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NOVA TRADUÇÃO DO ITALIANO PENGUIN COMPANHIA CLÁSSICOS NICOLAU MAQUIAVEL O príncipe Prefácio de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO O PRÍNCIPE NICOLAU MAQUIAVEL nasceu em Florença em 1469 numa antiga família cidadã Pouco se sabe de sua vida até 1498 quando ele foi nomeado secretário e segundo chanceler da República Florentina Durante sua permanência no cargo viajou em missão à corte de Luís XII e à do imperador Maximiliano esteve com César Bórgia na Romanha e tendo observado a eleição papal de 1503 acompanhou Júlio II em sua primeira campanha de conquista Em 1507 na qualidade de chanceler dos recémnomeados Nove di Milizia organizou uma força de infantaria que participou da captura de Pisa em 1509 Três anos mais tarde ela foi derrotada pela Liga Santa em Prato os Médici retornaram a Florença e Maquiavel viuse excluído da vida pública Depois de sofrer prisão e tortura recolheuse em sua propriedade rural nas imediações de San Casciano onde em companhia da esposa e dos seis filhos se dedicou a estudar e escrever Entre suas obras figuram O príncipe Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio A arte da guerra e a comédia A mandrágora uma sátira sobre a sedução Em 1520 o cardeal Giulio de Médici encomendoulhe uma história de Florença que ele concluiu em 1525 Após um breve retorno à vida pública Maquiavel faleceu em 1527 MAURÍCIO SANTANA DIAS nasceu em Salvador em 1968 Estudou Letras na Universidade Federal da Bahia UFBa e na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ onde concluiu o bacharelado em PortuguêsItaliano Fez mestrado em Teoria Literária na UFRJ e foi professor de Literatura Portuguesa na Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Mudou se para São Paulo em 1998 onde concluiu em 2002 o doutorado em Teoria Literária na Universidade de São Paulo USP Nesse período foi ainda pesquisador visitante da Georgetown University em Washington e trabalhou na Folha de SPaulo primeiro como correspondente em Buenos Aires e depois como editoradjunto do caderno Mais Em 2003 ingressou como professor de Literatura Italiana na USP e em 2008 e 2009 fez pósdoutorado em Italianística na Università degli Studi di Roma La Sapienza Suas traduções de O mal obscuro e de 40 novelas de Pirandello foram finalistas do Jabuti Em 2008 o volume 40 novelas de Pirandello Companhia das Letras recebeu o Prêmio Paulo Rónai da Fundação Biblioteca Nacional FERNANDO HENRIQUE CARDOSO nasceu no Rio de Janeiro em 1931 Sociólogo formado pela Universidade de São Paulo USP a partir da década de 1960 destacouse como um dos mais importantes intelectuais latinoamericanos em temas como a democracia os processos de mudança social desenvolvimento e dependência Foi professor catedrático de Ciência Política e hoje é professor emérito da USP Ensinou também nas universidades de Santiago da Califórnia em Stanford e em Berkeley de Cambridge Inglaterra de ParisNanterre na École des Hautes Études en Sciences Sociales e no Collège de France Como político e intelectual teve participação ativa na luta pela redemocratização do Brasil Senador pelo estado de São Paulo foi membro fundador do Partido da Social Democracia Brasileira PSDB em 1988 Entre 1992 e 1994 foi ministro das Relações Exteriores e ministro da Fazenda na presidência de Itamar Franco Foi presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos entre 1995 e 2002 É presidente do Instituto Fernando Henrique Cardoso iFHC e presidente de honra do Diretório Nacional do PSDB ANTHONY GRAFTON dá aula de História Intelectual Europeia na Princeton University É autor de Joseph Scaliger a study in the history of classical scholarship Defenders of the text The footnote a curious history e Leon Battista Alberti GEORGE BULL foi escritor jornalista e tradutor Entre seus livros incluemse Vatican politics Renaissance Italy Inside the Vatican e Michelangelo a biography Além das notas deste volume foi responsável pela tradução para o inglês de O príncipe publicado pela Penguin Classics Faleceu no dia 6 de abril de 2001 BIBLIOTECA DO EXILADO NICOLAU MAQUIAVEL O príncipe Tradução de MAURÍCIO SANTANA DIAS Prefácio de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Sumário Maquiavel eterno Fernando Henrique Cardoso Introdução Anthony Grafton O PRÍNCIPE Carta de Nicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médici I Quais os gêneros de principado e por que meios são conquistados II Dos principados hereditários III Dos principados mistos IV Por que o reino de Dario ocupado por Alexandre não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste V De que modo se podem administrar cidades ou principados que antes de conquistados tinham suas próprias leis VI Dos principados novos que são conquistados por virtude e armas próprias VII Dos principados novos que são consquistados por armas alheias e pela fortuna VIII Daqueles que por atos criminosos chegaram ao principado IX Do principado civil X De que modo se deve avaliar a força dos principados XI Dos principados eclesiásticos XII Quais são os tipos de exércitos e de milícias mercenárias XIII Das milícias auxiliares mistas e próprias XIV Como o príncipe deve proceder acerca das milícias XV Das coisas pelas quais os homens sobretudo os príncipes são louvados ou vituperados XVI Da liberalidade e da parcimônia XVII Da crueldade e da piedade e se é melhor ser amado que temido XVIII Como o príncipe deve honrar sua palavra XIX De como escapar ao desprezo e ao ódio XX Se fortalezas e outros expedientes a que os príncipes frequentemente recorrem são úteis ou não XXI Como um príncipe deve agir para obter honra XXII Dos ministros de um príncipe XXIII Como escapar aos aduladores XXIV Por que os príncipes da Itália perderam seus reinos XXV Em que medida a fortuna controla as coisas humanas e como se pode resistir a ela XXVI Exortação a tomar a Itália e a libertála dos bárbaros Notas George Bull Cronologia Glossário de nomes próprios Outras leituras Maquiavel eterno Fernando Henrique Cardoso É mais do que banal a referência a alguns livros como O príncipe dizendo que são clássicos pois o tempo passa e sua contemporaneidade permanece Que um livro se mantenha nesta condição por algumas décadas já é uma façanha Atravessar os séculos então é proeza para poucos autores Mas o que os faz permanecer vivos Na belíssima introdução deste volume Anthony Grafton contraria algumas interpretações sobre os propósitos e mesmo sobre o significado de O príncipe Ele mostra com abundância de argumentos que Maquiavel escreveu seu tratado muito menos como um filósofo alguém que busca as regras universais de comportamento explicações abrangentes e verdadeiras do que como um ser humano imerso nas lutas e na cultura política de seu tempo Quase ao modo da apresentação de um filme Grafton inicia o texto com um close citando Savonarola e não Maquiavel Os termos são de tal modo parecidos com o que se atribui ao pensamento de Maquiavel que à primeira vista o leitor se confunde e pensa que saiu da pena do grande florentino e não de um profeta desarmado como foi o fanático ditador republicano que derrubou os Médici e quatro anos depois foi queimado em praça pública Maquiavel além de ter sido testemunha desses fatos serviu ao governo do sucessor de Savonarola Soderini Não bastasse isso o autor da Introdução mostra que Maquiavel escreveu um livro que se não foi de circunstância estava referenciado a episódios históricos específicos A publicação de O príncipe dedicado ao neto de Lourenço de Médici o Magnífico poderia ter sido motivada até mesmo pelo desejo do autor de ser readmitido nas funções públicas depois que seu protetor Soderini foi substituído novamente por um Médici Suas análises demonstram familiaridade com as brigas palacianas florentinas e de outras cortes Nada disso obscurece no entanto que suas conclusões se apoiam em imenso saber livresco de tal forma que utiliza na argumentação fatos ocorridos na Antiguidade grega na Roma da República ou em episódios contemporâneos assim como recorre a intérpretes dessas várias épocas Michael White no mais recente livro sobre Maquiavel Machiavelli a man misunderstood ressalta que das duas qualidades que tornaram O príncipe obra notável a primeira foi precisamente a comparação entre situações dispersas no tempo sendo a segunda o realismo da análise A clave milagrosa para dotar o texto de eterna juventude terá sido a capacidade demonstrada por Maquiavel para interpretar uma experiência pessoal datada sem descuidar do olhar reflexivo ampliado pela cultura histórica para tirar de sua vivência ensinamentos que vão além do tempo e do espaço Sem dúvida estes fatores além da genialidade do autor contribuíram para o êxito da obra Mas há algo mais O livro trata de modo aparentemente pouco pretensioso de grandes temas a mudança de uma época e a ruptura de paradigmas de interpretação Não foi por acaso portanto que O príncipe se tornou um marco Ele exemplifica de certa maneira a díade famosa da virtù e da fortuna Maquiavel não tendo alcançado a relevância política que almejava teve a sorte de viver em uma época de forte transição a passagem do século XV ao XVI do fortalecimento de estruturas governamentais pós Idade Média e lançou um olhar novo sobre a política Se não dispunha de uma das condições que prognostica como chaves do êxito político pois não teve a fortuna de provir das grandes famílias da época nem dispor de recursos materiais ou bélicos para alcançar o poder teve a audácia intelectual de romper paradigmas de interpretação agiu nesse sentido como um leão E teve a astúcia para ao fazêlo não se dar ares de grande renovador dissimulou seus objetivos como uma raposa Neste sentido aplicou em sua vida intelectual o que pregou no capítulo XXVIII como qualidades dos príncipes na vida política Que foi um renovador ninguém duvida Como seus antecessores intelectuais partiu do que é inerente ao ser humano Não viu na natureza humana entretanto a vocação para o exercício do bem senão que notou impulsos com motivações egoísticas O interesse próprio a ambição a inveja a vontade de domínio motivam a ação dos homens Porque de modo geral podese dizer que os homens são ingratos volúveis fingidos e dissimulados avessos ao perigo ávidos de ganhos assim enquanto o príncipe agir com benevolência eles se doarão inteiros os homens têm menos escrúpulos em ofender alguém que se faça amar a outro que se faça temer p 102 Largados a seus impulsos os homens são os inimigos dos homens dirá Hobbes mais de um século depois Sem algo que os ordene e domine reinará o conflito e a anarquia dirá Maquiavel A arte da política consiste precisamente em organizar a cidade o Estado e a sociedade para evitar que os instintos destruidores prevaleçam Assim a própria dominação é um bem e nada mais grandioso para alguém do que exercer o poder político e ter capacidade para se manter no mando Na ausência de príncipes com esta capacidade haveria o conflito sem regras O poder em si mesmo é o objetivo da ação política Esta visão se afasta das interpretações dos filósofos da Grécia Antiga que viam na construção da felicidade do bem comum os fundamentos da boa política E também dos romanos como Cícero que via a vida pública baseada na cooperação entre homens livres e de boa vontade movidos pela intenção de bem servir e de obedecer as leis Estamos mais longe ainda da ideia cristã de ver como virtuoso quem faz o bem ou da utopia posterior do século XVIII de que o homem é puro por sua natureza A visão de Rousseau não deriva dos caminhos abertos por Maquiavel O olhar novo sobre a política não discrepa das interpretações anteriores apenas porque Maquiavel tem uma visão pessimista sobre a motivação humana mas principalmente porque nosso autor se propõe a analisar a vida política tal como ela é e não como deveria ser Não o preocupam ditames morais mas formas efetivas de comportamento Buscava colocar a nu a verità effetualle como escreveu em italiano Ao rejeitar o idealismo de Platão Aristóteles ou de Santo Tomás rompia com poderosa tradição milenar e sem o dizer com tudo que a Igreja Católica havia endossado até então Só muito mais tarde Maquiavel já morto o Santo Ofício descobriu o quão revolucionária foi a ruptura epistemológica feita por ele e colocou suas obras no Index Antes disso nosso personagem influenciara monarcas cardeais e mesmo papas com seus conselhos políticos e não se pejara de tomar como modelo um dos piores príncipes da época o arquitemido César Bórgia de quem se dizia ser amante da própria irmã Lucrécia sendo ambos filhos do papa Alexandre VI A relação entre Maquiavel e César Bórgia o temido duque Valentino foi complexa e ilustrativa de sua capacidade para julgar homens e situações assim como do modo pelo qual transformava essas experiências em regras do poder Maquiavel e César Bórgia conviveram em várias ocasiões Primeiro quando Maquiavel foi enviado como diplomata à corte de Urbino em 1501 onde César Bórgia se instalara Outra vez tiveram contato por alguns meses em Ímola em 1502 Nas duas ocasiões o famigerado Bórgia invadia cidades ducados e principados vizinhos a Florença ou cuja posição estratégica poderia abalar a autonomia da cidade Os florentinos buscavam havia longo tempo a proteção de Luís XII da França Maquiavel servira como emissário diplomático na corte francesa e lá estabelecera bom diálogo com o influente cardeal DAmbroise sempre visando manter nas acrobacias do poder espaço para que Florença sobrevivesse como república independente Florença cidade sem exércitos em pugna com Pisa buscava equilibrarse entre os poderosos para resguardar seus interesses Maquiavel era o mais astuto dos diplomatas florentinos da época Na grande cena França Espanha mais tarde o imperador do Sacro Império Germânico contracenavam com o Vaticano e os Estados por ele controlados na disputa pelo predomínio na península Em 1503 quando do assassinato de Alexandre VI em Roma César Bórgia voltou a participar das reuniões do Sacro Colégio em sua qualidade de cardeal e influiu na escolha do sucessor de seu pai Na ocasião Maquiavel também estava presente em Roma espiando as tratativas como enviado de Florença O contraste produzido no espírito de Maquiavel pela maneira como o duque Valentino título que César Bórgia obtivera graças à influência de seu pai e às proezas na dominação para o papado da Romanha italiana se comportou nas duas ocasiões é ilustrativo de como nosso autor elaborava intelectualmente as experiências de vida Nos encontros em Urbino e Ímola ambos inconclusivos quanto à disposição de César Bórgia para estabelecer uma relação de paz estável com Florença viu no condottiere as qualidades do verdadeiro líder No primeiro encontro o duque Valentino apresentouse rude aos emissários florentinos Senhor da situação blasonava ter maiores contatos e melhores informações sobre as intenções francesas desdenhando o que poderia ganhar aliandose aos florentinos e não acreditando na fidelidade francesa a Florença como os emissários apregoavam Poder militar já o tinha conquistara a Romanha e várias outras regiões Sabia que precisava criar amigos submissos para conquistar terras e cidades Para tanto sabia usar o suborno as negaças a chantagem e o crime ou em caso de insuficiência desses meios eliminar quem se opusesse a seus propósitos Na segunda visita de Maquiavel quando se encontraram em Ímola Bórgia já havia estado em negociações com o rei francês que ocupara Milão Conhecia melhor portanto suas intenções e se sentia mais seguro sobre o que mais convinha à França para conter os espanhóis ao sul Mais seguro mostrouse mais cordial menos arrogante soube dissimular sua força e seus instintos Sabia que dentre chefes de outras cidades que também se apressaram a visitar Luís XII buscando alianças e até mesmo entre seus capitães corria solta a conspiração contra seu poder Temiam a aproximação de Bórgia com os franceses Antes mesmo de regressar a Florença pouco convencido de conseguir as alianças pretendidas Maquiavel pôde assistir aos massacres ordenados por Bórgia para eliminar os chefes das outras famílias que buscaram Luís XII Procedera da forma como atuara depois da dominação e pacificação da Romanha quando mandou matar seu braço direito o homem que o havia ajudado a conquistar aquela província para sua glória Ramirro dOrco que também fora crudelíssimo na ocupação e era odiado pelo povo Orco teve o corpo esquartejado e exposto Assim as crueldades da ocupação feitas por ordem do duque Valentino poderiam ser percebidas pela população como de responsabilidade de um mau ministro e não do príncipe Todas as referências de Maquiavel a essas ações de César Bórgia foram de gabo No capítulo VII deste livro estão registradas as palavras justificadoras do comportamento de um príncipe resoluto cruel sagaz dissimulador mas ao mesmo tempo apesar de temido pelo povo capaz de entender que a boa administração e a atenção aos sentimentos da população ajudavamno a se perpetuar no poder Não que o respeito do povo e o bom governo fossem a razão principal da permanência no poder Essa depende sempre da força e das qualidades de quem governa desde que os fados não despejem muitos raios que impeçam o êxito Já ao analisar o comportamento do cardeal Bórgia na sucessão do papa Maquiavel não tem senão palavras de condenação Dada sua força habilidade e prestígio havendo sido assassinado seu pai Alexandre VI e ele próprio envenenado embora não letalmente poderia ter manobrado para eleger um papa que se não fosse amigo pelo menos não lhe fosse hostil nem o temesse Entre os três cardeais italianos candidatos ao papado nenhum serviria Melhor seria outro papa espanhol como fora Alexandre Na pior das hipóteses o francês DAmbroise Mas não César Bórgia consentiu na eleição do cardeal Giuliano della Rovere que assumiu a posição sob o nome de Júlio II Adversário tradicional dos Bórgia César acreditou ingenuamente que seu favorecimento para a assunção ao alto posto abrandaria antigos ódios Equivocouse Em pouco tempo estava preso mais tarde exilado e logo assassinado Diante de tantos desastres Maquiavel não hesitou tudo que glorificou no duque Valentino virou admoestação para o cardeal Bórgia No elogio ao duque Maquiavel se excedeu Portanto ao recolher e examinar todas as ações do duque isto é sua violência matreirice etc eu não saberia em que censurálo ao contrário me parece justo e já o fiz apresentálo como comparável a todos aqueles que por fortuna ou com armas alheias ascenderam ao poder imperial seus desígnios só foram frustrados pela brevidade da vida de Alexandre e por sua própria doença seu envenenamento pp 712 Na crítica ao procedimento do cardeal Bórgia foi menos duro Podese apenas censurálo pela má escolha que fez ao eleger Júlio II ao pontificado p 72 Essas breves considerações mostram bem no que consistia a verità effettuale para Maquiavel O julgamento do príncipe não é moral depende de sua capacidade efetiva para obter resultados Esta por sua vez é um jogo entre boas e más circunstâncias e as virtudes Na Introdução Anthony Grafton mostra que Maquiavel considerava como virtudes as qualidades necessárias para a perpetuação do Estado e do poder nas mãos do príncipe É certo que Maquiavel não prega a esmo que os fins justificam os meios assim como tampouco dá seus conselhos aos homens comuns Só aos príncipes em momentos decisivos caberia fazer o mal quando ele fosse necessário para salvar a república ou a si mesmo Por não haver agido conforme esses preceitos na sucessão de Alexandre Maquiavel condenou César Bórgia por têlos seguido nas manobras contra seus amigos ou inimigos nas outras circunstâncias descritas coube o elogio Em qualquer caso entretanto joga também a fortuna seja como excusa pela falha César Bórgia estava enfermo daí fazer o mau julgamento ou morrera o pai prematuramente impedindoo de seguir na trajetória virtuosa do conquistador seja como fator que coopera com as qualidades do príncipe Neste jogo entre destino que não é sobrenatural e ação deliberada portanto responsável dos homens de novo se vê Maquiavel inovador Existem as circunstâncias e os fados a fortuna que intervém nas chances de os príncipes obterem e manterem o poder Mas não há uma predestinação uma ordem emanada da natureza ou da divindade é a ação humana embora contingenciada que define o curso das coisas Sendo assim a ordem política como a social é histórica não está dada para sempre Qual a dinâmica dessa ordem Aqui Maquiavel inova mais uma vez imagina uma dialética constante entre os poderosos os grandes e o povo como mostrou Maria Tereza Sadek de maneira didática em seu manual sobre Maquiavel a política como ela é São Paulo FTD 1966 Disso decorre ser importante que o príncipe além de ter boa fortuna possua virtù pois se ele falha pode cair e novos poderosos ocupam seu lugar Há ciclos no poder que não decorrem da determinação divina afirmava Maquiavel muito antes do tratado de Hugo Grocio que no início do século XVII rompia com as explicações sobre o direito divino ao mando ou de Hobbes e mesmo de Locke que já mais para o fim do mesmo século pensaram as relações entre os homens como constituídas por eles próprios e não pela divindade ou por uma ordem natural imutável Algumas palavras finais sobre o momento de transição vivido por Maquiavel Os autores que melhor analisaram sua obra sublinham a importância de ele ter vivido e escrito em um período de transição para uma nova era Em sentido restrito e em sentido amplo No primeiro caso porque as mudanças de clima político na península italiana foram variadas e drásticas Em Florença mesmo no espaço de poucas décadas houve o predomínio dos Médici o termidor de Savonarola a república dos notáveis de Soderini e demais patrícios a volta dos Médici e assim por diante Tudo isso em um momento no qual o papado ora avançava em poder territorial ora recuava os ducados como os de Milão onde imperavam os Sforza se viam em constante ameaça Veneza e outras poucas cidades mais tentavam manter suas repúblicas oligárquicas os espanhóis avançavam sobre Nápoles e Sicília para assegurar o predomínio da casa de Aragão os franceses como vimos jogavam papel de primeira linha na definição dos destinos de várias cidades e regiões que guerreavam entre si No conjunto tudo isso atuava como um laboratório de formas de governo e modos de dominação para o olhar atento de Maquiavel Enriquecia sua visão sobre os processos políticos e aumentava suas preocupações com o destino de Florença e da Itália Sumarizando Michael White escreveu Maquiavel tinha desfrutado o privilégio de testemunhar o entrelaçamento de duas eras O poder dos Bórgia na Itália se esmagara com facilidade chocante Os florentinos foram compreensivelmente aliviados com a queda inesperada do duque Valentino embora Maquiavel se mantivesse justificadamente cauteloso A transição entre épocas era um tempo perigoso cheio de instabilidade política e incertezas Machiavelli a man misunderstood p 99 Em sentido mais amplo delineavase a formação dos Estados nacionais O príncipe era frequentemente não apenas o déspota que arrasava inimigos para gáudio próprio mas sabendoo ou não o instrumento da unificação de vários territórios em um só mercado o capitalismo se expandia com força no século XVI No meio desse torvelinho Maquiavel percebia a inconstância do poder Patriota queria que a Itália se unificasse florentino desejava manter a independência e a forma republicana de governo de Florença realista sabia que essas formas eram mutáveis principados novos e antigos repúblicas de formato variável e assim por diante Não reconhecia pois não era seu prisma as ligações entre as formas políticas o desempenho dos príncipes e os movimentos da economia Política para ele era um mundo que se explicava por si mesmo pelas ambições forças e fraquezas humanas Essas forças moviam a vida política Entretanto por mais que tudo girasse continuaria a haver dois tipos de gente os poderosos e os que obedeciam Uns podiam galgar ao poder outros decair mas ou se dava continuidade à existência do poder organizado embora mudando os personagens no comando ou o conflito levaria ao caos Não é certo que desprezasse a força dos conflitos inclusive a dos provocados pelo povo Tampouco é certo que preferisse o despotismo e a crueldade do príncipe às formas mais organizadas de gerir o conflito permanente entre uns e outros estas dependeriam do amadurecimento do que hoje se chama cultura política e do fortalecimento das instituições bem como da antiguidade do poder Com o tempo a força usada para instalar um príncipe no poder seria esmaecida dando margem a mecanismos menos chocantes de preservação da autoridade Muitos dos temas e análises nos quais Maquiavel foi pioneiro continuam a desafiar o engenho humano Não por acaso no início do século XX Max Weber recolocou a questão da diferença entre a moral comum e a dos príncipes isto é do homem político do estadista Este não pode cingirse a respeitar valores absolutos terá de se haver com a responsabilidade de seus atos mais do que com os fins nos quais crê Contudo para Weber assim como eu penso a separação entre uma e outra moral não exclui a crença em valores nem supõem o amoralismo na ação política Posteriormente Antonio Gramsci partindo da tradição marxista retomou o tema do príncipe renascido como metáfora do partido não mais do Estado E mesmo Isaiah Berlin ao discutir as decisões que requerem uma escolha dramática entre dois valores que não se combinam mas convivem no mesmo universo cultural de alguma maneira dialoga com Maquiavel Acaso não será essa a prova maior da vitalidade de O príncipe a de ter colocado questões de uma forma que por mais que a história as refaça e por mais que os pensadores reelaborem interpretações dela não se podem livrar Introdução Anthony Grafton O tirano aterroriza os súditos Com maleficência espreita o mundo através de seu palácio solidamente fortificado domina toda a vida à sua volta tão sensível à presa ou aos predadores que se avizinham quanto a aranha delicadamente equilibrada no centro da teia Apoderase do crédito das realizações de homens mais nobres que gastam a própria subsistência em projetos cívicos como grandes igrejas e outras belas edificações Entretém embaixadores de potências estrangeiras à sua mesa e toma decisões que afetam o bemestar de todos os súditos consultando apenas seus favoritos Transforma o Estado numa máquina em proveito próprio e no de seus amigos E não vacila em arrebatar as posses dos homens abastados ou a virtude das donzelas puras Resiste com ferocidade absoluta a qualquer ameaça à sua autoridade única Essa descrição do príncipe solitário vicioso implacavelmente cruel com os que se interpõem em seu caminho parece à primeira vista uma página perdida de O príncipe de Maquiavel livro que ensina táticas eficazes ao governante absoluto e que muitos leitores encaram como uma pregação da impiedade e até uma glorificação da matança Mas ela procede de fonte bem diferente o Tratado sobre o governo da cidade de Florença do frade dominicano Girolamo Savonarola cujos anos de domínio na política florentina de 1494 a 1498 coincidiram com o início da vida adulta de Maquiavel Os paralelos entre dois homens tão diferentes chamam a atenção Tal como Maquiavel Savonarola teve uma vida cívica ativa procurando preservar a forma republicana de governo que julgava ideal para Florença e escreveu tratados intensos poderosamente imaginados sobre política Tal como Maquiavel Savonarola cultivou ideais clássicos acreditava que os romanos haviam criado uma república se não perfeita ao menos exemplar uma república cujas instituições formavam cidadãos virtuosos fazendo com que eles participassem regularmente da vida cívica Tal como Maquiavel Savonarola vivenciou as realidades políticas em seu estado mais brutal Conhecia as táticas e as psicologias dos tiranos da Itália assim como as tradições locais da república florentina como mostra seu retrato do tirano Pior ainda sabia o que era perder o apoio daqueles que mais significavam para ele Quando ao questionar a autoridade dos papas romanos levou o interdito aos seus companheiros florentinos ameaçandolhes a propriedade e os empreendimentos comerciais muitos se voltaram contra ele Um cidadão proeminente observou numa reunião de emergência que Savonarola merecia apoio mas não podia recebêlo já que nós na Itália somos o que somos A propriedade importava mais que a lealdade proposição que Maquiavel retomou em O príncipe ao notar que os homens esqueciam a perda do pai mais depressa que a da propriedade Tal como Maquiavel enfim Savonarola viu sua carreira política chegar a um fim desastroso O autor de O príncipe sofreu o ostracismo político o pregador dominicano foi executado publicamente na Piazza della Signoria e passou a ser para Maquiavel o protótipo do profeta desarmado cuja carreira no mundo real estava fadada a terminar em desastre1 O príncipe de Maquiavel parece para quem o lê sem conhecer seu contexto um manual abstrato cujos princípios se aplicam quase tão bem a um conglomerado moderno quanto a um Estado renascentista Mas como sugere o caso de Savonarola Maquiavel era em muitos aspectos um produto característico de Florença a cidade em que chegou à maturidade a cujo governo serviu de 1498 a 1512 e para o qual escreveu a série de livros admiravelmente originais pelos quais é lembrado sobretudo O príncipe Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio História de Florença e A mandrágora O interesse obsessivo de Maquiavel pelo funcionamento da política sua paixão pelos mexericos em torno a homens importantes e altos negócios seu desesperado esforço para enunciar regras capazes de prever a reação dos homens aos desafios e crises políticas todos esses e muitos outros traços de caráter e intelecto ele os compartilhava com um grande número de concidadãos Assim como as experiências políticas que o levaram a se afastar das convicções florentinas mais comuns acerca de alguns pontos vitais Tanto na forma quanto no conteúdo O príncipe deve muitíssimo à sociedade e cultura peculiares em que seu autor cresceu trabalhou pensou e viveu sua própria crise política A Florença que Maquiavel conheceu e serviu era uma das duas grandes repúblicas que nos últimos anos do século XV ainda floresciam entre os grandes Estados principalmente Milão os Estados papais e Nápoles que avançavam no domínio da península Itálica Sendo uma das maiores cidades da Europa sofrera muito durante os anos da peste no século XIV e a indústria têxtil florentina espinha dorsal da expansão medieval da cidade encolheu juntamente com a população europeia que comprava seus produtos Entretanto no curso do século XV a prosperidade voltou a Florença tanto no âmbito privado como no público ainda que ela já não rivalizasse com o poder independente da outra grande república Veneza Os banqueiros e mercadores florentinos continuaram a acumular grandes fortunas a nova indústria da seda veio suprir parte da renda perdida em virtude do declínio do negócio da lã Florença tornouse o centro de um estado territorial que abrangia cidades anteriormente independentes como Pisa e Livorno Desenvolveu uma ampla gama de instituições novas para enfrentar os problemas práticos que surgiam desde um novo sistema tributário baseado na propriedade o catasto até uma frota de galeras fundeada em Pisa A cidade passou a ser um dos centros da nova cultura clássica criada pelos humanistas do Renascimento professores e intelectuais que fomentavam escolas e bibliotecas para o estudo dos clássicos gregos e latinos Em outras cidades como Milão tais estudos dependiam da patronagem dos príncipes Em Florença ao contrário estavam intimamente ligados à elite urbana e ao governo municipal Florença teve a primeira grande biblioteca pública secular dos tempos modernos a de San Marco fundada pelo bibliófilo e nobre especialista Niccolò Niccoli Desde os últimos anos do século XIV os chanceleres da cidade altos funcionários encarregados de escrever a correspondência e a propaganda oficiais de Coluccio Salutati em diante financiaram o estudo dos clássicos Eles e os jovens intelectuais com os quais trabalhavam como Leonardo Bruni recorreram à evidência da história romana para afirmar que Florença era uma descendente direta e digna da Roma republicana e lançaram mão do pensamento político de Cícero e Aristóteles para proclamar a qualidade superior da vida ativa dos cidadãos florentinos Em outras palavras bem antes do nascimento de Maquiavel a cidade já era o centro do novo estilo clássico de educação e erudição Na metade do século XV os patrícios assim como os funcionários citavam regularmente exemplos clássicos nos debates públicos para justificar as opções da política moderna Até mesmo o cenário da discussão política era mais clássico A revolução artística do século XV iniciada em Florença alterou radicalmente a fisionomia da cidade à medida que as famílias particulares começavam a consolidar grandes propriedades urbanas nas quais construíam austeros e enormes palácios de fachada rústica e pátios com colunata No lugar das antigas casas de mercadores com o térreo ocupado por lojas abertas para a rua ergueramse gigantescas estruturas clássicas fechadas e monumentais2 Mas essas discussões políticas florentinas cercadas do máximo rigor clássico no estilo tratavam de questões sumamente práticas Durante o século XV a cidade sobreviveu a uma série de guerras prolongadas e debilitantes com Giangaleazzo Visconti de Milão com Ladislau de Nápoles e outros Por sua vez as tensões por elas impostas tornaram se pouco a pouco grandes demais para que a forma republicana de governo da cidade pudesse suportálas Em 143334 Cosimo de Médici exilado pelos adversários voltou a Florença Não chegou a derrocar a república mas a transformou mediante manipulações sutis tomando o controle dos procedimentos empregados na seleção por sorteio dos membros das comissões de governo Cosimo fazia questão de se dizer um mero cidadão florentino e mesmo seus panegiristas o chamavam apenas de pater patriae a despeito da extensão de seu poder e da vasta escala de programas de construção que implementou tornando óbvio seu status na cidade Nas duas gerações seguintes os Médici se alçaram a incontestáveis governantes de Florença embora as antigas instituições da república ainda sobrevivessem O neto de Cosimo Lourenço o Magnífico não dava margem a dúvidas quanto à extensão de seu poder Os embaixadores residentes de outras potências moravam com ele no palácio Médici e Lourenço negociava pessoalmente para sair das gravíssimas crises públicas que o acometiam como a guerra de 1478 travada contra Florença pelo papa Sisto IV e o rei Ferrante de Nápoles depois que os membros de outra grande família os Pazzi fracassaram na tentativa de assassinar Lourenço No século XVI quando potências estrangeiras assolaram a Itália e se perdeu permanentemente a independência do século XV os homens passaram a recordar a era de Lourenço como uma idade de ouro na qual sua habilidade diplomática mantinha o equilíbrio entre as potências em luta da Itália ao mesmo tempo que sua patronagem e seu apoio estimulavam artistas brilhantes como Botticelli e escritores como Poliziano O próprio Lourenço escreveu sonetos e músicas de carnaval inclusive a famosa e inesquecível Quantè bella giovinezza3 Em 1494 o rei francês Carlos VIII invadiu a Itália Lourenço falecera em 1492 Seu filho Pedro bastante inferior ao pai no trato das ameaças externas ou internas indispuserase com muitos cidadãos influentes antes mesmo do advento da crise Quando os franceses chegaram Pedro capitulou sem lutar Ao voltar a Florença descobriu que boa parte da cidade se sublevara contra ele Foi nesse momento crítico que Savonarola passou ao primeiro plano Ele vinha denunciando os vícios dos italianos e agourando a iminência do desastre havia tempos Quando Carlos VIII confirmou as previsões de Savonarola o dominicano adquiriu enorme prestígio não só por haver antecipado a invasão francesa como por ter convencido Carlos como acreditavam muitos a poupar a cidade Valendose das tradições proféticas florentinas que circulavam havia séculos Savonarola começou a prenunciar que a cidade teria um papel importante e criativo na futura reforma da Igreja Também reiterava que os florentinos devido à sua energia e paixão políticas só podiam viver numa república e jogou todo o seu prestígio na criação de uma nova forma de governo centrada num Grande Conselho do qual participaria um considerável número de cidadãos Essa instituição foi criada juntamente com uma casa para suas reuniões a qual Leonardo e Michelangelo se incumbiram de decorar Florença entrou numa derradeira e prolongada experiência com o republicanismo que apesar da crise de 1498 e da própria queda de Savonarola duraria até 15124 Piero Soderini o gonfaloniere dominou essa república tentando desesperadamente reconciliar os grandes patrícios com os comerciantes que consideravam seus interesses radicalmente opostos E Maquiavel que ingressou no serviço dos Dez da Guerra em 1498 passou toda a carreira política servindo o governo de Soderini Tornouse um funcionário público consumado especialista em procedimentos governamentais e fluente na interpretação e produção de correspondência oficial Cumpriu missões tanto no interior do estado florentino quanto na qualidade de diplomata no exterior Trabalhando às vezes em colaboração com Francesco Vettori um amigo íntimo de berço nobre conheceu os mais poderosos governantes do seu tempo na Itália e no Norte César Bórgia Luís XII da França o sacro imperador romano Maximiliano I Por vezes humilhado pelos representantes das potências maiores ele se deu conta da insignificância de Florença na nova política e na guerra do início do século XVI Eternamente curioso também viu como Florença e outros grandes Estados empreendiam o negócio de se fazerem mais poderosos e se tornou um crítico articulado e pungente da ação política florentina cujos memorandos na tradição da chancelaria da cidade abundavam em exemplos da história romana cuidadosamente escolhidos para deitar luz no presente Convencido de que só um exército de cidadãos lutaria lealmente até o fim Maquiavel trabalhando para uma nova comissão os Nove criou uma milícia para defender Florença apenas para vêla varrida num só dia pelos soldados que destruíram o regime de Soderini e restauraram os Médici no poder em 15125 Suspeito de conspirar contra os Médici Maquiavel depois de preso e torturado deixou a cidade e se recolheu em sua pequena propriedade rural a alguns quilômetros sempre atormentado pelo desejo de voltar à metrópole e à política Em outras palavras a vida política de Maquiavel começou e terminou em invasão e revolução Não admira que ele considerasse a ordem política tão frágil e asseverasse que sua preservação devia se sobrepor aos escrúpulos das delicadas mentes tradicionalistas Foi nessas circunstâncias que Maquiavel escreveu cartas e cartas a Vettori discutindo a interpretação política dos fatos recentes e já que o amigo insistia na inescrutabilidade dos príncipes reiterando que ele dominava a arte de ler os atos e intenções principescos6 Levado ao desespero pela exclusão do mundo da política e agarrandose à esperança de que sua capacidade o levasse a recuperar a posição de poder perdida Maquiavel voltouse para a cultura clássica e a experiência política de sua cidade natal confiando que nelas havia de encontrar os recursos intelectuais de que precisava Na mais famosa dessas cartas relatou longamente que se via obrigado a viver reduzido a mexericos de aldeia pescarias e jogos lendo uma edição de bolso então na moda de poemas de amor discutindo com vizinhos pobres e tolos E tentou converter a tragédia em triunfo mostrando que era capaz de transcender aqueles percalços exercitando sua aptidão de analista do passado e do presente Quando a noite cai eu volto para casa e me encerro em meu escritório e na soleira tiro a roupa de todo dia sempre coberta de barro e lodo e ponho vestes régias e curiais e vestido de maneira mais adequada adentro as antigas cortes de homens antigos e por eles sou amavelmente acolhido e lá saboreio o alimento que é só meu e para o qual nasci e lá não me envergonho de lhes falar de indagar as razões de seus atos e eles em sua humanidade respondem e durante quatro horas não sinto nenhum tédio descarto toda aflição já não temo a pobreza nem estremeço ante a ideia da morte passo a fazer parte deles cabalmente E como Dante diz que não existe conhecimento sem a sua retenção na memória venho anotando o que aprendo com sua conversa e compus um livrinho De principatibus em que mergulho tão fundo quanto posso em pensamentos sobre esse tema discutindo o que é principado que tipos existem como são adquiridos como são mantidos por que se perdem7 Maquiavel voltouse para o recurso tradicional do erudito a leitura dos clássicos não só por distração mas também por desespero Assim fazendo esperava não apenas chegar a entender sua situação como provar sua habilidade suprema e desse modo obter um cargo no novo governo dos Médici no qual seu talento não enferrujaria no isolamento rural Consequentemente dedicou a obra a Juliano de Médici na esperança de que suas ideias fossem bem recebidas por um novo príncipe Em outras palavras Maquiavel confiava nos recursos da tradição humanística o conhecimento dos clássicos e a eloquência na expressão para reconquistar uma posição que lhe permitisse ter a vida política ativa que anelava mais que qualquer outra coisa À primeira vista o livro que Maquiavel escreveu para demonstrar destreza como analista político parece tão tradicional quanto seu método Antes dele muitos humanistas desde Petrarca abordaram o tema do príncipe ideal E tal qual Maquiavel discutiram como devia ser a educação do príncipe de que qualidades morais e intelectuais ele mais precisava e de que maneira lidar com os súditos Assim como a de Maquiavel suas obras vinham abarrotadas de exemplos clássicos de boa e má conduta extraídos de antigos biógrafos e historiadores O título dos capítulos de O príncipe que Maquiavel publicou em latim não no italiano em que redigiu o texto e que propunha para discussão tópicos tradicionais como se convinha ao príncipe desejar ser amado ou temido pelos súditos oferecia indicações a qualquer pessoa culta Maquiavel e seus leitores trilhavam um caminho pelo qual muitos já haviam passado Mas desde o início ele insistia na originalidade de sua abordagem mesmo das questões mais tradicionais a que se referia Os tratados humanistas anteriores acerca do príncipe ideal começavam com princípios éticos gerais a natureza do homem o propósito do governo a vinculação de ambos na busca da vida virtuosa Maquiavel pelo contrário teve a audácia de declarar que trataria a política tal como ela realmente era Dividiu todos os principados em duas categorias o novo e o consolidado e abstendose de qualquer juízo de valor explicou do que o príncipe necessitava em cada caso para manter o controle de seu reino Os tratados anteriores presumiam que o príncipe precisava acima de tudo ser bom buscar a virtude no sentido tradicional Escritores como Bartolomeo Platina e Francesco Patrizi basicamente ofereciam longas listas das virtudes que convinha ao príncipe cultivar e dos vícios que deveria evitar todas apoiadas em numerosos casos extraídos de fontes clássicas Seu tratamento refletia realidades contemporâneas os escritores humanistas reconheciam que os reis desejavam a fama neste mundo assim como a vida eterna no outro elogiavamlhes o apoio generoso à cultura e à erudição em vez da parcimônia e às vezes exibiam considerável sagacidade psicológica Maquiavel também falava em virtude constantemente Mas empregava o termo virtude em muitos sentidos inclusive no da necessária e fundamental capacidade independentemente de quaisquer questões acerca do bem ou do mal de manter o controle dos súditos e do reino Em consequência Maquiavel dizia constantemente ao leitor que as qualidades tradicionalmente consideradas virtuosas no sentido cristão ou feudal nada tinham de virtuosas no príncipe A liberalidade por exemplo era uma das mais bem estabelecidas virtudes principescas No entanto se praticada seriamente arriscava levar à prodigalidade à ostentação e à dilapidação da riqueza do príncipe e à opressão de seus súditos e no fim ao desprezo e ao ódio destes por ele O príncipe que compreendesse verdadeiramente a virtude no sentido das qualidades necessárias à perpetuação de seu Estado e poder preferiria o vício da avareza à virtude da liberalidade Repetidas vezes Maquiavel transformava valores tradicionalmente realçados e louvados nos escritos formais em teoria política8 Ele mesmo chamava a atenção do leitor para as diferenças radicais entre sua abordagem e a de seus predecessores Outros escreveu no capítulo XV discutiam repúblicas que não existiam em nenhum lugar da Terra Ele pelo contrário propunhase a discutir a efetiva realidade das coisas estados governantes e súditos como realmente eram Não sugeriria regras de bom comportamento no sentido por exemplo cristão Mais de uma vez afirmou que o príncipe verdadeiramente cristão que conservasse a fé enquanto outros príncipes não o faziam ou que buscasse o amor dos súditos em vez de fazer com que o temessem acabava inevitavelmente perdendo sua posição Cícero afirmou em De officiis obra constantemente citada e aplaudida pelos humanistas que o homem virtuoso devia atingir seus fins mediante a comunicação e a persuasão não pela força ou pela traição táticas adequadas aos animais ao leão e à raposa respectivamente Maquiavel ao contrário alegava que o príncipe às vezes devia encarnar o leão poderoso e firme às vezes a raposa astuta e esquiva Desse modo sublinhava sua convicção de que o príncipe não podia se deixar constranger pelas imposições da moralidade normal se quisesse fazer adequadamente seu trabalho9 Em suma desde o começo Maquiavel apresentava ao leitor a percepção de que o esforço direto para dominar e aplicar os princípios da moralidade tradicional não produziria um governante eficaz A política tinha de ter outras normas Como mostrou Felix Gilbert10 Maquiavel introduziu essas inovações radicais na teoria política numa extensão considerável simplesmente transferindo da esfera privada das discussões governamentais sobre a ação política para a esfera pública da escrita política a experiência política florentina acumulada Fazia muito tempo que o governo florentino convocava reuniões dos cidadãos mais influentes toda vez que o Estado enfrentava uma crise grave e os participantes dessas reuniões invocavam precedentes clássicos e modernos tão regular e realisticamente quanto o próprio Maquiavel Procuravam formular normas que os auxiliassem a entender tanto as mudanças na esfera política maior quando grandes potências disputavam a península Itálica quanto as agitações no seu próprio mundo florentino já que revoluções contínuas afligiam sua querida cidade E as exprimiam em termos tão corrosivos e mordazes quanto as mais rigorosas formulações do próprio Maquiavel Ameaçados por uma potência estrangeira os florentinos eram capazes de dizer Cão que ladra não morde Mais genericamente os patrícios florentinos sabiam que para ter sucesso as ações políticas dependiam não da ação divina e sim do alcance de sua habilidade e dos recursos com os quais eles computavam as possibilidades Em 1496 quando Florença corria perigo devido à sua política de lealdade com a França um ilustre cidadão observou que a cidade podia resistir ou com a força ou com a inteligência E não me parece possível que possamos opor resistência a toda a Itália pela força Mais vale optar pela alternativa da inteligência Bem antes que O príncipe chegasse às mãos dos príncipes renascentistas os quais à cata dos segredos da ação política eficaz talvez lessem suas páginas com avidez os patrícios de Florença já discutiam política de modo cabalmente realista entendendo que muito mais do que pelas ideias que eles citavam seus atos eram dirigidos pelos diversos interesses dos Estados e dos indivíduos Além disso a partir da década de 1490 a experiência de lidar com governantes impetuosos como César Bórgia e com os grandes exércitos dos franceses levou os florentinos a compreenderem cada vez mais que a força governava os negócios humanos Os patrícios de outrora preconizavam a política do adiamento e exortavam à negociação Na época em que escreveu O príncipe Maquiavel era apenas um entre muitos profetas da força florentinos11 Em outras palavras tanto os conceitos como as imagens usados por ele para descrever o governante bemsucedido provinham em escala considerável da linguagem política da elite florentina Nenhum capítulo de O príncipe ficou mais famoso por exemplo do que aquele em que Maquiavel tentou avaliar o alcance da liberdade de ação humana Assim como em outras partes ele argumentou que a fortuna tinha um poder enorme sobre o homem Às vezes como o rio Arno arrastava tudo consigo destruindo como a invasão francesa todas as instituições concebidas pelos homens para se proteger e preservar a ordem Nesse sentido os preparativos humanos contra o poder imenso da fortuna como a engenharia hidráulica podiam apenas limitar e canalizar o dano resultante não proteger contra ele Às vezes como uma deusa caprichosa a fortuna simplesmente alterava a situação no campo de jogo fazendo do adiamento a tática aconselhável muito embora o indivíduo na época em questão amaldiçoado por seu caráter continuasse a se arrojar contra todos os oponentes destruindose ao fazêlo Em geral reiterou Maquiavel o ousado tinha mais sucesso que o hesitante A fortuna escreveu recorrendo a uma imagem amiúde citada em sua época e ainda notória hoje em dia era afinal de contas mulher Consequentemente favorecia os que tinham a audácia de tratá la com brutalidade O conselho de Maquiavel no trato com a fortuna era próprio dele Mas em seu apaixonado interesse pelo poder da condição de transformar os fatos assim como em sua percepção da fragilidade dos líderes humanos e de seus planos ele lançou mão dos recursos intelectuais da classe dominante florentina Os patrícios cuja proeminência se apoiava não no berço antigo e na destreza militar e sim nas vendas e nos investimentos sabiam que podiam perder tudo da noite para o dia Alguns como o grande patrono da arquitetura Giovanni Rucellai mostravam uma preocupação quase obsessiva com o tema Rucellai tomou por emblema uma vela inflada indicando que a fortuna que também podia ser um vento forte impelia o barco de seu cabedal Em toda parte brasonava com ela os grandes projetos de edifícios que financiava inclusive a fachada da igreja de Santa Maria Novella com sua incongruente paisagem de velas infladas E ainda pôs uma imagem da própria fortuna mulher nua e difícil de controlar num belo medalhão no pátio de seu palácio florentino Escritores como Leon Battista Alberti invocavam regularmente o poder da fortuna de destruir assim como de favorecer as grandes famílias Ao tratar o sucesso e o fracasso como algo não recebido pelo mérito da boa conduta mas arrebatado ao controle de um cosmo indiferente Maquiavel usou um consolidado conjunto de imagens e metáforas De forma curiosa para quem tanto proclamava sua capacidade de dar uma explicação verdadeira e profunda da política Maquiavel às vezes escrevia como se aceitasse outra corrente divergente do pensamento político florentino Tanto Vettori com quem ele colaborou ativamente no período que levou para escrever O príncipe quanto Francesco Guicciardini outro amigo íntimo e crítico severo de Maquiavel o acusavam de excessiva presunção As intenções políticas eram normalmente inescrutáveis Via de regra as ações políticas tinham efeito incalculável E a maioria das situações como argumentou Guicciardini em seu famoso Ricordi tinha caráter muito diferente para que se pudessem inferir claramente os fatores comuns que nelas operavam Em suma a política não podia ser prevista nem controlada pelo menos não com a devastadora facilidade prometida pelo autor de O príncipe Apesar de sua autoconfiança como conselheiro Maquiavel não discordava totalmente dessas críticas Os homens admitia tinham caráter fixo valente ou covarde ousado ou vacilante As circunstâncias às vezes favoreciam um estilo de ação às vezes outro Mas ninguém podia sempre ou com frequência adaptar seu caráter aos tempos cambiantes Nessa medida todos os políticos estavam fadados a fracassar parte do tempo mesmo que as políticas ousadas geralmente fossem preferíveis Maquiavel nunca se mostrou tão florentino como quando perdeu a esperança na possibilidade de encontrar governantes capazes de pôr em prática suas observações políticas No entanto seu livro e seu pensamento político também se distanciavam em aspectos cruciais das tradições da linguagem política que tanto lhe ensinaram E esse distanciamento continua desafiando todos os intérpretes de sua vida e de seu pensamento Em primeiro lugar como vimos Florença era tradicionalmente uma república o próprio Maquiavel prestara fiéis serviços à república e na carta prefacial a O príncipe chegou a afirmar que havia discutido os governos republicanos em outra obra observação geralmente considerada referente a Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio na qual analisou a experiência da Roma antiga a fim de entender quais instituições eram capazes de preservar uma república Em O príncipe ele explicou como um governante absoluto podia assumir e manter o controle de um Estado anteriormente republicano Em Discursos obra que na sua forma final reflete palestras ministradas por Maquiavel a um grupo de nobres e intelectuais no agradável jardim da família Rucellai alguns anos depois da queda da república ele tentou elucidar o sucesso dos romanos na criação e conservação de um Estado com fortes elementos populares que existiu durante séculos Embora a análise da política republicana fosse tão rigorosa e pragmática quanto o manual para príncipes sua obra tardia mostra uma forte preferência pelo governo popular uma fé na lealdade e virtude gerais do povo aparentemente difícil de conciliar com a análise realista da turba volúvel e fácil de enganar que escorava suas instruções sobre o comportamento principesco eficaz Muitos estudiosos tentaram com graus variáveis de sucesso reconciliar as duas obras explicar as diferenças entre elas pela evolução do pensamento de Maquiavel ou provar que somente uma delas refletia sua verdadeira opinião Mas todo esse esforço permanece inconclusivo A natureza dos ideais pessoais de Maquiavel assim como a maneira como ele teria comparado ou contrastado as duas obras continua incerta Quem quiser se debruçar sobre o pleno desenvolvimento do pensamento de Maquiavel precisa acima de tudo explicar o que aquele leal servidor da república pretendia com seu elogio à tirania12 Mesmo no bojo de O príncipe Maquiavel desafiava os leitores com problemas de interpretação Reiterou como todos os leitores desse livro enxergam prontamente que ao príncipe convinha aplicar quaisquer táticas até as viciosas que lhe garantissem o controle sobre seu Estado Táticas de terror o emprego de subordinados truculentos que por sua vez podiam ser executados com igual truculência quando tivessem levado a cabo sua tarefa até mesmo o extermínio dos adversários todos esses expedientes figuravam nas páginas de O príncipe em geral descritos com aparente equanimidade Maquiavel chegou a transformar um dos mais temíveis governantes seculares de seu tempo César Bórgia numa espécie de herói não por sua conduta virtuosa mas pela brilhante combinação de táticas que quase fez dele o senhor absoluto da Itália central Por vezes o autor de O príncipe parece se deleitar com a brutalidade que descreve Alguns leitores notando que na vida real quando foi designado emissário junto a César Bórgia Maquiavel o havia criticado duramente foram tão longe em seu desejo de salválo da acusação de imoralidade política que chegaram a alegar que ele pretendia oferecer não um sério relato e sim uma sátira amarga da vida política contemporânea passível de ser decodificada por seus leitores Da época de Maquiavel para cá a maioria reagiu de modo radicalmente diferente tratandoo como um deliberado mestre da imoralidade cuja obra marca o fim de uma forma tradicional de vida e pensamento políticos e o nascimento da modernidade com todos os seus vícios característicos Contudo o próprio Maquiavel quando com outra disposição de espírito reconhecia que um governante não tinha o direito de massacrar os concidadãos indiscriminadamente mesmo que isso se mostrasse eficaz Agátocles o tirano de Siracusa não podia ser considerado virtuoso escreveu por mais bemsucedida que tivesse sido sua política Como mostrou Victoria Kahn13 esse foi o modo como Maquiavel ressaltou a complexidade e a fluidez da vida política e do juízo político Tentou ensinar a seus leitores que não se devem buscar normas rigorosas e sim aprender a pensar sutilmente seus caminhos e suas exigências em cada situação política diferente Ao afirmar que nenhuma qualidade isolada pode ser identificada como virtude e buscada em toda e qualquer situação ele passou a ser o mestre político da Europa Nas cortes e universidades gerações de leitores aprenderam com Maquiavel a esquadrinhar a elaboração das decisões políticas com um novo e duro realismo e uma percepção clara de que nenhum governante que espere sobreviver pode se abster de uma ou outra forma de perfídia Maquiavel emprestou seu nome ao Maquiavel o velhaco que manipulava os outros nas tragédias jacobianas mas também forneceu o núcleo das doutrinas da razão de Estado que vieram a ser a educação política fundamental da Europa moderna14 Ele detestava os profetas desarmados profeti disarmati como Savonarola No entanto o próprio Maquiavel estava armado apenas de uma pluma quando se tornou o profeta de um novo entendimento da política Deu uma forma literária permanente e inesquecível à perspicaz implacável visão da política por tanto tempo cultivada pela elite florentina Ao mesmo tempo porém deixou claros os limites dessa visão herdada assim como os da visão mais idealista que antes dominara a literatura política Não admira que seu retrato do príncipe tal como o de Savonarola conserve a capacidade de fascinar assustar e instruir O príncipe Nicolaus Maclavellus Magnifico Laurentio Medici Iuniori1 Salutem Aqueles que desejam conquistar a graça de um príncipe costumam obsequiálo o mais das vezes com o que possuem de mais valioso ou que possa deleitálo de modo especial por isso os príncipes são frequentemente presenteados com cavalos armas tecidos de ouro pedras preciosas e ornamentos desse gênero todos dignos de sua grandeza Desejando por meu turno oferecerme à Vossa Magnificência com um testemunho da servidão que lhe devoto não encontrei entre os bens que me são mais caros ou tanto estime senão o entendimento das ações dos grandes homens aprendido por mim numa longa experiência das vicissitudes modernas e no estudo contínuo das antigas as quais tendo eu com grande diligência examinado e cogitado demoradamente agora as condenso neste breve volume que envio a Vossa Magnificência E conquanto julgue esta obra indigna de sua presença ainda assim muito confio em que por sua humanidade ela deva ser acolhida considerando que de minha parte não lhe poderia ser ofertado maior dom que proporcionarlhe a faculdade de poder em brevíssimo tempo entender tudo o que eu em tantos anos e por tantas aflições e perigos conheci e entendi Não adornei nem recheei esta obra de orações amplas ou de palavras pomposas e magníficas ou de quaisquer outros artifícios ou ornamentos extrínsecos com os quais muitos soem descrever e adornar suas coisas porque quis que nada mais a honrasse ou tornasse grata senão a exclusiva amplitude da matéria e a gravidade do assunto Tampouco pretendo que se considere presunção o fato de que um homem de baixo e ínfimo estado ouse discorrer e ditar regras sobre o governo dos príncipes isto porque assim como os desenhistas de paisagem se põem num nível baixo a fim de discernir a natureza dos montes e dos lugares altos e no topo dos montes para observar as zonas baixas do mesmo modo para bem conhecer a natureza dos povos é preciso ser príncipe e para conhecer bem a dos príncipes é necessário pertencer ao povo Aceite pois Vossa Magnificência esta pequena oferenda com o mesmo espírito com que lha envio obra que se for lida e considerada com diligência tornará patente meu extremo desejo de que o Senhor alcance a grandeza que a fortuna e outras suas qualidades lhe prometem E se do ápice de sua altura Vossa Magnificência por momentos volver os olhos para estes lugares baixos saberá quanto eu desmerecidamente tenho suportado uma grande e contínua adversidade da fortuna Carta de Nicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médici Todas as notas com asterisco são do tradutor As notas numeradas do editor De principatibus Dos principados título original em latim dado por Maquiavel ao seu tratado O título de cada capítulo também é em latim I Quot sint genera principatuum et quibus modis acquirantur Todos os Estados todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são repúblicas ou principados E os principados são ou hereditários nos quais o sangue de seu senhor tenha reinado por longo tempo ou novos E entre os novos ou são novos de todo como foi o de Francesco Sforza em Milão ou são constituídos de membros agregados ao Estado hereditário do príncipe que os conquista como é o reino de Nápoles submetido ao rei da Espanha Assim são ordenados tais domínios uns habituados a viver sob um príncipe outros acostumados a serem livres e eles são conquistados ou por armas alheias ou por armas próprias ou por fortuna ou por virtude Quais os gêneros de principado e por que meios são conquistados II De principatibus hereditariis Deixarei por ora a argumentação sobre as repúblicas pois já tratei longamente desse tema em outra oportunidade Concentrarmeei apenas nos principados e desenvolverei as linhas supracitadas discorrendo acerca de como tais principados se podem governar e manter Digo pois que nos Estados herdados e sujeitos ao sangue de seus príncipes as dificuldades em mantêlos são bem menores que nos Estados novos porque basta não preterir a ordem sucessória da estirpe e contemporizar com os imprevistos de modo que se tal príncipe for dotado de um engenho mediano sempre se manterá no poder a menos que uma força desmedida e excessiva o prive dele e uma vez privado de seu Estado ao primeiro revés sofrido pelo usurpador logo o reconquistará Tivemos na Itália o exemplo do duque de Ferrara1 que somente suportou os ataques dos venezianos em 1484 e os do papa Júlio em 1510 pela razão de ser antigo naquele domínio Porque o soberano natural tem menores motivos e menos necessidade de ofender donde é mais fácil que seja querido e se extraordinários vícios não o tornem odiado é razoável que naturalmente ele seja benquisto pelos seus Ademais na antiguidade e continuidade do poder se apagam a memória e as demandas por inovações porque uma mudança sempre lança as bases para a edificação de outra Dos principados hereditários III De principatibus mixtis Mas é no principado novo que consistem as dificuldades Primeiramente se ele não for de todo novo mas um membro agregado a um Estado hereditário podendo ser incluído entre os Estados mistos suas modificações derivam sobretudo de uma dificuldade natural inerente a todos os principados novos quais sejam os homens mudam de bom grado de senhor acreditando que assim melhorarão de estado e tal crença os faz pegar em armas contra aquele mas nisso se enganam pois mais tarde constatam por experiência que sua situação piorou Disso resulta outra necessidade natural e comum pois o novo príncipe sempre precisará oprimir os novos súditos seja com suas tropas seja com as infinitas violações que uma conquista recente implica de modo que se transformam em inimigos todos aqueles que o novo príncipe ofendeu ao ocupar aquele domínio sem que seja possível manter a amizade dos que o ajudaram a conquistálo haja vista que é impossível satisfazer todas as suas pretensões mas também não se pode lançar mão de medidas enérgicas contra estes posto que se tem uma dívida com eles isso porque ainda que seus exércitos sejam poderosíssimos sempre será necessário o favor dos provincianos para se entrar numa província Por estas razões Luís XII rei da França ocupou rapidamente Milão e rapidamente a perdeu1 e para perdêla da primeira vez bastaram as próprias forças de Ludovico pois a população que lhe abrira as portas vendose iludida em suas pretensões e frustradas suas esperanças no futuro não pôde suportar os incômodos de um novo príncipe É bem verdade que reconquistadas uma segunda vez as províncias rebeldes não são perdidas com tanta facilidade pois o senhor aproveitandose da rebelião tem menos escrúpulos em assegurar o poder punindo os revoltosos identificando os suspeitos e fortalecendose nos pontos mais vulneráveis De maneira que se para perder Milão na primeira vez bastou que o duque Ludovico fizesse estardalhaço nas fronteiras para perdêla na segunda foi preciso que o rei da França tivesse contra si todo o mundo e que seus exércitos fossem subjugados ou expulsos da Itália em consequência dos motivos citados acima Mas o fato é que o rei da França perdeu uma primeira e uma segunda vez As causas gerais da primeira derrota já foram analisadas resta agora examinar os motivos da segunda e ver quais os recursos de que ele dispunha e que meios poderia ter alguém que se encontrasse em suas condições para manter a posse dos territórios conquistados coisa que a França não fez Digo pois que esses Estados conquistados e anexados por outro mais antigo podem pertencer ao mesmo país e à mesma língua ou não Quando pertencem é muito mais fácil dominálos sobretudo se não estiverem habituados a viver livres para possuílos com segurança basta extinguir a linhagem do príncipe que os governava pois quanto ao resto preservandose as antigas condições e não havendo contrastes de costume os homens vivem pacificamente como ocorreu na Borgonha na Bretanha na Gasconha e na Normandia que tanto tempo estão sob a Coroa francesa e apesar de haver entre elas algumas diferenças de língua todavia os costumes ali são semelhantes e podem ser facilmente conciliados entre si E quem os conquistar se quiser preserválos deverá respeitar duas regras a primeira é que o sangue do príncipe anterior seja extinto a segunda não alterar as velhas leis nem os impostos e assim em brevíssimo tempo o principado novo se tornará um só corpo com o antigo Porém quando se conquistam territórios de uma província com línguas costumes e leis contrastantes aqui surgem as dificuldades e aqui é preciso ter grande sorte e grande engenho para mantêlos Um dos melhores e mais eficazes meios seria que o conquistador fosse habitar ali isso tornaria mais seguro e mais durável seu domínio como fez o grãoturco na Grécia2 o qual apesar das medidas que tomou para manter seu território não teria sido capaz de preserválo se não tivesse ido morar nele Porque estando presente o soberano as desordens são percebidas no nascedouro e é possível remediálas a tempo já em sua ausência os distúrbios só são notados quando não há mais remédio Além disso sua presença evitará que os prepostos espoliem a província e seus súditos poderão satisfazerse recorrendo diretamente ao príncipe tendo assim mais motivos para amálo se ele for dócil e para temêlo se não o for tanto e aqueles que de fora quisessem atacar o Estado teriam maior cautela portanto o soberano que nele habitar só o irá perder com enorme dificuldade O segundo melhor remédio é enviar colônias para um ou dois postos estratégicos da província anexada ou se faz isso ou será preciso manter ali uma tropa numerosa Com as colônias não se gasta muito já que elas podem ser assentadas e mantidas com pouca ou nenhuma despesa os únicos prejudicados são aqueles a quem tiraram os campos e as casas para dálos aos novos moradores que são uma parte mínima de todo o Estado e aqueles que são ofendidos estando dispersos e na pobreza jamais poderão ser nocivos quanto aos demais se por um lado permanecem ilesos e por isso deveriam aquietar se por outro temem incorrer em erro e deste modo sofrer a mesma espoliação que coube a outros Posso então concluir que estas colônias não são custosas mostramse mais fiéis e causam menos problemas e que a parte ofendida reduzida à pobreza e à dispersão é inofensiva como já foi dito Donde se deduz que os homens devem ser afagados ou exterminados pois se eles podem vingarse das pequenas ofensas das graves não podem de modo que a ofensa que se faz ao homem deve ser suficiente para neutralizar qualquer possibilidade de vingança No entanto se em lugar das colônias se preferirem as tropas os gastos serão muito mais elevados despendendose com as milícias todas as receitas do Estado de maneira que a conquista reverterá em perda de resto tal medida é bem mais ofensiva porque prejudica toda a população com as sucessivas transferências e aquartelamentos do exército descontentando a cada um e transformando todos em inimigos e inimigos que podem fazer mal ainda que batidos na própria casa Portanto sob todos os aspectos as guarnições são inúteis na mesma medida em que as colônias são úteis Como já disse quem ocupa uma província estrangeira deve ainda chefiar e defender os vizinhos menos poderosos empenharse em debilitar os mais potentes e evitar a todo custo a entrada de um estrangeiro tão forte quanto ele o qual sempre será chamado a intervir pelos que estiverem descontentes seja por demasiada ambição ou por medo como se viu ocorrer com os etólios que introduziram os romanos na Grécia e estes em todas as províncias onde entraram foram postos ali pelos habitantes locais A ordem das coisas é que tão logo um poderoso estrangeiro entre numa província todos os mais fracos do lugar se unem ao forasteiro movidos pela inveja que nutrem contra quem exerceu o poder sobre eles tanto que o invasor não encontrará a menor dificuldade em obter seu apoio pois todos imediatamente formam de bom grado um só bloco com o Estado que os conquistou Sua única precaução será evitar que os potentados locais readquiram força e autoridade excessivas o que será fácil obter com suas próprias forças e alguns favores mantendose assim como único árbitro daquela província quem não governar deste modo perderá bem rápido aquilo que tiver conquistado e enquanto estiver no poder enfrentará enormes dificuldades e dissabores Nas províncias que conquistaram os romanos respeitaram sempre esta regra enviaram colônias obsequiaram os menos poderosos sem permitir que se tornassem mais fortes submeteram os potentados e não deixaram que forças estrangeiras ganhassem influência no território Creio que basta tomar como exemplo a província da Grécia ali os romanos se aliaram aos aqueus e aos etólios subjugaram o reino dos macedônios e expulsaram Antíoco sem permitir que os méritos dos aqueus ou dos etólios os levassem a expandir seus domínios nem que as habilidades de Filipe lhes consentissem angariar sua amizade sem sair enfraquecido nem que o poder de Antíoco os convencesse a consentirlhes qualquer autoridade na Grécia Nesses casos os romanos fizeram o que todos os príncipes sábios devem fazer não se concentrar apenas nos distúrbios presentes mas também nos futuros fazendo de tudo para evitálos pois com a prevenção é possível remediálos mais facilmente ao passo que quando se espera demasiado o tratamento não chega a tempo porque a doença já se tornou incurável é como a tísica que segundo os médicos a princípio é fácil de tratar e difícil de diagnosticar mas com o passar do tempo não tendo sido diagnosticada nem tratada precocemente se torna fácil de reconhecer e difícil de curar É o que acontece com os assuntos de Estado reconhecendo a distância os males que medram nele o que só é dado ao homem prudente é possível sanálos de pronto porém se por imprevidência os deixarem crescer a ponto de se tornarem visíveis aos olhos de todos não haverá mais remédio Entretanto prevendo os inconvenientes a distância os romanos sempre souberam remediálos e nunca os deixaram progredir a fim de evitar uma guerra pois sabiam que guerra não se evita mas se adia em favor de outrem por isso entraram em guerra contra Filipe e Antíoco na Grécia3 para não ter de combatêlos na Itália e poderiam naquele momento ter evitado ambas mas não o quiseram Tampouco jamais apreciaram o que hoje está na boca de todos os sábios ou seja que se desfrutem os benefícios do tempo preferindo antes seguir seu valor e prudência porque o tempo arrasta tudo consigo e pode trazer o bem como o mal o mal como o bem Mas voltemos à França a fim de examinar se ela fez alguma das coisas aqui expostas não discorrerei sobre Carlos VIII mas sobre Luís XII4 cujos feitos são mais visíveis por haver mantido de modo mais duradouro suas possessões na Itália e se verá como ele fez o oposto daquilo que se deve fazer para consolidar um Estado numa província estrangeira O rei Luís foi introduzido na Itália pela ambição dos venezianos que quiseram tomar para si metade da Lombardia com a sua vinda Não pretendo reprovar a decisão tomada pelo rei o qual buscando pôr um pé na Itália sem ter amigos nesta província e encontrando aliás todas as portas fechadas devido às atitudes do rei Carlos precisou aceitar as amizades que lhe apareceram e poderia ter se saído bem caso não tivesse cometido erros em outras manobras Tendo pois conquistado a Lombardia o rei logo recuperou a reputação que Carlos lhe tirara Gênova capitulou os florentinos se tornaram seus aliados o marquês de Mântua o duque de Ferrara os Bentivogli a senhora de Forlì os senhores de Faenza de Rimini de Pesaro de Camerino e de Piombino5 os habitantes de Lucca de Pisa e de Siena todos foram ao seu encontro para prestarlhe amizade Só então os venezianos puderam perceber a temeridade de sua iniciativa para conquistar um par de terras na Lombardia fizeram do rei senhor de dois terços da Itália Considerese agora com que facilidade o rei poderia ter preservado sua reputação na Itália caso tivesse seguido as regras descritas acima defendendo e mantendo em segurança todos os aliados os quais por serem numerosos e fracos e temerosos uns da Igreja outros dos venezianos precisavam estar sempre ao seu lado e com o auxílio deles seria mais fácil resguardarse dos que continuavam poderosos Contudo tão logo chegou a Milão o rei fez o contrário e ajudou o papa Alexandre a ocupar a Romanha sem perceber que esta medida o enfraquecia afastando de si os amigos e todos que contavam com sua proteção ao mesmo tempo que fortalecia a Igreja acrescentando à sua força espiritual que já lhe dá tanta autoridade grande poder temporal E feito o primeiro erro viuse obrigado a prosseguir tanto que para pôr fim à ambição do papa e evitar que ele se tornasse senhor da Toscana foi constrangido a vir à Itália Mas não lhe bastou fortalecer a Igreja e perder os amigos pois por cobiçar o reino de Nápoles dividiuo com o rei da Espanha6 e se antes era o único árbitro da Itália agora tinha ali um companheiro permitindo que os ambiciosos daquela província e os descontentes com ele tivessem a quem recorrer e se antes podia deixar naquele reino um soberano que lhe fosse obediente7 substituio por outro capaz de expulsálo dali O desejo de conquista é algo realmente muito natural e comum e aqueles que têm êxito na empreitada serão sempre louvados ou pelo menos não criticados porém quando não têm força para tanto e querem realizálo a qualquer custo aí reside o erro daí decorre a crítica Portanto se a França podia atacar Nápoles com suas próprias forças devia têlo feito se não podia não devia dividilo e se a divisão da Lombardia com os venezianos se justificava já que lhe permitiu pôr um pé na Itália a divisão de Nápoles não teve nenhuma necessidade que a justificasse merecendo por isso mesmo a crítica Portanto o rei Luís cometeu cinco erros enfraqueceu os menos poderosos aumentou na Itália o poderio de uma potência introduziu nela um estrangeiro poderosíssimo não veio habitar no território conquistado não assentou colônias aqui No entanto todos esses erros poderiam não ter sido tão nocivos ao rei em vida caso ele não houvesse cometido um sexto apoderarse dos domínios venezianos8 Com efeito se ele não tivesse fortalecido a Igreja nem trazido a Espanha para a Itália seria razoável e necessário diminuir o poder de Veneza mas uma vez tomadas aquelas duas ações jamais deveria ter consentido em sua ruína porque sendo os venezianos poderosos sempre manteriam os demais afastados de um possível ataque à Lombardia seja porque Veneza não lhos teria permitido a menos que se apoderasse inteiramente dela seja porque os outros não pretenderiam tirála à França para dála aos venezianos e ninguém ousaria enfrentar a ambos E se alguém objetasse que o rei Luís cedeu a Romanha9 a Alessandro e o reino de Nápoles à Espanha para evitar uma guerra eu responderia com as mesmas razões expostas acima que jamais se deve deixar que um distúrbio se alastre a fim de evitar uma guerra porque a guerra é inevitável e postergála só traz vantagens ao adversário E se outros alegassem a fé que o rei prestara ao papa assumindo aquela empresa em troca da anulação do seu matrimônio e do cardinalato concedido a Ruão replicarei com o que exponho a seguir acerca da fé dos príncipes e de como se deve observála O rei Luís perdeu a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos preceitos seguidos por outros que conquistaram províncias e quiseram mantêlas e não há milagre nisso sendo algo bastante razoável e ordinário Tratei deste assunto em Nantes com o cardeal de Ruão enquanto Valentino como era popularmente chamado César Bórgia filho do papa Alexandre ocupava a Romanha pois dizendome o cardeal que os italianos não entendiam de guerra redargui que os franceses não entendiam as questões de Estado porque se entendessem não teriam deixado a Igreja crescer tanto E a experiência já mostrou que a grandeza desta e da Espanha na Itália foi causada pela França assim como a ruína dos franceses foi causada pelos espanhóis e pelo papa Donde se deduz uma regra geral que nunca ou raramente falha quem cria o poder de outrem se arruína porque tal poder se origina da astúcia ou da força e ambas são suspeitas a quem se tornou poderoso Dos principados mistos IV Cur Darii regnum quod Alexander occupaverat a successoribus suis post Alexandri mortem non defecit Consideradas as dificuldades que um Estado recémocupado oferece ao conquistador poderia causar espanto o fato de Alexandre Magno ter se tornado senhor da Ásia1 em poucos anos e morrendo logo em seguida caso em que pareceria razoável uma rebelião geral daquelas províncias seus sucessores tenham conseguido mantêlas sem outras dificuldades que não aquelas derivadas de suas próprias ambições A isso respondo que todos os principados que deixaram memória de si foram governados de dois modos diversos ou por um príncipe e seus súditos os quais por graça e concessão sua o ajudam a governar o reino como delegados ou por um príncipe e vários barões os quais não por graça do soberano mas por antiguidade de sangue mantêm aquele título Esses barões têm seus próprios Estados e súditos que os reconhecem como senhores e lhes devotam uma natural afeição Os Estados que são governados por um único príncipe e seus súditos concentram maior autoridade na figura do príncipe porque em seus territórios não há homem que seja considerado superior a ele e se acaso obedecem a algum outro o fazem por este ser delegado ou oficial daquele devotando uma especial veneração ao soberano Em nossos tempos os exemplos relativos a esses dois tipos de governo são a Turquia e a França Toda a monarquia turca é governada por um único senhor e os demais são seus súditos dividindo seu reino em sandjaks ele envia para lá diversos administradores substituindoos e alternandoos a seu belprazer Mas o rei da França está posto no centro de uma pletora de antigos nobres reconhecidos por seus vassalos e amados por eles em seus domínios tais nobres têm suas prerrogativas contra as quais o rei não pode atentar sem correr grandes perigos Portanto considerandose ambas as formas de governo verseá que é mais difícil conquistar o Estado turco porém uma vez vencido será muito mais fácil mantêlo Ao contrário o reino da França se apresenta sob certos aspectos bem mais fácil de ser conquistado mas muito mais difícil de ser mantido As causas da dificuldade em ocupar o reino turco consistem em não poder o invasor ser chamado pelos príncipes daquele reino nem esperar que uma rebelião dos que cercam o soberano possa facilitar sua empresa isso decorre das razões expostas acima já que estando todos sujeitos e submetidos ao rei os súditos são mais difíceis de ser corrompidos e ainda que o fossem seriam de pouca utilidade pois não seriam capazes de mobilizar a população pelos motivos indicados Portanto quem quiser atacar a Turquia deve saber de antemão que enfrentará um país todo unido devendo contar mais com as próprias forças e menos com a desorganização alheia Mas caso o adversário fosse vencido em batalha campal sem que tivesse chance de recompor seus exércitos só restaria a temer a dinastia do príncipe a qual uma vez extinta não deixaria nenhum sucessor digno de ameaça já que ninguém teria crédito entre aqueles povos e como antes da vitória o vencedor não pôde contar com eles do mesmo modo não deve temê los depois O contrário acontece nos reinos governados como a França porque facilmente se pode invadilos com o apoio de algum barão local já que sempre haverá descontentes e aqueles que desejam renovação Estes pelos motivos já mencionados podem abrirlhe o caminho para aquele Estado e facilitarlhe a vitória mas depois para se manter ali será preciso lidar com infinitas dificuldades seja com os que o ajudaram a conquistar o poder seja com aqueles que foram oprimidos Tampouco basta extinguir o sangue do príncipe porque permanece o dos nobres os quais se fazem líderes de novas subversões e não os podendo contentar nem aniquilar perdese o controle do Estado na primeira ocasião que se apresente Ora se examinarmos de que natureza era o governo de Dario veremos que se assemelhava ao reino do grãoturco por isso Alexandre teve primeiramente que derrotá lo de todo tomandolhe o território Depois dessa vitória e estando Dario morto Alexandre assegurou aquele Estado para si pelas razões acima explanadas e se seus sucessores tivessem permanecido unidos poderiam ter governado em paz pois naquele reino não surgiram outros conflitos senão os que eles mesmos suscitaram Mas é impossível controlar tão facilmente Estados constituídos como a França Assim nasceram as frequentes rebeliões contra os romanos por parte da Espanha da França e da Grécia que eram constituídas de muitos principados e enquanto perdurou a memória desses principados Roma permaneceu incerta sobre suas possessões Entretanto apagada a memória daqueles com a potência e a diuturnidade do império os romanos se asseguraram de seus domínios mais tarde quando eclodiram disputas entre si2 puderam valerse do apoio daquelas províncias segundo a autoridade que exerciam sobre elas as quais extintas as dinastias de seus antigos soberanos só reconheciam o poder dos romanos Portanto considerados todos estes aspectos ninguém se espantará com a facilidade que Alexandre teve em manter seu domínio na Ásia ou com as dificuldades que outros tiveram em conservar territórios conquistados como Pirro e tantos outros o que não decorreu da pouca ou muita virtude do vencedor mas da diversidade dos casos Por que o reino de Dario ocupado por Alexandre não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste Departamentos administrativos do império otomano V Quomodo administrandae sunt civitates vel principatus qui ante quam occuparentur suis legibus vivebant Quando conquistados conforme se disse tais Estados estão afeitos a viver sob suas próprias leis e em liberdade há que se respeitar três regras caso se queira mantêlos a primeira arruinálos a segunda ir habitálos pessoalmente a terceira deixálos viver sob suas leis mas auferindo tributos e criando ali dentro um governo oligárquico que os mantenha fiéis pois tendo sido criados por esse príncipe tais governos sabem que não poderão prescindir de sua amizade e força e farão de tudo para preserválo e mais facilmente se domina uma cidade acostumada a viver livre por meio de seus cidadãos que por qualquer outro meio caso se queira preservála Há o exemplo dos espartanos e dos romanos Os espartanos dominaram Atenas e Tebas instaurando ali um governo de poucos embora as tenham perdido depois1 E para dominar Cápua Cartago e Numância os romanos as arrasaram e não as perderam2 também quiseram dominar a Grécia quase como os espartanos fizeram deixandoa livre e com suas próprias leis mas não tiveram sucesso de modo que foram compelidos a arrasar muitas cidades daquela província a fim de mantêla Isto porque na verdade não há modo seguro de controlar tais cidades senão as destruindo e aquele que se tornar senhor de uma cidade habituada a viver em liberdade e não a reduzir a ruína será mais cedo ou mais tarde arruinado por ela pois sempre se abrigam nas rebeliões o nome da liberdade e suas antigas leis coisas que nunca se esquecem nem pela duração do tempo nem por quaisquer benefícios E por mais que se faça e se cuide caso seus habitantes não sejam dispersos ou debelados não se esquecerão daquele nome nem daquelas leis e ao primeiro incidente recorrerão a eles como fez Pisa3 após cem anos de submissão aos florentinos No entanto quando as cidades ou as províncias estão acostumadas a viver sob um príncipe e o sangue deste é extinto estando de um lado afeitas à obediência e de outro desprovidas do antigo príncipe são incapazes de fazer um soberano e viver livres não o sabem de modo que demoram mais a rebelarse e com mais facilidade um príncipe pode batêlas e apossarse delas Já nas repúblicas há mais vida há mais ódio há mais desejo de vingança a memória da antiga liberdade não as abandona nem lhes dá descanso de modo que a via mais segura é aniquilálas ou habitálas De que modo se podem administrar cidades ou principados que antes de conquistados tinham suas próprias leis VI De principatibus novis qui armis propriis et virtute acquiruntur Que ninguém se espante se ao discorrer acerca de principados inteiramente novos seja quanto ao príncipe seja quanto à organização do Estado eu aduzir exemplos soberbos Porque avançando os homens sempre por caminhos batidos por outros e procedendo em suas ações por imitação mas sem poder seguir à risca a trilha de outrem nem alcançar a virtude daquele que se imita um homem prudente deve tomar sempre a via trilhada por homens ilustres que foram exemplos excelentíssimos a serem imitados e não sendo possível ombrearlhes a virtude que ao menos se deixe algum vislumbre dela e que se faça como os arqueiros sensatos os quais diante de um alvo demasiado distante e conhecendo até onde vai a potência de seu arco alçam a mira muito mais alta que o ponto de destino não para alcançar com suas flechas tanta altura mas para poder com o auxílio de tão alta mira atingir a sua meta Portanto afirmo que nos principados inteiramente novos onde há um novo príncipe a dificuldade em mantêlos varia segundo a maior ou menor virtude de quem os conquista E posto que a passagem de homem privado a príncipe pressupõe virtude ou fortuna parece que um ou outro destes atributos pode mitigar em parte muitas dificuldades não obstante aquele que menos se baseou na fortuna se manteve por mais tempo De resto mais facilidade encontrará o príncipe que não tendo outros Estados será forçado a habitar pessoalmente o novo domínio Porém tratando dos que por virtude própria e não por fortuna se tornaram príncipes digo que os mais excelentes foram Moisés Ciro Rômulo Teseu1 e outros que tais E embora não haja o que argumentar sobre Moisés tendo sido um mero executor das coisas que lhe foram ordenadas por Deus ainda assim ele deve ser admirado quando mais não seja pela graça que o fez merecedor de falar com Deus Mas considerando Ciro e aqueles que conquistaram ou fundaram reinos todos são dignos de admiração ademais caso se considerem suas ações e atitudes específicas elas não parecerão discrepantes com as de Moisés que teve preceptor tão excelso Examinando suas ações e suas vidas vêse que eles não tiveram da fortuna outra coisa senão a ocasião a qual lhes forneceu matéria para moldála segundo a forma que lhes pareceu melhor e sem essa ocasião a virtude de seus espíritos se extinguiria assim como sem a virtude a ocasião teria sido vã Era pois necessário que Moisés tivesse encontrado o povo de Israel escravizado e oprimido pelos egípcios para que eles a fim de escapar à servidão se dispusessem a seguilo Era preciso que Rômulo não permanecesse em Alba de onde foi expulso ao nascer para que se tornasse rei de Roma e fundador daquela pátria Era mister que Ciro encontrasse os persas descontentes com o império dos medos e os medos amolecidos e efeminados por uma paz duradoura Não teria podido Teseu demonstrar sua virtude se não tivesse encontrado os atenienses dispersos Sendo assim as ocasiões fizeram a felicidade desses homens e sua grande virtude permitiu que a ocasião fosse colhida de modo que sua pátria saiu enaltecida e felicíssima Aqueles que semelhantes a estes se tornam príncipes por vias tortuosas conquistam o principado com dificuldade mas o conservam com facilidade e as dificuldades que têm em conquistar o principado nascem em parte dos novos ordenamentos e usanças que são obrigados a estabelecer para fundar seu domínio e sua segurança Ademais devese considerar que não há coisa mais difícil de lidar nem mais duvidosa de conseguir nem mais perigosa de manejar que chefiar o estabelecimento de uma nova ordem Porque aquele que a introduz tem por inimigo todos os que se beneficiavam da antiga ordem e por amigo os fracos defensores que dela se beneficiariam fraqueza que em parte deriva do medo dos adversários que tinham as leis a seu lado e em parte da incredulidade dos homens que na verdade não creem nas coisas novas a menos que se assentem numa experiência sólida Disso resulta que toda vez que os inimigos tiverem a ocasião de atacar o farão em bloco ao passo que os demais se defenderão tibiamente e com estes nunca se terá estabilidade Portanto se quisermos abordar corretamente este ponto será necessário examinar se os que querem introduzir mudanças dispõem de autonomia ou dependem de outros isto é se precisam de favores para empreender suas ações ou se podem valerse apenas de sua força No primeiro caso sempre acabam mal e não alcançam nada porém quando dependem exclusivamente de si e de sua força é raro que fracassem e é por isso que todos os profetas armados vencem ao passo que os desarmados se arruínam Pois além do que já foi dito a natureza dos povos é inconstante sendo fácil persuadilos de uma coisa mas difícil mantêlos nessa persuasão portanto convém estar preparado para convencêlos pela força quando já não estiverem convencidos por si mesmos Moisés Ciro Teseu e Rômulo não teriam conseguido fazer que suas Constituições fossem respeitadas por tanto tempo se estivessem desarmados foi o que em nossa época ocorreu com frei Jerônimo Savonarola cuja nova ordem ruiu assim que a multidão deixou de seguilo sem que ele tivesse meios de mantêlos na crença nem de convencer os descrentes Para todos esses homens é muito difícil seguir adiante pois todos os perigos aparecem no caminho e é preciso grande virtude para superálos Mas uma vez superados os obstáculos e derrotados os que invejavam suas qualidades tais homens recuperam a admiração de que gozavam continuando poderosos seguros honrados e felizes A tão grandes exemplos quero acrescentar outro menor mas que guarda certas analogias com aqueles e creio bastará para ilustrar casos semelhantes tratase de Hierão de Siracusa De homem privado passou a príncipe de Siracusa2 valendose apenas da ocasião que a fortuna lhe propiciou pois estando os siracusanos oprimidos o elegeram seu capitão e ele se mostrou merecedor de ser seu príncipe Mesmo quando ainda era um homem comum sua virtude era tanta que quem escreve a seu respeito afirma quod nihil illi deerat ad regnandum praeter regnum Hierão extinguiu a antiga milícia e organizou uma nova abandonou as velhas amizades e fez outras e com essas amizades e soldados de sua confiança pôde edificar sobre tais fundamentos qualquer edifício de modo que muito lhe custou chegar ao poder mas pouco mantêlo Dos principados novos que são conquistados por virtude e armas próprias Que nada lhe faltava para reinar exceto o reino Aqui Maquiavel parafraseia um comentário do historiador Justiniano prorsus ut nihil ei regium deesse praeter regnum videretur também citado na dedicatória dos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio VII De principatibus novis qui alienis armis et fortuna acquiruntur Aqueles que passam de homens privados a príncipes exclusivamente por obra da fortuna o conseguem com pouco esforço mas a muito custo se mantêm não encontram nenhum obstáculo no caminho já que o sobrevoam mas todas as dificuldades nascem depois que são empossados Eles chegam ao poder quando lhes é concedido um Estado por algum interesse econômico ou graças ao favor de quem concede como sucedeu na Grécia nas cidades da Jônia e do Helesponto onde muitos foram feitos príncipes por Dario a fim de que controlassem aqueles domínios para sua segurança e glória assim como foram feitos imperadores aqueles que de homens comuns chegaram ao império corrompendo a soldadesca Todos estes se assentam simplesmente na vontade e na fortuna de quem os favoreceu duas coisas bastante volúveis e instáveis e não sabem nem podem manter sua condição não sabem porque não sendo homens de grande engenho e virtude não é razoável que tendo vivido sempre no âmbito da privacidade saibam comandar e não podem porque não dispõem de forças que lhes sejam fiéis e amigas Ademais os Estados que surgem subitamente como tudo o que nasce e cresce depressa na natureza não são capazes de lançar raízes profundas e desenvolvidas de modo que a primeira tormenta pode abatêlos a menos que como já foi dito esses que se tornaram príncipes de repente tenham tanta virtude a ponto de saber preservar com presteza o que a fortuna lhes pôs no colo construindo os alicerces que outros erigiram antes de se tornarem príncipes Quero agora aduzir dois exemplos ainda recentes em nossa memória relativos às duas maneiras de se tornar príncipe isto é por virtude ou por fortuna refirome a Francesco Sforza e a César Bórgia Francesco pelos devidos meios e com o concurso de sua grande virtude de homem comum tornouse duque de Milão e aquilo que com mil aflições conseguiu conquistar com pouco esforço manteve Por outro lado César Bórgia mais conhecido como duque Valentino conquistou o poder graças à fortuna do pai e com ela mesma o perdeu conquanto tenha agido e feito tudo aquilo que um homem prudente e virtuoso deveria ter empreendido a fim de lançar raízes nos territórios que as armas e a fortuna alheias lhe haviam concedido Pois como se disse acima quem antes não constrói os alicerces pode com grande virtude fazêlos depois ainda que se sobrecarregue o arquiteto e se ponha em risco o edifício Se pois se considerarem todos os progressos do duque verseá que ele preparou bases sólidas para seu futuro poderio atos sobre os quais não julgo supérfluo discorrer porque eu mesmo não saberia dar melhores ensinamentos a um príncipe novo que o exemplo de suas ações e se seus procedimentos não lhe renderam proveito não foi por culpa sua mas de uma malignidade extraordinária e extrema da fortuna Quando quis tornar poderoso seu filho o duque Alexandre VI enfrentou muitas adversidades presentes e futuras Primeiramente ele não achou meios de fazêlo senhor de nenhum território que não pertencesse ao Estado da Igreja e sabia que o duque de Milão1 e os venezianos não lhe permitiriam tomar territórios da Igreja porque Faenza e Rimini já estavam sob a proteção de Veneza Além disso via que as armas da Itália especialmente aquelas das quais poderia servirse estavam nas mãos dos que deviam temer a grandeza do papa e nelas não podia confiar estando todas com os Orsini os Colonna e seus aliados Portanto era necessário perturbar a ordem e desestabilizar os Estados da Itália para poder apropriarse de parte deles com segurança Empresa fácil porque naquele momento os venezianos movidos por outras razões se empenharam em fazer passar os franceses para dentro da Itália ao que o papa não opôs nenhuma resistência ao contrário facilitoua e ainda dissolveu o primeiro casamento do rei Luís Assim o rei entrou na Itália com a ajuda dos venezianos e o beneplácito de Alexandre e nem bem chegava a Milão o papa já contava com tropas francesas para sua empreitada na Romanha que lhe foi consentida pelo prestígio do rei Tendo deste modo conquistado a Romanha2 e derrotado os Colonna duas coisas impediam o duque de manter o novo domínio e seguir adiante a primeira eram seus exércitos que não lhe pareciam fiéis a segunda os desígnios da França ou seja o duque temia que as tropas dos Orsini das quais se valera ao final lhe falhassem não só o impedindo de conquistar outros territórios mas também o privando dos já conquistados e que o rei agisse igualmente Dos Orsini já havia tido um primeiro sinal quando após a expugnação de Faenza atacou Bolonha e os viu marchar friamente para aquele assalto quanto ao rei percebeu seu espírito quando após tomar o ducado de Urbino investiu contra a Toscana sendo demovido da empresa pelo rei Por isso o duque decidiu não mais depender das armas e da fortuna alheias como primeira medida enfraqueceu as facções dos Orsini e dos Colonna em Roma de tal modo que os partidários destes todos nobres se bandearam para o duque que os assumiu como seus protegidos e lhes deu muitas riquezas honrandoos segundo suas qualidades com cargos de liderança e de governo destarte em poucos meses a antiga lealdade desses nobres se apagou concentrandose apenas no duque Depois disso aguardou a ocasião de aniquilar os chefes dos Orsini após dispersar os da família Colonna feitos que muito lhe valeram e que ele soube aproveitar Percebendo tarde demais que a potência do duque e da Igreja era sua ruína os Orsini fizeram uma assembleia em Magione na região de Perugia da qual resultaram a revolta de Urbino os tumultos na Romanha e infinitos perigos ao duque que soube superálos com a ajuda dos franceses Assim reconquistada sua reputação e não se fiando nem nos franceses nem em quaisquer forças externas para não ter de depender delas o duque recorreu a um ardil e soube dissimular tão bem suas intenções que os próprios Orsini por meio de Paulo se reconciliaram com ele após o duque envidar todos os esforços para tranquilizálos dandolhes dinheiro vestimentas e cavalos tanto que enganados os Orsini foram conduzidos a Sinigaglia e caíram em suas mãos Eliminados os chefes dos Orsini e cativada a amizade de seus antigos partidários o duque havia lançado excelentes bases para seu poderio já que controlava toda a Romanha e o ducado de Urbino mas sobretudo acreditava ter angariado a simpatia dos habitantes da Romanha os quais começavam a usufruir os benefícios de seu governo E como esta passagem é digna de nota e merece ser imitada por outros quero determe nela Assim após conquistar a Romanha antes comandada por senhores fracos os quais preferiam espoliar seus súditos a corrigilos disseminando entre eles a desunião em vez da união tanto que aquela província era repleta de latrocínios brigas e todo tipo de insolência o duque achou por bem submetêla a um governo firme a fim de pacificála e tornála obediente ao braço régio para tanto ele nomeou Ramiro de Lorqua homem cruel e expedito a quem conferiu plenos poderes Em pouco tempo seu preposto pacificou e uniu a província conquistando enorme reputação Então o duque julgou inconveniente tão grande autoridade e temendo que ela se tornasse odiosa instituiu um tribunal civil no centro da província presidido por um ilustre magistrado3 no qual cada cidade era representada por seu advogado E sabendo que alguns excessos do passado haviam gerado certo ódio contra ele a fim de purgar o ânimo daqueles povos e reconquistálos inteiramente o duque quis mostrar que se tinha havido alguma crueldade ela não partira de si mas da natureza acerba de seu ministro E na primeira ocasião ordenou certa manhã que o cortassem em dois e abandonassem seus despojos na praça de Cesena ao lado de um cepo e de um cutelo ensanguentado a ferocidade do espetáculo deixou o povo a um só tempo assombrado e satisfeito Mas tornemos ao ponto de onde partimos Observo que achandose o duque bastante poderoso e em parte protegido dos perigos imediatos pois se armara por conta própria e neutralizara em boa medida as forças que se próximas poderiam prejudicálo restava lhe ter cuidado com o rei da França se quisesse prosseguir com as conquistas porque sabia que o rei apercebendose tardiamente de seu erro não lhe daria mais nenhum apoio Por isso tratou de buscar novas amizades e de negacear com a França em relação à entrada dos franceses no reino de Nápoles contra os espanhóis que assediavam Gaeta seu propósito era assegurarse contra eles o que teria conseguido sem demora se Alexandre não tivesse morrido Tais foram suas manobras diante daquela conjuntura Quanto às circunstâncias futuras temia antes de tudo que o sucessor do papa não fosse seu aliado e tentasse tirar dele o que Alexandre lhe dera Pensou então em protegerse de quatro maneiras primeiro extinguindo a descendência dos senhores que ele havia espoliado a fim de evitar que o papa se valesse da ocasião para restabelecê los segundo conquistando a simpatia dos nobres de Roma para com eles pôr freios no papa terceiro influenciando tanto quanto possível o colégio cardinalício em seu favor quarto ampliando ao máximo seu império antes que o atual papa morresse a fim de poder resistir por si mesmo a uma primeira investida Dessas quatro medidas três já haviam sido levadas a cabo quando Alexandre morreu e a quarta estava quase concluída dos senhores espoliados eliminou todos quantos pôde e pouquíssimos se salvaram ganhou a simpatia dos nobres romanos e exerceu enorme influência no colégio dos cardeais quanto às novas conquistas pretendia tornarse senhor da Toscana já controlava Perugia e Piombino e tinha Pisa sob sua proteção E como já não fosse preciso temer os franceses nem o seria mais posto que a França havia perdido o reino de Nápoles para os espanhóis de modo que uns e outros agora necessitavam comprar sua amizade ele invadiu Pisa Depois disso Lucca e Siena cederam rapidamente em parte por medo em parte por inveja dos florentinos e estes já não tinham a quem recorrer Se ele tivesse alcançado esse êxito e o alcançaria no mesmo ano em que Alexandre morreu teria conquistado tal força e reputação que se sustentaria por si mesmo não precisando mais depender da fortuna nem de forças alheias mas apenas de seu poder e de sua virtude Mas Alexandre morreu cinco anos depois de ele ter começado a desembainhar sua espada deixouo apenas com o Estado da Romanha consolidado enquanto os demais vacilavam no ar entre dois poderosíssimos exércitos inimigos e ele doente de morte Havia no duque tanta bravura e virtude ele sabia tão bem como ganhar os homens ou fazêlos perderse eram tão sólidos os fundamentos que em tão pouco tempo assentara que se ele não tivesse tido aqueles exércitos contra si ou se estivesse em boa saúde teria suportado qualquer dificuldade A solidez de seus fundamentos foi demonstrada pelos seguintes fatos a Romanha o esperou por mais de um mês em Roma o duque permaneceu em segurança embora já estivesse meio morto e os Baglioni os Vitelli e os Orsini tivessem ido para lá mas sem lograr êxito contra ele e pôde escolher um papa que se não era propriamente quem ele queria ao menos não era alguém que não quisesse Contudo se no momento da morte de Alexandre ele estivesse com saúde poderia ter obtido qualquer coisa e no dia em que Júlio II se tornou papa4 ele me disse que pensara em tudo o que poderia ocorrer após a morte do pai e para cada coisa tinha um plano menos que ele mesmo no instante em que o pai morria também estivesse a ponto de morrer Portanto ao recolher e examinar todas as ações do duque eu não saberia em que censurálo ao contrário me parece justo e já o fiz apresentálo como comparável a todos aqueles que por fortuna ou com armas alheias ascenderam ao poder imperial porque tendo ele grande espírito e elevadas aspirações não poderia ter governado de outro modo e seus desígnios só foram frustrados pela brevidade da vida de Alexandre e por sua própria doença5 Quem pois julgar necessário em seu principado novo assegurarse contra os inimigos e fazer novas amizades vencer pela força ou pela fraude fazerse amar ou temer pelo povo ser seguido e reverenciado pelos soldados aniquilar os que possam ou devam prejudicálo inovar com novos modos as regras antigas ser severo e benevolente magnânimo e liberal extirpar milícias infiéis e constituir novas manter a amizade dos reis e dos príncipes de modo que o favoreçam com sua graça ou o ataquem com respeito não encontrará exemplo mais válido que o procedimento desse homem Podese apenas censurálo pela má escolha que fez ao eleger Júlio II ao pontificado Pois como se disse embora não pudesse eleger o papa de sua preferência podia evitar que um adversário chegasse ao papado e jamais deveria ter consentido que chegasse ao pontificado um daqueles cardeais que ele havia ofendido ou que tornandose papa pudesse temêlo porque os homens ofendem por medo ou por ódio Aqueles que ele havia ofendido eram os cardeais San Pietro ad Vincula Colonna San Giorgio e Ascânio todos os outros caso se tornassem papa teriam motivos para temêlo exceto o cardeal de Ruão6 e os espanhóis estes por alianças e compromissos assumidos aquele por poderio tendo a seu favor o reino da França Por isso o duque deveria ter feito de tudo para eleger um cardeal espanhol ao pontificado e se não fosse possível deveria ter apoiado o cardeal de Ruão e não San Pietro ad Vincula Porque se engana quem acredita que grandes personagens se esqueçam de injúrias antigas com benefícios novos Portanto o duque errou nessa eleição e tal erro foi causa de sua última ruína Dos principados novos que são conquistados por armas alheias e pela fortuna Giuliano della Rovere inimigo pessoal de Alexandre VI Giovanni Colonna Raffaello Riario e Ascânio Sforza Ao final Della Rovere foi eleito papa com o nome de Júlio II VIII De his qui per scelera ad principatum pervenere Porém como ainda há dois modos de passar de homem privado a príncipe sem que se deva atribuir tudo à fortuna ou à virtude não me parece oportuno deixálos sem tratamento ainda que de um deles se possa tratar mais amplamente em um estudo sobre as repúblicas Refirome aos casos em que se ascende ao principado por meios nefandos e celerados ou nos quais um homem comum se torna príncipe de sua pátria pelo favor de outros concidadãos O primeiro modo será ilustrado por dois exemplos um antigo e outro moderno sem que se entre no mérito de seus procedimentos pois creio que bastam a quem precisar imitálos Agátocles da Sicília que era não só homem privado mas também de ínfima e reles fortuna tornouse rei de Siracusa Filho de um oleiro levou sempre uma vida celerada entretanto aliou a seus desmandos tanta virtude de espírito e de corpo que entrando no exército chegou ao longo de sua carreira a pretor de Siracusa Investido desse cargo e tendo decidido tornarse príncipe mantendo com violência e sem depender de outrem o que lhe fora concedido de modo legítimo além de contar com o apoio de Amílcar cartaginês que combatia na Sicília com seus exércitos reuniu certa manhã o povo e o senado de Siracusa como se tivesse que deliberar sobre assuntos relativos à república A um sinal preestabelecido fez que seus soldados massacrassem todos os senadores e os homens mais ricos do povo e eliminados estes ele ocupou e manteve o principado daquela cidade sem nenhuma contestação civil E apesar de derrotado duas vezes pelos cartagineses e por fim assediado ele não só conseguiu defender sua cidade mas também deixando parte de sua gente na defesa contra o cerco com a outra parte atacou a África e em pouco tempo libertou Siracusa do assédio levando os cartagineses a uma extrema dificuldade tanto que eles precisaram entrar em acordo com Agátocles contentarse com a posse da África e deixar a Sicília ao siracusano Portanto quem considerar suas ações e sua vida encontrará pouquíssimas coisas que possam ser atribuídas à fortuna já que como se disse acima não foi pelo favor de ninguém mas pela carreira militar que com mil dificuldades e perigos ele galgou por si e chegou ao principado mantendoo depois com decisões audaciosas e arriscadíssimas Todavia não se pode dizer que haja virtude em exterminar concidadãos trair os amigos não ter fé nem piedade nem religião pois é possível conquistar o poder por esses meios mas não a glória Porque se considerássemos a virtude de Agátocles somente por sua capacidade de entrar e sair de perigos ou a grandeza de sua alma por suportar e superar as forças adversas não se vê como ele poderia ser considerado inferior ao melhor dos capitães não obstante sua feroz crueldade e desumanidade aliada a infindáveis atrocidades não consentem que ele seja celebrado entre os homens mais ilustres Não se pode pois atribuir à fortuna ou à virtude o que sem uma e outra foi obtido por ele Em nossos tempos durante o papado de Alexandre VI Oliverotto de Fermo que muito cedo se viu sem pai foi criado por um tio materno chamado Giovanni Fogliani e orientado nas primeiras fases de sua juventude à vida militar sob o comando de Paulo Vitelli1 a fim de que imbuído de disciplina alcançasse um excelente posto nas milícias Com a morte de Paulo ele passou a combater sob as ordens do irmão Vitellozzo e em brevíssimo tempo por ser engenhoso e de temperamento vivaz tornouse o primeiro homem daquela milícia Entretanto parecendolhe coisa servil estar sob as ordens de outrem planejou com o auxílio de alguns conterrâneos os quais preferiam a servidão de sua cidade à liberdade e o favor de Vitellozzo ocupar Fermo Então escreveu a Giovanni Fogliani dizendo que como tinha estado muito tempo afastado de casa gostaria de fazerlhe uma visita rever sua cidade e de algum modo passar em revista seu patrimônio e como sempre fizera de tudo para alcançar a glória queria chegar ali com toda a pompa acompanhado de cem cavaleiros entre amigos e servidores para que seus concidadãos vissem que ele não gastara tempo inutilmente por fim pedia ao tio que lhe fizesse o favor de ordenar uma acolhida cheia de honrarias pelos moradores da cidade o que prestigiaria não só a ele mesmo mas também ao tio que o havia criado Giovanni não poupou esforços e fez que o sobrinho fosse recebido pelos habitantes de Fermo com muitas homenagens hospedandoo em sua casa e passados alguns dias após ter planejado em segredo todo o necessário às suas torpes intenções Oliverotto convidou o tio e os homens mais importantes de Fermo para um banquete solene2 Consumidas as iguarias e encerrados os divertimentos que costumam animar semelhantes encontros Oliverotto passou a tratar ardilosamente de assuntos sérios discorrendo sobre a grandeza do papa Alexandre e de seu filho César Bórgia bem como de seus feitos assim que Giovanni e outros convidados responderam a seus comentários ele se ergueu de súbito dizendo que tais questões deveriam ser tratadas em lugar mais reservado e se retirou para um aposento sendo seguido pelo tio e pelos demais convidados Nem bem todos se sentaram soldados saíram de locais secretos e mataram Giovanni e os outros Depois do massacre Oliverotto montou a cavalo varreu com suas tropas a cidade e assediou o supremo magistrado em seu palácio por meio do terror impôs a obediência de todos e a formação de um novo governo do qual ele se fez príncipe e assassinados todos os que descontentes poderiam prejudicálo mais tarde fortaleceuse com novas normas civis e militares de tal modo que após um ano de principado ele não só estava seguro na cidade de Fermo mas também se tornara temível a todos os seus vizinhos E teria sido difícil destituílo do poder como a Agátocles se não se houvesse deixado enganar por César Bórgia quando como já foi dito este capturou em Sinigaglia os Orsini e os Vitelli preso também naquela ocasião um ano após ter cometido o parricídio foi estrangulado junto com Vitellozzo que fora seu mestre em virtude e crueldades Alguém poderia perguntarse como foi possível que Agátocles e outros personagens semelhantes após infinitas traições e atrocidades tenham podido viver tão longamente em segurança em sua pátria defendendose dos inimigos externos e não sofrendo conspirações por parte dos compatriotas sobretudo quando se considera que muitos outros não conseguiram manterse no poder com a crueldade nem nos períodos de paz nem nos incertos tempos de guerra Creio que isso decorra do bom ou do mau uso da crueldade A crueldade bem empregada se é lícito falar bem do mal é aquela que se faz de uma só vez por necessidade de segurança depois não se deve perseverar nela mas convertêla no máximo de benefícios para os súditos Mal usadas são aquelas maldades que embora a princípio sejam poucas com o tempo aumentam em vez de se extinguirem Os que seguem o primeiro método podem remediar seus governos perante Deus e os homens como no caso de Agátocles quanto aos outros é impossível que se mantenham no poder Donde se nota que ao tomar um Estado o usurpador deve ponderar que violências precisam ser infligidas e praticálas todas de uma vez para não ter de renoválas a cada dia e assim poder não as renovando tranquilizar os homens e seduzilos com benefícios Quem agir de outro modo seja por tibieza seja por maus conselhos será sempre obrigado a empunhar a espada nem poderá valerse de seus súditos já que estes pelas contínuas e renovadas injúrias não poderão confiar nele Por isso as injúrias devem ser cometidas de uma vez só de modo que por sua brevidade ofendam menos ao paladar ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos para que sejam mais bem saboreados Por fim um príncipe deve acima de tudo conviver com seus súditos de tal modo que nenhum imprevisto bom ou ruim o faça mudar de atitude isso porque quando tempos adversos trouxerem as necessidades não haverá tempo de fazer o mal e o bem que fizer não lhe renderá frutos pois será julgado forçado não merecendo nenhuma gratidão Daqueles que por atos criminosos chegaram ao principado IX De principatu civili Entretanto tomando em consideração o outro caso aquele em que um cidadão comum se torna príncipe de sua pátria não por crueldade ou qualquer violência intolerável mas pelo favor de seus concidadãos o que se pode chamar de principado civil e para chegar a ele não é preciso nem toda a virtude nem toda a fortuna mas especialmente uma astúcia afortunada digo que se ascende a tal principado ou com o apoio popular ou com o dos poderosos1 Porque em toda cidade se encontram essas duas tendências opostas de uma parte o povo não quer ser comandado nem oprimido pelos poderosos de outra os poderosos querem comandar e oprimir o povo desses dois desejos antagônicos advém nas cidades uma das três consequências principado liberdade ou desordem O principado é instituído pelo povo ou pelos poderosos segundo a ocasião aproveitada por uma dessas forças quando os poderosos veem que não podem resistir ao povo começam a favorecer um deles até tornálo príncipe a fim de poder saciar o próprio apetite à sua sombra por seu turno quando o povo percebe que não pode resistir aos poderosos favorece um deles e o torna príncipe a fim de ser protegido por sua autoridade Aquele que chega ao principado com a ajuda dos poderosos se mantém com mais dificuldade do que quem se torna príncipe com o apoio popular porque está cercado de homens que se creem seus iguais e por isso não pode comandálos nem governálos como quiser Mas quem chega ao principado pelo favor do povo se encontra só tendo à sua volta ninguém ou pouquíssimos que não estejam prontos a obedecer Além disso não é possível satisfazer aos poderosos com honestidade e sem prejudicar os outros mas ao povo sim porque as metas do povo são mais honestas que as dos poderosos pois estes querem oprimir e aquele não ser oprimido De resto um príncipe nunca poderá estar seguro se tiver contra si a inimizade dos homens do povo que são muitos mas pode estar seguro se tiver contra si os poderosos por serem poucos O pior que um príncipe pode esperar de um povo inimigo é ser abandonado por ele por outro lado deve não só temer o abandono por parte dos poderosos hostis mas também ser atacado por eles os quais sendo mais previdentes e astuciosos sempre agem a tempo de salvaguardarse e buscam agradar a quem esperam que vença Por fim um príncipe está obrigado a viver sempre com o mesmo povo mas pode muito bem prescindir dos poderosos podendo fazêlos e desfazêlos de um dia para o outro e conferirlhes reputação a seu belprazer Para melhor esclarecer esta questão digo que os poderosos devem ser considerados principalmente de duas maneiras ou se comportam de modo a sujeitarse inteiramente à fortuna do príncipe ou agem por conta própria Os que se sujeitam e não são rapaces devem ser respeitados e estimados os que não se sujeitam devem ser examinados de duas maneiras há os que o fazem por pusilanimidade ou por falta natural de coragem e nesses casos o príncipe deve tirar proveito sobretudo dos que são bons conselheiros pois eles o honrarão na prosperidade e não serão um perigo na adversidade e há os que não se sujeitam por astúcia e ambição sinal de que pensam mais em si que no soberano e desses se deve precaver o príncipe temendoos como se fossem francos inimigos porque nas adversidades eles sempre concorrerão para arruinálo Portanto alguém que se torne príncipe pelo favor do povo deve preservar sua amizade o que será fácil bastando para isso não o oprimir Mas aquele que com o apoio dos poderosos se torne príncipe contra o povo deve antes de tudo tentar obter a simpatia popular o que será fácil bastando para isso protegêlo E assim como os homens que recebem o bem de quem esperavam o mal se tornam ainda mais agradecidos a seu benfeitor também o povo logo se torna mais agradecido a tal príncipe do que se ele tivesse sido entronizado por seus favores O príncipe pode obter a simpatia do povo por vários meios no entanto como estes variam conforme as circunstâncias não se pode indicar uma regra precisa razão pela qual passaremos adiante Apenas para concluir direi que um príncipe precisa ter o povo a seu lado do contrário não terá apoio nas adversidades Nábis príncipe dos espartanos resistiu ao assédio de toda a Grécia e de um exército romano cheio de vitórias defendendo contra todos a sua pátria e o seu trono2 quando sobreveio o perigo bastoulhe o apoio de poucos mas se seu povo lhe fosse hostil isso não teria bastado E que ninguém conteste minha opinião alegando o velho provérbio que diz quem constrói sobre o povo constrói sobre o lodo adágio que só se aplica ao homem comum que se baseia no povo e acredita que ele o salvará quando for ameaçado pelos inimigos ou por magistrados Neste caso o resultado é muitas vezes a desilusão como ocorreu aos Graco em Roma e a Giorgio Scali em Florença Mas se ele for um príncipe que se baseie no povo e que possa comandar e que seja um homem de coração e não se amedronte nas adversidades nem seja despreparado e mantenha todos animados sob suas ordens e seu ânimo ele nunca será traído pelos seus e verá que seus fundamentos são bons Esses principados costumam periclitar quando estão prestes a passar da ordem civil ao poder absoluto Isso porque tais príncipes comandam ou por si mesmos ou por meio de magistrados neste último caso seus governos são mais débeis e correm maiores riscos pois dependem inteiramente da vontade daqueles cidadãos que foram nomeados magistrados os quais sobretudo em tempos adversos podem tomarlhe com grande facilidade o Estado seja abandonando o soberano seja o atacando Em meio aos perigos o príncipe não terá tempo de assumir uma autoridade absoluta porque os cidadãos e súditos acostumados a receber ordens dos magistrados não obedecerão a ele nessas circunstâncias Portanto em tempos incertos ele sempre terá dificuldade de encontrar gente de confiança de modo que o príncipe não pode basearse naquilo que vê em tempos de paz quando os cidadãos têm necessidade do Estado pois nessa época todos acorrem todos prometem e cada um se dispõe a morrer por ele já que a morte está longe porém nos períodos adversos quando o Estado necessita dos cidadãos então poucos se apresentam Essa experiência é ainda mais perigosa porque só pode ser realizada uma única vez é por isso que um príncipe sábio deve cogitar um meio de fazer com que seus cidadãos não importa o tempo que faça precisem sempre dele e do Estado e daí em diante lhe serão sempre fiéis Do principado civil X Quomodo omnium principatuum vires perpendi debeant Ao examinar as modalidades desses principados convém fazer mais uma distinção qual seja se o príncipe de um Estado muito poderoso seria capaz caso necessário de sustentarse por si mesmo ou se sempre precisará da proteção de outrem Para esclarecer melhor este ponto digo que a meu juízo os primeiros conseguem regerse autonomamente porque com abundância de armas ou de riquezas podem reunir um bom exército e dar combate a qualquer um que venha a atacálos Do mesmo modo julgo que os segundos sempre necessitarão de outrem por não poderem comparecer diante do inimigo num campo de batalha devendo refugiarse dentro de suas muralhas e defendêlas Sobre o primeiro caso já discorremos e mais adiante acrescentaremos o que for necessário Quanto ao segundo nada se pode dizer senão incentivar tais príncipes a fortificar e municiar a própria cidade sem se preocupar com o resto do território E quem quer que fortifique bem sua cidade e saiba governar e manejar seus súditos como já dissemos antes e diremos em seguida será sempre atacado com grande cautela porque os homens abominam as empresas que pareçam cheias de dificuldades e não pode haver facilidade em atacar alguém que domine uma cidade vigorosa e não seja odiado por seu povo As cidades da Alemanha gozam de enorme liberdade têm pequenos territórios e só obedecem ao imperador quando lhes apraz pois não temem nem a ele nem a qualquer outro potentado das vizinhanças São tão bem fortificadas que seus adversários antes ponderam quanto deve ser difícil e exaustivo expugnálas todas dispõem de fossos e de muralhas apropriados possuem artilharia suficiente e sempre têm em seus depósitos públicos provisões de bebida de alimentos e de combustível para um ano além disso para manter a plebe nutrida sem desfalcar o erário público a comunidade sempre tem como lhe dar trabalho por um ano em atividades que são o nervo e a vida da cidade e de cujos produtos a plebe se abastece por fim todos têm grande apreço pelos exercícios militares e nesse ponto contam com muitos dispositivos para mantêlos Assim sendo um príncipe que tenha uma cidade ordenada de tal modo e que não se faça odiar não será atacado e aquele que ousasse atacálo seria forçado a uma retirada vergonhosa porque as coisas do mundo são tão mutáveis que seria impossível ao ofensor manter seus exércitos ociosos durante um ano de assédio E a quem objetasse dizendo que se o povo visse seus bens ardendo no campo perderia a paciência e que um longo assédio bem como seus interesses particulares o faria esquecer o amor pelo príncipe respondo que um príncipe prudente e corajoso sempre será capaz de superar todas essas dificuldades ora dando aos súditos a esperança de que o mal não seja duradouro ora incutindolhes o medo da crueldade do inimigo ora precavendose com destreza contra aqueles que lhe parecessem ousados demais Além disso é mais razoável que o inimigo queime e destrua os campos assim que chegar ali ou seja quando os ânimos dos homens ainda estão acesos e devotados à defesa por isso o príncipe não precisa temer uma vez que passados poucos dias quando os ânimos estiverem arrefecidos os danos já terão sido feitos os males já terão sido assimilados e não haverá mais remédio É então que todos se unem a seu príncipe sentindo que sua obrigação para com eles é ainda maior já que suas casas foram queimadas e seus terrenos foram arruinados em sua defesa pois é da natureza dos homens obrigaremse tanto pelos benefícios feitos quanto pelos recebidos Portanto considerandose todo o conjunto não será difícil a um príncipe prudente manter firmes do início ao fim o ânimo de seus cidadãos durante o cerco desde que não lhes falte o necessário para viver e se defender De que modo se deve avaliar a força dos principados XI De principatibus ecclesiasticis Restanos agora apenas discorrer acerca dos principados eclesiásticos cujas dificuldades se situam todas no período anterior à sua posse uma vez que são conquistados por virtude ou por fortuna e se mantêm a despeito de uma e de outra isto porque são sustentados por antigas leis radicadas na religião sendo tão poderosos e de tal qualidade que conseguem conservar seus príncipes no poder não importa como estes se comportem ou vivam Somente estes têm Estados sem os defender e súditos sem os governar Os Estados por serem indefesos não lhes são retirados e os súditos por não serem governados não se importam com eles não pensam neles nem podem livrarse deles Portanto somente esses principados são seguros e felizes porém sendo regidos por razões superiores que a mente humana não alcança deixarei de tratar deles pois uma vez exaltados e mantidos por Deus discorrer a seu respeito seria coisa de homem presunçoso e temerário Não obstante se alguém me indagasse por que a Igreja chegou a tamanho poder temporal haja vista que antes de Alexandre VI os potentados italianos e não só estes mas também qualquer barão ou senhor irrelevante pouco lhe davam importância nesse campo sendo que agora o rei da França treme diante dela que foi capaz de expulsálo da Itália e de aniquilar os venezianos eu diria que apesar de tudo isso ser bastante conhecido não me parece supérfluo repassar seus pontos cardeais Antes que Carlos rei da França entrasse na Itália esta província estava sob o império do papa dos venezianos do rei de Nápoles do duque de Milão e dos florentinos Tais potentados deviam ter duas principais preocupações a primeira que nenhum estrangeiro entrasse na Itália com suas tropas a segunda que nenhum deles expandisse seus domínios Aqueles que demandavam maior apreensão eram o papa e os venezianos tanto é que para deter os venezianos era necessária a união de todos os outros como ocorreu na defesa de Ferrara 1 e para reduzir a força do papa era preciso contar com os nobres de Roma os quais estando divididos em duas facções os Orsini e os Colonna sempre eram motivo de desordens e possuindo muitas armas nas vizinhanças do pontífice mantinham o pontificado enfraquecido e enfermo E embora de vez em quando surgissem papas destemidos como Sisto nem a sorte nem a habilidade pôde livrálos de tais incômodos A brevidade de suas vidas era a razão disso porque nos dez anos que em média um papa vivia dificilmente poderia neutralizar uma das facções rivais e se por exemplo um deles quase conseguia aniquilar os Colonna logo surgia outro que inimigo dos Orsini os fazia ressurgir sem que tivesse tempo de aniquilar os Orsini Isso fazia com que o poder temporal do papa fosse pouco estimado na Itália Então surgiu Alexandre VI que dentre todos os pontífices que já houve soube mostrar quanto um papa podia imporse com o dinheiro e com as armas e o fez por meio do duque Valentino2 e aproveitando a ocasião da passagem dos franceses como já discorri mais acima quando tratei das ações do duque E conquanto sua intenção fosse fortalecer não a Igreja mas o duque o resultado é que suas ações tornaram a Igreja poderosa a qual depois de sua morte e morto o duque herdou todos os seus esforços Depois veio o papa Júlio II que recebeu uma Igreja forte senhora de toda a Romanha com os nobres de Roma abatidos e suas facções aniquiladas pelos golpes de Alexandre encontrou ainda a via livre para acumular riquezas como nunca foi feito antes de Alexandre Júlio não só se valeu de tudo isso mas foi além planejando conquistar Bolonha liquidar os venezianos e expulsar os franceses da Itália e em todas estas empresas ele foi bemsucedido merecendo maior louvor ainda já que cada ação sua visou fortalecer a Igreja e não alguém em particular De resto manteve os partidários dos Orsini e dos Colonna na mesma situação em que os encontrou E embora entre eles houvesse alguns líderes capazes de criar tumulto duas coisas os impediram de agir a primeira o poder da Igreja que os intimidava a segunda não terem nenhum cardeal os quais estão na origem das disputas entre eles pois essas facções jamais estarão em paz se tiverem cardeais porque estes alimentam em Roma e fora dela os partidarismos que os barões locais são obrigados a defender e assim da ambição dos prelados nascem as discórdias e os tumultos entre os barões A santidade do papa Leão X herdou assim um pontificado poderosíssimo e se espera que se aqueles o fizeram grande com as armas este o fará poderosíssimo e venerando com sua bondade e outras infinitas virtudes Dos principados eclesiásticos XII Quot sunt genera militiae et de mercenariis militibus Tendo já discorrido pormenorizadamente sobre todas as modalidades de principado de que a princípio me propus a tratar considerado em parte as causas que os tornam bons ou ruins e indicado os modos pelos quais muitos tentaram conquistálos e mantêlos restame agora examinar de modo geral os métodos ofensivos e defensivos adotados por cada um deles Já dissemos acima como um príncipe deve ter sólidos fundamentos do contrário estes necessariamente ruirão Os principais fundamentos de todos os Estados tanto dos novos quanto dos antigos ou mistos são as boas leis e as boas armas e como não pode haver boas leis onde não houver boas armas e onde há boas armas convém que haja boas leis deixarei de parte o tratamento das leis e falarei das armas Digo pois que as armas com as quais um príncipe defende seu Estado ou são próprias ou são armas mercenárias e auxiliares ou uma mistura de ambas As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas e se alguém basear seu Estado em armas mercenárias nunca estará seguro nem terá estabilidade porque tais tropas são desunidas ambiciosas sem disciplina infiéis valentes entre os amigos e vis diante dos inimigos sem temor a Deus nem fé nos homens e com elas quanto mais se adia o combate mais se adia a derrota na paz se é espoliado por elas na guerra pelos inimigos A causa disso é que não há outro vínculo ou motivo que as mantenha em campo senão o soldo o qual nunca será suficiente para que se disponham a morrer por você Querem ser seus soldados enquanto não se fizer a guerra contudo quando a guerra sobrevém eles dispersam ou batem em retirada Não necessitaria de muito esforço para ser persuasivo sobre este ponto visto que a atual ruína da Itália se deve exclusivamente ao fato de por muitos anos ter se assentado inteira sobre forças mercenárias Decerto essas forças já foram úteis a alguns e pareciam corajosas enquanto combatiam entre si porém com a invasão do estrangeiro mostraram o que eram por isso Carlos rei da França pôde apossarse da Itália num piscar de olhos1 e quem dizia que a causa disso eram nossos pecados falava a verdade2 entretanto os pecados não eram aqueles apontados mas estes que descrevi e como os príncipes eram os pecadores coube também a eles sofrer as penas Quero demonstrar melhor a inépcia dessas armas Os capitães mercenários podem ser homens excelentes ou não caso sejam não merecerão confiança pois sempre aspirarão à própria grandeza seja intimidando você que é o senhor deles seja oprimindo outros sem o seu consentimento porém se o capitão não for virtuoso por isso mesmo será sua ruína E caso se redarguisse que qualquer um na posse de armas faria o mesmo fosse mercenário ou não eu replicaria que as armas estão a serviço de um príncipe ou de uma república o príncipe deve assumir pessoalmente o posto de capitão ao passo que a república se valerá de seus cidadãos e caso escolha alguém que não se mostre um homem valoroso deverá substituílo porém se ele demonstrar bravura é preciso contê lo com as leis para que não ultrapasse os limites Por experiência vêse que somente os príncipes e as repúblicas que dispõem de exércitos fazem enormes progressos já as forças mercenárias só trazem danos de resto uma república que tenha armas próprias se submeterá com mais dificuldade a um de seus cidadãos que outra dependente de armas estrangeiras Esparta e Roma foram por muitos séculos armadas e livres Os suíços são muito bem armados e gozam de grande liberdade Entre os antigos por exemplo os cartagineses recorreram a armas mercenárias e foram oprimidos por elas tão logo se encerrou sua primeira guerra contra os romanos embora os cartagineses tivessem como capitães seus próprios cidadãos Depois da morte de Epaminondas Filipe da Macedônia foi nomeado capitão de seu povo pelos tebanos e após a vitória tiroulhes a liberdade Morto o duque Felipe os milaneses contrataram Francesco Sforza para combater os venezianos e ele após derrotar os inimigos em Caravaggio uniuse aos venezianos para oprimir os milaneses Já o pai de Francesco capitão da rainha Giovanna de Nápoles a deixou de repente desarmada de modo que ela para não perder o reino foi constrangida a lançarse aos braços do rei de Aragão3 E se outrora venezianos e florentinos ampliaram seus domínios por meio dessas armas sem que seus capitães lhes tenham usurpado o poder mantendose fiéis em sua defesa respondo que nesse caso os florentinos foram favorecidos pela sorte pois dentre os virtuosos capitães que podiam ameaçálos uns não venceram outros encontraram resistências e os demais ambicionaram outras metas Um dos que não venceram foi Giovanni Aucut e por não ter vencido não se pode saber o que teria feito em caso de vitória mas todos reconhecem que se tivesse vencido os florentinos ficariam à sua mercê Sforza sempre teve os partidários de Braccio contra si e os dois assim se mantiveram em equilíbrio Francesco voltou suas ambições para a Lombardia Braccio contra a Igreja e o reino de Nápoles Mas vejamos o que ocorreu pouco tempo atrás Os florentinos escolheram para seu capitão Paulo Vitelli homem prudentíssimo que por meio da própria fortuna alcançou enorme reputação se ele tivesse tomado Pisa ninguém negaria quanto seria conveniente aos florentinos continuar a seu lado pois se ele se tornasse soldado de seus inimigos Florença não teria saída e se os florentinos o mantivessem no cargo teriam de obedecer a ele Quanto aos venezianos caso se considerem seus avanços verseá que eles agiram com firmeza e foram vitoriosos enquanto fizeram a guerra por conta própria valendose de seus nobres e da plebe armada com grande virtude antes de partirem para campanhas em terra firme porém quando começaram os combates em terra firme eles abandonaram qualquer virtude e passaram a seguir os costumes das guerras na Itália No início de seu avanço por terra por ainda não terem amplos domínios e por gozarem de grande reputação não precisaram temer demasiadamente seus capitães No entanto assim que ampliaram seus territórios sob o comando de Carmagnola tiveram uma primeira prova de seu erro uma vez que considerando Carmagnola virtuosíssimo e tendo conseguido derrotar o duque de Milão sob sua liderança mas por outro lado sabendo quanto ele arrefecera na guerra os venezianos avaliaram que não poderiam vencer mais nada com sua ajuda pois ele mesmo já não o queria tampouco podiam dispensálo para não perderem o que já haviam conquistado de modo que para se defenderem dele viramse constrangidos a matálo Depois tiveram por capitães Bartolommeo da Bergamo Ruberto da San Severino o conde de Pitigliano e outros semelhantes com os quais deviam antes temer a perda que esperar algum ganho como depois se verificou em Vailà onde perderam num único dia o que a tanto custo haviam conquistado4 em oitocentos anos pois de tais armas derivam apenas conquistas lentas tardas e frágeis acompanhadas de súbitas e espantosas perdas Já que citei exemplos recentes ocorridos na Itália governada durante tantos anos por armas mercenárias quero agora discorrer de uma perspectiva mais abrangente a fim de que observados sua origem e seus desdobramentos se possa melhor corrigir sua atuação Todos devem saber que nos últimos tempos tão logo o Império começou a ser expulso da Itália e o papa a expandir seu prestígio no plano temporal a Itália se dividiu em vários Estados isso porque muitas das maiores cidades pegaram em armas contra os nobres que antes protegidos pelo imperador as mantinham oprimidas ao passo que a Igreja as favorecia a fim de obter maior poder temporal e em muitas outras cidades um de seus cidadãos se tornou príncipe Daí que restando a Itália praticamente nas mãos da Igreja e de umas poucas repúblicas e não estando os padres e os cidadãos habituados ao uso das armas todos começaram a contratar forasteiros O primeiro a conferir reputação a essas milícias foi Alberico de Cunio da Romanha de sua escola descenderam entre outros Braccio e Sforza que em seu tempo foram árbitros da Itália Em seguida vieram todos os que até os dias de hoje comandaram essas milícias e o resultado de tanta virtude é que a Itália foi varrida por Carlos depredada por Luís forçada por Fernando e vituperada pelos suíços A primeira regra que seguiram foi diminuir a reputação da infantaria a fim de aumentar a própria e assim agiram porque não possuindo um Estado e sustentandose apenas no soldo poucos infantes não lhes trariam prestígio e muitos não seriam capazes de manter por isso se limitaram à cavalaria que era abastecida e honrada em número tolerável a tal ponto que num exército de 20 mil soldados não havia sequer 2 mil infantes Ademais usaram de todos os meios para poupar a si e a seus soldados de perigos e cansaços evitando morrer nas refregas e deixandose aprisionar uns aos outros sem pagamento de resgate à noite os que estavam nos acampamentos não atacavam as cidades fortificadas nem os das cidades fortificadas investiam contra as milícias acampadas não erguiam paliçadas nem abriam fossos em torno dos acampamentos e não faziam campanha nos invernos Tudo isso fazia parte de seu código militar e era adotado por eles para como se disse furtarse a riscos e esforços e assim conduziram a Itália à escravidão e à desonra Quais são os tipos de exércitos e de milícias mercenárias O inglês John Hawkwood 13201394 XIII De militibus auxiliariis mixtis et propriis As armas auxiliares igualmente inúteis são aquelas solicitadas a um poderoso para que o defendam com suas tropas como em tempos recentes fez o papa Júlio que tendo visto o infame desempenho de suas milícias mercenárias em Ferrara recorreu a armas auxiliares e entrou em acordo com Fernando rei da Espanha para que este o ajudasse com sua gente e seus exércitos Tais armas podem ser boas e úteis per se mas quase sempre são prejudiciais a quem as solicita se perdem sua derrota será certa se ganham se tornará refém delas E não obstante a história antiga esteja repleta de casos semelhantes não quero afastarme do exemplo ainda fresco de Júlio II o partido que ele tomou não podia ser mais disparatado pois querendo Ferrara para si pôsse inteiramente nas mãos de um estrangeiro Mas sua boa fortuna fez surgir algo inesperado que o poupou de colher os frutos da má escolha tendo seus auxiliares sido derrotados em Ravena logo em seguida e para a surpresa de todos os suíços fizeram os vencedores recuar1 desse modo ele escapou de ser preso pelos inimigos que fugiram e de cair refém dos auxiliares pois vencera com outras armas que não as deles Por sua vez estando inteiramente desarmados os florentinos conduziram 10 mil franceses a Pisa a fim de expugnála e com isso correram mais perigo que em qualquer época de sua história Para oporse a seus vizinhos o imperador de Constantinopla enviou à Grécia 10 mil turcos os quais terminada a guerra não quiseram partir e este foi o início da servidão da Grécia entre os infiéis2 Portanto quem não quiser vencer que se valha de tais armas pois elas são bem mais perigosas que as mercenárias Nelas a conjura está feita de antemão haja vista que são unidas e dedicadas à obediência de outrem quanto às forças mercenárias uma vez vitoriosas precisam de mais tempo e de uma boa ocasião para atacar já que não constituem um corpo unitário e são recrutadas e pagas por quem as contrata entre elas alguém que seja erigido em chefe não será capaz de conquistar autoridade tão rapidamente a ponto de constituir uma ameaça Em suma nas forças mercenárias o mais perigoso é a ignávia nas auxiliares a virtude Por isso todo príncipe sábio sempre evitou armas desse tipo e se valeu das próprias e preferiu perder com os seus a vencer com os outros julgando falsa vitória a que se obtém por meio de armas alheias Eu não hesitaria em citar aqui o exemplo de César Bórgia e de suas ações O duque entrou na Romanha com armas auxiliares toda composta de franceses e com elas tomou Ímola e Forlì todavia não lhe parecendo confiáveis tais armas recorreu às mercenárias por julgálas menos perigosas e contratou os Orsini e os Vitelli mais tarde percebendo que estas também eram ambíguas infiéis e perigosas aniquilouas e concentrouse em suas próprias armas E assim ele pôde constatar a diferença que existe entre cada uma delas haja vista a mudança de sua reputação entre a época em que estava apenas com os franceses depois com os Orsini e os Vitelli e finalmente quando ficou apenas com seus soldados e senhor de si mesmo seu prestígio aumentou continuamente e só atingiu o ápice quando todos viram que ele era o comandante exclusivo de suas milícias Não quero distanciarme dos exemplos italianos e atuais contudo não posso deixar de mencionar Hierão de Siracusa de quem já tratei anteriormente Como eu havia dito ao ser proclamado chefe dos exércitos pelos siracusanos ele logo viu que a milícia mercenária não era útil já que seus comandantes eram como os nossos italianos e percebendo que não poderia mantêlos nem dispensálos mandou fazêlos em pedacinhos e depois moveu uma guerra com suas próprias armas sem recorrer às alheias A propósito quero ainda trazer à memória uma figura do Antigo Testamento Quando Davi comunicou a Saul que combateria com Golias agitador filisteu Saul para incentiválo deulhe suas próprias armas mas Davi as recusou assim que sentiu o peso delas dizendo que assim não poderia valerse de suas forças queria encontrar o inimigo com sua funda e sua faca Enfim as armas de outros ou caem das mãos ou pesam demasiado ou tolhem o movimento Tendo libertado a França dos ingleses por sua fortuna e virtude Carlos VII pai do rei Luís XI compreendeu a necessidade de armarse de armas próprias e durante seu reinado ordenou a formação de cavalarias e infantarias3 Depois o rei Luís seu filho extinguiu a infantaria e começou a assoldar suíços erro que seguido por outros foi como de fato se vê agora o motivo das dificuldades daquele reino4 Isso porque tendo dado prestígio aos suíços o rei desonrou suas próprias armas abolindo inteiramente a infantaria e submetendo à virtude alheia sua cavalaria que habituada a militar com os suíços não lhe parecia mais possível vencer sem eles Disso resultou que os franceses já não podem contra os suíços e sem eles não se arriscam a combater outros Portanto os exércitos da França se tornaram mistos em parte mercenários em parte próprios armas que todas somadas são muito superiores às apenas auxiliares ou apenas mercenárias e muito inferiores às próprias E baste o exemplo citado pois o reino da França seria imbatível se as ordenanças de Carlos tivessem sido ampliadas ou preservadas mas a escassa prudência dos homens começa algo que por ter um sabor agradável de início não os faz perceber o veneno subreptício como antes falei acerca da tísica Por isso quem está à frente de um principado e não se dá conta dos males quando eles surgem não é realmente sábio o que só é dado a poucos E caso se considere a razão maior da queda do Império Romano verseá que a ruína começou quando se assoldadaram os primeiros godos pois a partir daquele momento as forças do Império passaram a perder a fibra e toda sua virtude foi transferida a eles Concluo pois que sem dispor de armas próprias nenhum principado estará seguro ao contrário estará inteiramente à mercê da fortuna não tendo virtude que o defenda com fé nas adversidades ademais os homens sábios sempre opinaram e sentenciaram quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama potentiae non sua vi nixa As armas próprias são aquelas compostas de súditos de cidadãos ou de vassalos todas as demais são mercenárias ou auxiliares e é fácil encontrar o melhor meio de ordenar as armas próprias quando se observa o procedimento dos quatro comandantes citados por mim e se verá como Filipe pai de Alexandre Magno assim como tantas repúblicas e principados se armaram e organizaram e a tais ordenanças me reporto inteiramente Das milícias auxiliares mistas e próprias Que nada é tão incerto ou instável quanto uma fama de poder não fundada sobre as próprias forças Tácito Anais XIII 19 XIV Quod principem deceat circa militiam Portanto um príncipe não deve ter outro objetivo nem outro pensamento nem tomar qualquer atitude arbitrária que não a guerra com suas disposições e disciplina pois ela é a única arte que se espera de quem comanda e é por virtude dela que não só se mantêm os que já nasceram príncipes mas também frequentemente chegam ao poder homens de fortuna pessoal Ao contrário vêse que quando os príncipes pensaram mais em delicadezas que nas armas perderam seus Estados e a primeira causa dessas perdas está em negligenciar essa arte assim como a razão que leva às conquistas está em ser um mestre nessa arte Por estar bem armado Francesco Sforza passou de homem comum a duque de Milão já seus descendentes por se esquivarem às dificuldades das armas passaram de duques a homens comuns Pois entre outros motivos que podem levar à derrota estar desarmado torna o príncipe desprezível e esta é uma das infâmias que um soberano precisa evitar a todo custo como se verá em seguida De fato entre o armado e o desarmado não há nenhuma proporção e não é razoável que quem esteja armado obedeça de bom grado ao desarmado ou que alguém desarmado esteja seguro entre servidores armados uma vez que havendo desdém em uns e suspeita em outros não é possível que juntos trabalhem bem Assim um príncipe que não entenda de milícias além de padecer de outras infelicidades como já se disse não pode ser estimado por seus soldados nem confiar neles Por isso jamais se deve desviar o pensamento dos exercícios da guerra e na paz o exercício deve ser mais intenso que na guerra o que pode ser feito de duas maneiras primeiramente com ações depois com a mente Quanto às ações além de manter bem ordenadas e exercitadas suas tropas devese continuamente praticar a caça a fim de acostumar o corpo a desconfortos e em parte conhecer a natureza dos territórios entender como surgem os montes como desembocam os vales como jazem as planícies qual a natureza dos rios e dos paludes prestando muita atenção a tudo isso Tal compreensão é útil em dois sentidos primeiro quando se aprende a conhecer o próprio território fica mais fácil saber como defendêlo segundo com o conhecimento e a prática desses lugares compreendese facilmente qualquer outro local que precise ser explorado pois colinas vales planícies rios e paludes que existem verbi gratia na Toscana têm certas semelhanças com os de outras províncias de sorte que o conhecimento da área de uma província pode facilmente servir à compreensão de outras O príncipe que carece dessa competência carece da primeira qualidade que cabe a um capitão saber localizar o inimigo montar acampamentos conduzir os exércitos organizar as expedições e assediar as cidades em situação vantajosa Filopêmenes príncipe dos aqueus recebeu muitas loas dos que escreveram sobre ele entre as quais a de sempre ter pensado em como fazer a guerra em tempos de paz e quando estava no campo com amigos muitas vezes parava e ponderava com eles Se os inimigos estivessem naquela colina e nós estivéssemos aqui com o nosso exército quem de nós estaria em vantagem Como mantendo a organização poderíamos ir ao encontro deles Se quiséssemos bater em retirada como faríamos Se eles se retirassem como os perseguiríamos E enquanto caminhava propunhalhes todos os casos que podem ocorrer a um exército escutava as opiniões expunha a sua corroboravaa com argumentos de tal modo que devido a essas constantes cogitações jamais surgiria nenhum acidente para o qual ele não tivesse um remédio ao guiar seus exércitos No que diz respeito ao exercício da mente o príncipe deve ler obras de história e nelas atentar para as ações dos homens ilustres ver como eles se conduziram nas guerras e examinar as causas de suas vitórias e derrotas a fim de evitar estas e imitar aquelas mas sobretudo fazer como no passado fizeram alguns homens excelentes que se puseram a imitar aqueles que antes deles foram louvados e glorificados conservando perto de si seus gestos e ações como se diz que Alexandre Magno imitava Aquiles César Alexandre Cipião Ciro E quem quer que leia a vida de Ciro escrita por Xenofonte reconhecerá mais tarde na vida de Cipião quanto o exemplo imitado lhe trouxe glória e quanto na castidade na afabilidade na humanidade e na liberalidade Cipião se adequou às características que Xenofonte ressaltou em Ciro Um príncipe sábio deve observar tais exemplos e nunca manterse ocioso nos tempos de paz mas aproveitarse deles com engenho para poder agir melhor na adversidade de modo que quando a fortuna mudar ele esteja preparado para resistir a ela Como o príncipe deve proceder acerca das milícias XV De his rebus quibus homines et praesertim principes laudantur aut vituperantur Resta agora examinar quais devem ser os procedimentos e as ações de governo de um príncipe em relação aos seus súditos e aos seus amigos Como sei que muitos já escreveram sobre o assunto receio ser tomado por presunçoso ao tratar mais uma vez do tema sobretudo por apartarme dos argumentos da maioria Porém sendo minha intenção escrever coisas que sejam úteis a quem se interesse pareceume mais conveniente ir direto à verdade efetiva da coisa que à imaginação em torno dela E não foram poucos os que imaginaram repúblicas e principados que nunca se viram nem se verificaram na realidade Todavia a distância entre o como se vive e o como se deveria viver é tão grande que quem deixa o que se faz pelo que se deveria fazer contribui rapidamente para a própria ruína e compromete sua preservação porque o homem que quiser ser bom em todos os aspectos terminará arruinado entre tantos que não são bons Por isso é preciso que o príncipe aprenda caso queira manterse no poder a não ser bom e a valerse disso segundo a necessidade Deixando de lado pois as coisas imaginosas sobre um príncipe e discorrendo acerca das verdadeiras digo que todos os homens dignos de atenção mas principalmente os soberanos por ocuparem um posto mais elevado são julgados por certas qualidades que lhes podem render reprovações ou elogios Isso porque uns são tidos por liberais outros por miseráveis para usar um termo toscano porque avaro em nossa língua é também aquele que deseja possuir por rapina chamamos de miserável aquele que se abstém em demasia de gastar o que é seu uns são considerados generosos outros rapaces uns cruéis outros piedosos uns desleais outros fiéis uns efeminados e pusilânimes outros ferozes e animosos uns humanos outros soberbos uns lascivos outros castos uns íntegros outros astutos uns inflexíveis outros maleáveis uns graves outros leves uns religiosos outros incrédulos e assim por diante Sei que todos dirão que seria louvabilíssimo um príncipe ter as melhores qualidades dentre as enumeradas acima Contudo como a condição humana não consente que se tenham todas elas nem que possam ser inteiramente observadas é necessário ser prudente a fim de escapar à infâmia daqueles vícios que põem em risco o governo e se possível devemse evitar também aqueles que não comprometem o governo mas se forem inevitáveis que passem sem grandes preocupações Tampouco se preocupe com incorrer na infâmia de tais vícios sem os quais dificilmente se pode salvar o governo pois se bem observado caso o príncipe siga o que lhe parecer uma virtude causará a própria ruína mas se seguir o que lhe parecer um vício terá maior segurança e bemestar Das coisas pelas quais os homens sobretudo os príncipes são louvados ou vituperados XVI De liberalitate et parsimonia Partindo pois das primeiras qualidades mencionadas acima digo que seria vantajoso ser considerado liberal Entretanto se usada de modo a trazerlhe reputação a liberalidade causará transtornos ao príncipe isso porque se empregada de maneira virtuosa e na medida certa ela não será reconhecida como tal e não o poupará da pecha de avarento contudo para manter a fama de liberal entre os homens é preciso lançar mão de todo fausto possível de modo que nessas circunstâncias um príncipe sempre consumirá todos os seus recursos e por fim se quiser manter a fama de liberal terá de sobrecarregar extraordinariamente a população de tributos e fazer tudo o que é de praxe para arrecadar dinheiro e essas medidas por sua vez o farão cada vez mais odiado entre os súditos e pouco estimado por todos que se tornarão mais pobres Portanto ao descontentar a maioria e favorecer uns poucos com sua liberalidade o soberano sentirá o golpe na primeira adversidade e vacilará ao primeiro perigo e caso se aperceba da situação e queira recuar incorrerá imediatamente na infâmia do miserável Assim não podendo usar a virtude da liberalidade sem seu próprio dano tão logo ela fosse reconhecida o príncipe se for prudente não deverá importarse com a pecha de miserável pois com o tempo ele será considerado cada vez mais liberal à medida que todos virem que graças à parcimônia aquilo que arrecada lhe basta que ele pode defenderse de quem quiser atacálo e mover campanhas sem onerar seu povo De sorte que parecerá liberal aos que não serão escorchados que são inumeráveis e miserável àqueles a quem não dará nada que são poucos Em nossos tempos só vimos realizar grandes feitos aqueles que são tidos por miseráveis os outros desapareceram Papa Júlio II que se serviu da nomeada de liberal para alcançar o papado depois não fez questão de mantêlo e se aplicou em mover guerras O atual rei da França fez muitas guerras sem impor tributos extraordinários a seus súditos porque substituiu as despesas supérfluas por uma prolongada parcimônia Se fosse considerado liberal o presente rei da Espanha1 não teria feito nem vencido tantas campanhas Por conseguinte um príncipe não deve preocuparse para não ter de roubar seus súditos para poder defenderse para não se tornar pobre e desprezado para não ser forçado à rapinagem com incorrer na fama de miserável pois este é um daqueles vícios que o permitem reinar E se alguém me disser que César ascendeu ao império valendose da liberalidade e que muitos outros por terem sido ou serem considerados liberais chegaram a postos elevadíssimos respondo que príncipe se nasce ou se busca ser No primeiro caso a liberalidade é prejudicial No segundo é de fato necessário ser e ser tido por liberal e César era um dos que queriam ascender ao principado de Roma porém se depois de têlo alcançado e mantido ele não houvesse reduzido seus gastos teria destruído seu império E se alguém replicar que muitos foram os príncipes que famosos pela prodigalidade fizeram grandes coisas com seus exércitos respondo que ou o príncipe gasta o que é dele e de seus súditos ou consome os bens de outrem No primeiro caso ele deve ser parco no segundo não deve pouparse de nenhuma liberalidade Ademais o príncipe que conduz exércitos que se nutre de butins de saques e de recompensas que lida com o bem alheio precisa ser liberal do contrário não seria seguido pelos soldados Com aquilo que não é dele nem de seus súditos o príncipe pode ser mais pródigo como foram Ciro César e Alexandre pois despender o que é de outrem não diminui mas aumenta sua reputação somente o dispêndio do que é próprio o prejudica Mas não há nada que mais se gaste quanto a liberalidade pois o príncipe pródigo perde a faculdade de usála e se torna pobre e desprezado ou para escapar à pobreza rapace e odiado Dentre todas as coisas um príncipe deve acima de tudo evitar ser desprezado ou odiado e a liberalidade o conduz a ambas Portanto é mais prudente conservar o nome de miserável do qual nasce uma infâmia sem ódio que por perseguir a fama de liberal precisar incorrer na pecha de rapace que produz uma infâmia com ódio Da liberalidade e da parcimônia XVII De crudelitate et pietate et an sit melius amari quam timeri vel e contra Passando às outras qualidades citadas acima digo que todo príncipe deve desejar ser tido por piedoso e não por cruel contudo ele deve estar atento para não usar mal a piedade César Bórgia era considerado cruel no entanto sua crueldade recuperou uniu e pacificou a Romanha Assim a um exame mais detido verseá que ele foi bem mais piedoso que o povo florentino que a fim de evitar a fama de cruel deixou que Pistoia fosse destruída1 Portanto um príncipe não deve preocuparse com a má fama de cruel se quiser manter seus súditos unidos e fiéis pois com pouquíssimos atos exemplares ele se mostrará mais piedoso que aqueles que por excesso de piedade permitem uma série de desordens seguidas de assassínios e de roubos estes costumam prejudicar a todos ao passo que aqueles ordenados pelo príncipe só atingem pessoas isoladas Dentre todos os soberanos o príncipe novo é o menos capaz de escapar à fama de cruel já que os Estados recentes são cheios de perigos Virgílio afirma pela boca de Dido Res dura et regni novitas me talia cogunt moliri et late fines custode tueri Todavia convém ser comedido nas convicções e na ação sem se deixar tomar pelo medo procedendo com temperança e humanidade de modo que a excessiva confiança não o torne incauto nem a desconfiança em excesso o torne intolerável Daí nasce uma controvérsia qual seja se é melhor ser amado ou temido Podese responder que todos gostariam de ser ambas as coisas porém como é difícil conciliálas é bem mais seguro ser temido que amado caso venha a faltar uma das duas Porque de modo geral podese dizer que os homens são ingratos volúveis fingidos e dissimulados avessos ao perigo ávidos de ganhos assim enquanto o príncipe agir com benevolência eles se doarão inteiros lhe oferecerão o próprio sangue os bens a vida e os filhos mas só nos períodos de bonança como se disse mais acima entretanto quando surgirem as dificuldades eles passarão à revolta e o príncipe que confiar inteiramente na palavra deles se arruinará ao verse despreparado para os reveses Pois as amizades que se conquistam a pagamento e não por grandeza e nobreza de espírito são merecidas mas não se podem possuir nem gastar em tempos adversos de resto os homens têm menos escrúpulos em ofender alguém que se faça amar a outro que se faça temer porque o amor é mantido por um vínculo de reconhecimento mas como os homens são maus se aproveitam da primeira ocasião para rompêlo em benefício próprio ao passo que o temor é mantido pelo medo da punição o qual não esmorece nunca Todavia o príncipe deve inspirar temor de tal modo que se não puder ser amado ao menos evite atrair o ódio já que é perfeitamente possível ser temido sem ser odiado Isso só será viável se ele não cobiçar os bens de seus cidadãos e de seus súditos bem como as mulheres destes E quando for imprescindível agir contra o sangue de alguém que o faça por uma justificativa sólida e um motivo evidente Mas o mais importante é absterse dos bens alheios pois os homens se esquecem com maior rapidez da morte de um pai que da perda do patrimônio ademais nunca faltam motivos para atentar contra o bem de outrem e aquele que começa a viver de rapina sempre encontra razões para apropriarse do que é alheio ao passo que para atentar contra a vida as razões são mais raras e fugazes Porém quando o príncipe está com seus exércitos e tem sob seu comando multidões de soldados não deve importarse absolutamente com a fama de cruel pois sem ela não se mantém um exército unido nem disposto ao combate Entre as notáveis ações de Aníbal costumase ressaltar que ele comandando um exército imenso constituído de soldados originários de várias nações e levados a guerrear em terras estrangeiras nunca deixou que emergissem dissensos nem entre eles nem contra o príncipe tanto na má quanto na boa fortuna E isso só foi possível graças à sua crueldade inumana a qual acrescida de suas infinitas virtudes o fez sempre venerável e temível diante de seus soldados Sem ela e sem seus efeitos toda sua virtude não teria bastado e os historiadores pouco ponderados neste ponto em parte admiram suas ações em parte condenam seus motivos fundamentais O fato de que suas virtudes não teriam bastado pode ser aferido em um confronto com Cipião homem excepcional não só em sua época mas também na memória de todos os tempos cujos exércitos se rebelaram na Espanha mas tal revés só ocorreu por sua excessiva piedade já que ele deu a seus exércitos mais liberdade do que seria conveniente à disciplina militar Por isso ele foi criticado por Fábio Máximo no senado e acusado de corromper as milícias romanas Cipião não punira a insolência do legado que havia aniquilado os locrenses2 nem vingara a morte destes devido à sua natureza complacente tanto que alguém tentando defendêlo no senado alegou que havia homens mais capazes de não errar que corrigir os erros alheios Com o tempo tal natureza teria conspurcado a fama e a glória de Cipião caso ele persistisse nela estando no poder porém vivendo sob o governo do senado essa sua danosa qualidade não somente se ocultou mas foi a principal causa de sua glória Portanto voltando à questão de ser temido e amado concluo que se os homens amam de acordo com sua vontade e temem segundo a vontade do príncipe um príncipe sábio deve assentarse naquilo que é seu e não no que é de outrem precisando apenas como foi dito encontrar meios de escapar ao ódio Da crueldade e da piedade e se é melhor ser amado que temido A vida dura e o novo reino me constrangem a guarnecer até as últimas fronteiras Eneida i vv 5634 XVIII Quomodo fides a principibus sit servanda Todos concordam quanto é louvável que um príncipe mantenha sua palavra e viva com integridade não com astúcia todavia em nossa época vêse por experiência que os príncipes que realizaram grandes feitos deram pouca importância à palavra empenhada e souberam envolver com astúcia as mentes dos homens superando por fim aqueles que se alicerçaram na sinceridade Também deve ser do conhecimento geral que existem duas matrizes de combate uma por meio das leis outra pelo uso da força A primeira é própria dos homens a segunda dos animais Contudo como frequentemente a primeira não basta convém recorrer à segunda por isso um príncipe precisa saber valerse do animal e do homem Este ponto foi ensinado veladamente aos príncipes pelos escritores da Antiguidade os quais escreveram como Aquiles e tantos outros príncipes antigos foram deixados aos cuidados do centauro Quíron que os manteve sob sua disciplina Isso quer dizer que tendo por preceptor um ser metade animal e metade homem um príncipe deve saber usar de ambas as naturezas e uma sem a outra não produz efeitos duradouros E posto que é necessário a um príncipe saber usar do animal com destreza dentre todos ele deve escolher a raposa e o leão pois o leão não pode defenderse de armadilhas e a raposa é indefesa diante dos lobos é preciso pois ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para afugentar os lobos aqueles que simplesmente adotam o leão não entendem do assunto Portanto um soberano prudente não pode nem deve manter a palavra quando tal observância se reverta contra ele e já não existam os motivos que o levaram a empenhála Se todos os homens fossem bons este preceito não seria bom mas como eles são maus e não mantêm a palavra dada ao príncipe este também não deve mantêla perante eles ademais nunca faltaram a um príncipe razões legítimas para incorrer na inobservância A esse respeito poderiam ser aduzidos infinitos exemplos modernos a fim de mostrar quanta paz e quantas promessas foram invalidadas pela infidelidade dos príncipes e aquele que mais soube valerse da raposa se saiu melhor Mas é necessário saber camuflar bem essa natureza ser um grande fingidor e dissimulador e os homens são tão simplórios e obedientes às necessidades imediatas que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar Não quero omitir um dos exemplos recentes Alexandre VI nunca fez nunca pensou em outra coisa senão em enganar os homens encontrando sempre os meios de poder fazê lo e jamais houve homem com maior talento para asseverar algo reforçandoo com infindáveis juramentos e em seguida descumprilo entretanto seus enganos sempre se seguiram ad votum pois ele bem conhecia esse aspecto do mundo A um príncipe pois não é indispensável ter de fato todas as qualidades acima descritas mas é imprescindível que pareça possuílas aliás ousarei dizer o seguinte tendoas e observandoas sempre elas são danosas ao passo que aparentando têlas são úteis como por exemplo parecer piedoso fiel humano íntegro religioso e sêlo mas é necessário estar com o espírito de tal modo predisposto que ser for preciso não o ser o príncipe possa e saiba tornase o contrário E há que se compreender que um príncipe sobretudo o príncipe novo não pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de bons precisando muitas vezes para preservar o Estado operar contra a fé contra a caridade contra a humanidade contra a religião Porém é necessário que ele tenha um espírito disposto a voltarse para onde os ventos da fortuna e a variação das coisas lhe ordenarem e como se disse acima não se afastar do bem se possível mas saber entrar no mal se necessário Sendo assim um príncipe deve ter o extremo cuidado de nunca deixar que saia de sua boca nada que não esteja repleto das cinco qualidades supracitadas e que ele pareça ao ser visto e ouvido todo piedade todo fé todo integridade todo humanidade todo religião de resto parecer possuir esta última qualidade é o que há de mais necessário Os homens em geral julgam mais com os olhos que com as mãos porque todos são capazes de ver mas poucos de sentir todos veem aquilo que você parece poucos tocam aquilo que você é e estes poucos não ousam oporse à opinião de muitos que contam com a majestade do Estado para defendêlos enfim nas ações de todos os homens especialmente nas dos príncipes quando não há juiz a quem apelar o que vale é o resultado final Então que o príncipe faça por conquistar e manter o Estado os meios serão sempre julgados honrosos e merecerão o elogio de todos pois o vulgo é capturado por aquilo que parece e pelo evento da coisa e no mundo não há senão o vulgo os poucos não têm vez quando a maioria tem onde se apoiar Certo príncipe dos dias de hoje cujo nome não é bom citar1 prega exclusivamente a paz e a fé sendo inimicíssimo de ambas mas caso ele observasse uma e outra perderia sucessivamente a reputação e o Estado Como o príncipe deve honrar sua palavra Segundo sua vontade XIX De contemptu et odio fugiendo Como já tratei das qualidades mais importantes dentre as enumeradas acima quero agora discorrer brevemente e em termos gerais sobre outras quais sejam que o príncipe como em parte já se disse cuide de escapar a tudo aquilo que o torne odiado ou desprezado pois sempre que ele o tiver evitado terá cumprido sua parte e não será ameaçado por outras infâmias O que o torna mais odioso como eu disse é ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres de seus súditos devendo absterse deles E uma vez que não se atente nem contra a honra nem contra os bens dos homens a maioria deles viverá satisfeita há somente que combater a ambição de uns poucos o que de muitos modos e facilmente se refreia O que o faz desprezível é ser reputado volúvel leviano efeminado pusilânime irresoluto coisas das quais um príncipe deve afastarse como de um escolho engenhandose para que em suas ações se reconheçam grandeza animosidade gravidade força e quanto aos assuntos civis exigir que sua sentença seja irrevogável entre os súditos mantendose em tal posição de modo que ninguém pense em enganálo ou traílo O príncipe que dá de si tal impressão é bastante estimado e dificilmente se conjura contra quem é estimado ou com esforço se ataca uma vez que ele é reverenciado e tido por excelente pelos seus Pois um príncipe precisa temer dois perigos um que advém de dentro por conta de seus súditos outro que vem de fora por conta dos potentados estrangeiros Deste último ele se defende com exércitos capazes e bons amigos e sempre que tiver bons exércitos terá bons amigos Assim estando os assuntos externos estabilizados os internos ficariam sob controle a menos que já estivessem perturbados por conjuras contudo ainda que os de fora se movessem a atacálo se ele estiver bem defendido e for experiente como eu mencionei e desde que não esmoreça sempre fará frente a qualquer assalto como eu disse que fez Nábis o espartano Quanto aos súditos se as forças estrangeiras não se moverem é preciso temer que eles conspirem secretamente e nesse ponto o príncipe só se assegura evitando ser odiado ou desprezado e mantendo o povo satisfeito com ele o que é imprescindível como já se disse exaustivamente Um dos mais poderosos remédios que um príncipe dispõe contra as conjuras é não ser odiado pela maioria isso porque quem conspira sempre acredita que satisfará o povo com a morte do príncipe mas se os conjurados acharem que tal ação ofenderá o povo não se animarão a tomar tal partido As dificuldades enfrentadas pelos conjurados são infinitas e a experiência tem demonstrado que das muitas conspirações poucas chegaram a bom termo Pois aquele que conspira não pode agir sozinho e terá por aliados apenas quem julgar que esteja descontente porém tão logo o conspirador revele suas intenções a um suposto descontente dará a ele muitos motivos de contentamento já que se o denunciar poderá contar com muitos benefícios de modo que avaliando o proveito certo de uma parte e de outra uma empresa arriscada e cheia de perigos o aliado só será fiel se for um amigo excepcional do conspirador ou um inimigo ferrenho do príncipe Em breves termos digo que da parte do conspirador há somente medo inveja e o assombroso temor da punição já da parte do príncipe há a majestade do principado as leis a defesa dos amigos e do Estado que o protege Assim se somarmos a benevolência popular a tudo isso é impossível que alguém seja temerário a ponto de levar adiante uma conjura porque se comumente um conspirador há de temer antes da execução do mal nesse caso ele também deverá temer depois do ato consumado já que após o assassínio terá o povo contra si não podendo esperar nenhuma guarida Sobre esta matéria se poderiam aduzir incontáveis exemplos mas me dou por satisfeito citando um caso ocorrido nos tempos de nossos pais Messer Annibale Bentivogli príncipe de Bolonha e antepassado do atual messer Annibale foi vítima de uma conspiração por parte dos Canneschi e assassinado como seu único herdeiro era messer Giovanni ainda uma criança logo em seguida ao homicídio o povo se rebelou e assassinou todos os Canneschi Isso só foi possível por causa do apoio popular que a casa dos Bentivogli desfrutava naquela época o apreço pelos Bentivogli era tanto que não restando ninguém daquela família em Bolonha capaz de conduzir o Estado após a morte de Annibale e havendo indícios de que em Florença vivia um Bentivogli até então considerado filho de um trabalhador manual os bolonheses se dirigiram a Florença e lhe deram o governo de sua cidade que foi regida por ele até que messer Giovanni atingisse idade suficiente para assumir o governo Concluo pois que um príncipe não deve temer as conjuras quando tiver o povo a seu favor porém caso a população o odeie e seja sua inimiga haverá motivos para temer tudo e todos Por isso os Estados bem administrados e os príncipes sábios sempre dedicaram a máxima diligência em não descontentar os poderosos satisfazer o povo e mantêlo contente porque esta é uma das ocupações mais importantes de um príncipe Entre os reinos mais bem administrados e governados de nossos dias está o da França onde se encontram inúmeras instituições das quais dependem a liberdade e a segurança do rei e a primeira delas é o Parlamento e sua autoridade Pois aquele que pôs ordem naquele reino conhecendo a ambição e a insolência dos poderosos e julgando necessário controlálos com rédeas e por outro lado sabendo do ódio do povo pelos poderosos fundado no medo e desejando assegurálo não quis que toda a responsabilidade recaísse sobre o rei eximindoo do incômodo de contrariar os poderosos ao favorecer o povo e de irritar o povo ao beneficiar os poderosos Por isso constituiu um árbitro externo que assumindo para si a carga do rei pudesse combater os grandes e favorecer os pequenos e não poderia haver dispositivo melhor nem mais prudente alicerce principal da segurança do rei e do reino Donde se pode extrair outro princípio notável os príncipes devem transferir as decisões importunas para outrem deixando as agradáveis para si E mais uma vez concluo que um príncipe deve estimar os poderosos mas sem se fazer odiar pelo povo Levando em consideração a vida e a morte de certos imperadores romanos talvez muitos achem que há exemplos contrários à minha opinião já que alguns deles sempre viveram egregiamente e mostraram grande virtude de espírito apesar de terem perdido o império ou sido assassinados pelos seus que conjuraram contra eles Para responder a essas objeções discorrerei sobre as qualidades de alguns imperadores e apontarei as causas de sua ruína que não destoam do que aduzi mais acima e simultaneamente considerarei os fatos notáveis e conhecidos de quem lê as ações daqueles tempos Creio que me baste tomar como exemplo todos os imperadores que se sucederam desde o filósofo Marco Aurélio até Maximino1 isto é Marco Aurélio seu filho Cômodo Pertinax Juliano Severo seu filho Antonino Caracala Macrino Heliogábalo Alexandre e Maximino A primeira coisa a notar é que se em outros principados basta combater a ambição dos poderosos e a insolência do povo os imperadores romanos enfrentavam uma terceira dificuldade que era suportar a crueldade e a cobiça dos soldados Isso era tão complicado que foi motivo da ruína de muitos já que era difícil satisfazer os soldados e o povo pois estes gostavam da tranquilidade e preferiam príncipes mais modestos ao passo que aqueles preferiam um príncipe de espírito guerreiro cruel insolente e rapace de modo que eles pudessem duplicar o soldo e desafogar sua cobiça e crueldade contra o povo Isso fez com que aqueles imperadores que por natureza ou artifícios não dispunham de suficiente autoridade para controlar uns e outros sempre caíssem em desgraça E a maioria deles sobretudo os que chegavam ao poder sem ter pertencido à vida pública experimentando a dificuldade de lidar com essas duas forças opostas preferiam satisfazer a soldadesca importandose pouco com os sofrimentos infligidos ao povo Mas era preciso tomar tal partido uma vez que não podendo evitar o ódio de alguns os príncipes devem antes de tudo esforçarse para não serem odiados pela maioria e se isso não for possível devem com todo engenho tentar escapar ao ódio dos grupos mais poderosos Por isso os imperadores que por falta de experiência necessitavam de favores extraordinários dependiam mais dos soldados que do povo o que poderia ser bom ou não para eles a depender da capacidade de o príncipe manter sua reputação entre eles Das razões expostas se entende por que Marco Aurélio Pertinax e Alexandre todos de índole pacata amantes da justiça inimigos da crueldade humanos e benévolos tiveram todos um triste fim com a exceção de Marco Aurélio que viveu e morreu coberto de honras posto que chegou ao império por iure hereditario sem precisar depender dos soldados ou do povo além disso devido às muitas virtudes que o tornavam venerável enquanto viveu ele sempre controlou ambas as forças como quis sem jamais ser odiado ou desprezado Já Pertinax feito imperador contra a vontade dos soldados que acostumados a viver licenciosamente sob o governo de Cômodo não suportaram a vida honesta que Pertinax lhes queria impor atraiu para si o ódio e também por ser velho o desprezo arruinandose logo no início de sua administração E aqui se deve notar que o ódio pode derivar tanto das boas ações quanto das ruins porém como eu disse acima se um príncipe quiser manter o poder muitas vezes será forçado a não ser bom Pois quando uma das forças povo ou soldados ou poderosos que sejam de cujo apoio o príncipe acredita depender para manterse é corrupta convém que ele siga o humor dela a fim de contentála e nesse caso as boas ações lhe serão prejudiciais Mas passemos a Alexandre homem de tanta bondade que entre os muitos elogios que lhe são feitos dizse que durante os catorze anos em que foi imperador nunca mandou executar ninguém sem julgamento prévio não obstante por ter fama de efeminado e de ser governado pela mãe foi vítima do desprezo sofreu uma conspiração por parte do exército e foi assassinado Em contrapartida se tomarmos em consideração as qualidades de Cômodo de Severo de Antonino Caracala e de Maximino veremos que todos foram extremamente cruéis e rapaces sempre buscando satisfazer os soldados e não deixando passar nenhuma oportunidade de oprimir o povo E todos salvo Severo tiveram um fim terrível isso porque em Severo havia tanta virtude que mantendo o apoio dos soldados ainda que o povo fosse penalizado sempre pôde reinar com tranquilidade porque sua virtude o fazia tão admirado pelos soldados e pelo povo que estes permaneciam embevecidos e atônitos e aqueles reverentes e satisfeitos E como suas ações foram vultosas e notáveis para um príncipe novo quero mostrar brevemente de que modo ele soube valer se das figuras do leão e da raposa cujas naturezas como expus anteriormente devem ser imitadas por um príncipe Conhecendo a indolência do imperador Juliano Severo convenceu seu exército do qual era capitão na Eslavônia a partir para Roma a fim de vingar a morte de Pertinax que havia sido assassinado por soldados pretorianos Com esse pretexto sem demonstrar que aspirava ao império Severo moveu o exército em direção a Roma chegando à Itália antes que se soubesse de sua partida Em Roma o Senado temeroso o elegeu imperador e condenou Juliano à morte Após esse início restavam dois entraves para que Severo se assenhoreasse de todo o Estado um estava na Ásia onde Nigro chefe dos exércitos orientais se fizera proclamar imperador o outro no Ocidente onde Albino também aspirava ao império Julgando arriscado declarar inimizade a ambos Severo decidiu atacar Nigro e enganar Albino a quem escreveu dizendo que tendo sido eleito imperador pelo Senado queria compartilhar com o colega aquela honraria enviandolhe por isso o título de César ratificado pelo próprio Senado e Albino tomou todas essas coisas por verdadeiras Contudo assim que conseguiu vencer e matar Nigro e aplacar a situação no Oriente ao voltar para Roma Severo se queixou no Senado de que Albino pouco reconhecedor do bem que recebera dele tentara matálo com torpeza e por isso precisava punir sua ingratidão em seguida foi encontrálo na França e tiroulhe o Estado e a vida Assim quem observar detidamente suas ações perceberá que ele foi um leão feroz e uma raposa astuta mantendose temido e reverenciado por todos e não odiado pelos soldados tampouco se surpreenderá se ele homem que não veio da vida pública conseguiu concentrar tanto poder pois sua enorme reputação sempre o defendeu do ódio que o povo poderia ter nutrido por suas rapinagens Já Antonino Caracala seu filho também foi homem de grandes méritos os quais o faziam adorado pelo povo e benquisto pelos soldados pois era um militar capaz dos maiores esforços desprezador de alimentos delicados e de qualquer frouxidão o que o tornava amado por todos os exércitos Não obstante sua truculência e crueldade eram tantas e tão inauditas que tendo em diversas ocasiões assassinado grande parte do povo romano e todos os de Alexandria se tornou extremamente odiado por todo mundo e passou a ser temido até pelos mais próximos de modo que foi morto por um de seus centuriões durante uma campanha do exército É de notar que tais mortes provocadas pela obstinação de homens resolutos não podem ser evitadas pelos príncipes pois qualquer um que não tema a própria morte poderá atingilo mas não é o caso de preocuparse demasiado já que casos assim são raríssimos O príncipe deve apenas evitar infligir grave injúria a um dos que lhe sirvam mais de perto e prestem serviços diretos ao principado coisa que Caracala não fez tendo assassinado de modo infame um irmão daquele militar a quem ele ameaçava todos os dias embora o mantivesse em sua guarda pessoal tal comportamento temerário poderia causarlhe a ruína como de fato aconteceu Entretanto passemos a Cômodo que teria grande facilidade em manter o império por têlo herdado legitimamente sendo filho de Marco Aurélio bastavalhe apenas seguir as pegadas do pai e com isso teria contentado os soldados e o povo Todavia por ser de índole feroz e cruel a fim de exercer sua rapacidade sobre o povo passou a afagar os exércitos e a concederlhes liberdades por outro lado sem cuidar de sua dignidade descia frequentemente às arenas dos teatros para combater com gladiadores praticando outros atos vis e indignos da majestade imperial até tornarse desprezível perante os soldados E sendo odiado por uma parte e desdenhado pela outra foi vítima de conspiração e terminou assassinado Restanos discorrer sobre as qualidades de Maximino que foi homem extremamente belicoso Descontentes com as fraquezas de Alexandre de quem já falamos acima os exércitos o mataram e elegeram Maximino seu novo imperador mas ele não durou muito no poder porque duas coisas o tornaram odioso e desprezível A primeira o fato de ser de origem muito humilde guardador de rebanhos na Trácia como todos sabiam o que o tornava bastante diminuído diante de qualquer um A segunda por ter postergado demais no início de seu governo sua transferência para Roma e a posse do trono imperial angariando nesse meiotempo a fama de crudelíssimo por meio dos atos de seus prepostos em Roma e em toda parte do império Tanto que estando todos já revoltados com a baixeza de seu sangue e tomados de ódio pelo temor de sua ferocidade primeiramente a África se rebelou e em seguida o Senado com toda a população de Roma e toda a Itália conspirou contra ele por fim insurgiuse o próprio exército que assediando Aquileia e encontrando dificuldade na expugnação cansado de suas crueldades e vendoo cercado de tantos inimigos por temêlo menos o assassinou Não pretendo tratar de Heliogábalo nem de Macrino nem de Juliano os quais por terem sido de todo desprezíveis logo se arruinaram e por isso passo à conclusão de meus argumentos e digo que os príncipes de nossa época já não necessitam satisfazer a qualquer custo os soldados sob seu governo uma vez que não obstante se lhes deva alguma consideração tal dificuldade logo se resolve já que nenhum dos príncipes de hoje dispõe de exércitos que estejam há longo tempo associados a governos e administrações de províncias como estavam os exércitos do Império Romano Todavia se antes era mais urgente satisfazer aos soldados que ao povo por serem os soldados mais poderosos que o povo agora todos os príncipes salvo o imperador otomano2 e o sultão do Egito precisam contentar mais o povo que os soldados porque aquele se tornou mais poderoso que estes Excetuo o imperador otomano porque mantendo continuamente em torno de si 12 mil janízaros e 15 mil soldados de cavalaria dos quais depende a segurança e a solidez de seu reino é necessário que ele os tenha por amigos acima de qualquer outro interesse Do mesmo modo estando o reino do sultão inteiramente sob o controle dos soldados convém que aquele soberano se preocupe menos com o povo e mais com a amizade de seus exércitos Devese ainda notar que o Estado do sultão é diferente de todos os demais principados assemelhandose ao pontificado cristão o qual não se configura nem como principado hereditário nem como principado novo porque não são os filhos do príncipe que herdam o principado e se tornam senhores mas alguém que é eleito por aqueles que têm autoridade para tanto e sendo tal ordenamento antigo não se pode chamálo de principado novo pois nele não há nenhuma daquelas dificuldades que são próprias dos novos isso porque conquanto o príncipe seja novo os ordenamentos do Estado são antigos e estão preparados para acolhêlo como se ele fosse um senhor hereditário Mas voltemos à nossa matéria Digo que todos os que considerem o exposto acima verão que o ódio e o desprezo foram a causa da ruína dos imperadores supracitados e ainda entenderá por que parte deles procedendo de uma maneira e parte agindo ao contrário de qualquer modo alguns foram bemsucedidos ao final e outros não Pertinax e Alexandre que eram príncipes novos quiseram imitar sem sucesso e a seu próprio dano Marco Aurélio que recebera o principado iure hereditario da mesma forma Caracala Cômodo e Maximino se prejudicaram ao tentar imitar Severo pois não tiveram virtude suficiente para seguirlhe os passos Por isso um príncipe novo em um novo principado não deve imitar as ações de Marco Aurélio assim como não precisa seguir as de Severo cabelhe tomar de Severo aquilo que for necessário para fundar seu domínio e de Marco Aurélio aquelas atitudes convenientes e honrosas a fim de conservar um Estado que já esteja estabelecido e firme De como escapar ao desprezo e ao ódio XX An arces et multa alia quae quotidie a principibus fiunt utilia an inutilia sint Alguns príncipes para preservar com segurança seus Estados desarmaram os súditos outros mantiveram divididas as terras subjugadas Alguns alimentaram inimizades contra si outros buscaram conquistar aqueles que se mostraram suspeitosos ao início de seu governo Alguns edificaram fortalezas outros as arruinaram e destruíram E embora não se possa emitir um veredicto único acerca dessas coisas sem que antes se analisem os pormenores dos Estados onde se deveriam tomar semelhantes decisões ainda assim discorrerei nos termos gerais que a matéria por si mesma consente Nunca houve pois um príncipe novo que desarmasse seus súditos ao contrário quando os encontrou desarmados sempre os armou isso porque ao armálos tais armas se tornam suas tornamse fiéis os que antes eram suspeitosos os que já eram fiéis se mantêm assim e de súditos se tornam seus partidários Ademais como não se podem armar todos os súditos quando se beneficiam alguns deles com armas podese ter mais confiança nos demais tal diferença de procedimento reconhecida por aqueles os deixam em dívida com o príncipe quanto aos outros eles o compreenderão julgando necessário que os que correm maiores perigos e acumulam mais obrigações mereçam certos privilégios Contudo se forem desarmados começarão a se sentir ofendidos pois parecerá que você desconfia deles por considerálos vis ou indignos de fé e ambas as alternativas produzem ódio contra você e como um príncipe não pode ficar desarmado convém que recorra a milícias mercenárias as quais possuem aquelas qualidades que mencionei anteriormente e ainda que fossem boas não o seriam o bastante para defendêlo de inimigos poderosos e de súditos suspeitos Contudo como eu disse antes um príncipe novo em um principado novo sempre demandou armas disso a história está repleta de exemplos Porém quando um príncipe conquista um novo Estado acrescentandoo àquele que já possuía então é necessário desarmálo com a exceção daqueles que foram seus partidários durante a conquista e mesmo estes com o passar do tempo e das ocasiões será preciso tornálos dóceis e mansos organizandose de modo que as únicas armas de todo o Estado estejam nas mãos dos soldados que já viviam com o príncipe em seus antigos domínios Nossos antepassados sobretudo os que eram tidos por sábios costumavam dizer que era preciso conservar Pistoia por meio de disputas entre facções e Pisa por meio de fortalezas por isso alimentavam dissensões permanentes nas cidades sob seu comando a fim de controlálas com mais facilidade Nos tempos em que a Itália vivia em certo equilíbrio isso devia funcionar mas já não acredito que hoje se possa seguir a mesma regra pois não creio que as facções fossem úteis a alguém ao contrário é de regra que quando o inimigo se aproxima as cidades divididas sejam logo batidas porque a parte mais fraca sempre se aliará às forças externas e a outra não será capaz de sustentarse sozinha Os venezianos movidos suponho pelas razões expostas acima fomentavam as seitas guelfas e gibelinas1 nas cidades sob seu controle e embora nunca permitissem confrontos sangrentos ainda assim nutriam divergências entre as facções de modo que ocupando os cidadãos com suas diferenças eles não se unissem contra Veneza Como se viu tal estratégia não lhes trouxe nenhum proveito uma vez que tendo sido derrotados em Vailà imediatamente uma das facções se sublevou e assumiu o poder Esses métodos indicam pois a fraqueza do príncipe já que um principado vigoroso jamais permitiria semelhantes divisões as quais só são úteis em tempos de paz possibilitando que os súditos sejam manejados com maior facilidade contudo quando a guerra vem tal procedimento revela toda sua falácia Sem dúvida os príncipes se tornam grandes quando superam as dificuldades e as oposições que lhe são feitas no entanto a fortuna máxime quando quer enaltecer um príncipe novo o qual tem maior necessidade de conquistar reputação que um soberano hereditário faz surgirem inimigos à sua frente a fim de que sejam enfrentados de modo que ele tenha a ocasião de superálos e vencendo os degraus que os adversários lhe impuseram suba mais alto Por isso muitos julgam que um príncipe sábio deva nutrir astuciosamente algumas inimizades sempre que se apresente a ocasião assim oprimidas estas sua glória será maior Os príncipes sobretudo se são novos costumam encontrar mais fidelidade e serventia nos homens que lhe inspiraram suspeição ao início de seu governo que em outros que a princípio se mostraram confiáveis Pandolfo Petrucci príncipe de Siena manteve seu Estado mais com o apoio dos que lhe pareceram suspeitos que com o auxílio dos demais Mas não se pode tratar desse tema em termos gerais pois tudo varia segundo as circunstâncias direi apenas que os homens que ao início de um principado se mostraram hostis mas que por sua condição precisam de apoio para se manter poderão ser conquistados com grande facilidade pelo príncipe aliás serão ainda mais compelidos a servilo com fidelidade pois sabem muito bem que será preciso apagar com seus atos aquela impressão negativa que se tinha deles E assim o príncipe sempre poderá servir se deles com maior proveito que daqueles que servindoo com demasiada confiança descuidam de seus interesses De resto como a matéria demanda não quero deixar de recordar aos príncipes que há pouco se apossaram de um Estado mediante favores dos que ali viviam que avaliem ponderadamente quais motivos moveram aqueles que o favoreceram a conquistálo Se não se tratar de uma afeição natural por ele mas apenas de um descontentamento quanto ao governo anterior com muito esforço e dificuldade o novo príncipe conseguirá manter sua amizade pois será impossível contentálos E se ele avaliar bem as causas de tal atitude recorrendo aos exemplos fornecidos pelas coisas antigas e modernas verá que é muito mais fácil ganhar a amizade dos homens que estavam satisfeitos com o governo anterior mas que eram seus inimigos que a daqueles que por estarem descontentes devotaramlhe amizade e favoreceram a tomada do Estado A fim de manter com mais segurança seus Estados os príncipes têm tido o hábito de construir fortalezas que sirvam de rédea e freio aos que tentem atacálos valendo ainda de abrigo seguro contra um assalto inesperado Louvo tal método porque ele foi usado ab antiquo não obstante em nossa época vimos messer Niccolò Vitelli abater duas fortalezas em Città di Castello e conquistar aquele Estado Guido Ubaldo duque de Urbino recuperados os domínios dos quais fora expulso por César Bórgia arruinou até os fundamentos todas as fortalezas de sua província por considerar que sem elas seria mais difícil tornar a perder seu Estado voltando a Bolonha Bentivogli recorreu aos mesmos expedientes2 Portanto as fortalezas podem ser úteis ou não a depender das épocas e se por um lado podem servir ao soberano por outro podem ser perniciosas Podese resumir o que foi dito nos seguintes termos o príncipe que tem mais medo de seu povo que dos estrangeiros deve construir fortalezas mas aquele que tem mais medo dos estrangeiros que de seu povo deve dispensálas Contra a casa dos Sforza o castelo de Milão edificado por Francesco suscitou e suscitará mais guerras que qualquer outra revolta naquele Estado Entretanto a melhor fortaleza que há é não ser odiado pelo povo pois por mais fortalezas que você tenha se o povo o odiar elas não o salvarão e jamais faltará ao povo que se rebele contra você o socorro de estrangeiros Em nossos tempos não se vê que elas tenham sido proveitosas a nenhum príncipe com a exceção da condessa de Forlì quando da morte do conde Girolamo seu marido porque graças à fortaleza ela pôde escapar ao ímpeto popular aguardar o socorro de Milão e reaver o Estado mas eram tempos em que os estrangeiros ainda não podiam socorrer o povo Depois disso de pouco lhe valeram tais edificações uma vez que César Bórgia a atacou e o povo seu inimigo se aliou ao forasteiro Portanto naquela oportunidade e mesmo antes teria sido mais seguro a ela não ser odiada pelo povo em vez de possuir fortalezas Consideradas pois todas estas questões louvarei tanto os que farão fortalezas quanto os que não as edificarão e lamentarei por todos aqueles que fiados nas fortalezas considerem de somenos importância ser odiado pelo povo Se fortalezas e outros expedientes a que os príncipes frequentemente recorrem são úteis ou não XXI Quod principem deceat ut egregius habeatur Não há nada que faça um príncipe mais estimado que empreender grandes campanhas e dar de si memoráveis exemplos Em nossa época temos Fernando de Aragão atual rei da Espanha que quase pode ser considerado um príncipe novo pois de rei fraco se tornou por fama e glória o primeiro rei dos cristãos e se considerarmos suas ações veremos que todas foram notáveis e algumas até extraordinárias Já no início de seu reinado ele expugnou Granada e tal empresa constituiu as bases de seu Estado Inicialmente agiu com tranquilidade e sem impedimentos manteve ocupados na campanha os ânimos dos barões de Castela os quais concentrandose naquela guerra não cogitavam mudanças de rumo enquanto ele angariava reputação e ampliava seu domínio sobre eles sem que percebessem com dinheiro da Igreja e do povo pôde manter os exércitos e sustentar seus soldados durante aquela longa guerra cuja vitória lhe trouxe mais prestígio Além disso para poder lançarse a maiores empresas servindose sempre da religião dedicou se a uma caridosa crueldade espoliando e expulsando os marranos de seu reino1 tal exemplo não poderia ser mais torpe nem mais memorável Sob esse mesmo manto invadiu a África fez a campanha da Itália e mais recentemente atacou a França E assim ele sempre fez e urdiu grandes coisas as quais mantiveram os ânimos de seus súditos continuamente suspensos admirados e concentrados em seu êxito Suas ações se sucederam encadeadas de tal modo que entre uma e outra nunca houve espaço para que os homens pudessem agir calmamente contra ele Ademais é de grande ajuda ao príncipe dar de si exemplos notáveis ao governo interno semelhantes aos que se narram acerca de messer Bernabò de Milão quando se apresente a ocasião de alguém fazer algo extraordinário na vida da cidade para o bem ou para o mal em tais casos o soberano poderá premiar ou punir o cidadão de modo a que se fale bastante do assunto Enfim um príncipe deve acima de tudo auferir de todas as suas ações a fama de grande homem e engenho excepcional Um príncipe também é estimado quando se mostra um verdadeiro amigo e um verdadeiro inimigo isto é quando sem nenhum escrúpulo se revela a favor de alguém e contra outro Tal partido é sempre mais útil que a neutralidade uma vez que se dois potentados vizinhos entram em guerra ou se dá o caso de que vencendo um deles você tenha de temer o vencedor ou ocorre o contrário Em ambas as hipóteses será sempre mais vantajoso revelarse abertamente e combater uma boa batalha porque no primeiro caso se você não tomar partido estará sempre na mira de quem venceu para deleite e satisfação daquele que foi derrotado e não há razão nem coisa nenhuma que o defenda nem ninguém que o acolha porque quem vence não quer amigos suspeitos e que não o ajudem nas adversidades e quem perde não o acolhe já que você não quis pegar em armas para reverter sua fortuna Chamado à Grécia pelos etólios a fim de expulsar os romanos dali Antíoco enviou oradores aos aqueus que eram aliados dos romanos a fim de convencêlos a permanecer neutros por seu turno os romanos buscavam persuadilos a pegar em armas para defendêlos Tal matéria foi deliberada no conselho dos aqueus onde o embaixador de Antíoco tentava persuadilos à neutralidade ao que o embaixador romano respondeu Quod autem isti dicunt non interponendi vos bello nihil magis alienum rebus vestris est sine gratia sine dignitate praemium victoris eritis De todo modo sempre ocorrerá que aquele que não é amigo o procure buscando a imparcialidade e o que é amigo lhe peça que tome partido e o ajude com as armas Assim os príncipes irresolutos para fugir de iminentes perigos seguem o mais das vezes a via da neutralidade e o mais das vezes se arruínam Porém quando o príncipe se manifesta com coragem em favor de uma das partes se aquele a quem se aliou sai vitorioso ainda que ele seja mais poderoso e você permaneça à sua mercê terseá estabelecido uma sorte de obrigação e um afeto recíproco de resto os homens não são tão desonestos e ingratos a ponto de oprimilo depois de tudo e as vitórias nunca são tão decisivas a ponto de o vencedor poder negligenciar qualquer compromisso sobretudo com a justiça No entanto se aquele a quem você se aliou saiu derrotado ele o acolherá e ajudará tanto quanto possível e você se tornará companheiro de uma fortuna que pode ter seu revés No segundo caso quando os que combatem entre si são de tal jaez que nada há a temer do vencedor mais prudente ainda é aliarse a um deles pois assim você contribuirá à ruína de um com a ajuda de quem deveria socorrêlo se fosse sábio e em caso de vitória o aliado ficará à sua mercê sendo impossível que ele não vença com a sua ajuda Aqui se deve notar que um príncipe deve precaverse de jamais aliarse a alguém mais poderoso que ele para oprimir outros a menos que a necessidade o constrinja a isso como foi dito acima isso porque se vencer permanecerá prisioneiro daquele e os príncipes devem evitar acima de tudo ficar à mercê de outrem Os venezianos se mancomunaram com a França contra o duque de Milão quando podiam ter evitado tal companhia e isso lhes custou sua ruína Entretanto se tais alianças forem inevitáveis como ocorreu aos florentinos quando o papa e a Espanha marcharam com seus exércitos sobre a Lombardia então o príncipe deverá aliarse pelas razões expostas acima Mas que nenhum Estado ache que possa sempre tomar um partido seguro ao contrário melhor pensar que todos eles são incertos porque isso está na ordem das coisas de modo que nunca se escapa a um inconveniente sem que se incorra em outro a prudência consiste em saber sopesar as qualidades dos inconvenientes e tomar o menos nefasto por bom O príncipe deve ainda mostrarse um amante das virtudes dando hospitalidade aos homens virtuosos e honrando os que sejam excelentes em alguma arte Além disso deve encorajar seus cidadãos a exercer sossegadamente seus ofícios seja no comércio seja na agricultura seja em qualquer atividade humana e que este não tema beneficiar suas terras por medo de que lhe sejam usurpadas e aquele não tema abrir novos negócios por medo dos impostos Para isso ele deve recompensar os que quiserem empreender tais coisas bem como qualquer um que pense em ampliar de algum modo sua cidade ou seu Estado Deve ainda em períodos convenientes do ano manter o povo ocupado com festas e espetáculos e como cada cidade é dividida em corporações e bairros há que se levar em conta a comunidade reunirse com eles de vez em quando dar exemplo de humanidade e de munificência mas sempre mantendo firme a majestade de seu posto Como um príncipe deve agir para obter honra Isto que eles os embaixadores de Antíoco dizem de não se intrometerem na guerra é a coisa mais contrária aos seus interesses vocês perderão o respeito a dignidade e o prêmio do vencedor XXII De his quos a secretis principes habent Não é de pouca importância para um príncipe a eleição de seus ministros os quais são bons ou ruins segundo a sensatez do soberano E a primeira ilação que se pode fazer acerca da mente de um senhor é observar os homens que o circundam quando estes são capazes e fiéis podese considerálo um homem sábio porque soube reconhecer suas capacidades e sabe mantêlos fiéis porém se seus homens não tiverem tais qualidades podese fazer um mau juízo do príncipe pois o primeiro erro cometido consiste nessa má eleição Não havia ninguém que sabendo messer Antonio da Venafro1 ministro de Pandolfo Petrucci príncipe de Siena não julgasse Pandolfo um homem de extrema coragem por ter aquele entre seus ministros E como existem três gradações de inteligência o primeiro entende por si o segundo discerne o que outro entendeu o terceiro não entende nem a si nem a outrem sendo o primeiro excelente o segundo ótimo e o terceiro inútil era necessário que Pandolfo estivesse se não no primeiro grau ao menos no segundo Porque toda vez que alguém consegue discernir o bem e o mal que o outro faz ou diz ainda que não possua inventiva própria saberá reconhecer as boas e as más ações do ministro exaltando aquelas e corrigindo estas e o ministro por sua vez não pode pretender enganálo e se manterá na linha Entretanto para que um príncipe possa conhecer seu ministro há um método que nunca falha quando você vir que o ministro pensa mais em si que no soberano e que em todas as suas ações ele só visa ao próprio interesse tal sujeito jamais será bom ministro e você nunca poderá confiar nele Pois aquele que tem o Estado de alguém nas mãos jamais deve pensar em si mas sempre no príncipe sem o importunar com assuntos que não lhe dizem respeito por outro lado a fim de mantêlo na linha o príncipe deve pensar no ministro honrálo enriquecêlo tornálo devedor compartilhando com ele as honrarias e os encargos de tal modo que se lhe torne indispensável estar com o príncipe e que as muitas honrarias não o façam desejoso de mais honrarias as muitas riquezas não o façam cobiçoso de mais riquezas os muitos encargos o façam temer as mudanças Portanto quando os ministros e seus príncipes estão assim predispostos podem confiar um no outro do contrário o fim será sempre danoso para um ou para outro Dos ministros de um príncipe XXIII Quomodo adulatores sint fugiendi Não quero deixar para trás um ponto importante um erro do qual os príncipes dificilmente sabem defenderse a menos que sejam muito prudentes e façam boas escolhas Refirome aos aduladores dos quais as cortes estão repletas pois os homens se comprazem tanto com suas coisas e de tal modo se enganam com elas que com dificuldade se defendem dessa peste E caso queiram defenderse correrão o risco de tornarse desprezados porque um príncipe não tem outro modo de esquivarse das adulações senão fazendo os homens entenderem que eles não o ofendem dizendolhe a verdade porém se todos lhe disserem a verdade lhe faltará a reverência devida Por isso o príncipe prudente deve seguir uma terceira via elegendo em seu Estado homens sábios e somente a esses eleitos deve dar livre acesso a que lhe digam a verdade e apenas sobre as questões que lhe forem dirigidas não mais porém ele deve indagálos sobre tudo ouvir suas opiniões e depois deliberar sozinho e ao seu modo diante de tais opiniões e perante cada um deles deve ainda comportarse de modo que todos percebam que quanto mais se falar abertamente mais ele o apreciará afora esses não queira ouvir mais ninguém persiga aquilo que foi decidido e seja obstinado em suas resoluções Quem não agir assim ou cairá por causa dos aduladores ou mudará frequentemente de rumo segundo a opinião alheia tornandose pouco estimado A propósito quero aduzir um exemplo moderno O bispo Luca Rinaldi homem de Maximiliano atual imperador ao falar de Sua Majestade disse que ele não se aconselhava com ninguém e nunca fazia aquilo que havia deliberado por conta própria Isso porque o imperador agia contrariamente ao que discorremos acima sendo homem reservado que jamais comunica seus desígnios nem segue opiniões mas como suas intenções vinham à tona assim que ele começava a colocálas em prática os que estavam à sua volta logo o contestavam e ele como era fácil se desfazia delas disso resulta que as coisas que ele faz num dia no outro as destrói e que nunca se entenda o que se quer ou se deseja fazer tornandose impossível basearse em suas deliberações Portanto um príncipe deve aconselharse sempre mas apenas quando ele quiser e não segundo a vontade de outros aliás ele deve demover qualquer um que pretenda aconselhálo sem ter sido consultado e há de ser largo nas perguntas e acerca do que foi indagado ouvir pacientemente as verdades aliás caso note que alguém por algum motivo as omita deve mostrarse irritado E certamente se enganam aqueles que julgam que determinados príncipes são reputados prudentes não por sua natureza mas apenas pelos bons conselhos que recebem de quem está à sua volta Porque aí está uma regra geral que nunca falha um príncipe que não seja por si mesmo sensato não pode ser bem aconselhado a menos que tivesse a sorte de depender de um único homem prudentíssimo que o governasse em tudo Nesse caso é até possível que fosse bem aconselhado mas duraria pouco porque seu governador em breve tempo lhe tiraria o Estado Todavia aconselhandose com mais de um o príncipe que não for sensato nunca chegará a um consenso das opiniões não saberá articulálas por sua própria conta quanto aos conselheiros cada qual pensará em seu interesse particular e o príncipe não saberá corrigilos nem entendêlos e não pode ser de outro jeito porque os homens sempre lhe parecerão maus se por alguma necessidade não se tornarem bons Disso se conclui que os bons conselhos de onde quer que venham precisam surgir da prudência do príncipe e não a prudência do príncipe dos bons conselhos Como escapar aos aduladores XXIV Cur Italiae principes regnum amiserunt Observadas prudentemente as coisas expostas acima fazem um príncipe novo parecer antigo tornandoo de imediato mais seguro e mais firme à frente do Estado que se estivesse há muito tempo em seu comando Porque um príncipe novo é muito mais observado em suas ações que um hereditário e quando tais ações são consideradas virtuosas conquistam muito mais os homens e os tornam mais obedientes que o sangue herdado É que os homens são mais atraídos pelas coisas presentes que pelas passadas e quando no presente encontram o bem regozijamse com ele e não buscam outra coisa aliás fariam de tudo para defendêlo contanto que nos outros assuntos o príncipe não prejudicasse a si mesmo E assim verá duplicada sua glória por ter dado início a um principado ornandoo e fortalecendoo com boas leis com boas armas e com bons exemplos assim como é redobrada a vergonha de quem nascido príncipe por pouca prudência perdeu seu Estado Quando se consideram os senhores que na Itália perderam seus domínios em nossos tempos como o rei de Nápoles o duque de Milão e outros percebese que todos eles têm um defeito em comum relativo aos exércitos pelos motivos já discutidos longamente ademais vêse que alguns deles tinham a inimizade do povo ou se contavam com a amizade popular não souberam assegurarse contra os poderosos Sem esses defeitos não se perdem Estados de tanta fibra que são capazes de manter um exército em campanha Filipe da Macedônia não o pai de Alexandre mas aquele que foi derrotado por Tito Quinto tinha poucos domínios se comparados à grandeza dos romanos e da Grécia que o atacou não obstante por ser um militar que sabia envolver o povo e assegurarse contra os poderosos durante anos deu combate a seus adversários e se ao final ele perdeu o controle de algumas cidades no entanto preservou seu reino Sendo assim que esses nossos príncipes que perderam seus principados à frente dos quais estiveram tantos anos não acusem a fortuna por isso mas sua própria ignávia uma vez que não tendo jamais pensado em fazer mudanças nos tempos de paz o que é um defeito comum entre os homens não prever a tempestade na bonança quando depois vieram tempos adversos pensaram apenas em fugir e não em se defender esperando que o povo cansado da insolência dos vencedores os chamasse de volta Na falta de alternativas tal procedimento é bom mas é muito ruim abandonar os outros remédios por esse pois nunca se deve cair acreditando que haverá quem o levante mais tarde Isso geralmente não ocorre mas caso aconteça não será seguro para o príncipe já que esse tipo de defesa é vil e não depende do soberano apenas são boas e certas e duradouras as defesas que dependem exclusivamente de você e de sua virtude Por que os príncipes da Itália perderam seus reinos XXV Quantum fortuna in rebus humanis possit et quomodo illi sit occurrendum Não ignoro que muitos tiveram e têm a convicção de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus sem que os homens possam corrigilas com sua sensatez ou melhor não disponham de nenhum remédio e por isso poderiam julgar que não vale a pena suar tanto sobre as coisas deixandose conduzir pela sorte Essa opinião tem sido mais acreditada em nosso tempo pelas grandes mutações nas coisas que se viram e se veem todos os dias fora de qualquer entendimento humano Às vezes pensando nisso eu mesmo em parte me inclinei a essa opinião Entretanto para que nosso livrearbítrio não se anule penso que se pode afirmar que a fortuna decide sobre metade de nossas ações mas deixa a nosso governo a outra metade ou quase Comparoa a um desses rios devastadores que quando se enfurecem alagam as planícies derrubam árvores e construções arrastam grandes torrões de terra de um lado para outro todos fogem diante dele todos cedem a seu ímpeto sem poder contêlo minimamente E como eles são feitos assim só resta aos homens providenciar barreiras e diques em tempos de calmaria de modo que quando vierem as cheias eles escoem por um canal ou provoquem menos estragos e destruições com seu ímpeto Algo semelhante ocorre com a fortuna que demonstra toda sua potência ali onde a virtude não lhe pôs anteparos e para aí ela volta seus ímpetos onde sabe que não se construíram barreiras nem diques para detêla E se considerarem a Itália que é a sede dessas variações e quem lhes deu movimento verão que ela é um campo sem barreiras e sem nenhum anteparo porém se estivesse protegida por adequadas virtudes como estão a Alemanha a Espanha e a França ou esta cheia não teria feito as grandes mudanças que fez ou ela não teria nem mesmo ocorrido E creio que de modo geral isto baste quanto a fazer frente à fortuna Porém restringindome a termos mais específicos digo como hoje se vê esse príncipe rejubilar e amanhã desmoronar sem que o vejamos mudar minimamente de natureza ou qualidade o que nasce antes de tudo suponho dos motivos que já foram longamente expostos ou seja o príncipe que se apoia inteiro na fortuna se arruína tão logo ela varia Creio ainda que é feliz quem emparelha seu modo de proceder com a qualidade dos tempos e analogamente que seja infeliz quem age em desacordo com os tempos Porque se vê que os homens procedem diversamente nas coisas que os conduzem ao fim que cada um almeja isto é glória e riquezas um com prudência outro com ímpeto um com violência outro com astúcia um com paciência outro com o seu contrário e cada um pode ter êxito por diversos meios Vêse ainda que entre dois homens prudentes um alcança seu objetivo e o outro não da mesma forma sucede que dois homens com atitudes diferentes obtenham o mesmo sucesso sendo um deles prudente e o outro impetuoso e isso resulta precisamente da qualidade dos tempos que se conforma ou não aos procedimentos humanos Daí surge o que eu disse dois que operam diversamente atingem o mesmo efeito e de dois que operam do mesmo modo um alcança seu fim e outro não Disso ainda depende a variação do bem pois se um príncipe se conduz com prudência e paciência e os tempos e as coisas giram de modo que seu governo seja bom ele terá sucesso mas se os tempos e as coisas mudam ele se arruína porque não muda seu modo de proceder Não se encontra homem tão prudente que saiba acomodarse a isso seja porque não pode desviarse daquilo a que a natureza o impele seja ainda porque tendo sempre prosperado seguindo o mesmo caminho não pode convencerse de que seja bom apartarse dele Por isso quando chega o tempo de tornarse impetuoso o homem prudente não o sabe fazer e cai em desgraça mas se mudasse sua natureza de acordo com os tempos e as coisas não mudaria de fortuna O papa Júlio II agiu invariavelmente com ímpeto em cada uma de suas ações e os tempos e as coisas eram tão propícios a seu modo de agir que ao final ele sempre saiu vitorioso Considerem a primeira campanha que ele fez em Bolonha quando ainda vivia messer Giovanni Bentivoglio Os venezianos não estavam contentes com aquilo o rei da Espanha tampouco e com a França ele mantinha tratativas sobre sua campanha Apesar das dificuldades com sua ferocidade e ímpeto ele marchou pessoalmente naquela expedição Tal movimento deixou a Espanha e os venezianos paralisados estes por medo e aquela pelo desejo de recuperar todo o reino de Nápoles por outro lado conseguiu arrastar consigo o rei da França que vendo aquele rei decidido e desejando aliarse com ele para dobrar os venezianos julgou que não poderia negarlhe seus exércitos sem o ofender abertamente Então Júlio II empreendeu com sua ação impetuosa o que jamais outro pontífice com toda a humana prudência teria empreendido Porque se ele esperasse a conclusão do acordo e a organização das coisas para partir de Roma como qualquer outro pontífice teria feito nunca teria sucesso já que o rei da França encontraria mil desculpas e os demais lhe incutiriam mil temores Não tratarei de suas outras ações todas semelhantes e todas bemsucedidas a brevidade da vida não lhe consentiu experimentar o contrário porque se houvessem sobrevindo tempos que demandassem um procedimento cauteloso sua ruína seria certa pois jamais se teria desviado do comportamento a que a natureza o inclinava Assim concluo que variando a fortuna e os tempos enquanto os homens permanecem obstinados em seus modos eles só são felizes uma vez que concordam reciprocamente e assim que entram em desacordo infelizes Tenho para mim que é melhor ser impetuoso que prudente porque a fortuna é mulher e é preciso caso se queira mantêla submissa dobrála e forçála De resto vêse que ela se deixa vencer mais por estes que por aqueles que procedem friamente no entanto na condição de mulher ela é sempre amiga dos jovens os quais são menos respeitosos mais ferozes e com maior audácia a comandam Em que medida a fortuna controla as coisas humanas e como se pode resistir a ela XXVI Exhortatio ad capessendam Italiam in libertatemque a barbaris vindicandam Considerando pois tudo o que foi exposto até aqui e pensando comigo mesmo se atualmente na Itália corriam tempos favoráveis a um novo príncipe e se havia matéria que desse ocasião a um homem prudente e virtuoso de introduzir nela uma forma que trouxesse honra para ele e bem à maioria dos que nela vivem pareceme que tantas coisas concorrem em benefício de um príncipe novo que não sei de outro tempo mais propício a isso E se como eu disse para provar a virtude de Moisés era necessário que o povo de Israel estivesse escravizado no Egito e para conhecer a grandeza do espírito de Ciro que os persas fossem oprimidos pelos medos e para a excelência de Teseu que os atenienses estivessem dispersos assim no presente para se conhecer a virtude de um espírito italiano era necessário que a Itália se reduzisse aos termos atuais e que ela fosse mais escrava que os judeus mais serva que os persas mais dispersa que os atenienses sem líder sem ordem derrotada espoliada dilacerada varrida tendo suportado toda sorte de ruína E apesar de já ter reluzido um brilho em alguém a ponto de fazer crer que fosse um enviado de Deus para sua redenção1 viuse que depois no ápice de sua trajetória ele foi abatido pela fortuna De modo que quase sem vida a Itália agora espera quem poderia ser aquele que sane suas feridas e ponha fim aos saqueios da Lombardia às depredações do reino de Nápoles e da Toscana e a cure de suas chagas há muito tempo necrosadas Vêse como ela reza a Deus para que lhe mande alguém que a redima destas crueldades e insolências bárbaras Vêse ainda que está toda pronta e disposta a seguir uma bandeira desde que haja alguém que a empunhe Mas no presente não se vê em quem ela mais possa esperar que em vossa ilustre Casa que com sua fortuna e virtude favorecida por Deus e pela Igreja da qual agora é príncipe pode fazerse chefe dessa redenção O que não seria muito difícil se levardes em consideração os atos e a vida daqueles que acabo de mencionar2 e conquanto aqueles homens tenham sido raros e maravilhosos ainda assim foram homens e cada um deles teve menor ocasião que a atual porque a empresa deles não foi mais justa que esta nem mais fácil nem Deus lhes foi mais amigo que de vós Aqui há grande injustiça iustum enim est bellum quibus necessarium et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est Aqui há enorme disposição e onde há grande disposição não há de haver grande dificuldade contanto que se sigam as orientações daqueles que propus como exemplo Além disso aqui se veem feitos extraordinários e sem precedentes conduzidos por Deus o mar se abriu uma nuvem os escoltou pelo caminho a pedra derramou água aqui choveu o maná Tudo tem concorrido para vossa grandeza O que resta deve ser feito por vós Deus não quer fazer todas as coisas para não nos tolher o livrearbítrio e parte daquela glória que nos cabe E não é de espantar se nenhum dos italianos aqui citados foi capaz de fazer o que se pode esperar que vossa ilustre Casa faça e se após tantas revoluções na Itália e tantas operações de guerra pareça cada vez mais que na Itália a virtude militar se apagou isso procede de que suas antigas instituições não eram boas e não surgiu ninguém que tenha sabido encontrar novas E nada traz tanta honra a um homem que quer afirmarse quanto fazer novas leis e novas instituições inventadas por ele tais coisas quando são bem fundadas e têm grandeza própria o tornam reverenciado e fonte de admiração E na Itália não falta matéria à qual se dê forma aqui há grande virtude nos membros contanto que não lhe falte nas cabeças Espelhaivos nos duelos e nos confrontos entre poucos em que os italianos são tão superiores na força na destreza no engenho mas quando se trata de exércitos desaparecem E tudo deriva da fraqueza dos chefes porque aqueles que sabem não são obedecidos e cada qual acha que sabe mais não tendo surgido até aqui alguém que haja sobressaído tanto por sua virtude e fortuna a ponto que os outros cedam Daí sucede que em tanto tempo em tantas guerras combatidas nos últimos vinte anos quando houve um exército inteiramente italiano o resultado sempre foi ruim disso são testemunhas primeiramente no Taro depois em Alessandria Cápua Gênova Vailà Bolonha Mestre3 Querendo pois vossa ilustre Casa seguir o exemplo daqueles homens notáveis que redimiram suas províncias antes de qualquer outra coisa é necessário como verdadeiro fundamento de toda empresa munirse de armas próprias porque não se podem ter soldados melhores mais fiéis mais francos e embora cada um deles seja bom todos juntos se tornarão ainda melhores quando se virem comandados por seu príncipe e por ele honrados e acolhidos Portanto é preciso preparar esses exércitos a fim de poder com a virtude itálica defenderse dos estrangeiros E conquanto as infantarias suíça e espanhola sejam consideradas temíveis não obstante ambas têm defeitos de modo que um terceiro método de combate poderia não só fazer frente a elas mas também ter a confiança de superálas Porque os espanhóis não podem defenderse de cavalarias e os suíços hão de ter medo dos infantes quando se mostrarem no campo de batalha tão obstinados quanto eles pois já se viu por experiência os espanhóis tombarem diante da cavalaria francesa e os suíços serem devastados por uma infantaria espanhola E se bem que este último não se tenha verificado de forma cabal pela experiência ainda assim já se teve uma amostra na jornada de Ravena quando as infantarias espanholas se confrontaram com as forças alemãs que seguem o mesmo método dos suíços nessa refrega os espanhóis com a agilidade de corpo e o auxílio de seus broquéis entraram sob as lanças dos adversários e estavam certos de derrotar irremediavelmente os alemães4 não fosse a cavalaria que os deteve teriam arrasado todos Que se possa então conhecidos os defeitos dessas duas infantarias organizar uma nova força que resista às cavalarias e não tema as infantarias isso será feito com a qualidade das armas e a mudança nas fileiras inovações que fazem a reputação e a grandeza de um príncipe novo Que não se deixe pois passar esta ocasião a fim de que a Itália veja surgir depois de tanto tempo seu redentor Não posso exprimir com quanto amor ele seria recebido em todas aquelas províncias que sofreram por estes aluviões externos com quanta sede de vingança com quanta fé obstinada com quanta piedade com quantas lágrimas Que portas se fechariam diante dele Que povos lhe negariam obediência Que inveja se lhe oporia Que italiano lhe negaria o obséquio A todos cheira mal este bárbaro domínio Que vossa ilustre Casa assuma pois este empenho com o mesmo ânimo e a mesma esperança com que se assumem as campanhas justas de modo que sob sua insígnia esta pátria seja nobilitada e sob seus auspícios se realizem aqueles versos de Petrarca quando ele disse Virtú contro a furore prenderà larmi e fia el combatter corto che lantico valore nelli italici cor non è ancor morto Exortação a tomar a Itália e a libertála dos bárbaros As únicas guerras justas são as necessárias e tais armas são piedosas onde não há nenhuma esperança além delas Armas contra furor virtude tomará e a luta é breve que o antigo valor no coração de Itália não prescreve Trad de Vasco Graça Moura As rimas de Petraca Lisboa Bertrand 2003 p 383 Notas INTRODUÇÃO 1 Ver Donald Weinstein Savonarola and Florence prophecy and patriotism in the Renaissance Princeton 1970 2 Ver por exemplo Hans Baron In search of Florentine civic humanism Princeton 1988 3 Para uma introdução a esses fatos tal como foram vividos em Florença ver Mark Phillips The memoir of Marco Parenti a life in Medici Florence Princeton 1987 4 Ver Weinstein 5 Sobre a carreira de Maquiavel ver Robert Black Machiavelli servant of the Florentine Republic in G Bock Q Skinner e M Viroli eds Machiavelli and republicanism Cambridge 1990 pp 728 6 Ver a ótima análise de John Najemy Between friends discourses of power and desire in the MachiavelliVettori letters of 15131515 Princeton 1993 7 P Bondanella e M Musa ed e trad The portable Machiavelli Penguin 1979 p 69 8 Felix Gilbert The humanist concept of the prince and The prince of Machiavelli History choice and commitment Cambridge Mass e Londres 1977 pp 91114 9 Marcia Colish Ciceros De Officiis and Machiavellis Prince Sixteenth Century Journal 9 1978 pp 914 10 Felix Gilbert Machiavelli and Guicciardini politics and history in sixteenthcentury Florence Princeton 1965 1a parte 11 Ibid 12 A melhor introdução a esse vasto tema continua sendo Quentin Skinner As fundações do pensamento político moderno Companhia das Letras 1996 13 Victoria Kahn Machiavelli rhetoric from the CounterReformation to Milton Princeton 1994 14 Ibid CARTA DE NICOLAU MAQUIAVEL AO MAGNÍFICO LOURENÇO DE MÉDICI 1 Lourenço 14921519 foi filho de Piero de Médici e sobrinho de Giovanni de Médici papa Leão X que o nomeou príncipe de Urbino em 1516 Giuliano de Médici a quem provavelmente Maquiavel de início teve intenção de dedicar O príncipe foi irmão de Piero e Giovanni o futuro Leão X filhos de Lourenço o Magnífico Os príncipes Lourenço e Giuliano foram temas idealizados das poderosas esculturas de Michelangelo na Capela dos Médici em San Lorenzo Florença II DOS PRINCIPADOS HEREDITÁRIOS 1 Maquiavel está se referindo a dois governantes de Ferrara Ercole I 14311505 e Alfonso I 14761534 III DOS PRINCIPADOS MISTOS 1 O rei Luís XII ocupou Milão de setembro de 1499 a fevereiro de 1500 Depois Ludovico Sforza retomou o poder somente até abril de 1500 quando foi derrotado na batalha de Novara Em 1512 os franceses perderam mais uma vez Milão após a derrota em Ravena pelo exército da Liga Santa 2 A península dos Bálcãs que foi objeto das investidas turcas depois da queda de Constantinopla em 1453 3 Os romanos derrotaram Filipe V da Macedônia em 197 aC em Cinoscéfalos e Antíoco III da Síria em 191 aC Termópilas e em 190 aC Magnésia 4 Luís XII da França 14981515 ocupou o poder na Itália de 1499 a 1512 Carlos VIII 148398 lutou na Itália de 1494 a 1495 quando em sua retirada foi derrotado na batalha de Fornovo pelos poderes aliados do Império Espanha Veneza Milão Florença Nápoles e Mântua 5 Esses senhores foram Astorre Manfredi Giovanni di Costanza Sforza Pandolfo Malatesta Giulio Cesare da Varana e Jacopo degli Appiani 6 Em novembro de 1500 no Tratado de Granada o rei Luís e Fernando V de Aragão ou II da Espanha 14521516 acordaram sobre a conquista e a divisão do reino de Nápoles sendo que Campanha e Abruzzi cairiam sob domínio da França e Apúlia e Calábria sob o domínio da Espanha 7 Federico de Aragão rei de Nápoles Ele se rendeu às forças francesas em 1501 8 Depois da formação da Liga de Cambray 1508 Veneza foi derrotada em maio de 1509 na batalha de Vailà ou Agnadello e retirouse das principais cidades continentais 9 A Romanha era a parte nordeste dos Estados papais A área nunca foi claramente definida IV POR QUE O REINO DE DARIO OCUPADO POR ALEXANDRE NÃO SE REBELOU CONTRA SEUS SUCESSORES APÓS A MORTE DESTE 1 Alexandre o Grande 356323 aC firmou a supremacia da Macedônia sobre a Grécia após a batalha de Queroneia 338 aC e depois de suceder Filipe II em 336 aC Ele primeiramente derrotou os persas em 334 aC e posteriormente invadiu a Índia em 327 aC Morreu em maio ou junho de 323 aC tendo fundado inúmeras cidades e se mostrado um general brilhante 2 A guerra civil entre Júlio César e Pompeu após a famosa passagem do Rubicão em 49 aC V DE QUE MODO SE PODEM ADMINISTRAR CIDADES OU PRINCIPADOS QUE ANTES DE CONQUISTADOS TINHAM SUAS PRÓPRIAS LEIS 1 Em 404 aC depois da Guerra do Peloponeso Esparta impôs um governo oligárquico sobre Atenas a Tirania dos Trinta ficou no poder por um breve período antes que o governo democrático fosse restaurado 2 Cartago foi destruída pelos romanos no final da Terceira Guerra Cartaginense 149146 aC Numância na Espanha foi destruída em 133 aC Cápua norte de Nápoles foi despojada de seus privilégios como uma aliada romana em 211 aC 3 Na confusão provocada pela invasão de Carlos VIII em 1494 Pisa controlada por Florença desde 1406 conquistou sua independência e a manteve até 1509 VI DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SÃO CONQUISTADOS POR VIRTUDE E ARMAS PRÓPRIAS 1 Moisés o legislador hebreu conduziu seu povo do cativeiro no Egito até a fronteira de Canaã no século XIII aC Ciro o Grande 529 aC rei da Pérsia derrotou Astíages rei dos Medos c 559549 aC a que se seguiu um período de aproximadamente meio século de relativa paz Rômulo de acordo com a lenda fundou Roma supostamente em 753 aC e povoou a cidade com fugitivos Teseu lendário herói grego depois de muitas aventuras incluindo a morte do Minotauro de Creta tornouse rei de Atenas Ele derrotou as amazonas mas ao final foi assassinado 2 Os siracusanos foram atacados em 270 aC pelos mamertinos Hierão ii de Siracusa tornouse rei em 269 aC VII DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SÃO CONQUISTADOS POR ARMAS ALHEIAS E PELA FORTUNA 1 Ludovico Sforza c 14511508 chamado Ludovico o Mouro comandou Milão a partir de 1494 2 A primeira campanha de César Bórgia durou de novembro de 1499 a janeiro de 1500 Durante sua segunda campanha que começou em setembro de 1500 ele tomou Pesaro Rimini e Faenza ameaçando a própria Florença antes de se juntar às forças francesas que marchavam para Nápoles Sua terceira campanha obteve a conquista de Urbino em junho de 1502 enquanto ele se preparava para atacar Bolonha em setembro de 1502 Maquiavel teve sua primeira audiência com César Bórgia em Ímola em 7 de outubro de 1502 e o acompanhou até Cesena Remirro de Orco foi assassinado por ordens de Bórgia em 26 de dezembro de 1502 Oliverotto de Fermo e Vitellozzo Vitelli foram estrangulados durante a noite de 31 de dezembro1o de janeiro de 1503 3 Antonio Ciocchi da Montesansovino também chamado de Antonio del Monte 4 Em 28 de outubro de 1503 após o breve papado de Pio III 5 Papa Alexandre VI e César Bórgia caíram de febre em 12 de agosto e o papa aos 72 anos morreu no dia 18 do mesmo mês 6 Georges dAmboise arcebispo de Ruão e cardeal VIII DAQUELES QUE POR ATOS CRIMINOSOS CHEGARAM AO PRINCIPADO 1 Ver Glossário dos nomes próprios Paulo Vitelli foi assassinado em 1o de outubro de 1499 2 Em 26 de dezembro de 1501 IX DO PRINCIPADO CIVIL 1 Maquiavel contrapõe os poderosos ao povo sendo que este é mais frágil que os nobres Maquiavel acreditava que na Roma Antiga a hostilidade entre eles era construtiva em Florença ela se mostraria catastrófica Ver Istorie Fiorentine História de Florença Livro III 2 A Liga Aqueia dos gregos e romanos contra a qual Nábis 207192 aC lutou em aliança com Filipe v da Macedônia 237179 aC As referências de Maquiavel a Nábis derivam da História de Roma de Tito Lívio Livro XXXIV XI DOS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS 1 Veneza buscando expandir seu império continental declarou guerra a Ferrara em 1482 Uma liga foi formada contra Veneza pelo papa Sisto IV Nápoles Milão e Florença 2 César Bórgia tornouse duque de Valença pelo rei Luís XII XII QUAIS SÃO OS TIPOS DE EXÉRCITOS E DE MILÍCIAS MERCENÁRIAS 1 A frase de Maquiavel é col gesso com um pedaço de gesso De acordo com Felipe de Comines Memórias VII o papa Alexandre VI teria dito tal frase 2 Uma referência a Savonarola 3 Felipe Maria Visconti morreu em 13 de agosto de 1447 Após a batalha de Caravaggio em 15 de setembro de 1448 Francesco Sforza filho de Muzio Attendolo Sforza 13691424 tomou o controle de Milão em 1450 O rei de Aragão era Alfonso v chamado o Magnânimo 4 Batalha de Vailà 1509 VER nota 4 de Exortação a tomar a Itália e a libertála dos bárbaros ver p 145 XIII DAS MILÍCIAS AUXILIARES MISTAS E PRÓPRIAS 1 Na batalha de Ravena em 11 de abril de 1512 os franceses derrotaram as forças de Júlio II reunidas na Liga Santa mas seu excelente comandante Gaston de Foix foi assassinado e em seguida no confronto com o exército da Suíça eles se retiraram de Milão 2 João VI Cantacuzenus c 12921383 imperador bizantino envolvido na guerra civil que terminou quando ele dominou Constantinopla em 1347 com assistência turca e se reconciliou com João V de quem tinha sido regente A guerra civil eclodiu de novo em 1352 e João VI mais uma vez teve ajuda dos turcos Por fim abdicou 3 A Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França terminou em 1453 depois que um exército permanente foi estabelecido 4 Em 1512 após a formação da Liga Santa e da morte de Gaston de Foix os franceses bateram em retirada para o Piemonte abandonando suas posições na Itália Após sua ascensão Leão X renovou a Liga Santa e a França ficou sob ameaça militar de Espanha Inglaterra e Suíça XVI DA LIBERALIDADE E DA PARCIMÔNIA 1 Fernando II 14521516 conhecido como Fernando o Católico que com Isabel de Castela aumentou enormemente o poder e os domínios da Espanha XVII DA CRUELDADE E DA PIEDADE E SE É MELHOR SER AMADO QUE TEMIDO 1 Pistoia era submetida a Florença que restaurou pela força a ordem na cidade depois que em 150102 eclodiu um conflito entre duas facções rivais Maquiavel atuou pessoalmente nesse caso 2 Locri Epizéfiro se situava na Calábria Maquiavel pretende fazer comparações elaboradas nos Discursos entre Aníbal e Públio Cornélio Cipião conhecido como Cipião Africano Maior 236182 aC que derrotou Aníbal durante as guerras púnicas em Zama no ano de 202 aC XVIII COMO O PRÍNCIPE DEVE HONRAR SUA PALAVRA 1 Fernando de Aragão XIX DE COMO ESCAPAR AO DESPREZO E AO ÓDIO 1 Nessa lista de imperadores Maquiavel se baseia na história do Império Romano desde a morte de Marco Aurélio até a ascensão de Górdio III escrita por Herodes em cujo período muitos dos eventos descritos ocorreram Quase certamente Maquiavel usou a tradução latina da história de Herodes escrita em grego publicada em 1493 pelo poeta e amigo de Lourenço de Médici Angelo Poliziano 2 Na época de Maquiavel o imperador da Turquia era Selim I XX SE FORTALEZAS E OUTROS EXPEDIENTES A QUE OS PRÍNCIPES FREQUENTEMENTE RECORREM SÃO ÚTEIS OU NÃO 1 Provavelmente os nomes originais derivam da rivalidade entre as famílias Welf e Weiblingen pela coroa imperial Durante a Idade Média eles entraram lentamente na Itália para apoiar o papa os guelfos e o imperador os gibelinos Posteriormente se misturaram às rivalidades locais entre as famílias mas os gibelinos eram preponderantemente nobres e homens de armas ao passo que os guelfos eram ligados à indústria e ao comércio 2 Guido Ubaldo da Montefeltro perdeu a fortaleza e o ducado de Urbino para César Bórgia em junho de 1502 mas finalmente o recuperou após a morte do papa Alexandre em 1503 Em 1506 após expulsar Giovanni Bentivogli de Bolonha o papa Júlio II erigiu uma fortaleza em Porta Galliera e encomendou uma estátua de bronze sua a Michelangelo ambas foram destruídas com o retorno de Bentivogli XXI COMO UM PRÍNCIPE DEVE AGIR PARA OBTER HONRA 1 Provavelmente Maquiavel se refere à expulsão de todos os muçulmanos de Granada acima dos catorze de idade que não aceitaram o batismo em 1502 Mais que Fernando Isabel foi a principal responsável por essa medida Os mouros foram finalmente expulsos da Espanha em 1610 XXII DOS MINISTROS DE UM PRÍNCIPE 1 Antonio Giordani da Venafro foi um hábil jurista e um advogado persuasivo frequentemente citado nos textos políticos da época XXVI EXORTAÇÃO A TOMAR A ITÁLIA E A LIBERTÁLA DOS BÁRBAROS 1 Muito provavelmente uma referência a César Bórgia 2 Moisés Ciro e Teseu 3 A batalha de Fornovo no Taro foi combatida em 1495 entre o exército francês em retirada e a liga italiana Alessandria foi saqueada pelos franceses em 1499 durante a primeira invasão da Itália pelos exércitos de Luís XII Cápua foi tomada e saqueada pelos franceses em 1501 após a investida francohispânica contra Nápoles Gênova foi tomada pelos franceses em 1507 o partido aristocrata próFrança havia sido derrubado no ano anterior Os venezianos foram completamente derrotados na batalha de Vailà ou Agnadello pelos franceses em 1509 como parte das operações da Liga de Cambray Bolonha foi tomada pelos franceses em 1511 na guerra contra Júlio II Mestre perto de Veneza foi incendiada pelas forças da Liga entre o imperador a Espanha Milão e o papa em 1513 pouco antes da batalha de Vicenza quando os venezianos foram derrotados 4 Ravena foi teatro de batalha em 1512 Ver Luís XII no Glossário Cronologia 1469 MAIO Nascimento em Florença de Niccolò di Bernardo Machiavelli M filho de Bernardo e Bartolomea nascida de Nelli 1475 Eleição do papa Sisto IV della Rovere 1481 Com o irmão Totto M começa a frequentar a escola de Paolo da Ronciglione 1484 Eleição do papa Inocêncio VIII Cibo Fim da década de 1480 M assiste a palestras de Marcello Virgilio Adriano 1491 O pregador Savonarola começa a ter influência em Florença 1492 ABRIL Morte de Lourenço de Médici Pedro assume a chefia da família Eleição do papa Alexandre VI Bórgia 1494 NOVEMBRO Pedro e os Médici são expulsos de Florença Tropas francesas entram na cidade 1498 MAIO Savonarola é executado por heresia JUNHO O Grande Conselho confirma M segundo chanceler da República JULHO M é eleito secretário dos Dez da Guerra NOVEMBRO M é enviado a Piombino em sua primeira missão diplomática a serviço dos Dez da Guerra 1499 Discorso della guerra di Pisa missão junto a Caterina SforzaRiario governante de Ímola e Forlì 1500 JULHO Missão de seis meses junto ao rei Luís XII da França 1501 M se casa com Marietta Corsini Terão seis filhos 1502 Piero Soderini é eleito gonfaloniere vitalício OUTUBRO M inicia missão junto à corte de César Bórgia duque Valentino em Ímola DEZEMBRO M acompanha César a Cesena e Senigallia 1503 Descrizione dell modo tenuto dal Duca Valentino nellammazzare Vitellozzo Vitelli Oliverotto da Fermo il signor Pagolo e il Duca di Gravina Orsini Descrição da maneira como o duque Valentino executou Vitellozzo Vitelli Oliverotto da Fermo o senhor Pagolo e o duque de Gravina Orsini Parole sopra la provvisione del danaio Observações sobre captação de dinheiro Del modo di trattare i sudditi della Valdichiana ribellati Sobre o método de tratar com os rebeldes do Val di Chiana Quanto ao plano de M de afirmar a autoridade florentina sobre Pisa na revolta contra Florença de 150209 Leonardo da Vinci foi consultado sobre a possibilidade de desviar o rio Arno para o mar contornando Pisa ABRIL M é enviado em missão junto a Pandolfo Petrucci governante de Siena SETEMBRO Eleição do papa Pio III Piccolimini OUTUBRO M é enviado em missão à corte papal em Roma NOVEMBRO Eleição do papa Júlio II della Rovere 1504 Decennale Primo A primeira década JANEIRO Segunda missão de M na corte do rei Luís XII JULHO Segunda missão de M junto a Pandolfo Petrucci 1505 DEZEMBRO M passa a ser secretário da nova comissão os Nove da Milícia 1506 Discorso dellordinare lo stato di Firenze alle armi Discurso sobre a preparação militar florentina JANEIRO M recruta para a milícia no Mugello ao norte de Florença AGOSTOOUTUBRO Segunda missão de M à corte papal acompanha o papa Júlio de Viterbo a Orvieto Perúgia Urbino Cesena e Ímola 1507 DEZEMBRO M é enviado em missão à corte do imperador Maximiliano 1508 Rapporto delle cose della Magna Relatório sobre a Alemanha 1509 Discorso sopra le cose della Magna e sopra lo imperatore Discurso sobre a Alemanha e o imperador Decennale Secondo A segunda década 1510 JUNHOSETEMBRO Terceira missão de M na corte do rei Luís XII 1511 SETEMBRO Quarta missão de M na corte do rei Luís XII 1512 Com a invasão do território florentino por tropas espanholas e o saqueio de Prato Florença capitula Soderini é deposto e vai para o exílio ao passo que os Médici regressam ao poder Depois de abril de 1512 Ritratto delle cose della Magna Descrição dos assuntos alemães Depois de abril de 1512 e antes de agosto de 1513 Ritratto delle cose di Francia Descrição dos assuntos franceses NOVEMBRO M é demitido da chancelaria e sentenciado a anos de confinamento em território florentino 1513 FEVEREIRO M é processado por conspiração torturado e encarcerado MARÇOABRIL Posto em liberdade M se recolhe em sua propriedade rural em SantAndrea in Percussina onze quilômetros ao sul de Florença MARÇO Eleição do papa Leão X Giovanni de Médici JULHO M esboça O príncipe 1514 ou depois Discorso o dialogo intorno alla nostra lingua Discurso ou diálogo acerca da nossa língua 1515 M ingressa num grupo de discussão sobre política e literatura que se reúne em Orti Oricellari Florença Começa a escrever Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio e dedica esse tratado sobre os primeiros dez livros da História de Roma de Tito Lívio a Zanobi Buondelmonti e Cosimo Rucellai neto de Bernardo Rucellai que projetara os jardins Oricellari 151520 Belfagor o arquidiabo c 1516 Cópias manuscritas de O príncipe começam a circular em Florença e arredores 1517 ou 18 O asno de ouro 1518 M escreve sua peça picaresca A mandrágora e mais ou menos na mesma época conclui os Discursos 1520 M escreve o livro sobre organização militar A arte da guerra e A vida de Castruccio Castracani assim como um sumário do sistema de governo de Lucca Sommario delle cose della città di Lucca O cardeal Júlio de Médici encomendalhe uma história de Florença 1519 ou 1520 Discorso delle cose fiorentine dopo la morte di Lorenzo Discurso sobre os negócios florentinos depois da morte de Lourenço 1521 Publicação de A arte da guerra 1522 Memoriale a Raffaello Girolami Conselho a Raffaello Girolami Eleição do papa Adriano VI cardeal Adrian Florensz 1523 Eleição do papa Clemente VII cardeal Júlio de Médici 152425 Clizia 1525 M visita Roma para apresentar sua concluída História de Florença ao papa Clemente A mandrágora é representada e aclamada em Veneza a qual M posteriormente visita em missão para negociar uma disputa comercial representando a Guilda da Lã de Florença 1526 Relazione di una visita fatta per fortificare Firenze Relatório sobre as fortificações de Florença M revisa a peça A mandrágora 1527 MAIO A cidade de Roma é brutalmente saqueada pelo exército imperialista principalmente de alemães e espanhóis comandado pelo duque de Bourbon Os Médici são expulsos de Florença onde os republicanos adotam uma nova Constituição 21 DE JUNHO M falece e é sepultado na igreja de Santa Croce 153132 Publicação póstuma dos Discursos de O príncipe e da História de Florença As datas entre colchetes são presumíveis Glossário de nomes próprios O leitor interessado num relato sumário das circunstâncias e dos antecedentes históricos gerais do período poderá consultar o primeiro volume da New Cambridge modern history O Renascimento 14931520 AGÁTOCLES Declarado governante de Siracusa em 317 aC expandiu sua autoridade sobre toda a Sicília com exceção do território dominado por Cartago Em 310 aC foi derrotado por um exército cartaginês comandado por Amílcar que a seguir sitiou a própria Siracusa Conseguiu levar a guerra para a África mas foi obrigado a voltar quando várias cidades de Siracusa se revoltaram contra ele e teve de firmar a paz com Cartago Morreu em 289 aC O relato de Maquiavel foi extraído do historiador romano Justino ALEXANDRE Alexandre Magno rei da Macedônia 356323 aC Subiu ao trono em 336 Subjugou a Grécia e atravessou o Helesponto para atacar a Pérsia em 334 Derrotou Dario em c 333 Declarouse senhor da Ásia e invadiu a Índia em 327 ALEXANDRE Marco Aurélio Alexandre Severo imperador romano 22235 Primeiro sobrinho do imperador Heliogábalo que o adotou em 221 Foi assassinado por soldados amotinados possivelmente por instigação de Maximino ALEXANDRE VI Cardeal Rodrigo Bórgia eleito papa em 1492 e falecido em 1503 Notório pela corrupção de sua vida pessoal e pela dedicação fanática aos filhos ilegítimos Mas foi um administrador capaz o primeiro papa a ser ameaçado por uma invasão francesa da Itália e uma guerra francoespanhola AMÍLCAR Amílcar Barca designado comandante do exército cartaginês na Sicília em 247 aC durante a Primeira Guerra Púnica ANÍBAL 247183 aC Filho de Amílcar Passou a vida em guerra permanente com os romanos Assumiu o comando do exército cartaginês em 221 invadiu a Itália pelo norte na Segunda Guerra Púnica mas não conseguiu sujeitar Roma e acabou sofrendo uma derrota decisiva na África Forçado a fugir de Cartago envenenouse para não ser capturado pelos romanos ANTÍOCO Antíoco Magno rei da Síria 223187 aC Continuamente envolvido em hostilidades com os romanos AQUILES Herói da Ilíada educado por Fênix e pelo centauro Quíron ASCÂNIO Ver Sforza cardeal AUCUT GIOVANNI Italianização do nome de John Hawkwood de Essex que serviu na França e foi armado cavaleiro por Eduardo III Em 1360 transferiuse para a Itália com um pequeno exército próprio onde estabeleceu uma duradoura reputação de condottiere Já se sugeriu que o provérbio italiano Inglese italianato è um diavolo incarnato O inglês italianizado é um diabo encarnado se referia inicialmente aos ultrajes perpetrados por mercenários ingleses como ele BAGLIONI OS Governantes da cidade papal de Perúgia onde estabeleceram seu poder no século XV BENTIVOGLI GIOVANNI 14381508 Filho de Annibale Bentivogli ilustre cidadão bolonhês assassinado por uma facção rival em 1445 Em 1462 Giovanni tornouse governante de Bolonha Em 1499 mandou o filho Annibale sujeitarse a Luís XII depois da queda de Milão Foi expulso da cidade em 1506 por Júlio II quando este reclamava seus direitos sobre as cidades da Romanha Morreu no exílio Seus filhos foram restaurados em Bolonha pelos franceses em 1511 mas a cidade tornou a ser dominada por Júlio em 1512 Os fatos a que se refere Maquiavel no capítulo XIX ocorreram em 1445 BERGAMO BARTOLOMMEO DA Bartolommeo Colleone da Bergamo mercenário a serviço de Veneza a partir de 1424 Comandou as forças venezianas depois da desgraça de Carmagnola Morto em 1475 BERNABÒ MESSER Bernabò Visconti governou os territórios milaneses 135485 junto com os dois irmãos Aprisionado em 1385 e morto por seu sobrinho Gian Galeazzo BÓRGIA CÉSAR Nascido em Roma em c 1476 filho do cardeal Rodrigo Bórgia com a amante Vannozza Catanei Sem nunca ter sido padre foi nomeado cardeal ao tornarse diácono Em 1498 renunciou aos votos antes de viajar à França para negociar um tratado entre Alexandre IV e Luís XII dispensou Luís para se casar com a viúva de Carlos VIII e propôs uma aliança com o papado pela conquista de Nápoles Foi nomeado duque de Valença e casouse com Charlotte dAlbret prima do rei Luís prometeu apoiar seu projeto de conquista da Romanha que nominalmente sujeita à suserania do papa era controlada por tiranos independentes Na primavera de 1501 César dominou as sete aldeias de Fano Pesaro Rimini Cesena Forlì Faenza e Ímola e o papa nomeouo duque da Romanha Em 1502 o papa planejou a conquista de Camerino e Urbino Depois de uma campanha bemsucedida César enfrentou uma revolta de seus próprios mercenários a qual esmagou brilhante e implacavelmente em Sinigaglia no fim do inverno de 1502 Em 1503 o papa faleceu o Estado de César se esfacelou com a morte de seu pai embora ao que tudo indicava a Romanha fosse notavelmente leal e depois de várias desgraças bravamente suportadas ele finalmente morreu na Espanha em 1507 Maquiavel pôde estudar César em primeira mão foi enviado em missões junto a ele em 1502 e estudou intimamente os métodos que César utilizava para enganar mercenários rebeldes Maquiavel o viu novamente depois de sua queda em Roma A idealização de César Bórgia em O príncipe não significa que Maquiavel deturpou as ações de Bórgia Ele apenas as engrandeceu BRACCIO Andrea Braccio da Montono 13681424 Condottiere treinado sob o comando de Alberico da Barbiano Morreu combatendo as forças de Joana de Nápoles CANNESCHI Poderosa família de Bolonha que apoiava a influência de Milão em detrimento da de Veneza e Florença Em 1445 o chefe da família tentou apossarse do poder contra o rival Bentivogli Annibale Bentivogli foi assassinado mas o povo resistiu e os Canneschi foram expulsos da cidade CARACALLA Marco Aurélio Antonino imperador romano 21117 Filho do imperador Severo sucedeu ao falecido pai com o irmão Geta Em 212 assassinou Geta e assumiu o comando sozinho o qual exerceu com crueldade Para aumentar a arrecadação estendeu a cidadania romana a todos os cidadãos livres do Império Assassinado por instigação de Macrino CARLOS VII O rei da França 142261 durante cujo reinado os ingleses perderam todas as possessões francesas com exceção de Calais Responsável por algumas reformas financeiras e militares que fortaleceram efetivamente o poder da monarquia CARLOS VIII 14701498 Tornouse governante efetivo da França em 1492 tendo se casado com a duquesa da Bretanha no ano anterior Em 1494 impulsionado por um vago desejo de glória e domínio invadiu a Itália a fim de impor seu direito ao trono de Nápoles como herdeiro da Casa de Anjou Entrou em Nápoles em 1495 Formouse uma liga italiana com a participação do imperador espanhol para interceptar sua retirada mas embora os italianos fossem numericamente superiores os franceses conseguiram chegar sãos e salvos ao norte depois da batalha de Fornovo que terminou sem vencedor Em 1496 as forças francesas restantes foram compelidas a evacuar Nápoles Morreu quando preparava uma segunda expedição contra Nápoles CARMAGNOLA Francesco Bussone conde de Carmagnola onde nasceu em c 1390 Contratado como mercenário por Veneza em 1425 chegou a comandar as forças aliadas de Veneza e Florença mas suspeito de traição foi executado em Veneza em 1432 CIPIÃO P Cornélio Cipião Africano 234c 183 aC grande comandante e cônsul romano empreendeu bemsucedidas campanhas na Espanha e na África onde impôs uma derrota decisiva a Aníbal Acusado de corrupção exilouse de Roma CIRO Fundador do Império persa Morto em combate em 529 aC COLONNA CARDEAL Giovanni filho de Antônio Colonna príncipe de Salerno Nomeado cardeal em 1480 Conspirou com Carlos VIII contra Alexandre VI Morreu em 1508 COLONNA OS Nobre família romana que ganhou proeminência no século XIII Alexandre VI a excomungou e confiscou suas propriedades CÔMODO M Cômodo Antonino imperador romano 18093 Sucedeu ao pai Marco Aurélio mas por ter caráter muito diferente marcou seu reinado com uma crueldade desenfreada Por instigação de sua amante e de outros membros da família foi estrangulado pelo atleta Narcissus CUNIO ALBERICO DE Alberico de Barbiano conde de Cunio na Romanha Graças principalmente a ele no último quartel do século XIV as tropas mercenárias estrangeiras na Itália foram substituídas por condottieri italianos Alberico criou uma companhia militar chamada a Companhia de São Jorge na qual só se admitiam italianos Morreu em 1409 DARIO Último rei da Pérsia 336331 aC DAVI c 1012972 aC Sucedeu Saul no trono de Israel e ampliou seu território mediante uma série de brilhantes vitórias militares Tomou Jerusalém onde estabeleceu a capital nacional EPAMINONDAS General e estadista tebano do século IV aC que impôs a hegemonia de Tebas na Grécia FÁBIO MÁXIMO Cinco vezes cônsul de Roma nomeado ditador em 217 aC durante o período defensivo da guerra contra Aníbal quando se notabilizou pela política cautelosa Adversário de Cipião Morto em 203 aC FELIPE DUQUE Felipe Visconti o último dos duques Visconti de Milão 141247 Casou sua filha Bianca com Francesco Sforza FERNANDO DE ARAGÃO 14521516 Seu casamento com Isabel de Castela foi um passo decisivo para a afirmação do poderio mundial espanhol no século XV Rei consorte de Castela a partir de 1474 herdou o trono de Aragão em 1479 Em 1491 conquistou Granada o último reino mouro na Espanha A política interna centralizadora de Fernando fezse acompanhar de uma política externa focalizada principalmente no cerco da França Tendo concluído um acordo com os franceses pela divisão de Nápoles obteve o controle de todo o território em 1505 Sucedeuo o neto Carlos da Áustria o imperador Carlos V FERRARA DUQUE DE 1 Hércules dEste governante de Ferrara 14711505 Sucedeu ao meioirmão Borso dEste que foi o primeiro duque embora a família estivesse estabelecida em Ferrara já desde o início do século XIII Casouse com a filha do rei Ferrante de Nápoles Em 1481 as disputas econômicas com Veneza e as exigências feudais do papado levaram a uma aliança dos venezianos com Sisto IV contra Ferrante e Hércules A guerra que envolveu um grande número de estados italianos resultou em consideráveis perdas territoriais para Ferrara com a mudança de lado de Sisto Em 1499 quando os franceses conquistaram Milão ele se apresentou na corte francesa da qual obteve proteção Sucedeuo 2 Alfonso dEste que ingressou na Liga de Cambray ver Luís XII em 1508 Conservouse aliado da França depois da reconciliação de Júlio II com Veneza em 1510 e foi excomungado e atacado por Júlio Faleceu em 1534 FILIPE DA MACEDÔNIA 1 Rei da Macedônia 359336 aC Perseguiu uma política agressiva e expansionista sujeitando o resto da Grécia Assassinado quando preparava as forças gregas para atacarem a Pérsia 2 Rei da Macedônia 220 178 aC Empreendeu duas guerras contra os romanos pelos quais foi enfim derrotado em 197 aC FILOPÊMENES Célebre general da Liga Aqueia que se empenhou em estabelecer a independência dos aqueus numa sólida base militar Foi eleito general em 208 aC FOGLIANI GIOVANNI Ilustre cidadão de Fermo assassinado em 1501 FORLÌ CONDESSA DE Caterina Sforza 14631509 Filha natural de Galeazzo Sforza e Lucrezia Landriani Casouse com Girolamo Riario conde de Forlì e com o assassinato do marido em 1488 conservou o poder até que César Bórgia tomasse Forlì em 1500 Encarcerada em Roma Morreu num convento francês GIOVANNA RAINHA Joana II de Nápoles Frágil governante em cujo reinado 141435 Nápoles esteve mergulhada em contínua desordem Adotou o rei de Aragão como seu herdeiro depois mudando de ideia adotou Luís de Anjou que contava com o apoio do papado No conflito resultante os condottieri Sforza e Braccio combateram em lados contrários Ela morreu sem filhos tendo finalmente nomeado sucessor a René de Provença irmão de Luís O reino acabou nas mãos do aragonês GRACO OS Célebre família romana Tibério Graco tribuno da plebe 133 aC foi assassinado por ter se empenhado em restringir o poder da aristocracia Seu irmão C Semprônio Graco tribuno da plebe 123 aC tentou impor grandes reformas mas enfrentou a dura oposição do Senado que acabou ganhando o apoio popular em meio a uma sublevação que custou a vida de muitos de seus adeptos foi assassinado por um escravo GUIDO UBALDO DUQUE DE URBINO 14721508 Último duque da linhagem Montefeltro governou Urbino a partir de 1482 Fugiu em virtude da aproximação de César Bórgia em 1502 mas voltou à cidade quando os mercenários de César se amotinaram Sua corte inspirou o famoso livro O cortesão uma discussão acerca das qualidades do cortesão perfeito de Baldassare Castiglione HELIOGÁBALO OU ELAGÁBALO Imperador romano 21822 Chamado Heliogábalo por ter sido na infância sacerdote de um culto que adorava o deus sol Heliogábalo Sua avó afirmava que ele era filho de Caracala Uma breve campanha levou à derrota de Macrino e à sua instalação aos treze anos de idade no trono imperial com o nome de M Aurélio Antonino Governante tolo e brutal acabou assassinado por seus soldados HIERÃO II DE SIRACUSA Membro da nobreza foi voluntariamente eleito governante em 270 aC depois da derrota dos mamertinos atualmente Mamertina é Messina Foi apoiado pelos cartagineses no início da Primeira Guerra Púnica mas posteriormente firmou a paz com os romanos dos quais permaneceu aliado O relato de Maquiavel é retirado de Justino JULIANO M Dídio Juliano eleito imperador pelos guardas pretorianos depois do assassinato de Pertinax em 193 Foi morto quando Severo chegou às portas de Roma JÚLIO CÉSAR Nascido em c 102 aC Como sugere Maquiavel inicialmente arrimou seu poder na popularidade a qual conquistou devido a uma extravagante liberalidade Tornouse ditador de Roma foi assassinado em 44 aC JÚLIO II Giuliano della Rovere cardeal de San Pietro ad Vincula Papa 150313 sucedeu o cardeal Francesco Piccolomini que com a morte de Alexandre VI ocupara durante alguns meses o trono pontifício como Pio III Líder vigoroso diplomata e general inteligente fortaleceu muito o poder territorial da Igreja Destruiu efetivamente o poder dos barões romanos a princípio voltouse contra Veneza depois negociou uma aliança antifrancesa Em Roma implementou grandiosos planos de construção e escultura destruiu a antiga basílica de São Pedro e lançou a pedra fundamental da que hoje conhecemos LEÃO X 14751521 Cardeal Giovanni de Médici filho de Lourenço de Médici Eleito papa em 1513 promoveu energicamente a fortuna da família Médici elevando seis parentes próximos ao cardinalato e atribuindo por exemplo a seu sobrinho Lourenço o título de duque de Urbino no lugar de Francesco della Rovere Inicialmente deu continuidade à política antifrancesa de Júlio II depois se entendeu com Francisco I e concluiu a reconciliação com a concordata de 1516 quando passou a apoiar o francês contra Carlos V Pródigo patrono das artes Durante seu pontificado Lutero publicou suas 95 teses contra as indulgências LORQUA RAMIRO DE Mordomo de César Bórgia Acompanhouo à França em 1498 Nomeado governador da Romanha em 1501 Foi encontrado morto em 1502 LUCA BISPO Pre Luca como se refere Maquiavel em relação a ele pre é a abreviação veneziana de prete ou seja padre era Luca Rinaldi embaixador do imperador Maximiliano LUDOVICO Ludovico o Mouro filho de Francesco Sforza duque de Milão com Bianca Maria Visconti Tomou o poder em Milão quando seu sobrinho Gian Galeazzo assumiu a regência em 1476 desposou Beatrice dEste filha do duque de Ferrara e reforçou sua posição se aliando a Nápoles e Florença O casamento de Gian Galeazzo com Isabel de Aragão suscitou a pressão de Nápoles a favor daquele que aproximou Ludovico da França Ele apoiou a invasão de Carlos VIII pouco depois Gian Galeazzo morreu possivelmente assassinado por Ludovico que havia se proclamado duque Assustado com o sucesso da invasão francesa aderiu à Liga de Veneza em 1495 Depois da retirada dos franceses com eles concluiu uma paz separada Ao subir ao trono Luís XII que sendo duque de Orleans já havia assumido o título de duque de Milão reivindicou direitos sobre Milão na qual entrou em 1499 Um ano depois houve uma rebelião e Ludovico regressou porém em 1500 foi uma vez mais derrotado por um novo exército francês Passou o resto da vida numa masmorra francesa LUÍS XI 14231483 Rei da França a partir de 1461 Ampliou substancialmente o território da Coroa francesa O tratado que lhe deu o direito de recrutar tropas na Suíça foi firmado em 1474 LUÍS XII 14621515 Filho de Carlos de Orleans sucedeu a Carlos VIII no trono da França em 1498 Tendo herdado direitos sobre Milão e Nápoles tratou prontamente de exercêlos Um de seus primeiros atos foi ratificar com Alexandre VI um acordo que o autorizava a anular seu casamento com Joana filha de Luís XI e tomar por esposa a viúva de Carlos em cujo dote figurava a Bretanha Em 1499 assinou com Veneza um acordo de divisão do território milanês e no outono do mesmo ano entrou em Milão No começo de 1500 o duque Ludovico recuperou a cidade por um breve período Em novembro de 1500 Luís concluiu com a Espanha um acordo secreto de divisão de Nápoles cidade que os franceses invadiram em 1501 No ano seguinte as duas potências entraram em conflito e em 1503 os franceses foram derrotados às margens do Garigliano Alguns anos depois Luís participou com o papa a Espanha e o império de um tratado de divisão dos territórios venezianos a Liga de Cambray Em 1509 os venezianos foram totalmente derrotados pelo exército francês na batalha de Agnadello ou Vailà porém ao atingir seus objetivos eles perderam o ímpeto na guerra e Júlio II começou a se aproximar dos venezianos A hostilidade entre a França e o papado intensificouse culminando na tentativa de Luís de convocar um Concílio Geral um lamentável fracasso e na bemsucedida formação da Santa Liga por parte de Júlio Em 1512 os franceses venceram a batalha de Ravena mas perderam seu comandante Gaston de Foix Depois disso recuaram constantemente até que de todas as conquistas italianas de Luís não lhes restassem senão o Castello de Milão e o Casteletto de Gênova Em 1512 Florença foi obrigada a acolher novamente os Médici e em 1513 Júlio morreu Em 1513 Luís concluiu uma aliança com Veneza contra Milão mas os franceses foram derrotados na batalha de Novara por tropas suíças a soldo de Massimiliano Sforza No início de 1515 Luís foi sucedido por Francisco I que meses depois de sua ascensão transpôs os Alpes à frente de um grande exército MACRINO M Opélio Macrino Imperador romano 21718 De origem humilde prestou serviços a Severo e posteriormente exerceu o cargo de prefeito durante o governo de Caracala e com a morte deste foi proclamado imperador Derrotado pelos adeptos de Heliogábalo acabou assassinado MÂNTUA MARQUÊS DE Francesco Gonzaga condottiere que comandou as forças italianas na batalha de Fornovo em 1495 MARCO AURÉLIO 121180 M Aurélio Antonino imperador romano 16180 Um estoico cujo reinado ficou marcado pela perseguição aos cristãos As Meditações contêm seus ideais filosóficos Governante eficaz e muito trabalhador num período em que o império enfrentava graves problemas externos e internos MAXIMILIANO 14591519 Filho e sucessor do imperador Frederico III Eleito rei dos romanos em 1486 não chegou a ser coroado imperador em Roma mas em 1508 com o consentimento de Júlio II assumiu o título de imperador eleito Dedicou a vida a uma sinuosa diplomacia empenhada em estabelecer a influência dos Habsburgo na Europa Internamente teve moderado sucesso em experimentos visando à unificação e à centralização administrativa Mas suas ambições eram excessivas e seu reinado terminou marcado pela frustração e o fracasso Foi o que sucedeu com seu sonho de liderar uma cruzada europeia contra o Islã assim como com o esforço para restabelecer o poder imperial na Itália A maioria de suas incursões pela península inspirouse no desejo de retomar território dos venezianos mas a contínua falta de fundos e o perigo do sucesso militar francês impossibilitavam uma política coerente Em 1494 ele não se opôs à invasão francesa da Itália provavelmente na esperança de obter o apoio de Carlos VIII contra Veneza No entanto em 1495 ingressou na Liga de Veneza para expulsar os franceses embora suas tropas tenham estado notavelmente ausentes na batalha de Fornovo Em 1496 Ludovico de Milão e os venezianos ofereceramlhe subsídio para combater os franceses a seu lado na Itália quando ele chegou a invasão francesa havia fracassado e Ludovico o incumbiu da ridiculamente baldada missão de auxiliar Pisa contra o ataque florentino Sua tentativa de organizar uma guerra contra Luís XII quando da ascensão deste foi igualmente vã e a seguir seus planos se frustraram totalmente devido ao conflito com os suíços cujo resultado final foi a criação de uma Confederação Suíça independente e neutra Em 1507 Maximiliano retomou o projeto de ressuscitar o império na Itália teve de abandonálo a fim de ir a Roma ser coroado imperador mas iniciou hostilidades com Veneza as quais com idas e vindas perduraram cerca de oito anos Em 1512 uniuse à Santa Liga e tornou a atuar na Itália quando da ascensão de Francisco I e da reanexação de Milão pelos franceses em 1515 mas tampouco esse esforço rendeu frutos Seu neto foi o imperador Carlos V MAXIMINO C Júlio Vero Maximino imperador romano 23538 Recebeu importante cargo militar de Alexandre Severo ao qual sucedeu por cujo assassinato talvez tenha sido responsável Seu breve reinado foi cruel e sangrento Assassinado por seus próprios soldados NÁBIS Tirano de Esparta famoso pela crueldade Triunfou em 207 aC Derrotado em combate por Filopêmenes em 192 aC não tardou a ser assassinado OLIVEROTTO DE FERMO Oliverotto Euffreducci Os acontecimentos de Fermo descritos por Maquiavel deramse em 1501 Ele foi estrangulado em Sinigaglia em 1502 ORSINI OS Família romana que se tornou poderosa na segunda metade do século XIII Usada como mercenários por César Bórgia em suas primeiras campanhas Envolvida na conspiração contra César e enganada por ele em Sinigaglia ORSINI PAULO Chefe da facção Orsini até ser estrangulado em Sinigaglia depois de ser ludibriado por César Bórgia PERTINAX P Hélvio Pertinax imperador romano durante alguns meses em 193 foi persuadido a assumir o poder quando Cômodo morreu Suas reformas impetuosas especialmente as que dizem respeito à disciplina do exército não tardaram a despertar a antipatia da guarda pretoriana e ele foi assassinado por soldados amotinados PETRARCA Francesco Petrarca 13041374 Um dos maiores poetas italianos o qual Maquiavel conhecia bem e citava amiúde Os quatro versos no fim de O príncipe procedem de Canzone XVI iniciada com Italia mia que endereçados aos governantes da Itália constituem um protesto contra as guerras intestinas e o emprego de mercenários estrangeiros PETRUCCI PANDOLFO Governante de Siena da qual se fez senhor em 1502 Duvidoso aliado de Florença Maquiavel foi enviado em várias ocasiões para negociar com ele PIRRO 318272 aC Rei do Épiro que tentou conquistar a Macedônia Combateu os romanos na Itália e os cartagineses na Sicília PITIGLIANO CONDE DE Niccolò Orsini 14421510 Mercenário a serviço dos venezianos comandante conjunto na batalha de Vailà RÔMULO Lendário fundador e primeiro rei de Roma RUÃO Georges dAmboise 14601510 arcebispo de Ruão O mais influente conselheiro de Luís XII que orientou sobretudo suas acometidas na Itália Em 1498 foi nomeado cardeal por Alexandre VI no âmbito da barganha concluída com Luís SAN GIORGIO Cardeal Raffaello Riario de Savona SAN PIETRO AD VINCULA Ver Júlio II SAN SEVERINO ROBERTO DA Filho bastardo de um barão napolitano envolveuse com a guerra mercenária na Lombardia Foi nomeado comandante das forças venezianas em 1482 posteriormente prestou serviços ao papado A soldo de Veneza morreu em combate em 1487 SAUL Escolhido primeiro rei de Israel aproximadamente em 1025 aC SAVONAROLA GIROLAMO 14521498 Nascido em Ferrara ingressou na Ordem dos Frades Pregadores dominicanos Inicialmente levou uma vida tranquila No começo da década de 1480 foi enviado ao mosteiro de San Marco em Florença onde a princípio não causou grande impressão Mas a partir de c 1491 quando se tornou prior de San Marco sua pregação profética e denunciatória valeulhe numerosos adeptos Com a expulsão dos Médici fato que aparentemente justificou suas advertências a influência política de Savonarola aumentou vertiginosamente chegando ao auge entre 1494 e 1497 A ele se deveu grande parte da Constituição republicana adotada em 1494 Savonarola era objeto de implacável oposição assim como de devoção fanática Seu desafio persistente e franco à Igreja levou Alexandre VI primeiramente a proibilo de pregar depois a excomungálo Em Florença a opinião pública logo se voltou contra ele Em 1498 quando Alexandre ameaçou impor um interdito à cidade o pregador foi preso torturado e executado SCALI GIORGIO Chefe da facção florentina que em 1382 atacou o palácio de um dos magistrados na tentativa de salvar um amigo da punição Foi decapitado SEVERO L SEPTÍMIO Imperador romano 193211 Nascido em 146 foi comandante militar sob Marco Aurélio e Cômodo Proclamado imperador por seu exército em 193 marchou sobre Roma Com a morte de Juliano derrotou Pescênio Níger que havia sido proclamado imperador pelas legiões orientais 194 Dois anos depois venceu Clódio Albino que fora proclamado imperador na Gália Morreu em Eboracum York SFORZA pai de Francesco Muzio Attendolo Sforza 13691424 Condottiere treinado por Alberico de Barbiano como seu rival Tombou a serviço de Giovanna de Nápoles SFORZA CARDEAL Ascânio Sforza Irmão de Ludovico o Mouro Hostilizado pelo papa Alexandre VI para cuja eleição tinha contribuído quando Carlos VIII se preparava para invadir a Itália uniuse aos Colonna que estavam a soldo da França Em 1500 quando Luís XII tomou Milão foi capturado pelos franceses SFORZA FRANCESCO 14011466 Mercenário que prestou serviço a Filippo Visconti duque de Milão 141247 e se casou com a filha deste Bianca Maria Com a morte de Visconti apoderouse do ducado 1450 Conseguiu manter sua posição em Milão cinco descendentes seus foram sucessivamente duques de Milão SISTO Papa Sisto IV eleito em 1471 Francesco della Rovere Seu sobrinho Giuliano della Rovere viria a ser o papa Júlio II Faleceu em 1484 SODERINI PIERO Eleito Gonfaloniere di Justizia vitalício de Florença efetivamente chefe de Estado em 1502 Amigo íntimo de Maquiavel Adotou uma coerente política prófrancesa Fugiu de Florença quando os Médici voltaram em 1512 TESEU Herói lendário da Ática filho de Egeu rei de Atenas Entre outras proezas matou o Minotauro no labirinto de Creta TITO QUINTO Flaminius T Quintius cônsul romano 198 aC Dirigiu a guerra contra Filipe da Macedônia a quem derrotou em 197 aC VENAFRO ANTONIO DA Conselheiro e embaixador de Pandolfo Petrucci de Siena a quem ajudou a tomar o poder Esteve presente em Magione em 1502 quando os mercenários de César Bórgia urdiram a conspiração contra ele VITELLI NICCOLÒ Governante de Città di Castello Atacado em 1474 pelo papa Sisto IV o qual construiu a fortaleza que como diz Maquiavel Niccolò destruiu quando foi restaurado por Lourenço de Médici Faleceu em 1486 VITELLI OS Família nobre de condottieri de Città di Castello nos estados romanos VITELLI PAULO Empregado como mercenário por Florença nas operações contra Pisa em 1498 Suspeito de traição foi preso e executado em 1499 VITELLOZZO Vitellozzo Vitelli Comandante mercenário irmão de Paulo Vitelli com o qual foi soldado a serviço de Florença Fugiu quando Paulo foi executado por traição Prestou serviço a César Bórgia participou da conspiração contra ele e foi morto em Sinigaglia em 1502 XENOFONTE Ateniense do século V aC Acompanhou o exército grego que comandado por Ciro marchou contra Artaxerxes em 401 Conduziu os gregos em sua famosa retirada a qual ele narrou em Anábase Outras leituras Para o leitor interessado em consultar o texto italiano de O príncipe o mais adequado foi publicado por Feltrinelli Milão no volume das Opere que contém Il principe e Discorsi Niccolò Machiavelli an annotated bibliography of modern criticism and scholarship compilados por Silvia Ruffo Fiore Greenwood Press 1990 oferece uma valiosa fonte anotada para a pesquisa de estudos e críticas sobre Maquiavel publicados entre 1935 e 1985 acompanhado de um apêndice não anotado que cita a pesquisa publicada depois de 1985 Outras leituras recomendáveis são The life and times of Niccolò Machiavelli de Pasquale Villari traduzido para o inglês por Linda Villari várias edições em italiano e inglês seguiramse ao texto italiano em três volumes de 187782 Il principe editado por L Burd Oxford 1891 reimpresso em 1968 com uma notável introdução de Lord Acton e interessantes notas históricas Machiavelli de J H Whitfield Blackwell 1947 The statecraft of Machiavelli de H Butterfield Bell 1955 Machiavelli and the Renaissance de F Chabod trad de David Morre Bowes Bowes 1958 The literary works of Machiavelli de J R Hale tradução de cartas selecionadas e das peças Mandragola e Clizia Oxford 1961 Machiavelli and Renaissance Italy de J R Hale English University Press 1961 Life of Niccolò Machiavelli de R Ridolfi trad de C Grayson Routledge Kegan Paul 1963 The English face of Machiavelli de Felix Raab Routledge Kegan Paul 1964 Machiavelli and Guicciardini de Felix Gilbert Princeton 1965 Machiavelli a dissection de Sydney Anglo Gollancz 1969 Discourses on Machiavelli de J H Whitfield Heffer 1969 Against the current de Isaiah Berlin ensaios escolhidos com The originality of Machiavelli Hogarth Press 1979 Machiavelli de Quentin Skinner Oxford 1981 Machiavelli and mystery of state de Peter S Donaldson Cambridge 1988 Machiavelli and republicanism editado por G Bock Q Skinner e M Viroli Cambridge 1990 From politics to reason of state de M Viroli Cambridge 1992 Machiavelli and the discourse of literature editado por Albert Russell Ascoli e Victoria Kahn Cornell 1993 Between friends discourses of power and desire in the MachiavelliVettori letters of 15131515 editado por John M Najemy Princeton University Press 1993 Machiavelli de M Viroli OUP 1998 Em português DE GRAZIA S Maquiavel no inferno São Paulo Companhia das Letras 2000 GAILENIKODIMOV M Maquiavel Lisboa Edições 70 2008 JOLY M Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu Unesp 2009 SKINNER Q As fundações do pensamento político moderno São Paulo Companhia das Letras 1989 VIROLI M O sorriso de Nicolau história de Maquiavel São Paulo Estação Liberdade 2002 WHITE M Maquiavel um homem incompreendido Rio de Janeiro Record 2007 Copyright das notas 1961 1975 1981 1995 1999 by George Bull Copyright da introdução 1999 by Anthony Grafton Copyright do prefácio 2010 by Fernando Henrique Cardoso Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Penguin and the associated logo and trade dress are registered andor unregistered trademarks of Penguin Books Limited andor Penguin Group USA Inc Used with permission Published by Companhia das Letras in association with Penguin Group USA Inc TÍTULO ORIGINAL De principatibus CAPA E PROJETO GRÁFICO PENGUINCOMPANHIA Raul Loureiro Cláudia Warrak TRADUÇÃO DOS APÊNDICES Luiz A de Araújo PREPARAÇÃO Silvia Maximini Félix REVISÃO Ana Maria Barbosa Huendel Viana ISBN 9788563397607 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 011 37073500 Fax 011 37073501 wwwpenguincompanhiacombr