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Pedagogia ·

Pedagogia

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Educação de jovensadultos um campo de direitos e de responsabilidade pública Miguel González Arroyo As águas deste rio onde vão Eu não sei A minha vida inteira esperei Tom Jobin O campo da Educação de Jovens e Adultos tem uma longa história Diríamos que é um campo ainda não consolidado nas áreas de pesquisa de políticas públicas e diretrizes educacionais da forma ção de educadores e intervenções pedagógicas Um campo aberto a todo cultivo e onde vários agentes participam De semeaduras e cul tivos nem sempre bem definidos ao longo de sua tensa história Talvez a característica marcante do momento vivido na EJA seja a diversidade de tentativas de configurar sua especificidade Um campo aberto a qualquer cultivo e semeadura será sempre indefinido e ex posto a intervenções passageiras Podese tornar um campo despro fissionalizado De amadores De campanhas e de apelos à boa vonta de e à improvisação Um olhar precipitado rios dirá que talvez tenha 19 Diálogos na Educação de jovens e Adultos sido esta uma das marcas da história da EJA indefinição voluntaris mo campanhas emergenciais soluções conjunturais A configuração da EJA como um campo específico de responsa bilidade pública do Estado é sem dúvida uma das frentes do momen to presente Há indicadores que apontam nessa direção As univer sidades e os centros de pesquisa e de formação assumem os jovens e adultos e seus processos de formação como foco de pesquisas e de reflexão teórica O Grupo de Trabalho Educação de Jovens e Adul tos da ANPEd é um dos espaços de apresentação e troca dos produ tos dessas pesquisas Este pode ser um ponto promissor na reconfi guração da EJA as universidades em suas funções de ensino pesquisa e extensão se voltam para a educação de jovens e adultos Há outros indicadores promissores para a reconfiguração da EJA Além de se constituir como um campo de pesquisas e de formação a EJA vem encontrando condições favoráveis para se configurar como um campo específico de políticas públicas de formação de educado res de produção teórica e de intervenções pedagógicas Podemos encontrar indicadores novos de que o Estado assume o dever de res ponsabilizarse publicamente pela EJA Criase um espaço institucio nal no MEC na Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade Secade Discutese a EJA nas novas estruturas de funci onamento da educação básica Fundo de Manutenção e Desenvolvi mento do Ensino Básico Fundeb Criamse estruturas gerenciais es pecíficas para EJA nas Secretarias Estaduais e Municipais Por outro lado encontramos na sociedade sinais de preocupação com os milhões de jovens e adultos que têm direito à educação básica ONGs igrejas e cultos afrobrasileiros sindicatos e movimentos sociais especificamente os movimentos sociais do campo como o MST criam propostas voltadas à educação de jovens e adultos Instituições como UNESCO Abrinq Natura dão prioridade à EJA O compromisso dessa diversidade de coletivos da sociedade não é mais de campanhas nem de ações assistencialistas Um novo trato mais profissional está se consoli dando como indicador de que tanto o Estado quanto a sociedade em seus diversos atores são mais sensíveis aos jovens e adultos e a seus direitos à educação Surge uma nova institucionalidade entre o Estado e a socieda de Os Fóruns de EJA passaram a ser um novo espaço promissor 20 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo Poderíamos encontrar outros indicadores de que estamos em um tempo propício para a reconfiguração da EJA Um dos mais pro missores é a constituição de um corpo de profissionais educadoresas formadosas com competências específicas para dar conta das espe cificidades do direito à educação na juventude e na vida adulta As faculdades de Educação criam cursos específicos de formação para EJA Por outro lado hoje é mais fácil encontrar produção teórica e material didático específicos para esses tempos educativos Entretanto o que há de mais esperançoso na configuração da EJA como um campo específico de educação é o protagonismo da juventude Esse tempo da vida foi visto apenas como uma etapa preparatória para a vida adulta Um tempo provisório Nas últimas décadas vem se revelando como um tempo humano social cultural identitário que se faz presente nos diversos espaços da sociedade nos movimentos sociais na mídia no cinema nas artes na cultura Um tempo que traz suas marcas de socialização e sociabilidade de formação e intervenção A juventude e a vida adulta como um tempo de direitos humanos mas também de sua negação A sociedade e o Estado sensibilizados vão reconhecendo a urgência de elaborar e implementar políticas públicas da juventude dirigidas à garantia da pluralidade de seus direitos e ao reconhecimento de seu protagonis mo na construção de projetos de sociedade de campo ou de cidade Esse quadro trará seríssimas consequências na reconfiguração da Educação de Jovens e Adultos Esta será marcada sem dúvida pela orientação que forem adquirindo as políticas da juventude e o reconhecimento da especificidade humana social e cultural desses tempos da vida como tempos de direitos A visão reducionista com que por décadas foram olhados os alunos da EJA trajetórias esco lares truncadas incompletas precisará ser superada diante do pro tagonismo social e cultural desses tempos da vida As políticas de educação terão de se aproximar do novo equacionamento que se pretende para as políticas da juventude A finalidade não poderá ser suprir carências de escolarização mas garantir direitos específicos de um tempo de vida Garantir direitos dos sujeitos que os vivenciam Todo esse conjunto de indicadores aponta que estamos em um momento novo que exige como primeira estratégia a reconfiguração da EJA Entretanto essa reconfiguração não virá espontaneamente O 21 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos sistema escolar continua a pensar em sua lógica e estrutura interna e nem sempre tem facilidade para abrirse a essa pluralidade de indica dores que vem da sociedade dos próprios jovensadultos e de ou tras áreas de políticas públicas Exigese pois uma intencionalidade política acadêmica profissional e pedagógica no sentido de colocar nos na agenda escolar e docente de pesquisa de formação e de formu lação de políticas a necessidade de pensar idealizar e arquitetar a construção dessa especificidade da EJA no conjunto das políticas pú blicas e na peculiaridade das políticas educativas Constituir a educa ção de jovensadultos como um campo de responsabilidade pública Quem são esses jovensadultos Que elementos trazer para esta construção ou configuração nova da EJA Na diversidade de debates e de práticas podemos encontrar várias estratégias para essa configuração Encontramos uma maior sensibilidade por saber quem são esses jovensadultos Penso que a reconfiguração da EJA não pode começar por perguntarnos pelo seu lugar no sistema de educação e menos pelo seu lugar nas modalida des de ensino Partir desse foco vai nos confundir mais do que ajudar na reconfiguração da EJA A inserção escolar não pode ser o ponto de partida Seria uma pretensão desfocada A Educação de Jovens e Adultos tem de partir para sua configu ração como um campo específico da especificidade desses tempos da vida juventude e vida adulta e da especificidade dos sujeitos concretos históricos que vi venciam esses tempos Tem de partir das formas concretas de viver seus direitos e da maneira peculiar de viver seu direito à educação ao conhecimento à cultura à memória à iden tidade à formação e ao desenvolvimento pleno LDB n 939496 Art 1e 2 O ponto de partida deverá ser perguntarnos quem são esses jovens e adultos As pesquisas passaram a dar maior destaque ao conhecimento dos sujeitos da ação educativa Os cursos de formação passaram a dedicar tempos novos para que os educadores da EJA conheçam esses jovens e adultos Pesquisem e tenham acesso aos estudos sobre a história social da juventude sobre o olhar da sociolo gia da antropologia e da historiografia Quanto mais se avançar na 22 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo configuração da juventude e da vida adulta teremos mais elementos para configurar a especificidade da EJA a começar por superar vi sões restritivas que tão negativamente a marcaram Por décadas o olhar escolar os enxergou apenas em suas trajetórias escolares trun cadas alunos evadidos reprovados defasados alunos com proble mas de frequência de aprendizagem nãoconcluintes da Ia à 4a ou da 5a à 8a Com esse olhar escolar sobre esses jovensadultos não avan çaremos na reconfiguração da EJA Sem dúvida que um dos olhares sobre esses jovens e adultos é vêlos como alunosas tomarmos consciência de que estão privados dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir Que milhões estão à margem desse direito Que o analfabetismo e os baixos índices de escolarização da população jovem e adulta popular são um gravíssi mo indicador de estarmos longe da garantia universal do direito à edu cação para todos Colocamonos nessa perspectiva é um avanço em relação às velhas políticas de suplência Porém o olhar pode não mu dar Continuam sendo vistos pelas carências e lacunas no percurso escolar O direito dos jovens e adultos à educação continua sendo visto sob a ótica da escola da universalização do ensino fundamental de dar novas oportunidades de acesso a esses níveis nãocursados no tempo tido em nossa tradição como oportuno para a escolarização A EJA continua sendo vista como uma política de continuidade na esco larização Nessa perspectiva os jovens e adultos continuam vistos na ótica das carências escolares não tiveram acesso na infância e na adolescência ao ensino fundamental ou dele foram excluídos ou dele se evadiram logo propiciemos uma segunda oportunidade A EJA somente será reconfigurada se esse olhar for revisto Se o direito à educação ultrapassar a oferta de uma segunda oportunidade de escolarização ou na medida em que esses milhões de jovens adultos forem vistos para além dessas carências Um novo olhar de verá ser construído que os reconheça como jovens e adultos em tempos e percursos de jovens e adultos Percursos sociais onde se revelam os limites e possibilidades de ser reconhecidos comosujei tos dos direitos humanos Vistos nessa pluralidade de direitos se destacam ainda mais as possibilidades e limites da garantia de seu direito à educação Não se trata de secundarizar esse direito mas de não o isolar dos tortuosos percursos de suas específicas formas de 23 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos se realizar como seres humanos A EJA adquire novas dimensões se o olhar sobre os educandos se alarga Como ver esses jovensadultos Reconhecendo e entendendo seu protagonismo A visibilidade com que a juventude emerge nas últimas décadas e seu protagonismo não vêm apenas das lacunas escolares das trajetórias escolares truncadas mas vêm das múltiplas lacunas a que a sociedade os condena Sua visibilidade vem de sua vulnerabilidade de sua presença como sujeitos sociais culturais vivenciando tempos da vida sobre os quais incidem de maneira pecu liar o desemprego e a falta de horizontes como vítimas da violência e do extermínio e das múltiplas facetas da opressão e exclusão social As carências escolares se entrelaçam com tantas carências sociais Nesse olhar mais abrangente da juventude as políticas públicas e as políticas educativas da juventude como EJA adquirem configura ções muito mais abrangentes Radicalizam o legítimo direito à educa ção para todos Esse todos abstrato se particulariza em sujeitos concretos Essa mudança de olhar sobre os jovens e adultos será uma pre condição para sairmos de uma lógica que perdura no equacionamento da EJA Urge ver mais do que alunos ou exalunos em trajetórias esco lares Vêlos jovensadultos em suas trajetórias humanas Superar a dificuldade de reconhecer que além de alunos ou jovens evadidos ou excluídos da escola antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas eles e elas carregam trajetórias perversas de exclusão social vivenciam trajetórias de negação dos direitos mais básicos à vida ao afeto à alimentação à moradia ao trabalho e à sobrevivência Negação até do direito a ser jovem As trajetórias escolares truncadas se tornam mais perversas porque se misturam com essas trajetórias humanas Se reforçam mutuamente A EJA como política pública adquire uma nova configuração quando equacionada na abrangência das políticas públi cas que vêm sendo exigidas por essa juventude Diante da vulnerabilidade de suas vida o direito à educação foi e continuará sendo vulnerável Consequentemente não se trata de secun darizar a universalização do direito ao ensino fundamental para esses jovensadultos Tratase de não separar esse direito das formas concre tas em que ele é negado e limitado no conjunto da negação dos seus direitos e na vulnerabilidade e precariedade de suas trajetórias humanas 24 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo Entretanto o protagonismo da juventude não vem apenas das ca rências Esses jovensadultos protagonizam trajetórias de humanização Consequentemente devemos vêlos não apenas pelas carências sociais nem sequer pelas carências de um percurso escolar bemsucedido Uma característica do olhar da historiografia e sociologia é mostrarnos como os jovens se revelam protagonistas nas sociedades modernas nos movimentos sociais do campo ou das cidades Se revelam prota gonistas pela sua presença positiva em áreas como a cultura pela pressão por outra sociedade e outro projeto de campo pelas lutas por seus direitos Tratase de captar que nessa negatividade e posi tividade de suas trajetórias humanas passam por vivências de jo vensadultos onde fazem percursos de socialização e sociabilidade de interrogação e busca de saberes de tentativas de escolhas e for mação de valores As trajetórias sociais e escolares truncadas não significam sua paralisação nos tensos processos de sua formação mental ética identitária cultural social e política Quando voltam à escola carregam esse acúmulo de formação e de aprendizagens Ver esses processos formadores pode significar uma reconfigu ração da própria EJA da formação dos educadores dos conhecimen tos a serem trabalhados dos processos e das didáticas A EJA como espaço formador terá de se configurar reconhecendo que esses jo vens e adultos vêm de múltiplos espaços deformadores e formadores onde participam Ocupam espaços de lazer de trabalho cultura sociabilidade fazem parte de movimentos de luta pela terra pelo teto e pelo trabalho pela cultura pela dignidade e pela vida Criam redes de solidariedade e de trocas culturais de participação nas suas co munidades e assentamentos na cidade e nos campos Esse olhar mais totalizante e mais positivo do protagonismo dos jovensadultos poderá ser determinante à educação Uma nova compreensão da con dição juvenil levará a uma nova compreensão do seu direito à educa ção Consequentemente levará a uma nova compreensão da EJA Essa postura supõe ver a juventude e a vida adulta como tem pos de direitos Da totalidade dos direitos e especificamente do direi to à educação Consequentemente afirmar políticas da juventude in clusive educativas Entretanto dependendo da visão que se tenha desse protagonismo as políticas terão um sentido ou outro Se a socieda de e o Estado se preocupam com a juventude como uma ameaça como 25 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos um tempo de carência de valores e condutas por seus comportamen tos ameaçadores e violentos as políticas terão a marca preventiva Por vezes as políticas educativas e a própria EJA se afirmam nessa direção preventiva moralizante salvemos a juventude popular é cla ro da violência da droga e da prostituição e até do desespero diante da falta de horizontes de sobrevivência e emprego Nesse equaciona mento a EJA não sai de onde sempre esteve um remédio para suprir carências seja de alfabetização de escolarização seja de fome e ex clusão e agora de violência e deterioração moral A configuração da EJA sempre terá a cara da configuração que a sociedade e o Estado fizerem do protagonismo ameaçador que nossa cultura vê nos seto res populares Como é pesado esse olhar negativo sobre a juventude popular É um traço de nossa cultura elitista A EJA vem pagando um alto tributo quando se deixa impregnar por esse olhar negativo sobre a juventude popular Educação de Jovens e Adultos e Políticas Públicas A EJA sairá dessa configuração supletiva preventiva e morali zante se mudar o olhar sobre os jovensadultos e os ver com seu protagonismo positivo sujeitos de direitos e sujeitos de deveres do Estado Aí poderá se configurar como política pública como dever de Estado As possibilidades de reconfigurar esse direito à educação passam por aí por avançarmos em uma visão positiva dos jovens e adultos populares por reconhecêlos como sujeitos de direitos Con sequentemente por criar uma nova cultura política que o Estado re conheça seu dever na garantia desse direito A EJA somente será outra do que foi e ainda é se for assumida como política pública se for equacionada no campo dos direitos e deveres públicos Esses avan ços exigem clareza por parte dos diversos atores que intervêm nesse campo tão aberto e indefinido Esses diversos atores sociais que his toricamente tentam a educação dos jovens e adultos populares terão de abandonar orientações supletivas compassivas preventivas e mo ralizantes e redefinir suas ações reconhecendo em cada jovem ou adulto um sujeito de direitos e consequentemente pressionar o Es tado para que assuma seu dever de garantir esse direito Essa em preitada não exclui os diversos atores sociais que historicamente se fazem presentes no campo da EJA porém exigirá um horizonte 26 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo público de direitos e deveres Exigirá uma definição mais precisa desse campo não fechálo a diversas semeaduras porém todas mar cadas pelo reconhecimento da educação desses jovensadultos como um direito e consequentemente como um dever público De Estado Por que a indefinição se lastra por décadas nesse campo Por que não foi reconhecido nem pela sociedade nem pelo Estado como um direito e um dever como uma responsabilidade pública A ausên cia dos governos levou agentes diversos da sociedade a assumir sua responsabilidade diante de uma realidade cada vez mais premente quem daria conta da obrigação ética social política de garantir o direito à educação de milhões de jovensadultos populares Por que o Estado continuou tão ausente A compreensão dessa questão nos remete ao campo do reconhecimento social dos direitos Nas últimas décadas a responsabilidade do Estado avançou nas áreas em que a educação foi reconhecida como direito o ensino fundamental de sete a 14 anos Apenas Essa restrição do direito à educação apenas a crianças e adolescentes de sete a 14 anos deixou de fora o direito da infância dos jovensadultos da formação profissional dos trabalha dores da educação de portadores de necessidades especiais O Fun def como responsabilidade do Estado é um marco nessa estreiteza de reconhecimento do direito à educação e do dever do Estado apenas à idade de 7 a 14 anos E os outros tempos não são também tempos de direitos Essa estreita visão do direito à educação legitimou que os tempos da juventude e vida adulta fossem reconhecidos como tem pos de suplência porque esses jovensadultos não teriam sido esco larizados quando estavam com 714 anos A EJA vem se enredando nessa estreiteza do reconhecimento do direito à educação apenas ao ensino fundamental e apenas a essa idade sete a 14 anos Sem alargar essa estreita visão do direito à educação não sairemos do mesmo lugar a EJA continuará um tempo de suplência Ultimamente os termos suplência supletivo vão sendo abandonados porém a lógica continua a mesma Falamos em EJA de la4a e de 5a8a O direito à educação continua restrito ao ensino fun damental e à idade de 7 a 14 anos porém se abre uma brecha para esse direito ao ensino fundamental para além dos 14 anos para suprir o cardápio intelectual que deveriam ter recebido quando crianças e ado lescentes O reconhecimento da juventude e da vida adulta como um 27 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos tempo específico de direito à educação está ainda muito distante de ser legitimado na sociedade e no Estado inclusive nos atores mais comprometidos com EJA Se pretendemos reconfigurar a Educação de Jovens e Adultos teremos de começar por reconfigurar a estreiteza com que vem sendo equacionado o direito à educação em nossa tradi ção política e pedagógica O embate tem de se dar no campo do alarga mento dessa estreita concepção dos direitos sociais humanos A his tória mostra que o direito à educação somente é reconhecido na medida em que vão acontecendo avanços sociais e políticos na legitimação da totalidade dos direitos humanos A reconfiguração da EJA estará atre lada a essa legitimação Sujeitos coletivos de direitos Há indicadores de que a consciência dos direitos vem avançan do Vários caminhos vêm sendo trilhados para alargar essa estreita visão dos direitos Os agentes que vêm pressionando pelo alargamen to dessa estreita visão são os movimentos sociais das cidades e dos campos A participação dos jovens nesses movimentos os leva a reco nhecerse como sujeitos específicos de direitos A presença de milhões de jovensadultos fazendo tantos sacrifícios por sua educação pode ser lida como um sinal inequívoco de que se reconhecem sujeitos de direitos e exigem da sociedade e do Estado esse reconhecimento Esses pontos merecem pesquisas mais detidas qual o papel histórico dos movimentos sociais e da diversidade de ações coleti vas na afirmação dos direitos à vida ao trabalho e à terra à alimenta ção e à moradia à saúde e à educação à memória e à identidade Toda essa mobilização dos trabalhadores das cidades e dos campos das mulheres dos povos negros e indígenas dos jovens tem um ponto em comum se reconhecem sujeitos de direitos e exigem seu reconhe cimento social e político Teimar em reduzir direitos a favores à assis tência à suplência ou a ações emergenciais é ignorar os avanços na construção social dos direitos entre eles à educação de jovens e adultos A EJA somente se afirmará entrando nos espaços que os movimentos sociais vão abrindo nas lutas por seus direitos Falase muito hoje em parcerias entre a sociedade seus diversos atores e o Estado porém as parcerias que contribuirão na configuração da EJA 28 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo como garantia de direitos e como dever de Estado serão aquelas que situam suas intervenções na legitimação dos direitos dos excluídos dos setores populares aqueles atores sociais que superarem visões assistencialistas para com esses setores populares que os reconhe cerem sujeitos coletivos de direitos na totalidade dos direitos huma nos Criar alguns espaços para a continuidade de estudos dos jovens e adultos populares nada ou pouco fazendo por mudar as estruturas que os excluem do trabalho da vida da moradia de sua memória cultura e identidade coletiva não configurará a EJA no campo dos direitos As experiências mais determinantes na história de EJA foram aquelas vinculadas aos movimentos sociais tão determinantes do avanço da legitimidade dos direitos Esses avanços pressionam pelo reconhecimento da infância dos portadores de necessidades dos trabalhadores dos jovensadul tos como coletivos de direitos e não de favores e suplências Assumir essas pressões coletivas implicará assumir outra configuração públi ca para a educação infantil educação especial educação profissio nalizante e também educação de jovens e adultos É extremamente significativo que seja nos movimentos sociais em suas ações coleti vas que encontraremos propostas mais corajosas de EJA Propostas mais próximas da especificidade das vivências dos jovensadultos populares Propostas que veêm a EJA como um tempo de direitos de sujeitos específicos e em trajetórias humanas e escolares específicas Em movimento Os movimentos sociais nos chamam a atenção para outro ponto que as trajetórias desses jovensadultos são trajetórias de coletivos Desde que a EJA é EJA esses jovens e adultos são os mesmos pobres desempregados na economia informal negros nos limites da sobrevi vência São jovens e adultos populares Fazem parte dos mesmos cole tivos sociais raciais étnicos culturais O nome genérico educação de jovens e adultos oculta essas identidades coletivas Tentar reconfigu rar a EJA implica assumir essas identidades coletivas Tratase de traje tórias coletivas de negação de direitos de exclusão e marginalização consequentemente a EJA tem de se caracterizar como uma política afir mativa de direitos de coletivos sociais historicamente negados Afir mações genéricas ocultam e ignoram que EJA é de fato uma política afirmativa e como tal tem de ser equacionada Consequentemente tem 29 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos de ir além das formas genéricas de tentar garantir direitos para todos Tratase de direitos negados historicamente Os jovensadultos populares não são acidentados ocasionais que ou gratuitamente abandonaram a escola Esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação de direitos Histórias coletivas As mesmas de seus pais avós de sua raça gênero etnia e classe social Quando se perde essa identidade coletiva racial social popu lar dessas trajetórias humanas e escolares perdese a identidade da EJA e passa a ser encarada como mera oferta individual de oportuni dades pessoais perdidas As trajetórias humanas e escolares desses jovensadultos merecem ser lidas nessa perspectiva Assumida esta dimensão direitos negados historicamente aos mesmos coletivos sociais raciais consequentemente teremos de assumir a EJA como uma política afirmativa como um dever específico da sociedade do Estado da pedagogia e da docência para com essa dúvida histórica de coletivos sociais concretos Aprendendo com a História da Educação de JovensAdultos Estamos defendendo que a reconfiguração da EJA virá do reco nhecimento da especificidade dos jovensadultos com suas trajetórias de vida seu protagonismo social e cultural suas identidades coleti vas de classe género raça etnia Virá do reconhecimento de sua vulnerabilidade histórica e das formas complicadas em que se enre dam essas trajetórias humanas com suas trajetórias escolares Entre tanto virá também de um olhar atento à própria história da educação de jovens e adultos A questão passa a ser como ver essa longa tensa e rica história Um olhar apressado sobre essa história tende a ver apenas na EJA um campo indefinido descoberto ou aberto a todo tipo de propostas de intervenções as mais desencontradas predominando um trato na base de companhias e experimentações conjunturais Porém essa leitura é parcial apesar de ter sido a que se impôs no imaginário da formulação de políticas da didática da organização escolar e até do recontar de nossa história da educação Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo Podemos aproximarnos com outro olhar e ver uma riqueza nes se caráter aberto e nessa diversidade de atores e de intervenções De fato a abertura à diversidade tem sido um traço da história da EJA Diversidade de educandos adolescentes jovens adultos em várias idades diversidade de níveis de escolarização de trajetórias escola res e sobretudo de trajetórias humanas diversidade de agentes e instituições que atuam na EJA diversidade de métodos didáticas e propostas educativas diversidade de organização do trabalho dos tempos e espaços diversidade de intenções políticas sociais e peda gógicas Essa diversidade do trato da educação de jovens e adultos pode ser vista como uma herança negativa Porém pode ser vista também como riqueza Pode refletir a pluralidade de instituições da sociedade de compromissos e de motivações tanto políticas como pedagógicas É significativo que todos os movimentos sociais revo lucionários democráticos e progressistas incorporem em seus pro gramas a educação do povo a erradicação do analfabetismo a cons cientização e politização dos jovens e adultos A EJA sempre aparece vinculada a um outro projeto de sociedade um projeto de inclusão do povo como sujeito de direitos Foi sempre um dos campos da educa ção mais politizados o que foi possível por ser um campo aberto não fechado e nem burocratizado por ser um campo de possíveis inter venções de agentes diversos da sociedade com propostas diversas de sociedade e do papel do povo Por outro lado essa diversidade fez com que os movimentos pe dagógicos progressistas penetrassem na EJA com maior facilidade do que no fechado sistema escolar O caráter aberto e diverso permitia que as teorias e propostas progressistas em educação encontrassem maior facilidade e menor resistência para serem aceitas do que nas outras modalidades do ensino Nestas modalidades deramse inovações di dáticas e curriculares de ensino e aprendizagem Entretanto pouca abertura houve a inovações nas concepções educativas nas matrizes formadoras do ser humano A EJA por ter sido sempre um campo menos de ensino e mais de formaçãoeducação esteve sempre mais aberta a inovações vindas da renovação das teorias da formação soci alização aculturação politização conscientização Essa riqueza que acompanhou a história da EJA exatamente por que marcada pela diversidade mereceria pesquisas atentas na área da 31 30 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos história da educação e dos movimentos e teorias de renovação peda gógica Possivelmente pesquisas cuidadosas revelem uma imagem da EJA mais rica como campo de inovação educativa do que a imagem apressada de um campo apenas de campanhas e de improvisação Um dado pode ser revelador na história da América Latina o Movimento de Educação Popular hoje reconhecido como inovador da teoria educativa encontrou na Educação de Jovens e Adultos um campo mais aberto do que na instituição escolar Recentemente mui tos dos ideais educativos da Educação Popular vêm marcando pro postas educativas dos sistemas escolares Mais particularmente vêm marcando as propostas educativas dos movimentos populares A abertura e a diversidade na educação de jovensadultos podem ter sido características propícias à criatividade e à inovação de práticas e teorias pedagógicas A imagem da EJA tem de ser reconstruída com olhares menos negativos Sobretudo tem de ser reconstruída pesqui sando com um olhar não escolarizado ou onde não se compare a EJA com o suposto modelo ideal de escolarização que temos Ainda é dominante a visão de que a forma de educação escolar formal que se consolidou nos últimos séculos com sua rigidez hie rarquias disciplinas e grades é a organização ideal para garantir o direito ao conhecimento consequentemente qualquer outra forma de organização será vista como indefinida nãoformal consequente mente será avaliada como negativa atrasada desprofissionalizada Nesta dicotomia entre educação formal escolar como positiva e edu cação nãoformal a EJA tem sido avaliada como o atraso e a improvi sação Consequentemente será defendida a institucionalização da educação de jovens e adultos nos moldes e modalidades organizati vas do ensino fundamental e médio com sua rigidez grades e disci plinas cargas horárias frequências hierarquias e avaliações Vive mos um momento em que a configuração da EJA é vista como deixar de ser educação nãoformal para entrar na formalidade escolar So mente assim os direitos dos jovens e adultos à educação seriam leva dos a sério A longa história da EJA mostra inúmeros educadores e institui ções inúmeras práticas e teorias pedagógicas sérias que vêm resis tindo a esse olhar polarizado Sem superar essa polarização dificil mente reconstruiremos a história de nossa educação e será difícil a 32 Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo configuração da EJA como campo de direitos e como política pública de Estado Sem dúvida que também será urgente pesquisar os riscos des sas características da EJA indefinição e diversidade Riscos de im precisão desprofissionalização isolamento de agentes e frentes amadorismo descontinuidade etc Esses riscos ou limites têm sido mais destacados na história da educação de jovensadultos do que as riquezas a que nos referimos antes Daí a imagem tão negativa da EJA que se passa na formulação de políticas e normas Uma visão mais equilibrada menos parcial ajudará na sua configuração Inclusi ve ajudará a superar os limites e a articular essa fecunda riqueza que foi possível pela diversidade que caracteriza esse campo da educa ção Urge produzir pesquisas históricas que reconstruam a imagem real da educação de jovens e adultos e superem a imagem bastante preconceituosa que ainda é dominante Se partirmos dessa imagem não conseguiremos configurar um campo do direito à educação de milhões de jovens e adultos populares Frente a essa ênfase na indefinição e imprevisão na diversidade de atores tempos propostas e intervenções poderíamos enfatizar o que nessa modalidade de educação foi sempre uma constante a vul nerabilidade dos jovens e adultos com que EJA nessa diversidade vem trabalhando Há constâncias que merecem a atenção das pesqui sas e das políticas púbicas por décadas esses jovens e adultos são os mesmos pobres oprimidos excluídos vulneráveis negros das perife rias e dos campos Os coletivos sociais e culturais a que pertencem são os mesmos Essas constâncias históricas têm sido mais determinantes na história da sua educação do que a indefinição imprevisão e diversi dade de atores de ações espaços e intervenções Mais ainda essas características históricas tidas como negativas na história da EJA so mente se explicam pelas constâncias perversas a que continuam sub metidos os coletivos sociais raciais culturais com que a EJA vem trabalhando É a persistente realidade brutal a que continuam submeti dos esses coletivos que toma persistentes as características tidas como negativas na EJA indefinição descompromisso público improvisa ção Um olhar mais atento às continuidades e constâncias dos jovens e adultos poderá redefinir a visão apressada e despectiva com que se narra a história de sua educação 33 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos Continuo defendendo que estamos em um momento muito deli cado para a EJA ou diluíla nas modalidades escolarizadas de ensino fundamental e médio vistas como a forma ideal ou configurála como um campo específico do direito à educação e à formação de coletivos marcados por constantes sociais Defendo esta segunda alternativa ainda que mais complexa e desafiante para a pesquisa a teorização e a formulação de políticas e de normas Considero que estamos em um tempo oportuno propício para tentar essa configuração com sua espe cificidade Sem dúvida que essa tarefa exige superar improvisações e amadorismos porém exige sobretudo não jogar fora a rica diversidade e a abertura que caracterizam essa história não ter esquecido a especi ficidade dos coletivos sociais jovensadultos populares O que aprender da História da educação de JovensAdultos Na própria história da EJA podemos encontrar elementos para avançar nessa direção Um dos capítulos mais marcantes nessa his tória o Movimento de Educação Popular continua apontando hori zontes Vejamos alguns traços que podem ajudar na configuração da especificidade desse campo educativo Primeiro Partir de uma visão realista dos jovensadultos O Movimento de Educação Popular foi até acusado de dar demasiada centralidade às trajetórias humanas dos educandos em suas concep ções e propostas de EJA Seria melhor reconhecer que em sua visão não cabia qualquer simplificação das trajetórias dos setores popula res Nem sequer uma visão simplificada de suas trajetórias escolares Muitos educadores da EJA sensíveis aos educandos populares sa bem que esses jovensadultos se debatem com uma sensação de caminhos cortados Em cada encruzilhada ou chegada pode estar a frustração e a pergunta inevitável cheguei ao final do caminho O que se abre a minha frente O abismo a outra margem a borda E depois dela O vazio Tentar de novo a escola pode significar que esperam ainda transpor essa borda e poderão moverse em outros territórios Porém voltando à escola nem todos experimentarão a sensação de que suas escolhas se tornarão mais facilitadas Nem com a volta ao estudo suas trajetórias se tornarão planas A história da 34 Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo EJA apesar de seus limites não perdeu a sensibilidade para os limi tes que a sociedade impõe aos oprimidos Segundo O Movimento de Educação Popular nos legou uma leitura positiva do saber popular Os jovens e adultos acumularam em suas trajetórias saberes questionamentos significados Uma pro posta pedagógica de EJA deverá dialogar com esses saberes É significativo que uma das ênfases da Educação Popular e de Paulo Freire é no caráter dialogai de toda relação pedagógica Falam sobretudo de suas experiências na educação de jovens e adultos populares Reconheciam que estes carregam para a relação pedagó gica saberes conhecimentos escolhas experiências de opressão e de libertação Carregam questões diferentes daquelas que a escola maneja Essas diferenças podem ser uma riqueza para o fazer educati vo Quando os interlocutores falam de coisas diferentes o diálogo é possível Quando só os mestres têm o que falar não passa de um monólogo Os jovens e adultos carregam as condições de pensar sua educação como um diálogo Se toda educação exige uma deferência pelos interlocutores mestres e alunosas quando esses interlocuto res são jovens e adultos carregados de tensas vivências essa defe rência deverá ter um significado educativo especial A possibilidade de diálogo será mais fácil entre mestresadultos e educandosjovensadultos As questões vivenciadas serão mais próximas e que os mestres não deixarão nenhuma questão daqueles sem resposta Mas a proximidade da idade não transpõe todas as distâncias sociais raciais e culturais Partir dos saberes conhecimentos interrogações e significados que aprenderam em suas trajetórias de vida será um ponto de partida para uma pedagogia que se paute pelo diálogo entre os saberes esco lares e os saberes sociais Esse diálogo exigirá um trato sistemático desses saberes e significados alargandoos e propiciando o acesso aos saberes conhecimentos significados e a cultura acumulados pela sociedade A história da EJA se debateu sempre com essas deli cadas relações e diálogos entre reconhecer o saber popular como parte do saber socialmente produzido e a garantia do direito ao co nhecimento entre reconhecer os processos populares de produção e apreensão do conhecimento como parte dos processos humanos de conhecimento e a garantia do direito à ciência e à tecnologia entre 35 Diálogos na Educação de jovens e Adultos reconhecer a cultura popular como uma riqueza da cultura humana e a garantia do direito às ferramentas da cultura universal Houve impro visações tratos pouco sérios porém houve também diálogos fecun dos que enriqueceram o pensar e o fazer educativos Esse diálogo é um legado que não pode ser perdido Terceiro Chegamos a um ponto importante na história da EJA ter sido um rico campo da inovação da teoria pedagógica O Movi mento de Educação Popular e Paulo Freire não se limitaram a repensar métodos de educaçãoalfabetização de jovensadultos mas recolo caram as bases e teorias da educação e da aprendizagem EJA tem sido um campo de interrogação do pensamento pedagógico O que levou a essa interrogação Perceber a especificidade das trajetórias dos jovensadultos Quando jovens e adultos educandos são populares com trajetó rias humanas tão difíceis de entender terminam interrogando a do cência e a pedagogia A pedagogia e a docência são interrogadas uma vez que os jovens carregam trajetórias fragmentadas que se que se contrapõem a linearidade do pensar e fazer pedagógico O sonho da escola é que todas as trajetórias escolares fossem lineares sempre progredindo sem quebras subindo as séries sem escorregar apren dendo em progressão contínua em ritmos acelerados Quaisquer alunosas que não seguirem essa linearidade serão catalogados como alunos com problemas de aprendizagem de ritmos lentos de pro gressão descontínua desacelerada A maior parte ou a totalidade das trajetórias dos alunos e alunas que volta a EJA não se enquadram nessa esperada linearidade Contrapõemse a essa linearidade Con testamna Interrogam as bases teóricas se é que existem dessa su posta linearidade nos processos de aprender e de desenvolvimento humano Qualquer proposta de EJA que acredite nessa linearidade dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano nascerá fracassada incapaz de entender seres humanos que carregam trajetó rias fragmentadas negação de qualquer linearidade Aqui situase um dos pontos mais tensos entre as velhas cren ças da pedagogia certas pedagogias e a educação de jovens e adultos populares Por aí percebemos como o Movimento de Educação Popular foi radical ao rever velhas concepções pedagógicas lineares sobre a formação humana no diálogo com a educação do povo A EJA 36 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo tem de assumirse como um campo radical do repensar e do fazer pedagógicos Assim foi ao longo de sua incômoda história Se a peda gogia tem por função interpretar e intervir nos processos da formação e da aprendizagem humanas a EJA pode ajudar a fornecer pistas para que formas nãolineares mais complexas de constituirnos humanos venham à luz e instiguem a pedagogia a refletir sobre elas Sobretudo quando essas formas fragmentadas truncadas são trajetórias de mi lhões de crianças e adolescentes de jovens e adultos com que a escola se defronta cotidianamente Em vez de condenar essas trajetórias por não obedecerem a supostos processos lineares a pedagogia e a do cência terão de redefinir suas crenças sob pena de continuar excluindo milhões de seres humanos apenas por serem condenados a trajetórias tão fragmentadas e descontínuas Aliás não será essa nãolinearidade um traço comum em toda aprendizagem humana Atualmente o avanço das teorias da aprendizagem da formação e do desenvolvimento humano está fecundando a pedagogia e nos ajuda a recolocar muitas sensibilidades aprendidas na história da EJA Por exemplo a centralidade das vivências da cultura do universo de valores dos sistemas simbólicos dos educandos e dos educadores nos processos de aprendizagem Essas sensibilidades fazem parte da história da EJA Não podem ser esquecidas nas tentativas de sua con figuração Deverão ser aprofundadas à luz de novas bases teóricas Quarto Recuperando o foco na educação Ao longo da história da EJA o foco temse mantido no termo educação e não ensino Esse uso do termo educação teria sido gratuito As trajetórias de jovens e adultos recolocam uma questão que está na raiz da pedagogia a educabilidade humana As trajetórias de jovens e adultos populares estranham a docência porque não cabem nas crenças na linearidade dos processos de aprendizagem mas também porque essas trajetórias quebram outra crença da pedagogia a bondade inocência educabi lidade com que tem sido imaginada a infância que a pedagogia apren deu a acompanhar e a ensinar Como manter essas ingênuas crenças na educabilidade espontânea humana diante de trajetórias de jovens e adultos que revelam a banalização do mal não tanto nas suas con dutas de alunosas mas na sociedade que os mantém nos limites das possibilidades de humanização Essas trajetórias contestam olhares tradicionais e ingênuos sobre a educabilidade humana Todo ser 37 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos humano é mesmo educando nas condições inumanas a que é subme tido E uma das interrogações mais de raiz para a autoimagem da pedagogia e da docência Na EJA os professores intuem que ser mestres ensinantes é muito porém exigese mais Essas vidas exigem respostas no plano da educação dos valores e do sentido do bem e do mal Da ética ou falta de ética de nossa sociedade Não é por acaso que a letra E de EJA não é de ensino mas de educação de jovens e adultos Ainda bem que a LDB manteve Educação de Jovens e Adultos talvez por que nessas idades e nessas trajetórias populares as grandes inter rogações vinham do campo dos valores do sentido do bem e do mal das possibilidades e limites da humanização que tão profundamente marcam suas trajetórias Mais uma vez é bom relembrar que já nos anos 60 a Educação Popular pensou a formação do povo como educação não apenas ensino Como possibilidades de humanizaçãodesumanização Atre lou a EJA aos ideais de emancipaçãolibertação igualdade justiça cultura ética valores Ideais experimentados como aspirações na di versidade dos movimentos populares Seria suficiente deixar que os próprios jovensadultos nos revelem alguns dos momentos fortes de suas vidas para vermos que essas interrogações são uma constante ainda hoje Esses jovensadultos populares criam personagens den sos interrogantes sobre os valores os preconceitos as crenças os significados da vida Questões que levam à EJA e que interrogam os saberes escolares as didáticas e a docência Como ignorar essas desafiantes interrogações Que respostas temos como profissionais do conhecimento Quinto Na história da EJA podemos encontrar uma relação ten sa com os saberes escolares Os próprios jovensadultos levam a EJA essa tensa relação Não pode ser ignorada Suas trajetórias escolares truncadas e retomadas estão marcadas por reprovações e repetências indicadoras de uma tensão que vem desde a infância Desde o pré escolar Seriam menos capazes para aprender os saberes escolares São indolentes e não têm consciência de seu direito ao conhecimento ou esperam outros conhecimentos Que conhecimento responderá a suas interrogações Deixarnos desafiar por suas interrogações seria uma postura própria de profissionais do conhecimento 38 Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo Na história da EJA não faltou essa postura de escuta e interro gação diante dos saberes valores e culturas populares Populismo ingénuo alguns interpretaram Os avanços nos estudos sobre o conhecimento e a cultura sobre o processo civilizador deixaram mais tranquilo o reconhecimento do saber e do conhecimento dos valores e da cultura populares como uma produção que exige reconhecimen to e trato profissional A EJA colocou sempre à escola esta pergunta por que o conhecimento escolar continua tão duro em relação a esse saber popular Os jovensadultos que carregam para a escola trajetó rias tão interrogantes dos valores e dos conhecimentos estabeleci dos merecem um olhar amável e reconhecido das interrogações que a vida lhes coloca Para muitos professores as interrogações que vieram das vidas dos jovensadultos são uma nova luminosidade para rever os conhe cimentos escolares Apostam que novas formas de garantir o direito ao conhecimento são possíveis quando os educandos são jovens e adultos que em suas trajetórias carregam interrogações existenciais sobre a vida o trabalho a natureza a ordemdesordem social sobre sua identidade sua cultura sua história e sua memória sobre a dor o medo o presente e o passado Sobre a condição humana Interroga ções que estão chegando à docência aos currículos à pedagogia Quando o diálogo é com percursos humanos tão trancados de jo vensadultos populares essas interrogações podem se tornar mais prementes Exigem resposta A EJA quando tomada em sua radicalidade sempre foi instigan te para a pedagogia e a docência Os mais de 40 anos do Movimento de Educação Popular são um testemunho eloquente A EJA é um campo especialmente instigante para o exercício da renovação do pensar e do fazer docente para a revitalização do ofício de mestres Por quê Insisto porque à EJA chegam interrogações mais radicais ainda do que chegam à educação infantil e fundamental Porque mi lhares desses jovensadultos passaram e passam como coletivos por vivências de opressão exclusão e rejeição de sobrevivência e repro vação social e escolar vivências humanas que tocam nas grandes interrogações do conhecimento Mas também porque esses jovens adultos levam para a EJA experiências de escolhas no limite escolhas de liberdade frente à droga à violência e de opção pela dignidade os 39 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos valores a ação cultural e até a liderança em movimentos de luta pelo teto pela cultura pela terra e pela identidade Indagações que intriga ram sempre o campo da ética e da cultura Quando coletivos de adultosprofessores se abrem a essa rica e tensa realidade dos educandos e a levam a sério novos conteúdos métodos tempos relações humanas e pedagógicas se instalam Por aí a EJA instiga os saberes escolares as disciplinas e os currículos Essa é a história mais rica da EJA Essa tem sido e pode ser sua mais séria contribuição ao movimento de renovação curricular e de renovação do pensar e fazer docente As ciências do ser humano foram mais audaciosas quanto mais se aproximaram das grandes interrogações da condição humana A pedagogia e a docência não fugiram a essa regra O que deteriorou o pensar e o fazer escolares tem sido entreternos com questões e saberes instrumentais apenas e com didáticas miúdas pas sando distraídos pelos questionamentos radicais que os próprios edu candos vivenciam e levam à escola De maneira peculiar levam à EJA Sexto O Movimento de Educação Popular trouxe outra marca fazer uma interpretação política das intrincadas trajetórias dos seto res populares Não aceitar qualquer interpretação despolitizada nem sequer das truncadas trajetórias escolares mas vêlas inteiramente atreladas às trajetórias sociais econômicas culturais éticas a que nossa perversa história vem condenando os setores populares Vê los como oprimidos será um olhar mais politizado do que vêlos como pobres preguiçosos ou violentos ou como reprovados e defasados Essa visão politizada dos jovens e adultos populares deixou profundas marcas nas propostas pedagógicas Deixou luminosida des que até hoje norteiam milhares de educadoresas de jovens adultos Ignorar essas luminosidades e tentar despolitizar a EJA será alocála em lugar nenhum Poderá significar burocratizála gradeála e disciplinála Estamos hoje nessa encruzilhada A educação de jovens e adultos sempre trouxe uma instigação política No conjunto dos níveis do sistema escolar foi o campo mais politizado Na década de 60 é retomada na América Latina em um mo mento extremamente politizado Uma politização que não vinha apenas do ideário político das revoluções que o privilegiaram Cuba Nicará gua Nem apenas dos movimentos sociais do campo por exemplo ou dos partidos políticos conectados com as demandas populares O 40 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo radicalismo político vem das questões radicais e explosivas a que são submetidos os filhos dos setores populares dos pobres negros opri midos desde a infância Quando eles e elas chegam de volta à escola carregam essas radicais questões acumuladas e condensadas em suas trajetórias A radicalidade política da EJA vem de dentro carregada pelos próprios jovens e adultos populares Não são trajetórias lineares fáceis de superfície sem significados políticos Ao contrário são traje tórias que desde crianças os interrogam e interrogam a educação so bre os significados políticos da miséria da fome da dor da morte da luta pela terra pela identidade e pela sua cultura pela vida e dignidade Trajetórias de idas e voltas de caídas e recaídas De escolhas sem horizontes e luminosidades para escolher Sem alternativas de escolha Na história da EJA essas vivências foram interpretadas politi camente como opressão como negação da liberdade como desuma nização Consequentemente a educação desses jovens e adultos foi assumida como um ato político como exercício de emancipação e libertação O direito popular ao conhecimento sempre teve na EJA um sentido político contribuir nesses ideais de emancipação e liberta ção Dar aos setores populares horizontes de humanização Dálhes o direito de escolher de planejar seu destino de entender o mundo De intervir Um professor de EJA comentava O que mais me impressio na nesses jovensadultos é a falta de horizontes Estão atolados no presente na sobrevivência mais imediata De fato ninguém os per guntou nem eles e elas se atreveram a perguntarse o que vou ser na vida quando crescer Mas chegaram a escolher voltar a estudar com essas idades Mais uma escolha nada fácil Talvez mais um engano Ao voltar às aulas à noite após o trabalho não terão recepções como quando crianças Nem músicas cantos rodas festinhas histó rias fantasias O mundo encantado da infância que a escola tão bem reproduz deverá ficar distante A EJA será mais pragmática aprender a seco Mais parecida com suas duras vivências de jovensadultos Talvez alguns coletivos de professoresas decidam por colorido músicas discursos de acolhida fantasia sentimento Um clima hu mano como os educandos merecem exatamente porque suas vivên cias de jovensadultos são duras mesmo e porque da EJA esperam alguma forma de ser mais livres em suas escolhas Lembrome de uma professora que comentava em um coletivo Quando vejo alguns jovens e algumas jovens dormindo sob o peso 41 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos do cansaço um arrepio me percorre a espinha Sei de professores com opções políticas que decidiram pela EJA para voltar a seus tem pos de alunos do noturno Voltei às mesmas interrogações que eu levava para a EJA disposto a encontrar algumas respostas com esses jovens populares No campo da EJA há radicais opções políticas de docentes Nem todos ignoram acolhidas emotivas Há paixão e indig nação política Uma das marcas históricas da EJA Os movimentos sociais sempre deram centralidade à educação dos seus militantes jovens e adultos e sempre contagiaram a EJA com sua paixão e indig nação política Os jovens e adultos que voltam ao estudo carregam expectativas e incertezas à flor da pele É o clima que se respira nos cursos de EJA Dificilmente os professores conseguem ser frios e rígi dos ensinantes Terminam contaminados pela indignação política Mui tos docentes voltam angustiados de noites de docência e convívio com esses jovens e adultos populares É mais fácil dormir depois de um dia de convívio com crianças risonhas comentava uma professora Essa indignação política vivenciada no convívio com jovens e adultos em situação de tanta radicalidade política levou o Movimen to de Educação Popular e Paulo Freire em particular a ver em todo ato educativo um ato político Uma dimensão que tanto marcou o movi mento progressista de educação A EJA dificilmente será despolitiza da porque as trajetórias interrogações escolhas dos jovens e adul tos populares continuam atreladas às gravíssimas interrogações políticas nãorespondidas antes agravadas em nossa sociedade Manter essas interrogações políticas nas escolas e nos cursos de formação na pesquisa e no pensar pedagógico na cultura e ação docentes pode ser uma aposta na EJA Uma aposta em uma reconfi guração de um campo educativo que tem uma história tão tensa quanto densa mas que exige ser reconhecido como um campo específico de responsabilidade pública A Educação de Jovens e Adultos Interroga o Sistema Escolar A preocupação atual com a reconfiguração da educação de jo vensadultos nos leva às relações entre EJA e o sistema escolar Es sas relações foram sempre tensas ao longo da história de ambos o 42 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo que nos traz uma lição tentar adequar a educação de jovens e adultos às modalidades de ensino de nosso sistema escolar não será fácil Com certeza ela estará marcada por essa tensa história que vem de longe Por vezes as análises sobre essa tensa relação culpam a EJA por ter sido uma forma demasiado informal de educação Pouco séria A maneira de levála a sério será enquadrála na forma do ensino formal Deixar mais definidas as normas as exigências de frequência e de cargas horárias definir os conteúdos a serem dados aprendidos e avaliados organizar esses conteúdos assim como os tempos e o trabalho docente numa sequenciação mais ordenada acabar com esse trato pouco científico das lógicas da produção e apreensão dos co nhecimentos etc Enfim fazer com que a informalidade da EJA entre na lógica da dita educação formal Este ponto merece pesquisas e análises aprofundadas De fato a história da EJA correu em grande parte à margem da construção do Sistema Escolar campanhas movimentos sociais ONGs igrejas sindicatos voluntários Entretanto sua análise sem pre se fez em comparação com o sistema escolar formal As conclu sões foram as esperadas a EJA vista como distante do ideal de edu cação prefigurado no sistema escolar Faltamnos pesquisas que se aproximem da história da EJA sem essas comparações e parâmetros escolares Por aí talvez descubramos que uma das suas riquezas seja ir além dos pesados esquemas rituais e grades do sistema escolar Muitas das carências apontadas tendo como parâmetros as moda lidades escolares de ensino fundamental e médio podem ser reverti das e vistas como virtudes A consolidação histórica do sistema escolar representou avan ços que não podem ser perdidos a ênfase no conhecimento a ser transmitido o ordenamento dessa transmissão as didáticas para sua aprendizagem a capacitação de um corpo profissional para o ofício de ensinar aprender etc Entretanto esses avanços terminaram por ser estruturados em lógicas temporais e espaciais e em lógicas de organização do trabalho e dos processos de selecionar organizar e sequenciar o conhecimento que se tornaram um empecilho às moder nas concepções do direito universal à educação Essas lógicas da organização do sistema escolar vêm sendo revistas ultimamente e vêm sendo redefinidas para darem conta dos sujeitos reais e do direito 43 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos igual de todos os coletivos sociais à educação ao conhecimento à cultura a tal ponto que nas sociedades democráticas os sistemas escolares estão sendo redefinidos e buscavamse formas mais inclu sivas igualitárias de garantir esses direitos A superação de estruturas e lógicas seletivas hierárquicas rígi das gradeadas e disciplinares de organizar e gerir os direitos ao co nhecimento e à cultura é uma das áreas de inovações tidas como inadiáveis Neste quadro de revisão institucional dos sistemas esco lares tornase uma exigência buscar outros parâmetros para recons truir a história da EJA Se a organização dos sistemas de educação formal está sendo revista e redefinida a partir dos avanços da consciência dos direitos a educação dos jovensadultos tem de ser avaliada na perspectiva desses avanços O que estamos sugerindo é repensar os parâmetros escolares com que a história da EJA tem sido contada Buscar parâmetros pró prios específicos na diversidade de formas tentadas para garantir o direito à formação à socialização e às aprendizagens Nas últimas décadas as ciências humanas vêm mostrando a diversidade de pro cessos de tempos e espaços o repensar das organizações dos con teúdos e das didáticas com que a formação e as aprendizagens huma nas acontecem Olhando nessa perspectiva a história da EJA em sua diversidade pode nos fornecer didáticas conteúdos processos tem pos e espaços a serem levados em conta na empreitada que a todos nos instiga garantir o direito à educação dos setores populares tan to na infância e adolescência quanto na juventude e vida adulta Entretanto dependendo da perspectiva com que nos aproximar mos na reconstrução da história da EJA poderemos defender políti cas e propostas diversas Se o parâmetro é o sistema escolar e se suas modalidades de ensino fundamental e médio são vistas como as formas ideais e únicas de garantir o direito à educação as propostas serão no sentido de fazer da EJA uma cópia dessas modalidades Adaptar conteúdos metodologias tempos espaços organização do trabalho docente e discente às formas e lógicas em que foram estruturadas essas modalidades de ensino A proposta final será apro veitar as brechas do sistema de ensino fazendo tantas contorções quantas forem necessárias para que os jovens e adultos populares encaixem suas trajetórias humanas complicadíssimas nas frestas do 44 Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo sistema escolar Se suas trajetórias humanas não se encaixaram nes sas brechas escolares quando crianças e adolescentes será mais fácil quando jovensadultos O que se propõe nessa perspectiva é que caberá aos profissio nais da EJA a grande luta pela conquista do sistema escolar pois somente nessa forma e lógica escolar será garantido o direito dos jovensadultos populares ao conhecimento e às competências que a inserção no mundo moderno exige Essa passou a ser a proposta dos defensores do sistema escolar Recentemente passou a ter grandes adeptos entre formuladores de políticas conselheiros e pareceristas formadores de professores especialistas em financiamento e até lide ranças dos sindicatos docentes Essa esperança não está ausente nos próprios Fóruns de EJA Nessa perspectiva a solução para que a conquista do sistema escolar seja uma realidade para a EJA será tomar medidas mais fortes mais compulsórias Por exemplo condicionar o financiamento da EJA a sua escolarização No dia em que os governantes se virem condicionados a receber recursos apenas pelos jovens e adultos ma triculados e frequentes nas modalidades de ensino a EJA entrará no sistema A defesa de que o direito à educação dos jovens e adultos seja assumido como um dever do Estado e consequentemente como uma política pública encontra estímulo nesta perspectiva de que desta vez a EJA está próxima de ser inserida no sistema escolar Uma espe rança tentadora porém complexa As reações estão se mostrando no Eneja nos fóruns e encon tros de profissionais e entidades que trabalham historicamente nes se campo tão rico e diverso Implicaria cercar esse campo como responsabilidade única do Estado Os jovens e adultos atendidos fora dessas modalidades de ensino seriam excluídos do financia mento Aplicaríamos a defendida rigidez de que dinheiro público é para escola pública Confundiremos as diversas formas e institui ções de educação de jovens e adultos populares como modalidades de ensino Perderíamos todo o acúmulo de experiências de educa ção em tão variados espaços nãoescolares Quais os ganhos e perdas desse encaixar a EJA nas modalidades de ensino em nome de que desta vez a educação de jovensadultos seja assumida como política pública escolar 45 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos Essas e tantas outras interrogações que perpassam os encontros e fóruns sugerem que estamos em um momento instigante que exige extrema cautela Sobretudo há uma questão que deveria ser a primei ra quais os custos e os ganhos para os jovens e adultos populares Deveríamos destacar com maior cuidado as tensas relações entre suas trajetórias de vida trabalho sobrevivência exclusão vulnerabi lidade social e as trajetórias escolares nas modalidades e nas lógi cas de ensino de que participaram desde crianças A maior parte des ses jovens e adultos já tentaram articular suas trajetórias de vida com as trajetórias escolares A maior parte com experiências frus trantes Elas revelam a incompatibilidade entre trajetórias populares nos limites da sobrevivência e a rígida lógica em que se estrutura nosso sistema escolar O que nos garante que essas tensas relações serão superadas se o sistema escolar continua tão apegado a suas inflexíveis lógicas As trajetórias de vida dos jovens e adultos não se tornaram mais fáceis ao contrário vêm se tornando mais imprevisíveis e incontrolá veis para os próprios jovens e adultos até para os adolescentes que são forçados a frequentar o ensino noturno Os índices de abandono na EJA que tenta se escolarizar ainda que com tímidas flexibilizações refletem que nem comum estilo escolar mais flexível eles e elas conse guem articular suas trajetórias de vida e as trajetórias escolares Os impasses estão postos Como equacionar o direito à educação dos jovens e adultos populares e o dever do Estado O diálogo entre o sistema escolar e a EJA será possível e mutuamente respeitoso Alguns pontos merecem destaques Teremos de inventar alternativas corajosas assumindo que as formas como se cristalizou a garantia pública à educação não são estáticas Podem e devem ser reinventadas Como sugerimos antes avançaremos se nos aproximarmos da história da EJA reconhecendo essa história como parte da história da educação Não negando mas incorporando seu legado Reinventando formas possíveis de garan tir o direito à educação na especificidade das trajetórias vividas pelos setores populares A EJA não foi inventada para fugir do sistema público mas porque neste não cabiam as trajetórias humanas dos jovens e adultos populares O Movimento de Educação Popular foi sensível a esses impasses Eles continuam e se agudizaram A realidade Educação de jovensadultos Miguel González Arroyo da opressãoexclusão não é menos trágica do que nos anos 60 As tenta tivas de garantir o direito à educação nessas perversas condições não são menos sérias nessas décadas na EJA do que no sistema escolar Partindo desse respeito e riqueza mútua será fecundo o diálo go A EJA tem a aprender com a pluralidade de propostas de inovação educativa que vem acontecendo no sistema escolar assim como este tem muito a aprender com os corajosos esforços que vêm acontecen do na pluralidade de frentes onde se tenta com seriedade garantir o direito à educação ao conhecimento à cultura dos jovens e adultos populares O clima para esse diálogo é hoje propício Diante da ur gência de repensar as formas de organização dos tempos e espaços e das lógicas em que se articulou nosso sistema escolar sem dúvida um diálogo com as experiências de EJA pode ser enriquecedor para as tentativas de inovação urgente no sistema escolar afim de tornálo mais democrático mais público Nosso sistema de ensino tem de se tornar um campo de direitos e de responsabilidade pública Os mi lhões de jovensadultos defasados são a prova de que esse sistema de ensino está distante de ser público Defender que os direitos dos jovens e adultos à educação sejam garantidos como direito público significa entender que suas vidas são demasiado imprevisíveis exigindo uma redefinição da rigidez do sistema público de educação Essa rigidez foi consolidada quando o sistema escolar estava distante de ter como preocupação a garantia do direito à educação dos setores populares Para estes essa rigidez é excludente Nega seus direitos Dificilmente construiremos formas públicas da garantia do direito à educação dos jovens e adultos po pulares sem termos coragem de rever a rigidez de nosso sistema esco lar se não investirmos em tornálo realmente público A história da EJA mostra sérias tentativas de sair dessa rigidez como única forma de articular as trajetórias de vida e as trajetórias escolares dos setores populares Reconhecer o que há de positivo nessa história será uma forma de superar preconceitos Reconhecida essa história de compromissos com os direitos populares será possível um diálogo promissor entre o sistema escolar e a EJA Desse diálogo virão algumas consequências Os profissionais que traba lham com jovens e adultos deixaram de ficar à margem da formulação das políticas de educação de jovens e adultos e passaram a ocupar 46 47 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos seu lugar trazendo a diversidade de iniciativas que se desenvolvem nas diferentes modalidades de EJA As diversas entidades os fóruns deverão estar no centro da formulação de políticas públicas oferecendo idéias concepções pe dagógicas experiências nãoformais porém sérias de organização dos currículos dos tempos e espaços e do trabalho de professores e alunos apresentando aos governos propostas viáveis para a remo ção dos entraves que historicamente vêm limitando o acesso e per manência dos setores populares à educação no próprio sistema esco lar mostrando aos formuladores de políticas que não é suficiente celebrar a quase universalização da entrada no sistema escolar en quanto esse sistema com sua rigidez excludente e seletiva torna inviável a permanência dos setores mais marginalizados e penaliza dos da sociedade A EJA sempre veio para recolher aqueles que não conseguiam fazer seu percurso nessa lógica seletiva e rígida de nos so sistema escolar Cada jovem e adulto que chegam à EJA são náu fragos ou vítimas do caráter pouco público de nosso sistema escolar Um espaço será público quando adaptado às condições de vida em que o povo pode exercer seus direitos Enquanto milhões de jovens e adultos e até crianças e adoles centes não derem conta de articular suas trajetórias humanas concre tas com as exigências do sistema escolar este estará longe de ser público A EJA em nossa história veio sempre encurtar essa distân cia entre as condições concretas de vida de sobrevivência da infân cia da adolescência da juventude e da vida adulta e a intransigência seletiva de um sistema educacional feito à medida dos filhos desocu pados e bemcuidados Essas formas e lógicas podem ter sido a ga rantia dos direitos de alguns setores sociais porém têm sido o entra ve e a negação dos direitos dos setores populares A história vem provando que esse é o caso de nosso sistema escolar Os jovens e adultos da EJA são uma denúncia clara da distância intransponível entre as formas de vida a que é condicionada a infância adolescência e a juventude populares e a teimosa rigidez e seletividade de nosso sistema escolar Olharse no espelho das trajetórias dos jovens e adultos que voltam à EJA talvez seria uma forma do sistema escolar reconhecer essa distância intransponível Não foi a EJA que se dis tanciou da seriedade do sistema escolar foi este que se distanciou das condições reais de vida dos setores populares 48 Educação de jovensadultosMiguel González Arroyo A educação de jovensadultos avançará na sua configuração como campo público de direitos na medida em que o sistema escolar também avançar na sua configuração como campo público de direitos para os setores populares em suas formas concretas de vida e sobrevivência Os sistemas que pretendem garantir esses direitos têm de se adaptar à concretude social em que os diversos setores vivem suas exigências sobretudo quando se trata da infância adolescência e juventude po pulares a quem não é dado o direito de escolher suas formas de vida e de sobrevivência Na história da EJA encontraremos uma constante partir dessas formas de existência populares dos limites de opressão e exclusão em que são forçados a ter de fazer suas escolhas entre estudar ou sobreviver articular o tempo rígido de escola com o tempo imprevi sível da sobrevivência Essa sensibilidade para essa concretude das formas de sobreviver e esses limites a suas escolhas merece ser apren dida pelo sistema escolar se pretende ser mais público Avançando nessas direções o diálogo entre EJA e sistema escolar poderá ser mu tuamente fecundo Um diálogo eminentemente político guiado por opções políticas por garantias de direitos de sujeitos concretos Não por direitos abstratos de sujeitos abstratos Entretanto a plataforma desse diálogo deverão ser os educan dos O que aproxima o ensino fundamental e médio da EJA são as trajetórias de vida dos jovens e adultos tão parecidas hoje quanto nos seus tempos de crianças e adolescentes As diferenças estão em que essas trajetórias foram piorando e as possibilidades de articulálas com as trajetórias escolares foram se tornando mais difíceis Daí que até adolescentes sejam forçados a optar por EJA Os educandosas são o elo mais permanente entre o sistema escolar e a EJA A realidade soci oeconômica das crianças jovens e adultos populares e seus traços culturais aproximam o que tem sido colocado como campos distantes Essas aproximações mais do que as distâncias deveriam merecer a atenção nas pesquisas e na formulação de políticas Quando se trata de escola pública e de profissionais que trabalham com o povo as identi dades ou proximidades vão além das diferenças que tentam nos impor por ser da EJA ou do ensino fundamental As diferenças de modalidades no sistema escolar se tornam re duzidas diante das aproximações nas vidas de crianças adolescen tes jovens ou adultos populares Há sim diferenças Enquanto a EJA 49 Diálogos na Educação de Jovens e Adultos avançou na compreensão dos setores populares na sua cultura vivên cias opressão e exclusão o sistema escolar teve dificuldade de avançar nessa compreensão A tal ponto esteve por décadas focado nas traje tórias escolares dos alunos em seu sucesso e fracasso escolar em seus problemas de aprendizagem que perdeu a sensibilidade para com as perversas formas de viver a infância a adolescência e a juventude A politização da educação e da categoria docente os avanços da teoria pedagógica e da consciência dos direitos estão mudando nosso siste ma escolar inspirado em valores mais igualitários A EJA tem muito a aprender com os valores que vêm inspirando o sistema escolar O diálogo e a troca das marcas de cada um podem ajudar na formulação de políticas para a garantia do direito popular à educação A reconfiguração mais pública da EJA terá de dialogar com as tenta tivas de reconfiguração pública do sistema escolar A educação sobreviveu sempre aos sistemas escolares 50