·

Relações Internacionais ·

Ciências Políticas

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

THOMAS PAINE SENSO COMUM EDIÇÃO PRIVADA DE GENEROSO MRACK NOTA DO EDITOR O texto do livreto Senso Comum de Thomas Paine conquanto de suma importância histórica não é fácil de ser encontrado na língua portuguesa O que ora apresento foi publicado pela Abril Cultural Editor Victor Civita consttuindo o volume XXIX da coleção original primeira edição dos PENSADORES Federalistas A cultura brasileira deve prestar constante e eterna homenagem ao italiano Victor Civita o fundador da Editora Abril cujo trabalho em nosso país não encontra paralelo embora cumpra também destacar o importante papel de Monteiro Lobato Companhia Editora Nacional e dos Irmãos Bertaso Editora Globo Porto Alegre todos grandes produtores dos grandes livros publicados no Brasil Além do livro de Paine estamos dando destaque ao texto publicado por Robert B Downs sobre Paine na obra Livros que revolucionaram o mundo publicado pela Editora Globo em 1977 O texto está incluído em razão das considerações que fez da importância de Senso Comum para a Independência dos Estados Unidos da América PENSAMENTOS DE THOMAS PAINE Quem quer garantr a própria liberdade deve preservar da opressão até o inimigo pois se fugir a esse dever estará a estabelecer um precedente que até a ele próprio háde atngir O governo mesmo quando perfeito não passa de um mal necessário quando imperfeito é um mal insuportável A minha mente é a minha igreja Um governo que precisa de juramentos não merece apoio nem deve ser apoiado O erro que começou há mil anos é tão errado como o que começa hoje e o acerto que surge hoje é tão certo como se tvesse a sanção de séculos O tempo faz mais convertdos do que a razão Estmamos pouco aquilo que obtemos com demasiada facilidade O fato de contnuarmos a pensar que uma determinada coisa não é errada dános uma aparência superfcial de estarmos certos Ao planearmos para a posteridade deveríamos lembrarnos de que a virtude não é hereditária As leis de difcil execução em geral não podem ser boas Embora a avareza impeça um homem de se tornar necessariamente pobre geralmente tornao demasiado tmorato para enriquecer Para ser feliz um homem tem que ser fel a si mesmo A infdelidade não consiste em acreditar ou em não acreditar consiste em professar aquilo em que não se acredita Não fazer nada é o trabalho mais cansatvo do mundopois você não pode se demitr e descansar A sociedade é produto de nossos desejos e o governo de nossas maldades One good schoolmaster is of more use than a hundred priests Discutr com um homem que renunciou à sua razão é como medicar um cadáver A Bíblia é o livro mais lido e o menos examinado que qualquer outro que já existu Fazer o bem é a minha religião Aquele que não ousa ofender não pode ser honesto Eu admiro aqueles que conseguem sorrir com os problemas reunir forças na angústa e ganhar coragem na refexão É coisa de pequenas mentes encolherse mas aquele cujo coração é frme e cuja consciência aprova sua conduta perseguirá seus princípios até a morte A natureza irresistvel da verdade é tal que tudo que ela pede e tudo o que é a liberdade de aparecer A religião cristã começa com uma sonho e termina com um assassinato Mesmo o melhor dos governos não é mais que um mal necessário 2 O AGITADOR AMERICANO THOMAS PAINE Senso Comum Nenhuma pessoa sensata teria predito um brilhante futuro para Thomas Paine quando este chegou à América aos trinta e sete anos de idade Sua vida inteira até então fora uma série de fracassos e frustrações Todos os empreendimentos em que se lançara tinham tido um final melancólico Que razão havia para imaginar que dentro de poucos anos o imigrante recémchegado ao Novo Mundo surgiria como um dos maiores panfletários da língua inglesa uma das figuras mais controvertidas da história norteamericana um agitador político e um revolucionário cujo nome se tornaria conhecido temido e odiado ou aplaudido e louvado em todas as colônias britânicas da América na GrãBretanha e na Europa Ocidental A viagem oceânica parecia ter efetuado surpreendente metamorfose em sua personalidade e caráter transformandoo quase da noite para o dia de mediocridade em gênio No entanto um exame dos primeiros anos da existência de Paine forneceria indicações de que eles não tinham sido perdidos e na realidade constituíam uma espécie de preparação para sua nova vida Nascido em Thetford Condado de Norfolk na Inglaterra oriental a 29 de janeiro de 1737 filho de pai quacre e mãe anglicana conhecera desde o princípio a extrema pobreza a privação e o trabalho penoso Até chegar aos treze anos frequentou a escola secundária onde em suas próprias palavras adquiriu uma educação moral extremamente boa e um fundo regular de conhecimentos úteis Seu pendor para a ciência e a invenção para o prático em oposição ao teórico vinha à superfície mesmo nessa época e permaneceu com ele durante toda uma existência movimentada Após essa breve educação formal Paine iniciou o aprendizado do ofício paterno de espartilheiro Três anos desse trabalho e então o fascínio do mar e o tédio de uma ocupação monótona o levaram a fugir de casa para se alistar no navio corsário Terrible sob as ordens de um capitão que tinha o formidável nome de Morte Libertado pelo pai voltou à fabricação de espartilhos até os dezenove anos quando novamente tentou a vida de corsário no King of Prussia Curado já da romântica idéia que fazia da vida de marinheiro retomou uma vez mais o seu ofício agora em Londres e não em Thetford indo trabalhar na loja de um espartilheiro perto de Drury Lane Aproveitava as horas vagas assistindo a conferências sobre Astronomia Seguiramse anos de vida errante agitada e indefinida Casou em Sandwich com uma criada órfã que morreu dentro de um ano O sogro fora coletor do imposto de consumo e Paine atraído para a profissão porque lhe prometia lazeres em que se dedicar a outros interesses conseguiu nomeação de fiscal Não se poderia encontrar maneira mais segura de perder amigos e afastar pessoas pois sua função era apanhar contrabandistas e contra ele se levantavam as mãos de ricos e pobres Demitido por falta de zelo na execução dos regulamentos voltou por breve tempo ao ofício de espartilheiro depois passou fome como professor em Kensington com um salário anual de 25 Reintegrado no serviço do imposto de consumo tornou a casar em 1771 e foi ajudar a mulher e a sogra na exploração de uma tabacaria e mercearia em Lewes para aumentar seus rendimentos Durante esses últimos anos Paine passava boa parte do tempo na Taverna do Cervo Branco em reuniões de um clube social em que ingressara Para edificação dos sócios compunha versos humorísticos e canções patrióticas às vezes dissertações acerca de assuntos mais sérios e frequentemente participava em discussões animadas sobre as questões do dia Sua proficiência nos debates levou os colegas a escolhêlo como portavoz da classe numa reivindicação de mais altos salários e melhores condições de trabalho Muitas semanas passou então Paine preparando um memorial intitulado O Caso do Salário dos Funcionários do Imposto de Consumo e Reflexões sobre a Corrupção Causada pela Pobreza dos Referidos Funcionários No inverno de 177273 foi a Londres para apresentar seu apelo a membros do Parlamento e outras personalidades oficiais Não somente sua petição em favor dos funcionários do imposto de consumo foi denegada mas também ele foi demitido por negligência no cumprimento dos deveres a tabacaria faliu seus móveis e bens pessoais tiveram que ser vendidos para salválo da prisão por dívidas e separouse da mulher Assim ao aproximarse a meiaidade Paine ficou só e sem vintém Felizmente durante sua permanência em Londres conhecera Benjamin Franklin que lá estava na qualidade de comissário das colônias e este talvez percebendolhe o gênio persuadiu Paine a tentar a sorte na América Uma carta de apresentação de Franklin a seu genro Richard Bache de Filadélfia descrevia Paine como um jovem talentoso e digno recomendando que fosse empregado como escriturário auxiliar de instrutor numa escola ou inspetor assistente A carta de Franklin era a propriedade mais valiosa que trazia Paine ao desembarcar em Filadélfia no princípio de dezembro de 1774 Entretanto ele carregava consigo um inestimável capital de outra espécie a sua experiência Observava a brutalidade primitiva com que era administrada a justiça na Inglaterra conhecera a miséria abjeta ouvira e lera muita coisa sobre os direitos naturais do homem vira o largo abismo que separava os milhões de pessoas comuns dos poucos milhares de membros da realeza e da nobreza na GrãBretanha estava a par do sistema dos burgos podres para a eleição à Câmara dos Comuns bem como da corrupção e estupidez da família real Tendo refletido maturamente sobre esses assuntos achavase possuído de profunda compaixão pela humanidade de amor à democracia e de um anseio de reforma social e política universal Pouco depois de sua chegada a Filadélfia empregouse como redator do Pennsylvania Magazine periódico de fundação recente e permaneceu nesse cargo durante quase todos os dezoito meses de existência da revista Quase imediatamente começou a sua longa carreira de cruzado com a publicação de um ensaio que condenava a escravatura negra e defendia vigorosamente a emancipação Cinco semanas depois formavase em Filadélfia a primeira sociedade antiescravagista norteamericana Seguiramse colaborações em que propugnava a igualdade de direitos para as mulheres propunha leis internacionais de direitos de autor atacava a crueldade para com os animais ridicularizava o costume do duelo e pedia a abolição da guerra como forma de resolver as disputas entre nações Mesmo no momento em que ele escrevia porém estava em rápido desenvolvimento uma guerra internacional em que o próprio Paine iria desempenhar um papel importante Na primavera de 1775 travaramse as batalhas de Concord Lexington e Bunker Hill Após o massacre de Lexington em abril Paine escreveu a Benjamin Franklin Pareceume doloroso ver o país incendiarse ao meu redor quase no mesmo instante em que eu chegava A opinião nas colônias estava seriamente dividida quanto ao caminho a ser seguido variando desde os extremistas como Samuel Adams e John Hancock partidários ardorosos da guerra até os tories sempre fiéis ao rei George Washington Benjamin Franklin e Thomas Jefferson contavamse entre os líderes que protestavam sua lealdade à GrãBretanha e não viam com bons olhos a idéia de separação e independência Tanto o primeiro Congresso Continental como o segundo adotaram resoluções que reafirmaram sua lealdade à Coroa solicitando unicamente uma justa solução de suas reclamações No meio da confusão de pensamentos das opiniões e impulsos em conflito das pressões em sentidos opostos um homem viu claramente o rumo dos acontecimentos e seu provável desfecho Desde o começo Thomas Paine considerou inevitável a separação Passou todo o outono de 1775 pondo suas idéias por escrito Antes da publicação a obra foi mostrada a diversos amigos um dos quais o Dr Benjamin Rush sugeriu o título Senso Comum e o ajudou a encontrar um editor Robert Bell livreiro e impressor escocês estabelecido em Filadélfia Senso Comum apareceu a 10 de janeiro de 1776 Escrito por um Inglês um panfleto de quarenta e sete páginas ao preço de dois xelins Em três meses tinhamse vendido 120 000 exemplares e as estimativas do total de vendas têm chegado a meio milhão o que equivale proporcionalmente à população a uma venda de trinta milhões de exemplares nos Estados Unidos de hoje Acreditase que praticamente todas as pessoas alfabetizadas das treze colônias leram o folheto Apesar da enorme saída Paine preferiu não receber nem um tostão de direitos autorais Não se pode encontrar na história da literatura nada de comparável a Senso Comum em seu impacto imediato Foi uma clarinada a convocar os colonos americanos para lutarem por sua independência sem concessões nem vacilação A revolução eralhes apontada como a única solução para o conflito com a GrãBretanha e com Jorge III Uma vez que a luta é inevitável escrevia Paine pelo amor de Deus vamos para a separação definitiva Caro muito caro pagamos pela revogação de leis se é só por isso que estamos lutando é tão grande loucura pagar o preço de um Bunker Hill pela lei como pela terra Não é questão de uma cidade um condado uma província ou um reino um ano ou uma época é a posteridade que está em causa nesta contenda Este é o tempo de sementeira da fidelidade da honra e da união continental O Cinturão Continental está muito frouxamente afivelado a independência é o único vínculo que nos pode ligar e manter unidos Um parágrafo relativamente moderado e conciliador inicia Senso Comum Talvez as opiniões contidas nas páginas seguintes ainda não estejam suficientemente em moda para granjear a aprovação geral o longo hábito de não considerar uma coisa errada lhe dá uma aparência superficial de ser certa e provoca a princípio um clamor tremendo em defesa do costume Mas o tumulto cessa em breve O tempo faz mais prosélitos que a razão A primeira parte do panfleto trata da origem e natureza do governo com aplicação particular à Constituição inglesa A filosofia de governo do autor está contida em frases como estas O governo mesmo nas melhores condições é apenas um mal necessário nas piores condições tornase um mal intolerável O governo como o vestuário é a insígnia da inocência perdida os palácios dos reis foram construídos sobre as ruínas das mansões do paraíso Quanto mais perfeita é a civilização menos precisa de governo O advento do governo pondera Paine foi tornado necessário pela incapacidade da virtude moral para governar o mundo também aqui se vê o propósito e a finalidade do governo a saber liberdade e segurança Nítida distinção é estabelecida entre sociedade e governo Os homens são atraídos para a sociedade porque através da cooperação social certas necessidades podem ser satisfeitas Nesse estado o homem possui certos direitos naturais como a liberdade e a igualdade Idealmente ele deveria poder viver na paz e na felicidade sem governo se os impulsos da consciência fossem claros uniformes e irresistivelmente obedecidos Como a humanidade é naturalmente fraca e moralmente imperfeita é preciso que haja algum poder restritivo o qual é proporcionado pelo governo Contudo dependem mais da sociedade que do governo a segurança o progresso e o conforto do povo Maior influência que quaisquer instituições políticas têm os usos e costumes sociais as relações mútuas e os interesses recíprocos dos homens Paine passa então a apresentar algumas observações acerca da tão gabada Constituição da Inglaterra comentando Que ela fosse admirável para a época de trevas e escravidão em que foi erigida admitese Quando o mundo estava dominado pela tirania o menor afastamento desta era uma gloriosa libertação Mas facilmente se demonstra que ela é imperfeita sujeita a convulsões e incapaz de produzir o que parece prometer O que deveria ser um dos principais atributos do governo a responsabilidade parecialhe ausente por completo da Constituição britânica Esta era tão complexa que se tornava impossível determinar qual o responsável por alguma coisa A única parte elogiável da Constituição era o direito do povo a pelo menos teoricamente eleger os membros da Câmara dos Comuns Paine propunha para as colônias uma só câmara legislativa eleita democraticamente um presidente e um gabinete com o Executivo responsável perante o Congresso Foi entretanto para a instituição da monarquia hereditária que ele reservou suas palavras mais duras e seu desprezo mais candente Atacou o próprio princípio da monarquia e em especial a forma inglesa O governo pelos reis foi introduzido no mundo pelos pagãos de quem os filhos de Israel copiaram o costume Foi a mais feliz invenção qie o diabo já lançou para o fomento da idolatria Os pagãos prestavam honras divinas a seus reis mortos e o mundo cristão aperfeiçoou o plano fazendo o mesmo a seus soberanos vivos Ao mal da monarquia acrescentamos o da sucessão hereditária e assim como aquela é uma degradação e uma diminuição para nós esta reivindicada como questão de direito é um insulto e uma imposição à posteridade Uma das mais fortes provas naturais da insensatez do direito hereditário dos reis está em que a natureza o refuta pois de outro modo não o poria tão frequentemente em ridículo dando à humanidade um Asno em vez de um Leão Aos olhos de Paine era duvidosa a legitimidade da sucessão inglesa a partir da Conquista Um bastardo francês que desembarca com um bando de salteadores armados e se erige em Rei da Inglaterra contra o consentimento dos nativos é em termos claros uma origem muito reles e ignóbil Certamente isso nada tem de divino Se a monarquia assegurasse uma estirpe de homens bons e sábios não seria condenável mas ela abre a porta aos tolos aos perversos e aos inaptos Homens que julgam ter nascido para reinar e os outros para obedecer logo se tornam insolentes escolhidos dentre o resto da humanidade suas mentes desde cedo são envenenadas pela importância quando assumem o governo são muitas vezes os mais ignorantes e incapazes de todos os domínios A possibilidade de reis menores ou muito idosos ocuparem o trono também produz uma série de males num caso a administração efetiva do país fica nas mãos de um regente no outro ela está sujeita aos caprichos de um monarca senil e alque brado Contra o argumento de que a sucessão hereditária evita as guerras civis Paine apontou que desde a Conquista a Inglaterra sofrerá nada menos que oito guerras civis e dezenove rebeliões Sua conclusão Na Inglaterra um rei tem pouco mais que fazer além de sustentar guerras e distribuir lugares o que em termos claros significa empobrecer a nação e semear a discórdia Lindo serviço na verdade para que um homem receba oitocentas mil libras esterlinas anuais por ele e ainda por cima seja reverenciado Para a sociedade e aos olhos de Deus mais vale um homem honesto do que todos os bandidos coroados que já existiram Em diversos trechos Paine apresentou os seus respeitos a Jorge III Após o massacre de Lexington escreveu Rejetei para sempre o empedernido e sombrio Faraó da Inglaterra e desprezo o miserável que com o falso título de Pai do seu povo pode receber indiferente a notícia da chacina desse povo e ir dormir tranquilamente com o seu sangue sobre a alma Em parágrafo posterior acrescenta Mas onde perguntam alguns está o Rei da América Eu lhes digo amigos ele reina lá no alto e não traz a devastação à humanidade como a besta real da Inglaterra Tendo demolido as idéias populares sobre o governo monárquico Paine passou a Alguns pensamentos acerca do presente estado dos negócios americanos Foram acentuados os argumentos econômicos em favor da separação À alegação dos tories de que as colônias americanas haviam prosperado graças à sua ligação com a Inglaterra replicou A América teria prosperado da mesma forma e provavelmente muito mais se nenhuma potência européia tivesse nada que ver com ela Os artigos de comércio que a enriqueceram são os indispensáveis à vida e sempre encontrarão mercado enquanto houver na Europa o costume de comer Os nossos cereais obterão seu preço em qualquer mercado da Europa e as nossas mercadorias importadas têm de ser pagas onde quer que as compremos O fato de a GrãBretanha ter protegido as colônias contra os espanhóis franceses e índios Paine o pôs de lado com o comentário Ela teria defendido a Turquia pelos mesmos motivos isto é por amor ao comércio e ao domínio e de qualquer maneira a defesa foi tanto à nossa custa como à sua Um dos mais fortes laços que impediam a separação das colônias reconhecia Paine era a concepção sentimental da GrãBretanha como a mãepátria Se isso fosse verdade então mais vergonhosa é a sua conduta Os próprios animais não devoram seus filhotes nem os selvagens fazem guerra a suas famílias A expressão mãepátria foi adotada jesuiticamente pelo rei e seus parasitas com o vil desígnio papista de criar uma parcialidade injusta na debilidade crédula de nosso espírito A Europa e não a Inglaterra é a mãepátria da América O Novo Mundo salientou fora o asilo para os perseguidos amantes da liberdade civil e religiosa de todas as partes da Europa Nem um terço dos habitantes mesmo desta província são de ascendência inglesa Portanto eu repudio a designação de mãepátria aplicada exclusivamente à Inglaterra como falsa egoísta estreita e mesquinha Prenunciando a ulterior advertência de George Washington no sentido de evitar alianças permanentes com qualquer parte do mundo exterior e a política de Thomas Jefferson de Paz comércio e amizade sincera com todas as nações alianças embaraçosas com nenhuma Paine sugeriu que haveria numerosas desvantagens em continuar a ligação com a GrãBretanha porque qualquer submissão à Grã Bretanha ou dependência dela tende a envolver de forma direta este continente nas guerras e disputas européias e nos põe em desavença com algumas nações que de outro modo procurariam a nossa amizade e contra as quais não temos motivos de ódio nem de queixa Como a Europa é o mercado para o nosso comércio não deveríamos formar ligações parciais com qualquer parte dela É legítimo interesse da América manterse afastada das questões européias o que nunca poderá fazer enquanto pela dependência da GrãBretanha for obrigada a servir de contrapeso na balança da política britânica A Europa está excessivamente dividida em reinos para ficar muito tempo em paz e sempre que irrompe uma guerra entre a Inglaterra e qualquer potência estrangeira o comércio da América se arruína por causa da sua ligação com a GrãBretanha As múltiplas inconveniências do governo britânico foram passadas em revista e Paine concluiu não está nas mãos da GrãBretanha fazer justiça a este continente nossos assuntos em breve se tornarão sérios e intrincados demais para serem dirigidos com tolerável eficácia por uma potência tão distante e tão desconhecedora de nós pois se não nos podem vencer não nos podem governar Estar sempre percorrendo três ou quatro mil milhas com um relatório ou uma petição esperando quatro ou cinco meses por uma resposta que quando obtida precisa de mais cinco ou seis para ser explicada é coisa que dentro de poucos anos será considerada loucura e infantilidade Há algo de absurdo em imaginar que um continente possa ser governado eternamente por uma ilha Em nenhum caso a natureza fez um satélite maior do que o seu planeta Aos hesitantes e tímidos que ainda julgavam possível a harmonia e a reconciliação Paine dirigiu um apelo apaixonado Podeis fazernos voltar ao tempo que passou Podeis devolver à prostituição a antiga inocência Tampouco vos é possível reconciliar a GrãBretanha com a América A última corda está agora partida o povo da Inglaterra está apresentando representações contra nós Há injúrias que a natureza não pode perder deixaria de ser natureza se o fizesse É tão fácil o amante perdoar ao violador de sua amada como o continente perdoar os homicídios cometidos pela GrãBretanha Enquanto o resto do mundo suportava a opressão a América devia escancarar suas portas à liberdade e preparar um refúgio para a humanidade perseguida Paine dedicou o seu capítulo final a algumas considerações muito práticas sobre a presente capacidade da América destinadas a fortalecer a autoconfiança dos americanos e convencêlos de que possuíam o potencial humano a experiência industrial e os recursos naturais não só para fazer guerra com êxito à GrãBretanha mas também se necessário para vencer contra um mundo hostil As colônias já dispunham de um numeroso corpo de tropas armadas e disciplinadas Poderia construirse em pouco tempo uma marinha comparável à da GrãBretanha pois havia alcatrão madeira ferro e cordas em quantidade e a construção naval é o maior orgulho da América que há de superar nesse ponto com o tempo o mundo inteiro De qualquer modo era preciso possuir uma frota para defesa e proteção porque a marinha inglesa a três ou quatro mil milhas de distância só poderá ser de pequena utilidade ou nenhuma em casos de emergência À luz das controvérsias religiosas em que se envolveu posteriormente é de interesse notar quais os pontos de vista de Paine sobre o assunto nessa fase de sua vida Quanto à religião considero ser o dever indispensável dos governos proteger todos os adeptos conscientes e não sei de outras atribuições que tenha o governo com relação a ela um argumento ao parecer contra a existência de igreja oficial e em favor da separação da Igreja e do Estado Pelo que me diz respeito creio plena e conscienciosamente ser a vontade do TodoPoderoso que haja diversas opiniões religiosas entre nós isso nos proporciona maior campo para a nossa bondade cristã Fôssemos todos de um só modo de pensar e as nossas disposições religiosas não teriam como ser postas à prova e de acordo com esse princípio liberal considero as várias denominações religiosas entre nós como filhas da mesma família diferindo apenas no que se costuma chamar seus nomes de batismo Resumindo as razões para a sua convicção de que nada poderá resolver nossos assuntos tão expeditamente quanto uma clara e decidida declaração de independência Paine concluía Senso Comum com a enumeração de quatro fatores 1 enquanto a América fosse considerada como um Estado vassalo da GrãBretanha nenhuma outra nação tentaria mediar a solução das diferenças entre ambas 2 não se poderia esperar nenhum auxílio da França nem da Espanha no sentido de remediar o rompimento e fortalecer os laços entre a GrãBretanha e a América porque semelhante medida redundaria em desvantagem para elas 3 enquanto os americanos se declarassem súditos da GrãBretanha seriam rebeldes aos olhos das nações estrangeiras e portanto conquistariam poucas simpatias 4 se os americanos expusessem num manifesto suas queixas contra a GrãBretanha e sua intenção de romper todos os laços com ela enviando cópias da declaração a outros países e expressando suas disposições pacíficas para com eles bem como seu desejo de estabelecer relações comerciais os resultados seriam altamente favoráveis Encerrando sua argumentação Paine afirmava até que seja declarada a independência o continente se sentirá como um homem que vai protelando algum assunto desagradável dia após dia no entanto sabe que é preciso enfrentálo odeia ter que se dedicar a ele deseja que tudo estivesse terminado e é constantemente perseguido pela idéia da necessidade de resolvêlo Por conseguinte em vez de ficarmos a olhar um para o outro com curiosidade suspeitosa ou hesitante que cada um de nós estenda a seu vizinho a mão cordial da amizade e nos unamos para traçar uma linha que como um decreto de anistia sepulte no esquecimento toda e qualquer discórdia anterior Que desapareçam as designações whig e tory e não se ouça entre nós nenhuma outra senão as de um bom cidadão um amigo franco e decidido e um virtuoso defensor dos DIREITOS DA HUMANIDADE e dos ESTADOS LIVRES E INDEPENDENTES DA AMÉRICA Foi essa a mensagem revolucionária transmitida ao povo norteamericano por Senso Comum percorrendo toda a escala desde os argumentos práticos e realistas até os apelos carregados de emoção violentamente facciosos e parciais do agitador nato Os efeitos imediatos e cataclísmicos do panfleto podem ser ilustrados por citações de alguns líderes contemporâneos As dúvidas de George Washington se haviam evaporado quando ele escrevia a Joseph Reed de Norfolk Mais alguns argumentos inflamados como os que foram expostos em Falmouth e Norfolk somados à sã doutrina e ao arrazoado irrespondível contidos no panfleto Senso Comum não deixarão muita gente em dúvida quanto à conveniência da separação e poucas semanas depois também a Reed Pelas cartas particulares que tenho recebido ultimamente da Virgínia vejo que o Senso Comum de Paine está operando lá uma assombrosa transformação no espírito de muitos homens John Adams escrevendo à esposa Envieite um panfleto intitulado Senso Comum escrito em justificação de doutrinas que segundo há razão para crer serão em breve convertidas em fé comum por novos abusos da tirania e depredações da opressão ao que após a leitura Abigail respondeu Senso Comum como um raio de revelação veio a tempo para clarear nossas dúvidas e determinar nossa escolha Benjamin Rush disse dos escritos de Paine Eles irromperam do prelo com um efeito que raramente foi produzido por papel e letra de forma em qualquer época ou país o Gen Charles Lee acrescentou Confesso que me convenceu Franklin observou Teve um efeito prodigioso e William Henry Drayton relatou Esta declaração caiu sobre os membros do Congresso Continental como o estrondo de um trovão Em sua História da Revolução Americana Sir George Trevelyan comentou Seria difícil apontar qualquer composição humana que tenha tido um efeito tão imediato tão extenso e tão duradouro Foi publicado sem autorização parodiado e imitado traduzido para as línguas de todos os países onde a nova república tinha simpatizantes Segundo os jornais contemporâneos Senso Comum converteu à causa da independência milhares de pessoas que antes não podiam suportar essa idéia Operou verdadeiros milagres e transformou tories em whigs Passados poucos meses do aparecimento de Senso Comum a maioria dos Estados haviam dado instruções a seus representantes para que votassem pela independência com apenas Maryland hesitando e Nova Iorque tomando posição contrária A 4 de julho de 1776 menos de seis meses após a data em que o famoso panfleto de Paine saiu do prelo o Congresso Continental reunido no Palácio Legislativo de Filadélfia proclamou a independência dos Estados Unidos da América Embora Paine não tenha escrito a Declaração manteve estreitas relações com Thomas Jefferson enquanto ela era redigida e excetuandose a omissão de uma cláusula antiescravista propugnada por Paine os princípios que ele defendia foram incorporados ao célebre manifesto Um relato da carreira subseqüente de Paine tem apenas ligação indireta com a história de Senso Comum Os pontos principais podem ser sumariados brevemente Alistouse no exército revolucionário pouco depois da Declaração de Independência Como prolífico portavoz da causa americana contribuiu enormemente para a unidade e o espírito nacionais com uma série de panfletos todos intitulados A Crise O primeiro deles começava com as linhas freqüentemente citadas Estes são os tempos que põem à prova a alma dos homens O soldado de verão e o patriota dos dias de sol se esquivará ao serviço da pátria mas aquele que se mantém firme agora merece o amor e a gratidão de homens e mulheres Após alguns meses reconhecendolhe o valor de propagandista e de estimulador do espírito de luta o Congresso tirouo do exército e nomeouo Secretário da Comissão de Negócios Estrangeiros virtualmente nosso primeiro Secretário de Estado Controvérsias forçaramno a pedir demissão do cargo sendo a seguir nomeado Secretário da Assembléia da Pensilvânia Em 1781 foi enviado à França com John Laurens a fim de obter ajuda financeira para o governo norteamericano em dificuldades voltou no mesmo ano com dinheiro e suprimentos Terminada a Revolução em 1783 Paine dedicouse às invenções mecânicas projetando a primeira ponte pênsil de ferro e fazendo experiências com a força do vapor Tomada a decisão de consultar engenheiros na França e na Inglaterra acerca de alguns problemas técnicos em 1787 foi para a Europa onde permaneceu quinze anos Pouco depois de sua chegada começou a Revolução Francesa acontecimento que Paine apoiou entusiasticamente como uma nova justificação de suas idéias democráticas Em defesa da Revolução respondendo aos ataques de Edmund Burke escreveu sua famosa obra Os Direitos do Homem Obrigado a deixar a Inglaterra às pressas para evitar a prisão por traição em conseqüência das doutrinas expressadas no livro fugiu para a França onde fora eleito representante de Calais à Convenção Numa tentativa de salvar Luís XVI da pena de morte rompeu com extremistas como Robespierre e Marat Quando esses elementos tomaram o governo Paine foi detido despojado da cidadania francesa honorária e encarcerado por dez meses escapando por pouco à guilhotina Libertado por intercessão do embaixador norteamericano James Monroe recuperou a saúde em casa deste A grande obra desse período foi A Idade da Razão algumas vezes chamada a bíblia do ateu Na realidade Paine era deísta piedoso acreditando em um Deus e na vida futura e A Idade da Razão embora criticasse muito o Antigo Testamento foi escrita para conter a forte vaga de ateísmo que varreu a França na era revolucionária Não obstante teólogos e grupos religiosos ortodoxos condenaram Paine veementemente como cético e radical perigoso Quando voltou à América em 1802 não foi recebido como herói da Revolução mas sim virtualmente proscrito por pessoas religiosas e dirigentes políticos por causa da autoria de A Idade da Razão e de suas teorias políticas radicais Em Nova Rochelle Estado de Nova Iorque onde se radicou negaramlhe o direito de voto sob o pretexto de que não era cidadão norteamericano Houve até uma tentativa de homicídio contra ele Após sete incríveis anos de injúrias ódio abandono pobreza e má saúde morreu em 1809 aos 72 anos de idade Foilhe recusado sepultamento num cemitério quacre A hostilidade as falsidades e as violentas prevenções dos últimos anos da vida de Paine perduraram até recentemente Theodore Roosevelt se referiu a ele como um ateuzinho imundo embora como o Santo Império Romano que não era nem santo nem império nem romano Paine não fosse nem ateu nem pequeno nem imundo Ainda em 1933 foi suspensa a transmissão de um programa a seu respeito numa estação de rádio de Nova Iorque Somente em 1945 foi eleito para a Galeria da Fama dos Grandes Americanos quarenta e cinco anos após a criação desta No mesmo ano a cidade de Nova Rochelle decidiu finalmente restituir ao herói da Revolução os direitos de cidadania que perdera em 1806 Foi esse o homem que talvez mais do que qualquer outro merece o título de Fundador da Independência Americana que primeiro usou a expressão Os Estados Unidos da América que previu que o nome Estados Unidos da América terá uma ressonância tão magnífica na História como o do Reino da GrãBretanha e proclamou A causa da América é em grande parte a causa de toda a humanidade Não se pode encontrar melhor indicação do caráter de Paine que sua resposta à declaração de Franklin Onde estiver a liberdade aí estará minha pátria Onde não estiver a liberdade disse Paine aí estará a minha Mesmo em seu tempo o coro de ódio e desvirtuamento não foi universal Andrew Jackson teve a coragem de dizer Thomas Paine não precisa de nenhum monumento feito por mãos humanas ele erigiu um no coração de todos os amantes da liberdade THOMAS PAINE SENSO COMUM Tradução de A Della Nina Introdução Talvez os sentimentos contidos nas páginas seguintes não estejam ainda suficientemente na moda para lhes granjear um favor geral o longo hábito de não pensar que uma coisa seja errada lhe dá o aspecto superficial de ser certa e ergue de início um temível brado em defesa do costume Mas o tumulto não tarda em arrefecer O tempo cria mais convertidos do que a razão Sendo um longo e violento abuso de poder geralmente o meio de lhe discutir o direito e também em questões que poderiam nunca ter sido imaginadas se os sofredores não tivessem sido agravados na indagação e havendo o rei da Inglaterra decidido em seu próprio direito apoiar o Parlamento naquilo que ele chama deles e estando o bom povo deste país gravemente oprimido pela combinação tem este o privilégio incontestável de analisar as pretensões dos dois e de igualmente rejeitar a usurpação de qualquer deles Nas folhas que se seguem o autor evitou escrupulosamente tudo quanto é pessoal entre nós Não há aqui elogios nem censuras a indivíduos Os prudentes e os dignos dispensam o triunfo de um panfleto e aqueles cujos sentimentos são insensatos ou inamistosos cessarão por si a não ser que com eles se despenda grande soma de esforços A causa da América é em grande parte a causa de toda a humanidade Surgiram e surgirão inúmeras circunstâncias não locais universais que influirão nos princípios de todos os amantes da humanidade e em cuja ocorrência estarão interessados os seus afetos Devastar a ferro e fogo um país declarar guerra aos direitos naturais de toda a humanidade e extirpar da face da terra os seus defensores são coisas que dizem respeito a todo homem a quem a natureza deu o poder de sentir e a cuja classe apesar da censura partidária pertence o Autor PS1 A publicação desta nova edição foi postergada com o fito de anotar se necessário qualquer tentativa de refutar a doutrina de independência Como até agora não apareceu nenhuma resposta presumese que não aparecerá uma vez que já passou bastante o tempo necessário para aprontar tal feito 1 É o pósescrito de Paine ao prefácio à nova edição N da ed inglesa Saber quem é o autor deste trabalho é inteiramente desnecessário ao público visto que o objetivo de atenção é a própria doutrina e não o homem Mas talvez convenha dizer que não está ligado a nenhum partido e que não sofre influência nenhuma nem pública nem privada a não ser a influência da razão e do princípio Filadélfia 14 de fevereiro de 1776 Da origem e do plano de governo em geral com concisas observações sobre a Constituição inglesa Alguns escritores de tal modo confundiram sociedade e governo que entre os dois deixaram pouca ou nenhuma distinção apesar de além de diferentes possuírem origens diversas A sociedade é produzida pelas nossas necessidades e o governo pela nossa maldade a primeira promove positivamente a nossa ventura unindo os nossos afetos enquanto o segundo o faz negativamente refreando os nossos vícios A primeira encoraja o intercâmbio o segundo cria distinções A primeira é uma patrocinadora o segundo um punidor A sociedade em qualquer estado é uma bênção enquanto o governo mesmo no seu melhor estado não passa de mal necessário sendo no pior estado um mal intolerável Porque quando sofremos ou ficamos expostos por um governo às mesmas misérias que poderíamos esperar em país sem governo a nossa calamidade aumenta pela reflexão de que nós é que fornecemos os meios pelos quais sofremos O governo como a vestimenta é o emblema da inocência perdida os palácios dos reis erguemse sobre as ruínas das choupanas do paraíso Se obedecêssemos clara uniforme e irresistivelmente aos impulsos da consciência não precisaríamos de outro legislador não sendo esse todavia o caso vemonos obrigados a ceder uma parte da nossa propriedade a fim de providenciar meios para a proteção do resto e somos induzidos a proceder dessa maneira pela mesma prudência que em qualquer outro caso nos aconselha a escolher dentre dois males o menor Pelo que sendo a segurança o verdadeiro propósito e fim do governo seguese irretorquivelmente ser preferível às demais qualquer forma que pareça mais capaz de nãola garantir Para termos uma idéia clara e justa do propósito e do fim do governo suponhamos um pequeno grupo de pessoas fixadas numa parte qualquer isolada da terra sem ligação com o restante dos homens nesse caso elas representarão o primeiro povoamento de qualquer país ou do mundo Nesse estado de liberdade natural a sociedade constituirá para elas o primeiro pensamento Serão instigadas a ela por mil motivos a força de um homem é tão desigual às necessidades e o seu espírito tão inadequado à solidão perpétua que não tarda em ser obrigado a procurar assistência e alívio com outra pessoa que por sua vez quer a mesma coisa Quatro ou cinco indivíduos unidos poderiam construir uma habitação tolerável no meio do deserto ao passo que um só consumiria todo o período comum de vida talvez sem realizar nada nem de erguer a madeira a fome o afastaria do trabalho e as mais diversas necessidades o atrairiam nas maneiras mais diversas A enfermidade e até a desventura seria a morte embora nenhuma delas fosse mortal tornáloiam incapaz de viver e o reduziriam a um estado em que mais pereceria do que viveria Assim a necessidade como força gravitadora não tardaria em organizar os imigrantes recémchegados em sociedade cujas recíprocas bênçãos substituiriam e tornariam as obrigações de lei e de governo desnecessárias mantendose perfeitamente justas uma para com a outra mas como nada a não ser o céu é impregnável ao vício há de suceder inevitavelmente que a medida que forem sobrepujando as primeiras dificuldades da imigração que os unem numa causa comum começarão a descuidarse no dever e apego mútuos e essa desídia fará surgir a necessidade de se estabelecer uma forma qualquer de governo destinada a suprir a falta de virtude moral Uma árvore conveniente lhes proporcionará um parlamento sob cujos ramos poderá reunirse a assembléia para deliberar em torno de questões públicas É mais do que provável que as suas primeiras leis serão apenas o título de regulamentos aos quais obedecerão em virtude de uma única pena a desestima pública Nesse primeiro parlamento terão assento por direito natural todos os homens e para que os eleitos jamais formem para si próprios um interesse diverso do dos eleitores a prudência mostrará a oportunidade de eleições frequentes pois podendo os eleitos por tal meio regressar em poucos meses ao corpo geral dos eleitores e com ele fundirse a sua fidelidade ao público ficará garantida pela prudente reflexão de não prepararem uma punição para si próprios E como esse freqüente intercâmbio estabelecerá um interesse comum com todas as partes da comunidade os membros se apoiarão mútua e naturalmente e é disso e não do nome sem significação de rei que depende a força do governo e a felicidade dos governados Eis aí portanto a origem e o nascimento do governo ou seja um modo que se faz necessário em virtude da incapacidade de virtude moral para governar o mundo eis aí também o propósito e o fim do governo isto é liberdade e segurança E por mais que os nossos olhos fiquem ofuscados pela exibição e os nossos ouvidos iludidos pelas palavras por mais que o preconceito deturpe a nossa von tade e o interesse obscureça a nossa compreensão a simples voz da natureza e da razão dirá que ele é certo Tiro a minha idéia da forma de governo de um princípio natural que nenhum arte pode abater ou seja o de que quanto mais simples uma coisa tanto menos propende a desordenarse e tanto mais facilmente se repara quando desordenada e com essa máxima diante dos olhos ofereço algumas considerações sobre a tão gabada Constituição da Inglaterra Concedamos que foi nobre para os tempos sombrios e servis em que a redigiram Quando no mundo imperava a tirania afastarse dela o mínimo que fosse constituía uma gloriosa salvação Mas facilmente se demonstra que é imperfeita sujeita a convulsões e incapaz de produzir o que parece prometer Os governos absolutos apesar de ser um malefício para a natureza humana possuem esta vantagem são simples Se o povo sofre sabe de que fonte jorram os seus padecimentos sabe igualmente qual o remédio e não fica perplexo por uma multiplicidade de causas e curas Mas a Constituição da Inglaterra é tão excessivamente complexa que a nação pode sofrer durante anos sem conseguir descobrir onde está o defeito alguns dirão que está aqui outros que está ali e cada médico político aconselhará um remédio diferente Sei que é difícil superar preconceitos locais ou antigos mas se nos dermos ao trabalho de examinar as partes componentes da Constituição inglesa veremos que são restos fundamentais de duas antigas tiranias de mistura com alguns novos materiais republicanos Primeiro restos da tirania monárquica na pessoa do rei Segundo restos da tirania aristocrática na pessoa dos pares Terceiro novos materiais republicanos na pessoa dos Comuns de cuja força depende a liberdade da Inglaterra Os dois primeiros hereditários independem do povo assim no sentido constitucional em nada contribuem para a liberdade do Estado É ridículo dizer que a Constituição da Inglaterra é união de três poderes que se controlam reciprocamente ou as palavras não têm significado ou são simples contradições Dizer que os Comuns constituem um freio imposto ao soberano pressupõe duas coisas Primeiro que o rei não é pessoa merecedora de confiança sem vigilância ou noutras palavras que a sede do poder absoluto é o mal natural da monarquia Segundo que os Comuns indicados para tal fim ou são mais sensatos ou são mais dignos de confiança do que a Coroa Como porém a mesma Constituição que dá aos Comuns o poder de controlar o rei retendo as verbas dá ao rei o poder de controlar os Comuns permitindolhe rejeitar as demais leis deles mais uma vez supõe ser o rei mais sensato que os que ela já supôs serem mais sensatos do que ele Simples absurdo clui do mundo no entanto a sua atividade exige que ele conheça perfeitamente o mundo com isso as diferentes partes opondose antinaturalmente uma à outra é destruindose provam ser absurda e inútil toda essa condição Assim têm explicado a Constituição inglesa alguns escritores o rei dizem é uma coisa o povo outra os pares constituem uma Câmara em nome do rei os Comuns uma Câmara em nome do povo mas isso possui todos os sinais de uma Câmara dividida contra si própria e embora agradavelmente dispostas as expressões uma vez examinadas se afiguram inúteis e ambíguas e há de suceder sempre que a mais bela construção de que são capazes as palavras aplicadas à descrição de alguma coisa que ou não pode existir ou é demasiadamente incompreensível para caber no campo da descrição nunca deixará de ser uma série de simples palavras e as palavras apesar de poderem distrair os ouvidos não conseguirão esclarecer o espírito pois essa explicação inclui uma questão anterior ou seja como chegou o rei a um poder no qual o povo teme confiar e é constantemente obrigado a controlar Esse poder não pode ser dádiva de um povo sensato e nenhum poder que necessita de freio pode vir de Deus no entanto o dispositivo da Constituição supõe a existência de tal poder Todavia o dispositivo não corresponde à tarefa o meio não pode ou não quer realizar o fim e a questão inteira é um suicídio pois uma vez que o peso maior sempre há de fazer subir o menor e uma vez que todas as rodas de uma máquina são postas em movimento por uma resta apenas saber qual o poder que na Constituição tem maior peso porque esse governará e se bem que os outros ou parte deles consigam obstaculizar ou como se costuma dizer controlar a rapidez do seu movimento desde que não lhes seja dado parálo serão ineficazes as suas tentativas A primeira força motriz ficará por fim com o caminho livre e o que lhe falta em velocidade é dado pelo tempo Não é preciso mencionar que a Coroa constitui a parte dominante da Constituição inglesa é evidente por si que deriva toda a sua importância do fato de ser a doadora de cargos e pensões logo não obstante havermos sido suficientemente sensatos para fechar a porta à monarquia absoluta ao mesmo tempo fomos tão insensatos que demos à Coroa a posse da chave O preconceito dos ingleses em favor do seu governo de rei lordes e Comuns nasce mais do orgulho nacional do que da razão Indubitavelmente os indivíduos têm mais segurança na Inglaterra do que noutros países mas a vontade do soberano é na Bretanha tanto quanto na França a lei da terra com a diferença de em vez de proceder diretamente dos seus lábios ser transmitida ao povo sob o aspecto mais impressionante de lei do Parlamento O destino de Carlos I tornou os soberanos mais perspicazes não mais justos Assim pondose de lado qualquer orgulho nacional e preconceito em favor de modos e formas a verdade simples é que somente em virtude da constituição do povo e não da constituição do governo não é a Coroa na Inglaterra tão opressora como na Turquia A esta altura se impõe com extrema necessidade o estudo dos erros constitucionais inerentes à forma inglesa de governo Assim como nunca estaremos em condições adequadas de fazer justiça a outros se continuarmos sob a influência de qualquer parcialidade principal assim também não poderemos fazêla a nós mesmos enquanto continuarmos agrilhados por qualquer obstinado preconceito E assim como o indivíduo apegado a uma prostituta não tem capacidade para escolher ou julgar uma esposa assim também qualquer inclinação em favor de uma Constituição ou de um governo apodrecido nos tornará incapazes de discernir um bom governo Da monarquia e da sucessão hereditária Sendo os homens originalmente iguais na ordem da criação a igualdade só foi destruída por uma circunstância qualquer subseqüente é possível explicar em grande parte as distinções entre ricos e pobres e isso sem recorrermos aos nomes duros e malsonantes de opressão e avareza A opressão muitas vezes é conseqüência mas só raras vezes ou nunca meio da riqueza e embora a avareza evite ao indivíduo ser necessitadamente pobre em geral o faz tão medroso que não consegue ser rico Há porém outra distinção maior à qual não se pode atribuir nenhuma razão verdadeiramente natural nem religiosa é a distinção dos homens em reis e súditos Macho e fêmea são as distinções da natureza bom e mau as distinções do céu Mas vale a pena indagar de que maneira uma estirpe de criaturas chegou a ser tão elevada acima das outras a ponto de constituir quase uma nova espécie e se ela constitui meio de felicidade ou de desventura para a humanidade Nos primeiros tempos do mundo de acordo com a cronologia da Escritura não houve reis e por conseguinte não houve guerras O que atira a humanidade à confusão é o orgulho dos reis A Holanda sem rei gozou de mais paz neste último século do que qualquer dos governos monárquicos da Europa A Antiguidade favorece a mesma observação uma vez que a vida tranqüila e rural dos primeiros patriarcas possui em si algo que desaparece ao chegarmos à história da realeza judaica O governo dos reis foi introduzido no mundo pelos pagãos dos quais os filhos de Israel tomaram o costume Foi a invenção mais próspera para a promoção da idolatria Os pagãos prestavam honras divinas aos reis falecidos o mundo cristão melhorou a coisa prestando honras divinas aos reis vivos Que irreverência o título de sagrada majestade a um verme que no meio do seu esplendor se desfaz em pó Assim como não se justifica tão grande elevação de um homem acima dos outros pelos direitos iguais da natureza assim também não se defende com a autoridade da Escritura porque a vontade do TodoPoderoso declarada por Gedeão e pelo profeta Samuel desaprova expressamente o governo dos reis Todas as partes antimonárquicas da Escritura têm sido cuidadosamente encober tas nos governos monárquicos mas indubitavelmente merecem a atenção dos países que devem ainda formar o seu próprio governo Dai a César o que é de César é a doutrina bíblica dos tribunais contudo não constitui apoio ao governo monárquico pois os judeus naquele tempo não tinham rei e viviam em estado de vassalagem com respeito aos romanos Passaramse quase três mil anos desde a descrição mosaica da criação até que os judeus impelidos por uma decepção nacional exigissem um rei Até então a sua forma de governo salvo em casos extraordinários nos quais intervinha o TodoPoderoso fora uma espécie de república administrada por um juiz e pelos anciãos das tribos Não tinham rei nenhum e era tido por pecado chamar alguém com esse título a não ser o Senhor dos Exércitos E quando a gente reflete seriamente na homenagem idólatra prestada à pessoa dos reis não pode admirarse de o TodoPoderoso sempre zeloso da sua honra desaprovar uma forma de governo que tão impiedosamente se arroga a prerrogativa do céu A monarquia na Bíblia ocupa o lugar de um dos pecados dos judeus pelo que paira sobre eles a maldição Vale a pena atentar para a história dessa transação Os filhos de Israel eram oprimidos pelos madianitas quando Gedeão lutou contra eles com um pequeno exército e viu a vitória decidirse em seu favor por interferência divina Os judeus entusiasmados com o bom êxito e atribuindoo a Gedeão propuseramse fazer dele rei dizendo Reina sobre nós tu e teu filho e o filho de teu filho Era a tentação em toda a sua extensão não apenas um reino senão um reino hereditário mas Gedeão na piedade de sua alma replicou Não reinarei sobre vós nem sobre vós reinará meu filho O Senhor reinará sobre vós Não pode haver palavras mais explícitas Gedeão não declina a honra mas nega o direito de eles lha darem nem tampouco os saúda com inventadas declarações do seu agradecimento pelo contrário no estilo positivo do profeta acusaos de desapego ao conveniente soberano o Rei do Céu Cento e trinta anos depois mais ou menos os judeus incidem no mesmo erro O desejo que tinham dos costumes idólatras dos pagãos é coisa excessivamente inexplicável mas sucedeu que aproveitandose do mau comportamento dos dois filhos de Samuel aos quais haviam sido confiados vários interesses seculares correram abrupta e clamorosamente à presença de Samuel dizendo Olha tu és velho e teus filhos não seguem o teu exemplo dános um rei que nos julgue como existe em todas as outras nações Aqui não deixaremos de observar que os seus motivos eram maus isto é que pretendiam ser como as demais nações ou seja os pagãos ao passo que a sua verdadeira glória estava em ser o mais possível diferentes deles Mas não agradou a Samuel dizerem dános um rei que nos julgue e Samuel orou ao Senhor e o Senhor disse a Samuel Escuta a voz do povo em tudo quanto te diz porque ele não rejeitou a ti mas a mim para eu não reinar sobre ele De acordo com tudo quanto fizeram desde o dia em que os trouxe do Egito até hoje abandonandome depois e passando a servir a outros deuses o mesmo farão a ti Escutalhes no entanto a voz contestalhes mostralhes a justiça do rei que reinará sobre eles ou seja não de um rei particular senão a justiça dos reis da terra que Israel tão ansiosamente desejava copiar E não obstante a grande distância no tempo e a diferença de justiças o tipo continua na moda E Samuel disse todas as palavras do senhor ao povo que lhe pedia um rei E disse será esta a justiça do rei que reinará sobre vós tomarvosá os filhos e os colocará nos seus carros fará deles cavaleiros e precursores das suas quadrigas esta descrição concorda com a maneira atual de impressionar os homens e fará para si tribunos e centuriões e aradores dos seus campos e colhedores e fabricantes de armas e instrumentos dos seus carros e vos tomará as filhas para que sejam confeiteiras cozinheiras e padeiras o que descreve o gasto e o luxo bem como a opressão dos reis e vos tomará os campos e oliveiras os melhores até e os dará aos seus servos e vos tomará a décima da colheita e das vinhas e a dará aos seus eunucos e fâmulos o que nos mostra que o suborno a corrupção e o favoritismo constituem vícios permanentes dos soberanos e tomará a décima parte dos vossos servos e das vossas servas bem como os melhores jovens e os vossos burros e os fará trabalhar e tomará a décima parte das vossas ovelhas e vós sereis seus servos e naquele dia chorareis por causa do rei que escolhestes e o Senhor não vos ouvirá naquele dia É o que explica a continuação da monarquia nem tampouco santificam o título ou apagam a pecabilidade da origem os poucos bons soberanos que desde então viveram Mas o povo recusouse a obedecer à voz de Samuel e disse não importa queremos para podermos ser como as demais nações um rei que nos governe que nos julgue e que à nossa testa combata os nossos combates Samuel continuou a arrazonar com o povo mas nada logrou lançoulhe ao rosto a ingratidão mas tudo foi em vão e vendoo inteiramente voltado para a própria loucura exclamou Invocarei Senhor e o Senhor mandará trovões e chuvas o que era então um castigo uma vez que se estava no tempo da colheita do trigo para que vejais quão grande é a vossa maldade à vista do Senhor pedindo um rei Invocou pois Samuel a Deus e Deus mandou trovões e chuva naquele dia e todo o povo temeu bastante o Senhor e Samuel E todo o povo disse a Samuel Roga ao Senhor teu Deus pelos teus servos para que não morramos pois aos nossos pecados acrescentamos este de pedir um rei Esses trechos da Escritura são diretos e positivos Não admitem interpretação equívoca O fato de o TodoPoderoso haver aí protestado contra o governo monárquico é verdadeiro ou então é falsa a Escritura E temos boas razões para acreditar que há tanto artes de rei como artes de sacerdote em manter a Escritura afastada do público nos países papalinos porque a monarquia significa sempre papismo de governo Ao mal da monarquia acrescentamos o da sucessão hereditária se a primeira é uma degradação e diminuição de nós mesmos a segunda apresentada sob o aspecto de questão de direito é um insulto e uma imposição à posteridade Sendo todos os entes humanos iguais pela origem ninguém pode ter por nascimento o direito de colocar em perpétua preferência no tocante às demais sua família e se alguém merecer uma decente medida de honras dos contemporâneos os seus descendentes bem poderão ser indignos de herdálas Uma das provas naturais mais fortes da loucura da hereditariedade real é que a natureza a desaprová de outro modo não a faria tão freqüentemente ridícula dando à humanidade por leão um burro Em segundo lugar visto que ninguém poderia a princípio possuir outras honras que não as que lhe tivessem sido concedidas os doadores de tais honras não poderiam ter o poder de dispor do direito de posteridade e embora pudessem dizer Nós te escolhemos para nosso chefe não lograriam sem patente injustiça a seus filhos dizer teus filhos e os filhos de teus filhos reinarão sobre os nossos para sempre Esse contrato insensato injusto antinatural poderia talvez colocálos na sucessão seguinte sob o governo de um patife ou de um tolo A maioria das criaturas sensatas sempre no íntimo encarou com desdém o direito hereditário No entanto aí está um dos males que uma vez estabelecido não se extirpa com facilidade muitos se submetem de medo outros por superstição enquanto os mais poderosos compartilham com o soberano do saque do resto Isso é supor que a atual raça de reis do mundo teve uma origem honrosa entretanto é mais do que provável que se nos fosse dado retirar o negro manto que cobre a Antiguidade e ver como se originaram os reis comprovaríamos que o primeiro dentre eles não passava de principal rufião de um bando incansável granjeando entre saqueadores pelas maneiras brutais ou pela preeminência em argúcia o título de chefe e posteriormente aumentado o poder e ampliadas as depredações obrigando pelo terror pacíficos e indefesos a comprar a segurança por freqüentes contribuições didos armados que se faz depois rei da Inglaterra contra a vontade dos nacionais é em palavras simples uma torpeza infamemente original Não houve nisso evidentemente nenhuma divindade Contudo é desnecessário perder muito tempo na exposição da loucura do direito hereditário se há alguém tão fraco que acredite nele que adore promiscuamente o burro e o leão Não lhe imitarei a humildade nem lhe perturbarer a devoção Mas gostaria de perguntarlhe como supõe o aparecimento dos primeiros reis A questão admite apenas três respostas isto é pela sorte pela eleição pela usurpação Se o primeiro rei subiu ao trono pela sorte o fato estabelece um precedente que exclui a sucessão hereditária Saul foi rei pela sorte mas a sucessão não foi hereditária nem decorre da transação ter havido qualquer intento de que o fosse Se o primeiro rei de qualquer país foi rei por eleição fica igualmente aberto o precedente para o seguinte pois dizer que o direito de todas as futuras gerações é eliminado pelo ato dos primeiros eleitores em sua escolha não somente de um rei senão de uma família de reis e para sempre é coisa que não possui paralelo nem na Escritura nem fora da Escritura a não ser a doutrina do pecado original que supõe perdida em Adão a vontade livre de todos os homens e dessa comparação aliás não admite outra não pode tirar glória nenhuma a sucessão hereditária Porque do fato de em Adão todos haverem pecado e de nos primeiros eleitores todos haverem obedecido do fato de naquele haver ficado toda a humanidade sujeita a Satanás e nestes à soberania do fato de no primeiro caso haverse perdido a nossa inocência e a nossa autoridade no segundo e do fato de as duas coisas nos não permitirem reassumir um estado e um privilégio anterior seguese irretorquivelmente serem paralelos o pecado original e a sucessão hereditária Desonrosa posição Inglória ligação E no entanto nem o mais arguto sofista é capaz de produzir um símile mais justo Quanto à usurpação não haverá ninguém ousado que a defenda e é fato que não se contradiz haver sido Guilherme o Conquistador um usurpador A verdade simples é que a antiguidade da monarquia inglesa não resiste a exame Porém o que mais interessa à humanidade não é a absurdidade é o mal da sucessão hereditária Se garantisse uma estirpe de homens bons e sensatos traria o selo da autoridade divina mas abrindo as portas ao insensato ao mau ao impróprio tem em si a natureza da opressão Os que se consideram nascidos para reinar e julgam os outros nascidos para obedecer não tardam em tornarse insolentes Separados do resto da humanidade a importância cedo lhes envenena o espírito é o mundo em que agem difere tão materialmente do mundo em geral que pouca oportunidade têm de saber quais são os verdadeiros interesses deste e quando sucedem no governo são a maioria das vezes os mais ignorantes e inadequados em todos os domínios blico tornase presa de qualquer canalha capaz de com êxito lidar com as tolices da idade ou da infância A defesa mais plausível jamais oferecida em favor da sucessão hereditária é preservar ela a nação das guerras civis se tal fosse verdadeiro seria importante mas na realidade é a mentira mais deslavada imposta à humanidade Toda a história da Inglaterra nega esse fato Trinta reis e dois menores reinaram nesse insensato país desde a conquista e nesse tempo incluindose a Revolução7 não houve menos do que oito guerras civis e dezenove rebeliões Portanto em vez de defender a paz luta contra ela e destrói o próprio alicerce sobre o qual parece firmarse A luta pela monarquia e pela sucessão entre as casas de York e Lancaster8 mergulhou em sangue durante muitos anos a Inglaterra Entre Henrique e Eduardo feriramse doze duras batalhas além de escaramuças e cercos Por duas vezes foi Henrique prisioneiro de Eduardo que por sua vez o foi de Henrique E é tão incerto o destino de uma guerra e o humor de uma nação quando a razão da luta está apenas em questões pessoais que Henrique foi levado em triunfo da prisão ao palácio e Eduardo obrigado a fugir do palácio para um país estrangeiro entretanto sendo pouco duradouras as repentinas mudanças de humor foi Henrique por sua vez expulso do trono substituindoo nele Eduardo Quanto ao Parlamento sempre acompanhou o lado mais forte Essa luta começou no reinado de Henrique VI e só terminou inteiramente com Henrique VII9 quando se uniram as famílias o que equivale a um período de sessenta e sete anos desde 1422 até 1489 Em resumo a monarquia e a sucessão cobriram de sangue e de cinzas o mundo inteiro não somente este ou aquele país É uma forma de governo contra a qual testemunha a palavra de Deus e o sangue é a sua companheira Se indagarmos da tarefa do rei verificaremos que em alguns países ela não existe e depois de passar a vida sem prazer para si próprio e sem vantagem para a nação retirase de cena deixando que o sucessor pise o mesmo itinerário inútil Nas monarquias absolutas todo o peso da atividade civil e militar jaz sobre o rei os filhos de Israel ao pedirem um rei insistiram nisto para que possa julgarnos colocarse à nossa frente e combater os nossos combates Mas nos países em que não é juiz nem general como na Inglaterra é difícil saber que papel é o dele Quanto mais um governo se aproxima da república tanto menos função existe para o rei É difícil achar um nome adequado para o governo da Inglaterra Sir William Meredith 10 chamalhe república mas no seu atual estado é indigno de tal nome porque a corrupta influência da Coroa tendo à sua disposição todos os postos de tal modo absorveu o poder e devorou a virtude da Câmara dos Comuns parte republicana na Constituição que o governo da Inglaterra é quase tão monárquico quanto o da França ou da Espanha Os homens desentendemse com os nomes sem compreendêlos porque é da parte republicana e não da parte monárquica da Constituição da Inglaterra que os ingleses se gloriam ou seja da liberdade de escolher uma Câmara dos Comuns saída do seu próprio grupo e é fácil ver que quando as virtudes republicanas falham o resultado é a escravidão A Constituição da Inglaterra se encontra enferma porque a monarquia envenenou a república a Coroa absorveu os Comuns Na Inglaterra o rei pouco mais faz do que levar a efeito a guerra e ceder lugares o que em palavras simples significa empobrecer a nação e mergulhála na discórdia Belo negócio para qualquer indivíduo receber oitocentas mil libras por ano e ainda por cima ser adorado Muito mais vale para a sociedade e para Deus o homem honesto do que todos os rufioes coroados que jamais viveram Reflexões sobre o estado atual das questões americanas Nas páginas seguintes nada mais ofereço do que simples fatos simples argumentos e senso comum e não tenho outras preliminares para estabelecer com o leitor senão as de que se desfaça de preconceitos e erros e deixe que se determinem por si a razão e os sentimentos que se revista ou melhor que não se desfaça da verdadeira qualidade do homem e lance o olhar com liberalidade para além do cenário do dia de hoje Escreveramse volumes sobre a questão da luta entre a Inglaterra e a América Participaram da controvérsia homens de todas as posições movidos por diferentes razões e dotados de propósitos diversos mas todos foram ineficazes e está encerrado o período de debate Como último recurso decidem a contenda as armas o apelo foi a escolha de um rei e o continente aceitou o desafio Narrase do falecido Pelham 11 o qual embora hábil ministro não estava isento de defeitos que ao ser atacado na Câmara dos Comuns com o pretexto de serem apenas de espécie temporária as suas medidas respondeu Durarão o meu tempo Se um pensamento tão fatal e tíbio dominar as colônias na presente luta será lembrado com detestação pelas futuras gerações o nome dos antepassados O sol jamais brilhou sobre causa de maior valor Não se trata da questão de uma cidade de um município de uma província de um reino tratase da questão de um continente que constitui pelo menos a oitava parte do globo habitável Não se trata do interesse de um dia de um ano de uma época a posteridade achase virtualmente envolvida na contenda e ficará atingida mais ou menos até o fim dos tempos pelo que ora sucede Estamos na época da sementeira da união da fé da honra continental A menor fenda agora será como o nome gravado a estilete na tenra casca de um jovem carvalho o ferimento crescerá com a árvore e a posteridade o lerá em letras completamente desenvolvidas Transferindo o problema da argumentação para as armas abrese uma nova era para a política surge um novo método de pensamento Todos os planos todos os propósitos etc anteriores ao dia 19 de abril isto é ao começo das hostilidades são como as folhinhas do ano passado embora adequadas então hoje são superadas e inúteis Tudo quanto foi apresentado pelos defensores em qualquer lado da questão terminou então num só e único ponto o da união com a GrãBretanha a única diferença entre os partidos foi o método seguido para o efetuar propondo um deles a força a amizade o outro mas o que aconteceu foi falhar o primeiro e retirar a sua influência o segundo Como se tem falado muito das vantagens da reconciliação a qual semelhantemente a um sonho agradável se foi deixandonos como estávamos nada mais certo que examinarmos o lado contrário da argumentação e estudar alguns dos inúmeros males materiais padecidos por estas colônias e que sempre padecerão se permanecerem ligadas à GrãBretanha e dela dependentes Examinaremos a ligação e a dependência com os princípios da natureza e do senso comum veremos aquilo em que devemos confiar se nos separarmos e aquilo que nos caberá esperar se continuarmos dependentes Tenho ouvido alguns afirmar que havendo a América florescido debaixo da ligação com a GrãBretanha a mesma ligação é necessária para a sua futura felicidade e terá sempre o mesmo efeito Nada pode ser mais falaz do que essa espécie de argumentação Poderíamos igualmente afirmar que a criança pelo fato de haver crescido com leite jamais tem direito a comer carne ou que os primeiros vinte anos da nossa vida devem ser um precedente para os vinte seguintes Até isso é admitir mais do que o verdadeiro pois retruco francamente que a América teria florescido na mesma medida e provavelmente mais se com ela nada tivesse tido nenhuma potência européia O comércio com o qual se enriqueceu se constituiu das necessidades da vida e terá sempre um mercado enquanto for costume da Europa comer Ela nos protegeu dizem alguns Que nos absorveu é certo e admitese que defendeu o continente à nossa custa bem como à custa própria teria defendido a Turquia pelo mesmo motivo ou seja por amor ao comércio e ao domínio Aí por longo tempo fomos dominados por velhos preconceitos por longo tempo fizemos grandes sacrifícios à superstição Temonos gabado da proteção da GrãBretanha sem considerar que o seu motivo era o interesse não o afeto sem considerar que não nos protegeu dos nossos inimigos por nossa causa senão dos inimigos dela e por causa dela daqueles que não tinham nenhuma diver gência conosco por outra causa e que serão sempre nossos inimigos pela mesma causa Desista a GrãBretanha das suas pretensões ao continente ou desfaçase da dependência o continente e estaremos em paz com a França e a Espanha no caso de guerrearem contra a Inglaterra Deveriam acautelarnos contra qualquer ligação as misérias da última guerra de Hanôver Temse dito ultimamente no Parlamento que as colônias não se relacionam uma à outra senão através da mãepátria isto é que a Pensilvânia e as Jerseys e assim por diante para o resto são colônias irmãs por intermédio da Inglaterra é certamente maneira assaz indireta de provar a relação mas é o modo mais próximo e o único verdadeiro de provar a inimizade se assim me é dado chamála Nem a França nem a Espanha jamais foram e provavelmente jamais serão nossas inimigas em nossa qualidade de americanos e sim em nossa qualidade de súditos da GrãBretanha Mas objetam outros a Inglaterra é a mãepátria Nesse caso mais vergonhoso ainda o seu procedimento Nem os irracionais devoram os filhos nem os selvagens fazem guerra à própria família por conseguinte essa afirmação se verdadeira voltase contra ela como censura sucede porém que não é verdadeira ou o é apenas parcialmente e a expressão mãepátria foi jesuiticamente adotada pelo rei e pelos seus parasitas com o baixo objetivo papista de granjear uma indigna influência sobre a crédula debilidade do nosso espírito A mãepátria da América não é a Inglaterra é a Europa Este Novo Mundo tem sido abrigo dos perseguidos defensores da liberdade civil e religiosa de todas as partes da Europa Para cá acorreram não vindo do terno abraço materno senão da crueldade do monstro e no tocante a Inglaterra é ainda verdade que a mesma tirania que expulsou os primeiros emigrantes do próprio lar lhes persegue ainda os descendentes Nesta extensa parte do globo esqueçemonos dos estreitos limites de trezentas e sessenta milhas extensão da Inglaterra e firmamos a nossa amizade em escala mais ampla reivindicamos fraternidade com qualquer cristão europeu e exultamos com a generosidade de tal sentimento É agradável observar por que regulares gradações superamos a força de preconceitos locais à medida que ampliamos o nosso conhecimento com o mundo O indivíduo nascido em qualquer localidade inglesa dividida em paróquias ligase naturalmente mais aos coparoquianos visto serem comuns em muitos casos os interesses e os distingue com o nome de vizinhos se os encontra a algumas milhas do lar desfazse a estreita idéia de rua e os saúda com o nome de cidadãos se sai do condado e os encontra noutros esquecese das divisões menos importantes de rua e localidade e os chama de conterrâneos mas se nas suas excursões pelo exterior se associarem na França ou em qualquer outra parte da Europa a lembrança local se expandirá na de ingleses E por uma justa semelhança de raciocínio todos os europeus que se encontram na América ou em qualquer outra parte do globo são conterrâneos uma vez que comparadas ao todo a Inglaterra a Holanda a Alemanha ou a Suécia ocupam os mesmos lugares na escala mais ampla que as divisões de rua cidade e condado nas escalas menores distinções demasiadamente limitadas para espíritos continentais Nem a terça parte dos habitantes mesmo desta província é de ascendência inglesa Portanto reprovo a expressão mãepátria aplicada à Inglaterra por falsa egoísta estreita e não generosa Admitindo todavia que fôssemos todos de ascendência inglesa que significaria isso Nada Sendo agora a Inglaterra um inimigo declarado desaparece todo e qualquer outro nome e título é é verdadeiramente ridículo dizer que o nosso dever é a reconciliação O primeiro rei da Inglaterra da presente linhagem Guilherme o Conquistador era francês e descende do mesmo país metade dos pares da Inglaterra Logo pelo mesmo método de raciocínio a Inglaterra deveria ser governada pela França Muito se tem falado da força unida da Inglaterra e das colônias capaz de desafiar o mundo É mera presunção o destino da guerra é incerto e as expressões nada significam pois este continente jamais aceitaria ser privado dos seus habitantes para apoiar as armas inglesas na Ásia na África ou na Europa Além do mais que nos importa desafiar o mundo O nosso plano é o comércio e este bem exercido nos garantirá a paz e a amizade de toda a Europa porque é do interesse da Europa ter a América como porto livre O seu comércio constituirá sempre uma proteção e a ausência de ouro e prata a garantirá contra os invasores Desafio o mais acalorado defensor da reconciliação a apresentar uma única vantagem que este continente possa colher da sua ligação à GrãBretanha Repito o desafio não se tira disso uma só vantagem O nosso trigo receberá o seu preço em qualquer mercado da Europa e as nossas mercadorias importadas terão de ser pagas compremolas onde quer que queiramos Os prejuízos e desvantagens que nos advêm dessa ligação não têm número e o nosso dever para com a humanidade em geral bem como para conosco mesmos nos mostra termos de renunciar à aliança Qualquer submissão à GrãBretanha qualquer dependência dela tende diretamente a envolver este continente em guerras e divergências européias e nos indispoe com nações que diversasmente procurariam a nossa amizade e contra as quais não temos rancor nem queixa Sendo a Europa um mercado para o nosso comércio não deveríamos ter ligação parcial com nenhuma das suas partes O verdadeiro interesse da América é permanecer fora das contendas européias o que não logrará fazer enquanto pela sua dependência da GrãBretanha servir de contrapeso na balança da política britânica A Europa está demasiadamente coalhada de reinos para que seja longa a paz e cada vez que irrompe uma guerra entre a Inglaterra e qualquer potência estrangeira vai à ruína o comércio da América pela sua ligação com a GrãBretanha A próxima guerra não será provavelmente como a última e se não for os atuais defensores da reconciliação não de naquele dia desejar a separação visto como a neutralidade seria em tal caso escolta mais segura que o barco de guerra Tudo quanto é direito ou natural pede a separação O sangue dos assassinados a voz lastimosa da natureza grita É tempo de separarse A própria distância a que o TodoPoderoso colocou a Inglaterra da América constitui prova forte e natural de que a autoridade de uma sobre a outra jamais foi desígnio do céu Igualmente a época em que o continente foi descoberto dá mais valor ao argumento e a maneira pela qual foi povoado aumenta a sua força A Reforma foi precedida pelo descobrimento da América como se o Onipotente pretendesse com benevolência abrir um santuário para os perseguidos do futuro quando a pátria já lhes não oferecesse amizade nem segurança A autoridade da GrãBretanha sobre este continente é uma forma de governo que mais cedo ou mais tarde deve ter fim E o espírito sério não pode tirar verdadeiro prazer da antecipação na dolorosa e positiva certeza de que o que ele chama de presente Constituição é simplesmente temporário Como país não podemos ter alegria sabendo que este governo não é suficientemente duradouro para garantir coisa que possamos legar à posteridade E por um simples método de argumentação visto que estamos mergulhando a próxima geração na dívida deveríamos fazerlhe o trabalho diversamente usamola vil e desprezivelmente Para descobrirmos acertadamente a linha do nosso dever teríamos de pegar os filhos pela mão e colocarnos mais alguns anos à frente na vida essa eminência apresentaria uma perspectiva que alguns temores e preconceitos presentes ocultam aos nossos olhos Se bem que pretenda cuidadosamente evitar qualquer ofensa desnecessária pendo todavia a acreditar que todos os que desposam a doutrina da reconciliação podem ser incluídos nas seguintes descrições homens interessados que não merecem confiança homens fracos que não podem ver homens imbuídos de preconceitos que não querem ver e certo grupo de homens moderados que pensam do mundo europeu melhor do que ele merece e esta última classe por uma deliberação mal julgada será causa de mais calamidades para este continente do que as outras três A boa sorte de muita gente é viver distante do palco de tristeza o mal não é suficientemente levado à sua porta para ela poder sentir a precariedade dos bens americanos Deixemos que a imaginação nos conduza por alguns momentos a Boston esse lar da desventura nos ensinará a sensatez e nos ensinará a renunciar a um poder no qual não nos é possível confiar Os habitantes de tão infeliz cidade há apenas alguns meses rodeados de bemestar e abundância não possuem hoje outra alternativa senão a de morrer de fome ou pedir esmolas 15 Ameaçaos o fogo dos amigos se continuam no interior da cidade saqueiaos a soldadesca se a abandonam Na atual conjuntura são prisioneiros sem esperança de redenção e num ataque geral destinado a socorrêlos ficariam expostos à fúria dos dois exércitos Os homens de espírito passivo encaram com certa leviandade as ofensas da GrãBretanha e sempre esperando o melhor são capazes de exclamar Vinde vinde seremos novamente amigos apesar de tudo Mas examinai as paixões e os sentimentos da humanidade submetei a doutrina da reconciliação à pedra de toque da natureza e dizeime se sereis capazes depois de amar honrar e fielmente servir a potência que trouxe ferro e fogo à vossa terra Se não puderes assim fazer estais apenas vos enganando e com a vossa hesitação acarretando a ruína à posteridade A vossa futura ligação à Bretanha a qual não podeis amar nem honrar será uma ligação forçada antinatural e formada somente no plano da conveniência atual em pouco tempo sofrerá uma recaída ainda mais ignóbil Mas se disserdes que podeis passar por cima das violações eu vos perguntarei a vossa casa ardeu A vossa propriedade foi destruída diante de vós Vossa esposa vossos filhos não têm cama em que dormir nem pão para comer Perdestes um pai um filho pelas mãos deles e sois vós próprios um sobrevivente arruinado e infeliz Se não for esse o vosso caso não sois juízes dos que padeceram tais males Se ainda estreitais se ainda podeis estreitar a mão dos assassinos sois indignos do nome de marido pai amigo amante e seja qual for a vossa posição o vosso título na vida tendes coração de covarde e espírito de sicofanta Não estamos inflamando não estamos exagerando as coisas Estamos a experimentálas pelos sentimentos e afetos que a natureza justifica e sem os quais não conseguiríamos desincumbirnos dos deveres sociais da vida ou de lhe desfrutar as venturas Não pretendo apresentar o horror com o fito de provocar a vingança e sim arrancarnos de sonos fatais e tíbios para podermos caminhar determinadamente no encalço de um objetivo fixado Não está em poder da Bretanha nem da Europa conquistar a América a não ser que a conquistem pela demora e pela timidez O presente inverno vale uma época inteira se retamente empregado mas se for perdido se for descuidado todo o continente compartilhará da desgraça e não haverá castigo que não seja merecido pelo homem que seja ele quem for o que for ou esteja onde quiser venha a constituir o meio de sacrifício de estação tão preciosa e útil Repugna à razão à ordem universal das coisas a todos os exemplos das eras precedentes supor que este continente possa continuar por mais tempo sujeito a uma força exterior O maior otimista da Bretanha não pensa assim O rasgo supremo de sabedoria humana não pode hoje não consegue conceber plano a menos que não seja o da separação capaz de prometer ao continente um ano de segurança A reconciliação é agora um sonho falaz A natureza abandonou a ligação e a arte não consegue tomarlhe o lugar pois como diz muito bem Milton não há reconciliação que brote sobre os profundos ferimentos do ódio mortal 16 Foram ineficazes todos os métodos tranquilos em prol da paz As nossas súplicas repelidas com desdém serviram apenas para nos convencer de que nada lisonjeia mais a vaidade nem confirma a obstinação dos reis do que os repetidos rogos e nada contribui mais do que essa maneira para fazer absolutos os reis da Europa Vede a Dinamarca e a Suécia Por conseguinte uma vez que somente os golpes lograrão imporse cheguemos pelo amor de Deus à separação final e não deixemos que a próxima geração corte cabeças pelos nomes violados e sem significação de pai e filho Dizer que jamais empreenderão nova tentativa é coisa ociosa e visionária Assim pensamos quando se revogou a Lei do Selo17 e no entanto um ou dois anos nos desiludiram seria o mesmo que supor que as nações uma vez derrotadas jamais renovarão a luta Quanto às questões de governo não está em poder da Bretanha ministrar justiça a este continente O comércio deste não tardará em ser demasiadamente pesado e intrincado para que o possa dirigir com qualquer grau tolerável de conveniência uma nação tão distante de nós e que tão pouco nos conhece Se não nos pode conquistar não nos pode governar Estar sempre a correr três ou quatro mil milhas com um relato ou uma petição sempre a esperar quatro ou cinco meses uma resposta que uma vez obtida exige cinco ou seis mais para a sua explicação acabará por ser considerado em poucos anos loucura infantilidade Houve uma época em que era o processo indicado e há uma época indicada para que tal cesse de vez Pequenas ilhas incapazes de protegerse constituem objetos adequados para que deles se incumbam os reinos mas existe algo de absurdíssimo em supor que um continente seja perpetuamente governado por uma ilha Não há precedente de haver a natureza feito o satélite maior que o planeta de onde saiu e visto que a Inglaterra e a América uma relativamente à outra invertem a ordem comum da natureza é evidente que pertencem a sistemas diferentes a Inglaterra à Europa a América a si própria Não são motivos de orgulho de partido nem de ressentimento que me impelem a desposar a doutrina da separação e da independência estou clara positiva conscienciosamente persuadido de que é o verdadeiro interesse deste continente separarse e tornarse independente que tudo quanto difere disso é mero remendo incapaz de proporcionar duradoura felicidade que é deixar a espada a nossos filhos e é recuar numa época em que um pouco mais mais um passo faria deste continente a glória da terra Não havendo a GrãBretanha manifestado a menor inclinação por um compromisso podemos ter a certeza de que não se lograrão termos dignos da aceitação do continente senão os costumeiros modos de dispêndio de sangue e dinheiro a que já temos sido submetidos O objetivo disputado deve sempre estar em justa proporção com o dispêndio O afastamento de North18 ou de todo o grupo detestável é questão indigna dos milhões por nós gastos A temporária parada do comércio era uma inconveniência que houvera suficientemente equilibrado a revogação de todas as leis reprovadas se se tivessem conseguido tais revogações mas se todo o continente tem de empunhar armas se cada homem deve transformarse em soldado mal vale a pena lutar apenas contra um ministério desprezível Caro bem caro pagamos a revogação das leis se é por isso apenas que combatemos pois em justa avaliação é a mesma loucura pagar o preço de Bunker Hill pela lei ou pela terra19 Tendo sempre considerado a independência deste continente fato que mais cedo ou mais tarde se verificaria pressinto que esse fato não pode estar muito longe diante do rápido progresso do continente rumo à maturidade Por conseguinte ao se iniciarem as hostilidades não teria valido a pena discutir uma questão que o tempo acabaria finalmente por reparar não fora séria a nossa intenção diversamente houvera sido o mesmo que dissipar uma propriedade em ação legal destinada a regular as violações do indivíduo cujo arrendamento está prestes a terminar Ninguém festejou mais ardentemente do que eu a reconciliação antes do fatídico 19 de abril de 177520 mal porém se tornou conhecido o fato daquele dia repeli para sempre o endurecido e malhumorado fará da Inglaterra 21 e desdenho o infame que com o pretenso título de pai do seu povo é capaz de saber insensivelmente que o chacinam e dormir placidamente com o sangue dele sobre a alma Mas admitindose estivessem agora resolvidas as pendências qual seria o resultado Respondo a ruína do continente E por várias razões Primeira Continuando o poder de governar nas mãos do rei ele terá o veto sobre toda a legislação deste continente E como se tem revelado inimigo figadal da liberdade e sedento de poder arbitrário é ou não é o homem indicado para dizer a estas colônias Não fareis outras leis senão as que me agradarem E há por acaso americano ignorante a ponto de não saber que de acordo com o que se chama presente Constituição este continente não pode fazer outras leis que não às autorizadas pelo rei e há homem insensato a ponto de não ver que considerandose o que sucedeu ele não permitirá se faça aqui lei outra que não a que convém aos seus propósitos Podemos ser tão eficazmente escravizados pela falta de leis na América como pela submissão às leis feitas para nós na Inglaterra Depois de resolvidas as divergências como dizem como será possível duvidar de que todo o poderio da Coroa convergirá para manter o mais possível diminuído e humilhado este continente Em vez de progredirmos regrediremos ou 18 Lorde Frederick North foi primeiroministro inglês durante a maior parte da Revolução Americana Numerosos americanos sentiram naturalmente que a remoção de North instrumento do rei poderia aliviar a opressão sofrida pelos colonos às mãos do governo britânico N da ed ingl 19 A batalha de Bunker Hill ferida em Boston em 17 de junho de 1775 proporcionou uma vitória aos britânicos N da ed ingl 20 Massacre em Lexington N do A 21 Jorge III que reinou de 1760 a 1820 N da ed ingl ficaremos perpetuamente a brigar ou a suplicar ridiculamente Já somos maiores do que deseja o rei sejamos Não tratará pois de fazernos menores Afinal estará indicada para nos governar a potência que nos inveja a prosperidade Quem responder não será um independente pois a independência quer dizer faremos nós as nossas leis ou nos dirá o rei o maior inimigo que este continente tem ou pode ter não haverá outras leis senão as que me agradarem Mas o rei direis vós possui o direito de veto na Inglaterra o povo não pode fazer leis sem o seu consentimento À luz do direito e da boa ordem é sumamente ridículo que um rapaz de vinte e um anos o que já aconteceu frequentemente diga a vários milhões de pessoas mais idosas e sensatas Proíbo que esta ou aquela decisão vossa passe a ser lei Aqui todavia ponho de lado essa espécie de réplica embora jamais deixe de mostrar o seu absurdo e respondo apenas que sendo a Inglaterra a morada do rei e não o sendo a América o caso é inteiramente outro O veto real é aqui dez vezes mais perigoso e fatal do que na Inglaterra Lá mal recusará o consentimento a um projeto de lei destinado a proporcionar à Inglaterra o estado de defesa mais forte possível na América jamais permitiria que tal projeto se transformasse em lei A América não passa de objeto secundário no sistema da política britânica A Inglaterra só consulta o bem deste país na medida em que corresponde ao propósito dela Logo o seu interesse a leva a suprimir o desenvolvimento do nosso em qualquer caso que lhe não acarrete vantagem ou que com ela interfira o mínimo que seja Em que lindo estado não ficaríamos em pouco tempo debaixo desse governo tão de segunda mão considerandose o que aconteceu Os homens não passam de inimigos a amigos pela alteração de um nome E para mostrar quão perigosa doutrina é agora a reconciliação afirmo que nessa hora seria política do rei revogar as leis para poder reempossarse no governo das províncias a fim de pelo artifício e pela argúcia realizar com o tempo o que lhe não é dado fazer pela força e pela violência agora Relacionamse intimamente a reconciliação e a ruína Segunda Visto como até as melhores condições que podemos esperar obter não chegam com certeza a mais do que um expediente temporário ou uma espécie de governo por tutela o qual só durará até que as colônias atinjam a maioridade o aspecto geral e o estado de coisas ficarão no ínterim perturbados e nada prometerão Os imigrantes abastados não quererão vir a um país cuja forma de governo pende por um simples fio e que todos os dias cambaleia à beira da comoção e do distúrbio além disso bom número dos atuais habitantes se valeria do intervalo para vender os seus bens e abandonar o continente Porém o mais poderoso de todos os argumentos é que nenhuma outra coisa senão a independência isto é uma forma continental de governo é capaz de manter a paz do continente e preserválo de guerras civis Temo a reconciliação com a Inglaterra agora pois é mais do que provável que será seguida por uma revolta algures cujas consequências poderão ser mais fatais do que toda a malignidade da Bretanha Milhares de pessoas já estão arruinadas pela barbárie britânica e provavelmente outros milhares sofrerão o mesmo destino Essas criaturas têm sentimentos diferentes dos que temos nós que nada sofremos Tudo quanto possuem agora é a liberdade aquilo de que antes desfrutavam está sacrificado a serviço dela e nada mais lhes restando por perder desdenham a submissão Ademais a atitude geral das colônias em face de um governo britânico será como a do moço que está quase fora do seu tempo pouco se importarão com ele E o governo incapaz de preservar a paz não é governo e nesse caso pagaremos dinheiro por nada e dizeime que pode fazer a Inglaterra cuja força estará inteiramente no papel se no mesmo dia da reconciliação irromper um tumulto civil Tenho ouvido alguns afirmarem e creio que muitos falaram sem pensar que temiam uma independência capaz de gerar guerras civis Só raras vezes é que são verdadeiramente corretos os nossos primeiros pensamentos e é o caso aqui há dez vezes mais razões para temer os resultados de uma ligação remendada do que os resultados da independência Faço meu o caso do sofredor e afirmo solenemente que se me expulsassem do lar e da pátria se me destruíssem a propriedade se me arruinassem as circunstâncias como homem consciente dos males jamais conseguiria apreciar a doutrina da reconciliação e tampouco me consideraria ligado a ela As colônias têm manifestado tal espírito de boa ordem e obediência ao governo continental que basta para se sentirem à vontade e felizes nessa direção todas as pessoas Ninguém pode pretextar para os seus temores outras razões que não as verdadeiramente infantis e ridículas como por exemplo a de uma colônia pretender sobreporse a outra Onde não há distinções não há superioridade A perfeita igualdade não desperta a tentação As repúblicas da Europa estão todas e podemos dizer sempre em paz A Holanda e a Suíça desconhecem guerras tanto exteriores como civis Os governos monárquicos é certo nunca permanecem por longo tempo em paz a própria coroa é uma tentação para patifes empreendedores em casa e a medida de soberba e insolência que sempre acompanha a autoridade real chega ao rompimento com potências estrangeiras em casos nos quais um governo republicano formado em princípios mais naturais negociaria o desentendimento Se existe verdadeira causa de medo no tocante à independência é porque ainda não se organizou nenhum plano Ninguém consegue achar uma saída Assim sendo como início da questão ofereço as seguintes sugestões modestamente afirmando ao mesmo tempo que delas não tenho outra opinião senão a de poderem constituir o meio de se originar coisa melhor Se fosse dado colher as idéias esparsas dos indivíduos elas formariam freqüentemente materiais que os sensatos e capazes lograriam transformar em coisa melhor Sejam as assembléias anuais e haja um único presidente Façamos mais igual a representação inteiramente doméstica a atividade delas e sujeita à autoridade de um Congresso Continental Dividase cada colônia em seis oito ou dez distritos convenientes enviando cada distrito um número adequado de delegados ao Congresso de tal modo que cada colônia envie pelo menos trinta O número total no Congresso subirá a pelo menos trezentos e noventa Cada Congresso se reunirá e escolherá um presidente da seguinte maneira reunidos os delegados escolhase pela sorte dentre as treze colônias uma após o que o Congresso escolherá por votação um presidente dentre os delegados daquela província No Congresso seguinte escolhase pela sorte uma colônia dentre doze apenas omitindose a colônia da qual se tirou o presidente no Congresso anterior e assim por diante até que tenham a sua vez as treze colônias E para que não passe a constituir lei nada que não seja satisfatoriamente justo exijamse para que haja maioria três quintos do Congresso Quem quiser promover á discórdia em governo tão equitativamente formado como esse não teria hesitado em se unir a Lúcifer na sua revolta Mas como um peculiar melindre nos leva a indagar de quem ou de que maneira surgirá pela primeira vez essa questão e como se afigura mais provável e coerente provenha ela de um corpo intermediário entre os governados e os governantes isto é entre o Congresso e o povo realizese uma conferência continental da seguinte maneira e para o seguinte fim Comissão de vinte e seis membros do Congresso isto é dois por colônia Dois membros provenientes de cada assembléia ou Convenção Provincial e cinco representantes do povo em geral escolhidos na capital de cada província em nome de toda a província por todos os eleitores habilitados que julgarem conveniente acorrer de todas as partes da província para tal fim ou se for mais conveniente os representantes poderão ser escolhidos em duas ou três das partes mais populosas delas Nessa conferência assim reunida se fundirão os dois grandes princípios de empreendimento o saber e o poder Os membros do Congresso das Assembléias ou das Convenções tendo tido experiência em questões nacionais serão hábeis e úteis conselheiros e o todo empossado pelo povo terá uma autori dade verdadeiramente legal Reunidos os membros deliberadores estruturem um Estatuto Continental ou Estatuto das Colônias Unidas correspondente ao que se chama Magna Carta22 da Inglaterra fixando o número e a maneira de escolha dos membros do Congresso dos membros da Assembléia com a data de reunião deles e traçando entre eles a linha de atividade e jurisdição Sempre lembrados de que a nossa força é continental não provincial Garantase a liberdade bem como a propriedade a todos os homens e acima de tudo o livre exercício da religião de acordo com os ditames da consciência como as demais matérias que os estatutos devam necessariamente conter Imediatamente após dissolvase a citada conferência e passem as pessoas escolhidas em conformidade com o citado estatuto a ser legisladores e dirigentes deste país pelo presente E Deus lhes preserve a paz e a felicidade Amém Se qualquer grupo de pessoas for delegado para esse ou outro fim semelhante ofereçolhe os seguintes extratos de Dragonetti 23 sábio observador de governos A Ciência do político diz consiste em fixar o verdadeiro ponto de felicidade e liberdade Hão de merecer a gratidão dos tempos os que descobrirem um modo de governo que contenha a maior soma de felicidade individual com o menor dispêndio nacional Dragonetti em Virtues and Reward Virtudes e Prêmio Mas perguntarão alguns onde está o rei da América Digovos meus amigos que ele reina em cima e não devasta a humanidade como faz o facínora real da Bretanha Contudo para não parecermos lacunosos nem sequer em honras terrenas marquese solenemente um dia para a proclamação do estatuto apresentese esse estatuto colocado sobre a lei divina a palavra de Deus coloquese sobre ele uma coroa mediante a qual saiba o mundo que segundo a nossa maneira de aprovar a monarquia a lei é o rei na América Assim como nos governos absolutos o rei é a lei nos países livres a lei deve ser o rei e não existirá outro Mas para não surgir posteriormente nenhum mau uso seja a coroa ao término da cerimônia desmontada e dispersa pelo povo que a ela tem direito O governo nosso é o nosso direito natural e quando alguém reflete seriamente na precariedade das coisas humanas não tarda em se convencer de que é infinitamente mais sensato e seguro formar uma Constituição nossa de maneira fria e deliberada enquanto nos é dado tal do que confiar tão interessante evento ao tempo e ao acaso Se a omitirmos agora um Massanello qualquer24 valendose das inquietações populares será capaz de reunir os desesperados e os desconfiantes e arrogandose os poderes do governo varrer para sempre como um dilúvio as liberdades do continente Se o governo da América voltar para as mãos da Inglaterra a vacilante situação das coisas constituirá tentação a um temerário aventureiro para experimentar a sorte Nesse caso que alívio proporcionará a GrãBretanha Antes de lhe ser dado saber da nova poderia estar concluído o fatal assunto e nós gemeríamos como os desventurados britânicos sob a opressão do conquistador Vós que agora vos opondes à independência sabeis o que fazeis estais abrindo uma porta à eterna tirania mantendo vago o assento do governo Milhares dezenas de milhares de pessoas considerariam glorioso expul sar do continente o bárbaro e infernal poder que tem impelido índios e negros a nos destruir E a crueldade se reveste de uma dupla culpa trata a nós brutalmente e traiçoeiramente a eles É estultícia é loucura falar de amizade com aqueles em quem a razão nos proíbe depositar confiança e que o sentimento ferido por mil pontos nos ensina a detestar Cada dia consome o restinho de afinidade entre nós e eles e poderá haver motivo para esperar que cessada a relação aumente o afeto ou concordaremos mais facilmente em que haverá interesse dez vezes mais numerosos e mais importantes para brigarmos mais do que nunca Vós que nos falais de harmonia e reconciliação podeis acaso devolvernos o tempo já passado Sereis capazes de devolver à prostituição a primitiva inocência Tampouco podereis reconciliar a GrãBretanha e a América Rompeuse o derradeiro cordão afinal e o povo da Inglaterra apresenta reclamações contra nós Existem danos que a natureza não consegue perdoar se o fizesse deixaria de ser natureza Perdoar o continente os crimes da Bretanha seria como perdoar o amante ao raptor da criatura amada O TodoPoderoso enraizou em nós sentimentos tão imperecedouros para fins bons e sensatos Esses sentimentos são os guardas da sua imagem em nosso coração Distinguemnos do rebanho de animais comuns O contrato social se dissolveria e a justiça seria extirpada da terra ou teria apenas existência casual se fôssemos insensíveis aos apelos do afeto O ladrão e o assassino conseguiriam freqüentemente a impunidade se os danos suportados pelo nosso espírito não nos levassem a fazer justiça Vós que amais a humanidade vós que ousais oporvos não somente à tirania senão ao tirano de pé Não existe lugar do Velho Mundo que não esteja esmagado pela opressão A liberdade foi perseguida em todo o globo A Ásia e a África há muito que a expulsaram A Europa a considera uma estranha e a Inglaterra lhe diz que se vá Oh recebei a fugitiva e preparai em tempo um asilo para a humanidade Não é no número é na unidade que está a nossa grande força no entanto o nosso número atual basta para repelir a força de todo o mundo O continente possui agora o maior corpo de homens armados e disciplinados superior ao de qualquer potência na face da terra e já atingiu o ponto culminante da força em que nenhuma colônia individual pode manterse sozinha em que o todo unido é capaz de tanto e em que poderia ser fatal nos efeitos mais do que isso ou menos Já é suficiente a nossa força terrestre quanto ao lado naval não podemos deixar de ver que a GrãBretanha jamais permitiria a construção de um só vaso de guerra americano enquanto dominasse o continente Por conseguinte nesse ponto daqui a cem anos não estaríamos mais adiantados do que agora a verdade pelo contrário é que estaríamos até menos uma vez que diminui de dia para dia a madeira do país e a que sobrar ficará por fim muito distante e será difícil de arranjar Se o continente estivesse apinhado de gente seriam intoleráveis os seus padecimentos nas atuais circunstâncias Quanto maior o número de portos tanto maior o número dos que seríamos obrigados ao mesmo tempo a defender e a perder O número atual se proporciona com tamanha felicidade às nossas necessidades que ninguém terá de ficar ocioso A diminuição do comércio proporciona o exército e as necessidades do exército criam um novo comércio Não temos dívidas e as que porventura contrairmos por esse motivo servirão de gloriosa lembrança da nossa virtude Se nos for dado legar à posteridade uma forma estabelecida de governo uma sua Constituição independente será conveniente a compra por qualquer preço Mas despender milhões para que sejam revogadas umas poucas leis infames e se expulse apenas o presente ministério é indigno do ônus e é tratar a posteridade com extrema crueldade pois é deixarlhe o grande trabalho e uma dívida da qual não tirará nenhum proveito Esse pensamento é indigno do homem de honra é o verdadeiro sinal do espírito estreito e do político insignificante Não merecerá a nossa consideração a dívida que poderemos contrair se o trabalho for realizado Nenhuma nação deve estar livre de dívida A dívida nacional é um laço nacional e quando não produz juros não é em caso nenhum um vexame A GrãBretanha encontrase oprimida por uma dívida de mais de cento e quarenta milhões de esterlinos pela qual paga mais de quatro milhões de juros Em compensação pela dívida dispõe de uma grande esquadra A América não tem dívida e não tem esquadra no entanto pela vigésima parte da dívida nacional inglesa poderia dispor de uma esquadra do mesmo tamanho A esquadra da Inglaterra não vale atualmente mais do que três milhões e meio de esterlinos A primeira e a segunda edições deste panfleto foram publicadas sem os seguintes cálculos agora apresentados como prova de que é certa a avaliação da esquadra feita acima Vide a Naval History 2 5 História Naval de Entick Introdução pág 56 2 5 John Entick A New Naval History or Compleat View of the British Marine Londres 1757 Introdução pág 56 N da ed ingl precisarmos dos barcos vendêlosemos E assim substituiremos o nosso papelmoeda por ouro e prata No tocante ao problema de arranjar tripulação o povo em geral comete grandes erros Não é preciso que a quarta parte seja de marinheiros O terrível corsário Capitão Death que na última guerra 2 7 travou o mais encarniçado combate não contava com vinte marinheiros a bordo embora no navio se encontrassem mais de duzentos homens Bastará um reduzido grupo de marinheiros hábeis e sociais para instruir em pouco tempo o número suficiente de cidadãos no manejo comum de um barco Por conseguinte nunca seremos mais capazes de iniciar as questões marítimas do que agora enquanto a nossa madeira se encontra parada inativa a indústria da pesca e sem trabalho marinheiros e construtores navais Se há quarenta anos se faziam na Nova Inglaterra barcos de guerra de setenta e oitenta canhões por que não se farão agora A construção naval é o maior orgulho da América e nessa arte não tardaremos em sobrepujar o mundo inteiro Os grandes impérios do Oriente são na maioria internos e portanto excluídos da possibilidade de com ela rivalizar A África encontrase na barbárie e não há nação da Europa que possua tamanha extensão de litoral ou tamanha reserva interna de materiais A natureza se lhes dá uma coisa não lhes dá outra Somente com a América é que tem sido liberal em ambas O enorme império da Rússia está quase separado do mar motivo pelo qual as suas inúmeras florestas o alcatrão o ferro e o cordame constituem simples artigos de comércio No que tange à segurança poderíamos dispensar uma frota Já não somos o pequeno povo de há sessenta anos naquele tempo poderíamos ter confiado os nossos bens às ruas ou melhor aos campos e adormecido tranquilamente sem cadeados e sem ferrolhos nas portas e nas janelas O caso é outro agora e os nossos métodos de defesa deviam aumentar com o aumento de bens Qualquer pirata há doze meses poderia ter chegado até o Delaware 2 8 e impor à cidade de Filadélfia o imediato resgate que mais lhe agradasse podendo o mesmo ter sucedido a outros lugares Qualquer sujeito ousado num brigue de catorze ou dezesseis canhões poderia ter saqueado o continente arrebatando meio milhão de moedas Eis aí circunstâncias que exigem a nossa atenção e mostram a necessidade de proteção naval Dirão alguns talvez que após entrarmos em acordo com a Bretanha ela nos protegerá Serão insensatos a ponto de pretenderem dizer que ela manterá para tal fim uma frota nos nossos portos O senso comum nos mostrará que a potência que tentou submeternos é dentre todas a menos indicada para nos defender Sob o pretexto da amizade poderá ser efetuada a conquista e nós após longa e heróica resistência seremos finalmente pela fraude conduzidos à escravidão Se os seus navios não forem admitidos aos nossos portos pergunto como poderá 2 7 Paine referese aqui à guerra francoindiana 17561763 resultante da rivalidade territorial entre a Inglaterra e a França N da ed ingl 2 8 Filadélfia situase à margem do rio Delaware N da ed ingl Custo de construção de um navio de cada categoria e do seu aparelhamento com mastros depósitos velas e cordame com um estoque para contramestre e carpinteiro suficiente para oito meses calculado pelo Sr Burchett 2 6 secretário da Armada Para um navio de 100 canhões 35 553 90 29 886 80 23 638 70 17 785 60 14 197 50 10 606 40 7 558 30 5 846 20 3 710 Daí é fácil totalizar o valor ou melhor o custo de toda a esquadra britânica a qual em 1757 no momento do seu maior esplendor se compunha dos seguintes navios e canhões Navios Canhões Custo Unitário Custo total 6 100 35 553 213 318 12 90 29 886 358 632 12 80 23 638 283 656 43 70 17 785 764 755 35 60 14 197 496 895 40 50 10 606 424 240 45 40 7 558 340 110 58 20 3 710 215 180 85 Chalupas barcosmorteiros e brulotes juntos a 2 000 170 000 Custo 3 266 786 Restam para os canhões 233 214 TOTAL GERAL 3 500 000 Não existe país no mundo tão bem situado nem tão internamente capaz de preparar uma frota quanto a América São produtos naturais seus o alcatrão a madeira o ferro e o cordame Não precisamos procurar nada no exterior ao passo que os holandeses os quais alugam os seus barcos de guerra a espanhóis e portugueses são obrigados a importar a maior parte dos materiais usados Deveríamos encarar a construção de uma frota como artigo de comércio sendo a manufatura natural deste país É o melhor dinheiro que podemos empregar A esquadra terminada vale mais do que custou e constitui o ponto interessante em que se unem na política nacional o comércio e a proteção Construamos Se não 2 6 Josiah Burchett 16661746 foi conduzido moço ao gabinete naval por Samuel Pepys Por quase toda a vida Burchett ligouse às questões navais inglesas servindo de 1698 a 1742 como secretário do Almirantado N da ed ingl protegernos Pouca utilidade terá uma esquadra a três ou quatro mil milhas de distância e não terá nenhuma em súbitas emergências Sendo assim se nos cabe depois proteger a nós próprios por que o não faremos por nós próprios Por que o faremos por outro É longa e imponente a lista de barcos de guerra ingleses mas nem a décima parte se encontra em condições de serviço permanente e um bom número nem sequer existe no entanto pomposamente continuam os nomes a figurar na lista se do barco resta apenas uma prancha nem a quinta parte dos que estão em condições de servir pode em qualquer tempo ficar de prontidão num lugar qualquer A Índia Oriental e Ocidental o Mediterrâneo a África e outras partes que a GrãBretanha reivindica muito exigem da frota Por um misto de preconceito e descuido adquirimos uma falsa noção relativamente à Marinha da Inglaterra e temos falado como se nos fosse dado encontrála toda à nossa disposição imediatamente por esse motivo temos de acreditar dever possuir uma do mesmo tamanho o que não constituindo coisa imediatamente praticável tem servido de base para um grupo de conservadores disfarçados nos dissuadir de começar Nada se afasta mais da verdade do que isso pois se a América tivesse apenas a vigésima parte da força naval da Bretanha seria para esta adversária de força muito superior visto como não possuindo nem reivindicando nenhum domínio estrangeiro toda a nossa força seria empregada em nosso próprio litoral onde com o tempo acabaríamos por dispor de uma vantagem de dois para um relativamente aos que seriam obrigados a percorrer três ou quatro mil milhas antes de nos atacarem e a repercorrer outras tantas em busca de reabastecimento e recrutamento E não obstante pela sua frota controlar a Inglaterra o nosso comércio com a Europa nós controlaremos na mesma medida o comércio dela com a Índia Ocidental que situada na vizinhança do continente se encontra à sua inteira mercê Seria possível descobrir um método qualquer para manter uma força naval em tempo de paz se não julgássemos necessário manter uma Marinha constante Se se dessem prêmios aos mercadores para construírem e empregarem em seu serviço navios com vinte trinta quarenta ou cinqüenta canhões sendo os prêmios proporcionais à perda de carga causada aos mercadores cinqüenta ou sessenta desses navios com alguns barcos de guarda em serviço permanente constituiriam Marinha suficiente e isso sem nos afligir com o mal de que tanto se queixam na Inglaterra o de ver a frota em tempo de paz apodrecer nos diques É boa prática unir o vigor do comércio e da defesa porque entrelaçadas a nossa força e a nossa riqueza não temeremos nenhum inimigo externo Temos em abundância quase todos os artigos de defesa O cânhamo floresce ou melhor viceja de tal modo que não carecemos de cordame O nosso ferro é superior ao de outros países As pequenas armas igualam quaisquer outras do mundo Podemos fundir canhões à vontade Produzimos diariamente salitre e pólvora Aumenta a toda hora o nosso conhecimento A resolução é um característico inerente nosso e a coragem jamais nos abandonou Portanto que nos falta Por que motivo hesitamos Da Bretanha só podemos esperar a ruína Se mais uma vez for admitida ao governo da América já não valerá a pena viver neste continente Surgirão a todo instante rivalidades verificarseão constantemente insurreições Quem as extinguirá Quem arriscará a vida para submeter os conterrâneos à obediência ao estrangeiro A diferença entre a Pensilvânia e o Connecticut relativamente a umas terras indefinidas mostra a insignificância de um governo britânico e prova inteiramente que só a autoridade continental é capaz de resolver questões continentais Outra razão pela qual é preferível à época presente às demais é que quanto menor o nosso número tanto mais terra ainda não ocupada a qual em vez de ser pelo rei desperdiçada por indignos dependentes poderá ser depois aplicada não somente para o pagamento da atual dívida senão para o constante apoio do governo Nenhuma nação da terra dispõe de vantagem como essa A infância das colônias como lhe chamam é argumento a favor da independência e não contra Somos suficientemente numerosos se fôssemos mais poderíamos estar menos unidos É fato digno de observação que quanto mais povoado um país tanto menores os exércitos Em números militares os antigos excediam em muito os modernos e o motivo é evidente porque sendo o comércio uma conseqüência da população os homens nele se absorvem em demasia para se dedicarem a outros mistérios O comércio diminui tanto o espírito patriótico como o espírito de defesa militar E a história nos diz suficientemente que os feitos mais ilustres sempre foram realizados na menoridade das nações Com o aumento de comércio a Inglaterra perdeu o vigor A cidade de Londres apesar da população submetese a contínuos insultos com a paciência do covarde Quanto mais têm os homens para perder tanto menos querem arriscar Em geral os ricos são escravos do medo e submetemse ao poder palaciano com a trêmula duplicidade dos servís A mocidade tanto nas nações como nos indivíduos é o tempo em que se semeiam os bons hábitos Seria difícil se não impossível formar o continente num só governo daqui a meio século A enorme variedade de interesse causada pelo aumento de comércio e de população criaria confusão Uma colônia se colocaria contra outra Cada uma delas sendo capaz desdenharia o auxílio da outra e enquanto as soberbas e tolas se gloriassem das suas pequeninas distinções as sensatas lamentariam não haver sido formada antes a união Portanto o presente é que é o tempo certo para estabelecer essa união A intimidade que se contrai na infância e a amizade que se estreita na desventura são dentre todas as mais duradouras e inalteráveis A nossa presente união possui esses dois características somos jovens e já padecemos mas a nossa concórdia enfrentou os perigos e assinala uma era memorável da qual se rejubilará a posteridade Igualmente este é o tempo peculiar que só aparece uma vez às nações ou seja é o tempo de formação do governo Grande número de nações deixou escapar tal oportunidade sendo dessarte obrigadas a receber leis dos seus conquistadores em vez de fazer leis por si próprias Em primeiro lugar tiveram um soberano e depois uma forma de governo ao passo que o estatuto governamental deveria ter sido feito primeiramente sendo em seguida delegados indivíduos que o pusessem em vigor Tiremos dos erros de outras nações a nossa sensatez e valhamonos da presente oportunidade para iniciar o governo na extremidade certa Quando Guilherme o Conquistador submeteu a Inglaterra deulhe lei na ponta da espada Enquanto consentirmos em que a sede de governo na América seja legal e autoritariamente ocupada correremos o risco de vêla tomada por um rufião felizardo que poderá tratarnos da mesma maneira Nesse caso onde estará a nossa liberdade Onde estará a nossa propriedade Quanto à religião creio ser dever indispensável de todo governo proteger todos os seus militantes conscienciosos e não sei em que outra coisa poderá nesse ponto intervir o governo Se o homem puser de lado a estreiteza de espírito o egoísmo de princípio de que se separam com tamanha má vontade os mesquinhos de todas as profissões ficará imediatamente livre de temores quanto a essa questão A suspeita é companheira das almas pequeninas e ruína de toda boa sociedade Por mim creio plena e conscienciosamente que é vontade do TodoPoderoso existir entre nós essa diversidade de religiões É coisa que proporciona maior campo à nossa bondade cristã Se todos pensássemos do mesmo modo a nossa inclinação religiosa não poderia ser provada e com esse princípio liberal considero as várias seitas entre nós filhos da mesma família diferindo apenas pelo nome cristão Em páginas anteriores apresentei algumas idéias sobre a conveniência de uma Constituição Continental pretendo apenas oferecer sugestões e não planos e agora tomo a liberdade de tornar a mencionar o assunto observando que a Constituição se deve entender como vínculo de uma obrigação solene em que se empenha o todo para defender o direito de cada parte separada quer de religião quer de liberdade pessoal quer de propriedade O firme contrato e o justo cálculo fazem amigos duradouros Mencionei também antes a necessidade de uma representação grande e igual e não há questão política que mais mereça a nossa atenção São igualmente perigosos o pequeno número de eleitores e o pequeno número de representantes Contudo cresce o perigo quando o número de representantes além de pequeno é desigual Como exemplo menciono o seguinte quando a petição dos associados foi apresentada à Assembléia da Pensilvânia achavamse presentes apenas vinte e oito membros todos os membros do município de Bucks oito votaram contra ela e se sete dos membros de Chester tivessem feito o mesmo toda esta província teria sido governada apenas por dois municípios A tal perigo ela está constantemente exposta Também o injustificável esforço feito pela Assembléia na última sessão para obter uma indevida autoridade sobre os delegados da província deveria advertir o povo em geral quanto à maneira pela qual confia o poder que lhe está nas mãos Arrumaramse para os delegados instruções que em matéria de senso e de trabalho houveram desonrado um menino de escola e que aprovadas por poucos pouquíssimos cidadãos do lado de fora foram levadas à casa e lá transformadas em lei em benefício de toda a colônia se pelo contrário toda a colônia soubesse com que má vontade a casa concordara com algumas medidas públicas necessárias não teria hesitado um momento em julgar os representantes indignos de confiança A necessidade imediata torna convenientes muitas coisas que continuadas se transformariam em opressões O expediente e o certo são coisas diferentes Quando as calamidades da América exigiram uma consulta não houve método tão rápido ou naquele tempo tão adequado como o de designar pessoas provenientes das várias assembléias para tal fim e a sensatez com a qual elas procederam preservou da ruína este continente Mas sendo mais do que provável que nunca ficaremos sem um Congresso todos os que desejam o bem à boa ordem devem reconhecer que merece consideração o modo de escolher os membros desse corpo E eu pergunto aos que fazem da humanidade um estudo se a representação e a eleição não constituem força demasiadamente grande para um e mesmo grupo de homens Quando planejamos para a posteridade convém nos lembremos de que a virtude não é hereditária É dos nossos inimigos que muitas vezes recebemos excelentes máximas e é com os erros deles que freqüentemente voltamos surpreendidos à razão O Sr Cornwall um dos lordes do Tesouro tratou com desprezo a petição da Assembléia de Nova York porque aquela casa disse ele consistia em apenas vinte e seis membros bagatela argumentou que não podia com decoro representar o todo Agradecemos a involuntária honestidade Para concluirmos por mais estranho que se afigure a alguns ou por mais contrários que possam ser a julgar dessa forma é coisa que não importa podem ser apresentadas muitas razões fortes e notáveis para mostrar que nada é capaz de resolver as nossas questões tão expeditamente como a franca e determinada declaração de independência Eis algumas Primeira É costume das nações quando duas estão em guerra apresentaremse outras não empenhadas na luta como mediadoras e formuladoras dos preliminares de paz Mas enquanto a América se disser súdita da GrãBretanha nenhuma potência por mais disposta que esteja poderá oferecer a sua mediação Donde em nosso atual estado poderemos discutir para sempre Segunda É insensato supor que a França ou a Espanha nos prestem qualquer espécie de auxílio se pretendermos utilizar esse auxílio apenas para o fim de eliminar a divergência e fortalecer a ligação entre a Bretanha e a América uma vez que tais nações teriam de arcar com as conseqüências Terceira Enquanto nos professarmos súditos da Bretanha seremos aos olhos das nações estrangeiras considerados rebeldes O precedente é algo perigoso à paz dos homens que empunham armas com o nome de súditos podemos imediatamente eliminar o paradoxo mas unir resistência e submissão é coisa que exige uma idéia demasiadamente apurada para a compreensão comum Quarta Se publicássemos e enviássemos às cortes estrangeiras um manifesto expondo os padecimentos que suportamos e os métodos pacíficos que emprega SENSO COMUM 81 mos sem resultado para a reparação declarando ao mesmo tempo que não podendo mais viver felizmente nem seguramente ante a cruel atitude da corte britânica tínhamos sido impelidos à necessidade de cortar todas as relações com ela e assegurando igualmente a nossa pacífica disposição com respeito às demais nações e o nosso desejo de comerciar com elas o manifesto produziria mais bons efeitos a este continente do que se enviássemos à Inglaterra um navio abarrotado de petições Com a nossa atual denominação de cidadãos britânicos não podemos ser recebidos nem ouvidos no exterior o costume de todas as cortes está contra nós e assim estará até que pela independência nos enfileiremos com outras nações Tais passos poderão a princípio parecer estranhos e difíceis mas como os outros passos que já demos se tornarão em pouco tempo familiares e agradáveis e até que a independência seja declarada o continente se sentirá como um homem que continua a adiar uma questão desagradável de dia para dia mas sabe que deve ser resolvida detesta iniciála quer vêla terminada e fica constantemente perseguido pelo pensamento da sua necessidade Apêndice Desde a publicação da primeira edição deste panfleto ou melhor no mesmo dia em que foi publicado apareceu nesta cidade a fala do rei Se o espírito da profecia tivesse dirigido o nascimento desta produção não poderia têlo feito em momento mais adequado nem em hora mais necessária A crueldade de um mostra a necessidade de seguir a doutrina do outro Os homens lêem por vingança E a fala em vez de terrificar preparou um caminho para os víris princípios da independência A cerimônia e até o silêncio seja qual for o motivo do qual nascem possuem uma tendência perniciosa quando imprimem o menor grau de compostura a ações infames e malignas logo se admitirmos essa máxima seguese naturalmente que a fala do rei por ser uma peça de requintada patifaria mereceu e ainda merece geral execracão tanto do Congresso quanto do povo Porém como a tranqüilidade doméstica de uma nação depende em grande parte da castidade do que se pode chamar adequadamente de maneiras nacionais muitas vezes é melhor silenciar algumas coisas desdenhosamente do que utilizar novos métodos de desagrado possíveis de serem introduzidos pela menor inovação com respeito à guarda da nossa paz e segurança E talvez se deva principalmente a tão cautelosa cortesia não ter sido até agora a fala do rei submetida à execracão pública A fala se é que podemos darlhe o nome de fala não passa de voluntarioso e atrevido libelo contra a verdade o bem comum e a existência da humanidade e é um método formal e pomposo de oferecer sacrifícios humanos à soberba de tiranos Mas essa geral chacina da humanidade é um dos privilégios e a conseqüência Filadélfia N da ed ingl A fala do rei dirigida ao Parlamento pode ser encontrada na Pennsylvania Gazette de 10 de janeiro de 1776 Dizia aí o rei que estava ansioso por prevenir se possível a efusão do sangue dos meus súditos e as calamidades inseparáveis do estado de guerra esperando ainda que o meu povo da América perceba as intenções traiçoeiras do chefe e se convença de que ser súdito da GrãBretanha com todas as suas conseqüências é ser o membro mais livre de qualquer sociedade civil do mundo conhecido A guerra de rebelião tornouse mais geral e é manifestamente levada a efeito com a intenção de estabelecer um império independente Não preciso demorarme nos efeitos fatais do êxito desse plano Tornouse agora parte da sensatez e nos seus efeitos da clemência pôr cobro imediato a tais desordens com os meios mais decisivos Para tanto aumentei o meu poderio naval e muito as minhas forças terrestres mas de tal modo que sobrecarregue o mínimo possível os meus reinos Tenho outrossim a satisfação de informar que recebi as mais amigáveis ofertas de auxílio exterior N da ed ingl A nova edição traz show mostram N da ed ingl Dela transparecem a brutalidade e a tirania Não nos assombra E toda linha convence mesmo no momento de ser lida que o índio nu e desamparado caçando na mata é menos selvagem que o rei da GrãBretanha movido talvez pela vã suposição de que o povo daqui se amedrontaria com a pompa e a descrição de um rei deu apesar de bastante totalmente de sua parte o verdadeiro caráter do atual e deve ser considerado como quem não somente desistiu da própria dignidade de homem mas também mergulhou abaixo do nível dos animais e desprezivelmente rasteja como verme pelo mundo Frequentemente me tenho distraído tanto em grupos públicos como em privados em observar caladamente os erros espessios dos que falam sem refletir E entre os inúmeros que ouvi o seguinte se afigura o mais geral se o rompimento tivesse ocorrido daqui a quarenta ou cinqüenta anos e não agora o continente teria sido mais capaz de livrarse da dependência Agora O presente estado da América é verdadeiramente alarmante para todos os capazes de reflexão Sem lei sem governo sem nenhum outro modo de poder a não ser o fundado na cortesia e por ela concedido Mantémse por uma ocorrência sem paralelo de sentimento não obstante sujeito a mudanças e que todos os inimigos secretos tentam dissolver A nossa atual condição é legislação sem lei prudência sem plano constituição sem nome e o que singularmente assombra perfeita independência lutando por dependência O espírito da multidão fica à solta e não vendo objeto fixado na sua frente persegue o que lhe antepõe a fantasia ou a opinião Nada é criminoso não há essa coisa chamada traição portanto cada um se julga livre para agir como quer tantes da América presos em armas Os primeiros são prisioneiros os segundos são traidores Um perde a liberdade o outro a cabeça Apesar da nossa sensatez existe em alguns dos nossos processos uma visível fraqueza que encoraja as dissensões O cinto continental encontrase alargado e se não se fizer alguma coisa em tempo será então demasiadamente tarde e nós tombaremos num estado em que não será praticável nem a reconciliação nem a independência O rei e os seus indignos partidários são apanhados no velho jogo de dividir o continente e entre nós não faltam impressoras que se ocupem de divulgar mentiras especiosas A carta ardilosa e hipócrita 39 que apareceu há alguns meses em dois dos jornais de Nova York bem como noutros dois é uma prova da existência de homens que querem julgamento ou 40 honestidade É fácil ir cá e lá e falar em reconciliação mas essa gente refletirá seriamente na dificuldade da tarefa e no perigo decorrente de uma possível divisão do continente sobre esse assunto Considerará acaso as várias ordens de homens cuja situação e circunstâncias assim como as dela devem ser tomadas em consideração Colocarseá no lugar do sofredor que já perdeu tudo e do soldado que tudo abandonou em defesa da pátria Se a sua maljulgada moderação se lhe adequar apenas à situação particular sem consideração à dos outros o fato a convencerá de que está fazendo as contas sem o hospedeiro Coloquemnos dizem alguns no pé em que estávamos em sessenta e três 41 Respondo que esse pedido não pode ser agora satisfeito pela GrãBretanha tampouco o proporá ela mas se fosse e supondo que recebesse aprovação pergunto e é uma pergunta sensata Com que meios se há de fazer que tão corrupta e infiel corte mantenha os seus empenhos Outro Parlamento mesmo o atual poderá revogar a obrigação com o pretexto de haver sido obtido pela violência ou concedido insensatamente e nesse caso onde estará a nossa reparação Não se vai ao tribunal com as nações Os advogados dos reinos são os canhões E quem decide a questão não é a espada da justiça é a espada da guerra Para estarmos na situação de sessenta e três não basta que as leis apenas sejam colocadas no mesmo estado é necessário igualmente que as nossas circunstâncias o sejam É preciso reparar ou reconstruir as nossas cidades queimadas e destruídas é preciso refazer as nossas perdas particulares é preciso pagar as dívidas públicas contraídas para a defesa diversamente estaremos milhões de vezes em pior condição do que no período invejável Se esse pedido tivesse sido satisfeito há um ano teria conquistado o coração e a alma do continente mas agora é demasiadamente tarde O Rubicão está atravessado Além do mais empunhar as armas meramente para impor a revogação de uma lei pecuniária se afigura tão injustificável pela divina lei e tão repugnante aos sentimentos humanos quanto empunhar as armas para impor a obediência a ela Em ambos os lados o objetivo não justifica os meios uma vez que são demasiadamente valiosos os homens para serem desperdiçados em tais insignificâncias O que conscienciosamente qualifica o uso das armas é a violência que se faz à nossa pessoa e que a ameaça é a destruição da nossa propriedade por uma força armada é a invasão do nosso país pelo ferro e pelo fogo e no instante em que tal modo de defesa se tornou necessário GrãBretanha e a independência da América deveria ter sido considerada datada do primeiro tiro disparado contra ela e por ele anunciada Esse caminho é o da coerência não traçado pelo capricho nem estendido pela ambição e sim produzido por uma cadeia de fatos que as colônias não criaram Concluo estas observações com as seguintes intenções oportunas e bem intencionadas Cabenos refletir que existem três caminhos diferentes pelos quais se pode concretizar a independência e que um dos três será um dia ou outro o destino da América pela voz legal do povo no Congresso por uma força militar ou por uma multidão Nem sempre sucederá serem os nossos soldados cidadãos e a multidão um corpo de varões sensatos a virtude como já observei não é hereditária nem é perpétua Se a independência for produzida pelo primeiro desses meios teremos toda oportunidade e todo encorajamento perante nós para formar a Constituição mais nobre e pura da face da terra Podemos recomeçar o mundo Nunca se verificou situação semelhante desde os tempos de Noé Está à disposição o nascimento de um novo mundo e uma raça talvez tão numerosa quanto a que a Europa contém receberá a sua parte de liberdade do resultado de alguns meses É terrível a reflexão e sob tal ponto de vista como são insignificantes ridículas as pequeninas e desprezíveis cavilacões de alguns indivíduos fracos ou interessados se comparadas ao interesse de um mundo citos em promovêla pois assim como a nomeação de comissões os protegeu à princípio da cólera popular assim também uma forma de governo prudente e bem estabelecida constituirá o único meio certo de continuar a lhes garantir proteção Logo se não têm valor suficiente para ser whigs cabelhes ter suficiente sensatez para desejar a independência Em resumo a independência é o único laço capaz de nos unir e de nos manter unidos Veremos então o nosso objetivo e os nossos ouvidos ficarão legalmente surdos aos artifícios de um inimigo intrigante e cruel Desfrutaremos da posição adequada para discutir com a GrãBretanha pois há motivo para concluir que o orgulho daquela corte será menos ferido pela discussão de condições de paz com os Estados americanos do que pelas condições de acomodação com aqueles a quem chamam súditos rebeldes A nossa demora a anima a esperar a conquista e a nossa reluctância só tende a prolongar a luta Sem nenhum bom efeito já contivemos o nosso comércio para obter a reparação aos nossos vexames tentemos agora a alternativa reparandoos nós próprios e oferecendo depois a abertura do comércio A parte mercantil e sensata da Inglaterra continuará conosco por ser a paz com o comércio preferível à guerra sem ele E se a oferta não for aceita poderemos recorrer a outras nações Sobre tais motivos é que assento a questão E não tendo havido até agora refutação da doutrina contida nas primeiras edições deste panfleto há uma prova negativa de ou não poder ser refutada a doutrina ou serem os seus partidários demasiadamente numerosos para qualquer oposição Logo em vez de olharmos um para o outro com uma curiosidade desconfiada ou duvidosa estendamos um ao outro a mão cordial da amizade e unamonos para o traçado de um caminho que como ato de esquecimento faça desaparecer qualquer anterior divergência Extingamos os nomes de whigs e conservadores e sejam ouvidos entre nós apenas os de bom cidadão amigo leal e resoluto virtuoso defensor dos direitos da humanidade e dos Estados livres e independentes da América