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Antropologia

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Marshall Sahlins ou por uma antropologia estrutural e histórica LILIA MORITZ SCHWARZ A Antropologia desde seu nascimento institucional estabeleceu relações tensas e muitas vezes pouco cordiais com a História Sobretudo no campo da Antropologia a necessária contraposição com a História parece vincularse à própria definição da disciplina que precisava de alguma maneira diferenciarse para compor um campo mais definido de atuação Não é por mera coincidência que nas obras mais tradicionais da disciplina a História tem surgido conjuntamente à Antropologia cuj a assim chamada Etnologia Seja por alegações de método pesquisas em arquivos por um lado pesquisa participante por outro objeto viajantes no tempo versus viajantes no espaço procedimento a pesquisa da classe dirigente por oposição ao das manifestações populares ou de objetivos o evento no lugar da cultura e de seus rituais o fato é que divisões mais ou menos frágeis foram sendo levantadas no sentido de se constituírem limites evidentes ou identidades particulares a cada uma das áreas Dicotomias ainda mais rígidas estabeleceramse aos poucos guardando para a História o reino da diacronia e de tempo volátil e para a Antropologia o lugar da sincronia e da estrutura 126 LILIA MORITZ SCHWARZ tória está presente em toda e qualquer sociedade como condição de inteligibilidade mas também como marca de diferença Vale a pena retomar mesmo que de forma breve a trajetória abordada por LéviStrauss com vistas a entender como esse diálogo foi se constituindo de maneira tensa Com efeito segundo o etnólogo francês esse enfrentamento teria começado com uma recusa Por um lado já na perspectiva culturalista a descoberta de que os documentos contrastados nas sociedades estudadas pelos antropólogos escandalizariam qualquer historiador e análisesfos fez com que se reconhecesse uma distinção para não perder a análise de materiais e dados comprovatórios Segundo LéviStrauss Boas manifestar a decepção de ter de renunciar à aspiração de compreender como as coisas chegaram a ser o que são ou seja renunciar a compreender a história para fazer do estudo dos culturas uma análise sincrônica das relações entre seus elementos constitutivos no presente O problema que experiência LéviStrauss era saber se era possível fazer história do presente sem recurso ao passado entender uma cultura única sem recuar a seu processo e sem transformar a ausência de história em a nossa história numa íntima temporalidade cer o presente E muito pouca história já que tal é indiferente o q uinho do ontólogo vale mais do que nenhuma 1975267 128 LILIA MORITZ SCHWARZ nia e diacronia estrutura e história O suposto era que não havia como lidar com diacronias estanques que abriam campos diversos e perspectivas que se antagonizavam Certos adendos devem ser feitos Em primeiro lugar LéviStrauss costumava ser melhor leitor de si do que de outras escolas de certa maneira suas interpretações sobre História da Antropologia levavam sempre ao estruturalismo Além disso desde os anos 70 foram muitas as contribuições que se dividiram entre aquelas que se opuseram francamente ao modelo estrutural e outras que seguiram o mestre francês de mais longe ou mais perto Não é hora de listar os autores que tomaram parte deste debate mas o que se pode dizer sem medo de errar é que nessa contenda Marshall Sahlins merece um lugar especial Definindose como uma espécie de estruturalista histórico Sahlins guarda no campo da Antropologia um papel mediador um bom mediador Em primeiro lugar a partir de seus trabalhos a temporalidade é retomada em sua dimensão social não sendo mais possível separar sincronia e diacronia Notase ainda como a tentativa de dar história a estrutura implicou em uma reavaliação do estrupo de uma utilização do conceito de estrutura em domínios e análises que destacam não a permanência mas antes a mudança É isso que faz Marshall Sahlins quando indaga pela existência de estruturas históricas cosmologias que estão sendo reordenadas historicamente Já em Cultura e Razão Prática a atenção do autor parece voltarse em direção à defesa da interpretação simbólica da cultura e para a crítica de sua visão utilitária e intencional Questionando as explicações pragmáticas que ignoram o código cultural que governa a utilidade Sahlins analisa o autoilusão de nossa sociedade que liga a impressão de que a produção não passa de um precipitado de uma racionalidade esclarecida O utilitarismo é a maneira pela qual a sociedade ocidental se experimenta e se interpreta mas não deixa de ser uma explicação de forma cultural Insistindo no significado social e cultural dos objetos de uso e da própria troca Sahlins mostra como a utilidade não é uma qualidadede objeto mas uma significação de qualidades objetivas Sahlins 1979189 É isso que permite concluir a existência de uma razão cultural uma significação simbólica nos hábitos alimentares nas práticas vestuárias nos rituais do cotidiano Mas se desenvolver nesses temas não levaria a junto com Sahlins indagar por que a rainha de copas em Alice no País das Maravilhas acabou por concluir que não se manda cortar a cabeça de alguém que se foi recémapresentado mais importa nesse momento da discussão enfatizar que a partir dos trabalhos de Sahlins avançamos como a ideia que os objetos são de ser possivel alargar o espectro estrutural ao fazêlo discutir com a História Foi em seu livro Historical Metaphors and Mythical Realities traduzido em parte neste número de Cadernos de Campo que Sahlins pela primeira vez enfrentou esse tipo de dilema pantanoso e interdisciplinar Como diz o autor O grande desafio para uma antropologia histórica é não apenas saber como os eventos são ordenados pela cultura mas nesse processo a cultura é reordered Como a reprodução de uma estrutura se torna a transformação 2000a139 Nos termos do autor o grande desafio era portanto não opor de forma mecânica estrutura à história mas perceber como relerutos locais passam sempre por estruturas anteriores Basicamente a ideia é muito simples As pessoas agem em relação às circunstâncias de acordo com seus próprios pressupostos cul 129 MARSHALL SAHLINS ON POR UMA ANTROPOLOGIA ESTRUTURAL E HISTÓRICA turais as categorias socialmente dadas de pessoas e coisas A pessoa ação no mundo a reavaliação do signo na prática e o retorno à estrutura entre sentido simbólico e referência simbólica o processo histórico se desdobrando num movimento contínuo e recíproco entre a prática da estrutura e a estrutura da prática 2000b139 Prática da estrutura estrutura da prática estária exposto uma espécie de diferença do autor que passaria a buscar ambivalências nas lógicas e leituras culturais que acomodam sistemas de longa curta e média duração A cultura não é jamais um papel em branco onde se inscrever modelos vindos de fora Ao contrário sua absorção passa pela reavaliação da própria estrutura pela história e viceversa É isso que Sahlins denomina em Ilhas de História como a reavaliação funcional de categorias nesse movimento que leva a nuançar dicotomias rígidas que em sendo opostas no debate disciplinar estrutura X história ciência X evento sincronia X diacronia indivíduo X sociedade acontecimento X longa duração Partindo de uma outra concepção de estrutura esse autor parece procurar historizar a noção de estrutura advogar a ideia de que é possível pensar em transformação estrutural e ao mesmo tempo verificar como as estruturas se realizam no interior da odeum cultural de alguma maneira destacada do curso histórico Partindo da concepção de estrutura de Hocart e não da noção sincrônica de Saussure como faz LéviStrauss Sahlins busca um afastamento do conceito atemporal de estrutura ao entendêla como um conjunto de relações mutuamente constrantes e por isso mesmo mutuamente definida entre signos 199016 tudo isso sem abandonar a história Com efeito para esse autor mesmo na representação mais abstrata da história ou seja na cosmologia a estrutura está em movimento Ela possuiria uma diacronia interna de forma que toda reintrodução é significaria uma reordenação de a sua própria alteração A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades de acordo com esquemas de significação das coisas mas o contrário também é verdadeiro esquemas culturais são ordenados historicamente porque em menor ou menor grau os significados são reavaliados na prática ibidem 38 O problema levaria portanto menos ao explodir o conceito de história pela experiência antropológica da cultura deixemos a história para historiadores como a introduzir a experiência histórica estourando o conceito antropológico de cultura e incluindo a estrutura a transformação de uma cultura também um modo de sua reprodução Estruturalmente a cultura significa nesse caso repensála para mostrar comoadorias diversas têm modos próprios de processos históricos E a história dessa maneira construída tanto no interior de uma sociedade como entre sociedades que repõem estruturas passadas na orquestração do presente 130 LILIA MORITZ SCHWARZ nome da convivência entre ambos Só dessa maneira será possível apreender invariantes e permanências estruturais porém resignificadas e portanto alteradas em contextos diversos As categorias alteramse na ação mas durante um diálogo com estruturas culturais anteriores Ela é a noção de dinâmica cultural que significa pensar que a produção de conteúdo é referida ao contexto mas retraduzida em função de modelos anteriores Isto é tratase de selecionar um conjunto de relações históricas que ao mesmo tempo reproduzem velhas categorias culturais e leis dão novos valores referidos a um contexto pragmático A reprodução da estrutura como sua própria transformação afirma Sahlins recupera seu próprio objeto a estrutura da prática e a prática da estrutura Sei por meio da análise das diferentes relações que o capitalismo as relações econômicas dos tipos de tradição e de mercado aqui convém lembrar quem como se fossem possíveis muitas mortes diversos capitais várias explicações A cultura surge definida como uma ordem estrutural se digna diante da história Em meio ao contexto contemporâneo quando se afirma a imposição de um sistema mundial e temese a tão falada globalização o modelo de Sahlins tem o mérito de mostrar que a incorporação do capitalismo em países periféricos se dá também de acordo e a partir das distintas lógicas nativas que geram resultados culturais diversos e muitas vezes inesperados É o retorno da cultura que vista a partir da ótica da recepção possibilita imaginar que não estaríamos todos condenados igualmente à globalização A obra de Sahlins sinaliza para rumos referentes da disciplina que encontram história na estrutura fazem dialogar sincronia e dia texto em que não se alteram certas correlações de força como se mundo passa a apresentarse como uma série de ilhas involuntárias diante da diversidade cultural apresentada Com efeito é o objeto que se rebela transformandose em sujeito chiados do terceiro mundo preocupados com a transformação e como a narrativa de sua própria história No interior desse movimento alterase se de recoque a própria posição do antropólogo o famoso você está porque também esteve na versão crítica de Clifford Geertz Mais uma vez abrimos mão de entrar diretamente nessa esfera Nesse caso o que importa é mostrar que neiraia Marshall Sahlins foi também atingido em sua condição de antropólogo de um país central Seu livro How Natives Think About Captain Cook for Example publicado em 1995 é antes o resultado de críticas que visaram reverter as críticas da gananath Obeyesekere um antropólogo nascido em Sri Lanka lhe recuso em The Apotheosis of Captain Cook European Mythmaking in the Pacific 1992 Acusado de perpetuar mitos do imperialismo ocidental de ver nos nativos havaianos apenas seres místicos que só poderiam entender um estrangeiro como deus e incapazes de produzir respostas pragmáticas Sahlins foi questionado em sua capacidade e em seu direito de falar e fazer história dos outros de traduzir um ponto de vista que não é seu Menos do que tomar partido importa reter a reação de Sahlins que ajuda a refletir sobre o lugar do antropólogo e a possibilidade de que tem de falar sobre seu objeto Em primeiro lugar Sahlins questiona o estatuto de nativo universal a que Obeyesekere se avoca Com que direito um nativo de Sri Lanka define Sahlins como outsider em relação aos povos do Pacífico Ou seja o que faria do ponto de vista de Obeyesekere um triunfo em termos de proximidade quando compara rádio a interpretação de Sahlins Por outro lado partindo do suposto que todos os nativos são iguais Obeyesekere procura neles apenas respostas racionais e pragmáticas Ora o que as obras de Sahlins sempre buscam em enfatizar foi a relação entre cosmologia e história razão prática e simbólica o que não é uma condição hiviana mas nos termos de LéviStrauss um estatuto universal Os argumentos de Obeyesekere levariam com efeito a outro tipo de etnocentrismo Se os havaianos seriam só e sempre apenas racionais ja os ocidentais durante duzentos anos permaneceriam incapazes de realizar algo além de reproduzir mitos e supor que os nativos os tomavam por deuses Ao transformar a etnografia em fábula Obeyesekere também pinta seus nativos e burgueses realistas fazendo deles o que somos Mais uma vez não se realiza boa história sem que se busque por diferentes culturas diferentes racialonalidades A partir das reações de Sahlins é fundamental recuperar a aposta de LéviStrauss em O Pensamento Selvagem e sua reafirmação de uma humanidade plural em suas culturas e simbologias mais universal em suas estruturas Insistindo na tese de que os nativos como nós não são só pragmáticos racionais e instrumentais em relação à realidade empírica Sahlins destaca a relação entre cosmologia e história e a importância da dimensão simbólica na análise política Aos povos colonizados nesta presença esperança de deixar de pensar simbolicamente e passar a ter uma visão racional Afinal não há povo que não classifique e construa simbolicamente seus universos culturais Em todas as sociedades reconhecemos nos termos de LéviStrauss a mão do bricoleur que coleciona objetos e a partir deles encontra uma lógica e a ótica do engenheiro que a partir do seu projetodeg novo produto Em 1973 acabou a Universidade de Chicago onde lecionou até hoje como Charles F Grey Distinguished Service Professor Emeritus of Anthropology and Social Sciences Em 1976 tornouse membro da American Academy of Arts and Sciences Sua obra traz importantes contribuições ao conhecimento etnográfico dos povos do Pacífico as temáticas da evolução cultural e da antropologia econômica além da relação entre cultura e história PUBLICAÇÕES 1960 Evolution and Culture 1986 Tribesmen Trad bras Sociedades Tribais Rio de Janeiro Zahar 1970 1972 Stone Age Economics 1976 Culture e Razão Prática Trad bras Rio de Janeiro Zahar 1979 1982 The Use of Abuse of Biology 1981 Historical Metaphors and Mythical Realities The Structure in the Early History of Samoa 1985 Islands of History Trad bras Ilhas de História Rio de Janeiro Zahar 1989 1992 Anábluta The Anthropology of History in The Kingdom of Hawaii 1995 How Natives Think About Captain Cook for Example BIBLIOGRAFIA GEERTZ Clifford Local knowledge Further essays in interpretative anthropology 1 ed New York Basic Books Inc 1983 GEERTZ Clifford Works and Lives The Anthropologist as Author 1 ed Stanford Stanford University Press 1988 LÉVISTRAUSS Claude Raça e História 1 ed brasil Editorial Perspectiva 1952 LÉVISTRAUSS Claude Etnologia e história In Antropologia estrutural Tradução Gáhan Samuel Katz e Eginardo Pires Revisa etnográfica de Júlio Cesar Melatti 4 ed Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1975 LÉVISTRAUSS Claude O Pensamento Selvagem Tradução Maria Celeste da Costa e Sousa e Almir de Oliveira Aguiar 2 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1976 LÉVISTRAUSS Claude A ideias e a literatura Traducion Editora Brasiliense S A Revisão Mario R Q Moraes ed Carlos Tomio Kurita 1 ed São Paulo Brasiliense 1986 MARCUS George FISCHER Michael Anthropology as cultural critique 1 ed Chicago The University of Chicago Press 1986 OBEYESIKERE Ganenth The Apotheosis of Captain Cook european mythmaking in the pacific 1 ed Princeton Princeton University Press 1990 MELATTI Júlio Cezar org RadcliffeBrown Antropologia Tradução Marcos A Le de S Coimbra e Orlando Pilatti 1 ed São Paulo Atica 1978 SAHLINS Marshall Cultural Metaphors and Mythical Realities 2 ed Ann Arbor The University of Michigan Press 1986 SAHLINS Marshall Ilhas de História 1 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar Editora 1990 SAHLINS Marshall How Natives Think About Captain Cook for example 1 ed Chicago The University of Chicago Press 1995 SAHLINS Marshall Introdução História e teoria estrutural Cadernos de Campo 9 2000a p 135139 SAHLINS Marshall Conclusão Estrutura e história Cadernos de Campo n 9 2000b p 139144