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APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA Moema Augusta Soares de Castro Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais TécnicoConsultora Aposentada da Assembléia Legislativa de Minas Gerais Advogada APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA Moema Augusta Soares de Castro Sumário 1 Introdução 2 A empresa 21 A empresa contemporânea 22 Conceito econômico de empresa 23 Conceito jurídico de empresa 3 O empresário 31 Espécies de empresário 32 O empresário casado 33 O empresário rural 4 Sociedade simples 5 Distinção entre sociedade simples e empresária 6 Fundamentos constitucionais do direito de empresa 7 A atividade empresária e o mercado 8 Conclusão 9 Bibliografi a 1 INTRODUÇÃO O Direito Comercial desde a sua origem sempre esteve voltado para o comércio internacional de início o marítimo e na atualidade sem fronteiras para o exercício das atividades mercantis incentivado pelas facilidades decorrentes da internet As atividades comerciais sempre demandaram um direito próprio que foi continuamente renovado à medida que os fatos sociais a produção e a tecnologia evoluíram Do artesão para o mercador deste para o comerciante individual e para a sociedade comercial as transformações ocorridas nas atividades produtivas no decorrer dos séculos passaram por inúmeros estágios de desenvolvimento Assim esse ramo do direito privado por sua própria natureza e em virtude de fatores econômicos sociais e políticos sempre foi e SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 114 continua sendo muito receptivo aos novos rumos da atividade mercantil Sem dúvida alguma é o ramo do direito que não pode ser considerado defi nitivo mas uma ciência continuamente em processo de eterna evolução Podese dizer com certeza de que é um dos ramos da ciência jurídica que mais acompanha a velocidade das mudanças que acontecem na vida econômica A prática decorrente da atividade mercantil costuma ocorrer antes da respectiva regulamentação jurídica Um dos mais recentes exemplos é o comércio feito via Internet em que somente depois de sua intensa movimentação sentiuse a necessidade de dotar a prática de mecanismos jurídicos de regulação ainda inconsistentes e insatisfatórios até o momento Daí a razão de ser de seu dinamismo e de alguns dos elementos que o distinguem rapidez elasticidade e internacionalidade A velocidade dos negócios impõe celeridade na utilização dos mecanismos jurídicos À proporção que os usos vão consagrando regras nas transações comerciais o direito empresarial as aceita Assim é um direito capaz de renovarse constantemente além de aformalístico tornando mais simples e rápida a aplicação das suas regras A nomenclatura da disciplina também passou por processo evolutivo embora ainda haja controvérsia e alguma resistência a essa alteração A ampliação da área de abrangência das regras jurídicas que constituem o fundamento do direito comercial compõe a base legal que sustenta o desenvolvimento da atividade mercantil Não se trata de um direito novo mas de novas formas para melhor amparar esse crescimento O chamado direito das empresas quando se refere às empresas comerciais é o mesmo direito comercial1 só que renovado atual e erigido por norma legal in casu o Código Civil de 20022 O comerciante agente propulsor dessas atividades adaptouse rapidamente à nova ordem e por conseguinte verifi couse sensível alteração nas suas características Devido ao incremento dos negócios desses agentes hoje chamados de empresários individuais ou coletivos passaram a necessitar de uma 1 MARTINS Fran Curso de direito comercial Rio de Janeiro Forense 1999 p12 2 CASTRO Moema Augusta Soares Manual de direito empresarial Rio de Janeiro Forense 2007 p 1 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 115 organização formada de capital e trabalho que atendesse às demandas do comércio Surge então a empresa que lentamente foi se desenvolvendo até completar o seu processo evolutivo como a conhecemos hoje No magistério de Verçosa3 o tratamento da empresa constante do Código Civil2002 não abrange evidentemente todo o Direito aplicável à empresa mas somente pequena parte dele Nesse sentido o Direito Comercial sempre será o Direito de ou da Empresa mas nem todo Direito de Empresa será Direito Comercial Muito embora o direito empresarial seja um ramo autônomo do direito privado mantém íntimas relações com outras áreas tais como direito constitucional civil do trabalho tributário processual penal e econômico Deste último recebe infl uência marcante dada a intrínseca ligação entre as respectivas normas que devem coordenar a atuação das empresas seja pela livre concorrência seja pela política e conjuntura econômica adotada em dado momento da atividade empresarial de cada país Considerandose que o núcleo atomizador do direito empresarial é a empresa nada mais coerente que iniciemos nossas considerações com ela 2 A EMPRESA Na língua italiana impresa signifi ca aquilo que se empreende A palavra implica a idéia de dinamismo de contínua movimentação e de riscos Derivada do latim prehensus de prehendere empreender praticar possui o sentido de empreendimento ou cometimento intentado para a realização de um objetivo conforme nos relata Plácido e Silva4 Do vocábulo formase o verbo empresar que signifi ca produzir fi nanciar participar como empresário ou produtor Assim a etimologia da palavra revela um dos seus elementos subjetivos naturais o empreendedor o autor do cometimento empresarial Para Ripert as palavras empresa e empresário pertencem à língua corrente O uso lhes deu sentido diferente A primeira é usada para designar toda atividade orientada para certo fi m a segunda para 3 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso de direito comercial v 1 São Paulo Malheiros Editores 2004 p 105 4 SILVA de Plácido e Vocabulário Jurídico Rio de Janeiro 2001 p 303 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 116 qualifi car a pessoa natural ou jurídica que profi ssionalmente executa certos trabalhos5 Catharino6 noticia que no Secular Novo Dicionário de Constâncio está escrito cousa que se empreende tentativa arriscada difícil especulação mercantil A palavra possui acepções diversas mas ao mesmo tempo muito próximas a uma ligação histórica especialmente ao período mercantilista e às grandes viagens nas quais o fator risco era preponderante Representavam uma indicação de mudança status mediante das riquezas conquistadas O risco no empreendimento isto é na empresa tinha como prêmio se bemsucedido o direito à fortuna e ao lucro7 21 EMPRESA CONTEMPORÂNEA Nos dias atuais podemos dizer que encontramos a empresa na fase do capitalismo de grupos caracterizada pela dissociação entre a propriedade passiva e a ativa gestão Isso não quer dizer que não coexistam pacifi camente os dois modelos o antigo em cuja base encontrase o empreendedor inteiramente identifi cado com o próprio empreendimento Vale dizer a micro ou a empresa de pequeno porte em que o empresário pessoa física dirige e praticamente executa ao mesmo tempo todas as atividades inerentes ao seu negócio Ou seja ele faz tudo sozinho No seu negócio as propriedades passiva e ativa estão associadas O modelo relativo a grandes empresas e a grupos de empresas refl ete a dissociação entre a propriedade passiva e a ativa Isto é os acionistas os donos do capital nem sempre são os dirigentes do empreendimento Nos grandes negócios na atividade econômica de vulto formouse uma classe de categorizados profi ssionais ciosos e orgulhosos de sua posição os managers os executivos A esses homens com a dissociação existente e crescente entre a propriedade e o controle dos bens tem sido entregue 5 RIPERT Georges Aspectos jurídicos do capitalismo moderno São Paulo Freitas Bastos 1947 p 276 6 CATHARINO José Martins Algo sobre a empresa Revista da Faculdade de Direito da UFPR Curitiba n11 1968 pp 6179 7 SOUZA Washington Peluso Albino de Direito econômico e economia política Belo Horizonte Edit UFMG 197071 v 2 p 121 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 117 o comando dos negócios criando um apartado de príncipes da indústria no dizer de Álvares 8 Uma idéia que podemos tomar emprestada para explicarmos o convívio dos dois modelos é a da circulação sangüínea do corpo humano Se compararmos o centro da circulação o coração à grande empresa podese verifi car que sem os pequeninos vasos periféricos o sangue não fl uiria para as pontas dos membros superiores e inferiores Nesse sentido é que aparece a importância da microempresa e da empresa de pequeno porte sem elas a circulação econômica não seria possível Teríamos fatalmente a necrose da periferia dos membros inferiores imagem fi gurada que podemos transportar para a circulação da economia no sentido da distribuição da produção de bens e de serviços em geral 22 CONCEITO ECONÔMICO DE EMPRESA Empresa é o exercício da atividade econômica organizada para a produção de bens e de serviços para o mercado Empresa e mercados estão estreitamente ligados ao sistema capitalista como referido por Asquini9 Se a empresa organizada depende da dinâmica dos mercados a função do empresário individual ou coletivo é criar riquezas A empresarialidade pressupõe como elementos essenciais o conceito de empresário como agente da atividade da empresa e o de estabelecimento com o objetivo de adotar regime jurídico próprio da empresa no direito comercial A idéia da empresa como organização dos fatores da produção é a mais difundida entre economistas e juristas e é pacífi co o conceito econômico de empresa a partir dela A prova irrefutável é a adoção desse conceito pelo Código Civil italiano de 1942 e pelo brasileiro de 2002 Examinandose as diversas concepções econômicas relativas à empresa Despax chegou à conclusão de que há duas correntes que defi nem a empresa uma corrente restritiva e outra extensiva Segundo a concepção restritiva o termo empresa deve ser reservado à empresa capitalista a qual se caracteriza pelo recurso reservado ao 8 ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1976 p 96 9 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale V 41 Milano 1943 pp 2 ss SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 118 trabalho alheio e pela fi nalidade lucrativa que inspira a sua atividade São adeptos dessa corrente Perroux e Marchal A essa concepção restritiva opõese a concepção extensiva que é atribuída a Truchy e tem como principal defensor James Este conceitua a empresa como todo organismo que se propõe essencialmente a produzir para o mercado certos bens ou serviços sendo independente fi nanceiramente de qualquer outro10 Despax fi liase à concepção extensiva porque considera arbitrário o entendimento de reservarse o termo empresa somente para aquelas capitalistas Souza é da mesma opinião e entende que não se deve vincular concepções científi cas a determinado regime seja ele capitalista socialista ou fascista A empresa instituição jurídica não se interessa pela aparência política e nem pelas dimensões da organização porque esta deve caracterizarse pela universalidade 11 Hoje já não há mais sentido nestas diferenças de concepção eis que a maioria dos países adota o regime capitalista Fica aqui apenas o registro histórico A concepção de empresa como organização dos fatores de produção ajudou a desvincular o seu conceito da idéia de centro de combinação desses fatores ou seja de estabelecimento Atualmente é pacífi ca a diferença entre empresa e estabelecimento considerandose a primeira como unidade econômica e ao segundo como unidade técnica O estabelecimento é o instrumento de que se vale o empresário individual ou coletivo para o exercício da atividade econômica Assim uma empresa pode contar com mais de um estabelecimento 23 CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA A confusão entre os autores a respeito do conceito jurídico de empresa era revelada pelo tratamento dado a ela cefaléia dos comercialistas12 10 DESPAX Michel Lentreprise et le Droit Paris LGDJ 1957 p 7 11 SOUZA Ruy de O Direito das Empresas Belo Horizonte Bernardo Álvares 1959 pp 211212 12 REQUIÃO Rubens A função social da empresa no Estado de Direito Curitiba Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná n 19 197880 p 263 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 119 ente fantasmagórico13 abstração14 e centauro jurídico15 e comparada por Ferreira à personagem de um fi lme chamada Rebeca mulher falada todo o tempo mas que ninguém vê na tela16 Todas essas difi culdades acabaram por levar alguns estudiosos a tentar afastar essa questão por meio da negação da possibilidade ou da necessidade de ser a empresa considerada como categoria jurídica Não importa se os juristas não chegavam a um acordo sobre valerse ou não do conceito econômico para o jurídico Ou se procurava apartar os conceitos econômicos e jurídicos de empresa ou se defendia a adoção pura e simples da noção econômica da empresa ao campo do direito O que importava era não se perder de vista o fato econômico empresa regulandoo juridicamente para que sua atuação pudesse ajustarse aos interesses sociais Asquini17 defende a segunda corrente o direito deve partir da idéia econômica da empresa procurando regular sua existência e seu funcionamento por intermédio de princípios puramente jurídicos E acrescenta que o conceito de empresa corresponde a um fenômeno poliédrico que não tem um só aspecto jurídico mas distintos perfi s considerandose os diversos elementos que o interagem Asquini ao analisar o art 2082 do Código Civil italiano separa os atributos ou as condições de qualifi cação do agente a que dá o nome de perfi l subjetivo Denomina perfi l objetivo à universalidade de bens Às relações de trabalho chama de perfi l institucional O perfi l funcional é o ligado à função exercida pela produção da empresa para o mercado Na dicção de Requião os quatro perfi s de Asquini se reduzem a três posto que não há nenhuma norma legal em que se possa encontrar o sentido de organização de pessoal18 Contra a doutrina de Asquini insurgiuse Ferrara numa obra sobre a azienda Sustenta o professor de Florença que o problema conceitual de 13 FERRARA Francesco Sulla nozione dimprenditore nel nuovo Codice Civile Milano Rivista del Diritto Comérciale n 42 1944 p 47 14 BRUNETTI Antonio Tratado del Derecho de las Sociedades Vol 1 Trad Felipe de SolaCañizares Buenos Aires Uteha 1960 p 70 15 CATHARINO José Martins Algo sobre a empresa Curitiba Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná n 11 1968 p 65 16 FERREIRA Waldemar A elaboração do conceito de empresa para extensão no âmbito do direito comercial Rio de Janeiro Revista Forense n 158 marabr 1955 p 40 17 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale V 41 Milano 1943 pp 79 18 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial V1 25 ed São PauloSaraiva 2003 p 56 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 120 empresa é simplesmente de direito positivo porque se trata de interpretar a lei O conceito de empresa não tem para ele relevância jurídica pois os efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita ou seja o empresário19 Correia20 vê na empresa a expressão de um círculo de actividade regido pela pessoa do empresário fazendo apelo a factores e elementos de natureza heterogênea actuando sobre um patrimônio de coisas e direitos dando origem a relações jurídicas econômicas e sociais polarizados numa organização apta a desenvolver uma actividade econômica Com a entrada em vigor do Código Civil brasileiro toda essa discussão fi ca um pouco distante tendo em vista que o legislador acatou indiretamente o conceito econômico de empresa porquanto o art 966 defi ne o que seja empresário aquele que exerce profi ssionalmente atividade econômica organizada para a produção de bens ou de serviços Ora se empresário exerce a atividade econômica organizada logo a empresa é o próprio exercício dessa atividade Desse artigo podese extrair um conjunto de conceitos que explica o signifi cado de empresa A atividade pode ser compreendida como conjunto coordenado de atos voltados à obtenção de resultado comum Tal atividade deve ser econômica fi nalidade precípua de auferir lucro organizada no sentido de ser habitual que conjuga fatores de produção e destinada à produção e circulação de bens ou de serviços o que signifi ca dizer que inclui tanto a indústria como o comércio e a prestação de serviços21 Nos dias atuais há uma parte da doutrina defendida por Sztajn22 que comunga da concepção de Coase sobre ser a empresa um feixe de contratos que não são do tipo de negócios pontuais de execução instantânea E sim contratos continuados como os de trabalho e de fornecimento que fomentam e estimulam a cooperação entre pessoas a exemplo do contrato de sociedade Considerar a empresa em si sem vêla como projeção do empresário enfatiza a importância de a mesma 19 Apud REQUIÃO Rubens Curso cit p 56 20 CORREIA Miguel J A Pupo Direito comercial Coimbra Coimbra Editora 2003 p 289 21 CORRÊA LIMA Sérgio Mourão PARENTONI Leonardo Netto GUIMARÃES Rafael Couto MARTINS Daniel Rodrigues Exegese quadripartite do art 966 do Código Civil de 2002 In AGUIAR JR Ruy Rosado de Jornada de direito civil Brasília CJF 2005 p 246 22 SZTAJN Rachel Teoria jurídica da empresa São Paulo Atlas 2004 pp 218 e ss APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 121 ser suporte fático para a atividade econômica duradoura exercida de forma profi ssional organização contratual decorrente da necessidade de fornecer bens e serviços para o mercado A empresa é fi gura jurídica distinta de sociedade Quem detém a personalidade jurídica é a sociedade roupagem jurídica com que se veste a empresa coletiva segundo Requião23 A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade e a empresa é justamente o exercício dessa atividade A idéia de personalidade jurídica deve ser entendida como instrumento para atender às necessidades do mundo jurídico a objetivos da realidade social para a qual foi criada Atende também à fi nalidade de limitação de responsabilidades garantindo a separação do patrimônio das pessoas jurídicas daquele das pessoas físicas que a constituem Cabe aos diversos ordenamentos jurídicos a concessão da personalidade jurídica a determinados entes Essa concessão pode ter por base instituições já existentes na sociedade caso em que o direito estará se adequando à realidade social A empresa pode ser o exercício da atividade individual de pessoa natural é a empresa individual Logo a empresa não pressupõe obrigatoriamente uma sociedade empresária Além disso pode haver sociedade empresária sem empresa Duas pessoas por exemplo juntam seus esforços assinam o contrato social e o registram na junta comercial Eis a sociedade e enquanto permanecer inativa a empresa não surgirá 24 Para Washington Albino a empresa é um organismo um ente capaz de praticar a ação econômica não se confundindo com esta É sujeito do ato econômico e deve ser sujeito do ato jurídico embora o direito positivo de alguns países incluindo o Brasil não o adote como tal Despax25 após exame acurado da dissociação existente entre a empresa e o empresário conclui pela personifi cação da empresa ao 23 REQUIÃO Rubens Curso cit p 358 24 REQUIÃO Rubens Curso cit p 61 25 DESPAX Michel Lentreprise et le droit Paris Librairie Genérale de Droi et de Jurisprudence 1957 p 414 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 122 afi rmar que o fenômeno da dissociação pareceunos como a clara manifestação da organização na vida jurídica de um novo sujeito de direito a empresa que ocupa um lugar ao lado do sujeito de direito tradicional o empresário Requião26 entende que no direito brasileiro não se pode falar em personifi cação da empresa sendo ela encarada como simples objeto de direito o que não é posição dominante e inclusive objeto de críticas Para Sztajn27 a empresa não é objeto de direito também não é pessoa mas é produtora de utilidades Há interesses coletivos referidos à empresa e talvez se pudesse caracterizála como ente sem personalidade jurídica E prosseguindo indaga há difi culdades em imputar relações jurídicas à atividade sem sujeito sem titular que a exerça A análise deve mencionar dois planos diferentes 1 o empresário individual ou coletivo é o centro de imputação de relações jurídicas 2 empresa e imputação devem ser dissociadas para que se observe na empresa somente a organização para o exercício de atividade econômica A difi culdade é encontrar nas categorias jurídicas o nicho que disciplina atividades E o mesmo embaraço colocase em relação à empresa categoria geral no delimitar a comercialidade ou não da atividade Para Galgano28 o Código italiano empreende a ligação entre a empresa e o empresário ao conceder a este proteção tutela especial pela sociedade com base na prosperidade coletiva como resultado do exercício da empresa Instaurase relação entre liberdade de iniciativa econômica e utilidade social entre atividade econômica e fi ns sociais 3 O EMPRESÁRIO A atividade da empresa é exercida pelo empresário individual pessoa natural ou pela sociedade empresária pessoa jurídica O empresário é fi gura central da empresa sua mola propulsora 26 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial São Paulo Saraiva 2003 p 60 27 SZTAJN Raquel Teoria jurídica da empresa Atividade empresária e mercados São Paulo Atlas 2004 pp 162163 28 Idem ibidem APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 123 Segundo Requião29 dois elementos fundamentais servem para caracterizar a fi gura do empresário a iniciativa e o risco Apesar de se valer da colaboração de outras pessoas a ele cabe decidir escolher o caminho e a estratégia que melhor lhe convenha no sentido de obter o sucesso da atividade e conseqüentemente o lucro Todos os riscos são do empresário daí o porquê do signifi cado semântico da palavra empresa do latim phrendere iniciativa arriscada Machado30 entende que o conceito de empresário conjuga três elementos atividade econômica organização e profi ssionalismo A expressão econômica referese à atividade que cria riquezas aí incluídos a produção e circulação de bens e de serviços para o mercado A atividade empresarial é econômica no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora Nesse diapasão o empresário tem papel dinâmico eis que ele dá impulso e contínua movimentação à prática de tal atividade o que inclui como já mencionado o risco A organização implica necessariamente a utilização dos quatro fatores da produção natureza capital trabalho e tecnologia que no dizer de Fábio Ulhoa31 não precisa ser de ponta para que se caracterize a empresarialidade O citado autor inclui como fator de produção imprescindível a mãodeobra alheia posição da qual discordamos juntamente com Cunha Peixoto32 e Verçosa33 A profi ssionalidade está ligada à habitualidade com que o empresário exerce a sua atividade a atuação contínua especializada e concatenada de série de atos dirigidos a determinado setor da produção ou circulação de bens ou de serviços excluído obviamente da noção quem explora esporadicamente a atividade econômica A profi ssionalidade é caracterizada pela única atividade econômica exercida pela pessoa natural ou jurídica e é sua fonte de renda de onde obtém o seu sustento e de mais sujeitos envolvidos sejam familiares ou sócios 29 Idem ibidem p 77 30 MACHADO Sylvio Marcondes Questões de direito mercantil São Paulo Saraiva 1977 pp 1011 31 COELHO Fábio Ulhoa Manual de direito comercial São Paulo Saraiva 2005 p 16 32 CUNHA PEIXOTO Euler Empresário individual e sociedade empresária Revista da Faculdade de Direito da UFMG Nova Fase Belo Horizonte 46 2005 p 102 33 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 126 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 124 Verçosa34 parafraseando De Martini cita os requisitos ou elementos qualitativos e distintivos do empresário a exercício de uma atividade b a natureza econômica da atividade c a organização da atividade d a profi ssionalidade de tal exercício e a fi nalidade da produção ou troca de bens ou serviços 31 ESPÉCIES DE EMPRESÁRIO São duas as espécies de empresário o individual aquele que exercita a atividade econômica em nome conta e risco próprios e o coletivo ou societário que é revestido pela fi gura da sociedade empresária O empresário individual também denominado pela Lei n 8934 de 18 de novembro de 1994 equivocadamente de fi rma mercantil individual É a chamada empresa individual O empresário individual é a pessoa natural Os seus bens pessoais respondem pelas obrigações assumidas pela empresa individual Não há um patrimônio separado como no caso da pessoa jurídica exatamente porque não há outra pessoa diferente daquela que a constituiu O entendimento errôneo de a fi rma individual ser considerada pessoa jurídica advém da interpretação e aplicação da lei tributária relativa ao imposto de renda Ela a equipara como tal para o efeito de tributação conforme o caso 1 o titular da empresa individual e 2 a própria empresa individual se houver incidência do tributo A sociedade empresária chamada de empresa coletiva revestida de forma societária é pessoa jurídica sendo portanto uma pessoa diferente dos sócios que a compõem ainda que sejam outras sociedades empresárias Ripert35 distingue a atividade profi ssional dos empresários em quatro grandes classes a empresários de distribuição abrangendo todos os que vendem matériaprima aos fabricantes e mercadorias aos consumidores b empresários de produção aqueles que se prestam à transformação da matériaprima em produtos mercantis como por exemplo a manufatura na atividade fabril 34 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 119 35 Apud ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1979 p 103 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 125 c empresários de serviços aqueles que executam determinado trabalho como o transporte ou disponibiliza o uso temporário de determinados bens d empresários auxiliares como o comércio do dinheiro e crédito e os intermediários tais como os corretores comissários e outros 32 O EMPRESÁRIO CASADO O empresário casado em regime de comunhão universal de bens ou no de separação obrigatória nos termos do art 977 do Código Civil está impedido de contratar sociedade com o cônjuge entre si ou com terceiros Proibição esta sem nenhuma razão de ser porque se a sociedade não ofende quaisquer dos princípios em nome dos quais ela deva ser condenada qual motivo dá ensejo ao impedimento Tanto a doutrina quanto a jurisprudência já tinha de há muito pacifi cado esta questão no sentido da permissão de marido e mulher serem sócios da mesma sociedade Fazzio Júnior36 parece ter opinião contrária o empresário casado em regime de comunhão de bens pode comprometer o patrimônio do casal em decorrência da atividade empresarial Regra geral a comunhão conjugal usufrui os proventos hauridos na empresa pelo cônjuge empresário seja o marido ou a mulher Há uma presunção relativa de que o rendimento do trabalho de qualquer dos cônjuges ingressa no patrimônio da sociedade conjugal A conclusão a que chegamos quanto a esse artigo é que os cônjuges casados com comunhão parcial de bens podem contratar sociedade entre si ou com terceiros A indagação maior diz respeito aos casos de sociedades que ainda não se constituíram ou também àquelas já em plena atividade Segundo o Parecer Jurídico DNRCCOJUR n 123 de 08 de agosto de 2003 do Departamento Nacional do Registro do Comércio a proibição alcança somente as novas sociedades que se constituírem após a entrada em vigor do Código Civil e não às situações já convalidadas em respeito ao ato jurídico perfeito 36 FAZZIO JÚNIOR Waldo Manual de direito comercial São Paulo Atlas 2003 p 51 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 126 O empresário casado não precisa de outorga conjugal para alienar ou gravar com ônus real os imóveis que integram o patrimônio da empresa conforme determina o art 978 do Código Civil37 O dispositivo deixa margem às sérias dúvidas primeiro porque entra em confronto com o art 1647 do mesmo diploma legal segundo o qual nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime de separação absoluta alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis Segundo porque não está clara a redação do artigo em relação a qual patrimônio se refere se da empresa coletiva ou da empresa individual A dispensa da outorga conjugal de alienação transferência de domínio da sociedade empresária parece óbvia Quanto ao patrimônio do empresário individual a situação se complica porque in casu não há afetação de patrimônios no nosso ordenamento legal O patrimônio pessoal e o decorrente do exercício da atividade empresarial são um só Como ter certeza se o imóvel pertence à empresa individual e não ao patrimônio familiar Apesar do permissivo legal é temerária na prática uma alienação de imóvel nos termos do artigo 33 O EMPRESÁRIO RURAL O empresário rural é aquele que exerce a atividade agrícola pecuária ou extrativa O art 970 do Código Civil assegura ao empresário rural desde que essa atividade constitua a sua profi ssão principal tratamento favorecido diferenciado e simplifi cado no que se refere à sua inscrição e aos efeitos dela decorrentes Ele não está obrigado a se registrar na junta comercial O seu registro é optativo Se ele se inscreve na junta comercial fi ca equiparado para todos os efeitos legais ao empresário sujeito a registro Obviamente não basta fazer o registro fazse mister que haja efetivamente o desenvolvimento da atividade rural O que realmente comprova se a pessoa é empresária é o efetivo exercício de atividade econômica organizada O registro é constitutivo vez que ele constitui o empresário rural como empresário sujeito a registro com 37 Sobre o tema CorrêaLima publicou artigo no qual chega à conclusão após acurada análise de que o empresário individual só poderá alienar ou onerar bens imóveis de sua exclusiva propriedade que não se comunicaram ao seu cônjuge por força do regime de casamento Do contrário não poderá onerar ou alienar os que fazem parte do patrimônio do casal In CorrêaLima Osmar Brina O intrigante e instigante art 978 do Código Civil brasileiro Revista de Estudos Políticos juldez 2006 v 94 pp5184 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 127 todas as conseqüências desse ato Antes da lei civil não lhe era legalmente permitida tal inscrição Prevaleceu a tese de Costa38 que em 1994 já propugnava a qualidade de empresário ao produtor rural 4 SOCIEDADE SIMPLES Como já referido a empresa é fi gura jurídica distinta de sociedade Quem detém a personalidade jurídica é a sociedade roupagem jurídica com que se veste a empresa coletiva segundo Requião39 A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade e a empresa é justamente o exercício dessa atividade Assim o legislador do Código Civil de 2002 criou as fi guras da sociedade simples e da sociedade empresária A sociedade simples tem contornos bem diferentes daqueles modelos originários do direito helvético e do italiano O Código Civil italiano não defi niu a sociedade simples e nem tampouco o brasileiro O suíço apresentou o seu conceito no sentido de que a sociedade é simples quando não oferece característicos distintivos de uma das sociedades reguladas em lei Na ausência de defi nição legal de sociedade simples e devido à zona cinzenta em que muitas vezes se encontra podese afi rmar que a sociedade simples substitui a disciplina das anteriores sociedades civis embora tenha um âmbito de atuação bem maior do que estas e serve de substractum às sociedades empresárias As normas que lhe são próprias podem ser aplicadas subsidiariamente às demais sociedades de pessoas A sociedade simples permanece como um expediente jurídico formal destinado a titular as atividades que não são próprias do empresário Dirigese à exploração de atividades econômicas específi cas O Código Civil brasileiro é quem lhe reserva o objeto Ainda é o centro de dúvidas e incompreensões dado que o legislador ao importála do direito italiano crioua de modo a deixála cercada de ambigüidades e incertezas 38 COSTA Wille Duarte A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG 1994 Tese de Doutorado 39 REQUIÃO Rubens Curso cit p 358 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 128 Segundo Campinho40 são funções da sociedade simples a Servir de substrato às sociedades de natureza civil não enquadráveis como empresárias b funcionar como fonte supletiva para as sociedades empresárias sendo suas regras aplicáveis a estas em caso de omissão das disposições do tipo por elas adotado visto se tratar de regras gerais de direito societário No magistério de Fábio Ulhoa41 a sociedade simples é fi gura de larga importância porque cumpre três diferentes funções Em primeiro lugar por sua simplicidade e agilidade prestase às atividades de menor envergadura como os pequenos negócios prestadores de serviços que não exploram suas atividades empresarialmente e aos profi ssionais liberais As características de simplicidade e agilidade são facilmente verifi cáveis tendo em vista que admite a integralização na participação societária do sócio em serviços ao invés de capital como na limitada desobriga o cumprimento de formalidades exigidas às sociedades limitadas como vg a realização de assembléia ou reunião anual de sócios para registrar aprovação de contas Todas estas facilidades são obtidas com limitação válida da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade art 997 VIII bastando para tanto que o contrato constitutivo tenha cláusula inserida nesse sentido Em segundo lugar serve de modelo genérico para os demais tipos societários contratuais aplicase em caráter subsidiário à sociedade em nome coletivo em comandita simples e em regra à sociedade limitada É também a disciplina supletiva das sociedades cooperativas Mas é a terceira função da sociedade simples que é a mais distintiva além de tipo societário e de modelo geral ela é fi nalmente uma categoria de sociedades Como categoria de sociedades as sociedades simples são defi nidas legalmente por exclusão São aquelas que não têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro 40 CAMPINHO Sérgio O direito de empresa à luz do novo código civil 2 ed Rio de Janeiro Renovar 2003 p 84 41 COELHO Fábio Ulhoa Parecer inédito São Paulo agosto de 2003 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 129 5 DISTINÇÃO ENTRE SOCIEDADE SIMPLES E SOCIEDADE EMPRESÁRIA A sociedade simples na opinião de Campinho42 compreende atividades econômicas específi cas o ordenamento jurídico positivo é quem lhe reserva o objeto Algumas das antigas sociedades civis com fi ns econômicos se enquadram como sociedade simples e outras consideradas anteriormente civis são consideradas hoje sociedades empresárias como por exemplo as agências de viagem os hospitais as administradoras de imóveis Pelo Código Civil são exemplos de sociedades simples as cooperativas sociedades dedicadas à atividade própria de empresário rural não registradas na junta comercial as sociedades de advogados sociedades de médicos arquitetos engenheiros químicos farmacêuticos músicos fotógrafos artistas plásticos Nesse diapasão as sociedades uniprofi ssionais são sociedades simples Já a atividade típica de empresário não se defi ne por sua natureza mas pela forma com que é explorada Quando a atividade econômica é explorada de forma organizada com empresarialidade mediante a articulação dos fatores de produção temse uma empresa individual exercida pelo empresário individual e se empresa coletiva exercida pela pessoa jurídica sociedade empresária Cunha Peixoto43 é de opinião que a organização embora presente em toda empresa não se presta a distinguila das atividades não empresariais vez que também nestas é encontrada O verdadeiro elemento diferenciador é o exercício profi ssional da atividade termo este que traz em si idéia não só de intenção de ganhos ou lucros atividade criativa de riqueza mas também de atividade com o objetivo de atender ao mercado Sztajn44 preleciona que atividades empresariais caracterizamse por serem econômicas e organizadas para a produção de bens e serviços que tanto podem ser representadas pela partilha de excedentes fi nanceiros 42 CAMPINHO Sérgio O direito cit p 36 43 CUNHA PEIXOTO Euler da Empresário individual e sociedade empresária Revista da Faculdade de Direito da UFMG n 46 JanJun 2005 p 105 44 SZTAJN Raquel O conceito de empresário no código civil brasileiro Revista Magister de Direito Empresarial concorrencial e do consumidor Ano II N 7 pp 103104 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 130 quanto pela partilha de utilidades econômicas patrimoniais Aduz ainda que os elementos marcantes da noção de empresa são atividade econômica organizada profi ssionalmente destinada a mercados e com escopo de lucro e que a doutrina italiana já admitiu que a empresa é caracterizada como já referido por um feixe de contratos que garante domínio direito de uso dos fatores da produção por períodos longos de tempo Outra característica da atividade empresarial é o risco econômico em relação aos resultados positivos ou negativos como se coloca a empresa em movimento Como organização interna será pautada pelos contratos celebrados para a contratação de mãodeobra aquisição de matériasprimas ou insumos bens ou utilidades necessários à produção local físico máquinas equipamentos recursos fi nanceiros distribuição de produtos Também é importante o risco jurídico ou incerteza jurídica que tem a ver com a legislação a forma pela qual são interpretados os textos legais a aderência das regras às instituições e práticas socialmente aceitas Enfi m para a autora a empresa encerra inúmeras variáveis cada vez mais complexas e ligadas umbilicalmente aos riscos mercados lucros contratos e forma de organização As sociedades empresárias operam através da organização posto que esta se sobreleva ao labor pessoal dos sócios que poderão atuar como dirigentes mas que não serão de forma predominante os operadores diretos da atividadefi m exercida Portanto sociedade empresária existe quando há coordenação e administração desses fatores de produção cujo resultado se apresenta mediante a circulação de bens e a prestação de serviços que suplantam a atuação pessoal dos sócios O exercício direto do objeto social é operado pela organização Se os sócios operam diretamente o objeto social exercendo eles próprios a produção de bens a sua circulação ou a prestação de serviços o que se tem é uma sociedade simples Na sociedade simples o que prevalece é o trabalho pessoal prestado diretamente pelos seus sócios Assim o núcleo de sua atividade produtiva está no trabalho pessoal Ainda que a sociedade tenha empregados estes apenas colaboram mas o que se exterioriza de forma prevalente é o labor dos próprios sócios ou de um administrador designado que opera de forma pessoal APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 131 Para Tavares o trabalho intelectual seria um elemento de empresa quando representasse um mero componente às vezes até o mais importante do produto ou serviço fornecido pela empresa mas não esse produto ou serviço em si mesmo45 Conforme demonstrou Costa no exercício da profi ssão intelectual o profi ssional liberal utiliza predominantemente o conhecimento adquirido durante sua formação escolar Pode eventualmente utilizar se de materiais Todavia no exercício de suas atividades o profi ssional intelectual não transfere ao cliente a sua técnica e a sua habilidade mas este apenas obtém o resultado delas 46 Não constitui fator determinante para a classifi cação da sociedade em empresária ou simples a dimensão da empresa Em geral não se consegue explorar atividade econômica de vulto sem a organização empresarial Mas não há relação necessária entre um e outro fator A prova dessa assertiva é a constatação de que pequenos negócios podem ser explorados empresarialmente O decisivo é a forma com que se explora a atividade com ou sem empresarialidade O art 983 estabelece mas não esclarece que salvo as exceções expressas considerase empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro e simples as demais E o parágrafo único estatui que independentemente de seu objeto considerase empresária a sociedade por ações ainda que não explore seu objeto empresarialmente e simples a cooperativa ainda que organizada de forma empresarial São exceções previstas pelo Código Civil que não se submetem à regra assinalada como por exemplo a cooperativa de crédito organizada empresarialmente com o diferencial que é fi scalizada pelo Banco Central e que é mesmo assim legalmente considerada sociedade simples Considerandose que a empresa constitui o átomo centralizador do direito empresarial e da economia de mercado ipso facto os fundamentos e diretrizes constitucionais perpassam também por ela 45 TAVARES José Edwaldo Jornal da Serjus N 59 dez 1993 informativo da Associação dos Serventuários da Justiça de Minas Gerais 46 COSTA Wille Duarte A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG Tese de Doutoramento 1994 pp 121122 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 132 6 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA No magistério de Washington Albino47 os elementos ideológicos puros tais como a iniciativa privada e a função social da propriedade têm sido absorvidos sob a forma de fundamentos e de princípios que traduzem a ideologia constitucionalmente adotada A ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada e consagra uma economia de mercado Tem por fi m assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os princípios indicados no art 170 que podem ser interpretados pelos seguintes da soberania nacional da propriedade privada da função social da propriedade da livre concorrência da defesa do consumidor da defesa do meio ambiente da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego A propriedade privada e a sua função social dois importantes princípios da ordem econômica insculpidos no art 170 II e III tendem a organizarse em empresas e atinge a substancialidade quando aplicados à propriedade dos bens de produção A correta abordagem do tema deve ser efetuada portanto a partir da identifi cação individual dos elementos ideológicos contidos nos fundamentos e nos princípios constitucionais O ilustre professor elabora a análise da Constituição da República com destaque para o art 170 do Título VII Da Ordem Econômica e Financeira a seguir exposta48 Modelo Liberal a como fundamento a livre iniciativa b como princípios II a propriedade privada VI a livre concorrência 47 SOUZA Washington Peluso Albino de Confl itos ideológicos da constituição Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais n 7475 janjul1992 p 26 48 Idem ibidem pp 2728 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 133 e parágrafo único é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente dos órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei Modelo Socialista a como fundamentos valorização do trabalho humano e existência digna conforme os ditames da justiça social b como princípios III Função social da propriedade V defesa do consumidor VII redução das desigualdades sociais VIII busca do pleno emprego IX tratamento favorecido para as pequenas empresas de capital nacional de pequeno porte Os referidos princípios devem ser interpretados em consonância com o aspecto político o que conduz os teóricos a admitirem uma jurisprudência política Grau49 preleciona que a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica Geraldo Vidigal opta pelo tipo liberal do processo econômico que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências quer do próprio Estado quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando aumento arbitrário dos lucros mas sua posição corresponde ao neo liberalismo ou socialliberalismo como a defesa da livre iniciativa Miguel Realea Constituição é capitalista mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado José Afonso da Silva 49 GRAU Eros A ordem econômica na Constituição de 1988 4ed São Paulo Malheiros 1988 pp 212213 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 134 7 A ATIVIDADE EMPRESÁRIA E MERCADO A origem dos mercados retroage à Idade Média às feiras dos mercadores e ganhou maior visibilidade após a Revolução Industrial A noção de mercado sempre esteve ligada ao regime de produção circulação e consumo de massa independente de qualquer regime e época de sua atuação É equivocada a idéia de que a expressão mercado signifi ca espaço geográfi co sem considerar os múltiplos agentes envolvidos como os fornecedores e os adquirentes dos bens negociados O mercado é defi nido como unidade jurídica das relações de escambo em relação a um dado bem ou a uma categoria de bens50 É lugar primitivo e espontâneo que se rege por si e que gera a maior satisfação das necessidades humanas51 A mais relevante função dos mercados segundo o magistério de Sztajn52 é a de ordenar ou regular a troca econômica tornar efi ciente a circulação de bens na economia melhorar a distribuição dos bens disponíveis entre agentes econômicos Os efeitos econômicos e jurídicos das operações nos mercados revelamse no campo da concorrência entre os agentes produtores e distribuidores de um lado e no dos consumidores de outro como faces de uma mesma moeda E segundo Verçosa53 necessitam quase sempre da intervenção do legislador como meio de correção de rumos Para Irti o mercado é o lugar artifi cial que a lei constrói governa orienta e controla daí podese dizer que não existe mercado fora da decisão política e da escolha legislativa mesmo quando se trata de deixar os negócios ao jogo dos interesses individuais o que representa uma decisão e escolha políticas 50 IRTI Natalino Concetto giuridico di mercato e dovere de solidariettà Rivista de diritto civile 2185 apud VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso de direito comercial cit p 133 51 IRTI Natalino Persona e mercato Rivista di diritto civile Pádua Casa Editrice Dott Antonio Milani 1955 Ano 41 n 3 p 289 Apud Sztajn Rachel Teoria jurídica da empresa atividade empresária e mercados São Paulo Atlas 2004 p 31 52 SZTAJN Rachel Teoria jurídica da empresa cit p 33 53 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 132 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 135 Duas funções básicas são exercidas pelo mercado a é o lugar em sentido largo no qual o empresário exerce a sua atividade pode ser um lugar físico determinado como a Bolsa de Valores uma região ou até mesmo nenhum lugar específi co negócios feitos pela internet b é a estrutura social econômica e jurídica que permite aos empresários e operadores celebrar contratos54 Os mercados necessitam de dois requisitos fundamentais para o seu funcionamento estabilidade e segurança jurídica Quando o mercado apresenta riscos signifi cativos prejudica e até mesmo impede que os negócios sejam fi rmados Os custos de transação podem aumentar de tal forma que negócios deixam de ser realizados Os planos econômicos brasileiros têm confi rmado tal assertiva No momento inclusive devido à crise internacional iniciada nos Estados Unidos pela inadimplência do setor imobiliário o chamado risco legal tem se apresentado de forma bem acentuada com a baixa de negócios nas Bolsas de Valores de vários países da Europa e Ásia repercutindo também no Brasil Em mercados a fungibilidade dos agentes dos participantes é regra Do ponto de vista objetivo mercados geram informações e no âmbito das contratações os preços são expressos aparentes enquanto nas organizações os preços são implícitos A atuação do empresariado no mercado é resultado da autonomia privada que deve ser exercida nos limites constitucionais mormente os estatuídos pelo art 170 da Constituição da República como os mencionados princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência 8 CONCLUSÃO A empresa centro de imputação de interesses em um feixe de contratos desencadeados sucessiva e continuamente é o núcleo atomizador do Direito de Empresa e importante instrumento para a manutenção da estrutura do adequado mercado concorrencial O complexo de relações decorrentes da atividade da empresa forma um patrimônio que tem como titular o empresário Assim os efeitos da 54 Apud VERÇOSA Haroldo Malheiros Ducler Curso cit pp 35 e ss SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 136 empresa fi cam a cargo desse sujeito o empresário que a impulsiona e a adota de efetiva realidade econômica O objetivo dos empresários imprescindíveis agentes econômicos é transformar decisões de produzir bens e serviços para o mercado com lucratividade A empresa termina na realidade por ser projeção do empresário que se transforma na mola propulsora da atividade econômica A empresa se apresenta perante o mundo jurídico revestida da roupagem jurídica da sociedade empresária pessoa jurídica de direito privado diferente da sociedade simples criada pelo legislador do Código Civil de 2002 Ambos os tipos societários exercem atividade com fi nalidade econômica todavia a sociedade empresária organiza os fatores de produção e o faz com empresarialidade ao passo que a atividade da sociedade simples é exercida sem elemento de empresa Se os sócios operam diretamente o objeto social exercendo eles próprios a produção de bens ou a prestação de serviços o que se tem é uma sociedade simples Se o exercício direto do objeto social é operado pela organização afi gurase a sociedade empresária Empresa ou sociedade fi guras jurídicas distintas produzem bens e serviços para o mercado o que implica assumir inúmeros tipos de riscos incertezas a respeito de quais bens ou serviços são necessários para atender demandas atuais ou futuras A atividade econômica necessita de parâmetros resguardados pelos fundamentos determinados pela Constituição da República que pretendem dar o norte para que sejam atingidos os princípios esculpidos no art 170 consagrar um regime de mercado organizado do tipo liberal do processo econômico preservar a livre concorrência de quaisquer interferências a fi m de que prevaleça a defesa da livre iniciativa a propriedade privada e sua função social APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 137 BIBLIOGRAFIA ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1979 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale v 41 Milano 1943 CAMPINHO Sérgio O direito de empresa à luz do novo código civil Rio de Janeiro Renovar 2003 CASTRO Moema Augusta Soares Manual de direito empresarial Rio de Janeiro Forense 2007 CATHARINO José Martins Algo sobre a empresa Revista da Faculdade de Direito da UFPR Curitiba n11 1968 COELHO Fábio Ulhoa Manual de direito comercial São Paulo Saraiva 2005 CORREIA Miguel J A Pupo Direito comercial Coimbra Coimbra Editora 2003 CORRÊA LIMA Sérgio Mourão PARENTONI Leonardo Netto GUIMARÃES Rafael Couto MARTINS Daniel Rodrigues Exegese quadripartite do art 966 do Código Civil de 2002 In AGUIAR JR Ruy Rosado de Jornada de direito civil Brasília Conselho da Justiça Federal 2005 COSTA Wille Duarte A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG 1994 Tese de Doutorado CUNHA PEIXOTO Euler Empresário individual e sociedade empresária Revista da Faculdade de Direito da UFMG Nova Fase Belo Horizonte 2005 n46 DESPAX Michel Lentreprise et le droit Paris Librairie Genérale de Droi et de Jurisprudence 1957 FAZZIO JÚNIOR Waldo Manual de direito comercial São Paulo Atlas 2003 FERRARA Francesco Sulla nozione dimprenditore nel nuovo Codice Civile Milano Rivista del Diritto Comérciale n 42 1944 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 138 GRAU Eros A ordem econômica na Constituição de 1988 4ed São Paulo Malheiros 1988 MACHADO Sylvio Marcondes Questões de direito mercantil São Paulo Saraiva 1977 MARTINS Fran Curso de direito comercial Rio de Janeiro Forense 1999 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial São Paulo Saraiva 2003 REQUIÃO Rubens A função social da empresa no Estado de Direito Curitiba Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná n 19 1978 80 RIPERT Georges Aspectos jurídicos do capitalismo moderno São Paulo Freitas Bastos 1947 SILVA de Plácido e Vocabulário Jurídico Rio de Janeiro 2001 SOUZA Ruy de O Direito das Empresas Belo Horizonte Bernardo Álvares 1959 SOUZA Washington Peluso Albino de Direito econômico e economia política v 2 Belo Horizonte Edit UFMG 197071 SOUZA Washington Peluso Albino de Confl itos ideológicos da constituição Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais n 7475 janjul1992 SZTAJN Rachel Teoria jurídica da empresa São Paulo Atlas 2004 TAVARES José Edwaldo Jornal da Serjus N 59dez1993 informativo da Associação dos Serventuários da Justiça de Minas Gerais VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso de direito comercial v 1 São Paulo Malheiros Editores 2004
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APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA Moema Augusta Soares de Castro Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais TécnicoConsultora Aposentada da Assembléia Legislativa de Minas Gerais Advogada APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA Moema Augusta Soares de Castro Sumário 1 Introdução 2 A empresa 21 A empresa contemporânea 22 Conceito econômico de empresa 23 Conceito jurídico de empresa 3 O empresário 31 Espécies de empresário 32 O empresário casado 33 O empresário rural 4 Sociedade simples 5 Distinção entre sociedade simples e empresária 6 Fundamentos constitucionais do direito de empresa 7 A atividade empresária e o mercado 8 Conclusão 9 Bibliografi a 1 INTRODUÇÃO O Direito Comercial desde a sua origem sempre esteve voltado para o comércio internacional de início o marítimo e na atualidade sem fronteiras para o exercício das atividades mercantis incentivado pelas facilidades decorrentes da internet As atividades comerciais sempre demandaram um direito próprio que foi continuamente renovado à medida que os fatos sociais a produção e a tecnologia evoluíram Do artesão para o mercador deste para o comerciante individual e para a sociedade comercial as transformações ocorridas nas atividades produtivas no decorrer dos séculos passaram por inúmeros estágios de desenvolvimento Assim esse ramo do direito privado por sua própria natureza e em virtude de fatores econômicos sociais e políticos sempre foi e SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 114 continua sendo muito receptivo aos novos rumos da atividade mercantil Sem dúvida alguma é o ramo do direito que não pode ser considerado defi nitivo mas uma ciência continuamente em processo de eterna evolução Podese dizer com certeza de que é um dos ramos da ciência jurídica que mais acompanha a velocidade das mudanças que acontecem na vida econômica A prática decorrente da atividade mercantil costuma ocorrer antes da respectiva regulamentação jurídica Um dos mais recentes exemplos é o comércio feito via Internet em que somente depois de sua intensa movimentação sentiuse a necessidade de dotar a prática de mecanismos jurídicos de regulação ainda inconsistentes e insatisfatórios até o momento Daí a razão de ser de seu dinamismo e de alguns dos elementos que o distinguem rapidez elasticidade e internacionalidade A velocidade dos negócios impõe celeridade na utilização dos mecanismos jurídicos À proporção que os usos vão consagrando regras nas transações comerciais o direito empresarial as aceita Assim é um direito capaz de renovarse constantemente além de aformalístico tornando mais simples e rápida a aplicação das suas regras A nomenclatura da disciplina também passou por processo evolutivo embora ainda haja controvérsia e alguma resistência a essa alteração A ampliação da área de abrangência das regras jurídicas que constituem o fundamento do direito comercial compõe a base legal que sustenta o desenvolvimento da atividade mercantil Não se trata de um direito novo mas de novas formas para melhor amparar esse crescimento O chamado direito das empresas quando se refere às empresas comerciais é o mesmo direito comercial1 só que renovado atual e erigido por norma legal in casu o Código Civil de 20022 O comerciante agente propulsor dessas atividades adaptouse rapidamente à nova ordem e por conseguinte verifi couse sensível alteração nas suas características Devido ao incremento dos negócios desses agentes hoje chamados de empresários individuais ou coletivos passaram a necessitar de uma 1 MARTINS Fran Curso de direito comercial Rio de Janeiro Forense 1999 p12 2 CASTRO Moema Augusta Soares Manual de direito empresarial Rio de Janeiro Forense 2007 p 1 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 115 organização formada de capital e trabalho que atendesse às demandas do comércio Surge então a empresa que lentamente foi se desenvolvendo até completar o seu processo evolutivo como a conhecemos hoje No magistério de Verçosa3 o tratamento da empresa constante do Código Civil2002 não abrange evidentemente todo o Direito aplicável à empresa mas somente pequena parte dele Nesse sentido o Direito Comercial sempre será o Direito de ou da Empresa mas nem todo Direito de Empresa será Direito Comercial Muito embora o direito empresarial seja um ramo autônomo do direito privado mantém íntimas relações com outras áreas tais como direito constitucional civil do trabalho tributário processual penal e econômico Deste último recebe infl uência marcante dada a intrínseca ligação entre as respectivas normas que devem coordenar a atuação das empresas seja pela livre concorrência seja pela política e conjuntura econômica adotada em dado momento da atividade empresarial de cada país Considerandose que o núcleo atomizador do direito empresarial é a empresa nada mais coerente que iniciemos nossas considerações com ela 2 A EMPRESA Na língua italiana impresa signifi ca aquilo que se empreende A palavra implica a idéia de dinamismo de contínua movimentação e de riscos Derivada do latim prehensus de prehendere empreender praticar possui o sentido de empreendimento ou cometimento intentado para a realização de um objetivo conforme nos relata Plácido e Silva4 Do vocábulo formase o verbo empresar que signifi ca produzir fi nanciar participar como empresário ou produtor Assim a etimologia da palavra revela um dos seus elementos subjetivos naturais o empreendedor o autor do cometimento empresarial Para Ripert as palavras empresa e empresário pertencem à língua corrente O uso lhes deu sentido diferente A primeira é usada para designar toda atividade orientada para certo fi m a segunda para 3 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso de direito comercial v 1 São Paulo Malheiros Editores 2004 p 105 4 SILVA de Plácido e Vocabulário Jurídico Rio de Janeiro 2001 p 303 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 116 qualifi car a pessoa natural ou jurídica que profi ssionalmente executa certos trabalhos5 Catharino6 noticia que no Secular Novo Dicionário de Constâncio está escrito cousa que se empreende tentativa arriscada difícil especulação mercantil A palavra possui acepções diversas mas ao mesmo tempo muito próximas a uma ligação histórica especialmente ao período mercantilista e às grandes viagens nas quais o fator risco era preponderante Representavam uma indicação de mudança status mediante das riquezas conquistadas O risco no empreendimento isto é na empresa tinha como prêmio se bemsucedido o direito à fortuna e ao lucro7 21 EMPRESA CONTEMPORÂNEA Nos dias atuais podemos dizer que encontramos a empresa na fase do capitalismo de grupos caracterizada pela dissociação entre a propriedade passiva e a ativa gestão Isso não quer dizer que não coexistam pacifi camente os dois modelos o antigo em cuja base encontrase o empreendedor inteiramente identifi cado com o próprio empreendimento Vale dizer a micro ou a empresa de pequeno porte em que o empresário pessoa física dirige e praticamente executa ao mesmo tempo todas as atividades inerentes ao seu negócio Ou seja ele faz tudo sozinho No seu negócio as propriedades passiva e ativa estão associadas O modelo relativo a grandes empresas e a grupos de empresas refl ete a dissociação entre a propriedade passiva e a ativa Isto é os acionistas os donos do capital nem sempre são os dirigentes do empreendimento Nos grandes negócios na atividade econômica de vulto formouse uma classe de categorizados profi ssionais ciosos e orgulhosos de sua posição os managers os executivos A esses homens com a dissociação existente e crescente entre a propriedade e o controle dos bens tem sido entregue 5 RIPERT Georges Aspectos jurídicos do capitalismo moderno São Paulo Freitas Bastos 1947 p 276 6 CATHARINO José Martins Algo sobre a empresa Revista da Faculdade de Direito da UFPR Curitiba n11 1968 pp 6179 7 SOUZA Washington Peluso Albino de Direito econômico e economia política Belo Horizonte Edit UFMG 197071 v 2 p 121 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 117 o comando dos negócios criando um apartado de príncipes da indústria no dizer de Álvares 8 Uma idéia que podemos tomar emprestada para explicarmos o convívio dos dois modelos é a da circulação sangüínea do corpo humano Se compararmos o centro da circulação o coração à grande empresa podese verifi car que sem os pequeninos vasos periféricos o sangue não fl uiria para as pontas dos membros superiores e inferiores Nesse sentido é que aparece a importância da microempresa e da empresa de pequeno porte sem elas a circulação econômica não seria possível Teríamos fatalmente a necrose da periferia dos membros inferiores imagem fi gurada que podemos transportar para a circulação da economia no sentido da distribuição da produção de bens e de serviços em geral 22 CONCEITO ECONÔMICO DE EMPRESA Empresa é o exercício da atividade econômica organizada para a produção de bens e de serviços para o mercado Empresa e mercados estão estreitamente ligados ao sistema capitalista como referido por Asquini9 Se a empresa organizada depende da dinâmica dos mercados a função do empresário individual ou coletivo é criar riquezas A empresarialidade pressupõe como elementos essenciais o conceito de empresário como agente da atividade da empresa e o de estabelecimento com o objetivo de adotar regime jurídico próprio da empresa no direito comercial A idéia da empresa como organização dos fatores da produção é a mais difundida entre economistas e juristas e é pacífi co o conceito econômico de empresa a partir dela A prova irrefutável é a adoção desse conceito pelo Código Civil italiano de 1942 e pelo brasileiro de 2002 Examinandose as diversas concepções econômicas relativas à empresa Despax chegou à conclusão de que há duas correntes que defi nem a empresa uma corrente restritiva e outra extensiva Segundo a concepção restritiva o termo empresa deve ser reservado à empresa capitalista a qual se caracteriza pelo recurso reservado ao 8 ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1976 p 96 9 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale V 41 Milano 1943 pp 2 ss SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 118 trabalho alheio e pela fi nalidade lucrativa que inspira a sua atividade São adeptos dessa corrente Perroux e Marchal A essa concepção restritiva opõese a concepção extensiva que é atribuída a Truchy e tem como principal defensor James Este conceitua a empresa como todo organismo que se propõe essencialmente a produzir para o mercado certos bens ou serviços sendo independente fi nanceiramente de qualquer outro10 Despax fi liase à concepção extensiva porque considera arbitrário o entendimento de reservarse o termo empresa somente para aquelas capitalistas Souza é da mesma opinião e entende que não se deve vincular concepções científi cas a determinado regime seja ele capitalista socialista ou fascista A empresa instituição jurídica não se interessa pela aparência política e nem pelas dimensões da organização porque esta deve caracterizarse pela universalidade 11 Hoje já não há mais sentido nestas diferenças de concepção eis que a maioria dos países adota o regime capitalista Fica aqui apenas o registro histórico A concepção de empresa como organização dos fatores de produção ajudou a desvincular o seu conceito da idéia de centro de combinação desses fatores ou seja de estabelecimento Atualmente é pacífi ca a diferença entre empresa e estabelecimento considerandose a primeira como unidade econômica e ao segundo como unidade técnica O estabelecimento é o instrumento de que se vale o empresário individual ou coletivo para o exercício da atividade econômica Assim uma empresa pode contar com mais de um estabelecimento 23 CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA A confusão entre os autores a respeito do conceito jurídico de empresa era revelada pelo tratamento dado a ela cefaléia dos comercialistas12 10 DESPAX Michel Lentreprise et le Droit Paris LGDJ 1957 p 7 11 SOUZA Ruy de O Direito das Empresas Belo Horizonte Bernardo Álvares 1959 pp 211212 12 REQUIÃO Rubens A função social da empresa no Estado de Direito Curitiba Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná n 19 197880 p 263 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 119 ente fantasmagórico13 abstração14 e centauro jurídico15 e comparada por Ferreira à personagem de um fi lme chamada Rebeca mulher falada todo o tempo mas que ninguém vê na tela16 Todas essas difi culdades acabaram por levar alguns estudiosos a tentar afastar essa questão por meio da negação da possibilidade ou da necessidade de ser a empresa considerada como categoria jurídica Não importa se os juristas não chegavam a um acordo sobre valerse ou não do conceito econômico para o jurídico Ou se procurava apartar os conceitos econômicos e jurídicos de empresa ou se defendia a adoção pura e simples da noção econômica da empresa ao campo do direito O que importava era não se perder de vista o fato econômico empresa regulandoo juridicamente para que sua atuação pudesse ajustarse aos interesses sociais Asquini17 defende a segunda corrente o direito deve partir da idéia econômica da empresa procurando regular sua existência e seu funcionamento por intermédio de princípios puramente jurídicos E acrescenta que o conceito de empresa corresponde a um fenômeno poliédrico que não tem um só aspecto jurídico mas distintos perfi s considerandose os diversos elementos que o interagem Asquini ao analisar o art 2082 do Código Civil italiano separa os atributos ou as condições de qualifi cação do agente a que dá o nome de perfi l subjetivo Denomina perfi l objetivo à universalidade de bens Às relações de trabalho chama de perfi l institucional O perfi l funcional é o ligado à função exercida pela produção da empresa para o mercado Na dicção de Requião os quatro perfi s de Asquini se reduzem a três posto que não há nenhuma norma legal em que se possa encontrar o sentido de organização de pessoal18 Contra a doutrina de Asquini insurgiuse Ferrara numa obra sobre a azienda Sustenta o professor de Florença que o problema conceitual de 13 FERRARA Francesco Sulla nozione dimprenditore nel nuovo Codice Civile Milano Rivista del Diritto Comérciale n 42 1944 p 47 14 BRUNETTI Antonio Tratado del Derecho de las Sociedades Vol 1 Trad Felipe de SolaCañizares Buenos Aires Uteha 1960 p 70 15 CATHARINO José Martins Algo sobre a empresa Curitiba Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná n 11 1968 p 65 16 FERREIRA Waldemar A elaboração do conceito de empresa para extensão no âmbito do direito comercial Rio de Janeiro Revista Forense n 158 marabr 1955 p 40 17 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale V 41 Milano 1943 pp 79 18 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial V1 25 ed São PauloSaraiva 2003 p 56 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 120 empresa é simplesmente de direito positivo porque se trata de interpretar a lei O conceito de empresa não tem para ele relevância jurídica pois os efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita ou seja o empresário19 Correia20 vê na empresa a expressão de um círculo de actividade regido pela pessoa do empresário fazendo apelo a factores e elementos de natureza heterogênea actuando sobre um patrimônio de coisas e direitos dando origem a relações jurídicas econômicas e sociais polarizados numa organização apta a desenvolver uma actividade econômica Com a entrada em vigor do Código Civil brasileiro toda essa discussão fi ca um pouco distante tendo em vista que o legislador acatou indiretamente o conceito econômico de empresa porquanto o art 966 defi ne o que seja empresário aquele que exerce profi ssionalmente atividade econômica organizada para a produção de bens ou de serviços Ora se empresário exerce a atividade econômica organizada logo a empresa é o próprio exercício dessa atividade Desse artigo podese extrair um conjunto de conceitos que explica o signifi cado de empresa A atividade pode ser compreendida como conjunto coordenado de atos voltados à obtenção de resultado comum Tal atividade deve ser econômica fi nalidade precípua de auferir lucro organizada no sentido de ser habitual que conjuga fatores de produção e destinada à produção e circulação de bens ou de serviços o que signifi ca dizer que inclui tanto a indústria como o comércio e a prestação de serviços21 Nos dias atuais há uma parte da doutrina defendida por Sztajn22 que comunga da concepção de Coase sobre ser a empresa um feixe de contratos que não são do tipo de negócios pontuais de execução instantânea E sim contratos continuados como os de trabalho e de fornecimento que fomentam e estimulam a cooperação entre pessoas a exemplo do contrato de sociedade Considerar a empresa em si sem vêla como projeção do empresário enfatiza a importância de a mesma 19 Apud REQUIÃO Rubens Curso cit p 56 20 CORREIA Miguel J A Pupo Direito comercial Coimbra Coimbra Editora 2003 p 289 21 CORRÊA LIMA Sérgio Mourão PARENTONI Leonardo Netto GUIMARÃES Rafael Couto MARTINS Daniel Rodrigues Exegese quadripartite do art 966 do Código Civil de 2002 In AGUIAR JR Ruy Rosado de Jornada de direito civil Brasília CJF 2005 p 246 22 SZTAJN Rachel Teoria jurídica da empresa São Paulo Atlas 2004 pp 218 e ss APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 121 ser suporte fático para a atividade econômica duradoura exercida de forma profi ssional organização contratual decorrente da necessidade de fornecer bens e serviços para o mercado A empresa é fi gura jurídica distinta de sociedade Quem detém a personalidade jurídica é a sociedade roupagem jurídica com que se veste a empresa coletiva segundo Requião23 A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade e a empresa é justamente o exercício dessa atividade A idéia de personalidade jurídica deve ser entendida como instrumento para atender às necessidades do mundo jurídico a objetivos da realidade social para a qual foi criada Atende também à fi nalidade de limitação de responsabilidades garantindo a separação do patrimônio das pessoas jurídicas daquele das pessoas físicas que a constituem Cabe aos diversos ordenamentos jurídicos a concessão da personalidade jurídica a determinados entes Essa concessão pode ter por base instituições já existentes na sociedade caso em que o direito estará se adequando à realidade social A empresa pode ser o exercício da atividade individual de pessoa natural é a empresa individual Logo a empresa não pressupõe obrigatoriamente uma sociedade empresária Além disso pode haver sociedade empresária sem empresa Duas pessoas por exemplo juntam seus esforços assinam o contrato social e o registram na junta comercial Eis a sociedade e enquanto permanecer inativa a empresa não surgirá 24 Para Washington Albino a empresa é um organismo um ente capaz de praticar a ação econômica não se confundindo com esta É sujeito do ato econômico e deve ser sujeito do ato jurídico embora o direito positivo de alguns países incluindo o Brasil não o adote como tal Despax25 após exame acurado da dissociação existente entre a empresa e o empresário conclui pela personifi cação da empresa ao 23 REQUIÃO Rubens Curso cit p 358 24 REQUIÃO Rubens Curso cit p 61 25 DESPAX Michel Lentreprise et le droit Paris Librairie Genérale de Droi et de Jurisprudence 1957 p 414 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 122 afi rmar que o fenômeno da dissociação pareceunos como a clara manifestação da organização na vida jurídica de um novo sujeito de direito a empresa que ocupa um lugar ao lado do sujeito de direito tradicional o empresário Requião26 entende que no direito brasileiro não se pode falar em personifi cação da empresa sendo ela encarada como simples objeto de direito o que não é posição dominante e inclusive objeto de críticas Para Sztajn27 a empresa não é objeto de direito também não é pessoa mas é produtora de utilidades Há interesses coletivos referidos à empresa e talvez se pudesse caracterizála como ente sem personalidade jurídica E prosseguindo indaga há difi culdades em imputar relações jurídicas à atividade sem sujeito sem titular que a exerça A análise deve mencionar dois planos diferentes 1 o empresário individual ou coletivo é o centro de imputação de relações jurídicas 2 empresa e imputação devem ser dissociadas para que se observe na empresa somente a organização para o exercício de atividade econômica A difi culdade é encontrar nas categorias jurídicas o nicho que disciplina atividades E o mesmo embaraço colocase em relação à empresa categoria geral no delimitar a comercialidade ou não da atividade Para Galgano28 o Código italiano empreende a ligação entre a empresa e o empresário ao conceder a este proteção tutela especial pela sociedade com base na prosperidade coletiva como resultado do exercício da empresa Instaurase relação entre liberdade de iniciativa econômica e utilidade social entre atividade econômica e fi ns sociais 3 O EMPRESÁRIO A atividade da empresa é exercida pelo empresário individual pessoa natural ou pela sociedade empresária pessoa jurídica O empresário é fi gura central da empresa sua mola propulsora 26 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial São Paulo Saraiva 2003 p 60 27 SZTAJN Raquel Teoria jurídica da empresa Atividade empresária e mercados São Paulo Atlas 2004 pp 162163 28 Idem ibidem APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 123 Segundo Requião29 dois elementos fundamentais servem para caracterizar a fi gura do empresário a iniciativa e o risco Apesar de se valer da colaboração de outras pessoas a ele cabe decidir escolher o caminho e a estratégia que melhor lhe convenha no sentido de obter o sucesso da atividade e conseqüentemente o lucro Todos os riscos são do empresário daí o porquê do signifi cado semântico da palavra empresa do latim phrendere iniciativa arriscada Machado30 entende que o conceito de empresário conjuga três elementos atividade econômica organização e profi ssionalismo A expressão econômica referese à atividade que cria riquezas aí incluídos a produção e circulação de bens e de serviços para o mercado A atividade empresarial é econômica no sentido de que busca gerar lucro para quem a explora Nesse diapasão o empresário tem papel dinâmico eis que ele dá impulso e contínua movimentação à prática de tal atividade o que inclui como já mencionado o risco A organização implica necessariamente a utilização dos quatro fatores da produção natureza capital trabalho e tecnologia que no dizer de Fábio Ulhoa31 não precisa ser de ponta para que se caracterize a empresarialidade O citado autor inclui como fator de produção imprescindível a mãodeobra alheia posição da qual discordamos juntamente com Cunha Peixoto32 e Verçosa33 A profi ssionalidade está ligada à habitualidade com que o empresário exerce a sua atividade a atuação contínua especializada e concatenada de série de atos dirigidos a determinado setor da produção ou circulação de bens ou de serviços excluído obviamente da noção quem explora esporadicamente a atividade econômica A profi ssionalidade é caracterizada pela única atividade econômica exercida pela pessoa natural ou jurídica e é sua fonte de renda de onde obtém o seu sustento e de mais sujeitos envolvidos sejam familiares ou sócios 29 Idem ibidem p 77 30 MACHADO Sylvio Marcondes Questões de direito mercantil São Paulo Saraiva 1977 pp 1011 31 COELHO Fábio Ulhoa Manual de direito comercial São Paulo Saraiva 2005 p 16 32 CUNHA PEIXOTO Euler Empresário individual e sociedade empresária Revista da Faculdade de Direito da UFMG Nova Fase Belo Horizonte 46 2005 p 102 33 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 126 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 124 Verçosa34 parafraseando De Martini cita os requisitos ou elementos qualitativos e distintivos do empresário a exercício de uma atividade b a natureza econômica da atividade c a organização da atividade d a profi ssionalidade de tal exercício e a fi nalidade da produção ou troca de bens ou serviços 31 ESPÉCIES DE EMPRESÁRIO São duas as espécies de empresário o individual aquele que exercita a atividade econômica em nome conta e risco próprios e o coletivo ou societário que é revestido pela fi gura da sociedade empresária O empresário individual também denominado pela Lei n 8934 de 18 de novembro de 1994 equivocadamente de fi rma mercantil individual É a chamada empresa individual O empresário individual é a pessoa natural Os seus bens pessoais respondem pelas obrigações assumidas pela empresa individual Não há um patrimônio separado como no caso da pessoa jurídica exatamente porque não há outra pessoa diferente daquela que a constituiu O entendimento errôneo de a fi rma individual ser considerada pessoa jurídica advém da interpretação e aplicação da lei tributária relativa ao imposto de renda Ela a equipara como tal para o efeito de tributação conforme o caso 1 o titular da empresa individual e 2 a própria empresa individual se houver incidência do tributo A sociedade empresária chamada de empresa coletiva revestida de forma societária é pessoa jurídica sendo portanto uma pessoa diferente dos sócios que a compõem ainda que sejam outras sociedades empresárias Ripert35 distingue a atividade profi ssional dos empresários em quatro grandes classes a empresários de distribuição abrangendo todos os que vendem matériaprima aos fabricantes e mercadorias aos consumidores b empresários de produção aqueles que se prestam à transformação da matériaprima em produtos mercantis como por exemplo a manufatura na atividade fabril 34 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 119 35 Apud ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1979 p 103 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 125 c empresários de serviços aqueles que executam determinado trabalho como o transporte ou disponibiliza o uso temporário de determinados bens d empresários auxiliares como o comércio do dinheiro e crédito e os intermediários tais como os corretores comissários e outros 32 O EMPRESÁRIO CASADO O empresário casado em regime de comunhão universal de bens ou no de separação obrigatória nos termos do art 977 do Código Civil está impedido de contratar sociedade com o cônjuge entre si ou com terceiros Proibição esta sem nenhuma razão de ser porque se a sociedade não ofende quaisquer dos princípios em nome dos quais ela deva ser condenada qual motivo dá ensejo ao impedimento Tanto a doutrina quanto a jurisprudência já tinha de há muito pacifi cado esta questão no sentido da permissão de marido e mulher serem sócios da mesma sociedade Fazzio Júnior36 parece ter opinião contrária o empresário casado em regime de comunhão de bens pode comprometer o patrimônio do casal em decorrência da atividade empresarial Regra geral a comunhão conjugal usufrui os proventos hauridos na empresa pelo cônjuge empresário seja o marido ou a mulher Há uma presunção relativa de que o rendimento do trabalho de qualquer dos cônjuges ingressa no patrimônio da sociedade conjugal A conclusão a que chegamos quanto a esse artigo é que os cônjuges casados com comunhão parcial de bens podem contratar sociedade entre si ou com terceiros A indagação maior diz respeito aos casos de sociedades que ainda não se constituíram ou também àquelas já em plena atividade Segundo o Parecer Jurídico DNRCCOJUR n 123 de 08 de agosto de 2003 do Departamento Nacional do Registro do Comércio a proibição alcança somente as novas sociedades que se constituírem após a entrada em vigor do Código Civil e não às situações já convalidadas em respeito ao ato jurídico perfeito 36 FAZZIO JÚNIOR Waldo Manual de direito comercial São Paulo Atlas 2003 p 51 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 126 O empresário casado não precisa de outorga conjugal para alienar ou gravar com ônus real os imóveis que integram o patrimônio da empresa conforme determina o art 978 do Código Civil37 O dispositivo deixa margem às sérias dúvidas primeiro porque entra em confronto com o art 1647 do mesmo diploma legal segundo o qual nenhum dos cônjuges pode sem autorização do outro exceto no regime de separação absoluta alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis Segundo porque não está clara a redação do artigo em relação a qual patrimônio se refere se da empresa coletiva ou da empresa individual A dispensa da outorga conjugal de alienação transferência de domínio da sociedade empresária parece óbvia Quanto ao patrimônio do empresário individual a situação se complica porque in casu não há afetação de patrimônios no nosso ordenamento legal O patrimônio pessoal e o decorrente do exercício da atividade empresarial são um só Como ter certeza se o imóvel pertence à empresa individual e não ao patrimônio familiar Apesar do permissivo legal é temerária na prática uma alienação de imóvel nos termos do artigo 33 O EMPRESÁRIO RURAL O empresário rural é aquele que exerce a atividade agrícola pecuária ou extrativa O art 970 do Código Civil assegura ao empresário rural desde que essa atividade constitua a sua profi ssão principal tratamento favorecido diferenciado e simplifi cado no que se refere à sua inscrição e aos efeitos dela decorrentes Ele não está obrigado a se registrar na junta comercial O seu registro é optativo Se ele se inscreve na junta comercial fi ca equiparado para todos os efeitos legais ao empresário sujeito a registro Obviamente não basta fazer o registro fazse mister que haja efetivamente o desenvolvimento da atividade rural O que realmente comprova se a pessoa é empresária é o efetivo exercício de atividade econômica organizada O registro é constitutivo vez que ele constitui o empresário rural como empresário sujeito a registro com 37 Sobre o tema CorrêaLima publicou artigo no qual chega à conclusão após acurada análise de que o empresário individual só poderá alienar ou onerar bens imóveis de sua exclusiva propriedade que não se comunicaram ao seu cônjuge por força do regime de casamento Do contrário não poderá onerar ou alienar os que fazem parte do patrimônio do casal In CorrêaLima Osmar Brina O intrigante e instigante art 978 do Código Civil brasileiro Revista de Estudos Políticos juldez 2006 v 94 pp5184 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 127 todas as conseqüências desse ato Antes da lei civil não lhe era legalmente permitida tal inscrição Prevaleceu a tese de Costa38 que em 1994 já propugnava a qualidade de empresário ao produtor rural 4 SOCIEDADE SIMPLES Como já referido a empresa é fi gura jurídica distinta de sociedade Quem detém a personalidade jurídica é a sociedade roupagem jurídica com que se veste a empresa coletiva segundo Requião39 A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade e a empresa é justamente o exercício dessa atividade Assim o legislador do Código Civil de 2002 criou as fi guras da sociedade simples e da sociedade empresária A sociedade simples tem contornos bem diferentes daqueles modelos originários do direito helvético e do italiano O Código Civil italiano não defi niu a sociedade simples e nem tampouco o brasileiro O suíço apresentou o seu conceito no sentido de que a sociedade é simples quando não oferece característicos distintivos de uma das sociedades reguladas em lei Na ausência de defi nição legal de sociedade simples e devido à zona cinzenta em que muitas vezes se encontra podese afi rmar que a sociedade simples substitui a disciplina das anteriores sociedades civis embora tenha um âmbito de atuação bem maior do que estas e serve de substractum às sociedades empresárias As normas que lhe são próprias podem ser aplicadas subsidiariamente às demais sociedades de pessoas A sociedade simples permanece como um expediente jurídico formal destinado a titular as atividades que não são próprias do empresário Dirigese à exploração de atividades econômicas específi cas O Código Civil brasileiro é quem lhe reserva o objeto Ainda é o centro de dúvidas e incompreensões dado que o legislador ao importála do direito italiano crioua de modo a deixála cercada de ambigüidades e incertezas 38 COSTA Wille Duarte A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG 1994 Tese de Doutorado 39 REQUIÃO Rubens Curso cit p 358 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 128 Segundo Campinho40 são funções da sociedade simples a Servir de substrato às sociedades de natureza civil não enquadráveis como empresárias b funcionar como fonte supletiva para as sociedades empresárias sendo suas regras aplicáveis a estas em caso de omissão das disposições do tipo por elas adotado visto se tratar de regras gerais de direito societário No magistério de Fábio Ulhoa41 a sociedade simples é fi gura de larga importância porque cumpre três diferentes funções Em primeiro lugar por sua simplicidade e agilidade prestase às atividades de menor envergadura como os pequenos negócios prestadores de serviços que não exploram suas atividades empresarialmente e aos profi ssionais liberais As características de simplicidade e agilidade são facilmente verifi cáveis tendo em vista que admite a integralização na participação societária do sócio em serviços ao invés de capital como na limitada desobriga o cumprimento de formalidades exigidas às sociedades limitadas como vg a realização de assembléia ou reunião anual de sócios para registrar aprovação de contas Todas estas facilidades são obtidas com limitação válida da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade art 997 VIII bastando para tanto que o contrato constitutivo tenha cláusula inserida nesse sentido Em segundo lugar serve de modelo genérico para os demais tipos societários contratuais aplicase em caráter subsidiário à sociedade em nome coletivo em comandita simples e em regra à sociedade limitada É também a disciplina supletiva das sociedades cooperativas Mas é a terceira função da sociedade simples que é a mais distintiva além de tipo societário e de modelo geral ela é fi nalmente uma categoria de sociedades Como categoria de sociedades as sociedades simples são defi nidas legalmente por exclusão São aquelas que não têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro 40 CAMPINHO Sérgio O direito de empresa à luz do novo código civil 2 ed Rio de Janeiro Renovar 2003 p 84 41 COELHO Fábio Ulhoa Parecer inédito São Paulo agosto de 2003 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 129 5 DISTINÇÃO ENTRE SOCIEDADE SIMPLES E SOCIEDADE EMPRESÁRIA A sociedade simples na opinião de Campinho42 compreende atividades econômicas específi cas o ordenamento jurídico positivo é quem lhe reserva o objeto Algumas das antigas sociedades civis com fi ns econômicos se enquadram como sociedade simples e outras consideradas anteriormente civis são consideradas hoje sociedades empresárias como por exemplo as agências de viagem os hospitais as administradoras de imóveis Pelo Código Civil são exemplos de sociedades simples as cooperativas sociedades dedicadas à atividade própria de empresário rural não registradas na junta comercial as sociedades de advogados sociedades de médicos arquitetos engenheiros químicos farmacêuticos músicos fotógrafos artistas plásticos Nesse diapasão as sociedades uniprofi ssionais são sociedades simples Já a atividade típica de empresário não se defi ne por sua natureza mas pela forma com que é explorada Quando a atividade econômica é explorada de forma organizada com empresarialidade mediante a articulação dos fatores de produção temse uma empresa individual exercida pelo empresário individual e se empresa coletiva exercida pela pessoa jurídica sociedade empresária Cunha Peixoto43 é de opinião que a organização embora presente em toda empresa não se presta a distinguila das atividades não empresariais vez que também nestas é encontrada O verdadeiro elemento diferenciador é o exercício profi ssional da atividade termo este que traz em si idéia não só de intenção de ganhos ou lucros atividade criativa de riqueza mas também de atividade com o objetivo de atender ao mercado Sztajn44 preleciona que atividades empresariais caracterizamse por serem econômicas e organizadas para a produção de bens e serviços que tanto podem ser representadas pela partilha de excedentes fi nanceiros 42 CAMPINHO Sérgio O direito cit p 36 43 CUNHA PEIXOTO Euler da Empresário individual e sociedade empresária Revista da Faculdade de Direito da UFMG n 46 JanJun 2005 p 105 44 SZTAJN Raquel O conceito de empresário no código civil brasileiro Revista Magister de Direito Empresarial concorrencial e do consumidor Ano II N 7 pp 103104 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 130 quanto pela partilha de utilidades econômicas patrimoniais Aduz ainda que os elementos marcantes da noção de empresa são atividade econômica organizada profi ssionalmente destinada a mercados e com escopo de lucro e que a doutrina italiana já admitiu que a empresa é caracterizada como já referido por um feixe de contratos que garante domínio direito de uso dos fatores da produção por períodos longos de tempo Outra característica da atividade empresarial é o risco econômico em relação aos resultados positivos ou negativos como se coloca a empresa em movimento Como organização interna será pautada pelos contratos celebrados para a contratação de mãodeobra aquisição de matériasprimas ou insumos bens ou utilidades necessários à produção local físico máquinas equipamentos recursos fi nanceiros distribuição de produtos Também é importante o risco jurídico ou incerteza jurídica que tem a ver com a legislação a forma pela qual são interpretados os textos legais a aderência das regras às instituições e práticas socialmente aceitas Enfi m para a autora a empresa encerra inúmeras variáveis cada vez mais complexas e ligadas umbilicalmente aos riscos mercados lucros contratos e forma de organização As sociedades empresárias operam através da organização posto que esta se sobreleva ao labor pessoal dos sócios que poderão atuar como dirigentes mas que não serão de forma predominante os operadores diretos da atividadefi m exercida Portanto sociedade empresária existe quando há coordenação e administração desses fatores de produção cujo resultado se apresenta mediante a circulação de bens e a prestação de serviços que suplantam a atuação pessoal dos sócios O exercício direto do objeto social é operado pela organização Se os sócios operam diretamente o objeto social exercendo eles próprios a produção de bens a sua circulação ou a prestação de serviços o que se tem é uma sociedade simples Na sociedade simples o que prevalece é o trabalho pessoal prestado diretamente pelos seus sócios Assim o núcleo de sua atividade produtiva está no trabalho pessoal Ainda que a sociedade tenha empregados estes apenas colaboram mas o que se exterioriza de forma prevalente é o labor dos próprios sócios ou de um administrador designado que opera de forma pessoal APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 131 Para Tavares o trabalho intelectual seria um elemento de empresa quando representasse um mero componente às vezes até o mais importante do produto ou serviço fornecido pela empresa mas não esse produto ou serviço em si mesmo45 Conforme demonstrou Costa no exercício da profi ssão intelectual o profi ssional liberal utiliza predominantemente o conhecimento adquirido durante sua formação escolar Pode eventualmente utilizar se de materiais Todavia no exercício de suas atividades o profi ssional intelectual não transfere ao cliente a sua técnica e a sua habilidade mas este apenas obtém o resultado delas 46 Não constitui fator determinante para a classifi cação da sociedade em empresária ou simples a dimensão da empresa Em geral não se consegue explorar atividade econômica de vulto sem a organização empresarial Mas não há relação necessária entre um e outro fator A prova dessa assertiva é a constatação de que pequenos negócios podem ser explorados empresarialmente O decisivo é a forma com que se explora a atividade com ou sem empresarialidade O art 983 estabelece mas não esclarece que salvo as exceções expressas considerase empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro e simples as demais E o parágrafo único estatui que independentemente de seu objeto considerase empresária a sociedade por ações ainda que não explore seu objeto empresarialmente e simples a cooperativa ainda que organizada de forma empresarial São exceções previstas pelo Código Civil que não se submetem à regra assinalada como por exemplo a cooperativa de crédito organizada empresarialmente com o diferencial que é fi scalizada pelo Banco Central e que é mesmo assim legalmente considerada sociedade simples Considerandose que a empresa constitui o átomo centralizador do direito empresarial e da economia de mercado ipso facto os fundamentos e diretrizes constitucionais perpassam também por ela 45 TAVARES José Edwaldo Jornal da Serjus N 59 dez 1993 informativo da Associação dos Serventuários da Justiça de Minas Gerais 46 COSTA Wille Duarte A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG Tese de Doutoramento 1994 pp 121122 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 132 6 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA No magistério de Washington Albino47 os elementos ideológicos puros tais como a iniciativa privada e a função social da propriedade têm sido absorvidos sob a forma de fundamentos e de princípios que traduzem a ideologia constitucionalmente adotada A ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada e consagra uma economia de mercado Tem por fi m assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os princípios indicados no art 170 que podem ser interpretados pelos seguintes da soberania nacional da propriedade privada da função social da propriedade da livre concorrência da defesa do consumidor da defesa do meio ambiente da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego A propriedade privada e a sua função social dois importantes princípios da ordem econômica insculpidos no art 170 II e III tendem a organizarse em empresas e atinge a substancialidade quando aplicados à propriedade dos bens de produção A correta abordagem do tema deve ser efetuada portanto a partir da identifi cação individual dos elementos ideológicos contidos nos fundamentos e nos princípios constitucionais O ilustre professor elabora a análise da Constituição da República com destaque para o art 170 do Título VII Da Ordem Econômica e Financeira a seguir exposta48 Modelo Liberal a como fundamento a livre iniciativa b como princípios II a propriedade privada VI a livre concorrência 47 SOUZA Washington Peluso Albino de Confl itos ideológicos da constituição Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais n 7475 janjul1992 p 26 48 Idem ibidem pp 2728 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 133 e parágrafo único é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente dos órgãos públicos salvo nos casos previstos em lei Modelo Socialista a como fundamentos valorização do trabalho humano e existência digna conforme os ditames da justiça social b como princípios III Função social da propriedade V defesa do consumidor VII redução das desigualdades sociais VIII busca do pleno emprego IX tratamento favorecido para as pequenas empresas de capital nacional de pequeno porte Os referidos princípios devem ser interpretados em consonância com o aspecto político o que conduz os teóricos a admitirem uma jurisprudência política Grau49 preleciona que a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica Geraldo Vidigal opta pelo tipo liberal do processo econômico que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências quer do próprio Estado quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando aumento arbitrário dos lucros mas sua posição corresponde ao neo liberalismo ou socialliberalismo como a defesa da livre iniciativa Miguel Realea Constituição é capitalista mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado José Afonso da Silva 49 GRAU Eros A ordem econômica na Constituição de 1988 4ed São Paulo Malheiros 1988 pp 212213 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 134 7 A ATIVIDADE EMPRESÁRIA E MERCADO A origem dos mercados retroage à Idade Média às feiras dos mercadores e ganhou maior visibilidade após a Revolução Industrial A noção de mercado sempre esteve ligada ao regime de produção circulação e consumo de massa independente de qualquer regime e época de sua atuação É equivocada a idéia de que a expressão mercado signifi ca espaço geográfi co sem considerar os múltiplos agentes envolvidos como os fornecedores e os adquirentes dos bens negociados O mercado é defi nido como unidade jurídica das relações de escambo em relação a um dado bem ou a uma categoria de bens50 É lugar primitivo e espontâneo que se rege por si e que gera a maior satisfação das necessidades humanas51 A mais relevante função dos mercados segundo o magistério de Sztajn52 é a de ordenar ou regular a troca econômica tornar efi ciente a circulação de bens na economia melhorar a distribuição dos bens disponíveis entre agentes econômicos Os efeitos econômicos e jurídicos das operações nos mercados revelamse no campo da concorrência entre os agentes produtores e distribuidores de um lado e no dos consumidores de outro como faces de uma mesma moeda E segundo Verçosa53 necessitam quase sempre da intervenção do legislador como meio de correção de rumos Para Irti o mercado é o lugar artifi cial que a lei constrói governa orienta e controla daí podese dizer que não existe mercado fora da decisão política e da escolha legislativa mesmo quando se trata de deixar os negócios ao jogo dos interesses individuais o que representa uma decisão e escolha políticas 50 IRTI Natalino Concetto giuridico di mercato e dovere de solidariettà Rivista de diritto civile 2185 apud VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso de direito comercial cit p 133 51 IRTI Natalino Persona e mercato Rivista di diritto civile Pádua Casa Editrice Dott Antonio Milani 1955 Ano 41 n 3 p 289 Apud Sztajn Rachel Teoria jurídica da empresa atividade empresária e mercados São Paulo Atlas 2004 p 31 52 SZTAJN Rachel Teoria jurídica da empresa cit p 33 53 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Curso cit p 132 APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 135 Duas funções básicas são exercidas pelo mercado a é o lugar em sentido largo no qual o empresário exerce a sua atividade pode ser um lugar físico determinado como a Bolsa de Valores uma região ou até mesmo nenhum lugar específi co negócios feitos pela internet b é a estrutura social econômica e jurídica que permite aos empresários e operadores celebrar contratos54 Os mercados necessitam de dois requisitos fundamentais para o seu funcionamento estabilidade e segurança jurídica Quando o mercado apresenta riscos signifi cativos prejudica e até mesmo impede que os negócios sejam fi rmados Os custos de transação podem aumentar de tal forma que negócios deixam de ser realizados Os planos econômicos brasileiros têm confi rmado tal assertiva No momento inclusive devido à crise internacional iniciada nos Estados Unidos pela inadimplência do setor imobiliário o chamado risco legal tem se apresentado de forma bem acentuada com a baixa de negócios nas Bolsas de Valores de vários países da Europa e Ásia repercutindo também no Brasil Em mercados a fungibilidade dos agentes dos participantes é regra Do ponto de vista objetivo mercados geram informações e no âmbito das contratações os preços são expressos aparentes enquanto nas organizações os preços são implícitos A atuação do empresariado no mercado é resultado da autonomia privada que deve ser exercida nos limites constitucionais mormente os estatuídos pelo art 170 da Constituição da República como os mencionados princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência 8 CONCLUSÃO A empresa centro de imputação de interesses em um feixe de contratos desencadeados sucessiva e continuamente é o núcleo atomizador do Direito de Empresa e importante instrumento para a manutenção da estrutura do adequado mercado concorrencial O complexo de relações decorrentes da atividade da empresa forma um patrimônio que tem como titular o empresário Assim os efeitos da 54 Apud VERÇOSA Haroldo Malheiros Ducler Curso cit pp 35 e ss SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOUTRINA EDIÇÃO COMEMORATIVA 20 ANOS 136 empresa fi cam a cargo desse sujeito o empresário que a impulsiona e a adota de efetiva realidade econômica O objetivo dos empresários imprescindíveis agentes econômicos é transformar decisões de produzir bens e serviços para o mercado com lucratividade A empresa termina na realidade por ser projeção do empresário que se transforma na mola propulsora da atividade econômica A empresa se apresenta perante o mundo jurídico revestida da roupagem jurídica da sociedade empresária pessoa jurídica de direito privado diferente da sociedade simples criada pelo legislador do Código Civil de 2002 Ambos os tipos societários exercem atividade com fi nalidade econômica todavia a sociedade empresária organiza os fatores de produção e o faz com empresarialidade ao passo que a atividade da sociedade simples é exercida sem elemento de empresa Se os sócios operam diretamente o objeto social exercendo eles próprios a produção de bens ou a prestação de serviços o que se tem é uma sociedade simples Se o exercício direto do objeto social é operado pela organização afi gurase a sociedade empresária Empresa ou sociedade fi guras jurídicas distintas produzem bens e serviços para o mercado o que implica assumir inúmeros tipos de riscos incertezas a respeito de quais bens ou serviços são necessários para atender demandas atuais ou futuras A atividade econômica necessita de parâmetros resguardados pelos fundamentos determinados pela Constituição da República que pretendem dar o norte para que sejam atingidos os princípios esculpidos no art 170 consagrar um regime de mercado organizado do tipo liberal do processo econômico preservar a livre concorrência de quaisquer interferências a fi m de que prevaleça a defesa da livre iniciativa a propriedade privada e sua função social APONTAMENTOS SOBRE A EMPRESA O EMPRESÁRIO SOCIEDADES E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE EMPRESA 137 BIBLIOGRAFIA ÁLVARES Walter T Curso de direito comercial São Paulo Sugestões Literárias 1979 ASQUINI Alberto Profi li dellempresa Rivista del Diritto Commerciale v 41 Milano 1943 CAMPINHO Sérgio O 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