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Psicologia ·

Psicologia Social

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DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fim exclusivo de compra futura É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda aluguel ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa Você pode encontrar mais obras em nosso site LeLivroslink ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento e não mais lutando por dinheiro e poder então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível COLEÇÃO PSICOLOGIA SOCIAL Coordenadores Pedrinho Arcides Guareschi Pontifícia Univ Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Sandra Jovchelovitch London School of Economics and Political Science LSE Londres Conselho editorial Denise Jodelet LÉcole des Hautes Études en Sciences Sociales Paris Ivana Marková Universidade de Stirling Reino Unido Paula Castro Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa ISCTE Lisboa Portugal Ana Maria JacóVilela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Uerj Regina Helena de Freitas Campos Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Angela Arruda Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Neuza MF Guareschi Pontifícia Univ Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Leôncio Camino Universidade Federal da Paraíba UFPB Psicologia social contemporânea Vários autores As raízes da psicologia social moderna Robert M Farr Paradigmas em psicologia social Regina Helena de Freitas Campos e Pedrinho A Guareschi orgs Psicologia social comunitária Regina Helena de Freitas Campos e outros Textos em representações sociais Pedrinho A Guareschi e Sandra Jovchelovitch As artimanhas da exclusão Bader Sawaia org Psicologia social do racismo Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento orgs Psicologia social e saúde Mary Jane P Spink Representações sociais Serge Moscovici Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky Susana Inês Molon O social na psicologia e a psicologia social Fernando González Rey Dialogicidade e representações sociais Ivana Marková Psicologia do cotidiano Marília Veríssimo Veronese e Pedrinho A Guareschi orgs Argumentando e pensando Michael Billig Os contextos do saber Sandra Jovchelovitch Políticas públicas e assistência social psicológicas Lílian Rodrigues da Cruz e Neuza Guareschi orgs A identidade em psicologia social JeanClaude Deschamps e Pascal Moliner A invenção da sociedade Serge Moscovici Psicologia das minorias ativas Serge Moscovici Inventando nossos selfs Nikolas Rose A Psicanálise sua imagem e seu público Serge Moscovici O psicólogo e as políticas públicas de assistência social Lílian Rodrigues da Cruz e Neuza Guareschi orgs Psicologia social nos estudos culturais Neuza Maria de Fátima Guareschi e Michel Euclides Bruschi orgs Envelhecendo com apetite pela vida Sueli Souza dos Santos e Sergio Antonio Carlos orgs A análise institucional René Lourau CDD302 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Psicologia social contemporânea livrotexto Marlene Neves Strey et al Petrópolis RJ Vozes 2013 ISBN 9788532647467 Edição digital 1 Psicologia Social I Strey Marlene Neves 980583 Índices para catálogo sistemático 1 Psicologia social 302 1998 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luís 100 25689900 Petrópolis RJ Internet httpwwwvozescombr Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora Diretor editorial Frei Antônio Moser Editores Ana Paula Santos Matos José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração e org literária Jaime Clasen Projeto gráfico AGSR Desenv Gráfico Capa Graphit ISBN 9788532647467 Edição digital Editado conforme o novo acordo ortográfico PREFÁCIO É sempre um grande prazer introduzir mais uma obra de Psicologia Social produzida por brasileiros para brasileiros Pois isto significa que estamos construindo um saber próprio que deverá refletir não só na prática de futuros psicólogos mas também nas pessoas atendidas por eles que esperamos serem a grande maioria tão carente de nossa população Ao fazer tal afirmativa o faço ciente de que se trata de um conjunto de artigos comprometidos com uma postura crítica visando promover relações sociais que não neguem o poder que nos diferencia mas que têm por objetivo último gerar a igualdade respeitando peculiaridades individuais O conjunto de autores que contribuíram na elaboração desta obra já são uma garantia de que esta meta será atingida pois não só os seus escritos mas principalmente suas práticas cotidianas são o testemunho objetivo de uma psicologia social crítica O exame cuidadoso dos capítulos que constituem o livro também retrata esta postura ao introduzir pressupostos que indicam a preocupação com uma inserção histórica com um compromisso ético tanto na teoria quanto na prática da pesquisa O referencial teórico abrange os temas fundamentais desta nova abordagem da Psicologia Social permitindo ao leitor superar a contradição enfrentada pela psicologia tradicional entre subjetividade vs objetividade Pois hoje temos clareza de que o objeto de nossa ciência é a relação dialética unívoca entre objetividade e subjetividade na constituição do psiquismo humano A prática de uma psicologia social crítica como não poderia deixar de ser compõe a última parte deste livro visando introduzir o aluno no que consideramos uma práxis científica Esses capítulos tentam resgatar um saber construído numa época de repressão política para as possibilidades que hoje se abrem para uma atuação do psicólogo em instituições como creches postos de saúde escolas que prestem serviços patrocinados pelo Estado para aquela faixa da população que vem sendo alvo de uma psicologia social crítica Gostaríamos ainda de dedicar algumas palavras aos professores e alunos que irão trabalhar com esta teoria ela é sempre uma síntese precária da qual nós partimos para a elaboração de conhecimentos concretos Ela jamais é neutra ou universal assim um saber gerado no sul do Brasil terá peculiaridades que o diferenciam da psicologia de outras regiões do país principalmente pelas diferenças históricas e geográficas de um paíscontinente a realidade concreta construída historicamente é o objetivo último de nossa ciência a qual permitirá conhecer o indivíduo em sua totalidade Jamais devemos usar fatos cotidianos para exemplificar uma teoria pois eles sempre poderão estar questionando o saber elaborado até o presente Bachelard em sua obra A filosofia do não afirma que o conhecimento científico só avança quando o pesquisador se questiona por que não o contrário Portanto não devemos temer nossas dúvidas ou as exceções que comprovam a lei Certamente elas nos estarão dando novas pistas a serem pesquisadas abrindo caminho para análises cada vez mais próximas a um saber concreto Não podemos contudo nos esquecer que também existem aspectos universais no comportamento humano e devemos procurar suas raízes nas condições filogenéticas que nos constituem O reforço squineriano aumenta a frequência de qualquer organismo do rato até o homem este é um fato inegável Do mesmo modo somos capazes de sentir a beleza estética das obras primitivas desde que conheçamos um pouco de sua história e cultura O mesmo não se dá com valores morais e éticos pois estes são produtos ontogenéticos consequências da mediação da linguagem do pensamento e das emoções Aproveitem as lições contidas nesta obra sem esquecer jamais da reflexão crítica voltada para as nossas atividades cotidianas repletas de conteúdos emocionais que permitirá o avanço constante de nossa consciência e de nossa identidade como metamorfose Bom trabalho Sem esquecer que o verdadeiro saber é produto de uma comunidade científica da qual participam sujeitos e pesquisadores Silvia T Maurer Lane PUCSP APRESENTAÇÃO O V e o VI Encontros Regionais da Abrapso Associação Brasileira de Psicologia Social realizados em 1994 e 1996 resultaram na elaboração de dois livros Relações sociais e ética Psicologia e práticas sociais marcos significativos da produção de conhecimentos gerada nos diversos momentos de reflexão coletiva propiciada por esses eventos científicos Tais obras permitiram a socialização mais ampla dos questionamentos das inquietações das sistematizações teóricas metodológicas e práticas que vêm constituindo a psicologia social crítica em nosso país O êxito de divulgação alcançado por essas produções conduziu um grupo de participantes da AbrapsoSUL a enfrentar o desafio de construir um livro que apresentasse sínteses das discussões temáticas que podem configurar o campo da psicologia social crítica de tal forma que permitisse atender às necessidades de formação nos cursos de Psicologia assim como em outros cursos que também exploram essa área do conhecimento Portanto esta produção tem o caráter de um manual que apresenta os conhecimentos de forma acessível sem ser contudo simplista eou superficial Pretende introduzir novas temáticas eou novos olhares sobre uma mesma temática Pretende ainda ser um recurso útil de ensinoaprendizagem tanto para alunos como para professores O presente volume representa uma ação coletiva de construção desses conhecimentos e está organizado em três partes A primeira tem um caráter geral focalizando fundamentos históricos epistemológicos e metodológicos A segunda expõe alguns temas fundamentais da Psicologia Social e básicos para a compreensão do sujeito humano Na terceira parte são apresentadas algumas experiências fundamentadas na concepção de psicologia social crítica as quais vêm sendo desenvolvidas em diferentes espaços como comunidades organizações e instituições e que podem representar rupturas e avanços no saberfazer do psicólogo ou de outros profissionais comprometidos com a transformação social Construíram este livro Adriane Roso psicóloga mestranda de Psicologia Social e da Personalidade PUCRS bolsista da Capes Adriano Henrique Nuernberg psicólogo e mestrando em Psicologia UFSC pesquisador do Laboratório de Educação e Saúde Popular da UFSC Andréa Zanella psicóloga doutora em Psicologia da Educação PUCSP professora do Departamento de Psicologia da UFSC e pesquisadora do Laboratório de Educação e Saúde Popular Foi vicepresidente da Regional Sul e presidente nacional da Abrapso Carmem Lígia Iochins Grisci psicóloga mestre em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS doutora em Psicologia Social PUCRS professora da Faculdade de Administração UFRGS Cleci Maraschin psicóloga doutora em Educação UFRGS professora do Instituto de Psicologia UFRGS e pesquisadora do Laboratório de Estudos Cognitivos Fátima O de Oliveira psicóloga mestranda em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS tesoureira da AbrapsoSUL Gislei Lazzarotto psicóloga mestre em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS professora do curso de Psicologia da Ulbra e assessora em Psicologia Social Graziela C Werba psicóloga mestra em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS grupoterapeuta em formação CEAPEG e secretária da AbrapsoSUL Jaqueline Tittoni psicóloga doutoranda em Sociologia UFRGS professora do Instituto de Psicologia da UFRGS Jefferson de Souza Bernardes psicólogo mestre em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS professor de Psicologia Social e coordenador do curso de Psicologia da Unisinos Luiz F Rolim Bonin doutor em Psicologia Social PUCSP e professor de Psicologia da Universidade Federal do Paraná Louise A Lhullier psicóloga doutora em Psicologia Social PUCSP professora do Mestrado em Psicologia e do Doutorado em Ciências Humanas na UFSC pesquisadora do CNPq Maria da Graça Corrêa Jacques psicóloga doutora em Educação PUCRS professora do Instituto de Psicologia da UFRGS pesquisadora do CNPq Vice presidente da Regional Sul da Abrapso Maria Juracy Toneli Siqueira psicóloga doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano USP professora do departamento de Psicologia da UFSC e pesquisadora do Laboratório de Educação e Saúde Popular Margarete Axt doutora em Linguística PUCRS professora Titular da Faculdade de Educação UFRGS e pesquisadora do Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia da UFRGS Marlene Neves Strey psicóloga doutora em Psicologia Social Universidade Autônoma de Madri professora do Instituto de Psicologia da PUCRS Nara Maria Guazzelli Bernardes psicóloga doutora em Educação UFRGS professora da Faculdade de Educação e do Mestrado em Psicologia da PUCRS e coordenadora do grupo de pesquisa Educação Trabalho Subjetividade e Gênero Membro do Geerge UFRGS Nilza da Rosa Silva psicóloga e esquizoanalista Realiza estudos assessorias e consultorias sobre temas como subjetividade cultura relações grupais e institucionais idosos e ansiedade Pedrinho A Guareschi graduado em filosofia teologia e letras doutor em Sociologia Universidade de Wisconsin professor e pesquisador do Instituto de Psicologia da PUCRS Foi vicepresidente da Regional Sul da Abrapso Sérgio Antônio Carlos assistente social doutor em Serviço Social PUCSP professor do Instituto de Psicologia da UFRGS coordenador do Núcleo para a Terceira Idade Sissi Malta Neves psicóloga e terapeuta corporal e psicodramatista mestre em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS Tânia Mara Galli Fonseca psicóloga doutora em Educação UFRGS professora titular do Instituto de Psicologia da UFRGS e coordenadora do Mestrado em Psicologia Social e Institucional desta instituição INTRODUÇÃO Na vida anímica individual aparece integrado sempre efetivamente o outro como modelo objeto auxiliar ou adversário e deste modo a psicologia individual é ao mesmo tempo e desde um princípio psicologia social em um sentido amplo e plenamente justificado Sigmund FREUD A afirmação de Freud suscita uma importante questão para reflexão sobre a natureza da ciência psicológica é possível uma psicologia que não seja uma psicologia social já que não tem sentido conceber um indivíduo isolado de seu contexto social A resposta a esta indagação passa necessariamente pelo exame do processo de divisão em compartimentos as diferentes disciplinas das Ciências Humanas e Sociais A partir de uma visão reducionista e simplista e de uma perspectiva de dicotomia entre o individual e o social coube à psicologia o estudo do indivíduo e à sociologia o estudo da sociedade Esta divisão se consolida de tal forma que por exemplo reconhecese os estudos de Wundt considerado o fundador da psicologia como ciência independente sobre psicologia individual e desconhece se os trabalhos desse mesmo autor sobre temas hoje classificados como psicologia social No entanto a constatação da impossibilidade de estudar o homem como um ser isolado objeto da psicologia conduz ao desenvolvimento de teorias e métodos para explicar a influência dos fatores sociais sobre os processos psicológicos básicos da percepção motivação pensamento aprendizagem e memória organizandose dessa forma a Psicologia Social enquanto uma das áreas da Psicologia Constituise como objeto dessa Psicologia Social o estudo da interação entre indivíduo e sociedade portanto indivíduo e sociedade como duas instâncias distintas que apenas interagem entre si São privilegiados temas como atitudes preconceitos comunicação relações grupais liderança entre outros sobre uma matriz desenvolvida pela Psicologia Individual procura se analisar e explicar as influências do meio social e avaliar e promover o ajustamento do indivíduo à sociedade Essa perspectiva adaptacionista que na opinião de alguns autores é uma característica da psicologia como um todo enquanto obstáculo à transformação social somada à continuidade na ausência de solução para os graves problemas sociais vigentes instalam todo um questionamento sobre o conhecimento e a prática produzidos pela Psicologia Social principalmente a Psicologia Social de origem estadunidense As críticas que se iniciam na França e na Inglaterra chegam ao Congresso Interamericano de Psicologia realizado em Miami no ano de 1976 através principalmente de psicólogos latinoamericanos São críticas que vão se tornando mais substantivas nos congressos subsequentes apontando com veemência a ausência de consonância entre a produção da chamada Psicologia Social e os problemas emergentes dos países latinoamericanos É neste contexto que fundase a Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso cujo documento de proposta de criação expressa a preocupação do grupo brasileiro em redefinir o campo da Psicologia Social descobrir novos recursos metodológicos propor práticas sociais e construir um referencial teórico inscrito em princípios epistemológicos diferentes dos até então vigentes Acompanhando a tendência europeia mas sinalizando para diferenças consistentes e próprias aos países da América Latina esboçase a criação de uma nova Psicologia Social no Brasil representada pela Abrapso que recebe em um primeiro momento algumas qualificações como Psicologia Social Crítica Psicologia Social HistóricoCrítica Psicologia SócioHistórica São qualificações que expressam a perspectiva crítica em relação à Psicologia Social hegemônica de até então e que apontam para uma concepção de ser humano como produto históricosocial e ao mesmo tempo como construtor da sociedade e capaz de transformar essa sociedade por ele construída Esta concepção de ser humano recoloca a relação indivíduo e sociedade rompe a perspectiva dualista e dicotômica e ao invés de considerar indivíduo e contexto social influenciandose mutuamente propõe a construção de um espaço de intersecção em que um implica o outro e viceversa Em termos teóricos essa psicologia social aproximase de alguns referenciais como os da psicanálise e do materialismo histórico propondo uma releitura desses referenciais que vão fundamentar o estudo de temas tradicionais da Psicologia Social sob nova perspectiva teórica tais como comunicação processo grupal linguagem ideologia entre outros Da mesma forma tal Psicologia Social gera novas e estimulantes temáticas entre as quais representações sociais são o exemplo mais representativo Como recursos metodológicos são privilegiados aqueles que rompem com o modelo de redução do complexo ao simples do global ao elementar da organização à ordem e da qualidade à quantidade Como objeto de estudos e pesquisas propõe a preocupação com aspectos de relevância e aplicabilidade ao contexto brasileiro e que possam responder às questões sociais específicas de sua população Esta Psicologia Social que se constrói no Brasil no final dos anos 1970 e a partir dos anos 1980 deparase com uma literatura disponível que não responde às suas inquietações e que reproduz o modelo tradicional da Psicologia Social O primeiro desafio de publicação O que é psicologia social de Silvia Lane da Coleção nos Passos da Editora Brasiliense editado em 1981 passa a leitura constante de alunos de cursos universitários de todo o país sinalizando para a necessidade de um conhecimento alternativo em psicologia social Dessa sinalização nasce Psicologia Social o homem em movimento em 1984 texto de vários autores organizado por Silvia Lane e Wanderley Codo que se torna desde então um marco referencial na Psicologia Social brasileira Psicologia Social que enseja a complexificação do simples a pluralidade teóricometodológica a intersecção das diferentes áreas de aplicação da psicologia a prática interdisciplinar e a preocupação ética em relação aos seus compromissos sociais e políticos Psicologia social que vai além da simples assertiva de um ser humano social mas de um ser humano social com base na convicção de que não há possibilidade do humano sem ser no social Neste momento se retoma a proposição inicialmente exposta a partir dessa concepção de ser humano é possível falar em psicologia que não seja psicologia social Assim como emprestamos o argumento de Sigmund Freud para iniciar essa exposição emprestamos o posicionamento de Silvia Lane para concluíla e com isto responder a nossa pergunta e definir a proposta deste livro Toda a psicologia é social Esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à Psicologia Social mas sim cada uma assumir dentro de sua especificidade a natureza históricosocial do ser humano Desde o desenvolvimento infantil até as patologias e as técnicas de intervenção características do psicólogo devem ser analisadas criticamente à luz dessa concepção do ser humano é a clareza de que não se pode conhecer qualquer comportamento humano isolandoo ou fragmentandoo como existisse em si e por si Também com essa afirmativa não negamos a especificidade da Psicologia Social ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais tanto naquilo que lhe é específico como naquilo em que ele é manifestação grupal e social Porém agora a Psicologia Social poderá responder à questão de como o homem é sujeito da história e transformador de sua própria vida e da sua sociedade assim como qualquer outra área da Psicologia Silvia Lane1 1 LANE Silvia A psicologia social e uma nova concepção de homem para a psicologia In LANE Silvia CODO Wanderley orgs Psicologia Social o homem em movimento São Paulo Brasiliense 1984 p 19 HISTÓRIA Jefferson de Souza Bernardes Falaremos aqui da história da psicologia social no Brasil e no Ocidente Propomos revisitar os critérios constituídos para os relatos históricos que quase sempre se resumem ao mundo dos autores e das ideias e não às instituições e fatos que marcaram os destinos e trajetórias da psicologia social no Ocidente conforme Robert Farr 1996 nos mostra A história da psicologia social reduzida a determinados autores e ideias encontradas nos clássicos manuais de Psicologia Social LINDZEY 1954 LINDZEY ARONSON 19681969 LINDZEY ARONSON 1985 acaba por privilegiar uma determinada filosofia da ciência a saber o positivismo estabelecendo um recorte grosseiro na construção e desenvolvimento do conhecimento da psicologia social O privilégio do positivismo vem em decorrência da crença de alguns pesquisadores de que a definição de pensamento científico praticamente se resume ao método ou ao caminho para se estudar algum objeto ou fenômeno no caso o método experimental Abordaremos o florescimento da psicologia social moderna como um fenômeno caracteristicamente norteamericano embora suas raízes sejam europeias Seguindo esta lógica no Brasil apontamos para a importância de associações instituições e fatos relevantes que marcaram o surgimento da psicologia social no país e finalizamos com indicações de alguns dos principais desdobramentos e atravessamentos epistemológicos e teóricos que vivenciamos contemporaneamente na psicologia social Algumas rápidas palavras sobre histórias Iniciamos com o óbvio existem formas e formas de se contar histórias Trabalhamos aqui em uma perspectiva relativista da história Em última instância a perspectiva do autor seu texto e seu contexto crenças conceitos e préconceitos delimitam os recortes do contar a história A forma como se conta a história também influencia o que e como esta será contada Se nos prendemos às pessoas reais ou imaginárias a história de determinada ideia cultura ou sociedade ganha contornos inimagináveis Como exemplo desta questão citamos os norteamericanos que são mestres nisto Basta passarmos rapidamente os olhos na história dos Estados Unidos e percebermos a enorme habilidade de transformações de sujeitos simples em mártires Ao nível imaginário os superheróis da Era Moderna surgem ali Por outro lado se nos prendemos a fatos instituições ou acontecimentos relevantes a história ganha novos limites novas cores e texturas Assim de imediato algumas questões se colocam a perspectiva deterministalinear de história se encontra em xeque A relação entre passado determinando o presente que determina o futuro apresentada nesta linearidade na maioria das vezes mais obscurece o desenvolvimento de determinada questão do que lança luzes Procuraremos adiante através da história da psicologia social mostrar que fatos presentes acabam por ressignificar o passado e consequentemente modificar o presente Os caminhos do futuro antes já delimitados tornamse incertos e imprecisos Abalase a estrutura linear da temporalidade Tempo e espaço se modificam se ampliam e entra em cena um ponto extremamente importante o simbólico Em outras palavras este simbólico se define pelos sentidos e significados que conferimos às coisas e aos fenômenos É exatamente nestes sentidos que conferimos às coisas e aos fenômenos que nossa relação com o tempo e com a história se transforma O processo histórico é contínuo mas não linear Não é uma linha reta muito ao contrário possui idas e vindas desvios avanços e recuos inversões etc Todos os acontecimentos presentes possuem relações com os fatos passados todas as chamadas rupturas históricas não acontecem da noite para o dia e sim são lentamente preparadas BORGES 1987 Por exemplo uma guerra não estoura de uma hora para outra Os conflitos fazem parte de tradições e histórias entre os povos Às vezes são abafados anos a fio por estados ditatoriais governando à mão de ferro como vimos recentemente com a derrocada do Muro de Berlim e a corrida pela independência de vários povos que habitam o Leste Europeu ou no Brasil com o golpe militar de 1964 Todas as rivalidades ódios jogos de interesses econômicos sociais políticos e relações de poder estavam sempre presentes no cotidiano dos povos envolvidos e agora assistimos boquiabertos vizinhos em duros conflitos Já no Brasil a todo momento novos documentos vêm à tona ressignificando o passado e transformando o presente Um passeio pela psicologia social no Ocidente Três pontos importantes para a história da psicologia social primeiro a resgataremos alguns pontos fundamentais da história que foram senão deliberadamente ao menos ingenuamente esquecidos da história da psicologia social Dentre outros destacaremos o que foi chamado de o repúdio positivista de Wundt Em segundo lugar b tentaremos mostrar que a história da psicologia social narrada até o momento excessivamente trabalhada nos cursos de graduação em Psicologia no país e no mundo são permeadas por uma filosofia da ciência claramente vinculada ao positivismo Decorre daí que a própria perspectiva histórica dos acontecimentos levam de forma indelével a marca do positivismo Finalizamos este tópico c com a perspectiva de narrativa histórica da psicologia social apresentada por Farr 1996 apontando para a importância e influência de determinadas instituições e fatos históricos no desenvolvimento da psicologia social Com isto enfocamos a história da psicologia social através de um olhar crítico sobre o desenvolvimento da própria psicologia social a O Repúdio positivista de Wundt Wilhelm Wundt 18321920 que é por muitos considerado o pai da psicologia era um filósofo e estudioso extremamente metódico Por volta de 1860 estabeleceu três objetivos para sua carreira profissional sendo que ao final de sua vida cumpriu aquilo a que se propôs Seu primeiro objetivo era a construção de uma psicologia experimental ou também conhecido como o projeto wundtiano de estabelecer um projeto de psicologia como ciência independente Objetivo este alcançado pela criação do Laboratório em Psicologia em 1879 em Leipzig através da criação de uma psicologia experimental da mente com seu objeto de estudo definido a experiência imediata à consciência assim como seu método experimentalintrospectivo Além disso Wundt publicou a primeira edição de sua Psicologia fisiológica Physiological Psychology em 1874 e em 1881 a revista Estudos Filosóficos Philosophische Studien Seu segundo objetivo elaborado entre 1880 até 1900 era a criação de uma metafísica científica ou uma filosofia científica Aqui Wundt elabora três obras que compõem sua metafísica científica uma de Lógica conjunto de estudos que visam determinar quais são os processos intelectuais ou as categorias racionais para a apreensão do conhecimento uma de Ética conjunto de estudos dos juízos de apreciação da conduta humana e uma de Sistemas Filosóficos conjunto de estudos das principais concepções filosóficas para Wundt Para um positivista uma filosofia que se proponha a ser metafísica científica é um retrocesso no desenvolvimento do pensamento científico Pois de acordo com Augusto Comte formulador do pensamento positivista existem três estágios no desenvolvimento do conhecimento para atingir a verdade toda forma de conhecimento originase da teologia pensamento mítico religioso sensitivo intuitivo a partir daí o conhecimento se aprimora e se acumula transformando se em metafísica pensamento filosófico mas sem métodos rigorosos e sistemáticos de comprovação da realidade e daí também em processos de aprimoramentos e acúmulos chegamos ao estágio positivo ou científico onde através do método científico o conhecimento transforma uma leitura da realidade em verdade A partir daí para os positivistas a ciência dita o conhecimento a luz e a verdade O terceiro objetivo wundtiano era a criação de uma psicologia social Entre 1900 e 1920 Wundt elabora sua Volkerpsychologie Psicologia do povo ou Psicologia das massas Uma obra de 10 volumes onde Wundt elabora sua psicologia social tendo como objeto de estudo principalmente temas como a Linguagem Pensamento Cultura Mitos Religião Costumes e fenômenos correlatos Para Wundt tais temas são fenômenos coletivos que não podem ser explicados nem reduzidos à consciência individual Não somente seu objeto de estudo primeiro consciência era incapaz de fornecer subsídios para suas explicações como seu método experimentalintrospectivo também era limitado a pequenos experimentos de laboratório Sobre as limitações do uso da introspeção na exploração do fenômeno mental coletivo Wundt dizia É verdade que se tem tentado frequentemente investigar as funções complexas do pensamento na base da mera introspeção No entanto estas tentativas foram sempre frustradas A consciência individual é completamente incapaz de nos fornecer uma história do pensamento humano pois está condicionada por uma história anterior sobre a qual não nos pode dar nenhum conhecimento sobre si mesma WUNDT 1916 p 3 William James referiuse à utilização do método experimentalintrospectivo para os estudos de processos psíquicos superiores como um total absurdo James comparou este empreendimento com a estupidez de acender uma luz a fim de ver melhor a escuridão que nos cerca GUARESCHI et al 1993 p 81 Neste terceiro objetivo Wundt revê suas primeiras posições acerca de sua psicologia experimental estabelecendo seus limites Assim fazse mister este breve retorno a Wundt resgatando sua obra na integralidade e não estabelecendo recortes e vieses comprometidos com uma única perspectiva filosófica na psicologia É exatamente este recorte grosseiro e abusivo de Wundt que Danziger 1979 chama do repúdio positivista de Wundt É contra esta ética utilitarista de determinados historiadores aproveitando o que lhes interessava e jogando fora o que não condizia com seus valores e ideias que fez com que a influência positivista e os fortes atravessamentos ideológicos se estabelecessem de forma clara no surgimento e desenvolvimento da psicologia como um todo b O longo passado e o curto presente da psicologia Propomos agora um pequeno esforço de memória lembrarmos como estudamos em geral a história da psicologia A psicologia tinha um pai Wilhelm Wundt uma mãe a filosofia uma maternidade Laboratório de Psicologia Experimental toda uma certidão de nascimento 1879 Leipzig Alemanha Objeto de Estudo e Método próprios uma revista de psicologia Philosophische Studien e um rompimento de seu cordão umbilical o projeto da psicologia como ciência independente claramente colocados Diante da tentativa de transformar a psicologia em uma ciência independente surgem algumas indagações e dúvidas compartilhadas por autores como Farr 1996 Koch e Leary 1985 dentre outros por que a psicologia se preocupa com esta data de nascimento Quer dizer que a partir daí é ciência e o que temos para trás não mais interessa Que outro campo amplo do conhecimento possui este tipo de preocupação A filosofia ou os campos da área das Ciências Humanas também possuem data de nascimento Encontramos alguma data de fundação da filosofia Da física da história da pintura da literatura A história e préhistória das grandes áreas de investigação ou de produção do conhecimento se mesclam não possuindo limites e fronteiras claras para delimitálas No caso da psicologia as questões lançadas do que venha a significar o ser humano ou seu psiquismo têm sido perseguidas na história da humanidade há muito tempo No contexto da época final do século XIX Wundt representava para os positivistas o desgarramento da filosofia e o início do projeto da psicologia como uma ciência independente Assim como para os psicólogos experimentais Wundt é o pai da psicologia para os psicólogos sociais experimentais tal paternidade é dedicada a Augusto Comte Gordon Allport 18971967 deixa isto muito claro no prefácio do Handbook of social psychology LINDZEY 1954 E vai mais além dedicase a pensar que é a partir do próprio Handbook que a psicologia social científica leiase com base experimental floresce nos Estados Unidos Por que se preocupar com o estágio metafísico da especulação como Comte o chamou quando a nova era do positivismo e do progresso já nasceu ALLPORT GW 1954 p 3 O longo passado e a curta história da psicologia é a frase cunhada por Ebbinghaus em 1908 quando se referia que a curta história da psicologia se iniciava com Wundt em 1879 com seu Laboratório de Psicologia Do mesmo modo GW Allport e Lindzey assinalam o corte positivo da psicologia social o ponto sem retorno da ciência à publicação do Handbook of Social Psychology de Lindzey em 1954 Sequer o Handbook de Murchison 1935 é considerado como sendo parte do curto presente ou da curta história da psicologia social como uma ciência experimental Lindzey 1954 trata de rebater o Handbook de Murchison como fazendo parte do passado metafísico da psicologia social que agora deve ser jogado no ostracismo c Formas e formas de contar histórias da psicologia social Ao invés de tratarmos da história da psicologia social através das teorias e autores da Era Moderna preferimos lidar com a perspectiva adotada principalmente por Robert Farr 1996 quando releva a importância de fatos instituições e pesquisas publicadas para o surgimento e desenvolvimento de um determinado conhecimento Neste sentido procuraremos destacar a influência do positivismo provocando distorções na historiografia da psicologia social no mundo ocidental Assim o próprio Farr 1996 de imediato destaca a importância por exemplo das guerras para a psicologia social ao afirmar que a psicologia social está para a Segunda Guerra Mundial assim como os testes psicométricos estão para a Primeira Guerra Mundial O melhor exemplo disto é a publicação do The American Soldier O soldado Americano 1949 publicado após a Segunda Guerra sob a editoração geral do sociólogo Stouffer e várias outras obras com estudos referentes ao período da guerra Os temas de estudo versavam por exemplo sobre a adequação de soldados à vida no exército avaliação da eficácia nas instruções no exército mudança de atitudes e comunicação de massa Ainda nesta perspectiva o Tribunal de Nurenberg sobre crimes de guerra foi decisivo para apresentar os principais procedimentos éticos em pesquisas experimentais com seres humanos e foi também decorrente do período entre guerras O Tratado de Nurenberg extraído do Tribunal teve peso fundamental no desenvolvimento de pesquisas em psicologia social principalmente com relação aos experimentos com humanos Não precisamos ir além dos exemplos de pesquisas realizadas com humanos durante as guerras mundiais principalmente nos campos de concentração nazistas para demonstrar a importância do tratado Outro exemplo sobre como as guerras influenciaram o pensamento em psicologia social é a famosa Escola de Frankfurt de Ciências Sociais representada por autores como Adorno Horkheimer Marcuse Fromm dentre outros que imigraram no período entre guerras principalmente após Hitler ter fechado seus institutos de pesquisa Construíram imediatamente após a imigração o estudo da personalidade autoritária ADORNO et al 1950 marco na psicologia social europeia Farr 1996 acredita que a psicologia social na Era Moderna é um fenômeno tipicamente americano embora suas raízes sejam europeias O surgimento do nazismo na Alemanha com o intelectualismo e o antissemitismo pernicioso que o acompanharam resultou como todos sabemos muito bem na migração para a América de muitos líderes acadêmicos cientistas artistas da Europa Mal poderíamos imaginar como seria a situação hoje se pessoas tais como Lewin Heider Kohler Wertheimer Katona Lazersfeld e os Brunswiks não tivessem ido aos Estados Unidos no momento em que foram CARTWRIGHT apud FARR 1996 p 6 O florescimento da psicologia social em solo americano se deve em grande parte à migração de grandes pesquisadores para os Estados Unidos na era entre guerras A principal migração foi dos gestaltistas da Áustria e Alemanha para os Estados Unidos E foi este fato que possibilitou o surgimento da psicologia social cognitiva com raízes na fenomenologia Foi desse conflito entre duas filosofias rivais mas incompatíveis isto é fenomenologia e positivismo que a psicologia social emergiu na América na forma específica de como se deu logo no início do período moderno A psicologia da gestalt foi o ingrediente crucial nessa transformação O conflito ocorreu no solo americano e também o resultado uma forte psicologia social cognitiva foi um produto claramente americano A psicologia social moderna pode pois ser na verdade um fenômeno caracteristicamente americano mas ao menos a fenomenologia era europeia FARR 1996 p 7 Em termos institucionais destacamos algumas universidades que realizaram importante papel no desenvolvimento da psicologia social moderna como um fenômeno caracteristicamente americano A primeira delas é a Universidade de Yale com o Núcleo do Programa de Pesquisa do PósGuerra com temática central em comunicação e mudança de atitude Aqui foram elaboradas por Stouffer por Hovland e outros a série American Soldier em seus três volumes Uma segunda universidade importante foi o Instituto de Tecnologia de Massachusetts MIT com Kurt Lewin onde ele fundou em 1945 o Centro de Pesquisa em Dinâmica de Grupo Foi o grupo por excelência que refletiu na América toda a influência da Psicologia Gestalt para a psicologia social Seu papel foi vital no desenvolvimento de uma psicologia social cognitiva Após a prematura morte de Lewin em 1947 o Centro de Pesquisa em Dinâmica de Grupo do MIT se transfere sob a direção de Cartwright para a Universidade de Michigan onde se tornou parte do Instituto de Pesquisas Sociais Em termos de desenvolvimento das ciências cognitivas dentre elas a Psicologia Cognitiva os psicólogos da Gestalt e seus trabalhos em psicologia social foram determinantes para o desenvolvimento da área Os psicólogos sociais na América eram teóricos cognitivistas numa época em que não em moda isto é no auge do behaviorismo FARR 1996 p 7 Um outro ponto de destaque para a narrativa histórica são os manuais de Psicologia escritos até o momento Os Handbooks of Social Psychology MURCHISON 1935 LINDZEY 1954 LINDZEY ARONSON 19681969 1985 Na primeira edição do Handbook em 1954 Lindzey diz provocar o rompimento com o que chama de Psicologia social metafísica presente nas raízes europeias da psicologia social A Psicologia social metafísica para Lindzey é aquela forma de psicologia social não científica pois não utiliza em sua construção de conhecimento o rigor e sistematização do método experimental Seguindo a tradição positivista o ponto sem retorno para Lindzey é o Handbook de Murchison 1935 Embora ainda para Lindzey a obra inicial que aponta para a modernidade na psicologia social ou seja agora nos transformamos em ciência é o seu Handbook de 1954 Allport escreve no Handbook de 1954 o capítulo sobre a história da psicologia social Nele a ancestralidade da psicologia social é remetida a Comte Para Allport a psicologia social era uma ciência eminentemente social Já nos Handbook de 19681969 e de 1985 o capítulo de Allport sofre pequenas alterações mas o mais interessante é a inclusão do capítulo da Psicologia social moderna por Jones 1985 onde o mesmo desenvolve uma linha de raciocínio situando o capítulo da psicologia social escrito por Allport como um relato do longo passado da psicologia social e o seu capítulo que descreve a trajetória da psicologia social a partir do pósguerra trazendo o início da curta história da psicologia social como uma ciência eminentemente experimental Os desdobramentos epistemológicos e teóricos relacionados à psicologia social como um fenômeno que floresceu na América do Norte serão melhor desenvolvidos no último tópico deste capítulo mas de antemão destacamos que a psicologia social ali florescida é uma forma de psicologia social psicológica FARR 1995 1996 Seus princípios básicos nas explicações dos fenômenos sociais são tratálos como fenômenos naturais através de métodos experimentais sendo que seus modelos explicativos nos remetem sempre em última instância a explicações centradas no indivíduo É o fenômeno da individualização da psicologia social que Farr 1991 1994 1996 tanto refere Um outro desdobramento desta lógica positivista é o esquecimento ou abandono de determinadas ideias ou autores que foram essenciais nos rumos e projetos da psicologia social Citaremos dois casos o primeiro a negação de perspectivas e referenciais históricocríticos A perspectiva marxista da história e do fazer psicológico não se encontram contemplados como psicologia social nos Handbooks LINDZEY 1954 LINDZEY e ARONSON 19681969 1985 nem tampouco nos principais livros clássicos de história da psicologia como por exemplo um livro bastante trabalhado nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil Schultz Schultz 1994 Os autores iniciam seu prefácio da seguinte forma O tema deste livro é a história da psicologia moderna aquele período que se inicia no final do século XIX no qual a psicologia se tornou uma disciplina distinta e basicamente experimental Embora não ignoremos o pensamento filosófico anterior concentramonos nos fatores que têm relação direta com o estabelecimento da psicologia como campo de estudo novo e independente SCHULTZ SCHULTZ 1994 p 5 A perspectiva positivista se encontra claramente explicitada logo no início da obra anteriormente citada através da apresentação da psicologia moderna não como uma reflexão sobre a própria psicologia ou um recorte histórico em torno de fatos e instituições e sim pelo surgimento de determinadas ideias e a aplicação do método experimental Os autores continuam mais adiante Preferimos narrar a história da psicologia em termos de suas grandes ideias ou escolas de pensamento Desde o começo formal do campo 1879 a psicologia tem sido definida de várias maneiras à medida que novas ideias conseguem o apoio de grande número de seguidores e passam por algum tempo a dominar a área SCHULTZ SCHULTZ 1994 p 5 Outro ponto interessante é que no quarto capítulo do SCHULTZ e SCHULTZ 1994 denominado A Nova Psicologia que dedica 13 páginas a Wilhelm Wundt apresentando o projeto da psicologia como ciência independente sequer é mencionada sua Volkerpsychologie ou sua psicologia das massas do povo enfim sua psicologia social O positivismo influenciou e influencia a forma de contar a história da psicologia em geral e da psicologia social em particular de maneira significativa estabelecendo com a própria psicologia reducionismos em sua construção de conhecimento e deixando transparecer questões ideológicas marcantes no universo psicológico O segundo caso desta influência positivista se refere ao abandono nos manuais clássicos do pensamento do filósofo George Herbert Mead e como parte integrante de seu pensamento sua teoria do behaviorismo social que é eminentemente uma psicologia social Mead era um behaviorista mas produzia um pensamento muito distinto de Watson e de Skinner Estava mais preocupado com os estudos da linguagem como um comportamento social Mead construiu foi uma explicação behaviorista da mente baseada em sua concepção da linguagem GUARESCHI et al 1993 p 82 Na literatura e tradições norte americanas há uma certa confusão de Mead com o interacionismo simbólico Na realidade interacionismo simbólico foi o nome dado por Blumer aos estudos de Mead logo após a sua morte em 1931 Os principais pontos que distinguem o behaviorismo social de Mead do behaviorismo clássico de Watson e do behaviorismo radical de Skinner são em primeiro o estudo da linguagem e do pensamento humano dentro de um contexto evolucionista Em segundo a linguagem como um fenômeno intrinsecamente social E em terceiro o self de Mead estabelece a intermediação entre mente e sociedade Mead rompe com o modelo de mente proposta pela psicologia da consciência do primeiro Wundt Seu modelo da mente era síntese de fenômenos tanto em nível coletivo quanto em nível individual Finalizamos este terceiro tópico resgatando seu objetivo o de mostrar ao menos duas formas diferentes de história da psicologia social uma primeira com forte influência positivista centrada em ideias e determinados autores e uma segunda apresentada por Farr 1996 centrada em instituições e fatos históricos Deixamos a tarefa de encerrar ao próprio Farr A história da psicologia social como uma investigação do passado conduzindo a uma compreensão melhor do presente ainda está para ser escrita SAMELSON 1974 p 229 A rejeição de distinções extremamente simplistas entre o passado longínquo e a curta história da disciplina pode ser um bom ponto de partida Deveria ser possível escrever uma história da psicologia social que seja tanto internacional como interdisciplinar Não seria nem a história de ideias como a que Allport escreveu nem uma narrativa etnocêntrica das realizações de psicólogos sociais experimentais na América como a que Jones escreveu Não há nada de errado a meu ver em fazer distinções entre o passado e o presente de uma disciplina desde que a distinção não esteja tão estreitamente ligada a uma filosofia específica de ciência Historiadores internos à disciplina têm maiores probabilidades que os historiadores externos de aderir a tal filosofia pois ao mesmo tempo em que são historiadores de uma ciência são também praticantes dessa ciência FARR 1996 p 167 Psicologia social no Brasil No Brasil assim como em quase toda a América Latina nas décadas de 1960 e 1970 a psicologia social seguia um rumo muito próximo à forma de psicologia social importada dos Estados Unidos A transposição e replicação das teorias e métodos norteamericanos fica evidente em algumas obras de psicologia social da época como por exemplo Rodrigues 1976 1979 1981 Tal posicionamento colonialista onde a importação desenfreada e acrílica de posturas teóricas estava muito presente levou alguns psicólogos sociais latino americanos no final da década de 1970 a constatar o período que se chamou de a crise da psicologia social Ou a crise de referência Vale retomar que esta crise era europeia já na década de 1960 No Brasil e na América Latina a crise começa a tomar corpo nos Congressos da Sociedade Interamericana de Psicologia principalmente em Miami EUA 1976 e em Lima Peru 1979 Como pontos principais da crise da psicologia social estavam a dependência teóricometodológica principalmente dos Estados Unidos a descontextualização dos temas abordados a simplificação e superficialidade das análises destes temas a individualização do social na psicologia social assim como a não preocupação política com as relações sociais no país e na América Latina em decorrência das teorias importadas A palavra de ordem era a transformação social Nos anos de 1960 surge a Associação LatinoAmericana de psicologia social Alapso Vários psicólogos sociais experimentais como por exemplo Aroldo Rodrigues e J Varela levam a Alapso ao extremo da psicologia social norteamericana Em toda a América Latina começa um movimento de rechaço à Alapso e várias associações começam a surgir identificadas com uma nova proposta de psicologia social Como exemplo na Venezuela surge a Associação Venezuelana de Psicologia Social Avepso e no Brasil a Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso A Abrapso surge em 1980 no Brasil através da mão de alguns pesquisadores dentre tantos outros Silvia Lane Lane e Codo organizam em 1984 a obra marco da ruptura da psicologia social brasileira Psicologia social o homem em movimento Aqui o rompimento com a psicologia social norteamericana está claramente colocado A discussão de fundo é como extrair entidades psicológicas de fenômenos sociais O materialismo histórico dialético ditava as discussões da época Também conhecida como a psicologia marxista tal perspectiva no Brasil rompe de vez com a psicologia social cientificista norte americana O contexto da época do surgimento da Abrapso o país mergulhado na ditadura militar Hoje a realidade parece ser outra Os países latinoamericanos conseguem construir uma produção em psicologia social que não deixa nada a desejar à produção do restante do Ocidente Contextualizada histórica preocupada com a cultura valores mitos e rituais brasileiros e latino americanos em geral já não veem mais necessidade de importação desenfreada de teorias e métodos cientificistas A interlocução principalmente com os países europeus está acirrada como nos diz Farr No início da Era Moderna a psicologia social nas universidades da América Latina foi fortemente influenciada pela forma psicológica dominante de psicologia social da América do Norte A psicologia social na Era Moderna foi um fenômeno caracteristicamente americano Muitos dos proeminentes professores de Psicologia Social nas universidades latinoamericanas receberam sua formação de pósgraduação nos Estados Unidos da América Essa é uma situação que agora está começando a reverter na medida em que a psicologia social está se fortificando mais na Europa e a hegemonia da língua inglesa como veículo de publicação em psicologia social está sendo desafiado pela literatura florescente em psicologia social nos idiomas latinoamericanos FARR 1996 p 1112 Indicações de leituras dos desdobramentos e atravessamentos teóricos Iremos situar agora rapidamente algumas concepções teóricas que se desdobraram ou que se atravessaram na psicologia social Cada uma dessas concepções teóricas ou atravessamentos daria no mínimo um livro Portanto optamos por uma rápida apresentação do desdobramento ou atravessamento teórico e remetemos o leitor a obras ou textos recomendados para o estudo e aprofundamento destas concepções Segundo Farr 1994 existem duas formas diferentes de psicologia social formas psicológicas e formas sociológicas As formas psicológicas de psicologia social reduzem as explicações do coletivo e do social a leis individuais O indivíduo é o centro da análise Indivíduo aqui é entendido como uma entidade liberal autônoma independente das relações com o contexto social que o cerca e consciente de si Isto gera a individualização da psicologia social Um bom exemplo desta perspectiva se encontra em Allport quando afirma que não há psicologia dos grupos que não seja essencialmente e inteiramente uma psicologia dos indivíduos ALLPORT 1924 p 4 Para Allport não existem pensamentos sociais pois são os indivíduos que expressam suas opiniões as clássicas pesquisas de opinião pública ou não é a nação quem decide são os leitores que votam A individualização do social é a característica marcante da forma de psicologia social psicológica predominante atualmente nos Estados Unidos da América Tanto o behaviorismo quanto a Gestalt sustentam formas de psicologia social psicológica Atualmente a Psicologia Cognitiva de Tratamento de Informações cumpre esta função Já as formas sociológicas de psicologia social refletem a relação entre o individual e o coletivo Buscam uma superação desta dicotomia não reduzindo as explicações da psicologia social ao individual nem tampouco ao coletivo São exemplos desta perspectiva a Teoria das Representações Sociais MOSCOVICI 1978 e o behaviorismo social MEAD 1934 1982 dentre outros Para a história da psicologia recomendamos também Luís Cláudio Figueiredo em Matrizes do pensamento psicológico 1991 psicologia 4 séculos de subjetivação 1992 Revisitando as psicologias 1995 e Psicologia uma introdução 1995 Nestas obras Figueiredo traz a história da psicologia sob uma perspectiva epistemológica antropológica ontológica e ética Discute o contexto sócio históricocultural para o surgimento da psicologia e que concepções de ser humano e psiquismo surgem daí Embora de fundamental importância não abordaremos tal perspectiva aqui pura e simplesmente por uma questão de tempo e espaço Contribuindo com a discussão da psicologia social como um todo mas ainda seguindo uma tradição da forma de psicologia social sociológica as perspectivas mais culturalistas com autores como por exemplo Erving Goffman 1978 1987 Estigma Manicômios presídios e conventos e Berger e Luckman 1996 A construção social da realidade Sob a influência da psicanálise primeiro em Freud 1974 O malestar na civilização O futuro de uma ilusão Em tradição mais lacaniana enfocando o conceito de Sintoma Social encontramos Otávio de Souza 1994 Fantasia de Brasil Contardo Caligaris 1993 1991 Hello Brasil e Clínica do social e Mário Fleig 1993 Psicanálise e Sintoma Social Para finalizar mas não menos importante recomendamos a revista da Abrapso Psicologia e Sociedade Com periodicidade semestral a revista da Abrapso traz importantes artigos sobre a psicologia social no Brasil e no mundo Assim como os livros que Manualmente são editados das regionais da Abrapso principalmente resultantes dos Encontros Regionais da Abrapso Bibliografia ADORNO TW et al The authoritarian personality New York Harper and Row 1950 ALLPORT F Social Psychology Cambridge Mass Riverside Press 1924 ALLPORT G The Historical background of modern social psychology In LINDZEY G ARONSON E The handbook of social psychology Vol 1 Addison Wesley 1968 The Historical background of modern social psychology In LINDZEY G The handbook of social psychology Vol 1 Reading Mass Addison Wesley 1954 BERGER L LUCKMANN T A construção social da realidade tratado de sociologia do conhecimento 13 ed Petrópolis Vozes 1996 BORGES VP O que é história 12 ed São Paulo Brasiliense 1987 CALLIGARIS C Hello Brasil notas de um psicanalista europeu viajando ao Brasil 3 ed São Paulo Escuta 1993 CALLIGARIS C et al Clínica do social ensaios São Paulo Escuta 1991 CIAMPA AC Entrevista com Silvia Tatiana Maurer Lane Parar para pensar e depois fazer In Psicologia e sociedade Revista da Abrapso 1996 Vol 8 n 1 DANZIGER K The positivism repudiation of Wundt Journal of the History of the Behavioural Sciences 1979 Vol 15 p 205230 FARR R The roots of modern social psychology 18721954 Oxford Blackwell Publishers 1996 Representações sociais a teoria e sua história In GUARESCHI P e JOVCHELOVITCH S orgs Textos em representações sociais Petrópolis Vozes 1994 Individualism as a collective representations In AESBISCHER V DECONCHY J LIPIANSKY E eds Idéologies et representations sociales Paris DelVak 1991 FIGUEIREDO LC Psicologia uma introdução São Paulo EDUC 1995 Revisitando as psicologias da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos São Paulo Educ Petrópolis Vozes 1995 A invenção do psicológico Quatro séculos de subjetivação 15001900 São Paulo Escuta 1992 Matrizes do pensamento psicológico Petrópolis Vozes 1991 FLEIG M et al Psicanálise sintoma social São Leopoldo Unisinos 1993 FREUD S O malestar na civilização In Obras completas Vol XXI Rio de Janeiro Imago 1974 p 73171 O futuro de uma ilusão In Obras completas Vol XXI Rio de Janeiro Imago 1974 p 1371 GOFFMAN E Manicômios prisões e conventos 2 ed São Paulo Perspectiva 1987 Estigma notas sobre a manipulação da identidade deteriorada 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1978 GUARESCHI P MAYA PV BERNARDES J Repensando a história da Psicologia Social comentários ao curso de Robert Farr Psico Vol 24 n 2 p 7592 juldez 1993 KOCH S LEARY DE A century of psychology as science New York McGrawHill 1985 LANE S O que é psicologia social 11 ed São Paulo Brasiliense 1986 LANE S CODO W orgs Psicologia social o homem em movimento 4 ed São Paulo Brasiliense 1986 LINDZEY G The handbook of social psychology Reading Mass AddisonWesley 1954 2 vols LINDZEY G ARONSON E The handbook of social psychology Reading Mass Addison Wesley 1968199 5 vols The handbook of social psychology New York Random House 1985 2 vols MEAD GH The individual and the social self unpublished work of George Herbert Mead Organizado por DL Miller Chicago University of Chicago Press 1982 Mind self and society from the standpoint of a social behaviorist Organizado por CW Morris Chicago University of Chicago Press 1934 MOSCOVICI S A representação social da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 MOSCOVICI S FARR R Social representations Cambridge Cambridge University Press 1984 MURCHISON CA Handbook of social psychology Worcester Mass Clark University Press 1935 RODRIGUES A Psicologia social 9 ed Petrópolis Vozes 1981 Estudos em psicologia social Petrópolis Vozes 1979 A pesquisa experimental em psicologia e educação 2 ed Petrópolis Vozes 1976 SCHULTZ DP SCHULTZ SE História da psicologia moderna 5 ed São Paulo Cultrix 1994 SOUZA O Fantasia de Brasil São Paulo Escuta 1994 STOUFFER SA et al The american soldier adjustement during army life Studies in social psychology in world war II Princeton NJ Princeton University Press 1949 Vol 1 STOUFFER SA et al The american soldier combat and its aftermath Studies in social psychology in world war II Princeton NJ Princeton University Press 1949 Vol 2 WUNDT W Elements of Folk Psychology outlines of a psychological history of the developmental of mankind London George Allen and Unwin 1916 EPISTEMOLOGIA Tânia Mara Gali Fonseca Viver há apenas três anos do nascimento de um novo século e de um novo milênio tornase para muitos de nós um dispositivo de provocação a respeito do que fomos do que estamos sendo e do que queremos vir a ser A questão da temporalidade seja como experiência memória eou como categoria analítica reaparece revigorada Nosso entorno faznos reconhecer os tempos e suas formas pede e dá passagem a discussões que nos remetem à busca de sentidos e significados mais do que à história linear dos fatos e das cronologias Importa nos saber as condições que tornaram possíveis os fatos históricos importanos pois a tessitura genealógica dos acontecimentos que na perspectiva das ciências devem ser analisados desde uma escala temporal lentificada e ampliada Os nascimentos as mortes e as transformações processuais quando se trata de ciência são gastados em tempos de longa duração engendramse nunca de forma natural uma vez que em ciência tudo é arbitrário historicamente determinado e não necessário Assim o tempo da ciência nunca pode ser referido à ordem do eterno do estável e do imutável Ele pertence somente à história e às suas contingências No contexto da Modernidade a ciência ocupa um lugar preponderante na tessitura dos poderes sociais e simbólicos sendo considerada segundo Feigl apud FIGUEIREDO 1988 como uma reação contra a servidão imposta pelo dogma e pelas especulações metafísicas razão oponente à razão teocêntrica fundada na racionalidade do cogito e no expurgo do impensável A ciência é capaz de nomear as espécies que existem no universo possui um poder simbólico performativo instituinte de verdades e supostas realidades é considerada pois como legitimadora ontológica e fonte da verdade Falar de ciência implica falar do projeto de tornar centrais o homem e sua capacidade racional de analisar conhecer e dominar o mundo Implica simultaneamente em falar de luzes e sombras de conquistas e de exclusões de finitudeinfinitude enfim de crises do próprio conhecimento como das formas de conhecer A ciência como invenção da humanidade referente aos modos de conhecer e controlar o universo e seus elementos longe de manterse no suposto e pretendido lugar de intocável reitora e juíza do conhecimento revelase antes do que conjunto de verdades objetivas como reflexo objetivante das faltas e precariedades do sujeito conhecedor Se epistemologia de acordo com o dicionário Aurélio diz respeito ao estudo crítico dos princípios hipóteses e resultados das ciências já constituídas e visa determinar os fundamentos lógicos o valor e o alcance objetivo deles que se trata enfim da teoria da ciência ou seja da teoria das teorias tornase fácil reconhecer o valor de tal discussão num momento em que não apenas a cronologia indica a proximidade da passagem de século e de milênio como também se colocam novas perspectivas para a própria discussão ensaiada e auspiciada por novos paradigmas ou modelos eles próprios gerados e geradores dos novos tempos sociais e humanos Se é verdade que a ciência e suas práticas necessitam ser criticadas e reconhecidas como importantes fundadoras de realidades humanas e sociais também se torna significativo que tal produção seja dotada do mais agudo sutil e permanente espírito ético visto que o conhecer constitui o mundo ao nomeálo muito antes do que apenas representálo Se pelo conhecimento inventamos mundos que possamos inventálos de maneira decente A crise e a perda da confiança na epistemologia Muitos são os sentidos atribuídos à palavra crise Em sua maioria entretanto eles se evidenciam como inevitavelmente associados às ideias de transição decisão e mudança A crise por que passa a psicologia social não pode ser considerada como distante desses significados e tampouco alheia à lógica do pensamento científico e do pensamento social Embora possamos saber de épocas em que a psicologia parece ter estado em paz com seus objetos e métodos de estudo na verdade ela enquanto ciência está sempre em causa Tal como as demais ciências sociais sua característica é a de autocriticarse fazendo daí sobressair o fato de que a realidade social e humana é viva complexa dinâmica contraditória em contínuo devir Os objetos de estudo da psicologia estão em constante transformação da mesma forma que os métodos para conhecêlos Quando termina o século XX e já se anuncia o XXI podese dizer que o objeto de estudo da psicologia social tornase mais complexo e ao mesmo tempo menos conhecido visto que o patrimônio teórico acumulado revelase insuficiente para dar conta de relações processos e estruturas ainda pouco estudados ou propriamente desconhecidos As metamorfoses do objeto de estudo da psicologia revelam que não basta apenas acomodar ou reformular conceitos e interpretações Tratase de repensar os fundamentos da própria reflexão psicológica Nesta época de contemporaneidade o que vinha germinando há muito tempo parece mais explícito Para Ianni 1994 o que singulariza o mundo contemporâneo quando já se anunciam as características fundamentais dos começos do século XXI é que se tornam explícitas algumas das profundas transformações sociais e mentais que se vinham elaborando ao longo do século XX Um emblema desse tempo está simbolizado nos contrapontos Modernidade e Pósmodernidade realidade e virtualidade globalização e diversidade Nesse final de milênio vivemos um tempo de transição caracterizado por complexidades e ambiguidades É possível dizer junto com Boaventura de Souza Santos 1996 que se olharmos para o passado em termos científicos vivemos ainda no século XIX e que o século XX ainda não começou Podemos também ao olhar para o futuro reconhecer que o século XXI começa antes mesmo de começar Nosso tempo contemporâneo é marcado tanto pela duração de um passado quanto pela obcecada tendência pela instantaneidade Duração e instantaneidade tal como num campo de batalha realizam a luta pela constituição e prevalência de sentidos A contemporaneidade revelase como um tempo social que antes do que requerer nossa nostalgia pode nos incitar à construção coletiva de novos modos de existir e de conhecer Para tanto deve nos fazer pensar sobre os reducionismos que temos praticado em nossa noção de história seja quando a entendemos como um tempo circular e de repetição que reatualiza o imemorial seja quando a entendemos como linearidade que estabelece o que permanece e o que fica como declínio ou progressão A contemporaneidade nos instiga à fragmentação de nossa visão para que possamos apreender outros regimes temporais consistentes e potenciais Ela pode nos ensinar que na memória social e subjetiva todos os dados encontramse acessíveis e em remanejo constante Que não há mesmo um passado senão o seu remanejo Que o passado se torna um presente disponível Que o tempo enfim tornase uma rede de multiplicidades e a história é a matéria para as virtualizações possíveis para múltiplos futuros simultâneos compossíveis Esta mesma condição contemporânea traz consigo a perda da nossa confiança epistemológica que gestada nos padrões científicos da Modernidade nos aponta para o fim de um ciclo de uma certa ordem científica Sabemos que as crises e a da psicologia social não seria uma exceção podem ser tão tênues e circunstanciais que sua extinção acontece por si mesma podem ser tão radicais a ponto de suscitar transformações radicais na situação que a motivou A crise da psicologia social não é da espécie tênue Ela a sacode já por décadas como de resto a toda psicologia reclamando por ações de mudança Como intervir na crise nós professores psicólogos e pesquisadores de psicologia se nossos instrumentos de pensamento constituíramse eles próprios nos elementos que a geraram Como pode alguém ser sujeito de uma cura se vê a si mesmo contaminado pelo que quer curar Como os cuidados com o conhecer se implicam nos cuidados de si Estes são alguns dos nossos desafios quando constatamos ao mesmo tempo a potência e a impotência de nossas práticas profissionais de ensino e pesquisa Quer em seus efeitos produtivos quer em suas omissões e inafetabilidades nossas práticas revelamse muito distantes daquilo que sonháramos que fossem Chamamnos contudo a atenção por produzirem o efeito senão suficiente necessário de registrarem em nossos juízos os descompassos nelas existentes Para Tomás Ibañez 1994 a crise da psicologia social longe de constituir um fenômeno localizado conjuntural e específico tem suas raízes em uma problemática muito mais geral que atinge a própria concepção da racionalidade científica Esta problemática tem se configurado em torno de fenômenos que marcam os tempos da contemporaneidade tais como a derrubada das bases neopositivistas do paradigma epistemológico vigente em especial no que concerne à sua formulação verificacionista à sua concepção da natureza e do papel desempenhado pela atividade teórica em relação aos dados empíricos a configuração de uma sociologia do conhecimento e de uma sociologia da ciência que não podiam senão apontar para o caráter construído reflexivo e sócio histórico do conhecimento científico e de suas práticas constitutivas Estes são alguns dos elementos que têm propiciado intenso clima de discussão filosófica e epistemológica próprio de uma época de mutação dos grandes paradigmas científicos E precisamente esta discussão que nutre o novo pensamento sobre o social e que têm alimentado a crítica que afeta a Psicologia Social e outras disciplinas Com relação à racionalidade científica moderna estendida no século XIX das ciências naturais para as sociais podese dizer tratarse de um modelo global e totalitário na medida que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas SANTOS 1996 p 11 Desta forma o empirismo lógico ou positivismo projetouse na história do pensamento ocidental moderno como uma continuação e renovação do projeto iluminista tornando nítida sua pretensão de ser a encarnação moderna da cultura sensata viril e racional de permanente combate aos fantasmas às ilusões às tradições e autoridades ilegítimas que não se sustentam diante dos tribunais da experiência e da razão FIGUEIREDO 1988 A confiança epistemológica infundida pela Modernidade pode ser pensada ainda como resultado de uma concepção a respeito da natureza como sendo uma espécie de mecanismo passivo eterno e reversível passível de se deixar desmontar e depois relacionar sob a forma de leis Passível assim de ser dominado e controlado A implementação de tal cultura científica implicava a procura de um conjunto de regras de aplicação mecânica e universal que permitisse além da exclusão de falsos problemas e de falsas soluções a construção metódica de conceitos e leis Tal conjunto de regras deveria ter a sua operatividade independente de quem as aplicasse e da natureza específica dos objetos buscava a validade intersubjetiva universal a objetividade dos enunciados científicos a homogeneidade dos procedimentos e a possibilidade de fundação do projeto de uma Ciência universal unificada Tal ideal de um saber universalizante encarna o ideal iluminista de uma comunidade formada por seres iguais e dotados de instrumentos capazes de garantir entre eles o consenso Os particularismos seja dos sujeitos seja do mundo seriam em última análise redutíveis à fórmula universal da cultura científica Ao método é então creditado o poder de realizar o padrão de convivência idealizado Agora deste reino achamse excluídas as decisões acerca de valores éticos e políticos supostamente não passíveis de uma avaliação objetiva pelos fatos e pela lógica Obtendo a expulsão da intenção dos agentes e gerido não pela causa material e sim pela causa formaleficientefinal o conhecimento científico avança pela observação descomprometida sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais Opõe a incerteza da razão entregue a si mesma à certeza da experiência ordenada KOYRÉ apud SANTOS 1996 orientase das ideias para as coisas e não das coisas para as ideias e estabelece a prioridade metafísica como fundamento último da ciência Matematiza o universo quando adota a lógica das matemáticas como instrumento privilegiado de análise Conhecer significa quantificar O rigor científico é aferido pelo rigor das medições passando a ser irrelevante tudo o que não é quantificável Realizando de forma plena a regra cartesiana de dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto for possível e requerido para as resolver O método científico apregoado reduz a complexidade revelando aí que conhecer também significa reduzir e classificar para depois determinar as relações sistemáticas entre o que se separou Impondose como esquecimento de que a complexidade está na realidade social e não numa vontade BOURDIEU 1990 também hoje nos permite ver aquilo que diz Bachelard o simples nunca é mais que um simplificado apud BOURDIEU 1990 Criase nesse contexto a ideia de um mundo máquina capaz de ser regulado desde a manipulação externa porque uma vez compreendido desde a ordem e a estabilidade tornase mesmo uma précondição para que seja transformado Mais do que para compreender o real este conhecimento mostra pretensões funcionais e utilitárias Se tal racionalidade se pretendia instituinte de um regime de verdade e foi capaz de estabelecer uma arrogante confiança epistemológica através tanto da deslegitimação dos chamados saberes ordinários provindos da experiência imediata como de suas concepções mecanicistas a respeito da natureza ela também percebia como potencialmente perturbadoras as chamadas humanidades que colocadas em lugar marginal passaram a perseguir seu estatuto social enquanto ciência a partir da adoção daqueles preceitos ditados pela própria racionalidade que as negava Para colocarse como ciência e não filosofia a psicologia inaugura nos idos do século passado com Wundt seu ingresso na galeria das ciências desvinculandose então de sua longa história com a filosofia tal como assinala Robert Farr 1996 Transbordado assim para o estudo dos homens e das sociedades o empirismo lógico vêse confrontado com obstáculos epistemológicos mostrandose contudo não mais capaz de oporse à maré de irracionalismo então suscitada Sofre algumas variantes que mesmo estando assentadas numa postura antipositivista e fenomenológica revelamse ainda subsidiárias do modelo de racionalidade das ciências naturais A crise do paradigma dominante que acabo de descrever é o resultado interativo de uma pluralidade de condições dentre elas as de ordem teórica Assim no início do século XX as descobertas da física especialmente as da Teoria da Relatividade de Einstein as da mecânica quântica no domínio da microfísica o princípio da incerteza de Heisenberg e as experiências do físico químico Ilya Prigogine relacionadas à teoria das estruturas dissipativas e ao princípio da ordem através de flutuações são exemplos de que o aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda SANTOS 1996 Neste novo contexto a reflexão crítica tem mostrado dentre outras coisas o declínio da hegemonia das leis e das causas Incide outrossim mais sobre o conteúdo do conhecimento científico do que sobre sua forma e permite portanto revelar que o aviltamento da natureza operado pelo paradigma mecanicista e empiricista acaba por aviltar o próprio cientista na medida em que reduz o suposto diálogo experimental ao exercício de uma prepotência Novos espaços novos paradigmas Do movimento crítico acima caracterizado originamse múltiplos efeitos sendo possível detectar no contexto da psicologia social atual pluralizações diversas que apontam para um quadro de fragmentação antes do que para a unidade Novos espaços se constituem pelas conjunções e disjunções realizadas Implicações antigas são questionadas e descentramentos são propostos Tornamse vigorosos os discursos da interdisciplinaridade e das conjunções bem como o da ecologia social e cognitiva que lhe é consequente revelando um contexto propício à análise cujos componentes se amalgamam não se comportando como configurações isoladas Redes de saberes se propõem a interconexões possibilitando uma infindável trama de possibilidades de conhecer A consciência crescente do papel criativo da desordem PRIGOGINE 1996 da autoorganização MATURANA VARELA 1990 e da não linearidade fazem reconhecer que o mundo é rico em evoluções imprevisíveis cheio de formas complexas e fluxos turbulentos caracterizado por relações não lineares entre causas e efeitos e fraturado entre escalas múltiplas de diferente magnitude que tornam precária a globalização SCHNITMAN 1996 Vivese uma espécie de apogeu do instituinte mesmo que se saiba do peso das determinações do já instituído O novo discurso científico é um convite à busca antes do que a certeza e privilegia como nunca dantes o fizera a multiplicidade a polifonia a descentralização do sujeito e da razão O duvidar sobre a dúvida a perda das certezas e das metanarrativas introduzem aquilo que se pode chamar de processos de segunda ordem ou seja a reflexividade sobre a reflexividade O pensamento se constitui como potencialmente relativista relacionante e autocognoscitivo SCHNITMAN 1996 e a ciência reconhecese como não suficiente se tomada como referência à legitimação do conhecer É olhada e olhase como constituída e constituinte nasdas redes de poder reconhecendose como efeito de regimes de verdade antes do que fonte de verdades A ciência revelase contingente e não autoevidente mostrase como construção social Sendo construída podese dizer que ela pode vir a ser desconstruída interrogada e questionada Assim é que na seção final deste capítulo pretendo enfocar algumas discussões que têm animado o cenário científico e acadêmico Ibañez 1994 chama a atenção para o surgimento de uma espécie de galáxia construcionista da ciência ou seja um conjunto heterogêneo de disciplinas assentado em preocupações e formulações comuns que apontam para uma posição de ruptura com boa parte dos pressupostos da concepção herdada de ciência Para o psicólogo espanhol acima referido o fato de que o construcionismo transite por disciplinas tão diversas como a Física a Biologia e a Psicologia por exemplo dotao de um caráter de metadiscurso ou seja trata se de um tipo de discurso cujo alto nível de generalidade e de abstração permite inspirar concretizações diversas segundo as particularidades de cada disciplina Desde o intuito simultaneamente construtivista desconstrutivista contemporaneamente proposto uma das primeiras questões a ser reconhecida pela psicologia é a do seu caráter autoritário Pretendendo constituir um conhecimento científico acerca da complexa realidade psicológica e dele utilizar se para incidir sobre a infinidade de problemas psicossociais propostos e existentes almejando assim melhorar a qualidade de vida dos sujeitos as boas intenções da psicologia necessitam ser desconstruídas com o objetivo de fazer aflorar perigosas ingenuidades que têm sustentado nossas práticas Assim é que para dar início a esse processo chamo a atenção juntamente com Ibañez op cit para a concepção de conhecimento e realidade implicada nas hegemônicas tradições psicológicas Em princípio a psicologia considera como separados a realidade e o conhecimento desta fundando uma tradição representacional do conhecimento que simultaneamente é desimplicado das intenções e valores do sujeito cognoscente e dos efeitos do saber sobre a realidade Nessa perspectiva a realidade é o que deve estar em correspondência com a teoria e o conhecimento privilegiado da realidade é o obtido através da objetividade científica Ora os novos paradigmas permitemnos colocar não a dúvida sobre a existência ou não da realidade mas de privilegiar a questão de que a realidade não exista com independência de nosso acesso a ela A realidade existe e está composta por objetos mas não porque estes objetos sejam intrinsecamente constitutivos da realidade mas porque nossas próprias características os põem por assim dizer na realidade E é precisamente porque são nossas características as que os constituem que não podemos crer que se a realidade depende de nós então podemos construir a realidade que queiramos IBAÑEZ 1994 Assim é que podemos compreender que os objetos que compõem a realidade psicológica não procedem de uma suposta natureza humana na qual estariam précontidos de forma natural mas que resultam das práticas de objetivação que a ciência tem desenvolvido Os fenômenos psicológicos não são dados mas construídos através de práticas contingentes sociais e históricas Isso quer dizer também que os fenômenos psicológicos estão parcialmente conformados pela maneira como os representamos ou seja pelos conhecimentos que produzimos a seu respeito E ainda significa dizer que os psicólogos auxiliam a conformar a realidade psicológica não somente utilizando conhecimentos para incidir sobre ela mas muito mais diretamente a partir dos próprios conhecimentos elaborados sobre a realidade Como dispositivo autoritário a psicologia tende a naturalizar a realidade psicológica e social mascarando o papel que desempenham certas práticas humanas na construção dessa realidade sugerindo por exemplo a existência de certos padrões de normalidade psicológica marcados pela própria natureza e aos quais devemos nos conformar e adequar Desde sua intenção de fazer incidir o seu corpo de conhecimentos sobre a realidade humana e social no intuito de transformála e melhorála a psicologia é então evidentemente exercida como prática normativa e autoritária Herdeira da concepção cartesiana de ciência e devotada filha dos ideais da Modernidade a psicologia alimenta a crença de que existe um acesso privilegiado à realidade que permite graças à objetividade conhecermos a realidade tal como ela é Tal crença se impõe com importante força conduzindo ao dilema assim colocado por Ibañez 1994 Como posso aceder à realidade com independência do conhecimento que tenho dela para comparála com o conhecimento da realidade p 269 Não tem sentido pensar que o conhecimento nos diz como é a realidade porque não há forma de saber como é a realidade com independência do seu conhecimento e não há forma de saber se o conhecimento científico acerta em sua descrição da realidade O conhecimento científico tem muitas virtudes mas nunca a virtude de refletir sobre a realidade tal como ela é É bastante útil esta discussão se concordamos com a ideia de que quando se trata de eleger um modo privilegiado de acesso à realidade a defesa da perspectiva objetivista é uma forma de impedir a presença do sujeito nos conhecimentos que este produz A produção de verdades neste sentido tende a ser encarada como absoluta e transcendente A retórica da verdade fundase no próprio mito da objetividade As tensões resultantes de tais considerações e os princípios norteadores que elas evocam tornam imperativo o reconhecimento do fato de que a realidade psicológica é uma construção contingente dependente de nossas práticas sócio históricas e que não nos define como essência em termos de algo que estaria inscrito em nossa natureza Da mesma forma deve permitir revelar o discurso do psicólogo nunca desatado das convenções nele inculcadas constituindose portanto em uma das maneiras de interpretar a realidade dentre tantas outras possíveis Nesse final de texto podemos dar as mãos aos diversos autores aqui citados e mais a outros como Maritza Montero da Venezuela para ressituarmos nossa ciência e a nós mesmos no contexto de nossa própria condição frágil contingente histórica processual e relativa Juntamente com Ibañez 1996 afirmamos que este giro recoloca o ser humano no centro mesmo da razão científica e da disciplina psicológica mas sem apelações humanistas pois temos aprendido que o ser humano é socialmente construído e que sua autonomia não deixa de ser o mais das vezes uma ilusão e que não há nenhuma natureza humana a resgatar Sugestão de leituras Com a finalidade de saber mais a respeito de epistemologia e psicologia social sugerese a paciente leitura do livro Psicologia social construcionista de Tomás Ibañez editado pela Universidade de Guadalajara México em 1994 Esta obra trata com detalhamento da história da Psicologia vista sob o ponto de vista de sua ideologização crises e rupturas Ibañez privilegia o enfoque epistemológico fundamentando sua análise em levantamentos quantitativos e qualitativos do acervo bibliográfico em psicologia disponível em especial na Europa e nos EUA Para os mais apressados e para os que preferirem encaminhar suas reflexões mais diretamente ao estado atual da arte sugiro neste mesmo livro a fixação do estudo nos seus capítulos V VI VII e VIII Um outro importante livro para auxiliar a contextualizar a discussão propriamente psicológica é o denominado Um discurso sobre as ciências de Boaventura de Souza Santos produzido em Portugal pela Editora Afrontamento e que se encontrava em 1996 na sua oitava edição Tratase de uma versão ampliada da Oração da sapiência proferida pelo autor na abertura solene das aulas da Universidade de Coimbra em 19851986 Referese a uma ampla e crítica visão sobre a discursividade científica suas tendências e rupturas bem como seus compromissos éticos e políticos Da mesma forma em Revisitando as psicologias editado pela Vozes em 1995 Luís Cláudio M Figueiredo conjuga textos importantes que versam sobre epistemologia ética e práticas da psicologia O livro em especial seu capítulo intitulado Os lugares da psicologia fornece muitos elementos a uma discussão bem fundada e sobretudo crítica Dora Fried Schnitman organiza o muito bemvindo livro Novos paradigmas cultura e subjetividade que editado em 1996 pela editora Artes MédicasPorto Alegre apresenta como núcleo as apresentações e diálogos do Encontro Interdisciplinar Internacional Novos Paradigmas Cultura e Subjetividade levado a efeito em Buenos Aires no início da década de 1990 Tratase de uma importante obra seja pelas manifestações científicas culturais e terapêuticas que expressa seja pela alta qualidade de seus manifestantes cientistas de diversas áreas caracterizados pelas mais altas distinções e reconhecimento O livro de Isabelle Stengers Quem tem medo da ciência editado em 1990 pela SicilianoSão Paulo mostrase também como importante contribuição à discussão epistemológica levando a considerar a importância das relações entre ciência e poder Tornase significativo registrar que Stengers é parceira de trabalho intelectual de Ilya Prigogine atuando com o mesmo na consolidação de novos paradigmas E por fim gostaria de sugerir a leitura do artigo Paradigmas corrientes y tendencias de la psicologia finisecular escrito por Maritza Montero e publicado na revista Psicologia e Sociedade da Abrapso volume 8 n 1 janeirojunho 1996 p 102119 Neste texto Montero além de examinar as tendências de mudança de paradigma na psicologia social contemporânea apresenta uma perspectiva que considera o objeto de estudo da disciplina como uma construção coletiva histórica e transitória Para a autora tal nova perspectiva coexiste com os demais modelos científicos e pretende colocar a Psicologia Social a serviço das transformações sociais demandadas pelas maiorias oprimidas Bibliografia BOURDIEU Pierre Coisas ditas São Paulo Brasiliense 1990 FARR Robert M The roots of modern Social Psychology CambridgeMassachusetts Blackwell Publishers 1996 FIGUEIREDO Luís Cláudio M Revisitando as psicologias Petrópolis Vozes 1995 Empirismo lógico valores vicissitudes perspectivas Cadernos PUCSP n 32 Educ 1988 IANNI Octavio A sociologia no horizonte do século XXI Aula inaugural proferida no doutorado em sociologiaUFRGS 1994 IBAÑEZ Tomás Psicologia social construcionista México Universidade de Guadalajara 1994 MATURANA Humberto R VARELA Francisco G El árbol del conocimiento las bases biológicas del entendimiento humano Santiago del Chile Editorial Universitária 1990 PRIGOGINE Ilya O fim das certezas São Paulo Unesp 1996 SANTOS Boaventura de Souza Um discurso sobre as ciências Porto Alegre Afrontamento 1996 SCHNITMAN Dora F org Novos paradigmas cultura e subjetividade Porto Alegre Artes Médicas 1996 ÉTICA Pedrinho A Guareschi Introdução Ao nos aproximarmos do Terceiro Milênio temse a impressão de que estamos vivendo um paradoxo ao invés de vermos a humanidade superar empregando a linguagem de Teilhard de Chardin a milenária fase da individualização que levou ao individualismo e ao liberalismo na sociedade em geral para entrar numa nova fase de superhumanização e de socialização na base do uma nova percepção da realidade e da vida como relação estamos presenciando e aqui está o paradoxo uma excrescência de individualismo de egocentrismo de luta e competição de maneira aguda e esquizofrênica que leva o mundo a uma situação de apartação e exclusão Os pressupostos da filosofia liberal são hegemônicos e tomam conta do cenário mundial Mas ao mesmo tempo é preciso ver que essa situação está ocasionando tantas contradições e conflitos que não pode perdurar Percebemse sinais de estertores de uma era que teve profunda influência em quase todas as instituições da sociedade mas que não consegue mais resistir e se legitimar O modelo antropológico individualista está em crise vemos nascer um novo modelo de ser humano e de uma sociedade fundada na comunhão na convergência na superação de barreiras físicas e psicológicas espaciais e temporais territoriais e culturais Esse trabalho quer discutir da maneira mais simples possível dentro de um tema complexo alguns pressupostos éticos que julgamos importantes para um estudante de psicologia que queira desenvolver uma visão crítica e global da sua disciplina e dos grandes e importantes acontecimentos mundiais que modelam a problemática atual Ética o que é isso Você já tentou perguntar a alguém quando fala em ética o que ele entende por isso Ou melhor você já tentou alguma vez responder a você mesmo o que seja ética É interessante notar que a toda hora escutamos alguém dizendo que tal procedimento não é ético que tal ação é antiética etc Que significa isso Quando se começa a refletir sobre o que seja ética e sobre os fundamentos da ética damonos conta de quão complexa é a questão Mas ao mesmo tempo vemos que todos nós de um modo ou de outro temos nossas convicções éticas possuímos nossa ética Para termos tal ética temos de nos basear em algum fundamento algum pressuposto filosófico e valorativo Mas é curioso notar que a maioria das pessoas apesar de possuírem esses fundamentos e pressupostos poucas vezes pararam para refletir e tomar consciência de quais seriam esses pressupostos Essa rápida discussão quer trazer à baila esses pressupostos e facilitar a quem desejar descobrir qual o fundamento de sua ética Mesmo os estudos de Kohlberg e em parte os de Piaget apesar de ajudarem a identificar estágios de consciência ética não fornecem elementos para que se possa identificar os pressupostos filosóficos e consequentemente se possa fazer uma crítica a esses pressupostos Podem ser identificados dois paradigmas principais que fundamentariam as exigências éticas ou os valores éticos O primeiro é o da lei natural o segundo é o da lei positiva O paradigma da lei natural O grande referencial do paradigma da lei natural é a natureza Esse referencial tem a pretensão de dizer que a partir do exame da análise e da atenção que se dá à compreensão natureza é possível de um lado identificar uma ética que governe todos os povos e em todas as épocas e de outro lado é possível descobrir uma fonte para essa ética que não sejam os costumes ou instituições de determinados povos ou nações Entre os defensores de tal paradigma podemos citar Aristóteles os estoicos Cícero e muitos outros seguidores até os dias de hoje quem sabe até você mesmo que está lendo esse trabalho Essa tradição dividiuse em duas vertentes uma prémoderna religiosa inspirada em Tomás de Aquino centrada na ideia de um Criador e numa ordem imutável estabelecida por Deus outra moderna secular inspirada nos escritos de Grotius e John Locke fiel à mentalidade do mundo moderno sem negar a origem divina da natureza investe em defender os direitos humanos João Batista Libânio diz que a primeira se caracteriza como o momento do objeto como prémoderna a segunda como o momento do sujeito típica do pensamento moderno Uma privilegia a estabilidade do objetivo e a outra a liberdade e a iniciativa do subjetivo Mas para ambas o critério que as fundamenta é algo exterior a natureza como produto de Deus Criador para a primeira ou a dignidade e os direitos fundamentais do ser humano que podem ser racionalmente conhecidos e justificados para a segunda O paradigma da lei positiva O paradigma da lei positiva surge como reação ao paradigma da lei natural tanto na sua versão religiosa como na versão secular Há uma rejeição tanto em nível epistemológico como em nível ideológico de um apelo a uma ordem natural como referencial ético Em nível epistemológico a partir do relativismo cultural questionase a possibilidade de dar conteúdo concreto a leis ditas naturais que sejam as mesmas em todas e para todas as épocas e culturas Em nível ideológico a partir da experiência histórica do abuso tanto de poderes religiosos como civis de apelar para leis naturais para esmagar seres humanos que se opunham a determinados regimes levou à rejeição de uma ordem humana e social determinada por uma lei natural preestabelecida O critério ético passa a ser o que foi escrito e promulgado após as diversas instâncias de discussão É o que passou a se chamar de contratualismo Uma vez discutida e estabelecida uma negociação social ela passa a ser válida Com isso se evita a arbitrariedade e podese apelar para algo objetivo que foi formulado e promulgado Podemos nos libertar assim de uma natureza cega de um lado e dos mandos e desmandos autoritários de governantes e grupos de outro Podese perceber logo que se as leis fossem justas discutidas democraticamente e aplicadas da maneira mais imparcial possível o estado de direito poderia ser um forte defensor do direito e das liberdades dos seres humanos Mas o que acontece quando os governadores e os juízes são autoritários e quando alguns legislam em causa própria Que dizer quando grupos e minorias poderosas forçam a criação de acordos e negociações em proveito próprio Podese ainda dizer que o que é instituído é ético Que dizer de exemplos como o das ditaduras militares e especificamente o caso do Brasil e outros países da América Latina onde alguns grupos à base da força e da pressão impuseram sobre uma maioria suas vontades e seus privilégios E tudo através de constituições escritas e promulgadas Como acabamos de ver o fundamento da ética é colocado por alguns na lei natural tanto por ser essa lei originada de um Deus Criador ou por estar radicada na dignidade do ser humano e de seus direitos inalienáveis ou num positivismo jurídico que se radica no texto de uma lei escrita e promulgada Mas damonos conta também das limitações e perigos que se originam de tais pressupostos Que fazer então Haveria outra alternativa para fundamentar a dimensão ética O que seria afinal a ética Ética como instância crítica Se as colocações acima discutidas mostram suas limitações e precariedades ao mesmo tempo indicam pistas por onde se pode iniciar uma busca de uma fundamentação ética das ações e relações Mas é decisivamente importante que ao perseguirmos tais fundamentações tenhamos sempre em mente seus possíveis limites E a isso poderíamos chamar de postura crítica diante de todo criado e de todo o institucionalizado Enquanto permanecermos dentro do humanamente instituído sem apelarmos para o eterno e o transcendente temos de reconhecer nossa limitude histórica E ao reconhecermos essa limitude temos de deixar sempre uma porta aberta a porta de possibilidade de alternativas de crescimento de transformações de aperfeiçoamento Nesse contexto creio que nos seria muito útil uma noção de ética como sendo uma instância crítica propositiva sobre o dever ser das relações humanas em vista de nossa plena realização como seres humanos DOS ANJOS 1996 p 12 Perscrutando a fundo essa colocação podemos extrair dela duas dimensões fundantes a dimensão crítica e propositiva e a dimensão das relações Elas são centrais para a compreensão mais profunda da ética a A dimensão crítica e propositiva A dimensão crítica da ética significa que ela pode ser considerada como algo pronto algo acabado Ao contrário ela está sempre por se fazer E ao mesmo tempo ela está presente nas relações humanas existentes À medida em que ela se atualiza ela passa a sofrer suas contradições e por isso deve ser questionada e criticada Ao mesmo tempo ela tem que ser propositiva Não pode se furtar a colocar exigências e desafios Mas esses desafios e exigências podem ser reelaborados redimensionados refeitos e retomados E a ética é sempre do dever ser das relações humanas em vista de nossa plena realização É uma busca infinita interminável é uma consciência nítida de nossa incompletude é um impulso permanente em busca de crescimento e transformação Não seria fora de propósito mencionar aqui a posição de alguns autores da escola crítica como Karl Otto Apel e Jurgen Habermas que procuram resgatar a dimensão ética a partir do discurso O discurso é o que temos de mais próximo de mais real e ao mesmo tempo de mais interminável ele possui a maior possibilidade de criar todas as alternativas possíveis E ao mesmo tempo ele possui pressupostos indispensáveis sem os quais ele mesmo não pode se sustentar isto é ele traz consigo também uma infinidade de caminhos diferentes e entre eles a possibilidade de seu próprio resgate Os pensadores acima citados são chamados por Lima Lopes 1996 p 31 de críticos somando tanto a crítica kantiana quanto a marxista podem ser tidos como herdeiros dos ideais de liberdade dos modernos ao mesmo tempo que levam a sério a impossibilidade de existência do ser humano não socializado É minha convicção que é fundamental enfatizar a dimensão da crítica ao se discutir a questão da ética Num trabalho anterior GUARESCHI 1992 tentei mostrar como o uso cuidadoso e sério da crítica mesmo ao se discutir as diferentes teorias científicas leva a própria evidência da impossibilidade de uma ciência ou de uma prática científica neutra isto é sem uma dimensão ética A crítica resgata a dimensão ética de toda ação humana Mas ao mesmo tempo não fecha a questão sobre a presença de uma dimensão ética específica Aliás a própria Teoria Crítica também chamada de Escola de Frankfurt ou Crítica da Ideologia tem como pressuposto a impossibilidade de neutralidade das ações humanas Toda ação humana segundo essa escola de pensamento deve ter como finalidade iluminar e emancipar a ação que se diz neutra se não estiver direcionada a tais fins possivelmente estará servindo a propósitos contrários de ocultação da realidade e de manipulação das consciências GEUSS 1988 É também iluminador notar nesse contexto como John B Thompson 1995 p 76 um dos melhores analistas da ideologia define esse conceito Para ele ideologia é o uso de formas simbólicas que servem para criar ou manter relações de dominação Uma forma simbólica só é ideológica quando se puder mostrar que ela serve aos propósitos de criar ou manter relações que sejam de dominação isto é relações assimétricas desiguais injustas Dominação é aqui um conceito diferente de poder Poder é uma capacidade uma qualidade individual de pessoas algo singular particular Nesse sentido todos os que podem fazer algo trabalhar falar escrever etc têm um poder Já dominação é uma relação isto é sempre se dá entre dois ou mais sujeitos e acontece quando há uma expropriação de poder isto é quando um retira de maneira assimétrica ou injusta um poder de outro parceiro Para essa concepção de ideologia então a dimensão ética isto é a dimensão do dever ou não dever fazer está presente A análise ideológica nesse sentido é sempre uma demonstração e uma denúncia da existência de relações assimétricas desiguais Ela leva naturalmente à constatação de situações que provocam uma tomada de posição que dificilmente vai deixar as pessoas impassíveis tranquilas Esse o grande risco de se tomar ideologia na acepção crítica E ao mesmo tempo a grande vantagem Na verdade de que ajuda aos grupos humanos dizer simplesmente que as coisas são assim sem que se apresentem elementos de transformação e superação de tais situações Mas o mais importante contudo é o fato de que uma postura teórica que simplesmente toma a ciência como uma prática que diz como as coisas são esconde por detrás dela uma postura conservadora E tanto uma como a outra possuem dimensões éticas pois ser conservador isto é permitir que as coisas sejam assim ou impedir que elas mudem é uma ação tão ética como lutar pela mudança lutar para que a situação se transforme b A dimensão da relação Uma segunda dimensão que gostaríamos de discutir a partir da definição acima é a questão das relações ou da ética como ética das relações Essa é uma discussão extremamente provocante Dentro de uma cosmovisão individualista onde o ser humano é considerado como indivíduo indivisum in se et divisum a quolibet alio sob o império do liberalismo fica difícil de se perceber que a ética só pode ser dita das relações e onde ela mesma é sempre uma relação Entendemos por relação a ordenação intrínseca de alguma coisa em direção a outra que a filosofia define como ordo ad aliquid Em outras palavras relação é algo que não pode ser sem outro Vejamos como a questão da relação tem a ver com a justiça e a ética Olinto Pegoraro 1996 acaba de publicar um livro cujo título é Ética é justiça O que o referido autor faz é recuperar a argumentação de Aristóteles na Ética a Nicômaco onde ele afirma que a justiça é a virtude central da ética pois ela comanda os atos de todas as virtudes Essa forma de justiça não é parte da virtude mas a virtude inteira e seu contrário a injustiça também não é uma parte do vício mas o vício inteiro ARISTÓTELES V 3 1130a 912 Dizer que ética é justiça tornase muito claro quando pensamos sobre o que significa justiça Justiça provém de jus que no latim quer dizer direito Alguém é justo quando estabelece relações com outros que são justas Em outras palavras alguém sozinho não pode ser justo Alguém sozinho pode ser alto branco simpático etc pois isso não implica relação isto é não implica outros Agora justo ele não consegue ser sozinho pois a justiça ou a injustiça só entram em campo no momento em que alguém se relaciona com outros Isso quer dizer que é só à relação que se pode aplicar o adjetivo justo e não de um polo apenas da relação Eu sou justo quando estabeleço relações com outros que são justas isto é que respeitem os direitos dos outros Justiça tem a ver pois com o respeito aos direitos das pessoas Há justiça quando os direitos das pessoas são respeitados Do mesmo modo com a ética Dizer que ética é relação ou dizer que ética só se pode aplicar às relações é afirmar que ninguém pode se arvorar o predicativo de ético a partir de si mesmo como quer exatamente o liberalismo O pensamento liberal ao partir da definição de ser humano como indivíduo centraliza tudo no eu no sujeito da proposição Perdemos a dimensão relacional e como consequência mistificamos o verdadeiro sentido de ética Chegamos assim a absurdos sociais como os que vivemos hoje em que um terço da população não possui seus direitos garantidos e nos blasonamos como éticos ou como um país onde exista a ética Por incrível que pareça quem vai decidir se somos ou não éticos são os outros Isso parece chocante e de fato o é dentro da cosmovisão egocêntrica e individualista como é a cosmovisão do liberalismo No documento Exigências Éticas da Ordem Democrática da CNBB a seguinte afirmação vem mostrar quem é o juiz da ética numa verdadeira democracia a existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática A situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade a justiça a moralidade enfim a efetivação da ordem democrática Os pobres são os juízes da ordem democrática de uma nação Conclusão Entendemos o ser humano como um ser dialógico relacional que se vai construindo a partir das relações que vai estabelecendo com os outros seres humanos Sem perder sua singularidade pois continua sempre sendo um ser único e irrepetível sua subjetividade é composta dos milhões de relações que ele estabelece durante toda sua existência A dimensão ética se apoia diretamente sobre essa antropologia personalista e dialógica Reconhecemos o outro como pessoa com quem entramos em diálogo e não como um simples indivíduo que está ao nosso lado com quem entramos em contato pelo simples motivo de sobrevivência em competição potencial conosco Na afirmação de Dussel 1977 p 98 no reconhecimento dessa alteridade consiste toda eticidade da existência Leituras complementares Um livro acessível que traz vários artigos sobre ética principalmente na sua aplicação é Relações sociais e ética Porto Alegre Edições AbrapsoSul 1995 organizado por Maria da Graça Jacques Pode ser conseguido na PUCRS Outro livro que pode ajudar a aprofundar essa questão é Ética é Justiça de Olinto Pegoraro Petrópolis Vozes 1995 Mostra como a ética é sempre uma relação e que a essência da ética reside na relação de justiça Finalmente o livro A emergência da consciência ética de Pedrinho Guareschi e Luiz Carlos Suzin Aparecida Editora Santuário 1995 Bibliografia ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Brasília Ed da Universidade 1985 Kury Mário da Gama org CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Exigências éticas da ordem democrática São Paulo Paulinas 1994 DOS ANJOS MF Apresentação In DOS ANJOS MF LIMA LOPES JR Ética e direito um diálogo Aparecida Santuário 1996 DUSSEL Enrique Para uma ética da libertação LatinoAmericana Vol II Eticidade e Moralidade São Paulo LoyolaUnimep 1977 GEUSS R Teoria crítica Habermas e a Escola de Frankfurt Campinas Papirus 1988 GUARESCHI P Sociologia crítica 38 ed Porto Alegre Mundo Jovem 1996 Ética e Relações Sociais entre o existente e o possível In JACQUES MG org Relações sociais e ética Porto Alegre AbrapsoSul 1995 A emergência da consciência ética In GUARESCHI P SUZIN LC Consciência moral emergente Aparecida Santuário 1992 LIMA LOPES JR Ética e Direito Um panorama às vésperas do século XXI In DOS ANJOS MF LIMA LOPES JR Ética e direito um diálogo Aparecida São Paulo Santuário 1996 PEGORARO O Ética é justiça Petrópolis Vozes 1996 THOMPSON JB Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 INDIVÍDUO CULTURA E SOCIEDADE Luiz Fernando Rolim Bonin Para compreender o ser humano além de estudar seu corpo e sua origem animal é necessário pesquisar principalmente como ele se constitui em um contexto sociocultural O homem é também um animal mas um animal que difere dos outros por ser cultural Os outros primatas podem ser considerados como entes protoculturais pois transmitem hábitos através de gerações como peneirar alimentos nadar e lavar batatas Usam instrumentos simples e aprendem por mera observação o comportamento de outrem Para a teoria históricocultural o primata humano pode ser definido como um ser biológico antes de possuir o domínio da fala mas podese considerálo nessa fase como tendo uma protocultura BONIN 1996 Por exemplo as crianças de um a dois anos já aprendem usar instrumentos simples da cultura por imitação ou reforço mas não entendem ainda uma informação verbal No entanto entram num processo plenamente cultural quando já dominam o uso da fala o que as permite processar o simbólico contido nas instituições culturais Entretanto não é possível deixar de considerar o aspecto biológico do ser humano apesar deste ser históricocultural Afinal o homem está no mundo por ter um corpo Os neuropsicólogos têm demonstrado que as habilidades envolvidas na atividade humana supõem uma condição necessária mas não suficiente e elementar um sistema nervoso e hormonal Podese dizer que o homem é um animal que usa símbolos porque houve um desenvolvimento do seu cérebro para tal no decorrer de sua filogênese No início do desenvolvimento da criança que é um animal da espécie humana os processos da atividade se dão de maneira semelhante à de outros primatas isto é não envolvem a fala ou melhor processos simbólicos A primeira comunicação da criança recémnascida com o outro seria através do choro Esta ainda é uma expressão direta do estado afetivo da criança não sendo contudo uma comunicação que envolva neste momento uma representação mental Indivíduo e sociedade A teoria históricocultural considera importante a filogênese dos processos psicológicos O ser humano ao nascer traz consigo determinados comportamentos inatos ligados à sua estrutura biológica Entretanto no decorrer de seu desenvolvimento é moldado pela atividade cultural de outros com quem eleela se relaciona Cada indivíduo ao nascer encontra um sistema social criado através de gerações já existente e que é assimilado por meio de interrelações sociais A sociedade com suas instituições crenças e costumes não paira acima dos indivíduos mas sim ela é constituída por indivíduos Não se trata de colocar a sociedade acima do indivíduo ou o indivíduo como um ser isolado acima da sociedade Ela também não é uma gestalt forma física como os tijolos em uma casa mas sim uma rede de interrelações individuais em constante mobilidade Uma dança de quadrilha seria uma metáfora adequada já que os indivíduos não só interagem exteriormente como bolas de bilhar mas também se interrelacionam cada um procurando entender e se adaptar aos movimentos intencionais e futuros de outrem O indivíduo históricosocial que é também um ser biológico se constitui através da rede de interrelações sociais Cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de interrelações em movimento O ser humano desenvolve através dessas relações um eu ou pessoa self isto é um autocontrole egoico que é um aspecto do eu no qual o indivíduo se controla pela autoinstrução falada de acordo com sua autoimagem ou imagem de si próprio É um ser que tendo instintos ou comportamentos préprogramados passa através da vida social a adquirir a fala e planejar e controlar sua atividade e de outrem através de representações mentais ELIAS 1994 1995 Neste ponto é importante mencionar que a noção de eu supõe dois aspectos fundamentais 1 a do sujeito ativo que toma decisões e se orienta no mundo 2 uma autoimagem e uma autoestima que para alguns autores estão relacionadas ao conceito de identidade e constituem o que George Mead denominou de me ou mim MEAD 1953 O desenvolvimento do controle da fala sobre o comportamento é realizado a partir dos comandos da mãe sobre a criança relação interpessoal que passa a se autoinstruir sobre como deve se comportar controle intrapessoal Isto é o indivíduo passa de uma relação interpessoal para um controle e planejamento intrapessoal da sua própria atividade Isto se torna possível pela existência da fala o que no fundo envolve um controle egoico LURIA 1987 VYGOTSKY 1984 Não há basicamente uma contradição entre indivíduo e sociedade O indivíduo é um ser históricocultural que é constituído pelas interpelações sociais Mesmo quando está sozinho como Robinson Crusoé é um ser humano que tem o habitus de sua sociedade Isto é tem o jeito de andar hábitos de higiene de expressar emoções de usar instrumentos que adquiriu das relações pessoais com indivíduos da sociedade que o constituiu Na sociedade ocidental atual extremamente individualista e conflituosa os indivíduos podem se representar como seres isolados em oposição à sociedade Isto entretanto é uma criação da própria sociedade neste momento histórico Necessariamente não há por que ter um alto grau de competição e tensão grupal tornando difícil um equilíbrio entre as inclinações pessoais e as tarefas sociais O verdadeiro eu não está enclausurado e isolado dessa sociedade É somente uma ilusão O indivíduo não é estranho à sociedade A vida social supõe entrelaçamento entre necessidades e desejos em uma alternância entre dar e receber A razão e a mente não são substâncias mas produtos de relações em constantes transformações Os instintos e as emoções sofrem transformações no decorrer da vida social Os papéis sociais e as instituições humanas se originam de interrelações pessoais que são cristalizadas através de regras e que inicialmente são hábitos adquiridos e as instituições além das relações sociais envolvem também determinados materiais e artefatos e códigos Assim uma universidade é uma instituição que basicamente supõe determinadas interrelações humanas e locais como laboratórios onde existem determinados materiais aparelhos e instrumentos Como já se sabe é possível estudar a sociogênese das instituições através da história e por exemplo uma instituição como o Parlamento Britânico surgiu para resolver conflitos entre os nobres através do entendimento entre as partes litigantes pelo constante diálogo em direção ao consenso Cultura indivíduo e atividade Neste tópico serão examinadas quatro perspectivas sobre a noção de psicologia cultural O termo cultura pode ser definido inicialmente de maneira simples como um conjunto de hábitos instrumentos objetos de arte tipos de relações interpessoais regras sociais e instituições em um dado grupo Em primeiro lugar a a cultura como uma variável independente em que cultura e mente eram consideradas separadas Em seguida b a perspectiva de que a mente está inserida nas práticas e atividades culturais Em terceiro lugar c a cultura na mente ou seja a cultura como uma descrição ou narração das atividades e práticas de um grupo Por último d a cultura e a pessoa isto é a pessoa como agente intencional em um mundo que é constituído de interpretações e objetos culturais a Nas décadas de 19601970 as relações entre cultura e cognição eram pesquisadas em formas tradicionais como estudosrelações entre variáveis A cultura era considerada como variável independente e a atividade mental e prática como variável dependente Nesta época certas pesquisas de alfabetização em determinadas culturas eram relacionadas a testes de memória e outras atividades cognitivas Só posteriormente é que surgiu uma outra perspectiva que procurava desvendar como se processam a cognição e a aprendizagem num contexto cultural Mas inicialmente a cultura era vista como separada da mente ou seja supunhase um dualismo ou dicotomia entre mente e cultura O mental era concebido como um processador interno de alguma coisa que poderia ser pensamento abstrato raciocínio etc que era afetado de fora pela cultura mas não por ela constituído ainda que parcialmente Por exemplo escolhiase uma atividade cognitiva como a memória classificação ou percepção tomadas como unidades de medida e chegavase à conclusão que em determinada cultura como a dos Wolops não há ordenação de cor e forma desenvolvida Nessa época também passouse a estudar o efeito da escolaridade e tipos de escrita em um grupo de uma dada sociedade Aqui já se procurava a interação entre mente e cultura Esse é um período de transição em que cultura e cognição já não são vistas como meras variáveis externas Propõe se que a cultura seja definida face ao uso de mediações isto é artefatos físicos e simbólicos ou seja além de considerar um conjunto de condições biológicas é necessário levar em conta as mediações como o uso de artefatos para entender o desenvolvimento humano LURIA 1990 VYGOTSKY 1984 1990 Nesse período seguidores de Piaget estavam interessados em provar que os estágios de desenvolvimento infantil eram universais e portanto foi dada pouca atenção a como os processos culturais constituíam a cognição e também qual o papel da fala nessas atividades Atualmente essas concepções estão sendo revisadas pelos piagetianos Nos estudos interculturais desse período também não se levava em conta a formação históricocultural do eu ou pessoa que também supõe a identidade do sujeito na cultura O sujeito não era concebido como ativo intencional Isto não quer dizer que já não existissem teóricos como G Mead que já tratassem da questão b Passouse então da concepção da cultura e mente como variáveis independentes para a ideia que a mente está inserida nas práticas e atividades de um grupo cultural A cultura também se revela nos objetos utilizados eou fabricados pelo homem Assim a execução de uma tarefa a ser pesquisada passa a ser considerada como pertencendo a um contexto de atividade prática Foi então considerado importante prestar atenção às práticas locais para estudar a cognição Por exemplo verificouse que pessoas em determinada cultura tinham mais facilidade para usar pratos utilizados para comer arroz assim como para medida de quantidade do que outros artefatos As pessoas desse grupo estão familiarizadas com o uso desse objeto tanto para medida quanto como figura geométrica LUCARIELLO 1995 A escola hístóricocultural já enfatizava a cultura como práticas coletivas e normativas envolvendo expectativas e formas de agir em conjunto Essas atividades passam a ser apropriadas pela criança com o apoio dos adultos A cognição passa a ser estudada como uma habilidade prática na vida cotidiana No sentido acima estudouse a cognição nas diferentes formas de escrita na cultura Outros autores estudaram a cognição numérica na ação de vender preparar e comprar alimentos Propõese que a teoria históricocultural não defina cultura como a soma de artefatos e seus usos mas sim que estes são aprendidos no contexto das atividades do grupo através de gerações O comando verbal de um adulto sobre a criança passa a ser utilizado e internalizado como autoinstrução para comandar o próprio comportamento Este é um exemplo do princípio de Vygotsky que afirma que o que ocorre no plano interpessoal passa para o plano intrapessoal Isto quer dizer que a criança internaliza o que aprende nas relações interpessoais o que supõe a ideia que o que se consegue fazer hoje com a ajuda de outrem amanhã poderá ser feito sozinho A tradição cultural se faz através de ações e interpretações nas práticas cotidianas que são transmitidas através da história de um grupo Propõese que nas atividades culturais membros de uma coletividade ensinam os mais inexperientes através da manutenção de interesse apresentando um modelo de tarefa e modelos de interrelações oferecendo suporte ou apoio conforme o nível de progresso de sua aquisição A ação dos novatos não é passiva mas participativa nas tarefas do grupo Os novatos procuram se inserir e ter um papel na rede de atividades Por exemplo o aprendiz de alfaiate começa com tarefas simples e paulatinamente e simultaneamente adquire sua identidade profissional Neste sentido a prática da cultura não se reduz a uma dimensão abstrata ou ao estudo de variáveis independentes É necessário entender os processos no contexto da atividade grupal c Um terceiro enfoque envolvendo a relação indivíduocultura é denominado a cultura na mente ou na narrativa dos atores culturais Aqui as tarefas cognitivas não são mais unidades de análise Essa proposta supõe um conjunto de interpretações ou mais especificamente as narrativas das atividades do sujeito no cotidiano isto é descrições sobre modos de pensar e agir que incluem ações situações e intenções Podese imaginar esse processo como se fosse uma descrição autobiográfica de vários atores Não se limita a categorias cognitivas como memória pensamento percepção e motivação mas implica um pensar sobre a vida incluindo a psicologia do cotidiano Essa noção leva ao extremo a ideia da cultura como sistema simbólico Toda a atividade humana implicaria uma classificação e interpretação qualquer percepção ou ação seria mediada pelo simbólico Por exemplo se ingerimos alguma coisa é porque esse objeto já foi classificado como alimento Da mesma forma um local debaixo de uma pedra que pode servir como abrigo envolve uma interpretação prévia Nem sempre tudo supõe uma interpretação prévia Por exemplo uma pedra pode revelarse como abrigo no decorrer de uma ação sem necessariamente ter passado por uma classificação prévia Assim os bebês podem descobrir também informações sobre objetos sem que outrem os ensine Considerase também que não é possível descartar a possibilidade de a criança que ainda não domina a fala aprender a lidar com objetos guiada por um membro experiente da cultura A questão de fundo é a discussão entre uma aprendizagem mediada e não mediada pela fala d O quarto e último tipo de teoria de psicologia cultural é a que propõe a cultura na pessoa considerada como agente intencional em atividade prática no seu grupo O sujeito cria e seleciona percursos de ação podendo aceitar ou não a interferência de outrem Os objetos são criados coletiva ou individualmente e revelam uma intenção do produtor Podese fazer com que objetos em um meio lembrem de nossas intenções para nos autocontrolarmos Por exemplo podese acionar um despertador para despertar ou um bilhete na geladeira para não comer ou ainda colocar objetos longe do alcance de crianças Esta posição supõe que a pessoa seja um agente intencional em um mundo de objetos culturais e que o mundo é constituído de interpretações As relações interpessoais não revelam só comportamentos sem significado mas intenções e ironias sobre a própria intenção através de gestos significativos Por exemplo podese fazer um gesto para uma segunda pessoa e piscar de maneira sorrateira para uma terceira pessoa mostrando que o gesto não é sério O homem pode enganar simbolicamente já que tem facilidade para se colocar no lugar de outrem e mesmo tomar atitudes hipotéticas sobre suas interações George Mead já havia demonstrado que as relações interpessoais são uma conversação de gestos e o que é importante nesta atividade é saber se colocar no lugar do outro Temse também uma noção do outro generalizado e internalizado Os chimpanzés têm dificuldade de conceber o outro como agente intencional e portanto de colocarse no lugar do outro Essas características parecem ser próprias do ser humano Outros enfoques sobre a relação indivíduocultura As pessoas se constituem em um sistema cultural dado previamente formando uma rede de interrelações mas são sujeitos ativos e não constituídos passivamente pelo meio Isto quer dizer que não são constituídos automaticamente pelo processo narrativo cultural estabelecido As pessoas tomam posições fazendo novas interpretações ou seja recebendo e construindo criativamente e coletivamente um processo cultural em determinada época histórica É importante lembrar que a psicologia cultural tem uma longa história uma vez que Vico no século XVII já tratava do tema Na América Latina existem poucos trabalhos sobre o tema É um tópico de pesquisa bastante recente nessa região A teoria históricocultural não enfatiza somente as mediações mas leva em conta também o papel da pessoa como sujeito e não se limita a processos lógicocognitivos Não deixa de lado a emoção e o contexto onde surgem essas atividades Em defesa dessa posição teórica podese dizer que a mente não é só um componente mas é produto emergente da interrelação entre pessoas face a objetos supondo também o uso de instrumentos A mente não está no corpo e nem nos instrumentos mas se revela através das atividades humanas na cultura Os sujeitos também criam regras e instituições através de atividades coletivas COLE ENGESTROM 1995 A teoria históricocultural como já foi dito colocou também a questão da pessoa e da intencionalidade Uma outra vertente enfatiza a questão semiótica e enfoca a mente como formada através de um diálogo de vozes envolvendo a produção de representações e de ideologias O ser humano assimila a narrativa de sua cultura que supõe uma diversidade de diálogos que incluem conformidade contradição e discordância Neste ponto também é importante mencionar a concepção de cultura de Geertz 1978 que é extremamente complexa A cultura para ele não é redutível ao fenômeno mental nem a meros padrões de comportamento e de desejos exclusivamente individuais O que importa é estudar esses processos em estruturas de significados formadas publicamente Público aqui significa que algo é compartilhado também visualmente como em rituais e na fabricação e uso de artefatos Por exemplo a apresentação de um quarteto tocando Beethoven supõe a habilidade dos músicos para tocar assim como a sensibilidade e o conhecimento dos ouvintes Produzir música envolve ações humanas no decorrer de um tempo mas não se trata aqui de mencionar especificamente crenças conhecimentos e outros processos mentais individuais A ênfase está nas atividades nos objetos nos artefatos e nos símbolos compartilhados Viver em grupo já é difícil mas o mais problemático é tentar conviver com grupos que têm diferentes regras de relações e de poderes O trabalho principal do antropólogo é narrar interpretando o que observa e o que lhe foi narrado supondo sempre atividades concretas dos indivíduos em interrelações GEERTZ 1978 Outro enfoque que enfatiza também a questão semiótica ciência que trata de sinais e símbolos concentrandose no simbólicointerpretativo e de caráter históricocultural coloca que a concepção de Geertz não dá suficiente atenção aos problemas de poder e de conflito nos contextos culturais onde mensagens são transmitidas e recebidas Nessa visão é importante também considerar que o sujeito humano é criado dentro de instituições e que pode coletivamente alterálas assim como é por elas afetado Resumidamente as instituições envolvem recursos tipos de interrelações pessoais regras e esquemas supondo recursos materiais e simbólicos THOMPSON 1995 Considerase também necessário estudar a produção e reprodução do simbólico seus agentes receptores e as condições de produção Os processos de formação de valores legitimação de status exclusão estratégias de resistências e de aceitação As atividades de Gandhi na Índia servem como exemplos encarnados do processo de valorização e de resistência cultural A cultura o eu e as atividades a emoção e a motivação Como já foi dito o eu é construído através da conversação de gestos em determinados grupos sociais Esse eu supõe um eu que decide sobre o curso das ações e um me ou mim que envolve autoestima e imagem de si próprio Já foi demonstrado que a concepção de si como indivíduo na Idade Média e na Renascença eram diferentes Na época atual o eu é mais enfatizado do que o nós na cultura ocidental BONIN 1997 Uma questão interessante é verificar como a construção do eu em diferentes grupos ou culturas afeta as atividades dos indivíduos Foi realizado um mapeamento de problemas pesquisas e considerações teóricas relativas à última questão Dedicaramse especialmente a comparações entre a cultura japonesa e à cultura americana contemporânea Colocam que principalmente na cultura americana em geral as pessoas se veem como independentes e autônomas tendo habilidades e valores únicos e agindo segundo atributos internos Esta concepção pode ser denominada de eu independente Na cultura japonesa em geral temse a ideia que o eu não existe em si e é um produto de relações que se definem face aos outros em determinadas situações o eu faz parte do grupo ou da família Esta é uma visão contextualista relacional em que os outros participam na definição de si Afirmam que a pessoa age como é esperado pelos outros não se colocando em primeiro lugar procurando harmonizar seus desejos e atributos pessoais com os de outrem Por exemplo no Japão se diz às crianças o prego que está fora leva batidas A concepção de indivíduo na cultura japonesa pode ser considerada como eu interdependente Nos EUA a roda que chia leva graxa a expressão revela uma concepção de eu independente É importante lembrar que na maioria dos países existe uma pluralidade cultural Assim nos EUA existem diferentes grupos Por exemplo em um grupo como os Amish a tendência é a de ser interdependente e pacifista Isto não quer dizer que um país não possua características gerais em que certos valores predominam devido a correlação de forças internas MARKUS KITAYAMA 1991 Na cultura japonesa a concepção de eu envolve uma ênfase na empatia pelo outro cujo resultado é um comportamento polido e autocontido para harmonizarse com o comportamento do outro O sujeito não se gabará de sua criatividade mas dirá sou criativo junto com meus colegas a não ser que seja figura notável O pesadelo japonês é o da exclusão do grupo Nos EUA e provavelmente em alguns países da Europa e da América Latina o pesadelo é não se firmar não ser notado e não se distinguir Supõese que o indivíduo seja um agente com autocontrole individual e assertivo na afirmação de seus atributos Para os indivíduos na cultura americana é mais importante sobressair se ser único elevando sua autoestima mesmo que isto cause dificuldades em relação aos outros o que para um japonês é uma atitude imatura não autêntica pois não se deve sobressair ao grupo e querer ser tratado de maneira especial Só aos artistas e pessoas notáveis se permitem atitudes individualistas não conformistas Os sujeitos na cultura japonesa devido a esta concepção de eu são treinados a procurar ler as necessidades de outrem para servilo Considerase então que o tipo de sistema de eu está relacionado a formas de cognição percepção afeto e motivação afetando a atividade cotidiana dos indivíduos Informações baseadas em dados antropológicos e na maioria das vezes em pesquisas envolvendo entrevistas estudos de variáveis dependentes e independentes e respostas a histórias propostas pelos experimentadores propõem inicialmente como hipótese o fato de que é de se esperar que eus interdependentes sejam mais atentos e mais sensíveis aos outros do que eus independentes Isto produziria uma cognição mais elaborada em relação aos outros do que em relação a si Em segundo lugar os eus interdependentes representariam a si e aos outros em contextos sociais específicos enquanto que os eus independentes produziriam representações mais abstratas e generalizadas Pesquisas revelaram que na cultura indiana as pessoas consideram seu eu mais semelhante ao de outros do que o outro se considera em relação a ele Diferente do que em geral é encontrado na cultura americana Outra pesquisa revelou ainda que sujeitos indianos descrevem mais outros indivíduos de maneira situacional e relacional e não qualidades abstratas e fora de contexto Por exemplo os americanos descreveriam genericamente a qualidade de uma pessoa como mão de vaca ou pão dura enquanto que um indiano diria que seu amigo não gosta de contribuir para festas do grupo a que pertence contextualizando a ação isto é de que maneira foi realizada a ação onde e com quem Sujeitos americanos também procuram descrever mais a disposição interna dos agentes do que seus papéis sociais Apesar da emoção ser vista como uma expressão de atividade formada na filogênese e ligada à automanutenção do organismo é também em parte constituída pela cultura como por exemplo no caso da emoçãosentimento de piedade e patriotismo BONIN 1996 As emoções complexas tipo emoçãosentimento dependem do tipo de sistemas de eu já que são organizadas através de significados culturais envolvendo ações interpessoais que supõem justificação e persuasão As emoções podem reforçar uma construção dependente ou interdependente do eu Assim emoções como frustração e agressão ou de orgulho gabarse podem ser denominadas de focalizadas no eu Um indivíduo que diz que correu mais do que seu companheiro sendo portanto melhor do que ele demonstra um sentimento egoísta Para um sujeito de ego interdependente isto é visto como uma dificuldade para uma harmonia grupal Para que haja harmonia é mais importante demonstrar solidariedade e até mesmo timidez Pessoas de culturas europeias com as quais a americana está relacionada provavelmente também seriam fonte de um self independente Nas culturas ocidentais ainda se discute se é necessário expressar ou controlar a emoção Já para os japoneses em geral é óbvio que certas emoções têm que ser controladas A motivação se revela através de sequências de ações para atingir um objetivo maior na teoria históricocultural LEONTIEV 1978 1984 Nas culturas que enfatizam o eu independente as motivações estão ligadas a necessidades de expressar realização individual Assim o indivíduo procura ser bemsucedido realçar sua autoestima e aumentar a autorealização Por outro lado os eus interdependentes consideram mais importante demonstrar e desenvolver motivações sociais como é o caso de socorrer e proteger os outros afiliarse procurar ser modesto e agir segundo expectativas de seus pares Podese propor que motivos como autoconsistência autorrealização e autoanalise terão suas formas e intensidades dependendo do tipo de eu Estudos revelam que motivação para autoconsistência é menor em culturas que enfatizam o self interdependente neste caso os indivíduos valorizam mais os papéis e obrigações sociais que seus motivos privados de coerência Por exemplo um indivíduo do tipo acima pode dizer para si para ser coerente eu penso desta maneira mas devo agir segundo as regras de meu grupo Em geral os motivos ligados à realização em sujeitos do tipo acima estão principalmente mais ligados à realização e sucesso do grupo e da família do que relacionados a padrões de excelência e coerência pessoal Neste caso por exemplo esperase que um líder seja protetor e orientador como um pai e que os membros do grupo realizem harmonicamente suas tarefas em vez de competir Considerações finais De início concluiuse a necessidade das ciências sociais se posicionarem aos achados das ciências biológicas principalmente no que diz respeito ao comportamento animal O indivíduo como ser corpóreo incluindo seu sistema nervoso e hormonal não pode ser ignorado Ao se estudar a vida social de populações de diferentes faixas etárias não é possível ignorar os aspectos biológicos específicos das diferentes fases da vida como é o caso da infância da adolescência da vida adulta e da velhice As relações entre indivíduo e sociedadecultura são complexas e envolvem pesquisas com conceitos de difícil definição Assim como os antropólogos ainda debatem o conceito de cultura também os sociólogos divergem quanto ao conceito de instituição social Procurouse utilizar em grande parte as ideias de que a sociedade não paira sobre os indivíduos e sim é o conjunto das relações interpessoais Estas são cruciais para conceituar instituições atividades culturais e o eu Considerouse importante enfatizar o papel da pessoa sem incorrer em um solipcismo ou individualismo exacerbado mostrando que o eu é construído na vida social e que esta constitui as atividades e habilidades dos sujeitos na sua vida emocional motivacional e cognitiva É importante salientar que alguns autores como Goodnow Bourdieu Foucault e Habermas sugerem que grupos e indivíduos apresentam resistências a práticas e valores culturais globais contrárias às suas identidades grupais e pessoais É então necessário estudar a relação dialética entre valores globais nacionais e regionais Os valores culturais afetam a aquisição de conhecimentos e habilidades As preferências e julgamentos estéticos morais e acadêmicos são afetados por esses processos Também as práticas de poder e exclusão regras de expressão e consenso e tipos de comunicação dependem da sociedadecultura em que os indivíduos foram criados Por exemplo indivíduos de determinados grupos sociais têm seus gostos musicais ligados à sua identidade cultural e resistem a mudanças É importante considerar que apesar de o indivíduo ser concebido como um produto da história e da cultura é também um ser intencional e criativo em constante transformação e que coletivamente pode mudar o próprio processo cultural que o constitui Esta perspectiva supõe a utilização de diferentes métodos de pesquisa ainda sobre os quais ainda não existe consenso Por exemplo até que ponto um relato verbal se relaciona com as práticas reais dos indivíduos Como é possível traduzir conceitos sobre emoção em diferentes culturas Será que as atividades culturais afetam somente a expressão ou o estilo emocionalmotivacional ou constituem um processo básico Um dos maiores problemas ao pesquisar os temas acima apresentados está relacionado ao fato de que nas culturas não existem grupos totalmente homogêneos ou seja existem variações tanto individuais como subgrupos Fica difícil por exemplo falar em cultura japonesa já que esta não é homogênea e sofreu informações no decorrer da sua história O fato de o indivíduo pertencer a um grupo interdependente não significa necessariamente que se sinta interdependente ou solidário em relação a outros grupos e à humanidade em geral Um tema importante para a psicologia social é como desenvolver a solidariedade em relação a outros grupos superando um certo etnocentrismo e desenvolvendo um sentimento que não se restrinja ao próprio grupo mas que englobe também a humanidade Em países como o Brasil existem inúmeras variações culturais Apesar disso podese dizer que existem valores preferências e maneiras de comunicação que são comuns e perpassam as diferenças culturais internas Existem questões teóricas difíceis em relação a este tema Leituras complementares recomendadas ANTHROPOS Revista de documentación científica de la cultura Barcelona n 156 mayo 1994 Apresenta um panorama da psicologia social latinoamericana incluindo temas de EtnoPsicologia ou em outros termos Psicologia Cultural ELIAS Norbert A sociedade dos indivíduos Rio de Janeiro Zahar 1994 Nesta obra é discutida profunda e extensamente a relação entre indivíduo e sociedade de maneira original LANE Silvia Maurer CODO Wanderley orgs Psicologia social São Paulo Brasiliense 1984 Um importante livro de psicologia social realizado no Brasil que contém temas referentes a questões sobre o indivíduo e sociedade em diferentes contextos sociais LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropológico Rio de Janeiro Zahar 1986 É uma interessante introdução aos diferentes usos do conceito de cultura A leitura é agradável com inúmeros exemplos LURIA Alexandre Desenvolvimento cognitivo São Paulo Ícone 1990 Um dos poucos livros em língua portuguesa que trata da relação entre cognição e cultura Contém inúmeras pesquisas e é uma obra clássica de fácil leitura Continua importante apesar de ter sido escrita há algumas décadas RODRIGUES José Carlos Antropologia e comunicação princípios radicais Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 Explica as diferentes teorias e temas da antropologia com exemplos adequados A leitura exige um conhecimento mínimo sobre o tema Bibliografia BONIN LFR Considerações sobre as teorias de Elias e de Vygotsky In ZANELLA Andréa V et al orgs Psicologia e práticas sociais Porto Alegre AbrapsoSul 1997 A teoria históricocultural e condições biológicas Tese de Doutorado PUCSP 1996 COLE M ENGESTRÖM Y Commentary Human Development 1995 38 1924 ELIAS N O processo civilizador 2 vol Rio de Janeiro Jorge Zahar 1995 A sociedade dos indivíduos Rio de Janeiro Zahar 1994 GEERTZ C A interpretação das culturas Rio de Janeiro Zahar 1978 LEONTIEV A Activité conscience personnalité Moscou Éditions du Progrès 1984 O desenvolvimento do psiquismo Lisboa Livros Horizonte 1978 LUCARIELLO J Mind culture person elements in a cultural psychology Human Development 1995 38 218 LURIA AR Desenvolvimento cognitivo São Paulo Ícone 1990 Pensamento e linguagem Porto Alegre Artes Médicas 1987 MARKUS HR KITAYAMA S Culture and the self implications for cognition emotion and motivation Psychological Review 1991 98 2 224253 MEAD GH Espíritu persona y sociedad Buenos Aires Paidós 1953 THOMPSON JB Ideologia e cultura moderna Petrópolis Vozes 1995 VYGOTSKY LS Storia dello svilluppo delle funzione psichiche superiore Roma Giùnti 1990 A formação social da mente São Paulo Martins Fontes 1984 PESQUISA Jaqueline Tittoni Maria da Graça Corrêa Jacques A atividade de pesquisar está geralmente associada ao trabalho do cientista Inscrevese no nosso imaginário como uma atividade que se desenvolve em um laboratório em meio a instrumentos da Física e da Química O cientista via de regra nos parece um gênio alguém cujas descobertas são obras do acaso ou melhor dizendo das possibilidades que sua genialidade tem de explicar o acaso Estes gênios povoam nossas lembranças desde a escola básica construindo uma forma de compreender o que é ciência produção de conhecimento e pesquisa A imagem do laboratório expressa uma concepção de ciência conhecida como tradicional cujos pressupostos básicos são a neutralidade a objetividade a experimentação e a generalização Estas lembranças e imagens fixadas nas nossas histórias pessoais não são também elas frutos do acaso mas de uma forma de pensar e viver a definição do que é ser científico que sustenta a história da própria construção do conhecimento Até o século XVIII a discussão sobre a ciência moderna tinha como centralidade tornar o conhecimento o mais objetivo possível cultivando uma ideia de que o conhecimento científico detinha o poder de construir uma verdade sobre a vida real A problemática da verdade da aproximação maior ou menor do conhecimento com o real instalouse como questão principal de confronto entre os diferentes pontos de vista sobre quem melhor garantiria o domínio deste real através do conhecimento produzido O século XX instaura todo um questionamento a respeito do critério de verdade enquanto VerdadeAbsoluta relativizando a noção de verdade e instaurando a importância da dúvida e dos erros na produção do conhecimento científico BACHELARD 1968 Esta relativização instaura uma crítica importante ao modelo de ciência dominante na época e vai influenciar autores contemporâneos de diferentes perspectivas epistemológicas como Foucault 1987 Morin 1986 e Kuhn 1989 Consequentemente a busca do conhecimento e não da verdade seria o objetivo da ciência Do mesmo modo a constatação de que o dado é ao mesmo tempo resultado teórico e empírico pois é mister antes decidir o que procurar definição do objeto da pesquisa e do problema e como procurar estratégias metodológicas Desta forma a pesquisa não pode ser compreendida exclusivamente como um conjunto de técnicas utilizadas para o conhecimento da vida mas como um recurso ligado a diferentes modos de produzir conhecimento e a história de suas legitimações Vinculando a pesquisa às diferentes formas de produção do conhecimento associamos a atividade de pesquisar não exclusivamente ao trabalho do cientista mas a esta infindável atividade humana de tentar recobrir com alguma racionalidade o desconhecido Atividade esta que é um imperativo de sobrevivência e portanto fala da vida e das suas múltiplas formas de expressão inscrevendose no nosso cotidiano e não se restringindo às regradas e controladas situações de laboratório A pesquisa em psicologia social será abordada através da análise de alguns pressupostos que fundamentam a noção de ciência e seus efeitos na produção do conhecimento em psicologia social Assim a pesquisa será pensada como uma estratégia para a produção do conhecimento científico possuindo um aspecto técnico que orienta para as técnicas e discussões internas ao campo científico e outro aspecto ético que aponta para a relação dos pesquisadores com a sociedade Definindo a atividade de pesquisa em psicologia social A atividade de pesquisar em psicologia social de imediato coloca em questão as nossas imagens vinculadas ao cientista e ao seu laboratório por ter o social como referência para sua produção de conhecimento Mas ao colocálas em questão parece remeternos a um certo vazio Como ficaria a produção do conhecimento científico em um campo onde a referência não é o imaginário do laboratório como no caso das ciências sociais A referência às ciências sociais não é obra do acaso Retoma uma particularidade da psicologia social a de dialogar com as ciências sociais por vezes até de modo mais íntimo do que com a psicologia na medida em que têm em comum o estudo dos processos e dos fenômenos sociais A história da psicologia recontada por alguns autores contemporâneos como Farr 1996 aponta que o estudo dos processos sociais para além dos chamados processos básicos em psicologia sempre acompanhou sua trajetória Mesmo Freud 1970 ainda que estudando no campo da psicanálise nos lembra que toda a psicologia individual é ao mesmo tempo e por princípio psicologia social Portanto podese concluir que a separação entre processos sociais e individuais talvez não seja fruto das características do objeto de estudo da psicologia mas das diferentes formas como abordamos a produção do conhecimento em Psicologia A separação entre o indivíduo e o social não é uma questão exclusiva da psicologia Durkheim 1989 quando define o campo da sociologia define concomitantemente o da psicologia reservando às ciências sociais o estudo dos processos sociais e à psicologia o estudo dos processos individuais Tal divisão procurava dar conta de um todo formado pelos indivíduos e pelo social mas se fundamentava em uma concepção de que as regras que regem a vida individual no caso das representações individuais não são as mesmas que regem a vida coletiva no caso as representações coletivas buscar estas diferentes regras seria abordar de forma diferenciada os fenômenos da vida separando indivíduo e coletivo A definição de que o estudo do indivíduo é do âmbito da psicologia tornou necessário também adequar esses estudos ao formato do modelo de ciência vigente pautado nos parâmetros das ciências físicas e naturais cujos métodos e procedimentos deveriam se estender a todo o domínio do conhecimento que pretendesse ser qualificado como científico Esta concepção de ciência que rege a fundação da Psicologia como disciplina independente a qual propõe que os chamados processos psicológicos sejam passíveis de experimentação objetivação e generalização procurando romper com um certo romantismo filosófico que acompanhou os estudos sobre o sujeito e o subjetivo ao longo da história É neste cenário que vai se definir o que é pesquisar em psicologia e em psicologia social e é onde vão se estabelecer os parâmetros de cientificidade para os estudos sobre o social A nascente psicologia social sofre importante influência da psicologia norteamericana tanto na concepção do objeto quanto das estratégias metodológicas para abordagem dos processos sociais Esta influência se expande para além das fronteiras norteamericanas e no caso do Brasil fica explicitada na tradução da obra de Otto Klineberg em 1959 que introduz a psicologia social no Brasil A partir da década de 1970 evidenciase um questionamento da hegemonia desta forma de conceber a ciência tanto no que diz respeito ao objeto da psicologia social quanto aos seus objetivos e estratégias metodológicas Nesta época a América Latina vive uma situação de turbulência marcada pela violência dos regimes políticos Nesse cenário emerge a necessidade de pensar uma estratégia política capaz de dar conta das diferentes e violentas no sentido foucaultiano formas de repressão social e política Possivelmente também por esses fatores pensar a produção de conhecimento em psicologia social requer pensála de forma estratégica sempre vinculada a alguma forma de prática social e política capaz de articular as questões da teoria com os aspectos empíricos os objetivos da produção do conhecimento com as transformações sociais As vertentes da psicologia social derivadas desta perspectiva estão bem representadas nas chamadas psicologia política e psicologia social histórico crítica fortemente influenciadas pelo materialismo histórico Todo esse processo marca profundamente a concepção da pesquisa em psicologia social Num primeiro momento e essa discussão em muitos níveis permanece até nossos dias questionase o pressuposto da neutralidade científica incorporando as questões políticas à produção do conhecimento A visão de mundo e de homem como produto e produtor da história que vai fundamentar a crítica à psicologia social tradicional implica a impossibilidade de gerar um conhecimento neutro ou um conhecimento do outro que não interfira na sua existência Como propõe Lane 1985 p 18 Pesquisador e pesquisado se definem por relações sociais que tanto podem ser reprodutoras como podem ser transformadoras das condições sociais onde ambos se inserem desta forma conscientes ou não sempre a pesquisa implica em intervenção ação de uns sobre os outros O privilégio reservado às práticas e aos objetivos da transformação social proposto pela pesquisa em psicologia social se em um primeiro momento reserva a um segundo plano o rigor metodológico conduz por outro lado à construção de novas e importantes estratégias metodológicas Além de incorporar a problematização quanto à objetividade científica a partir do questionamento do critério de verdade enquanto VerdadeAbsoluta qualificada criticamente por Morin 1986 p 79 como CiênciaSolução Ciência Farol ou CiênciaGuia e à neutralidade do cientista e consequente separação entre teoria e prática social a pesquisa em Psicologia Social nos anos 1990 assume outras peculiaridades Adota como suporte uma concepção de ciência que propõe a complexificação a pluralidade teóricometodológica rompendo o falso dilema de evocar UM objeto de almejar UMA unicidade para dar conta da complexidade do real a intersecção de diferentes áreas do conhecimento e a prática interdisciplinar e ainda uma preocupação ética em relação aos seus compromissos sociais e políticos Desta forma relativiza o tensionamento entre o científico e o político a teoria e a prática Do mesmo modo relativiza a importância da separação entre o indivíduo e o coletivo através da redefinição da noção de subjetividade e de uma concepção de homem em que as dimensões individual e social se interpenetram Decorrências metodológicas A discussão sobre o científico tem várias consequências sendo importante ressaltar seus efeitos na concepção sobre a pesquisa científica e em especial sobre metodologia Neste caso ressaltase a subordinação das estratégias metodológicas às teorias explicativas escolhidas pelo pesquisador Como apontamnos alguns autores o método está vinculado a uma concepção de realidade e de vida em seu conjunto FRIGOTTO 1989 p 77 e método é instrumento caminho procedimento e por isso nunca vem antes da concepção de realidade Para se colocar como captar é mister terse ideia do que captar DEMO 1990 p 24 No caso de psicologia social tais teorias explicativas geralmente estão fundadas em uma concepção de natureza humana de relação indivíduosociedade e de necessidade e impossibilidade de transformação social Com base no pressuposto de complexidade onde uma teoria é incapaz de dar conta do conhecimento do real como um todo e muito menos fornecer todas as respostas passíveis de serem levantadas há sempre uma opção teórica pelo pesquisador que vai determinar suas escolhas metodológicas Nessa concepção os procedimentos metodológicos não são vistos como técnicas desvinculadas dos pressupostos derivados da teoria mas como estratégias utilizadas para integrar o empírico e o teórico Essas ideias trazem efeitos importantes para a pesquisa em psicologia social alterando a forma de conceber e realizar a pesquisa nesta área Ao tomar como pressupostos a complexidade a relativização da verdade a não neutralidade do pesquisador entre outros pressionam para transformações importantes no desenho da pesquisa coleta análise e interpretação em geral mais identificadas com as abordagens qualitativas da pesquisa Cabe ressaltar no entanto que a pesquisa quantitativa pode constituirse em importante recurso para a pesquisa em psicologia social dependendo da temática a ser pesquisada Estudos populacionais na área da saúde os estudos em epidemiologia por exemplo são fontes fundamentais para o conhecimento das condições de vida social A metáfora utilizada por Montero 1996 para explicitar a discussão entre a pesquisa qualitativa e quantitativa é bastante esclarecedora Refere a autora que se quisermos conhecer uma floresta no seu aspecto geral recobrindo ao máximo possível a totalidade de sua extensão devemos pegar um helicóptero e sobrevoála Se quisermos conhecer os caminhos internos da floresta aprofundar nosso conhecimento sobre as árvores e sobre as particularidades do local deveremos abandonar o helicóptero e andar pela floresta Não teremos possivelmente uma visão do conjunto mas seremos capazes de descrever e interpretar de modo mais aprofundado os caminhos que percorremos A abordagem qualitativa se apresenta como uma possibilidade de escolha do pesquisador não como uma simples alternativa aos modelos quantitativos a partir das vantagens sumárias de uma abordagem e os defeitos congênitos de outra mas como necessária dentro do quadro teórico construído pelo pesquisador Ou seja partindo de uma referência teórica o pesquisador passa a lidar com categorias analíticas e explicativas e não exclusivamente com dados quantitativos Estas categorias são formuladas na interface do empírico com o teórico buscando evidenciar as possibilidades de interpretação dos fatos estudados e não exclusivamente demonstrar sua evidência A necessidade mútua de teoria e prática na maior profundidade possível como um princípio da pesquisa em psicologia social enseja que o problema de pesquisa se constitua muito mais como um ponto de partida do que de chegada possível de ser reformulado recolocado substituído na trajetória da pesquisa A formulação em geral de questões norteadoras visto sua maior flexibilidade e abrangência encontra apoio na afirmativa de Morin 1986 de que as interações entre os diversos fenômenos sociais são tantos que não é possível isolálos e que portanto não se encontra um meio verdadeiramente seguro de verificação de uma hipótese em ciências humanas A questão da amostragem também assume uma outra especificidade pois nem sempre o objetivo é a generalização estatística mas a generalização analítica termo cunhado por Yin 1989 quando discute o método do estudo de caso para se referir à articulação dos dados com a teoria proposta Deste modo nem sempre são os procedimentos estatísticos que pautam a escolha da amostra mas os indivíduos estudados poderão ser escolhidos em função de aspectos ou condições consideradas significativas aos propósitos do estudo e muitas vezes a opção não é definida a priori emergindo no próprio desenvolvimertto do trabalho LANE 1985 Os procedimentos de análise e interpretação empregados na pesquisa em psicologia social admitem uma diversidade de propostas cuja opção depende da conceitualização do objeto do material pesquisado e do aporte teórico de fundamentação Os quadros teóricos de referência vão recortar o real permitindo variações de leitura deste real Um exemplo apresentado por Demo 1990 nos permite compreender melhor essa diversidade de leitura do real a taxa inflacionária medida pelos diferentes institutos de pesquisa Uma taxa de inflação não acusa a inflação como tal mas aquela inflação que a respectiva taxa foi teoricamente predeterminada a medir através da determinação dos itens do consumo que deverão entrar na coleta de preços e do peso atribuído no cômputo geral a cada item Quando nos referimos à leitura do real estamos chamando a atenção para a questão da interpretação já que o dado empírico só adquire sentido a partir de uma concepção de caráter interpretativo da realidade Neste aspecto o método de análise de conteúdo proposto por Bardin 1977 tem sido largamente empregado na pesquisa em psicologia social em seu modelo original com ênfase nos indicadores quantitativos ou através de adaptações mais ou menos fiéis à proposição original Outros modelos como a análise de discurso BRANDÃO 1994 a hermenêutica de profundidade THOMPSON 1995 ou ainda o método dialético de análise de conteúdo PAGÈS 1990 por exemplo também são empregados Uma ênfase especial recai na capacidade do pesquisador tanto de construir estratégias metodológicas de análise e interpretação como de emprestar métodos e técnicas alheios ao objeto de pesquisa construído Outro aspecto de vital importância na pesquisa em psicologia social é a relação pesquisadorpesquisado enquanto inerente ao processo investigatório A recusa de aceitação do postulado de distanciamento entre sujeito e objeto de pesquisa e o princípio ético de que a ciência não pode ser apropriada tão somente por grupos dominantes propõem a participação efetiva da população pesquisada no processo e a socialização do conhecimento produzido Atendendo a estes propósitos é que a pesquisaação e a pesquisa participante se constituíram em importantes estratégias de pesquisa em psicologia social ainda que não sejam as únicas estratégias neste campo Alguns modos de pesquisar a pesquisaação e a pesquisa participante Os termos pesquisaação e pesquisa participante têm origem na perspectiva em psicologia social de Kurt Lewin embora não tenham se restringido a este modelo teórico e tenham sofrido grandes transformações Para alguns autores a diferenciação entre essas duas propostas reside na ênfase no componente ação sob este ponto de vista a pesquisaação é uma forma de pesquisa participante mas nem toda a pesquisa participante concentra suas atenções no requisito da ação THIOLLENT 1985 Outros autores discordam pois registram experiências de pesquisa participante em que o componente ação é privilegiado HAGUETTE1987 O ponto comum entre as duas modalidades é o envolvimento efetivo da população pesquisada em todas as etapas do desenvolvimento da investigação desde a formulação do problema até a divulgação dos conhecimentos produzidos Os diferentes contextos sociais de emprego dessas propostas de pesquisa determinaram alternativas diversas de aplicação Na Europa especialmente na França a pesquisaação se direcionou para as instituições sociais e para os movimentos sociais de libertação incluindo enfoques diferenciados representados pelos trabalhos de Thiollent Enquête operária inspirada em Marx Touraine Intervenção sociológica e Barbier Pesquisaação institucional Na América Latina esta alternativa de investigação dirigiuse para a população da base da pirâmide social aproximouse dos princípios humanistas e adquiriu um caráter próprio representado principalmente pela vertente educativa de Paulo Freire É também na América Latina que o termo pesquisa participante assume primazia sobre termos correlates e é conceitual e metodologicamente definida A definição de pesquisa participante não é unânime entre os autores BRANDÃO 1983 GIANOTTEN e DE WITH 1985 DEMO 1985 embora alguns elementos se apresentem consensuais em todas as propostas a realização concomitante da investigação e da ação a participação conjunta de pesquisadores e pesquisados e a proposta políticopedagógica a favor dos oprimidos Um quarto elemento o objetivo de mudança ou transformação social pela sua ambiguidade contempla diferentes concepções do que seja mudança ou transformação social podendo incluir efeitos transformadores reformistas conservadores ou até reacionários HAGUETTE 1987 A metodologia da pesquisa participante e da pesquisaação afastase sobremaneira dos procedimentos propostos pela pesquisa tradicional A população interessada ou seus representantes participa junto com os investigadores da definição do objeto de pesquisa dos seus objetivos e do seu planejamento Embora possam ser empregadas algumas técnicas de coleta de informações também utilizadas na pesquisa tradicional como o questionário a observação participante e a entrevista o trabalho de campo é conjunto e a análise dos dados inclui a participação de todos os envolvidos onde são esperados feedbacks para validação dos resultados e onde são estabelecidas as propostas de ação daí decorrentes A pesquisa participante e a pesquisaação não representam os únicos modelos de pesquisa em psicologia social muito embora alguns de seus princípios tenham sido generalizados para a pesquisa em geral neste campo de conhecimento Alguns processos são melhor desvendados e compreendidos a partir de outras estratégias metodológicas desde que consoantes com os fundamentos teóricos escolhidos pelo pesquisador Um cuidado especial deve ser conferido à falsa concepção de que o conhecimento popular é o verdadeiro pois recaise na mesma questão inicialmente apresentada e criticada o critério de verdade enquanto VerdadeAbsoluta É preciso construir a necessidade de construir caminhos Pedro Demo É importante frisar que a forma como se pesquisa em psicologia social sobretudo nas suas vertentes mais críticas é uma forma de pesquisa científica É uma forma de pesquisa que se orienta por uma epistemologia crítica que tem seus fundamentos no pensamento de Bachelard 1968 entre outros autores mais contemporâneos Assim não se pode buscar na pesquisa em psicologia social os pressupostos de uma concepção de ciência que tenha por base a neutralidade a objetividade ou a generalização e experimentação pois são outros seus fundamentos Do mesmo modo não se pode buscar uma metodologia que se oriente para a análise das causas e dos resultados pois neste modo de pesquisar se tem por objetivo interpretar os processos os movimentos as relações Tratase portanto de uma epistemologia de suporte e de uma forma de pesquisar que inscrevese em outra concepção de ciência e de produção de conhecimento científico A pesquisa em psicologia social também implica no ponto de vista ético ou seja na relação do pesquisador com oos pesquisadoos na relação com os outros pesquisadores na relação com a sociedade Tratase portanto de pensar como Morin 1996 de uma ciência com consciência Consciência no duplo sentido que aponta o autor de consciência moral associado ao controle ético e político da atividade científica e à consciência como atividade autorreflexiva associada à capacidade da ciência pensarse a si própria através de uma reflexão filosófica Assim não se trata de uma atividade de pesquisa pronta acabada e com estatuto de verdade absoluta e invariável Nesse sentido coloca sempre a necessidade de construir caminhos e refletir sobre esta construção Podese pensar que o estatuto de ciência traduzido pela ideia de que o conhecimento científico explica orienta e ilumina íntima do pensamento de século XIX precisa ser redefinido na perspectiva contemporânea Para tanto podese pensar com Barthes 1986 quando refere ao fato de que o lugar mais escuro é sempre debaixo de uma lâmpada Construir caminhos pode parecer uma tarefa árdua mas por certo é através deste percurso que se pode enriquecer o conhecimento em psicologia social Sugestão de leituras A bibliografia sobre pesquisa em psicologia social é extensa e contempla diferentes concepções de ciência consequentemente procedimentos muito diferenciados sobre a atividade de pesquisar Uma discussão interessante sobre ciência pode ser encontrada na obra de Edgar Morin O método o conhecimento do conhecimento referendada na bibliografia Se o interesse recair no estudo das particularidades da pesquisaação e da pesquisa participante recomendase as obras de Thiollent Metodologia da pesquisaação e de Brandão Pesquisa participante e Repensando a pesquisa participante Essas duas últimas contemplam o ponto de vista de diferentes autores e relatam algumas experiências concretas Estão também apresentadas na bibliografia de forma completa Ainda sobre pesquisa participante o livro de Maria Ozanira da Silva e Silva Refletindo a pesquisa participante São Paulo Cortez 1986 apresenta algumas reflexões sobre a produção teóricoprática desenvolvida no Brasil e na América Latina Sobre análise e interpretação se sugere a consulta a obras específicas dependendo dos procedimentos escolhidos Os trabalhos de Thompson 1995 e de Pagès 1990 por exemplo também referendados na bibliografia descrevem em detalhes os procedimentos analíticos e tecem importantes considerações sobre os fundamentos teóricos que lhes servem de base Uma discussão interessante sobre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa pode ser encontrada em um artigo de John Smith intitulado Pesquisa quantitativa versus qualitativa uma tentativa de esclarecer a questão presente na revista Psico editada pelo Instituto de Psicologia da PUCRS vol 25 n 2 de jul a dez 1994 p 3351 Bibliografia BACHELARD Gaston O novo espírito científico Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1968 BARDIN Laurence Análise de conteúdo São Paulo Martins Fontes 1977 BARTHES Roland Fragmentos de um discurso amoroso 1986 BRANDÃO Carlos R Repensando a pesquisa participante 2 ed São Paulo Brasiliense 1985 Elementos metodológicos da pesquisa participante In BRANDÃO Carlos R org Repensando a pesquisa participante 2 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 104130 Pesquisa participante 3 ed São Paulo Brasiliense 1983 BRANDÃO Helen Introdução à análise do discurso Campinas Unicamp 1994 DEMO Pedro Pesquisa princípio científico e educativo São Paulo CortezAutores Associados 1990 DURKHEIM Émile Formas elementares da vida religiosa o sistema totêmico na Austrália São Paulo Paulinas 1989 FAAR Robert The roots of modern social psychology 18721954 Oxford Blackwell Publishers 1996 FOUCAULT Michel A arqueologia do saber Rio de Janeiro Forense Universitária 1987 FREUD Sigmund Psicologia das massas e análise do eu Rio de Janeiro Imago 1970 FRIGOTTO Gaudêncio O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional In FAZENDA Ivani org Metodologia da pesquisa educacional São Paulo Cortez 1989 cap 6 GIANOTTEN V DE WITH T Pesquisa participante em um contexto de economia camponesa In BRANDÃO Carlos R org Repensando a pesquisa participante 2 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 155188 HAGUETTE Teresa Maria Metodologias qualitativas na sociologia Petrópolis Vozes 1987 KUHN Thomas A estrutura das revoluções científicas 3 ed São Paulo Perspectiva 1989 LANE Silvia CODO Wanderley orgs Psicologia Social o homem em movimento 3 ed São Paulo Brasiliense 1985 MONTERO Maritza Paradigmas comentes y tendencias de la psicologia social finsecular Psicologia e Sociedade Vol 8 n 1 janjun 1996 MORIN Edgar Ciência com consciência Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1996 O método o conhecimento do conhecimento Lisboa EuropaAmérica 1986 PAGÈS Max et al O poder das organizações São Paulo Atlas 1990 THIOLLENT Michel Metodologia da pesquisaação São Paulo Cortez 1985 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 YIN Robert Case study research design and methods Newburry Park Sage Publications 1989 IDEOLOGIA Pedrinho A Guareschi A ideologia nem era mencionada ao se falar em psicologia social pelos autores que pretenderam tomar conta da psicologia social transformandoa numa disciplina individualizante e experimental Farr 1996 mostra muito bem como a psicologia social americana com pretensões de se tomar hegemônica descartou totalmente a dimensão social e a dimensão crítica da psicologia social Essa dimensão mais relacional permaneceu tenuemente nos escritos de George Herbert Mead nos inícios do século E a dimensão crítica surgiu a partir da década de 1930 com os teóricos da Escola de Frankfurt cuja escola se chamou especificamente Crítica da Ideologia Ideologiekritik GEUSS 1988 FREITAG 1992 O conceito e a teoria da ideologia se fizeram mais presentes na psicologia social a partir da década de 1970 quando muitos autores principalmente da Europa e América Latina começaram a incorporar o tema em seus estudos e pesquisa Moscovici por exemplo chega a afirmar que o objeto central e exclusivo da Psicologia Social deve ser o estudo de tudo o que se refere à ideologia e à comunicação do ponto de vista de sua estrutura sua gênese e sua função 1972 p 55 Ideologia domando um conceito amplo e complexo Talvez não exista conceito mais complexo escorregadio e sujeito a equívocos no campo das ciências sociais do que o de ideologia Embora o nome como tal ideologia somente tenha aparecido há pouco mais de um século sua realidade já estava presente desde que se começou a pensar a vida social com diferentes nomes mas querendo designar a mesma realidade Assim por exemplo a ideologia já era discutida nas culturas gregas e romanas Mas foi sobretudo a partir do século XV e XVI que estudos mais pertinentes começaram a ser feitos sobre o assunto apesar de ainda não empregarem o nome Machiavelli in CRICK 1970 ao discutir as práticas dos príncipes principalmente o uso da força e da fraude para conseguir o poder referese a estratégias que não se diferenciam das usadas hoje pelos poderes dominantes para se legitimarem Mas é principalmente Bacon in PIEST 1960 quem desenvolve um estudo extremamente próximo ao que hoje se costuma entender por ideologia através de sua teoria sobre as quatro classes de ídolos que nos dificultam chegar mais próximos da verdade Esses ídolos são os da caverna nossas idiossincrasias caráter da tribo superstições paixões da praça as interrelações humanas principalmente através da linguagem e os ídolos do teatro a transmissão das tradições e doutrinas dogmáticas e autoritárias através do teatro que seriam hoje os meios de comunicação social A crescente importância da ideologia devese hoje certamente ao fato de nossa sociedade e nosso mundo tornaremse a cada dia mais imateriais sempre mais sustentados numa comunicação verbal e simbólica A primeira coisa a que precisamos prestar atenção ao querer penetrar nessa realidade da ideologia é que existem hoje inúmeros enfoques teóricos que dão ao conceito de ideologia diferentes significados e funções Não é tarefa fácil tratar esse assunto de maneira clara e inteligível Vamos nos arriscar por esse terreno acidentado minado mostrando quanto possível as semelhanças diferenças sobreposições e relações dos vários aspectos presentes em geral na realidade da ideologia Para melhor esclarecer e compreender os muitos significados de ideologia vamos tentar traçar duas linhas divisórias em forma de cruz formando quatro planos quatro quadrantes e discutir a partir daí as diversas acepções de ideologia Primeira linha horizontal ideologia como algo positivo ou algo negativo Vamos inicialmente traçar uma linha horizontal onde faremos uma primeira distinção central onde a ideologia vai ser localizada em dois grandes planos a dimensão positiva e a dimensão negativa Quadro 1 Dimensão positiva Dimensão negativa Ideologia no sentido positivo ou neutro é entendida como sendo uma cosmovisão isto é um conjunto de valores ideias ideais filosofias de uma pessoa ou grupo Nesse sentido todas as pessoas ou grupos sociais possuem sua ideologia pois é impossível alguém não ter suas ideias ideais ou valores próprios Já ideologia no sentido negativo ou crítico alguns falam até em sentido pejorativo seria constituída pelas ideias distorcidas enganadoras mistificadoras seriam as meiasmentiras algo que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as pessoas Ela se apresenta como algo abstrato ou impraticável como algo ilusório ou errôneo expressando interesses dominantes e como que sustentando relações de dominação Na faixa de cima numa concepção positiva ou neutra poderiam ser colocados autores como o próprio criador do termo Destutt De Tracy 1803 ideologia é o estudo das ideias que por sua vez são uma emanação do cérebro de Lenin 1969 e Lukács 1971 como as ideias de um grupo revolucionário e a formulação geral da concepção total de Mannheim 1954 que afirma que tudo o que nós pensamos é ideológico pois é impossível não se deixar contaminar pela situação social em que alguém nasce e vive em outras palavras Mannheim identifica aqui ideologia com conhecimento como todo conhecimento é condicionado assim toda ideologia é condicionada Mas nisso não há nada de errado Entre as concepções críticonegativas poderiam ser colocadas as três concepções de Marx cf THOMPSON 1995 ideias puras como autônomas e eficazes conforme defendiam os hegelianos sem ligação com a realidade 1989 as ideias da classe dominante 1989 e um sistema de representações que serve para sustentar relações de dominação 1968 Também estaria aqui a concepção restrita de ideologia de Mannheim 1954 isto é as ideias dominantes de um grupo sobre outro dominação de classe Segunda linha vertical ideologia como algo materializado corporificado ou como prática Na tentativa de compreensão das diversas acepções de ideologia podemos agora traçar uma segunda linha agora vertical onde distinguiremos outros dois grandes conjuntos de ideologias ideologias como sendo algo materializado onde a ideologia está corporificada na própria ideia na forma simbólica ou mesmo concretizada numa instituição como a escola ou a família e ideologia como modo e estratégia onde a ideologia é vista como uma prática uma maneira como as formas simbólicas servem para criar e manter as relações sociais entre pessoas Quadro 2 Dimensão Dimensão material dinâmica concreta prática Essa dimensão material concreta é exemplificada pela concepção descrita por Marx 1989 onde ideologia é definida como sendo as ideias da classe dominante Isto é as ideias da classe dominante pelo simples fato de serem da classe dominante já seriam ideologia A ideologia se concretiza nessas ideias Outro exemplo desse tipo de ideologia é a acepção empregada por Althusser 1972 onde ele define ideologia como sendo aparelhos ideológicos de estado Esses aparelhos são as instituições que são criadas no desenrolar da história e que são frutos de tensões que se dão nas relações entre os homens como por exemplo a escola a família as igrejas os meios de comunicação social as entidades assistenciais etc Para Althusser a ideologia está materializada nessas instituições elas constituem a ideologia Na sua dimensão dinâmica porém a ideologia é vista como uma determinada prática um modo de agir uma maneira de se criar produzir ou manter determinadas relações sociais A função da ideologia seria também a produção reprodução e transformação das experiências vitais na construção de subjetividades Therborn ao definir ideologia diz que a operação da ideologia na vida humana envolve fundamentalmente a constituição e a padronização de como os seres humanos vivem suas vidas como iniciadores conscientes e reflexivos de ações num universo de significados Nesse sentido ideologia constitui os seres humanos como sujeitos 1980 p 2 E logo após ele afirma que estudar o aspecto ideológico duma prática é deterse na maneira pela qual ela opera na formação e transformação da subjetividade humana Juntando as duas linhas Até aqui analisamos dois eixos onde sempre aparece uma dicotomia com dimensões opostas de ideologia Na junção dos dois eixos formamse quatro amplos campos que servem para visualizar identificar e relacionar quatro grandes concepções de ideologia Quadro 3 1 2 3 4 Cada um desses campos possui também seus teóricos Assim no quadrante 1 há autores que definem ideologia no sentido positivo e como algo material É o caso por exemplo de Mannheim 1954 para quem a ideologia é algo positivo e concreto como as cosmovisões das pessoas Já no quadrante 2 temos ideologia como algo positivo mas como uma prática é a visão de Therborn 1980 e muitos outros que veem a ideologia como uma maneira de se criar e manter as relações sociais sejam elas de que tipo forem No quadrante 3 ideologia passa a ser algo negativo mas algo concreto como por exemplo as ideias da classe dominante de Marx 1989 No caso de Althusser 1972 ideologia abrangeria tanto o 1 como o 3 pois uma escola por exemplo materializa a ideologia mas pode ser tanto positiva como negativa Finalmente no quadrante 4 teríamos ideologia como uma prática mas não uma prática qualquer deve ser uma prática que serve para criar ou manter relações assimétricas desiguais injustas É essa exatamente a definição de John B Thompson 1995 que no nosso modo de ver é o autor que melhor trata a problemática da ideologia Vamos nos deter especificamente nesse autor e nesse quadrante daqui para a frente Muitos talvez estejam se perguntando por que fazer todas essas distinções Pois há muitas razões para isso Em primeiro lugar é preciso deixar claro que o termo ideologia possui como acabamos de ver muitos sentidos diferentes Toda vez que formos empregar tal conceito devemos pois dizer qual o sentido que damos a esse termo Isso é fundamental para podermos estabelecer uma comunicação honesta e correta Ao mesmo tempo sempre que formos ler ou escutar alguém empregando esse termo devemos ver de imediato qual o sentido que esse autor ou locutor está dando à palavra Somente assim é possível progredir no diálogo e na investigação Em segundo lugar podemos a partir dessas distinções vermos qual é o melhor enfoque para podermos fazer uma boa pesquisa e podermos realizar um trabalho que seja prático e útil à ciência e à sociedade É nosso entendimento por exemplo que tomar ideologia no sentido negativo é bem mais interessante que simplesmente empregálo como sendo um conjunto de ideias Ideias cosmovisões todos nós temos e não há como ser diferente O importante porém é saber se essas ideias são falsas enganadoras se elas podem trazer prejuízos aos nossos colegas Finalmente é sempre mais honesto diríamos empregar ideologia como uma prática pois se a tomamos como materializada em alguma instituição ou ideia é arriscado cremos afirmar que ela é automaticamente negativa O que vai mostrar se uma ideia ou uma instituição possui uma dimensão negativa é a maneira como é empregada isto é sua função se ela serve ou não para criar ou reproduzir relações que chamaremos daqui para a frente de relações de dominação Nenhuma ideia mesmo que seja da classe dominante é por definição mistificadora ou falsa Precisamos ver caso a caso se ela está enganando ou não Se ela de fato ilude e esconde a realidade então dizse que é uma ideologia Do mesmo modo com as instituições Uma instituição por si mesma como a escola por exemplo não se constitui numa ideologia negativa Só é negativa quando se consegue mostrar que ela ajuda a criar ou reproduzir relações de dominação assimétricas desiguais Apesar disso contudo é importante deixar claro que não há critérios intrínsecos que forcem a adoção de uma ou outra dessas dimensões Cada pesquisador tratará de fazer sua opção por uma delas e nessa opção os critérios escolhidos serão os que conforme o autor em questão possam ajudar a investigar e compreender mais claramente os fenômenos concretos e os que possam ser úteis aos propósitos de cada investigador É o que pretendemos fazer a seguir Arriscamos sugerir um modo que julgamos prático e eficaz no tratamento dessa realidade complexa e provocante dentro de uma perspectiva históricocrítica Um modo prático de se tratar a ideologia Em anos bem recentes principalmente a partir dos estudos de Thompson 1995 uma nova aproximação ao estudo da ideologia começou a ser desenvolvido como vimos em parte no item anterior A grande diferença nesse estudo é que se começa a deixar de lado a preocupação com a verdade ou falsidade de um conceito p ex o entendimento da ideologia como as ideias da classe dominante ou a preocupação com a constituição específica de uma instituição que seja ideológica p ex os aparelhos ideológicos de estado de Althusser ou a preocupação com a concepção de uma ideologia reificada p ex ideologia como um ismo por exemplo socialismo comunismo Ideologia assume a dimensão de uma prática de um modo de operação de uma estratégia de ação A concepção e o emprego da ideologia dentro dessa perspectiva evita a difícil e ingente tarefa de se verificar em cada caso a validade ou falsidade dos conceitos já estabelecidos Essa concepção já pode ser visualizada em Marx não de maneira clara mas implícita quando ele emprega ideologia como sendo um sistema de representações que servem para sustentar relações existentes de dominação através da orientação das pessoas para o passado ou para imagens ou ideias que desviam da busca de mudança social Essa teria sido a legitimação do golpe de estado de Luís Napoleão Bonaparte MARX 1968 É uma concepção bem distinta da que é apresentada na Ideologia alemã 1989 onde a ideologia é tomada como sendo as ideias da classe dominante Essa nova concepção de ideologia afasta nossa atenção de ideias abstratas de doutrinas filosóficas e teóricas concentrando em vez disso nossa atenção nas maneiras como as formas simbólicas são usadas e transformadas em contextos sociais específicos É uma concepção que nos obriga a examinar as maneiras como as relações sociais são criadas e sustentadas por formas simbólicas que circulam na vida social aprisionando as pessoas e orientandoas para certas direções De acordo com esse enfoque estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação THOMPSON 1995 p 76 Assim um fenômeno ideológico só é ideológico se ele serve em circunstâncias específicas para estabelecer e sustentar relações de dominação Isso quer dizer que os fenômenos não são ideológicos em si mesmos não se pode retirar o caráter ideológico dos próprios fenômenos como tais mas somente quando os situamos em contextos sóciohistóricos onde eles passam a estabelecer e sustentar relações de dominação E a questão de se dizer se essas relações estabelecem ou sustentam relações de dominação só pode ser respondida quando se examina a interação entre sentido e poder em circunstâncias particulares Analisamos a seguir algumas implicações derivadas dessa concepção a Ideologia como uma concepção crítica Concepção crítica contrapõese aqui a concepção neutra Concepção neutra é a que caracteriza fenômenos como ideológicos sem implicar que esses fenômenos sejam necessariamente enganadores ilusórios ou ligados a interesses de algum grupo particular Ideologia seria um aspecto da vida social entre outros Pode servir para a revolução restauração reforma ou perpetuação de qualquer ordem social Exemplos de concepções neutras de ideologia seriam concepções que veem ideologia como puro e simples estudo das ideias a como um conhecimento que é socialmente condicionado ou mesmo a concepção de ideologia como uma plataforma de análise e de luta do proletariado Já a concepção crítica possui um sentido negativo ou até certo ponto pejorativo Implica que o fenômeno caraterizado como ideológico é enganador ilusório ou parcial e a própria caracterização do fenômeno como ideologia carrega consigo a própria condenação desses fenômenos b Sentido e formas simbólicas Vimos acima que dentro de uma perspectiva crítica estudar ideologia é a maneira pela qual o sentido se serve para sustentar relações de dominação O sentido de que se fala aqui é o sentido das formas simbólicas E por formas simbólicas se entende o amplo espectro de ações e falas imagens e textos que são produzidos por pessoas e reconhecidos por elas como contendo um significado Essas formas são principalmente as falas e expressões linguísticas faladas ou não mas podem ser também formas não linguísticas ou quase linguísticas como uma imagem visual ou um construto que combine imagens e palavras O caráter significativo das formas simbólicas pode ser analisado através de quatro dimensões específicas que são a dimensão intencional as formas simbólicas são expressões de um sujeito e para um sujeito a dimensão convencional a produção construção emprego e interpretação das formas simbólicas são processos que envolvem a aplicação de regras ou convenções de vários tipos a dimensão estrutural as formas simbólicas são construções que exibem uma estrutura articulada a dimensão referencial são construções que representam algo de modo específico referemse a algo dizem algo sobre alguma coisa finalmente a mais importante a dimensão contextual isto é as formas simbólicas estão sempre inseridas em processos e contextos sócio hitóricos determinados dentro dos quais e por meio dos quais elas são produzidas transmitidas e recebidas c O conceito de dominação É importante e estratégico distinguir aqui dois conceitos o conceito de poder e o conceito de dominação Essa distinção não é ainda muito comum nas ciências sociais Poder é definido aqui como sendo uma capacidade de produzir algo capacidade essa específica de cada prática GUARESCHI 1992 Todo tipo de prática envolve assim certa quantidade de poder Além disso toda pessoa situada dentro de um contexto socialmente estruturado tem em virtude de sua localização diferentes quantidades e diferentes graus de acesso a recursos disponíveis Isso significa que tal localização e as qualificações associadas a essas posições nas instituições e na sociedade fornecem a esses indivíduos diferentes graus de poder Já a dominação é uma relação e se dá quando determinada pessoa expropria poder capacidades de outro ou quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente assimétricas fazendo com que determinados agentes ou grupos de agentes não possam participar de determinados benefícios sendo assim injustamente deles privados independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a efeito d Modos e estratégias como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar relações de dominação Esse é certamente o ponto mais prático e útil para quem quer se arriscar numa análise da ideologia Quais os modos e estratégias empregados na criação e manutenção das relações de dominação Ou como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar tais relações Evidentemente as maneiras são muitíssimas Cada pesquisa vem contribuir para que se descubram novas e diferentes maneiras Melhor discutir isso através de alguns exemplos Suponhamos um político pronunciando um discurso em que afirma que a competição em âmbito mundial e o processo de globalização são condições indispensáveis que vêm favorecer o progresso e o desenvolvimento de todas as nações Que está afirmado ou suposto aqui Estamos diante de uma estratégia ideológica que poderíamos chamar de universalização Esses processos irão de fato favorecer e são indispensáveis a todos os países ou só a alguns Na verdade eles vêm favorecer apenas aos mais desenvolvidos pois como mostrou muito bem Nelson W Sodré 1995 globalização é simplesmente um novo nome para colonização O que os países colonizadores faziam com os colonizados é o que fazem hoje os países com mais tecnologia e recursos com respeito aos menos desenvolvidos Primeiro afirmam que a competição é o fator essencial a todo progresso e desenvolvimento Depois a transportam a nível mundial Nessa competição globalizada os mais fracos saem fica claro fortemente prejudicados É o mesmo que dizer que um atleta que ao iniciar uma corrida está muitos metros à frente e que possui muito mais recursos e preparo físico tem as mesmas chances de vencer que seu parceiro colocado atrás e com menos recursos Como não fica bem falar em colonização hoje falase em globalização Ou vejamos a atitude de uma mãe solícita ao descobrir que sua filha está namorando vários rapazes A reação imediata é Minha filha isso não é natural Isso nunca foi assim Mal sabe essa santa mãe que as tibetanas possuem muitos maridos E que os árabes possuem muitas mulheres Que estratégia é usada aqui A estratégia da naturalização ou da eternalização que consiste em tirar dos fenômenos seu caráter histórico relativo e transformálos em eternos imutáveis naturais Ou senão escutemos a fala daquela empregada que ao ser perguntada por que há pessoas ricas responde absolutamente convicta Rico é quem poupa Que se esconde por detrás dessa fala Uma enorme legitimação e justificação de uma situação desigual e muitas vezes injusta Na verdade grande número de pessoas ricas assim o são em geral por explorarem o trabalho dos outros Quando digo por isso que rico é quem poupa estou mistificando a realidade propiciando uma explicação distorcida do fenômeno legitimando a riqueza de uns por um lado e explicando por que alguns no caso a empregada são pobres por outro lado Eles explicam a si mesmos que são pobres porque não pouparam quando na grande maioria das vezes são pobres porque foram explorados E mais quando por acaso sobrarem alguns tostões eles irão correndo colocálos na poupança propiciando indiretamente mais lucros ainda aos que fazem uso dessa poupança para empregála em investimentos muito mais lucrativos Os exemplos poderiam assim ser multiplicados Thompson 1995 enumera cinco modos gerais de operação da ideologia legitimação dissimulação unificação fragmentação reificação junto com inúmeras estratégias típicas de construção simbólica associadas a cada modo geral Remetemos a seu texto para a descrição e exemplificação tanto dos modos como das estratégias Esses mecanismos não são as únicas maneiras de operação da ideologia Várias outras estratégias já foram identificadas em diversas pesquisas que poderiam se somar às descritas acima tais como a rotulação ou estigmatização onde se ligam determinados estereótipos a um sujeito ou instituição propiciando com isso que relações de dominação se criem ou se perpetuem a sacralização ou divinização através das quais caraterísticas sobrenaturais são referendadas a acontecimentos ou pessoas criandose com isso situações onde relações assimétricas de poder são instituídas com o prejuízo de diversas pessoas ou grupos e ainda outras possibilidades GUARESCHI 1996 Além do mais esses modos e estratégias podem se sobrepor e se reforçar ou se legitimar mutuamente e A valorização das formas simbólicas Há ainda um último ponto que merece ser assinalado que se mostrou extremamente útil na análise da ideologia Como vimos as formas simbólicas possuem diversas características Elas têm um caráter intencional convencional estrutural referencial e contextual O caráter contextual significa que elas estão sempre inseridas num contexto sociocultural específico São produzidas por sujeitos historicamente situados que possuem recursos e capacidades específicas Ao mesmo tempo elas são recebidas por sujeitos que estão inseridos em contextos sóciohistóricos particulares Esses fatos fazem com que as formas simbólicas carreguem consigo diferentes particularidades a partir desses sujeitos São essas especificidades que Bourdieu 1977 discute ao analisar os diferentes campos de interação E a esses recursos e capacidades Bourdieu chama de capital e um desses tipos é o capital simbólico Em tais circunstâncias as formas simbólicas podem ser valorizadas de diferentes maneiras Quando se conectam as posições que determinada pessoa ocupa dentro de certo campo de interação a diversos processos de valorização simbólica podemos identificar diferentes graus de poder que passam a ser atribuídos a diferentes atores Poder é entendido aqui como a capacidade de agir para conseguir diferentes objetivos poder de fazer algo ou de agir de determinada maneira Ao agir a pessoa emprega recursos disponíveis capital Ora o fato de uma pessoa ocupar determinada posição num campo de interação como nas instituições por exemplo possibilita capacita a essa pessoa a conseguir determinados fins realizar seus objetivos tomar tais decisões E pelo fato de possuir graus diferentes de poder relacionase diferentemente com os outros Surgem assim dessas interações diferentes relações que ao se constituírem como sistematicamente assimétricas desiguais transformamse em relações de dominação Retornamos então ao campo da ideologia entendida como maneira de criar e manter relações de dominação A dominação dentro de tais situações é uma dominação mais estável que não depende de circunstâncias que podem ser facilmente mudadas e transformadas mas que por se situarem em instituições e até mesmo na estrutura social possuem caraterísticas mais estáveis e cristalizadas Surgem daqui outros tipos de estratégias típicas de valorização simbólica que podem servir dependendo das circunstâncias para criar ou manter relações de dominação isto é prestamse a ser recurso ideológico dentro da definição por ele defendida Exemplificando podese dizer que uma pessoa ao ocupar uma posição dominante dentro de um campo de interação pode apelar a estratégias de valorização simbólica como a de distinção o uso de vestimentas que materializam situações de prestígio como o uso de gravata etc de menosprezo de condescendência e assim por diante Tais estratégias permitem às pessoas que estão em posição dominante reafirmar sua dominação sem necessitar de demonstrações mais claras e específicas Já quem está numa posição intermediária pode empregar estratégias de moderação valorização dos bens à sua disposição pretensão fingindo ser o que de fato não é e buscando assemelharse aos de cima ou desvalorização depreciando as produções dos dominantes E quem ocupa uma posição subordinada pode empregar estratégias de praticidade em vez de buscar requintes dá valor a coisas práticas e baratas de resignação respeitosa aceita sua posição como inevitável ou de rejeição não aceita e ridiculariza o que é produzido pelos dominantes rotulando muitas vezes tais produções como intelectuais ou efeminadas Conclusão Tentamos mostrar de um lado como o conceito de ideologia é complexo e multifacetado tomado em acepções bem diversas de outro lado argumentamos que quando tomado no sentido negativo e crítico e como uma prática isto é como o uso de formas simbólicas para criar ou manter relações de dominação ele se presta para fazer com que os estudos e pesquisas se tornem mais úteis e frutíferos é realmente o que torna os estudos e pesquisas frutíferos Mais que identificar cosmovisões gerais de pessoas ou grupos o que na verdade cremos ser importante e necessário é revelar como as pessoas sofrem e são prejudicadas na sua vida cotidiana devido a relações que são estabelecidas de maneira desigual e injusta Com isso nosso trabalho poderá contribuir de maneira iluminadora e emancipatória na construção de uma sociedade economicamente justa politicamente democrática culturalmente plural eticamente solidária Leituras complementares Em estudo abrangente bastante completo e crítico do conceito e da teoria da ideologia pode ser encontrado no livro de John B Thompson Ideologia e cultura moderna Petrópolis Vozes 1995 Além do histórico do conceito ele mostra os diversos sentidos em que ideologia foi tomada e sugere maneiras de se poder analisála Um outro livro do mesmo autor Studies in the Theory of Ideology Londres Polity Press 1984 traz também excelente material para compreender e criticar a ideologia O livro de Marilena Chauí O que é Ideologia São Paulo Brasiliense 1983 é também um ótimo tratado introdutório e mais simples para quem quiser se familiarizar com o que seja ideologia Bibliografia ALTHUSSER L Ideologia e aparelhos ideológicos de estado Lisboa Presença 1972 BOURDIEU P Outline of a theory of practice Cambridge Cambridge University Press 1977 CRICK B ed Machiavelli Discourses Nova Iorque Penguin 1970 DE TRACY D Éléments dIdéologie Vol 1 Paris Librairie Philosophique J Vrin 1803 reimpresso em 1970 FARR R The roots of modern social psychology 18721954 Oxford Blackwell 1996 FREITAG B A teoria crítica ontem e hoje São Paulo Brasiliense 1992 GEUSS R Teoria crítica Habermas e a Escola de Frankfurt São Paulo Papirus 1988 GUARESCHI P A ideologia um terreno minado Psicologia Social Sociedade 82 p 8294 juldez 1996 Sociologia da prática social Petrópolis Vozes 1992 LENIN Vladimir I The state and revolution In Selected works Londres Lawrence and Wishart 1969 LUKÁCS G History and class consciousness studies in marxist dialectics Londres Merlin Press 1971 MANNHEIM Karl Ideology and utopia Londres Routledge Kegan Paul 1954 The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte In Selected Works Londres Lawrence Wishart 1968 MARX Karl Capital Nova Iorque Vintage Books 1977 MARX Karl ENGELS F A ideologia alemã São Paulo Martins Fontes 1989 MOSCOVICI S Society and theory in social psychology In ISRAEL J TAJFEL H The context of social psychology Londres Academic Press 1972 PIEST O ed The new organon and related wtitings Nova Iorque The Liberal Arts Press 1960 SODRÉ NW A farsa do neoliberalismo Rio de Janeiro Graphia 1995 THERBORN Goran The ideology of power and the power of ideology Londres Verso 1980 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Fátima O de Oliveira Graziela C Werba Discorrer sobre Representações Sociais RS não tem sido uma tarefa fácil Elas se colocam em parte na ordem da utopia Por que RS lembra utopia Porque nunca se chega ao limite deste conceito ao nos aproximarmos dele o vemos escorregar para mais longe obrigandonos a transpor nossas próprias fronteiras buscando novamente aquele horizonte perdido Atualmente as discussões em torno da teoria das RS têm ocupado um grande espaço no campo da Psicologia Social obrigando muitos teóricos e acadêmicos a revisarem seus enfoques proporcionando a todos novas formas de olhar entender e interpretar os fenômenos sociais ajudando a compreender em última análise por que as pessoas fazem o que fazem Como nasceu esta teoria Para Moscovici 1994 p 8 o conceito de representação social tem suas origens na Sociologia e na Antropologia através de Durkheim e de LéviBruhl Inicialmente chamado de representação coletiva serviu como elemento básico para elaboração de uma teoria da religião da magia e do pensamento mítico Também contribuíram para a criação da teoria das RS a teoria da linguagem de Saussure a teoria das representações infantis de Piaget e a teoria do desenvolvimento cultural de Vygotsky A teoria das RS pode ser considerada como uma forma sociológica de Psicologia Social FARR 1994 O conceito é mencionado pela primeira vez por Moscovici em seu estudo sobre a representação social da psicanálise intitulado Psychanalyse Son image et son public Nesta obra Moscovici conduz um estudo tentando compreender mais profundamente de que forma a psicanálise ao sair dos grupos fechados e especializados é ressignificada pelos grupos populares O que motivou Moscovici a desenvolver o estudo das RS dentro de um trabalho científico foi principalmente sua crítica aos pressupostos positivistas e funcionalistas das demais teorias que não davam conta de explicar a realidade em outras dimensões principalmente na dimensão históricocrítica No Brasil o interesse pela teoria das RS iniciou no final da década de 1970 lembrando sua estreita relação com o desenvolvimento da própria psicologia social que a partir de algumas instituições assume uma postura mais crítica não apenas em relação à psicologia americana mas também em contrapartida ao papel subserviente da ciência frente às questões de ordem macrossocial SPINK 1996 p 170 A teoria das RS tem sido discutida criticada reformulada e cada vez mais empregada em muitos trabalhos científicos Apesar de Moscovici recusarse a conceituála de modo definitivo muitos autores têmse esforçado para compreendêla mais profundamente bem como contribuir para seu desenvolvimento enquanto teoria Mas o que são as representações sociais As Representações Sociais são teorias sobre saberes populares e do senso comum elaboradas e partilhadas coletivamente com a finalidade de construir e interpretar o real Por serem dinâmicas levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio ações que sem dúvida modificam os dois De Rosa 1994 distingue entre três níveis de discussão e análise das RS Nível fenomenológico as RS são um objeto de investigação Esses objetos são elementos da realidade social são modos de conhecimento saberes do senso comum que surgem e se legitimam na conversação interpessoal cotidiana e têm como objetivo compreender e controlar a realidade social Nível teórico é o conjunto de definições conceituais e metodológicas construtos generalizações e proposições referentes às RS Nível metateórico é o nível das discussões sobre a teoria Neste colocamse os debates e as refutações críticas com respeito aos postulados e pressupostos da teoria juntamente a uma comparação com modelos teóricos de outras teorias Para evitar confusões é fundamental distinguir entre estes três níveis bem como assinalar sobre qual deles se está falando Quanto à metodologia nas RS ela vai variar de acordo com o objeto de estudo acompanhando paralelamente estes três níveis de discussão Apesar de Moscovici não ter apresentado um conceito definitivo de RS tentou situála da seguinte forma Moscovici 1981 p 181 refere que por Representações Sociais entendemos um conjunto de conceitos proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais Elas são o equivalente em nossa sociedade aos mitos e sistemas de crença das sociedades tradicionais podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum Talvez seja Jodelet quem melhor e mais detalhadamente conceitue RS como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social JODELET 1989 p 36 Para Guareschi 1996a são muitos os elementos que costumam estar presentes na noção de RS Nelas há elementos dinâmicos e explicativos tanto na realidade social física ou cultural elas possuem uma dimensão histórica e transformadora nelas estão presentes aspectos culturais cognitivos e valorativos isto é ideológicos Esses elementos das RS estão sempre presentes nos objetos e nos sujeitos por isso as RS são sempre relacionais e portanto sociais Um dos elementos fundamentais da teoria das RS é a interligação possível entre cognição afeto e ação no processo de representação Tanto Jovchelovitch 1996 como Guareschi mostram a importância desta interligação no processo cognitivo A representação como um processo mental carrega sempre um sentido simbólico Jodelet 1988 identifica no ato de representar cinco características fundamentais 1 representa sempre um objeto 2 é imagem e com isso pode alterar a sensação e a ideia a percepção e o conceito 3 tem um caráter simbólico significante 4 tem poder ativo e construtivo 5 possui um caráter autônomo e generativo Para que estudamos as RS Estudar RS é buscar conhecer o modo de como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a identidade de um grupo social as representações que ele forma sobre uma diversidade de objetos tanto próximos como remotos e principalmente o conjunto dos códigos culturais que definem em cada momento histórico as regras de uma comunidade Uma das principais vantagens desta teoria é sua capacidade de descrever mostrar uma realidade um fenômeno que existe do qual muitas vezes não nos damos conta mas que possui grande poder mobilizador e explicativo Tornase necessário por isso estudálo para que se possa compreender e identificar como ela atua na motivação das pessoas ao fazer determinado tipo de escolha comprar votar agir etc É fundamental darmonos conta de que na maioria das vezes nós praticamos determinadas ações como por exemplo comprar e votar não por razões lógicas racionais ou cognitivas mas por razões principalmente afetivas simbólicas míticas religiosas etc A teoria das RS chama a atenção a essa realidade e tenta mostrar a importância de se conhecer essas representações para se compreender o comportamento das pessoas O conceito de RS é versátil e três importantes postulados podem se combinar em seu emprego é um conceito abrangente que compreende outros conceitos tais como atitudes opiniões imagens ramos de conhecimento possui poder explanatório não substitui mas incorpora os outros conceitos indo mais a fundo na explicação causal dos fenômenos o elemento social na teoria das RS é algo constitutivo delas e não uma entidade separada O social não determina a pessoa mas é substantivo dela O ser humano é tomado como essencialmente social Como podemos ver a teoria das RS é bastante abrangente e seu conceito dinâmico pode nos ajudar a entender as várias dimensões da realidade quais sejam a física a social a cultural a cognitiva e isso tudo de forma objetiva e subjetiva Essa abertura torna as RS um instrumento valioso e imprescindível no campo da psicologia social Por que criamos as RS Tentando entender a formação e origem das RS constatase que criamos as RS para tornar familiar o não familiar Este movimento que se processa internamente vem a serviço de nosso bemestar pois tendemos a rejeitar o estranho o diferente enfim tendemos a negar as novas informações sensações e percepções que nos trazem desconforto Para assimilar o não familiar dois processos básicos podem ser identificados como geradores de RS o processo de ancoragem e objetivação Vejamos primeiro o que significam os conceitos familiar e não familiar a partir das noções de Universos Reificados e Universos Consensuais Poderíamos dizer que existem na sociedade dois tipos diferentes de universos de pensamento os Universos Consensuais UC e os Universos Reificados UR Nos UR que são mundos restritos circulam as ciências a objetividade ou as teorizações abstratas Nos UC que são as teorias do senso comum encontram se as práticas interativas do dia a dia e a produção de RS No UC a sociedade é vista como um grupo de pessoas que são iguais e livres cada uma com possibilidade de falar em nome do grupo Nenhum membro possui competência exclusiva Já no UR a sociedade é percebida como um sistema de diferentes papéis e classes cujos membros são desiguais O não familiar situase e é gerado muitas vezes dentro do UR das ciências e deve ser transferido ao UC do dia a dia Essa tarefa é geralmente realizada pelos divulgadores científicos de todos os tipos como jornalistas comentaristas econômicos e políticos professores propagandistas que têm nos meios de comunicação de massa um recurso fantástico Podemos agora retomar as noções de Ancoragem e Objetivação e ver que papel desempenham nesse contexto Ancoragem é o processo pelo qual procuramos classificar encontrar um lugar para encaixar o não familiar Pela nossa dificuldade em aceitar o estranho e o diferente este é muitas vezes percebido como ameaçador A ancoragem nos ajuda em tais circunstâncias É um movimento que implica na maioria das vezes em juízo de valor pois ao ancorarmos classificamos uma pessoa ideia ou objeto e com isso já o situamos dentro de alguma categoria que historicamente comporta esta dimensão valorativa Quando algo não se encaixa exatamente a um modelo conhecido nós o forçamos a assumir determinada forma ou entrar em determinada categoria sob pena de não poder ser decodificado Este processo é fundamental em nossa vida cotidiana pois nos auxilia a enfrentar as dificuldades de compreensão ou conceituação de determinados fenômenos Por exemplo quando surgiu o problema da Aids diante das perplexidades e dificuldades em entendêla e classificála uma das formas encontrada pelo senso comum para dar conta de sua ameaça foi ancorála como uma peste mais especificamente a peste gay ou o câncer gay Assim representada embora classificada de forma equivocada e preconceituosa a nova doença pareceu menos ameaçadora pois já havia sido categorizada pelo senso comum como uma peste e só aconteceria aos gays Um dos melhores exemplos de como ocorre a Ancoragem é fornecido por Jodelet em seu trabalho sobre a representação social da loucura Ao abrirem as portas do manicômio e colocarem os doentes mentais em contato com os aldeões na rua aqueles foram imediatamente julgados por padrões convencionais e comparados a idiotas vagabundos epilépticos ou aos que no dialeto local eram chamados de maloqueiros Quando determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria ele adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela Neste exemplo a ideia destes aldeões sobre os idiotas vagabundos ou epilépticos foi transferida sem modificação aos doentes mentais Já a Objetivação é o processo pelo qual procuramos tornar concreto visível uma realidade Procuramos aliar um conceito com uma imagem descobrir a qualidade icônica material de uma ideia ou de algo duvidoso A imagem deixa de ser signo e passa a ser uma cópia da realidade Um dos exemplos fornecidos por Moscovici referese à religião Ao se chamar de pai a Deus estáse objetivando uma imagem jamais visualizada Deus em uma imagem conhecida pai facilitando assim a ideia do que seja Deus Qual a diferença entre representações sociais e outras teorias Podemos dizer que a principal diferença entre o conceito de RS de outros conceitos é sua dinamicidade e historicidade específicas As RS estão associadas às práticas culturais reunindo tanto o peso da história e da tradição como a flexibilidade da realidade contemporânea delineando as representações sociais como estruturas simbólicas desenhadas tanto pela duração e manutenção como pela inovação e metamorfose Existem diferenças entre o enfoque dado à psicologia social americana e o enfoque europeu A psicologia social que floresceu nos EUA é uma Psicologia essencialmente cognitivista que foi exportada para a Europa e América do Sul Ao florescer em solo norteamericano a psicologia social do pósguerra alimentase de uma visão individualista específica de sua cultura o que Farr 1994 denomina de psicologia social psicológica enfraquecendo a vertente mais interdisciplinar com a sociologia que se chama de psicologia social sociológica É neste contexto que nasce a teoria das RS teoria esta que tendo origem em Durkheim um sociólogo contrapõese à vertente americana e assim o campo de estudos das RS acaba por ampliar a noção de social Devese fazer uma distinção entre RS e as Representações Coletivas como empregadas por Durkheim Sperber 1985 ao explicar a diferença faz uma analogia com a medicina diz ele que a mente humana é susceptível de representações culturais do mesmo modo que o organismo humano é susceptível de doenças Ele divide as representações em coletivas representações duradouras amplamente distribuídas ligadas à cultura transmitida lentamente por gerações são tradições e se comparam à endemia e sociais são típicas de culturas modernas espalhamse rapidamente por toda a população possuem curto período de vida são parecidos com os modismos e se comparam à epidemia A Teoria das RS diferenciase de muitas outras também no que concerne à visão do social e ser humano Para a Teoria Comportamentalista o social é dado como pronto e o ser humano é condicionado para a psicanálise o social é relegado a uma categoria de menor importância e o ser humano é determinado pelo inconsciente já para a teoria das RS o social é coletivamente edificado e o ser humano é construído através do social Outra importante diferença entre a teoria das RS e outras de tendência mais positivista e funcionalista é que aquela aceita a existência de conteúdos contraditórios ou seja seu estudo e pesquisa não descartam os achados conflitantes pelo contrário é a possibilidade de trabalhar com as diferenças que enriquece a compreensão do fenômeno investigado conferindo à teoria das RS uma dimensão dialética Não menos importante na pesquisa das RS é a relação que ela estabelece com o estudo da ideologia que veremos a seguir Que relações se podem estabelecer entre o estudo das RS e ideologia A relação que as RS estabelecem com ideologia provoca ainda muitas discussões Se ideologia for definida como algo reificado pronto e acabado como parece ser o sentido que Moscovici dá à ideologia é evidente que as RS não podem ser identificadas com ela exatamente pelo fato de serem dinâmicas e sempre passíveis de transformação Ultimamente está havendo uma ampla tendência de se definir ideologia de acordo com a definição proposta por Thompson 1995 p 76 Ideologia é o uso das formas simbólicas para criar ou manter relações de dominação em outras palavras é o sentido a serviço de relações assimétricas desiguais O conceito de sentido embutido em ideologia é o sentido das formas simbólicas inseridas nos contextos sociais As formas simbólicas são um amplo conjunto de ações e falas imagens e textos que são produzidos pelas pessoas e reconhecidas por elas e outros como construtos significativos As falas e expressões linguísticas são centrais na análise podendo ser também imagens visuais ou construtos que combinam imagens e palavras Ainda para se entender melhor o que seja ideologia é importante discutir o que se entende por dominação Dominação é uma relação que se estabelece entre pessoas ou grupos onde uns interferem e se apropriam das capacidades ou habilidades de outros de maneira assimétrica Portanto existem diversas formas de dominação que podem ser econômica de gênero de raça de etnia de idade religiosa etc GUARESCHI 1996b Se tomarmos pois ideologia como o uso de formas simbólicas para criar ou reproduzir relações de dominação podemos concluir que as RS pelo fato de serem formas simbólicas podem ser ideológicas mas não podemos deduzir isto a priori Para dizer que uma RS é ideológica precisamos primeiro mostrar que ela serve em determinadas circunstâncias para criar ou reproduzir relações de dominação Como investigamos as RS Não existe uma metodologia exclusiva para a investigação das RS sendo que encontramos desde investigações realizadas em uma base quantitativa como as que trabalham com dados qualitativos e ainda alguns que fazem uso complementar destas duas abordagens Um dos instrumentos mais usados e desenvolvidos na investigação das RS tem sido a técnica dos grupos focais Existem é claro outros tantos que podem ser empregados de acordo com o propósito da pesquisa recursos disponíveis tempo verba sujeitos etc inclusive o estilo do investigador Mas a técnica dos grupos focais parece se adaptar de maneira mais adequada a esta investigação Os grupos focais podem ser descritos basicamente como entrevistas que se fundamentam na interação desenvolvida dentro do grupo O pontochave destes grupos é o uso explícito dessa interação para produzir dados e insights que seriam difíceis de conseguir fora desta situação Isso se constitui na grande vantagem desses grupos a oportunidade que eles oferecem de se estabelecer uma intensa troca de ideias sobre determinado tópico num período limitado de tempo onde os dados são discutidos e aprofundados em conjunto A qualidade dos dados pode ser em consequência superior aos de uma entrevista individual Embora esta técnica tenha sido e é ainda muito usada com fins publicitários está sendo também cada vez mais frequentemente utilizada no campo das ciências sociais Morgan 1988 p 22 afirma que a finalidade mais comum dos grupos focais é conduzir uma discussão em grupo que se assemelhe a uma conversação normal e viva entre amigos e vizinhos Os grupos focais se prestam pois muito bem para a finalidade de se chegar mais próximo às compreensões que os participantes possuem do tópico de interesse do pesquisador Podese compreender além disso não apenas o que mas também por que os participantes pensam da maneira como pensam p 24 O papel do coordenador nos grupos focais é o de conduzir a discussão de forma livre porém com o cuidado de não desviar o tema proposto As falas dos grupos são geralmente registradas em cassete e seguem os seguintes passos para o trabalho de tratamento dos dados a transcrição das entrevistas b leitura flutuante do material intercalando a escuta do material gravado com a leitura do material transcrito de modo a captar os temas propostos detendo se na construção na retórica permitindo a emergência dos investimentos afetivos c retorno aos objetivos da pesquisa para após a categorização dos dados fazer sua interpretação de acordo com os referenciais teóricos em questão Desse modo após a atenta escuta e leitura são pinçadas verbalizações que revelam uma ideia ou avaliação referentes ao tema proposto A partir daí é possível uma categorização de dados agrupandoos por afinidade Destes surgem as categorias principais a partir das quais se permite a construção de um mapeamento das categorias dos grupos focais Um uso muito apropriado do grupo focal é também servir de fundamentação para se criar uma entrevista ou questionário mais estruturados para serem aplicados a outros grupos pessoas ou para entrevistas individuais O número de grupos para se discutir um tema específico pode variar entre três a quatro e a duração normal é de uma hora chegando às vezes a hora e meia O tamanho dos grupos varia de no mínimo quatro participantes até o máximo de doze mas o mais recomendado é entre seis e oito participantes Umas das possíveis maneiras de se interpretar as RS após terem sido levantadas nos grupos focais e mapeadas é utilizar o referencial metodológico baseado em John B Thompson 1995 capítulo 6 denominado por ele de Hermenêutica de Profundidade HP Este autor distingue dois níveis de análise na compreensão dos fatos sociais em especial as formas simbólicas Um primeiro nível é o da hermenêutica da vida cotidiana que consiste numa descrição fenomenológica dos fatos Em um segundo nível denominado hermenêutica de profundidade buscase investigar e interpretar as formas simbólicas mais profundamente O processo compõese de três fases a análise sóciohistórica que investiga o fenômeno na dimensão espáciotemporal as suas interrelações sociais as instituições e a estrutura social a análise formal ou discursiva que investiga as formas simbólicas em si mesmas através de diversos tipos de análise de discurso como a semiótica a análise sintática a análise da conversação a análise argumentativa a análise narrativa etc finalmente a interpretação ou reinterpretação que é o espaço onde se interpretam as formas simbólicas de acordo com os referenciais teóricos em questão É importante lembrar que toda a interpretação é aberta e conflitiva sujeita a outras e novas interpretações Considerações finais Ao finalizarmos este capítulo podemos retomar a questão inicial que teoria é essa Parecenos ser uma teoria nova aberta e fecunda Não é uma teoria pronta Cremos que essa sua incompletude seja justamente uma das suas importantes possibilidades Podemos identificar dois grandes avanços a nosso ver trazidos por essa teoria a a teoria das RS trata do conhecimento construído e partilhado entre pessoas saberes específicos à realidade social que surgem na vida cotidiana no decorrer das comunicações interpessoais buscando a compreensão de fenômenos sociais b a teoria das RS colocou os saberes do senso comum em uma categoria científica Ela veio valorizar este conhecimento popular tornando possível e relevante sua investigação Talvez estejamos demasiadamente acostumados a trabalhar com teorias já prontas onde o que poderia ser descoberto já o foi ou em outras palavras teorias que nos são familiares que não nos assustam mas que por outro lado pouco nos provocam Poderíamos dizer que a provocação é a alma da pesquisa talvez até possamos arriscar pensar que é este despertar da curiosidade pelo que nos é não familiar não reconhecido previamente o que nos move a novas descobertas científicas Aliás Aristóteles já dizia que a curiosidade é a alma da ciência A teoria das RS certamente nos obriga a pensar exige muito trabalho de interpretação e reinterpretação colocanos frente a dicotomias conflitos deixa nos diante do desconhecido ela desconcerta É justamente aí que ela favorece nosso crescimento pois vemonos obrigados a desconstruir certezas envelhecidas e a nos abrirmos para novas possibilidades Todo esse movimento está contido no cerne da própria teoria que é dinâmica em essência Leituras complementares Conforme mencionamos no início deste capítulo a teoria das RS é recente por isso a bibliografia em português a respeito do assunto não é extensa No Brasil na PUC de São Paulo há um grupo que trabalha com Mary Jane Spink organizadora de O conhecimento no cotidiano as representações sociais na perspectiva da psicologia social São Paulo Brasiliense 1993 que apresenta bons trabalhos teóricos e metodológicos sobre representações sociais Na PUC do Rio Grande do Sul outro grupo liderado por Pedrinho Guareschi temse dedicado ao estudo e pesquisa em RS O livro Textos em representações sociais Petrópolis Vozes 1994 que organizou com Sandra Jovchelovitch London School of Economics and Political Science traz boas discussões sobre a teoria metodologia e pesquisa em RS Do mesmo autor para quem está se iniciando em representações sociais sugerimos um texto básico Representações sociais alguns comentários oportunos ver bibliografia Na Uerj há outro grupo ligado a Celso Pereira de Sá autor de A teoria e pesquisa do núcleo central Petrópolis Vozes 1996 que discute proposições básicas e a produção empírica da abordagem do núcleo central Para quem tem facilidade com outros idiomas pode ser interessante a leitura de trabalhos clássicos como do próprio Moscovici de Denise Jodelet ou ainda de Annamaria S De Rosa citados na bibliografia Finalmente para quem está interessado em conhecer e produzir trabalhos na linha dos que encontrou neste capítulo poderá acompanhar as atividades que vêm sendo desenvolvidas pela Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso que publica a excelente revista científica Psicologia Sociedade PUC São Paulo Bibliografia DE ROSA Annamaria S From theory to metatheory in social representations the lines of argument of a theoretical methodological debate Social Science Information Vol 33 n 2 1994 p 273303 FARR RM Representações sociais a teoria e sua história In GUARESCHI P JOVCHELOVITCH S Textos em representações sociais Petrópolis Vozes 1994 p 3159 GUARESCHI P Sem dinheiro não há salvação ancorando o bem e o mal entre neopentecostais In GUARESCHI P JOVCHELOVITCH S Representações sociais alguns comentários oportunos Revista Coletâneas da Anpepp n 10 vol 1 set 1996a p 936 A ideologia um terreno minado Psicologia Sociedade Revista da Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso 8 2 8294 juldez 1996b Textos em representações sociais Petrópolis Vozes 1994 p 191225 JODELET D Représentations sociales un domaine en expansion In ID ed Les représentations sociales Paris Presses Universitaires de France 1989 Représentations sociales phénomènes concept et théorie In FARR R MOSCOVICI S eds Psycologie sociale 2 ed Paris Presses Universitaires de France 1988 p 357378 JOVCHELOVITCH S Espaço de mediação e gênese das representações sociais Revista Psico Porto Alegre 27 1 193205 janjun 1996 MORGAN DL Focus groups as qualitative research Newbury Park CA Sage Publications 1988 MOSCOVICI S Prefácio In GUARESCHI P JOVCHELOVITCH S Textos em representações sociais Petrópolis Vozes 1994 p 716 The phenomenon of social représentations In FARR RM MOSCOVICI S eds Social représentations Cambridge Cambridge University Press 1984 p 369 On social representatios In FORDAS JP eds Social cognition perspectives on everyday ubderstanding London Academic Press 1981 p 181 209 A representação social da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 SPERBER D Anthropology and psycology towards an epedimiology of représentations Mann news series 1985 p 7389 SPINK MJ Representações sociais questionando o estado da arte Psicologia Sociedade Revista da Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso 8 2 166186 juldez 1996 THOMPSON JB Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 LINGUAGEM Maria Juracy Toneli Siqueira Adriano Henrique Nuernberg O que é a linguagem O que fazemos quando queremos mostrar a uma pessoa o que estamos pensando ou sentindo Em geral falamos E se por algum motivo qualquer estamos impossibilitados de falar Podemos tentar comunicarmonos através de gestos da mímica da escrita de atitudes do corpo enfim podemos utilizar outras formas de linguagem para transmitir aos demais o que pretendemos Segundo alguns estudiosos da comunicação humana WATZLAWICK 1967 é impossível não comunicar pois mesmo em silêncio estamos comunicando algo como por exemplo não quero falar ou não quero falar agora ou isto aqui está muito chato ou não estou entendendo nada e assim por diante Sem buscarmos formas de fornecer aos outros meios mais claros para identificarem o que queremos dizer no entanto ficamos à mercê de sua interpretação arbitrária Não que nossos ouvintes não nos interpretem sempre mas certamente há que se estabelecer um código comum entre nós para que possamos comunicarmonos mais facilmente Neste sentido os grupos humanos constroem formas partilhadas códigos pelos quais seus vários membros possam transmitir as informações uns aos outros As línguas atestam isto sendo que mesmo entre aqueles que falam uma língua única há diferenças significativas segundo as tradições do grupo ao qual pertencem No Brasil por exemplo usamos pelo menos três palavras diferentes para nomear uma mesma raiz comestível mandioca aipim macaxeira Se não pertencemos ao grupo que a ela nomeia mandioca necessitaremos de algumas pistas adicionais para compreendermos do que se trata afinal Para além de sua função de nomeação as palavras apresentamse também carregadas de sentido Neste caso ao falar mandioca eu falo muito mais coisas do que uma mera referência à raiz em si Para alguns lembranças de uma época de infância são imediatamente evocadas resgatando os almoços em família nos sábados em que em cima da mesa a comida mineira com carne de porco couve refogada e mandioca cozida com manteiga enchia os olhos os narizes e o estômago Para outros certamente sentidos diferentes existirão posto que cada um de nós embora pertencendo a grupos que compartilham uma mesma cultura compreende através de distintas maneiras os enunciados em trânsito nas relações sociais Outra variação da comunicação humana é a linguagem escrita cuja característica principal é a possibilidade de registro e transmissão de informações de maneira mais permanente do que a linguagem oral Se esta última surgiu em decorrência da necessidade da comunicação imediata a escrita vem para garantir a durabilidade destas informações no tempo e no espaço permitindo também o acesso a um interlocutor ausente do campo Através da escrita nos comunicamos com amigos queridos que se encontram longe de nós registramos nossas experiências profissionais sob a forma de curriculum vitae apresentamos nossas ideias em trabalhos científicos deixamos bilhetes para nossos companheiros de moradia firmamos relações contratuais enfim entre tantas possibilidades organizamos nosso cotidiano imediato e deixamos nossa marca através dos tempos É possível por exemplo reconstituir toda uma época histórica incluindo modos de viver através das diferentes formas de registro e dos textos produzidos pela humanidade Das primeiras verbalizações e pinturas nas cavernas até as línguas atuais e suas formas escritas evidenciase a dimensão histórica e social desta produção humana Se o homem primitivo lia os sinais da natureza pegadas direção do vento galhos quebrados etc e com eles orientava sua ação no mundo com a criação dos signos enquanto sinais artificialmente criados por homens e mulheres ampliase o âmbito das possibilidades da existência humana Convém ressaltar que a linguagem enquanto uma função complexa apresentase como uma das grandes questões das Ciências Humanas e Sociais neste século sobretudo nas áreas da Psicologia Sociologia e evidentemente da Linguística Inúmeras teorias dedicaram ênfase à linguagem ainda que defendendo distintos pontos de vista e chamando a atenção para diferentes aspectos desse tema A linguagem segundo Vygotsky e Bakhtin Homens e mulheres diferenciamse dos outros animais pelo fato de que as categorias fundamentais de sua ação no mundo mudaram substancialmente no transcurso de sua história com a introdução do trabalho social e das formas de vida societária a ele vinculadas O trabalho social portanto mediante a divisão de suas funções originou novas formas de ação não imediatamente relacionadas aos motivos biológicos elementares O segundo fator decisivo nesta trajetória é o surgimento da linguagem Fazse necessário então tratar da linguagem dentro do processo histórico de desenvolvimento da cultura e consequentemente dos próprios homens e mulheres Sendo assim partese do pressuposto de que há uma relação de tensão entre a história do ser humano enquanto espécie com a produção da linguagem entendida como resultado da necessidade de complexificação das formas de comunicação Conforme a ontologia marxista a linguagem teria sido produzida por homens e mulheres a partir do processo de complexificação de suas necessidades e da divisão do trabalho o que engendrou uma nova necessidade a de uma comunicação mais estreita LURIA 19861 Face a isso passouse a designar ações e situações por meio de códigos os quais estariam fundamentalmente vinculados ao momento mais imediato de seu contexto social Partimos também do fato de que A linguagem é tão velha como a consciência é a consciência real prática que existe também para outros homens e que portanto existe igualmente só para mim e tal como a consciência só surge com a necessidade as exigências dos contatos com outros homens Onde existe uma relação ela existe para mim MARX ENGELS 1989 p 36 Em A ideologia alemã 1989 Marx e Engels afirmam que não se pode atribuir um caráter autônomo à linguagem como os filósofos idealistas fizeram com o pensamento Ambos são expressões da vida real Por outro lado o próprio Engels em carta a Bloch de 21091890 argumenta que nem todas as alterações que acontecem nas instituições sociais se devem a causas estritamente econômicas o que nos leva a crer que a linguagem goza de relativa autonomia em relação às formações sociais Aparentemente contraditórias estas duas afirmações demonstram o caráter complexo da linguagem que pode ser estudada a partir de múltiplos pontos de vista sendo ao mesmo tempo individual e social física fisiológica e psíquica Neste sentido fazse importante não desvinculála da vida social sem no entanto desconsiderar sua especificidade Neste caso reduzila a um complexo língua e fala por um lado apostando na sua baixa mobilidade histórica e no fato de que o sujeito da fala é axiomaticamente individual como o quer Perry Anderson em seu livro A crise da crise do marxismo 1985 ou por outro reduzila ao nível ideológico parece não nos ajudar muito a compreendêla em suas múltiplas facetas e determinações Da mesma forma repetir que a linguagem é instrumento de poder não é nada inovador ou esclarecedor Tentaremos com base nas teorias da Abordagem HistóricoCultural desenvolver esse tema tendo em vista a importância desse princípio para a noção de um homem histórico e socialmente constituído que se defende aqui A linguagem transformandose através da história passou de uma função de designação de objetos na atividade prática entre os homens a uma função de acúmulo e transmissão de conhecimento indivíduo a indivíduo e através das gerações Tal processo histórico expressase também na unidade central da linguagem a saber a palavra cuja transformação implicou a estabilização do âmbito de generalização e na progressiva redução do universo de sua referência LURIA 1986 Assim se nos primórdios uma palavra era utilizada para comunicar um número considerável de eventos ou informações aos poucos foi se restringindo o grau de alcance de seus significados os quais passaram a uma determinação maior do contexto Na base da linguagem estão as suas propriedades de comunicação e significação sendo esta última pautada no caráter instrumental do signo2 cuja orientação dáse no sentido da transformação dos próprios homens e mulheres ou dito de outra forma da constituição da consciência Nesse sentido poderseia dizer que até certo ponto a história da palavra reflete a própria história da origem social da consciência Diante desse pressuposto da indissociabilidade da linguagem com a consciência destacamos que estas categorias são a chave para a compreensão do processo de hominização Através da linguagem homens e mulheres emanciparamse da imediatez da realidade prática e passaram a usufruir de uma capacidade exclusiva de sua espécie a de planejar regular e refletir sobre a própria atividade Com a linguagem desenvolvida seu mundo duplicase e o homem passa a poder operar mentalmente com objetos ausentes de seu campo perceptivo e vivencial imediato Ele pode evocar voluntariamente as imagens objetos ações relações independente de sua presença e voluntariamente dirigir este segundo mundo o que inclui sua memória e suas ações Assim podese dizer que não apenas a duplicação do mundo nasce da linguagem mas também a ação voluntária Luria Sem o trabalho e sem a linguagem o pensamento abstrato categorial não poderia existir no homem p 22 É Vygotsky quem aprofunda o estudo da linguagem no processo da constituição dos sujeitos trazendo para esse âmbito a perspectiva do ser humano histórico e social a que nos referimos Basicamente esse autor desenvolve a tese de que não há nada que exista no indivíduo que não tenha existido num primeiro momento no contexto das relações sociais Para ele a linguagem é o veículo de constituição da consciência a partir do contexto das relações sociais sendo que esta última categoria abrange o conjunto das Funções Psicológicas Superiores A linguagem exerce portanto uma dupla função De um lado ela exerce o papel de instrumento criado pelos homens para promover a comunicação entre eles e entre as gerações permitindo o registro e a transmissão da produção cultural historicamente acumulada De outro ela exerce a função de mediação simbólica que permite ao homem desenvolver modos peculiares de pensamento só a ele possíveis Assim a linguagem é constituinte de homens e mulheres ao lhes facultar o acesso e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores raciocínio lógico memória voluntária atenção dirigida etc Através da Lei da Dupla Formação que Vygotsky 1984 estabeleceu destacase que a linguagem possibilita a transformação das funções psicológicas elementares em superiores as quais são caracteristicamente humanas Ou seja transforma funções como a memória elementar em memória deliberada onde controlo minha memória ou a atenção elementar em atenção concentrada onde concentro minha atenção no foco desejado Em resumo através da instrumentalização dos signos as funções psicológicas passam a possibilitar ao sujeito atuar na realidade de forma consciente e deliberada Assim a consciência em seu âmbito particular é constituída no contexto das relações de significação com o outro e afirma o ser consciente o ser capaz de regular a própria conduta e vontade ZANELLA 1997 Nas palavras de Vygotsky O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico tornando a criança capaz de dominar seu movimento Ela reconstrói o processo de escolha em bases totalmente novas O movimento descolase assim da percepção direta submetendose ao controle das funções simbólicas incluídas na resposta de escolha Esse desenvolvimento representa uma ruptura fundamental com a história do comportamento e inicia a transição do comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores dos seres humanos VYGOTSKY 1984 p 3940 A linguagem abrange a dimensão da significação enquanto função do signo PINO 1995 A gênese da consciência nesse sentido é a apropriação da significação da atividade na relação com o outro processo em que o indivíduo transforma as funções interpsicológicas presentesconstituídas naspelas relações sociais em funções intrapsíquicas Por isso homens e mulheres são seres culturais na medida que o que os torna humanos é a apropriação da cultura que é por sua vez produzida pelos próprios seres humanos Compreender essa dimensão dialética do processo de constituição dos sujeitos é condição sine qua non para entender a perspectiva aqui defendida O que se pretende destacar aqui é a forma de pensar nessa perspectiva Estão aí presentes duas dimensões que se relacionam dialeticamente A primeira é a de um sujeito passivo que é constituído socialmente pela apropriação dos significados das relações sociais pela ação do outro que significa a atividade do sujeito a atuação deste no mundo Por outro lado há a dimensão de um sujeito ativo pois essa significação que este sujeito internaliza é única particular uma vez que é apropriação de um ser que possui uma história única a qual determina também as características desse processo de significação Homens e mulheres são neste sentido a síntese que realizam das relações sociais que entabulam em suas vidas e suas singularidades correspondem às condições e contingências sociais a que foram submetidos e ao mesmo tempo constituíram A apropriação da linguagem se apresenta através de um sentido onde a fala compartilhada na relação com o outro é a base para a constituição da fala interior ou seja do discurso interno que estabelece a capacidade de autorregulação para o sujeito A princípio a fala do outro organiza a atividade de criança que por sua vez apropriase dos signos presentes nestas relações e passa a operar com eles dando ordens a si mesma e significando verbalmente sua própria atividade Posteriormente a apropriação da linguagem configura um plano interno da fala que se caracteriza pela abreviação de seus aspectos fonéticos Predomina nesse plano do discurso interior a operação com significados puros face a sua independência dos fatores externos A linguagem interna dirigindose para o próprio sujeito diferenciase também pela preponderância do sentido3 da palavra em relação a seu significado e pela constituição da capacidade de autorregulação da conduta É bastante conhecido o exemplo de Vygotsky delineado através de uma situação cotidiana da maternidade Uma mãe ao ver seu bebê esticando o braço em direção a algum objeto interpreta esse gesto alcançando o objeto à criança A partir daí o gesto adquire significação propiciando à criança que dela se aproprie e passe a operar com base nela Assim num outro momento ela mesma utilizase do gesto na intenção de pedir a alguém que lhe dê algo que não esteja ao seu alcance O cume desse processo se dá no momento em que a apropriação dos significados coincide com a criança orientando sua própria ação de forma consciente através da mediação dos signos Nesse complexo processo de apropriação destacase a temática da relação pensamento e linguagem As conclusões de Vygotsky 1979 caminham no sentido de defender a tese de que o pensamento e a linguagem não são relacionados a priori Tais categorias possuem diferentes raízes genéticas sendo que ambas inicialmente desenvolvemse autonomamente em distintos canais caracterizando uma fase préverbal no desenvolvimento do intelecto e uma fase préintelectual do desenvolvimento da fala Com a apropriação dos signos essas duas linhas se intercruzam formando o pensamento verbal e a fala significativa ambos vistos aqui como síntese da contradição formada neste intercruzamento Pensamento e linguagem são distintos e no entanto inseparáveis a partir do desenvolvimento histórico da consciência Vygotsky identifica o significado da palavra como a unidade desta relação onde pensamento e linguagem são mutuamente constitutivos Para esse autor o significado da palavra se constitui ao mesmo tempo como fenômeno do pensamento e da linguagem através da fala significativa Entretanto ressaltase que pensamento e linguagem preservam suas características estruturais específicas na medida em que como diz Vygotsky A estrutura da linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento Por isto o pensamento não pode usar a linguagem como um traje sob medida A linguagem não expressa o pensamento puro O pensamento se reestrutura e se modifica ao transformarse em linguagem O pensamento não se expressa na palavra mas se realiza nela VYGOTSKY 1993 p 298 Destacase pois que a expressão de um pensamento via linguagem promove a reorganização deste O significado da palavra transitando através das especificidades destas funções adquire um caráter de constante transformação Sendo o significado da palavra a unidade de análise da relação pensamento e linguagem e posto que este se modifica evolui apresentase a questão de que há no decurso do desenvolvimento do sujeito diferentes configurações desta relação Nesse processo de transformação dos significados contribui em muito a apropriação do conhecimento sistematizado ou como nos aponta Vygotsky dos conceitos científicos Em síntese o processo de desenvolvimento dos conceitos4 e por conseguinte do significado da palavra decorre de um progressivo desvencilhamento da palavra da atividade prática concomitante ao estabelecimento de relações entre as próprias palavras o que caracteriza o conceito científico Este último devido às suas propriedades estabelece um nível diferenciado entre pensamento e linguagem ao mesmo tempo em que reorganiza os conceitos cotidianos Sua estrutura e sua natureza semiótica permitem que se atinjam formas superiores e mais complexas de organização da consciência o do discernimento desta no ato de pensar Fazse importante ressaltar nesse sentido a dimensão dinâmica do significado da palavra na medida em que o âmbito de sua representação eou generalização modificase nas relações sociais Por sua vez modificandose o significado da palavra estabelecese outra relação entre pensamento e linguagem Tal abordagem a este processo está de acordo com o pressuposto fundamental da teoria de Vygotsky ou seja da formação social do psiquismo humano na medida em que as transformações do significado da palavra decorrem de transformações mais amplas que incidem sobre o sujeito e das ações do mesmo na sua relação com o mundo Esse pressuposto pautase por sua vez em um dos princípios básicos do marxismo a saber o de que o homem na sua atividade transforma o mundo e concomitantemente transforma a si mesmo numa relação dialética MARX ENGELS 1989 O processo de significação que constitui os sujeitos todavia dada sua natureza social é permeado por um universo de fatores que o constituem Dentre estes destacase o contexto do qual os significados não se distinguem Referimonos ao fato de que o significado da palavra se apresenta através de diversos sentidos decorrentes do contexto em que se dá o diálogo Deste modo a influência do contexto nos significados pode tanto ampliar a palavra para novas significações através de novos sentidos quanto estreitar o âmbito desta significação VYGOTSKY 1979 Através da obra de Bakhtin 1981 incorporamos outros elementos para compreender a trama constituinte dos processos de significações Para esse autor não há uma realidade da língua que exista fora de sua expressão no diálogo Tal como define enquanto questões básicas não é possível 1 separar a ideologia da realidade material do signo 2 dissociar os signos das formas concretas de comunicação social 3 dissociar a comunicação e as formas de sua base material 1981 p 44 Assim esse autor ressalta a importância dos fatores micro e macro contextuais presentes nas relações sociais onde as enunciações são produzidas Desta forma o signo e a situação social em que se insere estão indissoluvelmente ligados O signo não pode ser separado da situação social sem ver alterada sua natureza semiótica BAKHTIN 1981 p 62 Face a isso o signo sempre ideológico só encontra existência nas relações onde se concretiza enquanto palavra adquirindo sua significação de acordo com o contexto Ressaltando esse aspecto Bakhtin destaca ainda mais a importância dos signos apontando que a atividade mental só existe em função da expressão semiótica na enunciação o que implica que só através dos enunciados é possível o entendimento do fato ideológico Para Bakhtin o signo é por sua natureza vivo e móvel plurivalente expressandose pela dialética da unicidade e pluralidade da significação A ideologia dominante no entanto tem interesse em tornálo monovalente Mesmo as menores variações das relações sociais mesmo aquelas que ocorrem em nível das ideologias do cotidiano que se exprimem na vida corrente onde se formam e se renovam as ideologias instituídas são registradas através da palavra do signo Para Bakhtin 1981 p 62 o discurso verbal está intrinsecamente associado à vida real e não pode ser dela divorciado analiticamente sob pena de perder sua significação Neste sentido ele assume a seguinte tese A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada nem pelo ato psicofisiológico da sua produção mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua BAKHTIN 1981 p 123 Segundo o autor toda enunciação é um diálogo mesmo tratandose de um sujeito individual posto que todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos que o sucederão Desta forma fazendo parte de um processo de comunicação ininterrupto o enunciado é um elo de uma cadeia que para ser compreendido precisa ser associado aos demais A dialogia conceitochave na teoria de Bakhtin transcende portanto a acepção derivada do conceito de diálogo referindose às diversas formas de interação das vozes presentes nos enunciados Para esse autor em qualquer enunciado há sempre mais de uma voz o que ilustra seu caráter social Sendo assim toda enunciação só pode ser compreendida na relação com outras enunciações Tal característica de polifonia WERTSCH SMOLKA 1994 é tratada por Bakhtin quando fala sobre o processo de compreensão dos significados A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma série de palavras nossas formando uma réplica A compreensão é uma forma de diálogo ela está para a enunciação assim como uma réplica está para outra no diálogo Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra BAKHTIN 1981 p 132 De outro lado cada enunciado inclui toda uma série de conteúdos que extrapolam sobremaneira o que é dito imediatamente as avaliações os conteúdos normativos os juízos de valor as contradições sociais envolvendo critérios de ordens diversas éticos políticos religiosos afetivos entre outros A situação extraverbal a atmosfera social que envolve o sujeito que emite o enunciado e aquele que o recebe é parte constituinte essencial de sua significação Assim outro aspecto importante a se destacar na perspectiva bakhtiniana é a participação do outro como auditório social específico ausente ou não da enunciação de forma que Na realidade toda palavra comporta duas faces Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro Através da palavra definome em relação ao outro isto é em última análise em relação à coletividade BAKHTIN 1981 p 113 Neste sentido incluso nesse contexto como fator determinante da palavra destacase o outro A palavra portanto através da enunciação é o território comum do locutor e do interlocutor p 113 ou seja a palavra liga uma pessoa a outra e por conseguinte constitui o elo de toda a coletividade Ressaltase nesse sentido que tais elementos da linguagem convergem para a compreensão do tema aqui proposto ou seja do papel desta função na constituição dos sujeitos Em Bakhtin há a ênfase na categoria da consciência e na dimensão dialógica desse processo Para esse autor a consciência constitui um fato socioideológico posto que a realidade da consciência é a linguagem e esta é eminentemente ideológica A consciência é formada pelo conjunto dos discursos interiorizados pelo sujeito ao longo de sua trajetória por um progressivo distanciamento da origem das vozes alheias as quais se tornam próprias do sujeito Através destes discursos o homem aprende a ver o mundo e os reproduz em sua fala Se o discurso é determinado ao menos em parte por formações ideológicas que através dele ganham existência materializamse se a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados e se não há homens constituídos fora de seu contexto de relações sociais podese dizer que não há individualidade absoluta nem em nível do sujeito nem em nível do discurso Desta forma o enunciador o falante ao construir seu discurso materializa valores desejos justificativas contradições enfim os conteúdos e embates existentes em sua formação social Reproduz de certa maneira em seu discurso portanto as várias formações discursivas que circulam na estrutura social O chamado discurso crítico por exemplo não surge do nada posto que se constitui a partir dos conflitos e contradições existentes na realidade A palavra é pois a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios relações de dominação e de resistência conflitos de tal forma que segundo Bakhtin Na realidade não são palavras o que pronunciamos ou escutamos mas verdades ou mentiras coisas boas ou más importantes ou triviais agradáveis ou desagradáveis etc A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial BAKHTIN 1981 p 95 Se a linguagem cria e sintetiza concepções de mundo ela ao mesmo tempo é produto social e histórico Constituise como um elemento e um produto da atividade prática do homem e em seu aspecto semântico continua sendo determinada por fatores sociais embora goze de relativa autonomia enquanto sistema linguístico A visão de mundo por ela veiculada portanto não é arbitrária posto que resultante das relações sociais Sua transformação por conseguinte não pode se dar a partir de uma escolha arbitrária À guisa de conclusão para o momento Através da interface dos pressupostos de Vygotsky e Bakhtin temos indicativos fundamentais sobre as especificidades do processo de constituição do sujeito e o papel da linguagem Aprofundar na questão dos limites da relação teóricometodológica destes autores no entanto não nos parece adequado para este momento O que queremos assinalar é o quanto os pressupostos teóricos destes autores complementamse na análise do tema aqui proposto Em ambos temos a defesa da tese da formação social da consciência e da importância dos processos de significação na constituição dos sujeitos Embora digase que a linguagem sofre determinações sociais e que sua modificação não decorre apenas de uma escolha idiossincrática dos sujeitos do discurso não se pode esquecer que estes sujeitos não são passivos pois agem e transformam a linguagem na medida em que a apreendem ativamente É por isso que se pode constatar que uma mesma realidade pode ser apreendida e evocada de forma diferente por homens diferentes Assim como conteúdos ideológicos sistemas de valores que incluem estereótipos socialmente construídos são veiculados através da linguagem e graças a ela são entranhados na consciência de maneira a serem naturalizados os discursos podem engendrar resistências e conteúdos contrahegemônicos fundamentais à transformação social Há que ser astuto neste caso pois como afirma Riobaldo personagem de Guimarães Rosa Todos estão loucos neste mundo Porque a cabeça da gente é uma só e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas muito maiores diferentes e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total Leituras complementares FIORIN JL Linguagem e ideologia São Paulo Ática 1988 O autor mesmo na introdução do seu pequeno e rico livro esclarece seus objetivos verificar qual é o lugar das determinações ideológicas nesse complexo fenômeno que é a linguagem analisar como a linguagem veicula a ideologia mostrar o que é que é ideologizado na linguagem p 7 PALANGANA Isilda C A função da linguagem na formação da consciência reflexões Cadernos CEDES n 35 1995 Neste artigo a autora centra na função da linguagem no processo de formação da consciência tanto no sentido da história da espécie quanto na história do sujeito individual A abordagem utilizada é a históricocultural e sua discussão teórica pretende colaborar para os avanços no campo da educação embora não se restrinja a ele PINO Angel O conceito de mediação semiótica em Vigotsky e seu papel na explicação do psiquismo humano Cadernos Cedes n 24 Campinas Papirus 1991 Pino em seu texto discute o papel da mediação semiótica na constituição do psiquismo humano Centrandose no pressuposto da natureza mediada da atividade humana e da produção pelos próprios homens dos mediadores culturais o autor mostra a importância do conceito mediação semiótica no sentido da superação das dicotomias individualsocial biológico cultural sujeitoobjeto do conhecimento Recomendase ainda a leitura dos trabalhos da equipe de pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisa Pensamento e Linguagem da Faculdade de EducaçãoUnicamp em especial aqueles publicados na revista Temas em Psicologia n 1 1993 e n 2 1995 Bibliografia ANDERSON P A crise da crise do marxismo São Paulo Brasiliense 1985 BAKHTIN M Marxismo e filosofia da linguagem São Paulo Hucitec 1981 LURIA AR Pensamento e linguagem as últimas conferências de Luria Porto Alegre Artes Médicas 1986 MARX K ENGELS F A ideologia alemã Feuerbach São Paulo Hucitec 1989 PINO A Semiótica e cognição na perspectiva históricocultural Temas em Psicologia São Paulo 1995 n 2 p 3140 WATZLAWICK P Pragmática da comunicação humana um estudo dos padrões patologias e paradoxos da interação São Paulo Cultrix 1967 WERTSCH JV SMOLKA ALB Continuando o diálogo In DANIELS H Vygotsky em foco Pressupostos e desdobramentos Campinas Papirus 1994 VYGOTSKY LS Obras Escogidas Vol III Madri Visor 1995 Obras Escogidas Vol II Madri Visor 1993 Formação social da mente São Paulo Martins Fontes 1984 Pensamento e linguagem Lisboa Antídoto 1979 ZANELLA AV O Ensinar e o aprender a fazer renda de bilro estudo sobre a apropriação da atividade na perspectiva históricocultural São Paulo Tese Doutorado PsicologiaPUC 1997 1 Alexander R Luria integrou juntamente com Lev S Vygotsky e Alexis Leontiev a famosa troika russa que marcou toda a história e a produção da psicologia ao lançar as bases de uma psicologia segundo o pensamento marxista Para estes pesquisadores o desenvolvimento humano é um processo histórico no qual o social é constituído e constituinte inalienável do homem A linguagem para eles ocupa um lugar fundamental neste processo sendo que o significado das palavras fornece à criança os resultados destilados da história de sua sociedade 2 Segundo Vygotsky 1995 p 83 todo estímulo condicional criado pelo homem artificialmente e do qual se utiliza como meio para dominar a conduta própria ou alheia é um signo Para ele a diferença fundamental entre os homens e os outros animais do ponto de vista psicológico é a significação ou seja a criação e o emprego dos signos p 84 As atividades mediadas pelas ferramentas adaptações mecânicas criadas pelos homens para facilitar seu trabalho corporal têm como alvo o externo ou seja através de seu uso o homem influi sobre o objeto de sua atividade modificandoo O signo por sua vez não modifica imediatamente nada no objeto exterior está voltado para dentro para a atividade interior é o meio pelo qual o homem domina a própria conduta reorientareestrutura a operação psíquica O domínio da natureza e o domínio da própria conduta estão reciprocamente relacionados uma vez que a transformação da natureza implica para o homem a transformação de sua própria natureza p 94 3 O sentido aqui possui uma amplitude e uma variabilidade diferentes do significado que por sua vez é mais estável em sua dimensão social O sentido inclui aspectos relacionados às vivências singulares do sujeito em sua trajetória no mundo constituindo a dimensão afetivavolitiva do signo e portanto guarda um caráter mais privado embora não descolado de sua origem social 4 A definição de conceitos está ligada à sua característica de generalização o que abrange o aspecto de representação semiótica do objeto e o aspecto de abstração de suas propriedades VYGOTSKY 1993 CONHECIMENTO Cleci Maraschin Margarete Axt Para discutir algumas ideias sobre conhecimento e sobre a atividade cognitiva dentro de uma perspectiva da psicologia social precisamos primeiro demarcar os sentidos dos conceitos sobre os quais vamos trabalhar questionando alguns modos corriqueiros de significálos Começamos com a ideia de conhecimento Para o senso comum conhecimento é alguma coisa que se tem não se tem ou se pode ter A possibilidade de possuir conhecimentos já nos revela um de seus sentidos O conhecimento é tido como uma substância ele pode ser acumulado guardado constituindo um acervo público ou privado pode escalonar as pessoas valorizandoas de acordo com o grau de conhecimentos que possuírem pode converterse em mercadoria ser tendido ser transmitido Outro sentido bastante difundido é o de que existem conhecimentos verdadeiros e conhecimentos falsos como se os conhecimentos tivessem uma essência e pudéssemos atestar sua verdade ou sua falsidade Essa essência corresponderia tanto à verdade dos fatos como deseja toda ciência empírica positivista quanto à verdade do sujeito nas posições racionalistas Existem outros sentidos comuns para conhecimento mas para nossos propósitos a ideia de substância e a de essência são as duas primeiras as quais gostaríamos de desconstruir constituindo outro sentido de conhecimento 1 A ideia de substância poderia estar mais relacionada com o conceito de informação do que propriamente com o de conhecimento As informações possuem uma certa materialidade percorrem vias podem ser guardadas constituem acervos Dizemos uma certa materialidade pois com o advento da digitalização da informação ela desvinculase da representação analógica podendo ser somente representada por um sistema binário bits o que possibilita outra forma de acervo global internet Mas como conceituar o conhecimento O conhecimento é aquilo que fazemos com a informação É o sentido que lhe damos é como a combinamos Conhecimento é relação É ação exercício atividade movimento redes conexões Por essa razão é que podemos empregar tanto a ideia de conhecimento quanto a de atividade cognitiva que se sinonimam na ideia de relação 2 A definição de conhecimento como relação também permite questionar o pressuposto de uma natureza do conhecimento Se conhecer é construir sentidos existirão sentidos que podem ser mais interessantes e resistentes para se compreender uma dada realidade mas nem por isso serão verdadeiros ou irão ter validade infinita Às vezes uma teoria um saber popular têm uma durabilidade para além de sua verificabilidade empírica O que os faz permanecer O conhecimento também está relacionado com os regimes de verdades sociais com o poder de grupos para perpetuar certos sentidos em detrimento de outros O encontro entre pessoas ou grupos posicionados a partir de suas certezas gera sempre desenhos estáticos que ao favorecerem a conservação das verdades existentes diminuem ao mesmo tempo as possibilidades de emergência de novas verdades uma vez que as últimas requerem abertura às incertezas às dúvidas e aos desconhecimentos 3 Outra ideia muito difundida é a de que o conhecimento é uma atividade humana um tanto desvinculada das condições sóciohistóricas de sua produção Essa ideia faz parecer que as visões de mundo se transformam num campo próprio das ideias ou das mentes sem muita relação com as tecnologias que lhes dão visibilidade suporte possibilidade de expressão ou mesmo com as práticas e instituições sociais que lhes dão as possibilidades de existência difusão e fixidez Aliado a isso as máquinas de produção simbólica tornam cada vez mais difícil sustentar a ideia de que o conhecimento se processe somente nos cérebros dos sujeitos As máquinas armazenam processam e tratam informações isto é realizam atividades cognitivas mediante processos de interação anteriores ou atuais ou mesmo futuros tanto com os sujeitos individuaiscoletivos humanos como entre elas próprias Por isso fica difícil não pensar em uma mente mais ampla que a individual Pelo que discutimos até agora vai se tornando insustentável a ideia de que o conhecimento se dê somente encapsulado no interior da mente de um sujeito a tal ponto que mesmo a natureza nas condições de hoje é impossível de ser pensada separadamente da cultura incluindose aí a tecnociência em particular as novas tecnologias da informação e da comunicação Nesse contexto tratase de começar a pensar num processo de trocas transversalizadas num contínuo ire vir entre níveis escalares diferenciados como num sistema fractal 4 Resta ainda um último ponto de interesse para a discussão do conhecimentoatividade cognitiva sob uma das perspectivas da psicologia social A análise relativa à construção de conhecimento à cognição tem se sustentado dentro da Psicologia tomando como ponto de análise a relação entre o sujeito cognoscente e os processos sociais como duas unidades sistêmicas diferenciadas se bem que em interação Nosso desafio é propor uma nova unidade de análise na questão do conhecimento ultrapassando a díade sujeito x sociedade Tentaremos mostrar adotando a metáfora da via informacional como as tidas unidades podem ser redesenhadas e uma nova configuração de entrelaçamentos complexos emergir Tomemos a unidade sujeito A ideia mesma de indivíduo correspondente a uma espécie de unidade mental do sujeito humano está sendo discutida e questionada Para Marvin Minsky 1989 não haveria nem mesmo um código ou princípio de organização comum a todo o sistema cognitivo sendo que a própria unidade da mente consistiria muito mais em um mito de sobrevivência do que numa realidade psíquica Estudos recentes em neurologia DAMÁSIO 1996 evidenciam que as múltiplas linhas de processamento sensorial experienciadas na mente não ocorrem todas numa única estrutura cerebral Ao contrário a mente integrada é resultante de uma atividade cerebral fragmentada o que está em conjunto na mente não está em conjunto num determinado local do cérebro Até mesmo a ideia de um fator g da inteligência está sendo questionada pela proposição das múltiplas inteligências de Gardner 1987 Uma nova revolução conceitual se avizinha Ao invés de sujeito talvez fosse melhor falar em componentes de subjetivação trabalhando cada um mais ou menos por conta própria Assim a interioridade se instaura no cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos outros e se for o caso francamente discordantes GUATTARI 1993 p 18 Howard Gardner 1987 ao propor a teoria das Inteligências Múltiplas retoma um debate a respeito de um fator geral fator g da inteligência proposto pelo psicólogo Charles Spearmam no princípio do século De acordo com esse último haveria um mecanismo geral superditante da inteligência responsável por todas as habilidades mentais Na época opunhase à concepção de um fator g o psicólogo LL Thurstone postulando uma família de habilidades mentais primárias que apresentavam também relativa independência entre si H Gardner retoma a segunda concepção na forma de Inteligências Múltiplas considerando que apesar das mesmas funcionarem via de regra em harmonia possuem autonomia podendo cada uma separadamente manifestarse ou não Se é difícil pensar a própria mente singular como possuidora de uma organização totalizante ou unidade sistêmica mais difícil ainda tornase sustentar a ideia de sociedade como outra unidade sistêmica Mas como pensar em outra unidade É dentro desse escopo que se começa a pensar numa ecologia das ideias ou ecologia cognitiva Para uma perspectiva ecológica da cognição Bateson 1991 distingue duas modalidades de trocas entre os sistemas as trocas de energia e as trocas de informação Segundo o autor tendemos a indiferenciar as unidades sistêmicas pensando que se tratam das mesmas quando observamos as trocas energéticas e informacionais Nas trocas energéticas as unidades sistêmicas podem ser diferenciadas por uma divisão entre seu interior e seu exterior Assim uma célula constituise em uma unidade sistêmica que é delimitada pela membrana celular Um organismo também é uma unidade sistêmica cuja pele delimita uma interioridade de uma exterioridade etc Mas no caso de trocas informacionais entre sistemas a unidade sistêmica não é a mesma Para o autor a unidade é a própria via de comunicação As relações entre internoexterno são modificadas Interno passa a ter o sentido dos componentes da via Essa diferenciação acarreta uma mudança significativa no modo de se pensar a cognição A cognição como um sistema que troca informações deveria ser definida a partir de Bateson como a via por onde essa informação percorre Todos os componentes da via fazem parte do interior do sistema Bateson 1991 afirma que a mente individual é imanente não apenas do corpo mas também das vias de mensagens exteriores ao próprio corpo existe uma mente mais ampla na qual a mente individual é só um subsistema p 492 Admitindose esta concepção não se pode esquecer que o fato da mente individual pertencer à interioridade da via faz com que ela própria se reorganize estruturalmente construindo novas estruturas cognitivasmentais A unidade do sistema cognitivo é constituída pelos componentes da via informacional A via é um sistema heterogêneo e aberto constituída por sinapses redes neurais tecnologias instituições Ao modificarmos um componente da via informacional transformamos o próprio sistema cognitivo Desta forma existe uma diferença cognitiva se um sujeito utiliza ou não uma ferramenta se insere ou não em alguma instituição É dentro dessa perspectiva que se pode falar de uma ecologia cognitiva esta se caracterizando pela composição em rede de múltiplas vias informacionais Assim podemos por exemplo falar de uma ecologia oral quando as trocas informacionais passam preponderantemente por tecnologias orais de comunicação Também podemos propor uma ecologia cognitiva informática quando temos máquinas de produção simbólica como constituintes da via Uma ideia interessante que decorre da decisão de tomar o conceito de via informacional como metáfora para desenhar a unidade cognitiva é poder também considerar a as instituições sociais como sistemas cognitivos b as instituições sociais como tecnologias intelectuais a As instituições sociais como sistemas cognitivos A principal ideia nesse sentido propõe que toda instituição funcionaria como um sistema cognitivo Pelo próprio fato de existir uma estrutura social qualquer contribui para manter uma ordem uma certa redundância no meio em que ela existe Ora a atividade cognitiva também visa produzir uma ordem no ambiente do ser cognoscente ou ao menos diminuir a quantidade de barulho e caos Conhecer assim como instituir equivale a classificar arrumar ordenar construir configurações estáveis e periodicidades Com apenas uma diferença de escala há portanto uma forma de equivalência entre a atividade instituinte de uma coletividade e as operações cognitivas de um organismo LÉVY p 142 A equivalência fractal possibilitaria mútua retroalimentação as instituições sociais funcionariam como potencializadoras de uma boa parte da atividade cognitiva do sujeito assim como os sujeitos contribuiriam para a construção e reconstrução permanente das instituições Ambos constituintesconstituídos da interioridade da via Dentro dessa ideia tornase possível pensar que as instituições como um sistema cognitivo realizam operações com o conhecimento constroem uma ordem processando classificações de diversas formas hierarquizações e seriações ordenam níveis de complexidade atribuem significados etc enfim reconstroem o conhecimento a partir de sua perspectiva institucional Assim por exemplo uma instituição como uma fábrica potencializa caminhos vias psicogenéticos através de suas operações cognitivas características A questão é como se dá essa potencialização Uma resposta possível seria a que leva em conta a tecnociência como tecnologia intelectual As coletividades e as instituições não são somente constituídas por sujeitos humanos Para além dos sujeitos e de suas ações as tecnologias de comunicação e de processamento de informação desempenham nelas um papel constitutivo configurando suas vias informacionais Tal condição permite que as instituições e as próprias vias informacionais possam ser equivalentes a uma organização reticular de tecnologias intelectuais Assim além de ser pensada como um sistema cognitivo uma instituição poderia ser analisada a partir da rede de tecnologias que a constitui b As instituições pensadas como tecnologias intelectuais Outro conceito central na ideia de uma Ecologia Cognitiva é o de tecnologia intelectual De acordo com o autor citado as tecnologias se transformam em tecnologias da inteligência ao se construírem como componentes da via auxiliando e configurando o pensamento Ao mesmo tempo tornamse metáforas servindo como instrumentos do raciocínio que ampliam e transformam as maneiras precedentes de pensar Mas a partir de que formas operativas as tecnologias intelectuais transformam e reconstituem a Ecologia Cognitiva As tecnologias intelectuais desfazem e refazem as ecologias cognitivas contribuindo para fazer derivar as fundações culturais que comandam a apreensão do real Mas essa relação não pode ser pensada como determinista a técnica inclina pesa pode mesmo interditar Mas não dita LÉVY p 186 Nesse sentido e a título de ilustração a palavra oral a escrita a cibernética são exemplos de tecnologias intelectuais são práticas sociais na medida em que criam signos possibilitam ou limitam modos de expressão e intercâmbio pautam as interações constroem universos de sentido Cada nova tecnologia que constrói um mundo de novas relações sígnicas cada sistema semiótico abre novos caminhos para o pensamento um mundo não só concreto mas também mental conceitual Os discursos não podem ser tratados como um conjunto de signos mas sim como prática social constituinte dos objetos dos quais falam FOUCAULT 1986 p 56 Mas para não correr o risco de enrijecer a Ecologia Cognitiva numa relação mecânica de causa e efeito LÉVY op cit propõe dois princípios de abertura i O primeiro deles denominado de multiplicidade conectada significa que uma tecnologia intelectual conterá muitas outras Configura sempre um sistema de múltiplas tecnologias Assim poderseia pensar que a tecnologia da escrita por exemplo reorganiza outras tecnologias já que a escrita pode empregar o lápis e o papel a máquina de escrever ou o computador No caso da máquina de escrever por exemplo há a escrita o alfabeto a impressão a organização convencional dos tipos que não segue a ordem alfabética a organização dos movimentos dos dedos etc No caso do papel e do lápis há o movimento da mão o posicionamento dos dedos as linhas de um caderno caligráfico etc Podese pensar nas modificações do escrever com a invenção da caneta esferográfica ou mesmo da borracha com o desaparecimento do borrador etc Essas são questões da Ecologia Cognitiva quais as transformações na atividade e no sentido do escrever caso a tecnologia empregada para realizála seja papel e lápis máquina de escrever ou processador de textos Poderia aqui explicitar ainda uma outra questão em relação à escrita quais as transformações na atividade e na significação da escrita quando a escola entra como tecnologia organizativa MARASCHIN 1995 Retomando o princípio da multiplicidade tecnológica o autor citado faz ainda uma advertência não se pode considerar nenhuma tecnologia intelectual como uma substância imutável cujo significado e papel na ecologia permaneceriam sempre idênticos LÉVY p 146 já que os diferentes encaixes na via informacional propiciam transformações ii Outro princípio de abertura consiste na própria interpretação da técnica O sentido de uma técnica não se encontra determinado na origem Os sujeitos no caso instituições ou sujeitos individuais podem fazer e efetivamente fazem novos usos constroem novos sentidos As inovações técnicas tornam possível ou até mesmo condicionam o surgimento de formas culturais mas não necessariamente as determinam Em suma as tecnologias agem então na Ecologia Cognitiva sob duas formas a transformam a configuração das vias sociais de significação cimentando novos agenciamentos possibilitando novas pautas interativas de representação e de leitura do mundo b permitem construções novas constituindose em fonte de metáforas e analogias O conhecimento como rede sociotécnica Os conceitos até aqui explorados da Ecologia Cognitiva possibilitariam pensar o conhecimento ou atividade cognitiva como uma rede sociotécnica Dentro dessa conceituação o conhecimento se compõe pelo interjogo dos sujeitos dos grupos e instituições das relações de poder entre eles das tecnologias de comunicação dos processos de transmissão das ritualidades de passagem etc Essa rede sociotécnica teria uma forma hipertextual A metáfora do hipertexto5 seria segundo o autor válida para todas as esferas da realidade em que significações estão em jogo tal como a cognição humana e as próprias instituições Seis princípios caracterizam o modelo de hipertexto que pode ser aplicado à nossa ideia de conhecimento como relação 1 a metamorfose a rede hipertextual encontrarseia em constante construção e transformação 2 a heterogeneidade os nós e conexões seriam heterogêneos em relação a seus constituintes 3 a multiplicidade de encaixes a rede apresentaria uma organização fractal assim cada nó seria por sua vez organizado por redes 4 a exterioridade não haveria unidade orgânica nem motor interno 5 a topologia o funcionamento se daria por proximidade por vizinhança tudo o que se desloca deve utilizar a rede ou modificála e 6 a mobilidade dos centros a rede não possuiria um centro mas diversos centros permanentemente móveis Segundo esse ponto de vista reticular o conhecimento constitui sistemas cognitivos que funcionam como redes compostas por um grande número de pequenas unidades que podem atingir diversos estados de excitação As unidades apenas mudam de estado em função dos estados das unidades às quais estão conectadas LÉVY p 155 Esse sentido da tecnologia como potencializadora do conhecimento e da atividade cognitiva tem sido proposto por pesquisadores da psicologia genética Ao referirse às novas tecnologias da informação Fagundes 1994 comenta Estas novas ferramentas são capazes de potencializar os poderes mentais do homem No prólogo de seu livro Logo computadores e educação Seymour Papert 1985 relata um exemplo de como a tecnologia pode funcionar como uma metáfora do pensamento Ele confessa sua paixão infantil por engrenagens Escreve que passava bons momentos manipulando e testando efeitos ocasionados pelo engate de diferentes engrenagens Segundo o autor sua curiosidade e a decorrente atividade com as engrenagens propiciaram lhe a construção de um modelo mental que lhe permitiu compreender muitas ideias principalmente os algoritmos matemáticos que de outra forma lhe teriam sido abstratos O próprio autor comenta que Lentamente comecei a formular o que ainda considero o fato fundamental da aprendizagem qualquer coisa é fácil se é possível assimilála à própria coleção de modelos 1994 p 12 Daí a conclusão do autor de que os ambientes de aprendizagem deveriam ser pródigos no oferecimento de modelos para se pensar Os modelos e as tecnologias potencializam a cognição e funcionam em certa medida como objetos para se pensar com ou como próteses mentais BATTRO 1986 LECOCQ 1988 As ideias comentadas acima apontam para uma compreensão da relação entre instituição e atividade cognitiva dentro da perspectiva de uma análise ecológica da cognição Embora ainda realizando seus primeiros ensaios a ecologia cognitiva como vimos pode oferecer ideias interessantes para se pensar com A reconstrução conceitual ou seja o trabalho de tornar próprio um conhecimento pode ser pensado como possibilitado pela participação ativa do sujeito em uma ecologia cognitiva Grifamos o termo ativa pois existe necessariamente uma ação uma atividade do sujeito na manipulação e experimentação uma assimilação reconstrutiva dos próprios esquemas mentais a partir das tecnologias que lhe são acessíveis Afinal ele é um constituinte da via Um dos limites do conhecimento de um sujeito particular consiste no limite coletivo o que foi instituído como conhecido ou conhecível e como as práticas coletivas e as técnicas operam no acesso a tais conhecimentos Assim por exemplo só se torna possível pensar na psicogênese do conceito de caos após ele ter tido uma existência como produto do campo científico ter produzido mudanças na rede de significados teóricos e ter possibilitado a construção de metáforas Da mesma forma só se torna possível estudar a aquisição da escrita quando ela se institui como uma tecnologia coletiva institucionalizada Tomandose por exemplo o escrever na escola entendese que implica uma atividade expressiva e conceitual na qual a ação e a compreensão dos aprendentes estão significadas organizadas legisladas em práticas e tecnologias escolares que regulam suas formas de apreensão e de expressão As condições concretas das práticas e tecnologias escolares constituirseão então em espaços de exercício vias que possibilitarão ou impossibilitarão diferentes percursos da psicogênese da escrita Como exemplo dessas direções destacamos duas delas ou escrever significa o domínio de um sistema de codificação não se constituindo necessariamente em uma ferramenta para o pensamento ou tratase de ingressar num novo modo de pensar tematizando a própria fala Não se trata aqui portanto da questão de saber ler eou escrever e sim de que tal aprendizagem em uma ecologia cognitiva implica concepções e percepções determinadas de espaço e tempo de si próprio e dos demais quer dizer dos elementos fundamentais que conformam a experiência e a mente humanas Em síntese gostaríamos de enfatizar ao final dessa reflexão que não interessou aqui discutir conhecimento em geral como essência humana como condição que iguala a priori todo o humano Também não interessou discutir o conhecimento como aptidão ou como dom e talento Interessou sim discutir o conhecimento como relação como forma de exercício simbólico como resultante de impossibilidades de ação e de expressão concretizado por complexas redes de vias informacionais conectando enquanto uma nova unidade sujeitos individuaiscoletivosintitucionais Em realidade o caminho em direção à construção da ecologia cognitiva como um campo interdisciplinar de conhecimento pode nos ajudar a redesenhar um novo mapa de conceitos que superem as velhas dicotomias no estudo do conhecimento e da cognição A possibilidade de pensarmos a unidade sistêmica como a via informacional ao invés da ideia de organismo x meio faz com que participem efetivamente da ecologia cognitiva além da mente individual as instituições e as tecnologias É dentro desta perspectiva que a proposta se inscreve na psicologia social contemporânea ao vincular o conhecimento às condições sóciohistóricas de sua produção Leituras complementares Uma discussão mais aprofundada sobre a epistemologia do conhecimento científico pode ser encontrada nos escritos de Gaston Bachelard 18841962 principalmente no livro A formação do espírito científico traduzido e publicado pela Editora Contraponto 1996 Nessa obra o autor apresenta o conceito de obstáculo epistemológico mostrando que existem dificuldades e resistências no próprio ato de conhecer O autor foi um dos primeiros a insistir na ideia do conhecimento como relação que tem sido fundamental para o delineamento de uma epistemologia complexa tal como enfatiza Edgar Morin no livro Introdução ao pensamento complexo editado pelo Instituto Jean Piaget 1990 Sobre a complexidade da mente Marvin Minsky no livro A sociedade da mente editado pela Editora Francisco Alves 1989 sustenta a ideia de diversidade mental baseado numa série de características 1 acúmulo de uma infinidade de subagentes 2 vários domínios de raciocínio comum 3 talento de várias protomentes instintivas 4 hierarquias administrativas 5 vestígios evolucionários de animais que ainda permanecem dentro do cérebro 6 desenvolvimento da personalidade infantil 7 legado complexo e sempre crescente da língua e da cultura e 8 subordinação dos processos de raciocínio a censores e supressores Cada uma delas proporciona irredutibilidade e versatilidade ao pensamento ao oferecer maneiras alternativas para prosseguir quando qualquer sistema falha As relações entre a biologia e o conhecimento têm na obra de Jean Piaget uma das contribuições mais significativas para a psicologia E interessante apontar neste sentido o conceito de autorregulação de Piaget que se encontra explicitado na obra Biologia e conhecimento editada pela Editora Vozes 1973 Nesta mesma linha de preocupação pode ser interessante a análise do conceito mais atual de autopoiesis de Maturana e Varela no livro De maquinas y seres vivos da Editora Universitária 1995 Sobre o conceito de ecologia cognitiva são interessantes as obras de Gregory Bateson Félix Guattari e Pierre Lévy todos citados nas referências bibliográficas O livro de Pierre Lévy fornece muitas ferramentas conceituais para compreendermos as transformações do conhecimentointeligência em uma sociedade informatizada Bibliografia BATESON Gregory Pasos hacia una ecologia de la mente Buenos Aires Editorial Planeta 1991 BATTRO Antônio Computación y aprendizaje especial Buenos Aires El Ateneo 1986 DAMÁSIO Antônio R O erro de Descartes emoção razão e o cérebro humano São Paulo Companhia das Letras 1996 FAGUNDES Léa da Cruz Novas tecnologias da informação e educação In Brasil Ministério da Educação e do Desporto Secretaria da Educação Média e Tecnológica Informática na escola Pesquisas e experiências Brasília 1994 FOUCAULT Michel As palavras e as coisas uma arqueologia das ciências humanas Lisboa Edições 70 1986 GARDNER Howard Estructuras de la mente la teoria de las múltiples inteligências México Biblioteca de Psicologia y Psicoanálisis 1987 GUATTARI Félix As três ecologias Campinas Papirus 1993 LECOCQ Pierre et al A propôs des prothèses cognitives In CAVENI JP Psicologie cognitive modeles etméthode Paris PUG 1988 LEVY Pierre O que é virtual Rio de Janeiro Editora 34 1996 As tecnologias da inteligência o futuro do pensamento na era da informática Rio de Janeiro Editora 34 1993 MARASCHIN Cleci O escrever na escola da alfabetização ao letramento Tese de Doutorado FacedUFRGS 1995 MINSKY Marvin A sociedade da mente Rio de Janeiro Francisco Alves 1989 PAPERT Seymour Logo computadores e educação São Paulo Brasiliense 1985 PIAGET J Adaptación vital y psicologia de la inteligência Madri Siglo XXI 1978 5 A definição de hipertexto do autor é a seguinte Tecnicamente um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões Os nós podem ser palavras páginas imagens gráficos ou partes de gráficos sequências sonoras documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos Os itens de informação não são ligados linearmente como em uma corda com nós mas cada um deles ou a maioria estende suas conexões em estrela de modo reticular Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível Porque cada nó pode por sua vez conter uma rede inteira LÉVY 1993 p 33 COMUNICAÇÃO Adriane Roso Embora vários estudiosos tenham se empenhado em discutir a comunicação ela ainda não é central no estudo das Ciências Humanas e Sociais No campo da psicologia percebemos isso mais explicitamente Poucas são as publicações ligando comunicação e psicologia Além disso existem diversas áreas de especialização dentro da academia como a psicologia clínica escolar psicometria etc mas não encontramos uma psicologia da comunicação Isto está mudando aos poucos e certamente essa área apresenta um futuro promissor Tornase vital compreender a comunicação mesmo para aqueles que não pretendem se especializar nessa área Há diversos aspectos a serem estudados na comunicação Nossa proposta é estudar a comunicação de massa Para tal nos deteremos nas maneiras pelas quais o desenvolvimento e as práticas ligadas aos meios de comunicação de massa podem afetar o modo como as pessoas agem e se relacionam entre si Dito de outro modo estamos interessados em estudar o papel de mediação isto é como as ações humanas são atualmente mediadas pela mídia nas sociedades modernas Moscovici 1972 coloca com muita convicção e clareza que o objeto central e exclusivo da Psicologia Social deve ser o estudo de tudo aquilo que se refere à ideologia e à comunicação do ponto de vista da sua estrutura sua gênese e sua função p 55 Para aqueles que adotam uma concepção de ser humano historicamente construído e que enxergam a sociedade como um produto históricodialético a comunicação obrigatoriamente tornase um problema central a ser estudado e desvelado A preocupação não é mais com o que é comunicado na nossa sociedade mas sim com a maneira com que se comunica e qual o significado que a comunicação tem para o ser humano A comunicação deve ser estudada como um campo de problemas na medida em que sua prática requer a superação da própria realidade Todos os dias somos envolvidos e dominados por informações imagens sons que de uma forma ou de outra tentam mudar criar ou cristalizar opiniões ou atitudes nas pessoas Isto é a própria mediação de nossas relações sociais Como assinala Guareschi 1993 não há como negar a evidência de que hoje os meios de comunicação envolvem os seres humanos num novo espaço acústico que McLuhan 1962 1969 1967 chama de mundo retribalizado onde eles passam a ser bombardeados instantaneamente por variadíssimas e inúmeras informações de todas as partes do mundo p 20 Esse espaço acústico pode assumir muitas vezes características de um agente revolucionário imperialista que tem o poder de construir e moldar os seres humanos como bem entende Assim quem controla esse espaço pode determinar que tipo de ser humano vai se formar Sendo a comunicação nosso objeto de estudo passamos anos indagar sobre algumas questões como De que maneiras podemos estudar a comunicação O que as teorias em Psicologia têm a dizer sobre ela Ela está a serviço de quem Iniciaremos mostrando como diferentes correntes teóricas podem abordar e iluminar o tema em discussão A comunicação tem sido vinculada às diversas concepções teóricas em psicologia social Desenvolveremos quatro dessas concepções o Comportamentalismo o Cognitivismo a Psicanálise e a Teoria Crítica O foco de nossa atenção vai centrarse contudo na Teoria Crítica pois é através dela que se pode mostrar as limitações e a ideologia das outras teorias Comportamentalismo Compreender a concepção de ser humano dessa teoria é fundamental Para ela o ser humano é como se fosse uma máquina que se comporta de maneiras previsíveis e regulares em resposta às forças externas aos estímulos que o afetam SCHULTZ SCHULTZ 1992 Consequentemente os processos básicos da personalidade estão fora do próprio indivíduo e são gerados por estímulos e reações que são observáveis Para mudar criar aprender ou ensinar determinado tipo de comportamento recorrese a dois tipos de condicionamento clássico e operante O primeiro envolve o comportamento reflexo onde o organismo responde automaticamente a um estímulo Grande parte da publicidade é baseada neste processo onde estímulos externos podem ser usados para estimular uma resposta ao marketing quando uma necessidade é criada entre os consumidores O segundo abarca o processo de aprendizagem no qual é mais provável que uma pessoa faça ou não certo ato porque foi reforçada ou punida no passado Associado a isso acreditase que em vez de simplesmente aprendermos pela vivência direta do reforço aprendemos por meio da modelagem observando outras pessoas e estabelecendo os padrões do nosso comportamento com base no delas SCHULTZ SCHULTZ 1992 No caso da comunicação de massa a aprendizagem através da modelagem pode ser sumarizada assim uma pessoa observa alguém na mídia identificase com este e infere que o comportamento observado poderá produzir certo resultado desejado se for imitado Quando confrontada com circunstâncias relevantes recordase do modelo e reproduz o comportamento Isso causa alívio e reforça o vínculo entre esses estímulos e a resposta modelada aumentando a possibilidade de que se repita a ação quando frente a semelhante situação Mas qual a utilidade disso Acreditase que veiculando o modelo com o qual se pretende que o telespectador se identifique o resultado virá automaticamente Por exemplo escolhese uma artista famosa e sexy para vender um refrigerante diet a telespectadora quer ser igual a ela e então compra tal produto Vêse assim que quem controla os reforços pode controlar o comportamento ou que quem controla os modelos de uma sociedade pode controlar o comportamento O homem é tomado como um objeto passível de controle e a comunicação de massa passa a ser um instrumento desse controle Cognitivismo O foco dos cognitivistas está no processo de conhecimento e não na díade estímuloresposta como no comportamentalismo Os cognitivistas estão interessados na forma como a mente estrutura e organiza de forma criativa a experiência A teoria da Gestalt enquadrase aqui O pressuposto básico dessa teoria é que as pessoas estão constantemente organizando partículas e pedaços de informação em padrões significativos WORTMAN LOFTUS MARSHAL 1981 p 127 e o seu grande valor posicionase no insight de que o todo determina as partes as quais contrastam com a assunção prévia de que o todo é meramente a soma total de seus elementos Assim uma propaganda de tevê por exemplo não é apenas imagens sons palavras A percepção que um indivíduo vai ter de determinada propaganda será construída a partir de suas sensações e estas irão formar o todo Acreditase que há mais coisas na percepção do que enxergam nossos olhos e a percepção vai além dos elementos sensoriais Psicanálise Muitos pressupostos da psicanálise podem também nos ajudar a compreender ao menos em parte estratégias empregadas pela mídia a fim de que determinadas propagandas e publicidades tenham resultado No ser humano existem inúmeros desejos como desejos de consumo desejo de afeto etc Vamos considerar dois pontos da abordagem psicanalítica que iluminam o caminho em direção à compreensão desses fenômenos O primeiro referese aos processos mentais da ação mútua de forças que são originalmente da natureza de instintos FREUD 1980 vol 20 Mas qual a importância de entender os instintos a libido e suas fases para a comunicação Reconhece Freud que todos os desejos impulsos instintivos modalidades de reação e atitudes da infância achamse ainda demonstravelmente presentes na maturidade e em circunstância apropriada podem mais uma vez surgir Comerciais de televisão podem auxiliar determinadas pessoas a encontrar uma fonte de satisfação para desejos que ficaram insatisfeitos na infância Por exemplo certo comercial de cerveja ilustra isso ao associar sua embalagem símbolo fálico a uma parte do corpo da mulher colocando uma garrafa ao lado da outra causando a impressão de que elas formam seios símbolos orais O segundo ponto que vamos considerar referese ao princípio de prazer desprazer O desprazer está relacionado com um aumento de excitação e o prazer com uma redução Como a satisfação de parte das necessidades dos seres humanos é regularmente frustrada pela realidade procuramos encontrar algum outro meio de manejar nossos impulsos insatisfeitos É justamente aí que está o perigo pois sabendo que existe uma tendência interior a buscar sempre o prazer e que a realidade não satisfaz sempre esse prazer os comerciais tentam então suprir nossas carências de modo que o princípio do prazer sobrepuje seu rival Então comerciais que incitam busca de prazeres que são difíceis de ser conquistados podem acarretar consequências negativas para os próprios seres humanos A psicanálise poderá ajudar certamente a compreender alguns mecanismos psicológicos que se dão no interior da pessoa controlados em geral por forças inconscientes Não dá conta entretanto de explicar todo o mecanismo social e suas implicações Teoria crítica Enquanto que o comportamentalismo o cognitivismo e a psicanálise se preocupam mais com o indivíduo explicando apenas parte do caminho os teóricos críticos ao repensarem o ser humano a partir dos aspectos ideológicos e culturais da sociedade explicam outros fenômenos dos quais as teorias anteriores não podem dar conta Diferentemente das outras teorias a Teoria Crítica já de início se preocupou em estudar a comunicação Há mais escolas que adotam o referencial crítico contudo a mais importante que é chamada inclusive de Teoria Crítica é a Escola de Frankfurt Esta sempre esteve interessada na investigação da problemática da comunicação Segundo Guareschi 1993 os primeiros teóricos dessa escola partiram da constatação da não realização de um pressuposto marxista que afirmava estando maduras as contradições presentes nas relações de produção a transformação da sociedade aconteceria automaticamente Para os frankfurtianos essas contradições já estavam profundas em diversas formações sociais mas a dominação continuava sempre mais acentuada Perceberam que havia outra variável que influenciava a realidade da dominação nessas sociedades a ideologia Para eles a crítica radical da sociedade e a crítica da ideologia são inseparáveis e essa crítica não é moralizante A ideologia está aí para ser questionada e analisada não por ser repugnante ou imoral mas por ser falsa por ser ilusão A crítica feita pelos frankfurtianos ao marxismo ortodoxo é dupla 1 a infraestrutura econômica deixa de ser o centro da análise social ampliandose para todas as esferas da sociedade e 2 eles desenvolvem a noção de consciência e recuperam a subjetividade através da análise das maneiras de desenvolvimento da subjetividade e o modo como as esferas da cultura e da vida cotidiana representam um novo campo de dominação Esses dois pontos encontramse articulados e deles se origina uma série de conceitos que ajudam a dar sustentação à teoria Não seria possível nesse momento aprofundar todos os conceitos e tópicos de discussão aos quais a teoria nos remete Entretanto para entender como a Teoria Crítica discute a comunicação de massa é fundamental rever dois conceitos civilização e cultura A civilização é o mundo concreto da reprodução material do trabalho da necessidade e do sofrimento Ela representa a exterioridade Em contrapartida a cultura representa a interioridade o mundo das ideias do prazer e de tudo que se refere ao espírito MARCUSE 1970 Até certo tempo atrás a dicotomia entre esses dois conceitos mostrados quase como opostos explicava em parte o fato das pessoas se alienarem às insatisfações e desigualdades do mundo exterior de modo a não lutar contra a infelicidade causada pela exploração capitalista Ou seja a cisão entre sujeitoobjeto entre bommau entre dominadordominado servia para a preservação das assimetrias sociais Esse modelo explicativo baseado nessa dicotomia com o passar do tempo foi perdendo sua força no sentido de controlar o descontentamento dos trabalhadores Surgiu a necessidade da criação de mecanismos mais sofisticados a cultura passa a ser transformada em mercadoria perdendo suas características para ser um valor de troca Isto é passa a existir uma cultura industrial Segundo Freitag 1988 essa nova forma de produção de cultura tem a função de ocupar o espaço do lazer que resta às pessoas depois de um longo dia de trabalho a fim de recompor suas forças para voltar a trabalhar no dia seguinte A indústria cultural cria a ilusão de que a felicidade não precisa ser adiada para o futuro por já estar concretizada no presente A indústria cultural ao se vincular aos meios de comunicação encontra uma fórmula magnífica para alimentar o sistema A primeira coisa que muitas pessoas fazem ao chegarem em casa cansadas e insatisfeitas é ligar a televisão no seu canal predileto para se desligarem de uma realidade opressora Para aqueles aos quais a televisão tradicional já não respondia satisfatoriamente foram criadas a televisão a cabo e a internet Através deles os buracos do coração que estão cada vez mais profundos são preenchidos por desejos de consumo por ideais de liberdade pelo individualismo e por uma falsa felicidade A consequência disso é a eliminação da dimensão crítica necessária à destruição dessa cultura industrial sem a qual não haverá emancipação Mas como os teóricos críticos agem para lutar contra a indústria cultural Em primeiro lugar como salienta Geuss 1988 os teóricos críticos tomam posição clara diante da ação humana visando ao esclarecimento das pessoas que a assumem fazendoas capazes de descobrir quais seus interesses e levando esses agentes à libertação das coerções às vezes autoimpostas e sempre autofrustrantes Esse autor salienta ainda que ao mesmo tempo que a Teoria Crítica é uma forma de conhecimento ela difere epistemologicamente das teorias das ciências naturais que são objetificantes ao passo que as críticas são reflexivas Esses são resumidamente os pilares da Teoria Crítica e a partir deles todo o referencial teórico e prático é montado A esquizoanálise como pensada por Guattari Deleuze e Rolnik não se distancia fundamentalmente desse referencial Ela traz também algumas luzes para compreendermos os mecanismos empregados pela comunicação principalmente a comunicação de massa Ela surge como uma crítica a alguns psicanalistas afirmando que reproduz a essência da subjetividade burguesa e cria uma relação de força que arrasta os investimentos de desejo para fora do campo social Deste modo ela recusa a ideia de que o desejo e a subjetividade estejam centrados nos indivíduos mas sim afirma que eles são construídos socialmente Ou seja essa é uma ideia de subjetividade essencialmente fabricada modelada recebida e consumida que por sua vez ultrapassa os níveis de produção e do consumo e atinge o próprio inconsciente dos indivíduos Isto quer dizer que tudo aquilo que acontece quando sonhamos fantasiamos ou nos apaixonamos são afetos produzidos socialmente pelo capitalismo moderno e estão diretamente relacionados com o modo dos indivíduos perceberem o mundo de se modelizarem os comportamentos e de se articularem as suas relações sociais CZERMAK DA SILVA 1993 p 45 Essa modelagem e fabricação é feita através de diferentes agenciamentos técnicos com os quais as pessoas têm contato Hoje essa subjetividade está marcada pela tecnologia Essa ideia de produção de subjetividade de desejos é um ponto de partida para entendermos melhor as contribuições da esquizoanálise para a comunicação O desejo é aqui entendido como movimentos intensivos que se expressam através da subjetividade enquanto modo dos indivíduos perceberem o mundo e articularem as suas relações sociais O desejo é a produção do real e implica a noção de agenciamento pois as pessoas desejam algo sempre dentro de um contexto Um carro importado para o brasileiro por exemplo é desejado porque ele representa algo seja status social ou apenas um produto mais durável que os nacionais Assim o desejo está sempre conectado com o exterior e a mídia transforma se em uma das fontes mais poderosas da produção desses desejos Ela cria o desejo de possuirmos carros cada vez mais velozes cria a necessidade de um corpo dietético etc Desse modo os meios de comunicação falam ao sujeito brasileiro criando uma massa desenraizada produtiva que chamamos de indivíduo e mantêm o sistema hierarquizante das relações A esquizoanálise sugere que através de um processo de individuação da subjetividade de expressão e criação ou seja da singularização a ruptura dessa ordem capitalista pode se consumar A fonte para essa singularização é o deciframento dos modos de subjetivação dominantes na sociedade capitalista a releitura da situação a crítica a todas as formas de reducionismo que levam a um empobrecimento dos movimentos do desejo Embora Guattari 1988 afirme que Façao poderia ser a palavra de ordem da esquizoanálise acreditamos que dentro da Teoria Crítica é John B Thompson 1995 que nos brinda com uma abordagem que é iluminada por fundamentos de ordem prática Ele desenvolveu uma forma de analisar a mídia que é fundamentalmente ideológica e cultural ou seja que está preocupada não somente com o caráter significativo das formas simbólicas mas também com a contextualização social das mesmas Não importa somente o que elas significam mas como elas significam dentro de determinado contexto social Por formas simbólicas entendese o amplo espectro de ações e falas linguísticas ou não linguísticas ou quase linguísticas expressões faladas ou escritas imagens e textos que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles como construtos significativos THOMPSON 1995 Assim quase tudo que vemos ouvimos ou percebemos em fontes de comunicação pode ser entendido como uma forma simbólica O problema surge quando essas formas simbólicas se colocam a serviço do poder a serviço da ideologia Ideologia segundo Thompson vem a ser as maneiras como o sentido significado mobilizado pelas formas simbólicas serve para estabelecer e sustentar relações de dominação THOMPSON 1995 p 79 Relações de dominação são relações estabelecidas de poder sistematicamente assimétricas isto é quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira permanente e em grau significativo permanecendo inacessível a outros agentes ou a grupo de agentes independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a efeito Talvez seja Thompson quem melhor apresente um instrumental para analisar e interpretar a ideologia na mídia Ele se pergunta como desmascarar o sentido que está a serviço do poder sugerindo que a ideologia pode operar através de cinco modos principais com suas respectivas estratégias Elegemos alguns desses modos e estratégias remetendo o leitor para a discussão mais completa THOMPSON 1995 p 8089 O primeiro modo é denominado legitimação A mídia através dessa estratégia veicula uma cadeia de imagens que mostra funcionários públicos como trabalhadores incompetentes faltosos e bem remunerados persuadindo a audiência de que apoiar a supressão da estabilidade empregatícia é coisa louvável e digna que deve ser incentivada Uma estratégia da legitimação é a universalização Acordos feitos entre montadoras de automóveis e governos ilustram isso É dito que tais acordos trarão benefícios a todos Na verdade são pequenos grupos que são beneficiados e a grande maioria da população apenas ajuda a pagar tais privilégios Um segundo modo é a dissimulação Um exemplo dessa estratégia é quando assistimos a uma entrevista de políticos do norte e eles usam a expressão latinos O uso de tal termo pode dissimular negar ou inverter as relações entre coletividade e suas partes pois não sabemos bem de que latinos eles se referem Um terceiro modo é via unificação A campanha televisiva de privatizações de companhias estatais é ilustrativa desse modus operandi Ela tenta mostrar que o governo e os telespectadores estão unidos pelos mesmos ideais e vontades dizendo que O governo é igualzinho a você O telespectador passa a se identificar com o governo e enxerga as atitudes deste como uma projeção de seus próprios desejos Um quarto modo de operação da ideologia é a fragmentação A representação de movimentos populares de trabalhadores na mídia é um exemplo claro Ao invés da mídia enfatizar os ideais coletivos dos movimentos ela enfatiza imagens sobre episódios de violência ou colocando facções umas contra as outras fragmentando esses grupos em partes conflitantes Tentamos mostrar até aqui como podemos interpretar aspectos da comunicação de massa a partir da ideologia Essa é uma tarefa difícil porém necessária se objetivamos adotar uma postura crítica no sentido de emancipar as pessoas das relações de dominação As contribuições da Teoria Crítica são iluminadoras nesse sentido especialmente as contribuições de Thompson pois elas dão conta de responder questões de ordem prática pouco discutidas em geral por outras teorias Considerações finais Várias teorias em psicologia social tentam compreender o papel da mídia na sociedade Todas de um modo ou de outro tentam iluminar essa problemática Algumas teorias contudo não dão conta de explicar determinados mecanismos e obscurecem a compreensão global da realidade Elas explicam algo mas ficam no meio do caminho Assim por exemplo o que está por detrás do comportamentalismo cognitivo e psicanálise é uma visão cartesiana a dicotomia entre o mundo externo e interno Cada abordagem tem sua maneira específica de explicar e lidar com essa dicotomia Tanto os comportamentalistas quanto os cognitivistas partem da concepção de que existem seres humanos que podem saber o que é melhor para a humanidade e portanto são dignos de controlar e construir desejos nas pessoas Muitas vezes mesmo de forma não proposital os pressupostos dessas três teorias podem ser usados para um fim comum manipular pessoas Consequentemente os postulados e princípios dessas correntes podem orientar pessoas e instituições no sentido da manipulação e construção de meios que reforcem as relações de dominação A Teoria Crítica tenta romper com essa visão cartesiana O ser humano é compreendido sob a ótica processual onde a pessoa e a sociedade são tomadas como realidades históricas contraditórias em um processo contínuo de construção e transformação A realidade é entendida como socialmente construída Podemos ver assim que a Teoria Crítica nos proporciona um referencial teórico e prático mais amplo e adequado para o estudo da comunicação Ela tem o compromisso básico de denunciar relações assimétricas e de lutar pela libertação de qualquer forma de relação de dominação através do desafio à realidade do questionamento da crítica e da luta contra o controle e a manipulação Ela possui assim uma dimensão emancipatória A Teoria Crítica com seus postulados teóricos e práticos dá garantia para que não se engane todo um povo ou algumas pessoas o tempo todo GUARESCHI 1996 p 103 Para que a emancipação ocorra é importante que as pessoas se reúnam para discutir criticamente comunicação que é veiculada tendo consciência da possibilidade de mudança e de seus direitos a uma comunicação ativa e não apenas passiva Sugestão de leituras THOMPSON JB Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 Um livro abrangente e central onde o autor ao mesmo tempo que discute as teorias sobre ideologia oferece uma teoria social para a compreensão do papel da mídia nas sociedades modernas Do mesmo autor temos The Media and Modernity A Social Theory of the Media Cambridge Polity Press GUARESCHI PA coord Comunicação e controle social Petrópolis Vozes 1993 A leitura desse livro é interessante pois traça uma ligação entre a psicologia social e a comunicação Para tal apresenta uma visão geral do fenômeno da comunicação enfatizando temas como cultura poder e controle social A seguir trata sobre as contribuições que as diversas abordagens teóricas da psicologia trouxeram para o campo da comunicação Sugerimos também a leitura de dois outros livros desse mesmo autor Comunicação e poder A presença e o papel dos meios de Comunicação de Massa Estrangeiros na América Latina 1994 10 ed Petrópolis Vozes caps 3 e 4 e Sociologia crítica Alternativas de mudança 1996 44 ed Porto Alegre Mundo Jovem principalmente os caps 18 19 e 21 Bibliografia CZERMAK R DA SILVA RAN Comunicação e produção da subjetividade In GUARESCHI PA org Comunicação e controle social 2 ed Petrópolis Vozes 1993 p 4451 FREITAG B A teoria crítica ontem e hoje 2 ed São Paulo Brasiliense 1988 FREUD S Um estudo autobiográfico Inibições sintomas e ansiedade A questão da análise leiga e outros trabalhos In Edição Standard das Obras Psicológicas Completas Vol 20 Rio de Janeiro Imago 1980 GEUSS R Teoria crítica Habermas e a Escola de Frankfurt Campinas Papirus 1988 GUARESCHI PA Sociologia crítica alternativas de mudança 37 ed Porto Alegre Mundo Jovem 1996 org Comunicação e controle social 2 ed Petrópolis Vozes 1993 GUATTARI F O inconsciente maquínico ensaios de esquizoanálise São Paulo Papirus 1988 MARCUSE H Cultura e sociedade Lisboa 1970 MOSCOVICI S Society and theory in social psychology In ISRAEL J TAJFEL H eds The context of Social Psychology Londres Academic Press 1972 p 1768 SCHULTZ DP SCHULTZ SE História da psicologia moderna 6 ed São Paulo Cultrix 1992 THOMPSON JB Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 WORTMAN C LOFTUS EF MARSHALL M Psychology Nova Iorque Alfred A Knopf 1981 IDENTIDADE Maria da Graça Jacques Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou Se hoje sou estrela amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio amanhã te tenho amor Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor Eu sou um ator Prefiro ser esta metamorfose ambulante Raul Seixas A música a literatura o cinema as artes em geral têm se dedicado com frequência ao tema identidade Em geral tem suscitado interesse quando associado a casos paradoxais como a reencarnação de almas os transplantes de cérebro entre outros No nosso cotidiano por vezes seguidas também nos defrontamos com a necessidade de responder a pergunta quem és a que a identidade remete A repetição da resposta não traz certezas sobre seu conteúdo Ao contrário O emprego popular do termo é tão variado e o contexto conceptual tão amplo que o que ostenta um nome tão definitivo continua tão sujeito a inúmeras variações Há uma grande semelhança entre essa frustração cotidiana e as dificuldades de definila nos variados campos do conhecimento visto que diferentes concepções tentam explicar como nos tornamos humanos a partir de compreensões diversas sobre natureza humana Além da filosofia a antropologia a sociologia e a psicologia têm se dedicado à temática A importância conferida ao estudo da identidade foi variável ao longo da trajetória do conhecimento humano acompanhando a relevância atribuída à individualidade e às expressões do eu nos diferentes períodos históricos Os estudos etnográficos revelam o caráter difuso do conceito de eu entre povos primitivos na Antiguidade Clássica ganha importância acompanhando um aumento no valor à vida individual e ao mundo interno seguindose um declínio acentuado a partir da influência da concepção cristã de homem e do corporativismo feudal Este declínio foi tão acentuado que os historiadores se referem à descoberta da individualidade nos séculos XI XII e XIII o que se reflete na linguagem na literatura nas artes plásticas O movimento romântico representa o ápice do culto ao egocentrismo e à introspecção já por influência do protestantismo e das formas capitalistas de produção o que vai se refletir na profusão de produções teóricas sobre o tema identidade inclusive na área da psicologia em seus primórdios como ciência independente Os estudos sobre identidade no âmbito psicológico passam em geral pela psicologia analítica do Eu e pela psicologia cognitiva Em comum caracterizam o desenvolvimento por estágios crescentes de autonomia e consideram a identidade como gerada pela socialização e garantida pela individualização Segundo a perspectiva de Erik Erikson 1972 um dos autores cujos estudos sobre o tema são bastante difundidos a identidade tem como modelo o indivíduo em situação de competência e eficácia sociais crise de identidade cisão de identidade são terminologias empregadas que sugerem uma forma abstrata atemporal e ahistórica de concebêla Em psicologia social a problemática da identidade ocupou um lugar central nos estudos de William James 1920 e na tradição do Interacionismo Simbólico nos trabalhos pioneiros de George Mead 1934 Após um período de poucos avanços a temática voltou a receber atenção através de trabalhos sobre as relações entre os grupos sobre a diferenciação social sobre a identidade marginal O ponto de vista contemporâneo questiona alguns princípios fortemente arraigados na tradição teórica do estudo sobre o tema especialmente as perspectivas naturalista essencialista e maturacionista como veremos mais adiante Como os autores conceituam a identidade Quando se referem ao conceito de identidade os autores empregam expressões distintas como imagem representação e conceito de si em geral referemse a conteúdos como conjunto de traços de imagens de sentimentos que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio Na literatura norte americana o termo consagrado é self ou selfconcept correspondendo a conceito de si a tradição europeia privilegia a noção de representação de si A identidade pode ser representada pelo nome pelo pronome eu ou por outras predicações como àquelas referentes ao papel social No entanto a representação de si através da qual é possível apreender a identidade é sempre a representação de um objeto ausente o si mesmo Sob este ponto de vista a identidade se refere a um conjunto de representações que responde a pergunta quem és Essa diversidade terminológica expressa a diversidade teóricometodológica dos autores ao abordarem o tema reflete ainda uma certa dificuldade de exprimir conceitualmente sua complexidade Em parte por esta dificuldade conceptual os sistemas identificatórios são subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal atributos específicos do indivíduo eou identidade social atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias esta última ainda recebe predicativos mais específicos como identidade étnica religiosa profissional etc Jurandir Freire Costa 1989 emprega a qualificação identidade psicológica para se referir a um predicado universal e genérico definidor por excelência do humano em contraposição a apenas um atributo do eu ou de algum eu como é a identidade social étnica ou religiosa por exemplo Habermas 1990 referese a identidade do eu que se constitui com base na identidade natural e na identidade de papel a partir da integração dessas através da igualdade com os outros e da diferença em relação aos outros Com base no pressuposto inter relacional entre as instâncias individual e social a expressão identidade psicossocial vem sendo empregada NETO 1985 buscando dar conta desta articulação Constatase portanto o uso de predicativos diversos para qualificar os diferentes sistemas identificatórios que constituem a identidade A imprecisão conceitual da temática resultado de abordagens diversas e de sua própria complexidade talvez possa ser melhor esclarecida a partir do exame de algumas especificidades que a constituem Como se constitui a identidade A moderna teoria da evolução explica as mudanças acontecidas no desenvolvimento dos seres vivos a partir dos mecanismos de reprodução diferencial das variações genéticas Esses mecanismos dão conta do processo evolutivo das plantas dos animais e da espécie humana até o surgimento do Homo sapiens sapiens Os estudos nas áreas de anatomia antropologia e paleontologia endossam as propostas de que o processo a partir do Homo sapiens sapiens passa a ser regido pelas chamadas leis sóciohistóricas que garantem uma significativa transformação em curto espaço de tempo marcando definitivamente a ruptura com o mundo animal Este ponto de vista é reforçado pelos estudos anátomofisiológicos que demonstram o quanto à herança morfológica do cérebro se contrapõe a sua capacidade de produzir conexões funcionais no sentido biológico estáveis que se estabelecem segundo as experiências que o indivíduo vai experimentando ao longo da sua existência Com base neste enfoque redimensionase a concepção sobre a constituição das especificidades humanas As perspectivas naturalista essencialista e maturacionista que colocam no indivíduo a origem das funções psíquicas são substituídas pela convicção de que estas funções não se encontram no substrato biológico mas se constituem a partir da inserção do indivíduo no mundo a existência das chamadas crianças feras reforça esta convicção Assim o homem concreto se constitui nas palavras de Lucien Sève 1989 psicólogo francês contemporâneo a partir de um suporte biológico que lhe dá condições gerais de possibilidades próprias da espécie Homo sapiens sapiens e condições particulares de realidade próprias de sua carga genética No entanto as características humanas historicamente desenvolvidas se encontram objetivadas na forma de relações sociais que cada indivíduo encontra como dado existente como formas históricas de individualidade e que são apropriadas no desenrolar de sua existência através da mediação do outro O emprego do vocábulo apropriação ao invés de adaptação ou introjeção tem o objetivo de destacar o caráter ativo e transformador do indivíduo na sua relação com o contexto sóciohistórico Contexto sóciohistórico resultante da ação humana enquanto externalização do seu psiquismo que volta a se interiorizar transformado num processo contínuo de articulação entre o individual e o social É do contexto histórico e social em que o homem vive que decorrem as possibilidades e impossibilidades os modos e alternativas de sua identidade como formas históricosociais de individualidade No entanto como determinada a identidade se configura ao mesmo tempo como determinante pois o indivíduo tem um papel ativo quer na construção deste contexto a partir de sua inserção quer na sua apropriação Sob esta perspectiva é possível compreender a identidade pessoal como e ao mesmo tempo identidade social superando a falsa dicotomia entre essas duas instâncias Dito de outra forma o indivíduo se configura ao mesmo tempo como personagem e autor personagem de uma história que ele mesmo constrói e que por sua vez o vai constituindo como autor Que outras dicotomias superar para compreender a identidade O emprego de expressões próprias à atividade cênica como personagem autor ator papel no estudo da identidade tem tradição nos textos clássicos de Erving Goffman 1985 O personagem se refere à identidade empírica que é a forma que a identidade se representa no mundo Implica sempre a presença de um ator enquanto desempenhando um papel social O personagem ao mesmo tempo se confunde e se diferencia do papel Em uma mesma representação é possível a existência de um mesmo papel de pai por exemplo em personagens diferentes Os papéis sociais são abstrações construídas nas relações sociais e que se concretizam em personagens o personagem implica a existência de um ator que o personifica Os papéis sociais caracterizam a identidade do outro e o lugar no grupo social o personagem enquanto representa um papel social representa uma identidade coletiva a ele associada construída e mediada através das relações sociais Antônio Ciampa 1987 psicólogo social brasileiro que de longa data vem se dedicando ao estudo da identidade referese à presença de múltiplos personagens embora a aparência de totalidade que a identidade evoca que ora se conservam ora se sucedem ora coexistem ora se alternam A interpenetração entre os vários personagens que por sua vez interpenetramse com outros personagens no contexto das relações sociais garantem a processualidade da identidade enquanto repetição diferenciada emergindo um outro que também é parte da identidade O autor emprega o termo metamorfose para expressar este movimento Se necessário se fez superar a dicotomia individualsocial para compreender o processo de constituição da identidade a noção de metamorfose implica articular estabilidadetransformação A estabilidade é marcante no contexto da identidade cuja etimologia remete a idem no latim o mesmo Esta noção conferida ao conceito tem suscitado inúmeras críticas por não dar conta da processualidade que lhe é própria A origem etimológica remete ainda à outra dicotomia que precisa ser superada para a compreensão da identidade a do igual e do diferente O vocábulo identidade evoca tanto a qualidade do que é idêntico igual como a noção de um conjunto de caracteres que fazem reconhecer um indivíduo como diferente dos demais Assim identidade é o reconhecimento de que um indivíduo é o próprio de que se trata como também é unir confundir a outros iguais O nome próprio é um exemplo característico desta contradição Enquanto prenome é um diferenciador de outros iguais mas também é um nivelador com outros iguais similarmente nomeados Enquanto sobrenome distingue a individualidade mas também remete a outros iguais do mesmo grupo familiar A pluralidade humana tem o duplo aspecto da igualdade e da diferença Pluralidade que paradoxalmente implica também a unicidade pois o indivíduo vai se igualando por totalidades conforme os vários grupos em que se insere brasileiros ou estrangeiros homens ou mulheres etc sem pressupor homogeneização ao mesmo tempo em que o indivíduo se representa semelhante ao outro a partir de sua pertença a grupos eou categorias percebe sua unicidade a partir de sua diferença Essa diferença é essencial para a tomada de consciência de si e é inerente à própria vida social pois a diferença só aparece tomando como referência o outro O que a identidade é e não é Ao iniciarmos este texto fizemos referência à intranquilidade que a resposta à pergunta quem és suscita Ao finalizálo tornamos ainda menos tranquila a sua resposta Compreender identidade segundo a proposta teórica aqui esboçada implica necessariamente articular dimensões aparentemente contraditórias pois avessas ao pensamento lógico formal com o qual estamos habituados individualsocial estabilidadetransformação igualdadediferença unicidadetotalidade Implica compreendêla como constituída na relação interpessoal eu nãoeu eugrupo a partir da inserção do indivíduo no mundo social e através da sua atividade que se substantiva e se presentifica como atributo do eu eu sou trabalhador substantivo porque exerço a atividade de trabalhar verbo Esta presentificação eu sou expressa um momento originário quando nos tornamos algo e se representa como um dado que oculta o darse constante que expressa a processualidade da identidade e o movimento do social O eu pronome próprio que a identidade evoca enquanto pronome é um substituto de substantivos ou nomes O nome próprio é uma representação da identidade precocemente adquirida a partir da forma como os outros nos chamam e portanto pelo seu caráter restritivo não dá conta da identidade É importante também não limitar o conceito de identidade ao de autoconsciência ou autoimagem A identidade é o ponto de referência a partir do qual surge o conceito de si e a imagem de si de caráter mais restrito A identidade é apreendida segundo a perspectiva aqui desenvolvida através das representaçãoões de si em resposta à pergunta quem és Esta representação não é uma simples duplicação mental ou simbólica da identidade mas é resultado de uma articulação entre a identidade pressuposta derivada por exemplo do papel social da ação do indivíduo e das relações nas quais está envolvido concretamente Leituras complementares O tema identidade não é um tema de fácil compreensão ou de resposta simples Que o digam os autores que têm se dedicado ao seu estudo nos mais diferentes campos do conhecimento A nossa experiência cotidiana também confirma esta afirmação Uma obra que explora exaustivamente a questão da identidade em uma perspectiva similar à aqui desenvolvida é A história de Severino e a estória de Severina escrita por Antônio Ciampa e referendada na bibliografia A partir da análise de uma história de vida e do poema Morte e vida Severina de João Cabral de Melo Neto o autor apresenta uma série de considerações sobre a temática a partir de uma abordagem em Psicologia Social Sobre a relação entre o papel social e a identidade a obra de Erving Goffman A representação do eu na vida cotidiana além de clássica é excelente fonte de consulta embora dentro de uma perspectiva que não rompe totalmente a dicotomia internoexterno Tendo em vista a importância conferida ao papel de trabalhador em uma sociedade pautada pelo valor produtivo como a nossa a articulação entre identidade e trabalho pode ser encontrada no capítulo Doença dos nervos o ser trabalhador como definidor da identidade psicológica contido no livro Relações sociais Ética e no capítulo Psicoterapia e doença dos nervos do livro Psicanálise e contexto cultural de Jurandir Freire Costa ambos referendados na bibliografia E por fim a concepção de homem que fundamenta a perspectiva aqui desenvolvida encontrase em O desenvolvimento do psiquismo em que o autor Alexei Leontiev apresenta importantes considerações sobre o desenvolvimento filogenético e ontogenético do homem Também o capítulo de Lucien Sève A personalidade em gestação contém importantes contribuições a este respeito No campo artístico a peça de teatro de Pirandello Seis personagens à procura de um autor e o curta gaúcho de Jorge Furtado Esta não é sua vida ambos publicados em livros ver bibliografia são ilustrativos sobre a temática além naturalmente do poema de João Cabral de Melo Neto já comentado e da música de Raul Seixas Metamorfose ambulante cujos versos abrem este texto Bibliografia CIAMPA Antônio A história de Severino e a estória de Severina São Paulo Brasiliense 1987 COSTA Jurandir Freire Psicoterapia e doença dos nervos In Psicanálise e contexto cultural Rio de Janeiro Campus 1989 cap 2 ERIKSON Erik Identidade juventude e crise Rio de Janeiro Zahar 1972 FURTADO Jorge Um astronauta no Chipre Porto Alegre Artes e Ofícios 1992 GOFFMAN Erving A representação do eu na vida cotidiana 4 ed Petrópolis Vozes 1985 HABERMAS Jürgen Para a reconstrução do materialismo histórico 2 ed São Paulo Brasiliense 1990 JACQUES Maria da Graça Corrêa Doença dos nervos o ser trabalhador como definidor da identidade psicológica In JACQUES MG et al Relações sociais Ética Porto Alegre Abrapso 1995 p 6270 JAMES William The letters Boston Atlantic Monthly Press 1920 LEONTIEV Alexei O desenvolvimento do psiquismo Lisboa Horizonte 1978 MEAD George Mind self and society Chicago University of Chicago Press 1934 NETO Félix Identidades migratórias Psiquiatria Clínica 62 p 113128 1985 PIRANDELLO Luigi Seis personajes en busca de autor Buenos Aires Argentina Condor 1927 SÈVE Lucien A personalidade em gestação In SILVEIRA Paulo DORAY Bernard orgs Elementos para uma teoria marxista da subjetividade São Paulo Vértice 1989 cap 5 SUBJETIVIDADE Nilza Silva A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade autoenriquecedora de maneira contínua na sua relação com o mundo Félix Guattari Discutir a subjetividade humana na atualidade do ponto de vista da psicologia social que se exerce é fazer opções Opções epistemológicas paradigmáticas metodológicas práxicas éticas estéticas políticas Escolher implica percorrer as trajetórias da construção dos saberes imanente ao processo de hominização mesmo que de maneira fragmentária e provisória Escolher implica exercitar uma crítica que não seja complacente nem obsequiosa Escolher implica respeitar o esforço coletivo do pensar Neste sentido esboçase uma incursão pelo pensamento da Grécia Antiga e por sua irrecusável influência na produção dos saberes ocidentais de todas as épocas Procurase então traçar uma linha transversal entre os desafios da realidade contemporânea e os saberes necessários para suportar esta complexidade especialmente em relação ao processo de subjetivação e às opções do profissional da psicologia social Do passado ao presente A hegemonia do pensamento présocrático estendeuse por aproximadamente três séculos entre séculos VIII aC e o V aC e afetouse por importantes transformações operadas no pensamento grego inicialmente mais descritivo e posteriormente mais questionador O século VIII aC revelou um mundo feito para os fortes os hábeis e os poderosos protagonizados na escrita de Homero A Ilíada descreve um mundo beligerante cujo ideal heróico da coragem e das façanhas pessoais ressalta a excelência na guerra A Odisseia descreve um mundo de viagens e comércio no qual a inteligência a sagacidade e a esperteza são necessárias CHEILIK 1984 O século VI aC apresentou forte indagação sobre a constituição do mundo Destacaramse duas vertentes de pensamento De um lado a vertente mística revivia o culto ao deus grego Dioniso na seita de Orfeu concebendo o mundo pela ruptura da unidade divina O humano carrega a dualidade corpoalma O corpo é a herança titânica que aprisiona a alma como um invólucro ou um túmulo A alma é a herança dionisíaca que pela ascese e pela resistência aos prazeres e atrativos da vida terrena se liberta do corpo para usufruir a vida eterna Pela metempsicose ou transmigração das almas a alma deixa um corpo e se reintroduz em outro pelo nascimento até a purificação MUELLER 1978 Viver e morrer objetivam o retorno à unidade divina originária A dualidade corpoalma e a metempsicose influenciaram o filósofo natural jônico Pitágoras de Samo século VI aC o filósofo eleata Empédocles de Acragante século V aC que as estendeu aos animais e às plantas e o filósofo clássico Platão século IV aC que as combinou com as ideias de beleza e verdade De outro lado o apogeu da Jônia território grego na Ásia Menor estimulou a vertente da filosofia natural que propôs uma explicação racional para o universo Dentre os jônicos destacouse Heráclito de Éfeso 480 aC que apresentou a ideia da mobilidade universal na qual o movimento como fluxo incessante engendra a multiplicidade das formas É o eterno devir Assim o processo de produção do homem é imanente ao processo de produção do mundo É a afirmação da indissociabilidade homemnatureza A hegemonia do pensamento clássico grego estendeuse por aproximadamente dois séculos os séculos V aC e o IV aC e foi estimulada pelo apogeu de Atenas No século V aC destacaramse três vertentes de pensamento A primeira constituída pelos sofistas dentre os quais se destacou Protágoras de Abdera 485 aC410 aC introduziu um novo conceito de homem que extrai a verdade do contato com a realidade Os sofistas ressaltaram a incomunicabilidade direta dessa experiência particular Preconizaram também o caráter convencional das instituições transformáveis segundo as necessidades humanas À segunda se filiaram os eleatas e os atomistas Os filósofos da Escola Eleática da Magna Grécia no sul da Itália conceberam a matéria una imóvel e indestrutível Dentre os eleatas destacouse Parmênides que propôs a identidade como único fundamento da verdade Para ele a realidade é única e idêntica a si mesma e o devir é aparência Portanto afirma a dicotomia realidadeaparência Dentre os atomistas destacouse Demócrito de Mileto 460 aC370 aC que propôs o universo formado por partículas indestrutíveis e indivisíveis os átomos A terceira foi representada por Sócrates 469 aC399 aC que propôs um conceito de homem essencialmente moral A verdade identificada com o bem é o único ordenador da felicidade humana No século IV aC consolidaramse a filosofia e a retórica do período clássico Platão 427 aC348 aC discípulo de Sócrates concebeu o mundo bipartite afirmando a dicotomia ideiamatéria ou essênciaaparência ou modelocópia A ideia ou essência ou pura forma é o modelo universal a realidade que não se corrompe pelo devir Pelo princípio da identidade verdadeiramente ser é permanecer idêntico a si mesmo A matéria ou aparência imagem ou corpo sensível é a cópia em devir a ilusão Pelo princípio da semelhança a aparência tornase cópia do modelo a matéria imita a ideia a ilusão mantémse realidade Já Aristóteles de Estagira 384 aC322 aC discípulo de Platão concebeu o mundo tripartite corpo físico alma incorpórea que representa o mundo por ideias e linguagem que expressa as ideias Também concebeu a alma tripartite alma vegetativa alma sensitiva e alma intelectiva A vegetativa e a sensitiva extensivas às plantas e aos animais representam as paixões os desejos os sentimentos as sensações os afetos expressos pela linguagem cotidiana que é plurívoca isto é com pluralidade dos sentidos A intelectiva representa a razão expressa pela linguagem unívoca isto é com unicidade dos sentidos FUGANTI 1990 Resumidamente a preocupação cosmológica présocrática mergulha na preocupação antropológica sofista que por sua vez trava um embate com a preocupação normativa socráticoplatônica Do mundo mítico ao mundo racional grego De forma geral poderseia agora traçar rudimentarmente a inserção do homem nos saberes produzidos nesse período e os princípios que orientaram esta inserção Inicialmente o único homem merecedor de nota e de proteção divina é o herói o corajoso o capaz o inteligente o sagaz A seguir o homem se inscreve diferentemente em cada uma das duas vertentes de pensamento que ora se afastam ora se aproximam ora se cruzam Uma das vertentes afirma duas dicotomias 1 unidade divinadualidade humana e 2 corpoalma Todos os homens semideuses precisam libertarse da sua metade humana para conquistar a integridade divina A unidade e indestrutibilidade divinas são deslocadas para a matéria A identidade e a imobilidade fundamentam a verdade Agregase nova dicotomia realidade aparência A identidade e a permanência da essência introduz o homem no mundo da moralidade no qual a verdade é identificada com o bem e o belo A dicotomia ideiamatéria é fundamentada pelos princípios da identidade e da semelhança A outra vertente afirma a diferença da diferença A metamorfose que institui o novo mesmo que imperceptível faz repercutir as disparidades de todas as coisas entre si O homem indissociável da natureza é uma forma composta pelos fluxos mutantes em devir A verdade como construção humana apresentase plural e transitória Hegemônicas ou não marginais ou não essas concepções do processo de subjetivação humana atravessam influem contaminam todo o saber ocidental até hoje Elas desdobramse estilhaçamse desviamse opõemse entrelaçam se vibram compõemse deslizam umas sobre as outras Vão criando caminhos atalhos pontes que suportam as escolhas atuais a reinvenção dos saberes e a construção do mundo Percorrendo o esboço traçado até aqui aos saltos e sob o risco ainda maior de simplificações grosseiras saliento dois princípios que orientam a inscrição do homem nos saberes o princípio da identidade e o princípio da diferença De um lado o princípio da identidade pressupõe uma imobilidade infinita que garante a existência do mesmo como modelo universal O mesmo o idêntico se refere ao conceito determinável originário que é fundado no sujeito pensante Pensar pelo princípio da identidade é sempre estabelecer a relação da identidade do conceito com o sujeito que pensa A realidade é ideal e estática já que estabelece sempre a ligação entre a unidade originária e a totalidade futura suprimindo qualquer elemento diferencial A identidade fundamentou as teorias dos eleatas dos atomistas dos socráticoplatônicos de Hegel no século XIX dos estruturalistas no século XX dentre outros Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 propôs o eu como consciência individual e parte integrante da consciência universal O desenvolvimento da consciência se realiza gradualmente quando o homem toma consciência de si e do mundo em progresso infinito até a liberdade total Então se unifica com o divino a ideia absoluta A realidade como exteriorização da ideia é criada pela razão A lógica dialética hegeliana se baseia na contradição criadora no movimento da tese afirmação da antítese negação e da síntese negação da negação Pelo princípio da identidade Hegel retalha a diferença pelo seu excesso a contradição se constitui na maior diferença somente em relação ao idêntico Subordina assim a diferença à identidade DELEUZE 1988 O estruturalismo que agrupa principalmente antropólogos historiadores etnólogos linguistas marcou com seu método a psicologia em meados do século XX Claude LéviStrauss 1908 etnólogo estudou os mitos e os fenômenos de parentesco como fenômenos de linguagem aplicando o rigor dos modelos formais e regras combinatórias do método linguístico isolando princípios universais Pierre Clastres 19341977 etnólogo estudou o poder os conflitos a divisão social a constituição do Estado propondo uma analogia estrutural entre os fenômenos Roland Barthes 19151980 linguista e semiólogo realizou estudos linguísticos e literários das narrativas e do cotidiano para os quais utilizou o modelo de análise estrutural Sob uma lógica de produção dos signos elaborou um sistema definido pelas relações entre seus elementos internos fornecidos pelas determinações contextuais Jacques Marie Emile Lacan 19011981 psicanalista ofereceu um estatuto científico à psicanálise unindoa à linguística à semiologia e à matemática para definir o inconsciente e suas leis pelo modelo da linguística estrutural Para ele os papéis humanos se organizam pela lei da ordem simbólica formalmente idêntica à ordem do significante e fundada sob a primazia da estrutura da linguagem Louis Althusser 19181990 filósofo propôs o corte epistemológico como uma cisão radical e precisa entre a abstração teórica e os fenômenos vividos Ele estabeleceu uma separação entre a ciência legitimada pelo método formal e os resíduos fenomenológicos ou empíricos que não são científicos As correntes estruturalistas propõem a realidade fixada por uma axiomática estrutural na qual as premissas expressam verdades cuja demonstração é desnecessária por serem tautológicas isto é idênticas a si mesmas Pelo princípio da identidade estabelecemse a repetição a previsibilidade e a reversibilidade A repetição do mesmo se dá porque o modelo pertencente a um grupo de modelos funciona como matriz analíticoexplicativa de todos os fatos vistos como homeostáticos Assim todos os fenômenos da realidade são esquadrinhados por conjuntos de relações formais Por identidade por semelhança por analogia ou por oposição os fenômenos são introduzidos na ordem dos códigos universais atemporais fundantes e são explicados a partir de determinações Assim qualquer modificação na realidade é previsível porque essa mudança só se faz dentro dos limites definidos pela interdependência estrutural das partes em relação ao todo Do retorno possível aos estados originários resulta a reversibilidade no tempo GUATTARI 1987 De outro lado o princípio da diferença pressupõe uma mobilidade incessante Sempre de um estado a outro A realidade produzida por fluxos de qualquer natureza mantémse em estado instituinte mutante Em eterno devir Por isto não pode ser capturada por formalizações resiste à previsibilidade A consistência dos fenômenos se faz num processo no qual as composições dos elementos as relações entre as forças acaso e as concatenações dos fluxos códigos tempos acontecimentos velocidades trajetórias implicam na imponderabilidade da história na irrepetibilidade das mesmas composições na heterogeneidade das transformações e na irreversibilidade do tempo Pensar pelo princípio da diferença é efetuar a relação do diferente com o diferente É afirmar a diferença Uma dificuldade aparece capturado pela representação o princípio da diferença acaba sendo mediado pelo idêntico pelo semelhante pelo oposto pelo análogo Tornase necessário então 1 desfazer a identidade do conceito e do sujeito pensante para introduzir a diferença no pensamento 2 reconhecer as multiplicidades como transformadoras da ideia feita de elementos e relações diferenciais para compor a diferença na afirmação e não na negação 3 não tomar o diverso como matéria do conceito idêntico para restaurar a diferença individuante singularizante DELEUZE 1988 A diferença fundamentou as teorias de Heráclito dos sofistas de Nietzsche no século XIX de Foucault de Deleuze e de Guattari no século XX dentre outros Friedrich Wilhelm Nietzsche 18441900 propôs a indissociabilidade vidapensamento afirmando que se implicam mutuamente pela eliminação de limites no esforço de criação do novo Pensar é inventar novas possibilidades de vida e depende das forças que entram em relação Uma nova maneira de pensar e uma nova maneira de avaliar transavaliação produzem o superhomem A vontade de poder é o elemento diferencial e genético da força que se exerce sempre sobre outra força Portanto para Nietzsche vontade é uma força que entra em relação com outra afirmando sua diferença O superhomem se engendra neste embate de forças vontades sempre afirmativas da diferença O eterno retorno como ser do devir é a expressão do princípio do retorno do diferente da reprodução da diferença Ele constitui a diferença e a repetição dela A realidade é criada pelas forças vontades em cujas relações são constituídos os corpos de qualquer natureza À lógica dialética da contradição e da negação Nietzsche opõe a lógica da afirmação da diferença DELEUZE sd Michel Foucault 19261984 Gilles Deleuze 19251995 e Félix Guattari 1930 1992 propõem a indissociabilidade homemnatureza afirmando que a produção do mundo se realiza num processo 1 inclusivo do qual não há exterioridade possível 2 mutante porque se efetua pela transformação ininterrupta 3 flexível para o qual não há determinações 4 fortuito por materializar o acaso 5 comunicante porque se dá por passagens por estados É um processo que engendra as multiplicidades pelas quais tudo pode se interpenetrar com tudo sem hierarquia entre as instâncias individuais coletivas e institucionais mudando a natureza do que se vai produzindo Fluxos de matériaenergia de relações vazam territórios aumentam qualitativa e quantitativamente suas conexões suas disjunções e suas conjunções Os corpos emergem e se efetuam nesta luta neste confronto de forças de velocidades de composições neste movimento incessante Os corpos são pois estados dos seus movimentos modos de estar superfície de inscrição dos acontecimentos volume em perpétua pulverização cujos fluxos estão sempre em insuperável conflito FOUCAULT 1989 p 22 O tornarse humano inclui o tornarse não humano a produção da subjetividade é imanente à produção do mundo Pelo processo de subjetivação o sujeito se desfaz em multiplicidades Pela heterogeneidade dos seus suportes físicos biológicos psíquicos verbais econômicos estéticos éticos políticos a subjetividade é um produto cultural como qualquer outro Como processo a subjetividade emergente se relaciona com o mundo pelo limite pela vizinhança individuase nas relações de alteridade e coletizase nas multiplicidades para além do indivíduo e para aquém da pessoa GUATTARI 1990 p 8 Do presente ao futuro O final deste século tem sido pródigo em desafiar todos os saberes misturandoos separandoos esvanecendo os limites para a investigação mas sobretudo impondo uma velocidade à ação difícil de perseguir Experimentase de um lado o esgotamento do estruturalismo e seus universais e de outro o recrudescimento da vertente de pensamento que 1 inscreve o paradigma ético estéticopolítico no paradigma científico 2 investe em processo diverso de sistema e estrutura na abertura na ruptura incessante na precariedade na singularidade 3 indica transformações e suas reordenações de limites 4 valoriza os cruzamentos criadores de novas condições de produção dos saberes 5 traça os percursos dos arranjos de poderes construtores e organizadores dos regimes de verdade e de exclusão dela A perplexidade do pesquisador talvez seja o que mais fortemente impregna o processo contemporâneo de construção dos saberes E por isto mesmo não deve ser desprezada O modelo capitalista de produção temse amparado especialmente na competição e no controle como organizadores 1 dos modos de pensar de perceber de sentir de relacionarse e 2 dos equipamentos coletivos que se engancham neste processo produtivo ao longo da sua trajetória Os modos os meios as velocidades destes fluxos não se inscrevem apenas na economia de mercado são imanentes ao processo de constituição do mundo em todas as suas dimensões da planetária à da subjetividade A subjetividade hoje permanece massivamente controlada pelos dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da socialidade E contudo outras modalidades de produção subjetiva processuais e singularizantes são concebíveis Estas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização podem tornarse amanhã a razão de vida das coletividades humanas e dos indivíduos que recusam abandonarse à entropia mortífera característica do período que nós atravessamos GUATTARI 1989 p 26 Há fartos dispositivos especialmente institucionais e massmidiáticos que se incumbem de banalizar a vida reduzindoa ao trabalho seja colando a preparação para viver no século XXI à preparação para trabalhar acesso ao emprego nesse século seja fazendo a apologia do individualismo absoluto Afirmase por todos os meios de expressão que num mundo diversificado de fronteiras abertas complexo interdependente com acesso internacionalizado ao capital e aos fatores de produção a educação se apresenta como ferramenta estratégica para o enfrentamento do mundo do trabalho cada vez mais competitivo Maiores também são as exigências da disposição para o aprendizado contínuo da mobilidade geográfica da capacidade de adaptação a novos ambientes e novas situações Assim a diferença está na qualidade da mãodeobra nacional No caso brasileiro o governo empresários e estudiosos do problema estão convencidos de que as oito séries do nível fundamental constituem a melhor base para qualquer aspirante a uma vaga no mercado de trabalho CAIXETA 1997 p 9 Que qualidade de mãodeobra se propõe aqui Além disso constróise uma subjetividade produtoprodutora desse modelo nutrida por um individualismo cujo princípio fundamental é o mesmo que rege as grandes empresas As estratégias e as oportunidades de destaque de promoção de visibilidade são ilimitadas e orientadas sempre para os resultados Estão à disposição de todos e dependem exclusivamente de cada um PETERS 1997 A subjetividade engendrada como resíduo no processo de produção do mundo é um produto cultural complexo Desvelar o conjunto de condições que possibilitam a emergência de instâncias individuais eou coletivas como território existencial autorreferencial na sua relação com o mundo é um dos maiores e mais potentes desafios da atualidade Guattari 1990 p 7 A hipertrofia das injunções do mercado contemporâneo se garante por três vias principais que resignificam competição e controle 1 a desregulamentação dos mercados financeiros 2 a integração mundial do capital e 3 as revoluções tecnológicas e comunicacionais Elas facilitam a expansão e a primazia das empresas transnacionais potencializando sua capacidade de intervenção global e a mobilidade crescente dos seus processos de produção A terceira revolução industrial impulsionada pela tecnologia do silício retalha e remonta unidades menores de trabalho e capital numa linha de produção separada em partes e distribuída como uma teia em redor do planeta Por um lado a produção dentro da fábrica é substituída pela terceirização a integração pela desintegração Por outro lado a fusão das empresas produzem seu crescimento desenfreado É a economia plugandplay mais competitiva flexível dinâmica e produtiva combinando máxima segmentarização com máxima desterritorialização Cada vez mais apartados vaise cada vez mais longe e mais rápido mesmo sem sair do lugar HUBER KORN 1997 Este modelo econômico opera de um lado pelo descentramento das redes de poder que tornam as relações de força difusas e legitimam certos discursos e práticas à custa da invalidação de outros e de outro lado pela circulação do capital financeiro em busca de valorização rápida e farta Para a localização dos investimentos competem entre si Estados nacionais eou regiões dentro do mesmo Estado As facilidades fiscais sobrecodificadas guerra fiscal a redução do Estado as privatizações a desregulamentação do mercado de trabalho e da securidade social que facilitam a flexibilização o arbitramento salarial a precarização das condições de trabalho a volatilização do emprego funcionam como elementos de atração para os grandes negócios Esta acelerada transformação arrasta consigo também 1 a transnacionalização da miséria do desemprego do isolamento político das relações de trabalho da instabilidade e insatisfação sociais da degradação ambiental 2 a exclusão porque impossibilita a apropriação e a fruição por todos dos meios e benefícios 3 o descompromisso com as populações acentuando as desigualdades e assimetrias sociais 4 a redução do mercado local combinada com a expansão do mercado globalizado Neste percurso o capitalismo descentralizado neoliberalismo realiza o deslocamento das contradições das relações de produção para as relações de mercado das relações de exploração capitaltrabalho para as relações de exclusão produtoconsumidor das relações de exclusão para as relações de eliminação Enquanto as relações de produção explicitam a exploração de uns por outros e a luta de classes as relações de mercado privilegiam o produto e a satisfação do consumidor cada vez mais raro Por mecanismos de controle o mercado se estabelece apesar da exclusão de amplas camadas da população desnecessárias à ordem instituída Elas podem ser desviadas empurradas eliminadas E o desempregado Excluídos pela lógica do desaparecimento do emprego os desempregados acabam por considerarse incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais E como produtos estão plenamente incluídos Neste processo de subjetivação a vergonha tem sua aplicabilidade domesticadora funcionando como um elemento importante de lucro Ela altera na raiz deixa sem meios permite toda a espécie de influência transforma em vítimas aqueles que a sofrem daí o interesse do poder em recorrer a ela e a impôla ela permite fazer a lei sem encontrar oposição e transgredila sem temor de qualquer protesto É ela que cria o impasse impede qualquer resistência qualquer desmistificação qualquer enfrentamento da situação É ela que afasta a pessoa de tudo aquilo que permitiria recusar a desonra e exigir uma tomada de posição política do presente É ela ainda que permite a exploração dessa resignação além do pânico virulento que contribui para criar FORRESTER 1997 p 12 Das escolhas Inicialmente fazse uma ligeira incursão por uma parte do acúmulo epistemológico dos últimos vinte e oito séculos de enunciação humana Esta viagem através dos saberes do passado ao presente apresenta um roteiro nem linear nem harmonioso nem necessariamente emancipador Na segunda parte descrevese resumida e fragmentariamente a realidade contemporânea em construção na qual se está mergulhado e com a qual se tem uma relação visceral de produtoprodutor Do presente ao futuro é uma proposta de continuação da viagem Os caminhos as sendas os atalhos as pontes estão para ser construídos Como uma provocação E a psicologia social Podese tomála como uma unidade indivisível Se não qual psicologia social serve de referência às escolhas profissionais Em quais dispositivos se engancha para interferir na realidade De que realidade trata Com o que como e para que funciona Com o que como e para que a psicologia social constrói seus saberes De quais saberes o profissional da psicologia social se vale para suas opções Algumas das respostas a estas questões não são tão evidentes nem tão simples quanto aparentam Requerem muito mais do que ler este texto ou este livro Exigem seguir os largos caminhos e também as trilhas Exigem criar onde ainda não existe Exigem empenhos lutas alianças mergulhos interlocuções E principalmente opções Opções epistemológicas paradigmáticas metodológicas práxicas éticas estéticas políticas Sugestão de leituras Apresentamse outras sugestões de leituras que investem na inquietação e no debate que colocam o desafio e a dúvida que exercitam a sensibilidade e o compromisso Gilles Deleuze no livro Conversações Rio de Janeiro Editora 34 1992 realiza um passeio na sua produção teórica entre 1972 e 1990 A partir de elementos da arte da ciência da filosofia e da política faz uma interlocução com Foucault Guattari Spinosa e Leibniz Félix Guattari em Três ecologias Campinas Papirus 1991 trata de três esferas de relações ambiental social e mental que implicam heterogeneticamente o processo de produção da subjetividade Umberto Eco Furio Colombo Francesco Alberoni e Guiseppe Sacco em La Nueva Edad Media Madri Alianza Editorial 1990 analisam na sociedade contemporânea as transformações dos Estados Nacionais as relações de poder os conflitos emergentes a ruptura do consenso a fragmentação e a insegurança sociais Boaventura de Souza Santos em Pela mão de Alice São Paulo Cortez 1995 analisa aspectos da trajetória histórica do capitalismo até a contemporaneidade abordando modos de produção de poder desafios dos paradigmas democracia emancipação social e subjetividade Bibliografia CAIXETA Nely Como virar a página Brasil em Exame São Paulo Abril ed especial p 611 set 1997 CHEILIK Michael História antiga Rio de Janeiro Zahar 1984 DELEUZE Gilles Nietzsche e a filosofia Porto Rés Editora sd Diferença e repetição Rio de Janeiro Graal 1988 FORRESTER Viviane O horror econômico São Paulo Unesp 1997 FOUCAULT Michel Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 1989 FUGANTI Luiz Antônio Saúde desejo e pensamento In LANCETTI Antônio dir Saúde e loucura 2 São Paulo Hucitec 1990 p 1982 GUATTARI Félix Linguagem Consciência e Sociedade In LANCETTI Antônio dir Saúde e loucura 2 São Paulo Hucitec 1990 p 317 Cartographies Schizoanalytiques Paris Éditions Galilée 1989 Revolução molecular pulsações políticas do desejo São Paulo Brasiliense 1987 HUBER Peter KORN Jessica A unha de produção agora é uma teia Exame São Paulo Abril ed 645 a 31 n 20 p 102106 24set 1997 MUELLER FernandLucien História da Psicologia São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 PETERS Tom Corra Bemvindo à Era do Eu SA Exame São Paulo Abril ed 643 a 31 n 18 p 108114 27ago 1997 GÊNERO Marlene Neves Strey Dentro da psicologia social científica os temas de gênero tinham pouca expressão e no máximo apareciam como sexo indicando as diferenças encontradas entre homens e mulheres em experimentos de laboratório ou de campo Para reverter esse quadro foi necessário tanto o estabelecimento da conhecida crise da psicologia social quanto as pressões dos crescentes movimentos feministas que iniciaram antes do século XX mas que tiveram seu apogeu há poucas décadas Hoje gênero embora seja um conceito que perpasse todas as áreas de estudo da psicologia e de outras áreas do conhecimento tem íntima afinidade com a psicologia social principalmente a psicologia social que lança seu olhar para a história para a sociedade e para a cultura não conseguindo entender o ser humano separado dessas instâncias Antes de seguir na análise do que seja gênero é importante abrir um parênteses para fazer algumas colocações sobre o movimento feminista que está constantemente associado aos estudos de gênero Esse movimento teve suas origens em vários acontecimentos na revolução norteamericana quando John Stuart Mill reivindica para as mulheres as promessas da Declaração de Independência na Revolução Francesa com a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã redigida por Olímpia de Gouges em 1791 inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e A Reivindicação dos Direitos da Mulher de Mary Wollstonecraft de 1792 um dos seus documentos fundacionais que sem outorgar direitos às mulheres proporcionaram as bases conceituais e teóricas que permitiram a luta pela igualdade de direitos políticos e educativos Abriuse um espaço público às mulheres no qual puderam manifestarse ainda que o discurso e as práticas feministas se mantivessem calados durante um longo tempo O feminismo levou à aparição de mudanças conceituais importantes no século XIX trabalho assalariado autonomia do indivíduo civil direito à instrução e à presença das mulheres na cena política Durante o século XIX produziramse constantes reformulações e conquistas femininas que se foram plasmando nas condutas individuais e nas coletivas na legislação na arte e no pensamento O pensamento e a luta pela igualdade e da realização da igualdade para as mulheres se constitui no pilar básico do feminismo Igualdade não só no sentido jurídico a qual foi o objetivo primordial durante as primeiras etapas de reivindicação feminista mas que graças ao desenvolvimento e evolução tanto no plano conceitual como no plano das mudanças sociais e nos comportamentos foi se transformando a ponto de não se poder afirmar hoje que o discurso feminista contemporâneo seja o mesmo que nos começos do século XIX PRÁ 1997 Sexo e gênero Embora muitos autores e autoras possam utilizar os termos sexo e gênero como sinônimos tratase de dois conceitos que se referem a aspectos distintos da vida humana Sexo não é gênero Ser uma fêmea não significa ser uma mulher Ser um macho não significa ser um homem Sexo diz respeito às características fisiológicas relativas à procriação à reprodução biológica A divisão sexual na reprodução já está bem entendida Os machos produzem esperma as fêmeas produzem óvulos e depois gestam os filhotes que foram concebidos O sexo biológico ou seja as características anátomofisiológicas das pessoas vêm determinada em geral pela dotação cromossômica pelas estruturas gonadais e pela dotação hormonal fetal pósnatal e puberal responsáveis da estruturação genital interna e externa dos caracteres sexuais secundários desenvolvidos na puberdade As diferenças sexuais são encontradas em todos os mamíferos Entretanto os humanos desde sua origem têm interpretado e dado uma nova dimensão a seu ambiente físico e social através da simbolização LANE 1995 Humanos são animais autorreflexivos e criadores de cultura O sexo biológico com o qual se nasce não determina em si mesmo o desenvolvimento posterior em relação a comportamentos interesses estilos de vida tendências das mais diversas índoles responsabilidades ou papéis a desempenhar nem tampouco determina o sentimento ou a consciência de si mesmoa nem das características da personalidade do ponto de vista afetivo intelectual ou emocional ou seja psicológico Isso tudo seria determinado pelo processo de socialização e outros aspectos da vida em sociedade e decorrentes da cultura que abrange homens e mulheres desde o nascimento e ao longo de toda a vida em estreita conexão com as diferentes circunstâncias socioculturais e históricas Os seres humanos têm diferenças sexuais mas de maneira semelhante a todos os outros aspectos de diferenciação física elas são experienciadas simbolicamente Nas sociedades humanas elas são vividas como gênero Enquanto as diferenças sexuais são físicas as diferenças de gênero são socialmente construídas Conceitos de gênero são interpretações culturais das diferenças de gênero OAKLEY 1972 Gênero está relacionado às diferenças sexuais mas não necessariamente às diferenças fisiológicas como as vemos em nossa sociedade O gênero depende de como a sociedade vê a relação que transforma um macho em um homem e uma fêmea em uma mulher Cada cultura tem imagens prevalecentes do que homens e mulheres devem ser O que significa ser homem O que significa ser mulher Como as mulheres e os homens supostamente se relacionam uns com os outros A construção cultural do gênero é evidente quando se verifica que ser homem ou ser mulher nem sempre supõe o mesmo em diferentes sociedades ou em diferentes épocas Principalmente nos Estados Unidos onde o movimento feminista teve grande importância e exerceu influência internacional o conceito de gênero foi introduzido em seu discurso teórico na década de 1970 primeiramente através de estudos da antropologia Mas também na Europa em 1972 a inglesa Ann Oakley havia apontado a necessidade de distinguir entre macho e fêmea e gênero na classificação social de masculino e feminino Diversas autoras começaram a aprofundar o tema salientando que além de contar com um modo de produção toda a sociedade possui um sistema de gênero conjunto de arranjos através dos quais a sociedade transforma a biologia sexual em produtos da atividade humana e nos quais essas necessidades transformadas são satisfeitas Este sistema incluiria vários componentes entre outros a divisão sexual do trabalho e definições sociais para os gêneros e os mundos sociais que estes conformam O movimento feminista pretendia que o uso do conceito ou categoria gênero transformasse profundamente os paradigmas da história e de outras disciplinas do conhecimento humano Em função desses estudos gênero passou a ser muitas vezes equiparado à mulher pois se debruçavam principalmente sobre a mulher e suas contingências Embora seja utilizado o termo gênero quando se fala de mulheres sempre fica claro que não se pode obter informações sobre elas sem ao mesmo tempo obter informações sobre os homens Assim para conhecerse como são as mulheres socialmente construídas fazse necessário saber sobre os homens socialmente construídos É imprescindível conhecer a história do desenvolvimento de ambos os gêneros assim como é importante estudar todas as classes para compreender o significado e alcance da história de como funcionou e funciona a ordem social ou para promover sua transformação A visão do gênero como construção cultural e histórica implica tratar com categorias simbólicas cujas características principais são dar prioridade à interpretação construída em uma dialética entre o dado concreto e o esquema explicativo na centralidade dos símbolos e dos diversos fatores que podem influir em sua leitura como por exemplo o lugar e o momento se é uma leitura individual ou se é coletiva Através da capacidade humana de criar e manipular símbolos os sistemas simbólicos vêm a ser condição e consequência da interação social No entanto é necessário lembrar que esta capacidade simbólica tanto de produzir como de interpretar de ler a realidade e de significar tem sido e ainda de certa forma é unilateral e excludente posto que se faz prioritariamente desde o ângulo masculino É sobre essa visão distorcida que os estudos de gênero buscam lançar luz SCOTT 1995 Os estudos de gênero são importantes na psicologia na antropologia na sociologia na história O conceito de gênero abre uma brecha no conhecimento sobre a mulher e o homem na qual torna possível uma compreensão renovadora e transformadora de suas diferenças e desigualdades Para além das diferenças individuais é importante salientar as interações sociais que influem nos resultados educativos e ocupacionais entre outros tantos Assim o conceito de gênero deve estar presente quando estudamos desenvolvimento trabalho escola família personalidade identidade grupos sociedade cultura Isto é particularmente central na psicologia social de cunho históricocrítico pois a análise e o estudo das situações e condições sociais geradoras de desigualdade o desenvolvimento conceitual e de modelos teóricos explicativos a proposta de estratégias de intervenção e de programas de ação eficazes têm como objetivos fundamentais a erradicação de situações e condições geradoras de desigualdade Vemos então convergirem nesse sentido os estudos de gênero e a psicologia social históricocrítica A questão da hierarquia de gênero A hierarquia de gênero descreve uma situação na qual o poder e o controle social sobre o trabalho os recursos e os produtos são associados à masculinidade GAILEY 1987 O patriarcado é uma forma de hierarquia em que os homens detêm o poder e as mulheres são subordinadas Numa sociedade patriarcal a autoridade social efetiva sobre as mulheres é exercida através dos papéis de pai e de marido Sob as condições patriarcais as mulheres às vezes exercem autoridade através do papel de mãe em oposição aos outros papéis familiares tais como esposa filha irmã ou tia Até recentemente o patriarcado era a forma prevalecente na hierarquia de gênero na civilização ocidental LERNER 1990 Hoje todavia a forma é diferente O poder social agora é identificado com atributos considerados como masculinos Pessoas do sexo masculino ou feminino podem desempenhar papéis através dos quais o poder pode ser exercitado mas eles permanecem como papéis masculinos Em virtude de serem simbolicamente masculinos a discriminação contra as mulheres gerada por esses papéis recebe reforço ideológico Além disso vemos em algumas teorias psicológicas por exemplo que o papel paterno é considerado como benéfico na ruptura da simbiose matemofilial que conduziria uma criança a ter problemas psicológicos Nessas teorias dáse por suposto que cada pessoa cumpre seu papel invariável a histórico e que o papel masculino paterno é necessariamente benéfico e que o papel feminino materno é pelo menos perigoso Não por acaso a mãe sempre é a culpada Todas as sociedades explicam as hierarquias sociais através de origens divinas de costumes ou naturais para as hierarquias sociais A tendência prevalecente nas civilizações ocidentais contemporâneas é propor razões naturais para a ordem social existente Em nossa sociedade ocidental esta tendência pode ser vista nas crenças disseminadas de que os recursos têm sido escassos desde a aurora da existência humana que a inteligência é herdada e pode ser medida acuradamente e que embora a discriminação racial e sexual possa ser objetada ela está baseada em inferioridade e superioridade naturais Essas noções têm um paralelo nas religiões que apresentam razões de ordem divina para a existência de desigualdades de raça e sexo WOLF GRAY citado por GAILEY 1987 Muitas pessoas assumem que os homens são naturalmente mais agressivos As mulheres são encorajadas às vezes a desenvolver a assertividade mas os homens são incentivados a canalizar o que é visto como um recurso natural possivelmente ligado ao cromossomo Y Algumas teorias alternativas argumentam que homens e mulheres são basicamente semelhantes ao menos com respeito a seus potenciais intelectuais e emocionais Nesta visão as diferenças entre mulheres e homens refletem fatores culturais ou seja espera se que homens sejam de uma maneira e mulheres sejam de outra OAKLEY 1972 No entanto essas teorias não dizem como as culturas chegaram a exigir essas diferenças de ambos os sexos E também algumas teorias não explicam por que essas diferenças exigidas também comportam desigualdade e subordinação das mulheres aos homens Se a subordinação política e econômica é um fenômeno cultural nossa tarefa é buscar uma explicação histórica ou cultural para a situação das mulheres e dos homens em todas as sociedades Destacando o mundo ocidental e com as devidas precauções a posição de gênero é um dos eixos essenciais para a manutenção do poder na hierarquia social que é essencialmente masculina no seu topo e tem estratégias de fragmentação por classes por idades por grupos ou culturas minoritárias Assim essa hierarquia nos leva a viver rivalidades e lutas entre pessoas jovens e idosas pobres e ricas negras e brancas mulheres e homens Essas relações antagônicas estruturam a dependência e a submissão Variações em gênero através das culturas Os estudos de gênero nos mostram uma tremenda variedade de culturas no mundo Em algumas sociedades a divisão do trabalho por gênero é uma das maneiraschave sobre as quais a atividade econômica está organizada Em outras a divisão do trabalho por gênero é encontrada primariamente na esfera doméstica As diferenças entre sociedades onde o gênero é central à produção econômica e aquelas onde é secundário se refletem nas diferenças em todas as estruturas de autoridade Em algumas sociedades que muitas vezes são chamadas de primitivas a propriedade é considerada comum a todos os participantes da referida sociedade as quais em geral se consideram parentes Embora a autoridade social possa variar podendo ser igualitária ou estratificada o que todas têm em comum é a ausência de separação entre o público e o privado Existe outra maneira lógica de encarar as diferenças sexuais Em termos físicos as características sexuais secundárias não são muito pronunciadas antes da puberdade e em algumas populações nunca são tão acentuadas e culturalmente sublinhadas como em nossa sociedade ocidental Assim em certas culturas podem chegar a existir até quatro gêneros dependendo de quando é determinado o início e o fim da vida reprodutiva crianças que parecem semelhantes adultos homens e mulheres que parecem diferentes e velhosas que voltam a parecer semelhantes Há variantes culturais no gênero adulto onde a preferência sexual pode criar outros papéis de gênero ou as pessoas podem trocar o gênero ou mesmo adotar os papéis procriativos do outro gênero Colocar o foco somente nas diferenças sexuais é ignorar a criatividade cultural Nossa sociedade ocidental rotula homens e mulheres desde o nascimento até à morte mas existem outras sociedades onde as diferenças de gênero não se estendem para além dos papéis adultos de procriação Os estudos transculturais nos mostram então dois aspectos universais sobre o gênero gênero não é idêntico a sexo e gênero fornece a base para a divisão sexual do trabalho em todas as sociedades Não existe um conteúdo universal para os papéis de gênero A maneira como homens e mulheres são conceitualizados varia enormemente Em algumas sociedades homens e mulheres têm a opção de poder adotar o trabalho e os papéis das pessoas do sexo oposto A divisão do trabalho por gênero pode incluir cada um ou cada uma em seu papel escolhido mas isto não se deve a seu sexo Em alguns casos mulheres e homens têm uma visão antagônica entre si Em outros casos existe uma visão compartilhada de que as mulheres têm menos poder menos autonomia pessoal mas tanto o trabalho como os direitos de propriedade por exemplo não são considerados necessariamente privilégio dos homens Como podemos então definir se as mulheres são subordinadas O que é subordinação e como se expressa Subordinação pode ser definida como uma relativa falta de poder Em termos de autoridade social um grupo subordinado tem pouco ou nenhum controle sobre a tomada de decisões que afetam o futuro daquele grupo Os trabalhadores por exemplo não têm nenhuma capacidade de vetar a decisão de sua empresa se ela decide fechar a fábrica num determinado lugar e abrir em outro Podemos falar em subordinação de gênero quando as mulheres não estão no controle das instituições que determinam as políticas que afetam as mulheres tais como os direitos reprodutivos ou a paridade nas práticas de emprego Discriminação nos salários e nas promoções são exemplos da subordinação das mulheres na nossa sociedade Em outras sociedades a subordinação pode envolver a necessidade de as mulheres casarem para poder sobreviver A isso se alia o fato do papel de esposa trazer menos autoridade do que o de marido Em suma subordinação envolve dependência sistemática sendo o grupo subordinado ativo ou não em tarefas produtivas A subordinação é mais difícil de determinar se focarmos somente as atitudes As atitudes expressas podem mudar relativamente rápido pois são sensíveis às mudanças no clima político As pessoas podem pensar que são iguais acreditando que são tão boas como qualquer outro grupo Mas elas podem de fato ser subordinadas independentemente do que acreditem As pessoas têm a capacidade simbólica de criar crenças que justifiquem as condições existentes e assim dão sustentação e continuidade ao sistema Simbolicamente a subordinação é frequentemente expressa como uma relação de complementaridade Os trabalhadores precisam dos patrões assim como os patrões precisam dos empregados e afirmações do estilo O aspecto de poder na relação é negado Por esta razão é mais confiável centrar o estudo da subordinação principalmente nas relações políticas e econômicas do que nas atitudes embora em Psicologia isso não seja comum tendo em vista muitas linhas teóricas centraremse apenas no indivíduo O problema é sabermos se a subordinação das mulheres sempre aconteceu ou se foi desenvolvida ao longo da história humana Temos teorias que argumentam que essa relação é natural outras dizem que é cultural e outras ainda dizem que embora seja cultural é universal ou seja sempre esteve e estará presente nas relações entre mulheres e homens Teorias sobre a hierarquia de gênero Algumas teorias dizem que as mulheres sempre estiveram subordinadas aos homens desde a origem da humanidade Isso teria se dado em função de sua inerente passividade sua fraqueza física ou sua incapacidade de funcionar como uma igual devido às demandas da procriação Entre essas teorias encontramos as abaixo relacionadas e que embora proponham a existência de um patriarcado primordial como fator de semelhança em todas não apresentam muito mais em comum O homem caçador subordinação baseada nas origens humanas Essa teoria fala sobre a adaptação humana como a base para a divisão sexual do trabalho e a subordinação feminina Embora muito criticada essa teoria continua ainda a ter muita vigência por isso vamos falar um pouco mais sobre ela enquanto que apenas mencionaremos as demais que são mais atuais e que demandariam uma discussão mais profunda De acordo com essa visão há cerca de dois milhões de anos atrás nossos ancestrais tinham sua sobrevivência garantida pela caça Os homens eram os encarregados da caça as mulheres dependiam dos homens para conseguir carne Os homens dividiam a caça primeiramente com suas próprias mulheres filhos e filhas Depois de fixado esse primitivo padrão de comportamento de papel sexual na humanidade em construção isso persistiria até os dias de hoje A razão dos homens caçarem seria o fato das mulheres serem mais voltadas naturalmente para suas famílias ou menos móveis devido aos encargos da maternidade e do cuidado com as crianças As mulheres então devido a isso foram incapazes de desenvolver a agressividade a atenção ao detalhe ao planejamento e à lealdade ao grupo e cooperação ostensiva ligada à caça como uma atividade cooperativa Essa adaptação às necessidades de subsistência imprimiram na humanidade a divisão sexual do trabalho na qual os homens se tornaram mais agressivos e mais capazes para o trabalho conjunto em grupos enquanto que as mulheres se tornaram mais passivas e mais fixadas nos trabalhos domésticos e cuidado com as crianças As críticas mostram que essa visão apresenta um viés claramente masculino Por exemplo a ênfase na caça como essencial para o desenvolvimento da cultura é bastante dúbia MILES 1989 Os hominídios comiam carne mas muito mais provavelmente em forma de carniça abandonada por outros carnívoros do que conseguida pela caça Embora fossem onívoros a maior parte da dieta era vegetariana e qualquer pessoa inclusive as muito jovens e de ambos os sexos podiam conseguir mais facilmente LIEBOWITZ 1986 A caça deliberada parece haver surgido muito mais tarde e na forma de forçar os animais a caírem de despenhadeiros onde poderiam ser facilmente mortos se já não o estivessem o que não impediria a participação de qualquer pessoa nem mesmo das crianças Outro problema é a suposição da nuclearidade da família nos primórdios da humanidade Seriam as famílias compostas por pai mãe filhos e filhas Existiria nos grupos ancestrais o conhecimento de como funciona o processo de procriação que permitiria aos homens terem uma noção de quem seriam seus filhos e suas filhas Essas são questões difíceis de responder não existindo provas suficientes nesse sentido para dar sustentação a teorias desse tipo O complexo da supremacia masculina A guerra e o controle populacional As explicações técnicoambientais falam daquilo que seria uma lei natural escassez de recursos pressão populacional que levaria à emergência de características culturais para a adaptação da sociedade às estruturas das leis naturais Um dos propósitos dessa teoria é explicar por que os homens dominam as mulheres HARRIS citado por GAILEY 1987 O controle populacional teria sido um problema desde tempos imemoriais Na medida em que iam se desenvolvendo as diversas culturas tratavam de fomentar as guerras como forma de contenção do crescimento da população Para isso os homens eram levados a desenvolver ao máximo sua agressividade para poderem atuar como ferozes guerreiros e obterem suas gratificações sexuais através do estupro das mulheres dos povos vencidos Já as mulheres seriam socializadas para serem passivas e submeteremse aos interesses dos jogos de guerra Teorias ligadas à sociobiologia A subordinação aumenta a adaptação Os sociobiologistas tais como Wilson 1981 atribuem a dominação masculina à seleção natural em que os mais adaptados sobrevivem e se desenvolvem Tentativas de alterar práticas sexistas então contradiriam as leis naturais o que poderia levar a longo prazo a uma série de problemas Os homens por possuírem muitos espermatozóides procurariam disseminálos no maior número possível de mulheres já que são elas e não eles que pagam o preço da procriação gravidez parto lactação etc Já as mulheres devido a isso e por terem poucos óvulos ao longo de sua vida reprodutiva procurariam para pai de seusas filhosas algum homem que pudesse ajudálas a criálosas da melhor maneira possível Para convencêlo se submeteriam a ele Teorias estruturalistas Essas teorias dizem que a subordinação feminina é cultural mas é universal Um desses grupos de teorias considera que as mulheres têm menor status e menos autoridade que os homens porque estão associadas ao domínio doméstico enquanto os homens estão associados ao domínio público Isso é universal e se deve a que as mulheres são responsáveis pela gestação e cuidado das crianças FIRESTONE 1976 Tudo então dependeria do grau de envolvimento conquistado na esfera pública pelas mulheres e na esfera doméstica pelos homens Outro grupo de teorias que também se refere à subordinação feminina como cultural porém universal salienta que isso se deve à divisão do trabalho por gênero GODELIER 1981 ORTNER 1981 Desde as primeiras culturas as mulheres seriam simbolicamente associadas à natureza enquanto os homens seriam associados à cultura sendo esta última superior à primeira portanto os homens dominam as mulheres assim como a cultura domina a natureza A subordinação como um processo histórico Se as teorias anteriores estão sujeitas a muitas críticas a possibilidade de entendimento da subordinação feminina pode se dar através do estudo da estratificação que existe ou existiu e das relações dessas formas de estratificação com a divisão do trabalho por gênero e as relações de propriedade No mundo ocidental capitalista a experiência de gênero e o status das mulheres advêm da vida em uma sociedade estratificada por classes com uma economia capitalista Nem todas as sociedades têm essas características atualmente e no passado existiram sociedades estratificadas por classe com economias muito diferentes da capitalista como a Europa feudal as civilizações grecoromanas baseadas no trabalho escravo etc Assim o modo de produção em si mesmo não pode ser invocado como a base da subordinação feminina Muitosas teóricosas veem a hierarquia de gênero como um processo histórico que está ligado a outras formas de hierarquia social Entender essa relação exige que se estude as diversas espécies de estratificação social que existem e que existiram e as relações dessas espécies com a divisão do trabalho e as relações de propriedade Também a formação dos Estados ligados à formação de classes estaria na base da exploração em geral com uma dinâmica que criaria e daria suporte às desigualdades e à exploração Desde que a hierarquia de gênero emerge com a formação de classe e do estado podese perguntar se a biologia não é destino então por que são as mulheres e não os homens que se tornaram subordinadas Na formação do Estado tanto as mulheres da elite quanto as das classes produtoras tiveram sua autoridade diminuída Na medida em que o estado vai se formando e a distância entre as classes da elite e as classes produtoras vai aumentando tornase cada vez mais necessário que os grupos de parentesco das sociedades iniciais deixem de ser autônomos pois necessitam providenciar produtos e serviços para o suporte da elite não produtiva A reprodução nesse sentido geral de continuidade se torna cada vez mais politizada Nessa espécie de crise da reprodução social é que está a origem da hierarquia de gênero GAILEY 1987 A reprodução das relações de classe envolve a replicação da força de trabalho existente reposição através da conquista de povos vizinhos ou a combinação de ambos os métodos As religiões sustentadas pelo Estado os militares e outras instituições não baseadas no parentesco atuavam de diferentes modos para promover a reprodução das relações hierárquicas através de noções de obediência aceitação controle da sexualidade e linhas de parentesco sancionadas pelo próprio estado O controle sobre o trabalho e através do trabalho dos produtos é o principal item político na formação do Estado A existência de uma esfera de tributação da produção destinada para as autoridades civis e a continuação parcial da produção através das linhas de parentesco inicia a fragmentação da divisão do trabalho pelos integrantes dos grupos de parentesco A divisão entre as esferas públicacivil e parentescodoméstica também abala a unidade da identidade social por parentesco A nova divisão do trabalho baseada na classe leva as pessoas para a força de trabalho de acordo com as categorias de gênero e idade mas estes aspectos estão separados da influência integradora dos papéis de parentesco Em outras palavras de acordo com Gailey 1987 pelo menos na esfera civil as pessoas podem ter identidades abstratas um homem adulto uma mulher adulta A esfera civil cria a situação na qual as pessoas podem ser consideradas somente em termos de seu sexo independentemente de seus papéis familiares pai mãe filho filha Quando os grupos são definidos de acordo com uma ou duas características aparece o estágio do estabelecimento do reducionismo biológico Os constituintes de um grupo particular de trabalho camponeses e camponesas cativos e cativas de guerra ou membros de uma comunidade conquistada tendem a ser definidos em termos físicos Relações de trabalho exploradoras para a produção de bens e serviços para dar suporte a uma classe não produtiva sem o consentimento dos produtores dão lugar ao surgimento de estereótipos de classe sexo e raça Esses estereótipos variam dentro de cada sociedade estatal mas cada uma cria uma ideologia justificando as desigualdades de classe sexo e raça com base em diferenças inatas A razão pela qual as mulheres recebem extrema sujeição ideológica está relacionada com a abstração na divisão civil do trabalho e a supressão da autonomia dos grupos de parentesco na reprodução As mulheres não apenas são capazes de trabalhar mas também de produzir outrosas trabalhadoresas Como tal as pertencentes à classe trabalhadora se tornam o foco principal do controle estatal Quanto às mulheres da elite elas tinham para seu reconhecimento somente sua capacidade biológica de reprodução já que eram tão improdutivas quanto os homens de sua classe Assim sua sexualidade e alianças maritais eram ainda mais supervisionadas que as da classe trabalhadora Fertilidade fora de lugar poderia causar tumulto político No entanto as mulheres da elite mantinham bastante poder e autoridade social Essa fase na formação do Estado é frequentemente confundida pelos pesquisadores como o matriarcado As mulheres da classe dominante tinham considerável poder político mas nunca estavam sozinhas no poder Com a transposição das relações de parentesco para a esfera doméstica o poder político das mulheres dentro da elite declina e com o tempo as mulheres em geral são vistas abstratamente de uma maneira que as relaciona com a reprodução biológica afastada da cultura e basicamente ligada à natureza O Gênero na psicologia Na psicologia as tentativas de olhar mais detidamente as mulheres e os homens têm sido mais frequentemente associadas com as diferenças sexuais DEX KITE 1987 São discutidas se essas diferenças são biológicas ou fruto de práticas de socialização mas quase sempre enfocadas no indivíduo como sendo a fonte das mesmas Isso é um problema sob os mais diversos aspectos entre eles o da generalização dos resultados de pesquisas por exemplo Ainda nessa perspectiva vemos inúmeros estudos que buscam diferenças em características de personalidade e comportamentos sociais atitudes emocionais comportamentos agressivos comportamentos de ajuda comunicação não verbal influência social Mais especificamente no que diz respeito às mulheres saltam à luz conceitos tais como o medo ao sucesso ou uma ênfase na moralidade do apego e questões ligadas à responsabilidade Uma variante na vertente das diferenças tem sido uma tentativa de definir as dimensões psicológicas da masculinidade e da feminilidade São buscadas a verificação das diferenças entre homens e mulheres mas acima de tudo se elas realmente existem e quais seriam os seus determinantes Durante muitas décadas as escalas de masculinidade e feminilidade M e F refletiam e promoviam um certo número de acepções sobre sua natureza As respostas normativas eram consideradas como um sinal de saúde psicológica Assim os desvios dos escores da média eram vistos não simplesmente como um dado estatístico mas como um diagnóstico psicológico válido Em particular a homossexualidade e os problemas familiares eram vistos como sendo ligados aos desvios dos escores de masculinidade e feminilidade As críticas às escalas que se baseavam na crença que masculinidade e feminilidade eram um continuum com a máxima masculinidade num extremo e a máxima feminilidade no outro serviram para o desenvolvimento de outras escalas que consideravam esses dois conceitos como dimensões independentes A escala mais conhecida nesse sentido é o Bem Sex Role Inventory BEM 1974 Daí saiu também o conceito de androginia A onde as pessoas apresentariam M e F aproximadamente equivalentes As pessoas andróginas seriam consideradas como tendo vantagens sobre as pessoas masculinas ou femininas principalmente no que dizia respeito à saúde mental Outros estudos questionaram essas crenças de predizer comportamentos ou saúde mental a partir de tipos de M F ou A Spence 1984 um dos estudiosos do tema e elaborador de escalas desse tipo afirma que é importante distinguir entre os conceitos teóricos de M e F e toda a gama de comportamentos de gênero que apresentam uma multiplicidade de determinações sociais e culturais com pouca relação direta a conceitos teóricos mais globais Todas essas crenças tanto as baseadas em diferenças biológicas como as baseadas em diferenças psicológicas de homens e mulheres são causadoras de grandes vieses nos estudos científicos de gênero As diferenças encontradas entre ambos os sexos além de não serem tão grandes quanto se possa pensar podendo ser mais aparentes do que reais dependem muito do contexto e de situações bastante concretas Felizmente essa descoberta já está presente nos trabalhos de muitos pesquisadores e pesquisadoras na psicologia Apesar disso como bem salientam Dex Kite 1987 ainda existem muitas crenças sobre diferenças de gênero que persistem tanto no senso comum como no campo científico o que leva à manutenção de estereótipos no senso comum e distorções nos estudos ditos científicos Nessas crenças sobre gênero aparecem e se entrelaçam elementos descritivos como são as diferenças e prescritivos como deveriam ser as diferenças Assim vemos que os homens são considerados como sendo mais instrumentais que agem competem buscam realização profissional que as mulheres enquanto elas seriam mais expressivas são mais afetivas buscam aproximação que eles É importante notar que os traços considerados masculinos costumam ser avaliados mais positivamente na sociedade que os traços considerados femininos e as razões disso nem sempre são buscadas ou consideradas pelas pesquisas realizadas De todos os modos as pesquisas transculturais revelam que de uma maneira geral os homens são vistos como mais ativos com mais necessidade de realização de domínio de autonomia sendo também mais agressivos Já as mulheres seriam vistas como mais fracas menos ativas mais preocupadas com suas necessidades afiliativas e de afeto Os pesquisadores e pesquisadoras admitem que é necessário cautela na generalização desses resultados já que existe uma grande variabilidade lado a lado com semelhanças através das culturas Atualmente o gênero na psicologia social históricocrítica é visto como uma construção histórica social e cultural Assim o estudo das diferenças de qualquer tipo entre homens e mulheres ou das semelhanças inclusive as psicológicas deveria ser evocado sob esse prisma Além disso mais importante que diferenças ou semelhanças é o reparto de poder entre ambos os sexos que permite que uns dominem outros que uns tenham maior possibilidades de realizações que outros A Psicologia tem que estar atenta a este tipo de questões que aceitam e incentivam a multiplicidade e a plenitude dos indivíduos e coletivos independentemente do sexo Leituras complementares No Brasil diversas autoras têm escrito sobre gênero e menos autores têm feito o mesmo embora sejam cada vez mais numerosos Especificamente dentro da Psicologia Social históricocrítica indicamos os textos da seção 4 Psicologia e relações de gênero do livro da Abrapso região sul publicado em 1997 Psicologia e práticas sociais Outras obras também são interessantes e atuais principalmente os livros coletivos que reúnem as ideias de diversas pessoas tanto da psicologia como de outras áreas Nesse caso se encontram os livros É uma mulher organizado por Reolina Cardoso e publicado pela Vozes com autoras psicólogas e o organizado por Marlene Neves Strey Mulher Estudos de Gênero reunindo artigos de autoras de diversas áreas das ciências sociais e políticas publicado pela Unisinos Outro livro cuja leitura é recomendada é o publicado pela Artes Médicas de Porto Alegre e integrado por profissionais da área da saúde Gênero e saúde Ainda de autoras gaúchas está o livro de Helena Scarparo que trata sobre mulheres da classe popular intitulado Cidadãs brasileiras editado pela Revan A respeito dos homens o livro organizado por Dario Caldas é uma das contribuições sobre a discussão do gênero masculino O livro intitulase Homens Comportamento sexualidade mudança e é editado pela Editora Senac de S Paulo Uma publicação recente sobre o tema é a obra Gênero sexualidade e educação de Garcia Lopes Louro editado pela Vozes 1977 Bibliografia DEX K KITE ME Thinking about gender In HESS BB FERREE MM orgs Analyzing gender a handbook of social science research Newbury Park Sage 1987 FIRESTONE S A dialética do sexo um estudo da revolução feminista Rio de Janeiro Labor do Brasil 1976 GAILEY CW Evolucionary perspectives on gender hierarchy In HESS BB FERREE MM eds Analyzing gender a handbook of social science research Newbury Park Sage 1987 GODELIER M The origins of male domination New Left Review 127 p 319 1981 LANE STM Linguagem pensamento e representações sociais In LANE STM CODO W orgs Psicologia social O homem em movimento São Paulo Brasiliense 1995 LERNER G La creación del patriarcado Barcelona Crítica 1990 LIEBOWITZ L In the begining The origins of the sexual division of labour and the development of the first human societies In COONTZ S HENDERSON P eds Womens work mens property Thetford Verso 1986 MILES R A história do mundo pela mulher Rio de Janeiro LTC 1989 OAKLEY A Sex genderand society Nova York Harper Row 1972 ORTNER S Gender and sexuality in hierarchical societies In ORTNER S WHITEHEAD H eds Sexual meanings Nova York Cambridge University Press 1981 PRÁ JR O feminismo como teoria e prática política In STREY MN org Mulher estudos de gênero São Leopoldo Unisinos 1997 SCOTT J Gênero uma categoria útil de análise histórica Educação e Realidade vol 20 n 2 juldez 1995 WILSON EO Da natureza humana São Paulo Queiroz 1981 O PROCESSO GRUPAL Sérgio Antônio Carlos Todos nós temos alguma experiência de participação grupal Para uns mais intensa que para outros mas de qualquer forma muito importante para a estruturação de nossas convicções e para o desenvolvimento de nossas capacidades Estas vivências grupais no nosso cotidiano nos deixam marcas mais ou menos profundas dependendo da forma como se dá a nossa inserção e as relações que aí se desenvolvem Partese do princípio de que estamos constantemente nos relacionando com outras pessoas com os mais diversos objetivos Relações mais intensas e duradouras ou menos intensas e passageiras Todas nos marcam de uma forma gratificante eou traumática É com toda esta carga das experiências anteriormente vividas que nos jogamos em novas experiências de relacionamentos grupais A nossa inserção grupal pode ser realizada de uma forma consciente ou não Temos consciência de que participamos de alguns grupos comumente aqueles que aderimos por uma opção pessoal A participação nos demais é feita geralmente de maneira rotineira e sem nos darmos conta Muitas vezes somos carregados pelo grupo Até aqui estávamos nos referindo aos chamados grupos espontâneos ou naturais Claro que precisamos também considerar os grupos organizados com finalidades específicas Organizados e coordenados pelos próprios participantes ou por profissionais das mais variadas formações Podemos pensar em todo o leque dos grupos de anônimos AAs NAs DQAs ALANONs ALATEENs CCAs em grupos ligados às Igrejas em grupos que atuam nas comunidades nos partidos políticos nos sindicatos nas escolas nas fábricas nas praças São formas de organização da sociedade que refletem e participam dos embates que acontecem no seu seio Grupos que tanto podem estar a serviço da transformação social quanto da sua manutenção Estamos portanto rodeados de grupos e participando ou negando participar deles em todos os momentos de nossa vida A preocupação com o grupo Historicamente sabese que o vocábulo groppo ou grupo surgiu no século XVII Referiase ao ato de retratar artisticamente um conjunto de pessoas Regina Duarte Benevides de Barros 1994 diz que foi somente no século XVIII que o termo passou a significar reunião de pessoas A mesma autora afirma que o termo pode estar ligado tanto a ideia de laço coesão quanto a de círculo p 83 Tanto a sociologia quanto a psicologia têm demonstrado interesse no estudo dos pequenos grupos sociais pensando o grupo como uma intermediação entre o indivíduo e a massa Os estudos dos pequenos grupos sociais embora sejam realizados por várias áreas de conhecimentos humanosociais são em geral associados com a sociologia e a psicologia Na psicologia o estudo sistemático dos pequenos grupos sociais buscando compreender a dinâmica dos mesmos tem início na década de 1930 e 1940 com Moreno e com Kurt Lewin Moreno inicia com o teatro da espontaneidade que vai levar ao psicodrama Na área de pesquisa cria a sociometria para o estudo de relações de aproximação e afastamento entre as redes de preferência e rejeição tanto nos grupos quanto na comunidade como um todo Lewin cria o termo dinâmica de grupo que foi utilizado pela primeira vez em 1944 Não podemos esquecer que a preocupação com grupos tanto de Moreno quanto de Lewin aparece em seguida às inovações tayloristas e fordistas que levam à elevação dos lucros mas também à deterioração das relações tanto dos operários entre si quanto em relação a chefias e patrões apud BARROS 1994 Há uma tradição no estudo e na intervenção com pequenos grupos que está ligada ao trabalho junto a escolas e a fábricas que privilegia o treinamento em busca da produtividade Os especialistas em grupos se atêm à aplicação de técnicas grupais que desenvolvem a cooperação entre os participantes e não levam o grupo a se autocriticar e buscar o seu caminho para o funcionamento pois uma das possibilidades é não se constituir enquanto grupo Neste caso a constituição do grupo está a serviço da instituição e é utilizada como um dos instrumentos de controle que a mesma exerce sobre o indivíduo Grupo ou processo grupal Em geral os autores ao se referirem ao conceito de grupo partem da descrição do mesmo fenômeno social a reunião de duas ou mais pessoas com um objetivo comum de ação O que difere é a leitura que os mesmos fazem do processo de constituição do grupo e do entendimento da finalidade do mesmo Lewin 1973 p 54 afirma que a essência de um grupo não reside na similitude ou dissimilitude de seus membros senão em sua interdependência Um grupo pode ser caracterizado como um todo dinâmico isto significa que uma mudança no estado de uma das partes modifica o estado de qualquer outra parte O grau de interdependência das partes ou membros do grupo varia em todos os casos entre uma massa sem coesão alguma e uma unidade composta Lewin centra a sua definição na interdependência dos membros do grupo onde qualquer alteração individual afeta o coletivo Demonstra uma preocupação em buscar a essência do grupo o que traz junto uma imagem de o grupo como um ser que transcende as pessoas que o compõem Há uma visão de um grupo ideal aquele marcado por uma grande coesão Olmsted é um outro autor que trata o tema define um grupo como uma pluralidade de indivíduos que estão em contato uns com os outros que se consideram mutuamente e que estão conscientes de que têm algo significativamente importante em comum 1979 p 12 Esta definição traz consigo a ideia da consideração mútua sem a preocupação da homogeneidade Aponta para a diversidade dos participantes e para o sentimento de compartilhar algo significante para cada um deles Nas afirmações acima encontramos pontos que ainda hoje são importantes para o estudo dos pequenos grupos sociais Um deles é o contato entre as pessoas e a busca de um objetivo comum a interdependência entre seus membros a coesão ou espírito de grupo que varia em um contínuo que vai da dispersão até unidade Podemos dizer que de acordo com o referencial de homem e de mundo que os cientistas sociais assumem vai variar o entendimento e a explicação que os mesmos vão dar em relação ao grupo e aos processos grupais Os estudos sobre os pequenos grupos dentro da perspectiva lewiniana trazem implícitos conforme Lane 1986 valores que visam reproduzir os de individualismo de harmonia e de manutenção A mesma autora enfatiza que a função do grupo é definir papéis o que leva a definição da identidade social dos indivíduos e a garantir a sua reprodutividade social Existe um modelo ideal de grupo Na tradição lewiniana temos um ideal de grupo coeso estruturado acabado Passa a ideia de um processo linear Neste modelo não há lugar para o conflito Estes conflitos são vistos como algo ameaçador e que deve ser resolvido tentandose chegar a um consenso A questão do grupo é vista como um modelo de relações horizontais equilibradas equitativas ou seja um lugar onde as pessoas se amam se respeitam e cooperam umas com as outras Algo que pode e deve ser buscado e atingido como um modelo ideal de funcionamento social Algo semelhante ao que Löwy 1979 denomina de anticapitalismo romântico O grupo também pode ser visto como um lugar onde as pessoas mostram suas diferenças Onde as relações de poder estão presentes e perpassam as decisões cotidianas onde o conflito é inerente ao processo de relações que se estabelece Onde há uma convivência do diferente do plural Não como um movimento de defesa das minorias mas num movimento de cada um e de todos procurando discutir suas ideias com os outros Num confronto de ideias buscando conciliar apenas o conciliável deixando claro as individualidades o diferente A importância de afirmar que as pessoas são diferentes pensam de maneira diferente porque possuem valores diferentes mas que podem produzir juntas o seu processo grupal Este é um embate diário das relações pessoais que trazem consigo toda uma história de vida Relações onde estarão presentes as múltiplas determinações de cada sujeito Determinações de classe social de gênero de raça e de nacionalidade Relações que embaterseão tanto na busca consciente de uma dominação quanto de defesas inconscientes utilizadas para lutar eou fugir das ameaças que as novas situações desconhecidas lhes colocam Conflitos que podem gerar conforme Bion 1975 situações de funcionamento na base de ataque ao desconhecido ou da espera de um messias que venha trazer a salvação ao grupo O grupo precisa ser visto como um campo onde os trabalhadores sociais que se aventuram devem ter claro que o homem sempre é um homem alienado e o grupo é uma possibilidade de libertação LANE 1986 Mas também pode ser uma maneira de fixálo na sua posição de alienado O grupo não é a garantia do engajamento Neste caso as relações que aí se estabelecem podem ser meramente de reprodução das relações de dominação e de alienação da sociedade capitalista que nos rodeia Podem em contrapartida ser um momento em que o grupo se pense explicite as situações que entravam o seu funcionamento onde as pessoas pensam elaboram enfim trabalham as suas relações e conseguem estabelecer uma experiência única refletida e que faz os seus participantes se sentirem sujeitos Para esta possibilidade um autor latinoamericano que contribuiu muito foi Enrique PichonRivière 1982 A partir do questionamento da psiquiatria e dos grupos em hospitais psiquiátricos cria a técnica dos grupos operativos Um dos conceitos fundamentais é o de Ecro Esquema Conceitual Referencial e Operativo Pichon afirma que cada um de nós possui um Ecro individual Ele é constituído pelos nossos valores nossas crenças nossos medos e nossas fantasias Quando nos encontramos para trabalhar com outras pessoas trazemos o nosso Ecro e com ele dialogamos com os outros ou melhor com os Ecros dos outros Como nem sempre explicitamos os nossos Ecros o nosso diálogo pode ser dificultado Quando se está trabalhando em grupos a realização da tarefa estabelecida pode ser dificultada pelas diferenças de Ecros que estão em jogo O autor fala na construção de um Ecro grupal Este Ecro seria um esquema comum para as pessoas que participam de um determinado grupo sabendo o que pensam em conjunto poderem partir para agir também coletivamente a partir do aclaramento das posições individuais e da construção coletiva que favorece a tarefa grupal Como funciona o processo grupal Quando pensamos em processo grupal não estamos nos referindo ao grupo como uma entidade acabada Estamos pensando o grupo como um projeto como um eterno viraser Pensando como Sartre e Lapassade 1982 este processo é dialético É constituído pela eterna tensão entre a serialidade e a totalidade Há uma ameaça constante da dissolução do grupo e a volta à serialidade onde cada integrante assume e afirma a sua individualidade sendo mais um na presença dos demais Ao mesmo tempo há uma busca constante da totalidade onde cada um dos integrantes participa com os demais introjetaos e dá sentido à relação estabelecida Cada integrante se afirma e assume a totalidade do grupo Partindo da ideia de processo e da construção coletiva do projeto não podemos pensar em um treinamento de grupo no sentido de aplicação de uma série de exercícios que possam ajudar as pessoas a atingir um ideal de grupo pertencente ou criado pelo profissionaltreinador As chamadas dinâmicas de grupo nada mais são do que técnicas de submissão do grupo ao profissional e à instituiçãoorganização A constituição do grupo em processo pode requerer a presença de um profissional técnico em processo grupal O trabalho do mesmo será auxiliar a que as pessoas envolvidas na experiência pensem o processo que estão vivenciando O se pensar não cada um individualmente mas cada um participando de um mesmo barco que busca estabelecer uma rota Talvez o porto não seja seguro porque não existe um destino final Quando isto acontece o processo acaba e o grupo se dissolve Enquanto o grupo persiste é um constante navegar Um constante questionar a rota Um aprender a conviver com a insegurança e com a incerteza Talvez uma mudança de rota devido a avaliação do trajeto já percorrido e do que falta Enfim há uma preocupação em centrar na tarefa e tornar explícitas as questões implícitas que estão dificultando a realização da tarefa pretendida ou que a estão facilitando Esta é uma maneira de o grupo se tornar sujeito do seu próprio processo Os integrantes da experiência terão condições de tomar decisões de forma mais lúcida e portanto podendo avaliar os benefícios e os riscos das futuras ações que pretendem desenvolver À guisa de fechamento No decorrer deste texto deixamos clara a nossa preocupação na compreensão dos pequenos grupos sociais Compreensão no sentido de comentar acerca deles pois como Peralta 1996 não acreditamos que o movimento grupal possa ser lido no sentido de uma certeza Tendo claro que este comentário está impregnado dos valores e posições teóricometodológicas de cada um dos comentaristas Portanto não existem verdades absolutas mas apenas hipóteses que devem ser colocadas para o grupo O próprio grupo poderá trabalhar confrontando o nosso comentário com os comentários produzidos pelos seus integrantes Daí resultarão situações de manutenção de relações já estabelecidas ou a mudança das mesmas numa decisão muito mais dos participantes do que do profissional que compreende mas não vive o processo De acordo com a compreensão que temos do processo grupal é que vamos buscar uma maneira de intervenção profissional É o referencial que utilizamos para o entendimento que nos dará sustentação para a escolha de técnicas adequadas para a intervenção grupal Intervenção que pretendemos seja numa perspectiva transformadora onde as pessoas que participam de um processo grupal sejam vistas como sujeitos que em conjunto podem decidir o seu destino tendo claras as possibilidades e os limites Sugestão de leituras Para aprofundar as questões sobre grupo e processo grupal é fundamental a leitura do texto O processe grupal de Silvia Lane Nele a autora dá uma visão dos principais autores que abordam o estudo dos pequenos grupos sociais Faz uma análise crítica destas abordagens do ponto de vista do materialismo histórico Deve ser considerado como um roteiro para aprofundar a questão O texto de Henrique PichonRivière O processo grupal é um clássico latino americano para o estudo e a intervenção de pequenos grupos Nele são encontrados os fundamentos e o detalhamento do que o autor denomina de grupo operativo Na mesma linha porém com uma linguagem mais simplificada indico a coletânea de textos de Madalena Freire Weffort Juliana Davini Fátima Camargo e Mirian Celeste Martins Grupo indivíduo saber e parceria malhas do conhecimento É resultado de um seminário coordenado pelas autoras Quem desejar se aprofundar dentro de um referencial psicanalítico é necessário buscar a base em Sigmund Freud principalmente no texto Psicologia das massas e análise do eu A partir da Psicologia das multidões de Gustavo Le Bon o autor aborda o contágio e o efeito hipnótico que acontece nas massas e desenvolve conceitos de relações libidinais tanto dentre os integrantes entre si quanto destes com o seu chefe É muito interessante a análise que realiza do Exército e da Igreja mostrando as relações hierarquizadas Bibliografia BARROS Regina Duarte Benevides de Grupo a afirmação de um simulacro São Paulo 1994 Tese de Doutorado em Psicologia Clínica PUCSP BION WR Experiências com grupos 2 ed São Paulo Edusp 1975 BOUDON Raymund BOURRICAUD François Dicionário critico de sociologia São Paulo Ática 1993 FREUD Sigmund Psicologia das massas e análise do eu In FREUD Sigmund Obras Completas Rio de Janeiro Delta sd Vol IX p 4105 LANE Silvia Processo grupal In LANE Silvia et al Psicologia Social o homem em movimento São Paulo Brasiliense 1986 p 7898 LAPASSADE George Dialética dos grupos das organizações das Instituições In ID Grupos organizações e instituições 2ed Rio de Janeiro Francisco Alves 1982 p 237263 LEWIN Kurt Problemas de dinâmica de grupo 2 ed São Paulo Cultrix 1973 LÖWY Michael Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários São Paulo Lech Livraria Editora Ciências Humanas 1979 OLMSTED Michael S O pequeno grupo social São Paulo Herder 1970 PERALTA Juan Grupos México Maestria en Psicologia Social de Grupos e Instituciones httpcueyaltuammxmpsitextosgrupalhtml 16 de novembro de 1996 9f PICHONRIVIÈRE Henrique O processo grupal São Paulo Martins Fontes 1982 WEFFORT Madalena Freire O que é um grupo In WEFFORT Madalena Freire DAVINI Juliana CAMARGO Fátima MARTINS Mirian Celeste Grupo indivíduo saber e parceria malhas do conhecimento São Paulo Espaço Pedagógico 1994 WILSON Gertrude RYLAND Gladys Prática do serviço social de grupo uso criador do serviço social Rio de Janeiro Serviço Social do Comércio 1961 PSICOLOGIA POLÍTICA Louise A Lhullier Para começo de conversa precisamos definir do que estaremos tratando ou seja o que é psicologia o que é política e o que é psicologia política Essas definições são necessárias para que se estabeleça uma base comum para a nossa comunicação autoraleitores mas é importante que se diga que não há consenso sobre elas Desde o início do curso de Psicologia os estudantes tomam contato com a discussão sobre o objeto de estudo dessa disciplina Vocês já devem ter percebido então que diferentes escolas de pensamento definem o objeto da psicologia de acordo com a perspectiva teórica que lhes é própria Assim uma escola diz que ela estuda o comportamento humano outra que estuda a mente humana e assim por diante Neste texto adotaremos a perspectiva da psicologia social crítica na tradição de pensamento representada no Brasil pela Associação Brasileira de Psicologia Social Abrapso Nessa abordagem a psicologia pode ser definida como a disciplina que estuda o sujeito em sua relação com o mundo Nessa relação com o mundo esse sujeito se constitui ao mesmo tempo como produto e como produtor da sua história e da história da sociedade em que vive Há três palavraschave nessa definição sujeito relação e mundo O sujeito é sempre sujeito da ação seja ele indivíduo ou grupo eu ou nós Ele só existe porque age na sua relação com o mundo Essa relação é o foco da análise pois é aí que o sujeito se constitui é aí que ele existe enquanto tal e é aí portanto que a psicologia pode encontrálo como objeto de conhecimento Por outro lado é através dessa relação que ele vai construir a realidade o mundo Tratase aqui tanto da realidademundo para si ou seja como existe para o sujeito quanto da realidademundo em si porque os efeitos da ação humana transcendem as existências particulares Em outras palavras o efeito transformador da ação dos sujeitos vai além dos limites da existência do indivíduo do grupo tanto em termos de tempo quanto de espaço Ao agir no mundo imprimimos marcas desencadeamos movimentos cujos múltiplos efeitos frequentemente não conseguimos antever Quanto à definição de política a diversidade de perspectivas também é muito grande Bobbio 1992 em seu Dicionário de Política nos mostra como historicamente o conceito de política esteve estreitamente ligado ao de poder mais especificamente ao de poder político Ele distingue poder político de outras formas de poder poder econômico e poder ideológico como pertencente à categoria do poder do homem sobre outro homem não à do poder do homem sobre a natureza Esta relação de poder é expressa de mil maneiras onde se reconhecem fórmulas típicas da linguagem política como relação entre governantes e governados entre soberano e súditos entre Estado e cidadãos entre autoridade e obediência etc p 955 Neste texto definiremos política de uma forma muito ampla e simples começando por situála como atividade humana que se dá na esfera das disputas pelo poder entre grupos organizados Essa atividade humana é entendida conforme a concepção de Lane 1986 a atividade implica ações encadeadas junto com outros indivíduos para a satisfação de uma necessidade comum Para haver este encadeamento é necessária a comunicação linguagem assim como um plano de ação pensamento que por sua vez decorre de atividades anteriormente desenvolvidas p 16 Essas ações encadeadas junto com outros indivíduos para a satisfação de uma necessidade comum no caso da política reúnem de um lado aqueles que buscam transformar uma determinada relação de poder político seja no plano macrossocial seja no microssocial e de outro os que buscam mantêla Um primeiro aspecto fundamental nessa perspectiva é que reconhece que todo fazer humano é necessariamente comprometido com valores Sendo a ciência um fazer humano não existe possibilidade de que seja neutra ou isenta de valores Na mesma linha de raciocínio considera essencial explicitar os compromissos do fazer científico no campo dos valores da ideologia em seus determinantes sociais e históricos Da mesma forma não concebe estudar a ação humana e sobretudo a atividade política desvinculada das suas determinações sóciohistóricas A definição de Sabucedo 1996 revela embora de maneira não explicitada esse compromisso a psicologia política consiste no estudo das crenças representações ou senso comum que os cidadãos têm sobre a política e os comportamentos destes que por ação ou omissão incidam sobre ou contribuam para a manutenção ou mudança de uma determinada ordem sociopolitica p 22 Seria impossível estudar as ações ou omissões que contribuem para a mudança ou manutenção de uma determinada ordem sociopolitica sem analisar esta última e as relações entre ela e as açõesomissões dos sujeitos Portanto a definição de Sabucedo contempla as dimensões que já destacamos política como atividade humana que se dá na esfera das disputas pelo poder entre grupos organizados Atividade humana como ações encadeadas junto com outros indivíduos voltada ou para a transformação de uma determinada relação de poder político ou para a sua manutenção No entanto como é impossível a neutralidade na ação dos sujeitos a omissão também é objeto de estudo da psicologia política Esta trata também portanto do apoliticismo da ausência de participação política ou da negação da política já que esses posicionamentos contribuem para a manutenção ou transformação da ordem sociopolítica independentemente das intenções dos sujeitos que os adotam É interessante ainda esclarecer que o fato da atividade política se dar na esfera das disputas pelo poder entre grupos organizados ou de se constituir de ações encadeadas junto com outros indivíduos não significa necessariamente que para se considerar o comportamento de uma determinada pessoa como político esta deva estar inserida num grupo organizado ou estar articulada politicamente com outras Significa isso sim que o seu comportamento tem a intenção de contribuir ou contribui de alguma forma para a manutenção ou para a transformação de uma determinada relação de poder político ou ordem sociopolitica Finalmente é bom lembrar que os estudos que originaram a psicologia política frequentemente ultrapassaram as fronteiras das disciplinas formalmente constituídas Psicologia Sociologia Ciência Política etc em busca de uma melhor compreensão dos fenômenos estudados Ela se constituiu então a partir da contribuição de pesquisadores e estudiosos de diversas áreas do conhecimento Podese afirmar portanto que é uma disciplina de tradição multidisciplinar Por outro lado a complexidade dos problemas de que se ocupa e a multiplicidade de áreas de conhecimento de origem dos profissionais que construíram a psicologia política fizeram com que grande parte da sua construção se desse no terreno da interdisciplinaridade Isso significa que boa parte do conhecimento nessa área situase numa área compartilhada com outras disciplinas especialmente com a Sociologia e a Ciência Política constituindo uma região de fronteira à parte das disciplinasmães um território que é de todos e não é de ninguém em particular Este é o caso por exemplo dos estudos sobre comportamento político que tratam de temas tais como comportamento eleitoral e movimentos sociais entre outros Tanto isso é verdade que a Associação Nacional de Pesquisa em Comportamento Político Anapol criada em junho de 1996 por pesquisadores de diversas das mais importantes universidades brasileiras é presidida por uma psicóloga mas compõem sua diretoria e Conselho Deliberativo tanto psicólogos quanto sociólogos e cientistas políticos Psicologia política ou psicologia da política Para alguns autores são os problemas estudados pela psicologia política que a definem já que ela tem se caracterizado até agora muito mais pelos temas que aborda do que por um referencial teóricometodológico próprio Para outros no entanto essa caracterização como área temática é insuficiente porque nos diz do que tem se ocupado a psicologia política mas nada nos revela sobre as suas possibilidades e perspectivas na construção do conhecimento Além disso não distingue entre de um lado as abordagens fundamentadas na concepção crítica e de outro na perspectiva da neutralidade científica Embora à primeira vista essa questão possa não parecer muito importante veremos que ela é fundamental Como nos alerta Sabucedo 1996 ao definirmos essa disciplina estamos apontando diretamente para suas possibilidades e seus limites Assim esse autor nos leva a refletir sobre as diferenças entre uma psicologia política e uma psicologia da política Se falamos de psicologia política nos deparamos com uma disciplina que assume que a psicologia não é algo completamente alheio e à margem da política que a própria psicologia contém teorias políticas Se em vez disso nos referimos a uma psicologia da política estamos ante uma abordagem totalmente diferente Neste último caso a psicologia e a política seriam duas entidades absolutamente diferenciadas A finalidade dessa disciplina a psicologia da política consistiria na aplicação do conhecimento psicológico ao estudo dos fenômenos políticos Esse conhecimento psicológico seria gerado a partir de instâncias científicas que se consideram axiologicamente assépticas e neutras p 19 A psicologia da política estaria identificada portanto com uma abordagem acrítica de psicologia que supõe a possibilidade da neutralidade científica de um conhecimento psicológico objetivo e isento de valores Mais do que isso essa perspectiva defende uma postura neutra por parte do cientista O trabalho de Lasswell considerado o pai da psicologia política na história dessa disciplina escrita pelos autores norteamericanos é um bom exemplo dessa orientação na medida em que buscou encontrar na psicologia as chaves para a compreensão do comportamento político centrando seus estudos nos processos psicológicos individuais e grupais As categorias teóricas que privilegiou na investigação das causas do comportamento apontam com clareza nessa direção personalidade e psicopatologia motivação conflito percepção cognição aprendizagem socialização gênese das atitudes e dinâmica de grupo Um dos grandes problemas na psicologia da política é que promove uma redução da política à psicologia através da psicologização dos fenômenos políticos e da desconsideração das condições sociais e históricas em que eles ocorrem Como Sabucedo 1996 nos alerta essa abordagem introduz um aspecto de fatalismo e de impotência quanto à possibilidade de mudança social Por exemplo A aproximação cognitiva ao tema do preconceito ilustra perfeitamente essa dinâmica Desde o momento em que a categorização é colocada como um processo cognitivo normal e responsável pelos estereótipos se está afirmando que o prejuízo e as condutas de discriminação são inevitáveis O discurso da autodenominada nova direita rótulo sob o qual se enquadram velhas ideias fascistas utiliza esse tipo de abordagem assinalando que o etnocentrismo é uma tendência humana natural p 2223 Essa perspectiva neutra teria portanto consequências políticas que derivam diretamente das conclusões objetivas de seus estudos Isso porque se elegemos como nível de análise o indivíduo ou a psicologia individual as perguntas que faremos e as respostas que obteremos serão limitadas a essa esfera Ou como fica mais claro nas palavras de Kelman 1979 se definimos o problema como um problema psicológico próprio de um determinado grupo de pessoas então o mais provável é desenvolver políticas que incluam estratégias de mudança dessas pessoas e não políticas que modifiquem a estrutura social que possibilita a existência desses problemas p 102 Creio que já está razoavelmente claro o que é a psicologia da política Consequentemente avançamos na direção de esclarecer o que não é a psicologia política Porém é necessário lembrar que a distinção que fazemos nesse texto e que compartilhamos com outros autores não é consensual Há muitos outros notadamente norteamericanos que não distinguem entre as abordagens crítica e acrítica como veremos em seguida ao analisar um pouco da história da disciplina Um pouco de história Não é fácil escrever a história de uma disciplina É necessário escolher os personagens e fatos que serão incluídos ou excluídos o que terá destaque e o que será mencionado apenas de passagem que fontes de informação deverão prevalecer em caso de divergências Enfim há uma multiplicidade de escolhas a fazer É recomendável portanto que se tenha um critério para orientálas assim como clareza quanto às razões que nos levam a adotálo No caso deste texto por exemplo a distinção que fazemos entre psicologia política e psicologia da política exige que tenhamos uma postura crítica em relação às histórias que não estabelecem tal diferença Nesse sentido uma discussão interessante e necessária é colocada por Sabucedo 1996 quando trata da questão da paternidade da disciplina Tanto o pioneiro Handbook of Political Psychology organizado por Knutson 1973 quanto a International Society of Political Psychology consideram Lasswell como o pai da psicologia política Ora como já foi assinalado acima independentemente de seus reconhecidos méritos o trabalho de Lasswell é centrado na perspectiva individualista e acrítica que caracteriza a maior parte da produção norte americana nessa área Contudo na tradição acrítica norteamericana de pensamento psicopolítico na qual foi escrita a história oficial da psicologia política é compreensível a atribuição de paternidade a Lasswell O questionamento cabe aos que não se identificam com essa tradição de pensamento As origens da psicologia política remontam à Grécia Clássica mas não trataremos aqui desse passado distante Já no Renascimento entre os pensadores que se ocuparam em analisar as relações entre os fenômenos psicológicos e políticos não podemos ignorar Maquiavel Suas ideias influenciaram nos últimos séculos tanto o cotidiano das sociedades ocidentais quanto a ação de diversos governantes e a construção do conhecimento nas ciências humanas Para ilustrar o alcance de sua influência bastaria lembrar que foi ele o autor de uma série de máximas e reflexões que foram apropriadas pelo senso comum e incorporadas ao nosso cotidiano como por exemplo a popular expressão os fins justificam os meios e para ele o poder era um fim Mas além disso em O príncipe Maquiavel presenteou seus leitores com diversos ensinamentos sobre como manter o poder político Não é à toa que essa leitura tem servido de referência a poderosos e aspirantes ao poder desde então até os nossos dias No campo da ciência recentes trabalhos sobre o maquiavelismo mostram como esse pensador renascentista continua sendo uma rica fonte de inspiração para novos estudos sobre a questão do poder Mais recentemente nos últimos cem anos são muitos os nomes que podemos citar como precursores da psicologia política Vários deles são familiares aos estudantes de Psicologia porque fazem parte da história dessa área do conhecimento como Le Bon Freud Wundt Fromm e Reich Outros certamente não lhes são estranhos como Weber Durkheim e Adorno6 Considerando porém a psicologia política em seu sentido estrito diferenciada da psicologia da política a principal referência entre esses precursores mais recentes é certamente Adorno através de uma grande investigação sobre a personalidade autoritária publicada em 1950 com seus colegas do Grupo de Berkeley Adorno FrenkelBrunswick Levinson Sanford 19657 No entanto embora a partir da década de 1930 através de diversos estudos e pesquisas tenha começado a se constituir uma base para a sua formalização a psicologia política somente se institucionalizou como uma disciplina independente a partir da década de 1970 Entre os anos 1930 e os anos 1970 foram desenvolvidos diversos estudos sobre atitudes sociopolíticas autoritarismo ideologia e subjetividade poder e influência comunicação de massa propaganda e comportamento eleitoral socialização e participação política entre outros mas não havia ainda nem uma identidade que unificasse os pesquisadores nem o reconhecimento externo de uma totalidade que englobasse esse conjunto de pesquisas Na década de 1970 a psicologia política adquire identidade visibilidade social e presença institucional Entre os diversos acontecimentos que contribuíram para isso Sabucedo 1996 menciona o lançamento do Handbook of Political Psychology KNUTSON 1973 que reunia textos de psicólogos sociólogos e cientistas políticos Incluía também por sinal um capítulo sobre a história da disciplina cujo conteúdo fortalecia a afirmação de autonomia da psicologia política e concedia a Lasswell a sua paternidade Outras publicações foram surgindo nos anos seguintes dando visibilidade e consistência à disciplina Ao mesmo tempo foi se estruturando uma associação entre estudiosos e pesquisadores da área nos Estados Unidos que culminou em 1978 com a criação da International Society of Political Psychology Essa entidade amplamente reconhecida como o principal foro de discussões no âmbito da psicologia política até os nossos dias realiza reuniões científicas anuais e publica a revista trimestral Political Psychology Fica evidente pelo acima exposto que a história da psicologia política como disciplina autônoma e reconhecida nos círculos acadêmicos deve muito aos pesquisadores norteamericanos Consequentemente a história oficial da disciplina se confunde com frequência com a sua história nos Estados Unidos É importante ter clareza disso para compreender que uma outra história vem sendo escrita em outros países na Europa e na América Latina É nessa outra história que surge a distinção com a psicologia da política A psicologia política na América Latina e no Brasil uma breve notícia A predominância de outras tradições de pensamento em países europeus e latinoamericanos produziu é óbvio outras perspectivas outras abordagens aos problemas psicopolíticos A história recente desses países especialmente o fim de diversas ditaduras e a reconquista de liberdades democráticas desafiou e estimulou os pesquisadores a se ocuparem de problemas muito diversos daqueles próprios da realidade norteamericana Na América Latina o desenvolvimento da psicologia política é mais recente datando da década de 1980 É claro que também aqui tivemos precursores trabalhos isolados que abordaram as relações entre psicologia e política mas ainda sem constituir no seu conjunto uma disciplina autônoma Uma característica marcante desse desenvolvimento entre nós pesquisadores latino americanos é que ele se deu em resposta a necessidades sociais concretas Ardila 1996 enumera como principais abordados pelos pesquisadores em nosso contexto movimentos sociais democracia modernização identidade nacional participação política comportamento eleitoral consciência política conflito negociação alienação dependência liderança tortura nacionalismo internacionalismo autoritarismo movimentos ecológicos e ambientalistas luta de classes relação do Terceiro Mundo com o Primeiro e o Segundo meios de comunicação de massa com a sua influência sobre decisões políticas participação papel da mulher e socialização política de crianças e adolescentes p 339 Ardila 1996 destaca Freud e Marx como influências marcantes no desenvolvimento da psicologia política latinoamericana e os nomes de Maritza Montero da Universidade Central da Venezuela e de Ignacio MartinBaró falecido em 1989 como seus principais autores Ainda segundo esse autor México Chile Venezuela Porto Rico Costa Rica e Colômbia são os países onde a disciplina se encontra mais desenvolvida mas o Brasil Argentina e El Salvador também contribuem com trabalhos importantes à construção dessa área de conhecimento No Brasil a psicologia política ainda se encontra em fase de afirmação enquanto disciplina autônoma Sua presença nos espaços institucionais ainda é tímida Embora nos anais de diversas reuniões científicas da Psicologia principalmente da Abrapso possam ser identificados muitos estudos e pesquisas que se inserem nessa área de conhecimento a identidade da disciplina e a identificação da maioria dos pesquisadores com a mesma ainda está em construção A consolidação da psicologia política entre nós exige um resgate da sua história no contexto brasileiro e um panorama completo da situação atual Da mesma forma é necessário que conquiste uma maior visibilidade acadêmica e social através da presença nos currículos de graduação e pósgraduação e principalmente que sejam fortalecidos os grupos de pesquisa já existentes e que seja estimulada a criação de novos Para concluir não poderia deixar de assinalar que há muitos nomes que deverão ser mencionados como personagens importantes quando contarmos a nossa história da psicologia política no Brasil Fica assim como convite e desafio a outros pesquisadores que estejam empenhados em resgatar a importância dessa área de conhecimento para a construção de uma sociedade mais igualitária Sugestão de leituras Para ir um pouco mais adiante na exploração dessa fascinante área de conhecimento que é a Psicologia Política sugerese algumas leituras abaixo referenciadas O critério adotado para escolhêlas foi a sua utilidade para um mapeamento do território da disciplina em geral e no Brasil Não seguem necessariamente a mesma linha teóricometodológica Constituem um bom começo e espero que estimulem a avançar Boa leitura Em Português PENNA Antônio Gomes Introdução à psicologia política Rio de Janeiro Imago 1995 SANDOVAL Salvador AM O comportamento político como campo interdisciplinar de conhecimento a reaproximação da Sociologia e da Psicologia Social In CAMINO Leôncio LHULLIER Louise SANDOVAL Salvador AM org Estudos sobre comportamento político Florianópolis Letras Contemporâneas Abrapso 1997 Algumas reflexões sobre cidadania e formação de consciência política no Brasil In SPINK Mary Jane org Cidadania em construção uma reflexão transdisciplinar São Paulo Cortez 1994 PONTE DE SOUZA Fernando Histórias inacabadas um ensaio de Psicologia Política Maringá Editora da UEM 1994 CAMINO Leôncio Uma abordagem psicossociológica no estudo do comportamento político Psicologia e Sociedade 81 1642 janjun 1996 CAMINO Leôncio MENANDRO Paulo RM Apresentação geral In CAMINO Leôncio MENANDRO Paulo RM orgs A sociedade na perspectiva da psicologia questões teóricas e metodológicas Rio de Janeiro Associação nacional de Pesquisa e PósGraduação em Psicologia Anpepp 1996 FREITAS MFQ Contribuições da psicologia social e psicologia política ao desenvolvimento da psicologia social comunitária Psicologia e Sociedade 8l63 82 janjun 1996 LHULLIER Louise A A psicologia política e o uso da categoria Representações Sociais na pesquisa do comportamento político In ZANELLA Andréa SIQUEIRA Maria Juracy T LHULLIER Louise A MOLON Suzana orgs Psicologia e práticas sociais Porto Alegre Abrapsosul 1997 GUARESCHI Pedrinho Qual a prática da psicologia social da ABRAPSO In ZANELLA Andréa SIQUEIRA Maria Juracy T LHULLIER Louise A MOLON Suzana orgs Psicologia e práticas sociais Porto Alegre Abrapsosul 1997 CROCHIK José Leon A impossibilidade da psicologia política In AZEVEDO Maria Amélia MENIN Maria Suzana De Stefano Psicologia e política reflexões sobre possibilidades e dificuldades deste encontro São Paulo Cortez Fapesp 1995 Em espanhol SABUCEDO CAMESELLE José Manuel Psicologia política Madri Editorial Síntesis 1996 SEOANE Júlio RODRÍGUEZ Ángel Psicologia política Madri Ediciones Pirâmide 1988 Em inglês ARDILA Ruben Political psychology the Latin American perspective Political Psychology 172 339351 jun 1996 Bibliografia ADORNO TW FRENKELBRUNSWICK E LEVINSON DJ SANFORD RN La personalidad autoritária Buenos Aires Proyección 1965 ARDILA Ruben Political psychology the Latin American perspective Political Psychology 172 339351 jun 1996 BOBBIO N et al Dicionário de política Vol I Brasília EdUNB 1992 KELMAN HC Ethical imperativos and social responsability in the oractice of political psychology Political Psychology 1 100102 1979 KNUTSON JN Handbook of political psychology San Francisco JosseyBass 1973 LANE STM CODO Wanderley orgs Psicologia social o homem em movimento São Paulo Brasiliense 1986 LASSWELL HD Psychopatology and politics Chicago The University of Chicago Press 1930 SABUCEDO CAMESELLE José Manuel Psicologia política Madri Editorial Síntesis 1996 6 Muitos outros nomes poderiam e deveriam ser citados e comentados para que se fizesse justiça a esses precursores Não é possível fazêlo no entanto no espaço desse capítulo Aqueles que se interessarem por esse tema precisarão recorrer à bibliografia indicada ao final especialmente a Sabucedo 1996 que também servirá como fonte de referência a outros autores 7 Esse trabalho se constituiu na verdade num conjunto de estudos conduzidos por diferentes pesquisadores de base teórica psicanalítica que buscou identificar relações entre personalidade a personalidade autoritária e ideologia fascismo PSICOLOGIA SOCIAL E ESCOLA Andréa Vieira Zanella A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto Paulo Freire 1981 p 12 Partindo do que nos aponta Paulo Freire solicito que o leitor me acompanhe na tarefa de buscar as relações entre o texto e o contexto o texto aqui proposto o qual diz respeito à atuação do psicólogo no espaço escolar em uma perspectiva social crítica e o contexto que se refere tanto à história da psicologia escolar no Brasil quanto às suas implicações sociais e políticas Gostaria inicialmente de destacar a própria dificuldade com o título Afinal várias são as terminologias adotadas Psicologia Escolar Psicologia Educacional Psicologia da Educação Psicologia na Educação Goulart 1987 e Davis e Oliveira 1992 apresentam razões para essas diferentes terminologias e com certeza leitores ávidos em identificálas poderão recorrer à bibliografia indicada De nossa parte interessa demarcar que a diversidade e complexidade da atuação do psicólogo afinal são tantas as chamadas áreas de atuação escolar organizacional do esporte clínica jurídica comunitária etc têm revelado ao que parece como cada vez mais inadequada a discussão sobre essas áreas de atuação tal qual vinha acontecendo isto é como áreas estanques separadas com arcabouço técnico e teórico delimitado Para complicar ainda mais os leitores iniciantes na área há uma diversidade enorme de orientações teóricometodológicas No que diz respeito à atuação do psicólogo os esforços na delimitação de espaços tão demarcados têm sérias implicações sendo que me parece importante assinalar ao menos uma a não reflexão sobre as consequências sociais e políticas dessas ações Isto porque se concordamos que o texto se relaciona com o contexto que por sua vez se relaciona com o texto certamente entendemos que nossas ações sempre e necessariamente resultam de situações e concomitantemente contribuem para a constituição de novos contextos Cabe pois refletir sobre esse novo contexto que estamos produzindo A discussão da psicologia enquanto áreas de atuação nos parece pois deslocada Afinal como nos aponta Eizirik 1988 p 33 Não é o lugar que define a postura de um profissional embora nem todos pensem assim é antes a capacidade de refletir criticamente sobre teorias métodos e práticas avaliando resultados e pensando acerca das necessidades do país em que nos encontramos Espero que essas colocações iniciais ajudem o leitor a entender por que o título se refere à atuação do psicólogo na escola o local é demarcado mas a atuação profissional que defendemos é necessariamente múltipla posto que assim se caracteriza a realidade Psicologia e educação uma longa história Continuando a nossa conversa fazse necessário destacar alguns dados ainda que breves a respeito das contribuições da psicologia à educação Apesar de nova enquanto ciência e profissão vale lembrar que seu reconhecimento no Brasil data de 1962 a presença da psicologia já era realidade em nosso país desde o final do século passado e início deste século seja através das teses de conclusão de curso defendidas por médicos da Bahia e Rio de Janeiro seja como disciplina nos cursos de formação de professores YAZZLE 1990 Contextos diferentes mas com uma mesma perspectiva teórico metodológica a do ajustamento da identificação de distúrbios sejam estes de personalidade de conduta de aprendizagem visando à correção dos mesmos ou então à sua prevenção Sob essa ótica a psicologia exerceu sobre a educação uma influência bastante nefasta pois os problemas de escolarização passaram a ser localizados basicamente nos próprios alunos e em suas famílias geralmente vistas como desorganizadas e desestruturadas ANDALÓ 1997 p 169 Desse modo mais do que contribuir com a superação do fracasso escolar a psicologia historicamente contribuiu para a legitimação do mesmo e consequentemente para a manutenção da ordem social vigente Isto na medida em que os problemas sociais eram reduzidos a problemas psiquiátricos sendo o sujeito visto como doente mental em potencial Com a regulamentação da profissão os serviços de psicologia junto às instituições escolares caracterizaramse por essa perspectiva a qual ainda não foi superada Tanto isso é verdade que em um jornal de uma associação de profissionais da área1 encontramos a seguinte referência à atuação do psicólogo É preciso que nos manifestemos a respeito do nosso perfil profissional que mostremos o quanto podemos fazer sob a ótica da saúde e do desenvolvimento que convençamos a todos de que o desenvolvimento de uma criança e de um jovem em um adulto sadio requer atenção e cuidados especiais de uma grande equipe de técnicos e que o psicólogo escolar é parte fundamental dessa equipe Ao mesmo tempo é preciso que convençamos a todos de que um desenvolvimento saudável na infância previne desajustamentos na idade adulta ou melhor que quando jovens aprendem a identificar e a lidar com seus pesadelos eles previnem problemas futuros Sob essa ótica a atuação pautase portanto em uma perspectiva preventivo curativa em que os conhecimentos da psicologia são utilizados fundamentalmente para o diagnóstico e intervenção junto a alunos que apresentam as chamadas dificuldades de aprendizagem Ao psicólogo é atribuída pois uma função eminentemente técnica Em contraposição temos a atuação do psicólogo em uma perspectiva social crítica o que caracteriza as discussões e trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pelos profissionais ligados à Abrapso Associação Brasileira de Psicologia Social Partindo da compreensão de que o homem é social e historicamente constituído e concomitantemente caracterizase como produtor de cultura e história a intervenção do psicólogo na escola pautase na análise das situações educativas em sua complexidade considerando os vários aspectos aí envolvidos históricos econômicos políticos sociais etc Uma breve análise destas diferentes perspectivas de atuação junto às instituições escolares é o que apresentaremos a seguir Psicólogo escolar Técnico da Educação Desde a sua inserção nas escolas o psicólogo tem sido geralmente considerado como um técnico que juntamente com os demais especialistas da educação orientadores supervisores e administradores escolares contribui para a maximização do processo ensinoaprendizagem A concepção desse trabalho como especialismo técnicocientífico tem se prestado no entanto a fins distintos do que os apregoados Compreender essa outra função nos remete à história da divisão social do trabalho DST fenômeno que se consolidou no século passado Como nos esclarece Coimbra 1990 p 10 mais do que em decorrência das necessidades tecnológicas a DST originada nas fábricas é explicada pela necessidade de fiscalizar hierarquizar e disciplinar os trabalhadores delegando a estes funções cada vez mais distanciadas dos meios e do processo de produção como um todo Essa função de fiscalização é assumida portanto pelo pessoal técnico No entanto mais do que técnica a função destes é claramente política pois consiste em perpetuar a dependência dos operários sua subordinação sua separação dos meios e do processo de produção GORZ in COIMBRA 1990 p 10 No contexto educacional brasileiro essa DST foi acentuada na década de 1970 no auge do regime militar na época do chamado milagre econômico brasileiro Através da lei 569271 os especialistas da educação traziam consigo a proposta de modernização da escola herdada do taylorismo Aos técnicos tidos como detentores do saber caberia a função de assessorar os professores os que não sabem Aos primeiros pois caberia a função de planejamento enquanto os docentes eram tidos como os executores Essa perspectiva aparece claramente em trabalhos que versam sobre o papel do psicólogo escolar e que tem sido amplamente discutidos e divulgados em cursos de formação do psicólogo em todo o Brasil como é o caso do texto de Reger Para este autor o objetivo básico do psicólogo escolar consiste em ajudar a aumentar a qualidade e a eficiência do processo educacional através da aplicação dos conhecimentos psicológicos Enquanto educador comprometido com a identidade do acadêmico o psicólogo escolar pode tentar ensinar a outros profissionais no sistema escolar REGER 1989 p 1415 grifo nosso Essa perspectiva ainda é compartilhada por grande parte dos profissionais que atuam em escolas ou que discutem a questão conforme apontamos anteriormente Desse modo assumindo uma atuação eminentemente técnica o psicólogo mais do que contribuir com a escola na discussão de seus impasses legitima a hierarquização do trabalho assumindo função de controle Nesse sentido nega aos demais professores alunos orientadores pais diretores merendeiras etc a possibilidade de se perceberem como corresponsáveis tanto pela realidade encontrada quanto por um projeto social outro que se queira construir Superar essa atuação politicamente comprometida com a manutenção do status quo vigente requer deste profissional entre outras coisas a compreensão do caráter histórico da divisão social do trabalho Desse modo este poderá atuar no sentido de desmistificar esses territórios tão bem marcados e fechados do não saber e saber para que outros saberes possam fluir e circular saberes que não seriam monopólio de uns poucos COIMBRA 1990 p 14 O psicólogo na escola Para além da função técnica Repensar o papel do psicólogo requer como foi apontado acima superar a visão técnica Mas afinal se a função do psicólogo não é técnica ou não somente técnica como podemos entendêla Toda e qualquer ação humana aí incluindose o quefazer psicológico é sempre e necessariamente política pessoal social e histórica É nesse sentido concomitantemente afetiva cognitiva social motora posto que em toda e qualquer situação apresentamonos como um todo enquanto sujeitos histórica e socialmente constituídos e ao mesmo tempo como constituidores ativos do contexto no qual nos inserimos A nossa ação portanto está sempre comprometida tenhamos consciência disso ou não com um projeto de sociedade Desse modo necessária se faz a reflexão crítica constante sobre a nossa atuação Por sua vez as perguntas críticas que os psicólogos devem se formular a respeito do caráter de sua atividade e portanto a respeito do papel que está desempenhando na sociedade não devem centrarse tanto no onde mas no a partir de quem não tanto em como se está realizando algo quanto em benefício de quem e assim não tanto sobre o tipo de atividade que se pratica clínica escolar industrial comunitária ou outra mas sobre quais são as consequências históricas concretas que essa atividade está produzindo MARTINBARÓ 1997 p 22 Considerando essas questões como pode então ser entendida a atuação do psicólogo junto às instituições escolares Recorro a Paulo Freire 1983 que há muito nos alertou para o fato de que cabe aos profissionais de um modo geral e aos profissionais que atuam na educação como é o caso constituíremse como trabalhadores sociais historicamente comprometidos com o processo de mudança Desse modo o psicólogo entendido como trabalhador social teria como papel atuar e refletir com os indivíduos para conscientizarse junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade FREIRE 1983 p 56 Nesse processo de atuação conjunta de produção coletiva de uma nova práxis educativa o psicólogo pode contribuir em muito com a análise e redimensionamento das relações sociais que se estabelecem no contexto educacional E por que essa questão é importante As relações sociais caracterizamse como palco onde as significações são coletivamente produzidas e particularmente apropriadas É pois nas relações sociais que os homens constituemse enquanto sujeitos enquanto capazes de regular a própria conduta e vontade Tal compreensão vem ao encontro dos postulados de Vygotsky 1987 o qual esclarece que as funções psicológicas superiores2 são constituídas nas e pelas relações que o homem estabelece com outros homens num movimento dialético que compreende o social e o particular sendo ambos mutuamente constitutivos As relações sociais entabuladas no contexto escolar por sua vez organizam se em razão das atividades que caracterizam a própria escola o ensinar e o aprender Ao falarmos em redimensionamento das relações sociais enfatizamos pois a necessidade de que essas possibilitem a todos a concretização com pleno êxito das atividades citadas de modo a que o acesso ao conhecimento historicamente produzido possa efetivamente ser prerrogativa de todos A atuação de psicólogo caracterizase nesse sentido como ação voltada para a cidadania sendo esta entendida enquanto possibilidade de os indivíduos se apropriarem dos bens socialmente criados de atualizarem todas as possibilidades de realização humanas abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado COUTINHO 1994 p 14 Desse modo procurando conhecer a realidade escolar como um todo com suas múltiplas determinações o psicólogo pode contribuir para o repensar da escola na medida em que redimensiona sua própria atuação e contribui para que os demais integrantes desta reflitam também sobre a forma como ageminteragem frente ao real Estaria assim contribuindo efetivamente para a transformação social pois como nos esclarece Freire 1983 p 50 no momento em que os indivíduos atuando e refletindo são capazes de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram sua percepção muda embora isso não signifique ainda a mudança da estrutura Mas a mudança da percepção da realidade que antes era vista como algo imutável significa para os indivíduos vêla como realmente é uma realidade históricocultural humana criada pelos homens e que pode ser transformada por eles O compromisso do psicólogo no contexto educacional deve ser portanto com a superação da dicotomia planejamentoexecução que alija os professoresos alunosos paisas faxineiras e outros da possibilidade de conhecimento imputando a estes o posto da submissão do não ser capaz do não saber Às relações de dominaçãosubmissão contrapõemse as relações de cooperação marcadas por laços de solidariedade e pelo compromisso com uma sociedade não exclusora onde os direitos civis políticos e sociais possam efetivamente ser prerrogativa de todo cidadão O quefazer psicológico crítico no contexto escolar caracterizase portanto como ação pautada pela indignação em relação a toda e qualquer forma de violência como ação que se opõe aos processos de exclusão social e nesse sentido ao fracasso escolar A atuação que se almeja é comprometida assim com um projeto de realidade que busca para todos uma vida mais digna de ser vivida CROCHIK 1992 Sugestão de leituras Entendendo a atuação do psicólogo como múltipla posto que assim se caracteriza a realidade várias são as leituras que poderiam ser indicadas Apontarei aqui algumas que me parecem importantes destacando que certamente muitas outras igualmente relevantes poderiam aqui constar Dois livros já considerados clássicos e indispensáveis ambos de Maria Helena Souza Patto são Psicologia e ideologia São Paulo TA Queiroz 1984 e A produção do fracasso escolar São Paulo TA Queiroz 1990 Mais recente temos o livro Psicologia escolar em busca de novos rumos São Paulo Casa do Psicólogo 1997 organizado por Adriana M Machado e Marilene PR de Souza A respeito do sucesso escolar uma coletânea de textos importantes e críticos encontrase no Cadernos Cedes n 28 editado pela Papirus Por fim textos que caracterizam a perspectiva da Abrapso podem ser encontrados na revista Psicologia e Sociedade e no livro Psicologia e práticas sociais este editado pela Regional Sul da Abrapso Bibliografia ANDALÓ Carmen S Psicologia e educação In ZANELLA AV et al Psicologia e práticas sociais Porto Alegre Abrapsosul 1997 COIMBRA Cecília A divisão social do trabalho e os especialismos técnico científicos Revista do Departamento de Psicologia da UFF a II n 2 1 sem 1990 COUTINHO Carlos N Cidadania democracia e educação In BORGES A et al Escola Espaço de construção da cidadania São Paulo FDE 1994 CROCHIK José Leon Notas sobre a relação éticapsicologia Psicologia ciência e profissão CFP a12 n 2 1992 DAVIS Cláudia OLIVEIRA Zilma Psicologia na educação São Paulo Cortez 1992 EIZIRIK Marisa F Psicologia hoje uma análise do quefazer psicológico Psicologia ciência e profissão a8 n 1 1988 FIGUEIREDO Luís Cláudio Matrizes do pensamento psicológico Petrópolis Vozes 1991 FREIRE Paulo A importância do ato de ler em três artigos que se complementam São Paulo Cortez 1990 Educação e mudança São Paulo Paz e Terra 1983 GOULART Íris Barbosa Psicologia da educação fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica Petrópolis Vozes 1987 MARTINBARÓ Ignacio O papel do psicólogo Estudos de Psicologia a2 n l 1997 REGER Roger Psicólogo escolar educador ou clínico In PATTO MHS org Introdução à psicologia escolar São Paulo TA Queiroz 1989 VYGOTSKY Lev Semionovitch História del desarrollo de las funciones psíquicas superiores La HabanaCuba CientíficoTécnica 1987 YAZZLE Elisabeth G A formação do psicólogo escolar no estado de São Paulo subsídios para uma ação necessária São Paulo 1990 Dissertação mestrado PUCSP 1 Jornal Abrapee Nacional Ano 5 Vol 1 e 2 jandez 1996 2 De acordo com Vygotsky 1987 as funções psicológicas superiores são funções caracteristicamente humanas socialmente constituídas que se pautam pela mediação dos signos PSICOLOGIA SOCIAL NO TRABALHO Carmem Ligia Iochins Grisci Gislei Romanzini Lazzarotto O nosso dia a dia constituise de práticas e elas são alicerçadas a partir das mais diversas inserções que se estabelecem Sobre elas no entanto nem sempre se debruça um olhar mais apurado e em razão disso podese incorrer na ideia de que uma prática é algo que acontece desconectado de sentidos Há de se considerar contudo que uma prática não só representa o mundo como inventa o mundo Derivada do latim praticare prática significa agir tratar com as gentes vocábulo praticar FERREIRA 1986 Neste sentido uma prática jamais prescindirá de uma relação e de uma ética GUARESCHI 1995 Uma prática é social porque constitui a realidade que por sua vez é múltipla porque toma o sujeito como algo em contínua construção porque os modos de pensar do sujeito não se dão dissociados dos modos de pensar do mundo e da cultura na qual se inscreve A prática profissional e científica não se coloca portanto como meramente tecnicista devendo estar ciente de que não só transforma o sujeito que a pratica como também o mundo O corpo de conhecimento da psicologia social é sem dúvida recortado por valores Independentemente do recorte no entanto a ética sempre se fará presente Portanto diz respeito a que psicologia falamos e de que sociedade nos propomos a construir Nem sempre a psicologia norteou suas práticas no sentido de considerar a ética No que se refere ao trabalho a psicologia contribuiu muito para que o mérito e o fracasso por exemplo fossem vistos como características que dissessem respeito única e exclusivamente aos sujeitos individuais No que se refere à saúde sabemos que a atuação da psicologia voltouse prioritariamente para a classificação dos sujeitos em saudáveis ou não saudáveis aptos ou inaptos ao trabalho atentos ou desatentos diante de riscos do cotidiano e assim por diante Ao agir desta maneira a psicologia debruçouse mais para a produção em busca de resultados do que para o trabalho e osas trabalhadoresas Desta forma tornou suas práticas um dos fatores mantenedores de uma estrutura social tida como natural e inevitável Dimensões constitutivas do sujeito tais como classe social gênero raçaetnia foram deixadas à margem das práticas vigentes relacionadas a trabalho tendo como consequência sua fragmentação e marginalização O interesse dominante além de privilegiar apenas algumas das condições visíveis do trabalho tratava de invisibilizar outras tantas características com repercussões diretas à saúde dos sujeitos Notase que desta maneira o tripé psicologia trabalho e saúde evidencia se enquanto prática de uma relação de dominação em que alguns expropriam as possibilidades que outros têm de construir e de se construírem no cotidiano da vida Esta relação assimétrica define o que muitos hoje chamam de ideologia THOMPSON 1995 A partir da coerência ideológica permeada neste tripé assim caracterizado resta aoa trabalhadora a doença A respeito da doença sim é permitido aoà trabalhadora deter o conhecimento de seu processo de produção e elea realmente a detém como é possível observarmos dos detalhamentos provenientes de suas explanações Um processo mais ou menos lento desde seu desencadear até a instalação completa que dentro da tradição que culpa e individualiza oa trabalhadora somente a elea diz respeito ficando a Psicologia com o papel de classificálo Através de suas falas os trabalhadoresas ilustram formas pelas quais o trabalho que realizam lhes traz prejuízos à saúde Como evidência disso registram que ao ingressarem no trabalho eram normais e saudáveis mas que ao longo do tempo perderam tais características Assumir a dor normal do trabalho como algo de sua única e exclusiva responsabilidade é comum entre esses trabalhadoresas que estimulados pela tradição dominante se culpam pela falta de um organismo resistente ou por não se terem cuidado LAZZAROTTO 1992 Decorrente destes equívocos legitimouse o descrédito da palavra dos sujeitos do trabalho pela organização do trabalho organização esta que planeja e executa sem minimamente considerar as interferências impostas em sua vida causando assim o sofrimento individual e o adoecimento coletivo da classe trabalhadora em resposta à ideologia da vergonha e do fracasso tal como considerado por Christophe Dejours 1988 1994 É possível que na ilusão de uma única verdade a busca por fórmulas oriundas de um fazer já concebido estipulado e executado ainda se manifeste No entanto num mundo em mudança constante e veloz a busca por novas possibilidades pelo respeito das singularidades pela compreensão de que trabalho também pode ser uma experiência digna e de prazer mostrase urgente Embora nem sempre mensurável ou passível de completa apreensão a nova ordem do trabalho traz implicações diretas aosàs trabalhadoresas nas mais diversas dimensões que compõem a vida Toda e qualquer prática eticamente comprometida deveria a princípio e por princípio caracterizarse enquanto prática contextualizada social e historicamente sob o risco de análises incompletas e deturpadas A ideia ainda muito presente de uma Psicologia dividida em áreas específicas de atuação geralmente marcada por estereótipos compromete tanto o reconhecimento social da profissão quanto a articulação dos próprios psicólogosas Resgatar a história de nossa própria construção é fundamental para que não nos coloquemos tão somente enquanto aplicadores de conhecimentos mas como fazedores de conhecimento não somente reprodutores de técnicas mas produtores de novos modos de fazer Para além dos modos tradicionais do fazer psicologia em relação ao trabalho A psicologia tem no que se refere ao trabalho possibilidades cruciais Basta que se admire e inquiete diante da realidade de trabalho experienciada por cada trabalhadora Sua importância evidenciase principalmente na possibilidade de resgatar a fala abafada enquanto medida de anulação dosas trabalhadoresas através da capacidade de escuta das experiências geradoras de sofrimento vivenciadas no dia a dia do trabalho GUARESCHI GRISCI 1993 Desta capacidade de escuta derivamse novas possibilidades de relação Entre elas nos deparamos com a passagem de uma situação de alienação doa trabalhadora para uma situação de consciência crítica produzida no resgate de seus modos de pensar sentir e vivenciar Tal resgate poderá constituirse em novos modos de experienciar o trabalho proveniente dos próprios trabalhadores e trabalhadoras no que diz respeito à reconstrução de seus vínculos enquanto classe trabalhadora com o próprio trabalho e com quem compartilham a vida A ordem social que se globaliza e se complexifica vem dinamizando representações sociais do trabalho diferenciações nos modos de organizálo e complexificações produtivas que acarretam distinções no mundo do trabalho e dosas própriosas trabalhadoresas sobre os quais contexto e sujeito a psicologia não pode se furtar de lançar o olhar Atenta à interdisciplinaridade em função da complexidade de objetos a psicologia deve buscar novas fontes e novos referenciais Há de se discutir acerca daquelesas que trabalham conforme proposto no livro organizado por Eduardo Davel e João Vasconcelos 1996 São elesas trabalhadoresas ou recursos humanos São elesas descartáveis ou recicláveis Como vimos anteriormente as lógicas que deram sentido às práticas psicológicas nem sempre se voltaram para esta discussão A questão do gênero dono trabalho por exemplo não recebeu destaque pelo conhecimento ciência e profissão até os movimentos feministas No entanto a divisão sexual do trabalho produzreproduz desigualdades sociais que vão para além do espaço de realização do trabalho SOUZALOBO 1991 Além disso desde a década de 1970 o interesse acerca das consequências das inovações tecnológicas centravamse nos efeitos mais visíveis de tais inovações sendo que a busca pelo conhecimento do que elas representam para osas trabalhadoresas mantevese marginalizada ITANI 1997 Tal constatação encontra eco na atual desordem do trabalho MATTOSO 1995 que indica mais para a perda de direitos o desemprego e a marginalização entre outros do que para a libertação daquelesas que trabalham Embora não mais apresentados como aquelesas trabalhadoresas massificadosas que o fordismo cunhou osas trabalhadoresas de hoje encontramse numa nova ordem de massificação A ordem da massa dosas excluídosas que aumenta vertiginosamente as filas do desemprego devido a um mundo do trabalho que não mais necessita de sua força para se movimentar FORRESTER 1997 Em relação às novas tecnologias observase que por mais que elas proporcionem maior produção em menor tempo não libertam osas trabalhadoresas uma vez que o que estesas ainda vendem é o seu tempo de trabalho Conforme Paulo Maya 1996 no contexto das sociedades capitalistas industrializadas mesmo as periféricas como o Brasil o tempo livre foi incorporado ao processo produtivo obedecendo às mesmas regras da lógica de produção de mercadorias que regem o tempo de trabalho dos indivíduos No mundo do trabalho particularmente observase que mudanças expressas nos processos de virtualização propiciados pela informática a comunicação instantânea e globalizada a rapidez dos fluxos as empresas virtuais indicam para novos modos de ser que têm gerado experiências traumáticas nos sujeitos do trabalho com implicações imediatas à sua saúde Reestruturações do trabalho apresentam mensagens duplas aosas trabalhadoresas tais como competiçãocooperação submissão a regrascriatividade individualismotimes controle externocontrole interno requerendo delesas por sua vez reestruturações psíquicas Discursos bem elaborados indicam formas diferenciadas de gestão como o neotaylorismo o tecnoburocrático o baseado na excelência e o participativo entre outros CHANLAT 1996 Embora estas formas repercutam direta e diferenciadamente na saúde dosas trabalhadoresas o que se observa é que elas não minimizam seus sentimentos de estar em constante falta em constante despreparo em constante insegurança frente às possibilidades de exclusão do mercado de trabalho em transformação Pelo contrário elas são acréscimos às conhecidas preocupações que assombraram e assombram a classe trabalhadora Tal quadro merece a nosso ver ser amplamente considerado pela psicologia voltada ao âmbito do trabalho no sentido de compreender e intervir nos possíveis efeitos sociais e subjetivos dele decorrentes Ainda mais que embora o conteúdo do trabalho tenha sido enriquecido em determinados aspectos e setores exigindo uma melhor qualificação não é possível ignorar que um grande número de trabalhadores continua a executar atividades fragmentadas sem sentido e de baixa qualificação Além disso não podemos nos esquecer de que as novas políticas de pessoal tentam a sua maneira normalizar os comportamentos e o pensamento o que coincide inegavelmente com o ideal taylorista LIMA 1996 p 42 A importância de se ampliar escutas e olhares sobre estas questões faz parte de múltiplos esforços Esforços estes tomados no sentido de pluralizar a compreensão da realidade social de identificar diferençasigualdades que permeiam o universo da classe trabalhadora para que a saúde ou a falta dela não se centre unicamente na culpabilização dos indivíduos como consequência de seu não ajustamento à nova ordem social Alguns exemplos do fazer psicologia em relação ao trabalho Práticas profissionais e científicas em psicologia social tais como pesquisas e consultorias realizadas com trabalhadoresas em diferentes inserções no período de 1994 a 1997 no Rio Grande do Sul visando abordar a questão saúde a partir de um recorte que torne visíveis os riscos aos quais os sujeitos se expunham no dia a dia tanto no espaço territorializado do trabalho quanto na comunidade e nos movimentos sociais evidenciam que a possibilidade de uma prática não meramente tecnicista é viável Seguem alguns exemplos 1 Em uma pesquisa que visava relacionar gênero saúde e risco no cotidiano do trabalho realizada num Hospital de Clínicas Veterinárias GRISCI PIVETTA GOMES 1997 comprovouse que se osas trabalhadoresas devem ser vistos desde a perspectiva do gênero inclusive os espaços de trabalho e o mesmo propriamente dito se colocam nesta perspectiva Embora tanto os homens quanto as mulheres estejam expostos aos riscos dono trabalho eles são representados sentidos e vividos de uma forma diferenciada desde a perspectiva do gênero Cabe aos homens a preocupação para com os riscos visíveis e que tragam danos materiais imediatos ao físico e às mulheres a preocupação para com os riscos invisíveis e que possam trazer danos igualmente invisíveis em um tempo futuro Essa investigação além de descrever os riscos do cotidiano do trabalho no hospital através da construção de mapa de riscos permitiu elucidar que eles não somente extrapolam o âmbito do corpo físico e do território do trabalho como também causam interferências na qualidade de vida e nas relações dos sujeitos cabendo às estratégias defensivas DEJOURS 1994 um papel importante no sentido de possibilitar entender que se osas trabalhadoresas não estão se protegendo dos riscos com atitudes e equipamentos concretoscorretos de proteção o estão fazendo psicologicamente Contudo sabemos que esta proteção longe de proteger efetivamente alimenta comportamentos de exposição aos riscos por parte dosas trabalhadoresas e alimenta a falta de medidas na estrutura para eliminar os riscos 2 Nossa experiência relativa à formação de cipeiros membros das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes numa proposta de organização sindical revelou a necessidade de repensar a noção de saúde a partir das relações de produção de bens materiais e serviços e reprodução alimentação vestuário moradia educação lazer etc uma vez que saúde limitavase a aspectos que diziam respeito unicamente aos indivíduos isoladamente O darse conta de que as relações estabelecidas causavam adoecimento dono trabalho e consequente exclusão dono trabalho extrapolava tradicionais análises meramente condicionadas a definir atos ou condições inseguras A possibilidade de estabelecer relações entre as formas de trabalhar e as formas de viver traz como consequência a noção de que somos ao mesmo tempo seres singulares e coletivos inseridos num contexto de relações sociais O resgate do significado das próprias ações revelase no discurso sobre as atividades desenvolvidas com estesas trabalhadoresas ao avaliarem que aprenderam e ensinaram muitas coisas sobre o trabalho o ser cipeiro e a vida Tornase claro portanto que ensinar e aprender é algo que se dá em conjunto e que remete ao social A valorização do próprio conhecimento e do conhecimento do outro apresentase como um espaço de afirmação da existência da identidade destesas trabalhadoresas mostrando que é o mesmo sujeito quem ensina e quem aprende Destacase ainda a percepção de que até então oa cipeiroa sentiase somente como aquele responsável por cobrar dos colegas o ato inseguro reproduzindo uma forma ideológica de agir frente aos acidentes do trabalho 3 Em pesquisa que investiga as representações sociais do acidente de trabalho entre trabalhadores da construção civil três dimensões principais foram evidenciadas em relação à ocorrência de tais acidentes fatalismo destino sorte ou azar individualismo descuido desatenção ou características psicológicas individuais e determinadas mediações trabalho perigoso medo pressa falta de equipamento de proteção coerção desafio Estas mediações se colocam como um espaço negado pelos trabalhadoresas e eles só falam delas quando se insiste em que se procurem as verdadeiras razões dos acidentes Assim por exemplo quando perguntados por que tinham se acidentado a resposta imediata em 80 dos casos era porque me descuidei minha culpa foi um azar não tive sorte meu destino Mas discutindo mais a fundo o fato eles referem outras razões que levam aos acidentes porque o patrão mandou apurar o serviço para entregar a obra ou porque ele foi chamado a fazer outro serviço e na volta o andaime caiu porque tinha esquecido de prender e ainda mais se não se arriscasse não era considerado suficientemente viril etc Isso evidencia uma ideologia de individualismo e fatalismo escondendo as verdadeiras razões dos acidentes As representações sociais do trabalho circunscrevemse desta maneira no que o autor denomina como Minha culpa meu destino POSSAMAI 1997 4 Uma outra experiência voltada para a comunidade em vilas periféricas da região metropolitana que se constituiu na elaboração de mapas de riscos sociais demonstrou tal qual no hospital acima referido e na pesquisa com trabalhadores da construção civil a necessidade de um alargamento da noção de risco comumente voltada para o concreto e o físico conforme encontrada na literatura em geral Cabe ressaltar no entanto que os riscos acarretam além do sofrimento físico sofrimento mental aos sujeitos Ao construir categorias de riscos a partir de seus próprios referenciais os sujeitos das vilas periféricas constataram por exemplo que a falta de energia elétrica não só limitava ações no espaço doméstico mas também reproduzia os limites sociais impostos ao ir e vir destes sujeitos no espaço público que os esgotos a céu aberto não só traziam possibilidades de contaminação mas evidenciavam o descaso dos órgãos oficiais para com a saúde de uma população excluída Estas evidências confirmam que os riscos podem ser considerados como riscos sociais Estas experiências desvelam a imprescindível necessidade de perguntar e de analisar o porquê de serem sujeitos específicos os que mais retratam e denunciam o sofrimento físico e mental São comumente as mulheres osas pobres osas trabalhadoresas não qualificadosas aquelesas que habitam as periferias etc osas que sofrem em decorrência de uma ideologia já cristalizada nas relações de trabalho que se expande ao cotidiano da vida É através desta análise que poderão surgir práticas realmente voltadas para a relação saúde e trabalho que entrelacem modos de trabalhar e modos de viver Considerações finais Ao finalizar perguntamonos o que de novo se pode perceber nestas páginas Esta é com certeza uma dimensão que afeta aquelesas que tentam pensar praticamente o mundo do trabalho Na incessante tentativa de buscálo é necessário no entanto que não nos deixemos cegar pelo ritmo acelerado do descartável do oportunismo que vem caracterizando nossa época impondo muitas vezes um descrédito a formas de compreensão críticas no sentido de neutralizálas As reflexões que permearam o presente texto visaram compartilhar um pouco do que experienciamos a partir de uma realidade que não mais acreditamos tal como se apresenta neutra e natural e a compartilhar nossa experiência teórico prática enquanto psicólogas e pesquisadoras voltadas para o mundo do trabalho Elas não se propõem como novas mas sim querem demonstrar que as novas formas do fazer não podem de maneira alguma prescindir das trajetórias dos sujeitos dana história É somente a partir do outro que podemos saber de nossas práticas pois enquanto seres isolados não temos como sabêlas Se nossas práticas são relativas assim o são em relação a um outro que contémestá contido em um dado cenário Sem esse outro experimentamos a sensação tida ao sobrevoarmos de avião acima das nuvens Se as nuvens se apresentam uniformes tudo parece estático Embora nos locomovamos a uma velocidade aproximada de 800 kmh isso por si só não nos dá a saber que nos deslocamos É necessário pois que o cenário se transforme e ao se transformar nos dê a conhecer o efeito da prática que desenvolvemos Por longo tempo a psicologia não se preocupou com a relação saúde e trabalho como se ambos fossem objetos estáticos em relação a ela tampouco considerou a perspectiva dinâmica daqueles que trabalham Há de se considerar entretanto a existência de um outro mundo não apreendido pela psicologia quando esta se utiliza apenas da técnica não se mostrando interessada no trabalho nem nos trabalhadores mas apenas em maximizar a produção e a qualidade de mercadorias Sugestão de leituras Um livro já considerado clássico e indispensável em relação ao trabalho e à saúde é o de Christophe Dejours A loucura do trabalho estudo de psicopatologia do trabalho 3 ed São Paulo CortezOboré 1988 De Pedrinho A Guareschi e Carmem LI Grisci A fala do trabalhador Petrópolis Vozes 1993 é um livro em que a fala cristalina dos trabalhadores retrata a dura realidade do trabalho O recente livro de Viviane Forrester O horror econômico São Paulo UNESP 1997 é uma ótima referência sobre o fenômeno atual do desemprego Bibliografia CHANLAT Jean François Modos de gestão saúde e segurança no trabalho In DAVEL Eduardo VASCONCELOS João orgs Recursos humanos e subjetividade Petrópolis Vozes 1996 DAVEL Eduardo VASCONCELOS João orgs Recursos humanos e subjetividade Petrópolis Vozes 1996 DEJOURS Christophe A loucura do trabalho estudo de psicopatologia do trabalho 3 ed São Paulo CortezOboré 1988 DEJOURS Christophe et al Psicodinâmica do trabalho contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer sofrimento e trabalho São Paulo Atlas 1994 FERREIRA Aurélio BH Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 FORRESTER Viviane O horror econômico São Paulo Unesp 1997 GRISCI Carmem LI PIVETTA Ana GOMES Sandra Gênero saúde e risco no cotidiano do trabalho In ZANELLA Andrea et al orgs Psicologia e práticas sociais Porto Alegre Abrapsosul 1997 GUARESCHI Pedrinho A Ética e relações sociais entre o existente e o possível In JACQUES Maria da Graça et al org Relações sociais e ética Porto Alegre Abrapsosul 1995 GUARESCHI Pedrinho A GRISCI Carmem LI A fala do trabalhador Petrópolis Vozes 1993 ITANI Alice Subterrâneos do trabalho imaginário tecnológico no cotidiano São Paulo HucitecFapesp 1997 LAZZAROTTO Gislei DR A organização do trabalho e a construção do sujeito uma apreciação crítica da psicologia o caso da digitação Porto Alegre PUCRS Dissertação de mestrado 1992 LIMA Maria EA Os equívocos da excelência as novas formas de sedução na empresa Petrópolis Vozes 1996 MAYA Paulo Valério Trabalho e tempo livre Porto Alegre PUCRS Dissertação de mestrado 1996 MATTOSO Jorge A desordem do trabalho São Paulo Escrita 1995 POSSAMAI Hélio Minha culpa meu destino representações sociais de acidente do trabalho Porto Alegre PUCRS Dissertação de mestrado 1997 SOUZALOBO Elisabeth A classe operária tem dois sexos trabalho dominação e resistência São Paulo BrasilienseSMC 1991 THOMPSON John B Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNIDADE Sissi Malta Neves Nara Maria Guazzelli Bernardes Na esfera humana é impossível entender o presente social se não tentarmos mudálo JL Moreno No Brasil a trajetória do saberfazer da psicologia em relação à comunidade iniciouse em meados dos anos 1960 e sofreu transformações teóricas epistemológicas e metodológicas importantes neste espaço de tempo relativamente curto o que resultou a diversidade que hoje pode ser encontrada com respeito ao desenvolvimento dos trabalhos dosas psicólogosas nas comunidades Uma perspectiva importante nessa diversidade é aquela que entende a psicologia comunitária como uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugarcomunidade estuda o sistema de relações e representações identidade níveis de consciência identificação e pertinência dos indivíduos ao lugarcomunidade e aos grupos comunitários Visa ao desenvolvimento da consciência dos moradores como sujeitos históricos e comunitários através de um esforço interdisciplinar que perpassa o desenvolvimento dos grupos e da comunidade Seu problema central é a transformação do indivíduo em sujeito GÓIS 1993 A inserção da psicologia comunitária no campo da psicologia social por um lado afirma o pressuposto de que o ser humano é construído sócio historicamente e ao mesmo tempo constrói as concepções a respeito de si mesmo dos outros e do contexto social Por outro marca uma diferenciação com outras perspectivas teóricas e práticas da psicologia em comunidade importadas principalmente dos Estados Unidos que se caracterizam por um caráter predominantemente assistencialpaternalista e são destinadas a pessoas consideradas desfavorecidas ou por um caráter promocionaldesenvolmentista e são voltadas para o indivíduo e sua preparação para enfrentar as adversidades do cotidiano BERNARDES GUARESCHI 1992 FREITAS 1996 A psicologia comunitária opera com o enquadre teórico da psicologia social crítica e propõese a compreender a constituição da subjetividade dos seres humanos numa comunidade seja geográfica como por exemplo um bairro ou psicossocial como por exemplo os participantes de um centro comunitário Ao compreender e para fazêlo fundase no respeito ao saber e às práticas desses sujeitos e atua predominantemente com grupos Lane 1992 acentua que o grupo é condição fundamental para o desenvolvimento da consciência no qual um membro se descobre no outro espelhandose conjuntamente Nesta atitude reflexa de espelho e reflexiva descobrirse não resulta apenas de um discurso mas de uma prática conjunta Compete portanto aos psicólogosas comunitáriosas trabalharem na construção de uma consciência crítica de uma identidade coletiva e individual mais autônoma e de uma nova realidade social mais justa Abordagem do psicodrama Uma das possibilidades de assim trabalhar que vem se configurando nas últimas décadas consiste na abordagem do psicodrama O psicodrama foi definido por Moreno 1974 p 17 como a ciência que explora a verdade por métodos dramáticos A palavra drama vem do grego e significa ação ou algo que acontece mostrando que o berço do psicodrama é o teatro A existência humana comportase à semelhança de um drama representado por múltiplos atores cujo enredo é para eles inconsciente Somente a revelação do drama pode transformar a existência A metodologia psicodramática leva em conta três contextos social grupal dramático O contexto da realidade social impõe ao indivíduo os papéis que ele deve desempenhar Definese papel como a menor unidade de conduta em que se fundem componentes individuais sociais e culturais O desempenho dos papéis é anterior ao surgimento do eu pois o eu emerge dos papéis MORENO 1978 Os papéis psicossomáticos são indispensáveis à sobrevivência da criança os papéis psicológicos ou psicodramáticos têm como função a fantasia e o imaginário e referemse mais ao aspecto singular do psiquismo do sujeito os papéis sociais são delimitados pela sociedade na qual o sujeito interage Todo papel exige a presença de um outro o contrapapel que ao conter expectativas desse desempenho denuncia as determinações ideológicas presentes na relação A ideologia subjuga a espontaneidade e a criatividade do desempenho de papéis mediante suas práticas e seus rituais Por exemplo mesmo antes de nascer há uma expectativa de que a criança venha a ser um tipo de sujeito adequado à configuração ideológica familiar O contexto grupal é formado pelos integrantes do grupo cujo vínculo se mantém através do que Moreno denominou tele A noção de tele palavra de origem grega cujo significado referese a algo que está distante ou à influência à distância significa a mútua percepção íntima dos indivíduos Derivouse da experiência com o Teatro da Espontaneidade inventado por ele caracterizado pela improvisação do ator que ao criar a forma e o conteúdo da dramatização ao invés de trabalhar com a forma acabada de uma peça teatral revelava ao mesmo tempo o drama da plateia O contexto dramático é formado pelo produto do protagonista no qual as cenas repletas de significados aparecem como se fossem a realidade Este contexto caracterizase por cinco instrumentos fundamentais protagonista paciente ou grupo cenário egos auxiliares diretor ou terapeuta e auditório O cenário é o lugar em que se realiza a dramatização desempenhandose papéis em cenas que podem se modificar e alterar o tempo Ego auxiliar é o integrante da equipe terapêutica como um prolongamento do diretor que contracena com o protagonista Diretor é o responsável pelo psicodrama deve iniciar a sessão terapêutica detectar o emergente grupal e identificar o protagonista Auditório consiste no conjunto de pessoas que estão no contexto grupal Protagonista é a pessoa que traz o tema para ser dramatizado A noção de protagonista remonta à tragédia grega significando o primeiro combatente ou o primeiro que enlouquece um herói meio humano meio divino que voltava sua ação contra o destino A tentativa de controlar estas ações que eram possuídas por forças divinas dá sentido ao termo espontaneidade cujo termo de origem latina significa vontade própria e resume os esforços do herói trágico Na comunidade o drama do protagonista personagem central do enredo é o emergente do grupo contexto grupal e portavoz do sofrimento coletivo contexto social ao criar conjuntamente a cena psicodramática contexto dramático O protagonista está embasado no conceito de coinconsciente ou inconsciente comum uma espécie de inconsciente social como reservatório de memória histórica que condensa as tradições transmitidas por várias gerações NETO 1985 A categoria drama remete ao sujeito concreto individual ou coletivo relacionado às variadas dimensões da trama social historicamente construída Nas cenas dramáticas ao serem focalizados os vínculos entre os papéis ocorre o processo terapêutico de desalienação dos personagens numa constante reflexão sobre aquilo que desempenham sem saber e aquilo que gostariam de ser Na linguagem moreniana seria a dialética entre tomar o papel ou criálo O encontro que significa comunicação com o outro ou comunicação existencial propõe o rompimento da conserva cultural pelo estímulo da espontaneidadecriatividade A conserva cultural é tudo aquilo que se cristaliza após ser criado Como produto do processo criativo ela preserva os valores de uma cultura ao mesmo tempo em que determina novas formas de expressão criativa O psicodrama acredita que a inversão de papéis objetivando o encontro entre o Eu e o Tu possibilite a um indivíduo assumir o papel de um outro e recompor o sentido da unidade da identidade e do pertencimento ao grupo A espontaneidade e a criatividade estando estrategicamente unidas ocupam lugar central na visão moreniana de cultura Quando aplicadas ao fenômeno social conferem iniciativa e mudança aos indivíduos interrelacionados A espontaneidade impele o indivíduo em direção à resposta adequada à nova situação ou à resposta nova para situação já conhecida O universo é criatividade infinita A definição visível de criatividade é a criança MORENO 1992 p 151 A interação espontaneidadecriatividade manifestase por meio de variados estados ou atos criativos no parto nas artes nas invenções tecnológicas na criação de instituições sociais nas conservas sociais e nos estereótipos assim como no esforço dispendido para o surgimento de nova ordem social Para Moreno o indivíduo deveria usar seu potencial espontâneocriativo na mutiplicidade de papéis constantemente em devir não se deixando amarrar pelos laços que o fixariam na mesma forma de ser Este convite a olhar perceber e modificar a rigidez dos papéis sociais vistos como parte do contexto relacional entre indivíduo e sociedade faz do psicodrama uma proposta de transformação permanente A experiência comunitária traz em si o desafio do reconhecimento da alteridade a partir do respeito à diferença desse outro como única possibilidade de encontro Na vivência de sujeitos concretos ao desvelarem a expressividade e os significados de suas ações os corpos se recriam Grupos em atos ou gestos de todos em comunhão do sentir são sinônimos de psicodramatizar Psicodrama em ato numa comunidade O psicodrama vem sendo utilizado desde 1993 em serviços da rede municipal de Porto Alegre Centro de Comunidade Escola Aberta e Projeto de Educação Social de Rua Estas iniciativas destinamse ao atendimento socioeducativo de crianças e de adolescentes em situação de risco cujas características de vida precária trabalho profissionalização saúde escolarização habitação lazer colocamnos em situação de dependência das instituições assistenciais O cerne dessas iniciativas está na trajetória das classes populares da casa à rua3 devido à conjuntura socioeconômica e política que cria obstáculos para que a família e a escola possam cumprir sua função de subsistência de cuidado e de socialização Tal socialização como processo de formação de valores crenças atitudes e padrões de comportamento das crianças de determinados segmentos das classes populares parece configurar uma cartografia da exclusão Há urgência de mapear o nomadismo institucional dessas crianças e desses jovens ou seja traçar os movimentos de rompimento dos laços grupais que determinam sua mobilidade de pertencer ou não à família à escola ou aos serviços de atendimento assistencial A dificuldade de vinculação com o próprio grupo de iguais com os educadores ou com os técnicos que os assistem é tão determinante para a não permanência quanto a inadequação das metodologias de trabalho dessas instituições Atualmente embora os direitos das crianças e dos adolescentes sejam debatidos em esferas do poder público e jurídico nas áreas da saúde e da educação seu caráter polêmico e contraditório levanos à triste constatação de que a cidadania dos jovens das classes populares está longe de ser alcançada O pano de fundo destes debates continua sendo a manutenção de direitos distintos para classes sociais diversas Enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA afirma a garantia da proteção integral a todas as crianças e a todos os adolescentes concebendoos como pessoas em desenvolvimento BRASIL 1993 análises de nossa realidade denunciam a assistência das políticas sociais voltadas aos meninos e às meninas em situação de risco como cidadania tutelada pelo Estado A infância e a juventude excluídas estarão construindo sua cidadania de modo mais pleno quando participarem na discussão dos seus próprios direitos Buscando esta construção algumas estratégias de intervenção em contextos que assistem a estes jovens focalizam o desenvolvimento das relações interpessoais e sua influência no imaginário tanto da instituição quanto da população atendida Psicodrama num centro de comunidade4 Iniciouse em agosto de 1993 o projeto políticopedagógico Jovem Cidadão desenvolvido em nove Centros de Comunidade com a finalidade de manter e ampliar a assistência à população de baixa renda nas regiões periféricas da cidade com base no ECA FESC 1993 O Conselho Tutelar da região encaminhava os jovens envolvidos em situação de furto drogadicção ou violência aos Centros para que recebessem atendimento socioeducativo Na área da psicologia a direção do projeto apontava a necessidade de acompanhamento psicológico que fosse adequado à situação de vida da maioria dos jovens assim como à urgência de atender grande demanda As oficinas de psicodrama possibilitavam o atendimento socioeducativo desejado em virtude de suas características diferentes de um grupo terapêutico formal pois não se apoiavam na dinâmica individual dos sujeitos para sua inclusão mas no desejo de participação As oficinas de psicodrama abordaram a socialização de crianças e de adolescentes em situação de risco a partir da percepção dos participantes quanto ao seu mundo de relações interpessoais e o consequente aprendizado e desempenho de papéis sociais face a seu cotidiano Elas se caracterizaram como atos terapêuticos cujo objetivo era promover maior integração pessoal além do resgate da linguagem espontânea e criativa dos participantes naquele encontro específico O referencial metodológico das oficinas observou as etapas de uma sessão de psicodrama o aquecimento a dramatização e os comentários O aquecimento facilitou a interação grupal pelo relaxamento sensibilização e atenção à tarefa proposta A dramatização era a etapa da produção criativa mediante recursos plásticos e dramáticos em que os participantes compartilhavam suas fantasias Os comentários integraram a escuta a linguagem verbal e gestual A integração grupal aconteceu devido à atenção e respeito à fala do companheiro estímulos à entrega e à confiança de cada um ao ser escutado pelos demais A técnica de inversão de papéis foi uma experiência nova para os participantes das oficinas Ao serem solicitados a dar voz a um desenho ou a algo modelado na argila ou mesmo a representar o papel de um colega de grupo assumindo a existência deste outro falando e agindo como ele desafiavam sua criatividade tantas vezes esquecida Assim recriavam psicodramaticamente como interagiam com as pessoas mais significativas para eles conforme seu átomo social Entendese átomo social como o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa está relacionada sentimentalmente ou que lhes estão vinculadas ao mesmo tempo MORENO 1972 A proposta de intervenção psicossocial objetivava uma rematriz de identidade para esses meninos e meninas A matriz de identidade MORENO 1978 é o primeiro processo de aprendizagem emocional da criança no qual ela se relaciona com pessoas e objetos geralmente esta matriz é a família que constitui a base do desempenho de papéis A conscientização dos papéis desempenhados psicodramática ou socialmente na fantasia ou na realidade do contexto grupal auxiliaria essas crianças a tomarem uma nova posição pretendendose que de sujeitos mais submissos se tornassem sujeitos mais autônomos Partiase da convicção de que a mudança na qualidade dos vínculos dentro e fora do contexto grupal favoreceria a alteração de sua autoimagem modificando seu átomo social O resgate da história individual de cada participante das oficinas foi possível mediante a investigação das redes sociométricas Estas são interconexões dos átomos sociais que revelaram os vínculos e as identificações processadas nos grupos MORENO 1972 A sociometria grupal entendida como as relações de atração e de repulsa entre seus membros foi averiguada em diversas atividades que demonstraram a constelação da rede afetiva existente O instrumento do átomo social variava podendo sua representação darse a partir de uma configuração de vínculos afetivos que se expressavam por meio de desenhos de marionetes da modelagem na argila de brinquedos ou até da dramatização A avaliação do átomo social focalizava a criatividade de cada participante os sentimentos despertados as intromissões nos relatos e as manifestações quanto a falar ou fazer determinada tarefa A abordagem das relações entre o átomo social e os papéis sociais desempenhados pelos sujeitos da pesquisa permitiu visualizar os códigos de participação e exclusão em seu cotidiano familiar escolar religioso e do Centro de Comunidade Os papéis sociais relativos ao gênero à classe social à raça e ao imaginário do mundo da rua como espaço não institucional estavam repletos de sentido para as crianças e os adolescentes A análise dos papéis sociais evidenciou que esses sujeitos são produzidos pela sua condição de classe social de gênero de etnia e que aprendem a ocupar os lugares socialmente possíveis conforme os ensinamentos da escola da religião da família e até mesmo do Centro de Comunidade A possibilidade de tomar o seu papel desempenhálo ou criálo depende da estrutura socioeconômica que os diferencia das camadas mais favorecidas apenas quanto ao acesso a determinadas condições de subsistência lazer educação e concretização de projetos de vida futuros Meninos e meninas demonstraram diferenças significativas quanto ao seu autoconceito as quais aumentavam com a idade de acordo com os estereótipos sociais referentes ao gênero A avaliação dos papéis sociais relativos à raça identificou a desqualificação nos comentários das crianças e adolescentes não negros dirigidos aos colegas de raça negra embora admirassem manifestações da cultura afrobrasileira capoeira pagode dança e religião Os papéis sociais relativos à religião reforçavam a noção de identidade e autoestima destes jovens conforme a religião a que pertenciam Em relação ao contexto familiar apareceu o modelo matrifocal como aquele que se organiza em torno da mulher embora os papéis de pai e mãe fossem demarcados em territórios próprios para cada gênero Estava presente a necessidade de zelarem pelos irmãos menores Para eles o cotidiano escolar era referência para construção de projetos de vida futura A rua aparecia como símbolo de liberdade para onde se foge além de ser lugar de conflito e representação do abandono O Centro de Comunidade como um espaço fora de periferia foi significado por esses jovens como sendo deles onde encontravam muitas possibilidades dentre elas o resgate de novos papéis sociais Tanto a instituição assistencial como a família e a escola contêm em si os princípios normatizantes e disciplinadores responsáveis pela exclusão do convívio grupal Como matriz cultural necessitam de uma reestruturação pois não estão mais conseguindo ser suporte afetivo para seus membros Essas experiências mostraram que as oficinas de psicodrama auxiliaram na maior interação das crianças e adolescentes para se organizarem em outros espaços A pedagogia de direitos se concretizou em virtude do reconhecimento de si e do outro da escuta recíproca do respeito ao potencial criativo e da valorização da fantasia Constatouse que o primeiro ato de construção da cidadania sempre exige a trama de uma rede cultural entre os sujeitos Psicodrama da escola que se abre A Escola Aberta é referência de lugar e de tempo para meninos e meninas que fazem da rua lugar de sobrevivência em virtude de representar um corte no imediatismo de seus cotidianos A presente intervenção psicodramática em uma escola aberta sob forma de assessoria psicológica aos professores partiu da demanda da instituição quanto ao desejo de refletir sobre suas práticas reordenando seus propósitos mediante a qualificação do atendimento e adequação de metodologias Ao investigar a relação entre os papéis sociais desempenhados pelos seus diversos atores essa proposta avaliou o desenvolvimento do papel de educador propiciando a conscientização de sua postura profissional de sua percepção dos contextos da escola e da rua como referências de socialização e da qualidade da relação estabelecida com os alunos e com os colegas neste fazer conjunto A análise institucional priorizou três aspectos da interação entre seus membros a comunicação as determinações das relações de poder e o conhecimento de si e do outro Focalizouse o desvelamento dos papéis desempenhados pelos professores a partir da noção de identidade grupal da percepção do que comunicar e a quem e da capacidade de reconhecer quem é este outro a quem se está vinculado e de como colocarse diante dele O estudo das relações entre as várias instâncias hierárquicas da escola abordou a percepção da coordenação professores e pessoal de apoio sobre a qualidade do vínculo entre eles e o existente com os alunos Neste sentido propunhase uma nova configuração dos papéis institucionais em sua totalidade A metodologia psicodramática consistiu de recursos lúdicos das linguagens expressivas corporal e gráfica além de jogos dramáticos centrandose na ação como possibilidade de perceber o desenvolvimento dos papéis e as características de seu desempenho em referência à criatividade e à espontaneidade Estabeleceuse a matriz grupal que possibilitou cada vez maior envolvimento com as problemáticas do cotidiano institucional por meio da criação conjunta de histórias de desenho grupal de sensibilização corporal de psicodrama interno e de cenas dramatizadas sobre o espaço da escola Quanto à relação educadoreducando observouse que a vivência subjetiva do tempo e do espaço própria da classe social do educador como trabalho e projeto de vida induz a preconceitos relativos à sobrevivência dos jovens na rua As expectativas dos professores quanto às diferenças do ser masculino ou ser feminino papel de gênero são geradoras de dificuldades em lidar com questões referentes ao poder e à sexualidade no cotidiano escolar A insuficiente rede de assistência aos alunos provoca ansiedade e depressão nos educadores devido ao fato de terem de trabalhar com os temores dos educandos diante das doenças sexualmente transmissíveis e dos efeitos das drogas de que fazem uso A escola como espaço pedagógico necessita de uma linguagem comum entre coordenação professores funcionários e guardas que construa códigos de pertencimento e exclusão dos alunos diferentes daqueles da rua para não se reproduzir a dinâmica perversa do contexto social Os professores e alunos percebem a peculiaridade desta escola pela importância dada à reflexão da ação pedagógica Com relação às metodologias de ensino constatouse que a metodologia lúdica e corporal da assessoria é identificada como responsável pelo crescimento grupal embora o educador muitas vezes não reconheça esse resultado em sua prática por desconsiderar a resposta do grupo como um espelho Psicodrama no projeto Educação Social de Rua O projeto propunha a vinculação de educadoras com as crianças e os adolescentes em situação de rua para que retomassem os laços institucionais em processo de rompimento Inicialmente a sensibilização do estar na rua possibilitou desvelar o imaginário das educadoras acerca deste processo O grafodrama técnica do desenho em psicodrama explorou a dinâmica das relações sociais estabelecidas em uma das praças abordadas pela equipe Partindo da noção de rua como palco do social recorreuse à metáfora de um espetáculo teatral e seus diferentes atores como sendo os transeuntes e frequentadores em interação Foram abordadas as determinações existentes entre o espaço público e privado de cada agente social implicado nesta dinâmica Concluiuse que cada ator social desempenha um papel que está ligado a alguém que com ele contracena e que a educadora social de rua para aí inserirse deve saber ler estas relações que não estão explícitas na maioria das vezes Avaliouse também como cada educadora sentiu o seu estar na rua diante das situações específicas dos vários pontos em que atuava O relacionamento da equipe foi investigado revelandose como os participantes percebiam seu trabalho pelo recurso da sociometria enquanto fenômeno grupal que demonstrava as atrações e rejeições estabelecidas entre seus componentes Alguns temas foram dramatizados como o modelo de família que a educadora possui internalizado e aquele que possuem as crianças e adolescentes com as quais trabalhava Apareceram cenas contrastantes da família da rua com o modelo esperado de família mantido de forma inconsciente pelas educadoras os quais são geradores de dificuldades na vinculação com estes jovens A família em sua função de socialização primária dos indivíduos instala controles sociais que são repetidos em outros espaços de convivência Refletiuse sobre este fenômeno compreendendose que ele não era decorrente do espaço físico interno ou externo das instituições mas estava relacionado ao mundo afetivo desses indivíduos à sua capacidade de vincularse Esta experiência demonstrou que a identidade do educador social de rua será construída por meio de uma reformulação não somente conceitual mas vivencial da própria postura relativa à instituição e ao estar na rua Último ato Os três contextos institucionais focalizados nesta análise mostraram que são importantes referências de laços afetivos na relação estabelecida entre a assistência e o excluído Nesses palcos cenas da comunidade expressaram o drama do vínculo Alguns protagonistas teciam os fios que os ligavam outros sem que percebessem saíam da rede como se desnecessária fosse a sua sobrevivência Finda o espetáculo As cortinas se fecham As luzes se apagam Que os espectadores voltem a casa ou à rua sentindo que o teatro como dizia Brecht é ainda o ensaio da revolução Sugestão de leituras Para saber mais sobre psicologia em comunidade é altamente recomendável a leitura da coletânea que apresenta reflexões do grupo de trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Psicologia Anpepp organizado por Regina Helena de Freitas Campos Psicologia social comunitária da solidariedade à autonomia também publicado pela Vozes em 1996 Convém igualmente consultar a revista Psicologia e Sociedade que vem sendo publicada pela Abrapso uma vez que ali se encontram diversos trabalhos que focalizam essa temática Para saber mais sobre intervenção psicodramática nas comunidades destacase o livro de Romana 1987 sobre Psicodrama pedagógico que resgata no palco educacional a afetividade e a capacidade simbólica presentes no ato de aprender reconstruindo experiências individuais e coletivas tanto de educadores quanto de alunos Há um pequeno número de experiências em instituições assistenciais com segmentos de classes populares destacandose o atendimento em creche FRANCO 1984 o trabalho com grupos de mulheres da periferia VIEIRA 1988 e a preparação para o parto com grupos de grávidas PAMPLONA 1990 Ainda mais raras são aquelas relativas às populações excluídas sejam prostitutas SOUZA 1984 sejam meninos ou meninas em situação de rua RAMOS 1994 Vale a pena examinar os Anais do 7 Congresso Brasileiro de Psicodrama Psicodramatizando realizado no Rio de Janeiro em 1990 Bibliografia BERNARDES NMG GUARESCHI PA El saberactuar de la psicologia y la comunidad reflexiones producidas desde um lugar latinoamericano Intervención psicosocial Madri vol l n l p 6777 1992 BRASIL DF Congresso Nacional Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências Porto Alegre Centro Social Pe João Calábria 1993 CAMPOS RH de Freitas org Psicologia social comunitária da solidariedade à autonomia Petrópolis Vozes 1996 FESC Fundação de Educação Social e ComunitáriaPrefeitura Municipal de Porto Alegre Projeto de ampliação e qualificação do atendimento a crianças e adolescentes nos centros de comunidade da FESC Porto Alegre ago 1993 FRANCO VL Psicodrama e periferia In Congresso Brasileiro de Psicodrama 41984 Águas de Lindoia Revista da Febrap Anais Campinas Federação Brasileira de Psicodrama ano 7 n 41984 p 8185 FREITAS M de FQ Psicologia na comunidade psicologia da comunidade e psicologia social comunitária Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 1960 a 1990 no Brasil In CAMPOS RH de Freitas org Psicologia social comunitária Da solidariedade à autonomia Petrópolis Vozes 1996 p 5480 GÓIS CW de L Noções de psicologia comunitária Fortaleza Edições UFC 1993 LANE S Psicologia da comunidade história paradigmas e teoria In Congresso Brasileiro de Psicologia da Comunidade e Trabalho Social Autogestão participação e cidadania 1 1992 Tomo 2 Belo Horizonte Anais ago 1992 p 4953 MORENO JL Quem sobreviverá Fundamentos da Sociometria Psicoterapia de Grupo e Sociodrama Vol 1 Goiânia Dimensão 1992 Psicodrama São Paulo Cultrix 1978 Psicoterapia de grupo e psicodrama São Paulo Mestre Jou 1974 Psicodrama Buenos Aires Hormé SAE 1972 NAFFAH NETO A Poder vida e morte na situação de tortura São Paulo Hucitec 1985 NEVES SM Os papéis sociais e a cidadania In Zanella et al org Psicologia e práticas sociais Porto Alegre Abrapsosul 1997 p 3959 Psicodramatizando a construção da cidadania o ser criança e adolescente em um centro de comunidade Porto Alegre PUCRS 1995 Dissertação Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade Instituto de Psicologia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1995 PAMPLONA V Mulher parto e psicodrama São Paulo Ágora 1990 RAMOS E Meninos de rua Problema sem solução Revista Brasileira de Psicodrama São Paulo vol 2 fascículo 1 1994 p 8794 REIS CN PRATES J PRESTES N NEVES SM Meninos e meninas em situação de rua em Porto Alegre Quem são Qual seu modo de vida Relatório de pesquisa Fundação de Educação Social e ComunitáriaPrefeitura Municipal de Porto AlegreFaculdade de Serviço SocialPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre jan 1997 ROMAÑA M Construção coletiva do conhecimento através do psicodrama Campinas Papirus 1992 SOUZA JCM A carreira de prostituta ou leitura psicodramática da prostituição In Congresso Brasileiro de Psicodrama 41984 Águas de Lindoia Revista da Febrap Anais Campinas Federação Brasileira de Psicodrama ano 7 n 2 1984 p 9099 VIEIRA LM O método do psicodrama Análise de aspectos de dominação e submissão nas relações familiares A Partir de uma experiência com mulheres que vivem na periferia da cidade de São Paulo In Congresso Brasileiro de Psicodrama 6 1988 Tomo 3 Salvador Anais Salvador Federação Brasileira de Psicodrama p 3942 3 Em Porto Alegre recente pesquisa identificou 376 jovens em situação de rua como vendedores cuidadores de carro ou mendigos Da amostra de 197 sujeitos 8427 identificou a necessidade de subsistência pessoal ou familiar como o motivo de estarem na rua Destes somente 50 seriam realmente de rua não retornando a casa no final do dia por se encontrarem em processo de rompimento de laços familiares REIS et al 1997 4 As reflexões desse item se referem à dissertação de mestrado em Psicologia Social e da Personalidade PUCRS de Sissi Malta Neves intitulada Psicodramatizando a construção da cidadania o ser criança e adolescente em um centro de comunidade Alguns aspectos deste estudo foram recentemente publicados NEVES 1997 Textos de capa Contracapa Psicologia social contemporânea sinaliza para diferenças consistentes e próprias aos países da América Latina esboçando a criação de uma nova psicologia social no Brasil representada pela Abrapso Associação Brasileira de Psicologia Social que recebe em um primeiro algumas qualificações como Psicologia Social Crítica Psicologia Social HistóricoCrítica Psicologia Sócio Histórica São qualificações que expressam a perspectiva crítica em relação à Psicologia Social hegemônica de até então e que apontam para uma concepção de ser humano como produto históricosocial e ao mesmo tempo como construtor da sociedade e capaz de transformar essa sociedade por ele construída Esta concepção de ser humano recoloca a relação indivíduo e sociedade rompe a perspectiva dualista dicotômica e ao invés de considerar indivíduo e contexto social influenciandose mutuamente propõe a construção de um espaço de interseção em que um implica o outro e viceversa Orelhas Você tem nas mãos um livrotexto de Psicologia Social que estava fazendo enorme urgente falta aos nossos universitários principalmente de graduação Nossa herança no campo da Psicologia Social foi dolorosamente tendenciosa e reducionista O que tínhamos até há pouco era uma espécie de réplica acrítica de uma psicologia social que se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos fundamentada em dois pressupostos teóricos básicos o pressuposto positivista segundo o qual só vale o experimental e o mental é considerado apenas enquanto pode ser sujeito de experimentação e o pressuposto individualista onde o social é reduzido ao individual e o grau máximo atribuído ao social é o de ser uma soma de elementos individuais sendo que o indivíduo é o que conta afinal A partir da década de 1980 principalmente com a criação da Abrapso Associação Brasileira de Psicologia Social novos horizontes começaram a se vislumbrar e novas perspectivas começaram a ser introduzidas na Psicologia Social algumas a partir da própria América Latina Sem abandonar as conquistas anteriores querse então devolver à psicologia social seu caráter realmente social além de sua dimensão históricocrítica e política na constituição das pessoas e das sociedades humanas Este livro dividido em três partes novas contribuições e novos enfoques Os cinco primeiros capítulos tratam de assuntos teóricos gerais Dez capítulos discutem temas específicos centrais da psicologia social foram escritos por especialistas na área e oferecem uma compreensão substancial do assunto Finalmente três capítulos discutem a aplicação da psicologia a áreas especiais escola trabalho e comunidade Cada tópico apresenta também a bibliografia comentada mais importante sobre o tema Ficaremos felizes se nosso esforço puder colaborar para que os professores de Psicologia Social possam ter um subsídio suficientemente amplo e crítico para as discussões centrais da disciplina nos dias de hoje O adjetivo contemporânea do título não foi escolhido por acaso É nossa modesta contribuição para uma sociedade justa democrática pluralista e participativa Os autores Índice Capa Rosto Coleção Ficha catalográfica Copyright Prefácio Apresentação Introdução Parte 1 História Algumas rápidas palavras sobre histórias Um passeio pela psicologia social no Ocidente a O Repúdio positivista de Wundt b O longo passado e o curto presente da psicologia c Formas e formas de contar histórias da psicologia social Psicologia social no Brasil Indicações de leituras dos desdobramentos e atravessamentos teóricos Bibliografia Epistemologia A crise e a perda da confiança na epistemologia Novos espaços novos paradigmas Sugestão de leituras Bibliografia Ética Introdução Ética o que é isso O paradigma da lei natural O paradigma da lei positiva Ética como instância crítica a A dimensão crítica e propositiva b A dimensão da relação Conclusão Leituras complementares Bibliografia Indivíduo cultura e classe Inpíduo e sociedade Cultura inpíduo e atividade Outros enfoques sobre a relação inpíduocultura A cultura o eu e as atividades a emoção e a motivação Considerações finais Leituras complementares recomendadas Bibliografia Pesquisa Definindo a atividade de pesquisa em psicologia social Decorrências metodológicas Alguns modos de pesquisar a pesquisaação e a pesquisa participante Sugestão de leituras Bibliografia Parte 2 Ideologia Juntando as duas linhas Um modo prático de se tratar a ideologia a Ideologia como uma concepção crítica b Sentido e formas simbólicas c O conceito de dominação d Modos e estratégias como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar relações de dominação e A valorização das formas simbólicas Conclusão Leituras complementares Bibliografia Representações sociais Como nasceu esta teoria Mas o que são as representações sociais Para que estudamos as RS Por que criamos as RS Qual a diferença entre representações sociais e outras teorias Que relações se podem estabelecer entre o estudo das RS e ideologia Como investigamos as RS Considerações finais Leituras complementares Bibliografia Linguagem O que é a linguagem A linguagem segundo Vygotsky e Bakhtin À guisa de conclusão para o momento Leituras complementares Bibliografia Conhecimento Para uma perspectiva ecológica da cognição a As instituições sociais como sistemas cognitivos b As instituições pensadas como tecnologias intelectuais O conhecimento como rede sociotécnica Leituras complementares Bibliografia Comunicação Comportamentalismo Cognitivismo Psicanálise Teoria crítica Considerações finais Sugestão de leituras Bibliografia Identidade Como os autores conceituam a identidade Como se constitui a identidade Que outras dicotomias superar para compreender a identidade O que a identidade é e não é Leituras complementares Bibliografia Subjetividade Do passado ao presente Do presente ao futuro Das escolhas Sugestão de leituras Bibliografia Gênero Sexo e gênero A questão da hierarquia de gênero Variações em gênero através das culturas O que é subordinação e como se expressa Teorias sobre a hierarquia de gênero O homem caçador subordinação baseada nas origens humanas O complexo da supremacia masculina A guerra e o controle populacional Teorias ligadas à sociobiologia Teorias estruturalistas A subordinação como um processo histórico O Gênero na psicologia Leituras complementares Bibliografia O processo grupal A preocupação com o grupo Grupo ou processo grupal Como funciona o processo grupal À guisa de fechamento Sugestão de leituras Bibliografia Psicologia política Psicologia política ou psicologia da política Um pouco de história A psicologia política na América Latina e no Brasil uma breve notícia Sugestão de leituras Bibliografia Parte 3 Psicologia social e escola Psicologia e educação uma longa história Psicólogo escolar Técnico da Educação O psicólogo na escola Para além da função técnica Sugestão de leituras Bibliografia Psicologia social no trabalho Para além dos modos tradicionais do fazer psicologia em relação ao trabalho Alguns exemplos do fazer psicologia em relação ao trabalho Considerações finais Sugestão de leituras Bibliografia Psicologia social na comunidade Abordagem do psicodrama Psicodrama em ato numa comunidade Psicodrama num centro de comunidade Psicodrama da escola que se abre Psicodrama no projeto Educação Social de Rua Último ato Sugestão de leituras Bibliografia Textos de capa