou seu maior desenvolvimento 2 CONTEÚDO DO TRABALHO O presente trabalho é constituído de quatro capítulos onde são examinados em sequência os seguintes assuntos 1 a influência da chamada lei de Say sobre a teoria econômica ortodoxa 2 as concepções de Marx a respeito do processo de acumulação capitalista e do papel exercido pela demanda efetiva 3 as inovações introduzidas por Rosa Luxemburgo na teoria de Marx 4 a obra de Kalecki acerca das economias capitalistas maduras na qual ele esclarece a importância da realização da maisvalia Cremos ser conveniente esclarecer desde logo duas eventuais indagações 1 por que começamos este trabalho pelo estudo da lei de Say 2 por que dedicamos especial atenção à obra de Kalecki o que se reflete no fato de o correspondente capítulo ser o mais longo dos quatro Comecemos pelo primeiro ponto A lei dos mercados de Say segundo a qual a produção gera sua própria demanda o que implica não haver restrição de demanda para a contínua expansão da economia foi adotada por Ricardo e por John Stuart Mill e depois incorporada aos fundamentos da ortodoxia néoclássica tendo influenciado profundamente o entendimento de todo um conjunto de questões Um exame superficial da teoria da acumulação de Marx baseado apenas em seus esquemas de reprodução ampliada pode levar à falsa conclusão de que também Marx seguia embora sem o saber a lei dos mercados de Say isto porque nesses esquemas ele adotava a hipótese de contínua acumulação de capital deixando de lado as possíveis restrições impostas pela insuficiência de demanda Foi desse modo que TuganBaranovski por exemplo utilizouse dos esquemas de reprodução Até mesmo Rosa Luxemburgo numa passagem de seu livro sobre Acumulação de Capital chegou a interpretar dessa forma a teoria de Marx como veremos no capítulo 3 Mas essa interpretação é totalmente infundada Marx devotava grande desprezo por Say e por sua lei dos mercados e não perdoava Ricardo por têla adotado e defendido Podemos afirmar que foi precisamente ao criticar a versão ricardiana dessa lei aplicada à análise do processo capitalista de acumulação que Marx começou a formular sua concepção a respeito da importância da realização da maisvalia Isto pode ser constatado em seu livro Teorias da MaisValia especificamente na parte relativa a Ricardo onde Marx trata da acumulação de capital e das crises Voltamos então a perguntar que faz no começo do presente trabalho um estudo da lei de Say e de suas influências Existe um claro motivo para começar o trabalho com esse estudo pretendemos mostrar como a referida lei com todas suas implicações encontrase fortemente enraizada no pensamento econômico ortodoxo a partir de Ricardo e isto serve entre outras coisas como pano de fundo para ressaltar o quanto nessa questão para ficarmos apenas nessa o pensamento econômico marxista se diferencia da corrente ortodoxa Em suma enquanto os economistas ortodoxos levaram mais de um século contado de Ricardo a Keynes para descobrir a importância da demanda efetiva no funcionamento das economias capitalistas a teoria marxista desde o início já destacava essa questão O segundo ponto a esclarecer se refere à especial atenção dada a Kalecki O fato de o capítulo correspondente a Marx ter a metade do número de páginas do capítulo relativo a Kalecki não significa que atribuimos a Marx uma importância menor ou que o tratamos como um simples precursor de Kalecki 2 Isto é tolice Os motivos de termos dedicado maior espaço a Kalecki são 1 sua obra é relativamente pouco conhecida e merece ser mais estudada 2 especificamente na questão da demanda efetiva que é o tema central do presente trabalho sua obra é mais completa e mais clara do que a de Marx para não mencionar a de Rosa Luxemburgo e outros autores Quanto a este segundo motivo é preciso ressaltar que Marx não deixou inteiramente esclarecida a questão do papel da demanda efetiva no funcionamento das economias capitalistas Na verdade suas 2 No prefácio à segunda edição de seu livro An Essay on Marxian Economics Londres Macmillan 1966 Joan Robinson escreve que Piero Sraffa a atigava dizendo que ela tratava Marx como um pouco conhecido precursor de Kalecki e ela concorda em que há uma certa verdade nessa brincadeira concepções sobre esse assunto se encontram dispersos em diferentes partes de sua obra tanto em O Capital como nas Teorias da MaisValia não constituindo uma completa e integral formulação do problema Tanto isto é verdade que deu lugar a uma série de dúvidas e o livro de Rosa Luxemburgo sobre Acumulação de Capital é evidente exemplo disto Com Kalecki a questão da demanda efetiva passou a ser o próprio ponto de partida para a interpretação do movimento das economias capitalistas e por isto mesmo sua formulação do problema tinha de ser mais abrangente do que a de Marx onde a realização da maisvalia era vista apenas como uma das faces do processo capitalista de acumulação Queremos aproveitar o momento para fazer uma comparação entre Marx e Kalecki no tocante à análise do processo de acumulação Considerando esse processo como um todo a análise de Kalecki é mais limitada porque se atém às condições de realização da maisvalia dentro desse processo enquanto Marx trata não apenas dessas condições embora como dissemos acima seu tratamento não seja completo mas também das condições de criação da maisvalia Sejamos mais claros Marx trata da maisvalia ou lucro tanto pelo ângulo de sua geração a qual é explicada pela exploração da força de trabalho assalariada como pelo prisma de sua realização que determina quanto do lucro produzido ou potencial é efetivamente auferido pelos capitalistas mas embora Marx tenha estudado exaustivamente o processo de criação de maisvalia o processo de sua realização não ficou devidamente esclarecido Com Kalecki aconteceu o contrário ele se dedicou exclusivamente ao exame do processo de realização Nesse sentido específico sua análise das economias capitalistas é unilateral Em nosso entender é essa unilateralidade que explica certas deficiências de sua análise Onde isto se torna mais evidente é em sua concepção dos determinantes do investimento Kalecki formulou diversas explicações desses determinantes mas jamais ficou ele mesmo satisfeito com elas Em todas essas explicações ele abordou o assunto inteiramente pelo ângulo da demanda efetiva somente em sua última tentativa ele abandonou esse enfoque passando a considerar a concorrência entre os capitalistas como o principal determinante do investimento concorrência esta que só pode ser bem entendida quando examinada pelo ângulo da criação de maisvalia Em sua última formulação dos determinantes do investimento Kalecki simplesmente voltou à explicação dada pelo próprio Marx Este assunto será tratado na última seção do capítulo 4 Segundo dissemos antes um outro motivo para dedicarmos mais espaço à obra de Kalecki é o fato de ela ser relativamente pouco conhecida E mesmo quando conhecida ela é frequentemente colocada ao lado da Teoria Geral de Keynes Apesar de sua contribuição para esclarecer a formação marxista de Kalecki Joan Robinson por exemplo jamais deixa de comparálo com Keynes e o mesmo foi feito em escala ampliada por George Feiwel 3 Muitos poucos são os estudos sobre os fundamentos marxistas da obra de Kalecki 4 Com o presente trabalho esperamos contribuir para isto 3 O último artigo de Joan Robinson sobre esse tema encontrase em Oxford Bulletin of Economics and Estatistics fevereiro de 1977 número especial dedicado a Kalecki Ver também nesse mesmo número o artigo de Eprime Eshag Kaleckis Political Economy A Comparison with Keynes De George R Feiwel The Intellectual Capital of Michal Kalecki Knoxville The University of Tennessee Press 1975 ver particularmente os dois primeiros capítulos 4 Entre esses poucos devese mencionar o artigo de Mariano DAntonio Kalecki e il Marxismo em Studi Storici nº de janeiromarço de 1978 Na introdução que escrevemos para o livro de ensaios de Kalecki na série Grandes Cientistas Sociais da Editora Ática procuramos abordar embora resumidamente essa questão 3 O QUE FALTA Como dissemos antes o presente trabalho pretende ser um estudo do pensamento marxista sobre a questão da demanda efetiva Para ser um estudo mais abrangente do que realmente é seria preciso incluir alguns temas que foram deixados de lado Entre eles destacamos o das crises econômicas e as contribuições de certos autores A não inclusão desses temas foi intencional pelas razões que passamos a explicar As crises econômicas estão intimamente relacionadas com a realização da maisvalia a tal ponto que uma corrente do pensamento marxista as interpreta como sendo fundamentalmente crises de realização isto é momentos em que uma parte da produção criada ou potencial não encontra mercados não pode ser vendida gerando as conhecidas mazelas das crises econômicas queda do nível de atividades aumento do desemprego etc Assim é difícil tratar do problema da realização sem falar das crises Apesar disso preferimos não fazêlo As crises ou mais genericamente o movimento cíclico das economias capitalistas é um dos pontos mais controvertidos na literatura marxista e na literatura econômica em geral havendo pelo menos três posições divergentes quais sejam as interpretações das crises como uma dificuldade de realização ou como um resultado do desequilíbrio setorial ou como uma consequência da tendência decrescente da taxa de lucro A discussão desse tema seria necessariamente longa e por isto deixamos a questão das crises fora de nosso trabalho somente em um ou outro capítulo referimonos circunstancialmente a elas Poderíamos também ter incluído neste trabalho dois outros capítulos e chegamos a pensar em fazêlo Um desses capítulos que deveria vir em seguida à discussão da lei de Say trataria daqueles autores que na mesma época ou depois de Ricardo como por exemplo T R Malthus S de Sismondi J K Rodbertus de um modo ou de outro opuseramse à concepção ricardiana de que a acumulação de capital não encontrava obstáculos por parte da demanda e nesse sentido poderiam ser considerados como precursores de Marx O segundo desses capítulos o qual seria inserido entre o capítulo referente a Marx e o relativo a Rosa Luxemburgo abordaria o debate acerca do problema da realização ou dos mercados que envolveu vários estudiosos de Marx marxistas e não marxistas na Rússia no fim do século passado e no começo do atual alguns populistas narodniks alguns marxistas legais como eram chamados TuganBaranovski V I Lênin Acontece porém que grande parte desses dois imaginados capítulos já foi exposta por Rosa Luxemburgo na segunda parte de seu livro Acumulação de Capital Além disto examinando o assunto mais cuidadosamente concluímos que com raras exceções os mencionados autores nada ou muito pouco contribuíram para elucidar a questão além de simplesmente se oporem e às vezes nem isto à lei de Say Assim os dois imaginados capítulos tornamse dispensáveis seu interesse seria puramente ilustrativo Talvez precisemos ser um pouco mais explícitos a respeito de TuganBaranovski e Lênin Algumas concepções do primeiro destes dois autores tiveram uma certa influência sobre a obra de Kalecki conforme reconhecido por este último e por isso pode parecer que ele fez grandes contribuições para o desenvolvimento do problema da demanda efetiva Mas não é verdade TuganBaranovski excluía a possibilidade de insuficiências da demanda efetiva em sua visão do processo capitalista de acumulação Repetindo a lei de Say ele escreve que a produção capitalista cria um mercado para si mesma e visto que a expansão da produção é ilimitada em si mesma o mercado a capacidade de absorver seus produtos também não tem limites 5 O curioso é que para chegar a essa 5 Transcrito de Rosa Luxemburgo The Accumulation of Capital Londres Routledge 1963 cap 23 p 311 conclusão TuganBaranovski recorreu aos esquemas de reprodução ampliada de Marx A efetiva contribuição de TuganBaranovski está apenas em ressaltar a importância da demanda por novos bens de capital na expansão dos mercados Opondose à ingênua idéia de que toda produção é voltada para a satisfação de necessidades humanas ele insiste em que o capitalismo é um sistema denominado de antagônico por Tugan onde as mercadorias são produzidas para darem lucros não importando se elas satisfazem ou não as necessidades humanas Assim o capitalismo pode expandirse produzindo bens de consumo ou máquinas que servirão para a produção de outras máquinas A insuficiência de demanda por bens de consumo que é a tese dos chamados subconsumistas não constitui necessariamente um obstáculo à expansão da economia qualquer que seja o nível de consumo o volume total da produção continua a crescer se o nível de investimento a demanda por novos bens de capital for suficientemente alto para cobrir a diferença entre o produto nacional e o consumo Lamentavelmente porém TuganBaranovski concluía daí que os capitalistas tendem a investir desse modo do que resulta não haver insuficiência de demanda ou restrição de mercado Considerando ainda que os novos investimentos criam uma demanda adicional por bens de consumo dos trabalhadores resultante do acréscimo no volume de emprego seria mantida uma certa proporção entre o investimento e o consumo somente uma ruptura nessa proporção no caso uma queda do investimento abaixo do nível necessário poderia levar à crise econômica Quanto a Lênin ele se limitou em geral a repetir os argumentos de Marx e a criticar os que saíam da linha Na parte de crítica ele combateu principalmente as teses dos narodniks populistas russos que não viam possibilidade de um desenvolvimento capitalista na Rússia porque esse país não dispunha de um mercado interno suficiente para absorver a produção capitalista tendo em vista ser a economia russa basicamente agrícola com um campesinato extremamente pobre a eventual alternativa seria então conquistar um mercado externo mas também isso se mostrava improvável porque todos os mercados externos já se achavam sob domínio das existentes potências capitalistas Lênin respondia porém que essa tese era falsa Primeiro porque era desnecessário apelar para um mercado externo a fim de tentar resolver o problema Segundo porque o mercado interno para o capitalismo é criado pelo desenvolvimento do próprio capitalismo6 ou seja para desenvolverse o capitalismo não precisa de um prévio mercado interno esse mercado vai sendo criado e ampliado na medida em que o capitalismo se expande Até aí tudo bem Mas acontece que em seu afã de combater a tese dos narodniks Lênin passou a minimizar a importância da questão da realização e assim fazendo contribuiu para refrear o desenvolvimento dela Essa atitude teve adicionais consequências posteriormente quando com o stalinismo suas concepções foram convertidas em dogmas Vejamos como ele trata da questão Para começar ele transfere a discussão acerca da realização da maisvalia que é o ponto central para o problema da realização do capital constante capital este que é constituído não só do capital fixo mas também dos bens intermediários Por exemplo ao criticar dois autores narodniks Lênin escreveu Ambos autores reduzem todo o problema da realização do produto à realização da maisvalia evidentemente imaginando que a realização do capital constante não apresenta dificuldades Essa ingénua opinião contém um profundo erro que é a fonte de todos os demais erros da teoria narodnik da realização Na realidade a dificuldade de explicar a realização é precisamente a de explicar a realização do capital constante Lênin op cit cap 1 seção 4 p 44 6 V I Lenin The Development of Capitalism in Russia Moscow Progress Publishers 1964 cap 1 seção 9 p 69 Dizemos nós que o profundo erro está precisamente em acentuar a realização do capital constante porque a maior dificuldade é a de explicar a realização da maisvalia Para produzir os capitalistas precisam comprar as mercadorias que constituem seu capital constante quando um capitalista efetua sua produção ele compra de outros capitalistas essas mercadorias quando se considera a produção em conjunto os capitalistas estão comprando essas mercadorias uns dos outros ou seja elas estão sendo vendidas realizadas Logo na produção total a parte correspondente ao valor do capital constante é automaticamente realizada vendida no próprio processo de produção Com a parte equivalente à maisvalia total isso não acontece e aí está o grande problema Este é o tema central a ser discutido a partir da seção 7 do capítulo 2 Alterando o eixo central do problema Lênin passa a discutir a realização do capital constante em termos de reposição por novo capital do capital desgastado na produção o que é também um estranho modo de colocar o problema Temse aí a nítida impressão de que com isso Lênin quer deslocar a atenção de um ponto extremamente controvertido a realização da maisvalia para outros temas já suficientemente esclarecidos por Marx quais sejam 1 o erro de Adam Smith em não computar o capital constante no valor total da produção e 2 a interrelação entre o departamento produtor de meios de produção capital constante e o departamento produtor de bens de consumo E nesse ponto Lênin transforma o problema da realização inteiramente num problema de interrelação entre os departamentos ver na citada obra a seção 6 do capítulo 1 1 A LEI DE SAY E SUAS IMPLICAÇÕES 1 A LONGA VIDA DA LEI DE SAY Isto que hoje em dia denominamos pomposamente de Lei de Say ou Lei dos mercados de Say que para o leigo em Economia pode parecer algo de um rigor científico comparável ao teorema de Pitágoras à lei da gravidade de Newton ou à teoria da relatividade de Einstein não passava originalmente de uma concepção não muito pretensiosa do economista francês JeanBaptiste Say 17671832 tão pouco pretensiosa que ele mesmo a infringia no mesmo livro em que a formulava Infelizmente porém para o desenvolvimento da assim chamada Ciência Econômica David Ricardo 17721823 não apenas aceitou a concepção de Say como também procurou aplicála coerentemente no estudo de certos problemas que a envolvia como por exemplo no problema da acumulação de capital E como Ricardo juntamente com seu antecessor Adam Smith 17231790 foi o autor que maior influência exerceu sobre a evolução do pensamento econômico a concepção de Say foi passada adiante como um dos princípios inquestionáveis da Economia Política clássica E daí com a ajuda considerável de John Stuart Mill 18061873 ela foi também incorporada pela Economia néoclássica no pouco que esta escola deixou a respeito do ramo hoje entitulado de Macroeconomia Parece que nem mesmo o nome de Say aplicado à famosa concepção seja justificável Em primeiro lugar porque não teria sido ele o autor original da concepção Esta teria sido tomada segundo Marx da idéia de James Mill 17731836 pai de John Stuart de acordo com a qual existe um equilíbrio metafísico entre vendedores e compradores 1 Em segundo lugar porque todo o prestígio gozado 1 Vejase K Marx Teorias da MaisValia vol II cap sobre A Acumulação do Capital e as Crises parág 4 p 26 da edição pela concepcão se deve não a Say mas a Ricardo e depois a John Stuart Mill 2 Todo o rancor ou pelo menos o desaporeo de John Maynard Keynes por Ricardo manifesto em diversos momentos da obra do primeiro parece decorrer do fato de ter sido Ricardo o responsável pela incorporação da lei de Say ao corpo principal da Economia Política ortodoxa Sobre este assunto comparando Ricardo e Malthus 17661835 o qual recusava o princípio formulado por Say é famosa a seguinte afirmação de Keynes Ricardo conquistou a Inglaterra tão completamente como a Santa Inquisição conquistou a Espanha Não apenas foi sua teoria aceita pela City pelos políticos e pelo mundo acadêmico mas também encerrou a controvérsia o outro ponto de vista desapareceu inteiramente deixou de ser discutido3 argentina Ediciones Brumário Buenos Aires sd O mesmo já havia sido assinalado por John Stuart Mill Schumpeter entretanto não concorda com isso alegando que a obra de James Mill Commerce Defended onde se encontra o famoso princípio é posterior de 1808 ao livro de Say Traité dEconomie Politique de 1803 Ver Joseph Schumpeter History of Economic Analysis Londres Allen Unwin 1954 parte III cap 6 4 p 621 A verdade porém é que a edição de 1803 do livro de Say quase nada continha a respeito do discutido princípio este só viria a ser formulado na segunda edição de 1814 do livro Vejase Maurice Dobb Political Economy and Capitalism Londres Routledge Kegan Paul segunda edição 1940 cap 2 p 41 n 2 No caso de David Ricardo vejase o cap 21 de seus Principles of Political Economy and Taxation originalmente publicado em 1817 no caso de John Stuart Mill Principles of Political Economy de 1848 especialmente livro III cap 14 3 J M Keynes The General Theory of Employment Interest and Money Nova Iorque Harcourt Brace World 1964 cap 3 3 p 32 Sobre o mesmo assunto vejase também o ensaio sobre Malthus no livro de Keynes Essays in Biography nova edição N Iorque Norton Library 1963 especialmente p 102 e seguintes Se a lei de Say foi tão prejudicial assim para o desenvolvimento da Ciência Económica e se ao mesmo tempo mostravase tão conflitante com o mundo real que ela pretendia explicar como veremos adiante como poderia ela ganhar tamanha aceitação por parte tanto da teoria como da política econômica e manterse intocada por mais de um século isto é desde os Principles of Political Economy and Taxation de Ricardo de 1817 até a década de 1930 E esse longo domínio da lei de Say é ainda mais intrigante quando consideramos que durante todo esse tempo houve autores de maior ou menor importância os denominados heréticos como Malthus Marx Rosa Luxemburgo Aftalion e outros menos conhecidos que se opuseram firmemente a tal concepção Para encontrarmos uma resposta para esta indagação de pouco nos adianta examinar o desenvolvimento interno da Economia Política como se a lei de Say decorresse de outros princípios da Economia isto é como se fosse uma conclusão postulacional assim como a Geometria ou o Cálculo matemático Para obter uma resposta temos de recorrer ao que se convencionou chamar de Sociologia da ciência Dentro desta linha Michal Kalecki em um discurso na Universidade de Varsóvia quando recebeu o título de doutor honoris causa em 1964 apresenta duas razões para o domínio da lei de Say por tão longo período Antes porém de abordar este ponto é preciso esclarecer embora sumariamente que a lei de Say estabelece que toda produção encontra uma demanda ou seja que toda renda salários e lucros é inteiramente gasta na compra de mercadorias e serviços e portanto não pode haver um excesso de produção ou renda em relação à demanda ou às despesas efetivamente realizadas E daí decorre uma série de outras conclusões a serem examinadas mais tarde As duas razões apresentadas por Kalecki são em primeiro lugar o fato de a lei de Say representar o interesse da classe capitalista e em segundo lugar ser ela aparentemente confirmada coti dianamente pelas experiências dos indivíduos no trato de suas economias pessoais Como disse Kalecki em seu discurso Uma doutrina que excluía a superprodução geral fazia o sistema capitalista aparecer como sendo capaz de uma plena utilização dos recursos produtivos e esperava as flutuações cíclicas como sendo insignificantes fricções Essa apologética era facilitada pela aplicação à economia como um todo da experiência da economia individual na qual claramente um consumo menor significa uma poupança maior Mas enquanto a renda de um indivíduo é fixa a renda nacional num sistema capitalista é determinada pelas decisões de consumo e de investimento sendo que uma queda de qualquer um destes componentes de modo nenhum leva automaticamente a um aumento do outro Assim a experiência individual não corresponde ao curso da economia como um todo Em outras palavras a Lei de Say era um dogma escorando os fundamentos do capitalismo o que era facilitado pela aplicação da experiência individual cotidiana ao sistema econômico 4 Temos aí uma resposta adequada que leva em conta tanto a função social da Lei de Say enquanto suporte teórico do capitalismo como a base dessa lei na experiência dos indivíduos no trato de suas economias pessoais Faltaria porém acrescentar uma outra razão nada desprezível quanto o assunto em pauta é a evolução ou melhor a falta de evolução de uma ciência qual seja o simples comodismo intelectual que leva à rotina e à adoção acrítica de princípios estabelecidos Esta razão é imprescindível para explicar por que certas concepções subsistem mesmo depois de terem cumprido seu papel social de justificar ou validar teoricamente um determinado sistema ou os interesses dominantes dentro desse sistema e a partir de então tornaremse inúteis ou até mesmo contrárias aos interesses do sistema Um exemplo dito é a própria Lei de Say que persistia em sobreviver mesmo quando as cada vez mais agudas crises e depressões econômicas do capitalismo exigiam novas 4 M Kalecki Por que a Economia ainda não é uma Ciência Exata em Polish Perspectives setembro de 1964 concepções que antes mesmo de poderem ser usadas para justificar o sistema fossem úteis para dar uma solução às próprias crises e depressões Não é por coincidência que a derrubada da Lei de Say dentro mesmo da Economia Política ortodoxa tenha ocorrido com a maior crise econômica por que passou o capitalismo ou seja imediatamente depois da crise de 192932 Para compreender a permanência da Lei de Say talvez seja importante observar que após John Stuart Mill ela embora estivesse embutida em muitas das principais concepções da Economia ortodoxa néoclássica pouca atenção recebia dos economistas que consciente ou inconscientemente a adotavam Mesmo Alfred Marshall 18421924 que herdara diretamente de Mill o princípio de Say 5 não lhe dedica qualquer análise em separado tomandoo como um postulado da Economia Uma das poucas exceções é constituída por Fred M Taylor em cujos Principles of Economics encontramse algumas páginas especificamente sobre o assunto 6 E é curioso notar que A C Pigou um dos destacados economistas ingleses que sucederam a Marshall e cuja obra segundo Keynes constituía a versão moderna da tradição clássica jamais tenha feito explicitamente referência à Lei de Say 7 Keynes se refere ao proble 5 Vejase a citação que A Marshall Principles of Economics oitava edição Nova Iorque Macmillan 1948 cap 13 10 p 710 faz de Mill acerca da referida Lei 6 Fred M Taylor Principles of Economics Nova Iorque Ronald 1921 Segundo Lawrence R Klein The Keynesian Revolution segunda edição Londres Macmillan 1968 p 44 este livro de Taylor foi durante muitos anos usado como manual nas universidades americanas Taylor seria portanto um dos principais divulgadores da Lei de Say entre os economistas americanos formados nessa época 7 Pelo menos esta é a conclusão de Alvin H Hansen em A Guide to Keynes Nova Iorque McGraw Hill 1953 cap 1 p 17 ma do seguinte modo A doutrina de Say como apresentada por John S Mill não é jamais exposta hoje em dia desta forma crua Ela ainda é todavia subjacente a toda a teoria clássica que entraria em colapso sem ela Os economistas contemporâneos que poderiam hesitar em concordar com Mill não hesitam em aceitar conclusões que requerem a doutrina de Mill como premissa 8 Depois do ataque frontal feito por Keynes em sua Teoria Geral a Lei de Say passou a merecer maior atenção por parte dos economistas 9 para finalmente ingressar como ponto de referência separando a Economia clássica da Economia keynesiana 10 em todos os manuais de Macroeconomia Não há porém pelo menos que seja de meu conhecimento um estudo mais profundo da Lei de Say e de suas diversas implicações Os manuais de Macroeconomia por exemplo limitamse a apresentar uma resumida formulação nem sempre conveniente dessa Lei e referila como sendo um elemento da tradição clássica da Economia 11 Num desses manuais Ackley chega mesmo a dizer que a lei 8 Keynes The General Theory cit cap 2 6 p 19 9 Ver por exemplo Oskar Lange Says Law A Restatement and Criticism em Studies in Mathematical Economics and Econometrics The University of Chicago Press 1942 Joseph Schumpeter History of Economic Analysis cit Parte III cap 6 4 10 Keynes os keynesianos e mesmo os pseudokeynesianos denominam de clássicos a todos os economistas que grosseiramente falando precederam o próprio Keynes da Teoria Geral ver nessa obra o cap 1 p 3 n Para Marx a Economia clássica era compreendida quase que exclusivamente pela obra de William Petty Adam Smith e David Ricardo depois de Ricardo iniciavase o que Marx denominava de Economia Política vulgar 11 Ver por exemplo Dudley Dillard The Economics of John Maynard Keynes Nova Iorque Prentice Hall 1948 cap 2 Gardner Ackley Macroeconomic Theory Nova Iorque Macmillan 1961 cap 5 Edward Shapiro Macroeconomic Analysis Nova Iorque Harcourt 1966 cap 18 de Say não passa de um artifício criado pelos economistas modernos para caracterizar a Economia clássica e que nenhum economista clássico em particular teria adotado essa lei com todas suas implicações As idéias que discutiremos sob o nome de Lei de Say constituem em parte um conveniente homem de palha reconstruído pelos economistas modernos para representar o pensamento de seus predecessores clássicos Nenhum economista clássico individual adotou todas as idéias agora atribuídas a esse mitológico estudioso Listo Say 7 12 O que pretendemos mostrar neste capítulo é que a Lei de Say apesar das contradições do próprio Say efetivamente exerceu uma grande influência na formação da Economia Política a partir de Ricardo o qual seguido de John S Mill foi o teórico que mais consistentemente adotou aquela lei Assim concentraremos nosso estudo sobre a obra de Ricardo estendendoo às vezes até as obras de Mill e de Marshall Referências a autores posteriores serão feitas apenas circunstancialmente como exemplos de concepções apoiadas no princípio de Say 2 FORMULAÇÃO E SIGNIFICADO DA LEI a A lei No capítulo 15 sobre os mercados Des débouchés no livro I da segunda edição 1814 de sua obra Traité dEconomie Politique JeanBaptiste Say escreveu o seguinte Vale a pena notar que um produto tão logo seja criado nesse mesmo instante gera um mercado para outros produtos em toda a grandeza de seu próprio valor Quando o produtor dá o toque 12 Ackley op cit p 109 No texto citado acima onde se lê todas as idéias agora atribuídas a Say devese entender todas as implicações da lei de Say porque na realidade ninguém a não ser o próprio Say adotou todas suas idéias final a seu produto ele está ansioso para vendêlo imediatamente para que o valor do produto não pereça em suas mãos Nem está ele menos ansioso para se utilizar do dinheiro que pode obter porque o valor do dinheiro também é perecível Mas o único modo de se desfazer do dinheiro é pela compra de um produto ou outro Assim a mera circunstância da criação de um produto imediatamente abre um mercado para outros produtos Essa concepção 13 passou a ser conhecida abreviadamente como lei de Say ou lei dos mercados de Say e às vezes é também mencionada como lei da preservação do poder de compra Essa concepção tem sido traduzida através dos anos por uma curta afirmação a produção cria sua própria demanda O princípio formulado por Say tem sido defendido atualmente como sendo válido para as economias de produtores simples isto é onde cada família seria proprietária de seus meios de produção e trocaria apenas o excedente de bens que ela mesma produz mas não consome Acontece todavia que Say Ricardo Mill e todos os subsequentes adeptos do princípio apresentado pelo primeiro não estavam lidando com uma sociedade de produtores simples mas sim com uma sociedade capitalista Vejamos portanto como podemos traduzir a lei de Say no contexto de uma economia capitalista Para começar lembremonos de que o preço de um produto pode ser decomposto em três partes 1 o custo dos meios de produção depreciação do capital fixo matérias primas etc necessários para se criar o produto 2 os salários pagos aos trabalhadores empregados em sua produção 3 o lucro auferido pelos capitalistas Lembremonos também de que o processo de produção fisica de 13 Em seu livro Commerce Defended de 1808 James Mill havia escrito A produção de mercadorias cria e é a única e universal causa que cria um mercado para as mercadorias O poder de compra de uma nação é medido exatamente por seu produto anual Quanto mais aumenta o produto anual mais se amplia por este mesmo ato o mercado nacional A demanda de uma nação é sempre igual à produção de uma nação Transcrito de Maurice Dobb op cit p 4142 um bem ou serviço é ao mesmo tempo o processo de geração de um determinado valor ou preço correspondente a esse bem ou serviço Assim a cada produto corresponde um dado valor ou preço Ao vender sua mercadoria o capitalista obtém um montante de dinheiro exatamente igual ao que é necessário para comprála Isto é óbvio e equivale à afirmação de que toda venda corresponde a uma compra de igual valor Mas o capitalista não compra sua própria mercadoria Com uma parte de sua receita ele adquire de outros capitalistas os meios de produção necessários para manter em movimento sua própria atividade Com outra parte seu lucro ele compra também de outros capitalistas os bens de consumo de que precisa e um volume adicional de meios de produção para ampliar sua atividade A terceira parte serve para pagamento de salários aos trabalhadores que adquirem bens de consumo dos capitalistas Assim de acordo com esse esquema a receita total de um capitalista se distribui de diferentes modos entre diversas compras num valor total igual àquela receita Aplicando esse esquema à economia como um todo teríamos que a produção em seu conjunto gera uma capacidade de compra exatamente suficiente para absorver a própria produção Os capitalistas compram e vendem entre si os diferentes tipos de produtos bens de capital fixo bens intermediários e bens de consumo e pagam aos trabalhadores os salários que serão usados para a compra de bens de consumo Em resumo considerase que as mercadorias são trocadas entre si incluindose aí a força de trabalho como mercadoria ou seja o processo de circulação da produção em seu conjunto é entendido como sendo constituído por uma troca de produtos por produtos o dinheiro sendo usado apenas como meio de troca Esta é a essência da lei de Say que tanta confusão causou Esse mesmo esquema pode ser apresentado de modo um pouco diferente se recorrermos a um gráfico muito utilizado nos manuais néoclássicos de Microeconomia Como sabemos na Economia néo clássica não existem capitalistas nem operários nem qualquer outra classe social Todo o esquema teórico é montado sobre uma dicotomia básica de um lado as empresas produtoras de bens e serviços operando como se tivessem vida própria de outro lado os proprietários dos fatores de produção proprietários do capital e proprietários do fator trabalho que vendem às empresas os serviços de seus fatores recebendo em troca um pagamento que é a renda desses proprietários Por seu turno os proprietários dos fatores de produção compram os bens e serviços produzidos pelas empresas Temos portanto o seguinte gráfico Venda de serviços de fatores EMPRESAS Produção de bens e serviços Rendas FATORES DE PRODUÇÃO Capital e trabalho Venda de bens e serviços Recebimentos das empresas As setas em linha cheia representam fluxos em termos reais e as setas em linha pontilhada expressam fluxos em termos monetários O fluxo de serviços de fatores é necessariamente igual ao fluxo de rendas visto que ambos apenas representam um mesmo fato sob duas formas diferentes termos reais e monetários do mesmo fenômeno O mesmo acontece com a igualdade entre o fluxo de bens e serviços e o fluxo de recebimentos das empresas Se agora supusermos que os dois primeiros fluxos são iguais aos dois últimos temos uma nova apresentação da lei de Say Em termos monetários as rendas pagas pelas empresas são iguais às receitas das empresas ou visto de outro ângulo são com as rendas recebidas das empresas que os proprietários de capital e trabalho pagam a elas pelos bens e serviços que eles compram ou em suma as rendas dos capitalistas e trabalhadores são trocadas pelas receitas das empresas Em termos reais os serviços de fatores são trocados pelos bens e serviços produzidos pelas empresas Nesse caso computandose tanto os bens e serviços como os serviços de fatores na categoria geral de mercadorias temos o esquema de que as mercadorias são trocadas por mercadorias E podemos concluir também que quanto mais as empresas produzirem maior será o volume de rendas e conseqüentemente maior será o volume de vendas das empresas para os proprietários de fatores em outras palavras a produção estará gerando sua própria demanda No gráfico acima falta observar um detalhe A compra e venda de bens intermediários utilizados no processo de produção não aparece no gráfico porque é um processo que se dá entre as próprias empresas e não entre estas e os fatores de produção Ademais como a compra de bens intermediários por uma empresa é igual à venda desses bens por outra empresa essas operações se anulam b A Troca de Produtos por Produtos Restam ainda algumas questões fundamentais para se entender a lei de Say A primeira delas é a seguinte por que os produtos se trocam por produtos ou então segundo a interpretação do gráfico por que os dois fluxos de cima são iguais aos dois fluxos de baixo O dinheiro é encarado simplesmente como um meio de troca e portanto não exerce influência no processo de produção e circulação Assim o fluxo de transações em termos monetários pode ser deixado de lado como sendo um simples reflexo do fluxo real que se dá na troca entre os produtos Numa sociedade de produtores simples cada família é proprietária de seus meios e objetos de trabalho e produz diretamente para seu próprio consumo Os tipos de bens que uma família não consegue produzir ela os adquire de outras famílias em troca dos excedentes de bens que ela produz Mesmo que as trocas sejam realizadas com o auxílio do dinheiro este não exerce aí qualquer papel ativo ou seja não se produz para ganhar dinheiro e portanto o dinheiro é apenas um elemento de intermediação entre os produtos Logo o processo é essencialmente o da troca de produtos por produtos Ricardo assim se manifesta a respeito deste problema Nenhum homem produz a não ser com o objetivo de consumir ou de vender e ele jamais vende a não ser com a intenção de comprar alguna outra mercadoria que pode ser imediatamente útil para ele ou que pode contribuir para a produção futura Produzindo então ele se torna necessariamente ou o consumidor de seus próprios bens ou o comprador e consumidor dos bens de alguma outra pessoa As produções são sempre compradas por produções ou por serviços o dinheiro é apenas o meio pelo qual a troca é efetuada14 Notemos de passagem que o argumento de Ricardo é um pouco diferente do de Say Apesar da aguda compreensão que Ricardo tinha do capitalismo de sua época no texto acima transcrito parece que ele coloca o consumo como o objetivo final da produção como se estivesse tratando de uma sociedade de produtores simples e não do capitalismo Como se lê no texto o homem produz com o objetivo de consumir se ele vende seu produto é com o fim de comprar outra mercadoria que lhe seja imediatamente útil isto é que também possa ser consumida logo ou que lhe permita produzir para o consumo futuro Já no texto de Say esta idéia não está explícita Entendese aí que o objetivo do produtor é a obtenção de um bem final mas não necessariamente de consumo e se ele vende sua mercadoria é porque o valor desta valor de uso ou de troca é perecível e se ele procura comprar outra mercadoria com o dinheiro obtido é porque o valor deste também é perecível Deixando de lado o problema de saber o que significa perecível para Say podese perceber uma diferença nos argumentos de Say e de Ricardo para este se o produtor vende sua mercadoria é porque ele quer comprar 14 David Ricardo Principles of Political Economy and Taxation Penguin Books 1971 cap 21 p 291292 Daqui por diante essa obra será designada por Principles outra para Say se o produtor vende sua mercadoria e logo em seguida compra outra é porque tanto o valor de sua mercadoria como o do dinheiro por ela obtido são perecíveis Apesar dessa diferença Ricardo e Say concordam em três pontos fundamentais 1 ambos parecem estar a referirse a uma sociedade de produtores simples na qual o objetivo da produção é a própria obtenção do produto não importando se essa obtenção é direta ou indireta isto é se o produtor obtém a mercadoria através de sua própria produção ou se por intermédio da troca 2 o dinheiro constitui um simples instrumento de troca não exercendo qualquer influência sobre o processo de produção e circulação 3 dada essa função do dinheiro na realidade os produtos se trocam por produtos a criação de um produto imediatamente abre um mercado para outros produtos como diz Say ou as produções são sempre compradas por produções como diz Ricardo ou ainda como é mais usual dizerse a produção cria sua própria demanda c Função do Dinheiro Ainda dentro da questão de que estamos tratando cabe chamar a atenção para o papel atribuído ao dinheiro Como dizia Marx o dinheiro leva sempre junto a si a possibilidade de crise15 Para Marx a moeda podia servir como expressão de valor dos produtos como meio de troca ou de circulação de mercadorias e ainda como instrumento de acumulação e entesouramento O simples fato da moeda ser usada como intermediário entre as trocas já pode criar um problema para a circulação dos produtos o capitalista que obtém dinheiro pela venda de suas mercadorias pode não usálo imediatamente para a compra de outros produtos e isto por si só provoca um retardamento no processo de circulação Se mais do que isto o capitalista usa o dinheiro para entesouramento por exer 15 K Marx Teorias da MaisValia cit p 26 plo com o fim de acumular dinheiro suficiente para ampliar seu capital isso provoca uma interrupção no processo de circulação de mercadorias Na formulação da lei de Say entretanto seja para o próprio Say ou para Ricardo o dinheiro é visto não apenas como constituindo somente um meio de troca mas também como sendo gasto imediatamente Isto se explica para Say pelo fato de o dinheiro ser perecível desvalorizarse e portanto o produtor não desejar conserválo em suas mãos Para Ricardo a explicação está no fato de o dinheiro servir apenas para a aquisição de bens de consumo eou de bens de produção para criarem bens de consumo no futuro e portanto os produtores ou possuidores de dinheiro não terem motivo para manter o dinheiro em suas mãos por mais tempo do que o necessário para adquirirem daqueles bens Assim o uso do dinheiro como instrumento de troca não constitui problema para a circulação de mercadorias Mais do que isto o dinheiro passa a expressar apenas um valor nominal da troca a qual efetivamente se realiza entre as próprias mercadorias d Igualdade entre Produção e Demanda Há ainda outro ponto fundamental a ser explicado na Lei de Say Como o produtor de um determinado valor é também um comprador de produtos do mesmo valor como os produtos se trocam por produtos então decorre daí que não há excesso de produção ou seja a demanda é igual à produção Não resta dúvida de que cada produtor ao criar uma determinada quantidade de bens ou serviços de certo valor está automaticamente criando para si mesmo um potencial poder de compra de mesmo valor Ou seja a venda de seus produtos lhe fornece um volume de dinheiro igual ao valor daquela venda Acontece entretanto que os produtos criados na economia como um todo são de diferentes tipos isto é têm diferentes valores de uso servem a diferentes fins Para que não houvesse excesso de produ ção a quantidade produzida de cada tipo de bem deveria ser de tal modo a atender exatamente à quantidade demandada de cada bem Do contrário embora houvesse na economia capacidade de compra para toda a produção de qualquer tipo de bem e isto é necessariamente assim porque como já se explicou a simples produção de um bem gera uma igual capacidade potencial de compra certos bens ou certas quantidades de determinados bens poderiam não ser comprados Neste caso teríamos um excesso de produção ou visto por outro ângulo uma deficiência de demanda A resposta a este problema foi dada por Ricardo no capítulo 21 de seu Principles e em sua correspondência com Malthus e sua resposta parecia tão convincente que passou a ser adotada inquestionadamente pela Economia Política ortodoxa até a década de 1930 Ele argumentava Uma mercadoria particular pode ser produzida em demasia da qual pode haver um tal abarrotamento no mercado que não reembolse o capital nela despendido mas isto não pode ocorrer com relação a todas as mercadorias a demanda por trigo é limitada pelas bocas que existem para comêlo a demanda por sapatos e casacos pelas pessoas que existem para usálos mas embora uma comunidade ou uma parte dela possa ter tanto trigo e tantos chapéus e sapatos que ela possa ou deseje consumir o mesmo não se aplica a todas as mercadorias produzidas pela natureza ou pelo artesanato Principles cap 21 p 292293 Ou seja a demanda em relação a todos os tipos de mercadorias em seu conjunto é ilimitada16 A demanda por um tipo específico de bem pode estar satisfeita mas existirá sempre uma demanda insatisfeita por outro tipo de produto Assim com relação à demanda por um determinado bem pode haver um excesso de produção mas e 16 Notese falamos aqui de demanda potencial que na verdade é igual à necessidade no sentido genérico deste último termo No caso da demanda efetiva a situação é outra como diz Ricardo op cit p 291 a demanda só é limitada pela produção O termo demanda é usado indistintamente para se referir à demanda potencial e à demanda efetiva contrapartida haverá uma deficiência de produção de inúmeros outros bens para os quais existe demanda Deste argumento resulta que embora possa haver um excesso de produção isto acontece apenas para certos tipos de mercadorias e em caráter temporário Consideremos uma mercadoria A qualquer Suponhamos que por um ou outro motivo a produção parcial ou total dessa mercadoria não seja vendida por exemplo ou porque o capitalista que a produz superestimou a demanda por ela ou porque seus eventuais consumidores mudaram de gosto Assim a produção da mercadoria A constitui apenas a criação de um eventual poder de compra para o capitalista que a produziu poder de compra que não se efetiva porque a mercadoria não é vendida E a economia apresenta agora um excesso de produção igual ao valor da produção da mercadoria A Se esta mercadoria não é vendida isto significa que seus eventuais consumidores não a compraram e portanto dispõem de um montante de recursos dinheiro que pode ser aplicado na aquisição de outras mercadorias Assim fazendo a produção destas últimas será estimulada No fim das contas o capital usado na produção da mercadoria A se deslocará para a produção daqueles bens de maior demanda e novo equilíbrio será atingido no qual não haverá excesso de produção isto é onde a demanda será igual à produção Evidentemente nesse processo supõese a plena mobilidade de recursos e pleno conhecimento por parte dos capitalistas dos ramos onde eles devem aplicar seu capital Isto é de fato o que diz Ricardo Não é para se supor que ele o produtor o capitalista devesse para qualquer período de tempo estar mal informado a respeito das mercadorias que ele pode produzir mais vantajosamente para atingir o objetivo que tem em vista qual seja a posse de outros bens e portanto não é provável que ele produzirá continuamente uma mercadoria para a qual não há demanda Principles cap 21 p 291 O argumento de que a demanda é ilimitada ou seja de que a demanda efetiva só é limitada pela produção é essencial É isto que assegura a inexistência de um excesso de produção um abarrotamento de mercadorias não vendidas É isto que permite afirmar que um indivíduo dispondo de poder de compra adquirirá necessariamente um bem ou serviço qualquer se ele não comprar a mercadoria A comprará a mercadoria B ou C e assim sendo todo o poder de compra de uma sociedade gerado pela produção total desta mesma sociedade será aplicado na aquisição desta mesma produção E daí a afirmação de que a produção gera sua própria demanda de que não pode haver a não ser circunstancialmente um excesso de produção relativamente à demanda Mas o argumento não implica que um indivíduo dispondo de um dado poder de compra gastará ele mesmo todo seu dinheiro na aquisição de bens ou serviços Afirmase isto sim que todo o poder de compra criado pela produção será aplicado nesta mesma produção não importando quem será o efetivo comprador da produção criada Assim um indivíduo possuidor de um dado montante de dinheiro se vê em face de três possibilidades 1 comprar bens de consumo 2 adquirir bens de capital 3 deixar de gastar uma parte ou a totalidade do dinheiro Se ele opta pelas duas primeiras alternativas não há problema todo o poder de compra é efetivamente aplicado Mas que acontecerá se o dinheiro não for usado para a compra de bens e serviços Ricardo dá a resposta o dinheiro será emprestado a outra pessoa a qual o gastará e assim o problema está resolvido Se dez mil libras fossem dadas a um homem que tem 100 000 por ano ele não as trancaria num baú mas ou aumentaria de 10 000 suas despesas ou ele mesmo as empregaria produtivamente ou as emprestaria a alguma outra pessoa para este propósito em qualquer caso a demanda seria aumentada embora o fosse para diferentes objetivos Principles cap 21 p 291292 Que resulta desta argumentação Resulta que o poder de compra gerado por uma determinada produção é sempre preservado daí termos dito no início que a lei de Say é também às vezes denominada de Lei de preservação do poder de compra Ou seja em primeiro lugar de acordo com a sequência do argumento o poder de compra só pode ser criado pela produção e seu valor é igual ao valor da produção como os produtos são trocados isto é comprados por produtos somente a produção pode gerar poder de compra e daí necessariamente a demanda global não pode ser maior do que a oferta global Finalmente depois de criado o poder de compra não pode ser alterado isto é diminuído Ele poderia ser reduzido se alguém deixasse de gastar o dinheiro auferido no processo de produção Mas isto segundo os adeptos da lei de Say não acontece Um indivíduo gasta seu dinheiro na compra de um ou outro bem e se não gastar outra pessoa gasta por ele recebendo o dinheiro por empréstimo O mesmo acontece no caso das despesas governamentais estas são realizadas com as transferências de poder de compra através de tributos dos indivíduos para o Estado Em suma o poder de compra pode ser transferido de uns indivíduos para outros como pode também ser transferido dos indivíduos para o Estado O que não se concebe de acordo com a lei de Say é que o poder de compra ou em outras palavras a demanda efetiva possa ser aumentada ou diminuída sem que se aumente ou diminua o valor da produção De acordo com John Stuart Mill um dos autores que depois de Ricardo mais contribuíram para fazer da lei de Say um dogma da Economia Política ortodoxa e acadêmica O que constitui o meio de pagamento pelas mercadorias são simplesmente as mercadorias O meio de pagamento de cada pessoa pelas produções de outros indivíduos consiste naquilo que ela mesma possui Todos os vendedores são inevitavelmente e pelo significado da palavra compradores Pudéssemos nós duplicar subitamente os poderes produtivos do país duplicaríamos a oferta de mercadorias em cada mercado mas duplicaríamos também no mesmo golpe o poder de compra Todo mundo teria uma dupla demanda assim como uma dupla oferta todo mundo seria capaz de comprar duas vezes mais porque todo mundo teria duas vezes mais para oferecer em troca 17 Para concluir esta seção vejamos o que diz Marshall acerca do problema Em uma de suas primeiras obras publicada em 1879 ele escreve O total da renda de um homem é despendido na compra de serviços e de mercadorias De fato dizse usualmente que um homem gasta uma parte de sua renda e poupa a outra parte Mas é um familiar axioma econômico que um homem trabalha e mercadorias com essa parte de sua renda que ele poupa assim como faz com a parte que ele gasta Dizse que ele gasta quando ele procura obter satisfação presente dos serviços e mercadorias que adquire Dizse que ele poupa quando ele faz com que o trabalho e as mercadorias que ele compra sejam aplicados na produção da riqueza de que espera derivar os meios de satisfação no futuro 18 Notese que Marshall se refere à lei de Say como um familiar axioma econômico e que ele identifica inteiramente a poupança com os gastos em atividades produtivas a compra de força de trabalho e de bens para fins de produção de riqueza Isto por si só classificao como um adepto da lei de Say Mas como observa Keynes não é fácil descobrir em obras posteriores de Marshall trechos que o identifiquem tão claramente com tal Uma das poucas exceções encontrada em seus Principles of Economics é a citação aprovadora que ele faz do texto de J S Mill acima transcrito Mas o fato de Marshall não dedicar ao problema uma análise específica talvez se explique pelo motivo mesmo de ele aceitar a lei de Say como um axioma e portanto isenta de dúvidas 17 John Stuart Mill Principles of Political Economy nova edição 1909 reimpressa por Augustus M Kelley Fairfield 1976 livro III cap 14 2 p 558 18 Alfred Marshall Pure Theory of Domestic Values p 34 transcrito por Keynes em The General Theory cit p 19 de Say indagava Se o capital em qualquer grandeza pode ser empregado por um país como se pode dizer que ele é abundante em comparação com o volume de emprego para ele Principles cap 21 p 291 n Um excedente geral de força de trabalho também não se justifica a partir do momento em que como faz Ricardo a própria população isto é o volume total de força de trabalho passa ser explicada pela produção Ou seja o volume de força de trabalho tende a ajustarse ao processo de acumulação de capital Quando a acumulação é intensificada aumenta a demanda por trabalho e elevase a taxa de salário Com isto melhora as condições de vida dos trabalhadores e conseqüentemente suas famílias se tornam mais numerosas O acréscimo da oferta de força de trabalho por sua vez pressionaria para baixo os salários até que estes atingissem seu nível natural sendo este nível igual ao preço natural do trabalho mais ou menos correspondente a um certo nível de vida socialmente aceito pelos trabalhadores que é portanto mais do que o chamado nível de subsistência19 Ao atingirse este ponto terseia o caso de uma acumulação de capital equilibrada isto é com um igual crescimento da força de trabalho e com uma taxa constante de salário igual ao preço natural do trabalho Na hipótese de uma acumulação reduzida ocorreria o mesmo processo porém em sentido inverso redução dos salários e em seguida do volume de força de trabalho até se alcançar um novo equilíbrio 19 Mais tarde J S Mill introduziria a concepção do fundo de salário que junto com o volume de emprego da força de trabalho determinaria a taxa de salário O fundo de salário era constituído pelo montante de bens de consumo dos trabalhadores Em seus Principles of Political Economy livro II cap 11 1 Mill escreve que os salários dependem da proporção entre o número da classe trabalhadora e a grandeza do que pode ser chamado de Fundo de Salários que consiste da parte do capital circulante que é despendida no arrendamento direto de trabalho Assim dado 3 IMPLICAÇÕES DA LEI A partir da lei de Say os economistas tiraram uma série de conclusões algumas das quais persistem até hoje mesmo que seja apenas implicitamente em certas partes da teoria e política econômicas Veremos aqui algumas dessas conclusões de maior importância a Pleno Emprego Como vimos há pouco segundo a lei de Say pelo menos na formulação de Ricardo a demanda potencial é ilimitada o único limite para a demanda real sendo o volume de produção visto ser a demanda criada pela produção Assim os obstáculos à expansão da demanda são os próprios obstáculos ao crescimento da produção quais sejam os volumes disponíveis de força de trabalho e de meios de produção Se o volume de força de trabalho e também o dos meios de produção são regulados pela própria produção como veremos mais tarde temos que a economia tende naturalmente a operar com pleno emprego de recursos Se houvesse excesso de capacidade produtiva seja de capital ou de força de trabalho num determinado ramo de atividade os recursos aí empregados seriam deslocados para outro ramo para o qual existe demanda suficiente para absorver uma produção adicional e portanto para assegurar uma taxa de lucro compensatória Um excedente geral de capital também está fora de cogitação pois infringiria frontalmente a lei de Say visto que na economia considerada como um todo existe uma demanda potencial mais do que suficiente para absorver a produção realizável com todo o capital disponível nesta economia Sobre este assunto é curioso notar que o próprio Say infringia o princípio por ele mesmo formulado ao dizer que quanto mais os capitais disponíveis são abundantes em relação ao volume de emprego para eles mais cairá a taxa de juros sobre os empréstimos de capital Ricardo observando a incoerência Obviamente Ricardo se refere a um processo de longo prazo mas ele o usa como se fosse um mecanismo contínuo de ajustamento da força de trabalho à acumulação de capital Como nota Pasinetti É bastante impressionante observar quão fortemente Ricardo está convencido da operação deste mecanismo Para ser exato ele sempre fala de um processo que operará em última instância mas sua ênfase é tão forte que sua análise é sempre feita como se a resposta fosse quase imediata20 Muitos economistas certamente não se sentiram satisfeitos com o mecanismo descrito por Ricardo quando precisaram explicar a manutenção do pleno emprego do trabalho a curto prazo e tiveram de inventar um novo mecanismo Isto foi o que fizeram os economistas néoclássicos sem precisar desfazerse da lei de Say Em primeiro lugar abandonaram a concepção ricardiana do preço natural do trabalho passando a explicar o nível vigente de salário pelo ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda de trabalho Assim sendo não existe um salário natural em torno do qual os salários efetivamente pagos nos diferentes momentos mas sim diferentes níveis de salários em função da oferta e demanda de trabalho Em segundo lugar introduziram a concepção da perfeita substituição entre os assim chamados fatores de produção de modo que qualquer bem ou serviço pode ser produzido com as mais diversas combinações de fatores À respeito deste segundo ponto Marshall havia dito o seguinte A eficiência dos agentes humanos da produção de um lado e a dos agentes materiais de outro são pesadas uma em relação à outra e comparadas com seus custos monetários e cada agente tende a ser empregado na medida em que seja mais eficiente do fundo de salários a taxa de salário isto é o salário médio por trabalhador variaria inversamente com o volume de emprego da força de trabalho 20 Luigi L Pasinetti Growth and Income Distribution Londres Cambridge University Press 1974 p 5 que o outro em relação a seu custo monetário Uma função básica da empresa é a de facilitar a livre ação deste grande princípio de substituição Eles os empresários estão constantemente inventando e experimentando novos arranjos que envolvem o uso de diferentes fatores de produção e selecionando os que lhes são mais rentáveis 21 Este princípio da substituição de fatores é parte integrante da teoria néoclássica constituindo mesmo um de seus principais postulados Evidentemente os economistas clássicos e Marx haviam também considerado a substituição de capital fixo por trabalho e viceversa e viam no deslocamento de força de trabalho pela maquinaria uma característica do progresso técnico sendo que na obra de Marx o tema da crescente mecanização do processo de trabalho ou segundo suas palavras a crescente composição orgânica do capital tem um lugar de destaque Mas na teoria néoclássica o problema passa a ter outra conotação os fatores de produção passam a ser vistos como perfeitamente substituíveis entre si de modo que é possível combinar esses fatores nas mais diversas proporções a fim de se obter uma produção qualquer Quanto ao primeiro ponto relativo ao preço do trabalho a oferta e a demanda de mãodeobra passaram a ser explicadas pelo princípio marginalista A oferta de força de trabalho é determinada pela desutilidade marginal do trabalho as pessoas aceitam trabalhar até o ponto em que um acréscimo de seu trabalho não lhes cause uma insatisfação superior ou mesmo igual à satisfação que obtêm do salário que recebem por este montante adicional de trabalho assim a oferta de trabalho aumenta ao se elevar o salário Por seu lado a demanda por força de trabalho é determinada pela produtividade marginal do trabalho as empresas empregam pessoas até o ponto em que o produto gerado por um montante adicional de 21 Alfred Marshall Principles of Economics Nova Iorque Macmillan 1948 livro VI cap 11 2 p 662 trabalho não se torne inferior ou mesmo igual ao custo deste trabalho para a empresa assim a demanda por trabalho cresce ao se reduzir o salário Temse desse modo uma nova explicação do mecanismo automático de manutenção do pleno emprego com total utilização do equipamento de capital Quando ocorre uma eventual carência de força de trabalho em relação ao estoque de capital os salários sobem o preço do trabalho se torna maior do que o preço do capital o que estimula a substituição de trabalho por capital evitandose assim o aparecimento ou a manutenção de capacidade ociosa do aparato produtivo Quando existe um ocasional excedente de força de trabalho em relação ao equipamento de capital isto exerce uma pressão baixista sobre os salários Com os salários mais baixos é possível então empregar o excedente de força de trabalho assegurando o pleno emprego Como existem infinitas combinações dos fatores trabalho e capital visto que estes fatores são perfeitamente substituíveis entre si podese aumentar o volume de emprego mesmo que o estoque de capital fixo permaneça inalterado Portanto dado um certo estoque de capital o único elemento necessário ao mecanismo de obtenção ou preservação do pleno emprego é a perfeita flexibilidade da taxa de salário Notese que esta concepção se ajusta inteiramente à lei de Say Em primeiro lugar porque o funcionamento do mecanismo acima descrito supõe a inexistência de qualquer obstáculo por parte da demanda ou seja não há problema de insuficiência de demanda haverá mercado para tudo o que for produzido pelos diferentes fatores qualquer que seja o volume destes logo não há limites para a utilização produtiva seja do trabalho ou seja do capital Em segundo lugar o mecanismo implica também a preservação do poder de compra criado pela produção O poder de compra de um bem ou serviço em particular corresponde ao valor deste bem ou serviço na economia como um todo corresponde ao valor total da produção Su pondose para simplificar que o preço das matérias primas e outros insumos não se altera então um aumento ou uma diminuição dos salários causará uma igual redução ou acréscimo dos lucros Sobre isto voltaremos a falar daqui a pouco Acontece porém que no mundo real ocorre desemprego de força de trabalho juntamente com capacidade ociosa de equipamento de capital Como os economistas néoclássicos adeptos da lei de Say explicavam isto Para eles este fenômeno assim como as crises econômicas de que falaremos depois caracterizaria uma anormalidade do funcionamento da economia Esta anormalidade no caso da ocorrência do desemprego teria sua origem nas restrições institucionais ao livre funcionamento do mecanismo de mercado como por exemplo a intervenção estatal e a associação dos trabalhadores em sindicatos Este tipo de explicação pode ser encontrado em Marshall Em seus Principles of Economics livro VI cap 13 10 ele fala de natural tendência dos sindicatos a pressionar para um aumento nos salários nominais padrões durante as inflações de crédito o que provoca a elevação dos preços Nesse período de inflação os empregadores concordam em pagar maiores salários Mas logo a inflação deve declinar seguindose uma depressão e uma queda dos preços Nestas condições os salários nominais também devem cair acompanhando o nível geral de preços Assim ocorrendo haveria um ajuste entre os preços e os salários mantendo o nível de produção e o pleno emprego Mas os sindicatos de trabalhadores adotam a política de sustentação dos altos salários antes obtidos O resultado disto seria o seguinte Quanto mais os sindicatos em geral persistem nesta política mais profundo e mais constante é o dano causado ao dividendo nacional e menor é o emprego global a bons salários em todo o país Marshall loc cit p 709710 Existem inúmeros testemunhos de que os economistas ortodoxos continuavam afirmando mesmo durante e depois da grande crise eco nômica de 19291932 que os altos salários constituíam a causa do desemprego e que os salários flexíveis eram a condição essencial para se alcançar e manter o pleno emprego Em 1929 foi constituída na Inglaterra a Comissão Macmillan sobre Finança e Indústria Macmillan Committee on Finance and Industry composta por pessoas de diferentes setores de atividade O propósito dessa comissão era o de investigar os bancos a finança e o crédito dando atenção aos fatores tanto internos como internacionais que governam sua operação e fazer recomendações calculadas para possibilitar a essas agências a promoção do desenvolvimento dos negócios e do comércio e o emprego do trabalho 22 ou seja sugerir medidas que acabassem com a grave crise econômica na Inglaterra naquela época A comissão tomou depoimentos de um grande número de pessoas entre economistas homens de negócios funcionários públicos dos altos escalões etc Se o resultado prático da pesquisa realizada pela Comissão Macmillan foi de nenhum valor ela permitiu pelo menos a elaboração de um amplo quadro das concepções econômicas teóricas e práticas vigentes naquela época Nos relatórios dessa comissão encontramse depoimentos de alguns dos mais destacados economistas ingleses em favor da redução de salários como forma de eliminar ou pelo menos reduzir o desemprego Alguns desses depoimentos são reproduzidos nas obras que tratam da Economia keynesiana para mostrar a diferença entre o Keynes da Teoria Geral e os economistas ortodoxos Lawrence Klein menciona também um artigo do Prof Edwin Cannan publicado em 1932 em plena crise econômica Um outro expoente dos cortes de salário era o Professor Cannan que pretendia explicar o desemprego geral exatamente do mesmo modo como se explica o desemprego particular numa firma ou in 22 Committee on Finance and Industry Report Londres 1931 transcrito de Robert Lekachman The Age of Keynes A Biographical Study Penguin Books 1969 p 3738 dústria específica Ele argumentava que no emprego particular mais trabalhadores podem ser empregados a baixo salários se for elástica a demanda pelo produto No emprego total a demanda pelo produto é indefinidamente elástica portanto qualquer número de trabalhadores até o pleno emprego pode ser empregada se eles não pedirem salários muito altos 23 Mas o mais destacado representante dessa teoria foi sem dúvida o Prof A C Pigou Sua principal obra sobre o assunto Theory of Unemployment 1933 sofreu o mais duro ataque por parte de Keynes ver The General Theory cap 2 e Apêndice ao cap 19 Notese porém que apesar desse ataque Pigou numa obra posterior Lapses from Full Employment 1945 embora reconhecendo certas deficiências do livro anterior volta a insistir em seu argumento de que a perfeita concorrência entre os trabalhadores e portanto a total flexibilidade dos salários era a condição essencial para se obter e manter o pleno emprego b Relação entre Salários e Lucros Não se pode dizer que a relação entre salários e lucros defendida por Ricardo e outros economistas posteriores seja derivada da lei de Say embora esteja de acordo com ela Como é evidente no cap 6 de seus Principles onde ele trata dos lucros essa relação era inferida diretamente da situação de um produtor ou seja capitalista individual para quem o preço de sua mercadoria era dado externamente Sendo este preço uma grandeza dada da qual o salário e o lucro são parcelas componentes a variação na magnitude de uma parcela necessariamente implica para a outra parcela uma variação em sentido contrário Ou seja a um aumento ou redução de salário corresponde necessariamente uma diminuição ou acréscimo do lucro Assim em sua análise Ricardo parte do produtor individual 23 Lawrence R Klein The Keynesian Revolution cit p 4647 Se um produtor manufacturer sempre vendeu seus bens pelo mesmo dinheiro por 1 000 por exemplo seus lucros dependem do preço do trabalho necessário para fabricar esses bens Seus lucros seriam menores quando os salários montassem a 800 do que quando ele pagasse apenas 600 Assim na proporção em que os salários subissem os lucros cairiam Principles cap 6 p 131 Dessa situação do capitalista individual Ricardo extrapola para a economia como um todo a observada relação entre salários e lucros Sua teoria dos lucros pode ser resumida do seguinte modo os lucros seja para o capitalista individual ou seja na economia como um todo dependem dos preços ou do valor total da produção e dos salários aumentando em proporção direta ao acréscimo dos preços e à redução dos salários ou seja os lucros constituem uma função direta dos preços e inversa dos salários Se porém com faz Ricardo tomamos os preços como invariáveis então os lucros dependem exclusivamente dos salários e isto ele afirma por diversas vezes no cap 6 de seus Principles Por que considera ele os preços como dados Porque ele raciocina em termos de uma economia sob regime de concorrência perfeita Suponhamos uma elevação de preço de uma determinada mercadoria Se em resposta a essa elevação ocorrasse uma contração da demanda o preço teria de voltar a seu nível original Imaginemos porém que a demanda seja suficiente para absorver o acréscimo do preço Neste caso supondose o salário constante o lucro aumentaria Isto atrairia novos capitais para a produção dessa mercadoria sua produção seria incrementada e com isto o preço tenderia a cair até que a taxa de lucro obtida na produção dessa mercadoria se igualasse à taxa média de lucro na economia como um todo Nas palavras de Ricardo Devese entender que estou falando de lucros em geral Já assinalei que o preço de mercado de uma mercadoria pode exceder seu preço natural ou necessário na medida em que ela seja produzida em menor abundância do que requer a nova demanda por ela Isto entretanto é apenas um efeito temporário Os altos lucros do capital empregado em produzir esta mercadoria naturalmente atrairão capital para este negócio e tão logo sejam supridos os fundos requeridos e a quantidade da mercadoria seja devidamente aumentada seu preço cairá e os lucros desta atividade se conformarão ao nível geral Principles cap 6 p 1387 Assim os lucros passam a depender apenas dos salários os quais por sua vez dependem dos preços dos bens essenciais de consumo que são constituídos principalmente de produtos agrícolas os lucros dependem de salários altos ou baixos os salários dependem do preço dos bens essenciais e o preço dos bens essenciais dependem principalmente do preço dos alimentos porque todos os outros requisitos podem ser aumentados quase sem limite Idem p 139 E Ricardo vai mais longe Considerando que o preço dos bens essenciais de consumo principalmente alimentos é determinado pela quantidade de trabalho necessário para sua produção em todos os países e todos os tempos os lucros dependem da quantidade de trabalho requerido para prover os bens essenciais para os trabalhadores numa terra ou com um capital que não gera renda Ibidem p 1457 24 Ricardo encontra então uma tendência geral à queda dos lucros A tendência natural dos lucros é então a de cair porque no progresso da sociedade e da riqueza a quantidade adicional de alimentos requeridos é obtida com o sacrifício de mais e mais trabalho Esta tendência esta espécie de gravitação dos lucros felizmente é interrompida em repetidos intervalos pelas melhoras nas máquinas relacionadas com a produção de bens essenciais assim como pelas descobertas na ciência da agricultura que nos possibilita liberar uma parcela do trabalho então requerida e portanto reduzir o preço da remuneração necessária do trabalhador Ibidem p 139140 24 Nesse argumento é necessário supor como o faz Ricardo a inexistência de renda da terra porque o preço dos bens essenciais depende não apenas do trabalho necessário para sua produção mas também da renda da terra Esta é em resumo a teoria formulada por Ricardo no cap 6 de seus Principles No cap 21 ele compatibiliza essa teoria com a lei de Say Ou seja de acordo com essa lei tudo que é produzido é demandado a produção cria sua demanda logo a demanda não constitui um obstáculo ao crescimento da produção O único obstáculo que pode surgir é constituído pela queda dos lucros os quais dependem dos salários A lei de Say não apenas é compatível com a teoria dos lucros de Ricardo ela também plenamente justifica essa teoria Se conforme essa lei a renda ou poder de compra ou demanda gerada pela produção é dada isto é constitui uma grandeza fixa e se esta grandeza se compõe de salários e lucros então estes últimos necessariamente têm de diminuir quando os salários aumentam Em suma para Ricardo os lucros variam num mesmo montante porém em sentido contrário da variação dos salários sendo esta concepção não apenas compatível com a lei de Say mas também inerente à formulação dessa lei Esta concepção a respeito da relação entre salários e lucros foi passada adiante na história do pensamento econômico ortodoxo e incorporada pela Economia néoclássica Devese frisar todavia que o argumento néoclássico é um tanto diferente do apresentado por Ricardo pelo menos no que se refere ao aspecto formal De qualquer forma como Ricardo os néoclássicos tomam os preços como dados determinados pela oferta e demanda em condições de concorrência perfeita e partindo da situação de uma firma particular extrapolam essa situação para a economia como um todo E aí encontram que uma variação nos salários tem como resultado uma variação inversa nos lucros sem que isto altere para mais ou para menos o poder global de compra25 25 Para uma crítica dessa teoria vejase M Kalecki Salários Nominais e Reais em Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas São Paulo Editora Hucitec 1977 Em suma nem os economistas clássicos nem os néoclássicos visualizavam a possibilidade de uma redistribuição de renda seja de lucros para salários ou viceversa afetar o volume do poder de compra gerado pela produção ou para usar a terminologia mais conhecida afetar o nível da demanda efetiva c Crises de Produção Repetindo sumariamente o que foi dito antes a demanda ou poder de compra é criada pela produção e é sempre igual a esta Portanto excetuando os casos de desajustes temporários e circunscritos a tipos particulares de bens ou serviços não pode haver na economia como um todo uma situação de superprodução ou de subdemanda em geral Decorre obviamente dessa concepção a impossibilidade de aparecimento de crises econômicas isto é situações em que a produção excede consideravelmente a demanda gerando um abarrotamento de produtos não vendidos no mercado e logo em seguida uma queda acentuada da produção com uma série de outras consequências desemprego falências transferências de riquezas etc Mas apesar do que diz a teoria as crises ocorrem e muitas vezes com tal intensidade que até mesmo os adeptos da lei de Say se viram forçados a reconhecêlas E assim fazendo procuraram para elas explicações que não conflitassem com a teoria adotada A primeira tentativa mais conhecida foi a de John Stuart Mill uma outra na mesma linha da de Mill foi a de Alfred Marshall26 Não pretendemos discutir aqui essas tentativas mas tão somente assinalar como elas procuraram uma resposta para o problema das crises sem infringir a lei de Say E desde logo é bom esclare 26 As concepções de JS Mill encontraramse dispersas em seus Principles of Political Economy cit as de Marshall no livro que escreveu junto com sua mulher Mary Paley Marshall Economics of Industry 1879 Alvin H Hansen em Business Cycles and National Income Londres Allen Unwin 1951 cap 15 apresenta um resumo dessas concepções cer que tanto Mill como Marshall não se preocupam em fornecer uma explicação integrada do problema das crises integrada no sentido de que essa explicação se centrasse especificamente naquele problema Ao procurar uma resposta ambos os autores consideram as crises como problemas eminentemente comerciais e financeiros em que certas circunstâncias ligadas à moeda ao crédito à taxa de juros fazem com que a própria economia infrinja temporariamente a lei de Say levando às crises Assim a lei de Say permanece válida a economia é que de vez em quando vai por maus caminhos Para Mill isto decorre das atividades especulativas dos comerciantes Por uma razão acidental qualquer que pode ser uma redução de colheiras um impecilho à importação etc pode ocorrer uma tendência ao aumento de preços e consequentemente de lucros Antecipando a elevação dos preços os comerciantes procuram ampliar seus estoques de mercadorias para vendêlas durante a alta e incrementar seus lucros Esse movimento por seu turno contribui efetivamente para a elevação dos preços Chega um ponto em que os comerciantes começam a vender e com isso os preços vão caindo Para evitar perdas os comerciantes procuram agora vender o quanto podem provocando assim um efetivo colapso de preços e daí uma crise comercial Para efetuarem suas compras durante a fase de euforia os comerciantes contraem dívidas com o colapso de preços porém eles obtêm recursos suficientes para pagar as dívidas A situação se agrava Nesse processo segundo Mill o sistema de crédito tem uma parcela de responsabilidade pela crise as taxas de juros são muito baixas durante a fase de euforia facilitando aos comerciantes a tomada de empréstimos para seus fins especulativos e se elevam com o aumento da demanda por empréstimos o que agrava o problema durante a depressão Marshall segue no geral a concepção de Mill no que se refere ao papel da especulação e do crédito mas introduz também alguns elementos novos Ele explicitamente aceita a lei de Say acerca da igualdade entre produção e demanda Entretanto argumenta Mas embora os homens tenham o poder de comprar eles podem preferir não usálo27 Ou seja Marshall vê a possibilidade de rompimento daquela igualdade que pode ser provocado pela falta de confiança nos negócios A principal causa do mal é uma carência de confiança E ele explica Porque quando a confiança foi abalada por falências o capital não pode ser obtido para iniciar novas companhias ou ampliar as existentes Os projetos para novas ferrovias não encontram receptividade os navios permanecem ociosos e não há encomendas para novos navios Raramente há uma demanda por trabalhadores comuns e não muita pelo trabalho de construção e de fabricação de máquinas Em suma há apenas uma pequena ocupação em qualquer uma das atividades produtoras de capital fixo Aqueles cuja capacidade e capital são especializados nessas atividades estão ganhando pouco e portanto comprando pouco do produto das outras atividades Estas encontram um mercado pobre para seus bens produzem menos ganham menos e portanto compram menos a diminuição da demanda por seus artigos levamnas a demandar menos de outras atividades Assim expandese a desorganização comercial a desorganização de uma atividade põe as outras fora dos eixos as quais reagem a isto e aumentam sua desorganização Esta longa citação do texto de Marshall não é sem finalidade Por meio dela queremos mostrar como ele concebe uma ruptura no funcionamento da lei de Say causada pela falta de confiança Mas não apenas isto Também desejamos mostrar como ele lança mão de uma concepção muito parecida com a do multiplicador do investimento de Keynes para explicar a recessão econômica uma queda do nível de investimento provocada pela falta de confiança no mundo dos negócios gera adicionais decréscimos do investimento através da redução da demanda Mas a aproximação entre Marshall 27 Os argumentos de Marshall aqui reproduzidos foram extraídos de seus Principles of Economics cit livro VI cap 13 10 p 710711 Esses argumentos foram também empregados no livro escrito juntamente com Mary P Marshall The Economics of Industry cit e Keynes neste problema de que estamos tratando limitase a isto e ao papel que o primeiro atribui à falta de confiança em Keynes o estado das expectativas para explicar a depressão Um outro elemento utilizado por Marshall para explicar o baixo nível de produção e de emprego durante as fases de depressão é a rigidez dos salários resultante da ação dos sindicatos de trabalhadores como já mencionamos ao tratar do problema do pleno emprego Tanto Mill como Marshall e outros autores representativos da ortodoxia econômica até a década de 1930 não apenas aceitam a validade da lei de Say mas também a tomam por base para formularem muitas de suas concepções Mas a lei de Say nega a possibilidade de ocorrência de um estado de superprodução ou seja de aparecimento de crises Como estas realmente aparecem e muitas vezes se manifestam com relativa violência não há como negálas A solução mais adequada para essa contradição entre a teoria e a realidade seria pura e simplesmente a de reformular a primeira ou seja abolir a lei de Say Mas para esses economistas educados e profundamente embuídos das verdades estabelecidas pela mais pura tradição do pensamento econômico britânico essa seria uma dolorosa solução que talvez nem mesmo lhes tenha passado pela cabeça embora pelo menos no caso de Marshall isto não seja tão certo assim Seria uma dolorosa solução não apenas porque eles admirassem a lei de Say em si mesma ou porque fosse um elemento da tradição fortemente estabelecido por Ricardo mas também e principalmente pelo fato de esta solução ter outras implicações para a teoria econômica como estamos tentando mostrar A rejeição da lei de Say representaria como de fato representou mais tarde uma completa reformulação de tradicionais princípios e concepções da Economia Política ortodoxa Portanto não adotando esta solução os economistas em face das crises e depressões viramse obrigados a buscar explicações dentro do quadro de referência im posto pela lei de Say e como esse quadro é rígido conflitanto com o próprio problema para o qual as explicações são procuradas as respostas encontradas pelos economistas são necessariamente falsas ou artificiais se não em certos aspectos específicos pelo menos no todo Dois tipos de resposta foram apresentados O primeiro repre sentado pelas concepções de John Stuart Mill e Alfred Marshall é o de aceitar que em determinados momentos que são aqueles das crises a lei de Say possa ser infringida A economia normalmen te funciona de acordo com o princípio adotado de que a produção cria sua própria demanda todos os bens e serviços produzidos são vendidos haveria porém momentos de anormalidade nos quais a demanda se disassociaria da produção gerando crisesE nesses casos ou melhor de acordo com essa concepção caberia aos economistas buscar apenas as razões pelas quais a demanda se divorcia da produção O segundo tipo de resposta mantém ou pode manter incólume a lei de Say dando uma outra interpretação às crises Estas não constituiriam inicialmente um excesso de produção ou uma defici ência de demanda que levaria no desenrolar do processo a uma queda acentuada da produção Nada disto O processo gerador e ca racterístico das crises já se iniciaria com a queda da produção sem ser necessário que a demanda deixe de ser criada pela própri produção ou seja a demanda pode continuar sendo igual à produção em conformidade com a lei de Say mas isto não impede que a produção caia e portanto haja uma crise econômica se aceitamos a hipótese de a produção poder ser afetada por fatores exógenos isto é fora do domínio da economia O exemplo mais conhecido des se tipo de concepção das crises econômicas é o de W Stanley Je vons Para ele as flutuações econômicas se iniciariam com as co lhes agrícolas irregulares as colheitas abundantes favorece riam a expansão econômica em geral e as más colheitas gerariam as depressões sendo que as variações da produção agrícola por seu turno seriam resultados das condições meteorológicas e mais especificamente ainda o próprio caráter cíclico das crises seria explicado pelo caráter recorrente das manchas solares De qualquer forma fosse Jevons um adepto ou não da lei de Say ele oferecía uma resposta para o problema das crises que não a infringia d Finanças Públicas A lei de Say exerceu também grande influência sobre as Finanças Públicas Essa influência incidiu diretamente sobre 1 a concepção do papel das despesas governamentais no funcionamento da eco nomia e 2 a teoria da tributação Vejamos resumidamente essas duas questões Comecemos pelo problema dos gastos públicos Recordemos mais uma vez que pela lei de Say para uma determinada produção exis te sempre necessariamente uma demanda de igual valor e portanto não pode ocorrer uma insuficiência de demanda Neste caso que significam os gastos governamentais São apenas transférencias de despesas do setor privado para o setor estatal ou seja cada li bra despendida pelo governo corresponde a uma libra que os indi víduos deixaram de gastar Ao se efetuar a produção criase ao mes mo tempo um determinado volume de poder de compra uma parte do qual é transferida dos indivíduos para o Estado através dos tri butos eou de empréstimos públicos e é com essa parte do poder de compra que o governo efetua sua despesa Assim o poder de com pra total ou demanda efetiva total não se altera havendo ape nas uma transferência de parte deste poder para as mãos do Estado Daí concluíase também o seguinte certos governos recorrem à emissão de dinheiro para aumentar seu poder de compra isto pode na verdade ampliar o poder de compra estatal mas não o total porque este é determinado pela produção como resultado o gover no poderia efetivamente elevar suas despesas mas às custas de uma diminuição dos gastos dos indivíduos e com uma inflação de preços porque embora tenha aumentado a quantidade de dinheiro o volume de produção permaneceu o mesmo Em suma ocorre apenas um aumento nominal mas não real do poder de compra Há também outro aspecto a considerar Os economistas clássicos definiam as atividades governamentais como improdutivas e portan to as despesas públicas como gastos improdutivos enquanto as despesas individuais se dividiam em improdutivas consumo e pro dutivas investimentos Se os tributos incidem sobre o consumo dos indivíduos ocorre então apenas uma transferência de gasto im produtivo dos indivíduos para o Estado e o país como um todo nada perde com isto Se porém os tributos incidem sobre os investi mentos há então não apenas uma transferência de despesas dos in dívidos para o Estado mas também uma conversão de gastos produ tivos em gastos improdutivos e portanto uma redução na acumula ção de capital isto é da futura capacidade produtiva do país Esse mesmo princípio se aplicaria também aos impostos sobre o es toque de capital já constituído haveria uma redução deste capital em beneficio do gasto improdutivo do Estado Esse argumento é te cido por Ricardo Não existem tributos que não tenham uma tendência a enfraque cer o poder de acumular Todos os tributos têm de incidir ou sobre o capital ou sobre a renda Se eles se intrometem com o capital diminuem proporcionalmente este fundo por cuja gran deza deve sempre ser regulada a grandeza da indústria produtiva do país ese eles incidem sobre a renda devem ou reduzir a acumulação ou forçar os contribuíntes a poupar o montante do imposto através de uma correspondente diminuição de seu ante rior consumo improdutivo de bens essenciais e de luxo Prin ciples cap 8 p 169170 O mesmo argumento é retomado por J S Mill porém para demons trar que o imposto sobre a poupança corresponde a uma dupla tribu tação e consequentemente fere o princípio da equidade tributa ria Assim ele escreve o modo apropriado de determinar um imposto de renda seria tributar apenas a parte da renda destinada à despesa isto é ao consumo isentando a parte que é poupada Porque quando poupada e investida e todas as poupanças falando em geral são investidas esta parte a partir de então paga imposto de renda sobre juro ou lucro que ela gera não obstante já tenha sido tributada sobre o principal Portanto a menos que as poupanças sejam isentas do imposto de renda os contribuintes serão duas vezes tributados sobre o que eles poupam Principles of Political Economy livro V cap 2 4 p 813 Em suma da exposição feita até aqui podemos concluir o seguinte Para os autores clássicos baseados na lei de Say os gastos públicos não exerciam qualquer efeito positivo sobre a economia e em especial sobre o crescimento econômico visto constituírem apenas uma transferência das despesas privadas Antes pelo contrário os gastos públicos poderiam ser um obstáculo ao crescimento econômico na medida em que transferiam fundos de acumulação para utilizálos em atividades improdutivas Daí a conclusão de que os gastos governamentais deviam limitarse ao estritamente essencial ao bom funcionamento do aparelho estatal naquilo que lhe era inerente o controle das coisas públicas a manutenção da ordem a aplicação da justiça etc E daí também os tributos eou as dívidas públicas utilizados para financiar esses gastos deviam ser reduzidos àquele mínimo indispensável Ademais para que as despesas governamentais não constituíssem um fator negativo no crescimento econômico elas deveriam ser financiadas com impostos que não incidissem sobre o estoque de capital já formado ou sobre os recursos disponíveis para acumulação Na teoria ortodoxa os argumentos dos economistas clássicos se mantiveram até a assim chamada Revolução keynesiana Vejamos um exemplo Já mencionamos a Comissão Macmillan constituída na Inglaterra durante a grande crise de 192932 Entre as pessoas ouvidas pela comissão estava o Prof R G Hawtrey um dos mais proeminentes economistas da época Um dos pontos por ele aborda dos em seu depoimento foi o dos gastos governamentais onde ele nada mais fez do que repetir o argumento dos autores clássicos O depoimento de Hawtrey é comentado por Lawrence Klein devemos sublinhar que Hawtrey é usado aqui apenas como exemplo porque igual a ele pensava a maioria dos economistas ortodoxos da época Ele Hawtrey até mesmo considerou a idéia radical do gasto governamental efetuado com novo crédito bancário mas predisse que o resultado de tal política seria inflacionário e uma ameaça ao padrão ouro forçando assim uma elevação da taxa bancária de juro e causando a contração do crédito Tal plano para ele fracassaria porque as despesas governamentais feitas com crédito bancário significariam o fim do dinheiro barato para a empresa privada Como podiam os economistas se preocupar com o vazio inflacionário quando havia tão alto nível de desemprego A única resposta que podemos dar a esta questão é a de que eles deviam estar trabalhando com as hipóteses da lei de Say eou do pleno emprego28 Passem risto como veremos logo era encarado apenas pelo prisma da justiça ou equidade distributiva dos impostos Não se vislumbravam maiores problemas econômicos na diferenciação dos lucros e dos salários como fontes geradoras dos tributos além do fato já mencionado de que os tributos incidentes sobre as poupanças poderiam provocar uma queda na formação de capital e esse risco seria necessariamente maior no caso dos impostos sobre os lucros visto serem destes que provém a parcela maior da poupança Na verdade Ricardo procurou aprofundar a análise do problema Diversos capítulos de seus Principles são dedicados à análise dos impostos Segundo Ricardo qualquer que seja a forma do imposto incidente sobre os salários seja como imposto direto ou como imposto indireto ele aumentará o preço da força de trabalho e portanto será no fim das contas um imposto sobre os lucros isto é pagos pelos capitalistas qualquer imposto que tenha o efeito de elevar os salários será pago por uma diminuição dos lucros e portanto um imposto sobre salários é de fato um imposto sobre lucros Principles cap 16 p 236 Seu argumento é o seguinte Qualquer mercadoria aumenta de preço quando é tributada o mesmo acontecendo com o salário o preço da força de trabalho Isto não aconteceria se o aumento do preço provocasse uma queda na demanda obrigando o preço a voltar a seu nível anterior Mas com a força de trabalho isto não ocorre Ao elevarse o salário em decorrência do imposto os capitalistas realmente reduzem sua demanda por trabalho mas por outro lado com o aumento de arrecadação do imposto o governo incrementará sua demanda Logo O governo é o povo na verdade os capitalistas tornamse assim competidores e a consequência de sua competição é um aumento no preço do trabalho O mesmo número de homens será empregado mas eles estarão empregados com maiores salários Idem p 231 Embora essa linha de raciocínio e sua conclusão sejam falsas é impressionante a coerência de Ricardo convencido da verdade da lei de Say Ricardo se mantém coerente com ela em toda sua obra e diversas vezes chega a recriminar o próprio Say por infringíla como acontece também aqui quando este escreve referindose à tributação Quando levada muito longe ela produz este lamentável efeito despoja o contribuinte de uma parte de suas riquezas sem enriquecer o Estado29 Ou seja Say já havia esquecido o princípio formulado por ele mesmo segundo o qual não pode haver um vazamento no poder de compra criado pela produção e portanto não pode haver ao mesmo tempo um empobrecimento tanto dos contribuíntes como do Estado visto os recursos dos primeiros serem transferidos para o segundo Ricardo porém permanece fiel ao princípio e é por procurar aplicálo consistentemente que ele chega à conclusão de que os impostos sobre os salários são na verdade impostos sobre os lucros A conclusão de Ricardo não era agradável para os capitalistas Se verdadeira isto significaria que não adiantava tributar os salários porque seriam eles os capitalistas que pagariam esses impostos Sendo falsa a conclusão era ainda mais irritante porque podia ser encarada como uma tentativa de demonstrar a inutilidade da tributação dos salários De qualquer forma a experiência prática devia estar mostrando que os impostos sobre os salários não elevavam o preço da força de trabalho e portanto mesmo que não se pudesse demonstrar teoricamente com a mesma força lógica de Ricardo que sua conclusão estava errada ela foi abandonada O que imperou foi a concepção já mencionada por nós de que os tributos podem incidir tanto sobre os salários como sobre os lucros sem que essa incidência sobre um certo tipo de renda afete 29 Transcrito por Ricardo op cit p 245 adversamente ou vantajosamente o outro tipo de renda Assim a discussão sobre os impostos se deslocou para o problema da equidade da tributação Isto pode ser constatado já nos Principles of Political Economy de John Stuart Mill livro V cap 2 relativo aos Princípios Gerais da Tributação Em suma as Finanças Públicas deveriam ser orientadas por alguns princípios básicos entre os quais 1 os gastos governamentais deveriam limitarse ao estritamente necessário para o funcionamento do aparelho estatal 2 o problema central da tributação para financiar esses gastos era o de encontrar as formas mais justas de impostos levandose em conta também a conveniência de não restringir através dos tributos os recursos disponíveis para investimento a fim de não reduzir ou interromper o processo de expansão econômica 3 não se colocava o problema de como utilizar a tributação exatamente para alcançar esse objetivo de expansão econômica porque não se via a tributação como forma possível de aumentar em vez de diminuir o nível da produção Sobre este último ponto se o poder de compra era dado isto é fixo como poderia uma simples transferência de uma parte deste poder de compra dos indivíduos para o Estado aumentar a produção De fato a simples formulação desta pergunta era absurda Aritmeticamente ela correspondia ao seguinte problema como aumentar o valor de um total pelo simples deslocamento de uma parcela deste total Ou seja a pergunta era absurda porque formulada com base na lei de Say segundo a qual o poder de compra era fixo determinado pela produção A importância dessas falsas conclusões só pode ser devidamente avaliada quando examinamos o que representa para a Economia e mais especificamente para as Finanças Públicas o abandono da lei de Say e Acumulação de Capital Já vimos que segundo a lei de Say a demanda potencial é infinita de modo que por esse lado não há qualquer restrição ao crescimento da produção e do capital Já mencionamos também que a disponibilidade de força de trabalho não constitui um obstáculo à acumulação ou porque segundo Ricardo a oferta de mãodeobra se ajusta à acumulação ou porque segundo os néoclássicos o fator trabalho é perfeitamente substituível pelo fator capital Assim o único limite à acumulação de capital é o volume de recursos disponíveis para tal fim Vejamos como esse problema se apresenta na teoria de Ricardo Para começar é preciso observar que segundo ele somente os capitalistas poupam e portanto acumulam Os trabalhadores gastam todo seu salário em bens essenciais de consumo enquanto os proprietários de terra e a nobreza gastam em bens de luxo quase toda sua renda a parte restante da renda sendo correspondente ao consumo de bens essenciais Assim toda a acumulação de capital é efetuada pelos capitalistas incluindose nesta categoria os capitalistas industriais manufacturers e agrícolas farmers os quais pagam renda aos proprietários de terra landlords Portanto toda a acumulação depende do lucro Esta afirmação pode ser desdobrada em duas partes 1 a acumulação é determinada pelo volume total do lucro 2 a acumulação é determinada pela parcela do lucro que é poupada mas como este parcela depende do lucro total temos que a acumulação é uma função do lucro Ricardo considerava os capitalistas como uma classe frugal que despende muito pouco em bens de luxo e portanto procurava poupar o máximo de seus lucros e investir toda sua poupança Se consideramos a poupança uma função do lucro a acumulação de capital também o é Ou seja o único limite à acumulação é constituído pelo lucro Como vimos ao tratarmos da relação entre salários e lucros estes últimos tendem a cair em decorrência da tendência ascendente dos primeiros Assim haveria uma tendência histórica do capitalismo a alcançar um estado estacionário onde a acumulação de capital deixaria de existir Nessa teoria da acumulação a lei de Say é utilizada em três pontos essenciais 1 a demanda não constitui obstáculo ao crescimento da produção visto ser determinada por esta última 2 os lucros diminuem com o aumento dos salários visto ser inalterável o poder de compra total gerado pela produção 3 toda a poupança é investida Os dois primeiros pontos já foram tratados anteriormente restanos dedicar um pouco mais de atenção ao terceiro Temos que o investimento é igual à poupança Até aqui nenhuma novidade Para os economistas clássicos no entanto essa igualdade era obtida automaticamente Como vimos antes seção 2d deste capítulo tanto para Ricardo como para John Stuart Mill um ato de poupança implicava necessariamente um ato de investimento ou seja toda poupança era automaticamente investida Essa concepção é justificada historicamente por alguns autores No fim do século XVIII e na primeira metade do século XIX isto é na época de Say Ricardo Mill eram efetivamente os capitalistas a classe que mais poupava e investia enquanto o nível de salário vigente não permitia aos trabalhadores o luxo de poupar e os nobres proprietários não tinham motivo por que poupar daí a identificação da poupança com os capitalistas Além disso ocorriam também dois fatos que devem ser observados 1 o capitalismo encontravase em pleno desenvolvimento com a revolução industrial ainda em seu apogeu as oportunidades de investimento eram muitas enquanto os recursos de poupança para usufruir dessas oportunidades eram limitados 2 a poupança e o investimento eram usualmente realizados pelos mesmos capitalistas individuais ou seja cada capitalista procurava investir toda sua própria poupança a fim de ampliar seus negócios Desses dois fatos teria resultado naturalmente a identificação da poupança com o investimento Em suma os econo mistas clássicos estavam aproximadamente dizendo a verdade quando afirmavam que toda poupança era automaticamente investida Mas o que podia ser uma verdade para os economistas clássicos deixou de sêlo para os néoclássicos e mesmo assim estes últimos continuaram afirmando a igualdade entre poupança e investimento Com o desenvolvimento do capitalismo a expansão das grandes empresas a ampliação do sistema de captação de recursos por meio de empréstimos e emissões de ações e a separação entre proprietários e diretores das firmas os atos de poupança começaram a se separar dos atos de investimento os indivíduos que investiam já não eram necessariamente os mesmos que poupavam Nessa situação tornavase difícil continuar afirmando que a poupança era automaticamente investida Que fizeram os economistas néoclássicos A concepção de Ricardo e de Mill era insustentável porém os teóricos néoclássicos continuaram aferrados à lei de Say ao princípio da preservação do poder de compra à idéia de que toda renda era necessariamente gasta Se não acreditassem nisso muitas de suas concepções ruiriam junto com a lei de Say e entre outras coisas teriam de admitir que o capitalismo não é este sistema perfeito que assegura o pleno emprego dos recursos e o desenvolvimento harmonioso da economia Assim tiveram eles de buscar outro motivo para explicar a igualdade entre investimento e poupança que não o simples argumento da igualdade automática entre essas duas grandezas Para começar eles aceitaram a separação entre as decisões de investimento e as de poupança e isto sem dúvida foi um passo adiante para a compreensão do capitalismo moderno Isto posto passaram a procurar o elemento que no mecanismo de funcionamento da economia assegura a igualdade entre o investimento total e a poupança total Cada pessoa ou firma pode investir mais ou investir menos do que poupa mas na economia como um todo o investimento é sempre igual à poupança Que assegura essa igualdade Segundo os néoclássicos é a taxa de juros operando através do mecanismo de mercado isto é pelo ajustamento entre a oferta e a demanda de recursos para investimento Vejamos mais de perto esse mecanismo A taxa de juros é o preço do dinheiro como qualquer outro preço a taxa de juros seria determinada pela oferta e demanda sendo que neste caso a poupança corresponde à oferta e o investimento à demanda por dinheiro Para facilitar o raciocínio suponhamos que inicialmente o volume total de investimento demanda por dinheiro para investir seja igual ao volume total de poupança oferta de dinheiro Agora vamos imaginar que por um motivo qualquer as pessoas e firmas resolvem poupar mais ou investir menos do que antes a poupança se torne maior do que o investimento Que acontece então Poupando mais as pessoas dispõem de maiores recursos para emprestar a outras numa palavra dispõem de maiores fundos de empréstimo loanable funds em relação à procura por esses fundos isto é em relação à demanda por recursos para investimento Isso provocará uma queda da taxa de juros Esta é o preço recebido pelas pessoas que emprestam dinheiro e inversamente é o preço pago pelas pessoas que tomam dinheiro emprestado Assim a queda da taxa de juros provocará de um lado a redução da poupança e de outro o aumento do investimento até que estas duas grandezas se encontrem novamente em equilíbrio Em resumo uma queda da taxa de juros desestimula a poupança e estimula o investimento enquanto uma subida dessa taxa provoca efeitos inversos Por sua vez a taxa de juros é uma função direta do investimento e uma função inversa da poupança isto é sobe quando aumenta o investimento sendo dado o nível de poupança ou quando diminui a poupança sendo dado o nível de investimento Como vemos esta concepção está inteiramente de acordo com a teoria dos preços da Economia néoclássica o que é um motivo fundamental para explicar sua incorporação por esta Economia

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Lei de Say e Suas Explicações

4

Lei de Say e Suas Explicações

Macroeconomia 2

FAE

Exercícios Resolvidos Modelo IS-LM: Cálculos de Equilíbrio e Impacto de Políticas

7

Exercícios Resolvidos Modelo IS-LM: Cálculos de Equilíbrio e Impacto de Políticas

Macroeconomia 2

FAE

Fazer um Resumo

14

Fazer um Resumo

Macroeconomia 2

FAE

Resumo Macroeconomia Modelo ISLM BP Mobilidade Imperfeita e Perfeita de Capitais

1

Resumo Macroeconomia Modelo ISLM BP Mobilidade Imperfeita e Perfeita de Capitais

Macroeconomia 2

FAE

Texto de pré-visualização

I N T R O D U Ç Ã O 1 OBJETO DE ESTUDO O problema da demanda efetiva que até então só era abordado pelos economistas heréticos desligados da tradição clássica e néoclássica finalmente ganhou destaque na década de 1930 e a partir daí inseriuse definitivamente na literatura econômica Essa mudança de radical implicação para uma série de questões se deveu às obras de três autores de diferentes formações teóricas por ordem de entrada em cena o sueco Gunnar Myrdal o polonês Michel Kalecki e o inglês John Maynard Keynes 1 A matriz teórica de que partiu Myrdal é constituída pela Escola austríaca e por Wicksell mas sua contribuição para o esclarecimento do problema da demanda efetiva é a mais limitada das três A matriz teórica que serviu de base a Keynes é bem menos nobre Thomas Malthus J A Hobson e outros menos conhecidos como Silvio Gesell Pelo menos essa é a matriz reconhecida pelo próprio Keynes mas na verdade ele sofreu influências de outros estudiosos mais distintos do que os acima citados como Wicksell e Alfred Marshall cuja obra principal Principles of Economics muito bem conhecida por Keynes contém algumas sementes da questão da demanda efetiva De todos foi Keynes quem obteve o maior reconhecimento pelo desenvolvimento da questão isto se deve em grande parte ao fato de ele já ser quando escreveu sua General Theory um eco 1 O trabalho de Myrdal foi publicado em sueco em 1931 e em alemão em 1933 em inglês sob o título de Monetary Equilibrium apareceu em 1939 O primeiro trabalho teórico de Kalecki foi publicado em polonês em 1933 e em francês e inglês em 1935 O livro de Keynes The General Theory of Employment Interest and Money surgiu em 1936 Indice INTRODUÇÃO iii 1 A LEI DE SAY E SUAS IMPLICAÇÕES 1 1 A longa vida da lei de Say 1 2 Formulação e significado da lei 7 3 Implicações da lei 20 2 MARX ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E REALIZAÇÃO DA MAISVALIA 49 1 O circuito do capital dinheiro 49 2 Reprodução simples e ampliada do capital 51 3 Condições materiais da reprodução 53 4 Oferta e demanda de força de trabalho 56 5 Composição material da produção 59 6 O dinheiro na acumulação de capital 71 7 O problema da realização da produção 78 8 Elementos para uma teoria da demanda efetiva 85 3 ROSA LUXEMBURGO ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E MERCADOS EXTERNOS 96 1 Formulação do problema 96 2 Solução do problema 107 3 Conquista e ampliação de mercados externos 116 4 Os erros na teoria de Rosa Luxemburgo 126 4 KALECKI A DINÂMICA DAS ECONOMIAS CAPITALISTAS 140 1 Introdução 140 2 O esquema de reprodução 147 3 Determinantes dos lucros equação simplificada 153 4 Determinantes dos lucros equação completa 160 5 Financiamento dos gastos 170 6 Lucros salários e renda nacional 183 7 Determinantes do consumo dos capitalistas 192 8 Determinantes do saldo de exportação e do déficit orçamentário 200 9 Determinantes do investimento 208 Jorge Miglieli ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E DEMANDA EFETIVA Tese de Livre Docência apresentada à Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Campinas 1979 UNICAMP BIBLIOTECA CENTRAL nomista de projeção mundial Contudo quem mais profundamente tratou do problema foi Kalecki tomando por base a literatura econômica marxista É precisamente a corrente marxista ligada à questão da demanda efetiva que constitui o objeto do estudo do presente trabalho Quando Kalecki elaborou seu primeiro estudo destacando o papel da demanda efetiva no processo de acumulação capitalista mais especificamente no movimento cíclico das economias capitalistas já havia sobre o assunto uma vasta literatura marxista Nessa literatura o problema da demanda efetiva era conhecido então como o problema da realização e como o problema dos mercados Esse tema havia sido amplamente discutido no fim do século XIX e no início do XX particularmente pelos marxistas russos Contudo no início da década de 1930 ele havia praticamente desaparecido de cena Em nosso entender esse desaparecimento pode ser explicado por dois motivos básicos primeiro o fato de Lênin ter criticado todos aqueles que haviam colocado em primeiro plano a questão dos mercados no processo de desenvolvimento do capitalismo segundo com o estabelecimento do marxismo oficial por Stálin no fim da década de 1920 a posição de Lênin em face do assunto foi elevada ao nível de dogma Assim o problema da realização que era um ponto controvertido sumiu da literatura marxista por longo tempo e até hoje encontramos alguns teóricos marxistas que identificam o problema da demanda efetiva que com outra designação nada mais é do que o velho problema da realização como um tema típico da Economia burguesa em sua versão keynesiana Kalecki porém que não era um marxista oficial retomou o assunto A grande crise econômica mundial de 192933 abalou profundamente a produção polonesa cujo nível em 1933 havia caído a menos da metade do nível existente em 1928 Kalecki observava que a produção decrescia apesar de haver equipamento de capital e força de trabalho suficientes para manter a economia operando em nível muito mais alto Se havia disponibilidade de capacidade produtiva a queda da produção só poderia ser explicada como uma crise de realização uma restrição de mercados uma insuficiência de demanda efetiva Para formular sua interpretação Kalecki recorreu às concepções de Marx Rosa Luxemburgo e TuganBaranovski os autores que mais diretamente o influenciaram Mas a obra de Kalecki ao fugir do padrão de conteúdo e linguagem do marxismo oficial acabou sendo identificada como keynesiana Somente a partir da segunda metade da década de 1950 sua formação marxista foi sendo pouco a pouco reconhecida em grande parte graças à divulgação de sua obra por Paul Baran Paul Sweezy e Joan Robinson Como já dissemos no presente trabalho pretendemos estudar a questão da demanda efetiva ou para sermos mais precisos o papel da realização da maisvalia no processo de acumulação capitalista no pensamento econômico marxista Assim fazendo daremos especial destaque à obra de Kalecki posto que em nosso entender foi com esse autor que a referida questão encontrou seu maior desenvolvimento 2 CONTEÚDO DO TRABALHO O presente trabalho é constituído de quatro capítulos onde são examinados em sequência os seguintes assuntos 1 a influência da chamada lei de Say sobre a teoria econômica ortodoxa 2 as concepções de Marx a respeito do processo de acumulação capitalista e do papel exercido pela demanda efetiva 3 as inovações introduzidas por Rosa Luxemburgo na teoria de Marx 4 a obra de Kalecki acerca das economias capitalistas maduras na qual ele esclarece a importância da realização da maisvalia Cremos ser conveniente esclarecer desde logo duas eventuais indagações 1 por que começamos este trabalho pelo estudo da lei de Say 2 por que dedicamos especial atenção à obra de Kalecki o que se reflete no fato de o correspondente capítulo ser o mais longo dos quatro Comecemos pelo primeiro ponto A lei dos mercados de Say segundo a qual a produção gera sua própria demanda o que implica não haver restrição de demanda para a contínua expansão da economia foi adotada por Ricardo e por John Stuart Mill e depois incorporada aos fundamentos da ortodoxia néoclássica tendo influenciado profundamente o entendimento de todo um conjunto de questões Um exame superficial da teoria da acumulação de Marx baseado apenas em seus esquemas de reprodução ampliada pode levar à falsa conclusão de que também Marx seguia embora sem o saber a lei dos mercados de Say isto porque nesses esquemas ele adotava a hipótese de contínua acumulação de capital deixando de lado as possíveis restrições impostas pela insuficiência de demanda Foi desse modo que TuganBaranovski por exemplo utilizouse dos esquemas de reprodução Até mesmo Rosa Luxemburgo numa passagem de seu livro sobre Acumulação de Capital chegou a interpretar dessa forma a teoria de Marx como veremos no capítulo 3 Mas essa interpretação é totalmente infundada Marx devotava grande desprezo por Say e por sua lei dos mercados e não perdoava Ricardo por têla adotado e defendido Podemos afirmar que foi precisamente ao criticar a versão ricardiana dessa lei aplicada à análise do processo capitalista de acumulação que Marx começou a formular sua concepção a respeito da importância da realização da maisvalia Isto pode ser constatado em seu livro Teorias da MaisValia especificamente na parte relativa a Ricardo onde Marx trata da acumulação de capital e das crises Voltamos então a perguntar que faz no começo do presente trabalho um estudo da lei de Say e de suas influências Existe um claro motivo para começar o trabalho com esse estudo pretendemos mostrar como a referida lei com todas suas implicações encontrase fortemente enraizada no pensamento econômico ortodoxo a partir de Ricardo e isto serve entre outras coisas como pano de fundo para ressaltar o quanto nessa questão para ficarmos apenas nessa o pensamento econômico marxista se diferencia da corrente ortodoxa Em suma enquanto os economistas ortodoxos levaram mais de um século contado de Ricardo a Keynes para descobrir a importância da demanda efetiva no funcionamento das economias capitalistas a teoria marxista desde o início já destacava essa questão O segundo ponto a esclarecer se refere à especial atenção dada a Kalecki O fato de o capítulo correspondente a Marx ter a metade do número de páginas do capítulo relativo a Kalecki não significa que atribuimos a Marx uma importância menor ou que o tratamos como um simples precursor de Kalecki 2 Isto é tolice Os motivos de termos dedicado maior espaço a Kalecki são 1 sua obra é relativamente pouco conhecida e merece ser mais estudada 2 especificamente na questão da demanda efetiva que é o tema central do presente trabalho sua obra é mais completa e mais clara do que a de Marx para não mencionar a de Rosa Luxemburgo e outros autores Quanto a este segundo motivo é preciso ressaltar que Marx não deixou inteiramente esclarecida a questão do papel da demanda efetiva no funcionamento das economias capitalistas Na verdade suas 2 No prefácio à segunda edição de seu livro An Essay on Marxian Economics Londres Macmillan 1966 Joan Robinson escreve que Piero Sraffa a atigava dizendo que ela tratava Marx como um pouco conhecido precursor de Kalecki e ela concorda em que há uma certa verdade nessa brincadeira concepções sobre esse assunto se encontram dispersos em diferentes partes de sua obra tanto em O Capital como nas Teorias da MaisValia não constituindo uma completa e integral formulação do problema Tanto isto é verdade que deu lugar a uma série de dúvidas e o livro de Rosa Luxemburgo sobre Acumulação de Capital é evidente exemplo disto Com Kalecki a questão da demanda efetiva passou a ser o próprio ponto de partida para a interpretação do movimento das economias capitalistas e por isto mesmo sua formulação do problema tinha de ser mais abrangente do que a de Marx onde a realização da maisvalia era vista apenas como uma das faces do processo capitalista de acumulação Queremos aproveitar o momento para fazer uma comparação entre Marx e Kalecki no tocante à análise do processo de acumulação Considerando esse processo como um todo a análise de Kalecki é mais limitada porque se atém às condições de realização da maisvalia dentro desse processo enquanto Marx trata não apenas dessas condições embora como dissemos acima seu tratamento não seja completo mas também das condições de criação da maisvalia Sejamos mais claros Marx trata da maisvalia ou lucro tanto pelo ângulo de sua geração a qual é explicada pela exploração da força de trabalho assalariada como pelo prisma de sua realização que determina quanto do lucro produzido ou potencial é efetivamente auferido pelos capitalistas mas embora Marx tenha estudado exaustivamente o processo de criação de maisvalia o processo de sua realização não ficou devidamente esclarecido Com Kalecki aconteceu o contrário ele se dedicou exclusivamente ao exame do processo de realização Nesse sentido específico sua análise das economias capitalistas é unilateral Em nosso entender é essa unilateralidade que explica certas deficiências de sua análise Onde isto se torna mais evidente é em sua concepção dos determinantes do investimento Kalecki formulou diversas explicações desses determinantes mas jamais ficou ele mesmo satisfeito com elas Em todas essas explicações ele abordou o assunto inteiramente pelo ângulo da demanda efetiva somente em sua última tentativa ele abandonou esse enfoque passando a considerar a concorrência entre os capitalistas como o principal determinante do investimento concorrência esta que só pode ser bem entendida quando examinada pelo ângulo da criação de maisvalia Em sua última formulação dos determinantes do investimento Kalecki simplesmente voltou à explicação dada pelo próprio Marx Este assunto será tratado na última seção do capítulo 4 Segundo dissemos antes um outro motivo para dedicarmos mais espaço à obra de Kalecki é o fato de ela ser relativamente pouco conhecida E mesmo quando conhecida ela é frequentemente colocada ao lado da Teoria Geral de Keynes Apesar de sua contribuição para esclarecer a formação marxista de Kalecki Joan Robinson por exemplo jamais deixa de comparálo com Keynes e o mesmo foi feito em escala ampliada por George Feiwel 3 Muitos poucos são os estudos sobre os fundamentos marxistas da obra de Kalecki 4 Com o presente trabalho esperamos contribuir para isto 3 O último artigo de Joan Robinson sobre esse tema encontrase em Oxford Bulletin of Economics and Estatistics fevereiro de 1977 número especial dedicado a Kalecki Ver também nesse mesmo número o artigo de Eprime Eshag Kaleckis Political Economy A Comparison with Keynes De George R Feiwel The Intellectual Capital of Michal Kalecki Knoxville The University of Tennessee Press 1975 ver particularmente os dois primeiros capítulos 4 Entre esses poucos devese mencionar o artigo de Mariano DAntonio Kalecki e il Marxismo em Studi Storici nº de janeiromarço de 1978 Na introdução que escrevemos para o livro de ensaios de Kalecki na série Grandes Cientistas Sociais da Editora Ática procuramos abordar embora resumidamente essa questão 3 O QUE FALTA Como dissemos antes o presente trabalho pretende ser um estudo do pensamento marxista sobre a questão da demanda efetiva Para ser um estudo mais abrangente do que realmente é seria preciso incluir alguns temas que foram deixados de lado Entre eles destacamos o das crises econômicas e as contribuições de certos autores A não inclusão desses temas foi intencional pelas razões que passamos a explicar As crises econômicas estão intimamente relacionadas com a realização da maisvalia a tal ponto que uma corrente do pensamento marxista as interpreta como sendo fundamentalmente crises de realização isto é momentos em que uma parte da produção criada ou potencial não encontra mercados não pode ser vendida gerando as conhecidas mazelas das crises econômicas queda do nível de atividades aumento do desemprego etc Assim é difícil tratar do problema da realização sem falar das crises Apesar disso preferimos não fazêlo As crises ou mais genericamente o movimento cíclico das economias capitalistas é um dos pontos mais controvertidos na literatura marxista e na literatura econômica em geral havendo pelo menos três posições divergentes quais sejam as interpretações das crises como uma dificuldade de realização ou como um resultado do desequilíbrio setorial ou como uma consequência da tendência decrescente da taxa de lucro A discussão desse tema seria necessariamente longa e por isto deixamos a questão das crises fora de nosso trabalho somente em um ou outro capítulo referimonos circunstancialmente a elas Poderíamos também ter incluído neste trabalho dois outros capítulos e chegamos a pensar em fazêlo Um desses capítulos que deveria vir em seguida à discussão da lei de Say trataria daqueles autores que na mesma época ou depois de Ricardo como por exemplo T R Malthus S de Sismondi J K Rodbertus de um modo ou de outro opuseramse à concepção ricardiana de que a acumulação de capital não encontrava obstáculos por parte da demanda e nesse sentido poderiam ser considerados como precursores de Marx O segundo desses capítulos o qual seria inserido entre o capítulo referente a Marx e o relativo a Rosa Luxemburgo abordaria o debate acerca do problema da realização ou dos mercados que envolveu vários estudiosos de Marx marxistas e não marxistas na Rússia no fim do século passado e no começo do atual alguns populistas narodniks alguns marxistas legais como eram chamados TuganBaranovski V I Lênin Acontece porém que grande parte desses dois imaginados capítulos já foi exposta por Rosa Luxemburgo na segunda parte de seu livro Acumulação de Capital Além disto examinando o assunto mais cuidadosamente concluímos que com raras exceções os mencionados autores nada ou muito pouco contribuíram para elucidar a questão além de simplesmente se oporem e às vezes nem isto à lei de Say Assim os dois imaginados capítulos tornamse dispensáveis seu interesse seria puramente ilustrativo Talvez precisemos ser um pouco mais explícitos a respeito de TuganBaranovski e Lênin Algumas concepções do primeiro destes dois autores tiveram uma certa influência sobre a obra de Kalecki conforme reconhecido por este último e por isso pode parecer que ele fez grandes contribuições para o desenvolvimento do problema da demanda efetiva Mas não é verdade TuganBaranovski excluía a possibilidade de insuficiências da demanda efetiva em sua visão do processo capitalista de acumulação Repetindo a lei de Say ele escreve que a produção capitalista cria um mercado para si mesma e visto que a expansão da produção é ilimitada em si mesma o mercado a capacidade de absorver seus produtos também não tem limites 5 O curioso é que para chegar a essa 5 Transcrito de Rosa Luxemburgo The Accumulation of Capital Londres Routledge 1963 cap 23 p 311 conclusão TuganBaranovski recorreu aos esquemas de reprodução ampliada de Marx A efetiva contribuição de TuganBaranovski está apenas em ressaltar a importância da demanda por novos bens de capital na expansão dos mercados Opondose à ingênua idéia de que toda produção é voltada para a satisfação de necessidades humanas ele insiste em que o capitalismo é um sistema denominado de antagônico por Tugan onde as mercadorias são produzidas para darem lucros não importando se elas satisfazem ou não as necessidades humanas Assim o capitalismo pode expandirse produzindo bens de consumo ou máquinas que servirão para a produção de outras máquinas A insuficiência de demanda por bens de consumo que é a tese dos chamados subconsumistas não constitui necessariamente um obstáculo à expansão da economia qualquer que seja o nível de consumo o volume total da produção continua a crescer se o nível de investimento a demanda por novos bens de capital for suficientemente alto para cobrir a diferença entre o produto nacional e o consumo Lamentavelmente porém TuganBaranovski concluía daí que os capitalistas tendem a investir desse modo do que resulta não haver insuficiência de demanda ou restrição de mercado Considerando ainda que os novos investimentos criam uma demanda adicional por bens de consumo dos trabalhadores resultante do acréscimo no volume de emprego seria mantida uma certa proporção entre o investimento e o consumo somente uma ruptura nessa proporção no caso uma queda do investimento abaixo do nível necessário poderia levar à crise econômica Quanto a Lênin ele se limitou em geral a repetir os argumentos de Marx e a criticar os que saíam da linha Na parte de crítica ele combateu principalmente as teses dos narodniks populistas russos que não viam possibilidade de um desenvolvimento capitalista na Rússia porque esse país não dispunha de um mercado interno suficiente para absorver a produção capitalista tendo em vista ser a economia russa basicamente agrícola com um campesinato extremamente pobre a eventual alternativa seria então conquistar um mercado externo mas também isso se mostrava improvável porque todos os mercados externos já se achavam sob domínio das existentes potências capitalistas Lênin respondia porém que essa tese era falsa Primeiro porque era desnecessário apelar para um mercado externo a fim de tentar resolver o problema Segundo porque o mercado interno para o capitalismo é criado pelo desenvolvimento do próprio capitalismo6 ou seja para desenvolverse o capitalismo não precisa de um prévio mercado interno esse mercado vai sendo criado e ampliado na medida em que o capitalismo se expande Até aí tudo bem Mas acontece que em seu afã de combater a tese dos narodniks Lênin passou a minimizar a importância da questão da realização e assim fazendo contribuiu para refrear o desenvolvimento dela Essa atitude teve adicionais consequências posteriormente quando com o stalinismo suas concepções foram convertidas em dogmas Vejamos como ele trata da questão Para começar ele transfere a discussão acerca da realização da maisvalia que é o ponto central para o problema da realização do capital constante capital este que é constituído não só do capital fixo mas também dos bens intermediários Por exemplo ao criticar dois autores narodniks Lênin escreveu Ambos autores reduzem todo o problema da realização do produto à realização da maisvalia evidentemente imaginando que a realização do capital constante não apresenta dificuldades Essa ingénua opinião contém um profundo erro que é a fonte de todos os demais erros da teoria narodnik da realização Na realidade a dificuldade de explicar a realização é precisamente a de explicar a realização do capital constante Lênin op cit cap 1 seção 4 p 44 6 V I Lenin The Development of Capitalism in Russia Moscow Progress Publishers 1964 cap 1 seção 9 p 69 Dizemos nós que o profundo erro está precisamente em acentuar a realização do capital constante porque a maior dificuldade é a de explicar a realização da maisvalia Para produzir os capitalistas precisam comprar as mercadorias que constituem seu capital constante quando um capitalista efetua sua produção ele compra de outros capitalistas essas mercadorias quando se considera a produção em conjunto os capitalistas estão comprando essas mercadorias uns dos outros ou seja elas estão sendo vendidas realizadas Logo na produção total a parte correspondente ao valor do capital constante é automaticamente realizada vendida no próprio processo de produção Com a parte equivalente à maisvalia total isso não acontece e aí está o grande problema Este é o tema central a ser discutido a partir da seção 7 do capítulo 2 Alterando o eixo central do problema Lênin passa a discutir a realização do capital constante em termos de reposição por novo capital do capital desgastado na produção o que é também um estranho modo de colocar o problema Temse aí a nítida impressão de que com isso Lênin quer deslocar a atenção de um ponto extremamente controvertido a realização da maisvalia para outros temas já suficientemente esclarecidos por Marx quais sejam 1 o erro de Adam Smith em não computar o capital constante no valor total da produção e 2 a interrelação entre o departamento produtor de meios de produção capital constante e o departamento produtor de bens de consumo E nesse ponto Lênin transforma o problema da realização inteiramente num problema de interrelação entre os departamentos ver na citada obra a seção 6 do capítulo 1 1 A LEI DE SAY E SUAS IMPLICAÇÕES 1 A LONGA VIDA DA LEI DE SAY Isto que hoje em dia denominamos pomposamente de Lei de Say ou Lei dos mercados de Say que para o leigo em Economia pode parecer algo de um rigor científico comparável ao teorema de Pitágoras à lei da gravidade de Newton ou à teoria da relatividade de Einstein não passava originalmente de uma concepção não muito pretensiosa do economista francês JeanBaptiste Say 17671832 tão pouco pretensiosa que ele mesmo a infringia no mesmo livro em que a formulava Infelizmente porém para o desenvolvimento da assim chamada Ciência Econômica David Ricardo 17721823 não apenas aceitou a concepção de Say como também procurou aplicála coerentemente no estudo de certos problemas que a envolvia como por exemplo no problema da acumulação de capital E como Ricardo juntamente com seu antecessor Adam Smith 17231790 foi o autor que maior influência exerceu sobre a evolução do pensamento econômico a concepção de Say foi passada adiante como um dos princípios inquestionáveis da Economia Política clássica E daí com a ajuda considerável de John Stuart Mill 18061873 ela foi também incorporada pela Economia néoclássica no pouco que esta escola deixou a respeito do ramo hoje entitulado de Macroeconomia Parece que nem mesmo o nome de Say aplicado à famosa concepção seja justificável Em primeiro lugar porque não teria sido ele o autor original da concepção Esta teria sido tomada segundo Marx da idéia de James Mill 17731836 pai de John Stuart de acordo com a qual existe um equilíbrio metafísico entre vendedores e compradores 1 Em segundo lugar porque todo o prestígio gozado 1 Vejase K Marx Teorias da MaisValia vol II cap sobre A Acumulação do Capital e as Crises parág 4 p 26 da edição pela concepcão se deve não a Say mas a Ricardo e depois a John Stuart Mill 2 Todo o rancor ou pelo menos o desaporeo de John Maynard Keynes por Ricardo manifesto em diversos momentos da obra do primeiro parece decorrer do fato de ter sido Ricardo o responsável pela incorporação da lei de Say ao corpo principal da Economia Política ortodoxa Sobre este assunto comparando Ricardo e Malthus 17661835 o qual recusava o princípio formulado por Say é famosa a seguinte afirmação de Keynes Ricardo conquistou a Inglaterra tão completamente como a Santa Inquisição conquistou a Espanha Não apenas foi sua teoria aceita pela City pelos políticos e pelo mundo acadêmico mas também encerrou a controvérsia o outro ponto de vista desapareceu inteiramente deixou de ser discutido3 argentina Ediciones Brumário Buenos Aires sd O mesmo já havia sido assinalado por John Stuart Mill Schumpeter entretanto não concorda com isso alegando que a obra de James Mill Commerce Defended onde se encontra o famoso princípio é posterior de 1808 ao livro de Say Traité dEconomie Politique de 1803 Ver Joseph Schumpeter History of Economic Analysis Londres Allen Unwin 1954 parte III cap 6 4 p 621 A verdade porém é que a edição de 1803 do livro de Say quase nada continha a respeito do discutido princípio este só viria a ser formulado na segunda edição de 1814 do livro Vejase Maurice Dobb Political Economy and Capitalism Londres Routledge Kegan Paul segunda edição 1940 cap 2 p 41 n 2 No caso de David Ricardo vejase o cap 21 de seus Principles of Political Economy and Taxation originalmente publicado em 1817 no caso de John Stuart Mill Principles of Political Economy de 1848 especialmente livro III cap 14 3 J M Keynes The General Theory of Employment Interest and Money Nova Iorque Harcourt Brace World 1964 cap 3 3 p 32 Sobre o mesmo assunto vejase também o ensaio sobre Malthus no livro de Keynes Essays in Biography nova edição N Iorque Norton Library 1963 especialmente p 102 e seguintes Se a lei de Say foi tão prejudicial assim para o desenvolvimento da Ciência Económica e se ao mesmo tempo mostravase tão conflitante com o mundo real que ela pretendia explicar como veremos adiante como poderia ela ganhar tamanha aceitação por parte tanto da teoria como da política econômica e manterse intocada por mais de um século isto é desde os Principles of Political Economy and Taxation de Ricardo de 1817 até a década de 1930 E esse longo domínio da lei de Say é ainda mais intrigante quando consideramos que durante todo esse tempo houve autores de maior ou menor importância os denominados heréticos como Malthus Marx Rosa Luxemburgo Aftalion e outros menos conhecidos que se opuseram firmemente a tal concepção Para encontrarmos uma resposta para esta indagação de pouco nos adianta examinar o desenvolvimento interno da Economia Política como se a lei de Say decorresse de outros princípios da Economia isto é como se fosse uma conclusão postulacional assim como a Geometria ou o Cálculo matemático Para obter uma resposta temos de recorrer ao que se convencionou chamar de Sociologia da ciência Dentro desta linha Michal Kalecki em um discurso na Universidade de Varsóvia quando recebeu o título de doutor honoris causa em 1964 apresenta duas razões para o domínio da lei de Say por tão longo período Antes porém de abordar este ponto é preciso esclarecer embora sumariamente que a lei de Say estabelece que toda produção encontra uma demanda ou seja que toda renda salários e lucros é inteiramente gasta na compra de mercadorias e serviços e portanto não pode haver um excesso de produção ou renda em relação à demanda ou às despesas efetivamente realizadas E daí decorre uma série de outras conclusões a serem examinadas mais tarde As duas razões apresentadas por Kalecki são em primeiro lugar o fato de a lei de Say representar o interesse da classe capitalista e em segundo lugar ser ela aparentemente confirmada coti dianamente pelas experiências dos indivíduos no trato de suas economias pessoais Como disse Kalecki em seu discurso Uma doutrina que excluía a superprodução geral fazia o sistema capitalista aparecer como sendo capaz de uma plena utilização dos recursos produtivos e esperava as flutuações cíclicas como sendo insignificantes fricções Essa apologética era facilitada pela aplicação à economia como um todo da experiência da economia individual na qual claramente um consumo menor significa uma poupança maior Mas enquanto a renda de um indivíduo é fixa a renda nacional num sistema capitalista é determinada pelas decisões de consumo e de investimento sendo que uma queda de qualquer um destes componentes de modo nenhum leva automaticamente a um aumento do outro Assim a experiência individual não corresponde ao curso da economia como um todo Em outras palavras a Lei de Say era um dogma escorando os fundamentos do capitalismo o que era facilitado pela aplicação da experiência individual cotidiana ao sistema econômico 4 Temos aí uma resposta adequada que leva em conta tanto a função social da Lei de Say enquanto suporte teórico do capitalismo como a base dessa lei na experiência dos indivíduos no trato de suas economias pessoais Faltaria porém acrescentar uma outra razão nada desprezível quanto o assunto em pauta é a evolução ou melhor a falta de evolução de uma ciência qual seja o simples comodismo intelectual que leva à rotina e à adoção acrítica de princípios estabelecidos Esta razão é imprescindível para explicar por que certas concepções subsistem mesmo depois de terem cumprido seu papel social de justificar ou validar teoricamente um determinado sistema ou os interesses dominantes dentro desse sistema e a partir de então tornaremse inúteis ou até mesmo contrárias aos interesses do sistema Um exemplo dito é a própria Lei de Say que persistia em sobreviver mesmo quando as cada vez mais agudas crises e depressões econômicas do capitalismo exigiam novas 4 M Kalecki Por que a Economia ainda não é uma Ciência Exata em Polish Perspectives setembro de 1964 concepções que antes mesmo de poderem ser usadas para justificar o sistema fossem úteis para dar uma solução às próprias crises e depressões Não é por coincidência que a derrubada da Lei de Say dentro mesmo da Economia Política ortodoxa tenha ocorrido com a maior crise econômica por que passou o capitalismo ou seja imediatamente depois da crise de 192932 Para compreender a permanência da Lei de Say talvez seja importante observar que após John Stuart Mill ela embora estivesse embutida em muitas das principais concepções da Economia ortodoxa néoclássica pouca atenção recebia dos economistas que consciente ou inconscientemente a adotavam Mesmo Alfred Marshall 18421924 que herdara diretamente de Mill o princípio de Say 5 não lhe dedica qualquer análise em separado tomandoo como um postulado da Economia Uma das poucas exceções é constituída por Fred M Taylor em cujos Principles of Economics encontramse algumas páginas especificamente sobre o assunto 6 E é curioso notar que A C Pigou um dos destacados economistas ingleses que sucederam a Marshall e cuja obra segundo Keynes constituía a versão moderna da tradição clássica jamais tenha feito explicitamente referência à Lei de Say 7 Keynes se refere ao proble 5 Vejase a citação que A Marshall Principles of Economics oitava edição Nova Iorque Macmillan 1948 cap 13 10 p 710 faz de Mill acerca da referida Lei 6 Fred M Taylor Principles of Economics Nova Iorque Ronald 1921 Segundo Lawrence R Klein The Keynesian Revolution segunda edição Londres Macmillan 1968 p 44 este livro de Taylor foi durante muitos anos usado como manual nas universidades americanas Taylor seria portanto um dos principais divulgadores da Lei de Say entre os economistas americanos formados nessa época 7 Pelo menos esta é a conclusão de Alvin H Hansen em A Guide to Keynes Nova Iorque McGraw Hill 1953 cap 1 p 17 ma do seguinte modo A doutrina de Say como apresentada por John S Mill não é jamais exposta hoje em dia desta forma crua Ela ainda é todavia subjacente a toda a teoria clássica que entraria em colapso sem ela Os economistas contemporâneos que poderiam hesitar em concordar com Mill não hesitam em aceitar conclusões que requerem a doutrina de Mill como premissa 8 Depois do ataque frontal feito por Keynes em sua Teoria Geral a Lei de Say passou a merecer maior atenção por parte dos economistas 9 para finalmente ingressar como ponto de referência separando a Economia clássica da Economia keynesiana 10 em todos os manuais de Macroeconomia Não há porém pelo menos que seja de meu conhecimento um estudo mais profundo da Lei de Say e de suas diversas implicações Os manuais de Macroeconomia por exemplo limitamse a apresentar uma resumida formulação nem sempre conveniente dessa Lei e referila como sendo um elemento da tradição clássica da Economia 11 Num desses manuais Ackley chega mesmo a dizer que a lei 8 Keynes The General Theory cit cap 2 6 p 19 9 Ver por exemplo Oskar Lange Says Law A Restatement and Criticism em Studies in Mathematical Economics and Econometrics The University of Chicago Press 1942 Joseph Schumpeter History of Economic Analysis cit Parte III cap 6 4 10 Keynes os keynesianos e mesmo os pseudokeynesianos denominam de clássicos a todos os economistas que grosseiramente falando precederam o próprio Keynes da Teoria Geral ver nessa obra o cap 1 p 3 n Para Marx a Economia clássica era compreendida quase que exclusivamente pela obra de William Petty Adam Smith e David Ricardo depois de Ricardo iniciavase o que Marx denominava de Economia Política vulgar 11 Ver por exemplo Dudley Dillard The Economics of John Maynard Keynes Nova Iorque Prentice Hall 1948 cap 2 Gardner Ackley Macroeconomic Theory Nova Iorque Macmillan 1961 cap 5 Edward Shapiro Macroeconomic Analysis Nova Iorque Harcourt 1966 cap 18 de Say não passa de um artifício criado pelos economistas modernos para caracterizar a Economia clássica e que nenhum economista clássico em particular teria adotado essa lei com todas suas implicações As idéias que discutiremos sob o nome de Lei de Say constituem em parte um conveniente homem de palha reconstruído pelos economistas modernos para representar o pensamento de seus predecessores clássicos Nenhum economista clássico individual adotou todas as idéias agora atribuídas a esse mitológico estudioso Listo Say 7 12 O que pretendemos mostrar neste capítulo é que a Lei de Say apesar das contradições do próprio Say efetivamente exerceu uma grande influência na formação da Economia Política a partir de Ricardo o qual seguido de John S Mill foi o teórico que mais consistentemente adotou aquela lei Assim concentraremos nosso estudo sobre a obra de Ricardo estendendoo às vezes até as obras de Mill e de Marshall Referências a autores posteriores serão feitas apenas circunstancialmente como exemplos de concepções apoiadas no princípio de Say 2 FORMULAÇÃO E SIGNIFICADO DA LEI a A lei No capítulo 15 sobre os mercados Des débouchés no livro I da segunda edição 1814 de sua obra Traité dEconomie Politique JeanBaptiste Say escreveu o seguinte Vale a pena notar que um produto tão logo seja criado nesse mesmo instante gera um mercado para outros produtos em toda a grandeza de seu próprio valor Quando o produtor dá o toque 12 Ackley op cit p 109 No texto citado acima onde se lê todas as idéias agora atribuídas a Say devese entender todas as implicações da lei de Say porque na realidade ninguém a não ser o próprio Say adotou todas suas idéias final a seu produto ele está ansioso para vendêlo imediatamente para que o valor do produto não pereça em suas mãos Nem está ele menos ansioso para se utilizar do dinheiro que pode obter porque o valor do dinheiro também é perecível Mas o único modo de se desfazer do dinheiro é pela compra de um produto ou outro Assim a mera circunstância da criação de um produto imediatamente abre um mercado para outros produtos Essa concepção 13 passou a ser conhecida abreviadamente como lei de Say ou lei dos mercados de Say e às vezes é também mencionada como lei da preservação do poder de compra Essa concepção tem sido traduzida através dos anos por uma curta afirmação a produção cria sua própria demanda O princípio formulado por Say tem sido defendido atualmente como sendo válido para as economias de produtores simples isto é onde cada família seria proprietária de seus meios de produção e trocaria apenas o excedente de bens que ela mesma produz mas não consome Acontece todavia que Say Ricardo Mill e todos os subsequentes adeptos do princípio apresentado pelo primeiro não estavam lidando com uma sociedade de produtores simples mas sim com uma sociedade capitalista Vejamos portanto como podemos traduzir a lei de Say no contexto de uma economia capitalista Para começar lembremonos de que o preço de um produto pode ser decomposto em três partes 1 o custo dos meios de produção depreciação do capital fixo matérias primas etc necessários para se criar o produto 2 os salários pagos aos trabalhadores empregados em sua produção 3 o lucro auferido pelos capitalistas Lembremonos também de que o processo de produção fisica de 13 Em seu livro Commerce Defended de 1808 James Mill havia escrito A produção de mercadorias cria e é a única e universal causa que cria um mercado para as mercadorias O poder de compra de uma nação é medido exatamente por seu produto anual Quanto mais aumenta o produto anual mais se amplia por este mesmo ato o mercado nacional A demanda de uma nação é sempre igual à produção de uma nação Transcrito de Maurice Dobb op cit p 4142 um bem ou serviço é ao mesmo tempo o processo de geração de um determinado valor ou preço correspondente a esse bem ou serviço Assim a cada produto corresponde um dado valor ou preço Ao vender sua mercadoria o capitalista obtém um montante de dinheiro exatamente igual ao que é necessário para comprála Isto é óbvio e equivale à afirmação de que toda venda corresponde a uma compra de igual valor Mas o capitalista não compra sua própria mercadoria Com uma parte de sua receita ele adquire de outros capitalistas os meios de produção necessários para manter em movimento sua própria atividade Com outra parte seu lucro ele compra também de outros capitalistas os bens de consumo de que precisa e um volume adicional de meios de produção para ampliar sua atividade A terceira parte serve para pagamento de salários aos trabalhadores que adquirem bens de consumo dos capitalistas Assim de acordo com esse esquema a receita total de um capitalista se distribui de diferentes modos entre diversas compras num valor total igual àquela receita Aplicando esse esquema à economia como um todo teríamos que a produção em seu conjunto gera uma capacidade de compra exatamente suficiente para absorver a própria produção Os capitalistas compram e vendem entre si os diferentes tipos de produtos bens de capital fixo bens intermediários e bens de consumo e pagam aos trabalhadores os salários que serão usados para a compra de bens de consumo Em resumo considerase que as mercadorias são trocadas entre si incluindose aí a força de trabalho como mercadoria ou seja o processo de circulação da produção em seu conjunto é entendido como sendo constituído por uma troca de produtos por produtos o dinheiro sendo usado apenas como meio de troca Esta é a essência da lei de Say que tanta confusão causou Esse mesmo esquema pode ser apresentado de modo um pouco diferente se recorrermos a um gráfico muito utilizado nos manuais néoclássicos de Microeconomia Como sabemos na Economia néo clássica não existem capitalistas nem operários nem qualquer outra classe social Todo o esquema teórico é montado sobre uma dicotomia básica de um lado as empresas produtoras de bens e serviços operando como se tivessem vida própria de outro lado os proprietários dos fatores de produção proprietários do capital e proprietários do fator trabalho que vendem às empresas os serviços de seus fatores recebendo em troca um pagamento que é a renda desses proprietários Por seu turno os proprietários dos fatores de produção compram os bens e serviços produzidos pelas empresas Temos portanto o seguinte gráfico Venda de serviços de fatores EMPRESAS Produção de bens e serviços Rendas FATORES DE PRODUÇÃO Capital e trabalho Venda de bens e serviços Recebimentos das empresas As setas em linha cheia representam fluxos em termos reais e as setas em linha pontilhada expressam fluxos em termos monetários O fluxo de serviços de fatores é necessariamente igual ao fluxo de rendas visto que ambos apenas representam um mesmo fato sob duas formas diferentes termos reais e monetários do mesmo fenômeno O mesmo acontece com a igualdade entre o fluxo de bens e serviços e o fluxo de recebimentos das empresas Se agora supusermos que os dois primeiros fluxos são iguais aos dois últimos temos uma nova apresentação da lei de Say Em termos monetários as rendas pagas pelas empresas são iguais às receitas das empresas ou visto de outro ângulo são com as rendas recebidas das empresas que os proprietários de capital e trabalho pagam a elas pelos bens e serviços que eles compram ou em suma as rendas dos capitalistas e trabalhadores são trocadas pelas receitas das empresas Em termos reais os serviços de fatores são trocados pelos bens e serviços produzidos pelas empresas Nesse caso computandose tanto os bens e serviços como os serviços de fatores na categoria geral de mercadorias temos o esquema de que as mercadorias são trocadas por mercadorias E podemos concluir também que quanto mais as empresas produzirem maior será o volume de rendas e conseqüentemente maior será o volume de vendas das empresas para os proprietários de fatores em outras palavras a produção estará gerando sua própria demanda No gráfico acima falta observar um detalhe A compra e venda de bens intermediários utilizados no processo de produção não aparece no gráfico porque é um processo que se dá entre as próprias empresas e não entre estas e os fatores de produção Ademais como a compra de bens intermediários por uma empresa é igual à venda desses bens por outra empresa essas operações se anulam b A Troca de Produtos por Produtos Restam ainda algumas questões fundamentais para se entender a lei de Say A primeira delas é a seguinte por que os produtos se trocam por produtos ou então segundo a interpretação do gráfico por que os dois fluxos de cima são iguais aos dois fluxos de baixo O dinheiro é encarado simplesmente como um meio de troca e portanto não exerce influência no processo de produção e circulação Assim o fluxo de transações em termos monetários pode ser deixado de lado como sendo um simples reflexo do fluxo real que se dá na troca entre os produtos Numa sociedade de produtores simples cada família é proprietária de seus meios e objetos de trabalho e produz diretamente para seu próprio consumo Os tipos de bens que uma família não consegue produzir ela os adquire de outras famílias em troca dos excedentes de bens que ela produz Mesmo que as trocas sejam realizadas com o auxílio do dinheiro este não exerce aí qualquer papel ativo ou seja não se produz para ganhar dinheiro e portanto o dinheiro é apenas um elemento de intermediação entre os produtos Logo o processo é essencialmente o da troca de produtos por produtos Ricardo assim se manifesta a respeito deste problema Nenhum homem produz a não ser com o objetivo de consumir ou de vender e ele jamais vende a não ser com a intenção de comprar alguna outra mercadoria que pode ser imediatamente útil para ele ou que pode contribuir para a produção futura Produzindo então ele se torna necessariamente ou o consumidor de seus próprios bens ou o comprador e consumidor dos bens de alguma outra pessoa As produções são sempre compradas por produções ou por serviços o dinheiro é apenas o meio pelo qual a troca é efetuada14 Notemos de passagem que o argumento de Ricardo é um pouco diferente do de Say Apesar da aguda compreensão que Ricardo tinha do capitalismo de sua época no texto acima transcrito parece que ele coloca o consumo como o objetivo final da produção como se estivesse tratando de uma sociedade de produtores simples e não do capitalismo Como se lê no texto o homem produz com o objetivo de consumir se ele vende seu produto é com o fim de comprar outra mercadoria que lhe seja imediatamente útil isto é que também possa ser consumida logo ou que lhe permita produzir para o consumo futuro Já no texto de Say esta idéia não está explícita Entendese aí que o objetivo do produtor é a obtenção de um bem final mas não necessariamente de consumo e se ele vende sua mercadoria é porque o valor desta valor de uso ou de troca é perecível e se ele procura comprar outra mercadoria com o dinheiro obtido é porque o valor deste também é perecível Deixando de lado o problema de saber o que significa perecível para Say podese perceber uma diferença nos argumentos de Say e de Ricardo para este se o produtor vende sua mercadoria é porque ele quer comprar 14 David Ricardo Principles of Political Economy and Taxation Penguin Books 1971 cap 21 p 291292 Daqui por diante essa obra será designada por Principles outra para Say se o produtor vende sua mercadoria e logo em seguida compra outra é porque tanto o valor de sua mercadoria como o do dinheiro por ela obtido são perecíveis Apesar dessa diferença Ricardo e Say concordam em três pontos fundamentais 1 ambos parecem estar a referirse a uma sociedade de produtores simples na qual o objetivo da produção é a própria obtenção do produto não importando se essa obtenção é direta ou indireta isto é se o produtor obtém a mercadoria através de sua própria produção ou se por intermédio da troca 2 o dinheiro constitui um simples instrumento de troca não exercendo qualquer influência sobre o processo de produção e circulação 3 dada essa função do dinheiro na realidade os produtos se trocam por produtos a criação de um produto imediatamente abre um mercado para outros produtos como diz Say ou as produções são sempre compradas por produções como diz Ricardo ou ainda como é mais usual dizerse a produção cria sua própria demanda c Função do Dinheiro Ainda dentro da questão de que estamos tratando cabe chamar a atenção para o papel atribuído ao dinheiro Como dizia Marx o dinheiro leva sempre junto a si a possibilidade de crise15 Para Marx a moeda podia servir como expressão de valor dos produtos como meio de troca ou de circulação de mercadorias e ainda como instrumento de acumulação e entesouramento O simples fato da moeda ser usada como intermediário entre as trocas já pode criar um problema para a circulação dos produtos o capitalista que obtém dinheiro pela venda de suas mercadorias pode não usálo imediatamente para a compra de outros produtos e isto por si só provoca um retardamento no processo de circulação Se mais do que isto o capitalista usa o dinheiro para entesouramento por exer 15 K Marx Teorias da MaisValia cit p 26 plo com o fim de acumular dinheiro suficiente para ampliar seu capital isso provoca uma interrupção no processo de circulação de mercadorias Na formulação da lei de Say entretanto seja para o próprio Say ou para Ricardo o dinheiro é visto não apenas como constituindo somente um meio de troca mas também como sendo gasto imediatamente Isto se explica para Say pelo fato de o dinheiro ser perecível desvalorizarse e portanto o produtor não desejar conserválo em suas mãos Para Ricardo a explicação está no fato de o dinheiro servir apenas para a aquisição de bens de consumo eou de bens de produção para criarem bens de consumo no futuro e portanto os produtores ou possuidores de dinheiro não terem motivo para manter o dinheiro em suas mãos por mais tempo do que o necessário para adquirirem daqueles bens Assim o uso do dinheiro como instrumento de troca não constitui problema para a circulação de mercadorias Mais do que isto o dinheiro passa a expressar apenas um valor nominal da troca a qual efetivamente se realiza entre as próprias mercadorias d Igualdade entre Produção e Demanda Há ainda outro ponto fundamental a ser explicado na Lei de Say Como o produtor de um determinado valor é também um comprador de produtos do mesmo valor como os produtos se trocam por produtos então decorre daí que não há excesso de produção ou seja a demanda é igual à produção Não resta dúvida de que cada produtor ao criar uma determinada quantidade de bens ou serviços de certo valor está automaticamente criando para si mesmo um potencial poder de compra de mesmo valor Ou seja a venda de seus produtos lhe fornece um volume de dinheiro igual ao valor daquela venda Acontece entretanto que os produtos criados na economia como um todo são de diferentes tipos isto é têm diferentes valores de uso servem a diferentes fins Para que não houvesse excesso de produ ção a quantidade produzida de cada tipo de bem deveria ser de tal modo a atender exatamente à quantidade demandada de cada bem Do contrário embora houvesse na economia capacidade de compra para toda a produção de qualquer tipo de bem e isto é necessariamente assim porque como já se explicou a simples produção de um bem gera uma igual capacidade potencial de compra certos bens ou certas quantidades de determinados bens poderiam não ser comprados Neste caso teríamos um excesso de produção ou visto por outro ângulo uma deficiência de demanda A resposta a este problema foi dada por Ricardo no capítulo 21 de seu Principles e em sua correspondência com Malthus e sua resposta parecia tão convincente que passou a ser adotada inquestionadamente pela Economia Política ortodoxa até a década de 1930 Ele argumentava Uma mercadoria particular pode ser produzida em demasia da qual pode haver um tal abarrotamento no mercado que não reembolse o capital nela despendido mas isto não pode ocorrer com relação a todas as mercadorias a demanda por trigo é limitada pelas bocas que existem para comêlo a demanda por sapatos e casacos pelas pessoas que existem para usálos mas embora uma comunidade ou uma parte dela possa ter tanto trigo e tantos chapéus e sapatos que ela possa ou deseje consumir o mesmo não se aplica a todas as mercadorias produzidas pela natureza ou pelo artesanato Principles cap 21 p 292293 Ou seja a demanda em relação a todos os tipos de mercadorias em seu conjunto é ilimitada16 A demanda por um tipo específico de bem pode estar satisfeita mas existirá sempre uma demanda insatisfeita por outro tipo de produto Assim com relação à demanda por um determinado bem pode haver um excesso de produção mas e 16 Notese falamos aqui de demanda potencial que na verdade é igual à necessidade no sentido genérico deste último termo No caso da demanda efetiva a situação é outra como diz Ricardo op cit p 291 a demanda só é limitada pela produção O termo demanda é usado indistintamente para se referir à demanda potencial e à demanda efetiva contrapartida haverá uma deficiência de produção de inúmeros outros bens para os quais existe demanda Deste argumento resulta que embora possa haver um excesso de produção isto acontece apenas para certos tipos de mercadorias e em caráter temporário Consideremos uma mercadoria A qualquer Suponhamos que por um ou outro motivo a produção parcial ou total dessa mercadoria não seja vendida por exemplo ou porque o capitalista que a produz superestimou a demanda por ela ou porque seus eventuais consumidores mudaram de gosto Assim a produção da mercadoria A constitui apenas a criação de um eventual poder de compra para o capitalista que a produziu poder de compra que não se efetiva porque a mercadoria não é vendida E a economia apresenta agora um excesso de produção igual ao valor da produção da mercadoria A Se esta mercadoria não é vendida isto significa que seus eventuais consumidores não a compraram e portanto dispõem de um montante de recursos dinheiro que pode ser aplicado na aquisição de outras mercadorias Assim fazendo a produção destas últimas será estimulada No fim das contas o capital usado na produção da mercadoria A se deslocará para a produção daqueles bens de maior demanda e novo equilíbrio será atingido no qual não haverá excesso de produção isto é onde a demanda será igual à produção Evidentemente nesse processo supõese a plena mobilidade de recursos e pleno conhecimento por parte dos capitalistas dos ramos onde eles devem aplicar seu capital Isto é de fato o que diz Ricardo Não é para se supor que ele o produtor o capitalista devesse para qualquer período de tempo estar mal informado a respeito das mercadorias que ele pode produzir mais vantajosamente para atingir o objetivo que tem em vista qual seja a posse de outros bens e portanto não é provável que ele produzirá continuamente uma mercadoria para a qual não há demanda Principles cap 21 p 291 O argumento de que a demanda é ilimitada ou seja de que a demanda efetiva só é limitada pela produção é essencial É isto que assegura a inexistência de um excesso de produção um abarrotamento de mercadorias não vendidas É isto que permite afirmar que um indivíduo dispondo de poder de compra adquirirá necessariamente um bem ou serviço qualquer se ele não comprar a mercadoria A comprará a mercadoria B ou C e assim sendo todo o poder de compra de uma sociedade gerado pela produção total desta mesma sociedade será aplicado na aquisição desta mesma produção E daí a afirmação de que a produção gera sua própria demanda de que não pode haver a não ser circunstancialmente um excesso de produção relativamente à demanda Mas o argumento não implica que um indivíduo dispondo de um dado poder de compra gastará ele mesmo todo seu dinheiro na aquisição de bens ou serviços Afirmase isto sim que todo o poder de compra criado pela produção será aplicado nesta mesma produção não importando quem será o efetivo comprador da produção criada Assim um indivíduo possuidor de um dado montante de dinheiro se vê em face de três possibilidades 1 comprar bens de consumo 2 adquirir bens de capital 3 deixar de gastar uma parte ou a totalidade do dinheiro Se ele opta pelas duas primeiras alternativas não há problema todo o poder de compra é efetivamente aplicado Mas que acontecerá se o dinheiro não for usado para a compra de bens e serviços Ricardo dá a resposta o dinheiro será emprestado a outra pessoa a qual o gastará e assim o problema está resolvido Se dez mil libras fossem dadas a um homem que tem 100 000 por ano ele não as trancaria num baú mas ou aumentaria de 10 000 suas despesas ou ele mesmo as empregaria produtivamente ou as emprestaria a alguma outra pessoa para este propósito em qualquer caso a demanda seria aumentada embora o fosse para diferentes objetivos Principles cap 21 p 291292 Que resulta desta argumentação Resulta que o poder de compra gerado por uma determinada produção é sempre preservado daí termos dito no início que a lei de Say é também às vezes denominada de Lei de preservação do poder de compra Ou seja em primeiro lugar de acordo com a sequência do argumento o poder de compra só pode ser criado pela produção e seu valor é igual ao valor da produção como os produtos são trocados isto é comprados por produtos somente a produção pode gerar poder de compra e daí necessariamente a demanda global não pode ser maior do que a oferta global Finalmente depois de criado o poder de compra não pode ser alterado isto é diminuído Ele poderia ser reduzido se alguém deixasse de gastar o dinheiro auferido no processo de produção Mas isto segundo os adeptos da lei de Say não acontece Um indivíduo gasta seu dinheiro na compra de um ou outro bem e se não gastar outra pessoa gasta por ele recebendo o dinheiro por empréstimo O mesmo acontece no caso das despesas governamentais estas são realizadas com as transferências de poder de compra através de tributos dos indivíduos para o Estado Em suma o poder de compra pode ser transferido de uns indivíduos para outros como pode também ser transferido dos indivíduos para o Estado O que não se concebe de acordo com a lei de Say é que o poder de compra ou em outras palavras a demanda efetiva possa ser aumentada ou diminuída sem que se aumente ou diminua o valor da produção De acordo com John Stuart Mill um dos autores que depois de Ricardo mais contribuíram para fazer da lei de Say um dogma da Economia Política ortodoxa e acadêmica O que constitui o meio de pagamento pelas mercadorias são simplesmente as mercadorias O meio de pagamento de cada pessoa pelas produções de outros indivíduos consiste naquilo que ela mesma possui Todos os vendedores são inevitavelmente e pelo significado da palavra compradores Pudéssemos nós duplicar subitamente os poderes produtivos do país duplicaríamos a oferta de mercadorias em cada mercado mas duplicaríamos também no mesmo golpe o poder de compra Todo mundo teria uma dupla demanda assim como uma dupla oferta todo mundo seria capaz de comprar duas vezes mais porque todo mundo teria duas vezes mais para oferecer em troca 17 Para concluir esta seção vejamos o que diz Marshall acerca do problema Em uma de suas primeiras obras publicada em 1879 ele escreve O total da renda de um homem é despendido na compra de serviços e de mercadorias De fato dizse usualmente que um homem gasta uma parte de sua renda e poupa a outra parte Mas é um familiar axioma econômico que um homem trabalha e mercadorias com essa parte de sua renda que ele poupa assim como faz com a parte que ele gasta Dizse que ele gasta quando ele procura obter satisfação presente dos serviços e mercadorias que adquire Dizse que ele poupa quando ele faz com que o trabalho e as mercadorias que ele compra sejam aplicados na produção da riqueza de que espera derivar os meios de satisfação no futuro 18 Notese que Marshall se refere à lei de Say como um familiar axioma econômico e que ele identifica inteiramente a poupança com os gastos em atividades produtivas a compra de força de trabalho e de bens para fins de produção de riqueza Isto por si só classificao como um adepto da lei de Say Mas como observa Keynes não é fácil descobrir em obras posteriores de Marshall trechos que o identifiquem tão claramente com tal Uma das poucas exceções encontrada em seus Principles of Economics é a citação aprovadora que ele faz do texto de J S Mill acima transcrito Mas o fato de Marshall não dedicar ao problema uma análise específica talvez se explique pelo motivo mesmo de ele aceitar a lei de Say como um axioma e portanto isenta de dúvidas 17 John Stuart Mill Principles of Political Economy nova edição 1909 reimpressa por Augustus M Kelley Fairfield 1976 livro III cap 14 2 p 558 18 Alfred Marshall Pure Theory of Domestic Values p 34 transcrito por Keynes em The General Theory cit p 19 de Say indagava Se o capital em qualquer grandeza pode ser empregado por um país como se pode dizer que ele é abundante em comparação com o volume de emprego para ele Principles cap 21 p 291 n Um excedente geral de força de trabalho também não se justifica a partir do momento em que como faz Ricardo a própria população isto é o volume total de força de trabalho passa ser explicada pela produção Ou seja o volume de força de trabalho tende a ajustarse ao processo de acumulação de capital Quando a acumulação é intensificada aumenta a demanda por trabalho e elevase a taxa de salário Com isto melhora as condições de vida dos trabalhadores e conseqüentemente suas famílias se tornam mais numerosas O acréscimo da oferta de força de trabalho por sua vez pressionaria para baixo os salários até que estes atingissem seu nível natural sendo este nível igual ao preço natural do trabalho mais ou menos correspondente a um certo nível de vida socialmente aceito pelos trabalhadores que é portanto mais do que o chamado nível de subsistência19 Ao atingirse este ponto terseia o caso de uma acumulação de capital equilibrada isto é com um igual crescimento da força de trabalho e com uma taxa constante de salário igual ao preço natural do trabalho Na hipótese de uma acumulação reduzida ocorreria o mesmo processo porém em sentido inverso redução dos salários e em seguida do volume de força de trabalho até se alcançar um novo equilíbrio 19 Mais tarde J S Mill introduziria a concepção do fundo de salário que junto com o volume de emprego da força de trabalho determinaria a taxa de salário O fundo de salário era constituído pelo montante de bens de consumo dos trabalhadores Em seus Principles of Political Economy livro II cap 11 1 Mill escreve que os salários dependem da proporção entre o número da classe trabalhadora e a grandeza do que pode ser chamado de Fundo de Salários que consiste da parte do capital circulante que é despendida no arrendamento direto de trabalho Assim dado 3 IMPLICAÇÕES DA LEI A partir da lei de Say os economistas tiraram uma série de conclusões algumas das quais persistem até hoje mesmo que seja apenas implicitamente em certas partes da teoria e política econômicas Veremos aqui algumas dessas conclusões de maior importância a Pleno Emprego Como vimos há pouco segundo a lei de Say pelo menos na formulação de Ricardo a demanda potencial é ilimitada o único limite para a demanda real sendo o volume de produção visto ser a demanda criada pela produção Assim os obstáculos à expansão da demanda são os próprios obstáculos ao crescimento da produção quais sejam os volumes disponíveis de força de trabalho e de meios de produção Se o volume de força de trabalho e também o dos meios de produção são regulados pela própria produção como veremos mais tarde temos que a economia tende naturalmente a operar com pleno emprego de recursos Se houvesse excesso de capacidade produtiva seja de capital ou de força de trabalho num determinado ramo de atividade os recursos aí empregados seriam deslocados para outro ramo para o qual existe demanda suficiente para absorver uma produção adicional e portanto para assegurar uma taxa de lucro compensatória Um excedente geral de capital também está fora de cogitação pois infringiria frontalmente a lei de Say visto que na economia considerada como um todo existe uma demanda potencial mais do que suficiente para absorver a produção realizável com todo o capital disponível nesta economia Sobre este assunto é curioso notar que o próprio Say infringia o princípio por ele mesmo formulado ao dizer que quanto mais os capitais disponíveis são abundantes em relação ao volume de emprego para eles mais cairá a taxa de juros sobre os empréstimos de capital Ricardo observando a incoerência Obviamente Ricardo se refere a um processo de longo prazo mas ele o usa como se fosse um mecanismo contínuo de ajustamento da força de trabalho à acumulação de capital Como nota Pasinetti É bastante impressionante observar quão fortemente Ricardo está convencido da operação deste mecanismo Para ser exato ele sempre fala de um processo que operará em última instância mas sua ênfase é tão forte que sua análise é sempre feita como se a resposta fosse quase imediata20 Muitos economistas certamente não se sentiram satisfeitos com o mecanismo descrito por Ricardo quando precisaram explicar a manutenção do pleno emprego do trabalho a curto prazo e tiveram de inventar um novo mecanismo Isto foi o que fizeram os economistas néoclássicos sem precisar desfazerse da lei de Say Em primeiro lugar abandonaram a concepção ricardiana do preço natural do trabalho passando a explicar o nível vigente de salário pelo ponto de equilíbrio entre a oferta e a demanda de trabalho Assim sendo não existe um salário natural em torno do qual os salários efetivamente pagos nos diferentes momentos mas sim diferentes níveis de salários em função da oferta e demanda de trabalho Em segundo lugar introduziram a concepção da perfeita substituição entre os assim chamados fatores de produção de modo que qualquer bem ou serviço pode ser produzido com as mais diversas combinações de fatores À respeito deste segundo ponto Marshall havia dito o seguinte A eficiência dos agentes humanos da produção de um lado e a dos agentes materiais de outro são pesadas uma em relação à outra e comparadas com seus custos monetários e cada agente tende a ser empregado na medida em que seja mais eficiente do fundo de salários a taxa de salário isto é o salário médio por trabalhador variaria inversamente com o volume de emprego da força de trabalho 20 Luigi L Pasinetti Growth and Income Distribution Londres Cambridge University Press 1974 p 5 que o outro em relação a seu custo monetário Uma função básica da empresa é a de facilitar a livre ação deste grande princípio de substituição Eles os empresários estão constantemente inventando e experimentando novos arranjos que envolvem o uso de diferentes fatores de produção e selecionando os que lhes são mais rentáveis 21 Este princípio da substituição de fatores é parte integrante da teoria néoclássica constituindo mesmo um de seus principais postulados Evidentemente os economistas clássicos e Marx haviam também considerado a substituição de capital fixo por trabalho e viceversa e viam no deslocamento de força de trabalho pela maquinaria uma característica do progresso técnico sendo que na obra de Marx o tema da crescente mecanização do processo de trabalho ou segundo suas palavras a crescente composição orgânica do capital tem um lugar de destaque Mas na teoria néoclássica o problema passa a ter outra conotação os fatores de produção passam a ser vistos como perfeitamente substituíveis entre si de modo que é possível combinar esses fatores nas mais diversas proporções a fim de se obter uma produção qualquer Quanto ao primeiro ponto relativo ao preço do trabalho a oferta e a demanda de mãodeobra passaram a ser explicadas pelo princípio marginalista A oferta de força de trabalho é determinada pela desutilidade marginal do trabalho as pessoas aceitam trabalhar até o ponto em que um acréscimo de seu trabalho não lhes cause uma insatisfação superior ou mesmo igual à satisfação que obtêm do salário que recebem por este montante adicional de trabalho assim a oferta de trabalho aumenta ao se elevar o salário Por seu lado a demanda por força de trabalho é determinada pela produtividade marginal do trabalho as empresas empregam pessoas até o ponto em que o produto gerado por um montante adicional de 21 Alfred Marshall Principles of Economics Nova Iorque Macmillan 1948 livro VI cap 11 2 p 662 trabalho não se torne inferior ou mesmo igual ao custo deste trabalho para a empresa assim a demanda por trabalho cresce ao se reduzir o salário Temse desse modo uma nova explicação do mecanismo automático de manutenção do pleno emprego com total utilização do equipamento de capital Quando ocorre uma eventual carência de força de trabalho em relação ao estoque de capital os salários sobem o preço do trabalho se torna maior do que o preço do capital o que estimula a substituição de trabalho por capital evitandose assim o aparecimento ou a manutenção de capacidade ociosa do aparato produtivo Quando existe um ocasional excedente de força de trabalho em relação ao equipamento de capital isto exerce uma pressão baixista sobre os salários Com os salários mais baixos é possível então empregar o excedente de força de trabalho assegurando o pleno emprego Como existem infinitas combinações dos fatores trabalho e capital visto que estes fatores são perfeitamente substituíveis entre si podese aumentar o volume de emprego mesmo que o estoque de capital fixo permaneça inalterado Portanto dado um certo estoque de capital o único elemento necessário ao mecanismo de obtenção ou preservação do pleno emprego é a perfeita flexibilidade da taxa de salário Notese que esta concepção se ajusta inteiramente à lei de Say Em primeiro lugar porque o funcionamento do mecanismo acima descrito supõe a inexistência de qualquer obstáculo por parte da demanda ou seja não há problema de insuficiência de demanda haverá mercado para tudo o que for produzido pelos diferentes fatores qualquer que seja o volume destes logo não há limites para a utilização produtiva seja do trabalho ou seja do capital Em segundo lugar o mecanismo implica também a preservação do poder de compra criado pela produção O poder de compra de um bem ou serviço em particular corresponde ao valor deste bem ou serviço na economia como um todo corresponde ao valor total da produção Su pondose para simplificar que o preço das matérias primas e outros insumos não se altera então um aumento ou uma diminuição dos salários causará uma igual redução ou acréscimo dos lucros Sobre isto voltaremos a falar daqui a pouco Acontece porém que no mundo real ocorre desemprego de força de trabalho juntamente com capacidade ociosa de equipamento de capital Como os economistas néoclássicos adeptos da lei de Say explicavam isto Para eles este fenômeno assim como as crises econômicas de que falaremos depois caracterizaria uma anormalidade do funcionamento da economia Esta anormalidade no caso da ocorrência do desemprego teria sua origem nas restrições institucionais ao livre funcionamento do mecanismo de mercado como por exemplo a intervenção estatal e a associação dos trabalhadores em sindicatos Este tipo de explicação pode ser encontrado em Marshall Em seus Principles of Economics livro VI cap 13 10 ele fala de natural tendência dos sindicatos a pressionar para um aumento nos salários nominais padrões durante as inflações de crédito o que provoca a elevação dos preços Nesse período de inflação os empregadores concordam em pagar maiores salários Mas logo a inflação deve declinar seguindose uma depressão e uma queda dos preços Nestas condições os salários nominais também devem cair acompanhando o nível geral de preços Assim ocorrendo haveria um ajuste entre os preços e os salários mantendo o nível de produção e o pleno emprego Mas os sindicatos de trabalhadores adotam a política de sustentação dos altos salários antes obtidos O resultado disto seria o seguinte Quanto mais os sindicatos em geral persistem nesta política mais profundo e mais constante é o dano causado ao dividendo nacional e menor é o emprego global a bons salários em todo o país Marshall loc cit p 709710 Existem inúmeros testemunhos de que os economistas ortodoxos continuavam afirmando mesmo durante e depois da grande crise eco nômica de 19291932 que os altos salários constituíam a causa do desemprego e que os salários flexíveis eram a condição essencial para se alcançar e manter o pleno emprego Em 1929 foi constituída na Inglaterra a Comissão Macmillan sobre Finança e Indústria Macmillan Committee on Finance and Industry composta por pessoas de diferentes setores de atividade O propósito dessa comissão era o de investigar os bancos a finança e o crédito dando atenção aos fatores tanto internos como internacionais que governam sua operação e fazer recomendações calculadas para possibilitar a essas agências a promoção do desenvolvimento dos negócios e do comércio e o emprego do trabalho 22 ou seja sugerir medidas que acabassem com a grave crise econômica na Inglaterra naquela época A comissão tomou depoimentos de um grande número de pessoas entre economistas homens de negócios funcionários públicos dos altos escalões etc Se o resultado prático da pesquisa realizada pela Comissão Macmillan foi de nenhum valor ela permitiu pelo menos a elaboração de um amplo quadro das concepções econômicas teóricas e práticas vigentes naquela época Nos relatórios dessa comissão encontramse depoimentos de alguns dos mais destacados economistas ingleses em favor da redução de salários como forma de eliminar ou pelo menos reduzir o desemprego Alguns desses depoimentos são reproduzidos nas obras que tratam da Economia keynesiana para mostrar a diferença entre o Keynes da Teoria Geral e os economistas ortodoxos Lawrence Klein menciona também um artigo do Prof Edwin Cannan publicado em 1932 em plena crise econômica Um outro expoente dos cortes de salário era o Professor Cannan que pretendia explicar o desemprego geral exatamente do mesmo modo como se explica o desemprego particular numa firma ou in 22 Committee on Finance and Industry Report Londres 1931 transcrito de Robert Lekachman The Age of Keynes A Biographical Study Penguin Books 1969 p 3738 dústria específica Ele argumentava que no emprego particular mais trabalhadores podem ser empregados a baixo salários se for elástica a demanda pelo produto No emprego total a demanda pelo produto é indefinidamente elástica portanto qualquer número de trabalhadores até o pleno emprego pode ser empregada se eles não pedirem salários muito altos 23 Mas o mais destacado representante dessa teoria foi sem dúvida o Prof A C Pigou Sua principal obra sobre o assunto Theory of Unemployment 1933 sofreu o mais duro ataque por parte de Keynes ver The General Theory cap 2 e Apêndice ao cap 19 Notese porém que apesar desse ataque Pigou numa obra posterior Lapses from Full Employment 1945 embora reconhecendo certas deficiências do livro anterior volta a insistir em seu argumento de que a perfeita concorrência entre os trabalhadores e portanto a total flexibilidade dos salários era a condição essencial para se obter e manter o pleno emprego b Relação entre Salários e Lucros Não se pode dizer que a relação entre salários e lucros defendida por Ricardo e outros economistas posteriores seja derivada da lei de Say embora esteja de acordo com ela Como é evidente no cap 6 de seus Principles onde ele trata dos lucros essa relação era inferida diretamente da situação de um produtor ou seja capitalista individual para quem o preço de sua mercadoria era dado externamente Sendo este preço uma grandeza dada da qual o salário e o lucro são parcelas componentes a variação na magnitude de uma parcela necessariamente implica para a outra parcela uma variação em sentido contrário Ou seja a um aumento ou redução de salário corresponde necessariamente uma diminuição ou acréscimo do lucro Assim em sua análise Ricardo parte do produtor individual 23 Lawrence R Klein The Keynesian Revolution cit p 4647 Se um produtor manufacturer sempre vendeu seus bens pelo mesmo dinheiro por 1 000 por exemplo seus lucros dependem do preço do trabalho necessário para fabricar esses bens Seus lucros seriam menores quando os salários montassem a 800 do que quando ele pagasse apenas 600 Assim na proporção em que os salários subissem os lucros cairiam Principles cap 6 p 131 Dessa situação do capitalista individual Ricardo extrapola para a economia como um todo a observada relação entre salários e lucros Sua teoria dos lucros pode ser resumida do seguinte modo os lucros seja para o capitalista individual ou seja na economia como um todo dependem dos preços ou do valor total da produção e dos salários aumentando em proporção direta ao acréscimo dos preços e à redução dos salários ou seja os lucros constituem uma função direta dos preços e inversa dos salários Se porém com faz Ricardo tomamos os preços como invariáveis então os lucros dependem exclusivamente dos salários e isto ele afirma por diversas vezes no cap 6 de seus Principles Por que considera ele os preços como dados Porque ele raciocina em termos de uma economia sob regime de concorrência perfeita Suponhamos uma elevação de preço de uma determinada mercadoria Se em resposta a essa elevação ocorrasse uma contração da demanda o preço teria de voltar a seu nível original Imaginemos porém que a demanda seja suficiente para absorver o acréscimo do preço Neste caso supondose o salário constante o lucro aumentaria Isto atrairia novos capitais para a produção dessa mercadoria sua produção seria incrementada e com isto o preço tenderia a cair até que a taxa de lucro obtida na produção dessa mercadoria se igualasse à taxa média de lucro na economia como um todo Nas palavras de Ricardo Devese entender que estou falando de lucros em geral Já assinalei que o preço de mercado de uma mercadoria pode exceder seu preço natural ou necessário na medida em que ela seja produzida em menor abundância do que requer a nova demanda por ela Isto entretanto é apenas um efeito temporário Os altos lucros do capital empregado em produzir esta mercadoria naturalmente atrairão capital para este negócio e tão logo sejam supridos os fundos requeridos e a quantidade da mercadoria seja devidamente aumentada seu preço cairá e os lucros desta atividade se conformarão ao nível geral Principles cap 6 p 1387 Assim os lucros passam a depender apenas dos salários os quais por sua vez dependem dos preços dos bens essenciais de consumo que são constituídos principalmente de produtos agrícolas os lucros dependem de salários altos ou baixos os salários dependem do preço dos bens essenciais e o preço dos bens essenciais dependem principalmente do preço dos alimentos porque todos os outros requisitos podem ser aumentados quase sem limite Idem p 139 E Ricardo vai mais longe Considerando que o preço dos bens essenciais de consumo principalmente alimentos é determinado pela quantidade de trabalho necessário para sua produção em todos os países e todos os tempos os lucros dependem da quantidade de trabalho requerido para prover os bens essenciais para os trabalhadores numa terra ou com um capital que não gera renda Ibidem p 1457 24 Ricardo encontra então uma tendência geral à queda dos lucros A tendência natural dos lucros é então a de cair porque no progresso da sociedade e da riqueza a quantidade adicional de alimentos requeridos é obtida com o sacrifício de mais e mais trabalho Esta tendência esta espécie de gravitação dos lucros felizmente é interrompida em repetidos intervalos pelas melhoras nas máquinas relacionadas com a produção de bens essenciais assim como pelas descobertas na ciência da agricultura que nos possibilita liberar uma parcela do trabalho então requerida e portanto reduzir o preço da remuneração necessária do trabalhador Ibidem p 139140 24 Nesse argumento é necessário supor como o faz Ricardo a inexistência de renda da terra porque o preço dos bens essenciais depende não apenas do trabalho necessário para sua produção mas também da renda da terra Esta é em resumo a teoria formulada por Ricardo no cap 6 de seus Principles No cap 21 ele compatibiliza essa teoria com a lei de Say Ou seja de acordo com essa lei tudo que é produzido é demandado a produção cria sua demanda logo a demanda não constitui um obstáculo ao crescimento da produção O único obstáculo que pode surgir é constituído pela queda dos lucros os quais dependem dos salários A lei de Say não apenas é compatível com a teoria dos lucros de Ricardo ela também plenamente justifica essa teoria Se conforme essa lei a renda ou poder de compra ou demanda gerada pela produção é dada isto é constitui uma grandeza fixa e se esta grandeza se compõe de salários e lucros então estes últimos necessariamente têm de diminuir quando os salários aumentam Em suma para Ricardo os lucros variam num mesmo montante porém em sentido contrário da variação dos salários sendo esta concepção não apenas compatível com a lei de Say mas também inerente à formulação dessa lei Esta concepção a respeito da relação entre salários e lucros foi passada adiante na história do pensamento econômico ortodoxo e incorporada pela Economia néoclássica Devese frisar todavia que o argumento néoclássico é um tanto diferente do apresentado por Ricardo pelo menos no que se refere ao aspecto formal De qualquer forma como Ricardo os néoclássicos tomam os preços como dados determinados pela oferta e demanda em condições de concorrência perfeita e partindo da situação de uma firma particular extrapolam essa situação para a economia como um todo E aí encontram que uma variação nos salários tem como resultado uma variação inversa nos lucros sem que isto altere para mais ou para menos o poder global de compra25 25 Para uma crítica dessa teoria vejase M Kalecki Salários Nominais e Reais em Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas São Paulo Editora Hucitec 1977 Em suma nem os economistas clássicos nem os néoclássicos visualizavam a possibilidade de uma redistribuição de renda seja de lucros para salários ou viceversa afetar o volume do poder de compra gerado pela produção ou para usar a terminologia mais conhecida afetar o nível da demanda efetiva c Crises de Produção Repetindo sumariamente o que foi dito antes a demanda ou poder de compra é criada pela produção e é sempre igual a esta Portanto excetuando os casos de desajustes temporários e circunscritos a tipos particulares de bens ou serviços não pode haver na economia como um todo uma situação de superprodução ou de subdemanda em geral Decorre obviamente dessa concepção a impossibilidade de aparecimento de crises econômicas isto é situações em que a produção excede consideravelmente a demanda gerando um abarrotamento de produtos não vendidos no mercado e logo em seguida uma queda acentuada da produção com uma série de outras consequências desemprego falências transferências de riquezas etc Mas apesar do que diz a teoria as crises ocorrem e muitas vezes com tal intensidade que até mesmo os adeptos da lei de Say se viram forçados a reconhecêlas E assim fazendo procuraram para elas explicações que não conflitassem com a teoria adotada A primeira tentativa mais conhecida foi a de John Stuart Mill uma outra na mesma linha da de Mill foi a de Alfred Marshall26 Não pretendemos discutir aqui essas tentativas mas tão somente assinalar como elas procuraram uma resposta para o problema das crises sem infringir a lei de Say E desde logo é bom esclare 26 As concepções de JS Mill encontraramse dispersas em seus Principles of Political Economy cit as de Marshall no livro que escreveu junto com sua mulher Mary Paley Marshall Economics of Industry 1879 Alvin H Hansen em Business Cycles and National Income Londres Allen Unwin 1951 cap 15 apresenta um resumo dessas concepções cer que tanto Mill como Marshall não se preocupam em fornecer uma explicação integrada do problema das crises integrada no sentido de que essa explicação se centrasse especificamente naquele problema Ao procurar uma resposta ambos os autores consideram as crises como problemas eminentemente comerciais e financeiros em que certas circunstâncias ligadas à moeda ao crédito à taxa de juros fazem com que a própria economia infrinja temporariamente a lei de Say levando às crises Assim a lei de Say permanece válida a economia é que de vez em quando vai por maus caminhos Para Mill isto decorre das atividades especulativas dos comerciantes Por uma razão acidental qualquer que pode ser uma redução de colheiras um impecilho à importação etc pode ocorrer uma tendência ao aumento de preços e consequentemente de lucros Antecipando a elevação dos preços os comerciantes procuram ampliar seus estoques de mercadorias para vendêlas durante a alta e incrementar seus lucros Esse movimento por seu turno contribui efetivamente para a elevação dos preços Chega um ponto em que os comerciantes começam a vender e com isso os preços vão caindo Para evitar perdas os comerciantes procuram agora vender o quanto podem provocando assim um efetivo colapso de preços e daí uma crise comercial Para efetuarem suas compras durante a fase de euforia os comerciantes contraem dívidas com o colapso de preços porém eles obtêm recursos suficientes para pagar as dívidas A situação se agrava Nesse processo segundo Mill o sistema de crédito tem uma parcela de responsabilidade pela crise as taxas de juros são muito baixas durante a fase de euforia facilitando aos comerciantes a tomada de empréstimos para seus fins especulativos e se elevam com o aumento da demanda por empréstimos o que agrava o problema durante a depressão Marshall segue no geral a concepção de Mill no que se refere ao papel da especulação e do crédito mas introduz também alguns elementos novos Ele explicitamente aceita a lei de Say acerca da igualdade entre produção e demanda Entretanto argumenta Mas embora os homens tenham o poder de comprar eles podem preferir não usálo27 Ou seja Marshall vê a possibilidade de rompimento daquela igualdade que pode ser provocado pela falta de confiança nos negócios A principal causa do mal é uma carência de confiança E ele explica Porque quando a confiança foi abalada por falências o capital não pode ser obtido para iniciar novas companhias ou ampliar as existentes Os projetos para novas ferrovias não encontram receptividade os navios permanecem ociosos e não há encomendas para novos navios Raramente há uma demanda por trabalhadores comuns e não muita pelo trabalho de construção e de fabricação de máquinas Em suma há apenas uma pequena ocupação em qualquer uma das atividades produtoras de capital fixo Aqueles cuja capacidade e capital são especializados nessas atividades estão ganhando pouco e portanto comprando pouco do produto das outras atividades Estas encontram um mercado pobre para seus bens produzem menos ganham menos e portanto compram menos a diminuição da demanda por seus artigos levamnas a demandar menos de outras atividades Assim expandese a desorganização comercial a desorganização de uma atividade põe as outras fora dos eixos as quais reagem a isto e aumentam sua desorganização Esta longa citação do texto de Marshall não é sem finalidade Por meio dela queremos mostrar como ele concebe uma ruptura no funcionamento da lei de Say causada pela falta de confiança Mas não apenas isto Também desejamos mostrar como ele lança mão de uma concepção muito parecida com a do multiplicador do investimento de Keynes para explicar a recessão econômica uma queda do nível de investimento provocada pela falta de confiança no mundo dos negócios gera adicionais decréscimos do investimento através da redução da demanda Mas a aproximação entre Marshall 27 Os argumentos de Marshall aqui reproduzidos foram extraídos de seus Principles of Economics cit livro VI cap 13 10 p 710711 Esses argumentos foram também empregados no livro escrito juntamente com Mary P Marshall The Economics of Industry cit e Keynes neste problema de que estamos tratando limitase a isto e ao papel que o primeiro atribui à falta de confiança em Keynes o estado das expectativas para explicar a depressão Um outro elemento utilizado por Marshall para explicar o baixo nível de produção e de emprego durante as fases de depressão é a rigidez dos salários resultante da ação dos sindicatos de trabalhadores como já mencionamos ao tratar do problema do pleno emprego Tanto Mill como Marshall e outros autores representativos da ortodoxia econômica até a década de 1930 não apenas aceitam a validade da lei de Say mas também a tomam por base para formularem muitas de suas concepções Mas a lei de Say nega a possibilidade de ocorrência de um estado de superprodução ou seja de aparecimento de crises Como estas realmente aparecem e muitas vezes se manifestam com relativa violência não há como negálas A solução mais adequada para essa contradição entre a teoria e a realidade seria pura e simplesmente a de reformular a primeira ou seja abolir a lei de Say Mas para esses economistas educados e profundamente embuídos das verdades estabelecidas pela mais pura tradição do pensamento econômico britânico essa seria uma dolorosa solução que talvez nem mesmo lhes tenha passado pela cabeça embora pelo menos no caso de Marshall isto não seja tão certo assim Seria uma dolorosa solução não apenas porque eles admirassem a lei de Say em si mesma ou porque fosse um elemento da tradição fortemente estabelecido por Ricardo mas também e principalmente pelo fato de esta solução ter outras implicações para a teoria econômica como estamos tentando mostrar A rejeição da lei de Say representaria como de fato representou mais tarde uma completa reformulação de tradicionais princípios e concepções da Economia Política ortodoxa Portanto não adotando esta solução os economistas em face das crises e depressões viramse obrigados a buscar explicações dentro do quadro de referência im posto pela lei de Say e como esse quadro é rígido conflitanto com o próprio problema para o qual as explicações são procuradas as respostas encontradas pelos economistas são necessariamente falsas ou artificiais se não em certos aspectos específicos pelo menos no todo Dois tipos de resposta foram apresentados O primeiro repre sentado pelas concepções de John Stuart Mill e Alfred Marshall é o de aceitar que em determinados momentos que são aqueles das crises a lei de Say possa ser infringida A economia normalmen te funciona de acordo com o princípio adotado de que a produção cria sua própria demanda todos os bens e serviços produzidos são vendidos haveria porém momentos de anormalidade nos quais a demanda se disassociaria da produção gerando crisesE nesses casos ou melhor de acordo com essa concepção caberia aos economistas buscar apenas as razões pelas quais a demanda se divorcia da produção O segundo tipo de resposta mantém ou pode manter incólume a lei de Say dando uma outra interpretação às crises Estas não constituiriam inicialmente um excesso de produção ou uma defici ência de demanda que levaria no desenrolar do processo a uma queda acentuada da produção Nada disto O processo gerador e ca racterístico das crises já se iniciaria com a queda da produção sem ser necessário que a demanda deixe de ser criada pela própri produção ou seja a demanda pode continuar sendo igual à produção em conformidade com a lei de Say mas isto não impede que a produção caia e portanto haja uma crise econômica se aceitamos a hipótese de a produção poder ser afetada por fatores exógenos isto é fora do domínio da economia O exemplo mais conhecido des se tipo de concepção das crises econômicas é o de W Stanley Je vons Para ele as flutuações econômicas se iniciariam com as co lhes agrícolas irregulares as colheitas abundantes favorece riam a expansão econômica em geral e as más colheitas gerariam as depressões sendo que as variações da produção agrícola por seu turno seriam resultados das condições meteorológicas e mais especificamente ainda o próprio caráter cíclico das crises seria explicado pelo caráter recorrente das manchas solares De qualquer forma fosse Jevons um adepto ou não da lei de Say ele oferecía uma resposta para o problema das crises que não a infringia d Finanças Públicas A lei de Say exerceu também grande influência sobre as Finanças Públicas Essa influência incidiu diretamente sobre 1 a concepção do papel das despesas governamentais no funcionamento da eco nomia e 2 a teoria da tributação Vejamos resumidamente essas duas questões Comecemos pelo problema dos gastos públicos Recordemos mais uma vez que pela lei de Say para uma determinada produção exis te sempre necessariamente uma demanda de igual valor e portanto não pode ocorrer uma insuficiência de demanda Neste caso que significam os gastos governamentais São apenas transférencias de despesas do setor privado para o setor estatal ou seja cada li bra despendida pelo governo corresponde a uma libra que os indi víduos deixaram de gastar Ao se efetuar a produção criase ao mes mo tempo um determinado volume de poder de compra uma parte do qual é transferida dos indivíduos para o Estado através dos tri butos eou de empréstimos públicos e é com essa parte do poder de compra que o governo efetua sua despesa Assim o poder de com pra total ou demanda efetiva total não se altera havendo ape nas uma transferência de parte deste poder para as mãos do Estado Daí concluíase também o seguinte certos governos recorrem à emissão de dinheiro para aumentar seu poder de compra isto pode na verdade ampliar o poder de compra estatal mas não o total porque este é determinado pela produção como resultado o gover no poderia efetivamente elevar suas despesas mas às custas de uma diminuição dos gastos dos indivíduos e com uma inflação de preços porque embora tenha aumentado a quantidade de dinheiro o volume de produção permaneceu o mesmo Em suma ocorre apenas um aumento nominal mas não real do poder de compra Há também outro aspecto a considerar Os economistas clássicos definiam as atividades governamentais como improdutivas e portan to as despesas públicas como gastos improdutivos enquanto as despesas individuais se dividiam em improdutivas consumo e pro dutivas investimentos Se os tributos incidem sobre o consumo dos indivíduos ocorre então apenas uma transferência de gasto im produtivo dos indivíduos para o Estado e o país como um todo nada perde com isto Se porém os tributos incidem sobre os investi mentos há então não apenas uma transferência de despesas dos in dívidos para o Estado mas também uma conversão de gastos produ tivos em gastos improdutivos e portanto uma redução na acumula ção de capital isto é da futura capacidade produtiva do país Esse mesmo princípio se aplicaria também aos impostos sobre o es toque de capital já constituído haveria uma redução deste capital em beneficio do gasto improdutivo do Estado Esse argumento é te cido por Ricardo Não existem tributos que não tenham uma tendência a enfraque cer o poder de acumular Todos os tributos têm de incidir ou sobre o capital ou sobre a renda Se eles se intrometem com o capital diminuem proporcionalmente este fundo por cuja gran deza deve sempre ser regulada a grandeza da indústria produtiva do país ese eles incidem sobre a renda devem ou reduzir a acumulação ou forçar os contribuíntes a poupar o montante do imposto através de uma correspondente diminuição de seu ante rior consumo improdutivo de bens essenciais e de luxo Prin ciples cap 8 p 169170 O mesmo argumento é retomado por J S Mill porém para demons trar que o imposto sobre a poupança corresponde a uma dupla tribu tação e consequentemente fere o princípio da equidade tributa ria Assim ele escreve o modo apropriado de determinar um imposto de renda seria tributar apenas a parte da renda destinada à despesa isto é ao consumo isentando a parte que é poupada Porque quando poupada e investida e todas as poupanças falando em geral são investidas esta parte a partir de então paga imposto de renda sobre juro ou lucro que ela gera não obstante já tenha sido tributada sobre o principal Portanto a menos que as poupanças sejam isentas do imposto de renda os contribuintes serão duas vezes tributados sobre o que eles poupam Principles of Political Economy livro V cap 2 4 p 813 Em suma da exposição feita até aqui podemos concluir o seguinte Para os autores clássicos baseados na lei de Say os gastos públicos não exerciam qualquer efeito positivo sobre a economia e em especial sobre o crescimento econômico visto constituírem apenas uma transferência das despesas privadas Antes pelo contrário os gastos públicos poderiam ser um obstáculo ao crescimento econômico na medida em que transferiam fundos de acumulação para utilizálos em atividades improdutivas Daí a conclusão de que os gastos governamentais deviam limitarse ao estritamente essencial ao bom funcionamento do aparelho estatal naquilo que lhe era inerente o controle das coisas públicas a manutenção da ordem a aplicação da justiça etc E daí também os tributos eou as dívidas públicas utilizados para financiar esses gastos deviam ser reduzidos àquele mínimo indispensável Ademais para que as despesas governamentais não constituíssem um fator negativo no crescimento econômico elas deveriam ser financiadas com impostos que não incidissem sobre o estoque de capital já formado ou sobre os recursos disponíveis para acumulação Na teoria ortodoxa os argumentos dos economistas clássicos se mantiveram até a assim chamada Revolução keynesiana Vejamos um exemplo Já mencionamos a Comissão Macmillan constituída na Inglaterra durante a grande crise de 192932 Entre as pessoas ouvidas pela comissão estava o Prof R G Hawtrey um dos mais proeminentes economistas da época Um dos pontos por ele aborda dos em seu depoimento foi o dos gastos governamentais onde ele nada mais fez do que repetir o argumento dos autores clássicos O depoimento de Hawtrey é comentado por Lawrence Klein devemos sublinhar que Hawtrey é usado aqui apenas como exemplo porque igual a ele pensava a maioria dos economistas ortodoxos da época Ele Hawtrey até mesmo considerou a idéia radical do gasto governamental efetuado com novo crédito bancário mas predisse que o resultado de tal política seria inflacionário e uma ameaça ao padrão ouro forçando assim uma elevação da taxa bancária de juro e causando a contração do crédito Tal plano para ele fracassaria porque as despesas governamentais feitas com crédito bancário significariam o fim do dinheiro barato para a empresa privada Como podiam os economistas se preocupar com o vazio inflacionário quando havia tão alto nível de desemprego A única resposta que podemos dar a esta questão é a de que eles deviam estar trabalhando com as hipóteses da lei de Say eou do pleno emprego28 Passem risto como veremos logo era encarado apenas pelo prisma da justiça ou equidade distributiva dos impostos Não se vislumbravam maiores problemas econômicos na diferenciação dos lucros e dos salários como fontes geradoras dos tributos além do fato já mencionado de que os tributos incidentes sobre as poupanças poderiam provocar uma queda na formação de capital e esse risco seria necessariamente maior no caso dos impostos sobre os lucros visto serem destes que provém a parcela maior da poupança Na verdade Ricardo procurou aprofundar a análise do problema Diversos capítulos de seus Principles são dedicados à análise dos impostos Segundo Ricardo qualquer que seja a forma do imposto incidente sobre os salários seja como imposto direto ou como imposto indireto ele aumentará o preço da força de trabalho e portanto será no fim das contas um imposto sobre os lucros isto é pagos pelos capitalistas qualquer imposto que tenha o efeito de elevar os salários será pago por uma diminuição dos lucros e portanto um imposto sobre salários é de fato um imposto sobre lucros Principles cap 16 p 236 Seu argumento é o seguinte Qualquer mercadoria aumenta de preço quando é tributada o mesmo acontecendo com o salário o preço da força de trabalho Isto não aconteceria se o aumento do preço provocasse uma queda na demanda obrigando o preço a voltar a seu nível anterior Mas com a força de trabalho isto não ocorre Ao elevarse o salário em decorrência do imposto os capitalistas realmente reduzem sua demanda por trabalho mas por outro lado com o aumento de arrecadação do imposto o governo incrementará sua demanda Logo O governo é o povo na verdade os capitalistas tornamse assim competidores e a consequência de sua competição é um aumento no preço do trabalho O mesmo número de homens será empregado mas eles estarão empregados com maiores salários Idem p 231 Embora essa linha de raciocínio e sua conclusão sejam falsas é impressionante a coerência de Ricardo convencido da verdade da lei de Say Ricardo se mantém coerente com ela em toda sua obra e diversas vezes chega a recriminar o próprio Say por infringíla como acontece também aqui quando este escreve referindose à tributação Quando levada muito longe ela produz este lamentável efeito despoja o contribuinte de uma parte de suas riquezas sem enriquecer o Estado29 Ou seja Say já havia esquecido o princípio formulado por ele mesmo segundo o qual não pode haver um vazamento no poder de compra criado pela produção e portanto não pode haver ao mesmo tempo um empobrecimento tanto dos contribuíntes como do Estado visto os recursos dos primeiros serem transferidos para o segundo Ricardo porém permanece fiel ao princípio e é por procurar aplicálo consistentemente que ele chega à conclusão de que os impostos sobre os salários são na verdade impostos sobre os lucros A conclusão de Ricardo não era agradável para os capitalistas Se verdadeira isto significaria que não adiantava tributar os salários porque seriam eles os capitalistas que pagariam esses impostos Sendo falsa a conclusão era ainda mais irritante porque podia ser encarada como uma tentativa de demonstrar a inutilidade da tributação dos salários De qualquer forma a experiência prática devia estar mostrando que os impostos sobre os salários não elevavam o preço da força de trabalho e portanto mesmo que não se pudesse demonstrar teoricamente com a mesma força lógica de Ricardo que sua conclusão estava errada ela foi abandonada O que imperou foi a concepção já mencionada por nós de que os tributos podem incidir tanto sobre os salários como sobre os lucros sem que essa incidência sobre um certo tipo de renda afete 29 Transcrito por Ricardo op cit p 245 adversamente ou vantajosamente o outro tipo de renda Assim a discussão sobre os impostos se deslocou para o problema da equidade da tributação Isto pode ser constatado já nos Principles of Political Economy de John Stuart Mill livro V cap 2 relativo aos Princípios Gerais da Tributação Em suma as Finanças Públicas deveriam ser orientadas por alguns princípios básicos entre os quais 1 os gastos governamentais deveriam limitarse ao estritamente necessário para o funcionamento do aparelho estatal 2 o problema central da tributação para financiar esses gastos era o de encontrar as formas mais justas de impostos levandose em conta também a conveniência de não restringir através dos tributos os recursos disponíveis para investimento a fim de não reduzir ou interromper o processo de expansão econômica 3 não se colocava o problema de como utilizar a tributação exatamente para alcançar esse objetivo de expansão econômica porque não se via a tributação como forma possível de aumentar em vez de diminuir o nível da produção Sobre este último ponto se o poder de compra era dado isto é fixo como poderia uma simples transferência de uma parte deste poder de compra dos indivíduos para o Estado aumentar a produção De fato a simples formulação desta pergunta era absurda Aritmeticamente ela correspondia ao seguinte problema como aumentar o valor de um total pelo simples deslocamento de uma parcela deste total Ou seja a pergunta era absurda porque formulada com base na lei de Say segundo a qual o poder de compra era fixo determinado pela produção A importância dessas falsas conclusões só pode ser devidamente avaliada quando examinamos o que representa para a Economia e mais especificamente para as Finanças Públicas o abandono da lei de Say e Acumulação de Capital Já vimos que segundo a lei de Say a demanda potencial é infinita de modo que por esse lado não há qualquer restrição ao crescimento da produção e do capital Já mencionamos também que a disponibilidade de força de trabalho não constitui um obstáculo à acumulação ou porque segundo Ricardo a oferta de mãodeobra se ajusta à acumulação ou porque segundo os néoclássicos o fator trabalho é perfeitamente substituível pelo fator capital Assim o único limite à acumulação de capital é o volume de recursos disponíveis para tal fim Vejamos como esse problema se apresenta na teoria de Ricardo Para começar é preciso observar que segundo ele somente os capitalistas poupam e portanto acumulam Os trabalhadores gastam todo seu salário em bens essenciais de consumo enquanto os proprietários de terra e a nobreza gastam em bens de luxo quase toda sua renda a parte restante da renda sendo correspondente ao consumo de bens essenciais Assim toda a acumulação de capital é efetuada pelos capitalistas incluindose nesta categoria os capitalistas industriais manufacturers e agrícolas farmers os quais pagam renda aos proprietários de terra landlords Portanto toda a acumulação depende do lucro Esta afirmação pode ser desdobrada em duas partes 1 a acumulação é determinada pelo volume total do lucro 2 a acumulação é determinada pela parcela do lucro que é poupada mas como este parcela depende do lucro total temos que a acumulação é uma função do lucro Ricardo considerava os capitalistas como uma classe frugal que despende muito pouco em bens de luxo e portanto procurava poupar o máximo de seus lucros e investir toda sua poupança Se consideramos a poupança uma função do lucro a acumulação de capital também o é Ou seja o único limite à acumulação é constituído pelo lucro Como vimos ao tratarmos da relação entre salários e lucros estes últimos tendem a cair em decorrência da tendência ascendente dos primeiros Assim haveria uma tendência histórica do capitalismo a alcançar um estado estacionário onde a acumulação de capital deixaria de existir Nessa teoria da acumulação a lei de Say é utilizada em três pontos essenciais 1 a demanda não constitui obstáculo ao crescimento da produção visto ser determinada por esta última 2 os lucros diminuem com o aumento dos salários visto ser inalterável o poder de compra total gerado pela produção 3 toda a poupança é investida Os dois primeiros pontos já foram tratados anteriormente restanos dedicar um pouco mais de atenção ao terceiro Temos que o investimento é igual à poupança Até aqui nenhuma novidade Para os economistas clássicos no entanto essa igualdade era obtida automaticamente Como vimos antes seção 2d deste capítulo tanto para Ricardo como para John Stuart Mill um ato de poupança implicava necessariamente um ato de investimento ou seja toda poupança era automaticamente investida Essa concepção é justificada historicamente por alguns autores No fim do século XVIII e na primeira metade do século XIX isto é na época de Say Ricardo Mill eram efetivamente os capitalistas a classe que mais poupava e investia enquanto o nível de salário vigente não permitia aos trabalhadores o luxo de poupar e os nobres proprietários não tinham motivo por que poupar daí a identificação da poupança com os capitalistas Além disso ocorriam também dois fatos que devem ser observados 1 o capitalismo encontravase em pleno desenvolvimento com a revolução industrial ainda em seu apogeu as oportunidades de investimento eram muitas enquanto os recursos de poupança para usufruir dessas oportunidades eram limitados 2 a poupança e o investimento eram usualmente realizados pelos mesmos capitalistas individuais ou seja cada capitalista procurava investir toda sua própria poupança a fim de ampliar seus negócios Desses dois fatos teria resultado naturalmente a identificação da poupança com o investimento Em suma os econo mistas clássicos estavam aproximadamente dizendo a verdade quando afirmavam que toda poupança era automaticamente investida Mas o que podia ser uma verdade para os economistas clássicos deixou de sêlo para os néoclássicos e mesmo assim estes últimos continuaram afirmando a igualdade entre poupança e investimento Com o desenvolvimento do capitalismo a expansão das grandes empresas a ampliação do sistema de captação de recursos por meio de empréstimos e emissões de ações e a separação entre proprietários e diretores das firmas os atos de poupança começaram a se separar dos atos de investimento os indivíduos que investiam já não eram necessariamente os mesmos que poupavam Nessa situação tornavase difícil continuar afirmando que a poupança era automaticamente investida Que fizeram os economistas néoclássicos A concepção de Ricardo e de Mill era insustentável porém os teóricos néoclássicos continuaram aferrados à lei de Say ao princípio da preservação do poder de compra à idéia de que toda renda era necessariamente gasta Se não acreditassem nisso muitas de suas concepções ruiriam junto com a lei de Say e entre outras coisas teriam de admitir que o capitalismo não é este sistema perfeito que assegura o pleno emprego dos recursos e o desenvolvimento harmonioso da economia Assim tiveram eles de buscar outro motivo para explicar a igualdade entre investimento e poupança que não o simples argumento da igualdade automática entre essas duas grandezas Para começar eles aceitaram a separação entre as decisões de investimento e as de poupança e isto sem dúvida foi um passo adiante para a compreensão do capitalismo moderno Isto posto passaram a procurar o elemento que no mecanismo de funcionamento da economia assegura a igualdade entre o investimento total e a poupança total Cada pessoa ou firma pode investir mais ou investir menos do que poupa mas na economia como um todo o investimento é sempre igual à poupança Que assegura essa igualdade Segundo os néoclássicos é a taxa de juros operando através do mecanismo de mercado isto é pelo ajustamento entre a oferta e a demanda de recursos para investimento Vejamos mais de perto esse mecanismo A taxa de juros é o preço do dinheiro como qualquer outro preço a taxa de juros seria determinada pela oferta e demanda sendo que neste caso a poupança corresponde à oferta e o investimento à demanda por dinheiro Para facilitar o raciocínio suponhamos que inicialmente o volume total de investimento demanda por dinheiro para investir seja igual ao volume total de poupança oferta de dinheiro Agora vamos imaginar que por um motivo qualquer as pessoas e firmas resolvem poupar mais ou investir menos do que antes a poupança se torne maior do que o investimento Que acontece então Poupando mais as pessoas dispõem de maiores recursos para emprestar a outras numa palavra dispõem de maiores fundos de empréstimo loanable funds em relação à procura por esses fundos isto é em relação à demanda por recursos para investimento Isso provocará uma queda da taxa de juros Esta é o preço recebido pelas pessoas que emprestam dinheiro e inversamente é o preço pago pelas pessoas que tomam dinheiro emprestado Assim a queda da taxa de juros provocará de um lado a redução da poupança e de outro o aumento do investimento até que estas duas grandezas se encontrem novamente em equilíbrio Em resumo uma queda da taxa de juros desestimula a poupança e estimula o investimento enquanto uma subida dessa taxa provoca efeitos inversos Por sua vez a taxa de juros é uma função direta do investimento e uma função inversa da poupança isto é sobe quando aumenta o investimento sendo dado o nível de poupança ou quando diminui a poupança sendo dado o nível de investimento Como vemos esta concepção está inteiramente de acordo com a teoria dos preços da Economia néoclássica o que é um motivo fundamental para explicar sua incorporação por esta Economia

Sua Nova Sala de Aula

Sua Nova Sala de Aula

Empresa

Central de ajuda Contato Blog

Legal

Termos de uso Política de privacidade Política de cookies Código de honra

Baixe o app

4,8
(35.000 avaliações)
© 2025 Meu Guru®