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Direito ·

Filosofia do Direito

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235 Ano 52 Número 205 janmar 2015 CAIO HENRIQUE LOPES RAMIRO LUIZ HENRIQUE MARTIM HERRERA Hans Kelsen Filosofia jurídica e democracia Caio Henrique Lopes Ramiro é professor advogado mestre em Teoria do Direito e do Estado UNIVEM MaríliaSP especialista em Filosofia Política e Jurídica Universidade Estadual de Londrina UELPR Luiz Henrique Martim Herrera é advogado e professor universitário mestre em Teoria do Direito e do Estado UNIVEM especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea aspectos éticos e políticos UEL e em Filosofia Política e Jurídica UEL pósgraduando em Antropologia USC Sumário Introdução 1 Hans Kelsen a afirmação do positivismo jurídico normativista 2 A gênese do pensamento de Hans Kelsen e a formação do conhecimento jurídico o positivismo jurídico caricaturado 3 Com o positivismo jurídico em defesa da democracia considerações sobre o reductio ad Hitlerum Considerações finais Introdução O presente trabalho pretende investigar as possibilidades do pen samento de Hans Kelsen em especial aspectos de sua filosofia jurídica ligados à Teoria Pura do Direito isto é da sua proposta normativista e naquilo que for possível com o exame de seu pensamento político Para tanto a metodologia empregada foi o exame hermenêutico das obras que o jusfilósofo tcheco dedica ao tema procedeuse à análise e à interpre tação de textos de literatura primária e de apoio com base numa revisão bibliográfica que levou em consideração as fontes históricas e teóricas de Kelsen bem como o diálogo crítico com seus interlocutores No primeiro movimento do texto revisitouse o momento histórico em que Kelsen se insere e constrói sua reflexão O segundo movimento objetiva apresentar as linhas de força do pensamento kelseniano em cotejo com as mais variadas críticas destinadas à teoria jurídica desenvolvida pelo autor com destaque para aquelas destituídas de uma epistemologia responsável ao que chamamos de caricaturais que demonstram no mínimo máfé e ignorância como afirma Juan Amado Por fim com a pretensão de uma leitura para além da Teoria Pura do Direito buscouse uma análise da crítica a Kelsen conhecida por 236 Revista de Informação Legislativa reductio ad Hitlerum o que nos parece ser desdobramento lógico das críticas infundadas ao ponto de se promover sem qualquer razão uma relação de Kelsen com as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial Verseá adiante que com um olhar atento sobre o pensamen to kelseniano levandose em consideração seus textos políticos não é possível alimentar a acusação de que sua teoria e seu pensamento sejam indiferentes do ponto de vista político às demais áreas do conhecimento psicologia moral religião economia antropologia sociologia história e política ou que tenham fundamentado os autoritarismos políticos em especial o nazismo 1 Hans Kelsen a afirmação do positivismo jurídico normativista No início do século XX Hans Kelsen denunciava que a prática judi ciária pela jurisprudência valiase de critérios múltiplos para definir o que é o Direito1 Diante dessa multiplicidade de horizontes metodoló gicos propôs o que chamou de Teoria Pura do Direito numa manifesta pretensão de delimitar a esfera do conhecimento jurídico à possibilidade descritiva e de conhecimento do sistema normativo Assim proclamava a instauração de uma metodologia própria para a ciência do Direito A partir dessa dimensão normativa o Direito posto norma seria o objeto científico A esse modo de ver o Direito é que se denomina positivismo2 jurídico normativista A origem da expressão positivismo jurídico está na ideia de que somente ao Estado pertence o poder de estabelecer o Direito O Direito 1 É oportuno explicar a distinção gráficofuncional quando da utilização da expressão Direito pois quando apresentado o Direito como ciência grafouse com a inicial mai úscula ao passo que a opção com a inicial minúscula direito revelaria o direito como objeto dessa mesma ciência 2 Conforme o dicionário de filosofia de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes 2006 p 222 Positivismo fr Positivisme 1 Sistema filosófico formulado por Augusto Comte tendo como núcleo sua teoria dos três estados segundo a qual o espírito humano ou seja a sociedade a cultura passa por três etapas a teológica a metafísica e a positiva As chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira eta pa sua maioridade rompendo com as anteriores Para Comte as ciências se ordenaram hierarquicamente da seguinte forma matemática astronomia física química biologia sociologia cada uma tomando por base a anterior e atingindo um nível mais elevado de complexidade A finalidade última do sistema é política organizar a sociedade cientifica mente com base nos princípios estabelecidos pelas ciências positivas 2 Em um sentido mais amplo um tanto vago o termo positivismo designa várias doutrinas filosóficas do séc XIX como as de Stuart Mill Spencer Mach e outros que se caracterizam pela valorização de um método empirista e quantitativo pela defesa da experiência sensível como fonte principal do conhecimento pela hostilidade em relação ao idealismo e pela consideração das ciências empíricoformais como paradigmas de cientificidade e modelos para as demais ciências Contemporaneamente muitas doutrinas filosóficas e científicas são consideradas positivistas por possuírem algumas dessas características tendo este termo adquirido uma conotação negativa nesta aplicação 237 Ano 52 Número 205 janmar 2015 Positivo as normas jurídicas seria o ins trumento que o Estado tem para dar ordem à realidade social Isso significa que Direito Positivo objeto não é sinônimo de Positivismo Jurídico perspectiva Segundo Tom Campbell 2002 o positivismo jurídico visa proporcionar uma caracterização precisa do direito tal como ele é na realidade em lugar de como deve ser caracterizandose como uma teoria analítica descritiva e explicativa Outra observação de relevância é a aproxi mação e ao mesmo tempo distanciamento que há entre o positivismo filosófico e o positivismo jurídico É comum se atribuir a Augusto Comte a origem do positivismo jurídico3 Norberto Bobbio 1995 p 15 conta que muito embora tenham eles pontos de contato tendo em conta partirem do mesmo pressuposto não 3 A filosofia de Augusto Comte 1983 que inau gura o positivismo moderno em meados do século XIX ADEODATO 2009 p 132 decorre de uma resposta ao idealismo que permeava a ordem burguesa na França onde se proclamava a bandeira de liberdade igualdade e fraternidade Assim as leis positivas bem como as leis da natureza descritas pela biologia exprimiriam probabi lidades de ações e resultados O positivismo sociológico de Augusto Comte cria um método fundado em regras objetivas que visavam garantir segurança e certeza nas operações a ordem e a estabilidade garantiriam o progresso social Ocorre que sua formulação parte do pressuposto de que o mundo é estável o que garantiria previsibilidade Sustentava que cientificamente só se podem conhecer relações de fato Impossível seria conhecer a coisa em si ou a verdade absoluta contrapondose à metafísica pois o conhecimento dos fenômenos está na dependência dos recursos das ciências positivas O processo cognoscível de reconhecimento da proposição ocorre na progressiva identificação da correlação entre o real e o pensamento Aplicado ao Direito isso significa que o conteúdo do Direito corresponde apenas aos fenômenos sociais que se deduzem da observação dos fatos Logo o filósofo do Direito não teria outra missão senão a de sistematizar os resultados derivados da observação e verificação dos fatos como se apresentam Conforme nos ensina Tercio Sampaio Ferraz Junior 1980 p 31 Comte reconhece a impossibilidade de atingir as causas imanentes e criadoras dos fenômenos aceitando os fatos e suas relações recíprocas como o único objeto passível da investigação científica Todas essas teses de Comte foram fase comum para o positivismo do século XIX Daí surgiram finalmente a negação de toda a metafísica a preferência dada às ciências experimentais a confiança exclusiva no conhecimento dos fatos etc podem ser considerados resultados do mesmo desenvolvimento científico A expressão positivismo jurídico não deriva daquela de positivismo em sentido filosófi co embora no século passado tenha havido uma certa ligação entre os dois termos posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico mas em suas origens que se encontram no início do século XIX nada tem a ver com o positivismo filosófico tanto é verdade que enquanto o primeiro surge na Alemanha o segundo surge na França As semelhanças estariam portanto na pretensão de criar um método de análise das ciências sociais com características análogas às das ciências exatas e naturais Isso significa que o positivismo jurídico se vale dos pressupostos da metodologia filosófica de Augusto Comte com a pretensão de criar uma ciência jurídica objetivada Augusto Comte 1998 vinculava o termo positivo às noções de realidade de utilidade de certeza de precisão e de organização em oposição a uma metafísica típica da infância da ciência Seria na definição de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes 2006 p 222 aquilo que existe que é real palpável concreto fatual existente de fato estabelecido instituído oposto ao natural4 Por esses parâmetros Hans Kelsen concebe a ciência jurídica livre das influências metafí sicas e idealistas sobre a natureza do Direito O Direito a partir de então não seria outro que não o Direito Positivo KELSEN 2006 p 1 4 Hilton Japiassu e Danilo Marcondes 2006 p 222 completam ainda que segundo Comte todas as línguas ocidentais estão de acordo em conceder ao termo positivo e a seus derivados os dois atributos de realidade e de uti lidade cuja combinação por si só é suficiente para definir o verdadeiro espírito filosófico que no fundo é apenas o bom senso generalizado e sistematizado Discurso sobre o conjunto do positivismo 238 Revista de Informação Legislativa Nesse sentido Hans Kelsen estabelece como princípio metodológico conhecer o Direito apenas a partir do Direito excluindo desse campo tudo aquilo que não pertença ao seu objeto norma tudo quanto não se possa rigorosamente determinar como Direito Propõe uma ideia de ciência jurídica a partir do reconhecimento de sua autonomia Logo seu projeto de uma Teoria Pura do Direito se justifica como uma proposta de epistemologia jurídica pela qual a preocupação se voltaria para a ciência dos significados objetivos definidos em um texto no qual se lê algo sobre a realidade explicandose o comportamento a ser adotado em face dela GUERRA FILHO 2001 p 3435 Importa dizer assim como Augusto Comte delimitou sua filosofia à observância dos fatos sem aporte à metafísica ou a idealismos teológicos ou políticos Hans Kelsen valese do mesmo método para purificar a ciência jurídica de elementos metajurídicos ou não jurídicos psicologia moral religião economia antropologia sociologia história e política Apesar de o jurista ter olhos para a experiência advinda das demais áreas do conhecimento como evidenciado em suas obras o seu domínio próprio é o da norma a partir da busca de uma metodologia capaz de isolar o estudo do Direito do estudo das outras ciências sociais REALE 1984 p 63 Nas palavras de Kelsen 2006 p 1 A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito Positivo do Direito Positivo em geral não de uma ordem jurídica especial É teoria geral do Direito não interpretação de particulares normas jurídicas nacionais ou internacionais Como teoria quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto Procura responder a esta questão o que é e como é o Di reito Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito ou como deve ele ser feito É ciência jurídica e não política do Direito Na tarefa de desenvolvimento do positivismo jurídico no século XX Kelsen retoma o fio de desenvolvimento clássico da Ciência Jurídica posto pela Escola da Exegese e pela Escola Analítica inglesa no século XIX REALE 2002 p 457 ADEODATO 2009 p 133 Os juristas fran ceses da Escola da Exegese acreditavam que somente o Direito Positivo era Direito O positivismo surgiria a partir de uma análise da própria codificação um positivismo exegéticoformalista praticada sob a perspectiva de uma teoria da obediência da lei no sentido de vinculação total do magistrado Neste ponto verificase a identificação do julgador à idéia de que ele é la bouche de la loi a boca da lei o que implica dizer que ao magistrado era proibido o exercício da atividade hermenêutica5 5 Ao que parece por motivos políticos uma vez que a classe que assume o poder na França não confia nos magistrados sempre atrelados ao poder soberano da época 239 Ano 52 Número 205 janmar 2015 Kelsen com todo o seu rigor metodológico supera essa visão propondo o positivismonormativista A exemplificação máxima desse panorama pode ser vista na passagem do prefácio à primeira edição 1934 de sua Teoria Pura do Direito na qual o jusfilósofo tcheco define bem seus objetivos Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura isto é purificada de toda ideologia política e de todos os elementos de ciência natural uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica de seu objeto Logo desde o começo foi meu intento elevar a jurisprudência que aberta ou vela damente se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica à altura de uma genuína ciência de uma ciência do espírito Importava explicar não as suas tendências endereçadas à formação do Direito mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao estudo do Direito e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a ciência objetividade e exatidão KELSEN 2006 p XI Por isso é que Hans Kelsen se consagrará como o principal represen tante do positivismo jurídico uma vez que inaugura a vertente denomi nada de positivismonormativo pela qual se busca a dimensão normativa do direito em oposição à teoria tradicional Stanley Paulson 2013 p 8 traduz bem esse movimento Em sua busca pela dimensão normativa do direito Kelsen se apro funda mais do que os teóricos anteriores Na sua visão nenhum tipo de teoria tradicional nem o positivismo jurídico baseado em fatos em suas muitas versões realismos teorias do interesse e outras nem o jusnaturalismo é defensável O primeiro tipo de teoria tradicional elimina a normatividade como um todo substituindoa pelo fato Já o segundo tipo confunde a normatividade do direito com a normatividade da filosofia moral Em A Teoria Pura do Direito Kelsen propõe uma análise estrutural de seu objeto formado por uma série de ordenamentos subordinados a uma hierarquia de graus sucessivos de extensão e eficácia decrescentes normas que emanam umas das outras ou escalonamento desde o or denamento internacional até o Estado Para tanto Kelsen colocou como último fundamento de regresso ad infinitum uma norma hipotética fundamental fundamento último de validade Caso contrário inexistente a norma fundamental um subterfúgio lógicoargumentativo um argumento transcendental admitirseiam pressupostos metafísicos para a fundamentação da ordem jurídica De acordo com Stanley Paulson 240 Revista de Informação Legislativa Kelsen acredita que há uma solução para além de ambas as teorias tra dicionais opção que demonstra a inverdade da célebre máxima tertium non datur Assim como Kant que se emancipa das constrições impostas pela combinação entre o racionalismo e o empirismo nos séculos XVII e XVIII Kelsen se liberta das limitações postas pela combinação dos dois tipos de teorias jurídicas tradicionais Há insiste Kelsen uma terceira teoria e para alcançála ele lança mão da mesma diretriz da qual partiu Kant um argumento transcendental quer dizer o método transcendental dos neokantianos de Marburgo É na sua busca por uma doutrina da normatividade do direito que Kelsen introduz a norma fundamental PAULSON 2013 p 8 A busca de Kelsen por uma doutrina da normatividade faz com que ele pense inclusive o conceito de soberania apoiado em um sentido jurídico isto é conectado a um sistema ou ordenamento jurídico desse modo como uma exigência lógica em sentido transcendental tendo por base uma norma fundamental pressuposta GIACOIA JUNIOR 2010 p 158 Para Antonio Manuel Hespanha 2009 p 763 Kelsen não propõe que os conteúdos das normas jurídicas sejam dedu zidos de axiomas normativos racionais como faziam os jusracionalistas matematizantes ou geometrizantes do séc XVIII Tudo o que diz é que não cuidando agora do seu conteúdo a validade de uma norma jurídica depende sempre de uma norma superior que estabelece a com petência e o processo para editar as normas inferiores Empiricamente esta norma é a Constituição Mas como a Constituição também é uma norma cuja validade tem que ser fundada noutra norma fundamental Grudnorm que determina o poder e processo constituintes pressupostos pela constituição efetivamente existentes Para explicar isso Hans Kelsen se vale de construções lógicoformais a fim de libertar o Direito dos aspectos jusnaturalistas Segundo Kelsen 2006 p 9 o homem primeiro compreendeu o mundo da natureza o ser como um mundo normativo o deverser A ordem da natureza jusnaturalismo cosmológico e teológico revelava regras que deveriam ser respeitadas o justo é o que vem da natureza Mais tarde na modernidade quando o fenômeno da codificação surge jusnaturalismo racionalista não há mais que se pensar em verdades metafísicas derivadas das leis de um Deus mas tão somente naquilo que se optou por definir como algo que deve ser o justo é o que está na norma Desse modo o isolamento do método jurídico da categoria do ser seria a chave para alcançar a neutralidade objetiva da ciência jurídica Nessa linha o positivismo aparta o Direito da Moral juízos de valor argumento conhecido como princípio de separação a fim de encontrar respaldo na realidade empírica juízos de fato Não se reconhece por 241 Ano 52 Número 205 janmar 2015 tanto o papel do valor ou da valoração no plano das chamadas ciências positivas Por essa razão é que se distinguiam a realidade e o Direito em dois prismas o do ser e o do dever ser Essa visão separatista considera que o estudo e a compreensão do Direito não incluem sua avaliação moral substância e o reconhecimen to da validade de um sistema jurídico ou de uma norma não depende de sua conformidade a critérios sobre o justo e o correto depende apenas da formalidade isto é de o conteúdo estar inserido em determinado ordenamento jurídico independentemente de seu teor Para Kelsen 2006 p 221 Todo e qualquer conteúdo pode ser Direito Não há qualquer conduta humana que como tal por força do seu conteúdo esteja excluída de ser conteúdo de uma norma jurídica A validade desta não está negada pelo fato de seu conteúdo contrariar o de uma outra norma que não pertença à ordem jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade da norma em questão Nesse panorama verificase que sua proposta de tornar o Direito uma ciência constituise da mais rigorosa lógica na medida em que concebe o Direito como um sistema fechado competindo ao intérprete adotando uma postura cognitiva6 optar por uma so lução do caso concreto concreção a partir de alternativas situadas dentro da moldura do texto normativo KELSEN 2006 p 394 Cristalizase com isso um Direito justo fun dado no subjetivismo e no arbítrio deverser reduzindose todo o Direito Natural ao Direito Positivo legalidade como valorfim Resulta do retiramse as impurezas valorativas da categoria jurídica 6 Os críticos do pensamento kelseniano refutam essa discricionariedade do aplicador Por todos veja as obras de Lenio Luiz Streck 2002 2009a 2009b 2010 Em suma Hans Kelsen considerou o Di reito como um especial sistema de normas cujo fundamento de validade não estava em outros sistemas normativos como a religião ou a moral mas também não estava na ordem dos fatos como numa política Ou seja uma norma jurídica não teria vigência por ser moral ou útil mas apenas porque é norma jurídica Assim passa a ser obrigatória em virtude do comando de uma norma superior Daí por que o Direito se assemelha a uma pirâmide normativa no topo da qual se encontra a Constituição Mas como a própria Constituição carece de um fun damento jurídico a rigorosa construção lógica de sua teoria o obrigou a pressupor uma norma fundamental que valida a Constituição Um dos conceitoschave de sua teoria é o conceito de validade isto é estar de acordo com os procedimentos formais de criação normativa previstos no ordenamento jurídi co Excluemse assim juízos de valor como certo ou errado justo ou injusto O sistema jurídico portanto pode ser classificado como autorreferente procedimental fechado a fato res extrajurídicos que comprometeriam sua rigidez e completude Essa concepção norma tivista rompe pois com uma ordem jurídica concebida como um conjunto de valores juízos de justiça7 Nesse passo o sentido das normas jurídicas é alcançado por meio da interpretação Esta no entanto não consiste em um processo de cogni ção de um sentido derivado das leis morais ou naturais é necessário levar em conta as possibi lidades de sentido de um texto normativo sen tidos esses definidos pela ciência jurídica Para Kelsen 2006 p 388 existem duas espécies de interpretação a interpretação do Direito pelo 7 Norberto Bobbio 1995 p 135 fornecenos exemplo interessantíssimo diante do céu rubro do pôrdosol se eu digo o céu é rubro formulo um juízo de fato se digo este céu rubro é belo formulo um juízo de valor 242 Revista de Informação Legislativa órgão que o aplica poder judiciário e a interpretação dada pela Ciência Jurídica Vejamos esta caracterização em tintas kelsenianas A interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos ela não é criação jurídica o preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica Como conhecimento do seu objeto ela não pode tomar qualquer deci são sobre as possibilidades por si mesma reveladas mas tem de deixar tal decisão ao órgão que segundo a ordem jurídica é competente para aplicar o Direito KELSEN 2006 p 395 Desse modo a tarefa do intérprete do sistema normativo seria a de determinar o sentido das normas jurídicas para então serem observadas muito embora essa determinação nunca viesse a ser completa Nesse processo seria proibido se valer de critérios metajurídicos moral ética justiça etc Esse rigor científico incomparável de Hans Kelsen definiria um novo paradigma para o sistema normativo no século XX Por essas razões é que sua postura científica se enraizará em todos os Estados com Direito codificado como no Brasil Não sem razão Miguel Reale 1984 p 63 em discurso proferido em 1981 já dizia que o rigor e o travamento interno de seu raciocínio são de tal ordem que quando aceitamos os seus pressupostos somos fadados a acompanhálo pari passu até mesmo nas vacilações do seu pensamento Porém a delimitação epistemológica do Direito reservando ao ju rista apenas o estudo da dimensão normativa fez de Kelsen vítima de incontáveis acusações e rotulações8 foi considerado um autor reducio nista COELHO 1995 p 15 exatamente por negar à ciência do Direito qualquer possibilidade de investigação sobre as dimensões históricas e axiológicas do fenômeno jurídico 2 A gênese do pensamento de Hans Kelsen e a formação do conhecimento jurídico o positivismo jurídico caricaturado Hans Kelsen é considerado o mais importante jurista do século XX Daí a importância de seu estudo nos bancos acadêmicos em especial na graduação em Direito Todos os professores o citam em aulas com aspas 8 Juan Antonio García Amado 2012a p 23 argumenta Por que se mente sobre Kelsen nas aulas e nos livros Por ignorância e por máfé Por ignorância já que uma coisa é citar e outra ter lido Mas há sobretudo máfé 243 Ano 52 Número 205 janmar 2015 ou sem aspas Sua opção metodológica de extirpar da ciência jurídica todas as categorias extrajurídicas faz de sua teoria normativa como afirmam de um modo geral expoente da dogmática jurídica e do positivismonormativista Diante dessa compreensão seu nome é invocado irresponsavelmente para tão somente dar estética e autoridade verdade a afirmações rela tivas a tudo o que se refere a aplicação da letra fria da lei recusa à aplicação de princípios totalitarismo sobretudo do regime nazista não reconhecimento de valores entre outras que serão expostas adiante Deduzse portanto do contexto de que Hans Kelsen é um normati vista que seria ele na mesma medida um pensador dedicado apenas ao direito positivo e ao exercício da aplicação autômata do fato correspon dente ao texto Diariamente o que vemos pois é um epistemicídio da teoria desenvolvida por Hans Kelsen na medida em que se desconhece sua proposta Entretanto sua Teoria Pura do Direito não foi elaborada com base no estudo exclusivo do sistema normativo muito pelo contrário nossa leitura de Kelsen possibilita visualizar um teórico que arquiteta a estrutura do sistema normativo a partir de um senso de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade monumental9 pois era um jurista atento à realidade era uma das personalidades mais poliédricas e multifacetadas de nossa época E isso explica bem a sua compreensão do rigor científico REALE 1984 p 60 Willis Santiago Guerra Filho ressalta que Hans Kelsen não deixou de cultivar essa aproximação com a sociologia e diversas outras disciplinas do conhecimento sem descuidar das mais antigas como a filosofia o próprio ato de filosofar de Kelsen já prova sua contradogmática e mesmo a teologia como se vê em obras suas menos conhecidas como Deus e o Estado em reação à qual se poderia até dizer que Carl Schmitt produziu sua teoria política As páginas iniciais da Teoria Pura do Direito já nos mostram a inve racidade das críticas sofridas por Kelsen ou seja de que sua proposta tenta uma depuração valorativa do ordenamento jurídico Para Andityas Costa Matos 2006 p 115 9 Esses dois níveis pedagógicos interdisciplinar e transdisciplinar possuem uma diferença de fundo o interdisciplinar assim como o multidisciplinar está preso à disciplina enquanto o transdisciplinar vai além isto é integra outras áreas do conhecimento formando uma rede de ciência que possibilita articular contextualizar e reunir conhecimentos Na prática a interdisciplinaridade é anterior à perspectiva transdisciplinar A interdisciplina ridade seria uma primeira fase de articulação de conteúdos a partir da coordenação de objetivos comuns entre disciplinas e da organização de unidades temáticas Assim ao se conjugarem diferentes disciplinas o objeto estudado adquire um enfoque original para a resolução do problema Com vistas à realização desse conhecimento integrado o planeja mento pedagógico é imprescindível 244 Revista de Informação Legislativa Não é correto afirmar como fazem muitos que Kelsen realiza uma depuração axiológica no direito Seria realmente impossível pensar o fenômeno jurídico como algo desvinculado dos valores O que ocorre é que para ele a ciência jurídica não pode prescrever valores mas apenas descrever seu objeto ou seja normas jurídicas que têm valores como conteúdo Verdadeiramente o projeto de Kelsen de construir uma ciência jurídi ca autônoma e fundada em seus próprios pressupostos não derivando de qualquer outro sistema normativo por exemplo a moral apresentase como uma tentativa ambiciosa de livrar o universo jurídico de naturalis mos ou jusnaturalismos crenças metafísicas que sobretudo tinham por objetivo garantir o poder político o que podemos observar em sua notável polêmica com Carl Schmitt Segundo Stanley Paulson 2011 p 121 O projeto de Kelsen ao logo de muitas décadas foi acima de tudo uma tentativa ambiciosa e de largo alcance de demonstrar primeiramente que o naturalismo na ciência jurídica de fin de siècle estava enganado e em segundo lugar desenvolver rudimentos de uma teoria alternativa que asseguraria a autonomia Eigengesetzchkeit do direito e ao mesmo tempo a pureza Reinheit da ciência jurídica Stanley Paulson 2011 p 118 ainda assinala que as interpretações da ideia de Kelsen sobre normatividade percorrem todos os possíveis entendimentos alternativos desde uma visão contrafactual da normati vidade até uma tese sobre a normatividade justificada Segundo Kelsen 1991 p 18 a norma considerada como objetivamente válida funciona como medida de valor à conduta real Notese que ao contrário do que se afirma como forma de crítica ao jusfilósofo tcheco sua proposta de uma teoria pura do direito não elimina ou depura totalmente os valores do contexto jurídico Nas palavras de Kelsen 1991 p 19 A conduta real a que se refere o juízo de valor e que constitui o objeto da valoração que tem um valor positivo ou negativo é um fato da ordem do ser existente no tempo e no espaço um elemento ou parte da realidade Apenas um fato da ordem do ser pode quando comparado com uma norma ser julgado valioso ou desvalioso ter um valor positivo ou ne gativo Na medida em que as normas que constituem o fundamento de juízos de valor são estabelecidas por atos de uma vontade humana e não de uma vontade suprahumana os valores através delas constituídos são arbitrários Através de outros atos de vontade humana podem ser produzidas outras normas contrárias às primeiras que constituam outros valores opostos aos valores que estas constituem O que segundo aquelas é bom pode ser mau segundo estas Por isso as normas legisladas pelos homens e não por uma autoridade suprahumana apenas constituem valores relativos grifo nosso 245 Ano 52 Número 205 janmar 2015 Mas seu rigor metodológico de creditar ao e tão somente ao Direito Positivo o conhecimento jurídico fez dele um jurista pouco compreendi do o que o tornou alvo de injustas censuras por teses que nunca defendeu De acordo com Jestaedt 2011 p 3 O estratagema mais usado e testado para livrarse desse pensador incômodo é difamálo devido ao seu impulso em direção à pureza me todológica da teoria do Direito como habitante introvertido e autista de uma torre de marfim que desconhece o mundo dá as costas à prática foge da realidade e teme os valores Nas ácidas palavras de Juan Amado 2012a p 23 Kelsen parece detestável a muitos que optam por injuriálo Parece detestável a totalitários nacionalistas jusnaturalistas com ou sem ba tina e a políticos disfarçados de cientistas do direito que querem que as decisões jurídicas sejam exatamente como lhes agrada e convém a defensores do ativismo judicial sempre e quando os juízes sejam amigos seus ou do mesmo clã a ponderadores de valores e direitos que crêem que estes podem ser pesados tal qual se pesam batatas ou cenouras no mercado a profetas da Constituição material que materialmente vivem da Constituição a professores nacionais com doutorado estrangeiro que defendem paradoxalmente uma ciência jurídica puramente autóctone E a tantos outros Os primeiros foram aqueles antigos juristas nazistas que o chamavam de cão judeu nos tempos de Hitler e que depois de 45 convertidos em grandes democratas e moralistas sem defeitos continua ram atribuindolhe a culpa de todos os males passados Detestase Kelsen porque o pensamento jurídico e político kelseniano foi radicalmente des mistificador ferozmente crítico diante da imposição de tanta metafísica jurídica a serviço de simples afãs de dominação que se negam a passar pelas urnas crítico também frente à falsidade de tanto absolutismo moral que serve antes de tudo para se estar bem com os poderes estabelecidos e dar razão ao tirano da vez crítico por fim em relação às pretensões de elevação moral de altos juízes que o são porque jamais contradizem nas coisas que lhe são mais caras o poder que os nomeia Na realidade quando nos limitamos a cuidar de sua teoria normativa temos uma imagem parcial e mutilada da contribuição kelseniana O pri meiro ponto que deve ser esclarecido é que Hans Kelsen foi o criador de uma Teoria Pura do Direito mas não um mestre do Direito puro O que existe na sua pesquisa é a definição de uma pureza metodológica capaz de isolar o estudo do Direito do estudo das outras ciências tanto que instaura uma metodologia própria para a ciência do Direito sem contudo e isso é de extrema relevância negar as outras dimensões não normativas do Direito psicologia moral religião economia antropologia sociologia história e política que foram bases de fundamentação nos séculos anteriores Kelsen reconhecia que o Direito é um fenômeno de amplas 246 Revista de Informação Legislativa dimensões FERRAZ JUNIOR 1980 p 37 e pretendia alçar o Direito a uma ciência Miguel Reale 1984 p 63 grifo nosso destacava que Esse rigorismo é algo que estava sendo reclamado como necessário à Ciência do Direito Quando Kelsen iniciou sua atividade revolucionária a Ciência do Direito estava num momento de profunda indecisão alguns diziam a salvação para o Direto é apegarse à Sociologia O Direito anunciava o mestre italiano Anzilotti o Direito só pode se salvar se trans formando em Sociologia Jurídica E já se ouvia ao longe outra voz que dizia só a psicologia salva o Direito O Direito é a psicologia do justo E um terceiro dizia o Direito somente terá sentido se for expressão prática da vida econômica o Direito é um superestrutura do mundo econômico A partir de tal diagnóstico podemos observar que a crise da educação jurídica do século XXI que resulta numa postura científica limitada do Direito posto de adestramento de massas acríticas não pode ser como muitos afirmam atribuída à perspectiva metodológica defendida por Hans Kelsen Devese atribuir antes a seus maus leitores que pouco se valeram de seus escritos ou o que é pior não foram venturosos em compreendêlo a ponto de escolhêlo como o protagonista de todas as mazelas da teoria do direito ou de sua aplicação prática Essa deturpação epistemológica das teses de Hans Kelsen pode ser exemplificada na con fissão de Daniel Sarmento um dos principais teóricos contemporâneos do Direito no Brasil Como um nãopositivista tenho a necessária imparcialidade para criticar os equívocos da doutrina brasileira nas suas invectivas contra o positivismo que muitas vezes caracterizam verdadeira falácia do espantalho atacase não a própria teoria positivista mas uma distor cida caricatura dela Duas afirmações erradas que eu mesmo já fiz em textos anteriores são muito freqüentes a de que o positivismo recusa a aplicação dos princípios jurídicos e a de que ele teria sido a filosofia do Direito cultivada na Alemanha nazista Quanto ao primeiro ponto não há nenhuma incompatibilidade lógica entre positivismo e princípios desde que os princípios estejam devidamente incorporados na ordem jurídicopositiva Mesmo no Direito Público brasileiro juristas de inspiração positivista kelseniana construíram suas teorias com apoio em argumentação principiológica como o falecido Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello No que tange ao segundo ponto a chamada reductio ad hitlerum os estudos mais autorizados de História do Direito comprovam que não foi o positivismo a teoria jurídica dominante no nazismo mas uma espécie de jusnaturalismo de inspiração hegeliana que se insurgia contra o formalismo e recorria com freqüência a conceitos muito vagos para justificar a barbárie como os de comunidade popular SARMENTO 2010 p 264 grifo nosso De fato sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial muito se discutiu no campo teórico europeu sobre até que ponto o positivismo 247 Ano 52 Número 205 janmar 2015 kelseniano teria apoiado o direito nazista Embora se possa acusar a Teoria Pura do Direito de aceitar como Direito tudo o que provém da vontade do Estado o certo é que o seu sentido mais profundo é o de constituir um manifesto uma forma de resistência ao arbítrio e à estatolatria contra os totalitarismos e autoritarismos políticos do seu tempo que procuravam funcionalizar o direito em relação às conveni ências do poder legitimandoo a partir de considerações políticas como o domínio de classe estalinismo ou as necessidades vitais de uma raça nacionalsocialismo A verdade é que essa associação se concentra no ponto de que o positivismo é desapegado quanto aos valores e ao conteúdo Na ânsia de criticar o Direito das ditaduras confundiase autoritarismo com estatalidade do Direito Com o regime nazista 19331945 a Constituição de Weimar de 1919 que inaugurara a república na Alemanha teve seus artigos suspensos por uma decisão política de aplicação do artigo 48 do documento constitu cional Esse é o ponto central para compreender a separação e a distinção que há entre o positivismo jurídico kelseniano e o nacionalismo político totalitário A esse respeito destaca Giorgio Agamben 2004 p 18 que Logo que tomou o poder ou como talvez se devesse dizer de modo mais exato mal o poder lhe foi entregue Hitler promulgou no dia 28 de fevereiro o Decreto para a proteção do povo e do Estado que suspendia os artigos da Constituição de Weimar relativos às liberdades individu ais O decreto nunca foi revogado de modo que todo o Terceiro Reich pode ser considerado do ponto de vista jurídico como um estado de exceção que durou 12 anos O totalitarismo moderno pode ser definido nesse sentido como a instauração através do estado de exceção de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos mas também de categorias inteiras de cidadãos que por qual quer razão pareçam não integráveis ao sistema político Desde então a criação voluntária de um estado de emergência permanente ainda que eventualmente não declarado em sentido técnico tornouse uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos inclusive dos que são chamados democráticos Ocorre que a purificação pretendida por Hans Kelsen era a da ciência do Direito e não a de um Direito puro pautado somente nas regras jurídicas Ao contrário Kelsen fortaleceu o status do constitucionalismo ao colocar a Constituição como epicentro do sistema normativo docu mento no qual se concentram diversos princípios tuteladores dos Direitos fundamentais O modelo de jurisdição constitucional concentrada na Constituição Austríaca de 1920 fora idealizado por Kelsen Logo uma atenta releitura de Hans Kelsen possibilita ir além de um positivismo restrito e já preconcebido Nesse contexto o maior equívoco 248 Revista de Informação Legislativa sobre sua obra foi atribuirlhe indevidamente a pecha de intérprete da letra fria da lei ou de um pensador reducionista Do pequeno panorama que se apresentou de Hans Kelsen verificase que o positivismonormativista nunca postulou que as leis resolveriam todos os problemas de forma mecânica tornando o juiz uma espécie de máquina de subsunção guiado pela certeza normativa DIMOULIS 2006 p 53 Tanto é inapropriada essa visão que o próprio Kelsen 2006 p 394 conclui que a interpretação feita pelo aplicador do Direito é sem pre autêntica Ela cria Direito A produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicável é livre isto é realizase segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato A única abordagem positivista pela qual poderia ser dito que se admite a aplicação mecânica da lei é a doutrina civilista francesa da primeira metade do século XIX da Escola da Exegese tema já explora do nas linhas anteriores que subsidiou a construção do pensamento jurídico positivistaexegético Esse foi um período em que se entendeu ingenuamente a positivação como uma relação causal entre a vontade do legislador e o Direito como norma legislada ou posta FERRAZ JUNIOR 1980 p 43 Outra questão interessante é a ideia de que a teoria positivista adere à tese de que a validade da norma é condição suficiente para aferir seu caráter justo Ora essa foi a forma pela qual Kelsen optou para rigoro samente purificar a ciência jurídica dos influxos das demais ciências Isso não significa dizer que os positivistas não voltem os olhos para a realidade cambiante que vincula a validade do Direito à sua eficácia social Na Teoria Pura do Direito Hans Kelsen 2006 p 1112 grifo nosso afirma que Dizer que uma norma vale é vigente traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente aplicada e respeitada se bem que entre vigência e eficácia possa existir uma certa conexão um mínimo de eficácia é a condição da sua vigência A eficácia é nessa medida condição da vigência visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua vigência Conforme Miguel Reale 1984 p 69 o mestre da Teoria Pura do Direito jamais olvidou o papel dos fatos e valores na experiência jurídica A propósito em sua autobiografia de 1947 ele deixa claro e permitanos conceder destaque que talvez o Direito como objeto de conhecimento científico pertença realmente mais a uma faculdade filosófica histórica ou de ciências sociais KELSEN 2011 p 108 grifo nosso Em outro momento 1960 quando da 2a edição da Teoria Pura do Direito em apêndice denominado A Justiça e o Direito Natural Kelsen 249 Ano 52 Número 205 janmar 2015 1963 p 101 evidencia que não descarta a ordem de valores como ponto de partida da teoria positivista no Direito Uma teoria do Direito positivista não nega que a elaboração de uma ordem jurídica positiva possa ser determinada e em regra éo de facto pela representação de qualquer das muitas normas de justiça Especialmente não nega que toda a ordem jurídica positiva quer dizer os actos através dos quais as suas normas são postas pode ser apreciada ou valorada segundo uma destas normas de jus tiça como justa ou injusta Mantém todavia que estes critérios de medida têm um caráter meramente relativo e que portanto os ac tos através dos quais uma e mesma ordem jurídica positiva foi posta podem quando apreciados por um critério ser fundamen tados como justos e já quando apreciados segundo outro critério ser condenados como injustos sustentando ao mesmo tempo que uma ordem jurídica positiva é quanto à sua validade independente da norma de justiça pela qual se possa ser apreciado os actos que põem as suas normas Assim se mostra pois que uma teoria jurídica positivista isto é uma teoria do Direito Positivo nada tem a ver como uma apreciação ou valoração do seu objecto Essas passagens revelam o rigor metodológi co de Kelsen ele reconhece a ordem de valores porém deixa claro que para se promover o Direito ao status de ciência há de se separarem os critérios metajurídicos do Direito Positivo Tratase de um recurso metodológico que não pode ser confundido com uma técnica com placente com regimes totalitários complacente com a violação de direitos humanos Isso torna evidente que do pensamento positivista de Hans Kelsen não se pode deduzir que ele era um formalista ou que fomentava por sua teoria a aplicação da letra fria da lei assim como os precursores da Escola da Exegese Em suma ele reconhece absolutamente toda a influência axiológica e valorativa sobre o Direi to porém não admite a moral como critério de definição do que é o Direito bem como outros elementos metajurídicos A propósito Luiz Alberto Warat em 1982 em texto intitulado Saber Crítico e Senso Comum Teórico dos Juristas explica que as categorias conceituais de matrizes kelsenianas foram com o tempo apropriadas institucio nalmente a ponto de se estabelecerem versões estereotipadas dos conceitos WARAT 1982c p 55 O ponto de equívoco se deu na apropriação do positivismo jurídico como uma ciência ava lorativa no contexto da revolução tecnológica e do desenvolvimento econômico No Brasil desde a década de 30 a dogmática jurídica assumiu seu caráter predominantemente tec nológico com o fito de atender aos valores do progresso e das estratégias de desenvolvimento econômico e de modernidade implementadas pelas conquistas da ciência e da tecnologia Nesse contexto o positivismo jurídico aparece como um eficaz instrumento de regulação social e consequentemente ordem econômica Ocorre que apesar da enorme penetração do positivismo jurídico entre nós o que preva leceu nos anos setenta foi a vulgata kelseniana ou a utilização do positivismo para legitimar elementos formalistas preexistentes na cultura jurídica brasileira como os formalismos da Escola da Exegese e da Jurisprudência dos Conceitos Os desvios conceituais apresentados sob a premissa de serem de autoria kelseniana fizeram dele o algoz o sentido conceitual da identidade kelseniana entre Direito e Estado é convertido em uma fórmula estereotipada que conota o caráter ético do Estado impedindo aparentemente de agir fora da imaculada gaiola das normas positivas WARAT 1982c p 55 Portanto é o discurso kelseniano tornado sen so comum que influi para que o jurista de ofício 250 Revista de Informação Legislativa não seja visto como um operador das relações sociais mas sim com um operador técnico dos textos legais WARAT 1982c p 53 Estão aí as razões para se relacionar a vulgata que se faz da teoria formulada de Kelsen com o processo de degenerescência e não mais de crise na medi da em que a crise é necessariamente positiva e superável da educação jurídica Dessas premissas verificase que o positivis monormativista kelseniano foi erroneamente compreendido motivo pelo qual até hoje se es tereotipam pessoas pejorativamente de ter uma visão kelseniana Falar portanto que Hans Kelsen deu ensejo a um pensamento unidimen sional do Direito é incabível Essa pecha pode ser atribuída exclusivamente aos positivistas radicais que cultuam o Direito apenas como forma e nada mais dissociandoo da reali dade social e humana GRAU 2011 p 105 Do ponto de vista metodológico a vincu lação do Direito à noção de ciência normativa e a uma perspectiva unidisciplinar a par das críticas que Hans Kelsen recebeu conduziu a um tipo de equívoco que encontrou eco na educação jurídica De modo geral a habituali dade da reprodução literal e acrítica do discurso kelseniano gerou uma série móvel de conceitos separados das teorias que os produziram Isso sem dúvida incutiu nos juristas a desnecessidade de se valer do conhecimento de outros eixos do saber permitiuse que os juristas se demitissem da obrigação de conhe cer todas as demais dimensões do Direito sob o artifício de que o verdadeiro conhecimento jurídicocientífico se restringe ao conhecimento da norma Seguramente o foco no estudo do e tão somente do Direito Positivo levará à caracterização de uma abordagem positivista e consequentemente a uma educação jurídica não reflexiva Por outro lado se se pensar como Hans Kelsen e não como seus leitores que se valem de resumos ou referências indiretas às suas supostas teses verseá um teórico com um incomensurável senso de complementaridade Isso equivale a dizer a partir de nossa leitura que foi o positivismo kelseniano que abriu os espaços para a introdução de uma metodologia inter e transdisciplinar envolvendo o Direito 3 Com o positivismo jurídico em defesa da democracia considerações sobre o reductio ad Hitlerum Linhas atrás mencionouse a afirmação de Kelsen de que o Direito pode ter qualquer conteúdo KELSEN 2006 p 221 A partir de tal afirmação somados os horrores dos aconte cimentos bélicos do século XX principalmente após 1945 a humanidade precisou encontrar o seu culpado mesmo que a barbárie tenha o seu próprio rosto e o encontrou no positivismo jurídico e em Kelsen Segundo Andityas Costa Matos 2009 p 19 Ainda que seja óbvio que poder ter não significa dever ter a conseqüência lógica dessa proposição para qualquer um verda deiramente juspositivista é que juízos como O ordenamento sócionormativo nazista é direito ou o direito soviético era tão ju rídico como o norteamericano são não apenas perfeitamente válidas mas também necessárias Notese o destaque de Andityas Costa Matos para o argumento de que o direito pode ter qualquer conteúdo ao qual podemos acres centar que isso não significa necessariamente que deva ter um conteúdo opressor desumano ou impuro Ainda o argumento de Kelsen se apresenta de acordo com sua proposta de teoria do direito uma vez que esta última nega a influ ência das ideologias de qualquer espécie de me tafísica e também das concepções políticas pois a ciência do direito deve ser capaz de descrever 251 Ano 52 Número 205 janmar 2015 as normas jurídicas e não de analisar o conteúdo ideológico político ou de conceitos absolutos como justo ou injusto do ordenamento jurídico Nas palavras de Kelsen 1990 p 119 Neste sentido a Teoria Pura do Direito tem uma pronunciada tendência antiideológica Comprovase esta sua tendência pelo fato de na sua descrição do direito positivo manter este isento de qualquer confusão com um Direito ideal ou justo Quer representar o Direito tal como ele é e não como ele deve ser pergunta pelo Direito real e possível não pelo Direito ideal ou justo Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista isto é uma teoria do positivismo jurídico Como ciência ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a compreendê lo através de uma análise de sua estrutura Essa passagem se encontra na mesma obra da polêmica afirmação Desse modo por que se acusa Kelsen de ter legitimado por sua te oria os estados autocráticos e o autoritarismo político do século XX em especial o nazismo Juan Amado 2012a e Andityas Costa Matos 2012 afirmam que por máfé visto que uma coisa é citar a obra e outra ter lido e além disso por ignorância Parecenos que também pela necessidade de um culpado Os acusadores mais conhecidos no pós 1945 são Leo Strauss e Gustav Radbruch que em última análise denunciam o pensamento kelseniano como pertencente ao positivismo jurídico formalista que pretende estabelecer um conceito de direito avalorativo Além disso segundo Bobbio 1995 p 225 os críticos do positivismo jurídico têm duas perspectivas diferentes a saber o realismo jurídico as vertentes mais conhecidas são a estadunidense e a escandinava que discorda dos aspectos mais teóricos do pensamento de Kelsen e o que o pensador turinês chama de revigorada corrente do jusnaturalismo que nas palavras de Bobbio critica os aspectos ide ológicos do juspositivismo destacando as con seqüências práticas funestas que deles derivam Essa última vertente pretende denunciar falhas morais e sociais do positivismo jurídico como sua indiferença política falandose nesse sentido de um reductio ad Hitlerum Também nesse ponto podem ser incluídas as ideias dos dois autores supracitados Radbruch 2004 p 52 antes de 1945 entendia o Direito por meio da descrição da norma jurídica Ele não só muda de opinião e apresenta sua fórmula10 que de uma visão panorâmica sustenta que o direito positivo em seu conteúdo deve ser legitimado por uma ideia de justiça mas também acusa o positivismo jurídico de conivência com as atrocidades do regime totalitário alemão Observese que Ra dbruch destaca um componente ideal em sua fórmula a ideia de justiça parecendo tratála nesse contexto como um valor absoluto Caberia ao jurista recusar validade às leis com orienta 10 A fórmula de Radbruch pode ser expressa da seguinte maneira El conflicto entre la justicia y la seguridad jurídica deberia poder solucionarse en el sentido de que el Derecho positivo afianzado por la promulgacion y la fuerza tenga tam bien preferência cuando sea injusto e inadequado en cuanto al contenido a no ser que la contradicion entre la ley deba ceder como Derecho injusto ante la justicia Es imposible trazar uma línea mas nítida entre los casos de la injusticia legal y las leyes validas a pesar de su contenido injusto pero puede establecerse outra línea devisoria con tal precision donde ni siquiera se pretenda la justicia donde la igualdad que constituye el núcleo central de la justicia es negada conscientemente en el establecimento del Derecho positivo ahí la ley no és solo Derecho injusto sino que mas bien ca rece totalmente de naturaleza jurídica RADBRUCH apud ALEXY 2001 p 7576 Ainda Robert Alexy 2000 relata a utilização da fórmula de Radbruch no interessante caso do julgamento de dois guardas de fronteira que trabalhavam no Muro de Berlim e atiraram contra uma pessoa que tentava sair da República Democrática da Alemanha Segundo Alexy 2000 p 204205 a fórmula de Radbruch é a expressão de um conceito não positivista de direito Segundo este conceito o que seja direito vem determinado não só pela validade po sitiva e formalmente estabelecia e pela eficácia social senão também por seu conteúdo de justiça material O que tem de especial a fórmula de Radbruch é sua pretensão de conexão necessária entre direito e moral porém sem pretender uma sobreposição total entre ambos Destacase que as traduções são livres ressalvadas as indicações em contrário 252 Revista de Informação Legislativa ção para uma espécie de injustiça extrema rotulandoas como imitação ou simulacro de direito ALEXY 2000 MATOS 2009 p 17 Contudo a referida acusação parece mais um artifício do jusnatu ralismo renascido em nossos tempos É interessante notar que muitos juristas que usam as armas da crítica transfiguradas nos variados pós ou neo jusnaturalismos contra o positivismo jurídico e Kelsen pretendem muitas vezes desvencilharse de seus próprios fantasmas Ainda como ponto curioso da crítica a Kelsen há uma forte tendência em retomar um membro assumido do partido nacionalsocialista como Carl Schmitt na condição de teórico do Direito Constitucional pois este último foi verdadeiramente um crítico do positivismo jurídico kelseniano Curiosamente um dos maiores combates de Kelsen que se colocava em defesa do Estado de Direito foi justamente travado com o Kronjurista Schmitt ao refletir sobre a teoria do direito destaca três tipos de pensamento jurídico a saber o pensamento que trabalha com regras ou normas um saber jurídico decisionista e outra forma de conhecimento jurídico que pensa o ordenamento ou a estrutura jurídica do ponto de vista institucional Não obstante ao estabelecer as possibilidades do pensamento jurídico Schmitt destaca que este se realiza genuinamente no direito público de vido a sua pretensão de aproximar do campo do conhecimento jurídico a realidade política em nítida postura de crítica ao normativismo de Hans Kelsen SCHMITT 1972 p 247248 Ao revisitar o texto da Teologia Política Schmitt escreve no prefácio à segunda edição Atualmente eu não identificaria mais só dois tipos de pensamento jurídi cocientífico mas sim três portanto além do normativista e do princípio decisório também o tipo institucional A discussão de minha doutrina das garantias institucionais na jurisprudência alemã e o estudo da profunda e importante teoria institucional de Maurice Hauriou possibilitaramme essa compreensão Enquanto o pensamento normativista puro mantém se dentro de regras impessoais e o do princípio decisório aplica o bom direito da situação política corretamente compreendida transformandoo numa decisão pessoal o pensamento jurídicoinstitucional desdobrase em instituições e configurações suprapessoais E enquanto o normati vista em sua descaracterização transforma o direito num mero modus funcional de uma burocracia de Estado e o do princípio decisório corre sempre o perigo de perder através da funcionalização do momento o ser que repousa em todo grande movimento político um pensamento institucional isolado leva ao pluralismo de um crescimento sem a sobe rania corporativofeudal Dessa maneira as três esferas e elementos da unidade política Estadomovimentopovo podem ser classificados tanto em suas formas salutares quanto nas descaracterizadas nos três tipos de pensamento jurídico SCHMITT 1996b p 84 253 Ano 52 Número 205 janmar 2015 A longa transcrição se justifica na medida em que nos coloca em contato com algumas importantes categorias do pensamento schmit tiano como o elemento jurídico da decisão da soberania e da unidade política Estadomovimentopovo Ademais Schmitt analisa e critica o liberalismo dos séculos XIX e XX Sua argumentação se dirige ao sistema parlamentar consolidado na ideia de Estado de Direito pelo viés do político Ao afirmar que todo direito é situacional Schmitt tenta de monstrar os domínios contingentes e não necessariamente jurídicos da política o que para o teórico alemão deve ser levado em consideração pelos juristas em especial por aqueles que se dedicam ao direito público e aos teóricos da Constituição Contudo ao investigar quem é o titular do poder constituinte a fim de definir a figura da decisão soberana por exemplo a pretensão de Schmitt é reabilitar o político nas esferas de análise da teoria constitucional Ao se confrontar com o normativismo e em especial com Kelsen Schmitt destaca que o positivismo jurídico de Hans Kelsen com sua pretensão de pureza metodológica desloca os temas políticos mais importantes para a esfera da Teoria do Estado quando eles também devem fazer parte do debate constitucional entendimento esse que habilita Schmitt a criticar Kelsen com a caracterização de seu pensamento como autên tico representante do liberalismo haja vista sua pretensão apolítica e de neutralizações Andityas Costa Matos ao citar alguns exemplos de clássicos que pensavam sobre a escravidão como Platão e Aristóteles e cujas teorias não foram negadas no universo jurídico afirma Muitos constitucionalistas que criticam Kelsen com ferocidade em razão de sua suposta legitimação do regime nazista não parecem demonstrar nenhum pudor ou indignação quando tecem loas e encômios a seu adver sário o assumidamente nazista Carl Schmitt autor tão em moda no atual meio universitário brasileiro Também parece interessante lembrar que Heidegger apesar de sua inegável filiação nacionalsocialista continua a ser lido com grande proveito pela filosofia contemporânea marcadamente antiautoritária e libertária MATOS 2009 p 2728 Ao se pretender uma imagem integral de Kelsen ou seja ao se lançar um olhar para além da Teoria Pura do Direito não parece possível con cordar com o argumento do reductio ad Hitlerum Kelsen combateu as formas absolutas preferindo e defendendo uma concepção que pode ser compreendida como relativismo ético Desse modo argumentava que a justiça absoluta era um ideal irracional KEL SEN 1987 p 76 Para Kelsen se a democracia é uma forma de governo justa é enquanto significa liberdade e liberdade significa tolerância 254 Revista de Informação Legislativa KELSEN 1967 p 82 Neste ponto destaca que o elemento que diferencia a autocracia da democracia é justamente a tolerância KELSEN 1967 p 83 Kelsen em seu texto Essência e valor da de mocracia opondose ao que parece a algumas teses de Schmitt afirmava que A democracia no plano da idéia é uma for ma de Estado ou de sociedade na qual a von tade geral ou sem muitas metáforas a ordem social é realizada por aqueles submetidos a esta ordem social isto é o povo Democra cia significa identidade entre governantes e governados entre sujeito e objeto do poder governo do povo sobre o povo Mas o que é este povo Uma pluralidade de indivíduos sem dúvida E parece que a democracia pres supõe fundamentalmente que esta plurali dade de indivíduos constitui uma unidade tanto mais que aqui o povo como unidade é ou deveria teoricamente ser não tanto objeto quanto preferivelmente sujeito do poder Somente em sentido normativo a este respeito poderseá falar da unidade De fato como comunhão de pensamento de sentimentos e de vontade como solida riedade de interesses a unidade do povo representa uma postulação éticopolítica que a ideologia política assume como real com a ajuda de uma função tão universalmente aceita que não mais se pensa em criticar Na verdade o povo aparece como unidade num sentido mais ou menos preciso somente do ponto de vista jurídico sua unidade que é unidade normativa resulta realmente de um ato jurídico a submissão de todos seus mem bros à mesma ordem jurídica estatal na qual se constituí KELSEN 1987 p 7071 Isso implica dizer não só que Kelsen reco nhece o Estado como a ordem jurídica mas também que esta última sendo vinculada à submissão de todos que compreendem que seus atos são regulados por essa normatividade não depende do reconhecimento de poder a uma esfera transcendente ou a um líder político divinizado Dessa forma não parece possível concluir que Kelsen defendeu alguma forma de Estado absoluto ou mesmo autocrático ou totalitário Para um olhar que pretenda ir além da Teoria Pura do Direito parece menos possível ainda acusálo de indiferença Para um positivista jurídico e positivista ético moderado como foi Kelsen por mais respeito que se tenha ou se deva ter ao orde namento jurídico não há em seu pensamento uma teoria da obediência pois mesmo que o direito possa ter qualquer conteúdo o direito não se constitui como um valor em si motivo pelo qual não há nenhuma boa razão para respeitálo sempre e em qualquer circunstância MATOS 2009 p 36 Ainda de acordo com Andityas Costa Matos Tão elevado é o respeito de Kelsen pelo Direito tal não significa que ele defenda qualquer teoria da obediência que mes mo sendo judeu dirigiu ásperas críticas ao Tribunal de Nuremberg dado que o mesmo desrespeitou princípios jurídicos básicos como o da anterioridade da lei penal e o do terceiro neutro visto que no pósguerra os vencedores julgaram os vencidos De acordo com Kelsen o Tribunal de Nuremberg afetou o uso de procedimentos jurisdicionais para dissimular uma vingança pura e simples que nada tinha de jurídica A conexão entre lei e obediência é o argu mento comum dos críticos do positivismo jurídico kelseniano O Tribunal de Nuremberg e seus depoimentos são talvez a maior prova de culpa da teoria de Kelsen pois do fato de os réus em Nuremberg terem justificado as suas ações com base na lei positiva Persegui torturei e matei porque assim ordenava a lei E a lei é a lei Gesetz ist Gesetz MATOS 2009 p 16 advém equivocadamente a ideia de indiferença política do pensamento kelseniano No entanto do ponto de vista teórico o positivismo jurídico não se resume ao pensamento kelseniano Como 255 Ano 52 Número 205 janmar 2015 dito nas primeiras partes deste texto a teoria da obediência como ideologia pode estar presente em outras propostas positivistas como no for malismo jurídicoexegético de origem francesa Por fim ao inverter o argumento da obediência contra o jusnaturalismo Kelsen demonstra que a postura de crença em valores absolutos por parte dessa doutrina explica seu caráter eminentemente conservador pois da ideia de um valor absoluto surge a imagem do Direito Natural e dela é deduzida a ordem jurí dica positiva isto é um direito artificialmente construído pelos homens KELSEN 1963 p 151152 Dessa forma ao nos aproximarmos de um tão vasto e complexo pensamento como o de Kelsen que contém falhas por ele admitidas de vemos ter o cuidado de nos lembrar da pergunta sugerida por Juan Amado 2012b é possível ser antikelseniano sem mentir sobre Kelsen Considerações finais A pretensão do presente texto como men cionado é refletir sobre alguns pontos da teoria de Kelsen iniciandose com a Teoria Pura do Direito opus magna do autor mas estendendo se a reflexão para além dela a fim de verificar sua implicação e reflexos no pensamento acerca da democracia Com a demonstração da importância de Kelsen para a elaboração do positivismo jurídi co bem como sua formatação em positivismo normativista percebese que a forma como ainda continua sendo interpretada a teoria kelseniana ou seja como uma postura cien tífica dogmática focada exclusivamente na observação da legalidade é uma deturpação que revela essa força despolitizadora atribuída ao positivismonormativista Diante das equivocadas leituras que são feitas do pensamento de Hans Kelsen muitos redu zem sua reflexão a um jurista que proclamava a reprodução irrefletida da legalidade Como dis semos nas linhas anteriores esse é um equívoco metodológico corrente que se consolidou no imaginário dos juristas A partir dessa premissa equivocada o pensamento positivista dispensa a reflexão de elementos metajurídicos ou não jurídicos a saber psicologia moral religião eco nomia antropologia sociologia história política etc Isso induziu à formação de um pensamento acrítico da realidade Assim sem essa visão ho lística das facetas que recobrem a formação do pensamento jurídico espectro que Hans Kelsen considerava acabase por se sustentar a manu tenção do senso comum teórico dos juristas na feliz expressão de Luiz Alberto Warat Portanto o positivismo jurídico forjado no discurso e na práxis jurídica a partir de uma reprodução mecânica da legalidade e das instituições vigentes delineou um hábito de construção e reprodução uniforme dos pontos de vista sem nenhum componente crítico que pudesse dar condições de reflexibilidade da ideologia positivista inculcada de poder No que diz respeito às várias acusações so fridas por Kelsen procedemos a uma análise da incriminação do reductio ad Hitlerum Após 1945 a teoria de Kelsen fica conhecida como a maior imagem do positivismo jurídico mas não como uma situação de reconhecimento acadê mico honroso e sim com a associação de sua proposta teórica ao contexto de legitimação dos estados autocráticos do século XX em especial da Alemanha nazista Tentamos uma revisita crítica ao pensamen to de Kelsen a fim de investigar tal possibilidade de associação o que nos parece irrazoável tendo em vista a defesa de Kelsen de um relativismo ético e a sua proposta de identificação do Estado com o ordenamento jurídico norma como forma de garantia da democracia da liberdade e da tolerância 256 Revista de Informação Legislativa Nessa linha argumentativa a famosa acusação do reductio ad Hitlerum não parece se sustentar como crítica ao positivismo jurídico normativo epistemológico de Kelsen que em vez de ser indiferente em realidade tenta propor uma ciência jurídica autônoma desvencilhada de ideologias A referida acusação não se sustenta nem do ponto de vista da indiferença política que deixa o direito à mercê de certo decisionismo Certamente se pode divergir das teses de Kelsen No entanto acusálo de legitimador de estados totalitários parece que é se colocar próximo da irresponsabilidade e da máfé pois Kelsen combateu os absolutos e isto lhe custou a tranquilidade própria e de sua família Conforme relata em sua autobiografia certa manhã sua esposa com quem tomava café disselhe que sua foto estampava o jornal Era a notícia de sua demissão sumária da Universidade de Colônia o que demonstrava a hora de sair da Alemanha Desse modo nessas considerações conclusivas pedimos licença metodológica do ponto de vista formalista para que possamos ouvir o próprio Kelsen apresentei um requerimento de saída ao quartelgeneral da polícia mas acreditava não ter perspectiva Foi aí que recebi a visita de um fun cionário subalterno da administração da universidade que até então me era desconhecido e que me disse ser antigo membro do partido nacional socialista e ter por conta disso amigos no quartelgeneral da polícia ele estava disposto a ajudarme Eu pensava que meu benfeitor esperava uma grande soma em dinheiro mas não era nada disso Ele rejeitou com firmeza qualquer pagamento Foi assim que esse nazista salvoume a vida E eu nunca nem mesmo soube seu nome KELSEN 2011 p 96 Referências ADEODATO João Maurício Ética e Retórica para uma teoria da dogmática jurídica 4 ed São Paulo Saraiva 2009 AGAMBEN Giorgio Estado de Exceção Tradução de Iraci D Poletti São Paulo Boitempo 2004 Homo Sacer o poder soberano e a vida nua Tradução de Henrique Burigo Belo Horizonte Editora da UFMG 2007 ALEXY Robert Derecho injusto retroactividad y principio de lgalidad penal la doctrina del Tribunal Constitucional Federal alemán sobre los homicídios cometidos por los centinelas del Muro de Berlín Tradução de A Daniel OliverLalana Doxa Cuadernos de Filosofia del Derecho Alicante n 23 p 197230 2000 Una defensa de la fórmula de Radbruch In ANUÁRIO DA FACULTADE DE DE REITO DA UNIVERSIDADE DA CORUÑA 5 Universidade da Coruña 2001 p 7595 Conceito e validade do direito Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes São Paulo WMF Martins Fontes 2011 257 Ano 52 Número 205 janmar 2015 AMADO Juan Antonio García Defesa de Kelsen diante dos ignorantes e cretinos In MA TOS Andityas Soares de Moura Costa SANTOS NETO Arnaldo Bastos Org Contra o ab soluto perspectivas críticas políticas e filosóficas da obra kelseniana Curitiba Juruá 2012a É possível ser antikelseniano sem mentir sobre Kelsen In COSTA MATOS Andityas Soares de Moura SANTOS NETO Arnaldo Bastos Org Contra o absoluto perspectivas críticas políticas e filosóficas da obra kelseniana Curitiba Juruá 2012b BERCOVICI Gilberto Constituição e política uma relação difícil Revista Cultura e Política São Paulo n 61 p 524 2004 BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito Tradução de Márcio Pugliesi Edson Bini Carlos Rodrigues São Paulo Ícone 1995 Teoria geral do direito Tradução de Denise Agostineti São Paulo Martins Fontes 2008a Direito e poder Tradução de Nilson Moulin São Paulo Editora da UNESP 2008b BORON Atílio A GONZÁLEZ Sabrina Resgatar o inimigo Carl Schmitt e os debates contemporâneos da Teoria do Estado e da Democracia In Filosofia política con temporânea controvérsias sobre civilização império e cidadania São Paulo Departamento de Ciência PolíticaUSP 2006 BUENO Roberto A filosofia jurídica da democracia Bobbio um work in progress Revista de Informação Legislativa n 171 p 107123 2006 Schmitt a crítica liberal através do político Reflexión Política Colombia Universidad Autónoma v 12 n 24 p 6067 2010 Hart e o positivismo jurídico em torno à hermenêutica e a textura aberta da linguagem do Direito Revista de Informação Legislativa v 47 n 180 p 275290 2010 CAMPBELL Tom El sentido del positivismo jurídico Doxa Cuadernos de Filosofia del Derecho Alicante n 25 p 303331 2002 CHAHRUR Alan Ibn Filosofia do direito uma questão preliminar Em tempo Marília v 10 p 2543 2011 CHAUÍ Marilena Fundamentalismo religioso a questão do poder teológico político In NOVAES Adauto Org Civilização e barbárie São Paulo Companhia das Letras 2004 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sobre direito violência e sacrifício Doispontos São Carlos v 5 n 2 p 33 47 2008a 258 Revista de Informação Legislativa Sobre direitos humanos na era da biopolítica Kriterion Belo Horizonte n 118 p 267308 2008b Entre a regra e a exceção fronteiras da racionalidade jurídica In PADILHA Norma Sueli NAHAS Thereza Christina MACHADO Edinilson Donisete Org Gramática dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Campus jurídico 2010 GOYARDFABRE Simone Os fundamentos da ordem jurídica Tradução de Cláudia Ber liner São Paulo Martins Fontes 2002 GRAU Eros Roberto O direito posto e o direito pressuposto 8 ed São Paulo Malheiros 2011 GUERRA FILHO Willis Santiago Teoria da ciência jurídica São Paulo Saraiva 2001 HABERMAS Jürgen O discurso filosófico da modernidade Tradução de Ana Maria Ber nardo e outros Lisboa Publicações Dom Quixote 1990 HART Hebert Lionel Adolphus El concepto del derecho 2 ed Tradução de Genaro R Carrio Buenos Aires AbeledoPerrot 1968 HERRERA Carlos Miguel Schmitt Kelsen y el liberalismo Doxa Cuadernos de Filosofia del Derecho Alicante n 21II p 201218 1998 HESPANHA António Manuel O caleidoscópio do direito o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje Coimbra Almedina 2009 JESTAEDT Matthias Introduçao In KELSEN Hans Autobiografia de Hans Kelsen 2 ed Rio de Janeiro 2011 JAPIASSU Hilton MARCONDES Danilo Dicionário básico de filosofia Rio de Janeiro Jorge Zahar 2006 KANT Immanuel Resposta à pergunta que é o iluminismo In KANT Immanuel A paz perpétua e outros opúsculos Tradução de Artur Morão Lisboa Edições 70 1995 KELSEN Hans Que es la justicia Córdoba Imprenta de la universidad de Córdoba 1956 A justiça e o direito natural Tradução de João Baptista Machado Coimbra Arménio Amado 1963 Essência e valor da democracia Arquivos do Ministério da Justiça n 170 p 63 129 1987 Teoria geral do direito e do estado Tradução de Luis Carlos Borges São Paulo Brasília MartinsUniversidade de Brasília 1990 Teoria pura do direito Tradução de João Baptista Machado São Paulo 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relativismo ético Revista da Faculdade de Direito da UFMG Belo Ho rizonte n 54 p 1148 2009 Kelsen contra o Estado In MATOS Andityas Soares de Moura Costa SANTOS NETO Arnaldo Bastos Org Contra o absoluto perspectivas críticas políticas e filosóficas da obra kelseniana Curitiba Juruá 2012 Contra Natvram Hans Kelsen e a tradição crítica do positivismo jurídico Curitiba Juruá 2013 NEUMANN Franz Estado democrático e estado autoritário Tradução de Luiz Corção Rio de Janeiro Zahar 1969 PAULSON Stanley L A ideia central do positivismo jurídico Tradução de Thomas da Rosa de Bustamante Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 102 p 101137 2011 A importância de Hans Kelsen em nossos dias In MATOS Andytias Soares de Moura Costa Contra Natvram Hans Kelsen e a tradição crítica do positivismo jurídico Curitiba Juruá 2013 RADBRUCH Gustav Filosofia do direito Tradução de Marlene Holhausen São Paulo Martins Fontes 2004 REALE Miguel Direito naturaldireito positivo São Paulo Saraiva 1984 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Tradução de Inês Lohbauer São Paulo Scritta 1996a Teologia política SCHMITT Carl A crise da democracia parlamentar Tradução de Inês Lohbauer São Paulo Scritta 1996b Legalidade e legitimidade Tradução de Tito Livio Cruz Romão Belo Horizonte Del Rey 2007 SILVEIRA Lauro Frederico Barbosa Filosofia e jurisprudência nos primórdios do pragma tismo Charles S Peirce e Oliver Wendell Holmes JR Em tempo Marília v 4 p 8497 2002 STRAUSS Leo Natural right and the historical approacht The review of politics Cambridge University Press 1950 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional e hermenêutica uma nova crítica do direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 Crise dogmática manuais de direito apresentam profundo déficit de realidade Rio Grande do Sul set 2007 Disponível em httpwwwleniostreckcombr Acesso em 1o dez 2014 260 Revista de Informação Legislativa Hermenêutica jurídica em crise uma exploração hermenêutica da construção do direito 8 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2009a Verdade e consenso 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2009b O que é isto decido conforme minha consciência Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 VENERIO Carlos Magno Spricigo Entre liberalismo e socialdemocracia presspostos políticos da obra de Hans Kelsen In MATOS Andityas Soares de Moura SANTOS NETO Arnaldo Bastos Org Contra o absoluto perspectivas críticas políticas e filosóficas da obra kelseniana Curitiba Juruá 2012 WARAT Luís Alberto El derecho y su lenguaje elementos para una teoría de la comunicación jurídica Buenos Aires Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales 1976 Sobre la dogmática jurídica Revista Sequência Estudos jurídicos e políticos Florianópolis n 2 p 3355 1980 Dilemas sobre a história das verdades jurídicas tópicos para refletir e discutir Revista Sequência Estudos jurídicos e políticos Florianópolis n 6 p 97113 1982a Mitos e teorias na interpretação Porto Alegre Síntese 1982b Saber crítico e senso comum teórico dos jurístas Revista Sequência Estudos jurídicos e políticos 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