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Resenha Crítica

27

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Direito Empresarial

UEMASUL

Fichamento Descritivo

844

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Direito Empresarial

UEMASUL

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Do Direito Comercial ao Direito Empresarial Formação histórica e tendências do Direito brasileiro Bruno Nubens Barbosa Miragem INTRODUÇÃO O estudo da evolução histórica dos diferentes ramos da ciência jurídica é muitas vezes menosprezado sob a falsa impressão de que tais conhecimentos longe de serem indispensáveis ao exer cício da atividade jurídica constituem traços culturais adjetivos ornamentos do conhecimento prático elementar necessário ao desempenho profissional A origem dos institutos mais vale como capítulo a desconsiderar seja pela aparente impossibilidade de utilização deste conhecimento ou mesmo pelos obstáculos a desbravar no contato com estilos de linguagem e terminologias antigos Neste contexto impossível desconsiderar uma certa sensação de inutilidade do esforço a empreender em face da revogação ou obsolescência de boa parte dos conteúdos examinados Tais considerações válidas por certo para vários profissionais das carreiras jurídicas não cabem ao verdadeiro cultor da ciência jurídica Mais do que mero acúmulo de dados e ocorrências penetrar sob as arcadas da história do direito significa descortinar a origem das modernidades atuais Mais do que isso tratase de um ato de coragem investigar sob o manto das leis e dos códigos a sua origem arcaica que o tempo teve o condão de amadurecer e forjar a conformação dos institutos jurídicos na atualidade No caso do direito comercial desafiar o gosto pela pesquisa histórica assume caráter ainda mais complexo Convencer da importância de conheci mentos distantes frente ao dinamismo da economia e do tráfico comercial atual soa aparentemente irrazoável Inúmeras Professor de Direito Civil e Direito Econômico do Centro Universitário Ritter dos ReisRS professor convidado do Curso de PósGraduação em Regulação dos Serviços Públicos da UFRGS especialista em Direito Internacional pela UFRGS mestrando em Direito Privado pela UFRGS 8 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 razões levam a crer entretanto que um eventual desestímulo mais diz com o equívoco da abordagem do tema do que com seu conteúdo Ademais porque não se pode pretender observar o passado com a compreensão atual dos fenômenos da vida e do direito Os que construíram aquelas verdades o fizeram a partir das suas experiências de então É tremenda a desigualdade do juízo que desconsidera a notória vantagem do observador moderno Da mesma forma se há de reconhecer que nada existe senão a partir de uma origem Esta desnaturada ou não diz com a identidade do que se conhece agora Trilha um caminho repleto de influências de toda ordem denunciando uma gênese elementar que se projeta no tempo Daí a impor tância da evolução histórica do direito comercial brasileiro que ora se pretende indicar para compreensão do estágio atual e suas tendências para o futuro 1 FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL Não é errado dizer que o direito comercial é tão antigo quanto o próprio comércio Mais do que isso é contem porâneo das primeiras relações inter pessoais pacíficas da história a partir das quais necessidades individuais de terminaram a busca de sua satisfação e a consciência de que isoladamente os seres humanos não tinham como alcan çála A este tempo já se fazia neces sário a elaboração de normas de condu ta que viabilizassem um sistema rudi mentar de intercâmbio de bens a fim de satisfazer as necessidades das pessoas É possível identificar ao longo da história um sem número de povos que tendiam à prática do comércio desde os fenícios da Antigüidade passando pelas civilizações grega e romana até chegarmos à Idade Média quando uma Europa castigada pela miséria econômica inicia um processo de dinamização de suas relações de produção e descobre no comércio uma atividade legítima para aquisição acumulação conservação e multiplicação de riquezas 1 Neste ambiente pode se dizer que nasce o direito comercial originário dos modernos institutos de hoje 1 A influência cristã sobre Roma e posteriormente sobre toda a Europa faria o desenvolvimento do comércio enfrentar o desafio do desprezo da Igreja pela atividade mercantil o que acaba gradativamente se desgastando sem todavia deixar de gerar alguns problemas Também de referir relativamente à evolução do direito comercial na Alemanha a importância da recepção do direito romano como estímulo à criação jurídica em geral No dizer de Wieacker esta recepção impusera novos princípios jurídicos nos quais se manifesta a progressiva racionalização da vida jurídica da baixa Idade Média Traz o exemplo do artesanato onde o princípio da subsistência fora substituído pelo desejo de lucro o que já fazia parte da economia urbana p 113 Assinala todavia que embora a recepção do direito romano tenha servido como estímulo à atividade criadora relativamente do direito em geral as criações mais características do direito comercial não se desenvolveram a partir da romanística inclusive nos países de sistema continental Wieacker Franz História do Direito Privado Moderno 2 ed Lisboa Calouste Gulbenkian 1980 p 269 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 9 O direito comercial nasceu então para regular estas relações de comércio inicialmente através das corporações para em seguida expandir seu alcance no mesmo grau de alcance do desenvolvimento econômico vindo a transformarse em direito dos negócios independente de maiores formalidades 2 A história do direito comercial neste sentido inicia com o predomínio da idéia de direito dos comerciantes construin dose um conceito eminentemente subjetivo para em seguida assistirse a evolução desta impressão inicial Evoluindo os estudos através do tempo a sistemática exclusivamente subjetiva é influenciada pela tendência objetivista que procura dar primazia ao exame dos atas de comércio como núcleo do exame da disciplina comercial Cesare Vivante eminente comercialista italiano vai afirmar que tal mudança conceituai partirá de uma ficção ao considerar comerciante qualquer um que pratique atos de comércio ou seja atos que denotem o exercício da atividade mercantil3 Atualmente observase a reto mada do antigo conceito subjetivo vinculandoo ao conceito adjetivo e estabelecendo o direito comercial mo derno como o que regula as relações jurídicoprivadas no exercício das suas atividades típicas 4 As origens dos institutos do direito comercial se prendem todavia a diversas matrizes Quanto à disciplina dos títulos de crédito sua origem é identificada nas necessidades práticas dadas pelo tráfico monetário das cidades lombardas Em relação às obrigações comerciais o comércio entre as longínquas regiões de Flandres Champanha Alemanha central e outras feiras européias5 2 A evolução terminológica culmina então na indicação já na segunda metade do século vinte do direito empresarial conceito que assume todavia um significado notadamente mais amplo que trataremos adiante referindo não apenas a prática comercial propriamente dita mas a generalidade das matérias jurídicas que dizem com a atividade empresarial No Brasil vejase Requião Rubens Curso de Direito Comercial 22 ed 1 o v São Paulo Saraiva 1995 p 7 3 Vivante Cesare Tratato de Derecho Mercantil v 1 Madrid 1932 p 6 4 Carvalho de Mendonça à época em que escreveu seu Tratado já noticiava a opinião de Manara sobre período anterior mesmo à colonização para quem os elementos objetivo e subjetivo não se concebiam um absolutamente distinto do outro consideravamse sempre reunidos mas o elemento subjetivo não era muitas vezes mais do que um pressuposto ideal A fusão dos dois elementos em começo completa em todos os atas do comércio em muitos se torna mais teórica e ideal do que efetiva De fato era o elemento objetivo que imprimia a muitos atas o caráter comercial desde que em última análise sobre a qualidade do ato se fixava a ficção de ser o comerciante o autor Manara Gli atti di commercio n 8 apud Carvalho de Mendonça J X Tratado de Direito Comercial Brasileiro v I Livro I 3 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1937 p 60 5 Wieacker op cit p 269 10 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 O renascimento das cidades italianas após a desagregação do império de Carlos Magno e a independência de diversas repúblicas contribuiu igualmente de forma ímpar com a prosperidade comer cial daquela região Notase então a propagação do comércio ao longo das margens do Mar Mediterrâneo tomando se cidades como Amalfi Veneza Gênova Pisa e Florença importantes empórios comerciais que aproveitavam as cruzadas cristãs para estender esse comércio aos povos do Oriente Destas cidades italianas surge a pioneira regulamentação comercial européia de que é exemplo a tabla amafitana em Amalfi o Constiutum usus e o Breve curiae mar is de Pisa que vieram a co lecionar os costumes mercantis da cidade reunidos no Breve consulum mar is Em Veneza principal entreposto do comércio marítimo surge o capitulare nauticum E em Gênova o mais importante tribunal de comércio italiano a Rota Genoveza que formou o primeiro corpo de decisões jurisprudência da época6 Nestas cidades assim como por toda Europa elemento fundamental da atividade comercial naquele tempo eram as denominadas corporações de oficio associações de profissionais cuja filiação era pressuposto do exercício da atividade comercial A admissão como membro destas corporações de sua vez era dificultada por exigências diversas Em primeiro lugar o candidato a integrálas deveria ser aprendiz do ofício por período fixado no regulamento respectivo Deste ascendia à condição de companheiro e daí a artífice propriamente dito Esta passagem todavia não se dava sem desafios 7 Estas corporações espalharamse por toda a Europa sendo conhecidas na Alemanha Inglaterra França Escandinávia e Países Baixos também como hansas 8 Na França 6 Conforme Ferreira Waldemar Martins Curso de Direito Comercial v I São Paulo Sales Oliveira Rocha C ia 1927 p 19 e ss 7 Noticia Ferreira que no séc XIV o companheiro deveria fazer a volta em todo o território francês de cidade em cidade para aperfeiçoarse no seu ofício Depois deveria executar sua obraprima chefdoeuvre que após submetida à apreciação dos jurados lhe era dada a permissão para montar seu próprio estabelecimento Op cit p 27 8 A origem das hansas data de fins do séc XII e início do séc XIII Formadas inicialmente por algumas cidades ao longo do Báltico e alemãs mais tarde se alastrariam pela França Espanha e Inglaterra Eram confederações de comerciantes cujo objetivo era a promoção do comércio livrandose dos óbices do sistema feudal Seu apogeu se deu no séc XV quando dominaram o Báltico e o Mar do Norte obtendo o privilégio de comerciar com diversos Estados da Europa chegando mesmo a incentivarem uma guerra contra o Rei da Dinamarca pela conquista de novos mercados celebrando na assembléia de Colônia Alemanha o ato de confederação de 77 cidades estabelecendose as contribuições de cada uma A liga hanseática sobreviveu então até o séc XVII reduzindose no final às mesmas cidades que lhe deram origem vindo a perder seu prestígio Delamare et Lê Poitvin Traité de droit commercial v I p 28 apud Carvalho de Mendonça op cit p 62 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 11 foram então suprimidas em 1776 em nome da liberdade de iniciativa 9 O direito das sociedades tem seu princípio nas companhias comerciais do séc XVI espécies assemelhadas às sociedades por ações no período que antecede à formação do capitalismo na Europa ocidental Desde o princípio entre tanto notase a característica peculiar do direito comercial da não submissão a fronteiras políticas nacionais uma vez que embora identificadas diferenças entre as diversas ordens jurídicas internas tinham 9 Op cit p 27 10 Wieacker op cit p 269 sua atividade vinculada a conexões comerciais interregionais 10 A tendência moderna do direito comercial indica uma retomada desta carac terística marcadamente internacional bem como o reforço à crescente publicização dos seus conteúdos como conseqüência da sua relação com aatividade econômica em geral e seu revestimento de interesse público a ser defendido pelo Estado 11 Notase todavia que esta defesa estatal longe dos moldes com os quais atuou no passado inspirase m novo paradigma 12 originário 11 Conforme Franco Vera Lúcia de Mello Lições de Direito Comercial Teoria geral do direito comercial São Paulo Mal tese 1993 p 523 A respeito da intervenção estatal contudo a tendência de publicização embora diga com a importância do Estado relativamente à normatização das relações que dizem com o direito comercial tem como contraponto o fenômeno da internacionalização das relações econômicas fruto do processo que se convencionou chamar globalização Daí que se de um lado a intervenção estatal na ordem econômica surge como atividade de regulação econômica de outro o dinamismo destas relações torna impossível uma antecipação de situações a regulamentar ou mesmo a pretensão de qualquer espécie de normatização com os prazos de validade do passado 12 No nosso entender o princípio da subsidiariedade vem prestar enorme contribuição na fixação dos limites entre os espaços público e privado na sociedade contemporânea A respeito a recente encíclica papal Centesimus annus editada pelo Papa João Paulo II em 1991 que relendo a anterior encíclica Rerum novarum 1891 consigna La Rerum novarum se opone a la estatalización de los medias de producción que reduciría a todo ciudadano a una pieza en e engranaje de la máquina estatal Con no menor decisión critica una concepción de Estado que deja la esfera de la economía totalmente fuera de propio campo de interés y de acción Existe ciertamente una legítima esfera de autonomia de la actividad económica donde no debe intervenir e Estado A éste sin embargo e corresponde determinar e marco jurídico dentro de cual se desarrollan las relaciones económicas y salvaguardar así las condiciones fundamentales de una economía libre que presupone una cierta igualdad entre las partes no sea que una de elas supere tamente en poder a la otra que la pueda reducir prácticamente a esclavitud Para conseguir estas fines e Estado debe participar directa o indirectamente Indirectamente y según e principio de subsidiariedad creando las condiciones favorables a libre ejercicio de la actividad económica encauzada hacia una oferta abundante de oportunidades de trabajo y de fuentes de riqueza Directamente y según e principio de solidariedad poniendo en defensa de los más débiles algunos límites a la autonomía de las partes que deciden las condiciones de trabajo y asegurando en todo caso un mínimo vital a trabajador en paro 12 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 das incompatibilidades entre a tendência de internacionalização e as velhas pre tensões do dirigismo econômico e mesmo deficiências do sistema político institucional13 2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO No Brasil o incremento da atividade comercial esteve vinculado de modo estreito com sua situação política em especial nos primórdios às relações estabelecidas com Portugal Durante a fase colonial da história brasileira a dimensão do direito comercial estará vinculada enfaticamente à tradição jurídica portuguesa 14 e suas alterações ao longo dos anos Quaisquer infor mações sobre o direito comercial neste período passam obrigatoriamente pelas ordenações portuguesas parte da estru tura jurídica lusitana desde o século XV Primeiro as ordenações portuguesas editadas pelo rei Afonso V por volta de 1447 afonsinas que tinha como sua principal matriz históricojurídica o direito romano do Corpus júris civilis justinianeu e os decretais do Papa Gregório XI Contavam ainda com a subsidiariedade do direito canônico que assumia sua preeminência nas matérias que envolviam o cometimento de pecado conforme determinava o alvará de 12 de setembro de 156415 Em 1513 então foram substituídas as antigas ordenações por uma nova iniciativa codificadora as ordenações manuelinas editadas pelo rei D Manuel Estas entretanto em pouco modificaram as disposições da antiga legislação mantendose sob a mesma inspiração romanística Em 1569 sob os ventos da contra reforma católica e a influência do Concílio de Trento o rei Dom Sebastião editou nova compilação que reforçava princípios do direito canônico em desprestígio às ordinárias fontes romanas Todavia com a morte de D Manuel e o fim da dinastia de Avis ascende ao trono o rei F elipe II Este desejoso do retorno da inspiração do direito romano sobre Portugal edita em 1603 suas ordenações as ordenações filipinas que reconfirmadas pela Lei de 12 de agosto de 164 3 16 vi geriam no Brasil até após a independência política de 1822 Nestas ordenações referiase 13 Sobre a experiência políticojurídica brasileira o clássico de Paim Antônio A querela do estatismo Brasília Senado Federal 1998 14 Como de resto o direito positivo em geral do que Trigo de Loureiro vai notar como necessidade interpretativa das leis brasileiras a consideração da herança lusitana e sua influência Loureiro Trigo de Instituições de direito civil brasileiro 4 ed v 1 parágrafo XLVI apud Carvalho de Mendonça J X Tratado Op cit p 50 15 Conforme Merêa M Resumo das lições de história do direito português p 115 e ss apudRao VicenteOdireitoeavidadosdireitosvI4edSãoPauloRT 1997p105 16 Após a reconquista da independência de Portugal em relação à Espanha com o fim da União Ibérica 1640 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 13 a matéria propriamente comercial nos livros terceiro e quarto tratandose respectivamente de direito processual e material civil e comercial 17 O direito positivo vigente no período colonial permaneceu praticamente sem alterações após a codificação filipina Todavia a atividade de interpretação e integração das normas sofreu substanciais alterações ao longo do tempo muito por conta da I e i de 18 de agosto de 1 7 69 designada Lei da Boa Razão Teve este diploma o condão de autorizar a invocação subsidiária de normas de direito estrangeiro das nações de boa depurada e sã urisprudência Esta lei que de resto operou importante evolução do direito em geral em relação à disciplina comercial tem marcada importância uma vez que torna possível a influência direta do Código de Comércio Francês de 1807 e mais tarde das codificações espanhola 1829 e portuguesa 1833 lançando os sedimentos à construção do direito comercial pátrio 18 Sobre a codificação portuguesa de 1833 aliás de se notar a enorme contri buição de Ferreira Borges conforme assinala Almeida Costa para quem o ilustre comercialista contribui de modo defmitivo no direito luso para a superação da concepção de direito comercial como direito de profissionais em prol de uma concepção objetiva favorecida a partir do advento da Revolução Francesa 19 Entretanto em que pese a confessada inspiração da codificação portuguesa no direito comparado especialmente nos códigos francês e espanhol e no projeto do código italiano notouse uma certa complexidade nas definições e qualificações que estabeleceu fruto do que se reconhece como um apego exagerado ao direito anterior 20 De outra parte o Código português de 1833 do mesmo modo foi vítima daquele que é o grande paradoxo do direito comercial qual seja o fato do direito vocacionado ao desenvolvimento da ati v idade mercantil em regra tornar se obsoleto ou lacunoso por conta exatamente do progresso da atividade regulamentada o que ele mesmo promove Algumas décadas depois já abundavam em Portugal leis extrava gantes como a de sociedades anônimas 1867 ou de marcas e patentes 1883 Isto determinou a necessidade de elaborarse novo Código o que coube a Veiga Beirão que veio a ser promulgado em 1888 3 A INDEPENDÊNCIA E A ELABORAÇÃO DO CÓDIGO COMERCIAL O acontecimento histórico de maior repercussão na vida brasileira da pri meira década do séc XIX pode se dizer 17 Martins Fran Curso de Direito Comercial 23 ed Rio de Janeiro Forense 1999 p 37 18 Conforme Requião op cit p 15 19 Almeida Costa Mário Júlio de História do direito português 3 ed Coimbra Almedina 2001 p 422 20 Idem p 423 14 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 influenciou decisivamente no desenvol vimento da economia e do comércio brasileiro e em conseqüência o direito comercial A vinda das cortes portugue sas para o Brasil em 1808 em fuga das tropas napoleônicas na Europa continentalsignificou beneficias de toda ordem Politicamente o Brasil foi elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves deixando sua condição legal de colônia Sob a perspectiva econômica significou entre outros a liberação do comércio marítimo através da Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 abertura dos portos às nações amigas o fomento à ativi dade fabril e manufatureira peloAlvará de 1 o de abril e a liberação do comércio e da indústria do que decorre a criação da Real Junta de Comércio Agricul tura Fábricas e Navegação pelo Alvará de 23 de agosto daquele ano Também oportunizou a criação da primeira instituição bancária nacional o Banco do Brasil pelo Alvará de 12 de outubro com o intuito de promover a indústria nacional pelo giro e combinação dos capitais isolados21 Sobrevindo a independência política em 1822 o novo império através da lei de 20 de outubro de 1823 determinou mantivessem as leis portuguesas vigentes em 25 de abril de 1821 e os atos subseqüentes de D Pedro como Regente e após Imperador do Brasil Observase neste primeiro momento a vigência de diplomas dos séculos XVII e XVIII relativamente à atividade comercial22 Na mesma época o mais destacado dos comercialistas brasileiros Silva Lisboa ou Visconde do Cairu23 21 Finalidade expressa no próprio alvará de criação confonne Carvalho de Mendonça op cit p 7677 22 Como nota Carvalho de Mendonça a recepção desta gama de normas comerciais tão díspares entre si e separadas por longo tempo umas das outras e todas daquele princípio do estado nacional brasileiro acabou por fazer do direito comercial de então envolto numa legislação pesada sem orientação doutrinária ou pelo menos sem lógica Op cit p 789 23 Sobre o extraordinário papel deste estudioso do direito mercantil vejase entre outros Carvalho de Mendonça op cit 82 Beviláqua Clóvis Evolução jurídica do Brasil no segundo reinado ln Revista Forense no 46 p 9 Mendes Cândido Prefácio à obra Princípios de direito mercantil v 1 p X a XVIII Ainda sobre Cairu dentre os autores modernos veja se a excelente introdução de Antônio Penalves Rocha em Visconde do Cairu Coleção Formadores do Brasil São Paulo Editora 34 2001 O autor com muita propriedade além do papel acadêmico de Cairu dá relevo à sua dimensão política a partir de sua obra econômica em que utilizou parte do seu vocabulário e aparato conceitua para legitimar as mudanças em curso no Império português depois da abertura dos portos p 36 Ao mesmo tempo assinala a importância que o livre comércio assume para Caim como instrumento de promoção da conciliação de classes p 40 De interesse também notar a posição manifestada por Cairu em 1851 sobre a natureza degradante do ser humano e ao mesmo tempo antieconômica do trabalho escravo em artigo da revista Guanabara reproduzido na obra supracitada p 32333 3 Outro grande jurista sempre citado foi Ferreira Borges a quem homenageia Carvalho de Mendonça distinguindo os dois tratadistas pela enorme contribuição de desvincular o direito comercial do rígido sistema de direito romanístico apresentando a doutrina italiana clássica bem como nas contribuições do direito inglês e francês Op cit p 83 e ss Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 15 como posteriormente seria distinguido recebeu a tarefa de elaborar a codificação comercial brasileira Em 1832 saindo o país dos tumultos da abdicação de Pedro I no ano anterior as iniciativas para redação da codificação comercial se ampliaram sendo designada comissão de comerciantes24 para realização da tarefa Compreendeu o projeto a divisão da matéria em três partes sendo a primeira relativa às pessoas do comércio contratos e obrigações a segunda sobre comércio marítimo e a terceira sobre as quedas As fontes imediatas da elaboração do projeto observamse na sua exposição de motivos a qual indica sua inspiração quanto à primeira parte nas codificações francesa espanhola e portuguesa relacionando os motivos para o sensível afastamento em relação à legislação estrangeira nas demais partes25 O projeto foi então enviado à Câmara dos Deputados em agosto de 1834 Após tramitação de quase 16 anos26 em 25 de junho de 1850 foi promulgado pela lei no 556 o Código Comercial Brasileiro 31 Sistema do Código Comercial O projeto aprovado em 1850 se compunha de três partes e um título único A primeira intitulavase Do comércio em geral a segunda Do comércio marítimo a terceira Das quebras O título único que não tardou em ser modificado tratava Da administração da justiça dos negócios e causas comerciais subdividindose em dois capítulos Dos tribunais e juízos comerciais e Da ordem do juízo nas causas comerciais 27 Publicado o Código cogitouse imediatamente da elaboração da lei adjetiva que lhe viabilizasse a boa execução Antes mesmo da pro mulgação do Código uma comissão foi designada para elaborar tal legislação que veio então a ser o re gulamento publicado pelo decreto n 737 de 25 de novembro de 1850 Na mesma data promulgouse o decreto n 73 8 regulamentando a atividade dos tribunais de comércio e o processo de quebras 28 24 Os membros da comissão eram Antônio Pau tino Limpo de Abreu 1 o presidente José Antônio Lisboa Inácio Ratton Guilherme Midosi e Lourenço Westin Posteriormente José Clemente Pereira 2 presidente Conforme Requião op cit 15 25 Carvalho de Mendonça op cit 92 Também Ferreira Waldemar op cit p 33 e ss 26 Neste ínterim todavia diversas discussões se sucederam como bem demonstra o relatório do Ministro da Justiça Aureliano Coutinho em 1834 quando este solicita especial atenção dos deputados com as questões relativas à falência tendo em vista os abusos e fraudes que se podiam detectar já à época conforme afirma Carvalho de Mendonça op cit p 94 nota 1 Observase pois que a questão do abuso e da fraude na prática falimentar conta com precedentes históricos bem marcados na tradição comercial brasileira 27 Ferreira p 35 28 Carvalho de Mendonça op cit 100 16 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS n 24 200 O regulamento n 737 longe de se restringir à lei de conteúdo meramente processual introduziu preceitos que completaram a codificação sendo considerado por Waldemar Ferreira como uma das melhores senão a mais perfeita das leis brasileiras29 A boa técnica do referido diploma pôde ser observada com o advento da República e sua adoção como referencial para as regras processuais e de organização da justiça 30 Em relação ao Código Comercial há um certo consenso em admitir na obra de 1850 um monumento legislativo que soube aproveitarse das contri buições jurídicas de tradição estrangeira sem descaracterizar seu caráter nacional atendendo aos traços da realidade local Pelo menos um defeito entretanto identifica Carvalho de Mendonça Defeito este aliás corroborado pelo posterior regulamento n 737 Nota o tratadista que à justificativa de se afastar a jurisdição civil então sujeita a um longo e demorado processo foram designados como atos comerciais muitos atos nos quais não intervinham comerciantes mesmo defeito já 29 Ferreira p 36 30 Carvalho de Mendonça p 101 31 Op cit p 105 observado na codificação francesa 31 Estas críticas devem todavia ser relativizadas aos olhos de hoje Primeiro pelo caráter pioneiro do código comercial em relação às demais iniciativas codificadoras o que de certo modo tomava possível uma certa flexibilidade Em segundo lugar pelo paradigma subjetivista adotado pela crítica que a torna representativa de uma tendência importante na época mas que hoje está longe de ser aceita integralmente A precedência da legislação comercial em relação à civil entretanto foi observada pelo próprio comercialista como razão destas imprecisões teóricas32 Assim havia o anseio pela regulação de determinados fatos da vida o que veio a ser correspondido pela inserção de certos institutos no âmbito da codificação comercial 33 32 As leis comerciais até 1890 A atividade legislativa de direito comercial embora consagrada pela promulgação do Código em 1850 na verdade foi efetivamente inaugurada através de intensa produção de normas dirigidas à regulamentação das ativida 32 Segundo Carvalho de Mendonça era natural que no meio da esparsa difusa e deficiente legislação civil ele direito comercial exercesse extraordinário predomínio Com efeito passou a reger quase todas as relações da vida civil quanto a obrigações e contratos Op cit p 109 33 O exemplo utilizado pelo autor é o da hipoteca inclusive criando o Código a controversa figura da hipoteca tácita Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 17 des do comércio Além dos já mencio nados decretos n 737 e 738 nos qua renta anos que sucederam à promul gação do Código diversos diplomas versaram principalmente sobre a regulamentação da atividade dos corretores agentes de leilão os tribunais de comércio as exigências em relação às concordatas entre outros temas Como é tradição do direito comercial as normas positivas muitas vezes tiveram de regular necessidades da vida econômica como por exemplo as primeiras normas sobre bancos e sociedades lei 1083 de 22081860 e diversos decretos transferência de títulos públicos e de ações de companhias Dec 2 73 3 de 23 O 11861 e sobre o cheque Dec n 2694 de 1711186034 Observase do mesmo modo um acentuado número de leis tendo por condão a reforma das disposições do Código Comercial dentre as quais avulta a retirada das disposições sobre hipoteca sempre criticadas pela falta de pertinência à disciplina comercial 35 Também de grande repercussão a revogação dos dispositivos do Código Comercial que faziam necessário o juízo arbitral anteriormente estabelecido como facultativo As razões que levaram a este posicionamento no mais das vezes disseram com a falta de pouca valia a possibilidade de recurso judicial para o qual necessariamente haveria de se comprovar defeito no procedimento capitaneado pelo árbitro36 Digna de registro ainda a lei n 3 129 de 14 de outubro de 1866 que estabelecia o regime jurídico das invenções e descobertas iniciativa pioneira de proteção da propriedade industrial no direito brasileiro Em relação ao direito societário o ápice legislativo do período devese à lei n 3 150 de 4 de novembro de 1881 Esta lei que foi submetida a intensa discussão parlamentar precedente à sua aprovação 37 e regulamentada pelo 34 A indicação é de Carvalho de Mendonça que comentando estas normas consideraas um desestímulo à livre iniciativa à medida que o Estado instituía para si série de prerrogativas especiais Encontrase nos dizeres de Tavars Bastos a exata definição deste conjunto de normas quando este diz que com elas o Estado praticamente estabeleceu que o comércio sou eu op cit p 1 089 3 5 Certamente a previsão no Código Comercial da matéria hipotecária foi uma das principais razões para sua crítica A iniciativa de sua retirada devese ao Senador Nabuco de Araújo através da lei n 1237 de 24091864 cujo texto foi adotado na íntegra nos primeiros atos sobre hipoteca do governo republicano provisório 36 Também em relação à lei n 1350 de 14091866 a iniciativa pertence aNabucodeAraújo que fará posteriormente como membro do Ministério sua regulamentação Restabelecer então a faculdade da arbitragem conforme previsto na Constituição de 1824 art 160 Conforme Nabuco Joaquim Um Estadista no Império v 1 5 ed Rio de Janeiro Topbooks 1997 p 644 3 7 Carvalho de Mendonça p 1101 18 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 Decreto 8821 de 30 de dezembro do mesmo ano revogou as disposições do Código Comercial que faziam necessária a autorização estatal para a constituição e funcionamento das companhias de comércio38 Neste sentido instituiuse a partir desta lei o sistema de livre criação das sociedades anônimas espécie mais modema de sua formação 39 4 O DECRETO No 917 E A LEGISLAÇÃO COMERCIAL EXTRAVAGANTE Apesar das alterações do texto do Código Comercial e da série de leis extravagantes que se seguiram à promulgação do diploma de 1850 o passar do tempo reclamava uma reforma mais profunda do direito comercial brasileiro em razão dos desafios da realidade econômica brasileira da segunda metade do século XIX Os decretos de 1860 como mencionamos diziam respeito a providências em relação à emissão de títulos pelos bancos casos de falências de instituições financeiras sua criação e organização assim como a regulação do mercado de títulos públicos qualquer título que admitisse cotação Em 1864 por obra do senador Nabuco de Araújo retirouse do Código Comercial a matéria hipotecária que passou ser exclusivamente civil ainda que alguns ou todos os credores fossem comerciantes Já em 1866 Nabuco de Araújo apresentava seu projeto de lei para o estabelecimento de um novo processo de falências cuja justificativa é importante documento para conferirse o estado de ânimo geral em relação às normas de 1850 neste particular Escreve o então ministro da Justiça que há quatorze anos o nosso comércio 38 Observase nesta lei a influência das disposições inglesas a respeito sobretudo nos pontos principais preferindo a contribuição insular da doutrina francesa posteriormente a lei francesa de 23 de maio de 1863 Assim opta por não fixar um valor mínimo do capital social e das ações Todavia opta o projeto por permitir que as sociedades tivessem por objeto os seguros e operações bancárias no que vai contrariar a lei inglesa de 1858 Outras disposições determinavam que as ações destas sociedades seriam nominativas até o pagamento integral de dois quintos do seu valor depois do que poderiam ser negociadas E para a constituição definitiva da sociedade estabelecia a necessidade de subscrição de todo o capital estando um quinto deste efetivamente depositado Ressaltese entretanto que este projeto sofreu intensa oposição principalmente no Conselho de Estado o que determinou sua alteração substancial Conforme Nabuco Joaquim op cit p 647 39 Tavares Borba resume os diferentes sistemas de formação da sociedade anônima nos sistemas de privilégio vigente do direito medieval ao século XVIII Depois o sistema de autorização governamental revogado no Brasil pela lei de 1866 Por último o sistema de livre criação no qual a formação da sociedade se submete a meras providências burocráticas junto ao Registro de Comércio Tavares Borba J Edwaldo Direito societário 5 3 ed Rio de Janeiro Renovar 1999 p 1 04 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 19 acolheu esperançoso a legislação de 1850 O tempo porém veio demonstrar que não era senão ilusória a proteção que o Código prometia aos credores Com efeito o nosso processo das falências lento complicado dispendioso importa sempre a ruína do falido e o sacrifício do credor40 Neste espírito a reforma do Código tornouse uma questão de tempo À mesma época observese aconteci mentos da vida econômica acabaram por gerar a sensação de urgência da reforma da legislação comercial 41 Em 1875 após diversas modificações os tribunais do comércio são extintos Lei 226275 unificando o processo judicial civil e comercial Em 1882 a criação de sociedades anônimas deixou de depender de autorização do Estado Já a lei n 2821 de 1881 e após o decreto 10165 de 1889 eliminaram a possibilidade da falência das SAs preferindolhes a figura da liquidação forçadaY Ainda em 1888 a lei n 3065 admitiu figura da chamada concordata por abandono Em 24 de outubro de 1890 publica se o decreto n 917 cujo texto fora da lavra dos comercialistas Carlos de Carvalho e Macedo Soares e que acabou por ser recebido num primeiro momento como importante instrumento de flexibilização do instituto da falência Criase então o instituto da concor data preventiva que teria por condão oferecer a oportunidade de recuperação da sociedade em dificuldades ao invés da sua mera extinção Sinalese toda via que as disposições do referido diploma não se aplicariam às socie dades anônimas que permaneceriam regulada quanto à matéria pela lei 3 150 de 1882 sob o instituto da liquidação forçada Não tardou contudo para que a experiência da vida mercantil acabasse por suscitar uma série de críticas ao novo regime falimentar Sobretudo relacionadas ao abuso com que se passou a lançar mão das moratórias sob a égide da recuperação do negócio Apesar das críticas a reforma introduzida pelo decreto n 917 acabou por se consolidar em razão da evolução inegável que representou para a disciplina falimentar mais relevante do que as eventuais imperfeições poderiam desqualificar o novo instituto Foi completada em diversos de seus aspectos pelo decreto n 2024 editado em 190843 40 Nabuco Joaquim Um estadista op cit p 645 e ss 41 Dentre as quais se aponta a falência da Casa Mauá e a sucessão de crises no sistema bancário e industrial na segunda metade do séc XIX 42 Carvalho de Mendonça considerará que esta terminologia é uma espécie de simulação Op cit p 116 43 Este decreto aliás da lavra de Carvalho de Mendonça Segundo Requião Curso op cit p 16 20 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 De 1908 também é o decreto n 2044 que dispondo sobre títulos de crédito estabelece as normas sobre as letras de câmbio e notas promissórias ajustando o direito cambiário brasileiro segundo afirma Requião às mais modernas conquistas da ciência44 Devese citar também como da maior importância para o direito comercial brasileiro a ação da juris prudência na última década do século XIX sobretudo nos litígios advindos da crise econômica causada pela política do encilhamento levada a cabo pelo governo federal Teve a virtude sobretudo de completar questões não atacadas pela legislação acabando por influenciar e inspirar futuras reformas legislativas 5 TENTATIVAS DE REFORMA DO CÓDIGO COMERCIAL À evidência pelo que já se narrou sobre a evolução do direito comercial brasileiro e que constitui característica do direito comercial universal a relação de tensão entre o caráter de permanência da regulamentação legislativa e a natureza dinâmica do mundo dos negócios se observa com maior intensidade no direito comercial do que em qualquer outra esfera do direito A própria idéia de codificação do direito comercial neste sentido tem um conteúdo muito mais flexível do que a 44 Idem concepção observada pela tradição civilista do sistema romanocanônico De certo modo como será visto a seguir as modernas teorias codifica doras do século XX incorporam muitos aspectos já consagrados pela experiên cia jurídica do direito comercial sobretudo no que diz com o afastamento da idéia de regulação total dentre as funções reconhecidas a um Código A atual evolução das teorias codificadoras e mesmo da idéia de decodificação conectase com pres supostos há muito observados pelos comercial is tas sobretudo no que diz com a agilidade da vida de relações diante da morosidade dos processos legislativos A própria origem do direito comercial é representativa da inversão do fenômeno legislativo típico tendo sido as primeiras normas comerciais instituídas pelos próprios sujeitos da relação regulamentada que somente a posteriori mereceu a atenção do Estado E mesmo esta incorporação diz mais com realidades extrínsecas ao próprio direito do que propriamente com a condição para sua eficácia Afinal antes de dirito estatal o direito comercial foi o direito dos comerciantes e a atividade destes diz não só com a criação do direito mas também e principalmente com sua aplicação às relações jurídico privadas correspondentes como garantia de estabilidade dos negócios Sabese entretanto que a consoli dação do Estado nacional a partir da Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 21 Idade Moderna teve como uma de suas principais características o monopólio da jurisdição sob a guarda do Estado derivando daí a necessária submissão da atividade comercial aos comandos legislativos estatais No Brasil editado o Código Comercial de 1850 logo em seguida surgiram os reclames pela sua atualização e adequação às novas realidades da atividade mercantil Estas novas realidades antes de um fenômeno eventual eram em verdade uma constante histórica originadas no avanço tecnológico contínuo observado a partir de fins do século XVIII e ainda hoje sem qualquer perspectiva de interrupção Max Weber em sua obra maior identificou com precisão que para nenhum fenômeno econômico funda mental é imprescindível do ponto de vista teórico a garantia estatal do direito 45 No direito comercial tais avanços no campo do desenvolvimento econômico demonstrarão a falta de agilidade do Estado na regulação das relações deles advindas seja por questões subjetivas como os conflitos de conteúdo moral que ensejavam 46 seja diante da incapacidade originária de prever seus desdobramentos futuros ou da ínsita morosidade do procedi mento de produção legislativa A reforma do Código pela legislação da segunda metade do século XIX que culminou com o decreto n 917 de 1890 longe de adequar a codificação comercial à modernidade das relações econômicas acabou assinalando a inadequação das normas remanescentes do texto original determinando a própria superação das disposições resultantes da iniciativa reformadora Daí que madura a idéia da necessidade de um novo Código Comercial é editada a lei 23 78 de 04 de janeiro de 1911 autorizando o governo a mandar organizar os antepro jetos de reforma das codificações penal e comercial Em relação a esta última tarefa coube ao professor Inglez de Souza 47 Um dos grandes comercia listas da época dedicouse à tarefa durante todo o ano de 1911 acabando por apresentar seu trabalho em abril do ano seguinte 48 Nesta oportunidade 45 Weber Max Economia y sociedad 2 ed 11 a reimp México Fondo de Cultura Económica 1997 p 271 46 Sobre o enfrentamento da questão moral obrigatórias as reflexões de Weber Max A ética protestante do capitalismo São Paulo Ed Pioneira 1967 Também o relato sobre a experiência inglesa Moore Jr Barrington Aspectos morais do crescimento económico Rio de Janeiro Record 1999 e Macfarlane Alan A cultura do capitalismo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1987 47 Considerado um dos maiores comercialistas brasileiros de então Herculano Marques Inglez de Souza era professor da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro 48 Para uma pormenorizada análise do projeto de Inglez de Souza vejase Ferreira Waldemar op cit p 39 e ss 22 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 entretanto surpreendeu ao apresentar ao invés de apenas um anteprojeto para o qual fora designado um segundo texto colecionando emendas que o trans formava em código do direito privado unificando as normas jurídicas civis e comerciais sob o artigo do mesmo diplo ma legislativo Este segundo projeto embora balizado pela idéia de unificação do direito privado que de resto contava com importantes defensores nos meios jurídicos nacional e estrangeiro foi prontamente afastado pelo Senado Sobre as razões dessa rejeição podemos apontar duas De um lado a resistência de parte significativa do meio jurídico brasi1eiro à idéia de unificação o que inviabilizava o debate teórico que preservasse a essência do anteprojeto De outro lado uma questão de ordem prática já que tramitava em últimas providências o projeto do Código Civil da lavra de Clóvis Beviláquia Este tinha sido objeto de intensos debates no parlamento sobretudo por conta das objeções que lhe indicou Rui Barbosa bem como a polêmica lingüística deste com o professor Levi Carneiro Aceitar se àquela época o anteprojeto de código unificado de Inglez de Souza seria desperdiçar o trabalho de mais de uma década em torno do projeto de Código Civil finalmente sancionado em O 1 de janeiro de 1916 Assim prosseguiu a tramitação do anteprojeto de código comercial do ilustre comercialista que após sucessivas alterações suprimindose todo o texto original relativo às falências e ao direito marítimo foi aprovado pelo Senado em 192 7 a partir do que iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados 49 A ocorrência da Revolução de 1930 todavia concentrou as atenções do parlamento sobre outras questões levando o projeto a ter sua tramitação interrompida Nova iniciativa de confecção de um novo codigo comercial se dá então em 1936 sob a coordenação do professor Waldemar Ferreira nomeado relator geral da Comissão Parlamentar encarregada de redigir o anteprojeto Todavia mais uma vez os eventos políticos se colocam como óbice ao trabalho parlamentar e em 193 7 com a instituição do Estado Novo e conseqüente fechamento do Congresso Nacional os trabalhos são interrompidos peremptoriamente Sobrevindo a redemocratização do país em 1949 o então ministro da Justiça comercialista gaúcho Adroaldo Mesquita da Costa designa o desembargador Florêncio de Abreu para que redija o esboço de um novo código comercial Este projeto foi então apresentado à Câmara dos Deputados prevendo somente a modificação de dispositivos do Código relativos à sua primeira parte não se posicionando a respeito das demais Posteriormente 49 Sobre as fases de tramitação do projeto no Senado vejase Carvalho de Mendonça op cit p 122 e ss Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 23 projetas tratando da reforma das duas outras partes do Código foram apresentados nenhum deles tendo logrado contudo a continuidade na sua tramitação 6 EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DA UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO Em paralelo às iniciativas reformadoras da codificação comercial tomava vulto a idéia de unificação do direito privado A um tempo combatida por inúmeros civilistas e comercialistas as idéias que no direito brasileiro encontraram eco primeiro com Teixeira de Freitas surgem como reação à dicotomia aparente entre públicoprivado bem como uma iniciativa simplifi cadora do direito positivo procurando sistematizar ordenamento uno de direito privado a partir da predominância de uma ou outra matéria civil ou comercial Do ponto de vista histórico a discussão que inicialmente se pautou na autonomia do direito comercial em relação à disciplina civil evoluiu para a idéia de conveniência da unificação em um só corpo legal o direito das obrigações esparsamente tratado em ambas as codificações de direito privado Neste sentido argumentavam os entusiastas da unificação que esta acabaria por gerar enormes vantagns do ponto de vista prático dentre as quais a eliminação da controvérsia eventual sobre o direito aplicável 50 Vivante como já se afirmou também defende na primeira fase de sua produção científica a unificação E relacionando os motivos deste seu entendimento arrola a dificuldade na aplicação de normas comerciais derivadas de direito consuetudinário costumes estes produzidos pelos próprios comerciantes a quem se deseja regular e as dificuldades em se apontar o direito aplicável ao caso concreto 51 Estas posições o autor italiano já havia antecipado em aula na Universidade de Bolonha em fins do século XIX indicando ainda as desvantagens evidentes causadas pela faculdade outorgada aos juízes de decidir sobre o caráter civil ou comercial de uma dada relação na qual estivesse presente ato não disposto em lei como comercial Do mesmo modo observase o prejuízo do desenvolvimento científico do direito comercial em razão de um direito comercial com autonomia legislativa a causar caracterizações doutrinárias impróprias b que faz com que a cada nova regra obrigacional falese em contrato sui generis52 O desafio da elaboração do projeto do Código Comercial italiano todavia 50 Gella Augustín Vicente y Introducción a derecho mercantil comparado 3 ed Barcelona Labor 1941 p 156 51 Vivante Cesare Trattato di diritto commerciale v I 5 ed 1922 p 11 52 Conforme Requião op cit p 18 24 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2001 fez com que Vivante revisse seu posicionamento passando a considerar a unificação do direito privado como hipótese de grave prejuízo para o direito comercial tanto pelas diferenças metodológicas entre um e outro ramo quanto pelo caráter dinâmico da disciplina comercial em relação à civil Ademais certas preferências lógicas do direito comercial como a proteção do portador de boafé na disciplina dos títulos de crédito acabariam por comprometer as conseqüências do direito unificado53 No Brasil entretanto a perspectiva da unificação do direito das obrigações é almejada há algum tempo A iniciativa pioneira neste sentido é o anteprojeto do Código de Obrigações apresentado por comissão de juristas em 1941 mas que não chegou sequer a tramitar no Congresso Nacional 54 A grande polêmica que surge dali em diante então referese à objeção proposta por comercialistas contrários à unificação afirmando que o pressuposto para tanto teria de ser obrigatoriamente a extensão do instituto da falência também para as sociedades civis55 Nova iniciativa então se observa em meados da década de 60 quando o governo forma comissão de notáveis para elaboração de novo anteprojeto de 53 Requião op cit p 19 Código de Obrigações Este anteprojeto apresentado em 1965 em que uma das três partes em que se dividia o Código correspondia à sociedade e ao exercício da atividade comercial teve sua produção indicada ao professor Sylvio Marcondes Por determinação do governo da época o anteprojeto de Código das Obrigações não teve promovida sua tramitação finalizada no Congresso Nacional sendo retirado para maiores estudos Então tendo sido indicada nova comissão de notáveis para a redação de um novo Código Civil o professor Sylvio Marcondes novamente foi indicado para a confecção da parte relativa ao direito da empresa tarefa que tinha desempenhado em relação ao anteprojeto anterior O conhecido projeto n 634B de 197 5 então foi o germe do atual Código Civil Brasileiro lei no 10406 de 1 O de janeiro de 2002 após extensa tramitação legislativa Primeiro na Câmara dos Deputados onde permaneceu de 1975 a 1984 Depois no Senado Federal de 1984 a 1998 para em seguida retornar à Câmara dos Deputados onde foi aprovado em fins de 2001 sendo promulgado pelo Presidente da República em 1 O de janeiro de 2002 e vigente no Brasil 54 Integravam esta comissão os juristas Orozimbo Nonato Philadelpho Azevedo e Hanemann Guimarães 55 A respeito da falência civil vejase Guimarães Hanemann A falência civil ln Revista Forense no 85 São Paulo Ed Forense janeiro de 1941 p 581 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 25 desde 11 de janeiro de 2003 após vacatio legis de um ano art 2044 7 O DIREITO EMPRESARIAL E O NOVO CÓDIGO CIVIL A designação tradicional do ramo do direito que tem por objeto a regulação de direitos e interesses dos que exercem atividades de produção e circulação de bens e serviços com finalidade econômica que se convencionou referir como direito comercial sofre desde algum tempo críticas quanto à sua óbvia limitação terminológica Direito comercial era denominação típica das etapas em que o desenvolvimento econômico tinha na atividade do comércio praticamente a sua razão de ser O desenvolvimento econômico ao longo dos séculos que nos separam dos primórdios da atividade comercial na Europa fizeram surgir um sem número de atividades características de iniciativa econômica como indústrias serviços e mesmo nos tempos atuais a chamada economia digital cujos fundamentos não permitem classificá los na consagrada concepção de atividade comercial A finalidade lucrativa neste sentir avança para além das ati v idades produtivas a que de modo convencional se determinava a incidência do direito comercial E para atualizar o direito frente a tais fenômenos econômicos é que se buscou cunhar nova expressão que favorecesse a ampliação do setores da vida de relações contidas no objeto deste ramo do direito Consagrouse na doutrina então a partir do advento da teoria da empresa do direito italiano a designação direito empresarial Conforme assinala Fábio Ulhôa Coelho entretanto a atualização da denominação da disciplina a adoção da teoria da empresa ou mesmo sua integração a diplomas legislativos típicos de direitocivil não servem por si para determinar a unificação do direito privado Comprova esta sua percepção conforme ele mesmo demonstra o fato de que no direito italiano passados sessenta anos da unificação legislativa direito civil e direito empresarial mantêm se como disciplinas autônomas 56 O novo Código Civil Brasileiro de 2002 entretanto vai dispor sobre matéria de direito empresarial no seu Livro II da Parte Especial do Direito da Empresa Entretanto no que é pertinente ao direito comercial o novo Código Civil avança para conse qüências muito mais sensíveis do que se pode preslupor O modelo do novo Código como demonstra Judith MartinsCosta no esteio das lições do próprio Miguel Reale é concebido como eixo central do sistema de direito privado ao tempo em que não perde de vista a necessidade de abertura e mobilidade do sistema para os influxos da realidade 56 Coelho Fábio Ulhôa Curso de direito comercial v 1 São Paulo Saraiva 2002 p 2728 26 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 200 social e de um projeto de permanência futura natural a qualquer legislação 57 No que toca à unificação das obrigações civis e comerciais realizada pelo Código Civil de 2002 observa com perfeição Norberto MacDonald que embora se observe a influência de direito comparado de uma série de países de civil law sobre as coor denadas essenciais do Código a unidade do direito obrigacional é tributada fundamentalmente ao direito italiano em que o fenômeno se observou no Código de 194 2 58 Todavia identificase neste particular que embora a unificação das obrigações tenha determinado às normas do novo Código a regulação de novos contratos como os de comissão arts 693 a 709 de agência e distribuição arts 710 a 721 corretagem arts 722 a 729 transporte arts 730 a 756 ou mesmo sobre os títulos de crédito arts 887 a 926 a par da legislação extravagante remanescente deixa de contemplar contratos tipicamente afetos ao direito empresarial como os contratos bancários59 e financeiros a franquia empresarial o knowhow e outros tantos Evidentemente que tais ausências não se dão exclusivamente por suposta deficiência do código ou esquecimento do legislador Setor típico da iniciativa criativa do homem com o objetivo de maximização do lucro a atividade empresarial por si não é própria às restrições legais represen tadas pela consagração dos chamados contratos típicos Assim como tantos contratos comerciais já conhecidos foram excluídos do âmbito de regulação do novo Código Civil de se esperar que outros tantos resultado da criatividade dos empresários e demais agentes econômicos ainda surjam e sejam regulados além das normas gerais sobre contratos do Código arts 421 a 480 pelos aspectos específicos que os caracterizem Outras críticas se percebem também em relação à já mencionada disciplina dos títulos de crédito no novo Código Civil Segundo demonstra Mac Donald noticiando a crítica de Fábio Comparatto certa dificuldade deverá perceberse na prática em face do conceito genérico de título de crédito estabelecido no Código sobretudo no que diz com a confusão que seu texto 57 MartinsCosta Judith O novo Código civil brasileiro em busca da ética da situação ln MartinsCosta Judith Branco Gerson Luiz Carlos Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro São Paulo Saraiva 2002 p 87160 58 MacDonald Norberto O projeto de Código Civil e o direito comercial ln Revista da Faculdade de Direito da UFRGSn 16 Porto Alegre 1999p142143 59 Em relação aos contratos bancários lembra MacDonald que os mesmos foram parte do anteprojeto sendo excluídos ao longo da tramitação legislativa pelas impropriedades apontadas dentre outros por Fábio Konder Comparatto Op cit p 144 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 27 favorece entre título de crédito inomi nada que parece criar título de crédito impróprio ou simples comprovante de legitimação 60 Omissões são identi ficadas também em relação a uma das características essenciais dos títulos de crédito que dizem com a inoponibilidade das exceções a terceiros de boafé 61 Do mesmo modo embora não diga diretamente com uma falta do legislador do Código mas muito mais com o paradoxo de desenvolvimento do direito empresarial ao qual já nos referimos e que faz de suas normas progressivamente desatualizadas em face do avanço e incremento das relações econômicas que elas mesmas propugnam outra questão limite do tratamento jurídico dos títulos de crédito é a desmaterialização 62 das relações que tradicionalmente são representadas a partir da utilização de meios eletrônicos de transferência de fundos Este fenômeno aliás já está sendo tratado em legislação específica que consagra atuação de autoridades de certificação eletrônica e regulamen tação da movimentação de recursos por meio eletrônico63 60 Op cit p 146 61 Idem p 147 Finalmente no que toca ao direito de empresa propriamente dito consagrado no Livro II do Código Civil de 2002 é de se observar que se concentra a norma em estabelecer os conceitos centrais do direito empresarial antes objeto da parte primeira do Código Comercial de 1850 revogado pelo art 2045 da lei nova Neste sentido o fio condutor apresentado pelo novo Código é afirmado pelo conceito de empresário presente no art 966 que refere Considerase empresário quem exerce profissionalmente atividade económica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços Ao mesmo tempo exclui o parágrafo único do mesmo artigo do conceito de empresário quem exerce profissão intelectual de natureza cien tifica literária ou artística ainda com o concurso de auxiliares e colaboradores salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa A definição legal do novo Código a nosso ver além de delimitar o espectro subjetivo de incidência das suas normas tem alcance para além do direito 62 Embora utilizada por diversos autores quanto a uma série de aspectos da sociedade pósmoderna para os efeitos do presente estudo tomamos a expressão das considerações do prof Norberto MacDonald sobre o tema Op cit p 148 63 No Brasil a legislação e atuação do ITI Instituto Nacional de Tecnologia da Informação vinculado à Casa Civil da Presidência da República medida provisória 20022 de 24 de agosto de 2002 bem como o decreto n 3872 de 18 de julho de 2001 28 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 200 empresarial permitindo inclusive solver indagações por via interpretativa de outros ramos do direito privado como o direito do consumidor64 No que toca à sociedade empre sária notese que o novo Código desfez confusão própria das normas de 1916 quanto à utilização dos termos sociedade e associação Enquanto esta ficou adstrita à identificação das pessoas jurídicas de fins nãoeconômicos aquela distingue as pessoas jurídicas de fins econômicos do que são espécies as sociedades simples e as sociedades empresárias estas com fins econô micos e sujeitas ao registro próprio art 984 condição de sua existência jurídica art 985 Hentz de sua parte anota que dentre as sociedades não personificadas porque não sujeitas a registro além das sociedades em comum temse as sociedades em conta de participação arts 991 a 99665 Quanto ao registro aliás são diversas as questões levantadas na doutrina especializada sobre a opção legislativa do novo Código sobretudo em relação à previsão da denominada sociedade em comum art 986 et seq não personificada a qual é regulada pela nova lei Segundo aponta MacDonald a exigência do registro não só como condição para personificação mas também para o regular funciona mento das sociedades comerciais evidenciase ao considerarse as conseqüências atuais da falta de registro 66 A questão que surge é se estas sociedades não inscritas pelo sistemado novo Código estariam ou não submetidas às conseqüências e sanções próprias advindas da falta de registro Neste contexto a previsão apartada da cooperativa como espécie distinta da sociedade empresária mereceu algum questionamento quanto à sua adequação Assim por exemplo o entendimento de Luiz Antônio Hentz para quem sua natureza jurídica originária como sociedade de pessoas de caráter civil conforme a lei n 5764 71 perde sua razão diante dos atuais contornos impressos na lei nova a identificála como forma de empresa 64 No direito do consumidor é conhecida a divergência doutrinária em tomo da interpretação do art 2 do Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 que definiu o sujeito consumidor No caso dois entendimentos dos chamados finalistas que defendem interpretação mais restritiva do conceito legal e dos maximilistas que defendem sua ampliação relativamente à aplicação das normas de proteção do consumidor poderão utilizarse da definição de empresário estabelecida no art 966 do novo Código Civil para excluílo o caso concreto da proteção das normas do CDC remetendoo à norma subjetiva do Código Civil 65 Hentz Luiz Antônio Soares Direito de empresa no Código Civil de 2002 2 ed São Paulo Editora Juarez Oliveira 2003 p 3940 66 MacDonald op cit p 156 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 29 no que aliás remontaria à própria origem do instituto através da lei n 16370767 De outra parte observase que o Código em matéria pertinente às sociedades empresárias e às pessoas jurídicas em geral acolhe a já consagrada teoria da desconsideração da personalidade jurídica disregard doctrine que no Brasil foi introduzida pioneiramente pelo direito empresarial através da lição de Rubens Requião 68 O art 50 do novo Código dispõe Em caso de abuso da personalidade urídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial pode o juiz decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo que os efeitos de certas determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica Notase dentre os traços fundamentais deste instituto inovador do direito privado69 de larga utilização jurisprudencial mesmo anterior à codificação dois aspectos centrais Primeiro de que sua identificação deverá observar a ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial cuja prova deverá ser demonstrada assim como concede prerrogativa ao juiz para providência invalidante tópica relativamente a certas e determinadas relações de obrigações as quais deverão por óbvio guardar relação com um dos elementos caracterizadores do abuso 70 Daí porque se pode concluir que o atual fenômeno de incorporação das normas de direito empresarial pelo novo Código Civil embora tenham o condão de determinar uma significativa transformação desta disciplina jurídica em razão do conteúdo das normas em vigor não servem para afetar de qualquer modo sua autonomia Até porque em face da opção legislativa do novo Código a matéria de direito empresarial ultrapassa as tênues fronteiras da codificação para afirmar seus institutos fundamentais em uma infinidade de leis extravagantes cujo 67 Hentz Direito de empresa op cit p 142143 68 Requião Rubens Abuso do direito e fraude através da personalidade jurídica disregard doctrine ln Aspectos modernos de direito comercial São Paulo Saraiva 1977 p 67 69 De se ressaltar contudo que pioneiramente foi consagrado no art 28 do Código de Defesa do Consumidor lei 807890 quando em detrimento do consumidor houve abuso do direito excesso de poder infração da lei fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social 70 A respeito vejase o instigante estudo do professor Norberto MacDonald Pessoa jurídica questões clássicas e atuais Abuso Sociedade unipessoal Contratualismo ln Revista da F acuidade de Direito da UFRGS no 22 Porto Alegre setembro2002 p 300376 em especial360371 30 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 exemplo recorrente por sua importân cia reconhecida é a lei n 6404174 que regula as sociedades anônimas Assim superado o debate sobre a autonomia do direito empresarial questão de maior significado diz respeito às tendências atuais desta disciplina jurídica o que se deve reconhecer a partir das exigências que o próprio desenvolvimento da atividade econômica na sociedade pósindustrial passa a determinar 8 AS TENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO EMPRESARIAL Como poucos ramos do direito as disciplinas jurídicas de direito privado refletem direta e rapidamente transformações da realidade sobre as quais suas normas devem incidir Assim é com o direito civil em que as normas sobre família propriedade ou mesmo os limites da autonomia privada refletem em cada tempo as condicionantes sociais políticas e culturais de uma determinada sociedade Assim também o direito empresarial em que o que já denominamos paradoxo do desenvol vimento faz com que suas normas continentes de um telas específico de otimização do lucro nas relações típicas que regulam vejamse permanentemente superadas pela criatividade e desenvoltura negocial que elas próprias estimulam Este paradoxo característico do caráter dinâmico do direito empresarial é uma das razões principais da sua reconhecida inadequação às codificações71 No caso do direito empresarial dado o seu conteúdo marcadamente econômico é de se considerar nas ú I ti mas décadas o advento do que Manual Castells convencionou denominar capitalismo informacional cujas características essenciais são determinadas por três processos independentes sinais desta nova era São eles a a revolução da tecnologia da informação b a crise econômica do capital is mo e do estatismo e conseqüente reestruturação de ambos e c o apogeu de movimentos sociais culturais como direitos humanos feminismo e ambientalismo 72 Esta nova circunstância histórica global determina para organização da apropriação e exploração da riqueza processo completamente novos de organização Estes determinam conseqüências que vão da redefinição 71 Assim Ascarelli Túlio A idéia de Código no direito privado e a tarefa da interpretação ln Problemas das sociedades anônimas e direito comparado São Paulo Saraiva 1969 p 61 No mesmo sentido Lucca Newton de A atividade empresarial no âmbito do projeto de Código Civil ln Direito empresarial contemporâneo São Paulo Juarez Oliveira 2000p47 etseq 72 Castells Manuel A era da informação Economia sociedade e cultura Fim de milénio v 3 São Paulo Paz e Terra 1999 p 412 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 31 das relações entre a iniciativa econômica do Estado e dos particulares como a própria reestruturação dos modos de atuação econômica da iniciativa privada No que toca com fenômenos típicos de regulamentação pelo direito empresarial a sociedade empresária e a atividade empresarial são os fenômenos mais conhecidos destas novas tendências do direito empresarial Segundo demonstra minuciosamente Castells no que toca à atividade produtiva esta deixa de se concentrar no fenômeno da produção em massa fundamentada em ganhos de produtividade através de economias de escala para se definir segundo um modelo de produção flexível tanto em relação aos produtos diferenciação dos produtos para distintos consumidores quanto em relação aos processos de produção propriamente ditos 73 De outra parte fenômeno sensível do novo cenário econômico mundial de reflexos imediatos nas formulações de direito empresarial é a formação de redes entre empresas de caráter multidirecional colocado em prática por empresas de pequeno e médio porte e o modelo de licenciamento e subcontratação de produção sob o controle de uma grande corporação74 Além disso a nova noção de alianças estratégicas entre sociedades empresárias 75 que determinam a formulação de contratos específicos como o iointventure por exemplo assim como novas formas de contratação de alianças estratégicas em que o objeto de contratação é marca ou designação de apelo publicitário bem como um determinado processo de produção franquia empresarial faz com que as fórmulas lássicas de direito empresarial submetamse à permanente revisão Nesta esteira apenas para complementar estas sucintas observa ções também estão o atual valor de medição de riqueza e o conceito contemporâneo de bem economica mente avaliável Avulta hoje sabida mente a cotação dos chamados bens imateriais que muitas vezes consistem simplesmente em informações sobre processos sem uma materialidade ou elementos convencionais que possam lhe determinar um valor o qual será determinado muitas vezes exclusiva mente pela concepção arbitrária dos agentes do mercado Este panorama permite identificar se em relação ao direito empresarial brasileiro no mesmo sentido do direito comparado algumas tendências bastante sensíveis quais sejam a 73 Castells Manuel A era da informação Economia sociedade e cultura Sociedade em rede v 1 São Paulo Paz e Terra 1999 p 175176 74 Idem p 181 75 Ibidemp 183184 32 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 flexibilização a internacionalização a desmaterialização e o reforço da confiança 81 Flexibilização No que se refere à primeira tendência está o que denominamos de flexibilização do direito empresarial Tratase de uma tendência que decorre diretamente da necessidade de atualização veloz do instrumental jurídico de regulamentação da ati v idade empresarial paradoxo do desenvolvi mento Em regra tanto a iniciativa legislativa quanto a própria compreen são pelo aplicador do direito sobre a evolução dinâmica da atividade em presarial não permite que ambos direito e atividade empresária se desenvolvam na mesma velocidade Este fato eviden temente faz com que muitas vezes as exigências formais da regulamentação jurídica representem custos ou mesmo fatores desfavoráveis ao desenvolvi mento da atividade econômica Por esta razão a flexibilização das relações jurídicas interempresariais é uma tendência bastante notada tanto no Brasil quanto em direito comparado Internamente um exemplo típico desta nova flexibilidade é o instituto da arbitragem previsto no direito brasileiro da lei n 9307 de 23 de setembro de 1996 pelo qual é reconhecida a possibilidade de fuga da jurisdição estatal iúris dictio dizer o direito para decisão sobre o litígio entre particulares a partir do pronunciamento do árbitro privado Flexibilizase a urisdição necessária do Estado legado da Idade Modema para se reconhecer aos particulares competência76 para decisão sobre litígios entre si Tratase pois da determinação do aplicador do direito através de convenção das partes de uma justiça convencional cujo procedimento de conhecimento e decisão do litígio se dá por regras acordadas ou mesmo costumeiras Um segundo fenômeno carac terístico desta tendência flexível vincu lado igualmente ao reforço da autonomia privada dos empresários é a possibili dade de escolha da lei aplicável aos contratos internacionais Esta possibilidade em regra limitada pelas exigências de ordem pública típicas do direito internacio nal privado vai encontrar sua sede característica nos contratos internacionais que para além disto desde algum tempo dispõem com naturalidade sobre cláusulas de foro e convenções sobre usos e costumes reconhecidos na sua execução 82 Internacionalização O direito empresarial acentua sua dimensão internacional à medida que a atividade empresarial assume 76 Competência tomada no lapidar conceito do prof Ruy Cirne Lima como a medida de poder que a ordem jurídica assina a uma pessoa determinada Princípios de direito administrativo São Paulo RT 1987 p 139 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 33 repercussão global A tendência de internacionalização do direito empre sarial acompanha neste sentir a influência recíproca dos mercados nacionais definindo os principais fatores econômicos Os contratos empresariais são cada vez mais contratos entre sociedades empresárias de distintos países tendo como objeto a importação e exportação de bens e serviços ou ainda a transferência de tecnologia As sociedades empresárias assumem cada vez mais o caráter de corporações transnacionais com diversos centros de interesse e submetidas a distintos ordenamentos jurídicos As normas sobre direito empresarial e econômico cada vez mais são objeto de negociação em organismos internacionais multilaterais como a Organização Mundial de Comércio ou de cooperação e integração econômica como o MERCOSUL ou a União Européia 77 Neste sentido a dimensão internacional do direito empresarial traz consigo uma segunda característica auxiliar de uniformização 78 dos diferentes ordenamentos jurídicos sobre a forma de organização do capital e garantias de estabilidade para o investimento internacional A disciplina de organização do capital diz especificamente com o objeto do direito empresarial enquanto o que identifi camos como garantias de estabilidade passa a estar afeto de modo próprio ao direito económico em suas variáveis de defesa da concorrência e regulação de determinados setores do mercado De outra parte a atividade empresarial também em relação ao mercado de produção e consumo de bens e serviços observa esta tendência de internacionalização fruto do afamado fenômeno da globalização dos mercados Tais circunstâJcias determinam primeiro uma interação permanente entre distintas ordens jurídicas ao tempo que promovem a construção gradual de normas internacionais comuns sobre estas transações afetas ao direito empresarial como é o caso por exemplo da Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias Convenção de Viena de 1980 79 ou 77 Esplêndida reflexão sobre o tema é a do mestre francês François Rigaux A lei dos juízes Trad Edmir Missio São Paulo Martins Fontes 2000 em especial p8 et seq 78 Assim vejase Barreto Filho Fernando Paulo de Mello O tratamento nacional dos investimentos estrangeiros Brasília Instituto Rio Branco 1999 Segundo o autor nesta matéria a construção de regras internacionais para produção de relativa estabilidade quanto à matéria é recente datando de princípio da década de 1970 p 38 79 A respeito vejase dentre outros MartinsCosta Judith Os princípios informadores do contrato de compra e venda na Convenção de Viena de 1980 ln Contratos Internacionais e Direito Económico no MERCOSUL São Paulo Editora LTr 1996 p 163 187 No mesmo sentido Grebler Eduardo O contrato de venda internacional de mercadoriasn Revista Forense vol 319 Rio de Janeiro Forense 1992 p 310317 34 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio Acordo TRIPS 80 regulando questões relativas à propriedade intelectual e criando direitos e obrigações para os Estadosmembros 83 Desmaterialização Uma terceira tendência bastante sensível no direito empresarial é a da sua desmaterialização no que diz com as atividades típicas de empresa como o comércio e os meios de representação da riqueza sejam os títulos de crédito ou as transações financeiras em geral interempresariais ou de consumo Assistese deste modo ao crescente retomar de instrumentos eletrônicos de conservação e transferência de recursos financeiros que desde algum tempo afirmam o desnível entre a quantidade de moeda física e aquela objeto de representação eletrônica Do mesmo modo algumas operações de crédito para as quais o direito tradicionalmente havia previsto a figura dos títulos de crédito em face de sua realização por meio eletrônico terminam por perder as características próprias de cartularidade e autonomia tão prezadas pelo direito comercial clássico No que tange às profundas alterações no campo da compra e venda de bens e serviços esta tendência de desmaterialização é notada pelo advento do comércio eletrônico que se de um lado determina um novo meio para realização de negócios cujo objeto em regra será material aquisição de produtos materiais pela internet de outro permite igualmente que toda a relação tipicamente comercial tenha sua formação e execução por meio eletrônico a aquisição de um software através da intemet é o exemplo mais utilizado Tais circunstâncias promovem a discussão de novas questões afetas a esta espécie de relação como a noção de estabelecimento comercial de formação e execução do contrato e outras tantas examinadas pela doutrina especializada em direito privado Ao mesmo tempo reforçam a necessidade de mecanismos que assegurem a autenticidade dos sujeitos dos processos de manifestação da vontade e do conteúdo dos negócios celebrados por meio eletrônico Tratase de instrumentos jurídicos de reação à esta tendência de desmaterialização a fim de preservar a segurança e a autenticidade como é o caso por exemplo do processo de certificação digital 84 Reforço da confiança Por fim a quarta tendência atual que identificamos em relação ao direito empresarial é o que denominamos reforço da confiança Confiança esta tomada em seu sentido jurídico mas cuja 80 Incorporado ao direito interno brasileiro através do decreto legislativo n 30 de 15 12 94 e regulado pelo decreto n 1355 de 301294 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 35 repercussão avança para os mais distintos campos da ação humana Carlos Alberto Ghersi refere que na atualidade a con fiança representa significativas projeções para a economia e novos enfoques determinam como dela depende em grande medida a eficiência econômica 81 A confiança como instituto jurídico tem sua origem no direito alemão Treu und Glauben intimamente vinculada à noção de boafé objetiva presente no parágrafo 242 do BGB de 1900 No direito brasileiro a primeira disposição legislativa prevendo a boafé objetiva se observa exatamente no art 131 primeira parte do Código Comercial de 1850 que dispunha sobre a interpretação do contrato comercial que esta deveria ter por base a inteligência simples e adequada que for mais conforme à boafé e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras Entretanto sua aplicação juris prudencial poucas vezes respeitou o caráter objetivo do dever determinado pela disposição legal o que se vai consolidar apenas ao longo do século XX a partir do esforço de definição conceituai da boafé pela doutrina civilista e sua adoção pela jurisprudência já na década de 1980 Sob o aspecto legislativo a boafé objetiva como norma surgiu então no Código de Defesa do Consumidor82 de 1990 e no Código Civil de 200283 Em termos dogmáticos a unificação das obrigações civis e comerciais e o reconhecimento da boafé como princípio geral do direito dos contratos previsto n9 art 422 do novo Código Civil determina às obrigações típicas de direito empresarial a observação do conteúdo objetivo dos valores de fidelidade e confiança exigências geralmente vigentes de justiça 84 Nas obrigações de natureza empresarial a tendência de valorização da confiança observase em dois planos De um lado como reação à tendência de flexibilização como necessidade conseqüente do reconhecimento de standards com força jurídica e aceitação pelos indivíduos envolvidos De outro como espécie de garantia necessária à velocidade atual dos negócios que estimulam no âmbito jurídico a elevação da importância dos usos e 81 Ghersi Carlos Alberto Contratos interempresarios Buenos Aires Astrea 2001 p 126 82 A respeito vejase Marques Cláudia Lima Contratos no Código de Defesa do Consumidor 4 ed São Paulo RT 2002 p 232 et seq 83 Sobre a boafé no direito civil vejase MartinsCosta Judith A boafé como modelo uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel Reale ln Diretrizes teóricas op cit p 188221 84 Conforme a lição de Karl Larenz Derecho de obligaciones tomo I Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1958 p 142143 36 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 costumes como fonte das obrigações e neste sentido a proteção das expectativas legítimas geradas a partir do respeito aos mesmos O reforço da confiança consistirá no reconhecimento pelo direito empresarial de efeitos jurídicos próprios às expectativas legítimas e aos deveres oriundos da boafé matriz valorativa do direito privado consagrada interna mente no novo Código Civil bem como pelo retorno dos usos e costumes comerciais como fonte do direito recuperando seu papel eclipsado eventualmente pelas aspirações de regulação exaustiva do século vinte O direito empresarial brasileiro avança deste modo na aproximação dos fenômenos que regula carac terizandose como elemento promotor do desenvolvimento econômico ao tempo em que estabelece no plano interno e internacional normas para estabilidade dos investimentos e organiação da iniciativa econômica na sua dimensão privada RESENHA CRITICA Do Direito Comercial ao Direito Empresarial Formação histórica e tendências do Direito brasileiro O autor inicia realizando um paralelo sobre o quão antigo é o Direito Comercial de forma que desde o começo das relações de troca e venda com o avanço do comércio regras e costumes foram dispostos para guiar essas relações A história do direito comercial neste sentido inicia com o predomínio da ideia de direito dos comerciantes construindose um conceito eminentemente subjetivo para em seguida assistirse a evolução desta impressão inicial Diversas matrizes do direito comercial tiveram diferentes origens Os títulos de Crédito surgiram pela necessidade prática dos comerciantes lombardos de lidar com o intenso tráfico monetário da região As obrigações comerciais tiveram origem no CentroEuropeu com o avanço do reinado do Imperador Carlos Magno e a sua posterior queda que levou a independência das cidadesestados como Veneza por exemplo O autor discorre ainda de forma acertada sobre as regulamentações comerciais europeias como a Tabla Amalfitana Constiutum usus e o Breve curiae maris sendo as duas primeiras da cidade de Amalfi e a posterior da cidade de Pisa As regulamentações judicializaram as tradições das corporações de ofício as oficinas de forma que o Estatuto Social por assim dizer foi regulado com a forma que a admissão dos novos membros das corporações ocorreria o que fazia um aprendiz de oficio e como se tornar um artífice Além do estudo sobre a gênese do direito comercial europeu o autor discorre sobre o mesmo ponto mas em terras brasileiras O primeiro código comercial a ser utilizado no Brasil foi as ordenações portuguesas do Rei Afonso V de 1447 dC que tinha como sua principal matriz históricojurídica o direito romano do Corpus júris civilis justinianeu e os decretais do Papa Gregório XI Tal legislação pouco foi alterada até a promulgação das ordenações filipinas em 1603 sob égide do Rei Felipe II sendo tal ordenamento confirmado pela lei de 12 de Agosto de 1643 perdurando até a independência em 1822 O primeiro Código Comercial Brasileiro é do Ano de 1850 sendo esse idealizado a 16 anos antes mas com sua promulgação tardia A boa técnica do referido diploma pôde ser observada com o advento da República e sua adoção como referencial para as regras processuais e de organização da justiça A atividade legislativa de direito comercial embora consagrada pela promulgação do Código em 1850 na verdade foi efetivamente inaugurada através de intensa produção de normas dirigidas à regulamentação das atividades do comércio Como é tradição do direito comercial as normas positivas muitas vezes tiveram de regular necessidades da vida econômica como por exemplo as primeiras normas sobre bancos e sociedades lei 1083 de 22081860 e diversos decretos transferência de títulos públicos e de ações de companhias Dec 2 73 3 de 23 O 11861 e sobre o cheque Dec n 2694 de 17111860 Assim necessário era a atualização do código para englobar todas as mudanças que ocorreram no passar dos anos Apesar das alterações do texto do Código Comercial e da série de Leis extravagantes que se seguiram à promulgação do diploma de 1850 o passar do tempo reclamava uma reforma mais profunda do direito comercial brasileiro em razão dos desafios da realidade econômica brasileira da segunda metade do século XIX A própria ideia de codificação do direito comercial neste sentido tem um conteúdo muito mais flexível do que a concepção observada pela tradição civilista do sistema romanocanônico No direito comercial tais avanços no campo do desenvolvimento econômico demonstrarão a falta de agilidade do Estado na regulação das relações deles advindas seja por questões subjetivas como os conflitos de conteúdo moral que ensejavam seja diante da incapacidade originária de prever seus desdobramentos futuros ou da ínsita morosidade do procedimento de produção legislativa Assim sendo necessário era que o Estado acompanhasse tais mudanças e seus desdobramentos no campo do desenvolvimento econômico com o Código Comercial Em paralelo às iniciativas reformadoras da codificação comercial tomava vulto à ideia de unificação do direito privado Do ponto de vista histórico a discussão que inicialmente se pautou na autonomia do direito comercial em relação à disciplina civil evoluiu para a ideia de conveniência da unificação em um só corpo legal o direito das obrigações esparsamente tratado em ambas as codificações de direito privado Direito comercial era denominação típica das etapas em que o desenvolvimento econômico tinha na atividade do comércio praticamente a sua razão de ser O desenvolvimento econômico ao longo dos séculos que nos separam dos primórdios da atividade comercial na Europa fez surgir um sem número de atividades características de iniciativa econômica como indústrias serviços e mesmo nos tempos atuais a chamada economia digital cujos fundamentos não permitem classificálos na consagrada concepção de atividade comercial O novo Código Civil Brasileiro de 2002 entretanto vai dispor sobre matéria de direito empresarial no seu Livro II da Parte Especial do Direito da Empresa Entretanto no que é pertinente ao direito comercial o novo Código Civil avança para consequências muito mais sensíveis do que se pode pressupor O direito comercial assim se transformou no Direito Empresarial estando essa incluída dentro do Código Civil Como poucos ramos do direito as disciplinas jurídicas de direito privado refletem direta e rapidamente transformações da realidade sobre as quais suas normas devem incidir Assim é com o direito civil em que as normas sobre família propriedade ou mesmo os limites da autonomia privada refletem em cada tempo as condicionantes sociais políticas e culturais de uma determinada sociedade Concluindo o direito empresarial avança na flexibilização e internacionalização dos seus dispositivos e efeitos jurídicos O direito empresarial brasileiro avança na aproximação dos fenômenos que regula caracterizandose como elemento promotor do desenvolvimento econômico ao tempo em que estabelece no plano interno e internacional normas para estabilidade dos investimentos e organização da iniciativa econômica na sua dimensão privada

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Do Direito Comercial ao Direito Empresarial Formação histórica e tendências do Direito brasileiro Bruno Nubens Barbosa Miragem INTRODUÇÃO O estudo da evolução histórica dos diferentes ramos da ciência jurídica é muitas vezes menosprezado sob a falsa impressão de que tais conhecimentos longe de serem indispensáveis ao exer cício da atividade jurídica constituem traços culturais adjetivos ornamentos do conhecimento prático elementar necessário ao desempenho profissional A origem dos institutos mais vale como capítulo a desconsiderar seja pela aparente impossibilidade de utilização deste conhecimento ou mesmo pelos obstáculos a desbravar no contato com estilos de linguagem e terminologias antigos Neste contexto impossível desconsiderar uma certa sensação de inutilidade do esforço a empreender em face da revogação ou obsolescência de boa parte dos conteúdos examinados Tais considerações válidas por certo para vários profissionais das carreiras jurídicas não cabem ao verdadeiro cultor da ciência jurídica Mais do que mero acúmulo de dados e ocorrências penetrar sob as arcadas da história do direito significa descortinar a origem das modernidades atuais Mais do que isso tratase de um ato de coragem investigar sob o manto das leis e dos códigos a sua origem arcaica que o tempo teve o condão de amadurecer e forjar a conformação dos institutos jurídicos na atualidade No caso do direito comercial desafiar o gosto pela pesquisa histórica assume caráter ainda mais complexo Convencer da importância de conheci mentos distantes frente ao dinamismo da economia e do tráfico comercial atual soa aparentemente irrazoável Inúmeras Professor de Direito Civil e Direito Econômico do Centro Universitário Ritter dos ReisRS professor convidado do Curso de PósGraduação em Regulação dos Serviços Públicos da UFRGS especialista em Direito Internacional pela UFRGS mestrando em Direito Privado pela UFRGS 8 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 razões levam a crer entretanto que um eventual desestímulo mais diz com o equívoco da abordagem do tema do que com seu conteúdo Ademais porque não se pode pretender observar o passado com a compreensão atual dos fenômenos da vida e do direito Os que construíram aquelas verdades o fizeram a partir das suas experiências de então É tremenda a desigualdade do juízo que desconsidera a notória vantagem do observador moderno Da mesma forma se há de reconhecer que nada existe senão a partir de uma origem Esta desnaturada ou não diz com a identidade do que se conhece agora Trilha um caminho repleto de influências de toda ordem denunciando uma gênese elementar que se projeta no tempo Daí a impor tância da evolução histórica do direito comercial brasileiro que ora se pretende indicar para compreensão do estágio atual e suas tendências para o futuro 1 FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL Não é errado dizer que o direito comercial é tão antigo quanto o próprio comércio Mais do que isso é contem porâneo das primeiras relações inter pessoais pacíficas da história a partir das quais necessidades individuais de terminaram a busca de sua satisfação e a consciência de que isoladamente os seres humanos não tinham como alcan çála A este tempo já se fazia neces sário a elaboração de normas de condu ta que viabilizassem um sistema rudi mentar de intercâmbio de bens a fim de satisfazer as necessidades das pessoas É possível identificar ao longo da história um sem número de povos que tendiam à prática do comércio desde os fenícios da Antigüidade passando pelas civilizações grega e romana até chegarmos à Idade Média quando uma Europa castigada pela miséria econômica inicia um processo de dinamização de suas relações de produção e descobre no comércio uma atividade legítima para aquisição acumulação conservação e multiplicação de riquezas 1 Neste ambiente pode se dizer que nasce o direito comercial originário dos modernos institutos de hoje 1 A influência cristã sobre Roma e posteriormente sobre toda a Europa faria o desenvolvimento do comércio enfrentar o desafio do desprezo da Igreja pela atividade mercantil o que acaba gradativamente se desgastando sem todavia deixar de gerar alguns problemas Também de referir relativamente à evolução do direito comercial na Alemanha a importância da recepção do direito romano como estímulo à criação jurídica em geral No dizer de Wieacker esta recepção impusera novos princípios jurídicos nos quais se manifesta a progressiva racionalização da vida jurídica da baixa Idade Média Traz o exemplo do artesanato onde o princípio da subsistência fora substituído pelo desejo de lucro o que já fazia parte da economia urbana p 113 Assinala todavia que embora a recepção do direito romano tenha servido como estímulo à atividade criadora relativamente do direito em geral as criações mais características do direito comercial não se desenvolveram a partir da romanística inclusive nos países de sistema continental Wieacker Franz História do Direito Privado Moderno 2 ed Lisboa Calouste Gulbenkian 1980 p 269 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 9 O direito comercial nasceu então para regular estas relações de comércio inicialmente através das corporações para em seguida expandir seu alcance no mesmo grau de alcance do desenvolvimento econômico vindo a transformarse em direito dos negócios independente de maiores formalidades 2 A história do direito comercial neste sentido inicia com o predomínio da idéia de direito dos comerciantes construin dose um conceito eminentemente subjetivo para em seguida assistirse a evolução desta impressão inicial Evoluindo os estudos através do tempo a sistemática exclusivamente subjetiva é influenciada pela tendência objetivista que procura dar primazia ao exame dos atas de comércio como núcleo do exame da disciplina comercial Cesare Vivante eminente comercialista italiano vai afirmar que tal mudança conceituai partirá de uma ficção ao considerar comerciante qualquer um que pratique atos de comércio ou seja atos que denotem o exercício da atividade mercantil3 Atualmente observase a reto mada do antigo conceito subjetivo vinculandoo ao conceito adjetivo e estabelecendo o direito comercial mo derno como o que regula as relações jurídicoprivadas no exercício das suas atividades típicas 4 As origens dos institutos do direito comercial se prendem todavia a diversas matrizes Quanto à disciplina dos títulos de crédito sua origem é identificada nas necessidades práticas dadas pelo tráfico monetário das cidades lombardas Em relação às obrigações comerciais o comércio entre as longínquas regiões de Flandres Champanha Alemanha central e outras feiras européias5 2 A evolução terminológica culmina então na indicação já na segunda metade do século vinte do direito empresarial conceito que assume todavia um significado notadamente mais amplo que trataremos adiante referindo não apenas a prática comercial propriamente dita mas a generalidade das matérias jurídicas que dizem com a atividade empresarial No Brasil vejase Requião Rubens Curso de Direito Comercial 22 ed 1 o v São Paulo Saraiva 1995 p 7 3 Vivante Cesare Tratato de Derecho Mercantil v 1 Madrid 1932 p 6 4 Carvalho de Mendonça à época em que escreveu seu Tratado já noticiava a opinião de Manara sobre período anterior mesmo à colonização para quem os elementos objetivo e subjetivo não se concebiam um absolutamente distinto do outro consideravamse sempre reunidos mas o elemento subjetivo não era muitas vezes mais do que um pressuposto ideal A fusão dos dois elementos em começo completa em todos os atas do comércio em muitos se torna mais teórica e ideal do que efetiva De fato era o elemento objetivo que imprimia a muitos atas o caráter comercial desde que em última análise sobre a qualidade do ato se fixava a ficção de ser o comerciante o autor Manara Gli atti di commercio n 8 apud Carvalho de Mendonça J X Tratado de Direito Comercial Brasileiro v I Livro I 3 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1937 p 60 5 Wieacker op cit p 269 10 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 O renascimento das cidades italianas após a desagregação do império de Carlos Magno e a independência de diversas repúblicas contribuiu igualmente de forma ímpar com a prosperidade comer cial daquela região Notase então a propagação do comércio ao longo das margens do Mar Mediterrâneo tomando se cidades como Amalfi Veneza Gênova Pisa e Florença importantes empórios comerciais que aproveitavam as cruzadas cristãs para estender esse comércio aos povos do Oriente Destas cidades italianas surge a pioneira regulamentação comercial européia de que é exemplo a tabla amafitana em Amalfi o Constiutum usus e o Breve curiae mar is de Pisa que vieram a co lecionar os costumes mercantis da cidade reunidos no Breve consulum mar is Em Veneza principal entreposto do comércio marítimo surge o capitulare nauticum E em Gênova o mais importante tribunal de comércio italiano a Rota Genoveza que formou o primeiro corpo de decisões jurisprudência da época6 Nestas cidades assim como por toda Europa elemento fundamental da atividade comercial naquele tempo eram as denominadas corporações de oficio associações de profissionais cuja filiação era pressuposto do exercício da atividade comercial A admissão como membro destas corporações de sua vez era dificultada por exigências diversas Em primeiro lugar o candidato a integrálas deveria ser aprendiz do ofício por período fixado no regulamento respectivo Deste ascendia à condição de companheiro e daí a artífice propriamente dito Esta passagem todavia não se dava sem desafios 7 Estas corporações espalharamse por toda a Europa sendo conhecidas na Alemanha Inglaterra França Escandinávia e Países Baixos também como hansas 8 Na França 6 Conforme Ferreira Waldemar Martins Curso de Direito Comercial v I São Paulo Sales Oliveira Rocha C ia 1927 p 19 e ss 7 Noticia Ferreira que no séc XIV o companheiro deveria fazer a volta em todo o território francês de cidade em cidade para aperfeiçoarse no seu ofício Depois deveria executar sua obraprima chefdoeuvre que após submetida à apreciação dos jurados lhe era dada a permissão para montar seu próprio estabelecimento Op cit p 27 8 A origem das hansas data de fins do séc XII e início do séc XIII Formadas inicialmente por algumas cidades ao longo do Báltico e alemãs mais tarde se alastrariam pela França Espanha e Inglaterra Eram confederações de comerciantes cujo objetivo era a promoção do comércio livrandose dos óbices do sistema feudal Seu apogeu se deu no séc XV quando dominaram o Báltico e o Mar do Norte obtendo o privilégio de comerciar com diversos Estados da Europa chegando mesmo a incentivarem uma guerra contra o Rei da Dinamarca pela conquista de novos mercados celebrando na assembléia de Colônia Alemanha o ato de confederação de 77 cidades estabelecendose as contribuições de cada uma A liga hanseática sobreviveu então até o séc XVII reduzindose no final às mesmas cidades que lhe deram origem vindo a perder seu prestígio Delamare et Lê Poitvin Traité de droit commercial v I p 28 apud Carvalho de Mendonça op cit p 62 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 11 foram então suprimidas em 1776 em nome da liberdade de iniciativa 9 O direito das sociedades tem seu princípio nas companhias comerciais do séc XVI espécies assemelhadas às sociedades por ações no período que antecede à formação do capitalismo na Europa ocidental Desde o princípio entre tanto notase a característica peculiar do direito comercial da não submissão a fronteiras políticas nacionais uma vez que embora identificadas diferenças entre as diversas ordens jurídicas internas tinham 9 Op cit p 27 10 Wieacker op cit p 269 sua atividade vinculada a conexões comerciais interregionais 10 A tendência moderna do direito comercial indica uma retomada desta carac terística marcadamente internacional bem como o reforço à crescente publicização dos seus conteúdos como conseqüência da sua relação com aatividade econômica em geral e seu revestimento de interesse público a ser defendido pelo Estado 11 Notase todavia que esta defesa estatal longe dos moldes com os quais atuou no passado inspirase m novo paradigma 12 originário 11 Conforme Franco Vera Lúcia de Mello Lições de Direito Comercial Teoria geral do direito comercial São Paulo Mal tese 1993 p 523 A respeito da intervenção estatal contudo a tendência de publicização embora diga com a importância do Estado relativamente à normatização das relações que dizem com o direito comercial tem como contraponto o fenômeno da internacionalização das relações econômicas fruto do processo que se convencionou chamar globalização Daí que se de um lado a intervenção estatal na ordem econômica surge como atividade de regulação econômica de outro o dinamismo destas relações torna impossível uma antecipação de situações a regulamentar ou mesmo a pretensão de qualquer espécie de normatização com os prazos de validade do passado 12 No nosso entender o princípio da subsidiariedade vem prestar enorme contribuição na fixação dos limites entre os espaços público e privado na sociedade contemporânea A respeito a recente encíclica papal Centesimus annus editada pelo Papa João Paulo II em 1991 que relendo a anterior encíclica Rerum novarum 1891 consigna La Rerum novarum se opone a la estatalización de los medias de producción que reduciría a todo ciudadano a una pieza en e engranaje de la máquina estatal Con no menor decisión critica una concepción de Estado que deja la esfera de la economía totalmente fuera de propio campo de interés y de acción Existe ciertamente una legítima esfera de autonomia de la actividad económica donde no debe intervenir e Estado A éste sin embargo e corresponde determinar e marco jurídico dentro de cual se desarrollan las relaciones económicas y salvaguardar así las condiciones fundamentales de una economía libre que presupone una cierta igualdad entre las partes no sea que una de elas supere tamente en poder a la otra que la pueda reducir prácticamente a esclavitud Para conseguir estas fines e Estado debe participar directa o indirectamente Indirectamente y según e principio de subsidiariedad creando las condiciones favorables a libre ejercicio de la actividad económica encauzada hacia una oferta abundante de oportunidades de trabajo y de fuentes de riqueza Directamente y según e principio de solidariedad poniendo en defensa de los más débiles algunos límites a la autonomía de las partes que deciden las condiciones de trabajo y asegurando en todo caso un mínimo vital a trabajador en paro 12 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 das incompatibilidades entre a tendência de internacionalização e as velhas pre tensões do dirigismo econômico e mesmo deficiências do sistema político institucional13 2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO No Brasil o incremento da atividade comercial esteve vinculado de modo estreito com sua situação política em especial nos primórdios às relações estabelecidas com Portugal Durante a fase colonial da história brasileira a dimensão do direito comercial estará vinculada enfaticamente à tradição jurídica portuguesa 14 e suas alterações ao longo dos anos Quaisquer infor mações sobre o direito comercial neste período passam obrigatoriamente pelas ordenações portuguesas parte da estru tura jurídica lusitana desde o século XV Primeiro as ordenações portuguesas editadas pelo rei Afonso V por volta de 1447 afonsinas que tinha como sua principal matriz históricojurídica o direito romano do Corpus júris civilis justinianeu e os decretais do Papa Gregório XI Contavam ainda com a subsidiariedade do direito canônico que assumia sua preeminência nas matérias que envolviam o cometimento de pecado conforme determinava o alvará de 12 de setembro de 156415 Em 1513 então foram substituídas as antigas ordenações por uma nova iniciativa codificadora as ordenações manuelinas editadas pelo rei D Manuel Estas entretanto em pouco modificaram as disposições da antiga legislação mantendose sob a mesma inspiração romanística Em 1569 sob os ventos da contra reforma católica e a influência do Concílio de Trento o rei Dom Sebastião editou nova compilação que reforçava princípios do direito canônico em desprestígio às ordinárias fontes romanas Todavia com a morte de D Manuel e o fim da dinastia de Avis ascende ao trono o rei F elipe II Este desejoso do retorno da inspiração do direito romano sobre Portugal edita em 1603 suas ordenações as ordenações filipinas que reconfirmadas pela Lei de 12 de agosto de 164 3 16 vi geriam no Brasil até após a independência política de 1822 Nestas ordenações referiase 13 Sobre a experiência políticojurídica brasileira o clássico de Paim Antônio A querela do estatismo Brasília Senado Federal 1998 14 Como de resto o direito positivo em geral do que Trigo de Loureiro vai notar como necessidade interpretativa das leis brasileiras a consideração da herança lusitana e sua influência Loureiro Trigo de Instituições de direito civil brasileiro 4 ed v 1 parágrafo XLVI apud Carvalho de Mendonça J X Tratado Op cit p 50 15 Conforme Merêa M Resumo das lições de história do direito português p 115 e ss apudRao VicenteOdireitoeavidadosdireitosvI4edSãoPauloRT 1997p105 16 Após a reconquista da independência de Portugal em relação à Espanha com o fim da União Ibérica 1640 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 13 a matéria propriamente comercial nos livros terceiro e quarto tratandose respectivamente de direito processual e material civil e comercial 17 O direito positivo vigente no período colonial permaneceu praticamente sem alterações após a codificação filipina Todavia a atividade de interpretação e integração das normas sofreu substanciais alterações ao longo do tempo muito por conta da I e i de 18 de agosto de 1 7 69 designada Lei da Boa Razão Teve este diploma o condão de autorizar a invocação subsidiária de normas de direito estrangeiro das nações de boa depurada e sã urisprudência Esta lei que de resto operou importante evolução do direito em geral em relação à disciplina comercial tem marcada importância uma vez que torna possível a influência direta do Código de Comércio Francês de 1807 e mais tarde das codificações espanhola 1829 e portuguesa 1833 lançando os sedimentos à construção do direito comercial pátrio 18 Sobre a codificação portuguesa de 1833 aliás de se notar a enorme contri buição de Ferreira Borges conforme assinala Almeida Costa para quem o ilustre comercialista contribui de modo defmitivo no direito luso para a superação da concepção de direito comercial como direito de profissionais em prol de uma concepção objetiva favorecida a partir do advento da Revolução Francesa 19 Entretanto em que pese a confessada inspiração da codificação portuguesa no direito comparado especialmente nos códigos francês e espanhol e no projeto do código italiano notouse uma certa complexidade nas definições e qualificações que estabeleceu fruto do que se reconhece como um apego exagerado ao direito anterior 20 De outra parte o Código português de 1833 do mesmo modo foi vítima daquele que é o grande paradoxo do direito comercial qual seja o fato do direito vocacionado ao desenvolvimento da ati v idade mercantil em regra tornar se obsoleto ou lacunoso por conta exatamente do progresso da atividade regulamentada o que ele mesmo promove Algumas décadas depois já abundavam em Portugal leis extrava gantes como a de sociedades anônimas 1867 ou de marcas e patentes 1883 Isto determinou a necessidade de elaborarse novo Código o que coube a Veiga Beirão que veio a ser promulgado em 1888 3 A INDEPENDÊNCIA E A ELABORAÇÃO DO CÓDIGO COMERCIAL O acontecimento histórico de maior repercussão na vida brasileira da pri meira década do séc XIX pode se dizer 17 Martins Fran Curso de Direito Comercial 23 ed Rio de Janeiro Forense 1999 p 37 18 Conforme Requião op cit p 15 19 Almeida Costa Mário Júlio de História do direito português 3 ed Coimbra Almedina 2001 p 422 20 Idem p 423 14 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 influenciou decisivamente no desenvol vimento da economia e do comércio brasileiro e em conseqüência o direito comercial A vinda das cortes portugue sas para o Brasil em 1808 em fuga das tropas napoleônicas na Europa continentalsignificou beneficias de toda ordem Politicamente o Brasil foi elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves deixando sua condição legal de colônia Sob a perspectiva econômica significou entre outros a liberação do comércio marítimo através da Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 abertura dos portos às nações amigas o fomento à ativi dade fabril e manufatureira peloAlvará de 1 o de abril e a liberação do comércio e da indústria do que decorre a criação da Real Junta de Comércio Agricul tura Fábricas e Navegação pelo Alvará de 23 de agosto daquele ano Também oportunizou a criação da primeira instituição bancária nacional o Banco do Brasil pelo Alvará de 12 de outubro com o intuito de promover a indústria nacional pelo giro e combinação dos capitais isolados21 Sobrevindo a independência política em 1822 o novo império através da lei de 20 de outubro de 1823 determinou mantivessem as leis portuguesas vigentes em 25 de abril de 1821 e os atos subseqüentes de D Pedro como Regente e após Imperador do Brasil Observase neste primeiro momento a vigência de diplomas dos séculos XVII e XVIII relativamente à atividade comercial22 Na mesma época o mais destacado dos comercialistas brasileiros Silva Lisboa ou Visconde do Cairu23 21 Finalidade expressa no próprio alvará de criação confonne Carvalho de Mendonça op cit p 7677 22 Como nota Carvalho de Mendonça a recepção desta gama de normas comerciais tão díspares entre si e separadas por longo tempo umas das outras e todas daquele princípio do estado nacional brasileiro acabou por fazer do direito comercial de então envolto numa legislação pesada sem orientação doutrinária ou pelo menos sem lógica Op cit p 789 23 Sobre o extraordinário papel deste estudioso do direito mercantil vejase entre outros Carvalho de Mendonça op cit 82 Beviláqua Clóvis Evolução jurídica do Brasil no segundo reinado ln Revista Forense no 46 p 9 Mendes Cândido Prefácio à obra Princípios de direito mercantil v 1 p X a XVIII Ainda sobre Cairu dentre os autores modernos veja se a excelente introdução de Antônio Penalves Rocha em Visconde do Cairu Coleção Formadores do Brasil São Paulo Editora 34 2001 O autor com muita propriedade além do papel acadêmico de Cairu dá relevo à sua dimensão política a partir de sua obra econômica em que utilizou parte do seu vocabulário e aparato conceitua para legitimar as mudanças em curso no Império português depois da abertura dos portos p 36 Ao mesmo tempo assinala a importância que o livre comércio assume para Caim como instrumento de promoção da conciliação de classes p 40 De interesse também notar a posição manifestada por Cairu em 1851 sobre a natureza degradante do ser humano e ao mesmo tempo antieconômica do trabalho escravo em artigo da revista Guanabara reproduzido na obra supracitada p 32333 3 Outro grande jurista sempre citado foi Ferreira Borges a quem homenageia Carvalho de Mendonça distinguindo os dois tratadistas pela enorme contribuição de desvincular o direito comercial do rígido sistema de direito romanístico apresentando a doutrina italiana clássica bem como nas contribuições do direito inglês e francês Op cit p 83 e ss Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 15 como posteriormente seria distinguido recebeu a tarefa de elaborar a codificação comercial brasileira Em 1832 saindo o país dos tumultos da abdicação de Pedro I no ano anterior as iniciativas para redação da codificação comercial se ampliaram sendo designada comissão de comerciantes24 para realização da tarefa Compreendeu o projeto a divisão da matéria em três partes sendo a primeira relativa às pessoas do comércio contratos e obrigações a segunda sobre comércio marítimo e a terceira sobre as quedas As fontes imediatas da elaboração do projeto observamse na sua exposição de motivos a qual indica sua inspiração quanto à primeira parte nas codificações francesa espanhola e portuguesa relacionando os motivos para o sensível afastamento em relação à legislação estrangeira nas demais partes25 O projeto foi então enviado à Câmara dos Deputados em agosto de 1834 Após tramitação de quase 16 anos26 em 25 de junho de 1850 foi promulgado pela lei no 556 o Código Comercial Brasileiro 31 Sistema do Código Comercial O projeto aprovado em 1850 se compunha de três partes e um título único A primeira intitulavase Do comércio em geral a segunda Do comércio marítimo a terceira Das quebras O título único que não tardou em ser modificado tratava Da administração da justiça dos negócios e causas comerciais subdividindose em dois capítulos Dos tribunais e juízos comerciais e Da ordem do juízo nas causas comerciais 27 Publicado o Código cogitouse imediatamente da elaboração da lei adjetiva que lhe viabilizasse a boa execução Antes mesmo da pro mulgação do Código uma comissão foi designada para elaborar tal legislação que veio então a ser o re gulamento publicado pelo decreto n 737 de 25 de novembro de 1850 Na mesma data promulgouse o decreto n 73 8 regulamentando a atividade dos tribunais de comércio e o processo de quebras 28 24 Os membros da comissão eram Antônio Pau tino Limpo de Abreu 1 o presidente José Antônio Lisboa Inácio Ratton Guilherme Midosi e Lourenço Westin Posteriormente José Clemente Pereira 2 presidente Conforme Requião op cit 15 25 Carvalho de Mendonça op cit 92 Também Ferreira Waldemar op cit p 33 e ss 26 Neste ínterim todavia diversas discussões se sucederam como bem demonstra o relatório do Ministro da Justiça Aureliano Coutinho em 1834 quando este solicita especial atenção dos deputados com as questões relativas à falência tendo em vista os abusos e fraudes que se podiam detectar já à época conforme afirma Carvalho de Mendonça op cit p 94 nota 1 Observase pois que a questão do abuso e da fraude na prática falimentar conta com precedentes históricos bem marcados na tradição comercial brasileira 27 Ferreira p 35 28 Carvalho de Mendonça op cit 100 16 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS n 24 200 O regulamento n 737 longe de se restringir à lei de conteúdo meramente processual introduziu preceitos que completaram a codificação sendo considerado por Waldemar Ferreira como uma das melhores senão a mais perfeita das leis brasileiras29 A boa técnica do referido diploma pôde ser observada com o advento da República e sua adoção como referencial para as regras processuais e de organização da justiça 30 Em relação ao Código Comercial há um certo consenso em admitir na obra de 1850 um monumento legislativo que soube aproveitarse das contri buições jurídicas de tradição estrangeira sem descaracterizar seu caráter nacional atendendo aos traços da realidade local Pelo menos um defeito entretanto identifica Carvalho de Mendonça Defeito este aliás corroborado pelo posterior regulamento n 737 Nota o tratadista que à justificativa de se afastar a jurisdição civil então sujeita a um longo e demorado processo foram designados como atos comerciais muitos atos nos quais não intervinham comerciantes mesmo defeito já 29 Ferreira p 36 30 Carvalho de Mendonça p 101 31 Op cit p 105 observado na codificação francesa 31 Estas críticas devem todavia ser relativizadas aos olhos de hoje Primeiro pelo caráter pioneiro do código comercial em relação às demais iniciativas codificadoras o que de certo modo tomava possível uma certa flexibilidade Em segundo lugar pelo paradigma subjetivista adotado pela crítica que a torna representativa de uma tendência importante na época mas que hoje está longe de ser aceita integralmente A precedência da legislação comercial em relação à civil entretanto foi observada pelo próprio comercialista como razão destas imprecisões teóricas32 Assim havia o anseio pela regulação de determinados fatos da vida o que veio a ser correspondido pela inserção de certos institutos no âmbito da codificação comercial 33 32 As leis comerciais até 1890 A atividade legislativa de direito comercial embora consagrada pela promulgação do Código em 1850 na verdade foi efetivamente inaugurada através de intensa produção de normas dirigidas à regulamentação das ativida 32 Segundo Carvalho de Mendonça era natural que no meio da esparsa difusa e deficiente legislação civil ele direito comercial exercesse extraordinário predomínio Com efeito passou a reger quase todas as relações da vida civil quanto a obrigações e contratos Op cit p 109 33 O exemplo utilizado pelo autor é o da hipoteca inclusive criando o Código a controversa figura da hipoteca tácita Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 17 des do comércio Além dos já mencio nados decretos n 737 e 738 nos qua renta anos que sucederam à promul gação do Código diversos diplomas versaram principalmente sobre a regulamentação da atividade dos corretores agentes de leilão os tribunais de comércio as exigências em relação às concordatas entre outros temas Como é tradição do direito comercial as normas positivas muitas vezes tiveram de regular necessidades da vida econômica como por exemplo as primeiras normas sobre bancos e sociedades lei 1083 de 22081860 e diversos decretos transferência de títulos públicos e de ações de companhias Dec 2 73 3 de 23 O 11861 e sobre o cheque Dec n 2694 de 1711186034 Observase do mesmo modo um acentuado número de leis tendo por condão a reforma das disposições do Código Comercial dentre as quais avulta a retirada das disposições sobre hipoteca sempre criticadas pela falta de pertinência à disciplina comercial 35 Também de grande repercussão a revogação dos dispositivos do Código Comercial que faziam necessário o juízo arbitral anteriormente estabelecido como facultativo As razões que levaram a este posicionamento no mais das vezes disseram com a falta de pouca valia a possibilidade de recurso judicial para o qual necessariamente haveria de se comprovar defeito no procedimento capitaneado pelo árbitro36 Digna de registro ainda a lei n 3 129 de 14 de outubro de 1866 que estabelecia o regime jurídico das invenções e descobertas iniciativa pioneira de proteção da propriedade industrial no direito brasileiro Em relação ao direito societário o ápice legislativo do período devese à lei n 3 150 de 4 de novembro de 1881 Esta lei que foi submetida a intensa discussão parlamentar precedente à sua aprovação 37 e regulamentada pelo 34 A indicação é de Carvalho de Mendonça que comentando estas normas consideraas um desestímulo à livre iniciativa à medida que o Estado instituía para si série de prerrogativas especiais Encontrase nos dizeres de Tavars Bastos a exata definição deste conjunto de normas quando este diz que com elas o Estado praticamente estabeleceu que o comércio sou eu op cit p 1 089 3 5 Certamente a previsão no Código Comercial da matéria hipotecária foi uma das principais razões para sua crítica A iniciativa de sua retirada devese ao Senador Nabuco de Araújo através da lei n 1237 de 24091864 cujo texto foi adotado na íntegra nos primeiros atos sobre hipoteca do governo republicano provisório 36 Também em relação à lei n 1350 de 14091866 a iniciativa pertence aNabucodeAraújo que fará posteriormente como membro do Ministério sua regulamentação Restabelecer então a faculdade da arbitragem conforme previsto na Constituição de 1824 art 160 Conforme Nabuco Joaquim Um Estadista no Império v 1 5 ed Rio de Janeiro Topbooks 1997 p 644 3 7 Carvalho de Mendonça p 1101 18 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 Decreto 8821 de 30 de dezembro do mesmo ano revogou as disposições do Código Comercial que faziam necessária a autorização estatal para a constituição e funcionamento das companhias de comércio38 Neste sentido instituiuse a partir desta lei o sistema de livre criação das sociedades anônimas espécie mais modema de sua formação 39 4 O DECRETO No 917 E A LEGISLAÇÃO COMERCIAL EXTRAVAGANTE Apesar das alterações do texto do Código Comercial e da série de leis extravagantes que se seguiram à promulgação do diploma de 1850 o passar do tempo reclamava uma reforma mais profunda do direito comercial brasileiro em razão dos desafios da realidade econômica brasileira da segunda metade do século XIX Os decretos de 1860 como mencionamos diziam respeito a providências em relação à emissão de títulos pelos bancos casos de falências de instituições financeiras sua criação e organização assim como a regulação do mercado de títulos públicos qualquer título que admitisse cotação Em 1864 por obra do senador Nabuco de Araújo retirouse do Código Comercial a matéria hipotecária que passou ser exclusivamente civil ainda que alguns ou todos os credores fossem comerciantes Já em 1866 Nabuco de Araújo apresentava seu projeto de lei para o estabelecimento de um novo processo de falências cuja justificativa é importante documento para conferirse o estado de ânimo geral em relação às normas de 1850 neste particular Escreve o então ministro da Justiça que há quatorze anos o nosso comércio 38 Observase nesta lei a influência das disposições inglesas a respeito sobretudo nos pontos principais preferindo a contribuição insular da doutrina francesa posteriormente a lei francesa de 23 de maio de 1863 Assim opta por não fixar um valor mínimo do capital social e das ações Todavia opta o projeto por permitir que as sociedades tivessem por objeto os seguros e operações bancárias no que vai contrariar a lei inglesa de 1858 Outras disposições determinavam que as ações destas sociedades seriam nominativas até o pagamento integral de dois quintos do seu valor depois do que poderiam ser negociadas E para a constituição definitiva da sociedade estabelecia a necessidade de subscrição de todo o capital estando um quinto deste efetivamente depositado Ressaltese entretanto que este projeto sofreu intensa oposição principalmente no Conselho de Estado o que determinou sua alteração substancial Conforme Nabuco Joaquim op cit p 647 39 Tavares Borba resume os diferentes sistemas de formação da sociedade anônima nos sistemas de privilégio vigente do direito medieval ao século XVIII Depois o sistema de autorização governamental revogado no Brasil pela lei de 1866 Por último o sistema de livre criação no qual a formação da sociedade se submete a meras providências burocráticas junto ao Registro de Comércio Tavares Borba J Edwaldo Direito societário 5 3 ed Rio de Janeiro Renovar 1999 p 1 04 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 19 acolheu esperançoso a legislação de 1850 O tempo porém veio demonstrar que não era senão ilusória a proteção que o Código prometia aos credores Com efeito o nosso processo das falências lento complicado dispendioso importa sempre a ruína do falido e o sacrifício do credor40 Neste espírito a reforma do Código tornouse uma questão de tempo À mesma época observese aconteci mentos da vida econômica acabaram por gerar a sensação de urgência da reforma da legislação comercial 41 Em 1875 após diversas modificações os tribunais do comércio são extintos Lei 226275 unificando o processo judicial civil e comercial Em 1882 a criação de sociedades anônimas deixou de depender de autorização do Estado Já a lei n 2821 de 1881 e após o decreto 10165 de 1889 eliminaram a possibilidade da falência das SAs preferindolhes a figura da liquidação forçadaY Ainda em 1888 a lei n 3065 admitiu figura da chamada concordata por abandono Em 24 de outubro de 1890 publica se o decreto n 917 cujo texto fora da lavra dos comercialistas Carlos de Carvalho e Macedo Soares e que acabou por ser recebido num primeiro momento como importante instrumento de flexibilização do instituto da falência Criase então o instituto da concor data preventiva que teria por condão oferecer a oportunidade de recuperação da sociedade em dificuldades ao invés da sua mera extinção Sinalese toda via que as disposições do referido diploma não se aplicariam às socie dades anônimas que permaneceriam regulada quanto à matéria pela lei 3 150 de 1882 sob o instituto da liquidação forçada Não tardou contudo para que a experiência da vida mercantil acabasse por suscitar uma série de críticas ao novo regime falimentar Sobretudo relacionadas ao abuso com que se passou a lançar mão das moratórias sob a égide da recuperação do negócio Apesar das críticas a reforma introduzida pelo decreto n 917 acabou por se consolidar em razão da evolução inegável que representou para a disciplina falimentar mais relevante do que as eventuais imperfeições poderiam desqualificar o novo instituto Foi completada em diversos de seus aspectos pelo decreto n 2024 editado em 190843 40 Nabuco Joaquim Um estadista op cit p 645 e ss 41 Dentre as quais se aponta a falência da Casa Mauá e a sucessão de crises no sistema bancário e industrial na segunda metade do séc XIX 42 Carvalho de Mendonça considerará que esta terminologia é uma espécie de simulação Op cit p 116 43 Este decreto aliás da lavra de Carvalho de Mendonça Segundo Requião Curso op cit p 16 20 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 De 1908 também é o decreto n 2044 que dispondo sobre títulos de crédito estabelece as normas sobre as letras de câmbio e notas promissórias ajustando o direito cambiário brasileiro segundo afirma Requião às mais modernas conquistas da ciência44 Devese citar também como da maior importância para o direito comercial brasileiro a ação da juris prudência na última década do século XIX sobretudo nos litígios advindos da crise econômica causada pela política do encilhamento levada a cabo pelo governo federal Teve a virtude sobretudo de completar questões não atacadas pela legislação acabando por influenciar e inspirar futuras reformas legislativas 5 TENTATIVAS DE REFORMA DO CÓDIGO COMERCIAL À evidência pelo que já se narrou sobre a evolução do direito comercial brasileiro e que constitui característica do direito comercial universal a relação de tensão entre o caráter de permanência da regulamentação legislativa e a natureza dinâmica do mundo dos negócios se observa com maior intensidade no direito comercial do que em qualquer outra esfera do direito A própria idéia de codificação do direito comercial neste sentido tem um conteúdo muito mais flexível do que a 44 Idem concepção observada pela tradição civilista do sistema romanocanônico De certo modo como será visto a seguir as modernas teorias codifica doras do século XX incorporam muitos aspectos já consagrados pela experiên cia jurídica do direito comercial sobretudo no que diz com o afastamento da idéia de regulação total dentre as funções reconhecidas a um Código A atual evolução das teorias codificadoras e mesmo da idéia de decodificação conectase com pres supostos há muito observados pelos comercial is tas sobretudo no que diz com a agilidade da vida de relações diante da morosidade dos processos legislativos A própria origem do direito comercial é representativa da inversão do fenômeno legislativo típico tendo sido as primeiras normas comerciais instituídas pelos próprios sujeitos da relação regulamentada que somente a posteriori mereceu a atenção do Estado E mesmo esta incorporação diz mais com realidades extrínsecas ao próprio direito do que propriamente com a condição para sua eficácia Afinal antes de dirito estatal o direito comercial foi o direito dos comerciantes e a atividade destes diz não só com a criação do direito mas também e principalmente com sua aplicação às relações jurídico privadas correspondentes como garantia de estabilidade dos negócios Sabese entretanto que a consoli dação do Estado nacional a partir da Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 21 Idade Moderna teve como uma de suas principais características o monopólio da jurisdição sob a guarda do Estado derivando daí a necessária submissão da atividade comercial aos comandos legislativos estatais No Brasil editado o Código Comercial de 1850 logo em seguida surgiram os reclames pela sua atualização e adequação às novas realidades da atividade mercantil Estas novas realidades antes de um fenômeno eventual eram em verdade uma constante histórica originadas no avanço tecnológico contínuo observado a partir de fins do século XVIII e ainda hoje sem qualquer perspectiva de interrupção Max Weber em sua obra maior identificou com precisão que para nenhum fenômeno econômico funda mental é imprescindível do ponto de vista teórico a garantia estatal do direito 45 No direito comercial tais avanços no campo do desenvolvimento econômico demonstrarão a falta de agilidade do Estado na regulação das relações deles advindas seja por questões subjetivas como os conflitos de conteúdo moral que ensejavam 46 seja diante da incapacidade originária de prever seus desdobramentos futuros ou da ínsita morosidade do procedi mento de produção legislativa A reforma do Código pela legislação da segunda metade do século XIX que culminou com o decreto n 917 de 1890 longe de adequar a codificação comercial à modernidade das relações econômicas acabou assinalando a inadequação das normas remanescentes do texto original determinando a própria superação das disposições resultantes da iniciativa reformadora Daí que madura a idéia da necessidade de um novo Código Comercial é editada a lei 23 78 de 04 de janeiro de 1911 autorizando o governo a mandar organizar os antepro jetos de reforma das codificações penal e comercial Em relação a esta última tarefa coube ao professor Inglez de Souza 47 Um dos grandes comercia listas da época dedicouse à tarefa durante todo o ano de 1911 acabando por apresentar seu trabalho em abril do ano seguinte 48 Nesta oportunidade 45 Weber Max Economia y sociedad 2 ed 11 a reimp México Fondo de Cultura Económica 1997 p 271 46 Sobre o enfrentamento da questão moral obrigatórias as reflexões de Weber Max A ética protestante do capitalismo São Paulo Ed Pioneira 1967 Também o relato sobre a experiência inglesa Moore Jr Barrington Aspectos morais do crescimento económico Rio de Janeiro Record 1999 e Macfarlane Alan A cultura do capitalismo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1987 47 Considerado um dos maiores comercialistas brasileiros de então Herculano Marques Inglez de Souza era professor da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro 48 Para uma pormenorizada análise do projeto de Inglez de Souza vejase Ferreira Waldemar op cit p 39 e ss 22 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 entretanto surpreendeu ao apresentar ao invés de apenas um anteprojeto para o qual fora designado um segundo texto colecionando emendas que o trans formava em código do direito privado unificando as normas jurídicas civis e comerciais sob o artigo do mesmo diplo ma legislativo Este segundo projeto embora balizado pela idéia de unificação do direito privado que de resto contava com importantes defensores nos meios jurídicos nacional e estrangeiro foi prontamente afastado pelo Senado Sobre as razões dessa rejeição podemos apontar duas De um lado a resistência de parte significativa do meio jurídico brasi1eiro à idéia de unificação o que inviabilizava o debate teórico que preservasse a essência do anteprojeto De outro lado uma questão de ordem prática já que tramitava em últimas providências o projeto do Código Civil da lavra de Clóvis Beviláquia Este tinha sido objeto de intensos debates no parlamento sobretudo por conta das objeções que lhe indicou Rui Barbosa bem como a polêmica lingüística deste com o professor Levi Carneiro Aceitar se àquela época o anteprojeto de código unificado de Inglez de Souza seria desperdiçar o trabalho de mais de uma década em torno do projeto de Código Civil finalmente sancionado em O 1 de janeiro de 1916 Assim prosseguiu a tramitação do anteprojeto de código comercial do ilustre comercialista que após sucessivas alterações suprimindose todo o texto original relativo às falências e ao direito marítimo foi aprovado pelo Senado em 192 7 a partir do que iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados 49 A ocorrência da Revolução de 1930 todavia concentrou as atenções do parlamento sobre outras questões levando o projeto a ter sua tramitação interrompida Nova iniciativa de confecção de um novo codigo comercial se dá então em 1936 sob a coordenação do professor Waldemar Ferreira nomeado relator geral da Comissão Parlamentar encarregada de redigir o anteprojeto Todavia mais uma vez os eventos políticos se colocam como óbice ao trabalho parlamentar e em 193 7 com a instituição do Estado Novo e conseqüente fechamento do Congresso Nacional os trabalhos são interrompidos peremptoriamente Sobrevindo a redemocratização do país em 1949 o então ministro da Justiça comercialista gaúcho Adroaldo Mesquita da Costa designa o desembargador Florêncio de Abreu para que redija o esboço de um novo código comercial Este projeto foi então apresentado à Câmara dos Deputados prevendo somente a modificação de dispositivos do Código relativos à sua primeira parte não se posicionando a respeito das demais Posteriormente 49 Sobre as fases de tramitação do projeto no Senado vejase Carvalho de Mendonça op cit p 122 e ss Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 23 projetas tratando da reforma das duas outras partes do Código foram apresentados nenhum deles tendo logrado contudo a continuidade na sua tramitação 6 EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DA UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO Em paralelo às iniciativas reformadoras da codificação comercial tomava vulto a idéia de unificação do direito privado A um tempo combatida por inúmeros civilistas e comercialistas as idéias que no direito brasileiro encontraram eco primeiro com Teixeira de Freitas surgem como reação à dicotomia aparente entre públicoprivado bem como uma iniciativa simplifi cadora do direito positivo procurando sistematizar ordenamento uno de direito privado a partir da predominância de uma ou outra matéria civil ou comercial Do ponto de vista histórico a discussão que inicialmente se pautou na autonomia do direito comercial em relação à disciplina civil evoluiu para a idéia de conveniência da unificação em um só corpo legal o direito das obrigações esparsamente tratado em ambas as codificações de direito privado Neste sentido argumentavam os entusiastas da unificação que esta acabaria por gerar enormes vantagns do ponto de vista prático dentre as quais a eliminação da controvérsia eventual sobre o direito aplicável 50 Vivante como já se afirmou também defende na primeira fase de sua produção científica a unificação E relacionando os motivos deste seu entendimento arrola a dificuldade na aplicação de normas comerciais derivadas de direito consuetudinário costumes estes produzidos pelos próprios comerciantes a quem se deseja regular e as dificuldades em se apontar o direito aplicável ao caso concreto 51 Estas posições o autor italiano já havia antecipado em aula na Universidade de Bolonha em fins do século XIX indicando ainda as desvantagens evidentes causadas pela faculdade outorgada aos juízes de decidir sobre o caráter civil ou comercial de uma dada relação na qual estivesse presente ato não disposto em lei como comercial Do mesmo modo observase o prejuízo do desenvolvimento científico do direito comercial em razão de um direito comercial com autonomia legislativa a causar caracterizações doutrinárias impróprias b que faz com que a cada nova regra obrigacional falese em contrato sui generis52 O desafio da elaboração do projeto do Código Comercial italiano todavia 50 Gella Augustín Vicente y Introducción a derecho mercantil comparado 3 ed Barcelona Labor 1941 p 156 51 Vivante Cesare Trattato di diritto commerciale v I 5 ed 1922 p 11 52 Conforme Requião op cit p 18 24 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2001 fez com que Vivante revisse seu posicionamento passando a considerar a unificação do direito privado como hipótese de grave prejuízo para o direito comercial tanto pelas diferenças metodológicas entre um e outro ramo quanto pelo caráter dinâmico da disciplina comercial em relação à civil Ademais certas preferências lógicas do direito comercial como a proteção do portador de boafé na disciplina dos títulos de crédito acabariam por comprometer as conseqüências do direito unificado53 No Brasil entretanto a perspectiva da unificação do direito das obrigações é almejada há algum tempo A iniciativa pioneira neste sentido é o anteprojeto do Código de Obrigações apresentado por comissão de juristas em 1941 mas que não chegou sequer a tramitar no Congresso Nacional 54 A grande polêmica que surge dali em diante então referese à objeção proposta por comercialistas contrários à unificação afirmando que o pressuposto para tanto teria de ser obrigatoriamente a extensão do instituto da falência também para as sociedades civis55 Nova iniciativa então se observa em meados da década de 60 quando o governo forma comissão de notáveis para elaboração de novo anteprojeto de 53 Requião op cit p 19 Código de Obrigações Este anteprojeto apresentado em 1965 em que uma das três partes em que se dividia o Código correspondia à sociedade e ao exercício da atividade comercial teve sua produção indicada ao professor Sylvio Marcondes Por determinação do governo da época o anteprojeto de Código das Obrigações não teve promovida sua tramitação finalizada no Congresso Nacional sendo retirado para maiores estudos Então tendo sido indicada nova comissão de notáveis para a redação de um novo Código Civil o professor Sylvio Marcondes novamente foi indicado para a confecção da parte relativa ao direito da empresa tarefa que tinha desempenhado em relação ao anteprojeto anterior O conhecido projeto n 634B de 197 5 então foi o germe do atual Código Civil Brasileiro lei no 10406 de 1 O de janeiro de 2002 após extensa tramitação legislativa Primeiro na Câmara dos Deputados onde permaneceu de 1975 a 1984 Depois no Senado Federal de 1984 a 1998 para em seguida retornar à Câmara dos Deputados onde foi aprovado em fins de 2001 sendo promulgado pelo Presidente da República em 1 O de janeiro de 2002 e vigente no Brasil 54 Integravam esta comissão os juristas Orozimbo Nonato Philadelpho Azevedo e Hanemann Guimarães 55 A respeito da falência civil vejase Guimarães Hanemann A falência civil ln Revista Forense no 85 São Paulo Ed Forense janeiro de 1941 p 581 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 25 desde 11 de janeiro de 2003 após vacatio legis de um ano art 2044 7 O DIREITO EMPRESARIAL E O NOVO CÓDIGO CIVIL A designação tradicional do ramo do direito que tem por objeto a regulação de direitos e interesses dos que exercem atividades de produção e circulação de bens e serviços com finalidade econômica que se convencionou referir como direito comercial sofre desde algum tempo críticas quanto à sua óbvia limitação terminológica Direito comercial era denominação típica das etapas em que o desenvolvimento econômico tinha na atividade do comércio praticamente a sua razão de ser O desenvolvimento econômico ao longo dos séculos que nos separam dos primórdios da atividade comercial na Europa fizeram surgir um sem número de atividades características de iniciativa econômica como indústrias serviços e mesmo nos tempos atuais a chamada economia digital cujos fundamentos não permitem classificá los na consagrada concepção de atividade comercial A finalidade lucrativa neste sentir avança para além das ati v idades produtivas a que de modo convencional se determinava a incidência do direito comercial E para atualizar o direito frente a tais fenômenos econômicos é que se buscou cunhar nova expressão que favorecesse a ampliação do setores da vida de relações contidas no objeto deste ramo do direito Consagrouse na doutrina então a partir do advento da teoria da empresa do direito italiano a designação direito empresarial Conforme assinala Fábio Ulhôa Coelho entretanto a atualização da denominação da disciplina a adoção da teoria da empresa ou mesmo sua integração a diplomas legislativos típicos de direitocivil não servem por si para determinar a unificação do direito privado Comprova esta sua percepção conforme ele mesmo demonstra o fato de que no direito italiano passados sessenta anos da unificação legislativa direito civil e direito empresarial mantêm se como disciplinas autônomas 56 O novo Código Civil Brasileiro de 2002 entretanto vai dispor sobre matéria de direito empresarial no seu Livro II da Parte Especial do Direito da Empresa Entretanto no que é pertinente ao direito comercial o novo Código Civil avança para conse qüências muito mais sensíveis do que se pode preslupor O modelo do novo Código como demonstra Judith MartinsCosta no esteio das lições do próprio Miguel Reale é concebido como eixo central do sistema de direito privado ao tempo em que não perde de vista a necessidade de abertura e mobilidade do sistema para os influxos da realidade 56 Coelho Fábio Ulhôa Curso de direito comercial v 1 São Paulo Saraiva 2002 p 2728 26 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 200 social e de um projeto de permanência futura natural a qualquer legislação 57 No que toca à unificação das obrigações civis e comerciais realizada pelo Código Civil de 2002 observa com perfeição Norberto MacDonald que embora se observe a influência de direito comparado de uma série de países de civil law sobre as coor denadas essenciais do Código a unidade do direito obrigacional é tributada fundamentalmente ao direito italiano em que o fenômeno se observou no Código de 194 2 58 Todavia identificase neste particular que embora a unificação das obrigações tenha determinado às normas do novo Código a regulação de novos contratos como os de comissão arts 693 a 709 de agência e distribuição arts 710 a 721 corretagem arts 722 a 729 transporte arts 730 a 756 ou mesmo sobre os títulos de crédito arts 887 a 926 a par da legislação extravagante remanescente deixa de contemplar contratos tipicamente afetos ao direito empresarial como os contratos bancários59 e financeiros a franquia empresarial o knowhow e outros tantos Evidentemente que tais ausências não se dão exclusivamente por suposta deficiência do código ou esquecimento do legislador Setor típico da iniciativa criativa do homem com o objetivo de maximização do lucro a atividade empresarial por si não é própria às restrições legais represen tadas pela consagração dos chamados contratos típicos Assim como tantos contratos comerciais já conhecidos foram excluídos do âmbito de regulação do novo Código Civil de se esperar que outros tantos resultado da criatividade dos empresários e demais agentes econômicos ainda surjam e sejam regulados além das normas gerais sobre contratos do Código arts 421 a 480 pelos aspectos específicos que os caracterizem Outras críticas se percebem também em relação à já mencionada disciplina dos títulos de crédito no novo Código Civil Segundo demonstra Mac Donald noticiando a crítica de Fábio Comparatto certa dificuldade deverá perceberse na prática em face do conceito genérico de título de crédito estabelecido no Código sobretudo no que diz com a confusão que seu texto 57 MartinsCosta Judith O novo Código civil brasileiro em busca da ética da situação ln MartinsCosta Judith Branco Gerson Luiz Carlos Diretrizes teóricas do novo Código Civil Brasileiro São Paulo Saraiva 2002 p 87160 58 MacDonald Norberto O projeto de Código Civil e o direito comercial ln Revista da Faculdade de Direito da UFRGSn 16 Porto Alegre 1999p142143 59 Em relação aos contratos bancários lembra MacDonald que os mesmos foram parte do anteprojeto sendo excluídos ao longo da tramitação legislativa pelas impropriedades apontadas dentre outros por Fábio Konder Comparatto Op cit p 144 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 27 favorece entre título de crédito inomi nada que parece criar título de crédito impróprio ou simples comprovante de legitimação 60 Omissões são identi ficadas também em relação a uma das características essenciais dos títulos de crédito que dizem com a inoponibilidade das exceções a terceiros de boafé 61 Do mesmo modo embora não diga diretamente com uma falta do legislador do Código mas muito mais com o paradoxo de desenvolvimento do direito empresarial ao qual já nos referimos e que faz de suas normas progressivamente desatualizadas em face do avanço e incremento das relações econômicas que elas mesmas propugnam outra questão limite do tratamento jurídico dos títulos de crédito é a desmaterialização 62 das relações que tradicionalmente são representadas a partir da utilização de meios eletrônicos de transferência de fundos Este fenômeno aliás já está sendo tratado em legislação específica que consagra atuação de autoridades de certificação eletrônica e regulamen tação da movimentação de recursos por meio eletrônico63 60 Op cit p 146 61 Idem p 147 Finalmente no que toca ao direito de empresa propriamente dito consagrado no Livro II do Código Civil de 2002 é de se observar que se concentra a norma em estabelecer os conceitos centrais do direito empresarial antes objeto da parte primeira do Código Comercial de 1850 revogado pelo art 2045 da lei nova Neste sentido o fio condutor apresentado pelo novo Código é afirmado pelo conceito de empresário presente no art 966 que refere Considerase empresário quem exerce profissionalmente atividade económica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços Ao mesmo tempo exclui o parágrafo único do mesmo artigo do conceito de empresário quem exerce profissão intelectual de natureza cien tifica literária ou artística ainda com o concurso de auxiliares e colaboradores salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa A definição legal do novo Código a nosso ver além de delimitar o espectro subjetivo de incidência das suas normas tem alcance para além do direito 62 Embora utilizada por diversos autores quanto a uma série de aspectos da sociedade pósmoderna para os efeitos do presente estudo tomamos a expressão das considerações do prof Norberto MacDonald sobre o tema Op cit p 148 63 No Brasil a legislação e atuação do ITI Instituto Nacional de Tecnologia da Informação vinculado à Casa Civil da Presidência da República medida provisória 20022 de 24 de agosto de 2002 bem como o decreto n 3872 de 18 de julho de 2001 28 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 200 empresarial permitindo inclusive solver indagações por via interpretativa de outros ramos do direito privado como o direito do consumidor64 No que toca à sociedade empre sária notese que o novo Código desfez confusão própria das normas de 1916 quanto à utilização dos termos sociedade e associação Enquanto esta ficou adstrita à identificação das pessoas jurídicas de fins nãoeconômicos aquela distingue as pessoas jurídicas de fins econômicos do que são espécies as sociedades simples e as sociedades empresárias estas com fins econô micos e sujeitas ao registro próprio art 984 condição de sua existência jurídica art 985 Hentz de sua parte anota que dentre as sociedades não personificadas porque não sujeitas a registro além das sociedades em comum temse as sociedades em conta de participação arts 991 a 99665 Quanto ao registro aliás são diversas as questões levantadas na doutrina especializada sobre a opção legislativa do novo Código sobretudo em relação à previsão da denominada sociedade em comum art 986 et seq não personificada a qual é regulada pela nova lei Segundo aponta MacDonald a exigência do registro não só como condição para personificação mas também para o regular funciona mento das sociedades comerciais evidenciase ao considerarse as conseqüências atuais da falta de registro 66 A questão que surge é se estas sociedades não inscritas pelo sistemado novo Código estariam ou não submetidas às conseqüências e sanções próprias advindas da falta de registro Neste contexto a previsão apartada da cooperativa como espécie distinta da sociedade empresária mereceu algum questionamento quanto à sua adequação Assim por exemplo o entendimento de Luiz Antônio Hentz para quem sua natureza jurídica originária como sociedade de pessoas de caráter civil conforme a lei n 5764 71 perde sua razão diante dos atuais contornos impressos na lei nova a identificála como forma de empresa 64 No direito do consumidor é conhecida a divergência doutrinária em tomo da interpretação do art 2 do Código de Defesa do Consumidor Lei n 807890 que definiu o sujeito consumidor No caso dois entendimentos dos chamados finalistas que defendem interpretação mais restritiva do conceito legal e dos maximilistas que defendem sua ampliação relativamente à aplicação das normas de proteção do consumidor poderão utilizarse da definição de empresário estabelecida no art 966 do novo Código Civil para excluílo o caso concreto da proteção das normas do CDC remetendoo à norma subjetiva do Código Civil 65 Hentz Luiz Antônio Soares Direito de empresa no Código Civil de 2002 2 ed São Paulo Editora Juarez Oliveira 2003 p 3940 66 MacDonald op cit p 156 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 29 no que aliás remontaria à própria origem do instituto através da lei n 16370767 De outra parte observase que o Código em matéria pertinente às sociedades empresárias e às pessoas jurídicas em geral acolhe a já consagrada teoria da desconsideração da personalidade jurídica disregard doctrine que no Brasil foi introduzida pioneiramente pelo direito empresarial através da lição de Rubens Requião 68 O art 50 do novo Código dispõe Em caso de abuso da personalidade urídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial pode o juiz decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo que os efeitos de certas determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica Notase dentre os traços fundamentais deste instituto inovador do direito privado69 de larga utilização jurisprudencial mesmo anterior à codificação dois aspectos centrais Primeiro de que sua identificação deverá observar a ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial cuja prova deverá ser demonstrada assim como concede prerrogativa ao juiz para providência invalidante tópica relativamente a certas e determinadas relações de obrigações as quais deverão por óbvio guardar relação com um dos elementos caracterizadores do abuso 70 Daí porque se pode concluir que o atual fenômeno de incorporação das normas de direito empresarial pelo novo Código Civil embora tenham o condão de determinar uma significativa transformação desta disciplina jurídica em razão do conteúdo das normas em vigor não servem para afetar de qualquer modo sua autonomia Até porque em face da opção legislativa do novo Código a matéria de direito empresarial ultrapassa as tênues fronteiras da codificação para afirmar seus institutos fundamentais em uma infinidade de leis extravagantes cujo 67 Hentz Direito de empresa op cit p 142143 68 Requião Rubens Abuso do direito e fraude através da personalidade jurídica disregard doctrine ln Aspectos modernos de direito comercial São Paulo Saraiva 1977 p 67 69 De se ressaltar contudo que pioneiramente foi consagrado no art 28 do Código de Defesa do Consumidor lei 807890 quando em detrimento do consumidor houve abuso do direito excesso de poder infração da lei fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social 70 A respeito vejase o instigante estudo do professor Norberto MacDonald Pessoa jurídica questões clássicas e atuais Abuso Sociedade unipessoal Contratualismo ln Revista da F acuidade de Direito da UFRGS no 22 Porto Alegre setembro2002 p 300376 em especial360371 30 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 exemplo recorrente por sua importân cia reconhecida é a lei n 6404174 que regula as sociedades anônimas Assim superado o debate sobre a autonomia do direito empresarial questão de maior significado diz respeito às tendências atuais desta disciplina jurídica o que se deve reconhecer a partir das exigências que o próprio desenvolvimento da atividade econômica na sociedade pósindustrial passa a determinar 8 AS TENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO EMPRESARIAL Como poucos ramos do direito as disciplinas jurídicas de direito privado refletem direta e rapidamente transformações da realidade sobre as quais suas normas devem incidir Assim é com o direito civil em que as normas sobre família propriedade ou mesmo os limites da autonomia privada refletem em cada tempo as condicionantes sociais políticas e culturais de uma determinada sociedade Assim também o direito empresarial em que o que já denominamos paradoxo do desenvol vimento faz com que suas normas continentes de um telas específico de otimização do lucro nas relações típicas que regulam vejamse permanentemente superadas pela criatividade e desenvoltura negocial que elas próprias estimulam Este paradoxo característico do caráter dinâmico do direito empresarial é uma das razões principais da sua reconhecida inadequação às codificações71 No caso do direito empresarial dado o seu conteúdo marcadamente econômico é de se considerar nas ú I ti mas décadas o advento do que Manual Castells convencionou denominar capitalismo informacional cujas características essenciais são determinadas por três processos independentes sinais desta nova era São eles a a revolução da tecnologia da informação b a crise econômica do capital is mo e do estatismo e conseqüente reestruturação de ambos e c o apogeu de movimentos sociais culturais como direitos humanos feminismo e ambientalismo 72 Esta nova circunstância histórica global determina para organização da apropriação e exploração da riqueza processo completamente novos de organização Estes determinam conseqüências que vão da redefinição 71 Assim Ascarelli Túlio A idéia de Código no direito privado e a tarefa da interpretação ln Problemas das sociedades anônimas e direito comparado São Paulo Saraiva 1969 p 61 No mesmo sentido Lucca Newton de A atividade empresarial no âmbito do projeto de Código Civil ln Direito empresarial contemporâneo São Paulo Juarez Oliveira 2000p47 etseq 72 Castells Manuel A era da informação Economia sociedade e cultura Fim de milénio v 3 São Paulo Paz e Terra 1999 p 412 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 31 das relações entre a iniciativa econômica do Estado e dos particulares como a própria reestruturação dos modos de atuação econômica da iniciativa privada No que toca com fenômenos típicos de regulamentação pelo direito empresarial a sociedade empresária e a atividade empresarial são os fenômenos mais conhecidos destas novas tendências do direito empresarial Segundo demonstra minuciosamente Castells no que toca à atividade produtiva esta deixa de se concentrar no fenômeno da produção em massa fundamentada em ganhos de produtividade através de economias de escala para se definir segundo um modelo de produção flexível tanto em relação aos produtos diferenciação dos produtos para distintos consumidores quanto em relação aos processos de produção propriamente ditos 73 De outra parte fenômeno sensível do novo cenário econômico mundial de reflexos imediatos nas formulações de direito empresarial é a formação de redes entre empresas de caráter multidirecional colocado em prática por empresas de pequeno e médio porte e o modelo de licenciamento e subcontratação de produção sob o controle de uma grande corporação74 Além disso a nova noção de alianças estratégicas entre sociedades empresárias 75 que determinam a formulação de contratos específicos como o iointventure por exemplo assim como novas formas de contratação de alianças estratégicas em que o objeto de contratação é marca ou designação de apelo publicitário bem como um determinado processo de produção franquia empresarial faz com que as fórmulas lássicas de direito empresarial submetamse à permanente revisão Nesta esteira apenas para complementar estas sucintas observa ções também estão o atual valor de medição de riqueza e o conceito contemporâneo de bem economica mente avaliável Avulta hoje sabida mente a cotação dos chamados bens imateriais que muitas vezes consistem simplesmente em informações sobre processos sem uma materialidade ou elementos convencionais que possam lhe determinar um valor o qual será determinado muitas vezes exclusiva mente pela concepção arbitrária dos agentes do mercado Este panorama permite identificar se em relação ao direito empresarial brasileiro no mesmo sentido do direito comparado algumas tendências bastante sensíveis quais sejam a 73 Castells Manuel A era da informação Economia sociedade e cultura Sociedade em rede v 1 São Paulo Paz e Terra 1999 p 175176 74 Idem p 181 75 Ibidemp 183184 32 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 flexibilização a internacionalização a desmaterialização e o reforço da confiança 81 Flexibilização No que se refere à primeira tendência está o que denominamos de flexibilização do direito empresarial Tratase de uma tendência que decorre diretamente da necessidade de atualização veloz do instrumental jurídico de regulamentação da ati v idade empresarial paradoxo do desenvolvi mento Em regra tanto a iniciativa legislativa quanto a própria compreen são pelo aplicador do direito sobre a evolução dinâmica da atividade em presarial não permite que ambos direito e atividade empresária se desenvolvam na mesma velocidade Este fato eviden temente faz com que muitas vezes as exigências formais da regulamentação jurídica representem custos ou mesmo fatores desfavoráveis ao desenvolvi mento da atividade econômica Por esta razão a flexibilização das relações jurídicas interempresariais é uma tendência bastante notada tanto no Brasil quanto em direito comparado Internamente um exemplo típico desta nova flexibilidade é o instituto da arbitragem previsto no direito brasileiro da lei n 9307 de 23 de setembro de 1996 pelo qual é reconhecida a possibilidade de fuga da jurisdição estatal iúris dictio dizer o direito para decisão sobre o litígio entre particulares a partir do pronunciamento do árbitro privado Flexibilizase a urisdição necessária do Estado legado da Idade Modema para se reconhecer aos particulares competência76 para decisão sobre litígios entre si Tratase pois da determinação do aplicador do direito através de convenção das partes de uma justiça convencional cujo procedimento de conhecimento e decisão do litígio se dá por regras acordadas ou mesmo costumeiras Um segundo fenômeno carac terístico desta tendência flexível vincu lado igualmente ao reforço da autonomia privada dos empresários é a possibili dade de escolha da lei aplicável aos contratos internacionais Esta possibilidade em regra limitada pelas exigências de ordem pública típicas do direito internacio nal privado vai encontrar sua sede característica nos contratos internacionais que para além disto desde algum tempo dispõem com naturalidade sobre cláusulas de foro e convenções sobre usos e costumes reconhecidos na sua execução 82 Internacionalização O direito empresarial acentua sua dimensão internacional à medida que a atividade empresarial assume 76 Competência tomada no lapidar conceito do prof Ruy Cirne Lima como a medida de poder que a ordem jurídica assina a uma pessoa determinada Princípios de direito administrativo São Paulo RT 1987 p 139 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 33 repercussão global A tendência de internacionalização do direito empre sarial acompanha neste sentir a influência recíproca dos mercados nacionais definindo os principais fatores econômicos Os contratos empresariais são cada vez mais contratos entre sociedades empresárias de distintos países tendo como objeto a importação e exportação de bens e serviços ou ainda a transferência de tecnologia As sociedades empresárias assumem cada vez mais o caráter de corporações transnacionais com diversos centros de interesse e submetidas a distintos ordenamentos jurídicos As normas sobre direito empresarial e econômico cada vez mais são objeto de negociação em organismos internacionais multilaterais como a Organização Mundial de Comércio ou de cooperação e integração econômica como o MERCOSUL ou a União Européia 77 Neste sentido a dimensão internacional do direito empresarial traz consigo uma segunda característica auxiliar de uniformização 78 dos diferentes ordenamentos jurídicos sobre a forma de organização do capital e garantias de estabilidade para o investimento internacional A disciplina de organização do capital diz especificamente com o objeto do direito empresarial enquanto o que identifi camos como garantias de estabilidade passa a estar afeto de modo próprio ao direito económico em suas variáveis de defesa da concorrência e regulação de determinados setores do mercado De outra parte a atividade empresarial também em relação ao mercado de produção e consumo de bens e serviços observa esta tendência de internacionalização fruto do afamado fenômeno da globalização dos mercados Tais circunstâJcias determinam primeiro uma interação permanente entre distintas ordens jurídicas ao tempo que promovem a construção gradual de normas internacionais comuns sobre estas transações afetas ao direito empresarial como é o caso por exemplo da Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias Convenção de Viena de 1980 79 ou 77 Esplêndida reflexão sobre o tema é a do mestre francês François Rigaux A lei dos juízes Trad Edmir Missio São Paulo Martins Fontes 2000 em especial p8 et seq 78 Assim vejase Barreto Filho Fernando Paulo de Mello O tratamento nacional dos investimentos estrangeiros Brasília Instituto Rio Branco 1999 Segundo o autor nesta matéria a construção de regras internacionais para produção de relativa estabilidade quanto à matéria é recente datando de princípio da década de 1970 p 38 79 A respeito vejase dentre outros MartinsCosta Judith Os princípios informadores do contrato de compra e venda na Convenção de Viena de 1980 ln Contratos Internacionais e Direito Económico no MERCOSUL São Paulo Editora LTr 1996 p 163 187 No mesmo sentido Grebler Eduardo O contrato de venda internacional de mercadoriasn Revista Forense vol 319 Rio de Janeiro Forense 1992 p 310317 34 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio Acordo TRIPS 80 regulando questões relativas à propriedade intelectual e criando direitos e obrigações para os Estadosmembros 83 Desmaterialização Uma terceira tendência bastante sensível no direito empresarial é a da sua desmaterialização no que diz com as atividades típicas de empresa como o comércio e os meios de representação da riqueza sejam os títulos de crédito ou as transações financeiras em geral interempresariais ou de consumo Assistese deste modo ao crescente retomar de instrumentos eletrônicos de conservação e transferência de recursos financeiros que desde algum tempo afirmam o desnível entre a quantidade de moeda física e aquela objeto de representação eletrônica Do mesmo modo algumas operações de crédito para as quais o direito tradicionalmente havia previsto a figura dos títulos de crédito em face de sua realização por meio eletrônico terminam por perder as características próprias de cartularidade e autonomia tão prezadas pelo direito comercial clássico No que tange às profundas alterações no campo da compra e venda de bens e serviços esta tendência de desmaterialização é notada pelo advento do comércio eletrônico que se de um lado determina um novo meio para realização de negócios cujo objeto em regra será material aquisição de produtos materiais pela internet de outro permite igualmente que toda a relação tipicamente comercial tenha sua formação e execução por meio eletrônico a aquisição de um software através da intemet é o exemplo mais utilizado Tais circunstâncias promovem a discussão de novas questões afetas a esta espécie de relação como a noção de estabelecimento comercial de formação e execução do contrato e outras tantas examinadas pela doutrina especializada em direito privado Ao mesmo tempo reforçam a necessidade de mecanismos que assegurem a autenticidade dos sujeitos dos processos de manifestação da vontade e do conteúdo dos negócios celebrados por meio eletrônico Tratase de instrumentos jurídicos de reação à esta tendência de desmaterialização a fim de preservar a segurança e a autenticidade como é o caso por exemplo do processo de certificação digital 84 Reforço da confiança Por fim a quarta tendência atual que identificamos em relação ao direito empresarial é o que denominamos reforço da confiança Confiança esta tomada em seu sentido jurídico mas cuja 80 Incorporado ao direito interno brasileiro através do decreto legislativo n 30 de 15 12 94 e regulado pelo decreto n 1355 de 301294 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 35 repercussão avança para os mais distintos campos da ação humana Carlos Alberto Ghersi refere que na atualidade a con fiança representa significativas projeções para a economia e novos enfoques determinam como dela depende em grande medida a eficiência econômica 81 A confiança como instituto jurídico tem sua origem no direito alemão Treu und Glauben intimamente vinculada à noção de boafé objetiva presente no parágrafo 242 do BGB de 1900 No direito brasileiro a primeira disposição legislativa prevendo a boafé objetiva se observa exatamente no art 131 primeira parte do Código Comercial de 1850 que dispunha sobre a interpretação do contrato comercial que esta deveria ter por base a inteligência simples e adequada que for mais conforme à boafé e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras Entretanto sua aplicação juris prudencial poucas vezes respeitou o caráter objetivo do dever determinado pela disposição legal o que se vai consolidar apenas ao longo do século XX a partir do esforço de definição conceituai da boafé pela doutrina civilista e sua adoção pela jurisprudência já na década de 1980 Sob o aspecto legislativo a boafé objetiva como norma surgiu então no Código de Defesa do Consumidor82 de 1990 e no Código Civil de 200283 Em termos dogmáticos a unificação das obrigações civis e comerciais e o reconhecimento da boafé como princípio geral do direito dos contratos previsto n9 art 422 do novo Código Civil determina às obrigações típicas de direito empresarial a observação do conteúdo objetivo dos valores de fidelidade e confiança exigências geralmente vigentes de justiça 84 Nas obrigações de natureza empresarial a tendência de valorização da confiança observase em dois planos De um lado como reação à tendência de flexibilização como necessidade conseqüente do reconhecimento de standards com força jurídica e aceitação pelos indivíduos envolvidos De outro como espécie de garantia necessária à velocidade atual dos negócios que estimulam no âmbito jurídico a elevação da importância dos usos e 81 Ghersi Carlos Alberto Contratos interempresarios Buenos Aires Astrea 2001 p 126 82 A respeito vejase Marques Cláudia Lima Contratos no Código de Defesa do Consumidor 4 ed São Paulo RT 2002 p 232 et seq 83 Sobre a boafé no direito civil vejase MartinsCosta Judith A boafé como modelo uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel Reale ln Diretrizes teóricas op cit p 188221 84 Conforme a lição de Karl Larenz Derecho de obligaciones tomo I Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1958 p 142143 36 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS no 24 2004 costumes como fonte das obrigações e neste sentido a proteção das expectativas legítimas geradas a partir do respeito aos mesmos O reforço da confiança consistirá no reconhecimento pelo direito empresarial de efeitos jurídicos próprios às expectativas legítimas e aos deveres oriundos da boafé matriz valorativa do direito privado consagrada interna mente no novo Código Civil bem como pelo retorno dos usos e costumes comerciais como fonte do direito recuperando seu papel eclipsado eventualmente pelas aspirações de regulação exaustiva do século vinte O direito empresarial brasileiro avança deste modo na aproximação dos fenômenos que regula carac terizandose como elemento promotor do desenvolvimento econômico ao tempo em que estabelece no plano interno e internacional normas para estabilidade dos investimentos e organiação da iniciativa econômica na sua dimensão privada RESENHA CRITICA Do Direito Comercial ao Direito Empresarial Formação histórica e tendências do Direito brasileiro O autor inicia realizando um paralelo sobre o quão antigo é o Direito Comercial de forma que desde o começo das relações de troca e venda com o avanço do comércio regras e costumes foram dispostos para guiar essas relações A história do direito comercial neste sentido inicia com o predomínio da ideia de direito dos comerciantes construindose um conceito eminentemente subjetivo para em seguida assistirse a evolução desta impressão inicial Diversas matrizes do direito comercial tiveram diferentes origens Os títulos de Crédito surgiram pela necessidade prática dos comerciantes lombardos de lidar com o intenso tráfico monetário da região As obrigações comerciais tiveram origem no CentroEuropeu com o avanço do reinado do Imperador Carlos Magno e a sua posterior queda que levou a independência das cidadesestados como Veneza por exemplo O autor discorre ainda de forma acertada sobre as regulamentações comerciais europeias como a Tabla Amalfitana Constiutum usus e o Breve curiae maris sendo as duas primeiras da cidade de Amalfi e a posterior da cidade de Pisa As regulamentações judicializaram as tradições das corporações de ofício as oficinas de forma que o Estatuto Social por assim dizer foi regulado com a forma que a admissão dos novos membros das corporações ocorreria o que fazia um aprendiz de oficio e como se tornar um artífice Além do estudo sobre a gênese do direito comercial europeu o autor discorre sobre o mesmo ponto mas em terras brasileiras O primeiro código comercial a ser utilizado no Brasil foi as ordenações portuguesas do Rei Afonso V de 1447 dC que tinha como sua principal matriz históricojurídica o direito romano do Corpus júris civilis justinianeu e os decretais do Papa Gregório XI Tal legislação pouco foi alterada até a promulgação das ordenações filipinas em 1603 sob égide do Rei Felipe II sendo tal ordenamento confirmado pela lei de 12 de Agosto de 1643 perdurando até a independência em 1822 O primeiro Código Comercial Brasileiro é do Ano de 1850 sendo esse idealizado a 16 anos antes mas com sua promulgação tardia A boa técnica do referido diploma pôde ser observada com o advento da República e sua adoção como referencial para as regras processuais e de organização da justiça A atividade legislativa de direito comercial embora consagrada pela promulgação do Código em 1850 na verdade foi efetivamente inaugurada através de intensa produção de normas dirigidas à regulamentação das atividades do comércio Como é tradição do direito comercial as normas positivas muitas vezes tiveram de regular necessidades da vida econômica como por exemplo as primeiras normas sobre bancos e sociedades lei 1083 de 22081860 e diversos decretos transferência de títulos públicos e de ações de companhias Dec 2 73 3 de 23 O 11861 e sobre o cheque Dec n 2694 de 17111860 Assim necessário era a atualização do código para englobar todas as mudanças que ocorreram no passar dos anos Apesar das alterações do texto do Código Comercial e da série de Leis extravagantes que se seguiram à promulgação do diploma de 1850 o passar do tempo reclamava uma reforma mais profunda do direito comercial brasileiro em razão dos desafios da realidade econômica brasileira da segunda metade do século XIX A própria ideia de codificação do direito comercial neste sentido tem um conteúdo muito mais flexível do que a concepção observada pela tradição civilista do sistema romanocanônico No direito comercial tais avanços no campo do desenvolvimento econômico demonstrarão a falta de agilidade do Estado na regulação das relações deles advindas seja por questões subjetivas como os conflitos de conteúdo moral que ensejavam seja diante da incapacidade originária de prever seus desdobramentos futuros ou da ínsita morosidade do procedimento de produção legislativa Assim sendo necessário era que o Estado acompanhasse tais mudanças e seus desdobramentos no campo do desenvolvimento econômico com o Código Comercial Em paralelo às iniciativas reformadoras da codificação comercial tomava vulto à ideia de unificação do direito privado Do ponto de vista histórico a discussão que inicialmente se pautou na autonomia do direito comercial em relação à disciplina civil evoluiu para a ideia de conveniência da unificação em um só corpo legal o direito das obrigações esparsamente tratado em ambas as codificações de direito privado Direito comercial era denominação típica das etapas em que o desenvolvimento econômico tinha na atividade do comércio praticamente a sua razão de ser O desenvolvimento econômico ao longo dos séculos que nos separam dos primórdios da atividade comercial na Europa fez surgir um sem número de atividades características de iniciativa econômica como indústrias serviços e mesmo nos tempos atuais a chamada economia digital cujos fundamentos não permitem classificálos na consagrada concepção de atividade comercial O novo Código Civil Brasileiro de 2002 entretanto vai dispor sobre matéria de direito empresarial no seu Livro II da Parte Especial do Direito da Empresa Entretanto no que é pertinente ao direito comercial o novo Código Civil avança para consequências muito mais sensíveis do que se pode pressupor O direito comercial assim se transformou no Direito Empresarial estando essa incluída dentro do Código Civil Como poucos ramos do direito as disciplinas jurídicas de direito privado refletem direta e rapidamente transformações da realidade sobre as quais suas normas devem incidir Assim é com o direito civil em que as normas sobre família propriedade ou mesmo os limites da autonomia privada refletem em cada tempo as condicionantes sociais políticas e culturais de uma determinada sociedade Concluindo o direito empresarial avança na flexibilização e internacionalização dos seus dispositivos e efeitos jurídicos O direito empresarial brasileiro avança na aproximação dos fenômenos que regula caracterizandose como elemento promotor do desenvolvimento econômico ao tempo em que estabelece no plano interno e internacional normas para estabilidade dos investimentos e organização da iniciativa econômica na sua dimensão privada

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