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Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Objetivos 1 levar os alunos a perceber a natureza do texto se é ou não literário 2 perceber que embora se trate de um enunciado único por suas características assemelhase a outros textos que apresentam mesma estrutura composicional Texto 1 Lição sobre a água Este líquido é água Quando pura é inodora insípida e incolor Reduzida a vapor sob tensão e a alta temperatura move os êmbolos das máquinas que por isso se denominam máquinas de vapor É um bom dissolvente Embora com exceções mas de um modo geral dissolve tudo bem ácidos bases e sais Congela a zero grau centesimais e ferve a 100 quando a pressão normal Foi nesse líquido que numa noite cálida de Verão sob um luar gomoso e branco de camélia apareceu a boiar o cadáver de Ofélia com um nenúfar na mão GEDEÃO António Poesias completas 19561967 7 ed Lisboa Portugália 1978 pp 244245 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Atividade 1 Objetivo Estabelecer relações de semelhança e de diferença entre o texto 1 e o texto 2 Quanto ao texto de Camões apontar os recursos que o caracterizam como literário Levar os alunos a perceber que as estruturas narrativas não são exclusivas de gêneros literários tipicamente narrativos como o conto o romance a novela e a poesia épica indicando no soneto camoniano elementos narrativos personagem e fato narrado Observações o texto bíblico serve de intertexto ao soneto camoniano no entanto o propósito comunicativo de ambos é diferente O texto bíblico inserese num discurso religioso o texto camoniano inserese num discurso literário Camões reinventa o texto bíblico mas com outro propósito na medida em que o soneto camoniano tem caráter filosófico pois discute o amor pleno não há problematização do texto bíblico Texto 1 Sete anos de pastor Jacó servia Labão pai de Raquel serrana bela Mas não servia ao pai servia a ela Que ela só por prêmio pretendia Os dias na esperança de um só dia Passava contentandose com vêla Porém o pai usando de cautela Em lugar de Raquel lhe dava Lia Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora Como se a não tivera merecida Começa de servir outros sete anos Dizendo Mais serviria se não fora Pera tão longo amor tão curta a vida CAMOES Luís de Obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1963 p 298 Texto 2 Gênesis 29 Jacó encontra Raquel 1 Jacó continuou a viagem e chegou à terra dos filhos do Oriente 2 Viu no campo um poço junto ao qual descansavam três rebanhos pois ali bebiam água Havia uma grande pedra na boca do poço 3 Só quando todos os rebanhos estavam reunidos é que rolavam a pedra da boca do poço davam de beber às ovelhas e recolocavam a pedra em seu devido lugar 4 Jacó lhes perguntou De onde sois irmãos Somos de Harã responderam 5 E Jacó continuou Conheceis Labão filho de Nacor Conhecemos responderam 6 E ele está bem continuou perguntando E disseram Sim está bem Olha aí vem sua filha Raquel com as ovelhas 7 E ele lhes disse Ainda é bastante cedo para reunir rebanhos Por que não dais de beber às ovelhas e não as levais de novo a pastar 8 E eles lhe responderam Não podemos fazêlo enquanto não se reunirem todos os rebanhos Só então removeremos a pedra da boca do poço e daremos de beber às ovelhas 9 Jacó ainda conversava com eles quando chegou Raquel com o rebanho do pai pois Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Classificação dos gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 H E H E H E A narrativa do poema que relata que a cidade de Lisboa foi fundada pela personagem do poema homérico Odisseia é verossímil Justifique sua resposta Atividade 3 Objetivo Identificar no texto as expressões nominais referentes a Floriano Peixoto justificando o porquê da escolha lexical na caracterização da personagem Observação As expressões que se referem a Floriano Peixoto além de Marechal que era sua patente são ditador califa cã e emir que têm a finalidade de caracterizar o Marechal como não democrático e autoritário Uma chusma de oficiais subalternos e cadetes cercou o ditador e a sua atenção convergiu para eles Não se ouvia o que diziam Falavam ao ouvido de Floriano cochichavam batiamlhe nas espáduas O marechal quase não falava movia com a cabeça ou pronunciava um monossílabo coisa que Quaresma percebia pela articulação dos lábios Começaram a sair Apertavam a mão do ditador e um deles mais jovial mais familiar ao despedirse apertoulhe com força a mão mole bateulhe no ombro com intimidade e disse alto e com ênfase Energia marechal Aquilo tudo parecia tão natural normal tendo entrado no novo cerimonial da República que ninguém nem o próprio Floriano teve a mínima surpresa ao contrário alguns até sorriram alegres por ver o califa o cã o emir transmitir um pouco do que tinha de sagrado ao subalterno desabusado BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2011 p 271 Gêneros literários A questão dos gêneros está na ordem do dia A partir dos estudos de Bakhtin 2000 os gêneros do discurso passaram a ser ainda mais objeto de diversos estudos e pesquisas cujos resultados logo se fizeram sentir em situações de ensino A recomendação dos PCNS é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros uma vez que o uso efetivo da língua requer o conhecimento das características próprias de cada gênero como atesta o trecho a seguir Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas como parte das condições de produção dos discursos as quais geram usos sociais que os determinam Brasil 1998 22 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos Os falantes utilizam a língua com as finalidades mais diversas informar persuadir pedir ordenar divertir etc Dependendo Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua do propósito comunicativo recorrem a formas relativamente estruturadas Exemplífico Quando alguém transmitir a outrem como se faz bolo de fubá recorre a um modelo de texto social e historicamente existente a receita culinária Essas formas de texto relativamente estáveis pelas quais interagimos a fim de atingir os mais diversos propósitos comunicativos recebem o nome de gêneros do discurso como exemplos podese citar a carta o requerimento o bilhete o editorial o anúncio a resenha o romance o conto a novela o poema etc Como a variedade virtual da atividade humana é inesgotável Bakhtin 2000 279 a variedade e riqueza de gêneros é infinita gêneros novos surgem para atender novos propósitos comunicativos como o email o blog o tuíte Alguns gêneros são típicos da linguagem escrita o romance por exemplo outros da linguagem oral o telefonema por exemplo e há gêneros que podem aparecer nas duas modalidades de linguagem a piada por exemplo Bakhtin 2000 nos fala que os gêneros estão relacionados a esferas da atividade humana o que significa que derivam de instâncias do discurso discurso jurídico discurso religioso discurso político etc O estudo dos gêneros não é recente remontando aos filósofos gregos Platão em A República e Aristóteles na Poética Antes de Bakhtin o estudo dos gêneros era restrito à esfera literária e era visto sob o ponto de vista de formas linguísticas e não como práticas discursivas ou seja os gêneros eram modelos a serem imitados por isso como se viu no capítulo anterior Os lusíadas retoma a Eneida que retoma a Odisseia Não há plágio já que uma epopeia deveria necessariamente imitar um modelo Uma das contribuições de Bakhtin foi mostrar que os gêneros estão presentes em todas as esferas de comunicação e não apenas na literária e que são formas de ação social e não simples modelos linguísticos a serem imitados Para esse estudioso os gêneros orais ou escritos são formas relativamente estáveis de enunciados e apresentam três características conteúdo temático conjunto de temas que podem ser abordados pelo gênero estrutura composicional forma como o texto é organizado e estilo procedimentos linguísticos utilizados Bakhtin distingue ainda os gêneros primários aqueles que correspondem às formas de utilização da linguagem em situações ligadas às esferas de atividades humanas cotidianas como o diálogo e os secundários caracterizados por uma produção discursiva mais elaborada aparecendo normalmente na forma escrita em situações de comunicação mais complexas Os gêneros literários são exemplos de gêneros secundários Neste livro a abordagem dos gêneros está restrita à esfera literária e mesmo assim àqueles de maior circulação nos dias atuais o poema o conto o romance a novela e a crônica Ressaltese que é comum na esfera literária haver a indicação do gênero no paratexto da obra Chamamos de paratexto o conjunto de informações que acompanham uma obra escrita e informam sobre ela como o nome do autor o título o ano de publicação etc como em Contos de Fulano de Tal as palavras romance conto novela poesias acompanhando o título Como os livros publicados no Brasil devem conter a ficha catalográfica a indicação do gênero costuma vir explicitada nessa ficha Classificação dos gêneros literários A tendência de agrupar os textos literários em classes remonta à Antiguidade A primeira classificação que se conhece na cultura ocidental remonta a Platão que em sua obra A República faz menção à comédia à tragédia à epopeia e ao ditirambo composição poética em louvor ao deus grego Dionísio Também na Antiguidade grega Aristóteles propõe uma classificação dos gêneros literários observada até hoje Para esse filósofo os gêneros literários devem ser classificados de acordo com sua função estética Para entender a classificação aristotélica temos primeiro de nos debruçar num conceito fundamental o de mímesis Em termos mais gerais a palavra mímesis designa imitação representação Para Platão a arte era imitação representação das coisas que por sua vez eram imitação das ideias Para Aristóteles os gêneros literários seriam formas de imitação representação e variariam em função do objeto do modo e do meio PARA SABER MAIS Miguel de Cervantes em sua obra Dom Quixote cuja primeira edição é de 1605 já chamava a atenção de que a obra literária deveria ser verossímil como se pode observar pelo trecho a seguir As fábulas mentirosas têm de casarse com o entendimento dos que a lerem escrevendose de maneira que facilitem os impossíveis aplainem as grandezas surpreendam os ânimos causandolhes admiração suspensão alvoroço e entretenimento tais que andem no mesmo passo a admiração e a alegria juntas E todas essas coisas não as poderá fazer quem fugir da verossimilhança e da imitação nas quais consiste a perfeição do que se escreve 2002 200 Quanto ao objeto arte pode representar os homens melhores piores ou iguais a nós Para Aristóteles na epopeia e na tragédia os homens são representados melhores do que um modelo os homens comuns A comédia pelo contrário representa o homem pior do que os homens comuns sendo a representação dos maus costumes particularmente do ridículo Ao falar em melhores ou piores que um modelo Aristóteles ressalta que os seres representados pela arte seres ficcionais têm características éticas como os seres reais Se levarmos em conta o modo como ocorre a representação temos a narração diegesis que é o relato da ação e o drama forma de representação que coloca as personagens em ação diante de nós Aristóteles fala ainda que a imitação pode também variar segundo o meio dependendo da forma como o verso é utilizado Para esse filósofo a mímesis tem como componente estrutural a verossimilhança isto é a imitação deve parecer verdadeira Para isso deve resultar da harmonia e do encadeamento lógico das partes o que não impede que retrate acontecimentos fantásticos A verossimilhança diz respeito pois à organização interna da obra equivalendo aproximadamente ao que se denomina atualmente por coerência Em sua Poética Aristóteles faz referência explícita a três gêneros o épico o trágico e o cômico O texto da Poética considerado o marco da teoria literária ocidental não é muito claro pois chegou até nós com várias lacunas por isso os estudiosos costumam apresentar uma divisão simplificada dos gêneros literários classificandoos em lírico épico e dramático Essa classificação tem a vantagem de apresentar os gêneros literários com base na intencionalidade do produtor No lírico a intenção é expressar o eu individual no épico narrar no dramático representar Essa classificação também pode apresentar problemas pois agrupa em gêneros coisas bastante heterogêneas O romance por exemplo segundo essa classificação pertence ao gênero épico o que significa dizer que obras bastante diferentes como Memórias póstumas de Brás Cubas e Os lusíadas pertencem ao mesmo gênero Uma subclassificação dos gêneros literários quanto à estrutura composicional tem o condão de resolver esse problema denominando a obra de Machado de Assis como romance e a de Camões como poema épico poema porque está escrito em versos épico porque narra ações memoráveis ou epopeia Mesmo uma mesma subclassificação pode abarcar obras bastante diferentes por isso costumase No contexto da Poética de Aristóteles o épico corresponde à narrativa metrificada como ocorre na Ilíada e na Odisseia de Homero O trágico consiste na representação de ações humanas de caráter elevado visando à catarse isto é a purificação das emoções como faz Sófocles em Édipo Rei e Antígona O cômico consiste na imitação de maus costumes de vícios do ridículo visando provocar o riso como faz Aristófanes em As nuvens e As rãs desmembrar uma subclasse em tipos O romance por exemplo pode ser policial de aventura psicológico histórico de costumes etc O conto pode ser fantástico de fadas de terror de mistério etc Mesmo usando uma classificação em que se enquadram as obras em subtipos o problema da classificação dos gêneros ainda continua pois se chama de gênero formas de expressão lírico épica e dramática e também o produto resultante dessas formas de expressão o conto o romance a poesia etc O termo gênero literário é empregado para designar as categorias historicamente definidas como o romance o conto a epopeia a novela etc e modo literário é utilizado para designar as categorias metahistóricas lírico épico e dramático que representam potencialidades discursivas atualizáveis em textos pertencentes a um gênero Assim o romance e a epopeia seriam gêneros literários do modo épico a tragédia e a comédia do modo dramático o soneto e a ode do modo lírico O fundamental é que se encare a questão dos gêneros literários não como uma tipologia fechada já que a classificação de uma obra num determinado gênero não deve levar em conta apenas os aspectos imanentes da obra mas também sua função social valores culturais e os horizontes de expectativas do receptor que guiará a leitura Pode ocorrer a interpenetração de gêneros e do ponto de vista estilístico podemos ter em textos épicos ou dramáticos trechos líricos vide o episódio de Inês de Castro um texto lírico dentro de Os lusíadas um texto épico e poemas líricos que são declamados nas peças teatrais como em Calabar o elogio da traição de Chico Buarque e Ruy Guerra Os gêneros historicamente podem desaparecer metamorfosearse marginalizarse etc enfim o sistema de gêneros é aberto uma vez que está conexionado ao sistema históricosocial Tanto os gêneros quanto os modos literários são convenções de natureza social armazenadas na memória e que fazem parte da competência textual ou seja é esse conhecimento que possibilita ao autor produzir um texto literário e ao leitor compreendêlo O gênero lírico O adjetivo lírico provém de lira instrumento musical de cordas O nome lírico se explica em razão de esse gênero originalmente ser cantado tendo por acompanhamento o som produzido por instrumentos musicais como a flauta e a lira O gênero lírico costuma estar centrado no individual por isso tende a se voltar para a subjetividade para a emoção para o sensível Quem fala no poema por meio de versos é um eu individualizado por isso mesmo chamado de eu lírico que como o narrador nos romances contos e novelas não deve ser confundido com o autor empírico Há casos em que a poesia lírica não está voltada para o subjetivo mas para a realidade objetiva e outros em que trata da passagem da objetividade para a subjetividade Mesmo quando deixaram de ser acompanhados por instrumentos musicais os poemas líricos mantiveram o aspecto musical reforçado pelo uso de recursos sonoros como o ritmo a métrica as rimas o refrão etc Os poemas líricos podem se apresentar em várias formas fixas ou livres São exemplos de formas fixas o soneto e o rondó O texto a seguir exemplifica um poema lírico em forma fixa Soneto é uma composição poética com 14 versos distribuídos em 2 quartetos e 2 tercetos Neste livro são apresentados alguns exemplos de soneto como o poema Psicologia de um vencido de Augusto dos Anjos comentado neste capítulo e os poemas de Camões Amor é um fogo que arde sem se ver e Sete anos de pastor Jacó servia Rondó é um poema de forma fixa que apresenta 13 versos octossílabos ou decassílabos distribuídos em 3 estrofes sendo 2 quadras seguidas de 1 quintilha Os 2 primeiros versos da primeira quadra se repetem no final da segunda e o primeiro verso da quadra inicial se repete no fecho da quintilha um exemplo é o Rondó dos cavalinhos de Manuel Bandeira Psicologia de um vencido Eu filho do carbono e do amoníaco Monstro de escuridão e rutilância Sofro desde a epigênese da infância A influência má dos signos do zodíaco Profundissimamente hipocondríaco Este ambiente me causa repugnância Sobeme à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco Já o verme este operário das ruínas Que o sangue podre das carnificinas Come e à vida em geral declara guerra Anda a espreitar meus olhos para roêlos E háde deixarme apenas os cabelos Na frialdade inorgânica da terra ANJOS Augusto dos Eu outras poesias 31 ed Rio de Janeiro Livraria São José 1971 p60 Escolhi esse soneto de Augusto dos Anjos como exemplo de gênero lírico a fim de deixar claro que o que caracteriza esse gênero não é a temática nem a linguagem mas a postura do eu frente ao tema ou seja em tese qualquer tema pode ser objeto do gênero lírico desde que a expressão desse tema decorra de uma visão subjetiva que tenha por centro o eu que fala no poema No caso do poema de Augusto dos Anjos o vocabulário com termos pouco comuns na linguagem poética expressa o mistério humano frente às forças universais A poesia Os gêneros literários podem se manifestar em prosa isto é ser expressos sem metrificação e ritmo regular como o conto o romance e a novela ou em versos como a poesia Os versos podem apresentar metrificação regular ou não e também podem apresentar ou não rimas Etimologicamente poesia designa o ato de criar de fazer e poema o produto do fazer poético Atualmente essas palavras têm sido usadas como sinônimas de sorte que podemos falar em um livro de poemas ou em um livro de poesias Embora haja formas fixas de poesia não é a forma que determina se um texto é poético Se a poesia não precisa apresentar necessariamente uma forma fixa metro e rima o que caracteriza um texto como poesia A primeira característica já foi apresentada tratase de uma manifestação literária em versos subdivisão da poesia que coincide com o final da linha mas não necessariamente com o final da frase portanto um poema terá tantos versos quantas linhas tiver Um soneto tem 14 versos Os lusiadas 8816 A divina comédia 14233 Os versos podem ou não estar agrupados em estrofes um soneto tem 4 estrofes 2 quartetos e 2 tercetos Os lusiadas tem 1102 estrofes cada uma com 8 versos O fato de um poema ser escrito em versos exerce uma função semiótica importante pois o leitor ao abrir o livro pela própria disposição gráfica do texto na mancha tipográfica do papel ou pela sua disposição na tela de um computador identifica de pronto o texto como sendo uma Na metrificação regular todos os versos do poema têm o mesmo número de sílabas métricas Os sonetos Psicologia de um vencido e Amor é um fogo que arde sem se ver são exemplos de poemas que apresentam versos metrificados pois todos os versos desses poemas são decassílabos isto é possuem dez sílabas métricas Rima é a identidade de sons geralmente no final de versos de um poema como no exemplo a seguir em que o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro Sete anos de pastor Jacó servia Labão pai de Raquel serrana bela Mas não servia ao pai servia a ela Que ela só por prêmio pretendia A semiótica pode ser definida como uma teoria geral da produção social dos significados com base em signos sejam eles verbais ou não Portanto a semiótica abrange o estudo das mais diversas formas de texto o verbal o cinematográfico a moda os mitos a dança a pintura 27 poesia Evidentemente essa antecipação pode não se confirmar já que o texto pode ter a forma de um poema e não se configurar como tal O uso dos recursos tipográficos na poesia foi levado ao extremo pela poesia concreta em que a disposição gráfica do texto na página passa a ter função significante O fato de um texto ser escrito em versos e de apresentar rimas como se disse não é critério suficiente para classificálo como poesia basta lembrar que batatinha quando nasce é um texto em versos rimados Então qual o critério necessário e suficiente para se classificar um texto como poesia A pergunta não é fácil de ser respondida Afirmei neste livro que os critérios de literário e de belo não são absolutos pois estão ligados a juízos de valor embora possa haver consenso sobre a natureza artística de algumas obras Para responder a essa questão é preciso voltar a um conceito já exposto o de gênero lírico pois excetuando a epopeia a poesia pertence ao gênero lírico que como se viu está centrado no individual na emoção na subjetividade Mesmo quando se volta para a realidade objetiva a poesia a vê subjetivamente ou seja o eu apreende a realidade objetiva e a expressa subjetivamente ou como afirma Aguiar e Silva 2011 584 o acontecimento exterior quando está presente num texto lírico permanece sempre literalmente como um pretexto em relação à estrutura e ao significado desse texto Em outros termos podese dizer que o que caracteriza a poesia é uma forma de enunciação denominada lírica Ao contrário dos gêneros em prosa romance novela conto na poesia lírica não há a presença de um narrador mas de um eu individualizado que fala no poema chamado propriamente de eu lírico Também na poesia lírica não há temporalidade não há um antes nem um depois pois não se conta uma história como nas formas narrativas daí seu caráter estático Voltando ao soneto de Augusto dos Anjos podese observar que a centrase no individual Eu filho do carbono e do amoníaco b não há um relato de fatos que se sucedem no tempo Isso não significa que não se possam encontrar estruturas narrativas na poesia lírica Como se viu o soneto camoniano Sete anos de pastor Jacó servia narra um acontecimento Se considerarmos o poema lírico um macroato de fala virtual virtual porque não se trata de um ato de fala que corresponda ao mundo empírico mas ao mundo construído pelo texto literário sua força ilocucionária não se encontra no narrar Ao contrário das formas narrativas que representam a realidade sob o ângulo da práxis isto é do fazer humano a poesia representa a realidade a partir do phatos isto é do sentir A linguagem da poesia tem uma configuração especial o que a torna intraduzível Volto ao soneto de Camões Amor é um fogo que arde sem se ver e ao texto de Mira y López no item Literatura e literariedade do capítulo O que é literatura Ambos como se viu abordam o mesmo tema o amor Mas enquanto se pode dizer a um interlocutor o que Mira y López diz usando outra forma de linguagem verbal não se consegue reproduzir o que Camões diz a não ser dizendoo da mesma forma como ele disse ou seja enquanto o texto de Mira y López é traduzível o soneto camoniano é intraduzível Lendo o texto de Camões participamos com o poeta do que ele sentiu e viveu em relação ao amor Participar etimologicamente significa fazer com que os outros tomem parte do que está dentro de nós No texto de Mira y López não há o objetivo da participação pois ele não exprime o que sentiu ou viveu mas o que conhece objetivamente A linguagem de Camões fala ao sensível a de Mira y López ao inteligível Quanto ao poema de Augusto de Anjos seria possível exprimilo em outra linguagem trocando por exemplo as palavras não poéticas por outras Parece claro que não pois o que se obteria seria qualquer coisa menos o poema Psicologia de um vencido já que esse só existe naquela conformação textual Quando se diz que a poesia é intraduzível não se está afirmando que ela não possa ser traduzida para outra língua embo 28 ra isso seja verdade mas que ela é intraduzível mesmo dentro da própria língua Isso porque na poesia a linguagem verbal está associada ao ritmo à sonoridade das palavras e às imagens sugeridas por elas Se a poesia é intraduzível dentro da própria língua a fortiori ela o será de uma língua a outra Um poema como O corvo The Raven de Edgar Allan Poe explora o caráter significativo de fonemas que lembram o crocitar de um corvo Ao final de várias estrofes repetese o enunciado never more que traduzido para o português nunca mais não tem o mesmo efeito de sentido do que a expressão original Experimente repetir várias vezes as expressões never more e nunca mais e verificará que never more ao contrário de nunca mais imita o crocitar do corvo Somese a isso que no poema more rima com door floor implore explore shore before Lenore o nome da amada do poeta Atente ainda que os fonemas consonantais de raven são os mesmos de never ao contrário rvnnvr PARA SABER MAIS Na gravação da canção Velha roupa colorida de Belchior Elis Regina repete as palavras raven e never várias vezes a fim de destacar seu caráter onomatopeico o que não aconteceria se repetisse os equivalentes em português corvo e nunca Como Poe poeta louco americano Eu pergunto ao passarinho Black bird o que se faz Raven never raven never raven Black bird me responde Tudo já ficou pra trás Raven never raven never raven Assumpreto me responde O passado nunca mais lugar pelo ritmo Se a poesia pode prescindir de rima e metro não há poesia se não houver ritmo isto é as palavras na poesia não são apenas unidades de significado são também unidades melódicas por isso é mais fácil memorizar um poema do que um texto em prosa O ritmo é inerente ao verso seja ele metrificado ou não e está ligado ao tempo de sorte que o que confere ritmo à poesia é a forma com que as palavras sucedem no tempo e sua percepção se dá auditivamente portanto duas palavras definem ritmo temporalidade e sonoridade Pelo ritmo alguns elementos do verso são destacados Falei anteriormente em protocolos de leitura conjunto de procedimentos mobilizados na leitura de um texto Na leitura de poesia um dos procedimentos essenciais é o leitor identificar o ritmo dos versos e não ficar restrito apenas aos aspectos semânticos do texto É preciso pois olhar a poesia como objeto semiótico em que se conjugam o verbal o sonoro e em alguns casos até o visual No nível sonoro além do ritmo há que se destacar o papel exercido pelas chamadas figuras fônicas rimas aliterações assonâncias paronomásias Evidentemente essas figuras não devem ser vistas apenas como recursos sonoros pois elas também são responsáveis pela progressão textual à medida que estabelecem entre segmentos textuais os versos por exemplo relações semânticas eou pragmáticodiscursivas Aliteração é a repetição ordenada de um mesmo som consonantal A fome quando ferra nos faz feras Mia Couto Assonância é a repetição ordenada de mesmos sons vocálicos o que o vago e incógnito desejo de ser eu mesmo de meu ser me deu Fernando Pessoa A paronomásia consiste na aproximação de palavras de sons parecidos mas de significados distintos Aquela cativa que me tem cativo porque nela vivo já não quer que viva Camões Ressaltese que a ocorrência de uma dessas figuras num texto não exclui a possibilidade de outras ou seja podemse encontrar textos em que foram trabalhadas ao mesmo tempo aliteração assonância e paronomásia O gênero épico O que caracteriza o gênero épico é o fato de contar algo em prosa ou verso por isso se trata de um gênero essencialmente narrativo A presença de um narrador é condição essencial do gênero épico O narrador é o autor da obra Nas narrativas ficcionais não O autor é o sujeito empírico ou seja o indivíduo biológico com responsabilidades jurídicas e sociais cujo nome ou pseudônimo aparece na capa eou no frontispício da obra Graciliano Ramos Guimarães Rosa José Saramago Marques Rabelo a quem cabe a autoria em todas as suas instâncias quer a direitos quer a deveres Em sua atividade o autor empírico entidade real é o responsável pelas estratégias discursivas escolha de um autor textual dos narradores do gênero do tema das personagens etc O autor textual é o enunciador no texto literário e pode delegar a função de enunciador a um ou mais de um narrador No caso das narrativas com narrador não explicitado este se confunde com o autor textual Como essas entidades são ontologicamente distintas pode haver entre elas distâncias particularmente de natureza ideológica de onde não se pode julgar o autor empírico pelo autor textual Lembrese ainda de que quando o autor textual se manifesta no texto por um eu que fala no enunciado ao apropriarse do aparelho formal da língua ele constitui um tu o narratário e instaura um sistema de coordenadas espaçotemporais que serão manifestadas linguisticamente pelos dêiticos e tempos verbais No texto literário os dêiticos não estão relacionados ao mundo factual mas ao mundo construído pela narrativa já que a linguagem literária referese a um mundo construído pelo texto Em O barco da morte de D W Lawrence o dêitico agora que inicia o poema Agora é outono e os frutos caem e há uma longa jornada para o esquecimento não deve ser entendido como o momento em que o poeta escreveu o verso mas como um tempo ficcional O poema não necessariamente foi escrito no outono os frutos podiam não estar caindo Assim como o eu que fala no poema é ficcional todo esse enunciado deve ser lido como ficcional O texto a seguir é o início do capítulo xlv de Dom Casmurro e serve como exemplo para esclarecer a distinção entre autor e narrador Abane a cabeça leitor faça todos os gestos de incredulidade Chegue a deitar fora este livro se o tédio já o não obrigou a isso antes tudo é possível Mas se o não fez antes e só agora fio que torne a pegar do livro e que o abra na mesma página sem crer por isso na veracidade do autor Todavia não há nada mais exato Foi assim mesmo que Capitu falou com tais palavras e maneiras Falou do primeiro filho como se fosse a primeira boneca Assis Machado de Dom Casmurro Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p 858 O autor de Dom Casmurro é o escritor brasileiro Machado de Assis mas quem narra é Bentinho o Dom Casmurro Como o trecho anterior é um enunciado narrativoficcional a palavra autor não se refere evidentemente ao autor empírico Machado de Assis mas ao autor ficcional que é o mesmo que no início da obra afirma Agora que expliquei o título passo a escrever o livro Por uma estratégia narrativa quem escreve o livro é uma entidade ficcional Bentinho e não Machado de Assis O gênero épico apresenta três elementos substanciais personagem evento e espaço além do que toda a narrativa se desenrola no tempo ou seja há sempre um antes e um depois As narrativas podem estar centradas no evento por exemplo a Ilíada focada na cólera de Aquiles Os sertões na campanha de Canudos o conto O peru de Natal de Mário de Andrade numa ceia em família na noite de Natal e Famigerado de Guimarães Rosa centrado no sentido da palavra que dá título ao conto Outras narrativas centramse na personagem como o poema épico Odisseia centrado na figura de Ulisses Odisseu os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis e Mrs Dalloway de Virgínia Woolf o conto Gaetaninho de Antônio de Alcântara Machado centrados nas personagens que dão título às obras Há também narrativas centradas no espaço como em A divina comédia de Dante Alighieri e O cortiço de Aluísio de Azevedo Sob o gênero épico abrigamse produções literárias das mais diversas indo dos poemas épicos da Antiguidade Odisseia Ilíada Eneida até o romance moderno considerado por alguns estudiosos uma transmutação da poesia épica que é a narração de feitos de homens valorosos Ao contrário do que ocorre com o gênero lírico que se apresenta como uma unidade indissolúvel o épico admite fragmentação em partes menores O romance e a novela podem apresentar capítulos o episódio dos moinhos de vento em Dom Quixote por exemplo um poema épico episódios em torno de um determinado acontecimento o canto das sereias na Odisseia o Gigante Adamastor em Os lusíadas Enquadramse também no gênero épico outras formas de narrativa como a novela o conto a fábula Como as formas que o épico pode assumir são várias apresento dois trechos ilustrativos de obras de tipos diferentes um trecho do poema A divina comédia de Dante Alighieri e um do Livro das mil e uma noites de autores desconhecidos Canto I O poeta se surpreende numa selva escura e dela não consegue sair impedido por uma pantera um leão e uma loba subitamente avista um vulto a quem pede socorro e vê tratarse da sombra de Virgílio A meio do caminho desta vida acheime a errar por uma selva escura longe da boa via então perdida Ah Mostrar qual a vi é empresa dura essa selva selvagem densa e forte que ao relembrála a mente se tortura Ela era amarga quase como a morte Para falar do bem que ali achei de outras coisas direi de vária sorte que se passaram Como entrei não sei era cheio de sono àquele instante em que da estrada real me desviei Chegando ao pé de uma colina adiante lá onde a triste lunda era acabada que me encher a horror o peito arfante olhei para o alto e vi iluminada a sua encosta aos raios do planeta que a todos mostra o rumo de cada estrada Alighieri Dante A divina comédia 7 ed Belo Horizonte Vila Rica 1991 pp 101102 Livro das mil e uma noites Disse o autor contase mas Deus conhece mais o que já é ausência e é mais sábio quanto ao que nas crônicas dos povos passou se distanciou e desapareceu que havia em tempos remotos no reino sassânda nas penínsulas da Índia e da Indochina dois reis irmãos o maior chamado Sahriyar e o menor Sahzaman O mais velho Sahriyar era um cavaleiro poderoso um bravo campeão que não deixava apagarse o fogo de sua vingança a qual jamais tardava Do país dominou as regiões mais recônditas e dos súditos os mais renitentes E depois de assenhorarse do país e dos súditos entronizou como sultão no governo da terra de Samarcanda seu irmão Sahzaman que por lá se estabeleceu ao passo que ele próprio se estabelecia na Índia e na Indochina Tal situação se prolongou por dez anos ao cabo dos quais Sahriyar saudoso do irmão mandou atrás dele seu vizir o qual tinha duas filhas uma chamada Sahrazad e a outra Dinarzad O rei determinou a esse vizir que fosse até Sahzaman e se apresentasse a ele Assim o vizir muniuse dos apetrechos necessários e viajou durante dias e noites até chegar a Samarcanda Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 1 p 39 Os textos têm em comum o fato de serem constituídos por sequências narrativas portanto enquadráveis no gênero épico Quanto às diferenças o primeiro é escrito em versos o segundo em prosa No primeiro o narrador faz parte da história narrada no segundo não faz parte Evidentemente restringime a apresentar apenas as diferenças relativas à estrutura composicional deixando de lado diferenças quanto a tema e estilo O gênero dramático O adjetivo dramático provém da palavra grega drama que significa ação Para Aristóteles o gênero dramático se caracteriza pelas personagens em ação diante do público por isso esse gênero tem todas as características para ser representado Os dramas podem ser escritos tanto em verso quanto em prosa e neles predominam as sequências dialogais Na Antiguidade e na Idade Média predominam as representações em verso hoje é mais comum as em prosa O trecho a seguir extraído do primeiro ato de Hamlet de William Shakespeare em que Hamlet filho do falecido rei e sobrinho do atual rei da Dinamarca dialoga com seu amigo Horácio é um exemplo de texto dramático HORÁCIO Senhor eu vim pra assistir aos funerais de seu pai HAMLET Ou seja veio assistir aos esponsais de minha mãe HORÁCIO É verdade senhor foram logo em seguida HAMLET Economia Horácio Os assados do velório puderam ser servidos como frios na mesa nupcial Preferia ter encontrado no céu meu pior inimigo do que ter visto este dia Meu pai estou vendo meu pai Horácio HORÁCIO Seu pai Onde senhor HAMLET No olhar do espírito Horácio HORÁCIO Eu o vi uma vez era um belo rei HAMLET Era um homem e nada mais importa Jamais haverá um outro como ele HORÁCIO Senhor acho que o vi ontem de noite HAMLET Viu quem HORÁCIO Contenha seu espanto por um instante e me dê ouvido atento pra que eu lhe conte o prodígio que vi testemunhado por meus companheiros HAMLET Pelo amor de Deus sou todo ouvidos Fala Shakespeare William Hamlet Porto Alegre LPM 2012 p 25 Como se pode notar as ações são representadas por meio das falas das personagens que interagem Não há ao contrário do gênero épico um narrador a relatar os acontecimentos Sequências textuais Há alguns anos quando se fazia referência a tipos de texto costumavase falar em descrição narração e dissertação Essa tipologia era ensinada na escola e cobrada em provas e exames Ocorre que uma tipologia que agrupe textos em descrição narração e dissertação é um procedimento muito genérico Primeiro não se trata de gêneros textuais segundo essa classificação não dá conta da variedade de textos que circulam socialmente terceiro na prática dificilmente encontraremos textos que sejam exclusivamente descritivos narrativos ou dissertativos Conforme visto e com fundamento em Bakhtin 2000 os textos literários ou não materializamse em enunciados relativamente estáveis a que se dá o nome de gêneros Ocorre que os textos verbais independentemente do gênero a que pertencem são heterogêneos Um conto que é uma narrativa pode apresentarse sob várias formas diferentes conto fantástico conto de terror conto de mistério microconto etc Além disso as narrativas literárias não costumam apresentarse em formas puras Um romance ou um conto não são constituídos apenas de narrações podendo conter descrições diálogos argumentos explicação de fatos ou acontecimentos etc Para Adam 2011 os textos são constituídos por sequências com características linguísticas e propósitos sociodiscursivos próprios responsáveis pela organização da textualidade Quanto às características linguísticas refirome a formas dependentes dos aspectos morfossintáticos da língua Os propósitos sociodiscursivos remetem ao valor ilocucionário dos enunciados isto é ao propósito comunicativo à intencionalidade Com base nisso as sequências textuais são classificadas em cinco tipos básicos que correspondem a cinco macroações discursivas armazenadas na memória que funcionam como esquema que permite reconhecer e estruturar os textos narrar descrever explicar argumentar e dialogar Sequências textuais não são textos mas construções teóricas que materializadas linguisticamente nos textos caracterizamno como um tipo textual em função da sequência dominante daí se falar em textos narrativos descritivos argumentativos explicativos e conversacionais No processamento da leitura mobilizamse conhecimentos textuais Esse conhecimento permite por exemplo saber se se trata de um texto narrativo descritivo ou argumentativo A partir de agora discuto os tipos de texto narrativo descritivo argumentativo etc lembrando que os textos são marcados pela heterogeneidade isto é neles costuma haver uma mescla de sequências sendo uma predominante aquela que determina o propósito comunicativo do texto Os gêneros literários em prosa conto novela romance são narrativos já que o propósito deles é contar um fato portanto neles predominam as sequências narrativas Subsidiariamente neles pode haver sequências descritivas descrição de personagem ou ambiente sequências dialogais reprodução direta de diálogos de personagens sequências argumentativas o narrador suspende a narrativa para defender uma ideia uma personagem argumenta em favor de alguma coisa e em alguns casos até mesmo sequências explicativas quando por exemplo o narrador ou uma personagem sente necessidade de explicar objetivamente algo ao leitor para que ele compreenda melhor a ação ou um dos elementos dela Quanto aos gêneros literários em versos pode haver poemas narrativos as epopeias descritivos apresentados em forma de diálogo e até mesmo poemas em que predomina a argumentação A gramática tradicional ensina que os textos são constituídos de períodos definidos como unidades de sentido de extensão variável começando na escrita por letra maiúscula e terminando por ponto ponto de exclamação de interrogação ou reticências Embora haja períodos formados por uma única oração via de regra eles resultam de um encadeamento de orações que se justapõem ou se relacionam por meio de conectores que estabelecem relação de coordenação ou subordinação entre as unidades do período Ocorre que o texto não é um somatório de períodos mas uma unidade de sentido mais ampla do que o conjunto das Conectores são palavras que estabelecem uma relação sintática entre segmentos textuais A gramática tradicional chama essas palavras de conectivos que são normalmente representados pelas conjunções preposições e pronomes relativos Certos conectivos estabelecem também relações semânticas entre segmentos textuais 33 frases que o compõe por isso a incapacidade de a gramática tradicional explicar os textos A linguística textual foca seu estudo não na frase mas numa unidade mais complexa o texto que não é simplesmente um agrupamento de frases já que entre estas se estabelecem relações configurando as sequências textuais Isso possibilitou que se substituísse uma tipologia tradicional generalizante de largo uso na escola descrição narração e dissertação por outra capaz de descrever melhor a organização dos tipos de texto com base não apenas em seus aspectos pragmáticos mas também em sua estruturação linguística Esclareço que as sequências textuais dizem respeito à infraestrutura ou seja ao modo de organização do texto assegurando sua progressão por meio de retomadas substituições lexicais pronominalização referenciação etc Embora as sequências textuais sejam unidades relativamente autônomas há entre elas relações semânticas normalmente estabelecidas por procedimentos responsáveis pela coesão textual Se o número de gêneros textuais é aberto na medida que novos gêneros surgem para atender a novos propósitos comunicativos as sequências textuais variam menos Embora possa haver pequenas divergências entre autores sobretudo quanto à nomenclatura empregada a classificação das sequências textuais costuma levar em conta tanto critérios internos linguísticos tais como o modo como as proposições se sucedem linearmente tipos de predicação seleção lexical como externos aspectos pragmáticos Neste livro são comentadas cinco sequências textuais narrativas descritivas explicativas argumentativas dialogais Bronckart 2007 comentando a classificação de Adam 2011 menciona ainda as sequências injuntivas que seriam um tipo particular de sequência descritiva que se caracteriza por fazer ver as ações mostrando como a descrição se organiza Nesse caso ainda segundo Bronckart a intenção do produtor é levar o leitorouvinte a um fazer agir Como exemplos de sequências injuntivas podem ser citadas as receitas culinárias e manuais de instrução Sequências narrativas Uma sequência narrativa prototípica tem a seguinte característica básica há uma situação inicial marcada pelo equilíbrio que é alterada desencadeando transformações complicação seguese uma série de ações decorrentes dessa transformação que levarão a uma resolução da intriga conflito terminando em uma situação final que se caracteriza por um novo estado de equilíbrio Esquematizando situação inicial complicação ações resolução situação final equilíbrio tensão equilíbrio As sequências narrativas caracterizamse pelo encadeamento cronológicocausal de ações predicadas ao agente humano ou antropomorfizado como a agulha e a linha no conto machadiano Um apólogo Do ponto de vista linguístico além dos verbos que exprimem ação normalmente expandidos por circunstantes de lugar tempo modo causa há a presença do discurso relatado direto indireto indireto livre Os gêneros literários em que as sequências narrativas são dominantes são aqueles que relatam uma história o conto a novela o romance a epopeia Segue um conto japonês do século VIII de autor desconhecido a fim de exemplificar a sequência narrativa Espelho no cofre De volta de uma longa peregrinação um homem carregava sua compra mais preciosa adquirida na cidade grande um espelho objeto até então desconhecido para ele Julgando reconhecer ali ao olharse o rosto do pai encantado ele levou o espelho para sua casa 34 Guardouo num cofre no primeiro andar sem dizer nada a sua mulher E assim de vez em quando quando se sentia triste e solitário abria o cofre para ficar a contemplar o rosto do pai Sua mulher observou que ele tinha um aspecto diferente um ar engraçado toda vez que o via descer do quarto de cima Começou a espreitálo e descobriu que o marido abria o cofre e ficava longo tempo olhando para dentro dele Depois que o marido saiu um dia ela abriu o cofre e nele espantada viu o rosto de uma mulher Inflamada de ciúme investiu contra o marido e deuse então uma grave briga de família O marido sustentava até o fim que era o seu pai quem estava escondido no cofre Por sorte passava pela casa deles uma monja Querendo esclarecer de vez a discussão ela pediu que lhe mostrassem o cofre Depois de alguns minutos no primeiro andar a monja comentou ainda lá de cima Ora vocês estão brigando em vão no cofre não há homem nem mulher mas tão somente uma monja como eu Espelho no cofre Os grandes contos populares do mundo Rio de Janeiro Ediouro 2005 pp 298299 Esse conto apresenta a seguinte sequência narrativa a situação inicial trazer o espelho para casa guardálo e nele mirarse b complicação a descoberta da mulher c ações abertura do cofre pela mulher briga em família justificativa do marido d resolução esclarecimento dado pela monja A situação final coincide com a resolução do conflito que põe fim à narrativa Sequências descritivas Nas sequências descritivas não há encadeamento cronológico de fatos ou seja não havendo sucessão de acontecimentos no tempo não há temporalidade não há um antes nem um depois nem causalidade Aquilo que é descrito ancoragem ou tema da descrição é apresentado num determinado momento Esse tema é caracterizado por meio de suas propriedades qualidades localização espacial etc Normalmente aquilo que é descrito costuma ser decomposto em suas partes constituintes Pode ocorrer ainda o relacionamento de elementos descritos por meio de metáforas ou comparações Predominam verbos de estado e situação Segue um trecho extraído do romance A peste de Albert Camus Aparenta trinta e cinco anos Estatura mediana Ombros fortes Rosto quase retangular Olhos escuros e diretos mas maxilares proeminentes O nariz forte é regular Cabelos pretos cortados muito curtos A boca é arqueada com os lábios cheios e sempre fechados Tem um pouco o ar de um camponês siciliano com a pele queimada o cabelo preto e as roupas sempre de cor escura mas que lhe ficam bem Camus Albert A peste 17 ed Rio de Janeiro Record 2007 p 31 Essa sequência descritiva referese à personagem Rieux apresentada no final do parágrafo anterior da narrativa que se configura o tema da descrição Como se pode observar há um processo de decomposição do todo descrito em suas partes constituintes ombros rosto olhos maxilares nariz cabelos boca lábios que são aspectualizadas por meio de suas propriedades expressas por adjetivos ombros fortes rosto retangular olhos escuros e diretos maxilares proeminentes nariz forte e regular cabelos pretos curtos boca arqueada lábios cheios e fechados Esses elementos descritos são depois relacionados por meio de comparação ar de um camponês siciliano Do ponto de vista linguístico há o predomínio de formas nominais substantivos para os temas e adjetivos para as propriedades frases nominais e coordenação de ideias Muitos textos narrativos costumam se iniciar por uma sequência descritiva com o propósito de caracterizar de pronto a personagem como ocorre neste trecho do conto A caolha de Júlia Lopes de Almeida em que um narrador heterodiegético apresenta um retrato da personagem que dá título ao conto A caolha era uma mulher magra alta macilenta peito fundo busto arqueado braços compridos delgados largos nos cotovelos grossos nos pulsos mãos grandes ossudas estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho unhas grossas chatas e cinzentas cabelo crespo de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento boca descaída numa expressão de desprezo pescoço longo engelhado como o pescoço dos urubus dentes falhos e cariados ALMEIDA Júlia Lopes de A caolha In MORICONI Italo Org Os cem melhores contos brasileiros do século Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 49 Sequências argumentativas Inicialmente devese destacar que segundo Ducrot 1981 todo discurso comporta uma orientação argumentativa Para esse autor a argumentatividade é constitutiva de todos os discursos Quando aqui se fala em sequências argumentativas fazse referência à materialização de processo cognitivo denominado raciocínio argumentativo que consiste na apresentação de uma tese sobre um tema à qual são acrescentados dados novos que orientam para uma conclusão ou nova tese ou seja pelas sequências argumentativas realizamse propósitos comunicativos específicos qual seja levar o interlocutor a aderir a um ponto de vista apresentado Esse tipo de sequência desenvolvese por inferências argumentos e contraargumentos a partir de dados pressupostos Podese esquematizar essa sequência desta forma tese ou premissa argumentos contraargumentos conclusão ou nova tese As sequências argumentativas são dominantes nos gêneros literários cujo propósito comunicativo é a persuasão do leitor visando conseguir sua adesão a uma determinada tese como ocorre no sermão vide como exemplos os Sermões do padre Antônio Vieira Do ponto de vista linguístico predomina o encadeamento lógico de orações modalizadores operadores argumentativos e verbos que introduzem opiniões Segue um soneto de Gregório de Matos a fim de mostrar como se configura a argumentação A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei Senhor mas não porque hei pecado Da vossa alta clemência me despido Porque quanto mais tenho delinquido Vos tenho a perdoar mais empenhado Se basta a vos irar tanto pecado A abrandarnos sobeja um só gemido Que a mesma culpa que vos há ofendido Vos tem para o perdão lisonjeado Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu como afirmais na sacra história Eu sou Senhor a ovelha desgarrada Cobraia e não quereis pastor divino Perder na vossa ovelha a vossa glória MATOS Gregório de In CANEDO Antonio CASTELO José Aderaldo Presença da literatura brasileira e das origens ao romantismo 5 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 72 O interesse aqui não é fazer uma análise detalhada do poema Apresento esse soneto apenas como exemplo de sequência argumentativa o que pode ser facilmente percebido caso se atente que ele se desenvolve como um silogismo raciocínio tipicamente argumentativo que parte do geral premissa para o particular conclusão Há no soneto uma tese premissa maior à qual se somam argumentos visando a uma conclusão deles decorrente Esquematizando o silogismo A glória de Deus está no perdoar ao pecador premissa maior Eu sou pecador premissa menor Logo Deus tem de me conceder o perdão para manter sua glória conclusão Ou em outros termos A bondade divina se manifesta no perdoar ao pecador premissa maior Sou pecador premissa menor Logo para exercer sua bondade Deus terá de me perdoar conclusão O caráter persuasivo do poema remete a um dilema para que exista perdão é preciso que haja pecado se não houver pecado não existe perdão E como Deus é clemente é necessário que haja o pecado para que ele possa manifestar sua clemência Na busca de um discurso persuasivo Gregório de Matos se afasta do caráter mais inventivo de certas manifestações literárias Seu discurso não é lúdico O jogo com as palavras seus sons e significados é deixado de lado em favor da exposição de um raciocínio persuasivo o lúdico cede lugar ao polêmico Sequências explicativas As sequências explicativas estão ligadas a processos cognitivos que envolvem análise e síntese de conceitos ou fatos procurando estabelecer relações de causa e efeito entre conceitos Nesse tipo de sequência partese do pressuposto de que o interlocutor não sabe X e a função é fazêlo saber X O exemplo prototípico de sequência explicativa é o texto didático Lencastre 2003 comparando as sequências explicativas com as narrativas salienta que nas primeiras o leitor assume a informação como verdadeira ao passo que as segundas são ficcionais por natureza As sequências narrativas desenvolvemse cronologicamente e ocorrem em um espaço definido as explicativas podem não apresentar ordem temporal e nelas normalmente o espaço é genérico Enquanto as sequências narrativas podem ocorrer na linguagem oral as explicativas têm maior incidência na escrita Segundo Bronckart 2007 apresentam o seguinte esquema constatação inicial problematização resolução conclusãoavaliação reformulação da constatação inicial apresentação do fenômeno causas informações adicionais Do ponto de vista linguístico a característica dos textos explicativos é marcada pela enunciação no presente do indicativo a partir do qual se instaura um eixo de coordenadas espaçotemporais um aqui e um agora O enunciador muitas vezes deixa marcas explícitas da enunciação no enunciado por meio de expressões como creio pareceme e equivalentes Dada a natureza objetiva e didática dos textos explicativos sua presença na literatura é pouco frequente Numa narrativa o narrador pode dela se valer para apresentar informações para que o leitor situe a narrativa num determinado contexto histórico É o que ocorre por exemplo no romance A cartuxa de Parma de Stendhal como se pode observar no trecho a seguir Em 1796 o exército milanês se compunha de vinte e quatro patifes vestidos de vermelho que guardavam a cidade em comum acordo com quatro magníficos regimentos de granadeiros húngaros A liberdade de costumes era extrema mas a paixão muito rara aliás além do desprazer de ter de contar tudo ao cura sob pena de ruína neste próprio mundo o bom povo de Milão ainda era submetido a certos pequenos entraves monárquicos que não deixavam de ser vexatórios Por exemplo o arquiduque que residia em Milão e governava em nome do imperador seu primo tivera a lucrativa ideia de comandar o comércio de trigo Por conseguinte houve a proibição aos camponeses de vender seus grãos até que Sua Alteza tivesse enchido os próprios armazéns STENDHAL A cartuxa de Parma São Paulo Companhia das Letras 2012 pp 3435 Como outro exemplo de uma sequência explicativa seguem os versos do poeta paraibano Janduhi Dantas que se vale da literatura de cordel para transmitir um saber A vírgula entre o sujeito e o verbo da oração não deve ser colocada se juntos eles estão em Joel chutou a bola há erro de pontuação Os homônimos são palavras de mesma pronunciação Às vezes mesma grafia os homônimos terão só que serão diferentes em sua significação DANTAS Janduhi Lições de gramática em versos de cordel Petrópolis Vozes 2009 pp 43 e 55 Sequências dialogais Frequentes na linguagem oral as sequências dialogais também ocorrem na linguagem escrita e portanto na literatura quando essa tem por escopo a reprodução de falas A característica essencial desse tipo de sequência é a sucessão coordenada de trocas os turnos de fala Se no discurso oral esses turnos são assumidos diretamente pelos envolvidos no processo interacional no texto literário eles são reproduções de falas de personagens inseridas no discurso principal Por isso Bronckart 2007 fala de discursos interativos primários para as sequências dialogais da oralidade e de discursos interativos secundários para as sequências dialogais na escrita Na medida em que os turnos se sucedem personagens interagem na conversação e são dadas a conhecer mutuamente isto é o leitor passa a conhecer as personagens pelo que uma diz para outra Embora as falas isoladamente em alguns casos possam parecer desconexas a coerência é dada pelo todo que forma um texto único muitas vezes inserido em outro texto A sequência dialogal prototípica é formada por uma abertura uma fase transacional e um encerramento e pode ser assim esquematizada Fase 1 Locutor 1 intercâmbio de abertura Locutor 2 Fase 2 Locutor 1 Pergunta Locutor 2 Resposta fase transacional Locutor 1 Avaliação Fase 3 Locutor 1 intercâmbio de fechamento Locutor 2 As sequências dialogais costumam estar inseridas em gêneros narrativos com o propósito de reproduzir as falas das personagens em discurso direto e também na representação teatral Quando isso ocorre a narrativa se bifurca de um lado temos o épico o mundo narrado de outro o dramático Como exemplos de sequências dialogais na literatura podem ser citados o conto Cinquenta mil de Ernest Hemingway já mencionado e o trecho a seguir do poema Morte e vida severina de João Cabral de Melo Neto A quem estais carregando irmãos das almas embrulhado nessa rede dissei que eu saiba A um defunto de nada irmão das almas que há muitas horas viaja à sua morada E sabeis quem era ele irmãos das almas sabeis como ele se chama ou se chamava Severino Lavrador irmão das almas Severino Lavrador mas já não lavra E de onde que o estais trazendo irmãos das almas onde foi que começou vossa jornada Onde a Caatinga é mais seca irmão das almas onde uma terra que não dá nem planta brava E foi morrida essa morte irmã das almas essa foi morte morrida ou foi matada Até que não foi morrida irmã das almas esta foi morte matada numa emboscada MELO NETO João Cabral de Morte e vida severina e outros poemas em voz alta 9 ed Rio de Janeiro José Olympio1976 pp 7576 PARA TRABALHAR COM SEUS ALUNOS Atividade 1 Objetivo Reconhecer o gênero a que pertencem os textos Identificar a conteúdo temático b estilo e c estrutura composicional Num romance que é um gênero narrativo de certa extensão podemos encontrar textos pertencentes a outros gêneros como uma carta ou bilhete que uma personagem escreve a outra um poema um anúncio etc Os textos a seguir fazem parte do romance Triste fim de Policarpo Quaresma Solicite a seus alunos que identifiquem o gênero a que pertencem e comentemno à luz das categorias propostas por Bakhtin 2000 conteúdo temático estilo e estrutura composicional Para o texto 2 devem levar em conta apenas a história que uma das personagens lê para as outras Texto 1 Policarpo Quaresma cidadão brasileiro funcionário público certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil certo também de que por esse fato o falar e o escrever em geral sobretudo no campo das letras se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua sabendo além que dentro do nosso país os autores e os escritores com especialidade os gramáticos não se entendem no tocante à correção gramatical vendose diariamente surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma usando do direito que lhe confere a Constituição vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupiguarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro O suplicante deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo é a sua criação mais viva e original e portanto a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática Demais Senhores Congressistas o tupiguarani língua originalíssima aglutinante é verdade mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza é a única capaz de traduzir as nossas belezas de pôrnos em relação com a nossa natureza e adaptarse perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos evitandose dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura científica e filosófica Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade P e E deferimento BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2011 pp 139140 Texto 2 Vou ler aos senhores uma pequena história do macaco das muitas que o povo conta Só eu já tenho perto de quarenta e pretendo publicálas sob o título Histórias do Mestre Simão E sem perguntar se os incomodava ou se estavam dispostos a ouvir começou O macaco perante o juiz de direito Andava um bando de macacos em troça pulando de árvore em árvore nas bordas de uma grota Eis senão quando um deles vê no fundo uma onça que lá caíra Os macacos se enternecem e resolvem salvála Para isso arrancaram cipós emendaramnos bem amarraram a corda assim feita à cintura de cada um deles e atiraram uma das pontas à onça Com o esforço reunido de todos conseguiram içála e logo se desamarraram fugindo Um deles porém não pôde fazer a tempo e a onça segurouo imediatamente Compadre Macaco disse ela tenha paciência Estou com fome e você vai fazerme o favor de deixarse comer O macaco rogou instou chorou mas a onça parecia inflexível Simão então lembrou que a demanda fosse resolvida pelo juiz de direito Foram a ele o macaco sempre agarrado pela onça É juiz de direito entre os animais o jabuti cujas audiências são dadas à borda dos rios colocandose ele em cima de uma pedra Os dous chegaram e o macaco expôs as suas razões O jabuti ouviuo e no fim ordenou Bata palmas Apesar de seguro pela onça o macaco pôde assim mesmo bater palmas Chegou a vez da onça que também expôs as suas razões e motivos O juiz como da primeira vez determinou ao felino Bata palmas A onça não teve remédio senão largar o macaco que se escapou e também o juiz atirandose nágua Acabando a leitura o velho dirigiuse aos dois Não acham interessante Muito Há no nosso povo muita intenção muita criação verdadeiro material para fabliaux interessantes No dia em que aparecer um literato de gênio que o fixe numa forma imortal Ah Então BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2012 pp 111112 Atividade 2 Objetivos 1 Reconhecer as características de um poema lírico particularmente quanto ao seu estrato sonoro 2 Levantar pistas que possibilitem construir um sentido para o texto Observação Para um melhor aproveitamento dos recursos poéticos do texto seria recomendável uma leitura em voz alta Inicialmente devese chamar a atenção dos alunos para a configuração gráfica do texto O fato de ele estar escrito em versos agrupados em estrofes quartetos Mostrar que os versos são regulares todos decassílabos destacando que a regularidade decorre não do número de palavras mas do de sílabas Podemse comparar o verso noites da solidão noites remotas com o verso quando os sons dos violões nas cordas gemem destacando que apesar de o primeiro ter cinco palavras e o segundo oito o número de sílabas métricas é idêntico dez Ainda olhando o texto do ponto de vista semiótico mostrar que o final do verso nem sempre coincide com o final da frase ocorrendo o encadeamento ou enjambement Familiarizados com o aspecto visual os alunos deverão ser levados a perceber o estrato fônico começando pelo ritmo observando a sucessão na linha sintagmática de sílabas átonas e tônicas e que as tônicas estão sempre em sílabas pares Além do ritmo destacar outros aspectos do estrato fônico como o esquema rímico rimas cruzadas o primeiro verso de cada estrofe rima com o terceiro e o segundo com o quarto aliterações assonâncias nasalizações marcadas pelo til ou pelas letras m e n em final de sílabas pluralização com a repetição da sibilante Familiarizados com o ritmo e a melodia levar os alunos a atentar para o componente lexical Destacar algumas palavras do texto como estrutura características especiais diferenciandoo de outras formas narrativas em prosa novela e romance Não há propriamente uma definição de conto o melhor seria dizer que há teorias do conto enquadradas numa teoria mais ampla a narratologia estudo das formas narrativas literárias e não literárias tendo por fundamento os estudos da semiótica Mário de Andrade para quem conto é aquilo que seu autor batizou de conto já chamava a atenção para esse fato ao iniciar seu conto Vestida de negro com a seguinte afirmação Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não sei que é verdade Para Bakhtin 2000 os gêneros são formas relativamente estáveis isso é visível quando se compara um conto recolhido pelos irmãos Grimm a contos de Cortázar Hemingway Borges Dalton Trevisan Clarice Lispector por exemplo Por isso este livro não propõe uma definição fechada de conto Apoiado em alguns autores e teorias sobre o conto apresento a seguir as características desse gênero literário por meio de analogias a outras formas narrativas particularmente o romance Narrativa condensada em inglês é denominado short story história curta literalmente que apresenta um número pequeno de personagens unidade de tempo restrito normalmente centrado em um único evento abdicando de análises minuciosas digressões e descrições pormenorizadas Por ser uma forma narrativa o conto costuma ser analisado e definido em relação a outras formas de narrar particularmente o romance Se o romance é um gênero ligado à tradição escrita o conto tem suas origens na tradição oral no ato de contar histórias que eram passadas de geração a geração Esse conto de tradição oral é o que Jolles 1976 denomina de uma forma simples ou seja aquela que mantém sua forma através dos tempos ao contrário das formas artísticas que são as criadas por um autor e que não podem ser recontadas sem que se percam suas peculiaridades Exemplificando uma adivinha o que é o que é para Jolles é uma forma simples podese A narrativa As narrativas começam com a própria história da humanidade e fazem parte de todas as civilizações sejam de onde forem e apresentamse sob os mais variados gêneros mito lenda fábula conto novela romance histórias em quadrinhos cinema etc Segundo Barthes 2011 19 não há em parte alguma povo algum sem narrativa todas as classes todos os grupos humanos têm suas narrativas Ainda sobre o papel das narrativas o escritor austríaco Robert Musil 2006 689 afirma que no relacionamento básico com si mesmos a maioria dos homens são contadores de histórias Para Aristóteles para quem uma das características da arte era como vimos a mímesis a narrativa diegesis é uma das formas de imitação poética a outra seria a imitação direta feita por atores falando a um público o gênero dramático As narrativas materializamse em textos verbais não verbais orais ou escritos portanto qualquer estudo que se volte à narrati va ter como objeto de investigação o texto As reflexões sobre a narrativa aqui apresentadas restringirseão a textos exclusivamente verbais uma vez que o tema do livro é o texto literário Evidentemente pode haver uma unidade mínima narrativa menor que o texto que pode ser descrita em termos morfossintáticos e semânticos como a frase que abre Mrs Dalloway de Virgínia Woolf A Sra Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores No entanto um texto narrativo não é uma soma de frases narrativas por isso a unidade de análise deverá ser sempre o texto Além disso como se viu um texto é narrativo porque nele predominam sequências textuais narrativas ou seja nesse tipo de texto podemse encontrar também sequências descritivas argumentativas explicativas dialogais O estudo do texto narrativo deverá então observar como sequências narrativas se articulam que relação esse texto mantém com outros intertextualidade que características composicionais apresenta a que gênero pertence etc Quando me referi aos conhecimentos prévios destaquei o conhecimento textual Dentro dele podese afirmar que dispomos de uma competência narrativa o que significa que entre os textos que lê o leitor sabe distinguir aqueles que contam uma história dos que não contam como é capaz de reconhecer versões diferentes de uma mesma história de resumir uma história de inferir quem é o narrador etc As narrativas podem se referir a um fato real ou imaginário O fato narrado em geral é uma ação atribuída a agente humano ou antropomorfizado como nas fábulas A principal característica das narrativas literárias é o fato de serem ficcionais suas formas mais comuns na atualidade são o conto o romance e a novela O conto O conto é um gênero narrativo que costuma ser definido pela sua extensão o que determina que possua quanto à sua recontála inúmeras vezes e ela manterá sempre a mesma forma já um conto como A cartomante de Machado de Assis é uma forma literária Quando é contado para alguém ele já não é mais o mesmo conto escrito por Machado de Assis Ao conto transmitido oralmente dáse o nome de conto popular Grosso modo as formas simples e as formas literárias de Jolles equivaleriam aos gêneros primários e secundários de Bakhtin 2000 Paes 2001 ressalta que formas literárias atuais têm sua origem em formas simples por exemplo o conto policial seria uma forma evoluída da adivinha Para Jolles o conto só adquiriu o status de forma literária a partir do momento em que os irmãos Grimm reuniram uma coletânea de narrativas sob o título de Contos para crianças e família em 1812 A passagem da forma simples conto popular para a forma literária está ligada à passagem do contador de histórias para o narrador ficcional o que implica uma mudança na forma de recepção no conto popular a narrativa é dirigida a um auditor a transmissão é oral no escrito a um leitor Nos contos orais a recepção é em tempo real no conto escrito é diferida Essas mudanças trazem consigo outras como a mudança da linguagem e a expansão do público receptor que passa a ser mais heterogêneo uma vez que a circulação dos textos passa a não se restringir apenas à comunidade sociocultural para quem as histórias eram narradas Outra distinção entre o conto popular e o conto literário reside na autoria enquanto os primeiros são anônimos os segundos possuem autoria definida Os contos populares têm servido de matériaprima para a elaboração de obras literárias por isso é comum encontrar ecos ou referências diretas ou indiretas a eles em contos e romances modernos A personagem Oskar do romance O tambor do escritor alemão Günther Grass é inspirado no Pequeno Polegar Guimarães Rosa inicia seu conto Conversa de bois fazendo referência aos contos maravilhosos Que já houve um tempo em que eles conversavam entre si e com os homens é certo e indiscutível pois que bem compro vado nos livros das fadas carochas 1995 405 Nos contos do escritor moçambicano Mia Couto em que realidade e fantasia se fundem ressoam vozes de histórias da tradição oral africana Gotlib 2011 ressalta que o conto difere do relato Para essa autora o relato traz de volta algo que ocorreu enquanto no conto há narração de fato criado inventado ou seja o que caracteriza o conto é o fato de ser uma narrativa ficcional O romance é cumulativo nele há uma sucessão de eventos que se encadeiam em direção ao clímax o ponto de maior tensão na narrativa e posteriormente ao desfecho ou desenlace que é a resolução do conflito com a consequente volta à situação de estabilidade O conto por ser limitado em sua extensão procura captar um momento um instante O célebre contista Julio Cortázar compara o romance a um filme enquanto o conto é comparado a uma fotografia Para esse autor o romance realiza uma abordagem horizontal o conto uma vertical Por ser uma narrativa condensada o conto elimina tudo o que é acessório centrandose naquilo que é essencial à trama O escritor russo Tchekhov referindose a esse gênero diz se num conto aparece uma espingarda ela tem que disparar Cortázar tem uma frase que ilustra bem a diferença entre o conto e romance o romance ganha sempre por pontos enquanto o conto deve ganhar por nocaute Para outro grande contista e também teórico do conto Edgar Allan Poe a extensão é requisito fundamental do conto já que esse gênero literário deve buscar uma unidade de efeito enganar aterrorizar encantar ou deslumhrar e essa só pode ser conseguida se o texto for possível de ler numa assentada de meia a duas horas Para Poe 2001 o trabalho de um contista deve ser racional tudo deve ser pensado a fim de se obter o resultado pretendido que é criar o interesse do leitor para isso inventará os incidentes combinandoos da maneira que melhor o ajude a conseguir o efeito preconcebido Mesmo muito antes da teoria dos atos de fala de Austin Poe já chamava a atenção para a força ilocucionária e perlocucionária da linguagem O conto por ser um gênero narrativo assim como a novela e o romance está centrado em três pilares evento personagem e espaço além do fato de a narrativa se desenrolar num tempo cronológico ou psicológico Tempo cronológico é o tempo físico mensurável objetivo tem portanto caráter quantitativo tempo psicológico é o tempo vivido interiormente é subjetivo e não coincide com o tempo cronológico tem caráter qualitativo A experiência demonstra que às vezes o tempo cronológico de um minuto parece durar horas e outras vezes aquilo que ocorreu em horas parece ter transcorrido em minutos A forma como esses três pilares são tratados no conto e no romance servem de elemento distintivo entre esses dois gêneros O conto ao contrário do romance normalmente centrase num evento único possui poucas personagens e desenrolase num espaço limitado Outra diferença fundamental entre romance e conto é que no conto e também na novela o final coincide com o clímax ao passo que no romance o clímax não está no final mas num momento anterior No romance o final corresponde ao desenlace ou desfecho que é como se viu o evento ou conjunto de eventos que pondo fim ao conflito encerra a narrativa Em alguns romances o desenlace pode vir seguido por um epílogo capítulo ou comentário breve sobre o destino das personagens principais Para o crítico russo Boris Eikhenbaum no texto Sobre a teoria da prosa s d a existência de um epílogo é critério que diferencia o romance do conto por isso é raro um final inesperado no romance fato comum nos contos PARA SABER MAIS A escritora inglesa Virgínia Woolf em sua obra Orlando uma biografia referindose à subjetividade do tempo diz o seguinte Mas desgraçadamente o tempo que faz florescerem e murcharem animais e vegetais com espantosa pontualidade não tem sobre a mente humana um efeito tão simples A mente humana por seu lado atua com igual estranheza sobre o corpo do tempo Uma hora instalada no estranho elemento do espírito humano pode ser distendida cinquenta ou cem vezes mais do que a sua medida no relógio inversamente uma hora pode ser representada no tempo mental por um segundo Esse extraordinário desacordo entre o tempo do relógio e o tempo do espírito é menos conhecido do que devia ser e merece profundas investigações 1972 253 O trecho a seguir extraído do romance Névoa de Miguel de Unamuno além de informar o destino das principais personagens esclarece ao leitor a função que tem o epílogo Oração fúnebre em forma de epílogo Costuma ser previsível no final de novelas e logo que morre ou se casa o herói ou protagonista dar notícias da sorte que tiveram os demais personagens Não vamos seguilo aqui nem dar por conseguinte notícia alguma do que aconteceu a Eugênia e Maurício a Rosario a Liduvina e Domingo a dom Fermín e dona Ermelinda a Víctor e sua mulher e a todos os demais que em torno de Augusto nos foram apresentados nem vamos sequer dizer o que da singular morte deste pensaram ou sentiram Só abriremos uma exceção e é em favor de quem mais profunda e sinceramente sentiu a morte de Augusto que foi seu cachorro Orfeu UNAMUNO Miguel de Névoa São Paulo Estação Liberdade 2012 p 249 Esclareço inicialmente que embora nesse epílogo apareça a palavra novela o texto lido é epílogo de um romance O tradutor optou por usar a palavra novela que aparece no original No entanto novela em espanhol idioma em que foi escrito o romance de Unamuno equivale ao nosso romance A primeira frase esclarece a função do epílogo dar notícias da sorte que tiveram os demais personagens bem como informa que ele sucede ao desenlace logo que morre ou se casa o herói ou protagonista Evidentemente o autor faz referência a um tipo de desenlace característico do romance sentimental pois o desenlace necessariamente pode não coincidir com a morte ou casamento do protagonista O caráter inovador do epílogo de Unamuno é que em vez de dar conta do destino das personagens secundárias informa ao leitor do destino do cão do protagonista No epílogo de Quincas Borba de Machado de Assis ocorre algo semelhante na medida em que é dado aos leitores do romance o destino do cão do protagonista Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba que adoeceu também ganiu infinitamente fugiu desvairado em busca do dono e amanheceu morto na rua três dias depois Encerrando essas considerações sobre o conto ressalto que há outros gêneros que se caracterizam por serem narrativas breves a fábula narrativa de fundo moralizante em prosa ou verso cujas personagens são seres antropomorfizados e a parábola narrativa alegórica com personagens humanos que traduz um preceito de ordem moral ou religioso por meio de uma comparação entre a ficção narrada e a realidade a que ela faz referência Tanto a fábula quanto a parábola são gêneros textuais que têm função pragmática e se considerarmos os textos como atos de fala segundo as teorias de Austin 1990 podemos afirmar que esses gêneros em decorrência de seu caráter teleológico incluemse nos atos perlocutórios na medida em que objetivam uma mudança de comportamento do leitorouvinte O romance Dentre os gêneros narrativos o romance é sem dúvida o de maior aceitação nos dias de hoje atingindo um público bastante variado uma vez que há romances para todos os gostos desde os sentimentais de leitura fácil vendidos em bancas de jornais a formas altamente elaboradas e inovadoras que exigem por parte do leitor um maior esforço cognitivo para sua compreensão O que caracteriza o romance é o fato de contar uma história A história narrada também chamada diegese é a espinha dorsal dos gêneros narrativos mas diferentemente do conto e da novela a história narrada no romance tem certa extensão Forster 2005 chega a dizer que um romance não pode ter menos que 50000 palavras e eventualmente pode apresentar ramificações histórias paralelas histórias que se encaixam em outra história PARA SABER MAIS Herman Melville autor de Moby Dick faz a seguinte observação em sua obra Billy Budd sobre o fato de uma história no romance apresentar outras histórias Neste ofício da escrita por mais que estejamos decididos a permanecer na avenida principal surgem pelo caminho algumas ruazinhas transversais a cuja tentação não é fácil de resistir Errarei agora por uma delas Se o leitor se dispuser a me acompanhar ficarei agradecido 2003 35 Ao ler um romance sentimosnos como o rei para o qual Sahrazad contava suas histórias no Livro das mil e uma noites querendo saber o que acontece depois O trecho a seguir mostra como costumeiramente se interrompem as narrativas de Sahrazad E a aurora alcançou Sahrazad e ela parou de falar Dinarzad disse à irmã Como é agradável e formosa esta sua história maninha e ela respondeu Isto não é nada comparado ao que irei narrarlhe na próxima noite se eu viver e o rei me preservar E o rei pensou Por Deus que não a matarei até ouvir o fim de sua história após o que farei com ela o mesmo que fiz com as outras de sua igualha Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 1 pp 119120 O que mantém viva Sahrazad é o fato de ela nunca terminar sua história mantendo acesa a curiosidade do rei a narrativa é um antídoto para a morte O romance costuma apresentar personagens em maior número do que o conto e a novela além do que sobretudo no que se refere às personagens principais há uma maior caracterização delas tanto física quanto psicológica São elementos constitutivos do romance ação evento narrado personagem espaço Cumpre lembrar ainda que a ação se desenrola no tempo seja ele cronológico ou psicológico Além disso há um narrador aquele que conta a história que pode ser ou não personagem da história narrada A novela Em português denominase novela o gênero literário narrativo de extensão intermediária entre o romance e o conto apresentando os mesmos elementos desses gêneros ação personagem e espaço Além disso assim como o romance a ação se desenvolve no tempo geralmente cronológico e há a presença de um narrador Em inglês novel e em espanhol novela designam o gênero literário que em português denominase romance Comparada ao romance a ação da novela apresenta um ritmo mais rápido com menos descrições análises psicológicas e intromissões do narrador Por haver um predomínio de ações sobre reflexões o tempo da novela é o cronológico praticamente sem anacronias recuos ou avanços na diegese O espaço não tem um papel relevante uma vez que a novela centrase em ações de personagens A novela embora tenha se modernizado é um gênero bastante antigo As histórias do Decameron de Boccaccio textos do século xiv podem ser consideradas novelas Embora tenha grande extensão o Dom Quixote de Cervantes também deve ser considerado novela particularmente uma novela que critica as novelas de cavalaria comuns na Idade Média São exemplos de novelas modernas A morte e a morte de Quincas Berro DÁgua de Jorge Amado e A metamorfose de Franz Kafka Sobre tudo Cinema literatura vida urbana moral coisas deste mundo e de qualquer outro possível O diretor ao perceber que alguém mesmo inepto se dispunha a fazer o jornal para ele praticamente de graça topou Nasceu aí na velha Belo Horizonte dos anos 20 um cronista que ainda hoje com a graça de Deus e com ou sem assunto comete as suas croniquices ANDRADE Carlos Drummond de Disponível em httpwwwalgumapoesiacombrdrummonddrummond38htm Acesso em 8 nov 2012 Embora redigida em terceira pessoa o narrador é o próprio autor que relata sua trajetória de cronista iniciada há 64 anos fazendo um breve balanço do que de essencial presenciou e relatou como cronista durante esse tempo para em seguida despedirse dos leitores que liam suas crônicas no jornal Embora não se trate de texto ficcional ao optar por uma narração em terceira pessoa o cronista obtém um efeito de sentido diferente do que obteria se sua despedida fosse narrada em primeira pessoa Ao narrar em terceira pessoa o autor não fala propriamente de si como pessoa mas da função social que exerce cronista dizendo a seus leitores que não é a pessoa ou o autor Carlos Drummond de Andrade quem está se despedindo dos leitores mas apenas o cronista Drummond O caráter híbrido aliado ao fato de ser veiculada em órgãos de comunicação de massa levou alguns críticos a considerarem a crônica um gênero literário menor ou até mesmo paraliteratura não tendo a notoriedade do romance ou do conto O fato de esse gênero ser cultivado por autores literários de prestígio como Machado de Assis Eça de Queirós Carlos Drummond de Andrade Vinicius de Moraes levou outros críticos a considerarem as crônicas desses autores como literatura Há ainda casos em que a narrativa ficcional um romance por exemplo aproximase da crônica o que em alguns casos se deixa ver a partir do próprio título da obra como é o caso de Crônica da casa assassinada de Lúcio Cardoso e Crônica de uma morte anunciada de Gabriel García Márquez época de sua produção As crônicas que sobrevivem ao tempo são aquelas que conseguem ultrapassar a mera descrição factual e por meio da sensibilidade do cronista mostram no fato passageiro uma dimensão humana universal e eterna Elementos da narrativa Nas seções anteriores discuti os três principais gêneros literários narrativos o conto o romance e a novela Para melhor compreensão desses gêneros passo agora a tratar dos elementos que fazem parte da estrutura narrativa o narrador a ação as personagens o tempo e o espaço O narrador Uma mesma história pode ser contada de formas diferentes o que resultará em versões diferentes do mesmo acontecimento Imagine uma história bem simples e conhecida por todos Chapeuzinho Vermelho A história que se conhece relata um fato sob o ponto de vista de Chapeuzinho Vermelho A história seria outra se contada do ponto de vista do lobo da vovó da mãe ou do caçador ou seja nas narrativas é fundamental que se identifique quem conta os fatos e de que ponto de vista os conta pois isso tem implicações não só na organização da narrativa como também na linguagem a ser utilizada Como se viu narrador é aquele que narra os fatos e nos textos ficcionais não se confunde com autor Embora esse tem existência empírica o narrador é uma criação ficcional mesmo que não seja um participante da história O narrador é a voz responsável pela enunciação que é observável no discurso narrativo Sua função não se exaure no simples narrar dos acontecimentos podendo fazer intervenções de natureza vária como é frequente nas narrações dos romances de Machado de Assis em que o narrador dirigese diretamente ao narratário o leitor virtual A escolha do narratário pelo narrador tem importância fundamental na construção do texto na medida em que este subentende que aquele compartilha com ele certos conhecimentos prévios o que lhe permite não explicitar todas as informações deixando ao leitor a tarefa de preencher as lacunas da narrativa O narratário assim como o narrador é uma entidade fictícia e que não deve ser confundido com o leitor empírico como se observa nesse trecho de Dom Casmurro Sim leitora castíssima como diria o meu finado José Dias podeis ler o Capítulo até ao fim sem susto nem vexame 1979 869 O leitor empírico de Dom Casmurro pode ser do gênero masculino e se for mulher pode não ser tão casta O narratário está para o leitor assim como o narrador está para o autor Na maioria das vezes o narratário não vem textualmente mencionado isso não significa que ele não exista pois pelos estudos acerca da enunciação todo eu pressupõe um tu Ocorre que nas narrativas o eu é sempre mais explicitado que o tu Segue um trecho do romance Diário da queda de Michel Laub Nos meses antes de completar treze anos eu estudei para fazer o Bar Mitzvah Duas vezes por semana eu ia à casa de um rabino Éramos seis ou sete alunos e cada um levava para casa uma fita com trechos da Torá gravados e cantados por ele Na sala de aula seguinte precisávamos saber tudo de cor e até hoje sou capaz de entoar aquele mantra de quinze ou vinte minutos sem saber o significado de uma única palavra LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 p 9 Nesse trecho do romance o eu que fala narrador é visível por meio das marcas linguísticas de primeira pessoa mas evidentemente esse eu dirigese a um tu que não é explicitado o narratário A escolha do narratário é fundamental para a estratégia narrativa na medida em que é em função do narratário que o A ação se passa em um restaurante quando chegam dois pistoleiros A porta do restaurante abriu e dois homens entraram No restaurante havia pelo menos duas pessoas George e Nick Adams que conversavam antes de os pistoleiros entrarem Ele Nick Adams conversava com George quando os dois entraram Quem narra os fatos não é nenhum dos dois mas um narrador que testemunha os acontecimentos e vê exatamente o mesmo que outras pessoas que estivessem no restaurante naquele momento veriam Na focalização interna o narrador adota a perspectiva de uma personagem que pertence à história seja ela o protagonista ou não limitandose a narrar aquilo que vê portanto sua visão é apenas a do espaço em que circula São exemplos de focalização interna os romances São Bernardo de Graciliano Ramos e Grande sertão veredas de Guimarães Rosa cujos narradores são as personagens Paulo Honório e Riobaldo respectivamente Na focalização onisciente temse um narrador cujo conhecimento dos fatos e das personagens é praticamente ilimitado na medida em que não apenas narra o que observa mas também é capaz de narrar o íntimo das personagens revelando seus sentimentos e pensamentos mais recônditos como em Quincas Borba de Machado de Assis Nesse tipo de narrativa não se visualiza o narrador É como se a história contasse a si própria Foco narrativo O foco narrativo referese à participação ou não do narrador no evento narrado se ele é participante ou não da história como personagem O narrador não participante é chamado de heterodiegético por exemplo o narrador de A cartomante de Machado de Assis Quando participa da história e é o protagonista será chamado de autodiegético por exemplo Riobaldo em Grande sertão veredas No caso de ser uma outra personagem que não o protagonista como o Dr Watson das narrativas de Conan Doyle em que Sherlock Holmes é o protagonista e Ismael o narrador de Moby Dick de Herman Melville será chamado de homodiegético Nas narrativas mais modernas podese observar alternância de foco narrativo como no conto As babas do diabo de Julio Cortázar em que o próprio narrador inicia a narrativa dizendo não saber qual a forma que usará para narrar Nunca se saberá como isso deve ser contado se na primeira ou na segunda pessoa usando a terceira do plural ou inventando formas que não servirão para nada O conto que serviu de argumento ao filme Blowup de Michelangelo Antonioni tem por protagonista um fotógrafo amador Roberto Michel que inicia a narração contando sua própria história portanto um narrador autodiegético Vamos contar devagar já se verá o que acontece à medida que escrevo No parágrafo seguinte o foco narrativo se altera e um narrador heterodiegético passa a narrar em terceira pessoa a história Roberto Michel francochileno tradutor e fotógrafo amador nas horas vagas saiu do número 11 da rue MonsieurlePrince no domingo 7 de novembro passado A alternância do foco narrativo prossegue até o final do conto ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente está contando se sou eu ou isso que aconteceu ou o que estou vendo Segue um trecho do Livro das mil e uma noites Na noite seguinte Sahrazad disse Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado Contempleilhe o rosto e eis que era como o plenilúnio quando surge e gracioso de formas tal como disse a respeito o poeta Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v I p 191 Nas narrativas mais modernas podese observar alternância de foco narrativo como no conto As babas do diabo de Julio Cortázar em que o próprio narrador inicia a narrativa dizendo não saber qual a forma que usará para narrar Nunca se saberá como isso deve ser contado se na primeira ou na segunda pessoa usando a terceira do plural ou inventando formas que não servirão para nada O conto que serviu de argumento ao filme Blowup de Michelangelo Antonioni tem por protagonista um fotógrafo amador Roberto Michel que inicia a narração contando sua própria história portanto um narrador autodiegético Vamos contar devagar já se verá o que acontece à medida que escrevo No parágrafo seguinte o foco narrativo se altera e um narrador heterodiegético passa a narrar em terceira pessoa a história Roberto Michel francochileno tradutor e fotógrafo amador nas horas vagas saiu do número 11 da rue MonsieurlePrince no domingo 7 de novembro passado A alternância do foco narrativo prossegue até o final do conto ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente está contando se sou eu ou isso que aconteceu ou o que estou vendo Segue um trecho do Livro das mil e uma noites Na noite seguinte Sahrazad disse Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado Contempleilhe o rosto e eis que era como o plenilúnio quando surge e gracioso de formas tal como disse a respeito o poeta Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v I p 191 No Livro das mil e uma noites há o encaixamento de narrativas dentro de outras em que para cada história há um narrador que pode diferenciarse dos outros quanto ao foco narrativo adotado Num primeiro nível há um narrador primário heterodiegético onisciente que conta uma história com uma personagem Sahrazad filha do vizir do rei Sahriyar que será sacrificada pelo rei Contase que havia em tempos remotos no reino sassânida nas penínsulas da Índia e da Indochina dois reis irmãos o maior chamado Sahriyar e o menor Sahzaman Sahrazad para escapar da morte conta toda noite uma história ao rei Nessas histórias entram outros narradores que são personagens das histórias que contam Num segundo nível Sahrazad é narradora autodiegética com focalização interna porque é personagem da história principal mas não é personagem das histórias narradas ao rei o narratário Nessas histórias temos um narrador autodiegético porque pertence à história com focalização interna Esquematizo narrador 1 Na noite seguinte Sahrazad disse narrador 2 Sahrazad Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa narrador 3 dona de casa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado O estatuto do narrador pode apresentar desdobramentos um narrador introduzindo outro narrador o que acarretará também desdobramentos de narratários Mais do que classificar o narrador o importante na leitura é que se observem em cada texto as vozes que narram e de onde narram atentando que a mudança de narrador terá implicações na estrutura do enredo Em outros termos ao ler uma narrativa de ficção devese procurar responder a algumas perguntas 1 Quem narra os acontecimentos 2 De que lugar está narrando 3 Onde o narrador foi buscar as informações que transmite ao leitor 4 Qual a atitude do narrador face àquilo que conta Ponto de vista O ponto de vista diz respeito à atitude do narrador face ao que é narrado ou seja se se trata de uma narração objetiva em que ele procura narrar sem manifestar juízos de valor sendo imparcial ou de uma narração subjetiva em que além de narrar emite opiniões e juízos sobre o que narra Assinalese que os conceitos de narração objetiva e subjetiva referemse apenas e tão somente ao fato de o narrador exprimir ou não juízos ou seja os conceitos referemse à subjetividade e à objetividade da narrativa Considero necessário insistir nisso para que não se confunda com a noção de subjetividade do discurso como proposta por Benveniste 1989 para quem a subjetividade referese às marcas do enunciador no discurso no enunciado No mesmo sentido Koch 2003 ressalta que as marcas de subjetividade estão presentes em todos os discursos afirmando que não há texto neutro objetivo imparcial os índices de subjetividade se introjetam no discurso No quadro a seguir sistematizo o exposto no que se refere ao narrador NARRADOR PERSPECTIVA FOCALIZAÇÃO Externa O narrador não pertence à história narra como testemunha apenas o que vê ou ouviu Visão não privilegiada Interna O narrador pertence à história e narra aquilo que vê Sua visão é apenas a do espaço em que circula Onisciente Tratase de um narrador privilegiado Narra não só o que observa mas também pode narrar o íntimo das personagens PARTICIPAÇÃO FOCO NARRATIVO Heterodiegético Não é participante da história Autodiegético Participa da história como protagonista Homodiegético Participa da história como personagem secundária ATITUDE PONTO DE VISTA Objetivo Relata imparcialmente sem emitir juízos de valor Subjetivo Narra os acontecimentos e ainda exprime juízos de valor Em alguns textos narrativos mais modernos particularmente em certos contos de Hemingway podese observar uma eliminação do narrador ou uma restrição de seu papel Tais narrativas se aproximam do drama em que não há um narrador mas apenas personagens dialogando Dessa forma há uma aproximação do leitor com a história pois eliminandose ou restringindose ao máximo o papel do narrador as cenas se desenrolam para o leitor como estivessem acontecendo diante dele Observe nesse recurso neste trecho que inicia Cinquenta mil um conto de Hemingway praticamente estruturado em forma de diálogo E você como vai Jack perguntei Viu esse Walcott No ginásio Vou precisar de muita sorte com esse garoto falou Jack Ele não pode com você Jack afirmou Soldier Deus queira que não Ele não pode com você nem a chumbo Quem me dera fosse só com chumbo admitiu Jack Ele parece fácil de acertar falei Parece concordou Jack Ele não vai durar muito Não vai durar como você e eu Jerry Mas no momento está com tudo Você despacha ele com a esquerda Pode ser Pode até ser Hemingway Ernest Cinquenta mil As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 3864 Nesse conto o narrador homodiegético Jerry intervém apenas para indicar por meio de verbos de elocução de quem é a voz que fala nos diálogos Seu papel se resume a isso No mais a história desenrolase para o leitor como num drama em que os atores representam diante de um público Não há descrições das personagens competindo ao leitor formar a caracterização delas com base nos diálogos de que participam O escritor brasileiro Lourenço Mutarelli chega a radicalizar esse procedimento na medida em que sequer usa verbo de elocução para indicar de quem é a voz que fala nos diálogos optando pela indicação do nome da personagem antes de cada fala como nos textos teatrais como se pode observar neste trecho de seu romance O natimorto O Agente Querida A Esposa Seu trouxa O que que está acontecendo Cé tá dormindo com essa vagabunda O Agente Querida Pelo amor de Deus fale baixo A Esposa Você não acha que eu vou deixar você levar essa fraude essa vigarista ao Maestro acha O Agente Querida você está com ciúme A Esposa Não seja ridículo A Esposa O que eu não quero é passar vergonha diante do Maestro Logo o Maestro Tão sofisticado O Agente Eu não vou permitir que você interfira nos meus negócios A Esposa Ah O Maestro aquilo sim é que é homem O Agente Querida a carne está queimando A Esposa Isso ainda é pouco Eu vou servila cremada Mutarelli Lourenço O natimorto São Paulo Companhia das Letras 2009 p 16 Essa técnica adaptase bem a textos mais curtos e é caracterizada pelas sequências dialogais com diálogos curtos em discurso direto que vão constituir cenas narrativas normalmente apresentadas sem anacronias Como essa forma de narrativa está centrada nos diálogos não só o narrador tem seu papel reduzido como também são reduzidas as descrições de personagens e cenários O conhecimento que o leitor tem das personagens decorre da interação entre elas O texto a seguir abre o romance Quincas Borba de Machado de Assis Nele comento o papel do narrador Rubião fitava a enseada eram oito horas da manhã Quem o visse com os polegares metidos no cordão do chambre à janela de uma grande casa de Botafogo cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa Cotejava o passado com o presente Que era há um ano Professor Que é agora Capitalista Olha para si para as chinelas umas chinelas de Túnis que lhe deu recente amigo Cristiano Palha para a casa para o jardim para a enseada para os morros e para o céu e tudo desde as chinelas até o céu tudo entra na mesma sensação de propriedade Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas pensa ele Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba apenas me daria uma esperança colateral Não casou ambos morreram e aqui está tudo comigo de modo que o que parecia uma desgraça Assis Machado de Quincas Borba Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p 643 Nesse trecho o narrador centra seu foco em Rubião o protagonista do romance situandoo no tempo e no espaço Eram oito horas da manhã à janela de uma grande casa de Botafogo Como se viu a narrativa desenrolase no tempo Ao usar o pretérito imperfeito fitava o narrador institui um tempo do discurso que remonta o fato a ser contado a um tempo não definido em relação ao momento da enunciação o que é próprio de narrativas ficcionais basta lembrar do Era uma vez com que se começam tantas histórias Como se dispusesse de uma câmara vai se aproximando de Rubião até penetrar em seu interior vendo seus pensamentos o que reforça o caráter ficcional do texto Essas primeiras frases não têm portanto apenas o propósito de apresentar Rubião ao leitor Elas têm também a função de inserir o interlocutor no discurso ficcional O que passa a narrar em seguida não é mais a imagem objetiva do que ele narrador vê a figura física suas roupas mas o que é visto a partir de Rubião que não é o que um observador comum veria cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta Esse narrador dada a posição que ocupa pode narrar tudo a respeito de Rubião pois tem um saber completo sobre a personagem Quanto à perspectiva temos focalização externa Como se pode notar o narrador não participa diretamente daquilo que conta isto é não pertence à história como personagem Ocupa uma posição privilegiada na medida em que tem uma visão de fora dos acontecimentos narrados o que lhe possibilita não só ver o que Rubião fazia e como se vestia naquele momento fitava a enseada polegares metidos no cordão de chambre chinelas de Túnis mas também ver o que se passava na cabeça dele pensava em outra coisa cotejava o passado com o presente Em decorrência da posição em que se encontra o narrador no plano do discurso expressa posicionamento ideológico a respeito de Rubião que o sentimento que marca a personagem em relação às coisas é o de propriedade tudo entra na mesma sensação de propriedade aqui está tudo comigo Nesse exemplo o narrador situase fora da história diegese tem onisciência ou seja sabe tudo a respeito das personagens e emite juízos de valor Temse então quanto à focalização um narrador onisciente porque conhece tudo sobre o que narra quanto ao foco narrativo um narrador heterodiegético porque não é personagem da história que narra e quanto ao ponto de vista um narrador subjetivo porque exprime juízos particulares em relação ao que narra A relação que se estabelece entre narrador e história narrada é determinante na constituição do enredo pois não apenas determina o que o narrador vê mas também de onde vê e consequentemente o que pode narrar e que visão de mundo é expressa na narrativa A ação O romance como se disse conta uma história Aqui é necessário que se faça uma distinção importante Há nos gêneros narrativos a história propriamente dita aquela que reproduzimos para alguém quando nos pede que conte do que trata um romance ou um conto Esse conjunto de acontecimentos que se encadeiam cronologicamente ainda sem tratamento literário recebe o nome de fábula segundo os formalistas ou diegese segundo os estudos de narratologia Coisa diferente é a forma como esses acontecimentos são narrados e apresentados literariamente Esse constituinte da narrativa recebe o nome de trama intriga ou enredo Nesta obra uso os termos fábula para a história propriamente dita independentemente da forma como está estruturada e enredo para a forma como a história é narrada ou seja o enredo diz respeito à estrutura do texto Em síntese a fábula relata o que efetivamente ocorreu o enredo a maneira como o leitor toma conhecimento da fábula Se na fábula os acontecimentos se encadeiam cronologicamente no enredo o encadeamento se dá por relações de causa e efeito por isso nem sempre o enredo apresenta os fatos em ordem cronológica A distinção que faço entre fábula e enredo é meramente didática já que o texto de uma narrativa ficcional é uma unidade e não se pode portanto separar a história da forma como é contada No dia a dia é comum as pessoas contarem aos outros com suas palavras as histórias das narrativas que leem A isso dáse o nome de paráfrase mas a paráfrase de uma obra literária não é uma obra literária O que leva a concluir que embora a história narrada seja a matériaprima de um texto literário ela não é por si só garantia da literariedade do texto Todos temos boas histórias para contar daí transformálas em uma obra literária vai um grande passo Um aspecto que julgo importante e que não posso deixar de assinalar é o fato de a verossimilhança de uma narrativa não decorrer da história em si mas da forma como é contada Quando me referi à mímesis disse que ela está ligada à imitação O que se imita na obra narrativa são as ações e estas é que têm de ser verossímeis isto é entre as sequências narrativas deve haver uma relação de não contradição que permita ao leitor processar o texto como coerente Na novela A metamorfose de Franz Kafka o leitor aceita que o protagonista Gregor Samsa ao acordar se veja transformado num grande inseto Em Incidente em Antares de Érico Veríssimo também se aceita que os mortos se reúnam no coreto decompondose e empesteando o ar da cidade para exigir que sejam sepultados Nosso conhecimento de mundo nos diz que pessoas se transformarem em baratas e mortos se reunirem em protesto são fatos implausíveis de ocorrer na realidade objetiva No entanto a realidade ficcional expressa pela obra literária não obedece às mesmas leis da realidade física Da forma como a novela de Kafka e o romance de Érico Veríssimo foram enredados sem contradições internas e transportando o leitor para o universo ficcional do absurdo ganham um poder de persuasão tal que se aceita a metamorfose de um humano em inseto e mortos reuniremse em praça pública para acertarem as contas com os vivos Um bom enredo tem a capacidade de anestesiar o leitor fazendo com que ele se desligue do mundo real para leválo a aceitar como verdade a mentira mais absurda A fábula resulta de um encadeamento coesivo de motivos em sequências narrativas O termo motivo segundo Reis e Lopes 2011 provém da esfera da música em que é usado como unidade mínima musicalmente significativa que tende a repetirse ao longo da partitura Em teoria literária essa palavra passa a ser empregada para designar unidades mínimas temáticas que estruturam uma narrativa O conjunto de motivos de uma narração irá constituir o tema Se o tema de uma obra é abstrato o adultério o amor o ciúme a vingança etc o mesmo não ocorre com os motivos uma vez que correspondem a ações presentes na narrativa que concretizam o tema A palavra motivo etimologicamente está ligada ao verbo latino movere mover O motivo é pois o que move a narrativa o que faz com que ela avance Em outros termos a progressão narrativa se obtém pela sequenciação coesa de motivos o que determina a coerência do texto O tema de Madame Bovary de Gustave Flaubert é o adultério No nível da enunciação o leitor deparase com várias ações de Emma Bovary que se encadeiam formando a narração Essas ações casarse com Charles sentirse deprimida envolverse com um amante entregarse a ele ter outro amante envenenarse são alguns dos motivos do romance Vladimir Propp 2010 que estudou os contos populares considera motivos traços comuns a obras diferentes que se combinam de maneiras diversas e que são responsáveis por funções diversas Segundo esse autor nos contos populares personagens as mais diferentes possíveis realizam as mesmas ações ou funções Em outras palavras nesse tipo de narrativa mudam as personagens e suas caracterizações mas as funções que exercem são sempre as mesmas e aparecem sempre na mesma ordem de sucessão o que possibilita classificar os contos populares em categorias conforme as funções que são em número limitado 31 São exemplos de funções apontadas por Propp impõese ao herói uma proibição a proibição é transgredida o antagonista procura obter uma informação o antagonista tenta ludibriar sua vítima para apoderarse dela ou de seus bens o herói deixa a casa o herói e seu antagonista se defrontam em combate direto o inimigo é castigado o herói se casa e sobe ao trono Quanto às personagens Propp identifica sete esferas de ação o antagonista o que faz mal o doador o que dá o objeto mágico ao herói o auxiliar o que ajuda o herói no seu percurso a princesa e seu pai não tem de ser obrigatoriamente o rei o mandatário o herói e o falso herói O enredo diz respeito a como a fábula se organiza a fim de obter um efeito artístico ou seja é o tratamento literário dado à fábula material préliterário Para melhor compreender isso basta lembrar que a fábula é uma sequência de ações que sucedem no tempo cronologicamente uma história tem começo meio e fim No entanto o autor valendose de estratégias discursivas pode dispor os acontecimentos em outra ordem fazendo intencionalmente digressões flashbacks ou analepses que alteram a sequência temporal dos fatos narrados No romance policial por exemplo é comum narrarse inicialmente o crime escondendose o seu autor e depois narramse os fatos que antecederam o crime encadeando os motivos de forma a atiçar a curiosidade do leitor O conto A morte de Ivan Ilitch de Tolstoi iniciase pelo funeral do protagonista em seguida passa a ser narrada retrospectivamente a vida de Ivan até sua morte Outra forma de enredar uma história é apresentar ao leitor episódios capítulos que aparentemente não têm relação uns com os outros e num determinado momento da narrativa esses episódios se integram possibilitando ao leitor estabelecer conexões entre eles como no romance Detetives selvagens do escritor chileno Roberto Bolanõ Nesse romance essa aparente desvinculação dos episódios é ainda reforçada pelo fato de eles ocorrerem em tempos e lugares distintos O capítulo 19 por exemplo fala da personagem Amadeo Salvatierra que está no México em 1976 No capítulo seguinte a personagem Xosé Lendoiro está em Roma em 1992 Em O complexo de Portnoy de Philip Roth o narrador autodiegetico Alexander Portnoy narra sua vida a um psicanalista seguindo o tempo de suas lembranças que não coincide com a cronologia de sua vida Assim num momento ele relata um fato de sua vida adulta e no momento seguinte um fato de sua infância Cabe ao leitor como numa técnica psicanalítica construir a trajetória da vida de Portnoy a partir de fragmentos narrados sem aparente relação de uns com os outros Em outras narrativas modernas podese observar até mesmo o abandono de formas tradicionais de enredo em que ocorre descronologização e a narração passa a seguir o fluxo de consciência da personagem como se pode observar nos romances de Virgínia Woolf William Faulkner James Joyce Clarice Lispector por exemplo Uma obra aqui já mencionada o romance O jogo da amarelinha de Julio Cortázar apresenta uma técnica inovadora de narrar tanto que o romance pode ser lido de diversas formas O leitor é quem decide a forma de lêlo podendo fazêlo do modo tradicional página após página ou lendo os capítulos não na ordem em que aparecem no livro mas em outra sequência sugerida pelo autor o que evidentemente redundará em histórias diferentes Se a fábula é o material préliterário a leitura de um texto literário narrativo pressupõe que o leitor não se restrinja ao nível da fábula mas que perceba como o autor a apresentou por isso não tem sentido uma prática comum entre estudantes de em vez de lerem as obras solicitadas para os exames vestibulares ou provas restringiremse à leitura de resumos já que por mais bem elaborado que seja o resumo ele costuma ficar restrito ao nível da fábula não conseguindo reproduzir o trabalho do autor com o enredo O mesmo ocorre com a adaptação de obras literárias para outras linguagens cinema televisão história em quadrinhos Se a fábula pode ser parafraseada há uma intradutibilidade do enredo construído verbalmente para uma linguagem que se apoia em outro sistema de signos pois no nível do discurso não são os acontecimentos narrados que contam mas a forma de contálos Não é sem razão que Ernest Hemingway em sua obra As torrentes da primavera num determinado momento da narrativa alerta diretamente o leitor para que perceba que o trecho que acabou de ler já no meio da narrativa ligase no nível da fábula ao início da obra ou seja a narração se inicia in media res como fica claro no trecho a seguir No caso de o leitor começar a ficar confuso informo o de que regressamos ao ponto em que a história se iniciou com Yogi Johnson e Scripps ONeil na própria fábrica de bombas 1999 49 Um recurso bastante antigo utilizado no enredo de narrativas é o encaixamento também chamado de caixa chinesa ou boneca russa que consiste em encaixar uma história dentro de outra O exemplo típico desse recurso pode ser encontrado nas narrativas do Livro das mil e uma noites Sahrazad para escapar da morte conta ao sultão histórias valendose do artifício de encaixar uma nas outras conseguindo assim sobreviver No Livro das mil e uma noites o ato de contar histórias tornase o próprio motivo da narrativa na medida em que há uma história dentro de outra história dentro de outra história e assim por mil e uma noites Outros recursos usados na estruturação do enredo são a alternância e o encadeamento Na alternância como o próprio nome indica duas fábulas são contadas alternadamente como em A confissão da leoa de Mia Couto No encadeamento há justaposição de histórias diferentes assim que uma termina iniciase outra como em Dom Quixote de Cervantes Essas formas de estruturar o enredo correspondem aos processos sintáticos básicos na alternância e no encadeamento há coordenação de fábulas ao passo que no encaixamento ocorre a subordinação O tempo Numa narrativa ficcional tomase contato com uma história que se desenrola no tempo ou seja a história narrada tem um agora um antes e um depois Thomas Mann em A montanha mágica nos diz que a narrativa dá conteúdo ao tempo fazendo que ele tenha algum valor próprio Nas narrativas ficcionais o tempo assim como o narrador e as personagens é criação do autor Sendo o tempo da narrativa um tempo ficcional e não histórico temos de analisálo sob esse prisma Levando em conta a tripartição do tempo em passado presente e futuro podese dizer que narrar é presentificar no sentido de que acontecimentos passados ou futuros são trazidos para o discurso narrativo e se tornam presentes para o leitor Nas narrativas ficcionais devemse distinguir dois tempos o tempo da fábula que corresponde ao tempo que durou a histó ria e o tempo do discurso A relação entre esses dois tempos é essencial para a organização da narrativa literária O tempo da fábula tem extensão variável A história narrada pode ter duração de um dia como nos romances Ulisses de James Joyce e Mrs Dalloway de Virgínia Woolf ou cem anos como em Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez Normalmente a passagem do tempo da fábula é marcada linguisticamente por meio de expressões como na semana seguinte Depois das quatro horas foi dormir Pouco dormiu acordou às sete horas Um homem célebre Machado de Assis etc assim como indicações de quando os fatos narrados ocorreram Era no tempo do rei Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida No princípio do mês de abril de 1813 A mulher de trinta anos de Balzac Em alguns contos e especialmente nos contos de fadas prevalece a indicação de tempo de forma vaga Era uma vez um homem e uma mulher que havia muito desejavam ter filhos mas nunca tinham conseguido Rapunzel recolhido pelos irmãos Grimm Foi de incerta feita o vento Famigerado de Guimarães Rosa Nesses casos a indicação temporal tem mais a função de distanciar o acontecimento no tempo da matéria narrada do que de situálo As narrativas ficcionais podem comportar um outro tempo da fábula um tempo subjetivo vivenciado pela personagem e que não pode ser medido em termos cronológicos a que damos o nome de tempo psicológico como ocorre por exemplo em romances de Virgínia Woolf e em narrativas de Clarice Lispector Tratase de um tempo subjetivo em que a personagem mergulha em si mesma retornando ao passado pela memória ou projetandose num futuro Uma das técnicas mais usadas para marcar o tempo psicológico é o monólogo interior ou solilóquio pelo qual se representa o fluxo de consciência de personagens O monólogo interior diferese do monólogo comum na medida em que é um discurso que não possui auditor que não a própria personagem temse uma expressão íntima do pensamento da personagem e quanto à sua forma a organização sintática dos enunciados costuma afastarse de um padrão convencional na medida em que os elementos responsáveis pela coesão gramatical nem sempre estão presentes configurando muitas vezes um discurso caótico como neste trecho de Ulisses de James Joyce Ó sim a tia dela gostava muito de ostras mas eu lhe disse o que eu pensava dela sugerindo que eu saísse para que ele ficasse sozinho com ela eu não ia me rebaixar espionando os dois as ligas que eu encontrei no quarto dela na sextafeira em que ela saiu aquilo foi o bastante para mim um pouco demais o rosto dela se inflou de raiva quando eu paguei suas semanas de trabalho eu cuidei disso é melhor passar de todo sem elas eu arrumo os quartos eu mesma mais rápido a não ser pela infeliz da cozinha e a limpeza do pó eu dei uma lição nele de qualquer forma ou ela ou eu saio de casa eu não podia sequer tocar nele se eu pensasse que ele estava com uma suja mentirosa descarada e desleixada JOYCE James Ulisses Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 766 À medida que se lê percebese que não só o tempo da história passa ora mais rápido ora mais devagar em outros casos até retornando a um acontecimento que ficou lá no passado mas também que o tempo que se destina à leitura também passa Podese em uma hora de leitura acompanhar anos de uma história ou ficar dias lendo uma história que ocorreu num único dia como no Ulisses de Joyce que em suas mais de 900 páginas e mais de 400000 palavras narra um dia 16 de junho de 1904 da vida do protagonista Leopold Bloom em Dublin Irlanda No romance e isso vale para as demais formas narrativas o tempo da fábula pode estar indicado na narrativa um dia no caso de Ulisses cem anos no romance Cem anos de solidão no entanto não são todos os acontecimentos ocorridos nesse tempo que são narrados na medida em que somente são trazidos para a narrativa o que é significativo O tempo cronológico que é linear e pode ser mensurado é um tempo condensado uma vez que o narrador muitas vezes dá saltos temporais como nesta passagem de O estranho caso de Dr Jekyll e Mr Hyde de Robert Louis Stevenson Quase um ano depois em outubro de 18 Londres foi abalada por um crime de ferocidade singular que despertou ainda mais atenção pela alta posição da vítima O que aconteceu nesse quase um ano que antecedeu o crime não nos é narrado porque para o narrador o que ocorreu nesse intervalo de tempo não é relevante Em Billy Budd de Herman Melville o narrador não só dá um salto temporal como ainda informa o leitor que o faz porque nada de relevante ocorreu entre um tempo e outro como se pode observar no trecho a seguir Após a misteriosa entrevista ao abrigo da enxárcia do traquete encerrada de modo tão brusco por Billy nada de mais relevante para a história ocorreu até sobrevirem os acontecimentos narrados a seguir Em O peru de Natal de Mário de Andrade o narrador dá um salto de cinco meses na história ao passar da morte do pai aos acontecimentos narrados no conto Morreu meu pai sentimos muito etc Quando chegamos nas proximidades do Natal O narrador de Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida dá um salto temporal de alguns anos na narração das peripécias do protagonista Leonardo como se observa no trecho a seguir Os leitores já devem estar fatigados de histórias de travessuras de criança já conhecem suficientemente o que foi o nosso memorando em sua meninice as esperanças que deu e o futuro que prometeu Agora vamos saltar por cima de alguns anos e vamos ver realizadas algumas dessas esperanças ALMEIDA Manuel Antônio de Memórias de um sargento de milícias Cotia Ateliê 2006 p 171 60 No romance Fome do escritor norueguês Knut Hamsun a segunda parte começa assim Algumas semanas depois vagueava eu pelas ruas da cidade Entre os fatos narrados na primeira parte e na segunda há um vácuo de algumas semanas sobre as quais o leitor nada sabe Isso decorre do fato de que a primeira parte termina quando o narrador recebe dez coroas e portanto passa ter algum dinheiro para se alimentar A narrativa como o título do romance indica está centrada na fome que a personagem passa durante sua vida razão pela qual o narrador nada diz ao leitor sobre o breve tempo em que não passou fome O tempo do discurso já não é tão simples de medir Segundo Benveniste 1989 ele tem por eixo o presente pelo qual se organiza toda referência temporal prospectiva ou retrospectivamente indicando no nível da fábula o que já ocorreu e o que ainda vai ocorrer por meio de expressões deícticas como ontem amanhã antes depois Na narrativa ficcional temos anacronias isto é o tempo da fábula nem sempre coincide com o tempo do discurso já que um fato ocorrido no final da história pode ser narrado no início dela Nos poemas épicos da tradição grecoromana a narrativa começa in media res isto é num ponto já adiantado da fábula o que obriga o narrador no plano do discurso a voltar para narrar o que aconteceu antes no plano da fábula Há também casos de narrativas que se iniciam in ultima res ou seja o final da fábula é apresentado no início da narrativa Essas anacronias podem ser retrospectivas analepse ou flashback como em Noturno do Chile de Roberto Bolaño em que um narrador autodiegético pouco antes de morrer narra no presente num monólogo de um único parágrafo acontecimentos passados de sua vida reconstituindoos pela memória Agora estou morrendo mas ainda tenho muita coisa para dizer ou o que é menos frequente prospectivas prolepse antecipando um episódio posterior ao presente da ação 61 Em Cem anos de solidão Gabriel García Márquez recorre a antecitações da fábula A frase que abre a genial obra de Márquez projeta o leitor para um acontecimento que ocorrerá mais tarde Muitos anos depois diante do pelotão de fuzilamento o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela remota tarde em que seu pai o levou para conhecer o gelo Note que se trata de prospecção muitos anos depois de um acontecimento que viria a ser relembrado havia de recordar aquela remota tarde analepse configurando o tratamento circular que o narrador dá ao tempo nessa obraprima No romance A marca humana de Philip Roth o narrador referese à morte das personagens que ocorrerá quatro meses depois como mostra o trecho a seguir Quando os dois já estivessem enterrados quatro meses depois eu relembraria aquele episódio no estábulo de ordenha como se fosse um espetáculo teatral em que eu fizera uma ponta em que atuara como figurante que é o que sou agora de fato ROTH Philip A marca humana São Paulo Companhia das Letras 2002 p 71 Como se pode observar o segmento começa com forma verbal no futuro Quando estivessem enterrados que se refere às personagens que morreriam quatro meses depois A forma do futuro do pretérito relembraria referese ao narrador que se projeta num tempo futuro o tempo da morte das personagens que ocorreria quatro meses depois num movimento de prospecção narrativa que antecipa ao leitor eventos que ainda vão ocorrer prolepse A narração de um fato por analepse ou prolepse implica estratégias textuais quanto ao emprego dos tempos verbais a fim de estabelecer coesão textual à narrativa Em Billy Budd um narrador no presente relata um fato passado por isso predominam os verbos no pretérito perfeito Num determinado ponto da narração o narrador retorna a um ponto anterior no tempo da fábula Do ponto de vista dos tempos verbais esse fato como se pode observar no trecho a seguir é narrado não no pretérito perfeito mas no maisqueperfeito Uns dois anos antes dos tempos em que se desenrola a presente história ele fizera parte da tripulação da nau Agamemnon tendo lá servido quando Nelson ainda era o comandante da embarcação que acabou entrando para a imortalidade da memória naval e que desparelhada com as balizas parcialmente à mostra surge como um esqueleto grandioso na gravura de Haden Na qualidade de integrante do destacamento da Agamemnon ele sofrera em uma das faces um corte oblíquo que ia da têmpora à maçã do rosto depois transformado em longa e pálida cicatriz MELVILLe Herman Billy Budd São Paulo CosacNaify 2006 pp5354 Para entender melhor o tempo ficcional segue um trecho do primeiro capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Óbito do Autor Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim isto é se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento duas considerações me levaram a adotar diferente método a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor para quem a campa foi outro berço a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo Moisés que também contou a sua morte não a pôs no introito mas no cabo diferença radical entre este livro e o Pentateuco Dito isto expirei às duas horas da tarde de uma sextafeira do mês de agosto de 1869 na minha bela chácara de Catumbi Tinha uns sessenta e quatro anos rijos e prósperos era solteiro possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos Onze amigos ASSIS Machado de Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p513 Em relação ao tempo da fábula Memórias póstumas de Brás Cubas percorre toda a vida do narradorpersonagem desde seu nascimento até sua morte portanto 64 anos O ponto de vista temporal do narrador o tempo da enunciação ou tempo do discurso é o presente marco pelo qual o narrador vai organizar a temporalidade retornando no nível da fábula a acontecimentos passados expirei às duas horas da tarde de uma sextafeira do mês de agosto de 1869 Há pois uma anacronia isto é um salto temporal na medida em que o tempo do discurso não corresponde ao tempo dos acontecimentos narrados Há um movimento retrospectivo analepse pelo qual os acontecimentos passados são evocados pela memória A narrativa contrariando o uso comum como afirma o próprio narrador iniciase pela morte do autor Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento duas considerações me levaram a adotar diferente método embora posteriormente passe a narrar os acontecimentos de sua vida de uma maneira que cria a sensação de uma ordem cronológica manipulando o tempo conforme a importância do fato narrado para o enredo omitindo acontecimentos passando por alguns de forma breve e alongandose em outros Importa salientar que os fatos narrados são passados e sendo narrados pela perspectiva do presente o que se narra na verdade são as lembranças desses fatos ou seja aquilo deles que ficou presente na memória Por isso quando afirma que expirei às duas horas da tarde possuía cerca de trezentos contos fui acompanhado por onze amigos esses fatos passados presentificamse no discurso narrativo o papel de suporte do processo narrativo funcionando como sujeito objeto destinador destinatário opositor ou adjuvante Neste livro não me baseio na teoria greimasiana sobre as narrativas por isso julgo adequado ainda falarse em personagem por se tratar de termo de larga tradição nos estudos literários e que além disso traz em si a ideia de ficcionalidade Nas narrativas o conhecimento que temos das personagens não advém apenas do que o narrador nos informa ou descreve mas também de suas próprias ações e das relações que elas mantêm entre si já que nas narrativas são interdependentes Nesse sentido os diálogos assumem papel essencial na configuração das personagens de ficção PARA SABER MAIS A palavra personagem do latim persona ae traz em si a ideia de máscara Persona de per sonare soar através de era a máscara usada pelos atores nas representações que possibilitava que o som da voz chegasse bem aos espectadores Ao lado de personagens de extrema complexidade com um mundo interior riquíssimo e que nunca se consegue apreendêlas totalmente em sua interioridade há personagens menos complexas com pouca vida interior Com base nisso Forster 2005 propôs uma classificação das personagens em planas e esféricas Para esse autor personagens planas são construídas em redor de uma ideia ou qualidade simples podem ser resumidas por uma frase e são estáticas vale dizer seu comportamento não se altera no decorrer da narrativa e costumam não ocupar uma posição de destaque na fábula Em geral uma personagem plana não será protagonista da história Um exemplo é a personagem José Dias do romance Dom Casmurro cuja característica típica é um tique verbal expressarse por superlativos A frase que resume José Dias pode ser encontrada na voz do próprio narrador da história José Dias amava os superlativos Personagens esféricas ao contrário são aquelas cujo comportamento é capaz de surpreender o leitor uma vez que ricas interiormente não se configuram como tipos ou caricaturas e são construídas durante o processo narrativo ou seja não nos são apresentadas como prontas acabadas Para ficar num romance já citado Bentinho e Capitu são exemplos de personagens esféricas Outra classificação que se faz das personagens leva em conta o relevo que têm na narrativa Com base nisso há a personagem principal o protagonista ou o herói e personagens secundárias Prefiro o termo protagonista a herói uma vez que esse último pode levar à associação com o bem o que nem sempre é verdade São inúmeras as narrativas em que o protagonista não representa o bem ou qualquer comportamento ético louvável como em O talentoso Ripley de Patricia Highsmith Macunaíma de Mário de Andrade Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida razão pela qual os protagonistas dessas obras são chamados de antiheróis O protagonista é em síntese o fio condutor da narrativa o centro dos acontecimentos ou seja é aquela personagem cujos passos são seguidos pelo narrador Por outro lado o leitor acompanha o texto narrativo a partir da perspectiva do protagonita retendo na memória as ações pensamentos objetos e lugares que se referem a ele Observe o trecho a seguir extraído do romance Vício inerente de Thomas Pynchon Perto do entardecer Tito deixou Doc perto de Dunecrest e foi pousar em outro planeta Ele entrou no Pipeline para encontrar algumas centenas de pessoas que não conhecia mas que estavam agindo como fregueses habituais desde sempre 2010 318 O anaforico ele retoma um antecedente expresso Mas qual Tito ou Doc Por saber que o protagonista do romance é a personagem Doc o leitor associa imediatamente o pronome ele a essa personagem e não a Tito Há narrativas com protagonista dual ou seja duas personagens protagonizando as ações no mesmo nível de importância Perguntado qual o protagonista de Romeu e Julieta não haveria como responder citando apenas um deles No romance machadiano Esaú e Jacó dois irmãos gêmeos Pedro e Paulo protagonizam os acontecimentos Pelo que foi exposto até aqui parece haver certa identificação entre personagens e pessoas humanas e isso ocorre porque personagens são seres antropomorfizados o que significa que o parâmetro para sua construção e interpretação são valores humanos Ao lermos A metamorfose de Kafka julgamos a personagem Gregor Samsa com base no comportamento humano ainda que já na primeira frase da narrativa ele nos apareça como um grande inseto Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos encontrouse em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso No conto Kholstomér a história de um cavalo Tolstoi coloca como narrador um cavalo Segue um trecho desse conto Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões e o cristianismo mas naquela época era absolutamente obscuro para mim o significado das palavras meu meu potro palavras através das quais eu percebia que as pessoas estabeleciam uma espécie de vínculo entre mim e o chefe dos estábulos Não conseguia entender de jeito nenhum em que consistia esse vínculo Só o compreendi bem mais tarde quando me separaram dos outros cavalos Mas naquele momento não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem As palavras meu cavalo referidas a mim um cavalo vivo pareciamme tão estranhas quanto as palavras minha terra meu ar minha água No entanto estas palavras exerciam uma enorme influência sobre mim Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras Era o seguinte os homens não orientam suas vidas por atos mas por palavras Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizandose de palavras que convencionaram entre si Dessas as que mais consideram são meu e minha que aplicam a várias coisas seres e objetos inclusive à terra às pessoas e aos cavalos Convencionaram entre si que para cada coisa apenas um deles diria meu E aquele que diz meu para o maior número de coisas é considerado o mais feliz segundo esse jogo Para que isso não sei mas é assim Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso mas não dei com nada Muitas das pessoas que me chamavam por exemplo de meu cavalo nunca me montavam as que o faziam eram outras completamente diferentes Também eram bem outras as que me alimentavam As que cuidavam de mim mais uma vez não eram as mesmas que me chamavam meu cavalo mas os cocheiros os tratadores estranhos de modo geral Mais tarde depois que ampliei o círculo das minhas observações convencime de que não só em relação a nós cavalos o conceito de meu não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade TOLSTOI Liev Kholstomér a história de um cavalo O diabo e outras histórias São Paulo CosacNaify 2010 pp 7374 Nessa narrativa o narrador é o cavalo que dá título ao conto Tratase de um cavalo purosangue que é desprezado pelos diversos donos que teve por ter a pelagem malhada O narradorcavalo faz reflexões de natureza filosófica sobre o comportamento humano particularmente sobre como o ser humano relacionase com as coisas e pessoas pelo sentimento de propriedade Suas reflexões como se fosse um psicanalista ancoramse na linguagem humana Como um analista da linguagem destaca o caráter arbitrário do signo possibilidade de falar de diferentes objetos utilizandose de palavras que convencionaram entre si a distância entre o dizer e o fazer a relação entre os possessivos de primeira pessoa e as coisas Dada a sofisticação e profundidade das reflexões a voz do narradorcavalo é a manifestação de um discurso humano de caráter político cuja intenção é fazer uma crítica a um tipo de sociedade assentada no direito de propriedade e que também questiona a chamada racionalidade humana invertendo os papéis racionalirracional já que o cavalo é dotado de consciência Note que a escolha do narrador nesse caso tem função capital na construção da narrativa porque a escolha de um cavalo como narrador estabelece um distanciamento em relação à matéria narrada que permite observar comportamentos humanos que o próprio homem não mais observa por têlos automatizados A identificação personagempessoa é apenas aparente pois personagens são entes ficcionais e não reais Mesmo que em alguns casos possam ser inspirados em pessoas de carne e osso as personagens são feitas de palavras e vivem nos textos e é pelos textos que tomamos contato com elas Forster 2005 por meio de uma comparação estabelece uma diferença elucidativa entre personagem e pessoa A primeira seria o Homo fictus que não é o equivalente ao Homo sapiens O Homo fictus não é o ser fisiológico não vai ao banheiro só come quando a refeição tem a ver com o desenrolar da história pouco dorme Por outro lado vive intensamente as relações humanas Forster 2005 70 dá ainda um exemplo bastante elucidativo Se uma personagem de romance for exatamente igual à rainha Vitória não parecida mas exatamente igual então ela é realmente a rainha Vitória e o livro ou todas as suas partes concernentes a esta personagem deixará de ser um romance para se tornar um memorial Napoleão no romance Guerra e paz de Tolstoi passa a ser uma personagem ficcional como Pierre Natacha Nikolai Andrei Sônia e tantos outros que fazem parte da narrativa pois o Napoleão ali retratado com relativa fidelidade é uma criação literária de Tolstoi reconstituída a partir do Napoleão real que Tolstoi conheceu e estudou pelos livros Em A insustentável leveza do ser o romancista tcheco Milan Kundera referindose à personagem de ficção afirma Seria tolice do autor afirmar ao leitor que seus personagens realmente existiram Não nasceram de um corpo materno mas de algumas frases evocativas ou de uma situaçãochave 2008 43 Qualquer ser ou objeto pode ser personagem de narrativas desde que antropomorfizados No conto Um apólogo de Machado de Assis as personagens são uma agulha uma linha e um alfinete nas fábulas as personagens são animais Nos romances O cortiço de Aluísio Azevedo e Bruges a morta de Georges Rodenbach o próprio cortiço e a cidade de Bruges na Bélgica elevamse à categoria de personagem Como se pode observar no trecho a seguir por meio do processo de predicação o cortiço é antropomorfizado deixando de ser apenas circunstante para galgar à categoria de actante Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava abrindo não os olhos mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente dissolvendose à luz loura e tenra da aurora que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia AZEVEDO Aluísio O cortiço Porto Alegre LPM 2009 p 37 Na Advertência que faz a seu romance o autor de Bruges a morta destaca que a cidade não é simples cenário da história mas personagem dela como se pode ler no trecho a seguir A principal intenção deste estudo passional está em evocar uma Cidade a Cidade como personagem essencial que associada aos estados dalma aconselha dissuade induz a agir Assim dentro da realidade esta Bruges que elegemos com agrado aparece quase humana exercendo sua ascendência sobre todos que nela vivem moldandoos segundo seus lugares e seus signos Aí está o que desejamos sugerir a Cidade a orientar uma ação suas paisagens urbanas não tão somente como telas de fundo como temas descritivos um tanto arbitrariamente escolhidos mas ligados à sequência do livro RODENBACH Georges Bruges a morta São Paulo Clube do Livro 1960 p 25 O espaço As ações se desenrolam no tempo e acontecem em algum lugar O espaço da narrativa é o local em que as personagens se movimentam Tratase pois do componente físico do cenário seja ele aberto como uma cidade por exemplo ou fechado como uma sala um quarto ou um mosteiro O espaço físico engloba seus elementos constituintes exteriores o cenário geográfico e interiores objetos que o compõem As personagens não atuam só num espaço físico mas também num espaço social O espaço em que atuam as personagens de Vidas secas difere do espaço em que circulam as personagens de Quincas Borba e de Grande sertão veredas não apenas no que se refere ao ambiente físico mas também ao ambiente social O espaço tem papel importante na construção da verossimilhança narrativa Isso é tão forte que muita gente quando vai a Londres procura conhecer o prédio 221B da Baker Street para conhecer a casa onde morou Sherlock Holmes O Castelo de If próximo a Marselha também costuma receber muitos turistas que querem conhecer o local onde ficou preso Edmond Dantès o protagonista do romance O conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas O fato de as ações dessas narrativas serem situadas em espaços que têm existência real contribui não só para a criação de um clima narrativo mas principalmente para a aproximação entre o mundo ficcional e o real Os elementos da narrativa narrador ação tempo personagens e espaço se articulam Dessa forma as ações se desenrolam no tempo referemse a personagens que transitam num espaço e isso é contado por um narrador portanto a separação que se faz desses elementos tem apenas função didática devendo o leitor atentar para cada um deles sempre em função de um todo articulado Devese pois levar em conta que não apenas as ações e personagens situamse num espaço o próprio narrador está situado em algum lugar e como se viu isso tem implicações no modo de narrar Certas narrativas privilegiam o espaço mais que outras havendo casos em que o lugar em que se desenrolam os acontecimentos influi diretamente no comportamento das personagens e no desenvolvimento dos eventos narrados Há casos em que o autor chega a apresentar um desenho com planta do local em que acontecem as ações para que o leitor possa acompanhar melhor o movimento das personagens nesse espaço como é o caso dos romances O nome da rosa de Umberto Eco e Crônica da casa assassinada de Lúcio Cardoso Finalizando esta seção chamo a atenção para que o leitor atente para o fato de que em muitas narrativas o espaço não se reduz a mero cenário devendo ser visto como o ambiente em que os fatos se desenrolam Por cenário entendo o espaço físico perceptível pelos sentidos e que tem natureza objetiva Ambiente vai além do espaço físico pois envolve elementos de ordem subjetiva cultural psicológica moral ideológica como bem atestam os PCNs quando afirmam que Guimarães Rosa procurou no interior de Minas Gerais a matériaprima de sua obra cenários modos de pensar sentir agir de ver o mundo de falar sobre o mundo uma bagagem brasileira que resgata a brasilidade Brasil 2000 20 Quando tratei de narrativas centradas no espaço citei como exemplos os romances O cortiço e Bruges a morta Cumpre destacar que o cortiço e a cidade de Bruges nesses romances não são meros cenários mas ambientes na medida em que são determinantes no comportamento das personagens PARA TRABALHAR COM SEUS ALUNOS Atividade 1 Objetivo Levar os alunos a reconhecer quem é o narrador bem como identificar suas características particularmente classe social e religião a partir de informações presentes na superfície do texto Nos meses antes de completar treze anos eu estudei para fazer Bar Mitzvah Duas vezes por semana eu ia à casa de um rabino Éramos seis ou sete alunos e cada um levava para casa uma fita com trechos da Torá gravados e cantados por ele Aos treze anos eu morava numa casa com piscina e nas férias de julho fui para a Disneylândia e andei de montanharussa espacial e vi os piratas do Caribe e assisti à parada e aos fogos e na sequência visitei o Epcot Center e vi os golfinhos do Sea World e os crocodilos do Cypress Gardens e as corredeiras do Busch Gardens e os espelhos de vampiro na Mystery Fun House LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 pp 912 Em Diário da queda há um narrador que participa como protagonista da história que narra narrador autodiegetico A seleção lexical é um dos elementos que permitem caracterizar personagens nas narrativas Nesse trecho as figuras que se referem à personagem encadeiamse no nível sintagmático conferindolhe não só unidade de sentido mas também atualizadas pelo leitor funcionam como caracterizadoras da personagem A personagem é judeu e de classe média alta ou alta O conhecimento de mundo permite inferir a partir das figuras presentes no texto que quem mora numa casa com piscina e viaja à Disneylândia em férias pertence às camadas socialmente mais privilegiadas As pistas no caso figuras que permitem inferir a religião do narrador são as palavras Bar Mitzvah rabino Torá O professor pode sugerir a leitura integral do romance de Michel Laub que trata entre outras coisas da questão do preconceito entre adolescentes lembrandose de que a temática da obra está dentro do que propõem os PCNs de ensino médio que afirmam que o respeito à diversidade é o principal eixo da proposta Atividade 2 Objetivo Distinguir num conto fábula de enredo e caracterizar o narrador Os alunos deverão ler o conto Desenredo de Guimarães Rosa que faz parte da obra Tutamea Terceiras estórias Tratase de conto bastante curto que portanto pode ser lido durante a aula Lido o conto e esclarecidas possíveis dúvidas sobre vocabulário solicitar aos alunos um resumo da história paráfrase Com certeza não deverão encontrar dificuldade em fazêlo Reconhecida e resumida a fábula o passo seguinte será que eles descrevam como ela é narrada isto é deverão explicitar o enredo A pista para os alunos perceberem a forma como se dispõe o enredo encontrase no próprio título do conto Desenredo O título de uma obra funciona como focalizador A partir dele o leitor cria um contexto cognitivo que orientará sua leitura É claro que às vezes essa contextualização prospectiva dada pelo título pode não se confirmar o que não é o caso do conto de Guimarães Rosa na medida em que o título é pista que possibilita ao leitor construir o sentido do texto Questionar os estudantes por que o autor optou por esse título e não por outro como A mulher traidora A esposa infiel A mariposa voadora por exemplo Esperase que os estudantes identifiquem que se enreda uma história e a seguir ela é desenredada O conto serve portanto como excelente ilustração de como se constrói uma narrativa ficcional Quanto à perspectiva a focalização é onisciente quanto à participação tratase de um narrador heterodiegético e quanto ao ponto de vista narrador subjetivo Conclusão O final do percurso se aproxima e por isso gostaria de fazer um balanço do que aqui foi discutido O objetivo não foi apresentar uma obra para especialistas tampouco tive a pretensão de esgotar o tema As reflexões apresentadas procuraram fornecer subsídios para uma leitura eficaz de textos literários Ressalto que nada suprime a leitura dos próprios textos pois a formação do leitor literário se faz pela leitura contínua e atenta de romances contos poemas crônicas de autores diversos de épocas diversas de nacionalidades diversas Comentei que a intertextualidade é constitutiva dos textos Um texto remete a outro que por sua vez remete a outro de forma que o conhecimento do que se produz e produziu em literatura é essencial para se entender os textos e esse conhecimento se adquire pela leitura Falei que no ato de ler estão envolvidos diversos conhecimentos linguísticos enciclopédicos textuais interacionais Quanto aos conhecimentos textuais defendo que os textos literários têm características próprias que os diferem de outros textos e isso não reside apenas no gênero pois como assinalei nem tudo que é escrito em versos é poesia como nem todo romance é literatura Aliás comecei este livro discutindo que não é pacífica a classificação de um texto como literário O caminho por que optei foi estudar os textos literários a partir dos gêneros ao contrário do que comumente se faz na escola em que o estudo da literatura se concentra em aspectos relativos ao estilo de época Embora os gêneros literários historicamente sofram mudanças o romance atual difere do romance do século XIX a poesia moderna difere da poesia do século XVII há algo que permanece nos gêneros se não permanecesse seria outro gênero Bakhtin ressalta que os gêneros são formas relativamente estáveis Tentei explicitar o que caracteriza um romance um conto uma novela um poema Cabe ao leitor de posse dos conceitos apresentados ver como eles se configuram nas diversas obras literárias Ao mostrar que no romance há personagem fábula enredo narrador tempo espaço procurei fornecer subsídios para que se observe como tais componentes desse gênero narrativo se manifestam em diferentes textos concretos ou seja os aspectos teóricos levantados servem de guia para orientar a leitura levando a observar o papel do narrador das personagens como a história é enredada como se desenrolam os acontecimentos no tempo etc Como salientei o sentido não está no texto mas é construído a partir dele pelo leitor de sorte que leitores diferentes construirão sentidos diferentes para um mesmo texto Os conceitos apresentados tiveram apenas o condão de mostrar as características dos gêneros literários estudados jamais o de orientar no sentido de uma leitura única e fechada Mesmo quando apresentei alguma interpretação para algum texto que me serviu de exemplo essa interpretação foi pessoal e não tenho a pretensão de que seja a única Reitero o que disse em alguns momentos deste livro certos conceitos discutidos não têm unanimidade entre as diversas vertentes teóricas e mesmo entre autores de uma mesma corrente A nomenclatura empregada também sofre variações em decorrência da fundamentação teórica adotada de sorte que os conceitos e a nomenclatura aqui apresentados bem como a visão exposta reflete a minha posição pessoal que teve por fundamento autores e obras constantes nas referências Nietzsche dizia que o bom leitor é o leitor bovino aquele que lê ruminando o texto Pelo menos em relação ao texto literário as palavras do filósofo alemão devem ser tomadas como um princípio orientador da leitura pois a compreensão de uma obra literária nem sempre é imediata por isso temos de ir ao texto com paciência sem pressa ler reler deixar o texto falar Enfim numa cultura marcada pela velocidade cremos que uma das primeiras coisas que devemos ensinar aos nossos alunos é que eles aprendam a ler bovinamente Bibliografia ADAM JeanMichel A linguística textual introdução à análise textual dos discursos São Paulo Cortez 2011 AGUIAR E SILVA Vítor Manuel de Teoria da literatura 8 ed Coimbra Almedina 2011 ALIGHIERI Dante A divina comédia 7 ed Belo Horizonte Vila Rica 1991 ALMEIDA Júlia Lopes de A caolha In MORICONI Italo Org Os cem melhores contos brasileiros do século Rio de Janeiro Objetiva 2001 pp 4954 ALMEIDA Manuel Antônio de Memórias de um sargento de milícias Cotia Ateliê 2006 ANDRADE Mário Macunaíma o herói sem nenhum caráter 33 ed Garnier Belo Horizonte Rio de Janeiro 2004 ANJOS Augusto dos Eu outras poesias 31 ed Rio de Janeiro Livraria São José 1971 ANJOS Cyro dos O amanuense Belmiro 8 ed Rio de Janeiro José Olympio 1975 ARISTÓTELES Arte Retórica e Arte Poética São Paulo Difusão Europeia do Livro 1959 ASSIS Machado de Dom Casmurro Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 Quincas Borba Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 AUSTIN John Langshaw Quando dizer é fazer palavras e ação Porto Alegre Artes Médicas 1990 AZEVEDO Aluísio O cortiço Porto Alegre LPM 2009 BAKHTIN Mikhail Os gêneros do discurso Estética da criação verbal 3 ed São Paulo Martins Fontes 2000 pp 277326 Problemas da poética de Dostoiévski 3 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2005 BANANÉRE Juó La divina increnca São Paulo Folco Masucci 1966 BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2012 BARTHES Roland Introdução a análise estrutural da narrativa In et al Análise estrutural da narrativa 7 ed Petrópolis Vozes 2011 pp 1962 BEAUGRANDE RobertAlain de DRESSLER Wolfgang Ulrich Introducción a la lingüística del texto Barcelona Ariel 2005 BENVENISTE Émile Da subjetividade na linguagem Problemas de lingüística geral 1 4 ed Campinas PontesEditora da Universidade Estadual de Campinas 1995 pp 28493 O aparelho formal da enunciação Problemas de lingüística geral 11 Campinas Pontes 1989 pp 8190 BOLAÑO Roberto Detetives selvagens São Paulo Companhia das Letras 2006 BRASIL Secretaria da Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília MECSEF 1997 Parâmetros Curriculares Nacionais terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental Língua Portuguesa Brasília MECSEF 1998 Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio Parte II Linguagens Códigos e suas Tecnologias Brasília MECSEF 2000 BRONCKART JeanPaul Atividade de linguagem textos e discurso por um interacionismo sociodiscursivo 2 ed São Paulo Educ 2007 CAMÕES Luís de Obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1963 CAMUS Albert A peste 17 ed Rio de Janeiro Record 2007 CARDOSO Lúcio Crônica da casa assassinada Rio de Janeiro Nova Fronteira 1979 CEIA Carlos EDicionário de termos literários Disponível em httpwwwedtlcompt indexphpoptioncommtreetaskviewlinklinkid350Itemid2 Acesso em 16 fev 2013 CERVANTES Miguel de Dom Quixote de La Mancha São Paulo Penguin ClassicsCompanhia das Letras 2012 v l Dom Quixote de La Mancha Rio de Janeiro Ediouro 2002 v II CHARTIER Roger A aventura do livro do leitor ao navegador São Paulo Editora da Unesp Imprensa Oficial do Estado 1998 CHAUÍ Marilena Convite à filosofia 13 ed São Paulo Ática 2009 CORTÁZAR Julio Alguns aspectos do conto Valise de Cronópio 2 ed São Paulo Perspectiva 1993 pp 14763 As babas do diabo As armas secretas Rio de Janeiro Best Bolso 2012 pp 5671 CRUZ E SOUSA João da Obras completas Rio de Janeiro José Aguilar 1961 CUNHA Euclides Os sertões 39 ed Rio de Janeiro Francisco Alves 2000 DANTAS Janduhli Lições de gramática em versos de cordel Petrópolis Vozes 2009 A mulher que vendeu o marido por R 199 Disponível em httpwwwcamarabrasileiracomcordel48htm Acesso em ago de 2013 DONATO Hernâni Contos dos meninos índios São Paulo Melhoramentos 2005 DOSTOIEVSKI Fiodor Memórias do subsolo São Paulo Editora 34 2000 DUCROT Oswald Provar e dizer leis lógicas e leis argumentativas São Paulo Global 1981 EAGLETON Terry Teoria da literatura uma introdução 6 ed São Paulo Martins Fontes 2006 EIKHENBAUM Boris Sobre a teoria da prosa In TODOROV Tzvetan Org Teoria da literatura Lisboa Edições 70 s d v II pp 7184 ESPELHO no cofre Os grandes contos populares do mundo Rio de Janeiro Ediouro 2005 pp 29899 FORSTER Edward Morgan Aspectos do romance 4 ed São Paulo Globo 2005 GEDEÃO António Poesias completas 19561967 7 ed Lisboa Portugália 1978 GOTLIB Nádia Battella Teoria do conto 11 ed São Paulo Ática 2011 GREIMAS Algirdas Julien Semântica estrutural São Paulo CultrixEdusp 1973 HAMSUN Knut Fome Belo Horizonte Itatiaia 2004 HEMINGWAY Ernest As torrentes da primavera seguido de Um gato à chuva Lisboa Livros do Brasil 1999 As neves de Kilimanjaro As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 937 Cinquenta mil As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 3864 Os pistoleiros As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 12838 JOLLES André Formas simples São Paulo Cultrix 1976 JOYCE James Ulisses Rio de Janeiro Objetiva 2005 KAFKA Franz A metamorfose São Paulo Companhia das Letras 1997 KOCH Ingedore Grunfeld Villaça A interação pela linguagem 8 ed São Paulo Contexto 2003 Desvendando os segredos do texto 4 ed São Paulo Cortez 2005 Elias Vanda Maria Ler e compreender os sentidos do texto 2 ed São Paulo Contexto 2006 Ler e escrever estratégias de produção textual São Paulo Contexto 2009 BENTES Ana Christina MAGALHÃES Mônica Intertextualidade diálogos possíveis São Paulo Cortez 2007 KRISTEVA Julia Introdução à semanálise São Paulo Perspectiva 1974 KUNDERA Milan A insustentável leveza do ser São Paulo Companhia das Letras 2008 LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 LENCASTRE Leonor A leitura a compreensão de textos Lisboa Calouste GulbenkianFundação para a Ciência e Tecnologia 2003 LISPECTOR Clarice O búfalo Laços de família Rio de Janeiro Rocco 1998 LIVRO das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 2 MANN Thomas A montanha mágica 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 MARCUSCHI Luiz Antônio Leitura como processo inferencial num universo culturalcognitivo In BARZOTTO V H Org Estado de leitura Campinas Mercado de LetrasAssociação de Leitura do Brasil 1999 pp 95124 Produção textual análise de gêneros e compreensão 3 ed São Paulo Parábola 2008 MÁRQUEZ Gabriel García Cem anos de solidão 41 ed Rio de Janeiro Record 1995 MATOS Gregório de A Jesus Cristo Nosso Senhor In CANDIDO Antonio CASTELLO José Adelraldo Presença da literatura brasileira das origens ao romantismo 5 ed São Paulo Difusão Europeia do Livro 1973 MELO NETO João Cabral de Morte e vida severina e outros poemas em voz alta 9 ed Rio de Janeiro José Olympio 1976 Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Quanto à classificação Platão em A República menciona à comédia à tragédia e à epopeia Posteriormente Aristóteles classificou a literatura em três principais gêneros épico lírico e dramático Classificação dos gêneros literários Gênero Lírico Poesia expressiva centrada nas emoções e experiências pessoais do poeta p 99 Gênero Épico Narrativas extensas e grandiosas geralmente com heróis e eventos históricos p 106 Gênero Dramático Compreende o teatro e engloba tragédia e comédia envolvendo a representação de personagens em ação p 111 Sequência descritiva Não há encadeamento cronológico Não há sucessão de acontecimentos temporalidade ou causalidade Sequência dialogal p Morte e Vida Severina João Cabral p 121 A narrativa conto vs romance Em geral possui número reduzido de personagens e espaços o mesmo se aplica para a progressão temporal Evitamse pormenorizações excessivas A diferirse do romance tem sua origem na tradição oral Para Tchekhov sempre que uma espingarda aparece em um conto ela precisa disparar Assim o autor destaca o caracter deveras econômico dos contos Afirma ainda ele que o romance tende a ganhar por pontos enquanto o conto por nocaute em clara referência à objetividade do conto p 135 O romance então basicamente conta uma história porém em maior extenção fazendo com que personagens eventos espaço e tempo se entrelacem das mais diversas maneiras A narrativa a crônica Costuma ser menos detalhado que o conto e em geral quem o narra não é personagem ficcional e sim o próprio escritor como quem se revela São exemplos de grandes cronistas brasileiros Nelson Rodrigues Suas crônicas traziam uma perspectiva única aguda e muitas vezes provocativa sobre a sociedade e o comportamento humano Rubem Braga Conhecido como o Cronista do Cotidiano Rubem Braga é uma figura icônica no cenário da crônica brasileira com seu estilo sensível e observador capturando a essência da vida diária e dos detalhes do cotidiano Elementos da narrativa narrador Focalização externa Narra apenas o que vê e não interfere Focalização interna Não só narra como participa da história como em O Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa Focalização onisciente Pode conhecer o íntimo dos personagens como acontece em Quincas Borba de Machado de Assis A ação nas palavras de Propp p 161 Personagens Planos pouco se alteram Esféricos surpreendem o leitor com mudanças em termos de comportamento e personalidade Protagonistas são os principais Secundários exercem papel colaborativo menos evidente e relevante p 173 Espaço Não se limita ao aspecto físico Espaço também pode referirse à percepções ideológicas culturais morais psicológicas não paupáveis mas perceptíveis É notório como alguns autores dão mais valor à importância do espaço do que outros na construção de sua trama Alguns o detalham com exímio rigor como quem estivesse a descrever uma planta exata ao leitor sendo este o caso de O Grande Sertão Veredas Em Memórias Póstumas contudo vemos que Machado foca bem mais na ação e no aspecto psicológico dos personagens do que na descrição física dos lugares Conclusão As nomenclaturas naturalmente são causa de profunda discussão acadêmica que se perpassa por séculos ou até milênios na intenção de uma definição que abarque plenamente cenários tão amplos Destacouse em muito a interação que o leitor tem para com o texto no que diz respeito à construção dos sentidos que não está reclusa ao posto no papel como coisa mórbida e definitiva Em seguida aventurouse pelos gêneros textuais e elementos de um romance por exemplo Concluise que o leitor deve ler bovinamente no sentido de usufruir de cada pedaço do que uma obra literária tem a lhe oferecer Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua O diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua são fundamentais para a construção de uma obra literária O texto literário utiliza a linguagem de forma criativa para transmitir ideias e emoções enquanto a sequência textual organiza as informações de maneira coerente e envolvente Os recursos da língua como figuras de linguagem enriquecem o texto tornandoo mais expressivo A combinação desses elementos permite ao autor transmitir suas mensagens de maneira poderosa e cativante impactando o leitor e despertando reflexões sobre os temas abordados na obra literária Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Quanto à classificação Platão em A República menciona à comédia à tragédia e à epopeia Posteriormente Aristóteles classificou a literatura em três principais gêneros épico lírico e dramático Classificação dos gêneros literários Gênero Lírico Poesia expressiva centrada nas emoções e experiências pessoais do poeta p 99 Gênero Épico Narrativas extensas e grandiosas geralmente com heróis e eventos históricos p 106 Gênero Dramático Compreende o teatro e engloba tragédia e comédia envolvendo a representação de personagens em ação p 111 Sequência descritiva Não há encadeamento cronológico Não há sucessão de acontecimentos temporalidade ou causalidade Sequência dialogal p Morte e Vida Severina João Cabral p 121 A narrativa conto vs romance Em geral possui número reduzido de personagens e espaços o mesmo se aplica para a progressão temporal Evitamse pormenorizações excessivas A diferirse do romance tem sua origem na tradição oral Para Tchekhov sempre que uma espingarda aparece em um conto ela precisa disparar Assim o autor destaca o caracter deveras econômico dos contos Afirma ainda ele que o romance tende a ganhar por pontos enquanto o conto por nocaute em clara referência à objetividade do conto p 135 O romance então basicamente conta uma história porém em maior extenção fazendo com que personagens eventos espaço e tempo se entrelacem das mais diversas maneiras A narrativa a crônica Costuma ser menos detalhado que o conto e em geral quem o narra não é personagem ficcional e sim o próprio escritor como quem se revela São exemplos de grandes cronistas brasileiros Nelson Rodrigues Suas crônicas traziam uma perspectiva única aguda e muitas vezes provocativa sobre a sociedade e o comportamento humano Rubem Braga Conhecido como o Cronista do Cotidiano Rubem Braga é uma figura icônica no cenário da crônica brasileira com seu estilo sensível e observador capturando a essência da vida diária e dos detalhes do cotidiano Elementos da narrativa narrador Focalização externa Narra apenas o que vê e não interfere Focalização interna Não só narra como participa da história como em O Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa Focalização onisciente Pode conhecer o íntimo dos personagens como acontece em Quincas Borba de Machado de Assis A ação nas palavras de Propp p 161 Personagens Planos pouco se alteram Esféricos surpreendem o leitor com mudanças em termos de comportamento e personalidade Protagonistas são os principais Secundários exercem papel colaborativo menos evidente e relevante p 173 Espaço Não se limita ao aspecto físico Espaço também pode referirse à percepções ideológicas culturais morais psicológicas não paupáveis mas perceptíveis É notório como alguns autores dão mais valor à importância do espaço do que outros na construção de sua trama Alguns o detalham com exímio rigor como quem estivesse a descrever uma planta exata ao leitor sendo este o caso de O Grande Sertão Veredas Em Memórias Póstumas contudo vemos que Machado foca bem mais na ação e no aspecto psicológico dos personagens do que na descrição física dos lugares Conclusão As nomenclaturas naturalmente são causa de profunda discussão acadêmica que se perpassa por séculos ou até milênios na intenção de uma definição que abarque plenamente cenários tão amplos Destacouse em muito a interação que o leitor tem para com o texto no que diz respeito à construção dos sentidos que não está reclusa ao posto no papel como coisa mórbida e definitiva Em seguida aventurouse pelos gêneros textuais e elementos de um romance por exemplo Concluise que o leitor deve ler bovinamente no sentido de usufruir de cada pedaço do que uma obra literária tem a lhe oferecer Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua O diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua são fundamentais para a construção de uma obra literária O texto literário utiliza a linguagem de forma criativa para transmitir ideias e emoções enquanto a sequência textual organiza as informações de maneira coerente e envolvente Os recursos da língua como figuras de linguagem enriquecem o texto tornandoo mais expressivo A combinação desses elementos permite ao autor transmitir suas mensagens de maneira poderosa e cativante impactando o leitor e despertando reflexões sobre os temas abordados na obra literária Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário substantivos violões soluços choros lamento sons gemidos prantos sussurro adjetivos plangentes murmurejantes chorosos suspiradas verbos choram soluçando gemem Levar os alunos a perceber que essas palavras remetem à ideia de som portanto a questão da sonoridade vai além do componente fonológico podendo ser observada também no componente lexical O encadeamento de figuras garante a progressividade do texto sendo fator de coesão e coerência Levar por fim os alunos a perceber que a sonoridade é constitutiva do sentido do poema e fazêlos identificar que sentimentos ou emoções esses sons evocam Violões que choram Jan 1897 Ah Plangentes violões dormentes mornos soluços ao luar choros ao vento Tristes perfis os mais vagos contornos bocas murmurejantes de lamento Noites de além remotas que eu recordo noites da solidão noites remotas que nos azuis da Fantasia bordo vou constelando de visões ignotas Sutis palpitações à luz da lua anseio dos momentos mais saudosos quando lá choram na deserta rua as cordas vivas dos violões chorosos Quando os sons dos violões vão soluçando quando os sons dos violões nas cordas gemem e vão dilacerando e deliciando rasgando as almas que nas sombras tremem Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua Harmonias que pungem que laceram dedos nervosos e ágeis que percorrem cordas e um mundo de dolências geram gemidos prantos que no espaço morrem E sons soturnos suspiradas mágoas mágoas amargas e melancolias no sussurro monótono das águas noturnamente entre ramagens frias Vozes veladas veludosas vozes volúpias dos violões vozes veladas vagam nos velhos vórtices velozes dos ventos vivas vãs vulcanizadas CRUZ E SOUSA Obras completas Rio de Janeiro José Aguilar 1961 pp 124127

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Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Objetivos 1 levar os alunos a perceber a natureza do texto se é ou não literário 2 perceber que embora se trate de um enunciado único por suas características assemelhase a outros textos que apresentam mesma estrutura composicional Texto 1 Lição sobre a água Este líquido é água Quando pura é inodora insípida e incolor Reduzida a vapor sob tensão e a alta temperatura move os êmbolos das máquinas que por isso se denominam máquinas de vapor É um bom dissolvente Embora com exceções mas de um modo geral dissolve tudo bem ácidos bases e sais Congela a zero grau centesimais e ferve a 100 quando a pressão normal Foi nesse líquido que numa noite cálida de Verão sob um luar gomoso e branco de camélia apareceu a boiar o cadáver de Ofélia com um nenúfar na mão GEDEÃO António Poesias completas 19561967 7 ed Lisboa Portugália 1978 pp 244245 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Atividade 1 Objetivo Estabelecer relações de semelhança e de diferença entre o texto 1 e o texto 2 Quanto ao texto de Camões apontar os recursos que o caracterizam como literário Levar os alunos a perceber que as estruturas narrativas não são exclusivas de gêneros literários tipicamente narrativos como o conto o romance a novela e a poesia épica indicando no soneto camoniano elementos narrativos personagem e fato narrado Observações o texto bíblico serve de intertexto ao soneto camoniano no entanto o propósito comunicativo de ambos é diferente O texto bíblico inserese num discurso religioso o texto camoniano inserese num discurso literário Camões reinventa o texto bíblico mas com outro propósito na medida em que o soneto camoniano tem caráter filosófico pois discute o amor pleno não há problematização do texto bíblico Texto 1 Sete anos de pastor Jacó servia Labão pai de Raquel serrana bela Mas não servia ao pai servia a ela Que ela só por prêmio pretendia Os dias na esperança de um só dia Passava contentandose com vêla Porém o pai usando de cautela Em lugar de Raquel lhe dava Lia Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora Como se a não tivera merecida Começa de servir outros sete anos Dizendo Mais serviria se não fora Pera tão longo amor tão curta a vida CAMOES Luís de Obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1963 p 298 Texto 2 Gênesis 29 Jacó encontra Raquel 1 Jacó continuou a viagem e chegou à terra dos filhos do Oriente 2 Viu no campo um poço junto ao qual descansavam três rebanhos pois ali bebiam água Havia uma grande pedra na boca do poço 3 Só quando todos os rebanhos estavam reunidos é que rolavam a pedra da boca do poço davam de beber às ovelhas e recolocavam a pedra em seu devido lugar 4 Jacó lhes perguntou De onde sois irmãos Somos de Harã responderam 5 E Jacó continuou Conheceis Labão filho de Nacor Conhecemos responderam 6 E ele está bem continuou perguntando E disseram Sim está bem Olha aí vem sua filha Raquel com as ovelhas 7 E ele lhes disse Ainda é bastante cedo para reunir rebanhos Por que não dais de beber às ovelhas e não as levais de novo a pastar 8 E eles lhe responderam Não podemos fazêlo enquanto não se reunirem todos os rebanhos Só então removeremos a pedra da boca do poço e daremos de beber às ovelhas 9 Jacó ainda conversava com eles quando chegou Raquel com o rebanho do pai pois Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Classificação dos gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 H E H E H E A narrativa do poema que relata que a cidade de Lisboa foi fundada pela personagem do poema homérico Odisseia é verossímil Justifique sua resposta Atividade 3 Objetivo Identificar no texto as expressões nominais referentes a Floriano Peixoto justificando o porquê da escolha lexical na caracterização da personagem Observação As expressões que se referem a Floriano Peixoto além de Marechal que era sua patente são ditador califa cã e emir que têm a finalidade de caracterizar o Marechal como não democrático e autoritário Uma chusma de oficiais subalternos e cadetes cercou o ditador e a sua atenção convergiu para eles Não se ouvia o que diziam Falavam ao ouvido de Floriano cochichavam batiamlhe nas espáduas O marechal quase não falava movia com a cabeça ou pronunciava um monossílabo coisa que Quaresma percebia pela articulação dos lábios Começaram a sair Apertavam a mão do ditador e um deles mais jovial mais familiar ao despedirse apertoulhe com força a mão mole bateulhe no ombro com intimidade e disse alto e com ênfase Energia marechal Aquilo tudo parecia tão natural normal tendo entrado no novo cerimonial da República que ninguém nem o próprio Floriano teve a mínima surpresa ao contrário alguns até sorriram alegres por ver o califa o cã o emir transmitir um pouco do que tinha de sagrado ao subalterno desabusado BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2011 p 271 Gêneros literários A questão dos gêneros está na ordem do dia A partir dos estudos de Bakhtin 2000 os gêneros do discurso passaram a ser ainda mais objeto de diversos estudos e pesquisas cujos resultados logo se fizeram sentir em situações de ensino A recomendação dos PCNS é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros uma vez que o uso efetivo da língua requer o conhecimento das características próprias de cada gênero como atesta o trecho a seguir Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas como parte das condições de produção dos discursos as quais geram usos sociais que os determinam Brasil 1998 22 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos Os falantes utilizam a língua com as finalidades mais diversas informar persuadir pedir ordenar divertir etc Dependendo Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua do propósito comunicativo recorrem a formas relativamente estruturadas Exemplífico Quando alguém transmitir a outrem como se faz bolo de fubá recorre a um modelo de texto social e historicamente existente a receita culinária Essas formas de texto relativamente estáveis pelas quais interagimos a fim de atingir os mais diversos propósitos comunicativos recebem o nome de gêneros do discurso como exemplos podese citar a carta o requerimento o bilhete o editorial o anúncio a resenha o romance o conto a novela o poema etc Como a variedade virtual da atividade humana é inesgotável Bakhtin 2000 279 a variedade e riqueza de gêneros é infinita gêneros novos surgem para atender novos propósitos comunicativos como o email o blog o tuíte Alguns gêneros são típicos da linguagem escrita o romance por exemplo outros da linguagem oral o telefonema por exemplo e há gêneros que podem aparecer nas duas modalidades de linguagem a piada por exemplo Bakhtin 2000 nos fala que os gêneros estão relacionados a esferas da atividade humana o que significa que derivam de instâncias do discurso discurso jurídico discurso religioso discurso político etc O estudo dos gêneros não é recente remontando aos filósofos gregos Platão em A República e Aristóteles na Poética Antes de Bakhtin o estudo dos gêneros era restrito à esfera literária e era visto sob o ponto de vista de formas linguísticas e não como práticas discursivas ou seja os gêneros eram modelos a serem imitados por isso como se viu no capítulo anterior Os lusíadas retoma a Eneida que retoma a Odisseia Não há plágio já que uma epopeia deveria necessariamente imitar um modelo Uma das contribuições de Bakhtin foi mostrar que os gêneros estão presentes em todas as esferas de comunicação e não apenas na literária e que são formas de ação social e não simples modelos linguísticos a serem imitados Para esse estudioso os gêneros orais ou escritos são formas relativamente estáveis de enunciados e apresentam três características conteúdo temático conjunto de temas que podem ser abordados pelo gênero estrutura composicional forma como o texto é organizado e estilo procedimentos linguísticos utilizados Bakhtin distingue ainda os gêneros primários aqueles que correspondem às formas de utilização da linguagem em situações ligadas às esferas de atividades humanas cotidianas como o diálogo e os secundários caracterizados por uma produção discursiva mais elaborada aparecendo normalmente na forma escrita em situações de comunicação mais complexas Os gêneros literários são exemplos de gêneros secundários Neste livro a abordagem dos gêneros está restrita à esfera literária e mesmo assim àqueles de maior circulação nos dias atuais o poema o conto o romance a novela e a crônica Ressaltese que é comum na esfera literária haver a indicação do gênero no paratexto da obra Chamamos de paratexto o conjunto de informações que acompanham uma obra escrita e informam sobre ela como o nome do autor o título o ano de publicação etc como em Contos de Fulano de Tal as palavras romance conto novela poesias acompanhando o título Como os livros publicados no Brasil devem conter a ficha catalográfica a indicação do gênero costuma vir explicitada nessa ficha Classificação dos gêneros literários A tendência de agrupar os textos literários em classes remonta à Antiguidade A primeira classificação que se conhece na cultura ocidental remonta a Platão que em sua obra A República faz menção à comédia à tragédia à epopeia e ao ditirambo composição poética em louvor ao deus grego Dionísio Também na Antiguidade grega Aristóteles propõe uma classificação dos gêneros literários observada até hoje Para esse filósofo os gêneros literários devem ser classificados de acordo com sua função estética Para entender a classificação aristotélica temos primeiro de nos debruçar num conceito fundamental o de mímesis Em termos mais gerais a palavra mímesis designa imitação representação Para Platão a arte era imitação representação das coisas que por sua vez eram imitação das ideias Para Aristóteles os gêneros literários seriam formas de imitação representação e variariam em função do objeto do modo e do meio PARA SABER MAIS Miguel de Cervantes em sua obra Dom Quixote cuja primeira edição é de 1605 já chamava a atenção de que a obra literária deveria ser verossímil como se pode observar pelo trecho a seguir As fábulas mentirosas têm de casarse com o entendimento dos que a lerem escrevendose de maneira que facilitem os impossíveis aplainem as grandezas surpreendam os ânimos causandolhes admiração suspensão alvoroço e entretenimento tais que andem no mesmo passo a admiração e a alegria juntas E todas essas coisas não as poderá fazer quem fugir da verossimilhança e da imitação nas quais consiste a perfeição do que se escreve 2002 200 Quanto ao objeto arte pode representar os homens melhores piores ou iguais a nós Para Aristóteles na epopeia e na tragédia os homens são representados melhores do que um modelo os homens comuns A comédia pelo contrário representa o homem pior do que os homens comuns sendo a representação dos maus costumes particularmente do ridículo Ao falar em melhores ou piores que um modelo Aristóteles ressalta que os seres representados pela arte seres ficcionais têm características éticas como os seres reais Se levarmos em conta o modo como ocorre a representação temos a narração diegesis que é o relato da ação e o drama forma de representação que coloca as personagens em ação diante de nós Aristóteles fala ainda que a imitação pode também variar segundo o meio dependendo da forma como o verso é utilizado Para esse filósofo a mímesis tem como componente estrutural a verossimilhança isto é a imitação deve parecer verdadeira Para isso deve resultar da harmonia e do encadeamento lógico das partes o que não impede que retrate acontecimentos fantásticos A verossimilhança diz respeito pois à organização interna da obra equivalendo aproximadamente ao que se denomina atualmente por coerência Em sua Poética Aristóteles faz referência explícita a três gêneros o épico o trágico e o cômico O texto da Poética considerado o marco da teoria literária ocidental não é muito claro pois chegou até nós com várias lacunas por isso os estudiosos costumam apresentar uma divisão simplificada dos gêneros literários classificandoos em lírico épico e dramático Essa classificação tem a vantagem de apresentar os gêneros literários com base na intencionalidade do produtor No lírico a intenção é expressar o eu individual no épico narrar no dramático representar Essa classificação também pode apresentar problemas pois agrupa em gêneros coisas bastante heterogêneas O romance por exemplo segundo essa classificação pertence ao gênero épico o que significa dizer que obras bastante diferentes como Memórias póstumas de Brás Cubas e Os lusíadas pertencem ao mesmo gênero Uma subclassificação dos gêneros literários quanto à estrutura composicional tem o condão de resolver esse problema denominando a obra de Machado de Assis como romance e a de Camões como poema épico poema porque está escrito em versos épico porque narra ações memoráveis ou epopeia Mesmo uma mesma subclassificação pode abarcar obras bastante diferentes por isso costumase No contexto da Poética de Aristóteles o épico corresponde à narrativa metrificada como ocorre na Ilíada e na Odisseia de Homero O trágico consiste na representação de ações humanas de caráter elevado visando à catarse isto é a purificação das emoções como faz Sófocles em Édipo Rei e Antígona O cômico consiste na imitação de maus costumes de vícios do ridículo visando provocar o riso como faz Aristófanes em As nuvens e As rãs desmembrar uma subclasse em tipos O romance por exemplo pode ser policial de aventura psicológico histórico de costumes etc O conto pode ser fantástico de fadas de terror de mistério etc Mesmo usando uma classificação em que se enquadram as obras em subtipos o problema da classificação dos gêneros ainda continua pois se chama de gênero formas de expressão lírico épica e dramática e também o produto resultante dessas formas de expressão o conto o romance a poesia etc O termo gênero literário é empregado para designar as categorias historicamente definidas como o romance o conto a epopeia a novela etc e modo literário é utilizado para designar as categorias metahistóricas lírico épico e dramático que representam potencialidades discursivas atualizáveis em textos pertencentes a um gênero Assim o romance e a epopeia seriam gêneros literários do modo épico a tragédia e a comédia do modo dramático o soneto e a ode do modo lírico O fundamental é que se encare a questão dos gêneros literários não como uma tipologia fechada já que a classificação de uma obra num determinado gênero não deve levar em conta apenas os aspectos imanentes da obra mas também sua função social valores culturais e os horizontes de expectativas do receptor que guiará a leitura Pode ocorrer a interpenetração de gêneros e do ponto de vista estilístico podemos ter em textos épicos ou dramáticos trechos líricos vide o episódio de Inês de Castro um texto lírico dentro de Os lusíadas um texto épico e poemas líricos que são declamados nas peças teatrais como em Calabar o elogio da traição de Chico Buarque e Ruy Guerra Os gêneros historicamente podem desaparecer metamorfosearse marginalizarse etc enfim o sistema de gêneros é aberto uma vez que está conexionado ao sistema históricosocial Tanto os gêneros quanto os modos literários são convenções de natureza social armazenadas na memória e que fazem parte da competência textual ou seja é esse conhecimento que possibilita ao autor produzir um texto literário e ao leitor compreendêlo O gênero lírico O adjetivo lírico provém de lira instrumento musical de cordas O nome lírico se explica em razão de esse gênero originalmente ser cantado tendo por acompanhamento o som produzido por instrumentos musicais como a flauta e a lira O gênero lírico costuma estar centrado no individual por isso tende a se voltar para a subjetividade para a emoção para o sensível Quem fala no poema por meio de versos é um eu individualizado por isso mesmo chamado de eu lírico que como o narrador nos romances contos e novelas não deve ser confundido com o autor empírico Há casos em que a poesia lírica não está voltada para o subjetivo mas para a realidade objetiva e outros em que trata da passagem da objetividade para a subjetividade Mesmo quando deixaram de ser acompanhados por instrumentos musicais os poemas líricos mantiveram o aspecto musical reforçado pelo uso de recursos sonoros como o ritmo a métrica as rimas o refrão etc Os poemas líricos podem se apresentar em várias formas fixas ou livres São exemplos de formas fixas o soneto e o rondó O texto a seguir exemplifica um poema lírico em forma fixa Soneto é uma composição poética com 14 versos distribuídos em 2 quartetos e 2 tercetos Neste livro são apresentados alguns exemplos de soneto como o poema Psicologia de um vencido de Augusto dos Anjos comentado neste capítulo e os poemas de Camões Amor é um fogo que arde sem se ver e Sete anos de pastor Jacó servia Rondó é um poema de forma fixa que apresenta 13 versos octossílabos ou decassílabos distribuídos em 3 estrofes sendo 2 quadras seguidas de 1 quintilha Os 2 primeiros versos da primeira quadra se repetem no final da segunda e o primeiro verso da quadra inicial se repete no fecho da quintilha um exemplo é o Rondó dos cavalinhos de Manuel Bandeira Psicologia de um vencido Eu filho do carbono e do amoníaco Monstro de escuridão e rutilância Sofro desde a epigênese da infância A influência má dos signos do zodíaco Profundissimamente hipocondríaco Este ambiente me causa repugnância Sobeme à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco Já o verme este operário das ruínas Que o sangue podre das carnificinas Come e à vida em geral declara guerra Anda a espreitar meus olhos para roêlos E háde deixarme apenas os cabelos Na frialdade inorgânica da terra ANJOS Augusto dos Eu outras poesias 31 ed Rio de Janeiro Livraria São José 1971 p60 Escolhi esse soneto de Augusto dos Anjos como exemplo de gênero lírico a fim de deixar claro que o que caracteriza esse gênero não é a temática nem a linguagem mas a postura do eu frente ao tema ou seja em tese qualquer tema pode ser objeto do gênero lírico desde que a expressão desse tema decorra de uma visão subjetiva que tenha por centro o eu que fala no poema No caso do poema de Augusto dos Anjos o vocabulário com termos pouco comuns na linguagem poética expressa o mistério humano frente às forças universais A poesia Os gêneros literários podem se manifestar em prosa isto é ser expressos sem metrificação e ritmo regular como o conto o romance e a novela ou em versos como a poesia Os versos podem apresentar metrificação regular ou não e também podem apresentar ou não rimas Etimologicamente poesia designa o ato de criar de fazer e poema o produto do fazer poético Atualmente essas palavras têm sido usadas como sinônimas de sorte que podemos falar em um livro de poemas ou em um livro de poesias Embora haja formas fixas de poesia não é a forma que determina se um texto é poético Se a poesia não precisa apresentar necessariamente uma forma fixa metro e rima o que caracteriza um texto como poesia A primeira característica já foi apresentada tratase de uma manifestação literária em versos subdivisão da poesia que coincide com o final da linha mas não necessariamente com o final da frase portanto um poema terá tantos versos quantas linhas tiver Um soneto tem 14 versos Os lusiadas 8816 A divina comédia 14233 Os versos podem ou não estar agrupados em estrofes um soneto tem 4 estrofes 2 quartetos e 2 tercetos Os lusiadas tem 1102 estrofes cada uma com 8 versos O fato de um poema ser escrito em versos exerce uma função semiótica importante pois o leitor ao abrir o livro pela própria disposição gráfica do texto na mancha tipográfica do papel ou pela sua disposição na tela de um computador identifica de pronto o texto como sendo uma Na metrificação regular todos os versos do poema têm o mesmo número de sílabas métricas Os sonetos Psicologia de um vencido e Amor é um fogo que arde sem se ver são exemplos de poemas que apresentam versos metrificados pois todos os versos desses poemas são decassílabos isto é possuem dez sílabas métricas Rima é a identidade de sons geralmente no final de versos de um poema como no exemplo a seguir em que o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro Sete anos de pastor Jacó servia Labão pai de Raquel serrana bela Mas não servia ao pai servia a ela Que ela só por prêmio pretendia A semiótica pode ser definida como uma teoria geral da produção social dos significados com base em signos sejam eles verbais ou não Portanto a semiótica abrange o estudo das mais diversas formas de texto o verbal o cinematográfico a moda os mitos a dança a pintura 27 poesia Evidentemente essa antecipação pode não se confirmar já que o texto pode ter a forma de um poema e não se configurar como tal O uso dos recursos tipográficos na poesia foi levado ao extremo pela poesia concreta em que a disposição gráfica do texto na página passa a ter função significante O fato de um texto ser escrito em versos e de apresentar rimas como se disse não é critério suficiente para classificálo como poesia basta lembrar que batatinha quando nasce é um texto em versos rimados Então qual o critério necessário e suficiente para se classificar um texto como poesia A pergunta não é fácil de ser respondida Afirmei neste livro que os critérios de literário e de belo não são absolutos pois estão ligados a juízos de valor embora possa haver consenso sobre a natureza artística de algumas obras Para responder a essa questão é preciso voltar a um conceito já exposto o de gênero lírico pois excetuando a epopeia a poesia pertence ao gênero lírico que como se viu está centrado no individual na emoção na subjetividade Mesmo quando se volta para a realidade objetiva a poesia a vê subjetivamente ou seja o eu apreende a realidade objetiva e a expressa subjetivamente ou como afirma Aguiar e Silva 2011 584 o acontecimento exterior quando está presente num texto lírico permanece sempre literalmente como um pretexto em relação à estrutura e ao significado desse texto Em outros termos podese dizer que o que caracteriza a poesia é uma forma de enunciação denominada lírica Ao contrário dos gêneros em prosa romance novela conto na poesia lírica não há a presença de um narrador mas de um eu individualizado que fala no poema chamado propriamente de eu lírico Também na poesia lírica não há temporalidade não há um antes nem um depois pois não se conta uma história como nas formas narrativas daí seu caráter estático Voltando ao soneto de Augusto dos Anjos podese observar que a centrase no individual Eu filho do carbono e do amoníaco b não há um relato de fatos que se sucedem no tempo Isso não significa que não se possam encontrar estruturas narrativas na poesia lírica Como se viu o soneto camoniano Sete anos de pastor Jacó servia narra um acontecimento Se considerarmos o poema lírico um macroato de fala virtual virtual porque não se trata de um ato de fala que corresponda ao mundo empírico mas ao mundo construído pelo texto literário sua força ilocucionária não se encontra no narrar Ao contrário das formas narrativas que representam a realidade sob o ângulo da práxis isto é do fazer humano a poesia representa a realidade a partir do phatos isto é do sentir A linguagem da poesia tem uma configuração especial o que a torna intraduzível Volto ao soneto de Camões Amor é um fogo que arde sem se ver e ao texto de Mira y López no item Literatura e literariedade do capítulo O que é literatura Ambos como se viu abordam o mesmo tema o amor Mas enquanto se pode dizer a um interlocutor o que Mira y López diz usando outra forma de linguagem verbal não se consegue reproduzir o que Camões diz a não ser dizendoo da mesma forma como ele disse ou seja enquanto o texto de Mira y López é traduzível o soneto camoniano é intraduzível Lendo o texto de Camões participamos com o poeta do que ele sentiu e viveu em relação ao amor Participar etimologicamente significa fazer com que os outros tomem parte do que está dentro de nós No texto de Mira y López não há o objetivo da participação pois ele não exprime o que sentiu ou viveu mas o que conhece objetivamente A linguagem de Camões fala ao sensível a de Mira y López ao inteligível Quanto ao poema de Augusto de Anjos seria possível exprimilo em outra linguagem trocando por exemplo as palavras não poéticas por outras Parece claro que não pois o que se obteria seria qualquer coisa menos o poema Psicologia de um vencido já que esse só existe naquela conformação textual Quando se diz que a poesia é intraduzível não se está afirmando que ela não possa ser traduzida para outra língua embo 28 ra isso seja verdade mas que ela é intraduzível mesmo dentro da própria língua Isso porque na poesia a linguagem verbal está associada ao ritmo à sonoridade das palavras e às imagens sugeridas por elas Se a poesia é intraduzível dentro da própria língua a fortiori ela o será de uma língua a outra Um poema como O corvo The Raven de Edgar Allan Poe explora o caráter significativo de fonemas que lembram o crocitar de um corvo Ao final de várias estrofes repetese o enunciado never more que traduzido para o português nunca mais não tem o mesmo efeito de sentido do que a expressão original Experimente repetir várias vezes as expressões never more e nunca mais e verificará que never more ao contrário de nunca mais imita o crocitar do corvo Somese a isso que no poema more rima com door floor implore explore shore before Lenore o nome da amada do poeta Atente ainda que os fonemas consonantais de raven são os mesmos de never ao contrário rvnnvr PARA SABER MAIS Na gravação da canção Velha roupa colorida de Belchior Elis Regina repete as palavras raven e never várias vezes a fim de destacar seu caráter onomatopeico o que não aconteceria se repetisse os equivalentes em português corvo e nunca Como Poe poeta louco americano Eu pergunto ao passarinho Black bird o que se faz Raven never raven never raven Black bird me responde Tudo já ficou pra trás Raven never raven never raven Assumpreto me responde O passado nunca mais lugar pelo ritmo Se a poesia pode prescindir de rima e metro não há poesia se não houver ritmo isto é as palavras na poesia não são apenas unidades de significado são também unidades melódicas por isso é mais fácil memorizar um poema do que um texto em prosa O ritmo é inerente ao verso seja ele metrificado ou não e está ligado ao tempo de sorte que o que confere ritmo à poesia é a forma com que as palavras sucedem no tempo e sua percepção se dá auditivamente portanto duas palavras definem ritmo temporalidade e sonoridade Pelo ritmo alguns elementos do verso são destacados Falei anteriormente em protocolos de leitura conjunto de procedimentos mobilizados na leitura de um texto Na leitura de poesia um dos procedimentos essenciais é o leitor identificar o ritmo dos versos e não ficar restrito apenas aos aspectos semânticos do texto É preciso pois olhar a poesia como objeto semiótico em que se conjugam o verbal o sonoro e em alguns casos até o visual No nível sonoro além do ritmo há que se destacar o papel exercido pelas chamadas figuras fônicas rimas aliterações assonâncias paronomásias Evidentemente essas figuras não devem ser vistas apenas como recursos sonoros pois elas também são responsáveis pela progressão textual à medida que estabelecem entre segmentos textuais os versos por exemplo relações semânticas eou pragmáticodiscursivas Aliteração é a repetição ordenada de um mesmo som consonantal A fome quando ferra nos faz feras Mia Couto Assonância é a repetição ordenada de mesmos sons vocálicos o que o vago e incógnito desejo de ser eu mesmo de meu ser me deu Fernando Pessoa A paronomásia consiste na aproximação de palavras de sons parecidos mas de significados distintos Aquela cativa que me tem cativo porque nela vivo já não quer que viva Camões Ressaltese que a ocorrência de uma dessas figuras num texto não exclui a possibilidade de outras ou seja podemse encontrar textos em que foram trabalhadas ao mesmo tempo aliteração assonância e paronomásia O gênero épico O que caracteriza o gênero épico é o fato de contar algo em prosa ou verso por isso se trata de um gênero essencialmente narrativo A presença de um narrador é condição essencial do gênero épico O narrador é o autor da obra Nas narrativas ficcionais não O autor é o sujeito empírico ou seja o indivíduo biológico com responsabilidades jurídicas e sociais cujo nome ou pseudônimo aparece na capa eou no frontispício da obra Graciliano Ramos Guimarães Rosa José Saramago Marques Rabelo a quem cabe a autoria em todas as suas instâncias quer a direitos quer a deveres Em sua atividade o autor empírico entidade real é o responsável pelas estratégias discursivas escolha de um autor textual dos narradores do gênero do tema das personagens etc O autor textual é o enunciador no texto literário e pode delegar a função de enunciador a um ou mais de um narrador No caso das narrativas com narrador não explicitado este se confunde com o autor textual Como essas entidades são ontologicamente distintas pode haver entre elas distâncias particularmente de natureza ideológica de onde não se pode julgar o autor empírico pelo autor textual Lembrese ainda de que quando o autor textual se manifesta no texto por um eu que fala no enunciado ao apropriarse do aparelho formal da língua ele constitui um tu o narratário e instaura um sistema de coordenadas espaçotemporais que serão manifestadas linguisticamente pelos dêiticos e tempos verbais No texto literário os dêiticos não estão relacionados ao mundo factual mas ao mundo construído pela narrativa já que a linguagem literária referese a um mundo construído pelo texto Em O barco da morte de D W Lawrence o dêitico agora que inicia o poema Agora é outono e os frutos caem e há uma longa jornada para o esquecimento não deve ser entendido como o momento em que o poeta escreveu o verso mas como um tempo ficcional O poema não necessariamente foi escrito no outono os frutos podiam não estar caindo Assim como o eu que fala no poema é ficcional todo esse enunciado deve ser lido como ficcional O texto a seguir é o início do capítulo xlv de Dom Casmurro e serve como exemplo para esclarecer a distinção entre autor e narrador Abane a cabeça leitor faça todos os gestos de incredulidade Chegue a deitar fora este livro se o tédio já o não obrigou a isso antes tudo é possível Mas se o não fez antes e só agora fio que torne a pegar do livro e que o abra na mesma página sem crer por isso na veracidade do autor Todavia não há nada mais exato Foi assim mesmo que Capitu falou com tais palavras e maneiras Falou do primeiro filho como se fosse a primeira boneca Assis Machado de Dom Casmurro Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p 858 O autor de Dom Casmurro é o escritor brasileiro Machado de Assis mas quem narra é Bentinho o Dom Casmurro Como o trecho anterior é um enunciado narrativoficcional a palavra autor não se refere evidentemente ao autor empírico Machado de Assis mas ao autor ficcional que é o mesmo que no início da obra afirma Agora que expliquei o título passo a escrever o livro Por uma estratégia narrativa quem escreve o livro é uma entidade ficcional Bentinho e não Machado de Assis O gênero épico apresenta três elementos substanciais personagem evento e espaço além do que toda a narrativa se desenrola no tempo ou seja há sempre um antes e um depois As narrativas podem estar centradas no evento por exemplo a Ilíada focada na cólera de Aquiles Os sertões na campanha de Canudos o conto O peru de Natal de Mário de Andrade numa ceia em família na noite de Natal e Famigerado de Guimarães Rosa centrado no sentido da palavra que dá título ao conto Outras narrativas centramse na personagem como o poema épico Odisseia centrado na figura de Ulisses Odisseu os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis e Mrs Dalloway de Virgínia Woolf o conto Gaetaninho de Antônio de Alcântara Machado centrados nas personagens que dão título às obras Há também narrativas centradas no espaço como em A divina comédia de Dante Alighieri e O cortiço de Aluísio de Azevedo Sob o gênero épico abrigamse produções literárias das mais diversas indo dos poemas épicos da Antiguidade Odisseia Ilíada Eneida até o romance moderno considerado por alguns estudiosos uma transmutação da poesia épica que é a narração de feitos de homens valorosos Ao contrário do que ocorre com o gênero lírico que se apresenta como uma unidade indissolúvel o épico admite fragmentação em partes menores O romance e a novela podem apresentar capítulos o episódio dos moinhos de vento em Dom Quixote por exemplo um poema épico episódios em torno de um determinado acontecimento o canto das sereias na Odisseia o Gigante Adamastor em Os lusíadas Enquadramse também no gênero épico outras formas de narrativa como a novela o conto a fábula Como as formas que o épico pode assumir são várias apresento dois trechos ilustrativos de obras de tipos diferentes um trecho do poema A divina comédia de Dante Alighieri e um do Livro das mil e uma noites de autores desconhecidos Canto I O poeta se surpreende numa selva escura e dela não consegue sair impedido por uma pantera um leão e uma loba subitamente avista um vulto a quem pede socorro e vê tratarse da sombra de Virgílio A meio do caminho desta vida acheime a errar por uma selva escura longe da boa via então perdida Ah Mostrar qual a vi é empresa dura essa selva selvagem densa e forte que ao relembrála a mente se tortura Ela era amarga quase como a morte Para falar do bem que ali achei de outras coisas direi de vária sorte que se passaram Como entrei não sei era cheio de sono àquele instante em que da estrada real me desviei Chegando ao pé de uma colina adiante lá onde a triste lunda era acabada que me encher a horror o peito arfante olhei para o alto e vi iluminada a sua encosta aos raios do planeta que a todos mostra o rumo de cada estrada Alighieri Dante A divina comédia 7 ed Belo Horizonte Vila Rica 1991 pp 101102 Livro das mil e uma noites Disse o autor contase mas Deus conhece mais o que já é ausência e é mais sábio quanto ao que nas crônicas dos povos passou se distanciou e desapareceu que havia em tempos remotos no reino sassânda nas penínsulas da Índia e da Indochina dois reis irmãos o maior chamado Sahriyar e o menor Sahzaman O mais velho Sahriyar era um cavaleiro poderoso um bravo campeão que não deixava apagarse o fogo de sua vingança a qual jamais tardava Do país dominou as regiões mais recônditas e dos súditos os mais renitentes E depois de assenhorarse do país e dos súditos entronizou como sultão no governo da terra de Samarcanda seu irmão Sahzaman que por lá se estabeleceu ao passo que ele próprio se estabelecia na Índia e na Indochina Tal situação se prolongou por dez anos ao cabo dos quais Sahriyar saudoso do irmão mandou atrás dele seu vizir o qual tinha duas filhas uma chamada Sahrazad e a outra Dinarzad O rei determinou a esse vizir que fosse até Sahzaman e se apresentasse a ele Assim o vizir muniuse dos apetrechos necessários e viajou durante dias e noites até chegar a Samarcanda Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 1 p 39 Os textos têm em comum o fato de serem constituídos por sequências narrativas portanto enquadráveis no gênero épico Quanto às diferenças o primeiro é escrito em versos o segundo em prosa No primeiro o narrador faz parte da história narrada no segundo não faz parte Evidentemente restringime a apresentar apenas as diferenças relativas à estrutura composicional deixando de lado diferenças quanto a tema e estilo O gênero dramático O adjetivo dramático provém da palavra grega drama que significa ação Para Aristóteles o gênero dramático se caracteriza pelas personagens em ação diante do público por isso esse gênero tem todas as características para ser representado Os dramas podem ser escritos tanto em verso quanto em prosa e neles predominam as sequências dialogais Na Antiguidade e na Idade Média predominam as representações em verso hoje é mais comum as em prosa O trecho a seguir extraído do primeiro ato de Hamlet de William Shakespeare em que Hamlet filho do falecido rei e sobrinho do atual rei da Dinamarca dialoga com seu amigo Horácio é um exemplo de texto dramático HORÁCIO Senhor eu vim pra assistir aos funerais de seu pai HAMLET Ou seja veio assistir aos esponsais de minha mãe HORÁCIO É verdade senhor foram logo em seguida HAMLET Economia Horácio Os assados do velório puderam ser servidos como frios na mesa nupcial Preferia ter encontrado no céu meu pior inimigo do que ter visto este dia Meu pai estou vendo meu pai Horácio HORÁCIO Seu pai Onde senhor HAMLET No olhar do espírito Horácio HORÁCIO Eu o vi uma vez era um belo rei HAMLET Era um homem e nada mais importa Jamais haverá um outro como ele HORÁCIO Senhor acho que o vi ontem de noite HAMLET Viu quem HORÁCIO Contenha seu espanto por um instante e me dê ouvido atento pra que eu lhe conte o prodígio que vi testemunhado por meus companheiros HAMLET Pelo amor de Deus sou todo ouvidos Fala Shakespeare William Hamlet Porto Alegre LPM 2012 p 25 Como se pode notar as ações são representadas por meio das falas das personagens que interagem Não há ao contrário do gênero épico um narrador a relatar os acontecimentos Sequências textuais Há alguns anos quando se fazia referência a tipos de texto costumavase falar em descrição narração e dissertação Essa tipologia era ensinada na escola e cobrada em provas e exames Ocorre que uma tipologia que agrupe textos em descrição narração e dissertação é um procedimento muito genérico Primeiro não se trata de gêneros textuais segundo essa classificação não dá conta da variedade de textos que circulam socialmente terceiro na prática dificilmente encontraremos textos que sejam exclusivamente descritivos narrativos ou dissertativos Conforme visto e com fundamento em Bakhtin 2000 os textos literários ou não materializamse em enunciados relativamente estáveis a que se dá o nome de gêneros Ocorre que os textos verbais independentemente do gênero a que pertencem são heterogêneos Um conto que é uma narrativa pode apresentarse sob várias formas diferentes conto fantástico conto de terror conto de mistério microconto etc Além disso as narrativas literárias não costumam apresentarse em formas puras Um romance ou um conto não são constituídos apenas de narrações podendo conter descrições diálogos argumentos explicação de fatos ou acontecimentos etc Para Adam 2011 os textos são constituídos por sequências com características linguísticas e propósitos sociodiscursivos próprios responsáveis pela organização da textualidade Quanto às características linguísticas refirome a formas dependentes dos aspectos morfossintáticos da língua Os propósitos sociodiscursivos remetem ao valor ilocucionário dos enunciados isto é ao propósito comunicativo à intencionalidade Com base nisso as sequências textuais são classificadas em cinco tipos básicos que correspondem a cinco macroações discursivas armazenadas na memória que funcionam como esquema que permite reconhecer e estruturar os textos narrar descrever explicar argumentar e dialogar Sequências textuais não são textos mas construções teóricas que materializadas linguisticamente nos textos caracterizamno como um tipo textual em função da sequência dominante daí se falar em textos narrativos descritivos argumentativos explicativos e conversacionais No processamento da leitura mobilizamse conhecimentos textuais Esse conhecimento permite por exemplo saber se se trata de um texto narrativo descritivo ou argumentativo A partir de agora discuto os tipos de texto narrativo descritivo argumentativo etc lembrando que os textos são marcados pela heterogeneidade isto é neles costuma haver uma mescla de sequências sendo uma predominante aquela que determina o propósito comunicativo do texto Os gêneros literários em prosa conto novela romance são narrativos já que o propósito deles é contar um fato portanto neles predominam as sequências narrativas Subsidiariamente neles pode haver sequências descritivas descrição de personagem ou ambiente sequências dialogais reprodução direta de diálogos de personagens sequências argumentativas o narrador suspende a narrativa para defender uma ideia uma personagem argumenta em favor de alguma coisa e em alguns casos até mesmo sequências explicativas quando por exemplo o narrador ou uma personagem sente necessidade de explicar objetivamente algo ao leitor para que ele compreenda melhor a ação ou um dos elementos dela Quanto aos gêneros literários em versos pode haver poemas narrativos as epopeias descritivos apresentados em forma de diálogo e até mesmo poemas em que predomina a argumentação A gramática tradicional ensina que os textos são constituídos de períodos definidos como unidades de sentido de extensão variável começando na escrita por letra maiúscula e terminando por ponto ponto de exclamação de interrogação ou reticências Embora haja períodos formados por uma única oração via de regra eles resultam de um encadeamento de orações que se justapõem ou se relacionam por meio de conectores que estabelecem relação de coordenação ou subordinação entre as unidades do período Ocorre que o texto não é um somatório de períodos mas uma unidade de sentido mais ampla do que o conjunto das Conectores são palavras que estabelecem uma relação sintática entre segmentos textuais A gramática tradicional chama essas palavras de conectivos que são normalmente representados pelas conjunções preposições e pronomes relativos Certos conectivos estabelecem também relações semânticas entre segmentos textuais 33 frases que o compõe por isso a incapacidade de a gramática tradicional explicar os textos A linguística textual foca seu estudo não na frase mas numa unidade mais complexa o texto que não é simplesmente um agrupamento de frases já que entre estas se estabelecem relações configurando as sequências textuais Isso possibilitou que se substituísse uma tipologia tradicional generalizante de largo uso na escola descrição narração e dissertação por outra capaz de descrever melhor a organização dos tipos de texto com base não apenas em seus aspectos pragmáticos mas também em sua estruturação linguística Esclareço que as sequências textuais dizem respeito à infraestrutura ou seja ao modo de organização do texto assegurando sua progressão por meio de retomadas substituições lexicais pronominalização referenciação etc Embora as sequências textuais sejam unidades relativamente autônomas há entre elas relações semânticas normalmente estabelecidas por procedimentos responsáveis pela coesão textual Se o número de gêneros textuais é aberto na medida que novos gêneros surgem para atender a novos propósitos comunicativos as sequências textuais variam menos Embora possa haver pequenas divergências entre autores sobretudo quanto à nomenclatura empregada a classificação das sequências textuais costuma levar em conta tanto critérios internos linguísticos tais como o modo como as proposições se sucedem linearmente tipos de predicação seleção lexical como externos aspectos pragmáticos Neste livro são comentadas cinco sequências textuais narrativas descritivas explicativas argumentativas dialogais Bronckart 2007 comentando a classificação de Adam 2011 menciona ainda as sequências injuntivas que seriam um tipo particular de sequência descritiva que se caracteriza por fazer ver as ações mostrando como a descrição se organiza Nesse caso ainda segundo Bronckart a intenção do produtor é levar o leitorouvinte a um fazer agir Como exemplos de sequências injuntivas podem ser citadas as receitas culinárias e manuais de instrução Sequências narrativas Uma sequência narrativa prototípica tem a seguinte característica básica há uma situação inicial marcada pelo equilíbrio que é alterada desencadeando transformações complicação seguese uma série de ações decorrentes dessa transformação que levarão a uma resolução da intriga conflito terminando em uma situação final que se caracteriza por um novo estado de equilíbrio Esquematizando situação inicial complicação ações resolução situação final equilíbrio tensão equilíbrio As sequências narrativas caracterizamse pelo encadeamento cronológicocausal de ações predicadas ao agente humano ou antropomorfizado como a agulha e a linha no conto machadiano Um apólogo Do ponto de vista linguístico além dos verbos que exprimem ação normalmente expandidos por circunstantes de lugar tempo modo causa há a presença do discurso relatado direto indireto indireto livre Os gêneros literários em que as sequências narrativas são dominantes são aqueles que relatam uma história o conto a novela o romance a epopeia Segue um conto japonês do século VIII de autor desconhecido a fim de exemplificar a sequência narrativa Espelho no cofre De volta de uma longa peregrinação um homem carregava sua compra mais preciosa adquirida na cidade grande um espelho objeto até então desconhecido para ele Julgando reconhecer ali ao olharse o rosto do pai encantado ele levou o espelho para sua casa 34 Guardouo num cofre no primeiro andar sem dizer nada a sua mulher E assim de vez em quando quando se sentia triste e solitário abria o cofre para ficar a contemplar o rosto do pai Sua mulher observou que ele tinha um aspecto diferente um ar engraçado toda vez que o via descer do quarto de cima Começou a espreitálo e descobriu que o marido abria o cofre e ficava longo tempo olhando para dentro dele Depois que o marido saiu um dia ela abriu o cofre e nele espantada viu o rosto de uma mulher Inflamada de ciúme investiu contra o marido e deuse então uma grave briga de família O marido sustentava até o fim que era o seu pai quem estava escondido no cofre Por sorte passava pela casa deles uma monja Querendo esclarecer de vez a discussão ela pediu que lhe mostrassem o cofre Depois de alguns minutos no primeiro andar a monja comentou ainda lá de cima Ora vocês estão brigando em vão no cofre não há homem nem mulher mas tão somente uma monja como eu Espelho no cofre Os grandes contos populares do mundo Rio de Janeiro Ediouro 2005 pp 298299 Esse conto apresenta a seguinte sequência narrativa a situação inicial trazer o espelho para casa guardálo e nele mirarse b complicação a descoberta da mulher c ações abertura do cofre pela mulher briga em família justificativa do marido d resolução esclarecimento dado pela monja A situação final coincide com a resolução do conflito que põe fim à narrativa Sequências descritivas Nas sequências descritivas não há encadeamento cronológico de fatos ou seja não havendo sucessão de acontecimentos no tempo não há temporalidade não há um antes nem um depois nem causalidade Aquilo que é descrito ancoragem ou tema da descrição é apresentado num determinado momento Esse tema é caracterizado por meio de suas propriedades qualidades localização espacial etc Normalmente aquilo que é descrito costuma ser decomposto em suas partes constituintes Pode ocorrer ainda o relacionamento de elementos descritos por meio de metáforas ou comparações Predominam verbos de estado e situação Segue um trecho extraído do romance A peste de Albert Camus Aparenta trinta e cinco anos Estatura mediana Ombros fortes Rosto quase retangular Olhos escuros e diretos mas maxilares proeminentes O nariz forte é regular Cabelos pretos cortados muito curtos A boca é arqueada com os lábios cheios e sempre fechados Tem um pouco o ar de um camponês siciliano com a pele queimada o cabelo preto e as roupas sempre de cor escura mas que lhe ficam bem Camus Albert A peste 17 ed Rio de Janeiro Record 2007 p 31 Essa sequência descritiva referese à personagem Rieux apresentada no final do parágrafo anterior da narrativa que se configura o tema da descrição Como se pode observar há um processo de decomposição do todo descrito em suas partes constituintes ombros rosto olhos maxilares nariz cabelos boca lábios que são aspectualizadas por meio de suas propriedades expressas por adjetivos ombros fortes rosto retangular olhos escuros e diretos maxilares proeminentes nariz forte e regular cabelos pretos curtos boca arqueada lábios cheios e fechados Esses elementos descritos são depois relacionados por meio de comparação ar de um camponês siciliano Do ponto de vista linguístico há o predomínio de formas nominais substantivos para os temas e adjetivos para as propriedades frases nominais e coordenação de ideias Muitos textos narrativos costumam se iniciar por uma sequência descritiva com o propósito de caracterizar de pronto a personagem como ocorre neste trecho do conto A caolha de Júlia Lopes de Almeida em que um narrador heterodiegético apresenta um retrato da personagem que dá título ao conto A caolha era uma mulher magra alta macilenta peito fundo busto arqueado braços compridos delgados largos nos cotovelos grossos nos pulsos mãos grandes ossudas estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho unhas grossas chatas e cinzentas cabelo crespo de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento boca descaída numa expressão de desprezo pescoço longo engelhado como o pescoço dos urubus dentes falhos e cariados ALMEIDA Júlia Lopes de A caolha In MORICONI Italo Org Os cem melhores contos brasileiros do século Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 49 Sequências argumentativas Inicialmente devese destacar que segundo Ducrot 1981 todo discurso comporta uma orientação argumentativa Para esse autor a argumentatividade é constitutiva de todos os discursos Quando aqui se fala em sequências argumentativas fazse referência à materialização de processo cognitivo denominado raciocínio argumentativo que consiste na apresentação de uma tese sobre um tema à qual são acrescentados dados novos que orientam para uma conclusão ou nova tese ou seja pelas sequências argumentativas realizamse propósitos comunicativos específicos qual seja levar o interlocutor a aderir a um ponto de vista apresentado Esse tipo de sequência desenvolvese por inferências argumentos e contraargumentos a partir de dados pressupostos Podese esquematizar essa sequência desta forma tese ou premissa argumentos contraargumentos conclusão ou nova tese As sequências argumentativas são dominantes nos gêneros literários cujo propósito comunicativo é a persuasão do leitor visando conseguir sua adesão a uma determinada tese como ocorre no sermão vide como exemplos os Sermões do padre Antônio Vieira Do ponto de vista linguístico predomina o encadeamento lógico de orações modalizadores operadores argumentativos e verbos que introduzem opiniões Segue um soneto de Gregório de Matos a fim de mostrar como se configura a argumentação A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei Senhor mas não porque hei pecado Da vossa alta clemência me despido Porque quanto mais tenho delinquido Vos tenho a perdoar mais empenhado Se basta a vos irar tanto pecado A abrandarnos sobeja um só gemido Que a mesma culpa que vos há ofendido Vos tem para o perdão lisonjeado Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu como afirmais na sacra história Eu sou Senhor a ovelha desgarrada Cobraia e não quereis pastor divino Perder na vossa ovelha a vossa glória MATOS Gregório de In CANEDO Antonio CASTELO José Aderaldo Presença da literatura brasileira e das origens ao romantismo 5 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 72 O interesse aqui não é fazer uma análise detalhada do poema Apresento esse soneto apenas como exemplo de sequência argumentativa o que pode ser facilmente percebido caso se atente que ele se desenvolve como um silogismo raciocínio tipicamente argumentativo que parte do geral premissa para o particular conclusão Há no soneto uma tese premissa maior à qual se somam argumentos visando a uma conclusão deles decorrente Esquematizando o silogismo A glória de Deus está no perdoar ao pecador premissa maior Eu sou pecador premissa menor Logo Deus tem de me conceder o perdão para manter sua glória conclusão Ou em outros termos A bondade divina se manifesta no perdoar ao pecador premissa maior Sou pecador premissa menor Logo para exercer sua bondade Deus terá de me perdoar conclusão O caráter persuasivo do poema remete a um dilema para que exista perdão é preciso que haja pecado se não houver pecado não existe perdão E como Deus é clemente é necessário que haja o pecado para que ele possa manifestar sua clemência Na busca de um discurso persuasivo Gregório de Matos se afasta do caráter mais inventivo de certas manifestações literárias Seu discurso não é lúdico O jogo com as palavras seus sons e significados é deixado de lado em favor da exposição de um raciocínio persuasivo o lúdico cede lugar ao polêmico Sequências explicativas As sequências explicativas estão ligadas a processos cognitivos que envolvem análise e síntese de conceitos ou fatos procurando estabelecer relações de causa e efeito entre conceitos Nesse tipo de sequência partese do pressuposto de que o interlocutor não sabe X e a função é fazêlo saber X O exemplo prototípico de sequência explicativa é o texto didático Lencastre 2003 comparando as sequências explicativas com as narrativas salienta que nas primeiras o leitor assume a informação como verdadeira ao passo que as segundas são ficcionais por natureza As sequências narrativas desenvolvemse cronologicamente e ocorrem em um espaço definido as explicativas podem não apresentar ordem temporal e nelas normalmente o espaço é genérico Enquanto as sequências narrativas podem ocorrer na linguagem oral as explicativas têm maior incidência na escrita Segundo Bronckart 2007 apresentam o seguinte esquema constatação inicial problematização resolução conclusãoavaliação reformulação da constatação inicial apresentação do fenômeno causas informações adicionais Do ponto de vista linguístico a característica dos textos explicativos é marcada pela enunciação no presente do indicativo a partir do qual se instaura um eixo de coordenadas espaçotemporais um aqui e um agora O enunciador muitas vezes deixa marcas explícitas da enunciação no enunciado por meio de expressões como creio pareceme e equivalentes Dada a natureza objetiva e didática dos textos explicativos sua presença na literatura é pouco frequente Numa narrativa o narrador pode dela se valer para apresentar informações para que o leitor situe a narrativa num determinado contexto histórico É o que ocorre por exemplo no romance A cartuxa de Parma de Stendhal como se pode observar no trecho a seguir Em 1796 o exército milanês se compunha de vinte e quatro patifes vestidos de vermelho que guardavam a cidade em comum acordo com quatro magníficos regimentos de granadeiros húngaros A liberdade de costumes era extrema mas a paixão muito rara aliás além do desprazer de ter de contar tudo ao cura sob pena de ruína neste próprio mundo o bom povo de Milão ainda era submetido a certos pequenos entraves monárquicos que não deixavam de ser vexatórios Por exemplo o arquiduque que residia em Milão e governava em nome do imperador seu primo tivera a lucrativa ideia de comandar o comércio de trigo Por conseguinte houve a proibição aos camponeses de vender seus grãos até que Sua Alteza tivesse enchido os próprios armazéns STENDHAL A cartuxa de Parma São Paulo Companhia das Letras 2012 pp 3435 Como outro exemplo de uma sequência explicativa seguem os versos do poeta paraibano Janduhi Dantas que se vale da literatura de cordel para transmitir um saber A vírgula entre o sujeito e o verbo da oração não deve ser colocada se juntos eles estão em Joel chutou a bola há erro de pontuação Os homônimos são palavras de mesma pronunciação Às vezes mesma grafia os homônimos terão só que serão diferentes em sua significação DANTAS Janduhi Lições de gramática em versos de cordel Petrópolis Vozes 2009 pp 43 e 55 Sequências dialogais Frequentes na linguagem oral as sequências dialogais também ocorrem na linguagem escrita e portanto na literatura quando essa tem por escopo a reprodução de falas A característica essencial desse tipo de sequência é a sucessão coordenada de trocas os turnos de fala Se no discurso oral esses turnos são assumidos diretamente pelos envolvidos no processo interacional no texto literário eles são reproduções de falas de personagens inseridas no discurso principal Por isso Bronckart 2007 fala de discursos interativos primários para as sequências dialogais da oralidade e de discursos interativos secundários para as sequências dialogais na escrita Na medida em que os turnos se sucedem personagens interagem na conversação e são dadas a conhecer mutuamente isto é o leitor passa a conhecer as personagens pelo que uma diz para outra Embora as falas isoladamente em alguns casos possam parecer desconexas a coerência é dada pelo todo que forma um texto único muitas vezes inserido em outro texto A sequência dialogal prototípica é formada por uma abertura uma fase transacional e um encerramento e pode ser assim esquematizada Fase 1 Locutor 1 intercâmbio de abertura Locutor 2 Fase 2 Locutor 1 Pergunta Locutor 2 Resposta fase transacional Locutor 1 Avaliação Fase 3 Locutor 1 intercâmbio de fechamento Locutor 2 As sequências dialogais costumam estar inseridas em gêneros narrativos com o propósito de reproduzir as falas das personagens em discurso direto e também na representação teatral Quando isso ocorre a narrativa se bifurca de um lado temos o épico o mundo narrado de outro o dramático Como exemplos de sequências dialogais na literatura podem ser citados o conto Cinquenta mil de Ernest Hemingway já mencionado e o trecho a seguir do poema Morte e vida severina de João Cabral de Melo Neto A quem estais carregando irmãos das almas embrulhado nessa rede dissei que eu saiba A um defunto de nada irmão das almas que há muitas horas viaja à sua morada E sabeis quem era ele irmãos das almas sabeis como ele se chama ou se chamava Severino Lavrador irmão das almas Severino Lavrador mas já não lavra E de onde que o estais trazendo irmãos das almas onde foi que começou vossa jornada Onde a Caatinga é mais seca irmão das almas onde uma terra que não dá nem planta brava E foi morrida essa morte irmã das almas essa foi morte morrida ou foi matada Até que não foi morrida irmã das almas esta foi morte matada numa emboscada MELO NETO João Cabral de Morte e vida severina e outros poemas em voz alta 9 ed Rio de Janeiro José Olympio1976 pp 7576 PARA TRABALHAR COM SEUS ALUNOS Atividade 1 Objetivo Reconhecer o gênero a que pertencem os textos Identificar a conteúdo temático b estilo e c estrutura composicional Num romance que é um gênero narrativo de certa extensão podemos encontrar textos pertencentes a outros gêneros como uma carta ou bilhete que uma personagem escreve a outra um poema um anúncio etc Os textos a seguir fazem parte do romance Triste fim de Policarpo Quaresma Solicite a seus alunos que identifiquem o gênero a que pertencem e comentemno à luz das categorias propostas por Bakhtin 2000 conteúdo temático estilo e estrutura composicional Para o texto 2 devem levar em conta apenas a história que uma das personagens lê para as outras Texto 1 Policarpo Quaresma cidadão brasileiro funcionário público certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil certo também de que por esse fato o falar e o escrever em geral sobretudo no campo das letras se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua sabendo além que dentro do nosso país os autores e os escritores com especialidade os gramáticos não se entendem no tocante à correção gramatical vendose diariamente surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma usando do direito que lhe confere a Constituição vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupiguarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro O suplicante deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo é a sua criação mais viva e original e portanto a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática Demais Senhores Congressistas o tupiguarani língua originalíssima aglutinante é verdade mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza é a única capaz de traduzir as nossas belezas de pôrnos em relação com a nossa natureza e adaptarse perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos evitandose dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura científica e filosófica Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade P e E deferimento BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2011 pp 139140 Texto 2 Vou ler aos senhores uma pequena história do macaco das muitas que o povo conta Só eu já tenho perto de quarenta e pretendo publicálas sob o título Histórias do Mestre Simão E sem perguntar se os incomodava ou se estavam dispostos a ouvir começou O macaco perante o juiz de direito Andava um bando de macacos em troça pulando de árvore em árvore nas bordas de uma grota Eis senão quando um deles vê no fundo uma onça que lá caíra Os macacos se enternecem e resolvem salvála Para isso arrancaram cipós emendaramnos bem amarraram a corda assim feita à cintura de cada um deles e atiraram uma das pontas à onça Com o esforço reunido de todos conseguiram içála e logo se desamarraram fugindo Um deles porém não pôde fazer a tempo e a onça segurouo imediatamente Compadre Macaco disse ela tenha paciência Estou com fome e você vai fazerme o favor de deixarse comer O macaco rogou instou chorou mas a onça parecia inflexível Simão então lembrou que a demanda fosse resolvida pelo juiz de direito Foram a ele o macaco sempre agarrado pela onça É juiz de direito entre os animais o jabuti cujas audiências são dadas à borda dos rios colocandose ele em cima de uma pedra Os dous chegaram e o macaco expôs as suas razões O jabuti ouviuo e no fim ordenou Bata palmas Apesar de seguro pela onça o macaco pôde assim mesmo bater palmas Chegou a vez da onça que também expôs as suas razões e motivos O juiz como da primeira vez determinou ao felino Bata palmas A onça não teve remédio senão largar o macaco que se escapou e também o juiz atirandose nágua Acabando a leitura o velho dirigiuse aos dois Não acham interessante Muito Há no nosso povo muita intenção muita criação verdadeiro material para fabliaux interessantes No dia em que aparecer um literato de gênio que o fixe numa forma imortal Ah Então BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2012 pp 111112 Atividade 2 Objetivos 1 Reconhecer as características de um poema lírico particularmente quanto ao seu estrato sonoro 2 Levantar pistas que possibilitem construir um sentido para o texto Observação Para um melhor aproveitamento dos recursos poéticos do texto seria recomendável uma leitura em voz alta Inicialmente devese chamar a atenção dos alunos para a configuração gráfica do texto O fato de ele estar escrito em versos agrupados em estrofes quartetos Mostrar que os versos são regulares todos decassílabos destacando que a regularidade decorre não do número de palavras mas do de sílabas Podemse comparar o verso noites da solidão noites remotas com o verso quando os sons dos violões nas cordas gemem destacando que apesar de o primeiro ter cinco palavras e o segundo oito o número de sílabas métricas é idêntico dez Ainda olhando o texto do ponto de vista semiótico mostrar que o final do verso nem sempre coincide com o final da frase ocorrendo o encadeamento ou enjambement Familiarizados com o aspecto visual os alunos deverão ser levados a perceber o estrato fônico começando pelo ritmo observando a sucessão na linha sintagmática de sílabas átonas e tônicas e que as tônicas estão sempre em sílabas pares Além do ritmo destacar outros aspectos do estrato fônico como o esquema rímico rimas cruzadas o primeiro verso de cada estrofe rima com o terceiro e o segundo com o quarto aliterações assonâncias nasalizações marcadas pelo til ou pelas letras m e n em final de sílabas pluralização com a repetição da sibilante Familiarizados com o ritmo e a melodia levar os alunos a atentar para o componente lexical Destacar algumas palavras do texto como estrutura características especiais diferenciandoo de outras formas narrativas em prosa novela e romance Não há propriamente uma definição de conto o melhor seria dizer que há teorias do conto enquadradas numa teoria mais ampla a narratologia estudo das formas narrativas literárias e não literárias tendo por fundamento os estudos da semiótica Mário de Andrade para quem conto é aquilo que seu autor batizou de conto já chamava a atenção para esse fato ao iniciar seu conto Vestida de negro com a seguinte afirmação Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não sei que é verdade Para Bakhtin 2000 os gêneros são formas relativamente estáveis isso é visível quando se compara um conto recolhido pelos irmãos Grimm a contos de Cortázar Hemingway Borges Dalton Trevisan Clarice Lispector por exemplo Por isso este livro não propõe uma definição fechada de conto Apoiado em alguns autores e teorias sobre o conto apresento a seguir as características desse gênero literário por meio de analogias a outras formas narrativas particularmente o romance Narrativa condensada em inglês é denominado short story história curta literalmente que apresenta um número pequeno de personagens unidade de tempo restrito normalmente centrado em um único evento abdicando de análises minuciosas digressões e descrições pormenorizadas Por ser uma forma narrativa o conto costuma ser analisado e definido em relação a outras formas de narrar particularmente o romance Se o romance é um gênero ligado à tradição escrita o conto tem suas origens na tradição oral no ato de contar histórias que eram passadas de geração a geração Esse conto de tradição oral é o que Jolles 1976 denomina de uma forma simples ou seja aquela que mantém sua forma através dos tempos ao contrário das formas artísticas que são as criadas por um autor e que não podem ser recontadas sem que se percam suas peculiaridades Exemplificando uma adivinha o que é o que é para Jolles é uma forma simples podese A narrativa As narrativas começam com a própria história da humanidade e fazem parte de todas as civilizações sejam de onde forem e apresentamse sob os mais variados gêneros mito lenda fábula conto novela romance histórias em quadrinhos cinema etc Segundo Barthes 2011 19 não há em parte alguma povo algum sem narrativa todas as classes todos os grupos humanos têm suas narrativas Ainda sobre o papel das narrativas o escritor austríaco Robert Musil 2006 689 afirma que no relacionamento básico com si mesmos a maioria dos homens são contadores de histórias Para Aristóteles para quem uma das características da arte era como vimos a mímesis a narrativa diegesis é uma das formas de imitação poética a outra seria a imitação direta feita por atores falando a um público o gênero dramático As narrativas materializamse em textos verbais não verbais orais ou escritos portanto qualquer estudo que se volte à narrati va ter como objeto de investigação o texto As reflexões sobre a narrativa aqui apresentadas restringirseão a textos exclusivamente verbais uma vez que o tema do livro é o texto literário Evidentemente pode haver uma unidade mínima narrativa menor que o texto que pode ser descrita em termos morfossintáticos e semânticos como a frase que abre Mrs Dalloway de Virgínia Woolf A Sra Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores No entanto um texto narrativo não é uma soma de frases narrativas por isso a unidade de análise deverá ser sempre o texto Além disso como se viu um texto é narrativo porque nele predominam sequências textuais narrativas ou seja nesse tipo de texto podemse encontrar também sequências descritivas argumentativas explicativas dialogais O estudo do texto narrativo deverá então observar como sequências narrativas se articulam que relação esse texto mantém com outros intertextualidade que características composicionais apresenta a que gênero pertence etc Quando me referi aos conhecimentos prévios destaquei o conhecimento textual Dentro dele podese afirmar que dispomos de uma competência narrativa o que significa que entre os textos que lê o leitor sabe distinguir aqueles que contam uma história dos que não contam como é capaz de reconhecer versões diferentes de uma mesma história de resumir uma história de inferir quem é o narrador etc As narrativas podem se referir a um fato real ou imaginário O fato narrado em geral é uma ação atribuída a agente humano ou antropomorfizado como nas fábulas A principal característica das narrativas literárias é o fato de serem ficcionais suas formas mais comuns na atualidade são o conto o romance e a novela O conto O conto é um gênero narrativo que costuma ser definido pela sua extensão o que determina que possua quanto à sua recontála inúmeras vezes e ela manterá sempre a mesma forma já um conto como A cartomante de Machado de Assis é uma forma literária Quando é contado para alguém ele já não é mais o mesmo conto escrito por Machado de Assis Ao conto transmitido oralmente dáse o nome de conto popular Grosso modo as formas simples e as formas literárias de Jolles equivaleriam aos gêneros primários e secundários de Bakhtin 2000 Paes 2001 ressalta que formas literárias atuais têm sua origem em formas simples por exemplo o conto policial seria uma forma evoluída da adivinha Para Jolles o conto só adquiriu o status de forma literária a partir do momento em que os irmãos Grimm reuniram uma coletânea de narrativas sob o título de Contos para crianças e família em 1812 A passagem da forma simples conto popular para a forma literária está ligada à passagem do contador de histórias para o narrador ficcional o que implica uma mudança na forma de recepção no conto popular a narrativa é dirigida a um auditor a transmissão é oral no escrito a um leitor Nos contos orais a recepção é em tempo real no conto escrito é diferida Essas mudanças trazem consigo outras como a mudança da linguagem e a expansão do público receptor que passa a ser mais heterogêneo uma vez que a circulação dos textos passa a não se restringir apenas à comunidade sociocultural para quem as histórias eram narradas Outra distinção entre o conto popular e o conto literário reside na autoria enquanto os primeiros são anônimos os segundos possuem autoria definida Os contos populares têm servido de matériaprima para a elaboração de obras literárias por isso é comum encontrar ecos ou referências diretas ou indiretas a eles em contos e romances modernos A personagem Oskar do romance O tambor do escritor alemão Günther Grass é inspirado no Pequeno Polegar Guimarães Rosa inicia seu conto Conversa de bois fazendo referência aos contos maravilhosos Que já houve um tempo em que eles conversavam entre si e com os homens é certo e indiscutível pois que bem compro vado nos livros das fadas carochas 1995 405 Nos contos do escritor moçambicano Mia Couto em que realidade e fantasia se fundem ressoam vozes de histórias da tradição oral africana Gotlib 2011 ressalta que o conto difere do relato Para essa autora o relato traz de volta algo que ocorreu enquanto no conto há narração de fato criado inventado ou seja o que caracteriza o conto é o fato de ser uma narrativa ficcional O romance é cumulativo nele há uma sucessão de eventos que se encadeiam em direção ao clímax o ponto de maior tensão na narrativa e posteriormente ao desfecho ou desenlace que é a resolução do conflito com a consequente volta à situação de estabilidade O conto por ser limitado em sua extensão procura captar um momento um instante O célebre contista Julio Cortázar compara o romance a um filme enquanto o conto é comparado a uma fotografia Para esse autor o romance realiza uma abordagem horizontal o conto uma vertical Por ser uma narrativa condensada o conto elimina tudo o que é acessório centrandose naquilo que é essencial à trama O escritor russo Tchekhov referindose a esse gênero diz se num conto aparece uma espingarda ela tem que disparar Cortázar tem uma frase que ilustra bem a diferença entre o conto e romance o romance ganha sempre por pontos enquanto o conto deve ganhar por nocaute Para outro grande contista e também teórico do conto Edgar Allan Poe a extensão é requisito fundamental do conto já que esse gênero literário deve buscar uma unidade de efeito enganar aterrorizar encantar ou deslumhrar e essa só pode ser conseguida se o texto for possível de ler numa assentada de meia a duas horas Para Poe 2001 o trabalho de um contista deve ser racional tudo deve ser pensado a fim de se obter o resultado pretendido que é criar o interesse do leitor para isso inventará os incidentes combinandoos da maneira que melhor o ajude a conseguir o efeito preconcebido Mesmo muito antes da teoria dos atos de fala de Austin Poe já chamava a atenção para a força ilocucionária e perlocucionária da linguagem O conto por ser um gênero narrativo assim como a novela e o romance está centrado em três pilares evento personagem e espaço além do fato de a narrativa se desenrolar num tempo cronológico ou psicológico Tempo cronológico é o tempo físico mensurável objetivo tem portanto caráter quantitativo tempo psicológico é o tempo vivido interiormente é subjetivo e não coincide com o tempo cronológico tem caráter qualitativo A experiência demonstra que às vezes o tempo cronológico de um minuto parece durar horas e outras vezes aquilo que ocorreu em horas parece ter transcorrido em minutos A forma como esses três pilares são tratados no conto e no romance servem de elemento distintivo entre esses dois gêneros O conto ao contrário do romance normalmente centrase num evento único possui poucas personagens e desenrolase num espaço limitado Outra diferença fundamental entre romance e conto é que no conto e também na novela o final coincide com o clímax ao passo que no romance o clímax não está no final mas num momento anterior No romance o final corresponde ao desenlace ou desfecho que é como se viu o evento ou conjunto de eventos que pondo fim ao conflito encerra a narrativa Em alguns romances o desenlace pode vir seguido por um epílogo capítulo ou comentário breve sobre o destino das personagens principais Para o crítico russo Boris Eikhenbaum no texto Sobre a teoria da prosa s d a existência de um epílogo é critério que diferencia o romance do conto por isso é raro um final inesperado no romance fato comum nos contos PARA SABER MAIS A escritora inglesa Virgínia Woolf em sua obra Orlando uma biografia referindose à subjetividade do tempo diz o seguinte Mas desgraçadamente o tempo que faz florescerem e murcharem animais e vegetais com espantosa pontualidade não tem sobre a mente humana um efeito tão simples A mente humana por seu lado atua com igual estranheza sobre o corpo do tempo Uma hora instalada no estranho elemento do espírito humano pode ser distendida cinquenta ou cem vezes mais do que a sua medida no relógio inversamente uma hora pode ser representada no tempo mental por um segundo Esse extraordinário desacordo entre o tempo do relógio e o tempo do espírito é menos conhecido do que devia ser e merece profundas investigações 1972 253 O trecho a seguir extraído do romance Névoa de Miguel de Unamuno além de informar o destino das principais personagens esclarece ao leitor a função que tem o epílogo Oração fúnebre em forma de epílogo Costuma ser previsível no final de novelas e logo que morre ou se casa o herói ou protagonista dar notícias da sorte que tiveram os demais personagens Não vamos seguilo aqui nem dar por conseguinte notícia alguma do que aconteceu a Eugênia e Maurício a Rosario a Liduvina e Domingo a dom Fermín e dona Ermelinda a Víctor e sua mulher e a todos os demais que em torno de Augusto nos foram apresentados nem vamos sequer dizer o que da singular morte deste pensaram ou sentiram Só abriremos uma exceção e é em favor de quem mais profunda e sinceramente sentiu a morte de Augusto que foi seu cachorro Orfeu UNAMUNO Miguel de Névoa São Paulo Estação Liberdade 2012 p 249 Esclareço inicialmente que embora nesse epílogo apareça a palavra novela o texto lido é epílogo de um romance O tradutor optou por usar a palavra novela que aparece no original No entanto novela em espanhol idioma em que foi escrito o romance de Unamuno equivale ao nosso romance A primeira frase esclarece a função do epílogo dar notícias da sorte que tiveram os demais personagens bem como informa que ele sucede ao desenlace logo que morre ou se casa o herói ou protagonista Evidentemente o autor faz referência a um tipo de desenlace característico do romance sentimental pois o desenlace necessariamente pode não coincidir com a morte ou casamento do protagonista O caráter inovador do epílogo de Unamuno é que em vez de dar conta do destino das personagens secundárias informa ao leitor do destino do cão do protagonista No epílogo de Quincas Borba de Machado de Assis ocorre algo semelhante na medida em que é dado aos leitores do romance o destino do cão do protagonista Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba que adoeceu também ganiu infinitamente fugiu desvairado em busca do dono e amanheceu morto na rua três dias depois Encerrando essas considerações sobre o conto ressalto que há outros gêneros que se caracterizam por serem narrativas breves a fábula narrativa de fundo moralizante em prosa ou verso cujas personagens são seres antropomorfizados e a parábola narrativa alegórica com personagens humanos que traduz um preceito de ordem moral ou religioso por meio de uma comparação entre a ficção narrada e a realidade a que ela faz referência Tanto a fábula quanto a parábola são gêneros textuais que têm função pragmática e se considerarmos os textos como atos de fala segundo as teorias de Austin 1990 podemos afirmar que esses gêneros em decorrência de seu caráter teleológico incluemse nos atos perlocutórios na medida em que objetivam uma mudança de comportamento do leitorouvinte O romance Dentre os gêneros narrativos o romance é sem dúvida o de maior aceitação nos dias de hoje atingindo um público bastante variado uma vez que há romances para todos os gostos desde os sentimentais de leitura fácil vendidos em bancas de jornais a formas altamente elaboradas e inovadoras que exigem por parte do leitor um maior esforço cognitivo para sua compreensão O que caracteriza o romance é o fato de contar uma história A história narrada também chamada diegese é a espinha dorsal dos gêneros narrativos mas diferentemente do conto e da novela a história narrada no romance tem certa extensão Forster 2005 chega a dizer que um romance não pode ter menos que 50000 palavras e eventualmente pode apresentar ramificações histórias paralelas histórias que se encaixam em outra história PARA SABER MAIS Herman Melville autor de Moby Dick faz a seguinte observação em sua obra Billy Budd sobre o fato de uma história no romance apresentar outras histórias Neste ofício da escrita por mais que estejamos decididos a permanecer na avenida principal surgem pelo caminho algumas ruazinhas transversais a cuja tentação não é fácil de resistir Errarei agora por uma delas Se o leitor se dispuser a me acompanhar ficarei agradecido 2003 35 Ao ler um romance sentimosnos como o rei para o qual Sahrazad contava suas histórias no Livro das mil e uma noites querendo saber o que acontece depois O trecho a seguir mostra como costumeiramente se interrompem as narrativas de Sahrazad E a aurora alcançou Sahrazad e ela parou de falar Dinarzad disse à irmã Como é agradável e formosa esta sua história maninha e ela respondeu Isto não é nada comparado ao que irei narrarlhe na próxima noite se eu viver e o rei me preservar E o rei pensou Por Deus que não a matarei até ouvir o fim de sua história após o que farei com ela o mesmo que fiz com as outras de sua igualha Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 1 pp 119120 O que mantém viva Sahrazad é o fato de ela nunca terminar sua história mantendo acesa a curiosidade do rei a narrativa é um antídoto para a morte O romance costuma apresentar personagens em maior número do que o conto e a novela além do que sobretudo no que se refere às personagens principais há uma maior caracterização delas tanto física quanto psicológica São elementos constitutivos do romance ação evento narrado personagem espaço Cumpre lembrar ainda que a ação se desenrola no tempo seja ele cronológico ou psicológico Além disso há um narrador aquele que conta a história que pode ser ou não personagem da história narrada A novela Em português denominase novela o gênero literário narrativo de extensão intermediária entre o romance e o conto apresentando os mesmos elementos desses gêneros ação personagem e espaço Além disso assim como o romance a ação se desenvolve no tempo geralmente cronológico e há a presença de um narrador Em inglês novel e em espanhol novela designam o gênero literário que em português denominase romance Comparada ao romance a ação da novela apresenta um ritmo mais rápido com menos descrições análises psicológicas e intromissões do narrador Por haver um predomínio de ações sobre reflexões o tempo da novela é o cronológico praticamente sem anacronias recuos ou avanços na diegese O espaço não tem um papel relevante uma vez que a novela centrase em ações de personagens A novela embora tenha se modernizado é um gênero bastante antigo As histórias do Decameron de Boccaccio textos do século xiv podem ser consideradas novelas Embora tenha grande extensão o Dom Quixote de Cervantes também deve ser considerado novela particularmente uma novela que critica as novelas de cavalaria comuns na Idade Média São exemplos de novelas modernas A morte e a morte de Quincas Berro DÁgua de Jorge Amado e A metamorfose de Franz Kafka Sobre tudo Cinema literatura vida urbana moral coisas deste mundo e de qualquer outro possível O diretor ao perceber que alguém mesmo inepto se dispunha a fazer o jornal para ele praticamente de graça topou Nasceu aí na velha Belo Horizonte dos anos 20 um cronista que ainda hoje com a graça de Deus e com ou sem assunto comete as suas croniquices ANDRADE Carlos Drummond de Disponível em httpwwwalgumapoesiacombrdrummonddrummond38htm Acesso em 8 nov 2012 Embora redigida em terceira pessoa o narrador é o próprio autor que relata sua trajetória de cronista iniciada há 64 anos fazendo um breve balanço do que de essencial presenciou e relatou como cronista durante esse tempo para em seguida despedirse dos leitores que liam suas crônicas no jornal Embora não se trate de texto ficcional ao optar por uma narração em terceira pessoa o cronista obtém um efeito de sentido diferente do que obteria se sua despedida fosse narrada em primeira pessoa Ao narrar em terceira pessoa o autor não fala propriamente de si como pessoa mas da função social que exerce cronista dizendo a seus leitores que não é a pessoa ou o autor Carlos Drummond de Andrade quem está se despedindo dos leitores mas apenas o cronista Drummond O caráter híbrido aliado ao fato de ser veiculada em órgãos de comunicação de massa levou alguns críticos a considerarem a crônica um gênero literário menor ou até mesmo paraliteratura não tendo a notoriedade do romance ou do conto O fato de esse gênero ser cultivado por autores literários de prestígio como Machado de Assis Eça de Queirós Carlos Drummond de Andrade Vinicius de Moraes levou outros críticos a considerarem as crônicas desses autores como literatura Há ainda casos em que a narrativa ficcional um romance por exemplo aproximase da crônica o que em alguns casos se deixa ver a partir do próprio título da obra como é o caso de Crônica da casa assassinada de Lúcio Cardoso e Crônica de uma morte anunciada de Gabriel García Márquez época de sua produção As crônicas que sobrevivem ao tempo são aquelas que conseguem ultrapassar a mera descrição factual e por meio da sensibilidade do cronista mostram no fato passageiro uma dimensão humana universal e eterna Elementos da narrativa Nas seções anteriores discuti os três principais gêneros literários narrativos o conto o romance e a novela Para melhor compreensão desses gêneros passo agora a tratar dos elementos que fazem parte da estrutura narrativa o narrador a ação as personagens o tempo e o espaço O narrador Uma mesma história pode ser contada de formas diferentes o que resultará em versões diferentes do mesmo acontecimento Imagine uma história bem simples e conhecida por todos Chapeuzinho Vermelho A história que se conhece relata um fato sob o ponto de vista de Chapeuzinho Vermelho A história seria outra se contada do ponto de vista do lobo da vovó da mãe ou do caçador ou seja nas narrativas é fundamental que se identifique quem conta os fatos e de que ponto de vista os conta pois isso tem implicações não só na organização da narrativa como também na linguagem a ser utilizada Como se viu narrador é aquele que narra os fatos e nos textos ficcionais não se confunde com autor Embora esse tem existência empírica o narrador é uma criação ficcional mesmo que não seja um participante da história O narrador é a voz responsável pela enunciação que é observável no discurso narrativo Sua função não se exaure no simples narrar dos acontecimentos podendo fazer intervenções de natureza vária como é frequente nas narrações dos romances de Machado de Assis em que o narrador dirigese diretamente ao narratário o leitor virtual A escolha do narratário pelo narrador tem importância fundamental na construção do texto na medida em que este subentende que aquele compartilha com ele certos conhecimentos prévios o que lhe permite não explicitar todas as informações deixando ao leitor a tarefa de preencher as lacunas da narrativa O narratário assim como o narrador é uma entidade fictícia e que não deve ser confundido com o leitor empírico como se observa nesse trecho de Dom Casmurro Sim leitora castíssima como diria o meu finado José Dias podeis ler o Capítulo até ao fim sem susto nem vexame 1979 869 O leitor empírico de Dom Casmurro pode ser do gênero masculino e se for mulher pode não ser tão casta O narratário está para o leitor assim como o narrador está para o autor Na maioria das vezes o narratário não vem textualmente mencionado isso não significa que ele não exista pois pelos estudos acerca da enunciação todo eu pressupõe um tu Ocorre que nas narrativas o eu é sempre mais explicitado que o tu Segue um trecho do romance Diário da queda de Michel Laub Nos meses antes de completar treze anos eu estudei para fazer o Bar Mitzvah Duas vezes por semana eu ia à casa de um rabino Éramos seis ou sete alunos e cada um levava para casa uma fita com trechos da Torá gravados e cantados por ele Na sala de aula seguinte precisávamos saber tudo de cor e até hoje sou capaz de entoar aquele mantra de quinze ou vinte minutos sem saber o significado de uma única palavra LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 p 9 Nesse trecho do romance o eu que fala narrador é visível por meio das marcas linguísticas de primeira pessoa mas evidentemente esse eu dirigese a um tu que não é explicitado o narratário A escolha do narratário é fundamental para a estratégia narrativa na medida em que é em função do narratário que o A ação se passa em um restaurante quando chegam dois pistoleiros A porta do restaurante abriu e dois homens entraram No restaurante havia pelo menos duas pessoas George e Nick Adams que conversavam antes de os pistoleiros entrarem Ele Nick Adams conversava com George quando os dois entraram Quem narra os fatos não é nenhum dos dois mas um narrador que testemunha os acontecimentos e vê exatamente o mesmo que outras pessoas que estivessem no restaurante naquele momento veriam Na focalização interna o narrador adota a perspectiva de uma personagem que pertence à história seja ela o protagonista ou não limitandose a narrar aquilo que vê portanto sua visão é apenas a do espaço em que circula São exemplos de focalização interna os romances São Bernardo de Graciliano Ramos e Grande sertão veredas de Guimarães Rosa cujos narradores são as personagens Paulo Honório e Riobaldo respectivamente Na focalização onisciente temse um narrador cujo conhecimento dos fatos e das personagens é praticamente ilimitado na medida em que não apenas narra o que observa mas também é capaz de narrar o íntimo das personagens revelando seus sentimentos e pensamentos mais recônditos como em Quincas Borba de Machado de Assis Nesse tipo de narrativa não se visualiza o narrador É como se a história contasse a si própria Foco narrativo O foco narrativo referese à participação ou não do narrador no evento narrado se ele é participante ou não da história como personagem O narrador não participante é chamado de heterodiegético por exemplo o narrador de A cartomante de Machado de Assis Quando participa da história e é o protagonista será chamado de autodiegético por exemplo Riobaldo em Grande sertão veredas No caso de ser uma outra personagem que não o protagonista como o Dr Watson das narrativas de Conan Doyle em que Sherlock Holmes é o protagonista e Ismael o narrador de Moby Dick de Herman Melville será chamado de homodiegético Nas narrativas mais modernas podese observar alternância de foco narrativo como no conto As babas do diabo de Julio Cortázar em que o próprio narrador inicia a narrativa dizendo não saber qual a forma que usará para narrar Nunca se saberá como isso deve ser contado se na primeira ou na segunda pessoa usando a terceira do plural ou inventando formas que não servirão para nada O conto que serviu de argumento ao filme Blowup de Michelangelo Antonioni tem por protagonista um fotógrafo amador Roberto Michel que inicia a narração contando sua própria história portanto um narrador autodiegético Vamos contar devagar já se verá o que acontece à medida que escrevo No parágrafo seguinte o foco narrativo se altera e um narrador heterodiegético passa a narrar em terceira pessoa a história Roberto Michel francochileno tradutor e fotógrafo amador nas horas vagas saiu do número 11 da rue MonsieurlePrince no domingo 7 de novembro passado A alternância do foco narrativo prossegue até o final do conto ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente está contando se sou eu ou isso que aconteceu ou o que estou vendo Segue um trecho do Livro das mil e uma noites Na noite seguinte Sahrazad disse Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado Contempleilhe o rosto e eis que era como o plenilúnio quando surge e gracioso de formas tal como disse a respeito o poeta Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v I p 191 Nas narrativas mais modernas podese observar alternância de foco narrativo como no conto As babas do diabo de Julio Cortázar em que o próprio narrador inicia a narrativa dizendo não saber qual a forma que usará para narrar Nunca se saberá como isso deve ser contado se na primeira ou na segunda pessoa usando a terceira do plural ou inventando formas que não servirão para nada O conto que serviu de argumento ao filme Blowup de Michelangelo Antonioni tem por protagonista um fotógrafo amador Roberto Michel que inicia a narração contando sua própria história portanto um narrador autodiegético Vamos contar devagar já se verá o que acontece à medida que escrevo No parágrafo seguinte o foco narrativo se altera e um narrador heterodiegético passa a narrar em terceira pessoa a história Roberto Michel francochileno tradutor e fotógrafo amador nas horas vagas saiu do número 11 da rue MonsieurlePrince no domingo 7 de novembro passado A alternância do foco narrativo prossegue até o final do conto ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente está contando se sou eu ou isso que aconteceu ou o que estou vendo Segue um trecho do Livro das mil e uma noites Na noite seguinte Sahrazad disse Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado Contempleilhe o rosto e eis que era como o plenilúnio quando surge e gracioso de formas tal como disse a respeito o poeta Livro das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v I p 191 No Livro das mil e uma noites há o encaixamento de narrativas dentro de outras em que para cada história há um narrador que pode diferenciarse dos outros quanto ao foco narrativo adotado Num primeiro nível há um narrador primário heterodiegético onisciente que conta uma história com uma personagem Sahrazad filha do vizir do rei Sahriyar que será sacrificada pelo rei Contase que havia em tempos remotos no reino sassânida nas penínsulas da Índia e da Indochina dois reis irmãos o maior chamado Sahriyar e o menor Sahzaman Sahrazad para escapar da morte conta toda noite uma história ao rei Nessas histórias entram outros narradores que são personagens das histórias que contam Num segundo nível Sahrazad é narradora autodiegética com focalização interna porque é personagem da história principal mas não é personagem das histórias narradas ao rei o narratário Nessas histórias temos um narrador autodiegético porque pertence à história com focalização interna Esquematizo narrador 1 Na noite seguinte Sahrazad disse narrador 2 Sahrazad Contase ó rei venturoso que a jovem dona de casa disse para o califa narrador 3 dona de casa Então ó príncipe dos crentes o jovem tirou o exemplar do Alcorão de sua frente depositandoo no nicho que indicava a direção da Caaba e me acomodou a seu lado O estatuto do narrador pode apresentar desdobramentos um narrador introduzindo outro narrador o que acarretará também desdobramentos de narratários Mais do que classificar o narrador o importante na leitura é que se observem em cada texto as vozes que narram e de onde narram atentando que a mudança de narrador terá implicações na estrutura do enredo Em outros termos ao ler uma narrativa de ficção devese procurar responder a algumas perguntas 1 Quem narra os acontecimentos 2 De que lugar está narrando 3 Onde o narrador foi buscar as informações que transmite ao leitor 4 Qual a atitude do narrador face àquilo que conta Ponto de vista O ponto de vista diz respeito à atitude do narrador face ao que é narrado ou seja se se trata de uma narração objetiva em que ele procura narrar sem manifestar juízos de valor sendo imparcial ou de uma narração subjetiva em que além de narrar emite opiniões e juízos sobre o que narra Assinalese que os conceitos de narração objetiva e subjetiva referemse apenas e tão somente ao fato de o narrador exprimir ou não juízos ou seja os conceitos referemse à subjetividade e à objetividade da narrativa Considero necessário insistir nisso para que não se confunda com a noção de subjetividade do discurso como proposta por Benveniste 1989 para quem a subjetividade referese às marcas do enunciador no discurso no enunciado No mesmo sentido Koch 2003 ressalta que as marcas de subjetividade estão presentes em todos os discursos afirmando que não há texto neutro objetivo imparcial os índices de subjetividade se introjetam no discurso No quadro a seguir sistematizo o exposto no que se refere ao narrador NARRADOR PERSPECTIVA FOCALIZAÇÃO Externa O narrador não pertence à história narra como testemunha apenas o que vê ou ouviu Visão não privilegiada Interna O narrador pertence à história e narra aquilo que vê Sua visão é apenas a do espaço em que circula Onisciente Tratase de um narrador privilegiado Narra não só o que observa mas também pode narrar o íntimo das personagens PARTICIPAÇÃO FOCO NARRATIVO Heterodiegético Não é participante da história Autodiegético Participa da história como protagonista Homodiegético Participa da história como personagem secundária ATITUDE PONTO DE VISTA Objetivo Relata imparcialmente sem emitir juízos de valor Subjetivo Narra os acontecimentos e ainda exprime juízos de valor Em alguns textos narrativos mais modernos particularmente em certos contos de Hemingway podese observar uma eliminação do narrador ou uma restrição de seu papel Tais narrativas se aproximam do drama em que não há um narrador mas apenas personagens dialogando Dessa forma há uma aproximação do leitor com a história pois eliminandose ou restringindose ao máximo o papel do narrador as cenas se desenrolam para o leitor como estivessem acontecendo diante dele Observe nesse recurso neste trecho que inicia Cinquenta mil um conto de Hemingway praticamente estruturado em forma de diálogo E você como vai Jack perguntei Viu esse Walcott No ginásio Vou precisar de muita sorte com esse garoto falou Jack Ele não pode com você Jack afirmou Soldier Deus queira que não Ele não pode com você nem a chumbo Quem me dera fosse só com chumbo admitiu Jack Ele parece fácil de acertar falei Parece concordou Jack Ele não vai durar muito Não vai durar como você e eu Jerry Mas no momento está com tudo Você despacha ele com a esquerda Pode ser Pode até ser Hemingway Ernest Cinquenta mil As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 3864 Nesse conto o narrador homodiegético Jerry intervém apenas para indicar por meio de verbos de elocução de quem é a voz que fala nos diálogos Seu papel se resume a isso No mais a história desenrolase para o leitor como num drama em que os atores representam diante de um público Não há descrições das personagens competindo ao leitor formar a caracterização delas com base nos diálogos de que participam O escritor brasileiro Lourenço Mutarelli chega a radicalizar esse procedimento na medida em que sequer usa verbo de elocução para indicar de quem é a voz que fala nos diálogos optando pela indicação do nome da personagem antes de cada fala como nos textos teatrais como se pode observar neste trecho de seu romance O natimorto O Agente Querida A Esposa Seu trouxa O que que está acontecendo Cé tá dormindo com essa vagabunda O Agente Querida Pelo amor de Deus fale baixo A Esposa Você não acha que eu vou deixar você levar essa fraude essa vigarista ao Maestro acha O Agente Querida você está com ciúme A Esposa Não seja ridículo A Esposa O que eu não quero é passar vergonha diante do Maestro Logo o Maestro Tão sofisticado O Agente Eu não vou permitir que você interfira nos meus negócios A Esposa Ah O Maestro aquilo sim é que é homem O Agente Querida a carne está queimando A Esposa Isso ainda é pouco Eu vou servila cremada Mutarelli Lourenço O natimorto São Paulo Companhia das Letras 2009 p 16 Essa técnica adaptase bem a textos mais curtos e é caracterizada pelas sequências dialogais com diálogos curtos em discurso direto que vão constituir cenas narrativas normalmente apresentadas sem anacronias Como essa forma de narrativa está centrada nos diálogos não só o narrador tem seu papel reduzido como também são reduzidas as descrições de personagens e cenários O conhecimento que o leitor tem das personagens decorre da interação entre elas O texto a seguir abre o romance Quincas Borba de Machado de Assis Nele comento o papel do narrador Rubião fitava a enseada eram oito horas da manhã Quem o visse com os polegares metidos no cordão do chambre à janela de uma grande casa de Botafogo cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa Cotejava o passado com o presente Que era há um ano Professor Que é agora Capitalista Olha para si para as chinelas umas chinelas de Túnis que lhe deu recente amigo Cristiano Palha para a casa para o jardim para a enseada para os morros e para o céu e tudo desde as chinelas até o céu tudo entra na mesma sensação de propriedade Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas pensa ele Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba apenas me daria uma esperança colateral Não casou ambos morreram e aqui está tudo comigo de modo que o que parecia uma desgraça Assis Machado de Quincas Borba Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p 643 Nesse trecho o narrador centra seu foco em Rubião o protagonista do romance situandoo no tempo e no espaço Eram oito horas da manhã à janela de uma grande casa de Botafogo Como se viu a narrativa desenrolase no tempo Ao usar o pretérito imperfeito fitava o narrador institui um tempo do discurso que remonta o fato a ser contado a um tempo não definido em relação ao momento da enunciação o que é próprio de narrativas ficcionais basta lembrar do Era uma vez com que se começam tantas histórias Como se dispusesse de uma câmara vai se aproximando de Rubião até penetrar em seu interior vendo seus pensamentos o que reforça o caráter ficcional do texto Essas primeiras frases não têm portanto apenas o propósito de apresentar Rubião ao leitor Elas têm também a função de inserir o interlocutor no discurso ficcional O que passa a narrar em seguida não é mais a imagem objetiva do que ele narrador vê a figura física suas roupas mas o que é visto a partir de Rubião que não é o que um observador comum veria cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta Esse narrador dada a posição que ocupa pode narrar tudo a respeito de Rubião pois tem um saber completo sobre a personagem Quanto à perspectiva temos focalização externa Como se pode notar o narrador não participa diretamente daquilo que conta isto é não pertence à história como personagem Ocupa uma posição privilegiada na medida em que tem uma visão de fora dos acontecimentos narrados o que lhe possibilita não só ver o que Rubião fazia e como se vestia naquele momento fitava a enseada polegares metidos no cordão de chambre chinelas de Túnis mas também ver o que se passava na cabeça dele pensava em outra coisa cotejava o passado com o presente Em decorrência da posição em que se encontra o narrador no plano do discurso expressa posicionamento ideológico a respeito de Rubião que o sentimento que marca a personagem em relação às coisas é o de propriedade tudo entra na mesma sensação de propriedade aqui está tudo comigo Nesse exemplo o narrador situase fora da história diegese tem onisciência ou seja sabe tudo a respeito das personagens e emite juízos de valor Temse então quanto à focalização um narrador onisciente porque conhece tudo sobre o que narra quanto ao foco narrativo um narrador heterodiegético porque não é personagem da história que narra e quanto ao ponto de vista um narrador subjetivo porque exprime juízos particulares em relação ao que narra A relação que se estabelece entre narrador e história narrada é determinante na constituição do enredo pois não apenas determina o que o narrador vê mas também de onde vê e consequentemente o que pode narrar e que visão de mundo é expressa na narrativa A ação O romance como se disse conta uma história Aqui é necessário que se faça uma distinção importante Há nos gêneros narrativos a história propriamente dita aquela que reproduzimos para alguém quando nos pede que conte do que trata um romance ou um conto Esse conjunto de acontecimentos que se encadeiam cronologicamente ainda sem tratamento literário recebe o nome de fábula segundo os formalistas ou diegese segundo os estudos de narratologia Coisa diferente é a forma como esses acontecimentos são narrados e apresentados literariamente Esse constituinte da narrativa recebe o nome de trama intriga ou enredo Nesta obra uso os termos fábula para a história propriamente dita independentemente da forma como está estruturada e enredo para a forma como a história é narrada ou seja o enredo diz respeito à estrutura do texto Em síntese a fábula relata o que efetivamente ocorreu o enredo a maneira como o leitor toma conhecimento da fábula Se na fábula os acontecimentos se encadeiam cronologicamente no enredo o encadeamento se dá por relações de causa e efeito por isso nem sempre o enredo apresenta os fatos em ordem cronológica A distinção que faço entre fábula e enredo é meramente didática já que o texto de uma narrativa ficcional é uma unidade e não se pode portanto separar a história da forma como é contada No dia a dia é comum as pessoas contarem aos outros com suas palavras as histórias das narrativas que leem A isso dáse o nome de paráfrase mas a paráfrase de uma obra literária não é uma obra literária O que leva a concluir que embora a história narrada seja a matériaprima de um texto literário ela não é por si só garantia da literariedade do texto Todos temos boas histórias para contar daí transformálas em uma obra literária vai um grande passo Um aspecto que julgo importante e que não posso deixar de assinalar é o fato de a verossimilhança de uma narrativa não decorrer da história em si mas da forma como é contada Quando me referi à mímesis disse que ela está ligada à imitação O que se imita na obra narrativa são as ações e estas é que têm de ser verossímeis isto é entre as sequências narrativas deve haver uma relação de não contradição que permita ao leitor processar o texto como coerente Na novela A metamorfose de Franz Kafka o leitor aceita que o protagonista Gregor Samsa ao acordar se veja transformado num grande inseto Em Incidente em Antares de Érico Veríssimo também se aceita que os mortos se reúnam no coreto decompondose e empesteando o ar da cidade para exigir que sejam sepultados Nosso conhecimento de mundo nos diz que pessoas se transformarem em baratas e mortos se reunirem em protesto são fatos implausíveis de ocorrer na realidade objetiva No entanto a realidade ficcional expressa pela obra literária não obedece às mesmas leis da realidade física Da forma como a novela de Kafka e o romance de Érico Veríssimo foram enredados sem contradições internas e transportando o leitor para o universo ficcional do absurdo ganham um poder de persuasão tal que se aceita a metamorfose de um humano em inseto e mortos reuniremse em praça pública para acertarem as contas com os vivos Um bom enredo tem a capacidade de anestesiar o leitor fazendo com que ele se desligue do mundo real para leválo a aceitar como verdade a mentira mais absurda A fábula resulta de um encadeamento coesivo de motivos em sequências narrativas O termo motivo segundo Reis e Lopes 2011 provém da esfera da música em que é usado como unidade mínima musicalmente significativa que tende a repetirse ao longo da partitura Em teoria literária essa palavra passa a ser empregada para designar unidades mínimas temáticas que estruturam uma narrativa O conjunto de motivos de uma narração irá constituir o tema Se o tema de uma obra é abstrato o adultério o amor o ciúme a vingança etc o mesmo não ocorre com os motivos uma vez que correspondem a ações presentes na narrativa que concretizam o tema A palavra motivo etimologicamente está ligada ao verbo latino movere mover O motivo é pois o que move a narrativa o que faz com que ela avance Em outros termos a progressão narrativa se obtém pela sequenciação coesa de motivos o que determina a coerência do texto O tema de Madame Bovary de Gustave Flaubert é o adultério No nível da enunciação o leitor deparase com várias ações de Emma Bovary que se encadeiam formando a narração Essas ações casarse com Charles sentirse deprimida envolverse com um amante entregarse a ele ter outro amante envenenarse são alguns dos motivos do romance Vladimir Propp 2010 que estudou os contos populares considera motivos traços comuns a obras diferentes que se combinam de maneiras diversas e que são responsáveis por funções diversas Segundo esse autor nos contos populares personagens as mais diferentes possíveis realizam as mesmas ações ou funções Em outras palavras nesse tipo de narrativa mudam as personagens e suas caracterizações mas as funções que exercem são sempre as mesmas e aparecem sempre na mesma ordem de sucessão o que possibilita classificar os contos populares em categorias conforme as funções que são em número limitado 31 São exemplos de funções apontadas por Propp impõese ao herói uma proibição a proibição é transgredida o antagonista procura obter uma informação o antagonista tenta ludibriar sua vítima para apoderarse dela ou de seus bens o herói deixa a casa o herói e seu antagonista se defrontam em combate direto o inimigo é castigado o herói se casa e sobe ao trono Quanto às personagens Propp identifica sete esferas de ação o antagonista o que faz mal o doador o que dá o objeto mágico ao herói o auxiliar o que ajuda o herói no seu percurso a princesa e seu pai não tem de ser obrigatoriamente o rei o mandatário o herói e o falso herói O enredo diz respeito a como a fábula se organiza a fim de obter um efeito artístico ou seja é o tratamento literário dado à fábula material préliterário Para melhor compreender isso basta lembrar que a fábula é uma sequência de ações que sucedem no tempo cronologicamente uma história tem começo meio e fim No entanto o autor valendose de estratégias discursivas pode dispor os acontecimentos em outra ordem fazendo intencionalmente digressões flashbacks ou analepses que alteram a sequência temporal dos fatos narrados No romance policial por exemplo é comum narrarse inicialmente o crime escondendose o seu autor e depois narramse os fatos que antecederam o crime encadeando os motivos de forma a atiçar a curiosidade do leitor O conto A morte de Ivan Ilitch de Tolstoi iniciase pelo funeral do protagonista em seguida passa a ser narrada retrospectivamente a vida de Ivan até sua morte Outra forma de enredar uma história é apresentar ao leitor episódios capítulos que aparentemente não têm relação uns com os outros e num determinado momento da narrativa esses episódios se integram possibilitando ao leitor estabelecer conexões entre eles como no romance Detetives selvagens do escritor chileno Roberto Bolanõ Nesse romance essa aparente desvinculação dos episódios é ainda reforçada pelo fato de eles ocorrerem em tempos e lugares distintos O capítulo 19 por exemplo fala da personagem Amadeo Salvatierra que está no México em 1976 No capítulo seguinte a personagem Xosé Lendoiro está em Roma em 1992 Em O complexo de Portnoy de Philip Roth o narrador autodiegetico Alexander Portnoy narra sua vida a um psicanalista seguindo o tempo de suas lembranças que não coincide com a cronologia de sua vida Assim num momento ele relata um fato de sua vida adulta e no momento seguinte um fato de sua infância Cabe ao leitor como numa técnica psicanalítica construir a trajetória da vida de Portnoy a partir de fragmentos narrados sem aparente relação de uns com os outros Em outras narrativas modernas podese observar até mesmo o abandono de formas tradicionais de enredo em que ocorre descronologização e a narração passa a seguir o fluxo de consciência da personagem como se pode observar nos romances de Virgínia Woolf William Faulkner James Joyce Clarice Lispector por exemplo Uma obra aqui já mencionada o romance O jogo da amarelinha de Julio Cortázar apresenta uma técnica inovadora de narrar tanto que o romance pode ser lido de diversas formas O leitor é quem decide a forma de lêlo podendo fazêlo do modo tradicional página após página ou lendo os capítulos não na ordem em que aparecem no livro mas em outra sequência sugerida pelo autor o que evidentemente redundará em histórias diferentes Se a fábula é o material préliterário a leitura de um texto literário narrativo pressupõe que o leitor não se restrinja ao nível da fábula mas que perceba como o autor a apresentou por isso não tem sentido uma prática comum entre estudantes de em vez de lerem as obras solicitadas para os exames vestibulares ou provas restringiremse à leitura de resumos já que por mais bem elaborado que seja o resumo ele costuma ficar restrito ao nível da fábula não conseguindo reproduzir o trabalho do autor com o enredo O mesmo ocorre com a adaptação de obras literárias para outras linguagens cinema televisão história em quadrinhos Se a fábula pode ser parafraseada há uma intradutibilidade do enredo construído verbalmente para uma linguagem que se apoia em outro sistema de signos pois no nível do discurso não são os acontecimentos narrados que contam mas a forma de contálos Não é sem razão que Ernest Hemingway em sua obra As torrentes da primavera num determinado momento da narrativa alerta diretamente o leitor para que perceba que o trecho que acabou de ler já no meio da narrativa ligase no nível da fábula ao início da obra ou seja a narração se inicia in media res como fica claro no trecho a seguir No caso de o leitor começar a ficar confuso informo o de que regressamos ao ponto em que a história se iniciou com Yogi Johnson e Scripps ONeil na própria fábrica de bombas 1999 49 Um recurso bastante antigo utilizado no enredo de narrativas é o encaixamento também chamado de caixa chinesa ou boneca russa que consiste em encaixar uma história dentro de outra O exemplo típico desse recurso pode ser encontrado nas narrativas do Livro das mil e uma noites Sahrazad para escapar da morte conta ao sultão histórias valendose do artifício de encaixar uma nas outras conseguindo assim sobreviver No Livro das mil e uma noites o ato de contar histórias tornase o próprio motivo da narrativa na medida em que há uma história dentro de outra história dentro de outra história e assim por mil e uma noites Outros recursos usados na estruturação do enredo são a alternância e o encadeamento Na alternância como o próprio nome indica duas fábulas são contadas alternadamente como em A confissão da leoa de Mia Couto No encadeamento há justaposição de histórias diferentes assim que uma termina iniciase outra como em Dom Quixote de Cervantes Essas formas de estruturar o enredo correspondem aos processos sintáticos básicos na alternância e no encadeamento há coordenação de fábulas ao passo que no encaixamento ocorre a subordinação O tempo Numa narrativa ficcional tomase contato com uma história que se desenrola no tempo ou seja a história narrada tem um agora um antes e um depois Thomas Mann em A montanha mágica nos diz que a narrativa dá conteúdo ao tempo fazendo que ele tenha algum valor próprio Nas narrativas ficcionais o tempo assim como o narrador e as personagens é criação do autor Sendo o tempo da narrativa um tempo ficcional e não histórico temos de analisálo sob esse prisma Levando em conta a tripartição do tempo em passado presente e futuro podese dizer que narrar é presentificar no sentido de que acontecimentos passados ou futuros são trazidos para o discurso narrativo e se tornam presentes para o leitor Nas narrativas ficcionais devemse distinguir dois tempos o tempo da fábula que corresponde ao tempo que durou a histó ria e o tempo do discurso A relação entre esses dois tempos é essencial para a organização da narrativa literária O tempo da fábula tem extensão variável A história narrada pode ter duração de um dia como nos romances Ulisses de James Joyce e Mrs Dalloway de Virgínia Woolf ou cem anos como em Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez Normalmente a passagem do tempo da fábula é marcada linguisticamente por meio de expressões como na semana seguinte Depois das quatro horas foi dormir Pouco dormiu acordou às sete horas Um homem célebre Machado de Assis etc assim como indicações de quando os fatos narrados ocorreram Era no tempo do rei Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida No princípio do mês de abril de 1813 A mulher de trinta anos de Balzac Em alguns contos e especialmente nos contos de fadas prevalece a indicação de tempo de forma vaga Era uma vez um homem e uma mulher que havia muito desejavam ter filhos mas nunca tinham conseguido Rapunzel recolhido pelos irmãos Grimm Foi de incerta feita o vento Famigerado de Guimarães Rosa Nesses casos a indicação temporal tem mais a função de distanciar o acontecimento no tempo da matéria narrada do que de situálo As narrativas ficcionais podem comportar um outro tempo da fábula um tempo subjetivo vivenciado pela personagem e que não pode ser medido em termos cronológicos a que damos o nome de tempo psicológico como ocorre por exemplo em romances de Virgínia Woolf e em narrativas de Clarice Lispector Tratase de um tempo subjetivo em que a personagem mergulha em si mesma retornando ao passado pela memória ou projetandose num futuro Uma das técnicas mais usadas para marcar o tempo psicológico é o monólogo interior ou solilóquio pelo qual se representa o fluxo de consciência de personagens O monólogo interior diferese do monólogo comum na medida em que é um discurso que não possui auditor que não a própria personagem temse uma expressão íntima do pensamento da personagem e quanto à sua forma a organização sintática dos enunciados costuma afastarse de um padrão convencional na medida em que os elementos responsáveis pela coesão gramatical nem sempre estão presentes configurando muitas vezes um discurso caótico como neste trecho de Ulisses de James Joyce Ó sim a tia dela gostava muito de ostras mas eu lhe disse o que eu pensava dela sugerindo que eu saísse para que ele ficasse sozinho com ela eu não ia me rebaixar espionando os dois as ligas que eu encontrei no quarto dela na sextafeira em que ela saiu aquilo foi o bastante para mim um pouco demais o rosto dela se inflou de raiva quando eu paguei suas semanas de trabalho eu cuidei disso é melhor passar de todo sem elas eu arrumo os quartos eu mesma mais rápido a não ser pela infeliz da cozinha e a limpeza do pó eu dei uma lição nele de qualquer forma ou ela ou eu saio de casa eu não podia sequer tocar nele se eu pensasse que ele estava com uma suja mentirosa descarada e desleixada JOYCE James Ulisses Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 766 À medida que se lê percebese que não só o tempo da história passa ora mais rápido ora mais devagar em outros casos até retornando a um acontecimento que ficou lá no passado mas também que o tempo que se destina à leitura também passa Podese em uma hora de leitura acompanhar anos de uma história ou ficar dias lendo uma história que ocorreu num único dia como no Ulisses de Joyce que em suas mais de 900 páginas e mais de 400000 palavras narra um dia 16 de junho de 1904 da vida do protagonista Leopold Bloom em Dublin Irlanda No romance e isso vale para as demais formas narrativas o tempo da fábula pode estar indicado na narrativa um dia no caso de Ulisses cem anos no romance Cem anos de solidão no entanto não são todos os acontecimentos ocorridos nesse tempo que são narrados na medida em que somente são trazidos para a narrativa o que é significativo O tempo cronológico que é linear e pode ser mensurado é um tempo condensado uma vez que o narrador muitas vezes dá saltos temporais como nesta passagem de O estranho caso de Dr Jekyll e Mr Hyde de Robert Louis Stevenson Quase um ano depois em outubro de 18 Londres foi abalada por um crime de ferocidade singular que despertou ainda mais atenção pela alta posição da vítima O que aconteceu nesse quase um ano que antecedeu o crime não nos é narrado porque para o narrador o que ocorreu nesse intervalo de tempo não é relevante Em Billy Budd de Herman Melville o narrador não só dá um salto temporal como ainda informa o leitor que o faz porque nada de relevante ocorreu entre um tempo e outro como se pode observar no trecho a seguir Após a misteriosa entrevista ao abrigo da enxárcia do traquete encerrada de modo tão brusco por Billy nada de mais relevante para a história ocorreu até sobrevirem os acontecimentos narrados a seguir Em O peru de Natal de Mário de Andrade o narrador dá um salto de cinco meses na história ao passar da morte do pai aos acontecimentos narrados no conto Morreu meu pai sentimos muito etc Quando chegamos nas proximidades do Natal O narrador de Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida dá um salto temporal de alguns anos na narração das peripécias do protagonista Leonardo como se observa no trecho a seguir Os leitores já devem estar fatigados de histórias de travessuras de criança já conhecem suficientemente o que foi o nosso memorando em sua meninice as esperanças que deu e o futuro que prometeu Agora vamos saltar por cima de alguns anos e vamos ver realizadas algumas dessas esperanças ALMEIDA Manuel Antônio de Memórias de um sargento de milícias Cotia Ateliê 2006 p 171 60 No romance Fome do escritor norueguês Knut Hamsun a segunda parte começa assim Algumas semanas depois vagueava eu pelas ruas da cidade Entre os fatos narrados na primeira parte e na segunda há um vácuo de algumas semanas sobre as quais o leitor nada sabe Isso decorre do fato de que a primeira parte termina quando o narrador recebe dez coroas e portanto passa ter algum dinheiro para se alimentar A narrativa como o título do romance indica está centrada na fome que a personagem passa durante sua vida razão pela qual o narrador nada diz ao leitor sobre o breve tempo em que não passou fome O tempo do discurso já não é tão simples de medir Segundo Benveniste 1989 ele tem por eixo o presente pelo qual se organiza toda referência temporal prospectiva ou retrospectivamente indicando no nível da fábula o que já ocorreu e o que ainda vai ocorrer por meio de expressões deícticas como ontem amanhã antes depois Na narrativa ficcional temos anacronias isto é o tempo da fábula nem sempre coincide com o tempo do discurso já que um fato ocorrido no final da história pode ser narrado no início dela Nos poemas épicos da tradição grecoromana a narrativa começa in media res isto é num ponto já adiantado da fábula o que obriga o narrador no plano do discurso a voltar para narrar o que aconteceu antes no plano da fábula Há também casos de narrativas que se iniciam in ultima res ou seja o final da fábula é apresentado no início da narrativa Essas anacronias podem ser retrospectivas analepse ou flashback como em Noturno do Chile de Roberto Bolaño em que um narrador autodiegético pouco antes de morrer narra no presente num monólogo de um único parágrafo acontecimentos passados de sua vida reconstituindoos pela memória Agora estou morrendo mas ainda tenho muita coisa para dizer ou o que é menos frequente prospectivas prolepse antecipando um episódio posterior ao presente da ação 61 Em Cem anos de solidão Gabriel García Márquez recorre a antecitações da fábula A frase que abre a genial obra de Márquez projeta o leitor para um acontecimento que ocorrerá mais tarde Muitos anos depois diante do pelotão de fuzilamento o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela remota tarde em que seu pai o levou para conhecer o gelo Note que se trata de prospecção muitos anos depois de um acontecimento que viria a ser relembrado havia de recordar aquela remota tarde analepse configurando o tratamento circular que o narrador dá ao tempo nessa obraprima No romance A marca humana de Philip Roth o narrador referese à morte das personagens que ocorrerá quatro meses depois como mostra o trecho a seguir Quando os dois já estivessem enterrados quatro meses depois eu relembraria aquele episódio no estábulo de ordenha como se fosse um espetáculo teatral em que eu fizera uma ponta em que atuara como figurante que é o que sou agora de fato ROTH Philip A marca humana São Paulo Companhia das Letras 2002 p 71 Como se pode observar o segmento começa com forma verbal no futuro Quando estivessem enterrados que se refere às personagens que morreriam quatro meses depois A forma do futuro do pretérito relembraria referese ao narrador que se projeta num tempo futuro o tempo da morte das personagens que ocorreria quatro meses depois num movimento de prospecção narrativa que antecipa ao leitor eventos que ainda vão ocorrer prolepse A narração de um fato por analepse ou prolepse implica estratégias textuais quanto ao emprego dos tempos verbais a fim de estabelecer coesão textual à narrativa Em Billy Budd um narrador no presente relata um fato passado por isso predominam os verbos no pretérito perfeito Num determinado ponto da narração o narrador retorna a um ponto anterior no tempo da fábula Do ponto de vista dos tempos verbais esse fato como se pode observar no trecho a seguir é narrado não no pretérito perfeito mas no maisqueperfeito Uns dois anos antes dos tempos em que se desenrola a presente história ele fizera parte da tripulação da nau Agamemnon tendo lá servido quando Nelson ainda era o comandante da embarcação que acabou entrando para a imortalidade da memória naval e que desparelhada com as balizas parcialmente à mostra surge como um esqueleto grandioso na gravura de Haden Na qualidade de integrante do destacamento da Agamemnon ele sofrera em uma das faces um corte oblíquo que ia da têmpora à maçã do rosto depois transformado em longa e pálida cicatriz MELVILLe Herman Billy Budd São Paulo CosacNaify 2006 pp5354 Para entender melhor o tempo ficcional segue um trecho do primeiro capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Óbito do Autor Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim isto é se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento duas considerações me levaram a adotar diferente método a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor para quem a campa foi outro berço a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo Moisés que também contou a sua morte não a pôs no introito mas no cabo diferença radical entre este livro e o Pentateuco Dito isto expirei às duas horas da tarde de uma sextafeira do mês de agosto de 1869 na minha bela chácara de Catumbi Tinha uns sessenta e quatro anos rijos e prósperos era solteiro possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos Onze amigos ASSIS Machado de Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 p513 Em relação ao tempo da fábula Memórias póstumas de Brás Cubas percorre toda a vida do narradorpersonagem desde seu nascimento até sua morte portanto 64 anos O ponto de vista temporal do narrador o tempo da enunciação ou tempo do discurso é o presente marco pelo qual o narrador vai organizar a temporalidade retornando no nível da fábula a acontecimentos passados expirei às duas horas da tarde de uma sextafeira do mês de agosto de 1869 Há pois uma anacronia isto é um salto temporal na medida em que o tempo do discurso não corresponde ao tempo dos acontecimentos narrados Há um movimento retrospectivo analepse pelo qual os acontecimentos passados são evocados pela memória A narrativa contrariando o uso comum como afirma o próprio narrador iniciase pela morte do autor Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento duas considerações me levaram a adotar diferente método embora posteriormente passe a narrar os acontecimentos de sua vida de uma maneira que cria a sensação de uma ordem cronológica manipulando o tempo conforme a importância do fato narrado para o enredo omitindo acontecimentos passando por alguns de forma breve e alongandose em outros Importa salientar que os fatos narrados são passados e sendo narrados pela perspectiva do presente o que se narra na verdade são as lembranças desses fatos ou seja aquilo deles que ficou presente na memória Por isso quando afirma que expirei às duas horas da tarde possuía cerca de trezentos contos fui acompanhado por onze amigos esses fatos passados presentificamse no discurso narrativo o papel de suporte do processo narrativo funcionando como sujeito objeto destinador destinatário opositor ou adjuvante Neste livro não me baseio na teoria greimasiana sobre as narrativas por isso julgo adequado ainda falarse em personagem por se tratar de termo de larga tradição nos estudos literários e que além disso traz em si a ideia de ficcionalidade Nas narrativas o conhecimento que temos das personagens não advém apenas do que o narrador nos informa ou descreve mas também de suas próprias ações e das relações que elas mantêm entre si já que nas narrativas são interdependentes Nesse sentido os diálogos assumem papel essencial na configuração das personagens de ficção PARA SABER MAIS A palavra personagem do latim persona ae traz em si a ideia de máscara Persona de per sonare soar através de era a máscara usada pelos atores nas representações que possibilitava que o som da voz chegasse bem aos espectadores Ao lado de personagens de extrema complexidade com um mundo interior riquíssimo e que nunca se consegue apreendêlas totalmente em sua interioridade há personagens menos complexas com pouca vida interior Com base nisso Forster 2005 propôs uma classificação das personagens em planas e esféricas Para esse autor personagens planas são construídas em redor de uma ideia ou qualidade simples podem ser resumidas por uma frase e são estáticas vale dizer seu comportamento não se altera no decorrer da narrativa e costumam não ocupar uma posição de destaque na fábula Em geral uma personagem plana não será protagonista da história Um exemplo é a personagem José Dias do romance Dom Casmurro cuja característica típica é um tique verbal expressarse por superlativos A frase que resume José Dias pode ser encontrada na voz do próprio narrador da história José Dias amava os superlativos Personagens esféricas ao contrário são aquelas cujo comportamento é capaz de surpreender o leitor uma vez que ricas interiormente não se configuram como tipos ou caricaturas e são construídas durante o processo narrativo ou seja não nos são apresentadas como prontas acabadas Para ficar num romance já citado Bentinho e Capitu são exemplos de personagens esféricas Outra classificação que se faz das personagens leva em conta o relevo que têm na narrativa Com base nisso há a personagem principal o protagonista ou o herói e personagens secundárias Prefiro o termo protagonista a herói uma vez que esse último pode levar à associação com o bem o que nem sempre é verdade São inúmeras as narrativas em que o protagonista não representa o bem ou qualquer comportamento ético louvável como em O talentoso Ripley de Patricia Highsmith Macunaíma de Mário de Andrade Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antônio de Almeida razão pela qual os protagonistas dessas obras são chamados de antiheróis O protagonista é em síntese o fio condutor da narrativa o centro dos acontecimentos ou seja é aquela personagem cujos passos são seguidos pelo narrador Por outro lado o leitor acompanha o texto narrativo a partir da perspectiva do protagonita retendo na memória as ações pensamentos objetos e lugares que se referem a ele Observe o trecho a seguir extraído do romance Vício inerente de Thomas Pynchon Perto do entardecer Tito deixou Doc perto de Dunecrest e foi pousar em outro planeta Ele entrou no Pipeline para encontrar algumas centenas de pessoas que não conhecia mas que estavam agindo como fregueses habituais desde sempre 2010 318 O anaforico ele retoma um antecedente expresso Mas qual Tito ou Doc Por saber que o protagonista do romance é a personagem Doc o leitor associa imediatamente o pronome ele a essa personagem e não a Tito Há narrativas com protagonista dual ou seja duas personagens protagonizando as ações no mesmo nível de importância Perguntado qual o protagonista de Romeu e Julieta não haveria como responder citando apenas um deles No romance machadiano Esaú e Jacó dois irmãos gêmeos Pedro e Paulo protagonizam os acontecimentos Pelo que foi exposto até aqui parece haver certa identificação entre personagens e pessoas humanas e isso ocorre porque personagens são seres antropomorfizados o que significa que o parâmetro para sua construção e interpretação são valores humanos Ao lermos A metamorfose de Kafka julgamos a personagem Gregor Samsa com base no comportamento humano ainda que já na primeira frase da narrativa ele nos apareça como um grande inseto Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos encontrouse em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso No conto Kholstomér a história de um cavalo Tolstoi coloca como narrador um cavalo Segue um trecho desse conto Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões e o cristianismo mas naquela época era absolutamente obscuro para mim o significado das palavras meu meu potro palavras através das quais eu percebia que as pessoas estabeleciam uma espécie de vínculo entre mim e o chefe dos estábulos Não conseguia entender de jeito nenhum em que consistia esse vínculo Só o compreendi bem mais tarde quando me separaram dos outros cavalos Mas naquele momento não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem As palavras meu cavalo referidas a mim um cavalo vivo pareciamme tão estranhas quanto as palavras minha terra meu ar minha água No entanto estas palavras exerciam uma enorme influência sobre mim Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras Era o seguinte os homens não orientam suas vidas por atos mas por palavras Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizandose de palavras que convencionaram entre si Dessas as que mais consideram são meu e minha que aplicam a várias coisas seres e objetos inclusive à terra às pessoas e aos cavalos Convencionaram entre si que para cada coisa apenas um deles diria meu E aquele que diz meu para o maior número de coisas é considerado o mais feliz segundo esse jogo Para que isso não sei mas é assim Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso mas não dei com nada Muitas das pessoas que me chamavam por exemplo de meu cavalo nunca me montavam as que o faziam eram outras completamente diferentes Também eram bem outras as que me alimentavam As que cuidavam de mim mais uma vez não eram as mesmas que me chamavam meu cavalo mas os cocheiros os tratadores estranhos de modo geral Mais tarde depois que ampliei o círculo das minhas observações convencime de que não só em relação a nós cavalos o conceito de meu não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade TOLSTOI Liev Kholstomér a história de um cavalo O diabo e outras histórias São Paulo CosacNaify 2010 pp 7374 Nessa narrativa o narrador é o cavalo que dá título ao conto Tratase de um cavalo purosangue que é desprezado pelos diversos donos que teve por ter a pelagem malhada O narradorcavalo faz reflexões de natureza filosófica sobre o comportamento humano particularmente sobre como o ser humano relacionase com as coisas e pessoas pelo sentimento de propriedade Suas reflexões como se fosse um psicanalista ancoramse na linguagem humana Como um analista da linguagem destaca o caráter arbitrário do signo possibilidade de falar de diferentes objetos utilizandose de palavras que convencionaram entre si a distância entre o dizer e o fazer a relação entre os possessivos de primeira pessoa e as coisas Dada a sofisticação e profundidade das reflexões a voz do narradorcavalo é a manifestação de um discurso humano de caráter político cuja intenção é fazer uma crítica a um tipo de sociedade assentada no direito de propriedade e que também questiona a chamada racionalidade humana invertendo os papéis racionalirracional já que o cavalo é dotado de consciência Note que a escolha do narrador nesse caso tem função capital na construção da narrativa porque a escolha de um cavalo como narrador estabelece um distanciamento em relação à matéria narrada que permite observar comportamentos humanos que o próprio homem não mais observa por têlos automatizados A identificação personagempessoa é apenas aparente pois personagens são entes ficcionais e não reais Mesmo que em alguns casos possam ser inspirados em pessoas de carne e osso as personagens são feitas de palavras e vivem nos textos e é pelos textos que tomamos contato com elas Forster 2005 por meio de uma comparação estabelece uma diferença elucidativa entre personagem e pessoa A primeira seria o Homo fictus que não é o equivalente ao Homo sapiens O Homo fictus não é o ser fisiológico não vai ao banheiro só come quando a refeição tem a ver com o desenrolar da história pouco dorme Por outro lado vive intensamente as relações humanas Forster 2005 70 dá ainda um exemplo bastante elucidativo Se uma personagem de romance for exatamente igual à rainha Vitória não parecida mas exatamente igual então ela é realmente a rainha Vitória e o livro ou todas as suas partes concernentes a esta personagem deixará de ser um romance para se tornar um memorial Napoleão no romance Guerra e paz de Tolstoi passa a ser uma personagem ficcional como Pierre Natacha Nikolai Andrei Sônia e tantos outros que fazem parte da narrativa pois o Napoleão ali retratado com relativa fidelidade é uma criação literária de Tolstoi reconstituída a partir do Napoleão real que Tolstoi conheceu e estudou pelos livros Em A insustentável leveza do ser o romancista tcheco Milan Kundera referindose à personagem de ficção afirma Seria tolice do autor afirmar ao leitor que seus personagens realmente existiram Não nasceram de um corpo materno mas de algumas frases evocativas ou de uma situaçãochave 2008 43 Qualquer ser ou objeto pode ser personagem de narrativas desde que antropomorfizados No conto Um apólogo de Machado de Assis as personagens são uma agulha uma linha e um alfinete nas fábulas as personagens são animais Nos romances O cortiço de Aluísio Azevedo e Bruges a morta de Georges Rodenbach o próprio cortiço e a cidade de Bruges na Bélgica elevamse à categoria de personagem Como se pode observar no trecho a seguir por meio do processo de predicação o cortiço é antropomorfizado deixando de ser apenas circunstante para galgar à categoria de actante Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava abrindo não os olhos mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente dissolvendose à luz loura e tenra da aurora que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia AZEVEDO Aluísio O cortiço Porto Alegre LPM 2009 p 37 Na Advertência que faz a seu romance o autor de Bruges a morta destaca que a cidade não é simples cenário da história mas personagem dela como se pode ler no trecho a seguir A principal intenção deste estudo passional está em evocar uma Cidade a Cidade como personagem essencial que associada aos estados dalma aconselha dissuade induz a agir Assim dentro da realidade esta Bruges que elegemos com agrado aparece quase humana exercendo sua ascendência sobre todos que nela vivem moldandoos segundo seus lugares e seus signos Aí está o que desejamos sugerir a Cidade a orientar uma ação suas paisagens urbanas não tão somente como telas de fundo como temas descritivos um tanto arbitrariamente escolhidos mas ligados à sequência do livro RODENBACH Georges Bruges a morta São Paulo Clube do Livro 1960 p 25 O espaço As ações se desenrolam no tempo e acontecem em algum lugar O espaço da narrativa é o local em que as personagens se movimentam Tratase pois do componente físico do cenário seja ele aberto como uma cidade por exemplo ou fechado como uma sala um quarto ou um mosteiro O espaço físico engloba seus elementos constituintes exteriores o cenário geográfico e interiores objetos que o compõem As personagens não atuam só num espaço físico mas também num espaço social O espaço em que atuam as personagens de Vidas secas difere do espaço em que circulam as personagens de Quincas Borba e de Grande sertão veredas não apenas no que se refere ao ambiente físico mas também ao ambiente social O espaço tem papel importante na construção da verossimilhança narrativa Isso é tão forte que muita gente quando vai a Londres procura conhecer o prédio 221B da Baker Street para conhecer a casa onde morou Sherlock Holmes O Castelo de If próximo a Marselha também costuma receber muitos turistas que querem conhecer o local onde ficou preso Edmond Dantès o protagonista do romance O conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas O fato de as ações dessas narrativas serem situadas em espaços que têm existência real contribui não só para a criação de um clima narrativo mas principalmente para a aproximação entre o mundo ficcional e o real Os elementos da narrativa narrador ação tempo personagens e espaço se articulam Dessa forma as ações se desenrolam no tempo referemse a personagens que transitam num espaço e isso é contado por um narrador portanto a separação que se faz desses elementos tem apenas função didática devendo o leitor atentar para cada um deles sempre em função de um todo articulado Devese pois levar em conta que não apenas as ações e personagens situamse num espaço o próprio narrador está situado em algum lugar e como se viu isso tem implicações no modo de narrar Certas narrativas privilegiam o espaço mais que outras havendo casos em que o lugar em que se desenrolam os acontecimentos influi diretamente no comportamento das personagens e no desenvolvimento dos eventos narrados Há casos em que o autor chega a apresentar um desenho com planta do local em que acontecem as ações para que o leitor possa acompanhar melhor o movimento das personagens nesse espaço como é o caso dos romances O nome da rosa de Umberto Eco e Crônica da casa assassinada de Lúcio Cardoso Finalizando esta seção chamo a atenção para que o leitor atente para o fato de que em muitas narrativas o espaço não se reduz a mero cenário devendo ser visto como o ambiente em que os fatos se desenrolam Por cenário entendo o espaço físico perceptível pelos sentidos e que tem natureza objetiva Ambiente vai além do espaço físico pois envolve elementos de ordem subjetiva cultural psicológica moral ideológica como bem atestam os PCNs quando afirmam que Guimarães Rosa procurou no interior de Minas Gerais a matériaprima de sua obra cenários modos de pensar sentir agir de ver o mundo de falar sobre o mundo uma bagagem brasileira que resgata a brasilidade Brasil 2000 20 Quando tratei de narrativas centradas no espaço citei como exemplos os romances O cortiço e Bruges a morta Cumpre destacar que o cortiço e a cidade de Bruges nesses romances não são meros cenários mas ambientes na medida em que são determinantes no comportamento das personagens PARA TRABALHAR COM SEUS ALUNOS Atividade 1 Objetivo Levar os alunos a reconhecer quem é o narrador bem como identificar suas características particularmente classe social e religião a partir de informações presentes na superfície do texto Nos meses antes de completar treze anos eu estudei para fazer Bar Mitzvah Duas vezes por semana eu ia à casa de um rabino Éramos seis ou sete alunos e cada um levava para casa uma fita com trechos da Torá gravados e cantados por ele Aos treze anos eu morava numa casa com piscina e nas férias de julho fui para a Disneylândia e andei de montanharussa espacial e vi os piratas do Caribe e assisti à parada e aos fogos e na sequência visitei o Epcot Center e vi os golfinhos do Sea World e os crocodilos do Cypress Gardens e as corredeiras do Busch Gardens e os espelhos de vampiro na Mystery Fun House LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 pp 912 Em Diário da queda há um narrador que participa como protagonista da história que narra narrador autodiegetico A seleção lexical é um dos elementos que permitem caracterizar personagens nas narrativas Nesse trecho as figuras que se referem à personagem encadeiamse no nível sintagmático conferindolhe não só unidade de sentido mas também atualizadas pelo leitor funcionam como caracterizadoras da personagem A personagem é judeu e de classe média alta ou alta O conhecimento de mundo permite inferir a partir das figuras presentes no texto que quem mora numa casa com piscina e viaja à Disneylândia em férias pertence às camadas socialmente mais privilegiadas As pistas no caso figuras que permitem inferir a religião do narrador são as palavras Bar Mitzvah rabino Torá O professor pode sugerir a leitura integral do romance de Michel Laub que trata entre outras coisas da questão do preconceito entre adolescentes lembrandose de que a temática da obra está dentro do que propõem os PCNs de ensino médio que afirmam que o respeito à diversidade é o principal eixo da proposta Atividade 2 Objetivo Distinguir num conto fábula de enredo e caracterizar o narrador Os alunos deverão ler o conto Desenredo de Guimarães Rosa que faz parte da obra Tutamea Terceiras estórias Tratase de conto bastante curto que portanto pode ser lido durante a aula Lido o conto e esclarecidas possíveis dúvidas sobre vocabulário solicitar aos alunos um resumo da história paráfrase Com certeza não deverão encontrar dificuldade em fazêlo Reconhecida e resumida a fábula o passo seguinte será que eles descrevam como ela é narrada isto é deverão explicitar o enredo A pista para os alunos perceberem a forma como se dispõe o enredo encontrase no próprio título do conto Desenredo O título de uma obra funciona como focalizador A partir dele o leitor cria um contexto cognitivo que orientará sua leitura É claro que às vezes essa contextualização prospectiva dada pelo título pode não se confirmar o que não é o caso do conto de Guimarães Rosa na medida em que o título é pista que possibilita ao leitor construir o sentido do texto Questionar os estudantes por que o autor optou por esse título e não por outro como A mulher traidora A esposa infiel A mariposa voadora por exemplo Esperase que os estudantes identifiquem que se enreda uma história e a seguir ela é desenredada O conto serve portanto como excelente ilustração de como se constrói uma narrativa ficcional Quanto à perspectiva a focalização é onisciente quanto à participação tratase de um narrador heterodiegético e quanto ao ponto de vista narrador subjetivo Conclusão O final do percurso se aproxima e por isso gostaria de fazer um balanço do que aqui foi discutido O objetivo não foi apresentar uma obra para especialistas tampouco tive a pretensão de esgotar o tema As reflexões apresentadas procuraram fornecer subsídios para uma leitura eficaz de textos literários Ressalto que nada suprime a leitura dos próprios textos pois a formação do leitor literário se faz pela leitura contínua e atenta de romances contos poemas crônicas de autores diversos de épocas diversas de nacionalidades diversas Comentei que a intertextualidade é constitutiva dos textos Um texto remete a outro que por sua vez remete a outro de forma que o conhecimento do que se produz e produziu em literatura é essencial para se entender os textos e esse conhecimento se adquire pela leitura Falei que no ato de ler estão envolvidos diversos conhecimentos linguísticos enciclopédicos textuais interacionais Quanto aos conhecimentos textuais defendo que os textos literários têm características próprias que os diferem de outros textos e isso não reside apenas no gênero pois como assinalei nem tudo que é escrito em versos é poesia como nem todo romance é literatura Aliás comecei este livro discutindo que não é pacífica a classificação de um texto como literário O caminho por que optei foi estudar os textos literários a partir dos gêneros ao contrário do que comumente se faz na escola em que o estudo da literatura se concentra em aspectos relativos ao estilo de época Embora os gêneros literários historicamente sofram mudanças o romance atual difere do romance do século XIX a poesia moderna difere da poesia do século XVII há algo que permanece nos gêneros se não permanecesse seria outro gênero Bakhtin ressalta que os gêneros são formas relativamente estáveis Tentei explicitar o que caracteriza um romance um conto uma novela um poema Cabe ao leitor de posse dos conceitos apresentados ver como eles se configuram nas diversas obras literárias Ao mostrar que no romance há personagem fábula enredo narrador tempo espaço procurei fornecer subsídios para que se observe como tais componentes desse gênero narrativo se manifestam em diferentes textos concretos ou seja os aspectos teóricos levantados servem de guia para orientar a leitura levando a observar o papel do narrador das personagens como a história é enredada como se desenrolam os acontecimentos no tempo etc Como salientei o sentido não está no texto mas é construído a partir dele pelo leitor de sorte que leitores diferentes construirão sentidos diferentes para um mesmo texto Os conceitos apresentados tiveram apenas o condão de mostrar as características dos gêneros literários estudados jamais o de orientar no sentido de uma leitura única e fechada Mesmo quando apresentei alguma interpretação para algum texto que me serviu de exemplo essa interpretação foi pessoal e não tenho a pretensão de que seja a única Reitero o que disse em alguns momentos deste livro certos conceitos discutidos não têm unanimidade entre as diversas vertentes teóricas e mesmo entre autores de uma mesma corrente A nomenclatura empregada também sofre variações em decorrência da fundamentação teórica adotada de sorte que os conceitos e a nomenclatura aqui apresentados bem como a visão exposta reflete a minha posição pessoal que teve por fundamento autores e obras constantes nas referências Nietzsche dizia que o bom leitor é o leitor bovino aquele que lê ruminando o texto Pelo menos em relação ao texto literário as palavras do filósofo alemão devem ser tomadas como um princípio orientador da leitura pois a compreensão de uma obra literária nem sempre é imediata por isso temos de ir ao texto com paciência sem pressa ler reler deixar o texto falar Enfim numa cultura marcada pela velocidade cremos que uma das primeiras coisas que devemos ensinar aos nossos alunos é que eles aprendam a ler bovinamente Bibliografia ADAM JeanMichel A linguística textual introdução à análise textual dos discursos São Paulo Cortez 2011 AGUIAR E SILVA Vítor Manuel de Teoria da literatura 8 ed Coimbra Almedina 2011 ALIGHIERI Dante A divina comédia 7 ed Belo Horizonte Vila Rica 1991 ALMEIDA Júlia Lopes de A caolha In MORICONI Italo Org Os cem melhores contos brasileiros do século Rio de Janeiro Objetiva 2001 pp 4954 ALMEIDA Manuel Antônio de Memórias de um sargento de milícias Cotia Ateliê 2006 ANDRADE Mário Macunaíma o herói sem nenhum caráter 33 ed Garnier Belo Horizonte Rio de Janeiro 2004 ANJOS Augusto dos Eu outras poesias 31 ed Rio de Janeiro Livraria São José 1971 ANJOS Cyro dos O amanuense Belmiro 8 ed Rio de Janeiro José Olympio 1975 ARISTÓTELES Arte Retórica e Arte Poética São Paulo Difusão Europeia do Livro 1959 ASSIS Machado de Dom Casmurro Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 Quincas Borba Machado de Assis obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1979 AUSTIN John Langshaw Quando dizer é fazer palavras e ação Porto Alegre Artes Médicas 1990 AZEVEDO Aluísio O cortiço Porto Alegre LPM 2009 BAKHTIN Mikhail Os gêneros do discurso Estética da criação verbal 3 ed São Paulo Martins Fontes 2000 pp 277326 Problemas da poética de Dostoiévski 3 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2005 BANANÉRE Juó La divina increnca São Paulo Folco Masucci 1966 BARRETO Lima Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Penguin 2012 BARTHES Roland Introdução a análise estrutural da narrativa In et al Análise estrutural da narrativa 7 ed Petrópolis Vozes 2011 pp 1962 BEAUGRANDE RobertAlain de DRESSLER Wolfgang Ulrich Introducción a la lingüística del texto Barcelona Ariel 2005 BENVENISTE Émile Da subjetividade na linguagem Problemas de lingüística geral 1 4 ed Campinas PontesEditora da Universidade Estadual de Campinas 1995 pp 28493 O aparelho formal da enunciação Problemas de lingüística geral 11 Campinas Pontes 1989 pp 8190 BOLAÑO Roberto Detetives selvagens São Paulo Companhia das Letras 2006 BRASIL Secretaria da Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília MECSEF 1997 Parâmetros Curriculares Nacionais terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental Língua Portuguesa Brasília MECSEF 1998 Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio Parte II Linguagens Códigos e suas Tecnologias Brasília MECSEF 2000 BRONCKART JeanPaul Atividade de linguagem textos e discurso por um interacionismo sociodiscursivo 2 ed São Paulo Educ 2007 CAMÕES Luís de Obra completa Rio de Janeiro Aguilar 1963 CAMUS Albert A peste 17 ed Rio de Janeiro Record 2007 CARDOSO Lúcio Crônica da casa assassinada Rio de Janeiro Nova Fronteira 1979 CEIA Carlos EDicionário de termos literários Disponível em httpwwwedtlcompt indexphpoptioncommtreetaskviewlinklinkid350Itemid2 Acesso em 16 fev 2013 CERVANTES Miguel de Dom Quixote de La Mancha São Paulo Penguin ClassicsCompanhia das Letras 2012 v l Dom Quixote de La Mancha Rio de Janeiro Ediouro 2002 v II CHARTIER Roger A aventura do livro do leitor ao navegador São Paulo Editora da Unesp Imprensa Oficial do Estado 1998 CHAUÍ Marilena Convite à filosofia 13 ed São Paulo Ática 2009 CORTÁZAR Julio Alguns aspectos do conto Valise de Cronópio 2 ed São Paulo Perspectiva 1993 pp 14763 As babas do diabo As armas secretas Rio de Janeiro Best Bolso 2012 pp 5671 CRUZ E SOUSA João da Obras completas Rio de Janeiro José Aguilar 1961 CUNHA Euclides Os sertões 39 ed Rio de Janeiro Francisco Alves 2000 DANTAS Janduhli Lições de gramática em versos de cordel Petrópolis Vozes 2009 A mulher que vendeu o marido por R 199 Disponível em httpwwwcamarabrasileiracomcordel48htm Acesso em ago de 2013 DONATO Hernâni Contos dos meninos índios São Paulo Melhoramentos 2005 DOSTOIEVSKI Fiodor Memórias do subsolo São Paulo Editora 34 2000 DUCROT Oswald Provar e dizer leis lógicas e leis argumentativas São Paulo Global 1981 EAGLETON Terry Teoria da literatura uma introdução 6 ed São Paulo Martins Fontes 2006 EIKHENBAUM Boris Sobre a teoria da prosa In TODOROV Tzvetan Org Teoria da literatura Lisboa Edições 70 s d v II pp 7184 ESPELHO no cofre Os grandes contos populares do mundo Rio de Janeiro Ediouro 2005 pp 29899 FORSTER Edward Morgan Aspectos do romance 4 ed São Paulo Globo 2005 GEDEÃO António Poesias completas 19561967 7 ed Lisboa Portugália 1978 GOTLIB Nádia Battella Teoria do conto 11 ed São Paulo Ática 2011 GREIMAS Algirdas Julien Semântica estrutural São Paulo CultrixEdusp 1973 HAMSUN Knut Fome Belo Horizonte Itatiaia 2004 HEMINGWAY Ernest As torrentes da primavera seguido de Um gato à chuva Lisboa Livros do Brasil 1999 As neves de Kilimanjaro As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 937 Cinquenta mil As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 3864 Os pistoleiros As neves do Kilimanjaro e outros contos Rio de Janeiro BestBolso 2011 pp 12838 JOLLES André Formas simples São Paulo Cultrix 1976 JOYCE James Ulisses Rio de Janeiro Objetiva 2005 KAFKA Franz A metamorfose São Paulo Companhia das Letras 1997 KOCH Ingedore Grunfeld Villaça A interação pela linguagem 8 ed São Paulo Contexto 2003 Desvendando os segredos do texto 4 ed São Paulo Cortez 2005 Elias Vanda Maria Ler e compreender os sentidos do texto 2 ed São Paulo Contexto 2006 Ler e escrever estratégias de produção textual São Paulo Contexto 2009 BENTES Ana Christina MAGALHÃES Mônica Intertextualidade diálogos possíveis São Paulo Cortez 2007 KRISTEVA Julia Introdução à semanálise São Paulo Perspectiva 1974 KUNDERA Milan A insustentável leveza do ser São Paulo Companhia das Letras 2008 LAUB Michel Diário da queda São Paulo Companhia das Letras 2011 LENCASTRE Leonor A leitura a compreensão de textos Lisboa Calouste GulbenkianFundação para a Ciência e Tecnologia 2003 LISPECTOR Clarice O búfalo Laços de família Rio de Janeiro Rocco 1998 LIVRO das mil e uma noites 2 ed São Paulo Globo 2005 v 2 MANN Thomas A montanha mágica 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 MARCUSCHI Luiz Antônio Leitura como processo inferencial num universo culturalcognitivo In BARZOTTO V H Org Estado de leitura Campinas Mercado de LetrasAssociação de Leitura do Brasil 1999 pp 95124 Produção textual análise de gêneros e compreensão 3 ed São Paulo Parábola 2008 MÁRQUEZ Gabriel García Cem anos de solidão 41 ed Rio de Janeiro Record 1995 MATOS Gregório de A Jesus Cristo Nosso Senhor In CANDIDO Antonio CASTELLO José Adelraldo Presença da literatura brasileira das origens ao romantismo 5 ed São Paulo Difusão Europeia do Livro 1973 MELO NETO João Cabral de Morte e vida severina e outros poemas em voz alta 9 ed Rio de Janeiro José Olympio 1976 Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Quanto à classificação Platão em A República menciona à comédia à tragédia e à epopeia Posteriormente Aristóteles classificou a literatura em três principais gêneros épico lírico e dramático Classificação dos gêneros literários Gênero Lírico Poesia expressiva centrada nas emoções e experiências pessoais do poeta p 99 Gênero Épico Narrativas extensas e grandiosas geralmente com heróis e eventos históricos p 106 Gênero Dramático Compreende o teatro e engloba tragédia e comédia envolvendo a representação de personagens em ação p 111 Sequência descritiva Não há encadeamento cronológico Não há sucessão de acontecimentos temporalidade ou causalidade Sequência dialogal p Morte e Vida Severina João Cabral p 121 A narrativa conto vs romance Em geral possui número reduzido de personagens e espaços o mesmo se aplica para a progressão temporal Evitamse pormenorizações excessivas A diferirse do romance tem sua origem na tradição oral Para Tchekhov sempre que uma espingarda aparece em um conto ela precisa disparar Assim o autor destaca o caracter deveras econômico dos contos Afirma ainda ele que o romance tende a ganhar por pontos enquanto o conto por nocaute em clara referência à objetividade do conto p 135 O romance então basicamente conta uma história porém em maior extenção fazendo com que personagens eventos espaço e tempo se entrelacem das mais diversas maneiras A narrativa a crônica Costuma ser menos detalhado que o conto e em geral quem o narra não é personagem ficcional e sim o próprio escritor como quem se revela São exemplos de grandes cronistas brasileiros Nelson Rodrigues Suas crônicas traziam uma perspectiva única aguda e muitas vezes provocativa sobre a sociedade e o comportamento humano Rubem Braga Conhecido como o Cronista do Cotidiano Rubem Braga é uma figura icônica no cenário da crônica brasileira com seu estilo sensível e observador capturando a essência da vida diária e dos detalhes do cotidiano Elementos da narrativa narrador Focalização externa Narra apenas o que vê e não interfere Focalização interna Não só narra como participa da história como em O Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa Focalização onisciente Pode conhecer o íntimo dos personagens como acontece em Quincas Borba de Machado de Assis A ação nas palavras de Propp p 161 Personagens Planos pouco se alteram Esféricos surpreendem o leitor com mudanças em termos de comportamento e personalidade Protagonistas são os principais Secundários exercem papel colaborativo menos evidente e relevante p 173 Espaço Não se limita ao aspecto físico Espaço também pode referirse à percepções ideológicas culturais morais psicológicas não paupáveis mas perceptíveis É notório como alguns autores dão mais valor à importância do espaço do que outros na construção de sua trama Alguns o detalham com exímio rigor como quem estivesse a descrever uma planta exata ao leitor sendo este o caso de O Grande Sertão Veredas Em Memórias Póstumas contudo vemos que Machado foca bem mais na ação e no aspecto psicológico dos personagens do que na descrição física dos lugares Conclusão As nomenclaturas naturalmente são causa de profunda discussão acadêmica que se perpassa por séculos ou até milênios na intenção de uma definição que abarque plenamente cenários tão amplos Destacouse em muito a interação que o leitor tem para com o texto no que diz respeito à construção dos sentidos que não está reclusa ao posto no papel como coisa mórbida e definitiva Em seguida aventurouse pelos gêneros textuais e elementos de um romance por exemplo Concluise que o leitor deve ler bovinamente no sentido de usufruir de cada pedaço do que uma obra literária tem a lhe oferecer Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua O diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua são fundamentais para a construção de uma obra literária O texto literário utiliza a linguagem de forma criativa para transmitir ideias e emoções enquanto a sequência textual organiza as informações de maneira coerente e envolvente Os recursos da língua como figuras de linguagem enriquecem o texto tornandoo mais expressivo A combinação desses elementos permite ao autor transmitir suas mensagens de maneira poderosa e cativante impactando o leitor e despertando reflexões sobre os temas abordados na obra literária Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua Leitura do Texto Literário Ernani Terra Atividades Práticas de Docência III Professor Márcio Discente Paulo Everton Discente Tasila Rebeca Cap 1 O que é literatura Conceituação de leitura a partir da perspectiva da linguística textual p13 Conceituação de literário a partir de duas perspectivas 1 imanentista ou ontológica alguns textos possuem a características próprias de literalidade ou seja existem nos próprios textos características que o qualificam dessa forma difere da linguagem ordinária 2 critérios exteriores isto é social cultural histórico ideológico que configuram uma legitimidade institucional p14 Literatura e Literariedade Sobre o conceito seria um ponto discutível a respeito do que é ou não literário Seria um conceito enviesado por motivações políticoideológicas p1516 Sobre o gênero seria suficiente para determinar a classificação Não é suficiente pois a classificação envolve muitos outros fatores por exemplo um aluno que produz um poema por mais lindo que seja tal poema não é considerado literário p19 Definição de literário para Eagleton 2006 fica a critério de como alguém resolve ler p27 Sugestão de atividades atividades livres com textos literários sem cobranças eou imposição de obrigatoriedade p26 Cap 2 Leitura e Texto Concepção de leitura não pode ser entendida como mera decodificação língua como código Nesse texto a concepção está alinhada a linguística textual como uma atividade de construção de sentido p53 Construção de sentido não pode ser confundido com a mera decodificação O sentido não está no texto na verdade exigese um processo de interação entre autor e leitor que compreende essa construção além de atividade colaborativas de outros meios e informações p54 Entender um texto não significa extrair um sentido que está pronto mas construir um sentido a partir de pistas que estão na superfície textual p53 Leitor atua na verdade como coautor na construção de sentidos p57 Texto Definição unidades de sentidos Não nos comunicamos por frases mas por unidades de sentidos denominadas Textos p62 Sobre o trabalho do professor não deve ser por meio de frases mas de textos autênticos pois compreendem as unidades de sentido Abordagem textual e não meramente gramatical p62 Concepção de língua interação dialógica p66 O sentido construído pelo leitor não significa que o texto não tenha sentido em si mesmo mas também deve ficar claro que não é admitido todo e qualquer sentido pretendido ao texto O juiz deve ser a coerência na superfície textual p6667 Texto não como tecido acabado mas como tecido que está sendo continuamente tecido ou seja não tratase de produto final acabado mas processo p67 Intertextualidade Breve definição relações entre textos Interação que um texto mantém com outros que o antecedem e posteriormente com outros que irão ser produzidos p73 Diferença entre intertextualidade e o plágio a intertextualidade compreende a relação entre os textos o plágio contempla a apropriação de um texto de outrem não referenciado p74 Definição de Julia Kristeva todo texto é construído por um mosaico de citações outros textos p77 Definição em Bakhtin todo texto mantém relações dialógicas com outros textos Vozes que se cruzam p77 Duas Vozes A voz do textoparódia tratase do texto que está mantendo uma relação implícita e paródica com outros textos p84 A voz do textofonte tratase do texto parodiado p84 Gêneros literários A recomendação dos PCNs é que o ensino de língua seja pautado pelos gêneros p93 A interação verbal é marcada por propósitos comunicativos P93 A variedade de riqueza de gêneros é infinita p94 Vertentes dos gêneros literários segundo Bakhtin p 95 Quanto à classificação Platão em A República menciona à comédia à tragédia e à epopeia Posteriormente Aristóteles classificou a literatura em três principais gêneros épico lírico e dramático Classificação dos gêneros literários Gênero Lírico Poesia expressiva centrada nas emoções e experiências pessoais do poeta p 99 Gênero Épico Narrativas extensas e grandiosas geralmente com heróis e eventos históricos p 106 Gênero Dramático Compreende o teatro e engloba tragédia e comédia envolvendo a representação de personagens em ação p 111 Sequência descritiva Não há encadeamento cronológico Não há sucessão de acontecimentos temporalidade ou causalidade Sequência dialogal p Morte e Vida Severina João Cabral p 121 A narrativa conto vs romance Em geral possui número reduzido de personagens e espaços o mesmo se aplica para a progressão temporal Evitamse pormenorizações excessivas A diferirse do romance tem sua origem na tradição oral Para Tchekhov sempre que uma espingarda aparece em um conto ela precisa disparar Assim o autor destaca o caracter deveras econômico dos contos Afirma ainda ele que o romance tende a ganhar por pontos enquanto o conto por nocaute em clara referência à objetividade do conto p 135 O romance então basicamente conta uma história porém em maior extenção fazendo com que personagens eventos espaço e tempo se entrelacem das mais diversas maneiras A narrativa a crônica Costuma ser menos detalhado que o conto e em geral quem o narra não é personagem ficcional e sim o próprio escritor como quem se revela São exemplos de grandes cronistas brasileiros Nelson Rodrigues Suas crônicas traziam uma perspectiva única aguda e muitas vezes provocativa sobre a sociedade e o comportamento humano Rubem Braga Conhecido como o Cronista do Cotidiano Rubem Braga é uma figura icônica no cenário da crônica brasileira com seu estilo sensível e observador capturando a essência da vida diária e dos detalhes do cotidiano Elementos da narrativa narrador Focalização externa Narra apenas o que vê e não interfere Focalização interna Não só narra como participa da história como em O Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa Focalização onisciente Pode conhecer o íntimo dos personagens como acontece em Quincas Borba de Machado de Assis A ação nas palavras de Propp p 161 Personagens Planos pouco se alteram Esféricos surpreendem o leitor com mudanças em termos de comportamento e personalidade Protagonistas são os principais Secundários exercem papel colaborativo menos evidente e relevante p 173 Espaço Não se limita ao aspecto físico Espaço também pode referirse à percepções ideológicas culturais morais psicológicas não paupáveis mas perceptíveis É notório como alguns autores dão mais valor à importância do espaço do que outros na construção de sua trama Alguns o detalham com exímio rigor como quem estivesse a descrever uma planta exata ao leitor sendo este o caso de O Grande Sertão Veredas Em Memórias Póstumas contudo vemos que Machado foca bem mais na ação e no aspecto psicológico dos personagens do que na descrição física dos lugares Conclusão As nomenclaturas naturalmente são causa de profunda discussão acadêmica que se perpassa por séculos ou até milênios na intenção de uma definição que abarque plenamente cenários tão amplos Destacouse em muito a interação que o leitor tem para com o texto no que diz respeito à construção dos sentidos que não está reclusa ao posto no papel como coisa mórbida e definitiva Em seguida aventurouse pelos gêneros textuais e elementos de um romance por exemplo Concluise que o leitor deve ler bovinamente no sentido de usufruir de cada pedaço do que uma obra literária tem a lhe oferecer Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua O diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua são fundamentais para a construção de uma obra literária O texto literário utiliza a linguagem de forma criativa para transmitir ideias e emoções enquanto a sequência textual organiza as informações de maneira coerente e envolvente Os recursos da língua como figuras de linguagem enriquecem o texto tornandoo mais expressivo A combinação desses elementos permite ao autor transmitir suas mensagens de maneira poderosa e cativante impactando o leitor e despertando reflexões sobre os temas abordados na obra literária Avaliação pergunta 1 Pelo exposto podese concluir que o conceito de literário não é absoluto variando de época para época de cultura para cultura de pessoa para pessoa Em outros termos o conceito de literário não é só ontológico mas é também funcional O que faz com que um texto seja considerado literário não são aspectos apenas imanentes mas também fatores institucionais por isso se considera literário aquilo que é legitimado e proclamado como tal pela crítica pela universidade pelos intelectuais pela escola TERRA 2014 p26 O primeiro ponto é que para o escritor o texto literário não é absoluto afirmando o caráter heterogêneo flexível e nãoestático da arte enquanto literatura A definição parece contemplar os fatores a tempo b lugar e c subjetividade O autor sugere duas possibilidades para uma definição adequada 1 imanência características próprias do texto e 2 institucional legitimação em diferentes ambientes de circulação desses textos Quanto a essa propositura nossa preocupação é com as literaturas das margensbordas Qual o entendimento do Texto Literário Avaliação pergunta 2 Se se toma por referência as teorias que postulam que o que caracteriza a arte é o fruir e não o usar a tendência é considerar que a abordagem escolarizada do texto afastao de seu caráter literário na medida em que ele deixa de ser objeto de fruição para desempenhar funções de natureza pragmática o texto passa a ser objeto de uso por isso entendo que a escola deve promover atividades livres de leitura literária ou seja que não haja cobrança nem imposições de qualquer espécie para essas atividades TERRA 2014 p26 O fruir em oposição ao usar a postura adotada pelo autor sugere o papel do professor como auxiliador na construção de sentidos e no incentivo de experiências de leituras por prazer contrapondose à camisa de força que é o uso como obrigação do texto literário em sala de aula O termo escolarizada parece sugerir uma abordagem rígida obrigatória e estática do texto literário O autor propõe ainda atividade livres de leitura literária o que parece subverter uma postura de ensino tradicional O uso das negativas para cobranças e imposições reforçam uma postura emancipatória de ensino de literatura Como se descreve o procedimento de Ensino do Texto Literário substantivos violões soluços choros lamento sons gemidos prantos sussurro adjetivos plangentes murmurejantes chorosos suspiradas verbos choram soluçando gemem Levar os alunos a perceber que essas palavras remetem à ideia de som portanto a questão da sonoridade vai além do componente fonológico podendo ser observada também no componente lexical O encadeamento de figuras garante a progressividade do texto sendo fator de coesão e coerência Levar por fim os alunos a perceber que a sonoridade é constitutiva do sentido do poema e fazêlos identificar que sentimentos ou emoções esses sons evocam Violões que choram Jan 1897 Ah Plangentes violões dormentes mornos soluços ao luar choros ao vento Tristes perfis os mais vagos contornos bocas murmurejantes de lamento Noites de além remotas que eu recordo noites da solidão noites remotas que nos azuis da Fantasia bordo vou constelando de visões ignotas Sutis palpitações à luz da lua anseio dos momentos mais saudosos quando lá choram na deserta rua as cordas vivas dos violões chorosos Quando os sons dos violões vão soluçando quando os sons dos violões nas cordas gemem e vão dilacerando e deliciando rasgando as almas que nas sombras tremem Avaliação pergunta 3 Em que medida acontece o diálogo entre o texto literário a sequência textual e o recurso da língua Harmonias que pungem que laceram dedos nervosos e ágeis que percorrem cordas e um mundo de dolências geram gemidos prantos que no espaço morrem E sons soturnos suspiradas mágoas mágoas amargas e melancolias no sussurro monótono das águas noturnamente entre ramagens frias Vozes veladas veludosas vozes volúpias dos violões vozes veladas vagam nos velhos vórtices velozes dos ventos vivas vãs vulcanizadas CRUZ E SOUSA Obras completas Rio de Janeiro José Aguilar 1961 pp 124127

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