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233 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS DESAFIOS PARA A ESCOLA CONTEMPORÂNEA ANGELA VIANA MACHADO FERNANDES MELINA CASARI PALUDETO RESUMO A educação voltada aos direitos humanos ainda não faz parte da prática nem do currículo da escola brasileira Em momen tos de crise de valores públicos e privados e da sociedade como um todo tornase imperativo que as temáticas da igualdade e da dig nidade humana não estejam inscritas apenas de textos legais mas que igualmente sejam internalizadas por todos que atuam tanto na educação formal como na não formal Palavraschave Direitos humanos Educação Formação de professores EDUCATION AND HUMAN RIGHTS CHALLENGES FOR CONTEMPORARY SCHOOL ABSTRACT Education focused on Human Rights is not yet part of the practice or curriculum of the Brazilian schools In times when public and private values and the whole society are in crisis the issue of equality and human dignity has not only to be part of texts but also to be internalized by anyone who works either in formal or nonformal education Key words Human rights Education Teachers training Doutora em Educação e professora do Departamento de Ciências da Educação e do Pro grama de PósGraduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista UNESP campus de Araraquara Email angelafclarunespbr Graduada em Sociologia pela UNESP e membro do Grupo de Pesquisa Educação Juventu de e Direitos Humanos Email melpaludetoyahoocombr 234 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea discussão internacional sobre direitos humanos iniciouse logo após o genocídio imposto pelo nazismo na Segunda Guerra culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e ratificada na Declaração Universal de Direitos Humanos de Viena em 1993 Estas declarações introduzem uma concepção de direitos humanos universais e indivisíveis Entretanto a discussão so bre cidadania nos parece preceder a dos direitos O estudo clássico de T H Marshall 1967 discorre sobre a evo lução dos direitos do cidadão diante das desigualdades inerentes à so ciedade de classes É a cidadania apoiada na igualdade entre os cidadãos e na participação plena do indivíduo em todas as instâncias que per mitirá que as desigualdades dos sistemas de classes possam ser confron tadas ou seja a desigualdade pode ser aceitável desde que a igualdade da cidadania seja reconhecida Através do desenvolvimento histórico dos direitos do cidadão na sociedade inglesa o autor focaliza o concei to segundo uma tríplice dimensão o direito civil o político e o social Os direitos civis referemse às liberdades individuais liberdade de ir e vir liberdade de imprensa pensamento e fé o direito à propri edade e à conclusão de contratos válidos e o direito à justiça São os tribunais de justiça que garantirão os direitos civis através da igualda de perante a lei Os direitos políticos garantem a participação dos indivíduos no exercício do poder político ora como membros de um organismo in vestido de autoridade política partidos sindicatos associações ora como eleitores dos membros de tal organismo As instituições encarre gadas de garantir estes direitos são o Parlamento e as câmaras represen tativas locais Finalmente os direitos sociais referemse ao bemestar econômi co e segurança ao direito de participar por completo na herança soci al levando uma vida de ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade consumo lazer segurança O sistema edu cacional e os serviços sociais deverão garantir estes direitos A educação é um prérequisito necessário à liberdade civil pois os direitos civis se destinam a ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso que aprenderam a ler e escrever O autor discute a incorporação dos direitos civis no século XVIII dos direitos políticos no século XIX e dos sociais no século XX 235 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto A cidadania é considerada como um status concedido aos indivíduos que são membros integrais da sociedade Os que o possuem são iguais com respeito aos direitos e deveres pertinentes a este status Indepen dente da desigualdade de classes a igualdade de status é mais impor tante que a igualdade de renda Nesta evolução os direitos são enten didos sempre como concessões e não como conquistas É a partir destas categorias que o sistema internacional de pro teção aos direitos do homem enfatiza o que veio a ser denominado era dos direitos Bobbio 1992 afirma que o problema do funda mento do direito está no que se tem de fato e no que se gostaria de ter Os direitos humanos são coisas desejáveis e merecem ser persegui dos Podese afirmar que de acordo com o contexto histórico novos direitos devem ser assegurados o que nos leva a certo relativismo Pinsky 2003 por sua vez afirma que ser cidadão é ter direito à vida à liberdade à propriedade à igualdade perante a lei ou seja ter direitos civis É também ter direitos políticos votar e ser votado e direitos civis o que garante a participação de todos na riqueza coletiva trabalho educação de qualidade salário justo saúde uma velhice tranquila a informação não manipulada a proteção do planeta infor mações sobre a bioética e suas consequências alimentação saudável e para todos enfim o respeito às suas escolhas Estes só podem ser assegurados se houver um Estado democrá tico que entenda que todos são cidadãos livres e iguais em dignidade e direito A dignidade nesse sentido tornase um valor fundamen tal essencial aos seres humanos Enquanto a Organização das Nações Unidas ONU construíam as bases para sua Carta de Direitos Huma nos no Brasil vivíamos a total violação dos direitos com a ditadura militar Miranda 2006 p 3336 afirma que foi durante a Ditadura que os direitos humanos começaram a ser reivindicados pelos movi mentos da sociedade civil Dentre estes destacamse o Movimento Feminino pela Anistia e a luta da Arquidiocese de São Paulo contra a tortura abrigando humanamente os perseguidos políticos em seu estabelecimento A resistência a atos arbitrários estendeuse pelo país de 1974 a 1978 muitos deputados e senadores ligados ao partido MDB oposição na época conseguiram se eleger e denunciar institucional mente a violação dos direitos humanos 236 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea Vários foram os fatos que marcaram os anos de 1970 e 1980 Em meados de 1985 o movimento pelas Diretas Já reuniu dife rentes segmentos da sociedade para eleições diretas para presidente da República Mesmo não obtendo sucesso os diferentes grupos movimentos sociais e comunidades de base conseguiram participar da elaboração da Constituição por meio das emendas populares plebis cito e audiências públicas Logo após a Constituição de 1988 no Brasil houve em 1989 a ratificação da Convenção de Haia dos Di reitos da Criança e dos Adolescentes e em 1990 foi aprovado o Esta tuto da Criança e do adolescente ECA e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB n 93941996 O ECA Lei n 8069 de julho de 1990 em suas disposições pre liminares afirma que esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente Considerase criança até 12 anos incompletos e ado lescente de 12 a 18 anos É dever da família comunidade sociedade e do poder público assegurar os direitos à vida saúde alimentação edu cação esporte lazer profissionalização cultura dignidade respeito liberdade e convivência familiar Estes direitos serão prioritários nas po líticas públicas Nenhuma criança ou adolescente deve sofrer negligên cias discriminação exploração etc A criança e o adolescente têm direito à liberdade que compre ende direito de ir e vir de opinião e expressão de crença e culto religioso de brincar praticar esportes e divertirse de participar da vida comunitária sem discriminação É dever de todos velar pela dig nidade de ambos pondoos a salvo de qualquer tratamento desuma no ou violento Ao mesmo tempo o Estatuto prevê que toda criança e adoles cente tem direito à educação sendo de sua obrigação visar o pleno desenvolvimento da pessoa preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho assegurandolhes igualdade de condi ções para o acesso e permanência na escola direito de ser respeitado por seus educadores direito de contestar critérios avaliativos direito de organização e participação em entidades estudantis acesso à esco la pública e gratuita nas proximidades de sua residência é também dever do Estado assegurar ensino fundamental obrigatório e gratuito Artigo 208 da Constituição Da mesma forma os pais têm a obriga ção de matricular seus filhos na rede regular de ensino e os dirigentes 237 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto de estabelecimentos de ensino fundamental o dever de comunicar ao Conselho Tutelar criado a partir desta lei quando houver maus tra tos faltas injustificadas e elevados níveis de repetência Nesse sentido deverão ser respeitados os valores culturais artísticos e históricos pró prios do contexto social das crianças É proibido qualquer trabalho à criança até 14 anos alterado para 16 ao adolescente aprendiz até 14 anos é assegurada bolsa de aprendizagem É vedado trabalho noturno insalubre e em horários que não permitam a frequência à escola Todos devem prevenir a viola ção dos direitos das crianças e adolescentes As emissoras de rádio e tevê somente exibirão no horário recomendado programas com finalida des educativas É proibida a venda de armas bebidas alcoólicas fogos de artifício bilhetes lotéricos etc O ECA afirma que a lei deveria ser implementada por meio de um conjunto de ações governamentais e não governamentais da União estados Distrito Federal e municípios por meio dos conselhos muni cipais estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente O Estatuto trata ainda da prática de atos infracionais dos direi tos e garantias das crianças e adolescentes mediante estes atos e das me didas a serem tomadas neste contexto de infração define também as competências do Conselho Tutelar da justiça da infância e da juven tude De acordo com Miranda 2006 cabe ao Conselho Tutelar iden tificar crianças em situação de negligência miséria abandono explo ração violência em qualquer lugar mesmo no ambiente doméstico e encaminhálas à rede de proteção dos direitos Após a elaboração e aprovação do ECA pudemos observar dife rentes movimentos tanto de apoio e ampliação da lei como contra o espírito do estatuto A ideologia que perpassa os grupos que acredi tam que esta lei é protecionista está fundamentada tanto na meno ridade penal que passaria de 18 para 16 anos como nas diferentes concepções sobre o trabalho infantil Contudo antes de aprofundarmos nossa análise sobre direitos humanos e como este aparece nos documentos oficiais como os PCNEM e o PNEDH descreveremos nosso entendimento sobre educação como sendo este conceito em si mesmo um direito humano É na educa ção como prática de liberdade na reflexão que o indivíduo toma para si seus direitos como fatos e realidade O grande diferencial neste 238 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea momento encontrase no processo educativo ou seja na transmissão de conhecimentos anteriormente adquiridos em vivência social que cada região ou país carrega consigo como história E é por isso que a educação seja ela familiar comunal ou institucional se constitui como um direito um direito humano É pois através dela que reconhece mos o outro os valores os direitos a moral a injustiça nos comuni camos ou seja os elementos que nos cercam enquanto indivíduos so ciais Aliás o movimento da história se faz possível através da transmissão às novas gerações das aquisições prévias da cultura huma na isto é através da educação Entendendo que a educação é um direito as lutas pela educação pública gratuita obrigatória e laica ganham espaço no contexto naci onal Observase a partir do final da década passada e início desta a expansão do ensino fundamental e a abertura para novas vagas no ensi no médio o Estado começa a focar na educação básica influenciado pelas exigências das instituições financeiras internacionais como FMI e Banco Mundial O direito ao acesso à educação básica pelos dados do IBGE de 2000 ainda não tinha sido universalizado pois 395 da população de 7 a 9 anos e 639 de 10 a 14 anos estavam fora da escola dos analfabetos funcionais e absolutos 42844220 de pessoas acima de 10 anos ou seja 314 da população desta faixa etária ainda não liam nem escreviam Além do acesso a permanência que deveria ser mantida não o foi Os índices de evasão e repetência eram de 195 em 2002 De 100 alunos que tinham acesso ao ensino fundamental apenas 59 ter minavam a oitava série e 40 chegavam ao final de ensino médio MEC INEP 2002 Assegurar o direito à educação significa não só o acesso e per manência mas a qualidade do ensino estruturas escolares adequadas condições básicas de trabalho aos profissionais da escola enfim tor nar as leis um fato ou seja sair do texto e se direcionar para o con texto Sendo assim o acesso e a permanência se configuram como sendo uma das discussões que permeiam os direitos humanos volta dos à educação Porém existem aquelas que se concentram no âmbi to moral e ético defendendo que estes valores deveriam se apresentar 239 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto como inerentes ao processo educativo ou seja não se trata do como ensinar ou do que ensinar mas a partir de quais princípios está base ada a educação Assim os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN afirmam logo em sua introdução que a cidadania deve ser compreendida como produto de histórias sociais protagonizadas pelos grupos sociais sen do nesse processo constituída por diferentes tipos de direitos e ins tituições O debate sobre a questão da cidadania é hoje diretamente relacionado com a discussão sobre o significado e o conteúdo da demo cracia sobre as perspectivas e possibilidades de construção de uma sociedade democrática A democracia pode ser entendida em um sen tido restrito como um regime político Para Bobbio 1986 p 18 ela deve ser entendida como um conjunto de regras primárias ou fundamentais que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedi mentos A regra fundamental da democracia é a regra da maioria na qual são consideradas as decisões coletivas Um dos primeiros princípios é o da igualdade De acordo com Comparato 2004 a desigualdade é a marca registrada da sociedade brasileira desde seus primórdios Além da desigualdade econômica o autor afirma que nossos costumes e nossa ordem social possibilitam as diferenças sociais e no Brasil não existe um respeito pela lei ela é uma regra geral abstrata que põe todos em pé de igualdade o que não coin cide em nada com a realidade Vivemos em um regime de organização patrimonialista que não se propõe a igualdade mas a indiferença pelos pobres pelos moradores de rua pelas favelas pelos negros pelos com educação e sem educação Outro princípio é o da tolerância e respeito à diversidade cultu ral A ideia de cidadania contempla direitos civis sociais políticos e econômicos os quais são a base da democracia Bobbio 2002 afirma que a tolerância implica o uso da persuasão perante os que pensam di ferente de nós e não a imposição A tolerância implica o reconheci mento de conviver com ideias opostas sem tornar as opiniões irredu tíveis Soares 2006 compreende que os direitos humanos estão ligados a valores culturais e por isso é importante o olhar multicultural em relação ao outro 240 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea O modo de produção capitalista tornou a educação um instru mento de reprodução das desigualdades inerentes ao sistema de clas ses E a sociedade de consumo trouxe consigo a ideia de concorrência na qual os consumidores tornaramse mercadorias Neste sentido Saviani 2004 p 157 justifica a falta de investimento no setor edu cacional decorrente da prioridade política brasileira que teria maior in teresse em investir em setores privados ou até mesmo em outros seto res do que na educação devido a um caráter da própria estrutura da sociedade capitalista que subordina invariavelmente as políticas sociais à política econômica adquirindo esta um caráter financeiro que pas sará a assumir as políticas sociais dando origem à abordagem neoliberal das políticas públicas Igualdade e direitos humanos em um mundo pela globalização neoliberal excludente não se coadunam daí a necessidade do respeito a ideias como o multiculturalismo O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH de 2006 afirma que a educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a for mação do sujeito de direitos articulando as seguintes dimensões a apreensão de conhecimentos historicamente construídos so bre direitos humanos e a sua relação com os contextos interna cional nacional e local b afirmação de valores atitudes e práticas sociais que expres sem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da so ciedade c formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presen te nos níveis cognitivo social ético e político d desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva utilizando linguagens e materiais didáti cos contextualizados e fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção da proteção e da defesa dos direitos humanos bem como da reparação das viola ções Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não formal abrangendo 241 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto os sistemas de educação saúde comunicação e informação jus tiça e segurança mídia entre outros Brasil 2006 O documento assinala que desse modo a educação é compre endida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos A educação ganha portanto mais impor tância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania ple na para a construção de conhecimentos o desenvolvimento de valo res atitudes e comportamentos além da defesa socioambiental e da justiça social Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos PMDH 2005 p 25 a educação contribui também para a criar uma cultura universal dos direitos humanos b exercitar o respeito a tolerância a promoção e a valorização das diversidades étnicoracial religiosa cultural geracional territorial físicoindividual de gênero de orientação sexual de nacio nalidade de opção política dentre outras e a solidariedade entre povos e nações c assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade livre Os temas transversais contidos nos PCN enfatizam a impor tância do trabalho com valores que por sua vez requerem uma refle xão ética como eixo norteador por envolver posicionamentos e concep ções a respeito de suas causas e efeitos de sua dimensão histórica e política A ética é um dos temas mais trabalhados do pensamento filosó fico contemporâneo Brasil 1996 A reflexão ética traz à luz a discus são sobre a liberdade de escolha A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelo costume Abran ge tanto a crítica das relações entre os grupos dos grupos nas institui ções e ante elas quanto a dimensão das ações pessoais Tratase por tanto de discutir o sentido ético da convivência humana nas suas relações com várias dimensões da vida social o ambiente a cultura o trabalho o consumo a sexualidade a saúde A educação em direitos humanos ao longo de todo o processo de redemocratização e de fortalecimento do regime democrático tem 242 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea buscado contribuir para dar sustentação às ações de promoção prote ção e defesa dos direitos humanos e de reparação das violações Bra sil 2006 p 26 Entretanto o modelo educacional decorrente dos va lores sociais não tem sido bem visto pela sociedade e por técnicos que atuam no contexto educacional A instituição escolar não tem conse guido se transformar ainda que seja um espaço privilegiado para atua ção e reflexão Não existem agentes institucionais que dêem conta de trabalhar temas como prevenção a drogas violência sexualidade alteridade éti ca entre outros Porém o documento afirma que a consciência sobre os direitos individuais coletivos e difusos tem sido possível devido ao conjunto de ações de educação desenvolvidas nessa perspectiva pelos atores sociais e pelosas agentes institucionais que incorporaram a pro moção dos direitos humanos como princípio e diretriz idem ibid A implementação do PNEDH visa sobretudo difundir a cultura de direitos humanos no país o que prevê a dis seminação de valores solidários cooperativos e de justiça social uma vez que o processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil a fim de que seja capaz de identificar anseios e demandas trans formandoas em conquistas que só serão efetivadas de fato na medida em que forem incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públi cas universais Brasil 2006 p 26 São objetivos gerais do PNEDH a destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos para o fortalecimento do Estado democrático de direito b enfatizar o papel dos direitos humanos na construção de uma sociedade justa equitativa e de mocrática c encorajar o desenvolvimento de ações de educação em di reitos humanos pelo poder público e pela sociedade civil por meio de ações conjuntas d contribuir para a efetivação dos compromissos inter nacionais e nacionais com a educação em direitos humanos e estimular a cooperação nacional e internacional na implementação de ações de educação em direitos humanos f propor a transversalidade da educa ção em direitos humanos nas políticas públicas estimulando o desenvol vimento institucional e interinstitucional das ações previstas no PNEDH nos mais diversos setores educação saúde comunicação cultura segu rança e justiça esporte e lazer entre outros g avançar nas ações e pro postas do Programa Nacional de Direitos Humanos no que se refere às 243 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto questões da educação em direitos humanos h orientar políticas educa cionais direcionadas para a constituição de uma cultura de direitos hu manos i estabelecer objetivos diretrizes e linhas de ações para a elabo ração de programas e projetos na área da educação em direitos humanos j estimular a reflexão o estudo e a pesquisa voltados para a educação em direitos humanos k incentivar a criação e o fortalecimento de institui ções e organizações nacionais estaduais e municipais na perspectiva da educação em direitos humanos l balizar a elaboração implementação monitoramento avaliação e atualização dos planos de educação em di reitos humanos dos estados e municípios m incentivar formas de aces so às ações de educação em direitos humanos a pessoas com deficiência BrasilPNEDH 2006 p 2627 Por outro lado os PCN elaborados em 1997 indicam entre ou tros como objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam ca pazes de compreender a cidadania como participação social e política assim como exercício de direitos e deveres políticos civis e so ciais adotando no dia a dia atitudes de solidariedade coo peração e repúdio às injustiças respeitando o outro e exigin do para si o mesmo respeito posicionarse de maneira crítica responsável e construtiva nas diferentes situações sociais utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais materiais e culturais como meio para construir pro gressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país A temática da pluralidade cultural nos temas transversais nas Diretrizes Curriculares do governo federal diz respeito ao conheci mento e à valorização de características étnicas e culturais dos dife rentes grupos sociais que convivem no território nacional às desigual dades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo multifacetado e algumas vezes paradoxal Este tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira compreender suas relações marcadas 244 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações neces sárias oferecendo elementos para a compreensão de que valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos valores do ou tro mas respeitálos como expressão da diversidade respeito que é em si devido a todo ser humano por sua dignidade intrínseca sem qualquer discriminação A afirmação da diversidade é traço funda mental na construção de uma identidade nacional que se põe e se re põe permanentemente tendo a Ética como elemento definidor das re lações sociais e interpessoais Ao contrário principalmente no que se refere à discriminação segundo o documento é impossível compreendêla sem recorrer ao contexto socioeconômico em que acontece e à estrutura autoritária que marca a sociedade As produções culturais não ocorrem fora de rela ções de poder são por sua vez constituídas e marcadas por ele envol vendo um permanente processo de reformulação e resistência Ambas desigualdade social e discriminação articulamse no que se conven cionou denominar exclusão social ou seja impossibilidade de acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade e de partici pação na gestão coletiva do espaço público pressuposto da democra cia Brasil 1996 Entretanto assinala o documento apesar da discriminação da injustiça e do preconceito que contradizem os princípios da dignida de do respeito mútuo e da justiça paradoxalmente o Brasil tem pro duzido também experiências de convívio e reelaboração das culturas de origem constituindo algo intangível que se tem chamado de brasili dade que permite a cada um reconhecerse como brasileiro Por isso no cenário mundial o Brasil representa uma esperança de superação de fronteiras e de construção da relação de confiança na humanidade A singularidade que permite esta esperança é dada por sua constitui ção histórica peculiar no campo cultural O que se almeja portanto ao tratar de pluralidade cultural não é a divisão ou o esquadrinhamento da sociedade em grupos cul turais fechados mas o enriquecimento propiciado a cada um e a to dos pela pluralidade de formas de vida pelo convívio e pelas op ções pessoais assim como o compromisso ético de contribuir com as transformações necessárias à construção de uma sociedade mais justa Reconhecer e valorizar a diversidade cultural é atuar sobre um dos 245 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto mecanismos de discriminação e exclusão entraves à plenitude da ci dadania para todos e portanto para a própria nação Brasil 1996 Formação de professores paraem direitos humanos Em relação à formação de professores paraem direitos humanos podemos constatar que ainda é recente e num certo sentido tímida a introdução desta temática ao conteúdo formativo dos docentes em ge ral Isso se deve ao fato de serem poucos os sistemas de ensino os cen tros de formação de educadores e de organizações que trabalham nesta perspectiva Somado a isso a desvalorização docente parece senso co mum O documento do PNEHD propõe que o professor insira a educa ção em direitos humanos nas diretrizes curriculares integre esta edu cação aos conteúdos metodologias e formas de avaliação dos sistemas de ensino estimule os professores e colegas à reflexão e discussão do mesmo desenvolva uma pedagogia participativa torne a educação em direitos humanos um elemento relevante aos alunos em todos os níveis fomente a discussão de temas como gênero e identidade raça e etnia orientação sexual e religião entre outras apoie a formação de grêmios e conselhos escolares Enfim são 27 pontos de orientação para que a equipe escolar trabalhe a temática com os alunos e a co munidade A inclusão de novos conteúdos a serem trabalhados por profes sores na educação formal prescinde da ideia que os mesmos tenham sobre o ECA ou mesmo sobre direitos Infelizmente no Brasil ainda não superamos a ideia de que propostas leis e ações programáticas devem ser discutidas com os docentes São estes os atores dos quais podemos obter ou não adesão frente a um novo paradigma A educação infor mal ou seja em grupos marginalizados por etnia gênero dependen tes químicos jovens oriundos da Fundação CASA classe social entre ou tros parece obter maior resultado quando se discute valores direitos e deveres Nesse aspecto nos aponta Candau 2008 p 83 um ponto de partida que se considera fundamental é não conceber os profes sores como meros técnicos instrutores responsáveis unicamente pelo ensino de diferentes conteúdos e por funções de normalização e 246 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea disciplinamento Para que haja de fato a formação de professores em direitos humanos é necessário que estes sejam percebidos como profissionais mobilizadores de processos pessoais e grupais de natureza cultural e social É difícil implementar uma política sem que haja um engaja mento maior não só de professores mas da família da comunidade e principalmente do Estado Como discutir impunidade com alunos que assistem a um tudo acaba em pizza por parte de quem está no poder A relação escolasociedade é dialética e exige profundas refle xões em tempos de medo da publicidade do que é privado da inércia de diretores professores e pais que parecem desistir da moral da ética A educação multicultural vem introduzindo novos valores como africanidades brasileiras e igualdade para todos e tenta ressignificar o olhar para os marginalizados Nesse sentido o Plano Nacional de Di reitos Humanos pode e deve contribuir não só para o debate mas para a implementação de políticas inclusivas na rede de ensino regular A propagação dos PNEDH vem obrigando as universidades e ou tros centros de formação de professores a cada vez mais discutirem e tomarem posição em relação ao conteúdo abordado neles principal mente no que concerne aos temas transversais e à relação entre trans versalidade e interdisciplinaridade como causa primária da organização curricular Assim para uma prática em direitos humanos não se faz ne cessário que se introduza uma disciplina específica mas que se entenda o currículo ora como interdisciplinar ora como transversal Ou seja a necessidade é que se compreenda a problemática dos direitos humanos como algo capaz de impregnar todo o processo educativo questionar as diferentes práticas desenvolvidas na escola desde a seleção dos conteú dos até os problemas de organização escolar Sem dúvida que este não é papel único do docente em sala de aula mas de uma sociedade que se diz democrática e que pode possibilitar uma educação libertadora En tretanto isso só ocorrerá quando assumirmos nossos preconceitos e nos sas dificuldades em aceitar o outro tal qual se configura Considerações finais Ao que nos parece já caminhamos um pouco para uma prática que efetivamente contenha os princípios dos direitos humanos basta 247 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Angela Viana Machado Fernandes Melina Casari Paludeto referirmonos aos PNEDH aos PCNEM a projetos de organizações não go vernamentais ONGs que trabalham em locais onde o Estado não che ga como as periferias urbanas que acolhem os semtrabalho os sem escola os sem casa os sem direitos Outros representam as incansáveis tentativas de implementação desta problemática nas licenciaturas por todo o país principalmente em função daquilo que o Brasil tem repre sentado no cenário mundial uma esperança de superação de fronteiras e de construção da relação de confiança na humanidade Dados reais bastante representativos mas que ainda não contemplam a totalidade da realidade brasileira A educação voltada para os direitos humanos ainda não faz parte da prática nem do currículo da escola como deveria Em momentos de crise de valores públicos e privados e da sociedade como um todo tornase imperativo que a temática da igualdade e da dignida de humana não faça parte apenas de textos legais mas que igualmente seja internalizada por todos que atuam tanto na educação formal como na não formal E aqui podemos propor não só revisão curricular mas a formação docente para que inclua em seu programa os direitos huma nos que são para todos e cuja proposta aconteça de fato e de direito Recebido em abril de 2010 e aprovado em agosto de 2010 Referências BOBBIO N O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Rio de Janeiro Paz Terra 1986 BOBBIO N A era dos direitos Rio de Janeiro Campus 1992 BOBBIO N Elogio da serenidade e outros escritos morais São Paulo UNESP 2002 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado 1988 BRASIL Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos Pla no Nacional de Educação em Direitos Humanos Brasília DF Secretaria Especial dos Direitos Humanos MEC 2006 BRASIL Declaração e Programa de ação da Conferencia Mundial sobre os Direitos Humanos Viena 1993 248 Cad Cedes Campinas vol 30 n 81 p 233249 maiago 2010 Disponível em httpwwwcedesunicampbr Educação e direitos humanos desafios para a escola contemporânea BRASIL Lei n 8069 de 13 de julho de 1990 Dispõe sobre o Es tatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 16 jul 1990 BRASIL Lei n 9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação Diário Oficial da União Brasília DF 23 dez 1996 BRASIL Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamen tal Parâmetros curriculares nacionais apresentação dos temas transver sais Brasília DF MECSEF 1997 BRASIL Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamen tal Parâmetros curriculares Nacionais introdução aos parâmetros curri culares nacionais Brasília DF MECSEF 1997 BRASIL Ministério de Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP 2002 BRASIL Plano Mundial de Educação para Todos Brasília DF Secreta ria de Direitos Humanos 2005 BRASIL Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos decreto n 7037 2006 CANDAU VMF Educação em direitos humanos e formação de pro fessoresas In SCAVINO S CANDAU VMF Org Educação em di reitos humanos temas questões e propostas Petrópolis DP et alii 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Júris 2006