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Psicologia ·

Filosofia

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD História da Filosofia Medieval Prof Dr João Batista Madeira Meu nome é João Batista Madeira Minha formação é em Filosofia e em Teologia Pertenci à primeira turma reconhe cida do curso de Licenciatura em Filosofia do Claretiano 19901992 Sou formado em Teologia pelo Centro de Es tudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto 19931996 Es pecializeime em Filosofia Contemporânea pela PUC de Minas Gerais Belo Horizonte 19961998 Sou mestre em Filosofia pela Universidade Católica de Lovaina Katholieke Universiteit Leuven 19992001 e doutor bolsista CAPES também em Filosofia pela mesma Universidade 2002 2006 Fiz Pósdoutoramento em História das Ciências na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USPRP bolsista FAPESP 20082009 Participo do Centro de Filosofia Brasi leira CEFIB da UFRJ Tenho experiência docente em várias disciplinas como Lógica Me tafísica Ética História da Filosofia e História da Filosofia Medieval email jbmadeirayahoocouk Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL Caderno de Referência de Conteúdo João Batista Madeira Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2012 Batatais SP Versão dez2013 180 M153h Madeira João Batista História da filosofia medieval João Batista Madeira Batatais SP Claretiano 2013 200 p ISBN 9788567425696 1 A passagem da filosofia antiga para a filosofia medieval 2 O cristianismo e o mundo grego 3 Plotino e sua influência no pensamento cristão 4 A filosofia patrística latina e Santo Agostinho 5 A gênese da primeira escolástica Boécio e as traduções dos filósofos clássicos para o Latim 6 João Escoto Erígena e Anselmo de Cantuária 7 Pedro Abelardo e Pedro Lombardo 8 Influência Aristotélica na formação do pensamento ocidental 9 Filosofia árabe Averróis e Avicena 10 Santo Tomás de Aquino Guilherme de Ockam e Duns Escoto 11 A segunda escolástica I História da filosofia medieval CDD 180 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO 7 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 9 UNIDADE 1 DA FILOSOFIA ANTIGA À FILOSOFIA MEDIEVAL 1 OBJETIVOS 39 2 CONTEÚDOS 39 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 40 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 41 5 FILOSOFIA COMO ESTILO DE VIDA 53 6 FILOSOFIA NA GRÉCIA E EM ROMA 56 7 AS ALMAS EXISTÊNCIA SEPARADA E EXISTÊNCIA IMANENTE 60 8 ESTOICOS EPICURISTAS CÍNICOS E CÉTICOS 65 9 O CRISTIANISMO E O MUNDO GREGO 68 10 O NEOPLATONISMO E SUA INFLUÊNCIA NO PENSAMENTO POSTERIOR 71 11 A FILOSOFIA PATRÍSTICA LATINA 86 12 SANTO AGOSTINHO 87 13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 95 14 CONSIDERAÇÕES 96 15 EREFERÊNCIAS 97 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98 UNIDADE 2 AMBIENTE CULTURAL E EDUCACIONAL NA IDADE MÉDIA 1 OBJETIVOS 99 2 CONTEÚDOS 99 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 100 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 100 5 UMA VISÃO MEDIEVAL DE LÓGICA E LINGUAGEM 102 6 O DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA DA RELAÇÃO ENTRE RAZÃO E FÉ 106 7 O PAPEL DA AUTORIDADE NA FILOSOFIA MEDIEVAL 113 8 O AMBIENTE CULTURAL DAS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES 116 9 TEXTOS E FORMAS DE ENSINO UNIVERSITÁRIO 121 10 BOÉCIO E AS TRADUÇÕES DOS FILÓSOFOS CLÁSSICOS PARA O LATIM 123 11 ESCOTO ERÍGENA E ANSELMO DE CANTUÁRIA 136 12 PEDRO ABELARDO E PEDRO LOMBARDO 140 13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 144 14 CONSIDERAÇÕES 144 15 EREFERÊNCIAS 145 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146 Claretiano Centro Universitário UNIDADE 3 ARISTOTELISMO E NEOPLATONISMO NO PENSAMENTO MEDIEVAL OCIDENTAL 1 OBJETIVOS 147 2 CONTEÚDOS 147 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 148 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 149 5 FALSAFA A FILOSOFIA EM ÁRABE AVERRÓIS E AVICENA 150 6 SANTO TOMÁS DE AQUINO 153 7 JOÃO DUNS SCOTO 165 8 ESSÊNCIA EXISTÊNCIA E INDIVIDUAÇÃO 167 9 O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS 170 10 A SEGUNDA ESCOLÁSTICA 184 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 196 12 CONSIDERAÇÕES 197 13 EREFERÊNCIAS 197 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 199 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa A passagem da Filosofia Antiga para a Filosofia Medieval O Cristianismo e o mundo grego O Neoplatonismo e sua influência no pensamento posterior A Filo sofia Patrística Latina e Santo Agostinho A gênese da primeira Escolástica Boé cio e as traduções dos filósofos clássicos para o latim João Escoto Erígena e An selmo de Cantuária Pedro Abelardo e Pedro Lombardo Influência aristotélica na formação do pensamento ocidental Filosofia Árabe Averróis e Avicena Santo Tomás de Aquino Guilherme de Ockham e Duns Escoto A segunda Escolástica 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo Caro aluno iniciaremos o estudo de História da Filosofia Me dieval Neste Caderno de Referência de Conteúdo você terá opor tunidade de se familiarizar com os autores e ideias que marcaram a História da Filosofia Medieval Em cada uma das três unidades componentes deste Material Didático Mediacional você encontrará elementos que o ajudarão História da Filosofia Medieval 8 a compreender o contexto que propiciou o desenvolvimento das reflexões sofisticadas e interessantes que caracterizam a Filosofia da Idade Média À medida que você estudar a História da Filosofia Medieval descobrirá que temas vindos diretamente do passado se mostram também interessantes a você e que compreender a filosofia como um estilo de vida uma maneira de viver ainda tem reflexos no modo atual de procurar pautar a vida pela ética pelo que é correto e pelo que leva à vida com sentido Este CRC é parte obrigatória do currículo de todos os cursos de Filosofia e nos últimos anos tem atraído um número cada vez maior de interessados não só no Brasil como também no mundo em cursos de Pósgraduação em Filosofia Medieval As publica ções na área também se multiplicam com melhores traduções de seus autores ilustres e com textos de autores brasileiros compe tentes analisando os temas mais centrais A filosofia produzida por autores como Agostinho e Tomás de Aquino pode parecer um pouco exótica num primeiro contato porém com as informações que obterá no estudo deste CRC você perceberá que pode aprender muito com a Filosofia Medieval Para isso você contará com o auxílio precioso da aula pre sencial e dos tutores deste CRC além de inúmeras oportunidades para refletir e discutir sobre suas ideias e ao interagir com seus colegas de curso por meio da Lista e dos fóruns Nosso percurso será rico observaremos entre outros te mas a transição da Filosofia Antiga Grecoromana para a Filosofia Medieval o estabelecimento do cristianismo o Neoplatonismo e seus ecos na História da Filosofia Medieval a influência do pensa mento aristotélico a Filosofia Patrística e a Escolástica Teremos a oportunidade de entrar em contato com os gran des expoentes do pensamento medieval como Agostinho Boécio João Escoto Erígena Anselmo de Cantuária Pedro Lombardo e 9 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário Pedro Abelardo Tomás de Aquino Guilherme de Ockham Duns Escoto e incluamse entre eles os importantíssimos pensadores árabes como por exemplo Averróis e Avicena Após essa apresentação dos conceitos principais do CRC apresentaremos a seguir no Tópico Orientações para o estudo al gumas orientações de caráter motivacional dicas e estratégias de aprendizagem que poderão facilitar o seu estudo 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr João Batista Madeira Neste tópico apresentase uma visão geral do que será es tudado neste CRC Aqui você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportu nidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade Desse modo essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conheci mento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com competên cia cognitiva ética e responsabilidade social Vamos começar nos sa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC Introdução ao problema do estudo da Filosofia Medieval O estudo de Filosofia Medieval tem atraído cada vez mais en tusiastas Prova disso é o rápido crescimento do número de livros e artigos dedicados a autores e temas genuinamente medievais O mercado de trabalho também tem crescido de modo considerável com muitas vagas para o ensino de Filosofia Medieval em institui ções de ensino públicas ou privadas História da Filosofia Medieval 10 Todavia para pessoas de todas as faixas etárias os temas e abordagens filosóficas característicos da Idade Média podem parecer tão incompreensíveis quanto as teorias econômicas mais recentes Mas com uma diferença todo mundo parece concordar que economistas quando discutem o grau de felicidade dos con sumidores americanos na década de 1950 estão fazendo um tra balho útil e necessário Não queremos de modo nenhum desmerecer o trabalho dos economistas Porém é o caso de nos perguntarmos por que filó sofos que estudam por exemplo a teoria escotista da quididade não desfrutam do mesmo prestígio daqueles economistas Outra dificuldade que em geral se associa ao estudo da Fi losofia Medieval está diretamente ligada ao conteúdo religioso da obra de muitos pensadores da época Em relação a esse ponto a realidade brasileira é particularmente desafiadora o dito popu lar religião não se discute pode esconder uma dificuldade maior para o estudo da Filosofia Medieval É bem verdade que há um aspecto positivo associado a tal dito popular A índole pacífica do povo brasileiro considera melhor cultivar a tolerância para com outras religiões e opiniões do que se ver arrastado para a discriminação do diferente e para conflitos religiosos armados Porém a falta de debate dificulta a difusão de conhecimento A história está cheia de exemplos de intolerância religiosa que confirmam a sabedoria de uma atitude de aceitação e de paz numa sociedade multiétnica e plurirreligiosa Em contrapartida não é o debate sobre temas religiosos que ocasiona conflitos mas o fato de as discordâncias de opinião muitas vezes gerarem belige rância A reflexão sobre os fundamentos de uma religião tende a ser benéfica visto que as principais religiões pregam valores éticos e atitudes de humildade e tolerância Outro fator que pode dificultar o interesse pelos estudos medievais para grande parte dos jovens de hoje é a dificuldade de 11 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário compreender o que motivava as reflexões dos autores medievais Primeiro convém pensar nas motivações atuais Há uma tendência utilitarista disseminada na cultura contemporânea É comum ouvir alguém perguntar a uma pessoa que acaba de escolher seu curso universitário Por que uma pessoa jovem como você resolveu estudar Filosofia O mesmo ocorre com So ciologia e outras ciências humanas menos conhecidas É como se alguém devesse escolher um curso universitário pensando na uti lidade que tal estudo pudesse ter para o mercado Há também uma tendência relativista disseminada na cultura atual Com frequência se conclui que respeitar a opinião alheia significa que toda opinião deve necessariamente ser aceita sendo defensável simplesmente por ser uma opinião Isso gera si tuações curiosas Por exemplo uma pessoa confrontada com alguém que cri ticou algo escrito por ela logo pergunta Você está dizendo que minha opinião está errada E em seguida acrescenta Mas eu penso assim Claro que ninguém vai defender uma pessoa dog mática cega ou tirânica que somente considera a própria opinião como verdadeira As opiniões não estão corretas somente porque alguém as defende E nem toda defesa de opinião é aceitável Por fim há também uma tendência naturalista dissemina da em nossa cultura O naturalismo é mais uma abordagem geral de temas ligados à vida e à ciência do que um conjunto de princí pios claramente elaborados Para explicar mais facilmente essa questão utilizemos um exemplo real Um professor de Psicologia Cognitiva de uma co nhecida universidade brasileira ficou bastante surpreso quando recebeu da grande maioria de seus alunos uma resposta afirma tiva para a pergunta Se eu tomasse uma porção de terra e uma quantidade de água marinha se eu separasse destas substâncias os sais minerais e a água pura e colocasse tudo numa supermáqui na controlada por um poderoso computador seria em princípio possível obter como resultado um corpo humano vivo História da Filosofia Medieval 12 Ora a resposta afirmativa a tal questão implica que um cor po humano vivo seja composto apenas de elementos naturais Ou seja em princípio para obtêlo basta juntar água pura e sais mi nerais sem que seja necessário nenhum elemento sobrenatural exterior à combinação química de elementos presentes na água do mar É justamente por causa destas tendências ao utilitarismo ao relativismo e ao naturalismo que o estudo da Filosofia Medieval parece tão deslocado nos dias de hoje Os pensadores medievais tinham bases bem diferentes para produzir suas ideias e doutri nas Vamos conhecêlas As bases da Filosofia Medieval As principais bases da Filosofia Medieval são as ricas heran ças grega romana e cristã Do mundo grecoromano além das fi losofias de Platão e de Aristóteles a Idade Média herdou também o pensamento de outras escolas filosóficas helenísticas como o epicurismo o estoicismo o ceticismo e o neoplatonismo Há alguns componentes que distinguem claramente a Fi losofia Medieval da Filosofia Antiga Grecoromana Importantes mudanças fizeram que a filosofia deixasse de ter as características que marcaram a Filosofia Antiga e criaram progressivamente as condições para que surgisse a Filosofia Medieval Quando colocamos a questão dessa maneira alguém pode imaginar que de uma hora para outra deixou de existir o modo de pensar típico da Antiguidade dando lugar ao modo de pensar medieval Isto porém não é totalmente correto Claro que alguns acontecimentos históricos levaram a mudanças culturais impor tantes e por vezes abruptas Porém a transformação do pensa mento filosófico ocorreu de modo progressivo Do cristianismo a Filosofia Medieval herdou as noções de monoteísmo de criacionismo a partir do nada de antropocen trismo em oposição ao cosmocentrismo grego e romano de teo centrismo e das leis da moral diretamente associadas à vontade de Deus Consideravase por exemplo que a queda do homem 13 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário ocorreu pela desobediência às leis de Deus e que sua redenção não depende dele mesmo apenas Deus pode determinála A Idade Média herdou também o conceito de Providência a quem se rende o indivíduo da Redenção do homem pelo Deus pleno de amor pela humanidade da escatologia e da ressurreição dos corpos da História como realização do reino de Deus Todos esses elementos representaram uma grande novida de com relação à Filosofia Grecoromana pois a Filosofia Antiga apoiavase sobre uma concepção de mundo politeísta Além disso a noção de tempo de gregos e romanos antigos era a de tempo circular ou seja assim como as estações se alternam num ritmo anual fixo e perpétuo tudo mais retorna em um ciclo Os antigos criam que havia uma orientação cosmocêntrica do mundo do qual o ser humano era apenas uma parte e não uma das partes mais poderosas Gregos e romanos pensavam que mesmo os deuses estavam submetidos às leis naturais Os gregos também imaginavam os deuses como seres envol vidos com seus próprios assuntos e indiferentes aos destinos hu manos Ou seja os deuses não se responsabilizariam por consertar quaisquer erros humanos e mesmo quando se apaixonavam por um homem ou uma mulher eram movidos por um amor aquisitivo eros e nunca por um amor donativo ágape Os gregos concebiam a vida eterna mas esta somente po deria ser pensada com relação a algo que não perecesse como os deuses ou as almas dos heróis e semideuses Os gregos não acre ditavam que teriam um final definitivo como na escatologia cristã Para eles a História tem um caráter circular ou seja não tem início nem fim e retorna sempre idêntica Vamos refletir o que teria motivado essa junção entre as culturas grecoromana e a cristã História da Filosofia Medieval 14 Talvez o momento mais marcante da transformação cultural operada pelo cristianismo tenha sido a conversão do imperador Constantino Magno que tornou o cristianismo a religião oficial do Império Romano Não se conhece a data exata da conversão de Constantino Sabese apenas que foi em algum momento entre 312 EC Era Comum ou seja depois de Cristo e 337 EC data de sua morte É inegável que a conversão do imperador teve como conse quência as conversões em massa Cidadãos romanos adeptos de outras religiões ou que não eram religiosos após a conversão de Constantino se tornaram cidadãos de um império cristão Um caso interessante de conversão em massa acontecia com os funcionários do Império Romano Eles tinham necessariamente de aderir à religião oficial Com eles suas famílias inteiras também se tornavam cristãs de um momento para o outro por meio do ba tismo Isto explica a necessidade porém não explica a urgência Entendemos a necessidade da conversão mas falta enten der a razão de sua urgência A urgência dos funcionários públicos romanos estava no fato de que sua autoridade dependia de sua condição de bons cidadãos Ou seja se em algum momento sua autoridade ou sua adequação ao cargo que ocupavam fosse ques tionada poderiam enfrentar graves dissensões e motins Isso fazia com que se adequassem rapidamente às exigências e aos padrões do império E como este fato veio a se tornar um poderoso incentiva dor da reflexão filosófica Surgiam questões ligadas à vida de cris tãos oficialmente aceitos e admirados questões que não foram enfrentadas pelos cristãos anônimos e clandestinos de outrora Algo interessante a ser analisado é a validade dos sacramentos ad ministrados por ministros cristãos quando estes renunciavam ou recusavam a fé cristã Suponha que um presbítero cristão tivesse feito dois mil ba tizados em algum dos grandes centros urbanos do Império Roma 15 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário no Suponha também que ao fazer uma grande viagem por ter ras distantes o tal presbítero caísse prisioneiro e fosse vendido como escravo para algum povo fora dos limites do império romano lembrese de que situações como essa não eram nem um pou co incomuns naqueles tempos conturbados Ora em cativeiro e privado de meios para subsistir e para se libertar era possível que o prisioneiro fosse forçado a renegar seu cristianismo e a assumir uma religião pagã O que aconteceria com os dois mil batizados que se torna ram cristãos pelas mãos de um presbítero que renegou o cristianis mo antigamente se utilizava o termo apóstata para se referir a tal pessoa continuariam cristãos ou não Hoje parece fácil responder a essa questão pois há a noção de que ninguém perde sua dignidade por uma limitação ou falha alheia Porém naqueles primeiros séculos do cristianismo mui tos defendiam que a validade de um sacramento por exemplo a do batismo dependeria da santidade do ministro que o admi nistrou Levando tal noção até as últimas consequências concluise que um romano cobrador de impostos cuja autoridade dependia diretamente do fato de ser um bom cidadão romano e portan to de ser cristão viveria sempre na incerteza quanto ao fato de quem o batizou ainda ser cristão ou ter se tornado apóstata Essas questões exigiram que os especialistas em religião cris tã do período ou seja os epíscopos discutissem sobre a validade dos sacramentos e sobre a relação dessa validade com a santidade ou com a eventual apostasia do ministro que os administra Não iremos reconstruir todo o debate observaremos diretamente a solução para essa questão tão inquietante Eles deliberaram que os sacramentos imprimiam caráter eram como as tatuagens que os soldados faziam quando ingressa vam no exército romano e que ao menos naquela altura uma vez feitas não podiam ser apagadas Ou seja aqueles que fossem bati História da Filosofia Medieval 16 zados podiam ficar tranquilos mesmo que aquele que os batizou viesse a renegar a fé cristã eles continuariam cristãos autênticos Esse episódio serve para introduzir de maneira clara alguns dos componentes da Filosofia Medieval que são estranhos às ten dências constitutivas da sociedade atual A Filosofia Medieval vê a História como um desenvolvimento em direção ao Bem Supremo que seria o Deus Cristão Essa visão se liga intimamente àquela que considera a Filosofia como um estilo de vida Dessa maneira a Filosofia cristã possibilitaria que a vida fos se o mais plena de sentido possível pois auxiliaria na descoberta da melhor coisa a se fazer em cada situação Segundo essa visão mesmo diante de graves perigos o destino de uma pessoa encon trase em alguém Deus que está para além das limitações da vida presente Nesse contexto a relação entre fé e razão faz todo o sentido A fé alimenta a esperança enquanto a razão busca identificar nas dificuldades momentâneas um significado maior que as supere e as leve a bom termo Lembremonos de que o homem medieval tinha noção da relação entre causa e efeito mas não desenvolvera nenhum utili tarismo Para ele a verdadeira recompensa por escolher a melhor vida possível nunca poderia ser uma vantagem pecuniária ou de prestígio social A Filosofia Medieval aborda de maneira muito positiva a au toridade Os medievais recorriam às opiniões dos filósofos anti gos e às Sagradas Escrituras para resolver questões difíceis Volte mos à discussão sobre a validade dos sacramentos É evidente que nem todas as opiniões tinham o mesmo peso As opiniões daqueles que condicionavam a validade dos sa cramentos à santidade a conduta irrepreensível dos ministros que os administravam criavam dificuldades insuperáveis para as pessoas e parece que não as ajudavam em nada 17 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário Sem dúvida era melhor seguir a opinião daqueles que bus caram na cultura romana e nas Escrituras a solução que permitiu às pessoas entender que os sacramentos têm um aspecto visível e outro invisível e que o aspecto invisível o caráter impresso em quem os recebe é perene Estamos nos referindo aos especialistas em religião os epíscopos as autoridades cuja opinião tinha maior peso Não eram obedecidos cegamente o relativismo ou seja a falácia de que todas as opiniões têm o mesmo valor era evitado A Filosofia Medieval reserva um papel importante para o domínio do suprassensível Essa noção equivale ao conceito de elemento sobrenatural que utilizamos anteriormente ao explicar a tendên cia naturalista ora presente em nossa cultura O aspecto invisível dos sacramentos ou seja a força que eles têm de imprimir caráter indelével a quem os recebe equivale ao suprassensível Você verá que essa noção também tem origem na Filosofia Antiga e que foi mantida pela Filosofia Cristã por auxiliar na expli cação de vários elementos do cristianismo O suprassensível asso cia um critério estável à verdade e evita os erros de um natura lismo extremado na concepção medieval nenhum aglomerado de elementos materiais seria suficiente para constituir um corpo humano vivo Para compreender como a Filosofia Medieval articulava fé e razão o papel positivo da autoritates e a noção de suprassensí vel dentre outras é necessário voltar ao ambiente cultural e filo sófico em que surgiu e se desenvolveu o cristianismo e posterior mente a Filosofia Cristã No mundo mediterrâneo antigo a Filosofia não consistia na reflexão abstrata sobre a natureza do que poderia ser conhecido ou sobre o valor do que precisa ser feito de modo independente da vida cotidiana de uma sociedade Ao contrário exigia o engaja mento total da pessoa no labor necessário para descobrir a verda de e para fazer o bem Para os filósofos a Filosofia tratavase de um estilo de vida extremamente exigente que absorvia a totalidade da pessoa Para História da Filosofia Medieval 18 compreender exatamente em que consistia esta abordagem da Filosofia como estilo de vida é necessário voltar um pouco às principais escolas filosóficas da Antiguidade As principais escolas da Filosofia Grega antiga eram a Acade mia fundada por Platão os peripatéticos seguidores de Aristó teles os estoicos da escola fundada por Zenão e os epicuristas seguidores de Epicuro Havia ainda outra escola se é que o termo pode ser utilizado neste caso pois escola parece pressupor necessariamente um corpo doutrinal transmitido por um ou mais mestres para um ou mais discípulos Os adeptos da postura em questão os chamados céticos tentavam sempre levar as pessoas a suspender o juízo e a con siderar argumentos pró e contra a resposta dada a cada um dos problemas filosóficos centrais Os céticos não se consideravam mestres não professavam um corpo doutrinal específico e nem procuravam fazer discípulos Neoplatonismo e sua influência no pensamento posterior A interpretação tradicional ganhou em seguida nova força e deu origem ao platonismo médio e ao neoplatonismo É este último que interessa estudar aqui com mais detalhes pois foi a interpretação do platonismo que prevaleceu desde o século 3º EC até os séculos 16 ou 17 EC O neoplatonismo reforçou o aspecto esotérico não confun dir com exotérico cujo significado de transmitido ao público sem restrição é exatamente o oposto dos ensinamentos de Platão Nessa interpretação Platão teria optado por encobrir o verdadeiro conteúdo de suas doutrinas sob a superfície turva de seus diálogos Teria revelado plenamente o caráter politicamen te subversivo de sua filosofia apenas em seus ensinamentos orais também conhecidos como doutrinas não escritas O neoplatonismo postulava uma interpretação unitária dos textos de Platão Durante a História da Filosofia possibilitou aos 19 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário estudiosos de Aristóteles uma ferramenta adicional muito útil para vencer as aparentes discrepâncias entre os textos aristotélicos a utilização de elementos das doutrinas esotéricas de Platão como chaves de leitura O recurso de admitir a compatibilidade entre Platão e Aristóteles foi muito utilizado na Antiguidade e na Idade Média Um grande representante do neoplatonismo na Antiguidade foi Plotino 205270 EC Seu discípulo Porfírio assumiu explicita mente a tentativa de demonstrar a compatibilidade entre Platão e Aristóteles Como se verá posteriormente isso foi muito impor tante para o surgimento das discussões medievais em torno do Problema dos Universais Plotino foi um filósofo ainda claramente contextualizado na Filosofia Antiga No entanto propunha uma brilhante síntese do desenvolvimento da Filosofia superando as escolas anteriores ao postular o conceito de verdade universal Em sua síntese Plotino incorporou muitos dos pontos cen trais da metafísica de Aristóteles Criou uma escola em Roma e foi muito bem relacionado com a elite política da capital do Império Romano Aos cinquenta anos iniciou a composição de sua obra Tratado das Enéadas mais tarde editada por seu discípulo Por fírio Ainda que os neoplatônicos posteriores tenham discordado em pontos relevantes de Plotino podese dizer que eles aprofun daram corrigiram e estenderam a visão plotiniana de verdade uni versal Nesse ponto devemos lembrar a figura de Porfírio Este filó sofo fenício desenvolveu a filosofia de Plotino de quem foi discí pulo acrescentando a ela um forte interesse pela prática religiosa e pela interpretação alegórica como fontes de aquisição de sabe doria Porfírio também passou à História como um forte opositor do cristianismo Notabilizouse pelas tentativas de demonstrar a História da Filosofia Medieval 20 harmonia entre Platão e Aristóteles produziu uma interessante obra embora pequena sobre lógica conhecida como Isagoge onde explicou que nas Categorias que tem passagens aparente mente antiplatônicas Aristóteles não fala de metafísica Segundo Porfírio Aristóteles referese ali a coisas que po dem ser ditas sobre outras coisas ou seja não se refere a entes mas a termos Foi a partir dos comentários à sua Isagoge literal mente introdução que se iniciou o célebre debate medieval sobre o Problema dos Universais Agora já podemos conhecer um pouco sobre o grande mes tre do Ocidente ou seja Santo Agostinho A Filosofia Patrística latina e Santo Agostinho Ainda antes de sua conversão Agostinho teve contato com o ceticismo e com o neoplatonismo Por meio da leitura da exor tação à Filosofia no Hortênsio do romano Cícero Agostinho des cobriu que a vida mais digna é aquela que busca constantemente a sabedoria cuja luz resplandecente transmite sentido a todo o resto Depois de sua conversão definitiva ao cristianismo Agos tinho integrou elementos de sua formação anterior e produziu ideias poderosas Uma delas foi a noção de verdade aprendida da Verdade Eterna que permite compreender as coisas verda deiras que se experimentam no cotidiano Há claros pontos de in terseção entre esta abordagem e o neoplatonismo de Plotino que postula a noção de verdade universal Outro ponto relevante do pensamento de Agostinho é sua abordagem do problema do Mal Devido às bases de seu pensa mento Agostinho pôde desenvolver uma noção de mal como so breposição de um bem menor a um bem maior Assim o mal mo ral aparece como a escolha feita pela pessoa de um bem menor em detrimento de um bem maior Assim ao preferir as riquezas materiais aos bens espirituais a pessoa abrese ao mal pois escolheu um bem menor e descui 21 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário dou de bens maiores O que está mais próximo do Supremo Bem Deus é sempre melhor do que o que se encontra mais distante dEle Esta abordagem refutou de maneira poderosa o maniqueís mo que postulava que havia dois princípios igualmente podero sos um princípio bom e um mau Agostinho negou a existência do mal metafísico e do mal Vejamos outro fundamento da Filosofia Medieval que teve sua origem em Agostinho o interesse pela cognição humana encarada tanto como um meio para estabelecer a possibilidade epistemológica da teologia quanto como meio para conhecer e compreender algo a respeito de Deus Em Contra acadêmicos Agostinho propõe uma resposta muito bem elaborada e consisten te aos argumentos céticos dos filósofos da Academia de Platão Dessa maneira propicia a base para a factibilidade de toda investigação racional acerca da verdade Posteriormente no De trinitate procura entender a mente humana não apenas em si mesma mas também na condição de modelo a partir do qual se pode chegar à verdade e a Deus O problema do mal em Agostinho A noção de que Deus é uno e portanto bom deve servir como parâmetro para outras noções filosóficas Sendo bom Deus não pode ser a origem do Mal pois em sua condição de divinda de não é suscetível de ações acidentais descuidos ou ignorância Considerando que o Mal não foi criado por Deus deve haver uma maneira de abordálo filosoficamente sem atribuirlhe status de criatura Agostinho distinguiu o mal em três tipos o Mal meta físico que aqui chamamos de Mal o mal físico deformidades e deformações e o mal moral más ações Tanto o mal metafísico quanto o físico se existirem foram criados em algum momento No entanto Deus é uno e bom Isso significa que nem o Mal nem as deformidades ou deformações podem ser eternos ou História da Filosofia Medieval 22 ter sua origem em Deus A conclusão de Agostinho é que somente o mal moral pode existir no mundo os outros dois tipos não exis tem Aqui a preocupação genuinamente filosófica de Agostinho fica evidente pois ele segue uma lógica irrepreensível e se man tém em sintonia com as tradições filosóficas mais consistentes Ao mesmo tempo que recusa a existência do mal metafísico e do mal físico Agostinho postula que a origem do mal moral não está em Deus uma vez que Ele não pode originar qualquer tipo de mal Agostinho atribui o mal moral à livre escolha da pessoa que pratica ações más Para ser consistente e não incorrer no erro de dizer que as más ações causam originam são causadas ou decorrem de coisas más ele diz que as más ações são aquelas que erram o alvo ou seja que não buscam o maior bem possível Assim para entender o mal moral o filósofo não faz distin ção entre bem Bem e mal Mal mas entre escolher o bem maior e escolher algum dos bens menores A boa ação é aquela que visa o maior bem possível e as más ações são todas aquelas que visam a bens menores quando há um bem maior que poderia ser alme jado Novamente fica evidente que ao mesmo tempo que comun ga com as doutrinas centrais do cristianismo Agostinho está em sintonia com as principais doutrinas filosóficas da Antiguidade pois preserva a liberdade de escolha do ser humano e garante a possibilidade de que as más ações sejam imputadas àqueles que as praticam Após essa breve abordagem sobre alguns dos pontos princi pais da filosofia agostiniana podemos conhecer um pouco sobre o famoso período denominado Escolástica A Escolástica Boécio os falasifa e Tomás de Aquino Com relação à Filosofia no ambiente cultural romano é clara a importância do trabalho de Anício Manlio Severino Boécio filó 23 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário sofo cristão de inspiração neoplatônica Sua vida foi trágica e ter minou com sua condenação à morte Contudo Boécio nos legou a obra Consolação da Filosofia fruto de sua decisão de aproveitar os últimos dias no cárcere para escrever uma obra filosófica falando de temas como a liberdade e o sentido da vida humana diante das forças hostis deste mundo Boécio nasceu em uma família romana e teve formação es merada inclusive com profundo conhecimento da língua grega e da Filosofia Antiga Envolveuse cedo com a política durante o tempo em que Roma era governada pelos ostrogodos a partir da cidade de Ravena Estudou Filosofia em Atenas e possivelmente em Alexandria Percebeu que em sua época o conhecimento da Filosofia em grego no Ocidente era muito limitado e manifestou forte consciência da missão de manter o contato do mundo ocidental com as obras dos principais filósofos gregos O mundo latino ainda não tinha acesso aos textos e ao vo cabulário técnico tão necessários ao estudo da Filosofia Boécio apesar da curta duração de sua vida ajudou muito na resolução destas dificuldades pois traduziu e comentou a obra lógica de Aristóteles e forneceu um vocabulário técnico em latim que se tor nou instrumento básico para os filósofos medievais Outra grande contribuição para o conhecimento das obras dos filósofos gregos foi dada pelos filósofos árabes A Filosofia em árabe é também conhecida pelo termo falsafa Os pensadores que filosofaram em árabe são os falasifa A História da Filosofia em árabe remonta quase às origens do próprio Islã cujo calendário se inicia em 622 EC Nos primeiros séculos após sua fundação já havia no am biente cultural islâmico o costume de discutir questões teológicas abordadas de modo filosoficamente muito interessante impor tantes textos científicos e filosóficos da tradição siríaca estavam disponíveis e eram estudados a lógica aristotélica era usada nos debates teológicos História da Filosofia Medieval 24 A partir do século 9 EC assistiuse a um intenso movimento de traduções em Bagdá Em consequência disso iniciaramse pro fundos debates sobre Lógica Gramática Teologia e Filosofia por parte de muçulmanos judeus e cristãos Tais debates versaram sobre a estrutura e a fundação do cos mos sobre a natureza das entidades no mundo físico a relação do ser humano com o divino transcendente os princípios da me tafísica a natureza da Lógica os fundamentos do conhecimento humano e a busca pela vida feliz O período que vai do século 9º EC ao século 13 EC é o pe ríodo clássico da formação da Filosofia em língua árabe Notamos que neste período encontramse entre outros os filósofos Al Kindi Al Farabi Avicena Avicebrom Averróis e Maimônides Há que se observar que a Filosofia em árabe não se reduziu aos pensadores etnicamente árabes incluiu também pensadores persas e judeus A falsafa não esteve preocupada apenas com o pensamento de Aristóteles Foi também fortemente influenciada pelo pensa mento neoplatônico Isto não causa surpresa quando se considera que os principais comentadores gregos com exceção de Alexandre de Afrodísias eram neoplatônicos Não é este o momento de se estabelecer um contraste entre Filosofia Árabe e Filosofia Judaica Embora se saiba que as histórias destas duas correntes se distinguem em alguns pontos sabese também que no período clássico da falsafa ambas caminharam paralelamente A denominação que escolhemos Filosofia em árabe permite falar dos traços comuns a ambas sem a necessi dade de tal contraste A recepção da Filosofia em árabe na Europa Ocidental evi dencia o fato de que textos escritos em árabe tiveram papel im portantíssimo para a História da Filosofia Ocidental Há testemu nhos de estudos árabes no sul da Itália e na Sicília que datam do século 12 EC 25 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário Ao nos debruçarmos sobre os textos filosóficos em árabe ou sobre suas traduções que chegaram até nós notamos uma grande riqueza Destaquemos alguns pontos As traduções árabes de textos filosóficos gregos Os tratados sistemáticos sobre a falsafa Os comentários a Aristóteles de Al Farabi a Averróis Portanto a falsafa é uma importante via para o estudo da tradição filosófica pois estabelece uma ligação entre a Filosofia Clássica Antiga e a Filosofia Medieval Os textos foram traduzidos para o latim ao longo dos séculos principalmente por meio dos esforços dos tradutores de Toledo a partir da metade do século 12 EC Entre esses tradutores destacamse Gerardo de Cremona e Domingos Gundissalvo Os insights de Averróis e seus comentários exaustivos aos textos aristotélicos inicialmente foram recebidos com muita sim patia Porém logo alguns argumentos e doutrinas presentes no pensamento de Averróis causaram perplexidade entre os estudio sos do Ocidente cristão Sobretudo com relação à eternidade do mundo e à natureza da alma havia uma clara discordância com a crença cristã na criação ex nihilo e na imortalidade da alma huma na individual A figura de Tomás de Aquino é emblemática no contexto do pensamento da Idade Média Do ponto de vista da teologia cristã não há qualquer dúvida de que Tomás foi o grande nome do perí odo Ele não recebeu apenas um título mas vários Doutor Angéli co Doutor Comum Doutor Universal Divino Tomás dentre outros títulos apreciativos Tanta proeminência de sua obra teológica poderia dar a im pressão de que este foi o único campo do saber no qual ele foi excelente ou que foi o principal Todavia suas contribuições filo sóficas foram importantíssimas e duradouras História da Filosofia Medieval 26 Dentre as razões pelas quais a excelência filosófica de Tomás é hoje pouco conhecida destacamos a impopularidade da Filoso fia Medieval como um todo Porém atualmente estamos teste munhando um crescente interesse e um número considerável de publicações dedicadas justamente aos pontos centrais da filosofia de Tomás As generalizações apressadas encontradas em obras que tra zem biografias resumidas de filósofos ou apresentações sintéti cas de correntes filosóficas muitas vezes divulgam a existência de uma filosofia aristotélicotomista Esta abordagem sugere que Tomás apenas continuou ou explicou o pensamento de Aristóteles A rigor tal ponto de vista é inadequado A razão para recusá lo é justamente o fato de que em mais de quinze séculos que separam Aristóteles e Tomás a Filosofia desenvolveuse em aspec tos que Aristóteles não contemplou e nem poderia têlo feito pois o estoicismo o ceticismo o neoplatonismo e o cristianismo são temporalmente posteriores a ele Obviamente há uma proximidade muito grande entre a filo sofia do Estagirita e elementos importantes da filosofia de Tomás pois este dedicou muito de sua extensa obra aos comentários e explicações sobre a obra de Aristóteles Entretanto há sinais claros de que Tomás tratou de temas e questões não contempladas por Aristóteles pelo menos não de maneira explícita Exemplos de inovação não faltam quando comparamos a obra de Tomás com a obra de Aristóteles A noção de criação ex nihilo a inserção da matéria primeira no contexto temporal a pos tulação de que o objeto da metafísica é o ens commune são con ceitos que consideram a filosofia aristotélica mas que não foram tratadas por Aristóteles em qualquer parte de sua obra Este foi nosso primeiro contado com o tema deste CRC Es peramos que tenha sido sugestivo e importante para introduzilo na Filosofia Medieval Temos agora um longo percurso pela frente que esperamos seja enriquecedor e estimulante para todos os envolvidos Bons estudos 27 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá pida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC História da Filosofia Me dieval Veja a seguir a definição dos principais conceitos 1 Ágape noção cristã que corresponde ao amor donativo de Deus Difere do amor Eros que tinha um caráter aqui sitivo Ou seja Eros busca possuir ao passo que o amor ágape se doa 2 Analogia de modo geral o termo é utilizado para desig nar uma comparação entre coisas parcialmente seme lhantes e parcialmente distintas No período medieval a analogia foi utilizada para se analisar a comparação en tre Deus e as coisas criadas por Ele Assim com base nas características que se vê nas coisas podese dizer algo sobre Deus mas nunca de maneira precisa pois Deus é totalmente distinto de todas as coisas 3 Argumento ontológico é o método para se provar a existência de Deus a partir da própria ideia de um ser divino e de quais características um ser divino tem ne cessariamente de possuir O mais famoso propositor de tal argumento foi Anselmo de Cantuária 4 Auctoritasauctoritates no período medieval era re servado um papel central para as opiniões autoritativas ou seja as opiniões que as gerações passadas consagra ram como corretas Casos em que aparentemente ha veria bons motivos para se defender qualquer uma de duas opiniões contrárias recorriase à opinião de algu ma autoridade passada para resolver a questão De ma neira mais geral o método escolástico das disputationes sempre tinha uma parte dedicada à análise e à tentativa de conciliação entre o tema apresentado e as posições de alguma auctoritas 5 Compatibilistaincompatibilista as posturas medievais diante da relação entre fé e razão podem ser classifica das em dois tipos De um lado havia aqueles que consi História da Filosofia Medieval 28 deravam que todas as verdades alcançadas pela fé eram compatíveis com as verdades alcançadas pela razão Eram os compatibilistas De outro lado havia aqueles que pensavam que fé e razão eram âmbitos totalmente distintos e que as verdades de uma não eram acessíveis à outra Eram os incompatibilistas 6 Conceitualismo era a postura com relação aos univer sais que afirmava que estes correspondiam aos concei tos existentes na mente 7 Criação ex nihilo abordagem cristã da criação segundo a qual Deus criou todas as coisas a partir de coisa alguma literalmente a partir do nada 8 Emanação ou processão doutrina neoplatônica que descreve como os níveis ou planos inferiores têm sua origem nos níveis ou planos superiores Por exemplo o Intelecto emana ou procede do Uno Tratase de uma maneira de associar a existência dos níveis inferiores à realidade dos níveis superiores sem contudo postular qualquer diminuição ou perda por parte dos níveis su periores Outros termos como geração e produção pressupõem ao menos um esforço quando não um des gaste com o que os neoplatônicos não concordavam 9 Ente e essência maneira como os medievais denomina vam a distinção entre existência e ser Ambos os termos derivam do mesmo verbo ser mas cada um com foco em um aspecto distinto Uma coisa é focar o que algo é e outra é pensálo como existindo na realidade A essência é assimilada pelo pensamento e separada da realidade concreta O ente é o ser aquele que existe indivíduo coisa 10 Epistrophé ou reversão é o processo inverso ao da ema nação ou processão neoplatônica É como os neoplatô nicos relacionavam os níveis ou planos mais baixos com os níveis ou planos mais elevados Julgavam que havia algum tipo de relação mas que não era de filiação ou derivação 11 Escolástica doutrina filosófica da Idade Média que asso ciava a racionalidade platônica e aristotélica e a doutrina 29 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário cristã O termo deriva das scholae modo como os me dievais descreviam os que partilhavam uma mesma ten dência ou corrente de pensamento filosófico As mais fa mosas eram o tomismo o escotismo e o nominalismo 12 Esotérico aquilo que é conhecido e transmitido a pou cos aos escolhidos 13 Exotérico aquilo que é conhecido e transmitido a todos ao público em geral 14 Falsafafalasifa falsafa é a maneira como os árabes medievais se referiam à Filosofia Os filósofos que pensa vam e escreviam em árabe eram portanto os falasifa 15 Haecceitas era o termo que João Duns Escoto utilizava para descrever o caráter individual de algo aquilo que quando é apontado pelo dedo indicador pode ser cha mado de isto em Latim haec 16 Hipóstase termo neoplatônico para designar o que se encontra em cada um dos níveis ou planos da realidade 17 Iluminação doutrina agostiniana que descreve como as pessoas podem ter acesso à verdade a partir da ação de Deus Para Agostinho não é com base na experiên cia mundana que se pode conhecer a verdade A esta chegase apenas por intermédio da luz que Deus irradia sobre o entendimento humano 18 Imputabilidade possibilidade de se atribuir a culpa de algo a alguém Uma pessoa é imputável quando se pode atribuir a ela a culpa por algo que ela fez ou deixou de fazer 19 Intelecto agenteintelecto possível ou passivo concei to medieval baseado na maneira como Aristóteles se re feriu ao entendimento humano O intelecto agente é a parte da alma humana que ativamente torna conhecí veis os conteúdos da experiência sensorial O intelecto possível ou passivo é a parte do entendimento humano em que os conceitos são impressos 20 Logos ou ratio termo muito amplo e com muitos sig nificados No contexto do Problema dos Universais era a raiz de cada coisa na mente de Deus Assim tudo o História da Filosofia Medieval 30 que existe ou que pode existir tem sua origem ou raiz na mente de Deus 21 Maniqueísmo doutrina inicialmente aceita mas depois combatida por Agostinho de Hipona O maniqueísmo postulava que todas as coisas derivavam de dois deuses ou princípios eternos um bom e outro mau 22 Monoteísmo crença judaicocristãoislâmica de que há um só Deus 23 Navalha de Ockham método associado ao filósofo me dieval Guilherme de Ockham que dizia que não deve mos multiplicar os seres sem necessidade Postular que os universais têm existência real e autônoma é dizer que eles são seres Portanto utilizandose tal método deve ser atribuída existência real e autônoma apenas aos particulares 24 Nominalismo postura com relação aos universais que os considera apenas como nomes Quando se diz que Sócrates por exemplo é um homem a palavra ho mem não se refere a algo realmente existente além de Sócrates Ou seja homem é apenas outro nome para se referir a Sócrates e não tem outro referente 25 Particular Aristóteles denomina Particular a propo sição que expressa inerência a alguma coisa ou a não inerência a cada coisa An pr I 1 24 a 23 Segundo Abbagnano 1998 p 745 O contrário da proposição P é a universal v A lógica medieval indicou com a letra I a proposição P afirmativa e com a letra O a proposição P negativa Uma proposição P da forma alguns F são G pode ser lida de várias as maneiras algum F é G alguma coisa é ao mesmo tempo F e G alguma coisa que é F é G Há um FG Existem FG FG existe etc cf W v O Quine Methods of Logic 12 26 Patrística termo utilizado para se referir aos patres ou padres gregos e aos patres latinos Tratase de uma maneira de dizer que os filósofos gregos e latinos dos primeiros séculos do cristianismo prestaram um grande serviço enfrentando e resolvendo inúmeras questões difíceis no contexto da relação entre o cristianismo e a 31 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário cultura clássica grega e latina Foram verdadeiros pais da fé 27 Predicáveis coisas que podem ser ditas de outras coi sas Termo técnico utilizado para se referir ao gênero à espécie à diferentia diferença à propriedade e ao acidente Estes eram os cinco termos sobre os quais escreveu o fenício Porfírio em sua obra Isagoge 28 Quididade termo medieval utilizado para falar do que a coisa é em sua essência em Latim se diz quid 29 Realismo exageradorealismo moderado a postura com relação aos universais que afirma serem eles enti dades realmente existentes é conhecida como realis mo Há algumas versões possíveis para esta postura a mais radical realismo exagerado diz que os universais têm existência real separada ou seja que existem como entidades fora dos particulares A mais moderada rea lismo moderado afirma que os universais têm existên cia real mas que existem apenas nos particulares e na mente 30 Scientia os medievais consideravam o conhecimento radical e rigoroso como scientia Esse conceito não cor responde exatamente ao que hoje chamamos ciência Para os medievais a scientia correspondia ao conheci mento adquirido por meio do método demonstrativo ou seja a partir de verdades universalmente válidas O método experimental utilizado nas ciências de hoje não seria suficiente para a scientia 31 Suprassensível noção utilizada pelos platônicos para se referir ao que não é percebido pelos sentidos mas que se sabe que é real por meio do entendimento 32 Teologia negativateologia apofática é a maneira de se chegar a Deus pelo que ele não é ou seja a bondade de Deus não é a bondade humana a grandeza de Deus não é a grandeza da mais alta montanha que existe e as sim por diante Para a teologia apofática ou negativa de Deus somente se pode saber e dizer com certeza o que Ele não é Para poder aplicar qualquer atributo a Deus é necessário acrescentar que Ele é hiper ou super A História da Filosofia Medieval 32 bondade de Deus é hiperbondade A generosidade de Deus é superabundante Os atributos que se quer dirigir a Deus somente dizem o quanto Ele está além do que pode ser pensado ou dito 33 Universais para a Escolástica eram os termos e conceitos gerais Segundo Abbagnano 1998 p 982 Esse termo teve dois significados principais 1º significado objetivo em virtude do qual indica uma determinação qualquer que pode pertencer ou ser atribuída a várias coisas 2º significado subjetivo em virtude do qual indica a possi bilidade de um juízo que diga respeito ao verdadeiro e ao falso ao belo e ao feio ao bem e ao mal etc ser válido para todos os seres racionais No Problema dos Universais vale o significado clássico ou objetivo Nesse sentido o U pode ser considerado no duplo aspecto on tológico e lógico Ontologicamente o U é a forma a idéia ou a essência que pode ser partilhada por várias coisas e que confere às coisas a natureza ou o caráter que tem em comum ABBAGNANO 1998 p 982 Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino 33 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário Com base na teoria de aprendizagem significativa entendese que por meio da organização das ideias e dos princípios em esque mas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu conhecimen to de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos concei tos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog nitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in ternas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por ob jetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgsbreduto olsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 História da Filosofia Medieval 34 Figura 1 Esquema dos Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Medieval Como você pode observar esse Esquema dá a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo Ao seguilo você poderá transitar entre um e outro conceito deste CRC e descobrir o caminho para cons truir o seu processo de ensinoaprendizagem Por exemplo os 35 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário conceitos que representam os dogmas cristãos Criação do mundo ex nihilo Deus ex maquina Pecado Original Salvação e Ressur reição engendram as principais discussões do período medieval como por exemplo a Questão dos Universais O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien te virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realiza das presencialmente no polo Lembrese de que você aluno EaD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio co nhecimento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertati vas Responder discutir e comentar essas questões bem como relacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a re solução de questões pertinentes ao assunto tratado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis sional Você ainda encontrará no final de cada unidade um gabari to que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões autoavaliativas de múltipla escolha ou abertas objetivas As questões de múltipla escolha são as que têm como respos ta apenas uma alternativa correta Por sua vez entendemse por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada inalterada Já as questões abertas dissertativas obtêm por res História da Filosofia Medieval 36 posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado por isso normalmente não há nada relacionado a elas no item Gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares Figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte inte grante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apu rada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao com partilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e consistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugeri mos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas 37 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Claretiano Centro Universitário É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas pode rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ ções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discu ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau las No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você Claretiano Centro Universitário 1 EAD Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval 1 OBJETIVOS Entender a transição da Filosofia Antiga grecoromana para a Filosofia Medieval Compreender os principais elementos que caracterizaram a novidade filosófica do cristianismo 2 CONTEÚDOS A passagem da Filosofia Antiga para a Filosofia Medieval O cristianismo e o mundo grego O Neoplatonismo e sua influência no pensamento poste rior A Filosofia Patrística latina e Santo Agostinho O problema do Mal e a questão do Tempo em Agostinho História da Filosofia Medieval 40 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Compartilhar ideias e opiniões com seus colegas faz parte da construção de sua aprendizagem Na Sala de Aula Virtual você encontrará o apoio necessário para a comunicação com seus colegas de curso Com a pesqui sa essa relação ficará ainda mais envolvente pois vocês poderão criar uma relação de troca de experiências que contribuirá para sua formação e para o enriquecimento de seus conhecimentos 2 Lembrese de que apesar de utilizarmos aqui o termo epistemologia ele não era utilizado no período medie val 3 É importante lembrarmonos de que Platão quando se referia à busca de uma vida melhor pensava na coletivi dade ou seja na Pólis A busca de uma salvação indivi dual só viria com o helenismo 4 A pesquisa faz com que você elimine as fronteiras de sua aprendizagem e possa construir um conhecimento am plo e profundo sobre o assunto consultado Sugerimos portanto que você leia as obras citadas nas referências bibliográficas 5 Além de consultar as obras citadas nas Referências Bi bliográficas você pode buscar informações na lista de sites indicados em EReferências para enriquecer seus estudos 6 Não deixe de testar seu aprendizado respondendo com muita atenção as questões autoavaliativas Perceba suas dificuldades e procure suprilas retornando o estudo ou tirando suas dúvidas com seu tutor 7 Procure assistir ao filme Santo Agostinho Com ele você poderá enriquecer suas fontes de pesquisa Assista também aos vídeos do Prof Carlos Nougué sobre Santo Agostinho disponíveis em httpwwwyoutubecom watchv0wwsYBOrnLoNR1 httpwwwyoutube comwatchv99ijVdrHJdg Acesso em 09 maio 2011 41 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval 8 Você pode encontrar mais informações sobre Plotino no conteúdo do CRC História da Filosofia Antiga Relembrar os temas estudados em tal CRC irá auxiliálo na compre ensão do tratamento que será dado ao seu estudo de História da Filosofia Medieval Portanto não deixe de pesquisar e relembrar o conteúdo já visto 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Importantes mudanças fizeram que a Filosofia deixasse de ter as características que marcaram a Filosofia Antiga e cria ram progressivamente as condições para que surgisse a Filosofia Medieval Como já foi dito em nossa Abordagem geral quando abordamos a questão desta maneira alguém pode ficar com a im pressão que de uma hora para outra deixou de existir o modo de pensar típico do mundo antigo e que em seu lugar surgiu o modo de pensar medieval Porém isso não é totalmente correto É claro que alguns acontecimentos históricos levaram a mudanças cultu rais muito importantes No entanto a transformação deuse de maneira lenta e progressiva Um dos acontecimentos históricos que alterou para sempre o horizonte cultural da humanidade foi o advento do cristianismo Não há dúvidas de que a mensagem cristã sobretudo depois que se difundiu pelas principais regiões do mundo antigo operou uma significativa mudança cultural Prova disso é o fato de que a partir do momento em que aderiam à fé cristã as pessoas abandonavam seus costumes anteriores e se dispunham inclusive a morrer por sua nova fé Contudo talvez o momento mais marcante da transforma ção cultural operada pelo cristianismo tenha ocorrido quando o imperador Constantino se converteu e tornou o cristianismo a re ligião oficial do Império Romano Como consequência acontece ram as conversões em massa de ímpios ou de pessoas de outras religiões História da Filosofia Medieval 42 Um caso interessante de conversão em grande número naquele contexto acontecia com os funcionários do Império Ro mano Eles necessariamente tinham que aderir à religião oficial Juntamente com eles suas famílias inteiras também se tornavam cristãs de um momento para o outro por meio do batismo Restava contudo uma tarefa bastante complexa familiari zarse com o conteúdo da fé cristã para poder aderir imediata e radicalmente a ela A função de ensinar os pontos fundamentais da fé cabia aos ministros sobretudo aos ordenados ou seja aos diá conos presbíteros e bispos Só que algumas questões que surgiam eram novas e surpreendentemente complexas Vejamos um exem plo que pode demonstrar como uma questão de preceito religioso fomentou um interessantíssimo debate filosófico e teológico Durante os séculos em que o cristianismo foi uma religião pouco conhecida e até perseguida não havia grande dificuldade em saber quem era cristão e em confirmar se tal pessoa era au têntica em sua fé As comunidades cristãs nos tempos das gran des perseguições eram pequenas e com muita frequência corriam imensos riscos para se reunir e para praticar seu culto Muitos cristãos confirmavam sua fidelidade com o próprio sangue ou seja tornavamse mártires Todavia no momento em que o cristianismo passa a ser religião de Estado o número de ba tizados tornase grande demais para que as pessoas se conheçam ou mesmo se reconheçam facilmente como adeptos da mesma fé Também não havia mais necessidade de que as pessoas corressem graves riscos ou suportassem o martírio como meio de confirmar a fé Naquele contexto surgiu a importante questão de quais se riam os meios para descobrir quem era fiel ao cristianismo e quem não era e quais seriam as implicações da infidelidade para a vali dade dos sacramentos administrados por infiéis Uma questão assim poderia parecer meramente abstrata voltada apenas para discussões de intelectuais Entretanto trata 43 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval vase de algo muito mais concreto e premente O entendimento geral considerava inválido e vazio qualquer sacramento adminis trado por alguém que não fosse de fato cristão ou por alguém que tivesse abandonado ou que mais tarde abandonasse a fé Então havia o risco permanente de que alguém que fora batizado tendo se tornado cristão em função daquele sacramento o deixasse de ser no exato momento em que o ministro que o batizou abando nasse a fé cristã tanto faz se por opção por fraqueza ou mediante tortura Portanto era uma possibilidade bastante inquietante a de que por ações ou atitudes alheias uma pessoa deixasse de estar em condições de desempenhar suas funções de maneira adequa da ou até mesmo perdesse totalmente sua autoridade pois os funcionários do império cristão tinham que ser cristãos autên ticos Assim percebese como a adesão de Constantino ao cristia nismo significou também uma necessidade de pensar problemas novos o que levou as principais figuras da cultura da época a se interessar pelos elementos principais da mensagem cristã Mas quais seriam esses elementos Para responder a tal questão seria interessante citar Giovan ni Reale e Dario Antiseri 2005 No volume dedicado à Patrística e Escolástica de sua imponente obra História da filosofia em 7 volumes eles dizem que As mais significativas contribuições filosóficas da mensagem bíblica são 1 O conceito de monoteísmo que substitui o politeísmo grego 2 O criacionismo a partir do nada que faz o ser depender de um ato da vontade de Deus e que se contrapõe à proibição de Parmênides da geração do ser do não ser 3 Uma concepção do mundo fortemente antropocêntrica que não tem precedentes na filosofia helênica que foi mais cos mocêntrica 4 Uma interpretação da lei moral diretamente ligada à vontade de Deus Deus seria a fonte definitiva da lei moral e o dever História da Filosofia Medieval 44 do homem estaria em obedecer seus mandamentos Para o grego ao contrário a lei teria o seu fundamento na natureza e a ela também Deus estaria vinculado 5 Uma desobediência à lei teria causado a queda do homem 6 O resgate desta situação depende não do homem mas da ini ciativa gratuita de Deus para os gregos em particular para os órficos e para os filósofos que neles se inspiraram depende ria ao contrário apenas do homem 7 A Providência de que fala a Bíblia diversamente da grega em particular socrática e estoica dirigese ao homem individual a ela está ligada a Redenção operada por Deus por amor da humanidade 8 Esta atenção de Deus pelo homem revoluciona completamen te o conceito do amor em vários sentidos primeiramente porque o amor cristão ágape é característica eminentemente divina enquanto que para os gregos Deus era amado e não amante em segundo lugar porque a dimensão do eros helêni co era aquisitiva enquanto a do ágape cristão é donativa 9 Tal inversão não diz respeito apenas ao tema do amor mas a toda a série dos valores dos gregos que o cristianismo ilumina sobre a base do discurso das bemaventuranças em que se privilegia a dimensão da humildade e da mansidão 10 Igualmente importante é a mudança de perspectiva na escato logia que não está mais ancorada apenas no dogma da imor talidade da alma mas também no da ressurreição dos corpos É significativo por fim o novo sentido da história como progresso para a salvação e para a realização do reino de Deus o desenvolvi mento da história segundo os gregos tem um andamento circular a história não tem início nem fim mas retorna sempre idêntica enquanto o bíblicocristão acontece segundo um trajeto retilíneo que tem um fim e uma consumação o juízo universal A clareza de Reale e de Antiseri no resumo apresentado aju da a perceber que não se tratou apenas de fazer algumas conces sões filosóficas para poder acomodar a mensagem cristã a temas e problemas já pensados pela Filosofia Antiga De fato várias dou trinas filosóficas antigas tiveram que ser repensadas quase que em sua totalidade Mais do que simplesmente utilizar a Filosofia Antiga para ex plicar elementos da fé cristã tratouse de pensar de novo de pen 45 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval sar a partir de novos pontos de vista tudo o que já tinha sido pen sado na Antiguidade além de verificar a medida de concordância ou discordância que havia entre filosofia e mensagem cristã Contudo quem pensar em rompimento radical com a he rança filosófica antiga também pode estar se distanciando do que ocorreu naquele momento No final da Antiguidade Clássica já ha via um vocabulário comum do qual usufruíam tanto as escolas fi losóficas quanto os convertidos ao cristianismo que possuíam uma educação refinada Mas isso quer dizer que havia uma Filosofia e que depois passou a haver ao menos no Ocidente uma Filosofia Cristã O tema Filosofia Cristã foi muito debatido no século 20 EC pois alguns críticos da Filosofia Medieval principalmente aqueles que queriam desvalorizála e propor que não fosse estudada jus tificavam suas posições com o argumento de que o que aconteceu na Idade Média em termos de Filosofia não teve nada de criativo e nem mesmo de genuinamente filosófico Segundo tais críticos teria sido apenas uma apropriação de alguns temas e métodos fi losóficos da Antiguidade corrompidos por uma abordagem emi nentemente teológica Tal crítica sobretudo vinda daqueles que pensam que há uma separação radical e mesmo uma incompatibilidade completa entre religião e razão parece ter sido muito aceita durante certo período em alguns círculos filosóficos do século passado Étienne Gilson 2006 p 6 assim retrata esta questão O verdadeiro problema é de ordem filosófica e muito mais gra ve Reduzido à sua fórmula mais simples consiste em perguntar se a própria noção de filosofia cristã tem sentido e subsidiariamente se corresponde a uma realidade Naturalmente tratase não de saber se houve cristãos filósofos mas de saber se pode haver fi lósofos cristãos Neste sentido o problema se colocaria da mesma maneira a propósito dos muçulmanos e dos judeus Todos sabem que a civilização medieval se caracteriza pela extraordinária impor tância que o elemento religioso nela adquire Tampouco se ignora que o judaísmo o islamismo e o cristianismo produziram então cor pos de doutrinas em que a filosofia se combinava de uma forma História da Filosofia Medieval 46 mais ou menos feliz com o dogma religioso designado pelo nome aliás muito vago de escolástica A questão está precisamente em saber se essas escolásticas sejam elas judaicas muçulmanas ou mais especialmente cristãs merecem o nome de filosofias Ora a partir do momento em que o problema é colocado nesses termos longe de parecer evidente a existência e a própria possibilidade de uma filosofia cristã se tornam problemáticas a tal ponto que partidos filosóficos opostos parecem estar de acordo para recusar a essa expressão qualquer significado positivo O que Gilson quer dizer com partidos filosóficos opostos é que tanto seus contemporâneos da década de 1930 que tinham uma abordagem racionalista pura da relação entre religião e ra zão quanto os neoescolásticos os neotomistas pensavam que havia uma distinção essencial entre religião e filosofia Ou seja era uma tendência muito forte na primeira metade do século passado considerar que não houvera um esforço filosófico autêntico e con tinuado ao longo dos vários séculos costumeiramente conhecidos como período medieval Essa visão originavase no fato de que naquele período a religião desempenhava um papel central e a filosofia era usada apenas em alguns aspectos ou de maneira fragmentária Seria algo análogo a uma secretária executiva que por vezes usasse um martelo com alguma finalidade pontual Para isso ela não teria de usar necessariamente algum conhecimento de carpintaria ou de construção civil É claro que os neotomistas pensavam que um tipo de sínte se entre filosofia e religião tinha sido feito por Tomás de Aquino autor medieval que estudaremos em outra unidade Porém na compreensão dos neotomistas mesmo nesse caso isso somente tinha sido possível porque Tomás se propôs a permanecer no âm bito da razão Felizmente a postura de desvalorização da Filosofia Medie val perdeu força nas últimas décadas do século 20 EC Isso ocor reu principalmente em consequência do trabalho de medievalistas renomados e extremamente competentes e de historiadores da 47 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Filosofia Com abertura e espírito acadêmico esses profissionais propuseramse a estudar filósofos e ideias medievais sem pre conceitos e de maneira sistemática Hoje os livros de História da Filosofia Medieval se multiplicam Novos aspectos e abordagens contribuem para que a Filosofia produzida por vários autores me dievais seja vista como original e digna de ser estudada a fundo Uma das razões para tal mudança talvez esteja ligada à pró pria visão da Filosofia como algo mais do que um simples exercício racional de abstração Ou seja à medida que progridem nossos conhecimentos sobre o que significava adotar uma determina da filosofia na Antiguidade com todas as implicações racionais e vivenciais que tal adesão implicava parece cada vez mais lógico pensar que acontecia algo semelhante no caso da adesão ao cris tianismo Para aprofundar esse olhar seria interessante voltarmos os olhos para a Filosofia Antiga Clássica e considerála como estilo de vida Será que houve mesmo a Idade Média Para que você possa refletir sobre essa problemática con vém lembrar as palavras do Prof Carlos Arthur Ribeiro do Nasci mento em seu excelente livro O que é filosofia medieval O Prof Carlos Arthur nos coloca a questão nos seguintes termos Pois a idade média também foi inventada Um pedagogo alemão chamado Christoph Keller em latim Cellarius 16381707 consa grou a divisão da história antiga medieval e moderna Consagrou também a idéia que se generalizou sobre o período medieval Keller ou Cellarius escreveu três manuais um de filosofia antiga 1685 um de história da idade média 1688 e um de história nova 1696 A idade média segundo Keller estendese da época do im perador Constantino 324 até a tomada de Constantinopla pelos turcos 1453 Se em vez da primeira data adotarmos a da tomada de Roma pelo chefe germânico Odoacro em 476 teremos a perio dização corrente nas escolas Keller fixou também a idéia de que este período intermediário entre a antiguidade e a época moderna nada produziu de importante Foi um período não só estéril mas de retrocesso a idade das trevas NASCIMENTO 1992 p 89 História da Filosofia Medieval 48 Contudo o próprio Prof Carlos Arthur Nascimento 1992 p 9 chamanos a atenção para a controvérsia que envolve a noção de que tenha havido uma Idade Média e sobre as datas escolhidas para delimitála Tanto a periodização da história ocidental em an tiga medieval e moderna como a interpretação negativa do período medieval fo ram e são objeto de profundas críticas Não há nenhuma razão evi dente para privilegiar como marcos de início e limite as datas de 476 e 1453 Não é também nada claro que os mil anos compreen didos entre estas datas consti tuam um único período Além disso nada mais es tranho do que supor que a humanidade tenha sido vítima durante tão longo tempo de uma irreparável estupidez e repentinamente se tenha curado da doença com o renascimento no século XV Portanto há vários motivos que nos levariam a pensar em outras nomenclaturas e datas para delimitar esse período da His tória da Filosofia O Prof Nascimento 1992 p 910 ainda nos apresenta uma forte razão paras que reflitamos sobre as implica ções de uma abordagem negativa da Idade Média Se consultarmos os próprios medievais constata remos que eles não se consideravam no meio de coisa nenhuma Achavam antes que estavam no final da história ou no mínimo que eram os her deiros de gente muito mais importante que tinha vivido an tes de les Bernardo de Chartres no século XII fez uma comparação que ficou famosa Somos comparáveis a anões montados nos om bros de gigantes o que nos possibilita ver mais coisas que os antigos e mais longínquas não pela acuidade de nossa própria vista nem pela nossa grande estatura corporal mas porque nos levantam e nos exal tam àquelas alturas pela sua grandeza gigantesca Como você pôde ver esta é uma visão bastante positiva do valor da filosofia produzida naquele período Talvez seja impossí vel recusar o termo Idade Média pois ele já é tão consagrado que seria bastante complicado propor sua exclusão dos livros de História Alguns autores utilizam os termos patrística e escolás tica que juntos poderiam servir para nos referirmos aos pensa dores medievais de maneira mais neutra Contudo também naquele período da História havia um termo com sentido tão pejorativo quanto o que Keller procurou 49 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval imputar ao período que chamou de Idade Média Aqui também faremos uso do texto do Prof Carlos Arthur Apesar de ter sido publicada em 1992 sua obra conservase totalmente atual Pelo menos no meio universitário supõese que seja um grande elogio chamar alguém de filósofo Não passa em geral pela nos sa cabeça a idéia de que uma pessoa possa dispensar esse título ou até se sentir ofendida com ele Ora é precisamente isto o que acontecia com a maioria ou mesmo a totali dade daqueles a quem chamamos hoje em dia de filósofos medievais De fato os filósofos para estes supostos filósofos medievais eram ou pagãos ou infiéis O filósofo por excelência para os uni versitários dos séculos XIII e XIV Aristóteles era exatamente um pagão isto é alguém que tendo vivido antes de Cristo não tivera nenhum contato com a mensagem cristã Outros filósofos respeita díssimos como Avicena Averróis ou Maimônides eram infiéis pois os dois primeiros eram muçulmanos e o último judeu Quando aqueles a quem chamamos de filósofos medievais que riam se referir aos autores cristãos mais antigos a quem chamamos hoje de Padres da Igreja chamavamnos de os santos Distingui los dos filósofos Eles próprios se consideravam como mestres da sagrada doutrina ou como dizemos atualmente teólogos Se um teólogo recorresse à fi losofia nos seus trabalhos teológicos não era cha mado de filósofo mas de teólogo filosofante ou sim plesmente de filosofante NASCIMENTO 1992 p 1011 Logo após o trecho citado o Prof Carlos Arthur Nascimento explica que para nos familiarizarmos com os termos utilizados pe los medievais e para termos uma noção mais precisa do que eles pensavam da Filosofia é necessário ter em conta o que diz o Novo Testamento Há duas passagens do apóstolo Paulo no discurso que ele fez em sua estadia em Atenas a passagem que abordaremos é narrada nos Atos dos Apóstolos 17 1634 Consideraremos tam bém o trecho da primeira carta de Paulo aos cristãos da cidade de Corinto 1 Cor 117216 Como lembra o Prof Carlos Arthur a atitude de Paulo nesses dois textos é bas tante distinta Nos Atos Paulo não vê dificuldade em se servir de alguns es quemas conhecidos das escolas filosó ficas daquela época e que já vinham sendo utilizados pelos ju deus de cultura grega Na verdade ele se utiliza de uma estratégia História da Filosofia Medieval 50 de oratória conhecida por acomodação ou seja faz um esforço para que sua pregação se assemelhe o máximo possível ao que os filósofos gregos do período diziam O que está em questão não é fazer concessões excessivas ao gosto dos ouvintes mas apresentarlhes o conteúdo de manei ra compreensível É muito provável que os filósofos estoicos que estavam entre os ouvintes de Paulo naquele dia pudessem ter fei to um discurso semelhante Ao proceder daquela maneira Paulo sinalizava para a sua convicção de que não haveria uma ruptura radical entre a teologia grega e a mensagem cristã A mensagem cristã seria apenas a realização ou o aprimoramento da tradição teológica grega A grande dificuldade de Paulo naquela pregação veio quan do ele introduziu o tema ressurreição de Cristo pois esta noção não tinha qualquer correspondente no pensamento grego clássi co Como vimos anteriormente essa era uma grande novidade da mensagem bíblica Tal noção pode até ter aguçado a curiosidade de alguns poucos ouvintes mas não o suficiente para que resol vessem ouvir o restante da pregação Não se sabe ao certo se Paulo se ressentiu daquela experiên cia ou se simplesmente a considerou inadequada para ser repetida em outros lugares Sabese que em outra passagem na Primeira carta aos Coríntios que como o próprio nome indica se refere à pregação em Corinto que talvez tenha acontecido logo em segui da à pregação em Atenas Paulo diz Eu mesmo quando fui ter convosco irmãos não me apresentei com o prestígio da palavra ou da sa bedoria para vos anunciar o mistério de Deus Pois não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo e Jesus Cristo crucificado 1 Cor 212 Uma possibilidade de interpretação desta passagem como nos diz o Prof Carlos Arthur é considerar que em Corinto Paulo não quis utilizar a filosofia e que esta lhe seria supérflua sendo a pregação da ressurreição a única questão relevante na ocasião Em todo caso os medievais assim o entenderam e colocaram os 51 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval filósofos num nível mais baixo identificando a filosofia com a sa bedoria dos pagãos Filosofia Medieval como continuação e plenificação da Filosofia Antiga Há contudo boas razões para pensarmos que a herança cultural grecolatina sobreviveu ao longo dos séculos na Filosofia Medieval Você verá nas unidades seguintes que o grande desen volvimento da filosofia de Platão Aristóteles e de outros grandes filósofos teve influência direta no pensamento dos medievais Se há uma figura que já está presente nos primeiros momen tos da Filosofia Medieval e que serve como base para afirmar a continuidade e o aprimoramento da Filosofia Clássica na Idade Média esta figura é Aurelius Augustinus isto é Agostinho de Hi pona 354430 EC Você já teve oportunidade de entrar em con tato com esse pensador no tópico Abordagem geral Estudaremos algumas das principais contribuições de Agostinho mais adiante Contudo já podemos apontar para alguns pontos interessantes desta figura Contaremos novamente com o auxílio inestimável do Prof Carlos Arthur Nascimento Agostinho estudou e assimilou o que havia de melhor na produção cultural grecoromana durante o período em que se pre parava para a carreira de professor de retórica Contudo apesar de fascinantes as coisas que aprendeu não lhe forneceram a paz completa que almejava Somente depois de se converter ao cris tianismo toda a cultura que tinha assimilado começou a fazer sen tido para sua vida Então ele não se fechou em si mas percebeu que era sua missão transmitir às gerações posteriores a sua verda deira enciclopédia de cultura cris tã A genialidade de Agostinho está sobretudo no fato de que ele não apenas amalgamou elementos dispersos da cultura greco romana com elementos da mensagem bíblica mas também de senvolveu um novo ideal de cultura e de orientação filosófica que História da Filosofia Medieval 52 apontava para a Filosofia como estilo de vida e para a Filosofia Cristã como plenitude de todo o processo Na obra de Agostinho A doutrina cristã De doctrina christia na 11 40 6061 encontramse várias referências à experiência que funda o povo de Israel descrita no livro bíblico do Êxodo Dentre outras passagens ele aponta para Ex 3 2122 Naquela passagem Deus instrui os judeus a pedirem emprestado aos egíp cios vários itens de adorno e vestimenta de tal maneira que não partissem do Egito sem nada levar Uma das possibilidades de interpretação desta passagem é justamente considerar que os judeus levaram consigo os compo nentes mais ricos da cultura egípcia pois quem empresta elemen tos de outra cultura não sai de mãos vazias após a convivência nem empobrece ou despoja os membros da outra cultura No Livro da Sabedoria que pertence a um conjunto de li vros bíblicos muito posteriores ao livro do Êxodo o autor retoma a mesma passagem e explica que os judeus ao saírem do Egito tinham a prerrogativa conquistada por seu trabalho de levar con sigo tudo aquilo que tinha sido produzido no Egito com o trabalho dos judeus Não se tratava de apropriação indébita visto que os judeus tinham contribuído decisivamente com seu trabalho para tudo aquilo que foi produzido no Egito naquele período A interpretação de Agostinho daquele episódio considera que o cristianismo tem o direito de retomar todo o legado da Fi losofia da Antiguidade pois ele é o único que pode levar a cultura humana à plenitude Agostinho julgava que a cultura antiga culmi nou em fracasso Aqui não se deve esquecer o fato de que ele viu muito de perto os grandes sinais da derrocada do Império Romano do Ocidente inclusive a decadência moral e social que a acompa nharam Não é de se admirar portanto que Agostinho tenha con siderado os pagãos como injustos possuidores dos tesouros da Filosofia Clássica tais tesouros deveriam ser colocados a serviço dos melhores objetivos e não usados para prolongar um sistema de administração imperial falido e desumano 53 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Como veremos no tópico a seguir dedicado a Agostinho uma de suas contribuições mais decisivas à Filosofia foi sua ati tude com relação à interação entre fé e razão Ele foi o primeiro a apontar para o fato de que a fé era componente essencial para levar à plenitude a investigação filosófica Ou seja era necessário que entender e crer estivessem em perfeita harmonia segun do ele para crer era necessário entender a expressão latina é fides quaerens intelectum Um não pode prescindir do outro isto é também para entender é necessário crer intellectus quaerens fidem Agostinho demonstra desta maneira que os conteúdos da fé não podem ser irracionais da mesma maneira que as verdades filosóficas não podem contrariar a fé Fé e razão Você quer saber como esta posição influenciou as gerações futuras Leia o texto da encíclica Fides et ratio que aparecerá no conteúdo da Unidade 2 e irá perce ber que a história iniciada na Antiguidade teve continuidade e chegou aos dias atuais ainda cheia de vigor e relevância Isto somente pode ser entendido quando se pensa a filosofia como estilo de vida Vamos investigar como a filosofia ganhou essa característica no período medieval 5 FILOSOFIA COMO ESTILO DE VIDA No mundo mediterrâneo antigo a filosofia não consistia na reflexão abstrata sobre a natureza do que poderia ser conhecido ou sobre o valor do que precisa ser feito de maneira desligada da vida cotidiana das sociedades Ao contrário a filosofia exigia engajamento total da pessoa no labor necessário para descobrir a verdade e fazer o bem Para os filósofos a filosofia era um estilo de vida extremamente exigente que absorvia totalmente a pes soa Para compreender exatamente em que consistia a abordagem da filosofia como estilo de vida precisamos voltar um pouco às principais escolas filosóficas da Antiguidade História da Filosofia Medieval 54 As principais escolas da Filosofia Grega Antiga eram a Aca demia fundada por Platão os peripatéticos seguidores de Aristó teles os estoicos da escola fundada por Zenão e os epicuristas seguidores de Epicuro Havia ainda outra escola se é que este termo pode ser utili zado com algum sentido neste caso pois escola parece pressu por necessariamente um corpo doutrinal transmitido por um ou mais mestres para um ou mais discípulos Referimonos aos céticos que tentavam sempre levar as pessoas a suspender o juízo e a considerar argumentos pró e contra a resposta dada a cada um dos problemas filosóficos centrais Não se consideravam mestres não professavam um corpo doutrinal específico e nem procuravam fazer discípulos Os céticos surgiram na Academia de Platão Por derivarem dessa academia também podem ser considerados uma escola fi losófica De fato configuravam uma das quatro mais importantes escolas do período helenístico Figura 1 Platão e Aristóteles 55 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Uma importante advertência deve ser feita com relação ao estudo da História da Filosofia Medieval apesar de normalmente se associar a filosofia do Ocidente cristão no período medieval ao estudo e discussão das obras e do pensamento de Aristóteles por influência de Santo Tomás de Aquino entre outros é possível dizer que em vários aspectos Platão foi o filósofo grego que mais influenciou a Filosofia Medieval latina Principalmente no período que vai do século 4º EC ao século 11 EC EC significa Era Comum ou Era Cristã ou seja depois de Cristo d C visto que naquele período o Ocidente cristão tinha perdido contato com parte signi ficativa das principais obras de Aristóteles Apesar da grande influência do pensamento platônico o acesso direto aos textos filosóficos de Platão foi também muito restrito no Ocidente cristão situação que perdurou até a edição completa das obras deste filósofo no século 15 EC Porém as ideias platônicas circularam por meio de muitas fontes principal mente obras dos autores antigos mais famosos cujo exemplo mais emblemático talvez tenha sido Plotino Você verá mais informa ções a respeito disso no Tópico 6 desta unidade A seguir você vai acompanhar o caminho da Filosofia des de as escolas filosóficas na Grécia e em Roma com ênfase para o período helenístico ou seja para o momento históricocultural posterior à morte de Alexandre Magno este o referencial políti co da época posterior à morte de Aristóteles que por sua vez foi o referencial filosófico Nesta unidade cobriremos o período que se seguiu até Santo Agostinho Tal opção se justifica plenamente do ponto de vista filosófico apesar da advertência feita por Alain de Libera A história da filosofia medieval é escrita em geral do ponto de vis ta do cristianismo ocidental Esse gesto não é isento de conseqüên cias ele fixa os objetos os problemas os campos de investigação avalia distribui poda reparte segundo suas perspectivas interes ses tradições impõe seus esquecimentos imprime suas diretivas e direções Leva enfim a acreditar na unidade de um período no qual se quer a rigor redescobrir as tensões as minorias e as dis sonâncias com a condição de permanecer no seio de um mesmo História da Filosofia Medieval 56 contínuo espáciotemporal no espaço do jogo histórico definido pelo horizonte familiar da história européia A duração histórica em que se inscreve a história da filosofia medieval é sempre a do Ocidente cristão São os acontecimentos da história ocidental cristã que fornecem a grade mínima de legibilidade que impõem a pe ridiocização peridiocização sumária o filósofo é menos exigente que o historiador das técnicas ou das mentalidades necessaria mente sumária pois visto de Paris ou de Oxford o mundo medie val é homogêneo o bastante as crises que o traspassam são sufi cientemente escassas para permitir que largas faixas de duração venham fornecer o suporte linear o friso único no qual inscrever o encadeamento quase automático dos movimentos de idéias e das correntes doutrinais DE LIBERA 1998 p 7 Neste percurso você verá quais foram as preocupações cen trais da Filosofia no período ou seja verá que houve intenso de bate sobre as possibilidades de se alcançar o conhecimento verda deiro Verá que tal debate está ligado a questões que abarcavam a psicologia filosófica a metafísica a ética e a política E como tudo isto estava ligado à busca da boa vida pois saber o que é o ser hu mano o que é o mundo o que é a divindade e o que o ser humano pode e consegue saber de certo e verdadeiro são os instrumentos essenciais para definir como o ser humano pode agir para atingir suas metas O cristianismo entra nesse contexto pois foi um estilo de vida escolhido inicialmente por poucos mas que experimentou grande sucesso e enorme expansão nos primeiros séculos de seu surgimento e depois manteve hegemonia inconteste no Ocidente durante toda a Idade Média 6 FILOSOFIA NA GRÉCIA E EM ROMA No período helenístico e no período romano da filosofia o pensamento de Platão foi considerado principalmente em relação à metafísica à epistemologia e à ética Neste contexto o termo epistemologia referese a quais condições devem e podem ser alcançadas para que o que se pensa possa ser considerado como conhecimento real 57 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Metafísica aqui significa o mesmo que Aristóteles chamou de teologia filosofia primeira portanto aquele ramo do saber que investiga o ser ou a realidade como ela é em si mesma que no período medieval considera o objeto Deus do ponto de vista da reflexão filosófica Ética referese à reflexão sobre a ação humana principal mente no contexto político da pólis grega Enfatiza o coletivo e não o individualismo que virá com o helenismo a Academia era um centro de ativistas e estudos políticos e constitucionais Para compreender melhor o que isso significa é interessante ter em mente que Platão associou a superação dos problemas da humanidade com o governo dos ReisFilósofos pois estes seriam os únicos que saberiam de verdade o que faz a vida humana ter sentido e valer a pena ser vivida Desta maneira virtude consiste no conhecimento não o conhecimento teórico mas aquele que está vívido no momento da decisão Mas que tipo de conhecimento seria este O conheci mento do bem e dos males dos graus de bondade e dos graus de maldade Por exemplo na diálogo platônico Górgias vemos a afir mação de Sócrates de que é preferível sofrer algum mal a impor um mal a outra pessoa Assim o conhecimento real no momento da identificação do melhor e do pior a se fazer é o que constitui a virtude Claro que esse conhecimento nem sempre é suficiente para se fazer o bem pois alguém pode saber o que é melhor mas devido a circunstân cias adversas estar impedido de fazêlo Porém saber o que é o bem e o que são os males ter conhecimento do que é melhor e do que é pior certamente são condições para agir virtuosamente A partir disso podemos concluir que conhecimento é im portante Todavia conhecimento é distinto de opinião que os gregos chamavam doxa às vezes parece que alguém está certo em suas opiniões porém depois se descobre que de fato não estava A opinião ou crença varia ao sabor do momento E mesmo que História da Filosofia Medieval 58 alguém esteja correto ao acreditar em algo pode depois perder a convicção e abandonar a meio caminho o que estava fazendo Portanto conhecimento não é apenas a crença de que se está certo mas também a posse de justificativas ou fundamentos para sua convicção Contudo resta saber o que pode dar estabili dade ao que é crido Neste ponto é necessário recordar a teoria platônica das Ideias ou Formas Se as coisas que se consideram justas ou boas podem ter alterado o seu status com o passar do tempo a Justiça e o Bem permanecem sempre os mesmos Platão pensa na Justiça e no Bem como formas ou padrões que orientam os que buscam as ações justas e os bons resultados Porém as Ideias ou Formas não estão nem no tempo nem no es paço visto que tudo o que está no tempo e no espaço é mutável transitório Esses ideais as Ideias ou Formas são relembrados por cada um pois já foram vistos numa existência anterior Este último ponto configura a doutrina platônica da reminiscência Platão pensava que para caminhar em direção a uma vida melhor era necessário um tipo de conversão ou seja era neces sário voltarse para uma nova direção A pessoa devia deixar de lado as coisas deste mundo mutável e voltarse para as Formas imutáveis Para compreendermos melhor a conversão da qual trata mos vamos relembrar a célebre Alegoria da caverna de Platão Observemos o texto a seguir que explica em detalhes este voltar se para uma nova direção Alegoria da Caverna Imaginemos uma caverna subterrânea onde desde a infância geração após ge ração seres humanos estão aprisionados Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas a frente não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre de modo que se possa na semiobscuridade enxergar o que se passa no interior A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa Entre ela e 59 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval os prisioneiros no exterior portanto há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta como se fosse a parte fronteira de um palco de ma rionetes Ao longo dessa muretapalco homens transportam estatuetas de todo tipo com figuras de seres humanos animais e todas as coisas Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela os prisioneiros enxergam na parede no fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas mas sem poderem ver as próprias estatuetas nem os homens que as transportam Como jamais viram outra coisa os prisioneiros imaginavam que as sombras vis tas são as próprias coisas Ou seja não podem saber que são sombras nem podem saber que são imagens estatuetas de coisas nem que há outros seres humanos reais fora da caverna Também não podem saber que enxergam por que há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possí vel é a que reina na caverna Que aconteceria indaga Platão se alguém libertasse os prisioneiros Que faria um prisioneiro libertado Em primeiro lugar olharia toda a caverna veria os ou tros seres humanos a mureta as estatuetas e a fogueira Embora dolorido pelos anos de imobilidade começaria a caminhar dirigindose à entrada da caverna e deparando com o caminho ascendente nele adentraria Num primeiro momento ficaria completamente cego pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela Depois acostumandose com a claridade veria os homens que transportam as estatuetas e prosseguindo no caminho enxerga ria as próprias coisas descobrindo que durante toda a sua vida não vira senão sombra de imagens as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna e que somente agora está contemplando a própria realidade Libertado e conhecedor do mundo o prisioneiro regressaria à caverna ficaria desnorteado pela escuridão contaria aos outros o que viu e tentaria libertálos Que lhe aconteceria nesse retorno Os demais prisioneiros zombariam dele não acreditariam em suas palavras e se não conseguissem silenciálo com suas caçoadas tentariam fazêlo espancandoo e se mesmo assim ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna certamente acabariam por matálo Mas quem sabe alguns poderiam ouvilo e contra a vontade dos demais também decidissem sair da caverna rumo à realidade PLATÃO ver E Referências Há níveis de realidade Para cada nível existe um processo dialético um movimento ascendente do empírico ao ideal e um descendente do ideal ao empírico Portanto importa escolher os níveis mais elevados No nível superior está a Ideia ou Forma do Bem Alguém busca ações justas porque estas são boas Alguém busca coisas belas porque pensa que elas são melhores Enfim a Ideia do Bem é a mais elevada pois serve de critério para todas as outras Portanto as Ideias ou Formas são os padrões perfeitos ao passo que as coisas que as refletem nunca atingem a perfeição História da Filosofia Medieval 60 completa A Justiça é o padrão perfeito mas as ações justas nunca são justas de maneira absoluta O Bem é o padrão perfeito contu do as boas ações nunca são boas em sentido pleno pois nunca são perfeitamente boas Platão também propõe outra distinção A Ideia ou Forma Justiça é uma ao passo que as ações justas são várias A Forma Bem é uma ao passo que as coisas boas são várias Nesse sen tido Platão também acrescenta Formas que não são necessaria mente padrões perfeitos A Brancura é o padrão para as coisas brancas a Verdura é o padrão para as coisas verdes a Negritu de é o padrão para as coisas negras Estas últimas Formas não são necessariamente padrões perfeitos justamente porque admitem outras brancuras outras verduras e outras negritudes Aristóteles às vezes chamava as formas platônicas de uni versais Esse fato gera inúmeras interpretações e confusões pois os universais aristotélicos podem ser entendidos como formas gramaticais Entretanto não é evidente que para cada forma gra matical aristotélica corresponda necessariamente uma forma real platônica Outra dificuldade para a compreensão dos universais aristotélicos é a distinção entre universal lógico e universal meta físico Neste CRC teremos ainda ocasião de tratar especificamente dos universais 7 AS ALMAS EXISTÊNCIA SEPARADA E EXISTÊNCIA IMANENTE Conforme estudamos anteriormente Aristóteles entendia as formas platônicas como formas gramaticais ou como universais Platão porém considerava que existiam outras entidades reais além das Formas Para ele há almas humanas que existem mesmo antes de serem unidas a um corpo particular Mas há também ou tros tipos de almas 61 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval No diálogo platônico Sofista perguntase se é possível pen sar num ser real que possa agir e sofrer ações sem que tenha vida alma e entendimento A resposta óbvia parece ser esta para atri buir a capacidade de agir e a capacidade de sofrer a ação a tal ser real é necessário de fato atribuirlhe vida alma e entendimento Seguidores de Platão tais como Plotino Porfírio e Proclo atribu íram à inteligência e à vida um lugar mais elevado ainda do que às Formas As Formas seriam partes da vida de uma inteligência superior Nous Nous O Nous comunicase com as formas nele inscritas há um deslocamento pro gressivo das ideias como formas transcendentes para categorias da mente de Deus No diálogo Leis Platão introduz a noção de que a cadeia de mudanças que se observa faz crer que deva haver uma causa pri meira a iniciar tais mudanças nas outras coisas sem que ela pró pria tenha sido iniciada por algo O poder de originar movimento é Alma Anima e Alma é divindade As Almas mais elevadas são aquelas que causam os movi mentos mais elevados ou seja são as Almas que causam os mo vimentos celestes Seus movimentos são os das esferas celestes que se movem sem sair do lugar O automovimento das divinas esferas celestes é portanto sempre regular e uniforme Aristóteles tinha uma abordagem bem semelhante Porém fazia uma distinção adicional entre movente ou motor e mo vido As esferas celestes são moventes não movidos As demais coisas do mundo são somente movidas Em um dos diálogos platônicos Timeu notamos que a alma divina desempenha um papel proeminente Há nesse diálogo uma longa narrativa mítica de como o demiurgo ou artesão plasmou o cosmos O mundo tem portanto um artífice divino e aí reside seu início o demiurgo trouxe o mundo à existência dandolhe for História da Filosofia Medieval 62 ma e organização espelhandose nas Formas O demiurgo é Alma ao passo que o mundo tem Alma e algumas partes do mundo também têm Almas Portanto há uma hierarquia de Almas O demiurgo criou as coisas do nível mais baixo utilizando as Formas como padrões As coisas recebem os reflexos das Formas em um receptáculo que na verdade é o espaço vazio Na hierarquia estabelecida pela abordagem neoplatônica temos o Uno Bem o Intelecto Nous a Alma Psyche do mun do e as coisas materiais Mal O mais elevado é o Uno Bem e o mais baixo é o nível das coisas materiais Mal No que se refere às Formas a principal diferença entre o pensamento de Aristóteles e o de Platão consiste na rejeição de Aristóteles à existência separada das Formas Para o Estagirita a Forma ou Ideia Humanidade não existe a não ser de maneira imanente ou seja nos vários seres humanos Os seres humanos têm uma semelhança entre si mas não têm semelhança com alguma forma separada de todos eles Não há a Forma Humanidade no mundo das Formas ou Ideias pois para ele não há o mundo das Formas separadas Para relembrar as diferenças básicas entre o pensamento de Aristóteles e de Platão observe o Quadro 1 Quadro 1 Paralelo entre Platão e Aristóteles DOUTRINA Platão Aristóteles Gnosiologia Intenta resolver o problema da vida Intenta resolver o problema do ser Ideias ou universais Realidade objetiva Mundo das Ideias Não existem modelos reais das coisas sensíveis O universal Não se contrapõe ao particular mas lhe é anterior Não se contrapõe ao particular mas lhe é posterior 63 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval DOUTRINA Platão Aristóteles O Ser Mundo transcendente hiperurânio onde estão as ideias nas quais se concentra toda a realidade Aí residem as substâncias imutáveis que são o objeto da ciência Nega a realidade ontológica do mundo platônico das Ideias Existem somente as substâncias individuais particulares e concretas Recebe o seu sentido primitivo de cima da Ideia Recebe o seu sentido primitivo de baixo do concreto Fonte Adaptado de CARVALHO Côn José Geraldo Vidigal de Disponível em httpwww conscienciaorgplataoaristotelesvidigalshtml Acesso em 15 jan 2010 Para Platão se houver seis coisas no mundo que tenham uma forte semelhança entre si há que se pensar que necessaria mente deve haver uma sétima Ou seja haverá uma Forma a partir da qual as seis coisas foram plasmadas Já Aristóteles considera que uma coisa apta para receber a forma de algo deve ser trans formada por uma causa movente para de fato receber a tal forma Um pedaço de cobre para receber a forma de esfera necessita da atuação de uma causa que lhe dê tal forma O cobre está poten cialmente apto a receber a forma esférica contudo não há para o Estagirita a necessidade de se postular uma Forma imaterial de esfera que tenha servido de padrão para que uma esfera de bronze fosse plasmada Analisemos agora um segundo ponto importante de distin ção entre Platão e Aristóteles apesar de o Estagirita ter escrito longamente a respeito de causas moventes na Física não há em seu pensamento nada equivalente ao demiurgo platônico Para Aristóteles a Natureza physis é eterna Sempre haverá cobre es feras de cobre seres humanos peixes etc Isto se depreende do fato de que a primeira causa movente que não é movida e por tanto é una está perpetuamente causando as coisas Os neo platônicos seguiram Aristóteles quando afirmaram que o mundo emana eternamente do Uno Assim espelham a relação entre a ação da primeira causa movente e a existência de todas as coisas do mundo em perpétuo movimento História da Filosofia Medieval 64 Para Aristóteles a alma é a forma de um corpo que tem vida em potência É portanto a atualização da vida que o corpo está apto a ter A forma neste caso vai muito além do formato externo pois equivale à estrutura profunda e altamente complexa de um organismo vivo A alma não préexiste a um corpo particular as sim como a forma esférica de uma esfera de bronze não préexiste àquela esfera particular Plantas e animais têm alma porque estão vivos A alma humana tem funções vegetativas como as plantas e sensitivas como os animais somadas à capacidade intelectual Neste último aspecto parece haver espaço para se pensar em algum tipo de sobrevivência da alma humana ao perecimento do corpo Porém Aristóteles nunca disse nada de maneira explíci ta a este respeito e provavelmente não tinha claro para si se have ria ou não necessidade de postular a imortalidade de alguma parte da alma humana Mais tarde alguns aristotélicos peripatéticos deram às passagens dos livros de Aristóteles a interpretação de que haveria uma alma única para toda a humanidade A alma não seria parti cular a nenhum ser humano tomado individualmente cada ser humano seria receptor dos pensamentos de uma única alma hu mana separada dele Retornaremos a esse tema quando tratarmos da filosofia árabe Aristóteles admitiu também a existência de outras entida des que Platão chamaria de almas e que o Estagirita chamou de inteligências Por fim a terceira importante distinção entre Platão e Aris tóteles encontrase no campo da Ética Aristóteles não postulava a Ideia de Bem e nem qualquer outra Ideia que exercesse tal função O Ser tem um caráter constitutivo bom mas não existe para o Estagirita o Bem Absoluto no sentido platônico como entidade separada das coisas que são boas Ele considerava a vida boa eu daimonia uma atividade que está de acordo com as virtudes Há muitas virtudes Por exemplo coragem e justiça necessárias para 65 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval a ação política perfeita Outras virtudes como a sabedoria e sapi ência são necessárias para a atividade intelectual perfeita Na opinião de Tucídides todos os seres humanos em ques tões políticas buscam competição sucesso e glória Para ele por tanto o ser humano seria autocentrado e os princípios morais te riam apenas uma pequena influência sobre ele Sócrates criticaria abertamente essa concepção Para Platão a vida virtuosa é a mais digna de ser vivida o que implica a possibilidade de estar na com panhia de pessoas amigas Ele considerava que a função da políti ca é assegurar que haja cidades onde este tipo de vida possa ser vivida Contudo a vida virtuosa no modelo platônico seria acessível somente a uma pequena minoria Aristóteles cuja posição é bem semelhante à de Platão em relação a esse aspecto assume uma postura biológica pois pela biologia se nota que a natureza é um princípio de desenvolvimento na direção de uma meta O natural não é o que se vê mais comumente mas sim o que pode ser visto ao se contemplarem os espécimes mais maduros e melhor desen volvidos Se alguém quer saber o que é um ser humano por natu reza basta olhar para a aristocracia ateniense em seu auge Aristóteles não estava preocupado em mudar o mundo Se a Academia era uma espécie de escola para revolucionários o Li ceu era mais como um centro de estudos universitários no sentido atual De fato Aristóteles propunha o caminho do meio aconse lhando seus ouvintes a evitar polarizações No tópico a seguir você irá relembrar um pouco das escolas filosóficas que dominaram o cenário filosófico durante o período alexandrino e romano da filosofia 8 ESTOICOS EPICURISTAS CÍNICOS E CÉTICOS Materialistas com relação à Física os estoicos fizeram impor tantes contribuições para a Lógica e principalmente para a Epis História da Filosofia Medieval 66 temologia No âmbito da Ética postulavam que a ação virtuosa é o único bem e que agir pervertidamente é o único mal avançando portanto no conceito de que é preferível sofrer um mal que causar um mal a outra pessoa Para Aristóteles a vida virtuosa era de longe o maior bem mas os bens materiais em certa medida também eram necessá rios Já para os estoicos os bens materiais não eram necessários de forma nenhuma Mesmo um escravo podia viver uma vida virtuo sa Assim nenhuma ameaça de privação ou promessa de recom pensa podia dissuadir um estoico de agir virtuosamente ou forçá lo a agir pervertidamente Isto fez deles formidáveis participantes da política romana pois eles enfrentavam generais e imperadores e não hesitavam nem mesmo diante da morte iminente Por vezes até o suicídio lhes parecia lícito desde que tal ação aparecesse como a única maneira de agir de maneira virtuosa em determina da circunstância Sobre os estoicos ainda se pode acrescentar uma grande vantagem de sua atitude diante da vida Sendo independentes não desejando o que está além das sua possibilidade de controle e não necessitando de bens materiais sua felicidade não podia ser destruída por algum acidente externo nem podia ser subtraída em circunstância nenhuma O bem seria viver sempre de acordo com a razão logos Para eles equanimidade seria a principal virtude Como todos os seres humanos os estoicos começaram bus cando a autopreservação mas desenvolveram um sentido pro fundo de viver de acordo com a natureza neste caso entendido como viver de acordo com a razão Assim entendemos por que um estoico poderia preferir a morte a agir contra a naturezarazão Para eles a aquisição de bens não é parte do que é bom O Bem consiste única e verdadeiramente em buscar todas as coisas racionalmente As outras coisas são buscadas não porque sejam boas mas porque são preferíveis Assim a autopreservação é bus cada por ser preferível e os estoicos esforçavamse para se man ter vivos Porém não a qualquer custo 67 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval A máxima agir de acordo com a razão implicava a possibi lidade de fazer concessões e certa tolerância para com as circuns tâncias particulares Contudo no momento em que ficasse claro que tais concessões e que a tolerância de determinadas coisas não levariam a nada de preferível os estoicos estavam preparados a fazer grandes sacrifícios inclusive aceitando perder a própria vida Em Política assim como em Ética liberdade era o valor principal para os estoicos Na perspectiva estoica está sempre ao alcance de uma pes soa a escolha entre assentir ou não a uma cadeia de pensamentos Para eles o homem sábio nunca assente a algo que seja falso mas somente ao que é certo e real Importantes aspectos da Ética dos estoicos foram assimilados pelos neoplatônicos e pelos padres da Igreja Cristã Passemos aos epicuristas Eles tinham uma posição bem cla ra de que o bem para os seres humanos era o prazer Claro que uma vida de excessos punha em grande risco a possibilidade de se viver prazerosamente A moral epicurista portanto baseavase no autocontrole e na moderação pois estes seriam os meios para assegurar uma vida prazerosa para o maior número de pessoas possível Os epicuristas abordavam de maneira tranquilizadora a ques tão das divindades Afirmavam que os seres humanos nada de viam temer dos deuses pois estes estão apenas preocupados com seus próprios afazeres e não se importam com os seres humanos ou com as coisas humanas Para os epicuristas os seres humanos devem ter a mesma atitude para com os deuses ou seja devem viver como se os deuses não existissem Em relação à ciência os epicuristas aderiam à abordagem atomista de Demócrito cuja principal característica consistia em considerar que tudo era formado por átomos de movimento osci lante para baixo e para cima que se tornam erráticos e colidem uns com os outros formando aglomerados que duram por algum História da Filosofia Medieval 68 tempo mas que depois se desfazem O ser humano seria um des tes aglomerados de átomos e a morte seria apenas o desfazer de um deles desconsiderandose a imortalidade da alma Na verda de a alma também seria um conjunto de átomos que se desfaz com a morte e não haveria assim razão para temer o que possa vir a acontecer ao final da vida A respeito dos cínicos não há muito a dizer nesta nossa con textualização exceto que advogavam uma vida voltada apenas para as necessidades mais básicas de sobrevivência não se impor tando com nada que pudesse ser considerado supérfluo Os céticos cujo nome literalmente quer dizer aqueles que buscam discordavam dos estoicos para os quais havia clareza so bre o que é certo e verdadeiro Os céticos concordavam com os estoicos em sua concepção de que somente valeria a pena assentir ao que fosse de fato certo e verdadeiro Porém como não é possí vel ao ser humano ter acesso ao certo e verdadeiro eles advoga vam a suspensão do juízo Ou seja o não assentimento a qualquer encadeamento de pensamentos Os céticos não se consideravam dogmáticos no sentido de impor pressupostos ou afirmações Diziam que apenas lhes pare cia que nada era certo e real ainda que algumas coisas lhes pare cessem ser boas o suficiente para motivar ações No tópico a seguir iremos analisar um pouco da religião que predominou durante todo o período medieval ou seja o cristia nismo a principal manifestação cultural do período em questão 9 O CRISTIANISMO E O MUNDO GREGO A relação entre cristianismo e filosofia nem sempre foi de mútua compreensão O apóstolo Paulo referiuse por vezes à opo sição dos filósofos sabedoria dos homens à noção de ressurrei ção dos mortos Estoicos e epicuristas eram materialistas e pensa vam que o corpo se dissolvia com a morte Platônicos viam a alma 69 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval como imortal Os cristãos porém acreditavam que o ser humano era um todo e que este todo é que devia ser ressuscitado Há contudo inúmeros outros pontos em que o cristianismo contrasta com as escolas filosóficas O cristianismo postulava que uma vida cheia de sentido e até mesmo feliz estava ao alcance de escravos pobres fracos deficientes Platão e Aristóteles ao con trário não qualificavam tais pessoas como aptas a uma vida feliz Nesse ponto o cristianismo tinha semelhanças com o estoi cismo Os estoicos pensavam que uma vida com sentido era a vida vivida de acordo com a natureza ou razão Os cristãos por sua vez acreditavam que a vida plena de sentido era aquela vivida de acor do com a vontade de Deus Note para os estoicos a naturezara zão cumpria função equivalente à de Deus enquanto os cristãos pensavam em Deus como pessoa Observemos agora a relação de proximidade que é possível estabelecer entre o epicurismo e o cristianismo Os epicuristas pensavam que os deuses não se importavam com os seres huma nos Para os cristãos porém Deus importase com todas as pesso as À parte dessa diferença fundamental tanto epicuristas quanto cristãos pensavam que o ser humano deve viver cultivando a ami zade com outras pessoas Voltemos à relação cristianismoestoicismo Os cristãos en tendiam que uma vida com sentido leva à felicidade se não nesta vida ao menos na vida depois da morte Os estoicos diziam que até os escravos podiam viver uma vida com sentido mesmo quan do torturados ou crucificados Porém para os estoicos a morte era o fim portanto a felicidade de estar fazendo a coisa certa era a única que se podia alcançar Passemos à percepção do conceito de Deus Para o cristia nismo Deus é justo e misericordioso Os gregos em contraste consideravam os deuses egoístas e invejosos Os epicuristas como já vimos os consideravam totalmente indiferentes aos seres hu manos Os estoicos por sua vez tinham algo em comum com os História da Filosofia Medieval 70 cristãos pois pensavam que Deus exerce influência direta sobre as partes individuais do universo Outros filósofos gregos pensavam que Deus nem ao menos conhece os seres humanos individual mente Já para Aristóteles o único objeto do pensamento de Deus era ele mesmo Também observamos diferenças importantes entre o cristia nismo e o pensamento dos filósofos gregos em questões como o status do universo e a concepção de História Para a maioria dos filósofos gregos o universo é eterno sem começo nem fim e por tanto não foi criado por Deus a exceção seria a concepção platô nica que reservou um espaço para o demiurgo na organização do mundo e na formação das coisas Em geral os gregos concebiam o tempo como algo cíclico cuja configuração presente seria parte de um mecanismo com par tes que se alternam mas que em algum momento futuro retor nariam à mesma composição e estado em que já estiveram Para os cristãos porém Deus criou o mundo em um tempo não muito distante e vai leválo a termo talvez num futuro próximo Você acabou de ver nuances do cristianismo que apesar de diferentes em muitos aspectos do que admitiam as escolas filosó ficas gregas puderam ao menos ser compreendidas com facilidade pelos filósofos da época Houve porém partes da doutrina cristã que se mostraram muito mais complexas e difíceis de serem com preendidas Uma delas foi a doutrina da natureza trinitária de Deus Em geral os gregos consideravam que havia vários deuses Platão e Aristóteles por sua vez pensavam que havia apenas um Deus Os cristãos no entanto acreditavam que Deus é uno porém que o mesmo Deus uno é uma trindade de elementos distintos Pensavam ainda que um desses três elementos se tornou um ser humano e morreu Normalmente os cristãos utilizaram termos da filosofia de Aristóteles para explicar sua doutrina Porém aos filó sofos da época essa questão sempre pareceu demasiado opaca ou misteriosa 71 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Outro aspecto do cristianismo difícil de ser compreendido pelos filósofos da época foi tratado pelos padres latinos o mais importante deles foi Agostinho de Hipona que desenvolveram os conceitos de pecado original Graça e predestinação Que eram noções difíceis de serem reconciliadas com a noção de Misericór dia Divina Outro ponto da doutrina cristã que pareceu ser de difícil ex plicação foi o fato de que a morte de Cristo trouxe salvação para a humanidade Uma das abordagens mais usuais era de que pela morte Jesus ganhou valor diante de Deus e que depois teria trans ferido este valor para a humanidade Porém como Jesus era Deus era complicado explicar como ele poderia ter adquirido valor que já possuía e ainda mais difícil seria transferir algo de sua natureza divina para a humanidade Outra corrente filosófica da antiguidade clássica que teve forte influência no pensamento dos filósofos e teólogos medievais foi o neoplatonismo de Plotino e Porfírio Esta escola terá um pa pel fundamental na formação intelectual de Santo Agostinho Va mos relembrar um pouco dessa corrente filosófica 10 O NEOPLATONISMO E SUA INFLUÊNCIA NO PEN SAMENTO POSTERIOR O caráter aberto e a variedade e complexidade dos textos de Platão deram ensejo a muitas estratégias de interpretação Dentre estas destacamos a tradicional e a cética que surgiram no in terior da própria Academia de Platão Como vimos anteriormente as correntes surgidas a partir da Filosofia Antiga influenciaram de várias maneiras as tendências filosóficas das gerações posteriores Se a interpretação dita tradi cional remonta aos sucessores imediatos da Academia e tencio nou continuar o ambicioso projeto metafísico sugerido em algu mas obras platônicas por exemplo no Filebo a interpretação História da Filosofia Medieval 72 cética não demorou a surgir e privilegiou outras passagens dos textos de Platão intentando fazer dele um cético A interpretação tradicional ganhou em seguida nova força e deu origem ao platonismo médio e ao neoplatonismo A este segundo interessanos estudar aqui com mais detalhes pois ele se tornou por assim dizer a interpretação dominante do platonis mo entre o século 3º EC e os séculos 16 e 17 EC O neoplatonismo reforçou o aspecto esotérico isto é para poucos dos ensinamentos de Platão não confundir com exoté rico cujo significado é exatamente o oposto ou seja aquilo que pode ser transmitido ao público sem restrição Segundo essa in terpretação Platão teria optado por encobrir o verdadeiro con teúdo de suas doutrinas sob a superfície turva de seus diálogos e somente revelado plenamente o caráter politicamente subversi vo de sua filosofia nos ensinamentos orais também conhecidos como doutrinas não escritas O neoplatonismo postulava uma interpretação unitária dos textos de Platão Com o decorrer da História da Filosofia possi bilitou aos estudiosos de Aristóteles uma ferramenta adicional e muito útil para vencer as aparentes discrepâncias dos textos aris totélicos ao utilizar elementos das doutrinas esotéricas de Platão como chaves de leitura Tal postura que postulava a compatibili dade entre Platão e Aristóteles foi muito utilizada na Antiguidade e na Idade Média Um grande representante dessa corrente filosófica na Anti guidade foi Plotino Seu discípulo Porfírio assumia explicitamente que tencionava demonstrar a compatibilidade entre Platão e Aris tóteles e como veremos foi muito importante para o surgimento das discussões medievais em torno do Problema dos Universais O neoplatonismo seguiu sendo uma força filosófica bastante ativa em Atenas em Roma em Alexandria no Egito e em muitos outros lugares Vamos estudálo mais a fundo 73 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Quando se fala em neoplatonismo imediatamente vem à mente daquelas pessoas que já tiveram algum contato com este termo o nome do filósofo Plotino que viveu no século 3º EC bem como os nomes de Porfírio Jamblico e Proclo Num sentido mais amplo neoplatonismo pode ser usado para todos aqueles que foram influenciados de alguma manei ra pelas ideias daqueles filósofos neoplatônicos Neste segundo sentido podese falar de neoplatonismo em Agostinho Boécio PseudoDionísio João Escoto Erígena na Filosofia Medieval Árabe e até mesmo em Marsílio Ficino Nicolau de Cusa Giordano Bruno apenas para citar alguns exemplos O grande proveito que podemos ter ao utilizar esse termo está na possibilidade de nos referirmos à filosofia mais proeminen te no mundo grecoromano do século 3º EC até o século 6º EC Nos quatro séculos em que o neoplatonismo que pode ser considera do como a última fase da Filosofia Antiga dominou o pensamento filosófico ocidental fica evidente a relação direta entre essa escola filosófica e o cristianismo Tal relação evoluiu de uma mútua rejeição até uma mútua influência de tal maneira que o pensamento cristão e a teologia cristã no período medieval não podem ser compreendidos em sua totalidade a menos que se leve em consideração os principais ele mentos da Filosofia Neoplatônica Para possibilitar uma abordagem mais sistemática a melhor estratégia parece ser relembrar o pensamento de Plotino que é estudado de maneira mais completa no CRC de História da Filoso fia Antiga para depois fazermos observações mais pontuais sobre as doutrinas mais específicas de Porfírio Jamblico e Proclo Para que se possa entender melhor o significado do termo e suas implicações será interessante primeiro falarmos do contexto histórico e da significação do termo neoplatonismo História da Filosofia Medieval 74 Desde a Antiguidade muitos foram os pensadores que se re feriram a si mesmos como seguidores de Platão O fato de assim se considerarem não impedia que tivessem as opiniões mais di versas e que muitas vezes fossem de encontro às ideias de outros seguidores de Platão É bem provável que todos eles tivessem ao menos um pouco de razão visto que o pensamento de Platão é tão rico e tão cheio de sutilezas que pode ser desenvolvido em muitas direções distin tas Historicamente é possível identificar ao menos quatro fases do platonismo 1 A Velha Academia cuja inclinação metafísica dominou a escola de Platão nas primeiras gerações depois da morte do grande mestre 2 A partir do século 3º AEC Antes da Era Comum tornou se prevalente o ceticismo 3 No século 1º AEC a Academia voltou a uma orientação dogmática misturando o pensamento platônico com uma boa dose de estoicismo 4 O neoplatonismo à época de Plotino Apesar de essa breve apresentação da história do desenvol vimento do platonismo sempre se referir à Academia é evidente que em vários centros do mundo helenizado o platonismo conti nuou ativo e extremamente influente Na terceira fase também conhecida como Médio Platonismo há um retorno a muitos dos princípios da velha Academia porém com uma importante dife rença os medioplatônicos utilizaram amplamente a terminolo gia e até mesmo as doutrinas de outras escolas Nesse contexto a mais importante influência foi a dos pe ripatéticos Ali foram criadas as condições para o surgimento do pensamento de Plotino algumas vezes acusado de ser apenas um repetidor do pensamento do filósofo médioplatônico Nemésio Mesmo que futuras pesquisas venham a se desenvolver e até mesmo a mostrar que Plotino foi apenas uma figura de destaque numa corrente filosófica já completamente desenvolvida Médio 75 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Platonismo será muito útil considerálo como o divisor de águas da tradição platônica pois ele não somente deixou uma obra mui tíssimo mais vasta que a de seus antecessores como também sis tematizou as doutrinas platônicas de maneira brilhante Portanto a decisão de considerar Plotino como fundador do neoplatonismo é artificial porém bastante útil É claro que Plotino e seus seguidores nunca se referiram a si mesmos como neoplatônicos Como a quase totalidade dos ter mos utilizados para se referir aos períodos da História da Filosofia Antiga Medieval Moderna e Contemporânea bem como os ter mos para descrever áreas ou tendências filosóficas os pensadores hoje chamados de neoplatônicos foram caracterizados com um termo criado por historiadores da arte em tempos recentes Ploti no e seus seguidores consideravamse simplesmente platônicos A razão para inventar um termo novo está ligada ao fato de que quando os estudos do pensamento de Platão ganharam novo impulso no período do Renascimento houve uma grande confu são entre as doutrinas do próprio Platão e as de Plotino e seus seguidores O platonismo era basicamente visto apenas pelos olhos dos pensadores neoplatônicos com um elemento complicador pla tonismo e cristianismo eram misturados e até confundidos A so lução mais adequada foi estabelecer uma diferenciação entre as doutrinas de Platão e as de Plotino e seus seguidores Contudo apesar das diferenças que talvez existam entre o pensamento de Platão e o dos neoplatônicos não há dúvidas de que estes últimos eram seus autênticos seguidores Porém era totalmente impossível que os neoplatônicos pudessem ignorar os desenvolvimentos filosóficos ocorridos nos seis séculos que sepa ram Platão de Plotino No século 3º EC era muito improvável que algum pensador ocidental conseguisse falar de Filosofia sem considerar os elemen tos estoicos ou peripatéticos tão amplamente disseminados que inclusive haviam se tornado parte da própria linguagem filosófica História da Filosofia Medieval 76 Não há dúvida de que mesmo os mais fervorosos defensores do platonismo não hesitariam em utilizar todos os recursos que ti vessem ao seu alcance a fim de apresentar suas ideias da maneira mais convincente possível Nesse contexto é bom lembrar que Aristóteles sempre foi visto como pertencendo de certo modo à tradição platônica Al guns o criticaram abertamente mas a partir de Porfírio Platão e Aristóteles foram cada vez mais considerados como concordantes nas questões essenciais Uma diferença importante entre a abordagem platônica e a abordagem dos neoplatônicos estava na orientação política que Platão imprimiu à sua filosofia lembrese de que dissemos que a Academia era uma escola para revolucionários políticos Os ne oplatônicos estavam muito mais voltados para dentro de si e para coisas mais elevadas e não deram grande importância ao engaja mento nas coisas públicas e na política Uma razão óbvia para isso era o fato de Platão ter vivido numa cidadeestado pequena e homogênea onde o cidadão tinha como prerrogativa ou em certa medida até como obrigação par ticipar das assembleias Ali era decidido o destino daquela cidade estado Por sua vez os neoplatônicos estavam inseridos no contex to altamente complexo e heterogêneo do Império Romano Portanto não é de se estranhar que os neoplatônicos não tivessem o menor entusiasmo pela Ética e pela Filosofia Política de Platão mas que se interessassem vivamente pelos aspectos espe culativos de seu pensamento Platão não foi apenas um pensador original Ele incorporou de maneira brilhante as principais contribuições dos pensadores anteriores e influenciou decisivamente os pensadores que vieram depois dele Somese a isso as contribuições de Aristóteles e dos estoicos e é possível dizer que os neoplatônicos não apenas repre sentaram o ápice do pensamento platônico mas o ápice de toda a herança filosófica da Antiguidade 77 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Historicamente o neoplatonismo encontrase numa posição muito peculiar e até certo ponto controversa A escola filosófica neoplatônica foi a que conviveu de maneira mais intensa com o cristianismo Como já vimos análises mais apressadas os conside raram como incompatíveis ou confundiram as principais doutrinas de um com as principais doutrinas de outro Em vista da complexidade do contexto geral do neoplatonis mo e do fato de que para compreender bem os principais textos desta escola se faz necessário um conhecimento bastante profun do dos filósofos anteriores seu estudo é muitas vezes deixado de lado em sentido estrito nem pertence à Filosofia Clássica nem pertence totalmente à Filosofia Medieval Contudo apesar dessa complexidade vale a pena dedicar algumas páginas aos principais filósofos neoplatônicos Iniciamos com o pensamento de Plotino Plotino Quanto à vida e às obras de Plotino por sorte há uma excep cional fonte de informações seu discípulo Porfírio o fenício Plotino nasceu em 204205 provavelmente em Licópolis no Egito Nada se conhece sobre suas origens mas sabese que escre veu em grego Aos 28 anos começou seus estudos filosóficos com Amônio de Saccas em Alexandria onde esteve por cerca de onze anos Quando tinha em torno de 40 anos mudouse para Roma e naquela cidade iniciou sua escola filosófica Ali permaneceu pelo resto da vida passando apenas os seus últimos dias em Campânia Poucos filósofos da Antiguidade legaram mais obras para a História do que Plotino Todas as suas obras conhecidas chegaram até os dias atuais Os assuntos tratados por ele apresentam grande variedade de temas e extensão O editor de suas obras Porfírio rearranjou os tratados de acordo com os temas em seis conjuntos com nove tratados cada Por isso ficaram conhecidos como o Tratado das Enéadas o prefi xo enea representa nove História da Filosofia Medieval 78 Para conseguir chegar a tal formato Porfírio dividiu alguns tratados e estabeleceu uma ordem pedagógica de apresentação destes É claro que o resultado de tal esforço editorial acaba por ser um tanto artificial pois força uma sequência que existe apenas vagamente e ignora o fato de que alguns tratados pertencem a duas ou mais classificações distintas Os tratados de Plotino foram fruto das discussões que acon teciam no interior de sua escola filosófica Geralmente estavam inseridos no contexto da exegese de algum importante texto filo sófico antigo usualmente de Platão ou de Aristóteles De acordo com Porfírio Plotino via de regra não falava dire tamente do texto lido mas colocava diante dos ouvintes o pensa mento de Amônio Saccas de quem fora seguidor àquele respeito Quanto à maneira de escrever de Plotino Porfírio informa que ele escrevia de maneira compulsiva e que não relia o que tinha escrito devido a seus problemas visuais A crer nestas informações não é de causar surpresa que o estilo das obras desse autor seja tão obscuro Todavia a tradição normalmente considerou Plotino como um pensador sistemático sendo que seu sistema nunca é revela do na totalidade e para inferilo é necessário considerar diferentes partes de seus escritos Outra noção usualmente associada a Plotino é a de que cada um de seus tratados pressupõe todos os outros e todo o sistema ou seja ou a pessoa que lê Plotino compreende a totalidade de sua filosofia ou não conseguirá entender nenhuma de suas partes Contudo não é muito fácil identificar o referido sistema plotiniano Como quer que seja há nos tratados de Plotino claros sinais de sua genialidade sensibilidade e talento para tratar dos principais problemas enfrentados pelo neoplatonismo Vamos ver alguns exemplos 79 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval A metafísica de Plotino Tanto em Plotino quanto nos demais neoplatônicos é possí vel identificar com clareza a visão de que a realidade está organi zada hierarquicamente em níveis ou planos Plotino chamou esse planos de hipóstasis termo que adquiriu um sentido técnico mui to forte e que foi inclusive utilizado em grego pela teologia cristã para se referir às Pessoas da Santíssima Trindade Vejamos os prin cipais níveis ou planos da hierarquia plotiniana Figura 2 Estrutura hierárquica das hipóstasis de Plotino A realidade é estruturada desta maneira porque em pleno acordo com a longa tradição filosófica grega há a necessidade de explicar o mundo da experiência cotidiana em função de uma na tureza superior mais real e intrínseca a ele O Uno o Intelecto e a Alma são princípios têm a mesma função explicativa que a arché tinha para os primeiros pensadores gregos no sentido tradicional do termo A hierarquia neoplatônica é sobretudo uma hierarquia de graus de unidade cada nível ou plano tem um tipo característico de unidade sendo que o Uno está no topo como o nível absoluta mente simples e superior a tudo História da Filosofia Medieval 80 Em função do Postulado de Autossuficiência da Causa ou seja uma causa somente se configura se é suficiente para explicar a existência do que é causado apontando para uma característica presente na natureza daquela coisa o Uno é causa de tudo que existe tudo que existe tem unidade e o que não tem unidade não existe Portanto cada nível ou plano da realidade aponta para o ní vel superior que tem uma unidade mais real Aqui ocorre o mes mo que na dialética ascendente de Platão A grande contribuição de Plotino em comparação com seus antecessores está no fato de que ao postular o Uno como o nível mais superior ele concorda em parte com aqueles que como Aris tóteles pensavam haver um primeiro princípio simples No entanto Plotino discorda deles quanto à necessidade de tal primeiro princípio ser um tipo de intelecto Ele apontou que todo intelecto pressupõe um tipo de pluralidade pois deve haver no mínimo uma distinção conceitual entre o intelecto e seu objeto ou seus objetos Ou seja o Uno não pode ser intelecto Intelecto entra na hierarquia mas em um nível abaixo do Uno Você deve estar se perguntando sobre qual seria a relação entre os vários níveis ou planos propostos por Plotino De fato os níveis superiores de certa maneira produzem os níveis abaixo deles Plotino e os neoplatônicos adotaram a terminologia de Pla tão para afirmar que os níveis inferiores participam dos níveis superiores Dessa maneira podemos dizer que os níveis hierarquicamen te inferiores passam a ter a característica dos níveis superiores Os neoplatônicos também seguem Platão no que se refere às noções de modelo imitação e imagem Neste contexto a no vidade do neoplatonismo está no conceito de emanação Este termo se tornou tão popular entre os neoplatônicos que o utilizam virtualmente em todos os seus textos Plotino frequentemente se 81 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval refere à analogia do sol e da luz que este irradia ou ainda do fogo e do calor ou de outras semelhantes para ilustrar a maneira como uma hipóstasis superior gera uma inferior Às vezes Plotino referese à metáfora do fluir Os neoplatô nicos posteriores também utilizam o termo processão para des crever a emanação da hipóstasis inferior a partir da superior Con tudo o que todos os neoplatônicos insistem em ressaltar é que a causa ou seja a hipóstasis superior não sofre qualquer alteração no processo e nada perde com a emanação Os neoplatônicos também afirmam que os níveis inferiores tendem para os níveis superiores Eles chamaram isto de epis trophé que em Português seria algo como reversão Ou seja o que é produzido tende à causa não afetada que o produz Aqui as analogias utilizadas anteriormente não parecem ser de grande ser ventia pois a claridade na parede não aponta de maneira inequí voca para a fonte luminosa que a produziu pode ter sido causada por qualquer fonte luminosa e ainda assim ter a mesma aparência Os neoplatônicos porém pensavam que algum tipo de re versão era necessário para que o processo de emanação fosse completo Claro que aqui não se trata de uma questão de suces são temporal pois nem a emanação nem a reversão acontecem no tempo Para os neoplatônicos a emanação estabelece a distinção entre a hipóstasis superior e a inferior ao passo que a reversão estabelece a identificação entre elas a qual não é completa pois o que emanou é claramente outro com relação à sua fonte O pensamento de Plotino também apresenta uma reflexão interessante a respeito do lugar do ser humano na ordem hierár quica da realidade O ser humano é identificado com a parte supe rior de sua alma ou seja com a razão A alma humana é distinta do corpo e sobrevive a ele ela é essencialmente parte do plano inteligível e tem sua fonte no Intelecto do qual depende constan temente História da Filosofia Medieval 82 Estes são apenas alguns dos elementos da visão de Plotino a respeito do homem mas bastam para demonstrar o caráter pla tônico de sua Antropologia Filosófica Vamos passar agora ao seu discípulo mais conhecido Porfírio Porfírio foi um homem de grande cultura e dedicou grande tempo e esforço para compor sua obra filosófica impressionante pela extensão e pela profundidade A difusão do neoplatonismo deve muito a ele Sabese muito pouco sobre a vida de Porfírio apenas que ele nasceu em torno de 234 EC na cidade fenícia de Tiro Sabese também que ele estudou em Atenas sob a orientação de Longino e que posteriormente se juntou à escola de Plotino em Roma De sua obra sabemos que escreveu sobre uma grande varie dade de temas que incluem desde comentários às obras de Platão Aristóteles Teofrasto Ptolomeu e Plotino até ensaios filosóficos e teológicos Dessa imensa produção muito pouco restou até hoje Todavia podese dizer que o pouco que restou teve uma enorme influência Talvez sua principal contribuição tenha sido permitir uma harmonização entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles Até Porfírio parece que os neoplatônicos tinham uma postura muito crítica com relação a Aristóteles Uma das principais críticas era sobre a obra Categorias que sempre foi considerada a primeira obra do Órganon que por sua vez vinha em primeiro lugar no elenco das obras do Estagirita Sabese que de fato a obra Categorias contém passagens com alto grau de antiplatonismo como por exemplo a precedência atribu ída à substância primeira com relação ao gênero e à espécie as substâncias segundas A importância de Porfírio nesse contexto foi determinante e sua obra Isagoge passou a ser sempre colocada antes de Cate 83 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval gorias pois assim se estabelecia o acordo essencial entre Platão e Aristóteles deste o início dos estudos das obras do Estagirita Isso era possível graças à interpretação de Porfírio de que a obra Categorias na verdade não é uma obra de metafísica em sentido estrito mas sim uma obra que trata dos predicáveis Ou seja trata de coisas que podem ser ditas com sentido a respeito de outras coisas Assim entendida a obra Categorias não poderia ser antipla tônica pois trata das expressões com significado que se referem aos fenômenos sensíveis Tais expressões têm precedência na or dem da experiência mas não tem precedência ontológica esta pertence às Formas ou Ideias Platônicas A obra Isagoge os temas que aborda e as questões das quais deixa de tratar foi discutida intensamente no famoso Pro blema dos Universais que estudaremos adiante na Unidade 3 Neste momento apenas é interessante citar as questões que Por fírio deixou de abordar Antes de mais no que tange aos gêneros e às espécies acerca da questão de saber 1 se são realidades subsistentes em si mesmas ou se consistem apenas em simples conceitos mentais 2 ou ad mitindo que sejam realidades subsistentes se são corpóreas ou in corpóreas e 3 neste último caso se são separadas ou se existem nas coisas sensíveis e dependem delas eu evitarei em falar porque tais questões representam uma pesquisa mais profunda e exigem uma outra investigação e mais ampla em compensação procurarei mostrarte no que diz respeito aos gêneros às espécies e aos ou tros termos em questão como os antigos e de modo particular os Peripatéticos trataram desses problemas de um ponto de vista mais lógico SANTOS Ver EReferências Como você verá no Tópico 7 da Unidade 2 dedicado a Boé cio tais questões se tornaram irresistíveis para os filósofos poste riores História da Filosofia Medieval 84 Proclo Proclo é o terceiro importante pensador neoplatônico cuja grande influência pode ser percebida na posteridade Ainda na ju ventude foi para Atenas estudar Filosofia platônica e posterior mente tornouse diretor da Academia Foi o pensador neoplatôni co com a maior capacidade sistematizadora e escreveu uma vasta obra Em sua obra há tratados sistemáticos de filosofia por exem plo seu Elementos de teologia nos quais ele aplica o método estritamente dedutivo euclidiano Autores bem posteriores como Descartes e Espinosa vão valerse da mesma estratégia Em seu Elementos de teologia Proclo começa pelo ponto mais elevado de sua hierarquia e desce aos outros níveis cobrin do as três primeiras hipóstases nas quais teologia coincide com metafísica pois se trata do estudo das primeiras causas Nas de mais obras ele se dedica sobretudo aos temas platônicos As contribuições de Proclo estão mais ligadas à sua capaci dade sistematizadora e à sua ampla influência e não tanto a pos síveis contribuições originais para o neoplatonismo Este não é o momento de nos aprofundarmos nas particularidades do sistema de Proclo um sistema que em linhas gerais é muito parecido com o de Plotino Contudo podese dizer quem em certo aspecto a Fi losofia Medieval muito deve a ele Proclo foi um pagão piedoso e naquela época os pagãos já eram uma minoria combatida em diversas frentes Embora nunca tenha se convertido ao cristianismo um escritor pouco posterior a ele o famoso PseudoDionísio Aeropagita utilizou o sistema divi sado por Proclo para constituir sua teologia cristã Depois de Proclo a Academia teve um importante mestre Damasceno Este escreveu um livro intitulado Os princípios no qual defende um princípio inefável acima do Uno abordagem compartilhada por Jâmblico Foi em 529 durante o tempo em que 85 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Damasceno dirigiu a Academia que o Imperador Justiniano deci diu fechar a escola de Platão definitivamente O platonismo já era ativo em Alexandria havia muito tempo e continuou sua longa história naquela cidade do Egito Ainda que o conhecimento que se tem dele seja muito limitado e cheio de falhas sabese que o contato entre Atenas e Alexandria foi cons tante embora o neoplatonismo de Alexandria fosse muito menos inclinado a especulações metafísicas e mais voltado para os co mentários a Aristóteles Em Alexandria havia também menos fervor na defesa do pa ganismo Eles contavam inclusive com cristãos entre seus filósofos dentre os quais se destaca João Filopono um comentador notável e crítico de Aristóteles As vitórias finais do cristianismo e posteriormente do is lamismo sobre o Pagão Império Romano em grande parte da Europa do Oriente Médio e da África pôs um fim ao neoplatonis mo em sentido estrito Porém muitas ideias neoplatônicas e em alguns casos até mesmo obras de autores neoplatônicos continua ram a circular e foram absorvidas por outras culturas No mundo cristão Plotino e Porfírio influenciaram os padres da Igreja tanto os de língua grega quanto os de língua latina Por meio de PseudoDionísio Proclo também teve grande impacto en tre os cristãos A teologia medieval cristã é desta maneira cheia das cores do neoplatonismo Posteriormente quando os grandes pensadores árabes e ju daicos passaram a ser estudados no Ocidente várias das contribui ções filosóficas do neoplatonismo retornaram ao mundo ociden tal como você verá no Tópico 5 da Unidade 3 O neoplatonismo foi também muito influente no século 17 EC e até mesmo no século 20 EC em pensadores como por exemplo Henri Bergson História da Filosofia Medieval 86 11 A FILOSOFIA PATRÍSTICA LATINA Não há dúvidas de que contemporaneamente aos desenvol vimentos do neoplatonismo aquele período também viu a forte ascensão do cristianismo sobretudo depois da conversão e do ba tismo cristão do Imperador Constantino Se no caso de Porfírio houve oposição declarada entre neoplatonismo e cristianismo no caso do neoplatonismo de Alexandria havia cooperação entre ambos A tal ponto que Fi lopono um cristão pôde deixar marcar de forma indelével à filosofia desenvolvida naquela cidade Devido às muitas diferenças entre cristianismo de um lado e filosofia e outras formas de sabedoria vindas da Antiguidade de outro surgiu a necessidade de defesa da idoneidade da fé cristã Isso ocorreu em muitos momentos da História e especialmente na passagem da Antiguidade para a Idade Média Citemos aqui os exemplos de Tertuliano e Lactâncio dois re presentantes da patrologia latina ou seja defensores da fé cristã que escreveram sua teologia em Latim na Antiguidade Como vere mos não é porque sua obra é predominantemente teológica que não se pode encontrar nela importantes concepções filosóficas e claras indicações de que para eles como para a grande maioria dos autores medievais a filosofia era vista sobretudo como uma atitude perante a vida A seguir você irá se dedicar ao estudo de um dos principais filósofos da tradição ocidental tratase de Santo Agostinho Va mos lá 87 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval 12 SANTO AGOSTINHO Biografia Na tradição cristã o mais importante filósofo do início da Idade Média foi Santo Agostinho que viveu no Im pério Romano entre 354 e 430 depois de Cristo Uma de suas obras mais conhecidas é chamada Confissões Nesse livro Agostinho descreve sua própria vida e nos três últimos capítulos apresenta uma famosa interpre tação do Gênesis bíblico No pensamento de Agosti nho encontrase uma grande influência da filosofia grega Antes de se tornar cristão ele havia estudado diversos filósofos principalmente da tradição neopla tônica associada a Platão com uma visão religiosa e mística No entanto acima dessa influência existe principalmente sua fé cristã e seu esforço para atingir a verdade Adaptado de UNICAMP 2010 Ver ERefe rências Falar de Aurélio Agostinho 354430 EC em poucas palavras é tarefa impossível Além de ter sido reconhecidamente um gran de orador e professor de retórica latina por profissão foi uma das grandes figuras do cristianismo tendo produzido obras filosóficas e teológicas lidas e admiradas até hoje por teólogos filósofos es tudiosos de literatura psicólogos etc Aqui não é possível estender muito o estudo de seu pensa mento Analisaremos alguns aspectos do pensamento agostinia no mas fica a recomendação insistente para que todos os inte ressados busquem a leitura dos textos do próprio Agostinho para se aprofundar e compreender melhor o pensamento desta grande figura da cultura Ainda antes de sua conversão Agostinho teve contato com o ceticismo e com o neoplatonismo Por meio da leitura da exorta ção à filosofia no Hortênsio do romano Cícero descobriu que a vida mais digna de ser vivida é aquela que busca constantemente a sabe doria cuja bela luz resplandecente transmite sentido a todo o resto Figura 3 Santo Agostinho História da Filosofia Medieval 88 Depois de sua conversão definitiva ao cristianismo Agos tinho integrou elementos de sua formação anterior e produziu ideias poderosas como a noção de verdade aprendida da Verdade Eterna que permite compreender as coisas verdadeiras experi mentadas no cotidiano Há claros pontos de interseção entre essa abordagem e o neoplatonismo de Plotino que postula a noção de verdade universal Outro ponto relevante do pensamento agostiniano é sua abordagem do problema do mal Devido às bases de seu pensa mento Agostinho pôde desenvolver uma noção de mal como sen do a sobreposição de um bem menor a um bem maior Portanto o mal moral aparece como a escolha de um bem menor em detri mento de um bem maior Por exemplo ao preferir as riquezas ma teriais aos bens espirituais a pessoa abrese ao mal pois escolheu um bem menor e descuidou dos bens maiores O que está mais próximo do Supremo Bem é sempre melhor do que o que se encontra mais distante dEle Essa abordagem re futou de maneira poderosa o maniqueísmo que postulava que ha via dois princípios igualmente poderosos um princípio bom e um mau Agostinho negou a existência ao Mal metafísico e ao mal Outro ponto importante para o desenvolvimento da Filosofia Medieval que teve origem no pensamento agostiniano é o inte resse pela cognição humana tanto como meio para estabelecer a possibilidade epistemológica da teologia quanto como meio para conhecer e compreender algo a respeito de Deus Em Contra acadêmicos Agostinho propõe uma resposta muito elaborada e consistente aos argumentos céticos dos filóso fos da Academia de Platão e desta maneira propicia a base para a factibilidade de toda investigação racional acerca da verdade Pos teriormente em De trinitate Agostinho procura entender a mente humana não apenas em si mesma mas também na condição de modelo a partir do qual se pode chegar à verdade e a Deus 89 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval O problema do Mal e a questão do Tempo em Agostinho Aqui será interessante compreendermos um pouco mais so bre o problema do mal e sobre a solução apresentada por Agosti nho para esta questão Também será útil entendermos a discussão a respeito do Tempo proposta pelo mesmo autor A primeira questão a ser levada em conta no contexto do problema do mal é a evidente diferença entre visão préfilosófica e visão filosófica Principalmente considerando a cosmologia que surge da relação entre a narrativa mítica e a abordagem filosófica que você conheceu nos estudos sobre as origens da Filosofia no CRC de História da Filosofia Antiga A segunda questão importante é relativa à exigência filosó fica de afirmar a necessidade da livre escolha da pessoa para que sejam possíveis a imputabilidade dos erros ou a valorização das boas ações A primeira questão permite avaliar o caráter genuinamente filosófico do pensamento de Agostinho O contraste entre a nar rativa mítica e a abordagem filosófica parece não deixar dúvidas sobre o que pertence ao campo do mítico e o que pertence ao campo do filosófico Que fique claro aqui não iremos estudar as narrativas que falam de deuses e portentos naturais utilizadas pelos filósofos com a intenção de explicar doutrinas filosóficas Seria mais ou menos como a distinção que há entre a criança que produz um desenho de sua família e um psicólogo que reproduz um desenho infantil sobre a família com o intuito de explicar alguma noção de uma determinada corrente de psicologia Pois bem A narrativa mítica não se importava com contradições nem com comparações entre seres ou coisas que nada tinham de semelhante Tomemos dois personagens mitológicos como exemplo Sí sifo condenado a transportar pedras ao topo de uma pilha que ao concluída desaba e faz com que o trabalho tenha de se reini História da Filosofia Medieval 90 ciar eternamente E Prometeu titã que ousou roubar o segredo do fogo dos deuses e o deu os homens Foi acorrentado por Zeus a um rochedo e condenado a ter seu fígado eternamente devorado por corvos o fígado reconstituíase todos os dias Quando se referia ao mito de Sísifo para falar do caráter ár duo e por vezes inútil do trabalho extenuante ou ao mito do Pro meteu que assim como Sísifo está preso a um destino estático a narrativa mítica não se importava com o fato de que o fígado das pessoas quase nunca se regenera completamente da noite para o dia e nem com o fato de que o trabalho produz não apenas o sustento para o corpo mas abre perspectivas para ganhos futuros Portanto não é possível pensar os seres humanos como sendo to dos sísifos nem se pode pensar o trabalho como sendo sempre extremamente extenuante e inglório Consideremos a abordagem filosófica do ser humano como homo faber isto é a definição do ser humano como um ser que utiliza sua criatividade e sua engenhosidade para transformar o mundo de maneira a obter os melhores frutos no presente e a faci litar sua vida futura Ela não somente se aplica aos seres humanos em geral também engloba diferentes facetas do trabalho e permi te ver sentido até nos esforços mais extenuantes Feita esta reflexão podese avaliar o pensamento agostinia no do ponto de vista de seu rigor filosófico Os frutos de tal aná lise trariam nova luz para a questão da assimilação de categorias filosóficas por parte de Agostinho Paralelamente temos o fato de ele ter sido declarado santo pela Igreja Católica que já é prova suficiente de sua completa adesão ao cristianismo Nesse contexto duas noções genuinamente filosóficas são a unicidade de Deus e sua decorrente consistência ou constância A filosofia na Antiguidade caminhou lentamente para a constatação de que um dos atributos do Ser devia ser a unicidade ou seja de que o Ser teria em sua essência um caráter constitutivo de uno 91 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval Não é o momento de aprofundar essa discussão mas você deve se lembrar de seus estudos de Aristóteles nos quais viu que a metafísica aristotélica se refere ao Ser como sendo uno belo bom e verdadeiro Tomás de Aquino que estudaremos na Unida de 3 deste CRC demonstrou com maestria que o que Aristóteles diz sobre o Ser se aplica sobretudo a Deus Desta maneira a noção filosófica de que Deus é uno e portanto bom deve servir como balizamento para outras no ções filosóficas Deus sendo bom não pode ser a origem do Mal pois no caso da divindade não há ação acidental não há descuido ou ignorância Deve haver uma maneira de abordar filosoficamen te o Mal sem atribuirlhe status de criatura se admitimos que ele não foi criado por Deus Agostinho distinguiu o mal em três tipos o Mal metafísi co que aqui chamamos de Mal o mal físico deformidades e deformações e o mal moral más ações Tanto o Mal metafísico quanto o mal físico se existirem foram criados em algum momen to Deus é uno e bom o que significa que nem o Mal e nem as deformidades ou deformações podem ser eternos e nem terem sua origem em Deus A conclusão de Agostinho é que somente o mal moral pode existir no mundo os outros dois tipos não exis tem Aqui sua preocupação genuinamente filosófica fica evidente pois ele segue uma lógica irrepreensível e se mantém em sintonia com as tradições filosóficas mais consistentes Ao mesmo tempo que recusa a existência do mal metafísico e do mal físico Agostinho postula que a origem do mal moral não está em Deus Pois Deus não pode originar qualquer tipo de mal Agostinho atribuiu o mal moral à livre escolha da pessoa que prati ca más ações Para ser consistente e não incorrer no erro de dizer que as más ações causam originam são causadas ou decorrem de coisas más Agostinho diz que as más ações são aquelas que erram o alvo Ou seja que não buscam o maior bem possível História da Filosofia Medieval 92 Assim a distinção feita por Agostinho para entender o mal moral não é entre bem Bem e mal Mal mas entre encolher o Bem maior e escolher algum dos bens menores A ação boa é aquela que visa o maior bem possível e as más ações são todas aquelas que visam bens menores quando há um bem maior que poderia ser almejado Novamente fica evidente que Agostinho está em sintonia com as principais doutrinas filosóficas da Antiguidade pois preserva a liberdade de escolha do ser humano e garante a possibilidade de imputação de culpa pelas más ações àqueles que as praticam Agostinho também está em plena sintonia com as doutrinas centrais do cristianismo Infelizmente aqui não há espaço para ex plicar em detalhes este último ponto Porém cabe lembrar o que diz Étienne Gilson 2006 p 367368 a respeito da liberdade e do livre arbítrio Que o homem é livre é uma afirmação tão antiga quanto o próprio pensamento cristão O cristianismo não inventou a idéia de liber dade se preciso ele até se defenderia da acusação de têla criado Desde o século II Irineu nos lembra que se a Escritura considerou necessário manifestar a liberdade foi entretanto uma lei tão an tiga quanto o próprio homem que Deus promulgou ao revelála veterem legem libertatis hominis manifestavit tradução manifes tou a lei antiga da liberdade do homem A insistência com a qual os Padres da Igreja ressaltam a importância dessa idéia deve no entanto reter inicialmente nossa atenção assim como a natureza muito especial dos termos com que eles o fizeram Ao criar o homem Deus lhe prescreveu algumas leis mas deixouo senhor para prescrever a sua no sentido de que a lei divina não exerce nenhum constrangimento sobre a vontade do homem Po demos dizer que desde o despertar do pensamento cristão uma série de termos filosóficos cujas equivalências são instrutivas por si próprias recebe nele direito de cidadania Deus criou o homem do tado de uma alma racional e de uma vontade isto é com um poder de escolher análogo ao dos anjos já que os homens como os an jos são seres dotados de razão Fica estabelecido portanto desde esse momento que a liberdade é uma ausência de constrangimen to inclusive em relação à lei divina que ela pertence ao homem pelo fato de ele ser racional e se exprimir pelo poder de escolha que sua vontade possui líber rationalis potestas electionis tra dução livre racional poder de escolha são termos que não se 93 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval separarão mais desde então Não se separarão tampouco da tese central que os fez serem aceitos pelos pensadores cristãos e por assim dizer impôs seu uso Deus criou o homem livre porque lhe deixou a responsabilidade do seu fim último Cabe a ele escolher entre o caminho que leva à felicidade e o caminho que leva a uma miséria eterna o homem é um lutador que nem tem que contar apenas com suas próprias forças mas que deve contar com elas senhor de si dotado de uma verdadeira independência colabora eficientemente para o seu destino Também sobre a relação entre a solução agostiniana para o problema do mal e sobre a imputabilidade observados pelo pris ma cristão vale a pena rever o que Nair de Assis Oliveira 1995 escreve nos itens b e c da introdução a O livre arbítrio b O mal moral é o pecado Esse depende de nossa má vontade E a má vontade não tem causa eficiente não tem origem divina portanto e sim muito mais causa deficiente Por sua natureza a vontade deveria tender para o Bem supremo Mas como exis tem muitos bens criados e finitos a vontade pode vir a tender a eles e subvertendo a ordem hierárquica preferir a criatura a Deus optando por bens inferiores em vez dos bens superiores Sendo assim o mal deriva do fato de que não há um único bem e sim muitos bens consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens O mal moral portanto é adversio a Dei e conversio ad criaturam O fato de se ter recebido de Deus uma vontade livre é para nós grande bem O mal é o mau uso desse grande bem c O mal físico como as doenças os sofrimentos e a morte tem significado bem preciso para quem reflete na fé é a consequên cia do pecado original ou seja é consequência do mal moral A corrupção do corpo que pesa sobre a alma não é a causa mas a pena do primeiro pecado AGOSTINHO 1995 p 1617 Agostinho produziu uma abordagem altamente sofisticada do tempo e da eternidade nas Confissões Tal visão é tão brilhante que pode ser considerada sem qualquer sombra de dúvida uma das mais brilhantes construções teóricas acerca da eternidade e do tempo na História da Filosofia Ainda hoje a visão agostiniana encontra apreço entre os estudiosos da ciência moderna O filósofo africano começa suas investigações observando que o tempo é assunto muito familiar Quando alguém fala do tempo compreendese claramente o que se está dizendo Tanto História da Filosofia Medieval 94 quem fala dele quanto quem ouve outros falarem sobre este as sunto Confissões XI 17 Entretanto quando se deixa o senso co mum de lado e se busca uma explicação mais elaborada do ponto de vista filosófico ou científico há imediatamente a percepção de que se está diante de um problema muito complexo um implicatissimum aenigma Confissões XI 22 28 O enigma proposto pelo tempo não pode ser facilmente des vendado pela razão e por isso mesmo é descrito por Agostinho como complexo Isto decorre da natureza do próprio tempo e tam bém em decorrência das insuficiências da linguagem humana O enigma é tal que diante da pergunta ontológica O que é por con seguinte o tempo Confissões XI 14 17 Agostinho não se en vergonha de responder Se ninguém me perguntar eu sei porém se quiser explicar a quem me perguntar já não sei Confissões XI Se Agostinho reconhece seu fascínio e perplexidade diante da questão por outro lado ele não detém e nem foge do problema e ousa uma resposta A resposta agostiniana ao problema do tempo implica dois níveis distintos 1 Há a necessidade de enfrentar com disposição e criativi dade uma discussão acerca da distinção entre tempo e eternidade Essa será uma boa oportunidade para Agos tinho demonstrar seu rompimento com os maniqueus e indiretamente com alguns autores da filosofia grega an tiga que eram claramente refratários à noção de criação e da consequente noção de linearidade do tempo 2 A abordagem agostiniana voltase para a natureza on tológica do tempo ou seja para a pergunta nos moldes socráticoplatônicos o que é o tempo A natureza ontológica do tempo é analisada por Agostinho sob dois aspectos um aspecto visa o tempo do ponto de vista sub jetivo Analisa a categoria tempo isto é o tempo qualitativo ou da consciência voltandose para a interioridade humana para a alma e nesta de maneira específica para a memória 95 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval A memória compreende o tempo em sua condição de passa do presente e futuro com a primazia do presente A seguir Agos tinho expande sua reflexão de tal maneira que há até mesmo a abertura para a possibilidade de se abordar o tempo do ponto de vista objetivo ou seja o tempo quantitativo em seu caráter de algo criado e que está obviamente fora do homem mas que deixa marcas indeléveis na alma humana Para Agostinho o grande e complexo enigma do tempo é ao mesmo tempo interior ao ser humano que é portador do tem po e excedentemente exterior pois este está imerso no tempo que lhe é transcendente 13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade Ou seja da transição da Filosofia Clássica grecoromana para a Filosofia Medieval e dos principais elementos que caracteri zaram a novidade filosófica do cristianismo A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos estuda dos para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Edu cação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas desco bertas com os seus colegas Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Considerando os componentes do cristianismo que não estavam presentes na Filosofia Clássica antiga e com base no que estudou nesta unidade co mente sobre quais seriam as implicações filosóficas do antropocentrismo e da noção de providência individual para a filosofia medieval História da Filosofia Medieval 96 2 Exponha de forma clara em que medida a conversão do Imperador Cons tantino Magno se tornou uma oportunidade para a reflexão filosófica me dieval 3 Faça uma lista sobre os pontos centrais da reflexão de Agostinho de Hipona sobre o mal 4 Em que medida se pode dizer que o tema do tempo e da eternidade foi tratado com brilhantismo por Agostinho de Hipona Atente para as inova ções de Agostinho sobre o tema aproveitando para avaliar se seu aprendi zado lhe permite dissertar com propriedade sobre o assunto Esta é uma das questões fundamentais da Filosofia Medieval e deve ficar bem clara em sua resposta a posição do filósofo 14 CONSIDERAÇÕES Como você viu nesta unidade o cristianismo significou uma novidade do ponto de vista filosófico pois introduziu doutrinas que não estavam presentes na Filosofia Clássica tais como a res ponsabilidade individual pelos próprios atos e a criação ex nihilo ou seja a partir do nada Esse também foi um momento necessário de reflexão sobre a História e sobre o lugar da pessoa humana no universo No mo mento em que Constantino Magno se converteu e fez que o Impé rio Romano passasse a ter o cristianismo como religião oficial as doutrinas cristãs ganharam o status de doutrinas centrais para a vida das pessoas em todo o Império Romano O cristianismo entrou em diálogo direto com as outras tra dições filosóficas rejeitando alguns pontos e recuperando outros principalmente do estoicismo e do neoplatonismo A principal figura naquele contexto foi Agostinho de Hipona pois ele não somente foi o principal expoente da patrística como também in fluenciou diretamente as gerações posteriores de filósofos e teó logos Houve uma grande alteração do panorama em decorrência da redescoberta das principais obras de Aristóteles a partir do sé culo 12 EC A influência de Agostinho diminuiu com o crescimento 97 Claretiano Centro Universitário U1 Da Filosofia Antiga à Filosofia Medieval da influência de Aristóteles Porém o estudo de Agostinho não cessou e continuou sendo retomado muitas e muitas vezes Na próxima unidade você verá que a Filosofia Medieval tam bém estava ligada às formas de ensino e de transmissão de dou trinas 15 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Platão e Aristóteles Disponível em httpwwwconscienciaorg bancodeimagensdisplayimage476html Acesso em 08 jan 2010 Figura 3 Santo Agostinho Disponível em httpwwwsnpculturaorgpedras angularessantoagostinho2html Acesso em 16 dez 2009 Lista de quadros Quadro 1 Paralelo entre Platão e Aristóteles Disponível em httpwwwconsciencia orgplataoaristotelesvidigalshtml Acesso em 15 jan 2010 Sites pesquisados DANTAS L G CAVALCANTE JUNIOR F S A autobiografia agostiniana na obra A vida feliz Disponível em httpwwwfafichufmgbrmemoranduma15dancava01htm Acesso em 15 dez 2009 HIRSCHBERGER J Os neoplatônicos e o Neoplatonismo História da Filosofia Antiga Disponível em httpwwwconscienciaorgosneoplatonicoseoneoplatonismo historiadafilosofiaantiga Acesso em 15 dez 2009 PLATÃO O mito da caverna Disponível em httpwwwhistorianetcombrconteudo defaultaspxcodigo796 Acesso em 31 jan 2011 PACHECO M C M A Filosofia Medieval e a Questão da Interpretação A palavra e os Textos entre a Letra e o Espírito Disponível em httpwwwhottoposcombr mirand9candid2htm Acesso em 15 dez 2009 SANTOS B S Antologia de textos Porfírio Boécio Ockham Disponível em http wwwbentosilvasantoscomcmsindexphpdownloadOS20UNIVERSAIS2020 Porfirio20Boecio20e20Ockhampdf Acesso em 06 out 2010 UNICAMP Santo Agostinho e a interpretação do gênesis Disponível em httpwwwifi unicampbrghtcUniversocap05html Acesso em 15 jan 2010 Universidade Federal de São Carlos Filosofia Helênico Romana Disponível em http wwwcfhufscbrsimpozionovo2216y160htmTopOfPage Acesso em 15 dez 2009 História da Filosofia Medieval 98 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO Santo Livrearbítrio São Paulo Paulus 1995 Confissões São Paulo Paulus 1997 DE LIBERA A A filosofia medieval São Paulo Loyola 1998 FRANGIOTTI R Padres apostólicos São Paulo Paulus 1995 GILSON E O espírito da filosofia medieval São Paulo Martins Fontes 2006 NASCIMENTO C A R do O que é filosofia medieval São Paulo Brasiliense 1992 REALE G ANTISERI D História da filosofia Patrística e Escolástica São Paulo Paulus 2005 v 2 EAD Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média 2 1 OBJETIVOS Analisar o contexto histórico e educacional em que se de senvolveu a escolástica latina Compreender a relevância histórica dos principais expo entes do pensamento daquele período 2 CONTEÚDOS Ensino e pesquisa nas universidades do século 13 EC Boécio e as traduções dos filósofos clássicos para o La tim João Escoto Erígena e Anselmo de Cantuária Pedro Abelardo e Pedro Lombardo História da Filosofia Medieval 100 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Quando for realizar seus estudos escolha um ambiente que possa lhe proporcionar concentração ou seja um lugar calmo arejado e estimulante Esteja certo de que o ambiente contribuirá de maneira significativa para sua aprendizagem 2 O ambiente cultural da Idade Média proporcionou o surgimento de grandes universidades e catedrais mo numentais Antes de iniciarmos o estudo desta unidade leia o pequeno texto a seguir sobre o impacto causado pela magnificência da arquitetura gótica Chartres As maravilhosas catedrais góticas são sem dúvida alguns dos mais belos frutos oferecidos pelo Cristianismo à civilização Nascida num período turbulento mas tam bém extremamente fecundo a arte dos go dos difundiuse da Europa para o mundo inteiro Seus idealizadores tinham como objetivo levar os homens até o seu Criador proporcionandolhes por meio do esplen dor da beleza e mesmo da magnificência a possibilidade de experimentar uma for ma de contato com Ele Podemos encontrar em quase toda a Europa bons exemplares dessas obrasprimas de engenharia e arte Na França por exemplo há algumas de rara beleza Partindo de Paris rumo a sudoeste antes de percor rer noventa quilômetros já contemplaremos à distância as duas torres altaneiras da catedral de Chartres distintas e belas elevandose graciosamente em meio aos ondulantes campos de trigo imagem e texto disponíveis em httpwww arautosorgviewshow4480acatedraldechartres Acesso em 18 jan 2010 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Como você viu na Unidade 1 a Filosofia Medieval em seus momentos iniciais ou seja no período da patrística esteve mais voltada para a apologética defesa das doutrinas cristãs essenciais do que para a elaboração sistemática do pensamento Isto de 101 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média correu do caráter de novidade do cristianismo pois várias de suas doutrinas centrais não tiveram um equivalente exato na Filosofia Clássica O cristianismo postula a criação ex nihilo a responsabilidade individual humana a centralidade do ser humano entre as cria turas a imortalidade da alma humana individual dentre outras doutrinas Como tudo isso era novidade no ambiente cultural da Antiguidade a primeira tarefa dos filósofos cristãos foi naquele momento defender a fé cristã e explicar que tais doutrinas não estavam em desacordo completo com a razão Você também notou que a figura de Agostinho se destacou entre os expoentes da patrística Ele não somente tinha formação e genialidade ímpares mas também passou por um processo de conversão Ou seja num primeiro momento estudou e aprofun douse nas visões filosóficas mais em voga e mais bemsucedidas de sua época Nenhuma daquelas visões satisfez seu anseio de um estilo de vida pleno de sentido o que o levou a abraçar uma alternativa mais viável para suas ambições pessoais e intelectuais o cristia nismo Agostinho é neste sentido um autor extremamente inte ressante para estudarmos quando queremos entender a relação entre cristianismo e Filosofia Clássica Em Agostinho o cristianismo de fato encontrase com o pen samento clássico Apesar de haver também elementos estoicos e até céticos em seu pensamento é a influência do neoplatonismo que ali se destaca Em outros momentos de nosso estudo você notará que o neoplatonismo também influenciou decisivamente autores posteriores Nesta unidade você verá que a Filosofia Medieval se desen volveu num contexto em que a relação entre razão e fé era tema importante e em que a maneira de ver a auctoritas era auxílio fun damental para evitar os erros doutrinários e para estimular os de bates O recurso à auctoritas estabelecia os parâmetros e balizava as discussões História da Filosofia Medieval 102 Você verá também que para compreender as principais ca racterísticas da Filosofia Medieval principalmente nos textos e doutrinas medievais que chegaram aos dias atuais é necessário entender o ambiente cultural e educacional da Idade Média Após estarem bem contextualizadas as principais figuras do pensamento daquele período ganharão nova luz Pensadores como Boécio Anselmo de Cantuária Pedro Abelardo e Pedro Lom bardo se destacaram naquele contexto e você logo verá o porquê Devemos observar também a maneira muito particular como os filósofos e teólogos medievais entendiam linguagem e lógica Não por acaso várias das mais célebres discussões da quele período estão relacionadas com questões ligadas à lógica ou à decisão sobre o vocabulário técnico mais apropriado para se fazer filosofia e teologia Nesta unidade você verá a importância de Boécio para este aspecto das especulações filosóficas da Idade Média 5 UMA VISÃO MEDIEVAL DE LÓGICA E LINGUAGEM É muito difícil não exagerar a importância que discussões nos âmbitos da linguagem e da lógica tiveram para a formação do pensamento na Idade Média Não está aqui em questão se as dis cussões levantadas por estudiosos medievais de Gramática e de Lógica têm valor em si mesmas ou se esses temas apenas pode riam ser estudados com algum sentido por estudiosos de outras áreas do saber Tais discussões suscitavam interesse E evidentemente ao abordar as temáticas próprias de suas áreas os gramáticos e ló gicos medievais desenvolveram um vocabulário técnico técnicas de análise sofisticadas e estratégias de argumentação lógica que tiveram influência profunda e duradoura na maneira como todo e qualquer estudante medieval era educado nas sete artes liberais 103 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média A educação dos estudantes medievais nas artes liberais reve lava dois importantes aspectos constitutivos da filosofia produzida naquele período Por um lado havia a ênfase no estudo dos textos vindos das auctoritates Os esforços para interpretar e reconciliar tais textos foi responsável por inúmeros desenvolvimentos da Fi losofia Medieval Por outro lado o método de ensino que dava destaque mui to grande à oralidade influenciou diretamente a maneira como os textos escritos por muitos filósofos do período chegaram até os dias de hoje Você verá adiante quais são as implicações destes fatos Mas qual seria a diferença básica entre a abordagem con temporânea e a abordagem medieval de lógica e linguagem A diferença principal é que para os medievais lógica e lin guagem têm primordialmente uma orientação cognitiva ou seja a linguagem teria sido criada para expressar a verdade A lógica para permitir a passagem segura de uma verdade à outra Isto obviamente não representa a concepção contemporânea desses conceitos As tensões e implicações da abordagem medieval são clara mente perceptíveis por exemplo em Agostinho e em Tomás de Aquino Agostinho desconfiava da habilidade humana para expres sar verdades por intermédio do discurso Como sua profissão era a retórica ele estava muito atento para as múltiplas maneiras como a linguagem poderia ser usada principalmente com relação aos riscos que ela trazia Agostinho também apontou a necessidade de se abandonar o uso corriqueiro da linguagem para que alguém possa aprender diretamente do Cristo Mestre Interior e a Palavra Divina Tomás era muito mais otimista com relação à utilidade da linguagem humana Ele apontava para a função própria da lingua gem de dar a conhecer a verdade durante o processo de interme diação do conhecimento de nossos conceitos História da Filosofia Medieval 104 Segundo ele o discurso humano é necessário para a execu ção das tarefas sociais tais como advertir sobre o perigo apontar para a utilidade das coisas e orientar sobre o justo e o injusto Isso porque além de tudo a sociedade humana está baseada na habi lidade de dizer a verdade Para Tomás a noção primária de linguagem era a de um sis tema racional autogovernado que poderia ser estudado à parte do contexto e da intenção do falante Bastaria portanto concentrar se nas proposições como unidades linguísticas que comunicam a informação necessária para um conhecimento hierarquicamente organizado que os medievais chamavam de scientia Essa visão implica que sentenças que tenham significado não podem se desviar sintática ou semanticamente da verdade e que seus componentes correspondam exatamente aos conceitos do falante cujo objetivo é comunicar a verdade No caso da lógica todos os medievais estavam atentos para a relação entre a partir de uma verdade conhecida e chegar a uma verdade ainda não conhecida Apesar de também observarem as pectos formais os medievais jamais pensaram que o estudo da lógica consistisse exclusivamente no estudo de sistemas formais Isso implica que estudar lógica no contexto medieval não poderia depender como no caso da lógica contemporânea dos aspectos particulares de um sistema Dependeria da relação com a verdade permanente que não é dependente do ser humano mas deriva da ordem racional das coisas instituídas pela Divindade Obviamente isso não significa que todo raciocínio era ne cessariamente correto pois ainda ficava aberta a possibilidade de falha humana na identificação das premissas verdadeiras e de erro decorrente de premissas confusas e ambíguas 105 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Uma das confusões que costumeiramente podem ocorrer é entre o que é a predicação essencial de subiecto e o que é a predicação acidental in subiecto Aqui não iremos desenvolver essa temática do ponto de vista histórico nem do ponto de vista doutrinal No entanto é interessante notar que predicação era o termo medieval para designar o estudo do que é dito sobre outras coisas assunto do livro aristotélico Categorias e do que pode ser dito sobre outras coisas assunto do livro Isagoge do filósofo fenício Porfírio Vejamos agora algumas implicações e exemplos referen tes a este ponto Os medievais estavam conscientes de que há uma diferença fundamental entre o que se diz sobre as coisas do mundo e o que se diz sobre Deus Uma pessoa pode ser dita justa como quando se diz aquele homem é justo No entanto não poderia ser dito aquele homem é a Justiça Em relação a Deus porém não há distinção entre o atributo e a essência sendo assim igualmente verdadeiro dizer que Deus é justo e que Deus é a Justiça Nesse caso portanto havia uma diferença entre a predicação essencial feita de Deus e a predica ção acidental feita das coisas O que se pode dizer sobre Deus se refere a tudo o que impli ca a essência ou substância e o que se pode dizer sobre as coisas se refere ao que está nelas Tal distinção era fundamental para o desenvolvimento da teologia medieval A origem de tal distinção estava em Avicena e mais remota mente na leitura neoplatônica de Aristóteles Alain de Libera 1998 p 258259 cita o texto de Avicena para confirmar este ponto Há dois tipos de predicação uma delas é unívoca como quando dizemos que Sócrates é homem pois homem é predicado de Só crates verdadeira e univocamente a outra é denominativa assim como a brancura é predicado de homem com efeito dizse que o História da Filosofia Medieval 106 homem é branco e quetema brancura mas não é dito ser bran cura Do mesmo modo caso se diga um corpo branco e a cor branca a definição do predicado não é predicado igualmente de dois sujeitos Claramente se percebe que branco não é dito de uma pes soa particular da mesma maneira que se diz que aquela pessoa é homem Isto ocorre segundo os medievais porque na própria maneira de dizer que aquela pessoa é branca já se pressupõe que há uma diferença essencial entre sujeito e predicado Este tipo de predicação nunca poderia ser utilizado para se dizer algo de Deus pois em Deus nada há de acidental Esse é portanto mais um exemplo do estudo da linguagem feito pelos medievais que tinha implicações para a ontologia e para a teologia 6 O DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA DA RELAÇÃO ENTRE RAZÃO E FÉ Graças aos esforços dos padres gregos e latinos o cristia nismo adquiriu status de filosofia autêntica A partir daquele mo mento é possível se falar de Filosofia Cristã A patrística forneceu portanto um certificado de qualidade filosófica ao cristianismo e legou termos e concepções filosóficas que muito auxiliaram a filosofia posterior Os textos produzidos por Agostinho foram lidos e relidos pe los principais expoentes da Filosofia em todo o período posterior pelo menos até o início do século 17 EC Foi justamente pelo novo status filosófico do cristianismo que o período posterior que pode ser chamado de Escolástica latina pôde se dedicar a apresentações sistemáticas e estabele cer as bases para as grandes elaborações filosóficas de Tomás de Aquino e de João Duns Escoto Porém antes de passarmos para as filosofias mais elaboradas é necessário entender melhor o contex to cultural e educacional daquele período 107 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Uma temática da Filosofia Medieval que começou a se dese nhar na época mas que somente iria adquirir cores mais intensas nos séculos 13 e 14 EC é a da relação entre razão e fé Esta temáti ca também pode ser estudada através da relação entre as discipli nas Filosofia e Teologia Veremos nesta unidade que em consequência da divisão dos estudos e da organização das instituições de ensino foi re forçada certa noção de hierarquia entre as duas disciplinas Como veremos a Filosofia era estudada no início da educação formal e a Teologia era estudada nos estudos já aprofundados em nível su perior Há claramente uma diferença metodológica entre Filosofia e Teologia A Filosofia para atingir seus níveis mais elevados de so fisticação científica desde Aristóteles precisa encontrar os primei ros princípios e as primeiras causas Isso significa que o primeiro foco da Filosofia é o que tem prioridade na compreensão ou seja o que se descobre a priori Já a Teologia baseiase principalmente nas verdades revela das transmitidas através da tradição e confirmadas pelas autori dades religiosas Há claramente uma ênfase no que vem na se quência das verdades reveladas portanto no que se descobre a posteriori Essas diferenças foram suficientes para que alguns postulas sem que o que se descobre pela razão âmbito da Filosofia é incompatível com o que se descobre pela fé âmbito da Teologia Em contrapartida outros autores não negaram as distinções entre Filosofia e Teologia mas postularam que a verdade é una e única Segundo essa visão o resultado final do exercício filosófico é idêntico ao do exercício teológico pois ambos procuram e em última instância alcançam a verdade que é uma e a mesma Uma terceira atitude nesta questão é dizer que fé e razão não são incompatíveis nem compatíveis mas que são inteiramen História da Filosofia Medieval 108 te distintas sendo que o caminho traçado pela Filosofia é um e outro totalmente distinto é traçado pela Teologia Como vimos Agostinho já tinha inaugurado o estudo da cog nição humana em seus mais profundos componentes a fim de de senvolver as discussões de cunho teológico Da mesma maneira que nos dias atuais algumas das discussões mais instigantes e que atraem mais a curiosidade das pessoas são as ligadas à Astrono mia à Física Quântica e à Genética na Idade Média as discussões mais excitantes intelectualmente eram sobre problemas e avanços nos esforços para compreender algo sobre Deus Portanto desde Agostinho as discussões teológicas eram responsáveis pelo avanço científico de maneira similar aos avan ços da ciência que hoje advêm das pesquisas astronômicas e dos desenvolvimentos no campo da Física Quântica Não iremos desenvolver agora essa temática nem tratar de todas as implicações da relação entre Filosofia e Teologia ou entre fé e razão Contudo os autores medievais são geralmente inscritos ou no grupo dos compatibilistas os resultados conquistados pe los caminhos da razão e pelos caminhos da fé são perfeitamente compatíveis ou no grupo dos incompatibilistas os resultados do exercício filosófico e os do exercício teológico são incompatíveis e frequentemente opostos Como você verá ao longo desta unidade a posição filosofica mente mais aceita talvez tenha sido a dos compatibilistas como a de Anselmo de Cantuária A temática relativa à relação entre fé e razão é ainda extre mamente atual e o trecho a seguir extraído da encíclica Fides et ratio do Papa João Paulo II exemplifica com perfeição esse fato Conhecete a ti mesmo Introdução 1 Tanto no Oriente como no Ocidente é possível entrever um caminho que ao longo dos séculos levou a humanidade a encontrarse progressivamente com a verdade e a confrontarse com ela É um caminho que se realizou nem po 109 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média dia ser de outro modo no âmbito da autoconsciência pessoal quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo tanto mais se conhece a si mesmo na sua unicidade ao mesmo tempo que nele se torna cada vez mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência O que chega a ser objecto do nosso conhecimento tornase por isso mesmo parte da nossa vida A recomendação conhecete a ti mesmo estava esculpida no dintel do templo de Delfos para testemunhar uma verdade basilar que deve ser assumida como re gra mínima de todo o homem que deseje distinguirse no meio da criação inteira pela sua qualificação de homem ou seja enquanto conhecedor de si mesmo Aliás basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente em diversas partes da terra animadas por cul turas diferentes as questões fundamentais que caracterizam o percurso da exis tência humana Quem sou eu Donde venho e para onde vou Por que existe o mal O que é que existirá depois desta vida Estas perguntas encontramse nos escritos sagrados de Israel mas aparecem também nos Vedas e no Avestá achamolas tanto nos escritos de Confúcio e LaoTze como na pregação de Tirtankara e de Buda e assomam ainda quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles quer nos tratados filosóficos de Platão e Aris tóteles São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que desde sempre urge no coração do homem da resposta a tais perguntas depende efectivamente a orientação que se imprime à existência 2 A Igreja não é alheia nem pode sêlo a este caminho de pesquisa Desde que recebeu no Mistério Pascal o dom da verdade última sobre a vida do homem ela fezse peregrina pelas estradas do mundo para anunciar que Jesus Cristo é o caminho a verdade e a vida Jo 14 6 De entre os vários serviços que ela deve oferecer à humanidade há um cuja responsabilidade lhe cabe de modo absolutamente peculiar é a diaconia da verdade 1 Por um lado esta missão torna a comunidade crente participante do esforço comum que a humanidade realiza para alcançar a verdade 2 e por outro obrigaa a empenharse no anúncio das certezas adquiridas ciente todavia de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela verdade plena que se há de manifestar na última revelação de Deus Hoje vemos como por um espelho de maneira confusa mas então veremos face a face Hoje conheço de maneira imperfeita então conhecerei exactamente 1 Cor 13 12 3 Variados são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimen to da verdade tornando assim cada vez mais humana a sua existência De entre eles sobressai a filosofia cujo contributo específico é colocar a questão do sen tido da vida e esboçar a resposta constitui pois uma das tarefas mais nobres da humanidade O termo filosofia significa segundo a etimologia grega amor à sabedoria Efectivamente a filosofia nasceu e começou a desenvolverse quan do o homem principiou a interrogarse sobre o porquê das coisas e o seu fim Ela demonstra de diferentes modos e formas que o desejo da verdade pertence à própria natureza do homem Interrogarse sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da sua razão embora as respostas que esta aos poucos vai dando se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas onde o homem vive A grande incidência que a filosofia teve na formação e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazernos esquecer a influência que a mesma exerceu também nos modos de conceber a existência presentes no Oriente Na realidade cada povo possui a sua própria sabedoria natural que tende como autêntica riqueza das culturas a exprimirse e a maturar em formas propriamente História da Filosofia Medieval 110 filosóficas Prova da verdade de tudo isto é a existência duma forma basilar de conhecimento filosófico que perdura até aos nossos dias e que se pode consta tar nos próprios postulados em que as várias legislações nacionais e internacio nais se inspiram para regular a vida social 4 Devese assinalar porém que por detrás dum único termo se escondem sig nificados diferentes Por isso é necessária uma explicitação preliminar Impelido pelo desejo de descobrir a verdade última da existência o homem procura adqui rir aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor compreen são de si mesmo e progredir na sua realização Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita a contemplação da criação o ser humano enchese de encanto ao descobrirse incluído no mundo e relacionado com ou tros seres semelhantes com quem partilha o destino Parte daqui o caminho que o levará depois à descoberta de horizontes de conhecimentos sempre novos Sem tal assombro o homem tornarseia repetitivo e pouco a pouco incapaz de uma existência verdadeiramente pessoal A capacidade reflexiva própria do intelecto humano permite elaborar através da actividade filosófica uma forma de pensamento rigoroso e assim construir com coerência lógica entre as afirmações e coesão orgânica dos conteúdos um co nhecimento sistemático Graças a tal processo alcançaramse em contextos culturais diversos e em diferentes épocas históricas resultados que levaram à elaboração de verdadeiros sistemas de pensamento Historicamente isto gerou muitas vezes a tentação de identificar uma única corrente com o pensamento fi losófico inteiro Mas nestes casos é claro que entra em jogo uma certa soberba filosófica que pretende arvorar em leitura universal a própria perspectiva e visão imperfeita Na realidade cada sistema filosófico sempre no respeito da sua inte gridade e livre de qualquer instrumentalização deve reconhecer a prioridade do pensar filosófico de que teve origem e ao qual deve coerentemente servir Neste sentido é possível não obstante a mudança dos tempos e os progressos do saber reconhecer um núcleo de conhecimentos filosóficos cuja presença é constante na história do pensamento Pensese só como exemplo nos princí pios de nãocontradição finalidade causalidade e ainda na concepção da pes soa como sujeito livre e inteligente e na sua capacidade de conhecer Deus a verdade o bem pensese além disso em algumas normas morais fundamentais que geralmente são aceites por todos Estes e outros temas indicam que para além das correntes de pensamento existe um conjunto de conhecimentos nos quais é possível ver uma espécie de património espiritual da humanidade É como se nos encontrássemos perante uma filosofia implícita em virtude da qual cada um sente que possui estes princípios embora de forma genérica e não reflectida Estes conhecimentos precisamente porque partilhados em certa me dida por todos deveriam constituir uma espécie de ponto de referência para as diversas escolas filosóficas Quando a razão consegue intuir e formular os prin cípios primeiros e universais do ser e deles deduzir correcta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica então podese considerar uma razão recta ou como era chamada pelos antigos orthòs logos recta ratio 5 A Igreja por sua vez não pode deixar de apreciar o esforço da razão na con secução de objectivos que tornem cada vez mais digna a existência pessoal Na verdade ela vê na filosofia o caminho para conhecer verdades fundamentais relativas à existência do homem Ao mesmo tempo considera a filosofia uma aju da indispensável para aprofundar a compreensão da fé e comunicar a verdade do Evangelho a quantos não a conhecem ainda 111 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Na seqüência de iniciativas análogas dos meus Predecessores desejo também eu debruçarme sobre esta actividade peculiar da razão Façoo movido pela constatação sobretudo em nossos dias de que a busca da verdade última apa rece muitas vezes ofuscada A filosofia moderna possui sem dúvida o grande mérito de ter concentrado a sua atenção sobre o homem Partindo daí uma razão cheia de interrogativos levou por diante o seu desejo de conhecer sempre mais ampla e profundamente Desta forma foram construídos sistemas de pensamen to complexos que deram os seus frutos nos diversos âmbitos do conhecimento favorecendo o progresso da cultura e da história A antropologia a lógica as ciências da natureza a história a linguística de algum modo todo o universo do saber foi abarcado Todavia os resultados positivos alcançados não devem levar a transcurar o facto de que essa mesma razão porque ocupada a investigar de maneira unilateral o homem como objecto parece terse esquecido de que este é sempre chamado a voltarse também para uma realidade que o transcende Sem referência a esta cada um fica ao sabor do livre arbítrio e a sua condição de pes soa acaba por ser avaliada com critérios pragmáticos baseados essencialmente sobre o dado experimental na errada convicção de que tudo deve ser dominado pela técnica Foi assim que a razão sob o peso de tanto saber em vez de ex primir melhor a tensão para a verdade curvouse sobre si mesma tornandose incapaz com o passar do tempo de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser A filosofia moderna esquecendose de orientar a sua pesquisa para o ser concentrou a própria investigação sobre o conhecimento humano Em vez de se apoiar sobre a capacidade que o homem tem de conhecer a verdade preferiu sublinhar as suas limitações e condicionalismos Daí provieram várias formas de agnosticismo e relativismo que levaram a investi gação filosófica a perderse nas areias movediças dum cepticismo geral E mais recentemente ganharam relevo diversas doutrinas que tendem a desvalorizar até mesmo aquelas verdades que o homem estava certo de ter alcançado A le gítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes tratase de um dos sintomas mais difusos no contexto actual de desconfiança na verdade E esta ressalva vale também para certas concepções de vida originárias do Oriente é que negam à verdade o seu carácter exclusivo ao partirem do pressuposto de que ela se manifesta de modo igual em doutrinas diversas ou mesmo contraditó rias entre si Neste horizonte tudo fica reduzido à mera opinião Dá a impressão de um movimento ondulatório enquanto por um lado a razão filosófica conse guiu avançar pela estrada que a torna cada vez mais atenta à existência humana e às suas formas de expressão por outro tende a desenvolver considerações existenciais hermenêuticas ou lingüísticas que prescindem da questão radical relativa à verdade da vida pessoal do ser e de Deus Como conseqüência des pontaram não só em alguns filósofos mas no homem contemporâneo em geral atitudes de desconfiança generalizada quanto aos grandes recursos cognosci tivos do ser humano Com falsa modéstia contentamse de verdades parciais e provisórias deixando de tentar pôr as perguntas radicais sobre o sentido e o fundamento último da vida humana pessoal e social Em suma esmoreceu a esperança de se poder receber da filosofia respostas definitivas a tais questões 6 Credenciada pelo facto de ser depositária da revelação de Jesus Cristo a Igreja deseja reafirmar a necessidade da reflexão sobre a verdade Foi por este motivo que decidi dirigirme a vós venerados Irmãos no Episcopado com quem partilho a missão de anunciar abertamente a verdade 2 Cor 4 2 e dirigirme também aos teólogos e filósofos a quem compete o dever de investigar os diver História da Filosofia Medieval 112 sos aspectos da verdade e ainda a quantos andam à procura duma resposta para comunicar algumas reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira sabedoria a fim de que todo aquele que tiver no coração o amor por ela possa tomar a estrada certa para a alcançar e nela encontrar repouso para a sua fadiga e também satisfação espiritual Tomo esta iniciativa impelido antes de mais pela certeza de que os Bispos como assinala o Concílio Vaticano II são testemunhas da verdade divina e ca tólica 3 Por isso testemunhar a verdade é um encargo que nos foi confiado a nós os Bispos não podemos renunciar a ele sem faltar ao ministério que rece bemos Reafirmando a verdade da fé podemos restituir ao homem de hoje uma genuína confiança nas suas capacidades cognoscitivas e oferecer à filosofia um estímulo para poder recuperar e promover a sua plena dignidade Há um segundo motivo que me induz a escrever estas reflexões Na carta encí clica Veritatis splendor chamei a atenção para algumas verdades fundamentais da doutrina católica que no contexto actual correm o risco de serem deformadas ou negadas 4 Com este novo documento desejo continuar aquela reflexão concentrando a atenção precisamente sobre o tema da verdade e sobre o seu fundamento em relação com a fé De facto não se pode negar que este período de mudanças rápidas e complexas deixa sobretudo os jovens a quem pertence e de quem depende o futuro na sensação de estarem privados de pontos de referência autênticos A necessidade de um alicerce sobre o qual construir a existência pessoal e social fazse sentir de maneira premente principalmente quando se é obrigado a constatar o carácter fragmentário de propostas que ele vam o efêmero ao nível de valor iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existência Deste modo muitos arrastam a sua vida quase até a borda do precipício sem saber o que os espera Isto depende também do facto de às vezes quem era chamado por vocação a exprimir em formas cultu rais o fruto da sua reflexão ter desviado o olhar da verdade preferindo o sucesso imediato ao esforço duma paciente investigação sobre aquilo que merece ser vivido A filosofia que tem a grande responsabilidade de formar o pensamento e a cultura através do apelo perene à busca da verdade deve recuperar vigoro samente a sua vocação originária É por isso que senti a necessidade e o dever de intervir sobre este tema para que no limiar do terceiro milênio da era cristã a humanidade tome consciência mais clara dos grandes recursos que lhe foram concedidos e se empenhe com renovada coragem no cumprimento do plano de salvação no qual está inserida a sua história JOÃO PAULO II 2010 Pelo que você acabou de ler no texto da encíclica Fides et ratio fica evidente que o debate entre fé e razão não somente continua atualíssimo como também conserva muito do que foi seu impulso inicial no período medieval Se fé e razão pareceram e ainda parecem ser campos totalmente distintos tal distinção di minui consideravelmente quando se reflete sobre a Filosofia como estilo de vida como fizemos na Unidade 1 113 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Naquela unidade vimos que há inclusive inúmeras possibi lidades de comparação entre as escolas filosóficas do período he lenístico principalmente o estoicismo e o cristianismo Você verá no decorrer desta unidade que também o neoplatonismo produ ziu textos nos quais o elemento religioso é muito presente Isto sem falar de pensadores como Sócrates e Platão cuja religiosidade transparece em inúmeros pontos Tendo isto em mente não é nenhuma surpresa que na Idade Média o cristianismo tenha se preocupado em oferecer um con texto no qual fé e razão se harmonizam perfeitamente e que essa preocupação ainda esteja presente hoje A seguir trataremos do papel da autoridade na Filosofia Me dieval tema que dá continuidade às discussões abordadas nes te tópico No contexto de Filosofia Cristã as figuras centrais do cristianismo também aparecem como autoridades respeitadas do ponto de vista filosófico 7 O PAPEL DA AUTORIDADE NA FILOSOFIA MEDIE VAL Uma temática associada de certa maneira com a que aca bamos de abordar no tópico anterior é o papel da autoridade no contexto medieval Tratase na verdade de um componente bastante comum de toda a produção cultural medieval pois quase sempre as dis cussões você verá em seguida nesta unidade como as disputatio nes eram importantes no sistema de ensino da escolástica incluí am as opiniões das principais autoridades auctoritates a respeito das teses discutidas O uso que fazemos hoje do termo autoridade não cor responde ao termo auctoritas medieval Uma autoridade no sen tido moderno pode impor suas opiniões e obrigar a obediência das pessoas que lhe são subalternas que por medo ou respeito História da Filosofia Medieval 114 aceitam tais imposições Mas dificilmente uma discussão acadê mica nos dias de hoje seria resolvida tendo como base principal as opiniões de pessoas que faleceram quatrocentos anos atrás por mais que aquelas pessoas tenham sido autoridades respeitadas em seus dias As auctoritates medievais tampouco eram encaradas como impositoras de vontades que deveriam ser obedecidas e não ques tionadas Claro que eram pontos de referência em temas nos quais tinham alcançado excelência Mas sem um caráter impositivo as auctoritates propiciavam o alimento essencial para aprofundar e desenvolver as discussões e chegar ao nível mais elevado e com petente da abordagem de um tema Você pode pensar que tal método de aprofundamento é um pouco estranho Mas pense no fato de que para correr mais rá pido e com mais eficiência sempre é melhor utilizar calçados e rou pas apropriados Todos são livres para correr com pés descalços e roupas pesadas mas quem quiser ter um melhor desempenho vai procurar os meios mais adequados Pois bem Os medievais tinham a convicção de que as Escri turas forneciam a verdade mais completa Portanto não é de se admirar que nas discussões medievais as Escrituras desempenhas sem um papel tão importante O mesmo valia para os grandes filósofos e teólogos da épo ca Uma vez que tinham suas auctoritates confirmadas passavam a figurar entre as opiniões verdadeiras a serem inseridas nas dis cussões todas as vezes que isso pudesse ajudar a alcançar a verda de mais elevada Esse movimento epistemológico utilizado pe los medievais é claramente representado pela famosa afirmação de Bernardo de Chartres apud NASCIMENTO 1992 p 910 que você já viu na Unidade 1 mas que convém relembrar Somos anões elevados nos ombros de gigantes Assim vemos me lhor e mais longe do que eles não porque nossa vista seja mais aguda ou a nossa estatura mais alta mas porque eles nos elevam até o nível de toda a sua gigantesca altura 115 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Com a ascensão das ordens e instituições religiosas no Oci dente no século 11 EC a preocupação com a ortodoxia incentivou o costume cada vez mais frequente de referirse aos pronuncia mentos das pessoas à frente daquelas ordens e instituições como palavra final como a confirmação da verdade Nesse contexto o caso mais emblemático é a autoridade papal que até hoje desfru ta de prestígio Nesse aspecto os medievais eram coerentes com sua visão hierárquica da realidade Na visão de mundo medieval todo o uni verso estava organizado e ordenado Mesmo as elucubrações apa rentemente mais deslocadas da realidade como a discussão da hierarquia celeste feita por Tomás de Aquino estavam em perfeita sintonia com o ambiente cultural medieval Conhecendo esse contexto podemos entender melhor a preocupação com o que se pode saber sobre Deus pois Deus está no topo da hierarquia e tudo o que se pudesse saber sobre Ele certamente iluminaria e explicaria melhor todas as coisas que es tavam mais abaixo dEle ou seja todo o restante do universo O mesmo se pode dizer sobre as auctoritates pois estando acima e portanto mais próximas do topo propiciavam a base para as investigações que procuravam alcançar os níveis mais elevados e as verdades mais completas Contudo representar os medievais como homens preocupa dos em apenas repetir o que tinha sido dito no passado como pes soas que evitavam contrariar opiniões préestabelecidas é uma postura totalmente incorreta A Patrística e a Escolástica repre sentaram momentos de muita vitalidade cultural e de profundo e sincero esforço por descobrir a verdade Você verá no próximo tópico como o surgimento das universidades é prova evidente de honestidade intelectual História da Filosofia Medieval 116 8 O AMBIENTE CULTURAL DAS PRIMEIRAS UNIVER SIDADES Já podemos notar a redescoberta do interesse pelo ambien te cultural e educacional medieval e das consequências que ain da hoje o legado das instituições medievais tem para a educação e a cultura atual em Hastings Rashdall no final do século 19 EC Rashdall escreveu que as instituições que se originaram no perí odo medieval têm papel importante e perene para a história da humanidade As instituições que a Idade Média nos legou são de um valor maior e mais imperecível do que suas catedrais E a universidade é ni tidamente uma instituição medieval tanto quanto a monarquia constitucional ou os parlamentos ou o julgamento por meio do júri As universidades e os produtos imediatos das suas atividades pode ser afirmado constituem a grande realização da Idade Média na esfera intelectual Sua organização suas tradições seus estudos e seus exercícios influenciaram o progresso e o desenvolvimento intelectual da Europa mais poderosamente ou talvez deveria ser dito mais exclusivamente do que qualquer escola com toda a pro babilidade jamais fará novamente RASHDALL apud OLIVEIRA 2010 p 1824 A prosperidade econômica dos séculos 11 e 12 EC visível pelo surgimento de cidades e pela especialização do trabalho ti veram também importantes consequências para o mundo do sa ber A educação formal não estava mais confinada aos monasté rios e escolas religiosas e viu nascer um novo grupo de intelectu ais profissionais com novas aspirações Aqueles homens não esta vam mais satisfeitos com o ideal cristão de sabedoria e aspiravam ao domínio da educação humana como um todo Puseramse com afinco na busca incessante de recuperação da herança intelectual da Antiguidade Novamente vale a pena ler o que Rashdall escreveu a respei to desta temática 117 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média A universidade não menos do que a Igreja Romana e a hierar quia feudal encabeçada pelo Imperador Romano representa uma tentativa de concretizar um ideal de vida em um dos seus aspectos Ideais convertemse em grandes forças históricas pela sua corpo rificação em instituições O poder de corporificar seus ideais era o gênio peculiar do pensamento medieval assim como seu defeito mais evidente assentase na correspondente tendência para ma terializálos Nossa atenção estará voltada em sua maior parte confinada às primeiras e típicas universidades quando nós com paramos Bolonha com Paris e Paris com Oxford e Praga verificamos que as universidades de todos os países e de todas as épocas são na realidade adaptações sob várias condições de uma e mesma instituição apud OLIVEIRA 2010 p 1825 Mesmo nos movimentos mais iniciais da Idade Média era possível notar um afluxo para os centros eclesiais Principalmente para as escolas catedrais que ao longo de todo o período medieval forneceram o apoio financeiro essencial ao ensino Os professorespesquisadores que trabalhavam naquelas instituições desfrutavam de privilégios iguais aos do clero mes mo não sendo obrigados a ascender a graus mais elevados do sa cramento da Ordem Não eram portanto obrigados a se tornar diáconos presbíteros ou bispos Na verdade para eles o status clerical muitas vezes era o mais eficaz meio de proteção contra as autoridades locais em regiões frequentemente hostis e por vezes até brutais O panorama que acabamos de apresentar é bem apropria do para descrever a parte central da França embora também seja aplicável à descrição de outras regiões de características similares Naquele contexto as escolas surgiam e entravam em declínio em um curto período As escolas mais famosas eram Laon Rheims Metun e Chartres O sucesso súbito de uma escola quase sempre era ligado à presen ça de um professor afamado Por outro lado em relação a Paris é possível falar de florescimento contínuo das escolas sendo que os mais famosos professores das outras escolas francesas ensinaram naquela cidade em algum momento de suas carreiras A preocupa História da Filosofia Medieval 118 ção com o currículo e com o sucesso do ensino era cotidiana para os professores A situação do ensino no norte da Itália era consideravelmen te distinta pois escolas seculares sempre estiveram presentes ali e enfatizavam mais o estudo de Direito não as artes liberais ou a Teologia Portanto os problemas do norte da Itália eram em gran de medida diferentes Porém foi justamente o ambiente hostil que existia por lá que forçou os estudantes a se organizarem Visto que durante os séculos 12 e 13 EC cresceu exponen cialmente o número de estudantes e professores na França In glaterra norte da Espanha e norte da Itália houve também uma busca crescente por privilégios e por uma melhor organização dos estudos principalmente no tocante à concessão e ao controle das licenças para ensinar Os professores começaram a se organizar em corporações seguindo práticas comuns às organizações medievais Assim as úl timas décadas do século 12 EC viram o surgimento de universida des que figuram entre as criações medievais mais perenes Assim surgiram as universidades de Paris Bologna Oxford e Coimbra O nível de organização e de seleção dos estudantes das uni versidades nos séculos seguintes era muito heterogêneo pois de pendia do apoio financeiro disponível e da qualidade dos profes sores Nas universidades menores havia uma dependência muito maior em relação às autoridades locais do que nas maiores Algumas universidades ofereciam um ensino eminentemen te técnico para pessoas que apenas desejavam obter competências básicas para uma carreira na administração civil ou eclesiástica Desde o século 12 EC as escolas já tinham uma tendência para se especializar em determinada área Assim Paris era mais voltada para o estudo de artes liberais e Teologia ao passo que Bolonha se dedicava mais a Direito Civil e Direito Canônico Con tudo os currículos não eram rigidamente definidos e se alteravam 119 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média ao longo do tempo sobretudo em razão do surgimento de novos materiais de estudo e de alterações de interesse por parte dos pro fessores As divisões básicas do currículo estavam ligadas ao contexto das diversas faculdades A primeira e mais fundamental era volta da para as sete artes liberais ou seja as três artes da linguagem gramática retórica e dialética e as quatro artes matemáticas geometria aritmética astronomia e música Eram na verdade os estudos filosóficos Em geral os estudantes de Artes tinham entre 15 e 21 anos de idade Apesar de não haver nenhum exame de admissão o fato de as aulas serem ministradas em Latim e possivelmente até em Grego restringia bastante o número dos que estavam aptos a fre quentar o curso de Artes Somado a isto havia o fato de que a continuação dos es tudos implicava gastos vultosos É fácil entender por que apenas um pequeno número concluía o curso de Artes e seguia para os estudos mais aprofundados de Teologia Direito ou Medicina visto que originalmente a formação em artes era prérequisito para as faculdades superiores Dentre as faculdades superiores a de Direito tendia a rece ber mais alunos pois grande parte dos estudantes de artes ambi cionava fazer carreira na administração civil ou eclesiástica A carreira de Teologia trazia uma grande carga teórica que envolvia um conhecimento altamente especializado Como era a única das três a continuar exigindo de maneira explícita a forma ção em Artes não é de se estranhar que de um longo período da História sobretudo o período medieval as mais sofisticadas discussões filosóficas que chegaram até nós provenham de obras de Teologia É claro que o maior volume de textos medievais acessíveis hoje foi essencialmente material utilizado no âmbito do curso de História da Filosofia Medieval 120 Artes Contudo boa parte deste material não desperta grande in teresse filosófico nos dias atuais ainda que vez ou outra se encon tre material de excelente qualidade entre os textos de aula Muitas vezes isso ocorre com materiais de Lógica Gramática e Astrono mia Portanto o curso de Artes era fundamental Principalmente os primeiros anos que proporcionavam aos alunos a aquisição da competência em Gramática e Lógica as chaves para compreen der a Filosofia Medieval Essas disciplinas forneciam para o uso da língua latina competência linguística e vocabular altamente técni ca e precisa O fato de que o material disponível para a reconstrução da vida intelectual na Idade Média ser composto de tantos escritos pode fazer com que nos esqueçamos de que em enorme medi da o ensino universitário naquele período era oral A causa de tal fato é evidente os livros eram muito raros em consequência da dificuldade de produzir manuscritos e do alto custo envolvido no processo A centralização da produção de livros certamente contribuiu para uma maior disseminação dos textos e para uma redução sig nificativa no preço de cada exemplar Contudo as bibliotecas pri vadas permaneceram raras no período Este quadro só foi alterado com o advento da impressão As bibliotecas das escolas melhoraram significativamente a partir do final do século 13 EC Porém o acesso aos textos era qua se sempre restrito aos alunos das faculdades superiores Portanto a preponderância do ensino oral era algo previsí vel principalmente para os estudantes mais jovens Essa necessi dade porém foi se tornando uma virtude à medida que foi se dis seminando a crença de que se aprende muito mais rápido e com mais proveito por meio do método oral 121 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Em função disso é mais fácil compreender por que os textos medievais que temos hoje estão tão corruptos a transmissão oral não primava pela exatidão literal Além disso percebemos que os estudantes medievais tinham um grande número de fórmulas ci tações modelos de argumentos e de movimentos padrão todos calcados em suas memórias Os estudantes não utilizavam textos como fontes mas como ferramentas para auxiliálos a recordar o que já tinham memori zado Ou seja eram uma fonte útil de argumentos ou distinções e não uma ferramenta para reconstruir o pensamento de algum filósofo em particular Tal quadro foi sendo mudado muito lentamente com o aces so mais generalizado aos textos No século 14 EC nos comentários às Sentenças de Pedro Lombardo já se encontram argumentações muito complexas com citações exatas de autores da época o que só terá sido possível com a consulta direta e minuciosa de textos escritos 9 TEXTOS E FORMAS DE ENSINO UNIVERSITÁRIO O ponto chave de qualquer curso universitário era o manual conhecido como littera A pesquisa e o ensino tinham obrigato riamente que explicar a littera mostrando sua estrutura e conte údo provando sua consistência interna e harmonizando qualquer contradição aparente seja dentro da própria littera seja entre ela e alguma autoridade Os manuais litterae determinavam a estru tura dos cursos universitários As aulas eram conhecidas como lectio plural lectiones e eram divididas em ordinárias extraordinárias e correntes As or dinárias baseadas na littera da disciplina eram repetidas regular mente A lectio extraordinária podia ser também baseada em um material diferente do manual daquela disciplina A lectio corrente era uma curta recensão dos problemas principais ligados a deter minado texto padrão História da Filosofia Medieval 122 No século 13 EC as principais tarefas de um mestre em Te ologia eram a lectio a pregação e a disputatio As disputationes plural de disputatio aconteciam com muita frequência às vezes uma vez por semana e eram parte integrante do currículo escolar Ainda assim eram menos frequentes que as lectiones porém não menos importantes As disputationes deram origem aos textos chamados em Fi losofia Medieval de quaestiones disputatae que são fonte riquíssi ma para o estudo da filosofia daquele período Na metade do século 13 EC a disputatio ocorria da seguinte maneira no primeiro dia o mestre os bacharéis da faculdade e os alunos se reuniam O mestre então fazia uma breve introdução e apontava um de seus bacharéis para receber e refutar os argumen tos apresentados pela audiência contra sua mestre O bacharel escolhido tratava das principais questões refe rentes à tese do mestre quando necessário recebia alguma ajuda do próprio mestre A duração dessa primeira seção da disputatio podia chegar a três horas No próximo dia disponível todos se reu niam novamente O mestre resumia os argumentos pró e contra e dava sua solução determinatio para a questão proposta Duas vezes por ano no advento e na primavera havia as chamadas disputationes quodlibetales literalmente disputas so bre quaisquer questões Recebiam esse nome porque podiam abordar qualquer tema e ser iniciadas por qualquer pessoa da as sembleia Se por um lado os estudiosos da filosofia medieval unani memente apontam para o fato de que a disputatio era o mais de senvolvido e importante traço do método escolástico por outro permanecem muitas dúvidas sobre as pressuposições e antece dentes históricos da disputatio Não há dúvidas de que a disputatio concretiza de maneira excelente o procedimento dialético descrito por Aristóteles apre 123 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média sentação do problema chamado por Aristóteles de aporia em que se estabelecem as opiniões conflitantes dos filósofos chama dos de endoxa e phainomena resolução das dificuldades refor mulação da opinião de maneira abrangente A dificuldade de se atribuir a origem e a estrutura da dispu tatio diretamente a Aristóteles reside no fato de que ela já esta va em pleno vigor mesmo antes que os textos de Aristóteles que descrevem com detalhes esse processo fossem redescobertos no Ocidente cristão O primeiro testemunho escrito da disputatio me dieval está presente no texto autobiográfico de Pedro Abelardo Sic et non 10 BOÉCIO E AS TRADUÇÕES DOS FILÓSOFOS CLÁS SICOS PARA O LATIM Biografia Anício Mânlio Severino Boécio da velha estirpe dos Anícios nasceu em 470 Sob Teodorico foi investido em altas funções administrativas é cônsul e magister palatii Dando crédito a uma intriga política o rei mandou executálo cruelmente em Pavia em 525 depois de ter sofrido uma longa prisão Boécio queria traduzir em latim todas as obras de Platão e ARISTÓTELES Adaptado de HIRSCHBERGER 2009 Como foi visto na Unidade 1 não há como compreender a relação entre o Cristianismo e a Filosofia sem fazer referência clara e direta ao contexto filosófico da Antiguidade filosófica clássica E a figura de Boécio 470525 EC é emblemática neste sentido pois não somente ele foi cronologicamente o último dos romanos como também em grande medida foi o primeiro dos escolásticos latinos Figura 1 Boécio História da Filosofia Medieval 124 Com relação à filosofia no ambiente cultural romano é clara a importância do trabalho do filósofo cristão de inspiração neopla tônica Anício Manlio Severino Boécio 470525 EC Os principais acontecimentos de sua vida excepcional foram sua condenação à morte e sua decisão de escrever uma obra chamada Consolação da Filosofia Boécio nasceu em uma família romana e teve formação esmerada adquirindo inclusive profundo conhecimento do Grego e da Filosofia Clássica Desde cedo ele se envolveu em política durante o tempo em que Roma era governada pelos ostrogodos a partir da cidade de Ravena Podese dizer que Boécio é o principal representante dessa socie dade romana e de sua cultura porém um representante relativa mente mais refinado Manifestava como se sabe a consciência da missão urgente de manter viva essa tradição sobretudo porque constatava o atraso da cultura latina comparada à do oriente gre go O mundo latino não tinha ainda adquirido a possibilidade de um estudo sério científico da filosofia que parece ser o apanágio dos gregos Eis para onde tendem os escritos de Boécio o auxílio que eles devem fornecer Enquanto cônsul enfatiza que o dever de assegurar a instrução pública é um dos deveres dos quais ele foi investido e aos quais pretende permanecer fiel SAVIAN FILHO 2005 p 2829 Embora tenha tido uma vida curta e tenha galgado uma po sição que equivalia ao cargo de primeiro ministro seu sucesso pro fissional terminou em grande tragédia foi condenado por traição Na prisão antes da execução teve tempo para escrever Consola ção da Filosofia uma obra que figura com justiça entre as obras primas da literatura latina A decisão de dedicar o pouco tempo de vida que lhe restava a discutir a providência divina e a verdadeira felicidade evidencia que ele concebia a Filosofia como um estilo de vida pois estava disposto a enfrentar toda e qualquer dificuldade de maneira altiva e corajosa Como vimos na Unidade 1 o estoicismo e o cristianis mo tinham posições semelhantes em relação a qual seria a atitu de mais adequada para enfrentar as dificuldades da vida Boécio certamente bebeu nessas duas fontes o estoicismo romano e o cristianismo 125 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média A atividade política de Boécio não o desviou nunca da filosofia de cujo valor cultural ele claramente se apercebeu O seu objetivo pa rece ter sido colocar ao serviço da jovem civilização que desabro chava no reino gótico os tesouros da sabedoria grega que pudera conhecer em Atenas Tinha querido traduzir para o latim tudo o que conhecia de Aristóteles e sem dúvida de Platão e do platonismo Por isso o papel de Boécio foi capital como veículo da filoso fia grega e sobretudo da lógica de Aristóteles Transmitiu também idéias estóicas neoplatônicas e agostinianas A sua influência foi profunda durante toda a Idade Média foi o verdadeiro educador do Ocidente STEENBERGHEN 1984 p 5455 Boécio também pode ser inserido no contexto do escolasti cismo latino pois seus esforços para explicar e comentar os textos de Platão e Aristóteles traduzindoos do Grego para o Latim são idênticos aos esforços feitos por tantos outros escolásticos de pe ríodos posteriores Os escolásticos vivem numa extraordinária confiança na razão para penetrar nas profundezas do mistério Para eles a fé não é um caris ma extraordinário cuja transcendência se situe fora da maneira de pensar É antes a encarnação da verdade divina em nosso espírito A fé tende à busca de razões de sua esperança procurar formular estudar e resolver os problemas de maneira racional no âmbito do mistério A fé fornece a verdade divina que permite usar a razão sem equívoco ZILLES 1996 p 57 61 Como veremos na Unidade 3 as contribuições dos filósofos árabes e judeus e de Alberto Magno Tomás de Aquino e tantos outros ocorreram no contexto da correta compreensão do pensa mento filosófico clássico e da produção de traduções e comentá rios que bem explicassem tal pensamento Boécio é chamado o último romano e o primeiro escolástico Ex primese assim muito acertadamente o seu papel de intermediá rio Ele próprio aliás esteve plenamente consciente dessa tarefa Compenetrado em sua missão de transmissor de um patrimônio cultural fadado ao declínio quis servir de educador daqueles po vos ainda jovens e robustos que ignorantes do idioma grego não tinham acesso para as obras de Aristóteles e os diálogos de Platão Alentava ademais o generoso ideal de reunir numa síntese com preensiva as doutrinas de Aristóteles e Platão Seu propósito era traduzir para o latim todas as obras deles e na base de uma série de comentários demonstrar o acordo substancial entre os dois fi lósofos Basta relancear a obra de Boécio para darmos conta do História da Filosofia Medieval 126 quanto pôde realizar e de quão longe a realidade dista do seu gran dioso ideal BOEHNER GILSON 1970 p 210 A obra de Boécio foi fundamental para a transmissão da lógi ca aristotélica aos séculos posteriores pois tudo o que se conhecia a respeito desse assunto no Ocidente cristão até o século 12 EC eram as traduções das duas primeiras obras do Organon isto é Categorias e De interpretatione Além disso os termos técnicos latinos cunhados por Boécio foram as peçaschave para os desen volvimentos posteriores em Lógica e em Metafísica Reflitamos será que vale a pena nos determos um pouco mais neste pensador Para responder a esta questão convém ob servar o que significou Boécio para o mundo ocidental Para a apresentação que se segue a obra de referência con tinua sendo a de Étienne Gilson sobretudo A filosofia na idade média cuja leitura recomendamos vivamente Os elementos que serão destacados nesta seção se baseiam na apresentação feita por Gilson No contexto da História da Filosofia alguns elementos que a tradição associa a determinados pensadores têm de passar pelo crivo de uma análise criteriosa e radical Por exemplo suponha mos que alguém resolvesse questionar o caráter cristão da obra de Boécio Em primeiro lugar aqui cabe uma explicação a tradição sem pre associou Boécio com a figura de um pensador cristão mas se ele de fato o era é de se supor que alguma parte de sua obra demonstre inequivocamente a sua adesão ao cristianismo Essa prova cabal do cristianismo de Boécio se encontra em sua obra Opuscula sacra que consiste em um conjunto de escritos tradicio nalmente atribuídos a ele Note que esses eram porém os úni cos de seus escritos cujo conteúdo cristão é indiscutível Se por alguma razão forem iden tificados sinais fortes e coerentes de que se trata de obra de outro 127 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média autor e não de Boécio isso nos deixaria sem outros textos para estabelecer se Boécio realmente foi se não um mártir ao menos um autor cristão Com o tempo no entanto acrescentouse uma informação que teve caráter decisivo para esta questão foi descoberto por Holder em 1877 um fragmento de Cassiodoro que atribui a Boé cio um Librum de sancta Trinitate et capita quaedam dogmática Isso parece ter posto fim à dúvida sobre a orientação cris tã de Boécio e decidido a questão em favor da autenticidade das Opuscula A este respeito ver o interessante texto de Jean Lauand disponível no tópico EReferências Todavia a respeito de Boécio não interessa apenas saber se era um autêntico pensador cristão Sobretudo interessa saber so bre quais foram as obras que produziu Ele escreveu sobre um con siderável conjunto de temas e em todos os aspectos da Filosofia que ele abordou sua influência na Idade Média foi enorme Entretanto sua autoridade foi mais difundida no terreno da Lógica Devese a ele um primeiro comentário sobre a Introdu ção Isagoge de Porfírio traduzida em latim por Mário Vitorino e um segundo comentário sobre a mesma obra porém acrescido de uma tradução mais adequada produzida por ele mesmo uma tradução e um comentário da obra Categorias de Aristóteles uma tradução e dois comentários da obra De interpretatione um para principiantes outro para leitores já mais avançados as traduções de Primeiros Analíticos Segundos Analíticos Argumentos sofísti cos e Tópicos de Aristóteles Depois uma série de tratados de lógica a Introductio ad categoricos syllogismos b De syllogismo categorico c De syllogismo hypothetico d De divisione e De differentis topicis f Enfim um comentário sobre os Tópicos de Cícero que chegou incompleto até nós História da Filosofia Medieval 128 Podese dizer que pelo conjunto desses tratados Boécio foi a grande referência no campo da Lógica da Idade Média Até o momento em que no século 13 EC o Organon completo de Aristó teles isto é as seis obras lógicas escritas por ele e que seus edito res agruparam logo no início das edições completas foi traduzido para o latim e diretamente comentado A própria obra lógica de Boécio será objeto de uma desco berta progressiva Desde Alcuíno até meados do século 12 EC en contrarseia aos poucos o grupo de escritos que mais tarde seria cha mado de Logica vetus O Heptateuchon de Teodorico de Char tres contém quase todos esses escritos e podemos ver o lugar que nele ocupa Boécio a Porfírio Introdução b Aristóteles Categorias De interpretatione Primeiros Analíticos Tópicos Sophistici elenchi c PseudoApuleio De interpretatione d Mário Vitorino De definitionibus e Boécio Introductio ad categoricos syllogismos De syllo gismo categorico De syllogismo hypothetico De topicis differentiis f Cícero Tópicos A influência de Boécio nos séculos 11 e 12 EC pode ser con firmada pelo fato de que os escritos de lógica de Abelardo talvez o mais famoso e mais controverso autor daquele período eram basicamente uma série de comentários sobre os comentários de Boécio que Abelardo conheceu pessoalmente Os Segundos Analíticos de Aristóteles até então ausentes no Ocidente seriam agregados à lista das obras lógicas de leitura obrigatória ao longo do século 12 EC O resultado da redescoberta das obras aristotélicas perdidas e dos comentários de Boécio ain da desconhecidos no Ocidente foi que a lista revisada constituiu o que se convencionou chamar Lógica nova 129 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Mas por que Boécio foi tão influente Será que é apenas um efeito do acaso O próprio Boécio chama para si esse papel de intermediário entre a Filosofia Grega e o mundo latino Sua inten ção inicial era traduzir todos os tratados de Aristóteles todos os diálogos de Platão e demonstrar por comentários a concordância fundamental das duas doutrinas Boécio só conseguiu cumprir efetivamente uma pequeníssi ma parte de seu ambicioso projeto mas o valor de sua obra para o Ocidente não é menos impressionante Ele legou às gerações pos teriores uma obra rica e suficientemente representativa para que sua abordagem sistemática seja sentida com clareza Tudo indica que os pontos principais que ele quis comunicar foram preserva dos e incorporados à cultura filosófica da posteridade Além de um tratado sobre os sentidos da vida humana e da cultura na excelente obra De consolatione pbilosophiae Boécio deu de presente à Idade Média a imagem alegórica da Filosofia que aparece em estátuas ou nas fachadas de algumas igrejas Tam bém naquela obra Boécio forneceu uma definição de Filosofia e uma taxonomia das ciências que lhe são subsidiárias A filosofia é descrita como o amor à Sabedoria Muito além de uma simples habilidade prática ou mesmo de algum tipo de conhe cimento especulativo abstrato ela tem um caráter de presença real A Sabedoria é o pensamento que pensa a si cuja atividade põe em movimento todas as suas partes mas que não depende daquelas outras coisas para que possa existir Ela basta a si mesma A Sabedoria é também a fonte luminosa que torna o pensa mento humano claro e lhe transmite uma finalidade última ins pirandoo a buscála Assim a Filosofia ou o amor à Sabedoria não apenas é entendida como a busca da Sabedoria mas pode com justiça significar igualmente a busca de Deus ou o amor a Deus Em sua totalidade a Filosofia é constituída por duas partes uma teórica ou especulativa e outra ativa ou prática O primeiro História da Filosofia Medieval 130 componente ou seja a Filosofia especulativa ramificase em tan tas ciências quantas são as classes a estudar Há três tipos de objetos de conhecimento verdadeiro os intelectíveis os inteligíveis e os naturais Com o termo intelectí veis que já se encontra em Mário Vitorino Boécio referese aos seres que existem ou deveriam existir fora da matéria Deus e os anjos e talvez também as almas separadas de seus corpos Por outro lado os inteligí veis são seres concebíveis pelo pensamento puro mas que se encontram em corpos São as almas enquanto estão unidas a seus respectivos corpos Ou seja toma das isoladamente as almas são intelectíveis porém quando ain da estão ligadas aos corpos são inteligíveis A área do saber que tem como objeto o intelectível é a Te ologia Boécio não especifica qual seria o termo para se referir à ciência do inteligível mas em sintonia com o pensamento dele bem se poderia chamála de psicologia filosófica ou como ou tras tradições escolheram ideias psicológicas O terceiro tipo de objeto são os corpos naturais cuja ciência é a fisiologia ou co mo hoje ainda se diz a física Designando com um só nome o conjunto das disciplinas que a compõem Boécio chama de quadrivium o grupo de quatro ciências que cobre o es tudo da Natureza Aritmética Astronomia Geometria e Música Para Boécio tratase de nada mais do que do quádruplo caminho para a Sabedoria Essas ciências são de fato os caminhos que a Sabedoria per corre e quem os ignorasse não poderia preten der ser alguém que ama a Sabedoria Como a filosofia teórica se divide de acordo com os objetos a conhecer assim a filosofia prática se divide de acordo com os atos a consumar Ela compreende três partes a que fornece as balizas para que saibamos como nos conduzirmos sozinhos pela aquisição das virtudes a que orienta como tornar o Estado adequado para que 131 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média as virtudes prudência justiça força e temperança possam reinar e por fim a que trata da economia doméstica ou seja da ad ministração da vida em família A essas quatro partes da Filosofia se somam três outras disciplinas cujo conjunto forma o trivium a Gramática a Re tórica e a Lógica Tais disciplinas não estão priorita riamente voltadas para o aspecto gnosiológico mas para efetivá las Todavia este último ponto não é muito claro no caso da lógi ca Há na lógica um componente de techné Arte no sentido gre go ou seja Boécio interrogase se deve abordála como parte da Filosofia ou como um instrumento a serviço dela As duas teses pare cemlhe complementares no sentido de que discernir o falso e o verossímil do verdadeiro é uma techné Nesse aspecto a Lógica está inserida na Filosofia como um componente essencial Todavia cada uma das outras partes da Fi losofia também necessitam de um instrumental para exercer exa tamente a função da Lógica Nesse sentido a Lógica serve a todas as outras partes da Filosofia da mesma maneira que os membros inferiores são partes do corpo como um todo e ao mesmo tempo servem aos objetivos de outras partes do corpo no que concerne ao deslocamento no espaço A obra lógica de Boécio é por um lado um grande comen tário à lógica do Estagirita e por outro é um esforço enorme de interpretação desta tendo como pano de fundo a harmonia entre esta e as teses centrais da Filosofia neoplatônica Não é por acaso que Porfírio está fortemente presente como influência na obra de Boécio Essa informação é necessária para compreendermos o porquê das reações viscerais contrárias às po sições de Boécio sobre o objeto da lógica de Aristóteles no século 12 EC Como Boécio se tornou leitura obrigatória para todos os que queriam comentar o Órganon a partir daquele período os que retinham as doutrinas aristotélicas de Boécio concordavam intei ramente com ele História da Filosofia Medieval 132 Em contrapartida os que identificavam os elementos neo platônicos discordavam veementemente de Boécio Aqui você não deve se esquecer da grande controvérsia em torno dos universais e do que o neoplatonismo de Boécio significava em tal contexto Voltaremos ao Problema dos Universais na Unidade 3 Po rém adiantemos que este problema representou para os medie vais mais uma oportunidade do que uma obsessão Ou seja alguns tendem a ver na Filosofia Medieval uma preocupação excessiva com os universais mas parece muito mais adequado descobrir nas discussões frequentes e na versão que os autores medievais nos legaram delas as posições metafísicas que as motivaram Os medievais não estavam excessivamente fascinados pelos universais aproveitaram as discussões para exercitar a compre ensão que tinham das questões mais importantes suscitadas pela interpretação de Platão e pela harmonia ou oposição desta com a interpretação de Aristóteles Em relação a esse ponto vale a pena relembrar as palavras de Étienne Gilson Considerase com razão como ponto de partida da controvérsia uma passagem de seu Isagoge Introdução às Categorias de Aris tóteles em que depois de haver anuncia do que seu estudo teria por objeto os gêneros e as espécies o platônico Porfírio acrescenta que deixa para mais tarde a decisão sobre se os gêneros e as espé cies são realidades subsistentes em si ou simples concepções do espírito ade mais supondose que sejam realidades ele se recusa en quanto isso a dizer se são corpóreos ou incorpóreos en fim su pondo que sejam incorpóreos ele declina de exami nar se existem à parte das coisas sensíveis ou somente uni dos a elas Como bom professor Porfírio simplesmente evitava colocar problemas de alta metafísica no início de um tratado de lógica escrito para principian tes As questões cuja discussão evitava formavam não obstante um magnífico programa bem tentador para homens que se encon trarão assim intimados a escolher entre Platão e Aristóteles sem ter à sua disposição pelo menos até o século XIII nem Aristóteles nem Platão Ora o fato é que o próprio Boécio não imitou a discri ção de Porfírio e que em seu desejo de conciliar Platão e Aristóte les propôs as duas soluções 2006 p 163164 Logo em seguida Gilson 2006 p 164 fala do papel de Boé cio nestas discussões 133 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Em seus dois comentários sobre a Introdução às Cate gorias de Aris tóteles é naturalmente a resposta de Aristóte les que prevalece Boécio demonstra em primeiro lugar a impossibilidade de as idéias gerais serem substâncias A tí tulo de exemplo tomemos a idéia do gênero animal e a da espécie homem Os gêneros e as espécies são por de finição comuns a grupos de indivíduos ora o que é co mum a vários indivíduos não pode ser um indivíduo Isso é ainda mais impossível porque o gênero por exemplo per tence inteira mente à espécie um homem possui inteira mente a animalidade o que seria impossível se sendo ele mesmo um ser o gênero devesse dividirse entre suas di versas participações Mas suponhamos ao contrário que os gêneros e as espécies representados por nossas idéias gerais universais não sejam mais que simples noções do es pírito Em outras palavras suponhamos que absolutamente nada corresponda na realidade às idéias que temos deles nessa segun da hipótese nosso pensamento não pensa nada pensandoas Mas um pensamento sem objeto é tãosó um pensamento de nada não é sequer um pensamento Se to do pensamento digno desse nome tem um objeto é preciso que os universais sejam pensamentos de alguma coisa de modo que o problema de sua natureza recomeça imediata mente a se colocar Na maioria das vezes a grande controvérsia encontrase as sociada ao tipo de questão que Porfírio não quis enfrentar direta mente Isto é a algo que Boécio e muitos outros filósofos antes dele prioritariamente em língua grega e depois dele prioritaria mente em língua latina consideraram uma oportunidade muito boa para ser desperdiçada A oportunidade era a de se posicionar com relação às duas grande tradições filosóficas a de Platão e a de Aristóteles Boécio apesar de ser neoplatônico em muitos aspectos curiosamente op tou pela posição de um comentador antigo que não era neoplatô nico Novamente compensa ler o comentário de Gilson Em presença desse dilema Boécio adere a uma solu ção que toma de Alexandre de Afrodísia Os sentidos nos comunicam as coisas no estado de confusão ou pelo me nos de composição nosso es pírito animus que desfruta do poder de dissociar e de recompor esses dados pode dis tinguir nos corpos para considerálas à parte propriedades que só se encontram neles em estado de mistura Os gêne ros e as espécies estão nesse caso Ou o espírito os desco bre em seres incorpóreos e nesse caso achaos abstratos ou encontra os em seres corpóreos e nesse caso extrai dos corpos o que eles História da Filosofia Medieval 134 contêm de incorpóreo para considerálo à parte como forma nua e pura É o que fazemos tirando dos indivíduos concretos dados na experiência as noções abstratas de homem e de animal Objetar seá talvez que isso ainda é pensar o que não é mas a objeção seria frívola pois não há erro em distinguir pelo pensamento o que é unido na realidade contanto que se saiba que o que se dis tingue assim pelo pensamento é unido na realidade Nada mais legítimo do que pensar a linha à parte da superfície embora se saiba que só existem corpos sólidos O erro seria pensar como conjuntas coisas que não o são na realidade um busto de homem e a anca de um cavalo por exemplo Nada veda pois que se pensem à parte os gêneros e as es pécies embora eles não existam à parte É essa a solução do problema dos universais subsistunt ergo circa sensibi lia intelliguntur autem praeter corpora eles subsistem em liga ção com as coisas sensíveis mas os conhecemos à parte dos corpos Portanto Boécio transmitiu à Idade Média mais que uma simples colocação do problema dos universais e a so lução que propunha para ele era sim a de Aristóteles mas não a propunha sem reser vas Platão acrescentava pen sa que gêneros espécies e outros universais não são apenas conhecidos à parte dos corpos mas tam bém que existem e subsistem fora deles ao passo que Aristóteles pensa que os incorpóreos e os universais são de fato objetos de conhe cimento mas só subsistem nas coisas sensíveis Qual dessas opiniões é verdadeira não tenho a intenção de decidir por que é de uma filosofia mais elevada Assim ativemonos a seguir a opinião de Aristóteles não que a aprovemos mais senão porque este livro está escrito tendo em vista as Cate gorias cujo autor é Aristóteles GILSON 2006 1pp 164165 A grande vantagem de ler os comentários de Boécio sobre tudo o segundo no qual ele apresenta como dissemos a sua pró pria tradução da Isagoge de Porfírio é que fica muito claro para quem o lê que não se trata de uma discussão já resolvida A in trodução que Boécio acrescenta ao seu comentário aponta justa mente para a ligação inexorável entre uma solução para aquelas dificuldades e o desenvolvimento de uma psicologia filosófica abrangente e sistemática Portanto não é surpresa que as gerações de filósofos que se seguiram quiseram sempre elaborar sua própria resposta e comen taram novamente a Isagoge A tradição dos comentários à Isagoge estendeuse até o final da Idade Média mas sempre passando pelos comentários de Boécio 135 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Talvez aqui seja interessante citar o trecho do próprio Boé cio em que ele apresenta a solução que lhe pareceu ser a melhor para o Problema dos Universais No momento esta é a questão sobre os assuntos mencionados acima Procuraremos resolvêlos de acordo com Alexandre de Afrodisia raciocinando deste modo não sustentamos que todo ato intelectivo que venha através de um objeto sem que o mesmo objeto esteja realmente disposto deva ser visto como falso ou vazio Uma opinião falsa ocorre em vez de um ato intelectivo só nas coisas constituídas por uma composição compositio De fato se alguém compõe e une com o entendimento aquilo que a natu reza não permite que seja unido ninguém ignora que isto é falso como por exemplo se alguém une um cavalo e um homem em sua imaginação e forma um centauro Mas se aplica este procedimento por divisão e por abstração não é uma coisa real existente mas outra coisa própria do intelecto Entretanto esta intelecção não é de todo falsa De fato existem muitas coisas que têm o seu ser em outros seres dos quais não podem ser absolutamente separados ou se deles são separados não subsistem por nenhuma razão E para tornar isto claro através de um exemplo amplamente conhe cido consideremos o seguinte a linha é alguma coisa que existe em um corpo Aquilo que esta é pertence a tal corpo ou seja esta realiza o próprio ser mediante o corpo Isto nos ensina o seguin te se a linha estivesse separada do corpo não subsistiria Quem alguma vez apreendeu com os sentidos uma linha separada de um corpo Mas a mente quando apreende em si mesma as coisas confusas e misturadas através dos sentidos é capaz de distinguilas mediante o pensamento De fato a faculdade sensitiva nos transmite unida aos mesmos corpos todas as coisas incorpóreas que têm o seu ser nos corpos Mas a mente que tem a faculdade de unir as coisas desunidas e de distinguir as coisas unidas distingue de tal modo as coisas que lhes são oferecidas pelos sentidos que apreende e vê a natureza incorpórea por si sem os corpos nos quais é realizada De fato são diversas as propriedades incorpóreas misturadas nos corpos e se paráveis do corpo Portanto os gêneros e as espécies e os demais predicáveis se en contram ou nas coisas incorpóreas ou nas coisas que são corpó reas Ora se a mente as encontra nas coisas incorpóreas então aí tem imediatamente uma compreensão incorpórea do gênero Se ao contrário detecta os gêneros e as espécies nas coisas corpóreas então segundo o próprio costume remove a natureza daquilo que é incorpóreo das coisas corpóreas e a contempla simples e pura como se fosse a forma em si mesma Do mesmo modo quando a História da Filosofia Medieval 136 mente percebe essas coisas formas ou naturezas incorporas mis turadas aos corpos separandoas enquanto incorpóreas contem pla e examina somente as coisas incorpóreas Ninguém diga portanto que pensamos o falso a propósito da li nha visto que mediante a mente a apreendemos como se estivesse separada das coisas corpóreas ainda que não possa existir separa da dos corpos De fato nem toda intelecção que se concebe a partir das coisas apreendidas diferentes das coisas mesmas que existem deve ser considerada falsa mas como se disse acima a única coisa que a torna falsa é dada pela composição como quando colocando jun tos um homem e um cavalo pensamos que o centauro existe na realidade Mas a intelecção que faz isto mediante divisões e abs trações eliminando aspectos que existem nas coisas não somente não é falsa mas antes é a única capaz de encontrar aquilo que é verdadeiro nas propriedades das coisas Portanto coisas deste tipo existem nas coisas corpóreas e sensí veis mas são conhecidas separadamente das coisas sensíveis justa mente com o objetivo de contemplar a natureza e compreender as propriedades específicas BOÉCIO apud SANTOS 2010 p 2627 O trecho que você acabou de ler exemplifica com grande precisão tudo o que vimos nesta seção sobre Boécio A solução apresentada por ele faz jus à melhor tradição aristotélica pois re toma o pensamento do grande comentador do Estagirita na An tiguidade Alexandre de Afrodísias Muitos o consideram como o maior comentador grego de Aristóteles da antiguidade Ao mesmo tempo Boécio deixa aberta a porta para uma das noções mais ca ras ao neoplatonismo que era a da realidade do suprassensível Chegou o momento de passarmos a algumas considerações muito breves sobre outras figuras relevantes da Filosofia Medie val 11 ESCOTO ERÍGENA E ANSELMO DE CANTUÁRIA João Escoto Erígena Biografia Procedia certamente da Irlanda onde havia nascido no começo do século IX mas não sabemos quando deixou sua ilha para atravessar o Canal da Mancha e começar assim a fazer parte plenamente desse mundo cultural que estava re 137 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média nascendo em torno dos carolíngios em particular de Carlos o Calvo na França do século IX Assim como não conhecemos a data exata do seu nascimento tampouco conhecemos a de sua morte que segundo os especialistas deve ter sido por volta do ano 870 Na verdade o trabalho teológico de João Escoto não teve muita sorte O final da era carolíngia fez que se esquecessem de suas obras e uma censura por parte da autoridade eclesiástica criou sombras sobre sua figura João Esco to representa um platonismo radical que às vezes parece aproximarse de uma visão panteísta ainda que suas intenções pessoas subjetivas tenham sido sem pre ortodoxas Até hoje chegaram algumas obras de João Escoto Erígena entre as quais merecem ser recordadas em particular o tratado Sobre a divisão da natureza e as Exposições sobre a hierarquia celeste de São Dionísio Adaptado de PAPA BENTO XVI 2009 João Escoto Erígena c800877 EC combinou o pensamen to de PseudoDionísio Areopagita cujas obras ele traduziu para o Latim com outras fontes do pensamento antigo e com Agostinho para desenvolver um tipo de neoplatonismo cristão Sua obra apresenta um conceito que considera quatro abordagens da na tureza 1 Natureza criadora e não criada 2 Natureza criadora e criada 3 Natureza não criadora e criada 4 Natureza não criada e não criadora O pensamento de Escoto Erígena também foi muito impor tante por ter sido desenvolvido num momento de revitalização da educação formal Além disso discutia a questão da correspondência ou não correspondência da estrutura lógica do discurso a uma estrutura lógica da realidade se a decisão fosse pela primeira alternativa então voltarseia a uma realidade voltada para o Sumo Bem tal qual pensado pelo neoplatonismo História da Filosofia Medieval 138 Anselmo de Cantuária Biografia Nascido em 1033 no montanhoso vale de Aosta norte da Itália desde muito cedo Anselmo tende ao caminho da fé e da investigação que brilhantemente tomaria pelo resto de sua vida Aos 23 anos sai de casa e vaga pelas terras da Burgúndia e da França até que em 1059 chega à Normandia e se instala na famosa escola da abadia de Bec regida pelo grande Lanfranc a quem viria substituir em 1063 quando este se muda para a Cantuária É a partir de então que Bec cresce mais do que nunca Anselmo escreve aí as suas principais obras e ganha fama servindo também como con selheiro a governantes e nobres por toda a Euro pa No ano de 1093 tornase arcebispo da Can tuária mais uma vez sucedendo o seu agora já falecido mestre Lanfranc Tão sólida era a sua fé cristã que enfrentou as ânsias absolutistas do próprio rei inglês Guilherme Rufus exilandose por quase uma década até que Henrique 1º soberano de atitudes mais conciliares fez com que Anselmo voltasse a ocu par a sua sé Mas não demora muito e insatisfeito sai em novo exílio até 1107 Apesar de todos esses problemas continua a escrever importantes obras teoló gicas Anselmo morre em 21 de abril de 1109 SANTOS 2011 Anselmo de Aosta ou de Cantuária 10331109 EC coloca a existência de Deus em primeiro plano em sua filosofia Para ele a questão impõese não por uma insuficiência da fé de quem crê mas por exigência de uma fé pautada pela razão Na obra Monologion cujo título era na verdade Exemplum meditandi de ratione fidei Anselmo argumenta a favor da exis tência de Deus como Bem Supremo como grandeza suprema como ente supremo e como natureza suprema quatro vias ansel mianas Em seu Proslogion cujo título era Fides quaerens intellectum Anselmo argumenta a favor da condição de real e necessária da existência de Deus visto ser Deus o que de maior pode ser pen sado No Monologion o caminho começa por algo de que a própria razão sozinha pode se convencer de que há uma natureza única Figura 2 Anselmo de Cantuária 139 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média que se basta a si mesma em sua eterna beatitude que é suprema em relação a todos os entes e que por sua bondade onipotente dá a todos eles a condição de serem algo e de o serem bem Alguns irmãos de hábito pediramme muitas vezes e com insistên cia para transcrever sob forma de meditação umas idéias que lhes havia comunicado em conversação familiar acerca da essência divi na e outras questões conexas com esse assunto Isto é atendendo mais a como deveria ser redigida esta meditação do que à facilida de da tarefa ou à medida das minhas possibilidades estabelece ram o método seguinte sem absolutamente recorrer em nada à autoridade das Sagradas Escrituras tudo aquilo que fosse exposto ficasse demonstrado pelo encadeamento lógico da razão empre gando argumentos simples com um estilo acessível para que se tornasse evidente pela própria clareza da verdade ANSELMO Mo nológio Prólogo Nesta teologia racional há duas dimensões da divindade a natureza divina em si mesma em sua exclusiva autossuficiência e a acepção da natureza divina em sua relação com os entes que dela dependem Fica claro então que a criatura racional deve colocar todo o seu poder e querer para recordar compreender e amar o bem supre mo finalidade para a qual ela reconhece ter recebido a sua existên cia ANSELMO Monológio Cap LXVIII Contudo o próprio Anselmo ressalva que sua exposição não deve ser entendida separadamente de toda a tradição filosófica cristã se alguém tiver a impressão de que neste opúsculo alguma coisa pareça demasiadamente nova ou que não esteja de acordo com a verdade rogolhe não tacharme precipitadamente de ino vador presunçoso ou de assertor da falsidade Leia primeiro o De Trinitate do citado Santo Agostinho e depois julgue o meu opús culo segundo essa obra ANSELMO Monológio Prólogo Há o argumento da bondade coisas boas levando ao Bem Supremo o da grandeza quantidade qualitativa o da existência tem que existir para ser causa dos outros e da perfeição proce dendo não ao infinito é perfeição das perfeições História da Filosofia Medieval 140 12 PEDRO ABELARDO E PEDRO LOMBARDO Pedro Abelardo Biografia Filho de cavaleiro Abelardo nasceu em Bourg du Pa lais perto de Nantes em 1079 O pai que era erudito cuidou para que Abelardo fosse devidamente instru ído nas ciências da época Abelardo apaixonouse tanto pelos estudos que renunciou a carreira militar do pai e o direito à primogenitura O próprio Abelardo admite no entanto que nunca deixou de ser solda do pois adorava os torneios de lógica Educado na escola de Roscelino famoso nominalista Pedro Abe lardo deixouse influenciar pelo seu mestre Em Paris tornouse discípulo de Guilherme de Champeaux o mestre dos mestres da dialética parisiense da época CAMPOS 2010 Pedro Abelardo 10791142 EC era filho de um nobre bre tão mas renunciou a seguir os passos do pai para dedicarse aos estudos das artes liberais e da Teologia Foi muito famoso como mestre poeta e tutor Ora aconteceu que eu me aplicasse de início a discorrer sobre o próprio fundamento da nossa fé por meio de analogias propostas pela razão humana e que eu compusesse para os meus alunos um tratado Sobre a Unidade e a Trindade de Deus Eles me pediam argumentos humanos e filosóficos e insistiam mais naqueles que pudessem ser entendidos do que proferidos dizendo ser supérflua a prolação de palavras em a compreensão das mesmas e que não se pode crer naquilo que antes não se entendeu e que é ridículo alguém pregar aos outros o que nem ele próprio nem aqueles que ensina podem compreender com o intelecto ABELARDO 1973 p 268 A vida de Abelardo também foi marcada pela tragédia ele se apaixonou e se casou com Heloísa sobrinha de um cônego pari siense em cuja casa ele estava hospedado Abelardo não somente foi submetido à emasculação como também à rebeldia dos mon ges do mosteiro ao qual como abade tentou reformar Também sofreu repetidas acusações de heterodoxia em suas ideias Figura 3 Pedro Abelardo 141 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Apesar de todas essas calamidades Abelardo tornouse im portante figura do escolasticismo medieval Sua obra muito serviu para os desenvolvimentos posteriores em Lógica e em Teologia em particular na área de Teologia Moral Meu pai foi um pouco versado nas letras antes de haver cingido o cinturão de soldado e mais tarde abraçou com tanto amor as letras que se dispôs a fazer com que nelas fossem instruídos antes dos exercícios militares quaisquer filhos que tivesse E sem dúvida assim foi feito Por isso tratou com tanto mais cuidado da minha formação quanto mais me dedicava o seu afeto uma vez que era o seu filho primogênito Eu na verdade quanto mais longe e mais facilmente me adiantei nos estudos das letras tanto mais ardente mente a elas me apeguei e fui seduzido por um tão grande amor por elas que abandonando aos meus irmãos a pompa da glória junto com a herança e a prerrogativa dos primogênitos renunciei completamente à corte de Marte para ser educado no regaço de Minerva ABELARDO 1973a p 250 Abelardo esteve diretamente ligado ao desenvolvimento do ambiente de estudos em Paris e a partir da aplicação do mode lo parisiense ao desenvolvimento de outras universidades Suas discussões sobre o Problema dos Universais foram igualmente in fluentes nas discussões posteriores Ali o que era mais conveniente ao meu estado de vida eu me aplicava grandemente ao estudo da ciência sagrada mas sem ter abandonado totalmente o ensino das artes seculares com as quais eu estivera mais habituado e que eles reclamavam bastante de mim Fiz das artes liberais uma espécie de anzol com o qual sob o engodo do sabor filosófico eu os atraía ao estudo da verdadeira filosofia tal como a História Eclesiástica de Eusébio recorda que costumava fazer Orígenes o maior dos filósofos cristãos ABELAR DO 1973a p 267 Outra figura importante para o desenvolvimento do ambien te e da maneira de estudar e de pensar do escolasticismo medieval foi Pedro Lombardo 10951160 EC Vamos conhecer um pouco sobre este filósofo Pedro Lombardo Biografia Quem era portanto Pedro Lombardo Mesmo se as notícias sobre a vida são escassas podemos contudo reconstruir as linhas essenciais da sua biografia História da Filosofia Medieval 142 Nasceu entre os séculos XI e XII nas redondezas de Novara no Norte da Itália num território outrora pertencente aos Longobardos precisamente por isto foilhe dado o apelativo Lombardo Ele pertencia a uma família de condições modes tas como podemos deduzir da carta de apresentação que Bernardo de Claraval escreveu a Gilduíno superior da abadia de São Vítor em Paris para lhe pedir que hospedasse gratuitamente Pedro que desejava ir àquela cidade por motivos de estudo Pedro Lombardo iniciou os seus estudos em Bolonha depois foi a Reims e por fim a Paris A partir de 1140 ensinou na prestigiosa escola de NotreDame Esti mado e apreciado como teólogo oito anos mais tarde foi encarregado pelo Papa Eugénio III de examinar as doutrinas de Gilberto Porretano que suscitavam muitos debates porque eram consideradas não totalmente ortodoxas Tendose tornado sacerdote foi nomeado Bispo de Paris em 1159 um ano antes da sua morte em 1160 Adaptado de PAPA BENTO XVI 2010 Pedro Lombardo coletou e sistematizou de maneira brilhan te o pensamento em Latim sententiae de inúmeros pensadores anteriores em seu livro das Sentenças o título completo era Sententiae in IV libris distinctae que traduzido seria algo como Os quatro livros das Sentenças Sentenças tornouse o principal livro de Teologia entre o sé culo 13 EC e o século 16 EC Portanto foi o ponto de partida para as discussões filosoficamente relevantes de Alberto Magno Tomás de Aquino João Duns Escoto Guilherme de Ockham e muitos ou tros O equivalente à tese de doutorado em Teologia naquele pe ríodo era o comentário às Sentenças de Pedro Lombardo que o candidato a doutor em Teologia produzia Por consequência na maior parte dos casos o ensino de Teologia era baseado em tais comentários A atualidade de Pedro Lombardo pode ser vista claramente pela referência feita recentemente a ele por Bento XVI Papa explica Pedro Lombardo Bento XVI concedeu nesta quartafeira a última audiência geral de 2009 Em seu encontro com fiéis e turistas esta manhã na Sala Paulo VI o pontífice prosseguiu a série de catequeses que vem fazendo sobre a cultura cristã da Idade Média O tema de hoje foi o teólogo Pedro Lombardo 143 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Pedro Lombardo ensinou na prestigiosa escola de NotreDame magistério este que motivou e modelou a obraprima que nos deixou Sentenças Composto no século XII seria o livro usado em todas as escolas de teologia até ao século XVI O método teológico consistia em dar a conhecer estudar e comentar o pensa mento dos Padres da Igreja Depois de ter cuidadosamente recolhido as senten ças isto é as fontes patrísticas ele distribuiuas num quadro sistemático e harmonioso que inclui quase todas as verdades da fé católica Face aos riscos atuais de fragmentação e desvalorização de algumas verdades o papa destacou a exigência irrenunciável da apresentação orgânica da fé pois as diversas verdades iluminamse mutuamente e apresentam em sua visão to tal e unitária a harmonia do plano de salvação e a centralidade do mistério de Cristo disse aos presentes Bento XVI repetiu esta explicação em várias línguas como o faz sempre nas au diências abertas ao público E na sequência saudou diretamente os peregrinos de língua portuguesa agradecendo os votos preces e sinais de amizade rece bidos nestes dias de festa Naturalmente o papa fez votos de felicidades a todos pelo ano novo que se inicia RADIO VATICANA 2010 Os estudiosos de filosofia medieval frequentemente recor rem aos comentários escritos pelos principais filósofos às Senten ças de Pedro Lombardo Como seguiam a ordem do texto ou seja os temas tradicionalmente tratados nos comentários ao livro vi nham sempre no mesmo lugar Como muitos dos expoentes da Filosofia Medieval não tive ram oportunidade de escrever obras sistemáticas a única oportu nidade de comparar o pensamento de um filósofo com o de outro de maneira mais ou menos inequívoca era recorrendo ao texto onde se sabia de antemão que cada autor tinha que se posicionar sobre os mesmos temas É claro que num contexto anterior a Gutemberg não se pode exigir de todos os autores conhecer os textos de maneira compe tente e rigorosa Porém o fato ressaltado pelo texto do papa que acabamos de ler de que Pedro Lombardo apresentou os pontos básicos da fé de maneira orgânica acaba por auxiliar a compara ção entre pensadores muitos distintos Todos tinham que escrever seus comentários de maneira já muito bem definida pela tradição e acabavam por se posicionar com clareza a favor ou contra as interpretações das principais es colas filosóficas medievais História da Filosofia Medieval 144 13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 A Filosofia Medieval tinha uma abordagem muito interessante sobre o pa pel das auctoritates e utilizava um método de ensino muito específico Em que medida estes dois fatores influenciaram a maneira como os estudantes medievais estudavam 2 Em quais grupos os principais autores medievais podem ser inscritos levan do em conta a sua postura quanto à relação razão e fé Qual é a caracterís tica principal de cada grupo 3 Qual era a exigência básica para se poder fazer os estudos nos cursos univer sitários medievais Quais faculdades existiam naquele período 4 Por que Boécio foi tão influente na Idade Média Será que isto foi apenas um efeito do acaso 5 Qual é a importância de Pedro Lombardo para o estudo de importantes te mas da Filosofia Medieval 6 Tendo em vista o desenvolvimento do platonismo estabeleça de forma clara em que sentido as figuras de Plotino Porfírio e Proclo são interessantes para entendermos o pensamento de Boécio 14 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade você aprendeu um pouco mais sobre o sur gimento das primeiras universidades Aprendeu sobre os métodos e os componentes da vida docente e da vida estudantil e sobre como a Filosofia era parte da vida de mestre e estudantes A Filosofia continuou a ser encarada como o melhor estilo de vida possível Nos casos mais emblemáticos de Boécio e de Abelardo ela serviu muito para consolálos nos momentos em que enfrentaram suas calamidades pessoais Era a profissão dos intelectuais medievais mas também in fluenciava diretamente seu estilo de vida e suas esperanças para o futuro para a vida presente e para a vida depois da vida terrena 145 Claretiano Centro Universitário U2 Ambiente Cultural e Educacional na Idade Média Como você viu o conhecimento e a discussão de várias das contribuições da Filosofia Clássica não cessou Porém outros pon tos ganharam destaque e novas e importantes contribuições foram feitas por Boécio Anselmo Abelardo e vários outros Várias obras dos autores clássicos mais importantes foram perdidas no Ocidente cristão e isso teve é claro grandes impli cações Neste momento portanto é interessante que você tenha contato com alguns dos problemas e das doutrinas que assumiram papel central na Filosofia Medieval a partir do momento em que tais obras voltaram a circular no Ocidente cristão em traduções latinas Todos esses elementos serão apresentados com clareza na próxima unidade 15 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Boécio Disponível em httpsymploketrujamanorgindexphptitleBoecio Acesso em 16 jan 2010 Figura 2 Anselmo de Cantuária Disponível em httpwwwdmieaborgbrimagens sobreieabanselmogif Acesso em 08 fev 2011 Figura 3 Pedro Abelardo Disponível em httpwwweducfculptdocentesopombo hfemomentosabelardoindexhtml Acesso em 18 jan 2010 Sites pesquisados CAMPOS S L de B Pedro Abelardo Intelligo ut Credam Disponível em httpwww filosofanteorgfilosofantemostranoticiaver1id186leF02labelFE920 e20RazE3o Acesso em 18 jan 2010 HIRSCHBERGER J Boécio o último romano Disponível em httpwwwconsciencia orgfilosofiamedieval5boecioshtml Acesso em 15 dez 2009 LAGE A C P Universidade Medieval Disponível em httpwwwhistedbrfaeunicamp brnavegandoglossarioverbcuniversidadesmedievaishtm Acesso em 15 dez 2009 LAUAND J Cassiodoro e as Institutiones o trabalho dos copistas Disponível em http wwwhottoposcomvidetur31jeancassiodorohtm Acesso em 04 fev 2011 MEIRINHOS J F A Filosofia no Século XII Renascimento e resistências continuidade e renovação Disponível em httpwwwhottoposcombrmirand9meirinhtm Acesso em 15 dez 2009 História da Filosofia Medieval 146 OLIVEIRA T Universidades medievais uma história e uma memória educacional Disponível em httpwwwfacedufubrcolubhe06anaisarquivos164TerezinhaOliveirapdf Acesso em 05 Jan 2010 PAPA BENTO XVI Santo Anselmo de Aosta Disponível em httpwwwvaticanvaholy fatherbenedictxviaudiences2009documentshfbenxviaud20090923pohtml Acesso em 15 dez 2009 PAPA BENTO XVI Bento XVI apresenta filósofo e teólogo João Escoto Erígena Disponível em httpwwwzenitorgarticle21843lportuguese Acesso em 08 fev 2011 PAPA BENTO XVI Pedro Lombardo organizador da Teologia de seu tempo Disponível em httpwwwpromotoresdavidaorgbrteologos213pedrolombardoorganizador dateologiadeseutempo Acesso em 07 fev 2011 PAPA JOÃO PAULO II Fides et ratio Disponível em httpwwwvaticanvaholyfather johnpauliiencyclicalsdocumentshfjpiienc15101998fidesetratiopohtml Acesso em 05 jan 2010 RADIO VATICANA Papa explica Pedro Lombardo Disponível em httpwww radiovaticanaorgBRAArticoloaspc345709 Acesso em 05 jan 2010 SANTOS B S Antologia de textos Porfírio Boécio Ockham Disponível em http wwwbentosilvasantoscomcmsindexphpdownloadOS20UNIVERSAIS2020 Porfirio20Boecio20e20Ockhampdf Acesso em 17 dez 2010 SANTOS R Argumento ontológico provoca discussões até hoje Disponível em http educacaouolcombrfilosofiaanselmodecantuariajhtm Acesso em 07 fev 2011 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELARDO P A história das minhas calamidades São Paulo Abril 1973 Lógica para principiantes São Paulo Abril 1973 ANSELMO DE BEC S Monológio In Os Pensadores São Paulo Abril Cultural 1984 Proslógio In Os Pensadores São Paulo Abril Cultural 1984 BOÉCIO Escritos OPÚSCULA SACRA São Paulo Martins Fontes 2005 BOEHNER P GILSON E História da filosofia cristã Petrópolis Vozes 1970 DE LIBERA A A filosofia medieval São Paulo Loyola 1998 GILSON E O espírito da filosofia medieval São Paulo Martins Fontes 2006 NASCIMENTO C A R do O que é filosofia medieval São Paulo Brasiliense 1992 REALE G ANTISERI D História da filosofia Patrística e Escolástica São Paulo Paulus 2005 v 2 SAVIAN FILHO Juvenal Introdução In BOÉCIO Escritos Opuscula Sacra São Paulo Martins Fontes 2005 STEENBERGHEN F V História da Filosofia período cristão Lisboa Gradiva 1984 ZILLES U Fé e razão no pensamento medieval Porto Alegre Edipucrs 1996 EAD Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 3 1 OBJETIVOS Contextualizar a recepção e os desdobramentos da filoso fia de Aristóteles na Idade Média Discutir alguns dos temas mais centrais da Filosofia Me dieval 2 CONTEÚDOS Influência Aristotélica na formação do pensamento oci dental Filosofia em Árabe Averróis e Avicena Santo Tomás de Aquino Guilherme de Ockham e Duns Escoto Essência Existência e Individuação O Problema dos Universais Segunda escolástica História da Filosofia Medieval 148 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que o estudo de História incluindo a His tória da Filosofia pressupõe um acúmulo de conheci mentos que é indispensável à compreensão dos conteú dos vindouros A partir das questões autoavaliativas que você respondeu na unidade anterior avalie suas dificul dades até aqui e releia o conteúdo que julgar necessário Isso será de grande valia para o estudo desta unidade 2 Agora que chegamos à última unidade do estudo de História da Filosofia Medieval vale a pena assistirmos a alguns filmes sobre o assunto Lembrese de que em bora a linguagem cinematográfica seja interessantíssi ma como instrumento lúdico para melhor visualização de um contexto histórico você deve sempre manterse atento e crítico O olhar crítico é indispensável para que valha pena a experiência do cinema A seguir você terá algumas indicações de filmes que retratam o contexto medieval O sétimo selo 1957 Direção Ingmar Bergman Tema Peste Negra na Idade Média cavalaria Cruzadas In teressante para um primeiro contato com o ambiente medieval O nome da rosa 1986 Direção JeanJacques An naud Baseado no romance homônimo do italiano Umberto Eco esse suspense retrata o período da Es colástica a proibição às obras da Filosofia Clássica e a ação dos tribunais da Inquisição Em nome de Deus 1988 Direção Clive Donner Esse drama épico retrata a bela e triste história de Pedro Abelardo e Heloísa Traz como pano de fundo as uni versidades medievais e o contexto filosófico da Esco lástica 149 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE A recepção das obras de Aristóteles no Ocidente cristão sig nificou um salto de qualidade na discussão de questões tradicio nais da Filosofia e ao mesmo tempo introduziu elementos impor tantes para a discussão de novos temas As traduções para o Latim das obras dos pensadores que es creveram em Árabe foram elementos determinantes nesse contex to Contudo tais traduções teriam permanecido incompreensíveis se não fosse o trabalho de interpretação e explicação de autores como Alberto Magno Tomás de Aquino João Duns Escoto e tantos outros A criatividade daqueles autores na elaboração de distinções lógicas e metafísicas era imensa Os textos escritos por eles foram extremamente numerosos e a grande maioria permanece em for mato manuscrito e no Latim original Mesmo assim o interesse que despertavam não desapare ceu Vários dos autores mais estudados da Filosofia Moderna e Contemporânea deram seus primeiros passos filosóficos mais ar rojados depois de lerem e estudarem autores medievais Entretanto o interesse da Filosofia Medieval para as discus sões atuais não precisa ser a única justificativa para estudar aque les autores Você ficará ainda mais convencido disso com a leitura e o estudo propostos nesta unidade Portanto nesta unidade você se familiarizará um pouco mais com a História da Filosofia em Árabe A partir desse contexto você perceberá que discussões a respeito de temas como a Essência e a Existência a verdade que vem pela fé e a verdade que vem pela razão o problema da Individuação e principalmente discussões a respeito do Problema dos Universais são excelentes portas para o aprofundamento do estudo da Filosofia Medieval História da Filosofia Medieval 150 5 FALSAFA A FILOSOFIA EM ÁRABE AVERRÓIS E AVICENA A história da Filosofia em Árabe remonta quase às origens do próprio Islã Nos primeiros séculos após sua fundação 622 EC já havia no ambiente cultural islâmico o costume de discutir ques tões teológicas com uma abordagem filosoficamente muito inte ressante pois importantes textos científicos médicos e filosóficos da tradição siríaca estavam disponíveis e eram estudados A lógica aristotélica era usada nos debates teológicos No século 9º EC iniciouse um intenso movimento de tra duções em Bagdá e como consequência iniciaramse profundos debates sobre Lógica Gramática Teologia e Filosofia por parte de muçulmanos judeus e cristãos Tais debates versaram sobre a estrutura e a fundação do cos mos sobre as naturezas das entidades no mundo físico a relação do ser humano com o divino transcendente os princípios da Me tafísica a natureza da Lógica os fundamentos do conhecimento humano e a busca pela vida feliz Portanto consideramos que o período que vai do século 9º EC ao século 13 EC é o período clássico da formação da Filosofia em Árabe Notamos que nesse período se encontram Al Kindi Al Farabi Avicena Avicebrom Averróis e Maimônides entre outros Há que se observar que a Filosofia em Árabe não se reduziu por tanto aos pensadores etnicamente árabes mas incluiu também pensadores persas e judeus Também é fato notável que a Falsafa A filosofia em língua árabe não esteve preocupada apenas com o pensamento de Aris tóteles mas sentiu fortemente a influência do pensamento ne oplatônico Isto não é surpresa quando se considera que quase todos os principais comentadores gregos com a exceção de Ale xandre de Afrodísias eram neoplatônicos 151 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Não iremos nos dedicar a estabelecer aqui um contraste entre Filosofia Árabe e Filosofia Judaica Embora se saiba que as histórias destas duas correntes se distinguem em alguns pontos sabese que no período clássico da falsafa ambas caminharam pa ralelamente A denominação que optamos por utilizar Filosofia em Árabe permite falar dos traços comuns de ambas sem a ne cessidade de tal contraste A recepção da Filosofia em Árabe na Europa Ocidental evi dencia o papel preponderante que textos escritos em Árabe tive ram para a História da Filosofia Ocidental Encontramse testemu nhos de estudos árabes no sul da Itália e na Sicília que datam do século 12 Observando os textos filosóficos em Árabe ou suas tradu ções que chegaram até nós notamos uma grande riqueza Dentre outros pontos destacamse As traduções árabes de textos filosóficos gregos Os tratados sistemáticos sobre a Falsafa Os comentários à obra de Aristóteles de Al Farabi a Aver róis A Falsafa é portanto uma importante via para o estudo da tradição filosófica pois serve para estabelecer uma ligação entre a Filosofia Clássica e a Filosofia Ocidental Os textos foram tradu zidos para o Latim ao longo dos séculos principalmente pelos es forços concentrados de tradutores de Toledo a partir da metade do século 12 EC Os tradutores mais importantes daquele período foram Gerardo de Cremona e Domingos Gundissalvo Os insights de Averróis e seus comentários exaustivos aos textos aristotélicos foram inicialmente recebidos com muita sim patia porém logo ficou claro aos estudiosos do Ocidente cristão que em Averróis havia argumentos e doutrinas que causavam per plexidade Sobretudo com relação à eternidade do mundo e à na tureza da alma havia uma clara discordância com a crença cristã na criação ex nihilo e na imortalidade da alma humana individual História da Filosofia Medieval 152 Esta breve apresentação certamente não faz jus à importân cia desse tema para o estudo da Filosofia Medieval Porém pode servir de estímulo para que você procure ler mais a respeito e se aprofundar no assunto Um exemplo de texto que poderá servir para tal finalidade é o livro Falsafa a filosofia entre os árabes de autoria de Miguel Attie Filho Nele você encontrará dentre outras informações interessantes o seguinte trecho A principal característica da falsafa é ser medieval Tal condi ção traz consigo uma grande bagagem de préconceitos a respeito da Idade Média e consequentemente da filosofia praticada nesse pe ríodo Se a binômia tabuleta em que se lê razão e fé pôde guardar um olhar estreito em relação ao todo da filosofia medieval mais ainda poderia sê lo em relação à falsafa A isso se acrescenta não raramente uma visão distorcida dos povos semitas de modo geral e dos árabes em particular Outra característica da falsafa é ter sido uma novidade no cenário da filosofia que até então já se havia construído e alicerçado ao longo de pelo menos 1200 anos Afinal até o século VIII dC a filosofia havia se desenvolvido principalmente entre os povos gre gos no interior do império romano e entre a cristandade do Orien te e do Ocidente A novidade repousa no fato de que nesse pano rama de povos e culturas também passou a figurar o povo árabe E assim como o helenismo quando absorvido por outras culturas teve que se adaptar às características locais o mesmo aconteceu no caso da falsafa Os ingredientes da filosofia e das ciências gre gas também se adaptaram à cultura e à religião dos árabes Esse encontro resultou numa filosofia original e renovada que não se confunde com particularidades filosóficas anteriores Além disso a filosofia que havia sido até então um patrimônio praticamente exclusivo da língua grega latina e siríaca chegou pela primeira vez a ser escrita em língua árabe Nesse caso não é difícil imaginar que os termos e os conceitos filosóficos tiveram de seguir um novo iti nerário para serem adaptados ao novo idioma Outro ponto relevante é o fato de a filosofia se confrontar com uma nova religião O islamismo recebeu a filosofia pouco mais de 150 anos pós o seu nascimento A filosofia nascida entre os mitos gre gos trans portada juntamente com os deuses para o panteão de Roma absorvida pelos padres da igreja para cimentar os dogmas da cristandade havia se confrontado até então com outras formas de religião mas não ainda com o islamismo Foi a falsafa que se en carregou de fazer com que os princípios filosóficos se deparassem pela primeira vez com os dogmas religião islâmica o que foi sem dúvida um novo desafio para ambas A falsafa foi a responsável não só pela imersão do pensamento da filosofia grega entre os árabes mas também pela transmissão da filosofia grega ao Ocidente Na medida em que o paradigma gre 153 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental go foi um dos res ponsáveis pela construção filosófica do Ocidente não é difícil imaginar que falsafa ocupe um lugar histórico muito peculiar Sobre o meridiano da filosofia oriental e ocidental a meio caminho da contemplação de dois ou mais caminhos a falsafa contribuiu sobremaneira para inúmeras transformações da filoso fia do Oriente e do Ocidente É assim que por exemplo muitas teses desenvolvidas no interior da falsafa possuem aos moldes das duas faces da alma propostas por Ibn Sīnā duas frontes distintas uma voltada para o Oriente e a outra para o Ocidente ATTIE FILHO 2002 p 3234 Com a leitura desse trecho escrito pelo Prof Miguel Attie Fi lho você certamente se convenceu de que a Filosofia em língua árabe é um tema muito interessante e genuinamente filosófico e não é uma versão menos original da Filosofia Ao contrário a tradi ção filosófica grega com todos os seus valores e originalidade foi preservada pelos povos do Oriente Médio de parte da África e da parte da Europa onde se falava Árabe Você verá que essa tradição foi retransmitida ao Ocidente Cristão e foi fundamental para os grandes desenvolvimentos filo sóficos daquele período 6 SANTO TOMÁS DE AQUINO Santo Tomás de Aquino Biografia Tomás de Aquino nasceu pelos fins de 1224 em Roccaseeca na região de Nápoles de uma família nobre Aos cinco anos foi para o Claustro de Mon te Cassino Aos quatorze vai estudar em Nápoles Teve como mestre do quadrivium Pedro de Hibérnia autor de comentários sobre Aristóteles e a quem To más deve o seu primeiro contacto com os filósofos gregos Aos vinte anos entra na ordem dos domini canos dirigindose um ano depois para Paris onde continua os estudos e depois de 1248 a 1252 em Colônia junto de Alberto Magno Na côrtepapel travou conhecimento com o seu confrade Guilher me de Morbeca Moerbeke que lhe fez seguras traduções das obras de Aristóteles e também tra duziu para latim tratados de Proclo Arquimedes do Figura 1 Tomás de Aquino comentador de Aristóteles Alexandre de Afrodísias História da Filosofia Medieval 154 Temístio Amônio João Filopono e Simplício o que foi de extraordinária impor tância para Tomás e a sua filosofia De 1269 a 1272 achase de novo em Paris alcançando nesses anos o auge da sua vida científica Mas também cheios por certo de aborrecidas lutas contra os professores do clero secular que como por ocasião da sua primeira estada em Paris também agora se voltam contra o en sino dos regalares A essas acrescentamse as lutas contra o averroísmo latino ou antes o aristotelismo radical de Sigéeio de Brabante e de Boécio de Dácia E ainda contra as oposições provenientes da escola franciscana sobretudo de João Peckham Convocado por Gregório X para o Concílio de Lião morre na viagem aos 7 de março de 1274 no Convento dos cistercienses em Fossa nuova Adaptado de HIRSCHBERGER 2010 A figura de Tomás de Aquino 12251274 EC é emblemática no contexto do pensamento da Idade Média Do ponto de vista da Teologia Cristã não há qualquer dúvida de que Tomás foi a grande figura do período Ele recebeu vários títulos apreciativos Doutor Angélico Doutor Comum Doutor Universal Divino Tomás dentre outros A proeminência de sua obra teológica poderia levar a pen sar que esse foi o único campo do saber no qual ele atuou com excelência ou pelo menos que foi o principal Todavia sabemos que suas demais contribuições filosóficas foram importantíssimas e duradouras A excelência filosófica de Tomás é hoje menos conhecida dentre outras razões porque a Filosofia Medieval como um todo é pouco conhecida Porém os últimos anos têm testemunhado um crescente interesse e um número considerável de publicações de dicadas justamente aos pontos centrais da filosofia de Tomás As generalizações apressadas encontradas em biografias resumidas de filósofos ou em apresentações sintéticas de cor rentes filosóficas propagam muitas vezes a noção de que há uma filosofia aristotélicotomista Essa abordagem sugere que Tomás apenas continuou ou explicou o pensamento de Aristóteles A rigor tal ponto de vista se mostra inadequado A razão para o recusarmos é justamente o fato de que nos quinze séculos ou mais que separam Aristóteles de Tomás a Filosofia se desenvol 155 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental veu em aspectos que Aristóteles não contemplou e nem poderia ter contemplado pois o estoicismo o ceticismo o neoplatonismo e o cristianismo lhe são temporalmente posteriores Obviamente há uma relação muito próxima entre a filosofia do Estagirita e elementos importantes da filosofia de Tomás pois este último dedicou muito de sua impressionantemente e extensa obra a comentar e a explicar a obra de Aristóteles Entretanto há sinais claros de que Tomás tratou de temas e questões das quais Aristóteles não tratou pelo menos não de maneira explícita ou clara Não faltam exemplos de inovação na obra de Tomás quando comparada com a obra de Aristóteles A noção de criação ex nihilo a inserção da matéria primeira no contexto temporal a postulação de que o objeto da Metafísica é o ens commune Todas são dou trinas que consideram a Filosofia Aristotélica mas que não foram tratadas por Aristóteles em qualquer parte de sua obra Como acontece com as principais correntes filosóficas há uma boa medida de controvérsia na identificação de uma nota fundamental da filosofia de Tomás Um grande número de espe cialistas sobretudo aqueles ligados às leituras de Tomás do início do século 20 EC insiste que o tomismo é sobretudo uma filosofia realista pois consideram que Tomás parte da realidade em suas análises Tais autores confirmam suas opiniões com a constatação de que a Suma teológica de Tomás faz referências muito frequentes a realidades concretas Porém há uma tendência crescente nos dias atuais a ler Tomás mais como um conceptualista Lembremonos de que Tomás é historicamente anterior a autores como Guilherme de Ockham e João Duns Escoto não ten do portanto se posicionado em termos de realismo e nomina lismo como o fizeram posteriormente escotistas e ockhamistas História da Filosofia Medieval 156 Uma justificativa mais convincente para considerar o to mismo como realista é a predileção de Tomás pela aplicação da abstração Segundo o Prof Landim Filho 2009 assim se deve entendêla A filosofia tomásica distingue três modos de abstração i a abs tração do todo também denominada de abstração do universal a partir do particular ii a abstração da forma da matéria sensível e iii finalmente uma operação do intelecto que alguns denomi nam de abstração precisiva que se caracteriza por excluir o princí pio individuante da natureza específica de uma coisa Notese que esse modo de abstração explica a formação de termos abstratos tais como brancura humanidade a partir de termos concretos como branco homem obtidos por abstração do todo Tomás no entanto não denomina essa operação de abstração Nesse trecho vemos claramente as características que aca bamos de destacar na obra de Tomás de Aquino Por um lado tratase de uma abordagem filosófica cujo ponto de partida é Aris tóteles O método da abstração vem do Estagirita Entretanto o uso que Tomás faz de tal método é próprio e sua aplicação difere daquela feita por Aristóteles que o utilizou em contexto diverso Por outro lado a relação com a realidade é clara pois em todos os modos de abstração o ponto de partida é o particular o material Nesse sentido de fato é possível afirmar que o pensa mento de Tomás tem um caráter realista As implicações de tal orientação são diversas e cheias de consequências O mesmo Prof Landim Filho 2009 observa Mas no contexto da epistemologia tomásica a abstração faz parte de uma teoria mais geral de distinção entre as coisas Na expli cação do que é conhecer Tomás distinguiu ao menos duas ope rações do intelecto a intelecção dos indivisíveis denominada pos teriormente de apreensão quididativa e o juízo por composição e divisão Pela primeira operação o intelecto apreende o que é a coi sa isto é apreende uma quididade ou uma propriedade inteligível A segunda operação visa o ser da coisa isto é visa a atualidade ou a realidade daquilo que foi apreendido pela primeira operação Como a verdade é a conformidade do intelecto à coisa o juízo por composição e divisão na medida em que visa o ser da coisa en volve verdade ou falsidade 157 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Os preconceitos com relação à Filosofia Medieval são ain da mais infundados no que concerne ao pensamento de Tomás A atitude dele com relação à verdade nada tem de dogmática no sentido corrente do termo Para alguém que estiver em dúvida a respeito da honestida de intelectual de Tomás basta observar que em sua obra ele fre quentemente diz que a busca da verdade não passa pela aceitação irrestrita ou pela rejeição da opinião de quem quer que seja Isso fica claro quando o próprio Tomás afirma que O estudo da filoso fia não é para se saber o que os homens pensaram mas para que se manifeste a verdade De coelo et mundo I 22 In AQUINO 1998 Frases como essa não deixam dúvidas quanto à verdadeira motivação de Tomás Somese a esse fato a abertura que ele con feriu à leitura de Avicena e Averróis e a frequência com que citou os dois como autoridades para questões filosóficas Quando suas posições filosóficas estavam em desacordo com algum dos dois Tomás foi igualmente justo e apontou o que julgava ser o erro da posição contrária à sua Tomás também ajuda a compreender melhor a característi ca medieval de organizarse em torno das escolas Não somente havia uma preocupação de classificar o pensamento próprio ou do autor que se estava estudando Parte importante da interpretação dada à determinada doutrina ou trecho citado passava pela iden tificação precisa do contexto escolástico no qual se inseria tal doutrina ou autor Isso demonstra uma consciência de que o saber é construído de maneira coletiva e articulada Tomás afirma Os homens mutuamente se auxiliam para a consideração da verda de De duas maneiras um auxilia o outro nesta consideração dire ta ou indiretamente Diretamente são auxiliados por aqueles que encontraram a verdade porque como foi dito acima enquanto cada um dos que a encontraram as introduz num só contexto que introduz os pósteros em grande conhecimento da verdade Indire História da Filosofia Medieval 158 tamente enquanto os anteriores errando a respeito da verdade deram aos posteriores ocasião de se exercitarem para que havida por sua diligente discussão a verdade apareça com clareza In II Met 1 n 289 apud MOURA 2009 Como conclusão deste tópico convém ler com atenção o tre cho que D Odilo Moura cita na introdução de sua tradução de A Filosofia de S Tomás de Aquino e as XXIV Teses Tomistas Lêse num dos magistrais livros de Tresmontant O cristianismo comporta é isto que este trabalho quer pôr em luz certas impli cações e certas teses uma certa estrutura metafísica que não são quaisquer Quero dizer que as questões admiravelmente reconhe cidas como derivadas do domínio metafísico relativas ao ser criado e ao ser incriado ao uno e ao múltiplo o futuro a temporalidade o material e o sensível a alma e o corpo o conhecimento a liber dade o mal etc o cristianismo acrescenta algumas respostas que lhe são próprias ainda que comuns com o judaísmo originais e que o definem o constituem no plano metafísico A doutrina cristã do Absoluto deriva por uma parte e sob certo ângulo da metafísica Por que a doutrina cristã do Absoluto não entrará com o mesmo título que as outras na história das filosofias humanas A Escri tura Sagrada a teologia bíblica a teologia cristã contêm na verdade um número de doutrinas de teses que por direito decorrem da razão natural Existe uma filosofia natural no interior da Revelação MOURA 2009 Neste trecho veemse expressas várias características da fi losofia de Tomás de Aquino que são também em grande medida características marcantes da Filosofia Medieval A partir do que foi exposto neste tópico emerge uma apresentação da originalidade da filosofia de Tomás que ao mesmo tempo leva em conta as ba ses genuinamente filosóficas da mesma Inovação e fidelidade à tradição são dois dos talentos mais fortes do pensamento de Tomás de Aquino Mas será que ele sem pre filosofou partindo ou balizandose pela Bíblia ou por autores cristãos Se assim foi como podemos distinguir sua Teologia de sua Filosofia 159 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Metafísica Tomista Tomás escreveu sua Summa contra gentiles entre 1258 e 1264 Basicamente ela continha duas seções A primeira era com posta pelos Livros I II e III que cobrem as verdades que são natu ralmente acessíveis ao intelecto humano A segunda é o Livro IV que cobre as verdades cujo acesso não se dá pela razão natural tais como as verdades relativas à Trindade à Encarnação aos sa cramentos cristãos e à Ressurreição Portanto a primeira parte da Summa contra gentiles trata das verdades sobre Deus que são conhecidas por intermédio das capacidades naturais do entendimento humano Ou seja a partir do simples uso da razão a pessoa pode saber que Deus existe que Deus é um e que Deus é bom Cada um dos três primeiros livros desta obra explora diversos meios pelos quais a humanidade co nheceu Deus utilizando a razão natural Por sua vez o Livro VI explora os mesmos temas só partindo da perspectiva da Revelação Nesta parte da obra Tomás apresen ta as verdades de fé do cristianismo Primeiro Deus aparece em sua economia interna a Trindade depois em sua ação no mundo Encarnação e Sacramentos e finalmente como o fim último de todas as coisas Redenção pela Ressurreição Consequentemente a primeira parte dessa obra de Tomás pressupõe uma base metafísica que independe da revelação Não por acaso em vários outros pontos como por exemplo em seus comentários a obras como a Metafísica de Aristóteles Tomás de senvolveu uma reflexão metafísica que pressupõe apenas o sim ples uso da razão Uma obra curta mas extremamente interessante para ilus trar o pensamento metafísico de Tomás é o De ente et essentia Há duas excelentes traduções recentes desse texto para o Português a edição bilíngue publicada pelo Prof Carlos Arthur do Nascimento em 1995 e a tradução do Prof Mário Santiago de Carvalho que se encontra disponível online História da Filosofia Medieval 160 Recomendamos vivamente a leitura de ambas As duas tra duções apresentam muito bem essa obra que apesar de peque nina foi muito influente e nos auxiliará muito na compreensão do pensamento metafísico de Tomás e da Idade Média Neste momento não é possível nos aprofundarmos muito nas riquezas dessa obra de Tomás mas convém citar um trecho da introdução que o Prof Francisco Benjamin de Souza Neto escreveu para a tradução do Prof Carlos Arthur É possível divisar nesta altura do De Ente et Essentia a Metafísica subjacente às cinco vias Para além da forma é divisado o ser ESSE e não ENS A argumentação pressupõe a teoria geral da substân cia até aqui exposta ainda que de forma concisa tudo o que não é o seu esse recebeo ora o Ato Puro pressuposto pela própria atualidade do possível da matéria à forma desta isenta por defi nição não é receptivo porque isento de toda passividade logo é puro ESSE Tal identidade é plenitude de ser não indigência não é ela carência da essência mas o próprio ser supraessencial supe reminentemente compreensivo de toda a escala das perfeições da essência Insusceptível de ser recebido tal esse não pode ser o ser do mundo como totalidade nem multiplicarse pois o multiplicar se exige a adição da diferença e a pureza do ato implica a absoluta simplicidade irreceptiva de um ato subseqüente A fortiori exclui se a matéria pois esta importaria composição Há portanto um lugar entre o puro ESSE e a substância composta para a substância separada pura forma A angelologia há de instalarse no âmbito desta possibilidade metafísica Apenas importa notar que simples come essências porque puras formas tais substâncias são como entes distintas do ser que lhes cabe São elas também únicas no ser que lhes cabe pois sendo puras formas não há nelas ou fora delas qualquer fator de multiplicação numérica Com efeito no que concerne às substâncias compostas Tomás de Aquino defende aqui e após a tese segundo a qual a multiplicação destas se faz em razão da matéria assinalada pela quantidade tese esta que há de ser um dos aspectos mais discutidos de seu pensamento Feita a precisão acima o pensamento humano o quanto élhe possível abrange o ente na totalidade de suas possibilidades do puro ESSE à pura potência do absolutamente necessário ao simplesmente pos sível É só então que no movimento conjunto do opúsculo o autor se permite traçar a escala hierárquica dos entes que desce do Ato Puro de ser o ESSE passa pela potência em relação ao ser e desce à potência em relação à forma à matériaprima O capítulo V do De Ente et Essentia é a brilhante e concisa exposição desta concepção Com ele chega o autor ao ordo essendi de sua ontologia SOUZA NETO 1995 161 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental A metafísica de Tomás é portanto toda voltada para o ente O ente é o que existe na realidade novamente confirmando o que foi dito sobre o viés realista da filosofia de Tomás Contudo não se demora a compreender que Deus tem um papel fundamental na metafísica desse filósofo É justamente as sim que se supera um realismo ingênuo pois o ente e a essência são apreendidos pelo entendimento conforme este os concebe e não como se existissem fora e independentemente do pensamen to De ente et essentia é a obra que permite estudar a metafísica de Tomás em seu aspecto sistemático As cinco vias da existência de Deus Com relação às provas da existência de Deus apresentadas por Anselmo que em Filosofia são conhecidas como Argumento Ontológico da existência de Deus Tomás de Aquino diz que são corretas em si mas que o ser humano por ser limitado e finito não pode de verdade abarcar toda a ideia de Deus como aquilo que de maior pode ser pensado O ser humano não pode conhecer a Deus de maneira completa e portanto não pode utilizar o Argu mento Ontológico para nada Tomás propõe cinco vias ou caminhos que levam à consta tação da existência de Deus Todas elas são a posteriori ou seja partem dos efeitos para chegar à Causa Suprema As vias são mo vimento causa eficiente ser possível e ser necessário graus de perfeição e governo do mundo telos No encadeamento em que um movimento causa o outro não se pode retroceder infinitamente Dessa maneira chegase necessariamente a um Movente Não Movido ou seja no final do encadeamento está algo que causa movimento movente mas que não é movido por outra coisa não movido E assim em cada uma das outras vias chegase respectivamente à Causa Eficiente Suprema ao Ser Necessariamente Necessário à Suma Perfeição ao Fim Último que tudo governa História da Filosofia Medieval 162 Todas as provas tomistas põem em jogo dois elementos distintos a constatação de uma realidade sensível que requer uma explicação e a afirmação de uma série causal de que essa realidade é a base e Deus o topo O caminho mais manifesto é o que parte do movimen to Há movimento no universo é o fato a explicar e a superioridade dessa prova não está em ser mais rigorosa do que as outras mas em que seu ponto de partida é mais fácil de captar Todo movimen to tem uma causa e essa causa deve ser exterior ao ser que está em movimento de fato não se poderia ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto princípio motor e coisa movida Mas o próprio motor deve ser movido por um outro e esse por outro mais Logo forçoso é admitir ou que a série das causas é infinita e que não há primeiro termo mas então nada explicaria que exista movimento ou que a série é finita e que há um primeiro termo e esse primeiro termo é Deus O sensível não nos coloca apenas o problema do movimento Pois não só as coisas se movem como antes de se moverem existem e na medida em que são reais têm certo grau de perfeição Ora o que dissemos das causas do movimento podemos dizer das causas em geral Nada pode ser causa eficiente de si mesmo pois para se produzir era preciso ser anterior enquanto causa a si mesmo en quanto efeito Toda causa eficiente supõe pois uma outra a qual por sua vez supõe uma outra Ora essas causas não mantêm en tre si uma relação acidental elas se condicionam ao contrário de acordo com certa ordem e é precisamente por isso que cada causa eficiente explica de fato a seguinte Assim sendo a primeira causa explica a que está no meio da séria e a que está no meio explica a última Há pois uma primeira causa da série para que haja uma causa média e uma causa última e essa primeira causa eficiente é Deus Consideramos agora o próprio ser Aquele que nos é dado está em vias de perpétuo devir certas coisas se engendram logo podiam existir certas outras se corrompem logo podiam não existir Poder existir ou não existir é não ter uma existência necessária ora o necessário não precisa de causa para existir e precisamente por ser necessário existe por si mesmo mas o possível não possui em si a razão suficiente de sua existência e se só houvesse o possível nas coisas não haveria nada Para que aquilo que podia ser seja é preciso antes de mais nada algo que seja e o faça ser Isso significa que se há alguma coisa é que há em algum lugar o necessário Ora também aqui esse necessário exigirá uma causa ou uma série de causas que não seja infinita e o ser necessário por si causa de todos os seres que lhe devem sua necessidade não poderia ser outro senão Deus 163 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Um quarto caminho passa pelos graus hierárquicos de perfeição que se observam nas coisas Há graus na bondade na verdade na nobreza e nas outras perfeições desse gênero Ora o mais ou menos sempre supõe um termo de comparação que é o absolu to Portanto há um verdadeiro e um bem em si isto é afinal de contas um ser em si que é a causa de todos os outros seres e que chamamos de Deus O quinto caminho baseiase na ordem das coisas Todas as opera ções dos corpos naturais tendem a um fim muito embora estes sejam em si desprovidos de conhecimento A regularidade com a qual alcançam seu fim mostra bem que não chega até ele por aca so e essa regularidade só pode ser intencional ou desejada Já que são desprovidos de conhecimento é preciso que alguém conheça por eles e é essa inteligência primeira ordenadora da finalidade das coisas que chamamos Deus GILSON 1995 p 658660 A importância que Tomás atribui às vias como meio para pro var a existência de Deus se torna evidente conforme se percebe que o conceito de Ser para esse filósofo está diretamente ligado à demonstração da existência de Deus que ele diz ser ipsum esse per se subsistens o que traduzido seria algo como o próprio ser subsistente por si Os atributos do Ser apontam na verdade para a existência de algo que tenha todos aqueles atributos de maneira plena Ora para que um ser atinja tal plenitude em seus atributos ele decerto terá um caráter supremo e isso somente pode ser realizado por Deus Há um aspecto curioso das vias que Tomás propõe para se provar a existência de Deus À primeira vista parece que se trata de um discurso direto que visa dizer a respeito de Deus tudo o que ele é Entretanto quando se observa mais atentamente percebe se que o percurso em cada uma das vias se inicia com a identifi cação de uma hierarquia ou seja de coisas que formam um todo ordenado com uma característica qualquer Seja no caso do movimento da perfeição da causalidade efi ciente da bondade ou da causalidade final sempre há uma ordem determinada por um aspecto determinado Só que o que é dito é História da Filosofia Medieval 164 que aquela ordem necessariamente pressupõe um grau máximo ou um item primeiro naquela sucessão que tem que estar no topo ou no início da cadeia Em resumo tomase a ordem das coisas e concluise que por serem ordenadas as coisas pressupõem uma outra coisa maior ou mais primordial que elas No entanto tal discurso não afirma de fato algo sobre as coi sas ele na verdade nega que elas sejam suficientes para explicar ou sustentar a ordem em que se encontram Também se pode con siderar que o discurso sobre Deus procede nas vias propostas por Tomás como discurso negativo Deus não é um movente movido Ou seja dizse que as coi sas em movimento são movidas e ao mesmo tempo movem Isso levaria em última instância a um movente não movido Tomás apud REALE ANTISERI 2003 p 247 diz Com efeito é certo e consta dos sentidos que neste mundo algumas coisas se movem mas diz também que Portanto é necessário chegar a um primeiro motor que não seja movido por outro É um discurso que afirma sempre sobre Deus o que ele não é Esse fato não passou despercebido ao longo da História e muitos comentadores viram ali a influência do neoplatônico Pseu doDionísio No que concerne ao suprassensível também há se melhanças com o pensamento de Agostinho Obviamente o suprassensível está acima de qualquer pos sibilidade de ser percebido pois os sentidos não o podem sentir Todavia a razão consegue chegar indiretamente a ele por meio de um movimento ascendente Deus está portanto sempre além de onde o ser humano pode chegar com sua razão natural sem entretanto estar jamais fora do alcance da razão humana As vias de Tomás são exemplos desse esforço que não cobre todo o percurso até Deus mas que abre o caminho e ao iniciálo tem um lampejo do ponto de chegada No entanto ele não seria 165 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental capaz de descrever de maneira completa e definitiva as caracterís ticas daquele ponto de chegada 7 JOÃO DUNS SCOTO Biografia Foi Professor em Oxônia Cambridge e Paris Em 1308 foi chamado para Colônia onde morreu com 42 anos de idade O volume de sua obra literária é espantoso dada a curteza da sua vida Os mais im portantes dos seus escritos são as Quaestiones sub tilissimas in metaphysicam Aristotelis autênticos só os primeiros nove livros Quaestiones ao De anima de Aristóteles provavelmente autêntico o Tractatus de primo principio edição crítica de M Müller 1941 Opus Oxoniense Reportata Parisiensia Quodlibeta Há uma nova edição crítica das obras de Duns Esco to sob a direção de P C Balic em curso de publica ção Adaptado de HIRSCHBERGER 2007 Para João Duns Escoto 12661308 EC a importância estava na ordem essencial ou seja na ordem que se atribui ao ser Na quididade e não na ordem acidental ou dos indivíduos dentro da espécie e do gênero excedenteexcedido causa eficienteefeito e causa finaldirigido a um fim Nenhuma coisa possui uma relação de ordem essencial para consigo mesma Em nenhuma ordem essencial é possível o círcu lo O que não é posterior ao anterior tampouco é posterior ao posterior Cabe a uma só natureza o primado na tríplice ordem da eficiência da finalidade e da eminência O conhecimento do particular e do universal não se dá nem pelo particular e nem pelo universal mas pela natureza comum Para Tomás a natureza comum não tem unidade A sequência argumentativa de Duns Escoto a respeito do ser e de como chegar dos seres finitos tomados em comum ens commune Figura 2 João Duns Scoto História da Filosofia Medieval 166 ao ser infinito ou seja a Deus é complexa mas cheia de sutileza e sofisticação Para reconstituir toda a argumentação seria neces sário um texto mais longo Porém uma apresentação sistemática talvez já sirva como aperitivo Que as coisas são aquilo que são descobrese pelo simples fato de que os sentidos as percebem Um muro amarelo é assim classificado porque ao se olhar para ele se vê que ele é amarelo Contudo se há muros amarelos é porque há algo neles que pos sibilita que sejam amarelos pense em contraste no céu noturno que não pode ser amarelo Há algo comum a todas as coisas amarelas que possibilita que sejam dessa cor Este algo pode ser chamado de natureza e de efetiva pois faz de fato com que aquelas coisas sejam ama relas Mas se cada coisa que se percebe pelos sentidos tem que ter uma natureza efetiva é de se supor que haja algo efetivo que venha em primeiro lugar na sequência das coisas que fazem outras coisas serem aquilo que são É o que se pode denominar efetivo simplesmente primeiro nunca deixaria de ser o que é e não teria se tornado o que é por força de outra natureza efetiva não tendo tampouco sido causado ou forçado a agir por outra cau sa que não ela mesma O efetivo simplesmente primeiro é portanto sempre atu almente o que é Existe sempre e necessariamente Somente uma natureza pode ter essas prerrogativas Tal natureza é o fim último e a mais nobre entre todas as naturezas Tal natureza é una e única O primeiro efetivo é sempre atual porque contém virtual mente toda a atualidade possível O primeiro fim último é ótimo porque contém virtualmente toda atualidade possível O primeiro na ordem de nobreza é o mais perfeito de todos porque contém de modo nobre toda a perfeição possível Tais atributos somente podem pertencer a Deus 167 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 8 ESSÊNCIA EXISTÊNCIA E INDIVIDUAÇÃO A recuperação da Metafísica de Aristóteles pelos pensado res medievais junto com as traduções da metafísica de Avicena no século 12 EC e dos comentários à Metafísica de Averróis no século 13 EC prepararam o caminho para que os pensadores me dievais se concentrassem na ciência do ser enquanto ser Porém com o estudo aprofundado dos textos vieram também importan tes questões a serem respondidas No livro quarto da Metafísica Aristóteles fala da ciência que estuda o ser enquanto ser e a contrasta com as ciências par ticulares que se restringem a investigar os atributos de uma parte do ser Porém no livro sexto da Metafísica depois de falar da ciên cia que estuda os seres enquanto seres Aristóteles fala das três ciências teoréticas a Física a Matemática e a Filosofia Primeira A última somente é possível quando se debruça sobre as entida des separadas e imóveis O próprio Aristóteles diz que se não houvesse entidades imó veis e separadas a Física seria a primeira ciência Contudo se há uma substância imóvel então a ciência que trata de tal substância será a primeira Avicena e Averróis discordaram sobre o objeto de estudo da Metafísica Avicena diz que apesar de também tratar de Deus sendo que somente ela trata de Deus a Metafísica concentrase mesmo é no ser enquanto ser Já Averróis discorda que Deus seja estudado na Metafísica pois Deus é de fato estudado na Físi ca e diz que ser enquanto ser significa Substância Os pensadores dos séculos 13 e 14 EC normalmente concor daram com Avicena Porém o tipo de relação que havia precisa mente entre ser enquanto ser e o ser divino nem sempre era abordado da mesma maneira pelos diferentes pensadores daque le período História da Filosofia Medieval 168 Tomás de Aquino diz que o objeto da metafísica é o ens com mune Mas como para ele Deus não está incluído nesta condição sendo porém a causa dela parece que Tomás admite a possibili dade de que a Metafísica também trate de Deus Contudo em algumas passagens de seu comentário à Me tafísica ele parece defender que a existência de Deus somente pode ser provada pela Física conforme queria Averróis Dentre os principais pensadores escolásticos a grande voz discordante é Guilherme de Ockham 12851347 EC pois para ele não há um objeto único da Metafísica Desde Boécio os pensadores medievais tiveram que tratar da questão da essência e da existência nos seres criados O motivo inicial para este debate é um dos axiomas do De hebdomadibus no qual Boécio diz que o ser esse e o que existe têm que ser dis tintos Se em seres simples como Deus o ser e o que existe são idênticos nos seres criados não é assim Portanto eles são com postos e suas partes são distintas Avicena teria proposto uma distinção radical postulando que a existência seria uma forma de acidente que deveria ser adi cionada à essência Averróis criticou esta posição e afirmou que ela comete o mesmo erro da distinção entre o ser e a unidade O perigo segundo Averróis seria o de tender ao infinito sempre necessitando de supor outro acidente para dar conta da maneira como a existência é adicionada ao ser real Ora tudo o que existe é necessariamente um isto é in dividual Mas o que torna aquilo que existe individual Para es tudar o tema da individuação seria produtivo considerar algumas hipóteses de trabalho 1 Analisar o indivíduo como sendo um composto substan cial de matéria e forma possuidor de acidentes de ma neira que a individuação ocorreria ou por alguns ou por todos os seus traços atuais 169 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 2 Se tais traços são substanciais então a individuação ocorreria ou pela matéria ou pela forma ou por ambas 3 Por outro lado a individuação pode ocorrer por algum traço não categorial Portanto nem substancial nem aci dental 4 Talvez o problema da individuação tenha que ser rejei tado pois a individualidade do indivíduo poderia ser en tendida como metafisicamente primitiva A individuação é parte de um problema maior ligado à ques tão da identidade e da diferença O que quer que faça Sócrates por exemplo ser o ser que é também o torna diferente de todos os outros indivíduos da mesma espécie A solução para o problema da individuação proporá de algu ma maneira um elemento constitutivo do indivíduo Nesta linha Sócrates é entendido como um ser que possui traços essenciais e acidentais Isso abre algumas possibilidades de posições com re lação à individuação Boécio no De trinitate postula que a variedade de aciden tes produz uma diferença numérica Outra posição possível seria entender parte da essência da substância por exemplo a forma como sendo equivalente à individualidade decorrente da unifor midade na concepção das categorias Traços do indivíduo podem ser iguais aos traços de outros in divíduos mas em última instância os traços de um indivíduo estão ligados a um pedaço particular de matéria A posição de Tomás é a de que há dois tipos de substância somente forma ou matéria forma sendo a matéria potência quantificada Há ainda outros posicionamentos sobre essa questão Por exemplo o de que a individuação vem da conjunção entre matéria e forma Outra possibilidade seria postular a individuação passan do por algo fora das categorias como por exemplo a existência Ou ainda postular que a individualidade é primitiva História da Filosofia Medieval 170 9 O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS A famosa discussão medieval a respeito do Problema dos Universais tinha implicações para uma ampla gama de disciplinas e estava intimamente ligada ao dia a dia dos autores daquele pe ríodo pois influenciava diretamente tanto o que aqueles autores escreviam quanto o que ensinavam Portanto a preocupação com o status dos universais pode ser reconstituída analisandose desde as obras de juventude até as obras maduras de um determinado autor medieval Com o objetivo de ilustrar a relevância da discussão a respei to dos universais seria interessante primeiro abordar a questão a partir de uma curta história ou melhor de duas versões da mesma curta história pois esta proverá uma oportunidade para reflexão Imagine que em um lugar público há um grupo de pesso as envolvidas em uma conversa cujo tom é formal mas que está bastante animada Os tópicos discutidos na conversa são de inte resse comum Subitamente alguém nota que outra pessoa está se aproximando Porém a distância que a separa do grupo ainda é bastante considerável sendo portanto quase impossível distin guir quem possa ser aquela pessoa Pois bem a pessoa que notou a aproximação pensa que o fato de outra pessoa se aproximar daquele grupo provavelmen te será de interesse comum e comunica ao grupo a aproximação Ao se tornar o centro das atenções a pessoa que acabou de falar acrescenta a única informação que lhe é possível adicionar naque le momento é homem Porém assim que a pessoa se aproxima suficientemente é possível dizer com certeza é Sócrates Há uma segunda versão da história O mesmo grupo de pes soas está envolvido numa animada discussão de cunho formal Po rém desta vez o grupo se encontra em um país longínquo conhe cido pela flora e fauna exóticas 171 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Novamente algo se aproxima do grupo vindo de um pon to bem distante Uma pessoa nota o fato e chama a atenção das demais apontando e dizendo é um animal Esta é toda a infor mação que a pessoa pode acrescentar pois era uma espécie des conhecida de animal Em ambos os casos é possível notar elementos interessan tes daquilo que os medievais chamavam de predicação Para eles era possível divisar um conjunto bem definido de regras que regiam as coisas que poderiam ser ditas com peso de afirmação verdadeira a respeito de outras coisas Um primeiro elemento é a pressuposição de que alguém que dizia alguma coisa de alguma outra coisa estivesse dizendo algo verdadeiro e relevante nas duas versões da história narradas anteriormente tratase de conversa formal e pública Assim di zer que aquilo é um homem pressupunha que homem estava sendo dito de aquilo de maneira apropriada e verdadeira Um segundo elemento importante é o fato de que no pri meiro caso homem e Sócrates eram informações dadas sobre o mesmo indivíduo que se aproximava e ambas eram ditas da mes ma maneira apropriada e verdadeira Entretanto levemos a abordagem medieval até as últimas consequências Como na segunda versão da história a única coisa que podia ser dita daquilo que se aproximava era é um animal então aquele indivíduo era um indivíduo vago Ou seja ao me nos até aquele momento era indistinto de outros animais pois não tinha características próprias Ora alguém pode dizer que aquele animal tinha sim carac terísticas próprias só que ainda eram desconhecidas Mas para os medievais não se tratava de simplesmente dizer que aquele animal ainda seria conhecido mas de entender como animal e apenas isto podia ser dito dele de maneira apropriada e verda deira História da Filosofia Medieval 172 A questão é claro é se animal corresponde a apenas uma coisa ou se corresponde a várias Se for uma só coisa como pode ser dita sobre várias coisas da mesma maneira apropriada e ver dadeira Mas se são várias como as pessoas sabem a que se refe re a palavra animal mesmo quando não estão olhando para o ser que se aproxima ou quando ainda não o conhecem Outra questão importante é entender como a pessoa que avistou a aproximação de um animal exótico mesmo sem jamais têlo visto antes é capaz de dizer de maneira apropriada e verda deira que é um animal Será que aquela pessoa reconheceu a animalidade da quilo que se aproximava Ou será que animal é somente uma maneira de falar de coisas assim como alguém pode utilizar a palavra fera para falar de pessoas amigas e talentosas Seria animal uma espécie de apelido ou gíria que pode ser aplicado a várias coisas dependendo da escolha casual de quem utiliza a palavra A questão parece confusa e irrelevante Porém pense que você precisa se consultar com um especialista a fim de identificar aquilo que está por trás dos sintomas incômodos que vem sentindo há algum tempo Suponhamos que o referido médico especialista lhe diga que identificou o que está por trás dos sintomas e afirma convictamente que é espinhela caída Com alguma desconfiança e relutância você paga a consulta e vai para casa Ao chegar à sua casa você abre um dicionário e lê que es pinhela caída era um termo popular utilizado para descrever um conjunto vago de sintomas incômodos pouco definidos Sua rea ção certamente será de desgosto e irritação Você provavelmente telefonará imediatamente para o médico e lhe perguntará o que aconteceu Pois bem parece que há pelo menos um caso em que a abor dagem de que há palavras que são meros apelidos das coisas não é exatamente satisfatória Mas como é que os autores medievais 173 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental resolviam tais dificuldades Será que é possível manterse sempre coerente com uma mesma abordagem dessa questão É claro que muitos autores medievais se viram forçados a alterar sensivelmente suas posições ao longo de suas carreiras de maneira que sua abordagem dos Universais em textos de Lógica pode ser bastante distinta de sua abordagem do mesmo tema em textos de Metafísica por exemplo Alguns autores porém mantiveram alguma consistência ao longo de todas as suas obras Havia também uma preocupação de muitos autores em se manterem fiéis ao pensamento de autores da Antiguidade clássica Na Idade Média o autor preferido de mui tos em relação ao Problema dos Universais era Aristóteles A tra dição inaugurada pelo Estagirita foi a tradição peripatética A tradição peripatética pode ser entendida como um esforço coletivo de muitos autores ao longo da História da Filosofia para esclarecer em detalhes o pensamento de Aristóteles e demonstrar que tal pensamento é o mais adequado para se entender o intrin cado Problema dos Universais Dentre os mais influentes pensadores peripatéticos podese elencar Alexandre de Afrodísias Boécio Alberto Magno Tomás de Aquino João Duns Escoto alguns outros pensadores medievais alguns pensadores renascentistas e alguns representantes do Aris totelismo Português tais como Pedro da Fonseca A tradição peripatética tem traços bem definidos e pode ser eficazmente contrastada com a posição dos filósofos árabes de Ockham e outros nominalistas dos humanistas antiaristotélicos dentre outros A tradição peripatética teve vários pontos em co mum com a tradição neoplatônica pois também era interesse dos autores neoplatônicos explicarem a filosofia de Aristóteles da ma neira mais adequada possível Contudo como parece haver uma discordância significativa entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles quanto aos Uni História da Filosofia Medieval 174 versais neoplatônicos e peripatéticos discordavam em pontos im portantes como se verá a seguir Apesar de os autores antigos e medievais ditos peripatéticos não terem postulado explicitamente a existência de um sistema filosófico derivado da filosofia de Aristóteles eles pressupunham a existência de uma visão coerente e consistente dos Universais nas obras lógicas psicológicas metafísicas éticas e teológicas da tradição peripatética O conjunto dessas disciplinas não era para eles um mero elenco de áreas do saber desconexas Era um todo articulado e ao entender bem uma dessas disciplinas abrese a possibilidade para entender melhor as outras O desafio era descobrir a exata articulação entre as disciplinas mesmo que para apontar exatamente qual seria o tal ponto em co mum entre elas muitos autores tiveram que fazer enormes esforços esforços que nem sempre foram minimamente convincentes Tal dificuldade decorria da ambiguidade inerente aos textos filosóficos que pode ser detectada até mesmo nos textos aristoté licos mais famosos A tarefa era portanto propor uma maneira de ler Aristóteles que permitisse a determinado autor postular que as ambiguidades seriam apenas aparentes e que com uma expli cação mais elaborada seria possível ler os textos aristotélicos de maneira conjunta e não contraditória Se isso não fosse possível então seria preciso concluir que Aristóteles não foi consistente e que defendeu pontos de vista conflitantes sobretudo nas questões principais como por exem plo em relação ao Problema dos Universais As temáticas envolvidas no Problema dos Universais são tão antigas quanto a própria Filosofia Porém as discussões sobre a exata articulação entre os vários ramos do saber na tradição peri patética ganhou um impulso renovado a partir do sucesso de um texto supostamente escrito para explicar a primeira obra filosófica 175 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental do corpus aristotelicum ou seja das obras de Aristóteles definidas na ordem consagrada desde a Antiguidade A obra em questão é Categorias O texto escrito pelo filósofo fenício Porfírio para intro duzila ficou conhecido como Isagoge que literalmente quer dizer introdução Naquela obra Porfírio propõese a explicar para o senador romano Crisaório os cinco termos que Aristóteles utiliza em todos os seus principais escritos mas que nunca explica explicitamente em lugar algum Os cinco termos em questão são o gênero a es pécie a diferença o próprio e o acidente São termoschave pre dicáveis das coisas e cuja compreensão exata permitiria entender as categorias aristotélicas As categorias são os dez conjuntos que conteriam o que é dito sobre as coisas Por exemplo quando se diz Sócrates é ho mem o termo homem é a espécie de Sócrates Ao passo que quando se diz Sócrates é animal racional animal é o gênero de Sócrates e racional é a diferença A Isagoge foi fundamental para o desenvolvimento do voca bulário técnico em Grego sobretudo para a elaboração de taxono mias ou seja de classificações tais quais as que são amplamente utilizadas em Biologia Medicina Direito Teologia etc Lembremos que gênero e espécie ainda são termos técnicos utilizados nas classificações biológicas dos seres vivos nos dias atuais Principalmente após a segunda tradução para o Latim da Isagoge feita por Boécio e do comentário do mesmo autor que a seguiu as taxonomias feitas por autores latinos também foram amplamente influenciadas pela Isagoge Os comentários de Boécio introduziram um elemento que não estava claramente presente na Isagoge de Porfírio Este último tinha se recusado a tratar de algumas questões que na opinião dele não pertenciam a uma discussão mais profunda e mais extensa como a que ele pretendia fazer na Isagoge As questões eram se gênero e espécie subsistiam nas coisas ou apenas no pensamento História da Filosofia Medieval 176 caso subsistissem nas coisas se seriam corpóreos ou in corpóreos se seriam separados das coisas nas quais subsistiam ou não O segundo comentário de Boécio à Isagoge acrescenta a so lução peripatética para tais questões A solução apresentada por ele é a mesma de Alexandre de Afrodísia ou seja a de que gênero e espécie estão nas coisas mas somente têm existência separada e universal no pensamento Tal solução aponta para uma natura communis cujo caráter comum está no fato de que é a natura que está nas coisas é a mesma que está no pensamento e nos ter mos que se referem àquelas coisas Assim humanidade que é a espécie à qual pertence Sócrates está em Sócrates está no pensamento quando este conclui que Sócrates é homem e está na sentença Sócrates é ho mem Humanidade porém só é universal no sentido real no pensamento Ao menos no Ocidente latino todos os principais comenta dores que escreveram sobre a Isagoge de Porfírio depois de Boé cio sentiramse no dever de tomar uma posição quanto ao status da natura ou seja quanto ao status dos Universais Algumas das discussões mais importantes ocorreram no sé culo 12 EC e no século 14 EC Porém as discussões entre nomina listas realistas e conceptualistas podem ser encontradas durante todo o período medieval em toda parte mantendose presentes mesmo após o século 16 EC Questões fundamentais sobre a importância e o papel da Metafísica de Aristóteles estão envolvidas no Problema dos Uni versais Dentre elas destacamos O debate sobre a possibilidade de um sistema filosófico único para a Lógica as Ciências Naturais a Psicologia Filo sófica a Ética a Política etc 177 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental A discussão sobre qual é a maneira mais adequada para descrever os processos de percepção sensorial e de cog nição tanto das coisas quanto do Ser e de Deus Questão de prioridade Em sua forma mais elaborada o Problema dos Universais pa rece permitir uma solução melhor se as questões principais forem reorganizadas Como ninguém pressupõe que seja possível ver a humani dade parada na esquina ou a humanidade tomando um refri gerante num ambiente lotado parece seguro dizer que todos con cordam que a humanidade somente pode ser encontrada em cada um dos seres humanos e somente neles Tampouco haveria problemas para saber o que é universal e o que é particular pois ninguém pensaria em Sócrates como sendo universal ou em animal como sendo particular pois Só crates é claramente um indivíduo e animal se refere obviamente a muitos seres A principal dificuldade seria portanto saber o que tem prioridade tanto no que se refere à existência das coisas quanto ao que se refere ao entendimento pensamento em si Do ponto de vista do acesso imediato parece que a priori dade deveria estar do lado dos particulares pois é bem evidente que o mundo está repleto de coisas particulares que são imedia tamente acessíveis aos sentidos Contudo parece inegável que as coisas particulares do mundo são percebidas como pertencentes a conjuntos classes ou tipos de coisas Por exemplo coisas frias são percebidas como frias e coisas secas como secas A particularidade das coisas seria provavelmen te insuficiente para lhes dar significado Além disso quando se diz algo de algum particular fica implícita a noção de que há uma rela ção real entre aquele particular e o que é dito dele História da Filosofia Medieval 178 Dizer aquele ponto distante é um cachorro somente pare ce ter sentido se de fato cachorro descrever algo real existente no mundo Ainda que nem sempre seja verdadeiro que aquele ponto distante seja um cachorro por exemplo quando a pessoa que o diz está mentindo Note que aquele ponto distante seria provavelmente des provido de qualquer sentido se sempre permanecesse um ponto distante e não se revelasse como um cachorro um ser humano ou um pedaço de cascalho Até os pontos brilhantes mais distantes do universo são estudados e classificados pelos cientistas Embora seja percebido antes o particular é classificado a partir de classes que já compõem o entendimento Do ponto de vista do entendimento a classe o universal tem prioridade com relação ao particular que pertence a ela A dificuldade portanto reside em encontrar a maneira de traduzir a prioridade do universal do ponto de vista do entendi mento para a questão do que existe em primeiro lugar e de que maneira Alguns autores clássicos não tiveram dúvidas sobre esta questão ao atribuir uma existência real aos universais Seria uma existência anterior à dos particulares aos quais os universais são atribuídos As coisas podem ser ditas boas porque antes existe o Bem Esta teria sido a posição de Platão Outros pensavam que os universais existem objetivamen te isto é quando são pensados Assim no mundo existiriam apenas os particulares ao passo que no entendimento ganha riam existência os universais O entendimento conheceria primei ramente o universal e somente mediatamente os particulares Esta teria sido a posição de Aristóteles e da tradição peripatética Unidade e a aptidão para estar em muitos Outra questão importante com relação aos universais é jus 179 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental tamente o problema de que tudo o que existe tem unidade Con tudo a unidade dos universais não pode ser exatamente igual à dos particulares A maçã de número treze é uma coisa e isso somente pode ser dito daquela maçã Porém animal é uma coisa que pode ser dita de vários seres O significado de uma na primeira e na segunda situação tem que ser distinto Os autores medievais também se depararam com essa ques tão e entenderam que devia haver dois tipos de unidade Uma seria a unidade numérica correspondente à primeira situação apresen tada a outra seria a unidade formal correspondente à segunda Tal solução abriu uma ampla gama de possibilidades Todavia ao pensar a natura communis em termos de uni dade numérica e unidade formal temse a incômoda sensação de que o universal não poderia ter nenhuma das duas Se tivesse a unidade numérica teria que ser particular em si e portanto nunca poderia ser universal Por outro lado se tivesse a unidade formal seria sempre universal e nunca poderia estar em coisas particula res pois tudo que existe no particular é particular Uma possibilidade é pensar a natura communis ou essência como sendo algo mas algo que não tem unidade Essa solução foi desenvolvida por Avicena quando diz que algo como humani dade é apenas humanidade A vantagem de tal abordagem seria não tendo unidade os universais não teriam que ser pensados em termos de unidade numérica ou de unidade formal Por outro lado a dificuldade resi diria no fato de que para que a natura communis pudesse ser per cebida deveria haver naquele que percebe um aparato perceptivo muito complexo e de difícil compreensão Uma segunda solução seria conceber a natura communis ou essência como não sendo algo e portanto dissociada do conceito de unidade Tal maneira de compreender a questão foi proposta História da Filosofia Medieval 180 por Tomás de Aquino e desloca os universais para o âmbito do conceito Essa solução tem a mesma vantagem da anterior do ponto de vista da questão da unidade numérica e unidade formal pois também nesse caso não se aplicaria tal distinção No entanto tal posição tem semelhanças com a posição nominalista Se bem compreendida a posição tomista não é nominalista Porém para um leitor desatento poderia parecer que tomismo e nominalismo ao menos nesse aspecto iriam na mesma direção Outra solução possível seria dizer que a natura communis tem um tipo de unidade diferente da unidade numérica e dife rente da unidade formal João Duns Escoto propôs que a natura communis tem uma unidade menor que a numérica e menor que a formal Ou seja ela tem unidade e tem existência mas a unidade não chega a ser numérica e não chega a ser formal A vantagem de tal abordagem é que o aparato perceptivo nesse contexto não tem que ser extremamente complexo Ao contrário pode ser bem simples Portanto a grande questão era encontrar uma maneira de poder compreender os universais ou seja de pensálos como algo que tenha unidade tudo o que pode ser compreendido é porque possui unidade pois o que não tem uma única definição é diverso e incompreensível Ao mesmo tempo tal compreensão deveria preservar a pro priedade dos universais de serem ditos a respeito de muitas coisas Animal é universal porque pode ser dito de maneira acertada a respeito de muitos seres Mas a definição de animal é apenas uma Por exemplo animal é substância corpórea sensível dotada de movimento próprio Animal tem assim unidade e aptidão para estar em muitos pois animal é parte da essência de muitos seres 181 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Posição nominalista versus doutrina escolástica tradicional Como acabamos de ver os universais foram estudados a partir de uma posição que se poderia chamar de realismo mo derado Tal visão se encaixa em um tipo de realismo porque os universais foram descritos como algo realmente existente no pen samento tendo como substrato os particulares dos quais eles po dem ser predicados Cada ser humano é um ser particular e nada tem de univer sal mas cada um possui em sua essência humanidade Embora em Sócrates esta seja particular pelas características individuali zantes de Sócrates ela é a mesma natureza humana presente no pensamento quando este percebe que Sócrates é um ser humano e é a mesma natureza humana presente na frase Sócrates é um ser humano Contudo principalmente a partir das contribuições de Gui lherme de Ockham o realismo foi duramente criticado por um número considerável de pensadores medievais A posição nomi nalista não foi invenção de Ockham como fica claro pelo fato de que já no século 12 portanto dois séculos antes de Ockham Pe dro Abelardo se manifestava contra a posição dos Nominales que naquele tempo eram os que defendiam que os universais eram meros sopros de vento da fala Tal posição nominalista extrema retiraria qualquer possibili dade de significado de termos como homem e desta maneira a frase declaração universal dos direitos do homem seria des provida de qualquer sentido real Vamos fazer agora um pequeno intervalo em nosso raciocínio e conhecer um pouco mais sobre Guilherme de Ockham História da Filosofia Medieval 182 Guilherme de Ockham Guilherme de Ockham o Inceptor venerabilis nasceu pouco antes de 1300 ao sul de Londres fêzse francis cano estudou em Oxônia onde veio a ensinar foi acu sado por ensinar doutrinas heterodoxas e citado a com parecer em Avinhão Fugindo acolheuse à proteção de Luís da Baviera Imperador defendeme com a espada e eu te defenderei com a pena disse ele segundo de ordinário se refere Desde 1320 viveu em Munique onde representa os interesses políticoeclesiásticos de seu senhor Depois da morte deste procura reconciliarse com o Papa e retratase do procedimento anterior Gui lherme morreu em 1319 em Munique verossimilmente de peste foi aí mesmo sepultado As suas obras mais importantes são Comentário das Sentenças Quodlibeta septem Centiloquium theologicum Quaestiones in libros Physicorum Summulae in libros Physicorum Philosophia naturalis Summa totius lógicae Adaptado de HIRSCHBERGER 2010 A crítica de Ockham ao realismo era um pouco mais sutil e consistente do que a posição nominalista ingênua de alguns dos contemporâneos de Abelardo Em primeiro lugar Ockham insistia que tudo o que existe na realidade é particular Em segundo afirmava que a questão dos universais era meramente lógica e semântica sendo assim perfei tamente solucionável com os recursos das ciências da linguagem Em terceiro dizia que o próprio Aristóteles não sustentou em qual quer passagem de suas obras que gênero e espécie fossem partes constitutivas reais das coisas e nem mesmo que o indivíduo fosse uma substância composta Fica assim evidente que de maneira geral Ockham rejeitou vigorosamente as principais ideias realistas E em particular a po sição de Escoto Junto com a ontologia realista Ockham recusou também a exposição escolástica tradicional da doutrina da abstra ção A exposição escolástica da doutrina da abstração mais cor rente no período medieval fazia uso frequente da doutrina das espécies cuja essência era a seguinte 183 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Na maioria dos casos o objeto exterior está distante dos sentidos externos a visão o tato o olfato a audição e a gustação e entre eles há o meio que muitas vezes é o ar Assim tomando o exemplo da visão podese expor o pro cesso que vai do objeto externo ao intelecto com o recurso das espécies Entre o objeto externo e a vista se forma a espécie ou forma visível A forma visível ao atingir a vista gera a forma sen sível a qual é captada já no interior do cérebro pelo sensus com munis Há ainda a diferença temporal e espacial de presença Ou seja tanto a vista como o sensus communis operam apenas enquanto o objeto exterior está presente O sensus communis co munica a espécie ou forma sensível à phantasia onde se gera o phantasma A diferença fundamental entre phantasma e a espécie sen sível é que ele não opera apenas na presença do objeto exterior e pode portanto ser passado à memória para lá ficar estocado e ser chamado a qualquer momento diante da faculdade cogitativa e ou da faculdade aestimativa A faculdade aestimativa é responsável por uma espécie de cálculo com base em dados que não são totalmente presentes na percepção sensorial direta O fato de o Sol não ser pequeno e não estar escondido atrás das montanhas não é algo que vem pelos sentidos externos pois a vista vê o Sol pequeno e o vê surgir e se pôr atrás do horizonte Mas a faculdade cogitativa é capaz de perceber que o Sol é imenso e que está muito distante da Terra Nesse ponto entra em ação o Intelecto Agente que ilumina o phantasma a fim de realçar nele os traços gerais como que separandoos das caracte rísticas individuantes Assim iluminado o phantasma é elevado ao nível de espécie ou forma inteligível e pode ser apresenta do ao Intelecto Possível que engendra o conceito Este último é universal História da Filosofia Medieval 184 De certa maneira podemos dizer que esse quadro geral es colástico do processo que leva do objeto exterior ao Intelecto Pos sível é muito mais eficaz e adequado para uma ontologia e uma teoria do conhecimento realistas Essa é a razão pela qual Ockham rejeitou a doutrina das es pécies ou formas e propôs uma ontologia totalmente baseada no particular e uma teoria do conhecimento muito complexa e de di fícil compreensão cujas principais ideias ainda são discutidas até hoje 10 A SEGUNDA ESCOLÁSTICA A Segunda Escolástica aconteceu de maneira principal na Pe nínsula Ibérica e envolveu uma renovação da Filosofia da Teologia da Política e do Direito Tal movimento foi iniciado na Espanha do século 15 EC e em Portugal seus efeitos perduraram até o século 18 EC Muitas razões podem ser levantadas para tal ressurgimento do escolasticismo ter ocorrido na Península Ibérica Dentre outras estão o fato de o Humanismo e suas realizações filosóficas não te rem lançado bases tão profundas em Portugal e Espanha e o fato de a península não ter experimentado nem as guerras e nem as profundas divisões religiosas pelas quais passaram França Ingla terra e Alemanha para citar apenas alguns casos A Segunda Escolástica esteve intimamente ligada à Contrar reforma católica principalmente depois do Concílio de Trento e com a filosofia e a teologia de Tomás de Aquino emergindo como sinônimos de ortodoxia e de verdade Contudo não se tratou de pura e simplesmente repetir o que Tomás tinha escrito foi uma volta a Aristóteles que foi traduzido e reinterpretado fundamentalmente a partir das chaves de leitura propostas por Tomás e por João Duns Escoto 185 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Os centros onde a Segunda Escolástica se desenvolveu foram as universidades de Salamanca e Alcalá na Espanha e de Coimbra e Évora em Portugal As ordens religiosas que mais contribuíram no processo foram os dominicanos e os jesuítas Assim como Paris e nas outras universidades francesas dos séculos 12 e 13 EC naquelas cidades universitárias espanholas e portuguesas havia uma intensa vida cultural sobretudo ligada à presença dos estudantes dos cursos de Artes e das faculdades de Direito Medicina e Teologia A designação Segunda Escolástica referese sobretudo ao fato de que os temas tratados por seus principais expoentes no campo filosófico não eram essencialmente diferentes daqueles que ganharam destaque na Escolástica medieval O que distinguiu a Segunda Escolástica foi a preocupação sistemática e metodoló gica mais ou menos eclética com o modo de exposição além do uso erudito do Latim nos moldes renascentistas Será que estudar a segunda escolástica é filosoficamente instigante Para ilustrar a importância e o caráter escolástico da filo sofia produzida no período da Segunda Escolástica vamos analisar mais de perto o pensamento dos filósofos que estudaram e ou que trabalharam em Coimbra Portugal no século 16 Nossa atenção vai se concentrar principalmente nos filóso fos chamados conimbricenses Um tema que pode nos ajudar a contextualizar e compreender melhor a filosofia daquele período é a reflexão sobre a imortalidade da alma Adicionalmente tal estudo nos ajudará a compreender a li gação de temas como este com aquilo que se chama psicologia filosófica ou melhor ideias psicológicas Caso queira se apro fundar ainda mais no assunto no tópico EReferências você pode rá encontrar um link para uma versão anterior da exposição que se segue intitulado Imortalidade da Alma e Percepção e Cognição nos Conimbricenses História da Filosofia Medieval 186 Outra maneira de abordar a chamada psicologia filosófica é considerála como o conjunto das teorias da percepção sensorial e da cognição A relevância histórica do estudo da psicologia filosófica dos conimbricenses está evidenciada pela relação estreita entre as discussões protagonizadas por eles no contexto do V Concílio de Latrão Tratase de um fato importantíssimo para a História da Psi cologia Filosófica dos séculos 16 e 17 principalmente para os jesu ítas e para René Descartes Contudo para compreender a relevância daquele Concílio temse em primeiro lugar que analisar a história da doutrina cristã da imortalidade da alma No contexto da tradição bíblica tanto no que se refere ao Antigo quanto ao que se refere ao Novo Testamento não é nada fácil encontrar elementos para sustentar que a concepção de imor talidade da alma era familiar ao judaísmo bíblico Há algumas dificuldades com relação a esse tema Primei ro na abordagem filológica pois não parece haver nem no Antigo nem no Novo Testamento um termo equivalente a alma enten dido como algo distinto de corpo Tanto nephesh quanto psyche reforçam mais uma abordagem da pessoa humana como um todo como alguém que tem o sopro de vida do que uma separação entre alma e corpo Informação complementar Julius Guttmann em seu A filosofia do judaísmo pareceu identificar também uma crença na imortalidade da alma na Bíblia Hebraica talvez por influência das crenças de outros povos Na verdade ele de alguma maneira associa ressurrei ção e imortalidade da alma Como suas afirmações são por demasia vagas não há como saber exatamente a que ele se refere MADEIRA 2009 Estudar aprofundadamente a exegese dos textos certamen te é fundamental para estabelecer se o judaísmo do início do cris tianismo foi influenciado pelas concepções gregas ou persas cer tamente muito antigas de que a alma se separa do corpo e que sobrevive indefinidamente num outro plano 187 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Contudo para os objetivos desta abordagem é suficiente ressaltar que há uma distinção significativa entre a ressurreição que aparece em algumas passagens da Bíblia e a crença na imor talidade da alma A ressurreição ou a elevação de alguns persona gens bíblicos ao céu tem três características importantes exata mente opostas ao conceito de imortalidade da alma Seria da pessoa toda e não de alguma parte da pessoa Não ocorreria necessariamente depois da morte do cor po Seria algo experimentado apenas por algumas pessoas não uma característica geral da pessoa humana A ressurreição Antes do Novo Testamento o tema da ressurreição na Bíblia surge no livro de Daniel e no segundo livro dos Macabeus neste último caso a ressurreição é apresentada como uma esperança num contexto em que famílias inteiras eram exterminadas impedindo portanto que a permanência através da descendên cia e da transmissão das tradições tivesse lugar Se até o tempo dos Macabeus não era necessário se preocupar com o pósmorte visto que terminada a existên cia da pessoa esta se juntaria aos seus antepassados no Sheol permanecendo em sua prole e nas tradições passadas de geração em geração a partir daquela situação de genocídio o tema da permanência individual após a morte se tornou premente MADEIRA 2009 O que parece estar acima de qualquer dúvida é o fato de que a imortalidade da alma não esteve sempre presente de maneira inequívoca na tradição cristã pois não foi herdada do judaísmo e nem teria sido recebida de maneira natural por intermédio da influência grega Lembremonos de que a crença de que após a morte a sombra da pessoa iria para o Hades não equivalia a pen sar numa alma individual que sobrevivesse à destruição do corpo MADEIRA 2009 Contudo com o passar dos séculos a crença na imortalidade da alma se impôs como uma necessidade inescapável do pensa mento cristão principalmente no que se refere à necessidade de defender a igualdade e a dignidade entre todas as pessoas História da Filosofia Medieval 188 Ela se imporia como condição essencial para a responsabi lidade pessoal pelas próprias ações e portanto para a imputabi lidade das boas e das más ações de uma pessoa com vistas à sua salvação ou condenação eterna Outra forte razão para a crença na imortalidade da alma no cristianismo está ligada à crença na presença de Deus nas pessoas pois a revelação que chega aos ouvidos entra no entendimento da pessoa e passa a lá residir na forma de verdade Como a verdade possui os atributos divinos de ser única e permanente o local onde a verdade habita na pessoa tem que permanecer pois do contrário o caráter perecível do continente alma humana sairia vencedor com relação ao caráter eterno da verdade Deus A Teologia da Antiguidade e da Idade Média defendem jus tamente o contrário ou seja que o divino e mais nobre promo ve a elevação do humano e perecível ao seu patamar Portanto a crença na imortalidade da alma se impôs como necessária para o cristianismo Feitas estas considerações fica evidenciado o fato de que no século 16 assim como nos anteriores as autoridades eclesiás ticas viramse na obrigação de reforçar a crença na imortalidade da alma e de exortar os teólogos e filósofos cristãos a provar por todos os meios possíveis que não havia incompatibilidade entre a razão e a doutrina cristã Vamos relembrar um pouco de História da Filosofia No Renascimento houve um interessante debate a respeito da imortalidade da alma cujas implicações epistemológicas meta físicas e teológicas foram importantes para a História da Filosofia principalmente nos séculos 16 e 17 No âmbito da metafísica a questão principal envolvia a existência ou não de algo que dá a vida aos seres humanos de tal 189 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental maneira que eles adquiram um status de superioridade quando comparados com outros animais e que tenham a capacidade de se perpetuar de alguma maneira Se houver algo que dá a vida então deve haver uma alma humana que transcende o corpo perecível Contudo há a questão da evidência que pode ser encontrada para postular tal entidade e a dúvida sobre o que significa para o ser humano ser um ser espiritual Se a resposta para a questão inicial for que não há diferença significativa entre os seres humanos e os outros animais o que implicaria em negar que o ser humano seja constituído por alma e corpo então surge a questão sobre o que seria a consciência e o que seria a verdade De um problema metafísico se chega a um problema episte mológico Se há verdade e se esta verdade reside na consciência então há um intelecto que apreende a verdade Se a verdade per manece verdade então é lícito perguntar se o intelecto que a co nhece também deve permanecer ou seja se o intelecto é eterno assim como a verdade que está nele permanece sempre verdade Nesse contexto surge uma questão teológica É Deus quem cria e mantém a verdade sendo Ele próprio espiritual Então o in telecto uma vez que adquire a verdade deve ser também teoló gico A questão é se o entendimento humano seria portanto di vino em algum grau E mesmo que a questão da distinção en tre mente e corpo for taxativamente negada ainda permanece a questão dos atributos divinos da verdade que seria eterna trans pessoal e comunicável Além disso se o ser humano tem algo de divino então se coloca a questão da falibilidade e da fragilidade humana Nessa linha impõese a questão referente à possibilidade de erro de jul gamento tanto em nível intelectual quanto em nível moral pois o História da Filosofia Medieval 190 ser humano tem que ser responsável de alguma maneira por tais erros de julgamento para ser imputável passível de ser responsa bilizado por suas boas ou más ações Ainda que se negue o caráter espiritual do ser humano os princípios básicos da moralidade tem que ser de alguma maneira associados diretamente com a natureza humana No contexto medieval a questão da imortalidade da alma surgia dentre outros momentos no debate sobre a mortalidade do corpo e a salvação da alma individual debate que estava ligado às Sentenças de Pedro Lombardo A discussão ficou ainda mais complexa com a recepção dos comentários de Averróis ao De anima nos quais este parece negar a imortalidade da alma individual a salvação individual e a respon sabilidade humana pelas próprias ações Tomás de Aquino se dispôs a resolver essa dificuldade com uma interpretação correta e adequada do texto de Aristóteles e uma análise da estrutura da alma humana do ponto de vista teóri co a fim de demonstrar em que sentido ontológico e epistemoló gico se pode dizer que a alma do indivíduo é imortal A partir de então a abordagem teórica das questões referen tes à alma humana esteve ligada à questão de como o texto do De anima poderia ser mais bem interpretado O Renascimento produziu importantes ferramentas filológi cas e linguísticas que permitiram estudar de maneira mais provei tosa tanto Aristóteles quanto os demais autores clássicos Também havia no período a preocupação em estudar Anatomia Fisiologia e as demais artes médicas de tal maneira que houve importantes discussões sobre a Anatomia e a Fisiologia cerebrais e sobre as funções e faculdades da alma A questão da compatibilidade entre Aristóteles e a doutrina cristã central no século 13 EC e nos seguintes foi perdendo força e a imortalidade da alma passou a ser discutida sob o ponto de vis 191 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental ta das diferentes correntes teológicas A questão epistemológica concentrouse no valor interpessoal da cognição No Concílio de Florença 1439 o filósofo bizantino Jorge Ge misto conhecido como Pleto lançou um ataque ao aristotelismo latino dizendo que Aristóteles tinha sido inconsistente ao defender a imortalidade da alma no De anima mas não na Ética e que por isso Alexandre de Afrodísias tinha postulado que o Estagirita de fendia que a alma humana era mortal As reações a esse debate teriam levado Cosimo de Médici a encarregar Marsilio Ficino de tornar acessíveis as fontes platônicas e neoplatônicas Ficino então compôs sua famosa obra Teologia Platônica Para Ficino o principal erro de Averróis em seus comen tários tinha sido o de negar que a substância do intelecto pode ser a forma que aprimora o corpo que é a atualização da vida do corpo Mas quais seriam as dificuldades para se pensar a compatibilidade entre a razão e a doutrina cristã no século 16 O debate sobre a imortalidade da alma seguiu esse rumo em vários lugares principalmente em Pádua até que Pietro Pomponazzi 14621525 publicou sua obra Tratado sobre a imortalidade da alma na qual ele postula que o ser humano ocupa o lugar médio entre o material e o espiritual entre o mortal e o imortal Pomponazzi referese às operações vegetativas e sensitivas da alma que ocorrem ao nível corpóreo portanto mortais e às operações intelectivas que operam independentemente do corpo portanto imortais Em si o ser humano não é mortal em sentido absoluto e nem é imortal em sentido absoluto As soluções para a ambiguidade que se segue lhe pareciam ser três Todo homem teria uma alma mortal individual e uma alma imortal universal História da Filosofia Medieval 192 A alma intelectiva é uma força totalmente separada que move a alma sensitiva A alma humana é em si imortal mas em certo sentido é mortal A terceira solução seria a de Tomás de Aquino e como con sequência concebe as faculdades sensitivas e intelectivas como uma mesma coisa Suárez 1960 com relação ao sensus communis e a phantasia Considera também que a alma é a forma ou essência do ser humano e não uma força externa que há tantas almas quantos seres humanos individuais que a alma é colocada por Deus em cada pessoa no momento em que esta é criada mas sobrevive ao perecimento do corpo Para Pomponazzi o ser humano está a meio caminho entre o mundo material e o mundo espiritual sendo que o intelecto hu mano está intimamente ligado ao corpo pois necessita dos senti dos para conhecer necessita dos phantasmas Como tudo isto faz com que a questão da alma não possa ser resolvida com clareza ele defende a doutrina averroísta da dupla verdade uma teológi ca e outra filosófica independentes e distintas As conclusões de Pomponazzi estavam em flagrante desa cordo com a recomendação feita pelo V Concílio Lateranense de alguns anos antes 1513 que exortava não somente os teólogos mas também os filósofos a utilizarem todos os meios para provar tanto quanto possível a verdade da religião cristã de que a alma humana individual é imortal Esse fato histórico ajuda a explicar porque a nascente Com panhia de Jesus produziu já no século 16 inúmeros comentários manuscritos ao De anima de Aristóteles sendo que três deles fo ram publicados ainda naquele século os comentários ao De ani ma de Francisco Toledo 1574 e dos Conimbricenses 1598 e uma sessão dedicada a pontos essenciais ligados ao De anima nos Co mentários à Metafísica de Aristóteles de Pedro da Fonseca 1589 193 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental Também há elementos para entender melhor por que tan to Pedro da Fonseca quanto os Conimbricenses questionam em inúmeros lugares a autoridade filosófica do cardeal Tomás de Vio Caetano A razão para a atitude crítica e a rejeição de inúmeros pontos da leitura que Caetano fez de Aristóteles por parte daque les jesuítas estaria ligada à rejeição da leitura de Aristóteles feita em Pádua principalmente por Pedro Pomponazzi Caetano estu dou em Pádua e tinha ligação de amizade com Pomponazzi Nesse contexto estava em jogo a tradição cujo proponente principal foi Averróis pensar que segundo a razão ou seja se gundo a obra de Aristóteles a alma humana é mortal e o intelec to agente é único para todos os seres humanos e imortal Portanto a imortalidade da alma humana individual somen te poderia ser provada em outro contexto ou seja somente pela revelação é que tal prova poderia ser alcançada É claro que Caeta no nunca desposou tal posição com toda a clareza apesar de sua posição parecer ter se alterado ao longo de sua carreira Contudo vários pontos de sua exposição sobre percepção e cognição propõem uma leitura que se distancia da tradição peripa tética escolástica e se aproxima dos resultados obtidos pelo aver roísmo e pelo aristotelismo renascentista seguidor de Alexandre de Afrodísias Mas seria essa uma preocupação apenas com os aspectos filosóficos da questão Outro elemento interessante surgiu com a análise do Co mentário ao De anima dos Conimbricenses a constatação de que já na esteira de Pedro da Fonseca a preocupação tinha se deslo cado da análise filológica do texto de Aristóteles a explicação do texto é uma parte muito pequena do referido Comentário para a resposta às principais questões filosóficas e teológicas suscitadas pelo De anima História da Filosofia Medieval 194 Ou seja o que importaria para eles não era descobrir se Aris tóteles defendia ou não a imortalidade da alma humana individu al mas sim apresentar os argumentos de que a razão dispõe para provar tal imortalidade Temos que estar atentos aqui ao fato de que o coroamento dessa libertação da interpretação estrita do tex to filosófico deuse nas Disputationes metaphysicae de Francisco Suárez 1597 Para Suárez a alma não pode ser destruída pois não é de natureza composta Daí vem a consequente postulação de que no âmbito do mental não há distinção entre faculdades sensitivas e intelectivas A alma portanto somente poderia ser destruída por Deus O corpo por outro lado é composto e por isso é perecível Os conimbricenses concordam com a definição aristotélica de que a alma humana é ato primeiro substancial ao corpo or gânico que tem vida em potência Como ato entendese que a alma não é composta como ato primeiro substancial entende se que é distinta de suas operações e das formas naturais dos se res não vivos Segundo os conimbricenses a alma é aquilo por meio do qual vivemos sentimos mudamos de lugar e entendemos A alma não está toda em nenhuma parte do corpo mas toda em todas as partes Mas não da mesma maneira pois a vista está no olho a phantasia no cérebro enquanto o intelecto e vontade estão igual mente em todo o corpo A alma é forma do corpo e princípio de nossa atividade sen do portanto simples espiritual subsistente imortal e igual em relação às almas das outras pessoas Qual seria a visão conimbricense a respeito da percepção O problema do papel da percepção no processo do conheci mento era considerado uma das questões centrais da Filosofia Es colástica Considerando o conhecimento em sua forma mais sim 195 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental ples podese dizer que se daria durante o processo de recepção pelos sentidos da forma sem a matéria A forma sensível depois de passar pelo sensus communis e perder a diferença de presença tornavase o phantasma e este posteriormente era elevado pelo intelecto e tornavase a forma inteligível No que concerne à faculdade sensitiva os conimbricenses entendem que seja considerada sob três aspectos dos quais o pri meiro e o terceiro são passivos e o segundo é ativo Recebe do objeto a forma Depois de receber a forma produz o ato de sentir Recebe o ato de sentir No que diz respeito à necessidade das espécies sensíveis os conimbricenses defendem que é a espécie sensível que determina a faculdade de sentir em si indeterminada para que receba este ou aquele singular Escoto Alberto e Capreolo Porém para existir e permanecer a espécie sensível depende da presença do objeto Os sentidos internos podem ser divididos em quatro tipos sensus communis phantasia cogitativa ou aestimativa e memó ria Porém na verdade podem ser reduzidos a dois como postu lou Fonseca sensus communis e phantasia Esta última phanta sia seria um único sentido mas com as funções de imaginação cogitação e memória O autor do comentário ao De anima Manuel de Góis acres centa que esta nossa opinião não contradiz a doutrina peripatéti ca Na opinião de Manuel de Góis em total acordo com Pedro da Fonseca não podem os dois sentidos externos serem reduzidos a apenas um como queria Suárez e nem se pode rejeitar o sensus communis como queria Francisco Toledo Os conimbricenses também apresentam várias conclusões interessantes que aqui não poderemos contudo estudar em de História da Filosofia Medieval 196 talhes Por exemplo explicam que a localização dos sentidos inter nos é sensus communis na parte anterior do cérebro e phantasia em todo o cérebro Também ensinam que o conhecimento intelectual pode ser intuitivo eou abstrativo Abstrativo ou de simples inteligência se ria o conhecimento de qualquer coisa que não está presente In tuitivo ou de visão seria a percepção do objeto presente 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade ou seja a influência Aristotélica na formação do pen samento ocidental o papel de Tomás de Aquino Guilherme de Ockham e Duns Escoto principalmente com relação ao temas Es sência Existência Problema da Individuação e Problema dos Uni versais Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Você seria capaz de apontar qual foi o papel da falsafa para a Filosofia Oci dental 2 De que maneira você apresentaria as cinco vias para provar a existência de Deus apresentadas por Tomás de Aquino Qual é o ponto principal de cada uma delas E qual é o ponto que as unifica 3 Qual foi o fato curioso com relação ao que se diz sobre Deus nas vias propos tas para provar a Sua existência 4 Com base nos seus estudos você seria capaz de se arriscar a dizer qual seria a solução para o Problema da Individuação na Idade Média 5 No que concerne ao famoso Problema dos Universais em que consiste a posição nominalista E qual é a posição escolástica tradicional Você já pode diferenciálas claramente 197 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 12 CONSIDERAÇÕES Nesta terceira unidade você pôde analisar a filosofia desen volvida pelos principais autores medievais tais como o dominicano Tomás de Aquino e o franciscano João Duns Escoto dentre outros Esses autores se preocuparam com temas como Essência e Existência o Problema dos Universais o Problema da Individuação as provas da existência de Deus etc Lançaram mão de termos téc nicos como Ser esse natureza comum natura communis ser em geral ens commune ente O uso destes e de muitos outros termos e as distinções produzidas por tal uso são sutis e complexos Contudo após este contato mais próximo com a Filosofia Medieval sua curiosidade intelectual certamente ficou aguçada e você poderá aprofundar seus estudos com as referências com plementares Depois deste contato sistemático com a Filosofia Medieval você já tem condições de continuar suas leituras a respeito desse período fascinante e instigante da História da Filosofia É claro que os temas estudados são muito complexos e sofisticados e não se deixam compreender com uma leitura superficial e apressada ali ás você já percebeu que todos os filósofos importantes produzi ram textos profundos mas demandam muitas releituras e muita dedicação Neste CRC de História da Filosofia Medieval você teve um bom aperitivo desse imenso arcabouço filosófico e desenvolveu seu gosto por novos temas e autores Isto certamente lhe será muito útil nos estudos 13 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Tomás de Aquino Disponível em httpwwwsnpculturaorgvolcincovias cincoimpasseshtml Acesso em 15 dez 2009 História da Filosofia Medieval 198 Figura 2 João Duns Scoto Disponível em httpwwwpromotoresdavidaorgbr imagesstoriesJuanEscotojpg Acesso em 08 fev 2011 Figura 3 Guilherme de Ockham Disponível em httpniuolcombrlicaodecasa biografiasockhamjpg Acesso em 08 fev 2011 Sites pesquisados AQUINATE Guilherme de Ockham príncipe dos nominalistas 12801349 Disponível em httpwwwaquinatenetportalTomismoAntitomistasantitomistasguilherme deockhamhtm Acesso em 14 dez 2009 AQUINO T O ente e a essência Trad Mário Santiago de Carvalho Disponível em http wwwiefucptUserFilesstomasdeentepdf Acesso em 08 fev 2011 CARVALHO C J G V Santo Tomás de Aquino um Filósofo Admirável disponível em httpwwwconscienciaorgaquinovidigalshtml Acesso em 14 dez 2009 FALCON F J C A Cultura Renascentista Portuguesa disponível em httpwwwletras pucriobrCatedrarevista1Sem03html Acesso em 14 dez 2009 FREITAS M B C Duns Escoto Perante as Recentes Investigações HistóricoCríticas Disponível em httpwwwlusosofianettextoscostafreitsmanuelbarbosajoao dunsescotopdf Acesso em 14 dez 2009 HIRSCHBERGER J São Tomás de Aquino História da Filosofia na Idade Média Disponível em httpwwwconscienciaorgfilosofiamedieval19saotomasdeaquinoshtml Acesso em 15 jan 2010 A escola franciscana mais recente doutrinas antigas e novas História da Filosofia na Idade Média Disponível em httpwwwconscienciaorgfilosofia medieval21escolafranciscanashtml Acesso em 15 jan 2010 LANDIM FILHO R A questão dos universais segundo a teoria tomista da abstração Disponível em wwwufjfbrbibliojffiles200910landim3pdf Acesso em 08 fev 2011 MADEIRA J B Imortalidade da Alma e Percepção e Cognição nos Conimbricenses Disponível em httpiiiseminariofariasbritoblogspotcom Acesso em 09 fev 2011 MOURA D O A Filosofia de S Tomás de Aquino e as XXIV Teses Tomistas Disponível em httpwwwsantotomascombrp496 Acesso em 08 fev 2011 MUNDO DOS FILÓSOFOS Santo Tomás de Aquino a vida e as obras Disponível em httpwwwmundodosfilosofoscombraquinohtm Acesso em 14 dez 2009 SOUZA NETO F B Introdução à O ente e a essência Disponível em httpsalterrae orgdivulgacaooenteeaessencia Acesso em 08 fev 2011 199 Claretiano Centro Universitário U3 Aristotelismo e Neoplatonismo no Pensamento Medieval Ocidental 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AQUINO T Seleção de textos São Paulo Nova Cultural 1988 Coleção Os Pensadores O ente e a essência Tradução de Carlos Arthur do Nascimento Petrópolis Vozes 1995 ATTIE FILHO M Falsafa a filosofia entre os árabes São Paulo Palas Athena 2002 GILSON E A filosofia na idade média São Paulo Martins Fontes 2001 A filosofia na idade média São Paulo Martins Fontes 1995 LIBERA A de A filosofia medieval São Paulo Loyola 1998 REALE G ANTISERI D História da filosofia Patrística e Escolástica São Paulo Paulus 2005 v 2 SUÁREZ F Commentaria una cum Quaestionibus in Libros Aristotelis De anima Comentarios a los libros de Aristóteles sobre el Alma t 1 Madrid Sociedad de Estudios y Publicaciones 1978 t II Madrid Labor 1981 t III Madrid Fundación Xavier Zubiri 1991 Disputaciones Metafísicas Madrid Editorial Gredos 1960 Claretiano Centro Universitário