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1 PAI CONTRA MÃE Machado de Assis A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos como terá sucedido a outras instituições sociais Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício Um deles era o ferro ao pescoço outro o ferro ao pé havia também a máscara de folha deflandres A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos por lhes tapar a boca Tinha só três buracos dous para ver um para respirar e era fechada atrás da cabeça por um cadeado Com o vício de beber perdiam a tentação de furtar porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede e aí ficavam dous pecados extintos e a sobriedade e a honestidade certas Era grotesca tal máscara mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco e alguma vez o cruel Os funileiros as tinham penduradas à venda na porta das lojas Mas não cuidemos de máscaras O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões Imaginai uma coleira grossa com a haste grossa também à direita ou à esquerda até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave Pesava naturalmente mas era menos castigo que sinal Escravo que fugia assim onde quer que andasse mostrava um reincidente e com pouco era pegado Há meio século os escravos fugiam com freqüência Eram muitos e nem todos gostavam da escravidão Sucedia ocasionalmente apanharem pancada e nem todos gostavam de apanhar pancada Grande parte era apenas repreendida havia alguém de casa que servia de padrinho e o mesmo dono não era mau além disso o sentimento da propriedade moderava a ação porque dinheiro também dói A fuga repetiase entretanto Casos houve ainda que raros em que o escravo de contrabando apenas comprado no Valongo deitava a correr sem conhecer as ruas da cidade Dos que seguiam para casa não raro apenas ladinos pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel e iam ganhálo fora quitandando Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse Punha anúncios nas folhas públicas com os sinais do fugido o nome a roupa o defeito físico se o tinha o bairro por onde andava e a quantia de gratificação Quando não vinha a quantia vinha promessa gratificarseá generosamente ou receberá uma boa gratificação Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta figura de preto descalço correndo vara ao ombro e na ponta uma trouxa Protestavase com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse Ora pegar escravos fugidios era um ofício do tempo Não seria nobre mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo a pobreza a necessidade de uma achega a inaptidão para outros trabalhos o acaso e alguma vez o gosto de servir também ainda que por outra via davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem Cândido Neves em família Candinho é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga cedeu à pobreza quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos Tinha um defeito grave esse homem não agüentava emprego nem ofício carecia de estabilidade é o que ele chamava caiporismo Começou por querer aprender tipografia mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem e ainda assim talvez não ganhasse o bastante foi o que ele disse a si mesmo O comércio chamoulhe a atenção era carreira boa Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho A obrigação porém de atender e servir a todos feriao na corda do orgulho e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade Fiel de cartório contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos Quando veio a paixão da moça Clara não tinha ele mais que dívidas ainda que poucas porque morava com um primo entalhador de ofício Depois de várias tentativas para obter emprego resolveu adotar o ofício do primo de que aliás já tomara algumas lições Não lhe custou apanhar outras mas querendo aprender depressa aprendeu mal Não fazia obras finas nem complicadas apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras Queria ter em que trabalhar quando casasse e o casamento não se demorou muito Contava trinta anos Clara vinte e dous Ela era órfã morava com uma tia Mônica e cosia com ela Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco mas os namorados apenas queriam matar o tempo não tinham outro empenho Passavam às tardes olhavam muito para ela ela para eles até que a noite a fazia recolher para a costura O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos Talvez nem soubesse o nome de muitos Queria casar naturalmente Era como lhe dizia a tia um pescar de caniço a ver se o peixe pegava mas o peixe passava de longe algum que parasse era só para andar à roda da isca mirála cheirála deixála e ir a outras O amor traz sobrescritos Quando a moça viu Cândido Neves sentiu que era este o possível marido o marido verdadeiro e único O encontro deuse em um baile tal foi para lembrar o primeiro ofício do namorado tal foi a página inicial daquele livro que tinha de sair mal composto e pior brochado O casamento fezse onze meses depois e foi a mais bela festa das relações dos noivos Amigas de Clara menos por amizade que por inveja tentaram arredála do passo que ia dar Não negavam a gentileza do noivo nem o amor que lhe tinha nem ainda algumas virtudes diziam que era dado em demasia a patuscadas Pois ainda bem replicava a noiva ao menos não caso com defunto Não defunto não mas é que 2 Não diziam o que era Tia Mônica depois do casamento na casa pobre onde eles se foram abrigar faloulhes uma vez nos filhos possíveis Eles queriam um um só embora viesse agravar a necessidade Vocês se tiverem um filho morrem de fome disse a tia à sobrinha Nossa Senhora nos dará de comer acudiu Clara Tia Mônica devia terlhes feito a advertência ou ameaça quando ele lhe foi pedir a mão da moça mas também ela era amiga de patuscadas e o casamento seria uma festa como foi A alegria era comum aos três O casal ria a propósito de tudo Os mesmos nomes eram objeto de trocados Clara Neves Cândido não davam que comer mas davam que rir e o riso digeriase sem esforço Ela cosia agora mais ele saía a empreitadas de uma cousa e outra não tinha emprego certo Nem por isso abriam mão do filho O filho é que não sabendo daquele desejo específico deixavase estar escondido na eternidade Um dia porém deu sinal de si a criança varão ou fêmea era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura Tia Mônica ficou desorientada Cândido e Clara riram dos seus sustos Deus nos há de ajudar titia insistia a futura mãe A notícia correu de vizinha a vizinha Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande A esposa trabalhava agora com mais vontade e assim era preciso uma vez que além das costuras pagas tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança À força de pensar nela vivia já com ela medialhe fraldas cosialhe camisas A porção era escassa os intervalos longos Tia Mônica ajudava é certo ainda que de má vontade Vocês verão a triste vida suspirava ela Mas as outras crianças não nascem também perguntou Clara Nascem e acham sempre alguma cousa certa que comer ainda que pouco Certa como Certa um emprego um ofício uma ocupação mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo Cândido Neves logo que soube daquela advertência foi ter com a tia não áspero mas muito menos manso que de costume e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa e isso mesmo quando não quer jantar comigo Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau Bem sei mas somos três Seremos quatro Não é a mesma cousa Que quer então que eu faça além do que faço Alguma cousa mais certa Veja o marceneiro da esquina o homem do armarinho o tipógrafo que casou sábado todos têm um emprego certo Não fique zangado não digo que você seja vadio mas a ocupação que escolheu é vaga Você passa semanas sem vintém Sim mas lá vem uma noite que compensa tudo até de sobra Deus não me abandona e preto fugido sabe que comigo não brinca quase nenhum resiste muitos entregamse logo Tinha glória nisto falava da esperança como de capital seguro Daí a pouco ria e fazia rir à tia que era naturalmente alegre e previa uma patuscada no batizado Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador como abrira mão de outros muitos melhores ou piores Pegar escravos fugidos trouxelhe um encanto novo Não obrigava a estar longas horas sentado Só exigia força olho vivo paciência coragem e um pedaço de corda Cândido Neves lia os anúncios copiavaos metiaos no bolso e saía às pesquisas Tinha boa memória Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido gastava pouco tempo em achálo segurálo amarrálo e leválo A força era muita a agilidade também Mais de uma vez a uma esquina conversando de cousas remotas via passar um escravo como os outros e descobria logo que ia fugido quem era o nome o dono a casa deste e a gratificação interrompia a conversa e ia atrás do vicioso Não o apanhava logo espreitava lugar azado e de um salto tinha a gratificação nas mãos Nem sempre saía sem sangue as unhas e os dentes do outro trabalhavam mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão Um dia os lucros entraram a escassear Os escravos fugidos não vinham já como dantes meterse nas mãos de Cândido Neves Havia mãos novas e hábeis Como o negócio crescesse mais de um desempregado pegou em si e numa corda foi aos jornais copiou anúncios e deitouse à caçada No próprio bairro havia mais de um competidor Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos A vida fezse difícil e dura Comiase fiado e mal comiase tarde O senhorio mandava pelos aluguéis Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido tanta era a necessidade de coser para fora Tia Mônica ajudava a sobrinha naturalmente Quando ele chegava à tarde viaselhe pela cara que não trazia vintém Jantava e saía outra vez à cata de algum fugido Já lhe sucedia ainda que raro enganarse de pessoa e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor tal era a cegueira da necessidade Certa vez capturou um preto livre desfezse em desculpas mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem É o que lhe faltava exclamou a tia Mônica ao vêlo entrar e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências Deixese disso Candinho procure outra vida outro emprego Cândido quisera efetivamente fazer outra cousa não pela razão do conselho mas por simples gosto de trocar de ofício seria um modo de mudar de pele ou de pessoa O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa A natureza ia andando o feto crescia até fazerse pesado à mãe antes de nascer Chegou o oitavo mês mês de angústias e necessidades menos ainda que o nono cuja narração dispenso também Melhor é dizer somente os seus efeitos Não podiam ser mais amargos Não tia Mônica bradou Candinho recusando um conselho que me custa escrever quanto mais ao pai ouvilo Isso nunca 3 Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados Em verdade não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança para beijála guardála vêla rir crescer engordar pular Enjeitar quê enjeitar como Candinho arregalou os olhos para a tia e acabou dando um murro na mesa de jantar A mesa que era velha e desconjuntada esteve quase a se desfazer inteiramente Clara interveio Titia não fala por mal Candinho Por mal replicou tia Mônica Por mal ou por bem seja o que for digo que é o melhor que vocês podem fazer Vocês devem tudo a carne e o feijão vão faltando Se não aparecer algum dinheiro como é que a família há de aumentar E depois há tempo mais tarde quando o senhor tiver a vida mais segura os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior Este será bem criado sem lhe faltar nada Pois então a Roda é alguma praia ou monturo Lá não se mata ninguém ninguém morre à toa enquanto que aqui é certo morrer se viver à míngua Enfim Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros deu as costas e foi meterse na alcova Tinha já insinuado aquela solução mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor crueldade se preferes Clara estendeu a mão ao marido como a ampararlhe o ânimo Cândido Neves fez uma careta e chamou maluca à tia em voz baixa A ternura dos dous foi interrompida por alguém que batia à porta da rua Quem é perguntou o marido Sou eu Era o dono da casa credor de três meses de aluguel que vinha em pessoa ameaçar o inquilino Este quis que ele entrasse Não é preciso Faça favor O credor entrou e recusou sentarse deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora achou que pouco Vinha receber os aluguéis vencidos não podia esperar mais se dentro de cinco dias não fosse pago pôloia na rua Não havia trabalhado para regalo dos outros Ao vêlo ninguém diria que era proprietário mas a palavra supria o que faltava ao gesto e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo O dono da casa não cedeu mais Cinco dias ou rua repetiu metendo a mão no ferrolho da porta e saindo Candinho saiu por outro lado Nesses lances não chegava nunca ao desespero contava com algum empréstimo não sabia como nem onde mas contava Demais recorreu aos anúncios Achou vários alguns já velhos mas em vão os buscava desde muito Gastou algumas horas sem proveito e tornou para casa Ao fim de quatro dias não achou recursos lançou mão de empenhos foi a pessoas amigas do proprietário não alcançando mais que a ordem de mudança A situação era aguda Não achavam casa nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma era ir para a rua Não contavam com a tia Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa ao fundo da cocheira para os lados de um pátio Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dous para que Cândido Neves no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro emendar a vida em suma Ouvia as queixas de Clara sem as repetir é certo mas sem as consolar No dia em que fossem obrigados a deixar a casa fálosia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem Assim sucedeu Postos fora da casa passaram ao aposento de favor e dous dias depois nasceu a criança A alegria do pai foi enorme e a tristeza também Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda Se você não a quer levar deixe isso comigo eu vou à Rua dos Barbonos Cândido Neves pediu que não que esperasse que ele mesmo a levaria Notai que era um menino e que ambos os pais desejavam justamente este sexo Mal lhe deram algum leite mas como chovesse à noite assentou o pai leválo à Roda na noite seguinte Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos As gratificações pela maior parte eram promessas algumas traziam a soma escrita e escassa Uma porém subia a cem milréis Tratavase de uma mulata vinham indicações de gesto e de vestido Cândido Neves andara a pesquisála sem melhor fortuna e abrira mão do negócio imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido Agora porém a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca Rua do Parto e da Ajuda onde ela parecia andar segundo o anúncio Não a achou apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga três dias antes à pessoa que tinha os sinais indicados Cândido Neves parecia falar como dono da escrava e agradeceu cortesmente a notícia Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe e tinha já o menino para ser levado à Roda O pai não obstante o acordo feito mal pôde esconder a dor do espetáculo Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara não tinha fome disse e era verdade Cogitou mil modos de ficar com o filho nenhum prestava Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia Consultou a mulher que se mostrou resignada Tia Mônica pintaralhe a criação do menino seria maior a miséria podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe Assim se fez o pequeno adormeceu o pai pegou dele e saiu na direção da Rua dos Barbonos Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele é certo não menos certo é que o agasalhava muito que o beijava que cobria o rosto para preservá 4 lo do sereno Ao entrar na Rua da Guarda Velha Cândido Neves começou a afrouxar o passo Hei de entregálo o mais tarde que puder murmurou ele Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa viria a acabála foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda Chegou ao fim do beco e indo a dobrar à direita na direção do Largo da Ajuda viu do lado oposto um vulto de mulher era a mulata fugida Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podêlo fazer com a intensidade real Um adjetivo basta digamos enorme Descendo a mulher desceu ele também a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação que referi acima Entrou achou o farmacêutico pediulhe a fineza de guardar a criança por um instante viria buscála sem falta Mas Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada saiu rápido atravessou a rua até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma No extremo da rua quando ela ia a descer a de S José Cândido Neves aproximouse dela Era a mesma era a mulata fujona Arminda bradou conforme a nomeava o anúncio Arminda voltouse sem cuidar malícia Foi só quando ele tendo tirado o pedaço de corda da algibeira pegou dos braços da escrava que ela compreendeu e quis fugir Era já impossível Cândido Neves com as mãos robustas atavalhe os pulsos e dizia que andasse A escrava quis gritar parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume mas entendeu logo que ninguém viria libertála ao contrário Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus Estou grávida meu senhor exclamou Se Vossa Senhoria tem algum filho peçolhe por amor dele que me solte eu serei tua escrava vou servilo pelo tempo que quiser Me solte meu senhor moço Siga repetiu Cândido Neves Me solte Não quero demoras siga Houve aqui luta porque a escrava gemendo arrastavase a si e ao filho Quem passava ou estava à porta de uma loja compreendia o que era e naturalmente não acudia Arminda ia alegando que o senhor era muito mau e provavelmente a castigaria com açoutes cousa que no estado em que ela estava seria pior de sentir Com certeza ele lhe mandaria dar açoutes Você é que tem culpa Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois perguntou Cândido Neves Não estava em maré de riso por causa do filho que lá ficara na farmácia à espera dele Também é certo que não costumava dizer grandes cousas Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives em direção à da Alfândega onde residia o senhor Na esquina desta a luta cresceu a escrava pôs os pés à parede recuou com grande esforço inutilmente O que alcançou foi apesar de ser a casa próxima gastar mais tempo em lá chegar do que devera Chegou enfim arrastada desesperada arquejando Ainda ali ajoelhouse mas em vão O senhor estava em casa acudiu ao chamado e ao rumor Aqui está a fujona disse Cândido Neves É ela mesma Meu senhor Anda entra Arminda caiu no corredor Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem milréis de gratificação Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta milréis enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse No chão onde jazia levada do medo e da dor e após algum tempo de luta a escrava abortou O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono Cândido Neves viu todo esse espetáculo Não sabia que horas eram Quaisquer que fossem urgia correr à Rua da Ajuda e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre Quando lá chegou viu o farmacêutico sozinho sem o filho que lhe entregara Quis esganálo Felizmente o farmacêutico explicou tudo a tempo o menino estava lá dentro com a família e ambos entraram O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco fúria diversa naturalmente fúria de amor Agradeceu depressa e mal e saiu às carreiras não para a Roda dos enjeitados mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem milréis de gratificação Tia Mônica ouvida a explicação perdoou a volta do pequeno uma vez que trazia os cem milréis Disse é verdade algumas palavras duras contra a escrava por causa do aborto além da fuga Cândido Neves beijando o filho entre lágrimas verdadeiras abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto Nem todas as crianças vingam bateulhe o coração
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1 PAI CONTRA MÃE Machado de Assis A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos como terá sucedido a outras instituições sociais Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício Um deles era o ferro ao pescoço outro o ferro ao pé havia também a máscara de folha deflandres A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos por lhes tapar a boca Tinha só três buracos dous para ver um para respirar e era fechada atrás da cabeça por um cadeado Com o vício de beber perdiam a tentação de furtar porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede e aí ficavam dous pecados extintos e a sobriedade e a honestidade certas Era grotesca tal máscara mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco e alguma vez o cruel Os funileiros as tinham penduradas à venda na porta das lojas Mas não cuidemos de máscaras O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões Imaginai uma coleira grossa com a haste grossa também à direita ou à esquerda até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave Pesava naturalmente mas era menos castigo que sinal Escravo que fugia assim onde quer que andasse mostrava um reincidente e com pouco era pegado Há meio século os escravos fugiam com freqüência Eram muitos e nem todos gostavam da escravidão Sucedia ocasionalmente apanharem pancada e nem todos gostavam de apanhar pancada Grande parte era apenas repreendida havia alguém de casa que servia de padrinho e o mesmo dono não era mau além disso o sentimento da propriedade moderava a ação porque dinheiro também dói A fuga repetiase entretanto Casos houve ainda que raros em que o escravo de contrabando apenas comprado no Valongo deitava a correr sem conhecer as ruas da cidade Dos que seguiam para casa não raro apenas ladinos pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel e iam ganhálo fora quitandando Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse Punha anúncios nas folhas públicas com os sinais do fugido o nome a roupa o defeito físico se o tinha o bairro por onde andava e a quantia de gratificação Quando não vinha a quantia vinha promessa gratificarseá generosamente ou receberá uma boa gratificação Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta figura de preto descalço correndo vara ao ombro e na ponta uma trouxa Protestavase com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse Ora pegar escravos fugidios era um ofício do tempo Não seria nobre mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo a pobreza a necessidade de uma achega a inaptidão para outros trabalhos o acaso e alguma vez o gosto de servir também ainda que por outra via davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem Cândido Neves em família Candinho é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga cedeu à pobreza quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos Tinha um defeito grave esse homem não agüentava emprego nem ofício carecia de estabilidade é o que ele chamava caiporismo Começou por querer aprender tipografia mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem e ainda assim talvez não ganhasse o bastante foi o que ele disse a si mesmo O comércio chamoulhe a atenção era carreira boa Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho A obrigação porém de atender e servir a todos feriao na corda do orgulho e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade Fiel de cartório contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos Quando veio a paixão da moça Clara não tinha ele mais que dívidas ainda que poucas porque morava com um primo entalhador de ofício Depois de várias tentativas para obter emprego resolveu adotar o ofício do primo de que aliás já tomara algumas lições Não lhe custou apanhar outras mas querendo aprender depressa aprendeu mal Não fazia obras finas nem complicadas apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras Queria ter em que trabalhar quando casasse e o casamento não se demorou muito Contava trinta anos Clara vinte e dous Ela era órfã morava com uma tia Mônica e cosia com ela Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco mas os namorados apenas queriam matar o tempo não tinham outro empenho Passavam às tardes olhavam muito para ela ela para eles até que a noite a fazia recolher para a costura O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos Talvez nem soubesse o nome de muitos Queria casar naturalmente Era como lhe dizia a tia um pescar de caniço a ver se o peixe pegava mas o peixe passava de longe algum que parasse era só para andar à roda da isca mirála cheirála deixála e ir a outras O amor traz sobrescritos Quando a moça viu Cândido Neves sentiu que era este o possível marido o marido verdadeiro e único O encontro deuse em um baile tal foi para lembrar o primeiro ofício do namorado tal foi a página inicial daquele livro que tinha de sair mal composto e pior brochado O casamento fezse onze meses depois e foi a mais bela festa das relações dos noivos Amigas de Clara menos por amizade que por inveja tentaram arredála do passo que ia dar Não negavam a gentileza do noivo nem o amor que lhe tinha nem ainda algumas virtudes diziam que era dado em demasia a patuscadas Pois ainda bem replicava a noiva ao menos não caso com defunto Não defunto não mas é que 2 Não diziam o que era Tia Mônica depois do casamento na casa pobre onde eles se foram abrigar faloulhes uma vez nos filhos possíveis Eles queriam um um só embora viesse agravar a necessidade Vocês se tiverem um filho morrem de fome disse a tia à sobrinha Nossa Senhora nos dará de comer acudiu Clara Tia Mônica devia terlhes feito a advertência ou ameaça quando ele lhe foi pedir a mão da moça mas também ela era amiga de patuscadas e o casamento seria uma festa como foi A alegria era comum aos três O casal ria a propósito de tudo Os mesmos nomes eram objeto de trocados Clara Neves Cândido não davam que comer mas davam que rir e o riso digeriase sem esforço Ela cosia agora mais ele saía a empreitadas de uma cousa e outra não tinha emprego certo Nem por isso abriam mão do filho O filho é que não sabendo daquele desejo específico deixavase estar escondido na eternidade Um dia porém deu sinal de si a criança varão ou fêmea era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura Tia Mônica ficou desorientada Cândido e Clara riram dos seus sustos Deus nos há de ajudar titia insistia a futura mãe A notícia correu de vizinha a vizinha Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande A esposa trabalhava agora com mais vontade e assim era preciso uma vez que além das costuras pagas tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança À força de pensar nela vivia já com ela medialhe fraldas cosialhe camisas A porção era escassa os intervalos longos Tia Mônica ajudava é certo ainda que de má vontade Vocês verão a triste vida suspirava ela Mas as outras crianças não nascem também perguntou Clara Nascem e acham sempre alguma cousa certa que comer ainda que pouco Certa como Certa um emprego um ofício uma ocupação mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo Cândido Neves logo que soube daquela advertência foi ter com a tia não áspero mas muito menos manso que de costume e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa e isso mesmo quando não quer jantar comigo Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau Bem sei mas somos três Seremos quatro Não é a mesma cousa Que quer então que eu faça além do que faço Alguma cousa mais certa Veja o marceneiro da esquina o homem do armarinho o tipógrafo que casou sábado todos têm um emprego certo Não fique zangado não digo que você seja vadio mas a ocupação que escolheu é vaga Você passa semanas sem vintém Sim mas lá vem uma noite que compensa tudo até de sobra Deus não me abandona e preto fugido sabe que comigo não brinca quase nenhum resiste muitos entregamse logo Tinha glória nisto falava da esperança como de capital seguro Daí a pouco ria e fazia rir à tia que era naturalmente alegre e previa uma patuscada no batizado Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador como abrira mão de outros muitos melhores ou piores Pegar escravos fugidos trouxelhe um encanto novo Não obrigava a estar longas horas sentado Só exigia força olho vivo paciência coragem e um pedaço de corda Cândido Neves lia os anúncios copiavaos metiaos no bolso e saía às pesquisas Tinha boa memória Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido gastava pouco tempo em achálo segurálo amarrálo e leválo A força era muita a agilidade também Mais de uma vez a uma esquina conversando de cousas remotas via passar um escravo como os outros e descobria logo que ia fugido quem era o nome o dono a casa deste e a gratificação interrompia a conversa e ia atrás do vicioso Não o apanhava logo espreitava lugar azado e de um salto tinha a gratificação nas mãos Nem sempre saía sem sangue as unhas e os dentes do outro trabalhavam mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão Um dia os lucros entraram a escassear Os escravos fugidos não vinham já como dantes meterse nas mãos de Cândido Neves Havia mãos novas e hábeis Como o negócio crescesse mais de um desempregado pegou em si e numa corda foi aos jornais copiou anúncios e deitouse à caçada No próprio bairro havia mais de um competidor Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos A vida fezse difícil e dura Comiase fiado e mal comiase tarde O senhorio mandava pelos aluguéis Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido tanta era a necessidade de coser para fora Tia Mônica ajudava a sobrinha naturalmente Quando ele chegava à tarde viaselhe pela cara que não trazia vintém Jantava e saía outra vez à cata de algum fugido Já lhe sucedia ainda que raro enganarse de pessoa e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor tal era a cegueira da necessidade Certa vez capturou um preto livre desfezse em desculpas mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem É o que lhe faltava exclamou a tia Mônica ao vêlo entrar e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências Deixese disso Candinho procure outra vida outro emprego Cândido quisera efetivamente fazer outra cousa não pela razão do conselho mas por simples gosto de trocar de ofício seria um modo de mudar de pele ou de pessoa O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa A natureza ia andando o feto crescia até fazerse pesado à mãe antes de nascer Chegou o oitavo mês mês de angústias e necessidades menos ainda que o nono cuja narração dispenso também Melhor é dizer somente os seus efeitos Não podiam ser mais amargos Não tia Mônica bradou Candinho recusando um conselho que me custa escrever quanto mais ao pai ouvilo Isso nunca 3 Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados Em verdade não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança para beijála guardála vêla rir crescer engordar pular Enjeitar quê enjeitar como Candinho arregalou os olhos para a tia e acabou dando um murro na mesa de jantar A mesa que era velha e desconjuntada esteve quase a se desfazer inteiramente Clara interveio Titia não fala por mal Candinho Por mal replicou tia Mônica Por mal ou por bem seja o que for digo que é o melhor que vocês podem fazer Vocês devem tudo a carne e o feijão vão faltando Se não aparecer algum dinheiro como é que a família há de aumentar E depois há tempo mais tarde quando o senhor tiver a vida mais segura os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior Este será bem criado sem lhe faltar nada Pois então a Roda é alguma praia ou monturo Lá não se mata ninguém ninguém morre à toa enquanto que aqui é certo morrer se viver à míngua Enfim Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros deu as costas e foi meterse na alcova Tinha já insinuado aquela solução mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor crueldade se preferes Clara estendeu a mão ao marido como a ampararlhe o ânimo Cândido Neves fez uma careta e chamou maluca à tia em voz baixa A ternura dos dous foi interrompida por alguém que batia à porta da rua Quem é perguntou o marido Sou eu Era o dono da casa credor de três meses de aluguel que vinha em pessoa ameaçar o inquilino Este quis que ele entrasse Não é preciso Faça favor O credor entrou e recusou sentarse deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora achou que pouco Vinha receber os aluguéis vencidos não podia esperar mais se dentro de cinco dias não fosse pago pôloia na rua Não havia trabalhado para regalo dos outros Ao vêlo ninguém diria que era proprietário mas a palavra supria o que faltava ao gesto e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo O dono da casa não cedeu mais Cinco dias ou rua repetiu metendo a mão no ferrolho da porta e saindo Candinho saiu por outro lado Nesses lances não chegava nunca ao desespero contava com algum empréstimo não sabia como nem onde mas contava Demais recorreu aos anúncios Achou vários alguns já velhos mas em vão os buscava desde muito Gastou algumas horas sem proveito e tornou para casa Ao fim de quatro dias não achou recursos lançou mão de empenhos foi a pessoas amigas do proprietário não alcançando mais que a ordem de mudança A situação era aguda Não achavam casa nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma era ir para a rua Não contavam com a tia Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa ao fundo da cocheira para os lados de um pátio Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dous para que Cândido Neves no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro emendar a vida em suma Ouvia as queixas de Clara sem as repetir é certo mas sem as consolar No dia em que fossem obrigados a deixar a casa fálosia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem Assim sucedeu Postos fora da casa passaram ao aposento de favor e dous dias depois nasceu a criança A alegria do pai foi enorme e a tristeza também Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda Se você não a quer levar deixe isso comigo eu vou à Rua dos Barbonos Cândido Neves pediu que não que esperasse que ele mesmo a levaria Notai que era um menino e que ambos os pais desejavam justamente este sexo Mal lhe deram algum leite mas como chovesse à noite assentou o pai leválo à Roda na noite seguinte Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos As gratificações pela maior parte eram promessas algumas traziam a soma escrita e escassa Uma porém subia a cem milréis Tratavase de uma mulata vinham indicações de gesto e de vestido Cândido Neves andara a pesquisála sem melhor fortuna e abrira mão do negócio imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido Agora porém a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca Rua do Parto e da Ajuda onde ela parecia andar segundo o anúncio Não a achou apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga três dias antes à pessoa que tinha os sinais indicados Cândido Neves parecia falar como dono da escrava e agradeceu cortesmente a notícia Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe e tinha já o menino para ser levado à Roda O pai não obstante o acordo feito mal pôde esconder a dor do espetáculo Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara não tinha fome disse e era verdade Cogitou mil modos de ficar com o filho nenhum prestava Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia Consultou a mulher que se mostrou resignada Tia Mônica pintaralhe a criação do menino seria maior a miséria podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe Assim se fez o pequeno adormeceu o pai pegou dele e saiu na direção da Rua dos Barbonos Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele é certo não menos certo é que o agasalhava muito que o beijava que cobria o rosto para preservá 4 lo do sereno Ao entrar na Rua da Guarda Velha Cândido Neves começou a afrouxar o passo Hei de entregálo o mais tarde que puder murmurou ele Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa viria a acabála foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda Chegou ao fim do beco e indo a dobrar à direita na direção do Largo da Ajuda viu do lado oposto um vulto de mulher era a mulata fugida Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podêlo fazer com a intensidade real Um adjetivo basta digamos enorme Descendo a mulher desceu ele também a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação que referi acima Entrou achou o farmacêutico pediulhe a fineza de guardar a criança por um instante viria buscála sem falta Mas Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada saiu rápido atravessou a rua até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma No extremo da rua quando ela ia a descer a de S José Cândido Neves aproximouse dela Era a mesma era a mulata fujona Arminda bradou conforme a nomeava o anúncio Arminda voltouse sem cuidar malícia Foi só quando ele tendo tirado o pedaço de corda da algibeira pegou dos braços da escrava que ela compreendeu e quis fugir Era já impossível Cândido Neves com as mãos robustas atavalhe os pulsos e dizia que andasse A escrava quis gritar parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume mas entendeu logo que ninguém viria libertála ao contrário Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus Estou grávida meu senhor exclamou Se Vossa Senhoria tem algum filho peçolhe por amor dele que me solte eu serei tua escrava vou servilo pelo tempo que quiser Me solte meu senhor moço Siga repetiu Cândido Neves Me solte Não quero demoras siga Houve aqui luta porque a escrava gemendo arrastavase a si e ao filho Quem passava ou estava à porta de uma loja compreendia o que era e naturalmente não acudia Arminda ia alegando que o senhor era muito mau e provavelmente a castigaria com açoutes cousa que no estado em que ela estava seria pior de sentir Com certeza ele lhe mandaria dar açoutes Você é que tem culpa Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois perguntou Cândido Neves Não estava em maré de riso por causa do filho que lá ficara na farmácia à espera dele Também é certo que não costumava dizer grandes cousas Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives em direção à da Alfândega onde residia o senhor Na esquina desta a luta cresceu a escrava pôs os pés à parede recuou com grande esforço inutilmente O que alcançou foi apesar de ser a casa próxima gastar mais tempo em lá chegar do que devera Chegou enfim arrastada desesperada arquejando Ainda ali ajoelhouse mas em vão O senhor estava em casa acudiu ao chamado e ao rumor Aqui está a fujona disse Cândido Neves É ela mesma Meu senhor Anda entra Arminda caiu no corredor Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem milréis de gratificação Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta milréis enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse No chão onde jazia levada do medo e da dor e após algum tempo de luta a escrava abortou O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono Cândido Neves viu todo esse espetáculo Não sabia que horas eram Quaisquer que fossem urgia correr à Rua da Ajuda e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre Quando lá chegou viu o farmacêutico sozinho sem o filho que lhe entregara Quis esganálo Felizmente o farmacêutico explicou tudo a tempo o menino estava lá dentro com a família e ambos entraram O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco fúria diversa naturalmente fúria de amor Agradeceu depressa e mal e saiu às carreiras não para a Roda dos enjeitados mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem milréis de gratificação Tia Mônica ouvida a explicação perdoou a volta do pequeno uma vez que trazia os cem milréis Disse é verdade algumas palavras duras contra a escrava por causa do aborto além da fuga Cândido Neves beijando o filho entre lágrimas verdadeiras abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto Nem todas as crianças vingam bateulhe o coração